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GOSPEL BOOK BRASIL
51
o
COMENTARIO
de

ISAIAS
Dados Internacionais dc Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057

Motycr.J. Alee
O comentário de Isaías / J. Alee Motyer ; tradução de Regina Aranha e
I-Ielena Aranha. — São Paulo : Shedd Publicações, 2016.
728 p.

Bibliografia
ISBN: 978-85-8038-053-8
Título original: The Prophecy of Isaiah: an introduction and commentary

1. Bíblia. A.T. Isaías - Crítica, interpretação, etc. 2. Profecias I. Título Π.


Aranha, Regina III. Aranha, Helena
16-1073 CDD-224.107

índices para catálogo sistemático:


1. Bíblia. A.T. Isaías - Crítica, interpretação, etc.
o
COMENTARIO
de

ISAÍAS
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T ra d u ç ã o
R egina & H elen a A ran h a

SHEDD
O rig in a lly p u b lis h e d b y I n te r V a r s ity P r e s s as The Prophecy o f Isa ia h b y J.
A le c M o ty e r. © 1993 b y j . A le c M o ty e r. T ra n sla te d a n d p r in te d b y p e r-
m is s io n o f In te rV a rsity P re s s -U K , P N o r to n S tre e t, N o ttin g h a m ,
N F 7 3 H R , E n g la n d

I a E d iç ã o - S e te m b ro d e 2 0 1 6

P u b lic a d o n o B rasil c o m a d e v id a a u to riz a ç ã o


e c o m to d o s o s d ire ito s re s e rv a d o s p o r
S h e d d P u b l ic a ç õ e s
R u a S ão N a z á rio , 30 - S a n to A m a ro
S ão P aulo, S P - 0 4 7 4 1 -1 5 0
T e l: (011) 5 5 2 1 -1 9 2 4
shedd@ sheddpublicacoes.com .br
w w w .lo ja .sh e d d p u b lic a c o e s.c o m

P ro ib id a a r e p r o d u ç ã o p o r q u a is q u e r
m e io s (m e c â n ic o s, e le trô n ic o s , x e ro g rá fic o s,
fo to g rá fic o s , g ra v a ç ã o , e s to c a g e m e m b a n c o d e
d a d o s , etc.), a n ã o s e r e m c ita ç õ e s b re v e s
c o m in d ic a ç ã o d e fo n te .

P rinted in B r a z il/ I m p r e s s o n o B rasil

IS B N 9 7 8 -8 5 -8 0 3 8 -0 5 3 -8

T r a d u ç ã o & R e v is ã o : R eg in a & H e le n a A ra n h a
D ia g r a m a ç ã o & C a p a : E d m ils o n F ra z ã o B iz e rra
Sumário

Prefácio do a u to r ....................................................................................................................... 9
Bibliografia sele c io n a d a ......................................................................................................... 13
Principais a b rev iaçõ es........................................................................................................... 15
In tr o d u ç ã o ................................................................................................................................ 17
1. A literatura de Is a ía s ................................................................................................... 17
2. Isaías co m o a u to r .......................................................................................................... 33
3. O livro de Is a ía s ............................................................................................................ 39
4. O texto de Isa ía s..........................................................................................................43

O liv ro d o R ei (Is 1— 3 7 ) ...................................................................................................45


A . O prefácio. Judá: diagnóstico eprognóstico (1.1— 5 .3 0 )......................................................51
1 . 0 título (1 .1 )...................................................................................................................53
2. O pecado e a experiência (1.2-31)........................................................................... 53
a. A situação nacional (1 .2 -9 )................................................................................... 53
b. A situação religiosa (1.10-20)..............................................................................57
c. A situação social (1 .2 1 -2 6 )...................................................................................61
d. Explicação: as tensões entre ameaças c a esperança resolvida (1.27-31).... 64
3. O pecado e a eleição (2.1— 4 .6 ) ................................................................................66
a. Sobrescrito (2 .1 ).......................................................................................................67
b. A Jerusalém ideal (2.2-4)........................................................................................67
c. A Jerusalém real (2.5— 4 .1 ) ................................................................................... 70
d. A n o v ajeru salém (4 .2-6)........................................................................................83
4. O pecado e a graça (5 .1-30)...................................................................................... 87
a. A vinha: um trabalho total, um a perda total (5.1 -7 )...................................... 87
b. O “ fru to p o d re ” : a safra produzida, a colheita p o rv ir (5 .8 -3 0 )..................90
B. O triunfo da graça (6.1— 12 .6 )............................................................................................97
1. O prólogo: reconciliação e com issão (6 .1-13).................................................... 98
a. O cham ado de Isaías (6 .1 -8 )................................................................................. 98
b. O futuro revelado n o principio (6.9-13).........................................................103
2. O Rei e seu povo (7.1— 11 .1 6 )................................................................................ 105
a. A palavra para Judá (7.1— 9 .7 < 6 > ) ................................................................... 105
b. A palavra para Israel (9.8 < 7 > — 11 .1 6 )............................................................139
3. O epílogo: o indivíduo e a com unidade, a salvação, a alegria e a proclam ação
(1 2 .1 -6 )......................................................................................................................... 169
C. O reino universal (13.1— 27.13) ... 175
1. O prim eiro ciclo de oráculos. A realidade das prom essas d o S en h o r (13.1 —
2 0 .6 )............................................................................................................................... 179
a. Babilonia: aparência c realidade na historia m undial (13.1— 1 4 .2 7 ).......180
b. Filístia: a dinastia davídica e as prom essas davídicas (14.28-32)...............196
c. M oabe: orgulho antes da queda e as condições da esperança gentia (15.1—
1 6 .1 4 ).........................................................................................................................199
6

d. D am asco e E fraim : a destruição e a preservação, a o b ra da hum anidade e


a o b ra de D eus (17.1— 1 8 .7 )............................................................................ 207
e. Egito: um D eus, um m undo, um povo (19.1— 2 0 .6 )................................... 217
2. O segundo ciclo de oráculos: o m u n d o nas som bras (21.1— 2 3 .1 8 )............ 228
a. O deserto à beira-m ar (Babilônia): a queda dos deuses (2 1 .1 -1 0 )............ 229
b. O silêncio (E dom ): a prolongação d o tem p o (21.11,12)............................235
c. O deserto à noite (tribos árabes): necessidades, mas sem soluções
(21.13-17).......................................................................................... !.................236
d. O vale da visão (Jerusalém): o pecado im perdoável (2 2 .1 -2 5 )................ 239
e. T iro: orgulho e santidade (23.1-18)................................................................. 252
3. O terceiro ciclo. D uas cidades em contraste: resistência até o fim para a glória
(24.1— 2 7 .1 3 )............................................................................................................. 259
a. A cidade da ausência de sentido: a história m undial planejada em to rn o do
p ovo de D eus (24.1-20).......................................................................................262
b. O fim da espera: o Rei reinará (24.21-23)...................................................... 274
c. O m undo regozija-se na salvação: as bênçãos do m o n te Sião (25.1 -12).... 276
d. A cidade forte: à espera com esperança (26.1-2 1)...................................... 283
e. A reunião final: a Israel universal (27.1 -1 3 )................................................... 294
D. O Senhor da história (28.1— 3 7 .3 8 ).............................................................................. 303
1. A única fundação (28.1-29)..................................................................................... 305
a. Efraim : um fim e um com eço (28.1-6)........................................................... 306
b. Sem confiança, sem segurança (28.7-22)........................................................ 308
c. A verdadeira descrim inação no sem ear e no colher (2 8.23-29)............... 314
2. U m problem a resolvido, um problem a declarado (29.1-14)......................... 315
a. A punição severa e a libertação (29.1-8).........................................................316
b. A crise: cegueira c ilum inação (29.9-14).........................................................318
3. A transform ação espiritual (29.15-24)..................................................................321
a. A prim eira transform ação: a subversão da razão (29.15,16).....................322
b. a segunda transform ação: a renovação m undial vin d o u ra (29.17-21).... 323
c. A terceira transform ação: a m udança na sorte de Jacó (29.22-24)..........324
4. A falta de lealdade da hum anidade e a lealdade de D eu s (30.1 -3 3 ).............. 326
a. O s eventos contem porâneos: o E gito não é a ajuda que precisam
(3 0 .1 -7 )................................................................................................................. 327
b. O s eventos futuros: a recusa do mundo, o cam inho de m orte (30.8-17)...... 330
c. O s eventos futuros: o D eus que espera, a certeza da glória (30.18-26).... 333
d. O s eventos co ntem porâneos: a Assíria não am eaça (30.2 7 -3 3 )................336
5. A libertação e a renovação (31.1— 3 2 .2 0 )............................................................ 339
a. Prólogo: desastre e libertação (3 1 .1-5)............................................................ 340
b. A obra de tran sform ação (31.6— 3 2 .1 8 )......................................................... 342
c. E pílogo: hum ilhação e bem -aventurança (32.19,20)................................... 349
6. A vitória, a proclam ação e a peregrinação (33.1— 3 5 .1 0 )................................ 350
a. As derradeiras realidades: a salvação e a ira (33.1-12) ... 351
b. A prim eira proclam ação universal: o novo Sião, seu povo e seu rei
(33.13-24).............................................................................................................. 355
7

c. A segunda proclam ação universal: a d errota final (3 4 .1 -1 7 ).....................359


d. A volta para casa, para Sião (35.1-10)............................................................. 364
7. A rocha da história (36.1— 3 7 .3 8 ).....................................................................369
a. A prim eira em baixada assíria (36.1— 3 7 .7 )....................................................370
b. A segunda em baixada assíria (37.8-35)........................................................... 375
c. O final: a d erro ta da A ssíria (37.36-38)........................................................... 381

O livro d o S ervo (Is 38— 5 5 )................................................................................385


Λ . O prólogo histórico: a escolhafa ta l de Exequias (38.1— 3 9 .8 )....................................... 389
a. A doença de E xequias (38.1-8)......................................................................... 390
b. O salmo de Exequias: um a m editação sobre a m o rte e a vida (38.9-20).... 392
c. A cura de Exequias (38.21,22).......................................................................... 396
d. O m o m en to de decisão (3 9 .1-8)......................................................................396
B. O consolo do mundo (40.1— 4 2 .1 7 )..................................................................................399
1 .0 consolo de Sião (40.1— 4 1 .2 0 ).......................................................................... 399
a. Três voxes de consolo (40.1-11).......................................................................400
b. O incom parável D eus de Israel: o C riador (40.12-31)...............................404
c. O incom parável D eus de Israel: o governante do m u n d o (41 .1 -7 ).........412
d. Três im agens de consolo (41.8-20)................................................................. 417
2. O consolo dos gentios (41.21— 4 2 .1 7 )............................................................... 421
a. U m a cena n a corte: os deuses ídolos são expo sto s e a condição d o m u n d o
fica evidente (41.21-29)..................................................................................... 422
b. O rem édio: o servo com o a resposta d o S enho r para a condição d o m undo
(4 2 .1 -9 ).................................................................................................................... 426
c. O nov o cântico: a alegria do m u n d o na vitória do S en h o r (42.10-17).... 432
C. A redenção de Israel (42.18— 4 4 .2 3 ).............................................................................. 437
1. A libertação da escravidão (42.18— 4 3 .2 1 ).........................................................438
a. Israel, o servo cego (42.18-25)..........................................................................438
b. O desastre revertido: Israel redim ida (4 3 .1-7)..............................................442
c. A certexa do que o S enhor pro m ete (43.8-13)..............................................446
d. A redenção da Babilônia: um novo êxodo (43.14-21)................................449
2. O perdão dos pecados (43.22— 4 4 .2 3 ).................................................................452
a. ( ‫ כ‬pecado exposto (43.22-24).............................................................................452
b. O passado esquecido, o futuro abençoado (43.25— 4 4 .5 ).........................455
c. A certexa da prom essa do S enhor (44.6-20)................................................. 459
d. A bem -aventurança de Israel na redenção d o S en h o r (44.21-23)........... 468
D. Agrande libertação (44.24— 4 8 .2 2 ).................................................................................471
1. A tarefa de C iro (44.24— 4 5 .8 )................................................................................472
a. Ciro, o p asto r d o Senhor: Sião reconstruída (44.24-28)............................ 472
b. Ciro, o ungido d o Senhor: pro p ó sito s interligados (4 5 .1 -8 ).....................476
2. As questões inaceitáveis; a soberania do S enhor (45 .9 -1 3 )............................ 482
a. O oleiro e o pai (45.9-11)....................................................................................483
b. O s atos divinos são inquestionáveis (45.12,13)............................................484
8

3. U m plano m undial, um povo central (45.14-25)............................................... 485


a. A subm issão gentia, a glória de Israel (45.14-17).........................................486
b. A salvação gentia, a glória de Israel (45.18-25)..............................................487
4. O povo rebelde: o S enhor inflexível (46.1-13).................................................. 492
5 . 0 triunfo de Ciro (47.1— 4 8 .2 2 )........................................................................... 496
a. O orgulho antes da queda: a condenação da Babilônia (4 7 .1 -1 5 )........... 496
b. U m p roblem a resolvido, um problem a levantado (4 8 .1 -2 2 )....................502
ti. A grande libertação (49.1— 5 5 .1 3 )..................................................................................512
1. A dupla tarefa d o Servo: Israel e o m u n d o (49.1 - 6 ) ..........................................512
2. A confirm ação divina: o sucesso d o Servo (49.7-13)...................................... 519
3. O s m uitos e o único: indiferença e resposta (49.14— 5 0 .1 1 )........................ 524
4. A salvação em p ro sp ecto e realidade (51.1— 5 2 .1 2 )........................................ 536
a. As ordens para ouvir, as prom essas de salvação (51 .1 -8 ).......................... 537
b. O apelo c a garantia (51.9-16)........................................................................... 544
c. As ord en s para responder: a experiência da salvação (51.17— 52.12) .... 552
5. O braço d o Senhor: o triunfo d o Servo (52.13— 5 5 .1 3 ).................................565
a. O s testem unhos, divino e hum ano, d o ato de carregar os pecados, da
m orte, da vida e da vitória d o Servo (52.13— 5 3 .1 2 )............................... 565
b. A boa notícia para todo o mundo: a proclamação e o convite universal:
“Venham, pois tu d o já está p ro n to ” (54.1— 5 5 .1 3 )................................... 594

O livro do Conquistador Ungido (Is 56— 6 6 )...............................................615


A . O ideal eo real: as necessidades e ospecados dopovo do Senhor (56.1— 5 9 .1 3 ).............. 619
a. O povo do m undo, o povo do sábado, o povo da oração (5 6 .1 -8 )..........619
b. As duas partes: o problem a c a solução (56.9— 5 7 .2 1 )...............................625
c. O pecado ex p o sto e confessado (58.1— 5 9 .1 3 )...........................................639
B. A vinda do Conquistador Ungido (59.14— 6 3 .6 )............................................................654
a. A situação e a reação: o com prom isso divino com a salvação e a vingança
(59.14-20)...............................................................................................................655
b. O m ediador d a aliança (5 9 .2 1 )........................................................................ 658
c. A glória vindoura: a cidade do Senhor, a cidade universal c a consum ação
da bênção abraâm ica (60.1-22).........................................................................659
d. O p o d e r tran sfo rm ad o r presente e futuro (61.1-9).................................... 667
e. O com prom isso d o U ngido e o juram ento d o Senhor (61.10— 62.12)... 674
f. O dia da vingança e a vitória d o C onquistador U ngido (6 3 .1 -6 )............. 679
C. A oração e a resposta: ospassos para 0 novo céu e a nova terra (63.7— 6 6 .2 4 ).................684
1. A oração de lem brete (63.7— 6 4 .1 2 )..................................................................... 684
a. O fundam ento da intercessâo: a m ente de D eus em relação ao seu povo
(63.7-14).....................................................................................'........................... 684
b. A confissão e a intercessâo (63.15— 6 4 .1 2 ).................................................. 688
2. As prom essas garantidas: o juízo final e a nova Jerusalém (65.1— 66.24) ... 697
Prefácio do autor

A sim ples e x te n sã o de u m livro c o m o o d e Isaías, sem m e n c io n a r a vasta


literatu ra acu m u lad a em to rn o dele, c o m p e le q u a lq u e r c o m e n ta rista a decid ir
que tip o d e c o m e n tá rio escreverá. Planejei (m u ito te m p o atrás), c o m o ab su r-
d o irrealism o d o s m ais jovens, incluir tu d o cm m e u c o m en tário ! N a é p o c a e
d u ra n te m u ito s an o s su b se q u e n te s, tive o privilégio d e d a r aulas so b re o tex to
h eb raico d e Isaías n o C lifto n T h eo lo g ical C ollege, n o T y n d ale H all e em D al-
to n H o u se — e na seq u ên cia, p a ra a glória de D e u s, n o Trinity? C ollege, B ristol.
T od o o m aterial — linguístico, exegético, exp o sitiv o e in tro d u tó rio — ad eq u a-
do p a ra o c u rso e to d o s os c o m e n tá rio s d e avaliação so b re a o b ra e os d eb ates
especializados so b re o a ssu n to teriam esp aço e m m eu co m en tário . M as é claro
que o m u n d o n ã o é g ra n d e o b a sta n te p a ra c o n te r u m livro d esses; n e n h u m a
ed itora seria in sen sata o b a sta n te p a ra e m p re e n d ê -lo ; n e m te n h o co m p e tê n c ia
para escrevê-lo.
O s c o m e n tá rio s têm três principais forças p ro p u lso ra s: explicação (o signi-
ficado d o tex to ), en ciclo p éd ia (o c o n ju n to d e in fo rm a ç õ e s relativas ao assu n to ,
o u seja, o c u rso d e d e b a te s especializados) e ex p o sição (a c o n tín u a realidade
do te x to c o m o palavra de D e u s hoje). D e sse s p o n to s, decidi especializar-m e
p rin cip alm en te n o p rim e iro p o n to , m as n ã o e sq u e c e n d o d e m a n e ira alg u m a o
últim o, po is c o n sid e ro o m ais alto privilégio, so b o c o m a n d o d e D e u s, auxiliar
to d o le ito r d e Isaías a e n te n d e r d e fo rm a m ais p le n a o te x to e ser d e algum a
ajuda p a ra p reg ad o res. M as é im possível, claro, ig n o ra r a riq u eza e o cu rso do
e stu d o d o livro d e Isaías.1 A o lo n g o d o m e u c o m e n tá rio , ficará ev id en te que,

1Desde Duhm, o curso dos estudos de Isaías está bem catalogado em B. S. Childs, Introduc-
tion to the O ld Testam ent as Scripture (SCM, 1979) e em R. K. Harrison, Introduction to the O ld
Testament (Tyndale Press, 1970). O estudo, de Wclhauscn (1869) em diante, conccntrou-sc em
penetrar por trás do texto como recebido para a fundamentação ela fc de Israel e o cenário
original dos oráculos proféticos. Esse processo, no livro de Isaías, recebeu um impulso
importante da obra de B. Duhm (1892), cuja preocupação era principalmente com as
situações subjacentes e os processos de redação, sendo a forma final de menor importân-
cia; cf. R. L·. Clements, “Beyond tradition-history”, J S O T y 31 (1985). Λ fama merecida do
IC C perpetuou a mesma ênfase com considerável preocupação com o aperfeiçoamento.
Assumiu-se que os livros proféticos eram antológicos c a tarefa de dividir obliterava qual-
quer visão do todo. Gunkel e os críticos da forma ajudaram a focar a tenção na perícope
individual; cf. S. Mowinckcl, D ie K om position des Jesaja-buches (Acta Orientaba, 1933). Mais
rcccntemcntc, os comentários de Clements, Whybray, Kaiser c Wesfermann, embora in-
dividualmente repletos de discernimento, trazem pouco sentido de inteireza, c o mesmo
é verdade em relação à grande obra de Wilderberger. Um 1969, J. Muilenberg cunhou a
expressão “crítica retórica” (“Form criticism and beyond”, //!/., 88/1 [1969J) e introduziu
10

co m g ratid ão , lan ço m ã o d e m u ito s p red ecesso res; e e m b o ra o e sp aço c a c o m -


p e tê n c ia te n h a m im p e d id o q u a lq u e r en v o lv im en to p ro lo n g a d o co m a p e rc e p -
ção de o u tro s, ten tei n ã o ig n o rar o q u e foi e é d ito e ta m b é m n ã o deixei tola-
m e n te d e q u e stio n a r aqueles q u e são m u ito su p erio res a m im . D. L. P e te rso n
a p re se n to u d e m an eira p erfeita o q u e q u e ro dizer:

N en h u m com entário p o d e esperar ser realm ente com pleto e, ao m esm o


tem po, coerente. E sse volum e inclui um texto crítico e com entários filo-
lógicos sem pre que parece necessário. [...‫ ן‬Introd uzí com entários que re-
p resentam o diálogo entre m inha própria obra e a de m eus predecessores.
M eu principal objetivo, n o entanto, é [...| a interpretação.1

Pelo m e sm o m otivo n ão reservei espaço para um a extensa bibliografia espe-


cializada q u a n d o esse re c u rso c p ro n ta m e n te d isp o n ib ilizad o em o u tra s fo n tes
para q u e m p re c isa r dele e, n o geral, lim itei as citações às o b ras c o m linguagem
acessível q ue, p o r sua vez, indicam áreas m ais am plas d e leitura.
P assaram -se m ais de trin ta a n o s d e sd e q u e fui b a sta n te p re su n ç o so em
aceitar u m c o n v ite p a ra c o n trib u ir co m um c o m e n tá rio so b re Isaías p a ra a série
d a T vndale. C o m o p a ssa r d o s an o s acum ulei m ais m aterial d o q u e aq u ela útil
série p o d e ria a c o m o d a r, e isso diz m u ito d a p aciên cia e to lerân cia das p esso as
n o c o m a n d o d a Inter-V arsity P ress q u e e sp eraram ta n to te m p o e, ag o ra, estão
d isp o sta s a aceitar ta n to m aterial. L e m b ro -m e co m m u ita g ra tid ã o d o c o n sta n te
e stím u lo q u e recebi n o s an o s p assad o s d e R o n ald Inchley e m e aleg ro d e q ue
ele aind a esteja c o n o sc o n a te rra a fim d e q u e saiba q u e sua g en til in sistên cia
n ão foi em vão. A g rad eço , co m afe to e re c o n h e c im e n to , a e x trao rd in ária aju d a
d e F ra n k E n tw istle, o atual d ire to r d a IVP, c de D a v id K in g d o n , e d ito r d e livros
teológicos. T a m b é m g o sta ria de m e n c io n a r Sue R cbis q u e p re p a ro u m e u m a-
n u scrito p a ra a publicação. Sua habilidade em d a r u m se n tid o razoável a m u ito s

uma bem-vinda ênfase no uso de componentes individuais analisados a partir de um texto


a fim de demonstrar o talento artístico do todo. O advento da “crítica canônica” (Inlroduc-
tion, de Childs) e o interesse cada vez maior na “leitura integrativa” ( f . Johnson sobre Is
24 — 27) prometem uma concentração no holismo (preocupação com o texto completo
conforme herdado), o que já está produzindo frutos além do que é levantado a partir de
um século de crítica histórica e tradição da crítica. Veja P. R. House, Z e p h a n ia k A Prophetic
D ram a, ]S O T S , 69 (1988) c The U nity o f lhe T w elve,]SO T S, 97 (1990); B. Webb, The B ook o f
Judges: A n Integrated R ea d in g ,]S O T S , 4 6 (1987); L. R. Klein, The Trium ph o f Irony in the B ook
o f Judges,) S O T S , 68 (1988); R. Alter, T h e A r lo f B iblical N a rra tive (NY Basic Books, 1981).
Como House observa: “O que se busca na análise literária é o resultado de como aquele
Livro inspirado é moldado como literatura. [...] Ainda há espaço para exame da anatomia
de livros inteiros”. Veja também R. J. Coggins, “History and story in Old Testament stu-
d y ”, J S 0 1 ] 11 (1979); J. F. A. Sawyer, F rom ¿Moses to Palm os (SPCK, 1977); R. F. Melugin,
“The Formation of Isaiah 40— 55”, B Z A W , 141 (1976).
1D. L. Peterson, Ila g g a i andZ echariab 1— 8 (SCM, 1984), p. 7.
11

co m en tário s in c o m p reen sív eis, sua p aciência c o m ig o e co m u m te x to m u ito


lo n g o e seu se m p re g entil e n c o ra ja m e n to re p re se n ta ra m m ais d o q u e se p o d e
expressar p ro n ta m e n te . T a m b é m e ste n d o m in h a c alo ro sa g ra tid ã o às pesso as
que ch ecaram o h eb raico e as referên cias bíblicas. Seria im p o ssív el u m a u to r ser
mais cu id ad o e auxiliado q u e n ó s q u e te m o s o privilégio d e p u b licar so b a IVP.
T o rn o u -se con v en cio n al o s a u to re s a g rad ecerem à e sp o sa p ela ajuda e
apoio, e, em n e n h u m caso, isso é m e n o s u m a fo rm alid ad e e m ais u m a realidade
que n o m eu. M in h a g ra tid ã o e ste n d e -se até m u ito te m p o atrás q u a n d o Beryl,
p arecen d o O corvo, d e E d g a r A lan P oe (em b o ra n ã o n a ap arên cia n e m n a voz),
cutucava m in h a co n sciên cia c o m re p e tid a s ex o rtaçõ es: “ L e m b re -se d e R o n ald
Inchley” , v in d as d ire to d e sua d isp o sição e m v e r os p rim eiro s an o s de n o ssa
ap o sen tad o ria d ed icad o s à cau sa d e Isaías. D e d ic a r m e u livro a ela n ã o alcança
o que o a m o r g o sta ria e é m u ito m e n o s d o q u e a dívida exige.
Q u a n d o p e n so em re tro sp e c tiv a e, em especial, n a in te n sa atividade d o s
últim os três an o s, su rg e e sp o n ta n e a m e n te em m in h a m e n te a im ag em d e u m
c a m u n d o n g u in h o m o rd isc a n d o h e ro ic a m e n te u m q ueijo g ra n d e dem ais. N a
verdade, essa n ã o é u m a im agem , m as a realidade e, a g o ra q u e tu d o está fi-
nalm ente feito, ta m b é m d e p o sito , c o m o R ipchip de N á rn ia (em bora, p o r favor
D eus, sem a te rn a assertividade desse perso n ag em ), m in h a esp a d a aos p és dele
que é o ú n ic o q u e m erece to d o lo u v o r, o S ervo d o S en h o r, o Rei g o v e rn a n te e
o C o n q u ista d o r U n g id o q u e há de vir, Je su s C risto n o sso S en h o r.

A lee M olyer
Bishopsteignton
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VI1 ‫י‬Vetus Testamentan.?.
VTS Vetus Testamentum, v o lu m e c o m p lem en tar.

O s leitores dev em p e rc e b e r q u e c o m o a b ase de m in h a ex p o sição é o tex to


hebraico d e Isaías, c o m frequência, a p re se n to u m a tra d u ç ã o m ais literal q u e a
da N V I. A fim de evitar a e n fa d o n h a re p e tiç ã o d o te rm o “ lit.” , sim p lesm en te
16

in siro a b a rra o b líq u a ( /) e n tre a trad u ção d a NiV I e a m in h a. A d o te i c o m o


co n v e n ç ã o o sinal d e raiz q u ad rad a ( a i ) p a ra in d icar raiz verb al h ebraica. A s refe-
rências bíblicas citadas ao lo n g o d o co m en tário , co m freq uên cia, relacio n am -se
a p o n to s d e g ra m á tic a o u v o cab u lário h eb raico e talvez sua relevância n ã o fique
¡m ed iatam en te ó b v ia a p a rtir d a tra d u ç ã o d a N V I.
Introdução

1. A literatura de Isaías
E m b o ra o e stu d o especializado talvez n ão c o n c o rd e acerca d o lugar a ser
dado a Isaías de Jeru salém n o livro q u e sem p re levou seu n o m e , agora é m ais acci-
tável que em qualquer outra época nos últim os cem anos falar d e u m a só literatura.
A o lo n g o d o e stu d o d o A n d g o T e sta m e n to , re c o n h e c e-se que, in d e p e n d e n -
tem en te d a p e rc e p ç ã o a d o ta d a acerca da p ré -h istó ria d e u m tex to , é tarefa d o
estud o acadêm ico b u scar um e stu d o holístico. Isso significa b atalhar co m o texto
com o foi receb id o relutando em p resu m ir q u e os ed itores an tig o s o rd en aram
seu trab alho co m p o u c o e n te n d im e n to d o q u e estavam faz e n d o e p ro c u ra n d o
a m en sag em q u e su rg e a p a rtir d a to talid ad e c o n sid erad a c o m o u m a un id ad e
da E sc ritu ra Sagrada. O seg u in te c o m e n tá rio te n ta c u m p rir essa tarefa co m de-
talhes, m as u m a p e rc e p ç ã o inicial estab elecerá o cen ário tra ç a n d o cin co linhas
unificadoras q u e u n e m a literatu ra d e Isaías: a e sp eran ça m essiânica, o tem a da
cidade, o sa n to d e Israel, h istó ria e fé e características literária e estru tu rais.

a. A esperança messiânica
A literatu ra d e Isaías, c o m o o c o m e n tá rio m o s tra e m detalh es, é c o n stru íd a
em to rn o de três re tra to s m essiânicos: o Rei (caps. 1— 37), o S erv o (caps. 38—
55) e o C o n q u ista d o r U n g id o (caps. 56— 6 6).1 E le ta m b é m m o s tra c o m o cada
um desses re tra to s é fu n d a m e n ta l p ara o “livro” in tegral n o qual está in serid o .12
C o n tu d o , a fa sta n d o -n o s d o s retrato s, e n c o n tra m o s as m e sm a s características
em cada um deles, um in d ic a d o r d e q u e se p re te n d ia q u e esses re tra to s fo ssem
facetas d a p e sso a m essiânica. A ssim :
1 .0 Messias, em cada retrato, é revelado com o provido d o Espírito e da palavra.3
2. O co n ceito d e “ justiça” é rec o rre n te em to d o o livro, característico d o
tro no e d o Rei (9.7) e a n atu reza de seu g o v e rn o (11.4). D a m esm a m aneira, a
justiça está n o cern e da o b ra d o S ervo (53.11; 54.17), d o caráter d o C o n q u istad o r
U ngido (61.10 63.1) e d o resu ltad o d e sua atividade (61.3,11).
3. E m b o ra seja n a tu ra lm e n te en fatizad o q u e o Rei é d a d e sc e n d ê n c ia daví-
dica (9.6,7) — n a v erd ad e, é “ D av i” (11.1) — ta m b é m é v erd ad e q u e a o b ra da
aliança d o S erv o 4 é a realização da “ fidelidade p ro m e tid a a D a v i” (55.3). A lém

1 As principais passagens messiânicas são: 7.10-15; 9.1-7; 8.23— 9.6; 11.1-16; 14.28-32;
24.21-23; 32.1-8; 33.17-24 (sobre o Rei); 42.1-4; 49.1-6; 50.4-9; 52.13— 53.12 (sobre o
Servo); e 59.21; 61.1-3; 61.10—62.7; 63.1-6 (sobre o Conquistador Ungido).
2 Veja p. 47, 97,175, 387, 437, 617,659.
311.1,2,4; 42.1; 49.1-3; 50.4; 59.21; 61.1-3.
4 42.6; 49.8; 54.10; 55.3.
INTRODUÇÃO 18

disso, n o caso d o C o n q u ista d o r U n gido, o p o n to cu lm in an te de sua v itó ria é


a p re se n ta d o so b o te m a dav íd ico d a c o n q u ista d e E d o m (63.1; veja c o m e n ta rio
so b re 34.1-17).
4. Ciada urna das rep resen taçõ es m essiânicas abraça igualm ente Israel e o
m u n d o gentio. E m cada caso, o m o v im e n to é a p a rtir de urna o b ra central ex-
terna: a restauração d e Sião (1.26,27) funde-se na con fluencia das n açõ es (2.2-
4); o “D av i” real de 11.1 g o v ern a so b re um n ovo m u n d o (11.6-9) e seu p o v o
h arm o n iz a d o (11.13,14) se to rn a as tropas que “ saquearão” a Filístia (11.14) e
sujeitarão os gentios.1 A p ro p ag ação p an o râm ica d o g o v ern o de D avi so b re o
m u n d o (caps. 13— 27) inclui a m em bresia coigual dos proscritos e estrangeiros de
o u tro ra (19.23-25; 27.12,13). O S ervo é ap resen tad o c o m o o veículo d a revelação
divina para os g en tio s (42.1-4), m as o re tra to desenvolvido m o stra q u e ele realiza
sua o b ra restau ran d o Isra e l/Ja c ó (49.1-6) c, assim , ele m e sm o se to rn a a salvação
d o S en h o r para os confins d a terra (49.6). Q u a n d o ele realiza sua o b ra salvífica
(52.13— 53.12), o c h am ad o para e n tra r nos benefícios esten d e-se ta n to para Sião
(cap. 54) q u a n to para to d o o m u n d o (cap. 55). O ad v en to d o C o n q u ista d o r U n-
gido c o m o re d e n to r d o Sião (59.20,21) ap resen ta a nação so b a luz de q ue o Sião
g o za (cap. 60), e a salvação q u e vem para Sião se to rn a u m a m en sag em universal
(62.11,12). A explicação d o papel d o C o n q u istad o r, im plícita em 63.7— 66.24,
inclui um a esperança gentia tão gloriosa q u a n to to d o o restan te das E scritu ras, e
m u ito mais o resultado de um em p re e n d im e n to m issionário (66.19) d o q u e apa-
rece cm o u tras passagens d o A n tig o T estam ento.
5. O “ enigm a m e ssiâ n ic o ” 12 e v id en ciad o n o A n tig o T e sta m e n to é especial-
m e n te p ro e m in e n te n esses três re tra to s co m sua su g estão d e u m M essias q ue
é p le n a m e n te h o m e m e v e rd a d e iram e n te D eus. O Rei nasce n a lin h ag em de
D avi (11.1), m as ta m b é m é a raiz da qual b ro ta D av i (11.10) e o “ D e u s P o d e -
ro s o ” (9.6). O S e rv o p o ssu i um ancestral e ap arên cia h u m a n o s (53.2) e teve a
ex p eriência h u m a n a c o m u m d e rejeição (53.3) e um a prov ação d e so frim e n to
mais que qualquer o u tro (50.6; 52.14). M as ele tam b ém era “ o b raço d o S en h o r” ,
0 S en h o r m e sm o p resen te de form a visível na ação salvífica (53.1; cf. 51.9; 52.10). O
“braço” d o Senhor reap arece n o início da seq u ên cia d o “ C o n q u ista d o r U n g id o ”
(59.16) c o m o o S e n h o r m e sm o u sa n d o a v e stim e n ta sim b ó lica d e su a capa-
cidade p a ra a execução d e sua justiça e d a o b ra de salvação e o c o m p ro m isso
c o m elas. M as as v estim en tas, na v erd ad e, são p assadas p a ra o U n g id o (61.10)

1 O tema de sujeição pertence à metáfora “real”: os reis conquistam, e um estado chega a


um acordo com outro por meio da submissão. A realidade pretendida no uso do tema é a
de submissão à verdade e, portanto, inicialmente, de submissão àqueles que ministram a
verdade. Veja comentário sobre 11.14; 45.14-25.
2 Cf. Mt 22.41. Veja J. A. Motyer, “Messiah” {IB D )\ B. B. Warfield, “The divine Messiah in
the (lid Testament”, fíib ilic a l a nd Theological Studies, ed. S. G. Craig (The Presbyterian and
Reformed publishing Co. 1952).
19 Introdução

e é sua justiça, v in g an ça e re d e n ç ã o q u e são fin alm en te ex ecu tad as (63.1,4). A


seq uên cia q u e co m e ç a co m o “ b ra ç o ” d o S e n h o r te rm in a c o m o “ b ra ç o ” d o
C o n q u ista d o r U n g id o (63.5).
A s a p re se n ta çõ e s co in cid en tes d o s re tra to s d o S e rv o 1 e d o C o n q u ista d o r
U n gid o m e re c e m se r exam inadas em m aiores detalh es. A s c o m p a ra ç õ es gerais
p o d e m se r d e m o n stra d a s em um diagram a.
0 Servo
42.1-4 49.1-6 50.4-9 52.13—53.12
Biografia Autobiografia Autobiografia Biografia

A tarefa do Servo A tarefa do Servo O compromisso A conclusão da


do Servo tarefa do Servo

Ele é revestido Ele é revestido Ele c revestido


com o Espírito e com a palavra com a palavra
a palavra
Ele sente Ele experimenta Ele experimenta
desalento sofrimento sofrimento

Vinheta Vinheta Vinheta Vinheta


(42.5-9) (49.7-13) (50.10,11) (54.1— 55.13)

1 Sobre a interpretação dos cânticos do Servo, veja North, Suffering Servant; Η. Η. Rowley,
The Servant o f the 1 and (Lutterworth, 1952), p. 3 8 8 ‫ ;־‬E. J. young, Studies in Isaiah (Tyndale
Press, 1954), p. 103-141. A principal tendência de interpretação é considerar o Servo como
a Israel personificada ou idealizada ou uma personificação do “remanescente” (percepções
coletivas); como o próprio profeta (percepção autobiográfica); ou como um indivíduo, quer
seja uma pessoa conhecida na história de Israel quer seja o Messias antevisto (percepções
individuais). As percepções coletivas encontram dificuldade na perfeição atribuída ao Servo,
como “Israel”, incluindo o remanescente, é sempre classificado como pecaminoso e neces-
sitado diante de Deus. Sobre as convoluçõcs a que um coletivista é guiado, veja a tabulação
de Wade do seis contrastes entre Israel e o Servo seguida de sua notável conclusão de que
eles, não obstante, são o mesmo! (Wade, p. 267). A percepção autobiográfica enfrenta difi-
culdade no capítulo 53, no qual o Servo morre, contudo, vive e, claro, em 49.3, passagem na
qual o Servo é chamado de “Israel” (veja Whybray). A tentativa de identificar o Servo com
indivíduos conhecidos (jeremias) e desconhecidos (o “rabí leproso” de Duhm) zomba de
todo o exercício de interpretação, pois nenhum indivíduo consegue sustentar a comparação
e teríamos de concluir que o Servo veio e foi sem ser reconhecido ou sem ter realizado a
tarefa atribuída a ele. Aqui Duhm também começa os estudos de Isaías sobre um rastro
improdutivo ao isolar os cânticos de seu contexto e tratá-los como acréscimos posteriores.
Nem todo comentarista que adotou uma percepção “messiânica” retifica essa falha ou mos-
tra a integração da sequência toda dos capítulos 40—55. Só quando isso é feito, o Servo é
visto corretamente no tipo de luz de desenvolvimento que Rowley delineou. Veja também
M. D. Hooker, Jesus and lhe Sem ant (SPCK, 1959).
INTRODUÇÃO 20

0 Conquistador Ungido
59.21 61.1-3 61.10—62.7 63.1-6
Biografia Autobiografia Autobiografia Autobiografia

A tarefa do A tarefa do O compromisso Λ conclusão da


Conquistador Conquistador do Conquistador tarefa do
Conquistador

Ele é revestido Ele é revestido Ele c revesado


com o Espírito e a com o Espírito e com a palavra
palavra a palavra

Ele executa Ele executa Ele efetua a


vingança e vingança e vingança c
salvação salvação salvação

Vinheta Vinheta Vinheta Vinheta


(60.1-22) (61.4-9) (62.8-12) (63.7— 66.24)

A s d u as ap re se n ta çõ e s são:
1. Contínua n o fato d e q u e a “ se m e n te ” d o S e rv o aparece p ela p rim eira vez
n o cân tico final d o S erv o (53.10) e reap arece n o p rim e iro c â n tic o d o C o n q u is-
ta d o r U n g id o (59.21).
2. Paralela, c o m o in d icad o acim a, m as o b se rv e ta m b é m que, em cad a série,
n ã o se c o n h e c e a p rim eira aparição d o p e rso n a g e m m essiânico: d e re p e n te ,
ele su rg e n o palco. E m cada caso, o terceiro cân tico é a n ô n im o ; só o c o n te x to
deixa claro q u e m c o lo cu to r.
3. Contrastante n o fa to de cjue na série d o S erv o h á u m a u m e n to n a ên fase
à su bm issão, alc a n ç an d o seu p o n to cu lm in an te n o s dois ú ltim o s cân tico s, ao
p asso q u e n a série d o C o n q u ista d o r a u m e n ta a ênfase n a ação, alc a n ç an d o seu
ápice n o s ú ltim o s do is cânticos.
A m u d a n ç a d e b io g rafia p a ra a u to b io g rafia n o q u a rto cân tico deve se r en-
ten d id a c o m o u m a atitu d e d elib erad a a fim de salien tar esse m e sm o c o n tra ste
e n tre aqu ele q u e “ n ã o a b riu a sua b o c a ” n a execução final de sua ta re fa e aquele
q u e leva a o b ra d e v in g an ça e re d e n ç ã o a sua e m o c io n a n te co n clu são . A cx-
plicação m ais ó b v ia p a ra a m an eira c o m o as duas figuras são a p re se n ta d as é
q u e u m a é a c o n stru ç ã o literária c o n sc ie n te d esenv olvida de fo rm a d eliberada.
E la se ajusta aos c o n te x to s, resp ectiv am en te os cap ítu lo s 40— 55 e 56— 66,
a p re se n ta d o s c o m o livros co m um p lan o , e s tru tu ra e e sb o ç o d o a u to r. F m co n -
trap artid a, a a p re se n ta ç ã o difusa d o Rei, n o s capítu lo s 1— 37, tra n sm ite m u ito
m ais a sen sação de u m p e n h o r escrito resu ltan te de um m in istério oral.
21 Introdução

E ssas sem elh an ças e c o n tra ste s devem se r resp o n sáv eis p o r q u a lq u e r per-
cepção sin tética d a literatu ra d e Isaías. O Rei, o S erv o e o C o n q u ista d o r U n -
gido, c o n tu d o , fo rm a m u m a única p in tu ra n a qual cad a u m deles p recisa d o s
outros. T a n to o Rei (9.1-5) q u a n to o S ervo (53.12; cf. 49.24-26; 52.3-6) são vence-
dores, m as sem o C o n q u istad o r, a vitória n ã o é explicada nem co n su m ad a. ( ) Rei
governa em ju stiça so b re u m a c o m u n id a d e justa (32.1-8), m as c o m o ele p o d e
fazer isso se o S erv o n ã o fo rn e c e r ju sd ça aos serv o s d o S e n h o r (53.11; 54.17) e
o C o n q u ista d o r n ã o e fe tu a r a justiça e n ã o d e rro ta r os in im ig o s deles (63.1-6)?
O Rei g o v e rn a so b re o m u n d o to d o (veja as referên cias acim a), m as c o m o ele
p o d e g o v e rn a r se o S ervo n ã o ab rir o c a m in h o p ara to d o s q u e vão p ara a festa
e d esfru tam a “ fidelidade p ro m e tid a a D a v i” (55.1-5) e se o C o n q u ista d o r n ão
criar u m m u n d o livre de o p o sição ?

b. O tema da cidade
Jerusalém en tro u na tradição d o p ovo de D eus co m a pessoa de M elquiscdc-
que (G n 14.18) e o re c o n h e c im e n to p o r A b ra ã o de seu sa c e rd ó c io real. D a í em
diante, n ad a relevante a c o n te c eu até a c a p tu ra c o c u p a ç ã o d a cid ad e p o r D av i
(2Sm 5.6-10) c a centralização política e religiosa d a cid ad e e m Israel (2Sm
6). C o n fo rm e 2Sam uel 7.10,11 revela, D av i e n te n d ia a cid ad e c o m o o lu g ar
escolhido p e lo S enhor. Jo su é 10.1 fo rn e c e u m in d ício de q u e a trad ição de
M e lq u ise d e q u e /A d o n i-Z e d e q u e foi m a n tid a em Je ru sa lé m e, se fo r esse o caso,
então, D av i, a o e stab elecer seu tro n o ali, ele m e sm o se to rn o u o su c e sso r d e
M elquisedeque. E sse fato fo rn e c e o p a n o d e fu n d o p a ra o uso , c m S alm os 110,'
da tradição de M elq u ised eq u e c o m o veículo d a esp e ra n ç a m essiân ica d a m es-
m a m aneira c o m o a trad ição abraâm ica leva a S alm os 47, 87, etc. A ssim , p o r
in term éd io d e D a v i (e N atã) e so b D e u s, a m o n a rq u ia davídica, o sacerd ó cio
de M elqu isedeque, as p ro m e ssa s abraâm icas e a cid ad e esco lh id a, to d o s se reú-
nem . M as c o u b e a Isaías se to rn a r o prin cip al p ro p a g a n d ista d essa escato lo g ia
real baseada n a cidade. A literatu ra d e Isaías p o d e se r d e sc rita de fo rm a c o rre ta
co m o “ o livro da cid ad e” . Seu e sco p o , co m c erteza, é “Ju d á e Je ru sa lé m ” (1.1),
m as o d e stin o d e ju d á , em sua visão, é selado na cidade, e a re sta u ra ç ão d a cida-
de n ão é apenas a re sta u ra ç ão d o povo, m as d o m u n d o . Q u a tro linhas d e Isaías
são en tretecid as n esse u so d o tem a d a cidade em q u e Je ru sa lé m , Sião, m o n t e /
m o n ta n h a e cidade são te rm o s m u itíssim o intercam biáveis: ju lg a m e n to divino,12

1Veja A. R. Johnson, Sacral K ingship in A n cien t Israel (University of Wales Press, 1967).
21.8; 3.1,8,16; 4.3,4; 10.12,24,25,32; 22.1-14; 64.10; 66.6. Esse temade julgamento sc reflete
na cidade arruinada de 49.14-21; 54.1,11.
INTRODUÇÃO 22

p re se rv a ç ão e re sta u ra ç ão ,1 a segurança d e Sião e a seg u ran ça e m Sião (14.32;


28.16) e a cen tralid ad e d a cidade n o p e n sa m e n to e n o p la n o d ivinos.12
O u so m ais notável d o tem a d a cidade é “ o c o n to das duas cidades” . A co n -
tinuidade d a história d o m u n d o p ro d u z u m a sociedade global estru tu ra d a sem
D eus, a cidade feita pelos h o m en s, cen trad o nos h o m en s, criada pela inteligência
d o h o m e m para a salvação d o h o m em . O s p e q u e n o s co m eço s em Sinar (G n
11.1- 4), p o rta n to , são u m m ic ro c o sm o d o q u e a te rra to d a seria n o fim . A cria-
ção d a “ cidade de D e u s ” — u m a n o v a o rd e m m u n d ial c o n stru íd a p o r D e u s em
seu plano , te n d o ele m e sm o n o c e n tro e a p a rtir d o qual reina so b re u m univer-
so de justiça e paz — é c o n te m p o râ n e a à inevitável d e stru iç ã o div in a d e Sinar.
A p rin cip al c o n se q u ê n c ia d essa ideia ex trao rd in ária está reg istrad a n o s cap ítu -
los 13— 27, e m especial n o s cap ítu lo s 24— 26 (p o r exem plo, 24.10; 25.2,3,6-10;
2 6 .1 - 6). E in te re ssa n te o b se rv a r q u e e m b o ra o s cap ítu lo s 40— 55 c o m p a rtí-
lhem o te m a d a cid ad e e, co m c erteza, n ã o careçam de p e rc e p ç ã o m u n d a n a , as
prin cipais ligações são e n tre o s c a p ítu lo s 1— 37 e 56— 66.3

c. O Santo de Israel
O p o n to central d o c h a m a d o d e Isaías é a sa n tid a d e d e D eu s. E a única
co isa cap az d e d eix ar “ a te rra in teira [...] cheia” e a ú n ica q u alid ad e em to d o o
A n tig o T e sta m e n to q u e te m de ser ex p ressa três vezes a fim d e ex p rim ir ade-
q u a d a m e n te seu v alo r e m a g n itu d e (6.3). N a narrativ a d o c h a m a d o (6.1-13), a
n o ç ã o de san tid ad e é aplicada em três direções. P rim eira d ireção, a sa n tid a d e e a
tran scen d ên cia. A p e rc e p ç ã o é d o S o b e ra n o exaltado (Senhor, '“dõnãy, n o versí-
cu lo l;R e ¿ n o versículo 5), e a n a tu re z a d essa so b e ra n ia é d efin id a n o in cessan te
clam o r d o s serafins d e q u e o S e n h o r é santo. S eg u n d a d ireção, a sa n tid a d e e
0 julgam ento. A clareza d a reação d o p ro fe ta n o v ersícu lo 5 c o m p e n sa qual-
q u e r in certeza na tra d u ç ã o d o versículo 4. E algo m o rta l p ara o p e c a d o r estar
n a p re se n ç a d o Santo. N e n h u m a se n te n ç a p recisa ser p ro n u n c ia d a d o tro n o ;
a co n sciên cia declara a cu lp a p esso al e n acio n al e su a c o n seq u ên cia. T erceira
direção, a sa n tid a d e e a salvação. A fum aça d e san tid ad e (cf. E x 19.18) deixa os
m eio s de salvação (o altar) ainda em vista (v. 6), e um serafim , a p a rtir d a p re-
sen ça d o S an to e p ela v o n ta d e dele, v o a para ser o m in istro d e p u rificação e de
expiação d o p ecad o r. T o d a a lite ra tu ra d e Isaías tem u m a teologia d e san tid ad e
e x a ta m e n te c o m o se ela to d a d e p e n d e sse d a v erd ad e an u n ciad a n o c a p ítu lo 6.

1 A preservação da cidade (1.8; 26.1; 29.1-8; 31.5-9; 36.15; 37.10,32-35; 38.6); sua restaura-
ção (40.2,9; 52.1; 57.13; 61.3; 66.8); a restauração davídica (1.21,26,27 ;24.23; 33.20); uni-
versai (2.2-4; 11.9; 27.13; 60.14; 62.12; 65.25) redimido (51.17; 52.1,2,7,8; 59.20; 62.11);
Ciro (45.13); santuário/moradia divina (4.3-5; 12.6; cf. 30.19).
2 Por exemplo, 14.25; 41.27; 46.13; 60.14; 62.1,6; 65.18,19; 66.13.
3 No entanto, observe o reaparecimento dc 35.10 em 51.11 e de 11.6-9 em 65.25.
23 Introdução

Isaías, n o q u e diz re sp e ito às estatísticas gerais, é o p ro fe ta d a san tid ad e. N a


literatura d e Isaías, o adjetivo “ sa n to ” (qãdôs) é u sa d o p a ra D e u s co m m ais fre-
quência q ue em to d o o re sto d o A n d g o T e sta m e n to ju n to .1A té m e sm o q u a n d o
0 uso adjetivado d o su b sta n tiv o (só em Is 52.10) é levad o em co n sid eração , a
literatura de Isaías ain d a c o n té m m ais d e u m te rç o d o to tal d e d eclaraçõ es de
santidade re fe re n tes a D e u s d o A n tig o T e sta m e n to .12 P o d e-se até m e sm o suge-
rir que a e sm ag ad o ra p re fe rê n cia p elo adjetivo sim ples, em vez d o su b sta n tiv o
adjetivado su rja d a im p re ssã o p ro v o c a d a pela re p e tiç ã o da p alav ra “ sa n to ” em
6.3.
O am b ien te das referên cias para o D e u s sa n to c o b re os tó p ic o s lev an tad o s
no ch am ad o d o p ro fe ta . H á três d eclarações notáveis d e sua tra n sc e n d ê n cia em
santidade (5.16; 40.25; 57.15) às quais se p o d e a c re sc en ta r a tra n sc e n d ê n cia im-
plícita d o S an to c o m o C ria d o r (41.20), O le iro (45.9) e “ aq u ele q u e o fo rm o u ”
(45.11; 54.5, ARC). A ê n fase n o livro d o Rei (caps. 1— 37) é a rejeição d o S an to 3
e o julg am ento q u e se segue (5.16,24; 10.17; 30.12-14). N o e n ta n to , o d esta-
que, c o m o n o c a p ítu lo 6, é ig u alm en te p o s to n o S a n to c o m o o S alvador que
convida seu p o v o a v o lta r (30.15) p a ra aquele em q u e m o re m a n e sc en te confia
(10.20) e re c o n h e c e c o m o sa n to (29.23) e em cuja salvação eles se regozijam
(12.6; 29.19). O livro d o S erv o faz u m a ligação p re p o n d e ra n te e n tre san tid ad e
e redenção,45e esse é o tó p ic o das duas referên cias n o livro d o C o n q u ista d o r
U ngido (60.9,14). N a co n tin u a ç ã o , o ú ltim o livro p õ e o p rin cip al d e sta q u e na
santidade d a co n d iç ã o de red im id o (60.9,14).
Q u a n d o re v e m o s essas referên cias d e sc o b rim o s q u e elas, n a v erdade, refle-
tem a teologia d a sa n tid a d e d o c a p ítu lo 6 e carrega a m esm a ê n fase d a prin cip al
verdade de q u e o S an to é o R ed en to r. T odavia, a ênfase m ais im p re ssio n a n te na
santidade divina é o u so d o título “ o S an to d e Isra e l” , o qual o c o rre 25 vezes
em Isaías co m p a ra d a s co m as sete o c o rrê n c ias n o re sto d o A n tig o T estam en -
to.3 A d istrib u ição d o títu lo nas três seções c o m p le ta s d o livro é d o z e / o n z e /
dois. N ã o se p o d e p ro v a r n e m re fu ta r se esse títu lo foi c u n h a d o p elo p ró p rio
Isaías. A ausência d o títu lo n o livro de M iqueias, c o n te m p o râ n e o d e Isaías de
Jerusalém , sugere q u e o título, de algum a m aneira, é p ecu liar a Isaías, e n ã o de
uso geral. Seu u so em to d a a literatura de Isaías é u m fa to r u n ific a d o r q u e re ­

1 Há 33 ocorrências em Isaías comparadas com as 26 ocorrências no resto do Antigo Testa-


mento.
2Trinta e quatro ocorrências de um total de 90, das quais duas são em Salmos. O “substan-
tivo adjetivado” significa, por exemplo, a atribuição dc santidade pelo uso da expressão
idiomática “Deus de santidade”. Essa, no geral, é uma afirmação mais forte da qualidade
relacionada que a conseguida com o uso simples de um adjetivo.
31.4; 5.24; 30.11; 31.1; 37.23.
4 41.14; 43.3,14; 47.4; 48.17; 49.7; 52.10; 54.5.
5 2Rs 19.22; SI 71.22; 78.41; 89.18; Jr 50.29; 51.5; Ez 39.7. Veja também Is 29.23.
INTRODUÇÃO 24

q u e r explicação. E le, c o m o título, é re p le to de m ajestade e m istério: o D e u s q ue


tra n sc e n d e em sa n tid a d e e n tro u em um re la c io n a m en to ín tim o co m u m p o v o
esp ecífico e p o r m eio d o qual eles p o d e m afirm a r q u e o S e n h o r é deles, e D e u s
a firm ar q u e eles são dele. O to d o da literatura de Isaías é u m a explicação desta
situação básica: a im pressionante am eaça q u e a santidade constitui para u m p o v o
indigno, negligente, in d ife re n te e q u e rejeita o S e n h o r (caps. 1— 37); a ex ten são
q u e o S an to p e rc o rre para lidar co m o p ecad o , re c u p e rar o p e c a d o r e criar u m
p o v o ju sto p a ra si m e sm o (caps. 40— 55); e a co n d iç ã o e te rn a d e sa n tid a d e q u e
o S e n h o r p re p a ra p a ra eles e n a qual eles d e sfru ta rã o d c sua c o m p a n h ia p ara
se m p re (caps. 56— 66).

d. História e fé
Isaías de Jeru salém m in istro u a p a rtir d o an o em cjuc o rei U zias m o rre u
(7 4 0 /7 3 9 ) e ao lo n g o dos reinados de Jo tã o (7 4 0 /3 9 -7 3 2 /3 1 ), d e A cax (7 3 2 /3 1 -
7 1 6 /1 5 ) e d e E xequias (7 1 6 /1 5 -6 8 7 /8 6 ).' Λ pax que, em geral, prevaleceu du-
ran te o reinado de U zias foi p o litic a m e n te o c a sio n a d a pela c o n d iç ã o inativa d o
Im p é rio A ssírio. E m 745, todavia, o v ig o ro so im perialista T ig latc-P ileser III
(744-727) su b iu ao tro n o e foi seg u id o p o r três reis ig u alm en te am b icio so s: Sal-
m a n e se r V (726-722), S arg o m II (721-705) e S en aq u erib e (704-681).12 A p re ssã o
d a A ssíria n a d ireção o e ste to c o u p rim e iro A rã e o R ein o d o N o r te d e I s r a e l/
E fra im , m as lo g o ficou claro q u e Ju d á tin h a d e to m a r u m a decisão so b re em
q u e m d e p o sita r sua seg u ran ça em um a é p o c a d e am eaça. Foi n esse cen ário
q u e Isaías p a sso u a m in istra r em duas crises paralelas, a p rim e ira so b Acax e a
seg u n d a so b E xequias.

A crise sob Acaz


Ju d á , a p a rtir d a é p o c a d e Jo tã o , tin h a estad o so b a p re ssã o d o R ein o d o
N o r te (2Rs 15.32,37). F ica e v id e n te q u e a am eaça assíria c o n d u x iu A rã c E fra im
a se u n ire m pela segurança coletiva (Is 17.3). N ã o fica claro p o r q ue eles se vol-
taram c o n tra Judá. Será q u e Acax já se m ovim entava em direção a faxer aliança
co m a A ssíria, o q u e ele fin alm en te fex e, p o r isso, eles estav am lid a n d o co m
u m p erig o em p o te n c ia l q u e tin h a m em seu p ró p rio quintal? O u será q u e Acax
h e sito u g e n u in a m e n te e m relação a se ju n ta r n o p a c to deles c o n tra a A ssíria, e
eles estav am p re ssio n an clo -o p a ra c o n se g u ir um “T ra ta d o d a O rg a n iz a ç ão d a
P alestina O c id e n ta l” c o m p le to ? E m q u a lq u e r caso, a invasão foi b e m -su c e d id a
(2C r 28.5-8) e m b o ra , p o r m o tiv o s n ã o reg istrad o s, eles te n h a m falh ad o em
fo rçar sua v an tag em a p o n to d c to m a r Je ru sa lé m (Is 7.1). C o n tu d o , a invasão
a u m e n to u a sen sação de iso lam en to de Ju d á e n tre os estad o s sulinos, e j u d á ,

1 2Rs 15.1-7,32-38; 16.1-20; 18—20; 2Cr 26— 32.


2 Veja Erlandsson.
25 Introdução

q u an d o so fre u a seg u n d a o n d a de ataques, e n fre n to u in c u rsõ e s d o s e d o m itas e


filisteus (2C r 28.17,18; N .B . “ de n o v o ”), b e m c o m o a terrív el in v asão d o R eino
d o N o rte .
A p assag em de Isaías 7.2-9 está in teressad a n essa seg u n d a invasão, p lan e-
jada p o r seus a rq u ite to s p a ra ser decisiva a p o n to d e ac a b a r co m a d in asd a de
D avi. C o m o o c o m e n tá rio explica, esse e le m e n to d e am eaça p a ra a din astia foi
essencial p a ra a situ ação à m ed id a q u e Isaías ten tav a fazer A caz co n fro n tá-la.
Mas, em vista da invasão em três fre n te s so m a d a à am eaça d elib erad a à casa
real, n ã o é d e e sp a n ta r q u e o atual o c u p a n te d o tro n o d av íd ico e seu p o v o te-
nham e n tra d o e m p â n ic o (Is 7.2). T odavia, o fato d e A caz, n essa c o n ju n tu ra ,
estar c o n sid e ra n d o o s u p rim e n to d e água d e Je ru sa lé m m o stra q u e ele, em lide-
rança política, estava d e te rm in a d o a n ã o ser um p e rd e d o r. O fa to ta m b é m é q u e
Isaías, d ian te d e u m rei q u e p ro c u ra v a m eio s p a ra g a ra n tir a seg u ran ça h u m an a,
aconselhar calm a (7.4) e fé (7.9) revela a decisão q u e o rei d av íd ico devia tom ar.
Será q u e a segurança d o p o v o d e D e u s é d ife re n te das n a ç õ e s às quais o S e n h o r
não se revelou n e m p ro c la m o u c o m o sua? Será q u e o rei davídico, asse n ta d o n o
tro n o d o S e n h o r (lR s 1.27), d e p e n d e ta n to d o su p rim e n to d e água, d e defesas,
exércitos e aliados q u a n to o s o u tro s reis aos quais n ã o fo ram feitas n e n h u m a
p ro m essa div in a c cujas principais cidades n ã o estão situadas em lugares divi-
nam ente in d icad o s so b re alicerce seg u ro (28.16)?
N o e v en to , A caz re c u so u o c h a m a d o d e Isaías à fé, e sc o lh e n d o , em vez
disso, o cam in h o d a seg u ran ça m u n d an a. E le se s u b m e te u à A ssíria co m a co n -
dição d e q u e esta, p o r sua vez, lidaria c o m a am eaça v in d a d o R ein o d o N o rte
(2Rs 16.5-9). Sua so lu ção de c u rto p ra z o foi c o m p ra d a à cu sta d e u m p re ç o d e
longo prazo , pois, em to d o se n tid o real, a casa de D av i te rm in o u co m A caz. O s
reis rem an escen tes da lin h ag em de D avi h e rd a ra m u m tro n o d e fan to c h e p o r
cortesia, p rim eiro , d a A ssíria e, d ep o is, da B abilônia até a lin h ag em real d esap a-
recer nas areias d o exílio e n u n c a m ais re in a r em Sião.

A crise sob E zeq u ia s


D urante o reinado de Ezequias, toda a Palestina ocidental caiu em um a constran-
gedora sujeição à A ssíria. D a m a sc o caiu em 732; e Sam aria, em 722, e as duas
potências d o n o rte d e sa p a re ce ra m c o m o Isaías d issera q u e d esap areceríam
(7.7-9). O s estad o s d o sul, d e um lado, viram -se a g a rra d o s pela A ssíria e, de
o u tro lado, p re ssio n a d o s p e lo E g ito a e n fre n ta r u m a reb elião o rq u estrad a. A
m o rte d e S argom II e a ascen são d e S en aq u erib e (704) p a receram o ferecer
um a o p o rtu n id a d e de revolta. O a n tig o c o n g lo m e ra d o de im p ério s foi m a n tid o
junto apenas pela p erso n alid ad e e habilidade d o atual g o v e rn a n te e era q u ase
o brigató rio q u e os p o v o s sujeitos se rev o ltassem q u a n d o a m ã o q ue os d e tin h a
relaxava e an tes q u e um a n o v a m ã o ren o v asse sua servidão. A lém disso, o n o tá -
vel M ero d aq u e-B alad ã estava m ais u m a vez n o g o v e rn o da B abilônia e, m e sm o
INTRODUÇÃO 26

na p ró p ria M e so p o tâ m ia , a c o n tin u a ç ã o d a A ssíria c o m o p o d e r d o m in a n te n ã o


era d e m an eira algum a u m a c e rte z a.1 O E g ito , ao sul, foi ru id o so n a p ro m e ssa
d e a p o ia r u m a rebelião. ( ) q u e E z eq u ias devia fazer? A so b eran ia in d e p e n d e n te
d o tro n o d e D a v i era u m a coisa p recio sa e u m o b jetiv o c o m p re e n siv e lm en te se-
d u to r, m as c o m o assegurá-la? A s alternativas eram claras: o E g ito estav a o fere-
c e n d o u m a aliança e M ero d aq u e-B alad ã estava e n v ia n d o e m b aix ad o res, p resu -
m iv elm en te ta m b é m o fe re c e n d o aliança, m as, em to d o caso, su g e rin d o q u e ele
e E z eq u ias to rn a sse m a o p o siç ã o à A ssíria sua causa em c o m u m (39.1,2). N o
e n ta n to , c o n tra isso, Isaías, e m n o m e d o S enhor, oferecia p ro m essas. D u ra n te
a d o e n ç a de Ezecjuias, a p ro m e ssa de cu ra (38.5) foi g ra c io sa m e n te am p liad a
p ara a p ro m e ssa de q u e o S e n h o r d e fen d ería e lib ertaria E z eq u ias e sua cid ad e
d a A ssíria (38.6), e am bas as p ro m e ssa s re c e b e ra m a d u p la c o n firm a ç ã o d o sinal
d a s o m b ra e d o re to rn o d e E z eq u ias à casa d o S e n h o r (38.7,8; 2R s 20.5).
N a s en tre lin h a s d o reg istro d o m in istério d e Isaías, o u v im o s a reiteração
das p ro m e ssa s divinas c o m o a p rin cip al força p ro p u lso ra de sua m en sag em
(28.16; 30.15). C o n tu d o , E zeq u ias, c o m o seu pai an tes dele, ac h o u a se d u ç ã o da
política e d o m ilitarism o a tra e n te dem ais. Seus m en sag eiro s assin aram a aliança
egípcia (28.14,15), e ele lev a n to u o e sta n d a rte d a rebelião. A isso, seguiu-se o
inevitável. E m 701, S en aq u erib e estava b a sta n te seg u ro p a ra v o lta r sua ate n ç ã o
aos seus d o m ín io s a o este, e E z eq u ias d e sc o b riu q u e (em sua p ró p ria m etáfo ra)
c o n c e b e ra u m a criança, m as n ã o tin h a fo rç a suficien te p ara d a r à luz (37.3)!
O c u rso d a c a m p a n h a assíria é d e b a tid o e são o ferecid as d ife re n te s in ter-
p retaçõ es p a ra o m aterial bíblico.12 A p e rc e p ç ão a d o ta d a n o c o m e n tá rio é q u e
d e p o is d a b atalh a de E lte q u e , n a qual a única ten tativ a d o E g ito d e c u m p rir
sua p ro m e ssa foi rev o g ad a, S en aq u erib e vo lta-se c o n tra Ju d á. Seu a taq u e fero z
so b re as defesas d e J u d á d e m o n s tro u a futilidade d e resistir m ais, e E z eq u ias
p e d iu as co n d içõ es para um acordo. O s assírios im p u seram u m a m u lta q u e dei-
xou o teso u ro d e E zeq u ias n o lim ite (2Rs 18.13-16). M as o rei assírio, d e p o is d e
aceitar esse trib u to , v o lto u im e d ia ta m e n te ao a taq u e (2Rs 18.17) e c o n q u isto u
p a ra si m e sm o e seu im p é rio a m erecid a re p u ta ç ã o d e tra id o r (veja c o m e n tá rio
so b re 21.2; 24.16; 33.1). E n esse p o n to q u e Isaías re to m a a n arrativ a (veja co-
m e n tá rio so b re 36.1), e tu d o se m ove ra p id a m e n te p a ra sua a rre p ia n te co n clu -
são (37.36-38). E zeq u ias, a ssu m in d o ta rd ía m e n te u m a p o siç ã o d e fé, d e sc o b re
q ue o S e n h o r é tã o b o m q u a n to su a palavra, e o rei e a cid ad e são salvos. O
p e río d o das invasões assírias em Ju d á te rm in o u , e o p ró p rio im p é rio c o m e ç o u
seu le n to declínio.

1 Veja Erlandsson.
2J. Bright,./! H isto ry o f Isra el(SCM, 1972); Η. H. Rowley, “Hezekiab’s reform and rebellion”,
M en o f G od, ed. Η. H. Rowley (Nelson, 1963); L. L. Honor, Sennacherib’s Invasion o f Palestine
(New York, 1926); B. S. Childs, Isaiah and the A ssyria n C risis (SCM, 1967); R. E. Clements,
Isaiah a n d the Deliverance o f Jerusalem , J S O T S , 13 (1980).
27 Introdução

Λ h istó ria reg istrad a n a Bíblia é h istó ria co m u m a m e n sa g e m n ã o p o r causa


de um a seleção te n d e n c io sa d e fatos disponíveis, m as p o rq u e isola a essência
dos fatos. Q u a n d o a essência, c o m o n o caso de Isaías, é e x p o sta , ela é estam -
pada co m a sim ples palavra “ fé” . A p re se n ta n d o o a ssu n to d e u m a p ersp ectiv a
escriturai a b ra n g e n te , a “ justificação pela fé ” n ã o é u m a v erd a d e d e “ d o m in g o ”
sustentada só p e lo n o sso re la c io n a m en to c o m D e u s, m as é ta m b é m a v erd ad e
de “ segu nd a-feira” p a ra c o n d u ta d e vida em to d o s seus desafios. F oi isso cjue
Acaz se re c u so u a e n fre n ta r e d e q u e R zequias se esq u eceu . O S e n h o r, em cad a
caso, fez p ro m e ssa s su ste n ta d a s pela g aran tia divina; eles, e m cad a caso, esco-
lheram o c a m in h o d o e sfo rç o p esso al, u m a salvação feita p o r você m e sm o ba-
seada em arm as e alianças m u n d a n a s específicas. C o m os c a p ítu lo s 1— 37 dian-
te de nós, Isaías é u m tip o de P aulo d o A n tig o T e sta m e n to , u m p ro fe ta d e fé e,
em seu sen tid o m ais v erdadeiro, d e co n fian ça “ sin cera” n o q u e D e u s p ro m ete.

Fé negada, esperança afirmada


O co m en tário , ao dividir a literatu ra d e Isaías n o c a p ítu lo 37, capitaliza a
observação fre q u e n te de q u e os capítulos 38 e 39 estab elecem o cen ário d o s ca-
pítulos “ b a b ilô n io s” q u e se se g u e m .1 Fosses capítulo s, n a v erd ad e, estab elecem
0 cenário. E zeq u ias, cm face das p ro m e ssa s recebid as em sua cam a d e d o e n te
(38.5,6), ficou ab alad o co m a visita d o s h o m e n s d e M ero d aq u e-B alad ã. E m b o ra
não haja registro d o q u e ele lhes disse, ele, co m certeza, n ã o os m a n d o u d e v olta
com a m en sag em de q u e o S e n h o r — e n ã o a fo rça das a rm a s — restau raria
sua liberdade so b eran a. A n tes, os a to s falam m ais alto q u e as palavras, ele se
adequou à p o sição deles d e q u e o p o d e r d eve se r c o m b a tid o c o m p o d e r, arm as
com arm as e os assírios c o m a aliança a q u e n ã o p o d ia m se d a r ao luxo d e ig-
norar. C o m o a discu ssão d o c a p ítu lo 39 n o c o m e n tá rio m o stra , Isaías satisfaz
todos os c â n o n e s d o e stu d o m o d e rn o d e p ro fe c ia em sua m an eira d e lid ar co m
essa situação. O n o m e “ B abilônia” foi e n treg u e a ele, c Isaías re sp o n d e u co m
um a p ro fecia so b re a B abilônia, u m a p ro fe c ia p a ra o fu tu ro co m u m a cru el
relevância p ara o p re se n te ,12 in d e p e n d e n te m e n te d o q u a n to o ineficaz E zeq u ias

1 Considera-se geralmente que isso é um “bônus” surgido do “levantamento” editorial desses


quatro capítulos de 2Reis em Isaías. Contudo, pode ser que os capítulos 36—37 e 38—39
tenham sido apresentados primeiro fora de ordem cronológica pelo editor de Isaías a fim de
fornecer, respectivamente, um apoio histórico sob as promessas dos capítulos 6—35 e um
contexto histórico essencial para os capítulos 40— 55 (veja a observação adicional do capí-
tulo 37). Para perspectivas distintas, veja R. E. Clements, “The unity of the book of Isaiah”,
Interpretation, 36 (1982); J. P. Payne, “The unity‫ ׳‬of Isaiah: Evidence from chapters 36— 39”,
//j 73'(1963); J. H. Walton, “New Observations on the date of Isaiah”, J E T S , 28 (1987).
2 Mauchline permite a possibilidade de que a profecia babilônia de 39.1-8 é de Isaías, visto
que se pode demonstrar que a Babilonia de Merodaque-Baladã era uma força contempo-
ranea bastante poderosa (como, na verdade, Erlandsson demonstra agora). Sobre 13.1-23,
INTRODUÇÃO 28

te n h a te n ta d o suavizar o im p a c to dela. A “ B abilôn ia” na qu al essa p re d iç â o foi


c u m p rid a n ã o era o rein o c o n te m p o râ n e o d e M ero d aq u e-B alad ã,*1 m as o Im p é -
rio B ab ilônio q u e to m o u N ínive, em 612, e su b stitu iu a A ssíria c o m o p o tê n c ia
m u nd ial d o m in a n te . O fim d o re in a d o de D av i foi tã o re p e n tin o q u a n to p atéti-
co. Ju d á, após a m o rte d o c o m p e te n te Josias em 609, foi co n d e n a d a so b dois reis
in co m p eten tes até q u e o insensato E zequias, ainda reb elan d o -se sem esp eran ça,
p ro v o c o u o a taq u e final d e N a b u c o d o n o so r. A s d e p o rta ç õ e s p a ra a B abilônia,
em 597 e 586, d eix aram a cidade e o re in o d e sp o v o a d o e a rru in a d o e a m o n a r-
quia p a sso u a se r u m a coisa d o passado.
A ssim , o p re fá c io d o s capítulos 40— 55 levan ta d u as q u e stõ e s interligadas:
0 b a n im e n to p a ra a B abilônia m arca o fim d a h istó ria d o p o v o d o S e n h o r e, se
m arcar, isso significa q u e eles fo ram cu lp ad o s d e u m p e c a d o além d o p o d e r e d a
d isp o sição d o S e n h o r d e redim ir? O u , p a ra a p re se n ta r as d u as q u e stõ e s d e for-
m a po sitiva, ele é o S e n h o r d a h istó ria (p o r m eio d a qual tira seu p o v o d a m ã o
d o inim igo) e o D e u s d a salvação (p o r m eio da qual o p e c a d o n ã o te rá a ú ltim a
palavra)? A “ se n sa ç ã o ” tra n sm itid a pelos capítulos 40— 55 é o d a leitu ra de u m
livro, u m a p ro d u ç ã o literária c o n sc ie n te c d e stin a d a a re s p o n d e r p re c isa m e n te
a essas d uas questões. In d e p e n d c n te m e n te d a p ré -h istó ria d o s p o e m a s q u e o
c o m p õ e m , ele p a re c e o p ro d u to d o estu d o , em vez de p ro d u to d o m ercad o . Se
seu c o n te ú d o já foi preg ad o , ag o ra ele já teria se d esligad o d o p ú lp ito . Sua uni-
d ade foi ela b o ra d a c o m s u p re m a a rte literária e n ã o tem n e n h u m a palavra fo ra
d e lugar. Sua m en sag em , d a p ersp ectiv a teológica, está e n cap su lad a n a ju sta p o -
sição notável de: “ ‘N a d a ficará’, diz o S e n h o r” (39.6) e (lit.): “ C o n so le m , co n -
so lem o m e u p o v o , diz o D e u s de v o cês” (40.1). Q u e r essa seja a m e n sa g e m d o
p ró p rio Isaías s o n d a n d o o fu tu ro q u e r a m en sag em d e a c o rd o co m u m a teo ria
c o m u m , d e u m p ro fe ta a n ô n im o n o calo r da vida b abilô n ia, a literatu ra c o m o
a h e rd a m o s exige o u tro exercício de fé em face da vida; n ã o a vid a q u a n d o se
ap ressa a n o s c o n fro n ta r co m to d a s suas am eaças e arm ad ilh as (co m o n o s caps.
1— 37), m as a vida à m e d id a q u e a ju d am o s a m o d elá-la co m n o ssas esco lh as
equivocadas, falta d e fé e pecado. O S e n h o r é o D e u s d e C iro (44.24— 48.22),
o rd e n a n d o a h istó ria em sua m a g n itu d e ta n to q u a n to em suas m inúcias p a ra o
b e m -e sta r de seu p o v o e ta m b é m d o se rv o d e D e u s (49.1— 55.13), p ro v e n d o
para a in iq u id ad e, a tra n sg re ssã o e o p e c a d o deles.

contudo, ele escreve: “As passagens que falam da Babilônia devem ser atribuídas, no máxi-
mo, ao século VI a.C.” Isso reflete uma ambivalência generalizada entre os comentaristas.
1 Veja Erlandsson. Childs (Introduction ) parece entender equivocadamente o propósito de
Erlandsson, que não é apenas descobrir o cenário histórico original de Isaías 13— 14, mas
de mostrar a extensão da ameaça que a Babilônia, sob o comando de Merodaque-Baladã,
representava para a predominancia assíria. Nisso, ele é bem-sucedido.
29 Introdução

As disciplinas e as tensões da espera


A ligação ev id en te e n tre os capítulos 40— 55 e a B abilô n ia su g ere n atu -
raím ente q u e p o d e h aver u m a ligação paralela e n tre os cap ítu lo s 56— 66 e o
p eríod o a p ó s o exílio. C o n tu d o , falta à p ró p ria seção u m a alusão h istó ric a espe-
cífica. N ã o h á nada paralelo à referência a A caz cm 7.1, o u a clara associação co m
o perío do d a aliança egípcia nos capítulos 30— 31 n e m algum a coisa c o m o as
quatro referências à B abilônia nos capítulos 40— 55 (43.14; 47.1; 48.14,20). N ã o
obstante, q u a n to m aio r a firm eza dos especialistas em d atar os capítulos 40— 55
no p eríod o d o exílio, m a io r a confiança deles em descrever cenários d o pós-exílio
para a c o m o d a r a evidência d o s cap ítu lo s 56— 66. T alvez essa n ã o seja a abor-
dagem m ais p ro d u tiv a p a ra a seção e d ev éssem o s, an tes, e n te n d e r a ausência de
referência h istó rica c o m o u m a indicação d e q u e Tsaías está lid a n d o co m princí-
pios, não co m situações — c o m o é o caso em o u tra s passag en s em q u e n o m es,
datas im plícitas e ev en to s específicos n ã o estã o e v id en tes.1 P o r exem plo, q u an -
do a visão de Isaías o leva cada vez m ais lo n g e d e seu cenário im ed iato , os n o -
m es no s cap ítu lo s 13— 20 se to rn a m as alusões cifrad as d o s cap ítu lo s 21— 23 c
a visão escatológica n ã o an c o ra d a d o s c a p ítu lo s 24— 27. F az-se u m d esserv iço
nos cap ítulos 24— 27 p elo e m p e n h o em d a r n o m e à “ cid ad e vã” (24.10) etc.
(veja c o m e n tá rio so b re os caps. 13— 27). M as in d e p e n d e n te m e n te d a p ersp ec-
tiva ad o ta d a p a ra o s c a p ítu lo s 56— 66, q u e r eles alu dam ao p e río d o pós-exílio
quer sejam u m a p ro je ç ã o visionária p a ra a escato log ia, eles assu m em q u e o
Senhor re sg a to u seu p o v o da B abilônia p o r in te rm é d io d e C iro (caps. 40— 48)
e, depois, re d im e -o s d o p e c a d o p o r m eio d o S ervo (caps. 49— 55). L ig ar esses
capítulos de fo rm a m u ito estreita co m o p e río d o p ós-ex ílio equivale a p e rd e r
a ligação deles c o m o Servo, a qual, na v erd ad e, é m ais fo rte q u e sua ligação
com C iro e a v o lta d o exílio. O te m a d esses c a p ítu lo s é an u n c ia d o em 56.1.
H istoricam ente, o p o v o v o lta da B abilônia (48.20-22); co n c e itu a lm e n te, eles
são redim idos d o S en h o r, seus serv o s, in v estid o s d a ju stiça d o S e rv o d o S en h o r
(53.11; 54.17). E les, so b cada título, ainda são seu p o v o à esp era, p o is o q ue já
foi feito deixa algum as d e suas n ecessid ad es n ã o satisfeitas. E les, p o rta n to , são
cham ados a p erse v e ra r nas disciplinas dc ju lg am en to e ju stiça — a vida q u e o
Senhor d ecid e e ap ro v a — até su a salvação v ir e su a justiça te r p le n a expressão.
O verdadeiro p o v o d o S e n h o r acha-se sujeito à o p re ssã o e te n sã o em u m a co-
m unidade m ista (56.6— 57.21). A experiência lhes en sin a q u e n ã o c o n seg u em
viver à altura d o q u e o S e n h o r exige (58.1-14) p o r causa das in ad eq u açõ es neles
m esm os (59.1-13). N o e n ta n to , está ali d ian te deles a ex pectativ a d e u m u ngido
(59.14— 63.6) cuja o b ra de salvação satisfaz as n ecessid ad es deles, cuja o b ra
de justiça satisfaz to d a s as exigências de D e u s e cuja o b ra d e v in g an ça lida

1Veja os comentários introdutórios aos capítulos 1— 5; 21—27; 28—29; 40.1— 43.13.


INTRODUÇÃO 30

c o m to d a fo rça hostil. P o r co n seg u in te, eles o ra m (63.7— 64.12) e se ag arram


às p ro m e ssa s (65.1— 66.24) e sp e ra n d o c o n fia n te m e n te a g ló ria e te rn a d a n o v a
criação. E m u m a palavra, a literatu ra d e Isaías, m ais u m a vez, cen traliza a fé — a
fé q u e p ersiste, o ra e agu ard a em esp eran ça.

e. As características literárias e estruturais


A diferença d e estilo é u m d o s m o tiv o s incitan do co n tin u am en te a neces-
sidade d e distinguir os capítulos 40— 55 d o s capítulos 1— 39, m as a verificação
cuidadosa d a literatura m o stra que, de u m a fo rm a ou d e o u tra , d ev e se r d ito
mais. E v e rd a d e q u e h á u m estilo elevado e p o é tic o c o n c e n tra d o p rin c ip a lm e n -
te n o s c a p ítu lo s 40— 55 e q u e este c o n tra sta co m a m ais p rim o ro sa p ro s a o u
p o esia u m ta n to m e n o s h ab ilid o sa e m q u e o re sta n te da literatu ra é expressa.
Seria u m e n g a n o sim p le sm e n te d iz e r q u e o p rim e iro é o p ro d u to d a hab ilid ad e
p o ética escrita e o o u tro é o p ro d u to d a m ensagem p regada, pois o q u e tem o s
d o co m eço ao fim d o s p ro fetas n ã o são suas m ensagen s textuais c o n fo rm e p re-
gadas, m as a essência d o m inistério deles n a fo rm a escrita. Q u alq u er p esso a co m
algum a experiência d e pregação co n seg u e p erceb er cjue é isso q u e acontece. N ã o
h á u m a única “ m en sag em ” em to d o s os p ro fetas que seria p reg ad a sim p lesm en te
p ro c la m a n d o -a c o m o ela está; a m e n sa g e m é m u ito c o n d e n sa d a , d e b a tid a d e
fo rm a m u ito estre ita e m u ito b rev e p a ra q u a lq u e r co n g re g a ç ão p reg á-la assim
c o m o se ap resen ta.
D e m an eira sem elh an te, n a literatu ra d e Isaías, a m b o s os estilos são p ro d u -
to s literários, m as p e rm a n e c e o fa to d e q u e u m im p re ssio n a c o m o n u n c a te n d o
existido, e x ceto c o m o exercício e sc rito c u id a d o sa m e n te elab o rad o , e o o u tro
c o m o o reg istro p re se rv a d o d o m in isté rio oral. E sses d o is estilos, to d av ia, apa-
recem em to d o o livro.1 P o d e m o s, de u m lado, c o m p a ra r 4.2-6 e 35.1 -1 0 co m
os cap ítu lo s 55 e 60 e, de o u tro lado, 1.10-15,29-31 c o m 4 3 .2 2 -2 4 e 65.2-5 o u
os cap ítu lo s 28— 32 c o m o c a p ítu lo 48 e c o m 59.1-13. É in to lerav elm en te to lo
e sem im aginação n e g a r q u e um a u to r p o d e ría p ro d u z ir esses d o is estilos.12 λ ΐω -
to s p re g a d o re s ta m b é m v o ltam a v erv e p a ra a h in o lo g ia, e c o m igual d e stre z a
em cada u m a das áreas. C o n tu d o , o estilo c o m o tal n ã o reso lv e q u e stõ e s d e au-
to ria, e m b o ra in d u b ita v e lm e n te a m aioria d o s especialistas sin ta-se a traíd a pela
so lu ção d e m ú ltip lo s a u to re s ju n to co m as linhas p ro p o sta s p o r C lem en ts. E ssa
é a p e rc e p ç ã o d e q u e a m e n sa g e m de Isaías d e Je ru sa lé m e d o “ d e u te ro lsa ía s” ,

1 2.2-4; 4.2-6; 9.1-7; 8.23— 9.6; 11.1-9; 12.1-6; 21.1-10; 25.1-10; 26.1-6; 33.17-24; 35.1-10;
40—55 (em certos trechos); 60.1-22; 61.1-3; 62.1— 63.6.
2 O senhor dos anéis, dc J. R. R. Tolkien, contém elevada poesia e estilos de prosa variados. Cf.
também “UAllegro” e “An Ode on the Morning of Christ’s Nativity”, de John Milton,
com a majestade de “Paraíso Perdido” e a prosa rítmica de “Aeropagitica”; e o prefácio do
Livro de oração comum do arcebispo Cranmer (“A respeito do culto da igreja” e “Sobre
cerimônias”) e a Oração de humilde acesso — ou Tabela de parentesco c afinidade.
31 Introdução

“em algum e stág io ” , estiveram ju n tas p o rq u e se se n te q u e o s cap ítu lo s 40— 55


são ap ro p ria d o s e até m e sm o n ecessário s p a ra c o m p le ta r a m e n sa g e m d o s ca-
pítulos 1— 35 e q u e o m aterial, c o m o o d o c a p ítu lo 35, foi in tro d u z id o em
profecias a n te rio re s c o m o p a rte de u m p ro c e sso in te g ra d v o .1 N o s s o p ro p ó sito
atual, n o e n ta n to , é satisfeito o b s e rv a n d o q u e o e sd lo é u m a das caracterísd cas
que u n e to d a a lite ra tu ra d e Isaías, in d e p e n d e n te m e n te d a d iv ersidade d e estilos
encontradas.
A lite ra tu ra ta m b é m evidencia id e n tid a d e s d e e s tru tu ra ao lo n g o d e to d o o
livro. O atu al c o m e n tá rio baseia-se e m e stu d o “ e stru tu ra l” c o n c e n tra d o . C o n -
sidera-se in co n testáv el o fa to de q u e q u a lq u e r p a rte d a sã exegese bíblica está
em perigo se fo re m c o m e tid o s e rro s d e d isc e rn im e n to d a e s tru tu ra d e u m livro,
passagem o u versículo. A e s tru tu ra o b se rv a d a a d e q u a d a m en te , p o r sua vez,
fornece u m c o n tro le, d e te rm in a n d o em g ra n d e ex ten são o am b ien te n o qual a
exegese p o d e se m over.1234A literatu ra de Isaías é n o táv el p ela e stru tu ra q u e p o -
dem os d e n o m in a r de “ d u p lo e ste n d id o ” . Isso co n siste e m c o b rir d u as vezes a
m esm a área d e v e rd a d e c o m o s m e sm o s p a sso s co n secu tiv o s. P o r exem plo, os
paralelos b a sead o s em Ju d á e em Israel e m 7.1— 9 .7 < 6 > e 9 .8 < 7 > — 11.16 são
vistos de d o is ân g u lo s d istin to s, e a elucidação d e p rin cíp io s nas três seçõ es de
28.1— 29.24 e n c o n tra paralelo n a aplicação d esses p rin c íp io s nas três seções de
30.1— 35.10. O u tro s d u p lo s e ste n d id o s são 42.18— 43.21 c o m 43.22— 44.23 e
51.1— 8 co m 51.17— 52.123 O s cap ítu lo s 13— 27 d esen v o lv em essa característi-
ca cm u m v asto te rc e to esten d id o , o p a n o ra m a s u p re m o d a e sp e ra n ç a davídica
(veja p. 178s.). O d u p lo e ste n d id o n ã o p arece se r u sa d o n o s cap ítu lo s 56— 66
nos quais, ao c o n trá rio , u m p a d rã o d e “ a rc o ” , o u “ tra je tó ria ” , de g ra n d e escala
une os o n z e c a p ítu lo s em u m a a p re se n ta çã o c o e re n te (veja p. 6 17)3 A e stru tu ra
de a rc o /tra je tó ria , c o m o u m d u p lo estendido, é usad a em to d a a literatura c o m o
a form a de p o em as individuais, co m m u ita freq u ên cia, e n fra q u e c e n d o as alega-
ções de m aterial in tru siv o e a c re sc e n ta n d o d in âm ica literária à in terp retação .

1Clements, “The unity of the book of Isaiah”.


2Veja, por exemplo, o Comentário sobre Is 65.1-66.24. A exegese apropriada de 65.1 deve
levar em consideração seu paralelismo estruturado com 66.18-21.
3Também há paralelo estendido entre Ciro e o Servo (veja comentário sobre 44.24).
4 Watt encontra “uma semelhança estrutural marcante do arco de arquitetura [...] com o
bloco na coroa do arco ser chamado de pedra angular, uma vez que transmite equilíbrio
lateral ao pressionar os dois lados” (p. 15). Essa descrição combina com o que encontra-
mos em toda a literatura de Isaías: poemas equilibrados em torno de uma verdade central
c unidos por ela.
INTRODUÇÃO 32

Λ e stru tu ra d e a rc o /tra je tó ria n ã o é d e jeito n e n h u m p ecu liar a Isaías,1 em -


b o ra p e rm e ie to d a sua literatura. C o m certeza, é m ais d istin tiv a a p e rfe ita in ser-
ção das fo rm a ç õ e s p o éticas usuais (a-b-a-b-c; p o r exem plo , 35.4) o u in c o m u n s
(4.2-6; 32.5-8; 44.24-28)12 e o u so de rim a sem paralelo em sutileza e ab u n d â n c ia
em o u tro s livros d o A n tig o T e sta m e n to .3 O “ p a lín d ro m o ” d e Isaías foi o b se r-
v ad o já n a é p o c a de D elitzsch . C o m o ele usa o te rm o , este n ã o se aplica p a ra a
inclusão q u e delim ita u m a p assag em , m as para sen ten ças e stru tu ra d a s d e fo rm a
a c o m e ç a r e a te rm in a r co m a m esm a palavra. E ssa característica p alin d rô m ica,
em u m a ex te n sã o além d a reg istrad a p o r D elitzsch em seu c o m e n tá rio , ta m b é m
deixa sua m arca em to d a a literatura;4 b e m c o m o ta m b é m o faz o u so m arcan -
te de asso n ân cia e aliteração5 e um a p red ileção p o r fazer listas d e u m tip o o u
o u tro .6
Sem d úvida, há o u tra s figuras literárias q u e u n e m a literatu ra d e Isaías, m as
m e sm o essas o b se rv a d a s tê m u m a relação co m a su p o siç ã o de q u e a literatu ra
seria o p ro d u to d e u m a “ esco la” fu n d a m e n ta d a n o estilo d e Isaías d e escrito res,
p re g a d o re s e p en sad o res. W atts é m ais c o n se rv a d o r q u e alguns ao p r o p o r u m a
d a ta abaixo d e 435 p a ra a co n c lu sã o d o livro. M as m e sm o isso significa q u e, ao
lo n g o d e u m p e río d o de tre z e n to s an o s h o u v e um g ru p o c o n tín u o (do q u e n ão
existe evid ência ex terio r), tã o c o n sc ie n te d e sua u n id ad e q u e m an tiv eram n ã o
só a id e n tid a d e teológica, m as ta m b é m a id e n tid a d e n a h ab ilid ad e d e ap resen -

1Veja meus comentários disponíveis sobre Sofonias c Ageu na série dos profetas menores
da Baker Book House, cd. T. McComiskey; J. Baldwin, Zecbariah ( Tyndale O ld Testam ent
C om m entary, IVP, 1972), ρ. 85-86. Sobre questões gerais de estrutura, veja D. Clines e e ta l.,
A r t anã M eaning, J S O T S, 19 (1952); House, Zephaniah e The U nity o f the Twelve; P. Cotterell
e M. Turner, lin g u istic s a n d B iblical A n a ly sis (SPCK, 1989); T. Longman, IJlera ry A pproaches
to B iblical Interpretation (Apollos, 1987). Para a aplicação consistente dos principios “es-
truturalistas”, veja D. W. Gooding, lh e G ospel o f L u k e (IVP, 1989) c True to fa ith : A Fresh
A pproach to the A c ts o f the A p o stles (Hodder e Stoughton, 1990).
2 Por exemplo, 16.13; 21.1,2; 22.4; 30.25,26; 35.4; cf. 40.2; 40.20-30; 41.11,12; 47.11; 49.19;
60.19c,20; 63.9.
3 Por exemplo, 1.9cd,13cd,25; 5.14cd,27cd; 6.1 le ; 10.6ab; 17.10 (rima de quiasma); 33.22
(com aliterações cruzadas); 41.2cf,17de; 46.1 led; 49.10cd,19 (a-b-<b>-a); 53.6ab; 57.6ab;
66. Ide.
4 Por exemplo, 1.7,18; 7.23; 13.12 (rima); 14.25; 11.13 (quiasma); 35.5; 40.19; 42.13; 49.13;
54.13; 57.1,20,21; 60.16; 66.2.
5Por exemplo, 1.21; 5.7,16,30; 7.9; 8.12,22; 14.23; 15.9; 24.1,3,4,6,16,23; 27.7; 35.9; 37.30;
40.31; 41.2; 50.4; 54.11; 58.12; 59.7,11; 60.18 (quiasma).
6 Por exemplo 1.17,18 (oito imperativos); 2.12-16 (dez coisas exaltadas); 3.2; 10.9 (seis no-
mes de lugar); 10.28-32; 11.11; 15.1-9 (dezessete nomes de lugar); 21.15 (quatro “de”);
24.2 (seis comparações); 24.7-12 (treze itens de infortúnio, pesar); 33.15,16 (seis qualifica-
ções); 37.33 (quatro “não”); 41.11,12 (quatro declarações de destruição); 44.24-28 (treze
cláusulas de atributos); 52.7 (quatro participios); 65.11,13-16 (cinco contrastes).
33 Introdução

tação c n o s detalh es d o s estilos e figuras literários. Isso p o d e ría reg istrar um a


declaração de sin g u larid ad e p ara a literatu ra de Isaías acim a até m e sm o d o que
sua g ra n d e z a in e re n te exige.

2. Isaías como autor


O. T. Allis está c o rre to q u a n d o o b serv a que a fragm entação d a literatura de
Isaías en tre m últiplos au to res ju n to co m um a extensa cro no lo g ia c histo ricam en -
te o p ro d u to d o racio n alism o d o século X IX q u e se n e g o u a p e rm itir a p ro fecia
preditiva.7 In fe liz m e n te, além disso, o esp írito acad êm ico p re d o m in a n te estava
inclinado à fragm entação, cm vez de ao holism o,89e n o caso d e Isaías, isso signi-
ficou que a literatura repleta de evidências interiores d e sua unidade foi preferi-
velm ente c o n sid e ra d a c o m o rep leta de peças díspares. O c u rso su b se q u e n te d o
estudo c o n c e n tro u -se n o s frag m en to s ate ser, ag o ra, a m p la m e n te a ssu m id o q ue
não é n ecessário m ais d e b a te r o caso de m últipla a u to ria, m as q u e ele p o d e ser
assum ido. E sse n ã o é d e fo rm a algum a o caso. A s evidências d e u n id ad e exem -
plificadas acim a exigem explicação e, agora, te m o s d e inv estig ar a explicação
mais sim ples — de q u e to d a a literatu ra é p ro d u ç ã o d e Isaías d e Jeru salém . E sta
intro du ção só p o d e lidar co m os principais p o n to s c p rin cíp io s; a possib ilid ad e
de que to d a a literatu ra seja pré-exílica e p ro d u to d e u m a só m e n te é tratad a em
detalhe, q u a n d o a p ro p ria d o , a o lo n g o d o co m en tário .
E m vista da se p aração d o s cap ítu lo s 40— 55 d o s c a p ítu lo s 1— 39 e d a alo-
cação dos p rim e iro s a u m p ro fe ta a n ô n im o em um a m b ie n te b ab ilô n io , p arece
razoável ex am in ar m ais a c ro n o lo g ia em b u sca da o rig em d o s cap ítu lo s 56— 66,
pois, c o m o c o m e n ta S m art, “ se a p ressu p o sição d e q u e os capítulos 40— 55 fo-
ram escritos n a B abilônia p ro v ar ser in fu n d a d a , acab a o prin cip al fu n d a m e n to
para a sep aração d o s cap ítu lo s 56— 66 d o s cap ítu lo s 40— 55” .’ O s arg u m e n to s
a favor d o te x to “T rito -lsa ía s” p a le stin o p ó s-ex ílico 101b asearam -se em co n sid e-
rações de e stru tu ra , estilo e c o n te x to das idéias. E m c o n tra p o siç ã o à co erên cia
dos capítulos 40— 55, G ray, p o r exem plo, n ão co n seg u iu e n c o n tra r “ n e m um
único p ro p ó sito p re d o m in a n te ” n o s cap ítu lo s 56— 66. N e n h u m co m e n ta rista
foi in solen te o b a sta n te para qualificar os cap ítu lo s d e “ m ix ó rd ia” , m as a p er-
cepção an to ló g ica tem prev alecid o .11 C o m o este c o m e n tá rio m o stra , essa n ã o é
a única p e rc e p ç ão possível p ara a terceira seção da literatu ra d e Isaías e n ã o se

O. T. Allis, The U nity o f Isaiah (Tyndalc Press, 1951). Veja também a defesa da unidade na
introdução de Oswalt.
8Veja II. Harris, i he l'iibinjiet¡ School (!\ç>o\\o% 1990).
9Smart, ρ. 236.
10R. S. Poster, lh e R estoration o f Israel (D u tto n : Longman and Todd, 1970).
11Johnson, “From chaos to restoration” mostra que os ventos do estudo de Isaías estão
soprando na direção certa.
INTRODUÇÃO 34

p o d e alegar, ag o ra, q u e o c o n tra ste e n tre co erên cia e n ã o c o e rê n c ia sep ara as


duas p artes.
A q u e stã o d e estilo foi m e n c io n a d a acim a. Λ c o n tin u a ç ã o d o estilo d o s
cap ítu lo s 40— 55 n o s cap ítu lo s 56— 66 c se m p re o b se rv a d a , m as ta m b é m é
o b se rv a d o u m estilo d ife re n te e só a co n v icção de q u e 40— 55 são te x to s exí-
líeos e d e q ue, p o rta n to , 56— 66 d ev em se r pós-ex ílicos im p e d iu o re co n h ecí-
m e n to d e q u e esse se g u n d o estilo é a c e n tu a d am e n te pré-cxílico. N a v erd ad e,
essas p assag en s só p o d e m se r atrib u íd as a u m “T rito -Isa ía s” p ó s-ex ílico ap en as
se, p o r o u tro s m o tiv o s q u e n ã o o estilo, seja im possível e stab elecer u m a d ata
pré-exílica. E ssa q u e stã o é analisada n o c o m e n tá rio sem c o n sid e ra r n ecessário
q u e stio n a r a p o ssib ilid ad e d a a u to ria d e Isaías.
O a m b ie n te p a le stin o d o s c a p ítu lo s 56— 66 está ev id en te. U m a vez q u e n ã o
h á referên cia a C iro n em à B abilônia, faz-se a p re ssu p o siç ã o (co m b ase n a d a ta
assu m id a p a ra os c a p ítu lo s 40— 55) d e q u e a m b o s são coisa d o p assado. M as
os fato s d o s cap ítu lo s 56— 66, ta n to am pla q u a n to d e ta lh a d a m e n te ,1 d e p esso as
v iv en d o na P alestina so b o c o m a n d o de g o v e rn a n te s nativ o s c o m b in a m c o m a
d ata d e Isaías d o século V III a.C. A s referên cias a a b e rra çõ e s religiosas (57.3-9;
65.2-5), co m c erteza, p e rte n c e m d ire ta m e n te ao p e río d o pré-exílico. E las só
p o d e m se referir à Je ru sa lé m pós-exílio p re su m in d o q u e, p rim eiro , essas p rá-
ticas c o n tin u a ra m a existir e, seg u n d o , q u e o p o v o q u e v o lto u d o exílio foi se-
d u z id o a praticá-las, m as falta validação e x te rn a a essas su p o siçõ es. E x ag era-se
a co n d iç ã o da so cied ad e d e estar claram en te dividida c o n fo rm e su g erid o n o s
cap ítulo s 56— 57 e 65— 66, e foi d e sc rito u m c en ário d e in q u ietação em relação
à divisão pós-exílica e n tre o s p ie d o so s e os ím pios. M ais u m a vez, falta evi-
d ên cia bíblica e x te rn a p a ra essa sup o sição , e ela está lo ng e d e se r co n v in c e n te .
E ssas características estavam em evidência em cada p o n to d a vid a israelita, e os
capítu los 56— 66 n ã o c o n tê m n ad a q u e n ã o esteja im plícito, p o r ex em p lo , em
Isaías 3.13-15; 5.12-16; 8.16; 28.7,8; etc. e n o s p ro fe ta s pré-exílicos em geral.
O s cap ítu lo s 1— 39 e 40— 55, p o rta n to , são o prin cip al c a m p o d e b atalh a
d a a u to ria d e Isaías. C o n fo rm e o c o m e n tá rio m o stra em detalh es, se os cap ítu -
los 40 — 55 (e m b o ra se refiram ao exílio) n ã o são d a ta d o s d u ra n te o exílio, en-
tã o n ã o h á um a dificuldade in tra n sp o n ív e l em a d m itir q u e o s cap ítu lo s 56— 66
te n h a m o rig e m pré-exílica c o m a u to ria d e Isaías. T u d o d e p e n d e d a d a ta ç ã o d o s
cap ítulo s 40— 55, e p a ssa m o s a c o n sid e ra r essa d atação q u a n to aos asp e c to s da
literatu ra, g eo g rafia, h istó ria, p ro fe c ia e teologia.

1 A interpretação dc 63.18 e 64.11,12 c considerada no comentário.


35 Introdução

a. Literatura
A lém da q u e stã o de estilos c o n sid e ra d a acim a, o u tra s características têm
de ser co n sid erad as.1 O re sto d o s livros p ro fé tic o s m o s tra q u e a co n v en ção
literária so b a qual o A n tig o T e sta m e n to foi re u n id o era p re se rv a r a id en tid ad e
separada, em vez d e p e rm itir q u e a o b ra d e u m p ro fe ta se fu n d isse c o m a d e o u -
tro — até m e sm o fra g m e n to s c o m o o livro d e O b a d ia s.12 N o caso d o p in ácu lo
da profecia d o A n tig o T e sta m e n to , n o e n ta n to , so m o s co n v id a d o s a a cred itar
que esse p ro c e d im e n to foi ab an d o n ad o . E fácil m o n ta r h istórias em to rn o da
suposta an o n im ía d o s capítulos 40— 55, c o m o a de que, u m a vez que está p ro fe-
tizando d o exílio a q u e d a da B abilônia, o a u to r acha c o n v e n ie n te e sc o n d e r seu
nom e. M as m e sm o q u e fo sse esse o caso (e é u m caso claro d e p e tiç ã o especial),
um a coisa é e sc o n d e r a id e n tid ad e, o u tra co isa é o n o m e se p e rd e r e ain d a o u tra
coisa é a p ró p ria o b ra se r a b so rv id a em o u tra o b ra. A p e rc e p ç ã o de C lem en ts,
m encionada acim a, d e q u e Isaías d e Jeru salém precisava d o “ Isaías” d o exílio
para co m p letar sua m en sag em e, daí, o caso d o tex to d o p ro fe ta p o ste rio r te r sido
acrescentado ao d o a n te rio r é igualm ente u m caso de histórias escritas para sus-
tentar teorias. A lém d o que, c o m o “A união d o s d o z e ” de H o u se m o stra , p o d e
ter havido p re o c u p a ç ã o e m d esen v o lv er a integridad e da m en sag em profética
sem sacrificar a identidade d isü n ta d o s livros e d o n o m e d e seus au to res. C o n tu -
do, n ão h á n e n h u m a a u to rid a d e ex te rn a n e m q u a lq u e r m a n u sc rito p ara su p o r
a existência se p a ra d a em q u a lq u e r é p o c a d e algum a das três su p o sta s divisões
de Isaías. N o caso d o p rim e iro m a n u sc rito d e Isaías d o s p e rg a m in h o s d o m ar
M orto (Q*), p o r exem plo, 40.1 co m e ç a n a ú ltim a lin h a d a co lu n a q u e c o n té m
38.9— 39.8.

b. Geografia
A questão d o contexto topográfico dos capítulos 40— 55 é im portante. Elli-
son com enta q u e “ e m b o ra o p a n o d e fu n d o da Palestina te n h a se esm aecid o , o
da B abilônia n ã o ficou e v id e n te ” .3 A últim a p a rte d essa declaração é v erdade,
a prim eira n ã o é. A. L o d s achava a evidência g eo g ráfica tão c o n siste n te que,
igualm ente p re ssio n a d o p o r sua in cap acid ad e p ara aceitar a p ro fe c ia preditiva,
insistiu q ue o “ D e u te ro ls a ía s ” residia na Fenicia o u n a Palestina. E le escreveu:

1Veja R. Margoliouth, (New York: Ycshiva University, 1964). T. R. Birks,


The Indivisible Isaiah
Commentary on the B ook o f Isaiah (MacMillan and Co., 1878), p. 335-349, oferece alguns
comentários notáveis sobre evidência linguística.
2A suposição feita com frequência de que “Malaquias” é um nome inventado para se ajus-
tar ao livro reforça nossa consciência acerca da determinação dos antigos arquivistas de
conservar a individualidade dos textos proféticos.
3 H. L. Lillison, M en Spake fro m G od (Paternoster Press, 1958), p. 44.
INTRODUÇÃO 36

Q u and o quer retratar um idólatra, o autor m ostra-o pegando sua machadi-


nha e indo para a floresta a fim de d erru b ar um a árvore. [...] Isso, aparen-
tem ente, elim inaria o E gito ou a Caldeia, pois em nen h u m deles [...] há
árvores apropriadas para ser esculpidas. [...] O s óleos m encionados a ser
extraídos das árvores são da Á sia O cidental (41.19; 55.13). As paisagens
ou o clima da Ásia O cidental lhe fornecem a m aioria de suas m etáforas —
m ontanhas, florestas, m ar, neve, terra férül p o r causa da chuva, e não pela
inundação de rios nem p o r irrigação, aridez, [...] a frequente m enção ao
Líbano, ao m ar c às ilhas.1

A declaração d e q u e ao e n tra r n o s c a p ítu lo s 40— 55 p assam o s p o r u m


am b ien te m e so p o tâ m io n ã o n asceu d a evidência. A “ B ab ilô n ia” , co m c erteza,
“ n ã o ficou e v id e n te ” .

c. História
N a passagem 43.14, o p ro fe ta en tra n o reino da h istória e das alusões, em
princípio, feitas em 40.1— 43.13 e tidas c o m o se referin do ao cativeiro babilônio,
e a razão para isso, sua d uração lim itada e té rm in o v in do u ro . G . E . W rig h t ex-
p resso u de fo rm a tip icam ente lúcida o princípio so b re o qual o e stu d o m o d e rn o
in terp reta esse fato: “A profecia é a n te rio r ao q u e prediz, m as c o n te m p o râ n e a o u
mais tardia ao q u e ela p re ssu p õ e ” .12 C o m base nisso, conclui-se q ue o p ro fe ta res-
ponsável pelos capítulos 40— 55 devia m o ra r na B abilônia p o rq u e ele p ressu p ô s
o cativeiro e, a p a rtir de sua colocação nele, olha adiante para sua conclusão. O
assunto, c o n tu d o , n ã o p o d e ser resolvido de fo rm a tão célere.
O s cap ítu lo s 40— 55 refletem m u ito p o u c o ta n to d o a m b ie n te social e his-
tó ric o d a B abilônia q u a n to da g eografia babilônia. O s cap ítu lo s n ã o tê m cená-
rio b ab ilô n io , e m b o ra 43.14— 48.22 te n h a o rie n ta ç ã o babilônia. A B ab ilô n ia é
m e n c io n a d a q u a tro vezes — c o m o o lugar d e cativeiro (43.14), c o m o u m a cida-
d e c o n d e n a d a a cair (47.1), c o m o local da ação divin a p u n itiv a (48.14) e c o m o
0 p o n to d e p a rtid a d o s q u e v o lta rã o p a ra Je ru sa lé m (48.20). D o c o n trá rio , h á
p o u c a coisa cjue seja exclusiva o u típica d a B abilônia em relação aos cap ítu lo s
salvo q u e C iro é m e n c io n a d o c o m o c o n q u ista d o r d a B abilô n ia (44.28; 45.1). E
p a rtic u la rm en te im p o rta n te m e n c io n a r q u e q u a n d o o s cap ítu lo s falam so b re
as c ircu n stân cias d o s exilados (p o r exem plo, 42.22; 51.14), eles n ã o su ste n ta m
n e n h u m a relação co m o q u e sa b e m o s d a v erd ad eira ex p eriên cia d o s q u e fo ra m
levados p ara a B abilônia (cf. J r 29; em c e rto s tre c h o s d e E z). N isso , o p ro fe ta ,
c o m o d e fato o faz n a “ d escrição ” d a q u e d a da B abilônia (46.1,2; 47.1-15),
n ã o está fo rn e c e n d o in fo rm a ç õ e s d o local, m as u sa n d o e ste re ó tip o s c o n v e n -
cionais. “ Q u a n d o p ro c u ra m o s evidência da residên cia d o p ro fe ta n a B ab ilô ­

1 A . L o d s , The Prophets o f Israel (K e g a n P au l, 1 9 3 7 ), p. 238.


2 G . E . W rig h t, The B o o k o f Isaiah (Jo h n K n o x P re ss , 1964).
37 Introdução

nia, ficam os su rp re so s em c o n sta ta r c o m o é difícil e n c o n tra r alg u m a evidência


con v in cente” .1 N a v erd ad e, q u a n d o ex am in am o s o s d etalh es, em te rm o s da
m áxim a d e W right, p o d e ria p a re c e r q u e a “ B abilô nia” é p red ita, em vez de
p ressu po sta, e n isso h á algum a coisa p rev ista em te rm o s m u ito ab ran g en tes.
N ão é n ad a além d o n o m e d o c a p tu ra d o r. N ã o h á evidên cia d a p articip ação
de te ste m u n h a ocular. O tip o de d e ta lh e p elo qual u m a te ste m u n h a o c u la r se
trairía sim p lesm en te n ã o existe ali — as o b se rv a ç õ e s so b re a cidade, o m o d o
com o sua vida é o rd e n a d a , as e stru tu ra s d e sua so cied ad e, a im p re ssã o e o aro -
ma do lugar. T a m p o u c o e n c o n tra m o s, ad m ite W rybray, p re o c u p a ç ã o c o m os
problem as ex isten tes n o q u e ele cham a d e “ c o m u n id a d e judaica” .1
23*A m áscara
cai definitivam ente em 52.11 q u a n d o o p ro fe ta a d o ta u m a p o sição , co m certe-
za, não na B abilônia.
A m áxim a d e W rig h t é m ais a tra e n te q u e útil, p e d in d o p e rg u n ta s, em vez
de fo rn ecer o rien tação . Pois o q u e é d e fato u m a “ p re ssu p o siç ã o ” ? S u p o n h a
que um p ro fe ta faça u m a p redição, o q u e a m áx im a d e W rig h t lhe p e rm ite fazer,
esse even to ainda fu tu ro se to rn a im e d ia ta m e n te u m a das p re ssu p o siç õ e s so b re
as quais ele b aseia a c o n tin u a ç ã o de seu m in istério ? P o r ora, tu d o q u e o p ro fe ta
disser tem d e se r m o d e la d o p o r seu c o n h e c im e n to d o q u e ain d a está p o r aco n -
tecer. M as isso n o s leva p a ra a p ró x im a seção da n o ssa investigação.

d. Profecia
Q u a n d o d iscu tim o s a su ste n ta ç ã o da p ro fe c ia p red itiv a n a q u e stã o d a au-
toria de Isaías, te m o s de elim in ar d e u m a vez as c o n sid e ra ç õ es baseadas em
fatores de tem p o . E c o m u m p e rg u n ta r se u m p ro fe ta p o d ia, o u m e lh o r, p o d e ria
predizer u m ev e n to q u e deveria a c o n te c e r u m sécu lo e m eio d e p o is d e seu
tem po c, d ep o is, p e g a r esse e v e n to fu tu ro e o lh a r m ais p a ra a fre n te ain d a, mais
setenta anos adiante.-5 E possível p re d iz e r n essa escala d e tem p o ? E relevante
fazer isso — d iz e r aos p ró p rio s c o n te m p o râ n e o s: “ S inta-se re c o n fo rta d o d aqui
duzentos a n o s tu d o ficará b e m ” ? C o n tu d o , é im p o rta n te le m b ra r q u e os “ du-
zentos a n o s” são n o ssa co n trib u ição para a discussão, n ã o a d e Isaías. Isso vem
de nossa visão em retro sp ectiv a, n ã o d a p rev isão dele. E le n ão disse n ad a so b re
isso e, p o r tu d o q u e sab em o s, n ã o sabia n ad a so b re esse assu n to .
C o m o o c o m e n tá rio insiste, a passag em 39.1-8 satisfaz to d a s as co n d içõ es
estabelecidas p elo e n te n d im e n to m o d e rn o d o s p ro fe ta s c sua o b ra . A B abilônia
é ap resentada a Isaías c o m o u m tó p ico ; ele re sp o n d e in cisiv am en te, tra ta n d o

1 S m art, p. 20
2 W hybray, p. 196.
3 A m era p a s s a g e m d o te m p o p o d e n ã o c o n s titu ir u m p r o b le m a . Isa ías c o n s tr ó i e m fa to re s
d o te m p o q u a n d o lh e c o n v é m ( p o r e x e m p lo , 16.1; 2 1 .1 6 ), m as o te m p o d e c u m p r im e n to ,
em g eral, é a b e rto . D e m o r o u 130 a n o s a n te s q u e 5 .1 -7 fo ss e c u m p rid o . A p a s s a g e m 4 4 .2 8
lida c o m a q u e s tã o d a p r e d iç ã o d o n o m e p e sso a l d e C iro.
INTRODUÇÃO 38

d o a ssu n to c o m o lhe foi p assad o , e sua m e n sa g e m d o ju lg a m e n to v in d o u ro da


B abilônia (39.5-7) é tão relev an te para seus c o n te m p o râ n e o s q u a n to o é sua
p ro n ta m e n sa g e m d e c o n fo rto (40.1). A m áxim a de W rig h t está in ta ta — ta n to
m ais q u e a B abilônia era o p o d e r c o n te m p o râ n e o de p ro p o rç ã o p o te n c ia lm e n -
te m undial. N ã o n o s cab e p e rg u n ta r se Isaías sabia o u n ã o se o c a p tu ra d o r
seria o u n ã o M ero d aq u e-B alad ã d a B abilônia. Política e m ilitarm en te po d ería
te r sido. M as, u m a vez que a palavra “ B abilônia” é p ro n u n ciad a, tem o s o direito
d e p erguntar: então, o n d e está o resto das predições de Isaías de Jerusalém ? Pois
ele n ão p o d e p arar agora. E le criou um a nova p ressu po sição q u e p arece anular
todas as q u e fizera antes p o r m eio de prom essas e esperança, a visão co m p leta
d o Rei e seu R eino universal q u e re ú n e o m u n d o to do . Se “ B ab ilô n ia” fo r a úl-
tim a p alavra, então, n ã o haverá Rei, R eino n e m a reu n ião das n açõ es cm p o v o
d o S enh or. P o rta n to , n ã o é q u e Isaías te m d e se tra n sp o rta r para um século e
m eio adiante e, depois, espreitar ainda m ais à frente n o tem p o . A n tes, fican d o
o n d e ele está, o p ro fe ta d o d esastre b a b ilô n io n ã o o u sa se re c u sa r a p e rsc ru ta r
0 q u e ain da a c o n te c erá , po is sua p ró p ria m e n sa g e m está em risco. N a v erd ad e,
seríam o s m u ito p o u c o criativos se n ã o o u v ísse m o s o p ro fe ta se e sfo rç a n d o , cm
8.16, a ver m ais revelação — e fazer isso o u su b m e rg ir n a h istó ria c o m o p ro fe ta
fracassado. O q u e é m ais n atu ral q u e ele fazer isso? O q u e c m e n o s n atu ral q ue
ele n ã o fazer isso ?1

e. Teologia
PI. H . R ow ley foi u m v erd a d e iro p ro fe ta da trad ição d e e stu d o s d e Isaías n a
qual p e rm a n e c e u q u a n d o escreveu so b re o s c a p ítu lo s 40— 55 q u e “ to d o o te o r
d a m e n sa g e m e das idéias p o r trás d ela e, so b re tu d o , o p e n sa m e n to d e D e u s e
suas c o n clu sõ es, aqui, são d istin ta s” d o q u e e n c o n tra m o s n o s cap ítu lo s 1— 39.12
M as sim p le sm e n te n ã o é isso q u e a c o n te c e ta n to n o exam e m ais a b ra n g e n te
q u a n to n o m ais m in u cio so , d o s detalhes. A id e n tid a d e teoló g ica a b ra n g e n te d a
literatu ra d e Isaías é assegurada p o r sua quase exclusiva declaração d o títu lo “ o
S an to de Israel” (veja item “ c” acim a). Q u a n d o c o n sid e ra m o s q u e essa in sisten -
cia d istintiv a s o b re u m D e u s p a rtic u la r e n acio n al n ã o se ajusta n e m u m p o u c o

1 ( d e m e n ts e stá c o r r e to a o v e r q u e o v e rd a d e iro e n te n d im e n to d a m e n s a g e m p r o f é tic a exi-


g e q u e a p a la v ra d e ju lg a m e n to “ m o d u le ” a m e n s a g e m d e e s p e ra n ç a (e é n e s s e c a s o q u e
ele in s is te q u e o s c a p ítu lo s 1— 35 “ p r e c is a m ” d o s c a p ítu lo s 4 0 — 55, c o m o c a p ítu lo 35
c o n s tr u íd o e d ito r ia lm e n te p a ra c ria r a p o n t e e n tr e as se ç õ e s). M as n a lite ra tu ra d e Isaías,
as a lte rn a tiv a s s ã o q u e o s c a p ítu lo s 4 0 — 55 sã o a c o n tin u a ç ã o d o p r ó p r i o m in is té r io d e
Isa ía s (n o q u a l e le r e s p o n d e a o s p r o b le m a s le v a n ta d o s p o r s u a p r e d iç â o d o fia s c o b a b i-
Io n io e a c o n tr a d iç ã o d e su a m e n s a g e m a n te r io r d e e s p e ra n ç a real) o u q u e as p a la v ra s d e
o u tr o p r o f e ta fo ra m u s a d a s p a r a s u b s titu ir as d e Isa ías (q u e r p o r q u e t e n h a m se p e r d id o
q u e r p o r q u e o p r o f e ta a n ô n im o fe z u m tr a b a lh o m e lh o r). A g r a n d e u n id a d e d a lite ra tu ra
d e Isa ía s a p o n ta p a ra a p rim e ira p o s s ib ilid a d e .
2 H . H . R ow ley, The G row th o f lhe O ld Testam ent ( H u tc h in s o n , 1 9 5 0 ), ρ. 95.
39 Introdução

a um a p ro fecia c o m u m a m e n sa g e m tão universal c o m o a d o s c a p ítu lo s 40— 55


tem os d e p e rg u n ta r n ã o o p o rq u ê disso, m as c o m o o u tro p ro fe ta q u e n ã o Isaías
decidiu u sa r isso.
O s cap ítu lo s 1— 39, se g u in d o m ais na d ireção d o d e ta lh e teo lógico, ex-
pressam seis im p o rta n te s prin cíp io s: o S e n h o r c o m o S e n h o r d a h istó ria (p o r
exem plo, 10.5-15) e c o m o su p re m o so b re os íd o lo s (p o r ex em p lo , 2.12-20);
a p ro m essa de u m re m a n e sc e n te (p o r exem plo, 1.27; 4.3; 8.11-20; 10.20); a
reconciliação d e D e u s c o m o p e c a d o r c o m b ase na exp iação (6.6,7); a visão
da Sião re stau rad a (p o r exem plo, 1.26,27; 2.2-4; 4.2-6); e o M essias davídico
(por exem plo, caps. 7— 12). E ssas seis áreas ta m b é m são o c o n te ú d o teo ló g ico
dos cap ítulos 40— 55. O s cap ítu lo s 40— 48 são c o m o um c o n ju n to d e varia-
ções so b re o s três p rim eiro s tem as, m as claro q u e c u m p re m esse p ap el te n d o
seu p ró p rio v o c ab u lário característico c estilo literário e é im p o rta n te q u e n ão
co n fu n d am o s m u d a n ç a d e ap re se n ta çã o c o m m u d a n ç a d e p e n sa m e n to . E les
não têm , p o r exem plo, u m v o cab u lário para “ re m a n e sc e n te ” c o m o tal, m as
estão p re o c u p a d o s c o m a im p le m e n ta ç ã o d o c o n c e ito d e “ re m a n e sc e n te ’ em
um a d o u trin a d e re d e n ç ã o .1 M ais u m a vez, a p e ç a cen tral d a v isão inaugural de
Isaías é a verd ad e d a expiação p o r m eio d o sacrifício su b stitu tiv o . E m 6.1-8,
isso é relacionado d ire ta m e n te às necessidades pesso ais d o p ro fe ta , m as indire-
tam ente (v. 5) às necessidades d o povo. E ssa v erd a d e fu n d a m e n ta l, à p a rte de
52.13— 53.12, n ã o é d esen v o lv id a n a literatu ra de Isaías. M as o exílio p red ito ,
pro vo cado p elo p e c a d o capital de a b a n d o n a r a p ró p ria d o u trin a d a fé q u e era o
cerne da p ro clam ação d o p ro fe ta , deve tê-lo d esafiad o p ro fu n d a m e n te q u a n to
à validade m ais a b ra n g e n te d e sua p ró p ria ex periên cia d e D e u s e m o tiv a d o -o
a pesquisar u m a d o u trin a c o m p le ta d a expiação. O tó p ic o d a restau ração de
Jerusalém , o b v ia m e n te , é fu n d am en tal para os cap ítu lo s 40— 55, n o s quais (nos
caps. 49— 54) Sião se to rn a d e fo rm a explicita o m o d e lo d o p o v o re d im id o e
restaurado.12 E , finalm ente, o M essias davídico e o S erv o são u m (veja a seção
sobre a u n id ad e m essiânica n esta In tro d u ç ã o e o c o m e n tá rio so b re 55.3,4).

3.0 livro de Isaías


In d e p e n d e n te m c n te da p e rc e p ç ã o q u e seja a d o ta d a n a q u e stã o da au to ria
de Isaías é essencial ch eg ar fin alm en te a u m a avaliação c o e re n te d e c o m o a
literatura c h e g o u à sua fo rm a atual. Q u a n to à p e rc e p ç ão d e te r h av id o (diga-
mos) três a u to re s principais se p a ra d o s p o r um esp aço d e te m p o e n tre eles,
tem po esse ao qual se c h e g o u a u m aco rd o , é, d e m u itas m aneiras, a p ró p ria

1 S e n h o rio s o b r e a h is tó ria (4 0 .2 1 -2 5 ; 4 1 .1 -4 ,2 5 -2 7 ; 4 2 .2 4 ,2 5 ; 44.24— 4 5 .7 ; 4 6 .8 -1 3 ; 4 7 .1 -


25); s u p re m a c ia s o b r e o s íd o lo s (4 0 .1 8 -2 0 ; 4 1 .5 -7 ,2 1 -2 4 ; 42.1 /; 4 4 .9 -2 0 ; 4 6 .1 -7 ).
2 40.9; 4 1 .2 7 ; 4 4 .2 6 -2 8 ; 4 6 .1 3 ; 4 9 .1 7 -2 6 ; 5 1 .1 1 ; 5 2 .1 -9 ; 5 4 .1 -3 ,1 1 ,1 2 . C f. a c id a d e c o m o o
c e n tro re lig io so m u n d ia l: 4 0 .5 ; 4 2 .1 -4 ,6 ; 4 5 .1 4 ,2 2 -2 9 ; 4 9 .6 ,7 ; 51 .5 ,6 ; 5 2 .1 0 .
INTRODUÇÃO 40

sim plicid ade p a ra explicar o livro resu ltan te disso — d e sd e q u e a p e sso a esteja
p re p a ra d a p ara fazer, ao m e n o s, d u as suposições. P rim eiro, existe a su p o sição
(to talm en te sem a p o io ex tern o , m as essencial p ara a teoria) de u m a co n tín u a
“ escola” d e discípulos de Isaías,1 p re o c u p a d a co m a p e rp e tu a ç ã o da m en sag em
de seu m e stre e o c u p a d a em ad ap tá-la à situação deles. S egu n d o , h á a su p o sição
(validada pela existência m esm a d o A n tig o T e sta m e n to c o m o u m to d o ) d e q u e
ho u v e, n a igreja d a antiga aliança, a a a ia ç ão d e arquivistas e c o n se rv a c io n ista s
cu id ad o so s q u e reu n iram e finalizaram esse m aterial cada vez m aior. A p e rc e p -
çao d e W atts d e u m e d ito r e colegas em o p e ra ç ã o em 435 é p arecid a co m essa:
um g ru p o c o n tín u o d e d isc íp u lo s-p re g a d o re s e a u n ificação final d o c o rp o d e
m aterial cad a vez m a io r e m u m c o m p ê n d io co m u m a visão de d o z e a to s e u m a
p e rc e p ç ão c o e re n te d e D e u s c da história.
M as c o m o fica a literatu ra se p ro c u ra m o s o lu gar da m e n te q u e o rig in o u
e o rg a n iz o u n o co m eço , em vez de n o fim da o b ra — o p ró p rio Isaías n o sé-
cu lo VITI e início d o V II a .C , e m vez d o e d ito r a n ô n im o d e W atts n o fim d o
século V?
E m u ito difícil e n te n d e r a relutância de especialistas e co m en taristas em ver
os p ro fetas c o m o seus p ró p rio s editores, e isso se deve, p rin cip alm en te, a n ão
to m a r c o n h e c im e n to das suposições dos p ró p rio s p ro fetas so b re si m esm o s e
sua ob ra. H oje, m uitos achariam im possível p en sar n os livros d o s p ro fetas c o m o
inspirados v erbalm ente p o r D eus, o u seja, que o agente h u m a n o esco lh id o não
só receb eu 'd e D eu s (p o r m eio de processos nu n ca revelados) a essência e o “ sen-
tid o ” d a m en sag em que tinha d e transm itir, m as tam b ém foi tão incitado c su-
perv isio n ad o p o r D eu s q u e as palavras que expressaram a m en sag em (palavras
naturais ao h o m e m daquela ép o c a e co m aquela personalidade) tam b ém eram as
p róp rias palavras de D e u s m esm o.12 E ssa é u m a declaração tão im p ressio n an te
que n ão é de ad m irar q u e os especialistas que exam inaram os p ro fetas em m eio
ao racionalism o d o século X IX sim plesm ente a ten h am descartado. T a m p o u c o , é
de adm irar que até o m o m e n to ain d a exista m u ita relu tân cia acerca d o assu n to .
N o e n ta n to , n o ssa obrigação, nesse p o n to , não é inquirir se Isaías estava c e rto o u

1 W J. D u m b rc ll (7 he F aith o f Israel \V W , 1 9 8 8 |, p. 99) o b s e r v a q u e a p e r c e p ç ã o d e u m g r u p o


c o n tín u o d c d is c íp u lo s d e Isa ía s p r o d u z iu a lite ra tu ra d e Isa ías “ é u m a h ip ó te s e ín te re s -
s a n te , m a s q u e só “ e x p lic a ” u m a u to r d e s c o n h e c id o s e n d o s u b s titu íd o p o r o u t r o a u to r
d e s c o n h e c id o . C f. C le m e n ts , N C .'B , p. 4-5.
2 O b s e r v a m o s a id e n tific a ç ã o b á sic a d a p a la v ra d o p r o f e ta c o m a s p a la v ra s d o S e n h o r n o
m o v im e n to d a frase: “ P alav ras d e A m ó s ” (A m 1.1) a: “A ssim d iz o S e n h o r ” (A m 1.3).
A s in g u la rid a d e f u n d a m e n ta l d a in s p ira ç ã o é d e c la ra d a c m J e re m ia s 1.9: “ P o n h o e m su a
b o c a as m in h a s p a la v ra s ” , e o m ila g re s u b ja c e n te e stá ilu s tra d o e m liz e q u ie l 2 .7 — 3.4, p a s-
sa g e m n a q u a l o b s e r v a m o s c o m o a p a s s a g e m c a g r u p a d a p e la o rd e m : “ D iga[...] as m in h a s
p a la v ra s” , e a m e n s a g e m v e rb a liz a d a é d a d a n o p e r g a m in h o e sc rito . F .ssa c a c o n v ic ç ã o na
q u a l o s p r o f e ta s b a s e a ra m su a o b ra .
41 Introdução

errado em p e n sa r em si m e sm o c o m o v erb alm en te inspirado, m as p erg u n tar o


que um h o m e m co m essa convicção deveria fazer co m o m aterial resultante dessa
inspiração divina. D ev ia deixá-lo, cm p a rte , n a fo rm a escrita e, em sua m aioria,
na fo rm a oral ao s a b o r das m u d a n ç a s da história? O u seria m ais provável —
na verdade, c e rto — q u e ele o “guard aria” e o “ selaria” e n tre seu s d iscípulos,
deixando-lhes “ o m a n d a m e n to ” c o m o “ lei” c “ sinais e sím b o lo s” p a ra a fu tu ra
instrução e o rie n ta ç ã o deles (8.16-20)? C o n fo rm e o c o m e n tá rio m o stra , a rele-
vância d e 8.9-22 é o re c o n h e c im e n to a u to c o n sc ie n tc d e u m a p e sso a n o povo,
de um a igreja n a igreja, o re m a n e sc en te cristão cu jo p rin c íp io fu n d a m e n ta l c
sua ligação c o b ed iên cia à palavra d e D e u s selada e a testad a q u e eles p o ssu em .
N essa circu n stân cia (sua co n v icção da in sp iração verbal) e c o m essa o rd e m
(de gu ard ar e selar o e n sin o testam en tário ) q u e p ro c e d im e n to s p o d e m ser ado-
tados? P o d em o s p re su m ir q u e a o rd e m registrada em 8.16 aplica-se ao m aterial
do m inistério d e Isaías até a data. O s dias calm os d e p o is d o g ra n d e ev e n to de
Senaqueribe, o v erão in d ia n o d o re in a d o de E x eq u ias o u talvez a am eaça rep re-
sentada pelo ad v e n to d e M anassés (2Rs 21) su c e d e r seu pai teriam d a d o a o p o r-
tunidade a Isaías (e n o caso d e M anassés, m o tiv ação e urgência) para “g u a rd a r”
entre seus discípulos o re su lta d o de c in q u e n ta a n o s d e m in istério d esd e o “ an o
em que o rei U zias m o rre u ” . E le a d o taria u m a a b o rd a g e m cro n o ló g ica, fo rn e-
cendo datas e épocas, o rg a n iz a n d o suas m e n sa g e n s n a co n c isã o escrita delas
junto co m a cro n o lo g ia de seus dias? File a d o taria a a b o rd a g e m tó p ica, ag ru -
pando suas m en sag en s so b títulos? O u p ro c u ra ria u m p rin c íp io u n ificad o r e
usaria to d o esse m aterial fo rn e c id o p o r D e u s p a ra elucidá-lo?
Λ indicação da literatura de Isaías, c o n fo rm e esboçada nesta in tro d u ção e
detalhada n o com entário, é q u e Isaías a d o to u a últim a ab ord ag em e, ao executá-la,
usou seu m aterial co m liberdade m agistral. N o com entário, seu m é to d o é descrito
como de “ m osaico” n o qual pedaços com diferentes p o n to s dc origem e co m
pré-histórias individuais são trazidos a um a n o v a integração de m o d o que, agora,
o relevante n ão é a pré-história, m as o novo p ro p ó sito e desígnio d o livro. O livro
todo é um im enso m osaico em que o m aterial totalm en te pré-exílico é p re p a ra d o
para servir p ro p ó s ito s pré-exílicos, exilíeos, p ós-ex ílico s c escatológicos. N ele,
Isaías con segue p e g a r p o e m a s originais (p o r exem plo, o m aterial de 5.22-30 c
9 .8< 7> — 10.4) e u sa r as seções deles em n o v o s c o n te x to s. E le ra ra m e n te for-
nece datas p o rq u e n ã o é útil n e m im p o rta n te c o n h e c e rm o s o a m b ie n te original
de seus oráculos, m as a p en as p ara q u e p o ssa m o s d e sc o b rir c o m o o sen tid o
inerente deles auxilia a u n id ad e da m e n sa g e m d o p ro fe ta . N o s s a tarefa é levar
essa edição em m o sa ic o a sério ,1 resistir à te n ta ç ã o de ju n ta r d e n o v o peças se-

1A a b o rd ag e m “ fra g m e n tista ” d o te x to e v id e n te d e D u h m e m d ia n te , e m p a rte , b a se ia -se n a


su p o sição d e q u e o te x to e stá e x te n s iv a m e n te e m d e s o r d e m . P e n s a -s e q u e e sse é o re su lta -
d o d e m u ita s “ m ã o s ” (p rin c ip a l e a p a r e n te m e n te ig n o ra n te s ) q u e a c r e s c e n ta ra m b o c a d o s
e p eças ao t e x t o / tr a d iç ã o q u e h e rd a ra m . S c a d e s a rtic u la ç ã o e n tr e o q u e é o rig in a l e o q u e
foi in se rid o é tã o clara c o m o o s c o m e n ta r is ta s p a re c e m a c h a r, p o r q u e o m a te ria l teria
INTRODUÇÃO 42

parad as e d ito ria lm e n te e ficar d ian te d o te x to até q u e sua p ró p ria p erfeição d e


o rd e n a ç ã o v e n h a g ra d u a lm e n te à lux.
A p assag em 8.16,17 declara a o rie n ta ç ã o a p a rtir d a qual Isaías trab alh o u .
E le resp o n sa b iliz o u -se p o r fo rn e c e r aos seus discíp ulos u m a p alav ra q u e, co m
c erteza, era de D e u s (um te ste m u n h o a te sta d o p elo S en h o r, u m a “ lei” en sin a-
d a p o r D e u s) p a ra u m p e río d o d e e sp e ra (“ E sp e ra re i p elo S e n h o r”) e ex p ec-
tativa {Nele porei minha confiança/‘*Né[e p o rei a m in h a esp e ra n ç a ”). N o final, a
exp ectativa está c e n tra d a n a escatologia, “ n aq u ele d ia” em q u e o v erd ad eiro
Rei davíd ico divino reinará, e o C o n q u ista d o r U n g id o d iv in o terá fin alm en te
a c e rta d o to d a s as cjuestões p e n d e n te s. É in te re ssa n te o b se rv a r q u e o S erv o n ã o
é u m p e rso n a g e m escato ló g ico n o m e sm o se n tid o q u e o Rei e o C o n q u ista d o r.
N ã o h á ex p ectativ a d o tip o “ n aq u ele dia” em relação a ele, an tes, q u a n d o Isaías
q u e r relacio n ar a o b ra d o S ervo c o m a escatologia, ele vo lta a o m o d o d av íd ico
(55.3,4). O p aralelo co m C iro (veja p. 471) sugere u m p e rso n a g e m e n tra n d o
n o c e rn e da h istó ria e o ch a m a d o (em seguida à o b ra d o Servo) a “ m an te[rj a
ju stiça” na expectativa da “ salvação [...] e [...] re tid ã o ” ain d a a serem reveladas
(56.1) in d icam q u e o p o v o d e D eus, d e p o is d o Servo, re to m a a tarefa q u e exige
0 e sfo rç o de e sp e ra r c o b ed ecer. Fim linguagem m o d e rn a , o S erv o é u m a expec-
tativa de m éd io p ra z o em co n trap artid a à expectativa de lo n g o p ra z o d o Rei e d o
C onq uistad or. M as cada p erso n ag em m essiânico está ap ro p riad am en te fo cad o
nas situações co m as quais o p ro fe ta está tratando. N o s tem p o s pré-exílicos da
m o n arq u ia davídica, ele m a n te v e d ian te de seus discípu lo s a ex p ectativ a d o rei
p e rfe ito (caps. 1— 37). Q u a n d o as c ircu n stân cias o tra n sfo rm a ra m n o p ro fe ta
da c a tá stro fe v in d o u ra (39.1-8; prev ista em 6.9-13; 7.10-25; etc.) e teve d e en-
fre n ta r a p o ssib ilid ad e d e q ue, ao a b a n d o n a r o c a m in h o d a g raça e d a fé, o p e-
cad o p revalecera, su a visão era d a v in d a d o S alvado r d o p ecad o , o S erv o (caps.
38— 55).1 E finalm ente, s a b e n d o c o m o ele sabia q u e o p o v o v o ltaria d o cativei­
sid o a c re s c e n ta d o ? S erá q u e o m u n d o a n tig o tin h a ta n to s d is c íp u lo s e e d ito r e s tã o in c a -
p a z e s d e p e r c e b e r e ssa s c o is a s ? S e a p e n a s D u h m tiv e sse s id o a b e n ç o a d o c o m o e s p írito
d e h o lis m o , o ú ltim o s é c u lo te ria s id o im e n s a m e n te m ais ric o p o r isso . W a tts (vol. 1, p.
xxiii) d iz q u e m e s m o p a r a o g r a n d e W ild c rb c rg c r “ e sta v a c la ro [...] q u e o q u e e ra m e s m o
i m p o r ta n te e ra a in te r p r e ta ç ã o d o liv ro c o m o ele c a g o r a ” . C o n tu d o , a d e s p e ito “ d o v a lo r
in e s tim á v e l d c se u c o m e n tá r io c m re s u m ir c av aliar t o d o s o s re s u lta d o s d a s c o n c lu s õ e s
c rític o - h is tó r ic o a te a d a ta d a re a liz a ç ã o d e su a p e s q u is a , o c o m e n tá r io n ã o foi b e m -s u -
c e d id o e m a p r e s e n ta r u m a in te r p r e ta ç ã o c o m p re e n s ív e l d o livro. E le se g u iu o m é t o d o d e
e x e g e se h is tó r ic a c s u a o b r a a p r e s e n ta o s re s u lta d o s tr e m e n d o s d e s s e m é to d o . M as isso
n ã o o to r n a liv ro v iv o p a ra o le ito r o u o e s tu d a n te ” .
1 D e v e -s e o b s e r v a r o m o v im e n to d o c a p ítu lo 5 a o c a p ítu lo 6 e d o c a p ítu lo 39 p a ra o s ca-
p ítu lo s 4 0 — 55. Tsaías te r m in a se u p r e fá c io (caps. 1— 5) c o m a q u e s tã o im p lícita: a g ra ç a
a c a b o u m e s m o (cf. 5 .4)? !m e d ia ta m e n te , ele m u d a p a r a a e x p e riê n c ia e o re g is tro d o q u e
a g ra ç a p o d e f a z e r d e f a to p o r a lg u é m c o n d e n a d o p e lo p e c a d o ( 6 .1 8 ‫)־‬. N o c a p ítu lo 3 9 , é
c o m e tid o o p e c a d o c a p ita l ele n e g a r a fé, e a m e n s a g e m p a s s a ¡m e d ia ta m e n te p a ra o m o d o
r e d e n t o r e a tin g e o p o n t o c u lm in a n te c m 5 2 .1 3 — 53.12.
43 Introdução

ro sem te r m u d a d o m o ra l e esp iritu alm en te (48.1-22), a m e sm a m istu ra , se m p re


presente n a vida deles, de c ren tes e reb eld es (45.8-13), m as, ag o ra, sem um
rei, ele e n c o ra jo u seus discíp u lo s e m v ista d o estresse circu n stan cial (57.1-21),
do fracasso p esso al (59.9-13) e d a c o m u n id a d e div idida (65.1-25) p a ra o lh a r à
frente para o g ra n d e S alvador e V in g a d o r e a o b ra final d e resg ate (63.1-6). Sua
expectativa é se m p re sem d ata e p o te n c ia lm e n te im in en te. A resp la n d e c en te
glória d o Rei b rilh a im e d ia ta m e n te p o r trás das n u v en s d e trevas assírias, em -
bora, n a prática, d a ta d a p a ra o “ fu tu ro ” (9 .1 < 8 .2 3 > ); o S erv o m a n té m relação
estreita co m a v o lta d a B abilônia e a d e so lad a Sião (48.22— 49.1; 49.14; 54.1),
em bora as passagens n ã o c o n te n h a m n e n h u m in d ício da é p o c a d e su a vinda;
e parece q u e o C o n q u ista d o r U n g id o está p ro n to para in te rv ir a q u a lq u e r m o -
m ento p ara v in g ar e salvar. O p o v o d e D e u s está se m p re e m te n sã o d e u m tipo
ou de o u tro , m as é se m p re an im a d o pela luz q u e b rilh a p o r trás das nuvens.
Parece se r isso q u e Isaías p re te n d e q u e seu livro seja p a ra seu s d iscípulos
im ediatos e para a igreja ex istente. F ies, p o r sua vez, são o p o v o d a p alav ra de
Deus ch am ad o s à o b ed iên cia pacien te, e m b o ra falhem ; ch a m a d o s a p e rsistir
em m eio à o p o sição , à am eaça e às disputas incessantes. O s c o n te m p o râ n e o s
de Isaías, guiados p o r ele, aguardam ansiosos o exílio, a volta dele e, a qualquer
m om ento depois d o exílio, o m essianism o d e m édio p ra z o e final en sin ad o pelo
profeta. N o ssa posição, ainda c o m o o p o v o d a palavra d e D e u s e ainda con fo r-
me ensinado p o r Isaías, é relevantem ente distinta e relev an tem en te a m esm a. O
livro de Isaías, em essência, só p recisa d e p e q u e n o s ajustes p a ra se ad eq u ar ao
nosso cro n o g ram a. F u n d a m e n ta m o -n o s p re c isa m e n te em 56.1, o lh a n d o em
retrospectiva p a ra a o b ra d o S erv o (agora c u m p rid o na p e sso a , vida, m o rte e
ressurreição d o S e n h o r Jesus) e o lh a n d o à fre n te p a ra a v in d a d o C o n q u ista-
dor U ngido. A ú n ica d iferen ça é q u e e m b o ra saib am o s q u e o Rei já reina, seu
reinado está in có g n ito para o m u n d o c o m o um to d o c ag u ard am o s a v in d a d o
Rei dos reis e d o S e n h o r d o s se n h o re s e cjue rein ará n o m o n te Sião, citad o em
H ebreus 12.22, e g lo rio sa m e n te p e ra n te seus anciãos (24.23).

4.0 texto de Isaías


O tex to h eb ra ic o d e Isaías (o T M ) n o s c h e g o u e m b o m e sta d o d e co n -
servação. P. A . V erhoef, em seu valioso c o m e n tá rio so b re A g eu , c o m e n ta
que quinze an o s de experiência n o tra b a lh o de tra d u z ir B íblia “ fo rta le c eu a
convicção de cjue a m aioria das alterações p ro p o sta s ao texto [...] são realm ente
desnecessárias” .1 E le fala isso c o m o um a ob serv ação geral so b re o T M c o m o u m
todo; o com entário, co m certeza, é aplicável a Isaías. P o uco s e d istan tes en tre si
são os casos em q u e há algum a dúvida real d o q u e se p re te n d e q ue o texto signifi-
que ou q u ando um a p erfeiço am en to exige u m a séria avaliação. D o s testem u n h o s

1 P. A. V e rh o e f, Ί)be B ooks o f Ila g g a i and M alachi (N IC , lic r d m a n s , 1 9 8 7 ), p. 18.


INTRODUÇÃO 44

externo s d o texto d e Isaías, o Targum de Isaías1 (um a p aráfrase aram aica antiga)
parece te ste m u n h a r de um texto subjacente pró x im o d o T M , se n ã o id ên tico a
d e . É m ais difícil discernir a influência da Septuaginta (L X X )12 e d o Q a. O ttley
arriscou-se a dizer q u e L X X B, e m b o ra se n d o o m an u scrito g re g o que g eralm en te
é co n sid erad o o m ais im p o rtan te, n ã o o b stan te, é “ pelo c o n se n so c o m u m um a
das p iores p artes traduzidas da L X X ” .3 C laro q u e esse julg am en to p re su m e q ue
os trad u to res d a L X X trabalharam a p a rtir d o T M e cu m p riram m al sua tarefa.
Talvez isso esteja co rreto , pois m uitas das variantes da L X X su rg em em lugares
em q u e o p ró p rio T M envolve o hebraico in co m u m nas ex p ressõ es idiom áticas
o u vocabulário e a pesso a (em b o ra co m ousadia) pergu nta-se se os trad u to res
estavam lingüísticam ente prep arad o s para o trabalho. Adas, agora, a possibilidade
ventilada co m m ais firm eza é q u e a L X X seguiu u m original h eb raico diferen te
d o 'I'M .4 T odavia, m e sm o que fosse esse o caso, a tarefa de recu p erar o original
heb raico co m base na L X X seria m uito incerta. O Q " c n o sso m an u scrito hebrai-
co m ais antigo, d a ta n d o possivelm ente de 100 a.C. e n o s lev an d o d e v olta mil
anos an tes d o texto d o T M de B em A sher (1009 d .C ). Λ iden tid ad e esm ag ad o ra
desse texto co m o T M indica a confiança q u e p o d e m o s te r n o q u e h e rd a m o s e o
esp an to so cuidado e exatidão d o s copistas. A o m esm o tem p o , o e stu d o das varia-
ções d o texto d e Q a q u a n d o c o m p a ra d o co m o tex to de T M sugere aos especialis-
tas que tem o s aqui re p resen tan tes d e d u as fam ílias d istin tas d e m an u scrito s. O s
p o n to s em q u e Q :l p arece te r um sen tid o relevante para no ssa c o m p re e n sã o de
Isaías foram levados em consideração em n o sso co m en tário .5 A ten d ên cia o b ser-
vável em estu d o s especializados d o te x to d o A n tig o T e sta m e n to é o afastam en -
to d a p aixão p o r reescrev er o q u e foi h e rd a d o e a d o ta r um a atitu d e b a sic a m e n te
m ais rev eren te, e m b o ra ainda alerta, co m o te x to c o n fo rm e receb id o . U m a ge-
ração a n te rio r de c o m e n ta rista s cham ava de “ e m e n d a ” o q u e m u itas vezes na
m e lh o r das h ip ó te se s era u m a d e m o n stra ç ã o d e e n g e n h o sid a d e linguística c,
na p io r das h ip ó teses, a indulgência d e um risco o cu p acio n al. “ N o s s a o rd e m ” ,
diz sab iam en te O sw alt, “ é in te rp re ta r o te x to c o m o está d ia n te d e n ó s a m e n o s
q u e haja in d ício n o m a n u sc rito para co rrig ir o texto. F azer algum a co isa m ais é
c o n stru ir n o ssa in te rp re ta ç ã o n o a r” .6

1J. S tc n n in g , The Targum o f Isaiah (C la re n d o n P re ss , 1949).


2 A . R ah lfs, Septuaginla ( S tu ttg a rt, 1 9 35); O ttle y , Isaiah according to the Septuagint.
3 O ttlc y , p. 8-9.
4 C f. O s w a lt, p. 3 0 . F. M . C r o s s e S. T a lm o n , Q um ran and the H isto ry o f the B iblical T ext (H a r-
v a rd U n iv ersity ' P re ss , 1975 ).
5 N o t a d e ro d a p é d e B H s o b r e as v a ria n te s e n tr e Q :1e o T M . Λ B ! /.!'a p re s e n ta u m a se leç ão
d a s v a ria n te s c o n s id e r a d a s m ats re le v an te s. C f. W. J. M a rtin , The D ead Sea Scroll o f Isaiah,
T h e C a m p b e ll M o r g a n M e m o ria l L e c tu re [A p a le s tra e m m e m ó r ia d c C a m p b e ll M o r g a n
d e 1954J (T h e B o o k r o o m , W e s tm in s te r C h a p e l, 1954).
6 O s w a lt, p. 31.
Isaías 1—37
O livro do Rei
1. Tema
U m ú n ic o te m a u n e o s p rim eiro s 37 cap ítu lo s d e Isaías: o rei q u e reina
em Sião. É u m te m a co m p lex o c ch eio de ten sõ es. O rei, às vexes, é o S en h o r
m esm o (6.1,5), outras vexes, é o rei atual da casa de D avi (7.1,2) c, ainda outras
vexes, é o rei que ainda está p o r vir (9.6,7). C ontudo, n o todo, o futuro do m in a o
presente, ainda m esm o aqui a tensão continua, pois um a visão é d o reino v in douro
do Senhor (24.23) e o u tra é de um rei n ascid o d a lin h ag em d c D av i (11.1,10).
A solução dessas te n sõ e s anim a to d a a seção e estim ula o le ito r a e n te n d e r a
am plitude e a glória da m en sag em d e Isaías.

a. Capítulos 1—5
Isaías, co m frequência, p e rm ite que tem as im p o rta n te s en trem de fo rm a
discreta em seu texto. O tem a d o rei ilustra isso. N o capítulo 1, Isaías parece ab-
sorver a atual d ecad ên cia d e Je ru sa lé m (w . 21-23) e sua inevitável p u n iç ã o (w .
24,25), m as ele, c o m a b ru sq u id ã o q u e m uitas vexes caracterix a sua m e n sa g e m
de esperança, d iscern e ta m b é m u m a restau ração v in d o u ra q u a n d o tu d o será
“com o n o p a ssa d o |...| c o m o n o p rin c íp io ” (v. 26). U m a vex q u e esse “ princí-
pio” aco n teceu so b D a v i q u a n d o ele c a p tu ro u a fortalexa d e Sião c to rn o u -a
0 foco p olítico e religioso de seu re in o (2Sm 5), a g lória d av íd ica está d e volta.
N os capítulos 2— 4, a glória d e Sião c o m o cidade in te rn a c io n a l d a p ersp ectiv a
religiosa e política (2.2-4) está m u ito d ista n te d o q u e o p ro fe ta vê (2.5— 4.1). A
realidade atual d e c e p c io n a a expectativa, n ã o o b sta n te , h á u m a g ló ria v in d o u ra,
um ato criativo d o S e n h o r (4.5) p o r m eio d o qual ele dirigirá a cid ad e de Sião
renovada à antiga glória de sua p re se n ç a n a n u v e m e n o fo g o em m eio a seu
povo (cf. Ê x 13.21,22; 40.34-38).

b. Capítulos 6—12
N esses cap ítu lo s, o te m a é d efin id o m ais estreitam en te. N o q u e acab a sen-
do um sím b o lo a d e q u a d o p a ra a casa d e D av i, a m o rte im in e n te d o rei Uxias
(6.1; cf. 2R s 15.5; 2 C r 26.16-18). M as a o lado d o rei m o rib u n d o e c o rro m p í-
do há o S anto, “ o Rei, o S e n h o r d o s E x é rc ito s” (6.5). A in te ra ç ã o d esses dois
reinados — o Rei sa n to e divino e a casa davídica c o m d o e n ç a te rm in a l — e
sua fusão p rev ista em um Rei divino da lin h ag em d e D a v i (7.14; 9.6,7; 11.1,10)
tom a-se o te m a u n iíicador. O s cap ítu lo s 6 e 12 fo rn e c e m u m a e stru tu ra co m
sua ênfase c o m u m n o S an to exaltado em Sião (6.1,3; 12.6) e, in te rn a m e n te ,
duas sub seções cu lm in am co m a visão d o Rei q u e está p o r v ir (9.1-7; 11.1-10).
Podem os ver a glória de sua p esso a, a p e rfe iç ão d e seu re in o c seu d o m ín io
mundial (9.7; 11.10). E sse ú ltim o fo rn e c e a ligação c o m os cap ítu lo s seguintes.
O LIVRO DO REI 48

c. Capítulos 13—27
E ssa seção é e stru tu ra d a de fo rm a a revelar o p o v o dc D e u s ro d e a d o p elos
p o v o s d o m u n d o . E les, aos o lh o s exteriores, são c o m o q u a lq u e r o u tro p o v o ,
p e g o nas m u d an ças h istó ricas e n o s acasos da ex p eriên cia te rre n a e ta m b é m
en v o lv ido em fracasso e decadência. N o e n ta n to , h á u m a h istó ria n a história:
o S e n h o r n ã o a b a n d o n o u seus p la n o s c en tralizad o s em D avi. A din astia ainda
será p ro d u tiv a (14.29) e a cidade ideal d e Sião, alcan çad a (14.32). E Sião q ue
p o d e ría e sp alh ar ainda a g o ra suas p ro m e ssa s p a ra os necessitados (15.1— 16.14)
acolherá, u m dia, as nações q u an d o o S e n h o r vier para g o v e rn a r (24.23), estab e-
lecer seu b a n q u e te m essiânico d ia n te de to d o s (25.6-9) e re c e b e r os p ro sc rito s
para a d o ra r em seu m o n te sa n to (27.13).

d. Capítulos 28—35
E ssa seção, a p re se n ta d a c o m o u m a série de d en ú n cias so len es (28.1;
29.1,15; 30.1; 31.1; 33.1), le m b ra o s cap ítu lo s 6— 12 em sua c o m b in a ç ã o de
p olítica atual e im ag en s visionárias. Λ é p o c a era d e desafio p a ra o p o v o de
D e u s, e sua g aran tia de p o sse d a te rra foi q u estio n ad a. N ã o o b sta n te , eles te re m
falh ad o so b pressão , d e ix a n d o o cam in h o da fé p e lo d a c o n v en iên cia p o lítica, a
p ro m e ssa d o S e n h o r n ã o falha: um rei reinará (31.1), o o b je to d a ad m iração de
seu p o v o (33.17). N a v erdadeira cid ad e de Sião, o S e n h o r será rei (33.20-22) e
seus red im id o s e n tra rã o n a cidade co m alegria (35.9b, 10).

e. Capítulos 36—37
Finalm ente, a ro ch a da história c p o sta so b o edifício da visão. Aqui h o u v e
um a ocasião específica q u a n d o o rei davídico e sua cidade ficaram so b am eaça,
m as as p ro m essas d o S enhor, cjuando testadas, provaram ser durad o u ras. O Se-
n h o r ficou firm e p o r seu rei e su a cidade e fez isso p o r causa d e D av i (37.35).

2. Estrutura
A unidade d o “ livro d o Rei” , todavia, é m ais q u e apenas u n id ad e de tem a. H á
tam b ém u m a e stru tu ra unida e um a integração de p artes b em co ncebida. D iscu -
tirem os agora os m otivos para co n sid erar q u e os capítulos 1— 5 são prefácio. P o r
ora, deixarem os esses cap ítu lo s de lado e e x am in arem o s os cap ítu lo s 6— 37.
N esses cap ítulos, c o n fo rm e o b se rv a m o s, há q u a tro b lo c o s d e m aterial: 6— 12,
13— 2 7 ,2 8 — 35 e 36— 37. E ssas divisões são ditad as p elo p ró p rio tex to , co m o ,
na v erd ad e, o é a se p aração d o s capítulos 1— 5. A g o ra, em sua d ivisão q u á d ru -
pia, os cap ítu lo s 6— 12 e 28— 35 casam uns co m os o u tro s. N eles, Isaías lu ta
co m du as crises h istó ricas e espirituais idênticas. E le dirig e-sc d ire ta m e n te aos
atuais líderes e p olíticos, c o m p a ra n d o -o s o te m p o to d o co m p red içõ es rela-
clo nad as à glória p o r vir; c o n tra b a la n ç a n d o a in c o n stâ n c ia da h u m a n id a d e so b
c o n d e n a ç ã o co m a firm eza de D e u s m a n te n d o firm e m e n te suas p ro m essas.
49 O LIVRO DO REI

Em cada seção, q u a n to m ais claram en te Isaías firm a-se n o p re se n te , m ais co n -


fian tem en te d iscern e o futuro.
As p assagens restan tes, e m b o ra d istin tas n o c o n te ú d o , c u m p re m a m esm a
função de c o n firm a ç ã o d a visão q u e as p recede. A ssim , os cap ítu lo s 13— 27 de-
senvolvem a p ro m e ssa d o g o v e rn a n te davídico m u n d ial p o n d o a p ro m e ssa (p o r
exem plo, d e 9.7) e m p e rsp e c tiv a universal, até m e sm o có sm ica e escatológica.
E m outras palavras, o q u e Isaías p ro m e te u , ele c o n firm a ag o ra m o stra n d o que
isso faz p a rte d e u m a c o m p re e n sã o d e m u n d o c o eren te. O s cap ítu lo s 36— 37,
em co m p aração co m o e sc o p o d essa visão q u e am p lia os h o riz o n te s d a m en te,
são quase d e sp re te n sio so s. O s c a p ítu lo s 28— 35 p re c e d e n te s são c e n tra d o s em
um p erío d o n o qual Ju d á estava e sp re m id a e n tre du as asp iran tes a su p e rp o tê n -
cia, a A ssíria e o E gito. Isaías, ao c o n trá rio da sen satez política receb id a, n ão
via a segurança d o p o v o d o S e n h o r nas alianças políticas e arm ad as, m as n a
confiança nas p ro m e ssa s d o S enhor. A fu n ção d o s cap ítu lo s 36— 37 é p ro v a r
o realism o te rre n o (e terrestre) d essa posição: veja o q u e a c o n te c eu q u a n d o o
poder assírio foi c o n tra Jerusalém ! O S e n h o r n ã o p re c iso u d a ajuda d o E g ito
nem foi p e rtu rb a d o pela Assíria. 1de é v e rd a d e iram e n te o S e n h o r das nações.
E ssa p e rc e p ç ão d o s cap ítu lo s 6— 37 p ro d u z a seg u in te integ ração :

a1 N o s dias d e A caz: a crise siro-efraim ita. A h istó ria b asead a em o rácu lo s co m


visões d o fu tu ro davídico (caps. 6 — 12).
b 1 O ráculos c o n firm a to rio s: o p ro p ó s ito m undial d o S e n h o r e dav íd ico cen-
trado em Sião (caps. 1.3— 27).
a2 N o s dias de E xequias: a crise egípcia. O rá c u lo s basead as n a h istó ria co m
visões d o fu tu ro davídico (caps. 28— 35).
b2 E v e n to s c o n firm a to rio s: o p o d e r d e m o n s tra d o d o S e n h o r p ara fazer o
que fará co m os im p ério s m u n d a n o s n o in teresse de D av i (caps. 36— 37).

P o d em o s d a r u m p a sso ad ian te e x p o n d o o cu id a d o so e sq u e m a d esses ca-


pítidos. D u as vezes nos capítulos 13— 27, Israel, o E g ito e a Assíria se associam .
Primeiro pelo ato d o S enhor, os im périos m u n d an o s (tipificados na A ssíria e n o
Egito), serão trazidos co m seus po v o s a adorá-lo (19.23-25), e segundo, o Senhor,
a partir d o E g ito e da A ssíria, reu n irá seu p o v o d isp e rsa d o (27.12,13). E ssa é
uma visão crível o u um a fantasia irreal? A p e rg u n ta é im p o rta n te p ara n ó s, bem
com o o era p a ra aqueles q u e o u v iram p rim e iro a m e n sa g e m d e Isaías. O S e n h o r
é realm ente so b e ra n o na terra? E le g o v e rn a até m e sm o as su p e rp o tê n c ia s? P o r
conseguinte, a fé é u m a política p rática p a ra a vida? Isaías re sp o n d e d e fo rm a
direta. N o s cap ítu lo s 28— 35, esses três p o v o s — o p o v o d o S e n h o r rep re-
sentado p o r J u d á e o s im perialistas egípcio c assírio — c o n fro n ta m u n s aos
outros, e a a u to rid a d e executiva d o S e n h o r so b re cad a um deles fica conh ecid a.
Q uando o S e n h o r in te rv é m , n ão tem m ais im p o rtâ n c ia se as p ro m e ssa s eg íp ­
O LIVRO DO REI 50

cias e as am eaças assírias eram reais. O D e u s de Israel, n a v erd ad e, é S en h o r.


E ssa é a co n v icção teológica d o s c a p ítu lo s 28— 35 e a realidade p ro v a d a d o s
capítu los 36— 37. C o m isso em m e n te , p o d e m o s v e r a seção to d a d a seg u in te
m aneira:
a O te m a é anu n ciad o : os p ro p ó s ito s m und iais d o S e n h o r c d av íd ico s
c e n tra d o s em Sião. Λ v in d a d o rei e de seu g o v e rn o (caps. 6— 12).
b O te m a é c o n firm a d o (caps. 13— 37).
b 1 A prim eira c o n firm a ç ão : a su b serv iên cia d e to d as as n açõ es, tipi-
c a m c n tc A ssíria e E g ito , a o p ro p ó s ito m undial d o S e n h o r (caps.
13— 27).
b 2 A se g u n d a c o n firm a ç ão : a A ssíria e o E g ito em sua realid ad e co n -
te m p o rá n e a su b se rv ie n te s ao d o m ín io d o S e n h o r (caps. 28 — 35).
b 3 A terceira c o n firm a ç ão : u m a p ro v a ilustrativa d a v erd ad eira su b ser-
viência d a A ssíria e d o E g ito ao S enho r. E le é o S e n h o r d e to d o s
(caps. 36— 37).
A. 0 prefácio
Judá: diagnóstico e prognóstico
( 1. 1— 5 . 30 )

O fato d e o ch a m a d o d e Isaías p a ra ser p ro fe ta só ser reg istrad o n o capí-


tulo 6 exige explicação. T e m o s d e e n te n d e r q u e os c a p ítu lo s 1— 5 relatam u m
p ré-cham ado ao m in istério o u q u e o c a p ítu lo 6 é u m a ren o v a ç ã o d o ch am ad o ?
A resp o sta está n a cu id ad o sa edição d o livro. O c a p ítu lo 6, n a v erd ad e, é o
cham ado d e Isaías, m as o p ro fe ta , a fim d e d escrev er a situ ação em q u e se en-
contrava q u a n d o foi ch am ad o , usa o s o rá c u lo s p re g a d o s o rig in a lm e n te d e p o is
de seu ch am ad o , d ese n v o lv e n d o -o s aqui e m u m p re fá c io d o au to r. Seu o b jetiv o
é ap resen tar u m a “ a n a to m ia ” de Ju d á n o c o m e ç o d e seu m in isté rio pro fético .
O s cap ítulos 1— 5 d ife re m d o s c a p ítu lo s 6— 12 n a au sên cia d e q u aisq u er
indicadores h istóricos. C o m a passag em 6.1, e n tra m o s em situ açõ es históricas
determ inadas nas quais as datas (6.1; 7.1) e os p o d e re s m u n d iais (7.1,17; 8.4)
são m en cio n ad o s, m as os cin co p rim e iro s cap ítu lo s, a fo ra o títu lo (1.1), n ão
apresentam d a ta n e m n o m e s, e x ceto o s d e Israel e Ju d á . E ssa sep aração desses
oráculos d a situação em q u e fo ram trazid o s à to n a é p ro p o sita l. T e m o s aqui
um a ap resen tação eq uilibrada d e v erd ad es so b re Ju d á p o r m eio d a qual en tra-
mos co m Isaías n as c ircu n stân cias iniciais d e seu m in istério e c o m p a rtilh a m o s
seus m ed o s e esperanças. E sses cap ítu lo s, c o m o o p refácio d e q u a lq u e r au to r,
são o “ p a n o de fu n d o ” d e to d o o livro.
N o s cap ítu lo s 1— 5, os c a p ítu lo s 2— 4 c o m p õ e m u m a su b seção sep arad a
pelos dois p o em as de Sião de 2.2-4 e 4.2-6. O s c a p ítu lo s 1 e 5, n o s dois extre-
mos dessa su b seção , têm e stru tu ra s c o e re n te s fo rn e c e n d o u m a divisão tripla
do todo. As três divisões têm o te m a c o m u m d o p o v o de D e u s em rebelião
contra ele, m as cada seção p õ e essa rebelião e m u m c o n te x to d istin to . O capí-
tulo 1 revê três facetas d o cen ário c o n te m p o râ n e o : a calam id ad e n acio n al (w .
6-8), a d ecadência religiosa (w . 10-15) e o co lap so social (vv. 21-23) su rg em d a
rebelião (v. 2), d a m á c o n d u ta (v. 15) e d a infidelidad e (v. 21). O s cap ítu lo s 2— 4
oferecem o u tra p e rc e p ç ã o d e Sião: a cheg ad a d o dia em q u e a cid ad e será u m
lugar de p e re g rin a çã o in te rn a c io n a l (2.2), o local d a lei d o S e n h o r (2.3) e a
fonte m undial d a c o rre ç ã o d o s e rro s e de p az (2.4). E m c o n tra p o siç ã o a isso,
a atualidade d a Je ru sa lé m c o n te m p o râ n e a fo rm a u m c o n tra ste a te rra d o r, co m
sua d esin tegração n acio n al (2.5-16), religiosa (2.17-22) e social (3.1— 4.1). O
capítulo 5 a p re se n ta o te m a d e o u tra form a: a v in h a esco lh id a d o S e n h o r se
torno u um a p lan ta d e g e n e ra d a (vv. 1 -7) p ro d u z in d o u m a safra im p u ra, descrita
em seis “ais” (w . 8,11,18,20-22). A ssim , surge a seg u in te análise:
O LIVRO DO REI 52

1.1- 31 P e c a d o e experiencia.
A deserção nacional, religiosa e social, co m o p o v o se d istan cian d o do
S enhor, resu lto u cm devastação.
2.1— 4.6 P ecado e eleição.
O p o v o d o S en h o r, c o m o h erd e iro s d a p ro m e ssa ab raâm ica, foi cha-
m a d o a se r u m a b ê n ç ã o p a ra to d o s os p o v o s d a terra, m as, em vez
disso, eles esc o lh e ra m o c a m in h o d a rebelião.
5.1 -30 P ecad o e graça.
O S e n h o r e sb a n jo u seu cu id a d o co m seu p o v o a p o n to d e p o d e r
p e rg u n ta r: “ O q u e m ais?” (5.4). E les, c o n tu d o , d eg e n e ra ra m em
p e c a d o e p ro d u z ira m u m a safra d e injustiça.

E ssas três seçõ es têm em c o m u m o c o n tra ste e n tre o ideal e o real. O Se-
n h o r p re te n d ia q u e to d o s de seu p o v o vivessem c o m o seus filhos (1.2), q u e eles
fossem a c id a d e -c o m u n id ad e d e b ê n ç ã o m undial (2.2-4) e q u e p ro d u z isse m o
fru to d a justiça (5.1-7). A realidade p ro v o u ser m u ito d ife re n te d isso e tem o s
de p e rg u n ta r c o m o o S e n h o r reage q u a n d o seu ideal é p e rv e rtid o ? E m 1.24-
31 e 3.13— 4.6, a reação divina d e ira e a p u n iç ã o e n c h e m o p rim e iro plan o ,
m as o p a n o d e fu n d o está re p le to da luz d a esp eran ça (cf. 1.24 c o m vv. 25,26
e 3.13— 4.1 co m 4.2). O c a p ítu lo 5, c o n tu d o , é m u ito diferen te. T e m o s d e te r
cu id ad o acjui ao e n tra r n o q u e Isaías sentia acerca de sua n ação q u a n d o lan ço u
seu m inistério. A rebelião, c o m c erteza, é re c o m p e n sa d a c o m d esastre, m as isso
ainda n ã o exaure a cap acid ad e d o S e n h o r de red im ir e re sta u ra r (1.26,27). D a
m esm a m an eira, o fracasso d e Israel em atrair as n açõ es p a ra a cid ad e d e Sião
(2.2ss.) é lam en táv el e culpável, m as, n ã o o b sta n te , n ã o é n ad a q u e n ã o p o ssa
ser lim p a d o (4.4). O S e n h o r criará u m a nova cidade e u m n o v o p o v o a d e q u a d o s
p ara q u e p o ssa m o ra r n o m eio dele (4.3-6). M as q u a n d o o S e n h o r te m d e dizer:
O que m ais pode serfeito por minha vinha além do q u e jâ fitff (5.4), a situ ação é d e fato
diferente! A ausência d a n o ta d e esp eran ça n o capítulo 5 incita a qu estão so b re se
o p ecad o anulou a graça. N e sse sentido, o capítulo 5 é culm inante. A espada (1.20)
p o d e ser desviada com a volta à obediência. E m 3.25,26, a situação é m ais deses-
peradora: o ataque inim igo é inevitável, tra z e n d o casualidades a m e d ro n ta d o ra s
(4.1); m as o inim igo, agora, está à p o rta e as trevas e aflição estão se fe c h a n d o
so b re a te rra (5.24-30).
E n tã o , as trevas tê m a últim a palavra? O p e c a d o fin alm en te te rm in a em
m o rte? E se esse fo r o caso, o q u e foi feito de to d as as p ro m e ssa s d e D e u s? E
co m essas p e rg u n ta s q u e Isaías estab elece o c en ário d o m in istério p a ra o qual
foi cham ado.
53 ISAÍAS 1.1-2

LO título (1.1)
Para a historia d o s q u atro reis so b cujo rein ad o Isaías p ro fetizo u , veja a In-
trodução (d. H isto ria e fé) acim a. T odas as 35 oco rrên cias de visão (hãzôm) e 36 das
48 de viu (ihãzà) referem -se à verdade revelada p o r D eus; n ão necessariam ente em
experiência visual (por exem plo, D n 8.2), m as p o r m eio d e rev elação so b reñ a-
tural (cf. IS m 3.1; SI 89.19; Is 30.10). O títu lo c o b re a d e q u a d a m e n te to d o s os
66 capítulos de Isaías. A o lo n g o d o livro, o p o v o d e D e u s e sua c id ad e co n sti-
tuem a “ lin h a d a h istó ria ” d e Isaías e é c o n so a n te c o m sua m e n te o fa to de te r
planejado essa d escrição inicial de sua o b ra .1 O s a rg u m e n to s p ro p o s to s c o n tra
essa p e rc e p ç ão n ã o são c o n v in cen tes. A rg u m en ta-se, p o r ex em p lo , q u e Isaías
sem pre fala de “Je ru sa lé m e de Ju d á ” (p o r exem plo, 3.1) ao p a sso q u e o título
inverte a o rd em . M as é natural que, p o r m inistrar em Jeru salém c o m o ele fazia,
se dirigisse prim eiro à audiência im ediata antes de ex p an d ir sua referência, ao
passo que, ao m en cio n ar reis, o país destes te n h a n atu ralm en te preced ên cia so b re
a cidade deles (cf. 36.7).

2.0 pecado e a experiência (1.2-31)


Isaías, apresentando-se c o m o um h o m e m cuja m ensagem (hâzôn) e cuja ca-
pacidade de p e rc e b e r sua v erd ad e (Ίhãzâ) são p ro v e n ie n te s d e D e u s, volta-se à
exposição d a qualidade in te rn a d o p e río d o cuja fo rm a e x te rn a ele resu m iu n o
nom e de seus reis.
O s o rácu lo s reg istrad o s aqui n ã o têm datas e n ã o se o b té m n e n h u m b en e-
fício em in v en tar h ip ó te se s em relação ao p o n to d e o rig em deles n o m in istério
de Isaías. A relevância deles n ã o tem o rig em em seu cen ário h istó rico , m as em
sua p e n e tra n te ex p o sição d o p e c a d o e suas c o n seq u ên cias n o p o v o de D eus.
O s oráculos, um a p ó s o u tro , to c a m as facetas nacio nal, religiosa e social d a vida
co ntem p orânea.

a. A situação nacional (1.2-9)


Isaías co m eça sua “ a n a to m ia ” de Ju d á co m o q u e está e v id e n te p ara to d o s
verem — a co n d iç ã o falida d a nação (5— 8). F.le faz isso p o r in te rm é d io d e u m
am biente de tribunal:

1 S u g erir q u e o títu lo r e fe re -s e a p e n a s a o s c a p ítu lo s 1— 12 c o m o u m a e sp é c ie d e c o le ç ã o


in te rm e d iá ria d e Isa ías é in s a tis fa tó rio . D a m e s m a m a n e ira q u e o s c a p ítu lo s 1— 12 e s tã o
c la ram e n te p r e o c u p a d o s c o m “J u d á c J e r u s a lé m ” , ta m b é m o e s tã o o s c a p ítu lo s 2 8 — 40.
M as a e x p re s s ã o “J e ru s a lé m e S iã o ” , n a v e rd a d e , o c o r r e 9 7 v e z e s n o s 6 6 c a p ítu lo s e e stá
u n ifo rm e m e n te e s p a lh a d a . O s p r o f e ta s b a s e a d o s e m J e ru s a lé m fa z e m d e m o d o re le v a n te
m ais re fe rê n c ia à c id a d e q u e o s o u tr o s , p o r e x e m p lo , M iq u e ia s faz d e z e s s e te re fe rê n c ia s ,
c A m ó s a p e n a s q u a tro . Isa ía s 4 0 — 50, p r o p o r c io n a lm c n te , te m q u a s e o d o b r o d e re fe re n -
cias q u e F .zequiel.
O LIVRO DO REI 54

A1 A in tim a ç ã o (2a)
A c o rte reunida. A dig n id ad e d o S e n h o r cuja voz c o m a n d a to d a a
criação.
B A acu sação (2b-8)
B 1 O la n ç a m e n to da acusação: rebelião c o n tra o S en h o r. O p e c a d o
c o n trá rio à n a tu re z a (2b,3)·
B 2 A culpa exposta. O a b a n d o n o d o Senhor. O p ecad o co n trário ao
privilégio (4).
B3 A exp erien cia ignorada. A rebelião c o n tra a discip lin a divina. O
p e c a d o c o n trá rio à razão e p r o d u to r d e d e sa stre (5— 8).
A2 ( ) co m en tário .
A situação revista. A fidelidade d o S e n h o r p re se rv a n d o u m rem a-
n e sc e n te (9).

Isaías en sin a u m a p e rc e p ç ã o d a teologia e d a aliança d a h istó ria n acional: a


relação e n tre espiritualidade (obediência a D e u s c o m o fa to r p re d o m in a n te n a
vida d a nação) e p ro sp e rid a d e e seg u ran ça nacionais. Isso é e x p o sto d e fo rm a
clássica em D e u te ro n ô m io 28— 29 c o m o o alicerce da vid a so b a aliança. E ssa
p e rc e p ç ã o d e v id a n ã o deve ser e n te n d id a c o m o lim itan d o D e u s à n o ssa n o ç ã o
d o q u e se c o n stitu i u m a p ro p ria d o quid pro quo [to m ar u m a co isa p o r o u tra |. A
vida, c o m freq u ên cia, p a re c e n ã o te r ligação e n tre m o ralid ad e e p ro sp e rid a d e
(cf. SI 44.13— 17). A qui a p e rc e p ç ã o sim plista de retrib u ição é a p re se n ta d a em
u m a d ireção d istin ta na qual a m isericó rd ia divina te m in ib id o a d ev id a re c o m -
p ensa. C o n tu d o , to d o s esses ap a re n te s “ d esv io s” p e rte n c e m ao lad o d iv in o (9).
D o lado h u m a n o , a p o siç ã o d e fé é im p o rta n tíssim a , essa justiça é o indício p a ra
a vida segu ra e p ró sp e ra (cf. SI 1).
2 N o A n tig o T e sta m e n to , os céus e a terra, co m freq u ên cia, são re u n id o s (i)
c o m o te ste m u n h a s de ju ra m e n to s (p o r exem plo, D t 4.26); (ii) p ara se r testem u -
n h as d a acusação q u a n d o o S e n h o r julga seu p o v o (p o r ex em p lo , SI 50.4ss.); (iii)
p ara se reg o zijar q u a n d o a g ra n d io sid a d e d o S e n h o r é declarad a (p o r exem plo,
c o m o rei, l C r 16.31; c o m o Salvador, SI 69.34,35); (iv) para e x p re ssa r a b o rre c í-
m e n to co m o p e c a d o d e Israel (p o r exem plo, J r 2.12). A ssim , o u n iv erso criad o
está se m p re a o lad o d o C ria d o r (p o r exem plo, 45.8; J r 4.23ss.) re fle tin d o o rela-
c io n a m e n to ex isten te e n tre D e u s e o h o m e m — q u e r sejam o s e sp in h o s e ervas
d an in h as de G ê n e sis 3.18 q u e r seja a ab u n d â n c ia m essiân ica d e A m ó s 9.13.
A qui, os céus e a te rra são ch a m a d o s a ressaltar a dig n id ad e d a v o z q u e c o n tro la
a ate n ç ã o d e to d a a criação: Pois fo i 0 Senhor mesmo quem fa lo u /“V d1s, o S e n h o r
falou ” . A ssim , Isaías e n te n d e a relevância d e sua visão (1): a p e sa r d e ele se r h u -
m a n o tran sm itiu o q u e o S e n h o r falou.
A essência d a acu sação d o S e n h o r é revelada pela ên fase em : Filhos eu
criei/“C riei filhos” . Ê x o d o 4.22 revela a filiação c o m o u m c o n c e ito de red en -
ção. A o c o n trário d o s pagãos c o n te m p o râ n e o s q u e se consideravam filhos de
55 ISAÍAS 1 .3 9 ‫־‬

seu deus p o r m eio d e algum ato quase físico de procriação, Israel era a filha do
Senhor p o r m eio d a h istó ric a esco lh a div in a e d o ê x o d o c o m o u m a o b ra de
redenção. A re d e n ç ã o iniciou um p ro c e sso d e cu id ad o div in o p ro v id en cial. A
im agem d o pai a te n c io so e d o filho em c re sc im e n to c o b re to d o o p e río d o his-
tórico que vai de E x o d o a Isaías. A g raça q u e salvou e o a m o r q u e c u id o u fo ram
igualm ente re c u sa d o s q u a n d o eles se revoltaram. O “ eles” é en fá tic o — “ eles de
todos os p o v o s” , o s h e rd e iro s d a red en ção , os recip ien tes d o c u id a d o p atern o .
N o vocab ulário de rebelião, esse v e rb o (p a sa ‫ )׳‬e seu su b sta n tiv o (pesa') ex p res-
sam d e sp re z o o b stin a d o pela a u to rid a d e (cf. n o u so secular em lR s 12.19).
3 Isaías usa ricas ilu straçõ es e, m uitas vezes, c o m o aqui, explica a alusão
(por exem plo, 8.7). A c o n d u ta d o S e n h o r c o m seu p o v o são p lanejadas p ara
desenvolver o s verd ad eiro s in stin to s espirituais, u m a m en talid ad e d e ap eg o ao
Senhor tão a u to m ática e e sp o n tâ n e a q u a n to a v ista n a criação d e anim ais. O s
substantivos Israel e m e u povo são en fatizad o s e q u ip a ra n d o -se a o “ eles” d e to -
dos os p o v o s d o versícu lo 2. Israel é o h o m e m a q u e m o S e n h o r to r n o u n o v o
(G n 32.27,28) e meu povo in d ica eleição exclusiva (Ê x 6.6,7) c o m sua c o n sc q u e n -
te expectativa de vida d iferen ciad a (Ê x 19.4-6).
O saber ((yã d a ') fre q u e n te m e n te ultrap assa o c o n h e c im e n to m en tal para
incluir re la c io n a m en to s pessoais (G n 4.1; “ teve relaçõ es”) e c a rreg a a in d icação
de um estilo d e vida d istin to (IS m 2.12). O compreender (i/nn) significa “ en x erg ar
ou discern ir o c e rn e d e um a ssu n to ” .
4 A acusação (2b,3) continua à m edida que quatro substantivos descrevem o
privilégio e q u a tro adjetivos d escrev em c o m o este foi c o rro m p id o . A nação, cujo
prop ósito era p a ra se r d iferen ciad a em san tid ad e (Ê x 19.6), to rn o u -se (lit.) a
“nação p e c a d o ra ” (p articip io d e ih ã tã ’, “ e rra r o alvo ” ; J z 20.16); o povo red im id o
e único (D t 4.4-6; 2S m 7.23,24) to rn a -se “ c a rre g ad o d e in iq u id ad e” , c o m o se
o S enh or q u e o s carreg a (46.3,4; Ê x 19.4) sentisse ele m e sm o o fardo. A ’aôm
(¿»^)«/“ in iq u id ad e”) é p e c a d o c o m o c o rru p ç ã o de ca rá te r e d a n atu reza, em
vez de um e le m e n to d e c o m p o rta m e n to . “ R aça‫ ״‬/ descendência é a palavra para
descendência ab raâm ica (41.8), m as, aqui, é traçad a a lin h ag em de malfeitores. O
term o crianças/“filhos” (cf. v. 2b) indica o relacio n am en to d o redim ido co m D eu s
(Êx 4.22) q ue estava d e stin ad o a fo rn ecer um a vida d iferenciada (D t 14.1,2), m as
agora se m anifesta em corrupção (jsãhat, “ estragar o u arru in ar”). E les foram desig-
nados para ser especiais c o m o a nação c o povo únicos e especiais para D eu s co m o
a “sem en te” de A b ra ã o e seus p ró p rio s “ filhos” — e o p e c a d o a rru in o u tudo!
Mas o cern e d essa p e c a m in o sid a d e c a atitu d e atual deles e m relação ao Senhor.
Só o c o m p ro m isso co m D e u s assegura o s v erd ad eiro s valores de vida; q u a n d o
o co m p ro m isso acaba, os valores seguem o m e sm o cam inho. A b an d o n ar o Se-
nhor é o o p o sto de buscá-lo. D a m esm a m aneira q u e “ b u scar” n ã o é procurá-lo,
com o se estiv éssem o s p e rd id o s, m as m o s tra r d e te rm in a ç ã o e m e sta r co m ele.
Essa d e te rm in a ç ão su rg e d e u m a m u d a n ç a de co ra ç ã o p o r m eio da qual ele que
O LIVRO DO REI 56

deveria ser am ado, m as, antes, é “ d e s p re z a |d o |” (hiã ’as, cf. N m 14.11,23). O


títu lo 0 Santo de Israel (veja p. 17s.) p o d e b e m te r sid o c u n h a d o p o r Isaías para o
S e n h o r a fim de ex p re ssa r a revelação c o n c e d id a a ele em sua visão inaugural
(veja c o m e n tá rio so b re 6.3). A san tid ad e é o c e rn e da n a tu re z a d e D eu s. A ssim ,
na p len a realidade de tu d o q u e o to rn a divino e o destaca c o m o único, ele ap ro -
x im o u -se de Israel e, em um d e te rm in a d o sen tid o , to rn o u -se p o sse d e Israel,
era o “ S an to de Israel” . E sse era aquele q u e eles tin h a m tra ta d o c o m escárnio.
A o fazer isso, eles, p o r co n seg u in te, o deram as costas a ^ / “ a b a n d o n a ra m ” (lit.,
“ v o ltaram a ser e s tra n h o s” !) h ú r é “ desviar-se” (intransitivo). A fo rm a aqui
(niphal) é reflexiva co m o se n tid o su g erid o p elo p articip io (zãr) u sa d o ao longer
d o A n tig o T e sta m e n to p ara “ e stra n h o , estran g eiro , n ã o israelita” (veja v. 7). O
p o v o esco lh id o d e D e u s “ v o lto u à co n d iç ã o d e e stra n h o ” .
5-8 A in sen satez d e atrair m ais p u n iç ã o (5a) é e n fatizad a p ela m e tá fo ra d e
d o e n ç a n o “ c o rp o p o lític o ” (6). A realidade é d escrita n o v ersícu lo 7; e o resul-
ta d o p o r co m p a ra ç ão , n o v ersículo 8. Isaías n ã o ach a n ecessário n o s in fo rm a r
q u em são o s ag en tes h istó rico s d essa p u n iç ã o divina, salvo q u e eram estrangeiros
(7). É p ro vável q u e a esco lh a fique e n tre as in cu rsõ es siro -efraim itas e m cerca
de 735 (2Rs 15.37— 16.6; 2 C r 28.1-8. Veja a p. 19 e veja c o m e n tá rio so b re 7.1,2)
o u as invasões de S en aq u erib e, em 701 (Is 36— 37; 2 C r 32). N ã o é im p o rta n te
decid ir e n tre u m deles. In d e p e n d e n tc m e n te d e qual seja a referên cia h istó rica, a
fu n ç ã o d a alusão é d e m o n s tra r os d e se rto s ruins q u a n d o se a b a n d o n a o S en h o r.
5 A fo rm a da p e rg u n ta exige a trad u ção dela: “ P o r q u e haveríam de conti-
n u ar a ser castigados? P o r q u e in sistem n a revolta?” . O p e c a d o n ã o só é irracio -
nal (2b), m as ta m b é m ilógico, pois n ã o c o n seg u e ch eg ar à co n clu são a d e q u a d a
n e m fo rn e c e r as re sp o sta s ap ro p riad as. E cegueira q u a n to ao q u e D e u s está
fazen d o (cf. 5.19). O te rm o sãrâ (rebelião) enfatiza a o b stin ação , n ã o a firm eza
nas in te n ç õ e s (cf. v. 2; veja O s 4.16).
6,7 N e n h u m d o s reis so b o g o v e rn o d o s quais Isaías m in istro u eram in-
sen sato s p o lítica, e c o n ô m ic a o u m ilitarm en te. C o n tu d o , n ã o eram esses fato res
que c o n trib u ía m p a ra o b e m -e sta r o u a seg u ran ça nacional. O país, co m to d a a
sab ed o ria m u n d a n a deles, ad o eceu até a m o rte so b o g o v e rn o deles. A s m etá-
foras d o h o m e m ferid o sem tra ta m e n to (6) e da te rra sem d efesa (7) ta m b é m
falam d o d e sa m p a ro e da d e se sp e ra n ç a p ro v o c a d o s p o r a b a n d o n a r o S e n h o r.1
8 O s te rm o s abrigo/utc n d a ” (s u k k â ; cf. L v 23.39-43) c cabana/'‘a b rig o ” (‫!ו‬/?‫מ‬,
“ p e rn o ita r, se r h ó sp e d e te m p o rá rio ”) a p o n ta m p a ra o frágil e tran sitó rio , m as

1 É in ju stificá v el a a lte ra ç ã o d e t o m a d o s p o r e s tra n g e iro s p a ra “ S o d o m a c m su a d e s tru i-


ç â o ” (veja N E B , B H S , etc.). O v e r b o “ d e s tr u ir ” (ih ã p a k ) e se u s u b s ta n tiv o (m ahpêkâ) sã o
u s a d o s tip ic a m e n te p a ra S o d o m a , m a s isso n ã o ju stific a a m u d a n ç a . A s e n te n ç a é u m a
p e rfe ita p a lís tro fe d e Isaías: a p rim e ira e a se x ta p a la v ra s sã o id ê n tic a s (“ e s tr a n g e ir o s ” )
e a s e g u n d a c a q u in ta sã o p a la v ra s d c d e s tr u iç ã o (“ a b ra s a d a s ” , “ a s s o ia ç ã o ”) c a te rc e ira
(“ ela” ) c a q u a r ta “ d e s o la d a ” (T B ) re fe re m -s e à te rra .
57 ISAÍAS 1.10-20

para m edir forças c o m essa fraqueza in te rn a h á a vigilância d o inim igo. A cidade


sitiada' n ão escapará p o r m eio d e algum a falha n a h o stilid ad e d o h o m e m .
9 N essa situação em q u e a b a n d o n a r o S e n h o r levou a nação, in te rn a (6) e
extern am en te (7,8), ao lim ite de sua resistência v em o fato im e re c id o da p reser-
vação divina. H á u m p o n to n o qual o S e n h o r d efin e seu lim ite em to rn o d e seu
povo e diz “ n ã o ” às c o n seq u ên cias d o p e c a d o e a o p o d e r d o inim igo. T alvez o
m érito exija u m a d e stru iç ã o como Sodoma (G n 19), m as a m isericó rd ia d e te rm in a
a sobrevivência. O Senhor dos Hxércitos re p re se n ta d o is su b sta n tiv o s em aposi-
ção, (lit.) “ O S e n h o r [que é| ex é rc ito s” . E m o u tra s palavras, p e n sa r n o S e n h o r
é pensar n o p o d e r e n o s recu rso s ilim itados (“ e x ército s” se n d o “ um p lural de
diversidade” e in d ic a n d o “ to d o tip o d e ”).2 Isaías c o m e ç o u seu p rim e iro dis-
curso en fa tiz a n d o o Senhor c o m o o ra d o r so b e ra n o (2); ele a p ara as arestas d o
discurso co m u m a inclusão, u m a ên fase idêntica n o S e n h o r c o m o so b e ra n o cm
m isericórdia. O Ju iz e o S alvador são u m só.

b. A situação religiosa (1.10-20)


N essa p assag em , a frase inicial: Ouçam a palavra do Senhor é co n tra b a la n ça d a
com a frase de e n c e rra m e n to : Pois 0 Senhor é quem fala, e a frase pergunta 0 Senhor
(11) é equip arada co m as palavras n o versículo 18. N o in terv alo , h á duas seções,
cada co m três ím p e to s p rin cip ais (12-15 e 16,17), e o s tó p ic o s nas seçõ es de
abertura e d e e n c e rra m e n to são a rra n ja d o s em fo rm a d e quiasm a.

A1 A p rim eira intim ação: o d e sa g ra d o d o S e n h o r (10,11)


a 1 O d e sp re z o pela lei (10)
a2 Religião ineficiente (11)
B O q u e o S e n h o r n ã o p e rg u n to u : religião in útil (12-15)
b 'S e m au to riz a ç ão divina (12)
b 2Sem aceitação divina (13,14)
b 3 Sem re sp o sta divina (15)
C O cjue o S e n h o r exige (16,17):
c 1E m d ireção a D e u s — pu rificação (16abc)
c2N a vida pessoal — re fo rm a (16d, 17b)
c 'F .m so cied ad e -— p re o c u p a ç ã o (17c-e)
Λ2 A segunda intim ação: o co n v ite d o S e n h o r (18-20)
a2 P urificação eficaz (18)
a 1V olta à o b ed iên cia (19,20) 12

1 Sitiada re p re s e n ta n esü râ . v su r sig n ifica “ sitia r” , m a s n ã o e n c o n tr a m o s se u p a rtic ip io


passivo {niphal) c m o u tr a s p a ssa g e n s , c o m u m e n te , p o d e r ía s e r ifs ô r â , a d o ta d o p e la B H S .
\'/tã 5-úr(“ p r c s c r v a r ”) a u to riz a u m p a rtic ip io a tiv o {qal) n o s e n tid o d e “ s itia d o r” (jr 4 .1 6 , na
N V I n a n o ta d e ro d a p é ) e n o s s a p a la v ra a q u i p o d e r ía s e r o p a r tic ip io p a ssiv o q a i“s itia d o ” .
2Veja W ad c a d /or.” la v c d o s e x é rc ito s [...| o s re c u rs o s s o b r e n a tu r a is d o S e n h o r [...] o p o d e r
irresistív el” . C f. G . A . E K n ig h t, A B iblical A pproach to the D octrine o f the Trinity (O liv e r a n d
B oyd, 1953), p. 21.
O LIVRO DO REI 58

T o d a religião tem suas necessárias fo rm as externas, e to d a religião é sus-


cetívcl ao m e sm o p erig o de definir a realidade em te rm o s d a fo rm a. A religião
hebraica n ão era d iferente, salvo o g asto de te m p o {luas novas, sábados, festas, pere-
g rinação a Sião, etc) e d e d in h e iro {bois, ovelhas, bodes, etc) exigido p o r sua religião
p o d e tê-los d eix ad o p ro p o rc io n a lm e n te m ais a fro n ta d o s co m o fato d e q ue
esses exercícios n ão significavam n a d a p a ra o D e u s q u e achavam q u e h o n ra -
vam d essa m aneira. A ssim , será q u e Isaías estava re n u n c ia n d o à trad ição , a qual
su sten tav a q u e to d a s essas práticas religiosas fo ram o rd e n a d a s p elo S e n h o r, na
qual fo ra criado? E le estava d e fe n d e n d o a “ m o ralid ad e sem religião” ? N a d a
disso, m as estava lan çan d o u m ch a m a d o de re to rn o à an tig a in te g ra ç ã o d o s
do is e le m e n to s de ética c ritual. N a g aran tia m osaica, a re d e n ç ã o (E x 12), o
fo rn e c im e n to d a lei (Ê x 20) e a in stitu ição da o b se rv â n c ia religiosa (Ê x 25 .1 —
L v 27.34) seguiram um ao o u tro n essa o rd e m . A lei foi fo rn e c id a p a ra q u e os
q u e já eram o p o v o d o S e n h o r pela re d e n ç ã o so u b e sse m c o m o se c o m p o rta r
d e fo rm a s aceitáveis p a ra aquele q u e os redim ira. O cu lto foi d a d o p a ra q ue
aqueles q u e estavam c o m p ro m e tid o s c o m u m a vid a d e o b ed iên cia p u d e sse m
p e rm a n e c e r n a p re se n ç a d o S e n h o r a p esar de suas falhas e re c o rre r à m iseri-
có rd ia e ao p e rd ã o p a ra seus lap so s de o b ed iên cia. A lei d e sacrifício, fo ra d o
c o n te x to d a lei de ob ed iên cia, n ã o tin h a n e n h u m a u tilid ad e.1 E ssa c o n tin u a a
ser a m e n sa g e m p e rm a n e n te d a passagem .
10 Escutem e ouçam são os m esm os verbos d o versículo 2. A voz divina iden-
tica falando p o r in term éd io d o pro feta, agora, c o n v o ca as pessoas, n ã o o céu.
Sodoma c Camorra fo rm am um a ligação intencional co m o versículo 9 . 1ága os dois
discursos. Isso é o q u e se segue dc fo rm a apropriada. O a b a n d o n o d o S e n h o r q ue
p ro v o c o u o d e sa stre nacional tem d e se r ain d a m ais rastread o . T a m b é m am plia
a m isericó rd ia d o D e u s q u e p rev iu a d e stru iç ã o d c seu p ov o , m as, se n ã o fosse
p o r essa m isericó rd ia, eles estariam como Sodoma e Gomorra (9). A qui, Isaías diz
q u e ta n to governantes q u a n to povo são m ais q u e “ se m e lh a n te s” , são Sodoma e Go-
morra. Sodoma (veja 3.9) é u sad a c o m o sím b o lo d e p e c a d o m a n ifesto , o p e c a d o
c o m o u m estilo de vida aceito. Tôrâ {lei) é “ e n sin a m e n to ” . E m b o ra a lei seja
u m a p alavra d e a u to rid a d e (cf. D t 31.9-13), seu c o n te x to é o re la c io n a m en to
fam iliar a m o ro so e m q u e os pais “in s tru e m ” o filho n o s valores d a vida (cf. P v
6.20-35). A referên cia ao nosso D e u s d estaca esse e le m e n to d e te rn a p re o c u -
pação, e m b o ra , ao m e sm o te m p o , sugira q u e talvez ele n ã o é b e m “ d eles” da
m an eira q u e eles acham .
11 E sse versículo faz três afirm ações: esses sacrifícios, p o r to d a su a pleni-
tu d e, n ã o significam n ad a p a ra o S e n h o r {0 que eles são para mim?); n ã o acrcscen -
tam n a d a (para mim, chega) e n ã o fazem n ad a (» ¿ < 9 tenho nenhum prazer no sangue).

1 Veja m ais e m Η . H . Rowley, The U nity o f the Bible (C arey K in g sg ate, 1953), p. 30ss.;J. L in d b lo m ,
Prophecy in A ncient Israel (Blackwell, 1963), p. 351 ss.; J. A . M otyer, “ P ro p h e c y ” e “ P ro p h e ts ” ,
IB D .
59 ISAÍAS 1.10-20

O sangue era o c e rn e da efetividade d o sistem a sacrificial (veja, p o r ex em p lo , Lv


17.11), m as ele, aqui, n ã o to c a o co ra ç ã o de D eu s. Pergunta o Senhor está n o tem -
po im p erfeito e te m o se n tid o d e “ c o n tin u a d iz e n d o ” .1 E ssa é u m a q u e stã o tão
im po rtan te p a ra o S e n h o r q u e ele se faria e n te n d e r pela rep etição . O s novilhos
gordos eram criad o s esp ecialm en te p a ra o sacrifício e eram o s anim ais m ais caros
0 verbo hãpês (não tenho nenhum prazer) o c o rre em 53.10 (“ foi d a v o n ta d e do
Senhor”). Isaías, an tes d e te rm in a r, revelará u m sacrifício em q u e o S e n h o r tem
prazer. M as c o m o D e u s p o d e rejeitar de fo rm a tã o p e rsiste n te o s sacrifícios
deles? O s versículos 12-15 fo rn e c e m a resp o sta.
12 Se Isaías estivesse n eg an d o q u e os sacrifícios c o m o tal n ã o tinham auto-
rização divina n ã o descrevería o te m p lo aqui c o m o meus átnos. O S e n h o r reivin-
dica a casa d e sacrifício c o m o sua, e m b o ra , ao m e sm o te m p o , rejeite os atuais
sacrifícios c o m o algo p elo q u e ele n u n c a ^ ¿ ¿ » / “ b u s c o u ” . O p ro p ó s ito divino
no sistem a sacrificial é q u e seu p o v o vfenba¡ a minha presença (T M lêrã ’ô t pãnãy;
cf. E x 23.17; 34.23) o u , co m vogais alteradas, “ co m p are [ça] p e ra n te m im ” (ARA)
(lir‘’ ôtpãnãy; cf. as m esm as alternativas em Ê x 23.15; 34.20; D t 16.16; 31.11).
Am bas as idéias são bíblicas e e x p ressam o m ara v ilh a m e n to d a adoração. T u d o ,
contudo, tin h a sid o re d u z id o a pusessem ospés em meus átrios, o q u e p o d e se referir
aos m uitos anim ais trazid o s p ara sacrifício o u à m e ra p re se n ç a física daqueles
que os com pravam . Isto era tu d o q u e havia ali — o b a ru lh o d e p és so b re o piso.
A religião d e ritual e o fo rm a lism o n ã o têm a u to rização divina.
13 E um a linguagem fo rte para d escrev er o te m p lo d e ad o ra ç ã o deles
com o inútil, repugnante e insuportável! A acusação, ag o ra, n ã o é d e fo rm alism o
(como n o v. 12), m as d e c o m p ro m isso religioso sem d e te rm in a ç ã o ética. O
sentido literal de suas assembléias cheias de iniquidade é “ assem bléias iníquas e obri-
gatórias” . N a m em orável descrição de Skinner é a “ aliança ím p ia” d e obrigação
religiosa e iniquidade p essoal. C o m p a re c o m a acu sação d e Jerem ias d e que
transform aram a casa d o S e n h o r em “ covil d e la d rõ e s” (Jr 7.11) — u m lugar
ao qual eles iam c o m o lad rõ es e d o qual saíam c o m o lad rõ es, u m lu g ar seguro,
sem qu alq uer in te n ç ã o m o ra l de m u d an ça. A s ofertas inúteis é “ u m p re se n te de
nada” . A inclusão d o sá b a d o m o s tra q u e Isaías n ã o está c o n d e n a n d o a coisa em
si m esm a — c o m o ele p o d e ría d e sc a rta r o sá b a d o c o m o n ã o te n d o au to rid ad e
divina? — m as o u so e rrô n e o dele (veja o p ró p rio c o m e n tá rio dele n o cap. 58).
As assembléias tê m o rig e m em u m a raiz cujo se n tid o é “ re p rim ir” , daí, c o n te r a
ideia de o b rig ação im p o sta.

1 A e x p ressão a q u i c o m o te m p o im p e r f e ito (“ O S e n h o r c o n tin u a d iz e n d o ” ), c o m o d is tin to


da fó rm u la; “A ssim d iz o S e n h o r ” u s a n d o o te m p o p e r fe ito d o v e r b o é p r a tic a m e n te p c -
culiar a Isa ías (1 .1 1 ,1 8 ; 3 3 .1 0 ; 4 0 .1 ,2 5 ; 4 1 .2 1 ; 6 6 .9 ). A lé m d e e m Isaías, isso s ó o c o r r e u m a
vez em S a lm o s 12 .6 (cf. D riv e r, 33(a), O b s .).
O LIVRO DO REI 60

14 E u as odeio equivale a “ o d e io de to d o c o ra ç ã o ” . Tornaram-se su g ere q u e as


festas an tes n ã o eram um fardo, além d e se r m ais u m a in d icação d e q u e Isaías
desafia o a b u so atual, n ã o a validade d o sistem a sacrificial c o m o tal. P o r isso,
ele c o n d e n a suas festas — as festas c o m o voces as p raticam . E les tin h a m su b s-
tím id o o p rin cíp io d e c o n fo rm id a d e co m a v o n ta d e de D eu s p elo p rin c íp io de
p raticar o q u e era aceitável e útil p a ra eles m e sm o s (cf. A m 4.4,5).
15 O tó p ico , agora, é intercessão. Isso ta m b é m significa q u e Isaías n ão
está critic a n d o o uso, m as o ab u so , pois ele n ã o d e n u n c ia a o ra ç ã o c o m o tal.
Esconderei de vocês os meus olhos d e n o ta o o p o s to d o S e n h o r d eix ar seu ro sto res-
p la n d e c e r s o b re eles (N m 6.25; SI 4 .6 < 7 > ), o u seja, a retirad a d o fav o r d ivino
d a p e sso a q u e intercede. Λ p ró p ria o ra ç ã o se to rn o u in fru tífera. A ssim , ta n to
in te rc e sso r q u a n to in tercessão são invalidados p o rq u e as suas mãos estão cheias de
sangue/ “ san g u es” , o u seja, o b ras de cu lp a d e sangue. N o heb raico , “ c o n sa g ra r”
a p e sso a ao S e n h o r é “ e n c h e r suas m ã o s” (Ê x 28.41) e “ se r c o n sa g ra d o ” é “ te r
as m ão s de alguém ch eias” (Js 14.8); é a ex p ressão d e p re o c u p a ç ã o to tal c o m
o S enh or. A s m ão s levantadas c m o ração expressav am p re o c u p a ç õ e s distintas.
1 6 a -c A g o ra, é o rd e n a d a a ação co rretiv a positiva, c o m e ç a n d o co m u m a
tripla o rd e m p a ra se a c e rta r c o m D eus. H á 73 o c o rrê n c ia s d e laviarj (jrãhas)
n o A n tigo ’!e s ta m e n to das quais 52 se re fe re m a p u rificação cerim onial (p o r
exem plo, L v 15.5-28). Se Isaías p re te n d e sse a rejeição c o m p le ta d o cu lto teria
ev itado esse verbo. Limpem-se v em d e iz â tá (cf. J ó 15.14; SI 74.13) o u d e E ã k a t
(cf. Jó 15.15; L m 4.7). O sen tid o é o m esm o: pureza diante de D eus. As palavras
de Isaías em hebraico para lavem-se e limpem-se estão lado a lado sem u m a partícu la
de conexão. Isso q u e r d izer q u e a seg u n d a frase ex p ressa a ideia p rin cip al e a
prim eira qualifica-a, assim , “ lim p em -se d ia n te d o S e n h o r lim p a n d o as o rd e n a n -
ças que ele fo rn e c e u ” . Removam / .../ para longe da minha vista indica q u e os m eio s
d c lim p eza d e sig n ad o s p elo S e n h o r g a ra n te m a re m o ç ã o d e to d a im p u re z a que,
d o c o n trá rio , ele veria. Suas mâs obras é “ o m alefício de seus feito s” . O s “ feito s”
m e sm o são p assad o , m as o m alefício deles p e rm a n e c e até q u e seja re m o v id o
pela lim peza.
1 6 d -1 7 b O S e n h o r d á três o rd e n s para a re o rd e n a ç ã o d a v id a p essoal. Elias
são: a b a n d o n o d efinitivo d a vida antiga (parem), d e se n v o lv im e n to d e u m a n o v a
m e n te (aprendam) e o e sta b e le c im en to d e n o v o s ob jetiv o s e p rio rid a d e s (bus-
quem) em h a rm o n ia c o m a v o n ta d e declarada d o S enhor. O v e rb o su b jacen te
p ara justiça (m ispãt) é ■isãpat, significando “ julgar, to m a r u m a decisão, d e te rm i-
n a r d e m an eira im p o sitiv a o q u e é c e rto ” . P o rta n to , m ispãt, c o m o aqui, é u sad o
co m freq u ên cia p a ra ex p ressar a so m a to tal d o q u e o S e n h o r d e te rm in o u c o m o
c o rre to , em u m a palavra, a v o n ta d e de D e u s (cf. R m 12.2).
1 7 c -e A tríad e final de o rd e n s c o b re a re fo rm a da so cied ad e, c o m e ç a n d o
co m (lit.) “ c o rrig ir o o p re s s o r” . E fácil tro c a r hãm ôs (“ o p re s s o r”) p o r hãmüs
(“ o p rim id o ”) c o m o faz a N V I, m as fazer isso d e stró i o c o n tra ste q u e as três
61 ISAÍAS 1.21-26

ordens c o m p re e n d e m . E sse é o c o n tra ste e n tre as du as ex trem id ad es d a socie-


dade im perfeita, o o p re s s o r e o necessitado, o p rim e iro in flig in d o a d o r, e o o u -
tro sofrendo. Isaías p ro c u ra u m a so cied ad e tra n sfo rm a d a q u e se m p re p recisa
de transform ação.
18 Vamos refletirju n to s é d e iyükah, que, às vezes, tem n u an ças legais d e um a
decisão d a c o rte (cf. 2.4; 11.4; G n 31.37). O paralelism o e n tre os v ersícu lo s 2
e 10 sugere que Isaías ainda está p e n sa n d o cm te rm o s forenses. A ssim , qu ão
im po rtan te é o fato d e q u e q u a n d o as p esso as são c h am ad as à b a rra da c o rte
para o uvir o veredicto, este seja e x p re sso c o m o u m a o fe rta d e p e rd ã o g ra tu ito e
de chance d e u m a n o v a vida? M ais ad ian te, Isaías, co m freq u ên cia, in siste q u e o
perdão d o S e n h o r está d e a c o rd o co m a exigência legal (veja, p o r exem plo, co-
m entário so b re 49.24-26). P ara o te m p o v erb al de veja o c o m e n tá rio so b re o
versículo 11. A ên fase d o versículo 11 d e q u e o ritual de sacrifício c in fru tífe ro é
igualada pela ê n fase aqui d e p e rd ã o g ratu ito . Vermelho [...] e escarlate são as cores
de culpa d e sangue (cf. v. 15). O S e n h o r aplica o re m é d io o n d e vê a necessidade.
A estru tu ra d o c o n te x to exige q u e e n te n d a m o s eles se tornarão brancos como a neve
com o um a p ro m e ssa , e n ã o c o m o u m a tese irô n ica:*1

A1 A o rd e m p a ra u su fru ir a lim p eza (16a-c)


B 1A o rd e m p a ra e n tra r n a n o v a v id a (16d, 17)
A2 O convite p a ra u su fru ir a lim peza (18)
B 2A s alternativas d e m o rte o u v id a (19,20)

N ã o aceitar o versículo 18 c o m o u m a p ro m e ssa g en u ín a equivale a n eg ar


o versículo 16 c o m o u m a o rd e m realista. N eve e lã exem plificam o q u e é natu -
raím ente branco. A p ro m e ssa d o S e n h o r n ã o só lida co m a m a n c h a d o p ecado,
mas tam b ém c o m a n a tu re z a da qual ela b rota.
19,20 Disposíição¡, obedriéndaj, resistiendo] e rebel[dia] exigem u m a re sp o sta
da v on tade e d e obras. A o b e d iê n c ia n ã o é a salvação p o r m e io d e obras. A
primeira o b ed iên cia é à o rd e m lavem-se (16) e venham (18) e eles, só d e p o is disso,
têm de o b e d e c e r co m u m a vida c o n fo rm a d a à lei de D eu s. A frase: Pois 0 Senhor
é quem fa la é um a atrib u ição d ire ta da palavra d e Isaías a D e u s m e sm o (cf. w .
2,10).2 A in sp iração c o b re ta n to o q u e o p ro fe ta diz q u a n to a fo rm a c o m o diz.
Os julgam entos d o S e n h o r são ex ecu tad o s p ela espada, o u seja, a invasão de u m
inimigo (cf. v. 7; 5.25-30).

c. A situação social (1.21-26)


E ssa seção, em relação ao c o n te ú d o , é u m la m e n to so b re o co lap so da so-
ciedade de Jeru salém ; ela, q u a n to à fo rm a , é um p o e m a p alistró fico c o n stru íd o
de form a sublim e.

' Para p e rc e p ç õ e s a lte rn a tiv a s, veja S c o tt c K a ise r.


1 A e x p re ss ã o e x a ta P ois 0Senhor é quem fa la (k i p iy a h w e h d ib b ê f) o c o r r e e m o u tra s p a ssa g e n s
apenas e m 4 0 .5 ; 5 8 .1 4 ; M q 4.4; cf., p o r e x e m p lo , 2 1 .1 7 ; 2 2 .2 5 ; 25.8; O h 18.
O LIVRO DO REI 62

A1 O co lap so d a cidade fiel (21 a)


B1 O p a ssa d o e p re se n te são c o n tra p o sto s: a justiça é su b stitu íd a
p e lo h o m ic íd io (21b)
C1 A m etáfo ra: os valores viram lixo (22)
D 1 O s g o v e rn a n te s c o rru p to s (23)
D 12A so b e ra n ia divina (24)
C2 A m etáfo ra: o lixo p u rg a d o (25)
B2 O p a ssa d o e fu tu ro são identificado s: a justiça é re stau rad a
c o m juizes v e rd a d e iro s (26a)
A2 A re sta u ra ç ão d a cidade fiel (26b)

“ O te m a ” , c o m e n ta K id n e r, “ é a glória desvan ecid a; até m e sm o as m e-


táfo ras p a ra ela p assam de trágicas p a ra triviais (esposa... prata... licor). Só a
p e rd a da m o ra l é lam en tad a; n ã o o im p é rio d e D av i n e m a riq u eza d e S alom ão,
sim p le sm e n te a ju sd ç a d eles.1 C o n tu d o , a o lo n g o d esse tem a, q u e stõ e s m aio res
estão em a n d a m e n to . Isaías, n a p rim eira p a rte d essa seção inicial (2-9), n ã o
o lh a p ara o fu tu ro , m as o b se rv a o e le m e n to d a p re se rv a ç ão divina n a h istó ria
d o p o v o (9). N a seção do is (10-20), são o fe re c id o s fu tu ro s a ltern ativ o s (18-20),
co n d ic io n a d o s à re sp o sta d o p o v o à o rd e m divina. Acjui, n o e n ta n to , o fu tu ro é
a b raçad o pela m e sm a so b e ra n ia divina p re se rv a d a n o passad o : removerei, restau-
rarei (25,26). O S en h o r, e m ú ltim a análise, n ã o v o ltará atrás n a p ro m e ssa feita a
D avi; o c o m e ç o é u m p arad ig m a p ara o fim.
2 1 A p alavra “ C o m o ” ( ’êkâ; cf. L m 1.1) e n ã o vejam como (N V I) in tro d u z u m
lam en to , e o início d o v ersículo 21 c o n se rv a a fo rm a de la m e n to (“ q in a h ” , u m a
e stru tu ra 3:2 d e palavras-chave). A cidade era fie l/ “ d igna d e co n fia n ç a ” c o m o
u m a v erd ad eira esp o sa é digna d e confiança. A qui e em 23.15-18 são as únicas
p assag en s em q u e a literatu ra d e Isaías u sa a m e tá fo ra de ad u ltério , am b as em
um cen ário d e su rp re e n d e n te restau ração . O co lap so m o ra l co m e ç a n a p e sso a e
n o re la c io n a m en to co m o S enhor. O versícu lo te rm in a co m a p alav ra assassinos
(jrã sa h ; E x 20.13), in d ican d o q u e o re su lta d o da infid elidad e c o m o S e n h o r é a
in fidelidade co m o povo. A justiça e a retidão (m ispãt; sedeq) fo rm a m u m p a r fre-
q u e n te em Isaías.2 E las e stã o ig u alm en te enraizadas n a sa n tid a d e divina (5.16):
a retid ão p e rso n ific a a sa n tid a d e em p rin cíp io s sólid os, e a ju stiça é a ex p res-
são d a re tid ã o em p receito s sólidos (veja 32.1). Q u a n d o o c o m p ro m isso co m
D e u s acaba, a isso in ev itav elm en te se seg u e a violação d a “ p rim e ira p e d ra da
lei” (adultério), a violação da “ se g u n d a p e d ra ” (hom icídio). O s valores sociais
p ie d o so s d e p e n d e m d o c o m p ro m isso co m D eus.
22 A p ra ta p o d e c o n te r algum a liga e ain d a se r p rata, m as a prata q u e se
tornou refugo so fre to tal degeneração. D a m e sm a m an eira, assim q u e o v in h o é

1 D . K id n e r, N B C , p. 59 2.
2 C f. v. 2 7 ; 5 .7 ,1 6 ; 9 .7 ; 16 .5; 2 6 .9 ; 2 8 .1 7 ; 3 2 .1 ,1 6 ; 3 3 .5 ; 51.4,5; 56.1; 58.2; 5 9 .9 ,1 4 .
63 ISAÍAS 1.21-26

tocado p ela água, n e n h u m a p artícu la dele p e rm a n e c e p u ra. A ssim , q u a n d o o


pecado en tra, a fa sta n d o d o S e n h o r (21), ele d e stró i a n a tu re z a em q u e en tra e
não deixa n e n h u m a p a rte in to cad a.
23 Aqui é o m e sm o m o v im e n to d o versículo 22: o p e c a d o d e reb elião co n -
tra D eus e os p e c a d o s de b u sc a r o “ e u ” (ro u b o e su b o rn o ) e d eix ar de cu id ar
dos o utros. A viúva e o ó rfã o são caso s testes da qualid ade d a so cied ad e bíblica
(Ex 22.22; D t 14.29; 16.11-14). O S e n h o r esp era q u e seu p o v o seja c o m o ele
(cf. D t 10.18; SI 10.4; 68.5), m as, n o v ersículo 21, n in g u é m teve p e rm issã o p ara
ficar no cam in h o d a v a n ta g e m p a ra si m e sm o (assassinos), assim , aqui, tu d o está
subordinado ao in te re sse p ró p rio , assim , o s q u e tra z e m n ecessid ad es, em vez de
presentes, são d e sc a rta d o s na hora.
24 N o s s o olhar, d o s g o v e rn a n te s te rre n o s (23), v olta-se p ara o Rei su p re-
mo. N e m m e sm o Isaías n u n c a excede a ênfase n o p o d e r d iv in o ex p ressa em
seu a g ru p a m e n to d e títu lo s divinos. O h eb ra ic o é e n fá tic o e m c h am ar a aten ção
para o orad o r. A nuncia (ne’um) é u m a palavra c o m o sen tid o : “ [Essa é] a pala-
vra do...” A qui, a p alavra é d e alguém s o b e ra n o em p o siç ã o (0 Senhor, h ã ’ãdôn),
on ipotente e m p o d e r (0 Senhor Todo-poderoso, “ S e n h o r d o s E x é rc ito s” ; cf. v. 9) e
governante a b so lu to d e seu p o v o (0 Poderoso de Israel·, cf. 49.26; 60.16).' A so-
berania e o p o d e r d o S e n h o r n ã o são o rn a m e n ta is n e m irrelevantes, m as u m a
força a ser lidada n o s a ssu n to s d e seu povo. E sse p o d e r é e sp ecíficam en te u m
poder de v ingança. O S e n h o r consegue alívio (inãham ) e se vinga (inãqam ). A pri-
meira expressão, co m sua ideia-raiz de “ c o n fo rto ” , a p o n ta p a ra acalm ar a d o r
causada a D e u s; o ú ltim o te rm o , p a ra a re c o m p e n sa o b jetiv a m erecida. T o d a
declaração sim plista de q u e “ D e u s se m p re o d eia o pecad o , m as am a o p e c a d o r”
precisa ser c o n tra p o sta à in sistên cia de Isaías de q u e o s q u e tra n sg rid e m são
meus adversários e meus inimigos. E les se to rn a ra m adversário s d o s in d efeso s (23),
por isso o S e n h o r os m a n tê m c o m o seus inim igos.
25 Voltarei minha mão contra você, é u m a frase q u e se m p re d escrev e u m a ação
hostil (p o r exem plo, SI 81.14), todavia, aqui ela in tro d u z a o b ra d e restau ração .12
0 Senhor, m esm o n o p ró p rio exercício d e sua ira, lem b ra-se da m isericórdia (cf.
60.10), e a m isericórdia e a justiça estão perfeitam en te fundidas na n atu reza divi-
na (45.21). Removerei todas q u e r d izer “ re fin a r c o m lixívia” (kabhõr).3 D a m esm a
m aneira q u e te m o s n o sso s ag en tes d e lim peza, o S e n h o r ta m b é m sabe o que
aplicar para p u rificar seu povo. N e sse c o n te x to , a re m o ç ã o d a escória (cf. v. 22)
equivale à ren o v ação da n a tu re z a deles.

1 O títu lo “ P o d e r o s o d e J a c ó ” o c o r r e c m G n 4 9 .2 4 ; SI 132.2,5.
2 Veja ta m b é m J r 6 .9; F.7. 3 8 .1 2 ; A m 1.8; Z c 13.7. C o n tr a e sse h is tó r ic o d e u so , é im p re ss io -
n an te o s o m im e d ia to d e u m a n o ta d c e s p e ra n ç a e m Isaías, u m e x e m p lo d e su a b rilh a n te
hab ilid ad e lite rária.
3 Para bõr, veja J ó 9.3 0 . S c o tt m u d a a p a la v ra p a r a bakkâr (“ n a f o r n a lh a ” ), u m a a m p lia ç ã o
trivial da id eia d c “ re fin a r” Λ B I IS , s a b ia m e n te , s e g u e o T M .
O LIVRO DO REI 64

26 O p o n to c u lm in a n te d essa seção é a restau ração davídica. Foi so b D av i


q u e Je ru sa lé m se to rn o u capital (2Sm 5.6-9), e o q u e Isaías esb o ç a aqui é o
c u m p rim e n to das p ro m e ssa s davídicas (2Sm 7; SI 89); te m a q u e d aq u i em dian -
te se to rn a cada vez m ais d o m in a n te . N ã o se deve deix ar p a ssa r a co n e x ã o
im ediata d o te m a davídico (26) co m o de re d e n ç ã o (27). F m 11.1,10-16, o rei
dav íd ico p ro m e tid o se to rn a o cham ariz d e u m n o v o êx od o , e, em 55.3, o S erv o
d o S e n h o r se to rn a o fu n d a m e n to d o c u m p rim e n to das p ro m e ssa s davídicas.
D a m e sm a m aneira, a im p re ssio n a n te peça central d o s cap ítu lo s 55— 66, n a
verdade, é o re to rn o d o v e n c e d o r triu n fa n te a Sião. A p assag em 1.26 é um a
verd adeira se m e n te ira de p e n sa m e n to .

d. Explicação: as tensões entre ameaças e a esperança resolvida (1.27-31)


O versículo 26 conclui o po em a iniciado n o versículo 21. A gora, seguem -se
duas ap re e n sõ e s d e o rá c u lo s os quais o rig in alm en te estavam se p arad o s: os ver-
sículos 27 e 28 fo cam o s fu n d a m e n to s m orais d a re d e n ç ã o e d o ju lg am en to ,
resp ectiv am en te; e o s versículos 29-31 são so b re a d e stru tib ilid a d e in e re n te à
falsa religião. O m aterial é claram en te d e Isaías.1 T a m b é m o é o estilo edito rial
p o r m eio d o qual m aterial o rig in alm en te d isc re p a n te é ju n ta d o (co m o cm u m
m osaico) em u m a nova in teg ração , m a n te n d o , c o n tu d o , o se n tid o original.
Isaías, e x am in an d o o p a ssa d o im ediato, viu a p re se rv a ç ão divina em o p e ra -
ção (9), m as sabia (18-20) q u e essa p re se rv a ç ão n ã o c o n tin u a ria in d e fin id a m e n -
te. (9 fu tu ro d o p o v o d e p e n d ia de sua re sp o sta ao ch a m a d o d iv in o à o b ed iên cia.
O s v ersículos 25 e 26 p arecem v o lta r a essa p o sição p o rq u e a p esar d e te r início
a d eg en eração to tal da n a ç ã o (21,22), e o S e n h o r te r a in te n ç ã o d e d e sc a rre g ar
sua ira so b re seus inim igos (24,25a), ele, todavia, so b e ra n a m e n te , plan eja tra z e r
D av i de v o lta p a ra re in a r so b re um a cidade p erfeita (26). F m su m a, h á um a
ten são e n tre os p ro p ó sito s divinos so b e ra n o s e a re sp o sta h u m a n a e e n tre a
inevitável ira div in a e a p ro m e tid a restau ração divina. Isaías usa os d o is o rácu lo s
d o s versículos 27-31, in d e p e n d e n te m e n te da o rig em deles em seu m in istério ,
para reso lv er essas tensões.
O s versículos 27-31 são d elicad am en te encaixado s n o q u e o s p reced e:

A1 O ju lg a m e n to am e a ç ad o (24,25a)
B 1 A restauração: a cidade restau rad a (25b,26)
B 2 A restau ração : a Sião red im id a (27)
(a) A re d e n ç ã o c o n so a n te co m a justiça (divina)
(b) O a rre p e n d im e n to c o n so a n te co m a retid ão (divina)

1 K a is e r (ad loc.) d e ix a c la ro q u e o s v e rsíc u lo s 29-31 sã o d e Isa ías c o n tr a as a le g a ç õ e s d e


q u e eles d e v e m s e r d ito s p ó s-e x ílic o s. “A á r v o re d e a d o r a ç ã o d e v e te r e x is tid o e m t o d o s
o s p e r ío d o s d e I s ra e l” (cf. S c o tt).
65 ISAÍAS I . 2 7 -3 I

Λ2 O ju lg am en to am eaçad o (28-31)
(a) Seu fu n d a m e n to m o ra l na rebelião e n o p e c a d o (28a)
(b) Seu fu n d a m e n to relacionai n o a b a n d o n o d o S e n h o r (28b)
(c) Seu fu n d a m e n to religioso (29-31)
(i) A safra pessoal co lh id a da falsa religião (29)
(ii) Λ a u to d e stru tib ilid a d e d a falsa religião (30,31)

27 L er o versículo 27 a p a rtir d o versículo 26 é c o n tin u a r n o m e sm o tó pico,


mas passar d o fato p a ra a explicação. E assim q u e o S e n h o r “ re sta u ra r[á |” Sião.
A restauração te m dois lados: o b jetiv am en te, a o b ra de re d e n ç ã o d o S e n h o r
e, subjetivam ente, a re sp o sta h u m a n a de a rre p e n d im e n to . As frases adverbiais
comjustiça e com retidão (v 21) g o v e rn a m a m b o s os asp ecto s. O S en h o r, q u a n d o
redime, n ã o deixa d e fo ra as declarações d e seus sa n to s p receito s, m as os sa-
tis faz. ( ) a rre p e n d im e n to d o ser h u m a n o n ã o é u m a o b ra m e ritó ria oferecid a
a D eus a fim de estim u lar seu p razer, m as u m a re sp o sta a o fato d e q u e suas
justas declarações fo ra m atendidas. Redimida (jpãdâ) significa esp ecíficam en te
“pagar o p re ç o d o re sg a te ” (cf. Ê x 13.13; L v 27.27; Is 29.22; 35.10; 51.11). Os
que voltam / “ os q u e se a rre p e n d e m ” en fatiza o lado p rá tic o d o a rre p e n d im en to :
uma m u dança de m e n te re su lta n d o em u m a n o v a (em d ireção a D eu s) d ireção
de vida. A palavra sãkeyhã (lit., “ aquelas delas q u e v o lta m ”) liga o d u p lo u so de
’ãsíbâ (“T rarei d e v o lta ” minha mão e restaurarei os seusju izes) n o s v ersículos 25 e
26 c junta as duas passagens, d a n d o su p rem acia aos a to s d iv in o s q u e to rn a a
resposta d o h o m e m possível e significativa.
28 E m c o n tra ste co m aqueles q u e “ v o lta m ” p a ra o S e n h o r (27), h á os que
o abandonam. (O h eb raico é lit. “ M as d e stru iç ã o p a ra os reb eld es [participio] e
pecadores — tu d o d e u m a vez! O s q u e a b a n d o n a m o S e n h o r ca m in h a rã o para
o fim” .) O s rebeldes (jp ã sa '\ cf. v. 2), os pecadores (“ p e c a m in o so s” , ih ã !ã ’\ cf. v. 4)
e os que abandonam (cf. v. 4) são u m a inclusão u n in d o o fim da p assag em ao início
dela, in dicando sua atual união. A s palavras, p o r su a vez, falam d e u m a v o n ta d e
incontrolável, u m a vida aq u ém d o ideal e um re la c io n a m en to a b a n d o n a d o . O
versículo indica um ato d e fo ra (ser destruídos) te rm in a n d o o c u rso d o p e c a d o r
e, ao m esm o te m p o , a c a b a n d o (caminharão para 0 fim / “ p e re c e rã o ”) co m os re-
cursos internos.
29-31 A acusação de “ a b a n d o n a m o S e n h o r” (28) é justificada ag o ra (v.
29 abre co m “ p o rq u e ” , ARC). A aliança religiosa fo rm a l d o p o v o era co m o
Senhor (10-15), m as a “ e sc o lh [a |” e o “ ap re[ço ]” (29) deles eram a n atu reza e
os cultos d e fertilidade da ép o c a (cf. 27.9; 57.3-6; 66.17). Isaías n ão acredita-
va que q u alq u er religião era tão b o a q u a n to q u a lq u e r o u tra. A insistência dele
nos versículos 10-15 de q u e a religião deve te r c o m p ro m isso m o ral é am pliada
aqui pela in dicação d e q u e a v erd ad eira religião é m ais q u e a p referên cia e a
satisfação d o h o m e m (29) e alcança a fo n te da vida que n ã o está sujeita à te rra
secando e d e sa p a re ce n d o (30).
O LIVRO DO REI 66

29 E sse v ersículo é lit.: “ P ois eles co lh erão v e rg o n h a das á rv o res q u e vocês


d esejaram ” ,1 ou seja, os q u e vivem n o s dias da d isp ersão (28) co lh e rã o o q ue
seus a n te p a ssa d o s sem earam . O m o tiv o fu n d am en tal d o d e sa stre é a religião
falsa e in adequada. O s carvalhos e o s jardins são os sím b o lo s d a vid a d a “ n atu re-
za” e d o s d eu ses d a fertilidade. O s te rm o s envergonharão e ficaram decepcionados
tra n sm ite m m ais q u e o p e n s a m e n to de d e sa p o n ta m e n to q u e d e m e ro em b ara-
ço, daí “ co lh e rã o v e rg o n h a ” , em vez d e ap en as “ se sen tirão e n v e rg o n h a d o s” .
O fato r d e te rm in a n te n a religião deles (cf. A m 4.5) era o q u e eles achavam útil
{que tanto apreciam) e o q u e eles estip u laram {que escolheram). D e a c o rd o c o m Cal-
vino: “A v e rd ad eira religião tem q u e ser adaptável à v o n ta d e d e D e u s c o m o seu
p a d rã o in e rra n te ” .*
2
30 A á rv o re p e re n e a d e q u a d a m en te sim b o lizad a c o m o vida q u e n ã o p erece
e, p o r c o n se g u in te , to rn a -se o fo co d a n a tu re z a d a religião e d o s d eu ses d a fer-
tilidade. M as essa religião n ã o c o n seg u e c u m p rir suas p ro m e ssa s; é u m a á rv o re
“ cujas folhas estã o c a in d o ” . A falsa religião n ã o te m v id a in eren te. A im ag em
de um jardim sem água m u d a p a ra u m a de d e p e n d ê n c ia de u m a fo n te d e vid a ex-
te rn a — a água. A falsa religião n ã o te m realidade ex te rn a p a ra n utri-la. N ã o é
u m c o n ta to real co m o divino.
31 N o c o n te x to de 0 poderoso está aquele q u e se im ag in a fo rte p o r m eio
d e sua esco lh a d e deuses; sua obra é o íd o lo que faz, o jard im q u e p la n ta c o m o
lu g ar d e seu deus. Ju n to s, eles são estopa o f agulha, u m a c o m b in a ç ã o m o rta l de
co m b u stív eis q u e ilustra a a u to d e stru tib ilid a d e d a falsa teolo g ia e religião.3

3 .0 pecado e a eleição (2.1—4.6)


E ssa seção, c o m o o c a p ítu lo 1, é u m m o saico d e peças o rig in alm en te se-
p aradas, cad a p e ç a n ã o d atad a n ã o se liga m ais à c ircu n stân cia h istó rica q u e lhe
d e u o rig em , m as a g o ra está tecida em u m a n o v a ap resen tação . O p o e m a inicial
(2.2-4) in tro d u z o tem a: a visão d e Je ru sa lé m c o m o c e n tro m u n d ial d e p ereg ri-
nação, d e revelação e d e paz. A p assag em ex p ressa p o e tic a m e n te a co n d iç ã o
“ab raâm ica” d e Israel (G n 12.3; 22.18) c o m o a eleita d e D e u s, esco lh id a c o m o
o m eio d e b ê n ç ã o universal, 'io d a a seção é e stru tu ra d a d e fo rm a c o e re n te .4

‫ י‬S eria fácil “ s o lu c io n a r ” as d ife re n ç a s d c p e s s o a (cf. B U S ; IC C ; G K C , 1 4 4 p ), m a s e ssa s


tra n s iç õ e s d a te rc e ira p a ra a s e g u n d a p e s s o a , e tc. sã o u m a e x p re s s ã o id io m á tic a f r e q u e n te
( p o r e x e m p lo , 4 2 .2 0 ; 5 2 .1 4 ; 61.7).
2 J o ã o C a lv in o , In stitu tes o f the C hristian Religion (1 5 5 9 ), n a L ib ra ry o f C h ris tia n C lassics, v ols.
X X e X X I , e d . J. T . M c N e ill, tra d . F o r d L ew is B a td e s (W e stm in ste r P re ss , 1 9 6 0 ), I. v. 3.
‫ ג‬S eria m a rg in a lm e n te m ais fácil tr a d u z ir p o r “ e s u a fe itu ra u m a fa g u lh a ” , e m c u jo c a s o “ o
p o d e r o s o ” r e fe re -s e ir o n ic a m e n te a o d e u s Íd o lo e “ se u c r ia d o r ” é o id ó la tra . O s e n tid o
e sse n cia l, a a u to d e s tr u tib ilid a d e in e re n te d o e r r o c o n tin u a o m e s m o .
4 E n c o n t r a m o s d e n o v o a s e q u ê n c ia d o s c a p ítu lo s 2— 4 n o s c a p ítu lo s 4 0 5 5; o lu g a r d o
g e n tio s n o s p r o p ó s i t o s d o S e n h o r (2.2-4; 4 0 .1 — 4 2 .1 7 ); o fra c a s s o m o r a l e e s p iritu a l d e
Is ra e l (2.5— 4.1; 4 2 .1 8 — 4 8 .2 2 ); o a to r e d e n t o r d o S e n h o r p o r Is ra e l (4.2-6; 4 9 .1 — 5 4 .1 7 ).
67 ISAÍAS 2 . 1 4 ‫־‬

A *1 A Jeru salém ideal (2.2-4)


B A Je ru sa lé m real (2.5— 4.1)
B 1 Sua co n d iç ã o religiosa (2.5-21)
B 2 Sua co n d iç ã o social (3.1— 4.1)
A2 A nova Je ru sa lé m (4.2-6)

O d esen v o lv im en to d essa visão c e n tra d a c m Sião é u m a co n trib u ição


particular d e Isaías para o p e n sa m e n to da aliança. C laro q u e n ã o foi ele que
deu origem a ela. E n c o n tra m o s um p e n sa m e n to sem elh an te em Salm os (p o r
exemplo, SI 87; 110) e só p o d e m o s p re su m ir q u e a cen tralização d a v íd ic a /sa -
lom ônica d o cu lto em Je ru sa lé m , as p e re g rin a çõ e s a Sião (SI 84; 120— 122),
a orientação para o ê x o d o nas festas (Ê x 12.17,26-28; L v 23.41-44) co m seu
tema relacionado ao triu n fo d o S e n h o r so b re as n açõ es (cf. SI 47) e a ideologia
real que esperava a v inda d o rei m u n d ial da lin h ag em d e Davri (SI 2; 72), tu d o
conspirava para um a n o v a ex p ressão d a p ro m e ssa ab raâm ica d e b ê n ç ã o uni-
versai em te rm o s d esse n o v o p o n to focal e n o v a realidad e m o n á rq u ic a n a vida
do povo d o Senhor. N ã o p o d e m o s d iz e r p o r m eio d e q u e cen a d e ação esse
entendim ento se d esenvolveu; só q u e Isaías lh e d e u um a ex p ressão m adura.

a. Sobrescrito (2.1)
E sse sobrescrito, afora 1.1, é o ú nico na literatura d e Isaías, e isso levanta a
questão de p o r q u e ele acontece aqui. E le deve indicar um a coletânea d e m aterial
de Isaías que antes tinha circulação in d e p e n d e n te e q ue foi sim p lesm en te incor-
porado aqui. São feitas m uitas sugestões q u a n to à exten são desse livro antes sepa-
rado, m as o m ais sa tisfa tó rio é p e n sa r na p o rç ã o d e 2.1— 4.6 c ircu lan d o c o m o
um “jornal” o u p u b licad a c o m o um “ m ural” (cf. c o m e n tá rio so b re 8.1; 30.6)
sob a sanção d e Isaías.1 (3 se n tid o literal d e isto que Isaías /.../ viu é: “A palavra
que Isaías v iu ” (cf. 1.1; A m 1.1). “ P alavra” significa “ m e n sa g e m ” o u “ v erd a d e ”
e viu quer d izer “ p e rc e b e u p o r revelação divina” . A ssim , Isaías re p e te su a co n -
vicção de que a revelação m o tiv o u sua m en sag em , e a in sp iração d eu o rig em a
suas palavras.

b. A Jerusalém ideal (2.2-4)


E sse p o e m a aparece em M iqueias 4.1-4 p ra tic a m e n te c o m o está aqui e
nos apresenta u m p ro b le m a insolúvel: se Isaías o c o m p ô s c M iqueias “ c o p io u ” ,

N o cap ítu lo atu a l, J e r u s a lé m sc t o r n a t u d o p e lo q u e o s g e n tio s e s p e ra v a m n o 2 .2 -4 , e, e m


capítulos p o s te rio re s , a sa lv aç ão d c Is ra e l sc to r n a a b a se d e c o n v ite m u n d ia l (5 5 .1 -1 3 ). N o
capítulo 54, c o m o n o c a p ítu lo 4, o re s u lta d o d a sa lv a ç ã o d o S e n h o r é v is to c o m o a S ião
restaurada.
1 Veja a d is c u s s ã o d e O s w a lt. S u a p e r c e p ç ã o c q u e o s o b r e s c r ito i n tr o d u z o s c a p ítu lo s 2 — 4
(cf. M au ch lin e). P. R . A c k ro y d a r g u m e n ta (Isaiah I — X I I : Presentation o f a Prophet, V T S , 29
[1978], p. 16ss.) q u e o s o b r e s c r ito e x p re s s a a s e g u ra n ç a d c u m e d ito r p o s te r io r e q u e os
versículos 2 -4 sã o d e Isaías, n ã o d e M iqueias.
O LIVRO DO REI 68

o u sc vice-versa o u se cada um dos p ro fetas usou um h in o p o p u la r.1 N o q ue


diz resp eito às duas versões, a d e Isaías tem sensibilidade e é u m a c o m p o siç ã o
literária m ais c o m p a c ta , c as variações em M iqueias p o d e m te r su rg id o p o r
m eio d e citação de m em ó ria.12 W cllhausen e x p re sso u a o p in iã o d e q u e o p o e m a ,
notável p a ra te r saído de q u a lq u e r p en a, é m e n o s n o táv el se fo r d e Isaías, e
isso é v erd ad e.3 O Im p é rio A ssírio e seu re la c io n a m en to co m J u d á fo rm a m o
c o n te x to h istó ric o d o s cap ítu lo s 1— 37. Isaías, em particu lar, viveu p a ra v er sua
p red ição — d e q u e Sião n ã o cairía para os assírios — c u m p rid a n a d e rru b a d a
d e S en aq u erib e p e lo a to d o S enhor. T alvez esse p o e m a te n h a su rg id o d essa
co nvicção, estim u lad a e c o n firm a d a p o r essa tra n sm issã o d e q u e as g ra n d e s
p ro m e ssa s fu n d a m e n ta d a s e m Sião ain d a seriam cu m prid as. D e to d o m o d o , o
fato d e e n c o n tra rm o s o p o e m a em dois p ro fe ta s indica sua aceitação p o p u lar.
Isaías, n esse cenário, usa o p o e m a p ara d esafiar o p o v o a e n fre n ta r o q u e eles,
p o ssiv elm en te, estavam c a n ta n d o co m irrefletida in d iferen ça. Se o s o u tro s es-
tão se m p re a dizer: 1Venham, subamos ao monte do Senhor (3), J u d á tem d e p re sta r
a ten ção ao ch am ad o : Venha, [...] andemos na lutado Senhor{5).
N o e sb o ç o seguinte, o te m a “ Sião” d o s versículos 2,3a equ ilib ra o “ sairá d e
Sião” te m a d o s versículos 3b,4. Λ p re se n ç a e a verd ad e d o S e n h o r (2,3a) exer-
cem u m m a g n e tism o so b re n a tu ra l, p ro d u z in d o u m m u n d o re o rd e n a d o (4a) e
um a n o v a h u m a n id a d e (4b).

A O fato: o Sião, o c e n tro m undial d e atração (2)


O fu tu ro sem d ata (2a)
A s u p re m a exaltação (2bc)
O influxo universal (2d)
B (3 re c o n h e c im e n to : o Sião, o c e n tro m u n d ial d e revelação (3)
O nacio n alism o é deix ad o de lado e o re c o n h e c im e n to d o D e u s de
Ja c ó (3a)

1 C f. J. G ra y (“ T h e k in g s h ip o f G o d in th e P r o p h e ts a n d P s a lm s ” , V T , 11 (19 6 1 ), p. 15)
diz: “A m b o s o s p r o f e ta s u s a m u m a p a s s a g e m q u e sc to r n o u p a r te d a litu rg ia n o sé c u lo
V I U ” . l is s e c o n tr a s te , q u a n to à d a ta ç ã o , c o m a s u p o s iç ã o a n te s a x io m á tic a d e q u e o q u e
é e s c a to ló g ic o d e v e s e r p o s te r io r (cf. K a ise r). G . v o n R a d , ao c o n tr á r io , d iz (“ T h e city o n
th e h ill” , The Problem o f the H exateuch and Other Tissays [O liv er e B o y d , 1 966], p. 2 3 2 -2 4 2 )
q u e e ssa c “ a p rim e ira e [ ...] m ais a n tig a e x p re s s ã o d e u m a c re n ç a n a g lo rific a ç ã o e s c a to -
ló g ica d o m o n te s a n to . [...] N ã o sc p o d e d u v id a r q u e o te x to é d e Isa ía s [lid a n d o c o m ] u m a
c o n c e p ç ã o e s c a to ló g ic a f ir m e m e n te e n ra iz a d a e já a ce ita ” .
2 O s a r g u m e n to s q u a n to a se a p a s s a g e m e s tá m ais e n c a ix a d a e m Isa ías o u e m M iq u e ia s sã o
ig u a lm e n te e q u ilib ra d o s , m as a c o m p a r a ç ã o d o s d o is te x to s p e s a m u ito a fa v o r d a o rig e m
e m Isaías. P o r e x e m p lo , a a b e r tu r a d e M iq u e ia s (yihry e h h a r b ê yt y a h w e h nãkôn) é triv ial
e m c o m p a r a ç ã o c o m a e s c rita c h eia d e e s tilo c b e m típ ic a d e Isaías: nãkô n y i h y e h h a r b êyt
y a h w eh . A v a ria ç ã o d a s p a la v ra s d c M iq u e ia s q u a n d o c o m p a r a d a c o m Isa ías 2 .2 b ,3 a ,4, su a
in tr o d u ç ã o d a c o n ju n ç ã o d c o “ te m p lo d o D e u s d c J a c ó ” ( 4 .2 < 3 > ) e se u u s o d a f o r m a
p a r a g o g e y iln fd ú n a p o n ta p a ra u m a c ita ç ã o livre.
3 C ita d o p o r S k in n e r, v o l. 1, p. 15.
69 ISAÍAS 2. 1 4 ‫־‬

P ré -c o m p ro m isso d e a p re n d e r c o m o S e n h o r e d e a n d a r e m seus
c a m in h o s (3b)
A realid ad e d a revelação em Sião (3c)
C A b ên ção : o Sião, c e n tro m u n d ial d e paz (4)
A a u to rid a d e divina im p o sta (4a)
A re sp o sta in tern acio n al: a tra n sfo rm a ç ã o de arm as (4b)
O fim d a g u e rra em a to o u in te n to (4c)

2 N os últimos dias o u “ n o f im /n a c u lm in ação d o s d ias” é o fu tu ro n ão da-


tado, n ão n ec e ssa ria m en te d ista n te n e m , c o m c erteza, p ró x im o . E sse fu tu ro
tam bém é c o n h e c id o c o m o “o dia d o S e n h o r” q u e tra rá ta n to o ju lg am en to
(2.12-21) q u a n to a v itória c o n d u z in d o à paz (9.1-7); a c o n su m a ç ã o e o u su fru to
do g o verno de D e u s (O s 3.5). O s p ro fe ta s in sistem n a c e rte z a d o q u e D e u s fará
e na atual n ecessid ad e de p ro n tid ã o . O q u e se m p re se so u b e q u e era v erd ad e a
respeito de Sião (SI 48.1,2) será u n iv ersalm en te reco n h ecid o .
Sustentava-se am p lam cn tc q u e os m o n te s eram a m o rad ia d o s deuses. A
exaltação d o monte do tem plo/ “ casa” do Senhor, o m o n te o n d e ele vive, rep resen ta,
assim, um triu n fo so b re n a tu ra l d o S e n h o r so b re to d o s os deuses. A c o n stru ç ã o
da expressão será estabelecido (nãkôn y ih y e h ) en fatiza o fa to e a c o n tin u a ç ã o dele.
Para todas as nações, veja c o m e n tá rio so b re 45.14-24; 60; 66.23. A in c o n g ru ê n c ia
de um rio c o rre n d o p ara o alto d o p o n to m ais alto d a te rra é in te n cio n al; um
m agnetism o so b re n a tu ra l está em operação.
3 O s povos veem v o lu n ta ria m e n te , a p e sa r d o m ag n e tism o so b re n a tu ra l en-
fatizado n o versículo 2. A v in d a deles tra n sc e n d e o nacio n alism o : eles reco -
nhecem o D e u s d e u m a n ação única, o D eus de /acó, c o m o o D e u s d e to d as as
nações. E les são estim u lad o s p elo desejo (lit.) d e “ q u e ele p o ssa e n sin a r” (Ίyã râ;
daí, tôrâ, le i/ “ e n sin a m e n to ”) e afirm am “ e andarem of’. (E sse é o v erd ad eiro co-
nhecim ento: a a p re e n sã o da v erd ad e re su lta n d o em rc d ire c io n a m e n to d e vida.)
Eles tam bém v êm de fo rm a receptiva (lit.) “ p o is a le i/e n s in a m e n to sairá” : o
Sião é a fo n te d e um “ e n sin a m e n to ” (ler, cf. 1.10) q u e n ã o é n ad a m e n o s q u e a
palavra do Senhor, v erd ad eira revelação divina.
4 A red u ção de a rm a m e n to s, n o p e n sa m e n to p o lítico h u m a n o , é u m m o -
tivo m uito esp erad o para a paz, e isso é u m a verdade, m as, p a ra Isaías, a abolição
de arm am entos segue u m a reo rd en ação divina d o m u n d o resultante d o naciona-
lismo tra n sc e n d e n te p o r m eio d o re c o n h e c im e n to d o ú n ico D e u s verdadeiro.
O term o julgará significa “ fazer declarações a u to ritativ as” e a ex p ressão resolverá
contendas q u er d izer “ a rb itra r” . O s m eio s da g u e rra (farão de suas espadas), a prá-
tica da gu erra (pegará em armas) e a m en talid ad e de g u e rra (preparar-se para a /
“aprender” aguerra), tu d o isso ta m b é m desaparece. A esco lh a d e im p le m e n to s
agrícolas (arados e foices) sim boliza a volta ao É d e n (cf. 11.6-9); o p o v o ce rto
O LIVRO DO REI 70

co m D e u s de n o v o ; a m aldição rem o v id a; o fim d o d o m ín io d a se rp e n te ; u m


am b ien te ideal.

c. A Jerusalém real ( 2 .5 — 4.1)


E ssa seção é in tro d u z id a e dividida em duas su b seçõ es p elo s versículos
transicionais (2.5,22), cad a u m d o s quais, em p rim e iro lugar, é u m a ex o rta ç ã o
surgida d o q u e p re c e d e c, em seg u n d o lugar, é m ais justificad o p e lo q u e se se-
g ue (am b o s 2.6 c 3.1 c o m e ç a m co m “ p o is” , T B ). A p assag em 2.2-4 fo rn e c e u m
parad igm a. N a cidade ideal, o v e rd a d e iro re la c io n a m en to c o m o S e n h o r (2.2,3a)
b ro ta em u m a so cied ad e v erd ad eira (2.3b,4). N a Je ru sa lé m real é v isto p rim eiro
n a d e so rd e m religiosa (2.6-21) e, a seguir, n a d e so rd e m social (3.1— 4.1).

A primeira exortação: o compromisso com 0 Senhor (2.5)


A e x o rta ç ã o está ligada à visão p re c e d e n te. Se o “ D e u s d e Ja c ó ” (3) tem d e
ser re c o n h e c id o p e lo m u n d o , os q u e já o c o n h e c e m , a descendência de Jacó, têm
um a re sp o n sab ilid ad e especial. P o r co n seg u in te, o ch a m a d o p ara as nações:
Venham, subamos (3) e n c o n tra eco em : Venha, [...] andemos. P ara o p e n sa m e n to de
q u e u m p o v o o b e d ie n te atrai o m u n d o cjue o b se rv a , veja D c u te ro n ô m io 4.5-8.
Isaías n ã o fica d ista n te d o ch am ad o , m as u sa a p rim eira p e sso a d o plural. E le
é u m c o m eles n o p e c a d o (6.5) e os teria se n d o u m co m ele n a aspiração. O
p ro fe ta n ã o os ch am a p a ra “ and[ar]” , m as para andfar] na lu \ do Senhor, p o is a
luz já b rilh a em to r n o deles sim b o liz a n d o a p re se n ç a (SI 27.1) e a v e rd a d e (SI
43.3) de D eus.

A Jerusalém real: sua condição religiosa (2.6-21)


E sses versículos, c o m e ç a n d o co m “ p o is” (TB), explicam m ais a n ecessi-
d ade d e trazer o p o v o d e volta p a ra o S enhor. E m u m a p alavra, eles estão
so b am eaça d e ju lg am en to divino. D u a s unid ad es in d e p e n d e n te s d e p ro fe c ia
explicam isso: os versículos 6-9 falam d e facetas d a vida n acio n al q u e co n v i-
d am ao ju lg am en to , e os versículos 10-21 são u m p o e m a so b re a n a tu re z a d o
ju lg am en to d iv in o e d o re su lta d o dele.1 A acusação d e idolatria fo rm a o p o n to
cu lm in an te de cada seção (8,18-20). O S e n h o r a b a n d o n o u seu p o v o p o rq u e
eles se afastaram dele (6).
6-9 Isaías, e m u m a peça tã o rítm ica e co n v in c e n te c o m o n e n h u m a o u tra
q u e escreveu, c o m e ç a co m o te rm o abandonaste (6) e te rm in a c o m não os perdoes
(9) — u m laço de fe rro d e d e se sp e ra n ç a se g u ra n d o o s a p ó sta ta s d o s versí-
culos 7-9. E le a p re se n ta cin co c o n tra ste s e n tre o ideal e o real: (i) o m u n d o é
atraído p a ra Sião (2); o p o v o d e D e u s escolhe se c o n fo rm a r a o m u n d o (6); (ii)

1 É p o ss ív e l q u e a p r o v a d e riq u e z a e a u to c o n f ia n ç a n a c io n a is d a te m e sse s o rá c u lo s d o
in íc io d o m in is té rio d e Isa ías, a n te s d a s in v a s õ e s s iro -e fra im ita s (2 R s 1 5 .2 7 -3 0 ). O p o e m a
( w . 1 0 -2 1 ), c o n tu d o , é g e n é r ic o e p o d e p e r te n c e r a q u a lq u e r p e r ío d o d o m in is té rio d e
Isaías. E le fo i b r ilh a n te m e n te e d ita d o e m se u lu g a r atual.
71 ISAÍAS 2.5-4 .I

0 m undo b u sca b e n eficio espiritual (3); Sião acu m u la riq u eza m aterial (7a); (iii)
a consequência d a v in d a p a ra Sião é a p az m u n d ial (4); Sião está cheia d e arm a-
m entos (7b); (iv) o m u n d o q u e r c o n h e c e r o v erd ad eiro D e u s e se c o m p ro m e te r
de antem ão a o b e d e c e r a ele (3); o p o v o d e D e u s está o c u p a d o c ria n d o os p ró -
prios bens (8); (v) o m u n d o é rec e b id o d ia n te d o trib u n a l d o S e n h o r (4); o p o v o
de D eus é a b a n d o n a d o e lh e é n e g a d o o p e rd ã o (6,9).
6 N ã o p recisam o s n o s in q u ie ta r c o m a sú b ita m u d an ça d o o b je to — d o se
dirigir ao p o v o (5) p a ra o se dirigir ao S e n h o r {tu tens é lit. “ p o is tu te n s”). E ssas
m udanças d e p o n to d e v ista são fre q u e n te s n o s p ro fe ta s (c fam iliares aos p re-
gadores). A qui, Isaías sim p lesm en te ju n ta passag en s an te s d e sc o n e c ta d as um a
da outra em u m a n o v a passagem e m fo rm a d e m osaico. D e u s os abandonfou]
{'inatas), d eix o u -o s p o r c o n ta p ró p ria , d e ix o u -o s livres p a ra seguir seu p ró p rio
caminho.
O sen tid o literal d a frase eles se encheram de superstições dos povos do leste é
“cheios p ro v e n ie n te s d o le ste ” . O v e rb o “ se e n c h e ra m ” ('jm ã lê’, a palavra lem a
dessa seção) n ã o é u sad a em n e n h u m a o u tra passag em c o m “ p o is” . Se essa é
uma o m issão relev an te,1 ela deve se r e n te n d id a c o m o “ e n c o n tra ra m sua pleni-
tude p ro v en ien te d o ” leste, o u seja, o b tiv e ra m tu d o q u e p recisav am em fo n tes
orientais. T alvez haja a ideia d o leste c o m o a fo n te d e luz e m c o n tra p o siç ã o
com a lu \ do Senhor (5). O s filisteus (cf. IS m 6.2; 2R s 1.2-6) p o d e m b e m te r sido
escolhidos c o m o o o este se n d o a c o n tra p a rtid a d o leste a fim d e m o s tra r a apa-
rência co sm o p o lita de Sião p ro n ta a e n c o n tra r p e rc e p ç õ e s o n d e elas são o fe-
recidas. O m ais provável é q u e Isaías esp erasse c u tu c a r seu s o u v in tes, dizen d o ,
com a exp ressão como osfilisteus, q u e eles d esceram até o re fu g o ao se id entificar
com o m u n d o (Jz 14.3). A frase segue costumes estrangeiros (N T L H ) é o u tra expres-
são única, talvez co m o se n tid o de “ fazer a c o rd o c o m ” . U m a vez que o v e rb o
(jsãpaq), em geral, tem o se n tid o de “ b a te r p alm as” (N m 24.10), ele p o d e ría sig-
nificar “ en volvido em ad o ra ç ã o religiosa c o m ” (apesar d e SI 47.1 u sar u m v erb o
diferente). A K fí registra um v e rb o d istinto, “ a b u n d a r em , se r rico e m ” , o u seja,
rico n o que os pagãos (lit. “ filhos de e stra n g e iro s” , e stran g eiro s n a cultu ra, em
vez de pagãos na religião) tâm a o ferecer.12
7,8 A escala a sc e n d e n te d e c o n d e n a ç ã o (riqueza, a rm a m e n to s, idolatria) c
aum entada p ela re p e tiç ã o 3 da e x p ressão está cheia de e p e lo fato de que, inespe-
radam ente, o versículo 8b n ã o re p e te a frase não têm fim , u sad a d u as vezes no

1 T alvez o o b je to d e “ e les se e n c h e r a m ” t e n h a sid o tira d o d o te x to (veja B H S ). É p o ssív e l


que o te x to tro u x e s s e m iq sã m (“ a d iv in h a ç ã o ” ) o u q õ .fm im (“ a d iv in h a d o re s ”)·
2 Veja D h o r m e s o b r e J ó 3 6 .1 8 p a r a a c o n f ir m a ç ã o d e u m v e r b o c o m e s s e se n tid o .
3 A re p e tiç ã o é u m a c a ra c te rís tic a d e Isa ías, p o r e x e m p lo , 1.1 6 ,1 7 (o ito im p e ra tiv o s); 2 .1 2 -
16 (dez c o isas ex altad a s); 1 0 .2 8 -3 2 (tre z e n o m e s d e lu g ar); 2 4 .7 -1 2 ( q u a to rz e o ra ç õ e s as-
sindéticas); 3 3 .1 5 ,1 6 ; 4 4 .2 4 -2 8 (tre z e o ra ç õ e s a trib u tiv a s); 52.7; 65.11 (q u a tro p a rtic ip io s);
65.13-15 (c in c o c o n tra s te s ); e c e rc a d e o u tr a s trin ta p a ssa g en s.
O LIVRO DO REI 72

v ersículo 7 (A RC). A B iblia n ã o tem h o stilid ad e c o n tra a riq u eza (tesouros) c o m o


tal. T u d o d e p e n d e d e c o m o ela é ad q u irid a (3.14), d e c o m o é usad a (5.8) e d e
se é vista c o m o u m a segurança alternativa a c o n fiar n o S en h o r. S o b re a p e rc e p -
ção de Isaías de segurança m ilitar, sim bolizada p elo s carros, veja o c a p ítu lo 39.
O te rm o ídolos {’1lílím , “ sem im p o rtâ n c ia , n a d a ”) se m p re é u sa d o c o m o u m a
fo rm a d ep reciativ a para “ d e u se s” e é um tro c a d ilh o d elib erad o c o m ’‫״‬lõhim ,
“ D e u s ” . E les reg istraram a declaração, m as falharam q u a n to à realidade! O s
“ n ã o d e u se s” ap arecem n o s versículos 18,20; 10.10,11; 19.1,3; 31.7 e h á dez
o co rrê n c ias em o u tra s p assag en s d o A n tig o T estam en to . Suas m ã o s/ “ d eles”
e seus dedos/ “ d eles” são singulares, separativos, sig nifican d o “ cad a u m p a ra a
o b ra de...” . Tsaías, em vez d a esp e ra d a ex p ressão não têm fim , en fatiza o to tal
a b su rd o d a idolatria. E n q u a n to o a d o ra d o r pagão, sem d ú v id a, vê seu íd o lo
c o m o um a ex p ressão de forças espirituais invisíveis, p ara Isaías (e o A n tig o
T e sta m e n to em geral) n ã o h á n a d a p o r trás d o ídolo. O a rte fa to m aterial é tu d o
q u e h á (41.21-29; 44.6-20). A iro n ia é b rutal: as p esso as, in cap azes de e n c a ra r
a vida sem ajuda, b u sc a m ajuda em recu rso s te rre n o s e n a in g en u id ad e d o h o -
m e m (cf. 41.5-7). A rep etição de mãos e dedos foca a ate n ç ã o n o ab su rd o : o ser
h u m a n o c ria n d o o divino!
9 O s versículos 6-8 c o n tê m coisas so b re as quais as n açõ es se o rg u lh am :
to lerân cia in d u lg e n te (6), reserv a financeira (7a), p o ten cial m ilitar (7b) e in te-
resse religioso (8). E ssas n ã o são q u estõ es so b re as quais d ev em se o rg u lh ar,
diz Isaías, m as coisas q u e hum ilhaím ;/ e ta m b é m abatíem j a to d o s, sem distinção.
0 homem é a tra d u ç ã o d e 'ãdãm , a palavra “ a b ra n g e n te ” c o m o se n tid o g en érico
d e po vo , ao p a sso q u e humanidade é ’ís, o ind iv íd u o (co n h ecid o ), o s líderes da
c o m u n id ad e. Q u a n d o os seres h u m a n o s se afastam d o S e n h o r — in d e p e n -
d e n te m e n te de d o q u e se afastam — eles p e rd e m g ra d u a lm e n te sua v erd ad eira
h u m an id ad e. Sua dignidade, a im ag em d e D e u s, é h u m ilh ad a. E sse (por isso é a
p artícu la d e con seq u ên cia) é o re su lta d o inevitável. Só n o S e n h o r a h u m a n id a d e
p e rm a n e c e h u m an a.
O im perativo h ebraico n ão só ord en a, m as tam b ém é u sad o co m frequência
para exp ressar um resultado inevitável.' E m não osperdoes, essa ex p ressão idiom a-
tica é usad a n egativam ente. Isaías n ã o o rd e n a o S e n h o r a n ã o p e rd o a r, m as a
d izer q u e o p e rd ã o é im pensável: “ p o rta n to , n ã o lhes p e rd o a rá s” (A RA ).
10-21 O S e n h o r te m a p en as de revelar sua glória (10) p a ra a a rro g â n c ia hu-
m a n a ser h u m ilh a d a (11), o m u n d o to d o in festad o p elo o rg u lh o h u m a n o está
d ev astad o (12-17), o s ídolos são ex p o sto s c o m o inúteis (18,19, e as p esso as fi-
cam ind efesas (20,21). A ssim , Isaías c o n tin u a o tem a d o ju lg a m e n to d iv in o em
u m p o e m a firm e m e n te e stru tu ra d o . H á duas seções prin cip ais (10-17,18-21)

1 P a ra o im p e ra tiv o u s a d o p a ra e x p re s s a r a c e r te z a d o re s u lta d o , v eja 6 .1 0 ; 7.4; 8.9. O im -


p e ra tiv o n e g a tiv o é “ u s a d o p a ra e x p re s s a r a c o n v ic ç ã o d e q u e a lg o n ã o p o d e o u n ã o d e v e
a c o n te c e r ” (G K C \ p. 1 09 c). Veja SI 3 4 .5 < 6 > ; 4 1 .2 < 3 > .
73 ISAÍAS 2.5-4 .I

e quatro subseções (10,11, 12-17, 18,19, 20,21). A s du as p rim eiras su b seçõ es


term inam co m o refrão: somente 0 Senhor será exaltado naquele dia (11,17); as duas
segundas seções te rm in a m com : quando ele se levantar para sacudir a terra (19,21).
A prim eira e a terceira su b seçõ es c o m e ç a m c o m o te m a “ e n tre n o m eio das
rochas” ; e a seg u n d a e a q u a rta , c o m u m a referên cia ao dia d o S e n h o r (12,20).
A frase inicial: p o r causa do terror que vem do Senhor (10), re a p a rec e n d o n o versí-
culo 19, fo rm a u m inclusio [criar u m a e stru tu ra p o n d o u m m aterial sim ilar n o
início e n o final d e u m a seção] n o versículo 21. N o s p a re s d e su b seçõ es, a pri-
meira em cada caso a firm a um fato; e a seg u n d a, c o m o esse fa to será expresso.

A O S e n h o r exaltado so b re o h o m e m e seu m u n d o (10-17)


A 1 O fato: o S e n h o r exaltado, o h o m e m h u m ilh a d o (10,11)
A2 A d e m o n stra ç ã o : o S e n h o r ex altad o so b re to d a co isa exaltada
(12-17)
B O S e n h o r é ex altad o so b re o s n ã o deu ses (18-21)
B 1 O fato: O S e n h o r exaltado, o s n ã o deuses e ta m b é m os h o m e n s
d e sa p a re ce m (18,19)
B 2 A d e m o n stra ç ã o : o S e n h o r exaltado, os n ã o d eu ses e x p o sto s (20,21)

10 Isso, c o m o na ex p eriên cia de Isaías (6.3-5), n ã o é u m exercício d e p o d e r


que hum ilha a h u m a n id a d e , m as sim p lesm en te o fa to de q u e o S e n h o r se revela
como sem pre te m sido. A referên cia a rochas e terra /“p ó ” é m u itíssim o irônica:
contra os inim igos h u m a n o s, esses ex p ed ien tes são suficien tes (p o r e x e m p lo , ] 7,
6.1-6) — m as, e c o n tra D eu s? O s recu rso s te rre n o s eram a vangloria deles (6-8)
e, agora, n o dia d o ju lg am en to , só p o d e m se v o lta r p a ra a terra; o n atu ral em
face do so b ren atu ral. O esplendor (hãdãr) c a glória d e m o n stra d a visivelm ente, e
a majestade (de ig á ’á, “ se r a lto ”) é “ ex altação ” .
11,12 Isaías p e rm a n e c e n a trad ição d e A m ós 5.18-20. Talvez. ta m b é m em
sua p ercepção o p o v o olhasse co m co m p lacên cia p a ra /.../ aquele dia q u a n d o o
Senhor in terferirá d e fo rm a notável e final, c o m o se os asp ecto s de v in g an ça
do dia fossem p ara o s d e fora da aliança, e n q u a n to , p ara os n ascid o s n a aliança,
só havería b ê n ç ã o e alegria. O privilegio de n ascim en to , disse A m ó s, só to rn av a
0 julgam ento um a c e rteza m a io r (A m 3.1,2). Isaías c o n c o rd a ria co m isso e,
nesse m o m e n to , declara as co n d iç õ e s pelas quais u m “ re m a n e sc en te será sal-
vo” (8.9-22; 10.16-23). D iz e r q u e o S e n h o r te m esse dia reservado (u m a inserção
interpretativa c o rre ta feita pela N V I) reflete a p e rc e p ç ão d o A n tig o T e sta m e n to
do tem po c o m o linear, e n ão circular. O s dias sim p le sm e n te n ã o “ d ão voltas” .
Antes, cada dia é u m a to d istin to de o b e d iê n c ia à aliança (G n 8.22; SI 74.16; J r
33.20,25), e, n essa série de dias d iv in am en te p lan ejad o s e en v iad o s, h á u m dia
reservado q u e é o dia especial d o S e n h o r a ser in serid o n a linha d o te m p o em
um p o n to q u e só ele d eterm in a.
O LIVRO DO REI 74

13-17 A o lo n g o d a p assag em , as e x p ressõ es para todos/toda/todo d ev eríam


se r apen as “ c o n tra tu d o /to d o s ” . O versículo 17 co m e ç a co m a c o n ju n ç ã o “ e”
(A RC), n o c o n te x to , o q u e fica im plícito é “ e assim ” , o u seja, to d a co isa exalta-
da, q u e r n a tu ra l (13,14) q u e r feita p o r m ã o s h u m a n a s (15,16), d e algum a m an ei-
ra reflete o o rg u lh o a rro g a n te d a h u m a n id a d e c, p o r isso, cai q u a n d o esta cai.
H á um a am bivalência n a p e rc e p ç ã o d o A n tig o T e sta m e n to d o m u n d o criado.
O m u n d o criado, c o m o m u n d o de D e u s, está d o lad o dele (1.2), m as está, c o m o
m u n d o d a h u m a n id a d e , en volvido n a m aldição trazida p elo p e c a d o d a h u m a-
nidade. O s e sp in h o s de G ên esis 3.18 são a o m e sm o te m p o a h o stilid ad e d a na-
tu reza co m o p e c a d o r e a c o rru p ç ã o d a n a tu re z a p elo p e c a d o (cf. R m 8.20-23).
15 A torre e muro re p re se n ta m to d a s as m aneiras c o m o o p o v o se vê inde-
p e n d e n te de D e u s e c o m o a u to r d e sua p ró p ria seg u ran ça (G n 11.1-9).
16 O navio mercante/ “ navios d e T ársis” eram os m aio res n av io s d a ép o ca,
capazes d e fazer viagens m aio res e levar m ais carga. É pro v áv el q u e “T ársis”
seja o n o m e d e um lugar na E s p a n h a (T artessos) o u n o n o rte d a Á frica e, p o s-
sivelm ente, é u m a palavra (de o rig e m fenicia) c o m o se n tid o d e “ m in a, p lan ta
d e fu n d ição ” , daí, navios p e sa d o s d e tra n s p o rte d e m inérios. T a m b é m p o d e ría
ser um a palavra co m o sen tid o de “ o m a r a b e rto ” . E sses navios rep resen tam o
triun fo da h u m an id ad e so b re as forças d a natureza, crian d o g ran d es im p ério s
com erciais (cf. E z 28.2-5). A palavra trad u zid a p o r barco (s‘M yyôi), só e n c o n -
trad a aqui, tem u m se n tid o in certo . Se estiver relacio nad a co m m askít (“ figura,
re p re se n ta çã o visual” ; N m 33.52; E z 8.12), a frase p o d e significar “ fig u rin o s d e
d esejo ” e in d icar realizações artísticas h u m an as desejáveis c o m o q u a lq u e r o u tra
d im en são cm q u e o o rg u lh o levanta sua cabeça. A A R C cap ta p rim o ro sa m e n te
0 m e lh o r d o s do is m u n d o s co m o te rm o “ p in tu ra s” .
18,19 O p o e m a cam in h a p a ra seu p o n to culm in ante. P rim eiro , é o fato
d o triu n fo d o S e n h o r so b re o s íd o lo s </Tüím), os “ n ão d e u se s” (8). D a m e sm a
m an eira q u e o m e ro d esv elam en to da m ajestad e d o S e n h o r esm ag a o o rg u lh o
d a humanidade (9,10), ta m b é m o S e n h o r te m q u e se lev an tar d e seu tro n o p a ra
q u e os n ã o d euses desapare[cpm ]por completo/ “ e os n ã o deuses, cada u m deles,
p a rtirã o to ta lm e n te ” .1 Os homensfu g irã o / “ e eles irã o ” p o d e se r ig u alm en te urna
referên cia aos n ã o deu ses c o m p a rtilh a n d o a in fam e im p o tê n c ia d e seus criad o -
res (10) d ia n te d a m ajestad e d o ú n ico D eu s. A s cavernas e os buracos re p re se n ta m
ta n to o n atu ral q u a n to o feito p elo h o m e m ; as p esso as fugirão p ara q u a lq u e r
lu g ar q u e lhes p areça um refúgio.
20,21 O s n ã o deu ses receb em m ais ign o m ín ia à m ed id a q u e seus an tig o s
d e v o to s ren u n ciam a eles re c o n h e c e n d o sua inutilidade. N o e n ta n to , esse é, ao

1 O T M tra z u m v e r b o s in g u la r in d iv id u a liz a d o c o m u m s u je ito n o p lu ra l. O Q a, to d a v ia ,


d iv id e as c o n s o a n te s e n tr e o s v e rsíc u lo s 18 e 19 d e f o r m a d is tin ta , tra z e n d o y h lw p w b ’w
(o u seja, o v e r b o n o p lu ra l se g u id o d o im p e ra tiv o ), c m v e z d e y a if l õ p ú b a ii.
75 ISAÍAS 2.5-4 .I

mesmo tem p o , o p o n to c u lm in a n te d a d en u n cia d e Isaías d o o rg u lh o h u m an o .


A realização m ais a rro g a n te das p esso as é re n u n c ia r a o D e u s vivo e se to rn a r
fabricantes d e deuses. E n tã o , eles, n a v erd ad e, vêm d essa época! M as o p a d rã o
pelo qual tu d o d eve se r julgado é c o m o a c o n te c erá n o dia d o S en h o r. N esse
dia, considerar-se-á q u e esses “ d e u se s” n ã o serv em p ara n ad a, e eles serão ati-
rados fora. O id ó latra n ã o é m ais p o d e ro s o q u e seu ídolo, e este n ã o é m en o s
im potente q u e ele. O te rm o atirarão é u m a e x p ressão d o d e sg o sto d o id ó latra e
da inércia d o íd o lo c o m o m e ro o b je to d e sc a rta d o (cf. 41.5-7; 46.1,2). E in c e rto
o sentido de “ ra to s” , p o d e se referir a “ b e s o u ro ” o u algu m in se to escavador.

A segunda exortação: “Parem de confiar no homem” (2.22)


Para a localização d esse versícu lo n o p a d rã o d esses o rácu lo s, veja as pági-
nas 52 e 54. E sse versículo tran sicio n al, c o m o n o caso d o v ersícu lo 5, su rg e d o
que o precede e é m ais justificado p elo q u e se segue. C) c h a m a d o p o sitiv o para
se co m p ro m e te r co m o S e n h o r (5) é c o n tra b a la n ç a d o p o r su a c o n tra p a rte ne-
gativa para deixar de c o n fia r n o homem e n o q u e ele p o d e fazer. E ssa d e p e n d ê n -
cia é o fio c o n d u to r d o s versículos 6-21: a co n fia n ç a n a validade das p e rc e p ç õ es
hum anas (6b), d o s recu rso s h u m a n o s (7), da c ap acid ad e h u m a n a p a ra m an ip u -
laro divino (8) e da realização h u m a n a (15,16). N o e n ta n to , n ã o é o h o m e m que
tem de ser en carad o , m as D e u s; n e m o fu tu ro d o h o m e m , m as o dia d o Senhor.
Contra isso, n e m o h o m e m n e m seus deu ses têm q u a lq u e r su b stân cia. P o r isso,
eles deviam parfar] de confiar no homem} A frase cuja vida não passa de um sopro em
suas narinas é “ em cuja n arin a é s o p ro ” . O sopro n ã o é u m a m e tá fo ra p a ra a tran-
sitoriedade, m as a p o n ta p a ra a vida h u m a n a c o m o d eriv ada d o S e n h o r (cf. G n
2.7; Is 42.5; 57.15). A p erg u n ta: Q ue valor ele tem í n ã o q u e stio n a o v alo r h u m a n o
intrínseco, m as qual o v a lo r d o h o m e m c o m o o b je to d e co n fian ça. E le n ã o tem
0 direito in d e p e n d e n te d e viver n e m m e sm o a p a rtic ip a ç ão g ara n tid a n a vida.
Mas a dádiva d o s o p ro sugere u m d o a d o r e a p o n ta p a ra a sa b e d o ria d e confiar,
de p referência n aq u ele q u e é a fo n te d a vida.

A Jerusalém real: sua condição social (3.1 — 4.1)


Para essa seção n o e sq u em a geral, veja as páginas 52, 68 e 69. D a m esm a
maneira cjue a v erd ad eira religião, na p assag em 2.2-4, p ro d u z um a so cied ad e
verdadeira, ta m b é m a religião c o rro m p id a da real Je ru sa lé m (2.6-21) p ro d u z
uma sociedade c o rro m p id a . A ssim , a lógica bíblica liga o s cap ítu lo s 2 e 3; e um a
vez que 3.1 c o m eça co m “ p o is” (TB), o c a p ítu lo 3 justifica m ais o ch a m a d o a
parar de c o n fiar n o h o m e m . E le faz isso ao m o s tra r c o m o a lideran ça d o ser
hum ano p ro v o c o u o co lap so da sociedade. O c o n te ú d o d essa seção se divide
em duas partes: 3.1-15 e 3.16— 4.1.1

1 Q u a n d o o v e r b o “ p a r a r ” v e m a c o m p a n h a d o d c “ d e ” , o s e n tid o d e p e n d e d o c o n te x to .
E m Ê x o d o 1 4 .1 2 , ele sig n ifica “ p a r a r d e n o s p r e o c u p a r m o s ” ; e m IS a m u c l 9 .5 , “ n ã o ficar
ansioso a r e s p e ito d e ” ; e a q u i, “ p a r e m d c c o n f ia r ” .
O I.IVRO DO REI 76

A p assagem 3.1-15, in clu in d o o inclusio [criar u m a e s tru tu ra p o n d o m aterial


sim ilar n o início e n o final de u m a seção] da frase 0 Soberano, 0 Senhor dos E xérà to s
(1,15), fo rm a u m a c o m p o siç ã o unificada:

A1 O a to d o S en h o r, o S e n h o r d o s E x ército s (la)
B ' O co la p so da lid eran ça e a d e so rd e m social (lb -5 )
C 1 A v in h eta: a lid eran ça c o rro m p id a (6,7)
D 1 O co la p so d e Je ru sa lé m é explicad o (8)
D 2 ( ) ju lg am en to d c Je ru sa lé m é p ro n u n c ia d o (9-11)
B2 A o p re ssã o social e os líderes e n g a n o so s (12)
C 2 A vinheta: a liderança levada a ju lg am en to (13-15a)
A2 A palavra d o S en h o r, o S e n h o r d o s E x ército s (15b)

D a m a n e ira c o m o esse m aterial p assa d e um tó p ic o para o u tro , fax u so


no táv el de ilustração e se n so da a u to rid a d e divina, c, c o m c erteza, o u v im o s a
voz a u tên tica d e Isaías, o p reg ad o r.
A p assag em 3.16— 4.1 tem u m a d u p la função. P rim eiro , a p assag em m o s-
tra c o m o o ju lg a m e n to resu lta em ação divina, tra n s fo rm a n d o a a b u n d â n c ia
em p o b re z a e escravidão, u sa n d o o a taq u e d o inim ig o q u e resu lta em taxa d e
vítim as de seis h o m e n s em cada sete e n a p ró p ria cidade de Sião v ira n d o pó. Se-
g u n d o , a passag em n o s p re p a ra p a ra a visão d o q u e o S e n h o r ain d a fará (4.2-6),
p o is as “ m u lh eres d e S ião” (3.16-24), da m e sm a m an eira c o m o re su m e m o cs-
p írito d e sua m ãe, ta m b é m são o s principais o b je to s d a re n o v ação d iv in a (4.4).
A m en sag em d e to d a a seção é e x tre m a m e n te solene. O ju lg a m e n to d iv in o
da so cied ad e co m e ç a a se m a n ife sta r n o d e sa p a re cim e n to d e u m a lideran ça só-
lida (1-3) e n o a p a re c im en to de líderes im a tu ro s e im previsíveis (4). A so cied ad e
se divide (5a), ex p lo ra-se a d iferen ça d e idade (5b), os valores estã o d esacred i-
tad os e o s q u e deviam se r d e sp re z a d o s to m a m a iniciativa (5c). U m a r d e de-
sesp ero d o m in a as eleições (6,7). T u d o isso é p ro v o c a d o p o r m o tiv o s m o rais e
espirituais. N ã o é o re su lta d o d e fracasso d a política, m as o d e falar e agir c o n tra
o S e n h o r e p ro v o cá-lo ; o p e c a d o flagrante co n v id a sua justa re c o m p e n sa (8-11).

O im in e n te co lap so d a so c ie d a d e (3.1-7)
0 S en h o r tira a liderança estável (1-3) e in tro d u z líderes im atu ro s (4). C o m o
resultado disso, co m eça a fragm entação m oral c social (5) e to d a n o ção d e lide-
rança cai em d e sc ré d ito (6,7).
1 O te rm o Sen h o r (ARC) {haãdôn) significa “ o S o b e ra n o ” ao p a sso q ue
a ex p ressão 0 Senhor dos E xército s/‘‘to d o -p o d e ro s o ” é “ la v é ” , o D e u s d c Israel
da aliança (veja o c o m e n tá rio so b re 1.9). A so b eran ia d c D e u s n ã o é só o p o d e r
q u e g a ra n te o fim da h istó ria, m as ta m b é m é o p o d e r em o p e ra ç ã o n a o rd e m
d etalh ad a d o s assu n to s te rre n o s de a c o rd o c o m seus im utáveis p rin cíp io s de
justiça. A q ui, q u a n d o líderes cacm , e líderes su rg em , é ele q u e m o s re m o v e (1)
c os d esig n a (4). E le n ã o faz isso de m o d o arbitrário , m as p o r m eio d e p ro c e sso
77 ISAÍAS 2.5-4.1

de eleição (6,7) e d e a c o rd o co m a justiça (8-17). A s palavras sustento e suprimento


são a fo rm a m ascu lin a e fem inina d o m e sm o su b stan tiv o , um a e x p ressão idio-
mática de totalidade, significando “ to d o s u p o rte possível sem ex ceção ” . Isaías
começa o d e lin e a m e n to de u m a so cied ad e em co la p so n o p o n to em q u e o p o v o
com eçaria a senti-lo m ais in te n sa m e n te — a in te rru p ç ã o d o su p rim e n to de
artigos básicos c o m o comida e água (cf. a referên cia a c o m id a n o v. 7),1 m as veja
0 com entário so b re 2.12-17 (cf. A m 4.6-8). A o fe n sa c o n tra o C ria d o r resulta
na retenção das b ê n ç ã o s d a criação. A ssim , há u m m o tiv o teo ló g ico p ara se
com eçar aqui.
2,3 Isaías, c o m e ç a n d o co m a liderança m ilitar — o herói c o guerreiro (su p o s-
tas evidências d e seg u ran ça nacional) — ju n ta títu lo s indo, em te rm o s gerais,
do nacional (o ju i-^ c o profeta) para o local (o artífice [ARC] e a autoridade) e m is-
turando o legítim o c o m o ilegítim o (o conselheiro e o conhecedor de magia). Isso cria
uma im pressão de co lap so total d a e stru tu ra d e c o m a n d o da sociedade. A dis-
solução da so cied ad e e o a b a n d o n o da v erd ad eira religião são se m p re sinais d e
superstições e d o in teresse o b sessiv o em presságio, daí, a referên cia a adivinho
ou “c a rto m a n te ” . A frase: 0 capitão e 0 nobre, 0 conselheiro, refere-se ao g o v e rn o local;
e a m enção aos artífices (ARC), ao desap arecim en to dos carp in teiro s e encanado-
res locais o u de h o m e n s cujo trabalho é confiável. O perito em maldições é alguém
“instruído em segredos” , o u seja, com unicação co m os m o rto s, u m p ratican te de
espiritismo (cf. 8.19).
4 O s jovens n ã o têm experiência (cf. J r 1.6) c p o ssiv e lm e n te o te rm o irres-
ponsáveis (ta ‘“lü!im ; a única o u tra passag em cm q u e é e n c o n tra d o é 66.4) indica
“caprichoso” o u “ im p ie d o so ” .1
2
5 N a so cied ad e c o m o um to d o h á u m a te n d ê n c ia à d isc ó rd ia e d e a u to p ro -
moção im placável (a “ c o rrid a p a ra o to p o , a c o m p e tiç ã o in san a”) e n o s agru-
pam entos naturais da so cied ad e h á rebelião juvenil. A ex p ressão se levantará não
fala apenas d e revolta, m as ta m b é m de seu esp írito a rro g a n te e co n v en cid o
(tem origem em '¡rãhah, “ en fu recer-se c o n tra ”). N a o rd e m m o ral, a h o n ra é
concedida sem levar em c o n sid eração o valor. O se n tid o literal d e 0 despregível
é “aquele de q u em n ão se deve p e n sa r n a d a ” , e o nobre é aq u ele “ q u e m erece
honra” .3
6,7 N a o rd e m política h á um a relutância em tra ta r a lid eran ça co m serieda-
de e o esp írito p ú b lic o so fre u u m baque. Isaías n ã o está d e sc re v e n d o eventos,
mas caricatu ran d o as atitu d es em q u e o m érito d a lideran ça n ã o é a ação p o n ­

1 M uitos c o m e n ta ris ta s , u m a v e z q u e o r e s ta n te d a lista d iz r e s p e ito a p e n a s a p e sso a s, tira m


essa re fe rê n c ia a o s r e c u r s o s e c o n ô m ic o s . S c o tt (ad loc.) c h a m a isso d e “ u m a e x te n s ã o
p o ste rio r, e m b o r a le g ítim a ” . S c c le g ítim a , c o m o p o d e n ã o s e r o rig in a l? M as, n a v e rd ad e ,
a referen cia a c o m id a a q u i a n te c ip a a c o n d iç ã o d e fo m e d o v e rsíc u lo 7. A lé m d o fa to d e
que a a m e a ç a c d e r e m o ç ã o d e t o d o tip o d e s u p o rte .
2 V em d e P ã la l, “ lid a r d e f o r m a s e v e ra , im p ie d o s a , a b u siv a ” (E x 10.2; J z 19.25).
5 O p articip io n ip h al (c o m o o g e ru n d iv o latino) e x p re ss a q u a lid a d e, o q u e d ev e o u p re cisa ser.
O LIVRO DO REI 78

d erad a, m as a p re c ip ita d a (agarrará ); n ã o u m a b u sca p elo m e lh o r c an d id ato , m as


p e g a r q u a lq u e r u m q u e esteja à m ã o (seu irm ão [...] da fa m ília ); n ã o qualificação,
m as ap arên cia (m antò). O d e se sp e ro se in stalo u (monte de ruínas ), c o n ta g ia n d o o
ca n d id a to c o m o o p ro p o n e n te . A im ag em , na e x p ressão não tenho rem édios/ “ n ão
serei u m c u ra d o r/a q u e le q u e faz cu rativ o s” , é a m e sm a d o c o rp o p o lítico ferid o
(e a m e sm a palavra) de 1.6. ( ) c a n d id a to leva suas p ro p o siç õ e s ao p é d a letra e
recu sa até m e sm o as p atéticas qualificações p ro clam ad as em seu favor. P o r trás
dessa caricatu ra está a realidade d a falta d e d isp o sição cm a ssu m ir a re sp o n sa -
bilidade, e isso p o r m o tiv o s tão frívolos q u a n to o s a p re se n ta d o s em seu favor.
Isaías, n a verdade, descreve u m co lap so d o ca rá te r e d a seried ad e nacio n ais; o
esp írito q u e am eaça o b em -estar, a política e a lid eran ça n acio n ais d e se to rn a r
um a piada.
O v ersículo 8 diz: “ P o rq u e Je ru sa lé m tro p e ç o u , e J u d á caiu, p o rq u a n to a
sua língua e as suas o b ras são c o n tra o S en h o r ” (ARC). O “ p o rq u e ” explica
as p ro v as d o co la p so social e de c a rá te r q u e acab am o s d e ex am in ar; e o “ p o r-
q u a n to ” explica o “ p o rq u e ” , tra ç a n d o tu d o até a causa inicial: fala e c o n d u ta
co n trárias ao S enhor. A p ró p ria ex periência d e Isaías lhe e n sin o u a seried ad e
d o p e c a d o da fala (6.3), m as isso n ã o é m ais d o q u e o re sto d a B íblia afirm a (cf.
59.2,3; SI 5.9; 10.7; 15.3). C o m as palavras desafiando a sua presença gloriosa ( N V I ) /
“ d esig n ad o a o fe re c e r reb elião aos o lh o s d e sua glória” , a fala e a c o n d u ta deles
são descritas c o m o d e lib e ra d a m en te p rovocativa, po is, n a Bíblia, to d o resu lta-
d o c o n h e c id o é c o n sid e ra d o p a rte da in te n ç ã o d o agente. A “g ló ria” d o S e n h o r
é u m a fo rm a ab reviada d e “ o S e n h o r p re se n te em to d a sua g ló ria” (cf. 6.3), e a
e x p ressão sua presença g lo rio sa / “ os o lh o s d e sua glória” é sua o b se rv a ç ã o d e q ue
tu d o é o fen siv o a su a santidade. Isaías e n te n d e q u e esse p e c a d o está n a c o m -
p o sição d o caso c o n tra seu p o v o , po is ele n ã o é u m lap so ocasio n al n e m u m
se g re d o v e rg o n h o so , m as um m o d o de vida p ú b lic o e d escarad o . E les m o stra m
n o ro sto o q u e são e m ostram / “ falam d e ” seu pecado. O s fato res m o ra is (sua
língua e as suas obras) e os espirituais (contra 0 S P m /or) são o m o tiv o d o co lap so
nacional.

A ju stiç a re trib u tiv a (3 .9 b -11)


E sse s versículos estão n a fo rm a de u m p o e m a d e “ sa b e d o ria ” .1 A plica-se
0 p rin cíp io g eral da re c o m p e n sa justa (9b) p rim e iro aosju stos (10) e, d ep o is, aos
ím p ios (11). A s m esm as palavras ap arecem n o início e n o fim d o p o e m a (ai,
trouxeram /... / sobre, retribuição |e m cada caso “ re c o m p e n sa d o ”], desgraça) to rn a n -
d o -o in d e p e n d e n te .
9 b S alienta-se a q ualidade de rein cid ên cia d o p ecad o , e o p e c a d o r é seu
p ró p rio p a g a d o r (trouxeram /.../ sobre, ·¡g ã m a l, significa “lid ar to ta lm e n te co m ,
retrib uição , p a g a r p o r c o m p le to ”). A desgraça/ “ m al” é seu salário.

1 O u so d e f o r m a s e te m a s d e “ s a b e d o ria ” n ã o in d ic a m u m a d a ta ta rd ia . P a ss a g e n s c o m o
2 8 .2 3 -2 9 c 3 2 .3 -8 m o s tr a m a fa cilid a d e d e Isa ías c o m e sse g ê n e ro .
79 ISAÍAS 2. 5-4 .1

10 O s justos, c o m o se m p re , são os q u e estã o c e rto s co m D e u s e, p o rta n to ,


co m prom etidos co m a vida de retidão. N ã o lhes foi p ro m e tid o im u n id ad e dos
problem as da terra, m as tudo lhes irá hem. M u ito s d o s justos, sem d ú v id a, esta-
vam entre os seis d e cad a sete q u e caíram n a g u e rra p re d ita (3.25— 4.1), co n -
tudo, nem m e sm o a esp ad a n ão é in discrim inada, e a fé d o A n tig o T e sta m e n to
olha além d a vida te rre n a (SI 73.23,24).’
11 A u m e n ta a ên fase individualista. N o versículo 10, o sin g u lar d e “ ju sto ”
(TB) é tra n sfo rm a d o cm plural p elo v e rb o comerão e p elo p ro n o m e em suas ações,
mas aqui tu d o é singular, “p o is lhe será feito a ele o q u e fizeram as suas m ã o s”
(TB). A im p ied ad e n ã o se p e rd e na m ultidão. O se n tid o literal d a frase trouxeram
desgraça sobre si mesmos é u m a exclam ação: “ D esgraça!”

A retribuição ap licad a (3.12—4.1)


A situação d o o p rim id o (12a) e o d e sg o v e rn o (12b) d o p o v o são levados à
barra do trib u n al da justiça divina e os g o v e rn a n te s são d e n u n c ia d o s d ian te d o
tribunal d o S e n h o r (13-15). M as, a seguir, a m e tá fo ra vira h istó ria, e o julgam en-
to cai so b re um p o v o e rra n te p o r in te rm é d io d o d o m ín io m ilitar (3.16— 4.1).
Assim, os versículos 13-15 d e m o n stra m a realidade in te rio r d o S e n h o r o fen -
dido, e a passagem 3.16— 4.1 m o stra a realidade e x p e rim e n ta d a de sua ira em
ação.

0 Senhor entra no julgamento (3.12-15)


12 E sse versículo co n siste de u m a exclam ação u ltrajad a (lit., “ m e u povo!
Jovens os o p rim e m ” ; cf. 52.3-6) seguida de um d iscu rso (lit., “ ó m e u p o v o , seus
guias”). O p o v o d o S e n h o r é p re c io so p a ra ele. N in g u é m to ca neles im p u n e-
mente (cf. Z c 2.8). A lguns detalh es d o versículo, to davia, são p ro b lem ático s.
A criança ( n f‘ôlêl) c um singular de se n tid o in certo , p o ssiv e lm e n te relacio n ad o
com V úl (“ cu id ar d e b e b ê ”) o u co m ‘õlêl (“ crian ça”) (cf. 13.16). A palavra opri-
mido (nõgdãyw, “ seus o p re s s o re s /c a p a ta z ” ; cf. Ê x 3.7) é u m p articip io n o plural,
possivelm ente plural de m ajestade: “ seu chefe e scrav izad o r é u m m e ro b e b ê ” .12
Em outras palavras, o ideal divino de rein ad o foi c o rro m p id o e o d e te n to r do
cargo é in adequado. A s mulheres p ro v av elm en te referem -se ao h a ré m real. Se o
rei era um fed elh o m im a d o é b a sta n te provável q u e tivesse in ú m eras esp o sas
e m anipuladoras, aju stan d o -sc ao q u e sen tim o s d o rein o d e A caz (m as cf. Am
4.1). A referência p o d e se r a m u lh eres d o m in a n te s e exigentes, o “ p o d e r p o r

1 O v ersícu lo 10 d o T M n ã o p re c is a d e a p e r f e iç o a m e n to , m a s h á a s u g e s tã o a tra e n te d e q u e
p o r “ d ig am ” Çimrú) p o d e m o s le r 'a srê (“ sã o f e liz e s /a b e n ç o a d o s ”). A a lte ra ç ã o é p e q u e n a ;
e o c o n tra s te c o m o “ a i” d o v e rsíc u lo 11, e x ce le n te.
2 Se o T M é o p a d rã o , n f ‘ô lê l te m d e e s ta r re la c io n a d o c o m i ‘ü l (“ c u id a r d e b e b ê ”) e a ‘õlêl
(criança); cf. 13.16. A L X X tra z kalamontai (“ r e c o lh e r; c o lh e r ”), e a V u lg a ta tra z spoliaverunt
(“ ser d e s p o ja d o ” ). É p o ss ív e l q u e ‘0/7w d e v a s e r tr a d u z id o p o r “ r e c o lh e v o c ê ” — p o d e -
m o s d iz e r “ e s p o lio u - o ” .
O LIVRO DO REI 80

trás d o tr o n o ” , e n ã o apenas n o palacio (cf. c o m e n tá rio so b re v. 16). C o m o


clam or: M eupovo, o ultraje se to rn a p reo cu p ação , e sen tim o s o co ra ç ã o d e a m o r
d o S e n h o r pelos seus. Seusguias (me>assreykâ) são “ aqueles q u e o c o rrig e m ” (cf.
“ a p re n d a m ” , 1.17). A esco lh a d essa palavra p o r Isaías é m u itíssim o irônica. E la
ex p ressa o q u e se e sp era d e u m líder, m as a realidade é o o p o sto ; eles 0 desviam,
ou seja, eles p ro m u lg a m leis q u e o rie n ta m m al. E isso é só m e ta d e d o d a n o q u e
causam , p o is eles ta m b é m (lit.) “ c o n so m e m o cu rso de seus c a m in h o s” ; o s anti-
g o s sinais estab elecid o s d o viver c o rre to e stã o tã o c o m p le ta m e n te o b literad o s,
c o m o se alguém os tívesse c o n su m id o , engolido!
13 E ssa cena de tribunal tcm im p o rtan cia teológica. N o versículo 12, o Se-
n h o r está clara e ap aix o n a d a m en te p re o c u p a d o c o m a situação, m as ele n ã o se
ap ressa em agir. P rim eiro , a acusação deve ser estab elecid a e o caso tem d e ser
p ro v ad o . O S e n h o r é ju sto em to d o s seus c a m in h o s (cf. G n 18.20,21). A pala-
v ra povo deveria e sta r n o plural, “ p o v o s” . O ju lg am en to divino, co m freq u ên cia,
tem u m c en ário universal (cf. 2.10-22, p assagem n a qual o p o n to c m q u e stã o é
o desv io religioso de seu p o v o , m as o ato d e ju lg am en to c o b re o m u n d o to d o ).1
0 m o tiv o para isso é que o julgam ento é u m aspecto d o dia d o S e n h o r q u an d o
ele fará seu ju sto a certo d e c o n ta s c o n tra to d o s sem exceção.
14 O s te rm o s autoridades e líderes são, re sp ectiv am en te, o s b ra ç o s legislad-
vo e executivo d o g o v ern o . A palavra ib a ar {arruinaram) significa e strita m e n te
“q u e im a r” , m as é possível q u e o se n tid o seja “ roçar, tirar ro ç a n d o ” .12 U m a vez
q u e a m b o s são u m a m an eira in c o m u m d e tra ta r u m a v in h a, é p o ssív el q u e o
v erb o p e rm ita o u so m etafó rico , “ d e p e n a r” . A tra n sg re ssã o d a lei d e Lcvíti-
co 19.9,10 e d e D e u te ro n ô m io 24.20,21 é ex a ta m e n te a acu sação d o S e n h o r,
aqui, c o n tra os g o v e rn a n te s. A vinha sim b o liza o cu id ad o d o S e n h o r em esco -
lher, lib e rta r e e stab elecer seu p o v o (SI 80 .8 -1 1 < 9 -1 2 > ); a p e rfe iç ão d o q u e ele
fez (co m p a ra d o co m o q u e o c o rre u d ep o is; veja 5.4; J r 1.12) e seu d eleite co m
seu p o v o (5.1-4; 27.2,3; J r 12.10). O s líderes n ã o só n ã o d eix aram re sto s p ara
os n ecessitad o s, m as ta m b é m “ ro u b a[ram ]” as escassas p o sses q u e eles tin h am ;
n ã o d e ra m n a d a e tiraram tudo. O te rm o necessitados, de i ‘ãnâ (“ se r fraco, hu-
m ild e” , daí, se r c o n sid e ra d o d e fo rm a in fe rio r n o m u n d o ), refere-se aos p o b re s
fin an ceiram en te, às v ítim as das injustiças sociais. E ra u m a m arca d a v erd ad eira

1 E s s a c c n a d c trib u n a l d e v e s c r c o m p a r a d a c o m S a lm o s 50, o b s e r v a n d o a m e s m a rev ela-


ç ã o d o S e n h o r c o m o J u iz (50.6), o m e s m o c e n á rio u n iv e rs a l (5 0 .1 ), o m e s m o t r a ta m e n to
(“ m e u p o v o ” , 5 0 .7 ), a s m e s m a s p a la v ra s d e a c u s a ç ã o (v. 15; SI 5 0 .1 6 ); o p a ra le lo e n tr e o
v e rsíc u lo 14 {1ve‘attem bi'artem) e S a lm o s 5 0 .1 7 (W ’a ttá s a n e ’la). S a lm o s 50 e s tá lig a d o a
u m a fe sta d a a lia n ç a (v. 5), p r o v a v e lm e n te a fe sta d a s c a b a n a s . E p ro v á v e l q u e Isa ía s aq u i
t e n h a p e r m itid o q u e o m o d e lo litú rg ic o d a fe sta te n h a d ita d o o a r ra n jo d e s e u m a te ria l.
O b s e r v e ta m b é m S a lm o s 82, p o is o m e s m o v e r b o (“ to m a o se u lu g a r ” ; cf. v. 13 c o m 82.1),
a o p r e s s ã o d o p o b r e (8 2.3) e o c o n te x to u n iv ersal.
2 V eja U. C a s s u to , A Commentary on the Book o f E x o d u s (M a g n es P re ss, 1967) s o b r e Ê x o d o
2 2 .5 < 4 > .
81 ISAÍAS 2.5 4.1‫־‬

m oralidade social israelita im itar o S e n h o r cm sua p re o c u p a ç ã o c o m os p o b res


(Lv 19.10; D t 15.7-11). E les tin h a m a b a n d o n a d o ta n to a letra q u a n to o esp irito
da lei.
15 O te rm o esm agar[...](]dãkã’) é se m p re u sa d o d e fo rm a m etafó rica, indica
o m altrato m ais severo (cf. 53.5,10). M oer[...] (itãharí) c o m o em u m m o in h o
(Nm 11.8). O p rim e iro te rm o tra n sm ite u m a im agem d o sim ples fato d a h o s-
tilidade; o últim o é o m o tiv o d o g an h o , m o e r a co lh eita d o p o b re . P ara pergunta
(j' f ’um) , veja o c o m e n tá rio so b re 1.24, e para o Senhor, o S u n h o r v eja o co m en -
tário sob re 3.1.

A R E T R IB U IÇ Ã O D IV IN A S O B R E S 1 Ã O P E R S O N IF IC A D A E M S U A S M U L H E R E S ( 3 . 1 6 — 4 . 1 )

A seção to d a cam in h a p a ra o p o n to cu lm in an te. O s “ ais” d o s versícu-


los 9 b - ll p ro clam am a v in d a d o julgam ento, a cen a da c o rte (12-15) estabelece
a justiça d o ju lg am en to ; e a passag em 3.16— 4.1 o b se rv a a se n te n ç a executada.
O título divino Senhor ( ‫מי‬dõnãy; veja o c o m e n ta rio so b re 3.1) e o n o m e d ivino
{Senhor, lavé), q u e delineia o o rá c u lo inicial (3.1,15), são u sa d o s n o s versículos 17
e 18. O m e sm o la v é S o b e ra n o q u e p ro n u n c io u o ju lg a m e n to e x ecu to u a sen-
tença. O m o v im e n to total, ag o ra, é das m u lh eres d e Sião (16-25) para o p ró p rio
Sião (26) e a v o lta d e n o v o para as m u lh eres (4.1). O q u e é v erd ad e em relação
a elas tam b ém é verd ad e a resp eito da “ m ã e ” delas; elas re su m e m o esp írito
de arro gan te eg o ísm o q u e já foi julgado (14,15) e a o rd e m p a ra a ex ecu ção da
cidade. A qui, a referên cia às m u lh eres d o m in a n d o (12) é lev an tad a e levada a
sua triste conclusão. A p assag em te m três seções: do is c o n tra ste s (1 6 ,1 7 ,1 8 -2 4 )
e a im placável realidade final (3.25— 4.1). O título Senhor (17,18) liga as duas
primeiras seções, e a in tro d u ç ã o naquele dia (18; 4.1) liga a se g u n d a e a terceira
seções. A ‫ א‬V I está c o rre ta cm a p re se n ta r a seção c o m o m istu ra d e p o esia e
prosa, ilu stran d o a versatilidade literária de Isaías.
16,17 N o p rim e iro c o n tra ste , as m u lh eres d e Sião são m aculadas, e o julga-
m ento de D e u s cai so b re a p e sso a d o pecador.
16 T u d o se destina a ch am ar a atenção — a p o stu ra, o c o m p o rta m e n to , o
m ovim ento e o o rn am en to . A trad u ção literal de mulheres é “ filhas” (co m o n o v.
17; cf. 4.4) e é necessário acen tu ar o tem a d a seção “ tal m ãe, tal filha” . Elas são
muito arrogantes (gãè'7?w; cf. gabhút em 2.11 ;17, “a rro g a n te ” e “ arrogância” , res-
pectivamente). A s verd ad eiras irm ãs d o s h o m e n s d e Sião! Isaías n ão c o n d e n a
o estilo de vida lu x u o so delas, m as o esp írito a rro g a n te q u e o estim ula. O catá-
logo to d o de ju lg am en to (3.16— 4.1) só traz essa palav ra d e explicação. (Para 0
Senhor [17|, veja o p a rá g ra fo in tro d u tó rio acim a.)
17 O su b sta n tiv o relacio n ad o a tornará caspenta a mioleira (TB); rapará
(·isãpah) c u sa d o em T evítico 13.2 p ara tecid o co m lepra. As m u lh eres p lanejam
atrair (16), m as o a to d e ju lg am en to as to rn a repulsivas. F. pro v áv el cjue o te rm o
rapará esteja c o rre to , m as o v e rb o (11 ‘ãrâ) n ã o é u sa d o em n e n h u m a o u tra passa-
gem para se referir a ra sp a r a cabeça, e o su b sta n tiv o tra d u z id o p o r cabeça é de
O LIVRO DO REI 82

se n tid o in certo . T alvez o se n tid o seja “ e x p o r suas p a rte s ín tim a s” , p a ra q u e elas


fiq u em m arcadas (17a) e e n v e rg o n h a d a s (17b).1 A ssim , o p e c a d o e su a dev id a
re c o m p e n sa fru stra m to d a s as am b içõ es d a vida e realizações p o r vir.
18-24 N o se g u n d o c o n tra ste , a c o m o d id a d e d a vid a é p e rd id a e m pesar.
Isaías e n u m e ra o luxo de q u e as p esso as u su fru e m ag o ra (18-23), m as, c o n -
fo rm e o b se rv a m o s, ele n ã o c o n d e n a isso c o m o tal. N ã o é p e c a d o u su fru ir a
b o a vida. O p e c a d o delas é a a rro g â n c ia e o o rg u lh o de e sp írito (16). C o n tu d o ,
a ex p ressão em vez de (24) aparece cin co vezes, c o m o u m d o b re d e fin ad o s; a
c o m o d id a d e será tro c a d a p e lo lam ento. (Para Senhor, ’“dõnãy, cf. 3.1). Y o u n g o b -
serv a u m c o g n a to árabe d e sah“rõnim (colares crescente.r), c o m o o n o m e d o deus-lua.
Provavelm ente, referem -se a “ am u leto s” em fo rm a to d e lua crescente. N o ver-
sículo 20, as caixinhas de perfume (A RC) (hãtê hannepes) seria m ais b e m tra d u z id o
p o r “g o la ” .12 N o versículo 24, to d o s os itens e n u m e ra d o s, co m ex ceção d e u m ,
são sinais d elib erad o s d e falta d e cu id ad o d o c o rp o asso ciad a ao lu to (veja 2Sm
12.20; 19.24; lR s 20.32; J r 48.37). Cicatrizes n ã o é u m a m e tá fo ra d e lam en to . As
m u lh eres de Je ru sa lé m d e v o ta ra m -se à beleza e, ag o ra, até m e sm o isso já n ã o
existe m ais. A s realizações m ais apreciadas d a vida são neg ad as p elo p ecado.
N ã o e n c o n tra m o s a p alavra cicatrizes (ki)3*5em o u tra p assag em , m as Isaías, ao
usá-la, alcança tip ic a m e n te u m a rim a notável (ki lahaL yop!) p a ra te rm in a r sua
lista. E le ta m b é m re v e rte a o rd e m estab elecid a n o s q u a tro itens a n te rio re s (lit.,
“ cicatrizes, em vez de b eleza”), faz e n d o o efeito d e um “ o u to n o d e c lin a n te ” ,
m in g u a n d o em tristeza.
3.25— 4.1 N e sse p o n to , todas as im agens são descartadas; aqui está a realida-
de de um a cidade despojada. Isaías, co m essa m u d an ça de “ m u lh eres” p ara “cida-
de” , indica q u e o te m p o to d o co n sid ero u as m ulheres c o m o o esp írito e n carn ad o
d a com unidade. E m b o ra o julgam ento seja previsto à luz d a vinda d o dia d o Se-
n h o r (cf. c o m en tário so b re 3.13), há m uitos “dias de in terv alo ” d o s quais esse é
um: u m julgam ento m erecid o co m trágica p e rd a de vidas. Sc os versículos 16 e 17
revelam c o m o o p ecad o d estrói o pecador, e os versículos 18-24 m o stra m c o m o
ele d estrói a alegria d a vida, o versículo 25 desce ao ab ism o d e tristeza q u a n d o o

1 A p a la v ra é p o th ê n . A p a rtíc u la -hen n ã o é e n c o n tr a d a e m o u tr a p a s s a g e m c o m o s u fix o


fe m in in o d e p lu ra l. ( ) s u b s ta n t iv o p õ t ( l R s 7.50) e s tá lig a d o c o m a A c ád ia . O t e r m o p u tu
(“ te s ta ”) , d a í, “ f r o n te ” (G . R. D riv e r, “ L in g u istic a n d te x tu a l p r o b le m s : Is a ia h I - X X X I X ” ,
JT.S) 38 [1937J, p. 38). M a s o u tr o s , p o r e x e m p lo , G . H . J o n e s , 1 a n d 2 Kings ( N C B , M a rsh a ll,
1 9 8 4 ), lig a m -n a a “ a rtic u la ç ã o ” o u “ c o n e x ã o ” .
2 B ã íê n ep es p o d e s e r “ c a s a s d e a lm a ” , o q u e J. P e d e rs e n {Israel, its U f e and Culture [O U P ,
1954], p. 170) su g e re se re fe r ir a caix as s u p o s ta m e n te c h eias d e p o d e r e sp iritu a l e u sa d a s
c o m o “ a m u le to s ” p r o te to r e s . M a s se a q u i o t e r m o n ep es f o r e n te n d id o c o m o “ g a r g a n ta ” ,
e n tã o , “ c a s a ” p o d e r ía sig n ific a r “ a to d e a b rig a r” o u “ g u a r d a r p a r a ” (cf. Ê x 2 6 .2 9 ; 3 7 .1 4 ) c,
p o r ta n to , talv ez a t r a d u ç ã o c o r r e ta seja “g o la a lta ” .
5 O s u b s ta n tiv o k i é u m a f o r m a ç ã o irre p re e n s ív e l d e ik ã w â (veja, p o r e x e m p lo , 4 3 .2 ). O s
s u b s ta n tiv o s c o g n a to s a p a re c e m e m F .x o d o 2 1 .2 5 e L e v ític o 13.24.
83 ISAÍAS 4 .2-6

pecado term ina em m o rte. Para portas (26) cf. L am entaçõ es 1.4 e p ara se assentará
no chão cf. 47.1.
4.1 E m 3.6, o s h o m e n s “ a g a r r a r lo ] ” (Ίtãpas) u m h o m e m à p ro c u ra d e u m
governante; em 4.1, as m u lh eres agarrarão (ihãzaq) u m h o m e m , p o r esta re m à
procura d e u m m arido. O s h o m e n s p u se ra m sua co n fian ça n a fo rç a social m u n -
dana só para acab ar d e sc o b rin d o q u e essa co n fia n ç a se m p re p erece p o r falta de
pessoas em q u e m se p o ssa co n fiar; as m u lh eres d ed icam -se p le n a m e n te à se-
dução só p a ra te rm in a r p o r d e sc o b rir q u e n ã o h á n in g u é m a co n q u istar. C o m o
Isaías co m eça b e m essa seção co m o ch a m a d o p a ra re c u sa r p ô r a co n fian ça
no h o m em (2.22)! A s m u lh eres p ro v e n d o sua p ró p ria comida e roupas (4.1) é o
reverso d a o rd e m a p ro p ria d a d o c a sa m e n to (E x 21.10).

d. A nova Jerusalém (4.2-6)


F om os levados a esse p o n to p elo ím p e to d a vind a d o “ dia d o S e n h o r” :
sua existência (2.12); seus efeito s (2.17,20) c seu castig o (3.18; 4.1). E agora,
mais um a vez, essas m e sm a s palavras! A m e n te recu a a m e d ro n ta d a . M as c o n tra
todas as expectativas, segue-se u m a m e n sa g e m d e glória e so b rev iv ên cia (2), de
santidade e v id a (3), de p u re z a (4), de nova criação c h ab itação divina (5) e u m
abrigo a b e rto (6). C o m o a o b ra salvadora d o S e n h o r é realm en te su rp re e n d e n -
te! T ao ao c o n trá rio da expectativa c d o d eserto.
O s versículos 2-6 seg u em e stru tu ra lm e n te o p a d rã o estab elecid o em 2.2-4
e 2.5— 4.1. E is aqui u m a d u p la visão (2-4, 5,6) de Sião c o m u m n o v o p o v o , pu-
rificado pessoal e so cialm en te (veja abaixo) e co m u m a vida religiosa presid id a
pelo S en h o r e n a qual o S e n h o r está in tim a m e n te ligado c o m o u m co m seu
povo. A s ligações tó p icas e verbais ta m b é m ligam esses v ersícu lo s aos p rece-
dentes: (i) as “ m u lh eres d c S ião” eram a in c o rp o ra ç ã o d o esp írito d eg en erad o
de sua m ãe (3.16-23); elas, ag o ra, são o fo co d a p u rificação divina (4). (ii) O
ponto nad ir d e sua so rte foi um a p a ró d ia de c a sa m e n to (1); a g lória será o abrigo
(nupcial) d o versículo 6. (iii) A b u sc a frenética p o r beleza p o r p a rte das m ulhe-
res (3.16,18) e n c o n tra satisfação n a v e rd ad eira beleza (2). (iv) O d esvelam en-
to da glória d o S e n h o r m o tiv o u a d e stru iç ã o d a cid ad e (2.10,19,21), m as essa
glória, agora, reside nela (2,5). (v) O fracasso d a lid eran ça c o n d e n o u a cidade
(3.2-7); a no va cidade é p ro te g id a p elo s sím b o lo s d o ê x o d o da lid eran ça divina
(5; cf. Ê x 13.21,22). (vi) A d u p la designação divina — 0 Senhor Çpdõnãy) e 0 Senhor
(yahweh) — d o juiz (3.17,18) ta m b é m é a d o re d e n to r (4,5).

A O d ia m essiânico: o R en o v o d o S e n h o r e o s so b rev iv en tes (2)


B1 O s cjue p e rm a n e c em : sua san tid ad e c seu d e stin o (3)
C A o b ra d o S e n h o r d e purificação e seus m eio s (4)
C 2 A o b ra d o S e n h o r de criação e seu resu ltad o (5)
B2 A d isp o n ib ilid ad e de ab rig o e o privilégio d e acesso (6)
O LIVRO DO REI 84

2 E m o u tra s p assagens, a e x p ressão 0 Renovo do Senhor1 se m p re é u m títu lo


a p o n ta n d o p a ra o M essias em seu ofício real e sacerd o tal (Jr 23.5; 33.15; 7.c 3.8;
6.12). C) te rm o “ re n o v o ” , em si m esm o , é u m a m e tá fo ra “ á rv o re d a fam ília” .
E m Jerem ias, “ o R e n o v o ” c “ para D a v i” o u (m elhor) “ d e D a v i” . Só aqui te m o s
“ o R en o v o d o S e n h o r” . O M essias nasce de um a d u p la lin h ag em à m ed id a q ue
p e rte n c e à “ á rv o re ” d a fam ília ta n to de D a v i q u a n to d o S en h o r. O lad o h u m a-
n o d e sua linhagem é assu m id o aqui pela m e tá fo ra 0fru to da terra / “ so lo ” a p o n -
ta n d o p a ra o M essias c o m o su rg in d o d essa o rd e m criada (cf. 11.1; 53.2). O s ter-
m o s belo,glorioso, orgulho e glória são su b stan tiv o s (“ a d o rn o ” , “g ló ria” , “ o rg u lh o ”
e “ b eleza”). As qualidades d o M essias em suas n atu rezas divina e h u m a n a são
lit. “ p a ra ” os sobreviventes. T u d o q u e ele é, ele re té m em co n fian ça p a ra eles. “ O r-
n a m e n to ”/ “a d o rn o ” (ARA) (fb í; cf. 2Sm 1.19) é em in ên cia p esso al, e “ bele-
za” (lip ’ere/), atratividade. E m 3.18, eles p ro c u ra v a m u m a “ b eleza” falsa e tran-
sitória (“ en fe ite s” , tip ’eret), m as ag o ra eles d iscern em a v erd ad eira beleza nele,
e ele em b eleza-os. A s palavras d o m eio “g lo rio so ” e “ o rg u lh o ” / “ d ig n id ad e”
a p o n ta m p a ra u m a g ra n d e m u d an ça. A “glória” fo ra a d e stru iç ã o deles (2.10);
e o “ o rg u lh o ” (2.12; um a palavra relacionada), su a ru ín a. A g o ra, a g lória divina
h ab ita e n tre eles (cf. c o m e n tá rio so b re v. 5), eles, co m acerto , o rg u lh a m -se nele,
e ele tra n sm ite a v erd ad eira dig n id ad e a eles. O te rm o sobreviventes/ “ fu g itiv o s”
é um a p alavra n e u tra d a p ersp ectiv a teológica u sad a p a ra to d o s q u e escap aram
d e u m a calam idade q u e asso lo u o u tro s. O versículo 3 n o s in fo rm a p o r q u e eles
escap aram . (Veja n o ta adicional.)
3 E sse versículo o b se rv a o fa to de q u e alguns fo ram deixados (n is’Sr) e
ficariam/ (nôtãr), m as n ã o o explica: d e p o is d a calam idade, alguns fo ra m deixa-
dos. C o m a palavra santos, e n tra m o s nas realidades teológicas p o r trás d essa so-
brevivência; os q u e fo ra m deixados são u m g ru p o tra n s fo rm a d o e sp iritu alm en -
te. O adjetivo é en fático ; c a o ração , singular: “ será ch a m a d o sa n to ” (A R C ).123
(S obre santo, veja o c o m e n tá rio so b re 6.3.) E sses so b rev iv en tes, d e um a m an eira
a se r aind a explicada, to rn a ra m -se cada u m deles a d e q u a d o s p a ra a p re se n ç a
d o S enhor. A ex p ressão inscritos para viverem / “ escrito s p a r a /n a v id a” reflete o
co n c e ito de u m livro d o d e stin o o u , em um p a ta m a r m ais baixo, u m reg istro
d o s cidadãos, c o n h e c id o em to d o o m u n d o antigo ; o livro d o S en h o r, d a m es-
m a m aneira, é m e n c io n a d o em to d a a E sc ritu ra (p o r exem p lo , E x 3 2 .3 2 ,3 3 )/ A
sob rev ivência à calam idade n ã o c u m acidente, m as u m a d ecisão eletiva d o Se­

1V eja J. G . B a ld w in , “se m a h a s a te c h n ic a l te r m in th e p r o p h e ts ” , V T , 4 4 (19 6 4 ), p. 93ss.


2 A f o r m a n ip h a l d e P ã m a r é e n c o n tr a d a c o m m ais fre q u ê n c ia c m Isa ías q u e c m q u a lq u e r
p r o f e ta (4.3; 1 9 .18; 3 2 .5 ; 6 1.6; 62.4). H á trê s o c o r rê n c ia s d e la c m J e re m ia s e u m a e m
E z e q u ic l, c m O s c ia s c c m S o fo n ia s. C f. se u u s o n o s a lm o d e S ião (87.5) c m u m c o n te x to
m u itís s im o sim ila r a e sse aqui.
3 SI 6 9 .2 8 ; D n 12.1; M l 3 .1 6 ; cf. L c 1 0.20; F p 4.3.
85 ISAÍAS 4 .2-6

nhor, um p ro p ó s ito divino ex p re sso n a inscrição d o n o m e das p esso as n o livro


da vida. P o r trás d a ex periência p esso al está a m e n te p re d e stin a d o ra d e D eus.
4 O se n tid o literal da frase quando 0 Senhor tiver lavado é “ se m p re q u e o Se-
nhor tiver lav ad o ” . A p artícu la co n d ic io n a l ’im (“ se”) é u sad a q u a n d o o ev en to
é certeza; m as su a ép o c a , d e sc o n h e c id a .1 O c o n te x to , às vezes, é a d e q u a d o co m
o uso de “ se e q u a n d o ” , m as aqui a ex p ressão “ se m p re q u e ” se aju sta m elhor.
(Sobre lavado, veja o c o m e n tá rio so b re 1.16). O te rm o limpado (cf. 2 C r 4.6; E z
40.38) significa “ en x ag u ar” , u m a “ lavagem ” c o m p le ta d e to d a m an ch a. A im-
pure-%1 significa “v ô m ito ” (cf. 28.8), o u seja, im p u re z a in te rio r (Pv 30.12) em
contraposição às m a n c h a s d e sangue o u d e rra m a m e n to d e san g u e d a violência
social, a c o n tra v e n ç ã o ex terio r; aqui se tem em m e n te o tra ta m e n to c o m p le to
do pecado. O esp írito é u sa d o im p e sso a lm c n tc c o m o “ v e n to /ra ja d a d e v e n to ” ;
em geral co m u m d o s m u ito s esp írito s q u e o S e n h o r tem a sua d isp o sição (p o r
exemplo, I lls 22.21-23), o u esp ecialm en te p a ra d e n o ta r o E sp írito d o S e n h o r
m esm o? Isaías já u so u a im agem d e te m p e sta d e para a v in d a d o dia (2.19,21) c
não é incom patível e n te n d e r aqui o o u tro (e in esp erad o ) lad o d a in te rv e n ç ã o d o
Senhor. M as Isaías tem m u ita co n sciên cia d o E s p írito d o S e n h o r (30.1,2; 31.3;
63.10-14), em especial, em passag en s m essiânicas (11.2; 42.1; 59.21; 61.1), e
este é o m e lh o r e n te n d im e n to aqui: o E sp írito divino, a d iv in d ad e executiva em
toda a Bíblia. A qui, ele age em julgam ento/ “ ju stiça” e /¿ ‫ ^״‬/ “ q u e im a n d o ” , o u seja,
o Senhor, assim , age p ara realizar ta n to as exigências objetivas d e justiça ab so -
luta co m o as exigências subjetivas de sua p ró p ria n a tu re z a santa. S o b re q u eim ar
e fogo c o m o sím b o lo s d e sa n tid a d e divina, veja Ê x o d o 3.2-5; 19.10-25. A p u -
rificação p elo fo g o n ã o é um c o n c e ito p a d rã o d o A n tig o T e sta m e n to (cf. 6.6).
5 H á, à e sp era d o n o v o p o v o d o s versículos 3 e 4, a n o v a Sião criada d o s
versículos 5 c 6. A palavra criar[...] (ibãrã*) só é usada n o A n tig o T e sta m e n to
para a ação divina, para e x p re ssa r o s atos q u e p o r sua g ra n d io sid a d e o u novi-
dade (ou am bos) exigem u m a g en te divino. N e ssa n o v a criação h á h ab itação
divina à m ed id a q u e 0 monte Sião e (lit.) “ suas assem b léias” (cf. 1.13, passagem
em que a palavra é usada p a ra a religião detestável da an tig a Jerusalém !) são
m arcados c o m o lu g ar de h ab itação d o S e n h o r p elo p a d rã o d iv in o p airan d o ali,
uma nuvem de dia e um clarão de fogo de noite (cf. Ê x 13.21,22). T a m b é m h á a co n -
sumação d a aliança: a glória tudo cobrirá e será um abrigo. A palavra abrigo Qmppâ)
sempre d e n o ta o “ q u a rto n u p cial” (Sl 19.6; J1 2.16). Kglória, aqui, o u é o M essias
(veja v. 2) ju n ta n d o -se a m o ro sa m e n te ao seu p o v o -n o iv a o u to d o o g lo rio so
Sião co m seu p o v o sa n to (3) ju n to s n a c o n su m a ç ã o d o a m o r co m o S e n h o r so b
sinais o fu scan tes d e su a p resen ça. (Para a aliança c o m o c a sa m e n to cf. 49.17,18;
54.1-13; J r 2.2,3; 31.31-34; O s 2.14-20.)

P or e x e m p lo , G n 3 8 .9 ; N m 2 1.9; J z 6.3; Is 2 4 .1 3 ; 28.25.


O LIVRO DO REI 86

6 O u tr a característica d a n o v a criação é o ab rig o acessível. A o lo n g o des-


sa p assagem , Isaías u sa a im agem d o êx o d o .1 A ssim , o S e n h o r acam p av a em
m eio ao seu p o v o , m as n ã o estava d ire ta m e n te acessível a eles (E x 29.42-46;
40.34,35); sua glória ta m b é m era m u ito avassaladora. M as, ag o ra, n a p le n a reali-
d ad e d a g lória (2,5) h á a cesso a b e rto ao abrigo. A p ró p ria trivialidadc das n eccs-
sidades a cen tu a a ideia de livre acesso. O s o p o sto s (secura) calor e chuva abraçam
todas as circunstâncias da vida; tempestade (“ in u n d a ç ã o ”) e chuva a p o n ta m p ara
o e x tra o rd in á rio e a necessid ad e c o m u m d e abrigo. T a m b é m h á ab rig o c o m o
S e n h o r p ara to d as as necessidades.

N o ta a d ic io n a l so b re 4.2
A s frases 0 Renovo do Senhor e 0fru to da terra re c e b e m várias in te rp re ta çõ e s:
(a) A vegetação: am b as as frases e x p ressam a ab u n d â n c ia m essiân ica (cf.
3 0 .2 3 -2 6 ;Jr 31.12; O s 2.21-23; A m 9.13-15). O p e c a d o d im in u iu e re strin g iu o
m u n d o n a tu ra l (G n 3.17-19), m as q u a n d o o p e c a d o é rem o v id o , a n a tu re z a será
ren o v ad a e liberada. (C o m o C alvino, S kinner, K issane, S c o tt e K aiser.) C o n tra
essa p e rc e p ç ão está a c o n sid e ra ç ão de q u e os q u a tro su b sta n tiv o s “ a d o rn o ” ,
“g ló ria” , “ o rg u lh o ” e “ b eleza” p a re c e m u m ta n to excessivas c o m o d escrição de
(m era) vegetação. A passagem 28.5 su g ere um a referên cia m ais exaltada.
(b) O re m a n e sc e n te e a vegetação. O Renovo refere-se a o re m a n e sc e n te fiel
de Israel d a m e sm a m an eira c o m o 5.7 fala d o p o v o c o m o v in h a (cf. 60.20;
61.3). O fruto é a a b u n d â n c ia m essiânica. (C o m o B arn es e M auchline.) C o n tu d o ,
h á u m a e stra n h e z a n essa percep ção . O v e rb o s o z in h o d a se n te n ç a exige q u e
ta n to o R en o v o q u a n to o fru to sejam “ p a ra ” os so b rev iv en tes. C o m o o rem a-
n e sc e n te p o d e se r p a ra o re m an escen te?
(c) A salvação e a vegetação. O Renovo é a salvação m essiân ica q u e o S e n h o r
fez b ro ta r d e p o is d o ju lg am en to , e a veg etação fértil é o sinal q u e a c o m p a n h a
(cf. 45.8, p assag em q u e tem o m e sm o v erbo). (C o m o O relli e L e u p o ld .) E ssa
p ercep ção , c o m o tal, n ã o p o d e se r o m itid a, m as p o r que, à luz das referen cias
ao “ R e n o v o ” em Jerem ias e Z acarias, Isaías deveria se r o ú n ic o a te r u m a n o ç ã o
tão vaga q u a n to “ a salvação m essiânica” ?
(d) O M essias e a vegetação. B irks, sensivelm en te, e n te n d e q u e n ã o h á m o -
tivo p a ra se p a ra r a referên cia d e Isaías so b re o R en o v o das referên cias em Jere-
m ias e em Z acarias. A ssim , aqui, 0 Renovo é o M essias, e 0fru to é a p le n itu d e q u e
ele traz. O b se rv e , em 11.1-5,6-9, o m e sm o equilíbrio e n tre p e sso a e plen itu d e.
(e) O M essias. E m c o m p a ra ç ão c o m o que p re c e d e , p e rm itir q u e am b as as
frases se refiram ao M essias, d á aos q u a tro su b sta n tiv o s im p ressiv o s a re fe rê n ­

' O p o v o s a n to (v. 3; Ê x 19.4); o E s p ír ito d e D e u s (v. 4; cf. 63.11 -14; A g 2 .5 ); a n u v e m e o


fo g o , etc.
87 ISAÍAS 5. I -7

cia pessoal q u e so z in h a p arece estar d e a c o rd o c o m seu peso. O p aralelism o, diz


Alexander, exige q u e o R en o v o b ro te d o S e n h o r d a m e sm a m an eira q u e o fru to
brota da terra; e D e litz sc h c o m p a ra E zeq u iel 17.5, p assag em em q u e u m rei
davídico é d escrito c o m o “ u m a se m e n te d a sua te rra ” , e a rg u m e n ta q u e “ R eno-
vo” com o título m essiân ico foi c u n h a d o p o r Isaías e está p le n a m e n te de a c o rd o
com os cap ítulos 7— 11. Y o ung c o m e n ta o u so d e isãm ah em 2Sam uel 23.5. A
escolha, em ú ltim a análise, c e n tre as p e rc e p ç õ e s (a) e (e). A ideia d a p len itu d e
messiânica, e m b o ra suas n u an ças sejam ricas, fica aq u ém das d im e n sõ e s d o
versículo; ao p a sso q u e n a p e rc e p ç ã o to ta lm e n te m essiânica, a lin g u ag em d o
versículo tem lib erd ad e to tal e a im agem é v erd ad eira p a ra o u so b íblico m ais
abrangente. A d u p la lin h ag em d o M essias é to ta lm e n te d e Isaías.

4.0 pecado e a graça (5.1-30)


Isaías, nessa últim a e am arga seção de seu prefácio, e n fre n ta a ap aren te inevi-
tabilidade d o julgam ento divino. A escolha da m etáfo ra d a v inha é relevante. E m
1.8, a referência à vinha a p o n ta para um rem an escen te p reserv ad o pelo S enhor;
em 3.12— 4.1, q u a n d o a v in h a foi saqueada, o S e n h o r in te rv e io p a ra julgar em
favor dela c c o n tra seus saqueadores. N o e n ta n to , ag o ra, a v in h a é o lu g ar o n d e
deve ser an u n ciad a a d e stru iç ã o to tal (1— 7). O fu tu ro p arece u m a g ra n d e in-
terrogação, p o is até m e sm o o S e n h o r c h e g o u a p e rg u n ta r o q u e m ais p o d eria
ser feito (4). E m 1.2-31, e m b o ra o p e c a d o d e s tru a a vida, em 1.26,27, ain d a se
delineia um a esp e ra n ç a b rilh a n te p a ra o fu tu ro ; em 2.1— 4.6, a p esar d e o pe-
cado arru in ar o s m ais altos p ro p ó s ito s da vida, ain d a h á em vista p u rificação e
nova criação (4.2-6); m as, ag o ra, o p e c a d o leva até m e sm o a e sp e ra n ç a e m b o ra
e não resta n a d a além d o a ju n ta m e n to de trevas (30).
O s versículos caem em d u as seções: o c â n tic o d a v in h a (1-7) e a am arg a
safra p ro d u zid a (8-30).

a. A vinha: um trabalho total, uma perda total (5.1-7)


A vinha, d e a c o rd o co m Ezecjuiel 15.2-5, o u c b o a p ara p ro d u z ir fru to ou
não é b o a p ara nada. U m a vez q u e o p o v o d o S e n h o r é sua v in h a, a m e sm a ver-
dade se aplica a seu povo. N a ép o c a d a festa das cabanas, a co lh eita d a uva seria
reunida. P o d e te r sid o n essa ocasião q u e Isaías c o n v id o u a m u ltid ão a o uvi-lo
cantar, p rim eiro para seu am ig o (1,2), d ep o is, c o m o am ig o deles (3,4), revelan-
do, assim, q u e m é seu am ig o (5,6) e rev elan d o p o r fim q u e m é a v in h a (7). E le
conduz co m m aestria seus o u v in te s a um p o n to em q u e eles só co n seg u em
proferir um a c o n d e n a ç ã o e d e sc o b re m q u e acab am d e c o n d e n a r a si m esm os.
O LIVRO DO REI 88

Λ1 Λ v in h a é d e sp re z a d a (1, q u a tro linhas)


B 1 A v in h a é cu id ad a (2ab, cinco verb o s)
C l A co n clu são é ex traíd a e c o n te sta d a (2c)
C 12A co n clu são é co n v id a d a (3,4, agora, W ‘attâ)
C 3A co n clu são é an u n ciad a (5, agora, W ‘attá)
B 2 A v in h a é negligenciada (6, cin co verbos)
A2 A v in h a é explicada (7, q u a tro linhas)

1 A p re p o siç ã o para é (lit.) “ a re sp e ito ” , e 0 meu amigo é “ m eu e n te q u e rid o ” .


U m cântico/ “ o cân tico d o m e u a m a d o ” é o cân tico q u e o am ig o m e sm o é o
can to r: Isaías, o c a n to r, é m in istro das palavras d e o u tro . O b se rv e a p ro fu n d i-
d ade d e sua d ev o ção pessoal. O s o u v in te s esp erav am u m cân tico d e c a sa m e n to
(cf. SI 128.3; C t 2.15; 4.16)? N o s ta b ern ácu lo s, isso sugeriría a c o n su m a ç ã o d a
aliança (cf. 4.5). E e x a ta m e n te essa esp e ra n ç a q u e é p a ra ser lan çad a c o m o o
cân tico e, a seguir, o c a p ítu lo c o n tin u a .' A ex p ressão encosta de uma fé r til colina
(<qeren ben se m e n )/ “ um chifre, filho d e ó le o ” é u m a p ro je ç ã o n a tu ra lm e n te rica
e fértil.2
2 O s d etalh es aqui n ão são alegorizados, fa z e n d o co m q u e cad a a to rep re-
sen te algo d o cu id a d o d o S e n h o r co m seu povo. F.les, antes, p in ta m a im ag em
de u m a o b ra co m p le ta , n ã o d eix an d o n a d a p o r fazer. A fertilid ad e d o so lo (1),
sua p re p a ra çã o (2) c a qualidade das v in h as (que eram as m ais seletas, sõrêq; cf.
J z 16.4) n ã o p o d e ría m ser criticadas. N e m p o d e ria m ser as ex p ectativ as d o am i-
go, po is estava tão c o n fia n te d a v in d im a que, n a v erd ad e, construiu uma torre (cf.
1.8), u m a residência sólida c o m o se p re te n d e sse viver ali p a ra se m p re c fez u m
“ ta n q u e de p re n sa r uvas” (não u m lagar), u m lu g ar d e e sto cag em p e rm a n e n te d o
vinho. T a m b é m so m o s in fo rm a d o s q u e a v in h a era d u p la m e n te cercad a (5). R
mais. A ex p ressão ele espera¡...¡/ “ espera[...] c o n fia n tc m e n tc ” (¡íqãwà; cf. 40.31)
n ã o é a d isciplina d e esperar, m as sua tran q u ila expectativa. A palavra trad u zid a
p o r uvas acedas (&'’ usim ), só é e n c o n tra d a aqui e n o versículo 4, relacio n a-se
co m ·iba’as (“ m a u c h e iro ”), cujo se n tid o literal é “ fru ta m alch eiro sa” . D elitzsch
o b se rv a q u e a d ife re n ç a e n tre a v in h a ag reste e a d o m é stic a é só u m a q u e stã o
d e cuidado. R ste c ex a ta m e n te o p o n to : o q u e p o d e se r feito ag o ra p a ra o p o v o
d e D e u s q u a n d o u m a o b ra c o m p le ta d e g raça foi d ad a co m g e n e ro sid a d e a eles,
m as eles c o n tin u a m c o m o se a g raça n u n c a os tivesse to cad o ?
3 ,4 A m áscara co m e ç a a cair. Isaías, em v erd ad eiro m o d e lo p ro fé tic o , co -
m eça a falar n a p esso a de seu am igo. A p erg u n ta: que mais se podería/ “ d ev eria”

1 S o b re a v in h a , v eja Is 3 .1 4 ,1 5 ; 2 7 .2 -6 ; 6 3 .1 -6 ; 6 5 .8 -1 0 ; cf. SI 80.8; J r 2 .2 1 ; 1 2 .1 0 ; O s 14.7.


2 S ó aqui a p a la v ra qeren (chifre) é u s a d a p a ra “ c o lin a ” o u “ p ic o ” . A e x p re ss ã o “ n a tu ra lm e n te
fértil” é a tra d u ç ã o d e ben sem en (“ filh o d o ó le o /a b u n d â n c ia ”). A e x p re ss ã o “ filh o d e ” é
id io m á tic a p a ra a c o n d iç ã o d e a lg u m a c o isa o u d c a lg u é m (cf. “ filh o d e 7 5 a n o s ” , e m G n
12.4).
89 ISAÍAS 5. I -7

facçerf não é dirigida ao p o d e r divino, m as à co n sc iê n c ia divina. Λ ex p ressão


por que (m adáua") a p o n ta p a ra a raíz d o m o tiv o (não para ad ian te, m as p a ra o
propósito): “ Q u e tip o d e te rra havia ali?” E sse é o p o n to m é d io d o auge d o
cântico. N ã o h á n e n h u m a cu lp a co n ceb ív el ligada ao p ro p rie tá rio , ela d ev e estar
em o u tro lugar.
5,6 Λ p ro d u tiv id a d e e a seg u ran ça estão juntas. Se a v in h a tivesse ap en as
sido fiel à in te n ç ã o d o am igo, n e n h u m a m ã o p o d e ría tê-la tocad o . O s o b ed ien -
tes são inexpugnáveis. M as n o fracasso da fecu n d id ad e, h á p rim e iro os inim igos
externos, as b e sta s d ev o rad o ras. O te rm o derrubar[...¡ tem o se n tid o d e “ d isp o -
nível para ser d e v o ra d a /lim p e z a d a p la n ta ç ã o ” (ib a ar, cf. 3.14) c pisoteada de
“disponível p ara ser p iso te a d a ” .2 S egundo, h á a n ta g o n ism o divino: a m ã o d o
Senhor vai c o n tra seu p o v o in fru tífe ro : fa rei dela um terreno baldio? E sse p erig o
não teria su rg id o se eles tivessem sid o fru tífero s, rispinheiros e ervas daninhas são
verdadeiros para a m e tá fo ra da v in h a m alcuidada, m as elas ta m b é m re m e te m a
Gênesis 3.18, p assag em n a qual são usadas palavras d istin tas p a ra as evidências
da rebeldia d o h o m e m e d a ira de D eu s. T erceiro, h á ad v ersid ad e circunstancial.
N os te rm o s d o cântico, a chuva é tu d o q u e m a n té m a v id a d o p o v o d o S enhor.
A m áscara, agora, caiu to talm en te: só o S e n h o r p o d e re te r a chuva. O am ig o de
Isaías é o D e u s d e Israel.
7 Λ nação de Israel, an tes da q u ed a d e Sam aria em 7 2 2 a.C., significava to d a
a nação dividida o u seu c o m p o n e n te d o n o rte . O s p ro fe ta s n ã o ap ro v aram a
divisão, e eles, se eram e sp ecialm en te ch a m a d o s a p ro fe tiz a r p a ra o R ein o d o
N orte o u p ara o R eino d o Sul, co stu m a v a m a b raçar a n ação to d a em seu m i-
nistério (cf. A m 3.1). Isaías, assim , dirige-se à n ação to d a e, d ep o is, estreita sua
percepção aos homens de Judá esp ecialm en te privilegiados, q u e são a plantação
que ele am ava/ “ a p la n ta d e seu in te n so p ra z e r” . A p alav ra esperava (iqãw â) é a 123

1 Lit. “ O q u e faz m ais...?” . O h e b r a ic o u s a o te m p o in fin itiv o p a ra e x p re s s a r o b rig a ç ã o .


2 “D e rru b a r[...]” e “ p iso te a r[...]” sã o a m b o s in fin itiv o s c o n s tr u íd o s c o m o s e n tid o c o x o d e
“ d e r r u b a r / p is o te a r ” , d aí, “ e s ta r d is p o n ív e l p a ra s e r d e r r u b a d a /p i s o t e a d a ” .
3 N o v ersícu lo 5, o s d o is v e rb o s “ tirarei” (A R A ) c “ d e rrib a re¡” (A R A ) e s tã o n o te m p o in íin i-
tivo ab so lu to , c n ã o n a p rim e ira p e s s o a d o singular. N e s s a e x p re s s ã o id io m á tic a , o infinitivo
abso lu to re c e b e q u a lq u e r tra d u ç ã o q u e se a ju ste ao c o n te x to , m as c o m o se n tid o literal
(com o o g e ru n d io latin o ) “ o d e r r u b a r ” . O s e n tid o , p o r ta n to , p o d e ría ser: “ tira r a su a cerca
[...] e d e rrib a r” d e ix a n d o p o r e n q u a n to o a g e n te in d efin id o . N o v e rsícu lo 6, a e x p ressão
“te rre n o b a ld io ” re p re s e n ta , n o rm a lm e n te , o n ã o e x e m p lific a d o bãtâ. G . R . D riv e (“ L in-
guistic... p ro b le m s ” , p. 38) su g e re u m a lig ação c o m o acádio. O te r m o batu (“ tra n s fo rm a r
em ru ín as”) e, daí, a “ d e v a s ta ç ã o ” . O su b s ta n tiv o p re s e n te p o d ia se r u m a fo rm a v a ria n te d e
baitâ (cf. 7.19) d e ibãkit (“ c o r ta r ” , “ c o rta r a lg u m a c o is a ”), p o r isso o se n tid o d e d e so lad o ,
destruído. O in te rv a lo d e te m p o e n tre e ssa a m e a ç a e se u c u m p r im e n to foi d e c erc a d e 130
anos; c o n tu d o , o s c o m e n ta ris ta s n ã o s u s te n ta m q u e é im p o ssív el fa ze r e ssa p re d iç ã o n e m
q u estio n am o p o n t o dela. A ssim , q u a l c o v a lo r d a o b je ç ã o q u a n to à a u to ria d e Isaías d o s
capítulos 4 0 — 66 f u n d a m e n ta d a n o in te rv a lo d e te m p o e n tre u m a p ro m e s s a e seu cu m p ri-
m ento?
O LIVRO DO REI 90

m esm a d o s versículos 2 e 4. Sua “ tran q u ila expectativ a” “ esp erav a justiça, m as


h o u v e d e rra m a m e n to d e sangue; esperava retidão, m as o u v iu g rito s d e aflição” .
A m aestria d e Isaías em p ro d u z ir rim as em pares: m ispãf... m ispãh... fd ã q â ...
f ã q â . K id n e r a p re se n ta u m a hábil ten tativ a d e c a p ta r essa asso n ân cia c o m “ di-
reito... tum ulto... decência... d e se sp e ro ” . Só e n c o n tra m o s derramamento de sangue
{mispãh) aqui e co m sen tid o d uvidoso,1 m as a intenção é clara. A justiça co rrig e os
erros, e n q u a n to o derramamento de sangue é a inflicção de erros. A retidão é o viver
certo e ter os relacio n am en to s certo s, e n q u a n to g it[a r] { fã q â , “ b e rra r”) indica
os re la c io n a m en to s eq u iv o cad o s e a angústia d o o p rim id o . C o n tu d o , a ap arên -
cia e x te rio r era m andcla; a p a re n te m e n te , tu d o era o q u e d ev ia ser — p o r q u e as
palavras d ificilm ente são diferentes!

b. O ‫״‬fruto podre”: a safra produzida, a colheita por vir (5.8-30)


Isaías p e n e tra item a item na aparência e x te rio r e re ú n e o fru to o fen siv o
da v in h a d o S e n h o r e p ro n u n c ia um a i so b re cada u m p o r vez (8,11,18,20-22).
A e stru tu ra d a passag em é in te re ssa n te e im p o rta n te . O s d o is p rim e iro s “ ais”
(8-12) lidam c o m o a b u so d e b en efício s m ateriais da vida e são seg u id o s de
“ p o r ta n to ” e “ p o r isso ” (13-17; A R C ); os últim o s q u a tro “ ais” (18-23) lid an d o
c o m o fracasso m o ra l e as o b rig açõ es espirituais d a vid a ta m b é m são seg u id o s
p o r dois “ p e lo q u e ” (24-30, A R C ). O “ p o r ta n to ” e suas variações c o m b in a m
um co m o o u tro . E m cada caso, os tre c h o s m ais b reves (13; 24) ex p licam c o m o
o ju lg am en to se ajusta ao p e c a d o p re c e d e n te, e os tre c h o s m ais lo n g o s ( 1 4 1 7 ‫;־‬
25-30) d escrev em u m ato d e D e u s em total julgam ento.

A safra p ro d u z id a A co lh eita p o r vir


A 1 A p ro p rie d a d e c o m o m o tiv o (8-10)
B 1 A a u to in d u lg ê n c ia (11,12)
C 1 O ju lg a m e n to a p ro p riad o :
a p e rd a da te rra , a fo m e e
a sed e (13)
D 1 O ju lg am en to to tal n a ação
divina: m o rte , h u m ilh ação ,
e ru ín a (14-17)
E 1 O p e c a d o é p erse g u id o (18,19)
E 2 O p e c a d o é justificado (20)
B 2 A p re su n ç ã o (21)
A2 O d in h e iro c o m o m o tiv o (22,23)

1 K f í s u g e re q u e m isp ã h q u e r d iz e r d e sv io , n o s e n tid o d e q u e b r a r a lei; B D B s u g e re “ d e r ra -


m a m e n to ” d e s a n g u e ; e D c litz s c h “ s e r v a rrid o s j u n to s ” (d a p r o p r ie d a d e d e o u tr o s ) . T o d a s
e ssa s p o s s ib ilid a d e s e x ig e m im a g in a ç ã o o u c re d u lid a d e .
91 ISAÍAS 5.8 - 3 O

C 2 O ju lg am en to ap ro p riad o :
o rá p id o d e sa stre (24a) retrib u i
o cham ado do Senhor por
rap id ez (19); a co n c o rd â n c ia
em p e c a r (18,20) resu lta
em cair in d e fe so em ju lg am en to
(24bcd)
D 2 O ju lg a m e n to total: o S e n b o r
c o n v o ca o in im ig o invencível
(25-30)

N o c ern e da a n a to m ia d e Ju d á d esen v o lv id a p o r Isaías está sua ex p o sição


do p ecado e a rev ersão d o s valores m orais (18-20). Q u a n d o a vida co n siste na
continuação d o pecad o , da n eg ação d o D e u s vivo e d a reescrita d o c ó d ig o m o-
ral, não se p ara an tes da c o m p le ta d e v o ç ã o à a u to ssa tisfação.
8 A lei israelita via as propriedades c o m o u m a dádiva d e D e u s (Lv 25.23,24),
e a suposição, se g u in d o a divisão original, era q u e cad a p ro p rie d a d e p e rm a n e -
ceria na fam ília (Lv 25; N m 27.1-11; 36.1-12; R t 4.1-4). M as n a é p o c a d e Isaías
(cf. M q 2.2,9), am a n h e c eu o dia d o esp e c u la d o r d e terra. A m ó s 2.6-8 m o stra o
rico p o d e ro so u sa n d o o p ro c e sso legal p a ra e n g a n a r o p o b re e se en riq u ecer,
e o arranjo em e stru tu ra d e p alístro fc d esses “ ais” (e m p a re lh an d o os w . 22,23
com os w . 8-10) in d ica a m e sm a o p e ra ç ã o d o sistem a p a ra o b te r v an tag em para
si m esm o. A frase adquirem casas e m ais casas/ “ fazer casa to c a r casa” significa
adquirir u m a casa e au m en tá-la p ara ficar u m a “ casa g ra n d e ” em u m a im en sa
propriedade da qual to d o s os o u tro s são d esp ejad o s até os n o v o s “ p ro p rie tá rio s
de terras” se tornarem os senhores absolutos da tetra.
9 O p e n sa m e n to d o A n tig o T e sta m e n to n ã o c o n d e n a n e m d e sp re z a a ri-
queza, m as elogia c o m o ela é ad q u irid a e c o m o é u sada. Isaías, aqui, n ã o tem
dúvida. O te rm o disse n ã o c o n sta d o T M , m as é um a a d a p ta ç ão d e 22.14. C o n -
tudo, h á u m a in te n sid a d e d ram ática n o efeito explosivo d e d eix ar o h eb raico
com o está: “A m eu s o u v id o s disse o Sen h o r d o s E x é rc ito s” (ARC)! C o m o isso
expressa a in d ig n ação d o c e rn e d o céu! Para casas [ ...] g ra n d es/ “ m uitas casas”
cf. A m ós 3.10,15. A riqueza sem justiça n ã o c o n c e d e d ireito d e p o sse (Jr 17.11)
porque a riq u eza c fu n d a m e n ta lm e n te d o S e n h o r (D t 8.18).
10 U m p o te é u m bato [nota de ro d a p é da N V I] cuja estim ativ a varia de 20
a 40 litros, p ro v a v e lm e n te um a m ag ra p ro d u ç ã o p a ra d ez alqueires d e te rra ou
“jeiras” (A RC), em geral, e n te n d id a c o m o a área de te rra a rad a p o r d ez bois em
um dia. U m b a rril equivale a d ez efas, p o rta n to , a safra era de ap en as u m d écim o
da sem ente sem eada. H á u m a v italidade m oral n o a m b ie n te p o r m eio d a qual o
caráter e a c o n d u ta d o s p ro p rie tá rio s p ro v o c a m um a red u ç ã o d o q u e o m u n d o
criado está p re p a ra d o p ara fazer p o r eles. Isso é o o p o s to d a p le n itu d e m essiâ-
O LIVRO DO REI 92

nica (cf. c o m e n tá rio so b re 4.2). A te rra fam in ta te rm in a p o r se m e a r a fo m e, a


d e sp e ito d e to d a a te rra q u e eles têm .
11,12 N a d a p o d e ría e x p re ssa r d e fo rm a m ais vivida a b u sca d a in to x icação
(11,12a) n e m d eix ar m ais claro a ligação e n tre a in du lg en cia sensual e a p e rd a
d a p e rc e p ç ão espiritual (12b). B e b e r é a vida deles; é o q u e o s faz lev an tar
da cam a ( l i a ) e os m a n té m fo ra d a cam a (11b). A frase: e ficam completamente
bêbados ( N T L H ) /“ para q u e o v in h o os exalte” n ã o d e n o ta u m resu ltad o , m as
u m p ro p ó sito . A e x p ressão e vinho n o final d o v ersícu lo 12a tem a fo rça d e
u m a exclam ação: “ e v inho!” — u m g ru p o n ã o faz u m a festa a m e n o s q u e o
v in h o flua. A frase não se importam sugere o b se rv a r q u e o S e n h o r está fazen d o
algo, nem atentam p a ra a im p o rtâ n c ia d o q u e v e e m .1 O s atos \põ 'al\ do Senhor
são a m p la m e n tc seu g o v e rn o m oral d o m u n d o e, q u a n to a Israel, sua o b ra
d e b ên ção e re d e n ç ã o ; e n q u a n to a obra [massed] que as suas mãos é sua o b ra de
criação e p ro v id ê n c ia e, q u a n to a Israel, é sua o b ra de legislação, d e red en ção ,
de h eran ça, d e p re se rv a ç ão e d e ju lg am en to .12 A ssim , Isaías c o n sid e ra q u e essas
p esso as n ã o têm p e rc e p ç ã o espiritual, falta-lhes o sen so d e q u e “ ele n o s fez e
so m o s d ele” (SI 100.3), estã o ceg o s para a realidade das “ m ald içõ es d a alian ça”
(D t 29.19-21; cf. A m 3.2).
13 O b se rv e c o m o o ju lg am en to c o m b in a c o m os “ ais” p reced en tes. E sse
versículo, a p rim eira seção c u rta d e “ p o r ta n to ” fo rm a um q u iasm a c o m os ver-
sículos 11 e 12: b e b e r, insensibilidade espiritual, falta d e c o n h e c im e n to , sede.
A ssim , a p u n iç ã o se ajusta ao crim e. O v e rb o vai é u m te m p o p e rfe ito cu jo sig-
n iñ e a d o é “ tem id o ” o u “ está c o n d e n a d o a ir” . T alvez a passag em o lh e ad ian te
p a ra u m cativeiro (exílio) que, c o m c erteza, virá — e, d e a c o rd o c o m H e rb e rt,
n o tem pt) d e Isaías, o “ cen ário in te rn a c io n a l to rn a v a o exílio u m a p o ssib ilid ad e
real” — o u p o d e significar q u e o cativeiro d e u m a m an eira m u ito real já estava
a c o n te c en d o . O conhecimento/ “ e n te n d im e n to ” q u e falta ao p o v o é o e n te n d í-
m e n to d e D e u s (cf. vv. 12b,19; L c 19.42). As palavras ta m b é m p o d e m significar
“ sem c o n h e c e r isso ” , o q u e p o d e ría se aju star ao “ vai” acim a. P ara meu povo,
veja c o m e n tá rio so b re 3.12 (cf. L c 11.52). O s líderes, a elite/ “ a g lória d eles” ,
têm de ser a glória daqueles q u e eles lideram c o m o o M essias o será (cf. 4.2).
E n c o n tra m o s a ex p ressão morrerá defom e em dois M SS; o T M traz “ h o m e n s d e
fo m e” / “ h o m e n s fa m in to s” .3
14-17 E ssa p rim eira seção lo n g a d e “ p o r isso ” (ARC) d escrev e c o m o acab a
a festa (14), e o o rg u lh o tem fim (15). O ju lg a m e n to é to tal e é o a to d e D e u s
(16) re su lta n d o e m u m a te rra vazia e desolada. O b se rv e m ais um a vez a relação
1 S o b re i r ã ’â c o m o “ v e r a re le v â n c ia d e ” cf. SI 8.4; 5 2 .6 -8 .
2 S o b re “ a to s ” ( p õ 'a l), v eja, p o r e x e m p lo , D t 3 2.4; J ó 3 6 .2 4 ; SI 4 4 .1 ; 6 4 .9 < 1 0 > ; s o b r e “ o b r a ”
(m a '‫״‬seH) c f Ê x 3 2 .1 6 ; 3 4 .1 0 ;SI 8 .3 < 4 > ,6 < 7 > ; 19.1; 9 2 .4 ,5 < 5 ,6 > ; Is 1 0.12; 2 9.23.
3 T M , m"Lê rã 'ãà, “ h o m e n s d e f o m e ” ; d o is M SS, c o m fre q u ê n c ia , a d o ta m m ê tê rã o ¿ , “ m o r-
to d e f o m e ” .
93 ISAÍAS 5.8- 3O

de quiasm a c o m os “ ais” p re c e d e n tes: vastas p ro p rie d a d e s (8) e festa (12) co n -


trabalançadas p e lo fim d a festa (14) e a d e stru iç ã o das p ro p rie d a d e s (17).
14 O 3#<?0//“ tú m u lo ” (n o ta d e ro d a p é da N V I) é o n o m e d o lu g ar d e m o -
radia d o m o rto . A iro n ía d a frase aumenta o seu apetite é c o rta n te : tu d o pelo que
eles viveram foi p ara satisfazer seus ap etites (11,12), m as, n o fim , só o apetite
de um é satisfeito, só urna boca fica cheia. “ O ju lg am en to d o s sensualistas, c o m o
os das m u lh eres loucas p o r m o d a de 3.16ss., será p e rd e r a ú n ica co isa pela qual
viveram [...] e se e n c o n tra re m c o m o o b je to de u m ap etite ain d a m ais insaciável
que o deles m e sm o s” (K idner). E m cada caso, sua é sufixo singular fem inino,
“dela” . E ssa seção, em seu cenário original, deve falar d e Jeru salém : “ d escerão
o esplen do r da cidade e a sua riqueza, o seu b a ru lh o e os q u e se d iv e rte m ” .
15 A qui, o h eb ra ic o é ex a ta m e n te o m e sm o d e 2.9. “A h u m a n id a d e ^ãdãm ,
homem\ será abatida; e o h o m e m [Yí, hum an id ad e] será h u m ilh ad o .” Os olhos são
os órgãos d o d esejo (G n 39.7; SI 123.2), refe rin d o -se à c o b iça d o versículo 8 e à
ganância d o s versículos 11 e 12. O ju lg a m e n to cai o n d e é m erecido.
16 O te rm o santo (gados) é a n a tu re z a divina em si m esm a. E m G ê n e -
sis 38.21, um a m u lh e r ded icad a às práticas sexuais p o r m eio das quais seu deus
era servido é c h am ad a d e “ sa n ta ” (<fd ê s â ), po is a palavra, em essência, significa
“separada” , “ p e rte n c e n te a o u tra o rd e m (divina) d e coisas” . O q u e to rn a o
Deus de Israel sa n to é sua p u re z a m o ral (6.3). E ssa era sua “ qualid ad e d e sepa-
rado” . A retidão é a san tid ad e ex p ressa em p rin c íp io s m orais; a justiça é a aplica-
ção dos p rin cíp io s d e retid ão (cf. 1.21). A m b o s justiça e retidão são o re sp le n d o r
da santidade. O su b sta n tiv o ’<?/ n a e x p ressão 0 D eus santo (hã’êl haqqãdos) é par-
ticularm ente u sa d o p ara a tra n sc e n d ê n cia d e D eus.
17 E ssa é um a justa cena de paz pastoral até que percebem os que os rebanhos
estão p e ra m b u la n d o livres e m m eio às ru ín as de um a p ro p rie d a d e dev astad a
pelo julgam ento divino. O s anim ais tra n sfo rm a ra m o s p a sto s an tes b e m cui-
dados em seus e (lit.) os “ e stran g eiro s itin eran tes se a lim en tam das ru ín as d o s
bem alim en tad o s” .1
O seg u n d o g ru p o d e “ ais” (18-23) co b re, p o r su a vez, a atitu d e das pesso as
com o p ecad o e co m o S e n h o r (18,19), c o m os valores m o rais (20), co m eles
m esmos e a única a u to rid a d e q u e re c o n h e c em (21) e a au to g ratificação e uso do
sistema social p ara seu g a n h o (23).
18,19 A im agem é de u m a b esta a rread a a um a c a rro ça e p u x a n d o -a co m
cordas de engano (sã w ', “ falsidade”). E les, ao se a g arrarem ao cjue é falso, am ar-
ram-se a si m e sm o s n a escravidão d o pecado e o q u e co m e ç a c o m o cordas se
tornam cordas de carroça, escravidão in q u eb ran táv el. O pecado Çãwôn e a iniquidade

* E sse é u m v e rsíc u lo m u ito c o rrig id o , m as c o r rig id o d c m o d o ilógico. N a N V I , as “ ov e-


lhas” (p ro v a v e lm e n te , kãrím ) s u b s titu i g ã rím (lit. “ in tr u s o s , h ó s p e d e s te m p o r á r io s ” ) tra d u -
zido acim a ( c o n tc x tu a lm e n te ) p o r “ e s tra n g e iro s itin e r a n te s ” . H á m u ita s o u tr a s su g e stõ e s
(cf. B I IS), m a s n e n h u m a d elas se e q u ip a ra à su tile z a d o T M .
O LIVRO DO REI 94

(1hatta’á) q u a n d o u sa d o s ju n to s a p o n ta m , resp ectiv am en te a u m a c o n d iç ã o inte-


rio r c a ex em plos específicos de pecad o , (cf. c o m e n tá rio so b re 6.7). A n a tu re z a
p ro g ressiv a d o p e c a d o (de cordas p ara cordas de carroca) leva à a rro g a n c ia que
exige q u e D e u s p ro v e a si m esm o, ao ceticism o q u e d u v id a q u e o S e n h o r está
ativo n o m u n d o e à cegueira q u e n ã o c o n seg u e vê-lo em ação.
20 O c ó d ig o m o ral, na fase seg u in te d o p ecad o , é re v e rtid o ; o p e c a d o se
to rn a u m a m a n e ira d e viver aceita. Isso a c o n te c e na m o ralid ad e p ú b lica (lu z e
trevas são c o m u n s a to d o s) e na m o ralid ad e privada (amargo e doce são q u estõ es
p articu lares d e paladar).
21 O n d e tu d o isso com eçou? C o m a insistência d a h u m an id ad e em au to n o -
m ia. T a n to a sabedoria q u e fo rn ece princípios n o rm ativo s p ara a vida q u a n to a
perspicácia (m elhor “d iscern im en to ’) q u e decide q uestõ es específicas são traba-
lh o sem ajuda d a h u m an id ad e.
22 ,23 A ssim , c o m o é a vida c o m base na sab ed o ria h u m a n a sem ajuda?
P rim eiro, o su cesso é m e d id o p elo g ra u de a u to ssatisfação alcan çad o e a indul-
g ência é d e sfru ta d a . O s campeões e os mestres, esse é u m u so irô n ic o d e títulos
m ilitares de h o n ra c o m o se dissesse: “Veja, eles g a n h a ra m m ed alh as p o r isso!”
S eg un do , as salvaguardas da sociedade, aqui o sistem a legal, su c u m b e m à cor-
rupção.
24 A seg u n d a seção c u rta d e “ p o r isso ” descreve c o m o a p u n iç ã o se ajusta
ao crim e. E les co n v id aram o S e n h o r a se ap re ssa r (19) e, ag o ra, o ju lg am en to
será ligeiro c o m o o Jogo n o re sto lh o (24a). E les se fizeram escrav o s ágeis d o
p e c a d o (18,20) e, ag o ra, serão c o m o a palha q u e cai sem d efesa n o fo g o (24b).
E les reivin dicaram a u to n o m ia (21) e, ag o ra, suas raises serão ex p o stas c o m o
p o d re s (24c). E les p ro d u z ira m o fru to d a injustiça (22,23) c, ag o ra, suas flores
se desv an ecem (24d). O in im ig o e x te rn o d e fo g o (a ira d e D eu s) e o in te rn o de
p o d rid ã o n ã o deixam n e n h u m rastro. E n q u a n to p ed iam a D e u s q u e se m o s-
trasse (19), eles p o ssu ía m a palavra m e sm a de D eus, e essa é fu n d a m e n ta lm e n te
sua c o n d e n a ç ã o — n ã o suas indulgências, seu c ó d ig o m o ra l re m e n d a d o , sua
d ep rav ação, m as o fato de q u e rejeitaram a lei do Senhor dos Exércitos e desprezaram
a palavra do Santo de Israel (cf. A m 2.4). S o b re a lei, veja 1.10. A palavra Çimrãh,
“ d ito ”) é a v erd ad eira “ fala” d o p ró p rio D eu s.
2 5 -3 0 S o b re a fo rm a literária d essa seg u n d a seção lo n g a de “ p o r tu d o isso ” ,
veja c o m e n tá rio so b re 10.4 e a n o ta adicional. E ssa seção, c o m o está, é unifica-
d a figurativam ente, n o c o m e ç o e n o fim , p o r u m te rre m o to n o v ersícu lo 25 e
p o r u m leão e u m a te m p e sta d e n o s versículos 29 e 30. E ssa d e m o n stra ç ã o das
forças “ n a tu ra is” à d isp o sição d o S e n h o r a g ru p a u m a d escrição d e ain d a o u tra
fo rça q u e ele c o m a n d a (26-29), o irresistível invasor. D e u s, c o m o n a lo n g a se-
çao d e “ p o r isso ” d o s versículos 14-17, age em a b so lu to julg am en to .
25 Será q u e esse p o d e ser o te rre m o to q u e ac o n te c eu n o s dias de U zias
(A m 1.1; Z c 14.5)? C o rp o s n ã o e n te rra d o s são um a coisa típica de u m a situ ação
95 ISAÍAS 5 .8 -30

de terrem oto. Λ p e rc e p ç ã o d o A n tig o T e sta m e n to de u m e v e n to tão ex pressivo


da ira divina n ã o testifica a singularidade d o p e n sa m e n to an tig o , m as é urna
instrução c o n sta n te de c o m o e n te n d e r a c a tá stro fe n atu ral. O m u n d o criad o
com to d a sua co m p lex id ad e, e sp le n d o r e fero cid ad e d e seus p o d e re s é urna
ferram enta c o n tro la d a p e la m ã o d o C riador, se rv in d o aos seu s ju sto s p ro p ó si-
tos. O s te m p o s verbais d o versículo 25ab p o d e m a p o n ta r u m fato p a ssa d o o u
uma certeza futura. Se fo r o últim o, o te rre m o to é o sím b o lo d o im e n so p o d e r
e efeito d ev astad o r d o s a to s d o S e n h o r p o r vir. E m e sm o assim , eles n ã o exau-
rem sua ira (25c).
26-28 Se o versículo 25 en sin a c o m o e n te n d e r n o sso am b ie n te , esses versí-
culos ensinam c o m o e n te n d e r a h istó ria (cf. 10.5-15). D e u s é s o b e ra n o so b re o
m undo to d o (nação distante /...] confins da terra) ta n to q u e só p recisa lev an tar sua
bandeira e asso b iar p a ra q u e até m e sm o a nação v e n h a rapidamente sem q u estio n ar.
Nos versículos 27 e 28, o p o d e r d esse D e u s so b e ra n o é avaliado p ela o b serv a-
ção do p o d e r das n açõ es so b seu c o m a n d o : o p ro g re sso n ã o é im p e d id o pelo
fracasso natural (cansaiçoi, iropeç[o], cochilfo¡, dormlfida]) n e m é o b rig a d o a ser
adiado (afrouxa, desamarra). O eq u ip am en to deles é eficaz (afiadas) e está engati-
lhado (preparados); como pedra n ã o está sujeito a desgaste e co n seg u e atingir gran d e
velocidade (furacão).
29,30 E sses versículos a p re se n ta m u m a d u p la im agem de d e sam p aro : a
presa diante d o leão (29) c o m arin h e iro p re so n a te m p e sta d e sem refúgio n o
mar nem na te rra (30). Rugir ((sã a g ) in d ica o “ ru g id o d e a ta q u e ” d o leão (jz
14.5) d e stin ad o a p aralisar p o r causa d o terro r. O s leões n ã o são filhotes, m as
leões adultos, em p le n o vigor. Seu rosnafdoj (fnãham ) é o ro s n a d o satisfeito de
quando a presa é ca p tu ra d a e está se n d o sab o read a. A m e n sa g e m d a im agem
do leão é de q u e “ n in g u é m po[de] livrá-la” ; a im ag em d a te m p e sta d e é d e q u e
“não há c o m o fugir” . O ru g id o (w yinhõm ) d o anim al se tra n s fo rm a n o rugi-
do (tn a k'm a i) da tem p estad e. O m arin h e iro d e se sp e ra d o o lh a a p a rtir d o mar
am eaçador p a ra a terra e a Lusç d o dia lo g o é o b sc u re c id a pelas nuvens.
Isaías te rm in a assim seu prefácio. A m en sag em das d u as p rim eiras seções
(1.2-31; 2.1— 4.6) é q u e o p e c a d o d o h o m e m , e m ú ltim a análise, n ã o fru stra os
propósitos d e D e u s e q ue, n o S en h o r, a m isericó rd ia triu n fa so b re a ira. M as a
terceira seção (5.1-30) a p re se n ta u m a q u e stã o p e rtu rb a d o ra : será q u e q u a n d o
Deus fez tu d o (5.4), as trevas da ira divina dev em se a p ro x im ar e a luz trem u la
e desvanece? E sse foi o dia d e crise n o qual Isaías m in istro u : u m a crise para a
hum anidade, po is o dia d a ira ch eg o u ; e u m a crise p a ra D eu s: será q u e a m ise-
ricórdia p o d e se r ex au rid a e d erro tad a?
B. O triunfo da graça
(6 . 1— 12. 6 )
Isaías, nos capítulos 1— 5, u sou a m ensagem q u e p re g o u d ep o is de se to rn a r
profeta para expressar seu en te n d im e n to da situação n a qual veio a m inistrar. Ele,
agora, oferece u m a declaração sucinta da m ensagem d e julg am en to e esperança
que foi sua resp o sta inicial à situação. C o m o m en sag em d e esperança, ele am plia
as percepções de reinado e d a cidade que co m eçaram a surgir nas duas prim eiras
seções de seu prefácio (cf. 1.25,26; 4.2-6; 9.1-6; 12.1-6). E le to m a c o m o p o n to de
partida as p rom essas d e renovação espiritual pessoal (1.27; 4.3,4) que descobriu
por meio da experiência d e ser a fundação d a ação restau rad o ra d o S en h o r (6.1-
7). N o entanto, ele, c o m o em 5.7, está p re o c u p a d o co m o p o v o to d o de D e u s e
vê Judá c Israel tam b ém envolvidas nos p ro p ó sito s divinos de julgam ento e de
promessa.

A1 U m in d iv íd u o trazid o p o r m eio da p u rificação ao re la c io n a m en to co m


D e u s e c o m issio n a d o a p re g a r (6.1-13)

B Λ palavra d e Ju d á C A palavra d e Israel


(7.1— 9 .7 < 6 > ) (9 .8 < 7 > — 11.16)

0 m o m en to da A caz é desafiado a crer: a A palav ra foi rejeitada:


decisão d in astia está em risco ju lg am en to p u n itiv o à
(7.1-17) fre n te (9 .8 < 7 > — 10.4)

0 julgam ento As invasões assírias: A s inv asõ es assírias:


Israel c d e stru íd a , Ju d á é Israel co n q u istad a,
co n q u ista d a (7.18— 8.8) Ju d á so b am eaça; p u n ição
d a A ssíria (10.5-15)

0 rem anescente O s o p o n e n te s d o p o v o de A A ssíria é d estru íd a;


D e u s são am aldiçoados; o re m a n e sc en te é salvo;
seu p o v o está seguro; o alívio in e sp e ra d o para
o v e rd a d e iro p o v o na Ju d á (10.16-34)
n ação (8.9-22)

A gloriosa O n a sc im e n to e o reinado O rein ad o d o rei davídico;


esperança d o rei davídico; a paz sua justiça; a paz m undial
m undial (9.1-7< 8.23— 9.6> ) (11.1-16)

A2 U m in d iv íd u o testifica d a salvação e e ste n d e a m e sm a b ê n ç ã o para


o u tro s; to d a um a c o m u n id a d e na c o m u n h ã o divina (12.1-6)
O LIVRO DO REI 98

E sse p a n o ra m a geral m o stra c o m o Isaías re sp o n d e u ao p ro b le m a q u e tan-


to suas circu n stan cias q u a n to sua teologia lev an taram p a ra ele.1 O julg am en to
será tão terrível q u a n to ele já p rev ira (p o r exem plo, as trevas d e 5.30 e d e 8.22).
A s p ro m essas, n o e n ta n to , são igualm ente reais, fu n d a m e n ta m -se n a o b ra di-
vin a de salvação e são d e sfru ta d a s p o r um g ru p o de c re n te s individuais dos
quais Isaías, em sua experiência p esso al, é o exem plo. A p assag em 6.1-13 não
é ap enas su a justificação para se r p ro fe ta , m as é m ais esp ecialm en te o c e rn e de
sua re sp o sta para o p ro b le m a lev an tad o p o r seu prefácio. E le fala d o triu n fo
da graça.

1.0 prólogo: reconciliação e comissão (6.1-13)


À m ed id a q u e Isaías relata a h istó ria de c o m o ele foi reco n ciliad o com
D e u s (1-7) e ch a m a d o a se r p ro fe ta (8-13), ele e stru tu ra o relato em to r n o de
três re sp o sta s q u e deu: “ E n tã o g ritei” (w ã'õm ar), n o s versículos 5, 8 e 11.

A1 A m o rte d o rei (1 a)
B 1 R e sp o n d e n d o à san tid ad e divina (lb -7 )
O S e n h o r e m sua san tid ad e (1 b-4)
Isaías p ro n u n c ia sua p ró p ria se n te n ç a c a d o p o v o (5)
A p ro v isã o divina (6,7)
B2 R e sp o n d e n d o à p re o c u p a ç ã o divina (8-10)
O S e n h o r é o u v id o aleato riam en te (8a)
Isaías se v o lu n ta rio u (8b)
A co m issão d o S en h o r: a m en sag em (9) e a tarefa (10)
B 3 R e sp o n d e n d o ao p ro p ó s ito divino (11-13a)
Isaías inquire so b re o c u rso d o s ev en to s (1 la)
A in te n ç ã o d o S e n h o r de d e stru iç ã o to tal (1 lb -1 3 a )
A2 O c arv alh o c o rta d o e a vida q u e co n tin u a (13b)

a. O c h a m a d o d e Is a ía s (6 .1 -8 )
l a O ano em que o rei Libias morreu foi p o r v o lta d e 740 a.C. Seu re in a d o
n o ta v e lm e n te lo n g o e p ró s p e ro (2R s 15.1-7; 2 C r 26) e n tro u em ág u as in te rn a -
c io n ais tu rb u le n ta s q u a n d o d a a scen são , e m 745 a.C ., d o v ig o ro so im p erialis-
ta T ig la te -P ile se r III, d a A ssíria, am e a ç an d o a so b e ra n ia d o s estad o s israelitas.
Se Isaías se c o n so lo u c o m o fato d e q u e o rei te rre n o estav a m o rre n d o , ele teve
u m a visão d o rei celestial, ele n ã o diz isso.
Isaías, de a c o rd o c o m 1.1, iniciou o ofício p ro fé tic o e n q u a n to U zias ainda
estava vivo. P o r que, e n tã o , ele n ã o d a ta seu ch a m a d o d e u m p e río d o a p a rtir do
1 A e s tru tu ra estilística d e “ d u p lo s ” (c o b rin d o o m e s m o fu n d a m e n to d u a s v ezes, c o m o em
B e C d e sse d iag ra m a ) c c ara c te rístic o d e Isaías (p o r e x em p lo , caps. 28— 35; 4 2 .1 8 — 44.23;
44.24— 55.13; 51.1— 52 .12). V eja ta m b é m o s “ trip lo s ” c m 13.1— 27.13. E m t o d o s esses
c aso s, a se g u n d a d e c la ra ç ã o n ã o é u m a m e ra re p e tiç ã o d a p rim e ira , m as ta m b é m u m d e se n -
v o lv im e n to dela.
99 ISAÍAS 6 . 1 8 ‫־‬

“52° ano de U zias” ? N e n h u m o u tro p ro fe ta d a ta um e v e n to c o m u m a m o rte ,


apesar de Isaías fazer isso d u as vezes (cf. 14.28) e, em cad a vez, é algo relevante.
Ele é o v erd ad eiro h isto ria d o r d o A n tig o T e sta m e n to p ara q u e m os ev en to s
da história, reg istrad o s c o m exatidão, são u m a declaração d e D e u s e so b re ele.
Esse evento foi a m o rte d e U zias. D u ra n te an o s, o rei v iveu alien ad o e sep arad o ,
sob o d e sg o sto divino (2Rs 15.5; 2 C r 26.16ss.), e ele, e n q u a n to sua m o rte se
aproximava, c o n tin u av a im p u ro aos o lh o s d o s h o m e n s. A ssim , U zias, q u a n d o
as trevas da m o rte se fech aram so b re ele, sim b o lizo u a v isão d e Isaías d a nação,
de sua co n d ição e seu p ro b le m a . O p ro fe ta v iu a re sp e ito d e u m o q u e ele tem ia
por tod os — q u e tin h a c h eg ad o o te m p o n o qual até m e sm o o S e n h o r estava
dizendo: “ O q u e v o u fazer?” (5.4) M as Isaías, n essa h o ra d e m o rte , d e sc o b riu
que o S en h o r ain d a tin h a u m a palavra d e n o v a v id a a d iz e r (cf. w . 7,8).
I b Isaías diz: E u vi 0 S e n h o r.e e m b o ra seja verdade que “ n in g u ém jamais
viu a D eu s” (Jo 1.18), pois em seu se r essencial ele é E sp írito (Is 31.3; J o 4.24),
0 Senhor, c o n tu d o , c o n c e d e u g ra c io sa m e n te em v estir a g o ra esse lad o d e sua
natureza e, agora, c o m visibilidade p a ra a in stru ç ã o e c o n so lo d e seu p o v o (p o r
exemplo, Js 5.13-15). A ssim , foi p e rm itid o a Isaías v er 0 Senhor ( ’“dõnãy, “o So-
berano” ; cf. J o 12.41). A reticência é notável. A p re n d e m o s so b re tro n o , veste
e servos — tu d o q u e deixa a m e n te cheia d e u m se n so d e m ajestad e — m as
o Senhor n ã o é descrito. A so b e ra n ia d e D e u s é v erd ad eira; ele assen ta-se num
trono, no assen to d e a u to rid a d e e de p o d e r, alto e exaltado. E m 52.13, as m esm as
palavras c o rrelacio n ad as re fe re m -se ao S ervo d o S e n h o r; em 57.15, referem -se
ao D eus e te rn o m esm o . U m a referên cia pessoal é ad e q u a d a aqui: o S e n h o r é
alto em sua p ró p ria n a tu re z a , exaltado/ “lev an tad o ” p elo re c o n h e c im en to d e sua
soberania. E ssa so b eran ia exaltada é “ligada à te rra ” (cf. 66.1)12 — a frase enchia
0 templo ex pressa a v e rd a d e geral d e q u e D e u s está p re se n te e m to d a sua m ajes-
tade no c e n tro d a vida d e seu povo. O te m p lo n ã o é u m m e ro sím b o lo d e sua
presença p e rm a n e n te h a b ita n d o n o m eio deles; é a realidade dela. M as ta m b é m
há uma verd ad e específica d e q u e o S en h o r, n o tem p lo , e n c o n tra -se co m seu
povo na b ase d e sacrifício. E sse é em p a rtic u la r o p o n to em q u e o céu to ca a
terra. A visão, p o rta n to , p re p a ra seu p o n to c u lm in a n te n o versícu lo 7.
2 O s serafins estão acima dele n a p o siç ã o de serv o s d e p é à e sp era d o m es-
tre que está sentado. O s seres celestiais, rmzy£«.r/“ in c a n d e sc e n tes” (de ■isãrap,
“queimar” ; p o r exem plo, A m 2.1) só são e n c o n tra d o s aqui. Im ag in ariam en te,
é possível q u e eles te n h a m duas asas viradas p a ra baixo, d u as v o ltad as p ara o
rosto e duas levantadas p a ra voar, p a ra Isaías, eles p a re c e m ch am as im ensas,
mas a v erd ade é q u e ele e x p e rim e n to u o m in istério in c a n d e sc e n te deles (6,7),

1 A AV traz: “ E u ta m b c m v i” e m u m a i n te r p r e ta ç ã o e q u iv o c a d a d o h e b ra ic o .
2 O “ e sc ab e lo ” d o S e n h o r, às v e z e s, é a te r r a (66.1), a a rc a ( l C r 2 8 .2 ; SI 1 3 2 .7 ), J e ru s a lé m
(Lm 2.1) o u o te m p lo (6 0 .13 ).
O LIVRO DO REI 100

p o r isso, ele se le m b ra deles e d e n o m in o u -o s d e a c o rd o .1T o d o s os três verbos,


cobriam, cobriam e voavam, descrev em um a ação co n tín u a. A cen a é d e m o v im e n to
c o n sta n te (cf. E 7 .1.14) n a o rd e m divina. E les c o b re m o s o lh o s, n ã o o s o u v id o s,
po is sua o b rig a ç ã o era o u v ir o q u e o S e n h o r dissesse, e n ã o b isb ilh o ta r co m o
ele é (cf. D t 29.29). Só p o d e m o s c o n je c tu ra r p o r q u e eles cobriam os pés. O pé
n ã o é p a rtic u la rm e n te h u m a n o p a ra q u e esco n d essem h u m ild e m e n te o s pés
d ian te d o C riador. O uso d o e u fe m ism o d e “ p é s” p ara as p a rte s sexuais (por
exem plo, 7.20) envolvería a atrib u ição in a p ro p ria d a d e sexualidade a esses seres
celestiais. ( ) pé, todavia, é m e ta fo ric am e n te u m ó rg ã o d e ativ id ad e e d e d ireção
de vida (SI 1 8 .3 3 < 3 4 > ; P v 1.15,16; 4.27; etc.). E les, ao c o b rir os pés, renuncia-
vam a q u a lq u e r in te n ç ã o de e sc o lh e r o p ró p rio c am in h o ; a in te n ç ã o deles era ir
só o n d e o S e n h o r os m a n d a sse ir.
3 O s serafins proclamavam uns aos outros; será q u e tem o s de im aginá-los d e pé
de cada lado d o tro n o e re sp o n d e n d o uns aos o u tro s co m cânticos antifónicos?
D e to d o m odo, o cântico c co n tín u o ; e o tem a, a santidade d o S e n h o r e sua pre-
sença em to d a sua glória em to d o s os lugares. O h ebraico usa a rep etição para
ex p ressar superlativos o u in d icar to talid ad e.12 Só aqui e n c o n tra m o s três repeti-
ções.3 A san tid ad e é a v erd ad e su p re m a em relação a D e u s, e sua san tid ad e está
em si m esm a m u ito acim a d o p e n sa m e n to h u m a n o de m an eira q u e é necessário
in v en tar um “ su p e rsu p e rla tiv o ” para expressá-la.4 D e b a te -se a e tim o lo g ia do
g ru p o d e palavras de “ sa n tid a d e ” (iqãdôs). A s possib ilid ad es p a re c e m se r “ es-
p le n d o r” e “ sep aração ” . O “e sp le n d o r” sugere u m D e u s in abordável (c f lT m
6.16 co m SI 104.2);5 a “ separação” é a qualidade positiva q u e distingue o u define
D eus. E m geral, o últim o fo rn ece o resu m o mais fácil d a evidência d o A ntigo
T estam en to , m as, d e to d o jeito, surge a q u estão so b re o q ue o to rn a inabordável
ou o que constitui sua singularidade. A resp o sta é sua total e singular m ajestade
m oral. Q u a n d o as pessoas tem em a D eu s (p o r exem plo, Jx 6.22; 13.22), “ não
c a consciência d a [...] h u m a n id a d e n a p re se n ç a d o p o d e r divino, m as a co n s-

1 O u s o d e sâ rã p e m c o n e x ã o c o m s e rp e n te s ( p o r e x e m p lo , 30.6) le v o u a lg u n s a p e n s a r
e m s e r p e n te s g u a rd ia s d a p r e s e n ç a s a n ta (cf. K a ise r, “ s e r p e n te s n u a s, alad as, c o m m ã o s e
p é s h u m a n o s ”), sâ rã p , p o r ta n to , n ã o te m c o n e x ã o n e c e s s á ria c o m s e r p e n te s e, c o m o diz
K is s a n e , o se ra fim “ n ã o te m n a d a e m c o m u m c o m s e rp e n te s , a n ã o s e r o n o m e ” . N o T M ,
n ã o h á a rtig o d e fin id o ; “ in c a n d e s c e n te s ” é u m a d e sc riç ã o , n ã o u m títu lo .
2 F.m G ê n e s is 1 4 .1 0 , “ p o ç o s , p o ç o s ” é tr a d u z id o p o r “ c h e io d e p o ç o s ” , e e m 2 R eis 25.15,
“ o u ro , o u r o ” é tr a d u z id o p o r “ o u r o p u r o ” .
3 C f !,e u p o ld : “ O s se re s celestia is [...j u sa m e ssa re p e tiç ã o . P a ra eles, e ssa r e p e tiç ã o p o d e
re fle tir su a p e rc e p ç ã o d a T r in d a d e ” .
4 O “ n o m e ” d e D e u s é q u a lific a d o p e lo a d je tiv o “ s a n to ” n o A n tig o T e s ta m e n to c o m m ais
fre q u ê n c ia q u e p o r t o d o s o s o u tr o s q u a lific a d o re s ju n to s .
‫ ־‬C f. T. C. V ric z c n , A n O utline o f O ld Testam ent Theology (B lackw ell, 1 960), p. 149; N . H .
S n a ith , The D istinctive Ideas o f the O ld Testam ent ( E p w o r th , 1 944), p. 24ss.
ΙΟΙ ISAÍAS 6.1-8

ciencia d o [...] p e c a d o n a p re se n ç a da p u re z a m o ra l” .1 Isaías, aqui, é o h o m e m


n o rm a tiv o d o A n tig o T estam en to . E ssa san tid ad e tra n sc e n d e n te é o m o d o da
im an ên cia d e D e u s, po is a terra inteira está cheia da suaglória/ “ o q u e en c h e a terra
to d a é su a g lo ria” , o u seja, n ã o só é a única coisa cap az d e e n c h e r tu d o , m as a
co isa q u e realm en te faz isso. A san tid ad e é a gloria e sc o n d id a d e D e u s; a gloria
é a sa n d d a d e o n ip re se n te d e D eus.
4 T re m e r é a reação co stu m e ira da te rra d ian te d a p re se n ç a divina (cf. E x
19.18; H e 3.3-10). O tre m o r c o n c e n tra d o n o s batentes d a p o rta p ro íb e especi-
ficam en te a e n tra d a d e Isaías na p re se n ç a divina, d a m e sm a m an eira c o m o a
fum aça o im p ed ia d e v e r D eus. A n a tu re z a divina c o m o tal é u m a fo rça ativa de
ex clu são total. P o r qué?
5 Isaías n o s diz c o m o in te rp re ta r os fatos d o versícu lo 4. E le c o n h e c e sua
p e rd a , descrev e-a e explica-a. O te rm o nidm éti (perdido) é p ro v e n ie n te d e idãm â
(“ ficar q u ie to ”), te rm o u sa d o para o silêncio q u e se segue ao d esastre o u à
m o rte .2 O te rm o “ silen ciad o ” seria m a rc a n te n esse c o n te x to , o u seja, excluido
d o c o ro celestial, p ro ib id o d e se juntar à adoração até m e sm o à distância, m as
te m q u e se incluir tam b ém o silêncio da m o rte. A explicação d esse ju lg am en to é
q u e p o d e m o s c o n sid e ra r q u e o m ais leve d o s p e c a d o s (lábios impuros) está ligado
co m o q u e aceitam o s c o m o a m e n o r am eaça aos privilégios (viram [...] 0 Senhor),
m as a m istu ra é m o rtal. Isaías a crescen ta o fato d e q u e aceito u a fala im p u ra
n a so cied ad e e n ã o te n to u se se p a ra r dela (vivo no meio) c o m o u m agrav an te de
sua culpa. M as ele, ao c o n sid e ra r o a ssu n to , acha q u e se p o d e se r p e rd o a d o ,
e n tã o eles ta m b é m p o d e m ser? E le co m e ç a a v er aqui a so lu ção p ara a treva
n acio n al d e 5.30? A ex p ressão os meus olhos viram te m o se n tid o d e “ vi d ireta-
m e n te p o r m im m e sm o ” (cf. D t 4.3). P en sar n o S e n h o r c o m o 0 Rei, 0 Senhor
dos E xército s/“T o d o -p o d e ro s o ” era u m lugar c o m u m . A visão, p o rta n to , n ão
era d e alg o até ag o ra d e sc o n h e c id o , m as, p o r assim dizer, d o “ c o m u m ” d o que
o S e n h o r se m p re é — “ o S an to d e Israel” , p ara u sa r o títu lo especial de Isaías
para o S enhor.
6 Ijrgo um dos serafins voou, o u seja, p o r o rd e m d e D e u s (cf. v. 2). A iniciativa
é d o céu o te m p o to d o ; rev elan d o (2,3), excluindo e c o n d e n a n d o (4,5) e, agora,
e n v ia n d o o serafim p a ra aquele q u e ele esco lh eu salvar. N o A n tig o T estam en to ,
0 fo g o n ã o é um a g en te de purificação,3 m as sim bo liza a ira d e D e u s (G n 3.24;
N m 11.1-3), sua san tid ad e in ab o rd áv el (E x 3.2-6; 19.18-25) e o c o n te x to de sua

1 C f. 11. H . R o w ley , The Faith o f Israel ( S C U , 1 9 56), p. 66.


2 P a ra (d ü m â cf. J r 1 4 .1 7; 4 7 .5 ( p ra n to , lág rim as); SI 4 9 .1 2 < 1 3 > ,2 0 < 2 1 > (m o rte ).
3 N ú m e r o s 3 1 .2 1 -2 3 p o d e s u g e rir p u rific a ç ã o p e lo fo g o , m as o b s e r v e q u e o v e rsícu lo 2 3 tam -
b é m in siste n a “ ág u a d a p u rific a ç ã o ” . É p ro v á v el q u e a c e rim ô n ia c o m fo g o sim b o liz asse a
n e c e ssid a d e d e q u e a ira d e D e u s fo sse d e sc a rre g a d a e m c im a d e tu d o q u e tivesse q u e v er
c o m a v id a m id ia n ita a n te s m e s m o q u e o s o b je to s in a n im a d o s p u d e s s e m p a s s a r p a ra o u so
d o s israelitas.
O LIV RO D O REI 102

san ta lei (D t 4.12,33,36). A brasa viva trazida a Isaías era o fo g o do altar. O fo g o


p e rp é tu o (Lv 6.12,13) so b re o altar ia além d e re p re se n ta r a ira divina, p o is o
altar era o lu g ar em q u e o D e u s sa n to aceitava o sacrifício d e san g u e e era satis-
feito p o r m eio dele (Lv 17.11). Isso u n e as idéias d e expiação, p ro p ic ia ç ã o e sa-
tisfação exigidas p o r D e u s e d o p erd ão , p u rificação e reco n ciliação n ecessário s
ao seu povo. T u d o isso é alcan çad o p o r in te rm é d io d o sacrifício su b stitu tiv o e
trazid o a Isaías c o n d e n sa d o n o sim ples sím b o lo d o carvão vivo.
7 A Bíblia n ão lida com sinais tolos; a aplicação leva à explicação (ela tocou a m i-
nha boca e dissé), (i) T ocar os lábios co m a brasa viva m ostra c o m o D eu s m inistra para
o p ecad o r até o p o n to da necessidade confessada (cf. v. 5). (ii) O efeito é instan tã-
neo. O s d o is v erb o s, tocou e removida são p e rfe ito s c o o rd e n a d o s, e n fa tiz a n d o q ue
tão lo g o a p rim e ira coisa a c o n te c eu , a o u tra ta m b é m a co n teceu . Isaías n ã o c o n -
trib u iu co m nada; tu d o é d e D e u s — “ isto to c o u o s seus lábios; p o r isso, a sua
culpa será re m o v id a ” , (iii) A c o n te c e u m a o b ra a b ra n g e n te d e tra ta m e n to co m
o p ecado. Isaías c o n fe sso u o q u e sabe {lábios), m as D eu s ta m b é m lida c o m sua
cu lp a /“ in iq u id ad e” {'ã ô n ), a realidade in te rio r d a n a tu re z a d ep rav ad a, e c o m seu
pecado {h a ttá ’a ), o s e x em p lo s específicos d e falha, d e ficar aq u ém d o p a d rã o d o
S en ho r, (iv) T u d o isso su rg e d o p a g a m e n to d o preço . O v e rb o perdoado {kippêr)
significa “ e fe tu a r o kõ p er” o u “ p re ç o d o resg ate” ,1 o p re ç o exigido pela justiça.
K B c o m e n ta : “ O h ebraico, c o n sid e ra d o p o r si m esm o , leva a ‘c o b rir’ q u a n to ao
se n tid o original. [...] D e u s c o b re a culpa a p a rtir d a g raça g ratu ita, m as, assim ,
seu ato é m e n o s o p e rd ã o de u m pai q u e a lib eração d e u m juiz” .2 D a m esm a
m an eira q u e falam os d e u m a so m a d e d in h e iro suficien te p ara “ c o b rir” u m a
dívida, ta m b é m k ip p ê r/k õ p e r é o p a g a m e n to q u e q u a lq u e r justiça divina co n si-
d e ra d a c o m o suficiente p ara c o b rir a dívida d o p e cad o r, a m o rte d o sacrifício
su b stitu tiv o n o altar.
8 O efeito e x p ia tó rio im ed iato é a reconciliação. Isaías tin h a o u v id o e, d e-
pois, p e rd e u a v o z d o s “ in c a n d e sc e n tes” d o versícu lo 3, m as ele, ag o ra, o u v e
a v o z d o S enhor. O Senhor (’adõnãy) foi v isto p rim e iro d e lo n g e (1), m as ago-
ra Isaías está b a sta n te p e rto dele para ou v i-lo conclam ando/“q u a n d o ele d isse” .
Isaías tin h a e x p re sso seu p ró p rio “ silenciar” (5), m as ele, ag o ra, está livre p ara
falar co m D e u s e se associar aos p ro p ó s ito s d o S en ho r. O nós n a frase: Q u em
irá p o r nós? é u m a c o n su lta n o plural (cf. lR s 22.19-23). O N o v o T e sta m e n to ,
n o e n ta n to , relacio n a essa passag em ta n to co m Jesu s C risto (Jo 12.41) q u a n to
co m o E sp írito S an to (A t 28.25), e n c o n tra n d o nela aquilo q u e a c o m o d a a p len a
revelação d o D e u s trino.

1 P a ra k õ p e r cf. Ê x o d o 2 1 .3 0 ; 3 0 .1 2 -1 6 e o b s e r v e a id eia d e p a g a m e n to . P a ra o v e r b o c o m a
m e s m a id eia d e p a g a m e n to e q u iv a le n te , v e ja Ê x 3 0 .1 5 ,1 6 ; N m 5.8; 31.50.
2 K B , p. 4 5 2 b .
103 ISAÍAS 6 .9 -13

b. O futuro revelado no principio (6.9-13)


O s v ersículos 9 e 10 d escrev em a expectativa espiritu al d e Isaías cm relação
ao seu m in istério ; os versículos 11 -13a, suas expectativas p o líticas-h istó ricas; e
0 v ersícu lo 13b, suas expectativas m essiânicas.
9,10 A m e n sa g e m de Isaías (9) e sua tarefa (10), à p rim e ira vista, co n s-
titu em a m ais e stra n h a co m issão já d ad a a u m p ro feta: falar para as p esso as
n ã o e n te n d e re m e cau sar a insensibilidade de co ração e a ceg u eira espiritual!1
P o rta n to , n ã o h á c o m o se esquivar d o se n tid o claro d o s versículos. O versícu-
lo 9 fala ta n to das faculdades ex terio res {ouvindo, vendo) q u a n to das in terio res
{entendam / “ d isc irn a m ” , percebam / “ sa ib a m ”). O versícu lo 10 arran ja essas coisas
em u m a e s tru tu ra circular {coração, ouvidos, olhos, olhos, ouvidos, coração), en fatizan -
do, assim , a to tal in cap acid ad e d e e n te n d im e n to .
( ) u so d esses versículos n o N o v o T e sta m e n to 2 é m ais u m m o tiv o p ara se
p re o c u p a r e m in te rp re tá -lo s c o rre ta m e n te e te r um a a b o rd a g e m sim p les à m ão.
C o m o Isaías o b e d e c e a eles? D e a c o rd o c o m a crítica feita a ele em 28.9,10,
Isaías ensinava co m ta n ta sim plicidade e clareza q u e o s so fisticad o s d e sua ép o -
ca z o m b a v a m dele d iz e n d o q u e ele só era a d e q u a d o p a ra c o n d u z ir crianças d o
jard im da infância. A literatu ra d e Isaías, c o n fo rm e c h e g o u a n ó s, traz to d as as
m arcas d e u m a ab o rd a g e m clara, sistem ática e equilibrada. Fica claro q u e Isaías
n ão e n te n d ia sua co m issão c o m o d e stin a d a a c eg ar as p esso as pela o b scu rid ad e
de ex p ressão o u co m p lex id ad e da m en sag em . E le, na v erd ad e, e n fre n to u o dile-
m a d o p re g a d o r: se os o u v in te s resistem à v erd ad e, o ú n ic o re c u rso é lhes d izer
a v erd a d e m ais u m a vez d e fo rm a m ais clara q u e antes. M as fazer isso ex p õ e
os o u v in te s a rejeitar a v erd ad e d e n o v o e, assim , a u m e n ta r a in sen sib ilid ad e
d o c o ra ç ã o deles. A té p o d e ria a c o n te c e r de n a rejeição seg u in te o co ra ç ã o ficar
insensível além da p o ssib ilid ad e d e recuperação. O o lh o h u m a n o n ã o co n se-
g ue en x erg ar esse p o n to de an tem ão , ele v em e vai d e sp erceb id o . M as o D e u s
to d o -so b e ra n o c o n h e c e -o e a p o n ta -o q u a n d o p resid e co m p e rfe ita justiça os
p ro c e sso s p sico ló g ico s q u e c rio u (cf. Ê x 4.21). Só n esse p o n to Isaías foi cha-
m a d o ao ofício. Sua o b rig a ç ã o era levar a palavra d o S e n h o r c o m clareza nova
e sem paralelos, m as o po vo, em sua resp o sta, alcançaria o p o n to d o qual n ão
há re to rn o . O s im p erativ o s d esses versículos, p o rta n to , d ev em se r e n te n d id o s
c o m o a ex p ressão d o re su lta d o inevitável d o m in istério d e Isaías (cf. 2.9). E
claro q u e a c a b o u se n d o assim , c o m o os capítulos 7— 11 d eix am claro. E sses

1 A L X X e v ita o r ig o r d o T M a o su a v iz a r o s im p e ra tiv o s t r a n s f o r m a n d o - o s e m in d ic a tiv o s.


‘T o r n e in se n sív e l o c o ra ç ã o d e s te p o v o ” , p a s s a a ser: “ P o is o c o ra ç ã o d e s te p o v o é fe ito
d e g o r d u r a ...” .
2 M t 1 3 .1 4 ,1 5 ; M c 4 .1 2 ; L c 8 .1 0 (d o m é t o d o p a ra b ó lic o d e J e s u s ); J o 12.39ss.; A t 2 8 .2 6 ,2 7
(d o fra c a s s o d a s p e s s o a s e m a c e ita r a m e n s a g e m ).
O LIVRO DO REI 104

fo ram os dias em q u e a palavra decisiva foi dita e rejeitada. “A o p o rtu n id a d e n a


vida h u m a n a é c o m ta n ta frequência o ju lg am en to q u a n to a salvação” .'
l l - 1 3 a A frase: A té quando? é u m a fo rm a abreviada para: “ C o m o as coisas
ac o n te c erã o e c o m o te rm in a rã o ? ” O S e n h o r p red iz cidades e te rra s d ev astad as
e vazias (11), d e p o rta ç ã o (12) e, m e sm o assim , m ais u m p ro c e sso d e d e stru iç ã o
(13a). Isaías n ã o fica co m n e n h u m a ilusão q u a n to a Je ru sa lé m n e m n e n h u m a
n o ç ã o d e sua n a tu re z a sacro ssan ta. Kle, agora, é in fo rm a d o q u e o s assírios, n o
q u e diz re sp e ito a Je ru sa lé m , n ã o serão o s ag en tes d isso e q u e lhe será revelado
o a g en te su p rem o . M as aqui, n o início de seu m inistério , ele já c o n h e c e o fim:
um a colossal tragédia p ro v o c a d a p o r u m a única causa — eles o u v iram a palavra
d o S e n h o r e a rejeitaram . Isaías é a lertad o para o fato, m as n ã o p ara o m o m e n to
de sua o c o rrê n c ia. A A ssíria in tro d u z iu a política d e d e p o rta r os p o v o s sujeitos
(cf. 2R s 17), e essa tática foi seguida pelos b ab ilô n io s (2Rs 24— 25). A p red i-
ção foi a p re se n ta d a n o m o m e n to ad equado. A trad u ção literal d e enviado todos
é “ p o s to a h u m a n id a d e ” e de a terra esteja totalmente desolada é “ m u ita [coisa] foi
a b a n d o n a d a n o m eio d a te r r a /s o lo ” . O te rm o ‘0s í r í y y ã (décim o) é u sa d o e m Le-
v id eo 27.32 p a ra o d ízim o “ c o n sa g ra d o ao S e n h o r ” . Se a palavra tin h a n u an ças
d e u m a p o rç ã o reserv ad a, n ã o as tem agora. Para terra [...] desolada (ib ã 'ar), veja
c o m e n tá rio so b re 3.14.
1 3b A ssim , o s versículos p re c e d e n tes re p re se n ta m a d escid a final d a c o rti-
na so b re o valioso e sfo rç o d o S e n h o r em salvar um p o v o p ara si m e sm o ? Faça
o u tra p erg u n ta: o p e c a d o m o rta l de Isaías foi o fim dele? O s “ in c a n d e sc e n te s”
se a p ro x im aram c o m fogo, m as q u a n d o o fo g o to c o u , a v o z disse: “ P e rd o a d o ” .
A qu i ta m b é m a c o n te c e isso. A á rv o re é d e rru b a d a , m as a v o z diz: “A san ta
se m e n te ” . A esp eran ça, c o m o é típ ico de Isaías, é a franja in e sp e ra d a atad a à
v estim en ta d a perdição. A c o m p a ra ç ão co m as árv o res d e rru b a d a s12 ap arece
p ara d e screv er os p a rc o s resto s se g u in d o as p erd as adicionais d o versícu lo 13a,
m as, d e re p e n te , d e sc o b re -se q u e essa n ã o é a co n clu são d a se n te n ç a an terio r,
m as o c o m e ç o d e um n o v o p e n sa m e n to : h á vida n o tro n co . É in c e rto o senti-
d o d e elâ (terebinto) e de 'allôn (carvalho), p o d e m ser du as espécies d e carvalho.
0 se n tid o literal da frase: a santa semente será 0 seu tronco é apenas “ a sem en te da
santidade é seu tro n c o ” . O d ito n ão é autoexplicativo, m as a fo rm a c o m o o versí-
culo 13b equilibra e fo rm a u m inclusio [criar um a e stru tu ra p o n d o m aterial sim ilar
n o início e n o final de um a seção] co m o versículo l a (veja o esb o ço da página 98)
sugere q ue já aqui a referência é p ro je ta d a d o tro n c o de Jessé (11.1); a p ro m e ssa
d o M essias é a g aran tia de um p o v o fu tu ro so b re q u e m ele reinará. M as Isaías
ta m b é m usa “ se m e n te ” para o p o v o q u e fin alm en te d e sfru ta rá das p ro m e ssa s

1 S m ith , p . 82.
2 Q uando são derrubados é a tra d u ç ã o c o r r e ta d e i f sa llekei. O s s u b s ta n tiv o s d e ssa f o r m a ç ã o
re p re s e n ta m u m a c o n d iç ã o d e n ã o s e r (c o m o R D B , K B ) u m a a tiv id a d e (“ s e n tim e n to ” ).
105 ISAÍAS 7 ·I - 9.7

(41.8; 43.5; 45.25; 53.10; 59.21; 65.9,23; 66.22). A “ santa s e m e n te ” p o d e ser o


re m a n e sc e n te c h a m a d o d e sa n to e escrito s na vida e m Je ru sa lé m (4.3).1

2 .0 Rei e seu povo (7.1—11.16)


A in te rro g a ç ã o p o s ta c o n tra a d o u trin a da e sp eran ça n o c a p ítu lo 5 foi apa-
g ad a pela p ró p ria experiência d e Isaías. Seu p e c a d o era o m e sm o p e c a d o d o
p o v o (6.5). Se o S e n h o r lid o u c o m o p e c a d o dele, n ã o lidaria c o m o p e c a d o d o
p o v o ? A e sp e ra n ç a c re stau rad a (6.13b). Isaías, ago ra, co m e ç a a d esen v o lv er
isso. P rim eiro , c h e g o u o m o m e n to da decisão. Isaías se c o n fro n ta c o m a palavra
de D e u s e o d esafio d e re s p o n d e r (6.8); b c m c o m o o povo. Para eles, ch eg o u o
p o n to d e v o lta (6.9s.). S egundo, a m e m b re sia d o p o v o d o S e n h o r, ag o ra, tem
de se r evidenciada pela d ecisão e o c o m p ro m isso pessoais. N ã o é u m a q u estão
de nacio nalidade. N esses capítulos, a d o u trin a d o rem an escen te q u e crê floresce
(cf. 8.9-22). T erceiro, o rein ad o m o rib u n d o de U zias (6.1) fo rn ece o com bustível
para a esp erança p o r vir: a casa de D av i está a fu n d a n d o rap id am en te, m as o Rei
p ro m e tid o virá (9.1-7; 11.1-16).

a. A palavra para Judá (7.1—9.7<6>)


O momento de decisão (7.1-17)
P ara Isaías, a fé nas p ro m e ssa s d o S e n h o r era u m a fo rm a p rática d e vida
p ara o aqui e ag o ra e era ta n to um a política n acional q u a n to u m exercício indi-
vidual. A necessid ad e d essa política foi criada pelas p re ssõ e s d o im perialism o
assírio so b re as terras d o o e ste d a Palestina. M as a v erd ad eira q u estão , seg u n d o
o e n te n d im e n to de Isaías, n ã o era de “ fo rç a ” m ilitar n e m d e astú cia política
p ara criar alianças defensivas, m as se era possível ac re d ita r n o S e n h o r p a ra fazer
o q u e sua palavra p ro m etia. Para o R eino d o N o r te (ch am ad o a ltern ativ am en te
d e Israel, E fra im o u Jacó ), a d ecisão fatal já fo ra to m a d a (veja 9 .8 -1 2 < 7 -l la > ) ,
m as p ara Ju d á , o m o m e n to d a d ecisão estava para chegar. Isaías, n esse p o n to
crucial, c o n fro n to u A caz. A fo rm a da passag em re fo rça essa verdade: *6

1 Λ fo n te Q a a p o ia o T M n o v e rsícu lo 1 3 b re s g a ta n d o a leitu ra q u e tra z o a rtig o d e fin id o ,


z e r a ' h aqqõdes. O dr. N . T. W rig h t e m u m e n sa io n ã o p u b lic a d o , “T h e Id e a o f se e d in Isaiah
6 a n d M a rk 4 ” , a rg u m e n ta q u e Isaías 6.1 3 é o u s o m ais a n d g o d e ssa s p a la v ras e q u e o ar-
tig o d e fin id o e m Q a su rg e d a in flu ê n cia d e E s d ra s 9.2. Λ L X X n ã o faz re fe rê n c ia à “ sa n ta
s e m e n te ” , e a lg u n s, p o r c o n s e g u in te , a p a g a m as palavras. A L X X , c o n tu d o , d iv erg e d o T M
d o c o m e ç o a o fim d o v e rsícu lo (e d a p a ssa g em ) e n ã o é u m g u ia seg u ro . K a is e r re p re s e n ta
o u tr o s q u e a c re d ita m q u e as p alav ras sã o u m a a d iç ã o p o s te r io r a p ó s a so b re v iv ê n c ia d o
p o v o n o exílio. N o e n ta n to , é difícil p e n s a r q u e a lg u é m tã o o u s a d o a p o n t o d e fa z e r esse
a c ré sc im o n ã o tiv esse c o ra g e m p a ra d e ix a r se u s e n tid o a cim a d e q u a lq u e r dúvida! A lém
d isso , K a is e r d e stró i se u caso a o d iz e r q u e as p alav ras e s tã o “ to ta lm e n te d e a c o rd o c o m a
te n d ê n c ia d e 6 .1 -1 1 ” . C o m o , e n tã o , ele p o d e d iz e r q u e as p a la v ras sã o u m a c ré sc im o p o ste -
rio r?
O LIVRO DO REI 106

A1 A casa de D a v i está am eaçada (1,2)


B1 O filho de Isaías: os p la n o s d o s p o d e re s d o n o rte (3-6)
C 1 A palavra d e g aran tia d o S e n h o r (7-9)
D A re sp o sta d o d e sc re n te (10-12)
C 2 O sinal d o S e n h o r d e ju lg am en to (13-15)
B2 O filho da virgem : a d e stru iç ã o d o s p o d e re s d o n o rte (16)
A2 A casa d e D avi é d e stru íd a (17)

1 E fra im e A rã, am eaçad o s pela e x p an são assíria, fo rm a ra m u m a aliança e


q u a n d o Ju d á n ã o p a re c e u inclinada a se ju n ta r à aliança co m e ç a ram a p re ssio n a r
(2Rs 15.37) a fim d e alcan çar u m a fre n te defensiva antiassíria d e e sta d o s pales-
finos. Isso levou a u m a invasão em g ra n d e escala (2C r 28.5-8), m as os assírios,
a d e sp e ito d o g ra n d e sucesso, n ão co n seg u iram to m a r Jeru salém .
2 S eguiu-se u m a segunda invasão (2C r 28.17,18), d essa vez co m a in te n ç ã o
d eclarada d e acab ar c o m a dinastia d e D av i (6). A e x p ressão casa de D avi (ARC)
n ã o é u sad a e m o u tra s passagens c o m o aqui para a dinastia p e rso n ific a d a n o
rei atu al.1 A descrição aqui a p o n ta d e lib e ra d a m en te para a crise específica da
ép oca. A caz é a “ casa de D av i” e o q u e ele fizer ag o ra será d ecisivo p ara o
fu tu ro d a dinastia. O v e rb o tra d u z id o p o r fecç aliança (ARC) (jn ã h â ) o c o rre 63
vezes n o A n tig o T e sta m e n to sem p re, c o m o n o versícu lo 19, c o m o se n tid o de
“ p o u sar, aglo m erar-se” .2 A aliança de d ez an o s c o m o tal n ã o c o n stitu ía u m a
n o v id ad e n em p ro v o cav a pânico, m as os relatos d o s serv iço s d e in telig ên cia de
m o v im e n ta ç ã o em larga escala d e tro p as em Israel (“ eles estão fe rv ilh a n d o pelo
lu g ar”) p o d ia p ro v o c a r p â n ic o e, de fato, p ro v o c o u . O u tra invasão era im in en te
e d ian te dela o rei e o p o v o e n tra ra m em pânico.
3 O n o m e Sear-Jasube, significando “ um rem anescente voltará” , co m o subs-
tantivo en fatizad o , é u m n o m e d e p ro m e ssa , pois o S e n h o r n u n c a a b a n d o n a seu
p o v o d e m o d o q u e eles p ereçam to ta lm e n te (cf. 1.9). C o n tu d o , ta m b é m é u m
n o m e d e d esastre, p o is só u m re m a n e sc en te sobrevivería. A ssim , Isaías tin h a
ta n ta certe z a d o s ev e n to s p o r v ir q u e estava p re p a ra d o p ara a palavra se “ to rn a r
c a rn e ” n a p e sso a d e seu p rim eiro filho. Sear-Jasube, assim , era u m “ o rá c u lo
re p re se n ta d o ” , u m auxílio visual d eix an d o a palavra de D e u s m u ito m ais clara.
E le ta m b é m o era, a o d a r d u p la ex p ressão à palavra — vista, b e m c o m o so m
— to rn a n d o seu c u m p rim e n to d u p la m e n te c erto .3 A caz, u m h o m e m d e seu
te m p o , sab ería e sentiría isso. O aqueduto do açude Superior fazia p a rte d o s p re p a -

1 C f. 2 S m 7 .1 1 ; l R s 1 1 .38 (u m a d in a s tia c o n tín u a ); SI 122.5 (o s is te m a judicial); Z c 12.10—


13.1 (a fam ília real). S ó aq u i e m Isa ías a d in a s tia é p e rs o n ific a d a n o rei q u e e s tá n o p o d e r.
2 P a ra o u s o c o m o a s s e n ta r u m e n x a m e , veja E x 10.14; e c o m a p r e p o s iç ã o 'al, v e ja Nm
11 .26; Is 11.2. U m p a ra le lo e x a to p a ra o u s o a tu a l é 2 S m 2 1.10.
3 P a ra “ o rá c u lo r e p r e s e n ta d o ” , v eja 2 0 .1 - 6 ;J r 13 .1 -1 1 ; 1 9 .1 -1 5 ; E z 4.1 — 5.17; 1 2.3-16. U m a
p a s s a g e m -c h a v e é 2 R s 1 3 .1 4 -1 9 .
107 ISAÍAS 7 . 1-9.7

rativ os d e A caz para o c erco p o r vir. O s u p rim e n to d e água d e Je ru sa lé m , antes


d e E z e q u ia s (cf. 22.9-11), era so b re a te rra e vulnerável.
4 Tenha cuidado, acalm e-se/“ c\À à e-se e fique calm o” n ão significa “vigie o ini-
m igo, m as n ã o se p reo cu p e” , m as, antes, (tratando o seg un do v erb o c o m o auxiliar
d o p rim eiro ) “ te n h a cu id a d o e n ã o faça n a d a ” .1 A caz estava se n d o p re ssio n a d o
p o r seus c o n se lh e iro s a ser u m p o litico a stu to aliand o-se aos assírios c o n tra a
am eaça das forças d o n o rte (2Rs 16.7-9). M as a palavra d e Isaías era ig u alm en te
astuta: A rã e E fra im , na v erd ad e, tin h a m g a sta d o as forças, eram restos de lenha
fum egantes. O p o d e r c o n ju n to deles n ã o era n a d a c o m p a ra d o co m o d a A ssíria,
e eles lo g o seriam elim in ad o s e n ã o seriam m ais u m a am eaça. A lém disso, n ão
era u m a q u e stã o d e política, m as d e fé. Se a p en as A caz p u d e sse se r p ersu a d id o
a n ã o fazer nada, a m anter-se afastado das alianças c o m p ro m eted o ras, podia-se
co n fiar q u e o S e n h o r m an teria as p ro m e ssa s feitas a D a v i e lidaria c o m a am eaça
assíria (co m o, na verdade, ele d e rra d e iram e n te fez; veja 37.36-38). A q u estão
é tão clara q u a n to isto: A caz buscaria a salvação p o r m eio d e o b ra s (política,
alianças) o u sim p le sm e n te co n fiaria nas p ro m e ssa s divinas?
5 ,6 E ssa s coisas sem im p o rtâ n c ia são os h o m e n s em q u e stã o d o s quais
Isaías finge n ã o c o n se g u ir le m b ra r o n o m e e se refere a eles c o m o 0 filh o de
R em allas e 0filh o de Tabeel. Isso p o d e ser u m c o n tra sse n so , m as, c o m c erteza, fez
co m q u e A caz p ensasse em te rm o s de dinastia. Se Peca é o filho de Remalias, de
quem A caz é filho? E le, em últim a instância, é filho d e D avi, o o c u p a n te d e um
tro n o co m validação divina, apoiado nas prom essas divinas. O filh o de Tabeel, d e res-
to, é desconhecido, m as ele rep resen ta o elem en to adicional de am eaça im p o sto
agora: acab ar co m a dinastia d e D avi. A ssim , os p ro p ó s ito s h u m a n o s d esafiam
as p ro m e ssa s divinas.
7 O u v im o s os p lan o s d o h o m e m (6); ag o ra, o u v im o s a p alav ra d o Soberano,
0 Senhor ( ’“dõnãy yahw eh) (cf. P v 16.1,33). E ssa ên fase n a ab so lu ta g ran d io sid ad e
d o S e n h o r facilita o c a m in h o p a ra a fé, to rn a a fé u m a d iretriz p rática nas difí-
ceis realidades da vida — e ta m b é m deixa o d e sc re n te sem d esculpa.
8,9 Isaías se volta p ara o a rg u m e n to ap robativo . Isaías, sem d ú v id a, ela-
b o ro u seu se n tid o n a fala, m as só reg istro u esse p ro n u n c ia m e n to altam en te
p rov erb ial, o b rig a n d o -n o s a ler nas en trelinhas:

A1 A cabeça de A rão é D a m a sc o
B 1 E a cabeça d e D a m a sc o é R ezim
C 1 E E fraim , em 65 anos, será d isp erso , n ã o será m ais u m p o v o
A2 E a cabeça d e E fra im é Sam aria
B 2 E a cabeça d e Sam aria é o filho de R em alias
C 2 Se vocês n ã o ficarem firm es na fé, n a v erd ad e n ã o resistirão
d e m an eira algum a

1 P a ra o u s o d e s s e a u x iliar cf. G n 2 4 .6 ; 3 1 .2 4 ; D t 4.9; 6.12.


O LIVRO DO REI 108

N e sse p ro n u n c ia m e n to p e rfe ita m en te eq u ilib rad o ,1 as linhas A e B refe-


rem -se a p o d e re s co n fe d e rad o s, suas capitais (A) e seus reis (B). A s linhas C
equilibram a v in d a da d isso lu ção d e E fraim co m a possível d isso lu ção d e Ju d á.
A m en sag em geral de adv ertên cia é clara: E fra im esco lh eu o c a m in h o d a segu-
rança h u m a n a coletiva ao se aliar a A rã e, assim , selar sua ruína. E la, p o rta n to ,
deixaria d e se r u m a nação (C 1). R ejeitar o cam in h o d a fé pela seg u ran ça coletiva
d e um a aliança c o m a A ssíria ta m b é m re p re se n ta ria o fim p a ra Ju d á (C2). O
cam in h o d a fé (C2) se c o n tra p õ e à ênfase n o perder h u m a n o te rre n o das linhas
A e B. C o m to d a a aliança defensiva deles o ste n ta d a , a fo rça deles, em ú ltim a
análise, era só o q u e D a m a sc o o u Sam aria p o d ia o fe re c er n o ataq u e final d a A s-
síria (2Rs 16.9; 17.5) e a sab ed o ria p o r trás de sua política era só o q u e R ezim e
o filho de R em allas p o d ia m planejar. M as o q u e Isaías n ã o disse deve te r so a d o
c o m o u m g rito alto p a ra A caz ta n to q u a n to o q u e ele fez acab a p o r dizer: a ca-
beça d e J u d á é Je ru sa lé m , e a cabeça de Je ru sa lé m é o filho de D avi. A qui estava
u m a situação d e força divina e u m re in a d o su ste n ta d o pelas p ro m e ssa s divinas.
D aí, o c h a m a d o à fé e a a d v ertên cia de q u e a b a n d o n a r a fé é p e rd e r tu d o . S o b re
a su p o sição de q u e os sessenta e cinco anos é o p e río d o d e 73 5 -6 7 0 a.C., a referên -
cia é ao fato d e q u e E sa r-H a d o m , em 671, im p o rto u c o lo n o s estran g eiro s na
área d o ex-R eino d o N o r te (cf. 2R s 17.24; 2 C r 33.11; E d 4.2). A essa altura, os
d e p o rta d o s d e p o is d a q u ed a de Sam aria (722 a.C.) fo ra m p riv ad o s d e u m a te rra
para a qual v o lta r e, assim , acabaram c o m o p o v o so b eran o . A N V I, co m a frase
se vocês não ficarem firm es n a fé, com certeza não resistirão , te n ta c a p ta r a a sso n ân cia d o
h eb raico (ta ’am inü /.../ tê ’ãm ênü). A fé é a realidade cen tral d o p o v o d o S en h o r,
n ã o só a singularidade deles, m as o fu n d a m e n to de sua existência. Sem fé, sem
povo. O T M inclui u m a p artícu la afirm ativa negligenciada n a N V I: “ c o m cer-
teza (kí) n ã o resistirão!” . A luz de 6.9-13, esse é o p o n to d o qual n ã o h á volta;
n ão re s p o n d e r a g o ra a o c o n fia r nas p ro m e ssa s d o S e n h o r equivale a p ro v o c a r
0 e n d u re c im e n to final d o coração.
10-17 A seg u n d a m en sag em d e Isaías p a ra A caz é, p rim eiro , u m a ten tativ a
d e levar A caz à fé (10-12). S egundo, a p ó s o fracasso d essa ten tativ a, é a d e n ú n -
cia d e A caz c o m o tra id o r das esp eran ças m ais precio sas d e seu p o v o (13-15)
e, terceiro, a p rev isão de u m a calam idade m a io r q u e o cism a das dez trib o s d o
n o rte (16,17).
10 N ã o so m o s in fo rm a d o s se essa m e n sa g e m vem d ire ta m e n te d o q u e a
p reced e o u não. O u a reação im ediata d o rei o u seu su b se q u e n te c o m p ro m isso
para u m a so lu ção política necessitava d e m ais m in istério (ainda). Q u a n d o disse

1 M u ito s e lim in a ria m C l s o b a a le g a ç ã o d e q u e ele a c a b a c o m o e q u ilíb rio d a p a s s a g e m


— u m a “ in te r r u p ç ã o p r e c ip ita d a ” (K a iser) — e d e q u e n ã o tra z n e n h u m a m e n s a g e m d e
c o n f o r t o p a ra A c az . A p rim e ira a le g a ç ã o é a b s u rd a . Λ s e g u n d a cai d ia n te d o fa to d e q u e
as p a la v ra s n ã o s ã o d e c o n f o r to , m as d e a d v e rtê n c ia .
109 ISAÍAS 7.1-9.7

ainda o Senhor a A ca s^ o m e n sag eiro h u m a n o foi esq u ecid o e só a v o z d o “ S obe-


ra n o ” foi o u v id a (cf. v. 7). E ssa é a realidade d a in sp iração v erb al d o s p ro fetas.
11 Isaías fala para A caz pe[dir] ao Senhor u m sinal. G id e ã o n ã o p ed iu u m
sinal p o rq u e d u vidava o u n ã o cria, m as p o rq u e q u eria e sta r d u p la m e n te ce rto
de q u e cam in h av a n a v o n ta d e d e D e u s (Jz 6.36ss.). N o caso dele, a b u sca d e um
sinal era em si m esm a u m a ex p ressão de c o m p ro m isso co n v icto . A referên cia
ao Senhor, ao seu D eus, m o stra q u e Isaías está p e d in d o a A caz so b essa luz. A
o p o rtu n id a d e c o n tin u a a b e rta p ara a firm a r a fé e p ara agir c o m o u m cren te. O
S e n h o r está p re p a ra d o p a ra “ n ã o p a ra r p o r n a d a ” , seja das m aiores profundezas,
seja das alturas m ais elevadas,' p o r causa d o rei d avídico e d a cid ad e escolhida.
0 u so p o ste rio r q u e faz de “ escadaria de A caz” (38.8) na c o n firm a ç ã o d e sua
palavra p ara E z e q u ia s relem b ra triste m e n te a situação atual, c o m o se d issesse
q u e o S e n h o r seria de fato tã o b o m q u a n to sua palavra só se A caz re sp o n d e sse
co m co n fian ça. A m ag n itu d e da o fe rta (co m o diriam os: “ m o v e r céus e te rra ”)
ressalta a seriedade d a crise e ta m b é m a im p o rtâ n c ia q u e o S e n h o r d á ao exer-
cicio da fé.
12 A caz se recusa a p ô r 0 Senhor a prova e, assim , e sc o n d e sua falta d e v o n ta-
de d e e n c a ra r as realidades espirituais d a situação em u m v éu d e p ied ad e (cf. J o
4.16-20). N a v erd ad e, h á p e c a d o em “ testar D e u s ” . Fim essência, é o p e c a d o da
d escren ça. C aracterísticam en te, ele diz: “ C onfiarei em D e u s se ele p ro v a r que
m erece co n fia n ç a ” ; ou: “ N ã o acreditarei a m e n o s q u e D e u s p ro v e a si m e sm o ” .
D e a c o rd o c o m S alm os 8 1 .7 < 8 > , em M assá (E x 17), o S e n h o r te sto u seu po v o ;
de a c o rd o co m S alm os 95.9; eles o testaram . O teste d o S e n h o r foi se eles, co m
base n o fato d e q u e cuidara re c e n te m e n te deles, co n fiariam n ele o u n ã o dian te
de um a n o v a am eaça; o teste deles foi deixar de crer, foi d u v id a r d a b o a v o n ta d e
de D eu s. P ed ir u m sinal co m esse esp írito é p ro v a r q u e n ã o crê; esse p e d id o tra-
ta D e u s c o m o u m anim al a m e stra d o , se n d o a fé o to rrã o d e açú car q u e o anim al
g a n h a c o m o re c o m p e n sa p elo d ese m p e n h o . M as recu sar u m sinal o fe re c id o é
p ro v a d e q u e o in d iv íd u o n ã o q u e r crer. A caz, e m b o ra suas palavras soassem
pias, ao usá-las d e m o n s tro u ser um h o m e m d e lib e ra d a m en te d e sc re n te — e
um a vez q u e n ã o acreditaria, n ã o p o d e ría c o n tin u ar. E sse foi o m o m e n to d e de-
cisão. D a m e sm a m an eira c o m o o S e n h o r am a q u e c o n fie m nele (cf. M t 8.10),
ta m b é m c o n sid e ra a d e sc re n ç a o p e c a d o im p erd o áv el (cf. J o 16.9).
13 D isse então Isaías é a tra d u ç ã o de “ e ele d isse” , m as as p alavras usadas
(p o r exem plo, m eu D eus) m o stra m q u e o p ro fe ta é o o rad o r. N ã o se c o n sid era
isso im p o rta n te p ara fazer u m p o n to p o rq u e , p o r in te rm é d io d a in sp iração , o
q u e o S e n h o r diz (12), Isaías diz; e o q u e Isaías diz (13), o S e n h o r diz. A am eaça 1

1 C u jo s e n tid o literal é “ v á f u n d o n o p e d id o ” ; “ p e ç a ” (¡‫’״‬ã lâ), n a v e rd a d e , p o d e s e r o n o m e


d o S h e o l c o m local ele, o u seja, “ v á fu n d o p a ra o S h c o l” . R m o u tr a s p a la v ra s , o S e n h o r
a tu a rá c o m p le ta m e n te e m to d a re a lid a d e n o m u n d o p o r v ir ta n to q u a n to n o p r ó p r i o céu .
(Cf. p a ra a f o r m a , D t 3 3 .2 3 ; G K C 2 9 n ) .
O LIVRO DO REI 110

para os descendentes de D a v i o c u p a a passagem (cf. w . 2,17). N a frase abusarem da


paciencia dos homens o v erbo, co m o se n tid o de “ a b o rre c e r” ,1 está n o plural. O
fracasso da casa de D a v i é m a io r q u e A caz. D e sd e o início, ela falh o u em viver
à altura d e seu p e rd ã o divino. A casa de D av i n ã o p ro d u z iu o rei p e rfe ito n e m a
era d e o u ro , m as, antes, fez o c o n tra rio disso. T o d a urna h isto ria d e in ad eq u ação
h u m a n a p assa su b ita m e n te d ian te d o s o lh o s de Isaías. O p ro fe ta , c o m a m u d a n -
ça d e seu D eus, n o versícu lo 10, p a ra meu D eus aquí, indica a n o v a e d e sa stro sa
reviravolta d o s eventos. C o m o K a ise r a p re se n ta isso:

A única m aneira pela qual podem os ter D eus é dependendo dele e usando-o.
Pois, de acordo com a divindade de D eus, a única m aneira em que isso é
possível é usando-o e p o n d o a vida na palavra de D eus confiando em suas
prom essas e ob ed ecen d o à revelação de sua vontade.

14 O sin a l n ã o é m ais u m a q u e stã o de con vite, m as d e p red içào , n ã o m ais


um a p e rsu a sã o p ara a fé, m as a c o n firm a ç ã o d o d e sp ra z e r divino.12 E ssa é o u tra
m an eira em q u e o c o n c e ito d e “ sinal” é u sa d o (veja o c o m e n tá rio so b re o v. 10):
u m a c o n firm a ç ã o retro sp e c tiv a da qual veio u m a to o u c u rso d e ação realizado
p elo S en h o r.34O n a sc im e n to d e H m a n u elc o n firm a ria tu d o q u e o S e n h o r disse a
A caz p o r in te rm é d io d e Isaías — q u e esse, n a verdad e, era o m o m e n to d e de-
cisão e q u e as c o n seq u ên cias eram a retrib u ição divina em relação à d escren ça.
Isaías, c h a m a n d o a a ten ção co m a palavra eis (ARC) (o m itid a pela N V I), fala da
virgem [que] ficará grávida e dará à luiζ um filh o . A tra d u ç ã o de virgem ( ,alm a) é m u ito
d eb atid a c o m b ase em q u e a palavra significa apenas “ m u lh e r jo v em ” e q u e a
palavra técnica p a ra “ v irg em ” é betú lâ .A D a s n o v e o c o rrê n c ias d e 'alm â, as d e

1 i l a â (cf. 1.14) n ã o é ta n t o “ te s ta r a p a c iê n c ia ” q u a n to “ c o r r o e r a fo r ç a ” . A lig a ç ã o d e


W ild e rb e rg e r d o v e r b o c o m o a r g u m e n to legal d e v o c a b u lá rio (¡rifa) re p o u s a e m u m a b a se
m u ito e s tre ita d e e v id ê n c ia e n ã o a c re s c e n ta n a d a a o c o n te x to atu al.
2 S. M o w in c k e l (H e tha t Cometh [B lackw ell, 1959J, p. 111 ss.) s u s te n ta q u e u m a v e z q u e A c a z
r e c u s o u u m sin a l, o q u e o faria a c re d ita r, é -lh e o f e re c id o u m sinal c o m a m e s m a in te n ç ã o .
A ló g ic a n ã o ex ig e isso , e as p a la v ra s u s a d a s re s is te m a isso. P o r q u e Isaías e n fa tiz a a e x as-
p e ra ç ã o d iv in a e d e ix a im p líc ito a a lie n a ç ã o d iv in a (“ m e u D e u s ”) d e A c a z a n ã o s e r p a ra
in tr o d u z ir u m sin al c o m a fo rç a o p o s ta ? A s u p o s iç ã o d e q u e o “ sin a l” é r e a lm e n te o fra-
c a s so d a te n ta tiv a a ssíria d e d e s tr u ir J u d á fa lh a d ia n te d a p e r g u n ta d e e m q u e s e n tid o e sse
seria u m sin al c o n v in c e n te d e D e u s p a ra A c az ? O rei (c o m a lg u m la m p e jo d e re alid a d e )
n ã o a trib u iría o sin al à a stú c ia d e se u ris c o c a lc u la d o e m c h a m a r a A s síria e m se u au x ílio?
3 S o b re “ sin a l” c o m c o n f ir m a ç ã o e m r e s tro s p e c tiv a , v eja, p o r e x e m p lo , E x 3 .1 2 ; I S m 2.34;
1 0.7-9 ; Is 3 7 .3 0 ; 38.7.
4 O te r m o I ftü lâ o c o r re c in q u e n ta v ezes n o A n tig o T e s ta m e n to . D e ss a s o c o rrê n c ia s , d o z e
sã o m e ta fó ric a s (p o r e x e m p lo , Is 37.22), e, p o r ta n to , se u v a lo r d e p ro v a é irregular. M u ito s
p o d e m se re fe rir à c o n d iç ã o d e a lg u m a m u lh e r jo v em , in d e p e n d e n te m e n te d e su a p o siç ã o ,
v io le n ta d a n a g u e rra . Q u a to r z e o u tr o s caso s n ã o sã o validações, p rin c ip a lm e n te n o fa to d e
q u e o te r m o fftú lô t e stá lig a d o a “ h o m e n s jo v e n s” (se m p re bãhúr) n o s e n tid o g eral d e “ jo-
v e m ” (p o r e x em p lo , D t 3 2.25; A m 8.13). O g r u p o m a io r (21 c aso s), c o m c e rte z a , re fe re -se
p ra tic a m e n te a “ v irg e n s” (Ê x 2 2 .1 6 < 1 5 > ,1 7 < 1 6 > ; L v 21.3,14; D t 22 .1 9 ,2 3 ,2 8 ; J z 19.14;
111 ISAÍAS 7· I - 9.7

1 C rô n icas 15.20 e o títu lo de S alm os 46 são p re su m iv e lm e n te u m a o rie n ta ç ã o


m usical, m as q u e n ã o é m ais en ten d id a. E m S alm os 68.25; P ro v é rb io s 3 0 .1 9 ' e
C â n tic o d o s C ân tico s 1.3, o c o n te x to n ã o traz u m a luz decisiva so b re o sen tid o
da palavra. E m G ê n e sis 24.43 e em Ê x o d o 2.8, a referên cia é in q u estio n áv el a
u m a m o ç a n ã o casada, e em C â n tic o d o s C â n tico s 6.8, o te rm o '‫״‬lã m ô t, co n -
tra p o sto c o m rainhas e c o n c u b in a s, refere-se a m u lh eres solteiras e virgens.
A ssim , se m p re q u e o c o n te x to p e rm itir um ju lg am en to , 'alm â n ã o é u m te rm o
geral co m o se n tid o de “ m u lh e r jo v em ” , m as tem o se n tid o esp ecífico d e “vir-
g e m ” . M erece o b se rv a ç ã o o fa to d e q u e o te rm o 'alm â, fo ra d a B íblia, “ até o n d e
p ô d e se r a p u ra d o , n u n c a [foi] u sa d o p ara m u lh e r casad a” .1
2
G ên esis 24 é p articu larm en te im p o rta n te em fo rn e c e r um a co m p aração di-
reta d e 'almâ co m bTúlâ. A o ra ç ã o d o serv o d e A b raão (24.14) é fo rm u la d a em
te rm o s de u m a “ m e n in a ” (n a '“râ) q u e devia se casar c o m Isaq u e. N o versícu-
lo 16, a a b o rd a g e m de R ebeca é descrita em te rm o s d e m u lh e r (n a '‫״‬râ) solteira
(“ n e n h u m h o m e m tivera relações co m ela”) em id ad e de casar Q flúlâ). As pala-
vras qu alificadoras in d icam q u e tftfilâ p o r si m esm a n ã o é u m te rm o específico.
A luz d esse c o n h e c im e n to acu m u lad o de R ebeca, o v ersículo 43 fin alm en te
d escrev e-a c o m o 'alm â, claram en te te rm o resu m id o p a ra “ m u lh er, em id ad e de
casar e so lteira” . N ã o h á fu n d a m e n to p a ra a asserção c o m u m de q u e se Isaías
p re te n d e sse d iz e r virgo intacta teria u sa d o b lü lâ . O te rm o 'alm â está m ais p e rto
d esse se n tid o q u e a o u tra palavra. N a v erd ad e, esse é seu se n tid o em to d o co n -
tex to explícito. Isaías, p o rta n to , u so u a palavra que, e n tre to d a s as disponíveis,
ch eg o u m ais p e rto d e ex p ressar “ n a sc im e n to virginal” e q u e, sem im p ro p rie d a -
de linguística, ab re a p o rta p ara esse sen tid o .3

2 S m 13.2,18; lR s 1.2; E t 2 .2,3,17,19; SI 7 8 .63; Is 23.4; 6 2 .5 ;J r 2.82; E z 4 4 .2 2 ,J 1 1.8). O b s e r-


v a m o s q u e n ã o é a p a la v ra e m si m e s m a , m as o c o n te x to q u e in d ica se u se n tid o . D e a c o rd o
c o m G . J. W e n h a m (tftú lâ : “A girl o f m arria g e a b le a g e ” , V T , 22 (1972), p. 3 2 5 -3 4 8 ), a p alav ra
n ã o faz m ais re fe rê n c ia à v irg in d a d e q u e a p a la v ra “ m e n in a ” . E le p e s q u is o u o s c o g n a to s
a cá d io s e u g a rític o s p a ra s u s te n ta r essa c o n clu sã o . “ S ó n a era c ris tã h á a c lara p ro v a d e q u e
o t e r m o tftú lá tin h a se to r n a d o o te r m o té c n ic o p a ra “ v irg e m ” [...] n ã o é fácil s a b e r q u a n d o
essa m u d a n ç a se m â n tic a a c o n te c e u ” . N a s três re fe rê n c ia s re sta n te s ( G n 2 4 .1 6 ; L v 2 1 .3 ;J z
11.39) fica claro q u e se m u m a o ra ç ã o d escritiv a a c re sc e n ta d a a hftúlâ, o t e r m o n ã o tra n s m ite
o s e n tid o ex ato .
1 P r o v é r b io s 3 0 .1 9 , c o m fre q u ê n c ia , é e n te n d id o c o m o u m a r e fe rê n c ia a o s m is te rio s o s p r o -
c e s s o s d e p r o c ria ç ã o ( p o r e x e m p lo , C. H . T oy, Proverbs, IC C [C lark, 1899]). W., M c K a n e
{P roverbs [SC M , 197()]) i n te r p r e ta c o r r e ta m e n te a p a la v ra c o m o “ a a tra ç ã o in ex p lic á v e l”
e n tr e o s sex o s, m a s in s is te g r a c io s a m e n te q u e 'a lm â n ã o p o d e sig n ific a r “ v irg e m ” e q u e o
q u e se te m e m m e n te é u m re la c io n a m e n to ilícito (cf. W atts). M a s D . A . H u b b a r d {Proverbs
[W o rd B o o k s, 1989]) d e s c re v e -a c o r r e ta m e n te c o m o “ a im a g e m p o s itiv a d e r o m a n c e ” .
2 E . J. Y o u n g , Studies In Isa ia h , T y n d a le P re ss , 1954, p. 171ss.
3 H . R in g g re n , The M essiah in the O ld Testament (S C M , 1 9 56), p. 26s. N o s te x to s c u ltu a is ug a-
ritic o s a s p a la v ra s “ a m u lh e r jo v e m te rá u m filh o ” a n u n c ia m o n a s c im e n to d e u m a c ria n ç a
d iv in a /r e a l. E m Isaías, R in g g re n a c h a q u e 'alm â é a ra in h a , e E m a n u e l é o filh o real. Isaías
O LIVRO DO REI 112

A frase a virgem ficará grávida e dará à lu% um filh o , em essência, é a m e sm a de


G ên esis 16.11 e d e Ju izes 13.5. N a prim eira a gravidez é u m fato atual, n a ú ltim a
é u m fato futuro. A p ró p ria e x p ressão é atem p o ral, em cad a caso, à esp era d o
c o n te x to .1
D eriv ada d e 2S am uel 7 (em especial os w . 14-16), p recio sas expectativas
fo ram e n te so u ra d a s na casa d e D avi. Salm os 2, p ro v av elm en te u m salm o de
co ro a ç ã o sa u d a n d o o n o v o rei davídico em sua p o sse, fala dele c o m o filho de
D e u s, e Salm os 4 5 .6 < 7 > atribui san tid ad e ao rei. O caso e m fav o r d a ex p ectati-
va d e um M essias d iv in o é fo rte n o A n tig o T e sta m e n to e fazia p a rte d o e n te n -
d im e n to d e Jesu s (cf. M t 22.41 ss.).2 O títu lo E m a n u el é pecu liar a Isaías, m as o
p e n sa m e n to faz p a rte da e stru tu ra davidíca-m essiânica. C o m o p alav ra significa
“ D e u s é c o n o s c o /D e u s está c o n o s c o ” , e m u ito s acred itam q u e isso aqui n ão
é m ais q u e u m a afirm ação p ied o sa o u a o ração de u m a m ãe d e J u d á p re v e n d o
p ro b lem as. P o d e m o s avaliar a p ro b ab ilid ad e d essa in te rp re ta ç ã o n o s p o n d o na
situação. D e ix a n d o de lad o as possibilidades im p o rta n te s d e q u e ela é u m a vir-
gem {'a lm a ), u m a m u lh e r jovem fica grávida e ch am a seu filho de E m anuel, q u e r
c o m o u m a ex p ressão de fé n o d e stin o d e fato s ad v erso s q u e r c o m o u m a o ração
p o r ajuda. O n d e está o “ sinal de q ualidade” n isso — so b re tu d o d e p o is d e Isaías
te r falado o n o m e e te r p o s to a ideia em m o v im e n to ? A té m e sm o a su p o siç ã o
d e q u e a p alavra virgem é coletiva e q u e h o u v e u m s u rto d e E m a n u e ls n a terra,
essa d e n o m in a ç ã o seria c in icam en te d e scartad a n o palácio c o m o o p ro d u to d e
histeria fem inina, e n ã o seria vista c o m o u m sinal en v iad o p e lo céu. Q u e anticlí-
m ax d e p rim e n te a p ó s o S e n h o r ex p ressar a d isp o sição de “ m o v e r céus e te rra ”
e d a ex p lo são d ram ática d e Isaías d o S e n h o r m e sm o d a n d o u m sinal! A passa-
g em exige m ais e d e sc o b rim o s isso se o lh a rm o s o c o n te x to m ais a m p lo d essa
seção in tim a m e n te in teg rad a.3 E m 8.8, lem os a exp ressão a tua terra, ó E m anuel.
E m n e n h u m a o u tra passagem d o A ntigo T estam en to , a “ te rra ” é exem plificada
co m um p ro n o m e possessivo a c o m p an h ad o d o sujeito d o p ro n o m e n o voca-
tivo. A lém disso, o p ro n o m e p o ssessiv o singular é ligado a “ te rra ” c o m o u m a
u nid ade política só n o caso d e reis (p o r exem plo, D t 2.31; 2Sm 24.13); Israel
p e rso n ific a d o o u algum a o u tra p e rso n ificação (p o r exem p lo , J r 2.15; O s 10.1)
o u o S e n h o r (p o r exem plo, lR s 8.36; E z 36.5).4 E m a n u e l n ã o p o d e ser sim ples-

in tim a A c az a lev a r su a p r o f is s ã o re a l a sé rio : n o c u lto real v o c ê d iz q u e D e u s e stá c o m


v o c c — p o r q u e v o c ê n ã o a c re d ita n isso ?
1 O t e r m o wrq ã r ã ’1 é u m a f o r m a in c o m u m , m a s d e fe n sá v e l d a te rc e ira p e s s o a fe m in in a d o
s in g u la r {G K C , p. 74g.; veja, p o r e x e m p lo , D t. 3 1 .2 9 ). Q a tra z w qr (“ a lg u é m d e v e c h a m a r ”)
e a I.X X in fe re a s e g u n d a p e s s o a m a s c u lin a d o sin g u la r a p a r tir d a s c o n s o a n te s d o T M .
2 J. A . M o ty e r, “ M e s s ia h ” , IfíD .
3 J. A . M o ty e r, “ C o n t c n t a n d c o n te x t in th e i n te r p r e ta tio n o f Isa ia h 7 :1 4 ” , T ú n d a le B u lle tin ,
21 (1 9 7 0 ), p. 1 18ss.
4 E m I R s 11.22; Is 13.14; J ó 1.8, “ te r r a ” e q u iv a le a o “ lu g a r o n d e v o c ê v iv e ” .
113 ISAÍAS 7 . I - 9.7

m e n te u m a criança qualquer. A dem ais, c o m o algum a crian ça “ c o m u m ” p o d ería


se to rn a r o fu n d a m e n to da segurança d o p o v o d o S e n h o r c o n tra o a taq u e das
n açõ es (8.10)? F in alm en te, é im possível se p a ra r esse E m anuel d o rei davídico
c u jo n a sc im e n to lib erta seu p o v o (9 .4 -7 < 3 -6 > ) e cu jo n o m e c o m p le x o inclui a
d esig n ação d e D eus Poderoso (9 .6 < 5 > ). S eguindo esses in d icad o res, te m o s um
sinal q u e está à altu ra de sua p ro m essa. O céu e a te rra serão v erd ad eiram en te
m o vid os. Isaías p rev iu o n a sc im e n to d o filho divino d e D av i e ta m b é m esta-
b eleceu a fu n d a ç ã o para o e n te n d im e n to d a n a tu re z a ún ica d e seu n ascim en to .
15 D e a c o rd o co m os versículos 21 e 22, coalhada e mel eram os alim en to s
d o s p o b re s. A lguns se equivocam co m a ap arên cia superficial d e “ u m a terra [...]
o n d e m a n a m leite e m el” e in te rp re ta m essa frase c o m o te rra a b u n d a n te em
a lim e n to .1 O m el, n o e n ta n to , é o fluxo e sp o n tâ n e o d e u m a te rra q u e n ã o p o d e
fazer o suficiente p o r seus h ab itan tes, e n q u a n to a co alh ad a é a dieta m o n ó to n a
d o s m o m e n to s difíceis (22). A criança divina tem d e n a sc e r n a p o b re z a d e seu
povo.
O sentido aqui d e erro e certo varia d o fru to b o m e ruim d e Jerem ias 24.2 à
experiência d e b o a e m á so rte (por exem plo, 45.7; SI 3 4 .1 2 < 1 3 > ) o m al e o bem
m oral. A criança já em idade bem tenra consegue distinguir o sab o r desagradável e
o g o sto so (cf. c o m en tário so b re 8.1-4), m as Isaías ta m b é m p o d e estar se referin-
d o aos “ an o s d e e n te n d im e n to ” e à faculdade d e esco lh a m o ral. E provável q ue
0 fa to r te m p o seja d e lib e ra d a m en te vago. D a m a sc o , em três an o s, tin h a caído
para a A ssíria, e S am aria, trin ta a n o s d ep o is, foi tom ada. A su g estão , c o n tu d o , é
q u e o n a sc im e n to d e E m a n u e l é im in en te, e os o u v in te s d e Isaías, co m certeza,
e n te n d e ría m essa p ro fecia d essa m aneira; q u e algum a m en in a, atu a lm e n te um a
'alm â, casar-se-ia e n o d e v id o te m p o daria à luz a E m an u el. H á várias su g estõ es
d e c o m o essa p re d iç ã o foi c u m p rid a .2 U m a ideia c o m u m é a teo ria da “ m ãe(s)
p ied o sa(s)” c o m e n ta d a acim a; teo ria essa q u e cai p o r te rra c o m a exigência
de q u e um a p ro fe c ia an u n ciad a co m ta n ta so len id ad e te n h a u m c u m p rim e n to
tã o b an al q u e n in g u ém se in c o m o d a em registrá-la!3 A p o ssib ilid ad e d e que
7.14ss. te n h a sid o c u m p rid o n o n a sc im e n to d e M aher-S h alal-H ash -B az (8.1-4)
é m ais c o n v in c e n te .4 O n a sc im e n to d o seg u n d o filho de Isaías, ta n to em seu
im ed iatism o q u a n to em sua relação co m a q u ed a das forças d o n o rte p ara a

1 M o w in c k e l e R in g g re n o b s e r v a m q u e m ito ló g ic a m e n te “ leite e m e l” s ã o a lim e n to s d o s


d e u s e s o u r e p re s e n ta m a fe rtilid a d e d e u m a te r r a fe rtiliz a d a p o r B aal. M a s, d e a c o r d o c o m
M o w in c k e l, ta m b é m é o a lim e n to d a a n g ú stia , a d ie ta d a c ria n ç a a b a n d o n a d a n o d e s e rto .
2 A p e r c e p ç ã o d e q u e 'alm â é a s e g u n d a e s p o s a d e Isa ías q u e g r ito u “ F .m a n u e l” q u a n d o o
filh o n a s c e u é tã o a n tig a q u a n to G e s e n iu s . P a ra a p e rc e p ç ã o c o le tiv a , v e ja K a ise r.
‫ ג‬S. H . H o o k e , e m The Siege Perilous (S C M , 1956) su g e re q u e a m ã e d e E m a n u e l é a m e n in a
e s c o lh id a p a ra t o m a r p a r te n o ritu a l d e “ c a s a m e n to s a g ra d o ” (cf. R in g g re n , n. 2 n a p. 85).
4 O s w a lt a b raç a a p e rc e p ç ã o E m a n u e l / M ah er-S h alal-H ash -B az. S ua d isc u ssã o d a q u e stã o é
útil.
O LIVRO DO REI 114

A ssíria, casa c o m as p re d iç õ e s d e E m an u el. M as há u m a d ificu ld ad e fatal para


essa teoria. A passag em 8.1ss. n ã o só n ã o explica q u e M ah er-S h alal-H ash -B az
é E m a n u e l, m as, ainda m ais sério, o ato de d a r a essa criança seu p ró p rio n o m e
característico re p re se n ta to d o o p o n to d o incidente. A esp o sa d e Isaías n a é p o -
ca n ã o era 'alm â n o m o m e n to n e m c h a m o u seu filho d e E m anuel! N a v erd ad e,
em c o n tra p o siç ã o à m ãe de 7.14, q u e o c u p a o c e n tro d o palco, a “ p ro fe tisa ” ,
d e 8.1 ss., é q u ase m arginal. A aten ção está to ta lm e n te v o ltad a p a ra Isaías e seu
e n te n d im e n to da palavra d o S enhor. E ele q u em d á à criança u m n o m e relevante
(com o E m anuel) p ré-arran jad o n ã o co m a realidade espiritual, m as d e a co rd o
co m os ev entos terrenos. P ode-se sugerir o u tra ab o rd ag em .
D a m e sm a m an eira q u e e n c o n tra m o s to d a a relevância d o n o m e E m a -
nu el rela c io n a n d o o versículo 14 c o m o u tra s referências n a u n id ad e d o s capí-
tu lo s 7— 11, ta m b é m a d a ta de seu n a sc im e n to n o versícu lo 16 re su m e o q ue
a seção, c o m o um to d o , diz so b re esse p o n to . Isso revela u m a te n sã o e n tre
o im e d ia to e o re m o to . D e u m lado, p arece q u e E m a n u e l n ascerá n a am eaça
im ediata (7.14-16; 10.27— 11.1) e, d e o u tro lado, q u e ele n ascerá em u m fu tu ro
n ã o d e te rm in a d o , po is an te s de seu n a sc im e n to Ju d á e Israel serão d isp ersad as
e p recisarão se r reu n id as (8.11-22; 11.12s.). E sses ev en to s d ev em a c o n te c e r de-
po is d o s te m p o s assírios, po is Isaías sabia q u e J u d á n ã o so freria seu exílio p o r
vir (6.1 ls.) nas m ão s d o s assírios (10.27-34; 29.1-8; 31.4-9; 38.6). O n a sc im e n to
da criança real está e sp ecíficam en te a g e n d a d o p ara “ o fu tu ro ” (9 .1 < 8 .2 3 > ).
Isaías n ã o faz n a d a para reso lv er essa te n sã o e n tre o im ed iatism o e a distância.
Q u a n to a A caz, ele estava p o n d o em risco a e sp e ra n ç a m essiânica resid en te na
casa d e D avi. P o r causa d e sua d e sc re n ç a em q u e o M essias p ro m e tid o n ascería
n a p o b re z a , h e rd a ria u m tro n o sem se n tid o cm u m a te rra co n q u istad a. Isaías
disse isso sem qualificação p o rq u e , n aq u ele m o m e n to , essa era a ú n ica m an eira
pela qual ele p o d ia e x p re ssa r a relevância d o q u e A caz tin h a feito e d o s ev en to s
qu e, ago ra, d ev em seguir seu curso. T o d o rei seguin te d a lin h ag em d e D av i era
o foco d o an seio de q u e ele fosse o M essias, e to d o rei v erd ad eiro era g u a rd iã o
d esse an seio à m ed id a q u e p o d ia ser o pai d o M essias. A caz c o n sid e ro u tu d o
isso falso. Q u a n d o Isaías ex p re sso u to ta lm e n te seu p e n sa m e n to m essiân ico , ele
o fez à luz d e u m p ro g ra m a d iv in o m ais ex ten so , m as n ã o m u d o u suas p alavras
para A caz e fez isso p o r do is m otivos. P rim eiro, p o rq u e ele reg istraria c o m
exatid ão o q u e dissera naquela o casião e, seg u n d o , p o r causa d a v erd ad e es-
sencial d e seu p ro n u n c ia m e n to . A p a rtir d o te m p o d e A caz n u n c a m ais haveria
u m a “ casa d e D a v i” (ARC) n o v e rd a d e iro sentido, m as a p en as u m a lin h ag em
de fan to ch es, p re te n so s reis so b d o m ín io estran g eiro , e eles, até m e sm o n o
exílio, d esap areceríam na areia da h istó ria e n u n ca m ais ressu rg iríam . O n o m e
d o p o d e r su p re m o m u d aria da A ssíria p ara a B abilônia, d a Pérsia p ara a G récia
e, finalm ente, p a ra R om a, antes d e E m a n u e l nascer, m as q u a n d o ele nascesse
co m p a rtilh a ria a p o b re z a de seu p o v o , h e rd a ria u m tro n o n ã o ex isten te e sen-
115 ISAÍAS 7· 1 9 -7 ‫־‬

tiria to d o o p e so d o o p re sso r. A culpa de tu d o isso era d e A caz e sua incapa-


cidade d e c re r na palavra d o S enhor. A p ro m e ssa esp eraria seu te m p o , m as a
am eaça era im ediata.
16 O te rm o teme (qús) é u sa d o para p aran o ia, m e d o d o e n tio , te rro r m o rtal.
17 U m n o v o fato r é in tro d u zid o pela descrença de A caz n o s p o d eres polítd-
eos. E le, ao b u scar a ajuda da Assíria, tinha, na verdade, c u tu cad o o leão co m vara
curta. O resultado n ão foi a segurança q u e a fé teria trazido, m as o desastre sem
paralelos. A expressão a descendencia de seu p a i, c o m o n o s versículos 2 e 13, ap o n ta
para a am eaça dinástica. E m IR eis 12, a deserção das trib o s d o n o rte (E fra im )
para se to rn a r o R eino d o N o r te d e Israel tiro u cin co sex to s d a so b eran ia d a
casa de D avi. Só a p erd a d e to d a a soberania p o d ía ser u m desastre p io r — que
foi ex atam en te o q u e aconteceu. M u ito s om itiriam a frase o rei da A ssíria ,1 m as,
c o n fo rm e o b se rv a W atts, “ elas n ã o p o d e m ser elim inadas sem deixar d e lado
os versículos 18-28, que d e p e n d e m dele para fazer sentido. Seu ap arecim en to
a b ru p to p o d e b e m ter sido para d a r um efeito d ram ático ” . N e m p o d e m ser eli-
m inadas sem d e stru ir a brilh an te ironia de Isaías: a Assíria, o salvador nacional,
to rn o u -se o executor! O castigo da descrença, a sabed oria h u m an a que n ã o m e-
rece confiança!

0 ju lg a m e n to (7 .1 8 —8 .8 )
O c a m in h o da fé foi rejeitado. O rei d a A ssíria foi c o n sid e ra d o u m a segu-
ran ça m a io r q u e o S e n h o r e suas p ro m essas. O q u e se segue ag o ra tem a inevita-
b ilidade d a lógica bíblica: as alternativas p ara o c a m in h o d a salvação são sem p re
c a m in h o s d e d e stru iç ã o ; o s q u e o d eiam a sab ed o ria am am a m o rte (P v 8.36).
E sse m o saico d e o rácu lo s segue o p ro g ra m a e sb o ç a d o n o s v ersículos 15-
17: o esv a z ia m e n to e o e m p o b re c im e n to d o c a m p o , a p o b re z a , a elim inação
d o s p o d e re s d o n o rte (A rã e Israel) e a su b m e rsã o de Ju d á n a in u n d a ç ã o assíria.
A c a tá stro fe é total. A caz p o d e te r tid o to d a habilidad e política, lógica e os
resu ltad o s c o lh id o s da experiência d ip lo m ática — to d o s “ os fato s d o m u n d o
real” — m as q u a n d o o p o v o de D e u s o p e ra p elo “ racio cín io ” , em vez d e pela
fé, q u a n d o eles b u sc a m a segurança n o s recu rso s, n a p o lítica e n o s p o d e re s d o
m u n d o — o rei da A ssíria, em vez d e “ o Rei, o S e n h o r d o s E x é rc ito s” (6.5)
— as coisas em q u e c o n fia m g a ra n te m a calam idade. O te m a d o m in a n te é a
A ssíria (7.18) e seu rei (7.20; 8.4,7). E sse era o p o d e r e a p e sso a n o s quais A caz
confiava; esse era o p o d e r e a p e sso a d a d estru ição .
O s versículos 18-25, p ro v av elm en te, p e rte n c e m ao d isc u rso c o m o o m eio
(7.4ss.); e 8.1-8, a o m o m e n to im e d ia ta m e n te segu in te; o versícu lo 17 an u n cia
m aldição “ so b re o seu p o v o ” , e Isaías a d o ta as m ed id as p ara a le rta r o p ú b lico 1

1 C f. H e r b e r t K is s a n e , B H S , e tc. D e litz s c h c o m e n ta c o m g r a n d e d is c e r n im e n to s o b r e a
“ p e n e tr a n te f o r ç a ” d a s p a la v ra s “ o rei d a A ssíria ” , p o s ta s n o fim d o v e rsícu lo .
O LIVRO DO REI 116

q u a n to às co n seq u ên cias da d e sc re n ç a política. A s q u a tro seçõ es in tro d u z id a s


p ela ex p ressão naquele dia (7.18,20,21,23) seguidas pelas duas seçõ es a p re se n ta -
das pelas e x p ressõ es 0 Senhor [ ...j disse e 0 Senhor tornou a fa la r (8.1,5) caem to p i-
c a m e n te em três pares.

1. A c o m p le tu d e d a c o n q u ista (18-20)
a. A te rra é to ta lm e n te o c u p a d a (18,19)
b. ( ) p o v o d e sp ro v id o e h u m ilh a d o (20)
2. O s resu ltad o s da c o n q u ista (21-25)
a. O p o v o n a p o b re z a (21,22)
b. A te rra em d ecad ên cia (23-25)
3. O c u rso da c o n q u ista (8.1-8)
a. A d e stru iç ã o im in e n te d e A rã e d e Israel (1-4)
b. O p ro g re sso assírio através de Israel e m d ireção a j u d á (5-8)

Isaías, c o m sua co stu m e ira d e stre z a literária, tece to d o esse m aterial em


u n id ad e co n v in cen te. O b se rv a m o s as referências à terra da A ssíria (7.18, A R C )
e a tua terra, ó E m a n u el (8.8) c o m u m inclusio [criar u m a e stru tu ra p o n d o m aterial
sim ilar n o início e n o final de u m a seção] n o qual é p in ta d a a im ag em equilib ra-
da d e v itó ria total, d e u m lado, e d e p e rd a total, d e o u tro lado:

A1 A te rra d a A ssíria: d u as m e tá fo ra s (18-20)


A s abelhas: a te rra o c u p a d a (18,19) a 1
A navalha: o p o v o d e sp ro v id o (20) b 1
B 1 J u d á esm ag ad a (21-25)
O p o v o e m p o b re c id o (21,22) b 12
A te rra d ecaída (23-25) a2
B2 Israel elim inada (8.1 -7)
O p o v o d e p o rta d o (1 -4) b 3
A te rra o c u p a d a (5-7) a3
A2 A te rra de E m an u el: duas m e tá fo ra s (8)
A in u n d ação : a te rra e n g o lid a a4
A ave d e rapina: o p o v o so b am eaça b 4

18 Cf. 5.26, passagem n a qual n ão é d ito o n o m e d o inim igo; agora, seu n o m e


é c o n h ecid o e 0 Senhor assobiará p a ra c h a n fiA o ]. Isaías está aplican d o os p rincípios
trabalhados em seu prefácio. A p ercep ção da fácil soberania d o S e n h o r é im p res-
sionante. O E gito 1 até agora n ão foi rep resen tad o nesses oráculos, m as terá um a
1 K a is e r a firm a q u e u m e s c rito r p o s te r io r , “p ro v a v e lm e n te d o te m p o d o s se lê u c id a s e d o s
p to le m e n s e s ” (3 2 3 a.C .), “ s e n tiu a falta d o n o m e d o E g ito e a c r e s c e n to u - o ” . E s s e c o -
m e n tá rio n ã o se b a se ia e m u m a re alid a d e . Se A lista ir C o o k tiv e sse e s c rito “ L e tte rs f r o m
J e r u s a le m ” [“ C a rta s d e J e r u s a lé m ” ] c o n te m p o rá n e a m e n te , ele n ã o te ria o m itid o a re a ç ã o
d e e s p a n to d o E g ito a o s u r g im e n to d a A ssíria. P o r ta n to , o lh e m o s a tra v é s d a s p a la v ra s d e
Isaías e v e ja m o s u m g r u p o p r ó - E g it o n a c o r te d e A c az fa v o re c e n d o a a lia n ç a p r o t e t o r a
c o m o faraó.
117 ISAÍAS 7.1-9.7

p a rte a d esem penhar. Será q u e já é um a convenção en tre os líderes d e Ju d á ansio-


sos p o r g a ra n ü r a ajuda egípcia? E sse g ru p o teve seu lugar n o p a n o ra m a p o lítico
trin ta a n o s d e p o is (veja caps. 28— 31). O p o d e r d o E g ito era u m im ã ro d e a d o
p o r po líticos, m as o o lh o d a fé o via c o m o u m a fo n te d e d esastre (cf. 30.6s.).
A im ag em das moscas e das abelhas é ad eq u ad a, po is d e a c o rd o c o m H e rb e rt: “A
in u n d ação d o N ilo tro u x e [‫ ״‬.) en x am es d e m o scas [...]. O s d istrito s assírios nas
colinas eram b e m c o n h e c id o s p o r suas ab elh as” . A palav ra rios (plural de / o r )
é u m te rm o sem itécn ico para o N ilo. O plural re p re se n ta o rio co m seu sistem a
de canais de irrigação. A frase (lit.) “ d o s d ista n te s rios d o E g ito ” refere-se a
to d a a te rra d o E gito. Q u e o E gito, o p rim e iro e m ais m o rta l in im ig o d o p o v o
de D e u s, fosse algum a vez v isto c o m o u m m eio de seg u ran ça p ro v a q u e o povo,
q u a n d o deixa de c re r n o S en h o r, n ã o crê em nada.
19 A palavra pousarão (lit.) é “ e n x a m e a rão ” (cf. c o m e n tá rio so b re o v. 2).
Isaías usa a aliteração p a ra dirigir a sua te rra natal a m e n sa g e m d e u m a te rra
to d a c o b e rta p o r esse a m e d ro n ta d o r enxam e: nãhu /.../ n a h 'lé [...! ríq lq ê [...]
na '“fú fim /.../ n a k'lo lim . Q u e r ín g r e m e s /“ c o rta d o s ” signifique “ re m o to ” o u “es-
c a rp a d o ” (veja c o m e n tá rio so b re 5.6), o se n tid o é q u e n e n h u m lu g ar é b a sta n te
d ista n te o u inacessível para d e te r o enxam e. A palavra espinheiros só é e n c o n tra -
da aqu i e e m 55.13. O in im ig o se a p o d e ro u de to d o s o s lugares, d o inacessível
{vales) a o fre q u e n ta d o (cisterna), ao lugar de fuga {fendas-, cf. 2.21) ao lu g ar a
ev itar {espinheiros). A s salvações alternativas n ã o salvam n e m p e rm ite m escapar.
20 A m u d an ça da m etáfo ra para navalha indica a m u d an ça d o fo co d a terra
para o povo. C ada indivíduo cai na atenção desse barbeiro. A ex p ressão 0 Senhor
é ’“dõnãy, “ o S o b eran o ” . Para a relevância d e alugada cf. 2Reis 16.7,8; 2C rôni-
cas 28.21. A frase os pelos de suas pernas (lit.) é “ os pelos d o s p és” . O te rm o “ p és”
é um eu fem ism o para as p artes íntim as (cf. IS m 2 4 .3 < 4 > ) e um a indicação das
indignidades acum uladas so b re os conquistados. O c o n traste en tre cabeça e pernas
e en tre o cabelo esco n d id o d o c o rp o e a barba visível expressam a totalidade do
corpo. N e n h u m a p a rte da terra (18,19), n e n h u m a p a rte da p esso a (20) ficará livre
da ocu p ação inim iga. O S e n h o r teria salvo Acaz e seu p o v o a tro c o de nada; A caz,
cm vez disso, c o m p ro u u m a salvação en g an o sa — e, co m ela, veio a p erd a e a
h um ilhação.
2 1 ,2 2 A ausência de referên cia às culturas aradas e à d e p e n d ê n c ia d a cria-
ção d e g a d o a p o n ta para u m a drástica red u ção d o tra b a lh o d isp o n ív el (cf.
3.25— 4.1). A ex p ressão criará (A RC) ( a/ hãyâ ) só é u sad a d u as vezes em o u tras
passag en s p a ra o cu id ad o d e anim ais (2Sm 12.3; lR s 18.5) e p o d e te r sid o es-
c o lh id a p a ra su g erir a dificuldade p ara criar o gado. A ideia de fa rtu ra a p a rtir de
um a vaca e duas cabras p o d e se r irônica. C o n tu d o , p o d e , d e fato, a p o n ta r a alta ca-
p acid ad e p ro d u tiv a re su lta n te da p astag em ao a r livre (25). Cl m e l é u m p ro d u to
natu ral e o u tro in d ic a d o r da d im in u ição d a população.
O LIVRO DO REI 118

23-25 A im agem das videiras devastadas é u m a lem b ran ça d e 5.5,6 (observe


que a notável rep etição d e roseiras bravas e espinheirosé u m uso exclusivo d e Isaías).
C ada versículo fala d e um a paisagem n ão rentável e hostil: de d in h eiro gasto , m as
para n ada (23); d e c o m o e d e o n d e o s anim ais selvagens foram c u id ad o sam en te
excluídos, agora os homens são os in tru so s e têm de an d ar arm ad o s (24); e d o
in ten so trabalho d e viticultura (25; cf. 5.6). A expressão lavradas com enxada (lit.) é
“ capinada co m enxada” e a repetição d o v erb o e d o sub stan tiv o sugere cu id ad o
m inucioso. M as tu d o isso n ão leva a n ada — eles tam bém p o d e m d eix ar o g ad o
so lto e as ovelhas c o rre re m livrem ente. N ã o é difícil co m p artilh ar o se n tim e n to
dessa p o b re p o p u lação rem anescente. E les foram privados da dignidade (20),
ficaram reduzidos à dificuldade (21) e so freram a p erd a d e tu d o q u e p elo que
tinh am e c o n o m iz a d o p a ra c o n se g u ir (23) o u tra b a lh a d o a rd u a m e n te p a ra c o n -
seguir (24,25) — e tu d o p o rq u e a fé e a o b ed iên cia fo ram su b stitu íd a s pela
d escren ça e a sab ed o ria m u n d an a.
8.1 A expressão placa de bom tam anho é a m e lh o r trad u ção p ara a frase, pre-
ferível à leitura um grande volume, c o n fo rm e a p re se n ta d a n a ARC. A ú n ica o u tra
p assag em em q u e a palavra ta m b é m o c o rre é 3.23, n a qual é tra d u z id a p o r “ es-
p e lh o s” (para a m e sm a ideia veja 30.8). P o d e m o s p a rafrasear aqui: “A lu g ar es-
p a ç o para a rm a z e n a m e n to ” . Isaías tin h a q u e to rn a r sua m e n sa g e m tã o p ú b lica
e cham ativa q u a n to possível. O te rm o h eret (estilete comum, Bíblia d a C N B B ) só
é e n c o n tra d o aqui e cm Ê x o d o 32.4 e significa (lit.) “ c o m fe rra m e n ta h u m a n a
usada para g rav ar” ; o u seja, d e fo rm a legível e co m p reen sív el p ara to d o s. O
escrito dizia (lit.): “ P ara M ah er-S h alal-H ash -B az” , talvez o se n tid o fo sse “ co n -
c e m e n te ” , o u “ p e rte n c e n d o a” , o u “ d ed icad o a” . ( ) n o m e é im p re ssio n ista , em
vez d e gram atical: “ R a p id a m e n te até o s d e sp o jo s” . A in te n ç ã o d o n o m e é des-
p e rta r p erg u n tas, n ã o re s p o n d e r a elas. E le c o m b in a “ ra p id a m e n te ” (o m e sm o
g ru p o d e palavras d e “ ra p id a m e n te ” em 5.26) co m u m a g aran tia d e c o n q u ista
q u e o inim igo q u e se ap ro x im a n ã o p e n sa em luta, m as a p en as n o s d esp o jo s.
2,3 E chame} U rias e Zacarias (cf. 2Rs 16.10-16; 18.2), em seguida, testem u n h a-
riam q u e Isaías p ô s a placa e g aran tira a data. Isaías, p rim eiro , p re g o u a m en -
sag em da rap id ez d o in im ig o (5.26-28; 7.18) e, a seguir, d e u c e rte z a e p o tê n c ia
extras (cf. c o m e n tá rio so b re 7.3) ao escrevê-la. M as a palavra ain d a tin h a d e
re c e b e r u m a ex p ressão final ao se “ to rn a r c a rn e ” n o filho de Isaías. O fato d e
se r n ecessária u m a palavra especial d o S e n h o r p a ra iden tificar o re c é m -n ascid o
co m a placa (3) m o s tra q u e Isaías, sim p lesm en te, andava em o b ed iên cia, era um
ex em p lo p ara o p o v o de D e u s (cf. c o m e n tá rio so b re 8.20). A profetisa, seg u n d o
H e rb e rt, n ã o era um títu lo d e co rtesia, m as foi d a d o à e sp o sa d e Isaías p o rq u e 1

1 O Q ‘ e a L X X tr a z e m e sse im p e ra tiv o e n q u a n to o u tr a s v e rsõ e s , c o m o a T B , tr a z e m “ E u


to m a re i d u a s te s te m u n h a s fid e d ig n a s ” (o q u e tr a d u z o T M ).
119 Isaías 7 · 1 9 -7‫־‬

ela, literalm en te, era q u e m carregava a palavra d o S e n h o r e n c a rn a d a em seu


filho.
4 E sse versículo, c o m e ç a n d o co m o explicativo “ p o is” , tra n sfo rm a o m e-
n in o em u m in d ic a d o r d o te m p o da ap ro x im ação d o q u e seu n o m e declara.
K id n e r co m en ta:

O sinal de E m anuel [...], em bora dissesse respeito a eventos finais, indicava


um pedido pelo futuro im ediato n o tão logo que E m anuel nascesse, a atual
am eaça teria passado antes m esm o que ele tivesse consciência dela. Mas o
tem p o de seu nascim ento não é revelado; p o r isso, é fornecido um novo
sinal para lidar só com a cena contem porânea.

A s palavras id ên d cas antes que 0 m enino saiba liga essa crian ça a E m a n u e l


(7.16) d e q u e m re c e b e u a tarefa de ser um in d ic a d o r im ed iato d o tem p o . Seu
n o m e d e ju lg a m e n to fo rm a d o d e q u a tro palavras o d istin g u e d e E m an u el, o
su ste n ta d o r d o n o m e de q u a tro b ên ção s (9 .6 < 5 > ). A ssim , Isaías lib e rto u E m a-
nuel d o e n tã o p re se n te e a p o n to u seu n a sc im e n to “ n o fu tu ro ” (9 .1 < 8 .2 3 > ).
Isaías fala da q u e d a d e D a m a sc o e de Sam aria a c o n te c e n d o antes que 0 meni-
no saiba disçer p a p a i’, o u seja, em cerca de n o v e m eses o u p o r v o lta disso.
E m 734 a .C , T iglate-P ileser m a rc h o u na co sta d o m a r israelita através da
Filístia, se g u in d o n a d ireção da fro n teira egípcia, c o rta n d o a ajuda egípcia para
os p o d e re s da aliança. E m 733 a.C., Israel p e rd e u a G alileia, a T ran sjo rd ân ia
(2Rs 15.29), M eg id o e o u tra s cidades e foi só a ráp id a su b m issã o de O seias que
salvou o re in a d o p o r m ais alguns anos. D a m a sc o caiu p a ra a A ssíria e m 732.
5-8 Isaías, n o s versículos 1-4, re fo rm u lo u 7.16 em te rm o s d e M ah er-S h a-
lal-H ash-B az; o n a sc im e n to d o m e n in o sinalizaria a im in e n te elim in ação d o s
p o d e re s d o n o rte d ia n te d a A ssíria. E le, n o s versícu lo s 5-8, e lab o ra 7.17; o d o -
m inio assírio so b re Israel (6,7) seria apenas um p relú d io d e seu d o m ín io so b re
Ju d á (8).
6 S eg u in d o a seq u ên cia natural a p a rtir d o versículo 4, este povo é Sam aria,
0 R eino d o N o r te .1 Siloé era o rio q u e com eçava n o G io m e ia até Jeru salém .
P rim eiro, ele re p re se n ta v a a m o n a rq u ia davídica (pois foi em G io m q u e o rei-
n a d o p a sso u de D avi p a ra seus filhos; lR s 1.33,34,45) e, seg u n d o , rep resen tav a
Jeru salém c o m o a cidade de fé. E m 7.3, A caz, so b am eaça d e in v asão e de cerco,
voltava a ate n ç ã o p a ra seu vulnerável s u p rim e n to d e água. E m b o ra Je ru sa lé m
o c u p asse u m d o s lugares m ais inexpugnáveis d o m u n d o an tig o , sua fo n te de
água ficava fo ra d o s m u ro s da cidade, c a água era tra n sp o rta d a p ara a cidade 1

1 K is s a n e d iz q u e “ e s te p o v o ” é u m t e r m o té c n ic o p a ra J u d á . M as n ã o é isso : e m 2 3 .1 3 , a
e x p re s s ã o r e fe re -s e a u m p o d e r e s tr a n g e ir o e, e m 9 .1 6 , a o R e in o d o N o r te . M as c o m o
c o n s e q u ê n c ia d e in te r p r e ta r “ e s te p o v o ” c o m o J u d á , a le g ro u -s e (n fsô s) é c o r rig id o p a ra
“ c o n s u m iu - s e ” (d e m e d o ) (n fsô s). V eja a RSV. Λ ú n ic a v a n ta g e m d e ssa m u d a n ç a é fo c a r o
c e rn e d a e s c o lh a q u e A caz te m d ia n te d e si: a a p a r e n te frag ilid ad e d o c a m in h o d a fé (o fio
d e á g u a d e S iloé) e a a p a r e n te c e rte z a d o c a m in h o d a fo rç a m u n d ia l (o E u fra te s ).
O LIVRO DO REI 120

p o r canais e x te rn o s q u e co rriam so b re a terra. V iver em Je ru sa lé m , p o rta n to ,


exigia a fé q u e o S e n h o r cu m p riría sua p ro m e ssa d e q u e essa era a cid ad e q ue
esco lh era e d e fe n d e ría (veja c o m e n tá rio so b re 22.9-14). A d eserção das trib o s
d o n o rte foi a rejeição deles d e D av i, d a cidade esco lh id a e d o c a m in h o d a fé.
E m vez d e se reg o zijarem em R ezim (ou seja, q u a n d o o lh aram seus p ró p rio s
recu rso s n ã o era o p o d e r d o S en h o r, m as o p o d e r d e reis te rre n o s) e n o filh o de
R em allas (isto é, n ã o o m o n a rc a de D avi d iv in am en te indicado, m as u m m o n a r-
ca d e sua p ró p ria escolha). E sse a b a n d o n o ab ra n g e n te d o S en h o r, sua cid ad e e
seu rei deve co n se g u ir a re c o m p e n sa q u e m erece.
7 Isaías, co m as palavras “ eis q u e ” (ARC) ch am a a ate n ç ã o d e fo rm a d ra-
m ática p ara a c o n se q u ê n c ia d e e sc o lh e r u m a salvação alternativa. O p o v o esco-
lh eu c o n fo rm e o fu n d a m e n to m u n d a n o : a segurança coletiva d a aliança m ilitar
(R eifim ) e a lid eran ça d o s h o m e n s q u e n ã o su b iram ao p o d e r p o r in d icação
divina, m as p o r m eio d e artifício h u m a n o (2Rs 15.25ss.). O castig o de esco -
lh e r o m u n d o é c o n se g u ir o m u n d o c o m p le to e pleno : aqui, “ as águas d o rio,
fo rte s e im p e tu o sa s” (A RC), o u seja, o E u frates. O te m a d o s d ois rios, Siloé
(6) e E u fra te s (7), o ferece u m c o n tra ste n otável e n tre a a p a re n te fragilidade da
fé e o a p a re n te p o d e rio d o m u n d o . P ara o s o lh o s h u m a n o s, o c a m in h o d a fé
(Jerusalém e seu vulnerável su p rim e n to de água) é re p le to d e in seg u ran ça e pe-
rigos, m as o c re n te vê tu d o isso e diz: “A quele q u e p ro m e te u é fiel” (H b 10.23).
M as e sc o lh e r o m u n d o é se r su b ju g ad o p elo m u n d o . Isaías n ã o p e rm itirá q u e
o p o v o escap e ao rig o r d e sua p ró p ria escolha; e sc o lh e r u m salv ad o r q u e n ão
seja o S e n h o r equivale a e n c o n tra r um d e stru id o r, d e u m a m an eira o u d e o u tra
0 rei da A ssíria com todo 0 seu poderio } A té m e sm o as poderosas e devastadoras águas
c u m p re m o s p ro p ó s ito s divinos. A ascen são d o im p é rio e da m e n te im perialis-
ta é em si m e sm a u m a coisa p e c a m in o sa (veja 10.5-15), m as n ã o significa q u e
isso a c o n te c e à p a rte d o S e n h o r e seu sa n to g o v ern o . A s águas só e n c o b re m as
m arg en s para ir p a ra o n d e ele as guia. A ssim , o R ein o d o N o rte de Israel, em
734, c o m e ç o u a c o lh e r as rec o m p e n sa s d e IR eis 12.16 e das decisõ es to m ad as
d u z e n to s a n o s antes.
8 O te rm o inundarão (Ίhãlap) expressa m udança, um a coisa su b stitu in d o o u -
tra (cf. 21.1), algum a coisa v in d o d e m an eira n o v a e ro b u sta . A in u n d a ç ã o q u e
alagou Israel re ú n e n o v o ím p e to p a ra avançar so b re Ju d á , n ã o se p o d e acab ar
co m a am eaça (inundarão [...] cobrindo-o [...] se espalharão), m as ela é co n tro la d a ,
e há u m ne p lu s ultra [e n ada m ais além ; a perfeição]: cobrindo-o a té 0 pescoço. A
te rra d e E m a n u e l é in u n d ad a, m as c o n tin u a co m a “ cab eça fo ra d ’água” . Ju d á ,
ao c o n trá rio d e Israel q u e foi v arrid a pela A ssíria, so b rev iv eu à in u n d ação . O 1

1 M u ito s in s is te m (se m e x p lic ar) q u e a r e fe rê n c ia a o “ rei d a A s síria ” d e v ia s e r o m itid a c o m o


u m a n o t a e x p lic a tiv a p o s te r io r (veja B H S ). I s s o d e s tr ó i o im p a c to q u e Isaías a lc a n ç o u ao
s e r se u p r ó p r i o in té r p r e te a q u i c o m o e m 7.17. A le x a n d e r c ita E w a ld d iz e n d o q u e “ to d a
re p e tiç ã o [...] to r n a a h ip ó te s e d a in tc r p o la ç ã o m ais im p ro v á v e l” .
121 ISAÍAS 7 ·I - 9.7

c u m p rim e n to d e 6.9-13 e sp era o u tra s m ãos. Ju d á , em essên cia, to m o u a m esm a


decisão q u e Israel — esc o lh e u um rei te rre n o (Assíria) c o m o sua segurança,
em vez d o S e n h o r — e, p o r isso, m ereceu te r o m e sm o d estin o . M as o S e n h o r
ta m b é m é s o b e ra n o n a aplicação d o ju lg am en to ; ele n ã o está p re so p o r leis
inexoráveis, m as executa liv rem en te sua san ta v o n tad e. A ex p ressão seus braços
abertos p o d e se referir ao a la stra m e n to e x te rio r da in u n d ação , m as é e n te n d id o
m ais v iv id am en te c o m o u m a m u d a n ç a de m etáfora: a Assíria, c o m o um a enor-
m e ave de rapina, obscu rece a te rra to d a, p ro n ta para atacar. A frase a tua terra,
ó E m anuel resum e a tragédia d a escolha de A caz. E m an u el é p e g o na d estru ição
realizada pela descrença. Seu reinado é d esp o jad o d a g lória te rre n a , e ele vem
c o m o u m rei so fre d o r. H isto ric a m e n te (cf. 2R s 16), o fato d e A caz re c o rre r à
A ssíria e sua su b m issão à su p rem acia assíria tro u x e ra m p az e o fim d a am eaça
d o n o rte . Isaías, n o e n ta n to , vê através d a realidade: a glória tin h a p a rtid o , e o
tro n o d e D av i, ag o ra, era u m a irrealidade vazia; n u n c a v o ltaria a se r so b eran o .
A g o ra, n ã o havia n ada para E m a n u e l h erd ar, a n ã o ser so frim e n to e perda.

O remanescente (8.9-22)
(Veja o e sb o ç o d a página 97.) A s duas referências a “ E m a n u e l” ligam essa
seção à últim a. E m 8.8, E m a n u e l c o m p a rtilh a o s o frim e n to de sua te rra e, em
8.9,10, e m b o ra as n açõ es d o m u n d o se p re p a re m p ara a b atalh a seu p la n o será
fru stra d o , “ p o is D e u s está c o n o s c o ” (kí 'imm õnú ,St). E m a n u e l é u m a v erd ad e
e ta m b é m um n o m e — a verd ad e d a p re se n ç a d o S e n h o r c o m seu p o v o e a
segu ran ça q u e isso traz.
Alas q u e m está seguro? A c o n fro n ta ç ã o d e Isaías c o m A caz tro u x e a q u es-
tão da fé pessoal e d o c o m p ro m isso à to n a e e x p ô s o líd er e ta m b é m a n ação
esta n d o cien te d e u m esp írito d e aliança m u n d a n a e de falta d e co n v icção es-
piritual. O im p o rta n te d essa seção é q u e ela traz isso ao p o n to d e se r d efin id o
n a d o u trin a d o rem an escen te. “ U m re m a n e sc en te v o ltará” (Sear-Jasube; cf. 7.3;
10.20s.) n ã o significa m ais apenas q u e se m p re haverá so b rev iv en tes p ara co n ti-
n u ar a n ação na terra, m as q u e há u m a d istin ção e n tre o p o v o d e D e u s p ro fe sso
secu larizado e p o litiz a d o e aqueles, d esse p o v o , q u e se v o ltam p a ra ele a rre p e n -
dido s e c o m fé, q u e o lh am sua palavra e o b e d e c e m a ela.

1. A p re se n ç a d o S e n h o r c o m o o p o n to d e diferen ciação (9-15)


a. E n tre os p o v o s e o p o v o (9,10)
O s p o v o s fazem alianças e p lan o s h o stis, m as sem sucesso,
“ p o is D e u s está c o n o s c o ”
b. E n tre o p o v o e o re m a n e sc en te (11-15)
E m lealdade (11-13): um a seção vive n o te m o r m u n d a n o ,
a o u tra só tem e o S e n h o r
E m ex periência (14,15): para um a seção o S e n h o r é
u m sa n tu á rio (14a), para a o u tra (14b,15) ele é u m a o casião d e ru ín a
O LIVRO DO REI 122

2. A fé c o m o m arca de d iferen ciação (16-22)


a. O c a m in h o d a fé (16-18)
A su b sta n c ia da fé é o q u e D e u s testifica (16); seu o b jeto ,
D e u s m e sm o (17); seu lugar d e descan so , o q u e D e u s d eclara
em relação aos seus p ro p ó sito s (18)
b. O c a m in h o d a infidelidade (19-22)
A infidelidade rejeita o S e n h o r m e sm o (19) e sua palavra (20).
A s co n seq u ên cias dela são a calam idade (21a), o d e se sp e ro (21b)
e a d e sesp eran ça (22)

O m aterial reu n id o n essa u nidade de in stru ção é diversificado. O s versícu-


los 9 e 10 p o d eríam p e rte n c e r a qualquer p erío d o d o m inistério de Isaías, pois,
ao lo n g o deles, seu p o v o é am eaçado p o r p o d eres d o m u n d o . E sses versículos
rep resen tam b e m seu m in istério d e c o n so lo q u a n d o o s p o d e re s d o n o rte e tam -
b é m a A ssíria a p ro x im am -se de Ju d á. O s versículos 11,12 e 17,18 p a re c e m ser
frag m en to s de u m “ diário esp iritu al” em q u e Isaías an o tav a sua p ró p ria cam i-
n h a d a co m D eus. O s versículos 13-15 e 19,20 são a p a n h a d o s d o s e n sin a m e n to s
d a d o s a seu g ru p o d e discíp u lo s re feren tes às p re ssõ e s q u e so friam e à vida
d istintiv a q u e d ev eríam levar. O versículo 16 é u m a o rd e m v isa n d o o g ru p o de
d iscipulado, e o s versículos 21,22 p re d iz e m a d eso lação p o r vir (cf. 6.11,12). É
u m a m arca d o cu id ad o editorial p e rc e p tiv o q u e esse c o n g lo m e ra d o p o ssu i, n ão
só a u n id ad e did ática d e m o n stra d a acim a, m as ta m b é m a u n id ad e estru tu ral:

A1 O co la p so in te rn a c io n a l (9)
B1 A co n su lta estéril (10)
C1 Isaías é se p a ra d o d o p o v o pela palavra d o S e n h o r (11)
D1 O m e d o d o ím p io (12)
E1 O m e d o d o p ie d o so (13)
E2 O privilégio d o p ie d o so (14a)
D2 O d e stin o d o ím p io (14b ,15)
C2 Isaías e o g ru p o separado para a palavra d o S en h o r
(16-18)
B2 A co n su lta estéril (19,20)
A2 O co la p so nacional (21,22)

A v an tag em d e d e m o n s tra r u m a passag em d essa m an eira é q u e ela e x p õ e a


verd ad e c en tral o u , c o m o diría W atts, a “ p e d ra an g u lar” . H á u m p o v o n o p o v o
(E 1 e E 2 d elim itad o s p o r D 1 e D 2) d iferen ciad o p o r sua p ro fu n d a rev erên cia
co m o sa n to S e n h o r (E 1) e sua p re se n ç a san ta e n tre eles (E 2; so b re “ sa n tu á rio ”
veja adiante) e p e lo o u v ir e e n te so u ra r a palavra d e D e u s (C 1, C 2). N o c o n flito
das naçõ es, eles estã o seguros (A 1, B ') e, n o co la p so das n açõ es, ag a rra m -se ao
q u e D e u s fala (A2, B 2). E les, a p a re n te m en te , n ã o estã o im u n es n e m iso lad o s
123 ISAÍAS 7.1-9.7

q u a n d o a calam idade se a b a te so b re o p o v o d o qual são m e m b ro s, m as eles, ao


c o n trá rio da d e se sp e ra n ç a d o resto , tê m u m a palav ra firm e à qu al se agarrar.
9,10 A s idéias expressas n esses versículos le m b ra m S alm os 2.1-6 e 46— 48.
0 te m a da h o stilid ad e in tern acio n al o rq u e stra d a e ineficaz c o n tra a cid ad e em
q u e o rei d o S e n h o r reina e o S e n h o r m e sm o h a b ita fazia p a rte d a a d o ração n o
tem plo . Isaías, aqui, p o d e até m e sm o e sta r c ita n d o u m h in o d o te m p lo .1 C o n -
tu d o , n ã o há ex em p lo em o u tra s passagens d e “ E m a n u e l” c o m u m u so cultuai
o u c o m o n o m e p a ra o rei davídico, m as é im pensáv el a ch ar q u e Isaías usaria
'êl p ara D eus, em vez d e ’elõhim o u (c o m o em SI 46.7,11) lav é se n ã o p reten d ia
ligar a p re se n ç a g u ard iã d o D e u s q u e g o v e rn a as n a ç õ e s c o m E m an u el. A ssim ,
E m a n u e l é o g o v e rn a n te d o m u n d o ; D e u s m e sm o está p re se n te e m E m an u el
c o m o a seg u ran ça d e seu povo. A frase continuem a fa% er 0 m a l in te rp re ta u m ver-
b o q u e significa b asicam en te “ p ô r em re b u liç o ” . O v erb o , e m n e n h u m a o u tra
p assag em , é exem plificado n a fo rm a sim ples ativa u sad a aqui, m as isso n ão
p o d e ser c o n sid e ra d o u m a dificuldade, s o b re tu d o q u a n d o o se n tid o está tão
a d e q u a d o ao c o n te x to .2 O tu m u lto , reb o liço , das n ações faz p a rte d a rep resen -
tação cultu ai da h o stilid ad e in te rn a c io n a l (co m o SI 2). U m se g u n d o im p erativ o ,
co m freq u ên cia, ex p ressa a c e rteza co m q u e u m a coisa d ev e se seguir à o u tra.
A ssim , a e x p re ssã o serão destruídas indica q u e n ad a é m ais c e rto q u e as n açõ es
d e stru irã o apenas a si m esm as se atacarem o p o v o c o m q u e m D e u s está. N o
versículo 10, a futilidade da inim izade in te rn a c io n a l é este n d id a d e sua força
coletiva (co m o n o v. 9) a seu p lan ejam en to . N e n h u m p la n o c o n tra o p o v o de
E m a n u e l será b e m -su c e d id o (cf. 54.15-17).
11 D e a c o rd o co m K aiser, Isaías, c o m a ex p ressão 0 Senhor fa lo u comigo,
explica “ c o m o ele alcan ço u u m a p az inabalável, e n q u a n to a c o rte e o p o v o fo-
ram to m a d o s d e p ro fu n d a c o m o ç ã o ” (cf. 7.2). “ N ã o [foi] c o n se q u ê n c ia d e u m a
p e rc e p ç ã o política m e lh o r o u d e u m a n a tu re z a m ais ro b u sta , m as d e in sp iração
divina” . A m ã o sim boliza a ação e o p o d e r pesso ais (cf. E x 6.1) e, p o r isso, aqui
a ex p ressão com um a fo rte m ão (A RC)/ “ c o m a fo rç a d a m ã o ” significa “ c o m seu
p o d e r c o n v in c e n te ” . A ssim , a palavra d o S e n h o r p re ssio n a Isaías a se d istan ciar
d o p o v o (cf. J r 15.17). Sua sep aração n ã o foi exclusivism o d e te rm in a d o p o r ele
m esm o , m as (co m o to d a se p aração verdadeira) o b ed iên cia à p alav ra d e D eu s. O

1 C f. H e r b e r t. S o b re a a s s o c ia ç ã o d e S a lm o s 4 6 — 48 c o m Isaías, v e ja K irk p a tric k , Psalms


(C U P , 190 2 ).
2 A f o r m a r õ 'ü p o d e s e r ·Irã'a ', m a s o s e n tid o d e “ q u e b r a r ” é in s u s te n tá v e l. S e ele f o r
p ro v e n ie n te d e ■Irã ' a ' (“ s e r p e r v e r s o ” ), u m a tra d u ç ã o p o ss ív e l se ria “ faz se u p io r ” , m as
isso fo rç a o s e n tid o d e m a n e ira c o n sid e rá v e l. ■Irúa ’ (“ p ô r e m r e b o liç o ” ) p o d e r ía p e r m itir
a f o r m a q u e te m o s (cf. M q 4 .1 3 ; G K C 72 q ) e é a m e lh o r o p ç ã o , e m b o r a e m n e n h u m a
o u tr a p a s s a g e m seja e x e m p lific a d o n o q al. A L X X tra z g n õ te, q u e p r e s u m e c f 'ú (sab er,
c o n h e c e r). C o m p a r e a N E B c o m o B H S , q u e o f e re c e u m b o m p a ra le lo c o m “ o u v ir” .
O LIVRO DO REI 124

caminho refcrc-sc p rin c ip a lm e n te ao estilo d e vida, m as aqui inclui o s p e n sa m e n -


tos, as idéias, o s te m o re s, etc. característico s de seus c o n te m p o râ n e o s.
12 O s v erb o s, ag o ra, passam p ara o plural. Isaías te m o u tro s co m ele n essa
vida sep arada. A g o ra, é explicado de fo rm a c o m o v e n te c o m o eles avaliam os
fato s d a vida c o n te m p o râ n e a (12a) e c o m o reagem aos p erig o s d ela (12b). O
te rm o q eser (conspiração), em to d as suas o u tra s treze o co rrê n c ias (p o r ex em p lo ,
2Sm 15.12; 2R s 11.14), significa traição in tern a. O te rm o ·Iqãsar o c o rre em
N eem ias 4 .8 < 4 .2 > p ara co n sp ira ç ã o ex tern a. N ã o te m o s n e n h u m a in fo rm a -
ção so b re u m a traição in te rn a c o n tra A caz — a m en o s, claro, q u e a o p o siç ã o
d e Isaías estivesse se n d o co n sid erad a c o m o tal (cf. J r 37.11-13; 38.1-4). N ã o
sab em o s se é esse o caso, m as se fosse, e n tã o a o rd e m é n ã o ser tira d o d o
c a m in h o da o b e d iê n c ia pela calúnia p o p u lar. A “ c o n sp ira ç ã o ” d e q u e te m o s
c o n h e c im e n to é a d o s p o d e re s d o n o rte p la n e ja n d o inv ad ir o R ein o d o Sul e
acab ar c o m a m o n a rq u ia davídica. M as se essa era d e fa to um a c o n sp ira ç ã o p o r
q u e Isaías e seu g ru p o são in stru íd o s a n ã o cham á-la assim ? A referên cia p o d e
se r à “ aliança” (um se n tid o possível p a ra a palavra) q u e A caz estava n e g o c ia n d o
c o m a A ssíria (veja a n o ta de ro d a p é d a N V I). P ara Isaías, isso n ã o era aliança,
m as su bm issão, era tro c a r a so b eran ia p o r u m a su p o sta seg u ran ça, a ssin a n d o
sua p ró p ria se n te n ç a de m o rte (com o, adiante, em 28.14s.). O s q u e viviam so b
a palavra e a p ro m e ssa d e D e u s eram ch a m a d o s a se afastar d o clam o r p o p u la r
pela su p o sta seg u ran ça d a aliança política e força arm ad a d o m u n d o .1 O te rm o
tem ieri aqui se relaciona co m a am eaça d o n o rte (7.2). Isaías e seus discípulos n ão
devem p articip ar de u m a sociedade infestada pelo m edo, m as ser osten siv o s co m
um estilo de vida distinto, inabalado pelo m e d o q u e os rodeava; u m a calm aria em
m eio às tem pestades e perigos da vida.
13 A s palavras tem er e p a vo r ca sa m c o m as d o versícu lo 12. O fato d e n o ver-
sículo 12 n ã o se r tã o esp ecificad o indica q u e n ã o é p a rtic u la rm en te im p o rta n te
sa b e r o q u e o m u n d o tem e; o im p o rta n te é q u e o m u n d o saiba o q u e o c re n te
tem e, a saber, o S enhor. Isaías e seus discípulos, n o m eio d e u m p o v o tern ero -
so, n ã o são d e ste m id o s, m as o te m o r deles é dirigido d e fo rm a d istinta. A vida
deles tem d e se r g o v e rn a d a pela co n sciên cia teoló gica d o Senhor, lavé, o D e u s
d o ê x o d o (E x 3.13-15; 6.6-8), q u e red im e seu p o v o e d e stró i seus inim igos. E le
é o Senhor dos E x é rc ito s/ “T o d o -p o d e ro s o ” (veja c o m e n tá rio so b re 1.9), o D e u s
o n ip o te n te , o santo. Consider¡á -\o i santo é re s p o n d e r a ele à m ed id a q u e vive co m
c o n sta n te co n sciên cia de sua n a tu re z a santa. E sse D e u s tem d e se r tem id o , o u
seja, p ro fu n d a m e n te reverenciado, c o m o é possível o b se rv a r em 6.3ss.

1 G . R. D r iv e r (“T w o m is u n d e r s to o d p a ssa g e s o f th e O ld T e s ta m e n t (Is v iii.1 1 -1 4 ; Je.


V i.2 7 -3 0 )” , J T S 6 [1 955], p. 8 2 -87) su g e re q u e q e se r p o d e sig n ific a r “ d ific u ld a d e ” , o u seja,
o re m a n e s c e n te p o d e v iv e r c o m p r o b le m a s e s u p e rá -lo s n a v id a q u e d e sa fia o re sto .
125 ISAÍAS 7·I - 9.7

14,15 O santuário n ã o é u m refúgio, m as “ u m lug ar sa n to ” (m iqdãs), um


lu g ar n o qual D e u s h ab ita c o m to d a sua santidade. O santuário é a v in d a d o
S e n h o r p a ra h a b ita r e n tre seu povo, m as a v in d a, c o m o n o ta b e rn á c u lo e n o
tem p lo , co m to d a a realidade d e sua p re se n ç a san ta (E x 40.34; lR s 8.10). T o-
davia, c o m o esse sa n tu á rio era u m a casa de sacrifício, foi feita p ro v isão (6.6,7)
p a ra q u e o s p e cad o res ficassem seg u ro s e fo ssem b e m -v in d o s d ian te dele. D a
m esm a m an eira q u e “ D e u s está c o n o s c o ” (10) d iferen cia o p o v o d e o u tro s
p o v o s, ta m b é m aqui a p re se n ç a san ta d iferencia o re m a n e sc en te d o povo. M as
e m b o ra su a p re se n ç a o fereça para alguns a feliz o p o rtu n id a d e p a ra se arre p e n -
der, c re r e, p o r m eio d a indicação d a g raça, te r c o m u n h ã o e paz c o m ele, para
o u tro s, sua p re se n ç a re p re se n ta castigo. P ara eles, o S e n h o r é “ u m a p e d ra de
tro p e ç o , u m a ro c h a q u e faz cair, [...] u m a a rm ad ilh a e u m laço” . O p rim eiro p ar
d e palavras ex p ressa a atitu d e d o p o v o para c o m D e u s — eles ig n o ra m -n o e,
p o r isso, tro p e ç a m nele; o se g u n d o p a r expressa a h o stilid ad e d o S e n h o r para
c o m eles. (Para “ tro p e ç a rã o ” cf. SI 91.12; p a ra “ p e d ra d e tro p e ç o ” cf. J r 6.19-
21; E z 3.20; 7.19.) A im ag em ex p ressa u m a p ro v id ên cia divina vigilante p o r
m e io da qual o p e c a d o r receb e ex a ta m e n te o q u e m erece, m as n ã o faz isso sem
u m a a d v ertên cia p ara fazê-lo re p e n sa r seu c a m in h o d e sastro so . E c o m o se u m a
ro c h a fo sse co lo cad a n o m eio d a e strad a p a ra avisar o viajante d o perig o , m as
este, p o r d e sc u id o o u d e sd é m , n ão d á a ten ção à a d v ertên cia e tro p e ç a p ara a
m o rte . A ên fase nesses versículos está n o q u e é m ais o fen siv o p ara o p e c a d o r
e q u e, ao m e sm o te m p o , co n stitu i seu m a io r perigo : a p re se n ç a d o divino. O
m e sm o D e u s em sua n a tu re z a im utável é ta n to o sa n tu á rio q u a n to a arm ad ilh a;
d e p e n d e d e c o m o as p esso as re sp o n d e m a sua san tidad e.
16-22 A s atitu d es c o n tra sta n te s d o S en h o r, ag o ra, são o p e ra d a s em u m a
n o v a direção. O c o n tra ste é e n tre esperareipelo Senhor (17) e amaldiçoarão [...] 0 seu
D eus (21); e n tre fé p acien te e d escren ça im paciente.
16,17 E sses versículos, n a e stru tu ra da passagem , estão ligados ao versícu-
lo 11. E a c o m p u lsão da palavra d o S en h o r (11) q u e cria o rem an escen te separa-
do. O versículo 16 expressa o e n te so u ra m e n to c o m u m da verdade d e D e u s p o r
p a rte deles; e o versículo 17, a confiança paciente e pessoal q u e anim a cada um
deles.
16 C aso se p re te n d a fazer u m a d istin ção e n tr aguarde e sele, “ g u a rd e ” signi-
fica “ p ro te g e r” , salvaguardar de ad u lteração e “ selar” re p re se n ta a testar c o m o
v ersão final e, p o rta n to , p ro te g id a d e acréscim o. O te m p o im p erativ o sugere
um a to definitivo, u m a segurança p recisa (até m e sm o legal) d a m en sag em de
Isaías c o n tra q u a lq u e r acusação d e q u e ele n ã o disse isso o u aquilo e c o n tra
ad u lteraçõ es o u acréscim os p o ste rio re s feitos p o r o u tro s. O m andam ento é o
que D e u s testificou c o m o sua verd ad e (para lei, veja o c o m e n tá rio so b re 1.10).
O LIVRO DO REI 126

M eus discípulos são “ m e u s in stru íd o s” (cf. 50.4; 54.13).1 O te rm o m eu[...] p o d e ría


se referir a Isaías, e to d o o versículo, desse m o do, seria sua o ração para q ue o Se-
n h o r salvaguardasse e preservasse o q u e o p ro fe ta ensinara para seus discípulos.
M as é m elh o r e n te n d e r o te rm o co m o sen tid o de q u e o S en h o r está afirm an d o
0 rem an escen te c o m o seu. A relação deles é co m ele, a particularidade deles tem
de estar sob in stru ç ã o (cf. 50.4) e o privilégio deles é a p o sse d o te ste m u n h o e
da lei d o S enhor. A qui, diz G ray, está “ o su rg im e n to d e u m a so cied ad e religiosa
esp iritual d istin ta d e u m a so cied ad e religiosa n acio n al” .
17 C ada u m , re u n id o em to rn o da palavra escrita de D e u s (16), testifica
u m a fé ex p e c ta n te q u e esp era p a c ie n te m e n te o q u e o S e n h o r fará. O s te rm o s
esperarei (‫י‬Ihãkâ ) e esperança (■Jqãwâ; p o r exem plo, 40.31) a m b o s são palavras d e
“ e sp era” , c o m b in a n d o paciência co m confiança. O se n tid o d a ex p ressão que
está escondendo é “esco n d erá” . A fé é feita para os dias som brios. O s versículos 20-
22 ap resen tam u m a atitude distinta para as trevas. “ E sc o n d e r o ro sto ” é u m sinal
de desaprovação — é o o p o s to de “ fa[zerj resp la n d e c er o seu ro s to ” (N m 6.25).
A caz se d esv io u d o fav o r d o S en h o r, e Isaías e seus discíp u lo s n ã o estav am im u-
nes às calam idades d e c o rre n te s disso. M as eles, nas trevas crescen tes, tin h am
um a fé s u ste n ta d o ra e ex p e c ta n te e u m a e sp eran ça firm e.
18 A expressão inicial “aqui estou” exige atenção à m edida que Isaías se ofere-
ce co m o um ex em p lo da fé d o re m a n e sc en te na h o ra das trevas. E le se fo rtalece
re le m b ra n d o , p rim eiro , o re la c io n a m en to p esso al d e D e u s co m ele e sua fam ília
e, segundo, a realidade objetiva d a escolha de Sião p o r D e u s e a p ro m essa divina
que essa escolha implica. O s sinais ( ’<5/0/; p o r exem plo, E x 3.12) dirigem a atenção
para a verdade e os sím bolos/“presságios” (<m õpíim ) p re n d e m a aten ção (p o r exem -
pio, E x 3.3). A ssim , a coincidência d o nascim ento de M aher-Shalal-H ash-B az e
a m en sag em d e u m a “ placa d e b o m ta m a n h o ” (1 -4) são u m “ p resság io ” , m as
seu n o m e e o n o m e d e seu irm ã o são “ sinais” . Isaías n ã o usa e x p lícitam en te
seu p ró p rio n o m e (“ lav é salva”) n o reg istro d e sua p reg ação ; ele, em 20.1-6,
foi ta n to um p resságio q u a n to u m sinal. A p re p o siç ã o “ d a ” n a frase da p a rte
do Senhor é (lit.) “ d e c o m ” , co m frequência, u sad a para e n fa tiz a r “ d a p ró p ria
p re se n ç a d e ” . E ssa é a co n fia n ç a d e Isaías na o rig em divina e n a tran sm issão
a ele d a m en sag em q u e ele e seus filhos in c o rp o ra m . U m a vez q u e D e u s lid o u
co m ele em u m a ex periência p essoal, ele p o d e fo rta le c er sua fé p ara as trevas
d e p ro v ação q u e te m à frente. O b je tiv a m e n te , o S e n h o r que habita no m onte Sião
d eclaro u sua esco lh a d o Sião e sua in te n ç ã o d e h a b ita r ali p ara sem p re. Isso,
c o m o em 28.16, ta m b é m é u m fu n d a m e n to da fé. O q u e o S e n h o r p ro m e te u ,
ele c e rta m e n te m a n te ria e realizaria.
19-22 O s discípulos de Isaías já fo ram a d v e rtid o s p a ra ev itar as o p in iõ e s
e alarm es p o p u la re s (12); agora, ele ad v e rte -o s c o n tra a religião e a su p erstição

1 D o c o n trá rio , lim m úd o c o r r e a p e n a s e m J r 2 .2 4 e 1 3.23, n o e n ta n to , n à o n o s e n tid o d e


“ d is c íp u lo s ” .
i 27 ISAÍAS 7 . 1 7 ·9 ‫־‬

p o p u lares, as b estas q u e in vadem a v in h a d e sp ro te g id a (5.5). O p ro fe ta , c o m o


u m p a s to r e p ro fe s s o r c u id ad o so , avisa d e a n te m ã o d o a u m e n to d a p ressão
(19a); esclarece a q u e stã o (19b); ex p õ e o a b su rd o (19c); a p re se n ta a alternativa
p o sitiv a (20a); e lança u m a clara a d v ertên cia (20b-22).
19 O te rm o procurem é “ b u sq u e m ” (cf. D t 4.29; 12.5) ex p re ssa n d o um a
d ecisão d elib erad a de ir a o n d e isso p o d e se r e n c o n tra d o . A p alav ra h eb raica
para m édium é 0¿ó£, a m u lh e r de E n - D o r q u e invoca esp írito s era p o ssu íd a p o r
um o¿, u m “ e sp irito fam iliar” p o r m eio d o qual ela c o n ta ta v a o m o rto . A lgu ém
que consulte os espíritos (yield" 'õ n im , de iy ã d a ', “ sa b e r”) é aq u ele q u e afirm a te r “ co-
n h e c im c n to in te rn o ” , so b re tu d o d o fu tu ro , algo p ro ib id o em L evítico 19.31;
20.2 e D e u te ro n ó m io 18.11 (passagens em q u e os q u e c o n su lta m esp írito s são
c o n tra p o s to s c o m o p ro fe ta q u e traz u m a palavra seg ura d o S en h o r). O te rm o
m urm ure (j$ãpap) só aparece em Isaías 10.14; 29.4; 38.14; ele é u sad o p ara sus-
su rra r e g rita r (de m ed o ). O te rm o ih á g á (balburiar) p o d e significar “ m e d ita r”
(Js. 1.8), “ g e m e r” (Is 38.14) o u , em u m se n tid o geral, ap en as “ falar, p ro c la m a r”
(SI 35.28). O s te rm o s “ chilreiam e m u rm u ra m e n tre d e n te s ” (A RC), em u m u so
dep reciativo, z o m b a d o c o m p o rta m e n to d o m é d iu m e d o a b su rd o d e co n fiar
em u m a o rie n ta ç ã o dessas. A palavra h eb raica para “ acaso n ã o c o n su lta rá ” (TB)
é u m a e x p re ssã o enfática invertida: “A caso o p o v o n ã o c o n su lta rá seu D e u s? ”
A palav ra povo ( 'am ) é a palavra, c o m frequência, u sad a p a ra o p o v o privilegiado
de D e u s c o m p a ra d o c o m as n açõ es d a terra. Isaías, aqui, recap itu la a trag éd ia
p o r m eio d a qual “ m e u p o v o ” (3.12) se to rn a “ este p o v o ” (6.9) e “ seu D e u s”
(7.11), “ m e u D e u s ” (7.13). O e n tu sia sm o deles p elo s m é d iu n s e o s ad iv in h ad o -
res p ro v a ta n to o a fa sta m e n to in se n sa to e traiço eiro deles d e seu D e u s q u a n to
o a fa sta m e n to ju sto e ju lg ad o r d o S e n h o r em relação a eles. O se n tid o literal da
frase p o is [...] recorrem é u m a exclam ação co rta n te : “ O s m o rto s, em n o m e d o s vi-
vos!” N a Bíblia, m o rre r n ã o re p re se n ta ad q u irir p o d e re s o u sab ed o ria m aio res
d o q u e o s d o q u e estã o vivos na terra. O m o r to saú d a o rei d a b a b ilô n ia co m a
frase: “V ocê ta m b é m p e rd e u as forças c o m o n ó s ” (14.10). S am uel m o rto (IS m
28.16ss.) n ã o sabe e n ã o diz n ad a d ife re n te d o q u e sabia e disse n a terra. N a ver-
dade, os m o rto s, n o A n tig o T e sta m e n to , são m ais fracos q u e os vivos p o rq u e
são apen as so m b ra s (veja o c o m e n tá rio so b re 14.9) de seu a n tig o “ e u ” , pesso as
pela m etad e, alm as sem co rpo.
20 E sse versícu lo c o m eça co m o u tra exclam ação notável. A lei e os m an-
dam entos (veja v. 16) são o re c u rso suficiente d o s v erd ad eiro s discípulos. D a
m esm a m an eira q u e é n ecessário u m m e d ia d o r p ara c o n su lta r o m o rto (mé-
dium ou alguém que consulte os espíritos), ta m b é m q u a n d o o re m a n e sc en te co n su lta
seu D e u s, p recisa d e u m m e d ia d o r — a v erd ad e q u e ele atesta e en sin a, sela e
salvaguarda e n tre eles. A frase se eles não fa la rem conforme esta palavra, vocêsja m a is
verão a lu% fo rn e c e co m ex atid ão a “ d ireção ” de u m a difícil p eça d e h eb raico . E
O LIVRO DO REI 128

possível q u e se [...] não seja a e x p ressão idiom ática p ara fazer v o to s afirm ativ o s
e lutç é a m e tá fo ra p a ra um fu tu ro p ro m isso r. Se fo r esse o caso, p o d e m o s tra-
d u z ir a frase p o r: “ P o r c e rto eles falariam de a c o rd o co m essa palavra q u a n d o
n e n h u m deles te m fu tu ro ” (ou seja, eles to m ariam c o n h e c im e n to d o q u e D e u s
fala tard e dem ais). U m a trad u ção alternativa p o d ería ser: “ N a v erd ad e, d e acor-
d o co m essa palavra eles disseram q u e m são, cada um sem fu tu ro ” (ou seja,
“ na v erd ad e, eles falaram ” (20) faz paralelo co m “ q u a n d o d isseram ” (19) e seu
c o m p ro m isso c o m o e sp iritism o o s deixa fo ra d a esfera d e esp eran ça); ou: “ Se
eles n ã o falarem de a c o rd o co m essa palavra, co m certe z a n e n h u m deles tem
fu tu ro ” ; ou: “ o re su lta d o é q u e n e n h u m deles tem fu tu ro ” .1 E ssa é a g a m a d e
possib ilidades n o h eb ra ic o d e Isaías c o n fo rm e chega a nós. D e a c o rd o c o m as
d uas p rim eiras, ab ra ç a r u m a sab ed o ria m e ra m e n te h u m a n a (m esm o c o n su lta n -
d o o s espíritos) revela a co n d iç ã o d e sesp eran çad a e a p e rd a d e p o ssib ilid ad e de
a rre p e n d im e n to ; d e a c o rd o co m as duas últim as, rejeitar a palavra d o S e n h o r
equivale a a b raçar a desesp eran ça. D e to d o jeito, a d e se sp e ra n ç a é u m fato ob je-
tivo; n o s versículos seguintes, Isaías fala d isso c o m o u m a exp eriên cia subjetiva.
21 ,22 A ssim , eles fo ram para o exílio, p a ssa n d o p rivação (21a), exaspc-
rad o s política e e sp iritu alm en te (21b) sem esp eran ça d o céu (21d) e d a te rra
(22a) o u d o fu tu ro (22b). T o d o s os v e rb o s d esses v ersículos e stã o n o singular,
in d iv id u alizan d o a sina em co m u m : “ o p o v o ” (N T I.H ).
21 E les estarão aflitos efam intos, q u e é a sina d o cativo; sim b o licam en te, a
re te n ç ã o d o s b e n s d a te rra p a ra aqueles q u e rejeitaram o D eu s d a te rra (cf. G n
3.17-19; A m 8.13s.). A ex p ressão pela terra é um a tra d u ç ã o d e “ através d ela” ,
q u e p o d e ría se referir à te rra q u e atravessam n o exílio o u o p e río d o d e d esesp e-
ran ça q u e en fre n ta m . K a ise r c o n sid era q u e “ p ela” q u e r d izer “ em c o n c o rd â n c ia
c o m ” , refe rin d o -se à lei e aos m a n d a m e n to s, a palavra rejeitada d o versícu lo 20;
eles, ao recu sar a verd ad e d a palavra, so fre m suas co n d en açõ es. A ex p ressão
amaldiçoarão 0 seu é (lit.) “ am ald iço ad o p o r ” , o u seja, eles in v o carão o rei e D e u s
ao p ro n u n c ia r u m a m aldição. A fó rm u la q illêl be n ã o é usad a em n e n h u m o u tro
sentido. E la, co m certeza, a u m e n ta a ca tá stro fe e o d e se sp e ro d a situ ação se o u -
vem o p o v o in v o c a n d o u m a m aldição em seu d e stin o em n o m e de u m sistem a
(o rein ad o davídico) q u e eles tin h a m tra íd o e de u m D e u s n o qual se recu saram
a confiar.

1 S e g u in d o a frase “ Se eles n ã o fa la re m c o n f o r m e e sta p a la v ra ” , o T M traz: ’‫״‬s e r ,Sn lõ sahar.


O p r o n o m e re la tiv o te m u s o m u ito flexível, s u rg in d o d e u m s e n tid o b á s ic o c o m o “ o fa to
d e q u e ” , “ o fa to é ” (cf. I S m 1 5.20; G n 11.7). T a m b é m p o d e r ía sig n ific a r “ a s s im ” (cf.
3 7 .2 1 ; G n 3 1 .4 9 ). I s s o p o d ia lig ar o s v e rsíc u lo s 2 0 e 21: “ Se eles n ã o fa la re m c o n f o r m e
e sta p a la v ra , a ssim v o c ê s jam ais v e rã o a lu z, a flito s e f a m in to s v a g u e a rã o [...]” .
129 ISAÍAS 7 . I - 9.7

22 O lem a p re d o m in a n te é as trevas, p ara a qual Isaías usa aqui três pala-


vras d istin ta s.1 E les am avam as trevas, n o s q u a rto s das trevas em q u e co n su lta-
vam o m o rto c o b e rto co m m o rta lh a , e a justiça divina lhes d e u o q u e am avam :
trevas p o r to d o lu g ar e u m fu tu ro s o m b rio pela fren te, o c astig o d e a b a n d o n a r
seu D e u s e d e re c u sa r seus m a n d a m e n to s e sua lei.

A esperança gloriosa (9.1-7<8.23— 9.6>)


A o lo n g o da p assag em 8.11-22, o re m a n e sc en te q u e crê são as p esso as
q u e têm esp eran ça. Sua o rie n ta ç ã o d istin ta d e vid a (8.12,13) traz d iferen tes
expectativ as (8.14); eles re c o n h e c em u m a a u to rid a d e d ife re n te so b re sua vida
(8.16,19,20a) c o m u m a atitu d e d istin ta em relação a o fu tu ro (8.17,18 se c o n tra -
p õ e ao s w . 21,22). Para o p re se n te , eles sab em q u e D e u s está c o m eles (8.14a);
para o fu tu ro , eles e sp e ra m p elo dia em q u e o S e n h o r n ã o e sc o n d a m ais seu
ro sto e o s p e d id o s in e re n te s em Isaías e seus filhos e em Sião são c u m p rid o s
(8.17s.). E m u m a palavra, p a ra o re m a n e sc en te , além das trev as d o ro sto e sco n -
d id o e d o c a m in h o a n g u stia n te h á a luz resp la n d e c en te d e 9 .1 -7 < 8 .2 3 — 9 .6 > .
E ssa e sp e ra n ç a é firm e. A passag em 9.1-7 é fo rm u la d a n o te m p o passad o ;
0 fu tu ro é escrito c o m o algo q u e já a c o n te c eu , p o is ele p e rte n c ia à co n sciên cia
p ro fé tic a d e h o m e n s c o m o Isaías p ara se lan çarem à fre n te n o te m p o e, d ep o is,
re m e m o ra r os a to s p o d e ro so s de D eu s, d iz e n d o -n o s: “ E sp e re m p o r isso, ele,
co m c erteza, já fez isso!” Isaías, p o r causa d e sua co n fian ça, c o n seg u e locali-
zar a luz d e 9.1ss. n a p ro x im id ad e im ed iata das trevas d e 8.22, n ã o p o rq u e ela
a c o n te c erá d e im ed iato , m as p o rq u e ela é im ed iatam en te visível p ara os o lh o s
da fé; os q u e c a m in h a m nas trevas p o d e m v er a luz à fre n te e são su ste n ta d o s
pela esp eran ça.
O p o e m a cai em duas seções:

1. A esp e ra n ç a d escrita (9 .1 -3 < 8 .2 3 — 9 .2 > )


a 1 O q u e D e u s faz
U m a n o v a situação p o r m eio d o ato de D eu s: d a m e sm a m an eira
q u e ele “ a m eaço u c o m d e sd é m ” , a g o ra ele “ h o n ra rá ” (9 .1 < 8 .2 3 > )
b 1 O q u e seu p o v o d e sfru ta
U m a n o v a situação p ara o p o v o de D eu s: as trevas se
tra n sfo rm a ra m e m luz (2 < 1 > )
c1 O q u e se segue
U m a n o v a situação e n tre o S e n h o r e seu p o v o : ele te m cad a vez
m ais a alegria e o reg o zijo deles d ia n te d e si (3 < 2 > )

1 A s tre v a s s ã o u m a p a la v ra p a d rã o , IfS ê k â ( p o r e x e m p lo , 5 0 .1 0 ); e s c u rid ã o (o s in ô n im o


m ã 'ü p ) só é e n c o n t r a d o a q u i. O s u b s ta n tiv o re la c io n a d o 'êpâ o c o r r e e m A m ó s 4 .1 3 (c f.J ó
10 .2 2 ). D e n s a s tre v a s tr a d u z a d e q u a d a m e n te o t e r m o ’“p ê lâ (cf. Ê x 10.22).
O LIVRO DO REI 130

2. A e sp e ra n ç a explicada (4 -7 < 3 -6 > )


a2 O q u e D e u s faz
A p rim eira explicação: o a to de D e u s de lib ertação (4 < 3 > )
b2 O q u e seu p o v o d e sfru ta
A seg u n d a explicação: e n tra n d o n o s fru to s d a v itó ria (5 < 4 > ;
esse v ersículo ta m b é m c o m eça c o m “ p o is”)
c2 O q u e se segue
A terceira explicação: o rei e seu g o v e rn o (6 ,7 < 5 ,6 > )

T o d a atividade é d o lado d e D eu s. O te m a de G id e ã o (Jz 6— 8) e a c o n o ta -


ção d e ê x o d o d o versículo 4 ilustram isso e n q u a n to o fe re c em a o m e sm o te m p o
u m c o n ju n to c o n tra sta n te de circunstâncias. O ê x o d o foi u m a to p o d e ro s o d e
D e u s, revelando, re d im in d o e d e stru in d o , m as a situ ação e m q u e ele é in tro d u -
zido, o p o v o d e D e u s estava d ista n te d o ideal, e sua p ro v ação n o d e s e rto e x p ô s
sua p ró p ria re sp o sta m iserável à g raça d e D eus. A vitó ria, ig u alm en te n o caso
d e G id eão , foi dissipada em ap o stasia (jz 8.27) e em an arq u ia (Jz 9) so b g o v er-
n a n te s lo n g e d e se r perfeitos. M as, n o dia d a g ra n d e esp eran ça, a re sp o sta ca-
sará c o m o a to de D eu s: q u a n d o a luz brilhar, eles a v e rã o (2), q u a n d o a alegria
au m en tar, eles se reg o zijarão (3) e e n tra rã o n o rein o d e paz so b o rei p erfeito ,
u m a m b ie n te e u m g o v e rn a n te p ro d u to re s d e perfeição.
O p o e m a é cheio de tem as reais e davídicos,1 m as é re le v a n te m en te dis-
tin to d o s salm os reais u sa d o s c o m o o d e s d e c o ro a ç ã o p a ra os v e rd a d e iro s reis
d e Ju d á. O s m o tiv o s d e m e ssiad o real são to m a d o s aqui co m g ra u ex tra de
seriedad e p o r e sta r d ire ta m e n te ligados ao rei, em vez d e te o ric a m e n te lig ad o a
ele. A “ filiação” d e S alm os 2.7, p o r exem plo, é só u m p e n sa m e n to a n d a n te em
co n e x ã o c o m o s reis d e Jeru salém . A filiação, na m e lh o r das h ip ó te se s, é ad o -
tada, u m títu lo d e “g raça e favor” ; d a m e sm a m an eira q u e a d eid ad e d o rei em
S alm os 45.7. M as aqui é um rei n ascid o (6; cf. M t 2.2), n a v erd ad e, divino. N ele
é in c o rp o ra d o tu d o q u e foi im aginado; ele é a escatologia.
Isaías fu n d a m e n ta sua visão n a dev astação das te rra s d o n o rte (1 < 8 .2 3 > )
p o r v o lta de 733. O p o e m a te m de ser d a ta d o n essa ép o ca. N ã o seria a p ro p ria -
d o se p a ra r essa área d e p o is d e to d o o R eino d o N o r te te r sid o d e p o rta d o em
722 o u em algum a d ata p o sterio r. A n tes, o povo, n a p rim e ira injúria d e v e r as
pátrias alienadas e o s irm ã o s israelitas levados cativos, teria b u sc a d o o p ro fe ta
p a ra te r u m a palavra d o S enhor. S ua réplica d e q u e o n d e caíram as trevas raiaria
a luz d o m ais g lo rio so c u m p rim e n to (M t 4.12-17).

1 S c o tt o b s e r v a o s se g u in te s te m a s d a v íd ic o s: o a lv o re c e r d e g r a n d e lu z (cf. 2 S m 2 3 .4 ; SI
1 1 0 .3 ; 1 1 8 .2 4 ,2 7 ); o re g o z ijo (cf. SI 1 1 8 .1 5 ,2 4 ; 13 2 .9 ,1 6 ); a d e r r o t a d o s in im ig o s (cf. SI
2 .2 ,8 ,9 ; 7 2 .4 ,1 4 ; 8 9 .2 3 ; 1 1 0 .1 ,5 ,6 ; 132.18); o q u e im a r c o m fo g o (cf. 2 S m 2 3 .7 ; SI 2 1 .9 ;
1 1 8 .1 2 ) ; a c o n tin u a ç ã o re a l p a ra s e m p re (cf. SI 2.8 ,9 ; 2 1 .4 ; 6 1 .6 ,7 ; 8 9 .3 ,4 ,2 8 ,2 9 ,3 6 ,3 7 ;
1 3 2 .1 1 .1 2 ) .
131 ISAÍAS 7 . I - 9.7

1 < 2 3 > O versícu lo c o m eça (lit.) “ c o m c erteza, n e n h u m a e scu rid ão para


e la /p a r a q u e m /o s quais estavam aflitos” . As palavras, sem n e n h u m v e rb o de-
clarado, e x p ressam u m fato, em vez d e u m a predição. A p alav ra escuridão {m ifã p )
só é u sad a aqui e está d ire ta m e n te relacionada c o m as trevas { m a ú p ) em 8.22. O
te rm o aflitos (musãq) está relacio n ad o co m a palavra tra d u z id a p o r tem ível (?uqà)
em 8.22. O o lh o d a fé o lh a tu d o isso, m as a firm a q u e, e m b o ra seja real, n ã o é a
“v e rd a d e ira ” realidade. O p o v o de D eu s, c o m o sem p re, tem d e d ecid ir p o r qual
leitura d e sua ex p eriên cia eles viverão. E les tê m de v e r a escu rid ão , a d esesp e-
ran ça, o s so n h o s d esfeito s e co n clu ir q u e D e u s se esq u eceu deles? O u tê m de
le m b ra r as m isericó rd ias p assadas d o S en h o r, le m b ra r suas p ro m e ssa s atuais
e fazer u m a g ra n d e a firm a ç ão de fé? (Cf. SI 74.2-17; 7 7 .5 -1 5 < 6 -1 6 > .) Isaías,
aqui, in siste q u e a e sp e ra n ç a é u m a realidade atual, p a rte d a c o n stitu iç ã o d o
“ a g o ra ” . A e sc u rid ã o é v erd ad e, m as n ã o é to d a a v e rd a d e e, c o m c erteza, n ão é
a v e rd a d e fu n d a m e n ta l. O b se rv a m o s q u e essas palavras iniciais e stã o no passado
o u no fu tu ro e estã o fo ra d a e stru tu ra d o versículo. E las p o d e m se r u m a p eça de
c o stu ra editorial p o r m eio d a qual Isaías p ô s o p o e m a d e esp e ra n ç a n o lu g ar em
seu esq u em a. H um ilho u significa “ tra to u c o m d e sd é m ” . A terra [...] de N a fta li fica
ao lo n g o da c o sta o cid en tal d o m a r da G alileia e se e ste n d e em d ireção ao n o rte ;
a de Zebulom ficava a o e ste e a su d o e ste de N aftali, n a m e ta d e d o c a m in h o en tre
o m a r d a G alileia e o M e d ite rrâ n e o (Js 19.10-16,32-39). E ssas regiões fo ram as
p rim eiras a cair p a ra a A ssíria. O p o v o foi d e p o rta d o , e suas terras, c o m G ilead e
n a T ra n sjo rd â n ia , to rn a ra m -se três p ro v ín cias assírias. A s m esm as regiões são
c o b e rta s pela d escrição tripla q u e se segue: “ H o n ra rá a G alileia d o s g e n tio s [a
ex te n sã o n a d ireção n o rte d e N aftali], o c a m in h o d o m a r [a te rra e n tre o m ar
d a G alileia e o M e d ite rrâ n e o ], ju n to ao J o rd ã o [G ileade, T ran sjo rd ân ia]” . A
e x te n sã o n a d ireção n o rte d e N aftali é m e n c io n a d a ap e n a s c o m o G alileia em
Jo su é 20.7, 21.32; IR eis 9.11; 2Reis 15.29; lC rô n ic a s 6.76. E m n e n h u m a o u tra
p assag em a G alileia é c h a m a d a d e G alileia dos g en tio s/“ n a ç õ e s” . O b se rv a m o s
p rim e iro q u e q u a n d o su rg e a e sp eran ça até m e sm o os a n tig o s n o m e s serão m u-
d ad o s, o a n tig o p a sso u e, seg u n d o , q u e a referên cia a dos g en tio s/“ das n a ç õ e s”
in tro d u z u m a n o v a ideia, o en v o lv im e n to d o s g e n tio s n o te m p o d e esp eran ça.
A c essão d essa área feita p o r S alo m ão a H irã o (lR s 9.11) o u o fracasso d e Z e-
b u lo m e d e N aftali (Jz 1.30,33) em ex p u lsar os can an eu s originais p o d e o fe re c er
alg o d o c o n te x to h istó ric o para a referên cia aos g e n tio s aqui, m as o fato su b s-
tancial é q u e n in g u ém m ais q u e se referiu à G alileia a c h o u n ecessário ch a m a r a
ate n ç ã o p a ra os gen tio s. M as o M essias é p a ra o m u n d o (cf. 11.10; 42.1,6; 49.6;
60.1-3), e Isaías ap ro v e ito u a o p o rtu n id a d e para in tro d u z ir o tó p ic o aqui em sua
p rim eira ex p o sição im p o rta n te da v in d a d o Rei.
2 - 6 < l- 5 > A s experiências fundam entais de luz e alegria (2,3) estão relacio-
nadas a três explicações (v. 5, b em c o m o os w . 4 e 6, co m eçam co m “p o is” e
O LIVRO DO REI 132

“ p o rq u e ”). A p rim eira explicação é a liberação (4); a segunda (5) é to m a r p o sse


d o s fru to s d e um a vitória passada; e a últim a explicação (6) é o n ascim en to da
criança.
2 < 1 > Isaías p assa de terras tra n sfo rm a d a s pela b ê n ç ã o divina p a ra o povo
e n tra n d o n a luz d o fav o r d e D eu s. O te rm o cam inhava significa o p o v o v iv en d o
sua vida. O re m a n e sc en te , p e g o na rede d a calam idade p ú b lica, a n d o u cam i-
n h a n d o em trevas, so fre n d o a o cu ltaçào d a face d o S e n h o r (8.17), e m vez d e n ão
reagir às trevas c o m m ald içõ es e d e se sp e ro (8.21), m as co m as exp ectativ as dis-
ciplinadas d e fé (8.17). E provável q u e o u so d a ex p ressão som bra da m orte faça
a rra n jo c o m a segunda sílaba d a palavra sa lm ü í (trevas) para tra n sfo rm á -la em
$alm ãw et (“ e scu rid ão d a m o r te ” , p ro b le m a s c o m o lançar u m a so m b ra sim ilar
à m o rte ), m as a relação co m a m o rte é m e ta fó ric a.1 E ssa é u m a palavra m u ito
fo rte. O m o tiv o d e trevas-luz a p o n ta p ara u m a o b ra criadva d e D e u s, o ú n ic o
q u e p o d e fazer tal tra n sfo rm a ç ã o (cf. 4.5; G n 1.2,3; 2 C o 4.6). O s v e rb o s viu e
raiou ju n tam a experiência subjetiva (viu) co m o fato o b jetiv o (raiou), a ação
divina e a re sp o sta h u m a n a , ca sa n d o u m a co m a o utra.
3 < 2 > Isaías, n a frase fize ste crescer/ “ m u ltip licaste” a nação, m o stra a m e sm a
ten são d o N o v o T e sta m e n to en tre a escassez d o re m a n e sc en te e a m u ltid ão d o s
red im id o s.23O triu n fo da g raça g a ra n te a v in d a d e m u ito s filhos p a ra a glória
(H b 2.10). O h e b ra ic o d o T M tra d u z id o p o r aum entaste a sua alegria tem o q u e
p arece ser a p a rtíc u la n egativa “ n ã o ” (/<?’; cf. a AV), m as n ã o p arece possível
e n c o n tra r u m se n tid o a d e q u a d o p ara u m v e rb o negativo. A so lu ção m ais satis-
fató ria é e n te n d e r essa aqui c o m o u m a das q u in ze ocasiõ es em que, d e a c o rd o
co m as n o ta s m asso téricas, te m o s de ler lõ ’ c o m o lô (“ p a ra ele”), aqui “ p ara
eles” , refe rin d o -se ao su b sta n tiv o coletivo nação? A o rd e m das palavras su g ere
q u e o se n tid o é “ para eles ( d e to d o s o s povos!), você a u m e n to u a alegria” . A
m u ltiplicação d a n a ç ã o é u m m o tiv o sa lo m ó n ic o q u e a c o n te c e p e rio d ic a m e n te
n esse p o em a. S alo m ão foi o ú n ic o realm en te a se se n ta r n o tro n o d e D av i, pois
0 rein o se dividiu im e d ia ta m e n te ap ó s sua m o rte . E a d e q u a d o q u e ele seja m e-
m o riz a d o c o m o p re v isto p o r Isaías c o m o o v erd ad eiro su c e sso r d av íd ico (cf.
lR s 4.20 co m suas n o ta s das in ú m eras e alegres [um c o g n a to de alegria n esse
versículo] p essoas). O fa to o b je tiv o d o a u m e n to d iv in o da alegria casa c o m a
experiên cia subjetiva dela — eles se alegram. A s palavras diante de ti falam d e e n tra r
n a p re se n ç a d o S e n h o r e d e se r aceito nela (cf. E x 23.15,17; D t 12.7; 14.26); o

1 O t e r m o sa lm ã w e l é u s a d o d e z o ito v ezes. A p e n a s n a m in o ria d a s o c a s iõ e s ( p o r e x e m p lo ,


J ó 3 .5 ; 1 0 .21 ), a id eia d e m o r te se a p ro x im a d o p rim e iro p la n o . E la r e fe re -s e a o p r o b le m a
c o m o d e la n ç a r u m a s o m b r a sim ila r à m o r te s o b r e a v ida.
2 C f. 1.9; 3.2 5 — 4 .1 ; 7 .3 c o m 1 0 .2 0 -2 2 ; 2 6 .1 5 ; 4 9 .1 9 -2 1 ; 54 .1 -3 ; 6 6 .8 ,9 ; M t 7 .1 3 ,1 4 ; L c 1 3.23-
3 0 ; A p 7 .9 -1 7 .
3 C f. Ê x 2 1 .8 ; L v 11 .21; 2 5 .3 0 ; I S m 2.3; 2 S m 16.18; 2 R s 8.10; E d 4.2; J ó 1 3 .15; 4 1 .4 ; SI
1 0 0 .3 ; 1 3 9 .1 6 ; P v 19.7; 2 6.2 ; Is 63.9.
133 ISAÍAS 7.I-9 .7

c u m p rim e n to a n te c ip a d o d e to d a s as festas antigas. D u a s esferas c o n tra sta n te s


d e alegria, colheita e bens tom ados, e x p ressam a ideia d e to d o d p o d e alegria, a ale-
gria e m sua p len itu d e. T a n to a co lh eita q u a n to a v itó ria são dádivas divinas (p o r
exem plo, D t 28.2-8). A co lh eita p e rte n c e à esfera d a “ n a tu re z a ” , a p ilh ag em
à esfera da h istória. O dia m essiân ico p ro m e te lib e rta r d a ad v ersid ad e trazid a
pelas c ircu n stân cias o u p e lo povo. C o m o o versícu lo 4 explica, o a ju n ta m e n to
de b e n s to m a d o s é u m a im agem de e n tra d a n o s fru to s d e u m a v itó ria q u e eles
n ão fizeram n a d a p ara c o n q u ista r, u m b e n efício sem c o n trib u ição .
4 < 3 > H á do is c o n ju n to s d e referên cias h istó ricas n esse versículo. P rim ei-
ro, o v o c a b u lá rio u sa d o lem b ra o E gito, p o r exem plo,/»¿¿/ (Lv 26.13), canga (Ex
1.11; 2.11; 5.4,5; 6.6,7), ombros (SI 8 1 .6 < 7 > ) e opressor (Ê x 3.7; 5.6,10-14). O êxo-
do, o a to p ro e m in e n te d e D e u s (E x 3.7,8; 2S m 7.23), o ferece o p a n o d e fu n d o
para a v in d a da criança. S egundo, a d e rro ta de M idiã reg istrad a em Ju izes 6— 8
é lem b rad a aqui. Isso é ad eq u ad o , po is G id e ã o foi, em p articu lar, o lib e rta d o r
de A ser, de Z e b u lo m e de N aftali (Jz 6.35), e a n arrativ a trab alh a p a ra e n fatizar
a v itó ria c o m o u m a to d e D eu s, excluindo a glória h u m a n a (Jz 7.2-14), o p e ra d a
pela re p e n tin a ex p lo são d e luz (7.20). T rês a sp e c to s d o s o frim e n to são incluí-
do s n a libertação. O jugo que os oprim ia é o so frim e n to re a lm e n te s u p o rta d o , um a
fo rm a p e n o sa de vida. N a frase 0 bordão do seu ombro (TB ), “ b o rd ã o ” deve ser
m e sm o “ b o rd ã o ” , “vara” o u “ b a stã o ” , o ú n ico se n tid o q u e m a!(êh tem em u so
n ão m etafó rico . Isso é s o frim e n to infligido q u a n d o se b a te co m a vara nas cos-
tas deles. A ex p ressão a vara de castigo do seu opressor é o so frim e n to su rg in d o de
ho stilid ad e p esso al, c o m o de u m capataz. M as, ag o ra, n ã o hav erá jugo, g o lp es
nem tiranos.
5 < 4 > A m e tá fo ra d e c o n q u ista (3,4) alcança seu p o n to m á x im o co m o ato
final d e espoliação, m as é u m a m e táfo ra. U m a vez q u e a v isão é fo rm u la d a em
te rm o s reais, a su b m issão d o m u n d o ao rei, seg u n d o a m an eira d o s reis, é vista
c o m o u m a co n q u ista. N o e n ta n to , na v erd ad e, é u m a p az p ro p a g a d a e, em seu
c u m p rim e n to (v. 7; cf. A t 15.13ss.), a o b ra de evangelism o. O versículo 5, co m o
os versículos 4 (“ po is”) e 6 (“ p o rq u e ”), com eça c o m a palavra “ p o is” e é a según-
da explicação d e três (veja p. 129s.). D e a c o rd o co m o versículo 4, o ato divino
liberta e, n o versículo 5, o p o v o lib ertad o en tra livrem en te n o s fru to s d a vitória
d o Senhor. A frase toda bota de guerreiro usada em combate é (lit.) “ to d o s o s calçados
q u e p isaram n o tu m u lto ” . O su b sta n tiv o [ f ’õ n , bota) e o p articip io q u e a co m p a-
nha ( so ’ê n , usada em combate) só são e n c o n tra d o s aqui n o A n tig o T e sta m e n to e
são d e sc rito s de fo rm a variada c o m o e m p ré stim o s d e palavras egípcias, assírias
o u aram aicas. E las são escolhidas aqui para ex p re ssa r a q u e b ra d o p o d e r estran -
geiro q u e p re n d ia o p o v o d o S enhor. A queim a[...] d a ap arelh ag em m ilitar, de
toda bota de guerreiro usada em combate e de toda veste revolvida em sangue c o rre sp o n d e
a 2.2-4. Alt, estas se to rn a m as fe rra m e n tas d a paz paradisíaca, aqui tu d o que
O LIVRO DO REI 134

é inflam ável vai p ara a fogueira o u para a lareira d o m éstica; a g u e rra acab o u
(cf. Z c 9.10). M as o p o v o n ã o lu to u a b atalh a final, ele só e n tro u n o c a m p o de
b atalh a d e p o is d e te rm in a d a a luta.
6 < 5 > A terceira explicação rastreia to d as suas últim as raízes. A ên fase n ão
cai n o q u e a crian ça fará q u a n d o crescer, m as n o m e ro fato d e seu n ascim en to .
C o m sua v in d a, tu d o q u e resulta d e sua v in d a é ¡m ed iatam en te g aran tid o . A
ênfase h eb raica n ã o está em nos, m as n aq u ele q u e vem . A palavra m ança (yeled )
a relacion a c o m seus ancestrais; filh o ex p ressa sua m ascu lin id ad e e d ig n id ad e
d e lin h ag em real. E le nasceu c o m o d e d e sc e n d ê n c ia h u m a n a e foi dado c o m o d e
D eu s. O te rm o misrâ (governo) só é e n c o n tra d o aqui e n o v ersícu lo 7 e se rela-
cio n a c o m sãr (“ p rín c ip e ” , “ ex ecutivo”). C o m essa fo rm ação , q u e r d iz e r o n d e
é e p ito m a d a a m ajestad e o u a u to rid a d e executiva. A ex p ressão seus ombros é u m
sím b o lo de “ s u ste n ta r o g o v e rn o ” (cf. 22.22). O b s e rv e ta m b é m c o m o “ seus
o m b ro s ” são lib erad o s d o jugo (v. 4) q u a n d o ele su ste n ta o fard o d o g o v ern o .
R ing gren, ao c o m e n ta r e ele será cham ado/“ e alguém ch am ará seu n o m e ” o u “ e
ele será c h a m a d o p elo n o m e ” , o b se rv a um c o stu m e e n tre os v izin h o s d e Israel
de d a r “ n o m e s d e tr o n o ” , u m “ p ro to c o lo real” “ c o m freq u ên cia, co m in te n ç ã o
p ro g ra m á tic a ” . E le sugere q u e esse p o d e ser o se n tid o d e “ d e c re to ” em Sal-
m o s 2.7, u m n o m e d iv in a m e n te d a d o — indicativo d e c o m o d eve ser o n o v o
rei e seu g o v e rn o .12Só S alo m ão (cf. v. 3), en tre o s filhos de D av i, teve u m n o m e
d e n a sc im e n to d a d o p o r D eus. D avi, re sta u ra d o à p az c o m D e u s, c h a m o u o
filho d e S'lõmõh, “ o h o m e m de p a z ” ; o S e n h o r c h a m o u -o d e Jed id ias, “ am a d o
p elo S e n h o r” . D e ssa m aneira, a criança é o n o v o Salom ão, o h e rd e iro p e rfe ito
de D avi.
O livro d e Isaías é c o n h e c id o p o r n o m e s relevan tes (cf. 7.3; 8.1ss.) ta n to p o r
an u n ciar ev e n to s p re d ito s relevantes p o r vir q u a n to ta m b é m p o r “ in c o rp o ra r”
a palavra d o S enhor. N o n o m e q u á d ru p lo d o Rei, os d o is p rim eiro s e le m e n to s
casam c o m seu n o m e a n te rio r d e E m a n u e l e o s dois se g u n d o s m e n c io n a m as
co n d iç õ e s q u e ele executará. O títu lo M aravilhoso Conselheiro1 é (lit.) “ asso m -
b ro so c o n se lh e iro ” e “ a sso m b ro s o ” (veja a n o ta adicional) significa algo c o m o
“ so b re n a tu ra l” . A s duas p ossibilidades são o u “ u m c o n se lh e iro so b re n a tu ra l”
o u “ algu ém q u e d á c o n se lh o s so b re n a tu ra is” . E ssa foi a p rim eira p ro m e ssa de
Isaías em relação à n o v a Sião (1.26). N a c o rte d e D avi, havia o m ais q u e h u -
m a n a m e n te d o ta d o A itofel (2Sm 16.23) e a sab ed o ria d e Salom ão, n o in ício d e
seus dias, exigiu explicação so b re n a tu ra l (lR s 3.28). Isaías, ao p articu larizar essa
dádiva d o Rei p o r vir, estava c o m p re e n siv e lm en te reag in d o a A caz, o rei q u e
foi capaz e e sp e rto , m as n ã o sábio. N o e n ta n to , ele, m u ito m ais q u e isso, ia ao

1 H . R in g g re n , The M essiah in the O ld Testament, p. 29.


2 U rn a v e z q u e o s ú ltim o s trê s p a re s n o títu lo q u a d r ú p u lo sã o lig a d o s p e la re la ç ã o g e n itiv a ,
o a r g u m e n to d e p a rid a d e su g e re q u e o s d o is p rim e iro s n o m e s ta m b é m e s tã o u n id o s.
¡35 ISAÍAS 7.1-9-7

c e rn e das coisas — c o m o fez o jovem S alom ão (IR s 3.9). A s d ecisõ es d e u m rei


fazem o u d e stro e m reinos, e u m re in a d o d e stin a d o a ser e te rn o exige um a sa-
b e d o ria c o m o a d o D e u s etern o . N e sse caso, o D eus Poderoso, ( ’ê l g ib b ô r), c o m o
D e u s p o rq u e é D e u s, é o título d a d o ao S e n h o r m e sm o em 10.21 < 2 2 > . Isaías,
claram en te, q u e r q u e levem os a sério o c o m p o n e n te ’ê l d esse n o m e c o m o de
E m a n u e l (veja a n o ta adicional). A palavra Poderoso (g ib b ô r ; “ g u e rre iro ”) co m -
p le ta as referências m ilitares n o s versículos 3-5.
D e u s veio a n a sc e r tra z e n d o co m ele as qualidad es q u e g a ra n te m a p reser-
vação de seu p o v o (sabedoria) e a lib ertação (força de gu erreiro ). O s títu lo s P ai
E tern o e P rínápe da Pag) descrev em as co n d iç õ e s q u e o n a sc im e n to d o Rei trará.
O P ai n ã o é usual n o A n tig o T e sta m e n to c o m o títu lo d o s reis. O n o m e u sad o
p a ra o S e n h o r a p o n ta sua p re o c u p a ç ã o c o m o in d e fe so (SI 6 8 .5 < 6 > ), c o m o cui-
d a d o o u a disciplina d e seu p o v o (SI 103.13; P v 3.12; Is 63.16; 6 4 .8 < 7 > ) e co m
a re sp o sta leal e rev eren te deles ao S e n h o r (Jr 3.4,19; M l 1.6). Para idéias sem e-
lh an tes usadas em relação ao rei davídico, veja S alm os 72.4,12-14; Isaías 11.4.
E provável q u e a prin cip al ideia aqui n o n o m e P ai seja q u e seu g o v e rn o segue o
p a d rã o d a p a te rn id a d e divina. E le, c o m o E te r n o /“ de e te rn id a d e ” , receb e “ esse
e p íte to [com o] claro só p o d e ría ser aplicado a la v é ” .' Isaías usa “ e te rn o ” /a d )
m ais q u e q u a lq u e r o u tro a u to r, às vezes, em um se n tid o g en é ric o (p o r exem -
pio, 26.4; 30.8), m as ta m b é m em seu in eq u ív o co se n tid o (p o r ex em p lo , 57.15;
6 4 .9 < 8 > ; 65.18). Q u a n d o o p o v o p e d iu para te r um rei, eles tin h a m e m m e n te
q ue u m a in stitu ição c o n tín u a lhes daria m ais segurança e m ais g aran tia que
0 g o v e rn o te m p o rá rio d o s juizes. M as a segurança to ta l exige m ais q u e esse
g o v e rn o d e sc o n tín u o e é alcan çad o em um rei q u e rein a e te rn a m e n te . C o m o
Príncipe da P a‘,ζ, os m o tiv o s d e G id e ã o e de S alom ão rea p a rec e m , e a negativa
“ n ã o m ais g u e rra ” d o versículo 5 é su b stitu íd a pela g a ra n tia p o sitiv a co rres-
p o n d e n te . A p az, n o p la n o pessoal, significa c u m p rim e n to ; a e x p re ssã o “ ir[...]
[m orrer] em p a z ” é te r vivido u m a vida realizada, te r alcan çad o tu d o q u e D e u s
p lan ejo u (p o r exem plo, G n 15.15; 2R s 22.20). Paz é b e m -e sta r (p o r exem plo,
G n 29.6) e lib ertação d a an sied ad e (IS m 1.17). E m re la c io n a m en to s, é b o a vo n -
tade e h a rm o n ia (Ê x 4.18), o o p o s to de g u e rra (Lv 26.6). E m d ireção a D e u s, é
a p len a realização de seu favor (N m 6.26), a “ aliança d e p az [com D e u s]” (N m
25.12; Is 53.5; M l 2.5,6). E m 2Sam uel 11.7: “ D av i p e rg u n to u -lh e c o m o estavam
Jo ab e e os so ld a d o s e c o m o estava in d o a g u e rra ” , o u seja, q u eria sa b e r so b re o
b e m -e sta r deles e o p ro g re sso d a g u erra. T u d o isso está relacio n ad o ao sen tid o
b ásico d e isã lê m , “ e sta r in te ir o /c o m p le to ” . O P rínápe da Pag) é ele m e sm o o
h o m e m ín teg ro , a p e rso n a lid a d e perfectam ente in te g ra d a e h a rm o n io sa , se r um
co m D e u s e a h u m a n id a d e , m as ta m b é m c o m o P ríncip e, esses são os b en efí-
cios q u e ele ad m in istra a seu povo. 1

1 G . A . F. K n ig h t, y l Christian Theology o f the O ld Testament (S C M , 1 9 5 9 ), p. 303.


O LIVRO DO REI 136

7 < 6 > S eu re in a d o se estenderá e o cu p a rá p ro g re ssiv a m e n te to d o e sp aço


até ele g o v e rn a r so b re to d o s.1 O dom ínio ([misrâ) é u m a realidade p rin cip esca, o
v erd ad eiro g o v e rn o executivo (veja v. 6). A s qualidades q u e ele in c o rp o ra per-
feitam en te n ã o so fre m p e rd a n e m m u d a n ç a pela m á ad m in istração . Salom ão, o
h o m e m da p az, estab eleceu seu tro n o d e a c o rd o co m as esp a n to sa s o rie n ta ç õ e s
finais d e D av i, em b ru ta l d e rra m a m e n to d e sangue (lR s 2), m as a g o ra à m ed id a
q u e o re in o p rin c ip e sc o se p ro p a g a , a pasç se p ro p a g a . N a v erd ad e, é u m im -
p ério, m as n ã o h á im perialism o, há g o v e rn o , m as n ã o há ex p lo ração , an tes, há
c o m p a rtilh a m e n to in fin ito de sua p ró p ria “ realização” p e rfe ita e m levar o s q u e
estão so b seu g o v e rn o à perfeição.
O p o n to focal d o rein o é 0 trono de D a vi. E m o u tra s palavras, as m uitas
p ro m e ssa s nas quais A caz se re c u so u a c o n fia r serão m a ra v ilh o sa m e n te cu m -
pridas. A luz disso, e n te n d e m o s q u e o “ filho” d o v ersícu lo 6 d ev e significar
“ filho de D a v i” . A qui é o enigm a m essiânico d o A n tig o T e sta m e n to : c o m o
u m filho v e rd a d e iro d e D a v i p o d e se r o D eu s Poderoso e “ Pai E te r n o ” ? E ssa é
ex a ta m e n te a te n sã o na v erd ad e d o A n tig o T e sta m e n to q u e o S e n h o r Jesu s, em
M ateu s 22.41-46, te n to u fazer co m q u e o s m ío p es fariseus en carassem . A fu n -
d ação m oral será a ju stiça e [a] retidão (cf. as expectativ as d e 1.26,27) e as glórias
p erd id as d e Sião (1.21) serão restauradas. N ã o só isso, m as a san tid ad e divina
será p e rfe ita m en te m an ifestad a n o s v erd ad eiro s p ro c e d im e n to s (justiça ) q u e re-
fletem a retid ão d o s p rin cíp io s ( retidão ; cf. c o m e n tá rio so b re 5.16). Isaías, ao
d escrev er o p o d e r de realização, a b a n d o n a o te m p o p e rfe ito q u e estava u sa n d o
d esd e o início e p assa p ara o te m p o futuro. E le p e rm a n e c e o n d e está, o lh a n d o
para d ian te; tu d o isso a c o n te c erá , o sçelo d o S e n h o r será v isto nisso. O tçelo (q in ’â)
é aquele “ ciú m e” q u e é u m c o m p o n e n te d e to d o a m o r v e rd a d e iro e ap arece de
fo rm a p ro e m in e n te n o a m o r d o S enhor. Seu a m o r n ã o to lera rivais, e o S e n h o r
sen te-se p ro v o c a d o pela d eslealdade (N m 25.11; SI 79.5). C o n tu d o , é igualm en-
te a fo rça e o p o d e r d o a m o r q u e m o v e o S e n h o r a to rn a r a causa d e seu p o v o
sua p ró p ria causa (Is 42.13; 59.17; 63.15) e o c o m p ro m isso a p a ix o n a d o d e sua
n a tu re z a p a ra c u m p rir seus p ro p ó sito s p ara eles (37.32). T o d a essa d e te rm in a -
ção zelosa é de lavé, o D e u s d o êxodo, cuja n a tu re z a é salvar seu p o v o e d er-
ro ta r seus inim igos. E e n d o ssa d o pela o n ip o tê n c ia divina (para P oderoso/“d o s 1

1 A p a la v ra e s te n d e r á c o n té m a e x c e n tric id a d e q u e n o h e b r a ic o a le tra inicial d e marbêh é


im p re s s a n a f o r m a , e m o u tr o s lu g a re s, re s e rv a d a p a ra o “ m ” fin al e m u m a p a la v ra. H á
u m t a n to d e a n tig a in c e rte z a aq u i. Q a tra z u m a s e p a ra ç ã o d if e r e n te d a p a la v ra , Im rbh,
m a s e sc re v e o a g o r a “ m ” final e m su a f o r m a m ed ial! B H S tra z lãmô rabbâ hammisrâ (“ e m
re la ç ã o a ele, o g o v e r n o p r in c ip e s c o é a b u n d a n te ”) q u e é u m p a ra le lo ra z o á v e l p a r a “ e e m
re la ç ã o à p a z n ã o h á fim ” . A p a la v ra marbêh n ã o o c o r r e e m o u tr a s p a s s a g e n s , m a s é u m
s u b s ta n tiv o f o r m a d o c o r re ta m e n te . É m e lh o r a c e ita r o T M , d e ix a n d o a f o r m a d a le tra
“ m ” c o m o u m a c u rio s id a d e n ã o ex p lic ad a .
137 ISAÍAS 7 - 1 7 •9 ‫־‬

e x ército s” , veja o c o m e n tá rio so b re 1.9) e se c o m p ro m e te a alcan çar isso, o


a d v e n to e o R eino d o M essias.

N ota a d ic io n a l so bre 9.6<5>


Pele’ (“ M aravilhoso”) e seu adjetivo correlato p e í i am b o s derivam de i pala .
A palavra é usada quinze vezes para atos hum anos, etc. em que significa “o que é
fora d o c o m u m ” , p o r exem plo, o a m o r d e jó n a ta s p o r D avi (2Sm 1.26; cf. 2C r 2.9;
D n 8.24). M esm o em passagens nas quais a palavra tem co no tação inadequada (por
exem plo, 2S m 13.2, ela significa “ m ais d o q u e ele p o d ia se levar a fazer” . E la é
usada 54 vezes p a ra os a to s de D e u s co m o se n tid o d e “ so b re n a tu ra l” , sen tid o
esse q u e, p o r q u a lq u e r m o tiv o , exige c o m o sua explicação D e u s, p o r exem plo,
sua o n ic o m p e tê n c ia (G n 18.14), a m an eira c o m o seus a to s c o n fu n d e m a ava-
liação h u m a n a (SI 118.23), o â m b ito de sua p ro v id ê n c ia m o ra l (SI 107.8,15) e
q u a n d o o s p o v o s sitiados se n te m q u e só u m m ilagre p o d e salvá-los (Jr 21.2).
O te rm o d escrev e, e m particular, os a to s de D e u s d o ê x o d o (E x 3.20; 34.10).
Isaías u sa o v e rb o em 28.29 p ara o s “ c o n se lh o s” d o S e n h o r (ligando co m
9 .6 < 5 > ), e em 29.14, para sua o b ra de tra n sfo rm a ç ã o d o co ra ç ã o h u m an o . E m
Juizes 13.18, o a n jo usa o adjetivo p e f i em relação a seu n o m e ser m ais q u e os
o u v id o s h u m a n o s co n se g u e m ouvir. O c o m p o rta m e n to so b re n a tu ra l d o anjo
(Jz 13.19, e n v o lv e n d o esse v erbo) e o re c o n h e c im e n to d e M an o á d o in cid en te
c o m o u m a teo fan ia (Jz 13.22) sugere q u e o n o m e d o an jo era “ m a ra v ilh o so ”
p o rq u e ele é divino. E m Salm os 139.6, o te rm o é u sa d o p ara o re c o n h e c im e n to
que p e rte n c e a D e u s, u ltra p a ssa n d o o q u e a h u m a n id a d e c o n seg u e en ten d er.
H á tre z e o c o rrê n c ias d o su b sta n tiv o pele \ Sua ú n ica o c o rrê n c ia secu lar significa
“ e x tra o rd in á rio ” (L m 1.9). E le é u sa d o para o s a to s d e D e u s (SI 88), o co m p le-
xo d e ev e n to s d o ê x o d o (E x 15.11; SI 77.11) e as p ro m e ssa s davídicas (SI 89.5).
Isaías liga-o aos “ c o n se lh o s” d o S e n h o r (25.1) e sua o b ra d e tra n sfo rm a ç ã o d o
co ra ç ã o h u m a n o (29.14). E m 25.1 e em Salm os 88.10,12, ele é asso ciad o co m
os trib u to s d iv in o s centrais. D e sig n a r a criança c o m o pele’ to rn a -a “ fo ra d o co-
m u m ” , alguém q u e é re su lta d o de “ m ilagre” . O u so d e Isaías p ara o su b sta n tiv o
em 25.1 e p a ra o v e rb o em 28.29 d o “ c o n se lh o s” d o S e n h o r su g ere q u e ele n ão
resistiría à n o ç ã o d e div in d ad e em 9 .6 < 5 > , em especial q u a n d o está co n tex tu al-
m e n te lig ado a Deus Poderoso êl-gibbôr).
O te rm o gibbôr é um adjetivo, m as, co m frequên cia, é u sa d o c o m o su b s-
tan tiv o c o m o se n tid o d e “ h o m e m p o d e ro s o ” , “ g u e rre iro ” , “ h e ró i” . N o en-
tan to , alguns su g e re m q u e ‫ג‬êl-gibbôr (“ D eu s, u m g u e rre iro ”) p o d e ría significar
“g u e rre iro se m e lh a n te a D e u s” (cf. a N E B ). O te rm o ’êl p o d e se r u sa d o d essa
m an eira c o m u m se n tid o red u zid o ?
E le é usado, provavelm ente d e fo rm a m etafórica, na estran h a frase “ n o po-
d e r d a m in h a m ã o ” (G n 31.29; T B ; cf. D t 28.32; P v 3.27; N e 5.5). K fí su ste n ta
um a su p o siç ã o n ã o p ro v a d a d e q u e n essa frase o te rm o ’êl é a p alav ra co m o
O LIVRO DO REI 138

se n tid o d e “ d e u s” em o u tra s passagens. M as seja qual fo r o significado d a frase,


p arece q u e o su b sta n tiv o m a n té m seu lugar c o m o su b sta n tiv o e n ã o se red u z
a u m se n tid o ad jetiv ad o c o m o “ m in h a m ã o sem elh an te à d e D e u s [ou m u ito
fo rte ]” . O te rm o ’êl ta m b é m é u sa d o para seres so b re n a tu ra is (p o r exem plo,
E x 15.11; 34.14). Salm os 29.1 re c o rre a eles para d a r glória ao S en h o r, d escre-
v e n d o -o s c o m o “ filhos de D e u s ” (A RA ). (“ F ilh o s d e ” significa “ p e rte n c e r à
categ o ria d e ” .) P ro v av elm en te é adjetivado em Salm os 36.6 n a frase “ m o n ta -
n h a s d e D e u s ” (A RA ) q u e p o d e significar “ m o n ta n h a s m u ito g ra n d e s” , m as o
paralelo “ estrelas d e D e u s” (Is 14.13) sugere u m a referên cia c o m a criação, o u
seja, m o n ta n h a s tã o g ra n d e s q u e só D e u s p o d e ria criá-las. E m S alm os 82.1, a
ex p ressão “ assem bléia divina” n ã o é “g ra n d e c o n se lh o ” , m as o c o n se lh o q u e
D eus convocou.
H á m uitos exem plos idênticos a Isaías 9.6 na fo rm a, o u seja, ’êl seguido de
um adjetivo o u substantivo. O te rm o ’êl seguido d e u m adjetivo sem p re retém
sua co n d ição p len a c o m o substantivo (p o r exem plo, E x 20.5; D t 7.9; 10.17).
Seguido d e u m substantivo, h á m uitos casos na teologia patriarcal n o s quais ’êl
tem su bstantivo qualificador o u apositivo d epois dele, p o r exem plo, ’êl ’olãm em
G ên esis 21.33: “ O D e u s e te rn o ” . C o m p a re co m D e u te ro n ô m io 32.4 e Salm os
3 1 .5 < 6 > e a frase claram ente apositiva “ D eus, [que é] n o sso Salvador” de Salm os
68.19 < 2 0 > .'
A ssim , se se m p re q u e ’êl é u sa d o ad jetivam ente, a frase n u n c a é id ên tica a
Isaías 9 .6 < 5 > e seu se n tid o n u n c a é d ilu íd o em “ sem elh an te a D e u s ” . S em p re
q u e e n c o n tra m o s u m a c o n stru ç ã o idêntica à de Isaías 9 .6 < 5 > {’êl seg u id o de
adjetivo o u su b sta n tiv o ), ’êl n u n c a é adjetivado, m as se m p re é o su b sta n tiv o
d o m in a n te , d e fin id o m ais acu ra d a m en te pela palavra adicional.
Q u a n to a o u so d e gibbôr, em p ro v av elm en te 126 o co rrê n c ias d e 149, ele
é u sa d o c o m o su b sta n tiv o (em b o ra o n d e ele qualifique o u tro su b sta n tiv o n e m
se m p re seja possível d iz e r se é u m adjetivo o u um su b sta n tiv o em aposição).
M as D aniel 11.3 (“ u m rei p o d e ro s o ” , A R A ; a fo rm a ç ã o é a m esm a d e Is 9.6),
p o r exem plo, n u n c a p o d e ria ser re d u z id o a “ u m g u e rre iro sem elh an te a u m
rei” . E m diversas ocasiões gibbôr qualifica D e u s o u o S e n h o r (p o r ex em p lo , D t
10.17; SI 24.8; J r 20.11; 32.18; S f 3.17).
Para resum ir: (i) n ão há evidência ap o ian d o o uso adjetivado d e ’êl em Isaías
9.6. N a d a justifica “ sem elhante a D e u s” o u “ divino” n o sen tid o m o d e rn o d e
“ m uito notável” . P o rtan to , se fo r para trad u zir ’êl p o r “d iv in o ” , o te rm o deve 1

1 O t e r m o ’êl c o m u m a d je tiv o q u a lific a d o r, m a s s e m o a rtig o d e fin id o (o u seja, a m e s m a


f o r m a d e Is 9.6) o c o r r e e m Ê x 20.5; 3 4 .1 4 ; D t 4 .2 4 ; 5.9; 6 .1 5 ; 7.21 ;J s 3 .1 0 (cf. S 1 4 2 .2 < 3 > );
SI 9 5 .3 ; 4 5 .2 1 . C o m o a rtig o d e fin id o o c o r r e c m D t 7.9; 1 0.17; N e 1.5 (cf. D n 9 .4 ); Is 5.16;
J r 3 2 .1 8 e c o m u m s u b s ta n tiv o q u a lific a d o r e m G n 14.18; 16.13; 17.1; 2 1 .3 3 ; 3 1 .1 3 ; 3 3 .2 0
;D t 3 2 .4 ; I S m 2 .3 ; SI 2 9 .3 ; 3 1 .5 < 6 > ; 4 2 .8 ,9 < 9 ,1 0 > ; 4 3 .4 ; 6 8 .1 9 < 2 0 > ,3 5 < 3 6 > ; 136 .2 6 ;
146.5; J r 5 1 .5 6 . Is 10.21 te m f o r m a id ê n tic a à d e 9.6.
139 ISAÍAS 9 .8-11.16

receber seu sen tid o estrito, (ii) Isaías, à luz da ligação d e gibbôr co m vários apelos
ao D e u s de Israel, n ão p o d ia d e sc o n h e c e r o fato de que ’êl-gibbôr seria en ten d í-
do em seu sentido claro. E le, ao usar o título id ên tico para o S e n h o r em 10.21,
não p erm ite qualquer equívoco q u a n to a esse assunto. E zeq u iel 32.21, às vezes, é
ap resen tado c o m o evidência c o n tra “ D e u s P o d e ro so ” c o m o u m sen tid o possível
em Isaías. N e sse versículo de E zequiel, os q u e m o rre ra m em b atalha e, agora,
vivem n o Sheol são descritos c o m o ’êlê gibbôrim (as m esm as palavras na m esm a
o rd em de Isaías, m as n o plural e ev id en tem en te ligadas em u m a relação geniti-
va) os “ p o d e ro so s líderes” ; E ic h ro d t o ferece “ heróis sem elh an tes a D e u s” co m o
um a possível tradução, m as n ão acrescenta n e n h u m co m en tário .1 E ssa tradução
é im provável à luz d o uso bíblico ex am in ad o acim a. W evers c o m e n ta q u e “ po d e-
rosos líderes” é o plural d o título m essiânico de Isaías 9.6 e p o d e r ser trad u zid o
p o r “p o d e ro so s deuses” . E le su sten ta q u e o m o n o te ísm o exigia a m inim ização
desses seres, que en traram n o p e n sa m e n to p o p u lar para m a n te r u m a influência
lim itada n o H ades.12
E m o u tra s palavras, ’êl tem d e ser e n te n d id o c o m o “ d e u s” , m as o co n tex -
to d ecid e q u e tip o de deus. E im provável q u e Isaías p e n sa sse n o M essias em
analogia c o m o s d euses p ag ão s e n ã o h á fu n d a m e n to p a ra re d u z ir o sen tid o
p len o das palavras d o p ro fe ta . A luz d o ím p e to d a p rov a, e p a rtic u la rm en te à
luz da p ró p ria m e n te c o n fo rm e o b se rv a d o e m seu u so das palavras idênticas
em 10.21, é difícil aceitar q u e se p o ssa d a r a um versículo re m o to d e E zeq u iel
de se n tid o in c e rto u m a v o z d eterm in ativ a.

b. A p a la v r a p a r a Is ra e l ( 9 .8 < 7 > — 11 .1 6 )
O s p ro fe ta s viam re g u la rm e n te a m b o s os rein o s div id id o s n a esfera d e seu
m inistério. T eo lo g icam en te, o m o tiv o p a ra isso é q u e os p e c a d o s e e rro s h u m a-
nos n ã o p o d e m fru stra r os p ro p ó s ito s n e m reescrev er as p ro m e ssa s d e D eus.
As trib o s d o R eino d o N o r te se livraram d e sua aliança davídica (lR s 12.16) e
ap o stataran ! d o S e n h o r (lR s 12.25ss.), m as o S e n h o r n ã o m u d a seus p lan o s à
luz disso. T o d o s q u e estiverem in scrito s e n tre o s vivos (Is 4.3) serão levados
para casa, p a ra o Sião, p o r in te rm é d io d a m e sm a p o lítica m essiân ica e o m es-
m o rei p ro m e tid o . P o r co n seg u in te, Isaías, agora, atravessa p o r Israel ( E f r a im /
Jacó) o c h ã o q u e acabara d e c o b rir p o r Ju d á , m as n ã o é u m a m era repetição.
C o m o se m p re n o s pares de Isaías, h á p o n to s relevantes d e d esen v o lv im en to .
1. O s p ro p ó sito s im ed iato s d o S e n h o r p a ra Ju d á e Israel n ã o são idênticos.
Para Israel, a A ssíria é o c o n q u ista d o r (10.4,9,11), m as p a ra Ju d á , ela é o p u n i-
d o r (10.12,24s.).
2. E m Sião, a A ssíria so fre rá um g o lp e d o qual n ã o h á re c u p e raç ã o possível
(10.12,16-19,27-34).

1 W. E ic h r o d t, E z e k i e l ( S C M , 1970).
2 J. W W ev e rs, E z e k ie l ( N C B , N e ls o n , 1969).
O LIVRO DO REI 140

3. A v in d a d o Rei m essiânico, d a ta d a “ n o fu tu ro ” (9 .1 < 8 .2 3 > ), ag o ra, está


além d a d e p o rta ç ã o d e ju d á prev ista e m 6.9-13. E m u m a Ju d á e Israel reu n id as
(11.12), a antiga rivalidade terá acab ad o (11.13) e ação u n id a para o d o m ín io
m u n dial será iniciada (11.14ss.).
4. O indício e x p re sso em “ G alileia d o s g e n tio s” (9 .1 < 8 .2 3 > ) é c u m p rid o
n a re u n iã o das n açõ es so b a b an d eira m essiânica (11.10).

O momento de decisão (9.8<7>— 10.4)


S o b re a relação literária d essa passag em c o m 5.25ss., veja a n o ta adicio-
nal adiante. E sse p o e m a de q u a tro e stro fe s é u m clássico d a análise bíblica
social, im p re ssio n a n te em sua lógica e a ssu sta d o r em sua inevitabilidade. A
mensagem/“palav ra” q u e 0 Senhor enviou (9 .8 < 7 > ) caiu em o u v id o s m o u c o s e, daí,
foi facilm ente d e sc a rta d a, fazen d o co m q u e tu d o o m ais co m eçasse a a c o n te c e r
tão c e rto q u a n to a n o ite segue o dia. O p o e m a é u m a p rev isão p ro fé tic a de
ev en to s (nesse caso, p e rte n c e aos p rim eiro s dias d o m in istério d e Isaías) o u é
u m a m e d ita ç ã o p ro fé ü c a tra z e n d o à to n a a im p o rtâ n c ia d o s ev e n to s q u e já ti-
n h a m a c o n te c id o (o m e sm o g ê n e ro d e A m 4.6-11 o u d e E z 20 o u , d e sua fo rm a
especial, o livro de Juizes). A s q u a tro e stro fe s a p re se n ta m u m d e se n v o lv im e n to
coerente:
1. O d e sa stre nacional ( 8 - 1 2 < 7 - ll> ) . A palavra d o S e n h o r foi rejeitad a em
o rg u lh o au to ssu ficien te. O s reveses in te rn o s (1 0 < 9 > ) serão seg u id o s d e ataq u e
e x te rn o (11 < 10 > ).
2. O co la p so p o lítico (1 3 -1 7 < 1 2 -1 6 > ). U m a vez q u e n ã o h o u v e a rre p e n d í-
m e n to (1 3 < 1 2 > ), o S e n h o r solapará a liderança (1 4 -1 6 < 1 3 -1 5 > ). H av erá so fri-
m e n to em to d a p a rte (1 7 < 1 6 > ).
3. A an arq u ia social (18-21 < 1 7 -2 0 > ). A ira div in a se m a n ife sta em u m
esp írito c e n tra d o em si m e sm o (1 9 < 1 8 > ) n ã o tra z e n d o c o m ela n e n h u m a sa-
tisfação (2 0 < 1 9 > ). A nação se sep ara, u nida ap en as n a h o stilid ad e c o n tra Ju d á
(21< 20>).
4. A p e rv e rsã o m o ra l (10.1-4). A b ase de m o ralid ad e, salv ag u ard ad a pela
lei, é d e rru b a d a . O s o frim e n to d o s im p o te n te s (2) traz c o m o re c o m p e n sa o
d e sa m p a ro d e seus p e rp e tra d o re s n o dia d o ju lg am en to (3,4).
8 - 1 2 < 7 - l l > A m e sm a q u e stã o e n fre n ta d a p o r Israel q u a n to p o r Ju d á
(7.3ss.): eles aceitariam a palavra d o S e n h o r e viveríam d e a c o rd o co m ela? T o d a
a lógica d a análise social de Isaías deriva d essa questão. A qui, está a fo n te de
v e n tu ra o u d e in fo rtú n io p ara a sociedade, pois, c o m o a Bíblia insiste, às causas
espirituais, seg u em -se co n seq u ên cias nacionais e in te rn a c io n a is d e larga escala.
8 < 7 > A frase 0 Senhor ( ’‫״‬dõnãy, “o S o b e ra n o ”) enviou refere-se ao m in isté-
rio d e A m ó s e ao de O seias, d e 760 a.C. em diante. A ên fase d a se n te n ç a cai
em mensagem/ “γ>2λ « ν ΐζ ”■, essa é a q u e stã o — o S e n h o r falou. E ssa m en sag em
141 ISAÍAS 9.8-11.16

atingiu Isra e l. o u seja, o q u e a palavra p red isse a co n tecerá. A tra d u ç ã o p o d e ría


ser “ caiu ” (TB) (a palavra fican d o clara para q u e m foi en v iad o ) o u “ co n tin u a
a tin g in d o ” (a m isericó rd ia divina p e d in d o vez a p ó s o u tra p ara o p o v o ; cf. A m
4.6-11).
9 < 8 > N ã o h á c o m o esc a p a r da palavra: “T o d o o p o v o ” a co n h ecerá.
H jra im é u m n o m e alternativo, c o m Ja c ó e Israel, p a ra o R ein o d o N o rte . A
trib o d e E fra im foi seu e le m e n to m ais p ro e m in e n te . A ex p ressão fica rá sabendo
(cf. O s 9.7) indica co n sciên cia d e ex a ta m e n te o q u e está a c o n te c e n d o q u a n d o
a p u n iç ã o chega. A palavra falada e rejeitada (cf. 28.10-13) se to rn a a m esm a
m en sag em v o ltad a para a punição. O v e rb o que difçem, n a v erd ad e, é infinitivo
(“ d iz e r”) q u e d eve se r e n te n d id o c o m o g e rú n d io : “ os quais em so b e rb a e em
altivez de co ra ç ã o d iz e m ” (T B ),1 o u seja, o o rg u lh o n ã o o s p ro te g e rá c o n tra o
c u m p rim e n to v in d o u ro d a palavra. O orgulho (ga ’“w ã de ig ã ’â, “ e sta r a lto ”) é a
“a rro g â n c ia ” d o s q u e seguem seu p ró p rio cam in h o p o r m eio d e seus p ró p rio s
recu rso s e artim a n h a s (13.11). A arrogância (g õ d el de ‫ו‬Igãdêl, “ se r g ra n d e ”) é o
esp írito d e M o ab e, em 16.6, q u e n ã o d eve se r o b rig a d o a n in g u é m , é su p erio ri-
d ad e m istu ra d a c o m autossuficiência. O coração é o ó rg ã o d o p e n sa m e n to , senti-
m e n to e reação o u resp o stas,2 e é em p a rc e ira d o aqui co m o rg u lh o e a rro g ân cia
para d e sc re v e r alguém q u e o b stin a d a m e n te p re p a ra seu p ró p rio julg am en to ,
con fia e m suas resp o stas, d e p e n d e d e seus recu rso s e p õ e suas p ró p ria s políti-
cas em fu n c io n a m e n to .
1 0 < 9 > O s tijolos ca in d o p o d e se refe rir ao te rre m o to (A m 1.1; 4.11) q ue
ac o n te c eu d u ra n te o re in a d o d e Je ro b o â o II (c. 786-746 a.C.). E ra a v o z de
D eu s, m as eles to m a ra m o ev e n to c o m o u m d esafio para e sta r à altu ra d a oca-
siào: eles eram iguais a essa voz! A s palavras, p o r sua vez, p o d e m se r m e ta fó -
ricas, in d ic a n d o a co n sciên cia d e q u e as “ coisas estão d e s m o ro n a n d o ” in d o ao
e n c o n tro d e um e sp írito d e a u to c o n fia n ç a em relação ao fu tu ro , n u n c a deixan-
d o d e ler as lições d o passado. N ã o só o revés será su p erad o , m as ta m b é m o
fu tu ro u ltrap assará o p a ssa d o à m ed id a q u e pedras lavradas e cedros ex ced em tijolos
(de b a rro ) e figueiras bravas (sic ó m o ro co m u m ).
1 1 < 1 0 > O s tem p o s nesse versículo são difíceis, m as é m e lh o r enten d ê-lo s
c o m o u m a referên cia g en érica ao passado. O re in a d o d e J e ro b o â o tro u x e p ro s-
perid ade e au to c o n fia n ç a nacional (veja, p o r exem plo, A m 6.13). E le re sta u ro u
0 rein ad o às fro n teiras salo m ó n icas — m as o q u e su b iu c o m o u m ro jã o caiu
1 S o b re o g e r ú n d io in fin itiv o cf. G K C '4 5s; I S m 1 4 .33; l R s 5.8. M u ito s c o m e n ta r is ta s a ssu -
m a n q u e o te x to foi m u tila d o . Q a tra z w y r ’ü (“ e c la m o u [...] e m o rg u lh o , d iz e n d o ”), p o is
ficará s a b e n d o (vifyã<pü).
2 O A n tig o T e s ta m e n to u sa o “ c o r a ç ã o ” d e d iv e rs a s m a n e ira s: s e n tim e n to , re a ç ã o o u re s-
p o s ta s (SI 16.9; 3 9 .3 < 4 > ) ; a n se io , a m b iç ã o (SI 2 1 .2 < 3 > ; 8 4 .2 < 3 > ; P v 4 .2 3 ); d e c isã o , c o m -
p r o m is s o (SI 5 7 .7 < 8 > ; 1 1 9 .1 0 ); p e n s a m e n to ( D t 4.3 9 ); m e m ó r ia ( D t 11.18; SI 119.11);
a m o r ( D t 6.5 ); c o n s c iê n c ia ( l s m 2 4 .5 < 6 > ) ; u m a p a la v ra re s u m id a p a ra c a r á te r ( I S m 16.7).
O LIVRO DO REI 142

c o m o urna v areta, e Israel, em m o m e n to algum , cam b aleo u so b u m g o lp e ap ó s


o o u tro . O v e rb o fortaleceu (isã g ã b , “ elevado, feito alto ”) é u sad o n o se n tid o
de “ d eix ar se g u ro ” . A e x p ressão adversários de R e^im deve se r u m a referên cia à
A ssíria. A ideia d o esta b e le c im en to d a A ssíria c o m o u m p o d e r seg u ro se ajusta
aos a n o s seg u in tes d e ascen são d e T iglate-P ileser, em 745. A rã, rein o d e R ezim ,
seria o p rim e iro a se n tir a ch eg ad a d a am eaça em c o n se q u ê n c ia d o q u e eles
d ecidiram fazer a aliança A rã-E fraim . E fra im , ao se r atraíd o p ara essa aliança,
estava se m e te n d o e m p ro b le m a q u e n ã o era dela — a h o stilid ad e e n tre R ezim
e seu p o d e ro s o v iz in h o — e p ro v o c a n d o , assim , u m a calam id ad e q u e p o d e ría
te r ev itad o sim p le sm e n te te n d o p re sta d o a ten ção à p alav ra d o S en h o r. O sú b ito
te m p o im p e rfe ito de incitou p ro v av elm en te é exclam atorio: “ e seu s in im ig o s —
c o m o ele c o n tin u o u a incitá-los!” A ironia d a justiça divina é ineq u ív o ca. E les,
em vez d e se c u rv a re m à palavra d o S en h o r, esc o lh e ra m se r c o m o q u alq u er
o u tro “ p o d e r” d o m u n d o e d e sc o b rira m q u e o p re ç o d essa esco lh a foi q u e se
to rn a ra m o q u e esc o lh e ra m ser, u m a nação e n tre as n açõ es, p eg a n a lu ta d e
po d er do m undo.
12<11> O s aram eus eram inim igos ancestrais de Israel (lR s 20; 22; 2Rs 6.8—
7.20; 8.7-15; 10.32,33; 13.3-5). E ssas guerras tin h am c o n tin u a d o até J e ro b o ã o II
finalm ente os expulsar d a pátria israelita (2Rs 13.23-27). M as e m b o ra n ã o ten h am
o c o rrid o g u erras co m o s aram eu s n o s últim o s an o s de Je ro b o ã o , a in im izad e
co n tin u aria co m fo rça to tal se a am eaça assíria n ã o o s tivessem la n ç a d o u m n o s
b ra ç o s d o o u tro . A referên cia aqui aos aram eu s c o m o “ d e v o ra [ndo]” p o d e até
m esm o ser u m c o m en tário so b re a aliança: Israel, sem dúvida, via-se g aran tin d o
um aliado; Isaías via q u e o país estava se n d o engolido. N ã o sab em o s d o s ataques
do s filisteus so b re Israel nesse p erío d o apesar de A m ó s 1.6 sugeri-los. E scan-
carando a b o ca /“ c o m [a] b o c a to d a ” significa a v id am en te e à v o n tad e. A p e sa r
disso tu d o /“ 2. d e sp e ito d isso tu d o ” , o a u m e n to da am eaça assíria e a v erd ad eira
d e p re d a ç ã o d o s p o d e re s d e cad a lado, a justa ira d o S e n h o r em relação ao m e-
n o sp re z o a sua palavra c o n tin u a n ã o satisfeita. A r^ /¿ ¿ 7 /“ e ste n d id a ” é u m a pa-
lavra fre q u e n te m e n te u sad a para d e screv er o a to re d e n to r d o S e n h o r n o ê x o d o
(E x 6.6; D t 4.34; 5.15). O u so d a palavra aqui salienta a alienação d o R e d e n to r
q u a n d o su a palavra é rejeitada.
13-17<12-16> O s tijolos caíram (10), e, agora, o s líderes caem . In ex o ra-
v elm en te, as co n seq u ên cias d e rejeitar a palavra d o S e n h o r se d esv elam . E les
ach am q u e n ã o é suficiente rejeitar a v erd ad e revelada e, assim , c o n fia r n a sa-
b e d o ria h u m a n a desassistida. Seus líderes p assam a in d u z ir ao en g an o , e to d o s
te rm in a m p io res; d e sd e os joven s em seu auge, os quais se p o d e ría a ch ar q u e
eram capazes de c u id a r de si m esm o s, aos in d efeso s ó rfã o s e [...] viúvas, q u e de
to d o jeito n ã o tê m recursos. A té m e sm o as v irtu d e s q u e o S e n h o r am a (17; cf.
143 ISAÍAS 9.8 - 11.16

SI 10.14; O s 14.3) n ã o p o d e m existir sem o c o m p ro m isso c o m o S en h o r. Q u a n -


d o a palav ra é rejeitada, to d a g raça está sujeita à erosão.
1 3 < 1 2 > O povo (‘am ), enfático n o hebraico, é quase u m título p a ra ju d á e Israel,
“o p ov o p a r excekncT. Eles que deviam ter visto que m ão era que os feriu falharam
em ler as lições dessa experiência e “voltjariam ]” , o u seja, arrepender-se-iam (cf.
A m 4.6ss.). A ú n ica fo rm a de fugir d e D e u s é fugir p a ra ele, voltar p a ra ele.
D ia n te d o a rre p e n d im e n to , a ira se dissolve e a m isericó rd ia triu n fa. Buscou 0
Senhor n ã o c o m o a b u sc a p elo q u e está p e rd id o , m as c o m o av a n ç a n d o delibera-
d a m e n te p a ra o lu g ar o n d e ele p o d e se r e n c o n tra d o (cf. D t 12.5,11). A ex p res-
são Senhor dos H xércitos é enfática. V oltar lhes traria re d e n ç ã o e lib ertação , p ois 0
Senhor (lavé) é o D e u s q u e red im e seu p o v o e d e stró i seu s in im ig o s e o s deles;
isso o s teria ligado à o n ip o tê n c ia , ao Todo-Poderoso (B H L ) (“ d o s E x é rc ito s” ; veja
o c o m e n tá rio so b re 1.9).
1 4 < 1 3 > U m dia fatal traz ru ín a em to d a a nação. A m e tá fo ra d o versí-
cu lo 14 é explicada em u m e sq u em a e q u ilib rad o n o s v ersícu lo s seguintes. O
v ersículo 15 d escrev e a d e rro c a d a d a liderança; e o versícu lo 16, o m o tiv o para
isso; o versículo 17 d escrev e a ru ín a d o p o v o e o m o tiv o p ara isso.
P or essa rancio 0 Senhor d e n o ta a so b eran ia divina n a ad m in istra ç ã o d ireta
da h istó ria nacional. O s pares d e o p o sto s, cabeça e cauda, palm a ejunco, d e n o ta m
to talidade. C ab eça e cau d a significam de u m e x tre m o a o u tro , e n q u a n to palm a
e ju n c o (alto c re sc im e n to e baixo crescim en to ) significam d o e m in e n te ao h u -
m ilde. A referên cia a num único dia p o d e se refe rir à q u e d a d e S am aria em 722
o u p o ssiv e lm e n te à m o rte de Je ro b o ã o II, q u e in tro d u z iu u m ú ltim o p e río d o de
co lap so a n á rq u ic o (2Rs 15.8-31; 17.1ss.).
1 5 < 1 4 > Isaías explica co m freq u ên cia suas m e tá fo ra s (cf. 8.7). A lguns
co m en taristas, se tivessem o b se rv a d o essa característica estilística, n ã o teriam
e n c o n tra d o cen su ras n esse versículo. O s hom ens de destaque,/ “ d e face lev an tad a”
são aquelas p esso as “ im p o rta n te s ” q u e d ã o p e so à c o m u n id a d e e m b o ra n ão
te n h a m u m c a rg o oficial. C o m o em 3.1-4, a lideran ça in ad eq u ad a é u m d o s si-
nais d e ju lg a m e n to d iv in o em o p eração . Será q u e a e x p re ssã o osprofetas [...] são a
cauda é u m a b rin cad eira m aliciosa da p a rte de Isaías? O s falsos p ro fe ta s d esem -
p en h av am u m p ap el “ h o n e s to ” , m as na v erd a d e era c o m o cau d as a b a n a n d o
c o n fo rm e a exigência p ública (cf. 30.9-11; lR s 22.6; M q 2.11).
1 6 < 1 5 > O versículo co m e ç a co m todavia (TB), q u e e m geral é utilizado
c o m o n esse caso, n o se n tid o e x p la n a tó rio d e p o is o u veja bem. Veja o c o m e n tá rio
so b re 3 .12b p a ra as principais palavras q u e ap arecem aqui. A queles q u e guia-
ram o p o v o serão desorientafdos]/ “ en g o lid o s” , o u seja, eles d esa p a re ce rã o sem
deixar traço ; u m a im agem vivida d o re su lta d o d e se r g u ia d o à e strad a d o erro.
1 7 < 1 6 > A ex p ressão p o r isso indica q u e a situação ta n to d o s líderes q u a n to
d o s lid erad o s é co n d en áv el. O p rim e iro n ã o p o d e d e so rie n ta r, p o is a palavra
O LIVRO DO REI 144

divina estava disponível; o últim o n ã o p o d e seguir, po is a v erd ad e d e D eu s


tin h a sido p reg ad a p u b lic a m e n te p ara eles. (Cf. A m ó s 7.10 p ara a am p la p u b li-
cid ade p re se n te n a pregação.) A frase 0 Senhor não terá nosjo ven s m otivo de alegria/
“ seus jo v en s” . O s jo ven s (bahúrim ) eram ad u lto s jovens. O p ro n o m e p o ssessiv o
“ seu s” q u e aparece em algum as versões p o d e significar “ d o S e n h o r” , su g erin -
d o q u e c o m u m e n te ele se deliciaria na ju v en tu d e d e seu p o v o , m as o p ro n o m e
p o ssessiv o p o d e significar “ d eles” , referin d o -se co letiv am en te a “ esse p o v o ” .
O s ó rfã o s e as viúvas eram o p rim eiro o b je to d a p re o c u p a ç ã o d iv in a (SI 68.5).
Q u a n d o a co m p a ix ã o d o S e n h o r se afasta d o s ó rfã o s e das viúvas, a nação, na
v erd ad e, é rejeitada. A referên cia p ro v av elm en te é à d e rru b a d a m ilitar e m q u e
a n ação te rm in o u co m os jovens p e rd e n d o a vida; crian ças fican d o ó rfãs; e
m u lheres, viúvas. C o m a ex p ressão p o is todos são hipócritas eperversos é re to m a d o
m ais u m a vez o te m a da culpabilidade. A ira n ã o é infligida sem seu m o ti-
v o se r esclarecido. O S e n h o r n ã o é u m D e u s de fúria cap rich o sa. P o r trás d e
seus ju lg am en to s está o exam e das evidências (G n 18.20s.). A p alav ra hipócritas
(hãnèp) é usada p a rtic u la rm e n te para a ap o stasia q u e p ro v o c a a av ersão divina,
a p ro fa n a ç ã o cau sad a pela d e so b ed iên cia (jr 3.1) o u e rro relig io so (SI 106.38; J r
3.9). O te rm o p erversos/ “ m alfeito res” se refere à vio lação geral d a lei m o ral. O
ú n ic o p e c a d o esp ecificad o p e lo n o m e é o d a fala (cf. 3.8; 6.5). A vilania (rfb ã lâ )
é in sensib ilidade q u a n to às realidades e o b rig açõ es m o rais e esp iritu ais (IS m
25.25; SI 14.1); n ã o o ate ísm o d o g m ático , m as o a teísm o p rá tic o q u e acred ita
q u e a vid a p o d e se r vivida sem D eu s, q u e D e u s e sua palavra são irrelev an tes
p a ra o m u n d o “ real” . P ara a frase apesar disso tudo , veja o c o m e n tá rio so b re o
versícu lo 12.
1 8 -2 1 < 1 7 -2 0 > S ob u m a liderança d eficien te (13-17), ab re-se a p o r ta p ara
o e g o ísm o d e sc o n tro la d o . E ssa passag em ex p õ e a traição d a fra te rn id a d e (19),
a im p ro d u tiv id a d e essencial da vida g an an cio sa (20) e a b a n c a rro ta d a co e sã o
social (21). T u d o isso é a trib u íd o a duas causas: o p ro g re sso n atu ral da p e rv e r-
sidade (18), m as ta m b é m é a im p le m e n ta ç ã o d a ira d o S e n h o r (19a).
1 8 < 1 7 > Porque é u m a tra d u ç ã o possível, m as “ p o is” seria ig u alm en te vá-
lido. A ên fase n o s versículos 13-17 é a liderança e o s escalões m ais altos da
sociedade. B em , os versículos 18-21 explicam o p ro lo n g a m e n to d a ira divina
(17b) ao ex p lo ra r o q u e está a c o n te c e n d o na esfera m ais d e baixo d a so ciedade.
O te rm o im piedade (riscâ) c o b re to d o s o s asp e c to s da vid a afastad a d e D e u s e
sua lei. U m a vez ad m itid o , cria vida p ró p ria e queim a comojogo·, é au to d e stru tiv a .
A s roseiras bravas e espinheiros (cf. 5.6; 33.12; 2S m 23.6; M q 7.4) sim b o lizam o
re su lta d o da p e rv e rsid a d e o u as p esso as p erv ersas, a q ualid ad e b u m e ra n g u e d o
p ecado . In fe c ta a c o m u n id ad e; a im ag em m u d a de roseiras bravas p a ra m atagais da
floresta q u e d e stró i o n d e q u e r q u e entre. O fim é a d e stru iç ã o total q u a n d o tu d o
é lev ad o em nuvens defum aça.
145 ISAÍAS 9 .8-11.16

1 9 < 1 8 > A im p ied ad e é in e re n te m e n te a u to d e stru tiv a c o n fo rm e m o stra


0 sím ile d o versícu lo 18, m as é assim pela v o n ta d e d e D eu s. Sua co n clu são
e x p ressa a ir a d o S enhor. E le c o m a n d a o s p ro c e sso s d e cau sa e efeito q u e co n s-
tru iu n a criação para q u e sejam a ex p ressão d e seu sa n to g o v e rn o d o m u n d o .
É p ro v áv el q u e a ir a Ç e b r â ) d e n o te a e ru p ç ã o da ira q u e v arre tu d o d ia n te dela.1
A palav ra ressecada é u m se n tid o possível p a ra n e tt ã m , u m te rm o d o c o n trá rio
n ã o usado. N o e n ta n to , alguns su g erem a ex p ressão “ é sa c u d id o ” e o u tro s, p o r
a p e rfe iço a m e n to , “ é in c e n d ia d o ” o u “ é d e sv ia d o ” .2 Veja 2R eis 15.8ss. p ara as
g u erras civis q u e se seg u iram à m o rte de J e ro b o ã o II. Seis reis rein aram an tes
de Sam aria cair em 722, cin co cheg aram ao tro n o p o r m eio d e a ssassin ato e só
u m p a sso u o tro n o para o filho. Isso, n o to p o d a so cied ad e, era sin to m á tic o de
u m a so cied ad e ávida em q u e as p e sso a s são a p en as co m b u stíve l , o u seja, m ercad o -
ria d isp ensável. Para a frase n in g u é m p o u p a r á se u irm ã o , veja a in tro d u ç ã o p a ra os
versículos 18-21 acim a.
2 0 < 1 9 > M as to d a essa atividade d e aquisição n ã o resulta em satisfação
n e m realização pessoal. O te rm o devorarão f ig ã z a r ) é “ tira r” (53.8) o u “ c o rta r”
(2Rs 6.4). A ligação c o m a in d a estarão com f o m e sug ere a m e tá fo ra de an siar avi-
d a m e n te p o r alim e n to ag o ra n essa d ireção (à direita) e d e p o is n aq u ela d ireção
(à esq uerda) q u e, n ã o o b sta n te , n ã o sacia a fom e. A frase a ca rn e d o se u p r ó p m
irm ã o é (lit.): “ Seu p ró p rio b ra ç o ” . É provável q u e a N V I e n te n d a “ b ra ç o ” de
m o d o m e ta fó ric o co m o , p rim eiro , fo rça p esso al (um u so co m u m ) e d e p o is vem
a fam ília (cf. G n 49.3).3 M as o te rm o “ b ra ç o ” e n te n d id o d e fo rm a literal se ajus-
ta ao c o n te x to : cada u m , n essa ex p lo ração m ú tu a sem sen tid o , estava d e fato
c o rro e n d o o q u e seria sua p ró p ria fo rça em te m p o d e privação. E ra a m esm a
coisa n a é p o c a q u e é hoje: n o c o rp o d e C risto p e rte n c e m o s u n s aos o u tro s e
d e p e n d e m o s uns d o s o u tro s; d ev o ra r m e u irm ã o o u irm ã equivale a d e v o ra r a
m im m esm o.
2 1 < 2 0 > A d e stru iç ã o m ú tu a era em escala nacional. E fra im e M anassés
fo ram as trib o s irm ãs q u e h e rd a ra m a p o rç ã o d e Jo sé (G n 41.50-52; 48.5). E a
c o n d e n a ç ã o final d essa so cied ad e co m to d o s o s laço s d e re la c io n a m en to s fa-

1 E m u ito p ro v á v e l q u e o t e r m o ‘eb râ d e riv e d e ■lcã h a r (“ a tra v e s sa r, s e g u ir e m f r e n te ”) e, p o r


isso , r e fe re -s e à e x p lo s ã o d e raiv a ( ta m b é m B D B ). N o e n ta n to , a K fí tra ç a o t e r m o a V ã b a r
(“ s e r a r r e b a ta d o p o r u m f o r te s e n tim e n to ” ) c o m o , p o r e x e m p lo , e m D e u t e r o n ô m io 3.26.
2 ne’tam é u m a f o r m a ú n ic a c o m “ t n ” e n c lític o d e i n ü a s ig n ific a n d o “ f r ê m ito ” (ta m b é m
K a is e r e Y o u n g ). C f. Ê x o d o 2 0 .1 8 ; Isa ías 19.1; A m ó s 9.9. D e litz s c h p r o p ô s q u e l cãtam
(“ fic a r e s c u ro , q u e im a r ” ) e o u tr o s c o r rig e m p a r a n i s f t â (“ é q u e im a d o ” ), o m e s m o v e rb o
p a ra “ q u e im a r ” n o v e rsíc u lo 18 ( p o r e x e m p lo , K iss a n e ). A K B p r e fe r e n i é â (“ é d e s v ia d o ” ).
3 W ild e rb e rg e r s u s te n ta a c o r re ç ã o d e 2?r<Yó (“ se u b r a ç o ”) p a ra rêtô (“ se u p r ó x im o ” ), q u e
é u m a c o r re ç ã o fácil to m a n d o o p e n s a m e n to s e m im a g in aç ão . C o n tu d o , W atts, e m a p o io ,
c o m e n ta q u e “ o g r u p o a le x a n d rin o d a I.X X a c re s c e n ta adelphou, o u seja, ‘a c a r n e d o b r a ç o
d e se u i r m ã o ’ ” . C f. O ttle y .
O LIVRO DO REI 146

m iliares, experiências co m p a rtilh a d a s e b ê n ç ã o divin a d e sfru ta d a c o m u m e n te ,


n o fim , a ú n ica coisa q u e os unia era o in im ig o em co m u m . M e sm o n aq u eles
te m p o s an árq u ico s e p e rig o so s, a energia e o s recu rso s eram fo rn e c id o s para
g u e rre a r co m Ju d á (p o r exem plo, 2R s 15.37).
10.1-4 E ssa q u a rta — e últim a p assag em , c o n fo rm e o p o e m a se a p re se n ta
— volta ao tó p ic o d a liderança, m as n ã o da m e sm a m an eira q u e n o s versícu-
los 1 3 -1 7 < 1 2 -1 6 > . Ali a acusação era geral — líderes in e p to s e e n g an ad o res.
A qui a acu sação é d e flagrante d esg o v ern o , a criação d elib erad a d e d e c re to s
v isan d o a divisão de classes e a van tag em pessoal. N o fim , o d e sg o v e rn o social
(1 3 -2 1 < 1 2 -2 0 > ) se resolve n a p re d o m in â n c ia de u m a facção in e sc ru p u lo sa q u e
escreve leis p ara seus p ró p rio s objetivos.
1 A i daqueles que fa ^ e m leis injustas, que escrevem decretos opressivos/ “A i d aq u eles
q u e baixam e sta tu to s prejudiciais e d o s q u e escrevem escrito s in q u ie ta n te s” . O s
p rim eiro s são os legisladores (ih ã q a q ,“g ra va r” [com o n a p ed ra]; hõq , “ e sta tu to
p e rm a n e n te , fixo”) e os últim o s são o s p ro m u lg a d o re s e a d m in istra d o re s q u e
delineiam as leis para p u b licação e aplicação. O te rm o injustas (a w eri) significa
p rim e iro “ in q u ietan tes, p reju d iciais” , d ep o is, o d a n o esp ecífico d a id o latria e,
dep ois, o p ro b le m a q u e o p e c a d o traz. A q u i, p o rta n to , o p e n s a m e n to é c o m -
plexo: d e c re to s q u e trazem p ro b le m a s p o rq u e são c o m p o sto s n a p erv ersid ad e.
O te rm o cãm ã l (opressivos) n u n c a significa “ o p re ssã o ” c o m o tal, m as é u sa d o d e
u m a m an eira g en érica c o m o se n tid o de “ aflição” , o u seja, lab u ta, tristeza.
2 O p ro p ó s ito d a lei é d e c la ra d o agora: a recu sa d e justiça (2a) e a m a-
n ip u lação d a justiça para g a n h o p ró p rio (2b). P ro v av elm en te o s g o v e rn a n te s
p re o c u p a d o s teriam re c u sa d o u m p ro p ó s ito negligente c o m o esse, m as o A n-
tigo T e sta m e n to in siste q u e tu d o p re su m iv e lm e n te re su lta n te d e q u a lq u e r ato
(a in te n ç ã o rem o ta) faz p a rte d o p ro p ó s ito d esse a to (a in te n ç ã o im ediata).
T a n to d a l (pobres) q u a n to ‘ã n t (oprimidos) tê m o m e sm o a m b ie n te geral, “ p o b r e ”
c o n tra p o s to a “ ric o ” e “ fraco ” c o n tra p o s to a “ in flu e n te ” . N o e n ta n to , o ú ltim o
ta m b é m inclui o se n tid o d e “ h u m ilh ad o , o p rim id o ” — n ã o só n ã o in flu en te,
m as p o r n ã o se r in flu en te é m a n ip u la d o pelas a u to rid a d e s e tra ta d o c o m o se
existisse só p a ra a van tag em d o s o u tro s. O te rm o direitos (din) n ã o é “ ju stiça”
n o se n tid o a b strato , m as n o se n tid o d e te r um ju lg am en to justo. P riva r (jg ã za t)
é “ a g arrar à força, a rra n c a r” . E m to d a essa trágica d eterio ração , o exercício
da p ró p ria ira d o S e n h o r (19 < 18 > ) e ta m b é m das forças in eren tes ao p e c a d o
(18 < 17 > ), o S e n h o r n ã o se esq u ece do m eu povo (cf. 3.13-15). P riva r significa
“ ap ro v eitar-se de; d e sp o ja r” . A c o n d iç ã o d a nação era tão grave q u e o S e n h o r
teve d e a b a n d o n a r até m e sm o sua co stu m e ira d efesa d o s in d efeso s, as viúvas e
o s ó rfã o s (veja 9 .1 7 < 1 6 > ), m as n ã o d á a m ais n in g u ém o d ireito de fazer isso.
3 A s q u atro p artes da oração caem em dois pares. ( ) p rim eiro par: Q u e fa rã o
vocês no dia do castigo, quando a destruição vier de um lugar distante ?, relaciona-se ao d e-
147 ISAÍAS 9 .8 1 1 .1 6 ‫־‬

sastre im in en te. A palavra castigo (jfq u d d â de ip ã q ã d “ c u id a r d e, rever, p a ssa r em


revista, su p e rv isio n a r”) tem o se n tid o b ásico d e alguém v ir “v isitar” o u “ inspe-
c io n a r” e, p o r isso, refere-se ao dia e m q u e o g o v e rn o d o S e n h o r fo r exercid o
d ire ta m e n te . O te rm o s õ 3â (desastre) p o d e significar “d e v a sta ç ã o ” o u a fo rça d a
“ te m p e sta d e ” p ro v o c a n d o -a . A frase de um lugar distante (cf. 5.26) é u m a refe-
rência d isfarçad a à A ssíria. O se g u n d o p a r d e o ra ç õ e s d escrev e o d e sa m p a ro
d o s a g o ra g o v e rn a n te s a u to ritá rio s n aq u ele dia, sem n in g u ém a q u e m re c o rre r
em b u sca d e seg u ran ça n e m lu g a r p ara fazer um d e p ó s ito seguro. A s idéias
c o n tra sta n te s de “ n ã o te r seg u ran ça ali n e m te r seg u ran ça aq u i” exclui to d o s
os refú gios possíveis. A palavra riq u e za s/“$ ó r \ 2.” tem o m e sm o se n tid o q u e em
61.6 e 66.12, m as n ã o p o d e m o s esq u e c e r o se n tid o básico, p o is n ã o é ap en as
um a q u e stã o d e d in h e iro vivo, m as ta m b é m d e to d a a p re su n ç ã o , o rg u lh o da
p o sição e a u to rid a d e q u e naquele dia levarão a nada.
4 A N V I aqui ex p ressa o se n tid o d o h ebraico . A m u d a n ç a d a seg u n d a
p esso a d o plural n o s v erb o s d o versículo 3 p ara a terceira p e sso a n ã o é u m
p ro b le m a à m ed id a q u e isso a c o n te c e co m m u ita freq u ên cia n o s p ro fe ta s (cf.
1.29,30). Encolher-se está n a terceira p e sso a d o singular, e cair na terceira p esso a
d o plural. O singular p articu lariza o d e stin o d e cad a u m ; o p lural g en eraliza o
d e stin o d e to d o s. Encolher-se é a certe z a absoluta: “ [cada um ] está c o n d e n a d o a
se e n c o lh e r” e cair é im p e rfe ito em u m se n tid o fu tu ro . N a d a fica rá p arafraseia
u m a ú n ica palavra: b ilti. Isso p o d e significar “ sem m im ” , o u seja, d e stitu íd o da
p re se n ç a d o S e n h o r,1 m as o u so geral d a palavra c o m o u m a n eg ação ao q u e
se seg u e2 (que n ã o se ajustaria aqui) o u seg u in d o u m v e rb o n eg ativ o p ara ex-
p re ssã o “ exceto, só, n ada a fo ra ” .3 C o n sta ta n d o q u e as q u e stõ e s n o v ersículo 3
equivalem a u m a declaração negativa, p o d e m o s p o ssiv e lm e n te e n te n d e r o u so
aqui, n o m o d e lo a m p lo d e D an iel 11.18,4 c o m o “ n ad a além a fo ra d e q u e cada
u m está c o n d e n a d o a se e n c o lh e r” . O u so da p re p o siç ã o e n tre /íí so b ” (ta hat)
p o d e se r e ste n d id o p a ra significar “ em q u e o s cativos estão [...] o n d e os m o rto s

1 P a ra b ilti c o m s u fix o p r o n o m in a l, veja lS a m u e l 2.2; O s e ia s 13.4.


2 E n c o n t r a d a p r in c ip a lm e n te a n te s d o in fin itiv o ( G n 4 .1 5 ; L v 1 8 .3 0 ), m a s ta m b é m a n te s
d o in d ic a tiv o ( N m 2 1 .3 5 ; D t 3.3) e a n te s d e u m s u b s ta n tiv o (Is 14.6) e u m a d je tiv o (IS m
2 0 .2 6 ).
3 C f. G n 2 1 .2 6 ; 4 3 .3 ; J s 11.19. R e c a p itu la u m a n e g a tiv a p r e c e d e n te (“ n a d a a f o ra ” ) e m E x o -
d o 2 2 .2 0 ; N ú m e r o s 11.6.
4 E m D n 1 1 .1 8 b ilti é u s a d o n o s e n tid o d e (lit.) “ n a d a a f o ra q u e ele re c e b e rá s u a in so lê n c ia
d e v o lta ” .
O LIVRO DO REI 148

e stã o ” 1 o u p ro v a v e lm e n te é u sad o aqui em um se n tid o ad v erb ial2 sig nificando


“ [...] en co lh er-se, um p risio n e iro [...] cair, m o rto s ” . C o m o o fu tu ro q u e os m ag-
n atas im aginam p a ra eles m e sm o s está d ista n te da realidade! C air, o v e rb o final
d o p o e m a (sep arad o d o re frã o n o v ersículo 4b), fo rm a u m inclusio [criar um a
e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a seção] c o m o início,
em q u e foi a palavra d o S e n h o r q u e “ caiu” (9 .8 < 7 > ). E fácil re c u sa r a palavra
d o S en h o r, e ela p o d e b e m p a re c e r um a irrelevância infantil p ara o d u ro m u n d o
p o lítico n o qual eles o p e ra m (cf. 28.9). A p erv ersid ad e co m ta n ta freq u ên cia
é in exp ressiva em seu início, m as q u e final! Para o refrão : apesar disso tudo, veja
c o m e n tá rio so b re 9.12 < 11 > .

C omentário adicional sobre a relação de 9-8<7>—10.14 com 5.25

E x iste m fu n d a m e n to s para se p e n sa r q u e o m aterial em 5.25 e e m to rn o


d essa p assag em p e rte n c ia m o rig in a lm e n te a o p o e m a 9 .8 < 7 > — 10.4.
1. A identidade d o refrão: p o r tudo isso, em 5.25; 9.12 < 11 > ,1 7 < 16>,21 < 2 0 > ; 10.4.
2. O se n tim e n to da ausência d e um p o n to cu lm in an te d e p o is d e 10.4.
C o m o as coisas estão , a p assag em 10.5-15 foi d elib e ra d a m en te e d ita d a a fim
d e fo rn e c e r u m a culm inância, m as tem e stru tu ra d ife re n te d o p o e m a . E fácil
acred itar q u e o p o e m a teve o rig in alm en te um p o n to c u lm in a n te n a m e sm a es-
tru tu ra .
3. O s c o m e n ta rista s o b se rv a m u m a am p la equivalência em ex te n sã o e n tre
esses q u a tro v erso s (de sete o u o ito linhas cada um ) e as d ez lin h as de, d ig am o s,
5.26-30.
4. A p assag em 5.26-30 fo rn ecería u m a culm inân cia ad eq u ad a. A te m p e s-
tad e q u e vem de um lugar distante ( m im m erhãq ) d e 10.3 se ligaria c o m o in im ig o
distante (m erãhôq ) d e 5.26. A ideia p re n d e a m e n te ; e a asso n ân cia, o ouvido.
N o e n ta n to , q u a n d o se trata de re u n ir d e n o v o o p o e m a h á su g estõ es dis-
tin tas e p o u c a c o n c o rd â n c ia q u a n to a se o m aterial n o c o n te x to d e 5.26 está
en v o lv ido o u em q u e p o n to d o p o e m a ele p o d e ría ser incluído. U m a so lu ção
m ais sim ples q u e a m aioria seria sugerir q u e 5.22-30 era o fim original d o p o e -
m a; u m p o e m a c o m p le to c o m o ito linhas d e v erso s co m o refrão (5.22-25) e a
co n clu são (5.26-30). A in terjeição a i {hôy gibbôrim ) c o m o a a b e rtu ra d o q u in to
v erso (5.22) casaria c o m o a i (h ô y h a h cxfrim ) n o c o m e ç o d o q u a rto v e rso (10.1).
T ó p ic a m e n te , o a b u so d o p ro c e sso legislativo n o q u a rto v e rso (10.1) levaria ao
a b u so d o p ro c e sso judicial d o v e rso cin co (5.22,23). E claro q u e 5.26-30 n ão
p o d e ría ser a p rim o ra d o c o m o o p o n to c u lm in a n te necessário.

1 O t e r m o ta h a ( c o m o s u fix o p r o n o m in a l é u s a d o p a ra e x p r e s s a r “ o n d e x e sta v a ” e m , p o r
e x e m p lo , 2 S m 2 .2 3 . M as s e rá q u e é p o ss ív e l e s te n d e r e s s e s e n tid o p a ra u m c a s o c o m o o
a tu a l s e n d o s e g u id o d e u m su b s ta n tiv o ?
2 P a ra tah at c o m o a d v é rb io , v eja G n 4 9 .2 5 ; D t 33.13.
149 ISAÍAS 9 .8 1 1 .1 6 ‫־‬

C laro q u e urna coisa é re u n ir d e n o v o o p o e m a d esse m o d o , m as o u tra


b em d ife re n te seguir as tra d u ç õ e s o u os c o m e n tá rio s q u e re ú n e m as p a rte s se-
paradas e, assim , d eslo car a u n id ad e ed itad a d a literatu ra d e Isaías. N o livro de
Isaías, c o m o o tem o s, o m aterial está p e rfe ita m e n te in te g ra d o e m seu c o n te x to
atual e d e v e r se r deix ad o ali. Se fo r algum a coisa, o fa to d e q u e algum m aterial
foi an tes o rd e n a d o d e fo rm a d istin ta n o s e n c h e d e ad m iração p ela h ab ilid ad e
editorial p o r trás d o m o saico d o livro canônico.

O julgamento (10.5-15)
N o lu g ar d e q u a lq u e r fim q u e o p o e m a p re c e d e n te p o d ia te r tid o original-
m e n te (veja o Comentario adirional acim a), Isaías declara a v in d a d o ju lg am en to
so b re Israel p o r in te rm é d io d esse m agnífico o rá c u lo das d u as so b eran ías: a
so b eran ia d o S e n h o r Çadõnãy) e a d o rei d a A ssíria (12). A o fazer isso, ele cria
um d o s p ro n u n c ia m e n to s centrais d a Bíblia so b re a relação e n tre o céu e a te rra
na h istó ria h u m an a.

A 1 O in s tru m e n to d o S e n h o r: a A ssíria e os p ro p ó sito s d o S e n h o r (5)


B1 O S e n h o r e a A ssíria: m o tiv o s c o n tra sta n te s (6-11)
a ( ) m o tiv o d o S en h o r: a justa p u n iç ã o (6)
b O m o tiv o da A ssíria: d o m ín io d o m u n d o (7-11)
B2 O S e n h o r e a A ssíria: avaliações c o n tra sta n te s (12-14)
a A avaliação d o S e n h o r: o rg u lh o e p u n iç ã o (12)
b A avaliação da A ssíria: hab ilid ad e e su cesso (13,14)
A 2 O in s tru m e n to d o S en h o r: a A ssíria e a so b e ra n ia d o S e n h o r (15)

O im p u lso d a passag em é claro: a so b eran ia ab so lu ta d o S e n h o r n o m u n d o


(A 1 A 2). Sem gu ard a-flo restal e sem carp in teiro , o m a c h a d o e o se rro te jazem
sem vida (15). H á um rig o r n o e n sin a m e n to d e Isaías. A A ssíria era u m im -
perialism o selvagem q u e ia atrás sem p e d ir e sem dividir: seria isso feitu ra d o
S en ho r? N ã o é d e a d m ira r q u e H ab a c u q u e te n h a ficad o p e rp le x o c o m esse
p e n sa m e n to (H c 1.5-13), m e sm o se n o fim ele n ã o o aceitasse d e q u a lq u e r m a-
neira (H c 3.17-19). E x iste apenas um a g en te e ele faz tu d o p a ra o b em . A h istó -
ria, so b o c o m a n d o dele, é o resu ltad o das p ro v id ên cias m orais. O h o lo c a u sto
assírio n ã o foi “lib e ra d o in d isc rim in a d a m e n te ” so b re o m u n d o ; foi enviado,
d ire c io n a d o n o p o n to de q u e foi m erecid o (6), m a n tid o d e n tro d o s lim ites d o
céu e, n o fim , a A ssíria foi p u n id a pelos excessos (12). M as se o Im p é rio A ssírio
n ão é n ad a além d o m a c h a d o o u da serra, c o m o ela é im putável? E la é ap en as
um o p e rá rio ru im q u e cu lp a suas ferram en tas. C o m o o m e stre arte sã o m a n té m
seus in stru m e n to s responsáveis? C o m o u m a fe rra m e n ta p o d e se r u m agente?
N e sse p o n to , ficam os face a face c o m o p ara d o x o bíblico: o S e n h o r é so b eran o ,
O LIVRO DO REI 150

m as seus in stru m e n to s são agentes m o ra lm e n te responsáveis. Isaías sai d e seu


c a m in h o a fim d e n o s m o s tra r u m verd ad eiro a g en te h u m a n o em operação .
O b se rv a m o s c o m o as duas seções “ b ” são longas q u a n d o co m p a ra d a s c o m as
seções “ a” . S o m o s a p re se n ta d o s aos p e n sa m e n to s d o s assírios (8,13), à m e n te
(7) e à m ão (10,13,14) deles. N o s seis versículos, o v e rb o é u sa d o se te v ezes n a
p rim eira p esso a; e o p ro n o m e da p rim eira p e sso a , q u a tro vezes. A a firm a ç ão de
in te rfe rê n cia é inequívoca. E m 37.28,29, Isaías usa a figura d o cavalo e seu cava-
leiro, q u e é o m ais p e rto q u e a Bíblia chega d e elu cid ar o m istério d a so b e ra n ia e
da resp o n sab ilid ad e. O s assírios são o cavalo; e o S e n h o r, o cavaleiro. A o cavalo
p e rte n c e to d a a energia in q u ieta e a im en sa força d e sua n atu reza; ao cavalei-
ro p e rte n c e to d a direção e capacidade d e adm inistrar. O s assírios p e n sa ra m e,
d ep o is, e x p re ssa ra m em ação a ex ecu ção d esse d o m ín io m u n d ial q u e ex p ressa
a m e n te deles e b a te c o m suas habilidades e d ireito s assu m id o s, m as o S e n h o r
cavalga so b re a h istó ria d o m u n d o p ara a realização d o s sa n to s p ro p ó sito s.
N o c o n te x to , a p assagem c u m p re três p ro p ó sito s. P rim eiro, ela m o stra
q ue a am eaça c o n tra E fra im n ã o era em vão. A m ã o este n d id a fin alm en te caiu
(10.4). A rejeição da palavra d o S e n h o r foi fatal (9 .9 < 8 > ). S eg u n d o , a A ssíria
será o in s tru m e n to d o S e n h o r c o n tra o Sião (12), e m b o ra ain d a n ã o sejam os
in fo rm a d o s d e até q u e p o n to a p u n iç ã o chegará. T erceiro , o a ta q u e a o Sião
m arcará o p o n to zên ite d o p o d e r assírio. A p a rtir d esse m o m e n to , a A ssíria
estará so b a p u n iç ã o divina.
E ssa passagem seria d a ta d a e m q u a lq u e r m o m e n to d e p o is das in cu rsõ es
assírias terem c o m e ç a d o seriam en te em 734. Q u a n d o as p esso as so u b e ra m da
v erdad eira p re ssã o so b re o R eino d o N o rte , elas n ã o esp erariam u m a palavra
d o S e n h o r p o r in te rm é d io d esse p ro fe ta , ainda m ais q u a n d o a Sam aria caiu em
722 e p e rsiste n te m e n te q u a n d o E z e q u ia s b rin c o u co m a reb elião assíria p o r
vo lta d e 713 e se re b e lo u de fato em 701.
5 O te rm o a i (hôy ) fo rm a u m a ligação co m 10.1. U m a tra d u ç ã o altern ativ a
“ ó ” (RV) c o m e n ta de fo rm a dram ática q u e ac a b o u o te m p o d e p ro v ação ; o
algoz foi intim ado. A palavra trad u zid a p o r fu r o r é 3a p , q u e significa “ n a riz ” , daí
a dificuldade d e re sp ira r o u o ro n c o q u e sinaliza irritação. P o rta n to , é raiva c o m
u m a e m o ç ã o sentida. ( ) fu r o r (za 'a m ) é a raiva ex p ressa, em palavra o u o b ra (o
v e rb o significa “ re p re e n d e r, so lta r im p rc c a ç õ es”). A A ssíria é a vara do m eufuror ,
o u seja, a A ssíria ex p ressa a raiva d o S enhor. A ex p ressão vara do m eu fu r o r /“ç.
u m a vara está n a m ão, m in h a ira” significa “ em cuja m ão m in h a ira é a v ara” .1*
E m o u tra s palavras, o fu ro r d o S e n h o r capacita a A ssíria.
6 A expressão eu os envio é intensiva (piei— classe derivada na conjugação verbal
hebraica), a com issão de um superior a um subalterno. E u [...] envio/“d o u -lh e u m a

1 N ã o h á n e c e s s id a d e d e c o g ita r a c o r re ç ã o d o te x to a q u i (cf. fíH S ). P a ra a m e s m a o r d e m


d e p a la v ra d a q u i, v e ja 5 1 .1 9 ; P v 30.24.
151 ISAÍAS 9 .8 -1 1 .1 6

ordem” não deve ser entendido como uma ordem dada abertamente para o rei
da Assíria que este, depois, não obedeceu (7). Antes, ouvimos aqui o Senhor
declarar seu segredo, o que ele pretende realizar soberanamente por intermé-
dio da Assíria. Nessa passagem os quatro verbos referentes ao Senhor: envio e
e s tá /“ ordeno” no versículo 5 e term inar e castigar no versículo 12. A autorida-
de divina inicia (envia) ordens (comandos), estabelece limites (termina) e julga
(castiga). Para a palavra ímpia (hanêp ), veja o comentário sobre 9.17< 16>. A
frase um povo que me enfurece é (lit.) “povo da minha ira”, ou seja, aqueles que
merecem justamente minha ira. E uma ira Ç ebrg; cf. 9.19< 18>) que não pode
ser contida. Na frase p a ra saqueá-lo e arrancar-lhe os bens (lislõ l sã lã l w ^lãbõz ba¿),
os dois elementos de Maher-Shalal-Hash-Baz (8.1ss.) indicam o cumprimento
contínuo da mensagem que se tornou carne no filho de Isaías. A palavra do
Senhor não volta vazia (55.11). Assim, ela não pode ser recusada impunemente
porque carrega seu próprio poder de cumprimento. A propriedade e também
as pessoas perecem no julgamento.
7 Isaías aponta a disparidade entre os motivos da Assíria e os do Senhor.
Aqui os aspectos compatíveis com o versículo 6 são o segredo e as ambições
totalmente egoístas dos assírios. O comandante Rabsaqué (“comandante de
campo”; 36.4) transformou a obediência em um meio de conseguir um ponto
conflitante (36.10). Para ele, o Senhor não era nada além de um joguete em um
jogo de guerra psicológica. Talvez até mesmo suas fontes de informação dei-
xassem “escapar” algo da palavra de Isaías. Mas não foi uma ordem do céu que
levou a Assíria a ir contra o oeste da Palestina e de Sião; foi a própria autocon-
fiança deles. Pois o que têm planejado,/ “têm em seu coração” e 0 seu p ro p ó sito /“e.stá
em seu coração”, veja comentário sobre 9.9<8>.
8 A expressão eles perguntam é (lit.) “pois ele diz”; há fundamento para a
confiança do versículo 7. O rei tem muito sucesso para contar, reinos que
caíram para ele e os reis desses reinos que se tornaram seus com andantes (sã rim ),
executivos que executam seus decretos. Com certeza, agora nada pode detê-lo!
9 E mais provável que não aconteceu seja “não é”. O rei olha adiante, vendo o
futuro à luz do passado. Seis cidades são mencionadas aos pares. Em cada par,
a primeira fica mais a sul que a segunda, e o rei está raciocinando: “Tomei essa,
posso tomar aquela”. C arquem is é uma cidade do alto Eufrates bem ao norte
da Palestina; C alno e A rp a d e ficam oitenta quilômetros mais ao sul; H a m a te fica
160 quilômetros a norte de D am asco. A lista (cf. w . 28ss.) não é uma descrição
histórica da marcha, mas uma expressão impressionista da ideia de avanço ine-
xorável; de desastre cada vez mais próximo — a próxima é SamanaX
10,11 Samaria e Jerusalém são as mais indefesas, comenta ironicamente
Isaías, uma vez que elas não eram idólatras tão exímias. O versículo 11 conclui a
série ao inferir a queda de Samaria e tencionar a de Jerusalém. A sequência im a-
O LIVRO DO REI 152

gens... imagens... ídolos oferece um comentário teológico sobre o episódio todo.


Não foi um fracasso em armas etc. que os deixou impotentes diante da Assíria;
foi a falsidade espiritual e, no caso de Samaria e de Jerusalém, a apostasia (cf.
37.17-20). O termo para os ídolos do versículo 10 é ‘,lílim (“sem deuses”; cf.
2.8). O versículo 10 tem a mesma palavra, mas no singular Çelil), única ocor-
rência em Isaías. “O reinado do não deus” é uma expressão incomum apesar
de não estar além da imaginação de Isaías. N o entanto, talvez o singular não
retenha seu sentido padrão de “sem valor” ()ó 13.4; Zc 11.17), e a frase tenha
de ser traduzida por “reinos sem valor”, ou seja, reinos sem a verdadeira solidez
de valores espirituais.
12 Esse versículo é comumente apresentado como prosa, embora não
conste desse relato uma interrupção do oráculo conforme mostra o esboço da
página 113. A mudança da terceira pessoa, term inar , para a primeira pessoa, cas-
tigarei, provavelmente reflete com fidelidade como essa palavra “veio” a Isaías:
uma declaração divina direta em resposta a sua curiosidade sobre “o que o Se-
nhor faria quando...” Mas em 8.7, o Senhor fala dele mesmo na terceira pessoa
e podemos ter aqui apenas uma expressão idiomática de revelação. Term inar
(Ib ã s a ) é um termo de costura para “cortar” um fio e daí “terminar”. Apesar
de todas as autoafirmações assírias dos versículos 7-11, é, não obstante, o pro-
pósito do Senhor que controla tudo. C) termo castigarei tem origem em ip ã q a d ,
como “castigo” em 10.3. A frase pelo orgulho obstinado de seu coração epelo seu olhar
arrogante é (lit.) “o fruto da arrogância de coração e a altivez da arrogância de
seus olhos”. O “coração” representa como ele é em seu interior; e os olhos, o
órgão do desejo e da ambição (no que tem os olhos), a direção e “caminho”
de vida. (‫ כ‬que o rei da Assíria fez se conformou à vontade de Deus; a razão
por que ele fez isso não teve nada que ver com a vontade de Deus, só com a
arrogância e altivez do rei.
13,14 Aqui temos o relato do rei de suas habilidades (13a), suas realizações
(13b) e seu poder irresistível (14). Ele pode mudar as estruturas {fronteiras), des-
considerar os direitos (tesouros) e depor os reis. A força (kôah ) não é recurso, mas
“habilidade”. A mão é o símbolo da ação pessoal, e a sabedoria é a mente sábia
por trás dela. Elas juntas enfatizam “eu o fiz”. O entendim ento é o discernimento
que vê o cerne de algo. O termo poderoso Ç abbir, usado para o Senhor em 1.24)
pode ser um título quase divino sugerindo “semelhante a Deus, humilho reis
entronizados”. Tudo isso é tão fácil quanto fazer um ninho de passarinhos.
15 Esse versículo casa-se com a declaração da “mão e mente” do rei do
versículo 13a. Na relação entre o homem e a ferramenta, onde será que se en-
contra a mente organizadora (15a) e a força da mão (15b)? O verbo se e x a lta /“sc
glorifica” está relacionado ao substantivo traduzido por “exalta”, e vangloria se
relaciona com a palavra “orgulho” no versículo 12. O rei é um homem vazio.
Ele não teria nenhuma posição se não lhe tivesse sido dada do alto (Jo 19.11).
153 ISAÍAS 9 .8 1 1 .1 6 ‫־‬

O remanescente (10.16-34)
Essa seção está unida e suas subseções são marcadas por 0 Senhor, 0 Soberano
(1h ã 'ã d ô n ya hw eh f b a o t nos versículos 16 e 33 e
d òn ã y yahw eh f b a ô t nos versí-
culos 23 e 24). Cada seção (16-23 e 24-34) começa com p o r isso (lãkêri) e contém
uma divisão anunciada pela expressão naquele dia (20,27).

Λ1 O ato de santidade do Senhor (cf. 0 seu Santo nos w . 17,20) (16-23)


a1 O santo julgamento da Assíria, deixando apenas um
remanescente (16-19)
b1 O santo julgamento de Israel, deixando um remanescente
penitente (20-23)
Λ2 O ato de poder do Senhor (cf. o título Senhor dos H xérà to s no
versículo 26 e Poderoso no versículo 34) (24-34)
b2 A segurança do povo de Sião por intermédio do Poderoso
(24-26)
a2 a destruição da Assíria por meio do Poderoso (27-34)

O esquema a1b1b2a2 é particularmente digno de nota. O padrão do povo


de Deus cercado pela ameaça mundial e, todavia, preservado atrai tanto Isaías
que é reproduzido em grande escala nos capítulos 13-27. O pecado do povo de
Deus nunca fica impune, mas nem a oposição do mundo consegue ter o triunfo
final. O julgamento e a preservação andam de mãos dadas. Essa passagem e sua
passagem paralela em 8.9-22 expressam respectivamente promessa e cumpri-
mento. O pedido de 8.9,10 aqui é mantido no caso da Assíria; o remanescente
esperou no dia escuro (8.17) e agora experimentam uma intervenção libertado-
ra (24-34); o remanescente foi separado do povo (8.11-15,16-20) e agora eles se
voltam para Deus em confiança (20).
16-18 Isaías revela com metáforas misturadas, c f a metáfora da “palha con-
sumida pelo fogo, chamas, raízes apodrecidas e levadas pelo vento” de 5.24. Aqui
suas metáforas estão misturadas, mas em um padrão a-b-b-a de doença-fogo-fo-
go-doença. A maturação vagarosa do dia maligno (a metáfora da enfermidade),
o fim certo (a chama abrasadora) e a totalidade da realização (os espinheiros e
roseiras bravas, as florestas e campos férteis nos versículos 17b e 18a; a alma e
0 corpo no versículo 18b) são todos aludidos aqui. O tumulto de imagens capta
a confusão e as muitas facetas de um dia de destruição. Os que não se deliciam
em uma peça de literatura como essa são de fato difíceis de agradar.1

1 P a ra u m r e a r r a n jo m o d e r a d o d o s v e rsíc u lo s 16-18, v eja M a u c h lin e . O c o m e n tá r io d e G ra y


d e q u e “ é in a c re d itá v e l q u e m e s m o u m im ita d o r ru im d e Isa ías te n h a fe ito ta m a n h a trap a -
lh a d a ” é in c o n c e b ív e l. K a is e r a c h a q u e “ o tra b a lh o a c a d ê m ic o d e u m h o m e m q u e s e n ü u a
n e c e s s id a d e d e u m a p ro fe c ia d e p u n iç ã o ” e fe z u m a c ré s c im o p o r v o lta d e 3 1 2 a.C . Λ lista
O LIV RO DO REI 154

16 P or isso, ou seja, uma vez que o que veio antes nos versículos 5-15 é o
verdadeiro entendimento da história mundial e o verdadeiro relacionamento
do divino com a soberania humana, seguem-se as consequências. Isaías começa
sutilmente com um lembrete de quem é o Deus soberano: 0 Soberano, 0 Senhor
dos E xércitos. O Senhor é h a ã d ò n (cf. v. 33), “O [verdadeiro] Soberano”, “o So-
berano por excelência”. Esse título solene olha em retrospectiva de maneira
desconfiada para a vazia soberania do rei assírio! O Senhor dos E xército s é lavé,
adequado a essa passagem, o Deus do êxodo que salva seu povo e domina seus
inimigos. Ele é o Soberano/“ Senhor dos Exércitos” (veja comentário sobre 1.9),
ou seja, possui todas as potencialidades e poderes. Para enviará veja comentá-
rio sobre versículo 6. Ele dirigiu o curso da Assíria; ele direciona seu fim. Λ
expressão idiomática hebraica para expressar totalidade por um par contras-
tante acontece duas vezes: enferm idade e fogo são os agentes interno e externo de
destruição e, portanto, representam toda força da destruição; os termos fo rtes
guerreiros e glória representam o arsenal da monarquia em seus recursos externos
e suas dignidades pessoais e, por isso, expressa perda total.1
17 (Cf. 30.27-33.) Os assírios marchando triunfalmente sobre Jerusalém
estão na verdade pulando em uma fogueira. As trevas são um dos temas de
Isaías para os tempos dos assírios: a reunião das trevas de 5.30 e o êxito nas
trevas de 8.20-22. Mas a L us^ de Israel não foi embora.*12 A luz que em seu sen-
tido mais amplo ainda está por vir (9.1<8.23>; 30.26) já está presente. A fé,
nas trevas da calamidade, caminha na luz. Para a ligação entre luz e santidade,
veja 6.3. Ali a “glória” expressou a presença do Senhor em toda sua glória em
todo lugar; aqui a luz é a presença do Senhor em toda sua santidade inacessível.
Mas ele está presente como 0 seu Santo , o Deus sempre do lado de seu povo,
independentemente de quanto eles sejam indignos disso. A expressão num único
dia (cf. 9.14<13>; 10.3) é muito apropriada para o julgamento assírio (37.36).
18 O contraste entre florestas (terreno não habitado com vegetação natu-
ral) e campos férteis, “seu jardim”, (cultivo ordenado) expressa a totalidade da
destruição. O termo totalm ente é (lit.) “alma e também carne”. A palavra definha
(m esõs) é de im ã sa s, “consumido”. Em Josué 2.11, ela aparece na frase “o povo
desanimou-se completamente”/ “consumiu-se”. Encontramos a palavra tradu-
zida por enfermo (nõsès) aqui e talvez seja (B D B ) um participio de in ã sa s, (“estar

d e c o m p a r a ç õ e s d e K a is e r, d e s tin a d a a m o s tr a r q u e o m a te ria l u s a d o é d e Isaías, c u m p r e


tã o b e m se u p a p e l q u e d e s tr ó i o c a s o p a r a u m a m ã o p o s te r io r e m o p e ra ç ã o .
1 A o r a ç ã o n ã o d e v e s e r o b s e r v a d a c o m o u m a típ ic a a s s o n â n c ia d e Isaías: taha( k tb õ d ô y è q a d
yqõ< j k iq õ d ê s .
2 S o b re o S e n h o r c o m o L u z , veja SI 27.1; 84.11 < 1 2 > ; Is 6 0 .1 ss.,1 9 s.; M q 7.8. A lu z sim b o li-
za o fa v o r (SI 4 .6 < 7 > ) , a o r ie n ta ç ã o (SI 4 3 .3 ), a lei (SI 1 1 9 .1 0 5 ), a re v e la ç ã o d a v e rd a d e (Is
4 2 .6 ) e a p r e s e n ç a d e D e u s (SI 104.2; Is 4.5).
155 ISAÍAS 9 .8 - 1 1 . 1 6

doente”). A palavra incomum, sem dúvida, foi escolhida para produzir a asso-
nância estilística n fs õ s nõsès.
19 Isaías acrescenta uma úlüma metáfora. A Assíria, em seguida ao fiasco
em Sião, continuou avançando em direção a sua morte (37.36ss.), mas foi tão
diminuída que até mesmo um a criança podia conduzir um censo! Isaías recorre
a outro tema das histórias de Gideão para auxiliá-lo (Jz 7.14; cf. Is 9.4<3>;
10.26).
20-23 O pensamento, como nos versículos 16-19, ainda se concentra no
Santo (20), de modo relevante sob o título dado por Isaías que o relaciona di-
retamente ao seu povo, o Santo de Israel. Embora comece o julgamento na casa
de Deus, permanece um remanescente. Eles são os sobreviventes (20), caracteri-
zados pela fé (20) e pelo arrependimento (21).
20 O contexto desse versículo é a aliança Arã-efraimita. O Reino do Norte
(Jacó... Israel), ameaçado pelo poder cada vez maior da Assíria, procurou uma
nação que tinha sido inimiga durante um século em busca de força (veja co-
mentário sobre 9.12<11>). Mas naquele dia renunciar-se-á a essa tolice e um
remanescente [...] confiarão no Senhor /.../ com toda fidelidade. O termo sobreviventes é
(lit.) “os que escaparam”; o sentido de ameaça e julgamento é forte nesses ver-
sículos. C onfiaré, “contar com, depender de” (cf. 2Sm 1.6 para um exemplo da
fraqueza descansando na força). A própria experiência de Isaías tinha mostrado
que o Santo de Israel, o Deus cuja santidade condena (1.4) é o Deus que perdoa
e reconcilia (6.3-7). Ele vê essa obra em escala nacional.
21 A frase um remanescente voltará é a mensagem de Sear-Jasube aplicada aqui
às pessoas do Reino do Norte. O verbo voltar (cf. 1.27) enfatiza o lado ativo do
arrependimento em contraposição ao lado mental: uma virada e retorno. O
título D eus Poderoso Ç èl g ib b ô r) é o mesmo de 9.6<5>. O uso desse título dire-
tamente para o Senhor mostra que ele não pode ser reduzido com integridade
a “herói semelhante a Deus” em 9.6<5>. O título não podería ser usado tão
cedo se não com o sentido pleno pretendido ali. A referência ao Senhor como
um Deus guerreiro é adequada a esse contexto em que o povo está sob o espo-
rão de um conquistador e precisa de libertação. Ele é um “Deus guerreiro de
valentia”, como em Josué 5.13— 6.27, e quando Isaías o vir de novo em 59.15b-
20. Sempre que o povo de Deus precise, como o Senhor “dos Exércitos” tem
toda potencialidade e poder para atender, ele se lança no papel apropriado.
22 Há uma continuação do tema de Sear-Jasube do versículo 21. A con-
junção embora é um sentido possível da conjunção k í 'im (por exemplo, Am
5.22), mas seu principal sentido não é como concessivo, mas como uma firme
conjunção adversativa: “mas”. Nesse contexto, a palavra “mas” contraria qual-
quer indicação de que o remanescente, mencionado duas vezes no versículo 21,
indica pequeno número. Ao contrário, a promessa para Abraão continua e “o
O LIVRO DO REI 156

seu povo, ó Israel” será como a areia das p ra ia s do m ar (Gn 22.17). É nesse sen-
tido que (lit.) “um remanescente entre eles voltará”. O termo apenas é uma
adição interpretativa presumindo que a palavra remanescente é usada aqui em um
sentido ameaçador, mas isso não se ajusta à referência à promessa abraâmica.
A destruição (killá yô n ) significa a “chegada a um fim”, do lado negativo, “um
fracasso” (sua única outra ocorrência é em D t 28.65). Outra forma da mesma
palavra (k ã i) é traduzida por “destruição” no versículo 23. Nos dois lugares a
palavra podería ser traduzida por “fim” ou “consumação”; o Senhor consuma-
rá o que decretou, quer por promessa quer por ameaça, e o que ele fizer será
(lit.) “repleto de justiça”. Completamente dominado/ “transbordante” (isã fap)
é usado característicamente em Isaías para a “inundação” assíria (cf. 8.8; 10.22;
28.2,15,17,18; 30.28). A misericórdia que salvaguarda o remanescente não será
menos abundante! A “justiça” é o resultado externo da santidade na aplicação
de princípios justos no governo do mundo (cf. 5.16).
23 Um “porque” (ARC) inicial (omitido na NVI) transforma esse versí-
culo em explicativo do tema consumação/julgamento. Este não se realiza pela
vontade humana (por exemplo, o imperialista Império Assírio) tampouco por
acaso nem por operação mecânica de forças históricas, mas pelo decreto divi-
no. Para a expressão 0 Senhor, 0 Senhor dos E xércitos, veja a nota introdutória na
página 153 e os comentários sobre o versículo 16. A frase sohre todo 0 p a ís /“n o
meio de toda a terra” indica que os atos de Deus acontecem na realidade da
história e na vida deste mundo. O termo “todo” é apropriado, pois seus atos
abrangem não só Judá e Israel, mas simultaneamente os povos conglomerados
do Império Assírio; todos estão sujeitos aos decretos do Senhor.
24 Isaías volta-se para outro reino do povo de Deus: Sião. Para Judá, a
esperança ocupa o primeiro plano à medida que eles foram com certeza casti-
gados, mas poupados da destruição. Nessa conjuntura, fazia parte da sabedoria
soberana decretar que o reino, não obstante a descrença decisiva de Acaz, não
seria exterminado pela Assíria. O juiz de toda a terra (Gn 18.25) frustra nossa
lógica com suas decisões, mas ele faz o que é certo. P or isso uma vez que a des-
truição é decretada (23), o Senhor tem de continuar e dizer como a executará.
Além da nota de esperança que o título 0 Senhor, 0 Senhor dos E xército s (veja v.
16) contém, também há outros sinais positivos. Primeiro, Deus lembra-os do
contínuo relacionamento da aliança (eles são povo meu) e da promessa davídica
sob a qual eles vivefm / em Sião (a frase “vive em Sião”, em que simplesmente “em
Sião” teria bastado, é claramente enfática). Segundo, a sugestão das palavras
comofenço E g ito traz à mente a aterrorizante experiência que finalmente terminou
em redenção e vitória. Isaías exorta o Sião: N ã o tenham medo dos assírios. Ele sabe
que o fim será a destruição e a deportação (6.1 ls.), mas também sabe que os
assírios não serão os agentes disso. Eles espancam, mas, em última instância, não
são um motivo de medo.
157 ISAÍAS 9 .8-11.16

25 O “porque” (ARC) inicial (omitido na NVI) introduz uma explicação


do chamado para não ter medo. Kaiser, considerando as palavras m uito em breve,
diz: “A verdadeira fé é ao mesmo tempo uma expectativa iminente. [...] Pois
ninguém que não reconhece que Deus pode se mostrar gracioso agora está,
em última análise, excluindo totalmente Deus de sua vida”. Para Ju ro r (za ‘am ) e
ira Ç ap), veja 10.5. Essa ira é “voltada”1 para a destruição dos assírios (1la iflít; um
substantivo formado de modo apropriado a pardr de ibãlã, “para ser destruído,
consumido” e só encontrado aqui).1 2
26 Os temas de Gideão e do êxodo foram uma escolha sagaz. A referência
a M íd ia e Orebe (jz 7.25) foca a destruição dos inimigos, em especial os líderes
deles; a referência ao m a r e ao E g ito enfatiza a libertação do povo de Deus. A
frase flagelará com um chicote é (lit.) “despertará com um chicote” e o uso geral de
Ί cü r sugere o despertar de algum agente de punição, nesse caso o filho e assassi-
no de Senaqueribe (37.38). O termo chicote (sõ f) é usado ironicamente aqui. Sua
única outra ocorrência em Isaías (28.15,18) descreve os assírios como o flagelo
de Judá! Os assírios tomaram o chicote e pereceram pelo chicote! A rocha de
Orebe (Jz 7.25) recebeu o mesmo nome que o príncipe midianita Orebe, que
escapou da morte na batalha, mas foi morto quando fugiu. É uma adequada
alusão a Senaqueribe que não pereceu com seu exército, mas depois de chegar
em casa. A expressão seu cajado é outra ilustração que dificilmente podería ser
mais adequada. Os egípcios na ocasião (Ex 14.15ss.) e os assírios agora estão
tão certos de sua presa, todavia, para sua própria destruição, foram frustrados
pela libertação divina com tempo marcado até os segundos.
27-34 Talvez essa seja uma descrição da marcha assíria, mas é muito mais
provável que seja uma impressão poética (como no v. 9) do avanço de um ini-
migo.3 A marcha triunfalista de conquista a conquista é “emoldurada” com bela
ironia pela declaração de sua ineficácia suprema, por exemplo, o fato de o jugo
ser tirado (27a) e a derrubada da árvore (33,34).
27 O fardo (cf. 9.4<3>) é o símbolo de “serviço restituido”, o ju g o de estar
“sob ordens”. A remoção de ambos fala do fim do senhorio. A segunda parte
do versículo é difícil. Uma tradução literal seria: “e u m /o jugo será quebrado
por causa do óleo”. O “óleo” simboliza a riqueza ou força inerente. Em 5.1,

1 A p r e p o s iç ã o ‘a l p o d e e x p re s s a r a d ire ç ã o d a a te n ç ã o a alg o , p o r e x e m p lo , J r 2 2 .1 7 . V eja


B D f í s o b r e ‘a l 7c(c). A N V I e la b o ra c o m se voltará para.
2 A B H S , n o e n ta n to , c o rrig e p a ra tek el y ittõ m , “ [e m e u fu ro r] te rá te r m in a d o c o m p le ta -
m e n t e ” . V eja G . R. D riv e r, “ L in g u istic a n d te x tu a l p ro b le m a s : Isa ia h I - X X X I X ” ,y7.'V, 38
(1 9 3 7 ), p. 39. M a s n ã o se e n c o n tr a o t e r m o tekel e m n e n h u m o u t r o lu g a r d a B íblia.
3 V eja Y. A h a ro n ¡, M acmillan Bible A tla s (M a cm illa n , 1 9 77). W ild c rb e rg c r d is c u te a p ro v á v e l
r o ta d o e x é rc ito a ssírio e fo rn e c e u m m a p a . V eja o a r tig o s o b r e “ L a ís” n a I D B e m q u e as
p a la v ra s d e Isa ías sã o d e s c rita s c o m o u m “ r e tr a to v is io n á rio e p o é tic o d o a v a n ç o d e u m
e x é rc ito h o s til” . (O t e r m o “ e m o tiv o ” se ria m e lh o r q u e “ v is io n á rio ” .)
O LIVRO DO REI 158

0 termo “fértil” traduz ‘filho do óleo”. Será que havia uma riqueza ou for-
ça inerente em Sião que a tornava invencível para a Assíria? Se esse fosse o
caso, é possível que fossem as promessas davídicas do Senhor (28.16; 37.33-35;
38.5,6). A tradução da ARC indica isso: “por causa da unção”. Mas embora se
usasse óleo na unção, a palavra não se destaca em outras passagens como uma
figura de unção. Contudo, é provável que esse sentido do texto esteja mais per-
to de ser satisfatório à medida que se destaca1e casa com a expressão um tanto
enfática que vive em Sião do versículo 24. A poesia é inerentemente alusiva e o
pensamento aqui não é diferente de 2Samuel 1.21, passagem em que Davi la-
menta a morte de Saul na batalha “que nunca mais será polido com óleo” — um
comentário igualmente conciso (cf. SI 89.20<21>). A referência a óleo liga com
a seção de abertura do poema. N o versículo 16, o Senhor envia uma eliminação
entre seus “gordos” (m ism annãw ) em que o vocabulário de “óleo” (sem en) está
evidente. Eles não têm óleo preservador, mas o Sião tem.
28 Os verbos entram e passam estão no tempo perfeito e provavelmente
deviam ser traduzidos no passado, indicando que a marcha já está em seu cami-
nho. E provável que A iate seja a cidade de Ai (Js 7.2), 24 quilômetros a norte de
Jerusalém. A cidade de M igrom , se é aquela de 1Samuel 14.2, é a sul de Micmás,
mas o verbo passam pode indicar que aqui ela é antes o nome de uma região.
Em guardam , o tempo muda para imperfeito. Os tempos perfeitos representam
relatos trazidos da frente do que já aconteceu; o tempo imperfeito (por assim
dizer) tem o sentido de alarme à medida que as pessoas tomam conhecimento
de que a passagem-chave para Micmás caiu. E possível que a frase guardam
suprim entos seja mais provavelmente “ele revê ou examina suas armas”, ou seja,
preparação para o ataque final.
29 A frase “atravessaram o vale” refere-se a Micmás. A introdução da fala
quase direta (Passarem os a noite acampados em G eb a / “Geba nosso alojamento”)
acrescenta vivacidade e expressa a autoconfiança do inimigo. Eles, longe de se
demorar em Micmás para estabelecer uma base de suprimento, continuaram
a fim de atravessar a passagem descendo 91 metros no vale e planejam a ocu-
pação de Geba, 152 metros acima do outro lado do vale. Agora, o inimigo já
entrou em Judá e está a 9 quilômetros de Jerusalém. R am â e G ibeá eram ambas

1 S o b e ja m as r e c o n s tr u ç õ e s d o te x to . E m v ez d o “ e se u ju g o d e se u p e s c o ç o ; e [o] ju g o
se rá d e s tr u íd o ” d o T M , o u tr a p o s s ib ilid a d e é: “ e o ju g o d e le e m s e u p e s c o ç o s e rá d e s-
t r u íd o / c e s s a r á ” (o u seja, c m v e z d e vfhubbal leia yhubbal o u yehdal). U m a a lte rn a tiv a
p a ra o “ ju g o p o r c a u s a d a u n ç ã o ” d o T M Çôl mippf nê semen) é: “ ele s u b iu d e R i m o m / d e
S a m a ria ” ( ‘a tó m ipffnê rimmón/sõrrfrôri). (P a ra R im o m , v e ja J z 2 0 .4 5 .) A N V I (porque vocês
estarão muito gordos) p r e s e r v a o T M , m a s e m d e tr im e n to d o s e n tid o ( e m b o ra Y o u n g a p o ie
isso: “ Isra e l é u m a n im a l g o r d o , n a v e rd a d e , tã o g o r d o q u e su a p r ó p r ia g o r d u r a q u e b r a
o ju g o ”). A T B , c o m u m a r d e p e g a r o u larg ar, o f e re c e u m v ig o r o s o “ se rá q u e b r a d o p o r
causa da g o rd u ra ” .
159 ISAÍAS 9 .8-11.16

cidades fortalezas na estrada direta para a capital, mas longe de se preparar para
deter o inimigo, “Ramá treme; Gibeá de Saul foge [foi evacuada]”.
30 A cidade de Anatote, oito quilómetros a noroeste de Jerusalém, não
teria estado na linha direta da marcha, mas ela caiu para o invasor junto com
as provavelmente vizinhas G alim e I m í s . Para o termo clam em /“gritem com
sua voz”, diriamos “com a potência máxima de sua voz”. Na expressão pobre
A n a to te /“ò afligida”, o “ó ” alude às consequências da chegada da tropa assíria.
A guerra é “uma infâmia interminável disfarçada sob um nome respeitado, mas
obsoleto”.1
31 D o contrário a cidade de M adm ena seria desconhecida e foi possível-
mente escolhida pelo efeito de assonância n ã ctd à m adm ênâ (“Madmena está em
fuga”). D o contrário também a cidade de G ebim seria desconhecida.
32 O termo hoje significa “antes de hoje está fora”. Sem dúvida, a cidade
de N o b e é identificada com a que fica a um pouco mais de 1,6 quilômetros de
Jerusalém. Com a frase eles vão p a r a r /“ a intenção é parar”, ouvimos mais uma
vez o relato trazido por espiões e batedores.12
33,34 E muito provável que esses versículos tenham origem como a linha de
abertura do poema real messiânico de 11.1-16. Se o todo for agora uma entrada
em uma antologia fica difícil saber o que representa a parte podada e a derrubada
de árvores dos versículos 33 e 34 à parte de sua óbvia relevância no esclarecí-
mento do fundamento para o “broto” do “tronco de Jessé” (11.1). N o entanto,
0 poema, à medida que continua, está intimamente integrado ao contexto em
que começou em 9.8<7> e, em última análise, em 7.1. Os versículos 33 e 34,
no contexto imediato, equilibram-se com o versículo 27. O corte das aldvas
árvores só pode se referir à destruição da Assíria.3 Isso fornece o contraste
perfeito para o broto messiânico, mas é extremamente surpreendente depois
de cinco versículos de autoconfiança, progresso inexorável e afronta assírias!
Em contrapartida, a falsa soberania do rei, o verdadeiro Soberano (h a ã d ô rí)
assume o centro do palco. (Sobre esse título divino, veja o esboço na página
153 e os comentários sobre o versículo 16.) A derrubada da floresta casa com o
incêndio da floresta dos versículos 16b e 17 como o tema da destruição assíria.
Oferece uma adaptação irônica do machado imaginário do versículo 15. Está
em vista uma derrubada de árvores tão colossal como a derrubada do U bano.
A frase vejam ! O Soberano, 0 Senhor dos H xércitos, na verdade, é “pelo Poderoso”;

1 O . S itw ell, la u g h te r in the N e x t Room (R e p rin t S o ciety, 1 9 5 0 ), p. 106. E le n ã o e x p lic a p o r


q u e o n o m e é “ r e s p e ita d o ” .
2 O v e r b o “ p a r a r ” e s tá n o in fin itiv o , e x p r e s s a n d o u m a te n d ê n c ia o u o b je tiv o (G K C \ p. 1 14k;
D riv e r, p. 2 0 4 ), m a s se m d ú v id a fo i e s c o lh id o a q u i p e la a sso n â n c ia : ,ôd hayyôm ffnõh
la<amõd■
3 C le m e n te s fez u m a s u c in ta re v is ã o d e o p in iã o s o b r e e sse s v e rsícu lo s.
O LIVRO D O REI 160

o Senhor é o agente. Os assírios foram soberanos até que encontraram o So-


berano — e no mesmo momento em que a ameaça está as portas de Sião! A
percepção da historia nos versículos 5-15 não é urna vanglória inúdl nem urna
esplendida ilusão. Isaías levará o livro do Rei ao seu ponto culminante com o
próprio incidente (caps. 36— 37).
A gloriosa esperança (11.1-16)
Aqui, Isaías estende pela segunda vez ao remanescente a esperança do
Messias real. Mais urna vez é específicamente uma palavra de garantía do dia
tenebroso da ameaça assíria, mas contém em si mesma claras indicações de que
seu cumprimento é para o tempo ainda por vir. A esperança infinita e sem data
precisa é urna certeza viva e sempre presente para o povo de Deus e é nesse
ponto que a passagem fala tanto para a igreja de hoje quanto para a época de
Isaías. A evidência mais óbvia da pré-história literária nos versículos 1-16 é a
inserção (provavelmente) da seção de prosa, os versículos 10 e 11, ligando dois
poemas independentes, os versículos 1-9 e 12-16. Observamos como o E sp írito
que dá conhecimento e tem or do Senhor no Messias se transforma, sob seu reinado,
no conhecimento do Senhor (9) enchendo toda a terra. N o segundo, no triplo ato do
Senhor, erguer, reunir e a ju n tar (12) coincide com seu triplo ato de secar, varrer e
d iv id ir( 15,16). Esses dois poemas complementam um ao outro: o primeiro lida
com o Rei, a natureza de seu governo e o mundo paradisíaco em que reina;1 o
segundo lida com a população mundial reunida sob a bandeira do Senhor.12 Os
versículos de ligação (10,11) são uma peça de literatura muito hábil, de maneira
nenhuma intrusivas e um verdadeiro fator de união. Cada um dos versículos
começa com as palavras naquele dia\ o primeiro conclui o primeiro poema; e
0 último abre o segundo poema. O versículo 10 forma um inclusio [criar uma
estrutura ao pôr material similar no início e no final de uma seção] com os ver-
sículos 1,2 ao reintroduzirJessé, Raieç e descanso (no v. 2, o Espírito descansa nele;
no v. 10 ele fornece um lugar de descanso). O versículo 11 lança o fundamento

1 W ild e rb e rg c r a c e ita o s v e rsíc u lo s 1-5 ,6 -9 c o m o d u a s p a r te s d o m e s m o p o e m a . O u t r o s , to -


d a v ia , c o n s id e ra m o s v e rs íc u lo s 6 -9 c o m o u m a a d iç ã o fe ita n o fim d o sé c u lo V I o u in íc io
d o V.
2 M u ito s c o m e n ta r is ta s in s is te m q u e u m a p ro fe c ia te m d e p e r te n c e r às c irc u n s tâ n c ia s e m
q u e se u c o n te ú d o é p r e s s u p o s to . Se e sse e ra o c aso , e n tã o o s v e rsíc u lo s 11 ss. d e v e m cia-
ra m e n te s e r d a ta d o s n o p ó s-e x ílio , p o is eles p r e s s u p õ e m a d is p e r s ã o d e J u d á e ta m b é m d c
Israel. A lista d e n o m e d e lu g a re s (11) e o s o b je to s d e c o n q u is ta (14), p o r su a v e z, s ã o d is-
tin ta m e n te p ré -e x ílio . E m u m a p a s s a g e m p ó s-e x ílio , c o m c e rte z a , u m a r e fe rê n c ia n o m in a l
à B a b ilô n ia (e n ã o a a lu s ã o p o é tic a a “ S in e a r”) seria o b r ig a tó r ia e u m a r e fe rê n c ia à a n tig a
A s síria seria se m se n tid o . M as, n a v e rd a d e , o p r in c íp io p o r trá s d e s s e ra c io c ín io é falso. A
p ro fe c ia s u rg e d a s p re s s u p o s iç õ e s d o p r o f e ta , q u e in c lu e m ta n to as c irc u n s tâ n c ia s d c su a
é p o c a q u a n to se u p r ó p r i o e n te n d im e n to c o n c e d id o p o r D e u s d e le s e d o fu tu ro .
161 ISAÍAS 9 .8-11.16

para um inclusio [criar uma estrutura ao pôr material similar no inicio e no final
de uma seção] com os versículos 15 e 16 em sua referência ao dia (no v. 16,
quando é (lit.) “no dia em que”, assim o grande dia futuro casa com o grande dia
passado), braço, o remanescente, A ssíria , E g ito e m ar (a reunião dos povos do outro
lado do mar é possível ao secar o mar). Portanto, a gloriosa esperança é de um
mundo reconstituído sob um rei perfeito.

A 1 O tronco de Jessé: sua descendência e dotação (1,2)


B1 Seu governo (3-5)
B2 Seu mundo (6-9)
A2 A Raiz de Jessé: sua preeminência e posição mundial naquele dia (10)
A3 (9 braço do Senhor. Seu segundo ato: o remanescente mundial naquele
dia (11)
C1 A bandeira levantada: o povo reconstituído (12,13)
C2 O domínio do mundo (14)
A4 A mão do Senhor. O fim de um mundo dividido. Outro êxodo:
o ato histórico como um modelo para o segundo ato (15,16)

Uma das características mais espantosas dessa passagem notável é o duplo


título do Rei por vir tanto como ramo (1) quanto como Raisç (10) de Jessé. A re-
ferência a Jessé indica que o ramo não é apenas outro rei da linhagem de Davi,
mas antes é outro Davi.1N os livros de Reis, sucessivos reis foram aquinhoados
com a comparação com “seu pai Davi” (por exemplo, 2Rs 18.3), mas nenhum
rei é chamado de “Davi” ou “filho de Jessé”. Entre os reis, só Davi era “o filho
de Jessé” (por exemplo, ISm 20.27-33; lRs 12.16) e a inesperada referência a
Jessé aqui tem uma tremenda força: quando Jessé produz um ramo, este deve
ser Davi. Mas chamar o rei esperado de Rai% de Jessé é outra questão, pois isso
significa que Jessé nasceu dele; ele é a raiz de suporte e origem da família mes-
siânica em que ele nascería. De acordo com Gênesis 3.15, a família humana é
mantida viva, não obstante o decreto de morte (Gn 2.16s.), porque nela nascerá
a semente da conquista. Da mesma maneira, aqui o Messias é a raiz originária
de sua própria árvore familiar até o dia em que ele germinar nessa família. N o
Antigo Testamento, esse é um dilema a espera de solução.
1 A imagem aqui é de uma árvore cortada. Todos os antigos sinais de vita-
lidade se foram, mas a vitalidade escondida da raiz continua a existir. Isaías leva
a sério sua própria previsão de que “a santa semente será o seu tronco” (6.13).
Quando foi chamado a ser profeta, Isaías foi avisado de antemão (6.9ss.) sobre
a terra vazia, o povo deportado e a árvore cortada e, além disso (7.9), de que a

C f. J r 3 0 .9 ; Ez. 3 4 .2 3 ,2 4 ; O s 3.5.
O LIVRO D O REI 162

monarquia não sobrevivería à descrença de Acaz. Por isso, a predição atual não
precisa da queda histórica da monarquia a fim de induzi-la. Isaías seria uma pes-
soa muito estranha na verdade se não tivesse consciência de uma tensão em sua
própria mensagem entre a predita glória davídica (1.25-27) e a predita queda
davídica (por exemplo, 7.17). Dessa tensão surgiram profecias como a de 9.1-7
e de 11.1-16. O Senhor tem de rememorar suas promessas ou afirmá-las e a fi-
delidade de Deus exige essa última. O termo ramo (h ô fer ) só é encontrado aqui e
em Provérbios 14.3 e significa “crescimento novo” ou “galho fino”. Para tronco
(g e z a '), veja 40.24 e Jó 14.8. O renovo (nêçer) é do verbo “ficar verde”, por isso,
significa “um broto”. Não é a palavra usada em 4.2, mas é a mesma metáfora, a
“árvore da família”, referindo-se aqui à descendência humana do Messias. Em
9.1 ss., a ênfase está no nascimento do Messias; aqui ela está no fru to de sua vida
adulta e de seu caráter.
2 A principal impressão adquirida do Antigo Testamento é de que o E sp í-
rito do Senhor1 capacita as pessoas escolhidas para tarefas especiais (por exemplo,
Ex 31.2,3;Jz 6.34), mas também há indivíduos que desfrutam da habitação per-
manente do Espírito: Moisés (Nm 11.17); Josué (Nm 27.18); Davi (ISm 16.13)
e possivelmente Elias e Eliseu (2Rs 2.15). Em Isaías, o Messias é o Espírito
provido (42.1; 59.21; 61.1). A sétupla elaboração do Espírito e sua obra come-
çam aqui com sua pessoa divina como 0 E sp irito do Senhor e continua com três
pares de características. Primeiro, ele é 0 E sp írito que dá sabedoria e entendim ento.
Esses são atributos judiciais e governamentais como em Deuteronômio 1.13 e
em IReis 3.9,12. (Em IReis 3.9, “distinguir” reflete o substantivo “entendimen-
to” e, no versículo 12, os adjetivos correspondem aos substantivos de Isaías.)
Quando as palavras são usadas juntas, “sabedoria” é a característica mais geral,
enquanto “entendimento” é mais particularmente o poder de enxergar o cerne
da questão; a primeira é o reservatório; e a última, o fluxo dirigido de maneira
prudente. Essas provisões mentais de sabedoria e entendimento contrastam
com a vangloria orgulhosa do rei da Assíria (10.13). Segundo, ele é 0 E sp írito que
tr a z conselho e poder. As palavras traduzidas aqui por conselho2 e poder3 aparecem
como “estratégia e força militar” em 36.5. Esse dom prático é a capacidade de
planejar um curso certo de ação acompanhada da bravura pessoal de não se
iludir. Terceiro, ele é o E sp írito que dá conhecimento e tem or do Senhor. O conhecí-123

1 O A n tig o T e s ta m e n to te m a m e s m a re v e la ç ã o g e ral d o E s p ír ito d e D e u s q u e o N o v o


T e s ta m e n to : as q u a lid a d e s p e s s o a is (Is 6 3 .1 0 ; E f 4 .3 0 ), a d is tin ç ã o (Is 6 3 .1 1 ; M c 1.9 -1 1 ); a
p re s e n ç a d iv in a (SI 1 39.7; J o 1 4 .1 6 ,1 7 ,2 3 ), o h a b ita r n o ín tim o d e n o s s o s e r (Is 6 3 .1 1 ; A g
2 .5; I C o 3 .1 6 ) e tc. C f. J. A . M o ty e r, N B C \ p. 28s.
2 C f. 2 S m 1 6 .2 0 ,2 3 ; 1 7 .7,1 4; I s 5.19; 8.10.
3 C f. o a d je tiv o “ p o d e r o s o ” e m 9 .6 < 5 > ; 10.21; m ilita r (2 R s 14.15); h a b ilid a d e g e ra l ( D t
3 .2 4 ; J z 8 .2 1 ).
163 ISAÍAS 9 .8-11.16

mento, em seu sentido pleno, é a verdade apreendida e aplicada à vida. Os mal-


feitores são os que não “aprende[m]” (SI 14.4) — se eles dvessem verdadeiro
conhecimento não se comportariam como o fazem. Conhecer uma pessoa en-
volve uma vida de relacionamento (Gn 4.1) e, quando essa pessoa é o Senhor,
então a vida tem de ser religiosa e moral, em conformidade com ele. Desde
ISamuel 3.7, o jovem Samuel, conforme tudo que tinha de informação, “não
conhecia o Senhor” nem os filhos de Eli, apesar da posição deles (ISm 2.12).
Aqui os termos conhecimento e tem or estão subordinados ao único substantivo
que os segue: do Senhor, o verdadeiro conhecimento se mostrando em uma vida
de reverência. Em relação ao Senhor, o temor é preocupação moral (Gn 20.11);
ele motiva a obediência (Ex 20.20) e molda a conduta (Ne 5.9,15). É o espírito
da verdadeira lealdade (SI 2.11) e adoração (SI 5.7<8>) e marcava a capacitação
de Davi pelo Espírito (2Sm 23.2s.).
3-5 Nessa nova seção, o pensamento volta-se do que o Senhor concede
para como o ramo real responde ao Senhor em sua própria pessoa (3a,5) e em
seu cargo real como juiz (3b,4). Internamente, ele se delicia (3a); externamente,
compromete-se com a retidão, etc. O todo da seção mostra que ele está total-
mente absorvido em exercitar os dons divinos: o tem or forma uma ligação do
tipo efeito dominó entre os versículos 2 e 3a enquanto ao mesmo tempo revela
que o que o Senhor faz para o ramo é de imediato satisfeito por sua resposta
subjetiva: sabedoria, entendimento, conselho, poder e conhecimento estão evidentes nos
versículos 3b,4. Tudo é açambarcado pelo que o Rei é; seu caráter é a força que
liga seu governo (3a,5). Rei após rei da linhagem de Davi tinha falhado, quer
por defeito de caráter quer por falta de tino administrativo. Nesse rei, o caráter
e o governo estão em total harmonia. Qualquer coisa que o Senhor lhe tenha
dado é realizada pela alegre receptividade. (Cf. Salmos 101, o juramento de
coroação do rei davídico.)
3 A frase ele se inspirará é do substantivo “olfato”. O verbo “sentir um odor
(agradável)” vem a ter o sentido de “se deleitar em”, “reagir agradavelmente a”
(Gn 8.21). Aqui o substantivo verbal, “se inspirará”, sugere que toda sua capa-
cidade de deleite se despende nesse grande objeto. Para os verbos ju lg a r e decidir,
veja o comentário sobre 2.4. Ele tem a capacidade de distinguir entre a aparên-
cia e a realidade, um conhecimento que ultrapassa a evidência da aparência e do
que ouviu (por exemplo, 2Sm 14.20).
4 Para as palavras retidão eju lg ará , veja os comentários sobre 1.21 e 5.16. Os
princípios de retidão são aplicados em decisões justas. A ju stiça (!m isôr ) significa
o que é “justo” (de acordo com direito) e “imparcial” para a pessoa. Há um
toque de ênfase tanto em retidão quanto em ju stiça . O Rei não favorece os necessi-
tados como se inclinasse as decisões a favor deles. Mesmo no caso deles, o que é
certo e justo deve prevalecer, mas ele, ao contrário dos príncipes degenerados,
O LIVRO DO REI 164

substituirá (1.21ss.), dará toda sua atenção à causa deles (SI 72.2-4,12-14). Mas
nem o favor aos necessitados nem o desfavor aos ímpios subverte o equilibrio
preciso da justiça. Sob esse Rei, será executada a justiça ideal conforme consa-
grado na le x talionis (lei da retaliação): a punição tem que se equiparar ao crime
(Ex 21.23ss.). A justiça tem de ser imparcial com todos (Lv 24.15ss.) e, assim,
demonstra-se a honra da lei (Dt 19.20s.). Os necessitados (dal) aparecem como
os pobres Ç anw ê ), praticamente idênticos aos oprim idos ( <aniyyê) de 10.2 (veja o
comentário ali). Λ frase com suas palavras, como se fossem um cajado e com 0 sopro de
sua boca são abreviações para o pronunciamento da sentença. O Rei não precisa
de outra demonstração de poder nem de outra arma de coação além da simples
palavra que ele diz (Ap 19.15,21). O termo so p ro /“e spírito” ou “vento” é uma
poderosa força invisível. Quando a referência é para o Espírito do Senhor, há a
sugestão constante de poder para efetuar a mudança, de impor a vontade divina
e a ordem sobre as coisas (SI 33.6). Assim, a palavra do Rei é plena de eficácia
divina.
5 O tema de “vestimenta” sempre tem a mesma relevância: os trajes ex-
pressam as realidades inerentes e a capacidade de uma pessoa e os propósitos
com os quais se compromete (59.16,17; 61.10; SI 132.9,16,18). O cinturão sim-
boliza prontidão para a ação. Assim, o versículo 5, casando o que o versícu-
lo 3 diz sobre as emoções do Rei, descreve o que é observável: um propósito
constante para agir na causa da retidão e da fid e lid a d e A retidão é aquela “que
segue a norma inviolável da vontade divina”; a fidelidade é aquela “que mantém
inalterável o curso divinamente apontado” (Delitzsch) ou, respectivamente, “a
integridade moral e a firme lealdade” (Mauchline).
6-9 Há um elemento “edênico” no pensamento de Isaías (veja comentário
sobre 2.4b) e não há fundamento para negar a autoria dessa passagem atual a
ele.
Em 9.1-7<8.23— 9.6>, Isaías viu a luz irrompendo nas trevas da terra,
prosseguindo para iluminar as pessoas e encontrar sua explicação no nascimen-
to do Messias. Agora essa ordem é revertida: primeiro o Messias brota e depois
é possível que as pessoas em escala mundial recebam nova vida por intermédio
dele e a própria vida da natureza é transformada. Os versículos 6-8 oferecem
três facetas da criação renovada, e o versículo 9 é um resumo de conclusão.
Primeiro, no versículo 6, há a reconciliação de antigas hostilidades, a ameniza-1

1 O s c o m e n ta ris ta s o b s e rv a m q u e retidão (setjeq) n ã o te m a rtig o e n q u a n to fidelidade (h a 'm im a )


te m o a rtig o e su g e re m fa z e r c o m q u e u m a o u o u tr a se c o n f o rm e m . T a m b é m se faz a o b -
je ç à o à m e s m a p a la v ra p a ra ánturão e fa ix a Ç êzôr), c o m d u a s o c o rrê n c ia s , e se su g e re q u e
u m a d e la s seja m u d a d a p a ra ,esür, p a la v ra e ssa n ã o u s a d a c m n e n h u m a o u tr a p a s s a g e m
c o m e sse s e n tid o (cf. J z 15.14; E c 7.26; J r 3 7 .1 5 ). E s s e c o tip o d e c u id a d o m u ito d e s n e -
c cssário .
165 ISAÍAS 9 .8-11.16

ção de antigos temores; os predadores (lobo, leopardo e leão) e as presas (cordeiro,


bode, becerro e novilho) sào reconciliados. Essa paz é tão segura que uma criança
pode exercitar o dominio originalmente concedido à humanidade. Segundo,
no versículo 7 há uma mudança na natureza dos próprios animais selvagens:
vaca e urso comem o mesmo alimento, bem como o leão c o boi. Também há
uma mudança na própria ordem das coisas: a natureza herbívora de todas as
criaturas aponta para o Edén restaurado (Gn 1.29,30). Terceiro, no versículo 8,
a maldição é tirada. Acaba a inimizade entre a semente da mulher e a serpente
(Gn 3.15ab). A criança e a “criancinha” não têm nada a temer da cobra e da víbora.
Finalmente, no versículo 9, a vinda do Éden é o monte Sião — um Sião que
enche toda a terra. A paz (9a), a santidade (9b) e o “conhecimento do Senhor”
(9c) permeiam tudo.
6' O termo viverá é um toque encantador cujo sentido literal é “será bem-vindo
como morador temporário” (‫י‬ig ú r ) como “o estrangeiro (gêr ) em sua porta”
protegido pelas regras sagradas da hospitalidade. O cordeiro fala para o lobo-, “En-
tre e seja bem-vindo”. O termo criança (n a a rq ã tõ ri) é usado em IReis 3.7 quan-
do Salomão confessa sua juventude e inexperiência. A criança guiará os animais,
ou seja, ela não só estará segura entre eles, mas também exercerá a liderança
sobre eles (cf. Gn 1.28).
7 Sobre o urso como predador veja 1Samuel 17.34,35. Uma correção atraente
altera alimentará (tirêyri) para “acolher os amigos” (titn íê y n â ).12 N o entanto, deve-se
resistir a essa mudança, pois desfigura o objetivo do versículo fazendo-o dizer o
que o versículo 6 já disse. O ponto agora (veja a nota introdutória sobre os w .
6-9) é a identidade do alimento e a mudança de natureza e hábito que isso evi-
dencia. A menção aos seus filho tes indica que a mudança nos animais selvagens
adultos também reaparece na geração seguinte, uma nova condição permanen-
te desfrutada pela hereditariedade.
8 A criancinha (yônêq , “criança de peito”) é totalmente impotente e estaria
ameaçada pelo perigo. A criança (gãm úl, “bebê desmamado”), a criança que dá
seus primeiros passos, corre de forma imprudente para o perigo. Essas duas
formas contrastantes de estar em risco resumem todos os riscos, mas não há
perigo agora. Há uma nova hereditariedade na criança e no filhote. O termo
cobra é uma tradução possível em Deuteronômio 32.33 (“cobras”, NVI) e em
Jó 20.14 (“áspides”, TB; Dhorme oferece “víbora”). A expressão colocará a mão
está no tempo perfeito significando “pôs de fato sua mão...” A víbora (59.5; Jr
8.17) é algum outro tipo de cobra venenosa. A identificação não é importante,

1 Q ” te m u m v e r b o (ym rw — y im rü ) e m v e z d a e x p re s s ã o “ e o n o v ilh o ” ( ü n f r f ) . H á m u ita s


s u g e s tõ e s c o m e ssa b a se , o b s e r v a n d o q u e a I.X X ta m b é m e x ib a u m v e r b o (boskethesontai)
(cf. B H S ). O T M é p e r fe ita m e n te le g itim o c o m o se a p re s e n ta .
2 P. Λ. L a g a rd e , Kritiscbe A n m erkungen Buche Isaías (K a e s rn e r, 1878). C f. W atts.
O LIVRO D O REI 166

mas a verdade que elas expressam: a maravilha da maldição removida (veja


acima o comentário sobre os w . 6-9). O termo m e'ú rà (ninho) só é encontrado
aqui, e seu sentido é incerto. O K B , a partir de um cognato acadiano, oferece a
definição de “jovem”, o que resulta em “a mão no ninho do filhote de víbora”.
A correção para trf^ã rà (“toca”) é amplamente adotado.
9 Esse versículo é tanto um resumo dos versículos 6-8 (9a) quanto uma ex-
plicação (9b). Veja Salmos 96.11-13 e 98.7-9 para a alegria de quando o Senhor
vier para “julgar”, para tomar a decisão real que estabelecerá o mundo para os
certos (cf. 34.13-17- 65.25). As expressões não fa r á nenhum m a l e destruirá são
usadas de forma “absoluta”, não é determinado nenhum objeto. Isso resulta no
sentido: “Eles não agirão de forma errada nem de modo venal”, ou seja, não
farão o que é errado nem estragarão o que é bom. Para a expressão m eu santo
m onte cf. 2.2. Não é que a paz esteja restrita a um lugar, mas antes que aconteceu
uma mudança drástica em toda a terra. Quando a verdadeira ordem da criação
for restaurada, a terra toda passa a ser o monte do Senhor, habitada por sua
santidade. A expressão se encherá está no tempo perfeito, o que indica certeza
(“com certeza se encherá”) ou um sentido futuro (“terá se tornado cheia”). A
frase o conheámento do Senhor é um substantivo verbal (cf. v. 3). E uma expressão
mais “viva” que a palavra abstrata “conhecimento” e devia ser traduzida por
“cheia de conhecimento do Senhor”. (Sobre “conhecimento”, veja o v. 2). O
santo Deus habita com eles, sem mágoa, acolhendo-os em seu santo monte; eles
entram em comunhão pessoal e íntima com ele, “conhec[endo] [...]o Senhor”.
A s águas cobrem 0 m a r ao enchê-lo até o máximo de sua capacidade. Deus está
presente em todos os lugares em santidade, e, em todo o lugar, o conhecimento
dele é desfrutado em toda sua extensão.
10 Esse versículo forma um inclusio [criar uma estrutura ao pôr material
similar no início e no final de uma seção] com os versículos 1 e 2 (ver acima).
Se ele não fazia parte do poema original então Isaías acrescentou-o com con-
sumada habilidade editorial. A Rai% de Jessé é a bandeira que atrai todos os povos
e nações para ele mesmo (cf. 42.4 em que o mundo gentio é representado como
estando à espera dele). Na sentença, a ênfase está na Rai% de Jessé, e a principal
ideia é a incorporação gentia. A palavra buscarão é (lit.) “buscar” (veja comen-
tário sobre 9.13), ou seja, ir com alegria e de forma determinada ao lugar em
que sabem que podem encontrá-lo. Para Raivç de Jessé veja acima e para a ideia
do magnetismo do monte do Senhor, veja o comentário sobre 2.2-4. A frase
0 seu lugar de descanso (m‘nuha) ocorre em outras passagens. Em Rute 1.9 ela é
traduzida por “lar” e em Salmos 23.2 por “águas tranquilas” ou “águas de des-
canso” (TB). Ela é usada para o lugar em que a arca descansa (Nm 10.33) e da
terra prometida, o “descanso” de Deus para seu povo, em que eles estão “em
casa” com ele (Dt 12.9; SI 95.11). Assim, o Messias “volta para casa” e onde ele
167 ISAÍAS 9 .8 - I I . 1 6

habita há “gloria”, pois Deus está ali em toda sua gloria (cf. comentário sobre
4.5; 6.3). Em 9.1-7<8.23— 9.6>, á medida que a luz dispersa as trevas, ela tarn-
bém alcança a “Galileia dos gentios/nações”; aqui as nações vieram em busca do
Messias. O que começa um poema (o brilho excedente de sua luz) termina o
outro poema (a reunião do povo).
11-16 Esses versículos casam com a garantia de 9.7<6> de que “o zelo do
Senhor dos Exércitos fará isso”. O foco de atenção passa do ramo e da Raisç de
Jesse' (1,10) para o braço e a mão do Senhor (11,15), símbolos de ação pessoal. O
Messias governava com justiça o povo (3-5) — agora o Senhor reúne o povo e
renova-os (6-9) — agora o reino mundial é realizado (14). Essa edição sutil é a
marca de Isaías.
11 A expressão naquele dia liga ao versículo 10. Em ambos os versículos
a fórmula enfatiza a natureza escatológica da visão. N o TM (lit.) “o Sobera-
no acrescentará um segundo tempo [com] sua mão para tomar posse de...” A
expressão idiomática “acrescentar para fazer” significa “fazer de novo”, aqui
“tomarão posse de novo de”. Para esse verbo no contexto de êxodo-conquista,
veja Êxodo 15.16; Salmos 74.2; 78.54. O termo braço é usado adverbialmente,
como em Salmos 44.2<3> (“Com a tua própria mão expulsaste”), no sentido
de “em sua própria pessoa e força”. O “braço” do Senhor é o principal tema
do êxodo (veja Êx 3.19,20; 6.1; 13.3; D t 6.21). A expressão segunda vesçenfatiza o
pensamento de uma ação repetida e contrasta deliberadamente o ato vindouro
com o ato clássico do Senhor no êxodo (cf. v. 16b). Mas esse será um êxodo
mais abrangente de uma dispersão mundial. A A ssíria e o E g ito são menciona-
dos primeiro como os “grandes poderes” da época de Isaías e também como
os inimigos contemporâneos e originais do povo do Senhor. Assim, nenhuma
força mundial nem nenhuma oposição mundial pode impedir a nova reunião.
Mais a sul fica Patros (no alto Egito) e E tió p ia (Cuxe) — mais a leste que a Assí-
ria, ficam E lã o e Sinear (Babilônia). A seguir para completar foram acrescentados
bem distante a norte H am ate e bem longe as ilhas \ã yyim \ do mar. (Para ’iyyim , veja
comentário sobre 40.15.)1 A Babilônia está dissimulada sob o antigo nome he-
braico Sinear (cf. Gn 11.1-9; Zc 5.5-11). Não há motivo para Isaías ter evitado
uma referência à Babilônia de sua época. O nome Sinear deve ter sido usado
(de acordo com as referências fornecidas) como símbolo do mundo autocon-
fiante e ímpio, do qual também o povo de Deus será reunido.
12 Sobre a bandeira cf. versículo 10. A expressão as nações são convocadas
na grande reunião (cf. 19.23-25; 45.22-24). O tema da bandeira é desenvolvido

1 H á 3 8 o c o rrê n c ia s d a p alavra ’iyyim n o A n tig o T e s ta m e n to , d as q uais d e ze sse te e stã o e m Isaí-


as. N o s cap ítu lo s 40— 55, ela é e n c o n tra d a n o v e v ezes e é p ra tic a m e n te u m te rm o té c n ico para
m u n d o g en tio . Seu u s o cú ltico (SI 72.10; 97.1) indica q u e n ã o h á n ece ssid a d e d e q u e stio n a r a
d ata p ré-exílica p a ra essa p a ssa g em atual o u q u a lq u e r o u tra c m q u e o te r m o o c o rre .
O LIVRO DO REI 168

em 49.22-26. A palavra tra d u z id a p o r exilados é u m te rm o m ais g en érico , “ dis-


p e rsa d o s” (inãdah), sin ô n im o de povo disperso {]pits, “ e sp a lh a d o s”) d a seg u n d a
m e ta d e d o versículo. Isaías leva a sério aquilo so b re o q u e havia sid o p re v e n id o
d e a n te m ã o (6.11-13). A s am eaças d o S e n h o r são c u m p rid a s e ta m b é m suas
p ro m essas. M as a referên cia é m u ito m ais am p la ao lo n g o d e to d o o te x to d o
q u e a tra d u ç ã o exilados sugere e c o m o m o stra a ex p ressão os quatro cantos da terra.
Seu c u m p rim e n to d e rra d e iro está em M ateus 24.31.
13 E sse versículo se refere à restau ração d o re in o d e D a v i q u a n d o as d u as
seções d o p o v o d e D e u s alcançaram essa frágil unificação d a q u al, h istó rica-
m e n te , se m p re d e sfru ta ra m . M as essa ag o ra vai além d a unificação p a ra a ver-
d ad eira u n ião — o àúme e a h o stilid ad e acabaram . O versícu lo é u m a d eclaração
eq uilibrada; 0 ciúme de E fraim , o u seja, “ o ciúm e de q u e E fra im s o fre ” , casa co m
o ciú m e q u e E fra im sen te (13c). D a m esm a m aneira, a in im izad e (Vfãrar) q u e
Ju d á ex p e rim e n ta (13b) casa co m a inim izade (dçãrar) q u e ju d á ex p ressa (13d).
A s e m o ç õ e s {ciúme) e ações {hostilidade) ta m b é m são unidas.
14 O te m a d avíd ico c o n tin u a c o m a c o n q u ista d a F ilístia (2Sm 5.17-25;
8.1), 0povo do leste (p ro v av elm en te le m b ra n d o o s m e rc e n á rio s d e Z o b á e T o b e
c o n tra ta d o s c o n tra D a v i em 2S m 10.6), E dom (2Sm 8.14), Aloabe (2Sm 8.2-13) e
os amonitas (2Sm 10— 12). E ssas referên cias a p o v o s b elico so s se ch o c a m c o n tra
0 p ro fe tiz a d o so b re o P rín cip e e seu re in a d o de paz (9 .6 ,7 < 5 ,6 > ), m as te m o s
d e en ten d ê-las c o m o fidelidade a u m a m e tá fo ra , em vez d e p red itiv a d e um
c u rso d e ev entos. Isaías anteviu o M essias em te rm o s reais e g u erreiro s. P o r
c o n seg u in te, seu re in a d o é d e sc rito c o m o se p ro p a g a n d o c o m o c o n c e ito real
ex atam en te c o m o os cristãos, n o c u m p rim e n to , usam a a rm a d u ra c o m p le ta
de D e u s ( E f 6.10-18; cf. 2 T m 2.3), m as a força para a qual as n a ç õ e s caem é o
evan gelh o (A t 15.14ss.). C o n tu d o , de a c o rd o co m K id n er, ta m b é m é v erd ad e
que “ é b a sta n te lógico q u e aqueles q u e esc o lh e ra m a in im izad e d e sc o b rirã o a
d e stru iç ã o ” , e isso ta m b é m é verd ad e para o rei v in d o u ro (63.1-6). O p o v o de
D e u s se infiltrar[¿], o u seja, c o m o um a ave de rapina, e se esp alh ará em to d a s
as direções. U m d e se n v o lv im e n to in te re ssa n te d esse versícu lo é q u e o p o v o de
D eu s re c o n stitu íd o (12,13) se to rn a o ag en te d a p ro p a g a ç ã o d o reino.
15 A ação divina rem o v e to d o s o s o b stá c u lo s p a ra o s p la n o s divinos. O
m ar do E gito (E x 14) teria fru stra d o os p ro p ó sito s re d e n to re s d o S e n h o r e m an -
tid o seu p o v o n o lugar de m o rte . A e x p ressão fa rá secar altera o te rm o h eb ra ic o
v fh e k rib p ara vfheffrim (“ d e stru irá to ta lm e n te ”). E ssa alteração trivial p e rd e o
rig o r d o T M . A raiz é hãram (“ rem o v e r d o c o n ta to h u m a n o , d e stru ir to ta lm e n -
te”) e é um te rm o típ ico d o p e río d o p ó s -ê x o d o 1 u sa d o q u a n d o algo é tã o vil

1 O t e r m o ih ã r a m o c o r r e 2 9 v e z e s n o s liv ro s d e Ê x o d o c J o s u c e 2 4 v e z e s n o r e s to d o A n -
tig o T e s ta m e n to . O s u b s ta n tiv o hêrem o c o r r e 21 v e z e s n o s liv ro s d e N ú m e r o s e J o s u é e
17 v e z e s e m o u tr a s p a ssa g e n s .
169 ISAÍAS 1 2 .1 - 6

aos o lh o s d o S e n h o r q u e só a d e stru iç ã o to tal é suficiente. D a m esm a m aneira


que su b lim es características d a criação fo ra m in fectad as p elo o rg u lh o h u m a n o
e p recisaram se r julgadas (2.12-17), ta m b é m aqui to d a s as b arreiras n atu rais
p assam a se r m a n ife sta ç õ es d a p e cam in o sid ad e ten d ên cia sep aratista da hu-
m an id ad e e, p o r isso, desag rad am ao S en h o r, se n d o um a b a rre ira intolerável
ao c u m p rim e n to d e seus p la n o s para o m u n d o . O £ 0^ 0/ “ lín g u a” é u m u so sem
paralelo, m as u m a clara referên cia ao m a r V erm elh o. A palavra trad u zid a p o r
fo rte Çey ã m ), d o c o n trá rio , é d esco n h ecid a. E possível q u e ela te n h a o sen tid o
de “ c a lo r” (D elitzsch , K issane), m as a B H S , se g u in d o a L X X {biaió), co rrig e-a
para cõsem (“ fo rça”). Ê x o d o 14.21 fala d e um v e n to o rien tal c o n h e c id o c o m o
m o rm a ç o (Jn 4.8). O te rm o varrerá devia ser “ a c en ará” . S o b re mão cf. Ê x o -
d o 14.16,21,26,27,31. A referên cia ao rio Tiufrates indica q u e esse n o v o êx o d o
será u m m o v im e n to m undial. A palavra trad u zid a p o r nachos (nahat) significa
“vale” (G n 26.19), “ c ó rre g o ” o u “ rib e iro ” (D t 3.8) o u “vale d e rio seco ” (2Rs
3.17). O te rm o nahal, diz D h o rm e a o c o m e n ta r J ó 6.15, “ é d istin g u id o d e [...]
nãhãr, “ rio ” , p elo m o tiv o d o fluxo in te rm ite n te d e suas águas” . O leito d o rio
seco se ajusta à referên cia d e atravessar de sandálias. O n ú m e ro sete refere-se
sim b o licam en te à p alavra perfeita e c o m p le ta de D e u s, aqui a o b ra de recriação.
16 A qui a referên cia a Israel sugere q u e há m ais d esse remanescente do sen povo
d o q u e era verd ad e n o ê x o d o original. E n tã o era apen as u m p o v o d e to d o s os
p o v o s q u e estava se n d o red im id o e levado p a ra casa p a ra D e u s, m as ag o ra o
re m a n e sc en te é m u n d ial, a c o n v o cação d o s g en tio s, c o m o n o v ersícu lo 12. N o
v ersículo 1 1 , 0 p e n sa m e n to era a p ro p a g a ç ã o g eo g ráfica da n o v a reu n ião ; aqui
é o p o v o universal.

3 .0 epílogo: o indivíduo e a comunidade, a salvação, a alegria e a


proclamação (12.1-6)
O s cân tico s so b ejam na literatura de Isaías, e to d o s eles, c o m o esse, são
p o sto s co m exatidão. A s palavras naquele dia (1,4) ligam o c â n tic o co m o dia em
que o a n tig o ê x o d o será su p la n ta d o p elo n o v o (11.10,11). E d a m esm a m an eira
c o m o o a n tig o ê x o d o o c a sio n o u o c â n tic o individual (Ê x 15.1) e c o m u n itá rio
(Êx 15.21), o êx o d o v in d o u ro ta m b é m g erará esses cân tico s (1,2,4,5). M as o
cân tico v o lta ta m b é m ao cap ítu lo 6, p o rta n to , eles ju n to s são o p ró lo g o e o
ep ílo g o d essa seção toda.
1. O s versículos 1 e 2 n ã o p o d e m ser a p e rfe iço a d o s c o m o u m resu m o
p o é tic o d e 6.1-7. O s tem as da raiva divina se tra n s fo rm a n d o em c o n so lo (1) e
a alegria d e c o n fia r em um D e u s salvador (2) refletem a p ró p ria exp eriên cia de
Isaías.
2. D a m e sm a m an eira, ex a ta m e n te c o m o (‫ נ‬S e n h o r p a sso u d o p e rd ã o (6.7)
para o c o m issio n a m e n to e a p ro clam ação (6.8ss.), ta m b é m aqui o s q u e b eb em
O LIVRO DO REI 170

d o p o ç o d a salvação (3) ch am am uns aos o u tro s a to rn a r o s feitos d o S e n h o r


c o n h e c id o s d o m u n d o (4,5).
3. N o p o e m a h á u m a m u d a n ç a d a seg u n d a e p rim eira p esso as d o singular
n o s versículos 1 e 2 p ara a seg u n d a p e sso a d o plural n o s v ersícu lo s 3-5. O indi-
v íd u o salvo é m e m b ro da co m u n id a d e d o s salvos. E ssa característica ta m b é m
re m e te ao c a p ítu lo 6 e leva u m a linha d e p e n sa m e n to a atin g ir o p o n to culm i-
n a n te n o s c a p ítu lo s in terv en ien tes. Q u a n d o a san tid ad e d e D e u s d eix o u Isaías
c o n sc ie n te d e seu p e c a d o (6.5), seus o lh o s, ao m e sm o te m p o , fo ram a b e rto s
p ara a realidade d e sua p articip ação em u m a c o m u n id a d e p ecad o ra. N ã o foi
tirada n e n h u m a c o n clu são d isso n a ép o c a , m as, se fo r p ara se n tirm o s u m a im -
p licação d e q u e o q u e o salvou ta m b é m salva o u tro s, n o ssa in tu iç ã o é c o n firm a -
da p elo q u e se segue. N o cap ítu lo 8, e n c o n tra m o s Isaías na c o m p a n h ia d e u m
g ru p o d e d iscipulado, e, n o s cap ítu lo s 9 e 11, a e sp e ra n ç a resiste a p a rtir d e um a
luz b rilh a n d o n as trevas, o p o v o sai da escravidão para u m rein o d e p a z , u m rei
m essiân ico p e rfe ito re in a n d o so b re u m p o v o universal re u n id o p o r m eio de
u m n o v o êxodo. O m in ú sc u lo c o m e ç o da salvação d e um h o m e m cresce p ara
o g ru p o d o s redim id os. N o c a p ítu lo 12, o c â n tic o d e u m h o m e m se ajusta ao
d e u m a c o m u n id a d e c a n ta n te , e o S anto, q u e era a m a io r am eaça d o p e c a d o r
(6.3-5), a g o ra m o ra n o m e io de u m a cidade ex u ltan te (6). N a v erd ad e, o triu n fo
da graça! Sem d ú v id a, a co letân ea to d a , capítulos 6— 12, foi ju n tad a p o r Isaías
p ara este p ro p ó sito : d a r â n im o a um re m a n e sc en te sitiad o d o p o v o d o S e n h o r
ao c o m p a rtilh a r sua p ró p ria experiência, re v e n d o e ex p lican d o as fo rm a s de
D e u s e a c e rteza d e suas p ro m e ssa s e fo rta le c en d o -o s co m u m a d ieta d e verda-
d e, ex periência e e sp eran ça segura.
O c â n tic o é u m a c o m p o siç ã o m u itíssim o in teressan te. E u m a p rc d iç ã o em
q u e a v o z p ro fé tic a se dirige p rim e iro ao in d iv íd u o e p õ e u m te ste m u n h o em
sua b o c a (1,2). E le, a seguir, volta-se p a ra a co m u n id a d e , d e sc re v e n d o o fa to de
eles d e sfru ta re m a salvação (3) e p ô r n a b o c a deles o q u e d irão u n s aos o u tro s
(4,5). F in alm en te, v o lta n d o a o in d iv íd u o (o singular fem in in o n o v ersícu lo 6
equilibra o m a scu lin o d o versículo 1), a m u lh e r h iero so lim ita é o rd e n a d a a exul-
ta r na p re se n ç a d o Santo.

A 1 O p ro fe ta se dirige ao in d iv íd u o d o sexo m ascu lin o (la )


B1 O in d iv íd u o testifica da salvação (lb )
C’ A ção de graças: a ira divina se tra n s fo rm a em c o n so lo
(lb )
D' O cân tico de salvação (2)
A 2 O p ro fe ta se dirige à c o m u n id a d e (3,4a)
( ) d e sfru te c o m u n itá rio d a salvação (3)
A v o z da c o m u n id a d e é a p re se n ta d a
171 ISAÍAS 1 2 .1 - 6

B2 A c o m u n id a d e ch a m a a si m e sm a p ara a ação d e graças


e a p ro c la m a ç ão (4b,5)
C2 A ação d e graças, a c o m u n h ã o c o m D eu s,
a p ro clam ação universal (4b)
D2 O cântico dos atos d o S en h o r; p ro clam ação (5)
A 3 O p ro fe ta c o m a n d a u m in d iv id u o d o sexo fem in in o :
Sião exulta n a p re se n ç a d o S an to (6)

0 c o n tra ste m a sc u lin o /fe m in in o em A 1 e A 3 é u m a e x p re ssã o id io m ática


p ara to talid ad e (veja c o m e n tá rio so b re 3.1). A ssim , cada in d iv íd u o (1,2,6) e a
c o m u n id a d e to d a (3,5) ta m b é m são a b so rv id o s pela salvação, n a alegria e na
p ro clam ação d a salvação.
1 A ex p ressão naquele dia liga co m 11.10,11. A frase você dirá é u m v erb o
m ascu lin o singular. E u [.../ louvarei, c o m o n o v ersícu lo 4, vem d e ·iyãdâ (“ agra-
d e c e r”). A ex p ressão a tu a ira desviou-se é u m a fo rm a im p erativ a n o T M suge-
rin d o “ deixe tu a ira se d esv iar e m e c o n fo rte . Veja, D e u s é m in h a salvação” .1
A situ ação básica c o n fro n ta d a p e lo p e c a d o r é a ira d e u m D e u s sa n to (6.3ss.).
E ssa situação só p o d e se r rem ed iad a se essa ira fo r tran q u ilizad a, o q u e a Bí-
blia d e n o m in a de “ p ro p ic ia ç ã o ” . A reconciliação n ã o é n o ssa d isp o sição de
te r D e u s, m as a d isp o sição d e D e u s de n o s ter. N a n o ite d e P ásco a, o S en h o r,
v in d o em ju lg am en to , a firm o u de a n te m ã o q u e co nsegu iría v er co m eq u id ad e
to d o s q u e usassem o sangue d o c o rd e iro c o m o sua c o b e rtu ra (Ê x 12.12s.). A s-
sim , a ira se to rn a co n so lo . D a p ersp ectiv a h u m a n a , o m e ro ap elo (“ a tu a ira
d e sv io u -se ”) é o ú n ic o c u rso e é suficiente. A s palavras irado e ira são d e V ã n a p
e seu c o g n a to ’ap (cf. 10.5).
2 E sse versículo é u m a declaração in d e p e n d e n te . A v erd ad e d a a b e rtu ra
e da co n c lu sã o é q u e “ m in h a salvação” é e n c o n tra d a em D e u s m e sm o fo rm a
um p a rê n te se c irc u n d a n d o as q u a tro características d o salvo: co n fian ça, fim
d o m ed o , fo rç a e cântico. A ex p ressão “ eis” (TB; o m itid a pela N V I) ch am a a
aten ção p a ra a m aravilha de q u e o D e u s irad o (1) é o Salvador. A qui n ã o so m o s
in fo rm a d o s c o m o isso é assim , m as a p assagem 6.6,7 fica n o se g u n d o plan o , e o
cap ítulo 53 fica adiante. M as a o ra ç ã o p e lo fim da raiva e o c o m e ç o d o co n so lo
é resp o n d id a. A salvação e a confiança, e n ã o o tem ior] são as m arcas d o g ru p o de
cren tes d e 8.9-18. P ara D eus Ç êt) veja c o m e n tá rio so b re 5.16. A qui a confiança
é ib ã fa h , e n q u a n to em 7.9 é i 'ãm ên. O ú ltim o a p o n ta p ara a co n fiab ilid ad e

1 G K C 109k e D riv e r (83s.) a rg u m e n ta m q u e as fo rm a s im perativas p o d e m significar indicativos,


m as D riv e r (170-174) te m h esitações. B I I S corrigiría ·lyãíõh (“ deixe [...] v irar”) p a ra wciyyãsob
(“ m as [...] v ir o u ” ) o u , m a is ra z o á v e l, Sãà (“ v ir o u ”) e ü fn a k 'm S n i (“ e, ó , c o n f o r t a - m e ” ) p a ra
w a tfn a h fm ê n i (“ e v o c ê m e c o n f o r t a ” ).
O LIVRO DO REI 172

daq uilo cm q u e se co n fia, o p rim e iro p ara a segurança trazid a àquele q u e co n -


fia (aquí seg u id o de m an eira relevante pela declaração não temerei). E ssa é um a
sólida co n fian ça fu n d a m e n ta d a n o fato de q u e “ [porque] [o m itid o n a N V I|
o S e n h o r é a m in h a fo rça e o m eu c â n tic o ” . A fo ra a ex p ressão 0 Senhor, sim a
frase é de Ê x o d o 15.2, o cân tico d o êxodo. Isso p ro v av elm en te explica a fo rm a
arcaica d a palavra “ c â n tic o ” (zim rã tj .' A m arca o b jetiv a d a salvação e o fru to da
co n fian ça é a força, a firm eza cm face d a vida, e sua m arca su b jetiv a é o cântico,
u m m an ancial in te rio r de alegria. A ab reviação Yah ap arece p ela p rim eira vez
em Ê x o d o 15.2 c, p o r isso, o c o rre em passagens relacio n ad as co m ela, c o m o
S alm os 118.14 e aqui. N o livro de Salm os, a abrev iação ap arece c o n sta n te m e n -
te n o cla m o r “ aleluia” , in d ic a n d o sua p o p u la rid a d e litúrgica. É u m a abreviação,
o u d im in utivo, e x p re ssa n d o carinho. A últim a se n te n ç a d o versícu lo co m eça
co m “ c ” (A RC) em seu se n tid o explicativo, “ q u e r d iz e r” . N ã o é u m a rep etição
inútil, m as u m a re a firm a çã o d o fu n d a m e n to o b jetiv o d a ex p eriên cia p esso al. ( )
S en h o r, q u e n ã o tin h a o b rig a ç ã o de fazer isso e b e m p o d ia n ã o te r feito n a d a o u
te r agido de o u tro m o d o , se tornou a m inha salvação, o u seja, lan ço u -se liv rem en te
n o p ap el de Salvador. Isso en fatiza o e le m e n to da d ecisão divina e ta m b é m da
ação divina, sem as quais n e n h u m p e c a d o r jam ais seria salvo.
3 O p ro fe ta fala m ais u m a vez co m sua p ró p ria vo z; “ V ocês tira rã o ” . A qui
0 p ro n o m e está n o plural, in d ican d o que, e m b o ra a ex p eriên cia d e ta lh a d a n o s
versículos l b e 2 seja individual, ela ta m b é m é c o m u m a to d o s q u e c o m p õ e m a
c o m u n id a d e d o s salvos. A referên cia à salvação faz a ligação co m o versícu lo 2,
e o v e rb o n o plural p re p a ra p ara os versículos 4 e 5. A água é u m te m a reco r-
ren te na h istó ria d o êxodo. A travessia d o m a r V erm elh o foi seguida d o desa-
p o n ta m e n to c o m as águas de M ara (Ê x 15.22-24), m as e n tã o v ieram o s p o ç o s
Ç ên relacio n ad o co m a palavra atual, m a eyãri) de E lim (Ê x 15.27) e a água da
ro c h a (Ê x 17). Isaías está se g u in d o esse m o d elo . O D e u s q u e salva c o n tin u a a
m in istra r salvação a seu p o v o c o m o u m a realidade se m p re d isp o n ív el p a ra ser
d e sfru tad a. A realidade o b jetiv a da o b ra d e salvação d e D e u s, c o m o ao lo n g o
d esse c ân tico , é e q u ip arad a p elo e le m e n to su b jetiv o d o c a n ta r re sp o n siv o (2,5),
d e g rito s e x u ltan tes (6) e de alegria. Ê a tra n sfo rm a ç ã o in te rio r d o salvo.
4 O p ro fe ta ag o ra p õ e palavras n a b o c a d a co m u n id ad e. A frase vocês dirão
está n a seg u n d a p e sso a d o plural. E sses q u e to m a m as águas d a salvação co m
alegria (3) têm u m a m e n te c o m u m q u e e x p ressam u ns aos o u tro s em um a série
d e im perativos. O p rim eiro p e n sa m e n to deles é de louv[ar] ao Senhor, o q u e, n o 1

1 A lg u n s, in s a tis fe ito s c o m o t e r m o zim r ã t c o m o u m a rc a ís m o d e lib e ra d o , a o c o p ia r E x o -


d o 15, se g u e m Q a n a le itu ra d e zim r a ti y ã h (“ o S e n h o r é [...] o m e u c â n tic o ”) p o r zim rã t
y ã h . K is s a n e in siste q u e aq u i zim rã t sig n ifica “ p r o t e ç ã o ” . A K B e G . R. D r iv e r (“ H e b re w
S c ro lls” , J 7 S , p. 2 [1 951], p.25) s u g e re m “ e n e rg ia , v ita lid a d e ” . C la ro q u e is s o d e s tr ó i o
p a ra le lis m o c o m o v e rs íc u lo 5 n a e s tr u tu r a d o p o e m a .
173 I S A Í A S 1 2 .1 - 6

c o n te x to , deve ser ações d e graças pela salvação (veja c o m e n tá rio so b re o v. Ib ).


S eg un d o, eles têm d e invofcarj o seu nome. A frase (aI q ã ra besêm ) te m q u a tro senti-
dos: n o m e a r u m a p esso a para u m a fu n ção (E x 35.30); c h a m a r u m a p esso a para
a c o m u n h ã o (43.1); in v o car a D e u s u sa n d o seu n o m e (G n 12.8) e p ro c la m a r o
n o m e (Ê x 34.5,6). O se n tid o a d e q u a d o aqui é o terceiro. D e u s se fez c o n h e c id o
pelo nome, o u seja, revelou-se e resu m iu a revelação em u m n o m e relevante.
A queles a q u e m a revelação é feita ag o ra p o d e m u sar esse n o m e p a ra e n tra r em
ín tim a ad o ra ç ã o co m o D e u s q u e revela a si m esm o . E m re sp o sta ao terceiro
im p erativ o , a relação secreta d e ação de graças e ad o ra ç ã o deve se a v e n tu ra r
a se a b rir p a ra anunci[ar¡ entre “ as n ações os seus fe ito s” . A palavra <alílõ tã w ,
usada p ara o S en h o r, o c o rre u m a vez em relação à o b ra geral dele d e cu id ad o
(SI 9 .1 1 < 1 2 > ), m as, em o u tra s passagens, se m p re é u sad a p a ra sua eleição es-
pecial, a o b ra salvífica (so b re tu d o a re d e n ç ã o d o êx o d o , p o r exem plo, SI 66.5;
77.12 < 13 > ). N ã o são apenas suas o b ras, m as ta m b é m seu nome, o q u e ele é em si
m esm o , q u e deve ser p ro clam ad o . A frase é (lit.) “ tra z e r à le m b ra n ç a ” e é usada
co m freq u ên cia p ara g a ra n tir q u e algo esteja em p rim eiro p la n o n a m en te. A
c o m u n id a d e salva en co raja uns aos o u tro s a p re g a r u m D e u s exaltado. A m esm a
palavra é u sad a em 2.11,17 para o S e n h o r n o julg am ento , m as aqui ela fala da
m ajestad e e dig n id ad e tra n sc e n d e n te d e D e u s salvando.
5 O te rm o cantem (h ã m a r) casa co m o su b sta n tiv o (zim rã l) d o versícu lo 2.
O cân tico n ã o é c o n v o c a d o c o m o um a ex p ressão d o se n tim e n to de elação,
m as c o m o u m a re sp o sta para as o b ra s d e D eus. A frase ele tem feito coisas gloriosas
trad u z g ê ’út , um su b sta n tiv o a b stra to u sad o ad v erb ialm en te (lit. “ de a c o rd o
co m sua alta d ig n id ad e” ; o u tra fo rm a da palavra aparece c o m o “ m ajestad e” em
2.10). A frase sejam [...! conhecidas c um p articip io passivo, co m o se n tid o (lit.)
de “ u m a coisa digna de ser c o n h e c id a ” o u “ isso deve se r c o n h e c id o ” . Para a
ex p ressão em todo 0 m u n d o /“p z r z to d o o m u n d o ” cf. v ersículo 4. E sse universa-
lism o casa co m 9 .7 < 6 > e explica c o m o Isaías esperava q u e o R ein o d o S e n h o r
se p ro p ag asse. E ssa é a realidade p o r trás d a m e tá fo ra m ilitar d e 11.14.
6 O p ro fe ta fala pela terceira vez. O te rm o gritem , fem in in o , le m b ra c o m o
M irià assum iu a liderança n o c â n tic o de triu n fo (E x 15.20s.;cf. IS m 18.6s.). A qui,
habitantes de M ã o /“ p o v o d e Sião” significa Sião m e sm a p erso n ificad a c o m o um a
m u lh er e x u ltan te, o p o v o de D e u s em sua u nicidade (cf. 37.22). U m a vez que
Isaías tivesse v isto u m Sião d ife re n te c o m “ filhas” d ife re n te s (3.16— 4.1), m as
agora a p ro m e tid a lim peza (4.4) aco n te c e e o S a n to vem p a ra casa c o m o tinha
d ito q u e viria (4.5s.) para u m a noiva alegre. Para a ex p ressão gritem alto jz ã h a f)
cf. c o m e n tá rio so b re 10.30 e para 0 Santo de Israel, veja c o m e n tá rio so b re 1.4.
C. O reino universal
( 13. 1— 27 . 13)
E ssa n o v a seção de Isaías c o n tin u a a fo c a r o rei em Sião. E la é ex p ressa
às vezes em te rm o s da cidade (14.32; 18.7; 25.6,7,10; 26.1; 27.13), às vezes em
te rm o s d o rei dav íd ico o u d o re in a d o d o S e n h o r n o Sião (14.29; 16.5; 24.21 ss.)
e é u m a seq u ên cia n atu ral d o s cap ítu lo s 6— 12. N e ssa seção, a p rin cip al p reo -
cu p ação d e Isaías era m o s tra r o triu n fo da g raça divina para Ju d á e Israel p o r
m eio da qual o S e n h o r traria d e vo lta um re m a n e sc en te d e seu p o v o , re d im id o
e e x u ltan te, p a ra o rein o d o p e rfe ito rei d iv in o da lin hag em d e D avi. M as ha-
via m ais c o m relação a esse a ssu n to d o q u e isso, p o is Isaías teve u m a visão d o
m u n d o : u m re in o m essiân ico e ste n d e n d o em paz até o m áx im o d e seus lim ites
d e te m p o e esp a ç o (9 .7 < 6 > ), u m m u n d o re n o v a d o (1 l.ó ss.) e a ideia in trig an te
(em especial em 11.11-16) d e u m a reu n ião universal, m ais am p la q u e a Israel
n acio n al d o ê x o d o q u e p o d e ser d escrita c o m o “o re m a n e sc en te d o seu p o v o ” .1
A s n ecessid ad es p articu lares d o s cap ítu lo s 6— 12 n ã o p e rm itira m m ais q ue
u m a o lh a d a d e esguelha n o universalism o d o s p lan o s reais d o S e n h o r e cabe
à p re se n te seção esclarecê-los d e fo rm a m ais am pla. E ssa , n a v erd ad e, é um a
característica da e stru tu ra d a literatu ra d e Isaías, q u e a su g e stã o d e u m a seção se
to rn e o te m a p rin cip al da seção seguinte. D a m esm a m an eira q u e a su g estão da-
vídica d o s c a p ítu lo s 1— 5 (p o r exem plo, 1.26) se e x p a n d e p ara u m re tra to co m -
p le to d a v in d a d e D avi n o s capítulos 6— 12, ta m b é m as alusões universalistas
d o s cap ítu lo s 6— 12 se d esen v o lv em n a visão m u n d ial d o s cap ítu lo s 13— 27, e
m o stra -se q u e a filosofia da h istó ria declarada em 10.5-15 n ã o é u m exercício
“ exclusivo” da so b eran ia divina em relação à A ssíria, m as a m an eira em q u e o
m u n d o to d o re p o u sa na m ão ex ecu to ra d e D eu s. P o rta n to , em su m a, d e sco b ri-
m o s aqui q u e a h istó ria m undial é o rg a n iz a d a n o in teresse d o p o v o d e D e u s 12 e
q ue o s g e n tio s são ig u alm en te in c o rp o ra d o s3 d e m o d o q u e h aja u m m u n d o , um
povo, u m Rei e u m D eus.
V o lta n d o -n o s p a ra a e stru tu ra d essa seção, o s cap ítu lo s 13— 23 co n sistem
de d ez o rácu lo s.4 O s cin co p rim eiro s receb em títu lo s específico s relacio n ad o s
1 O u n iv e rs a lis m o e sta v a im p líc ito n o c u lto d e Israel. S a lm o s 46— 4 8 m o s tr a m te m á tic a -
m e n te a d e r r o ta d o s in im ig o s m u n d ia is (46), o p r ín c ip e d a s n a ç õ e s se t o r n a n d o o “ p o v o
d o D e u s d e A b r a ã o ” (47.9) e a c e n tra lid a d e d e S ião (48). S a lm o s 8 7 u n iv e rs a liz a a id eia d e
u m re g is tro d o s c id a d ã o s d e S iã o p a ra in c lu ir o E g ito , a B a b ilô n ia , a F ilístia, etc. A s e q u é n -
cia d e S a lm o s 95— 1 00 c o m e ç a c o m “ n ó s ” c o m o o r e b a n h o d o S e n h o r (95.7) e te rm in a
c o m u m r e b a n h o u n iv e rs a l (100.3).
2 V eja 1 4 .1,2 ,32 ; 2 1 .1 0 ,1 7 ; 2 3 .8 ,9 ; 2 4 .2 1 -2 3 ; 2 5 .9 ; 2 6 .1 ,2 0 ,2 1 ; 2 7.13 .
3 V eja 1 6 .4 ,5 ; 18.7; 1 9 .1 9 -2 5 ; 2 3 .1 8 ; 25.6,7.
4 O t e r m o “ o rá c u lo ” a c o n te c e o n z e v e z e s n e s s e s c a p ítu lo s e o ito v e z e s c m u m s e n tid o
d e p re c ia tiv o e m J e re m ia s 2 3 .3 3 -4 0 , c o m o u m m e io p o r in te r m é d io d o q u a l o s fa lso s p ro -
O LIVRO DO REI 176

co m p esso as h istó ricas identificáveis (13.1; 14.28; 15.1; 17.1; 19.1) e n q u a n to


os cin co seg u n d o s têm q u a tro títulos enigm áticos que, n o c o n te x to , p o d e m ser
id en tificad os c o m p esso as em p articu lar (21.1,11,13; 22.1) e um receb e titu lo
claro (23.1):

S é rie 1 S é rie 2
B abilônia (13.1— 14.27) O d e se rto d o m a r (Babilônia) (21.1-10)
Filístia (14.28-32) O silêncio (E d o m ) (21.11,12)
M o a b e (15.1— 16.14) A n o ite (A rábia) (21.13-17)
D a m a s c o /Is ra e l (17.1— 18.7) O vale da V isão (Jerusalém ) (22.1 -25)
E g ito (19.1— 20.6) T iro (23.1-18)

F o rm a lm e n te , cada lista co m e ç a co m a B abilônia, e o o rá c u lo lid an d o co m


o p o v o d o S e n h o r v em em q u a rto lugar, m as o equilíbrio d a lista u ltrap assa a
fo rm a. O s do is o rácu lo s da B abilônia lidam , re sp ectiv am en te, co m a q u ed a
política e religiosa da cidade: o p rim eiro é ch eio de reis e ex ército s e n q u a n to
o ú ltim o se refere só a ídolos. O p rim e iro especifica q u e tu d o é p o r causa de
Israel (14.1,2; o b se rv e q u e o v. 1 c o m eça co m “ p o rq u e ” [ARC]) e n q u a n to o
se g u n d o traz a n o tícia da q u ed a da B abilônia c o m o u m a m en sag em d e c o n so lo
para a esm ag ad a Israel (21.10). O s o rácu lo s d a Filístia e d o E d o m c o m p a rtí-
lh am um o lh a r adiante: o p rim e iro p ara a vinda da su p rem acia d a casa de D avi
(14.23), e o seg u n d o registra a passagem d o te m p o sem n e n h u m te rm o final
claro (21.1 s.). O s o rácu lo s d e M o ab e e d a A rábia d izem re sp e ito aos fugitivos
g e n d o s te n ta n d o ajudar: M o ab e p ro c u ra ajuda p ara Sião, m as é im p e d id o de
en c o n trá -la p o r seu p ró p rio o rg u lh o (16.1,6,7), e as trib o s g en tias te n ta m o
a p o io m ú tu o , m as n ã o c o n seg u em n e n h u m a seguran ça d u ra d o u ra (21.13-17).
0 q u a rto p a r de o rácu lo s revela o p o v o de D e u s b u sc a n d o aju d a q u e n ã o a d o
S e n h o r e sua palavra: Israel em u m a aliança g en tia e Je ru sa lé m n a au to ssalv ação
(17.8,10; 22.8,12-14). F in alm en te, ta n to para o E g ito q u a n to p ara T iro h á um a
no tável virada final p a ra o S e n h o r (19.18-25. 23.18). O u tra s linhas d e co n e x ã o
m a n tê m os cin co p ares ju n to s, m as isso é suficiente para in d icar a e s tru tu ra ç ã o
geral d a d u p la série. U m a caracterísd ca da e stru tu ra tem ligação co m o se n tid o
d o to d o : em cada caso o p o v o d e D e u s, o c u p a n d o o q u a rto lu g ar d a lista, está
cercad o pelos p o v o s d o m u n d o . N a p rim eira lista, estes são a B abilônia a n o r te ,*1

fe ta s d ã o a u te n tic id a d e e s p ú ria a su a s p alav ras. D o c o n tr á r io , ele só o c o r r e c o m o títu lo


p a ra a fala p r o f é tic a (veja N a 1.1; H c 1.1; Z c 9.1; M l 1.1). E s s e u s o lim ita d o s u g e re q u e
Isaías u sa o t e r m o c o m c u id a d o aq u i c o m o u m “ m a r c a d o r ” e d ito ria l.
1 U m a v ez q u e o I m p é r io M e s o p o tâ m io s e m p r e m a r c h o u n a P a le s tin a v in d o d o n o r te , eles
sã o c o n s id e r a d o s g e o g r a f ic a m e n te c o m o o s p o d e r e s d o n o rte .
177 ISAÍAS 1 3 .I - 2 7 .I 3

a Filístia a o este, M o ab e a leste e o E g ito ao sul. N a seg u n d a lista, eles são a


B abilônia a n o rte , E d o m a sul, a A rábia a leste e T iro a o este. A p o sição deles os
deixa vulneráveis. O n d e será q u e eles b u scariam segurança? M as a p o sição de-
les ta m b é m o s to rn a cen trais — centrais para a m an eira c o m o o S e n h o r dirige
o m u n d o e m u ito m ais cen trais para a p e rc e p ç ão escato ló g ica d e m u n d o dele.
E m sum a, os cap ítu lo s 13— 20 dizem re sp e ito a isso.
N o s c a p ítu lo s 24— 27 n ã o h á títu lo s visíveis e — à p a rte das referên cias a
Je ru sa lé m (24; 23; 25.6ss.), Ju d á (26.1), M o ab e (25.10) e o g ru p o d a A ssíria, Egi-
to e Je ru sa lé m (27.12s.) — n ã o h á a p o n ta d o re s claros p ara a história. O to d o é
im p ressio n ista, ra p só d ic o e ch eio de cân tico (24.16; 25.1-5; 26.1-6; 27.2); um a
can ta ta escatológica so b re o te m a da d e stru iç ã o e retificação universais. M as há
in dicações d e d u as subdivisões:
1. A p assag em 24.1-3,17-20 fo rm a u m inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p ô r
m aterial sim ilar n o início e n o final de u m a seção] so b re o tó p ic o d a d estru ição
m undial. O fo co deste, n o versículo 10, é a q u e d a d a “ cidade vã [...] em ru ín a s”
(“ a cidade vazia”).
2. A passag em 24.21-23 é um in te rlú d io an tes d o cân tico (25.1-5), que
p e rte n c e à u n id ad e (25.1-12) c o m a d e stru iç ã o das fo rtificaçõ es (w . 1,12) indi-
c a n d o seus lim ites. D e ssa m an eira a b rev e passag em 24.21-23 faz as o p eraçõ es
có sm icas d o S e n h o r e d ata-as “ d e p o is de m u ito s dias” (v. 22).
3. N o ca p ítu lo 25, os “ c ru é is” fo ram “ silencia[dos]” (v. 5), e to d o o m u n -
do, co m exceção de “ M o a b e ” (v. 10) em seu “ o rg u lh o ” (v. 11), reú n e-se para a
celebração.
4. A passag em 26.1 in tro d u z u m a “ cidade fo rte ” c o n tra p o n d o -s e à “ cidade
altiva” d o versículo 5 — u m a p e rc e p ç ão p a ra m a n te r o p o v o d e D e u s firm e
e n q u a n to ex p e rim e n ta m (v. 8) um p e río d o final d e e sp era (w . 20s.).
5. D e p o is disso, o S e n h o r faz a sequência fazer o ciclo c o m p le to , o capí-
tulo 27 v o lta n d o ao te m a d o versículo 24: a g u e rra e a v itó ria d o S en h o r. N o
e n ta n to , a ên fase n ã o está na d e stru iç ã o d a cidad e (24.10), m as n a co lh eita uni-
versai co m o E g ito e a A ssíria especificados c o m o o s lugares d e co lheita. D essa
m aneira, a can ta ta revela cin co tem as em sequência a se r p o sto s lad o a lad o co m
os do is c o n ju n to s de cin co já revistos.
O LIVRO D O REI 178

A B C
Babilônia (13.1— 14.27) O deserto à beira d o m ar A cidade vazia (24.1-20)
(Babilônia) (21.1-10)
R uina política R uína religiosa Ijeis desobedecidas (5), portas
quebradas (12)
Filístia (14.28-32) Silêncio (E dom ) (21.11,12) O Rei de Sião (24.21-23)

U m rei davídico ainda Continuação indefinida das “depois de m uitos dias”


reinará em Sião coisas como elas são

M oabe (15.1— 16.14) N oite (Arábia) (21.13-17) O gran d e banquete


(25.1-12)
M oabe em necessidade, m as A s tribos do deserto em necessi- Todas as nações celebram em
por orgulho recusa-se a abrigar dade: nenhum refúgio fin a l na Sião, salvo Moabe, excluída
em Sião segurança m útua pelo orgulho

D a m a sc o /E fraim O vale da Visão A cidade de D eus


(17.1— 18.7) (Jerusalém) (22.1-25) (26.1-20)

Cidadesfortes abandonadas A cidade derrubada (10) A cidadefo rte (1); a Rocha


(9); a Rocha esquecida (10) eterna (4)

E gito (19.1— 20.6) T iro (23.1-18) A reunião final (27.1-13)

M embresia coigual: Egito, Santidade para 0 Senhor A colheita do E gito e da A ssí-


A ssíria e Israel (1 9 .2 4,25 ) (23.18) ria (27.12 ,1 3)

E sse d iag ram a só o b se rv a as p rin cip ais ligações e n tre as três séries, m as
m e sm o co m base n isso a in te n ç ã o de Isaías fica clara. N a p rim eira série (a co-
lun a d a esq u erd a), o b se rv a m o s q u e a h istó ria universal é o rg an izad a d e fo rm a a
cu id ar d o p o v o d o S e n h o r (B abilônia, 14.1,2), e as p ro m e ssa s de D e u s, e m b o ra
p areçam e n fraq u ecer, serão c u m p rid a s (Filístda, 14.28-32). A s n a ç õ e s p o d e m
e n c o n tra r ab rig o em Sião, m as o o rg u lh o é o inim ig o delas (M oabe, 16.6) e há
até m e sm o u m v e n e n o em ação em m eio ao p o v o d e D e u s — u m a d e p e n d ê n c ia
das o b ras h u m a n a s q u e só p o d e m te rm in a r em d e stru iç ã o (E fraim , 17.7-11).
N o e n ta n to , em ú ltim a in stân cia o S e n h o r tra n sfo rm a rá to d o s em u m ao u n ir
to d o s a ele m e sm o (E gito, 19.18-25).
N a seg u n d a série (a co lu n a d o m eio), Isaías c o m eça a p ro je ta r esses prin cí-
pios n o fu tu ro . E le p assa de n o m e s h istó ric o s c o n c re to s p ara alu sõ es en ig m á-
ticas c o m o se p a ra d iz e r q u e m e sm o q u a n d o o fu tu ro se m o v e além d a n o ssa
c o n te m p la ç ã o ainda há u m “ p rin cíp io B abilônia” em o p e ra ç ã o n o m u n d o em
179 ISAÍAS 1 3 .1 2 7 .1 3 ‫־‬

relação ao qual o S e n h o r se m p re cuidará de seu p o v o (21.1-10). E m b o ra aos


o lh o s h u m a n o s tu d o esteja se n d o p ro te la d o , h á u m a sp e c to “v ir d e n o v o ” p o r-
q u e d e m o ra n ã o é a b a n d o n o (21.11,12). O m u n d o n u n c a e n c o n tra rá seg u ran ça
em si m e sm o (21.13-17) e o v íru s d a au to ssu ficiên cia e o p e c a d o d e ig n o ra r a
palav ra de D e u s c o n tin u a rã o a assolar seu p o v o (22.1-15), m as a v isão d e até
m e sm o o desprezível se to rn a n d o sa n to p a ra o S e n h o r será c u m p rid a (23.1-18).
F in alm en te, n a terceira série (a co lu n a da direita), em q u e as ú ltim as vezes,
b em abaixo d o n o sso h o riz o n te , ab rig am o D ia d o S en h o r, os m e sm o s cin co
p rin cíp io s c o n tin u a m . Q u a n d o o dia fin alm en te alvorecer, h av erá u m cân tico
d o re d im id o c o m o a q u e d a da c id a d e -m u n d o (24 .10 ,14 -16a) e o Rei, p o r fim ,
rein ará so b re o m o n te d e Sião (24.21 ss.). A palavra, ex ceto p a ra aqueles que
excluíram a si m e sm o s p o r causa d o o rg u lh o , celeb rará n o m o n te d o S e n h o r
(25.1-12) e as p esso as q u e creem , a igreja d o S e n h o r, d o c o m e ç o ao fim dessa
lo n g a esp era, h ab itará n a cidade fo rte (26.1-21). A té o fim eles o c u p a m a q u a rta
p o sição n a lista, c o m os ev e n to s m un d iais em to rv e lin h o e m to r n o deles, m as
eles já d e sfru ta m a seg u ran ça d a cidade fo rte “ q u e tem alicerces, cu jo arq u iteto
e ed ificad o r é D e u s ” (H b 11.10) e nela eles esp e ra m a co lh eita final (27.1-13).
A ssim , eis aqui um m o saico isaiânico em g ra n d e escala. M e sm o naqueles
casos em q u e é possível su g erir u m a d ata p a ra a p assag em , a d a ta n ã o é m ais
im p o rta n te .1 O q u e im p o rta é a p a rte d a passag em q u e te m a g o ra d e agir em seu
n o v o cenário. O q u e K a ise r diz so b re o s cap ítu lo s 24— 27 se aplica igualm en te
a to d a a seção:

Poderiam os argum entar que a história anterior das seções individuais não
tem relevância para o en ten d im en to da com posição co m o a possuím os,
pois cm to d o caso elas recebem nova relevância nela.12

D e a c o rd o c o m a e stru tu ra e sb o ç a d a acim a, essa relevância é c o n tu n d e n te e


prática.

1.0 primeiro ciclo de oráculos. A realidade das promessas do Senhor


(1 3 .1 — 2 0 .6 )
A seção p re c e d e n te (caps. 6— 12) fez u m re tra to d a h istó ria c e n tra d o em
Sião, e o s c a p ítu lo s atuais te n ta m justificar isso na situação h istó rica real. E m
p articular, o s p ro c e d im e n to s d ivinos para o rd e n a r a h istó ria, c o n fo rm e decía-
rados em 10.5-15, são d e m o n stra d o s n a prática. O ciclo to d o leva os p rin cíp io s,
as b ê n ç ã o s e as ad v ertên cias d o s c a p ítu lo s 7— 11 até o estág io seguinte, ten ta

1 A p a s s a g e m 14 .2 4 ss. é a n te r io r a 70 1 ; 14.28ss. se d a ta e m 7 1 5 ; 17.1ss. é a n te r io r a 7 3 2 , a


q u e d a d e D a m a s c o ; 20.1 re fe re -s e a u m a e x p e d iç ã o d e S a rg ã o d a ta d a e m 7 1 1 ; 22.1 ss. p o d e
te r 701 e m v ista.
2 K a ise r, p. 177. S o b re 2 6 .1 , ele c o m e n ta q u e “ q u a lq u e r [...] h is tó ria a n te r io r d o c â n tic o
p o d e s e r ig n o ra d a c o m o se m re le v â n c ia p a ra se u c o n te x to a tu a l” .
O LIVRO DO REI 180

em particular afirmar que o Senhor está, real e verdadeiramente, governando


e guiando-a para o fim predeterminado por ele. D o começo ao fim, Isaías lida
com o presente, o iminente e o escatológico. Por exemplo, no oráculo da Babi-
lônia, embora a Babilônia seja tratada como um poder presente, o cenário do
todo é escatológico (há referências a uma reunião das forças do Senhor [13.2,3],
um objetivo universal [v. 5], o Dia do Senhor [w. 6-8] e os resultados cósmi-
cos e também universais |w . 9-11]). N o caso do remoto parecer irreal, Isaías
oferece um cumprimento no ínterim para que as pessoas possam vê-lo e que,
quando o vejam, tenham certeza de que o propósito maior também se cumpri-
rá. O cumprimento no ínterim é a destruição da Assíria, que é uma garantia de
que a mão que controlou a Assíria controla a terra (14.24-27). Nas séries como
um todo, agora um desses elementos é enfatizado e agora outro o é, mas Isaías
está especialmente preocupado em oferecer os cumprimentos do ínterim (jun-
to com 14.24-27, veja 16.13,14 e 20.1-6). Isso é de alguma importância, pois se
Deus não demonstra seu gerenciamento da história no que as pessoas veem
diante delas, por que elas confiariam nele para o que não podem ver? A fé não
é um salto no escuro, mas a convicção alcançada com base na evidência. Mas
se vivenciam de fato o que é demonstravelmente uma obra de Deus, elas não
têm desculpa caso se neguem a acreditar nos dias por vir e no próprio Dia do
Senhor. A predição e o cumprimento fornecem a demonstração exigida como
no caso da destruição da Assíria. Antes do evento, Isaías fez uma promessa
em nome do Senhor sobre o que ainda não tinha acontecido (e na verdade o
que estava claramente contra as probabilidades). Esse é o nexo entre a palavra
anterior e o evento posterior que mostra quem governa o mundo. Isso dá con-
fiança em relação ao que é igualmente o sujeito da predição e ainda tem de ser
o sujeito da ação.

a. Babilônia: aparência e realidade na história mundial (13.1—14.27)


O oráculo é um mosaico de sete peças:
1. O título, fornecendo sujeito e autor (13.1).
2. O Dia do Senhor, sem referência clara à Babilônia. Esse é um oráculo
passível de ser datado em qualquer ponto do ministério de Isaías (13.2-16).
3. A destruição da Babilônia pelos medos (13.17-22).
4. A peça de conexão, provavelmente uma composição editorial destinada
a fornecer uma nova integração para a outra unidade no complexo. Sua palavra
de abertura “porque” (ARC; omitida pela NVI) explica a motivação do Senhor
na história (14.1-4a).
5. O cântico de zombaria introduzido pelos versículos 3,4a sobre o rei da
Babilônia e uma meditação sobre a vaidade humana (14.4b-21).
6. A hostilidade divina com a Babilônia, casando com a seção 3 (cf. v. 23
com 13.21,22), (14.22,23).
181 ISAÍAS 13.1-14.27

7. A destruição da Assíria “na minha terra”, um cumprimento do ínterim


exemplificando o governo divino soberano (14.24-27).
Esse material diverso, como acontece com todos os mosaicos de Isaías, é
levado a uma nova unidade:

Λ 1 O Dia do Senhor: a mão que acena, um propósito universal declarado


(13.2-16)
B1 A destruição da Babilônia: o fim do reino, o fato da
destruição divina (13.17-22)
C A segurança e o futuro do povo do Senhor:
um propósito universal contrastante (14.1,2)
B12 A destruição da Babilônia: o fim do rei, a explicação da
destruição divina (14.3-23)
A2 O fim do poder da Assíria: a mão estendida, um propósito universal
exemplificado e validado (14.24-27)

A1 e A2 levantam a questão do lócus de poder na história. A aparência das


coisas é o exercício de poder pela vontade humana; a realidade é o exercício
de governo soberano pela vontade de Deus. A mente humana nem sempre
consegue traçar o curso dos propósitos divinos c, com frequência, a mente que
acredita só consegue concordar que tudo parece uma confusão aterradora. Mas
depois disso vem o “não obstante” do qual só a fé pode falar: tudo está na mão
de Deus. B1 e B2 enfatizam a dimensão moral nos propósitos de Deus. Eles
contrastam a aparência de glória humana com a realidade do vazio humano e
expõe o verme no broto: o orgulho que convida e merece o julgamento divino.
Para tudo isso há um centro em comum (C): a consideração do cuidado do
povo de Deus. O poder que reúne as nações (13.2-5), destrói os reinos (13.17-
19), esmaga reis (14.5s.) e termina impérios (14.24s.) é um poder de compaixão
com a igreja. Está aliado a uma percepção de mundo divina por meio da qual os
estrangeiros se tornam israelitas (14.1b), os povos gentios cooperam nos propó-
sitos do Senhor (14.1b,2a), e os papéis de captor-cativo são invertidos (14.2b).
Introdução (13.1)
A expressão em visão (m assa1) significa “levantar (a voz)”, uma declaração.1
A B abilônia agiganta-se nessa seção de Isaías tanto como cidade histórica e im-
pério quanto como o antigo lócus de arrogância autossuficiente (Gn ll.lss.).
N o tempo de Isaías, a Babilônia estava longe de ser uma mera cidade provin-
ciana do Império Assírio.2 Sob o vigoroso reinado de Mcrodaque-Baladã (veja

1 O t e r m o m assa' p o d e sig n ific a r “ f a r d o ” (Ê x 2 3 .5 ), m a s a q u i n ã o p a re c e h a v e r n e n h u m


p e n s a m e n to d e u m p r o f e ta “ s o b r e c a r r e g a d o ” c o m u m a m e n s a g e m .
2 V eja E r la n d s s o n .
O LIV RO D O REI 182

comentário sobre 39.1ss.), ela era uma importante ameaça para a soberania as-
síria e, do ponto de vista político, um Império Babilônio era uma probabilidade
real na época de Isaías. As circunstâncias da delegação babilônia (39.1-7; c. 702)
exigiu que Isaías dissesse algumas palavras e, pelo que sabemos, foi nesse ponto
que o problema de 6.11,12 foi resolvido.
Isaías sabia desde o início de seu ministério que Judá seria deportada. Ele
veio a saber que a Assíria não realizaria isso, mas que, ao contrário, a ameaça
da Assíria ao Sião, na verdade, marcaria o início do declínio do império.1Talvez
a passagem 39.6,7 tenha sido a primeira vez em que ele conseguiu dar nome
ao poder das trevas cuja tarefa que lhe fora destinada ele conhecia então havia
trinta anos. Claro que, uma vez que ele tinha dado o nome da Babilônia como
o destruidor, podia estar sob pressão para dizer mais. Seria irrealista achar que
o grupo de discípulos não o pressionaria (8.9ss.) precisando saber como as
promessas de Deus aconteceriam quando a própriajerusalém, sob uma ameaça
ainda maior que a Assíria, caiu para o inimigo. Essa investigação não seria mera
curiosidade sobre o futuro; seria essencial para a fé, uma vez que tocava na
confiabilidade das promessas por meio das quais o remanescente vivia. Assim,
as circunstâncias compeliram Isaías a incluir a Babilônia em seu pensamento
e pregação. Portanto, não podemos hesitar quanto ao relato de que Isa ías [...]
recebeu em visão (cf. 1.1; 2.1). A sugestão dessa nota de autoria é que 13.1— 14.27
alcançou algum tipo de publicação contemporânea ou circulação — um pen-
sarnento razoável à luz do capítulo 39 e da notoriedade concedida à delegação
babilônia e à coisa chocante que Isaías tinha dito.
O Dia do Senhor: 0 propósito universal declarado (13.2-16)
Isaías fica com a tradição de Amós do Dia do Senhor (cf. Am 5.18-20) e o
que ele descreve casa com o que diz em outras passagens.*2 N o entanto, aqui há
um notável equilíbrio de interferência divina e humana (cf. 22.5,6). O conflito é
universal sendo que nem um lado nem o outro é arma do Senhor (1 -5). Antes, o
conflito como tal é promovido por ele e os exércitos são seus instrumentos um
contra o outro. Em uma palavra, a culminação da história está nos princípios de
10.5-15. Naquele dia, toda destruição inerente ao pecado até agora manifestada
em todo ato individual de animosidade e em todo simples ato de guerra, alean-
çará uma violência sem precedentes de destruição mútua. Mas, acima de tudo
isso, há a direção de um Senhor supremo e administrador moral do mundo.
Há uma descrição da convocação a uma guerra santa (2,3) e a inspeção de um
exército universal (4,5), o terror que isso inspira (6-8) e o propósito moral em
tudo isso (9-13). Será um dia do qual não se pode escapar (14-16).

' V eja 1 0 .2 4 -3 4 ; 2 9 .1 -8 : 3 0 .2 7 -3 3 -3 1 .4s.


2 C f. 1 3 .1 ,1 3 c o m 2 4 .2 1 ; 1 3 .7 ,8 c o m 2 .1 0 ,1 9 ,2 1 ; 2 4 .1 7 ,1 8 ; 13.9,11 c o m 2 4 .5 ,2 0 ; 2 5 .1 0 -1 2 ;
13.6 c o m 2 4.4 .
183 ISAÍAS I 3 . I - I 4 . 2 7

2 Os verbos levantem, gritem e chamem estão todos na segunda pessoa do


plural, criando a impressão de que o Senhor tem seus agentes a postos e pre-
parados para avisar a tropa para a última batalha. A bandeira simboliza a direção
divina da história (cf. 5.26). Em 11.10-12, a mesma ideia expressa a reunião
final de Deus de seu povo universal. Naquele dia, essas duas funções estarão
sincronizadas. O topo ida¡ colina é desnudio! a fim de garantir visibilidade. A ex-
pressão chamem-nos com um aceno é (lit.) “acenar com a mão” e não se deve perder
aqui a referência à “mão” à medida que ela faz parte do inclusio [criar uma es-
trutura ao pôr material similar no início e no final de uma seção] da seção toda
(cf. 14.26,27). Veja também as palavras nações (v. 4 e 14.26), m ontes (v. 4 e 14.25)
e “toda a terra” (e não terras; v. 5 e 14.26). A palavra nobres (nãdib ) pode ser
um termo de aprovação moral (por exemplo, 32.8), mas também é usado para
líderes “nobres” em geral. A expressão “entrem pelas portas” pode descrever
o objetivo da guerra, a destruição de cidades (cf. 28.6b), mas provavelmente
se refere aqui a receber a reunião para a inscrição no cargo mais próximo de
governo.
3 O pronome eu é enfático — “quanto a mim, eu...” O recrutamento de
guerreiros pelo Senhor (2) foi feito em consequência de uma decisão divina.
Observe a ênfase contínua em os m eus santos, guerreiros, ira e triunfo. A expressão
m eus santos não se refere à santidade de caráter, mas à posição, ser separado para
o serviço divino, a “guerra santa” (Dt 20; 23.9<10>; ISm 21.5). O termo guer-
reiros (gibbôrim ; cf. 9.6<7>) descreve a prontidão deles para a tarefa em vista:
executarem a m inha ira Ç ap; cf. 10.5). A frase os que se regosfjam com 0 m eu triunfo é
uma tradução dúbia de g a “wâ. O sentido (lit.) da palavra é “meus exultantes
de arrogância” como em 9.9<8> (para o mesmo pensamento, veja 10.12). O
Senhor chama-os de m eus não porque aprova a arrogância deles, mas porque
ele, apesar de toda a arrogância deles, os possui e dirige o excesso de arrogância
deles para seus próprios fins.
4 Isaías inspira-se na terminologia tradicional para descrever o Sião cer-
cado por todos os lados pelos inimigos.1 Isso era com frequência verdade da
perspectiva histórica e também era verdade do ponto de vista ideológico; a
particularidade do povo de Deus transforma-os em objeto de hostilidade do
mundo circundante. Esse seria predominantemente o caso no Dia do Senhor.
Por isso, o termo m ontes deve ser entendido como os montes que circundam
Jerusalém, onde se poderia ouvir o som das forças se reunindo. O Senhor dos
E xércitos ( fb a ô f ) /Todo-poderoso que é em si mesmo toda potencialidade e
poder (veja 1.9), inclui na esfera de sua soberania todos os poderes do mundo
e seus exércitos { sã b a ). Eles se reúnem ao comando dele para cumprir a ordem
dele (cf. At 4.27s.).

C f. SI 4 6 .3 < 4 > ,6 < 7 > ; 6 5 .7 < 8 > ; 83.2,3.


O LIV RO DO REI ¡84

5 Esse versículo inclui tanto a noção da influência do Senhor envolvendo


todo o mundo quanto o envolvimento mundial na última batalha, a reunião de
todo o mundo conhecido para a guerra. Para ira (zefa m ) veja comentário sobre
10.5. A expressão todo 0 p a ís é uma tradução possível, mas não adequada da
perspectiva contextual. Esse não é um desastre nacional, mas um que envolve
“toda a terra” (cf. as palavras idênticas de 14.26).
As duas seções, versículos 6-8 e 9-13, levantam os temas respectivamente
dos versículos 4 e 5. As forças impressionantes (4) estão para derreter o cora-
ção das pessoas deixando-os apavoradias/ (6-8), mas o motivo por trás de tudo
isso é a ira (5) contra os pecadores (9); e também contra a m aldade, os ímpios, a
arrogância e o orgulho (11).
6 Para chorem cf. Amós 5.16s. () termo perto (qãrôh ) é “perto de”, em vez
de “iminente”.1 O termo não fala de proximidade necessária no tempo nem de
demora necessária, mas da prontidão total para o alvorecer daquele dia quan-
do o Senhor declarar que chegou a hora. A destruição da p a rte do Todo-poderoso é
outra adorável assonância de Isaías (sõ d m issa d dâ y). O título sa d d ã y, encontrado
característicamente na narrativa patriarcal, é usado ali de forma contextual para
o Deus que tem poder para cumprir suas promessas. Seu poder não enfraquece
como o dos seres humanos e ele está em sua maior capacidade quando eles
estão mais impotentes.*2 Portanto, aqui o título se refere a Deus que pode fazer
o que quiser.
7 As mãos e o coração são os órgãos de ação e reflexão pessoais, o externo e
o interno, por conseguinte, totalidade.
8 A frase ficarão apavorados/ “e assombrar-se-ão” é uma única palavra em
hebraico. A própria brevidade da declaração intensifica a aterrorizante realida-
de do que ela descreve.3 Aqui a imagem de uma m ulher em trabalho de parto não é
semelhante ao sofrimento produtivo, mas ao sofrimento repentino, inevitável e
inescapável; o resultado final de um processo que agora não pode ser interrom-
pido (cf. ITs 5.2,3). A expressão olharão chocados 0 tãm ah ) “expressa em geral a
atitude de uma pessoa que emudece por causa da estupefação”.4 Assim, isso
não significa “chocados de medo”, mas privado de toda certeza, em um estado

' C f. J o e l 1.15; 2 .1 ; 3 .1 4 < 4 . 1 4 > ; O b 15; S f 1.7,14.


2 V eja c o m e n tá r io s o b r e 17.1; 28.3; 3 5 .1 1 ; 4 3 .1 4 ; 4 8 .3 ; 4 9 .2 5 . V eja ta m b é m J. A. M o ty e r, The
Revelation o f the D iv in e N a m e (T y n d ale P re ss , 1959) e W atts, ad. toe.
3 A lg u n s c o n s id e r a m q u e o v e r b o w nhhliv é o v e stig io d e u m a lin h a p e rd id a q u e K a is e r (aju-
d a d o p o r 2 S m 4 .1 ; J r 6 .2 4 ; 5 0 .43) r e c o n s tr u iu c o m o : “ O s h o m e n s d a B a b ilo n ia o u v ir ã o e
d e s a n im a r ã o ” . E s s a r e fe re n c ia à B a b ilo n ia a q u i se ria a ru ín a d a e s tr u tu r a e in ex p licá v el e m
u m p o e m a d o “ d ia d o S e n h o r ” . A p o e s ia h e b ra ic a e s tá lo n g e d e s e r m é tr ic a m e n te in sis-
te n te . S eu ta le n to é tr a b a lh a r c o m fo r m a s a d a p tá v e is p o r m e io d a s q u a is o s e n tid o d o m in a
tu d o .
4 V eja D h o r m c s o b r e J ó 2 6 .11 .
185 ISAÍAS 1 3 .I - I 4 .2 7

de confusão e indecisão; eles estão desnorteados para saber para onde se voltar.
Oswalt, comentando sobre a expressão os rostos em jo g o / “face de chamas, seus
rostos”, diz: “Eles olharão uns para os outros em agonia tanto de indecisão
quanto de reconhecimento” — o reconhecimento de terem confiado nos re-
cursos errados traz vergonha tardia, faz seu rosto ficar em fogo de embaraço.
Kaiser sugere “suar por causa do medo”.
9 Veja comentário sobre os versículos 6-13 acima. Para cruel/ “selvage-
ria” Ç a kzã n ) cf. Jeremias 6.23; para ira Çebrâ) veja 9.19<18>; 10.6; e para fu ro r
Çap) veja 10.5. As palavras, por sua vez, falam da punição cruel de uma raiva
transbordante que não pode mais ser contida, expressão de uma paixão pes-
soai ardente. A expressão a terra podería ser traduzida por “o mundo” (cf. v.
5). O ambiente é envolvido na pecaminosidade humana e também carrega as
consequências disso. Pela primeira vez no poema, a motivação moral do dia
é declarada, sugerida até aqui pela ideia de “guerra santa” (2,3) e a indignação
divina (5). O dia é o ponto em que o pecado fica face a face com a santidade, e
os pecadores são destruídos (cf. v. 10).
10 Muitas idéias se justapõem nesse versículo: a negação aos pecadores
de todas as influências benéficas da criação, simbolizada pela Ju% a visita da ira
sobre toda a criação corrompida pelo pecado (cf. 2.12ss.; 5.5,6,10); a retirada da
luz, um símbolo apropriado da aproximação das trevas do julgamento divino
(cf. 5.30); o pensamento de treva como uma aproximação do Deus de absoluta
santidade (Ex 19.16; Dt 4.11); e a praga das trevas do êxodo (Ex 10.21ss.), que
falava do merecido julgamento sobre os adversários do Senhor, mas também
da separação das pessoas que ele determinou para a salvação. As trevas, mesmo
do Dia do Senhor, estão no propósito de 14.1,2.
11 O termo castigarei é “visitar”. A expressão 0 m undo (teb et) se refere ao
mundo habitado, o mundo dos seres humanos e dos assuntos humanos (cf. SI
24.1b). A mudança do original hebraico “mal” para sua m aldade é simples e co-
mum, mas desnecessária. A expressão os ím pios (psõTim ) com frequência, é usada
com força judicial (por exemplo, lRs 8.32) com o sentido de “os considerados
culpados pela lei”. O dia não é um derramamento indiscriminado de ira; cada
um é julgado e a sentença é pronunciada à luz da evidência. Para in iq u id a d e/
“pecados” veja comentário sobre 6.7. A palavra arrogância vem de um verbo
com o sentido de “fervura ou ebulição” e, por isso, significa “insolente, cheio
de arrogância, soberbo”. O termo cruéis ( ‘ãrlsim , “tirânico”) se refere à arrogân-
cia que faz uma pessoa dominar a outra.
12 Essa é uma imagem terrível de exterminação: as pessoas com a mesma
escassez são tão valorizadas quanto o metal mais precioso. O jir , cuja localização
é incerta, era famosa pelo ouro fino (cf. lRs 9.28; Jó 28.16).
13 Esse versículo forma o sumário e a conclusão. Porque o Senhor apon-
tou sua mão para o julgamento moral que é cósmico (10) e de extensão uni-
O LIVRO D O REI 186

versal (11), o céu trem er[á] e a terra se moverá. O movimento ordenado do céu e a
estabilidade da terra, tudo que foi alcançado por meio da criação, será desfeito
no julgamento. A ira e o fu r o r (como no v. 9) agem como um inclusio [criar uma
estrutura ao pôr material similar no início e no final de uma seção] para essa
subseção.
14-16 A imagem dos exércitos reunidos — com a qual o poema do Dia do
Senhor se iniciou (2-5) — é contrabalançada por essa imagem concludente de
povo dispersado pelo desastre — e sendo superado por ele.
14 As frases como a gaséela perseguida e como a ovelha que ninguém recolhe são
cópias complementares. O primeiro animal está em risco por causa da atenção
das pessoas, o segundo corre risco sem a atenção delas. Assim, a humanidade,
encontrando o Senhor como inimigo dela e perdendo-o como seu pastor, está
de fato indefesa e sem esperança, com tudo para fugir disso e sem nenhum
lugar para o qual fugir. Eles se reuniram com “exultante arrogância” (3), mas
agora tudo que eles conseguem pensar em fazer é ir para casa, para 0 seu povo c
a sua terra.
15 N o versículo 14 não há defensor; o versículo 15 acrescenta que não
há saída. A expressão todo 0 que fo r capturado/ “todos que forem encontrados”,
com frequência, é usada com o sentido de “quem acontecer de estar ali”, tendo
sobrevivido à batalha. A frase todo 0 que fo r capturado significa “todos que forem
eliminados”, ou seja, na fuga da batalha. Independentemente de como for eli-
minado — na batalha, como sobrevivente ou na fuga, um destino que aguarda
a todos.
16 Sem proteção (14), sem escapatória (15) e agora sem misericórdia. Se
alguém conseguisse chegar a sua casa seria só para ver tudo que amavam des-
truído: os filhos que geraram, as casas que construíram, as esposas que ama-
vam. Como será que tudo isso deve ser entendido como o dia do Senhor (6)? Em
uma palavra, a resposta é que é assim que as pessoas são umas com as outras
(cf. v. 18). Quando consideramos o encaixe da interferência humana e da divina
como essa passagem descreve, precisamos nos lembrar do que aprendemos
com a passagem fundamental de 10.5-15: que não devemos pensar nos seres
humanos como fantoches com o Senhor como o fantoche mestre deles. Ao
contrário, eles estão sendo eles mesmo por completo, cumprindo os propósitos
do Senhor com seus atos naturais. Portanto, em um sentido muito real, o que
a Bíblia fala de sua “mão estendida” (14.26) seria mais facilmente entendido
se pensássemos nela como o recu[o] de sua mão — para deixar os pecadores
implementarem toda a selvageria da natureza humana caída, destituída da efi-
cácia humanizadora e refreadora da graça comum. O Criador constituiu a hu-
manidade de maneira que o pecado deixa as pessoas progressivamente menos
humanas e, portanto, menos humanitárias. N o entanto, o processo não segue
187 ISAÍAS I 3 . I - I 4 . 2 7

seu curso lógico de sua forma lógica ou, do contrário, a raça teria perecido tão
logo o pecado entrou no mundo (Gn 2.16,17). O Senhor continua soberano,
operando suas próprias regras, dirigindo, restringindo e incitando. Mas virá o
tempo — o Dia do Senhor — em que o pecado, em clima de culminância, as-
sumirá o palco como o destruidor total que sempre é e os pecaminosos seres
humanos, que determinaram seu destino sem Deus por tanto tempo, terão per-
missão para agir dessa maneira; na verdade, serão dirigidos a fazer isso.
A ruína da Babilônia: o fim do reinado (13.17-22)
O Dia do Senhor tem muitos cumprimentos intermediários. A passagem
14.24-27 encontra um cumprimento desses na destruição da Assíria. Mais
adiante na história, ele será prenunciado mais uma vez na queda da Babilônia.
Dessa maneira, os versículos 17-22 estão relacionados aos versículos 2-16. Não
é o caso de Isaías estar aqui denominando retrospectivamente os guerreiros
que foram convocados nos versículos 2-5; essa convocação aguarda o dia em
que, mesmo no nosso tempo, ainda está por vir. Mas os mesmos princípios
que operam naquele dia de culminação da história operam ao longo dela. O
Deus a quem aquele dia revela é o Deus que dirige a história agora, e a natureza
humana pecaminosa, que será então vista em sua verdadeira cor, é a natureza
que guia as pessoas hoje. Contra o pano de fundo desse dia, podemos ler a his-
tória contemporânea de olhos abertos. Assim, aqui, Isaías nos mostra a direção
divina e a motivação humana em operação (17), a selvageria entre os povos
(18), a destruição do orgulho (19) e a interminável desolação que o pecado traz
(20- 22).
17 E o Senhor despertarla] [...] os medos (cf. v. 3). Ele está no controle executi-
vo de todos os movimentos da história, da mesma maneira que estará no último
dia. A referência aos medos como os destruidores da Babilônia é surpreendente
à primeira vista uma vez que estamos acostumados a atribuir a conquista a Ciro,
0 persa. N o entanto, as frases que dão prioridade aos medos sobre os persas
(por exemplo, “a lei dos medos e dos persas”, Dn 6.8,12,15; cf. Et 10.2) e a
misteriosa descrição do conquistador da Babilônia como “Dario, o medo” (Dn
5.30)1 indica no mínimo que os medos não foram de maneira alguma meros
adjuntos opacos de uma vitória persa.1 2 Isaías, sem dúvida, tem suas próprias ra-
zões contemporâneas para escolhê-los. Eles não se interessam p e la / “não pensam
nada da” p ra ta , ou seja, não podem ser subornados. A única motivação deles é
a conquista.
1 V eja D . J. W is e m a n , N otes on Some Problem s in the B o o k o f D a n ie l (T y n d ale P re ss , 1 965), p.
9 -1 6 .
2 O s q u e q u is e r e m d a ta r e sse o rá c u lo c o m a lg u m a p ro x im id a d e d a q u e d a d a B a b ilô n ia d e -
v e m a c h a r u m a g ra n d e d ific u ld a d e e ssa re fe rê n c ia a o s m e d o s e a a u sê n c ia d e re fe rê n c ia
a o s p e rsas.
O LIV RO DO REI 188

18 O termo ferirão significa “despedaçar” (·¡ratas; cf. 2Rs 8.12; SI 137.9).


Esse é um verbo estranho para usar para flechada. A R U S , por meio do ajuste
da vogal, traz “e os arcos [...] devem ser despedaçados”, ou seja, da mesma
maneira que os medos não podem ser detidos com dinheiro (17b) também não
podem ser detidos pelas armas. Mas uma referência a contra-ataque está fora de
contexto no versículo 18. Talvez seja melhor assumir que o verbo foi escolhido
para fazer uma ligação com sua ocorrência no versículo 16 e que, da perspectiva
poética, pode descrever corpos mutilados no curso da batalha, quando dizemos
“despedaçados”. A sequênciajovens, bebês/ “fruto do ventre” e crianças/ “filhos”
junta palavras para criar uma imagem de matança desumana e sem piedade. Os
medos, na batalha, não têm clemência e são destituídos de sentimento humano.
0 verbo da frase não terão misericórdia (lõ \v êra h è m u ) contém a palavra para “ven-
tre” e é usada para a compaixão que provoca emoção. Portanto, é possível que
a frase pudesse ser traduzida por: “Em relação ao fruto do ventre eles não têm
sentimentos paternos”.1Eles, ao se recusarem a “olhar[...] com compaixão para
as crianças”, demonstram indiferença por qualquer futuro para seus inimigos.
19 As palavrasjo ia (fb<1) e esplendor/ “glória” (tip ’erej) são as palavras usa-
das em 4.2 para Renovo do Senhor e em 28.5 para o Senhor mesmo. Essa
descrição prepara para a passagem paralela (14.3-23) em que o rei da Babilônia
reivindica honras divinas (14.12-14). Os babilônios (heb. “calcedônios”) eram
um povo mesopotâmio estabelecido havia muito tempo no sul e que foi central
para elevar os babilônios ao domínio, como Isaías prevê corretamente aqui. O
esplendor do orgulho dos babilônios (g a 'o n ; cf. v. 11) será destruidlo1 “à semelhança de
Sodoma e Gomorra” (cf. comentário sobre 1.7). Isaías, com essa pincelada de
alusão escriturai, levanta a ponta da cortina: o poder revigorante por trás dos
medos é o Deus santo executando propósitos justos e morais.
20 Esse versículo descre\re o local, equivalente histórico do que será uni-
versai no Dia do Senhor (9,13-16). Nas expressões n u n ca / “perpetuidade” e
geração em geração/ “todas as gerações”, a primeira fala do que é imutável; e a
segunda, do que será vivenciado. O nômade árabe (jr 3.2) não faria sua reunião
periódica ali, nem 0 p a sto r não faria ali o abrigo vespertino para seu rebanho.
Assim, é apresentada a ideia de abandono eterno e total.
21 O verbo estarão é o mesmo verbo para “descansar” no versículo 20. Não
haverá um uso humano, amigável e doméstico para as pessoas, mas um uso ater-
radon E mais provável que as criaturas do deserto sejam “espectros do deserto”. A
expressão bodes selvagens seria mais bem traduzida por “demônios em forma de
bode” (cf. Lv 17.7). Os escritores da Bíblia usam com frequência essas supersti-
ções pagãs sem estender credibilidade a elas, simplesmente para dar efeito.

1 A fra s e “ f r u to d o v e n tr e ” é s e m p r e u sa d a p a ra filh o s e m g e ra l e n ã o p a re c e se re fe r ir à
a tro c id a d e d e e s tr ip a r a s m u lh e re s g ráv id as.
189 ISAÍAS 1 3 .I - I 4 .2 7

22 A expressão 0 tempo dela / e t ) não é a data do calendário, mas a estação


apropriada para esse evento. Para está term inando (qãròh) veja comentário sobre
“perto” no versículo 6. Essa predição olha bem adiante na história. Os assírios
destruíram a Babilônia em 689 a.C. (veja o cap. 21), depois do que ela foi restau-
rada. Ciro tomou a cidade em 539, mas deixou-a intata. A contínua turbulência
da cidade levou a um ataque ordenado por Dário Histaspes em 518, após o qual
a cidade decaiu até a desolação.
A segurança e o futuro do povo do Senhor (14.1,2)
Observamos nessa obra de com paixão um propósito universal contrastante;
há, como na obra de ira, a mesma combinação de interferência humana e divi-
na, pois tanto 0 Senhor estabelecerá em sua própria terra (1) quanto os povos /'... /
os levarão ao seu próprio lugar (2). A volta da Babilônia cumpriu muito pouco disso
tudo. O reconhecimento de Israel e seu Deus (Ed 1.2-4) por Ciro foi irônico.
Não houve aclamação popular nem fluxo de convertidos, nenhuma reversão
dos papéis de cativo-captor. Mas não temos de olhar em retrospectiva para o
retorno e dizer que as grandes esperanças proféticas falharam bem como não
poderiamos olhar para a queda da Babilônia e dizer que o Dia do Senhor não
veio. Da mesma maneira que a Babilônia, ao fornecer pequeninas ilustrações
dos aspectos punitivos do Dia, notifica que o dia está a caminho, também a
volta previu alguns aspectos benéficos do dia e forneceu uma “garantia” de que
a promessa completa ainda será cumprida.
1 A com paixão (cf. “misericórdia” em 13.18) é a altamente carregada devo-
çâo de uma mãe. Ele tornará a escolher Israel, ou seja, o Senhor implementará sua
escolha. A Bíblia não dá explicação para a escolha divina além de que “o Senhor
[...] se afeiçoou a vocês [...] porque o Senhor os amou” (Dt 7.7s:). A expressão
os estabelecerá/ “lhes concederá descanso” é uma expressão tradicional para lar
e segurança (Dt 12.10; 2Sm 7.1). O g é r (“estrangeiro”) era o político ou outro
refugiado que vinha como “morador temporário”. Em Israel, essas pessoas
tinham uma posição especialmente protegida (cf. Dt 14.21,29; 16.11), surgindo
em parte a experiência de Israel no Egito (Ex 23.9; D t 10.19), mas, em última
análise, a partir do exemplo do Senhor (Dt 10.18; cf. Lv 25.23). A repetição de
ju nta rã o e fa rã o p arte enfatiza a ideia de uma união real c verdadeira. Parajun ta rã o
(ilã w d ) veja, por exemplo, 56.3,6; para fa rã o p a rte (isã p a h ) veja 1Samuel 26.19,
em que é traduzido por “minha porção”, e Jó 30.7, em que tem o sentido de
“se aconchegar”.
2 Mais uma vez observamos a reversão de papéis (cf. 45.14-25; 49.22-
26; 60; 66.19-24). Precisamos lembrar a metáfora real que permeia os capítu-
los 1— 37. Sob essa luz, Isaías descreve o futuro como quando os soberanos
filisteus se tornaram servos depois que o Senhor deu a vitória (ISm 17.8s.).
Aqui, a relação nova e voluntária do versículo 1 se transforma em uma rela­
O LIV RO D O REI 190

ção de serviço alegre por parte dos p o vo s/ “nações” e Israel “possuirá os po-
vos”. Eles tomarão posse das riquezas das nações (como em Ex 12.33-36) e
exercerão domínio doméstico (servos e servas), militar (farãoprisioneiros) e político
{dom inarão/ “governarão sobre”), ou seja, eles terão força total. N o entanto, a
realidade de tudo isso é que a propagação do reino de paz (9.7<6>) no que o
convertido pressiona alegremente e por escolha (1) e toma o lugar do servo na
comunidade da graça.
A destruição da Babilônia: o fim do rei (14.3-23)
Veja a página 180 para o esboço e a natureza composta dessa subseção.
Sua peça central é o “cântico do rei caído” nos versículos 4b-21. O cântico
é fornecido com uma introdução (3,4a) combinado com o tema precedente
da restauração do povo do Senhor (1,2) e uma conclusão (22,23) utilizando o
pensamento final do cântico (20b,21) e transformando-o em uma afirmação
divina. E inútil tentar associar o cântico com algum rei conhecido. Se o cântico
já tivesse tido esse tipo de conexão, então a relação, como nos salmos com tí-
tulos históricos, é alusiva, e o poeta está mais preocupado em extrair princípios
que em narrar uma história. E muito mais satisfatório ver aqui um poema do
gênero “o Dia do S e n h o r ” . Da mesma maneira que a passagem 13.2-6 é um
poema que usa a imagem do “Dia do S e n h o r ” e, depois, associa-a com a queda
da Babilônia (13.17-22) como um “dia de intervalo”, também aqui a ideia geral
de um poder mundial hostil é personalizada no retrato imaginário do fim do rei
mundial, e isso, por sua vez, recebe realização intermediária no fim da dinastia
imperial da Babilônia (22,23). Quanto mais pensamos nos capítulos 13— 27
como um estudo dos princípios da história mundial se fundindo adiante na
escatologia, fica mais fácil perceber que desde o começo a Babilônia carrega
nuanças da “cidade vã” (24.10), cuja queda representa o fim de tudo que se
opõe ao governo do Senhor.
Introdução (14.3,4a)
3 Tanto Davi (2Sm 7.1) quanto Salomão (lRs 8.56) estavam enganados ao
pensar que o momento chegara na época deles. A plenitude aguarda o Dia do
Senhor. Esse esperado descanso (Inüah, o mesmo verbo para “estabelecerá” no v.
1) inclui libertação do sofrimento, da perturbação e da cruel escravidão. A palavra para
sofrim ento (cõ seb) remonta ao anseio expresso por Lameque quando deu o nome
de N oé (“descanso”) a seu filho esperando alívio dos “trabalhos e das fadigas
de nossas mãos” (cissã b ô n , Gn 5.29; ARA) e antes disso remonta ao resultado
da “dor” (cissã bô n , Gn 3.16; ARC), conforme a maldição. A palavra relacionada
aqui significa alegria na maldição removida. A perturbação (rõ gez, irõ g a z, veja
2Sm 7.10) é a insegurança da perda da própria terra. Portanto, aqui, o descanso
da rõ g ez é a segurança total. A expressão cruel escravidão traduz “dura servidão”,
191 ISAÍAS I 3 . I - I 4 . 2 7

que é exatamente a expressão de Exodo 1.14 (ARC). Portanto, seu fim é o sinal
de que a redenção completa foi efetuada.
4a Aqui a palavra jam bará não transmite o sentido do hebraico. Não é um
exercício de escárnio ou zombaria. A palavra m ã sã l é a palavra hebraica gené-
rica para “provérbio” ou “parábola”, um dito ou uma forma de colocar algo
por meio do qual a verdade interior vem à luz. A frase “pronunciou este orá-
culo”, em Números 23.7,18; 24.3,15, significa “explicar as coisas como ele as
entendia”. Por isso, uma tradução melhor aqui seria “você trará à luz a verdade
interior sobre o rei”.
O cântico do rei caído (14.4b-21)
Nenhuma tradução consegue reproduzir o movimento e a oscilação desse
poema verdadeiramente magnífico. E a obra de um mestre. Entre os escrito-
res conhecidos da Bíblia, nenhum deles além de Isaías poderia ser o autor do
poema.1 Ele é apresentado em quatro partes das quais a primeira e a última (A1
e A2) acontecem na terra, e as seções do meio (B1 e B2) acontecem no Sheol.

Reações (4b-10)
A 1 A reação da terra ao fim da opressão (4b-8)
B1 A reação do Sheol à chegada do rei (9,10)
Contrastes (11-21)
B2 Ambição e realização. Não o ápice do céu, mas o nadir do
Sheol (11-15)
A2 A expectativa e atualidade. Sem continuação de tumba ou linhagem
(16-23)

4b As frases chegou ao fim e acabou-se são o mesmo verbo com o sentido de


“parou”. A palavra opressor (■¡nagas), a mesma do versículo 2, é característica-
mente usada para a opressão egípcia (Ex 3.7; 5.6; etc., cf. 9.4<3>). A palavra
arrogância (TM, m adheba) só é encontrada aqui e o sentido dela é desconhecido.
0 termo m arh eba de Qa não é usado em outros trechos, mas pode ser traçado
até irã h a b (“ser arrogante”; veja 30.7).
5 Os ímpios (plural, r^sãTim) são culpados diante da corte (cf. 13.11). A
evidência da culpa deles está no versículo 6. O rei é o último da linhagem de
governantes ímpios, o herdeiro e culminância da culpa deles (cf. antepassados no v.
21). Os termos vara (m attèh ) e cetro (sêbet) são traduzidos por “canga” e “vara”,
respectivamente, em 9.4<3>.

1 E r la n d s s o n (p. 128) o b s e r v a q u e 8 3 % d a s p a la v ra s d e s s e “ c â n tic o d o rei c a íd o ” sã o e n c o n -


tra d a s n a o b r a r e c o n h e c id a c o m o d e Isaías. D a s 2 3 p a la v ra s re s ta n te s , c o n c o r d a - s e q u e
d e z e s s e te d e la s sã o p ré -e x ílic as e d e s c o b riu - s e a p ó s e x a m e q u e as c in c o p a la v ra s re s ta n te s ,
s u p o s ta m e n te p o s te rio re s , n ã o sã o pré-ex ílicas.
O LIVRO DO REI 192

6 O rei é acusado de maldade (sobre irados \cebrâ] e enfurecidos \ 1ap] , veja


10.5), violência, um reinado de terror {golpes incessantes) e perseguição im placável/
“perseguição”.1 Em suma, a tolerância de só uma opinião e ideologia e a su-
pressão de todas as outras.
7,8 A libertação se estende à criação e toda a te rra / “o mundo inteiro” des-
cansa e canta. Em 37.24, sentir as árvores do Líbano é a imagem de Isaías para
vangloria autoconfiante do rei da Assíria. O Iabano representa o que Deus, não
os seres humanos, tem plantado (SI 104.16). Derrubar o Líbano é tentar impor
a ordem humana sobre a criação de Deus, é tentar ser Deus (13s.). Observe
como o versículo 19, na seção de emparelhamento (w. 16-21), transforma o
próprio rei no “galho rejeitado”! O arrogante lenhador, com justiça exata, é
“derrubado”! (Cf. 44.23; 55.12; SI 96.12; Rm 8.19-22.)
9-15 Esse poema é uma visita imaginária ao Sheol. Embora não seja o desenho
de um arquiteto do mundo por vir nem o relato de um sociólogo, pode-se esperar
que um poema formule princípios e foque questões. Dessa forma, expressa
algumas verdades do Antigo Testamento sobre os mortos. Primeiro, os mortos
estão vivos — no Sheol. Na Bíblia, a “morte” nunca é “término”, mas uma
mudança de lugar e de condição com a continuidade da identidade pessoal. O
Sheol é o “lugar” onde todos os mortos vivem (vejajó 3.11-19; SI 49.9). Según-
do, no Sheol há continuidade pessoal e reconhecimento mútuo; o rei é reco-
nhecido quando chega (10). Os que já estão ali se levantam de seus tronos, não
porque há tronos no Sheol, mas para mostrar que são as mesmas pessoas que
eram na terra. Da mesma maneira, Abraão “foi reunido aos seus antepassados”
(Gn 25.8), e Davi esperava o dia em que se juntaria a seu filho bebê (2Sm 12.23).
Terceiro, o Sheol é um lugar de fraqueza com perda, não aumento, dos poderes
terrenos. Os mortos são “sombras” ou “sombrios” (veja comentário sobre v.
9), que se descrevem como tendo “perdfido] as forças” (10). N o versículo 11, o
Sheol é relacionado com a sepultura e o corpo em decomposição. Isso alude à
explicação da fraqueza: no entendimento bíblico, os seres humanos são almas in-
corporadas/corpos com alma, mas essa unidade, na morte, é dividida, e (‫ ג‬corpo
cai no chão. Então, como o espírito, no Sheol, pode ser uma pessoa completa? O
Antigo Testamento espera por Jesus e a iluminação da imortalidade (2Tm 1.10)
para cumprir suas sugestões de ressurreição do corpo. Contudo, o Antigo Tes-
tamento nisso, como em tudo o mais, estabelece a verdade, não o erro; o morto
sobrevive, a personalidade continua com reconhecimento mútuo. Os mortos,
como personalidades incompletas, esperam plenitude, não podem evitar nem
danificar a vida — a resposta perfeita para o espiritismo.

1 S ó h á o c o r rê n c ia d a p a la v ra m u rd òp (“ p e rs e g u iç ã o ”) a q u i, e K is s a n e o u tr o s a c o rrig iría m
p a ra m ird a t (“ d o m ín io ”), p a la v ra n ã o e n c o n tr a d a e m n e n h u m o u t r o tre c h o . O s s u b s ta n ti-
v o s d e m e s m a f o r m a ç ã o d e m u rd ò p o c o r r e m e m 8.23; 29.3.
193 ISAÍAS 1 3 . 1 1 4 .2 7 ‫־‬

9 Sobre o S h eo l/ “sepultura” veja 5.14. Os verbos desperta e levantarse são


masculinos enquanto “Sheol”, em geral, está no feminino. N o entanto, Sheol,
em Jó 26.6, está no masculino e, em todo caso, os verbos aqui podiam ser trata-
dos como indefinidos (por exemplo, “alguém desperta”) equivalente em força
a um passivo. A frase os espíritos dos m ortos {r'p a 'lm , “os sombrios”) tem deriva-
ção incerta, mas está, com frequência, relacionado a ir ã p â (“afundar, cair” ou
“falta de força”).1Os governantes são os “bodes machos” (lit.), ou seja, de grande
importância e vitalidade. A descrição anterior é usada de forma irônica — os
bodes machos “sombrios”!
10 A expressão perdeu asforças (‫י‬Ihãlâ ) significa “estar doente, fraco, inútil”.
O próprio som do hebraico nesse versículo expressa lassidão.
11-15 Essa segunda passagem de Sheol contrasta o que o rei pretendia
com o que alcançou. E um ponto discutível se o versículo 11 é um comentário
conclusivo feito pelos sombrios (em cujo caso a referência ao “Sheol” forma
um inclusio [criar uma estrutura ao pôr material similar no início e no final de
uma seção] com o “Sheol” do v. 9) ou o começo da seção de “contraste” (em
cujo caso — e melhor — a frase sua soberba fo i lançada “no Sheol” [11] abre a
seção, e a frase às profundezas do Sheol você será levado (15) termina-a).
H O termo sepultura podia ser “Sheol”, pois não é o cemitério que está em
vista, mas casa dos falecidos no próximo mundo. O Sheol também é o fim do
orgulho {soberba, g a ôn, veja 13.11) e do prazer {harps veja 5.12), da presunção
e do costume de ceder aos próprios desejos. Mas também há o corpo a ser
considerado, o cemitério também tem seu testemunho. Que cama para um rei!
Que coberta! A sepultura expõe a fragilidade, a insubstancialidade da nossa
humanidade. Que lugar sobra para o orgulho? Qual o valor supremo de mimar
0 corpo e ser indulgente com ele? Aqui, é revelada de um golpe só a fraqueza
do morto e a vida pela metade do Sheol, pois também se tem de falar do corpo
como você. Ele, tanto quanto a alma, é a pessoa. E à luz de um versículo como
esse que passagens como 2Coríntios 4.16— 5.5 adquirem sua própria luz.
12 Por trás da referência de Isaías à estrela da m anhã {hêlêl, “brilhante”) está
a mitologia cananeia do gênero “revolta no céu”: o uso da estrela da manhã,
U e la l (que a B U S leria aqui e que Albright disse ser Ishtar),1
2 foi uma tentativa de
golpe que falhou, com perda de posição para ele. O Antigo Testamento usa es-
sas alusões sem atribuir realidade ao personagem dramático (cf. sobre 51.9ss.).
() termo derrubava é “lançava por terra” (cf. 9.10<9>).

1 U m a p a la v ra id ê n tic a d e s c re v e o s h a b ita n te s p rc -is ra e lita s d e C a n a ã ( D t 2 .1 1 ,2 0 ; 3.11),


m as u m a v e z q u e sã o p e s s o a s d e e s p a n to s o p o d e r , a id e n tid a d e d e o r to g r a f ia s ó p o d e se r
u m a c o in c id ê n c ia . P a ra o s “ s o m b r io s ” cf. J ó 2 6 .5 ; SI 8 8 .1 0 < 11 > ; P v 2.18.
2 W F. A lb rig h t, A rchaelogy an d the R eligion os Is ra e l (Jo h n H o p k in s U n iv e rsity P re ss , 1 9 42), p.
84.
O LIV RO DO REI 194

13 A ênfase do versículo está em você, aos céus e em acima das estrelas de D eus.
Enquanto os versículos 11 e 12 lidaram principalmente com os fatos públicos,
a transformação na posição e influência do rei, o versículo 13 nos leva ao co-
ração dele, o lugar da ambição secreta. Para D eu s Ç êl), veja o comentário sobre
5.16. Por trás da frase no m onte da assembléia está a ideia mitológica de que os
deuses viviam nos montes. A assembléia é o panteão reunido. Sobre a expressão
m onte sagrado (ya rkftè sãpôri), veja a nota de rodapé da NVI. O monte Safom fica
no norte da Palestina e, na mitologia cananeia, era o assento dos deuses. Sal-
mos 48.2<3> usa a mesma expressão com a indicação de que se existisse um
lugar como “o ponto mais elevado do Safom”, esse lugar seria o Sião.
14 Para o termo A ltíssim o je ly ò n , veja Gênesis 14.18,19,22 (cf. Dn
4.17,24,25; 2Ts 2.4).
15 O termo S heo ltraduz “a sepultura”, e o abism o traduz ya rkfjê , que é “mais
elevado” no versículo 13. A palavra significa qualquer coisa que esteja mais
distante em qualquer direção que o contexto exija. Assim, o rei tentou alcançar
o ponto mais alto do céu e foi ao ponto mais fundo do abism o, um sinônimo de
Sheol em seus aspectos mais ameaçadores (SI 28.1; 143.7; Is 38.18).
16-21 O elemento de contraste é mais ampliado quando o poema volta à
cena terrestre: o que o rei pode ter esperado e o que aconteceu de fato. Não há
uma sepultura imposta nem uma linha contínua comemorando-o.
16,17 O termo olham (Jsãgah ) é usado em Salmos 33.14 para o olhar pe-
netrante de Deus e, em Cântico dos Cânticos 2.9, para o olhar andante do
amante. O contraste entre a expectativa e a realidade fica aparente quando eles
p o n d era m / “consideram” a situação do rei. Será que esse homem pode ter rea-
lizado tal depredação na obra de Deus (ele fançia trem er a terra e fesç do m undo um
deserto) e do povo (ele abalava os reinos e conquistou cidades)? Será que ele exerceu
de fato um controle desumano sobre o povo e não deixou que os seus prisioneiros
voltassem p a ra casai Contudo, foi isso que ele fez e, como todos que fazem isso,
caiu por causa deles (veja v. 20).
18-20a O termo túm ulo/ “casa” significa “mausoléu” aqui — as casas gran-
diosas do morto que os grandes da terra constroem. A expressão m as você é
enfática, exatamente como no versículo 13. A frase seu próprio túm ulo (qebet) é a
palavra usual para “sepultura”. Ele é um galho (nêser ) rejeitado/ “detestado” em
contraste com o “ramo” reverenciado “do tronco de Jessé” (11.1). O rei é um
“ramo” de reis, mas calcula-se que se adeque apenas para o monte de esterco.
A frase como as ro u p a s/ “vestido” dos m ortos é notável. O rei, sem seus mantos
reais, agora não tem nada para vesti-lo além do corpo daqueles que morreram
na batalha, amontoados de maneira desonrosa. A s pedras da cova é a rocha no
fundo do abismo do Sheol (cf. v. 15). Seu túmulo não identificado e, portanto,
involuntariamente pisoteado, pisado. A expectativa de outro enterro real operou
no sentido inverso (53.9). Não há ninguém preocupado em garantir um enterro
195 I S A ÍA S 1 3 . I - 1 4 . 2 7

real a d e q u a d o p a ra o rei. Seus ancestrais fo ra m c a rre g ad o s p a ra o m au so léu da


fam ília (18), m as ele n ã o se unirá a eles/ “ será re u n id o a eles” . D e m uitas m anei-
ras ele p o d e n ã o te r sid o p io r q u e eles (5,6). P o r q u e será e n tã o q u e eles estão
em tú m u lo s rev eren ciad o s e ele não? P o rq u e a in iq u id ad e o p e ra até ser plena.
B íb licam ente, o s p e c a d o s d o s pais n ã o d e sc u lp a m a cu lp a d o s filhos, m as a in-
ten sificam (cf. Lc 11.50) até a in iq u id ad e n ã o p o d e r m ais ficar sem se r revidada
(G n 15.16). A p ro v id ê n c ia esp era, a p ro v a ç ã o executa, e o ju lg am en to cai.
20b,21 O A n tig o T e sta m e n to p ro íb e q u e o s p ro c e sso s judiciais h u m a n o s
p u n a m o s filhos pelos p e c a d o s d o s pais (D t 24.16), m as a so lid aried ad e d a raça
precisa ap en as d e tais visitações das fo rm a s p ro v id en ciais d e D eus. Pois os
filhos, b o n s e m aus, são o s h erd e iro s de seus pais (E x 20.5,6). N o e n ta n to , era
um a p rá tic a real g a ra n tir o tro n o re m o v e n d o to d o s os rivais e o m e lh o r (lR s
2.24s.) e ta m b é m o p io r (2Rs lO .lss.) d o s g o v e rn a n te s d o A n d g o T e sta m e n to
caem n a categ o ria d e perv erso s. A q u i Isaías im agin a u m a p ro c la m a ç ão p ara n ão
g aran tir a p e rp e tu a ç ã o de u m a lin h ag em real c o m o essa. A s cidades eram bases
d o p o d e r e ta m b é m , c o m o a prim eira B abel (G n 11 .lss.), sím b o lo s d a vangloria
h u m an a d e autossuficiência. Jam ais será p e rm itid o q u e isso a c o n te ç a d e novo.

C o n clu são (14.22,23)


T o d a a seção (3-23) so b re a q u e d a d o rei casa c o m a q u e d a d a cidade
(13.17-22) em to d a a e stru tu ra da p assagem . N o e n ta n to , esse e sta n d a rte co m
as declarações d o S e n h o r n a prim eira p esso a casa co m a lin g u ag em d a seção
an terio r e m o stra c o m o tu d o q u e foi d ito e m p rin c íp io so b re o o rg u lh o final
do rei te rá u m a exem pli ficação n o ín terim na m an eira d o S e n h o r lid ar co m
o v erd ad eiro rei d a B abilônia. O fim d a linhagem real (22; cf. w . 2 0b,21) e a
terra d e te rio ra d a (23; cf. v. 20a) fax ligações precisas e n tre o escato ló g ico e o
im inente. O Senhor dos E xército s se levantará — o g o v e rn o m u n d ial está co m ele.
O v erb o fo rm a u m a c o m p a ra ç ão im p re ssio n a n te co m a e x p re ssã o “ eles n ã o se
lev an tem ” d o versícu lo 21b. S o b re di% (neum ), veja 1.24. O u so trip lo d a frase
é c o m o u m trip lo selo d e au ten ticid ad e e validação. S o b re Senhor dos E x é rc ito s/
“T o d o -p o d e ro s o ” veja 1.9. A té m e sm o o nome da B abilô n ia d esap arecerá; ne-
n h u m sobrevivente/ “ re síd u o s” viverá para c o n ta r a história; n ã o h av erá h eran ça
a ser d e sfru ta d a . Sua prole e os seus descendentes (din w ãneked) p a re c e m ser um a ex-
pressão legal c o m o “ h erd e iro s e su c e sso re s” (cf. G n 21.23). S o b re corujas etc. cf.
13.21,22. A vassoura é u m a im agem vivida; ela rem o v e tu d o até o ú ltim o vestígio.
A v asso u ra d o S e n h o r é b a sta n te p o d e ro sa p a ra v a rre r to d a a g ra n d e B abilônia
para a d e stru iç ã o e o esq u ecim en to .

Ofim do poder assírio: um propósito universal exemplificado e validado (14.24-27)


(Veja a página 179s. so b re os c u m p rim e n to s in te rm e d iá rio s e p. 175ss. para
a e stru tu ra da seção.) O c o n te ú d o desses versículos é q u e a am eaça assíria, p re-
O LIVRO DO REI 196

se n te n a é p o c a de Isaías, seria decisivam ente esm ag ad a pelas p ró p ria s m ão s d o


S e n h o r (24,25), o u seja, c o m seu p o v o d e e n tã o c o m o te ste m u n h a . A ssim , esse
ato a te sta d o d e D e u s é u sa d o c o m o um ex em p lo d a fo rm a c o m o a m ã o divina
g o v e rn a to d a s as n a ç õ e s e executa u m p ro p ó s ito universal irresistível (26,27).
A m ão e ste n d id a d o versículo 27 fo rm a u m inclusio [criar um a e s tru tu ra a o p ô r
m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a seção] co m 13.2. O a to h istó ric o
q u e eles v eem será re p licad o n o ju lg am en to escato ló g ico so b re to d o o m u n d o
e ag o ra age c o m o u m a g aran tia disso.
24 S o b re a palavra jurou veja 5.9; 22.14; 45.23; 54.9; 62.8. Planejei (jd ã m â , cf.
10.7) é o p la n o e s tru tu ra d o n a m en te, e pensei (jy à a s ) é sua fo rm u la ç ã o c o m o
u m e sq u e m a (o su b sta n tiv o e o v e rb o o c o rre m n o v. 26 e o v e rb o m ais um a
vez n o v. 27). A ssim , Isaías c o n tin u a re p e tin d o q u e o e v e n to local — a d e rro ta
assíria — é o m o d e lo d o ev e n to universal, ainda p o r v ir.1
25 Veja o c a p ítu lo 37 p ara o c u m p rim e n to d esse versículo. O u so d e pred i-
çâo e c u m p rim e n to c o m o p ro v a de q u e o S e n h o r é o ú n ico D e u s vivo é típ ico
d e Isaías. As frases 0 seu ju g o será tira d o / “ se a p a rte ” e 0 seu fa rd o / será tirado / é
ex a ta m e n te a m e sm a linguagem de 10.27.
26,27 A s coisas a g o ra estã o em escala universal (toda a terra, todas as nações·,
cf. 13.5). O in c id e n te assírio é o m o d e lo p a ra a escatologia. A ex p ressão 0 Senhor
dos exércitos/ “ to d o -p o d e ro s o ” é enfática. O te rm o im pedijr] (j p a ra r, “ revogar,
an u lar e invalidar”) é u m a referên cia ao p la n o d o S en h o r, ao p a sso q u e o recu o
de sua m ã o / “ e é sua m ã o q u e está...” se refere ao S e n h o r m esm o .

b. Filístia: a dinastia davídica e as promessas davídicas (14.28-32)


E co m p reen sív el q u e Isaías achasse a m o rte de A caz u m e v e n to relevante.
Foi a recusa d e ste d a fo rm a de fé e sua decisão d e a ta r o su cesso d e Ju d á ao
su cesso d a A ssíria que, para o p ro fe ta , m a rc o u o fim d a d in astia davídica c o m o
era c o n h ecid a. O q u e será q u e a co n teceria agora? O s versículos atuais su g erem
q u e n essa situação veio u m a deleg ação d a Filístia. D u ra n te o p e río d o assírio,
a Filístia foi u m d o s g ra n d e s ag itad o res políticos. E m 734, G a te se re c u so u a
p ag ar trib u to e foi saqueada; e, em 720, as cidades filisteias c o o p e ra v a m se-
c re ta m e n te c o m o E g ito c o n tra a A ssíria, m as S argão II d e rro to u o E g ito em
G a z a e c o n q u isto u A sq u e lo m e G ate. E m 711, A sd o d e foi d e algum a m an eira
fu n d am en tal p a ra a revolta palestina o cid en tal geral q u e foi su fo cad a, e a re-
belião d e A sq u e lo m , d e 705 foi su rp re e n d id a em 701 p ela ex p ed ição p u n itiv a
d e S enaqueribe. Q u a n d o A caz, o principal c o la b o ra d o r da A ssíria, m o rre u em
715, p o d ia p a re c e r q u e a Filístia aproveitaria a o p o rtu n id a d e p ara se ap ro x im a r

1 S o b re o “ c o n s e lh o ” d o S e n h o r ( iy a a s ; s u b s ta n tiv o , ’èsa) veja 5.19; 1 9 .1 2 ,1 7 ; 2 3 .8 ,9 ; 25.1;


2 8 .2 9 ; 4 0 .1 4 ; 4 4 .2 6 ; 46 .10 ,11 — u m u s o isa iâ n ic o im p re s s io n a n te . J e re m ia s u sa o s u b s -
ta n tiv o e m 3 2 .1 9 e o s u b s ta n tiv o e o v e r b o e m 4 9 .2 0 ; 5 0.45. N o r e s ta n te d o s p ro fe ta s ,
M iq u e ia s é a ú n ic a o c o rrê n c ia .
197 ISAÍAS 1 4 . 2 8 - 3 2

de E zeq u ias, p o ssiv e lm e n te so b a d escu lp a d e u m a m issão d e co n d o lên cia. D e


to d o jeito, esse cen ário se ajusta à linguagem d esse o rácu lo . V em o s isso ao
in d ag ar q u e p e rg u n ta o b te ria a re sp o sta d ad a n o versícu lo 32: “ O S e n h o r esta-
b eleceu Sião, e nela e n c o n tra rã o refugio o s aflitos d o seu p o v o ” . O u tra força
que n ã o a d o S e n h o r e um refúgio q u e n ã o fosse o Sião devia e sta r disponível.
P o rta n to , é provável q u e fosse a Filístia, ap o iad a p elo E g ito , q u e estivesse o fere-
ce n d o a fo rça de u m a aliança c o n tra a A ssíria c o m o a fo rm a d e re c u p e ra r a so-
beran ia n acional. Para Isaías, isso era p e rn icio so . C o m c erteza, os te m p o s eram
am eaçad o res (v. 31) e, sem d úvida, a aspiração à in d e p e n d ê n c ia era te n ta d o ra
e legítim a, m as to d a seg u ran ça de q u e o Sião precisava tin h a de se r e n c o n tra d a
no S e n h o r q u e fu n d o u a cidade.
O o rá c u lo é ex p re sso em u m p a r de co n trastes:

O p rim e iro co n tra ste : o d e rra d e iro d e stin o (29,30)


A 1 O fu tu ro da linhagem d e D avi e a segurança d e Sião (29,30a)
B1 O fim to tal da Filístia (30b)
0 se g u n d o c o n tra ste : o d e stin o im ed iato (31,32)
B 21 O p e rig o em co m u m : a d e sa m p a ra d a Filístia
Λ 2 A segurança d e Sião e seu p o v o

28 E ssa é a seg u n d a vez q u e Isaías d a ta u m o rá c u lo p o r m eio d e u m a m o rte


(veja 6.1 e o p a rá g ra fo in tro d u tó rio acim a).1 Q u a n d o A caz re c u so u o cam in h o
de fé (7.9b-13), Isaías n ã o fez se g re d o d o p erig o sem p aralelo s q u e fo ra feito à
casa d e D av i (7.17), m as, n ã o o b sta n te , naquele c en ário ele a firm o u a esp eran ça
da lin h ag em d e D avi e m te rm o s d e “ E m a n u e l” . P o r isso, aqui, Isaías, so b re a
m o rte d o d e sc re n te , avança p ara reiterar as p ro m essas. A infid elid ad e d o p o v o
não dim inui a fidelidade de D eus.
29 A s c id a d e s-E sta d o da Filístia n e m se m p re agiam d e a c o rd o , daí a ne-
cessidade d e especificar (vocês, filisteus, todos vocês/ “ to d a a F ilístia”) q u e o p erig o
am eaçava to d o s da m e sm a m aneira. A vara que osferia era o p ró p rio D avi. N e-
n h u m o u tro rei foi tã o c o n siste n te m e n te v ito rio so c o n tra o s filisteus,2 e foi na
verdade n a fran ca o p o siç ã o esp ecíficam en te filisteia q u e D av i estab eleceu seu

1 A o rig e m isa iâ n ica d e s s e o r á c u lo a g o ra e stá b e m fu n d a m e n ta d a ( p o r e x e m p lo , W ild e rb e r-


g er). É a n te c e d e n te m e n te im p ro v á v e l q u e a lg u é m a lé m d e Isa ías d a ta ria o o rá c u lo c o m
u m a m o rte .
2 C f. I S m 1 7 .5 0; 1 8 .2 5 -3 0 ; 19.8; 2 3 .1 -5 ; 2 S m 5 .1 7 -2 5 ; 8.1 . M u ito s s u p õ e m q u e a v a ra q u e -
b ra d a se re fe re à m o r te d e u m rei a ssírio ( p o r e x e m p lo , C le m e n te su g e re T ig la te -P ile se r
I I I , q u e m o r r e u e m 7 2 7 / 6 , o u S a lm a n e s e r V, q u e m o r r e u e m 722). E s s e s d o is e v e n to s ,
n o e n ta n to , a c o n te c e r a m c o n s id e ra v e lm e n te a n te s d a m o r te d e A c a z e n ã o h a v ia c o m o a
m o r te d e u m d e s s e s reis te r “ q u e b r a d |o ]” a A ssíria, q u e a g o ra e ra g o v e r n a d a p e lo g r a n d e
S a rg ã o II. N e s s a s c irc u n s tâ n c ia s , c o m o q u e o s filiste u s p o d ia m e s ta r felizes?
O LIVRO D O REI 198

rein ad o e sua dinastia. A té a é p o c a d e A caz, o rein o d e D av i, in d e p e n d e n te m e n -


te d e suas vicissitudes, tin h a p e rm a n e c id o um E s ta d o so b e ra n o , m as a p olítica
de A caz, n a é p o c a d e sua m o rte , tin h a resu ltad o em su b m issão à A ssíria. P o r
isso, a vara estava quebrada. E m b o ra a delegação filisteia p u d e sse se c re ta m en te
te r e sp eran ça d e c o n q u ista r E zeq u ias p a ra a causa c o n tra a A ssíria, eles senti-
ram q u e p o d ia m se a kgrfar¡ p o r n ã o te r n ad a a te m e r d e um m o n a rc a d e facha-
da. A d e sc re n ç a e a d e so b ed iên cia ch eg aram a essa p ro fu n d id a d e n o re in o d o
S enh or. Ê x o d o 4.2,3 e 7.10-12 explica o e stra n h o m o v im e n to d e p e n sa m e n to
da vara p ara a serpente. D av i está q u e b ra d o , m as o p o d e r d e v itó ria d o S e n h o r
está na vara q u e b ra d a . A víbora (sep a ) está relacionad a co m s ip (õn'i, “ c o b ra ” em
11.8; é u m a espécie de c o b ra v en en o sa n ã o identificada. A serpente velo%/ “ ser-
p e n te a rd e n te , v o a d o ra ” é a m esm a d e 30.6. A im ag em é im p ressio n ista: a vara
q ue tin h a rec e b id o seu g o lp e m o rta l, ain d a assim , cresceu em força, vitalidade
e am eaça m o rta l p a ra seus inim igos. A ssim , Isaías m a n té m a fé n o te m a d a vara
de M oisés d a m e sm a m an eira c o m o ele, em 11.14, so b a m e tá fo ra real viu os
filisteus c o n q u ista d o s pela força.
30 E m b o ra n ã o esteja d e m an eira algum a claro o q u e a frase 0 m ais pobre dos
p o b re s/ “ os p rim o g ê n ito s d o s p o b re s ” significa,1 p rim o g ê n ito é o u tro te m a de
ê x o d o (Ê x 4.22). N o E gito, Israel, tiran izad a e am ald iço ada n o q u e dizia resp ei-
to ao p o d e r d o m u n d o (E gito), tin h a um a p o sição q u e os to rn a v a in d estru tív eis
e in ev itav elm ente v ito rio so s. U m a vez q u e a frase exige algum a e lab o ração na
trad u ção seria m e lh o r tra ta r a ex p ressão “ d o s p o b re s ” c o m o u m g en itiv o ap o -
sitivo, o u seja, “ o s p rim o g ê n ito s, e m b o ra sejam p o b re s ” . S o b re pobre (dal) veja
10.2. O te rm o necessitados Ç ebyòri) é d e ,ã b â , (“ e sta r d is p o s to ”). O te rm o , em
seu b o m sen tid o , significa “ m aleável” à v o n ta d e d e D e u s; em seu se n tid o ru im ,
“ os q u e p o d e m ser d o b ra d o s à v o n ta d e d o s o u tro s ” e, p o r isso, “ e x p lo ra d o s” .
A ex p ressão achará pastagem é o u tro tem a de ê x o d o (SI 7 7 .2 0 < 2 1 > ). A frase a
rai% de vocês está em c o n tra ste c o m a vitalidade d a raiz d e D av i (29). P ara a Filis-
tia, q u a lq u e r coisa q u e su ste n te p ro m e ssa p ara o fu tu ro (ra¿/) e q u a lq u e r coisa
q u e exista n o p re se n te (sobreviventes/ “ re m a n e sc e n te ”) são ig u alm en te am eaças:
haverá d e stru iç ã o total.
31 A porta era o prin cip al alvo em um ataque; u m a vez q u e ela capitulasse,
a cidade caía. O tra ta m e n to aqui n ã o é d e algum a cidade em p articu lar, m as de
cidade e p o rta c o m o tais, em J u d á e ta m b é m n a Filístia. A s d u as e stã o ig ualm en-
te so b am eaça assíria. M as, a fo ra isso, o resu ltad o é d istin to . O te rm o derretam
('¡müg, p o r exem plo, J s 2.9,24) significa e sta r d esm o ralizad o , sem â n im o para
resistir. A ssim , a Filístia estará c o n tra o exército d o norte (veja p. 180, n. 1). A re-
ferência a “ fu m aça” (ã sã n , veja C t 3.6) (ARC) é de fato u m a referên cia à n u v em

1 C o m “ o s p r im o g ê n ito s d o s p o b r e s ” , J ó 18.13 o f e re c e o p a ra le lo fo rm a l m ais p r ó x im o


— m as o q u e se rá q u e a fra s e sig nifica? D h o r m e , D riv e r, R o w ley e C lin e s n ã o o fe re c e m
n e n h u m a c e rte z a .
199 ISAÍAS I 5 . l - l 6 . i 4

d e p o e ira lev an tad a p elo av an ço d e u m exército. A frase ninguém desertou n ão


tem paralelos, e o se n tid o é incerto. E la significa (lit.) “ n ã o tem n in g u ém p o r
ele m e s m o /s o z in h o em seu te m p o d e te r m in a d o /e m seu re g im e n to re u n id o ” .1
32 A g o ra Isaías d á um a re sp o sta para o s emissários filisteus. O fu tu ro d e
Sião, em c o n te ú d o , é m u ito d istinto. E m face da m esm a am eaça, ele estará segu-
ro; e seu p o v o , p ro teg id o . N a frase se dará e n te n d e -se o v e rb o n a terceira p esso a
in d efin ida equivalente à passiva. C laro q u e p o d e se referir a E xequias: “ Q u e
re sp o sta se dará...?” (veja p. 196). A ex p ressão 0 Senhor é enfática: “ É o S e n h o r
que...” A p rin cip al realidade para o p o v o d o S e n h o r em q u a lq u e r situ ação — e
em especial em u m a crise — é o S e n h o r m esm o. ( ) te rm o estabeleceu ('¡yãsad)
significa “ lan çar a fu n d a ç ã o d e ” . Para afétos veja “ o p rim id o s” em 10.2. N o vo-
cab ulário d e refúgio, esse v e rb o {jh ã sa ) ex p ressa a d isp o n ib ilid ad e d e u m lugar
seguro ao qual reco rrer. O p o v o de Sião n ã o p recisa b u sc a r a ajuda d a Filístia
nem te m e r o q u e a Filístia tem e; eles têm o S e n h o r em Sião.

c. Moabe: orgulho antes da queda e as condições da esperança gentia


(15.1 — 16.14)
O d e se n v o lv im e n to tem ático d o s o rácu lo s co n tin u a. O o rá c u lo b ab ilô n io
revelava q u e a h istó ria m u n d ial, m e sm o em suas fo rm a s m ais am eaçad o ras e
ap oteó ticas, é o rg a n iz a d a d esse m o d o para q u e o p o v o d e D e u s seja cuidado.
0 o rácu lo da Filístia c o n firm a v a isso ao insistir q u e as p ro m e ssa s davídicas
seriam c u m p rid as, e o o rá c u lo d e M o a b e c o rrig e q u a lq u e r im p re ssã o d e q u e a
esp eran ça ex p ressa nas p ro m e ssa s davídicas seja exclusivista. Isaías ag o ra diz
que as p ro m e ssa s q u e serão c u m p rid a s p a ra D av i em Sião são p a ra to d o s q u e se
refugiarem ali. O o rá c u lo é e x p re sso em u m a p o esia c arreg ad a e m o c io n a lm e n te
e alusiva, m as sua m en sag em é clara e m sua estru tu ra :

A 1 A ru ín a c e rta de M o a b e (15.1)
B1 A d o r ex p ressa d e M o ab e (2-4)
C1 A d o r d o S e n h o r em relação a M o a b e (5-9)
D1 O p e d id o de ab rig o d e M o ab e (16.1-4a)
E A seguran ça em Sião (4b,5)
D2 O o rg u lh o de M o ab e (6)
B2 O p e sa r de M o ab e ex plicado (7,8)
C2 A d o r d o S e n h o r em relação a M o a b e (9-12)
A2 A ru ín a im in e n te d e M o ab e (13,14)

1 Q a tra z mwded ( mõdèd) p a ra o t e r m o bõdèd d o T M , m a s o q u e s e rá q u e isso sig n ificaria?


H . D o n n c r (“ Isra e l u n d e r d e n V o lk e rn ” , V I S , 11 [1964]) o f e re c e a e x p re s s ã o “ n in g u é m
c o n ta ” (d e ■imãdad, “ m e d ir ”). G . R. D riv e r (“ H e b r e w S c ro lls” , J T S , 2 [1951], p. 26) d iz q u e
·ibãdad p o d e sig n ific a r “ s e r u m d e s e r to r ” .
O LIV RO DO REI 200

A relação e n tre A 1 e A 2 exercita os co m en taristas. A p e rc e p ç ã o geral p arece


ser q u e está e m vista as distin tas crises m oabitas. M au chlin e su ste n ta q u e 15.1
se refere à c a m p a n h a d e S argão II d e 715, te n d o c o m o alvo as trib o s árab es a
n o ro e ste e, n o c a m in h o , a dev astação d e M o a b e e q u e 16.13,14 se refere a sua
c a m p a n h a p o ste rio r d e 711 o u talvez à c a m p a n h a de S en aq u erib e “ q u e cau so u
g ra n d e d ev astação em to d a a área” .1 N o e n ta n to , é m ais sim ples v er o m e sm o
ev e n to p re d ito e m cada seção. O s te m p o s verbais p e rfe ito s d e 15.1 e x p ressam
certeza c o m o se já tivesse aco n tecid o , e Isaías, em 16.13,14, re n o v a a publici-
d ad e d e sua p re d iç ã o ao e stab elecer u m te m p o lim ite p a ra seu c u m p rim e n to .
E m b o ra , é claro, esse o rácu lo deva te r tid o u m cen ário n o te m p o , p e rm a -
n ece a q u e stã o se ele re p re se n ta um ev e n to h istó ric o real. A ssim , será q u e u m a
deleg ação m o a b ita já se a p ro x im o u de Sião para p e d ir asilo e aliança? N a an-
siedade p ro v o c a d a p ela am eaça assíria n ã o seria n ad a in c o m u m s u p o r q u e isso
ac o n te c eu e q u e isso fo rn e c e u a Isaías u m a base p a ra u m re tra to im aginativo
das circu nstâncias, u m a análise das reais q u e stõ e s envolvidas e u m a in d icação
da re sp o sta q u e ele g o staria de d a r à delegação (veja m ais n o c o m e n tá rio de
16.13,14). M as co m c e rte z a n esses cap ítu lo s de o rácu lo s, p o d e m o s p ro c u ra r fi-
car m u ito a p a r d a d a ta e n ã o ficar su fic ie n te m e n te a p a r d o tem a. Se Isaías co n -
siderava q u e o o rá c u lo precisava de cen ário h istó ric o claro, ele o teria fo rn ecid o .
M as a linguagem ao lo n g o d e to d a essa passag em n ã o é específica e até m e sm o
o inim igo n ã o é especificado, apenas se refere a eles c o m o o s “g o v e rn a n te s das
n açõ es” (16.8). A a ten ção está focad a n o c o n te ú d o , n ã o n a ocasião.
O o rá c u lo de M o ab e está ligado co m os im ed iatam en te p re c e d e n tes p o r
m eio d e sua revelação de u m a v erdadeira segurança g e n tia em Sião. O fato d e
q u e M o ab e p e rd e u isso p o r o rg u lh o está ligado co m o o rá c u lo d a B abilônia
(13,19; 14.12-14). O o rg u lh o n ã o p ro te g e os g ra n d e s p o d e re s n e m está reser-
v ad o para o dia escatológico. E le traz d e stru iç ã o e s o frim e n to aqui e agora,
ficand o e n tre o s n ecessitad o s e a segurança q u e eles só p o d e m co n se g u ir ao se
su b m e te r ao p o v o e às p ro m e ssa s d o S enhor. A in te n ç ã o d e Isaías n ã o é in d icar
um a situação, m as ressaltar u m a reação: o o rg u lh o e a m ald ição q u e ele traz.

A ru ín a certa de M oabe (15.1)


E m b o ra a passag em G ên esis 19.37 seja infam e, ela significa q u e Moabe
era c o n sid e ra d a u m a n a ç ã o “ p rim a ” . Isso d á c o r à p o ssib ilid ad e d e M o ab e, em
u m a crise, b u sc a r ab rig o em Sião. D e u te ro n ô m io 2.18 p õ e A r na fro n te ira de
M oabe. Q u ir é p o ssiv elm en te Q u ir-H a re se te (16.7,11) n a p a rte cen tral d e M oa-
be d ezen o v e q u ilô m e tro s a leste d o m a r M o rto (cf. 2R s 3.25; J r 48.31,36). U m a
vez q u e Q u ir significa “ cid a d e ” , as referências a “Ar, em M o a b e ” e “ a cidade
m o a b ita ” p o d ia m in d icar u m a dev astação de to d o o país d e sd e a fro n te ira até a

1 M a u c h lin e , p. 150.
201 ISAÍAS I 5 . l - l 6 . i 4

capital. S o b re a rru in a d a / “ aniquilada” , veja 6.5. A e x p re ssã o na noite se refere a


um a taq u e de p ro p o rç õ e s catastróficas, n o qual u m ú n ic o a taq u e foi suficiente.

Moabe expressa sua dor (15.2-4)


A d o r d e M o a b e receb e ex p ressão religiosa (2). O la m e n to n acio n al se es-
palha p o r to d a a cidade (3). D e u m a cidade a o u tra , o cla m o r é lev an tad o (4a);
até m e sm o o s so ld a d o s ch o ram .
2 D ibon ficava a n o rte d o A rn o m ; N ebo e M edeba ficam ain d a m ais a n o rte.
O a m o n to a m e n to de n o m e s é típ ico de Isaías (p o r exem plo, 10.9,10,28-32) e
aqui cria a im p re ssã o d a d issem in ação d o desastre. U m te x to paralelo, Jere-
mias 48.18, traz “ filha de D ib o m ” (A RC), um a c o rre ç ã o fácil aqui e m q ue o T M
traz “ ele [ou seja, A r e Q uir] subiu p ara casa [ou seja, o tem plo] e p a ra D ib o m ,
para os altos a fim de c h o ra r” . R apadas é u m sinal d e p e sa r (22.12, M q 1.16).
3 A g o ra o p e sa r se to rn a local e d o m é stic o , a tristeza d a g u e rra e n tro u em
casa. A ex p ressão se prostram chorando/ “ c h o ra m a b u n d a n te m e n te ” provável-
m ente significa “ co m lágrim as c a in d o ” (cf. iy ã ra d em SI 133.2,3 cm q u e é u sad o
para o ó le o e o se re n o se n d o d erram ad o ).
4. llesb o m , E lea le e Jaa% ficavam ain d a m ais a n o rte das cid ad es m en cio n a-
das até agora. A tragédia é tão avassaladora q u e os m ilitares (homens armador,
cf. A m 5.16) só c o n se g u e m se c o n c e n tra r n o s o frim e n to d esam p arad o . A ex-
p ressão 0 coração deles treme/ “ sua alm a tre m e ” (A RC), o sin g u lar “ su a” p o d ia se
referir a M o ab e p erso n ificad a o u aos hom ens arm ados individualizados. A “ alm a”
é o c e rn e d a p esso a, c o n tro la d o p elo trem o r.

A dor do Senhor em relação a Moabe (5-9)


A e x p re ssã o m eu coração é e m p a re lh a d a p o r trarei (9), id en tifican d o o p ran -
te a d o r c o m o o S enhor. E le sen te p e sa r pela co n d iç ã o d o s fugitivos (5), pelo
m eio -am b ien te fu lm in a d o (6), o fútil e sfo rç o d e salvar algo d a d e stru iç ã o (7,8)
e so b re o q u e ain d a está p o r vir (9). A c o n ju n ç ã o explicativa d e “ p o r ” c o rre
ao lo n g o d esses v ersículos (in felizm en te o m itid o pela N V I), a p a re c en d o n o
versículo 5 an tes d e vão e pela estrada e, n o versículo 6 n o c o m e ç o e em vez d e e
antes d e a pastagem . T a m b é m aparece n o c o m e ç o d o s v ersículos 8 e 9 e em vez
d o m as (N T L H ) n o versículo 9. E sses versículos são u m a lo n g a lista d o que
toca o c o ra ç ã o d e D e u s, q u e c h o ra e n q u a n to golpeia. O s o frim e n to d o juiz de
to da a te rra é u m a das duas verd ad es im p re ssio n a n te s d esse oráculo. A o u tra é
que to d a essa p e rd a c o m p le ta e so frim e n to to tal vieram d o sim p les p e c a d o d o
o rg u lh o (16.6).
5 A im pressionante lista de cidades com eçando aqui segue n o sentido sul-oes-
tc, em c o n trap artid a co m as cidades d o n o rte d o s versículos 2-4. O inim igo entra
pelo n o rte , e M o ab e foge em direção ao sul. A cid ad e d e Z o a r (G n 19.21,22)
ficava a sul d a região d o m a r M o rto . E glate-Selisia é d esco n h ecid a. E u íte e H oro-
naim ficavam p resu m iv elm en te na m esm a área geral (cf. Jr. 48.5).
O LIVRO DO REI 202

6 N in rim (N m 32.3,36-Js 13.27) é p ro v av elm en te o vale d e N u m e ira a sul


d e M oabe.
7 E sse v ersículo d escreve um a p atética o c o rrê n c ia d e g u erra: refu g iad o s
fren ético s para salvar p a rte d o q u e p assaram a vida ad q u irin d o . A g loria im p e-
rial v em à cu sta d aq u eles q u e vivem nas cam adas m ais baixas d a so cied ad e, e
n ão d aqu eles q u e e stã o n o to p o . T alvez o riacho dos Salgueiros seja o uádi d e Zerede
n a fro n te ira sul d e M o ab e (N m 21.12; D t 2.13).
8 E g la im e B eer-E lim são d esco n h ecid o s. O versículo seria a d e q u a d o se fos-
sem “ D ã e B e rse b a ” d e M oabe, ex p re ssa n d o to d a a ex te n sã o d a terra.
9 Q a traz “ D ib o m ” (em vez d e D im om ) em cada lugar, fo rm a n d o claram en-
te u m inclusio (criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final de
u m a seção] co m o versículo 2. K issan e acha q u e D im om é um a varian te dialética,
e esse p o d e se r o caso: a a sso n ân cia de m è-dim õn mã/‫ « ׳‬dãm (“ as águas d e D i-
m o m estejam cheias de san g u e”), co m c erteza, teriam a g ra d a d o Isaías. H á u m a
alusão a 2Reis 3.22,23: u m a vez M o ab e viu u m a m irag em d e san g u e, m as ag o ra
tu d o é m u ito real, e é deles m esm os! M as até m e sm o o san g u e su ficien te para
tingir os rios d e v e rm e lh o n ã o satisfaz a ira divina “ p o rq u e ” (A RC) trarei m ais
ma¡. A s lágrim as (5) e a ira ex tre m a (9) estão em h a rm o n ia na n a tu re z a divina.
O leão foi u sa d o c o m o u m títu lo h u m a n o descritivo, d e n o ta n d o u m a g re sso r’
fo rte e im placável d e stru in d o ta m b é m o s fu g itivo s e o s q u e perm anecem na terra.

0 pedido de abrigo de Moabe (16.1-4a)


A cen a m u d a, e e n c o n tra m o s Isaías e sp re ita n d o u m a re u n iã o m o a b ita em
Selá (1) n o sul d ista n te , p a ra o n d e p re su m iv e lm e n te o g o v e rn o tin h a fugido. E m
u m h eb ra ic o q u e tra n sm ite p alp itação e a fo b ação a p re e n d e m o s o p â n ic o d o s
líderes, u m d iz e n d o u m a coisa, o u tro d iz e n d o algum a o u tra coisa.
1 O s cordeiros, trad icio n al trib u to m o a b ita (2Rs 3.4), figuraria d e m an eira
a p ro p ria d a em u m p e d id o de asilo. O s en v iad o s tiveram d e atrav essar 0 deserto
n o sul d e Ju d á , a o e ste d o m a r M o rto , para ch e g a r ao Sião. A vaga d escrição d o
governante da terra é in ten cio n al; os líderes d e M o ab e, g u iad o s p elo d e se sp e ro ,
se n tiram -se c o m p e lid o s a se ap ro x im a r de Ju d á , m as n ã o estã o p re p a ra d o s para
ad m itir q u e te rã o de re c o n h e c e r o rei d avídico c o m o so b e ra n o deles.
2 O g o v e rn o p o d e te r p o s to ta n to s q u ilô m e tro s q u a n to possível e n tre eles
e o in im ig o q u e avança, m as n ã o se acovardam . O q u e os guia a a b o rd a r o rei1

1 S cale (p. 9 9 ) d iz q u e n a p rá tic a d o s n ô m a d e s á ra b e s o n o m e d o s a n im a is sã o u s a d o s c o m o


títu lo s h o n o r íf ic o s (cf. 2 1 .7 -9 ). E le c ita a v a n g lo ria d e u m g u e r re ir o á ra b e : “ E n c o n t r a r
c o m ig o e q u iv a le a se e n c o n tr a r c o m u m le ã o v io le n to ” . A s p a s s a g e n s d e 2 S m 2 3 .2 0 e
l C r 1 1 .2 2 re fe re m -s e a “ le õ e s ” (A R C ) d e M o a b e . O c o n te x to su g e re g u e r re ir o s n o tá v e is,
talv ez u m a u n id a d e d e elite. E s s a é u m a su tile z a n o tá v e l d e Isa ías p a ra a m e a ç a r ’aryêh (u m
leão ) s o b r e a te r r a d e ’“rT ê / (“ leã o d e D e u s ” ). E le s se v a n g lo ria v a m d e le õ e s? L e õ e s, eles
d e v e m ter!
203 ISAÍAS 1 5 . 1 1 6 . 14 ‫־‬

de Sião é a n o tícia d e coisas a c o n te c e n d o a 96 q u iló m e tro s a n o rte dali e apenas


a alguns p o u c o s q u ilô m e tro s das águas v erm elh as d e san g u e d o D im o m (15.9):
a aglo m eração de m en in as m o a b ita s d e sesp erad as p ara c ru z a r o A rn o m na es-
p eran ça de ficarem seguras. O s refugiados são a v isão m ais p atética n a g u erra
(15.8), m as as m en in as so fre m o d e stin o m ais cruel.
3 E sse versículo p re p a ra a m e n sa g e m c o m a qual o s m en sag eiro s fo ram
enviados a Sião. D á , propõe, torna e esconde são to d o s im p erativ o s singulares fem i-
ninos, d irigidos à filh a de Sião (1, A R C ).1 O te rm o conselhos é u m p e d id o g en érico
de co n selh o , m as decisão (jfñ lg só e n c o n tra d o aqui, m as cf. aIpãla l em IS m 2.25;
SI 106.30) é um te rm o esp ecífico e significa u m a d ecisão g o v e rn a m e n ta l. Figu-
rativam ente, M o a b e é c o m o alguém e x p o sto à cegueira d o sol d o m eio-dia, preci-
san do d o alívio da n o ite / “ s o m b ra ” . N a v erd ad e, o p e d id o é p o r ab rig o im ed iato
{esconde é d e ■¡sãtar cf. “ e sc o n d e ” [seter] n o v. 4) e p ara Sião re c u sa r to d o s os
p edid o s de ex trad ição (não deixe ninguém sa b er/ “ n ã o d escu b ras, n ã o traias”).
4 O se g u n d o p e d id o deles é p o r u m a co n d iç ã o p ro te g id a c o m o estran -
geiros residentes: “ Q u e o s fugitivos m o a b ita s habitem (Ίgür) c o n tig o ” . S o b re
os estrangeiros (g êr ) veja 14.1. E les ta m b é m q u e re m id en tificação p ú b lica co m
M oabe c o n tra o destruidor. A in q u ietação heb raica d o s v ersícu lo s 1-3 a u m e n ta
de in te n sid a d e aqui c o m o se p u d é sse m o s de fato o u v ir o en v iad o o fe g a n te de
sua ráp id a jornada: “ Q u e o s fugitivos m o a b ita s h ab item c o n tig o ; sê p ara eles
abrigo c o n tra o d e s tru id o r” .

A segurança em Sião (16.4b,5)


O c o n te ú d o desses versículos m o stra q u e essa é a re p o s ta p ara M oabe.
M as q u e m é aquele q u e fala? Será q u e é o p ro fe ta d a n d o v o z ao q u e ele esp era
que seja a re sp o sta a u m a ab o rd a g e m dessas de M o ab e? Será o S e n h o r falando?
U m a vez q u e o S e n h o r in te rfe re e fala em 15.5ss. c em 16.9ss., aju sta-se à arte
do p o e m a ele falar aqui tam b ém . Sua m en sag em é d e g aran tia p ara os m o ab itas
(os do is p rim e iro s v erb o s estã o n o te m p o perfeito , in d ic a n d o c erteza, e o ter-
ceiro está n o fu tu ro ). R ealísticam ente, n ã o é d ito q u ã o d e p re ssa isso a co n tecerá,
pois as p ro m e ssa s de D e u s n ã o o fe re c em im u n id ad e às p ro v a ç õ e s d a terra, e
a Bíblia n ã o sed u z c o m ex pectativas irrealistas. E o c a m in h o d e fé p ara aceitar
a vida c o m o ela v em e v er a m ã o de D e u s p o r trás dela. E isto q u e Sião p o d e
oferecer para M oabe: a c e rte z a de q u e haverá um fim p le n o d e justiça. 1

1 N o T M o s v e r b o s d o v e rsíc u lo 3 sã o d ifíceis. (O p rim e iro , Kethib e s tá n a s e g u n d a p e s s o a


d o p lu ral; jQre, n a s e g u n d a p e s s o a d o s in g u la r n o fe m in in o .) O s e g u n d o v e r b o e stá na
s e g u n d a p e s s o a d o p lu ra l, e o te rc e iro e q u a r to e s tã o n a s e g u n d a p e s s o a d o s in g u la r n o
fe m in in o . C la ro q u e é fácil h a r m o n iz á - lo s à s e g u n d a p e s s o a d o sin g u la r n o fe m in in o d o
c o m e ç o a o fim c o m o u m d is c u rs o p a ra S ião (veja B U S ). S e o s d o is p rim e iro s sã o c o n -
se rv a d o s n a s e g u n d a p e s s o a d o p lu ra l, eles r e p re s e n ta m u m a d is c u s s ã o e n tr e o s líd eres
m o a b ita s .
O LIVRO DO REI 204

4 b U m opressor/ “ d e s tru id o r” 1 é alguém q u e p re n d e vidas e lim ita a liberda-


de; o te rm o agressor/ “ h o m e m v io le n to ” refere-se à b ru ta lid a d e à p e sso a .12
5 A té aqui a re sp o sta a d o ta e im ita a fala an im ad a d o s en v iad o s, m as ag o ra
isso ab re c a m in h o p ara um ritm o m ajesto so a firm a n d o a e sp e ra n ç a davídica.
Se a fé vê o p re se n te c o m o o rd e n a d o p o r D e u s, vê o fu tu ro c o m o a sseg u rad o
n o s p ro p ó s ito s so b e ra n o s dele. O am or (hesed) é o a m o r d a aliança d o S e n h o r
p o r seu p o v o , in c ita n d o tu d o q u e ele é e tu d o q u e ele faz em d ireção a eles,
g a ra n tin d o q u e n u n c a o s deixará ir, firm e em to d as as o b rig a ç õ e s dele. O s reis
d e Israel, p o r to d a s suas faltas, tin h a m u m a re p u ta ç ã o p o r se r h esed (cf. lR s
20.31, p assag em em q u e a m esm a palavra é trad u zid a p o r “ m ise ric o rd io so s”).
A qui o te rm o é a m arca d o rein o p o r vir. A frase será firm ado um trono é o o p o s to
d o q u e M o a b e está e x p e rim e n ta n d o , a m u d a n ç a d e so rte d o g o v e rn o h u m a n o ;
n ã o haverá m ais m e d o n e m fuga. A palavra fidelidade significa co n fiab ilid ad e o u
firm eza e é o o p o s to d e in c o n stâ n c ia e ca rá te r cap rich o so . E ssa ta m b é m é a
m arca d o rei p o r v ir q u e se assen tará n o tro n o (lit.) “ n a te n d a d e D a v i” , o u seja,
ele n ã o será u m u su rp a d o r, m as alguém co m a v erd ad eira lin h ag em , co m u m a
d eclaração indubitável. T erceiro, o rei a d m in istrará seu rein o (lit.) “ ju lg an d o , e
b u sc a n d o justiça e se a p re ssa n d o em fazer justiça” . S o b re justiça e re tid ã o veja
1.21. A ssim , q u a n d o o s m o a b ita s estiverem em d e se sp e ra d a n ecessid ad e, sem
d úvida, é e ste n d id o o m e lh o r m essiân ico q u e Sião tem a o ferecer. N a d a p o d e ría
m o s tra r m ais claram en te q u e a fé m essiânica c o n fo rm e acalen tad a p o r Isaías é
c o n sc ie n te m e n te universal.

0 orgulho de Moabe e seu pesar explicado (16.6-8)


A cen a m u d a m ais u m a vez, e !Moabe volta a lam en tar. U m a vez q u e Sião
n ão rep eliu o ap elo deles (4b,5), o p e d id o im utável deles só p o d e significar q ue
eles recu saram o q u e lhes foi oferecido. A taxa de e n tra d a era m u ito alta, pois
eles só p o d ia m u su fru ir a segurança de Sião ao p re ç o d e te r o rei d e Sião. Se lhes
fosse p e d id o d in h e iro o u exigido d o b ra r o u triplicar seu trib u to d e c o rd eiro s
(1), eles ficariam c o m o o rg u lh o in tato , m as se su b m e te r ao rei d e Sião equivalia
a a d m itir q u e só ele p o d ia salvá-los. M as eles, m a n te n d o seu o rg u lh o in tato ,
c o n tin u a ra m n o so frim e n to sem alívio.
6 N o versículo 5, q u a tro palavras (am or, fidelidade, justiça e justo) descre-
veram o q u e o s m o ab itas p o d e m d esfru tar. N e sse versículo, q u a tro p alavras
d izem o q u e esc o lh e ra m n o lu g ar d essas coisas: soberba, arrogânãa exagerada, orgu-
Iho e ó d io . A arrogânàa exagerada é u m a ex p ressão adjetiva in te rp o sta — “ so b er-

1 O opressor (ham m ês) n ã o o c o r r e c m o u tr a p a s s a g e m , m a s o s u b s ta n tiv o rríis (“ o p r e s s o r ” ; cf.


P v 3 0 .3 3 ) e x ig e u m a raiz m u s q u e tra n s m itiría u m a f o r m a p a rtic ip ia l c o m o n o v e rsíc u lo
atu al. K B a c o n s e lh a h õ m ê s (p a rtic ip io d e Ih ã m a s) c o m o m e s m o s e n tid o (cf. SI 71.4).
2 O v e r b o desaparecerán p lu ra l; e o su je ito o agressor, s in g u la r; o u seja, “ eles se fo ra m c o m p le -
ta m e n te , to d o a q u e le q u e tra ta c r u e lm e n te ” .
205 ISAÍAS 1 5 . 1 1 6 . 1 4 ‫־‬

b íssim a” . O s três p rim eiro s su b stan tiv o s são variantes d a raiz ga â sig n ifican d o
“estar e lev ad o ” . P o d e ser u sad o n o b o m se n tid o co m o significado d e “ exalta-
çào” o u “ m ajestad e” (2.10; 4.2), m as ta m b é m n o m au sen tid o , sig n ifican d o “ al-
tivez” (2.12). O te rm o raiva Ç ebrâ) aparece em 10.5 c o m o “ fu ro r” , m as aquí ele
significa “ a fro n to s o ” , um a m o r p ró p rio q u e n ã o p o d e se r co n tid o . S o b re isso,
Isaías c o m e n ta : “Λ sua jactância é vã” (A RC). O te rm o jactancia é d e u m v erb o
que tem o se n tid o d e “ inventar, p lan ejar” , daí, viver em u m m u n d o irrealista. A
sug estão de Isaías é q u e o c a m in h o da fé é o c a m in h o d o realism o, d e e n fre n ta r
os fatos c o m o são. R ejeitar o cam in h o de fé em fav or da au to c o n fia n ç a equivale
a se re tira r para um m u n d o de so n h o s — ex ceto p elo fato de q u e as c o n se q u ê n -
cias d isso (7,8) e stã o m u ito d ista n te s de se r u m so n h o .
7,8 E ssa c a p rim eira das três seções “ p o r isso ” (7,8; 9,10; 11,12). A se-
g u n da e a terceira seções registram as reações d o S e n h o r; a p rim eira registra
as c o n seq u ên cias de recu sar a segurança em Sião. ( ) se n tid o literal d a frase
p o r isso choram os m oabitas é “ p o r isso c h o ra M oabe; to d o s c h o ra m p o r M o a b e ” .
O b se rv e c o m o o v e rb o c o m eça e te rm in a a linha, a g ru p a n d o M o ab e e to d o s
que são seus. O s bolos de p assas (veja n o ta de ro d a p é d a N V I)1 eram feitos de
uvas secas p ren sad as, m as p o r q u e eles são m e n c io n a d o s aqui? Isaías co n tin u a
para v er as v inhas d e M o ab e c o m o um a im agem d e influência d ifu n d id a (8).
Talvez os b o lo s d e passas, em c o n tra p a rtid a , re tra te m o a n tig o d e sfru te p átrio
de p ro sp erid ad e.
8 A exata localização ta n to de H esbom (15.4) q u a n to d e Sibm a (Js 13.19;
K m 32.38) são desco n h ecid as. A ex p ressão governantes das nações só é e n c o n tra -
da aqui. J a ^ a r (K m 21.32; Js 13.25) ficava além d a fro n teira n o rte d e M o ab e; o
deserto e ste n d ia a leste, e o m ar ficava a oeste. A ssim , chegava-se a M o ab e p o r
to d o s o s lados (cf. SI 80.8ss.).

A dor do Senhor em relação a Moabe (16.9-12)


A c o n ju n ç ã o e n tre eu choro (9) e fi% cessar (10) indica q u e m ais u m a vez o
S en h o r é o sujeito. O p o r isso / “ p elo q u e ” inicial d o versícu lo 9 (veja c o m e n tá rio
sob re o v. 7) significa q u e o S e n h o r ta m b é m lam en ta p elo o rg u lh o d e M o ab e e
suas co n seq u ên cias. E m 15.5, ele c h o ro u p o r M o ab e, m as ag o ra ele c h o ra com
M oabe, como Jasçar chora (veja abaixo), to rn a n d o as lágrim as dela suas p ró p rias
lágrim as. E le n ã o é um e sp e c ta d o r d o so frim e n to d o m u n d o , m as se identifica
com os p ra n te a d o res, e m b o ra seja o p e so de sua p ró p ria p u n iç ã o ju stam en te
im p o sta q u e ele sinta.
9 A frase com oJayar chora é (lit.) “ n o c h o ro d e ja z a r ” . O b se rv e o s três n o m es
de lugar aqui na o rd e m reversa d o versículo 8, in te g ra n d o a p assag em . O s gritos

1 O t e r m o homens d a N V I p ro v a v e lm e n te s u rg e d a a c o m o d a ç ã o d o te x to d e Isaías a o d e
J e re m ia s 48.31 c d a leitu ra d e ’arise, e m v e z d e '“sisê. N ã o h á ju sd fic a ç ã o p a ra fa z e r isso.
O LIV RO DO REI 206

de alegria (1hèdãd), a trad icio n al c o m e m o ra ç ã o d a co lh eita (Jr 25.30), ta m b é m é


o g rito triu n fa n te d o v ito rio so (Jr 51.14). A ssim o q u e an tes sin alizou a p ro s-
p erid ad e de M o ab e (8) é o so m de sua ruína, seu o rg u lh o e sua q u e d a em u m a
palavra.
10 D a te rra (9) a descrição p assa para o povo. A ligação é hèdãd, tra d u z id o
p o r gritos. S o b a p u n iç ã o d a ira divina to d a alegria acab o u . A frase cessar é o
c u m p rim e n to das palavras “ trarei m ais m al” de 15.9.
11,12 E sse é o ú ltim o “ p o r isso ” (veja c o m e n tá rio so b re o v. 7). M inhas
entranhas /.../ 0 íntim o do meu ser/ “ m e u ín tim o [...] m e u c o ra ç ã o ” d e n o ta to d o o
c e rn e e m o c io n a l d a n a tu re z a divina. Seu so frim e n to n ã o é fo rm al: “ Isso fere
m ais a m im q u e a v o c ê ” . E is aqui u m a agonia p ro fu n d a d e D e u s, au d iv elm en te
in citada (como harpa). Será q u e Q u ir-H e re s e Q u ir-H a re se te, n o v ersícu lo 7, se
referem ao m e sm o lu g ar — e será q u e a m b o s são o Q u ir d e 15.1? E m to d o
caso, o c o n te ú d o d o v ersícu lo 12 volta ao c o n te ú d o d e 15.1,2; a e x p re ssã o reli-
g iosa de d o r fo rm a n d o u m inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar
n o início e n o final d e u m a seção[ para to d o o p o em a. M o a b e p a ra ir p a ra os
lugares altos, m as ela só ficará cansadla¡■, ela p o d e ir ao seu santuário, m as nada conse-
guirâ. U m a vez q u e o S e n h o r foi rejeitad o n ã o h á altern ativ a religiosa, in d e p e n -
d e n te m e n te de q u ã o g ra n d e seja o zelo o u q u ã o válida, a prática.

A ruína iminente de Moabe (16.13,14)


E sse é o se g u n d o “ c u m p rim e n to d o ín te rim ” (veja p. 180). A q u e d a d e
M oab e, p re d ita em 15.1— 16.12, está ligada a um lim ite d e tem p o . N ã o é im -
possível q u e esses versículos te n h a m tid o o rigem (cf. 21.1 ls.) em re sp o sta à
in q u isição m o a b ita , p o is o s p ro fe ta s fo ram p ro c u ra d o s p o r fo rasteiro s (2Rs
8.7ss.). N a in te n sa atividade d ip lo m ática p ro v o c a d a pela am eaça assíria em co-
m u m , Isaías p o d ia te r p u b lic a d o 15.1— 16.12 p ara co in cid ir co m a deleg ação
m o a b ita a Sião a fim de c o m p a rtilh a r co m eles sua sen sação d e u rg ên cia, p ara
p re ssio n a r a política q u e ele, Isaías, desejava q u e fosse seguida e p ersu ad i-lo s
d e sua co n sciên cia de q u e o verd ad eiro inim igo deles n ã o era a A ssíria, m as o
p ró p rio o rg u lh o deles. P o r sua vez, talvez a passag em 15.1— 16.12, c o m o n o
caso d o s “ o rácu lo s e stra n g e iro s” d o s p ro fetas, fosse dirigida a u m a au d iên cia
au sen te (M oabe) a fim de e n sin a r u m a audiência p re se n te (Judá), d e in cu lcar
as lições d a am eaça fatal da o rg u lh o sa au to c o n fia n ç a e de neglig en ciar as p ro -
m essas divinas. E m a m b o s os casos, a m en sag em ag o ra está asso ciad a a u m a
lim itação d e tem p o . E les verão d ian te de seus o lh o s q u e n ã o h á salvação fo ra
das p ro m e ssa s d o S e n h o r e q u e o o rg u lh o , im p e d in d o um esp írito d e co n fian ça,
é realm en te um assassino. A palavra di% devia ser o m ais en fá tic o “ tem d ito ” .
O s an o s in te rm e d iá rio s serão tais quais os anos de assalariados (A R C )/ “ c o m o os
an o s de jo rn a le iro s” . O tra b a lh a d o r c o n tra ta d o vigia o relógio, p o r isso, três anos
significa “ e x a ta m e n te três a n o s ” . O dia d e p a g a m e n to d e M o ab e foi fixado. O
207 ISAÍAS I 7 . I - 1 8 . 7

te rm o esplendor/ “g lo ria” é u sa d o n o m au se n tid o c o m o se n tid o d e “ tu d o de


que M o a b e se gloria” . E a frase toda a sua grande população é (lit.) “ a d e sp e ito de
to d a a m u ltid ã o ” , o u seja, a q u e d a d e M o ab e virá a d e sp e ito d o s recu rso s d a for-
ça d e tra b a lh o o fe re c e r seg u ran ça m aterial. A ru ín a será “ c o n tra as p ro b ab ilid a-
d e s” , m as q u a n d o o S e n h o r é rejeitado n ada p o d e salvar. O te rm o sobreviventes
(Y 'ã r) é c o g n a to da palavra trad u zid a p o r “ aqueles q u e p e rm a n e c e m ” (sf'e rlj)
em 15.9, in d ic a n d o q u e a m en sag em será c u m p rid a. Λ frase serão poucos efracos é
(lit.) “ m u ito p o u c o s, sem p o d e r” , u m a re d u ç ã o notável.

d. Damasco e Efraim: a destruição e a preservação, a obra da humani-


dade e a obra de Deus (17.1—18.7)
O o rá c u lo a re sp e ito d e D a m a sc o (17.1) é u m m o saico d e cin co peças.
P rim eiro, em 17.1-3, A rã e E fra im estã o envolvidas em u m d e stin o co m u m ,
d esp o jad as d a seg u ran ça m aterial das cidades, das fo rtificaçõ es e d o p o d e r real.
Segundo, 17.4-9 é dividido em três p a rte s pela e x p re ssã o “ n aq u ele dia” (w .
4.7.9) . Ja c ó ficará red u zid a a respigas (w . 4-6), m as o re m a n e sc e n te (w . 7,8) vol-
tará d e fa to p ara o S enhor. A inda assim o dia da p re se rv a ç ão deles ta m b é m será
o dia (v. 9) da d e stru iç ã o de to d a a fo rç a m u n d a n a deles. T erceiro , a p assag em
17.10,11 é d istin ta na fo rm a , o s v erb o s estã o n a seg u n d a p e sso a singular d o
fem inino, m as (in d e p e n d e n te m e n te d e sua origem ) u m a vez q u e o versícu lo 10
com eça c o m “ p o rq u e ” , ele ag o ra age c o m o u m a exp licação d e p o r q u e esse
desastre a c o n te c eu a E fraim . E ssas três u n id ad es têm u m a u n id a d e principal: o
fim d a p rim eira seção (“ a glória d o s israelitas” , v. 3) é o p o n to em q u e a seg u n d a
seção (“ a glória de Ja c ó ” , v. 4) com eça. O te m a d a d e stru iç ã o das cid ad es (vv.
1.2.9) fo rm a u m inclusio [criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e
no final d e u m a seção]. O s versículos 10 e 11 ju n to s u sam o m e sm o te m a de
colheita d o s versículos 4-6.
Q u a rto , a passagem 17.12-14 tem u m cen ário m u n d ial e n tre “ n a ç õ e s” e
“p o v o s” (w . 12,13). O te m a é a re p e n tin a dissip açâo d e u m a am eaça in tern a-
cional. Q u in to , 18.1-7 tem o m e sm o sa b o r in tern acio n al: m en sag eiro s viajam
en tre as n açõ es (w . 1,2) e se dirigem a to d a a te rra (v. 3). O S e n h o r é u m o b ser-
v ad o r n ã o o b se rv a d o (v. 4). A p en as q u a n d o a co lh eita estiv er p ro n ta , ele inter-
virá (w . 5,6) e o q u e p o d e ría ser co lh id o alim entará as aves e os anim ais. E n tão ,
o p o v o a q u e m os m en sag eiro s fo ram (v. 7; cf. v. 2) tra rã o trib u to ao S e n h o r em
Sião. E ssas duas seções são ligadas: fo rm a lm e n te p e lo u so d a m e sm a palavra
inicial, “ ah!” e “ ai” (17.12; 18.1) e te m á tic a m e n te n o fato de cad a u m a fala de
um a re p e n tin a in te rv e n ç ã o divina d isp e rsa n d o a am eaça (17.14) e tra z e n d o um
rem an escen te d o m u n d o para o S e n h o r (18.7). N ã o há n a d a n isso tu d o que
esteja fo ra d e lu g ar n o c o n te x to da am eaça assíria até o n d e d iz re sp e ito a seu
p o n to d e origem .
O LIVRO DO REI 208

A ssim , 17.1-3 revela a m esm a relação e n tre E fra im e A rã q u e em 8.1-4 e


d eve se r d a ta d o em um p e río d o antes d a q u ed a de D a m a sc o em 732 a.C. A pas-
sagem 17.4,7 p o d e se r c o m p a ra d a co m 10.18,20 (a fu lm in ação das n açõ es e o
in e sp e ra d o d e sa p o n ta m e n to delas), e a passag em 17.12-14 foi in sp ira d a p elo in-
cid en te d e S en aq u erib e (cf. 29.1-8; 30.27-33; 31.4,5; 37.36). A in te n sa atividade
d ip lo m ática de 18.1,2 o u p red iz o g ra n d e in v estim en to eg íp cio d e e sfo rç o para
ativar a o p o siç ã o à A ssíria, talvez p o r v o lta de 714-711, o u m ed ita so b re isso.
E ssa am p la p ro p a g a ç ã o d a literatu ra, e ste n d e n d o -se talvez ao lo n g o de
v inte o u trin ta an o s d o m in istério d e Isaías, d eve te r sid o ju n tad a de fo rm a deli-
b erad a, m as co m q u e p ro p ó sito ? O b se rv a m o s q u e d e p o is d e 17.1-3, as referên -
cias h istó ricas específicas desap arecem . A ssim , a p esar de p o d e rm o s d isc e rn ir
S en aq u erib e e a A ssíria p o r trás d a passagem 17.12-14, n e m ele n e m seu im p é-
rio são citados, e 18.1-7, d a m esm a m aneira, agora é se p a ra d o da h istó ria q u e
lhe d eu o rig em . E m o u tra s palavras, a p re o c u p a ç ã o d e Isaías, c o m o ta m b é m ao
lo n g o d esses cap ítu lo s de o rácu lo s, é c o m as q u e stõ e s às quais a h istó ria d eram
ex pressão, em vez de co m o c u rso d o s ev en to s c o m o tais.

1. U m a aliança q u e falh o u (17.1-3)


A1 A d e stru iç ã o d e D a m a sc o (1,2)
B1 A d e stru iç ã o d e E fra im /Is ra e l c o m D a m a s c o /A r ã (3a)
e a glória d e A rã co m Israel (3b)

2. B2 J a c ó /Is ra e l: sua d e stru iç ã o e seu re m a n e sc en te (4-11)


A glória red u zid a a resíd u o s (4-6)
O p o v o re sta u ra d o ao S e n h o r (7,8)
A d e stru iç ã o e a explicação (9-11)

3. A 2 O m u n d o e seu re m a n e sc en te (17.12— 18.7)


O locus d o p o d e r n o s assu n to s d o m u n d o (17.12-14)
O u so s u p re m o d esse p o d e r (18.1-7)
O m u n d o em seus p ró p rio s te rm o s (1,2)
O aviso de a n te m ã o da b an d eira e d a tro m b e ta d o S e n h o r (3)
A p aciência d o S e n h o r e a in te rv e n ç ã o p re c isa m e n te a te m p o
(4 - 6 )
Cl trib u to d o m u n d o ao S e n h o r em Sião (7)

Uma aliança que falhou (17.1-3)


Para o h istó ric o d essa p assag em , veja 7.3-9; 2Reis 16.1-9. N e sse s versícu -
los, o p o v o de D e u s, aqui o R eino d o N o rte , E fra im , faz sua p rim e ira ap arição
n a seq u ên cia de o rácu lo s (caps. 13.1— 20.6). O b se rv e q u e eles n ã o são m en cio -
n a d o s in d e p e n d e n te m e n te , m as c o m o ligados a D a m a s c o /A r ã e são d e stru íd o s
209 ISAÍAS 1 7 . 1 - 1 8 . 7

com elas em u m a d e stru iç ã o co n ju n ta. Isso esclarece o lu g ar d esse o rácu lo na


sequência. A m ed id a q u e o S e n h o r o rg an iza a h istó ria p a ra o b e m de seu p o v o
(o o rá c u lo b abilônio) e o p ro p ó s ito de m a n te r as p ro m e ssa s davídicas (o o rácu -
lo da Filístia), a b rin d o -o s ta m b é m para os g e n tio s (o o rá c u lo d e M o ab e), suas
ações so b to d o s esses cab eçalh o s são santas e justas. O p e c a d o n ã o é negligen-
ciado. A p re o c u p a ç ã o d o S e n h o r p o r seu p o v o é u m a p re o c u p a ç ã o santa. P o r
co n seg u in te, o ju lg am en to d iv in o ta m b é m os toca. ( ) p e c a d o p a rtic u la r que os
traz so b o ju lg am en to é q u e eles, c o n tra a ap ro x im ação d o p o d e r assírio, busca-
ram a seg u ran ça p o r in te rm é d io da aliança a rm a d a c o m A rã (veja c o m e n tá rio
so b re 7.7-9). A explicação (10) é q u e isso c o n stitu i a b a n d o n o d o S e n h o r e da
segurança q u e ele fo rn ece. P o r co n seg u in te, ta n to eles q u a n to a fo rça em q ue
co nfiaram viríam a perecer.
1,2 ( ) o b je to altern ativ o d e co n fian ça, Damasco, p ro v a rá ser insuficiente.
N ã o h á n e n h u m a A ro er (A RC) c o n h e c id a em A rã 1 e, se fo r para p re se rv a r o tex-
to T M , as alternativas são o u assu m ir u m a área aram aica, n ã o em o u tra s áreas
m en cio n ad as (e escolhidas p o r Isaías p a ra alcan çar o tip o d e asso n ân cia q u e ele
am ava — zubôt cãrê) o u v er u m a referên cia a A ro e r em G a d e (N m 32.34), o
que daria aos versículos 1-3 u m a p a d rã o de referências a-b -b -a a D a m a s c o /A rã
(1,3b) e a E fra im (2,3a). A cen a d o s rebanhos que ali se deitarão, e ninguém os espan-
tará n ã o é de êxtase p a sto ral, m as d e u m a paisagem d estitu íd a d e h u m an id ad e
(cf. 5.17).
3 As d u as prim eiras linhas d o v ersículo c o n tin u a m o te m a d a d estru ição
p o r vir. U m a vez q u e H fraim n ã o p o d e ser salva ao b u sc a r a seg u ran ça d e D a-
masco, D a m a sc o ta m b é m n ã o p o d e se r ajudada pela d e sc re n te E fraim . O p o v o
de D e u s n ã o p o d e ficar seg u ro p o r m eio d o p o d e r m u n d a n o e eles, tam p o u co ,
q u an d o se afastam da d e p e n d ê n c ia única n o S e n h o r (10), p o d e m trazer um a
b ên ção para o m u n d o . A s d u as últim as linhas p o d e m se r sarcásticas o u afirm a-
tivas. Se fo re m sarcásticas, então, d esd e q u e a glória d o s israelitas está co n d e-
nada, o re m a n e sc en te de A rã só p o d e c o m p a rtilh a r essa co n d en ação . A força
dessa p e rc e p ç ã o é q u e ela p re p a ra m u ito b e m p ara o v ersículo 4. Alas é mais
provável q u e essas linhas, em um m o d e lo tip icam en te de Isaías, ex p ressam a
realidade in e sp e ra d a de esperança: c o n fo rm e os versícu lo s 6,7 m o stra m , haverá
um re m a n e sc en te de Israel para o S e n h o r (ao c o n trá rio d o d e se rto , d esafian d o
a lógica de ju lg am en to , c o n tra a expectativa), ta m b é m h á u m remanescente de A ra .
E m favor d essa in te rp re ta ç ã o h á o fato d o é isso q u e a d izem d e fato, h a rm o n i-
za co m o c o n te ú d o de esp eran ça d o o rá c u lo c o m o um to d o e fo rm a u m inclusio
[criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a seção]
com u m a n o ta ig u alm en te su rp re e n d e n te da esp e ra n ç a g en tia em 18.7. A ssim ,

Cf. as outras cidades com o m esm o nom e, em A rnom (N m 32.34), mais a norte, em Rabá
(Js 13.25) e em S. Judá (ISm 30.28).
O LIVRO DO REI 210

o S en h o r, n o ju lg am en to , lem b ra-se d a m isericórdia. P ara anuncia (n'um ), veja


c o m e n tá rio so b re 1.24.

Jacó/Israel: sua destruição e seu remanescente (4-11)

A g ló ria re d u z id a a re síd u o s (17.4-6)


E ssa é a p rim eira das seções “ naquele dia” (cf. w . 7 e 9). A s três im ag en s
d e u m final d e rra d e iro (doença d izim ad o ra n o v. 4; co lh eita n o v. 5a; espigas
n o v. 5b) re p e n tin a m e n te se tra n sfo rm a m n a e sp e ra n ç a da c o n tin u id a d e d e u n s
p o u c o s q u e cre e m (6-8).
4 A glória é a falsa glória d o p o d e r e d a p o siç ã o m u n d a n o s (cf. lO .ló ss. em
q u e a vangloria assíria está sujeita a d o e n ç a d izim ad o ra). A im ag em é d e fo rças
in te rn a s d e d isso lu ção em o p e ra ç ã o ; a d e sc re n ç a é c o m o u m câncer. D efinhar¡...]
(Idalaí) é “ ficar p o b re , fraco, d e p rim id o ” .
5 A g o ra, so b a figura d o ceifeiro, u m a fo rça e x te rn a e n tra em ação. O trigo é
a cu ltu ra m a d u ra p ro n ta p a ra a foice — a ação é a c o n v e n ie n te p a ra a situação,
o m o m e n to é e sc o lh id o c o m e x atid ão .1 A ex p ressão com 0 braço d e n o ta u m ato
p essoal, d e stin a d o a n ã o d eix ar n ad a sem se r colh id o. A frase como quando se
apanham devia se r p re c e d id a p o r “ e será” . A ssim , a seg u n d a im ag em é acres-
centada: d e p o is d o ceifeiro, o respigador. B em , co m certe z a n ã o so b ra rá nada.
T a m b é m a justiça divina desen v o lv e seu c a m in h o inexorável. O vale de Refaim (Js
15.8; 18.16) fica a sul de Je ru sa lé m , e sua m e n ç ã o a crescen ta u m to q u e vivido.
O s o u v in te s d e Isaías estariam fam iliarizados co m a visão d o s p o b re s d e J e ru -
salém q u e teriam ficado re sp ig a n d o ali.
6 A frase restarão algumas espigas é u m to q u e m ais vivido. E ra u m a expe-
riência c o m u m q u e a p ó s c o lh e r e resp ig ar o p ro d u to a p lan ta n ã o ficasse b e m
lim pa. O fru to re a lm e n te inacessível n o s galhos m ais altos c o n tin u aria ali. A ssim ,
a im agem d e respigar, o ú ltim o g o lp e d o versículo 5, deixa esp a ç o p ara a es-
p erança. S o b re sacode cf. 24.13; D e u te ro n ô m io 24.20. O T M , ramos m aisprodu-
tivos, p o d e ría se r facilm ente a lterad o para u m a fo rm a h eb raica m ais co stu m e ira
(veja B H S ), m as é q u ase m eneável. S ugere um a ênfase c o m o “ em seus ram o s,
a á rv o re p ro d u tiv a q u e é ” , o u seja, o u tro to q u e de certe z a d e alguns p o u c o s
sobreviverão. N o v ersículo 3 a ideia de u m m u n d o re m a n e sc en te é a p o iad a pela
referên cia ao “ S e n h o r d o s E x é rc ito s” , aqui, c o n tra to d as as p ro b a b ilid a d e s, a
so b revivência de Israel é g aran tid a p o r ele q u e é o D eus de Israel, aq u ele q u e se
c o m p ro m e te ra co m eles.

O po v o re sta u ra d o ao S e n h o r (17.7,8)
E ssa é a seg u n d a seção “ n aq u ele dia” e se v o lta p ara a q u e stã o d a co n fian -
ça. O o lh a r de expectativa e d e co n fian ça se fixará a p en as n o S en h o r, ex clu in d o
to d o s os o u tro s possíveis o b je to s de d e v o ç ã o religiosa (cf. 2.8; 31.7).

1 Para a imagem de colheita cm Isaías, veja 9.3< 2> ; 16.8; 17.11; 18.4s.; 23.3; 37.30.
211 ISAÍAS 1 7 . I - 1 8 . 7

7 O te rm o homens {h a ã d ã m , espécie h u m an a) su g ere q u e Isaías está p en -


san d o de fo rm a am p la q u e apenas em Israel, in tro d u z in d o em sua p e rc e p ç ão
tan to o s p o u c o s so b rev iv en tes d e Israel d e p o is d a respiga (6) e o remanescente de
A r ã (3). O olharão (>lsã‘â; cf. 31.1; SI 119.117) é u m o lh a r firm e; daí, o m a n te r os
olh os fixos n o S e n h o r c o m o o ú n ic o o b je to d e co n fian ça. A ex p ressão aquele
que osfe% é u sad a c o m o u m c o n tra ste d elib erad o c o m a frase “ im ag en s q u e eles
m esm o s fizeram ” (N T L H ) d o v ersículo 8. O D e u s q u e é o C riad o é o ú n ico
D eu s (SI 96.5). O re m a n e sc en te m undial re c o n h e c e rá o ú n ic o D e u s v erd ad eiro
e estará p re p a ra d o p ara re n u n c ia r até m e sm o ao p re stíg io n acio n al ao re c o n h e -
cê-lo n o Santo de Israel (veja 1.4). P ara Israel, aqueles que os fe% significava m ais
que a criação inicial; a p o n tav a p ara o D e u s que, pela eleição, to rn o u Israel seu
p ovo especial e o s c o b riu co m seu c u id a d o re d e n to r e p ro v id en cial (p o r exem -
pio, 44.2; 51.13; 54.5; SI 95.6; 149.2). N a q u ele dia, o re m a n e sc en te c o m p re e n -
derá c o m p le ta m e n te tu d o q u e o S e n h o r é e tem sid o p ara seu povo. A palavra
olharão/ “ o s seus o lh o s o lh a rã o ” é a m e sm a de Salm os 123.2. O te rm o “ o lh o ”
re p resen ta desejo, expectativa (SI 25.15) e a p ro v ação (SI 101.6). E les sab erão
que são aceitáveis p a ra o Santo e lhe d a rã o p len a a p ro v ação e firm e confiança.
8 E sse versículo re fo rç a as lições d o versículo 7 p o r m eio d e d eclarações
negativas u sa n d o os dois m e sm o s verbos. O s v erb o s ag o ra e stã o n o singular:
“ n ão a te n ta rá ” (ARC). O re la c io n a m en to co m o S e n h o r é exclusivo, firm e e
b astan te c o n fia n te p ara rejeitar q u a lq u e r re la c io n a m en to o p o s to a isso e in co m -
pauvel c o m ele. T o d as as falsas religiões, to d a s as religiões de o b ra s, em últim a
instância, n ã o p assam d e u m exercício de a u to c o n fia n ç a (obra de suas m ãos e
que os seus dedos fizera m ). N aq u ele dia, isso será c o m p le ta m e n te erra d ic ad o ju n to
com seu sistem a de a p o io d e altares, postes sagrados e altares de incenso. S o b re alta-
res cf. 2R eis 16.10ss. O s postes de m ad eira estavam asso ciad o s co m a a d o ração
da d eu sa A sera (2Rs 23.6) e eram p ro v a v e lm e n te re p re se n ta çõ e s estilizadas de
árv ores p eren es, sim b o liz a n d o vida e fertilidade.1 A lta re s de incenso {ham m ãrüm ;
cf. 27.9; E z 6.4ss.) é p ro v av elm en te a tra d u ç ã o c o rre ta . N o e n ta n to , n ã o é a
palavra u sad a p a ra o altar de in c e n so a u to riz a d o n o tem p lo , m as está ligada a
Baal (2 C r 1 4 .5 < 4 > ) e a “ p o ste s sa g ra d o s” (Lv 26.30). A s três p alavras falam da
errad icação de to d a s as m aneiras feitas p elo h o m e m para se a p ro x im a r d e D eu s
{altares), d e c o m p a rtilh a r a vida divina {postes) e d e b u sc a r o favor d iv in o {incenso).

A d e stru iç ã o e a explicação (17.9-11)


E sse s versículos fo rm a m a últim a seção “ naq uele d ia” e v o ltam ao tem a
da d eso lação p o r v ir (9; cf. w . 1s.) a fim de explicar p o r q u e a d eso lação tem
aco n tecid o (10s.). Suas cidadesfo rtes {'a rê m ã cuz.z.ô, “ as cidad es da fo rtaleza s u a /
deles”) n ã o é útil para as p esso as q u e se e sq u eceram d a ro ch a, sua fo rtaleza {sur

1 Veja “Asera”, etc. no Theological Dictionary o f the Old Testament, eds. G. j. Botterweck c H.
Ringgren (F.erdmans, 1974), vol. 1, p. 438ss.
O LIV RO D O REI 212

m ã ‘u zzék, “a rocha da sua fortaleza”). Sempre é o teste do povo do Senhor quer


estejam preparados para encontrar sua força apenas nele quer não. Tem de ser
a “cidade de fortaleza” ou a “Rocha de fortaleza”?
9 A oração reladva que tinham sido abandonadas p o r causa dos israelitas devia
qualificar os lugares entregues aos bosques e ao m ato} Sem dúvida, ainda era visí-
vel na terra as imensas ruínas abandonadas das fortificações pré-israelitas. N os
dias tranquilos em que Josué demonstrava sua confiança no Senhor, ela provou
ser mais forte que essas proteções feitas pelo homem. Mas então o povo do
Senhor abandonou a fé confiante e começou a construir o que antes tinham
destruído e a confiar nisso. N o entanto, naquele dia a insensatez dessa proteção
será revelada mais uma vez.
10 A NVI omite o “pois” inicial que introduz uma explicação. Os verbos
no singular feminino dos versículos 10s. devem originalmente ter sido dirigidos
a uma cidade (Jerusalém ou Samaria) considerada como a mãe de seus habitan-
tes. Os termos esqueceste c não [...] lembraste (ARC) (cf. SI 78.11,42) referem-se ao
fracasso em manter a mente fixada em Deus. A expressão D eus, do seu Salvador é
uma tradução insatisfatória do que é “o Deus da sua salvação”. Nessa expres-
são idiomática, o termo “salvação” não é um ato ocasional, mas um atributo
de Deus — ele é um “Deus Salvador”, na verdade, “seu Deus Salvador”. Israel
jamais poderia dizer: “Ah, mas ele não salvará agora”, pois é o Deus que salva.
Tampouco, ele poderia dizer: “Ah, mas ele não nos salvará agora”, pois ele é o
seu Deus que salva. N o Antigo Testamento, a “rocha” não é apenas um sím-
bolo abrangente para a força, durabilidade divina, etc.12 Sua ligação, como aqui,
com a salvação indica que não é uma metáfora estática, mas dinâmica, tendo
sua origem no uso bíblico de Êxodo 17, a rocha previdente da qual fluíram as
águas salvadoras. O Senhor como Rocha é o Senhor em seus atos confiáveis e
salvadores, aqui provendo a proteção, como uma fortaleza, da qual seu povo
precisa em um mundo ameaçador. Conforme indicado acima, fo rta leza é um
“lugar de força”, a mesma palavra para “cidades fortes” no versículo 9. Assim,
Isaías insiste que o caminho de fé é o caminho do realismo verdadeiro neste
mundo. Mas eles, em vez dessa força real, cultivarão [ ...] p la n ta s e (lit.) “semeiam
mudas estrangeiras”. Que coisa patética, que insignificante e fútil é a falsa reli-
gião e o suposto realismo político de alianças armadas! Eles podiam ter a segu-
rança do Deus Salvador e a fortaleza da Rocha e os encontramos selecionando

1 A e x p re s s ã o lugares entregues aos bosques e ao mato é m ais lite ra lm e n te “ c o m o a c o is a / l u g a r d a


flo re s ta e a lto a b a n d o n a d o s ” — a p a la v ra “ a lto ” s e n d o a q u e la u s a d a n o v e rs íc u lo 6 (galhos
m ais altos). A in d a a ssim a p r ó p r ia p a la v ra e x p re s s a a p e n a s a id eia d e alto . A q u i, a re fe rê n c ia
é a ru ín a s im e n s a s e n o tó r ia s d a C a n a ã p re -is ra e lita . A L X X = “ d o s h e v e u s e d o s a m o r-
re u s ” , v eja a RSV. U m a p e r f e iç o a m e n to fácil d e m a is a d o ta d o p e la B U S .
2 C f. D t 3 2 .4 ,1 5 ,1 8 ,3 0 -3 1 ; I S m 2.2; SI 1 9 .1 4 < 1 5 > ; 28.1; 6 2 .2 < 3 > ,6 < 7 > ; 7 8 .3 5 ; 95.1.
213 ISAÍAS 1 7 . 1 - 1 8 . 7

mudas, interessados cm cultos estranhos e alianças estrangeiras. A metáfora de


“jardinagem” pode ser (como em 1.29-31) uma referência à prádca da religião
de fertilidade como urna forma de prosperidade e de vida forte.
11 Nenhuma quanddade de esforço cuidadoso nessas direções pode trazer
beneficio, só m a l irremediável. Por trás da descrição de Isaías de escolher plantas
que germinam rapidamente — crescendo e florescendo no dia ou até mesmo
na m anhã em que foram plantadas — está o padrão religioso de “empatia” ou
mágica “imitativa”. Os deuses de Canaã não eram seres pessoais, mas forças
impessoais e eles, como tal, não podiam ficar comovidos com clamores. Por
isso, o único recurso do adorador era fazer alguma coisa que se igualasse ao
que ele queria que seu deus fizesse na esperança de estimular uma ação divina
correspondente. Por essa razão os ritos sexuais de adoração a Baal tinham o
objetivo de incitar Baal a desempenhar sua função de tornar a terra, os animais
e os seres humanos férteis. A produção aqui de germinação rápida era desti-
nada a estimular o deus a se levantar para a vida e agir.1 A iniciativa humana,
tentando provocar a resposta divina, está no cerne da religião não bíblica e de
toda perversão da religião bíblica. A iniciativa divina, informativa do caráter e
da intenção de Deus e abrindo uma porta para a oração inteligente e a fé res-
ponsiva, é a essência do testemunho da Bíblia. A frase contudo, ia ¡ /.../ colheita
da NVI depende de um texto corrigido, mas a exclamação completa do TM é
muito marcante — “uma colheita abundante” (lit. “um montão, uma colheita”]
no dia da herança! Dor incurável”. Há um resultado quando se abandona da
verdade (10a) e se cultiva o falso (10b, 11), mas tudo isso é muito diferente do
que era buscado e termina no desamparo do m a l irremediável.
0 mundo e seu remanescente (17.12 —18.7)
Contextualmente, esses dois oráculos (17.12-14 e 18.1-7) validam a decía-
ração, registrada em especial no versículo 10, de que em uma época de ameaça
mundial, encontra-se a segurança no Senhor fortificado, não em cidades fortes
(9). Nos tempos de Isaías, o conglomerado do Império Assírio ameaçava a
todos. A medida que um povo atrás do outro era dominado por seu poder e
contribuía com forças renovadas para o exército deles, todos também tinham
de procurar qualquer coisa que achassem que lhes traria segurança. Para as
teocracias de Israel e Judá, seria a prática política lógica e sensível simplesmen-
te confiar no Senhor? Assim, não é difícil perceber o mundo de 745-701 a.C.
por trás da excelente poesia dessas seções. N o entanto, uma vez que Isaías não
menciona a Assíria pelo nome — nem na verdade nenhum outro poder — ele
1 A N E B , n a p a la v ra tr a d u z id a p o r m agnífico (n a ‘ “m arfim ), e n c o n tr a o n o m e d e “A d o n is ” , u m
d e u s q u e m o r r e e se le v a n ta n o v a m e n te , a d o r a d o p o r fa z e r ja rd in s, c u ja s p la n ta s (flo res-
c e m , m u r c h a m , flo re s c e m ) re fle te m su a e x p e riê n c ia . N ã o é n e c e s s á rio s e g u ir a N E B , m as
ela é u m in d ic a d o r p a ra o e n te n d im e n to c o r r e to d a p a ssa g e m .
O LIV RO DO REI 214

não se dirige à situação específica, mas aos princípios envolvidos na história


mundial e às ameaças de impérios mundiais que têm de ser enfrentadas. As
passagens 17.12-14 e 18.1-7, respectivamente, respondem à pergunta: quem
governa de fato o mundo e os propósitos de quem serão realizados no fim?

O locus do poder nos assuntos do mundo (17.12-14)


Fica claro que esse oráculo tinha outra origem que não essa em que está
colocado agora; tal como está, ele se refere a um nos (14) não explicado (mesmo
se entendido sem demora). Não obstante, tomado, por si mesmo, como uma
peça é um poema bem-configurado sobre o tema de “a voz que governa o
mundo”. Três frases hebraicas levam ao pensamento central, “ele os repreen-
der” e “fugirão para longe” (13b), e esta é seguida pelas três linhas enfatizando
a subitaneidade e a completude da dispersão da ameaça, além da esperança
frustrada dos atacantes. O incidente com Senaqueribe (caps. 36— 37), quer pre-
visto quer recordado, é o pano de fundo perfeito. Mas, apartado desse pano de
fundo, há uma declaração expositiva sobre o governo mundial: a metáfora das
águas impetuosas simbolizando o fluxo da maré se avolumando para atacar
(12,13a), a voz ordenando (13b) e a imagem da palha no vento para o ataque
dispersado (13c; 14).
12 A expressão ah (hoy) é a mesma palavra que inicia 18.1 e a ligação entre
os dois oráculos deve ficar clara por meio da tradução uniforme. O termo “ai”
não é adequado para o segundo oráculo. A interjeição “ah” ou “oh”, chamando
a atenção para o tema da meditação seria melhor. As expressões bram ido e a bra-
m am [...] 0 m a r e m particular são imagens do mundo inquieto e hostil ameaçan-
do o trono e o povo de Deus (cf. SI 93). O exército multinacional (m uitas nações-,
cf. comentário sobre 10.8) fornece uma ilustração concreta da noção de hos-
tilidade internacional inquietante com o Senhor e seus propósitos, conforme
encontrado, por exemplo, em 8.9,10 e em Salmos 2. Aqui, Isaías está indicando
tanto qual é a verdade interna em toda intranquilidade histórica e o que será a
predominante verdade no dia escatológico.
13 A simples palavra de ordem divina governa o mundo (SI 2.4-6; 46.6;
Ez 1.25), e o mesmo vocabulário expressa o governo divino das “forças” da
criação em Salmos 104.7. Contextualmente, o pensamento ultrapassa a agitação
na grandiosidade desse Deus para alcançar o realismo de confiar nele em meio
às ameaças deste mundo, independentemente de quão grandes e internacionais
elas sejam. A p a lh a nunca é apenas uma imagem de velocidade e dispersão to-
tal, mas sempre de julgamento divino imediato diante do qual suas vítimas são
impotentes (29.5). Eis aqui um excelente realce para a ondulante ameaça da
maré (12).
14 Sobre cair da tarde e antes do amanhecer cf. 37.36. Salmos 30.5 relaciona o
tema de noite/dia com uma faceta da natureza divina. Salmos 46.5 bem podia,
215 ISAÍAS 17.1-18.7

como o oráculo atual, estar enraizado na experiência de Senaqueribe e pro-


vavelmente também reflete uma apresentação drástica de ameaça e libertação
usada na adoração do templo. A palavra b a llã h â , traduzida por p a vo r repentino ,
não tem necessariamente a ideia de subitaneidade. Ela se origina em bãlâ (en-
contrada só cm Ed 4.4) e é o terror que domina o coração ()ó 18.11; 27.20). As-
sim, Senaqueribe magnetizaram os habitantes de Judá com terror — mas antes
do amanhecer, j á se fo ra m / “nada dele”, “nem sinal dele”. Embora o propósito do
oráculo seja centralizar a voz do Senhor e insistir que é ele que, com sublime
soberania, governa o mundo, o pensamento de que ele faz isso no interesse e
para o bem-estar de seu povo é adequado (cf. 14.1,2).
Os propósitos de quem serão realizados (18.1-7)?
Em 715, o etíope Pié dominou o Egito, fundou a dinastia XXV e tentou
tomar parte no palco mundial. Mensageiros foram a todos os estados palesti-
nos prometendo auxílio egípcio em um levante contra os assírios. Isaías não
menciona nenhum dos poderes, mas examina a situação da época em um ho-
rizonte mais amplo, não relacionando os fatos históricos, mas os princípios
que eles incorporam. () mundo, visto em seus próprios termos, não conhece a
segurança, mas a força coletiva (1,2a). Isaías, no entanto, tem uma mensagem
melhor para compartilhar, surgindo dos princípios que ele já esboçou a partir
da experiência de Efraim e Arã (17.1-11), em cujos casos a força coletiva falhou
(17.1-5). A segurança só pode ser encontrada no Senhor (17.7,10) e, um dia,
o remanescente desfrutará dela (17.3,6). Esse é um microcosmo do plano do
Senhor para os embaixadores da segurança coletiva (1,2) para levar uma men-
sagem diferente às partes mais distantes da terra: esperar pelo Senhor (3), pois
ele planeja sua súbita intervenção (4; cf. 17.13s.). A colheita esperada para os
planos humanos não dará em nada (5,6), mas um remanescente do mundo se
reunirá ao Senhor em Sião (7).
O M U N D O E M S E U S P R Ó P R IO S T E R M O S ( 18.1 3 ‫)־‬

1 Para a i veja comentário sobre 17.12. A frase da terra do %umbido de insetos se


referia originalmente ao Egito com sua profusão endêmica de insetos voado-
res, mas o Egito não é mencionado agora, e os insetos constituem uma imagem
do mundo ocupado, agitado. A o longo dos rios da E tió p ia traduz razoavelmente
a frase m em b er 1 'n a lfrê k ü s.' A E tió p ia é a região alta do Nilo, Cuxe, símbolo da
parte mais distante do mundo conhecido. A dinastia etíope de Pié (veja acima)
justifica essa ligação de Egito e Etiópia, mas Isaías permite aqui que ela retrate
0 mundo imediato estendendo-se até as fronteiras do remoto.1

1 A ú n ica o u tr a p a s s a g e m e m q u e a c o n te c e a lin g u a g e m e x a ta é e m S f 3 .1 0 , e m q u e ela te m


d e s e r tr a d u z id a p o r “ d e s d e a lé m d o s rio s d a E tió p ia ” . A p a la v ra c h a v e ‘ ê b e r é s e m p re
flexível c o n te x tu a lm e n te .
O LIVRO DO REI 216

2 Isaías começa esse oráculo de uma perspectiva implicitamente mundial,


constituída na descrição de emissários indo pelo m a r em barcos de papiro sobre as
águas} Esse versículo prepara a breve concessão para os emissários. A tradução
de alto e de pele m acia é geralmente interpretada como uma referência à Etiópia,
povo proverbialmente alto do mundo antigo. A referência a rios, lembrando o
fim do versículo 1, apoia essa identificação. O esforço da diplomacia interna-
cional não ficou na parte conhecida e de fácil acesso da terra, mas alcançou as
terras mais remotas. Possivelmente, a tradução devia ser menos específica, ou
seja, “Vão |...] a uma/qualquer nação de alta estatura e de boa condição, a u m /
qualquer povo que tenha de ser temido, quer próximo quer distante, uma/qual-
quer nação agressiva cujas terras atravessam rios (ou seja, acessível pela água)”.12
Isso deixa a perspectiva mundial explícita.
3 Podemos presumir que a ordem no versículo 2b era originalmente o
mandato dado aos emissários enquanto deixavam o Egito para ir a cortes es-
trangeiras no interesse da diplomacia contra os assírios. N o entanto, no con-
texto atual, ela leva ao versículo 3, que c a mensagem mundial de Isaías, não a
do faraó. Assim, podemos retratar a cena desta maneira: os emissários do faraó
chegaram a Jerusalém, e Isaías aproveita a oportunidade para divulgar o que
ele gostaria que eles dissessem ao mundo e, revestindo-se de toda a autoridade
como profeta do Senhor, envia-os no caminho deles como se fossem emissá-
rios dele. Primeiro, ele se dirige a todo o m undo (tèbél; veja 13.11). Segundo, ele
chama o mundo a esperar expectante por uma convocação inequívoca — uma
bandeira (como 11.10), uma trom beta (cf. 27.13). O visível e o audível combina-
dos para lhes dar toda oportunidade de conhecer o que está em progresso e
responder (e deixá-los sem desculpa). Terceiro ele apela a eles: “Ó vejam [...],
ouçam isso é mais adequado que o igualmente acurado vocês a verão [...] a ouvirão.
A P A C IÊ N C IA DO S E N H O R E A IN T E R F E R Ê N C IA C R O N O M E T R A D A P R E C IS A M E N T E ( 1 8 . 4 - 7 )

() “porque” (A M ) inicial (omitido pela NVI) introduz a explicação de


Isaías da mensagem que ele pôs na boca dos emissários. Ele recebeu uma pala-
vra do Senhor (A ssim dl·.ζ 0 Senhor) que torna mais apropriado esperar que ele aja
do que se envolver em um furor de diplomacia. (Cf. 8.1,5,11 para essa ênfase
sobre a consciência de Isaías da revelação divina.)

1 Λ R S V in te r p r e ta d e s n e c e s s a r ia m e n te m a r c o m o o N ilo , e isso é a p o ia d o p o r K a is e r, q u e
aleg a q u e o s b a r c o s d e p a p ir o n ã o p o d ia m se a v e n tu r a r a lé m d o d e lta . V eja T. H e y e rd h a l,
The R a E x p e d itio n (P e n g u in , 1970).
2 O te r m o im a sa k (“ a lo n g a d o ” ) n u n c a é e n c o n tr a d o c o m o se n tid o d e alto. “A n tiq u a d o ” , o u
seja, t e n d o u m lo n g o re g is tro n a h istó ria é s u s te n ta d o p o r, p o r e x em p lo , J r 31.3. M acia (m ôrãt)
sign ifica a m a cia d a o u p o lid a c o m o d e u m a e sp a d a a fiad a p e la açã o ( liz 2 1 .9 ,2 8 < 1 4 ,3 3 > ) e
p o ss iv e lm e n te a q u i significa “ e m d isp o siç ã o d e b a ta lh a ” , “ d e s p ro v id o p a ra a a ç ã o ” . A frase
pelos que estão perto e pelos que estão longe n ã o q u alifica o “ te m id o ” , m as a o rd e m : Vão.
217 ISAÍAS 1 9 . I - 2 O.6

4 O Senhor observa, sem ser visto, “como o ardor do sol reluzente, como
a nuvem de orvalho no calor do tempo da colheita”. Tão natural e inevitável
quanto há o ardor do sol e orvalho na época da colheita, também o Senhor está
presente, sem ser visto, olhando quieto. Ele olha não de, mas “onde moro”, pois
ele não só é o Deus transcendente no céu, mas também o Deus presente nos
assuntos da terra. Mas o ardor e o orvalho não são apenas acidentais na colheita,
eles são de fato fatores auxiliares no amadurecimento. Desse modo, o Senhor é
mais que um observador, ele comanda o processo.
5 O Senhor escolhe seu momento quando a colheita está pronta. A palavra
do Senhor sobre si mesmo (4) aqui se torna a palavra de Isaías sobre o Senhor;
não se pretendia nenhuma distinção. N o milagre da inspiração o que o Senhor
diz o profeta diz, e o que o profeta diz o Senhor disse. Lendo os versículos 5
e 6 juntos, fica claro que a colheita que o Senhor colhe e, depois, deixa para as
aves e os animais é aquela que os governantes da terra, os que ficam implícitos,
pretendiam colher para eles mesmos. Eles observaram seus planos amadurece-
rem, mas assim que pegaram a foice para colher sua recompensa, a mão divina
os precedeu — o ato súbito do verdadeiro governante do mundo (cf. 17.12-14).
Isso foi perfeitamente ilustrado no episódio de Senaqueribe.
6 O perigo acabará completamente não restando poder suficiente nem
mesmo para impedir os animais de se banquetear. As tentativas das pessoas de
governar o mundo — com base ou nos propósitos de imperialismo como os da
Assíria ou nos esquemas de segurança coletiva como os do Egito — fracassa-
rão totalmente. Todo 0 verão e todo 0 inverno indicam que não será uma trégua mo-
mentânea do confronto de superpotências, mas um verdadeiro fim, o ano todo.
7 Esse versículo descreve a consumação. A expressão naquela ocasião Ç êj; cf.
0 sentido do gr. ka iro s no Novo Testamento) não se refere a uma “data”, mas a
uma “estação” quando será adequada e característica para dádivas, em especial
“uma dádiva de reverência”,1 trazidas ao Senhor da parte de um povo [ ...] perto e
/.../ longe (cf. v. 2b). Haverá pessoas do mundo inteiro que esperaram a bandeira
ser levantada e a trombeta soar (3) e agora eles se tornarão peregrinos ao local
do nome do Senhor dos E xército s (“Todo-Poderoso”; veja 1.9), ou seja, m onte Sião\
A promessa de um remanescente gentio foi autenticada no nome do “Senhor
dos Exércitos” (17.3) e as espigas respigadas de Efraim foram garantidas pelo
“Senhor, o Deus de Israel” (17.6). O título atual, Senhor dos E xércitos, completa
as séries e conclui o oráculo. O Senhor onipotente traz o mundo para casa no
monte Sião, pois só ali ele fez a moradia de seu nome.
e. Egito: um Deus, um mundo, um povo (19.1—20.6)
A sequência coerente dos oráculos continua. Seguindo a visão de um re-
manescente tanto de gentios quanto de Israel atraídos para o Senhor em Sião

1 P a ra srry , u m p r e s e n te d e re v e rê n c ia , veja SI 6 8 .2 9 < 3 0 > ; 76.11 < 1 2 > .


O LIVRO DO REI 218

(caps. 17— 18), resta perguntar em que termos os gentios entram. Será de fato
com igual glória, como prevê 17.3? Isaías, para responder a essa pergunta, pega
o candidato mais improvável, o Egito, o primeiro e mais memorável adversário
do povo do Senhor. N o ponto culminante do oráculo (19.23-25), ele liga o
Egito com a Assíria, o atual opressor. Se essas duas nações podem ser trazidas
em igualdade com Israel, então o mundo será de fato um! O oráculo cai em três
seções: um poema sobre o colapso do Egito (19.1-15), uma seção de prosa com
cinco declarações “naquele dia” com o Egito como o sujeito delas (19.16-25)
e um “cumprimento de interim” (20.1-6, veja p. 179s.) envolvendo a Assíria e
0 Egito. As questões levantadas sobre se todo esse material pode ser atribuído
a Isaías, mas nem os argumentos são convincentes nem os especialistas con-
cordam.1 As dificuldades individuais serão discutidas conforme elas surgem,
mas não há barreira insuperável para a autoria de Isaías. Conforme o oráculo se
apresenta, as três seções oferecem uma declaração equilibrada:

A 1 A derrota do Egito é predita (19.1-15)


B A cura do Egito (19.16-25)
A2 A derrota exemplificada do Egito (20.1-6)

Com o desaparecimento dos estados do norte, Síria e Israel, no ventre da


Assíria, o centro político de gravidade na Palestina ocidental mudou para o sul
e, pelo menos de 715 em diante, o Egito estava por trás de todo movimento
contra a Assíria. Uma aliança com o Egito como o meio de se libertar do jugo
assírio e recuperar a soberania nacional era uma tentação constante para os
governantes politicamente ambiciosos de Judá (veja caps. 28— 31 e 36— 37).
Isaías se opõem resolutamente a isso, não vendo nenhuma ajuda no Egito, mas
só desastre (cf. 30.6,7). Por conseguinte, o fardo de 19.1-15 é uma tentativa
de dissuadi-los de ter qualquer intercâmbio com o Egito, fundamentado na
exposição da ruptura existente e vindoura nos assuntos do Egito, do colapso
econômico (que tornaria o auxílio improvável, se não impossível) e na estupi-
dez política que cercava os conselheiros egípcios. Não há nada aqui que não
pudesse ser dito por Isaías em qualquer momento dos últimos quinze anos do

1 A s a le g a ç õ e s d e a u to ria n ã o d e Isa ías se d ifu n d ira m o rig in a d a s d e D u h m e e c o a d a s , p o r


e x e m p lo , p o r K a ise r, W ild e rb e rg e r e C le m e n ts . K a is e r te m c e r te z a d e q u e a re p e tiç ã o
d o n o m e d o F .g ito n o s v e rsíc u lo s 1 -4 a p o n ta p a ra a o b r a d e u m p o e ta in fe rio r. M a s n ã o
h á m o tiv o p a ra q u e e ssa seja a c o n c lu s ã o n e c e s s á ria (cf. H e r b e r t) , e m e sp e cial q u a n d o ,
c o n f o r m e o b s e rv á v a m o s , a re p e tiç ã o é u m a e x p re s s ã o id io m á tic a e m t o d o e sse p o e m a .
W ild e rb e rg e r n e g a a a u to ria d o s v e rs íc u lo s 5 -1 0 a Isaías, a le g a n d o o v o c a b u lá rio n ã o u su a l
c o m o m o tiv o . E s s a a le g a ç ã o n ã o é c o n v in c e n te , p o is o tó p ic o e x ig e e s s e v o c a b u lá rio .
D e v ia -se a n te s p r o v a r q u e seria im p o s sív e l p a ra Isaías o u n ã o c a ra c te rís tic o d e le f o r n e c e r
e sse tip o d e c o r lo cal e m su a o b r a e, c o m c e rte z a , n ã o se p o d e fa z e r isso (cf. M a u c h lin e ).
219 I S A ÍA S 1 9 . 1 - 2 0.6

século VIII e o perpétuo espírito de interferencia do Egito teria lhe permitido


ampla oportunidade para falar.
A d erro ta d o E g ito é p re d ita (1 9 .1 -1 5 )
Essa seção poderia ser formalmente exposta como um poema com 38
estrofes (veja B H S ), mas o arranjo temático é mais útil:

A1 A ação do Senhor: o Egito indefeso, espiritual e nacionalmente (1)


B1 O colapso social, o propósito do Senhor dos E xército s (2-4)
B2 O colapso económico (5-10)
B’ O colapso político, o propósito do Senhor dos E xército s (11-13)
A2 A ação do Senhor: o Egito indefeso, espiritual e nacionalmente (14,15)

A mensagem duradoura de uma passagem como essa não está nos deta-
lhes, que são peculiares a sua situação e época, mas na insistência de que os
problemas, económicos e políticos, da sociedade têm uma causa espiritual. Eles
são o resultado dos propósitos divinos e são diretamente rastreáveis até a mão
de Deus, e não sendo o resultado de leis sociológicas, forças de mercado ou
destino político. E só podem ser resolvidos recorrendo ao Senhor.

In tro d u ç ã o (19.1)
O primeiro movimento do Senhor em julgamento é enfraquecer o estado
de espírito nacional: a religião deixa de incitar e ajudar e há uma perda de vita-
lidade e adquire-se um espírito de derrotismo. O lema do Senhor, a “cavalgada
nos céus”, expressa a soberania divina, mas a única passagem em que o cava-
leiro divino e as nuvens aparecem encontra-se em Salmos 18.10-15, quando
o Senhor desce para salvar Davi e derrotar os inimigos deste. Esse é o pano
de fundo aqui (cf. SI 68.33<34>). O Egito, posando de amigo, é uma ameaça
mortal para o reinado de Davi. Assinar um tratado, diz Isaías (28.14s.) é assinar
sua sentença de morte, mas o Senhor é velo:£ em vir em auxílio de seu povo. Para
ídolos ( ,'M im , “não deuses”) veja o comentário sobre 2.8. O julgamento dos
deuses do Egito é um tema de êxodo (Ex 12.12). Diante do Senhor, os deuses
e também os seres humanos ficam imobilizados. Tremem (in ú T ) é “vagar, cam-
balear” (por exemplo, 28.7). Aqui eles estão desorientados pela (mera) vinda do
Senhor. Para derretem veja comentário sobre 10.18.
O colapso social (19.2-4)
Quando o espírito nacional colapsa (1), a ação divina provoca a divisão so-
ciai (2), a frustração se estabelece (3a) e nada segue de acordo com o plano (3b).
Há decadência, em que as pessoas se voltam para o charlatanismo religioso (3c)
e o país cai na ditadura (4).
O LIV RO D O REI 220

2 O “porque” (ARA) inicial (omitido pela NVI) introduz uma explicação


do versículo 1b: a ação divina (incitarei) fratura a sociedade. A divisão original
nos reinos do Alto Egito e do Baixo Egito reaparecerá. Assim a imagem está
completa: indivíduo contra indivíduo, cidade contra cidade, norte contra sul.
3 O s egípcios ficarão desanim ados/ “o espírito dos egípcios se esvaecerá”, ou
seja, entra em choque. A NASB traduz isso por “desmoralizado”. Essa perda
de ânimo será alimentada pela ação divina frustrando todo propósito de recu-
peração nacional. O verbofa re i é “consumirei”, ou seja, fazer desaparecer como
se eles nunca dvessem existido (cf. 3.12). Como era usual nessa época, os cultos
floresciam com sua fútil “busca” (veja 8.19) daqueles que são “não deuses” e a
patética confiança na morte Ç itfím só é encontrado aqui — em línguas cognatas
significa “fantasmas”). Para m édiuns e adivinhos, veja comentário sobre 8.19.
4 Finalmente há ditadura. O cumprimento pode ser o faraó “etíope” Pié
(715), as conquistas de Sargão II (cf. 20.1ss.), ou de Senaqueribe ou a invasão
e conquista do Egito por Assaradão (680), Assurbanípal (668) ou o persa Ar-
taxerxes III O co (343). Observe a ênfase contínua na ação divina (entregarei). O
nome do Egito é citado pela sétima vez (obscurecido na NVI pela desnecessá-
ria tradução por egípcios): “sete vezes em quatro versículos como se fechasse o
julgamento pela pura repetição” (Herbert). Sobre anuncia {ríuni), veja 1.24.

O colapso econômico (19.5-10)


O Nilo é mencionado cinco vezes pelo nome e quatro vezes por um sinô-
nimo. A repetição é uma característica estilística desse poema. O Nilo era a base
da proverbial produtividade do Egito. A secagem do Nilo (5) é uma descrição
figurativa da decadência econômica por vir — uma decadência como essa faria
o indivíduo se perguntar se o Nilo tinha secado! Mas o motivo é a bancarrota da
força moral nacional (1-3). Quando o espírito da nação se esvai e os interesses
secionais predominam, quando nenhum plano parece prosperar, então o meio
de fazer a indústria prosperar pode bem estar ali (e o Nilo flui como antes), mas
a vontade de explorar o recurso se foi.
5 A expressão do rio é (lit.) “do mar”, descrevendo o Nilo como o “mar”
privado do Egito. O leito do r io / “o rio” é uma expressão idiomática de falta de
definição específica por causa da ênfase, daí “o próprio rio”.
6 Os canais e os riachos são os canais de irrigação que distribuem as águas
do Nilo por toda a terra.
7 O rio (ARC) deve ser o “Nilo”, uma vez que o nome aparece três vezes
nesse versículo, enfatizando a enormidade da calamidade. A imagem do colap-
so da base econômica da vida do Egito é fielmente levada a efeito. Primeiro a
falta de água, depois, o declínio da agricultura e, finalmente, a erosão do solo (o
campo será levado pelo ven to / “serão arrancados”).
221 ISAÍAS I9.I-2O.6

8 Esse versículo descreve o colapso da indústria da pesca. Os métodos


de pesca usando tanto anzóis quanto redes são descritos como monumentos
egipcios.
9 O cultivo do linho e da arte de tecer o algodão eram bem avançados no
Egito. A decadência estende a mão para destruir as indústrias manufatureiras.
10 Há um problema de tradução aqui. O termo assalariados depende de
uma correção (de satõ teyh ã para ~sefije y h a \ veja B H S ). Como está, o TM significa
“pilares” ou “fundações” (cf. 20.4, “nádegas”; SI 11.3). Se for possível permitir
um sentido metafórico (não exemplificado em outro lugar), ele significaria os
“pilares” da sociedade (cf. “líderes” no v. 13 e o uso similar de “sustento” em
3.1). Nesse caso, o versículo completa a seção ao observar a falência da força
moral naqueles que sustentam o empreendimento industrial e os assalariados que
eles empregam.

O colapso político (19.11-13)


N o “gabinete” reina a insensatez suprema. O artifício de estilístico de re-
petição continua: a palavra “sábios” ocorre três vezes; “líderes”, três vezes;
“conselho” (substantivo e verbo), três vezes; “Egito”, quatro vezes e “tolo”
ocorre tanto como substantivo quanto como verbo. A ideia de tolo forma um
inclusio [criar uma estrutura ao pôr material similar no início e no final de uma
seção] nos versículos 11 e 13. Os líderes, por todas suas declarações, não são
esclarecidos (11); eles não conseguem ler os sinais do tempo (12) e só conse-
guem induzir ao erro (13).
11 O versículo começa dramaticamente com duas exclamações: “Os lí-
deres de Zoã não passam de insensatos; os sábios conselheiros do faraó dão
conselhos tolos”. Os tolos Çewir1m ) são as pessoas absolutamente estúpidas, in-
capazes até mesmo de perceber o perigo em suas próprias ações (SI 107.17; Pv
1.7; 10.21). Z o ã no delta nordestino “foi a efetiva capital do Egito nas 21a a 23a
dinastias, e a base norte dos etíopes na 25a dinastia”.1 A expressão os sábios seria
mais bem traduzida por “os mais sábios”. A frase dão conselhos tolos traduz ib ã (ar,
que descreve alguém não tocado pela verdadeira sabedoria, vivendo no pata-
mar do animal descuidado (SI 73.22; cf. SI 49.20<21>). Os conselheiros do faraó
“não são esclarecidos”. A sabedoria no Egito era um assunto de “casta”, por
isso, os conselheiros do faraó são desprezados por reivindicar uma linhagem
impecável {como, então, vocês podem ...).
12 Todavia mais uma vez é enfatizado que o Senhor é o agente executivo
na história. Isaías está declarando aqui ou que uma pessoa verdadeiramente sá-
bia reconhecería que é o Deus de Israel {0 Senhor dos E xércitos) quem está imple-
mentando seus planos e também sabería quais são esses planos ou, caso contrá-

' Veja K . A. K itc h e n , “ Z o a n ” n a If íD .


O LIV RO D O REI 222

rio, ele estaría usando “atalhos” para dizer que sabe que é o Senhor dos E xército s
e que eles deviam pelo menos discernir como as coisas são amoldadas. A frase
que lhe m ostrem é (lit.) “anunciem-te, agora, ou informem-te”. A expressão que lhe
m ostrem é uma emenda minúscula que pode ser corrigida. “Mostrem”, contudo,
expressa uma ideia distinta — eles não podem dizer, eles nem mesmo sabem.
O termo planejado é verdadeiramente “aconselhado”.
13 Para tolos e Z o ã veja comentário sobre o versículo 11. M ê n fis/ “N ofe”, no
delta sul, foi uma capital do Egito. A palavra enganados (in ã s a ; cf. 36.14; 37.10)
é usada em Gênesis 3.13 para a ação da serpente. A expressão in d u zira m i...j
ao erro é usada metaforicamente para “líderes” (Jz 20.2), “chefes” (ISm 14.38,
ARC), etc.
A ação do Senhor (19:14,15)
14 O poema começa quando o Senhor aborda o Egito. Agora, ele está em
operação nos líderes, transmitindo-lhes um espírito que os deixou desorientados ou
perplexos/desnorteados. A palavra (jiw lm ) só ocorre aqui. C am balear ( jcãw ã)
tem “desvio” como a raiz da ideia (cf. 21.3). Portanto, a ideia é de líderes “sem
saber que caminho seguir”. Esse é um aspecto da santa atividade de julgamento
do Senhor (lRs 22.21-23; 2Ts 2.11).
15 Veja o comentário sobre 9.14,15. Líder e liderado, alto e baixo, todos
são impotentes para resolver o problema do Egito.
A cura do Egito (19.16-25)
A oposição aparentemente inflexível do Senhor ao Egito no poema per-
manece em um maravilhoso contraste com a passagem atual sobre a restau-
ração do Egito e sua reunião no povo de Deus. A conjunção de “ferirá” e
“curará”, que fornece o título para as duas seções, aparece no versículo 22.
Vimos um lado da ação divina, aqui está o outro. Conforme Isaías se dirige a
seus contemporâneos, seu principal pensamento nos versículos 1-15 era expor
a insensatez da aliança com o Egito. Juntar-se ao Egito seria se associar com
uma nação sob a ira divina (1), confiar nas promessas de um povo dividido (2),
buscar ajuda em uma economia em colapso (5-10), esperar sabedoria onde só
havia insensatez (11-13) e acreditar que aqueles que não conseguiam resolver
seus próprios problemas (15) conseguiríam resolver os problemas dos outros!
Uma crítica devastadora! Mas o uso de Isaías dos versículos 1.15 em seu con-
texto atual tem um propósito mais profundo. O Egito auxilia o mundo gentio,
levando-o ao declínio irreversível. Seu verdadeiro problema é a oposição divina
e, ainda assim, nenhum pecado é especificado para explicar a hostilidade do
Senhor. Em uma palavra, temos aqui a situação, vista pela primeira vez em Ba-
bel (Gn 11), em que a determinação da humanidade de ser a solução para seus
próprios problemas e governar o mundo sem Deus fica automaticamente sob
223 ISAÍAS 1 9 . 1 2 0 .6 ‫־‬

desaprovação e contra-ataque. Mas a oposição divina não é a úldma palavra;


o profeta, lado a lado com o problema do mundo (1-15), apresenta a solução
do Senhor (16-25). Essa é uma resposta ponto a ponto, formulada em cinco
oráculos “naquele dia”:

Ferir (1-15) Curar (16-25)


O temor do Senhor (1) O temor do Senhor (16,17)
Confusão, desunião (2) Uma língua, um Senhor (18)
Reconciliação (19-22)
Consultando os não deuses (3) Clamar ao Senhor (20)
Um rei cruel (4) A cura do Senhor (22)
Harmonia na adoração (23)
O Nilo seca em julgamento (5) Autoestrada para união (cf. 11.15,16) (23)
Coigualdade no Senhor (24,25)
Um espírito de desorientação (14) Bênção divina

0 temor do Senhor (19.16,17)


Este, o primeiro, como cada um dessa série de cinco oráculos, olha adiante
para o futuro sem data de naquele dia. O que mostra ser o início da bênção dá
toda impressão de ser só mais inquietante (cf. 6.7): medo de que o poder divino
seja despertado contra eles {do agitar da m ão), medo de Ju d á , medo do plano do Se-
nhor dos E xército s contra eles. Mauchline observa que o Egito, na época da invasão
de Senaqueribe (701), fez sua única tentativa de cumprir suas promessas ajudá.
Ele pôs um exército em campo e foi repelido em Elteque, a norte de Asdode.
Mas quase imediatamente o poder que os derrotou, pela intervenção divina e
sem a mão humana, foi ele mesmo totalmente abatido. Ele comenta: “Com
certeza temos ali circunstâncias, durante a vida de Isaías, que se ajustam melhor
que nenhuma outra à data posterior para evocar o medo de lavé e de Judá”.1
Com base nisso, é razoável pensar em Isaías sondando à frente em direção a
“naquele dia” e vendo-o em termos de um ato de Deus que infligirá medo ao
mundo. Em todo caso, o medo mundial do Senhor, no dia do Senhor, faz parte
da tradição em que Isaías viveu (por exemplo, SI 96.9; 97.2-5; cf. Mt 28.3,4; Lc
21.26; At 2.43; 19.17; Ap 6.12ss.). D o agitar da m ão é (lit.) “o sacudir da mão [...]
que ele sacudirá”. Ju d á , o povo por quem Deus realiza essas maravilhas, com-
partilha o temor incitado por seus atos. Nesse estágio, tudo que eles conhecem
é o medo do que podem encontrar adiante; eles ainda não sabem que o plano do
1 M a u c h lin e , p. 1 6 0 .1 6 1 . K a is e r a c h a q u e q u a n d o o su l d a S íria foi o c u p a d a e m 3 2 3 a.C . p o r
P to lo m e u e a c h a q u e o a u to r e s p e ra v a u m a d im in u iç ã o n a v a z ã o d o N ilo , s e c a n d o -o , q u e
le m b ra ria o s e g íp c io s d a s p ra g a s e o s fa ria m te m e r a ira d ivina! M as a s p ra g a s n ã o in clu íam
u m a se c a d o N ilo .
O LIVRO DO REI 224

Senhor dos E xército s é o b e m -e sta r deles e q u e seu te m o r é o p rin c íp io d a sabe-


doria. O títu lo Senhor dos E xército s atravessa essa série de o rácu lo s (18,20,25) e
fo rm a u m a ligação c o m o p o e m a p re c e d e n te (4,12).

U m a lín g u a, u m S e n h o r (19.18)
O s detalh es d esse se g u n d o o rá c u lo “ naquele dia” p e rm a n e c e im p cn etrá-
vcl, m as a fo rç a p ro p u lso ra d o o rá c u lo está clara e é ad eq u ad a. S eg u in d o no
te m o r d o S e n h o r (16,17) há u m a volta ao S e n h o r m arcad a p rim e iro pela ado-
ção d e a língua de C a n a ã A fo rm a verbal fala rão en fatiza a c o n tin u a ç ã o e, p o r
c o n seg u in te, significa “ a d o ta rã o ” . É típico de Isaías (cf. 6.5,7) q u e o p rim eiro
sinal d a v erd ad eira religião seja a fala (cf. T g 1.26). A ex p ressão é “ o láb io de
C an aã” e ela re m e m o ra a ex periência d o p ró p rio Isaías e reflete o início d e u m a
v olta à co n d iç ã o em q u e “ n o m u n d o to d o havia ap enas u m a lín g u a” (G n 11.1;
cf. v. 24). O se g u n d o sinal d essa vo lta ao S e n h o r é ju rar o b ed iên cia a ele. O he-
b raico d istin g u e e n tre “ jurar p o r” (be), a g aran tia em q u e re p o u sa o ju ram en to ,
e “ jurar p a ra ” (/*), a p e sso a a q u e m a p ro m e ssa é feita. (Veja a m b o s o s u so s em ,
p o r exem plo, 45.23; E x 32.13.) A qui, p o rta n to , o se n tid o é d e fazer a p ro m e ssa
d e o b e d iê n c ia ao S enho r. A ssim , o E g ito c o m eça o p ro c e sso d e v o lta r p a ra o
S e n h o r q u e os o rá c u lo s “ naquele d ia” restan tes d esenv o lv em . M as Isaías, além
disso, m e n c io n a detalh es sem d ú vida significantes p ara ele m e sm o q u e é im -
provável q u e e n te n d a m o s. O te rm o cinco deve ser e n te n d id o c o m o se re fe rin d o
a cin co cidades específicas o u é u sa d o co m o se n tid o d e “ alg u m as” (cf. 17.6;
30.17)? O u Isaías está re m e m o ra n d o as cin co cidades d e stru íd a s n a p rim eira
c a m p a n h a im p o rta n te d e Jo su é, vista c o m o um a g aran tia d a c o n q u ista to tal p o r
vir (js 10.22-43)? K issan e p ro p õ e essa últim a persp ectiv a, e n ã o seria a d eq u ad o
para u m p ro fe ta c o m o Isaías q u e am a se in sp irar em trad içõ es h istó ricas, m as
p arece u m a b ag atela o b sc u ra c o m o u m a referên cia sem m ais explicação. E p o r
q ue um a (ou “ ca d a ” , co m o , p o r exem plo, em E x 36.30; N m 7.3,85) delas será
chamada cidade do Solé A in certeza d o te x to acjui n ã o ajuda, m as m e sm o se ado-
tá sse m o s tex to s altern ativ o s (“ C idade da D e stru iç ã o ” , “ C id ad e d e Ju stiç a ”) n ão
ch eg aríam o s m ais p e rto de e n te n d e r.12 C o n tu d o , em m eio a to d a essa o b scu rid a-

1 M u ito s c o m e n ta r is ta s a s s u m e m q u e a re fe rê n c ia d e v e s e r a im ig ra n te s d e J u d á n o E g ito ,
p o r m e io d a q u a l as v o z e s a d o r a n d o sã o o u v id a s n a te rra . C h a m a a a te n ç ã o , p o r e x e m p lo ,
p a ra as q u a tr o c id a d e s d e Jr. 4 4 .1 , c m q u e o s fu g itiv o s d e J u d á se e s ta b e le c e ra m . M a s à
p a r te d o f a to d e q u e o s fu g itiv o s d e J r 4 4 e sta v a m m ais in te re s s a d o s n a R a in h a d o s C é u s
( jr 4 4 .1 7 ss.) q u e n o S e n h o r, a c lara e x p e c ta tiv a d a p a s s a g e m a tu a l é q u e c o lig i t o q u e se
v o lta à a d o r a ç ã o d o S e n h o r.
2 O t e r m o h eres d o T M n ã o é e n c o n tr a d o e m o u tr a s p a ssa g e n s , m a s é u m s u b s ta n tiv o
c o r r e ta m e n te f o r m a d o c o m o s e n tid o d e “ d e s tr u iç ã o ” . Q a tra z heres (“ o s o l”), e a L X X
tra z “ a c id a d e d e re tid ã o (a se d e k )” , p re s u m iv e lm e n te u m a tra n s lite ra ç ã o d o t e r m o h e b ra i-
c o h a ssed eq c u jo s e n tid o é “ r e tid ã o ” . M a s p o r q u e a L X X tra n s lite ra e m v ez d e tra d u z ir
essa p a la v ra m u itís s im o c o n h e c id a ? I s s o ab ala q u a lq u e r c o n fid ê n c ia q u e a lg u é m p o d e r ía
225 ISAÍAS I9.I-2O.6

de, o o rá c u lo o c u p a u m p ap el claro n a sequência. C o m p e q u e n o s co m eço s, até


m esm o o E g ito co m e ç a rá a p a rtic ip a r da u n id a d e d o p o v o univ ersal d e D e u s e
a fazer seu c o m p ro m isso co m o Senhor.

R econciliação (19.19-22)
O q u e c o m e ç o u a se r verd ad e n o caso das cin co cidades virá a se r verd ad e
do to d o , d o cen tro /“n o m e io ” a sua fronteira. A re c ip ro c id ad e d e relacio n am en to
é a n o ta chave: a o ra ç ã o e n c o n tra u m a re sp o sta (20); a rev elação leva ao reco-
n h ecim en to , à ad o ra ç ã o e à fidelidade (21); a disciplina divin a leva ao a rrep en d í-
m en to (se voltarão p a ra 0 Senhor) e o p e d id o é re sp o n d id o co m cu ra (22). H á cinco
sinais de religião verdadeira:
1. O altar. E ssa era o lu g ar d e reconciliação (19,20a; cf. 6.6s.). O monumento
(m assêbã) em sua fro n teira sinaliza o lu g ar em q u e o S e n h o r h ab ita (G n 28.16-19)
e sua esfera d e influência (G n 31.51 s.), m as (lit.) “ n o c e n tro ” ficava u m altar.
E sse altar, se n d o ta n to q u a n to u m lugar de sacrifício e, p o rta n to , d e reco n ci-
liação d o p e c a d o r c o m o D e u s san to , era um sin a l e um testemunho. Isso lem b ra o
altar c o n s tru íd o pelas trib o s q u e v o ltaram à T ra n sjo rd ân ia (Js 22) a fim d e q u e
no fu tu ro a b a rre ira d o J o rd ã o n ã o as sep arasse d a u n id ad e d o p o v o d e D eus.
O altar delas era u m te ste m u n h o (Js 22.34) d a realidade d o fato d e serem m em -
bros de Israel. T a m b é m o será para o s g en tio s, re p re se n ta d o s aqui p elo E gito.
2. A oração. O s egípcios têm de te r u m re la c io n a m en to d e fala co m o Se-
n h o r (20b). O p e n sa m e n to de Isaías foi d o livro de J o su é p ara o d e Ju izes (p o r
exem plo, J z 3.9; IS m 12.10,11). O s egípcios tê m de se r trazid o s a viv er em co-
m u n h ão c o m o S e n h o r e a d e sc o b rir q u e a o ra ç ã o é o m eio eficaz d e lidar co m
os p ro b lem as d a vida, de q u a lq u e r fo rm a “ reais” .
3. A revelação. O S e n h o r se revelará, e eles, c o m o re su lta d o disso, (lit.)
“saberão q u e m é o S e n h o r” (21a). A v erdadeira religião n ã o é p esso as b u sc a n d o
p o r D eu s, m as p esso as re s p o n d e n d o à v erd ad e revelada.

te r d e q u e o te x to h e b r a ic o já t e n h a s id o lid o c o m o “ r e d d â o ” . A d ife re n ç a e n tr e o T M e
Q a é m ín im a . E m a is fácil im a g in a r u m a m u d a n ç a d o T M p a ra o Q a q u e v ic e -v e rs a , e m
especial u m a v e z q u e a c id a d e e g íp c ia d e H e lio p o lis (“ C id a d e d o S o l” ) é b e m c o n h e c id a .
G ra y a r g u m e n to u q u e a “ r e tid ã o ” o rig in a l fo i m u d a d a p a ra “ d e s tr u iç ã o ” a fim d e re m o v e r
a p e rc e p ç ã o c o n d e n á v e l d e q u e o E g ito p o d e r ía s e r tã o fa v o re c id o . Q u e tolice! O d e s te -
m id o e d ito r te ria d e r e e s c re v e r to d a a p a s s a g e m . M a s, a p e s a r d e e sse p r o c e d im e n to se r
lam e n tá v el, a d e s fa v o rá v e l p a la v ra “ d e s tr u iç ã o ” p o d e te r s id o m u d a d a p a ra “ r e tid ã o ” a fim
de re m o v e r a ú n ic a p a la v ra n a p a s s a g e m h o s til a o E g ito . M as a ú n ic a fin a lid a d e e m d iz e r
tu d o isso é m o s tr a r e m q u e m u n d o d e s u p o s iç ã o e n tra m o s . N o e n ta n to , t e m o s u m s ó lid o
fu n d a m e n to e m d iz e r q u e “ se rje m o s] c h a m a d o s ” (cf. 4.3; 6 1 .6 ), in d ic a n d o q u e u m n o m e
está s e n d o d a d o a fim d e r e s s a lta r u m a n o v a situ aç ão . I s s o d e s c a r ta H e lió p o lis. D e litz s c h
o b s e rv a q u e ih ã r a s é u s a d o às v e z e s p a ra d e s tr u iç ã o d e íd o lo s (Jz 6 .2 5 ; l R s 19.10,14) e
a rg u m e n ta q u e as c id a d e s a d q u ire m s e u n o v o n o m e a o se p u r g a re m d o s a n tig o s o b je to s
d e a d o ra ç ã o . I s s o se a ju s ta a o c o n te x to , m a s é u m a v ã te n ta tiv a d e ex p licar.
O LIV RO DO REI 226

4. O serviço. Isso terá ta n to ex p ressão p ública (sacrifícios e ofertas de cereal)


q u a n to c o m p ro m isso pessoal (farão votos ao Senhor e os cumprirão) (21b). Prestarão
culto é (lit.) “ se rv ir” .
5. Λ disciplina providencial. A queles q u e ele am a, ele discip lin a (Pv 3.12).
O versículo 22 ta m b é m é (lit.) “ o S e n h o r ferirá os egípcios; ele os ferirá e os
cu rará” . A disciplina in ten cio n al d o S e n h o r faz p a rte d a vida so b o cu id ad o , o
d esíg nio dele, c o m o aqui, para fazê-los se vo lta r;...¡p a ra 0 Senhor; o u seja, v o ltar
c o m o p e n ite n te s (cf. c o m e n tá rio so b re 1.26), b u sc a n d o -o co m co n fia n ç a em
o ração e re c e b e n d o seu cu id ad o corretivo.

H a rm o n ia n a a d o ra ç ã o (19.23)
A v erd ad eira relação d o s o rácu lo s q u e focam o E g ito é q u e o E g ito é u m
“ ex em p lo cara c terístic o ” d o p ro p ó s ito d o S e n h o r d e u n ir o m u n d o n a ad o -
ração a ele. A religião v erd ad eira cura as feridas e n tre as p essoas. O final d o
século V III a.C. foi cheio d e te n sã o e n tre as duas ditas su p e rp o tê n c ia s, E g ito
e A ssíria, m as o q u e a am b ição m undial separa, a religião b asead a n a revelação
(co m o acim a; cf. 2.2-4) une. E ste é o terceiro estágio n a p ro p a g a ç ã o d o rein o
d e paz: p rim e iro um as p o u cas cidades (18), d e p o is u m país in te iro (19) e ag o ra
o m u n d o to d o . A ên fase aqui está na u n ião q u e os p o v o s se n ü a m u n s c o m os
o u tro s, e a livre ex p ressão q u e d ã o a ela.
A estrada (n fs illâ , “ u m a trilha o u e stra d a lev an tad a” , visível e inequívoca)
exp ressa p o ssib ilid ad e d e acesso. O m o v im e n to livre e m ú tu o e n tre o E g ito e a
A ssíria m o stra os egípcios e os assírios d e sfru ta n d o -a . A frase cultuarão ju n to s ex p res-
sa o fu n d a m e n to d a u n id ad e deles, o m a g n e tism o q u e o s une: eles aceitam cada
um ao o u tro p o rq u e cada um é aceito p e lo S e n h o r (cf. R m 14.1-3).

C o ig u a ld a d e n o S e n h o r
A últim a seção “ naquele d ia” é o p o n to crucial. A c o m u n h ã o q u e eles
se n te m (23) é o b jetiv am en te ratificada q u a n d o o S e n h o r diz: 0 E gito, m eu povo, a
A ssíria , obra de m inhas mãos, e Israel, m inha herança. N o início, Ju d á foi u m objete)
de m e d o para o s egípcios (17). Isso é c o rre to , po is o v e rd a d e iro re c o n h e c í-
m e n to d o S e n h o r significa re c o n h e c im e n to e su b m issã o àqueles q u e já são seu
p o v o (cf. I C o 14.24,25). M as o c o n v e rtid o d e sfru ta d e im ed iato a m e m b re sia
coigual. O s três títu lo s povo, obra de m inhas mãos e herança se m p re p e rte n c e ra m a
Israel. N o E gito, a palavra an tes era: “ D eixe o m e u p o v o ir” (E x 5.1), m as agora
o E g ito é m eu povo. N a d a p o d e ría sinalizar de fo rm a m ais m arav ilh o sa q u e D e u s
está em o p e ra ç ã o .1

1 E m n e n h u m a d a ta m ais ta rd ia q u e Isa ías faria s e n tid o fa la r d e tr a n s f o r m a r Isra e l, F .gito e


A ssíria e m u m . E m n e n h u m te m p o o E g ito e a A ssíria se ria m u s a d o s c o m o n o m e s c o n c i-
s o s p a ra o p o d e r io m u n d ia l, c u ja c o n v e rs ã o s im b o liz a ria u m m u n d o t o d o r e u n id o e m p a z
n a u n id a d e d o p o v o d e D e u s .
227 ISAÍAS 1 9 . 1 2 0 . 6 ‫־‬

O fe r ir o Egito: u m cu m p rim en to de ín terim (20 .1 -6 )


S o b re c u m p rim e n to d e ín terim , veja p. 179s. Pela terceira vez, Isaías ofe-
rece u m c u m p rim e n to n o fu tu ro im ed iato , q u e q u a n d o o p o v o v ir isso aco n te-
cen d o fo rn e c e rá fu n d a m e n to para sua fé n o s p ro p ó sito s m aio res e m ais am p lo s
do S enho r. A c a m p a n h a assíria c o n tra A sd o d e (1) a c o n te c eu em 711. D u ra n te
os q u a tro a n o s an terio res, o E g ito in stab ilizo u o s e sta d o s p alestin o s d o o este
com p ro m e ssa s d e auxílio se eles se lev an tassem c o n tra a A ssíria e, p o r volta
de 713, A sd o d e estava em rebelião. C o m o um a co n se q u ê n c ia , a A ssíria d e p ô s
seu rei e p ô s o u tro em seu lugar, m as A sd o d e n ã o se in tim id o u . O n o v o rei foi
expulso e (co m o a n jo m au d o E g ito a sso m a n d o n o p a n o de fu n d o ) os m ensa-
geiros fo ra m e n v iad o s p ara c h a m a r Ju d á , E d o m e M o a b e p ara se ju n ta re m ao
levante. U m a vez q u e E z eq u ias n ã o so fre u represálias d a A ssíria n essa ép o ca, é
provável q u e ele te n h a ficado d e fora; p o d e até m e sm o se r q u e ele tivesse sido
influenciado pelas p e rc e p ç õ e s d e Isaías, c o n fo rm e e x p re sso n o c a p ítu lo 18.
Mas A sd o d e n ã o escap o u . S argão II, agora n o auge d e seu p o d e r, envia seu gene-
ra l(1). A sd o d e foi e n fra q u e cid a e se to rn o u u m a p ro v ín cia assíria. O E g ito , fiel
à fo rm a, v o lto u atrás cm suas p ro m essas. E m algum m o m e n to em tu d o isso,
Isaías in iciou um o rá c u lo d e ação ao vaguear nu e descalço (2). Sua in te n ç ã o ao
im itar a c o n d iç ã o d o s cativos era e x p o r a futilidade de c o n fiar n o E gito. Q u a n -
do esse d e stin o caísse so b re o E g ito d ian te d o s p ró p rio s o lh o s d e sua audiência
(5,6), eles p e rc e b e ría m a inutilidade da política q u e tin h a m a d o tad o . E sse era
o cenário h istó ric o d o o rá c u lo d e ação d e Isaías. E le se c o m p ro m e te u visível-
m ente co m a v eracid ad e da palavra d ada a ele, e eles p o d c ria m vê-la cu m p rid a.
Mas p o r q u e ele a inclui aqui em sua o b ra reu n id a? E le estivera e sb o ç a n d o a es-
perança universal (19.16-25) em q u e três n açõ es d e sua p ró p ria é p o c a figuram :
seu p ró p rio p o v o , a A ssíria im perial e o p re te n so E g ito im perial. Sua v isão para
elas é e sp a n to sa — as duas su p e rp o tê n c ia s se ju n tariam à m in ú scu la Ju d á c o m o
um p o v o em um m u n d o so b um D e u s (19.23-25). Isso é crível? Isaías, a fim de
provar q u e é, registra um in cid en te m o s tra n d o q u e ex a ta m e n te esses im p ério s
m undiais — n o a p o g e u de seu p o d e r — estão sujeito s à palavra d o Senhor.
N ada, p o rta n to , é im possível. O q u e é relevante n ã o é u m a estim ativa h u m a n a
do q ue p o d e aco n tecer, m as o q u e o S e n h o r disse.
1 N o ano, o u seja, 711 a.C. 0 general enviado é o “T a rtã ” (A R C ), o u seja, “ se-
g u n d o ” (para o rei, cf. 2R s 18.17). Sargão 11 foi um d o s m aio res reis assírios e
reinou d e 722 a 705 a.C.
2 N essa mesma ocasião p o d ia ser “ d u ra n te esse p e río d o ” (cf. 18.7). Ocasião
Çêt) refere-se à co n v en iên cia d o p e río d o , em vez de a u m a d ata precisa. Falou
podia se r “ tin h a falad o ” . N ã o sab em o s em q u e p o n to o o rá c u lo de ação de
Isaías se ajustava n a seq u ên cia d e eventos. O pano de saco era a p a re n te m e n te a
vestim enta n o rm a l de Isaías. Será q u e era o p a n o d e saco d e p e sa r (15.3) o u a
O LIV RO DO REI 228

ro u p a to sc a u sad a pelos p ro fe ta s (2Rs 1.8)? Tire é (lit.) “ n u ” . Será q u e Isaías


p a sso u re a lm e n te a a n d a r “ n u ” o u a N V I está c o rre ta em salv ag u ard ar as p ro -
p ried ad es co m andar mi? O u so geral d a palavra Ç ãrôm ) su g ere a p rim eira opção.
D e to d o jeito, ele p a g o u o p re ç o da o b ed iên cia p ela in c o rp o ra ç ã o d a palavra
q u e lhe foi dada.
3. D isse en tã o / “ e ” 0 Senhor, o u seja, q u a n d o A sd o d e caiu, em q u e p o n to
Isaías re p re se n to u p o r m eio da ação sua m e n sa g e m d u ra n te três anos. A ssim ,
d u ra n te to d o o p e río d o d e in ten sa diplom acia egípcia c o n tra a A ssíria, o p o v o
tin h a o b se rv a d o Isaías, p e rg u n ta n d o -se o q u e seu c o m p o rta m e n to anunciava.
U m a vez q u e eles p o d e ría m c o n h e c e r a m e n te dele q u a n to ao tó p ic o d a reb e-
liâo, p o d ia m p re su m ir d e sd e o c o m e ç o q u e Isaías lhes dizia q u e os reb eld es
estav am c o n d e n a d o s e iriam cativos antes da Assíria. M as não. A p alav ra d o
S e n h o r dizia re sp e ito ao p ró p rio E g ito (ligado co m a E tió p ia p o rq u e a din astía
etío p e estava n o p o d er). Isaías estava p ro fe tiz a n d o so b re o s egípcios cativos.
P o d e m o s se n tir o e le m e n to teatral n o anúncio. U m a vez q u e (co m o p o d e m o s
dizer) q u a lq u e r to lo p o d ia p re d iz e r q u e a rebelião d e A sd o d e fracassaria, p o -
d e m o s o u v ir o sab ich ão dizer: “ Q u a n ta c o n fu sã o so b re o óbvio! D ig a algo
q u e n ão sab em o s!” A m en sag em n ã o era o q u e eles esp erav am n e m o q u e eles,
ap aix o n ad o s c o m o eram o s po lítico s d e Je ru sa lé m p elo E g ito , q u eriam ouvir.
M as ela veio co m força dupla: a palavra d e explicação e o p ro lo n g a d o a to de
in c o rp o ra ç ã o da m ensagem .
4 Isaías n ã o p red isse a c o n q u ista d o E g ito, m as sim p lesm en te a triste visão
de filas d e cativos se n d o d e p o rta d o s. E sse seria o caso d e p o is d a b atalh a de
E lte q u e (701), u m ensaio d o E g ito c o n tra a A ssíria. U m a vez q u e isso aco n te-
ceu an tes d a invasão de Ju d á p o r S enaq uerib e, b e m p o d e te r c o n trib u íd o para
o e x tre m o d e sa le n to d e E z eq u ias (37.1-4), ex a ta m e n te c o m o Isaías dissera que
faria. A frase p a ra vergonha do E g ito é (lit.) “ a n u d e z d o E g ito ” . A c o n d iç ã o d o s
cativos e x p u n h a a co n d iç ã o da nação.
5 ,6 E sses v ersículos são (lit.) “ e eles serão d isp e rsa d o s e c o lh e rã o v erg o n h a
p o r causa d a E tió p ia , seu alicerce de co n fian ça, e p o r causa d o E g ito , sua van-
glória, e o s h a b ita n te s d essa co sta d irão naqu ele dia: 4V ejam , tal é o alicerce da
n o ssa co n fian ça para o n d e c o rra m o s em b u sca de ajuda, p ara se r lib e rta d o s d o
rei d a A ssíria e c o m o n ó s m e sm o s e sc ap arem o s?’ ” .

2 .0 segundo ciclo de oráculos: o mundo nas sombras (21.1—23.18)


Isaías c o n tín u a a c o n s tru ir o rácu lo s de m u ito s p o n to s d e o rig e m d istin to s
em u m a visão de m u n d o m osaica. O p rim e iro ciclo (13.1— 20.6) é m arc a d o
pela alegre certeza: o m u n d o está nas m ão s d o S e n h o r e suas p ro m e ssa s serão
cu m p rid as. E sse seg u n d o ciclo o ferece um c o n tra ste co m p leto . E le co m eça
co m u m a visão de ju lg a m e n to d a qual Isaías recu a a tô n ito (21.3) e c o n tin u a para
229 ISAÍAS 2 1 .1 - 1 0

um a v o z solitária nas trevas e u m a p re d iç ã o de trevas ain d a p o r v ir (21.1 ls.). Isso


revela u m m u n d o g e n tio em b u sca de ajuda, m as n ã o a e n c o n tra n d o (21.13ss.)
e acusa o p o v o d e D e u s d e um p e c a d o im p erd o áv el (22.14). Sua ú n ica n o ta de
esperança é u m trib u to d e T iro ao S e n h o r, m as até m e sm o isso está n o fim de
um o rá c u lo d e d ev astação (23.18). A ssim , c o n fo rm e Isaías investiga adiante
no fu tu ro , ele vê o m u n d o se to rn a n d o m ais so m b rio . A h istó ria n ã o se “ to rn a
cada vez m e lh o r to d o dia de to d a s as m an eiras” . O s ju lg am en to s d iv in o s ficam
mais severos, as n ecessid ad es ficam m ais p ro fu n d a s e m ais insolúveis, o p o v o
de D e u s é assed iad o p e lo e sp írito de au to ssu ficiên cia e esse m aterialism o. Isaías
não está a b a n d o n a n d o sua co n fian ça nas p ro m e ssa s d e D e u s, m as as está re-
lacio n ando realísticam en te co m situações ain d a m ais d e se sp e ra d o ras à m ed id a
que o te m p o p ro sseg u e. N e ssa série, Isaías usa títu lo s en ig m ático s p a ra q u a tro
dos cin co o ráculos. E m cada caso, o o rá c u lo p o d e d e fato se r id en tificad o co m
um lugar, m as o e le m e n to e n ig m ático n o títu lo significa, c o n fo rm e v erem o s,
que o lug ar em q u e stã o n ã o é c o n sid e ra d o c o m o u m a e n tid a d e h istó rica, m as
co m o a in c o rp o ra ç ã o d e u m tó p ic o o u princípio.

a. O deserto à beira-mar (Babilônia): a queda dos deuses (21.1-10)


P en sa-se g e ra lm e n te q u e a referên cia à B abilô nia n o v ersícu lo 9 é para
d eterm in ar a d ata a q u e esse o rá c u lo se refere: a q u e d a d a cid ad e p a ra C iro, em
539. P o r c o n se g u in te , a c o m p o siç ã o d o o rá c u lo é d a ta d a co m alg u m a pro x im i-
dade d esse evento. E ssa p e rc e p ç ã o é ap o iad a pela referên cia à M édia n o versí-
culo 2, q u e estava associada aos p ersas n a c o n q u ista d a B abilônia. A d escu id ad a
folia d o v ersícu lo 5 ta m b é m se ajusta ao q u e é c o n h e c id o d a B abilô n ia n o m o -
m en to d e sua q u e d a (cf. D n 5). M as as coisas n ã o estão de fa to tão definidas.
1. O s v ersículos 1,2a su g erem fam iliaridade co m a c o n d iç ã o clim ática d o
N eg ueb c e, p o rta n to , um a localização p alestina, em vez d e b ab ilô n ia, para o
autor.
2. A s atividades d e E lã o e da M édia n o versícu lo 2 n ã o p o d e m ser restritas
à qu ed a d a B abilônia em 539. E les estiveram n o palco e fo ra dele ao lo n g o de
todos o s p e río d o s assírios e babilônios.
3. N ã o h á n e n h u m m o tiv o p o r q u e a q u e d a da B abilô n ia p a ra a P érsia de-
veria ser u m a ssu n to q u e causasse angústia (w . 3,4) p ara o p ro fe ta e fosse um a
“visão terrív el” (v. 2) a se r relatada ao “ m a lh a d o ” p o v o d e D e u s (v. 10).
4. O c o m e r e o b e b e r d e sc u id a d o (v. 5a) é e n c o n tra d o em 22.13 c o m o um
tem a p ara o esp írito c o m p la c e n te e de visão lim itada de Jeru salém . Sua adequa-
bilidade à B abilônia n a n o ite d e sua q u ed a n ã o p o d e se r m ais q u e coincidência.
5. A q u e d a da B abilônia, em 539, foi apenas u m a das m u itas so frid as pela
cidade e n ã o tem n e n h u m d ireito p rescritiv o d e se r a ú nica m e n c io n a d a aqui.
Ela caiu p a ra S argão II em 710, para S en aq u erib e em 702 e em 689 e p a ra A s-
O LIV RO DO REI 230

su rb an ip al em 648. A o lo n g o d esse p e río d o , o E lã o e a M édia estav am envolví-


d o s, m as d o lad o d a B abilônia.
A c o n v o c a ç ão às arm as n o versículo 2 n ã o te m de se refe rir ao a taq u e de
C iro em 539. E possível e preferível u m cen ário to ta lm e n te d istin to . E rla n d s-
so n a rg u m e n ta d e fo rm a c o n v in c e n te q u e esse o rá c u lo se relacio n a à q u e d a da
B abilônia em 689, o q u e co m certeza, pela fero cid ad e, casa c o m o q u e Isaías
prevê. S en aq u erib e registra q u e e n c h e u a cidade d e cadáveres “ o s d eu ses ha-
b ita n d o ali — as m ã o s d o m eu p o v o o s p eg aram e [...] o s e sm a g a ra m ” . O s
p réd io s e m u ro s fo ram d e stru íd o s e, diz E rla n d sso n , “ seu g e sto final foi lib erar
u m a q u a n tid a d e im en sa d e água so b re as ru ín as [...] a fim d e ap ag ar q u a lq u e r
tra ç o d aq u ela cidade q u e tin h a e sta d o em c o n sta n te rev o lta” .1
O oráculo to d o p o d e ser e n te n d id o dessa perspectiva. A chave é a figura
sem p re indócil de M erodaque-B aladâ. N o s anos de 722-710 e d e 705-702, esse
inim igo inveterado d a A ssíria assegurou a in d ep en d ên cia da B abilônia e até m es-
m o tra n sfo rm o u -a em um a im p o rta n te am eaça à co n tin u ação d o Im p é rio A s-
sírio. E le voltou sua atenção para Ju d á p o r in te rm é d io da com itiva q u e enviara
o sten siv am en te c o m o u m a cortesia para recu p erar a sim patia de E zequias, m as
de fato para b u scar a parceria de Ju d á n a causa c o n tra a Assíria. A resp o sta de
b oas-vindas de E zequias recebeu u m a réplica im ediata d e Isaías (cap. 39), m as
esse oráculo aqui é c o n sid erad o a resp o sta de Isaías, sua principal tentativa de
afastar Ju d á d a aliança com o que ele vê c o m o um a co n d e n a d a B abilônia. O o rá-
cu lo d e se m p e n h a o m e sm o p ap el em relação a M ero d aq u e-B alad ã e a B abilônia
c o m o faz o te x to de 19.1-15 em relação ao aliado egípcio, e n fa tiz a n d o a falta de
o b jetivo, m e sm o em te rm o s p olíticos, d e u m a aliança c o m u m a cau sa p erd id a.
S o b essa luz, a passag em p o d e se r revista d a m an eira a p re se n ta d a a seguir.
P ara co m eçar, fo rm a -se u m a im ag em na m e n te d e Isaías d e u m red em o i-
n h o d e v e n to atrás d o o u tro através d o N e g u e b e v in d o s d o m a r M o rto . E le
fica c o n sc ie n te d e q u e a m en sag em p o r traz da im agem é terrível (w . lb ,2 a). A
seguir, ele ou v e, c o m o se estivesse p re se n te , o q u e os em b aix ad o res d e M ero -
daqu e-B aladã d isseram a E z eq u ias e seu “ g a b in e te ” q u e a A ssíria a tra id o ra e
u su rp a d o ra n ã o p o d ia m ais se r to lerad a e q u e o E lã o e a M édia estav am p re p a -
rad o s p a ra p e g a r em arm as. M ero d aq u e-B alad ã está co n fia n te d e q u e co n se g u e
acab ar co m o g e m id o p ro v o c a d o pela A ssíria {Veja 2b,d). O q u e está p a ra vir
en ch e Isaías de d o r e te rro r, e m b o ra o c re p ú sc u lo d o p o d e rio assírio fo sse algo
p elo q u e ansiava havia m u ito te m p o (w . 3,4).
O s so n s v in d o s d o palácio, n o e n ta n to , são m u ito d istin to s. O s co m p la c e n -
tes p olíticos celebravam sua aliança co m M ero d aq u e-B alad ã c o m u m b a n q u e te
e é c o m o se Isaías c o n seg u isse o u v ir o m ilitarism o g ratificad o e c o n fia n te d a
fala deles a p ó s o ja n ta r (v. 5). Isaías, na explicação d e sua reação v io len ta, revela

1 E r la n d s s o n , p. 91.
231 ISAÍAS 2 1 . 1 - 1 0

um se g re d o q u e lhe foi confiado. É c o m o se ele tivesse d e sig n a d o u m vigia e


lhe d a d o algo p a ra vigiar. M as o sinal dad o , q u a n d o p o r fim se m aterializo u ,
trouxe c o n sig o o an ú n c io d a q u e d a total d a B abilônia (w . 6-9). E ssa m en sag em
é fielm ente relatada. E sm a g a d a c o m o Ju d á está so b a A ssíria, a so lu ção n ã o é se
ligar à c o n d e n a d a B abilônia (v. 10).
A ssim , d e ix a n d o d e “ ler nas e n tre lin h a s” , o q u e a p o esia alta m e n te carre-
gada e alusiva se m p re exige, o o rá c u lo se to rn a u m a m en sag em p e rtin e n te para
E zequias e seus co n selh eiro s. M as n essa seção de Isaías, c o m o sem p re, tem o s
de fazer o u tra p erg u n ta. Isaías n ã o d e n o m in a o o rá c u lo c o m referên cia a M e-
rodaque-B aladã, etc., m as o ferece o en ig m ático títu lo Advertência contra 0 deserto
junto ao mar. Q u e p ro p ó s ito o o rácu lo c u m p re em seu c en ário atual? K aiser res-
ponde: “ E le p arece se b asear n esses ev e n to s a fim de re tra ta r a q u e d a im in e n te
da cidade m u n d a n a [...] o c o m e ç o d o s in fo rtú n io s d o final d a era q u e p reced e
a salvação” .' Isso está p e rfe ita m e n te c o rre to . N e sse e sq u e m a d e o rácu lo s (veja
p. 228) a v erd ad eira B abilônia aqui d e 13.1— 14.23, sim b o liz a n d o a tentativ a
d erradeira da h u m a n id a d e d e o rg a n iz a r o m u n d o sem referên cia a D eu s. E essa
co n d en ação q u e está v in d o e ela n ã o traz n e n h u m a alegria a n e n h u m especta-
dor. Seu c o m e ç o é p ro d u z id o em um fu tu ro in d e te rm in a d o , c o n fo rm e sugere
a p ro lo n g a d a e sp era d o vigia (v. 8) e, n esse m eio te m p o , o p o v o d o S e n h o r
con tinu a esm a g a d o (v. 10). N a in te rp re ta ç ã o d esses o rá c u lo s te m o s d e p ro c e d e r
tanto n o p la n o d o cen ário inicial q u a n to n o p la n o d o n o v o c o n te x to em q u e a
verdade original vem a se to rn a r u m a florescência m ais am p la e m ais m ad u ra.
A fo rm a d o o rá c u lo é c o m o se segue:

A 1 U m a visão receb id a (lb,2a)


B1 U m fim p re v isto (2b)
C1 U m a reação d e h o r r o r (3,4)
C2 U m a reação de p ra z e r (5)
B2 U m fim realizado (6-9)
A 2 U m a m en sag em relatada (10)

O o rácu lo , em sua fo rm a , focava o rig in alm en te as reaçõ es c o n tra sta n te s


de Isaías e d o s políticos. D a fo rm a c o m o ele agora se a p re se n ta , seu fo co está
na q u estão p e rm a n e n te c o n fro n ta n d o o p o v o d e D eu s: eles v eem seu cam in h o
adiante em te rm o s d e a c o m o d a ç ã o ao m u n d o e seus m é to d o s o u reag em co m

1 K a ise r d a ta a p ro fe c ia d e p o is d a q u e d a d a B a b ilô n ia e m 539 e a c h a q u e s ã o o s e v e n to s


d a q u e d a s o b r e o s q u a is o p o e ta se b a se ia p a ra c ria r su a im a g e m d o fim d o s te m p o s . N o
e n ta n to , é difícil v e r c o m o u m p o e ta p o d e r ía tr a n s p o r a s a n g r e n ta q u e d a d a B a b ilô n ia p a ra
C iro n e ssa visão terrível o u p o r q u e se ria u m a o b r ig a ç ã o a m a rg a c d e sa g ra d á v e l tra n s m itir a
n o tíc ia p a r a se u p o v o .
O LIV RO D O REI 232

h o rro r ao p e n sa m e n to d e um a associação co m aquela q u e está c o n d e n a d a (cf.


52.11,12; A p 18.1-4)?
1 E rla n d sso n o b se rv a q u e 0 deserto ju n to ao m a r p o d ia ser u m eq u ivalente
h e b re u ao acad ian o m a t tam tim (“ a te rra d o m a r”), a região em to r n o d o g o lfo
persa, o u seja, o h a b ita t d e M erodaque-B aladà. Isso faz u m a ligação p e rfe ita en-
tre o o rá c u lo e seu p o n to de origem , e m b o ra seu títu lo p ro v o c a d v o o afaste de
um e n v o lv im e n to p ró x im o d em ais co m a situ ação q u e lhe d e u o rig em . T odavia,
é m ais sim ples p e n sa r em te rm o s d o N e g u e b e , q u e era u m a m b ie n te fam iliar
para Isaías e p o d e te r sid o o lugar em q u e a visão foi c o n ced id a. A ex p ressão
varre todo p ro v a v e lm e n te é “ na v in d a [deles] um d e p o is d o o u tr o ” . A frase um
invasor é u m a ad ição in te rp re ta tiv a d a N V I. O te x to h eb ra ic o e x p ressa o vago
te rro r d e “ ele v ir” o u “ d e algum a coisa v in d o ” . U m a terra pavorosa (n ò r a a , “ te rra
h o rrív el”) é c o m o e m D e u te ro n ô m io 8.15.
2 Terrível (qãsa , “ dura, cru el”), c o m o em IR eis 12.4, significa opressivo, in-
suportável. A frase 0 traidor fo ra traído, 0 saqueador saqueado/ “ o p érfid o p ro ced e
p érfid am ente, e o d ev astad o r devasta” era o riginalm en te u m a referência à A ssíria
(veja 33.1). E m seu cenário atual, a frase descreve a falta d e confiabilidade m oral
d o m u n d o — n ã o se p o d e co n fiar nas pessoas, e a p ro p ried ad e n ão é respeitada.
A presença de E lã o é u m p ro b le m a para aqueles q u e ligam e d atam o orácu lo
co m a d estru ição da B abilônia d e 539 a.C. pelos persas, pois, c o n fo rm e adm ite
K aiser, o E lão “ deixou de ser um sério o p o n e n te d o s im p ério s m e so p o tâ m io s já
em 639 a.C.” . E le resolve seu p ro b lem a ao dizer qu e o n o m e “ enfatiza a prim azia
do s persas so b re os m e d o s” , m as n ão explica c o m o p o d e ser isso.1 E m ais ex ato
d atar o oráculo n o te m p o da m issão diplom ática de M ero d aq u e-B alad ã e o u v ir
p o r trás d o clam or assonante: c<71 lelam (“ levanta, E lã o ”), a garan tia d o s em baixa-
do res da presteza de E lão para se juntar à rebelião d o lad o d a B abilônia. O texto,
sep arad o de seu co n te x to original, ap o n ta a co n tin u ação d o apelo p o r soluções
militares. Ponho é o perfeito da certeza, significando “e sto u d eterm in ad o a...” . Foi
originalm ente um a p rom essa feita n o n o m e de M erodaque-B aladà; agora ela re-
p resen ta a voz h ipotética da linha c o n tin u an d o o “p ed id o d e M erodaque-B aladã
para d e stru ir o s sistem as o p ressiv o s e e n tra r em u m a é p o c a d o u ra d a ” .1
2
3 ,4 A m e sm a im ag em d e so frim e n to é u sad a n o o rá c u lo paralelo d a B abi-
lônia n a p rim eira série (13.7,8). O te rm o “ p o r ta n to ” (TB) q u e ab re o versícu-
lo 3 (o m itid o pela NVT) liga a reação de Isaías c o m a visão terrível d o v ersícu lo 2a

1 K a ise r, p. 124.
2 A frase todo gemido que ela provocou d e p e n d e d e a s s u m ir q u e a e x p r e s s ã o ’an h ã tâ d o T M te m
d e s e r c o n s tr u íd a c o m o t e n d o u m s u fix o p r o n o m in a l fe m in in o . O s u b s ta n tiv o , cla ro , p o d e
s e r to m a d o c o m o u m a f o r m a fe m in in a e s te n d id a (G K C 90g) s ig n ific a n d o s im p le s m e n te
“ to d o g e m id o ” . E s e m p r e a p r o m e s s a d o p r ó x im o g o v e r n o n ã o s ó d e s f a z e r o d a n o d o
a n te rio r, m a s ta m b é m d e ix a r tu d o p e rfe ito .
233 I S A ÍA S 2 1 .1 - 1 0

e aguarda a explicação adicional in tro d u z id a p e lo “p o is ” (TB) n o co m e ç o d o


versículo 6 (m ais urna vez o m itid o pela N V I). Isaías, física (3) e em o c io n a lm e n -
te (4), e n tra em ch o q u e. O s te rm o s angustia [...] transtornado [...] atônito são (lit.)
“cheios d e d o re s [...] a n g ú s tia s /c o n to rç ã o [...] te rro r” . O anoitecer (cf. J r 13.16,
em q u e a N V I traz “ trev as”) é a h o ra d o ju lg a m e n to divino. Isaías co n fe ssa que
ansiava p o r v e r o S e n h o r v ir e ac e rta r o m u n d o , m as a visão terrível revelou o o u -
tro lado d essa in te rv e n ç ã o ; n ã o o q u e o q u e significará p ara o salvo, m as o que
significará p a ra o p e rd id o (cf. 2Ts 1.6-10). E le vê o terror in sep aráv el d o D ia d o
Senhor. E m um p lan o , o h o r r o r é o q u e está p o r v ir p a ra a B abilô n ia h istó rica,
com a qual E z e q u ia s está a ta re fad o em se aliar. N o p la n o em q u e o o rá c u lo o p e-
ra agora, n o e n ta n to , é o h o r r o r d e rra d e iro d o tra ta m e n to d e rra d e iro d o S e n h o r
com o p ecad o , seus ag en tes (natural e so b ren atu ral) e o sistem a m u n d a n o em
que ele está in c o rp o ra d o — a B abilonia espiritual de A p o calip se 18— 19.
5 N esse versículo, em co n trap artid a, a cena de com placên cia e autossatisfa-
çào é traçada co m q u a tro infinitivos nítidos: o p ô r as m esas, o este n d e r da toalha
(arranjando os lugares de assento), o c o m e r e o beber. H isto ricam en te, esse é o
banquete de boas-vindas d o s em baixadores de M erodaque-B aladã. Isaías, co m
a frase levantem-se [...] preparem os escudos, faz c o m o se ele estivesse o u v in d o se-
cretam en te as co n v ersas d e p o is d o jantar. O s q u e falam c o m facilidade u sam a
term inolo g ia d e u m a g u e rra san ta, p o is afinal n ã o são eles q u e v ão d e u m a vez
p o r to d as aju star as c o n ta s c o m o s atro zes assírios? E isso ta m b é m faz p a rte d o
h o rro r de Isaías: o p o v o d e D eu s, aleg rem en te e sem p en sar, iden tifica-se co m
o m u n d o , c o m a B abilônia q u e Isaías sabe q u e n ã o p o d e o fe re c e r n e n h u m a so-
lução, m as está ela m e sm a c o n d e n a d a (veja c o m e n tá rio so b re 13.17 e 21.1-10).
Mas o v ersícu lo 5, em u m p la n o m ais p ro fu n d o , é u m a im ag em d e u m a igreja
satisfeita co m o s p ra z e res d e ste m u n d o , tra v a n d o suas b atalh as c o m arm as car-
nais. U m a igreja q u e se identifica co m o sistem a m u n d a n o re p re se n ta d o pela
B abilônia e, n o fim , é alcançada p elo ju lg am en to da B abilô n ia (cf. A p 18.1-4).
6-9 Isaías co m e ç a essa explicação te stific a n d o d e u m firm e se n so de reve-
lação divina: A ssim me di% 0 Senhor (veja c o m e n tá rio so b re 18.4). Senhor Ç“dõnãy,
“S o b e ra n o ”) é um títu lo a d e q u a d o ao p ap el q u e o S e n h o r está p ara d esem p e-
nhar em u m ajuste de c o n ta s final co m o m u n d o . Isaías d escrev e v iv id am en te o
colocar u m vigia (6), o d e te rm in a r u m sinal para ele vigiar (7), o retra tá -lo c o m o
p acien tem en te fiel em sua m issão (8) e, q u a n d o o sinal fo r c u m p rid o (9a), o
relatar a n o tíc ia d a q u e d a da B abilônia (9b).
6 A frase p a ra que anuncie é (lit.) “ aquele q u e relatará o q u e v ê ” , o u seja, o
vigia é u m h o m e m confiável q u e n ã o fabricará n e m falsificará o q u e vê.
7 O v ersícu lo é (lit.) “ Q u a n d o ele vir u m a tro p a m o n ta d a , p ares d e cavalos,
um a tro p a m o n ta d a em ju m en to s, um a tro p a m o n ta d a em cam elo s” . M . S. Sea-
le o b se rv a q u e “ o s n ô m a d e s árabes, ao se p re p a ra r p a ra a b atalh a, m o n tav am
O LIV RO DO REI 234

sua m o n ta ria , q u e r cam elo q u e r cavalo, e levavam o u tra m o n ta ria — em geral


sua m e lh o r ju m e n ta — a qual eles m o n ta v a m im e d ia ta m e n te an tes d a lu ta ” .
(Cf. 2R s 9.25, q u e Seale trad u z d esta form a: “ Q u a n d o v o cê e eu cavalgavam os
p arelh as” .)1
8 A e x p re ssã o então 0 vigia é (lit.) “ e o leão cla m o u ” .12 (S obre n o m e d e ani-
m ais u sa d o s c o m o títu lo s h o n o rífico s, veja 15.9 e a n o ta d e ro d ap é.) A fo rça das
palavras é “ e o leão q u e ele é, ele” , o u seja, um h o m e m d e fo rç a reso lu ta, n ã o
pro v ável d e se r in tim id ad o , etc. foi e sco lh id o c o m o o vigia e p ro v o u , n o even to ,
sua c o rag em (veja G n 49.9,14,17,21). E le p erse v e ro u “ dia a p ó s d ia |...| to d as
as n o ite s” e n o fim o sinal foi cu m p rid o . In c id e n ta lm e n te, o s v ersículos 6-8
lançam luz so b re o cu id ad o d o s p ro fe ta s n o c u m p rim e n to de sua v ocação. E les
tin h am d e te r co n fiab ilid ad e de ca rá te r in trín seca, se r h o m e n s q u e relatariam
apen as o q u e viram (6) e te r a d e te rm in a ç ã o d e o b te r a m e n sa g e m c o rre ta e
e n te n d e r c e rto a m e n sa g e m , de esp e ra r o in d ício a se r fo rn e c id o e e n tã o o u v ir
c o m diligência (7). E les p recisavam te r a disciplina de e sp e ra r pela p alav ra c o m
to d a p re ste z a de u m sen tin ela confiável (8; cf. J r 43.4,7; H c 2.1). N ã o p o d ia
h av er tergiversação, falta d e exatidão o u in c e rte z a n a re c e p ç ão d o q u e o S e n h o r
diría p ara seu povo.
9 E sse v ersículo é (lit.) “ E veja! Ali vem u m a tro p a m o n ta d a d e h o m e n s,
p arelh as d e cavalos” . U m a vez q u e eles ainda estã o m o n ta n d o u m cavalo e le-
v a n d o o u tro , eles d ev em e sta r v o lta n d o c o m o v ito rio so s. E les n ã o e stã o fugin-
d o na m e lh o r m o n ta ria , m as tra z e n d o notícias de co n q u ista: a Babilônia e to d a
sua ideologia (seus deuses) estão d esp ed açad as. H isto ric a m e n te , isso se re fe re à
d e stru iç ã o d a B abilônia pela A ssíria, em 689, m as isso ag o ra re c u o u p a ra o
seg u n d o p lan o , e Isaías o lh a ad ian te p ara a B abilôn ia escato ló g ica e o D ia d o
Senhor.
10 Isaías, a o p e g a r o v e rb o conto p ara a seção de a b e rtu ra (v. 2a, “ tive”),
con clu i o p o e m a . E le teve u m a visão terrível (lb ,2 a) e ag o ra a relata c o m o um a
m en sag em . P o r isso, n o cen ário original d o orácu lo , deixe q u e E zeq u ias seja
ad v ertido. M ero d aq u e-B alad ã p o d e se r plausível, m as se id en tificar co m ele é
se id en tificar c o m o co n d e n a d o . O títu lo en ig m ático (la ) indica q u e Isaías está
o lh a n d o além de um in cid en te h istó ric o para a B ab ilô n ia, q u e a p areceu pela
p rim eira vez em Sinar (G n l l . l s s . ) e resu m iu o esp írito d e au to ssu ficiên cia, a
co n fian ça d o s seres h u m a n o s d e q u e p o d ia m e n c o n tra r seg u ran ça p o r m eio de
sua p ró p ria perícia tecnológica. E essa B abilônia q u e ele te m em m e n te q u a n d o
a d v erte o p o v o d e D e u s a m a n te r sua id e n tid a d e se p a ra d a ( c f 52.11). N ã o q ue
isso seja fácil! E les são (lit.) “ m eus m alh ad o s, filhos d a m in h a eirá” . É fácil

1 S eale, p. 97.
2 A frase então 0 vigia d a N V I se g u e o Q s n a le itu ra d e w eh (“ u m o b s e r v a d o r ” ), c m v e z d o
’aryêh (“ u m le ã o ”) d o T M .
235 I S A ÍA S 2 1 . 1 1 - 1 2

dem ais, em m eio aos ataques da vida, o p ta r p o r u m a a p a re n te fuga, u m alívio


baseado n a concessão. E difícil m a n te r a c a m in h a d a d e fé, ac re d ita r qu e q u a n d o
som os m alh ad o s ain d a so m o s seu p o v o , q u e é n a su a eirá q u e estam o s se n d o
m alhados e q u e n o ssa seg u ran ça e p ro te ç ã o c o n siste m em p e rm a n e c e r firm es
ond e estam o s, c o m a o b stin a ç ã o d o leão n o cu id a d o dele, q u e é o Senhor dos
Exércitos, /.../ ¡oj D eus de Israel. E m b o ra o c o n te ú d o d essa v isão seja m u ito an-
gustiante, sua teologia é tran q u ilizad o ra. O D e u s so b e ra n o (6) cu jo p o d e r está
por trás d e to d a a h istó ria é 0 Senhor, lavé, o u seja, ele n ã o só é o juiz daqueles
que rejeitam e d e so b e d e c e m a ele, m as o R e d e n to r daq ueles q u e ele esco lh e —
o D eu s d o êxodo. E le ta m b é m é o D eus de Israel, o u seja, n ã o o D e u s q u e esco-
lhem os p a ra se r n o sso D e u s, m as o D e u s q u e n o s e sco lh eu e se c o m p ro m e te u
com n o sso b em -estar.

b. O silêncio (Edom): a prolongação do tempo (21.11,12)


Será q u e esse o rá c u lo su rg e da ap ro x im ação d e u m in d iv íd u o e d o m ita de
Isaías para p e d ir o rie n ta ç ã o (cf. 2R s 8.7ss.) o u é a re sp o sta im aginativa d e Isaías
a algum a crise (talvez a c a m p a n h a árab e de S argão d e 715) p ela qual E d o m
estivesse p a ssa n d o ? N ã o te m o s c o m o saber, m as se n tim o s a p u n g ê n c ia d e um a
voz solitária cla m a n d o das trevas.
N o c o n te x to m ais am plo, esse o rá c u lo c o rre sp o n d e à m e n sa g e m d e Isaías
aos filisteus, em q u e os g e n tio s in te rp re ta ra m e q u iv o c a d a m en te os te m p o s e
acharam q u e a d in astia davídica estava extinta. A qui, eles n ã o e n te n d e m em
absoluto o s tem p o s. E ssa c o m p a ra ç ão se ajusta ao d e se n v o lv im e n to d o p a d rã o
dos oráculos d o s cap ítu lo s 13— 27. Q u a n to m ais a h istó ria avança, m a io r as
trevas q u e en v o lv em o m u n d o , tra z e n d o m a io r in c e rte z a — “ p ara o n d e tu d o
cam inha?”
N o c o n te x to im ed iato , há m uitas ligações co m a seção p re c e d e n te: o “guar-
da” (11) se liga co m o vigia d o s versículos 6-9; a v o z cla m a n d o d a “ n o ite ” (12)
se liga c o m o “ a n o ite c e r” e co m o se n tim e n to de m a u p resság io d o v ersículo 4;
a sequência p re d ita d e dias e n o ite s (12) casa co m os dias e n o ites q u e o vigia
passou e sp e ra n d o o c u m p rim e n to da palavra p ro m e tid a n o versícu lo 8. A ssim ,
o que p arece to ta lm e n te inútil (O q u e p o sso lhe dizer? N ã o p o s s o lhe dizer
nada. Será q u e as coisas m u d arão ? N ã o , elas n ã o m u d arão ) c o n trib u i p ara a vi-
são geral d e Isaías da história. A m alh açào e a p en e ira ç ão d o p o v o d o S e n h o r (v.
10) será p ro lo n g a d a . A s trevas p revalecem , cm vez d a luz, e as coisas co n tin u am
com o se m p re fo ram (cf. 2P e 3.4), dia e n o ite v in d o de lu g ar n e n h u m e in d o
para lu g ar n e n h u m . E ssa disciplina da e sp era p acien te n ã o é, claro, inesperada.
O s capítu los 6— 12 revelaram u m a te n sã o e n tre p ro x im id a d e e d istan ciam en -
to. E m an u el é ta n to im in e n te (9 .1 < 8 .2 3 > ) q u a n to d ista n te (11.12). Isso agora
faz p a rte d a a tô n ita ap re e n sã o de Isaías d e c o m o as coisas aco n tecerão . U m
O LIV RO DO REI 236

e d o m ita d e sc o n h e c id o p e rg u n ta se as coisas m u d a rã o p a ra m e lh o r e se a n o ite


acab ará e a luz v o ltará (1 lb c ) , e o p ro fe ta re sp o n d e : “ L o g o chega o dia, m as a
n o ite ta m b é m v e m ” (12). A ssim , a experiência d e u m g e n tio so litário reflete a
h istó ria m undial: o fim virá, ainda n ão é o fim. A e sp eran ça está n o fu tu ro sem
d ata (12ab), e e m b o ra ele seja adiado, é c e rto (12cd).
11 D um á (cf. G n 25.14) foi u m filho de Ism ael. K aiser (cf. K issane) in fo rm a
que h á um a cidade d e E d o m co m esse nom e, e Jo su é 15.52 registra um a cidade
cham ada D u m á e m ju d á . A palavra significa “ silêncio” (SI 94.17; 115.17). O ques-
d o n a d o r veio d e Seir, o u seja, E d o m (G n 32.3) e Isaías, sem dúvida, p reten d ia que
D um á fosse ta n to um a sugestão d e E d o m Ç*dõm) q u a n to ta m b é m refletisse o si-
lêncio d e seu o rácu lo em relação ao fu tu ro .1 A ideia d o guarda Çsòmêr, “ alguém vi-
g ia n d o o u g u a rd a n d o ”) c o m b in a co m o “vigia” d o versícu lo 6, m as ali a palavra
é m 'sa p p eh , q u e d escrev e a p ro p ria d a m e n te alguém à e sp e ra d e u m ev e n to p o r
vir. A q ui te m o s algu ém “ e s p e ra n d o ” e n q u a n to o te m p o p assa. Isaías ex p ressa
em sua p ró p ria delicada poesia: Q u a n to ainda fa lta p a ra acabar a noite?, in d e p e n -
d e n te m e n te d a h istó ria an g u stian te q u e chegue a seus o u v id o s.12
12 O p ro g ra m a d e D e u s n ã o só é levado ad ian te em g ra n d e s a to s d ram áti-
cos (9), m as ta m b é m em lo n g o s p e río d o s de te m p o q u a n d o n ad a p a re c e e sta r
aco n tecen d o . Isaías im p õ e a seu in q u irid o r o re m é d io m ais a m a rg o d e to d o s, a
disciplina d e ficar firm e. L ego chega é a c e rteza to tal sig n ifican d o “ é certe z a que
v e m ” . Voltem (om ite ainda ) significa q u e e m b o ra o p ro c e sso seja p ro lo n g a d o ,
ele tem fim .3

c. O deserto à noite (tribos árabes): necessidades, mas sem soluções


(2 1 .1 3 -1 7 )
T em á (v. 14) era u m a cid ad e n o oásis e um c e n tro d e carav an a 321 quilô-
m e tro s a leste d o m a r V erm elho. O s d ed an itas era m u m a trib o á ra b e d o m e sm o
local geral, e Q u e d a r (v. 16) era u m a trib o árabe q u e d eu seu n o m e p a ra a ex-
ten são n o rte d o d eserto . T o d a a região árab e esteve en v o lv id a n o s o frim e n to e
na in q u ietação d o p e río d o assírio. S abe-se q u e Q u e d a r, em 738, p ag av a trib u to .
E m 715, S argão II fez u m a c a m p a n h a c o n tra as trib o s e n tre T e m á e o g o lfo
de A q ab ah e, em 703, os árabes se ju n ta ra m a M ero d aq u e-B alad ã n a reb elião

1 A fra s e “A v is ã o d e I d u m e ia ” d a L X X n ã o a c re s c e n ta n a d a a o n o s s o e n te n d im e n to . E r -
la n d s s o n (ad. loc.) a p o n ta f o n te s a c a d ia n a s q u e c h a m a m E d o m d e udumu, m a s ele e n te n d e
o n o m e D u m á c o m o u m a a lu s ã o c o n s c ie n te a o c o n te ú d o d o o rá c u lo . C f. E ic h r o d t.
2 O s e n tim e n to d e d e s o la ç ã o q u a n d o e m a p u r o é a u m e n ta d o p e lo “ e n f ra q u e c i m e n t o ” d a
s e g u n d a lin h a , a lc a n ç a d o p e lo u s o d a p a la v ra m a is c u r ta p a r a “ n o i te ” Çsõmêr-màmillayâ,
sõmêr mah-millêl) e p e lo u s o d e fo r m a s e s te n d id a s e d e rim a n o fin al d a lin h a Çim- tib'áyún
V ã y ü subü ’êtãyü).
3 A s fo r m a s v e rb a is {tib 'a yü n t f ’a y i i . . . ’êjãyu) e x ib e m a r e te n ç ã o d o “ y” o rig in a l d o v e r b o
lamed/be ( G K C \ 7 5 u ).
237 I S A ÍA S 2 1 . 1 3 - 1 7

e fo ram su b ju g ad o s p o r S enaqueribe. P o r c o n se g u in te , n ã o é n ecessário co n -


siderar u m a d ata p o ste rio r p a ra essa peça. A p e sa r d e n ã o p o d e rm o s localizar
ex atam ente a situação q u e Isaías delineia, sua im agem é clara. T e m á é incitada a
so c o rre r aqueles q u e fo g em d a g u erra. Isso é tu d o q u e p recisam o s sa b e r — um
m u n d o g e n tio em d ificuldades e fo rn e c e n d o ajud a d e n tro d e sua p ró p ria fron-
teira. N o o rá c u lo paralelo (15.1— 16.14), o g e n tio m o a b e em crise p ro c u ra aju-
da em Sião só para deixar, p o r o rg u lh o , o ab rig o disp on ív el. M as será q u e talvez
os recu rso s coletivos d o m u n d o g e n tio p ro v ariam ser suficientes? O “ cu m p ri-
m en to d o ín te rim ” d o s versículos 16,17 acaba c o m q u a lq u e r esp eran ça; em um
ano tu d o terá a c a b a d o para Q u e d a r. P o rta n to , q u a n d o lo calizam o s esse orácu lo
no esq u em a d e Isaías ficam os sa b e n d o q u e a h istó ria p ro v a rá q u e o m u n d o n ão
po de reso lv er seus p ro b lem as. O s fugitivos g e n tio s p o d e m ser so c o rrid o s pelos
gentios, m as seu p ro b le m a b ásico d e segurança c o n tin u a sem solução.

A situação (21.13-15)

A 1 U m a situação de necessid ad e (13b)


B U m a ten tativ a de so lu ção (14)
A 2 A situação esclarecida (15)

13 A tra d u ç ã o de advertência contra a A rá b ia deixa d e o b se rv a r que, d e fo rm a


única e n tre o s títu lo s d esse ciclo d e o rácu lo s, a p re p o siç ã o tf (“ e m ” , “ c o n tra ”)
precede a seg u n d a palavra (cf. Z c 9.1) e q u e isso n ã o significa “A ráb ia” , m as
“árabes” ( (“rã b , cf. J r 25.24). P o r q u e Isaías devia in titu lar a p assag em “ e m / co n -
tra os á ra b e s” ? A L X X o m ite o títu lo to d o e p ara contra a A rá b ia (b a ‘rã b ; a m es-
ma fo rm a ç ã o d o v. 13) traz “ na n o ite ” (b ã ‘ereb ). A in d a assim , isso n o s a p o n ta
na direção c e rta — faz paralelo co m n o sso e n te n d im e n to d e “ D u m á ” n o versí-
culo 11. Isaías u sa a fo rm a d e m o d o alusivo, n ã o o fe re c e n d o u m se n tid o claro,
mas c h a m a n d o a a ten ção p ara os dois c o m p o n e n te s d o p ró p rio p o em a: a n o ite
(um tem a de tribulação) e a situação árabe. N ã o se p o d e d izer q u e essa seja u m a
solução segura, m as se ajusta aos enigm áticos títu lo s característico s d esse ciclo
e ao lugar d esse o rá c u lo na série, os g e n tio s em u m m u n d o so m b rio . A N V I
entende o s dedanitas (veja o p a rá g ra fo in tro d u tó rio acim a) c o m o re c e b e n d o a
o rdem (14) de tra ile r¡ água que, até o n d e vai, é adm issível. N ã o o b sta n te , o
texto, a fim de fo rn e c e r u m a o rd e m paralela para Temá, e n tã o co rrig e o te m p o
perfeito (“ tragam c o m id a ” ; 14) para u m im perativo. A m u d a n ç a é m ín im a (de
q id ítm u p ara q a d d 'm u ) . Se o T M foi p reserv ad o , o s d ed an itas são os fugitivos
que são en c o ra ja d o s a e n c o n tra r ab rig o te m p o rá rio n o s b o sq u es: “ V ocês [...]
que a c a m p a m ” . O te rm o acam pam (¡Γιη) n u n c a é u sa d o e sp ecíficam en te para
acam par, m as se m p re para a estadia d e u m a noite. O s bosques são as terras co-
bertas d e veg etação rasteira fo ra d o c a m in h o b atid o , o n d e se p o d e acam p ar
O LIV RO DO REI 238

p o r causa d a segurança. S o b re da A rá b ia , veja o p a rá g ra fo in tro d u tó rio acim a.


P ossivelm ente u m a tra d u ç ã o m e lh o r seria “ na n o ite á ra b e ” .
14 P ara esses viajantes ded an itas em sua in seg u ran ça, o p o v o d e Temá traz
alim ento. E p ro v áv el q u e seja m e lh o r tra ta r a m b o s os v erb o s c o m o te m p o s
perfeitos. A fo rm a d o p rim e iro tragam (h êtãyü ) p o d e se r ta n to im p erativ o (K B ,
B D B ) q u a n to p e rfe ito {G K C , 76d).' C) seg u n d o v erb o, q u e a N V I tam b ém
tra d u z c o m o tragam , é c o m certeza p e rfe ito e significa “ a n te c ip e ” , “ c h eg ar ali
p rim eiro , (estar ali para) satisfazer” . P o r isso, u m a tra d u ç ã o literal seria: “ Para
satisfazer a sede, o s h a b ita n te s d a te rra de T em á tro u x e ra m água; c o m seu p ã o
[ou seja, o alim e n to de q u e ele necessitava] eles estav am ali p a ra satisfazer o via-
ja n te ” . E n tã o Isaías o b se rv a u m a o p e ra ç ã o d e resgate em a n d a m e n to . O te rm o
fu gitivos ( ínadad', ta m b é m e n c o n tra d o c o m o fogem n o v. 15) fo rm a u m a ligação
co m o o rá c u lo paralelo, os m o ab itas fugitivos de 16.2,3, q u e fugiram p a ra se
refug iar em Sião, m as cujo o rg u lh o os im p ed iu d e aceitar abrigo. O s d ed an itas
são cu id ad o s pelos seus, m as ta m b é m n ã o e n c o n tra m seg u ran ça ali (16,17).
15 E sse versícu lo co m e ç a co m u m “ p o rq u e ” , n ã o n a N V I, e sua explica-
ção. O s fugitivos, d e certo , fo ram envo lv id o s pela realidade d a g u e rra e, p o r
isso, c o m e ç a ram a fugir. S o b re eles fogem (‫!י‬n a d a d , “ vaguear, d isp e rsa r”) veja o
v ersículo 14. A frase da espa d a / “ esp a d a s” m o stra q u e eles fo ram p e g o s e n tre
forças o p o sta s; a situação terrível daqueles cuja te rra é o c a m p o d e b atalh a. A
b atalh a estava a p e rta d a — a espada estava desem bainhada e o arco estava prepara-
d o / “ a rm a d o ” , o u seja, p r o n to p a ra a ação — e a crueldade da b a ta lh a / “ p e so da
g u e rra ” tiro u -o s d e casa.

Cumprimento de ínterim (21.16,17)


E sse s versículos, c o m e ç a n d o co m “ assim ” , o fe re c em u m a ex p licação d o
o rá c u lo p re c e d e n te. (1 q u e está im e d ia ta m e n te p o r trás d a situ ação d o s fugiti-
vos é a p re ssã o d a g u e rra (15), m as em últim a análise é a v o n ta d e d o S e n h o r
(16a) e a palavra c o n tro la d o ra q u e ele fala (17c).

A l A p alavra so b e ra n a (16a)
a. Sua o rig e m divina
b. Sua re c e p ç ão pela h u m a n id a d e
BI O fim im in e n te (16bc)
a. O fa to r te m p o
b. ( ) fim d a p o siç ã o (“ p o m p a ”) d e Q u e d a r
B2 O fim d a p o tê n c ia de Q u e d a r (17ab)
Λ 2 A palavra divina (17c)
a. A id e n tid a d e d o D e u s q u e fala
b. A p ersp ectiv a da qual ele fala 1

1 A f o r m a h êfã yu é a b re v ia d a d e h e /tã y ít p e la e lisã o d o /) /? /in ic ia l.


239 I S A ÍA S 2 2 .I-2 5

A qui, c o m o n o o rá c u lo paralelo (15.1— 16.14), ta m b é m é u m c u m p rim e n -


to de ín terim (veja 16.14), u m e v e n to p o r v ir em b reve q u e agirá c o m o urna
garantia im ed iata da eficácia da palavra divina e, p o rta n to , d o c u m p rim e n to das
previsões q u a n d o ainda n ã o realizadas. A id en tificação da lin g u ag em tam b ém
une os d o is oráculos. O te rm o kãbôd, cujo significado é “ g ló ria” , ap arece c o m o
“p o m p a ” aqui e c o m o “ e sp le n d o r” em 16.14; a m b o s o s o rácu lo s inclu em a fra-
se “c o m o um se rv o p re so p o r c o n tra to ” e a m b o s c o n tê m a ideia d o rem an es-
cente (s‫’ ׳‬ãr), trad u zid a pela N V I c o m o “ so b re v iv e n te s” e “ d im in u to ” (ARA).
16 O Senhor (’“d õnãy ) significa “ o S o b e ra n o ” (veja 6.1). O v e rb o di% é um
tem p o p e rfe ito em heb raico , u sa d o n ã o para relatar u m a p alav ra p assad a, m as
para ex p ressar q u e a m e n te d o S e n h o r está d e te rm in a d a . D e vez em q u a n d o
Isaías enfatiza seu se n so de re c e b e r a palavra divin a (veja v. 6). O p ro fe ta , co m
o uso d o p ro n o m e me, ch a m a aten ção ta n to p a ra a o rig em d a p alav ra em D eu s
q u an to p a ra a realidade de sua re cep ção p elo ser h u m a n o , o u seja, respecti-
vam ente, revelação e inspiração. Para “ assalariado s” (A RC) veja 16.14. Pom pa
significa “glória” , isto é, tu d o q u e Q u e d a r glorifica.
17 O s sobreviventes dos flecheiros é lit. “ o re sta n te d o n ú m e ro d e a rc o s” . E sse é
o único lu g ar em q u e “ a rc o ” significa “ flecheiros” . O m o tiv o para essa red u ção
de Q u e d a r c o m o um “ p o d e r” é q u e o S e n h o r falou assim (lit. “ p o is é lavé, o
D eus de Israel, q u e m fala”). Isso n ã o só expressa a co n v icção d e q u e o D e u s de
Israel é o ú n ic o D e u s, m as (um a vez q u e essa é u m a p alav ra d e au to a firm a çã o
divina) ela ta m b é m enfatiza a cen tralid ad e d e seu p ró p rio p o v o em su a adm i-
nistração d o m u n d o . O s g en tio s, em perigo, só têm o p o d e r h u m a n o ao qual
recorrer; Israel tem a o n ip o tê n c ia d o seu lado.

d. O vale da visão (Jerusalém): o pecado imperdoável (22.1-25)


M ais um a vez o p o v o d e D e u s o c u p a o q u a rto lug ar n o ciclo d e oráculos.
C o n fo rm e Isaías exam ina m ais à fre n te na h istó ria, eles ain d a e stã o cercad o s
pelo m u n d o (veja p. 176). N o p rim eiro ciclo, o fo co d o p ro fe ta está n o n o rte de
Israel (17.1ss.) e ex p õ e o a b a n d o n o p o r eles d o c a m in h o d a fé p elo c a m in h o da
segurança coletiva, a aliança aram aica. A qui, Ju d á está so b a luz e é e n c o n tra d a
ab an d o n a n d o o c a m in h o da fé p e lo da a u to c o n fia n ç a. P o rta n to , o p o v o de
D eus cede à p re ssã o d o m u n d o c ircu n d an te. Pois o cam in h o d a seg u ran ça co-
letiva é o das trib o s gentias (12.13-15), e o c a m in h o da a u to c o n fia n ç a é aquele
do o rg u lh o d e M o ab e (15.1— 16.14).
O s três o rácu lo s são ju n ta d o s n o c a p ítu lo 22: Je ru sa lé m (w . 1-14); S ebna
(w. 15-19) e E liaq u im (vv. 20-25). E les têm u m te m a c m c o m u m n a co n d en a-
ção de u m a seg u ran ça c o m o a valorizada p o r este m u n d o . A ssim , e n c o n tra -se
Jerusalém se d e sm a n te la n d o p ara ficar segura, sem u m p e n sa m e n to d e b u scar
o S en h o r (vv. 8-11); S ebna é re tra ta d o c o m o o h o m e m p re o c u p a d o , an tes e d e ­
O LIVRO D O REI 240

pois d a m o rte , ap en as c o m su a p ró p ria glória m u n d a n a (w . 16-18); e E liaq u im


c o rre o risco d e se to r n a r o p o n to focal d a segurança de o u tro s p a ra a d esg raça
dele m e sm o e d o s o u tro s (w . 23,24). Q u a n d o a cid ad e (w . 1-4), o h o m e m (w .
15-19) e a fam ília (w . 23,24) se to rn a m au to ssu ficien tes, eles c o m e te m u m pe-
cad o im p erdoável.

A c id a d e a u to ss u fic ie n te (2 2 .1 -1 4 )
A in te rp re ta ç ã o d essa seção d e p e n d e d a m an eira q u e e n te n d e m o s os tem -
p o s verbais p e rfe ito s d o h eb ra ic o n o s versículos 3-7 e, se c u n d a ria m en te , os
p a rticip io s h e b ra ic o s d o versículo 2b. C o m o o te m p o p e rfe ito ex p ressa um
tipo d e ação (c o m p le ta o u definida), e m vez d e u m tempo d e ação, te m -se q ue
re s p o n d e r à q u e stã o d e se o c o n te x to se ajusta m e lh o r a u m a ação p a ssa d a o u
a u m a ação fu tu ra c o m o tã o c e rta d e a c o n te c e r q u e p o d e se r ex p ressa c o m o já
co m p letad a. O s p articip io s, se n d o se m e lh a n te m e n te “ a te m p o ra l” , p e g a m sua
o rie n ta ç ã o d e te m p o de seu co n tex to .
A lguns fazem o s versículos re m e m o ra re m o p a ssa d o ,1 p a ra u m a é p o c a em
q u e S en aq u erib e (2Rs 18.13— 19.37) tin h a v in d o e id o e, e m b o ra te n h a havi-
d o h u m ilh ação e p e rd a , o fim da am eaça p ro v o c o u u m a ex p lo são d e alegria,
d e ix a n d o o p ro fe ta nau sead o . E ssa p e rc e p ç ã o tem u m a sim p licid ad e louvável,
m as ao m e sm o te m p o é q u estio n áv el se esse foi o to m d o m in isté rio d e Isaías
d e p o is d o q u e ele sabia te r sid o um a to de sinal de lib e rta ç ã o divina. E le p o d e
b e m te r d isc e rn id o u m e le m e n to d e falsidade n a alegria nacio n al, m as a evidên-
cia d o c a p ítu lo 37 sugere q u e ele capitalizou a situação, n ã o ta n to ao ressaltar
0 p e c a d o de au to ssu ficiên cia q u a n to ao se e sfo rç a r p a ra m o s tra r c o m o a fé foi
justificada e c o m o a co n fia n ç a n o S e n h o r e v a p o ro u a am eaça. O u tra o b jeção ,
e m b o ra m e n o r, é q u e n ã o h á o u tra evidência d e q u e os g o v e rn a n te s evacu aram
a cidade so b a p re ssã o de S en aq u erib e (3).

1 O s com entaristas propõem reconstruções m uito elaboradas dos versículos 1-14. Cie-
m ents entende o versículo 1 com o a condenação de Isaías p o r causa da alegria subse-
quente à libertação da captura de Senaqueribe, em 701. O versículo 4, um acréscimo
deuteronôm ico, provavelmente lam enta a queda da cidade em 587, e os versículos 8 b -11
refletem um com entário pós-587 sobre a confiança na defesa militar. K aiser discerne ca-
madas aqui. O s versículos 1-4,12-14 são as camadas de Isaías; os versículos 7,8b, 1 lb são
a obra do “prim eiro intérprete” rem em orando os eventos de 587 n o espírito de Isaías; os
versículos 9-11 a são mais tarde no exílio, e os versículos 5,6, que são ainda mais tarde, são
a obra de um “escritor protoapocalíptico” tornando os eventos da queda de Jerusalém
relevantes para sua própria época e usando o passado com o o m odelo do tum ulto escato-
lógico po r vir. Precisamos nos lem brar que esse tipo de reconstrução não se fundam enta
no m anuscrito nem em outra evidência objetiva, mas é um exercício interpretativo con-
form e os com entaristas lutam com o que percebem ser os problem as inerentes do texto.
241 ISAÍAS 22 .I-2 5

U m a p e rc e p ç ã o lev em en te d istin ta (d efen d id a, p o r ex em p lo , p o r S kinner


e H e rb e rt) re m e m o ra um m o m e n to em q u e S en aq u erib e ap areceu p a ra acei-
tar o o u ro de E z e q u ia s e su sp e n d e r a am eaça c o n tra Je ru sa lé m (2Rs 18.16).
N ã o sa b e m o s q u a n to te m p o d e m o ro u p a ra a A ssíria, tra iç o e iram e n te , ren o v ar
a p re ssã o so b re Je ru sa lé m (2Rs 18.17), m as é fácil ac re d ita r q u e o ap aren te
salv am ento d o p e rig o foi a o casião d e reg o zijo de to d a a cidade. Isaías cen su ra
isso d e fo rm a v eem en te, p e rg u n ta n d o o q u e há para se reg o zijar q u a n d o o
p o v o m o rre em co n d iç õ e s d e cerco, e os d e se rto re s são c a p tu ra d o s sem resistir
(2b,3). E les, antes, estã o co n scien tes da h o stilid ad e div in a q u a n d o v eem o s m u-
ros serem d e rru b a d o s (5) e os v io len to s aliados da A ssíria (6) e ta m b é m estão
co n scien tes d e q u e sua esco lh a d e u m a so lu ção m ilitar e d e au to ssu ficiên cia (8-
11) os d e ix o u em u m a situação em q u e ficaram além d o p e rd ã o d iv in o (12-14).
E ssa so lu ção ta m b é m é de m o d o geral co n v in cen te. A o casião n ã o p o d e ser
culpada. N a q u e le p o n to , o o u ro deles afasta a A ssíria, a alegria deles n ã o tin h a
nada q u e Isaías p u d e sse ap ro v a r — exaltação e m v ez d e alegria, d a r g lória ao
esforço e aos recu rso s h u m a n o s. A té aqui tu d o b e m , m as os d etalh es são m ais
recalcitrantes. P rim eiro , é im provável q u e Je ru sa lé m estivesse so b cerco te m p o
b astante p a ra q u e tivesse se n tid o to d o o rig o r das co n d iç õ e s d e cerco (2b).
N a v erd ad e, será q u e Je ru sa lé m esteve de algum m o d o e strita m e n te so b cerco
d u ran te esse e p isó d io o u apenas so b am eaça? E m ais u m a vez, n ã o h á o u tro
registro d e d e se rç ã o da liderança c o m o a d escrita n o versícu lo 3. A lém disso,
co m o as forças assírias p o d e ría m ser re p re se n ta d as p e lo E lão (6), q u e d u ra n te
to d o esse p e río d o era aliado d a B abilônia c o n tra a A ssíria?
T e m o s d e ex am in ar o versícu lo de novo. D e a c o rd o co m os versículos 1-4,
há um c o n tra ste e n tre o p o v o e o p ro feta: eles se reg o zijam , m as ele chora.
Isso p o rq u e ele vê o q u e eles n ã o veem : m o rte , d e se rç ã o e ca p tu ra (2b,3), na
verdade, n ad a m e n o s q u e (lit.) a “ d e stru iç ã o d a filha d o m e u p o v o ” (4, A RC). O
versículo 5 (c o m e ç a n d o co m “ p o is”) a crescen ta a explicação adicional de que
esse dia é u m “ D ia d o S e n h o r” especial. Será q u e te m o s d e ac re d ita r q u e u m dia
com o esse veio e se foi sem o p o v o n o ta r? Será q u e Isaías n ã o está em p rin cíp io
dizendo: “ Se vocês co n seg u issem v er o q u e eu vejo v ind o , n ã o havería regozi-
jo” ? E ssa visão ad ian te to rn a a referên cia a E lão inteligível. Isaías sabe h á m u ito
tem p o q u e Je ru sa lé m cairá p ara algum inim igo, e m b o ra n ã o p ara a A ssíria. Isso
lhe fo ra revelado na é p o c a da visita b ab ilô n ia (cap. 39) q u e a B abilônia seria
destruída. E ssa v erdade é dissim ulada aqui pela referên cia a o d ista n te aliado
babilônio, E lão, e ao n ã o identificável Q u ir n o versículo 6 (veja abaixo). P o r
con seg u in te, o s te m p o s verbais p e rfe ito s d o s versículos 3-7 d ev em ser perfeito s
p rofético s, a c e rte z a d o s já decid id o s atos de D eu s. A ssim , a p assag em p arece
assim:
O LIVRO DO REI 242

A 1 A alegria q u estio n áv el (1,2a)


B1 A calam idade p o r vir (2b-4)
C A explicação: o D ia d o S e n h o r p re p a ra d o (5-7)
B2 A s esco lh as passadas (8-11)
A 2 A alegria culpável (12-14)

0 m o v im e n to d o p e n sa m e n to é da alegria atual (1,2a) à v in d a d e so frim e n -


to s (2b-7) e, en tão , d e ações p assadas (8-11) à alegria atual e suas co n seq u ên cias
(12-14). A m e n sa g e m d o to d o é solene, essas decisõ es passad as m o ld a m as
experiên cias fu tu ras (B2, B 1), e o p e c a d o im p erd o áv el é ac re d ita r q u e se o in-
d iv íd u o n ã o p o d e salvar a si m e sm o n ã o p o d e se r salvo (9-11) e agir c o m o se
este m u n d o fo sse tu d o (13). A situação q u e c o m b in a co m esse o rá c u lo é a de
q u e Je ru sa lé m estava en fê te p ara ce le b ra r a in au g u ração d o tú n el feito p o r E ze-
quias. Isso , p a ra eles, era a co ro a ç ã o d a g a ra n tia d e u m a seg u ran ça trab alh ad a
p o r eles m e sm o s; e, p a ra Isaías, era o p e c a d o im p erd oáv el. C laro q u e n ã o há
o u tra ev idência d esse dia de festa, m as a fo rm a d ec id id a m e n te m o d e ra d a c o m o
2Reis 20.20 e 2 C rô n icas 32.30 alu d em ao q u e era d e fato u m a m aravilha da
en g en h aria su g ere q u e os a u to re s desses livros n ã o q u eriam reg istrar esse d ia e
q u e ta m b é m c o n c o rd a v a m co m a atitu d e de Isaías.
Isso m o s tra a fo rm a c o m p le ta e o ím p e to d o o ráculo , m as u m a vez q u e sua
u n id ade é firm e m e n te q u e stio n a d a (veja p. 240, n. 1), é n ecessário e x am in ar u m
p o u c o m ais su a integridade. O s in d icad o res in te rn o s sep aram os versículos 1-7
e 8-14 (resp ectiv am en te, A 1 e C e B 2 e A 2). N o versícu lo 2, a alegria irrefletid a
deixa a cid ad e cheia (·im ã lê’) d e alv o ro ço ; n o versícu lo 7, os vales das cercanias
estão cheios d e c a rro s hostis. O v ersículo 8 se refere a ju d á “ sem d efesas” (ig ã lã )
p o r p a rte d o S e n h o r; e o versícu lo 14, à “ n ã o [...] p ro p ic ia ç ã o ” (‫ו‬Igãlâ) p o r p a rte
d o S e n h o r revelada p o r este a Isaías. A s d u as seçõ es c o m e ç a m c o m a cid ad e
Ç lr; 2,9) e te rm in a m co m in d icação de m o rte (7,14). A s referên cias à alegria
irreal atu am c o m o um inclusio [criar u m a e s tru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o
início e n o final d e u m a seção] a o p o e m a c o m p le to e os títu lo s 0 Senhor, 0 Senhor
dos E xército s são c o m u n s a am b as as seções (5,12,14).

A alegria q u estio n áv el e a c a la m id a d e p o r v ir (22.1-4)


1 O versículo 5 m o stra q u e o vale da V isão refere-se a Je ru sa lé m , m as Isaías
n ã o explica p o r q u e esco lh e esse títu lo e n ig m ático p ara a cidade. D ificilm en te,
essa esco lh a se d eu só p o rq u e ele viveu ali, e a cidade, p o rta n to , era fo rço sa-
m e n te o local d e o rig e m d e to d a s suas visões. O v ersículo 14 in d ica u m a expe-
riência p a rtic u la rm e n te vivida d e revelação divina n essa ocasião c, c o n fo rm e se
p resu m e, a p o ssib ilid ad e é d e q u e o títu lo te n h a su rg id o d e algum a circ u n stâ n -
cia ligada co m isso. E m e lh o r p e n sa r em vale c o m o m e ta fó ric o das experiên cias
243 ISAÍAS 22.I-25

mais o b sc u ra s d a vida (cf. SI 23.4). Isaías e n fre n to u a “ n o ite escu ra d a alm a” en-
q u a n to c o n te m p la v a o inevitável ju lg a m e n to q u e viria so b re sua cidade. Q ue tens
agora (ARC) é u m a tra d u ç ã o e stra n h a u m a vez q u e o b v ia m e n te o p o v o estava
d esp reo cu p ad o ! Significa (lit.) “ E q u a n to a você?” “ V ocê” é singular fem inino,
ou seja, a cidade p e rso n ificad a e “ a g o ra ” é lógico, n ã o tem p o ral. A fo rm a “ e
q u a n to a v o c ê ” é u rn a fó rm u la d e re p u d io (cf. J r 2.18; O s 1 4 .8 < 9 > ) significan-
do “ qual é seu a ssu n to ? ” , ou: “ O q u e v ocê q u e r d iz e r co m ...?” , su g e rin d o que
nada justifica esse c u rso d e ação (veja 52.5). E m 15.3 os terraços/ “ te lh a d o s”
eram o lu g ar de la m e n to co m u n al; aqui eles são lugares d e alegria co m u n al.
2 ,3 O te rm o agitação (tisu 'o j) é u sa d o em J ó 36.29 p ara o b a ru lh o d o tro v ão
e em Jó 39.7 p ara o reb u liço da vida na cidade. E m Z acarias 4.7, c o m o aqui, ele
se refere a o b a ru lh o de u m a m u ltid ão e n tu siasm ad a. O te rm o tum ulto (/h a m o ) é
usado p ara o e n tu sia sm o alegre (cf. 1Rs 1.40,41, em q u e é tra d u z id o p o r “ ba-
ru lh o ”). D e a c o rd o co m o versícu lo 7, seus m ortos m o rre ra m c o m o re su lta d o d o
cerco, m as aqui a causa n ã o é c o m e n ta d a , é sim p le sm e n te d eix ad o n o a r que
o fim d o a ssu n to será a m o rte . A frase todos os seus líderes fu g ira m é d e 4na dad ,
que significa “ fugir” n o se n tid o d e “ d isp e rsa r” d essa e d aq u ela m aneira. Isaías
não está re g istra n d o o p assado, m as p re v e n d o o fu tu ro c o m o se este estivesse
diante d e seus o lhos. O c u m p rim e n to veio em 2R eis 25.4. N ã o fo ra m m ortos à
espada/ “ [longe] d o a rc o ” significa sem d isp a ra r u m tiro, q u e r d e d efesa q u er
pelo inim igo. Q u a n d o o fim veio, Isaías n ã o viu n ad a d a ex u ltan te co n fian ça na
cidade c o n te m p o râ n e a . N ã o h á so lu ção para su ste n ta r n e m co ra g e m p ara lutar.
O m e sm o v e rb o (4 ,ã sa r, “ o b rig ar, ligar”) é u sad o d u as vezes p ara capturados e
presos. E ssa re p e tiç ã o enfatiza a ideia d e q u e até m e sm o a lu ta era inútil. O acrés-
cim o in te rp re ta tiv o da N V I, ainda c¡ue tivessem fugido p a ra bem longe/ “ fugiram
\4bãrãh\ p a ra lo n g e ” , é d esnecessário.
4 P or isso, o u seja, em c o n se q u ê n c ia d essa visão d o fim , o s a ta re fad o s pia-
nos d o p o v o p a ra a vida (9-11) te rm in a ra m em m o rte e se n d o a b a n d o n a d o s
p o r aqueles em q u e m c o n fiaram (3). E les tin h am p la n e ja d o p a ra u m cerco (9-
11), em vez d e c o n fia r n o S en h o r, e um c erco eles c o n se g u ira m in teg ralm en te
e em abundância! A fastem -se é (lit.) “ afaste o o lh a r” (4 sa ‘â , cf. 17.7). Isaías n ão
quer a c u rio sid ad e (4a) n e m o c o n so lo (4b) d o p o v o q u e está tão claram en te
desligado d o q u e ele sen te e vê. N ã o tentem é (lit.) “ n ã o se p re c ip ite m ” o u “ n ão
se ap re sse m ” . A ex p ressão do m eu p o v o / “da filha d o m e u p o v o ” é u m sin ô n im o
p a ra je ru sa lé m c o m o a filha d o S e n h o r (cf. J r 8.19). E la só é e n c o n tra d a aqui em
Isaías. A d escrição é cheia de e m o ç ã o pela cidade c o m o u m a filha am ada, sem
esperanças e à m ercê d o im piedoso.
O LIV RO DO REI 244

A explicação: o Dia do Senhor preparado (22.5-7)


E típico de Isaías acrescentar uma segunda explicação (o v. 5 começa com
“pois”).1 Seu choro (4) rememora (apesar do inicial na verdade para sua primeira
explicação nos w . 2b,3) a cena de morte, de deserção e de cativeiro. Mas agora
há uma explicação mais profunda: por trás da catástrofe está a mão de Deus.
É um Dia do Senhor, expresso em tum ulto (5), implementado pelo E là o (6) e
totalmente inescapável (7).
5 Sobre enviou um dia cf. 2.11,12, em que a linguagem é idêntica. Tumulto
(m 'hüm á, ih ã m á \ cf. v. 2) descreve o barulho do dia, o pisoteamento (m ‘b ü sâ , “pi-
sar”) a violência dele e o pavor (n fb ü k a ), a consequente desorientação daqueles
sob ataque. (O termo n fb ü k â só é encontrado também em Miqueias 7.4, mas cf.
'¡bük “estar confundido”, “vaguear confusamente”, em Êxodo 14.3; Joel 1.18;
Ester 3.15.) A situação de Jeremias (39.11-14) é um exemplo de desorientação
sob choque. O substantivo {n fq a rq a r), na frase derrubar muros , é desconhecido
em outras passagens, mas ocorre um verbo (qarqar ) em Números 24.17, para-
lelo a m ãhas (“esmagar ou despedaçar”). É provável que Isaías tenha procurado
(ou cunhado) uma palavra incomum a fim de alcançar a assonância de n f qarqar
qir.12 O verbo gritar não ocorre em outra passagem na forma de s o a \ mas cf. sü a c
em jó 30.24; 36.19 e 'isã w a ‘ (“gritar por socorro”). Isaías prevê gritos por ajuda
ressoando pelos montes circundantes por causa da cidade.
6 O E là o fica no leste da Babilônia e, do começo ao fim do período de
Isaías, foi uma força independente aliada à Babilônia contra a Assíria. Os ver-
bos apanhou e ostenta continuam no tempo perfeito profético (veja a nota intro-
dutória e o v. 3) com o sentido de “é certo...”, “com toda certeza...”. O hebraico
do versículo 6 é muito rítmico, sendo três linhas de três palavras cada. Tem
batida de tambor, o efeito da marcha, casando com seu conteúdo. Armas de
guerra — aljava depois carros e cavalos (lit. “infantaria em carros”/ ”cavalaria,
homens, cavalos”) e escudo — são agregadas. Essas são armas de ataque {aljava)
e de defesa {escudó) e no meio o combate móvel. A localização de Q u ir é deseo-
nhecida (cf. Am 1.5; 9.7; essa não é a Quir em Moabe de Is 15.1).
7 O fato de que os vales m ais férteis de Ju d á ficaram cheios de carros e cavaleiros
tom aram posição ju n to às p o rta s da cid ad e/ “e os cavaleiros se porão em ordem às
portas” descreve a ocupação e a espoliação do campo e a ameaça para a segu-
rança da cidade. (Sobre p o rta s veja 28.6.) O termo cheios forma um inclusio [criar
uma estrutura ao pôr material similar no início e no final de uma seção] com a
1 A “ d u p la e x p lic a ç ã o ” é c a ra c te rís tic a d e Isa ías n a f o r m a — u m a v e z q u e x a c o n te c e ,
se g u e -se , p o r ta n to , y / p o r q u e z a c o n te c e u , e m q u e x e z sã o e x p lic a ç õ e s p a ra le la s d e y (veja
1 5.4 ,5 ,7,8; 16.9; 2 5 .3 ).
2 O t e r m o q a rq a r se ria u m p a d r ã o v e rb a l d e ■ iqür. C f. tiltê l d e {t ü l n o v e rsíc u lo 17. V eja
G K Q 72m .
245 ISAÍAS 22 .I-2 5

palavra “cheia” no versículo 2a. Observe o movimento de preparação para a


guerra (6) para a implementação (7) e a impressão da devastação inimiga sem
resistência através do campo para a cidade.
As escolhas passadas (22.8-11)
Esses versículos são unidos por um inclusio [criar uma estrutura ao pôr
material similar no início e no final de uma seção] envolvendo os dois verbos,
olharam (Ίnãhat) e viram ir a a ) , nos versículos 8,9 e no versículo 11 (em que o
segundo verbo é traduzido por deram atenção). Na forma, os versículos são um
poema em seu próprio direito:

A1 O Senhor: a ação divina expondo Judá ao perigo (8a)


B A resposta humana: autoconfiança (8b-lla)
a1 As defesas (valorização de armas e muros) (8b,9a)
b1 O suprimento de água (9b)
a2 As defesas (muros recuperados) (10)
b2 O suprimento de água (1 la)
A2 O Senhor: não procurado e não reconhecido (11 b)

Observe como Isaías claramente enfatiza o elemento da dependência no


recurso e esforço humanos ao alternar suas referências às defesas e suprimento
de água, dando a impressão de uma multidão de atividade enquanto o povo vai
de cá para lá com a intenção de ficar seguros.
8 Ju d á ficou sem defesas podería ser traduzido por “quando ele removeu a
cobertura protetora de Judá”. A NVI é admissível do ponto de vista linguístico,
mas inapropriada quanto ao contexto. (‫ ר‬Senhor é sempre o agente supremo
nas experiências de seu povo, e isso se ajusta aos propósitos dele nessa con-
juntura de teste, eles, por meio do ataque de Senaqueribe, e, sob a liderança
favorável de Ezequias, se seguiríam o caminho da fé ou o caminho do mundo
(cf. Dt 8.2-5). Isso foi bem revelado na perspectiva de Crônicas (2Cr 32.1). ()
termo defesas (m ãsâk ) é usado em Salmos 105.39 para a “sombra” da nuvem do
Senhor e, em Isaías 30.1, para procuram “cobertura” (NVI, “acordo”) no Egi-
to. Observe o sentido de reação imediata na frase naquele dia vocês olharam. Não
havia tempo para pensar; imediatamente a autossuficiência e a aptidão própria
assumiram o controle. A principal confiança deles é depositada no militarismo:
seus armamentos estocados (8b), seus materiais de defesa (9a) e seus supri-
mentos (9b). É provável que 0p a lá c io / “casa” da Floresta (cf. lR s 7.2-12) fosse
originalmente um tesouro real (lRs 10.14-17).
9 - l l a Kidner aponta o ativismo desses versículos e os escapismo dos ver-
sículos 12,13, o primeiro é uma negação da fé; e o segundo, do arrependimento.
O LIVRO DO REI 246

Os detalhes do suprimento de água de Jerusalém não estão claros.1A fonte era


a nascente do Giom, a leste da cidade. Na época dos jebuseus, a nascente era
ligada a um poço na cidade (2Sm 5.6-8), mas, em uma data posterior, havia um
canal subterrâneo (7.3) suprindo o que é denominado aqui de açude velho. Talvez
esse canal tenha sido construído por Salomão (cf. Ec 2.6) e fosse adequado
para os tempos de paz, mas era uma matéria de pânico para o descrente Acaz
(7.3ss.). Ezequias, alarmado com essa vulnerabilidade de Jerusalém, mandou
construir seu túnel (2Rs 20.20; 2Cr 32.2-4). A nascente Giom estava agora es-
condida, e Jerusalém estava segura quanto a seu suprimento de água. O reserva-
torio provavelmente é o açude alimentado pelo túnel e talvez seja o açude inferior
(9). Ezequias foi um construtor de muro, aumentando de forma considerável
as fortificações de Jerusalém. A referência no versículo 11a dois m uros talvez
seja uma área entre um muro novo e um muro existente na antiga cidade de
Davi. O ponto, no entanto, é indicar que agora pela primeira vez a cidade ti-
nha um suprimento de água protegido. O outro lado da salvação do tipo “faça
você mesmo” de Jerusalém foi a força dos muros da cidade. Por conseguinte,
o versículo 10 se refere a um inventário de prédios considerados dispensáveis.
A autossuficiência chega até esse ponto, tornando-se no caminho uma pará-
bola de sua própria natureza intrínsecamente destrutiva. Salmos 48.12< 13>
usa o mesmo verbo (sã pa r ) do alegre reconhecimento da cidade totalmente
sem cicatrizes de quando o Senhor a libertou dos reis da terra. Não obstante,
uma coisa é confessar a fé litúrgicamente, outra coisa bem diferente é exercê-la
praticamente em uma crise. Uma das maiores realizações do povo (o túnel) e
alguns de seus sacrifícios mais custosos (a perda de prédios) se tornam o peca-
do imperdoável deles (14) porque eram manifestações de autossuficiência e de
competência ilimitada humanas.
1 l b N ã o olharam l...j nem deram atenção são contrapartes negativas do olharam
e viram dos versículos 8,9 (veja o esboço acima). O Senhor não estava no cam-
po de ação deles. Por que se incomodar com a fé quando se tem muros, água
e armas? Por que olhar para Deus se pode olhar para seus próprios recursos?
O Senhor, no entanto, é o agente no geral (\ele]fesç estas coisas) e no detalhe (ele
as p la n e jo u / “o que o formou [como um oleiro]”). Isso se refere primeiro à
situação em que Jerusalém se encontra na ocasião. As circunstâncias do povo
do Senhor não são acasos, mas desígnios, e os recursos deles não mudam essas
circunstâncias (desafiando a vontade dele) nem as questionam (duvidando da
vontade dele), mas lança-os em fé sobre agente, o próprio oleiro. Segundo e
mais em particular, estas coisas são a própria Jerusalém, a cidade escolhida pelo
Senhor a fim de fazer seu nome habitar ali (Dt 12.5; lRs 8.29). Quando ele a

1 V eja H . S h a n k s, lh e C ity o f D a v id (Tel Aviv: Bialik In s titu te -D v ir, 1973), p. 72; M . B u rro w s,
“ JerusalenF (ID E ), p. 851a.
247 ISAÍAS 22 .I-2 5

escolheu, o oleiro a fez cm seu torno. Ele não deixou sua cidade com falta de
água; Ezequias não melhorou o suprimento de água, apenas redirecionou-o.
Mas o Senhor arranjou o suprimento de tal maneira que a vida em Jerusalém
era um exercício perpétuo de fé, um perpétuo desafio para encontrar segurança
no Senhor — e o túnel de Ezequias contradizia o caminho de fé.
A alegria questionável (22.12-14)

a1 A palavra divina: O Soberano, 0 Senhor dos E xército s chama ao


arrependimento
b1 Λ contradição humana (13)
b2 A recepção humana, o ouvido descoberto (14a)
a2 A palavra divina: o perdão do Soberano, 0 Senhor dos E xército s (14b)

12 O Soberano, 0 Senhor dos E xércitos é soberano em posição (0 Senhor, ‫"־‬dõnãy ),


salvando pela natureza (0 S e n h o r , lavé, o êxodo de Deus) e onipotente em toda
situação ( Todo-poderoso, “dos Exércitos”). Como é insensato buscar as armas, etc.
e não a ele! A expressão naquele dia é um contraste proposital com as mesmas
palavras no versículo 8; o que cies fizeram, e o que o Senhor queria. A maneira
de olhar para ele era em verdadeiro arrependimento e contrição 01 2.12ss.) que
também toca e mudava a vida exterior. Sobre a frase arrancassem os seus cabelos
veja Jeremias 47.5; Amós 8.10; e sobre as vestes de lam ento veja Gênesis 37.34.
13 Isaías volta ao tema do versículo 2. Mas agora entendemos por que
ele achou a alegria deles tão ofensiva: eles estavam contradizendo a mente de
Deus (12) e aplaudindo as obras humanas (8-11). Isaías, com a expressão porque
am anhã morreremos, não está relatando as palavras deles, mas verbalizando as
atitudes deles (cf. 28.14,15). Na crise pela qual passavam, a única determinação
deles era ter tudo que este mundo podia lhes oferecer antes que essas coisas
fossem tiradas deles. Essa “mentalidade” nega a dimensão espiritual, pois o
comportamento deles proclamava que se o próprio esforço deles (suas armas
[8], defesas caras [10] e maravilhas da engenharia [11]) não pudesse salvá-los,
nada mais podería.
14 Esse versículo começa (lit.) “o Senhor dos Exércitos revelou-me/ “se
declarou aos meus ouvidos”. O verbo ig ã ld (aqui um nifal reflexivo) forma um
inclusio [criar uma estrutura ao pôr material similar no início e no final de uma
seção] com o versículo 8, indicando a segunda seção do oráculo. A forma das
palavras aqui enfatiza a objetividade da revelação como algo vindo ao profeta
do exterior; sua autenticidade como uma revelação do Senhor mesmo e a re-
cepção genuína da própria palavra de Deus por um ser humano (cf. 5.9; 50.4,5).
A frase até 0 dia de sua m o rte/ “até que morrais” usa a fórmula de juramento Çim)
exigindo “não haverá/certamente”. Sobre propiciarão em favor (/kã p a r) dessepecado
O LIV RO DO REI 248

( ‘ãw ôn, “iniquidade”) veja 6.7. Onde não há a i de m im (6.5; cf. v. 12) não há anjo
enviado em luta misericordiosa. O pecado da descrença — expresso aqui no ig-
norar o Senhor (11 b) e na confiança na dependência de si mesmo (8-11 a) — é o
pecado imperdoável. Essa passagem inteira é uma mensagem sobre o contraste
entre a salvação pela fé e a salvação pelas obras.
Um estudo em confiança (22.15-25)
Pode parecer uma poderosa queda passar de altos assuntos de Estado para
as preocupações de indivíduos, mas os oráculos de Sebna e Eliaquim (os únicos
oráculos sobre indivíduos nos caps. 13— 27) servem a dois propósitos. Pri-
meiro, eles mostram que a escolha entre a fé e as obras é individual e também
nacional e que o julgamento divino alcança o plano individual; e, segundo, eles
fornecem um dos cumprimentos de ínterim de Isaías. Se os dois homens são os
mencionados em 36.3,11,22; 37.2, as pessoas não têm mais de esperar para ver
o início do rebaixamento de Sebna e a certeza da palavra do Senhor.
Sebna encontrou sua identidade como uma pessoa nos benefícios “deste
mundo” de seu cargo e dedicou-se a assegurar seu “lugar na história” por seu
próprio esforço. Ele desfrutava de uma posição como a mão direita do rei no
cargo de administrador do palácio (15). Ele dedicava tempo à ostentação (poderosos
carros; 18) e pretendia perpetuar sua memória em um grandioso túmulo (16).
Ele era, portanto, individualmente o que a nação era coletivamente: casado com
as satisfações atuais e autoconfiante em face do futuro. Por isso, Isaías levanta
um espelho para seus contemporâneos.
Eliaquim, em contrapartida, corria o risco de se tornar aquele em quem
os outros confiavam (veja abaixo o comentário sobre os w . 23b-25) e, nis-
so, expõe outra alternativa para o caminho da verdadeira fé. Aquele indivíduo
confiável que mantém o cargo atrai para si mesmo o respeito e a confiança das
pessoas, mas caso essa confiança na pessoa humana substituísse a confiança no
Senhor, o fim seria a calamidade (25) — tanto para a pessoa em que se con-
fia insensatamente assim quanto para os que encontram sua segurança nesse
indivíduo. Portanto, os seres humanos não são autossuficientes (Sebna) nem
suficientes para os outros (Eliaquim). Em cada caso, há uma usurpação fatal
do lugar devido só ao Senhor. Isaías reitera a mensagem de 2.22: “Parem de
confiar no homem”.
A forma literária que esse trecho atrai envolve a teorização,' e compreen-
sivelmente quando consideramos a ordem (15) que produz censura (16ab) e o
comentário para a terceira pessoa (16cd). Os versículos 17,18 descrevem o que
0 Senhor fará a você (masculino singular); os versículos 19-23a traz o sujeito na1

1 K a ise r acred ita q u e o s versículos 15-18 d e v e m sua fo rm a a Isaías, a ju d a d o p o r u m “ re d a to r


q u e usa m aterial h istó ric o ” q u e q u eria e x p o r u m c o n te m p o râ n e o , “ talvez u m p u b lic a n o judeu
tra b a lh a n d o e m n o m e d o s p to le m a ic o s” . K issan e, n o e n ta n to , é firm e m e n te a fav o r d e Isaías.
249 ISAÍAS 2 2 .I-2 5

primeira pessoa do singular e o objeto passando da segunda pessoa do singular


(19) para a terceira pessoa do singular (20-23a); e os versículos 23b-25 são uma
descrição narrativa. Mas é possível que isso dê uma percepção muito complica-
da da passagem. Ela consiste no máximo de quatro itens.
a. Os versículos 15,16 podem ser uma palavra particular para Isaías, indi-
cando a força propulsora de sua mensagem para Sebna (16ab) e o fundamento
do sentimento do Senhor contra ele (16cd). Isso acomodaria a mudança para a
terceira pessoa no versículo 16cd. Mas no todo é melhor fazer 16ab ser o início
da palavra do Senhor para Sebna, com 16cd na terceira pessoa do vocativo (veja
abaixo). Isso preserva o texto sem a correção da NVI, à qual falta autoridade
do manuscrito.
b. Os versículos 17,18 anunciam o julgamento do Senhor sobre Sebna.
c. Os versículos 19-23a são expressos na primeira pessoa: o Senhor declara
o que fará a Sebna (19) e a Eliaquim (20-23a).
d. Os versículos 23b,24 descrevem uma situação em que Eliaquim pode
acabar envolvido.
Assim o único problema (para nós) é a mudança inesperada da terceira
pessoa (16-18) para a primeira pessoa (19-23a). Já observamos quão acurada-
mente o conteúdo dos oráculos para Sebna e para Eliaquim se ajustam à men-
sagem dos versículos 1.14. Além disso, a passagem toda está ligada ao contexto
precedente por meio da identidade verdadeira das perguntas nos versículos 1
e 16 e também pelo título divino nos versículos 5,12,14,15 (cf. v. 25). Estamos,
portanto, lidando com blocos do ministério de Isaías pertencentes ao mesmo
período, coerentes no tema, e desfrutando de unidade editorial nesse complexo
de oráculos. A NVI provavelmente está correta em ver uma mudança da for-
ma poética para a prosa no versículo 20. Portanto, a simplicidade sugere que
o versículo 19 é um versículo de ligação editorial, resumindo o que precedeu
e fazendo a mudança para a primeira pessoa em preparação para os versícu-
los 20-23. Isso é típico do tipo de mosaico que Isaías cria a partir de seus orá-
culos disponíveis. Internamente, os versículos 15-25 são agrupados pelo assim
di% 0 Soberano, 0 Senhor dos E xército s (15) e por anuncia 0 Senhor dos E xércitos. [...] O
Senhor 0 declarou (25). A queda de Sebna à medida que você é a vergonha da casa
do seu senhor (18) é equilibrada pelo perigo de Eliaquim se tornar p a ra 0 reino de
seu p a i um trono de glória (23). O oráculo de Eliaquim é unido pelo inclusio [criar
uma estrutura ao pôr material similar no início e no final de uma seção] naquele
dia (20,25).
A passagem, quanto ao conteúdo, pode ser visto conforme se segue:

A1 A oposição do Senhor a Sebna (15,16)


B' O propósito do Senhor para Sebna (17-19)
O LIV RO D O REI 250

B2 O propósito do Senhor para Eliaquim (20-23a)


A2 A advertência do Senhor em relação a Eliaquim (23b-25)
0 autoconfiante Sebna (22.15-19)
15 A palavra adm inistrador (sõkên ) aparece só no feminino em outra passa-
gem: é usada para a enfermeira/concubina de Davi em IReis 1.2-4. Será que é
um termo intencionalmente depreciativo — “esse administrador” — expondo
uma atitude de bajulação, do tipo “qualquer coisa para agradar” por meio da
qual Sebna conseguiu promoção? Para responsávelpelopalááo/ “tomava conta do
palácio” cf. IReis 4.6 e 2Crônicas 26.21, em que é usada parajotão quando ele
atuou como regente. Isso indica a importância do cargo.
16 A questão é idêntica à do versículo 1 exceto que ’èpô’ (“o que”) agora
é p õh (“aqui”). A expressão idiomática condnua depreciadva: “Que negócio
você tem aqui?” A primeira pergunta (ma) quesdona o direito pessoal de Sebna,
a segunda nega implicitamente a ele o cargo por modvo de nome de família.1
A NVI corrige o “túmulo dele” do TM para “o seu lugar de descanso” sem
fundamento no manuscrito. O hebraico, com frequência, segue um vocadvo
com uma declaração na terceira pessoa ( G C K , 144p; cf. 48.1; 54.1). Assim,
aqui a tradução literal “talhando na rocha o seu lugar de descanso” tem a força
no contexto de “quem lhe deu permissão para”. O objetivo dele de fazer seu
túmulo era a permanência (talhando, rocha), proeminência (no alto) e perpetua-
ção de si mesmo (seu lugar de descanso/ “um a morada para si mesmo”). Não há
necessidade de procurar mais a fim de encontrar um modvo para o desprazer
divino. Erlandsson sugere que o verdadeiro pecado de Sebna foi promover in-
surreição contra a Assíria, mas é precisamente a autossuficiência dele e a pom-
posa importância de si mesmo que integra tópicamente essa passagem com os
versículos 1-15.
17,18 Esses versículos começam com (lit.) “Veja, o Senhor vai atirá-lo para
bem longe, homem poderoso — agarrando-o, embrulhando-o bem aperta-
do — como uma bola em uma terra sem limite”.2 A expressão homem poderoso
(geher) é usada em geral para “pessoa” ou “indivíduo” (Nm 24.3,15), mas ela
vem de '¡gãhar, significando “ser forte”, e provavelmente aqui preserve algo
dessa força como sarcasmo. O termo vasto é (lit.) “amplo em ambas as mãos”
e, por isso, “amplo” ou “sem limite”. E provável que Sebna tenha sido levado
para a Assíria em alguma das incursões de Scnaqucribe, mas isso não está re-12

1 S o b re e ssa s p e rg u n ta s , v e ja J. A . M o ty c r, The Revelation o f the D iv in e N a m e (T y n d ale P re ss ,


1 95 9 ), p. 17ss.
2 C h e g a -s e à frase d a N E B : “ S a c u d i-lo c o m o a ro u p a é s a c u d id a p a ra tira r o p i o lh o ” (u m
s e n tim e n to n ã o in a p r o p r ia d o p a r a u m in d iv íd u o r a s te ja n te c o m o S e b n a ) a o a lte ra r g e b e r
(homempoderos 0) p a ra b e g e d (“ r o u p a ” ) e a o e n te n d e r V ã tá c o m o s e n tid o d e “ tira r p io lh o s ”
( c f .J r 4 3 .1 2 ).
251 ISAÍAS 2 2 . 1 2 5 ‫־‬

gistrado. A autoglorificação de Sebna exemplificada por seus poderosos carros/


“os carros da tua gloria”, não trouxe nenhuma segurança (cf. 3.14). Isaías acha
degradante para a casa real ser servida por um homem assim e o chama de ver-
gonha da casa do seu senhor.
19 Os dois verbos demitireis deposto são respectivamente “expulsar” (ih ãdap ;
por exemplo, D t 6.19) e “quebrar” (‫י‬Ihãras ; por exemplo, lRs 19.10,14). O se-
gundo está na terceira pessoa e é indefinido, “será deposto”, e é corretamente
refletido na NVI como passivo.

O confiável Eliaquim (22.2025‫)־‬


21 O propósito do Senhor para Eliaquim é resumido pela insígnia (manto,
cinto) dada a ele, a autoridade que lhe c transmitida e a função (ser[...] um p a i é
“cuidar de”) que lhe é confiada.
22,23a Eliaquim recebe a chave, ou seja, a autoridade para legislar e tomar
decisões que levam à obrigação; seu propósito é ser uma estaca, manter o reino
firme. Só se encontra a imagem da chave aqui no Antigo Testamento (cf. Ap
3.7). A estaca (yâted) significa “estaca de tenda” a menos que o contexto pres-
creva algo diferente (cf. Jz 16.14; Zc 10.4) e a imagem é de uma estaca de tenda
fincada em terreno firm e, mantendo a tenda segura quando venta. Isso dá força ao
sentido alterado no versículo 25 em que Eliaquim se transforma em um “pre-
go”, um sistema de manutenção para sua família. Nesse ponto, ele se afastou
de seus termos de referência.
23b-25 Em vez de encontrar aqui uma prediçâo do fracasso de Eliaquim,
é igualmente idiomático introduzir uma sentença hipotética: “N o entanto, ele
se tornará [...], e eles dependerão dele, [...] naquele dia [...], a estaca fincada [...]
cederá”. Na tendência corruptora do poder, chegará o momento em que Elia-
quim pode ceder à adulação daqueles que encontram seu bem-estar nele e para
quem ele se transforma no centro de glória, atração e suprimento. O ponto
não é apenas que a liderança muda para orgulho da posição, o bem nacional é
subvertido pelo interesse doméstico, o bem público é substituído pela preocu-
pação com o aumento da população de “aproveitadores” — embora isso seja
verdadeiro — mas que a confiança que devia ser posta no Senhor é transferida
para um ser humano. Da mesma maneira que um indivíduo não é suficiente
para si mesmo (Sebna), ele também não é suficiente para os outros (Eliaquim).
23 Trono de honra (ARC) é (lit.) “trono de glória”.
24 Sua prole e seus descendentes/ “os renovos e os descendentes” é uma ex-
pressão idiomática de totalidade. Sobre bacias cf. Êxodo 24.6 e Cântico dos
Cânticos 7.2<3>. Os ja rro s seriam garrafas ou jarros de cerâmica (ISm 1.24;
Lm 4.2).
25 O colapso vem de uma combinação de fraqueza interior (cedera) e ação
exterior (será arrebentada), pois ninguém é suficiente para ser “o confiado” nem
O LIVRO DO REI 252

o Senhor permitirá isso. O poderoso título Senhor dos fzx érá to s expõe a tolice de
confiar em um ser humano quando o Senhor está ali para que se confie nele.
A força do compromisso divino com essa verdade é mais intensificada pela
declaração final que é (lit.) “pois é o Senhor quem fala”.
e. Tiro: orgulho e santidade (23.1-18)
“O mundo ñas sombras” provou ser um título apropriado para esse ciclo
de oráculos. O “anoitecer” da Babilonia (21.4), a voz solitária na noite de Edom
(21.11ss.), as tribos gentias inquietas se alojam para passar a noite (21.13ss.), a
treva espiritual do pecado imperdoável de Jerusalém (22.14) e agora, prantean-
do a queda de Tiro (23.1,14). Ainda assim, também há centelhas de luz. A notí-
cia da Babilonia foi trazida, como se para conforto, para esmagar Israel (21.10),
a voz de Seir foi convidada a voltar porque o dia era obrigado a vir (21.1 ls.) e
agora, urna grande surpresa, o comércio de Tiro ainda se tornará “separados
para o Senhor” (23.18).
Davi e Salomão mantinham relações amistosas com Tiro, frustrada ape-
nas pelo descontentamento do povo de Tiro com as cidades cedidas a eles
por Salomão (lRs 9.10-22.). Hirão, de Tiro, “sempre tinha sido amigo leal de
Davi” (lRs 5.1) e renovou sua aliança com Salomão (lRs 5.12), cooperando
comercialmente com o templo (lRs 5.6ss.). Mas havia outro lado da história.
Salomão tomou esposas fenicias e importou o culto sidônio de Astarote (lRs
11.1,5). Esses altares permaneceram (2Rs 23.13) e Isaías crescería com a cons-
ciência da corrupção por Tiro do rei mais querido de Israel. A influência fenicia
também era um tipo de gênio do mal para o Reino do Norte, a ponto de quase
substituir lavé por Baal de Sidom (lRs 16,18). Em Salmos, no entanto, embora
encontremos Tiro em uma coalisão hostil contra Israel (SI 83.7), ainda assim o
salmista ora para que as nações gentias venham a conhecer o nome do Senhor
(SI 83.18). Em Salmos 45, a “cidade de Tiro” traz um presente para o casamen-
to real (v. 12<13>); e em Salmos 87, é acordado que será dada a Tiro as honras
da primogenitura em Sião (v. 4). Por fim, nos profetas, as referências são em
sua maior parte hostis (Jr 47.4; Am 1.9ss.; J1 3.4 <4.4>; Zc 9.2-4) e é só de Tiro
que Ezequiel não diz que eles ainda “saberão que eu sou o Senhor” (Ez 25.7,11;
30.26). Isaías, no entanto, aguarda a consagração da riqueza de Tiro ao Senhor e
seu povo (23.18), e ele, assim, vive na tradição do que é herdeiro e, na verdade,
voltando aos tempos normativos de Davi.
Embora o primeiro ciclo de oráculos (caps. 13-20) situem o povo de Deus
em meio às sublevações políticas do mundo, a ênfase no segundo ciclo é reli-
giosa: a queda dos ídolos da Babilônia (21.9) e o pecado imperdoável (22.14).
Portanto é adequado no fim chegarmos a Tiro, a corruptora religiosa. Mas
da mesma maneira como o Egito, o opressor político, ainda alcançará uma
253 ISAÍAS 2 3 . I - 1 8

posição igual no Senhor (19.25), também Tiro ainda alcançará uma relação de
santidade. O que Tiro deu nos tempos antigos para o templo foi em uma base
comercial (lRs 5.6ss.), mas o Antigo Testamento nutre a esperança de algo me-
lhor. As mulheres de Tiro seduziram Salomão, mas a filha de Tiro ainda viria ao
casamento do rei. Isaías coloca o assunto de modo lacônico: o corruptor trará
mercadoria santa. O cuidado de uma viúva fenicia dado certa vez a um profeta
(lRs 17.8-16) será a norma dos relacionamentos por vir.
0 oráculo sobre Tiro consiste de um poema sobre a queda de Tiro (w.
1-14) e um apêndice predizendo o reavivamento e a obediência suprema ao
Senhor e seu povo (w. 15-18).
0 lamento por Tiro (23.1-14)
A1 O lamento dos navios de Társis: o porto destruído (1)
B A queda de Tiro e Sidom (2-7)
B1 Tiro. Silêncio: contrastando com o antes
movimentado porto internacional (2,3)
B2 Sidom. Esperanças frustradas: é como se
o passado nunca tivesse acontecido (4,5)
B3 Tiro. Evacuação: lamento pelo passado (6,7)
C Interferências, final e próxima (8-13)
C1 Tiro. O plano do Senhor (8,9)
C2 Sidom. A ordem do Senhor (10-12b)
C3 Tiro. O agente do Senhor (12c, 13)
Λ2 O lamento dos navios de Társis: sua fortaleza destruída (14)

As divisões do poema são assinaladas inicialmente por seus imperativos


iniciais (w. 1,2,4,6,10,12c) e pela pergunta no versículo 8. As seções A são li-
gadas pelo chamado aos navios de Társis e o verbo destruída (11sãd ad ); B1 e C1 se
dirigem a Tiro e tocam em seu comércio (mercadores e suprim ento , h ã h a r ); B2 e
C2 formam um contraste em relação ao passado (v. 4) e ao futuro (v. 12ab) de
Sidom; B3 e C3 compartilham o tema de evacuação expresso no verbo cruzem ,
atravesse (4 'ã b a r ). O Egito é mencionado pelo nome ou em princípio três vezes
(w. 3,5,10), estabelecendo mais ainda a ligação com o oráculo correspondente
no primeiro ciclo (19.1— 20.6). O Egito é a potência que destruiría a vida de
Israel e Tiro, a potência que corrompería sua vida espiritual.
1 Esse é o único oráculo no ciclo contido nos capítulos 13— 27 que tem
um título claro, em vez de enigmático. Tem-se que se perguntar o porquê disso,
pois isso, em uma seção elaborada com tanto cuidado, não pode ser acidental.
Ao mesmo tempo, o próprio Isaías não oferece nenhuma explicação. A ocor-
rência de “Moabe” em 25.10 é outro caso em pauta. Uma explicação provável
O LIVRO DO REI 254

é que Isaías queria assentar suas predições. Nos capítulos 21— 23, e ainda mais
nos capítulos 24 — 27, sua contemplação estava sondando mais e mais as né-
voas do futuro e talvez ele tenha querido manter a consciência de que a escato-
logia acontece para as “pessoas reais”. Λ força demonstrada de Tiro tornou-a
um bom teste da soberania do Senhor sobre a história, sua transformação, à
luz da experiência, transformou-a em um exemplo impressionante da sobera-
nia de misericórdia. Os navios de Társis eram a maior classe de navio de carga
das antigas frotas. Sem Tiro, muito de seu comércio seria perdido. A maio-
ria das referências a Társis seriam satisfeitas pela identificação tradicional com
Tartessos, na Espanha,1 mas se 2Crônicas 20.36,37 significa “fossem a Társis”
(ARC), então é necessário um lugar no mar Vermelho ou na África. Em todo
caso, os “navios de Társis” vieram a significar um navio capaz das mais longas
viagens (veja também 2.16). Imaginativamente, Isaías pensa na frota (lit.) “de
Chipre” ou “fora de Chipre” dirigindo-se para Tiro só para ser satisfeito com
uma mensagem de que “ela” {Tiro é uma adição da NVI) não existia mais! Não
é necessário nenhum nome. A cidade {casa) e o porto se foram.
2 A expressão fiqu em calmos {idãm am ) tem dois sentidos, o de “calma”, ou
seja, inércia e o de silêncio. Esse começo da estrofe contrasta com a impressão
seguinte de um movimentado porto internacional. Regiões litorâneas (7; cf. 11.11;
20.6) aqui é a cidade e ilha de Tiro e é mencionada como (lit.) “vocês, mercado-
res de Sidom, os viajantes pelo mar, enriquecidos”.
3 Quanto à gramática, essa é a terceira pessoa do vocativo (veja comentário
sobre 22.16cd); (lit.) “|vocês são|, ela cuja renda, em grandes águas, era...”. Sior
é um sinônimo para o Nilo (Js 13.3; lCr 13.5; Jr 2.18). O Egito era proverbial-
mente fértil e era o celeiro do mundo antigo. A palavra suprimento {sahar, veja v.
18; 45.14; Pv 3.14; 31.18) significa mais exatamente “ganho” e refere-se a lucro
do comércio. Tiro era uma fonte de renda internacional.
4 () silêncio do movimentado porto, descrito no versículo anterior, é igua-
lado pelo sentido de esperanças destruídas e frustradas que prevalecem. O ter-
mo envergonhe-se ultrapassa o sentimento de embaraço para a ideia mais pública
de “colher vergonha”, de expectativa que não deu em nada e se torna objeto
de zombaria. Mais uma vez a rica imaginação de Isaías assume e ele ouve o
mar pranteando sua perda. Esse versículo tem sido objeto de muita alteração
desnecessária do TM, incluindo a NVI. Uma tradução literal seria: “Pois o mar
falou, a fortaleza do mar, dizendo...”. Conseguimos imaginar que as pessoas,
com frequência, falam do mar como a força delas, “o fosso defensivo de uma
casa”, a porta de suprimento sempre aberta devia ser sitiada na terra, a fonte
constante da riqueza dessas pessoas. Mas agora o mar só pode relatar de modo
amedrontador a perda de seus filhos. A fortalece do m ar é um genitivo apositivo,

V eja J. A . T h o m p s o n , “ T a r s h is h ” , IR D , p. 1517.
255 ISAÍAS 2 3 . I - 1 8

“a fortaleza [a saber], o mar”. A frase não estive [...] nem é (lit.) “estou como se
nunca tivesse [...]” (cf. 1.2). Esse é o primeiro indício de que Tiro caiu no ataque
militar com perdas imensas.
5 Esse versículo começa (lit.) com a frase: “quando a notícia chegar ao
Egito, ficarão angustiados com as novidades de Tiro”, significando: “quando
a notícia chegar ao Figito, eles se torcerão de dor como quando a notícia veio
a Tiro”, (i) mar ainda está falando, contemplando como o Egito também será
perturbado como Tiro o foi. A intenção da referência é criar a impressão da
magnitude do desastre.
6,7 O silêncio da cidade estilhaçada (2,3) deu lugar à dor sobre a perda da
vida (4,5) c agora à evacuação de refugiados, seguindo (como acontecia com
tanta frequência a busca do lucro, mas agora para a perda) para Társis. Uma
excelente imagem de virada da sorte! h s ta é a cidadejubilosa que existe desde tempos
muito antigos é (lit.) “jubilosa cuja antiguidade é dos tempos antigos”. Havia uma
imensa vitalidade em Tiro que a expandiu de uma pequena base para se tornar
uma potência de relevância mundial, mas nunca com ambições imperialistas,
nunca com a intenção de conquistar terras distantes. Era o comércio, não as con-
quistas, que guiavam os habitantes de Tiro; não o senhorio, mas o dinheiro. O
oráculo paralelo do Egito (19.1— 20.6) representa o poder do mundo pressio-
nando o povo de Deus. Tiro representa os caminhos do mundo exercendo sua
influência.
8,9 A mudança de tópico do que aconteceu (2-7) para a razão por que isso
aconteceu (8-13) e, acima de tudo, a mente por trás da mudança da sorte de
Tiro: o plano do Senhor. Quando Tiro fundava colonias, elas eram governadas
por reis designados por Tiro, daí a cidade ser chamada de aquela que dava coroas.
Não só isso, mas príncipes e os “famosos em toda terra” estavam a serviço de
Tiro. O pensamento não é da possível tentação de Tiro de ser orgulhosa, mas
de que com toda essa exibição de grandiosidade mundial, Tiro é finalmente
confrontada com o “árbitro supremo” — 0 Senhor dos B xércitos. Por que ele
planejou assim, não somos informados, ele é “juiz de toda a terra” e faz o certo
(Gn 18.25). Ele decreta “abater todo orgulho e vaidade e humilhar todos os que
têm fama na terra”.
10-12b O versículo 12 devia ser traduzido por: “Atravessa sua terra como
o Nilo, filha de Társis; não há mais restrição”. Társis pode se movimentar sem
restrição através de sua própria terra como o Nilo corre através do Egito des-
de que o poder de Tiro foi quebrado. A NVI entende a palavra m ezah como
porto, mas se ela tiver alguma coisa que ver com navegação, é “construção de
navio”, não ancoragem (veja K B ). A palavra é encontrada em Jó 12.21 e no
Salmos 109.19 como “cinto” e aqui é usada metaforicamente para a posse de
O LIV RO D O REI 256

Társis por Tiro.1A explicação dessa liberdade recém-encontrada é que o Senhor


estendeu a mão — uma ação suficiente para reduzir o mundo ao tremor — e, em
parücular, ele ordenou (lit.) “concernente a Canaã, para destruir suas fortalezas”12
e acabar com a alegria de Sidom. A palavra estendeu é uma alusão aos egípcios;
cf. Êxodo 14.16; 15.4-6,12. Josué 5.1 usa “cananeus” para Fenicia. O versícu-
lo 12 é um decreto quádruplo contra Sidom. As primeiras três consequências
são a perda da alegria (o fim do jfú ]b ilo í...], V ã le z como no v. 7), a perda da paz
{destruídas,‫‘ ¡י‬a sa q , “oprimir, errar, forçar” e experimentar violação como de uma
virgem deflorada) e a perda do mandato (serão exilados e terão de atravessiar'¡ 0
m ar até C hipre).
12c,13 A quarta consequência é a perda do descanso (a experiência inter-
minável de uma pessoa desalojada que não terá descanso). Isso é reservado para
a última estrofe de modo a fazer uma conexão entre a queda de Tiro e Sidom
e a maneira como isso veio a acontecer. N o versículo 11,0 Senhor “ordenou”.
Agora ficamos sabendo quem recebeu sua ordem e por que os sidônios não
encontrarão descanso. Tiglate-Pileser, da Assíria, começou sua tentativa de do-
minio mundial em 745 e por volta de 738 ele conseguiu impor um governador
militar a Tiro. N o entanto, Tiro continuou a ser rebelde sob o senhorio assírio
e, em 729, foi obrigada a pagar uma indenização de 150 talentos de ouro. Sal-
maneser (727-722) cercou Tiro sem sucesso, e Tiro, no fim do século VIII a.C.,
ainda estava em rebelião, negociando com o Egito contra a Assíria. Senaqueri-
be, em 701, destruiu totalmente o continente e provocou um enorme prejuízo
ao comércio de Tiro. De acordo com Erlandsson “só com o declínio da Assíria,
por volta de 630, Tiro recuperou a completa independência e a capacidade de
criar novas riquezas”.3 Mas uma tendência crônica de se envolver em revoltas
significou continuar a ter problema com os grandes impérios. Em 586, Nabuco-
donosor começou um cerco de treze anos, mas sem sucesso no fim. Da mesma
maneira, o persa Artaxerxes III sitiou Tiro em 333, mas a cidadela na rocha re-
sistiu a todos os ataques até finalmente cair para Alexandre, o Grande, em 332.
Assim, vemos que é desnecessário procurar fora do período de Isaías por uma

1 D e a c o r d o c o m D h o r m e ; “ E m assírio , m ezah é u m s in ô n im o d e m e s irru ( i ’ã s a r), c u jo


s e n tid o é ‘c in t o ’, ‘c o r re ia ’ ” . N o v e rsíc u lo 10, Q “ tra z U b d iy (“ s e r v ir ”), e m v e z d e 'ib r iy
(“ a tra v e s s a r” ; n o t a d e r o d a p é d a N V I) e é s e g u id o p o r K a is e r e p o r B H S , q u e ta m b é m
d e f e n d e m “ e s ta le iro ” , e m v e z d e porto. P re s u m iv e lm e n te , isso seria e n tã o tr a d u z id o p o r:
“V e m p a ra o s e rv iç o d e s u a te rra : a q u i n ã o é m ais e s ta le iro ” — é u m a s s u n to b e m dife-
r e n te d iz e r o q u e p o d e sig n ificar. A a ç ã o u m t a n to b ra n d a d e B H S e m in c ita r a a n u la ç ã o
d e como [...] do N ilo , “ c o m o u m e s p le n d o r ” s e m e v id ê n c ia .
2 S o b re a f o r m a m ã cuznehâ c o m o n d e in s e rç ã o a n te s d o s u fix o v e ja G K C 2 0 °, 6 7 ° (em q u e
se p e n s a s e r u m a f o r m a fe n ic ia ; cf. D e litz s c h ); cf. N m 2 3 .1 3 .
3 E r la n d s s o n , p. 101.
257 ISAÍAS 2 3 .I-1 8

justificação para um oráculo sobre Tiro. Ele, em certo sentido, estaria deficiente
em relação às questões do dia se não incluísse Tiro em seu campo de ação. Até o
ponto em que diz respeito à previsão de Isaías da queda de Tiro, se a captura da
cidade na rocha é necessária, então ela só foi cumprida com Alexandre. A força
propulsora do oráculo, no entanto, é que Tiro se torna insegura para a navegação
e seu comércio seja levado à paralisação com perda de vida em grande escala e
muitos refugiados. À luz disso, a referência no versículo 13 à Assíria como o
agente tem o mérito da simplicidade. As devastações operadas por Sargão no sul
da Mesopotamia foram notórias. Sete reis de Chipre estavam presentes em sua
coroação na Babilônia, e Sargão registra que quando eles ouviram o que estava
fazendo na Caldeia, “o coração deles se partiu, o medo caiu sobre eles”. Se Isaías
aqui aguardava Senaqueribe, ele podia bem ter dito: O lhem para a terra dos habilô-
nios (lit., caldeus) como uma advertência. Isso fornece todo contexto histórico
de que o versículo 13 precisa. Se os refugiados se perguntam por que não serão
recebidos nem terão permissão para descansar em nenhum lugar, eles só teriam
de perguntar quem ousaria provocar a Assíria ao recebê-los. A tradução de esse é 0
povo que não existe m ais é um tanto parafrástica, mas a frase em hebraico (zeh ha ãm
10' hãya) é sucinta, significando talvez: “Esse povo não existente”. A Babilônia,
graças ao empenho cruel da Assíria, transformou-se em um lugarp a ra as m aturas
do deserto. A expressão 0 deixaram (jyã sa d , “edificou-a”) é usada no sentido de dar
um novo começo a algo (cf. 2Cr 24.27; 31.7 na RV). Esse verbo e o último ver-
bo, fizera m dela, estão no singular, denotando as ações da Assíria personificada;
os verbos intermediários, ergueram e despojaram , estão no plural, denotando as
ações dos aliados e dos exércitos da Assíria. A expressão torres de vigia é (lit.) “as
torres de vigia |da Assíria]”. A palavra hahün é desconhecida em outras passa-
gens, mas pode estar relacionado com buhan (“torre de sentinela”) em 32.14.1A
palavra cidadelas Ç a rn fn ô t) seria mais bem traduzida por “palácios”.
14 Esse versículo é um inclusio |criar uma estrutura ao pôr material similar
no início e no final de uma seção] com o versículo 1. A única alteração aqui é a
menção a Tiro como uma fo rta leza ou “lugar seguro” para os navios de Társis.
A própria Társis pode ter a liberdade recém-encontrada (10) restrita agora que
Tiro se foi, mas o comércio de Tiro era o bastião financeiro para a navegação.
Sem isso, eles estão expostos e fragilizados. Se o versículo 1 diz que eles não
têm para onde ir, então o versículo 14 diz que eles não têm segurança alguma
para trabalhar.

1 ( ) te r m o K e th ib d o T M o f e re c e bhyn p o r bahün . P a ra n ó s , isso s ó s u b s titu i u m a p alav ra


d e s c o n h e c id a p o r o u tra . A K B s u g e re c o r re ç ã o p a ra bahannàw (“ as to r r e s d e v ig ia d e le ”).
O LIV RO D O REI 258

Pós-escrito: a ascensão e a renovação de Tiro (23.15-18)


Isaías oferece outro cumprimento de interim na recuperação de Tiro de
seu tempo de desprestígio depois de um hiato de setenta anos. Além disso, mais
uma vez ali está a Tiro renovada como “separada para o Senhor”.
15 O período mencionado aqui pode ser identificado como estando entre
as campanhas de Senaqueribc, em 701, e o declínio da Assíria, com a conse-
quente recuperação da força de Tiro, por volta de 630 (veja acima comentário
sobre o v. 13). A frase 0 tempo da vida de um r e i/ “conforme os dias de um rei”
pretende claramente deixar os setenta anos um período de tempo preciso, em
vez de simbólico, como a frase qualificadora anterior: “Tais quais os anos de
assalariados” (ARC) em 16.14; 21.16. O registro de cada reinado era mantido
no que era denominado “registros históricos dos reis de Judá” (por exemplo,
lRs 14.29). Assim, todos os dias dos setenta anos serão registrados e, por assim
dizer, apagados até o tempo declarado ser cumprido. C) primeiro pensamento
aqui é o motivo mercenário que foi sempre o principal motivo da atividade de
Tiro; tudo, como na prostituição, era feito por dinheiro. Cf. Amós 1.9, em que
a queixa do profeta contra Tiro é de que não permitiam que nada ficasse no
caminho do lucro, nem a piedade humana nem as obrigações morais da aliança.
17 A expressão se lem brará é muito precisa e tem nuanças de disciplina. A
palavra é p ã q a d (“visitará”), e seu sentido sempre é modelado por seu contexto.
Uma vez que Tiro reaparece no cenário mundial sem mudança, guiada por mo-
tivos financeiros (oficio de p ro stitu ta [...] servira) envolvida no comércio mundial
(todos os reinos), podemos até mesmo traduzi-la por “o Senhor restaurará Tiro”.
18 A nova Tiro, na época da volta da Babilônia, estaria ali para suprir os
materiais para o templo (Ed 3.7), mas isso, como a própria volta, era apenas um
sinal do cumprimento por vir (Ap 21.24-26; cf. Is 60.5). Para o termo lucro (sahar)
veja comentário sobre suprim ento no versículo 3. Deuteronômio 23.18< 19>
proíbe específicamente o trazer os ganhos Ç ejnãn; a mesma palavra que aqui)
da prostituição como uma oferta para o Senhor. Que imagem Isaías oferece
então de transformação: a prostituta convertida consagrando tudo que a anti-
ga vida, agora passada e finda, tinha significado e ganhado (cf. Lc 7.44-46; Jn
12.3). Isaías fala primeiro de uma nova condição: o lucro e a sua renda [de Tiro / são
separados p a ra 0 S en h o r/ “consagrado ao S e n h o r ” . Essa é a palavra que adorna
o sumo sacerdote (Ex 28.36) e é usada para o que pertence à esfera divina de
realidade (Lv 27.9,10). Segundo, ele fala de um novo espírito: esses ganhos não
serão guardados nem depositados. O antigo espírito mercenário será substituído pela
generosidade. Terceiro, haverá uma nova submissão e preocupação com os que
vivem na presença do Senhor, ou seja, o povo de Siào (SI 27.4; 84.4,7). O mesmo
pensamento é expresso em Salmos 87.4, em que Tiro recebe a garantia da pri-
mogenitura em Sião. Também é o tema da “peregrinação de Sião” (veja 2.2-4;
45.14-25; 60.1-14; Ap 21.24-26).
259 ISAÍAS 2 4 .1 2 7 .1 3 ‫־‬

3.0 terceiro ciclo. Duas cidades em contraste: resistência até o fim


para a glória (24.1—27.13)
C ada e le m e n to d esse títu lo é im p o rta n te . O p rim e iro diz re sp e ito à fo rm a
da seção; o seg u n d o , a seu tem a central; e o terceiro , a sua relação co m o s dois
ciclos p re c e d e n te s.1
E sse é o “ terceiro ciclo” , n ã o “ o te rc e iro ciclo de o rá c u lo s” , p o rq u e n ã o é
usada a e s tru tu ra d e oráculo. E sse é u m to d o c o n tín u o , in c o rp o ra n d o poesia,
prosa e cân ticos. N ã o o b sta n te , está e stre ita m e n te in te g ra d o co m os ciclos p re-
cedentes.
O te m a cen tral é u m a cidade d e stru íd a e u m a cidade estabelecida. A pri-
m eira é “ cid ad e [...] em ru ín a s” (24.10; cf. 25.2,12; 26.5; 27.10) e a últim a é
m en cio n ad a pela localização, o u seja, m o n te Sião (24.23; 25.6,7,10; 27.13), ou
sim p lesm ente c o m o u m a cidade o u c o m o Je ru sa lé m (24.23; 26.1; 27.13). D e
todas as seções de Isaías, essa o ferece a m e n o r ajud a n o d isc e rn im e n to das si-
tuações q u e estim u laram as u n id ad es individuais. E m u ito p rovável, p o r exem -
pio, q u e 25.10-12 te n h a o rig em n o m aterial so b re M o ab e d e 15.1— 16.14 e,
na v erdade, se o “ p o is” inicial de 25.10 fo r tra d u z id o p o r “ q u a n d o ” , isso fica
bem d e p o is de 16.12, casan d o co m a oração de “ q u a n d o ” d e 16.4b (ARA). D a
m esm a m aneira, m u ito desse m aterial p arece ter sido c o m p o sto para seu lugar
atual, c o n fo rm e su sten ta K aiser em relação a 24.7-12; 25.1-5; 26.1-6. E m to d o
caso, o c o n te x to é im p o rtan tíssim o , e a busca p o r cenários “ originais” é tan to
não decisiva q u a n to inútil. Para e n te n d e r os capítulos 24— 27 tem o s p rim eiro de
vê-los c o m o u m ú n ic o c o m p le x o e d e p o is localizá-lo na “g ra n d e estratég ia” d o s

1 E sse s c a p ítu lo s , c o m fre q u ê n c ia , sã o d e n o m in a d o s “ O a p o c a lip s e d e Is a ía s ” , m a s m e s m o


n o s te x to s e m q u e o títu lo é a in d a m a n tid o h o je , ele p a re c e e s ta r a c o m p a n h a d o p o r u m a
c o n sc iê n c ia c a d a v e z m a io r d e q u e ele n ã o se a d é q u a a o c o n te ú d o . C le m e n ts in siste q u e é
seu “ c a r á te r to ta lm e n te e sc a to ló g ic o q u e p e r m itiu q u e d iv e rs o s i n té r p r e te s d e s c re v e s s e m
[...] o s c a p ítu lo s 24— 2 7 c o m o a p o c a líp tic o ” . J. L in d b lo m , e m b o r a in titu le se u liv ro d e
D ie fesa ja -A po ka lypse ( L u n d , 1 9 3 8 ), d á a e sse s c a p ítu lo s o c o r r e ta m e n te d e s c ritiv o títu lo d e
“ c a n ta ta ” — p o is eles s ã o d e fa to p o e m a s e s c a to ló g ic o s m is tu r a d o s c o m c â n tic o s . C o m
c ertez a , a lite ra tu ra a p o c a líp tic a é u m f r u to d a e sc a to lo g ia p r o f é tic a (veja J o h n s o n ; P. D.
H a n s o n , The D aw n o f A poca lyptic [F o rtre s s , 1975]), m a s o te x to d e Isa ías 24— 2 7 e s tá m u ito
m ais p r ó x im o s d a p ro fe c ia q u e d a lite ra tu ra a p o c a líp tic a . A s c a ra c te rís tic a s d a lite ra tu ra
a p o c a líp tic a (H . H . R ow ley, A im portância da literatura apocalíptica [P au lin as, 1980]; L. M o r-
ris, A pocalyptic [IV P , 1972]) e s tã o n o ta v e lm e n te a u se n te s. W. R . M illar (Isa ia h 24■ — 2 7 and
the O rig in o f A poca lyp tic [S c h o lars P re ss , 1976]) e m p r e e n d e u u m e s tu d o a te n to d o e stilo
p ro só d ic o , p a d r õ e s d e te m a s e c e n á rio h is tó ric o . E le d e s c o b riu m o tiv o s p a ra p ô r o a u to r
“p e r to d o S e g u n d o Isa ía s” e a rg u m e n ta q u e e m m u ito s p la n o s o e s c rito r d e Isa ía s 24— 27,
S e g u n d o Isa ías e p o e ta s c a n a n e u s e x ib e m “ s im ila rid a d e n o e s tilo p r o s ó d i c o ” ; q u e o “ p a -
d rã o te m á tic o ” é a n tig o , “ t e n d o a té m e s m o su a o rig e m n a re lig ião c a n a n e ia ” , e q u e o to d o
é “ p r o to a p o c a líp tic o ” e p o r “ u m d is c íp u lo d e Isa ías [...] q u e c o m p a r tilh a v a su a p e r c e p ç ã o
para a r e c o n s tr u ç ã o d e Is ra e l” .
O LIVRO DO REI 260

cap ítulos 13— 27. E m 2.2-4, um h in o so b re o Sião ex p re sso u u m a esp eran ça


universal ce n tra d a n a cid ad e c o m o um im ã para o m u n d o inteiro. N o e n ta n to , a
v erdade q u e a c o m p a n h a o ch a m a d o para as n açõ es (“ v en h am , su b a m o s” ; 2.3) é
u m ch a m a d o p ara o p o v o d o S enhor: “V enha, [...] a n d e m o s” (2.5). E m b o ra eles
vivessem em Sião, já tin h a m p e rd id o o Sião ideal e ta m b é m d ev em av an çar em
p e re g rin a çã o d e v o lta ao S enhor. O s cap ítu lo s 24— 27 e x p ressam essa d u p la
p e re g rin a çã o em g ra n d e escala:

A 1 A co lh eita d e um m u n d o d e stru íd o p elo S e n h o r (24.1-13)


A d e stru iç ã o (1-12)
O resp ig ar (13)
B1 O cân tico d o m u n d o re m a n e sc en te (2 4 .1 4 -16a)
C1 O m u n d o p e c a d o r d e stru íd o (24.16b-20)
D1 A e sp era m u n d ial (24.21-23)
E1 O cântico d a cidade arru in ad a (25.1-5)
F M O N T E S IÃ O (25.6-12)
E2 O c â n tic o d a cid ad e fo rte (26.1-6)
D2 A esp era d o p o v o d e D e u s (26.7-21)
C2 A s forças espirituais d o m al d e stru íd a s (27.1)
B2 O c â n tic o d o re m a n e sc e n te d o p o v o (27.2-6)
A 2 A co lh eita d o S e n h o r d e u m p o v o d e stru íd o (27.7-13)
A d e stru iç ã o (7-11)
O resp ig ar (12,13)

O b s e rv e que:
a. A s p a rte s A '- E 1 estã o p re o c u p a d a s c o m o m u n d o ex terio r; e as E 2-A 2,
co m o p o v o d o S enhor. O m o n te Sião é central p a ra am b o s, daí o c u m p rim e n to
d a v isão d e 2.2— 4.5. A p a rte F en fatiza a universalidade d e “ to d o s o s p o v o s”
(25.6,7), “ to d a s as n a ç õ e s” (25.7), “ to d o o ro s to ” e “ to d a a te rra ” (25.8).
b. E n q u a n to o m u n d o é atraíd o p ara o m o n te Sião (A ’- E 1), o p o v o d o
S e n h o r co m e ç a ali (E 2). Para co m eçar, o s c ren tes c o n h e c e m a fo rça d a cidade
(26.1), m as ta m b é m sab em q u e é n ecessário te r fé e p aciên cia p ara h e rd a r as
p ro m e ssa s (D 2). A s g ra n d e s q u e stõ e s espirituais têm d e ser a ssen tad as (C2) e,
e m b o ra eles estejam so b o c u id a d o d o S e n h o r (B2), o ju lg am en to , an tes d o final
da colheita, deve v ir à casa d o S e n h o r (A2).
c. A s p a rte s E 1 e E 2 refletem essa situação. O m u n d o re m a n e sc en te está
cien te d o q u e foi salvo; o p o v o d o S e n h o r está p re o c u p a d o em g a ra n tir tu d o
que foi p ro m e tid o aos crentes.
d. A s p a rte s C 1 e C 2 n ã o só têm tem as casados, m as c o m p a rtilh a m o s tem as
de dilúvio (24.18b) e d e m a r (27.1).
261 ISAÍAS 2 4 .I-2 7.I3

e. A s p a rte s D ' e D 2 estão ligadas p elo te m a de esp era: “ d e p o is d e m u ito s


dias” (24.22), “ e sp e ra m o s” (26.8). O b se rv a m o s ta m b é m a ligação d e “ castiga-
dos” (24.22) e “ ca sd g a r” (26.21).1
O terceiro e le m e n to d o títu lo p õ e esse ciclo n o c o n te x to d o s cap ítu lo s 13—
27. São feitas m uitas tentativas p a ra id en tificar a cid ad e d e 24.10 c u jo n o m e não
é m en cio n ad o ,2 e os e le m e n to s n a d escrição, sem d ú v id a, são a d e q u a d o s p o r
essas várias localizações, m as to d as essas id en tificaçõ es n ã o tê m n ad a q u e ver
com o assun to. H o je em dia u sam o s a e x p ressão “vila g lo b al” p a ra d escrev er
com o, n o século X X , o m u n d o e n c o lh e u d e m o d o q u e o q u e diz re sp e ito a um
toca a to d o s; tu d o é p o te n c ia lm e n te d e im p o rtâ n c ia m un d ial. A p re o c u p a ç ão
de Isaías é se m e lh a n te , m as n ã o idêntica. E le te m em m e n te a “ cid ad e g lo b al” ,
0 m u n d o in teiro o rg a n iz a d o em to rn o d o fu n d a m e n to n ã o esp iritu al e cen tra d o
no ser h u m a n o . E le agora n o s leva além d o p o n to em q u e d izem o s: “A Babi- 12

1 C lem e n te s o f e re c e u m a e x c e le n te n o ta c o b r in d o as a b o r d a g e n s a tu a is d e Isaías 24— 2 7 e


a rg u m e n ta c o r r e ta m e n te q u e a a b o r d a g e m te m á tic a é “ m ais crív el e s a tis fa tó ria ” . A m ú l-
tipia a u to ria é a m p la m c n tc d e f e n d id a , u m d e s e n v o lv e n d o s o b r e o o u t r o e m u m a te n ta tiv a
s u s te n ta d a p a r a e x p r e s s a r o s e n s o d e le s d e e v e n to s c s c a to ló g ic o s im in e n te s . W ild e rb e rg e r
ad o ta a m e s m a lin h a . E le a c h a q u e 2 4 .1 -6 ,1 4 -2 0 ; 26 .7 -2 1 fo r n e c e m u m “ f u n d a m e n to ”
e q u e fo i d e s e n v o lv id o p o r su c e ssiv a s in se rç õ e s: im a g e n s e s c a to ló g ic a s ( p o r e x e m p lo ,
24.21-23), c â n tic o s (2 5 .1 -5 ; 2 6 .1 -6 ) e o u tr o s a c ré s c im o s , c o m o 27.1. J o h n s o n q u e s tio n a
esse “ p r o c e s s o d e c r e s c im e n to ” ( W achstumspro^ess é p a la v ra d e W ild e rb e rg e r) s o b r e d o is
fu n d a m e n to s . P rim e iro , q u e a q u e le s q u e d e f e n d e m e sse p r o c e s s o d e c r e s c im e n to n ã o
c o n c o rd a m q u a n to às u n id a d e s q u e fo ra m a c re s c e n ta d a s d e f o r m a p ro g re s s iv a c o fe re c e m
um ra c io c ín io c o n v in c e n te p a ra a a d iç ã o d e la s; e s e g u n d o , q u e a h ip ó te s e é in a d e q u a d a
para e x p lic a r “ a o b r a u n ific a d a q u e e n g lo b a Isaías 24— 2 7 ” . E le fala d e “ u m c o n s e n s o
e m e rg e n te d e q u e Isa ías 24— 2 7 é u m a c o m p o s iç ã o o r d e n a d a ” . S u a p r ó p r ia p e rc e p ç ã o é
que u m ú n ic o a u to r p r o d u z iu 2 4 .1 -2 0 n a v é s p e ra d a d e s tr u iç ã o d e J e r u s a lé m , e m 58 7 ; d u -
ran te o ex ílio ele a c re s c e n to u 2 4 .2 1 — 27.1 c o n f ia n te n a v itó ria d o S e n h o r e n a d e s tr u iç ã o
da B ab ilô n ia; e fin a lm e n te tro u x e o te m a d e tr iu n f o a u m a c o n c lu s ã o c o m 2 7 .2 -1 3 .
2 P o r e x e m p lo , u m a c id a d e m o a b ita d e s c o n h e c id a (E is sfe ld t); a B a b ilô n ia c m v á ria s d a ta s
(Iá n d b lo m ; cf. G . W. A n d e r e s o n , Isaiah 2 4 — 2 7 Reconsidered, V T S 9 [1963]); J e ru s a lé m
(M illar, J o h n s o n ) . C le m e n ts , W ild e rb e rg e r e K a is e r d e f e n d e m u m a p e r c e p ç ã o sim b ó lic a
— a c id a d e c o m o u m “ re p re s e n ta ç ã o d a re a lid a d e m ais a b r a n g e n te d a m a ld a d e d o m u n -
d o ” . A u n id a d e d a se ç ã o in te ira (caps. 13— 27) e o d e s e n v o lv im e n to d e m o n s tr a d o acim a
c o n firm a m e ssa p e rc e p ç ã o . A c id a d e te m a é a d e q u a d a p a ra Isa ías c o m o p a ra n e n h u m o u -
tro p ro fe ta , e o s a r g u m e n to s c o n tr a su a a u to ria n ã o s ã o v ig o r o s o s q u a n d o a v aliad o s c o n -
tra e ssa a d e q u a b ilid a d e e c o n tr a a p la u s ib ilid a d c in trín s e c a d e q u e su a s p r ó p r ia s p re d iç õ e s
o g u iara m a s o n d a r o f u tu r o d a f o r m a c o m o e sse s c a p ítu lo s s o n d a m . E im p o s sív e l p e n s a r
em Isaías c o n c o r d a n d o e m silê n c io c o m o fim d e S ião, a c e ita n d o a n e g a ç ã o d e to d a s as
p ro m essa s e a a n u la ç ã o d e to d a s su a s e sp e ra n ç a s . S e rá q u e ele te ria ig n o r a d o o fim d e Sião
c o m u m e n c o lh e r d e o m b r o s e u m s u s p ir o q u a n to a o q u e p o d e r ía te r sid o ? C o m c e rte z a
ele te m a o b r ig a ç ã o d e , t e n d o c o n c e d id o o p rim e iro round à B a b ilô n ia , c o n s id e r a r o fim
da d isp u ta ? S e ele n ã o fez isso p o r su a p r ó p r ia v o n ta d e , se u s o u v in te s e se u s d is c íp u lo s o
fo rçariam a fazê-lo .
O LIV RO D O REI 262

lônia caiu” e n o s traz a o p o n to em q u e o esp írito d a B abilônia é e n cap su lad o


n a “ cid ad e v ã” (24.10), em cuja q u ed a a p ró p ria te rra v o lta à falta d e sen tid o
p rim eva (24.18b-20: cf. G n 1.2; J r 4.23ss.) e além d a qual re sp la n d e c e a cidade
em q u e o S e n h o r reina (24.21-23). E sse ciclo, p o rta n to , é o p o n to c u lm in an te
a d e q u a d o das séries c o m o u m to d o . A s e stru tu ra s h istó ricas d o te m p o d e Isaías
(caps. 13— 20) p ro d u z ira m u m a im agem d e sfo c a d a nas m arg en s, m as clara em
seus p o n to s essenciais (caps. 21— 23), m as ag o ra o p ro fe ta p re ssio n a adiante
para a escato lo g ia e m q u e ainda h á cin co linhas d e verdade:
a. A p re se rv a ç ã o d o p o v o d o S e n h o r em m eio a u m m u n d o estraçalh ad o
(24.1-20; esp. w . 13-16a).
b. A c e rte z a das p ro m e ssa s m e sm o q u a n d o elas p arecem d e m o ra r (24.21-
23).
c. A satisfação d o m u n d o in teiro n o m o n te Sião (25.1-12).
d. O p o v o d e D e u s p e g o em to d o o tu m u lto da h istó ria, m as já n a cidade
segura (26.1-20).
e. A re u n iã o final (27.1-13).
N a p rim eira série, M o ab e, p o r o rg u lh o , afasto u -se d a seg u ran ça em Sião
(caps. 15— 16); n a seg u n d a, as n ecessid ad es d o s g e n tio s c o n tin u a m a n ã o ser
satisfeitas p e lo auxílio m ú tu o (21.13-17); agora, n o m o n te Sião, to d a necessida-
d e é satisfeita, e m b o ra o o rg u lh o m o a b ita ainda o rejeite (25.1-12). A p rim eira
das duas séries ex p õ e o co la p so d o p o v o d e D e u s p o r ad e rir às seg u ran ças m u n -
d an as (17.1ss.) e à au to ssu ficiên cia (cap. 22), m as ag o ra a im ag em é to ta lm e n te
p o sitiv a (cap. 26). H á seg u ran ça n o S en h o r, esp era, a d isciplina d a p aciên cia, o
p e sa r pelas deficiências e falhas e a p ro te ç ã o — u m a im ag em d e u m a v erd ad eira
igreja à e sp era da co lh eita final. N a literatu ra d e Isaías, c o n fo rm e a receb em o s,
esses cap ítu lo s m o stra m c o m o n o fim o rei d o m u n d o virá p ara seu tro n o .

a. A cidade da ausência de sentido: a história mundial planejada em


torno do povo de Deus (24.1-20)
N o c e rn e d essa p assag em está a verd ad e ta m b é m e n c o n tra d a n as passa-
g en s paralelas n o s ciclos p reced en tes: a cen tralid ad e d o p o v o d o S e n h o r n o s
p lan o s d o S e n h o r p ara o m u n d o (veja c o m e n tá rio so b re 14.2; 21.10). Q u a n d o a
crise final v ier so b re o m u n d o , esse p rin cíp io se m a n té m firm e: a seg u ran ça d o
re m a n e sc en te d o S en ho r. D aí, o u v im o s o silenciar d o c â n tic o d o m u n d o (w .
7-12) e a elevação d o c â n tic o d o re m a n e sc en te (w . 13-16a). E m u m m u n d o em
co lap so, as p esso as cuja alegria está n o S e n h o r estã o seguras.
263 ISAÍAS 2 4 . 1 2 0 ‫־‬

A 1 A te rra devastada: a ação divina (1-3)


B1 O d e fin h a m e n to d o m u n d o : o p e c a d o e a m ald ição (4-6)
C1 O c â n tic o silenciado: a q u e d a d a cid ad e (7-12)
C2 O cân tico o uvido: o resp ig ar m u n d ial (1 3 -16b)
B2 O d e fin h a m e n to pessoal: o p e sa r co m a traição e seu
re su lta d o (16c-18d)
A 2 a te rra desp ed açad a: as causas m o ra is/e sp iritu a is (18e-20)

A baixo d e ta lh a m o s m ais e le m e n to s in te g ra n te s d esse p o e m a , m as pri-


m eiro d eve-se c o m e n ta r seu c o n te x to geral n o fluxo d a n arrativ a (G n 6— 9).
A m bos fazem referên cia a “ janelas [N V I, “ c o m p o rta s ”] d o a lto ” (ARC) se n d o
“ab ertas” (cf. v. 18c e G n 7.11); a m b o s se re fe re m à “ aliança e te rn a ” (cf. v. 5
e G n 9.16); e n o v ersículo 6, a “ m ald ição ” , n o c o n te x to d o te m a d o v in h o d o
versículo 7, liga c o m N o é , o v in h ateiro , e a im p o siç ã o d a m ald ição n o m u n d o
p ó s-diluviano (G n 9.20,25).

A terra devastada: a ação divina (24.1-3)


inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial
E ssa seção é a g ru p a d a p elo s
similar n o início e n o final d e u m a seção] devastá-la(1), arrasada (3; ibãqaq) e ve-
jam! O Senhor(1 ; hinnêhyhwH), “ p o rq u e ” (ARC) 0 Senhor(3; lãyhwh; a N V I o m ite
o “p o rq u e ”). A ên fase está na dev astação to tal, in clu in d o ta n to o m u n d o na-
tural q u a n to o m u n d o h u m a n o (1). N in g u é m escapará, ain d a assim , n e n h u m a
acusação é feita. A palavra d o S e n h o r foi p ro fe rid a (3), m as os v ersícu lo s n ão
oferecem u m a explicação p ara isso. A ssim a seção n ã o se su ste n ta so zin h a, m as
precisa d o re sta n te d o p o e m a e, so b re tu d o , d o s versículo s c o m b in a d o s 18b-20
para c o m p le ta r a im agem .
1 Q u a n to à ex p ressão vejam!O Senhor(hinnêhyhwh), W ild erb erg er o b se rv a
que “vejam ” a c o m p a n h a d o d o n o m e d iv in o e seg u id o d e u m p a rtic ip io é típico
de Isaías (3.1; 8.7; 10.33; etc.), m as rara em o u tra s p assag en s” (cf. J o h n s o n ).1
Para o en v o lv im e n to d o p ró p rio m u n d o c o m o p e g o n o ju lg am en to so b re a
queda d e seus h a b ita n te s, veja c o m e n tá rio so b re 2.12ss. É in trín se c o à d o u trin a
da criação q u e o s seres h u m a n o s em p e c a d o são a su p re m a am eaça am biental.
0 v erb o devastá-la é u m p a rtic ip io d e ação im in e n te (em b o ra n ã o datada). O
term o Vbãqaq (cf. 19.3; O s 10.1) co stu m av a ser tra d u z id o p o r “ esvaziar” (BDB),
mas significa “ d ev astar” (KB). A palavra devastá-la(‫י‬ibãlaq) só é e n c o n tra d a aqui
e em N a u m 2 .1 0 < 1 1 > . E sse v o cab u lário de d e stru iç ã o d o m u n d o físico está
p rep aran d o p a ra a d escrição da cidaden o versículo 10 c o m o “ v ã / vazia” , a tõhü

1 Veja 3 .1; 8 .7 ; 1 0 .33; 19.1; 2 2 .1 7 ; 24.1; 2 6 .2 1 . A fo ra Isaías, só M iq u e ia s 1.3 e A m ó s 7 .4 tra-


zem isso. A c o n s tr u ç ã o d e h in n êh c o m o s u fix o d a p rim e ira p e s s o a re fe rin d o -s e a o S e n h o r,
se g u id o d o p a rtic ip io é m u ito u s a d a p o r t o d o s o s p ro fe ta s .
O LIV RO D O REI 264

d e G ên esis 1.2. O te rm o espalhará(¡pus;c o m o G n 11.4,8,9) ta m b é m estab elece


a cen a p ara a cidade, re m e m o ra n d o a B abel original, a cid ad e em q u e as p esso as
co m e ç a ram su a b u sc a ain d a em a n d a m e n to p o r u m a so cied ad e c o e sa b asead a
nas p ró p ria s habilidades e tecnologias.
2 Veja a n o ta acim a so b re o s versículos 1-3 e cf. O seias 4 .1-10, em especial
o versícu lo 9 .1 O s p ares c o n tra sta n te s fo rm a m u m a e x p re ssã o id io m ática de
to talid ad e (veja c o m e n tá rio so b re 3.1), v e n d o a h u m a n id a d e d a p e rsp e c tiv a reli-
giosa {sacerdote,povo),d o m é stic a {senhor,servo,senhora, serva) e co m ercial {vendedor,
comprador, etc.). T o d o s o s a sp e c to s d a vida estão so b se n te n ç a ju n to c o m to d o s
o s g ru p o s e indivíduos.
3 A frase a terra será completamente arrasada usa as m esm as palavras q u e o
versícu lo 1, m as altera o ativo (o q u e o S e n h o r fará) p a ra o p assiv o (o q u e a
te rra so frerá). A o b ra am eaçad a virá à fruição. A s frases completamentearrasadae
totalmentesaqueada são am b as c o n stru ç õ e s infinitivas abso lu tas. A s palavras com-
pletamentee totalmenten ã o qualificam a terra(ou seja, c o m o se n tid o d e q u e to d a
a te rra so fre rá saque), m as a ideia verbal: será u m a to d e d ev astação q u e inclui
tu d o q u e a d ev astação envolve. O te rm o saqueada (Ibâzaz) n ã o é u sa d o e m um
se n tid o geral de “ d e stru iç ã o ” , m as se m p re c o m a ideia d e alguém c o n se g u in d o
espólio. N ã o é m e n c io n a d o o n o m e d o inim igo. A qu i m ais u m a vez essa seção
inicial n ã o se su ste n ta so zin h a. A im agem da criação, d o d ilú v io e d e B abel n o
re sta n te d o p o e m a tra n s fo rm a o S e n h o r em ad v ersário e v ito rio so . A frase quem
falou estapalavrafoi 0 Senhor/ “ O S e n h o r p ro n u n c io u esta p alav ra” é típica de
Isaías (cf. 1.2,20; 21.17; 22.25; 25.8; 40.5; 58.14).

0 definhamento do mundo: o pecado e a maldição (24.4-6)


J o h n s o n o b se rv a de m o d o p e rc e p tiv o q u e a im ag em d esses versículos
m u d a daquela d o s versículos 1-3: o te rre m o to (1) e a c o n q u ista m ilitar (3) se
tra n sfo rm a m em “ d e fin h a ” . E le vai além d o q u e é exigido, n o e n ta n to , q u a n d o
su g ere q u e isso p o d e in d icar o u tra autoria. C o n fo rm e o b se rv a m o s acim a, os
v ersículos 1-3 p re d iz e m devastação, m as n ã o a p re se n ta m n e n h u m a justificativa
para isso, e é para isso q u e o s versículos atuais p ro sse g u e m . U m a vez q u e a
justificação p ro fe rid a é a realidade in te rio r e pessoal d o p ecad o , a visão d e um a
n a tu re z a ressecad a é a d eq u ad a, a h u m a n id a d e tra n sm itin d o seu co n tá g io ao
m u n d o . A seção é a g ru p a d a pelas referências ao d e fin h a m e n to d o m u n d o (4;
habares) e a u m a d im in u ição n u m érica d a h u m a n id a d e (6; yõstbê 'eres). E sses
versículos, ch eio s d o h eb raico d elicio sam en te a sso n a n te d e Isaías, e n c e rra m a
acusação central d o versículo 5.

1 K a is e r d e f e n d e q u e e ssa p a s s a g e m s u rg iu q u a n d o u m e s c rito r p ó s -e x ílio p o s te r io r u s o u


O s e ia s 4.1ss. p a ra d e s e n v o lv e r u m a im a g e m d o m u n d o e m ru ín a s . M a s a lin g u a g e m aq u i
é tip ic a m e n te d e Isaías, p o r e x e m p lo , se u a m o r p o r listas (cf. 3 .1 -3 ,1 6 ; 1 0 .9 -1 1 ,2 8 -3 2 ).
265 IS A ÍA S 2 4 . 1 2 0 ‫־‬

4 N a frase secaseemurcba Çabelânáb'la), o p rim e iro v e rb o p o d ia ser 4‫י‬ãbèl


(“ secar” ; veja KB), m as é m ais a d e q u a d o o v e rb o m u ito m ais fre q u e n te co m a
m esm a o rto g ra fia c o m o se n tid o d e “ m irrar, d e fin h a r” . O p ro b le m a n ã o é o fa-
tor e x te rn o d e secura, m as o fa to r in te rn o de ressecam en to . S o b re mundo (tebél)
veja 13.11. Os nobresda terra/ “ o s m ais altos d o p o v o d a te rra ” é u m a ex p ressão
sem paralelos. T o m a d o p elo q u e p arece ser, isso significa q u e até m e sm o os
exaltados da te rra são in fectad o s co m essa secu ra m o rtal. U m a c o rre ç ã o fre-
q uente leva aos “ altos c ta m b é m a te rra d e fin h a m ” ,1 m as aqui é m ais ad eq u ad a
uma referên cia às p esso as, em vez de a um lugar, lig an d o ao versículo 5 expia-
natório.
5 O te rm o contaminada (ihãnêp) é u sa d o co m u m se n tid o fo rte, “ po lu ir,
p ro fan ar” . (S obre a ideia d e “ p oluir, p ro fa n a r” a te rra veja N m 35.33; SI 106.38;
Jr 3.1,2,9.) Q u a n to à criação de D e u s, o p ró p rio m u n d o é m o ra lm e n te sensí-
vel, e os “ e sp in h o s e ervas d a n in h a s” d e G ê n e sis 3.18 ilu stram os d o is lados
dessa sensibilidade. D e u m lado, eles ev id en ciam a fo rm a c o m o a p ró p ria te rra
luta c o n tra o s pecad o res. N ã o tra n sm ite p ro n ta m e n te sua liberalidade c o m eles,
mas faz c o m q u e seu p o d e r p ro d u tiv o acabe re p re se n ta n d o u m a d esv an tag em
para eles. D e o u tro lado, o fato de q u e u m a te rra declarad a b o a p elo S e n h o r
pode p ro d u z ir e sp in h o s e ervas d a n in h a s é evidência d e q u e a n a tu re z a dela foi
prejudicada e q u e o jardim está n o p ro c e sso d e se to rn a r o d eserto . A te rra foi
co ntam inada pelosseushabitantes/ “ p o r causa d o s seus m o ra d o re s ” , o u seja, so b
seu d o m ín io , seu m a u uso, so b o fard o deles. N ã o o b sta n te , n ã o era assim n o
É den, o n d e A d ão (lit.) “ c u id jo u ]” (G n 2.15) d o jardim . E n tã o o q u e aco n teceu ?
Três acu sações são a b ru p ta m e n te p ro ferid as (o en o v. 5d p o d e se r om itid o ):
1. A tra n sg re ssã o da v erd ad e revelada. Desobedeceram (4‫ז‬abar, “ atrav essar”)
c m uitíssim o u sa d o c o m o se n tid o de “ tra n sg re d ir” (cf. parabainct n o N o v o
T estam ento). E les tra n sg re d ira m as leis.1
2A ideia básica da tõrân ã o é “ im p o sição
autoritativa” (¿ex), m as in stru ç ã o au toritativa. A ssim , a p rim eira acu sação é de
que eles se recu saram a re te r a revelação divina e a viver p o r ela.
2. A m u d a n ç a d o q u e se p re te n d ia co m p e rp e tu id a d e . Violaramé (lit.) “ eles
alteraram ” . O v e rb o (4hãlap) é u sa d o para u m a co isa su b stitu in d o o u tra (cf.
21.1). O su b sta n tiv o hõq (trad u zid o p o r decretos) vem de 4hãqaq c o m o sen tid o
1 Q ‫ ״‬tra z u m v e r b o s in g u la r Çmlf), le v a n d o a B H S a s u g e rir ’umlal mãròm Ίιη ha ares (“ o s
n o b re s d e f in h a m ju n to c o m a t e r r a ”). Is s o p o d e se re fe rir a o m u n d o d o a lto o u e sp iritu a l)
veja v. 21; SI 14 4.7). O p e n s a m e n to n ã o é in a d e q u a d o a o c o n te x to atu a l. A c id a d e tip ifica
u m m u n d o e s t r u tu r a d o s e m D e u s , m a s a trá s d is s o e s tã o as fo rç a s e sp iritu a is d a s trev a s, e
elas ta m b é m s e rã o d e s tru íd a s .
2 O p lu ral d e tõrâ s ó o c o r r e o n z e v e ze s d a s 2 2 0 o c o r rê n c ia s ( p o r e x e m p lo , G n 26.5; Ex
16.28; SI 1 0 5 .45 ). É o u u m p lu ra l g e n e ra liz a d o r (“ leis se jam q u a is fo re m e la s”) o u u m
plu ral d e a p lic a ç ã o (“ leis c o b r in d o to d o s o s a s p e c to s d a v id a ”).
O LIV RO D O REI 266

de “ escu lp ir” o u “ e n ta lh a r” e, p o r isso, traz a ideia d e p e rp e tu id a d e . A seg u n d a


acu sação é de in tro d u z ir u m a m o ralid ad e in o v ad o ra.
3. Quebraram (Jpãrar) é u m te rm o técn ico n o v o cab u lário d a aliança, m ais
p ro fu n d o q u e tra n sg re d ir o u d eso b e d e c e r, na verd ade, an u lan d o , elim in an d o
o u p o n d o d e lad o o c o n c e ito in teiro d e re la c io n a m en to e vida d a aliança (por
exem plo, D t 31.20; cf. p ara a força d o v erbo, N m 3 0 .8 < 9 > ). A ex p ressão a
aliança eterna é u sa d a p ara a aliança c o m N o é (G n 9.16), a d isp e n sa ç ã o d a aliança
d o S e n h o r re m o n ta n d o a A b raão (SI 105.10), o sáb ad o n a aliança m o saica (Lv
24.8) e a aliança davídica (2Sm 23.5 e sua fu tu ra c o n tra p a rte m essiân ica (Is 55.3;
61.8) . E m b o ra to d a essa p assagem eco e o te m a d o dilúvio, seria u m e rro ligar
essa referên cia à aliança a q u a lq u e r c a m in h o ex clu siv am en te p a ra N o é , e m b o ra
sua a m b ie n ta ç ão co m e c e c o m ele.1 T o d a d isp en sação d a aliança u n h a seu as-
p e c to reg u lató rio , p o r m ais q u e n ã o fosse d esen v o lv id o em c o m p a ra ç ã o co m
0 sistem a m o sa ic o n o rm ativ o . T alvez isso seja p o r q u e Isaías u so u o plural, leis,
de m o d o a c o b rir to d o o p e río d o e asp e c to s d a aliança c o n c e sso ra d a lei. A té
m e sm o d e A b raão , q u e viveu so b os p receito s d iv ino s m ais am p lo s (G n 17.2),
diz-se q u e g u a rd o u as “ leis” d o S e n h o r (G n 26.5). A an u lação d a aliança, em
essência, era a recu sa em viver n a c o m u n h ã o a b e rta p o r D eu s.
6 E sse v ersícu lo c o m p le ta a seção.12 O versícu lo 4 lid o u co m a te rra e as
p esso as debilitadas e defin h ad as, e o v ersículo 5 o b s e rv o u a cau sa m o ral — a
te rra estava so b re c a rreg a d a p o r causa de sua p o p u la ç ã o a p ó stata. O versícu lo 6
leva o s assu n to s a seu d ia g n ó stic o final. O p e c a d o tem o efeito d e sc rito p o rq u e
h á u m a atividade divina e m op eração , um a maldição. A ex p ressão id io m ática
“ indefin ida p o r causa d a ê n fa se ” sugere “ u m a m aldição — v o cê sab e à qual m e
refiro!” Is to é “ à m ald ição d a aliança” (Lv 26.25-45; D t 11.26-28; 28.15ss.; D n
9.11; Z c 5.3), o S e n h o r n ã o está q u e b ra n d o sua aliança, m as o p e ra n d o n a ira da

1 J o h n s o n a r g u m e n ta q u e a re fe rê n c ia às leis e d e c r e to s d e s c a rta a a lia n ça c o m N o é . E le


o b s e r v a c o m a c e r to q u e e ssa a lia n ça e ra u m a d is p e n s a ç ã o u n ila te ra l d a p r o m e s s a d iv in a
e a c h a q u e a id eia d e o b r ig a ç ã o im p o s ta n ã o seria a d e q u a d a . M as to d a d is p e n s a ç ã o de
a lia n ça e ra u m a p r o m e s s a d iv in a u n ila te ra l, c o m su a c o n tr a p a r te legal — n ã o t o r n a n d o a
alia n ça u m a r ra n jo re c íp ro c o , m a s u m e s te n d e r a g ra ç a e n c o n t r a n d o u m a r e s p o s ta ju n to
c o m as lin h a s d iv in a m e n te o rd e n a d a s . A a lia n ça c o m N o é , p o r ta n to , ta m b é m tin h a sua
“ lei” ( G n 9 .1 -7 ), e, e m N ú m e r o s 3 5 .3 3 , o u s o d o v e r b o hãnêp p a ra c o n ta m in a r a te rra
p o r m e io d o sa n g u e d e c u lp a n ã o se a d e q u a a o c o n te ú d o d e G ê n e s is 9.1 ss. cf. ta m b é m
a o a m p lo e g e ra l u s o d o p lu ra l “ leis” . M as, c o n f o r m e o b s e r v a d o a c im a , o a m b ie n te d e ssa
re fe rê n c ia à a lia n ça s ó c o m e ç a c o m N o é , m a s n ã o te r m in a aí.
2 E s s e v e rs íc u lo p o d e r ía s e r to m a d o c o m o u m e x e m p lo c a ra c te rís tic o d o u s o d e Isa ías de
té c n ic a s a s s o n a n te s e rítm ic a s m e n c io n a d a s n a n o ta in tr o d u tó r ia s o b r e o s v e rsíc u lo s 4-6.
‘alkén ’ãlâ ,ãtflâ Jeres
wayye s'mú yõsfbè bãh
‘al-kèn hãrü yõsfbê ’eres
Wnis 'ar nos m izã r
267 ISAÍAS 24.I-2O

aliança para re sg a ta r a c o m u n id a d e d a aliança d o s m e m b ro s falsos o u q u e fin-


gem se r m e m b ro s. M as e m b o ra (lit.) “ seu p o v o [seja] c u lp a d o ” , ain d a assim , o
resultado n ã o é a d e stru iç ã o to tal, m as a d im in u ição n u m érica deles. A trad u ção
de consumidos pelo fogo é m u ito duv id o sa. A raiz ihãrâ (“ e sta r q u e n te ”) é usada
quase ex clu sivam ente co m o se n tid o d e “ e sq u e n ta r d e raiva” . K B su g ere a única
aparição aqui de u m v e rb o e n c o n tra d o c o m se n tid o á rab e “ d im in u ir em nú-
m ero” é c o n te x tu a lm e n te ad e q u a d o .1 N a frase ao ponto de sobrarem pouquíssimos/
“e d a h u m a n id a d e , p o u c a s” , a palavra “ h u m a n id a d e ” (vnos) é c o m freq u ên cia
usada para as p esso as em sua fragilidade h u m an a. T a n to a p alav ra q u a n to a
idcia ap a re c em n o o rá c u lo p aralelo em 13.7,12. Se p e rg u n ta rm o s c o m o será
que q u a n d o o s h a b ita n te s d a te rra são c u lp a d o s (a p a re n tem e n te sem exceção)
qualquer u m sobrevive, o paralelo co m N o é tem d e se r in v o cad o . Pois N o é
fazia p a rte d e u m a to talid ad e so b c o n d e n a ç ã o (G n 6.5-7), m as foi co n v en cid o
por m eio d e u m a o b ra d e g raça (G n 6.8). A ssim aqui ta m b é m so b ra rã o m u ito s
“restos a p ó s a co lh eita” (13-16).12

0 cântico silenciado: a queda da cidade (24.7-12)


E ssa é a p rim eira d e d u as seções c o n tra sta n te s q u e estão n o c e rn e d esse
poem a: o fim d o c â n tic o d o m u n d o . O versícu lo 7 usa as m esm as p alavras d o
versículo 4 (vai-se/ “ p ra n te ia ” e murcha), as d u as seções são ligadas assim . D e
acordo co m o s versículos 4-6, o p e c a d o tro u x e u m a m ald ição so b re a te rra e
seu povo. A g o ra tra ç a m o s o p ro g re sso d o co n tá g io m o rta l c o n fo rm e ele m ata
as fontes d e alegria (7), acaba co m a ex periência d e alegria (8,9) e b a n e a p ró p ria
alegria (11), e n q u a n to a cidade está a rru in a d a e in d efesa (10,12).

A 1 A fo n te d a alegria se acaba (7a, d u as linhas)


B1 A alegria é silenciada, a satisfação se foi (7b-9, seis linhas)
C A cidade está a rru in a d a e vazia (10, d u as linhas)
B2 A satisfação p erd id a, a alegria b an id a (11, três linhas)
A2 A fo n te de seg u ran ça se foi (12, duas linhas)

O n ú m e ro d e linhas se b aseia na a rru m a ç ã o d o te x to h eb ra ic o em q uinze


linhas, a m aioria c o m três palavras cada. A “ se n sa ç ã o ” é d e u m a série d e m ar-
teladas, c o m o se estiv éssem o s assistin d o à cidade ser d eix ad a em ruínas. O u so

1 Q" traz h ü w 'rü (“ e m p a lid e c e u ” ; cf. 2 9 .2 2 ) e, d aí, “ p á lid o s d e m e d o ” .


2 I n d e p e n d e n te m e n te d e c o m o a frase “ e ssa s sã o as g e ra ç õ e s d e ...” c o n s tr u íd a se g u n d o
u m a fó r m u la t e n h a d e s e r e n te n d id a , ela a tu a c o m o a lg u m tip o d e d iv iso r. A s s im , G ê -
nesis 6.9 faz u m n o v o c o m e ç o , d is tin g u in d o N o é c o m o o h o m e m d a g ra ç a (v. 8) s e m p re
a p o n ta p a r a a in d ig n id a d e , o u o s e n tir-s e in d ig n o , d o r e c ip ie n te ( p o r e x e m p lo , R t 2.10).
A ssim a g ra ç a im e re c id a , n a v e rd a d e , “ e n c o n t r a ” N o é e, c o m o re s u lta d o d isso , ele se to r n a
um h o m e m d is tin to e n tr e se u s c o n te m p o r â n e o s (v. 9).
O LIVRO DO REI 268

sutil d a asso n ân cia n ã o p o d e ser refletid o n a trad u ção , m as p ro clam a a autoria


de Isaías em to d a divisão d o p o em a, se n ã o em to d a s as linhas.
7 A “ a tm o sfe ra festiva” d a cidade c o m o fora an tes (cf. 5.1 lss.) revela sua
filosofia d e v id a d e ste m u n d o . E sse é o sério p a n o d e fu n d o p a ra u m a im agem
de orgia. A ú n ica coisa q u e precisam o s sa b e r so b re a vida deles é sua d ep en -
d én cia d o e n tu sia sm o p ro v o c a d o p elo álcool. N ã o q u e a p assag em p re p a re para
ser u m tra ta d o de m o d e ra ç ã o (sua ênfase n o v in h o p o d e d e v e r tu d o a esse
p a ñ o d e fu n d o d a aliança de N o é ), m as exem plificar u m estilo d e v id a o lh an d o
to ta lm e n te p a ra o q u e este m u n d o p ro v ê e p ro c u ra n d o to ta lm e n te urna satis fa-
ção im ed iata e te rren a. A falha n essa filosofia já foi e x p o sta n o s v ersículos 4-6.
A p ró p ria te rra , c o m o criação de D e u s, é m o ra lm e n te sensível e n o fim não
“ tra b a lh a rá ” p o r aqueles q u e excluem seu C riador. A iron ia, n o e n ta n to , é esta:
q u e a co n d iç ã o espiritual deles (5) é ela m esm a o re sse c a m e n to q u e faz a terra
se n tir p e sa r e, p o rta n to , secar de fo rm a que, ao m e sm o te m p o , eles d e p e n d e m
d o p o d e r d e p ro d u ç ã o da te rra e o d e stro e m . C o n fo rm e o v ersícu lo 7a coloca,
n ã o é só o fru to q u e seca {vinhonovo),m as ta m b é m a fo n te dele {videira).A vida,
co m esse fracasso, so fre u m a parada. A té m e sm o osquesedivertiam/ “ alegres de
c o ra ç ã o ” , o s q u e têm u m te m p e ra m e n to n a tu ra lm e n te alegre p recisam d a ajuda
d o álcool, e sem ele sua jovialidade natural se tra n sfo rm a n o o p o s to {gemem).
8 A evidência e x te rn a da orgia é a vítim a seguinte. A s sen ten ças a e c são
im agen s exatas u m a da o u tra n o T M : “ C essa a alegria d o s ta m b o re s, [...] cessa a
alegria d a h a rp a ” (TB). A re p e tiç ã o tra n sm ite u m s e n tim e n to d e inevitabilidade.
9 M e sm o e n q u a n to isso está ac o n te c en d o , o p o n to é alcan çad o , n o s p ró-
prio s festejadores, q u a n d o o m o d o de vida deles deixa d e lhes d a r q u alq u er
satisfação. E les b e b e m seu v in h o , m as n ã o c o n seg u em se in d u z ir a cantar! A
beb id a fe rm e n ta d a é am arga! N ã o q u e re r n ada além d e ste m u n d o é te rm in a r
c o m n ad a além de carência.
10 Q u e m u ltid õ es de experiências n o m ic ro c o sm o d a vivência p esso al (7b-
9) fin alm en te alcançarão seu d esig n ad o p o n to c u lm in a n te u niversal n o co lap so
d e to d a essa e s tru tu ra d e vida d e ste m u n d o , c o n stru íd a co m recu rso s d a terra
p o r m eio d o ta le n to e tra b a lh o h u m a n o s, sem re c o rre r a D eu s. O q u e po d ería
re su m ir isso m e lh o r q u e u m a cid ad e — o m a io r e m ais d istin tiv o p ro d u to hu-
m a n o e o c en ário e su p o sta realização d o p rim eiro e sfo rç o d a h u m a n id a d e para
e stru tu ra r a vida (G n 11.1-9). A frase a cidade[...]estáem ruinasé u m a trad u ção
e x tre m a m e n te infeliz, c o m a “ cidade d e c a o s” (TB) v in d o em seg u n d o lugar
nesse quesito! E a cidade d e tõhu,a palavra trad u zid a p o r “ sem fo rm a ” em G ê-
nesis 1.2, passag em em q u e o p rim e iro estágio d o p ro c e sso criativo foi o subs-
tra to m aterial d o m u n d o e ele era tõhü wãbõhü (“ sem fo rm a e vazia”). O oleiro
d iv ino tin h a tra z id o à vida o b a rro , m as, ainda assim , estava sem a im p ressão
das m ão s dele; n ã o c o n tin h a q u a lq u e r se n tid o o u p ro p ó s ito in eren te, n e m ne-
269 ISAÍAS 24.I-2O

n h u m a te n d ê n c ia em direção a eles; n ã o tin h a estab ilid ad e n e m vida; era tõhíi.1


Jerem ias (4.23) teve um a visão d o m u n d o re v e rte n d o a essa co n d ição , d esp o ja-
do de tu d o q u e o to rn a v a habitável e relevante, escu ro , instável, sem vid a e sem
um in dício d e atividade in ten cio n al. E m u m a palavra, sem o q u e só D e u s p o d e
prover. A “ cid ad e de tõhü” vive sem a o rd e m e a m ã o d o a d o ra d e vida d e D eu s,
o p ta n d o p o r u m a vida p o r c o n ta p ró p ria , em si m e sm a e d e p e n d e n d o d e si
m esm a. P o r c o n se g u in te , ela é instável e sem p ro p ó sito , g ira n d o n o to rn o , m as
tendo d e sc a rta d o o oleiro, suas se m p re m u ta n te s fo rm a s e m o d e lo s n ã o d itad o s
pelo p ro p ó sito , m as p elo capricho. A vida é sim p le sm e n te u m a coisa d e p o is da
outra. R ejeitan d o os ab so lu to s m o rais d o versículo 5, tu d o é relativo e, em últi-
ma análise, individualista. A g ra n d e cidade m u n d a n a d a h u m a n id a d e é “ a cidade
vã” — u m a v erd ad eira B abel redivivus (G n l l . l s s . ) , em q u e eles ach av am q ue
en co n trariam na te rra e neles m e sm o s tu d o d e q u e precisav am p a ra asseg u rar
a co m u n id ad e e u m fu tu ro , m as eles só e n c o n tra ra m d e so rd e m , d ivisão e falta
de sentido. D a í Isaías o lh a r através d a B abilônia q u e c o n h e c ia (13.1ss.) p ara o
co n tín u o e sp írito da B abilônia se m p re p re se n te na h istó ria d o m u n d o (2 1 .1 1 0 ‫) ־‬
e finalm ente p ara a d e rra d e ira Babel em q ue, a p ó s u m lo n g o te m p o a au to ssu fi-
a
ciência da h u m a n id a d e , faria o m u n d o in teiro deles ruir. N a ru ín a, n o ta -se q u e
entradada casaestáfechada. Isso fala d o e sp írito d e te m o r q u e p e rm e ia a situação.
A vida na cidade vã é solitária e a m e d ro n ta d o ra . Se n ã o fo r m ais p o ssív el fugir
do p o v o (G n 11.8) e n tã o seria se tra n c a r cm casa e ficar lo n g e deles!
11 E sse versícu lo c o rre s p o n d e aos versículos 7 b -9 , c o m p a rtilh a n d o o m es-
m o vocabulário, vinho (9), alegtfiaj (simhâ; u m c o m p o n e n te d e todososque sedi-
vertiam, veja c o m e n tá rio so b re v. 7) e festivoe júbilo (8ac). N a p assag em paralela,
o b servam os o fracasso daqueles q u e in cen tiv am , ta n to n o su p rim e n to q u a n to
no efeito. A q u i Isaías, c o m am arga tristeza, o b se rv a o p o v o d a cid ad e vã clam ar
por rem éd io s fracassados. Pois n essa cidade, a h u m a n id a d e , fech ad a e m si m es-
ma, só p o d e se v o lta r para o q u e já foi te n ta d o e fracassou. O b se rv e ta m b é m as
três sen ten ças d o versículo 11 co m p a ra d a s co m as seis sen ten ças d o s versículos
paralelos. Isso é p ro p o sita l; o p o e m a , se g u in d o a rev elação d a cid ad e em ruínas
(10), p arece saltar para um a ráp id a conclusão. J o h n s o n tra d u z a frase chegouao
fim m ais ex a ta m e n te p o r “ to d o júbilo alcan ço u seu o c a so ” . Toda celebraçãofoi
eliminada da terra/ “ d e ste rro u -se o g o z o d a te rra ” , o u seja, p a sso u p a ra o u tras
mãos das quais n ã o p o d e ser recu p e rad o ; p o rta n to , é um a p e rd a irreparável.
12 E sse versículo, (lit.) “ a ru ín a foi deixada n a cid ad e, e a d e stru iç ã o da
porta está acab ad a” , fala da d e stru iç ã o c o m b in a d a co m v u lnerabilidade. As
duas sen ten ças q u e co m e ç a m a seção (7a) falam q u e a vida n a cid ad e vã é insa-
tdsfatória; as duas últim as sen ten ças d izem q u e ela é im possível.

1 Veja G n 1.2; D t 3 2 .1 0 ; I S m 12.21;JÓ 6.18; 12.24: 26.7: SI 107.40; Is 2 4 .1 0 ; 3 4 .11; 4 0 .1 7 ,2 3 ;


41.29; 4 4 .9 ; 4 5 .1 8 ,1 9 ; 4 9 .4 ; 59.4; J r 4.23.
O LIVRO D O REI 270

O cântico ouvido: os restos da colheita mundial (24.13-16b)


Isaías é o m e stre da n o ta in esp erad a d e esp e ra n ç a (p o r ex em p lo , 6.13; 28.5).
0 “ ffazer] em p e d a ç o s” (ikãtat) d a p o rta (12) fu n d e-se em u m tip o d iferen te
d e “d e rru b a d a ” () nãqap; veja abaixo) — o s g o lp e s de vara n a co lh eita d a safra
d e azeito n a (13). O s pouquíssimos rem an escen tes d o versícu lo 6 se tra n sfo rm a m
em u m a re u n iã o universal e, q u a n d o a can ção d a cid ad e d esv an ece, seu lugar
é to m a d o p o r u m a can ção d ife re n te q u e se levanta d e to d a a te rra (16). O s
versículos têm u m a qualidade quase a m e d ro n ta d o ra , c o m o se p u d é sse m o s ver
os pouquíssimos to m a n d o seu c a m in h o em m eio às ruínas, c a n ta n d o p a ra o Justo
e n q u a n to cam in h am . A seção, d a p ersp ectiv a estilística, é m arcad a pelas rep eti-
çõ es — na terra,entreasnações(13); erguemasvotçes,cantam, aclamam (14); no Oriente,
nas ilhas do mar; ao Senhor, do Senhor, 0 Deus de Israel (15). Q u a n to à e stru tu ra ,
c o n siste d e u m a explicação (v. 13 abre c o m “ assim ”), u m a d escrição (14), um a
o rd e m (15) e u m c o m e n tá rio (16ab). A s d uplas declarações d e lugares ligam os
v ersícu lo s 13 e 15; o “ eles” e o “ n ó s ” im plícitos criam u m eq u ilíb rio e n tre os
versículos 14 e ló a b .1
13 O “ assim ” inicial re m e m o ra to d o o c o n te x to p re c e d e n te , em q u e as
declaraçõ es d a d e stru iç ã o total (1-3,7-12) a b re m u m p a rê n te se s p a ra afirm a r a
so b reviv ência d e “ p o u q u íssim o s” (4-6). Isso é ex plicad o agora. A c o n e x ã o im e-
diata co m o c o n te x to p re c e d e n te é feita pela d u p la referên cia a terrae a nações/
“ p o v o s” (veja v. 4). In icialm en te, c o n tin u a o te m a d e p e rd a total. U sar “ a vara
na oliveira” era a fo rm a c o rre ta d e colhê-las, e te m o s p e rm issã o p a ra assu m ir
q u e esse é o “ c o lh e d o r sin istro ” q u e está em o p e ra ç ã o n o universo. M as d e rc-
p e n te a co lh eita se tra n sfo rm a n o respigar, a cu id a d o sa co leta d o q u e fica para
trás (lit.) “ ap ó s a c o lh e ita ” das uvas.
14 O p ro n o m e e n fático m erece tra d u ç ã o c o m o “ estes são aqueles que...” ,
id en tifican d o esses re c é m -ch e g a d o s na cena c o m “ os re sto s das u v a” d o versí-
culo 13 e o s “ p o u q u íssim o s” d o versículo 6, q u e a g o ra “ erg u em as v ozes, can-
tam d e alegria; d e sd e o O c id e n te aclam am a m ajestad e d o S e n h o r” . O seg u n d o
v e rb o (‫ו‬Irãnan) a p o n ta p a ra o b a ru lh o , em vez de p ara a alegria. O ú ltim o v e rb o
(‫י‬Isãhat) é u sa d o em geral g rito s m u itíssim o en tu sia sm a d o s (10.30) o u d e lo u v o r
(12.6). E u m te m p o p e rfe ito u sa d o c o m o p articipio.12

1 Johnson liga os versículos 14-16a com o versículo 16bss. com o reações contrastantes,
comparáveis às de 22.1-14, em que o profeta se desassocia da alegria superficial da cidade,
considerada prejudicial. Mas a alegria dos versículos 13-16a é muito distinta daquela evi-
denciada no capítulo 22. Ali, o sentim ento expresso era de com er e beber “porque ama-
nhã m orrerem os” (22.13), ao passo que aqui é a “glória [...] dada ao Ju sto ” . Será que Isaías
podería ter falhado nisso? Segundo, ligar essas duas seções (w . 13-16a e 16bss.) destrói o
equilíbrio interno dessa seção (veja o esboço na p. 263). Finalmente, o clam or do versícu-
lo 16b tem de ser ligado a 21.2 se quiserm os respeitar a coesão total dos capítulos 13— 17.
2 O te m p o p e rfe ito (sãtflü) é c o m fre q u ê n c ia (BHS, Johnson) alterado para imperativo
p o r meio de um simples ajuste de uma vogal. Se isso é feito, o term o por isso (v. 15, ARC)
271 ISAÍAS 2 4 . I - 2 O

15 O im p erativ o deem gloria é u m artificio p a ra in d icar o en tu siasm o d o


Ocidente(14) o faz que-
p ró p rio p ro fe ta n o q u e ele está ou v in d o . A s can çõ es d o
rer q u e co m e c e o lo u v o r universal, p o r isso, ele ch a m a as can çõ es d o Orientee,
depois, das ilhasq u e casam c o m essas. Para in te rv e n ç õ e s p esso ais sem elh an tes,
veja S o fo nias 2.13 (TM ); Z acarias 3.5. O Orienteé ‫־‬urim e só é e n c o n tra d o aqui
no plural. A palavra ’wr, a fo ra em E zeq u iel 5.2 (em q u e te m o se n tid o d e “ fo g o ” ,
“lareira”), só o c o rre em Isaías (31.9, trad u zid a p o r “ fo rn a lh a ” ; 44.16; 47.14;
50.11, em to d a s elas trad u zid a p o r “ fo g o ”). A q u i ela, da p ersp ectiv a c o n tex tu al,
refere-se a o “ lu g a r de fo g o ” , o O rie n te . S o b re as ilhasÇiyyim) veja 11.11; 40.15;
“a co sta m ais d ista n te d o o c e a n o ” .1 A últim a reu n ião d o m u n d o tem fo co reli-
gioso n o ú n ic o D e u s v erdadeiro, 0 nome do Senhor, 0 Deus deIsrael(cf. 2.2-4). As
nações tra rã o sua glória c o m elas (A p 21.24). E las n ã o v êm p a ra c o n trib u ir co m
percepções religiosas em u m c o n g lo m e ra d o em c o m u m d e v erd ad e, m as elas,
antes, rejeitam q u a lq u e r coisa q u e p e rte n ç a a elas n a c io n a lm e n te em favor d o
que p e rte n c e a Israel, cujo D e u s eles p ro clam arão , só a ele. “A ssim ” , diz K aiser,
“as n açõ es aclam am , c a n ta m so b re sua jo rn a d a ao Sião, e a g ra n d e p ereg rin ação
das n açõ es c o m e ç a ” .*2
1 6 ab O p ro fe ta c o n te m p la a si m e sm o em u m a aud iên cia em q u e u m dizia
ao ou tro : “ D e sd e o s co n fin s da te rra o u v im o s c a n ta re m ” , can çõ es cu jo tem a
é glóriasejadada aoJusto. G ló ria cf. 4.2; 28.5) significa q u a lq u e r coisa que
adorne o u em b eleze; o te rm o “ e sp le n d o r” é u m b o m eq u iv alen te p ara S enhor.
Só Isaías usa essa palavra p a ra o S enhor. A palavra Justo p o d e se referir à co n -
gregação d e p esso as (Skinner, K issane), m as é im prov áv el can tariam so b re si
m esm os, in d e p e n d e n te m e n te d e q u ã o c o n sc ie n te s eles estiv essem d o a d o rn o
que tin h a v in d o a eles. O paralelism o co m o versícu lo 15 indica um a referên cia
à justiça d o S en h o r. Isaías usará o títu lo m ais u m a vez em 41.2 e q u a n d o falar de
“m eu se rv o ju sto ” (53.11). D a p ersp ectiv a teológica vale a p e n a m e n c io n a r que
o rem an escen te q u e c h e g o u está p rin c ip a lm e n te cien te d a justiça d o D e u s que
os salvou. E m o u tra s palavras, suas m isericó rd ias salvíficas estão fu n d a m e n ta -
das na satisfação de sua justiça, e n ã o na ex p ressão d e seu am or.

0 definhamento pessoal: 0 pesar com a traição e seu resultado (24A6c-l8d)


O paralelo d o m u n d o e sua p o p u la ç ã o se c a n d o so b a d e stru iç ã o d o peca-
do (4-6), o u tra v o z fala de d e fin h a m e n to pessoal. N o s cap ítu lo s 13— 27, essa
cidade é paralela a 21.3,4, em q u e Isaías, e m b o ra qu isesse a d e stru iç ã o d a B abi­

tem de ser cortado ou corrigido, c a dram aticidade do cham ado do profeta no vcrsícu-
lo 15 fica arruinada. O tem po perfeito pode ser entendido com o um uso participial cir-
cunstancial (veja Driver, p. 163; D avidson, p. 41; cf. SI 7.7; 11.2; 57.4<5>).
' O hino “Para todos os santos que descansam de sua labuta” . O s versos sete e (tito do hino
são um glorioso com entário sobre essa passagem.
2 Kaiser, p. 188.
O LIVRO DO REI 272

lônia, ficou c h o c a d o c o m o h o r r o r q u e anteviu. T a m b é m aqui, as im p licaçõ es


d a q u ed a d a cid ad e m u n d a n a — a m aldição cain d o so b re a te rra e ta m b é m
so b re a p o p u la ç ã o (4-6) e sem fuga possível (17,18) — são c o m o u m a d o e n ç a
d ev astad o ra e m seu ser. E m b o ra Isaías o u ça e exija o c a n to d o re m a n e sc en te
(15,16), ele n ã o p o d e se e n tre g a r à alegria p o rq u e ta m b é m vê a realid ad e do
p ecad o e d a m aldição.
16c A ex p ressão emagreço (ARC) (rãzi, “ a m ag reza é m in h a ”) n ã o o c o rre
em o u tra p assag em e é rejeitada pela KB. O te rm o ·¡rãzasignifica “ ficar m a g ro ”
(17.4; S f 2.11) e d á o rig e m a razón (“ esqualidez” ; 10.16). E p o ssív el q u e fosse
e sp erad a u m a fo rm a r'zi,m as talvez Isaías p ro lo n g o u -a p a ra cau sar u m efeito
sem ântico. N ã o p arece razoável se p re o c u p a r co m esse detalhe. A ex p ressão ai
demim é e x a ta m e n te c o m o em 6.5. Isaías ag o ra se n te a c o n d e n a ç ã o d o s o u tro s
co m ta n ta p ro fu n d id a d e c o m o an tes sen tiu a sua m esm a. Os traidorestraem! Os
traidoresagem traiçoeiramente!é (lit.) “ p o is os traid o res traem : co m traição o s trai-
d o res tra e m ” . P o ssiv elm en te só Isaías o u saria m u ltip licar a m esm a p alav ra d essa
m an eira e co n se g u ir esse efeito literário. O q u e soa ex ag erad o e m p o rtu g u ê s é
m u ito p o d e ro s o em hebraico. Veja 21.2 n o o rá c u lo paralelo, em q u e a in te n ç ã o
é a m esm a q u e aqui: o m u n d o im oral, d e so n e sto e n ã o confiável c o n tin u a em
seu cam in h o im utável, im utável ta m b é m em seu d e stin o d e d estru ição . A Bíblia
p arece e sc o lh e r c o m o o s p e c a d o s c o n d e n a to rio s, coisas q u e o m u n d o a b so rv e
em seu avanço: a fala im p u ra d e 6.5 e aqui a m e sq u in h a falta de co n fiab ilid ad e
e falsidade — os q u e b ra d o re s da aliança d o versícu lo 5.
17,18d Para J o h n s o n , a frase “ p avor, cova e laço” cap ta a a sso n â n c ia de
pahad wãpahaj wãpah. A ú ltim a palavra, n a verdade, significa “ a rm a d ilh a ” , ou
seja, n ã o u m acid en te casual, m as u m a arm ad ilh a p re p a ra d a d e lib erad am en te.
A asso n ân cia su g ere q u e o pavor, a cova e o laço p e rte n c e m a u m ú n ic o sis-
te m a de co n d e n a ç ão , c o n fo rm e d esen v o lv id o p e lo v ersícu lo 18. P ara im agens
sem elh an tes, veja A m ó s 5.19; 9.1-4. C o m p a re a ex p ressão sin g u lar ó h a b ita n te
d a terra (B J )/ “ó m o ra d o r d a te rra ” n o singular co m o plural n a seção p arelh a
(6): o ju lg am en to é individualizado.

A terra despedaçada: as causas morais e espirituais (24.18e-20)


E ssa seção final d o p o e m a — h a rm o n io sa co m o d e se n v o lv im e n to do
tem a — c a sa n d o c o m a declaração d e d e stru iç ã o pela v o n ta d e d e D e u s (1-3),
rep ete a ên fase so b re a d e stru iç ã o universal, m as in dica sua cau sa m o ra l p o r
re-
m eio da im p re ssio n a n te aten u ação p o r m eio d o u so d e u m a ú n ica p alavra,
belião (20c). A seção c o m eça co m “ p o rq u e ” (18e, A R C ), ex p lican d o p o r q ue
n ão se p o d e escap ar d o ju lg am en to (17,18d). É c o m o o dilúvio, c o m as forças
d o céu e d a te rra c o m b in a d a s (18e), so b a qual a te rra é d e sp e d a ç a d a (19ab) e
p e rd e sua solidez (19c) e estabilidade (20ab). E la n u n c a se re c u p e rará d e tu d o
273 ISAÍAS 2 4 . I - 2 O

isso (20d). A seção ab re co m duas sen ten ças (18ef) a firm a n d o as forças físicas
da d e stru iç ã o e te rm in a c o m d u as sen ten ças (20cd) a firm a n d o a fo rça m o ral da
d estru ição. N o intervalo, vêm três sen ten ças (19) u n id as p elo ad v érb io “ total-
m e n te ” (veja abaixo) e seguidas p o r do is sím iles (20ab).
18ef A palavra trad u zid a p o r comportas é (lit.) “ janelas” c o m o em G ê n e -
sis 7.11 (A RC). E sse a taq u e e x te rn o (p o r assim dizer) d o alto casa co m o de-
se n c a d e a m en to das forças d o te rre m o to em b aix o da terra. O c o n tra ste ex p res-
sa totalid ade. N ã o h á referên cia na n arrativ a d o d ilúv io aos alicerces d a terra
(lit.) “ tre m o r” . E m 2Sam uel 22.8 ta n to o su b sta n tiv o (alicerces) q u a n to o v erb o
(irã‘as, “ tre m e r”) são u sa d o s c o m o tem as de teo fan ia (cf. J z 5.4; SI 6 8 .8 < 9 > ).
E ssa é a in te n ç ã o aqui, p e g a n d o o te m a d o s versículos 1 -3 d e q u e o S e n h o r é
ele m e sm o o a g en te n essa destruição.
19,20b E sse s versículos são ligados pelas três fo rm a ç õ e s p arelh as d o infi-
nitivo a b so lu to — “ d e sp ed açad a, [...] d e stru íd a , to ta lm e n te ab alad a” . Se p en -
sarm o s em u m p ré d io alto, v e m o s o d e se n v o lv im e n to d a im agem : co m o pri-
m eiro v erb o (ira a, “ fragm entar-se”) 1 a fenda aparece, co m o seg u n d o (ipãrar,
“ser m o v im e n ta d o ”) é vista a m u d a n ç a d a p o siç ã o p e rp e n d ic u la r e co m o ter-
ceiro (imüt, “ e sc o rreg ar, d eslizar”) o s se g m e n to s co m e ç a m a cair até o to d o
ter se acabado. A im agem inteira (cf. J r 4.23-25) é d a te rra m ais u m a vez se
to rn a n d o tõhü (veja v. 10). E les esco lh eram isto: u m m u n d o sem a o rg an ização
da m ão d e D e u s, e isso, n a fiel justiça divina, foi o q u e eles co n seg u iram . O s
dois sím iles (20ab) acre sc en ta m ais d im e n sõ e s à im ag em de co lap so . O bêbado1 2
cai pela p e rd a d e fatores in te rn o s d e equilíbrio e c o o rd e n a ç ã o ; a cabana, e m b o ra
essencialm ente frágil (cf. 1.8), só é estilhaçada pelo s fato res e x te rn o s d o v e n to
e da tem p estad e.
20cd “ E ” esse é o se n tid o literal d a c o n ju n ç ã o u sad a p ara in tro d u z ir um a
a culpadesua rebeliãoé (lit.)
explicação, daí, “ p o rq u e /v e ja , en tão , c o m o ” . A frase
sim plesm ente “ sua reb elião ” (pesa‘),a causa ab so lu ta e ú n ica d e to d o o infor-
túnio. Para a palavra (pesa1),veja c o m e n tá rio so b re ipãsa‘ em 1.2. A ex p ressão
sobreelain d ica u m fard o esm agador. D e a c o rd o co m o versícu lo 18ef, a p ró p ria
criação é o adversário, m as n o fim (20c) a c o n d e n a ç ã o vem sim p le sm e n te p o r
in term éd io da teim o sia — e é irrecuperável, nuncamaisselevantará.
1 A form a aqui (rõ‘â) c “bem incom um ” para o infinitivo absoluto qal (G K C 113w). Claro
que o “h ” final pode ser uma form ação paragógica (por motivos literários ou retóricos)
como encontram os em imperativos de verbos duplos ayin (por exemplo, N m 22.11; 23.7).
Sobre o uso do infinitivo absoluto qal com um indicativo não qal, veja C,K(. \ 13w.
2 É interessante o fato de que o hebraico para cambaleia (nôa‘ t a n í t a outra construção no
infinitivo absoluto com o sentido de “cambaleia de form a incontrolável”) é rem iniscente
do nom e N oé (nôah). C om o ouvido agudo de Isaías para palavras, isso pode ser proposi-
tal. A passagem abre rem em orando o dilúvio (v. 18c) c term ina ao praticam ente mencio-
nar o bêbado N oé, cuja bebedeira reintroduziu a maldição na terra.
O LIV RO DO REI 274

b. O fim da espera: o Rei reinará (24.21-23)


N o s o rácu lo s paralelos (veja p. 178), Isaías foi c o n fro n ta d o pelas audiên-
cias estrangeiras: filisteus em regozijo e ed o m itas co m m elan co lia (14.28ss.;
21.11 s.). E le a d v e rtiu os filisteus c o n tra o reg o zijo p re m a tu ro , p o is o tro n o de
D avi ainda p ro sp e ra ria em d e trim e n to d o s inim ig os deles, e p ara o s ed o m itas
ele o fe re c eu u m a tên u e e sp eran ça d e p o is de u m a esp era n ã o especificada. A
p red ição d o rei m o rta l c o m o u m a se rp e n te (14.29) leva ao te m a d e p u n iç ã o aqui
n o s v ersículos 21,22; a e sp era (21.1 ls.) é re m e m o ra d a nas p alavras “ d e p o is de
m u ito s d ias” (22); a e scu rid ão d e 21.11 s. é b an id a p elo re sp le n d o r (23); a longa
p ro g re ssã o d e dia e n o ite (21.11,12) leva a u m a situ ação em q u e o d ia (“ so l”) e
a n o ite (“ lua”) são tra n sc e n d id o s (23); e o rei p ro m e tid o p ara Sião (14.30,32) é
de fato o S e n h o r m e sm o (23).
E sse o ráculo, em seu c o n te x to im ediato, c o n tin u a e c o n firm a a m en sag em
d e d e rro ta , c o m o S e n h o r c o m o o a g en te dela (21; cf. v. 1); am p lia o e sc o p o d o
ju lg am en to ao incluir “o s p o d e re s em cim a n o s céu s” (21; m as cf. v. 4); e parti-
culariza a d e rro ta d o s reis (21). O c u m p rim e n to p e d e p aciência p o rq u e , e m b o ra
im in e n te (veja c o m e n tá rio so b re v. 1), será “ d e p o is de m u ito s d ias” (22), e su-
gere q u e o to rn o d o S e n h o r em Sião é o o b jetiv o d a p ere g rin a çã o universal d o s
v ersícu lo s 1 3 -16a. Isso ficará explícito n o c a p ítu lo 25. A fó rm u la “ n aq u ele d ia”
o c o rre sete vezes (24.21; 25.9; 26.1; 27.1,2,12,13), e a cad a vez a m p lia n d o algum
a sp e c to da situação geral e sb o ç a d a e m 24.1-20 e o fe re c e n d o u m a ap re se n ta çã o
equ ilibrada d o tem a:

A v itória d o S e n h o r, em p articu lar A v itó ria d o S e n h o r so b re forças


so b re a te rra (24.21) so b re n a tu ra is (27.1)
O p o v o d o S e n h o r salvo e aqueles O p o v o d a v in h a d o S e n h o r e os
q u e são excluídos (25.9) inim ig os deles (27.2)
A cid ad e p o d e ro sa co m as p o rta s A reu n ião universal cm
ab e rta s (26.1) Je ru sa lé m (27.12,13).

A passag em tem a seg u in te e stru tu ra :

A 1 A visita divina (21)


a1 n o s céus
b1 n a te rra
B1 A e scu ra m a sm o rra (22ab)
C O fu tu ro sem d a ta (22cd)
B2 O re sp le n d o r sem paralelo (23a)
275 ISAÍAS 2 4 . 2 1 - 2 3

A 2 O re in a d o d iv in o (23b-d)
b2 E m Jeru salém
a2 E m gloria

21 S o b re naquele dia veja acim a.1 O te rm o castigará (ipãqad) tem u m sen-


tido básico: “ p re sta r ate n ç ã o a” e, dai, avaliar as q u e stõ e s e to m a r a atitu d e
apropriada. Isso se desen v o lv e em m uitas direçõ es, e o v e rb o d ev e se r sem p re
d e te rm in a d o de a c o rd o co m o c o n te x to .2 A qui o c o n te x to exige “ u m a visita de
julgam en to” . A am pla aplicação d e ju lg am en to n o s v ersícu lo s 1-20 (em q u e o
term o “ te rra ” o c o rre d ezesseis vezes) p assa p ara o fo co n o s p o d e re s d o céu e
da terra — ospoderesem cimanoscéuseosreisem baixona terra/“ d o alto na altu ra e
os reis da te rra , so b re a te rra ” . A ex p ressão “ em cim a” (mãrôm) faz u m a ligação
com a m e sm a palavra n o versículo 18 e, assim , estab elece u m a referên cia aqui
aos p o d e re s celestiais q u e se o p õ e m ao S enhor. L idar-se-á co m eles “ em cim a” ,
ou seja, n a p ró p ria esfera deles e em seu p o d e r m áx im o ; o m e sm o aco n te c erá
com os reis d a terra. A passag em atual n ã o liga os p o d e re s celestiais co m os p o -
deres te rre n o s d a m an eira d e D a n ie l 8.3ss.; 10.13,20s., m as sim p le sm e n te alude
às forças espirituais culpadas c o m as quais se lidará e m u m a rra n jo a m p lo em
todo o c a m p o da criação divina. A asserção d e Isaías d a p u n iç ã o d e to d o p o d e r
onde q u e r q u e esteja localizado é m ais im p re ssio n a n te pela sua calm a su p o sição
da total so b eran ia divina.
2 2 ,2 3 a A seção m e d ia n a d o p o e m a co n siste de três p ares d e sen ten ças
com o equivalente a d u as palavras em cada um a. O c o n tra ste e n tre masmorra
(22) e “ b rilh a r” (23ab, N T L H ) tra n sfo rm a a frase depoisdemuitosdiasn o p o n to
focal d o p o e m a inteiro. (Veja acim a a in tro d u ç ã o p ara o s v ersícu lo s 21-23.) Eles
serãoarrebanhados/ “ E serãso a m o n to a d o s ” comoprisioneirosnuma masmorra (sem 12

1 W ilderberger infelizmente sustenta a percepção de que se pode assum ir que as declara-


ções feitas segundo fórmulas, com o “ naquele dia”, são editoriais, im portunas e posterio-
res. N o caso atual, Joh nson objetaria, acreditando que a fórm ula é usada com o deliberado
intento de perm itir que os versículos 21-23 introduzam uma expansão do que precedeu,
por exemplo, 28.5, em que “o anúncio de julgamento contra F.fraim é expandido para
incluir a profecia do reinado benevolente de lavé” . Cf. P. R. H ouse, Zephaniak: A Prophetic
Drama, JS O T S 69 (1988), sobre S f 1.8: “A frase [..J é considerada um a adição. [...] Aparen-
temente os editores acreditam que a maioria dos ditos dessa natureza segundo fórmulas
são acréscimos. N enhum a evidência textual ou contextual sustenta essa declaração, e ela
deve ser rejeitada” .
2 O term o Ίpãqad tem um sentido básico: “visitar, inspecionar” (cf. D horm e, sobre Jó
34.13). D este term o origina-se “cuidar, prestar atenção” (Êx 3.16) e, daí, “visita com be-
nefício” (G n 21.1) (mas tam bém “visita com punição”; E x 32.34). D e “inspecionar” surge
“contar” (N m 4.27) e, daí, “descobrir ausência, falta” (1 Sm 25.15), “contar p o r obrigação,
apontar” (D t 20.9) e “encarregar” (2Cr 36.23).
O LIVRO DO REI 276

meias-palavras, “vão cativos para a masmorra”). O termo ,ass'ir (“alguém ata-


do”) só é encontrado em Isaías (10.4; 42.7). A palavra castigados é a mesma do
versículo 21. A frase depois de m uitos dias faz uma conexão com 21.11s. (veja ρ.
235 e a introdução para os versículos 21-23 acima). Para o tema de excesso de
resplendor (cf. 30.26; 60.19s.), Isaías não usa aqui palavras de astronomia para
lúa e sol, mas, sim, os equivalentes poéticos, chamando a atenção ao resplendor
inerente deles. ¡ M a é 1‘bànâ (“o alvorecer”; “a alva”; cf. 30.26; Ct 6.10) e sol é
ham m â (“o brilhante”; “o calor”; cf. 30.26: Jó 30.28; SI 19.6<7>; Ct 6.10). Bles
ficarão hum ilhadfos] e envergonhado¡si, abaixando a cabeça de vergonha por se-
rem, em comparação com esses astros, coisas tão irrelevantes!
23b-d O p o ts explica o resplendor sem paralelos “|d|aquele dia” — é atri-
buível ao mero fato do reinado divino. Desde o tempo em que Davi tornou Sido
a capital nacional, ele foi reconhecido como o cumprimento de Deuteronó-
mió 12.10-12 e começou a reunir para si mesmo a realidade inerente em todas
as experiencias terrenas do povo de Deus. Assim, Salmos 68.17<18> identifica
o Sinai com o santuário do templo. Isaías aqui olha em retrospectiva para Exo-
do 24.9-11. A aliança do Sinai foi consumada por uma teofania, com o Senhor
entre os anciãos de Israel. Ali, eles viram apenas seus pés; aqui, eles verão sua
gloria. Portanto, Isaías via o Sião-por-vir como o cumprimento de tudo que a
aliança envolvia. A tradução do adjetivo glorioso é aceitável, mas a expressão he-
braica de Isaías é exclamativa: “glorioso na presença dos seus líderes” (cf. 4.5).
c. O mundo regozija-se na salvação: as bênçãos do monte Sião (25.1-12)
O cântico universal intitulado “Glória seja dada ao Justo” (24.16a) é ouvi-
do agora em detalhes enquanto a peregrinação mundial chega a Sião. A cidade
estará preparada para eles (24.23), e a festa também estará à espera deles (6).
A passagem, assim, adapta seu contexto imediato e também mantém seu lugar
no padrão dos capítulos 13— 27 como um todo. Os oráculos associados ex-
põem um mundo gentio inquieto com Moabe em crise, impedida pelo orgulho
de abraçar a segurança em Sião, escolhendo o caminho da dependência de si
mesmo (caps. 15,16), e com a inquietação gentia não pacificada pela segurança
coletiva (21.13-17). Em cada caso, “poucos” permanecem (16.14; 21.17). Esses
estão agora entre os “pouquíssimos” de 24.6, e o verdadeiro Sião espera-os
para lhes dar gratuitamente tudo que a dependência de si mesmo e a segurança
coletiva jamais poderíam prover — com a triste exclusão daqueles que, como
Moabe, apegam-se ao caminho do orgulho (25.10b,11).
Nesse cântico, como em 12.1,4, a voz individual (1-5) se torna uma voz
comunal (9,10a). Isso nos capacita a ver a peregrinação universal entrando, um
a um (cada um com um cântico de libertação), pelas portas de Sião, mas nos
muros de Sião se tornam a corporação dos salvos com um testemunho comum.
277 Is a í a s 2 5 . 1 - 1 2

Λ1 A alegria no Senhor. O louvor individual: seus atos sobrenaturais (1-5)


a1 A destruição (2)
b1 A defesa (3,4)
B As bênçãos em Sião. Descrição: os atos providentes do
Senhor (6-8)
b2 O suprimento (6)
a2 A remoção (7,8)
A2 A alegria no Senhor: 0 louvor comunal: seus atos salvíficos (9-12)
b3 A salvação (9,10a)
a3 A humilhação do orgulho (10b-12)

A estrutura interna do poema favorece formações triádicas. Há três as-


pectos da destruição (2) e de defesa (4) e uma referência ao povo, ao lugar e à
provisão (6) c à remoção da morte, da dor e da vergonha (7). Ali se seguem três
substantivos de altura e três verbos de humilhação (12).
A a leg ria n o S e n h o r (2 5 .1 -5 )
A doutrina da salvação, enraizada na revelação do êxodo do Senhor como
o Deus que salva seu povo e destrói seus inimigos, contém um forte sentido de
ter sido “salvo de”. A salvação não é completa sem vitória (cf Ex 14.13,14,30).
Essa é a ênfase nesses versículos. Na imagem usada por Isaías, os peregrinos
de Sião andam através de um mundo arruinado, e seu cântico discorre sobre a
maravilha do salvamento deles e do poder do Senhor sobre todo o poder do
inimigo — “das profundezas da inenarrável ruína, na paz de teu abrigo”.
1 O conhecimento pessoal de Deus marca o conceito do resto de Isaías (cf.
8.9ss.). O termo louvarei é de iy ã d a , com o sentido de “agradecer” (cf. tõ dâ, uma
“oferta de agradecimento”). As m aravilhas ( p e le j são atos que carregam o sinal
do “sobrenatural”, além do poder humano e originado em outro mundo (veja
9.6<5>). A palavra planejadas é um substantivo (“planos”, 'ê sô t) relacionado ao
verbo que supre o “Conselheiro” em 9.6<5>. Essa identidade de vocabulário
liga a reunião do remanescente mundial com o Messias real. Cf. comentário
sobre 41.21— 42.9, para a insistência de Isaías em recorrer ao pré-plano do
Senhor de seus atos há m uito planejadjosi. A expressão com grande perfeição tem
dois substantivos relacionados em aposição Çem ünâ ‫נ‬om en ), o último sendo en-
contrado só aqui. O uso de duas formas distintas é uma expressão idiomática
de totalidade e /o u perfeição, ou seja, toda fidelidade imaginável, ou perfeita ou
perfeição quintessencial (cf. 3.1).
2 Esse versículo é composto de quatro sentenças em uma formação a-b-a-b.
As sentenças “a” descrevem a queda da cidade; e as sentenças “b”, o fim da
força da cidade. A destruição da cidade, como em 24.10 e em Gênesis 11.1-9,
O LIVRO DO REI 278

é o castigo merecido pela autossuficiência em relação à salvação.1 A referên-


cia a estrangeiros adequa a ligação entre essa passagem e os capítulos 15— 16 e
21.13ss., em que as nações pagãs estavam sob ameaça. Ambos os oráculos an-
teriores nessa sequência retratavam o medo de inimigos humanos; o histórico
perigo recorrente da brutalidade do forte. N o entanto, na escatologia, não é o
poder humano que o mundo tem de temer, mas o de Deus e, diante dele, toda
a segurança da humanidade e a salvação do tipo “faça você mesmo” são inúteis.
3 As palavras “povo” e “cidade” (ARC) no singular devem ser retomadas
nesse versículo. Isaías está se referindo à “cidade vã” de 24.10, a cidade que re-
presenta o mundo estruturado sem referência a Deus. Os cidadãos desta cidade
mundana são um “povo”, apesar de este ser composto de muitas nações. Nem
honra[...] nem^Z/ória/ são necessárias para entender que esses povos vieram para
a fé no Senhor. Como um resultado da grandeza do poder do Senhor, eviden-
ciado na destruição do sistema deles, eles vieram a “honra[r] e a “teme[r]” esse
Deus poderosos (cf. Fp 2.10). Forte e crue[¡] é a autoestima deles. O sentido do
primeiro termo (cãz) tende em direção à posse da força, por isso, m ã (ôz (“uma
fortaleza”) no versículo 4. O sentido do último termo C aris; cf. 49.25) tende em
direção ao uso impiedoso de força contra os outros. A respeito do triunfo so-
bre as nações centrado em Sião do Senhor veja, por exemplo, Salmos 46.6<7>;
47.3<4>,8<9>; 67.4<5>; 68.29ss.<30ss.>; 86.9; 96.7ss.
4,5 Os dois lados da salvação são unidos aqui: o que o Senhor é para seu
povo (4a-d); a ameaça devastadora da qual ele os resgatou (4ef); e a tranquilida-
de consumada com que ele realizou sua obra (5).
4 Sobre refúgio (“lugar de força” ou “fortaleza”) veja ¡mediatamente aci-
ma. Sobre os pobres (da[) veja 10.2, e sobre o necessitado Ç ebyôri) veja 14.30. A
palavra refúgio (m a h 'seh ) vem de 4hãsâ (“buscar refúgio ou se refugiar”) e ela
expressa a ideia de segurança disponível, um lugar próximo ao qual se dirigir.
O termo tempestade (gerem , “inundação”) é encontrado em outras passagens de
Isaías (4.6; 28.2; 30.30; 32.2), mas do contrário só é encontrado em Jó 24.8 e
Habacuque 3.10. Aqui, como em 4.6, o termo é contrastado com calor (hõreb,
“secura, calor fatigante”). Os perigos contrastantes expressam totalidade: o Se-
nhor é suficiente para qualquer ameaça. A palavra porque (ARC) podería ser
traduzida por “quando”. Com o termo sopro (rü a h , “rajada [de vento]”), Isaías
ainda está pensando em imagens de tempestade e nos traz ao momento em que
a ameaçadora tempestade irrompe de fato, sacudindo o muro protetor com
0 impacto. Mas mesmo se os cruéis chegarem tão perto assim da vitória, esta
será arrebatada deles. A união de vento e tempestade em uma metáfora mista é
típica de Isaías (cf. 5.24).

1 A s “ c id a d e s ” , d a L X X , é e r r o n e a m e n te se g u id a p e lo B U S . E p ro v á v e l q u e a L X X te n h a
s u p o s to e q u iv o c a d a m e n te q u e m è l r (“ d e s e n d o u m a c id a d e ”) d e v ia s e r r e a r r a n ja d o p a ra
‘ãr7m. I s s o d e s tr ó i o te m a d a c id a d e n e s s e p o n to .
279 ISAÍAS 2 5 . I - 1 2

5 A realidade substitui a metáfora aqui: o bram ido dos estrangeiros contra as


pessoas fracas (pobres, v. 4) do Senhor e as sem-recursos (;necessitado; v. 4) e seu
canto triunfal. O versículo tem uma formação a-b-a-b em que as sentenças “a”
são um símile, e as sentenças “b” são a realidade:

E como o calor do deserto.


Tu silencias o bramido dos estrangeiros;
Assim como diminui o calor com a sombra de uma nuvem,
Assim a canção dos temíveis é emudecida.

De acordo com Skinner, competência e tranquilidade se combinam no


símile, “assim como diminui o calor com a sombra de uma nuvem”. Para os
que estão sob ataque, o som é um bram ido inspirador de medo, para os atacantes
seguros de si mesmos essa é sua canção de guerra. Os estrangeiros representam o
mundo em sua hostilidade estrangeira para com o povo do Senhor. Sobre os
temíveis, veja o versículo 4.

As b ênção s em S iã o (2 5 .6 -8 )
Isaías rememora o banquete da aliança de Êxodo 24.11. Moisés tinha pro-
metido ao povo que a exclusão deles do monte santo era temporária (Êx 19.11),
mas a subida de toda a Israel nunca foi uma opção prática, e os anciãos desfru-
tavam a refeição como representantes do todo. Mas no verdadeiro Sião (cf. Hb
12.22-24) não há elemento de representação; todos vêm, todos participam. Es-
ses versículos são a contraparte de 2.2-4. As nações reunidas não fazem ofertas
nem servem (cf. 60.9,10), mas desfrutam do que o Senhor provê: a aliança se-
lada no banquete. O contraste com a passagem relacionada (21.13-17) só pode
ser deliberado: os gentios acossados precisando do escasso socorro de pão e de
água são comparados com todos os povos e todas as nações na festa do Senhor, sem
dinheiro e sem preço. Os versículos são divididos em duas ações do Senhor
neste monte, o ato de provisão (6) e o ato de destruição (7,8). O tema da univcr-
salidade é enfatizado — todos os povos (duas vezes), todas as nações, todo rosto, toda a
tena. Observe a sequência — povos (grupos étnicos), nações (entidades políticas),
rosto (indivíduos) — e como todos esses elementos se tornam seu povo (8b).
6 Nem aqui nem no versículo 7 a expressão neste m onte tem bem a ênfase
que a NVI lhe concede. Aqui ela é simplesmente uma parte de uma declaração
tripartida: convidados (para todos os povos), lugar (neste monté) e provisão (um ban-
quete). A expressãofa rto banquete é (lit.) “alimento saboroso, cheio de tutano”, ou
seja, uma imagem de nutrição e sustento. A frase vinho envelheádo pode significar
o sedimento (borra) que se forma quando o vinho, no processo de fermenta-
ção, é deixado para assentar (cf. Sf 1.12), mas aqui é o próprio vinho, maduro
O LIVRO DO REI 280

nesse processo de assentamento e depois posto na prateleira. O m elhor vinho é


(lit.) “borras cuidadosamente filtradas”.
7 Esse versículo e o seguinte começam com o mesmo verbo (ib ã la , “en-
golir”), aqui traduzido por destruirá (veja 3.12). O v é u / “a máscara do rosto” (cf.
Gn 1.20; Jó 41.13<5>) significa aqui “o véu externo” ou “o véu estendido”.
A tradução de véu é contextual, antecipando a referência à m orte no versículo 8.
8 O verbo destruirá está no tempo perfeito sem conjunção c tem de ser
entendido como um participial perfeito, “tendo destruído” (cf. 24.14). O ver-
sículo 8 é, portanto, a explicação do versículo 7. A palavra m orte não é usada
apenas no sentido de que toda vida é, em alguma extensão, destruída pela tran-
sitoriedade e brevidade ou que toda pessoa reflexiva teme a morte (a menos
que a salvação em Cristo remova esse medo e até que isso aconteça). A m orte é,
antes, principalmente uma evidência da maldição imposta em consequência do
pecado (Gn 2.17; Rm 3.23; Hb 2.15; Ap 21.4; 22.3). Herbert comenta: “Que
o mito cananeu era um retrato dramático da morte anual, e o reavivamento da
vegetação foi transformado em um evento de uma vez por todas, o cumpri-
mento do majestoso propósito de Deus para seu povo”. Para o uso de Isaías
das mitologias atuais cf. 51.9ss.' O título exaltado 0 Soberano, 0 Senhor chama
atenção para o fato que, em toda dignidade de sua soberania divina, é o Senhor
mesmo quem ouviría as nossas lágrimas, indo de pessoa a pessoa até que cada
olho ficasse seco. Sobre a yom baria do seu povo cf. Josué 5.9, passagem em que
0 ritual de circuncisão foi renovado para o povo do Senhor. Simbolizava que
os dias de adiamento da aliança tinham findado e que a “desgraça do Egito”
tinha acabado — a desgraça para o povo do Senhor de viver na escravidão, no
cativeiro e na miséria. Então, enquanto a vida neste mundo durar, também há
inumeráveis maneiras de o povo de Deus estar sob reprovação e impedimento,
pelas circunstâncias e pecados, de viver de acordo com sua verdadeira dignida-
de. Tudo isso será afastado. A nova natureza receberá plena e gloriosa exprés-
são em um ambiente em que tudo conduz à santidade (cf. Fp 3.20,21). A aliança
da promessa se tornará a aliança da realidade. A frase [“pois”]jív 0 Senhor quem 0
disse é uma assinatura fundamental de Isaías (veja 24.3).1

1 A rg u m c n ta -s e c o m fre q u ê n c ia q u e a id eia d a c o n q u is ta d a m o r te é u m a d v e n to ta rd io
( in tro d u z id o , d e a c o r d o c o m S k in n e r, “ e m e ta p a s e e m u m p e r ío d o p o s te r io r ” ) n o p e n s a -
m e n to h e b ra ic o , p o s s iv e lm e n te c o m lo n g e v id a d e (Z c 8.4) c o m o u m p o n t o c e n tra l d o p r o -
c esso . I s s o n ã o faz se n tid o . O s m e s m o s e sp e c ia lista s n o s fa ria m a c re d ita r, p o r e x e m p lo ,
q u e a e s p e ra n ç a d e u m r e a v iv a m e n to (m e s siâ n ic o ) d o t r o n o d e D a v i p re c isa v a d o d e s a s tre
d e 5 8 6 p a r a p ro v o c á -lo , a in d a q u e p a re c e a c h a r q u e as p e s s o a s v iv ia m e m c o n ta t o d iá rio
c o m a e x p e rie n c ia d e m o r te e c o n h e c ia m o S e n h o r c o m o o D e u s v iv o c n u n c a s o m a v a m
d o is e d o is! N e m m e s m o Isaías!
281 IS A ÍA S 2 5 . I - I 2

A alegría no Senhor (25.9-12)


A seção final do oráculo volta ao tema da alegria no Senhor, alegria essa
de que a salvação finalmente vem. Mas também há uma realidade mais obscu-
ra; há aqueles cujo orgulho os trazem sob condenação (10b-12) e que sofrem
destruição.
9,10a Isaías, com a expressão naquele dia (cf. 24.21), mantém a cena toda na
perspectiva do último dia. N o hebraico, a frase dirão está no singular. Ela resu-
me o testemunho do versículo 1 no singular, mas também leva ao testemunho
do versículo 9c-e plural e, portanto, uma tradução melhor seria “cada um dirá”.
O testemunho de todos é a resposta de cada um. Eles estão (finalmente!) face
a face com Deus em Sião (SI 84.7<8>). Eles dizem maravilhados um ao outro:
“este é 0 nosso D eus; nós confiam os/ “eis”. [...] E ste é 0 Senhor [lavé]”. A experiên-
cia subjetiva, nosso D eus , junta-se à realidade objetiva, este é 0 Senhor. A obra da
salvação é toda dele; nenhuma ação humana, cooperativa ou contributária, foi
necessária, só esperar (confiamos \\q ã w a \ significa “esperar em confiança”; cf.
40.31) pelo que o Senhor faria e se regozijar nisso quando ele agir. O verbo sal-
vou (iy a sa ') e o substantivo salvação ( f s u a ) (ARC) denotam a obra de Deus por
meio da qual ele resgatou seu povo da animosidade e das provações do mun-
do (Êx 14.13; 15.2; SI 68.19<20>), tornou-os seu povo (Dt 32.15; SI 98.2,3),
restaurou-os em seu favor (SI 13.5<6>; 106.4) e trouxe-os sob seu governo (Is
51.6) e cuidado (SI 119.123,155). O sentido desse grupo de palavras tende em
direção a “livramento aos” quando comparado com o grupo n ã sa l com seu
sentido de “livramento de”.
A NVI associa 10a com o resto do versículo 10, presumivelmente fun-
damentada no fato de que expressa o agente na supressão de Moabe (10b),
mas 10a pertence de fato ao que aconteceu antes. Esse versículo começa com
“pois”, e isso o torna uma explicação do que precede. Além disso, o verbo re-
pousará aparece aqui no ativo simples (o qal), que nunca expressa ação violenta
(contra o h ip h il em 28.2). Além disso, em 10a, a ação da mão divina está sobre
este monte, formando um inclusio [criar uma estrutura ao pôr material similar no
início e no final de uma seção[ com o versículo 6 e ligando toda a série de pro-
messas, enquanto Moabe (10b-12) não está de fato no monte da bênção, mas
ainda está envolvido no desastre do mundo. Assim, a sentença descreve um
gesto de bênção: o Senhor repousa as mãos sobre seu monte e sobre seu povo
salvo em sinal de sua perfeita aceitação deles e sua intenção de derramar toda
bênção sobre eles. Para repousará com o sentido de “estar em paz, satisfeito”,
veja Zacarias 6.8.
10b-12 A m ão do Senhor repousa sobre Sião (10a); e seus pés, sobre Moabe
(10b). Dois símiles evidentes nos versículos 10c e 1 lab levam a uma declaração
tripla da ação divina, contrapondo o orgulho e a habilidade da humanidade
O LIVRO DO REI 282

(lied ), destruindo a segurança feita por eles mesmos (12ab) e acabando com
ela (12cd).
lObc M oabe foi o sujeito do oráculo paralelo na primeira série (caps. 15—
16).1 Moabe, como no caso de Tiro (veja p. 252), é mencionado aqui pelo nome
a fim de nos lembrar que o desastre escatológico acontece a pessoas reais. O
mesmo orgulho que impediu Moabe de buscar segurança nas promessas di-
vinas em uma crise terrena (cf. 16.6) o impedirá de participar das promessas
celestiais. Essa é a suprema urania das escolhas falsas. A NV1 traduz a pala-
vra hebraica ta h tâ w como debaixo dele (ARC), referindo-se à ação punitiva do
Senhor, mas a palavra também pode significar “em seu próprio lugar” (por
exemplo, Êx 16.29). Moabe escolheu permanecer fora, e, nesse lugar, ele esco-
lheu ser “pisoteado”. O primeiro símile nos desagrada, como se pretendia que
desagradasse. A alternativa ao banquete (6,7) é a esterqueira (10c),12 o mundo de
podridão e corrupção, o mundo sem Deus. O banquete é real e, infelizmente,
também o é a esterqueira.
11 O segundo símile põe o dedo exatamente no caráter de Moabe. N os ca-
pítulos 15— 16, a alternativa de se proteger em Sião era a autoconfiança e o es-
forço próprio. Também aqui, Moabe, caído na esterqueira, encontrará (é claro)
forças em si mesmo para nadar para fora dali. Ele pode prevalecer sobre suas
circunstâncias, conquistar seu ambiente. A natação fornece uma ilustração fan-
tástica de uma política de se virar sozinho. Mas o Senhor não admira a habilidade
de Moabe.3*5Na verdade, exatamente aquilo que em termos humanos salvaria é
o próprio cerne da ofensa a Deus, personificando o orgulho (g a ’aw â , como em
16.6), sempre competente, autoconfiante, sem necessidade de salvação externa.
12 Aqui três substantivos de alto são emparelhados por três verbos com o
sentido de derrubar, levando à destruição total. A expressão altos m uros é (lit.)
“o lugar fortificado no alto de seus muros de alta segurança”. Nem mesmo as
ruínas de um forte sobrarão, nem um monte de entulho. Apenas a o nível solo,
o p ó da terra.

1 J o h n s o n d iz q u e r “ a m a io ria d o s e s tu d io s o s re c o n h e c e a p c r íc o p e d e M o a b e [...] c o m o
u m a i n tr u s ã o p o lê m ic a n o te x to q u e n ã o te m n a d a q u e v e r c o m o c o n te x to e n ã o é c ara c-
te rís tic o d o r e s to d a c o m p o s iç ã o ; ela te m d e s e r e x tirp a d a ” . E s s a p e r c e p ç ã o d ific ilm e n te
c o n s e g u e se s u s te n ta r à lu z d o p a ra le lo c o m o s c a p ítu lo s 15— 16 n a p e r íc o p e to ta l d o s ca-
p ítu lo s 13— 2 7 . A p a s s a g e m 2 5 .1 0 b - 12 c c la ra m e n te p o s ta c m se u lu g a r a tu a l c o m g ra n d e
a g u d ez a.
2 O s m a s s o re ta s in d ic a m q u e as c o n s o a n te s bmy (q u e s u g e re t f m e, “ n a s á g u a s d e ” ) fo s s e m
lid as c o m o bmu> (tfm ô , “ e m ”). Q J s u s te n ta “ n a s ág u as d e ” , q u e te m a v a n ta g e m d e a u m e n -
ta r a n a tu r e z a d e sa g ra d á v e l d a im a g e m d e Isaías. T alv e z fo ss e p a ra n o s p o u p a r d is s o q u e
o s m a s s o re ta s o r d e n a r a m o te x to c o m o o fize ram .
5 A p a la v ra Ç a rb ô t) n ã o p re c is a m a is s e r q u e s tio n a d a (cf. K f í), s e n d o c o n h e c id a d e fo n te s
á ra b e s (K a iser).
283 ISAÍAS 2 6 .1 - 2 1

d. A cidade forte: à espera com esperança (26.1-21)


Aqui, à luz da estrutura paralela dos capítulos 13— 20, 21— 23, espera-se
um oráculo sobre o povo de Deus. Nos capítulos 17— 18, Isaías descobriu
que Israel tinha abandonado o caminho da fé em favor da força coletiva, uma
aliança com Arã. A falha de Jerusalém (22.1-14) foi abandonar a fé em favor
da autoconfiança. Aqui o povo do Senhor, por fim, está seguro no reduto da
salvação, desfrutando de paz fundamentada na fé (w. 1-4). Aqui está a “cidade
forte”, em contraste com a cidade que não é mais (17.1), as cidades abandona-
das (17.2), as cidades fortes abandonadas (17.9) e uma cidade quebrada, des-
mantelada (22.9,10). A segurança não é alcançada por meio da força associativa
nem pela vigorosa autoconfiança; ela é um assunto para ser cantado (v. 1), ou
seja, uma provisão divina recebida com alegria.

A1 A segurança na paz (1-4)


A cidade forte, na segurança da salvação (1). As portas são abertas
para o justo e o fiel (2). A paz é assegurada para os que confiam
na Rocha divina (3,4)
B1 Lançada ao pó (5,6)
A cidade altiva é humilhada (5a), lançada ao pó (5b),
pisoteada pelos necessitados e pelos pobres (6)
C1 O caminho divinamente aplainado (7-9)
O caminho do justo na vereda plana das leis
divinas (7,8a), esperando pelo Senhor de forma
comunal (8b) e pessoal (9a) e desejando isso,
aceitando que isso dá ao mundo sua melhor chance
de “aprende [r] justiça” (9b)
D A cegueira impenetrável (10,11)
Nem a graça (10a) nem as circunstâncias
diretas (10b), tampouco a ação divina (11a),
causam alguma impressão. Mas eles ainda
reconhecerão que o Senhor está do lado
do seu povo e experimentarão o fogo
devido aos seus inimigos.
C2 A paz divinamente ordenada (12-15)
Tudo que o povo do Senhor tem, ele fez por eles (12).
Essa é a lição da história deles. Os governantes que
os dominavam antes estão mortos e se foram (13,14),
e o povo passa por aumento numérico e territorial (15)
O LIV RO D O REI 284

B2 D o pó (16-19)
O povo de Deus se encontra com frequência em extrema
aflição (16), triste, mas estéril (17,18a), não alcançando
salvação para o mundo nem domínio sobre o mundo (18b).
Contudo, a esperança é certa: a ressurreição do pó da terra
A2 Seguros da ira (20,21)
As portas estão fechadas por um último breve período de espera
enquanto a ira é descarregada sobre toda a terra

Nenhum tema podería ser mais adequado para o lugar desse oráculo no
esquema dos capítulos 13— 27 que o do povo de Deus dever tudo a ele e que,
em última análise, nenhum crédito, mérito ou realização possam ser creditados
a eles. Deve ser por isso que a peça central do oráculo (D, w . 10,11) é a ceguei-
ra impenetrável do ímpio. Nenhuma experiência terrena pode abrir os olhos
deles para ver o Senhor, e parece que eles estão irremediavelmente destinados
ao julgamento. Então, como pode ser de haver uma entidade como o povo do
Senhor que caminha pelas leis deste e deseja e anseia por ele (O , w . 7-9)? A paz
deles com o Senhor (C2, v. 12a) é explicada no versículo 12b, que é (lit.) “pois,
na verdade, todas nossas obras o Senhor fez para nós”. Por conseguinte, o
olhar adiante (B1, B2) está totalmente voltado para o que Senhor, na conquista
(w. 5,6) e ressurreição (w. 16-19), fará por seu povo indefeso e estéril. Nesse
interim, eles mesmos estão seguros (A1, A2).1
A seg u ra n ça n a p a z (2 6 .1 -4 )
Seguindo a introdução da canção (la) há quatro estrofes de três linhas: a
cidade forte (lb-d), as qualificações de entrada (2), a paz perfeita e seu funda-
mento (3) e um chamado para manter a confiança no Senhor digno de confian-
ça (4).

1J o h n s o n (p. 6 7ss.) o f e re c e u m a útil re v is ã o d e m u ita s p e r c e p ç õ e s a d o ta d a s d o c a p ítu -


lo 2 6 — se u g ê n e r o lite rá rio , su a u n id a d e e su a 3/Λζ im I^eben. M u ita s d e ssa s p e rc e p ç õ e s
p a d e c e m d e s e g u ir u m o u a m b o s d o s d o is c a m in h o s falsos. D e u m lad o , elas fa z e m um a
te n ta tiv a m u ito in s is te n te d e e n c o n tr a r o c e n á rio o rig in a l d o p o e m a e d e p e r m itir q u e esse
c e n á rio d ite s e u s e n tid o atu a l. A p re o c u p a ç ã o d o p r ó p r io J o h n s o n c o m o e x ílio é u m c a s o
p e r tin e n te . C o m o a p a s s a g e m c h e g a a n ó s , ela é a g o ra e s s e n c ia lm e n te v isio n á ria o u está
livre d e q u a lq u e r a m a r r a ç ã o h is tó ric a o rig in a l q u e p o s s a te r tid o , n o to d o o u e m p a rte . D a
m e s m a m a n e ira q u e a J e r u s a lé m q u e p o d e r e c e b e r o m u n d o in te ir o (25.6ss.) n ã o p o d e se r
q u a lq u e r c id a d e h is tó ric a o u lo c a liz a d a n o fu tu ro , t a m p o u c o a “ c id a d e a ltiv a ” (26.5,6) é
u m lo cal e m p a rtic u la r. D e o u tr o lad o , e ssa s p e r c e p ç õ e s sã o m u ito in flu e n c ia d a s p e la te-
o r ia d o “A p o c a lip s e d e Isa ía s” . I s s o é in ú til, m e s m o p a ra a q u e le s q u e e n te n d e m q u e e sses
c a p ítu lo s n ã o s ã o a p o c a líp tic o s , n o fa to d e q u e ele se p a ra 24— 2 7 d e 13— 2 3 , p riv a n d o -o s
d o c o n te x to m ais a b r a n g e n te q u e m o d e la o s e n tid o deles.
285 ISAÍAS 2 6 .1 - 2 1

1 Esse versículo, a segunda elaboração do tema básico de 24.1-20, traz-nos


à experiencia e consciência interior daqueles que são o povo do Senhor. Sobre
eles vieram os últimos dias à medida que têm suas posses (1), esperam a vinda
da vitória divina (5,6) esperam e aguentam (7-9), sentem pesar por um mun-
do continuamente indiferente e por sua própria esterilidade (10-18), aguardam
um ato de Deus doador de vida (19) e se abrigam com segurança por meio da
última Páscoa divina (20,21). Isso ilustra bem o sentido do tema da canção: res-
posta aos benefícios concedidos gratuitamente e a fruição deles — aqui salva-
ção, segurança, paz, etc. como as dádivas gratuitas do Senhor. A expressão um a
cidade fo rte é (lit.) “uma cidade de força”. Enquanto um adjetivo como “forte”
pode se referir a uma cidade que apenas acontece de estar forte neste momen-
to, o uso adjetival do substantivo (“a força”) atribui força como uma qualidade
intrínseca. Embora o nome do Senhor não seja mencionado no hebraico (lit.
“A salvação ele faz”) só ele pode ser o autor da salvação (veja 25.9), e seu poder
salvífico cerca a cidade como m uros e trincheiras. Para o uso dessa imagem veja
60.18b e Zacarias 2.5. Aqui possivelmente se pretendia uma linha dupla de for-
tificação (segurança total) ou as (lit.) “paredes e a circunscrição delas” podem
significar “muros cercando”.
2 Esse poema pode bem ter começado como uma “entrada na liturgia”
ligada com uma das procissões festivas de Sião (cf. SI 15; 24), e o chamado a
abriirj as p o rta s retém a mesma relevância. E uma forma vivida de afirmar as
qualificações daqueles que podem entrar. Mas, ao mesmo tempo, enfatiza a
“qualidade de estar garantida” da cidade. O povo não a criou; ela está ali à es-
pera de ser ocupada por eles. A palavraju s ta só pode significar, como o faz com
frequência, “certo com Deus”, pois a imagem dos habitantes da cidade nesse
capítulo os mostra longe da impecabilidade perfeita. Eles merecem a disciplina
divina (16a) e estão conscientes de sua ineficiência (18). N o entanto, eles têm
uma característica em comum — são a nação que se m antém fie l. O substantivo
fiel Çem uríim ) está no plural, expressando amplitude, e é usado para aqueles que
estão comprometidos com o Senhor (SI 12.1<2>; 31.23<24>). E o oposto
daqueles que viram de cabeça para baixo os caminhos do Senhor (Dt 32.20). A
justiça e a fidelidade estão ligadas como os sinais do verdadeiro Sião em 1.21,26.
3 A perfeitapa% é (lit.) “paz, paz” e para a expressão idiomática de duplica-
ção veja 6.3. Aqui é a verdadeira paz, quando comparada com a pseudopaz, e
total, como excluindo todo elemento perturbador. O termo m ente (yêser ) (ARC)
significa a constituição e tendência da mente (Gn 6.5), dos propósitos pondera-
dos (Dt 31.21) ou da constituição humana (SI 103.14). E um artefato formado
(29.16), por isso podemos denominá-lo de “estrutura da mente” ou “mentali-
dade”, uma forma total de ver as coisas. A palavra firm e (sam ük ) é um participio
passivo (como em SI 111.8; 112.8) e, por conseguinte, significa “sustentado,
O LIV RO DO REI 286

sólido, constante”. As palavras aquele cujo foram acrescentadas por conveniência


de tradução. O Senhor mantém em paz “o elenco invariável da mente”, ou seja,
o foco não é a pessoa como tal, mas o elemento essencial na pessoa que faz
toda a diferença e é a chave para a paz divina. A frase porque em ή confia é (lit.)
“porque em ti [enfático] a confiança é repousada”. Mais uma vez a pessoa está
escondida atrás da fé. E claro que não pode haver crença sem um crente, mas o
que importa não é quem está exercendo a fé, mas o fato de que a fé está sendo
exercida.
4 Isaías, tendo enfatizado no versículo 3 que a fé é a coisa essencial, volta-se
agora para as pessoas que exercem a fé, convocando não para um ato de fé de
uma vez por todas, mas para uma vida contínua de fé. A expressão 0 Senhor, so-
m ente 0 Senhor é yã h ya h w eh , e para o diminutivo do nome divino veja 12.2. Uma
tradução literal seria: “Em lavé está uma rocha eterna”, ou seja, “O Senhor, e
somente lavé é a própria essência do que uma rocha eterna seria”.1 Sobre “Ro-
cha” como título divino, veja a passagem paralela, 17.10.
L a n ça d a a o p ó (2 6 .5 ,6 )
A paz é em parte garantida pelo fim da ameaça externa. Isso explica o
“porque” (ARC) (omitido pela NVI) com que se inicia o versículo 5. A “cidade
forte” é segura nesse aspecto pelo qual a cidade altiva foi arrasada. Os versículos
reúnem pensamentos familiares do começo ao fim de toda a seção: a vitória é
apenas obra do Senhor (5) e a parte de seu povo é entrar no que ele consumou.
Aqui eles não lutam, mas apenas pisam o pó deixado pela destruição divina. O
primeiro verbo do versículo 5 é um perfeito profético (“humilha”) e é seguido
de três imperfeitos de atos futuros do Senhor.12 Os verbos são os mesmos de
25.1 led ,12 (sã p a l [duas vezes], sãh â e n ã g a j, o que leva a uma integração per-
feita das duas passagens.
5 A expressão nas alturas (m ãrôm ) pode se referir ao orgulho dos habitantes
da cidade (cf. 22.16; 24.4) ou pode ser um vislumbre nas dimensões sobreña-
turáis da vitória (24.21). Será que originalmente Isaías tinha a Babilonia em
mente aqui ou (o mais provável) a Nínive de Senaqueribe? O assunto não é
mais importante. Da mesma maneira como a Jerusalém dele, nesses capítulos,
transformou-se em urna ideia, em vez de um lugar (que Jerusalém poderia re-
ceber o mundo todo para um banquete?; 25.6ss.), também a cidade altiva é urna
construção ideal, simbolizando o mundo organizado sem Deus.

1A c o n s tr u ç ã o Beth essentiae (veja G K C 1 19i).


2 R e b a ixa L . j arra sa é u m a d u p lic a ç ã o d a s fo r m a s v e rb a is {y a s p ile n n â y a s p ilâ ). S o b re e s s a se-
g u n d a fo rm a ç ã o , o c a s io n a l, m a s irre p re e n s ív e l, cf. G n 3 7 .3 3 ; 2 S m 11.27. E s s e s v e rsíc u lo s
s ã o m a rc a d o s p e la d u p lic a ç ã o : “ p a z ” (3); confia [...] confiem (3b, 4a); reba ixa [...] arra sa (5);
p é s [ ...] pés (6) ; p la n a [...] reto (7); desejo /...j anseia (8,9); u m s u b s ta n tiv o e v e r b o c o g n a to s ) . A
N V I n e m s e m p re r e p r o d u z e s s a c a ra c te rís tic a .
287 ISAÍAS 2 6 .1 - 2 1

6 O povo do Senhor é descrito de uma maneira que descarta qualquer con-


tribuiçào por parte deles para a vitória do Senhor (veja comentário sobre os w .
5,6 acima). Eles são os necessitados Çâríi) e os pobres (d ã l), “aflito” (TB) e “pobres
ou necessitados” (cf. 3.14; 10.2; 14.30).
O caminho divinamente aplainado (26.7-9)
Um contraste impressionante com os versículos 1-5! Muito distante da
paz, assim parecería, está o caminho no qual o ju sto tem de andar. Ele ainda
espera o Senhor agir (8), cheio de anseio (9ab) e ainda neste mundo (9cd). Mas
o espírito que toma conta dos versículos é a fé. Eles observam seu caminho
terreno como concedido por Deus (7), agarram-se ao Senhor em expectativa e
desejo convictos (8,9b) e são firmes na obediência (8a).
7 Esse versículo é (lit.) “O caminho do justo é totalmente correto; Tu, o
reto, aplaina o caminho para o justo”, ou seja, torna-o reto até a meta (plano/
“reta” [Bíblia CNBB]) e é fácil atravessá-lo (suave). Essa é a voz da fé, não uma
descrição da experiência. E como aqueles que são “retos com Deus” olham
a vida — como o peregrino de Salmos 84.6 que trata o vale de Baca como se
ele fosse cheio de fontes! Também a vida está nas mãos do Senhor; o caminho
corre em uma linha direta da conversão para a glória (SI 107.7) e os lugares di-
ficéis em perspectiva são suaves em retrospectiva. Paraju sto veja o comentário
sobre o versículo 2. O termo reto (yasãr) não é usado em outros lugares como
um epíteto divino e é pouco usado (SI 25.8; 92.15<16>) para o Senhor. Ele foi
escolhido aqui para fazer uma ligação entre a natureza divina (yãsã r , “reto, cor-
reto”) e o caminho planejado (m êsãrim um plural de amplitude com o sentido
de “completamente certo, correto”). O caminho da vida é um dos caminhos
em que o Senhor compartilha sua natureza conosco.
8 Sim Ç ap) (Bíblia da CNBB) não só acrescenta um fato, mas junta um fato
com outro — “Sim, de fato”, “E mais”. O termo ordenanças (m ispã fim ) é usado
com o sentido de “mandamentos” (o que o Senhor decide de forma autoritati-
va) e, por isso, significa sua “lei”. Também pode significar julgamento pronun-
ciado e executado (ou seja, os atos de julgamento do Senhor). Tanto um quanto
o outro sentido se adequa aqui — o povo do Senhor caminhando em obediên-
cia ou o povo do Senhor em meio às disciplinas e punições terrenas dele. O
uso da mesma palavra no versículo 9c não aponta nem para um sentido nem
para o outro. Qualquer que seja o sentido, quer eles se mantenham no caminho
da obediência quer se provem estáveis entre as ordens providenciais da vida,
o povo do Senhor espera[...] em ti, exercício da paciência com fé até o Senhor
realizar seu ato final (5,6). Files não anseiam que as circunstâncias sejam altera-
das, mas por experimentá-lo de forma mais plena. Dese/ία ή o nome do Senhor
significa que a verdadeira experiência é controlada pela revelação (o nome do
O LIVRO DO REI 288

Senhor é o que ele se revela ser). Sua lembrança (zèker , “lembrança, memorial”;
cf. Ex 3.15) é a preservação na memória do que ele revela que ele mesmo é. O
desejo do nosso coração (nepes) significa “nosso desejo mais profundo, desejo
mais verdadeiro”.
9 A mudança para a primeira pessoa do singular é inesperada, mas apro-
priada. Não existe essa coisa de povo de Deus à parte dos indivíduos que o
compõem; não há espiritualidade coletiva genuína a menos que ela seja verdade
para cada membro. Por conseguinte, a m inha alm a casa com a “alma” (ARC) co-
letiva do versículo 8, e suspira é o verbo cognato do “desejo” do versículo 8. A
alm a é o indivíduo possivelmente com referência particular ao aspecto afetivo;
0 espírito é a energia para realizar os desejos de buscar de fato a Deus. A alma
anelante aqui é emparelhada pelo (lit.) “meu espírito em meu íntimo”, que é
uma ênfase notável na natureza interior da verdadeira religião, da mesma ma-
neira que o contraste entre noite e logo cedo enfatiza a constância. O versículo 9b
começa com ’ap (ver v. 8a) e, por conseguinte, é (lit.) “c sim, na manhã como
meu espírito em meu interior [...]”. O versículo 9c começa com ‘“pois”, omiti-
do em algumas versões. Uma das coisas que mantém o povo de Deus em sua
paciente persistência e anseio espiritual é o fato de que as ordenanças do Senhor
na terra capacitam seus h a b ita n tes/ “moradores do mundo” a aprende[r] ju stiça .
Mais uma vez as ordenanças são ou a lei de Deus como vivida pelo seu povo ou
as providências morais de Deus como aceitas por seu povo. A obediência, uma
forma diferente de vida fundamentada em um código sobrenatural, é um tes-
temunho eficaz (Dt 4.5,6); também é um comportamento pacífico em meio às,
com frequência, inexplicáveis providências de Deus.
A cegueira impenetrável (26.10,11)
O povo de Deus, ao tentar capacitar os “habitantes do mundo” a “aprendejr]
justiça”, têm uma tarefa difícil pela frente! O mundo está impenetravelmente
inconsciente de Deus. Na sequência do poema essa seção inesperada forma
uma ponte essencial do versículo 12 (a obra única de Deus em trazer o povo à
paz) com os versículos 16-19 (improdutividade do povo de Deus no mundo).
10,11a Esses versículos exemplificam três “estilos” de Deus com o mun-
do: com paixão , seu favor e bondade; terra da retid ã o / “direito” (NTLH), circuns-
tâncias favoráveis em que tudo vai de “vento em popa”; e erguida está a tua m ão)
algum ato sinalizador de Deus para o benefício ou para a perdição. Esses “es-
tilos” encontram-se, respectivamente, com uma mente sem compreensão (não1
1 O te m a d a m ã o le v a n ta d a e x p re s s a p o d e r tr iu n f a n te ( D t 3 2 .4 0 ; SI 8 9 .1 3 ,4 2 < 1 4 ,4 3 > ) , afir-
m a n d o o p o d e r c o n tr a ( l R s 1 1 .2 7 ), fa z e n d o u m ju r a m e n to ( G n 14.22) e c o n f ia n ç a o u
s u p e rio rid a d e , in c lu in d o o m a u s e n s o d c ag ir c o m u m s e n s o c o m p la c e n te d e im p u n id a d e
(E x 14.8; N m 1 5.3 0; 3 3 .3 ). A q u i é u s a d o p a ra o S e n h o r a g in d o d e a lg u m a s m a n e ira s ó b -
v ias q u e m e s m o a ssim c o n tin u a m irre c o n h e c ív e is.
289 ISAÍAS 2 6 .1 - 2 1

aprendera), depravação da vontade {ageperversam ente/ “iniquidade, o que desvia”)


e cegueira espiritual (não veem). A m ajestade do Senhor i separada como ficando
inobservada. Pois mesmo quando as pessoas em circunstâncias de sua vida têm
um reconhecimento transitório de Deus, ele continua marginal, incidental, na
verdade, insignificante.
11 b A frase que vejam é mais bem posta como “eles devem ver”; a forma
permite o imperativo “deixe-os”, mas o sentido é difícil de explicar. O conti-
nuar na ignorância e o ignorar a Deus podem ter apenas um único resultado:
é um fato, não um desejo, que eles, um dia, vefrãof. O dia por vir revelará uma
distinção entre aqueles que são o povo do Senhor e os que não o são. Ele ma-
nifestará seu %elo para o bem-estar de seu povo (16-19), ao passo que aqueles
que ficaram insensíveis em face do testemunho (7-9) e providência (10,1 lab)
descobrirão que são postos para se envergonhfar] (veja comentário sobre 23.4). A
frase que 0fogo é (lit.) “oh, sim, o fogo [...] consumirá” (começa com o participio
’ap, “sim” [BJ]: cf. w . 8a,9b). O contraste entre teu povo e teus adversários fornece
o ponto exato do ensinamento de Isaías. O mundo continuou na ignorância
quando podia ser instruído, seguindo as escolhas morais pervertidas quando
as coisas estavam claras diante deles, etc. Eles fracassaram em reconhecer não
só a grandiosidade do Deus que estavam ignorando, mas também a natureza
do relacionamento deles com ele, o qual era de inimizade com consequências
eternas. O fogo (de Ex 3.2 em diante) é o símbolo da santidade divina ativa (cf.
6.6; 30.27; 33.14; 66.24).
Λ p a z d iv in a m e n te o rd e n a d a (2 6 .1 2 -1 5 )
O pensamento do zelo do Senhor por seu povo, a ser demonstrado de
modo a representar o auge no último dia, incita a lembrança de que seu povo
deve tudo ao fato de que ele se preocupa com eles. O versículo 12, nesse con-
texto, deve se referir principalmente às bênçãos espirituais, e os versículos 13-
15 rememoram a história para fornecer exemplos do que o Senhor faz por seu
povo. A mensagem é consistente: tudo foi empreendido pelo Senhor.
12 O verbo estabeleces é sã p a j, “pôr algo no lugar” (2Rs 4.38) ou “apontar
alguém para alguma experiência” (SI 22.15<16>) e, por conseguinte, “você tor-
na a paz a sua porção”. A p a % como no versículo 3, é a paz que surge de um
relacionamento de confiança com o Senhor e de ser membro da cidade forte.
Tudo 0 que alcançamos, fi^este- 0p a ra nós é (lit.) “pois, na verdade, todas nossas obras
o Senhor fez para nós”. Uma forma hebraica idêntica em 2Crônicas 4.6 (lit.
“tudo que estava envolvido na oferta queimada”) estabelece o sentido como
“qualquer coisa que diga respeito a nós”. Isso faz uma importante conexão
com os versículos 10,11 com sua ênfase na condição impenetrável do ímpio na
mente, na vontade e na percepção espiritual. Só se o Senhor empreende “tudo
O LIV RO DO REI 290

que diga respeito a nós” alguém pode ser trazido das trevas para a luz. A salva-
ção tem de ser toda de Deus.
13 O Senhor tem sido leal com seu povo em tempos de adversidade. A re-
ferència a outros senhores inclui o faraó e muitos outros governantes estrangeiros
no período dos juizes, os filisteus e, mais próximamente, os assírios. Em outra
parte, o advérbio além (zü la t) só é usado seguindo uma negação.1 E possível
que pudéssemos acomodar esse uso geral ao traduzir por: “Outros senhores
nos governaram? Nenhum além de ti!”, ou seja, mesmo em tempos em que os
poderes estrangeiros dominaram, o Senhor não dnha abdicado nem desistido
de seu senhorio supremo. Talvez devamos apenas deixar além de ti como um
uso aceitável, mesmo que excepcional. As palavras só ao teu nome atribuem uma
lealdade ao Senhor em desacordo com os fatos. O hebraico exige de fato “só
por ti mantemos seu nome na memória”; a fidelidade não é um atributo nato
ao povo de Deus, mas um dom que ele os capacita a exercer.
14 O Senhor realizou uma libertação total. Sobre eles estão m ortos (ι'ρ ά Ίη ι,
“os obscuros/fantasmagóricos”) veja 14.9. A frase tu os castigaste é (lit.) “por-
tanto, tu visitaste” (veja comentário sobre 24.21). Essa completa obliteração
só pode ser explicada por um ato de Deus, apagando-os de qualquer lembrança.
Que, por exemplo, é o faraó do éxodo?
15 O Senhor ocasionou aumento e expansão para seu povo (cf. 9.3<2>)
e ele, por intermédio disso, de gloria te revestiste. Ezequiel diría que, do começo
ao fim da historia de seu povo, o Senhor “por amor do meu nome, eu agi” (Ez
20.9,14,22). Nem mesmo aqui eles podem reivindicar mérito. Não foi pelo va-
lor deles que ele agiu para aumentar o povo e expandir a terra, mas apenas por
motivos em sua própria natureza.
Do pó (26.16-19)
Essa estrofe, como a última (12-15), começa com o vocativo Senhor. Essa
ligação intensifica o contraste entre os dois: o que o Senhor realizou (12-15)
e o que seu povo realizou (16-18). Também salienta a similaridade: o Senhor
tem feito tudo que é necessário (12) e ele fará tudo que é necessário (19). Além
disso, há uma ligação com os versículos 5 e 6. Ali, o Senhor rebaixou o altivo e
0 lançou ao pó; aqui (19) ele ainda tirará seu povo do pó.
16 A NVI troca a ordem do versículo 16bc. A expressão te buscaram é de
ip ã q a d (“visitou”; veja 24.21) e não há outro exemplo dele sendo usado para
pessoas vindo a Deus. A frase “eles te cultivaram” adequaria o verbo e o senti-
do dele aqui. Talvez Isaías tenha o período dos juizes em mente com os recor-
rentes episódios de penitência e de busca de Deus daquele período. E possível

1 S o b re zA la j cf. 4 5 .5 ,2 1 ; D t 1.36 (u m a n e g a ç ã o im p lícita); SI 1 8 .3 2 < 3 2 > . N o c a s o a tu a l


B H S se g u e a L X X (“ n ã o c o n h e c e m o s n in g u é m m a is ”) a o a lte rn a r z ü lã fk à (“ a lé m d e ti”)
p a ra b a l n èd ã ‘ (“ [a q u e m ] n ã o c o n h e c e m o s ”).
291 ISAÍAS 2 6 .1 - 2 1

que a frase sussurraram um a oração seja “eles emitiram um sussurro”.1 Enquanto


a NVI transforma a disciplina divina na causa da aflição deles, o hebraico trans-
forma-a na consequência da volta contrita deles ao Senhor. O Senhor, como
em Juizes, não rejeitou seu povo esmagado, mas levou-os de volta às restrições
de sua lei.
17 Procura-se atualizar mais a história agora. E le s (16 , ARC) passa a ser nós.
A afirmação “nos temos tornado” (TB) seria mais adequada que estamos nós. A
aflição (16) do passado continua a doer de forma tão severa quanto as dores de
dar à luz. Isaías, com certeza, podia estar pensando nos assírios, a escravização
do norte de Israel e todo o trauma contemporâneo. A expressão na tua presença
(m ippãneykã) é possivelmente melhor que “por causa de você”, por causa da
organização divina da história (veja 10.5-15).
18 A referência a dar à luz no versículo 17, usada ali só para a severidade
do sofrimento, estimula aqui uma investigação se houve algum fruto de tudo
isso. Mas, infelizmente, não houve nenhum outro paralelo ao nascimento de
criança afora o sofrimento. Eles estavam cientes da necessidade do mundo de
“aprendejr] justiça” (9) por meio da vida e do testemunho do povo de Deus,
mas não veio nenhuma salvação para a terra. A salvação, um plural de amplitude,
significa “nenhuma salvação de qualquer tipo”. Em termos do versículo 1, a
terra não foi trazida para a proteção da cidade de Deus. A terra e o m undo são
mencionados como no versículo 9 (cf. comentário sobre 24.4). A frase não demos
à lutç é (lit.) “os habitantes do mundo não caíram”. O verbo “cair” (nãpal) tem
de dezoito a dezenove nuanças de sentido.12 Entre elas está “ser nascido”, aqui
“vir para nova vida”. Isso prepara para o mesmo uso no fim do versículo 19.

1 A fo rm a sãqün é p o s s iv e lm e n te u m a f o r m a ç ã o p a ra g ó g ic a d e isUq, a q u a l KB se re c u s a a
re c o n h e c e r, m a s B D B tr a d u z p o r “ d e r r a m a r ” . D h o r m e (s o b re J ó 28.2) p o d e r ía p a re c e r
c o n c o r d a r c o m isso . S o b re a fo rm a ç ã o , veja G K C 441 e D riv e r, p. 6. O s u b s ta n tiv o lahas
é re a lç a d o c o m o u m a d ific u ld a d e n o fa to d e q u e é u s a d o a p e n a s e m o u t r o lu g a r p a ra
“ m ag ia” , m a s o s u b s ta n tiv o m e s m o sig n ifica “ s u s s u r r o ” e p o d e b e m s e r u s a d o a q u i p a ra
a lam ú ria a b a fa d a e n ã o e x p re s s a , p e d in d o p o r a ju d a , q u e e ra tu d o q u e p o d ia m c o n se g u ir.
W atts c o m e n ta o en thlipsei (“ e m a fliç ã o ”) d a L X X , e s c o lh id a a p a r e n te m e n te n o lu g a r d o
v e rb o qãsun, e o f e re c e “ e les [te n ta ra m ] im p e d ir tu a p u n iç ã o c o m u m e n c a n ta m e n to su s-
s u rra d o ” . A f o r a a e x tr e m a im p ro b a b ilid a d e d isso , e o ris c o e n v o lv id o e m r e c o r r e r à L X X
em q u e o h e b r a ic o é d e to d o je ito difícil, o s e n tid o s u g e rid o p a r a o v e r b o e s tá lo n g e d e se r
seguro. M u ito m e n o s a rris c a d o é s u g e rir b'sar p'qítdat'ka sa a q n ü t f lahas ... (“ n a a fliçã o d e
tua v isita c la m a m o s ; n a a fliçã o d e tu a p u n iç ã o p a ra v o c ê s ” ). Q u a n d o t u d o v e m p a ra to d o s ,
o te x to a tu a l p a re c e n ã o s e r m a is q u e a lic e n ç a p o é tic a p o d e p e rm itir.
2 O te r m o nnãpal p o d e s ig n ific a r “ s e r d e r r o t a d o ” (L v 26.7s.); “ d e s e r ta r p a ra o p o v o in im i-
g o ” (2R s 2 5 .1 1 ); “ s o f r e r p e r d a s ” (P v 1 1 .1 4 ,2 8 ); o u “ s e r in f e r io r a ” (jó 1.3). O s u b s ta n tiv o
nèpel (u m n a s c im e n to p o r in te r m é d io d e a b o r to e s p o n tâ n e o ; J ó 3 .1 6 ; E c 6.3) a p o ia n a
se n tid o v e rb a l d e n a sc er.
O LIVRO DO REI 292

19 Esse versículo suscita muita discussão, em particular ao focar três ques-


tões. Primeiro, ele pertence apropriadamente ao contexto ou não? Segundo,
espera a sobrevivência nacional ou a ressurreição individual da morte? E ter-
ceiro, é de Isaías ou deve ser datado de mais tarde? E possível reunir opiniões
respeitadas para todos esses pontos de vista.1À luz do esboço da página 283, o
lugar do versículo no contexto parece seguro. Embora pudéssemos não esperar
essa palavra de encorajamento em particular, alguma palavra de encorajamento
é apropriada, até mesmo essencial em seguida ao desespero dos versículos 16-
18. Esse encorajamento em particular é obviamente sob medida para seu lugar
no poema, com seu tema “do pó” equilibrando o tema “lançada ao pó” da
seção parelha, versículos 5,6.
Aqueles que defendem uma ressurreição nacional (sobre as linhas de Ez
37.1-14) e os que encontram aqui a ressurreição individual da morte concor-
dam principalmente quanto aos assuntos envolvidos: “a ressurreição da comu-
nidade” (Clements), a ressurreição individual do “fiel em Israel” (Mauchline).
Mas será que isso está correto?
Primeiro, não responde à depressão dos versículos 16-18, que alcançam
seu ponto culminante no pensamento de ineficácia. Pois toda a paciente deci-
são do Senhor de continuar com seu povo (16) e a similaridade com os grandes
sofrimentos deles com as dores de dar à luz (17), o mundo não foi trazido a
nascer em Deus (18). O remédio para essa angústia em particular é a garantia
de sucesso onde o registro é falho. Assim, a expressão teus m ortos pode muito
bem significar “o morto com quem você se preocupa”. Segundo, se traçarmos
os que voltaram ao p ó e que emergirão da terra como os bebês saem do ventre até
0 vocabulário parelho dos versículos 5,6, é a “cidade altiva” que foi “arrasajda]”
e lança [da] ao pó”. O povo do Senhor já está na posse segura da “cidade forte”
(1) com sua garantia de “salvação”. E o mundo que precisa dessa garantia. As-
sim parecería que o propósito desse versículo, independentemente de sua pro-
messa, é dar garantia de que a reunião mundial de 25.6-10a, com sua garantia
de salvação, não é uma miragem, mas se fundamenta nas promessas seguras da
ação divina. Isso explicaria por que a referência aos “teus mortos” (19a) é com-
pletada pela garantia do Senhor de que eles são os “totalmente mortos com que
estou preocupado”, e não como traz a ARA (lit.) “o meu cadáver”. A palavra ca-
dáver (ARA) (nebêlã) é usada com frequência, como aqui, como um coletivo no

1 G ray , B o x e K a is e r e n te n d e m e sse v e rsíc u lo c o m o u m a re fe rê n c ia à re ssu rre iç ã o d o ju sto


m o r to ; W ad c, K iss a n e , W ild e rb e rg e r e J o h n s o n , c o m o u m a re ssu rre iç ã o n a cio n al. R ow ley
d iz q u e , e m b o r a n ã o h aja p e n s a m e n to d e re ssu rre iç ã o in d iv id u a l, a p a ssa g e m p o d e te r pre-
p a ra d o p a ra e ssa ideia (Η . H . R ow ley, The F a ith o f Is ra e l[S C M , 1956], p. 116s.). S k in n e r, M au-
c h lin e e H e r b e r t v e e m aq u i a p ro m e s s a d e re ssu rre iç ã o in d iv id u al. M u ito s q u e a b ra ç a m o
p e n s a m e n to d e re ssu rre iç ã o g e n u ín a d a ta m a u to m a tic a m e n te a p a ssa g e m e m p e r ío d o m u ito
ta rd io ( p o r e x e m p lo , K a ise r).
293 ISAÍAS 2 6 .1 - 2 1

singular (cf. 5.25; Dt 14.8; SI 79.2). A palavra é escolhida para enfatizar a morte.
Portanto, falar que eles viverão e ressuscitarão é falar da ressurreição, embora isso
também possa ser figurativo (do que o N ovo Testamento chamaria de o novo
nascimento ou tendo sido ressuscitado com Cristo; E f 2.6) como literal. O cha-
mado a despertar para a alegria (19d) é explicado (v. 19e começa com “porque”
[ARC]) pelo tema de orvalho é “luz” {m anhã). O termo orvalho tem uma ampla
cobertura metafórica,1 mas está, de forma muito relevante, ligado ao maná de
Êxodo 16 (w. 13,14; cf. Nm 11.19), o dom divino que cancelou a ameaça de
morte (Ex 16.3). O termo “luz” é um singular com o sentido amplo de “plena
luz”. A morte é treva, a vida é luz (Jó 3.16; SI 49.19<20>; 56.13<14>), a luz da
salvação (SI 27.1).1 2 A associação da luz com a vida (SI 36.9<10>) e de orvalho
com vida (Os 14.5<6>) é digna de nota. Veja também, no oráculo paralelo, a
referência à presença do Senhor como orvalho e luz (18.4). Aqui, à medida que
o orvalho desce, ele também virá a sua morte, trazendo refrigério e vitalidade
celestiais; com a luz da presença dele ele transmitirá a luz da salvação. Para dará
à lu% / “lançará de si" veja comentário sobre o versículo 18. Sobre os seus mortos
{r'p a 'im , “seus obscuros”) compare com o versículo 14.
Em suma, o versículo, portanto, é uma promessa de vida para o mundo, o
cumprimento de 25.6-10a. Mas se esse é o caso, então embora o principal impe-
to da terminologia seja usado de forma figurativa para a ressurreição do ímpio
na salvação e da cidade forte, precisamos nos lembrar que 25.7,8 aguardava a
abolição da própria morte. Em relação a isso, os termos do versículo atual vão
além do figurativo para o literal e declaram uma ressurreição plena, incluindo a
ressurreição do corpo. Na revelação progressiva do Antigo Testamento, só Da-
niel 12.2 é comparável a isso. A hipótese reinante data Daniel no século II a.C.
e isso, junto com a contínua suposição de que a doutrina do Antigo Testamento
está sujeita a um desenvolvimento evolucionário de um começo ruim a um fim
brilhante, levou alguns a propor uma data muito posterior para o versículo 19.
Como isso é insatisfatório! Os egípcios tinham uma mitologia da morte e da
vida intrincada e muitíssimo desenvolvida para vir séculos antes de Isaías. Até
mesmo a religião cananeia, com toda sua brutalidade, atribuía a seu deus exe-
cutivo uma vitória anual sobre a morte. N o entanto, espera-se que aceitemos
que a “ênfase [de Israel] em lavé como o Deus vivo” deixe “o sombrio reino da
morte [...] fora da jurisdição dele” (Herbert). Em nome da lógica, como podería
ser isso? Mauchline observa que

1 O rvalho sim b o liz a a c o n tr ib u iç ã o celestia l p a ra o b e m - e s ta r t e r r e n o ( G n 2 7 .2 8 ,3 9 ; D t


3 3 .1 3 ,2 8 ), o fa v o r re al (P v 19.12) e a b ê n ç ã o d iv in a (O s 1 4 .5 < 6 > ) .
2 A “ lu z ” é d o a d o r a d e v id a (2 sm 2 3 .4 ), u m s ím b o lo d e v id a (Jó 3 .1 6 ), s o b r e t u d o d a vid a
e sp iritu a l (SI 2 7 .1 ), d a p r e s e n ç a d e D e u s (SI 104.2) e d e su a a p ro x im a ç ã o p a ra a c a b a r c o m
as tre v a s d e se u p o v o (Is 9 .2 < 1 > ; 59.9; 6 0 .1 ,3 ) c d e se u fa v o r (SI 4.6) e v e rd a d e (SI 43.3).
O LIVRO DO REI 294

O fiel em Israel deve com frequência ter se desesperado ao ver a salvação


de D eus na terra dos vivos; aqui, p ortanto, é expressa a convicção de que
eles ressuscitarão de novo [...] a grande esperança [...] deve ter exigido um
grande p ro feta [...] p o d e facilm ente ser descrita com o um a do u trin a eleva-
da dem ais para a época de Isaías; mas essa sem pre é urna base precária para
o julgam ento n o caso de um profeta que estava, em estatura, m uito acima
d o nível com um de sua época.

E m u m a palavra, p o r q u e p ro c u ra r u m g ra n d e d e sc o n h e c id o q u a n d o é
n o sso h u m ild e privilégio te r o m a io r de to d o s d ian te d e n ó s?

S eg u ro s c o n tra a ira (2 6 .2 0 ,2 1 )
20 O c h a m a d o p a ra q u e “ ab ram as p o rta s ” co m o qual o p o e m a c o m e -
ç o u (2) é e m p a re lh a d o aqui p elo se tranque as portas. A seg u ran ça n a p az (1 -4)
é e m p a re lh a d a pela seg u ran ça c o n tra a ira. A ex p ressão vá [...] tranque le m b ra
G ên esis 7.1,16, e a seg u ran ça d a c o m u n id a d e d e N o é n o dilúvio. A im ag em de
ir p a ra d e n tro d e casa le m b ra E x o d o 12.22,23 e a seg u ran ça d a c o m u n id a d e d a
P ásco a e n q u a n to o ju lg am en to estava em p ro cesso . O v e rb o passarei é o v e rb o
da Páscoa, cã ba r (Ê x 12.12,23).
21 E sse v ersículo co m e ç a co m u m a exclam ação, vejam , explicativa. S o b re
castigar/ “ v isitar” veja 24.21. Iniquidades Çãwôri) é a p alav ra m ais “ in te rio r” n o
v o cab ulário de p e c a d o (veja c o m e n tá rio so b re 1.4; 6.7) e o sangue derram ado é
a m ais flagrante violação e x te rio r d a lei de D eu s. O p e c a d o o c u lto , n ã o d e se o -
b e rto p o r m u ito tem p o , será ex p o sto . A ssim , Isaías in dica u m a rra n jo d iv in o
co m to d o e q u a lq u e r pecado. A terra é vista c o m o p a rtic ip a n d o ativ am en te co m
D e u s p a ra e x p o r o q u e está e sc o n d id o . Isso faz p a rte da “v italid ad e m o ra l” da
criação, q u e está in ev itav elm en te in fe c ta d a c o m o p e c a d o h u m a n o , m as n u n c a
deixa de estar d o lad o d o s sa n to s p ro p ó sito s d e seu C ria d o r (cf. so b re 1.2,3;
24.5).

e. A reunião final: a Israel universal (27.1-13)


E m c o n te ú d o literário, essa é u m a peça tão fascin an te d o “ m o sa ic o ” de
Isaías q u a n to q u a lq u e r o u tra p assag em e m to d a a literatu ra, c o m p o s ta cuida-
d o sa m e n te (o b serv e c o m o co m e ç a e te rm in a c o m d o is o rácu lo s “ n aq u ele d ia”
n o s v ersículos 1,2 e 12,13) e u sa n d o peças d e m u ito s p o n to s d o m in istério de
Isaías. O v ersículo 1 d escrev e a v itó ria d o S e n h o r n o rein o s o b re n a tu ra l.1 E

1 M u ito s te n ta m id e n tific a r as trê s a lu sõ es a L evia tã c o m as n a ç õ e s h istó ric a s. D e litz sc h p e n s a


n a A ssíria, n a B a b ilô n ia e n o E g ito , re sp e c tiv a m e n te . W atts e n c o n tr a e m to d a s as trê s u m a
re fe rê n c ia a T iro . J o h n s o n o b s e rv a q u e “ c o m a d e s c o b e rta d o s te x to s m ito ló g ic o s d e U g a rit
n ã o p o d e h a v e r d ú v id a d e q u e as várias d e sc riç õ e s [...] re fe re m -s e a u m m o n s tr o d o c a o s ” .
I s s o se aju sta à in c lu sã o p o r Isaías d e in im ig o s s o b re n a tu ra is n a v itó ria d o S e n h o r n o s capí-
tu lo s 24— 2 7 e ta m b é m c o m se u u s o d o m ito n o in te re s se d a v e rd a d e (cf. 51.9-11).
295 ISAÍAS 2 7 . I - I 3

im possível d iz e r em q u e p o n to d o m in istério de Isaías isso p o d e te r se origina-


do e talvez te n h a sid o c o m p o s to para seu lu g a r e fu n ç ã o atuais. O cân tico da
vinha n o s v ersícu lo s 2-6 c o m p le m e n ta 5 .1-7.1 N a p assag em a n te rio r a ênfase
está n o q u e Israel-Judá fizeram da v in h a d o S en h o r, m as aqui está n o q ue o
S en h o r ainda fará de Ja c ó -Isra el, seu p o v o -v in h a. O s v ersícu lo s 7-11 são um
vislu m b re h istó ric o na c o n d u ta d o S e n h o r c o m “Ja c ó ” c o n so lid a n d o e m um a
m ensag em p ro m isso ra de p u rg a ç ã o su rg in d o da d e stru iç ã o d a cidade.12 P o r fim,
os versículos 12,13 são dois o rácu lo s d e reu n ião d e e sc o p o g eo g ráfico id ên tico
(M eso p otâm ia e E g ito ), o p rim e iro d o s quais te m Israel c o m o seu tó p ico ; e o
segundo, u m a c o m u n id a d e m u n d ial n ã o identificada. O p rim e iro n ã o diz em
que lu g ar o S e n h o r reu n irá sua colheita, m as o se g u n d o especifica Jeru salém .
E ssa co letân ea h e te ro g ê n e a foi m o d elad a em u m a ap re se n ta çã o co eren te:

A 1 A v itória d o S e n h o r n o s lugares celestiais: a g ra n d e esp a d a (1)


B1 O p o v o d a v in h a d o S e n h o r d e stin a d o a e n c h e r o m u n d o (2-6)
C A c o n d u ta d o S e n h o r c o m seu p o v o (7-11)
A antiga paciência (7,8)
A fu tu ra ex p iação (9)
A d e stru iç ã o da cid ad e m u n d ial (10,11)
B2 O p o v o c o lh id o d o S en h o r, re u n id o d o m u n d o to d o (12)
A2 O jubileu d o S e n h o r na terra: a g ra n d e tro m b e ta (13)

N o s cap ítu lo s 13— 27, as passag en s parceiras são o s cap ítu lo s 19,20 e 23,
am bas co m o p o n to c u lm in a n te n o p e n s a m e n to d o p o v o u niversal d o S e n h o r
(19.24,25; 23.18). É essa c o m p a ra ç ão q u e justifica o títu lo su g erid o acim a, “A
Israel universal” (veja c o m e n tá rio so b re v. 13, abaixo). A c o n stru ç ã o d essa se-
ção, faz e n d o a o b ra có sm ica d o S e n h o r fo c a r o q u e ele p ro p õ e fazer p o r seu
povo (w . 7-11) fo rm a u m inclusio [criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar

1 A c o lin a fértil (5.1) é e m p a re lh a d a aq u i p e la “ v in h a fru tífe ra ” . H á o s m e s m o s e le m e n to s


de to ta l c o m p r o m is s o d iv in o (5.2; 27.3 ,4 ), a re m o ç ã o d a p ro te ç ã o e a re te n ç ã o d a ch u v a
em ra z ã o d o ju lg a m e n to d iv in o (5.5,6) c o n tr a s ta m c o m a irrig a çã o e p ro te ç ã o d e 27.3 ,4 e a
in fru tífe ra Isra el-Ju d á (5.7) c o n tra s ta c o m o e n c h im e n to d a te rra c o m fru to s p o r J a c ó -Is ra e l
( 27 .6).
2J o h n s o n o b s e r v a c o m a c e r to as m u ita s lig a ç õ e s q u e u n e m o s v e rs íc u lo s 7-11 a 17.2-11 c
c o n clu i q u e n a a tu a l p a s s a g e m u m e s c rito r p o s te r io r r e e la b o r o u o m a te ria l a n te r io r a fim
d e d iz e r a lg o s o b r e o R e in o d o N o r t e e s u a a n tig a c ap ital. S u a s o b s e r v a ç õ e s d a s lig açõ es
e n tre as d u a s p a s s a g e n s s ã o u m m o d e lo d e e s tu d o c u id a d o s o , m a s s u a c o n c lu s ã o , c o m
c e rte z a , n ã o é o b rig a tó ria . E s s a s lig a ç õ e s fa la m d e u m a u to r e u m te m p o e m c o m u m de
escrita. M a s o q u e se re fe ria o r ig in a lm e n te a S a m a ria a g o ra é p e r m itid o q u e se to r n e u m a
re fe rê n c ia à c id a d e m u n d ia l e su a d e r ra d e ir a q u e d a . O s a r g u m e n to s d e J o h n s o n c o n tr a
a te n ta ü v a d e W ild e rb c r g c r d e re la c io n a r e ssa p a s s a g e m c o m o s ú ltim o s s a m a rita n o s é
d ecisiv a e d e v e s e r o b s e rv a d a .
O LIVRO DO REI 296

n o início e n o final d e u m a seção] tem ático co m a seção d e a b e rtu ra 13.1—


14.27 (veja c o m e n tá rio so b re 14.1,2). O b se rv e ta m b é m c o m o a c o n se q u ê n c ia
da d e stru iç ã o da B abilonia (14.21; eles n ã o p o d e m ag o ra “ co b ri-la [a terra] de
cid ad es” , e a e x p re ssã o â m ã L ü p enê têb êl ‘ãrlrri) é su b stitu íd a p elo p ro p ó s ito d o
S e n h o r d e q u e seu p o v o da v in h a “en c h e rá o m u n d o d e fru to s ” (üm ãle’ü f f n ê
têb êl fn ü b a ).

A vitória do Senhor nos lugares celestiais: a grande espada (27.1)


A s e n tid a d e s d e n o m in a d a s “ o s p o d e re s em cim a n o s céu s” / “ o s ex ército s
d o alto n a altu ra” , em 24.21, são descritas aqui m ito ló g ic a m e n te c o m o d ois
L eviatãs e a serpente (ou “ d ra g ã o ”). Para o uso de Isaías d a m ito lo g ia veja co-
m e n tá rio so b re 51.9-11. O b s e rv e c o m o a tripla descrição d a e sp a d a d o S e n h o r
c o m o severa (q a sã , “d u ro , severo, im placável”), longa (o b a sta n te p a ra q u a lq u e r
tarefa) e fo rte (suficiente para q u a lq u e r inim igo) casa c o m a trip la d escrição de
seus in im ig o s (serpente [...] serpente /.../ m onstro [ARA]), o u seja, u m a im ag em de
p o d e r co m p atív el c o m a tarefa. O L evia tã é u sa d o d e várias m an eiras n o A n tig o
T estam en to . E m J ó 4 1 .1 < 4 0 .2 5 > e em S alm os 104.26, ele d e n o ta u m m o n s tro
aq uático, v e rd a d e iro o u im aginário; em S alm os 74.14, é u sa d o fig u rativ am en te
para o E g ito ; e em J ó 3.8 é u m a im ag em d o v e rd a d e iro te r r o r (d e sp e rta r Le-
viatà é aniquilar a o rd e m ex isten te e m e rg u lh a r n a c a tá stro fe ”) .1 Q u e r a reali-
d ade d e b estas a m eaçad o ras c o m o o h ip o p ó ta m o e o c ro c o d ilo e m e rg in d o das
águas d e u o rig em ao p e n sa m e n to d e u m a “g ra n d e ” b e sta aqu ática q u e r o n o m e
da “g ra n d e b e sta ” d e d e sg o v e rn o foi aplicado figu rativ am en te a esses anim ais
im en so s, o fa to su b stan cial é q u e L eviatã re p re se n ta um p o d e r im e n so (c o m o o
d o m ar) d e m o n s tra d o c o n tra o S enhor. M as o p o d e r de D e u s c o m o C ria d o r (SI
104.26) e o S alvador d o êx o d o (SI 74.14) é se m p re m aio r, e o d ia escato ló g ico
assistirá sua vitória. A ligação feita aqui e n tre os n o m e s m ito ló g ico s (L eviatã,
“d ra g ã o ”) e o n o m e factual (serpente) a p o n ta p a ra essas forças, p o r m ais im en-
sas q u e fo ssem , c o m o seres criados. O m onstro (ARA) (tanríin) p o d e significar
u m m o n s tro m a rin h o criad o (G n 1.21), u m a se rp e n te o u c ro c o d ilo (E x 7.9; SI
91.13) o u ain d a te r u m u so figurativo significando p o d e r e sm a g a d o r (Jr 51.34).
O te rm o velo vf “ e sc o rre g a d ia ” (Bíblia C N B B ), (cf. J ó 26.13) su g ere u m p o d e r
etéreo. A palavra tortuosa ( ‘‫״‬q a llã tô n ) só é e n c o n tra d a aqui e é p ro v e n ie n te de
) ‘ã q al (“ to rcer, g irar” ; p o r exem plo, J z 5.6: SI 125.5; H c 1.4). A atual referên cia
p o d e ser o u factual (to rc e n d o ), o u m o ral (p erv ertid o ) o u ain d a am b as as duas.
A palavra nã ha s (“ s e rp e n te ”) o c o rre e m G ên esis 3.1 e, sem d ú v id a, p o r essa
razão é u sad a aqui. A im agem d e p o d e r d o ar, a se rp e n te to rtu o s a n o ch ão e o
“ o d rag ão q u e está n o m a r” (ARC) m o stra m a criação to d a in festad a d e p o d e re s
e stra n h o s q u e serão p erseg u id o s e d e stru íd o s o n d e q u e r q u e estejam .

1 D h o r m e s o b r e J ó 3.8.
297 ISAÍAS 2 7 .I-I3

0 povo da vinha do Senhor destinado a encher o mundo (27.2-6)


E sse é o c â n tic o final na g ra n d e c a n ta ta d o s cap ítu lo s 24— 27. E ssa vinha
é fru tífera (2); está so b a c o n sta n te p ro v isão e p ro te ç ã o d o S e n h o r (3); d e sfru ta
de paz c o m D e u s (4a); está livre de in tru s o o u c o rru p ç ã o (4b); e o ferece a to d o s
paz co m D eu s, até m e sm o os espinhos, se eles assim d esejarem . (Veja p. 295, n o ta
1.) O s versículos 4,5 são u m a m e tá fo ra de Isaías m istu rad a: h ip o te tic a m e n te
“lu ta n d o ” c o m ervas d an in h as (4) se d esenvolve n o lem a d e g u e rra -p a z d o
versículo 5.
2 Elm h e b ra ic o te m o s aqui ta m b é m um a exclam ação: “ N a q u e le dia se dirá:
C an tem so b re a v in h a frutífera!” N ã o h á n ecessid ad e d e d ú v id a so b re o tex to
nem d e b u sc a r u m v e rb o (veja B H S ). A seq u ên cia d a c a n ta ta está alcan çan d o
seu p o n to c u lm in a n te e ta m b é m se esp era q u e c o m p a rtilh e m o s o entu siasm o .
S obre a ex p ressão naquele dia veja 24.21. Paira u m a d ú v id a a re sp e ito d e fru tífera
no te x to hebraico . A esco lh a oscila e n tre “ u m a v inh a delicio sa” (kerem hem er)
(TB) e u m a v in h a de “ e sp u m o so sangue das uvas” (kerem hem ed; D t 32.14; cf.
SI 7 5 .8 < 9 > ).' O ú ltim o fo rm a um excelente c o n tra ste co m o v in h o intragável
de 5.2,4.
3 E sse v ersícu lo fala d e u m a o b ra divina to tal (cf. 5.1-4). A s linhas c e d da
NV1 d eviam se r m u d ad as a fim de re sta u ra r a o rd e m h eb raica c o m sua fo rm a-
ção a-b-b-a. N a s linhas “ a” , o s te rm o s vigia e protejo são o m e sm o v e rb o (jn ã sa r,
“p re se rv a r in ta to ”), e as linhas “ b ” são do is a sp e c to s d e cu id ad o , reg ar (satis-
fazer as necessidades) e p ro te g e r (excluir os in im ig os).12 E sse tra b a lh o co n tin u a
sem in te rru p ç ã o , constantem ente/ “ a cada m o m e n to ” , dia e noite (cf. SI 121.3-8).
Sobre destruirei co m o se n tid o d e “ v isitar” veja 24.21.
4 A frase não estou irado é (lit.) “ ira n ã o há p a ra m im ” sig n ifican d o “ n ão
estou d e fo rm a algum a co m raiva” . O te rm o hèm â é e sp ecíficam en te o calo r da
raiva, o se n tim e n to d e raiva. C o n tra sta d e fo rm a c o n tu n d e n te co m 5.5,6 e re-
nova o tem a d e paz de 26.3,12, ex ceto q u e aqui a paz está n o co ra ç ã o de D eus.
Tal é o zelo d o S e n h o r p o r sua vinha q u e ele anseia p o r u m a o p o rtu n id a d e de
pro var q u a n to se im p o rta : apenas deixe ap a re c er u m a erv a daninha!
5 O co n v ite a venham buscar refúgio em m im / “ se a p o d e re da m in h a fo rça” é
para a h ip o té tic a “ erv a d a n in h a ” , o o p o n e n te d a v in h a, in d ican d o , assim , que
a afiliação na v in ha está a b e rta a to d o s coiguais. A im ag em é rem em o rativ a
do co n v ite para M o a b e e n c o n tra r ab rig o em Siào (16.4,5). N o o rá c u lo para-
lelo, T iro é m e n c io n a d o c o m o u m a “ fo rta le z a ” ( m a ò z ; 23.4,11,14). A palavra

1 A d ife re n ç a e n te hemed (“ d e le ite ” ; cf. “ c a m p o s a g ra d á v e is” , 3 2 .1 2 ) e hemer (v in h o “ e sp u -


m o s o ” ; D t 3 2 .1 4 ) é m ín im a . O s m a n u s c rito s h e b ra ic o s s u s te n ta m as d u a s leitu ras. B H S ,
le n d o hemed, r e v e rte a o p in iã o d e B H . Q* tra z hwmr (o u seja, hômer), n ã o e n c o n tr a d o n a
B íblia e m u m s e n tid o a d e q u a d o . ( ) kalos d a I.X X e q u iv a le a hemed■
2 O v e rsíc u lo .3 e x ib e a lig a ç ã o d e Isaías p a ra a rim a , a q u i e m u m p a d r ã o a-b -c -b .
O LIVRO D O REI 298

d escreve co m freq u ên cia o p ró p rio S e n h o r (SI 27.1; 37.39; J r 16.19, N a 1.7) e


n ã o é u sad a para Je ru sa lé m n e m p ara seu te m p lo .1 A qui, p o rta n to , equivale a
“ e n c o n tra r p ro te ç ã o em m im ” . A ên fase m u d a em cada m e ta d e d essa rep etição .
P rim eiro , ela está n a ex p ressão em m im e, segundo, em p a ^ o u seja, o q u e é o fe-
recid o é a p az co m D e u s, e essa é a verdadeira paz.
6 A s im plicações d o s versículos 3,4a e 4b,5 são d esen v o lv id as ag o ra. A
v inha d iv in am en te n u trid a en c h e a te rra d e m o d o q u e to d o o m u n d o se tran s-
fo rm a n a v in h a d o S enhor. E m Salm os 80, m o stra -se q u e essa se m p re foi a
in te n ç ã o d o S e n h o r p a ra seu povo, m as foi fru stra d a a n te rio rm e n te p elo p eca-
d o deles e sua justa punição. M as ag o ra o S e n h o r está em p az c o m seu p o v o e
co n v id a to d o s o s o u tro ra inim igos a fazer as pazes. N o s dias vindouros (h a b b ã lm ,
“dias v irão ” ; m a scu lin o plural) é um a e x p ressão singular, p o ssiv elm en te u m a
elipse para hayyãniim h a b b ã Ίη ι “ [nos] dias fu tu ro s” ; E c 2.16). P o d e se r excla-
m ativo: “ E les e stã o c h e g a n d o ” , ca sa n d o as exclam ações c o m q u e o cân tico
da v in h a c o m e ç o u (2). A frase p o d e ser in te n c io n a lm e n te vaga (“ o s dias estão
c h e g a n d o ”) o u se r u m a referên cia às p esso as q u e tin h a m a c a b a d o d e ser c o n -
vid adas a e n tra r na p az d o S e n h o r (5).12 O sistem a to tal d a v in h a (raises ; botões,
piores e fru to s) é salutar e eficaz em to d a p a rte (cf. 5.24). O s n o m e s Jacó e Israel se
aplicariam m ais d ire ta m e n te ao R eino d o N o rte e p o d e ría su g erir q u e o versí-
cu lo teve o rig em c o m o u m o rá c u lo de e sp eran ça relacio n ad o co m a é p o c a d a
q u ed a d e Sam aria e a d e p o rta ç ã o d o p o v o d o n o rte (cf. 28.5,6 se g u in d o o o rá-
culo d e E fra im , 28.1-4). N o c o n te x to atual, é claro, os n o m e s têm sua referên cia
original e h o m e n a g e a d a p elo te m p o a to d o o p o v o d e D e u s e n q u a n to traça o
n a sc im e n to dele cm Ja c ó -Isra el (cf. 29.22,23).

A conduta do Senhor com seu povo (27.7-11)


M as c o m o o p o v o d o S e n h o r e n tra rá n o É d e n re sta u ra d o d o s versícu-
los 2-6? A re sp o sta v em n essa seção central d o p o em a. A escrita é resu m id a
e altam en te alusiva, m as os versículos têm um se n tid o c o e re n te e relevante.
0 S e n h o r n u n c a foi tã o d u ro co m Israel q u a n to o é co m seus in im ig o s (7);3 a
d isp ersão (“ Pelo d e ste rro e p elo exílio”) foi sua p o rç ã o (8), e n ã o a d estru ição .

1 W ild e rb e rg e r faz a e x p re s s ã o “ m in h a fo r ç a ” se re fe r ir a o te m p lo e v ê a p a s s a g e m c o m o
u m c o n v ite a o s ú ltim o s s a m a rita n o s a a b a n d o n a r se u te m p lo c a u s a d o r d e d is c ó rd ia p e lo
v e rd a d e iro s a n tu á r io d e J e ru s a lé m . J o h n s o n o b s e r v a q u e a re u n ific a ç ã o id eal seria b e m
e s ta b e le c id a p e lo p e r ío d o e x ílico (Jr 3 1 .1 -9 ,1 5 -2 2 ; F.z 3 7 .1 5 ss.) e q u e n ã o h á m o tiv o p a ra
p r o p o r u m a d a ta p o s te rio r. E le a c re s c e n ta q u e o “ c is m a [sa m a rita n o ] p o d e r ía fa z e r tu d o
m e n o s im p e d ir a n o ta d e re c o n c ilia ç ã o p r o p o s t a n e s s e s v e rs íc u lo s ” . O fa to in e g a v e lm e n te
v e rd a d e iro , n o e n ta n to , é q u e o s p r o f e ta s (d e E lia s e m d ia n te ; l R s 18.31) se re c u s a ra m a
a p o ia r a s e p a ra ç ã o d o n o r t e e d o sul.
2 U m a t r a d u ç ã o p o r “ e ssa s c o is a s e s tã o v in d o ” se ria b a s ta n te a d e q u a d a n o c o n te x to , m as
ex ig iría u m p a rtic ip io fe m in in o n o p lu ral.
3 S o b re o Senhor in te r r o g a tiv o se g u id o d e D aghesforte veja G K C p. 1001.
299 ISAÍAS 2 7.I-I3

E ssa m e sm a p aciência divina ain d a será d e m o n stra d a e m u m a o b ra d e expiação


à qual Israel re sp o n d e rá re je ita n d o to d a religião falsa (9), m as tip icam en te dessa
seção real d e Isaías (caps. 1— 37), o p e n sa m e n to d e exp iação n ã o é p erseg u id o
(10,11). A explicação (v. 10 c o m eça c o m “ p o rq u e ” [ARC]) d a tra n sfo rm a ç ã o da
so rte d e Israel é e n c o n tra d a na d e stru iç ã o d a cidade.
7 O h eb ra ic o é rítm ico e b o n ito , m as em d e trim e n to d a clareza. A p rim eira
p e rg u n ta é (lit.) “ C o m o o fe rim e n to d aq u ele q u e o feriu, ele o feriu?” , o u seja,
0 S e n h o r feriu Israel na m esm a ex te n sã o em q u e feriu os c o n q u ista d o re s dela?
P or exem plo, Israel foi d e stru íd a c o m o o S e n h o r d e stru iu o E g ito n o m a r Ver-
m elho? O o b jetiv o da seg u n d a p e rg u n ta é o m esm o : (lit.) “ o u foi ele assassina-
d o c o m o os assassinos de seus assassin ad o s?” , o u seja, será q u e Israel já so freu
baixas c o m o o S e n h o r infligiu n o s q u e ele d e stru iu , p o r ex em p lo , a m atan ça d o s
assírios d e 37.36? S em p re h o u v e u m a m o d e ra ç ã o divin a (cf. J r 4.27; 5.10,18).
8 A N V I co m a ex p ressão pelo desterro segue a L X X .1 O h e b ra ic o tem a pa-
lavra Ifsa s’â que, d o c o n trá rio , é sem p re c e d e n te. A s línguas co g n atas (veja Kfí
e D river) su ste n ta m a trad u ção , “ clam ar xô!, xô!” , “ a m e d ro n ta r g rita n d o ” (p o r
co nseguinte, a tra d u ç ã o sugerida acim a “ d e s te rro ”).12 A p alav ra e x ílio / “ q u a n d o
a rejeitaste” (A RC) n ã o é u m a referên cia aos g ra n d e s exílios (o R ein o d o N o rte
para a A ssíria, o R eino d o Sul para a B abilônia), m as d e to d a s as ocasiõ es em
que os in im ig o s invadiram e o s levaram cativos. E m cad a u m a dessas ocasiões,
a ira d iv ina ju sta m e n te exigiu a p len a pen alid ad e, m as a p aciên cia in terv iú , e
até m e sm o q u a n d o o s g ra n d e s exílios vieram , eles fizeram isso so b a p ro m e ssa
de re to rn o ! O castigo era c o m o um sopro violento , n u n c a in sig n ifican te, p ois os
p ad rõ es d iv in o s tin h am d e ser h o n ra d o s, m as foi “ c o m o n u m dia d e rajadas d o
vento o rie n ta l” , p e n e tra n te , m as n ã o interm inável. C o m a ex p ressão ele 0 expul-
s a / “ ele a tiro u ” , Isaías ainda está re m e m o ra n d o a d isciplina d iv in a an terio r. O
verbo (ih ã g â ) é u sa d o em 2Sam uel 20.13 p ara a retirad a d e u m c o rp o d a estrad a
e em P ro v é rb io s 25.4 p a ra refin am en to . A qui “ m u d ad a e p e n e ira d a ” se adequa-
ria ao v e rb o e ao co n tex to .
9 O te rm o assim re m e m o ra o p o n to su b stan cial q u e acab a d e ser ap resen -
tado: o S e n h o r se m p re age c o m m o d e ra ç ã o e co m re sp e ito a seu p o v o , n ã o de
aco rd o c o m o q u e eles m erecem . E sse m e sm o p rin c íp io d e ação divina ainda
op era para e fe tu a r a expiação. S o b re m aldade Ç ãw ôn, “ in iq u id ad e”) veja 5.18;
6.7; 53.5. S o b re será perdoada (ikãpar^ veja 6.7). A ssim , o S e n h o r pag ará o p re ç o
da expiação pela realidade in te rio r da n a tu re z a p e c a m in o sa , m as esse a to divi-
no tam b ém perdoa[rá] a m aldade (h a t t a t ), seu v e rd a d e iro d elito (veja c o m e n tá rio

1 Λ L X X tra z máchemenos, m a s a h e s ita ç ã o g e ra l q u e se d e v e e x e rc ita r e m re la ç ã o à e v id ê n c ia


d a L X X se to r n a a g u d a e m c a s o s e m q u e h á q u a lq u e r d ific u ld a d e o u a lg o fo ra d o c o m u m
n o h e b ra ic o .
2 D e litz s c h re la c io n a a f o r m a fu n d a m e n ta l s a s a c o m i f â (“ u m a m e d id a ” , u m a te rç a p a rte
d e u m a efa) t o r n a n d o - a e q u iv a le n te a “ p o r m e d id a ” o u “ n a d e v id a m e d id a ” (cf. a R S V ).
O LIV RO D O REI 300

so b re 5.18; 6.7; 53.12). Isso será v isto te n d o p le n o efeito, o fru to da remoção do


seu pecado: quando ele fi% er com que as pedras do a lta r sejam esmigalhadas e fiq u em como
p ó de gi%. B le é Ja c o c, p o rta n to , p o d e se r tra d u z id o p o r “ eles” , m as o singular
tem v alo r em e n fa tiz a r q u e o efeito da expiação é p rin c ip a lm e n te individual e
pessoal. P o r isso, e n c o n tra m o s Isaías u sa n d o aqui o v o cab u lário (pecado, “ m al-
d a d e ” , “ ex p iação ”) d e sua p ró p ria experiência. O “ f r u to ” d a ex p iação nasce
ex clu siv am ente d a lealdade ao S en h o r, evidenciada p ela d e stru iç ã o d e tu d o q u e
p e rte n c e a falsos deuses. S o b re postes sagrados e altares de incenso veja 17.8. P o d e
ser q u e, urna vez q u e a o b ra d e d e stru iç ã o inclui o s postes etc. d e falsos deu ses,
te n h a m o s d e e n te n d e r as pedras do a ltar da m e sm a m an eira, m as o te x to n ã o
diz isso de fato. P o d e ser, c o m certeza, q u e signifique q u e q u a n d o a exp iação
c o m p le ta fo r feita, a ad o ra ç ã o d o S e n h o r m e sm o n ã o exigirá m ais sacrifício de
m o d o q u e o p ró p rio altar d o S e n h o r será tã o to ta lm e n te re m o v id o c o m o se as
p ed ras fiqu em (lit.) “ p ulverizadas c o m o p ó d e g iz” .
10,11 In d e p e n d e n te m e n te d e qual seja a o rig em d esse o rá c u lo e a id en tid a-
de original d a cidade, ela ag o ra se refere à cidade m u nd ial q u e é o te m a d o s ca-
p ítu los 24— 27. Isaías n ã o desen v o lv e m ais o te m a d a exp iação d o v ersícu lo 9.
E sse é “ O livro d o rei” (caps. 1— 37), e o a to fu tu ro d o S e n h o r é v isto d e fo rm a
ad eq u ad a c o m o u m a o b ra d e c o n q u ista , tra z e n d o o m u n d o to d o so b seu rei de-
signado. P o rta n to , a d e sp e ito d o m e lh o r e sfo rç o das p esso as p a ra ficar seguras
(fortificada ), tu d o está p e rd id o . Q u a tro im ag en s revelam a e x te n sã o d a d e stru i-
ção. A cidade está tã o to ta lm e n te abandonada pela h u m a n id a d e q u e os bezerrospas-
tam ali (2; cf. 5.17). E sse q u a d ro d e p a sta g e m sugere a im ag em d e d eix ar o s ra-
mos desfolha!dos¡ (lit. “ eles acabam ”), e essa im agem , p o r sua vez, tran sfo rm a-se n o
q u a d ro das m ulheres re u n in d o m ad eira seca para o fogo. E p o ssív el q u e a frase
p o is esse é um povo se referisse o rig in a lm e n te ao R eino d o N o r te so b ju lg am en to ,
c o n fo rm e o b se rv a d o acim a, m as ag o ra ela descreve aqueles q u e c o m p a rtilh a m
a d e stru iç ã o da cidade m undial. A falta d e e n te n d im e n to deles (11c) lev o u à
p e rd a d a com paixão e da misericórdia d o C ria d o r deles. P rim eiro , Isaías e x p õ e o
in te rio r d o c o ra ç ã o deles, o entendim ento deles (lit.) “ p o is este povo n ã o é p o v o
de e n te n d im e n to ” . O “ e n te n d im e n to ” (blnòt, ·Jb'in; veja c o m e n tá rio so b re 1.3) é
plural, e x p re ssa n d o a essên cia d a coisa. S egundo, ele ex p õ e o c o ra ç ã o d e D e u s,
que não tem misericórdia (jrãham-, veja c o m e n tá rio so b re 13.18; 14.1). A relação
d o C ria d o r co m a c riatu ra é c o m o a d a m ãe co m o filho, m as o a m o r d iv in o é
alienado pela d e te rm in a ç ã o das p esso as em c o n fia r em seu p ró p rio d iscern i-
m en to . T erceiro, a trágica c o n se q u ê n c ia é q u e eles se p u se ra m até m e sm o além
d o alcance da misericórdia (jh â n a n ), o e ste n d e r da g raça salvífica im erecid a p ara
os p e cad o res (cf. G n 6.8; SI 51.1 < 3 > ). A ex p ressão aquele que o fe ^ é (lit.) “ aquele
q u e o f o rm o u ” , “ o o leiro d eles” (co m o G n 2.7), e a im ag em tra n sm itid a é d o
e sm e ra d o cu id a d o pessoal d o C riad o r, a p ró p ria p re ssã o de suas m ãos.
301 ISAÍAS 2 7.I-I3

O povo colhido do Senhor (27.12,13)


A seq u ên cia te rm in a c o m o c o m e ç o u , co m dois o rácu lo s “ naq u ele d ia” . O
p rim eiro (12), c o m o n o s v ersículos 2-6, é um o rá c u lo de sem eação e colheita.
0 se g u n d o (13) c o n tra sta a grande tromheta, q u e reú n e o p o v o d o S en h o r, co m
a espada ¡...¡forte d o versículo 1, q u e d e stró i seus inim igos. A m b o s são o rácu lo s
esp ecíficam ente d e colheita divina. N o versícu lo 12, o S e n h o r é re tra ta d o reu-
nin d o p a c ie n te m e n te sua co lh eita um a u m , e o versícu lo 13 le m b ra a in stitu ição
do q u in q u a g é sim o a n o o u an o d o jubileu (Lv 25.8ss.). O jubileu, n o cálculo
mais ó b v io , seguia o 49° an o sab ático e era, p o rta n to , um a n o em q u e n ã o ha-
via n e n h u m a p re p a ra çã o p o r p a rte d a h u m a n id a d e para a colh eita, u m an o de
d e p e n d ê n c ia d o q u e D e u s supriría.' H sse c o n te x to é e x tre m a m e n te a d eq u ad o
aqui à m ed id a q u e re m e m o ra m o s 26.18 (o p e sa r d o p o v o in fru tífe ro ) e 26.19 (a
p ro m essa d o S e n h o r de reunião). E le m e sm o é o g a ra n tid o r da co lheita.
12 S o b re a ex p ressão naquele dia veja 24.21. O v e rb o '¡hãbat p o d e significar
debulhar (Jz 6.11; R t 2.17), m as tam b ém é u sa d o p ara a co lh eita d e azeito n as e
do e n d ro c o m vara (D t 24.20; Is 28.27). Isso se ajusta aqui à ên fase d e u m a um ,
e d ev em o s, p o rta n to , p e n sa r em “ p e g a r” o u “ ju n ta r” . A s margens do liufrates/
“as c o rre n te s d o rio ” até 0 ribeiro do Egito eram as fro n teiras trad icio n ais da terra
p ro m e tid a (G n 15.18; E x 23.31; cf. Js 1.4; SI 72.8) e re p re se n ta m , p o rta n to , a
reunião feita p e lo S e n h o r de to d o v erd ad eiro m e m b ro de seu p o v o , “ filhos de
Israel” (ARC). A palavra ajuntados (‫י‬ilãqa!) é u sad a para ju n ta r (17.5) c c a m etá-
fora original de 24.13.
13 S o b re a grande tromheta cf. Z acarias 9.14; M ateus 24.31; IC o rín tio s 15.52;
IT essalo n icen ses 4.16. A tro m h e ta d o jubileu (I a25.9 ‫ )״‬era to c a d a n o D ia da
E xpiaçào, ligando os versículos 13 e 9 d essa passag em q u e fo c a m o s aqui. A re-
ferência a na Assíria e no Egito c p ara as p esso as que vivem nas fro n teiras gentias,
um a im ag em d istin ta da d o versículo 12. E ssa era a re u n iã o d o p o v o d o m u n d o
em Jeru salém . O te rm o perecendo (Vãbad) é u sa d o em D e u te ro n ô m io 26.5 para
a p ré -re d e n çã o de Israel: e n tã o haverá g e n tio s à esp era d a g ra n d e tro m b e ta
p ro c la m a n d o a c o m p le ta re d e n ç ã o deles. O su b sta n tiv o exilados (1nadei) é u sad o
para os israelitas ex p u lso s de sua te rra (p o r exem p lo , 8.22), m as esse p en sa-
m en to p o d e ría d e stru ir o equilíbrio en tre os versículos 12 e 13. T a m b é m é
usado n o se n tid o geral de “ ex trav iar” (p o r exem plo, D t 22.1) e p ara os se m -te to
diante d o inim igo (16.3,4). P o rta n to , o p e n sa m e n to n ã o é d e exílio d a te rra de
Israel, m as d e ficar p e rtu rb a d o e ser a co ssad o em seu a m b ie n te e sp iritu alm en te
estrangeiro. E les, n o fim , e x p e rim e n ta rã o o c u m p rim e n to d a p assag em parale-
la, 19.24,25. O u so d e n o m e s h isté ric o s (Assíria, Egito) aqui é c o m o o u so de
“M o ab e” em 25.10. D a m esm a m an eira c o m o o ju lg am en to escato ló g ico cai1

1 V eja, no entanto, G . J. W e n h a m , The B ook o f E v itk u s (F .erd m a n s, 1 9 79), a d loe.


O LIVRO DO REI 302

so b re p esso as reais, ta m b é m aqui o faz a b ê n ç ã o escatológica. Isaías relacio n a a


escatolo gia ao m ap a d e seu p ró p rio m u n d o . D o s co n fin s d a te rra e até m e sm o
d o s p ró p rio s d e rra d e iro s o p re sso re s (E g ito o p rim eiro , A ssíria o c o n te m p o râ -
neo) haverá aqueles q u e a tro m b e ta d a expiação ch am ará p ara Sião. O s g e n tio s
reu n id o s adorarão 0 Senhor no monte santo, em Jerusalém. E les e starão u n id o s ao
S e n h o r em ado ração , p a rtic ip a n te s p le n o s na c o m u n id a d e san ta e b e m -v in d o s
a Je ru sa lé m c o m o m e m b ro s d a p ró p ria cidade fo rte (cf. E f 3.6).
D. O Senhor da história
( 28 . 1— 37 . 38 )
D a visão d o s p ro p ó s ito s d ivinos (caps. 13— 27), Isaías se v o lta p a ra a rea-
lidade d o p o d e r divino. Λ tarefa d o s cap ítu lo s 28— 37 é d e m o n s tra r q u e o Se-
n h o r g o v e rn a de fato a h istó ria m undial e que, p o r isso, suas p ro m e ssa s e p ro -
p ó sito s, c o m o ainda n ã o cu m p rid o s, e stã o g aran tid o s.
F m d o is p o n to s c u lm in a n te s n o s c a p ítu lo s 13— 27 (19.24,25; 27.13), Isaías
p redisse a re u n iã o d o E g ito e da A ssíria na p len a afiliação d o p o v o d o S en h o r: a
p rim eira e a c o n te m p o râ n e a su p e rp o tê n c ia op ressiv a ta m b é m v iriam a ficar so b
o c o n tro le d o S e n h o r c o m o rei. Para os c o n te m p o râ n e o s d e Isaías isso devia
p arecer ta n to m arav ilh o so q u a n to im provável — q u e estran g eiro s se to rn a s-
sem m e m b ro s; inim igos in v eterad o s, am igos; e p o d e re s im periais, calm am en te
subm issos! Isaías, p o r co n seg u in te, o fe re c e o m a io r d e seus c u m p rim e n to s de
ín terim ,1 u m p e río d o da h istó ria em q u e a so b eran ia divin a so b re Ju d á , E g ito e
A ssíria seria d e m o n stra d a d ian te de seus p ró p rio s o lh os. N o q u e dizia resp eito
às três n ações, cada um a estaria d e te rm in a d a de sua p ró p ria fo rm a , m as o resul-
tado seria o q u e o S e n h o r d e te rm in a sse , c isso pela ação divina d ireta. C o n fo r-
m e v erem o s, a ocasião é a d a “ aliança egípcia” (veja p. 25) d o s dias d e E zequias.
Ju d á é vista re c u sa n d o de fo rm a delib erad a o cam in h o d a co n fia n ç a n o S en h o r
para c o n fia r n o E g ito ; o E g ito se revela fa n fa rrão e, em ú ltim a análise, ineficaz;
e o ex ército assírio, ao dirigir seu p o d e r colossal p ara p u n ir os reb eld es, é des-
truíd a p e lo /p o r (um ) anjo d o S enhor.
N a p rim eira seção (caps. 28— 29), e m b o ra o m aterial seja te c id o em tor-
no d o e p isó d io da aliança egípcia, n e m o E g ito n e m a A ssíria é m e n c io n a d o ,
e o p ro p ó s ito d e Isaías é esclarecer os p rin cíp io s e n v o lv id o s n a situ ação e na
c o n d u ta d o S e n h o r c o m seu p o v o (co m o n o s caps. 1— 5). E n tã o n o s capítu-
los 30— 32, Isaías c o n fro n ta o E g ito e a A ssíria p elo n o m e , m as q u a n to mais
claram ente ele se envolve co m a h istó ria, m ais facilm en te ele p assa p ara a es-
catologia (co m o , p o r exem plo, o s caps. 7— 11), p o n d o o re in a d o m essiân ico
lado a lado co m a q u e d a d a A ssíria (3.18— 32.1; cf. 10.33— l l .l s s .) . N o s ca-
pítulos 33— 35, o s a to s de D eu s n a h istó ria se to rn a o p a d rã o de seus atos
escato lóg icos (co m o n o s caps. 13— 27) e n o s cap ítu lo s 36— 37, a firm e ro ch a
da h istó ria é o ferecid a c o m o um fu n d a m e n to seg u ro p ara as esp eran ças que
acabam d e se r delineadas. E c o m o se Isaías estivesse d izen d o : “ Veja o que ele
tem feito. A g o ra, c o n fie nele, po is ele an d a fará tu d o q u e p ro m e te u ” .
E m b o ra a seção p o ssa se r te m á tic a m e n te e sb o ç a d a d essa m an eira, os ca-
pítulo s 28— 35 têm suas p ró p ria s unid ad es d e seis p artes, ind icad as pela recor-

Cf. 14.24-27; 16.13,14; 20.1-6; 22.15-25; 23.17.


O LIV RO DO REI 304

rência d a palavra “ ai” o u “ ó, v ejam ” (28.1; 29.1,15; 30.1; 31.1; 33.1). Λ ap resen -
tação é eq u ilib rad a e n tre os três p rim eiro s ais, o fe re c e n d o p rin cíp io s d a ação
divina, e o s três seg u n d o s, fo rn e c e n d o aplicações p arelh as p a ra a h istó ria e a
escatologia.

P r in c íp io s A plic a ç õ es

28.1- 29 q u ando o povo de D eus 30.1— 33 Busca-se refúgio no


rejeita sua palavra (9-13) e a Egito (1-7), rejeitando a pala-
aliança (14,15), segue-se a des- vra do S en ho r (8-12), m as seus
truição (18-22), em acordo com p ropó sitos su p rem o s (13-26) e
os p ro p ó sito s divinos (23-29) im ediatos (27-33) estão estabe-
lecidos
29.1- 14 H á desastre e libertação 31.1— 32.20 A libertação divina
(1-8), mas a libertação histórica desdenha tan to a ajuda d o E gito
não m uda espiritualm ente as q u anto a inim izade da Assíria
pessoas. Para isso é necessária (31.1-9). A diante está o reino
mais ação divina (9-14), o que já perfeito com o verdadeiro rei
está planejado (32.1) e o p ovo tran sfo rm ad o
(3-8). O padrão de história será
repetido: destruição (9-14) e
transform ação (15-20)

29.15-24 Talvez as pessoas pen- 33.1— 35.10 P ode parecer que


sem em dirigir o m undo sem as pessoas desleais (33.1,8) go-
D eus (15), m as ele é soberano, e vernam , m as a soberania divina
seus pro p ó sito s transform ado- perm anece (33.3,10). O reino
res (16,17) operarão espiritual perfeito (33.13-24), m oral, social
(18,19), m oral e socialm ente (33.15) e espiritualm ente (33.24),
(20,21), cu m prindo o que com e- virá. C) inim igo será finalm ente
çou em A braão (22) e estabele- destruído (cap. 34), e os redim i-
cend o um povo verdadeiram en- dos se reunirão em Sião (cap. 35)
te renovado (23,24)

T e m o s aqui um m o saico tip icam en te isaiânico, in te g ra d o de fo rm a co m -


p e te n te p ara a p re se n ta r um a m e n sa g e m unificada: a total so b e ra n ia d o S e n h o r
so b re to d a situação, até o ápice escato ló g ico e in cluind o -o . C ad a situ ação his-
tó rica c o n fro n ta o p o v o d o S e n h o r co m as m esm as q u estõ es, q u e alcan çarão
a ex p ressão m áxim a n o ú ltim o dia. P o r co n seg u in te, a fé q u e co n fia em um
D e u s so b e ra n o e g ra c io so é o ú n ico c u rso p rá tic o para a vida ag o ra, d a m esm a
m an eira q u e (e p o rq u e) será o ú n ico c u rso salvífico então.
305 ISAÍAS 28.1-6

1. A única fundação (28.1-29)


A d escrição m ais exata d o g ê n e ro literário d essa passag em é “ p ro sa rítm i-
ca” . R ítm ica, co m certeza, ela é, m as n ã o p a re c e aju d ar q u a isq u e r das fo rm as
p oéticas regulares.1 P o ssiv elm en te te m o s um a base p o é tic a o riginal c o n sistin d o
de p o e m a s escrito s p o r Isaías ligados aos ú ltim o s dias d o R eino d o N o rte (1-6)
e so b re J u d á na é p o c a cm q u e estava se n d o n e g o c ia d a a aliança egípcia (7-22).
E sses fo ram e n tã o re m o d e la d o s c o m ajustes, o m issõ e s (a seção d o m eio per-
tence claram en te aos dias da aliança, m as o E g ito n ã o é m e n c io n a d o em ne-
n h u m lugar) e adições p ara ajustá-los ao p re se n te c o n te x to , em q u e o p ro p ó sito
n ão é ta n to c o m e n ta r a h istó ria q u a n to o fe re c er um a rg u m e n to para o cam in h o
da fé. E m to d o caso, a seção c o m eça (1-6) e te rm in a (23-29) co m d u p las ilus-
trações extraídas da n a tu re z a e d a agricultura. E n tre as d u as está um a m ed itação
em o ito p a rte s ig u alm en te ab ra n g e n te s so b re c o m o os líderes d e Je ru sa lé m re-
cusaram a palavra d e co n v ite e h e rd a ra m a palavra d e ira (7-22):

A 1 Eifraim: u m fim e u m c o m e ç o (1-6)


a1 A c o ro a m urcha: a e n c h e n te (1-3)
a2 A c o ro a m urcha: o p rim e iro figo m a d u ro (4)
a3 A c o ro a verdadeira: o S e n h o r c o n fe re “ ju lg a m e n to ” (5,6)
B Sem co n fian ça, sem seg u ran ça (7-22)
In tro d u ç ã o : u m paralelo sin istro (7,8)
b A palavra inescapável (9-13)
b1 A palavra sim ples d e sp re z a d a (9,10)
b2 ( ) sim ples su b stitu íd o p e lo ininteligível (11,12)
b3 A palavra im p o sta (13)
c A segurança q u e falhou (14-19)
c1 A segurança esco lh id a (14,15)
c2 A verdadeira segurança e sua alternativa (16,17)
c3 A seg u ran ça fracassad a (18,19)
C on clu são : u m a o b ra estra n h a (20-22)
Λ 2 A v erdadeira d escrim in ação n o se m e a r c n a colh eita (23-29)
a1 O tra b a lh o d e sem ear: o S e n h o r en sin a “ ju lg a m e n to ” (23-26)
a2 ( ) tra b a lh o d e colher: o S en h o r, a fo n te d e sab ed o ria (27-29)

1 Veja Watts para um a corajosa tentativa dc elucidar linha a linha o exame crítico desse ca-
pítulo. C om pare com os resultados m uito mais relevantes que J. C. Exum conseguiu por
meio de cuidadosa análise retórica (“A Literary approach to Isaiah28”, A rt and Meaning.
Rhetoric in Biblical literature, cd. D. |. Clines et a¡., /SOTS, 19 [1982], p. 108-139).
O LIV RO DO REI 306

a. Efraim: um fim e um com eço (28.1-6)


Λ colina d e S am aria (IR s 16.24), co m suas v inh as n o p lan alto e vales fér-
teis, é vista c o m o u m a c o ro a c e leb ran te cujo te m p o tem tu d o , m as a c a b o u (1).
O S e n h o r te m em m ã o s u m in im ig o irresistível (2,3) e Sam aria será d e v o ra d a
co m a m esm a vivacidade e d e sa te n ç ã o c o n fo rm e u m p a ssa n te a p a n h a e co m e
o p rim e iro figo m a d u ro (4). M as ainda está para alv o recer u m dia m e lh o r (5,6)
em q u e o S e n h o r será a v erd ad eira c o ro a de seu p o v o , e a cid ad e deles será
inexpugnável.
1 A i (hôy )é u m a palavra d e co n v o c a ç ão (55.1), e m o ç ã o (“ a h ” ; 1.24) e sim -
patia (lR s 13.30). E possível que, d o c o m e ç o ao fim d essa série atual d e seis
“ ai” (29.1,15; 30.1; 31.1; 33.1), a ideia d e c o n v o c a r ao trib u n al de ju lg am en to
(cf. o s seis “ ai” [m esm a palavra] de 5.8ss., a co lh eita de uvas feias). A id e n tid a d e
d o n ú m e ro aqui indica q u e a co lh eita ru im co n tin u a. S o b re a coroa (“ g u irla n d a ” ,
“g rin ald a”) veja o p a rá g ra fo in tro d u tó rio im e d ia ta m e n te acim a. Λ acu sação n ã o
é d irc ta m e n te d a d ev assid ão pela qual Sam aria era c o n h e c id a (A m 4.1; 6.6; cf.
Je ru sa lé m , 5.11,12,22), m as d o orgulho (lit. “ c o ro a d e so b e rb a d e ”) q u e os levou
à orgia c o m p la c e n te (A m 6.1-7). O te rm o m urcha indica q u e o g ru p o está q u ase
acabado! A frase nos altos de um valefé rtil, orgulho dos é um a créscim o d a N V I, n ão
está n o T M .1 D ev ia h av er u m a parad a c o m p le ta d e p o is d e vale, e a e x p re ssã o
dom inados pelo vinho devia ser tra ta d a c o m o um a exclam ação d e d esg o sto . O or-
g u lh o é o p e c a d o m ais p ro fu n d o , m as a dev assid ão ta m b é m é culpável.
2 A palavra Senhor Ç“dõnãy) en fatiza a so b eran ia d e D e u s (cf. 6.1). Isaías, em
vez d o a m b íg u o alguém que é, p o d ia te r m e n c io n a d o a A ssíria c o m o o p o d e r q u e
d e stru iría S am aria, m as ele, n o s c a p ítu lo s 28— 29 (veja acim a), está p re o c u p a d o
co m os p rin cíp io s in c o rp o ra d o s n o s ev en to s, n ã o co m os agentes. P o r c o n se -
gu inte, e n c o n tra m o s aqui a ex p ressão id io m ática d e in d e te rm in a b ilid a d e p o r
causa d a ênfase. O S e n h o r se m p re tem algum p o d e r m ais q u e a d e q u a d o a sua
dispo sição. O esp írito de Sam aria é u m a a fro n ta a ele, e ele re sp o n d e rá so b era-
n a m e n te a isso. O te rm o poderoso (hã zã q ) é p o d e r em relação à tarefa a ser feita
(cf. Ê x 10.19; Is 27.1); forte Çammis) é o p o d e r re sid e n te n o a g en te (cf. 40.26;
A m 2.16). A s “ forças d a n a tu re z a ” (chuva de granido, vento destruidor, violento agua-
cetro) são, c o m o sem p re, o s e le m e n to s em u m a teo fan ia, tem as d a ação divina
d ireta (cf. vv. 15,17,18; 8.7,8). A frase H le [...] lançará (ou seja, o S en h o r) é um a
e x p ressão p ro fé tic a p erfeita significando “ d e te rm in a d o s p o r ” . A e x p re ssã o com
força é (lit.) “ pela m ã o ” , c o m a m ã o c o m o o ó rg ã o d a ação c da fo rça pessoais.
3 O versículo 2 te rm in a co m a e x p re ssã o “ co m a m ã o ” (TB), o versícu lo 3
c o m eça co m “ aos p é s ” (TB). E ssa associação d e d ife re n te s asp e c to s d e inter-

' F.m vez de “vale fértil” etc., G. R. Driver (“A nother little drink— Isaiah 28:1-22”, Words
and Meanings, ed. P. R. Ackroyd |CUP, 1968], p. 47-67) sugere, com alteração minima,
“aqueles rios com ungüentos”, depois do que “dom inados” etc. c uma segunda descrição.
307 ISAÍAS 2 8 .1 6 ‫־‬

ferência pessoal su g ere “ p o r to d o tip o de d e stru iç ã o ” , “ p o r to d o s os m eios


d isp o n ív eis” . As palavras coroa, orgulhosa e bêbados ec o a m o versícu lo l . 1
4 C o m a e x p re ssã o como figo m aduro antes da colheita/ “ c o m o o figo” , Isaías
re c o rre a algo fam iliar. O h eb ra ic o flui ra p id a m e n te c o m o p ara su g erir q u e “ tão
logo é a v istad o é c o m id o ” , c o m o se a p e sso a em referên cia dificilm en te tivesse
con sciência d o q u e tin h a feito. Sam aria está tão m a d u ra para ser co lhida, tão
d estin ad a ao d e sp a re c im e n to total! O b se rv e c o m o os versícu lo s 3 e 4 re p e te m
as acusaçõ es, resp ectiv am en te, de o rg u lh o e d e dev assid ão d o versícu lo 1. São
p recisam en te esses te rm o s q u e re p re se n ta m o s sujeito s d ig n o s d e ju lg am en to
divino e q u e ficam im p o te n te s q u a n d o este vem . S o b re as sin istras n u an ces de
come c o m p a re c o m o c o m e n tá rio so b re 3.12; 25.7,8.
5 ,6 D e litz sc h in titu la esses versículos de “ a fim b ria d a e sp e ra n ç a ” . Isaías,
c o m o d e c o stu m e , in tro d u z a esp e ra n ç a c o m o um a su rp resa. S o b re naquele dia,
c o m p are co m 24.21. T ã o lo g o q u a n to se an u n cia o dia de se r e n g o lid o (4), e o
dia d o s n o v o s inícios assu m e o co n tro le . E n tã o isto ta m b é m é v erdade: e m b o ra
o S e n h o r traga p u n ição , ele n u n c a volta atrás em sua p ro m e ssa de p reserv ar
seu povo. A palavra diadem a foi trad u zid a (de fo rm a c o m p e te n te ) p o r coroa n o
versículo 1 e ta m b é m devia ser trad u zid a assim aqui. D iadem a é u m a palavra
distinta (ffiirã h ) significando “g rin a ld a ” , “g u irla n d a ” .1
2 O s adjetivos “g lo rio sa”
e “ b e lo ” são re p e tid o s d o versículo 1, o u seja, a su b stitu iç ã o d o falso p elo ver-
dadeiro, d o e fê m e ro p elo durável, d o h u m a n o p elo divino. E um a m arca d o
po v o d o dia m essiân ico em q u e eles v eem o p ró p rio S e n h o r c o m o o v erd ad eiro
a d o rn o deles. A lém disso, o S e n h o r está ativ am en te p re se n te p a ra criar um a
sociedade v erd ad eira e segura, to rn a n d o -se ele m e sm o “ u m esp írito d e justiça
para aq uele q u e se assen ta para julgar, e fo rça p a ra o s q u e fazem re c u a r o ataq u e
na p o r ta ” . O “ e sp írito de ju stiça” é m ais q u e u m c o n c e ito re strito d e ju stiça . E
“u m ju lg a m e n to c o rre to em to d a s as co isas” ,3 u m a q u alid ad e v e rd ad eiram en te
real. A e x p re ssã o assenta p a ra ju lg ar (cf. SI 122.5) é u m a su g estão d a restau ração
davídica, c o m o em 1.26. O s p ro fe ta s n u n c a ch eg aram a u m a c o rd o q u a n to à
nação dividida (cf. lR s 18.31; A m 9.11). A frase na po rta p o d e ría se r “ à p o rta ” ,
a p rim eira e x p re ssa n d o defesa inexpugnável; e a seg u n d a, o p o d e r d e c o n q u ista
c o n tra a p o rta d o inim igo (a p o rta sim b o liza a e stru tu ra d e d efesa d a cidade). A
prim eira reflete o tem a da “ cidade fo rte ” d e 26.1.

1 A expressão será pisoteada (teràmasnâ) está na terceira pessoa do fem inino (com enfático
-nâ); cf. )7. 5.26; O b 13. Veja Driver, “A nother little drink” , p. 50.
2 Em F.7 7.7,10 ocorre a palavra s'pirá com o sentido de algo com o “m aldição” .
3 Tirado da oração para o dom ingo de Pcntccoste no livro de O ração C om um (1662) da
Igreja da Inglaterra.
O LIVRO D O REI 308

b. Sem confiança, sem segurança (28.7-22)


O c ern e d o “ ai” inicial está c o n tid o n essa m ed itação de o ito p a rte s so b re
os líderes d e Je ru sa lé m (veja o e sb o ç o acim a). A d ev assid ão d a b e b e d e ira deles
(7,8) fo rn e c e a Isaías um p o n to inicial de c o m p a ra ç ão co m S am aria, m as o agra-
v am en to d a acusação (c o rre sp o n d e n d o ao “ o rg u lh o ” in d efin id o d e Sam aria, v.
1) é sua recusa d a palavra d o S en h o r, a “ m e n sa g e m ” (9,19) q u e Isaías trouxe.
A atitu d e deles é d e sc rita c o m o de z o m b aria (14) e e scárn io (22 [TB] em q u e
0 m e sm o v e rb o está envolvido). A palavra (veja abaixo) ex p ressa u m estág io
av ançad o de te ísm o p rático : o m u n d o tem de ser g o v e rn a d o p e lo se n so h u m a-
n o c o m u m — o q u e D e u s teria d e ver co m isso? A isso, Isaías re sp o n d e (9-13)
q u e a exp eriência p ro v a rá q u e n ã o se p o d e escap ar d essa p alav ra d e sp re z a d a e
q u e se a fastar d o c a m in h o d a fé é ab raçar a m o rte (14-19). E ssa seção essencial
te rm in a (20-22) co m u m a reafirm ação d a in cap acid ad e h u m a n a d e alcan çar
u m a vida satisfató ria (20) e c o m um ap elo final aos g o v e rn a n te s fu n d a m e n ta d o
em d e te rm in a d a s re trib u iç õ e s divinas (21,22).

Introdução (28.7,8)
Será q u e Isaías foi u m a te ste m u n h a o cu lar d essa cena? E le n ã o diz isso,
m as seria fácil escrev er um cen ário para um b a n q u e te de lideran ça c e le b ra n d o a
volta d o s em b aix ad o res d o E g ito (cf. 30.1-7), segu ros d o a c o rd o q u e assin aram
(14,15), co m Isaías se in tro m e te n d o c o m o um o b s e rv a d o r d e sc o n te n te . E le
vê a ind ulg ência deles c o m o p e sso a lm e n te trágico. E les estão desorientados/ “ se
d e se n c a m in h a m ” (cf. 3.12), o u seja, o q u e eles en g o lem está, na realidade, en-
g o lin d o -o s, c o m o aco n te c e se m p re na h istó ria secreta d a in d u lg ên cia c o rp o ra l.1
Isso ta m b é m é e sp iritu a lm e n te d esastro so . O p ro fe ta era o veículo d a revelação
im ediata (visões) / o sa c e rd o te dá “ ju ízo ” (A RC), a ap licação da lei aos in d iv íd u o s
e às situ ações (veredicto; cf. Ml 2.5-7). N o e n ta n to , eles, n essa fu n ção , cambaleiam
e tropeçam, eles são n o m in istério o q u e são em sua vid a p articular. C o m p a re
co m c o m e n tá rio so b re 5.8-23 (em especial vv. 11,12,22,23), p o is a insistência
de Isaías d e q u e a in d u lg ên cia co m o c o rp o c o n so m e a p e rc e p ç ã o espiritual. A
coisa to d a é d e g ra d a n te , c o m o m o stra o versículo 8.

A palavra da qual não se pode escapar (28.9-13)


As três su b seçõ es aqui (9 -1 0 ,1 1 -1 2 , 13) são u nidas pelo v o cab u lário idên-
tico n o s versículos 10 e 13 e pela ligação e n tre s os versículos 10 e 11. N o he-
braico, a m esm a palavra (Id) inicia cada versículo, e sua força aqui é b e m c ap tad a
pela N V I co m as ex p ressõ es poise pois bem. (4 im p u lso é claro: a p alav ra d a g raça
q u a n d o rejeitada se to rn a a palavra de co n d en ação . 12

1 D riv e r (“A n o t h e r little d r in k ” ) a c h a s e n tid o s m u itís s im o d is tin to s p a ra as p a la v ra s d o s


v e rsíc u lo s 7 ,8 c o m o f u n d a m e n to d e q u e as m e tá fo ra s e s tã o e s tr a n h a m e n te m is tu ra d a s.
2 A p a la v ra r õ 'e h s e m p r e sig n ific a “ v id e n te ” c m o u tr a s p a s s a g e n s e só a q u i, “ v is ã o ” .
309 ISAÍAS 2 8 - 7 2 2 ‫־‬

9,10 Será q u e os celeb ran tes p e rc e b e ra m d e re p e n te o p ro fe ta o b se rv a n d o


e o atacaram c o m zo m b aria? I ‫'׳‬.m to d o caso, Isaías está o b v ia m e n te relem b ran -
do críticas dirigidas c o n tra seu m in istério e, em p articular, c o n tra a sim plicidade
do c o n te ú d o (9) e da ex p ressão (10) de seu m inistério. A frase ele está tentando
ensinar é (lit.) “ ele está e n sin a n d o c o n h e c im e n to ” . H provável q u e o te rm o men-
sagem seja u sa d o aqui, c o m o em 53.1, n o se n tid o e stre ito d e u m a m en sag em
profética d e D eu s. O s sacerd o tes e os p ro fe ta s so fisticad o s e m u n d a n o s d o
versículo 7 d e sc a rta m , d esse m o d o , o p e n sa m e n to de q u e alguém p o ssa acres-
centar algo às in fo rm a ç õ e s q u e têm so b re as coisas de D e u s o u ser o p ro fes-
sor deles n esses assu n to s, e m e n o s ainda alguém cu jo e n sin a m e n to lhes parece
tão e le m e n ta r c o m o m e ro m aterial d e b rin cad eira, a d e q u a d o p ara aqueles n o
prim eiro estágio d e ap ren d izad o , a crianças desmam adas. Para a relevância d essa
sim plicidade in sisten te n o m in istério de Isaías veja c o m e n tá rio so b re 6.9ss. O
hebraico das ex p ressõ es ordem sobre ordem e regra e m ais regra é, resp ectiv am en te,
e qãw . A p rim eira p o d e o c o rre r em O seias 5.11 (veja a RV e cf. a N V I), m as
é um a fo rm a ç ã o d e su b sta n tiv o o b v ia m e n te possível c o m o se n tid o d e “ or-
dem ” . A ú ltim a é b e m d e te rm in a d a c o m o “ fio” (lR s 7.23), e n te n d id a pela N V I
no se n tid o d e “ reg ra” , q u e n ã o é ex em plificada em o u tra s passagens. C o n tu d o ,
o sen tid o é ad eq u ad o , refletin d o a paciência de um p ro fe s s o r d esen v o lv en d o
pouco a p o u c o o c o n h e c im e n to d o aluno, o b s e rv a n d o os p o n to s de crescim en -
to e ac re sc en ta d o um pouco aqui, um pouco ali. E les zo m b a v a m ex atam en te d o
que Isaías alm ejava alcançar e q u e é o o b jetiv o m ais valioso d o p re g a d o r e d o
professor: c a p tu ra r e c o m p a rtilh a r a sim plicidade essencial da v erd ad e revelada,
e m p e n h a n d o -se na edificação sistem ática. E possível q u e a in te n ç ã o da rim a
hebraica aqui seja apenas para sim ular um a m istu ra d e so n s, b a ru lh o s feitos
para um b e b e z in h o .1 E sse s a ch ad o s a p o ia d o s em 18.2,7 em q u e (lit.) “ u m a na-
ção de qãw q ã w ’ é c o rre ta m e n te in te rp re ta d o c o m o um a /... / nação de fa la estranha
e, é claro, re fo rça a acusação d o s críticos de Isaías d e q u e o e n sin a m e n to d este é
para criancinhas. T a m b é m c o n d u z d e fo rm a ad eq u ad a ao v ersículo 11.
11,12 Se d e rm o s c o n tin u id a d e à ideia de q u e Isaías e n tro u sem ser co n v id a-
do n o b a n q u e te de celeb ração d o s líderes, e n tã o te m o s aqui seu s p e n sa m e n to s
en qu anto eles z o m b av am de sua receita sim ples para a seg u ran ça nacional. Sua
expressão p o is bem (Ia) cap ta o d e sd e n h o so p o is (Ui; v. 10) deles, e n q u a n to Isaías
prevê as “ m e n sa g e n s” q u e eles o u v iríam (11) e a c o n tra sta co m a m ensagem
simples q u e eles rejeitaram (12). A frase com lábios trôpegos e língua estranha é (lit.)
“com g a g u e ira /lá b io s b alb u cian tes e co m u m a lín g u a /lin g u a g e m d ife re n te ” .
Q u an d o a sim ples inteligibilidade da palavra de D e u s é recu sad a, o ju lg am en to
divino é a p re se n ta d o na fo rm a n ã o inteligível (cf. lC o 14.20ss.). Isaías, co m sua
ênfase n o descan so , está le m b ra n d o os líderes da nação (7) d e sua o b rig ação

D riv e r (“A n o th e r little d r in k ” ), p. 53s.


O LIVRO DO REI 310

de d a r o ex em p lo e de m in istrar, o ex em p lo de e n tra r eles m e sm o s n o lugar de


descanso e en c o ra ja r os o u tro s a fazer o m esm o. A ideia d e e n tra r em re p o u s o
é explicada em 30.15 c o m o “ n o d e sc a n so [...] n a q u ie tu d e [...] co n fia n ç a ” ; é a
m en sag em p re g a d a para A caz em 7.4,9. C o n fia r n o S e n h o r n ã o é a p en as u m
exercício in te rio r d a alm a n a calm a d o d o m in g o , m as u m d e sc a n so d a alm a ñas
d u ras p re ssõ e s d a seg unda-feira. D e fo rm a m ais im ediata, o lugar de descanso é a
p e d ra q u e o S e n h o r c o lo c o u n o Sião (16), o fe re c e n d o u m firm e alicerce p ara
a co n fian ça. E le faz p ro m e ssa s; seu p o v o é ch a m a d o a confiar. P ara c o n tra sta r
co m o frenesi d o e x p e d ie n te p o lítico e d a a u to c o n fia n ç a h u m a n a (30.1-7), aqui
estão o d e sc a n so e o re p o u so . A ex p ressão não quiseram é (lit.) “ n ã o estav am
d isp o sto s a” .1
13 E sse versículo concluía a série d e três su b seçõ es c o m e ç a n d o n o versícu-
lo 9 fo rm a n d o um inclusio [criar um a e s tru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início
e n o final d e u m a seção] c o m as palavras ordem sobre ordem etc. (veja v. 10). Isaías
re p e te a rim a delas, m as ag o ra é o b alb u ciar d o s estran g eiro s, e m p u rra d o s a eles
pela invasão, te rm in a n d o cm cativeiro. N ã o é p o ssív el esc a p a r d a p alav ra de
D e u s d e p o is d e ela ser p ro ferid a. E les esco lh eram n ã o d a r a te n ç ã o a ela (12d),
e ag o ra eles tê m de sa ir e seguir o c a m in h o q u e esco lh eram . O p o d e r e m q u e
esc o lh e ra m c o n fia r será d e sp e d a ç a d o e eles te rm in a rã o presos no laço, sem espe-
ran ça d e escapar, e se rã o capturados.

A segurança que falhou (28.14-19)


U m seg u n d o c o n ju n to d e três su b se ç õ e s tira c o n clu sõ es d o p rim eiro . E les,
ao recu sar o v erd ad eiro lugar de descan so , d e sc o b rirã o q u e n ã o h á o u tra g aran -
tia. O v o cab u lário em c o m u m liga as d u as seções: portanto, p o r isso (lã ken ; 14,16);
pacto, morte, sepultura, acordo; a calamidade destruidora (15,18), destruidora, inundarão
(lit. “ e sm ag ar” ; 15,17,18); ficem os, temos ()sim ; 15,17); m entira, refúgio, esconderijo
(15,17). N o versículo 19, a frase a compreensão desta mensagem (hãbin s'm ü (â) fo rm a
um inclusio [criar u m a e s tru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final de
u m a seção] co m explicando a sua mensagem (yãbin s 'm u d) n o v ersícu lo 9, fo rm a n -
d o u m p a rê n te se d o s do is c o n ju n to s de su b seçõ es (veja o esb o ço ).
14,15 Q u a l é de fa to a segurança q u e eles esco lh eram ? N a d a além d e as-
sinar sua p ró p ria sen ten ça de m orte! Isaías n ão está c ita n d o as palavras deles,
pois q u e m se vangloriaria d e te r feito um pacto com a morte‫ ;■־‬C o n se g u im o s im agi-
n a r os env iad o s (30.1-7) v o lta n d o triu n fa n te s, sa c u d in d o seu p e d a ç o d e papel
(p ro clam an d o : “ Paz em n o sso te m p o ” ?), a n u n c ia n d o sua aliança co m o E gito.
Isaías n ã o m e n c io n a n o m e s, ele está p re o c u p a d o c o m o p rin cíp io d o q u e eles

1 “ N ã o q u is e ra m o u v ir ” é lô ' 'ã b ú ' s‘’m ô a '. O u s o d o in fin itiv o se m o p re fix o l' g e n e ra liz a a
d e c la ra ç ã o : eles n ã o s ó n ã o e s ta v a m d is p o s to s a o u v ir n e s s a o c a s iã o o u a e ssa m e n s a g e m ,
m a s e sta v a m a b s o lu ta m e n te se m v o n ta d e d e o u v ir alg o, d e s o b e d iê n c ia p u ra .
311 ISAÍAS 2 8 . 7 2 2 ‫־‬

fizeram . E les fizeram um p a c to para sua p ró p ria m orte! F o ra d a co n fian ça n o


S e n h o r e d e suas p ro m essas, só h á a m o rte ; n ã o existe n e n h u m a salvação alter-
nativa.
14 te rm o m b adores (·J íis) é um te rm o d a literatu ra d e sab ed o ria para
alguém q u e foi m u ito longe em te rm o s d o cin ism o espiritual, d o sen tir-se m ui-
to seg u ro de si (Pv 1.22), d o estar além de c o rre ç ã o (P v 13.1), d a arro g ân cia
(Pv 21.24) e d o d e sd é m pelas realidades espirituais (SI 1.1; P v 14.9). A palavra
Jerusalém faz um c o n tra ste delib erad o ; eles vivem c o m o ^ ombadores na p ró p ria
cidade d a fé!
15 C) se n tid o literal da frase vocês se vangloriam é “ p o is /p o r q u e v ocê d iz” .
A sepultura Çsrijf) n ã o é o lu g ar de se p u lta m e n to , m as a m o ra d ia d a alm a ap ó s a
m o rte. A calamidade destruidora é u m a m e tá fo ra g lo rio sa m e n te m istu ra d a ta n to
de a ç o ita m e n to q u a n to de afo g a m e n to . A referên cia, sem d ú v id a, é à invasão
assíria (veja a m e tá fo ra d e 8.6-8). E les p o d e ría m te r falado claram en te: “ Q u a n -
do a A ssíria invadir, ela n ã o n o s to c a rá ” . Isaías ex p ô s o e le m e n to sim plista na
previsão deles. E les (que o acusavam de se r sim plista! w . 9,10) su b estim am
to ta lm e n te o q u e está para aco n tecer. P o d em escap ar ao aço ite o u so b rev iv er à
in u ndação, m as aos dois ju n to s? Se fo r possível fo rç a r um a d istin ção e n tre men-
tira e falsida de , a p rim eira ( kãzãb ; p o r exem plo, 58.11) é en g a n o sa em c o n tra ste
com o confiável, e m b o ra a últim a Çseqer; p o r exem plo, 2R s 9.12) é a in v erd ad e
cm c o n tra ste co m a verdade. O nosso refúgio é (lit.) “ de falsidade n o s c o b rim o s” .
16,17 A v erd ad eira seg u ran ça [alicerce seguro), q u e eles recu saram , e a fo rm a
sim ples d e c o n fia r q u e é seu re su lta d o (16) são c o n tra sta d o s co m a fragilidade
e su p re m a inutilidade das alternativas h u m a n a s (17).
16 () p o r isso (lãkên ) inicial recapitula o portanto d o versícu lo 14. A afirm a-
ção ali da palavra do Senhor é ap rim o ra d a aqui pela ên fase n a so b eran ia dele. A
ex p ressão eis que ponho casa o p ro n o m e na p rim eira p esso a (eu) co m o v erb o
na terceira p e sso a (“ sou aquele q u e p õ e ”) ,1 c h a m a n d o assim a a ten ção para
0 ag en te divino. E m Sião um a pedra p o d e ría ser “ u m a p ed ra, a saber, Sião” .12 O
ú ltim o h a rm o n iz a b e m o fo c o d e Isaías na cidade c o m o o c e n tro d o s p ro p ó -
sitos d iv in o s (2.2-4; cf. SI 87). A cidade in c o rp o ra to d as as p ro m e ssa s reais e,
p o r c o n se g u in te , c o n v o ca seus h ab itan tes à fé. A pedra , é claro, p o d ia se referir
ao S e n h o r m e sm o (8.14) c o m o o g ra n d e re sid en te de Sião, c o n v id a n d o seus
cid adãos a c o n fia r nele para to m a r c o n ta d a cidad e na qual esco lh eu m orar.
O u m ais u m a vez (cf. SI 2.6; 118.22), a p e d ra p o d e ser a m o n a rq u ia davídica
c o m o a p o rta d o ra fo rm al das p ro m e ssa s.3M as o c e rn e d a q u e stã o co n tin u a o

1 P a ra e s s e u s o d e o r a ç ã o re la tiv a e n fá tic a veja 2 9 .1 4 ; 38.5 ; 4 7 .8 ; 54.1.


2 E n te n d e n d o If s iy õ n c o m o B eth essentiae, veja G K C p. 1 19i.
3 N a é p o c a d e Z c 3 .9 , a “ p e d r a ” e ra u m s ím b o lo m e s siâ n ic o , u m d e s e n v o lv im e n to q u e
p o d e te r u d o e ssa p a s s a g e m c o m o p o n t o d e p a rtid a . V eja ta m b é m SI 118.22.
O LIVRO D O REI 312

m esm o : as p ro m e ssa s fo ram feitas e o p o v o foi c o n v o c a d o a confiar. U m a pedra


j á experim entada/ “ u m a p e d ra d e te ste ” o u é u m a p e d ra “ q u e p a sso u p o r te ste s”
o u “ q u e im p õ e testes ao o fe re c e r a o p o rtu n id a d e ” q u e r para c o n s tru ir so b re ela
q u e r p a ra se v o lta r para o u tro alicerce. O te rm o preciosa re p re se n ta o v alo r in-
trín se c o dela, o privilégio d o c a m in h o da fé. O alicerce seguro é “ fu n d a ç ã o (bem )
alicerçad a” . O b se rv e a ên fase d o c o m e ç o ao fim n o “ alicerce” ; a s u p e re stru tu ra
ainda n ã o está ali (veja lP e 2.4-8a).
Isso en fatiza o c h a m a d o à fé n o S e n h o r q u a n d o ele declara q u e co m p le-
to u a s u b e stru tu ra , aquela q u e está fora d a vista, d eb aix o d a terra. E les dev em
c o n fia r nele e c re r q u e o fu n d a m e n to está ali. E n c o n tra m o s a frase ja m a is será
abalado (jh ü s) o c o rre v in te vezes em o u tra s passag en s de Isaías, se m p re co m
0 se n tid o d e “ a p re ssa d o ” . A qui ela significa “ c o rre n d o aqui e ali” (c o m o os
em b aix ad o res c o rre n d o para o E g ito ), to d o a p re ssa d o e c o n fu s o (m esm o “ es-
ta n d o em um tu m u lto ” ; cf. 7.2) em c o n tra ste co m o descanso e repouso (12; cf. 7.4;
30.15) q u e p o d ia m te r d e sfru ta d o .1
17 A frase “ e ” (ARC) fa re i ad o ta a “ p o rq u a n to ” (ARC) file m o s (15). As
palavras j u f o e ju stiç a d escrev em a q u alidade da vida q u e o S e n h o r deseja em
seu p o v o c re n te e p ara a qual aplicará a linha de m edir e seu fio de prum o (os testes
de exatid ão h o riz o n ta l e vertical) o u , de o u tra fo rm a , elas d escrev em c o m o o
S e n h o r agirá n o ju lg a m e n to c o n tra os z o m b a d o re s. E sse s d o is se n tid o s são
o b v ia m e n te co m p le m e n ta res. S o b r e ju i '%0 e ju stiça veja 1.21. O granido e as águas
são forças da n a tu re z a sim b o liz a n d o a ação teo fân ica (cf. v. 2). E sse s são a p en as
u m d o s c o m p o n e n te s d a m e tá fo ra so b re a “ calam idad e d e stru id o ra ” d o versí-
cu lo 15, m as é suficiente p ara d e v a sta r a su p o sta seg u ran ça d o povo. A linha de
m edir c qãw , c o m o n o s versículos 10 e 13.
18,19 A subseção final é um a co n trad ição p o n to a p o n to d o o rg u lh o co n -
fiante deles. O s a co rd o s assinados p o r eles provaram ser sem sen tid o (cf. vv. 18ab
e 15a-f); a vangloria de im unidade será exposta c o m o vazia, d e dia e d e n o ite (cf.
vv. 18cd,19a-c e 15cd). E les zo m b aram d a m ensagem d e d escan so e, ao fazer isso,
abraçaram um a m ensagem de te rro r (cf. vv. 19ef e 9). A frase serão arrastados p o r
ela é (lit.) “ um lugar para ela piso tear” (m irm ãs ; cf. 5.5). A m etáfo ra de calam idade
e d estruição é acrescentada essa d e b esta saqueadora. A palavra vir (V ãhar) foi
traduzida p o r atingirá e varrerá nos versículos 15 e 18 e exige a m esm a trad u ção
aqui a fim d e m a n te r o tem a. E u m v erb o de “ P áscoa” (E x 12.12) u sad o agora em
um a so m b ria reversão de im p o rtân cia e significado (cf. A m 8.2).

Conclusão: uma obra estranha (28.20-22)


A in tro d u ç ã o (vv. 7,8) su g ere um a questão. H avia u m su g estiv o paralelo
e n tre Sam aria e Jeru salém . Sam aria estava c o n d e n a d a . F. q u a n to a Jerusalém ?

1 D riv e r (“A n o th e r litth e d r in k ” , p. 60) p r o p õ e u m c o g n a to a c a d ia n o , “ e s ta r a g ita d o ” e u m


c o g n a to á ra b e “ e s ta r d e s n o r t e a d o ” .
313 ISAÍAS 2 8 . 7 2 2 ‫־‬

A q u e stã o é deixada clara pelas seções in terv en ien tes: a p alav ra d a qual n ão
se p o d e esc a p a r (9-13) e a rejeição da segurança (14-19). A ssim , so m o s pre-
p arad o s p a ra a co n c lu sã o de q u e o S e n h o r d e te rm in o u u m cu rso estranhio / e
misterios[ 0] d e ação decisiva (21,22cd). A inda assim há e sp a ç o p a ra u m ap elo aos
z o m b a d o re s (22ab).
20 O porque (A RC) inicial in tro d u z esse versículo c o m o ex p licação d o ver-
sículo 19. P a rte d o te rro r da m en sag em será a ex p o sição d a in ad eq u ação d o
esfo rço deles n a b u sca d e segurança. A m e tá fo ra d a cama reflete d e m o d o sar-
cástico a recusa d o lugar de repouso d o versículo 12. E les fizeram a p ró p ria cam a
e ag ora têm de se d e ita r nela, m as apenas p a ra d e sc o b rir q u e, caso se estiquem
na cam a, ela é c u rta dem ais, c caso se e n c o lh a m , o c o b e rto r é e stre ito dem ais!
Cobrir-se é “ q u a n d o a p e sso a se e n c o lh e ” .
21 E sse versícu lo ta m b é m co m e ç a co m “ p o rq u e ” (A R C ), acre sc en ta n d o
um se g u n d o m o tiv o p ara o te rro r d o versículo 19:1 a im p re ssio n a n te realidade
da h o stilid ad e divina. N a frase 0 Senhor se levantará o v e rb o yãqíim reflete será
anulado (10'tàqâm , “ n ã o lev an tará [em c u m p rim e n to ]”) n o v ersícu lo 18. N a d a
se levanta p a ra n o ssa d efesa se o S e n h o r se levanta c o n tra nós. O c o n te x to da
referência ao m onte Peraqjm é 2Sam uel 5.17-20, e a d o vale de Gibeom é 2Sam uel
5.22ss. (cf. l C r 14.16).12 ( ) S en h o r, o u tro ra , o rg a n iz o u os triu n fo s davídicos os
quais fo ra m um p o n to de p a rtid a para a seguran ça n acio n al e a fu n d ação de
Sião c o m o a capital nacional (2Sm 6), m as aqueles q u e ag o ra rejeitam o fun-
d am e n to davídico-S iào das p ro m e ssa s divinas d e sc o b rirá q u e sua p o rç ã o é, na
m esm a escala, a ira, de fato u m a obra m uito estranha e m isteriosa.
22 A palavra sçombaria (tí/ϊ.ν) é a m esm a d o versículo 14, m as aqui ela sig-
nifica “ m o s tra n d o a si m e sm o s c o m o se n d o os z o m b a d o re s ” ; o se n tid o de
hithpoel in d o além d o a to exterior, in d o ao c a rá te r d a pesso a. A frase se não, as
suas correntes ficarão m aispesadas é “ p ara q u e suas c o rre n te s n ã o fiq u em p e sa d a s” .
A ação delib erad a d e te rm in a o ca rá te r e o p o n to d o qual n ã o h á volta, o p o n to
da escravidão. A destruição p o r vir é “ o S e n h o r ] ‘“dõnc1y \ , o S e n h o r d o s E x ército s
[o D e u s T o d o -P o d e ro so ; N T L H ], falo u -m e da d e stru iç ã o d e c re ta d a c o n tra o
territó rio in te iro ” . O ch a m a d o d e Isaías à m u d a n ç a é fu n d a m e n ta d o n o q u e ele
sabe q u e está p o r vir (ele o u v iu isso d o S enhor); o p ro fe ta d e fe n d e o arrep en -
d im e n to n ã o p o rq u e o a rre p e n d im e n to im p ed irá isso (isso é d efinitivo), m as
p o rq u e n ã o h á o u tra fo rm a de se prep arar. A única fo rm a d e fugir d e D eu s é
fugir para ele.

1 O “ p o r q u e ” inicial p o d e s e r ig u a lm e n te u m a e x p lic a ç ã o d o v e rsíc u lo 20 , o u seja, e x p e-


d ie n te s h u m a n o s n ã o o b tê m s u c e s s o e m ta c e d a h o s tilid a d e d iv in a .
2 A r e tr o r r e f e r ê n c ia m ais ó b v ia a Gibeom é J s 1 0 .6 -1 3 , f a z e n d o u m c o n tr a s te n ítid o e n tr e a
o b ra d o S e n h o r n a q u e la é p o c a ao u s a r as fo rç a s d a n a tu r e z a p a ra fa v o re c e r se u p o v o e
a “ o b r a e s tr a n h a ” aq u i d e u sá -las c o n tr a e sse m e s m o p o v o . M as a p e n e tr a n te re fe rê n c ia
d a v íd ic a se a ju s ta a o c o n te x to .
O LIVRO DO REI 314

c. A verdadeira discriminação no semear e no colher (28.23-29)


D a m e sm a m an eira c o m o o c a p ítu lo c o m e ç o u co m u m a p e rg u n ta im plí-
cita, ta m b é m te rm in a co m u m a p e rg u n ta ab erta. O estilo d e vida de Jeru salém
reflete o d e S am aría, m as será q u e a h istó ria de Je ru sa lé m seguirá ra p id a m e n te
0 m e sm o ca m in h o ? Sam aria p a g o u co m a d e stru iç ã o p o r seu o rg u lh o ; será q u e
Je ru sa lé m ta m b é m cairá da m esm a form a? Isaías, c o m o m u ito s p ro fe ta s, p o d ia
a d o ta r o p apel d o “ h o m e m sá b io ” q u a n d o este se ajustava ao seu p ro p ó s ito (cf.
N a tã em 2Sm 12.1ss.). E le faz isso aqui ao re s p o n d e r a essas p e rg u n ta s im plí-
citas co m duas parábolas. A p rim eira (23— 26) é um a p aráb o la d e sem ead u ra.
A difícil atividade de a ra r a te rra , a b rir sulcos e g ra d e a r o so lo n ã o é o fim em
si m e sm o ; o o b jetiv o é a in ten cio n al e alm ejada safra c u id a d o sa m e n te planeja-
da. Isso c o rre s p o n d e aos versículos 1— 6, o d u ro ju lg a m e n to d e S am aria co m
um a “ p o n ta d e e sp e ra n ç a ” em vista n o fim d esse p erío d o . A seg u n d a p ará b o la
(27— 29) é a de colheita. C ada colheita tem de ser feita d a fo rm a a p ro p ria d a a
ela; o tra ta m e n to e rra d o p o d e ría d e stru ir a safra. Isso c o rre s p o n d e aos versícu-
los 7— 22 e à q u e stã o d e até o n d e levar o paralelo e n tre Sam aria e Jeru salém .
E la d á u m a re sp o sta indefinida, su g e rin d o apenas q u e o q u e a c o n te c e u a Sa-
m aria n ão é n ecessariam en te o q u e a c o n te c erá a Je ru sa lé m , p o is o ag ricu lto r
a p re n d e u essas m aneiras d e d iferen ciar um p la n tio d o o u tro co m D e u s (26),
q ue é m aravilhoso em conselhos (29). E le agirá co m p ro p ó s ito e co m div in a sabe-
d o ria d iscrim inatória.
23 A qui te m o s o c h a m a d o d o p ro fe sso r sábio (cf. SI 4 9 .1 < 2 > ). A frase 0
que eu digo é “ m in h a fala” .
24 A cn fase h eb raica cai em 0 tempo todo (“ to d o o d ia”). O agricultor ara a terra
pa ra 0p la n tio / “ p ara se m e a r” ; a severidade está ligada ao p ro p ó sito .
25 O s d ife re n te s v erb o s semeia, espalha e p la n ta in d icam a ação cu id ad o sa.
L ida-se co m cada se m e n te d e fo rm a distinta. T a n to a ex p ressão no lugar certo
(.sõra ) q u a n to a o u tra no terreno próprio (nism ãn ) são, d o c o n trá rio , d e sc o n h e c id a s
(e n ão ap arecem na L X X ). A frase no lugar certo é co m freq u ên cia tra d u z id a p o r
“ em fileiras” ,' m as, em to d o caso, a in te n ç ã o é d esen v o lv er a ideia d a ação pia-
nejada, in ten cio n al. T a m b é m a ex p ressão no terreno próprio é “ c o m o sua b o rd a ” .
E x iste um p la n o m e stre g o v e rn a n d o tudo.
26 A qui está um a sp e c to da d o u trin a da criação d a Bíblia. O q u e ap arece
c o m o um a d e sc o b e rta (a estação a p ro p ria d a e as co n d iç õ e s p ara sem ear, a ad-
m in istração da fazenda, a ro ta ç ã o de p ro d u to s, etc.), na v erd ad e, é o C ria d o r
a b rin d o seu livro da criação e rev elan d o sua v erd ad e — m as ta m b é m rev elan d o
a si m esm o , po is será q u e o D eu s q u e en sin a o p ro p ó s ito p o d e ele m e sm o ser 1

1 F .x u m (“A lite ra ry a p p r o a c h to Isa iah 2 8 ” , ρ. 129, 138) c o n c o r d a c o m e ssa tra d u ç ã o , o b -


s e r v a n d o q u e ela é c o n je tu ra l.
315 ISAÍAS 2 8 . 2 3 -2 9

m en os q u e in ten cio n al? Q u a n d o ele angustia seu p o v o , n ã o o faz co m a finali-


dade de sem ear?1
27 O “ p o rq u e ” (A RC) inicial m o stra q u e esse versícu lo tira algum a conclu-
são d o p e n sa m e n to d o fazen d eiro in ten cio n al d o versícu lo 26. N'a co lh eita, a
trilhadeira d e d e b u lh a r era urna p esada p la ta fo rm a d e m ad eira co m p ed ras afia-
das preg ad as em b aix o e co m m etal e lastro n o to p o . E la era p u x a d a p ara fren te
e para trás so b re a colheita. E provável q u e a roda de carro fo sse u m ro lo adap-
tado c o m disco s c o rta n te s. E sse tra ta m e n to seria d e sa stro so p ara o c o m in h o
e a ervilhaca (A R C ), q u e p recisam ser co lh id o s à m ã o c o m vara e pedaço de pa u .
28 M as m e sm o o m é to d o a p ro p ria d o tem d e se r m a n tid o n o s lim ites ap ro -
priados, po is se u sad o em excesso ta m b é m d e stru iría o p ro d u to . P o r isso, é
preciso m o e r o g rão , “ p o r isso, n in g u ém o fica trilh a n d o p a ra sem p re. F azem
passar as ro d as da trilhadeira so b re o trigo, m as o s seus cavalos n ã o o tritu ra m ” .123
29 E ssa ação in ten cio n al e c o n sc ie n te é u m a rev elação d a p a rte d o S en h o r
(29a) e um a revelação d o S e n h o r (29b). S o b re o m aravilhoso em conselhos veja
9 .6 < 5 > , em q u e os m e sm o s g ru p o s d e palavras e stã o env o lv id o s. C o m o ali, a
palavra maravilhoso a p o n ta para o q u e está além d o h u m a n o , p e rte n c e n d o a ou-
tro reino, ao so b re n a tu ra l. O te rm o sabedoria (tüsiyyà) “ d e n o ta a p re c a u ç ão q ue
planeja d e a n te m ã o ” ,‫ י‬p o r co n seg u in te, a “ sab ed o ria eficaz” , a sab ed o ria que
sabe c o m o c o n se g u ir resultados.

2. Um problema resolvido, um problema declarado (29.1-14)


N o e sb o ç o d o c a p ítu lo 28 há u m d eseq u ilíb rio e n tre as seçõ es A 1 e A 2.
Samaria receb e a g aran tia d e e sp eran ça fu tu ra além d a calam idade, m as nada
é d ito so b re o fu tu ro de Jeru salém (além d o fato d e q u e está d ecid id o ; 28.22),
salvo q u e está na o b ra in ten cio n al e individual d o S e n h o r (28.23-29). A resp o s-
ta d etalh ad a é re serv ad a à passag em atual. E la co n siste d e d o is o rácu lo s, que,

1 S o b re as f o r m a s v e rb a is n o v e rsíc u lo 2 6 , cf. GKC. p. 1 12rr.


2 O s e n tid o c o n te x tu a l d o v e rs íc u lo 2 8 e s tá claro , m a s h á d ific u ld a d e s e m d e c id ir c o m o ele
está s e n d o e x p re s s o . O v e r b o inicial (moer, ·¡dãqaq) n ã o é u s a d o e m o u t r o lu g a r p a ra se
re fe rir a o tr itu r a r (cf. E x 3 0 .3 6 , e m q u e é u s a d o p a ra a m o a g e m e x tr e m a m e n te fin a ex ig id a
para a p e rfu m a ria , e Is 4 1 .2 5 e m q u e é u s a d o p a ra a m o a g e m q u e u ltra p a s s a o m o e r). P o r-
ta n to , ta lv e z as p a la v ra s in iciais d e v e s s e m s e r u m a p e rg u n ta : “ O g r ã o d o p ã o é m o íd o a té
v irar p ó ? ” (a e x p re s s ã o paraJaperpâo d a N V I é u m a c ré s c im o in te rp re ta tiv o ). E s s a q u e s tã o
levaria fa c ilm e n te às p a la v ra s se g u in te s: “ P o r isso (Kí) n in g u é m o fica t r ilh a n d o p a ra se m -
p re ” . “T r ilh a n d o p a ra s e m p r e ” é u m a c o n s tr u ç ã o in fin itiv a a b s o lu ta d e 1 'ado's (u m v e rb o
n ã o e n c o n tr a d o e m o u t r o lug ar) c o m o v e r b o fin ito ·idus (“ tr ilh a r ”) (veja G K C 1 1 3 w N ).
P ro v a v e lm e n te , d e v ía m o s le r 'd ó s p o r a d d s ( B f IS). O s v e r b o s r e s ta n te s (W hãtnam [...]
y d u q q e n n u ) d e v e m s e r e n te n d id o s c o m o fre q u e n ta tiv o s , “ tr ilh a n d o p a ra s e m p re [...] tritu -
ra m ” .
3 D h o r m e s o b r e J ó 5 .1 2 (cf. J ó 6 .1 3 ; P v 8.14; M q 6.9). D e a c o r d o c o m S m ith é “ [a sa b e d o -
ria] q u e re aliz a as c o is a s” .
O LIVRO D O REI 316

in d e p e n d e n te m e n te da o rig em individual deles, ag o ra são e m p a re lh a d o s co m


total tranquilidade:

( ‫ ל‬S enhor agindo cm R eduzindo a cidade a pó Induzindo o com a naqueles


julgam ento (1-4) que escolheram a cegueira
(9-12)

O S en ho r agindo em D ispersando o inim igo cm Realizando um ato


transform ação um resgate no últim o m o- sobrenatural de m udar o
m en to (5-8) coração e transm itir nova
sabedoria (13,14)

Λ m e tá fo ra d e “ s o n o ” uni as duas seções (7,8,10) à m ed id a q u e elas, p o r


sua vez, lidam co m o c u id a d o d o S e n h o r co m Sião, p rim e iro em u m a crise his-
tó rica e, seg u n d o , em u m a n ecessid ad e espiritual. E sse fo co d u p lo d á o rig em ao
título d a seção. O p ro p ó s ito d o S e n h o r é u m a lib ertação n o ú ltim o m o m e n to
para Sião, m as lib ertaçõ es históricas n ã o m u d a m o coração , e o p ro b le m a (de
a c o rd o c o m 28.14,23) é espiritual e p recisa de u m a solução m ais p ro fu n d a .

a. A punição severa e a libertação (29.1-8)


N ã o p o d e m o s ler esses versículos sem v e r S en aq u erib e, o ataq u e d e 701
e a dram ática lib ertação divina n o ú ltim o m o m e n to (caps. 36— 37). Se o ver-
sículo 1 sugere “ acre sc en te m um a n o a o u tr o ” , e n tã o o o rá c u lo tem d e ser
d a ta d o em 7 0 3 /7 0 2 a.C. M as c o m o é típ ico d a série inicial d e três “ ai” , Isaías
n ã o m e n c io n a a A ssíria e e n c o b re o Sião so b o p se u d ô n im o de “A riel” . E le n ão
está p re o c u p a d o em d e screv er ev en to s, m as em elucidar p rin cíp io s. O S e n h o r
é so b e ra n o na h istó ria e sua v o n ta d e d o m in a tudo. A últim a palavra é dele, e é
um a palavra d e libertação. Seu p o v o n u n c a é deix ad o p ara ser d e stru íd o ; em -
b o ra eles sejam h u m ilh a d o s p elo inim igo, é o in im ig o qu e, em últim a instância,
é hum ilh ado.

1 O a taq u e divino: Ariel so b am eaça im in e n te (1,2)


2 A h u m ilh a ç ã o divina: Ariel re d u z id o a p ó (3,4)
3 A s n a ç õ e s reu n id as e o S e n h o r so b e ra n o : Ariel lib e rta d o p o r
in te rm é d io d a d ra m á tic a ação divina (5,6)
4 A s esp eran ças d e sa p o n ta d a s: A riel id en tificad o c o m o Sião (7,8)

E ssa b rev e declaração de c o n te ú d o n ã o faz justiça ao e n tro s a m e n to lite-


rário das seções. As seções 1 e 2 estã o unidas pelo s v e rb o s da ação d iv in a na
prim eira pessoa; as 2 e 3, p elo tra ta m e n to d ire to d e você (singular fem in in o , a
cidade); 3 e 4, pelas referên cias em c o m u m às “ h o rd a s” de in im ig o s (hãm ôn; v.
5a, muitos; w . 5b, 7a, 8e, bordas). A seção 1 tem Ariel c o m o um inclusio [criar um a
317 ISAÍAS 2 9 . I -8

e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final de u m a seção] (vv. Ia , 2c;


veja a n o ta de ro d a p é d a N V I) e a seção 5 te m um inclusio paralelo, então as hordas
de todas as nações que lutam contra A rie l (7a) e as hordas de todas as nações que lutam
contra 0 monte Siào (8ef).
1 P ara o te rm o ai veja c o m e n tá rio so b re 28.1. A rie l é p rim e iro a cidade de
D avi (la b ), em se g u n d o é a cidade so b a p re ssã o divina (2a) e, d ep o is, u m título
que de algum a m an eira tipifica essa te n sã o (2c) c, p o r fim , o Sião q ue o S e n h o r
liberta (7,8). O se n tid o q u e c o m b in a m e lh o r a te n sã o e o favor é o d e “ fo rn alh a
do altar” (co m o em E z 43.15), de a c o rd o co m Kfí: “ a fo rn a lh a d e um santuá-
rio em c u jo fo g o se m p re aceso as o fe rta s são q u e im a d a s” . E ra o privilégio (SI
84.3s.) e o risco (Is 33.14) de Sião viver na p re se n ç a d esse fog o , b e m c o m o era
um p e rig o para os p e c a d o re s (6.4) e o m eio p ara a salvação deles (6.6,7). Foi
0 sinal e x te rn o e visível da p re se n ç a p e rm a n e n te d o S en h o r. A riel, c o m o um
título, u n e os do is lados da relação e n tre o S e n h o r e seu p o v o , ta n to a ira santa
q u a n to o favor p reserv ad o . A frase acrescentem um ano a outro é ou: “A crescen -
tem u m a n o a m ais a este an o ; deixe o ciclo d e festas seguir, m ais u m a vez, seu
ciclo” ; ou: “ D eix e os a n o s fluírem , o ciclo de festas vem e vai” . A am b iguidade
é p ro g ra m a d a . Isaías n ã o está d a ta n d o a calam idade, m as a firm a n d o a certeza
dela. N e m a passag em d o te m p o n e m a p rática d a religião (cf. 1.11-15) a im pe-
dirão.
2 A palavra mas é “ c” . O te rm o sitiarei (jsüq, “ afligir, p ô r em a p u ro s”) n u n ca
é usad o esp ecíficam en te p ara sitiar, ¡lila¡ vai chorare lamentarse é (lit.) “ e haverá
g em id o e la m e n to ” (t a ariiyyã w a aríiyyà). A ex p ressão como uma fornalha de altar/
“ c o m o A riel” (A RC), “ u m a v erd ad eira A riel” (kaph veritatis), u m lugar em que
a ira san ta é p ro v o c a d a e está ativa.
3 C o m o é típ ico da B íblia, m e sm o q u a n d o a ação é m ed iad a p o r inter-
m éd io d e forças te rre n a s (5), ela ainda é a ação d ireta d o S en h o r. N ã o q ue a
Bíblia ig n o re as causas secu n d árias o u m inim ize sua cu lp ab ilid ad e (veja 10.5-
15; A t 2.23), m as ela se recusa a nos p e rm itir viver na te rra c o m o se lidássem os
co m causas secundárias. S o m o s se m p re c o n fro n ta d o s d ire ta m e n te (na b ên ção
e ta m b é m na m aldição) p elo S e n h o r m esm o. V ivem os pela fé, n ã o p o r m eio da
o p eração d o sistem a. O te rm o cercarei (‫¡י‬sur) significa “ sitiar” (cf. obras de cerco,
nfsurõt). O p ro n o m e minhas devia ser om itido.
4 As d u as p rim eiras linhas descrev em o reb a ix a m e n to de p o sição ; as duas
últim as, a d im in u ição da força. A palavra murmúrio é “ ra n g e r” o u “ b e rra r” (cf.
8.19).
5 A frase seus muitos inimigos é “ a m u ltid ão d o s teu s in im ig o s” (A R C ).1 A
palavra hõmòn (“ h o rd a s”) liga os versículos 5-8. A ex p ressão palha levada pelo

1 P a ra inimigos, o T M n ã o tra z sarayik , m a s zàrayik (“ se u s e s tr a n g e ir o s ” ), o u seja, “ o s e s tra n -


g e iro s c o n tr a v o c ê ” . ( / tra z %dyk (zedayik), “ se u s in d iv íd u o s a r r o g a n te s ” .
O LIVRO DO REI 318

vento n u n c a é u sad a ap en as c o m o sím ile d e velocidade, m as se m p re para a rá-


pid a ação divina de ju lg am en to d ian te da qual o s cu lp ad o s ficam im p o te n te s.1
O m e lh o r c o m e n tá rio , é claro, é o im en so p o d e r d e S en aq u erib e e a im p res-
sio n a n te tran q u ilid ad e da ação divina (37.36-38). Isaías, n o e n ta n to , n ã o está
d e sc re v e n d o um in cid en te aquí, m as a firm a n d o u m princípio. É assim q u e o
S e n h o r é co m seu p o v o e c o m o s inim ig os deles. Repentinam ente, num instante é
“ em u m m o m e n to re p e n tin o , isso a c o n te c erá ” .
6 O versículo co m eça (lit.) “ D o S e n h o r do s E xércitos serás visitada” (ARC).
S obre p ã qa d (“ visitar”) veja 24.21. Trovões, terremoto etc. são exem plos d e forças
naturais que sugerem teofania (cf. 28.2,17). O C riad o r c o n tin u a n o co n tro le dire-
to d o que ele cria, e a criação coloca, to d a sua im ensa força, à d isp o sição dele: o
audível (trovão, ruído), o visível (chamas), o invisível (tempestade e furacão) e o co n su -
m id o r (fogo). M as tu d o isso é u m tem a de p oder. N ã o houve de fato b aru lh o nem
elevação da superfície d a terra q u a n d o o S e n h o r d esp ach o u Senaqueribe!
7,8 N o versículo 7, o s o n h o sím ile se tra n s fo rm a n a c o m p le ta re m o ç ã o
d a am eaça — “ c o m o a c o n te c e n u m s o n h o ” . N o versícu lo 8, vira a irrealid ad e
da experiên cia d o s o n h o — q u ã o c e rto o inim igo co n sid erav a se r ele m e sm o a
co n su m ação , q u ã o c o m p le ta m e n te e n g a n a d o ele estava!
7 A m bas as frases lutam contra e investem contra tra d u z e m is ã b ã ' sig n ifican d o
“ a m u ltid ão c o n tra ” e e n fa tiz a n d o a m ultiplicidade. O te rm o s itia m / “ p u se re m
em a p e rto ” (A RC) (cf. v. 2) fala da realidade d a am eaça.
8 E m am b as as ocasiões, a ex p ressão sonha que (lit.) é “ so n h a [...] e a c o rd a ” ,
ilu stra n d o a vividez da ex p eriência d o so n h o . T em o s, da m esm a m an eira, de
ler “ a c o rd a n d o , s e n te ” p o r ele acorda. A e x p re ssã o lutam contra é a m esm a d o
v ersículo 7.

b. A crise: cegueira e iluminação (29.9-14)


Isaías, em sua in au g u ração (6.9ss.), foi a d v e rtid o de q u e era c h a m a d o para
o carg o p ro fé tic o cm u m a situ ação d e crise. A qu eles q u e resistiram à palavra d o
S e n h o r só p o d e m se r c o n q u ista d o s p o r ain da um a o u tra o fe rta d a palavra. C o n -
tu d o , essa m esm a o fe rta ta m b é m lhes d á a terrível o p o rtu n id a d e d e u ltrap assar
o p o n to sem re to rn o , em q u e o e n d u re c im e n to d o co ra ç ã o é irrecu p eráv el. E
so b re esse m o m e n to q u e Isaías m ed ita agora:

A O aviso de crise (9ab)


B1 A reação divina: to r p o r e cegu eira (9c,10)
C1 A condição hum ana: a m en te sem co n h ecim en to (11,12)
C2 A co n d ição hum ana: o co ração distan te d o S e n h o r (13)
B2 A reação divina: sab ed o ria e d isc e rn im e n to (14)

V eja J ó 2 1 .1 7 ,1 8 ; SI 1.4; 3 5 .5 ; Is 1 7 .13; O s 13.3.


319 ISAÍAS 2 9 .9 - I 4

Será q u e Isaías tin h a m ais u m a vez S en aq u erib e em m en te? H e sita r em face


de u m sinal d esses de lib ertação divina seria co m c e rte z a o p o n to sem reto rn o .
C o n tu d o , essa n ã o é de fo rm a algum a u m a co n c lu sã o n ecessária de q u e to d o s
os h iero so lim itas, líderes o u p o v o , teriam p e rc e b id o a m ã o d o S en h o r. Para al-
guns, talvez isso te n h a p arecid o apenas u m a justificativa d a política egípcia (cf.
37.8,9); para o u tro s n ã o p areceu n ad a além d e u m feliz acaso. U m ev e n to não
carrega sua p ró p ria explicação. M as o p ro fe ta n ã o liga essa co letân ea atual de
breves o rá c u lo s ao in cid en te de S enaqueribe. A ntes, eles fo rm a m u m a m edita-
ção so b re o fato de q u e a h esitação p o d e in d icar cegueira o b stin a d a em relação
às coisas d e D e u s (9ab), e isso carreg a c o n sig o a p o ssib lid ad e da d errad eira
reação divina de ju lg a m e n to (10). E sse é o só b rio c e rn e d esse “ ai” . Q u e m será
que sabería qual foi o c en ário original de suas cin co p artes? N ã o h á m o tiv o para
q u e stio n a r q u e eles, co m o m aterial o rie n ta d o para S en aq u erib e, p e rte n c e m ao
te m p o da aliança co m o Pigito. 1 lá apenas duas linhas in co n testáv eis d e p oesia
(o re sta n te se n d o p ro sa rítm ica), a saber, os versícu lo s lO bc e 14bc. C ada um
destes evidencia a e stru tu ra da lin h a p o é tic a clássica e n c o n tra d a ao lo n g o da
poesia bíblica, a-b-b-a: “ [O S enhor] fech o u os o lh o s de v ocês, q u e são os p ro -
fetas, co b riu a cabeça d e vocês, q u e são videntes. (...] A sab ed o ria d o s sábios
p erecerá, a inteligência d o s inteligentes se d esv a n e c e rá ” . E ssa é u m a ligação
estru tu ral m u ito eficaz das duas seções B.
9 O te rm o pasm em (h n ã h a) só é u sad o n o m o d o reflexivo (p o r exem plo,
G n 19.16; 43.10; J z 3.26; 19.8; H c 2.3) e significa “ adiar, hesitar, e sta r in d eciso ” .
Aqui (c o m o em 28.22) o reflexivo significa “ a d o ta r a atitu d e d e ” . A ex p ressão
fiquem atônitos ( ¡tam a ) p o d e significar “ se m arav ilh ar” (SI 4 8 .5 < 6 > ) o u “ ficar
p e rp le x o ” (G n 43.33). Se os líderes d e Je ru sa lé m estã o in d eciso s ag o ra em face
do c h a m a d o d o S en h o r, eles se c o n d e n a rã o à p e rp lex id ad e, à in cap acid ad e de
fazer se n tid o de tu d o .1 Ceguem-se ( / s a a , “ c o b rir” [os olhos]) é “ cegai-vos, e ficai
cego s” (A RA ) (cf. 6.1Ü). R ecusar-se de fo rm a d elib erad a a v e r in d u z à cegueira.
O T M traz um te m p o p e rfe ito (“ eles estã o b ê b a d o s [...] c am b aleiam ”) e e m b o ra
0 im p erativ o (fiquem bêbados [...! andem [N T L H ]) se g u in d o a L X X seja ap en as
vocálico, n ã o se g a n h a ao fazer isso. Isaías p assa das ad v ertên cias im perativas
do versículo 9ab para um a d escrição, um a a d m issão tácita d e q u e seu ap elo não
foi ouv ido . O b s e rv e a ligação c o m 28.7,8, em q u e a in d u lg ên cia fo m e n to u a
recusa d a palavra de D eus. A qui, a recusa da palavra (9ab) fo m e n ta um a cm -
briaguez d istin ta (explicada n o v. 10).
10 O versículo explica a e stra n h a em b riag u ez d o versículo 9cd (com eça
com “ p o rq u e ” |A R C |). T rouxe sobre vocês/ “ d e rra m o u ” e n q u a n to a o fe rta de

1 Λ ‫ א‬V I p a re c e s e g u ir a BH S a o c o n f o r m a r o te x to a q u i a I la b a c u q u c 1.5 (hittanfhu c m vez


d e hitmahm'hU). N ã o h á n e n h u m p r o b le m a a s e r re s o lv id o ao fa z e r isso , n e m a lg u m g a n h o
a s e r o b tid o .
O LIVRO DO REI 320

beb id a (Jnãsak; cf. N m 15.10) fo rm a u m ligação sutil co m A rie l, a “ fo rn alh a


d e altar” (1,2). C o m a o fe rta de beb id a, o sacrificio está co m p leto . U m sono
p ro fu n d o / “ o e sp irito d e c o m a o u to r p o r ” é o equivalente espiritual d a realidade
física d e 1Sam uel 26.12. A teologia é idêntica à d e IR eis 22.22 (“ u m e sp irito de
m e n tiro so ”), em q u e a d e te rm in a ç ã o d e A cabe em a b raçar a falsidade fez co m
q ue receb esse u m a visita judicial d o p ró p rio e sp irito q u e ele e sco lh eu (cf. 2Ts
2.9-12). T a m b é m aqui a insensibilidade espiritual d e te rm in a d a se tra n sfo rm a
em paralisia espiritual judicial. A p o n tu a ç ã o d o T M de seus olhos (osprofetas) [...] a
cabeça de vocês (os videntes) n ã o é tão p erfeita, m as é m ais a p ro p ria d a d a p ersp ectiv a
con textu al: “ ele selou seus o lh o s; os p ro fe ta s, e suas cabeças, os v id en tes, ele
c o b riu ” .1 E ssa divisão d a cegueira espiritual em duas categ o rias — geral (os olhos
de vocês) e específica (profetas /.../ videntes) — casam , em o rd e m rev ersa, co m as
categ orias n o s versículos 11,12, o in stru íd o e o n ã o in stru íd o . O le ito r cap az de
d isc e rn ir a visão (11) c o rre sp o n d e ao v id en te (10).
11,12 A d u p la ilu stração abran g e aqueles q u e p o d e m ler, m as q u e n ã o se
im p o rta m em fazer essa leitura, e os q u e n ã o co n se g u e m ler e os q u e n ã o se
im p o rta m co m isso. ( ) básico p a ra a m b o s é o esp írito de in d iferen ça. O indi-
v íd u o n ã o se esfo rç a p a ra ab rir o selo e ler, e ta m p o u c o o o u tro o incen tiv a a
fazer isso. P o r co n seg u in te, a so n o lên cia espiritual a u to a d o ta d a e in d u zid a p elo
E sp írito fica ev id en te na in d o lên cia (11) e n o d e sin teresse (12).
13 A ex p ressão 0 S en h o r/ “ S o b e ra n o ” (/‫״‬dõnãy ) ex p ressa a reação dele. E le
o b se rv a c o m o a religião p e rm a n e c e, m as a realidade p erece. A s p esso as co n -
tin uam a o b se rv a r as regras (“ elas se aproxim a m ‫ ;'׳‬cf. E x 28.43), a u sar as pala-
vras co rre ta s (a p o n tu a ç ã o d o T M sugere “ co m sua b o ca e co m seu lábio m e
h o n ra m ”), m as sem a realidade d o coração. E m e sm o q u a n d o a religião dessas
p esso as se av en tu ra em algo in te rio r (a adoração que me prestam / ”te m o r”), isso
n ão é um a re sp o sta p ara a realidade de D eu s, m as u m a c o rre sp o n d ê n c ia fo rm al
co m a in stru ç ã o h u m an a: a nêm esis da religião sem um fu n d a m e n to na palavra
revelada de D e u s (cf. M t 15.1-9).
14 E sse versículo c o m eça c o m a frase “ u m a vez m ais deixarei a tô n ito esse
p o v o co m m aravilha e m ais m arav ilh a”/ “ co n tin u arei a fazer u m a o b ra m aravi-
lh o sa” . P ara a m u d a n ç a d a p rim eira p esso a p ara a terceira a fim de d a r ênfase,
veja o c o m e n tá rio so b re 28.16. Q u e ato n o v o será esse, n ã o so m o s in fo rm a d o s,
ap enas so b re sua qualidade so b ren atu ral. O g ru p o de palavras co m o se n tid o de

1 M u ito s ( p o r e x e m p lo , B I IS, K a ise r) tira ria m profetas [...] videntes p o r c o n s id e r a r u m c o m e n -


tário . N o e n ta n to , é típ ic o d e Isa ías e x p lic a r su a s m e tá fo ra s (cf. 7 .2 0 ; 8.7; 9 .1 4 ,1 5 ). A lé m
d isso , p o r q u e u m c o m e n ta r is ta e x p lic aria olhos e cabeças p o r in te r m é d io d o m e s m o tip o d e
p e s s o a (profetas, videntes), e m v ez d e (d ig a m o s) p o r “ p r o f e ta s (...) líd e r e s / p r í n c ip e s ” (veja a
L X X )? N ã o h á n e n h u m a e v id ê n c ia o b je tiv a p a ra a lte ra r o te x to e, se a p o n tu a ç ã o d o T M
fo r se g u id a , h á u m firm e f u n d a m e n to p a ra n ã o segui-la.
321 ISAIAS 29.1 5-16

“ m aravilha” 1 é u sa d o três vezes (1‫ו‬pãla ; veja c o m e n tá rio so b re 9 .6 < 5 > ), ligando


esse o rá c u lo c o m a passag em 28.29. N o e n ta n to , o re su lta d o d o a to será a des-
tru ição da sabedoria e d a inteligencia h u m an as. A p rim eira (hokmâ) ab ran g e to d a a
“ m e n te ” co m a qual o in d iv íd u o c o n te m p la a vida e faz p lan o s; a últim a (bina)
é a cap acid ad e d e “ d isc e rn ir” o c e rn e de um assun to . A sabedoria h u m a n a pere-
cerá e se desvanecerá/ “ se e sc o n d e rá ” , o u seja, n ã o p e rm a n e c e rá c o m o um fato r
em v ig o r n e m estará d isp o sta a se e x p o r a exam e. C o n fo rm e m o stra o esb o ço ,
esse a to fu tu ro d o S e n h o r é alm ejado n a lida c o m a ceg u eira espiritual de seu
povo, d a m e sm a m an eira c o m o o ato s o b e ra n o d o v ersícu lo 6 foi alm ejad o na
lib ertação te rren a. Isso é d ito esp ecíficam en te c o m o u m n o v o a to d iv in o (lit.
“acrescen tarei o a to ”). E ssa c o rre ç ã o divina da co n d iç ã o esp iritu al d o p o v o é o
a ssu n to d a p ró x im a passag em d e “ ai” (15-24).

3. A transformação espiritual (29.15-24)


A p ro sa rítm ica q u e co n stitu i o p rin cip al estilo d esses cap ítu lo s co n tin u a,
bcm c o m o o tem a d o s três “ ais” da a b ertu ra. A seg u n d a p assag em d e “ ai”
realçou a n ecessid ad e d e cada p e d a ç o d e urna o b ra de retificação espiritual, tão
divina e d rástica q u a n to as lib ertaçõ es h istó ricas d o S en h o r. A terceira passa-
gem d e “ ai” n ã o diz qual será essa o b ra , m as afirm a a c e rte z a d e q u e ela existirá
e d escrev e suas realizações. A s três seções d o p o e m a o fe re c em u m a m ed itação
so b re o te m a d e tra n sfo rm a ç ão .

A A p rim eira tra n sfo rm a ç ão : a su b v ersão d o racio cín io (15,16)


D eclarad a (15)
Ilu stra d a (16)
B A seg u n d a tra n sfo rm a ç ão : a vinda da ren o v ação m u n d ial (17-21)
Ilu stra d a (17)
A plicada: individual (18), espiritual (19) e so cialm en te (20,21)
C A terceira tra n sfo rm a ç ão : a m u d a n ç a n o d e stin o d e Ja c ó (22-24)
H m princípio: an tig o s p ro p ó sito s c u m p rid o s (22a)
E m efeito: Ja c ó re c u p e rad o (22bc), D e u s re c o n h e c id o (23),
os in d iv íd u o s tra n sfo rm a d o s (24)

O s tem as c o n tra sta n te s de “ e sc o n d e r seu p lan o s d o S e n h o r” (15) e de


“recon h ecer[...| a san tid ad e d o S an to de Ja c ó ” (23) d elim itam o p o e m a , e as
expressões “ seus p la n o s” , “ vê” , “ s a b e n d o ” (15) e “v ir” , “o b ra ” (23 e “ o b te rã o ”
(lit. “ c o n h e c e rã o ”) (24) fo rm a m u m inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p õ r m aterial
similar n o início e n o final de um a seção], A p rim eira c a seg u n d a seções têm

1/‫י׳‬hapli’ [...] haple' w ip ele‘ sig n ific a “ [A c resce n tare i] a to m a ra v ilh o s o [...] a g in d o d e fo rm a
m a ra v ilh o s a e [com ] a s s o m b r o ” .
O LIV RO DO REI 322

um a ligação d o tip o d o m in ó nas duas ilustrações ju stap o stas (16,17), cad a um a


u sa n d o o v e rb o n o s e n a d o d e “ im ag in ad o para se r” (veja abaixo), e ta m b é m
estã o ligadas p e lo u so c o n tra sta n te d o tem a d e trevas (15,18). A seg u n d a e a
terceira seções têm u m a ligação verbal n o “ S an to d e Israel” (19), n o “ S an to de
Ja c ó ” (23) e u m a ligação tem ática na tripla tra n sfo rm a ç ã o (individual, espiritual
e individual) c o m p a rtilh a d a . M ais um a vez o c o n tra ste e n tre a p ersp icácia p o -
lítica e a sab ed o ria revelada, q u e se to rn o u essencial p a ra n a é p o c a d a aliança
co m o E gito, fo rm a u m c o n te x to p e rfe ito para esses v ersículos, m as n e n h u m
n o m e é m e n c io n a d o . Isaías, antes, identifica o p rin cíp io en v o lvido: a vida tem
d e ser vivida à luz d a sa b e d o ria d e D eus. O c u rso a p ro p ria d o é a su b m issão
ao d esíg n io e ao te m p o d o S e n h o r, fugir d a a b o rd a g e m eg o ísta e d o tip o “ faça
você m e s m o ” para os p ro b le m a s da vida. A palavra d o S e n h o r su ste n ta o re-
flexo d o fu tu ro (17) de m o d o q u e p o ssa m o s c a m in h a r cm d ireção a ele, e o
reflexo d o p a ssa d o (22) de m o d o q u e p o ssa m o s re p o u sa r nas in te n ç õ e s divi-
n a m e n te expressas. P o r co n seg u in te, essa terceira passag em d e “ ai” leva a série
inicial d e três ao p o n to cu lm in an te. O S en h o r, em sua lida c o m seu p o v o , n ão
age c o m fav o ritism o o b se q u io so , m as c o m justiça e em relação a se eles d eram
ate n ç ã o a sua palavra o u n ã o (28.1-22). C o n tu d o , ele se m p re age de fo rm a in-
tenciona! (28.23-26) e v isa n d o c o n se g u ir sua co lh eita p re te n d id a (28.27-29).
E m b o ra p o ssa p a re c e r q u e suas m isericórdias são p o ste rg a d a s, ele n u n c a falha
em p re se rv a r seu p o v o nas em erg ên cias d a h istó ria (29.1-8), n e m falhará em
seus su p re m o s p ro p ó s ito s espirituais (29.9-14). A n tes, é g a ra n tid o q u e o dia da
tra n sfo rm a ç ã o espiritual virá (29.15-24).

a. A primeira transformação: a subversão da razão (29.15,16)


15 O s v e rb o s descem, agem e pensam são, re sp ectiv am en te, p articip io , im per-
feito e p erfeito , re fle tin d o p o r su a vez u m a co n d iç ã o c o n sta n te , o c o m p o rta -
m e n to habitual e a decisão to m a d a . Isaías n ão p re te n d e d izer q u e o p o v o , de
fato, cav ou o su b so lo o u só tra b a lh o u de noite; ele n ã o está d e sc re v e n d o ações,
m as e x p o n d o atitu d es, e faz isso de u m a m an eira q u e ex p õ e m ais a in sen satez
que a culp abilidade d o povo. E le n ã o n o m eia a q u em dirige suas palavras, pois
seu alvo n ã o é esse o u aquele indivíduo, m as a m e n te m u n d a n a q u e p e n sa em
viver sem re c o rre r ao S enhor. A ex p ressão epensam é “ e d iz e m ” , o u seja, “ deci-
d ira m ” . A s d u as p e rg u n ta s (<quem éque nos vê?e lit. “ Q u e m n o s c o n h e c e ? ”) n ão
refletem u m a co n sciên cia culpada, m as a d e te rm in a ç ã o d o p o v o em se r seu
p ró p rio m e stre sem q u a lq u e r to lh im en to .
16 A exclam ação vocêsviramascoisaspeloavessoé irônica. O su b stan tiv o (hepek)
só é e n c o n tra d o em E z e q u ie l 16.34, passagem em q u e o se n tid o é “ ex a ta m e n te
o c o n trá rio ” . P o rta n to , aqui: “ O h , seu re v e rso ” ; “ V ocês v iram as coisas pelo
avesso!” E les n eg am a d istinguibilidade d o S e n h o r (como sefossepossívelimaginar
323 ISAÍAS 2 9 . 1 7 - 2 1

que o oleiro é igual ao barro), sua so b eran ia (não m ej'e\ [ARC]) e sua sab ed o ria (ele
nada sabir, '¡bin, “ ele n ã o d isc e rn e ”). Isso fo rm a u m a ligação e n tre essa passag em
de “ ai” e a p re c e d e n te (veja v. 14).

b. a segunda transformação: a renovação mundial vindoura (29.17-21)


17 O S e n h o r an u n cia a b ru p ta m e n te seus p la n o s p a ra o fu tu ro . As p esso as
p o d e m n ã o lhe c o n fe rir seu lugar, so b eran ia e sab ed o ria, m as to d o s esses três
atrib u to s c o n tin u a m a ser dele, e ele n ã o p recisa p e d ir p e rm issã o em relação
ao q u e fará. Ij)go, à m ed id a q u e o S e n h o r c o n sid e ra a h istó ria, a c o n te c erá um a
ren o vação total e o “ L íb an o [...] se c o n v e rte rá em p o m a r” . A té m e sm o a criação
ap a re n te m en te o rd e n a d a faz p a rte d e fato d o m u n d o h u m a n o p o s to d o avesso
e precisa ser corrigido. O IJbano é típico d o q u e se m p re tem sido assim c n ão
é o p ro d u to d o cultivo h u m a n o (SI 104.16). A v erd ad eira beleza e o rd e m d o
m u n d o só ficarão ev id en tes q u a n d o o S e n h o r co rrig ir tudo. Será tido /.../ como
(yêhãsêb) é o m e sm o v erb o de “ fosse possível im ag in ar” (16; veja o esb o ç o
acima).
18 E sse é o a sp e c to individual da g ra n d e tra n sfo rm a ç ão . ( ) se n tid o das m e-
táforas foi estab elecid o n o s versículos 9-12, em q u e o s o lh o s e o livro fechados
estão em c o n tra ste co m os o u v id o s e o livro, aqui, ab erto s. E sse é u m retrato
de p esso as co m novas faculdades e no v o s apetites, e n c o n tra n d o satisfação no
livro d e D eus. C ad a p a rte dessas duas linhas é enfática: as c ircu n stân cias m uda-
ram (em trevas(), as faculdades estão ren o v ad as (os olhos dos cegos), e o resu ltad o s
são m a rav ilh o so s (tornarão a ver). Para a realidade, veja E fésio s 5.8; IT essalo n i-
censes 5.4.
19 E sse é o a sp e c to espiritual d a tra n sfo rm a ç ão . A tra d u ç ã o p o r mais uma
v e ^ L .j se alegrarão, n o h ebraico, p o d e ría exigir “ ac re sc en ta rã o alegria” , m as ela
apenas diz: “ se aleg rarão ” , o u seja, “ e n c o n tra rã o n o v a alegria” , “ sua alegria será
intensificada” . N a s antigas circu n stân cias em q u e viviam (co m o n o s w . 20,21),
sem d ú v id a, havia os q u e se regozijavam n o S en h o r, m as ag o ra a alegria deles
excede em m u ito a q u e eles sentiam . Os humildes (‘"nãwim) são aquelas vítim as
de injustiça, os co m p io r q u alidade de vida (veja a p alavra p ra tic a m e n te id ên d ea
em 10.2); os necessitados Çebyõmm) são aqueles capazes d e ser e m p u rra d o s pelas
pessoas m ais in flu en tes, m ais fo rte s e com d ireito s a d q u irid o s (cf. 14.30). S obre
o Santo de Israel veja 1.4.
20,21 T erceiro, existe o asp e c to social da tra n sfo rm a ç ão . E a p resen tad a
uma m u d a n ç a n a so cied ad e c o m o um a explicação p ara a in ten sificação da ale-
gria n o S e n h o r q u e acaba d e ser d escrita (v. 20 c o m eça co m “ p o rq u e ” [ARC]).
Esses versículos o lh a m adiante, o lh a m para o d e sa p a re cim e n to d o s inclinados
para o m al (20) e p ara o fim d o uso im p ró p rio das e stru tu ra s sociais (21).
20 O cruel Ç ããs) é o in escru p u lo so , o in clem en te em seu u so d o p o d e r (cf.
v. 5; 13.11; 25.3-5). O ^ombador (lès) é aquele q u e n ã o re c o n h e c e ab so lu to s m o-
O L IV R O D O REI 324

rais (cf. 28.14,22). Todos osde olhosinclinadospara omal/ “ an d a m à esp reita p ara
fazer o m al” (BJ) são aqueles q u e e stã o alertas p a ra cau sar to rm e n to , aqueles
cujos in teresses são satisfeitos c o m o co la p so d a lei e d a o rd e m .
21 São m e n c io n a d o s trê s d ep rav açõ es d o sistem a legal: falso te ste m u n h o ,
trap aça co m as te ste m u n h a s e n eg ação ao in o c e n te d a p ro te ç ã o d a lei. N a fra-
se impedem que sefaçajustiça ao inocente, o v e rb o (o hiphald e hãtãj n ã o é u sa d o
em o u tra passagem co m se n tid o forense. O u so c o m u m exigiría “ d esv iar um a
p e sso a p o r m eio de u m a p alavra” , o u seja, in citar os o u tro s ao e rro e ao c o m -
p o rta m e n to a b e rra n te n a vida. M as o u so fo ren se se ajusta m e lh o r ao co n tex to .
O defensor/ “ q u e re p re e n d e ” é a p e sso a q u e se levanta na c o rte (lit. “ n a p o r ta ”
(A RC), o lu g ar em q u e os casos são o uvidos) a fim d e se o p o r ao erro . A frase
com testemunhofalso (tõhu; veja 24.10) aqui significa “ sem n e n h u m fu n d a m e n -
impedem/ “ p õ e m d e p a rte ”
to ” , “ p o r algum a b o b a g e m sem se n tid o ” . O te rm o
(ARC) é u m u so c o m u m p a ra a recu sa de u m caso. N a s três frases d o versícu-
lo 21, e n c o n tra m o s, p o r sua vez, o falso te ste m u n h o , o d e fe n so r te n d e n c io so
e o juiz c o rru p to . Q u a n d o o s valores e n tra m em declínio na so cied ad e c o m o
um to d o (20), o s p ro c e sso s e os d e fe n so re s legais n ã o ficam im unes. P ara o
cen ário d e tu d o isso n a Israel pré-exílio veja O seias 4.1,2; A m ó s 2.6-8; 5.10,11;
M iqueias 2.1,2.

c. A terceira transformação: a mudança na sorte de Jacó (29.22-24)


A p ro fe c ia da g ra n d e tra n sfo rm a ç ã o ag o ra se to rn a m ais am p la e m ais
estreita. M ais am p la n o se n tid o d e q u e sua o rig em re m o n ta ao s p ro p ó s ito s de
D e u s v isto s e m A b ra ã o e m ais estreita n o fato d e q u e o fo co está exclusivam en-
te em “J a c ó ” .
22 H á u m c e rto e m b a ra ç o na linha inicial d o v ersícu lo ,1 m as é in e re n te
ao q u e Isaías q u e r ex p re ssa r e à ên fase q u e d eseja dar: “ o Senhor, q u e red im iu
A b raão , d iz à d e sc e n d ê n c ia de Ja c ó ” ! A p o ste rg a ç ã o d a o ra ç ã o relativa lança
u m a fo rte ên fase nela, c h a m a n d o a ate n ç ã o para os a n tiq u íssim o s p ro p ó sito s,
re m o n ta n d o b e m ao início deles e m A braão. O fa to d e se dirigir à descendênãade
facólem b ra-o s q u e estã o na linha d ireta d a h e ra n ç a d e tu d o q u e o S e n h o r fez e
p ro m e te u n o m o m e n to d e o rig e m da fam ília deles. O te rm o redimiu(Ίραάά;veja
1.27) n ã o é u sa d o em o u tra passag em p ara A b raão , m as G ên esis 48.16 usa o
te rm o p aralelo igaal p a ra o “A n jo ” d iv in o q u e c u id o u d e Ja c ó ao lo n g o d e sua

1 B H S podería m udar ,el (para) para ,êl (Deus), ou seja, “o S e n h o r , o D eus da casa” . Kissa-
ne reorganiza a palavra para dizer “ o D eus de A braão que redimiu a casa” . Skinner omite
a expressão “que redimiu” p o r considerá-la um comentário. N ão há evidência objetiva
para qualquer uma dessas interpretações. A m esma estranheza ocorre em A m ós 1.1, em
que mais uma vez a dificuldade está na complexidade do que está sendo expresso.
325 ISAÍAS 2 9 . 2 2 - 2 4

vida.1 A m b o s os v e rb o s são e m g eral u sad o s p a ra o cu id ad o co m aqueles que


passam p o r p ro b lem as. A su g estão d o c u id a d o p ro v id en cial d o S e n h o r para
A braão é p erg u n ta r: será q u e ele feria feito tu d o isso se n ã o p re te n d e sse co m -
p letar o q u e c o m e ç o u d essa fo rm a? N a v erd ad e não, e q u a n d o esse dia chegar,
(lit.) “Ja c ó n ã o será, ag o ra, en v erg o n h a d o , n e m , ago ra, se d e sc o ra rá a sua face”
(ARC). D e m o d o im aginativo, Ja c ó é re tra ta d o c o m o o o b se rv a d o r an sio so das
experiências de seus d e sc e n d e n te s q ue, c o m freq u ên cia, fica e m b a ra ç ad o e en-
v e rg o n h a d o c o m o q u e vê neles, e m p a lid e c en d o de p a v o r co m receio q ue eles
em algum m o m e n to p e rc a m as p ro m essas. M as n o dia d o c u m p rim e n to tu d o
isso terá ficado n o passado.
23 O “ m a s” (TB) inicial explica a lib ertação d e Ja c ó d o em b a ra ç o e do
m ed o (lit.) “ q u a n d o ele v ir em seu m eio os seu s filh o s” . O c u rso deles para
baixo, q u e ta n to a m e d ro n to u o fu n d a d o r da lin h ag em deles, foi in te rro m p id o
pela ação d o S enho r. E les, e m b o ra sejam “ seus filh o s” , ta m b é m são “ a o b ra de
m inhas m ã o s” — a tra n sfo rm a ç ã o (cf. v. 17) é to d a d e D eu s. Ja c ó é ta n to o fun-
d a d o r da lin h ag em q u a n to o n o m e da c o m u n id a d e to d a:12 to d o s, pai e filhos, são
reu n id o s em u m a fam ília, c a rre g a n d o um n o m e. N o s te rm o s proclamará[...ireco-
nheceráé u sa d o o m e sm o v e rb o d uas vezes (o hiphalde qãdes, “ re c o n h e c e r c o m o
san to ”). A d iferen ça e n tre “ p ro clam ará o m eu sa n to n o m e ” e “ re c o n h e c erá a
santidade d o S an to de J a c ó ” é q u e a p rim eira é a n a tu re z a d e D e u s c o n fo rm e
ele tem revelado a si m e sm o ; e a últim a, a p re se n ç a d o S e n h o r e n tre seu povo.
Eles, p o r fim , c o n fe ssa rã o q u e ele é sa n to e re c o n h e c e rã o sua san tid ad e c o m o
algo c en tral na vida deles. A frase eno temor (‫י‬Varas) é p a re n te d o adjetivo cruel
(20), u m a ex p ressão e x tre m a m e n te fo rte d e te m o r rev e re n te e trê m u lo d ian te
do im p re ssio n a n te Deus deIsrael.
24 E sse versículo descreve dois aspectos da vida individual tran sfo rm ad a
naqueles q u e são obrademinhasmãos (23). E les d e m o n stra rã o um a vida estável. O
espiritoé a energia (até m e sm o “ p ra z e r”) na qual a vida é vivida. O s desorientados
deespíritod e m o n stra m inquietação, im previsib‫ ש‬dade, inco n stân cia e falta de um
firm e pro p ó sito . N o en tan to , eles virão a ter “ e n te n d im e n to ” (blnâ; cf. v. 14) e a
ter v erd ad eira p e rc e p ç ã o d o se n tid o real da vida. T a m b é m te rã o ap tid ão para
ap ren d er, u m a recep tiv id ad e p ara a v erdade. A ex p ressão osqueixosos(1‫ו‬rãgan) só
é e n c o n tra d a em D e u te ro n ô m io 1.27 e S alm os 106.25 e é usad a p a ra a rejeição
im placável d a palavra d o S en h o r, a d e te rm in a ç ã o au to co m iserativ a d e d ar a p io r

1 Com o uso geral de “redim ir” (um verbo que se refere, em essência, a aguentar as conse-
quências de seus atos) cf. nosso uso do conceito de pagar o preço da “ fiança” no sentido
mais abrangente de “resgate do problem a” .
2 Com esse uso de tfqereb com o sufixo singular cf. Êx 10.1, passagem em q u e /“entre eles”
refere-se diretam ente ao faraó, mas associa-o com a totalidade de seu povo com o a comu-
nidade na qual os sinais do Senhor serão realizados. Da mesma maneira aqui, a expressão
“em seu m eio” sugere “associado com ele em uma com unidade” .
O L IV R O D O REI 326

in te rp re ta ç ã o p ara as coisas, a inflexibilidade p a ra n o ic a n o e n te n d im e n to da


vida. E ste s q u e vão aceitar instrução/ “ a p re n d e rã o d o u trin a ” , tro c a m sua teim o sia
pela v erd ad eira instrução (leqah, de ilãqah, “ to m a r” , daí “ a p re e n d e r” [a verda-
de]). Cf. D e u te ro n ô m io 32.2; J ó 11.4; P ro v érb io s 4.2; 7.21; 16.21,23).

4. A falta de lealdade da humanidade e a lealdade de Deus (30.1-33)


Isaías ag o ra, c o n fo rm e m o stra m as referências ao E g ito e à A ssíria (2,31),
p assa d o s p rin c íp io s p a ra a aplicação deles. E ssa q u a rta p assag em d e “ ai” le-
v an ta o te m a d o p rim e iro (28.1-29) e aplica-o à aliança co m o E g ito (1-7) e ao
ataqu e da A ssíria (27-33). C) p rin c íp io en u n c ia d o n o c a p ítu lo 28 é q u e existe
apen as u m fu n d a m e n to (28.16). F o ra das p ro m e ssa s d o S e n h o r n ã o h á salva-
ção, só d estru ição . A rejeição d a palavra traz o ju lg am en to da palavra, e as ga-
ra n d a s fo rjad as p elo p ró p rio in d iv íd u o são m eio s d e m o rte . M as o ca p ítu lo 28
ta m b é m en sin a q u e o S e n h o r se m p re o p e ra de fo rm a in ten cio n al (28.23ss.), e
aqui seu p ro p ó s ito im e d ia to c o m o E g ito (1-7), co m Ju d á (8-17) e c o m a A ssíria
(27-33) está fu n d id o c o m a visão d o c u m p rim e n to escato ló g ico d e tu d o q u e ele
já p ro m e te u (18-26).

A 1 O s ev e n to s c o n te m p o râ n e o s: o E g ito n ã o é a ajud a q u e p recisam (1-7)


B1 O s ev e n to s h u m a n o s v in d o u ro s: a rejeição da palavra,
o c a m in h o d e m o rte (8-17)
B2 O s ev en to s d ivinos v in d o u ro s: a esp era de D e u s,
a c e rte z a da glória (18-26)
A 2 O s ev e n to s c o n te m p o râ n e o s: a A ssíria n ã o é u m a am eaça (27-33)

N e ssa e stru tu ra , A 1 e B 1 ju n to s d escrev em a in cred u lid ad e h u m a n a ; e A 2 e


B 2, a fidelidade d e D eus.
S o b ejam as ligações c o m o cap ítu lo 28. O te m a d a “ in u n d a ç ã o ” tam b ém
o c o rre em 4.6; 25.4; 32.2, m as o d e “g ra n iz o ” só aco n te c e e m 28.2,17; 30.30.
O u tro s tem as c o m u n s são a rejeição d e sd e n h o sa d a palavra p ro fé tic a (28.9,10;
30.9-12); o d e sc a n so (28.12; 30.15); a b u sca da falsa seg uran ça (28.15; 30.2,3; a
única o c o rrê n c ia d e “ fazer re fú g io ” n essa série de o rácu lo s d e “ ai”); o discer-
n im e n to de D e u s (28.26,29; 30.18). A “ p o n ta de e sp e ra n ç a ” em 28.5,6 o ferece
u m p a d rã o para a su rp re e n d e n te m en sag em d e e sp eran ça de 30.18. (3 notável
“ p o r isso ” (N V I, contudo) c o m o qual o versículo 18 co m e ç a faz u m a ligação
causai e n tre a p u n iç ã o d e v a sta d o ra (w . 12-17) e a e sp eran ça g lo rio sa (w . 18-
27). O c o n te x to p ara isso é o a g ric u lto r d e te rm in a d o d e 2 8 .23-29, cuja mais
grave a n g ú stia e d e rro ta está relacionada co m os exercícios b en ig n o s d e sem ear
e colher. A c o m p a ra ç ã o d e 30.1-5 co m 31.1-3 e 29.15-17 (cf. 28.11-13 co m
30.15-17) revela u m estilo e v o cab u lário em c o m u m q u e p o d e m o s co n sid e ra r
327 ISAÍAS 3 O .I - 7

típico d o m in istério d e Isaías em relação à crise d e 701. O o rá c u lo se p a ra d o d o


versículo 6 au te n tic a a si m e sm o co m seu títu lo n o m e lh o r estilo en ig m ático de
Isaías. A p assag em 30.8, c o m p a ra d a co m 8.1,11,16, su g ere u m original n o estilo
de “ d iário ” , o u “ livro d e m e m ó ria s” . A passag em 30.29-33 d ata d e fo rm a acei-
tável a seção atual em relação a 701, m as o s versícu lo s 19-26 p o d e m p e rte n c e r
a q u alq u er p e río d o d o m in istério de Isaías, te n d o seu lu g ar aqui p ara o tem a
de “ o u v ir a palavra” . E provável q u e Isaías te n h a escrito o s v ersícu lo s 18,27,28
com o peças c o n e c ta d as q u a n d o as p assag en s d e “ ai” fo ra m reu n id as em sua
fo rm a atual.

a. Os eventos contemporâneos: o Egito não é a ajuda que precisam (30.1-7)


E ssa seção é dividida em duas su b seçõ es p elo título n o v ersícu lo 6. P rim ei-
ro há a m issão d ip lo m ática enviada ao E g ito (1-5), fato n ã o re g istra d o em o u tro
livro, m as p e rfe ita m e n te a ju stad o à situação e, d ep o is, a p o esia d e z o m b aria do
“o rá c u lo /fa rd o em relação aos anim ais de N e g u e b e ” . O te m a u n ificad o r d o
to d o é a inutilidade (3,5,6,7). A b u sca d e o u tra p ro te ç ã o cjue n ã o a d o S en h o r
(1), o p la n e ja m e n to sem o rie n ta ç ã o divina (2), é o m e sm o q u e n ã o e n c o n tra r
n e n h u m a p ro te ç ã o (3), m as só c o lh e r v e rg o n h a (5-7), in d e p e n d e n te m e n te do
esforço (4) e d o c u sto (6). As três e stro fe s d o s versículos 1-5 tê m q u a tro linhas
cada u m a, d e ex te n sã o variada. A s ex p ressõ es não de mim, não do meu Espírito
(1, A RC) e “ n ã o traz ajuda n e m v a n ta g e m ” (5) fo rm a m u m inclusio [criar um a
e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a seção]. A s três
estrofes n o o rá c u lo d o s anim ais têm três linhas cad a u m a, em sua m aio ria co m
três p alavras p o r linha.

A A m issão d ip lo m ática para o E g ito (1-5)


a1 A rebelião: a ação sem au to riz a ç ão (1)
a2 A insensatez: a busca de segurança o n d e n ã o h á segurança (2,3)
a3 O fato: a aparência q u e e n g an a (4,5)
B O o rá c u lo re fe re n te aos anim ais de N e g u e b e (6,7)
b1 O s riscos (6a-c)
b2 O c u sto sem g a n h o (6d-f)
b3 A nulidade d o E g ito (7)

A missão diplomática ao Egito (30.1-5)


1 A expressão filhos obstinados é “filhos rebeldes
sarar]” (cf. 1.2,5,23). A
expressão declara[n'um\ 0 Senhoré “diz o Senhor ” (ARC) (veja comentário sobre
1.24). A frase que executamplanos é um infinitivo de intenção, por conseguin-
te, aqueles “empenhados em fazer projetos”. O vocabulário associa a indig­
O L IV R O D O REI 328

nação divina c o m a teim o sia h u m an a. A ex p ressão não são meus é “ n ã o são d e


m im ” ; os p la n o s n ã o ü v eram o rig e m n o S enhor. O te rm o faixem é m ais u m a vez
“ e m p e n h a d o s em fazer” . A palavra acordo (massêkà) foi tra d u z id a p o r cobertor/
“ c o b e rta ” (TB) em 28.20 (cf. o su b sta n tiv o e o v e rb o em 25.7). O se n tid o d e
“ c o b e rtu ra p ro te to ra ” é m ais a d e q u a d o aqui q u e “ a c o rd o ” .1 S o b re meu Espírito
(A RC), veja 31.3. A palavra pelo (TB ), d e a c o rd o co m as regras d e p aralelism o , é
p e rfe ita m en te adm issível aqui, d a n d o o s e n d d o de q u e n ã o h o u v e in c ita m e n to
div in o p o r trás d a b u sc a d esse a c o rd o , m as a ex p ressão literal “ n ã o p e lo m eu
E sp írito ” (TB) re p re e n d e a b u sc a de o u tra p ro te ç ã o q u e n ã o a p ro te ç ã o d o p ró -
p rio E sp írito . A frase para ajuntarpecado sobrepecado é (lit.) “ a fim d e q u e p o ssa m
a c re sc en ta r p e c a d o so b re p e c a d o ” . O p rim eiro p e c a d o d e agir sem o in c ita m e n -
to divino, a u m e n ta d o p e lo se g u n d o p e c a d o de b u sc a r o u tra p ro te ç ã o q u e n ã o a
d o E sp írito , é d e sc rito c o m o u m a in te n ç ã o d elib erad a de p ecar. N a ética bíblica,
fazer o q u e é sa b id o se r e rra d o , p o r q u a lq u e r m o tiv o , é e sc o lh e r o errad o . E les
b em p o d e m te r alegado a segurança nacional, m as a realidad e, c o m o d istin ta d a
d eclaração (cf. 28.15), é p e c a d o (hattãt), fican d o aq u ém d o v e rd a d e iro objetivo.
2 A expressão que descem é “ que viajam para d escer” o u “q u e se p rep araram
para d escer” , ex p ressan d o a deliberação d a ação. O Egito é o lugar d e m o rte (E x
1.22). Q u e lugar para se te r esp eran ça d e vida (28.15)! A frase sem consultar-me é
(lit.) “ sem p e rg u n ta re m à m in h a b o c a ” (A R C ), e x a ta m e n te c o m o em J o su é 9.14.
A “ b o c a ” é o ó rg ã o p ara ex p re ssa r a opinião. O S e n h o r teria falad o se tivessem
lhe p e rg u n ta d o . Para procurar ex p ressa o p ro p ó s ito d o exercício, “ b u sc a r p ro te -
ção n o p o d e r*2 d o faraó, e refú g io n a s o m b ra d o E g ito ” .
3 O b se rv e o u so eficaz d o s m e sm o s te rm o s d o v ersícu lo 2 cd .3 P o n to a
p o n to , o q u e eles te n ta m p ro v a rá ser ilusório. Isaías vive c o m a trad ição d o
ê x o d o d o E g ito c o m o o p o d e r e scrav izad o r e o faraó c o m o o rei g en o cid a. A s
palavras vergonha (bõsej) e humilhação (kflimmâ) são sinô nim as. E las p õ e m m ais
ênfase em “ tra rá v e rg o n h a ” , o d e sa p o n ta m e n to o b jetiv o d a e sp e ra n ç a, q u e em
“ causará h u m ilh a ç ã o ” , e m b o ra a últim a n u n ca esteja ausente.
4 Z oã ficava n o n o rte d o delta; e Hanes, b e m abaixo d o ápice d o delta. A
referên cia a p o n ta p a ra a u n iã o d o E g ito so b a fo rte d in astia etío p e. E m 715,
S h abak a (716-702) tin h a to d o o E g ito so b seu co n tro le. O p o n to d e Isaías é que

' O u “tecer um a teia”, ou seja, a teia da intriga diplomática que leva a um a aliança. O ver-
bo (‫י‬Inãsak) é usado para derram am ento da oferta de bebida, talvez a ratificação dc uma
aliança com a cerimônia religiosa apropriada.
2 Λ expressão buscar proteção traduz duas raízes assonantes, mas distintas — k Y ô z b'mckoz■
Sobre a form a l a ò z veja GKG~12<\. B H S corrigiría isso para o term o l ã 'â z que é mais co-
mum.
3 N o entanto, K aiser torna o versículo 3 secundário, descrevendo-o com o “ um com entário
explicativo posterior” . Isso é desnecessário, não m enos im portante à luz da própria ad-
missão de Kaiser de que “não há motivo real para não atribuir” os versículos 1-5 a Isaías.
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e m b o ra v isto d e fora o E g ito p o ssa ag o ra p a re c e r fo rte n ã o havería n e n h u m


líderes/ “ p rín c ip e s” , os executivos d o
resu ltad o a n ã o ser d e sa p o n ta m e n to . O s
g o v ern o , e talvez o s enviados fo ssem o s de E z e q u ia s (o h eb ra ic o traz “ ele tem
[...] seus e n v ia d o s”), m as é m ais provável q u e a referên cia seja ao faraó cujo
d e c re to ag o ra c o rre o país. O v e rb o tenham está n o te m p o p e rfe ito d e n o ta n d o
um fato estabelecido, e n q u a n to “ te n h a m c h e g a d o ” está n o te m p o im p erfeito
d e n o ta n d o u m a ex p eriên cia em an d am en to .
5 O v e rb o envergonharãoé um p e rfe ito d e se n tid o d e te rm in a d o “ é o b rig a d o
a ser” .1 A frase que lheséinútilé “ q u e n ã o p o d e se a p ro v e ita r” (um im p erfeito
em p oten cial) o u “ q u e n u n c a é de p ro v e ito ” (um im p e rfe ito característico ). D o
m a ta d o r te m id o (A ssíria), eles b u scam ajuda n o m a ta d o r c o m p ro v a d o (Egito)!
S em pre é assim q u a n d o são escolhidas as alternativ as à salvação d o Senhor.

0 oráculo referente aos animais de Neguebe (30.6,7)


A o rd e m n o versículo 8 p ara escrev er issoem um a táb u a p o d e se referir a
esse oráculo. E ssa daria u m a peça de p u b licid ad e im p re ssio n a n te , b elam en te
elab orada, c o n tu n d e n te e coerciva! S o b re a fo rm a p o é tic a d o s v ersículos, veja
acim a. E m b o ra esse seja claram en te um o rá c u lo individual lig ad o ao prece-
d en te, sua a d eq u ab ilid ad e c o n te x tu a l é in q u estio n áv el, cu lm in a n d o , c o m o faz
(6s.), c o m palavras idênticas às d o versícu lo 5b, ‘ai ‘am lô'yôHü (“ d e /p a r a um a
pesso a de n e n h u m p ro v e ito ”). O s versículos 1-5 en fatizam a p olítica egípcia
c o m o u m p ro d u to de p la n e ja m e n to h u m a n o (1), tira n d o v an tag em d o q u e eles
p en sam se r a fo rça egípcia (4), e o s versículos 6,7 en fa ü z a m o c u sto so e sfo rço
h u m an o . M as as p esso as n ã o p o d e m , n em p elo sacrifício n e m pela sab ed o ria,
c o n se g u ir sua p ró p ria segurança.
6 C o m p a re os títu lo s e n ig m áü co s de 21.1; 21.11 e 22.1; a o rd e m das pala-
vras é idêntica. E n q u a n to os po lítico s de Je ru sa lé m estiv essem sem d ú v id a se
p e rg u n ta n d o : “ Será q u e n o sso s em b aix ad o res se sairão b e m ? ” ; Isaías sugere
co m ironia: “ N ã o se p re o c u p e m co m eles, e q u a n to aos anim ais d e carga?” ,
c o m o se o b e m -e sta r d estes fosse a única coisa im p o rta n te em u m c o m p le to
d e sp erd ício d e te m p o d o se r h u m an o . H e rb e rt sug ere d e m o d o in teressan te
que os em b aix ad o res, n o in teresse d e g u a rd a r seg red o , n ã o seg u iram a ro ta
c o m u m através d a Filístia, m as p eg aram o p e rig o so c a m in h o atravessando uma
terrahostilesevera, o u seja, o N eg u eb e. A ironia da situ ação n ã o p a sso u d esp er-
cebida ao p ro fe ta . O S e n h o r n ã o deixou seu p o v o d o ê x o d o viajar através da

1 .Si? envergonharão traduz h b y s , que podería parecer ser hib'Ts (“ com certeza adquire mau
cheiro” ; cf. ISm 27.12). Mas Q re ordena a leitura p o r hõbTs, que deveria ser na form a um
h ip h il de ly ã b ê s. Mas a form a h ip h ii podería dar o sentido inadequado de “ fazer secar” . Por
isso, considera-se em geral que um term o lyãba~sy só encontrado aqui, tem de ser entendí-
do com o uma form a variante de ib ó s (“ser envergonhado”). !H I.S c K aiser corrigem para
k o lh a b h ‘a h õ b ls (“é certo que todos que com certeza colherão vergonha”).
O L IV R O D O REI 330

Filístia p ara q u e a o p o siç ã o n ã o o s fizesse m u d a r de o p in ião , v o lta n d o a m e n te


deles d o fo c o em C anaã para o E g ito (E x 13.17); ag o ra aqueles q u e recu saram
a seg u ran ça n o D e u s salv ad o r rev erteram p re c isa m e n te o êxodo! A e x p ressão
de ¡eoes é “ o n d e estã o os le õ e s” (lit. “ d eles”), o p ro n o m e n o p lural se refere ao
singular a n te c e d en te , “ te rra ” .1
7 O versículo c o m e ç a (lit.) co m “ E o E g ito ” , e a fo rça é exclam ativa: “ E gi-
to! Sua ajuda é inútil e vã!” A s p ro m e ssa s d o s egípcios d a rã o em n ad a (“ in ú til”)
p o rq u e eles n ã o tê m n ad a (“ in o fe n siv o ”). A palav ra o é “ a q u ele” . S alm os 87.4
m o stra q u e Raabe tin h a algum a aceitação c o m o n o m e n o E gito. A p assag em
51.9 to c a em u m significado m ais p ro fu n d o , m as aqui é ap en as o se n tid o da
palavra, “ tu rb u lê n c ia , arro g ân cia, o ste n ta ç ã o ” . O E g ito se m p re o e n c re n q u e iro ,
cheio de p ro m e ssa s, m as n o ev e n to nada fa% (ARA).

b. Os eventos futuros: a recusa do mundo, o caminho de morte (30.8-17)


C o n fo rm e essa p assag em m o stra ag o ra, a ação d e Ju d á em relação ao E g ito
é ap enas u m sin to m a; a causa é a recusa fu n d a m e n ta l em o u v ir a p alav ra d o
S enh or. Isaías re c e b e o rd e m p a ra fazer u m reg istro escrito (8), e essa o rd e m é
resp ald ad a p o r d u as explicações paralelas (9-14, 15-17):

A A o rd e m para escrev er (8)

B1 A p rim eira explicação (9-14) B2 A seg u n d a ex p licação (15-17)


A recusa em revelar a v erdade A recusa de u m a m en sag em
(9-11) específica (15)
A c o n seq u ên cia: u m a causa A c o n seq u ên cia: um a
in terio r, o p e c a d o d e rejeitar causa ex terio r, o ataq u e d o
a palavra (12,13a) in im ig o (16,17d)
O levar à d e stru iç ã o O levar à d e stru iç ã o
(d u p la m e n te ilustrada, 13b, 14) (duplam ente ilustrada, 17e-g)

A ordem para escrever (30.8)


O s te rm o s tábua e livro su g erem , resp ectiv am en te, um reg istro p ú b lic o e
um p riv ad o (cf. 8.1,16). É possível q u e o m aterial reg istrad o p o r Isaías d essa
m an eira seja o d o s versículos 9-17, se e n te n d e rm o s o te rm o ñ inicial d o s ver-
sículos 9 e 15 (o m itid o c m cada caso pela N V I) n ã o c o m o “ p o rq u e ” (ARC)
(o fe re c en d o u m a explicação), m as c o m o “ esse” (in tro d u z in d o o c o n te ú d o da

1 Sobre os pronom es no plural com antecedentes no singular, veja 38.16; Jó 22.21; Ez


18.26; Sf 2.7. Mas B I IS, B H c K aiser corrigem as várias palavras com o sentido de “ eres-
cendo”, o que é mais que uma diferença mínima banal.
331 ISAÍAS 3 0 .8 - 1 7

m en sag em a ser escrita). N o e n ta n to , é m e lh o r e n te n d e r o c o n te ú d o d o s ver-


sículos 9-14, 15-17 c o m o u m a explicação d o ju lg am en to p o r vir e s u p o r q u e a
o rd e m p a ra reg istrar se refere aos versículos 6 e 7. O s v ersícu lo s 6 e 7, altern a-
tivam ente, p o d e m te r sid o o an ú n cio p ú b lico , e Isaías reg istro u p riv ad am en te
to d o seu m in istério q u e versava so b re a aliança egípcia caps. 28— 37). Para elesé
“ co m eles” , o n d e eles estão, o n d e n ã o p o d e m d eix ar d e v er esse an úncio. Isaías
p ercebia q u e seu m in istério era im p o rta n te p ara além d e seu p ró p rio te m p o e
que sua relevância im ediata n ã o exauria seu sentid o. N a v erd ad e, faz p a rte da
palavra im perecível d e D e u s (lit.) “ p a ra se m p re e p e rp e tu a m e n te ” (ARC) (lãcad
‘ad ‘ôlãm). A N V 1 segue a BHS, K aiser, etc. ao alterar laad para Ded (“ p ara um
te ste m u n h o ”), q u e é um exercício in o fen siv o além d e d esn ecessário . A palavra
p reserv ad a será in ev itav elm en te um te ste m u n h o ; n ã o h á n ecessid ad e de cha-
m ar ate n ç ã o p a ra isso, Isaías en fatiza firm e m e n te a p e rp e tu id a d e d o registro.

A primeira explicação (30.9-14)


E sses versículos são u m a declaração geral d a rejeição d a palavra d e D eu s
(9-10d), sua su b stitu ição p o r u m a m en sag em h u m a n a m e n te aceitável (1 0 e-l lb )
e a rejeição d o S e n h o r c o m o o S an to (1 le d ).
9 A N V I o m ite o “ p o rq u e ” inicial ao in tro d u z ir a p rim eira explicação. So-
bre o te rm o rebelde(m'ñ) veja 1.20. Mentirososé (lit.) “ d e s a p o n ta d o re s” , “ n ã o são
o que dev eríam se r” . A palavra filhosé filhos m e sm o s (veja 1.2). Para o vo cab u -
lário e a ex p ressão id io m ática d e não querem saberveja c o m e n tá rio so b re 28.12
e a n o ta de ro d a p é re fe re n te a ele. E les c o n sid e ra m o o u v ir algo inaceitável,
in d e p e n d e n te m e n te d o q u e o S e n h o r p o ssa dizer, instruçãoé tôrã (veja 1.10).
10,11 E claro q u e eles n ã o diríam a m aioria d o q u e está escrito nas palavras
atribuídas aqui a eles. A s p esso as n ã o p e d e m a b e rta m e n te q u e lhes seja d ito
o que está e rra d o e é ilusório. Isaías está p o n d o as atitu d es deles em palavras,
v erbalizando as im plicações d o s a to s e das reaçõ es deles (cf. 28.15). E les não
queriam u m a m en sag em so b re n a tu ra l (lO ab) n em u m a m e n sa g e m de exigên-
cias m o rais (lO cd), m as um m in istério q u e deixasse a vida seren a (agradáveis/
“aprazí%‫־‬eis”), u m m in istério d e m en sag en s irrelev antes (ilusõesé u m su b stan ti-
vo, d o c o n trá rio , n ão exem plificado, mahatallótd e itãlal sig n ifican d o “ zo m b ar,
divertir-se c o m ” ; cf. J z 16.10). E les n ã o q u e re m san tid ad e p ara u m a vida que
segue “ esse c a m in h o [...] essa v e re d a ” (1 la b ); e n ã o q u e re m co m certe z a a santi-
dade d e D e u s m e sm o (1 le d ). Deixem essecaminhoexige q u e os p re g a d o re s sejam
os p io n eiro s de um a nova m oralidade. O v erb o abandonem devia ser “ leve[-nos|
para fo ra” (o hiphild e )nãlâ se m p re é transitivo), o u seja, lev e-n o s à p rática das
novidades. S o b re 0 SantodeIsraelveja 1.4. E les n ã o p ed iram p ara q u e a p reg ação
cessasse, m as apenas q u e ela fosse in ó cu a, sem im p erativ o s m o rais e sem o
refo rço da m o ral su p re m a ab so lu ta da n a tu re z a d e D eus.
O L IV R O D O REI 332

12 O b s e rv e a re p e tiç ã o im ediata de oSantodeIsrael.E les se livrariam dele e


d e sua p alavra, m as (porisso) n ã o se p o d e escap ar dele n e m d e sua palavra. Re-
jeitaram ()maps) significa “ d e sp re z a r” o u “ m e n o sp re z a r” , c o n fo rm e ilu strad o
pelo s versículos 9 - 10b. S o b re mensagem/ “ p alavra” veja o versícu lo 21. O tcr-
m o confiaram é “ p ô r su a co n fia n ç a e m ” e, n o versículo 15 c o rre sp o n d e n te , faz
paralelo c o m a recu sa em c o n fiar (veja o e sb o ç o acim a). Isaías está m ais um a
vez le n d o p a ra eles as im plicações das escolhas q u e fazem . E les e sc o lh e ra m ter
um a n o v a m o ralid ad e (1 0 e-l lb ) e to d a m o ralid ad e in v en tad a p e lo se r h u m a n o ,
ced o o u tard e, tra n sfo rm a -se em um a escravidão e um s e n h o r cruel. O T M traz
“ co n fio u n a o p re ssã o e n o q u e é d e s o n e s to /to r tu o s o /p e r v e r tid o 1 e b u sc o u seu
a p o io n isso ” . A “ coisa p e rv e rtid a ” p o d e se referir ao terceiro e le m e n to n a n o v a
religião deles: sua rejeição d a san tid ad e d o S enhor. R ecu sar o S e n h o r d a fo rm a
c o m o ele rev elo u a si m e sm o equivale a a d o ra r u m a p erv ersão .
13,14 O “ p o r isso ” (TB) inicial d o versículo 13 (o m itid o p ela N V I) re to m a
a palavra d o v ersículo 12, d a n d o u m a fo rm a ç ã o típica de Isaías: “ P o r isso [...]
p o rq u e [...| p o is” . O s p ro fe ta s eram co n sid e ra d o s p reg ad o res. A p alav ra pecado
( ' ãwãn; cf. 1.4; 6.7) enfatiza o fa to r in te rn o de “ in iq u id ad e” , d e fo rm a ad eq u ad a
à acusação d e relutância em o u v ir (9). S eguem -se du as ilustrações. P rim eiro ,
u m m u ro q u e d e sp e n c a so b seu p ró p rio peso, e, seg u n d o , u m v a so d e b a rro
esm ig alh ad o p o r foças externas. A ssim , a iniquidad e ta n to d e stró i a si m esm a
q u a n to ta m b é m traz julgam ento. A frase como um muro alto, rachado etortoé (lit.)
“ a b rech a de um m u ro alto, que, fo rm a n d o um a b arrig a, está p re ste s a cair”
(A RA ). A e x p re ssã o quebrará (ARC) é “ ele o fará em p e d a ç o s” . E sse “ ele” p o -
deria ser a terceira p e sso a d o singular indefinido, “ alg u ém ” , equ iv alen te a u m
passivo, m as é mais provável que se refira ao S en h o r c o m o agente. Presum e-se q u e
pegar e tirarrefiram -se às práticas fam iliares: u m fra g m e n to u sa d o p a ra p e g a r
um a b rasa da lareira para a c e n d e r o fo g o em o u tro lu g ar e o fu n d o d e u m vaso
an tig o m a n tid o n a ciste rn a p ara tirar água dela. E ssa d u p la im ag em d e q u e b ra
en fatiza a co m p letu d e.

A segunda explicação (30.15-17)


O “ p o is” (TB) inicial d o versículo 15 in tro d u z u m a seg u n d a explicação
paralela d o p e c a d o de Ju d á. A g o ra o u v im o s a m e n sa g e m específica q u e foi
rejeitada (15) e ficam os sa b e n d o d a im p o ssib ilid ad e d e escap ar d o ju lg am en to
v in d o de fora (16-17d). D u a s ilustrações de d esastre total c o m p le ta m a descri-
ção (17e-g).
15 A reiteração d e 0 Santo de Israelé m ais u m a re p re e n sã o à v o n ta d e d o
p o v o de n ã o o u v ir m ais falar dele (11). M as ele ta m b é m é 0 Soberano, 0 Senhor, e
esse fato c o n d e n a o fracasso deles em c o n fiar nele e a in se n sa te z p e c a m in o sa

' Uma coisa/alguém pervertido traduz nàlòz, um participio mphalde ·¡luz (cf. Pv 2.15; 3.32; 14.2).
333 ISAÍAS 3 0 . 1 8 - 2 6

de e sc o lh e r o E g ito em vez dele. A receita de Isaías para a seg u ran ça nacional


p e rm a n e c ia in alterad a d e sd e a é p o c a de A caz (7.4,10-12; cf. 28.12). P rim eiro,
tin h a de h av er arrependim ento/ “v o lta n d o ” (TB ), o ativo c a m in h o d e v o lta p ara o
S e n h o r (cf. 1.27); um a vo lta c o m o trazê-lo s ao descanso n o S en h o r. A seguir, h á a
quietude , a ausência d e an sied ad e frenética e in q u ieta q u e ev id en cia a verd ad eira
confiança. H á um realism o a re sp e ito d esse m o d o d e vida. E le traz vigor ( ç‘bü râ ,
“g u e rre iro fo rte ”), v ig o r p ara as batalhas e desafios d a vida. Seu p o v o estava em
u m a situ ação m ilitar, m as o p ro fe ta n ã o re c o m e n d a v a a rm a m e n to s, ap en as o
a rm a m e n to d a fé. C o n fo rm e G . A. Sm ith diz: “ N ã o aliança, m as c o n fia n ç a ” .1A
frase m as vocês não quiseram é (lit.) “ vocês n ã o q u e re m sa b e r” (v. 9; 28.12).
16 A recu sa d o c a m in h o de fé fez c o m q u e eles se c o m p ro m e te sse m co m
o m ilitarism o, e eles vivenciariam a v erd ad e d e M ateus 26.52. Isaías faz u so
d os d o is lados d e 4nâs, “ m ais ra p id a m e n te ” ( vamos fugir ) e “ fugir em face d o
in im ig o ” (fugirão). M as q u a n d o re c u sa m o s o c a m in h o d e fé, q u a lq u e r co isa q ue
esc o lh e m o s se volta c o n tra nós. T e n ta m o s ser rá p id o s ap en as p ara d esc o b rir
qu ão ráp id o s são n o sso s inim igos!
17 A p ro m e ssa d e Ix v ític o 26.8 é revertida; e a am eaça d e D e u te ro n ô -
m io 32.30, realizada. U m m astro no alto de um m onte e um a bandeira num a colina não
são a sp e c to s naturais. E les falam da atividade h u m a n a , m as se fo re m tu d o que
restar, eles apenas p ro v a m que, um dia, as p esso as v iv eram ali e ag o ra se foram .
A im ag em , du p licad a p ara a c o m p le tu d e , é d o fim d a nação, d o d esap arecim en -
to d o p o v o (cf. 6.11,12).

c. Os eventos futuros: o Deus que espera, a certeza da glória (30.18-26)


C o m o versículo 18, a ênfase cai na fidelidade, su p re m a (18-26) e im inen-
te (27-33), d e D eus. E le é de tal m an eira q u e seus p ro p ó s ito s n ã o p o d e m ser
fru stra d o s p ela infidelidade h u m an a. N o s versícu lo s 18-26 te m o s p e rm issã o
para o lh a r ad ian te para um p e río d o de esp era até o m o m e n to em q u e a glória
m essiânica fará raiar a n o v a criação. O estilo é a p ro sa p o é tic a o u o v erso livre;
e o p o e m a , a rra n ja d o em sete divisões.

A 1 A b e m -a v e n tu ran ç a q u a n d o acabar a e sp era (18)


B1 O c o n fo rto e o cu id ad o d e p o is das lágrim as (19)
C A b ê n ç ã o espiritual: a revelação c a recep tiv id ad e
(20 ,21)
D A resp o sta: o fim da falsa religião (22)
C2 A b ê n ç ã o terren a: ab u n d â n c ia de alim e n to (23,24)
B2 A gua a b u n d a n te n o dia da v itória (25)
A2 L uz a b u n d a n te n o dia da cura (26)

S m ith , p. 128.
O LIVRO DO REI 334

( ) n o m e divino, Jeo v á (TB ), só é u sa d o na linha inicial d e Λ 1 e n a linha de


e n c e rra m e n to d e A 2, fo rm a n d o u m inclusio feriar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial
sim ilar n o início e n o final d e um a seção]. As linhas A 1 e B 1 fo rm a m u m co n -
traste e n tre a b e m -a v e n tu ra n ç a fu tu ra e as lágrim as atuais; as B2 e A 2 c o n tra sta m
m assacre e cura. A s três seções iniciais focam as b ê n ç ã o s espirituais; as últim as
três seções, a a b u n d â n c ia m essiânica. O s dois c o n ju n to s d e três seçõ es são liga-
do s, c o n fo rm e m o stra d o acim a, pelas seções C parelhas. A seção D fica à p arte,
to ta lm e n te d e v o ta d a à re sp o sta h u m ana: a rejeição a b so lu ta d o falso in d ic a n d o
um a lealdade visível e p rática ao S enhor. A s seções A e B têm cada u m a a ex-
te n sã o d e q u a tro linhas; as seções C têm cin co linhas, e am b as co m e ç a m co m
“ v o s /te d a rá ” (A RC); a seção central D tem três linhas.
18 O te rm o lãkên é “ p o r isso ” (e n ão contudo) e é re p e tid o n o c o m e ç o d o
versícu lo 18b (o m itid o pela N V I). O d u p lo “ p o r isso ” de e sp era e b ê n ç ã o casa
co m o d u p lo “ p o r ta n to ” (TB) Ç al kêri), n o versícu lo 16, d o ju lg a m e n to ine-
vitável. A lógica d e q u e D e u s está cm operação. E le d eve julgar e p u n ir, m as,
p o r causa d e seus p ro p ó sito s, n ã o fará isso! U m a vez q u e o ju lg a m e n to tem de
in terv ir, “ p o r isso ” ele (lit.) “ esp erará p a ra te r m isericó rd ia d e vós; e, p o r isso,
será exalçado p a ra se c o m p a d e c e r d e v ó s” (ARC). Sua g raça é sua d e te rm in a ç ã o
so b e ra n a d e a b e n ç o a r o n ã o m e re c e d o r (p o r exem plo, G n 6.8); sua com paixão
é o tra n s b o rd a m e n to d e seu a m o r a p aix o n ad o p o r seu p o v o (14.1). A palavra
ju stiça (m fspã t) é a m esm a d e 28.26 (N V I “ o c a m in h o ” o u “ acerca d o q u e h á de
fazer” [ARC]) e significa to m a n d o ex a ta m e n te as decisõ es certas ex a ta m e n te
n o m o m e n to certo. S o b re esperam veja 8.17.
19 A re p e tiç ã o Sião [...] Jerusalém é p ro p o sita l e tem o o b jetiv o d e en fa tiz a r
0 p reciso c u m p rim e n to das p ro m essas: em Sião, a fu n d ação foi lan çad a (28.18),
e a fruição será d e sfru ta d a em Sião [...] Jeru salém . A frase não vai chorar m a is/
“ n ão m ais ch o rarás d e fo rm a algum a” é u m a d eclaração d e p u ro êxtase q u a n d o
a g raça p rev alen te d a é p o c a se m an ifesta na ate n ç ã o divina, p e rp é tu a e im ediata,
para o b e m -e sta r em re sp o sta à oração. A alegria e a o ra ç ã o são as m arcas d o
p o v o d o S enhor.
20,21 N a s ex p ressõ es p ã o da adversidade e água d a aflição, os su b sta n tiv o s
estão em ap o sição — “ pão, o u seja, ad v ersid ad e” , “ água, o u seja, aflição ” . O
sentid o, p o rta n to , é “ a ad v ersid ad e c o m o seu p ã o [...] a aflição c o m o su a beb i-
d a ” . Isso c o n tra sta c o m a ab u n d â n c ia de alim en to s d o s v ersícu lo s 23 e 24. O
p e río d o d e aflição será u m te m p o em q u e o S e n h o r se e sc o n d e rá (8.17), m as
esse p e río d o será seg u id o de um te m p o d e relação d ireta co m ele. A tra d u ç ã o
p o r mestres (TB) é adm issível, m as o c o n te x to exige o singular, o qual a fo rm a
ta m b é m p e rm ite , o u seja, “ seu m e stre ” , re fe rin d o -se ao S e n h o r c o m o o co n -
c e sso r d a le i/in s tru ç ã o .1 E ssa revelação divina d e si m e sm o será igualada p elo s

1 A f o r m a é m õ reykã m a s d e p o is o m o d o d e lM m edh-H e q u e f o r m a o yodh p r e c e d e n d o o


s u fix o p o d e in d ic a r u m a f o r m a p lu ra l. T a lv e z p o s s a ig u a lm e n te s e r o yodh o rig in a l d a raiz,
d a n d o u m s e n tid o d e sin g u lar.
335 ISAÍAS 3 0 . 1 8 - 2 6

p o d e re s da recep tiv id ad e, olhos para v e r e ouvidos (ARC) p ara ouvir. O p erío d o


de rejeição da palavra d o S e n h o r ta m b é m será u m a coisa d o p a ssa d o (9-11).
A lém disso, o cu id a d o d iv in o será tal q u e o d e sv io para a direita o u p ara a es-
q u e rd a será c o rrig id o d e im ediato. N e sse dia p erfeito , o p o v o d o S e n h o r ainda é
c o n stitu íd o d e p e c a d o re s em p o ten cial, m as eles estã o so b u m m in istério d ivino
de p re se rv a ç ão na justiça. O b se rv e c o m o o m e stre q u e está d ia n te d e “ seus
p ró p rio s o lh o s ” ta m b é m está atrás de você, fo rn e c e n d o cu id a d o individual de-
talh ad o e a te n to (cf. 52.12). O te rm o vo%/ “ p alavra” é u m c o n tra ste d elib erad o
co m a p alavra rejeitada d o versículo 12.
22 H av erá u m a m u d an ça de atitu d e (o cu id a d o su b stitu íd o p e lo d esrespei-
to), de se n tim e n to (a d ev o ção su b stitu íd a pela revolta) e d e c o m p ro m isso (a
esco lha su b stitu íd a pela rejeição). E ssa é a d eclaração n eg ativ a d e v o lta à leal-
dade ún ica ao S e n h o r (cf. 27.9). C ontam inareis (TB) está na se g u n d a p e sso a do
plural, e n q u a n to lançá-las-âs e dir-lhes-ás (TB) está n a seg u n d a p e sso a d o singular;
a decisão d e to d o s ta m b é m é a decisão d e cada um (cf. 2.20).
2 3 ,2 4 A re c o m p e n sa d o g ra n d e dia p o r vir n ão é u m a in cu rsão na riqueza
m aterialista, m as tem de ser e n te n d id a n o c o n te x to d a d o u trin a da criação. A
en trad a d o p e c a d o n o m u n d o im p ô s restriçõ es so b re as forças p ro d u tiv as da
terra, a c o n se q u ê n c ia d a m ald ição divina (G n 3.17-19). O d e rra m a m e n to da dá-
diva da criação fala, p o rta n to , d o fim d o pecad o , da m ald ição e d a v o lta d o É d e n
(cf. A m 9 .1 3ss.). (3 alim e n to a b u n d a n te c o n tra sta c o m o p ã o d a ad v ersid ad e d o
versículo p a re lh o 20. A m b o s são d a d o s p elo S en ho r. A g estão b en eficen te d o
S en h o r d o s p ro c e sso s de fertilização (23a) é c u m p rid a pela re sp o sta m u itíssim o
p ro d u tiv a p o r p a rte da te rra (23b). A p a rtic ip a ç ão d o s anim ais n essa reco m -
p en sa c o n tra sta co m a lab u ta d o s anim ais d o N e g u e b e (6,7). A prin cip al ideia
p o r trás d e grandes prados é a de p len itu d e, m as ta m b é m d e seg u ran ça e n q u a n to
os anim ais p e ra m b u la m livres. O alim en to deles é forragem e s a l/ “g rã o p u ro ” ,
sujeito a u m a d u p la p e n eiração (espalhados/ “ p a d e ja d o ”) co m “ fo rc a d o c p á ” .
25 ,26 E sse s versículos têm u m a e stru tu ra paralela to ta lm e n te p erd id a na
N V I. As linhas iniciais casam um as co m as o u tra s (25: “ e haverá, so b re to d o
m o n te a lto ” ; 26: “ e será a luz da lua c o m o ” [ARC]); e as linhas d e e n c e rra m e n to
(quarta) são p arelh as (“ n o dia d a / n o dia em q u e ” [ARC]). O efeito d isso é o
c o n traste d o dia de m assacre co m o dia de cura.
25 E m c o n tra ste co m a água das lágrim as (19), aqui está u m re arran jo até
m esm o d a face da terra, p o r m eio d o qual os an tes árid o s to p o s das colinas se-
rão a b u n d a n te m e n te irrigados. N ã o é explicada aqui a relevância d o massacre e
da q u ed a das torres, m as veja 2.12-17; 25.1-5. É o dia d a v itó ria d o S e n h o r so b re
to d o o p o d e r d o inim igo.
26 (3 dia c o n tra sta n te traz cu ra para as p esso as q u e fo ram feridas tan-
to p elo p ró p rio p e c a d o q u a n to pelo ju sto ju lg am en to d o S en h o r. A passagem
O LIVRO DO REI 336

24.23 explica a in te n sa luz d o dia c o m o a luz d a gloria rad ian te d o S e n h o r dei-


x an d o o sol e a lúa “ e n v e rg o n h a d o [sj” , m as aqui é a restau ração d a criação a seu
v erd ad eiro p o d e r, q u a n d o ela ta m b é m é lib e rta d a d a escrav id ão da c o rru p ç ã o
(cf. R m 8.21).

d. Os eventos contemporâneos: a Assíria não ameaça (30.27-33)


E sse se g u n d o m o v im e n to na seção so b re a fidelidade d o S e n h o r v o lta-se
da escatologia p a ra a h istó ria im in en te. A passag em paralela d e “ ai” (cap. 28)
te rm in o u d e ix a n d o u m a p e rg u n ta em a b e rto so b re o fu tu ro d e Je ru sa lé m à m e-
dida q u e o c u id a d o so ag ricu lto r co lh e cada safra de a c o rd o c o m suas exigências
individuais. A p e sa r de o flerte de Ju d á co m o E g ito (30.1 -7) ser p ro fu n d a m e n te
o fen siv o p a ra o S e n h o r e inútil em relação à am eaça assíria, ain d a assim Je ru -
salém n ã o cairá p ara a A ssíria. A n tes, o rei assírio, tro v e ja n d o cm d ireção ao
Sião, está d e fa to su b in d o em sua p ró p ria pira funerária! O p o e m a está cm três
e stro fes d e sete linhas:

A 1 A ação divina: o ab alo das n açõ es (27,28)


B O c â n tic o e o b rad o : a festividade d e J u d á e a fúria d o S e n h o r
(29,30)
A 2 A ação divina: a d e rro ta d a A ssíria e seu rei (31-33)

O v ersículo 27a, 0 N o m e do Senhor, e o versículo 33e, 0 sopro do Senhor (n ism a t


yah w eh), a p rim eira e a últim a linhas n o h eb raico , fo rm a m u m inclusio [criar u m a
e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e um a seção]. S o b ejam
os a n tro p o m o rfism o s. N a p rim eira e stro fe , o N o m e do Senhor, a ira, os lábios, a
língua e o esp írito (N V l, sopro) d o S e n h o r são m e n c io n a d o s; na seg u n d a estro fe,
sua v o ^ seu braço e sua ira\ e na terceira e stro fe , sua vosç e sopro. T a m b é m h á um
c o m p a rtilh a r de palavras. T a n to a e stro fe um q u a n to a do is trazem a e x p ressão
fogo consumidor, e as e stro fe s um e três c o m p a rtilh a m o c o n c e ito d e fo g o {em
chamas e m uito fogo). O te rm o peneira (28) e golpes do seu braço/ “ agitação ” (32) têm
a m esm a raiz; e torrente (28) e rio (33, Bíblia C N B B ) são a m esm a palavra. A s
e stro fe s d o is e três tra z e m referências a in stru m e n to s m usicais: fla u ta , tam borins
e harpas. O b s e rv e ta m b é m c o m o a e stro fe um te rm in a co m o S e n h o r c o m o o
d o n o d a h istó ria e m u m a escala universal {nações, povos) e a e stro fe três, co m o
S e n h o r c o m o o d o n o da h istó ria em um a escala p e rp é tu a (p ro n ta já ja% tem po). A
e stru tu ra d o p o e m a c o lo ca o p o v o d o S e n h o r n o c e n tro d e seu g o v e rn o so b e-
rano, os alegres recip ien tes de sua vitória.

A ação divina: 0 abalo das nações (30.27,28)


E ssa e stro fe inicial faz o uso m ais c o m p le to d o tip o d e linguagem an tro -
p o m ó rfic a q u e caracteriza o p o e m a inteiro. Sua in te n ç ã o é m o s tra r o S e n h o r
337 ISAÍAS 3O.27-33

to ta lm e n te en v o lv id o n a ação e reação na h isto ria d o m u n d o e a inevitabilidade


de u m a d e te rm in a ç ã o m o ral final p o r causa d e q u e m ele é e p o d e fazer. Seu
N om e é o re su m o de seu ca rá te r revelado (E x 3.15). E le vem c o m o o D eu s
que julga seus inim igos e red im e seu povo. A e x p re ssã o de longe é, em p rim eiro
lugar, p a rte d o te m a da te m p e sta d e da passag em (a te m p e sta d e q u e se aproxi-
m a an u n cia sua v in d a p o r m eio de sinais ao longe; cf. E z 1.4), m as ta m b é m se
ad eq u a à n o ta da longa p re p a ra ç ã o d o s ev e n to s h istó ric o s so b re a qual o p o em a
te rm in a (33). 1\ fu m aça e o fogo são sím b o lo s d o ê x o d o da p re se n ç a divina (Ex
13.21) e d e san tid ad e (E x 19.18). O S e n h o r n ã o age arb itra ria m en te , m as, sim ,
de a c o rd o c o m o q u e ele diz e p o r m eio d e sua palavra au to ritativ a. ( ) te rm o
so pro / “ e sp írito ” (rüah ) h a rm o n iz a co m a m e tá fo ra d e te m p e sta d e e tam b ém
indica o m o d o da ação divina pessoal. O te rm o im petuosa é a palavra trad u zid a
p o r “ d e s tru id o ra ” cm 28.15,18. A passag em 8.8 usa a m esm a lin g u ag em sim bó-
lica, até 0 pescoço, em co n e x ã o co m a invasão assíria. A peneira da destruição (s ã w \
“ fa lsid a d e /in iq u id a d e ” ; 1.13; 5.18) co m a qual o S e n h o r sac ode. / “ peneira[...j”
as nações está d esig n ad a a selecio n ar e e x p o r o falso e o indigno. A m istu ra de
m etáfo ras — a p en eira p a ra d iferen ciar (cf. A m 9.9) e o freio p ara c o n tro la r e
guiar (cf. 37.29) — é algo v e rd a d e iram e n te típ ico de Isaías.

O cântico e o brado: a festividade de Judá e a fúria do Senhor (30.29,30)


O te m a de cântico, c o m o sem p re, tipifica a e n tra d a jubilosa em um a li-
b c rta ç ã o fo rn e c id a g ra tu ita m e n te . A qui, na e stro fe cen tral, o p o v o d o S en h o r
se regozija (29), e m b o ra to d a a ação v ito rio sa (30) seja d o S en h o r. A p rim eira
noite de festa foi a Páscoa, a qual se ad eq u a a esse c o n te x to co m seu sim bo-
lism o d o ê x o d o d e fo g o e n u vem (27) e a referên cia ao S e n h o r c o m o a Rocha
(F.x 17.1-7; veja c o m e n tá rio so b re Is 17.10). A referên cia à m ú sica re m em o ra
Ê x o d o 15.21. A frase seus corações se regozijarão como quando se vai, ao som da fla u ta /
“um c â n tic o [...] c o m o na n o ite [...] e alegria de coração, c o m o a d aq u ela” (ARC)
não se refere a n e n h u m a p ro c issã o religiosa fo rm al co m ritual c o n sa g ra d o pelo
tem p o o b serv ad a fo rm alm en te, m as a um a resp o sta d o coração, ex p ressan d o -se
com c â n tic o e m úsica. O s salm os atestam q u e havia m u ita m ú sica nas festas
de Israel, e m b o ra n ão saib am o s a fo rm a q u e a c erim ô n ia assum ia. Sua vop ma-
je sto sa / “ v o z g lo rio sa” (TB) é um a voz a p ro p ria d a para alguém tão m ajesto so
q u a n to ele. O braço é o é>rgão da fo rça pessoal em ação e é u m sím b o lo d o êx o d o
(Êx 6.6). A palavra im petuosa (za <a p , “ enraivecer-se”) é d e u m v e rb o cjue tem o
sen tid o de “ ficar fu rio so co m o u se n tir am arg u ra c o n tra ” (2C r 2.19; P v 19.3) e,
p o r isso, é um a ex p ressão de a n im o sid ad e pessoal. O te rm o ira Çap) é o u rro
ou a ex p lo são d e raiva. S o b re fogo consum idor/ “ ch am a d e u m fo g o d e v o ra n te ”
(TB) cf. Ê x o d o 3.2 em que, n o e n ta n to , a palavra é d iferen te. Para o tem a de
tem p estad e, a chuva degranipo, veja 28.2,17. Ali a te m p e sta d e foi a p u n iç ã o de Is­
O LIVRO DO REI 338

ra e l/Ju d á p o r in te rm é d io d e u m inim igo e x te rn o (o “ e s tra n h o ” u so d o arsenal


divino; 28.21), aqui (co m o em 10.12) a raiva se volta c o n tra o in im ig o q u a n d o o
S en ho r, p o r fim , recu sa-se a d e stru ir seu povo. E n c o n tra m o s a e stra n h a m escla
de raios e saraiva em Ê x o d o 9.23.

A ação divina: a derrota da Assíria e seu rei (30.31-33)


O versículo 31 c o m e ç a (lit.) “ C o m a v o z d o S en h o r, será d esfeita em p ed a-
ços a A ssíria” (A RC). A últim a e stro fe explica e aplica o p o e m a p ara a situ ação
im ed iata deles. ( ‫ כ‬se g u n d o v erso p o d e te r o S e n h o r c o m o seu su jeito (co n fo r-
m e a N V I; ta m b é m D elitzsch ), m as B u b er está m ais c o rre to ao su g erir u m a
d escrição d a A ssíria, a q u em “ cada p a n c a d a q u e co m a vara o S e n h o r d e sfe rir”
o u , de m o d o m ais idiom ático, “ em q u e m a vara |d o S en h o r], estava b a te n d o ” .1
O v o cab u lário aqui é igual ao de 10.5. A ex p ressão bordão do ju i^ o (ARC) é “ a
vara de fu n d a ç ã o ” , o u seja, criada para o p ro p ó sito , u m a vara p re d e te rm in a -
da o u p re d e stin a d a .12 O equilíbrio en tre tam borins e harpas e (lit.) “ c o m b a te s de
agitação” (ARC) re to m a o equilíbrio n o s versículos 29 e 30 e n tre o c â n tic o e o
b rad o. O a to d e d a r “ g o lp e s” to rn a a ação d o S e n h o r c o n tra a A ssíria típica d e
seu a c e rto final co m to d a s as n açõ es (28).
O versículo 33 c o m eça co m “ p o rq u e ” (ARC) c o m o u m a ex p licação adicio-
nal, a saber, q u e o q u e está p ara a c o n te c e r foi d e te rm in a d o h á m u ito tem p o . É
possível q ue o n o m e Tofete (cf.2Rs 23.10; J r 7.31,32; 19.6,11,14) te n h a su rg id o
d e d a r ao su b sta n tiv o T pat (“ lareira”) as vogais d e b õ set (“ v e rg o n h a , d e sg ra ç a ”)
re su lta n d o n a “ fogueira [...] c o m o u m a to rre n te de e n x o fre a rd e n te ” . A qui o
h eb ra ic o tem u m a fo rm a única to p teh , q u e p o d e ser u m a d esig n ação alte rn a d -
va.3 O s assírios n ã o im aginavam q u e seu p ro g re sso im perial em d ireção ao Sião
(10.8-11) era seu c o rte jo fú n e b re co m a fogueira p re p a ra d a havia m u ito tem p o !
O u so sim ples d o a rtig o d efin id o indica q u e a ex p ressão 0 rei se refere ao rei da
A ssíria (36.14). Pois tu d o q u e ele c o n seg u e p e n sa r de si m e sm o c o m o “ o ” rei,
ele ag o ra e n c o n tra um Rei m a io r q u e ele m esm o , aquele cuja p re d e te rm in a ç ã o
c o n stru iu u m a pira e c u jo sopro a acenderá. A frase sua fogueira éfu n d a é “ ele [o
S enhor] fez [a fo g u eiraj” (ARC).

1 M . B u b e r, The Kingship o f G od ( G e o rg e , A lle n e U n w in , 1 967), p. 183.


2 M u ito s e s tu d io s o s a lte ra ria m o t e r m o m üsã d à d o T M p a ra m ü sá rõ h (“ su a d is c ip lin a ” ), m a s
“ is s o ” , c o n f o r m e c o m e n ta S k in n e r, “ s ó s u b s titu í u m a e x p r e s s ã o sin g u la r p o r o u tr a e, além
d isso , é m u ito fácil p a ra m e r e c e r ta n ta a te n ç ã o ” . P o r m ais q u e o te x to seja in c o m u m , o
s e n tid o q u e ele p r o d u z é c o n te x tu a lm e n te a p ro p ria d o .
3 K fí e o u tr o s a lte ra ria m to p teh p a ra to p to (“ se u T o f e te ” / “ su a p ira d e d e s g r a ç a ” ). N a d a é
c o n s e g u id o c o m isso.
339 ISAÍAS 3 I . I -5

5. A libertação e a renovação (31.1—32.20)


A so b eran ia divina so b re a h istó ria, q u e foi o p o n to em q u e te rm in o u a
q u arta passag em de “ ai” (30.33), é a p o n te p a ra essa q u in ta p assag em de “ ai” .
O S e n h o r n u n c a reage apenas aos ev en to s c o m o se eles caíssem so b re ele. E le
p re p a ro u tu d o de a n te m ã o e é to ta lm e n te s e n h o r da situação. B asta u m m ovi-
m e n to m ín im o de sua m ã o (31.3) p a ra liquidar Ju d á e seu su p o sto aju d an te, o
Egito. A tem id a A ssíria ta m b é m está sujeita à palavra d o D e u s d e Sião (31.8,9).
Mas ta m b é m q u a n d o o s o lh o s so n d a m ad ian te, o fu tu ro m ais p ró x im o d a de-
vastação assíria (32.10), a e sp erad a fu tu ra q u e d a d e Je ru sa lé m (32.11-14) e a
fu tura v in da d o Rei sem d ata m arcad a (32.12) e o d e rra m a m e n to d o E sp írito
(32.15) são to d o s ta m b é m p a rte d o p ré -a rra n jo so b eran o . P o r co n seg u in te, a
qu in ta passag em de “ ai” é c o n tín u a à q u a rta e n q u a n to , a o m e sm o tem p o , sua
principal asso ciação é c o m a seg u n d a passag em d e “ ai” (29.1-14).
N a p assag em 2 9 .1 8 ‫־‬, foi an u n c ia d o o p rin c íp io d e q u e o S e n h o r sem p re
tem a ú ltim a palavra, e n ã o o d e stru id o r, m e sm o q u e aos o lh o s h u m a n o s a
in terv en ção d o S e n h o r v e n h a n o ú ltim o m o m e n to . A p assag em 31.1-5 aplica
esse p rin c íp io à crise assíria à m ed id a q u e o S e n h o r desce n o m o n te Sião para li-
bertá-lo. A passag em 29.9-15 in d ico u q u e ta m b é m é necessária u m a o b ra divina
tra n sfo rm a d o ra para h aver u m a m u d a n ç a n o co ra ç ã o e q u e o S e n h o r tam b ém
fará isso. E ssa o b ra de tra n sfo rm a ç ã o é o tó p ic o d a p assag em 31.6— 32.20: o
Rei (32.1) e o E sp írito (32.15) p ro d u z in d o novas p esso as e u m a no v a sociedade
co n stitu íd a c o m justiça, paz e segurança. M uitas co in cid ên cias d e linguagem e
de p e n sa m e n to re fo rç a m a ligação e n tre essas duas passag en s d e “ ai” :
- “ a fo rn a lh a d o altar de A riel” / “ D e u s” (29.1,2,7) é recap itu lad a n o “ fo g o ”
e na “ fo rn a lh a ” de 31.9.
- o “ m o n te Sião” , na seq u ên cia das seis passag en s d e “ ai” , só o c o rre nessas
duas (29.8; 31.4).
- a im agem d e fo m e e sede, necessidades n ã o sadsfeitas, é c o m u m às duas
passagens (29.8; 32.6).
- p o r m eio de um a volta p erfeita, as “ n ações q u e lu tam [ta ã b ã j c o n tra
Ariel” (29.7) são co m b in a d a s p elo fato de o S e n h o r d o s E x ército s “ lu ta”
{¡sãbã') n o m o n te Sião.
- o tem a da sab ed o ria é c o m u m à p assagem 29.14 e à 31.2.
- o s o lh o s q u e n ã o v eem (29.10) fazem p arelh a c o m o s o lh o s que veem
(32.2), o co ra ç ã o d ista n te (29.13) casa c o m o co ra ç ã o c o m p re e n siv o {mente,
32.4) e o d e rra m a m e n to d o s o n o p ro fu n d o (29.10) casa co m o E sp írito d erra-
m ado (um a palavra diferen te) (32.15).
A q u in ta passagem d e “ ai” é u m a a p re se n ta çã o equilibrada:
O LIVRO DO REI 340

A 1 P rólogo: d esastre e lib ertação (31.1-5)


B1 O c h a m a d o p a ra v o ltar à luz de p ro sp e c to s fu tu ro s e
im ed iato s (6-9)
C1 O Rei e a n o v a sociedade (32.1-8)
B2 O c h a m a d o para o u v ir à luz d o s p ro sp e c to s fu tu ro s e
im ed iato s (9-14)
C2 O E sp irito e a nova so cied ad e (15-18)
Λ 2 E p ílo g o : a h u m ilh a ç ã o e a b em -a v e n tu ran ç a (19,20)

a. Prólogo: desastre e libertação (31.1-5)


E ssa seção de p ró lo g o , c asan d o os te rm o s e ap lican d o o p rin c ip io d e 29.1-
8, p e rm ite duas p a rte s distintas, co m o te m a (1,4) de “ d e sc e m ” (jiyãrad) for-
m a n d o u m inclusio [criar u m a e s tru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o
final de u m a seção]. Λ rim a indica as divisões d o s versículos 1-3. ( ) o rá c u lo
se p a ra d o n o s versículos 4 e 5 co n siste d e do is sím iles, o p rim e iro d a so b eran ia
inabalável e o se g u n d o da p ro te ç ã o gentil.
1 C) v e rb o descem é u m p articip io in d ic a n d o o c o n ju n to d e situ açõ es exis-
tentes; e o v e rb o contam é um im p e rfe ito in d ican d o o c o m p o rta m e n to carac-
terístico; e os v e rb o s confiam, olham e buscam são to d o s p e rfe ito s in d ic a n d o as
atitu d es enraizadas. A ssim , a ação revela o ca rá te r e ex p ressa a decisão. S o b re
a histó ria d o s te m p o s e a relevância d o E g ito veja a p ágina 25. ( ) te rm o confiam
significa c o n ta r c o m alguém p ara te r a p o io (2Sm 1.6). O s cavalos e os carros (cf.
E x 14.6,9; D t 17.16) eram um c o n h e c id o p o n to fo rte d o s egípcios. Para a a ü tu -
de e a p olítica d e Ju d á aqui cf. 2.7. E ssas im agens são de ad o ç ã o d a seg u ran ça
m undial: os cavalos re p re se n ta m a força b ru ta ; os carros, o p o d e r m ilitar; e o s ca-
valeiros, o pessoal treinado. S o b re a ex p ressão não olham veja 17.7 e so b re buscam
a ajuda que vem do S enh or/ “ b u scam ao S e n h o r ” (A RC) veja 9.13. A ideia n ã o é
p ro c u ra r o q u e o S e n h o r p o d e dar, “ m as a p e n a s” b u sc a r ao S e n h o r, cu ltiv an d o
sua p esso a c sua p resen ça. O Santo de Israel é o D e u s que, em to d a sua realidade
divina, fez-se p ró x im o e disponível. O Senhor, lavé, é o D e u s q u e há m u ito tem -
p o p ro v o u sua so b e ra n ia so b re o E gito.
2 T o d o s o s v erb o s estã o n o te m p o perfeito , d e sc re v e n d o o q u e n u n ca
m uda. A esco lh a d o te rm o sábio é u m a iro n ia dirigida c o n tra o s “ sá h io s” p o -
líricos p o r trás d a aliança egípcia, os filhos a stu to s na p ró p ria g eração à qual
p erten ciam . A ex p ressão pode tra zer devia ser “ tra z ” . O te rm o desgraça (r á ') é o
m e sm o d e 45.7; v em os a sab ed o ria d o S e n h o r em seu a q u in h o a m e n to d o s p ro -
blem as d este m u n d o (cf. A m 3.7). A ssim , se seu p o v o vê a tem ível A ssíria em
m archa, o S e n h o r está n isso c o m to d a sua sab ed o ria, e o c a m in h o d a co n fian ça
e da o b ed iên cia os c o n d u z através d isso (cf. D t 8.2-4). O S e n h o r não volta atrás,
34 i ISAÍAS 3 I . I - 5

ele é im utável e c o n tin u a a ser o q u e revela d e si m esm o , ele n ã o é n e m n u n ca


será in v eríd ico co m suas p ro m e ssa s o u seus pad rõ es. P o rta n to , ele é o inim ig o
in v eterad o d o s p erversos/ “ m alfeito res” . A frase quem ajuda os m aus é “ a ajuda d o s
m alfeito res” . D a p ersp ectiv a co n tex tu al, o te x to se refere à su p o sta ajuda que
o E g ito trará. Ju d á b u sc o u ajuda n o E gito, m as o S e n h o r n ã o deixará seu p o v o
ser aju d ad o p o r n in g u ém m ais além dele m e sm o n e m d e p o sita r a co n fian ça cm
algum a o u tra base q u e n ã o seja a co n fia n ç a nele.
3 A incrível in sen satez d e e sco lh er o E gito , em vez d o Senhor! O te rm o
homens ( 1adam ) é “ h u m a n o ” . D eus ( ’<?/) é a m ais tra n sc e n d e n te das “ palavras para
D e u s” significando D e u s em m ajestade, p o d e r e g lória exaltados. ( ‫ נ‬c o n traste
en tre a carne e o espírito é e n tre o q u e precisa de vida, c n ã o p o ssu i n e n h u m a , e o
p ró p rio p rin c íp io da vida (40.6; 42.5). E sse versículo, d a p ersp ectiv a teológica,
c o m b in a c o m Jo ã o 4.24a. O Senhor é s o b e ra n o n ã o a p en as em p o sição , m as de
fato. Sua o n ip o tê n c ia n ão é u m a teoria, m as u m a prática. E ste n d e r — b asta um
m e ro m o v im e n to d a m ã o !1 A q u ele que ajuda é o E g ito e aquele que é ajudado é Ju d á.
M e sm o s u p o n d o q u e to d o o p o d e rio d o E g ito tivesse v in d o em auxílio de Ju d á,
b astaria um to q u e divino para tra n sfo rm á -lo em nada. O te rm o perecerão é “ vir
a um fim ” , “ ac a b a r” .
4 ,5 O s sím iles, c o m e ç a n d o co m “ assim ” , explicam o v ersículo p reced en te.
0 S e n h o r é ta n to um leão im p e rtu rb á v e l q u a n to u m a ave p ro te to ra ! Para a frase
de a b e rtu ra cf. 8.11; 2 1 . 6; 22.14. A c o n stru ç ã o a ssim ... assim identifica o S en h o r
com o leão ro n d a n d o a presa. O S en h o r, c o m o o leão, avalia o Sião c o m o sua
presa. O s pastores (cjue ironia! Veja G n 43.32; 46.34; E x 8.26) são a ajuda inútil
d o E gito. E m 29.8, o m o v im e n to paralelo, sãha '«/, significava “ reu n ir, lutar
c o n tra ” e deveria te r o m e sm o se n tid o aqui, em vez d e combater. Isaías expressa
a m esm a v erd ad e de 10.5,6, co m os assírios c o m o a m a n ife sta ç ão d a ira d o
S enhor. A im agem , c o p ia n d o de m an eira d elib e ra d a m en te a b ru p ta a passagem
29.5, m uda. Sião tin h a d e sp re z a d o o S e n h o r e seu p o d e r em favor d o Egito.
Será q u e eles disseram : “ Q u a se d e ta n to u so q u a n to u m p a rd a l” ? M as a força
d o p ard al d o S e n h o r é m ais fo rte q u e a d o s h o m e n s ( lC o 1.25), e aqui rep re-
sen ta sua g en tileza em relação ao seu p o v o e rran te, su ficien te p ara protegerá,
livrará, “po upará” e salvará. Q u a tro é co m freq u ên cia o n ú m e ro sim b ó lico que
significa “ d e to d o s os la d o s” . A qui o s q u a tro v erb o s a p o n ta m a ajuda adjacente
e suficiente. (9 te rm o poupará é o m e sm o de Ê x o d o 12.13,23,27. O sangue d o
co rd e iro p o d e te r p are c id o ineficaz e irrelev an te para as p esso as so b a sen ten ça
de m o rte , m as foi suficiente! T a m b é m o ro n d a r d e D e u s p ro v ará sua fo rça so-
beran a c o n tra a tolice de Ju d á , as p re te n sõ e s d o E g ito e as am eaças da Assíria.

1 Rocha p o d e ta m b é m s e r u m a m e tá fo r a p a ra a fo rç a d a A ssíria o u d o d e u s d a A ssíria (cf. D t


3 2 .3 1 ,3 7 ). A re fe re n c ia a o p r ó p r io rei o f e re c e o e n te n d im e n to m a is m a g n ífic o n o c o n tc x -
to , c o n tr a s ta n d o c o m o rei d e re tid ã o d e 32.1.
O LIV RO DO REI 342

b. A o b r a d e tr a n s f o r m a ç ã o ( 3 1 .6 — 3 2 .1 8 )
C o rre s p o n d e n d o à revelação em 29.9-14 de q u e o S e n h o r tem em m e n te
“ m aravilha e m ais m arav ilh a” p ara lidar co m o p ro b le m a esp iritu al d e o lh o s e
o u v id o s fech ad o s e u m co ra ç ã o sem d isc e rn im e n to , Isaías ag o ra o lh a ad ian te,
o lh a p ara um rei q u e rein ará co m retid ão (32.1) e p a ra o E sp írito q u e será der-
ra m a d o (32.15). M as a visão n ã o é p u ra e sim p le sm e n te declarada. E la é in tro -
d u zid a na relação (co m o o s p ro g n ó stic o s m essiânicos n o s c a p ítu lo s 9 e 11) co m
os te m p o s d o s assírios (31.8), co m os c h am ad o s ao a rre p e n d im e n to (31.6) e ao
o u v ir (32.9) e c o m o s ev e n to s fu tu ro s além d a am eaça assíria (31.7; 32.12-14).
A passag em 29.9,10 sugere o c o n h e c im e n to de Isaías d e q u e os dias q u e leva-
riam à inv asão assíria co n stitu iríam o p o n to espiritu al sem re to rn o e a re sp e ito
d o qual ele foi a d v e rtid o n a é p o c a de seu c h a m a d o (veja o c o m e n tá rio so b re
6.9s.). O elem en to d e apelo aqui (31.6; 32.9,11) p o d e b e m refletir a urgência d o
m inistério d e Isaías nesse período, m as, em um p lan o m ais p ro fu n d o , lem b ra-n o s,
c o m o o m in istério d e Jo ã o B atista, q u e a p e n itê n c ia e o o u v ir a palavra d o Se-
n h o r c o n stitu e m a única v erd ad eira p re p a ra ç ã o p a ra a v in d a d e D e u s e os ato s
escato ló g ico s dele.

O chamado a voltar à luz de prospectos futuros e imediatos (31.6-9)


O c h a m a d o ao a rre p e n d im e n to fu n d a m e n ta -se na c e rte z a d e naquele dia
(o b serv e o p o is inicial d o v. 7), o a to escato ló g ico d e D e u s e ta m b é m n a des-
tru iç ã o m ais im ediata d o s assírios (8-10). O S e n h o r b u sc a u m a p en itên cia de
alguém q u e creia, e isso q u e r dizer, n ã o alguém c o m p e lid o p elo s e v en to s, m as
alguém q u e se levante d a co n fia n ç a segura d e q u e D e u s agirá d essa fo rm a e da
necessid ade de e sta r p re p a ra d o p ara isso.
6 O voltem é a p en itên cia q u e vai além d a esfera m en tal, é o re d ire c io n am e n -
to p rá tic o d a vida (veja 1.27). A frase vocês se revoltaram tão p rofu nda m ente/ “ tan-
to ” / “ c o n tra q u e m vos te n d e s p ro fu n d a m e n te re b e la d o ” (TB) é u m a atrib u ição
en fática (“ vocês são os m e sm o s q u e ”) co n seg u id a pela m u d a n ç a d a seg u n d a
para a terceira pessoa. S o b re revoltaram veja 1.5.
7 Cf. 2.20. E ssa c o m p a ra ç ã o d e te rm in a q u e Isaías q u e r d iz e r o dia d o Se-
n h o r, n ã o algum a visita n esse ínterim . A referên cia é in esp erad a, m as ao m es-
m o te m p o b íb licam en te típica n o fato de q u e ela, em ú ltim a análise, m a n té m a
q u e stã o em vista. A fé bíblica te n ta e sta r p re p a ra d a n ã o ap en as p ara su p e ra r a
p ró x im a crise, m as p ara ficar d ia n te d e D eu s. P o r isso, d esd e q u e naquele dia (tar-
de dem ais!) fará as p esso as rejeitarem c o m rep u lsa o q u e cu ltiv aram p o r ta n to
tem p o , o te m p o p ara a ação decisiva é agora. A ex p ressão cada um de vocês é (lit.)
“ lançará fo ra cada um os seus íd o lo s d e p rata, e os seus íd o lo s de o u ro , q u e vos
fab ricaram as vossas m ãos p a ra p e c a rd e s” . S o b re rejeitará (im ã ’as) veja 30.12. O
te rm o íd o lo s, c o m o em 2 . 8, é “ n ã o d e u se s” .
343 ISAÍAS 3 i . 6 - 3 2 . l 8

8 A g o ra Isaías se vo lta para a crise im ediata. A s am eaças h istó ricas e tam -


b ém as escatológicas dev em ser e n fre n ta d as p o r m eio d o a rre p e n d im e n to e
fican do c e rto co m D eu s. Isaías, ao e x p re ssa r a v erd a d e p e lo c o n tra ste , indica
que D e u s, e só ele p o d e rá b a n ir a A ssíria. A frase não é de homem i...¡ não de mortais
Çãdãni) significa n e n h u m indivíduo, n e n h u m se r h u m a n o . O s assírios fu g irão 1
e serão sujeitos a trabalhos forçados. D e p o is d o d e sa stre d e 701, o Im p é rio A ssírio
e n tro u em seus ú ltim o s estágios, u m lo n g o e, d ep o is, rá p id o p ro c e sso de declí-
nio até a extinção.
9 A e x p re ssã o sua fortaleza cairá é (lit.) “ passará a sua ro c h a ” (ARC). Sua
“ ro c h a ” é o rei d a A ssíria, c o n tra s ta n d o co m a “ R o ch a d e Israel” (30.29).12 O Se-
n h o r “ p ro te g e rá ” (ipãsah ) na lib ertação (31.5), a A ssíria p assa (Ί 'abar) ao largo
d o p alco da história. A ex p ressão ao verem é u m a p eça e x tre m a m e n te red u zid a
d o h ebraico. A tra d u ç ã o da N V I é possível e significaria q u e q u a n d o o S en h o r
levanta sua b an d e ira c o n tra a m u ltid ão assíria haverá u m co la p so c o m p le to d o
p o d e r p a ra resistir ao ataque. P o d em o s, de fo rm a altern ativ a, tra d u z ir p o r “ e
seus p rín c ip e s d e se rta rã o a b an d e ira ” (A RC), o u seja, d e se rta rã o suas cores.
S obre anuncia {tf um) veja c o m e n tá rio so b re 1.24 e so b re fogo veja o c o m e n tá rio
so b re “A riel” (29.1). N e m o p ró p rio Sião escapa da am eaça a seus p ró p rio s
privilégios: ele vive, h a b ita d o p elo D e u s de fo g o san to . M as q u a n d o o s assírios
atacaram o Sião, eles tro u x e ra m a si m e sm o p ara o â m b ito d esse m e sm o fo g o
santo.

0 Rei e a nova sociedade (32.1-8)


N a s três séries finais de “ ai” d a série séxtupla, a escatoló g ica está cn tretecid a
ainda d e fo rm a m ais clara co m a h istória. D a m esm a m an eira c o m o o c h am ad o
para se p re p a ra r p ara o in terv alo até o dia d o S en h o r, a am eaça assíria (31.8,9)
foi p re c e d id a de u m le m b re te d o verd ad eiro dia d o S e n h o r (31.7), ta m b é m a
passag em d o rei te rre n o (31.8,9) agora se fu n d e n o re in o d o v erd ad eiro rei (cf.
9.1 < 8 .2 3 > ; 11.1). Faz p a rte d o p ro p ó s ito da escato log ia bíblica p e rm itir a visão
su p rem a d e ilum inar os e sc u ro s dias in term ed iário s. D o is p o e m a s d istin to s são
ligados p ela c o n ju n ç ã o pois d o versículo 6. O p rim e iro p o e m a (1-5) lida co m os
no vo s g o v e rn a n te s e o p o v o tra n sfo rm a d o ; o se g u n d o (6-9), co m os valores
sociais tra n sfo rm a d o s. O to d o é um a visão da no va socied ad e, c o n tra sta n d o
v ivid am en te co m 29.10-13 e d e sc re v e n d o a p rim eira p a rte da “ m aravilha e mais
m aravilha” (29.14), o u seja, “ fazer um a o b ra m arav ilh o sa” v in d o u ra (ARC).

1 Λ f o r m a h e b ra ic a w 'n ñ s lô c o n té m o p r o n o m e d a tiv o lô (“ p o r ele m e s m o ”) c o m o u m


d a tiv o d e v a n ta g e m . A q u i sig n ific a “ e e le /e le s fu g irã o p o r su a v id a ” .
2 Rocha p o d e ta m b é m s e r u m a m e tá f o r a p a r a a fo rç a d a A s síria o u d o d e u s d a A s s íria (cf.
D t 3 2 .3 1 ,3 7 ). A r e fe r ê n c ia a o p r ó p r i o rei o f e re c e o e n t e n d i m e n to m a is m a g n ífic o n o
c o n te x to , c o n tr a s t a n d o c o m o rei d e re tid ã o d e .32.1.
O LIVRO DO REI 344

O s novos g o v e rn a n te s e o nov o pov o (32.1-5)

Λ 1 Λ g aran tia d o s v erd ad eiro s valores: o rei e os p rín cip es (1)


B1 O v e rd a d e iro g o v e rn o — q u a tro c o m p a ra ç õ es (2)
B2
13 O n o v o p o v o — q u a tro tra n sfo rm a ç õ e s (3,4)
A 2 ( ) fim d o s falsos valores: o to lo e o sem ca rá te r (5)

1 Λ e x p re ssã o um rei refere-se ao rei m essiân ico d o s cap ítu lo s 9 e 11. E m


9 .7 < 6 > , a “ re tid ã o ” m arca seu tro n o ; sem 1 l.ls s ., seu caráter, e aqui, seu go v er-
no. ( ) p rin c íp io m oral são (retidão) está asso ciad o à p rática m o ral sã (Justiça). O
r e e n c a r n a a retid ão ; os p rín cip es/ “ a u to rid a d e s” (N T L H )1 são seus executivos,
ap lican d o seus p rin cíp io s d e retidão nas d ecisões (m isp ã t; veja c o m e n tá rio so b re
28.26).
2 C ada bomem (lit. “ um h o m e m ”) está c o rre to d a p ersp ectiv a id io m ática, ou
seja, os v e rd a d e iro s ideais de liderança in citam cada m e m b ro d o g o v e rn o — só
dessa vez, u m saco sem n e n h u m a m açã p o d re . M as é m ais eficaz v er aqui a cx-
p ressão idiom ática d e in d e te rm in a ç ã o p o r causa da ên fase — “ o h o m e m único,
especial” (cf. A lexander, Sm ith c S naith ).2 E ssa p e rc e p ç ã o é c o n firm a d a pela
c o m p a ra ç ão d o s b en efício s d o re in a d o d o rei co m os m e n c io n a d o s em 4.6, o u
seja, aqueles b en efício s q u e a c o m p a n h a m a p ró p ria p re se n ç a d o S e n h o r e n tre
seu p o v o (veja ta m b é m 25.4). S o b re essa p e rc e p ç ão , a p assag em 9 .6 ,7 < 5 ,6 >
declara a d iv in d ad e d o rei, 11.1-5 an u n cia sua inv estid u ra d o E sp írito d ivino
n o c o n te x to d e u m an cestral h u m a n o , e esse versículo declara sua v erd ad eira
h u m an id ad e. A c o m p le tu d e é ex p ressa pelos p erig o s c o n tra sta n te s d o vento e da
água, há p ro te ç ã o c o n tra to d a am eaça. A tempestade c tçerem (“ in u n d a ç ã o ” , 4.6;
28.2). A água e a som bra são os do is c o m p o n e n te s da p ro v isão e d o rev ig o ra-
m e n to , sim b o lizan d o , p o rta n to , to d o c u id a d o benéfico.
3,4 H á q u a tro tra n sfo rm a ç õ e s nos rein o s da p e rc e p ç ã o {olhos), da re cep ção
{ouvidos), da a p re e n sã o {mente) e da co m u n ic a ç ão {língua) da v erdade. S eg u in d o a
su p o sição de q u e o te rm o fechados ! é 4 sã ‘a \ ele é u sad o em 6.10 p ara a cegueira
infligida ao p o v o p o r m eio d e julgam ento. N a passag em paralela 29.9, o ter-
m o cegueira é o re su lta d o da au to ilu são v o lu n tária deles e d a visita d o S e n h o r
trazen d o -lh es um “ s o n o p ro fu n d o ” . A g o ra isso é revertido. O versícu lo 4 tem
duas classes c o n tra sta n te s d e exem plos: os q u e se p re c ip ita m e to m a m a dian-
teira e o s q u e h esitam p o r m eio da incapacidade. E sses o p o s to s e x p ressam to ta-

1 O T M assin ala / p a ra o s u b s ta n tiv o “ p rín c ip e s ” (veja 67/70.143c; l C r 7.1; 2 4 .20; SI 16.3; Lie
9.4). T e m o e fe ito d e e n fa tiz a r “ c c o m relação a o s p rín c ip e s ” . GKC e fít/S o m itiría m isso.
2 N . 11. S n a ith , N otes on the H ebrew Text o f Isaiah x x v iii- x x x ii ( l ip w o r th , 1 9 45), p. 2 5 1 2 5 7 ‫־‬.
3 P ara fechados, o T M , n a v e rd a d e , tra z “ v e r” (tiYeynà) d e ¡sã'ãh (veja 3 1 .1 ), m a s o t e r m o
d e v e s e r lid o a n te s c o m o f s õ leynâ d e ¡sã’a' (“ s e r p re ju d ic a d o , s e r c e g ó ”).
345 ISAÍAS 3 i . 6 - 3 2 . l 8

lidade; u m a so cied ad e to ta lm e n te tra n sfo rm a d a . Λ m ente é o “ c o ra ç ã o ” c o m o o


ó rg ão d o e n te n d im e n to . Precipitado significa a p re ssa d o em ch e g a r a co n clu sõ es
e ações m al pensadas. Saberá ju lg a r / “ e n te n d e rá a sa b e d o ria ” (ARC) é ver o
cern e de u m a coisa e d e p o is ch eg ar ao v e rd a d e iro c o n h e c im e n to . A frase com
facilidade e clareia é “ falará p ro n ta e d istin ta m e n te ” .
5 U m a so cied ad e im p erfeita c o n c e d e h o n ra de fo rm a im p erfeita. Isaías
olha ad ian te p a ra a v erd ad eira n o b re z a de caráter. A palavra tolo (nabal) é aquele
que vive sem re c o n h e c e r as o b rig açõ es m orais e espirituais (veja 9.17 < 16 > ).
A ex p ressão sem caráter (kV ay ) e seu c o g n a to kèla y (7) são e n c o n tra d a s ap en as
aqui. Se elas d eriv arem de in ã k a l ’ a ideia é d e tra b a lh o e n g a n o so , to rtu o s o para
benefício p ró p rio e c o m a finalidade de p re ju d ic a r os o u tro s (G n 37.18; N m
25.18; SI 105.25). O “ to lo ” c o rre sp o n d e ao q u e lhe falta — sen sib ilid ad e m oral;
0 h o m e m “ sem c a rá te r” c o rre sp o n d e q u e ele tem — a d e te rm in a ç ã o para se
p ro m o v e r a to d o custo. O to lo é am oral; o sem ca rá te r é in escru p u lo so .

Os nov os valores (32.6-8)


E sse p o e m a é ac re sc en ta d o para explicar ain d a m ais o p re c e d e n te e, em
especial, o versículo 5, q u e in tro d u z iu o tolo (6) e o sem caráter (7). O p o em a
conclui a p re se n ta n d o o p o n to p o sitiv o d e q u e na n o v a so cied ad e é a v erd ad eira
n ob reza q u e e n c o n tra h o n ra e segurança:

E s tro fe 1
a Pois o in se n sa to — ele fala co m in sen satez;
b e seu co ra ç ã o p ratica a iniquidade:
c p ratica a difam ação
e fala m en tiras so b re o S e n h o r
deixa o fa m in to sem nada
e priva o se d e n to de água
E s tro fe 2
a E o sem ca rá te r — seus m é to d o s são ruin s
b ele? A s artim a n h a s são o q u e ele planeja:
c d e stru ir o p o b re co m fala falsa
e ao falar (para arru in ar) o in d efeso na co rte.
E s tro fe 3
a E u m a p esso a n o b re — a v erd ad eira n o b re z a é o q u e ele planeja
b e ele é aquele q u e p e rm a n e c e firm e graças à v erd ad eira n o b re z a

E m ais fácil d e m o n s tra r a in teressan te e stru tu ra d esse p o e m a ao o ferecer


essa trad u ção g ro sse ira m e n te literal. C ada e stro fe sucessiva tem duas linhas a

1 Seale (p. 124ss.) d e f e n d e q u e kila y d e riv a d e ikã lc i1 (“ c o n te r , r e fr e a r ”) e, p o r isso , significa


“ m e s q u in h a ria , a v a re z a ” .
O LIV RO DO REI 346

m e n o s q u e a an terio r, fo rn e c e n d o u m a g ra n d e força c u lm in a n te para essa breve


terceira estro fe. A s linhas “ a” são idénticas na fo rm a , fo c a n d o a atividade carac-
terística. A s linhas “ b ” fo cam o in te rio r d a pessoa. N a s estro fe s 1 e 2, as linhas
“c ” c o n siste m d e p a re s de infinitivos, in d ican d o o s asp ecto s d a vida d a p esso a
em qu estão. A ausência das linhas “ c” na terceira e stro fe indica q u e tu d o que
p recisam o s c o n h e c e r aqui é a n o b re z a d e caráter; tu d o o m ais é re su lta d o disso.
6 S o b re o insensato, veja o versículo 5. O v e rb o fala c u m im p e rfe ito de
c o m p o rta m e n to característico. O b se rv e a ên fase n o s p ecad o s d e fala aqui e n o
versículo 7 e c o n tra ste co m o versículo 4. A mente é o “ c o ra ç ã o ” (veja c o m e n -
tário so b re o v. 4; 9.9). O m al Çãweri) é b asicam en te “ p ro b le m a ” o u “ m a ld a d e ”
(veja 10.1; G n 35.18) e é u sa d o co m frequência p ara aq u ele q u e a b o rre c e a
D e u s e lhe d á d e sp ra z e r (31.2; SI 9 2 .9 < 1 0 > ) o u tra z e m o fen sas p ara o cu lto
(1.13). Isso está m u ito p e rto d a ideia d e q u e a in iqu id ad e p arece in q u ietação
(para o s o u tro s), o fe n sa (para D eu s) e retrib u ição (para o p ecad o r). A qui a in-
sen satez caracteriza b e m o estilo de vida da p e sso a q u e é in d ife re n te em relação
às o b rig açõ es m o rais e espirituais. É ex plicado n o s q u a tro infin itiv o s seg u in tes
(veja a tra d u ç ã o acim a). O s dois p rim eiro s lidam c o m a o p o siç ã o ao S e n h o r;
os d ois seg u n d o s, c o m a in d iferen ça c o m as pessoas. A maldade é a p o sta sia na
teo ria e n a prática, p ro fan ação . O te rm o espalha é (lit.) “ p ro fe rir” (A RC). A pa-
lavra mentiras (tôcâ) só é e n c o n tra d a em N e e m ia s 4 .8 < 2 > e é u sad a p ara tirar as
p esso as d o c u rso p a ra o qual estavam designadas, d istra in d o -a s e d e ix an d o -as
d e tal m an eira q u e n ã o saib am o q u e pensar. O fim d o versícu lo d escrev e u m a
te n d ê n c ia à avareza, o o p o s to da g e n e ro sid a d e , q u e é um tra ç o fo rte n o caráter
d o in se n sa to (IS m 25.11,25), po is este é g a n a n c io so p o r riq u eza (Jr 17.11).
7 S o b re o h o m e m sem caráter veja o versículo 5. E le é u m a m istu ra d e pa-
rasita co m arrivista; u m a p e sso a em b u sca fero z de g a n h o fin an ceiro o u social.
C o m certeza, o o p o s to (aos o lh o s d o m u n d o ) d e u m p e rd e d o r .1 A e x p ressão
artimanhas [...]perversas (zim m â, d e “ m ed itar, p lan ejar”), a fo ra em J ó 17.11, tem
um se n tid o u n ifo rm e m e n te ru im . A ex p ressão é u sad a d e z e n o v e vezes p ara m á
c o n d u ta sexual (p o r exem plo, L v 18.17) e em p a rtic u la r p ara p lan ejar p a ra co n -
seguir a to d o c u sto q u e as coisas sejam da sua m aneira. S o b re pobre veja 10.2 e
so b re os “ d esv alid o s” (A RA ) veja 14.30. C o m a ex p ressão mesmo quando, a N V I
re p re se n ta a tra d u ç ã o m ais d ireta d o h eb raico , m as, n ã o o b sta n te , é c o n trá ria à
fo rm a c o m o esse p o e m a usa a o ra ç ã o infinitiva nas linhas “ c ” . P o r essa razão,
a tra d u ç ã o acim a c o n tin u a a d escrev er o s p e c a d o s d e fala p ra tic a d o s p e lo sem
caráter (e o q u e ele diz “ p a ra a rru in a r o s desvalidos co m palavras falsas” [ARA])
ao se e n te n d e r o v e rb o a p a rtir da linha anterior. E le está m a n ip u la n d o de for-
m a cínica o p ro c e sso legal em seu p ró p rio interesse.

1 O in ic io d o v e rsíc u lo 7 é u m a a s s o n â n c ia típ ic a d e Isaías: w'kélay kêlãw (“ e q u a n to a o se m


c a rá te r, se u s in s tr u m e n to s [..·]”)·
347 ISAÍAS 3 i . 6 - 3 2 . l 8

8 O h o m e m nobre (nãdib) significa levar c o m p ro d ig alid ad e para D eu s (Êx


35.5,22) e para as o u tra s p esso as (Pv 19.6). E u sa d o co m freq u ên cia apenas
para a categ o ria d e n o b re (13.2), m as aqui se refere às características p essoal,
espiritual e social q u e v e rd a d e iram e n te m e re c e m elogio. N a fu tu ra so cied ad e
perfeita, essa é a m an eira da co n tin u id a d e e da estabilid ad e — ele permanece
firm e , o u seja, p assa co m segurança pelas p re ssõ e s da vid a (SI 2 0 .8 < 9 > ) e sabe
que é aceito d ian te de D e u s (SI 24.3).

0 chamado para voltar à luz de prospectos futuros e imediatos (32.9-14)


E m 3.16, Isaías se dirigiu às “ m u lh eres de Sião” p o rq u e as co n sid erav a a
e p íto m e d o ca rá te r da “ m ã e ” delas. T alvez esse ap elo às m ulheres te n h a surgido
do m e sm o raciocínio, e elas eram vistas c o m o a in c o rp o ra ç ã o d a co m p lacên cia
e da in d iferen ça q u e inibi a p re o c u p a ç ã o e a u rg ên cia espirituais. M ais um a
vez o ap elo se fu n d a m e n ta n a d u p la p re v isã o de ev e n to s p o r vir (cf. 31.7,8): a
devastação assíria em q u e as co lh eitas são p erd id as ( 10 ) e u m fu tu ro desastre
env o lv en d o a p e rd a de te rra , casas, palácios e cidad e (13,14). M ais um a vez, a fé
para e n fre n ta r as exigências p o r vir é fo rtalecid a p o r um a p rev isão escatológica,
agora d o d e rra m a m e n to d o E sp írito e das tra n sfo rm a ç õ e s su b se q u e n te s a isso
(15-18).
9 Sossegadas é o se n tid o ruim da palavra sa “nãn trad u zid a p o r pacíficos n o ver-
sículo 18. A palavra fala de circu n stân cias e x tern as d e tran q u ilid ad e, m as, nes-
se versículo, é assu m id a de fo rm a c o m p la c e n te c o m o u m d ireito p e rp é tu o . O
te rm o seguras/ “ c o n fia n te s” (ARA) é n a v erd a d e u m a d e tu rp a ç ã o da verdadeira
confiança, u m a b ra n d a p re ssu p o siç ã o de q u e n ad a p o d e a c o n te c e r p ara per-
tu rb ar a paz. C laram en te, essas são as m esm as m u lh eres d e 3.16, sem n e n h u m
p e n sa m e n to além daqueles d ire c io n a d o s para seu g u a rd a -ro u p a .
10 Para a frase daqui a pouco m ais de um ano veja c o m e n tá rio so b re 29.1. O
te rm o seguras é c o m o n o versículo 9. O v e rb o fa lh a rá é o te m p o p e rfe ito para
certeza (lit.): “A colheita d e uvas falhará” . Será q u e a su g estão é d e q u e as m u-
lheres ficariam m u itíssim o d estitu íd as se as v in h as falhassem ? (Cf. A m 4.1.) A
colheita defru ta s é “ a g ru p a m e n to ” , e não virá é “ n ã o d ará em n a d a ”.1
11-14 O ch a m a d o ren o v a d o (11) re p o u sa em um fu n d a m e n to d istin to . N o
versículo 10 , a co lh eita das uvas foi p erd id a, aqui, as vin h as, a te rra (12,13) e
a cidade (13d,14) se vão. A vida livre d o s anim ais (14d) in d ica a ausên cia de
pessoas. E ssa é a p e rd a to tal p rev ista em 6.1 lss., sug erid a em 11.11 e p red ita
em 30.8-17.12

1 Λ e x p r e s s ã o “ d a rá e m n a d a ” e n te n d e a p a rtíc u la n e g a tiv a t f b c m su a p le n a sig n ific a çã o


c o m o u m su b s ta n tiv o .
2 Λ f o r m a d o s v e r b o s n o s v e rsíc u lo s 11,12 s ã o d ifíceis. Tremam é m a s c u lin o n a fo rm a , m a s é
d irig id o às m u lh e re s . O s q u a tr o im p e ra tiv o s s e g u in te s (11) e s tã o c m u m a fo rm a in c o m u m
(r'güza... (fsõtã... 'àrâ hagõrâ), e a G K C 48i o b s e rv a -a s c o m o u m a s e g u n d a p e s s o a fe m in in a
O LIVRO DO REI 348

11 A rra n q u em suas vestes é (lit.) “ despi-vos, e p o n d e -v o s n u a s” (A RC). N e-


n h u m d o s v e rb o s é u sa d o c o m o um sinal d e pesar, m as an tes c o m o u m sinal de
escravidão o u cativeiro (cf. 20.2,3). Isaías ch am a as m u lh eres a se p re p a ra rem
para isso, c o n fo rm e su g e re m os versículos seguintes.
12 A frase batam no peito é u m a elipse in c o m u m , (lit.) “ b a ta m n o p e ito em
sinal de triste z a ” (N T L H ), co m o se n tid o de “ e n q u a n to la m e n ta b a te n d o n o
p e ito ” .
13,14 O h e b ra ic o d e espinhos e roseiras bravas n ã o tem co n ju n ção . D e acor-
d o co m S naith os “ e sp in h o s” (qôs) p o d ia m c rescer em q u a lq u e r lugar, m as as
“ roseiras b ra v a s” (sãníir) “ p e rte n c e m d efin itiv am en te ao so lo im p ro d u tiv o ” .
Lile o ferece “ e sp in h e iro ” para a p assagem atual. O p e n sa m e n to , c o m certeza,
é q u e a te rra an tes cultivada ficará d esértica (cf. 5.6). O v ersícu lo 14 co m eça
c o m “ p o rq u e ” (A RC) o u “ na v e rd a d e ” . O te rm o fo r ta le z a / “ p alácio ” (A RC),
“ casa g ra n d e ” p o d e se referir aqui ao palácio real de Sião. A cidade barulhenta é
“ o ru íd o d a cid a d e ” . A cidadela (ou c o m o u m n o m e d e lugar, O fel; N e 3.26) era
u m a p ro je ç ã o a sul d o te m p lo d o m o n te . A s sentinelas p o d e se refe rir ao q u e é
d e n o m in a d o “ to rre d o re b a n h o ” em M iqueias 4.8 e m b o ra a v erd ad eira palavra
bahan só seja e n c o n tra d a aq u i .*
1 P ara o m o d o p ecu liar d e ex p re ssa r o s anim ais
su b stitu in d o o s seres h u m a n o s veja 5.17; o s an tig o s h a b ita n te s n ã o estariam
m ais ali.

O Espírito e a nova sociedade (32.15-18)


A rev ersão d o s versícu lo s 13 e 14 n ã o são finais; u m a rev ersão ain d a m a io r
está à esp era, p o r in te rm é d io d a in terferên cia p ro m e tid a d o E sp írito divino.
H averá u m a nova te rra (15bc), n o v o s ab so lu to s em u m a n o v a so cied ad e (16,17)
e u m a no va seg u ran ça d e p o sse (18).

d o p lu ra l c o m m a tiz e s a ra m a ic o s. N o v e rs íc u lo 12, a fra s e “ b a ta m n o p e ito ” é u m p a rti-


c íp io p lu ra l m a s c u lin o . B U S tra ria hTràdâ (treman!) c o m o u m a a b e r tu r a d o im p e ra tiv o n o
fe m in in o n o v e rs íc u lo l i e s 'p õ d â >e m v e z d o p lu ra l m a s c u lin o sõ pfdim n o v e rs íc u lo 12.
O s d e s lo c a m e n to s d e g ê n e r o sã o c o m u n s n o h e b r a ic o ( p o r e x e m p lo , 23.1 e m q u e h á u m
im p e ra tiv o m a s c u lin o c o m u m s u b s ta n tiv o fe m in in o n o p lu ral). N ã o é c e r to q u e o s q u a tr o
te m p o s im p e ra tiv o s se jam se g u n d a s p e s s o a s d o p lu ra l c o m m a tiz e s d e a ra m a ic o ; é p o s s í-
v el q u e eles p u d e s s e m s e r m a s c u lin o s in g u la r c o m t e r m in a ç ã o e n fá tic a (cf. D t 3 3 .2 3 ; C K C
48i; D a v id s o n , 1 1 3 b ). P o d e s e r q u e n ã o te n h a m o s a q u i n a d a m a is q u e Isa ías fa lh a n d o e m
m a n te r a ficç ão d e se d irig ir às m u lh e re s q u a n d o su a s p a la v ra s p r e te n d e m a b r a n g e r to d a s
as p e sso a s. N o e n ta n to , a c o r re ç ã o é in critic áv e l.
1 “ F ic a rá d e s e r ta ” c a in c o m u m e x p r e s s ã o hãyã h b 'la(t m e ‘ã rô t (lit.) “ t r a n s f o rm a r - s e e m
fa v o r d o s o lo im p r o d u tiv o ” . O u s o n ã o é e x e m p lific a d o , m a s p o d e r ía te r in te n ç ã o d e di-
z e r “ to r n a r - s e a p e n a s s o lo i m p r o d u t i v o /s e r c o n s id e r a d o c o m o ” . P a re c e m u ito fácil (c o m
B I IS) a p e n a s a p a g a r a p a la v ra , e fa z e r isso p o r c o n ta d a f o r m a rítm ic a d o p o e m a su g e re
u m c o n h e c im e n to d o s a r ra n jo s m é tric o s h e b ra ic o s m u ito m a io r d o q u e te m o s .
349 ISAÍAS 3 2 . 1 9 - 2 O

15 O Hspmto é o E sp írito d o S e n h o r em sua fu n ç ã o c o m o d o a d o r de vida


em relação à criação (SI 104.30) e em relação aos p e c a d o re s (SI 51.11 s.< 13s.> ).
S obre a te rra tra n sfo rm a d a c o m p a re co m 30.23-26. A qui h á u m c o n tu n d e n te
c o n tra ste co m as terríveis tra n sfo rm a ç õ e s d o versícu lo 14. A ssim , há três linhas
de p e n sa m e n to em c o m b in ação : a p le n itu d e m essiân ica vista n o flo rescim en to
da criação, a re m o ç ã o da m aldição divina e a rev ersão d e to d o o d a n o causado
pelo pecado. O te rm o deserto‘midbãr) ta m b é m p o d e significar “ in te rio r a b e rto ” ,
“cin tu rão v e rd e ” . O campofértil(karmel) é (lit.) “ p o m a r” (A R A ), te rra co m culti-
vo planejado. A floresta/“ b o sq u e ” , “ ca p o e ira ” é a te rra p ro d u z in d o seu p ró p rio
crescim en to agreste. Q u a n d o o q u e é p e rfe ito vier, o q u e a g o ra p arece cultivo
o rd e n a d o p a re c e rá capoeira!
16 D e deserto a cam pofértil c o b re to d o o n o v o m u n d o d o versículo 15, que será
m arcado pela ju stiça e a retidão, características c o m u n s às duas previsões messiâ-
nicas (veja 32.1). S obre as palavras justiça e retidão veja 1.21,27; 9 .7 < 6 > ; 11.4 .1
17 C o m p a re co m 30.15, em q u e as b ê n ç ã o s p ro m e tid a s aqui fo ram o ferecí-
das co m b ase em u m a relação d e p en itên cia e d e cre n ç a co m o S en h o r. P o rtan -
to, essa retidão — a qual tem paz, tran q u ilid ad e e co n fian ça c o m o re su lta d o — é
mais q u e in te g rid a d e m o ral; é a retid ão de estar c e rto c o m D e u s (cf. G n 15.16;
e veja c o m e n tá rio so b re 53.11; 54.17). S o b re a / a r v e j a 9 .6 < 5 > . A tranquilidade
é “d e sc a n so ” o u “ re p o u s o ” (cf. 28.12,16). A confiança é ta n to “ c re n ç a ” q u a n to
“seg u ran ça” .
18 A s realidades esp irituais d e sfru ta d a s n o versícu lo 17 ag o ra são vistas
co m o g a ra n tin d o a c o m u n id a d e d e am eaças ex te rn a s (cf. 30.15 so b re “ segu-
ras”). M eu povo (veja 1.27; 8.9-18) são aqueles q u e re sp o n d e m aos apelos de 31.6
e 32.9. N o h eb ra ic o a últim a palavra d o v ersículo 18 (tranquilos ) liga-se co m a
segunda p alavra d o versículo 9, o n d e c o m e ç o u essa seção d e apelo. O te rm o
seguras é d a m e sm a fam ília d e confiantes (A RA , n o v. 9). O p ro fe ta p o d e ría inter-
ro m p e r a vã co m p lacên cia delas a fim d e su b stitu í-la pela v erd ad eira segurança.

c. Epílogo: a humilhação e a bem-aventurança (32.19,20)


E sse é u m e p ílo g o rec a p itu la n d o a a b ru p ta tran sição d o d esastre p ara a
b ên ção c o m a qual teve início essa seção d e “ ai” . P ara Isaías, a g ra n d e esp eran -
ça n ã o é n u n c a u m a m era b e m -a v e n tu ran ç a futura. E la é in co n d icio n al em sua
vinda, m as n ã o em sua desfru tação . P o r isso, ele n ã o n o s deixa e sq u ecer que
se há glória (20), ta m b é m h á seu o p o s to (19), a q u ed a das to rre s d e 30.25. E le
nos tira d o e rro da co m p lacên cia ta n to em relação ao fu tu ro q u a n to em relação
ao p re se n te (9-14). E sse é o p o d e r d essa reiteração c o n c lu in d o o tem a: ta n to
0 ju lg am en to q u a n to a glória estão à fre n te e ag o ra é o m o m e n to de escolher.

1 H á tre z e o c o r rê n c ia s d a s p a la v ra s p a re lh a s e m Isaías (1 .2 1 ,2 7 ; 5 .7 ,1 6 ; 9.7; 2 8 .1 7 ; 3 2.1,16;


3 3 .5 ; 5 1 .4s.; 5 6 .1 ; 58.2; 59.4) e m c o m p a r a ç ã o c o m as d e z e s s e is v e z e s n o r e s ta n te d a B íblia.
D e s ta s , seis v e z e s e n c o n tr a m - s e e m Je rem ias.
O L IV R O D O REI 350

19 E sse versículo é (lit.) “ ainda q u e caia saraiva, e caia o b o sq u e , e a cidade


seja in teiram en te a b a tid a ” (A RC). S ó aqui o c o rre o v e rb o “ saraiv ar” ; p a ra o
su b sta n tiv o veja 28.2,17. A s forças da n a tu re z a são o s ag en tes d a teo fan ia d e
julgam ento. C o m referên cia ao e n tã o im in e n te fu tu ro , o a rra sa m e n to d a floresta
(10.18,33,34) é a d e rru b a d a da A ssíria, e a cidade an iq uilad a é a Je ru sa lé m d o s
versículos 12-14. N o d e rra d e iro fu tu ro , a floresta é o m u n d o in fe c ta d o p e lo pe-
cad o h u m a n o e cain d o so b o ju lg am en to (2.12,13), e a cidade é a vida o rg an izad a
p elos seres h u m a n o s sem D e u s (24.10). T a n to o im in e n te q u a n to o d e rra d e iro
estão p re se n te s na p ro g ra m a ç ã o divina. E les se to rn a m c o n h e c id o s a fim de
q u e p o ssa m o s n o s a rre p e n d e r (31.6) e o u v ir (32.9). A p en as aqueles q u e ch eg am
a u m a c o rd o co m a ira d e D e u s p o d e m e n tra r na glória p ro m etid a.
20 E ssa cena p a sto ra l le m b ra os tem as m essiân ico s de 3 0.23-26, em q u e
o g a d o vagueia livre, e a água c o rre n o to p o d o s m o n tes. S em ear as p lan taçõ es
e c u id ar d o s anim ais é a vida daqueles q u e tê m o lar e a p o sse d essa terra. A
palavra trad u zid a p o r como vocês serãofelizes Ç asre) te m três m atizes: so b a b ê n ç ã o
divina (SI 32.1); realização ex u ltan te na vida (SI 112.1) e a ação c e rta n a h o ra
ce rta (SI 2.12; 137.8,9). N e sse versículo to d o s o s três m atizes se e n c o n tra m : o
favor divino, a realização p esso al e a to tal retidão.

6. A vitória, a proclamação e a peregrinação (33.1—35.10)


A eq u ilib rad a a p re se n ta çã o d o s seis “ ais” d essa série c o n tin u a n essa últim a
seção de “ ai” . O b se rv a m o s as seguintes c o m p a ra ç õ es ab ra n g e n te s e n tre esse
“ ai” e o terceiro “ ai” c o rre s p o n d e n te (29.15-24): o te m a d o L íb a n o (29.17; 33.9;
35.2); o ceg o e o s u rd o (29.18; 35.5); a alegria n o S e n h o r (29.19; 35.10); a re-
d e n ç ã o (29.22; 35.9,10a); a san tid ad e (29.23; 35.8); a salvação c o m o u m a to d e
D e u s (29.23; 33.3-6; 35.4,9s.); o fim d a o p re ssã o (29.20; 33.19); a tra n sfo rm a -
ção espiritual (29.24; 33.24; 35.8); a lei in stitu íd a (29.20s.; 33.14-16); e o fu tu ro
v isto em te rm o s d o p a ssa d o (29.22; 34.5-15). A prin cip al fo rça p ro p u lso ra des-
se terceiro “ ai” foi a tra n sfo rm a ç ão , ta n to d o m u n d o q u a n to d e “J a c ó ” . E ssas
d u as linhas são ag o ra d esen v o lv id as em te rm o s típico s d o A n tig o T e sta m e n to ,
o q ue significa q u e a ên fase está na tra n sfo rm a ç ã o d e Sião, e essa m en sag em ,
p o r sua vez, tra n sfo rm a -se e m u m a m e n sa g e m universal.

A 1 A salvação de Sião (33.1-6)


B1 O ju lg a m e n to d o s p o v o s (7-12)
A 2 A p rim eira p ro c la m a ç ão universal (13; atentem)·. Sião e seu Rei (13-24)
B2 A seg u n d a p ro c la m a ç ão universal (1; aproximem-sê)·.
a d e rro ta final (34.1-17)
A3 A p ere g rin a çã o d o re d im id o para Sião através d e u m m u n d o
ren o v a d o (35.1-10)
351 ISAÍAS 3 3 . I - I 2

A passag em 33.1-12 está en raizad a de fo rm a relev an te n o te m p o d a am ea-


ça assíria e, p o r isso, an c o ra d a na h istó ria c o n te m p o râ n e a , m as, p o r v olta d o
versículo 12, o p a n o de fu n d o é a m p liad o e, d e p o is d isso, os tem as são escato -
lógicos. O s tem as básicos são fo rn e c id o s p o r alguns salm os, c o m o o 46, 47, 48,
74 e 83. A co n g re g a ç ão das n ações h o stis a Sião é u m c o n c e ito en ra iz a d o na
situação egípcia p ré-ê x o d o , em q u e o p o d e r d o “ m u n d o ” am eaçava de ex tin ção
d o p o v o de D e u s; c o n tu d o , fo ra m eles q u e saíram ilesos. E n tra r em C an aã n ão
m u d o u essa situação, m as a h istó ria m o s tro u que, em relação a esse assu n to , o
S e n h o r assu m iu o c o m a n d o e q u e a h o stilid ad e c o n tra seu p o v o era h o sd lid ad e
c o n tra ele m esm o. E ssa fé receb eu ex p ressão p o é tic a e religiosa em S alm os e n o
culto. Foi a fé q u e Isaías p re g o u d u ra n te a crise de S en aq u erib e e q ue ele ag o ra
vê e m sua m a n ife sta ç ão escatológica final. F o r últim o , o S e n h o r c o n ú n u a a ser
o D e u s q u e d esceu para o Figito a fim de salvar.

a. As derradeiras realidades: a salvação e a ira (33.1-12)


N a p assag em 30.27-33, Isaías usa a h istó rica am eaça assíria c o m o u m “ re-
b o q u e ” p ara a im p e tu o sa ação d o S e n h o r c o n tra as “ n a ç õ e s” c os “ p o v o s”
(30.28). E sse equilíbrio ag o ra é revertido. A A ssíria está velada p o r trás da des-
crição de destruidor e traidor (1), e o p o n to c u lm in a n te é um fo g o d e ju lg am en to
so b re os povos (3,12). N o e n ta n to , há o m e sm o se n tim e n to d e u m resg ate d ivino
“ n o ú ltim o m o m e n to ” , co m o p o v o de D e u s ap en as se e sfo rç a n d o p ara viver
u m dia de cada vez (2), o d e se sp e ro to m a n d o c o n ta d e u m m u n d o d e sp e d a ç a d o
(7-9) e o d ra m á tic o trip lo agora d iv in o d o versículo lü .

A 1 O d e stru id o r será d e stru íd o (1)


B1 O apelo pela g raça e salvação divinas (2)
A 2 O s p o v o s se to rn a m as p resas d o S e n h o r (3,4)
B2 A nova Sião, a salvação a b u n d a n te (5,6)
A 3 O p e sa r pela traição, o m u n d o d e so la d o (7-9)
B3 A decisão e a ação divinas (10-12)

A salvação de Sião (33.1-6)


1 Isaías, c o m o nas passag en s 21.2 e 24.16, usa a in co n sistên cia m oral da
A ssíria c o m o a m arca d a vida n o s últim o s dias. O c o n te x to é a a p a re n te aceita-
ção pela A ssíria d a tentativa d e E z eq u ias de se livrar d a in q u ietação (2Rs 18.13-
18), a p esar d e o a taq u e c o n tra Jeru salém c o n tin u a r c o m o se n ã o tivesse hav id o
n e n h u m acordo. A quele q u e não fo i destruído, o u seja, aquele ag in d o seg u n d o o
p rin cíp io de que o p o d e r é c e rto parece, até aqui, “ escap ar im p u n e ” . O según-
d o ai de você (lc ) é u m acréscim o da N V 1. A m u d a n ç a vai d a d e stru tib ilid ad e
física p a ra a falta de e sc rú p u lo m oral. O uso de to d o s os m eio s para g a ra n tir o
O L IV R O D O REI 352

d o m ín io é a c o m p a n h a d o da d isp o sição de u sar q u a isq u e r m eio s p ara alcançar


seu objetivo. Λ frase que nàofo i traído é (lit.) “ ó traidor... a q u e m eles [as p e s s o a s /
os o u tro s] n ã o tra íra m ” . N a d a p ro v o c o u a ação d o s traid o res a n ã o se r a fal-
ta d e e sc rú p u lo d o s p ró p rio s traidores. “ Q u a n d o a c a b a r1 d e trair, será tra íd o ”
— n ão q u e o S e n h o r re sp o n d e ría o u re sp o n d e rá co m algum re b a ix a m e n to de
seu p adrão, m as q u e a p u n iç ã o será ex a ta m e n te a q u e o crim e m erece (cf. D t
19.18,19). A p erfeita ad m in istração d o S e n h o r d o s assu n to s h u m a n o s g aran te
q u e p ara to d o trap aceiro existe um tra p a c e iro para excedê-lo, até q u e n o fim
to d o s p e re c e rã o da m esm a m an eira em sua esp erteza.
2 O p o v o d e D e u s, p o r m eio d a in terjeição a i (1), d isso cio u -se d o c ó d ig o
pelo qual o m u n d o vive; eles, p o r m eio da ex p ressão ó S e n h o r (N T L H ), disso-
ciaram -se d o s recu rso s p elo s quais o m u n d o vive. T a n to o c ó d ig o m o ra l para
a vida q u a n to o s recu rso s p ara viver são d o céu. S o b re o te rm o misericórdia veja
30.18. A palavra esperamos (‫י‬Iqãwâ; [8.17]) é um a m arca d o re m a n e sc en te , c o m -
b in a n d o a tran q u ilid ad e da e sp era c o m a co n fian ça d a ex p ectativ a g aran tid a. A
ex p ressão nossa fo rç a / “ n o sso b ra ç o ” (ARC) é o ó rg ã o d a ação p esso al d e fo rça
(52.10), o v ig o r p a ra a vida. T alvez aqui haja u m fra g m e n to d e fo rm a litúrgica,
co m o líder d izen d o : “ Seja o b ra ç o d e le s” , e a co n g re g a ç ão re sp o n d e n d o : “ Seja
de fato n o ssa salvação” . E m to d o caso, Isaías, em vez de u m a d eclaração p ro -
saica d e q u e em te m p o d e crise a igreja q u e crê re c o rre à o ra ç ã o (cf. A t 12.5), in-
sere u m a n otável n arrativ a teatral d a o ra ç ã o q u e está a c o n te c en d o . A alteração
para “ n o sso b ra ç o ” (ARC) é o p io r tip o d e ad u lteração p e rn ó stic a . A ex p ressão
cada manhã fala da fo rça diária p a ra as n ecessid ad es diárias. A frase nossa salvação
é p reced id a pela p a rtícu la ’ap (não re p re se n ta d a n a N V I), q u e tem o se n tid o de
“ realm en te m ais” .
3 O trovão da tua vosçj “ ao ru íd o d o tu m u lto ” (A R C )/m u ltid ã o p o d e r ser
um a referên cia ao ru m o ro s o avanço egípcio reg istrad o em 2R eis 19.9. A pa-
lavra hãmôn n ã o é u sad a para o b a ru lh o d e trovão. Fogem e dispersam-se estão
a m b o s n o te m p o p e rfe ito (p erfeito s de certeza), c o m o se as p esso as q u e o ra m
já tivessem v isto sua o ra ç ã o re sp o n d id a . Dispersas (ARC) é p o r causa d a “ tua
exaltação ” (A RC). O su b sta n tiv o n ã o o c o rre em o u tra p assag em , m as é irre-
preensível. A ideia casa co m o v erb o c o g n a to d o v ersícu lo 10. P o r m a io r q u e
seja a am eaça aos o lh o s h u m a n o s, tu d o q u e o S e n h o r p recisa fazer é levantar-se!
4 A b atalh a acab o u (o despojo está se n d o p eg o ) co m a m e sm a rap id ez que
co m e ç o u (cf. A p 19.19,20). A ex p ressão ó n açõ es é u m acréscim o d a N V I.

1 A p a la v ra acabar (em acabar de trair) tr a d u z k a n n 'lõ fk ã q u e p o s s iv e lm e n te é u m a f o r m a


a b re v ia d a d e k fh a n n 'lo fk a . Is s o ex ig iría o t e r m o in á la , q u e p o d e a p a r e c e r e m J ó 15.29
(cm u m a p a la v ra q u e D h o r m e d iz q u e “ c o n s titu i u m a d ific u ld a d e q u a s e in s o lú v e l” ). E le
o b s e r v a q u e Q im c h i to r n a a p a la v ra in iilâ s in ô n im a d e ·ikãlãh. I s s o d a ria o s e n tid o ex igido.
Q ‫־‬, n o e n ta n to , tra z k fk a llõ fk ã (dc Ί kã lâ ), e isso é a d o ta d o p o r K is s a n e , K fí, B U S , e tc. E s s a
c u m a s o lu ç ã o ó b v ia p a ra u m a d ific u ld a d e q u e seria difícil a f ir m a r su a o rig in a lid a d e .
353 ISAÍAS 3 3 . I - 1 2

N ã o te m o s c e rte z a d a identificação, m as o s gafanhotos novos re p re se n ta m algum


estágio d o d e se n v o lv im e n to d o g a fa n h o to (lR s 8.37; SI 78.46; J1 1.4). O s homens
saquearão' é a e n tu siástica to m a d a de p o sse d o s fru to s da v itó ria d o S enhor.
5 E sse versícu lo c o n tin u a o p e n s a m e n to d o “ sa lta rã o ” d o versícu lo 4. A
palavra e x a lta d o / “ h ab ita nas altu ras” (ARC) ()sa g a tí) é e x a ta m e n te c o m o em
2.11,17. A exaltação d o S e n h o r p o d e e sp a n ta r seus inim ig o s e e n c h e r seu p o v o
de n o v o en tu siasm o , m as a exaltação e m si m esm a n ã o é n ad a d e ex trao rd in á-
rio: ela ex p ressa o q u e se m p re foi verdade. O v e rb o encherá é u m p e rfe ito de
certeza, sig nificando “ está c e rto d e /e s tá d e te rm in a d o a ” . S o b re ju stiça e retidão
veja 1.26,27; 32.1,16.
6 O S e n h o r será o firm e fu n d a m en to / “estab ilid ad e” da n o v a Sião. E m co n -
traste c o m a “ h o ra [‘¿í] d o p e rig o ” (2), o p o v o d o S e n h o r, seg u in d o a vitória
do S e n h o r (5), to m a rá p o sse d e seus “ te m p o s ” característico s, m a rc a d o s pela
im u nid ade d o p e rig o e d o te m o r e fu n d a m e n ta d o s n o p ró p rio S en h o r. E le tam -
bém será o s re c u rso s d a cidade, “ u m a g ra n d e riq u eza d e salvação” . O te rm o
riqueza (hõsen ) é d e ) hãsan (“ se r fo rte ” ; cf. 1.31), e p o r isso a “ riq u eza” c o m o
um re c u rso p rá tic o p a ra a vida. N o versículo 2, a era o s u p rim e n to d iv in o sufi-
ciente p a ra cada n ecessid ad e q u e surgisse. A ssim , aqui, a ab u n d â n c ia d e salvação
enfatiza a rica v ariedade d o re c u rso divino. E m p articu lar, a sabedoria* para a
verdadeira o rie n ta ç ã o d a vida e o conhecimento d a v erd ad e, q u e fo rn e c e su sten -
tação p a ra a sab ed o ria (28.14,18). A frase 0 tem or do Senhor é a chave desse tesouro é
(lit.) “ o te m o r d o Senhor será o seu te s o u ro ” (ARC). A q u e m será q u e esse seu
(ARC) se refere? Sião é fem in in o , e a nação d e Ju d á n ã o é m e n c io n a d a nesse
co n texto , p o rta n to , a referên cia deve se r ao S e n h o r e ao q u e ele a c u m u lo u para
seu povo. O p o n to c u lm in a n te da co n d iç ã o p ro m e tid a d e b e m -a v e n tu ran ç a n o
“ai” c o rre s p o n d e n te (29.23) era re c o n h e c e r a san tid ad e d o S e n h o r e se n tir sua
qualidade d e ser im pressivo. T em ê-lo c o m v e rd a d e iro te m o r n ã o é u m a em o ç ã o
h u m an a d esen v o lv id a n e m estim ulada, m as u m d o m q u e ele te m g u a rd a d o para
aqueles q u e q u e r abençoar.

0 julgamento dos povos (33.7-12)


O c o n te x to d essa passag em é o te m p o assírio. O s heróis são o s líderes m i-
litares, c o m o E z e q u ia s (37.3), v in d o ta rd ía m e n te a p e rc e b e r sua ineficácia. O s
embaixadores, aqueles env iad o s p ara n e g o c ia ro s te rm o s da ren d ição (2Rs 18.14),
ch o ram ag o ra ao d e sc o b rir c o m o fo ram ludibriado s. N e m o p o d e r h u m a n o
nem a sab ed o ria h u m a n a c o m p ro v a ra m ser suficientes. A in v asão deix o u as*2

' Saquearão é u m p a rtic ip io s e m q u a lq u e r s u je ito e x p r e s s o (cf. 2 1 .1 1 ; 3 2 .1 2 ; D r iv e r 135:6).


2 A f o r m a a q u i é hokmaj ( e m b o r a ali o M S S tra g a m hokmãh). G K C 1 3 0 b o b s e r v a q u e o e sta-
d o c o n s t r u c t o é c o m fre q u ê n c ia u s a d o a n te s d e “ » » » 'c o p u la tiv o ” (E z 2 6 .1 0 ; c f gVãt, 35.2;
sSkuraj, 5 1 .2 1 ). E p o ss ív e l q u e e sse s se jam “ c a s o s d e re v e rs ã o in te n c io n a l p a ra a a n tig a
d e s in ê n c ia fe m in in a ” p o r m o tiv o s e u fó n ic o s .
O L IV R O D O REI 354

estradas ab a n d o n a d a s, e o s p ro sp e c to s d e alcançar a paz p o r m e io de u m acordo


estão a rru in a d o s ju n to co m to d a a paisagem . A h u m a n id a d e , sem D e u s, só
c o n seg u e tra z e r desolação.
7 A ex p ressão seus heróis Ç eC ellã m ) n ã o é e n c o n tra d a em n e n h u m a o u tra
p assag em , m as é m ais b e m e n te n d id a (com D elitzsch ) c o m o u m a fo rm a d a pa-
lavra >ttrB êl (2Sm 23.20; l C r 11.22; cf. so b re 15.9) co m u m a b ase c o m o sen tid o
d e “ seus g u e rre iro s” .1 N o c o n te x to é im possível n ã o o u v ir u m eco d o “A riel”
d e 29.1,7, p ro v av elm en te co m o p e n sa m e n to da h u m a n id a d e u su rp a n d o a prer-
rogativa d o S e n h o r e c o n fia n d o em seu p ró p rio “ p o d e r d e fo g o ” . T a n to os
falcões (heróis) q u a n to os “ p o m b o s ” {em baixadores da pa%) estão ig u alm en te n o
lim ite d o re c u rso m e n ta l deles. A ex p ressão nas ruas (ou seja, a b e rta e p u b lica-
m en te) m o stra q u e n a d a “ e n c o b re ” essa crise.
8 Q u a n d o as p esso as esco lh em viver se g u n d o suas p ró p ria s h ab ilid ad es e
políticas, n ã o são apenas as g ra n d e s q u e stõ e s d a vida q u e ficam in g o v ern áv eis
(o c h o ro d o v. 7), m as as atividades c o m u n s d a vida {estradas, viandante [TB])
ta m b é m ficam paralisadas. A tra d u ç ã o passiva, rompeu-se 0 acordo, é p o ssív el da
p ersp ectiv a da e x p re ssã o idiom ática, m as a referên cia n o v ersícu lo 1 a u m trai-
d o r ind iv idual favorece a tra d u ç ã o literal: “ E le ro m p e u a aliança, d e sp re z o u as
cid ad es” (A R C ).2 E m o u tra s palavras, ele n ã o dá n e n h u m v a lo r à p e sso a , age
sem p re o c u p a ç ã o m o ral, d e sd e n h a a fo rte o p o siç ã o alinh ad a c o n tra ele e n ã o dá
n e n h u m v alo r à vida h u m a n a c o m o tal. E ssa é u m a b rilh a n te análise d a “ m en -
te ” d o p o d e r político.
9 E sse é o ápice d o q u e c o m e ç o u c o m o os e sp in h o s d e G ê n e sis 3.18. O
c o m e ç o d a c o rru p ç ã o d o p o v o p e c a d o r da te rra justa de D e u s foi tã o p e q u e n o
q u a n to a p rim eira erv a d an in h a, m as seu fim é u m m u n d o sem vida. O s v erb o s
pranteia e m urcha são os m e sm o s d a p assagem 24.4. O IJb a n o p o d e se r to m a d o
c o m o sim b o liz a n d o o p e rm a n e n te , o q u e se m p re estev e ali; Sarom a bela; e B asã
e Carmelo as férteis (cf. a resta u ra ç ão em 35.2). Só e n c o n tra m o s o te rm o m ur-
cha em u m c o n te x to se m e lh a n te em 19.6. K B o ferece a tra d u ç ã o “ in fe sta d o de
p io lh o s” aqui, e d e v e m o s p e n sa r em u m a p e ste tão v iru le n ta q u e até m e sm o o
L íb an o cai d ian te dela.
10 A g ora Ç a ttâ ), a p a rtícu la en fática d e tem p o , é u sad a an tes d e três v erb o s
sin ô n im o s, is s o cria u m a ên fase fo rte , p rim eiro , na ideia d e ex altação e, según-
do, n o fato d e q u e o m o m e n to crucial c h e g o u (cf. a trip la exaltação d e 52.13).123

1 K is s a n e a lte ra as v o g a is p a r a ‫“־‬n ‘èíim (o s a rie lita s” , “ p o v o d e A rie l” ; 29.1) e n a lin h a se-


g u in te m u d a sãlôm (“ p a z ”) p a r a sãlêm (“ S a lé m ”).
2 F.m Q \ e m v ez d e ‘ãrim (“ cid a d es”), e n c o n tra m o s 'êdim (“ te s te m u n h a s ”). A BUS, c o m o ten -
tativa, a d o ta essa leitura, m as, c o m certeza, deveria se r c o n sid e ra d o u m e r ro d a p a rte d e Q".
3 A f o r m a ’érômãm (“ se rei e x a lta d o ” ) é a f o r m a d e p a u s a d e ’êrômém , q u e , p o r s u a v e z , é
u m a f o r m a c o m p e n s a d a p a ra ’ejrômém {G K C 54c). O m o tiv o é p ro v a v e lm e n te a s s o n â n c ia
p o é tic a .
355 ISAÍAS 33.13-24

11,12 Q u a n d o o S e n h o r se levanta para agir, três coisas a c o n te c em sim ul-


tan eam en te. P rim eiro, há o resu ltad o inevitável d a d ecisão e ação passadas. E les
“c o n c e b e m ” e ag o ra dão à lucç. Q u e acusação de vid a sem D e u s — p lan o s, n ão
mais q u e restolho ; realizações, n ã o m ais q u e palha\ N a crise assíria, a p alh a e o
re sto lh o re p re se n ta m as p esso as faz e n d o seu m áx im o , m e d ita n d o co m afin-
co, se n d o o m ais realista e p rá tic o possível, ap lican d o a sab ed o ria coletiva nas
q u estões difíceis da vida, m as d e ix a n d o D e u s d e fo ra (29.15,16; 30.1,2; 31.1).
Segundo, o p e c a d o volta, de m o d o q u e o a g en te d e to n a d o r é seu sopro/ “ espíri-
to” (A RC). O s p e c a d o re s são ta n to a causa últim a (concebem) q u a n to a im ediata
(fogo) d e sua p ró p ria ruína. T erceiro, h á ação p u n itiv a divina. O b s e rv e o passi-
vo consome, c o m o se p ro v o c a d o p o r um a g en te ex tern o . O s povos são c o m o n o
versículo 3. Λ ex p ressão como se p o d ia se r o m itid a, e as p alavras “ n o fo g o ” a
serem acrescen tad as d e p o is d e “ q u e im a d o s” . A frase queim ados como sef a £ com a
cal enfatiza a in te n sid a d e d o calor; e “ n o fo g o ” en fatiza a realidade d o ag en te
externo. A ssim , o re su lta d o d o p e c a d o é inevitável. A trag éd ia d o p e c a d o é q ue
ele a rru in a a vida d o p e c a d o r; o p e rig o d o p e c a d o é q u e incita a ira d e D eus.

b. A primeira proclamação universal: o novo Sião, seu povo e seu rei


(3 3 .1 3 -2 4 )
Isaías, a p a rtir d a im agem escatológica c o m p o sta d o s v ersícu lo s 1-12, sele-
ciona um tem a p ara elu cid ar m ais: a n o v a Sião, q u e ele c o m e ç o u a d e screv er n o s
versículos 5 e 6. Ali a ênfase caiu n o q u e o S e n h o r fará p o r Sião em te rm o s da
retidão, da salvação e d o te m o r d o S enhor. A g o ra ficam os sa b e n d o q u e h á dois
c o m p o n e n te s n a cidade: o p o v o e seu rei.

A 1 O p o v o d e Sião (14-16)
U m a séria co n sciên cia d o p e c a d o (14)
A exigência d e u m a vida sa n ta (15)
A segurança e a p ro v isão
B1 A p re se n ç a d o rei, a te rra p o ssu íd a, to d o s o s in im ig o s se vão
(17-19)
C A Sião cm paz, em p e rp é tu a seg u ran ça (20)
B2 A p re se n ç a d o rei, o S e n h o r cm p o d e r, au sên cia de am eaça,
v itó ria para o in d efeso (21-23)
A 2 O p o v o d e Sião, c u ra d o e p e rd o a d o (24)

O povo de Sião (33.13-16)


13 Longe e perto são o p o s to s e x p re ssa n d o totalid ad e. O p e n sa m e n to d e um a
co n v ocação para o m u n d o está b e m e stab elecid o n o cu lto (SI 47.1; 96.3,10;
98.4). P o r trás d isso está a su p o sição de q u e o q u e o S e n h o r tem feito p o r seu
O L IV R O D O REI 356

p o v o te m relevância m u n d ial, ta n to c o m o u m a revelação d o S e n h o r q u a n to


c o m o u m a m e n sa g e m d e salvação. A m e n o s q u e d e fe n d a m o s q u e a p ro clam a-
ção é feita p ara o m u n d o para z o m b a r de seu p o v o co m u m a v isão q u e eles
n u n ca alcançarão, te m o s de a cred itar q u e as glórias d e Sião são a p re se n ta d as n a
cren ça (2.2-4) d e q u e d essa m an eira as n açõ es serão atraídas a se ju n ta r à g ra n -
de p ere g rin a çã o (cap. 35) e a e n tra r em Sião so b as co n d iç õ e s q u e esse p o e m a
ta m b é m sugere. A essência d a p ro c la m a ç ão é “ as o b ra s m arav ilh o sas d e D e u s ”
(At 2.11), 0 que eu fi%. O poder (g 'b ü rá, “g u e rre iro d e p o d e r” ; 30.15) é o p o d e r
eficaz d o S e n h o r so b re to d o s os inim igos. O p rim e iro m o v im e n to d o p o v o de
D e u s em d ireção a o m u n d o é in fo rm ativ o . O m u n d o tem d e se r c o n q u ista d o
pela p e rsu a sã o da v erd ad e, reconheçam / “ c o n h e c e i” (A RC) 0 m eu pod er (Js 2.9-11).
14 A s p esso as q u e m o ra m n essa Sião têm u m a co n sciên cia a te rra d o ra de
c o m o o p e c a d o é algo sério e d a im p o ssib ilid ad e q u e os p e c a d o re s h a b ite m n a
p re se n ç a da santidade. S o b re pecadores (hattã*im ) veja 1.28 (cf. 30.1). O s ím p io s /
“ os h ip ó c rita s” (A RC) (9.17 < 1 6 > ; 10.6; cf. 24.5; 32.6) são aqueles q u e d ifam am
a n a tu re z a divina e vivem d e a c o rd o co m essa atitude. O te rm o consum idor é o
m e sm o tra d u z id o p o r “ b rasas d o altar” em L evítico 6 .9 < 2 > (cf. SI 1 0 2 .3 < 4 > ).
A referên cia, c o m o co m A r ie l (29.1), é ao fogo n o altar d o S en h o r, o fo g o q u e
p ro clam a sua san ta p re se n ç a n o m eio deles. A palavra conviver (1‫ו‬gür ) é “ m o ra r
c o m o u m e stra n g e iro ” , u m a p e sso a sem o d ire ito n atu ral d e e sta r ali. O fo g o de
san tid ad e é u m a am eaça p a ra o s p e c a d o re s (consumidor) e u m e le m e n to eternjoj,
im utável n a n a tu re z a divina.
15 E sse v ersículo é u m a “ e n tra d a litúrgica” (cf. SI 15; 24). A seq u ên cia
d esse p o e m a é to ta lm e n te bíblica: an tes q u e as p esso as p o ssa m o u v ir d e fa to a
palavra d e p e rd ã o (24), elas têm d e e n fre n ta r o rig o r das exigências d a lei divina.
E ssa p esso a, e ap en as ela, é a q u e p o d e e n tra r na n o v a Sião e h a b ita r n a p re se n -
ça d o fo g o santo. O s v erb o s, d o c o m e ç o ao fim , estão n o singular. A exigência
é in dividu al e p esso al, b u sc a n d o u m a a b ra n g e n te re tid ã o d e vida. O v e rb o anda
é u m p articip io e x p re ssa n d o c o n d u ta c o n sta n te . C orretam ente/ “ [em] ju stiça”
(ARC) é u m plural de am p litu d e co m o significado d e to tal re tid ã o o u d e reti-
d ão em to d o s seus asp ecto s, c o b rin d o to d a c o n d u ta . T ip ic a m e n te , a p u re z a (é
r e t o / “ re tid ã o ”) d a fala o c u p a o p rim e iro p la n o (cf. 6.5), m as é a c o m p a n h a d a
de p e rto pela p ro b id a d e financeira e a lib ertação d o a m o r ao d in h e iro ( recusa/
“ arre m e ssa p a ra lo n g e ” [ARC] é de ■imadas·, contem plar 30.12; 31.7). O lucro injusto
é plural, o u seja, g a n h o d e q u a lq u e r tipo. A ex p ressão não aceita é (lit.) “ sa c o d e ”
(A RC), su g e rin d o q u e a q u a lq u e r tentativa d e su b o rn á -lo eles e n c o n tra ria m sua
m ão sa c u d in d o à ideia m e sm o d e s u b o rn o e incapaz d e m a n te r o p re se n te . (Cf.
o versícu lo 9 em q u e o v e rb o · I m a r descreve á rv o res d e rru b a n d o suas folhas.)
A retid ão d o q u e a p e sso a p ie d o sa diz é igualada pela p ro te ç ã o d e seus ouvidos. A
ex p ressão as tram as é “ n ã o o u v ir falar de h o m ic íd io s” ; n e m m e sm o d á o u v id o s
357 ISAÍAS 33.13-24

a q u alq u er coisa q u e trag a cu lp a d ia n te de D e u s o u q u e fira as o u tra s pessoas.


Seus d esejo s (os olhos são o ó rg ã o d o d esejo e da in ten ção ) são m u ito p u ro s;
seus o lh o s e stã o fech ad o s p a ra n ã o contem plar/ “v e r” (ARC) 0 mal., o u seja, qual-
quer coisa “ ru im ” { r a , “vulgar, prejudicial, p e rv e rtid o ” ; 45.7).
16 H a b ita r¡... ¡ nas alturas é e sta r co m o S e n h o r (veja v. 5). Refúgio é u m subs-
tantivo d e isã g a b , tra d u z id o p o r “ e x a lta d o ” n o versícu lo 5; daí o se n tid o d e alta,
ou m áxim a, segurança. A fo rta leza das rochas é (lit.) “ fo rtalezas feitas d e p e d ra s”
(N T L H ), o u seja, n o to p o inacessível da rocha. O h eb raico d o v ersícu lo 16cd
é “seu p ã o — d a d o ; sua água — g a ra n tid a ” . S o b re as co n d iç õ e s d eclaradas n o
versículo 15, as p ro m e ssa s feitas são, p o rta n to , d e c o m u n h ã o c o m o S en h o r,
segurança e provisão.

A presença do rei (33.17-24)


17 O v ersícu lo co m e ç a co m a frase: “ Seus o lh o s v e rã o o rei em seu espíen-
dor” . “V er c o m o s o lh o s ” é ver claram en te e p o r si m e sm o (D t 4.3). A identi-
ficação d o rei co m o S e n h o r aguarda o paralelo d o s versículos 21 e 22, m as a
p rep aração p ara essa revelação co m e ç a aqui: o p e n sa m e n to d e c o m u n h ã o co m
o S en h o r nas alturas (16) é im e d ia ta m e n te seg u id o p ela v isão d ireta d o rei. O
verbo c o g n a to d e esplendor é u sa d o p ara o rei ideal d e S alm os 4 5 .2 < 3 > (“ no-
tável”), e o u so da palavra aqui indica q u e se refere ao M essias. N a v erd ad e, o
term o rei carece d e um a rtig o d e fin id o e é u m m o d o d e e x p re ssã o idiom ática
de in d e te rm in a ç ã o p o r causa d a ên fase — “ um rei — v ocê sab e q u em !” A
presença d o rei, aqui e n o s versículos p aralelos 21-23, está ligada à terra (ARC)
d esfrutad a sem m e d o (lit. “ u m a te rra d ista n te ”), u m a te rra am p la em extensão,
com lib erd ad e d e m o v im e n to nela, e n ã o u m a am eaça até o n d e os o lh o s co n -
seguem alcançar!
18,19 T a m b é m se foi a ex periência de m e d o (18a), o in im ig o v ito rio so
(18b-d) e até m e sm o o so m d a fala estran g eira (19). A frase em seus pensam entos/
“teu c o ra ç ã o ” (A RC) você lem brará terrores passados (passados é u m acréscim o inter-
pretaüvo). O te rm o terrores Çêrnà) é u m a palavra fo rte (G n 15.12; J ó 41.6). As
descrições d o s oficiais inim igos (“ o oficial m a io r [...], o q u e receb ia trib u to s [...]
o en carreg ad o das to rre s ”) são vagas, m as 2Reis 24 sug ere q u e talvez u m oficial
tenha e n u m e ra d o aqueles q u e estavam d e stin a d o s ao cativeiro, o u tro p e so u e
registrou o espólio, e um te rc e iro fez u m in v en tário d o s p ré d io s a serem d em o -
lidos. N o e n ta n to , tu d o isso a g o ra é p assad o ; os a rro g a n te s e sua fala o b scu ra,
todos são p assado. A referên cia à “ fala tã o p ro fu n d a [pro v av elm en te gutural],
que n ão se p o d e p e rc e b e r, e de língua tã o e stra n h a , q u e n ã o se p o d e e n te n d e r”
(ARC) le m b ra a passagem 28.11,19. E ssa fala é um tem a de p u n iç ã o e desag ra-
do divinos, e seu d e sa p a re cim e n to significa a restau ração d o fav o r divino.
20 E sse é o c e rn e d o p o e m a (veja o e sb o ç o n a p. 265s.). O te rm o olhe
(ihãza) é u sa d o p a ra “v erão o rei” n o versícu lo 17. Sião é, p rim eiro , a cid ad e de
O L IV R O D O REI 358

privilégio religioso e c o m u n h ã o co m o S e n h o r (nossas fe s ta s / “ c o n g re g a ç õ e s /


so le n id a d e s” [ARC]; cf. 1.14; 4.5); e, seg u n d o , u m a cid ad e d e paz e seg u ran ça
q u a n to à estabilidade (pacífica, sc fn ã n ; cf. “ tra n q u ilo s” em 32.18). E n q u a n to a
tenda sim boliza u m a v o lta ao re la c io n a m en to “ ideal” d e Israel co m D e u s n o
d e se rto (Jr 2.2,3), o fato de q u e ela não será removida n em as estacas ja m a is serão
arrancadas significa q u e a p ere g rin a çã o acab o u . A te n d a “ n ã o será d errib ad a,
cujas estacas n u n c a se rã o a rra n c ad a s” (ARC). O ú ltim o v e rb o ( n ã s a ) foi u sad o
co m reg ularidade para o itin erário n o d eserto . O te rm o romperá (nãtaq) significa
“ p a rtir em d o is” e sugere ação hostil, m as ta m b é m p o d e in d icar d esg astar-se e
rasg ar — até m e sm o o perecível se tro n a rá durável.
2 1-23 E sses v ersículos p o d e m ser divididos d a seg u in te m aneira:

a 1 A p re se n ç a d o S e n h o r em p o d e r (21a)
b1 M u ita água, ausência d e navegação (21b-d)
a2 A p re se n ç a d o S e n h o r c o m o rei (22)
b2 O navio in ad eq u ad o , o esp ó lio a b u n d a n te (23)

Isaías, n o versículo paralelo 17, viu a terra; aqui ele avalia o m ar. Ali ele o b -
serv o u ap en as a e sp le n d o r d o rei; aqui te m o s u m a d escrição m ais c o m p le ta da
p esso a dele e d e suas funções. O v ersículo 21 explica o v ersícu lo 20 c o m estas
palavras: “ M as o Senhor ali” (ARC). Isaías ain d a está n o s e n c o ra ja n d o a o lh a r
para Sião (20), a v e r suas assem bléias religiosas e seg uran ças e v er o fu n d a m e n -
to dessas coisas na p re se n ç a d o S e n h o r (21). A frase será 0 Poderoso pa ra nós é
(lit.) “ n o s será g ra n d io so [um adjetivo atributivo, veja c o m e n tá rio so b re 53.11]
(A R C )/” estará c o n o s c o ” (TB). A palavra Poderoso Ç addir) significa “ so b eran o ,
d o m in a n te ” (cf. SL 93.4). O s rio s/ “ largos rio s” (TB) são a b u n d a n te s, águas
inesgo táveis (30.25; cf. so b re 7.3; 8.6; 22.9). E m relação ao navio a remo /.../ nau
poderosa, a su g estão d a p assagem p arece exigir u m a referên cia a o n av io d e guer-
ra (ou seja, a p esar d e to d a a água a b u n d a n te n ã o hav erá n e n h u m a taq u e naval),
m as a fo rm a de e x p re ssa r essa ideia n ã o é explícita. Fala de “ n av io a re m o [...]
n au p o d e ro s a ” . Poderosa é ‘a d d ir, te rm o u sa d o a n te rio rm e n te n esse versícu lo
para o S en h o r, m as o p e n s a m e n to é d e fo rça (capaz d e “ d o m in a r” o s m ares),
n ã o de hostilidade. Será e n tã o q u e a ideia é a ausên cia d e n av io s m e rc a n te s e,
p o rta n to , da au to ssu ficiên cia da n o v a Sião? Isso se adq u iria à ex p licação o fe -
recida n o v ersículo 22. T e m o s o S en h o r, e n ã o p re c isa m o s d e m ais nad a, ele é
a b so lu ta m e n te suficiente. E le é ta n to j u f ? (e x tre m a m en te d o ta d o em lid eran ça e
g o v e rn o ; le m b ra n d o J z 2— 16) q u a n to legislador (o leg islad o r d o dia a d ia e ch efe
tribal; J z 5.14; cf. Is 10.1). E le, c o m o rei, é p e rm a n e n te n o carg o ; o v a lo r b u s-
cad o n o p e d id o inicial p o r u m rei, c o n tra s ta n d o co m o g o v e rn o p e rió d ic o d o s
juizes (IS m 12.10-12). S a lv a re ra a fu n ç ã o d o juiz (Jz 2.16). O p ro n o m e ele n a
359 ISAÍAS 3 4 .I-17

frase é ele que nos vai salvar é enfático: n o ssa lib ertação em to d a s as situ açõ es de-
p e n d e ap enas dele. E ssa ênfase é elab o rad a n o versículo 23, c o n tin u a n d o o u so
da im ag em de navegação. Sião, c o m o u m “ navio d o E s ta d o ” , está avariada —
as c o rd a s frouxas, o m a stro b a m b o , as velas arriadas — ain d a assim esse navio
claudicante leva o despojo! Λ vitória, p o r co n seg u in te, é c o n q u ista d a p o r o u tro
em seu favor. O s despojos (cf. v. 9; 9 .3 < 2 > ) são os fru to s d e um a c o n q u ista q ue
já é passado. A palavra então é a p artícu la enfática de tem p o . h . grande quantidade
é p re c e d id a d e u m p ro n o m e e n fá tic o (ad, co m o se n tid o d e “ a té /ta n to q u a n to
os a b u n d a n te s d e sp o jo s” .
24 A qui, c a sa n d o co m a v o z d a lei d o s versículo s 14-16, está o c o n fo rto d o
evangelho. E m Sião n ã o haverá d o e n ç a n em pecado. É p o ssív el tra ta r a refe-
rência à d o e n ç a (co m o o aleijado d o v. 23) c o m o figurativa (cf. 53.4; SI 107.17-
20). N o e n ta n to , é preferível m a n te r a d o e n ç a e o s pecados em eq u ilíb rio (o físi-
co e o espiritual) c o m o c o n tra s ta n d o in cap acid ad es q u e re p re se n ta m o fim de
to d a incapacidade. M as, em p articular, “ os p e c a d o s d o s q u e ali h a b ita m serão
p e rd o a d o s” /(lit.) “ o p o v o q u e h a b ita r nela será a b so lv id o d e su a in iq u id ad e”
(ARC). A e x p re ssã o idiom ática “ a b so lv id o s de sua in iq u id a d e ” , o u seja, “ tirar
a in iq u id ad e” está en raizad a n a d o u trin a de tirar o p e c a d o n o D ia d a E x p iação
(Lv 16.21,22; cf. Is 53.4,14). S o b re “ in iq u id ad e” (ARC) (jâwôri) veja 1.4; 6.7.

c. A segunda proclamação universal: a derrota final (34.117‫)־‬


A seção inicial (33.1-12) d essa série final de “ ai” fez o p ap el d e u m p refácio,
a n u n c ia n d o o d u p lo te m a de salvação e julgam ento. O te m a d a salvação foi m ais
d e sen v o lv id o n a p rim eira p ro clam ação universal (33.13-24). A seg u n d a p ro cla-
m ação universal se v o lta p a ra o tem a de julgam ento. E essencial p a ra a apre-
sen tação o u so de E d o m c o m o tip ifican d o o in im ig o escato ló g ico d o Senhor.
Isaías, n a passag em d e “ ai” paralela (29.15-24), v o lta ao p assad o , a A b ra ã o e a
Jacó, p a ra serv ir c o m o m o d e lo s d o c u m p rim e n to escato ló g ico das p ro m e ssa s
divinas. A q ui, ele o lh a p a ra o p a ssa d o a fim de c o n tra sta r o m o d e lo d e d e rro ta .
E d o m , p rim eiro , e n tro u nas trad içõ es d o p o v o de D e u s n a p e sso a d e E saú ,
e u m a fo rte se m e n te de inim izade foi sem ead a e n tre ele e Jacó. O p ró p rio E saú
parecia te r p o u c a cap acid ad e p a ra su ste n ta r a an im o sid a d e (G n 33.4-16), e as
p rim eiras narrativas, d e p referên cia, c o n c e n tra m -se em c o m o a p ro fecia ante-
natal será co n clu íd a (G n 25.23; cf. M l 1.2-5). Só em N ú m e ro s 20.14-21 é q ue
essa h o stilid ad e se to rn a ativa e d e te rm in a o p a d rã o fu tu ro . Saul ac h o u necessá-
rio g u e rre a r c o m E d o m (IS m 14.47), e D a v i d e u u m p a sso ad ian te (2Sm 8.14;
cf. lR s 11.15s.) n a c o n q u ista e anexação de E d o m . E ssa foi a p rim eira e única
c o n q u ista d o E d o m , se n d o D av i o ú n ic o rei a m a n te r esse in im ig o in c o n tro lá -
vel so b sujeição. S alom ão e n fre n to u u m a rebelião e d o m ita (lR s 11.1-17,23-25)
e, u m sécu lo d ep o is, Je o rã o ta m b é m e n fre n to u u m a rev o lta e d o m ita (2Rs 8.20).
O L IV R O D O REI 360

A m azias, p assad o s o u tro s c in q u e n ta an o s (2Rs 14.7,10), e n fre n ta v a u m a g u erra


edo m ita. A h o stilid ad e d e E d o m na q u e d a d e Je ru sa lé m (586 a.C.) é n o tó ria (SI
137.7; O b 10— 14).
P o rta n to , h á evidência d e quase u m m ilên io p ara su ste n ta r a acu sação de
A m ó s d e p e rp é tu a h o stilid ad e (1.11) e n ã o há n ecessid ad e d e tra ta r to d a s as
referências à o p o siç ã o e d o m ita c o m o se tivesse d e ser p ó s-d a ta d a em 586. N a
v erd ad e, Jerem ias 49.7-22 sugere que, an tes d a q u e d a d e Je ru sa lé m , a ideia d o
ju lg am en to d e E d o m fazia p a rte d a visão de m u n d o p ro fé tic a institu íd a. Q u a n -
d o O b a d ia s (na passag em sem a qual n o s faltaria fato s m ateriais em relação aos
ev en to s d e 586) deixa d e falar so b re o q u e E d o m fez p a ra falar d a retrib u ição
q u e essa n a ç ã o m erecia, ele ta m b é m p assa n a tu ra lm e n te p a ra a lin g u ag em d e
escatologia, to rn a n d o E d o m c en tral p ara o D ia d o S en h o r. E ssa n ã o foi um a
in o v ação d a p a rte dele. S alm os 6 0 .8 < 1 0 > e 8 3 .6 < 7 > m o stra q u e E d o m já tin h a
u m lu g ar sim b ó lico n o te m a d a aliança h o stil c o n tra Sião. O p rim e iro desses
salm os está e sp ecíficam en te relacio n ad o co m D av i em seu título, e isso fo rn e c e
u m a in d icação para o lu g ar d e E d o m n o p e n s a m e n to d o A n tig o T e sta m e n to .
D avi, o ú n ic o d o s reis, c o n q u isto u e m a n te v e E d o m , e esse fato, c o m o m u ito s
o u tro s, to rn o u -s e u m p a d rã o m essiânico. P o r isso, E zeq u iel, p re v e n d o a v in d a
d e D av i (E z 34.23), p assa im e d ia ta m e n te para a d e rro ta d e E d o m (E z 35.1-15)
c o m o p a rte d o re in a d o d o futuro. A atual passag em d e Isaías segue a m esm a
trad ição de u sar E d o m c o m o sím b o lo d o d e rra d e iro p o d e r h o stil (cf. 11.14;
63.1-6; N m 24.18). A d e rro ta d o p o v o d e E sa ú , re c o rd a n d o 29.22 e a in stitu ição
da fam ília d e Jacó , faz c o m q u e o fim seja o c u m p rim e n to ex ato d o q u e foi p ro -
m e tid o n o início (G n 25.23). O s p ro p ó s ito s d e D e u s de a c o rd o c o m o p a d rã o
d e eleição ainda e stã o em vigor.
O m aterial d essa seção está n o estilo de v erso livre, p ro sa rítm ica d e Isaías
e ap arece em d u as seções. A co n c lu sã o d e cada seção é in d icad a pelas ex p res-
sões p a ra sempre e de geração em geração (lO bc, 17cd). A lém disso, a se g u n d a seção
é d efin id a p o r u m inclusio [criar u m a e s tru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início
e n o final de u m a s e ç ã o possuirão (çiya rd s) ninhos ('¡sãkari) n o v ersícu lo l l a b
e apossarão [...] habitarão (‫ו‬/sãkan ) n o versículo 17cd. A a b e rtu ra d e cad a u m a
das q u a tro e stro fe s é u m a série d e explicações. C ad a u m a delas se inicia co m
“ p o rq u e ” (A R A ; 2, 5 , 6e, 8) e an u n cia seu tó p ic o c o m palavras p arelhas: o
S e n h o r “ está in d ig n a d o ” (2); “ m in h a e sp a d a ” (5); exige sacrificio (6e); terá seu dia
de vingança (8). A s e stro fe s da seg u n d a seção (11-13,14,15) são d iferen ciad as
p elo tó p ico : o d e sa p a re c im e n to d a h u m a n id a d e e a d esig n ação d a te rra p a ra os
anim ais selvagens, o s quais, d ep o is, assen tam -se n a h a b ita ç ã o segura. O p o e m a
te rm in a c o m im p erativ o s exigindo investigação a fim d e m o s tra r a c e rte z a d isso
tu d o n o p la n o d e D eus.
361 ISAÍAS 3 4 .I- I7

A 1 A c o n v o c a ç ão para q u e a te rra o u ç a (1)


B O ju lg am en to d iv in o final (2 -10c)
b1 A ira d o S en h o r: a te rra e o céu (2-4)
b2 A esp ad a d o S e n h o r: E d o m (5,6d)
b1 O sacrifício d o S en h o r: E d o m (6e,7)
b4 A vingança d o S en h o r: Sião (8 -10c)
C A d eso lação p e rp é tu a é u m a c e rteza (10d-17)
c1 O fim d a h u m a n id a d e n a té rra (10d-13)
c2 A segurança d o s anim ais (14,15)
A 2 A c o n v o c a ç ão p ara o b se rv a r o p la n o seg u ro de D e u s (16,17)

1 E m S alm os, são fam iliares os ch a m a d o s sem elh an tes a esse, dirigidos ao
m u n d o to d o (96.1-3; 97.1; 98.1,2,4ss.). O re c o n h e c im e n to d o ju lg am en to p o r
vir faz p a rte de um p a c o te d iv in o para o m u n d o , e esse p a c o te inclui, p rim eiro ,
o c o n h e c im e n to da salvação que, a p esar d e a lei de D e u s p e rm a n e c e r (33.14-
16), h á u m p e rd ã o m ise ric o rd io so q u e triu n fa so b re o ju lg am en to (33.24; cf.
T g 2.13). O b s e rv e o e sc o p o da co n v o cação : nações, povos, terra e m undo m ais as
frases qu alificad o ras e tudo 0 que nela h á / “ e a sua p le n itu d e ” (ARC) e tudo 0 que
dele procede.
2-4 Isaías, c o m e ç a n d o c o m a im agem m ais am pla, revela a q u e d a da terra
(2,3) e d o céu (4) p e lo a taq u e da in d ig n ação divina. A m o rte das p esso as (3ab),
a c o rru p ç ã o da n a tu re z a (3c) e o d e fin h a m e n to d o u n iv erso (4de) tu d o isso ao
m e sm o tem p o .
2 E ssa é a p rim eira explicação (com eça co m “ p o rq u e ” [ARC]) da convoca-
ção d o versículo 1. A frase 0 Senhor está indignado é “Jeov á tem indignação” (TB).
S obre indignado (qesep ) veja 54.8; 60.10; para o verbo, veja 8.21; 47.6; 54.9; 57.16s.;
6 4 .5 < 4 > ,9 < 8 > . O te rm o ira (hem à ) é o “ fu ro r” o u “ severidade” d a raiva (27.4;
42.25; 59.18) e n q u a n to qesep p o d e sugerir sua súbita exp lo são (cf. 54.8). A ex-
p ressão seus exércitos/ “ to d o o exército delas” (ARC) é a p o p u lação total das na-
ções. D estruirá totalmente e dará são tem p o s perfeitos d e certeza co m o sen tid o de
“d ecidiu” o u “está d e te rm in a d o a” . O prim eiro v e rb o (v1hãram ) fo rn ece o n o m e
d o harém , o lugar de total segregação d o m undo. O verbo, em c o n tex to s de jul-
g am en to , sugere a rem o ção total de algo de to d o c o n ta to h u m a n o (11.15; cf. N m
21.2; Js 2.10; so b re o su b stan tiv o herem , veja o v. 5 ;Js 6.17,18).
3 A referên cia a cadáveres e sua d e te rio ra çã o m o stra q u e os p e c a d o re s são,
p o r fim , e n v o lv id o s n o ju lg am en to p o r causa de seu p ecado. E n fim o adágio
so b re o d ia r o p e c a d o e am ar o p e c a d o r su cu m b e. O s p e c a d o re s p ag am o p re ç o
p o r seu p ecad o : o S e n h o r exige isso. O te rm o encharcarão/ “ in u n d a rã o ” (ARA)
refere-se a u m a nova e tem ível e ro sã o n o solo, d esastre esse n ã o c au sad o pelo
v e n to n em pela água, m as pela to rre n te de sangue d o s m o rto s.
O L IV R O D O REI 362

4 A s p assag en s 24.21 e 27.1 já aludiram ao cen ário d e p re sta ç ã o d e c o n ta s


co m os p o d e re s celestiais. T alvez isso esteja em m e n te aqui, m as ap en as a es-
tru tu ra d o céu é m e n c io n a d a , e talvez o p e n sa m e n to seja sim p le sm e n te de que
to d o o u n iv erso foi p e g o na c o rru p ç ã o h u m a n a e estará sujeito ao julgam en-
to devido. A s estrelas/ “ e x ército ” (A RC) fo rm a m um a ligação verbal p erfeita
co m o ju lg a m e n to d a terra n o versículo 2, e o fato d e q u e elas são dissolvidas/
“g astfasj” (A RC), “ d isso lv [id as|” (TB) m o stra q u e a c o rru p ç ã o in te rio r final-
m e n te terá seu cam inho. E o S e n h o r q u em d e te rm in a q u a n d o a h istó ria chega
ao fim e esco lh e o livro (se enrolarão como um pergaminho)·, o fa to r e x te rn o da ação
divina. O te rm o ca irá / “ d esv a n e c e rá ” (TB) significa a co n c lu sã o d o p ro p ó sito :
a safra foi colhida. O u n iv erso n ão é e te rn o ; o p e c a d o h u m a n o in fe c to u -o inter-
n a m e n te c o m a o b so lescên cia in c o rp o ra d a . Sua h istó ria p ré-escrita tem u m fim;
seu p e río d o de vida é apenas tão lo n g o q u a n to o p ro p ó s ito p lan ejad o p ara ele.
5 ,6 d ( ‫ כ‬E d o m é a p re se n ta d o c o m o um ex em p lo característico e típ ico d o
exercício in te iro d o ju lg am en to escatológico. A espada é u m in s tru m e n to de
d e stru iç ã o p e sso a a p e sso a , sim b o liz a n d o a ação d ireta d o S e n h o r n o ju lgam en-
to e na exigência d e p u n iç ã o individual.
5 A seg u n d a e stro fe é u m a explicação adicional da p rim e ira e stro fe (ela
co m eça c o m “ p o rq u e ” [ARC]). O céu e a te rra e stã o m ais u m a vez env o lv id o s,
m as d essa vez na o rd e m reversa; a b atalh a final c o m eçará n o céu e descerá [...]
[sobrei E d o m / A frase o povo que condenei á destruição é “ o p o v o d o m e u a n á te m a ”
(A RC), “ o p o v o q u e destinei p ara a d e stru iç ã o ” (ARA) (so b re herem veja v. 2).
6 A frase a espada do Senhor está banhada em sangue é “ o S e n h o r tem u m a es-
pada, ela está cheia de san g u e” e coberta de é “ está en riq u ecid a o u n u trid a c o m ” .
N o sistem a sacrificial, o sangue e a gordura eram ex clusiv am en te p ara D e u s (Lv
3.16,17; 7.2.3-27). E sse é o p o n to d a m u d a n ç a da m e tá fo ra aqui p a ra a m atan ça
de anim ais: n o ju lg am en to o S e n h o r b u sca o q u e é p e c u lia rm e n te seu , aq u ilo a
q u e só ele tem direito.
6 e ,7 A cidade de Bo%ra, a 43,5 q u ilô m e tro s a sul d o m a r M o rto , era a capital
de E d o m . A referên cia a cordeiros etc. (6cd) é explicada u m p o u c o m ais n essa
terceira e stro fe co m a in tro d u ç ã o da palavra sacrificio, o qual é ex igido se fo r para
satisfazer as exigências d a san tid ad e divina. S o b re os bois selvagens (r‫’ ׳‬êníim ), veja
D h o rm e so b re J ó 39.9; e so b re novilhos e touros Ç a b h in m , “ p o d e ro s o s ”), v e ja ju í-
zes 5.22; 1Sam uel 2 1 .7 < 8 > ; S alm os 2 2 .1 2 < 13 > . D esses anim ais, só os n o v ilh o s
eram u sad o s n o s sacrifícios. A referên cia a bois selvagens su g ere q u e n ad a será 1

1 A frase embriagarse c o piei d e iniw â (“ e s ta r s a tu r a d o ” ). C o m u m e n te , e sse piel, c o m o o piei


d e u m v e r b o e s tá tic o , te ria u m s e n tid o tra n s itiv o (“ s a tu r a r ”) e fílIS , p o r e x e m p lo , m u d a
as v o g a is d o piel d e q al. M a s a GKC 52k o b s e r v a s e n s iv e lm e n te q u e o piei d e u m v e r b o
e s tá tic o ta m b é m p o d e a g ir c o m o u m in te n s iv o d e qal (51.1.3; J r 5 1 .5 6 ), e e sse s e n tid o é
a d e q u a d o aq u i.
363 ISAÍAS 3 4 .I-17

p o u p ad o. O u so na v ersão em inglés d e “ p o d e ro s o s ” p ara os to u ro s, palavra


que n ão é de m an eira algum a para se r u sad a para anim ais, p o d e significar q u e o
p e n sa m e n to p a sso u p a ra m e tá fo ra de p o d e ro so s refe rin d o -se a p esso as im p o r-
tantes (p o r exem plo, SI 68.30).
8-10c Λ palavra vingança in tro d u z o u tra verdad e, u m a v erd ad e final: o que
é exigido pela san tid ad e divina (sacrifício, v. 6e) ta m b é m é m e re c id o p elo p ecad o
hum ano. A ideia de re c o m p e n sa (nãqãm ) é característica d e Isaías 56— 66 (cf.
59.17; 61.2; 63.4) e é am pliada pela retribuição (sillü n íim , “ p a g a m e n to co m p le-
to ”). E a c re sc en ta d o o p e n sa m e n to d e q u e o S e n h o r está ag in d o em favor de
seu povo. E les têm um a causa , um a reivindicação legal, c o n tra o E d o m , e o Se-
n h o r cu idará p a ra q u e seja feito o p a g a m e n to co m p leto . N o s v ersículos 9,10c,
a d e stru iç ã o de S o d o m a fo rn e c e a im agem (G n 19) a p ro p ria d a ao p e n sa m e n to
de fazer o q u e o s a to s d o p o v o m erecem . A p aisagem d e stru íd a ta m b é m m o stra
mais u m a vez q u e a d erra d e ira am eaça am b ien tal é o p e c a d o h u m a n o , d eix an d o
em seu ra stro um a p o lu ição e x trem a e d u rad o u ra.
10d-13 A seg u n d a m e ta d e d o p o e m a , c o m e ç a n d o aqui, está ligada à pri-
m eira m e ta d e p o r sua palavra de ab ertu ra: “ N e m de n o ite n em d e d ia” , o u seja
“em p e rp e tu id a d e ” (“ p ara to d o o se m p re n in g u ém p assará” [ARA]) q u e casa
com as palavras de a b e rtu ra das linhas p re c e d e n tes (para sempre /.../ de geração em
geração). E ap en as o n o v o tó p ic o — o d e sa p a re cim e n to d a h u m a n id a d e , sina-
Lizado p elo a d v e n to d o s anim ais — o qual m o stra q u e é u m n o v o co m eço . A
vida c o m u m c o m o ela é (a p esso a atrav essan d o -a) e as o b rig a ç õ e s especiais da
vida (nobres e líderes, v. 12) ta m b é m são coisas d o p assad o, e, em seu lugar, virão
anim ais selvagens (11ab,13cd) e ervas d a n in h a s (13ab). O m o tiv o é q u e D eus
estenderá sobre E d o m ; é u m a to de D eus. O caos e a desolação (o tõhü e o bàhu de G n
1.2; cf. 24.10; J r 4.23) fala da falta d e sen tid o , da falta d e fo rm a , d a instab ilid ad e
e do v azio das coisas an tes q u e h o u v esse q u a lq u e r o b ra d e o rd e n a ç ã o realizada
p o r D eus. A linha de m edir retrata a d esig n ação d a te rra p ara a p o sse ao m arcá-la
com o s lotes, e o fio de prum o retrata a d e te rm in a ç ã o d e c o m o algo se co m p a ra
com a v e rd a d e e ação de a c o rd o c o m ela. E sse vazio e essa falta d e se n tid o
aco n tecem p o rq u e são m erecidos.
14,15 O tó p ic o d a en tra d a d o s anim ais é c o n tín u o co m a e stro fe an terio r,
mas há u m a nova ênfase. A su b se ç ã o é in tercalad a pela referên cia aos anim ais e
seus pares (14b,15cb), e as linhas in term ed iárias falam de locais de descanso (14d)
e a c o n stru ç ã o de ninho (15ab). O s anim ais tê m seg u ran ça p e rm a n e n te e im -
perturbável. T alvez os bodes selvagens ( s ã Ir ) sejam aqui u m a su g estão d o su p o sto
“sátiro s” (A RC, cf. 13.21), da m esm a m an eira c o m o as criaturas noturnas (ΓιΠή
p o d em alu dir a “ b ru x a ” (TB ), m as isso n ã o significa d e m an eira algum a um a
certeza. E possível q u e seja apenas o caso de d a r n o m e s e m o c io n a n te s aos ani-
mais a fim d e a u m e n ta r o sen so d e m u d a n ç a e d e te rio ra çã o a m e d ro n ta d o ras.
O L IV R O D O REI 364

A id en tificação p recisa é im possível n o caso d a m a io r p a rte d o s anim ais d essa


passagem .
16,17 O s im p erativ o s n o plural p ro cu rem / “ p e sq u ise m ” (Bíblia C N B B ) e
leiam v o ltam ao p a d rã o d o versículo la b . O s q u e fo ram ch a m a d o s a o u v ir (1)
a a te rra d o ra h istó ria d o ju lg am en to p o r vir são co n v id a d o s a se asseg u rarem
eles m e sm o s d a c e rte z a d o julgam ento. E ssa e stro fe final está ligada às e stro fe s
im e d ia ta m e n te p reced en tes. A ex p ressão seu p a r (16c) lem b ra as m esm as pala-
vras n o v ersícu lo 15, e n o versículo 17, as palavras p o r m edida são “ p o r lin h a” ,
a m e tá fo ra d o versícu lo 11. A sequência (lit.) sua [“ m in h a ” ] boca /.../ seu E sp írito
/.../ sua m ão (16de, 17b) g a ra n te o ev e n to ao re c o rre r à v o n ta d e declarad a {boca),
ao p o d e r d iv in o {E spírito) e à in te rfe rê n cia p esso al d ireta {mão) d o S en h o r. M as
o q u e será q u e é o livro do Senhor1 N ã o há o u tra passag em n a E sc ritu ra à qu al se
p o ssa re c o rre r para a p o ia r os detalh es d essa predição. C alv in o diz q u e o livro
é “ a lei” , m as n ã o a p o n ta n e n h u m a passag em q u e c o n firm e isso. S k in n er diz
q u e as palavras su g erem a existência d e u m c â n o n e p ro fé tic o , m as o c ân o n e
q u e p o ssu ím o s n ã o o ferece referên cias de a p o io a essa afirm ação . A su g estão
da tra d u ç ã o d a N V 1 o fe re c e o m e lh o r e n te n d im e n to , e m b o ra o m ita a p artícu la
co n ectiv a k l d e p o is d e leiam. A b u sca p o r passag en s c o n firm a to ria s su rg e se tra-
d u z irm o s p o r “ leiam q u e ” , o u seja, Isaías p revê d e te rm in a d a s coisas a re sp e ito
de anim ais e o u tra s p assag en s ap o iam o q u e ele diz. M as p o d e ria m o s c o m a
m esm a facilidade tra d u z ir p o r “ leiam , p o rq u e ” , o u seja, u m a c o n v o c a ç ão para
b u sc a r o re c o n h e c im e n to da palavra de D e u s fu n d a m e n ta d o n o fato d e q u e
cada d etalh e dela — m e sm o as aves de E d o m — veio d a b o c a d o S e n h o r e será
im p le m e n ta d o p o r seu E sp írito e sua m ão. U m a v erd ad e c o m o essa v em n atu -
raím en te de Isaías à luz de 8.16ss. (com sua ên fase n a p o sse e a a te n ç ã o p a ra a
palavra divina c o m o o sinal d o re m an escen te) e 29.11,12,18 (co m a m e tá fo ra de
seu “ liv ro ” para a v erd ad eira espiritualidade). E a p ro p ria d o p e n sa r q u e Isaías,
p elo m e n o s a p a rtir d e 8.16 cm d ian te, cultivou u m “ livro d e religião” , m a n te n -
d o a m e n te co m n o v o v ig o r em c o n ta to co m as coisas d e D e u s ao p esq u isar
n o livro d o S e n h o r (incluindo seus p ró p rio s escritos d e p o sita d o s ali) c o m o o
v erd ad eiro alim en to d a co n v icção espiritual.

d. A v o lta p a r a c a s a , p a r a S iã o (3 5 .1 -1 0 )
E sse é o ápice v isio n ário da passagem final d e “ ai” (caps. 33— 35) e, em
particular, a c o n tra p a rte específica d o terceiro “ ai” p a re lh o (29.15-24). A dis-
ereta referên cia inicial à re d e n ç ã o (29.22) se tra n sfo rm a n o p in á c u lo d e to d a
a seq u ên cia (35.9,10). N e n h u m diagram a c o n seg u e fazer justiça à sutileza da
c o m p o siç ã o d esse p o e m a v e rd a d e iram e n te deleitável. O re d u z id o e sb o ç o a se-
g uir o ferece a p en as u m a base p a ra o c o m e n tá rio detalh ad o :
365 ISAÍAS 35. I-IO

Λ 1 Λ criação n atu ral tra n sfo rm a d a saúda a “ eles” (1,2b, ARC)


Λ12 E m u m m u n d o glorificado “ eles” veem a glória d o S e n h o r (2c-f)
B1 O c h am ad o à bravura: D e u s está v in d o para salvar (3,4)
B2 A e sp eran ça c e rta e su ste n ta d o ra (5,6b)
B3 A explicação: as águas da re n o v ação (6c,7)
A3 A estra d a segura p re p a ra d a p ara “ eles” (8)
A 4 “ E le s” são os red im id o s d o S e n h o r v in d o co m alegria p ara Sião (9,10)

O versículo 6c resu m e o te m a d o “ d e s e r to /te r r a resseq u id a” d o versícu-


lo 1,' e, d esse m o d o , o p o e m a divide-se em duas m etades. N o s v ersícu lo s l-6 b
estão aqueles q u e p recisam fo rta le c er sua d e te rm in a ç ã o (3,4) e, tip icam en te
de Isaías, eles são in c itad o s a alcançar isso pela firm e esp e ra n ç a p o s ta d iante
deles. N a v erd ad e, eles são a g ru p a d o s em to rn o d essa g aran tia (1,2,5,6b). A
esp eran ça é o e stim u lan te q u e o p o v o de D e u s p recisa para c o n tin u a r a seguir
em frente. N o s versículos 6c-10, os p e re g rin o s re c e b e m a g aran tia d e te r um a
estrada segura e u m a cheg ad a jubilosa. N o e n ta n to , o versícu lo 6c, p o r sua vez,
com eça co m o te rm o “ p o rq u e ” (ARC) (o m itid o pela N V I) e, p o r isso, é um a
explicação da p ro m e ssa feita n o versículo 5. N e sse sen tid o , o p o e m a é u m to d o
co n tínu o, co m a visão de indivíduos re n o v a d o s (5,6b) n o c e n tro d e sua trajeto-
ria, c o n fo rm e acim a. E ssa fo rm a u nitária d o p o e m a é c o n firm a d a p e lo inclusio
[criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final de um a seção]
com se regozijarão (t/sôs) n o versículo la e co m alegria (sãsôri) n o versículo lOd; p o r
m eio da n o ta d e ligação n o início, “ cantará d e alegria” (Ίranún) (2b, grande regocijó)
no p o n to m ed io (6b) e n o final (10b, cantos de alegria) d o inclusio; e p o r in term éd io
do tem a “ lhes”/ “ eles” , c o n fo rm e o esb o ço acim a.2 C ad a estro fe d o p o em a se
autoidentifica pelo vocabulário ou tópico. As estrofes se ag ru p am em pares. E m
A 1 e A 2, o tem a é da natureza tran sfo rm ad a e as referências n ão explicadas a lhe e
eles (ARC); em B 1 e B2, o tem a é da fraqueza co rp o ral (B 1) e das incapacidades pes-
soais (B2). As seções B 2 e B3 descrevem o efeito e a causa, u m a o b ra de renovação
abraçando a criação h u m an a e a natural; e finalm ente A 3 e A 4 fo cam a passagem

1 A N V I n o s faz u m d e s s e rv iç o a o a b a n d o n a r o p rin c íp io d e c o r r e s p o n d ê n c ia d a tra d u ç ã o .


midbár e "raba,
T r a n s fo r m a a a n álise p o é tic a c m c o n tr a s s e n s o a o tra d u z ir, n o v e rs íc u lo 1,
deserto e terra ressequida e, r e s p e c tiv a m e n te , p o r ermo e deserto n o versí-
r e s p e c tiv a m e n te , p o r
c u lo 6. A m e s m a c rític a se a p lic a à tra d u ç ã o d e Ίreman n e ssa p a ssa g e m . A p a la v ra é cantará
de alegria n o s v e rsíc u lo s 2 e 6, m a s cantos n o v e rs íc u lo 10. A o m is s ã o d e “ p e q u e n a s ” (?)
p alav ras, c o m o “ v e ja m ” (4) e “ p o is ” (6), in fe liz m e n te , é p a r id a d e p a r a o c u r s o d a N V I.
T a m b é m o é a n e g lig ê n cia q u e d issim u la a p r e s e n ç a d e d o is v e r b o s fin ito s n o v e rsíc u lo 4
ao t o r n a r o s e g u n d o v e r b o u m in fin itiv o ; isso o b s c u r e c e o e q u ilíb rio d a s lin h a s 1— 4 c
5— 8 n a e s tro fe .
2 N o v e rsíc u lo 1, a N V I tr a d u z p o r se regozijarão, e m v ez d e “ se a le g ra rã o c o m is s o ” (A R C )
(veja a n o t a se g u in te ) e n o v e rsíc u lo 8 tr a d u z p o raos que, e m v e z d e p o r “ p a ra e le s” (TB)·
O LIVRO DO REI 366

segura para a Sião, c o n tra s ta n d o e /.../ haverá (w ritãyã sãrri) n o versícu lo 8a e não
haverá (/ó1yih yeh sám ) n o versículo 9a.
1,2b O tem a dessa estrofe de abertura é a tran sfo rm ação espontânea: as pa-
lavras d e crescim en to e florescim ento junto co m as de alegria e cântico. Isaías está
vivendo em te rm o s de êxodo. O p o v o de D eu s é um p ov o peregrino. N o passado,
o deserto fo rn eceu um a vez água para a necessidade deles (E x 17) e u m indubitável
florescim ento m o m e n tâ n e o , m as virá o dia em q u e a p ereg rin ação final será fei-
ta através d e u m d e s e rto tra n sfo rm a d o . O tem a d e u m m u n d o tra n sfo rm a d o ,
c o m o sem p re, fala d o fim d o re in a d o d o p e c a d o e d a rev ersão d a m ald ição d o
S e n h o r (G n 3.17ss.). A ex p ressão se regozijarão devia se r “ aleg rem -se p o r eles” .1
A inda n ã o foi declarado q u e m são “eles” . “ E les” reap arecem n o s v ersícu lo s 2 e
8, e o d esenlace a c o n te c e co m a revelação d o s redim idos d o S e n h o r n o s versícu-
los 9 e 10. P ara o p ro fe ta , p arece c o m o se o fato d o d e se rto florescido, p o r fim
lib e rta d o d a escrav id ão (R m 8.22s.), é na verd ad e o reg o zijo d e b o as-v in d as,
reg o zijan d o -se (lit.) “ co m exultação de fato e c a n to a lto ” .12
2 c - f U m a m u d a n ç a d e ên fase m arca u m a n o v a estro fe. N a p rim e ira e stro -
fe, o d e se rto se rego zija para exibir sua n o v a natu reza; n a seg u n d a, so m o s in fo r-
m ad o s q u e to d a essa glória é u m a dádiva. A s m esm as palavras são u sad as para
o o u tro ra d e se rto e p a ra a glória d o S e n h o r (glória, resplendor), su g e rin d o q u e d e
c o m p a rtilh a a si m e sm o c o m seu m u n d o e q u e n a d a q u e ag o ra atrap alh a a p len a
d e m o n stra ç ã o d a glória d o S e n h o r nas o b ra s deste. O a n tig o d e se rto terá a be-
leza e x isten te d e lo n g a d a ta da fertilidade natu ral {L íbano), d o cu ltiv o o rd e n a d o
{Carmelo) e d a atrativ id ad e inata {Sarom) (veja 33.9). M as eles (A RC), o e le m e n to
h u m a n o n ã o id en tificad o n o m u n d o ren o v ad o , e sta rã o p re o c u p a d o s c o m u m a
visão distinta: a glória e o resplendor A o S enhor. Se essas p alavras tê m d e se r dife-
renciadas, a glória (kãbôd) é um valor in eren te, a im p o rtâ n c ia d o m e re c im e n to ,
e resplendor {hãdãr; 2.10,19,21; 53.2) é o sinal e x te rn o d e m ajestad e e d ig nidade.
3,4 O s im perativos sem sujeitos declarados (co m o em 40.1) in tro d u z e m essa
seção b elam ente equilibrada co n sistin d o d e dois c o n ju n to s de q u a tro linhas co m ,
em cada caso, a q u arta linha co n sistin d o d e dois verbos: “Sejam fortes, não tem am !

1 O v e r b o “ se a le g ra rã o ” te m o s u fix o d o p r o n o m e d a te rc e ira p e s s o a d o p lu ra l m a s c u lin o s


Y su sü m . U m a v ez q u e n o p o r tu g u ê s c im p o s sív e l u m v e r b o in tra n s itiv o g o v e r n a r u m o b je -
to d ire to c c o m u m se r e c o r r e r a o r e c u r s o d e m u d a r o T M , e n te n d e n d o o m fin al c o m o di-
to g rá fic o d o m iniciai d a p a la v ra se g u in te {m idbãr). N o e n ta n to , n ã o se d e v e n e g lig e n c ia r o
fa to d e q u e o h e b r a ic o é m ais flexível e m se u u s o d e v e r b o s in tra n s itiv o s q u e o p o r tu g u ê s
e, c o m fre q u ê n c ia , c o n s tr ó i- o s c o m o b je to s d ir e to s ( p o r e x e m p lo , 2 7 .4 ; 3 5 .9 ;J ó 3 1 .1 8 ; A c
7 .5; v e ja G K C \ 17x). A e x p re s s ã o “ a le g re m -s e p o r e le s” c c o r re ta d a p e rs p e c tiv a lin g u ist¡-
ca e te o ló g ic a ; a lib e rta ç ã o d a c ria ç ã o d e p e n d e d a re v e la ç ã o d o s filh o s d e D e u s (R m 8.22).
2 S o b re a f o r m a a q u i d e g itã i veja c o m e n tá r io s o b r e 33 .6 e a n o ta d e ro d a p é . O T M tra z ,ap
fftlãl (“ e x u lta ç ã o d e v e r d a d e ” ).
367 ISAÍAS 3 5 - 1 - 1 0

Seu D eus [...] virá p ara sa lvá -lo s/ “ eis q u e o v o sso D e u s [...] virá, e v o s salvará”
(ARC). O p rim e iro c o n ju n to tem os v erb o s fortaleçam e sejam fortes (ih ã za q ) c o m o
seu inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final de
um a seção], e n o se g u n d o c o n ju n to a ex p ressão seu D eus c eq u ilib rad a p elo p ro -
n o m e e n fá tic o ele (A RC). A su g estão da e stro fe é q u e o p o v o d e D e u s ain d a está
em u m p e río d o d e carência e p recisa se r en c o ra ja d o n o re in o d a ação (mãos),
da estabilidade (joelhos) e da co n v icção (coração). O e n c o ra ja m e n to p ro fe rid o é a
esp eran ça p o sta d ian te deles: seu D eu s virá. E u m c h a m a d o à firm eza d e fé, não
da d e te rm in a ç ã o au stera e am arga, m as da d e te rm in a ç ã o q u e acredita. E les já
po ssu em neles m e sm o tu d o de que precisam para e n fre n ta r as exigências d o pe-
ríodo; eles n ão são ch am ad o s a receber um a nova bênção, m as a intensificar o que
já é deles. O s v erbos usados p o r Jo su é (fh ã za q , “ seja fo rte ” , e V ã m a s, “ tem b o m
ân im o ” |A R C ];Js 1.6) são ap ro p riad o s. O s leitores d e Isaías são en co rajad o s a
ad o tar Jo su é , co m a te rra p ro m e tid a d ian te dele, c o m o um m o d elo . A palavra
temam significa, de um lado, im p e tu o sid a d e (veja 32.4 so b re precipitado) e (4c) e,
de o u tro lad o (co m o aqui), pânico. P o d er-se-ia inserir o te rm o “ v ejam ” an tes da
ex pressão seu D eus, e o te rm o virá (4c) p o d e ría se r rem ov id o . O p rim e iro m ovi-
m e n to p a ra re sta b e le ce r a c e rteza é apenas “vejam seu D e u s ” , o D e u s q u e ainda
está p re p a ra d o p a ra ser “ se u ” a p esar d e to d as as suas fraquezas. O seg u n d o
m o v im e n to é re c o n h e c e r q u e ele en d ireitará tudo: a vingança (nãqãm-, veja 34.8)
pela “o fe n sa so frid a ” (nesse caso, p o r seu p ovo) e a retribuição (g 'm u l, “ rev id e”)
pelo “ feito e rra d o ” (aqui, para seu po v o ). T erceiro , ele vem p ara realizar a sal-
vação, a lib ertação total. O b se rv e as frases paralelas: “ [ele] virá co m v in g an ça”
(o q u e ele fará c o n tra seus adversários) e “ ele virá, e vos salvará” (ARC) (o que
ele fará p o r seu povo).
5 ,6 b E ssa q u a rta (do m eio) e stro fe é m arcad a p o r u m d u p lo “ e n tã o ” . A
fraqueza atual (3) foi-se e o q u e é ag o ra esp e ra n ç a (4) será vivenciada. A qui
está o c o n te x to d o A n tig o T e sta m e n to p ara a d o u trin a d o N o v o T e sta m e n to da
reden ção d o co rp o . O c o n tra ste e n tre as d u as faculdades d e rec e p ç ão (olhos e
ouvidos) e as d u as de ação (saltando e can tan d o ) e x p ressam to talidade.
6 c ,7 O “ p o rq u e ” inicial devia se r restaurado. A su g estão é q u e a m esm a
nova vida co m n a tu re z a ren o v ad a ta m b é m fluiu n o p o v o d o S en h o r. O tó p ic o
de água a b u n d a n te (30.25; 33.21) u n e essa estrofe. S o b re essa ligação co m o
versículo 1, veja a n o ta in tro d u tó ria e o e sb o ç o acim a. S o b re o v e rb o bãqcd
(irromperão) cf. 48.21 ;Ju iz e s 15.19; S alm os 74.15; 78.15. A qui Isaías d escrev e a
tra n sfo rm a ç ã o (água no deserto)·, rev ersão (lugares q u e a b so rv e ra m a u m id ad e,
areia abrasadora e terra seca, ag o ra ab astecid o s co m lago e fo n tes); e restau ração
(chacais, q u e c o m ta n ta freq u ên cia são os h a b ita n te s d e lugares d e sa b ita d o s,1
se foram ). Só e n c o n tra m o s a ex p ressão areia abrasadora (sãrãb) em 49.10 (pas-

1 C f. 1 3 .2 1 ,2 2 ; 3 4 .1 3 ; J r 9 .1 1 < 1 0 > ; 10.22.


O LIVRO D O REI 368

sagem cm q u e a ex p ressão é trad u zid a p o r “ calo r d o d e s e rto ” ; K fí “ calo r q u e


cre sta ”). A frase onde outrora havia chacais é (lit.) “ o n d e o u tro ra viviam o s chacais
— [sua cova] — crescerá a erva co m canas e ju n c o s” (A RC), o u seja, o rev erso
de u m a situ ação reso lv id a e inóspita.
8 A través d essa te rra atra e n te e a calen tad o ra c o rre u m a estrad a. N ã o so-
m o s in fo rm a d o s para o n d e ela vai, só q u e m p o d e c a m in h a r p o r ela.1E ssa estro -
fe atrai m u ita alteração im aginativa d o te x to h eb ra ic o c o m o seria a p ro p ria d o se
estiv éssem o s lid a n d o c o m a p ro sa sóbria, solene, m as, na v erd ad e, n ã o h á licen-
ça literária aqui além d o q u e a p o esia p e rm ite . A p e sa r d e a fo rm a m a slü l (estrada)
n ã o ser e n c o n tra d a em o u tra s passagens, ela tem o m e sm o se n tid o q u e a m ais
fam iliar n fs illâ (um a e strad a c o n stru íd a so b re u m a trilha elevada e, p o r isso, vi-
sível e in co n fu n d ív el). O T M traz: “ E ali haverá um alto cam in h o , u m c a m in h o ”
(ARC). A ex p ressão “ u m c a m in h o ” a c rescen tad a n ã o é e n c o n tra d a em Q a e p o -
dia ser u m a palavra fam iliar inserida para explicar u m a o u tra n ã o fam iliar, m as a
d u p licação n ã o é desagradável em u m a p o esia tã o c arreg ad a c o m o essa. A frase
um caminho que será chamado C am inho de S a n tid a d e/ “ u m c a m in h o a q u e ch a m a rã o
c a m in h o s a n to ” (Bíblia Sagrada) te m a fo rm a id ên tica d a frase “ serão ch am a-
d o s s a n to s ” e m 4.3. 12 O u so linguístico é tã o característico d e Isaías q u a n to o
é a ênfase n a santidade. O te rm o im undo (ARC) está n o singular, sig n ifican d o
“ q u a lq u e r p e sso a im p u ra ” . A palavra .tomé’ refere-se às im p u rezas cu id ad as p o r
m eio d o s sacrifícios. P o rta n to , o s d esqualificados para u sar a estrada fo ram des-
q ualificados p o r eles m e sm o s p o r n ã o u sarem os m eio s d a g raça. P o r analogia
d e raciocínio, os q u e ca m in h a m em san tid ad e se ben eficiam d a p ro v isã o divina.
Veja o e sb o ç o e o s c o m e n tá rio s in tro d u tó rio s acim a e tra d u z a a frase [a estrada\
servirá apenas aos p o r “ será p ara eles” (TB) e c o n tin u e: “ M as será para o p o v o
de D e u s; os ca m in h a n te s, até m e sm o os loucos, n ã o e rra rã o ” (A R C )/ “ n ã o se
p e rd e rã o ” (N T L H )! S o b re a palavra “ eles” (TB) veja o s v ersículos la e 2c. E s-
tam o s p ara sa b e r q u e m são “ eles” , m as o se g re d o aind a é m an tid o ! O s insensatos
(>ew ifim ; 19.11) são o s q u e se m p re e rra rã o q u a n d o tiverem u m a m eia ch an ce, os
“ to lo s” (N T L H ) a q u e m falta p rin cíp io s firm es e o rien tad o res.
9 ,1 0 A últim a e stro fe , em c o n tra ste co m a e stro fe a n te rio r (8) co m sua
c o n c e n tra ç ã o n o q u e está ali, ab re co m o q u e n ã o está ali: n ã o h á n ad a a am ea-
çar. A p alavra fero% {paris, “ p re d a d o r”) é u sad a ap en as aqui p a ra anim ais (cf. SI
17.4; J r 7.11). O te rm o só n a ex p ressão só os redim idos é um a acréscim o in te rp re -
tativo. O s do is principais v e rb o s para “ re d im ir” estã o aqui (so b re resgatou [pãdã]
veja 1.27). A palavra redim idos { ig a 'a t), a p a re c e n d o aqui pela p rim eira vez das 24

1 O te m a d o s “ p e r e g r in o s p a ra S iã o ” é to ta lm e n te típ ic o d e Isaías; cf. 2 .2 -4 .


2 P a ra e s s e u s o d o v e r b o p a ssiv o , v eja 1.26; 19.18; 3 2 .5 ; 54.5; 6 1 .6 ; 62.4; c o m Pual, e m v e z
d e N ip h a l, v eja 4 8 .8 ; 5 8 .1 2 ; 61.3; 62 .2 e fo ra d a lite ra tu ra is a iâ n ic a .J r 7 .3 2 ; O s 1.10 < 2 . 1 > .
369 ISAÍAS 3 6 . 1 3 7 . 7 ‫־‬

vezes q u e aparece em Isaías,1 en fatiza a p e sso a d o re d e n to r, sua relação co m os


redim idos e sua in te rv e n ç ã o em favor deles. C) p a rtic ip io g o ’é l é o te rm o técni-
co para o p a re n te m ais p ró x im o q u e tem o d ire ito d e a ssu m ir as necessid ad es de
seus p a re n te s d e sa m p a ra d o s c o m o se fo sse m deles m e sm o s (Lv 25.25; N m 5.8)
e é usad o, co m freq u ên cia, p ara o “ v in g a d o r” d e um a p e sso a assassinada. E ssa
é um a b o a in d icação da n a tu re z a su b stitu tiv a d a relação (o in d iv íd u o m o rto , o
o u tro a ssu m in d o e agindo; N m 35.12; D t 19.6). A o b ra d o “ re d e n to r” , cm sua
exp ressão clássica, era um d ireito q u e n in g u ém o u saria u su rp a r (R t 3.12; 4.1-6).
E ra u m d ireito, c n ão u m a o b rig a ç ã o da qual n ã o se p o d ia escapar, exigindo
aceitação. P o rta n to , fala aqui d o S e n h o r c o m o o ú n ico q u e p o d e red im ir seu
povo, id en tifican d o -se co m eles c o m o seu p a re n te m ais p ró x im o , a rc a n d o de
bom g rad o , em favor deles e n o lugar deles, co m to d a s e cada u m a das necessi-
dades deles, p a g a n d o o p re ç o p o r eles (Lv 27.13,19,21). O versícu lo 10 é citado
em 51.11. A frase entrarão em Sião é “ e virão a Mão” (A RC); a viagem (8,9) dá
lugar à chegada. A frase júb ilo e a legria/ “ can tará de alegria”/ “ can tará d e jú bilo”
(TB) (2b,6b) se apoderarão deles. O sw a lt ch am a a ate n ç ã o para Salm os 23.6 e vê
de fo rm a a tra e n te o p o v o d o S e n h o r “ sc r d o m in a d o p elo júbilo e a alegria” . A
tradução p o d ia ser ig u alm en te “ eles alcançaram o júbilo e a alegria” c o m o se o
que se m p re esteve lo g o ad ian te deles agora te n h a sid o fin alm en te alcan çad o e
possuído. A escap ad a da tristeza e 0 suspiro , a c o n tra p a rte negativa da ch eg ad a da
alegria, assegura u m a ex periência de felicidade in in te rru p ta e ind estru tív el.

7. A rocha da história (36.1—37.38)


D e sc o b rim o s, ao c o m p a ra r essa n arrativ a h istó rica co m a de 2Reis 18.13—
19.37,12 q u e Isaías in te rfe re na h istó ria n o p o n to em q u e o rei d a A ssíria, te n d o
ap a re n te m en te aceito a su b m issã o de E z eq u ias e c o n c o rd a d o co m a reco m -
pensa m o n e tá ria (2Rs 18.13-16), re n o v o u sua p re ssã o so b re Jeru salém . E ssa é
a “ traição ” à qual Isaías tin h a se referid o m ais de u m a vez (21.2; 24.16; 33.1).
Isaías, ao fazer isso, p õ e o rei te rre n o face a face co m o rei davídico, e a cen a está
p rep arad a p ara um a d e m o n stra ç ã o crucial de q u e o S e n h o r g o v e rn a o m u n d o ,
que ele é firm e e im utável n o c u m p rim e n to d e suas p ro m e ssa s e q u e seus p ro -
pó sitos são so b e ra n a m e n te realizados. D e sse m o d o , os c a p ítu lo s 36— 37 p õ em
a roch a da h istó ria so b o tecid o da escatologia. N o s c a p ítu lo s 6— 12, Isaías sus-
te n to u q u e a g raça divina triu n faria na vinda d o rei davídico d iv in o p ara o tro n o
não só d e ju d á , m as de to d o o m un d o . O s cap ítu lo s 13— 27 e x p lo ra m m ais esse
p an o ram a m u n d ial, c o n te m p la n d o um S e n h o r re in a n d o c o m o o ú n ico rei so-

1 Cf. 3 5 .9 ; 4 1 .1 4 ; 4 3 .1 ,1 4 ; 4 4 .6 ,2 2 -2 4 ; 4 7 .4 ; 4 8 .1 7 ,2 0 ; 4 9 .7 ,2 6 ; 5 1.10; 5 2 .3 ,9 ; 5 4 .5 ,8 ; 59.20;


6 0 .1 6 ; 6 2 .1 2 ; 6 3 .4 ,9 ,1 6 .
2 S o b re o s p r o b le m a s lite rá rio s d o p a ra le lo e n tr e 2R eis e Isaías v e ja a n o ta a d ic io n a l im e d ia-
ta m e n te ab aix o .
O LIV RO DO REI 370

b re o ú n ic o m u n d o . O E g ito e a A ssíria, em p articu lar, fo ram u sad o s (19.23ss.;


27.13) p a ra tipificar a e n tra d a das n açõ es n o ú n ic o p o v o d o S en h o r. O s cap ítu -
los 28— 35 ex p lo ra ra m um p e río d o lim itad o da h istó ria em q u e Ju d á , o E g ito e
a A ssíria fo ra m en v o lv id o s em u m a briga, p re d iz e n d o q u e isso d e m o n stra ria a
realidade c o n c re ta d o g o v e rn o divino n o m u n d o e, p o rta n to , validam to d a s as
p ro m e ssa s p re c e d e n tes. M as até aqui, tu d o ainda era predição. Será q u e essas
coisas realm en te a c o n teceram ? H o u v e u m a d e m o n stra ç ã o d a so b e ra n ia divina?
Será q u e o S e n h o r é o rei? E is aqui a atestação.

a. A primeira embaixada assíria (36.1—37.7)


S en aq u erib c ascen d eu ao tro n o em 705 a.C., se g u n d o o c o stu m e d o s an-
tigos im p ério s c o n g lo m e ra d o s, foi sa u d a d o p o r u m a safra d e rebeliões. Seu
p ro b le m a m ais p re m e n te era M ero d aq u e-B alad a, q u e só fo ram e x p u lso s d a Ba-
b ilônia em 703. D e p o is disso, S en aq u erib e v o lto u -se para o s re v o lto so s a o este,
e n tre eles E xequias de Ju d á (2Rs 18.7; cf. Is 38.1). S en aq u erib e d eclaro u q u e 46
cidades d a Ju d e ia caíram p a ra ele e q u e sua p o p u la ç ã o foi d e p o rta d a . E xeq u ias
n ã o fex n e n h u m a exibição e te n to u o p o d e r d o o u ro o n d e o p o d e r das arm as
falhou (2Rs 18.13-16). Isaías n ã o se im p o rta em reg istrar isso. E le n ã o está
p re o c u p a d o em traçar a h istó ria d a im p o tê n c ia n e m das m a n o b ra s p ro v o c a d a s
pela falta d e fé, m as em n o s traxer ao p o n to em q u e ele d e m o n stra rá o q u e a fé
p o d e faxer e q u ã o realista ela é nas d u ras crises políticas d a v id a.1

1 Λ re fe rê n c ia a o 14° ano d e E x e q u ia s p e r m a n e c e u m p r o b le m a n ã o re so lv id o . N ã o re s ta a
m e n o r d ú v id a d e q u e o a n o e m q u e s tã o e ra 701 a.C ., m a s 7 1 5 c o m o a d a ta d a a s c e n s ã o d e
E x e q u ia s a o t r o n o e n tr a c m c o n f lito c o m a in f o r m a ç ã o f o rn e c id a e m 2 R eis 1 8 .1 ,9 , p a ssa -
g e m q u e e x ig e u m a a s c e n s ã o p o r v o lta d e 7 2 9 / 8 . D u a s s u g e s tõ e s p r e d o m in a m e m u m a
v e rd a d e ira te m p e s ta d e d e teo rias. Λ p rim e ira s u g e s tã o é q u e , e m v ez d e 14 o a n o , d e v e m o s
le r “ 2 4 ” a n o s , e n v o lv e n d o u m a ju s te m u ito m e n o r d o te x to h e b r a ic o d e ' a r b a ‘ ‘esrèh
p a ra ’a r b a ' ‘os’rim . (V eja a a b r a n g e n te a n álise e d e c is ã o d c 11. H . R ow ley c m fa v o r d e sse
c u r s o e m se u e n s a io “ H e z e k ia h ’s r e f o r m a n d r e b e llio n ” , M en o f God, e d . H . 11. R ow ley
(N e ls o n , 1 9 6 3 ), p. 9 8 ss.; ta m b é m O s w a lt e Y o u n g .) E s s a te o ria , a fim d e c o n s e g u ir te r o s
c á lc u lo s a p r o x im a d a m e n te c o r r e to s , e x ig e q u e e n te n d a m o s q u e foi n o 14 o d o re in a d o d e
E z e q u ia s q u e ele p r o m o v e u o p a d r ã o d e re v o lta c o n tr a a A ssíria e q u e h o u v e u m la p s o
d e a lg u n s a n o s a n te s d c S e n a q u e rib e p a r tir p a ra a ação. C o n f o r m e R o w ley o b s e r v a , u rn a
re v o lta p a le s tin a , p a ra te r a lg u m a c h a n c e d c s u c e sso , tc m d e te r a c o n te c id o e n q u a n t o S e-
n a q u e rib e a in d a e sta v a o c u p a d o n a M e s o p o ta m ia . P o r ta n to , é s e n s a to a s s u m ir u m la p s o
d e te m p o e n tr e a re b e liã o e o c o n tr a - a ta q u e . E s tá t u d o m u ito b e m , m a s t a n to 2 R cis 18.13
q u a n to Isa ías 36.1 d iz c m q u e o 14° a n o foi o a n o e m q u e S e n a q u e rib e c h e g o u à c e n a . A
o u tr a p e r c e p ç ã o tc m o m é r ito d e e x p lic a r o s fa to s q u e c o n h e c e m o s , m a s e s tá o b r ig a d a a
fa z e r isso t e o r iz a n d o c m á re a s n a s q u a is n ã o te m o s o s fa to s d isp o n ív e is. E s s e p a re c e s e r o
c a s o d e q u e o s reis d a v íd ic o s e s ta v a m a c o s tu m a d o s a p ô r se u s s u c e s s o re s e s c o lh id o s e m
c o rre g e n c ia a fim d e a s s e g u ra r u m a tra n s m is s ã o fácil d a c o ro a . O p r in c íp io d a p rim o g e -
n itu ra n u n c a foi a d o ta d o , e n o s d ias d e D a v i e s p e ra v a -s e q u e ele n o m e a s s e s e u s u c e s s o r
( l R s 1 .5 -3 0 ). N a s u p o s iç ã o d e q u e j o t ã o , A c az , E z e q u ia s c M a n a ssé s, t o d o s eles, tiv e ra m
371 ISAÍAS 3 6 . I - 3 7 .7

O p rim e iro d isc u rso d e R a b sa q u é: n e n h u m a sa lv a çã o n a f é (3 6 .1 -1 0 )


2 E possível q u e o comandante/ “ R a b sa q u é ” fosse o “ c o p c iro c h e fe ” , m as
o títu lo p a re c e te r p e rd id o o c o n ta to c o m q u a isq u e r d esses carg o s originais e
ter se to rn a d o a d esig n ação d e alguns altos oficiais n o serv iço real. E m luiquis,
48 q u iló m e tro s a su d o e ste d e Jeru salém . B rig h t registra q u e foi e n c o n tra d o um
b uraco c o m o s re sto s de cerca de 150 p essoas, vítim as d a c a m p a n h a d e Sena-
q ueribe.1 N a é p o c a d o c erco a L aquis, S en aq u erib e tin h a liq u id ad o os reb eld es
de T iro e d a Filístia e d e rro ta d o o exército egípcio em E lte q u e (na Filístia, n o rte
de Laquis) em su a p rim eira e ú n ica ten tativ a de c u m p rir suas p ro m e ssa s para
os estad o s palestinos. E xequias ficou iso lad o e, da p ersp ectiv a política, n ão é
de a d m ira r q u e S en aq u erib e te n h a e m b o lsa d o o trib u to d e Ju d á e n q u a n to ao
m esm o tem p o , q u a n d o voltava p a ra casa, te n h a d e te rm in a d o q u e n ã o fossem
deixados reb eld es p a ra trás. Foi n o aqueduto do açude superior q u e o p ró p rio Isaías
ficou d e p é p ara ch a m a r A caz a um a p o siç ã o de co n fia n ç a e foi rejeitad o (veja
7.3; 22.9-11). N a p e sso a de R absaqué a co lh eita d e d e sc re n ç a é trazid a para
casa.
4 -1 0 O e n g e n h o so d isc u rso d e R absaqué d esenv olve q u a tro tem as: a de-
p en d ên cia d o E g ito é u m a p o siç ã o sem e sp e ra n ç a (4-7); c o n fia r n o S e n h o r
com o u m a so lu ção é d e sc a rta d a p o rq u e o S e n h o r fo ra alien ad o pela red u ção
de seus lugares de ad o ra ç ã o (7; 2R s 18.4); m e sm o q u e E z e q u ia s tivesse arm a-
m en to s c o m o d o n a tiv o ele n ã o tin h a co n se g u id o a fo rça d e tra b a lh o (8,9); e a
A ssíria tin h a a a u to rid a d e divina para seu a taq u e (10).
4 O títu lo 0grande rei é a rro g a n te m e n te reivindicad o p elo s reis assírios (veja
10.8; 30.33). A ex p ressão essa sua confiança refere-se à co n fian ça q u e to rn o u E ze-
quias c o ra jo so o b a sta n te para elevar o p a d rã o da rebelião.
5 Você dip ( ‘am aría) é a leitura de Q ' e d e 2Reis 18.20; o T M traz: “ D ig o ,
a estratégia e a fo rça m ilitar são a p en as palavras vãs” . A d e sd e n h o sa rejeição
p o r p a rte d e R ab saq u é da “ co n fia n ç a ” d e E zeq u ias d iz e n d o q u e n ã o esta n ão
está ap o iad a em sã sab ed o ria (a estratégia q u e foi desenvolvida) n e m na fo rça d o
exército (g 'büra; veja c o m e n tá rio so b re 30.15). A ex p ressão palavras vã s/ “ ques-
tão d e p alav ras” (C N B B ) refere-se ao p o d e r d e m o v e r os lábios, m as n ad a além
disso! Isaías tin h a am e a ç ad o q u e se recu sassem ouv i-lo , eles o u v iríam a m en -
sagem d e estran g eiro s (28.9-11) e aqui estã o suas p ró p ria s palavras: co n fian ça,
d ep en d ên cia, lealdade e p o der.

p e r ío d o s d e c o rre g e n c ia c o m se u s p r e d e c e s s o r e s e ta m b é m d e re in a d o s o z in h o , o s d a d o s
d isp o n ív e is p o d e m s e r h a r m o n iz a d o s . N e s s e c aso , p r e s u m e - s e q u e E z e q u ia s foi c o rre -
g e n te c o m A c a z d e 7 2 9 -7 1 5 e re in o u s o z in h o d e 7 1 5 -6 9 6 , q u a n d o ele t o m o u M a n a ssé s
e m u m a c o r re g e n c ia q u e d u r o u a te 687. V eja K . A. K itc h e n e T. C. M itc h e ll, “ C h r o n o lo g y
(O ld T e s ta m e n t) ” , c m IB D .
' J. B rig h t, A H istory o f Israel (S C M , 1 960), p. 269.
O LIV RO DO REI 372

6 R ab saqué já u n h a v isto a d e rro ta d o Egito em E lteq u e. E le, c o m o E z e -


quias, sabia q u e n ã o havia ajuda a ser esp e ra d a daq uela p a rte d a terra, m as
R absaq ué tin h a m ais sab ed o ria m u n d a n a q u e os p o lítico s d e E zeq u ias. E le sa-
bia q u e o E g ito era u m v e rd a d e iro p erig o p a ra q u a lq u e r u m q u e c o n fiasse nele
— c o n firm a n d o a avaliação d e Isaías d e q u e u m a aliança co m o E g ito era um a
aliança co m a m o rte (28.15).
7 E z eq u ias c o n d u z ira um a re fo rm a ce n tra liz ad o ra d a religião (2Rs 18.1-7;
2 C r 29— 31) co m o fec h a m e n to de san tu ário s locais e seu jeo v ism o (na m e lh o r
das hip ó teses) c o rru p to . R absaqué fala fu n d a m e n ta d o em seu p ró p rio h istó ric o
p agão em q u e a red u ç ã o na q u a n tid a d e d e a d o ração p re ju d ic o u a g lória d e um
deus, m as talvez ele ta m b é m estivesse jo g a n d o c o m a irritação d e q u a lq u e r um
q u e estivesse m e n o s q u e c o n v e n c id o d a c o rre ç ã o d o q u e o rei estava fazendo.
8 O T M , na m ed id a cm q u e p o d e ser re p ro d u z id o , traz aqui “ m e u am o , o
rei [da A ssíria]” . P arece um te x to n o qual, para o b en efício d e leito res p o ste -
riores, foi in serid a u m a palavra de explicação. A p assagem 2R eis 18.23 traz a
fo rm a c o m p le ta “ o rei d a A ssíria, m eu a m o ” (TB). Israel tin h a p e rp e tu a m e n te
um su p rim e n to escasso d e cavalos (cf. 30.16; 31.1,3: 36.8; D t 17.16; lR s 10.28).
10 P o r trás d essa declaração, sem dúvida, está o c o n h e c im e n to d o que
Isaías tin h a d ito (p o r exem plo, 10.5,6). O s espiões n ã o são um a in v en ção m o -
d e rn a , c R ab saq u é sabia b a sta n te para fazer um a p e rv e rsã o plausível d a palavra
d e D eus. A frase destruir esta nação é “ d e stru ir este local” em 2Reis 18.25. E ssa é
um a das d iferen ças e n tre o s do is relatos q u e é inexplicável se algum e d ito r de
Isaías d e p e n d ia d o livro de Reis. A teologia de Isaías p ro fu n d a m e n te p ercep tiv a
n o que diz re sp e ito a Sião n u n ca p erm itiría q u e a palavra “ local” fosse tro cad a
p o r “ te rra ” .

O segundo discurso de Rabsaqué: o apelo popular — “fazer as pazes” (36.11-21)


R absaqué, a rro g a n te m e n te p a ssa n d o p o r cim a d o s oficiais d o rei (11), di-
rige-se d ire ta m e n te ao povo, le m b ra n d o -o s de fo rm a b ru ta l q u e o s político s
fazcm as g uerras, m as o p o v o é q u em so fre co m elas (12). M as é esse m e sm o es-
p írito a rro g a n te q u e está agora para traí-lo fa z e n d o -o d a r u m p a sso fatal. U rna
coisa é a d v e rtir — urna justa tática d ip lo m ática — c o n tra c o n fia r e m E zeq u ias
o u n o S e n h o r (14,15); é até m e sm o h u m a n itá rio o fe re c e r a p az e u m a no v a
casa, em vez d o s h o rro re s d o c erco (16,17); m as igualar o S e n h o r aos d eu ses
das n açõ es (18-20) e e sc a rn e ce r da habilidade dele p ara salvar Je ru sa lé m é b em
d iferen te (cf. 37.4,6,15-19).
11 O aramaico era a língua d ip lo m ática da é p o c a e possib ilitaria q u e as ne-
g o ciaçõ es fo ssem realizadas c o m um g rau d e segredo. Para R ab saq u é, afastar-se
d o p ro to c o lo d ip lo m á tic o ao u sar o “ h e b ra ic o ” m o stra sua cu ltu ra c o sm o p o lita
e dá a e n te n d e r q u e n ã o se esperava q ue, n esse local re m o to , as p esso as igno-
373 Is a í a s 3 6 . 1 - 3 7 . 7

rantes so u b e sse m o q u e é o q u e n o m u n d o real! L o g o essa a rro g a n c ia será sua


ruina.
12 R ab saq u é lem b ra ao p o v o re u n id o (aos homens que estão sentados no m uro/
“os h ab itan tes, na m u ra lh a ” os d u ro s fatos d o c erco em p e río d o d e g u erra. Po-
d em os im aginá-lo g e stic u la n d o os b ra ç o s para o s h iero so lim itas q u e en ch iam
os largo s m u ro s d a cidade. A ex p ressão como vocês p o d e ría se r “ co m v o c ê s” ; eles
são c o n d e n a d o s (da p ersp ectiv a dele) p o r sua ligação in san a co m E xequias e os
adversários deste. E le, a stu ta m e n te , te n ta em u m a se n te n ç a assu star o p o v o e
aliená-lo de seus líderes.
13-17 R ab saq u é, a p a re n te m e n te , estava b e m in fo rm a d o so b re o m inisté-
rio d e Isaías co m sua ênfase n o c a m in h o d e fé; d o c o n trá rio , p o r q u e negaria
tão claram en te a co n fian ça n o S e n h o r c o m o um a fo rm a d e so lu ção em sua
apresen tação. A palavra confiar{ 15) é o p ró p rio v o cab u lário d e Isaías (30.15) e
será entregue, a palavra d e p ro m e ssa dita a E z eq u ias n o m o m e n to m ais sensível
e c o n firm a d a p elo s sinais q u e se seguem (38.6ss.). Será q u e R ab saq u é tem ia de
algum a m an eira q u e se eles b u scassem o c a m in h o de fé, o S e n h o r pro v aria ser
tão b o m q u a n to sua palavra? D ificilm ente. E m ais provável q u e ele estivesse
sim p lesm en te p re ssio n a n d o p o r u m a so lu ção m ais rápida. A p assag em 37.9
indica q u e S en aq u erib e n ão está d isp o sto a e n tra r em u m a g u e rra n o o este da
Palestina, p o ssiv e lm e n te cien te d e q u e sua p o sição em casa n ã o estava total-
m ente segura. P o r essa razão, ele faz sua o fe rta n o s m ais g e n e ro so s e atraen tes
term o s: um p re se n te sem in te rv e n ç ã o (16) e um fu tu ro agradável (17). E le é
m uito p ersp icaz para te n ta r e sc o n d e r a c o n h e c id a política assíria d e d e p o rta ç ã o ,
m as te n ta a d o ç a r a pílula.
18-21 E sse foi o e rro fatal; a palavra de blasfêm ia q u e o S e n h o r ou v iu
(37.7). P ara o o rg u lh o d a A ssíria, veja 10.7-14. S o b re Hamate etc., veja 10.9.
A localização de Sefarvaim é incerta, liles livraram Samaria das minhas mãos? A
B H S etc. inseriría u m a q u e stã o p ara fazer o te x to aqui casar co m o p reced en -
te: “ O n d e estão os deu ses d a te rra d e Sam aria?” , m as c o m o o T M tran sm ite
essa m en sag em tem u m a m arav ilh o sa fo rça sarcástica: “A h, co m certeza! E les
livraram S am aria das m in h as m ãos!” T alvez ele esteja lev a n ta n d o indícios de
um e sp írito co m p la c e n te em Je ru sa lé m em relação à q u e d a d e Sam aria vinte
anos antes. E les disseram : “ N ã o adm ira q u e eles te n h a m caído! T o d o s aqueles
deuses im p o rta d o s!” E o S e n h o r n ã o é diferen te? 15 o q u e verem os!

A reação do rei: enfim, a fé (36.22—37.7)


A palavra é trazida ao rei, o qual reage im e d ia ta m e n te co m p en itên cia e
b u sc a n d o ao S e n h o r (37.1). D essa a titu d e re su lto u u m a deleg ação enviada a
Isaías (2), na verdade, d e sc u lp a n d o -se co m su b m issã o (.3), n ad a d o e le m e n to de
b lasfêm ia das palavras de R absaqué (4) e p e d in d o oração. M as Isaías n ão p re ­
O LIV RO DO REI 374

cisa falar d e um a n o v a m an eira co m o S en h o r: o q u e ele disse an tes p e rm a n e c e


(5,6). O S e n h o r agirá para rem o v e r a am eaça (7) — e o am eaçador!
37.1,2 N ã o so m o s in fo rm a d o s so b re o q u e tra n sp iro u n essa visita à casa
d o S en ho r. A s palavras su b se q u e n te s (3) in d icam q u e as vestes rasgadas e a ro u p a
de pano de saco eram m u ito m ais q u e e x p ressõ es fo rm ais d e an g ú stia e p en itên cia.
P o r fim , E z eq u ias p e rc e b e u q u e o S e n h o r era seu ú n ico re c u rso e, im ediata-
m en te, v o lto u -se p ara ele. O tem p lo / “ C asa” é o n d e o S e n h o r vivia n o m e io de
seu povo. O s chefes dos sacerdotes eram o s “ anciãos d o s sa c e rd o te s” (ARC).
3,4 A g o ra há a rre p e n d im e n to e confissão : o fim d a fo rça h u m an a. A an-
gústia ex p ressa o fato d a adversidade, repreen[de] sua n a tu re z a c o m o in q u ietação
m erecid a, vergonha/ “ b lasfêm ias” (A RC), o d e sd é m atraído, e a criança etc., o
d e s a p o n ta m e n to das esperanças. Fala alto p ara a realidade d o se n so d e p e c a d o
d e E z eq u ias de q u e n ã o fu n d a m e n to u n e n h u m p e d id o em suas p ró p ria s neces-
sidades, m as a p en as n a p o ssib lid ad e d e q u e o S e n h o r p e rm a n e c e ría firm e p o r
sua p ró p ria h o n ra . O rei, em sua o ração , n ã o faz referên cia a si m e sm o , m as
re c o n h e c e q u e a necessid ad e d o p o v o d o S e n h o r é se m p re u m fu n d a m e n to
válido p ara apelar ao S enhor. A referên cia ao remanescente “ q u e fico u ” (ARC) é
co m o v en te. A v o lta de to d a a cidade de Je ru sa lé m h á u m a v erd ad eira m u lü d ã o
d o p o v o d e E z eq u ias já tã o escrav izad o pela A ssíria c o m o se ele m e sm o os
tivesse v en dido. E sse é o p o d e r d e um g o v e rn a n te , e esse é o re su lta d o q u a n d o
se co n fia n o s a rm a m e n to s e a o ra ç ã o é rejeitada.
5 A crítica m in u cio sa d e K a ise r d e q u e “ o c u m p rim e n to d a tarefa deles é
d e sc rito n o s versículos 3 e 4 an tes d o a n ú n c io d o v ersícu lo 5 d e q u e alcan çaram
o p ro fe ta ” é típica d esse e le m e n to de se r difícil d e a g ra d a r q u e m e n c o n tra faltas
o n d e n ã o existe n e n h u m a . A c o n ju n ç ã o “ e” (ARC) q u e ab re o versícu lo 6 p o d e
b e m ser e n te n d id a em retrospectiva: “ E os serv o s |...j v ieram [...] e Isaías d isse”
(ARC).
6,7 E les p ediram a Isaías para orar, m as ele n ão o ro u . N ã o há hesitação, ne-
n h u m voltar-se para D eus, n ada de esp erar nele, m as ap en as um a sim ples crença
de que o S en h o r disse u m a vez o que pretendia dizer. U m a m en sag em inicial de
confian ça restabelecida (6) leva a um a p ro m essa d e ação divina (7). A palavra
servos é de “ depreciação” , “o s servos d o rei da A ssíria” — T artã, R abe-Saris e
R absaqué (2Rs 18.17). Isso fo rn ece um b em -v in d o alívio am eno. T ils (ARC) é
“ veja” ou “ o b se rv e ” . S obre um espírito veja 19.14; 29.10; IR eis 22.21-23; 2Tessalo-
niccnses 2.11; A pocaüpse 17.17. O “ S e n h o r dos E x ército s” (veja 1.9) p o ssu i to d o
potencial e p o d e r para lidar co m todas as situações. O s q u e m erecem a desilusão
são visitados co m o erro. A frase p a ra que, quando é (lit.) “ ele o u v irá u m r u m o r e
v oltará “ (A RC). A ex p ressão seja m orto à espada é “ fá-lo-ei cair” (o te rm o a li de-
via ser o m itid o ). Isaías n ã o faz referên cia à dev astação d o exército assírio p elo
an jo d o S e n h o r (37.36). E le já p red issera isso (14.24-27; cf. 31.8) n o p rim eiro
375 I s a í a s 3 7 -8 3 5 ‫־‬

dos c u m p rim e n to s d e ín te rim n o s cap ítu lo s 13— 27; aquí ele vai d ire to p ara o
ju lg am en to q u e cairá so b re o p ró p rio b lasfem ad o r. Se E z eq u ias ap en as tivesse
crido n a palavra q u a n d o esta foi d ita pela prim eira vez.

b. A segunda embaixada assíria (37.8-35)


A Assíria deixa Judá (37.8,9a)
N ã o so m o s in fo rm a d o s o q u e E z eq u ias re sp o n d e u a R ab saq u é (m as veja o
c o m e n tá rio so b re os w . 9b-13). E m to d o caso, o d ign itário assírio e seu “g ran -
de e x ército ” (36.2) saem da cidade e v o ltam a se ju n ta r à fo rça p rin cip al na ten-
tativa d e su b ju g ar a L ib n a, d ezesseis q u ilô m e tro s a n o rte d e L aquis. O versícu-
lo 9 é m ais b e m e n te n d id o c o m o ex p lican d o a ida p ara L ibna: “ S en aq u erib e foi
in fo rm a d o de q u e T ira c a ” .1 O m o v im e n to para o n o rte indica q u e S en aq u erib e,
a essa altura, n ã o estava d isp o sto a e n fre n ta r u m a lo n g a g u e rra p alesd n a. E le
não tin h a de m an eira algum a lidado de fo rm a cabal c o m a am eaça bab ilô n ia
para seu im p é rio e, p o r isso, a c h o u n ecessário restrin g ir seus o b jetiv o s a o este,
os quais incluíam a c o n q u ista d o E g ito .12 A p ro b a b ilid a d e d e m ais in cu rsõ es
egípcias a p ó s a d e rro ta em E lte q u e era re m o ta , m as, c o n fo rm e sab em o s, o ru-
m o r teve in sp iração divina. O S e n h o r da h istó ria sab e q u a n d o u m a palavra sus-
su rrad a é suficiente e “ o co ra ç ã o d o s reis está em seu m a n d o e g o v e rn a n ç a ” .3

A carta para Ezequias: o homem de fé (37.9b-13)


E ssa é a prim eira d e três seções lid an d o c o m a seg u n d a a b o rd a g e m assíria
a Jeru salém . E ssa p assagem é im p o rta n te p o rq u e revela as m u d a n ç a s básicas
o c o rrid as c o m E z eq u ias d esd e a situação em 36.1— 37.7. A o le rm o s nas en-
trelinhas da ca rta assíria v em o s c o m o E z e q u ia s re sp o n d e u à p rim eira fala de
R absaqué e q u e tip o de p e sso a ele é agora. H o u v e u m a é p o c a (36.6,7) em q ue
E zequias ta n to confiava n o S e n h o r para v e n c e r o c o n flito q u a n to se m a n tin h a
p re p a ra d o p a ra lu ta r b e m e co m vigor, se n ecessário — em vez d e vice-versa,
pois sua p rin cip al co n fian ça estava n o a rm a m e n to egípcio. M as ag o ra n ã o há
referência ao E gito, apenas ao “ D e u s n o qual você c o n fia ” (10). E m 36.14,
E zeq uias foi c o n d e n a d o c o m o um su p o sto e n g a n a d o r d e seu p o v o , u sa n d o a fé

1 C o s tu m a v a -s e a le g a r q u e u m a v e z q u e T ira c a , n e s s a é p o c a , tin h a a p e n a s seis a n o s d e ida-


d e , e ssa re fe rê n c ia d e v e s e r to ta lm e n te n ã o c ro n o ló g ic a . N o e n ta n to , sa b e -s e a g o ra q u e
ele e ra u m jo v e m d e v in te o u v in te e p o u c o s a n o s e m 701 a.C . V eja K . Λ . K itc h e n , The
Third Intermediate Period in ligypt (W a rm in s te r, 1 9 73), p. 1 54ss., 387ss.: Ancient Orient and Old
Testament (T y n d ale P re ss , 196 6), p. 82ss. O títu lo d e rei d e v e lh e te r s id o c o n c e d id o c o m
a n te c e d e n c ia , u m a v ez q u e ele s ó a s c e n d e u a o t r o n o d o E g ito c m 69 0 . K itc h e n o b s e r v a
q u e “c u m a p rá tic a c o m u m d o s e s c rito re s o rie n tá is se r e fe rir às p e s s o a s [...| p e lo s títu lo s e
n o m e s a d q u irid o s d e p o is d o p e r ío d o d e s c rito ” .
2 B rig h t, History, p. 2 70.
3 A b re v e o r a ç ã o p a ra a ra in h a n o l i v r o d e C)ra ç ã o C o m u m d o c u lto d a c o m u n h ã o .
O LIVRO D O REI 376

c o m o um a g aran tia p ara a sob rev iv ên cia política; ag o ra (10) n ã o h á referên cia a
frau de p o r p a rte de E xequias. É o S e n h o r q u e m o s fará cair! E zeq u ias alcan ço u
a u m a fé sincera, p esso al e inequívoca.
S enaq ueribe, a p a re n te m e n te , dirigiu-se a E z eq u ias n a fo rm a verbal (10)
e escrita (14); a ta c a n d o a in sen satez de sua re c é m -e n c o n tra d a p o siç ã o d e fé
(10b); a firm a n d o a invencibilidade da A ssíria ta n to so b re as n açõ es (11) q u a n to
so b re os d eu ses (12); e e n fa d z a n d o o risco em p articu lar p ara o s reis q u e se
o p u n h a m à A ssíria (13). O b se rv e o te m p o p re se n te d o v e rb o co n fia / “ d e q u e m
d e p e n d e ” (10). A re sp o sta n ã o registrada d e E z eq u ias deve te r sid o ineq u ív o ca
q u a n to ao a ssu n to d a fé d e que Jerusalém não será entregue nas m ãos do rei da A ssíria ,
e ele ta m b é m d eve te r alu d id o à p ro m e ssa d e 38.6. A im ag em re su lta n te d e u m
h o m e m sim p le sm e n te c o n fia n d o na palavra d a p ro m e ssa div in a é co n v in c e n te .
A palavra ih ã ra m , as destruíram p o r completo (11; cf. 34.2,5), é u sad a p ara re m o v e r
to d o c o n ta to h u m a n o e d esig n ar algo c o m o p o sse de D eu s. A ssim , a peleja
seg uin te se tra n sfo rm a em u m a peleja e n tre o S e n h o r e o(s) deus(es) d a A ssíria.
S en aqu eribe e n tre g o u o u tra s cidades a seu deus; será qu e, d esse m o d o , a cid ad e
d e D e u s p o d e se tra n s fo rm a r em algo d ev o tad o ? G osfi etc. e stã o to d a s n a região
d e cim a d o E u frates. N o versículo 13, S en aq u erib e in tro d u z u m n o v o e le m e n to
n a c o n fro n ta ç ão . E le te n ta jo g ar co m o in stin to de so b rev iv ên cia d e E z eq u ias
c o m o rei, m as n a v erd ad e está te sta n d o o h o m e m d e fé em ain d a o u tra direção.
E zeq u ias, c o m o o rei davídico, é u m h e rd e iro das p ro m essas. Será q u e ele co n -
fiará ag o ra nas p ro m e ssa s para si m e sm o em face d o p o d e r assírio? H en a e Iva
são lugares d esco n h ecid o s.

A reação de Ezequias: o homem de oração (37.14-20)


C o n tra ste essa passag em co m 37.1,2, em q u e E zeq u ias rasga as p ró p ria s
ro u p as e p e d e a Isaías para orar. A g o ra ele n ã o rasga as ro u p a s e faz sua p ró p ria
oração. E is aqui um h o m e m q u e c o n h e c e seu c a m in h o p a ra o re in o d a fé. P o r
isso, ele co m e ç a p o r e n tre g a r tu d o a D e u s (14) e, d ep o is, v o lta-se para p ed ir
(15-20).
14 Cio m o o s assírios dev em te r ficado c o n fu so s co m a reação d e u m h o -
m e m q u e os m a n té m d e p é e n q u a n to lê a ca rta receb id a deles e, d ep o is, vai cal-
m a m e n te jogar seu fa rd o so b re o S enhor! “ O q u e ele disse?” , lo g o p e rg u n ta rá
S en aqu eribe, e eles gaguejarão: “ B em ... ele n ão disse nada!” E m v erd ad e aquele
q u e crê n ã o e n tra em p â n ic o (28.16).
15-20 A o ra ç ã o de E zeq u ias, c o m o to d a o ração v erd ad eira, está p re o c u p a -
da co m D eu s: c o m q u e m ele é (16); co m sua h o n ra (17); co m sua sing u larid ad e
(18,19) e co m a revelação de sua glória p ara o m u n d o (20).
16 O c e rn e da o ra ç ã o é o re c o n h e c im e n to de D e u s, e n ã o seu c o n te ú d o
p eticio nário.
377 ISAÍAS 3 7 -8 3 5 ‫־‬

A 1 Senhor dos H xé rcito s/ “ S e n h o r T o d o -P o d e ro s o ” (N T L H ):


o S e n h o r em sua o n ip o tê n c ia pessoal
B1 D eus de Israel·, sua ligação esco lh id a co m seu p o v o
C C ujo trono está entre os querubins·, so b eran ia,
p re se n ç a p esso al e d isp o n ib ilid ad e
B2 D eus sobre todos·, seu d o m ín io so b re to d a a te rra
A 2 Tu fize ste os céus e a terra : g o v e rn o o n ip o te n te c o m o o C riad o r

O s q u e ru b in s eram as figuras co lo cad as em cada e x tre m o d o p ro p iciato rio ,


co m o o lh a r v o lta d o p a ra o in te rio r e para baixo (E x 37.6-9). E les fo rm av am
o p ed estal d o tro n o invisível d o D e u s de Israel (E z 1.22-28). A ssim , seus pés
d escan sam n o p ro p ic ia to rio (SI 99.1-5; 132.7). O q u e ru b im , c o m o E zeq u ias os
via, re p re se n ta m to d a excelência criada (o leão re p re se n ta os anim ais selvagens;
o b oi, os anim ais d o m é stic o s; a águia, as aves; e o h o m e m , a m a io r de to d as as
criaturas). A ssim o S e n h o r, e n tro n iz a d o so b re to d o s, estava, n ã o o b sta n te , p re-
sen te n o c e rn e d a vida de seu povo. A d o u trin a de D e u s C ria d o r d o A n tig o Tes-
ta m e n to é q u á d ru p la . O D e u s < \u ef[esj tu d o , p re se rv a tu d o , c o n tro la tu d o em
o p eração e guia to d o s p a ra o d e stin o q u e lhes foi designado. P o rta n to , o apelo
ao C riad o r, n a o ração , n ã o é u m sim ples ap elo à g ra n d io sid a d e o u ao p o d e r
abstrato, m as e sp ecíficam en te ao D e u s q u e de fato g o v e rn a e d e te rm in a tudo.
17 A e x p re ssã o 0 D eus vivo é “ u m D e u s viv o ” co m in fin itu d e p o r causa da
ênfase (cf. 31.8). A qui, o S e n h o r é se p a ra d o c o m o em u m a categ o ria d istin ta de
to d o s os o u tro s re q u e re n tes à div in d ad e (cf. H b 1.2, “ d o F ilh o ”).
18 A N V I, c o m a frase de todas essas nações e de seus territórios (lit., “ to d o s os
países e suas te rra s” [ARC]), segue 2Reis 19.17. A Q a o m ite “ e seus te rritó rio s” .
19 O s a d o ra d o re s pag ão s teriam o lh a d o p ara além d o o b je to d e culto, para
o deus c o m o u m a fo rça espiritual re p re se n ta d a p o r ele, m as E z eq u ias fala pelo
A n tig o T e sta m e n to q u a n d o identifica o d eu s c o m o ídolo. O m o n o te ísm o d o
A n tig o T e sta m e n to era tã o rig o ro so q u e eq u ip arav a d eu s c o m sím b o lo e se
recusava a ver q u a lq u e r realidade p o r trás o u além dele (cf. c o m e n tá rio so b re
41.5-7).
20 A ex p ressão só tu, Senhor, és D eus é sim p lesm en te: “ Só tu, és Je o v á ” (TB).
D a m esm a m an eira c o m o E zeq u ias identifica o d eu s p ag ão co m seu ídolo, ele,
n o reverso, ta m b é m tra n sfo rm a o n o m e d e seu D eu s, Jeo v á, n o equivalente
ao n o m e “ D e u s ” : d izer Jeo v á é d izer D eus. A N V I aqui segue Reis e Q a, m as
eq uiv ocad am ente.
O LIV RO D O REI 378

A mensagem espontânea de Isaías para Ezequias: o homem da palavra de Deus


(37.21-35)
E m 36.5, E xequias receb eu u m a palavra d o S e n h o r em re sp o sta a seu pedi-
d o d e o ra ç ã o ao p ro fe ta . A qui ele recebe um a palavra sem n e n h u m a so licitação
d e sua p arte. O fa to d e E zeq u ias a d o ta r o c a m in h o d a fé ab re a p o rta p o r m eio
d a qual ele fala c o m D e u s (14-20), e D e u s fala co m ele (21-35). E ssas duas
coisas estã o ligadas de fo rm a casual: ouvi a sua oração /.../ esta é a palavra (21,22).
O o rácu lo q u e se segue (22-35) an u n cia a so lu ção d e to d o o p ro b le m a . P o r
co n seg u in te, o c a m in h o d a o ra ç ã o co m fé é a v erd ad eira fo rm a p rática d e o
cristão lidar co m as d u ras realidades d este m u n d o . O q u e n e m o s a rm a m e n to s
(36.9) a d ip lo m acia (30.1,2) e, ta m p o u c o , o d in h e iro (2Rs 18.13,14) co n seg u iam
alcançar, a o ra ç ã o alcança. M as o q u e o S e n h o r está p a ra fazer ele p lan ejo u
d esd e a e te rn id a d e (26-29). A qui está o m istério d a oração : ela é u m m eio p elo
qual o S e n h o r faz c o n se lh o s e te rn o s v ire m a se r realizad o s (cf. a p red ição d e Ml
3.1a co m a o ra ç ã o re sp o n d id a d e L c 1.13,17). O S e n h o r realiza p ro p ó s ito s pre-
d e te rm in a d o s em re sp o sta à oração. A m e n sa g e m q u e Isaías envia a E z eq u ias
tem a deliciosa e sp o n ta n e id a d e d o “ im p u lso m o m e n tâ n e o ” . E la tem to d o s os
sinais d a m aestria de Isaías co m a palavra, m as talvez lhe falte o p o lim e n to de
u m p ro d u to m ais acabado. M as q u e im p a c to a m e n sa g e m causa n o co n tex to !

A 1 F ato: a o ra ç ã o é re sp o n d id a n a p a rtid a d a A ssíria (22)


B1 O S o b e ra n o d esafiad o (23-25)
B2 O S o b e ra n o em ação (26-29)
B3 A fidelidade d o S o b e ra n o (30-32)
A2 E xplicação: a d efesa d a cidade p e lo S e n h o r (33-35)

O o rá c u lo é a p re se n ta d o e m d u as seções principais, d iv id in d o n o versícu-


lo 30, em q u e Isaías se v o lta d o fo co na A ssíria para se dirigir a E zeq u ias. E ssa
divisão é sinalizada pela id en tid ad e d o p e n sa m e n to e a sim ilaridade d e lingua-
g em d o s versículos 2 9 e f e 34 n o fim d e cada seção. A 1 e A 2 são lig ad o s c o m o
d iscu rso s p ara o rei d a A ssíria: esta é a p a la v ra /.../' contra ele (22); e acerca do rei (33).
A s seçõ es ta m b é m são ligadas p elo c o n tra ste e n tre o rei q u e está p a rtin d o (22)
e o rei q u e n ã o e n tra rá n a cidade (33-35). A s seçõ es B são intercalad as pelas
d uas referên cias à so b e ra n ia divina: 0 Santo de Israel [...] “ o S e n h o r” Ç °dõnãy, 23);
e o Senhor dos E x é rc ito s/ “ S e n h o r T o d o -P o d e ro s o ” (N T L H ); 32c). A s seções
B 1 e B 2 c o n tra sta m d e fo rm a im p re ssio n a n te a p rim e ira p e sso a d o sin g u lar da
p re te n sa so b e ra n ia d o rei e a p rim eira p e sso a d o sin gu lar d a real so b e ra n ia d o
Senhor.
21 ,22 O D e u s q u e re sp o n d e à oração. D a m e sm a m an eira q u e a o ração
de E zeq u ias era “ to d a so b re D e u s ” , ta m b é m o é a re sp o sta d e Isaías. S eg u n d o
379 ISAÍAS 3 7 - 8 3 5 ‫־‬

Reis 19.20 conclui co m “ o u v i” , q u e a B H S in tro d u z iría aqui n o fim d o versícu-


lo 21. N o e n ta n to , o te x to c o m o o te m o s é m ais p o d e ro s o em seu estilo isaínico
em sua ligação e n tre o h o m e m e m o ra ç ã o e a palavra d e D e u s em resp o sta,
um a e x p re ssã o m ais clara d a ligação e n tre a fé e as políticas práticas nas quais
Isaías insiste. O te rm o V irgem é u sa d o aquí n o se n tid o d e ficar in to c a d a pelo
saqueador. A palavra %omba (·¡la'ag) é urna clara rev ersão de seu u so a m eaçad o r
em 28.11 (“ e stra n h a ”). A ex p ressão enquanto vocêfoge é “ d e p o is d e v o c ê ” , o u seja,
“e n q u a n to ela assiste v o cê ir” .
23-25 O sa n to S o b eran o . T e m o s aqui a acusação d e blasfêm ia (23) e a p ro -
va dela: q u e a A ssíria planeja c o m o se fosse o n ip o te n te (24,25). O p ro n o m e eu
(ARC) n o s versículos 24e e 25a é enfático, c o m o se n tid o d e “ eu m e sm o ” . So-
bre insultou veja o versícu lo 17. S o b re blasfemou c o m p a re co m N ú m e ro s 15.30,
em q u e “ b la sfe m a ” (TB) faz paralelo co m “ p e c a r co m atitu d e d esafiad o ra” (lit.)
“ m ão lev an tad a” (A RC). E rg ueu e levantou são os v e rb o s u sad o s em 6.1 para
o Santo. B lasfêm ia é u m se r h u m a n o a g in d o c o m o se fo sse D eu s. Isaías está
vivendo em sua p ró p ria experiência. O q u e ele d e sc o b riu (ó .lss.) d e aterrad o r,
a santa o n ip o tê n c ia esclarece seu se n so q u a n to à o fe n sa da Assíria: a co n fian ça
desta em seu p ró p rio p o d e r {com carros sem conta), a a u to ra d e seu p ró p rio suces-
so, se n h o ra d e seu p ró p rio fu tu ro . D errubei é “ q u e p o s s o d e rru b a r” . O rei se vê
co m o o á rb itro d e seus p ró p rio s p la n o s e, im ag in an d o seus o p o n e n te s c o m o
riscos n aturais, n e n h u m a altura, n e n h u m a b a rre ira im p en etráv el c o m p o sta de
floresta p o d ia detê-lo. S o b re cavei, o T M é m ais sim ples q u e a N V I, d escrev en d o
com o o rei se m p re “ teve a tecn o lo g ia” para p ro v e r a si m esm o : “ E u m esm o
abri o p o ç o , eu m e sm o bebí a água” (BS). Seria m e lh o r a palavra sequei ser tra-
duzida p o r “ q u e p o sso secar” o u “ te n c io n a n d o c o m o fiz secar” . O s su cesso s
passados d o rei o e n co rajaram a v er até m e sm o o E g ito c o m o sua p re sa — um a
tarefa tão fácil q u a n to a d o lav rad o r egípcio q u e fecha os p e q u e n o s canais de
irrigação q u e águam seus ca m p o s ao a m o n to a r te rra co m o s pés. O p é d o rei é
capaz d e b lo q u e a r até m e sm o o p ró p rio Nilo!
2 6 2 9 ‫ ־‬O S o b e ra n o executivo. A so b eran ia divina é ab so lu ta. O sen tid o
literal da palavra ordenado é “ fiz” (ARC): estava tã o e stab elecid o n o p la n o d ivino
que seria d ito c o m o se já realizado. Planejado é “ m o d e la d o ” c o m o o o leiro faz
(cf. 27.11) e faço você significa ex a ta m e n te o q u e fo ra a rra n ja d o m u ito te m p o
atrás. A so b eran ia divina ta m b é m é executiva (26e,27; 29cd; o s fatos difíceis da
história h u m a n a são o p la n o de D eu s; 45.7; A m 3.4-7; 4.6-11); a m o ra l (28,29b;
a A ssíria receb e o q u e m erece; veja 10.5-15); e o m istério (29cd; p o rq u e ao m es-
m o te m p o em q u e n ão é lim itado pela v o n ta d e e a o b ra h u m a n a s resp o n sáv eis,
leva-as em co n sid eração ). T o d a a energia, até m e sm o a vio lên cia, p e rte n c e ao
cavalo; to d a a direção, sab ed o ria e c o n d u ç ã o p e rte n c e m ao cavaleiro. A ssim , a
arrogância, a fo rça b ru ta , a am b ição im perialista etc. assírias são reais, m o ra l­
O LIVRO DO REI 380

m e n te resp o n sáv eis e culpáveis, m as estão so b o c o m a n d o d iv in o em seu p ro -


d u to e x te rn o (54.16s.). O sím ile trip lo d o versículo 27 ex p õ e c o m o os assírios
p e n sa m o m u n d o e seus povos: eles existem para b e n efício deles (pastagens);
eles são to ta lm e n te incap azes de o fe re c er resistên cia ( brotos tenros e verdes); e
são tran sitó rio s, irreais, d e n e n h u m a im p o rtâ n c ia fu n d a m e n ta l (como capim no
terrapi)} O te rm o atrevim ento (29) é antes “ a u to c o n fia n ç a b ra n d a ” o u “ co m p la-
cên cia” (co m o em 32.9). A frase 0 m eu ansçolem seu n a ri^ é c ru e lm e n te ad eq u ad a;
os assírios, de a c o rd o co m os m o n u m e n to s deles, levavam os p risio n e iro s d essa
m aneira. A A ssíria (29ef) av an ço u a m issão d o S e n h o r (10.5ss.) e é cercad a na-
quela estrada. A so b e ra n ia divina (cf. w . 26,27) ultrap assa o a m p lo m o v im e n to
d a h istó ria até seu m ín im o vestígio.
30-32 O S o b e ra n o fiel. A fim de q u e n in g u ém ache q u e o re c u o d a A ssíria
n ã o foi n ada além de um feliz acaso, Isaías a crescen ta u m sin a l (cf. 7.14; 38.7;
E x 3.12). D u ra n te dois a n o s a ag ricu ltu ra n o rm a l seria im p o ssív el, m as a te rra
p ro d u z iría p o r si m e sm a o suficiente para o p o v o até q u e no terceiro ano p u d e s-
sem re to m a r a lavoura.
30 S o b re crescer p o r si (sãptah ) veja L evítico 25.5,11. A e x p re ssã o daquilo
brotar Çsãhis) só é e n c o n tra d a aqui (2Rs 19.29, sãKis) a p a re n te m e n te co m o sen-
tid o de se m e n te sem ead a so z in h a etc. A invasão im p e d iu a sem eação e m 702,
ainda assim , q u a n d o a am eaça acab o u em 701, eles e n c o n tra m m u itas colh eitas
sem eadas sozinhas. A situ ação su b se q u e n te co m o s assírios ain d a p resen tes,
e m b o ra se re tira n d o , to rn a ria a ag ricu ltu ra im possível, ain d a assim o a n o 700
p ro d u z iría m ais u m a vez o suficiente p o r m eio d o “ c re sc im e n to casu al” . A ssim
o S e n h o r co n firm a ria de fo rm a retro ativ a q u e foi sua m ã o q u e d isp e rso u a
am eaça. A v iticu ltu ra exigia a n o s d e tra b a lh o p acien te nas vinhas an tes d e se p o -
d e r c o lh e r u m a v in d im a (5.2; 7.25; D t 20.6; L v 19.23-25). Z acarias 8.12 c h a m a a
v inh a (lit.) d e “ se m e n te d a p a z ” (TB ), o u seja, é u m a p la n ta q u e exige co n d iç õ e s
pacíficas para “ p ro d u z ir seu fru to ” .
31 O q u e a c o n te c e p ara a te rra é figurativo d o q u e a c o n te c erá p a ra o p o v o ,
que en tra rá em u m p e río d o d e seg u ran ça (lançará raízes) e p ro sp e rid a d e (se en-
cherão defru to s). Q u ã o g racio sa é a m o ra l so b e ra n a d o S enhor! Isaías sabia q u e a
n ação estava c o n d e n a d a m e sm o an tes d o ataq u e assírio (22.14; 31.6), p a ssa n d o
0 “ p o n to d o qual n ã o h á v o lta ” p re v isto em 6.9s. T o davia, E zeq u ias, p o r m ais
q u e tard ía m e n te , ab ra ç o u o c a m in h o da fé, e isso n ã o p o d e ría ficar sem re c o m -
p en sa (cf. lR s 21.27ss.). 1

1 P a ra queimado o T M tra z sCdémâ (cf. D t 3 2 .3 2 ; 2 R s 2 3 .4 ), o u seja, “ e u m c a m p o a n te s d o


c r e s c im e n to ” , “ u m c a m p o v a z io ” . A c o r re ç ã o p a ra s 'd êpâ (“ q u e im a d o , t o s t a d o ” ; v e ja 2 R s
19.26) n ã o re s o lv e m u ita co isa. D e p e n d e d e tr a ta r o se g u in te lipnè q ã m â (“ a n te s d e e re s-
c e r ”) c o m o sig n ific a n d o “ a n te s d e a m a d u r e c e r ” . Q J tra z h a n m sd ã p lip n è qa d im (“ q u e im a -
d a p e lo v e n to le s te ” [BS]). Is s o é a d e q u a d o , m a s u m o b s c u r e c im e n to fácil d e m a is.
381 ISAÍAS 3 7 .3 6 - 3 8

32 Λ palav ra remanescente se m p re te m re sso n â n c ia d e lo n g o alcance, o lh an -


do além das experiên cias im ediatas p a ra o fato de q u e o S e n h o r se m p re p reser-
vará um p o v o p a ra si mesmo — política q u e seu %elo /.../ realizará (cf. 9 .7 < 6 > ) p o r
m eio d e seu p o d e r s o b e ra n o c o m o o Senhor dos E xércitos.
3 3-35 O D e u s p re s e rv a d o s O rei n ã o se ap ro x im ará (entrará é “ vir p a ra ”)
nem am eaçará, q u e r n o s flancos d istan tes (atirará a q u i um a flecha ) q u e r n o s p ró -
xim os (com escudo /... / construirá ram pas de cercó), m as ele, ex a ta m e n te c o m o veio,
irá em b o ra. E le está so b o c o n tro le d o S e n h o r; e a cidade, so b o cu id a d o do
Senhor. O te rm o defenderei (jg à n a n , c o m o 31.5; 38.6) significa “ ce rc a r” (co m o
um jardim co m u m m u ro d e p ro te ç ã o ). A ssim , o q u e a seção paralela (21,22)
rep resen ta — c o m o u m a re sp o sta d o S e n h o r à o ra ç ã o o é aqui — u m a decisão
divina fu n d a m e n ta d a em m o tiv o s in te rn o s para a n a tu re z a divina (por am or de
mim) e as o b rig a ç õ e s d a aliança m u ito antigas e aind a válidas (por am or de D avi).

c. O final: a derrota da Assíria (37.36-38)


Isaías p rev iu o fim d o p o d e r da A ssíria nas colinas d e Ju d á (14.24-27), m as
nunca p red isse o q u e a c o n te c e u de fato c o n fo rm e reg istrad o aqui. O s p ro fe ta s
esperavam em geral estar “ b e m in fo rm a d o s ” (A m 3.7), m as esse n em sem p re
era o caso (2Rs 4.27). A in fo rm a ç ã o d e fo ra d a Bíblia é ig u alm en te esparsa, p ois
não fazia p a rte d o m o d o assírio d e reg istrar os desastres. N ã o sa b e m o s co m
certeza n e m m e sm o se S en aq u erib e estava in d o p a ra o n o rte de L ib n a a fim
de ev itar co m p licação co m o agora re so lu to E zequias. Só sa b e m o s q u e u m ato
divino d e p ro p o rç õ e s m aciças resolveu a q u e stã o e fo rn e c e u a d e m o n stra ç ã o
ap o teó tica d a arg u m e n ta ç ão d e Isaías de q u e o S e n h o r é o c o n tro la d o r da his-
tória m undial.
36 E m vez d e 0 anjo do Senhor, seria m ais c o n g ru e n te c o m a teo lo g ia d o A n-
tigo T e sta m e n to escrev er “ o A n jo d o S e n h o r ” — esse p e rso n a g e m d o A n tig o
T estam en to q u e é ta n to o S e n h o r q u a n to é d istin to d o S e n h o r (p o r exem plo,
G n 16.7,11; J z 13.21 s.) e q u e c o m b in a em si m e sm o a sa n tid a d e d iv in a e a co m -
placência d ivina (E x 23.20-23).1 P o r co n seg u in te, Isaías ju n ta n esse in cid en te
cinco im p o rta n te s m an ifestaçõ es divinas: a palavra (31.2), o E s p írito (37.7), a
m ão (31.3), o b ra ç o (30.30) e o anjo. O S e n h o r é d e fa to “ S e n h o r d o s E xérci-
tos” .
37,38 S en aq u erib e re in o u p o r o u tro s v in te a n o s e se env o lv eu em m ais
proezas m ilitares, m as n u n c a m ais n a Palestina; aq uela e strad a estava fechada
para ele. E le foi a ssassin ad o em 681, e é possível q u e Isaías te n h a v iv id o para
ver esse g o lp e final e para o b se rv a r o c o n tra ste e n tre o D e u s vivo q u e o u v e a
oração d e seu rei e em cuja casa o rei c o m e ç o u pela p rim eira vez a e n c o n tra r
sua v erd ad eira segurança e u m deus de m ad eira e p e d ra em cuja p ró p ria casa 1

1 S o b re o “ a n jo d o S e n h o r ” , v eja J. A . M o ty e r, N B C ., p. 29.
O LIV RO DO REI 382

seu rei foi abatido! O S e n h o r reina até o fim. O s n o m e s Nisroque, Adrameleque


e Sare^er n ã o são e n c o n tra d o s fora da Bíblia, m as a c rô n ica b a b ilô n ia registra o
assassin ato de S en aq u erib e e a ascen são d e E sa r-H a d o m .

O b se rv a ç ã o ad icio n al. A relação de 2R eis 18.13— 20.21 co m Isaías 36 — 39


A o p in iã o d a m aioria d o s e stu d io so s é de q u e esses cap ítu lo s fo ra m retira-
d o s d o livro de Reis e incluídos em Isaías, e essa c o n tin u a a se r a o p in iã o hoje.
O sw a lt e Y o u n g estã o en tre os p o u c o s q u e a ssu m em a p e rc e p ç ão o p o s ta a essa.
W ilderberger, co m u m a b o a q u a n tid a d e de razão, su ste n ta q u e n e n h u m desses
d ois tex to s se orig in a d o o u tro , m as q u e a m b o s u saram fo n tes em co m u m . Há
co m c e rte z a dificu ldades n a m aneira de a ssu m ir q u e os cap ítu lo s fo ram retira-
d o s de Reis e ed ita d o s n a literatura d e Isaías.
O livro 2Reis d e 18.13 em d ian te é ú n ic o em Reis. N e n h u m o u tro p ro feta
ca n ô n ic o é m e n c io n a d o (exceto Jo n a s; 2R s 14.25), e n e n h u m a o u tra passagem
cita um o rá c u lo co m p leto . C o m p a re , p o r exem plo, a to tal au sên cia d e Jerem ias
e seu m in istério a p a rtir de 2Reis 22— 25. N ã o é possível, p o rta n to , afirm a r que
o h isto ria d o r p o r trás d e Reis escreveu esse relato e q u e este foi su b seq u en te-
m e n te e n x e rta d o em Isaías c o m algum as alterações. Λ p re se n ç a d o relato em
Reis precisaria an tes de tu d o ser explicada. O m aterial d e Reis m ais passível de
se r c o m p a ra d o a esse é o ciclo E lias-E liseu, e a rg u m en ta-se em geral q u e esse
m aterial tin h a u m a h istó ria red acio n al in d e p e n d e n te an tes d e e n tra r n o corpus
d e Reis.1
E p a rtic u la rm e n te im p o rta n te p e rg u n ta r p o r q u e o h is to ria d o r/e d ito r de
Reis, se o m aterial foi m o v id o de Reis para Isaías, p e rm itiu q u e o m aterial apa-
recesse fo ra d a o rd e m cro n o ló g ica (para o in cid en te M ero d aq u e-B alad ã [2Rs
20.12; Is 39] e seu a n te c e d e n te n a d o e n ç a de E z eq u ias [2Rs 20.1-11; Is 38] deve
ser a n te rio r aos in c id e n te s de S enaqueribe). N ã o h á jusdficativa p ara isso na
n arrativ a de Reis.
A c o m p a ra ç ão m ais d etalh ad a das d u as p e ríc o p e s m o stra q u e o relato
em Reis é c o n siste n te m e n te m ais lo n g o q u e o d e Isaías. A lém d a o ra ç ã o de
E z eq u ias (38.9-20), h á ap en as sete p assag en s em q u e Isaías tem u m a palavra
o u p artícu la a m ais q u e Reis ( » 3 6 . 1 0 ,‫ ;׳‬,êt, 36.13; 37.2; h ã ^ ê lle h , 36.20; f b a
ôí, 37.16; 39.5; kol, 37.17), m as há 29 passagens (além das 18.14-16 e 20.6-11)
em q u e Reis te m m ais in fo rm a ç ã o q u e Isaías. N o e n ta n to , n ã o h á co n sistên cia
n essa p rád ea, a qual u m a u to r su m a riz a d o r o u u m e d ito r ex p a n sio n ista p u d esse
ad otar. Isaías a crescen ta ’<?_/ em 36.13, m as o m ite a p artícu la em 38.2; acrescen ta
a eleg an te p a rtícu la em 36.10, m as o m ite a eleg ante p artícu la 71ã’ e m 37.19.
A re d u ç ã o de 2Reis 20.6-11 é difícil, se n ã o im possível, d e exp licar nas m ã o s de
u m e d ito r d e Isaías, po is a re d u ç ã o dim in u i o p ap el d e se m p e n h a d o p e lo p ro fe ta

V eja S. J. D e v rie s , 1 Kings (W o rd B o o k s, 1985).


383 ISAÍAS 3 7 .3 6 - 3 8

— sua d ram ática ev o cação (20.4); a u rgência d a cu ra d e E x eq u ias (20.5; q ue o


texto d e Isaías sabe, m as relega a urna n o ta d e ro d a p é , 38.22); a co n v ersa e o ra-
ção re fe re n tes ao sinal (20.9-11). É im provável q u e essas red u çõ es (incluindo
o relato d a su b m issã o de E xequias a S en aq u erib e; 2R s 18.14-16) sejam d e u m
editor p o s te rio r m u ito d e p o is d o s e v en to s, m as são, é claro, c o n siste n te s co m
o uso p ro p o sita l d e Isaías de m ateriais p ró x im o s eles m e sm o s d a p ró p ria ép o c a
em q ue fo ram usados.
P assan d o para p assagens em q u e a linguagem é d iferen te, é im p en sáv el q ue
o p ró p rio Isaías o u um e d ito r de Isaías teria, p o r exem plo, a lterad o “ lu g ar” para
“nação” (2Rs 18.25; Is 36.10). E m Isaías 36.8,16 a ex p ressão “ o m eu sen h o r,
o rei” e “ o rei” (N V I, o rei da A ssíria ), em 2Reis 18.23,31, soa m ais p ró x im o d o
evento q u e “ o rei da A ssíria” . N o e n ta n to , é necessário q u e se exerça algum a
reserva aqui, n o fato d e q u e há in certex a textual so b re o acréscim o da A sst-
ría da N V I q u e te m a ap arên cia d e u m a explicação ad icio n ad a p o ste rio rm e n te
(veja o c o m e n tá rio ). E m 2Rcis 18.36, o te m p o p e rfe ito “ n ã o clássico ” co m
mu> fraco reflete o estilo analítico de m e m o ra n d o d a c o rte (2Rs 18.4; 21.4,6;
23.4,5,10,12,14), m as Isaías (36.21) trax u m clássico im p e rfe ito co n secu tiv o . H á
diferenças q u e n ã o p o d e m ser explicadas c o m alg u m a teo ria em q u e os dois
textos e m p re sta m d etalh es um d o o u tro , p o r exem plo, c o m p a re 2Reis 18.26
(“ nos fales” [ARC], Ummãnü) c o m Isaías 36.11 (“ n o s ” , ’êlên u ); 2Reis 19.23
(malr,ãkeykõ) c o m Isaías 37.24 ( '“bãdeyka); e 2R eis 20.19 co m Isaías 39.8. Pos-
sivelm ente Isaías 37.18, co m suas dificuldades textuais, n ã o é d ire ta m e n te de-
rivado d e 2Reis.
A p rin cip al adição de Isaías é a o ra ç ã o d e E xequias. Isso é c o n siste n te co m
a tradição d e q u e Isaías escreveu u m relato d o re in a d o de E xeq u ias (2C r 32.32;
cf. 2 C r 26.22).
A teo ria q u e m e lh o r se ad eq u a aos fatos é q u e ta n to Isaías q u a n to Reis
tiveram acesso a anais e registros e os u saram p a ra serv ir aos seus p ró p rio s
p ro p ó sito s c o m o h isto riad o res. Isso explicaria p o r q u e Reis (18.14-16) inclui
a su b m issão de E xequias, m as Isaías a o m ite. U m alm eja u m a m a io r inteirexa
de d etalhes; o o u tro , u m ex c e rto h istó ric o c o m b in a d o co m u m p ro p ó s ito teo-
lógico. Isso ta m b é m a c o m o d a adições explicativas em Reis, c o m o “ cm Jeru sa-
lém” (18.22) o u “ o rei da A ssíria” (18.23,31). D e o u tro lado, a red u ç ã o isaínica
tanto d o relato da cu ra de E xequias q u a n to da adição d e 38.9-20 reflete a p en a
do p ró p rio p ro fe ta . M o stra sua relu tân cia em fo car em si m e sm o q u a n d o seu
p ro p ó sito é e stim u lar a fé n o S e n h o r e ta m b é m revelar seu acesso privilegiado
aos “ pap éis p riv a d o s” de E xequias. O te rm o f b a ô t , em 37.16; 39.5, é típ ico de
Isaías.
A c ro n o lo g ia reversa c o n tin u a a ser u m d o s p o n to s m ais in teressan tes na
com paração. E m b o ra em q u a lq u e r teoria c o n tin u e difícil e n te n d e r p o r q u e Reis
O LIVRO DO REI 384

p e rp e tu a a localização d a d o e n ç a de E zeq u ias e a p eríc o p e d e M ero d aq u e-B a-


ladã depois das h isto rias d e S enaqueribe, essa o rd e m é a ú n ica q u e se aju sta ao
p ro p ó sito d e Isaías. A s historias d e S enaquerib e fo rm a m o esp ig ão p re fe ito
para os c a p ítu lo s 28— 35, na verd ad e para o s cap ítu lo s 6— 35; e a h isto ria de
M ero d aq u e-B alad ã fo rm a a in tro d u ç ã o perfeita p a ra os cap ítu lo s 40— 55 (veja
co m en tário ). N o e n ta n to , ap esar de os detalh es d o s d o is c o n ju n to s d e n arrati-
vas exigirem tra b a lh o in d e p e n d e n te co m o s reg istro s d isp o n ív eis, a réplica em
Reis da c ro n o lo g ia reversa deve significar q u e a trad ição d e Isaías d e relacio n ar
esses ev en to s foi b em estabelecida p e lo te m p o d o h is to ria d o r/e d ito r d e Reís.
Isaías 38—55
O livro do Servo
É típico da literatu ra de Isaías q u e u m a su g estão cm u m a seção se to rn e
o tem a d a seção seg u in te.1 Isaías, em re sp o sta ao d e se n v o lv im e n to das trevas
dos cap ítu lo s in tro d u tó rio s (1— 5) e, em p articular, à p o ssib ilid ad e d e que a
graça divina te n h a se ex au rid o (5.1-7), d e sc o b re em sua p ró p ria ex p eriência
que o p e rd ã o e a reconciliação co m D eu s p o r in te rm é d io d o sacrifício ainda é
um a realidade (6.1-7). Seria lógico p ara ele d esen v o lv er esse p e n sa m e n to -c h av e
im ed iatam ente, m as o p ro fe ta n ão faz isso. N o e n ta n to , n o s cap ítu lo s 6— 12
aparece o p e n sa m e n to de que a experiência individual é o indício d a restau ra-
ção co m u n al (cf. o equilíbrio e n tre os caps. 6 e 12 e a ên fase em 8.11-18 so b re
o cren te individual). Isaías to rn a p referiv elm en te sua p rio rid ad e e n fre n ta r os
erros p olíticos d e sua é p o c a co m a visão da vinda d o rei m essiânico, m as per-
m anecem a realidade d o p e c a d o e a n ecessid ad e d e p erd ão , e é a isso q u e Isaías
se volta n o se g u n d o livro de sua trilogia.
O livro c o m eça co m u m p ró lo g o h istórico: a d o e n ç a d e E xeq u ias (cap. 38)
se to rn a o p re te x to p ara u m a m issão d ip lo m ática d e M ero d aq u e-B alad ã, da Ba-
bilônia (cap. 39). D e sse fato surge a p red ição d o cativeiro b ab ilô n io . Isaías, para
o resto d o livro, segue o p a d rã o q u e desen v o lv eu em co n e x ã o co m a crise final
da A ssíria n o s c a p ítu lo s 28— 35. P rim eiro, ele lida co m a situ ação em te rm o s
de p rin cípios d a ação divina (40.1— 42.17; cf. caps. 28— 29); a seguir, ele passa
a aplicar sua m e n sa g e m à situação histórica, ao m e sm o te m p o em q u e co m b in a
oráculos q u e o lh am para fren te, para o fu tu ro sem d ata (42.18— 48.22, cf. caps.
30— 32); e Isaías fin alm en te prevê o s a to s su p re m o s de D eu s, e m b o ra os veja
em fo rm as de p e n sa m e n to sugeridas pela crise h istó rica p ela qual o p o v o de
D eus tem d e p assar (caps. 49— 55; cf. caps. 33— 35).

1 A “ s u g e s tã o d a v íd ic a ” e m 1.26 fo rn e c e o te m a d o s c a p ítu lo s 6— 12; a a lu s ã o à in flu e n cia


un iv ersal d o rei d a v íd ic o n o s c a p ítu lo s 6— 12 ( 9 .7 < 6 > ; 11.9,10) se to r n a o te m a n o s ca-
p ítu lo s 13— 2 7 ; o u s o d o E g ito c d a A s síria c o m o s ím b o lo s d o p o v o m u n d ia l (1 9 .2 4 ,2 5 ;
27 .11,12) d o S e n h o r fo rn e c e o im p o r ta n te tó p ic o d o s c a p ítu lo s 2 8 — 37; as re fe rê n c ia s
p o u c o d e se n v o lv id a s , n o s c a p ítu lo s 6— 35 (6.7; 2 5 .9 ; 3 5 .9 ,1 0 ), à e x p ia ç ã o , à sa lv a ç ã o e à
re d e n ç ã o fo r n e c e m o tó p ic o a n u n c ia d o e m 4 0 .1 ,2 ; as p ro m e s s a s d e p e r d ã o c m 4 3 .2 2 —
44.23 sã o c u m p r id a s n o s c a p ítu lo s 48— 55; e a a lu s ã o à c o n q u is ta d iv in a n o c a p ítu lo s
40— 55 (42.13) se to r n a a p rin c ip a l ideia d o s c a p ítu lo s 56— 66 (63.1-6).
O LIVRO DO SERVO 388

A C) p ró lo g o h istó rico : a escolha fatal de E z eq u ias (38.1— 39.8)


B1 ( ) c o n so lo universal (40.1— 42.17)
b1 O c o n so lo de Israel (40.1— 41.20)
b2 C) c o n so lo d o s g e n tio s (41.21— 42.17)
C1 A s p ro m e ssa s da re d e n ç ã o (42.18— 44.23)
c1 A lib ertação (42.18— 43.21)
c2 O p e rd ã o (43.22— 44.23)
C2 O s agentes da re d e n ç ã o (44.24— 53.12)
c1 Ciro: a lib ertação (44.24— 48.22)
c2 O servo: expiação (49.1— 53.12)
B2 A p ro clam ação universal (54.1— 55.13)
b1 O ch a m a d o p ara Sião (54.1-17)
b2 O ch a m a d o para o m u n d o (55.1-13)
A. O prólogo histórico:
a escolha fatal de Ezequias (38.1—39.8)
O s ev e n to s d esses cap ítu lo s a n te c e d em em alguns a n o s o s ev en to s dos
capítulos 36— 37 (veja a o b se rv a ç ã o adicional na p. 382 e o c o m e n tá rio so b re
39.1). E les c o b re m três a ssu n to s: a d o e n ç a de E z e q u ia s (38.1-8); o reg istro pes-
soal q u e ele fez de seus p e n sa m e n to s q u a n d o e n fre n to u a m o rte e q u a n d o foi
curado (38.9-22); e o relato d o e m b a ix a d o r en v iad o p o r M ero d aq u e-B alad ã, da
Babilônia (39.1-8). A s n arrativ as em geral n ã o serv em , c o m o a p o esia, para a
m esm a a p re se n ta çã o circular, m as existe sim etria suficien te aqui p ara in d icar
que essa n ão é u m a associação casual d e histórias, m as u m a declaração p lan e-
jada:

A 1 E z eq u ias c o n te m p la a m o rte (38.1a)


B1 Isaías e a palavra d o S en h o r: Isaías f o i [...] e [...] disse:
"Assim di% 0 Senhor" (1 b)
O A d ed icató ria d e E zeq u ias (8-22)
C2 A ap o stasia d e E z e q u ia s (39.1,2)
B2 Isaías e a palavra d o S en h o r: Isaías /.../ vai e di%e [...]:
"Assim d i\ 0 S e n h o r " (3-7)
A 2 E z eq u ias c o n te m p la a vida (8)

E z eq u ias foi u m d o s reis m ais v e rd a d e iram e n te h u m a n o e seu re tra to aqui


está de a c o rd o co m o q u e está reg istrad o em o u tra s passagens. E le foi um
hom em cu jo co ra ç ã o se m o veu g e n u in a m e n te em d ireção ao S en h o r, m as cuja
vontade era in c o n sta n te so b as p re ssõ e s e te n ta ç õ e s d a vida. O s p rim eiro s p en -
sarnentos de E zeq u ias, c o m o o D avi q u e foi seu an cestral e d ife re n te d o g ran d e
Davi q u e foi seu d e sc e n d e n te , eram p ara si m esm o . A o sa b e r d e sua m o rte
im inente seu ú n ico clam o r foi: “Senhor , lem b ra-tc, p e ç o -te ” (38.2,3, A RC) e
ao o uv ir a n otícia d e q u e um fu tu ro te n e b ro so aguardava seus filhos, seu p en -
sarnento p riv ad o foi: “ H averá paz e segurança e n q u a n to eu v iv er” (39.8). Isaías
tam bém aparece, c o n fo rm e v erem o s, c o m o o m e sm o p ro fe ta q u e e n c o n tra m o s
ao lo n g o d e seu livro, agindo, reag in d o e d iz e n d o ex a ta m e n te o q u e espera-
ríamos q u e fizesse e dissesse. E na v erdade o m e sm o é v erd ad e a resp eito de
M erodaque-B aladã. N e m o c o n te ú d o , n e m o to m da n arrativ a e, ta m p o u c o , a
caracterização d o s p a rtic ip a n te s justifica o ceticism o a re sp e ito da integ rid ad e
histórica d a seção o u ap o ia a su g estão d e C lem en ts de um a “ len d a” p o ste rio r
ou “ novela real” à qual o n o m e d e Isaías foi g ra tu ita m e n te ligado.1

C le m e n te s, p. 2 8 8 -2 8 9 .
O LIVRO DO SERVO 390

a. A doença de Exequias (38.1-8)


1 A re sp e ito d o cálculo p reciso da p re su m id a m o rte d e E xequias em 687,
os q u in ze an o s extras g a ra n tid o s n o versículo 5 d atariam a d o e n ç a d o rei em
702. U m a vez q u e o se g u n d o p e río d o d e M ero d aq u e-B alad a c o m o rei (veja
c o m e n tá rio so b re 39.1) te rm in o u co m sua d e rro ta pelas m ão s d e S en aq u erib e
em algum m o m e n to de 702, seria necessária a ch eg ad a d o s en v iad o s n a prim ei-
ra p a rte d aq u ele a n o (veja c o m e n tá rio so b re 3 9 .1).1 A frase naqueles dias indica
q ue te m o s aqui um e x certo de um d o c u m e n to o rig in alm en te m ais lo n g o , que
p o d e m o s id en tificar c o m o registro de E z cq u ias feito p o r Isaías e m e n c io n a d o
em 2 C rô n icas 32.32. A fó rm u la p a d rã o é ponha a casa em ordem / “ p ô s cm o rd em
a sua casa” (ARC) (cf. 2Sm 17.23).
2,3 O ra ç ã o e lágrim as. E zeq u ias foi ao S e n h o r em oração , fez um ap elo ao
seu b o m reg istro e c h o ro u . Q u a n d o o S e n h o r re sp o n d e u (5), ele aludiu ap en as
à o ra ç ã o e às lágrim as. Fica claro q u e E z eq u ias ficou aq u ém d o e n te n d im e n to
da sim ples realid ade d a fé ex p re ssa n d o -se n a oração, re c o rre n d o ta m b é m ao
p o d e r d e b a rg a n h a das b o as obras. E le, em seguida, re c o rre u à p ro n tid ã o para
agir (servido com fidelidade ) e à in teg rid ad e in te rio r (devoção sincera) c o m D eu s. E o
registro d e E z eq u ias era im p ressio n an te. S eg u n d o C rô n icas 32.1 o b se rv a co m
p e sa r q u e “ d e p o is d e tu d o o q u e E z eq u ias fez co m ta n ta fid elid ad e” (a o b ra
v e rd a d e iram e n te m agnífica da re fo rm a religiosa; 2 C r 29— 31), S en aq u erib e
chegou! M as o S e n h o r exam ina o coração. S en aq u erib e n ã o teria v in d o se E ze-
quias n ã o tivesse re c o rrid o aos ex p ed ien tes m u n d a n o s das arm as, das alianças
e da rebelião. E u m a indicação de n o ssa lim itada co n sciên cia in te rio r de que
E zeq u ias devia ro g a r fu n d a m e n ta d o em sua in teg rid ad e de co ração ; ta m b é m é
um a ind icação d a am ável m isericó rd ia d o S e n h o r de q u e o u v e n o ssa s o raçõ es
m e sm o q u a n d o elas se fu n d a m e n ta m em falsas su po siçõ es. O te rm o amarga-
m ente é (lit.) “ c h o ro u m u itíssim o ” (ARA) o u “ c o n v u lsiv a m e n te ” (BS).
4-8 A palavra e o sinal. O relato d esse in cid en te reg istrad o em Reis é m ais
d ram ático : Isaías estava a c a m in h o d o palácio q u a n d o ch eg o u a n o v a palavra
(p o r isso, aqui vá disser). O S e n h o r n ã o d e m o ra a re s p o n d e r ao c h o ro s o se a
o ra ç ã o é inexata. O fu n d a m e n to so b re o qual a o ra ç ã o é re sp o n d id a n ã o é a
fidelidade h u m a n a (3), m as fidelidade d o D eu s de seu antepassado D a v i (5). E le fez
p ro m e ssa s para D a v i e n ã o se afasta delas em relação aos filhos d e D avi. C o n -

1 M a u c h lin e p r o p õ e u m a d a ta d e c e rc a d e 7 1 0 p a ra a d o e n ç a d e E z e q u ia s , m a s n ã o in d ic a
c o m o e ssa d a ta se a ju s ta a o s q u in z e a n o s e x tra s d e v id a p r o m e tid o s a ele. N o q u e d iz res-
p e ito à d o e n ç a d e E z e q u ia s , q u a lq u e r d a ta a n te r io r a 701 f o rn e c id a p a ra a d o e n ç a cai e m
u m o u o u t r o d o s p e r ío d o s d o g o v e r n o d e M e ro d a q u e -B a la d ã n a B a b ilô n ia . A p e s a r d e al-
g u n s e s tu d io s o s su g e rire m q u e m e s m o fo ra e sse s d o is p e r ío d o s ele a in d a e ra u m a g ita d o r
c o n tr a a A s síria d e u m a alta o r d e m . D a ta r a d o e n ç a n o c o m e ç o d e 7 0 2 ex ig e u m a ta b e la
d c te m p o a p e r ta d a , m a s n ã o im p o ssív el.
391 ISAÍAS 3 8 . I -8

tudo, ele diz ouvi sua oração. A v erdadeira in te rc e ssã o d e E z eq u ias foi in trín seca à
situação. O S en h o r, em re sp o sta à o ração , p rim e iro tra to u d a n ecessid ad e espe-
cífica e, a seguir, foi ad ian te para satisfazer as necessid ades q u e n ã o fo ra m m en -
clonadas, m as das quais ele tem c o n h e c im e n to . E im p o rta n te o b se rv a r q u e n ão
foi d ad a n e n h u m a co n d iç ã o p ara a satisfação da necessid ad e. E ssas p ro m essas
são afirm ad as c o m o um fato q u e n ão p o d e se r confiscad o . (Cf. 2R s 20.6, a pas-
sagem em q u e as palavras acrescen tad as “ p o r causa de m im m e sm o e d o m eu
servo D a v i” to rn a m a in co n d icio n al in teg rid ad e da p ro m e ssa d o S e n h o r ainda
mais explícita.) S o b re defenderei (igãnan) veja 31.5; 37.35.
7,8 E m relação à ex p ressão 0 sinal, as in certezas tex tu ais d o versícu lo 8 1 não
o b scu rccem o q u e foi p ro m e tid o . A escadaria de A c a % (lev an d o ao seu “ q u a rto
su p erio r” ?; 2R s 23.12), q u e r p o r acaso q u e r p o r desígnio, re g istro u o m o v im en -
to da so m b ra na passag em d o sol e o sinal c o n firm a to rio ligado à p ro m e ssa d o
S en ho r era q u e a so m b ra re tro c e d ería d ez degraus. Seria tã o im p ró p rio para
nós se rm o s d o g m á tic o s a re sp e ito de c o m o isso foi feito q u a n to n e g a r o que
é claram en te afirm ad o. A E sc ritu ra a p re se n ta o D e u s C ria d o r c o m o o S en h o r
so b eran o de su a criação, e a m e n te q u e crê aceita q u e ele p o d ia, d e a c o rd o co m
sua v o n ta d e , ac re sc en ta r dez unid ad es de te m p o àquele dia. A caz é q u e foi con-
vidado a p e d ir p o r u m sinal tão alto q u a n to o céu (7.11) p ara su ste n ta r o co m -
p ro m isso d o S e n h o r co m a casa de D avi e, p o rta n to , foi a p ro p ria d o q u e o Se-
n h o r m o v esse o céu para c o n firm a r sua p ro m e ssa d e p ro te g e r a cid ad e d e D avi.
A exigência e x p o sta n o versículo era q u e a so m b ra m o v esse, e n v o lv e n d o um a
m anipulação divina da luz d o sol p o r m eio da qual a so m b ra re tro c e d e u (e feito
isso, en tão , ela re to m a sua p o siç ã o anterior?). M as d e to d o jeito, u m m ilagre de
D eus foi o p e ra d o p ara c o n firm a r sua palavra p ara o rei. E m 2R eis 20.9ss., Isaías
discute c o m o rei (veja c o m e n tá rio so b re v. 22) as p o ssib ilid ad es alternativas d o
sinal, m as aqui ele ad a p ta a n arrativ a para revelar suas p ró p ria s p e rc e p ç õ es d o
evento, u sa n d o palavras q u e lem b ram 7.14. E le n ã o está falsificando n em re-
c o rre n d o a d isto rç õ e s ten d en cio sas, m as iso lan d o o fa to r crucial: u m sinal (lit.)
“de [estar] c o m /d a p ró p ria p re se n ç a d o S e n h o r” . E z eq u ias c o n tin u a , c o m o

1 A d ific u ld a d e te x tu a l d o v e rsíc u lo 8 é re v e la d a se t e n ta r m o s u m a t r a d u ç ã o literal: “V eja,


trarei d e v o lta a s o m b r a (m a s c u lin o ) s o b r e o s d e g ra u s (fe m in in o ) q u e d e s c e u s o b re a
e sc ad a ria d e A c a z , e a lu z d o so l (fe m in in o ) r e c u o u o s d e z d e g ra u s n o s q u a is tin h a des-
c id o ” . A s o lu ç ã o m a is d ire ta é le r h a ssem es (0 sol, A R C ), e m vez d e b a ssem és (“ p e lo so l”),
f o r n e c e n d o a ssim u m su je ito fe m in in o p a ra o v e r b o “ r e tr o c e d e u ” . A c u rio s a e x p re s s ã o
“ d e z d e g ra u s [...] n a e s c a d a ria ” p o d e s e r u m a re p e tiç ã o a c id e n ta l d e “ e s c a d a ria ” c o m o
c o n s e q u e n te a ju s te d e u m a rtig o d e fin id o o rig in a l p a ra a p r e p o s iç ã o “ s o b r e ” . O te x to
d e v eria s e r tr a d u z id o assim : “ V eja, farei a s o m b r a d o so l r e tr o c e d e r o s d e z d e g ra u s q u e
c o b riu n a e s c a d a ria d e A c az . E n tã o o so l r e tr o c e d e u o s d e z d e g ra u s q u e tin h a a v a n ç a d o ” .
M as c o m o a c o n te c e c o m fre q u ê n c ia a in c e rte z a n o s d e ta lh e s d e u m te x to n ã o o b s c u r e c e m
c m n a d a o s e n tid o d o to d o .
O LIV RO DO SERVO 392

sem p re esteve A caz, a p o n to d e to m a r u m a decisão p erig o sa em q u e o cam in h o


da fé p ro v a rá ser o c a m in h o d a salvação.

b. O salmo de Ezequias: uma meditação sobre a morte e a vida (38.9-20)


P o d e m o s, e m co n e x ã o co m 2C rônicas 32.32, s u p o r d e fo rm a razoável que
Isaías tin h a acesso aos papéis p rivados de E zeq u ias, m as seu c o n h e c im e n to da
existência d o salm o n ã o exigia e m si m e sm o q u e ele o incluísse n a p assag em .
O salm o — c o m o a n arrativ a p re c e d e n te, q u e reg istro u a p ro m e ssa in co n d i-
cional d e seg u ran ça p ara o rei — revela o u tra p e ç a d e c o n te x to essencial para
o in cid en te fu n d a m e n ta l da m issão d ip lo m ática (39.1). N o salm o, d e sc o b rim o s
q u e E z eq u ias estava to ta lm e n te c o n sc ie n te d o p e rig o p e lo qu al p assara: m o rre r
so b a ira divina (13), sem e sp e ra n ç a (17b) e c o m p ecad o , à ép o c a , ain d a não
p e rd o a d o (17c). E le ta m b é m sabia c o m o fo ra salvo: pela o ra ç ã o (14), p ela res-
p o sta divina (15ab) e pela d isp o sição d o S e n h o r p ara salvar (20; veja abaixo). ( )
teste da o fe rta de M ero d aq u e-B alad ã veio para o h o m e m q u e p a sso u p o r essa
ex periência d o p o d e r d a o ra ç ã o — na v erd ad e, p a ra o h o m e m q u e, em re sp o sta
à cu ra, assu m iu c o m p ro m isso s co m o S enhor.

A 1 A s p o rta s d o Sheol: p e sa r co m o e n c u rta m e n to d o s dias (10)


B1 A te rra d o v ívente tro c a d a pela d o falecido (11)
O A h o stilid ad e divina: im ag en s d e d e se sp e ro (12-14)
C2 A restauração divina: c o m p ro m isso re sp o n siv o (15-17)
B2 A te rra d o falecido tro c a d a pela te rra d o v ív en te (18,19)
A 1 A casa d o S en h o r: alegria c o m o p ro lo n g a m e n to d o s dias (20)

A s p o rta s do Sheol (38.9-11)


9 O títu lo d o p o e m a é “ Q u a n d o ele estava d o e n te e se re c u p e ro u d e sua
d o e n ç a ” . O p o e m a p re p a ra -se para rever a ex p eriência toda. E ssa é su a im -
p o rtâ n c ia na n arrativa. E z eq u ias teve essa clara co n sciên cia d o s fato s e das
q u e stõ e s envolvidas: o p erig o ; c o m o a o ra ç ã o lib e rto u -o ; e seus c o m p ro m isso s
responsivos.
10 A ex p ressão eu disse é “ d e m in h a p a rte d isse”/ “ aju stara m in h a m e n te
p ara o fa to ” . A palav ra portas da sepultura/ “ C h e o l” (TB) é o lu g ar d o s m o rto s
(veja 5.14; 14.9). S o b re roubado (Jpãqad) veja 24.21 e a n o ta d e ro d ap é. A q u i o
te rm o significa basicam ente: “ Fui visitado em relação ” e, p o r isso, “ fui feito
p ara p e rd e r” o u “ fui p u n id o em relação a” . O p e sa r p elo q u e p a re c e u m a m o rte
p re m a tu ra n ã o é p ecu liar ao A n tig o T e sta m e n to (cf. F p 2.27). N o s d o is T es-
ta m e n to s, esta vida tem sua p ró p ria p re c io sid a d e p ecu liar q u e n e m m e sm o o
e sp le n d o r d a im o rta lid a d e (2Tm 1.10) afasta.
393 ISAÍAS 3 8 . 9 2 2 ‫־‬

11 E zeq u ias n ã o diz q u e verá D e u s o u a hum anidade n o Sheol (para o ú ltim o


pelo m e n o s cf. a in tro d u ç ã o para 14.9), m as q u e acabará o c o n ta to co m D e u s
e a h u m a n id a d e na terra dos viventes. A ex p ressão neste m undo envolve alterar o
TM p ara h eled (SI 17.14, 4 9 .1 < 2 > ) d o h ed el, d o c o n trá rio n ã o usado, q u e é um
su b stan tiv o c o rre ta m e n te d eriv ad o de ‫¡י‬h ã d a l co m o se n tid o d e “ cessar” e, daí,
“cessação” . A lém d esta vida, Fizequias se im agina (lit.) “ ju n to co m aqueles que
habitam na c essação ” ; o u seja, eles ainda estão vivos, m as esta vida acab o u .

Imagens de desespero (38.12-14)


E ssa seção é c o n stitu íd a de q u a tro c o m p araçõ es: a fragilidade d a vida (a
tenda)‫׳‬, seu fim decisivo (o tecelão)‫׳‬, a h o stilid ad e divina (o leão) e a a p a re n te d eb i-
lidade e superficialidade da o ra ç ã o (o andorinhão, o tordo e a pom ba).
12 O te rm o casa é “ a c a m p a m e n to ” ; e derrubada, “ m u d o u ” (‫¡י‬n a sa '; c o m o
37.37). A m o rte é o g ra n d e invasor fo rç a n d o o su b ju g a d o a m u d a r sua frágil
casa. E z eq u ias se p in ta c o m o o tecelão q u e ac a b o u seu p a d rã o d e d esen h o ,
tirou-o d o tear e o e n ro lo u . O indivíduo, c o m o o tecelão, tece o p a d rã o de sua
vida e leva c o m ele o q u e teceu. A im agem é de resp o n sab ilid ad e p esso al nos
limites d e sc o n h e c id o s d a vida. M as há o u tro a sp e c to na m e sm a co m p aração :
um q u e c o rta o fio. E m o u tra s palavras, o in d iv íd u o tece seu p ró p rio p a d rã o no
tear da vida, m as a d e te rm in a ç ã o d o m aterial d e stin a d o a ele e d o te m p o para
tecer é d ecid id o p o r o u tro ind iv íd u o q u e (lit.) “ m e c o rto u c o m o um p e d a ç o de
tecido” . A m o rte está nas m ãos d o S e n h o r (H b 9.27). A ex p ressão dia e noite é
(lit.) “d e sd e a m a n h ã até à n o ite ” (ARC) (cf. J ó 4.20), u m a ex p ressão idio m ática
de ação im in e n te su g e rin d o “ an te s de o dia te rm in a r” . A palavra fo i é u m te m p o
im perfeito co m o se n tid o de “ faz” o u “ fará” — o m o m e n to da m o rte , sem p re
im inente, é d ecisão de D eus.
13 A ex p ressão esperei/ “ sosseguei [m inha alm a]” (A RC) o u “ m e c o m p u s ”
(ilsãwâ em piel·, a e x p ressão co m p le ta , d a qual essa é u m a elipse, está em SI
131.2). E z e q u ia s vê a si m e sm o c o m o um h o m e m d o e n te q u e atravessa m ais
um dia e se p re p a ra p ara a n o ite, m as a h o stilid ad e divina n ã o cessa. D e u s está
tão hostil q u a n to u m leão, fo rte o b a sta n te para e sm ag ar os ossos m esm o . E ze-
quias fala aqui d a m o rte q u a n d o a c o n fro n to u , n ã o d a m o rte d e to d o s. E le sabia
que era o o b je to da h o stilid ad e divina, po is p arece q u e d u ra n te sua d o e n ç a ele
discerniu o p e c a d o p essoal c o m o a causa da d o e n ç a (veja v. 17def). E le vivia
com a ex pectativa c o n sta n te da m o rte e co m o se n tim e n to d a in cessan te ho sti-
lidade divina, a m o rte so b a ira de D eus.
14 O te rm o gritei é “ co n tin u ei a falar” . E zeq u ias, na crise, m a n te v e um a
co rren te in cessan te d e intercessão, m as esta parecia tão ineficaz e inútil q u a n to
o can to d o s p ássaro s, de m an eira algum a p o rq u e o e sfo rç o d a o ração era um
peso adicional d e ix a n d o o h o m e m d o e n te cada vez m ais enfraquecíido¡. A o ra ­
O LIVRO DO SERVO 394

ção, c o n fo rm e registrada, expressava a necessidade (estou aflito, ó Senh or/ “ an d o


o p rim id o ” (A R C )/ “ o p rim id o e sto u ” (T B );1 confiav a n o p o d e r de D e u s, a ex-
p ressão ó S e n h o r Ç‫״‬d õn ã y, “ s o b e ra n o ”); e p ed ia a D e u s p ara tra n s fo rm a r a
n ecessid ade em dele m esm o , vem em meu a u xílio ( ) ‘ã ra b , “ d ê fiança p o r m im ” /
“ fica p o r m eu fiad o r” [ARC]).

A restauração divina (38.15-17)


O m as inicial d essa seção devia ser om itido. O p o e m a p assa d e fo rm a
a b ru p ta d e o ra ç ã o para resp o sta. E le p o d e p a re c e r m e ro c a n to d e p á ssa ro s (14)
em face d o p o d e r d a m o rte e d o D e u s hostil, m as ele prevalece! O a ssu n to é
inexplicável: “ M as, q u e p o sso dizer? — ele m e sm o fez isso ” . K zequias sai d o
p erig o co m ta n ta rap id ez e d e fo rm a tã o su rp re e n d e n te q u e só um ato d e D e u s
p o d e explicar isso; n ã o h á n e n h u m a explicação h u m an a. E zeq u ias, em seguida
a isso, afirm a q u e a ex periência p assad a g o v e rn a rá to d a sua vida futura: andarei
hum ildem ente (aidãd a). E m Salm os 4 2 .4 < 5 > , a palavra é usad a p ara c a m in h a r em
um a p ro c issã o religiosa, daí, “ c a m in h a r de m o d o p e n sa d o o u co m cuidado,
p re sta r ate n ç ã o n o p é d o in d iv íd u o ” .
16 H á dificuldad es n o e n te n d im e n to p reciso d esse versículo,12 m as sua for-
ça p ro p u lso ra é clara — “ p o r tais coisas os h o m e n s vivem ” , o u seja, o s o u tro s
to m a m n o ta d a ex periência de E zeq u ias e m uitas coisas sem elh an tes e organi-
zam sua vida d e a c o rd o co m isso. E le m e sm o estab elecerá o ex em p lo : “ e p o r
elas ta m b é m vive o m e u e sp írito ” . O espírito é a o rie n ta ç ã o e c o n d u ta v ig o ro sas
d a vida. D e m o d o cjue n ã o haverá d ú v id a q u a n to ao q u e se referem as ex p rés-
sões tais coisas e elas, E z eq u ias re p e te triu n fa lm e n te o c e rn e d o assu n to : tu me
restaurastes a saúde e deixaste-m e viver.
17 T o d a a an g ú stia valeu a pena: foi p a ra 0 m eu benefício (sãlôm , “ b em -estar,
inteireza, c u m p rim e n to ”). A angústia tro u x e, em p articular, p ara E z eq u iel um a
experiência d o am or divino, d e salv am en to da cova e d e p e rd ã o d o s pecados. A
frase em teu am or é an teced id a pela c o n ju n ç ã o “ e” , usada aqui p ara in tro d u z ir
um a explicação d o q u e a c o n te c eu antes. O te x to h eb raico diz “ am aste m in h a
alm a d esd e a co v a” ,3 u m a c o n stru ç ã o e n g e n h o sa ju n ta n d o o fato d a lib ertação

1 S o b re a f o r m a d o s u b s ta n tiv o ’osqa (c o m meteg n a sílab a inicial) v e ja GKC 9 v; 4 8 iN . BH S


faz u m p e q u e n o a ju s te p a ra ‘osqa , o im p e ra tiv o d e v àsaq (“ c u id a r p a r a ” ).
2 Λ in c e rte z a n e s s e v e rs íc u lo c e n tra -s e n a s d u a s fra se s portais coisas (lit. “ p o r e la s”) e por elas.
S o b re o u s o d o p r o n o m e m a s c u lin o n o o rig in a l e m “ p o r e la s” cf. u m u s o id ê n tic o cm
64 .5 . N o c o n te x to , a p r e p o s iç ã o “ p o r ” é a m e s m a tra d u z id a p o r “ p o r c a u s a ” n o v e rsícu -
lo 15d e te ria u m a tra d u ç ã o p a ra le la n o v e rs íc u lo 16a a fim d e fa z e r a c o n e x ã o e n tr e o p ro -
n o m e e o a n te c e d e n te . A frase por elas e n v o lv e u m p r o n o m e fe m in in o , a u su a l e x p re s s ã o
id io m á tic a h e b ra ic a p a ra e x p re s s a r o a b s tr a to o u o g e n é ric o .
‫ ו‬A m u d a n ç a d e hãsaqtã (“ a m a s ”) p a ra hãsaqtà (“ re tiv e s te ”) c m ín im a e fo r n e c e u m se n tid o
aceitáv el, m a s e m d e tr im e n to d a p le n itu d e d e s e n tid o e x p re s s o p e lo T M .
395 ISAÍAS 3 8 .9 - 2 2

e o m o tiv o d o am or. O te rm o destruição (IfH de Ί b ã lâ , “ d esg astar-se, e n v elh ecer”


e, daí, “ te rm in a ç ã o , fragilidade”) é a m o rte c o m o o fim d a vida te rren a, a debí-
lidade d o m o rto (14.9). O “ p o rq u e ” (A RA ) original an tes d a frase lançaste para
trás devia ser restau rad o . A g a ra n d a d e lib ertação d a cova re p o u sa n o c o m p o r-
tam en to final co m o pecado. A ex p ressão lançaste/ “ v o lta ste ” (BS) p a ra trás etc.
é um a im agem vivida d o q u e n ã o é m ais o o b je to d e a te n ç ã o o u p reo cu p ação .
Eis aqui um a janela para o e n te n d im e n to d e si m e sm o de E z eq u ias — e, p o r-
tanto, e m sua p e rc e p ç ã o da m o rte . E le viu sua d o e n ç a c o m o u m a visita divina
judicial a re sp e ito d o p e c a d o e de sua m o rte na circu n stân cia d e m o rre r sem
ser p erd o ad o .
18 O b se rv e co m o , e stru tu ra lm e n te , as e x p ressõ es não pode /.../ não pode des-
se v ersículo casam co m a ex p ressão não /...] m ais n o versícu lo p aralelo 11. N ã o
devem os c o n sid e ra r q u e E z e q u ia s fez um c o m e n tá rio so b re a m o rte em geral,
mas so b re seu tip o de m o rte em particular: m o rre r so b a ira divina, co m p ecad o
não p e rd o a d o .1 N e ssa circu n stân cia a sepultura (“ S h eo l” , veja c o m e n tá rio so b re
o v. 10) n ã o o ferece lo u vo r/ “glorificar” (ARC); aqueles que descem á cova te n d o
D eus c o m o seu inim igo e co m seus p ecad o s n ão p e rd o a d o s não podem esperar/
“não esp eram em tua fidelidade” (ARA) p a ra lib erar fidelidade c o m o a q u e E ze-
quias e x p e rim e n to u .
19 D a m esm a fo rm a, E z eq u ias d efin e os vivos c o m o aqueles q u e p o d e m fa-
zer como hoje estou fazendo, o fe re c e n d o lo u v o r ao S e n h o r p o r seu a m o r q u e liberta
e p erd o a, p o r sua fidelidade. A frase te louvam (co m o n o v. 18) é “ eles a g rad ecem ” .
0 A n tigo T e sta m e n to valoriza a in stru ç ã o d ada pelos pais (D t 6.4-9; P v 4.1) e
aqui E zeq u ias, q u e já p e n h o ra ra a d ev o ção pessoal (15,16), p e n h o ra explicita-
m ente a d ev o ção d o m éstica.
20 Q u e c o n tra ste en tre o templo |“ casa” | do Senhor e as p o rta s d o Sheol (10)!
A salvação p e rm ite a e n tra d a em um a vida d e lo u v o r na p re se n ç a d o Senhor.
Assim E z eq u ias conclui seu salm o. A frase 0 Senhor j...¡ salvou é u m a c o n stru ç ã o
no infinitivo e x p re ssa n d o direção, te n d ê n c ia o u ob jetiv o ,12 o u seja, “o S e n h o r
estava c o m p ro m e tid o cm m c salvar” o u “ estava to d o e m p e n h a d o em m e sal-
var” . E le rastreia sua lib ertação até o co ra ç ã o d o S en h o r, a v o n ta d e gracio sa
por trás d o ato. O terceiro e le m e n to n o c o m p ro m isso de E z e q u ia s é a d ev o ção
com unal {cantaremos). T iv em o s p rim eiro o “ e u ” d o versículo 15c, d ep o is, os
“pais” d o versículo 19c e agora o nós (ARC) da irm a n d a d e a d o ra d o ra . O templo
é (lit.) “ casa” , o n d e o S e n h o r vive n o m eio de seu povo.

1 SI 6.5; 3 0 .9 ; 8 8 .1 0 -1 2 sã o p a s s a g e n s u sa d a s c o m fre q u ê n c ia p a ra s u g e rir q u e o A n tig o


T e s ta m e n to n ã o tra z q u a lq u e r e s p e ra n ç a p a ra a p ó s a m o rte . N o e n ta n to , e m c a d a c aso , o
c o n te x to é o m e s m o q u e o d o s a lm o d e E z e q u ia s : o p r o s p e c t o d a m o r te fo ra d o fa v o r d e
D eus.
2 Lit. “ o S e n h o r m e salv a” . V eja G KC 114s. e i; D riv e r, p. 204.
O LIV RO D O SERVO 396

c. A cura de Ezequias (38.21,22)


E ssa é a ú ltim a p a rte d o c o n te x to para a chegada d a m issão d ip lo m á tic a em
39.1. E m 2R eis 20.7,8 a p rescrição m édica fo rn e c id a p o r Isaías e o p e d id o d o
rei p o r u m sinal estão e m b u tid o s na narrativa. A qu i eles estã o iso lad o s c o m o
ex igin d o a te n ç ã o p o r seu p ró p rio direito. Isaías, em a p o io à p ro m e ssa d e cu ra
feita p e lo S e n h o r, fo rn e c e u um sinal e x te rn o d e cura. Sua c o n e x ã o c o m a p ro -
m essa tra n sfo rm a -o em u m o rá c u lo d e ação, u m a p erso n ificação d a p alav ra d o
S enhor. A ssim , E z eq u ias tin h a do is lugares de d e sc a n so p a ra a fé (a p alav ra d o
S e n h o r e o a to d o S en h o r), m as ain d a n ã o se sentia c o m p le ta m e n te co n v en cí-
d o e, p o r isso, p ro c u ra v a um sinal m ais satisfató rio e pleno. M as ele, c o m o a
seq u ên cia m o s tra agora, te n d o p e d id o u m sinal p a ra su ste n ta r sua fé, fracasso u
em m a n te r su a c a m in h a d a d e fé. A caz, sem fé, re c u so u -se a p e d ir (7.1 Oss.);
E zeq u ias p ed iu , m as, in fielm en te, falh o u em agir de a c o rd o c o m seu p ed id o .

d. O momento de decisão (39.1-8)


Os enviados (39.1,2)
A ex p ressão naquela época (Kêt) n ã o se refere a u m a d ata, m as a u m a o casião
co m algum a relevância especial. E zeq u ias re c e b e ra u m a p ro m e ssa re fe re n te a
ele m e sm o e a sua cidade (38.5,6). ( ) c u m p rim e n to d a p ro m e ssa p esso al tam -
b ém devia co m c e rteza tê-lo m a n tid o firm e n a p ro m e ssa nacio n al. A lém disso,
a experiên cia de E z e q u ia s d a lib ertação da d o e n ç a e re sta u ra ç ão feitas p e lo Se-
n h o r lev aram -n o a a ssu m ir c o m p ro m isso s pesso ais (38.10-20). A lém d o m ais,
o g ra n d e sinal d a s o m b ra d o sol (38.7,8,22) foi um a to có sm ic o d e D e u s na
d e m o n stra ç ã o de suas in te n ç õ e s soberanas. Foi a esse E z eq u ias q u e os envia-
d o s vieram .
Merodaque-Baladã estab eleceu duas vezes na B abilôn ia um a altern ativ a crí-
vcl para o p o d e r d a e n tã o a sc e n d e n te A ssíria:1 d e sd e a m o rte d e S alm an eser
(722) até ele ser d e se m p o ssa d o p o r Sargão, em 710, e fugir p a ra o E lão ; e des-
de a m o rte d e S argão (705) até ele se r d e rro ta d o p o r S en aq u erib c, em 702.
N a v erd ad e, tal era seu p o d e r que, em 703, ele m a rc h o u na B abilô n ia cen tral,
reu n iu n o v o s aliados e n tre as trib o s aram eias localizadas ao lo n g o d o T ig re e
d e rro to u os assírios em Q uis. Se to m a rm o s o a n o de 687 c o m o u m a d a ta p reci-
sa p ara a m o rte de E zeq u ias e o s q u in ze a n o s de 38.5 c o m o u m n ú m e ro exato,
os em b aix ad o res vieram em 702. N e ssa ép o c a , M ero d aq u e-B alad ã sabia q u e a
c o n tra o fe n siv a de S en aq u erib c n ã o d e m o ra ria m u ito e ele, co m o o p o rtu n is m o
característico, te n to u in citar u m levante diversivo n o o e ste d a Palestina.

S o b re e sse p e r ío d o to d o , v eja E r la n d s s o n .
397 ISAÍAS 3 9 -1 - 8

2 Q u e ! is q u ia s recebeu com alegria os enviados1 é u m fa to co m p reen sív el, m as


levá-los p a ra u m passeio p o r seus te so u ro s e a rm a m e n to s u ltrap assa a re sp o sta
exigida p o r um m e ro p re se n te de convalescença. E sse fa to só p o d ia significar
q u e o s en v iad o s vieram co m p ro p ó sito s secretos: será q u e E zeq u ias se juntaria
a u m a rebelião? E E z eq u ias c o n c o rd o u ráp id o dem ais co m a p ro p o sta . Sua
m u d a n ç a de atitu d e em relação a tu d o q u e a c o n te c era an tes n o c a p ítu lo 38 não
p o d ia se r m ais c o m p leta. A fé e o c o m p ro m isso ficam em ruínas.

A palavra do Senhor (39.3-8)


Λ p erg u n ta: O que aqueles homens disseram ? (3) su g ere o p ro p ó s ito secreto
d o v ersículo 2. O b se rv a m o s q u e E z eq u ias n ã o re sp o n d e a essa p erg u n ta. M as
ele n ã o co n seg u iu resistir ao se n tim e n to de im p o rtâ n c ia q u e o levou a dizer: de
um a terra distante /... / da B abilônia. A ssim , a palavra B abilônia foi dita a Isaías antes
(6) q u e este a dissesse d e vo lta ao rei, e, p o r c o n se g u in te , a cen a c o n té m tu d o
que é exigido n o e n te n d im e n to m o d e rn o d o s pro fetas. P rim eiro , o s fatos estão
em c o n fo rm id a d e co m a é p o c a em q u e se p re te n d e q u e o s ev e n to s aco n tece-
ram . S eg u n d o , o a ssu n to p re d ito situa-se nas p ossibilidad es práticas da época;
M ero d aq u e-B alad ã era u m p o d e r igual à A ssíria, c o n fo rm e ele p ro v ara recen te-
m e n te ao d e rro ta r os exércitos de S enaqueribe. N ã o existe n ad a p o liticam en te
e stú p id o na su g estão d e Isaías d e um a su b ju g ação b ab ilô n ia a Ju d á .12 T erceiro,
a m e n sa g e m tra n sm itid a era relevante para aqueles a q u e m era dirigida. D essa
m an eira, esse in cid en te é um ex em p lo m etic u lo sa m e n te p ro g ra m a d o d e tu d o
que o e stu d o m o d e rn o c o n sid era c o m o definitivo de u m e n te n d im e n to ap ro -
p riad o d o e le m e n to p ro fé tic o na p ro fecia — aind a assim p o u c o s co m e n tá rio s
m o d e rn o s aceitam o in c id e n te c o m o um registro g e n u ín o d e um ev e n to acon-
tecid o em 702 a.C.!3*5

1 2 R s 2 0 .1 3 tra z o fo rm a l: “ E z e q u ia s lh es d e u o u v id o s ” (A R C ) (wayyisma ‘), o u seja, “ g a-


ra n tiu -lh e s u m a a u d iê n c ia ” . Is s o é típ ic o d e Isaías, o m e s tre d a p a la v ra , m u d a r isso p a ra
“ d e le ite n e le s ” (wayyismah ), e x p o n d o n itid a m e n te o c o ra ç ã o d o rei.
2 O e s c rito r v e te r a n o T. K . C h e y n e (The Prophecies of Isaiah [K e g an P aul, 1884]) a c h a q u e
Isaías n ã o p o d ia p re d iz e r e ssa re m o ç ã o p a ra a B a b ilô n ia p o r q u e ele já tin h a (21.1-10)
p r e d ito a q u e d a d a B a b ilô n ia . M as m e s m o se Isa ías c o n s id e ra s s e u m a sa íd a im e d ia ta p a ra
a B a b ilô n ia (veja a n o ta s e g u in te ), a p re d iç ã o a n te r io r a p e n a s a c e n tu a se u s e n s o d o so fri-
m e n to e d a p e r d a q u e a lid e ra n ç a ru im tra ria p a ra o p o v o , o u seja, o ex ílio p a ra u m a c id a d e
c o n d e n a d a c a m a ld iç o a d a .
5 H e r b e r t su g e re q u e e ssa p a s s a g e m re fe ria -s e o r ig in a lm e n te a N ín iv e e q u e a B a b ilô n ia
foi s u b s titu íd a d e p o is d a q u e d a d e J e ru s a lé m , e m 586 a.C . K a is e r d a ta a n a rra tiv a to d a
n o p ó s -5 8 6 , t r a ta n d o - a c o m o u m a ficç ão im a g in ativ a. V eja ta m b é m C le m e n ts , ju n to c o m
a ré p lic a n o tá v e l d e O s w a lt. T e m o s d e te r c u id a d o p a ra n ã o c r ia r m o s n o s s a s p ró p ria s
d ific u ld a d e s n e ssa p e ríc o p e . S k in n e r fala e m n o m e d e m u ito s q u a n d o diz: “ D ific ilm e n te
é crív el q u e Isaías t e n h a re v e la d o a ele o d e s tin o r e m o to d e se u s d e s c e n d e n te s ” , o u seja,
p r e d iz e r n a q u e le m o m e n t o u m a situ a ç ã o q u e a in d a a c o n te c e ria u m s é c u lo d e p o is . M as a
O LIV RO DO SERVO 398

O in cid en te to d o está cheio d e um a realidade e relevância q u e a p re g o a m


sua veracidade. Isaías p red isse o cativeiro b ab ilô n io p o rq u e to d o o c o n c e ito
d e “ B ab ilônia” lhe foi tra n sm itid o p o r E zequias. O q u e m ais ele p o d e ría dizer
além de: “ U m dia, tu d o q u e há sem eu palácio, b e m c o m o tu d o o q u e os seus
a n te p a ssa d o s acu m u laram até hoje, será levado para a B abilô n ia” . P o r co n se-
g u in te, a p alavra B abilônia n o versículo 3 é igualada pela B abilônia d o versícu lo 6,
e o te rm o tudo n o v ersículo 4, p elo tudo d o versículo 6. H á u m v erd a d e iro q u ipro
quo a re sp e ito d o s atos d e D e u s, u m a inevitabilidade c u m a co rreção . E zeq u ias,
em v erd ad e, ao recu sar o c a m in h o d a fé, jo g o u sua so rte co m a Babilônia! A
p assagem de 2Reis 20.16 n ã o traz a e x p ressão Senhor dos lix é r c ito s / “Senhor
T o d o -P o d e ro s o ” (N T L H ), e essa é u m a típica am pliação isaínica, m u itíssim o
ad eq u ad a a esse c o n te x to . E zeq u ias co n fio u na fo rça d a aliança c o m a B abilô-
nia e se esq u eceu o n d e está o v e rd a d e iro p o d er. O te rm o descendentes/ “ filh o s”
(ARC) (7), em geral, é u sa d o para d e sc e n d e n te s d o sexo m ascu lin o , ta n to rem o -
to s q u a n to im ediatos.
Q u e re sp o sta infeliz de E zeq u ias (8; cf. 38.2)! O o rá c u lo a n te rio r (38.1) é
tão categ ó rico q u a n to a p red ição aqui n o s versículo s 5-7, ainda assim , d eseo -
briu -se q u e ele era b ra n d o so b a p re ssã o d a o ra ç ã o e lágrim as (38.5). M as o rei
g a n h o u um a o p o rtu n id a d e d e fazer política n o tim e de p o n ta e n ã o voltaria
ago ra ao “ leite e água” d a v erd ad eira religião. Q u a n d o o o rg u lh o su b stitu i a
h u m ild ad e, a au to ssatis fação su b stitu i a p re o c u p a ç ã o c o m os o u tro s, e q u an -
d o o tra b a lh o su b stitu i a fé, e n tã o a so rte está lançada; e o reino, co n d e n a d o .
Q u a n d o a palavra d e D e u s é receb id a co m p re su n ç ã o , em vez de co m lágrim as
e o raçõ es, a palavra p ro v a sua o b stin a ç ã o e realiza seus am arg o s e inflexíveis
p ro p ó sito s.

in s e rç ã o d o q u e s a b e m o s e m r e tr o s p e c to a c a b a p o r c o n f u n d ir a s itu a ç ã o . Isa ías n ã o d iz


n a d a s o b r e “ r e m o t o ” o u “ d a q u i u m s é c u lo ” . F.le d iz “ te u s filh o s ” (A R C ), u m u s o p r ó x im o
o b a s ta n te p a ra d e s a fia r c a b a la r a c o m p la c ê n c ia d o rei e a m p lo o s u fic ie n te p a ra d e ix a r a
p re d iç ã o s e m d a ta d e fin id a . A p r e o c u p a ç ã o d e Isaías, c o m o a d e t o d o s o s p ro fe ta s , n ã o
e ra o p r o g n ó s tic o , m a s a c o n f r o n ta ç ã o m o ra l. Isaías q u e ria q u e liz e q u ia s s e n tis s e im e d ia -
ta m e n te a c o n s e q u ê n c ia d e se u a to ( in d e p e n d e n te m e n te d o te m p o q u e e ssa c o n s e q u ê n c ia ,
n a c le m ê n c ia d iv in a , fo s s e a d iad a).
B. O consolo do mundo
( 40 . 1— 42 . 17)
Para o lu g ar d essa passagem na a p re se n ta çã o da re d e n ç ã o m u n d ial n o s
cap ítulos 40— 55 veja a página 387.

1.0 consolo de Sião (40.1—41.20)


T ã o lo g o c h e g o u a m en sag em de d esastre (39.5-7), veio a m en sag em de
c o n fo rto (40.1,2)! F s s e é o d isc e rn im e n to te o ló g ico q u e situa (o q u e d en o m i-
nam os) o cap ítu lo 40 d e p o is d o 39 — o u q u e vê o c a p ítu lo 39 c o m o o p refácio
c o rre to para o c a p ítu lo 40. K m b o ra o d esastre d eva cair so b re o infiel, ainda
existe a realidade te rre n a d e ser ch a m a d o “ m eu p o v o ” p ara q u e m o S e n h o r é
“o D e u s de v o c ê s” (40.1). As p ro m e ssa s d e Sião p o d e m te r sid o co nfiscadas,
mas elas n ão p o d e m perecer. Foi d essa m an eira q u e Isaías reso lv eu o p ro b le m a
criado p o r seu p ró p rio m in istério p ro fético . P o d e m o s co lo c a r d essa m aneira.
Fie o u segue o s cap ítu lo s 38 e 39 co m u m a ap o lo g ia p ara re te r as esp eran ças
em relação a Sião cjue ag o ra p ro v aram ser ilusórias o u , em o u tra p assag em , ele
justifica essas esp eran ças em face d o d esastre ao reiterá-las d e u m a m an eira que
leva em c o n sid e ra ç ão a nova situação.
A p eça teológ ica central d essa seção so b re o c o n so lo de Sião é 40.12— 41.7
com suas duas g ra n d e s d o u trin a s d o D e u s d e Israel. F.le é D e u s C ria d o r (40.12-
31) g a ra n tin d o q u e seu povo, de to d a a m ultiplicidad e q u e c o m p õ e o universo,
é sua p rin cip al p re o c u p a ç ão , e o g o v e rn a n te da h istó ria (41.1-7), n o c o n tro le
executivo de to d as as p esso as e forças n o p alco m undial. O c o n fo rto dessa
d o u trin a d e D e u s foi deixada clara pelas três vozes p re g a n d o c o n so lo (40.1-
11) e pelas três im agens d o p o v o , in d efeso s em si m esm o s, m as privilegiados e
p ro teg id o s em seu D e u s (41.8-20).

A 1 A s três vozes o rd e n a m q u e se p reg u e o c o n fo rto (40.1-11)


A in te rv e n ç ã o divina, a revelação universal (3-5)
A palavra im utável de D e u s (6-8)
O a d v e n to d o p a sto r-g u e rre iro (9-11)
B1 O D e u s de Israel é o C ria d o r (12-31)
B2 O D e u s de Israel é o g o v e rn a d o r d a histó ria (41.1-7)
A2 As três im agens de co n so lação (8-20)
O escravo se to rn a o v ito rio so (8-13)
O v e rm e se to rn a um d e b u lh a d o r (14-16)
O n ecessitad o é assistido n o d e se rto (17-20)
O LIVRO DO SERVO 400

a. Três vozes de consolo (40.1-11)


O comissionamento dos arautos (40.1,2)
1 O s im p erativ o s consolem, consolem se dirigem às três “ vo z[es]” d o versí-
cu lo 3, 7 e 9, m as a cen a é m ais b e m e n te n d id a c o m o u m a c o rte celesdal na
analogia de 2Reis 22.19. O S e n h o r “ a c o n se lh a ” q u a n to ao m e lh o r c u rso d e ação
e, de a c o rd o c o m isso, envia seus em issários. O ajuste ao T M q u e to rn a o p ro -
n o m e d o versículo 6 em da prim eira p e sso a d o sing ular (veja abaixo) se aju sta a
essa im ag em , po is o v erd ad eiro p ro fe ta era aquele q u e “ estev e n o c o n se lh o d o
S e n h o r para v er o u o u v ir a sua palavra” (Jr 23.18,22). A re p e tiç ã o d a o rd e m su-
gere in ten sid ad e em o cio n al e é característica d essa p a rte de Isaías (p o r exem plo,
43.11,25; 51.9,17; 52.1). A frase d i^ o D eus de vocês e stá n o te m p o im p e rfe ito co m
o se n tid o de “ c o n tin u a d iz e n d o ” e é quase p ecu liar à literatu ra isaínica (1.11,18;
33.10; 40.1,25; 41.21; 66.9).
2 A palavra encorajem / “ falai b e n ig n a m e n te ” (cf. G n 34.3; R t 2.13; O s
2.14 < 16 > ) n ã o está a p en as e x p re ssa n d o c o n so lo e b o n d a d e , m as te n ta p er-
suadir, c o n v id a n d o a re sp o sta ao am or. O te rm o trabalho (sãhã j 1 aqui significa
“ p e río d o de p ro v a ç ã o e c o e rç ã o ” , m as a palavra c o n té m a ideia d e p ro v ação
q u e serve a u m p ro p ó sito . O su b sta n tiv o e (‫ י‬v e rb o nirsâ w ônâ (pagou p o r sua
iniquidade) ap a re c em em L evítico 26.41,43, co m o se n tid o d e “ aceitar a p u n iç ã o
pela in iq u id ad e” . O passivo, c o n fo rm e u sa d o em Isaías, significa “ a p u n iç ã o de
sua in iq u id ad e foi aceita c o m o satisfató ria” , o u seja, p o r D e u s, p o is o te m p o
passivo d o v e rb o só é u sa d o para a aceitação d e D e u s das o fe rta s levíticas. O s
ú nicos casos d esse u so d o passivo são L evítico 1.4; 7.18; 19.7; 22.23,25,27,
to d as as p assag en s d iz e m re sp e ito à o fe rta d e sacrifício d e san g u e.12 O d esen -
v o lv im e n to d essa seção d e Isaías revelará q u e o p e río d o d e “ tra b a lh o ” p o d e ser
id en tificad o c o m o cativeiro b a b ilô n io (43.14) e o p a g a m e n to sa tisfa tó rio co m
0 sacrifício d o S erv o d o S e n h o r (52.13ss.). A realidade essencial d o s sacrifícios,
g a ra n tin d o sua eficácia, era q u e eles eram u m a p ro v isã o divina d a m ão do Senhor,
e n ão u m e x p e d ie n te h u m a n o (Lv 17.11; cf. 53.6). O te rm o dobro (kip la yim ) é
um a fo rm a dualizada d o su b sta n tiv o kep el d e ) kã p a l co m o se n tid o d e “ d o -
b ra r” (Ê x 26.9; 28.16; 39.9; E z 21.19). A fo rm a d u p la 3 o c o rre ap en as em o u tra
p assagem , em J ó 11.6, em q u e a N V I c o n c o rd a co m D h o rm e q u e a sab ed o ria
divina é difícil d e se r e n te n d id a pelos seres h u m a n o s p o rq u e ela se m p re tem
“ dois lad o s” . O u seja, a p esar d e p e rfe ita m en te c o e re n te em si m esm a se m p re
1 O t e r m o sãba p o d e sig n ific a r e x e rc ito (jz 8.6); o p e r ío d o fix a d o p a ra o c u lto le v ític o (N m
4.3); a d u r a ç ã o fix ad a p a ra a v id a (c o m im p lic a ç ã o d c p ro v a ç ã o ) (Jó 7.1).
2 KB a ce ita u m s e g u n d o irasa (“ p a g a r i n te g r a l m e n t e /f a z e r re s titu iç ã o ” ) s u g e rid o c m L v
2 6 .3 4 ,4 1 ,4 3 ; 2 C r 3 6 .2 1 . P o r c o n s e g u in te , a N V I aqui.
3 S o b re kepèl e m J ó 4 1 .1 3 < 5 > , D h o r m e o b s e r v a q u e a p a la v ra sig n ifica “ d o b r o ” e, p o r ta n -
to , n a q u e le p o n t o a “ g u a r n iç ã o ” d e algo.
401 ISAÍAS 4 0 . 1 1 1 ‫־‬

é m ais d o q u e c o n se g u im o s p e rc e b e r em um d a d o m o m e n to . S im o n ad ap ta
isso ao p re se n te caso ao d iz e r q u e “ lav é re sp o n d e a to d o s seus fde Jerusalém ]
p e c a d o s [...] n ã o c o m a escala de p e so e m ed id a c o m u m , m as c o m um p a d rã o
d u p lo [...] o p a d rã o d a g ra ç a ” , q u e p re su m iv e lm e n te significa “ d e fo rm a m u ito
am pla e m u ito g e n e ro sa ” .1 N o e n ta n to , se o su b sta n tiv o significa “ o d o b ro ” ,
0 u so d u p lo sugere as duas m etad es de algo d o b ra d a s n o m eio, u m a se n d o a
réplica d a o u tra . Isso a p o n ta p ara um se n tid o c o m o “ o eq u iv alen te” o u “ aquele
q ue c o m b in a e x a ta m e n te ” (cf. W hybray).12 A palav ra p o r é um a p re p o siç ã o de
p re ç o co m o se n tid o de “ em p a g a m e n to p o r ” . S o b re iniquidade Çãwôri) e pecados
(h a tta j) veja 6.7.

A primeira voz: a glória do Senhor (40.3-5)


A passag em co m e ç a c o m a voz h u m a n a (3a) e te rm in a c o m a v o z divina
(5c). R ia c o n tra sta u m a p aisagem adversa (3b-e) co m a glória p o r vir (5ab) e
ch am a à tra n sfo rm a ç ã o total em p re p a ra çã o (4).
3 A ex p ressão um a vo% é u sad a de v o z exclam atoria (cf. 13.4; 66.6) co m o
sen tid o d e “ o u ç a m , alguém está c h a m a n d o ” . A im agem d o caminho para 0 Senhor
n ão é um te m a de ê x o d o em q u e o p o v o d o S e n h o r vai para casa: eles n ã o são
ch a m a d o s a p re p a ra r esse cam in h o , po is este já está p r o n to p ara eles (35.8;
42.16; 43.16-19; 48.17-21; 55.12). A n te s a im ag em c o m b in a a an tig a im ag em d o
S e n h o r v in d o em auxílio d e seu p o v o (D t 33.2; J z 5.4; SI 6 8 .4 < 5 > ,7 < 8 > ) co m a
p rática d e c o n s tru ir fo rm a s p ro cessio n als para os dign itário s v isitan tes o u para
u so p elo s deu ses q u a n d o são c a rreg ad o s em p ro cissão .3 O c a m in h o d o S e n h o r
tem d e ser re to (3d), p la n o (4ab) e sem o b stá c u lo s (4cd), o u seja, ele chegará
sem falhas, viajará sem dificuldade e n ã o será a trasad o p o r im p ed im en to s.
4 A s escarpas (r'ká.sim d e ) rã ka s , “ ag lu tin ar”) p o d ia m se r u m a “ cadeia de
m o n ta n h a s ” , o q u e se ajusta a seu paralelo co m p lanos (lit.) “ fe n d a s” , o u seja,
um a p assagem .
5 Λ glória é a p re se n ç a d o S e n h o r (E x 16.10; 40.34s.); o S e n h o r revelado
em algum a to específico (E x 16.7; N m 14.22); sua re p u ta ç ã o e caráter (SI 79.9)
o u sua c o n d iç ã o de ex altad o (3.8; J r 13.16). A m ed itação so b re o ê x o d o d esen -
volveu o p e n sa m e n to de q u e n ã o só a c o n te c e d ian te d o m u n d o q u e o b serv a
(to d o s/ “ to d a c a rn e ” |A R C |), m as ta m b é m para o m u n d o (SI 47; 95— 100). Isso
sugere e n te n d e r o te rm o verão em seu d u p lo se n tid o d e o b se rv a r e ex p erim en -
tar. D e ssa m aneira, Isaías in tro d u z d isc re ta m e n te a d im e n sã o universal da o b ra
de D e u s p o r vir. A frase fo i a boca do S/:N//OR que disse isso (ARC) en fatiza a o rig em

1 Simon, p. 37.
2 A p a la v ra sim ila r misneh é u s a d a n o s e n tid o d e “ u m s e g u n d o / d o b r o ” , o q u e s u b s titu i a
p rim e ira (veja 6 1 .7 ; D t 17 .18; J r 16.18).
3 H e r b e r t c o m e n ta o h in o b a b ilô n io : “ F a ç a q u e o c a m in h o d e [N a b u | seja m u ito b o m ,
re n o v e su a e stra d a . T o r n e se u c a m in h o re to , faça u m a via p a ra e le ” .
O LIVRO DO SERVO 402

d a m en sag em em D e u s e a exatidão da tra n sm issã o na te rra d o q u e ele disse


n o céu. (Veja 1.20; 58.14 p ara essa m esm a fó rm ula; cf. 21.17; 22.25; 25.8. E ssa
fó rm u la, além d e Isaías, só é e n c o n tra d a em IR eis 14.11; Jo e l 3 .8 < 4 .8 > ; O b a -
dias 8; M iqueias 4.4.)

A segunda voz: a palavra do nosso Deus (40.6-8)


A hum anidade é tra n sitó ria, m as a palavra d o S e n h o r p e rm a n e c e (N m 23.19).
O fa to r executivo n o fluxo e refluxo da vida é o E sp írito d o S en h o r. P o r isso,
a energia divina su b screv e os p ro p ó sito s d ivinos declarados. S o b re um a vo% or-
dena o u “ o u ç a m , alguém clam a” veja o v ersículo 3. A frase e eu pergunto ad o ta
a leitura de Q \ refletida na L X X . E ssa se assem elha a o u tra s p assag en s em
q u e Isaías ch am a ate n ç ã o para sua co n sciên cia d a vind a d a palavra d e D e u s
(8.1,5,11; 2 1.3s.; 22.14; 24.16). N o e n ta n to , m u ito s e stu d io so s a c o n sid e ra m
c o m o o “ c h a m a d o ” d o p ro fe ta d e sc o n h e c id o a q u e m d e n o m in a m “ D e u te ro i-
saias” . A frase “ e alguém está d iz e n d o ” , d o T M , é irrep reen sív el, e s c o n d e n d o o
m e n sag eiro atrás da m en sag em : a m en sag em é d e D eu s, o m e n sa g e iro é ap en as
0 veículo o b e d ie n te . Q u a n to à m e n sa g e m co n fiad a a essa “ v o z ” a n ô n im a :1

A 1 A v erdade geral: a tra n sito rie d a d e e a falibilidade d a h u m a n id a d e (6cd)


B1 A ilustração: a relva m u rc h a (7a)
C1 O E sp írito d iv in o (7b)
A2 A verd ad e aplicada: o p o v o n ã o p assa d e relva (7c)
B2 A ilustração: a relva m u rc h a (8a)
C2 A palavra divina (8b)

6 S o b re toda a h um a nidad e/ “ to d a c a rn e ” (A RC) veja o versícu lo 5. A relva é


u m sím b o lo d e tra n sito rie d a d e (cf. 37.27). A e x p re ssã o a sua gloried (hesed) é tipi-
c am en te usada para o a m o r d e D e u s em sua co n fiab ilid ad e im utável. A d ev o ção
q u e o fe re c e m o s a ele em tro c a ta m b é m deve ser fiel e firm e, m as n ã o te m o s a
firm eza m o ral p ara su sten tá-la (Jr 2.2; O s 6.4). E a p re o c u p a ç ã o p e rm a n e n te
q u e e sp e ra m o s e n c o n tra r u n s n o s o u tro s, m as n ã o e n c o n tra m o s (Jó 6.14). E ssa
ideia d e p ro n tid ã o m o ral, confiabilidade na execução d a o b rig a ç ã o e fidelidade

1 E m u ito c o m u m c o r ta r o v e rs íc u lo 7 c c o m o u m c o m e n tá rio . W c s tc r m a n n d iz q u e c “ o
c o m e n tá r io d e u m le ito r q u e fic o u p r o f u n d a m e n te c o m o v id o ” . ( ) c o m e n tá r io d e N o r t h
d e q u e é “ u m ta n to p r o s a ic o [...| q u a s e c o m c e rte z a n ã o o rig in a l” é tã o e x tra v a g a n te s o b r e
trê s p a la v ra s q u a n to o c o m e n tá r io d e D c litz s c h d e q u e “ [...| d o c o m e ç o a o fim é o e s tilo
[g e n u ín o ] d e Isa ía s” . O ú n ic o a r g u m e n to s ó lid o a fa v o r o u c o n tr a é se a frase i n te r r o m p e
o u c o m p le ta o e q u ilib ra d o p a ra le lis m o d o to d o .
2 P a ra h a sd ô a L X X tra z doxa e, d a í, a tra d u ç ã o p o r “ g ló ria ” d a ‫ א‬V I. B U S a lte ra a p a la v ra
p a ra h"dãrô (“ se u e s p le n d o r ” ); B t l tra z h em dô (“ su a b e le z a ” [A R C ]). N ã o h á n e c e s s id a d e
d e sc a fa s ta r d o T M .
403 ISAÍAS 4 0 . I - I I

às promessas se ajusta a essa passagem. Λ humanidade, no aspecto físico (como


a relva) e no caráter moral, é um fracasso. Mas há mais para sua debilidade e
falibilidade que a mera falha humana.
7 O Espírito (0 vento do Senhor) que é “o Senhor, e doador de vida” (SI
104.30) também é o Senhor, e doador da morte. Há um fator do julgamento
divino em operação no mundo, uma visita da morte, pois vento (rüah ) é “espíri-
to”. O Espírito, simbolizado pelo vento abrasador que murcha a vegetação, é o
poderoso agente do Senhor em operação no mundo tornando real sua presença
pessoal cm todos os lugares (SI 139.7). Não só a fragilidade física e moral ataca de
todos os lados a humanidade em geral, mas também até mesmo aqueles de quem
se espera algo mais: o povo do Senhor. Por isso, na verdade (ARC) Çãkêrí) “uma
exclamação para enfatizar o inesperado” (K fí, Gn 28.16; Ex 2.14), ou seja, “por
que, mesmo...”
8 Em contrapartida a esse desfalecimento e queda — os fatos da fragili-
dade e inconstância humanas e o temeroso julgamento de Deus do qual esse
é um aspecto — há uma realidade certa e imutável: a palavra de nosso D eus que
permanece para sempre. (Cf. SI 33.6,9; 148.5; e veja também como essa nota forma
um inclusio [criar uma estrutura ao pôr material similar no início c no final de
uma seção] com 55.10,11.)
A terceira voz: 0 braço do Senhor (40.9-11)
Λ mensagem a ser declarada na terra natal reitera o que já foi dito sobre a
vinda do Senhor e sua soberania. O versículo 10, ao relembrar o tema do versí-
culo 7, volta à mensagem de consolo, pois o braço que governa (10) é o “braço”
que conduz (11); o “forte” (10) é o p a sto r ( 11).
9 Λ palavra ·i bãsar, às vezes, é usada para trazer más notícias (ISm 4.17),
mas a palavra aqui, como em geral, casa com euangelizõ (“trazer boas notícias”).
Isaías usa um participio singular feminino (m p a ssere t) que permite a tradução
da ARC: “Tu, anunciador de boas-novas a Siào” e apresenta a imagem de Sião
recebendo as boas-novas e correndo para levá-la às cidades vizinhas. N o entan-
to, por outro lado, a duas vozes anteriores eram anônimas e não há expectativa
de que seja diferente com a terceira voz. Mais importante, os que foram comis-
sionados nos versículos 1 e 2 foram enviados a Jerusalém, ao passo que agora
a mensagem sai de Jerusalém. Por conseguinte, é melhor entender o participio
feminino como não denominado e inspirado em Miriã (Ex 15.20), a mensageira
de uma vittiria já alcançada, aprcssando-sc para reunir um grupo de boas-vin-
das para encontrar o pastor c seu rebanho (cf. ISm 18.6s.; SI 68.11<12>). Um
alto monte é escolhido para que todos possam ouvir a mensagem, e o arauto não
tenha medo, ou seja, não tenha dúvida da verdade da notícia. A volta do Senhor
já está em vista e participamos do júbilo do triplo “eis” (9g, eis; lOac, eis, ARC).
O LIVRO DO SERVO 404

É seu D eus mesmo que, como dõnãy yhw h (“o lavé soberano”), vem em poder1
(lit., “como um poderoso”).
10 O braço do Senhor faz sua estreia aqui nos capítulos 40— 55 (cf. 30.30;
33.2), o símbolo da força pessoal em ação (48.14; 51.5,9; 52.10, observe a metá-
fora de “arregaçar as mangas, preparar-se para o trabalho pesado”; 53.1; 59.16;
62.8; 63.5,12). () braço aparece muito mais em Isaías que em qualquer outro
profeta. As palavras recompensa e galardão são sinônimas (salvo que a última,
¡f*ullâ, pode significar “trabalho” e também “recompensa pelo trabalho”). Nos
locais em que a palavra recompensa (sa kã r , “salário, recompensa”) é usada com
um pronome (como aqui), o pronome representa a pessoa que recebe o “sa-
lário” (cf. Ez 29.18s., em que o termo é usado para o vitorioso recebendo os
frutos de sua vitória). Aqui também o Senhor recebe os frutos de sua vitória, e
a recompensa que 0 acom panha/ “diante dele” (ARA), “diante da sua face” (ARC)
é o rebanho de seu povo que sua vitória conquistou.
11 A mudança de soberano para pastor não é abrupta com pode parecer
à medida que a última é um tema de Davi (2Sm 5.2; 7.7s.; cf. Mq 5.4<3>; Ez
34.2ss.,23s.). Esse pastor pratica o cuidado geral de seu rebanho {cuida de seu
rebanho), está vigilante para as necessidades particulares {ajunta os cordeiros) e se
identifica com as preocupações do rebanho {os cordeirinhos [ARC]). O termo
braços (ARC) devia ser “braço” (observe o equilíbrio entre o braçofo rte do versí-
culo 10 e o “entre os seus braços ajuntará” [TB] aqui). A frase no colo é “em seu
peito”, simbolizando o cuidado amoroso e íntimo.
b. O incomparável Deus de Israel: o Criador (40.12-31)
Essa passagem, quanto ao estilo, é um “debate”, uma discussão proposta
para contrapor uma posição adotada por alguém. A “situação” é declarada no
versículo 27. A discussão é que essa posição não pode ser sustentada em rela-
ção àquele que é o Deus Criador, e os versículos 28-31 apresentam a conclusão
correta.
Isaías usa aqui a doutrina de Deus Criador a fim de assegurar o povo de
sua segurança e da certeza de que as promessas divinas serão cumpridas (essa
é a relação entre os w . 12-26 e 1-11). Ele continua a usar a doutrina da cria-
ção dessa maneira para renovar a confiança de Israel em sua posição especial
(43.1,21; 44.1ss.), na reunião (43.7), na libertação (43.15), na permanência na
mente divina (44.21), na redenção (44.22) e no relacionamento seguro (54.5).
A ênfase particular está no Senhor como o único Criador. Ele está sozinho na
obra da criação (12), não precisando da sabedoria de ninguém (13s.). Nem a
humanidade coletiva nem os maiores aspectos do mundo físico (16) desafiam
A e x p re s s ã o “ c o m p o d e r ” é b 'h d ze q , a o p a s s o q u e o T M tra z fr h ã zã q (“ n o c a r á te r \beth
essential[ d e u m f o r t e ”).
405 ISAÍAS 4O.12-31

sua supremacia única. Ele, como único Criador, exerce o governo executivo no
mundo (22-24) e no universo (26) -— até os mínimos detalhes (príncipes e ju izes
no v. 23 e u m p o r u m [TB] no v. 26).1
O caso afirmado (40.12-26)
O debate aparece em duas partes, assinaladas estruturalmente por ques-
tões. Os versículos 12 e 18-20 dividem a primeira parte; e os versículos 21 e
25,26, a segunda. Cada parte contém quatro estrofes (A-D) em paralelo:

A O Deus Criador e as lições de criação


A1 O único Criador (12) A2 A criação e a revelação (21)
B A autossuficiência na sabedoria; a supremacia no poder
B1 Sabedoria sem ajuda (13,14) B2 O governo absoluto (22,23)
C A dignidade e a autoridade únicas
C1 Único em dignidade (15-17) C2 Supremo cm autoridade (24)
D O Deus incomparável
D 1 A deidade, o ídolo e o idólatra (18-20) D 2 Deus e a criação (25,26)

0 único Criador (40.12-17)


12 A totalidade é expressa por meio dos opostos águas e terra, e, em cada ca-
tegoria, por meio de aspectos contrastantes, águas e céus-, p ó da terra (ARC) e montes.
1 lá exatidão no fazer a obra à medida que é dito que Deus mediu e definiu. O último
termo vem de itãkan (“estimar a medida de uma coisa”; veja Dhorme sobre Jó
28.25), significando aqui “ajustar exatamente para a função”. A imagem continua
com pesou [...] na balança e [.../ nos seus pratos. Também há a ideia de competência
tranquilizadora em relação à tarefa: na concha da mão, com 0 palmo e vasilha (NT1.11).
0 último termo é (lit.) “um terceiro” denotando um pote que continha um terço
de alguma medida não declarada. Perceberiamos o sentido ao parafrasear: “pote
de medir”. Existe apenas um Criador: a questão-expressão idiomática pressupõe
a resposta: “Ninguém a não ser o Senhor!”
13,14 Na mitologia babilônia, o deus criador Marduque não podia conti-
nuar com a criação sem consultar “ ‘Ea, o todo-poderoso”, mas o Senhor opera
sem o auxílio de outra sabedoria além da dele.2 () criador, tanto na história
babilônia da criação quanto na história cananeia da criação, deve dominar as

1 O S e n h o r, c o m o C ria d o r, fig u ra a m p la m e n te n o s c a p ítu lo s se g u in te s. E le , c o m o C ria d o r,


é o D e u s d e in flu ê n c ia u n iv e rs a l c o m p r o p ó s ito g a r a n tid o d e g ra ç a (42.5; 4 4 .2 4 ; 4 5 .1 8ss.);
o c ria d o r d e tu d o (45 .7 ; 4 8 .5 ,7 ; 54.16). E le c o n tr o la o s d e ta lh e s d a h is tó ria (41.4) c irresis-
tível e m se u p r o p ó s i t o (45 .9ss.; 46.11).
2 Veja R. N . W h y b ray , The Heavenly Counsellor in Isaiah 40: Π , 14 (C U P , 1971).
O LIVRO DO SERVO 406

forças rivais antes de o caminho se abrir para a obra de criação. O Antigo Tes-
tamento, ao contrário, não só relata a história da criação de uma maneira que
exige uma doutrina monoteísta de Deus (Gn 1), mas também usa o conceito
de criação a fim de apontar para o fato de que existe só um Deus (SI 96.5). No
versículo 12, o Criador estava sozinho na obra de criação; aqui ele também está
sozinho na sabedoria necessária para a obra.
13 Sobre definiu (Jtãkan) veja o versículo 12. Aqui o termo significa “ajus-
tar” o Espírito do Senhor de modo que ele fique “no curso” para fazer sua par-
te ou “avaliar” o que o Espírito estivera fazendo “para compreender a mente
do Senhor”. A mente (NTLH )/ “Espírito” foi o agente executivo de Deus na
criação: em Gênesis 1.2, pairando em estado de prontidão; em Salmos 33.6, é o
agente de sua vontade expressa.
14 Os termos esclarecê-lo e conheámento pertencem ao grupo de palavras de
discernimento (cf. 29.14) e têm o sentido de ver o cerne de uma coisa. A frase
as veredas doj u f i o (ARC)/ “o caminho do direito” (CNBB) (m isp ã t ; cf. 28.26) é
fazer o julgamento correto ou tomar a decisão no tempo correto.
1 5 1 7 ‫ ־‬Essa estrofe vai da obra e sabedoria da criação para o resultado final.
Seu propósito é aplicar a percepção da “imensidão” do Criador que emergiu
das duas primeiras estrofes, primeiro para a força humana coletiva (15ab) e,
a seguir, por alguns aspectos impressionantes da estrutura da criação (15cd),
depois, para o exercício religioso (16) e finalmente para a totalidade da humani-
dade (17). A criação da humanidade, com tudo que é especial a respeito dessa
obra criativa culminante, não constitui nenhum desafio ou obstáculo para o
Criador.
15 Mas como será uma^ofe caindo de um balde podería limitar aquele que
mede os mares na concha de sua mão (12)? Como será que o p ó que sobra na
balança pode influenciar aquele para quem as ilhas não passam de u m grão de areia ?
Sobre ilhas veja 11.11; 20.6; 24.15. A palavra ,iyyim parece significar primei-
ro “ilha” no sentido estrito; depois, terra estendida ao longo do mar, ou seja,
“costa” e, por isso, terra acessível pela água; finalmente a palavra é usada para
massas de terra (como aqui), partes do mundo e dos países em geral.
16 Aqui é levantado outro aspecto da criação cm relação ao Criador. Será
que o Criador, ao convidar a adoração (nos moldes babilônios; cf. SI 50.9-13),
fica dependente do que as pessoas proveem? De maneira alguma! Na verdade,
até mesmo o maior empenho religioso ficaria aquém da dignidade do Criador
— suponha que todo o 1abano se tornou o fogo do altar; e todo seu gado, a
oferta queimada! Contudo, Isaías, antes de terminar essa seção, descreverá no
capítulo 53 um sacrifício digno de Deus.
17 Esse versículo não diz que a humanidade não vale nada “para ele”, mas
diante dele, ou seja, em relação e em comparação ao que ele é. O termo nada é
407 ISAÍAS 40.12-31

“não existencia” e menos que nada é ‫־‬epes (“participante da não entidade”, “ex-
tremidade”, “término”, “o ponto em que a coisa passa de ser para não ser”.).
A expressão sem valor (tòhü) significa sem sentido e sem propósito (cf. 24.10).'
Deidade, ídolo e idólatra (40.18-20)
E o ponto culminante do primeiro conjunto de quatro estrofes. As per-
guntas iniciais (18) admitem apenas uma resposta e, depois, continuam sem
comentários até o ponto em que enfatiza essa resposta implícita ao expor a
patética inadequação da idolatria (um tópico central nos caps. 40— 48).12 O Se-
nhor criou todas as coisas ao passo que o ídolo é o produto de um artesão
humano (19a), e sua glória é apenas a que os seres humanos e o mundo (ambos
os elementos da criação divina) podem lhe dar (19b). Apenas reflete os recursos
daquele que o comissionou; o ídolo, em contraste com o Criador vivo e ativo, é
construído para ficar imóvel (20).3
18 A palavra ‫־‬ê/ {Deus) é a palavra mais transcendente daquelas usadas para
se referir a Deus, conotando domínio sobre tudo (42.5), divindade absoluta
(43.10,12; 46.9), a singularidade do Deus de Israel (45.14) e o Deus de prop()-
sito inescrutável (45.15). Contraste com esse o uso sarcástico em 44.10,15,17;
45.20; 46.6.
19 É possível que essa seja uma expostulação em resposta à pergunta do
versículo 18: “Com quem vocês compararão Deus? f...| Com uma imagem que
0 artesão funde, e que o ourives cobre de ouro e para a qual modela correntes
de prata?” O termo imagem (pesei) (BS) é específicamente uma imagem “eseul-
pida” ou “entalhada”, ao que passo que fu n d e / “grava” (ARC) refere-se a uma
1 P a re ce p ro v á v e l q u e a N V 1 , n o v e rsíc u lo 17, a lte ro u a o r d e m d o T M . O s e q u iv a le n te s sã o
f o rn e c id o s c m c im a d e ssa su p o s iç ã o .
2 S o b re a in s e n s a te z d a id o la tria v eja 4 1 .5 -7 ,2 1 -2 4 ,2 9 ; 4 2 .8 ,1 7 ; 4 4 .6 -2 0 ; 4 6 .1 -7 . A té 4 2 .1 7 , o
a rg u m e n to é c o m o íd o lo s se m s e n tid o s ã o c o m p a r a d o s c o m a g ló ria d o S e n h o r; d e 44 .6
c m d ia n te , o a r g u m e n to é c o m o o g lo rio s o S e n h o r é c o m p a r a d o c o m íd o lo s.
‫ נ‬M u ito s e s tu d io s o s c o n s id e ra m o s v e rsíc u lo s 19 e 2 0 in tru s iv o s n a e s tr u tu r a e in a d e q u a d o s
p a ra o te m a , i n t e r r o m p e n d o o p o n t o c u lm in a n te c ria d o p e lo v e rsíc u lo 18 e (de a c o r d o
c o m W h y b rav ) i n te r p r e ta n d o d e f o r m a e r rô n e a o v e rs íc u lo 18, “ q u e n ã o e s tá p r e o c u p a d o
c o m a in s e n s a te z d e fa z e r íd o lo s , m as c o m in c o r r e ç ã o d e c o m p a r a r o v e rd a d e iro D e u s
c o m o u tr o s d e u s e s ” . M as, e s tr u tu r a lm c n tc , a d ic io n a r o s v e rsíc u lo s 19 c 2 0 a o v e rsíc u lo 18
é o e q u ilíb rio e x a to d e a c r e s c e n ta r o v e rsíc u lo 2 6 às q u e s tõ e s d o v e rsíc u lo 25. A s q u e s tõ e s ,
e m c a d a c aso , tra z e m o v e rs íc u lo p r e c e d e n te a u m c o n tu n d e n t e p o n t o c u lm in a n te c fa ze m
u m a c o n e x ã o c o m u m a a p lic a ç ã o a d ic io n a l e final d o m e s m o tem a . N o s v e rsíc u lo s 19 e 20
o te m a é q u e a g ló ria d o C r ia d o r n ã o é d e f o r m a a lg u m a d e sa fia d a p e lo s d ito s d e u se s; n o
v e rsícu lo 2 6 o te m a é q u e o g o v e r n o d e ta lh a d o d o C r ia d o r n a h is tó ria é v is to e m se u g o -
v e rn o d e ta lh a d o n a s e strelas. A q u e s tã o n o v e rsíc u lo 18 n ã o c o n v id a d e fa to a c o m p a ra ç ã o
d o S e n h o r c o m q u a lq u e r c o isa, m as é u m a a s s e rç ã o in te rro g a tiv a d e su a in c o m p a ra b ilid a -
de. P o r fim , o s v e rsíc u lo s 19 e 2 0 n ã o e s tã o p r e o c u p a d o s c o m o p e c a d o d e fa z e r íd o lo s,
m as c o m a in u tilid a d e d o p r o d u to .
O LIVRO DO SERVO 408

imagem fundida. A mescla de referências cobre os ídolos de qualquer tipo. O


termo cobre é o único verbo no versículo 19bc. O sentido estrito é “cobrir com
prata” e, por isso, só pode se referir a correntes de prata com algum tipo de
ajuste (conforme acima).1 O termo correntes (r'juqót) só é encontrado aquí, mas
compare com IReis 6.21; Ezequiel 7.23 e Naum 3.10 em que ·irãtaq significa
“ser preso com correntes”.
20 Λ palavra pobre é o participio ipuat) de 'Isakan. Esse não é o verbo com
0 mesmo sentido da ortografia “ser de uso” (por exemplo, Jó 15.3), um sentido
que não se encaixa aqui, mas o verbo subjacente a m isken, significando “neces-
sitado” (Ec 4.13; cf. m iskénüt, “pobreza” em D t 8.9). Mas o ponto não é (como
na NV1) apresentar um contraste com o versículo 19 (oferecer [ARC]). O TM
traz apenas “o empobrecido em relação à oferta”, insistindo que na religião
idólatra o “valor” de um deus depende da condição financeira dos devotados a
ele. A palavra oferta (TB) (frü m a ) é usada para material dado para um propósito
religioso (Ex 35— 36 passim ). O deus não é mais forte, mais duradouro, etc. que
a habilidade terrena da árvore escolhida, nem mais impressionante e bonito etc.
do que um marceneiro habilidoso que o faz. A frase um a imagem que não c a ia / “que
não se possa mover” (TB) é a exposição culminante de inutilidade — apesar de
todo o discernimento para fazer a escolha certa de madeira e da habilidade em
fazer a melhor figura, a coisa está destinada à imobilidade! O idólatra suporia
que seu ídolo representa alguma força ou ser sobrenatural, mas o profeta ineul-
ca um verdadeiro entendimento. Os ídolos podem parecer magníficos, venerá-
veis e misteriosos, eles podem estimular um sentimento de reverência, mas não
há ali nada, a não ser os materiais — nenhuma habilidade, exceto a habilidade
humana, nenhum recurso inato, mas os da terra. Isaías não reflete o credo do
idólatra, mas o monoteísmo da Bíblia.

Supremo em governo e em autoridade (40.21-24)


21 As questões na estrofe paralela (12) estabeleceram que há apenas um
Deus Criador. As questões aqui insistem que há lições a serem aprendidas a
partir do conceito de mundo criado. A raiz delas está na doutrina de Deus Cria-
dor que, no Antigo Testamento, dá origem a tudo, mantém tudo, controla tudo
em operação e dirige tudo para o objetivo designado. Portanto, acreditar nele
é ser assegurado da segurança em seu mundo, saber que o presente e o futuro
estão seguros nas mãos do Senhor. Os verbos sabem e ouviram estão no tempo
imperfeito (“Porventura, não ouvis?” [ARC]) e contaram e compreenderam estão
no tempo perfeito (“Não lhes contaram [...] vocês não compreenderam?”). O
arranjo dos quatro verbos é quiasmático. O primeiro e o quarto pertencem um

1 O v e rsíc u lo 1 9 b c é u m b e lo v e rs o p a lín d r o m o o u q u ia s m á tic o n a m e lh o r f o r m a d e Isaías:


Wsòrêp bazzaháb y'raqq'ennü ür'Juqót kesep sõrep.
409 ISAÍAS 4O .I2-31

ao outro (o fato do conhecimento surge da transmissão do entendimento) en-


quanto o segundo e o terceiro também pertencem um ao outro (o fato de ouvir
a verdade surge do fato da verdade ser contada). Por conseguinte, Isaías não
apela para a teologia natural da criação, mas para a verdade na qual foi tornada
conhecida (nesse caso pela revelação de Deus). A transmissão objetiva da ver-
dade {sabem) e a capacidade subjetiva de apreendê-la (compreenderam/ “atentas-
tes” [ARC]) são fornecidas. Israel possuía esse conhecimento desde a antiguidade
/.../ [desde quej a terra fo ifu n d a d a , ou seja, desde os primeiros tempos.
22,23 O senhor que conhecia a “maneira certa” para moldar o mundo cria-
do (13,14) preside a história mundial com a mesma tranquilidade consumada.
22 Os verbos assenta e estende (e aniquila, no v. 23) são participios.1 “Ele se
assenta”, etc. Essa é a resposta para as perguntas do versículo 21. A expressão
da cúpula ou se refere ao céu ou ao horizonte, ambos os quais são circulares aos
olhos do observador. A grandiosidade de Deus é vista na pequenez das pes-
soas, que, por comparação, são como gafanhotos (cf. Nm 13.33), e a imensidade
de Deus, no fato de que ele exige que todo o mundo observável seja como sua
tenda (cf. lRs 8.27).
23 O divino “assenta[do| no seu trono” (22) não é uma ostentação vazia
nem uma monarquia ornamental, mas uma realidade de governo executivo. E
provável que o termo príncipes {rõfríim ) venha de uma raiz com o sentido de
“ser momentoso, grave” e, daí, referir-se aos investidos de uma posição e cargo
místicos; eju lg e s / “governantes” (BS) são os que, de fato, tomam decisões. Eles
parecem deter poder, mas estão totalmente sob o poder do Deus entronado
(cf.Jo 19.10,11). Em seu próprio tempo (lit.) “os príncipes que ele determinou
para a não existência” e os juizes “que ele marcou para não ter mais relevância”
(tõhu; v. 17; 24.10).
24 Sua posição atual vis-à-vis com a história mundial, igualando a dignidade
única do Senhor (15— 17), não é simplesmente de superioridade, mas de ação
soberana eficaz. A palavra m a l traduz o participio ,ap, que tem com frequência
uma força sarcástica adequada aqui: “Então eles são plantados, não são? Então
eles são semeados? E mesmo? Então o caule lança raízes, com certeza! Mas, en-
tão, ele sopra!” (cf. v. 7). Tanto o verbo lançam quanto o murcham estão no tempo
perfeito e antecedem w 'gam (“e também”): “mas também há isso: ele sopra, e
eles murcham” — acontece exatamente assim! O termo murcham fala do fim do
período de prosperidade deles; e palha, da rápida ação do julgamento divino.
Deus e a criação (40.25,26)
Esses versículos formam tópicamente um inclusio [criar uma estrutura ao
pôr material similar no início e no final de uma seção] com a primeira estrofe

1 Cf. a i n tr o d u ç ã o s e m e lh a n te a o s c a n to s re lig io so s e m A m 4 .1 3 ; 5.8; 9.5.


O LIVRO DO SERVO 410

(12). A pergunta com que essa estrofe final inicia é idêntica às perguntas dos
versículos paralelos 18-20. As estrofes também têm estrutura paralela: as ques-
tões iniciais, em cada caso, são seguidas de um exemplo ilustrativo. A relação
entre os versículos 18-20 e 25,26 é bem expressa por Salmos 96.5.
25 O verbo pergunta é “condnuar dizendo” (veja v. 1). O Santo é o sopro
fatal para qualquer pensamento de comparação! Não é apenas seu poder (12),
sabedoria (13,14), dignidade (15-17), soberania (22,23) e autoridade (24) que
o colocam além de qualquer comparação. Ainda muito mais relevante é sua
inatingível e incontestável perfeição moral. O Santo aqui, no original, é adje-
tivo sem o artigo definido como se Santo fosse outro nome para o Senhor:
“pergunta o Santo”. (Cf. o adjetivo múltiplo como um epíteto divino em
Oseias 11.12< 12.1 >; Pv 9.10; 30.3).
26 A palavra ergam é usada para adoração astral em Deuteronômio 4.19,
que era uma tentação para Israel já nesse período (2Rs 17.16; 21.3) e uma imen-
sa preocupação na religião babilônia. Mas por mais impressionantes que as
estrelas sejam, elas são criaturas. Elas podem ter nome em seus respectivos
cultos, mas o verdadeiro nome delas é aquele pelo qual o Criador as convoca
e as dirige. As estrelas existem e estão no lugar certo apenas pela vontade dele.
O termo criou (ib ã ra ) é o verbo que o Antigo Testamento (ao contrário das
literaturas cognatas) reserva para a ação divina (veja 4.5). Apesar de as estre-
las poderem ser incontáveis para nós (Gn 15.5), não existe uma a mais ou a
menos do que ele determina. A administração diretiva de Deus não é apenas
para a totalidade, mas para o individual (ele chama todas as estrelas pelo nome).
A tradução por grande é 0 seu poder adota a Q a, mas o TM devia ser mantido (“e
como alguém grande em poder”) para enfatizar que isso não foi revelado (lit.)
“abundância de poder” (não há o “seu” como na NV1), mas é um exercício
pessoal de soberania. Em relação à quarta estrofe (18-20), o objetivo dessa es-
trofe é indicar onde deve ser encontrada a verdadeira divindade — não no ídolo
feito pelo homem, mas naquele que fez os céus (SI 96.5). Em relação ao ponto
da disputa (27), seu propósito é trazer o argumento todo dos versículos 12-16
ao seu ponto culminante: o Deus Criador conhece pelo nome cada item em
sua complexa criação. Como ele, que é o Deus de Israel, pode ser acusado de
esquecer seu povo?
Desânimo e renovação (40.27-31)
A medida que Isaías examina a mensagem do desastre por vir (39.6) to-
mando posse de seu povo, ele dirige-se ao desânimo que inevitavelmente se ins-
talará. De um lado, da mesma maneira que a grande asserção da glória de Deus
Criador (12-26) tinha o objetivo de validar as promessas dos versículos 1-11
também, de outro lado, ela agora é aplicada como a cura para o coração desani-
mado que clama: “O Senhor não se interessa pela minha situação; o meu Deus
411 ISAÍAS 40.12-31

não considera a minha causa?” Tendo declarado o problema (27), a solução de


Isaías é primeiro a teologia (28,29) na forma de uma reiteração penetrante da
doutrina de Deus — “Será que você não sabe?” “Λ inferência errada da trans-
cendência de Deus é que ele é grande demais para se importar; a certa é que ele
é grande demais para falhar”.1 Segundo, Isaías aponta para a experiência — o
descanso, a confiança e a espera (30,31). Estes, juntos e nessa ordem, consti-
tuem a forma bíblica de renovação.
27 O uso de tempos verbais contínuos (“dizes”, “falas” [ARC]) indica
uma disposição prevalecente. A designação Jacó /.../ Israel é uma das favoritas,2
e provavelmente a intenção da sequência é lembrar Gênesis 32.22-32 e como o
lutador divino deu um novo nome e uma nova força ao indefeso, incapacitado
e inferior Jacó. E provável que a expressão meu D eu s seja pronunciada com um
espírito de superioridade moral (“eu não mudei, ele mudou”) ou de perplexi-
dade (“como meu Deus faz isso?”). O termo encoberto (ARC) está no tempo
perfeito, denotando um fato resolvido (cf. o uso de is ã ta r em 65.16 de fechar
deliberadamente a mente), e a expressão não considera está no tempo imperfeito,
denotando uma experiência contínua: “meu caso continua a não ser conside-
rado” (cf. o desânimo de 49.14). A primeira pergunta é teológica, referindo-se
à natureza de Deus (“Ele não pode ver isso”) ao passo que a segunda é ex-
perimental, referindo-se à experiência da pessoa (“minhas orações nunca são
respondidas”). A resposta aparece em ambas as linhas.
28 A solução para o problema deles é reaprender o que já sabem e abrir os
ouvidos para o que já lhes foi dito (sabe e ouviu estão ambos no tempo perfeito,
cf. v. 21). O povo de Deus já possui a verdade, e esta veio de fora para eles. Seu
Deus é de tal maneira (eterno, Criador, incansável) que eles não precisam du-
vidar nunca de sua capacidade; ele também é de tal maneira (possui sabedoria
incomensurável) que eles não devem nunca esperar entender todos seus cami-
nhos. Ele, como (lit.) “Deus de eternidade”, não muda; ele, como Criador, tem
todas as glórias, atributos e poderes mencionados nos versículos 12-16 (veja
comentário sobre v. 25); ele, como um ser que não se cansa nem fica exausto,
nunca abandona seus propósitos como não realizáveis nem os adia enquanto
descansa. N o entanto, da mesma maneira que ele opera em um plano eterno,
mundial e incessante, sua sabedoria é insondável para nós, não podemos “esquadri-
nhar o seu entendimento” (ARA). Seus caminhos pertencem à eternidade; nós,
ao tempo; sua visão é para o mundo; a nossa, local; sua continuidade o mantém
sempre adiante do ponto que alcançamos.

1 K id n e r, a d loc.
2 S o b re J a c ó / I s r a e l v eja 9 . 8 < 7 > ; 1 0 .2 1 ,2 2 , 14.1; 2 7 .6 ; 2 9 .2 3 ; 4 1 .8 ; 4 2 .2 4 ; 4 3 .1 ,2 2 ,2 8 ;
4 4 .1 ,5 ,2 3 ; 4 5 .4 ; 4 6 .3 ; 4 9 .5 ,6 . E s s e títu lo in d ic a c o m m u ita fre q u ê n c ia a p e s s o a p ra g m a ti-
c a m e n te c o n s id e r a d a c o m o u m a e n tid a d e te r r e n a , e n q u a n to “ S iã o ” su g e re u m a e n tid a d e
a o s o lh o s d e D e u s.
O LIVRO DO SERVO 412

29 Esse versículo começa com um participio. Da mesma maneira como os


atributos do Senhor incluem a eternidade, a criatividade, a força e a sabedoria
autossuficientes (28), eles também incluem compartilhar a força. Essa não é
uma atividade repentina ou ocasional, mas fazia parte do que ele é. O termo
cansado ( jy a e p ) é falhar sob as pressões da vida; sem forças (lit. “aquele que não
tem vigor nem vitalidade”) é a falta de força inata. A palavra força Çosm a) (TB)
está relacionada com a palavra para “osso” e, por conseguinte, tem o sentido de
“durabilidade” e “estabilidade”.
30,31 O tema agora passa a ser o da experiência. A vida mostra que apenas
os recursos naturais falham, mas é possível ter uma experiência distinta. Os
dois versículos podem ser traduzidos também de forma a enfatizar esse con-
traste: “Até os jovens [...] aqueles que esperam”.
30 A palavra cansam é a mesma traduzida por cansado no versículo 29; aqui
exaustos é Vy ã g a \ Os dois verbos significam ser subjugado, dominado pelas cir-
cunstâncias, mas, no primeiro caso, isso ocorre pela falta de recursos interiores
e, no segundo caso, pela dureza externa da vida — ao contrário do Deus do
versículo 28! O s jovens é um termo genérico para o jovem do sexo masculino.
A palavrajovens é b a h íiñ m que pode estar relacionado com ib ã h a r (“escolher”),
por conseguinte, “homens escolhidos” (os que prendem o olhar do seleciona-
dor olímpico), “jovens na flor da idade”. K B , derivando a palavra de um verbo
distinto, traz “lutadores”, “homens em idade militar”. A sugestão, de qualquer
modo, é de homens jovens no auge da forma física — mas até mesmo esta tem
seus limites.
31 O termo esperam (com sua dimensão bíblica de certeza) é uma faceta
de v'çfãwâ, que também inclui “espera” (paciente) e “descanso” (confiança). A
forma participial aponta para aqueles em quem essa relação (de expectativa,
paciência e confiança) com o Senhor é imutável. Eles recebem a promessa de
força renovada (ih ã la p ), (lit.) “continuar pondo força nova”, e de força diferen-
te, uma força que não é natural, como se a pessoa ganhasse asas (cf. SI 103.5).
A águia é escolhida como convencionalmente a maior ave (Ez 1.10; Ap 4.7).
Também deve lhes ser concedida força divina. A pessoa natural (30a) não é
como Deus (28e), mas o cristão, quando a força divina incansável e inabalável
entra nele, encontra recursos interiores que não falham diante das exigências da
vida. O termo exaustos é como no versículo 30a; cansam é como no versículo 29a
(1cansado) e no versículo 30 {cansam).
c. O incomparável Deus de Israel: o governante do mundo (41.1-7)
Essa seção (cf. p. 399) é apresentada como uma cena na corte (“cheguemo-nos
juntos a juízo”, ARC; cf. 1.18, “venham, vamos refletir juntos”), ainda assim a
indicação da apresentação é mais um convite que uma confrontação. As “ilhas”
413 ISAÍAS 4 I . I - 7

e as “nações” — todo o mundo gentío — são convidadas a compardlhar as


bênçãos do Deus de Israel, mas eles, de preferencia, fogem para a segurança
da idolatría.

A1 O convite: as nações são chamadas para o Deus de Israel resolver


uma questão (1)
B A questão a ser resolvida (2-4)
B1 Quem controla a historia do mundo (2,3)?
Em sua iniciação e objetivos (2a-d)
Em seu processo (2e-3)
B2 A declaração do Senhor (4)
Nesse exemplo
Em geral
A2 A resposta: a fuga para a idolatría (5-7)

O poema consiste de seis estrofes de quatro linhas cada uma, exceto a


quinta estrofe de cinco linhas (5,6). As seções A1 e A2 são ligadas pelos termos
“ilhas” e “vamos encontrar-nos” (1) e “aproximam” (5) (ambos de iq õ rêb ).
As seções B1 e B2 têm em comum a forma interrogativa inicial e o “chamado”
(\q ã r a ). E importante observar que não é mencionado nenhum nome, embora
fique claro que eventos específicos estão em mente (2,3). Em outras palavras
(como no caps. 28— 29), Isaías discute princípios, nesse caso, o principio de ini-
ciação e direção na história mundial. A intenção fundamental ainda é o consolo
do povo do Senhor. As promessas do Senhor (40.1-11) são seguras porque é ele
que governa e dirige o mundo.
Convite para as nações (41.1)
A frase calem-se diante de m im é (lit.) “fiquem em silêncio diante de mim”
— uma construção sugestiva: “Venham a mim em silêncio”.1 Como acontece
com frequência em cenas da corte, o Senhor é tanto o juiz (1) quanto um dos
litigantes (2). Sobre ilhas veja 11.11 (com a nota de rodapé) e 40.15. O termo
“povos” (ARC), como a palavra menos específica, ajusta-se melhor a lé'u m n ñ m
que nações. A frase renovem as suas forças usa as mesmas palavras de 40.31,2 não

1 Cf. I S m 7 .8, p a s s a g e m e m q u e a frase “ n ã o p a re s d e c la m a r p o r n ó s ” e q u iv a le a: “ n ã o se


vá d e n ó s e m silê n c io ” .
2 A lg u n s e s tu d io s o s ( p o r e x e m p lo , A le x a n d e r) d e f e n d e m q u e o c o n v ite é p a ra o s id ó la tra s
se a p re s e n ta re m d ia n te d o S e n h o r c o m a n o v a fo rç a q u e s e u s d e u s e s c o n s e g u e m p ro v e r.
M u ito s e s tu d io s o s (p o r e x e m p lo , W e s te rm a n n , N o r t h , W h y b ray ) d e f e n d e m q u e a frase
“ re n o v e m as su a s fo rç a s ” é u m a re p e tiç ã o e q u iv o c a d a d e 4 0 .3 1 , in a p r o p r ia d a n e s s e c o n -
tex to , e o fe re c e m v árias c o rre ç õ e s . M as n o s c a s o s e m q u e a frase n ã o é u m a re p e tiç ã o c
O LIVRO DO SERVO 414

só formando uma ligação do tipo “dominó” entre as passagens, mas também


oferece aos gentios a mesma força que é privilégio de Israel. Esse é o ponto do
chamado, que será mais desenvolvimento em 41.21— 42.17. O cerne da men-
sagem de Isaías é que os gentios têm de ser coerdeiros com Israel (19.24,25;
27.13). Por isso, o Senhor estende a eles, nas pressões enfrentadas na vida, a
mesma renovação que está disponível para Israel, ou seja, ir a ele. N o entanto,
isso não pode ser feito assim: há uma questão a ser acertada, daí, a terminologia
de corte de aproximação, fala, reunião ejuísço (ARC) (m ispãt, não “condenação”,
mas chegando a uma decisão de autoridade). A expressão no lugar cie é “para”.
A q u estã o a se r reso lvid a (4 1 .2 -4 )
2 O versículo descreve um conquistador cujo nome não é mencionado
e é perguntado quem iniciou sua carreira (2a), quem é seu mestre (2b), quem
determinou o que ele fará (2cd) e como ele fará isso (2e,3). A interpretação
mais antiga é que a passagem se refere a Abraão, ou em sua vitória sobre os
reis (Gn 14) ou nas vitórias de seus descendentes sob o comando de Josué. A
primeira percepção fornece uma transição sem dificuldade para a referência, no
versículo 8, aos “descendentes” de Abraão, mas dificilmente explica a imagem,
nos versículos 5-7, de tumulto internacional, que se ajustaria a uma referência
a Josué (veja Js 5.1; 10.1; 11.1). A maioria dos intérpretes encontra aqui uma
antecipação das conquistas de Ciro (44.24— 47.15), bem conhecidas por sua
facilidade, velocidade e o pânico que geraram. Qualquer percepção e todas elas
podem ser acomodadas cm uma passagem intencionalmcnte não específica.
E óbvio que o conquistador em breve se transformará em Ciro, mas é melhor
deixar Isaías lançar essa notícia em seu próprio tempo. Aqui a preocupação do
profeta é só com a questão básica de onde repousa a autoridade e o governo
nos eventos mundiais. Ele responderá que todos os eventos têm origem no céu,
todos os indivíduos são incitados c guiados pelo Senhor, todos os impérios se
levantam e caem sob a direção dele: não existe nenhum outro agente supremo.
Esse monoteísmo e monergismo são o descanso adequado para a maioria das
dores de cabeça, o sedativo para o nervo mais esfarrapado e o fundamento para
a confiança nas promessas divinas.
O termo suscitou (ARC) é “despertou” como de um sono, referindo-se,
portanto, ao primeiro incitamento para a ação. A situação é com certeza pales-
tina, em que todo tumulto sério tinha origem no oriente (veja v. 25), na Mesopo-
tâmia, e todo atacante invadia pelo norte, ao longo da fronteira do Crescente
Fértil. A NVI, com a frase 0 chamou em retidão ao seu serviço, oferece a tradução

d u v id o s o q u e eles e s tim u le m o c o m e n tá rio . A frase e x p re s s a u m f o r te s e n tid o n o c o n te x -


to e m q u e está.
415 ISAÍAS 4 1 . 1 7 ‫־‬

correta de urna frase na qual foram encontradas dificuldades desnecessárias.1


A expressão em retidão podia bem ser apenas “retidão”, uma personificação do
Senhor, por isso, “o chamou em retidão”. A frase ao seu serviço/ “para o pé de si”
(ARC) é “segui-lo”. Assim, temos uma declaração que vai ao cerne da história
mundial e ao cerne do nosso problema ao tentar entender o que acontece. Não
seria razoável imaginar que os reis pensavam em Abraão como implementando
os princípios retos do governo mundial divino ou que os cananeus viam Josué
agindo “em justiça” ou que as nações conquistadas davam as boas-vindas a
Ciro como o agente de Deus. Eles deveríam ficar tão perplexos e cheios de per-
guntas do tipo “por quê?” quanto nós, em nossos dias. Mas eis aqui uma forte
e magnífica afirmação. O Senhor, em todos os movimentos nos assuntos do
mundo, é o iniciador, pretendendo e realizando o que está em harmonia com
sua natureza justa e política. A expressão e subjugando é “e o fez dominar” (ARC)
ou “para que ele possa dominar”.2 Na frase ele os entregou /.../ sua espada (ARC), ele
é o Senhor, sua refere-se ao conquistador. O Senhor continua no comando das
operações detalhadas daquele incitado por ele. A palavra p a lh a , como sempre,
representa a rápida implementação dos atos judiciais de Deus.
3 A expressão com segurança/ “em paz, inteireza, ventura” refere-se à serení-
dade e satisfação do conquistador comparado com a devastação que ele deixou
para trás (2ef). A NVI, a fim de apoiar sua tradução da segunda metade desse
versículo, introduz a palavra interpretativaja m a is , ausente do TM. A imagem é,
antes, de alguém que viaja com tal velocidade que seus pés parecem não tocar
o chão (lit.) ao longo de “uma vereda que não tinha trilhado com os seus pés”
(cf. D n 8.5).

1 O t e r m o “ r e tid ã o ” (sed eq ) c o b r e o s a to s /c o n d i ç ò e s h u m a n o s h a r m o n io s o s c o m o s p rin -


c íp io s m o ra is e e sp iritu a is só lid o s , c o r r e to s a o s o lh o s d e D e u s (SI 15.2) e ta m b é m n o s p ro -
c e s s o s ju d iciais ( D t 1.16), a h o n e s tid a d e c o m e rc ia l (L v 19.36) e in te g rid a d e (SI 7 .8 < 9 > ) .
O t e r m o q u a n d o u s a d o p a ra D e u s , re fe re -s e a su a ju stiç a p e rfe ita (Jó 3 6 .3 ), a m a rc a d e
su a lei (SI 119.7) e a o s im u tá v e is p rin c íp io s d e d ire ito s o b r e o s q u a is ele a g e c m fa v o r d e
se u p o v o (SI 4 0 .9 < 1 0 > ) , ju stific a -o s (SI 4.1 < 2 > ) o u o s e n riq u e c e (SI 3 5 .2 7 ). O t e r m o tam -
b é m é u s a d o c o m o u m a p e rs o n ific a ç ã o (SI 8 5 .1 0 ,1 1 , 1 3 < 1 1 ,1 2 ,1 4 > ) . E m Isaías, a p a la v ra
re tid ã o é u s a d a p a ra o s a to s o u c o n d iç õ e s h u m a n o s e m c o n f o r m id a d e c o m a v o n ta d e d e
D e u s (1 .2 1 ,2 6 ; 2 6 .9 ,1 0 ; 6 4 .5 ); p a ra o s p r o c e s s o s ju d ic iais (59.4); p a ra o c a r á te r d o re d im i-
d o (6 1 .3 ; 6 2 .1 ,2 ); p a ra o M e ssia s e m se u ju lg a m e n to (11.4; 16.5), p a ra se u c a rá te r (11.5) e
g o v e r n o (3 2 .1 ); a fid e lid a d e d o S e n h o r e m re la ç ã o a se u p o v o (4 1 .1 0 ; 4 2 .6 ; 4 5 .8 ,1 3 ; 51.5);
se u c a r á te r (4 2 .2 1 ) e su a p a la v ra (45.19; 51.7; 58.2) e c o m o p e rs o n ific a ç ã o (51.8; 58.8). A
tra d u ç ã o d a B S, o p t a n d o p o r “ v itó ria ” , p re s s io n a u m ta n to as re fe rê n c ia s a ju stific a ç ã o
fe itas a cim a , m a s su a n e c e s s id a d e d a e x p re s s ã o “ a c a d a p a s s o ” p a ra hagl?> n ã o te m e x em -
p io s n a s o u tr a s q u a to r z e o c o r rê n c ia s d e reg èl c o m / o u if, c m q u e t o d o s elas sig n ific a m
“ s e g u i n d o /d e p o i s ” .
2 O t e r m o “ s u b ju g a n d o ” é a tr a d u ç ã o d e y a rd (u m h ip h ila p o c o p a d o d e iradei). S o b re a for-
m a c o m p a r e c o m G n 2 9 .1 0 ; 2 R s 11.4 e s o b r e a s in ta x e veja D riv e r, p. 64.
O LIVRO DO SERVO 416

4 A pergunta inicial reitera o versículo 2ab, mas o pensamento desenvolve-se


de pronto da referencia sugerida aos atos de conquista ¡mediatamente prece-
dentes para uma percepção mais abrangente envolvendo ns gerações e, resultando
em um princípio de que o Senhor é sempre 0 prim eiro e está com os últimos.
Tanto o verbo operou quanto o fesç (ARC) são usados de forma “absoluta”, ou
seja, sem objeto declarado. A questão, portanto, é bem genérica: “Quem tem
operado e agido?” Com o termo cbama, nuanças de sentido são possíveis. Ele
pode significar “proclamar”, ou seja, “anunciar de antemão” de modo que o
resultado demonstra quem governa o mundo; “chamar pelo nome” como em
40.26, referindo-se ao detalhado governo divino providencial; “chamar adían-
te”, ou seja, para o destino determinado. O mesmo é verdade em toda a história
humana, o levantar de potentados e poderes para fazer a vontade divina. A
frase com 0 primeiro deles devia ser “sou o primeiro, e que sou eu mesmo com os
últimos”. Os deuses pagãos pertenciam com frequência às árvores genealógica
dos deuses, mas “lavé não tem genealogia”.1 Ele, em esplendor isolado, é “o
primeiro”, mas não estará sozinho no fim; estará “com os últimos” (plural).
Ele traz ao seu destino predeterminado aquele a quem criou, e o fim de seu
empreendimento criador chegará a uma triunfante conclusão. E provável que
o termo aquele (ARA) seja “eu sou aquele que descreve de antemão, a resposta
para a pergunta: ‘Quem?’ ” Mas é muito mais provável que seja uma expres-
são idiomática expressando a invariabilidade e autoconsistência do Senhor (cf.
46.4; SI 102.27<28>) ou sua existência ilimitada, absoluta (cf. 43.10,13; 48.12).
O mundo responde: a fuga para a idolatria (41.5-7)
As “ilhas” (1), convidadas a se aproximarem do único e verdadeiro Deus,
escolhem antes correr em conjunto para os fazedores de ídolos. Isaías, inciden-
tal a essa falsa escolha, continua sua polêmica contra os ídolos, o produto não
só da habilidade humana (7), mas também do temor humano (5,6). Os ídolos,
ao contrário do Senhor — o planejador, o proponente e o controlador — são o
produto do evento, parte dos arranjos defensivos das pessoas contra a vida. Os
ídolos exatamente como em 40.12-26 não podiam fazer demonstração contra
0 Senhor da criação, aqui eles são igualmente patéticos em relação ao Senhor
da história. Eles são até mesmo mais pegos pela guinada dos eventos que os
idólatras que os fizeram, que viram o advento do conquistador e se aproxim am ,
mas não do Senhor conforme convida o versículo 1. Eles voltam-se uns para
os outros (6) e, a seguir, voltam-se juntos para os ídolos (7).2 O versículo 7 (cf.
1 W h y b ray , p. 61.
2 N o r t h s u s te n ta q u e o s v e rsícu lo s 6,7 p e rte n c e m a 4 0 .1 9 ,2 0 c o m o u m a ú n ic a p e ç a e q u e esses
v e rsícu lo s fo ra m se p a ra d o s e m “ c o n te x to s a p ro p ria d o s ” . Is s o é p ro v á v el e c o n c o r d a c o m o
p rin c íp io “ m o s a ic o ” s o b re o q u a l o m ate ria l isaínico é re u n id o . B U S su g e re q u e eles d e v ia m
se r m o v id o s , e a N E B re m o v e -o s d e fato , d e s tr u in d o assim a e d iç ã o sutil d o corpus isaínico.
417 ISAÍAS 41.8 -2 0

40.18-20) descreve a lamentável condição do mundo, a qual Isaías levará ao


auge em 41.28,29.

d. Três imagens de consolo (41.8-20)


Λ passagem precedente (1-7) expôs a inutilidade da existência de outros
deuses e a condição do mundo pagão, mas foi secundário a sua tarefa funda-
mental de ministrar segurança a Israel. Sua mensagem é que é possível confiar
nas promessas do Senhor (40.1-11) porque ele é o governante do mundo, e
todos os eventos e todos os atores no palco mundial foram iniciados e con-
trolados por sua ordem. A passagem atual traz essa mensagem de conforto
ao seu ponto culminante com três imagens garantindo a intervenção divina: a
hostilidade humana (8-13, o servo cujos inimigos são subjugados); a fragilidade
pessoal (14-16, o verme que se transforma em debulhador) e as circunstâncias
adversas (17-20, o viajante do deserto que recebe provisão de forma milagrosa).
O servo vitorioso (41.8-13)
Com base em fundamentos estilísticos, é possível sugerir que essas passa-
gens com três origens distintas foram reunidas aqui em um mosaico de con-
forto. Primeiro, os versículos 8 e 9 formam uma unidade de sete linhas sobre o
tema da relação especial que Israel/Jacó desfruta com o Senhor, fundamentada
nos atos e na escolha do Senhor. As palavras servo e escolhí formam um inclusio
[criar uma estrutura ao pôr material similar no início e no final de uma seção].
Segundo, os versículos 10 e 13 pertencem à redação (o enfático pronome eu,
não tenha medo, seu Deus, mão direita e ajudarei) e ao tema (o povo destemido por
causa do Deus sustentador). Terceiro, os versículos l i e 12 consistem de quatro
linhas equilibradas, o hebraico musical com a verdadeira qualidade isaínica. Em
contrapartida ao tema em torno do servo que parece ter todo motivo para estar
com medo, são antes os inimigos, cujas esperanças são desapontadas (llab),
que não dão em nada (1 lcd,12cd) e que não podem ser encontrados (12ab).

A A introdução. O servo: escolhido, tomado, chamado, reafirmado (8,9)


B1 A mão direita divina, segurando (10)
C A obliteração total dos adversários (11,12)
B2 A mão direita humana, segurada (13,14)

8,9 Esses versículos falam da posição de Jacó/Israel como servo de Deus.


Não se deve pensar nunca na escravidão/servidão do Antigo Testamento nos
moldes da escravidão ocidental do índio na era cristã. A legislação mosaica es-
tendia sua proteção ao escravo e — assim era a instituição — tinha de prover
para o escravo que amava seu senhor e não deixaria a escravidão (Ex 21.2ss.).
Esse “servo”, como um tópico de condição social, podia estar na parte inferior
O LIVRO DO SERVO 418

da porção da vida, mas, em outro sentido, ele era tão poderoso quanto seu se-
nhor, pois se ele fosse molestado alguma vez, o senhor, o molestador, teria de
prestar contas disso.
8 Ser esse servo é um assunto de escolha divina (8b) e surge da fidelidade
divina. A promessa divina para Abraão continha um princípio de família en-
volvendo um compromisso igual com os descendentes/ “semente” de Abraão,
selados na circuncisão (Gn 17.7). A expressão meu amigo é (lit.) “quem me ama”.
Deuteronômio 7.7,8 diz que a eleição teve origem no amor divino, mas resulta
em amor que corresponde (ljo 4.19). N o entanto, o ponto aqui é provável-
mente apenas a intimidade do relacionamento e sua persistência na família da
aliança.
9 Ser esse servo é implementado pela ação divina. A frase dos confins da
terra [...] eu os chamei é uma expressão poética que se refere ao tirar Abraão de
Ur e Israel do Egito. É um sinal da influência divina toda a terra e da seleção
deliberada desse homem e dessa família. A eleição também é expressa pela
palavra divina {eu disse), e não é um assunto de pensamento obstinado nem
mesmo de opinião humana bem fundamentada, mas uma verdade da revelação.
O tempo perfeito disse ilustra o ambiente do tempo verbal hebraico: “eu disse”
(no momento em que a condição de eleito foi revelada pela primeira vez); “eu
tenho dito” (e continua a ser verdade); “eu digo” (definitivamente, como uma
questão de decisão estabelecida). Essa eleição carrega consigo uma garantia de
perpetuidade. A expressão não [...] rejeitei (h nã^as, “repudiado com desdém”) é
um tempo perfeito de determinação: “não determinei”.
10 A ordem para renunciar ao medo fundamenta-se na presença divina (a fra-
se estou com vocêé lit. “com vocé [pronome enfático eu] estou”) e no compromisso
divino pessoal (sou 0 seu Deus). A expressão não tenha medo (·Jsã‘â, “observar”; aqui
no tempo hitpael) significa “lançar olhares dessa e daquela maneira” como se
não soubesse para onde olhar em busca de segurança (17.7,8; 22.4; 29.9; 32.3).
Mais um motivo para não temer é a promessa de ajuda divina: fortalecerei, ajudarei
c segurarei são todos eles verbos no tempo perfeito de determinação. Cada um
deles é prefaciado pela partícula ,ap que sobrepõe um pensamento sobre o
outro: “Sim, o fortalecerei! Na verdade, o ajudarei! Porque o segurarei”. Sobre
segurarei (jtãm ak) veja Êxodo 17.12. A retidão moral e a imutabilidade de Deus
dão ainda mais garantia: m inha mão direita é “a mão direita da minha retidão”, ou
seja, aquela que implementa (a mão é o órgão de ação pessoal) meus propósitos
e caráter justos.
11,12 Esses versículos são a peça central dessa seção. Eles formam quatro
linhas de padrão equilibrado: “Eles amontoarão vergonha e desgraça — todos
que se enfurecerem com você!” Há um arranjo do tipo a-b-a-b: a experiência
do oponente (lia); o desaparecimento total (11b); a experiência do servo (12a);
419 ISAÍAS 41.8 -2 0

o desaparecimento total (12b). O todo da seção abre com a expressão hen que
significa “eis” (ARC) ou “veja” (NVI, certamente), exigindo atenção dramática.
O progresso da oposição é traçado da emoção {odeiam), da formulação de uma
queixa {os que o odeiam é lit. “os homens de seu processo”, ou seja, “aqueles que
têm um caso contra você”) e do envolvimento na luta {seus inimigos é lit. “os
homens de sua luta”, ou seja, “aqueles que se opõem ativamente a você”) até
a guerrja / declarada. N o entanto, da mesma maneira que a oposição aumenta,
também o faz sua ineficácia suprema: a raiva semeia “humilha[ção]” (11a), o
processo judicial fracassa (11b), os oponentes desaparecem (12a) e o inimigo é
reduzido a nada (12b, o mesmo vocabulário de 40.17). É uma coisa temerária
se intrometer com o servo de um senhor desses!
13 Esse versículo casa com o versículo 10 e completa a seção. C) compro-
misso do Senhor com seu servo é ser seu Deus, segurá-lo, falar em confiança e
ajudar. Os termos segura e di% são participios significando condição imutável. O
verbo ajudarei é um perfeito de determinação, aqui intensificado pelo pronome
enfaüzador, com o sentido de “eu mesmo me determinei a ajudá-lo”.
O verme transformado (41.14-16)
A segunda imagem de consolo é a de um indivíduo fraco que acaba por ser
dominante. Os três versículos são três estrofes de quatro linhas.

A 1 A fraqueza exposta; ajuda do Senhor, o Santo de Israel (14)


B A transformação (15)
A2 A força exercida; a alegria no Senhor, o Santo de Israel (16)

Quaisquer barreiras (15, montes) podem confrontar o povo do Senhor, elas


não têm de ser medidas proporcionalmente à fragilidade inerente das pessoas
(14, verme), mas proporcionalmente à promessa do Senhor de transformar {eu
0 tornarei).
14 O termo verme simboliza um ser desesperadamente inferior para a ta-
refa; inferior tanto diante de Deus (jó 25.6) quanto quando comparado com
os antepassados e os contemporâneos (SI 22.6<7>). Como um verme pode re-
mover montes ? O pequeno Israel é “homens de Israel”; rtfíim (“homens”) é usado
com frequência em contextos que expõem a fragilidade humana (por exemplo,
Gn 34.30; D t 4.27; Jó 11.11).1A enfática declaração divina eu mesmo (o pois deve

1 T a lv e z a N V I tra te o t e r m o rríte y iír ã *èl c o m o u m a e lip se d e trfjê m isp a r y i s r a ê l (“ h o m e n s


d o n ú m e r o d e I s ra e l” , “ c o n tá v e l”) in d ic a n d o , p o r ta n to , u m p e q u e n o n ú m e r o d e h o m e n s .
A s s im , D e litz s c h , S k in n e r c S im o n c o r rig e m p a ra rim a j (“ in s e to s ” ) c o m o o f e r e c e n d o m e-
lh o r p a ra le lis m o c o m “ v e r m e ” . D r iv e r su g e re o t e r m o a c a d ia n o m u tu (“ p a ra s ita , p io lh o ”)
(veja B H S , W h y b ra y ). I s s o to r n a c o n c e b ív e l a lg u m tip o d e p a ra le lo c o m “ v e r m e ” , m as
d e s tr ó i a im a g e m p o r m e io d a q u a l o v e r m e e s m a g a o m o n te .
O LIVRO DO SERVO 420

ser omitido) continua em contraste com a incapacidade humana exposta. Sobre


declara (rfum ) veja 1.24; e sobre Redentor (gõ^êt) veja 35.9. N os versículos 10-13,
o atributo divino era a retidão, a fidelidade ao compromisso e a firmeza de ca-
ráter. N o entanto, agora o Senhor, de forma adequada à fraqueza inerente do
verme, é o Redentor, aquele que toma sobre si mesmo, e como se fossem suas,
todas as necessidades de seu próximo. O Senhor, na plenitude de sua divindade
essencial, 0 Santo de Israel, é o próximo de seu fraco povo.
15 O Senhor agirá na transformação. Primeiro, o verme se transforma em
um debulhador. Esse aparelho era uma pesada plataforma de madeira que tinha
fixado na parte de baixo pedras afiadas e peças cortantes de metal que eram
arrastadas sobre a colheita para cortar o talo no processo de preparação para
peneirar. Segundo, essa marreta em particular é (lit.) “cortante” (ou seja, está
preparada para a tarefa), novo (em condição privilegiada) e tem m uitos dentes (lit.,
é um “especialista de dentes”, ou seja, tem dentes notavelmente eficientes).
Consegue debulhar os montes, aparentemente obstáculos intransponíveis (cf. Zc
4.7).
16 Aqui temos outro estágio da transformação: o debulhador se torna o
joeireiro. Dessa vez ele não é auxiliado pelo desejado vento brando que ajuda
na hora de peneirar, pois simplesmente separa a palha em um monte, mas é aju-
dado pela forte ventania (as “forças da natureza” como símbolo da interferên-
cia divina) que a remove sem deixar traço. O poder divino tanto as transforma
(15) quanto remove as barreiras que se opõem a eles (16). O povo se regozijará
[exultará] no Senhor e no Santo de Israel se gloriará [se vangloriará]. A alegria, como
sempre, é o símbolo da entrada gratuita no que o Senhor tem feito.
O necessitado sustentado (41.17-20)
A imagem agora muda para as circunstâncias adversas e a provisão divina.
O Deus justo dos versículos 8-13 e o Redentor dos versículos 14-17 agora é o
Criador (20) transformando sua criação (18,19) para o benefício de seus neces-
sitados (17). Cada versículo é uma estrofe de quatro linhas:

A 1 O necessitado clama ao Senhor, o Deus de Israel (17)


B1 O deserto inundado de água (18)
B2 O deserto rico em crescimento (19)
A2 O necessitado reconhece a mão do Senhor, o Santo de Israel (20)

O Senhor é a resposta da oração a Deus (17) e ao Criador (20). Ele, em


resposta ao clamor do necessitado, cria uma nova terra em torno deles — o
tema é o da jornada de êxodo (Ex 15.22ss.; 17.1ss.), a realização suprema é os
“novos céus e nova terra” do dia escatológico, mas a experiência cobre toda a
peregrinação do povo do Senhor (SI 84.6<7>).
421 ISAÍAS 4 1 . 2 1 - 2 9

17 O pobre Çãríí) é esmagado sob o peso (10.2); e o necessitado Ç ebyôn) é


impotente diante do desafio das adversidades da vida (14.30). A busca por água
nesse contexto (18,19) indica o tema do éxodo da jornada no deserto. Sobre
a forma de ressequidas {inasa}) aquí veja G K C 20i (cf. 19.5; Jr 18.14; 51.30). A
imagem de necessidade é diretamente equilibrada pela verdade de um Deus que
responde à oração.
18,19 A água (18) e a sombra (19) são as duas grandes necessidades do via-
jante do deserto (Êx 15.27). Nenhuma das árvores mencionadas é frutífera: a
questão é abrigar, proteger. A imagem é palestina, pois essas árvores não seriam
familiares na Mesopotâmia. As águas envolvem um ato divino triplo: inovação
(água sobre colinas estéreis-, Ex 17.1ss.); multiplicação (fontes onde já havia água) e
transformação (áreas resistentes à água, deserto e chão ressequido, transformando-se
no que já tinham combatido). As fontes, no versículo 18, são os lugares onde o
indivíduo vai em busca de água; no versículo 18d, elas (lit. “emissões”) são o
lugar de onde a água flui. Alexander observa que as árvores mencionadas aqui
não seriam comumente encontradas juntas, ou seja, nas mesmas condições, que
intensifica a ideia de um ato de operação de Deus admirável. O termo ju n to s
também pode significar “de repente”.
20 A palavra povo podia ser “eles”, uma referência retroativa ao necessitado
do versículo 17. Podería ser acrescentado o termo “junto” ou “imediatamente”
depois de saiba, casando com a mesma palavra no versículo 19 e lhe dando a ur-
gência e unanimidade em reconhecimento que esse é o ato do Senhor. A visão
incita o conhecimento e mais reflexão (considerem [ARC] é lit. “definir a mente
em”) leva ao entendimento. Sobre o Senhor /.../ 0 Santo de Israel veja o versícu-
lo 14 e sobre criou veja 4.5.

2 .0 consolo dos gentios (41.21—42.17)


Essa seção, apesar de conter uma diversidade de material, é um todo coe-
rente. (Veja o esboço na p. 387.) E insuficiente para lavé fazer apenas uma
declaração de direcionar a história mundial (w. 1-7,8-20) — todos os deuses
teriam registrado a mesma declaração. Portanto, é essencial oferecer alguma
prova. Isaías apresenta um caso teste: predizer um evento e, depois, cumprir a
predição demonstraria o controle dos processos históricos. Os deuses ídolos
falham nesse teste (41.21-24), mas o Senhor é bem-sucedido. N o curso da ex-
posição do vazio dos deuses ídolos, fica aparente a condição dos devotados a
eles (24,28,29), e uma segunda questão é levantada: se o Senhor é o único Deus
e soberano na história mundial, será que ele não cuida da humanidade gentia
em sua necessidade desesperadora? A resposta é dada na ligação entre “veja”
(héri) em 41.29, apontando para a necessidade do gentio, e “eis” (hên ) em 42.1,
apontando para o servo que “trará justiça às nações”. O Senhor fala em con-
O L IV R O D O S ER VO 422

firmaçâo dessa tarefa universal de seu servo (42.5-9) e o mundo é chamado a


cantar em responsiva alegria (10-17).

a. Uma cena na corte: os deuses ídolos são expostos e a condição do


mundo fica evidente (41.21-29)

As partes vão à corte


A convocação para a corte: () Senhor diante da corte:
O Senhor desafia os deuses ídolos (21) sua declaração (25)

O ponto a ser provado na lei


Será que os deuses ídolos conseguem Só o Senhor prediz (26,27)
predizer ou agir? (22,23)

() resumo do juiz
A não entidade dos deuses; Os ídolos inúteis em
a condição dos idólatras (24) palavra e obra; a condição
dos idólatras (28,29)

21 O discurso aqui é para os idólatras, convida-os a apresentar um caso


para seus deuses, conforme indica o convite do versículo 22 (tragam os seus ído-
los). As palavras di% /.../ di% é “continuar dizendo” (cf. 40.1). O termo causa é
“seus pontos fortes”,1 daí “provas” (Westermann) “seu caso apresentado da
forma mais forte”. C) Senhor se apresenta como o rei de Jacó, pois o momento
é para apenas um Deus nacional entre muitos. Esse é o aspecto pragmático do
monoteísmo do Antigo Testamento: o povo do Antigo Testamento, enquanto
do ponto de vista do credo confessa apenas um Deus, estava (como estamos)
cercados por pretendentes à divindade. Por isso, o Antigo Testamento diz que
0 Senhor está “acima de todos os deuses” (SI 95.3) sem em momento algum
admitir a realidade desses deuses. O Senhor aqui desce humildemente em um
tipo de “procissão de identidade” de deuses rivais a fim de que a verdade possa
ser isolada do que é espúrio.
22,23 O primeiro verbo não tem objeto declarado: “Tragam os seus ído-
los para nos dizerem” é mais bem entendido (com a NVI) como uma ordem

1 N ã o h á e x e m p lo p a ra le lo d e s s e u s o d e “ p o n t o s f o r te s ” . SI 10.10, “ se u p o d e r ” , in d ic a a
p e rm is s ib ilid a d e d e p e r m itir q u e o c o n te x to p r o je te u m s e n tid o a d e q u a d o . S im o n ace ita
a c o r re ç ã o d e <asu m ô jêkem p a r a 'a zzfb ò jékem (“ se u s íd o lo s ”). E s s a f o r m a n ã o o c o r r e n a
B íb lia, a p e s a r d e o c o r r e r o t e r m o t‫־‬sabtíim (ls 10.11; 46.1).
423 ISAÍAS 4 1 . 2 1 - 2 9

para os idólatras trazerem seus deuses — com mais que um olhar de esguelha
nos “deuses” que têm de ser “tra[zidos]”l O desafio geral é nos diferem o que
vai acontecer e, a seguir, isso é dividido em dois aspectos específicos. Primeiro,
será que eles podem nos cont a r como eram as coisas anteriores e seu resultado (omite
o termo fin a l)} O convite é para explicar o fluxo da historia e a tendência dos
eventos passados. Q u e é o uso qualitativo do pronome interrogativo md\ “Que
tipo de coisas?” Em outras palavras, será que os deuses ídolos têm um senso
da história? Será que eles conseguem examinar um evento com discernimento
e dizer para onde ele levará? Será que eles, ao entender o passado, conseguem
predizer o futuro? Segundo, será que eles têm um poder absoluto de predição
(23)? Essa questão passa da capacidade para discernir o fluxo dos eventos para
a capacidade de controlar o fluxo dos eventos de modo que uma predição seja
cumprida. Responder de forma afirmativa a essas questões é provar que eles são
deuses. A frase façam alguma coisa, com a partícula 'a p prefixada, é como um urro
de escárnio. Uma vez que as palavras boa ou m á é uma expressão idiomática com
0 sentido de “o que quer que seja” (Gn 31.24), seria preferível ter “por que/na
verdade, façam qualquer coisa”! A expressão cheios de temor (sã'a) é “olhar com
espanto” (cf. v. 10). O segundo verbo é ou “temer” (w 'riira‘) ou “ver ( v fm r ie h f
com entendimento”, dependendo se seguimos o texto Ketiv ou Qeri. Ambos
os verbos se ajustam ao contexto. Os verbos são enfatizados pela última palavra
da frase “juntamente” (ARA) (yahdáw ), omitida pela NVI.
24 A suposição é que os desafios (22,23) são seguidos pelo silêncio dos
ídolos-deuses, e o juiz intervém para recapitular o que já fora dito. Esse ver-
sículo inicia com a palavra “vejam” (hên), que o liga com o versículo parelho
29 e torna-o uma preparação para a passagem 42.1. (Veja o esboço e a nota
introdutória.) A frase sois menos que nada (mê 'ayin) (ARA) podería ser traduzida
por “parceiros da não existência”. A expressão totalmente nulas ( m e 'e p a ) é uma
construção paralela. A palavra 1*e p a ‘ não é conhecida, mas pode derivar de ip ã 'ã
(“ofegar”; cf. 42.14) daí “gemo”, aqui simbolizando o que é insubstancial e
imperceptível. N o entanto, a maioria dos estudiosos corrige para 'ep es (como
em 40.17), com o sentido de “parceiro de inexistência”. As palavras os escolhe
contrasta com o versículo 8. O termo detestável é usado para o que aborrece o
Senhor (por exemplo, D t 7.25,26); as pessoas ficam como seus deuses (SI 115.8;
Jr 2·5)·
2 5 2 7 ‫ ־‬O Senhor registra sua declaração de que é ele quem inicia os mo-
vimentos históricos (25) e prediz o que acontecerá (26,27). Mas o mundo de
Isaías era cheio de prognosticadores e estava ávido para prever o futuro. Isso
levanta um problema psicológico de considerável dimensão se o Isaías dessas

1 O v e r b o a q u i é u m a f o r m a e x o rta tiv a b a s ta n te ra ra (cf. SI 7 7 .4 ; 1 1 9 .1 1 7 ). Q a traz. wn'sm'h,


o e q u iv a le n te d e w’nisnTa', “ q u e c o n s e g u im o s o u v ir ” .
O L IV R O D O SER VO 424

passagens tem de ser datado nos anos babilonios (e, na verdade, de Ciro). Urna
asserção branda de que o Senhor prediz, mas os ídolos não podem merecer
apenas o comentário de Duhm de que o “Deuteroisaías não tem o mais leve
traço de autocrídca”. (Veja Whybray, que adiciona comentários de que “o pro-
feta não tenta ser justo com as religiões pagãs, cujos adeptos poderíam com
certeza produzir argumentos em defesa de seus deuses”.)1 Claramente, os as-
suntos não podem ser deixados assim, pois o profeta não dá a impressão de
ilusão paranoica nem suas apresentações equilibradas nos permitem achar que
ele negligenciou uma contestação óbvia. Para ele, fazer isso não só o marcaria
como alguém que “não tem o mais leve traço de autocrídca”, mas muito mais
simplesmente como um tolo.
N o entanto, nessa passagem, como de fato em 44.24— 45.7, a precisão da
declaração do Senhor merece mais atenção. E ele que desperta o conquistador
como se do sono para fazer sua vontade pré-determinada (25). A mente do Se-
nhor está por trás disso tudo. Ele predisse tudo antes de qualquer evento acon-
tecer (26,27). A palavra antedpadamente (ppãríim) (26) sempre tem seu sentido
definido pelo contexto, às vezes (como cm ISm 9.9) significando apenas “and-
gamente”, mas com mais frequência “dantes” (Js 11.10; 14.15; Jó 42.11, ARC).
De todo jeito, a sugestão é que a predição aqui antecedeu o “despert[arj”. No
versículo 27, levando em consideração a ordem das palavras, o entendimento
mais natural do hebraico não é “eu sou o que primeiro” (ARC) (isso, com certe-
za, exigiría hãrV sôn, na analogia de Jr 50.27), mas “a primeira coisa que aconte-
ceu foi que eu” (conforme sugere rV sôn). A argumentação dos versículos 5-7 é
que os ídolos-deuses expostos pelo fato de que só são sábios depois do evento;
a afirmação do Senhor é que só ele é sábio antes do evento e diz isso.2
25 O verbo desperteié um perfeito de certeza (cf. v. 2). Uma vez que esse con-
quistador anônimo se tornará de fato Ciro não é irrelevante o fato de que ele se
origina do leste {desde 0 nascente) da Babilônia, mas veio como um atacante do norte.
Mas o ponto principal é como no versículo 2. Aqueles (por exemplo, Whybray)

1 W h y b ray , p. 69.
2 W h y b ra y o b s e r v a e sse p o n t o e m se u s c o m e n tá r io s s o b r e o v e rs íc u lo 2 7 e e x p lic a -o ao
a s s u m ir a e x is tê n c ia d e p r e d iç õ e s n ã o re g is tra d a s n o A n tig o T e s ta m e n to . “ É e v id e n te q u e
a a u d iê n c ia d o p r o f e ta sa b ia is s o ” . E le s p o d e m a té m e s m o te r “ p ro fe c ia s a n te r io r e s d o
p r ó p r io D e u te r o is a ía s ” . S m a r t o b s e r v a q u e “ p o d e r ía s e r tra p a ç a d a p a r te d o p r o f e ta fa ze r
p re d iç õ e s c o n c e r n e n te s a C iro c o m b a se e m re la to s d e [seu] c a r á te r e t r iu n f o s c, a seguir,
r e p r e s e n ta r e sse s tr iu n f o s c o m o p r o v a d o p o d e r d o D e u s d e Isra e l p a r a re v e la r e c o n tr o -
lar o f u t u r o ” (p. 6 5 ). I s s o e n fa tiz a d e f o r m a m u ito c o n tu n d e n t e o s p r o b le m a s in e re n te s
à h ip ó te s e D e u te ro is a ía s e m re la ç ã o a o a rg u m e n to d e p re d iç ã o . A re c u s a e m e s tim u la r
a p r e d iç ã o d e u m n o m e p e s s o a l (4 4 .2 8 ; 45.1) p re c is a d e u m a d a ta n a c a rre ira d e C iro e,
p o r c o n s e g u in te , as p r e d iç õ e s “ d e s d e o p r in c íp io ” (tu “ d a n te s ” d e v e m s e r e x p lic a d a s in-
v o c a n d o as p ro fe c ia s p e rd id a s. A luz d e su a ê n fa s e n o a r g u m e n to d a p re d iç ã o , a fa lh a d o
“ D e u te r o is a ía s ” e m p re s e rv á -la s é u m p r o b le m a sério.
425 ISAÍAS 4 1 . 2 1 - 2 9

que introduzem Ciro nesse contexto com frequência argumentam que as palavras
proclamará 0 meu nome 1significam que ele se tornaria um adorador do Senhor, mas
esse é apenas um dos quatro sentidos das palavras q ãrahfY em (Gn 12.8; 13.4). Os
outros sentidos são: nomear uma pessoa ou coisa para uma função específica
(40.26; Êx 35.30); entrar em especial intimidade (43.1) e proclamar (Ex 33.19;
34.5). As próprias palavras e o contexto se ajustam ao entendimento de que
porque a ascensão e a carreira do conquistador casam com as predições pre-
cedentes, ele proclamará por meio de seus atos o nome do Senhor. (Veja mais
em 45.1-7.) Na frase piscd em governantes a última palavra {segãrüm) só é encon-
trada aqui em Isaías (cf. Ne 2.16; Jr 51.23,28). Não é uma palavra tardia, mas
é emprestada do acadiano e significa “governador provinciano”. Os termos
argamassa , oleiro e barro são, como sempre, uma imagem da soberania sobre um
objeto submisso (22.11; 27.11; 29.16; 43.1; 44.2).
26 Veja acima a nota introdutória sobre os versículos 25-27. A frase ele
estava certo é o uso forense de “justo”: “Ele tinha os direitos do assunto”/ “Ele
estava no direito”. O Senhor é recompensado com o veredicto, sendo seu caso
sustentado pela evidência do poder profético. Cada uma dessas três sentenças
começa com a partícula enfática e cumulativa ’ap (cf. 40.24) com o sentido
de “na verdade [...] sim, de fato [...] ó, sim, de fato” (Cf. a construção ’ap no
versículo 23 paralelo.) O primeiro verbo é genérico, “ninguém o revelou”; o
segundo (0 fe% ouvir) sugere um informante trazendo uma palavra do deus; e o
terceiro {ouviu) é o ápice, não há nada a relatar porque não há nenhuma voz a
ouvir! Ainda assim o mundo de Isaías estava cheio de mensagens de ídolo. A
força dramática é que ele vê os ídolos reduzidos ao silêncio pela evidência do
poder profético sem precedentes do Senhor.
27 Os comentaristas se apressam em corrigir esse versículo porque o he-
braico é staccato. Mas isso, conforme observa Simon, é evidência apenas de
intensidade dramática: “Desde o principio, eu disse a Sião: Veja, estas coisas
acontecendo! A Jerusalém eu darei um mensageiro de boas-novas”. Sobre o
termo princípio veja acima a introdução aos versículos 25-27. A expressão estas
coisas acontecendo é uma referência aos dramáticos eventos por vir. A frase um
mensageiro de boas-novas é o participio p ie l de ib a s a r , com o sentido característico
de “um evangelista”, alguém trazendo as boas-novas (veja 40.9; mas cf. ISm
4.17). A predição aqui se torna interpretação, não só profetizando eventos por
vir, mas formulando seu sentido para o povo do Senhor.12

1 A L X X tra z a in in te lig ív el frase “ eles s e rã o c h a m a d o s p e lo m e u n o m e ” ; Q ‫ '׳‬tra z “ e m / p o r


s e u n o m e ” . H H S c o m b in a d e f o r m a se letiv a e le m e n to s d e a m b o s c o m “ e ele se rá c h a m a -
d o p o r s e u n o m e ” , o u seja, c o n v o c a d o p e s s o a lm e n te p e lo S e n h o r (c o m o 4 0 .2 6 ).
2 A N V I e a B H S c o rrig ira m o T M (W y ã b õ ’) p a r a w ayyãbõs. O h e b r a ic o u sa o v e r b o “ v ir”
c o m u m o b je to d ir e to (2 8 .1 5 ; SI 35.8; E z 3 8 .11) c o m u m s e n tid o h o s til, “ v ir c o n tr a ” .
O L IV R O D O SER VO 426

28,29 Pela segunda vez o caso da corte é recapitulado em uma exposição


da falsidade dos ídolos e da condição de seus devotos. Não é inequivocamente
certo a quem Isaías se dirigia nesses versículos, se aos ídolos ou aos idólatras.
Mas, seguindo do versículo 27, o “conselheiro” e quem “dê resposta” (28) po-
deria ser o mensageiro dos deuses (da mesma maneira que o Senhor faz uso de
um mensageiro de boas-novas). A força do versículo, portanto, é que o mundo
gentío não tem uma voz clara que venha de fora, sem uma revelação verdadeira
de Deus. O versículo 29 deve ser entendido à luz de seu paralelo com o versí-
culo 24 (veja o esboço acima).
Versículo 24 Versículo 29
Mas vejam (hen ) só! Eles não são Veja (hêri), são todos falsos
nada Çayirí). E as suas obras são to- (ãwen)\ Seus feitos são nulos Çepes);
talmente nulas Ç e p a j ; detestável (tô suas imagens fundidas não passam
' êbâ ) é aquele que os escolhe! de um sopro e de uma nulidade
(tõhu)[

O versículo 24 lida com os ídolos-deuses; o versículo 29, com os idólatras.


Em relação ao Senhor, o termo falsos (ã w e n ; veja 32.6) significa o que não é
verdade ou é ilusório. Por conseguinte, o idólatra está envolvido em religião
fraudulenta, o problema que ela traz e a iniquidade pessoal da falsa adoração.
A palavra obras/ “feitos” (BJ) refere-se aos ídolos que eles fizeram. Sobre nulos
veja 40.17. O sopro é uma imagem de algo a que falta substância e fidelidade (Ec
1.14). A nulidade é “caos” (TB) (cf. sobre 24.10).
b. O remédio: o servo como a resposta do Senhor para a condição do
mundo (42.1-9)
Cada uma das seções paralelas em 41.21-29 terminaram com hén (“veja”/
“eis” [ARC|) — “vejam só, eles [ídolos-deuses]” (24); “veja, [os idólatras]” (BJ);
e agora “eis o meu servo” (42.1). O servo sobe ao palco específicamente para
executar uma tarefa universal de revelação, o remédio do Senhor para o vazio e,
cm particular a ausência de uma palavra garantida de Deus (41.28), que marca
o mundo gentio. Os nove versículos estão em duas partes: nos versículos 1-4,
o Senhor fala de seu servo, descrevendo sua tarefa; nos versículos 5-9, ele fala
p ara seu servo, confirmando sua tarefa. Não é levantada a questão da identidade
do servo, a atenção é restrita ao que ele tem de fazer. Claro que ao rememorar
nos lembramos da expressão “Israel, meu servo” (41.8) e é razoável pensar
em Israel, o servo do Senhor, cumprindo a intenção universal intrínseca em
sua eleição. Mas, nesse ponto, a questão da identidade do servo é imprópria.
E necessário permitir que Isaías revele a história de sua própria maneira, e sua
primeira preocupação é a tarefa do servo.
427 ISAÍAS 42.I-9

A tarefa e o sucesso do servo (42.1-4)


A justiça (1mispãt)1 é a principal ideia d esse p rim e iro c â n tic o d o serv o , ap o n -
ta n d o p a ra o e sc o p o d o tra b a lh o d o servo, sua co n fiab ilid ad e na ex ecu ção da
tarefa e sua p e rse v e ra n ça p o r m eio da realização d a m esm a. A palavra mispãt é
versátil, m as seu se n tid o é claro n o c o n te x to . O te rm o , à luz d a cen a da co rte
p re c e d e n te , d eve m a n te r seu se n tid o de “ ju lg a m e n to d e a c o rd o c o m a lei” , o re-
su ltad o d o in q u é rito judicial e n tre o S e n h o r e os ídolos. A ssim , o serv o leva ao
m u n d o a m e n sa g e m de q u e existe a p en as u m D eu s. S egue-se a u to m a tic a m e n te
o u tra n u a n ç a d e sen tido: a “ justiça” re su m e as coisas q u e o S e n h o r estabeleceu
de fo rm a au toritativa. É u m a palavra co n cisa p a ra a verd ad e d o S e n h o r revelada
(cf. n o v. 4, o paralelism o e n tre justiçae lei/“ d o u trin a ”) e suas exigências. N esse
se n tid o am plo, o se rv o traz a v erd ad e d e D e u s p ara o m u n d o , u m c o n traste
c o n tu n d e n te co m sua situação a n te rio r (41.24,28,29). A terceira n u an ça ap ro -
p riad a d e se n tid o é a c o rre ç ã o d e e rro s, a in stitu ição d e u m a o rd e m justa — um
p ro s p e c to asso ciad o à p ró p ria v in d a d o re in o d o S e n h o r (SI 96.11-13; 98.7-9).
O p o e m a c o n siste d e três e stro fe s d e q u a tro linhas:

A 1 O m in istério d a verd ad e d o servo: a relação divina e a d o ta ç ã o so b re


a qual re p o u sa e seu e sc o p o universal (1)
B O m in istério d o se rv o para o povo : o estilo e o b jetiv o s (2,3b)
A 2 O m in istério d a v erd ad e d o servo: fiel, inabalável, b e m -su c e d id o e
a satisfação das necessidades d o m u n d o (3c,4)

A p rim eira e a terceira e stro fe s e stã o v e rb a lm e n te ligadas pela frase “ trará


justiça” (ld ,3 c ) e pela universalidade d e nações (ld ) e ilhas (4c). A seg u n d a e a
terceira e stro fe s tê m u m a associação in teressan te n a g en tileza d o serv o co m o
caniçorachado e o paviofumegante (3ab) e sua p ró p ria im p en etrab ilid ad e ao fum e-
mostraráfraquega n e m sedeixaráferir) (4a).
g ar e à Tachadura (ele n ã o

1 D e t'sápat (“julgar/fazer um julgamento autoritativo”), o substantivo (mispãt) significa,


p o r formação, “aquele que rcsum c/expressa esse ato ”, daí, “ um decreto legal” (Ex 21.1),
em especial uma “d ecisão/ordenança” divina (SI 81.4). O s seguintes sentidos surgiram
disso: “decisão de acordo com a lei” (N m 27.21; Jz 4.5), o fazer um julgamento em um
caso (D t 1.17), o próprio “caso” (N m 27.5) e tam bém a “decisão certa” em quase toda
situação (28.26). A palavra tam bém significa o “direito” devido a uma pessoa (D t 18.3), a
“conduta correta” (adequada à norm a) tanto das pessoas (G n 18.19) quanto de D eus (Gn
18.25) e a “justiça” no sentido de conceder a alguém seus “direitos” (1.17). C onform e
as decisões legais passaram a ser um costum e, a palavra veio a ser usada para o que era
costum eiro ou característico (G n 40.13). Por fim, a palavra, rem ontando à “decisão” de
D eus, passou a ser um dos muitos sinônim os para lei/ensinam ento divinamente revelado
(SI 19.9<10>; 119.13) e, p o r isso, a “ verdade” de Deus.
O LIVRO DO SERVO 428

1 O c o m e ç o e o fim d o c â n tic o d o serv o co m e ç a c o m u m a o rd e m p ara ver


0 servo. A qui é u m a o rd e m p a ra e n te n d e r sua relação co m o S e n h o r e a o b ra
co n fiad a a ele; em 52.13ss., é u m a o rd e m p ara o b se rv á -lo e n q u a n to ele co n tin u a
sua o b ra até se r b em -su ced id o . O te rm o eis é um a tra d u ç ã o ex tra o rd in á ria de
hên (cf. 41.24,29). S em u m a tra d u ç ã o idêntica d esses três versícu lo s, a ligação
essencial das p assag en s e, p o r isso, p e rd e -se o lu g ar e a fu n ç ã o d o c â n tic o d o
serv o n o c o n te x to . O títu lo meu servo' diz p o u c o so b re a p e sso a q u e o d etém .
E le é u sa d o p rin c ip a lm e n te p a ra in d iv íd u o s q u e são o tip o m essiân ico , c o m o
M oisés e D av i, e isso indica sua im p o rtâ n c ia n o s p ro p ó s ito s de D eu s. S eu u so
co m referên cia a N a b u c o d o n o s o r m o stra q u e o títu lo p o d e refletir a fu n ção , em
vez d e a p esso a. O título, sem q u a lq u e r n o m e p ró p rio qu alificad o r, su g ere aqui
“ m eu se rv o s u p re m o ” , aquele q u e in c o rp o ra a v erd ad eira servidão. O te rm o
sustento (‫׳‬Itãmak) é um a palavra fo rte c o m o se n tid o d e “ a p e rto rá p id o ” . O Se-
n h o r d e te rm in a p a ra m a n te r seu se rv o p a ra si m esm o . A frase 0 meu escolhido, em
quem tenhoprazer é “ em q u e m m in h a alm a se deleita” . A frase q u alificad o ra n ã o é
supérflua; o indivíduo p o d e escolher alguém sem necessariam ente aprová-lo o u até
m e sm o g o s ta r dele. E sse n ã o é o caso d o servo, ele é o h o m e m d o S e n h o r para
a tarefa e o h o m e m d o S e n h o r p o r si m esm o. O q u e é feito c o m a alm a vem d o
coração. O v e rb o porei é u m p e rfe ito de d e te rm in a ç ã o o u u m p a ssa d o p e rfe ito
n o se n tid o d e q u e o se rv o é d e sc rito c o m o se já estivesse d ia n te d e n o sso s o lh o s
(la ). A e x p re ssã o 0 meu lispinto é o m o d o da p re se n ç a pesso al (SI 139.7) e ação
(SI 33.6; veja 40.7) d o S e n h o r além da d o ta ç ã o especial d e líderes (N m 11.16ss.;
IS m 16.13). C ada u m a das três declarações de “ justiça” n o c â n tic o tem um a
ên fase distinta. A qui ela está na universalidade — justiça às nações. A justiça é a
v erd ad e d o S e n h o r e a v erd ad e so b re o S e n h o r (veja a n o ta in tro d u tó ria ao s w .
1-4). O v e rb o é “ p ro d u z irá ” (AR(]) c o m o n o versículo 3c: a v e rd a d e n ã o é algo
q u e eles p ro c u ra m e e n c o n tra m de fo rm a pro g ressiv a, m as alg o tra z id o a eles
p o r u m a g en te de revelação.
2 -3 b N o versículo 1 c o n h e c e m o s a q u in tessên cia d o serv o ; aqui te m o s
a q u in tessên cia d o serviço. E ste foi p re v isto p o r Isaías, ex em p lificad o perfei-
ta m e n te n o S e n h o r Jesu s C risto e tem d e ser re p ro d u z id o em to d o s q u e ser- 1

1 O Antigo T estam ento usa o term o “servo” para descrever a relação do povo do Senhor
com o Senhor (SI 19.11 <12>). O s indivíduos se descrevem dessa maneira (por exemplo,
Moisés, Êx 4.10; Josuc, Êx 5.14; Davi, 2Sm 7.19 [cf. o paralelo com lC r 17.17ss.] e são
descritos dessa maneira po r outros (por exemplo, Moisés, Ê x 14.31; Abraão, Êx 32.13;
Davi, lR s 8.24). O título “servo do Senhor” é usado 24 vezes para Moisés e vinte para
Josué. O Senhor fala do “meu servo”, significando o povo de Israel (por exemplo, Lv
25.42), quatorze vezes, incluindo sete vezes em Is 40— 55. Ele tam bém se refere dessa
maneira a Moisés (seis vezes, p o r exemplo, N m 12.7), a Davi (21 vezes, p o r exemplo, 2Sm
3.18), aos profetas (nove vezes, p o r exemplo, 2Rs 9.7), a Jó (sete vezes, p o r exemplo, Jó
1.8) e a N abucodonosor (duas vezes, p o r exemplo, J r 27.6).
429 ISAÍAS 42.I-9

viam ao S e n h o r co m serv iço verdadeiro. E sse serv iço é an tes m o d e sto , sem
o ste n ta ç ã o , e altruísta, sem a u to p ro m o ç ã o . C aso se te n h a em vista um a d istin -
ção n o s três v erb o s ,gritará (¡saaq, “ b e rra r”) sugere aquele q u e assusta; clamará
(“le v a n ta r [a voz]”) indica u m a tentativa d e d o m in a r, calar os o u tro s; e erguerá
a vo£ (“ fazer sua v o z se r o u v id a ”) talvez sugira a u to p ro m o ç ã o . M as essas face-
tas n ã o d eviam se r im p o stas; a in te n ç ã o é criar u m a ên fase cu m u lativ a so b re
um m in istério tran q u ilo , n ã o agressivo n e m am eaçad or. Para esse se rv o n ad a é
inútil, n e m m e sm o o caniço rachado (seja c o m o fo r q u e ele foi rach ad o , esse n ão
é o p o n to ), caniço esse q u e é inútil c o m o a p o io o u para q u a lq u e r o u tra coisa.
T a m p o u c o , n ada (p o r exem plo, 0 paviofumegantè) av an ço u m u ito em d ireção ao
an iqu ilam ento. A s palavras n o s relatam , c o n fo rm e diz N o r th , “ n ã o o q u e o
serv o temd e fazer, m as apenas o q u e ele não temd e fazer. [E sse é] u m excelente
ex em p lo d e litotese, co m isso, a p re se n ta -n o s a alguém cuja tarefa é sem p rece-
d en tes e, p o r isso, só p o d e ser d escrita em te rm o s n eg ativ o s” .1
3c,4 A seg u n d a declaração de justiça (3c) en fatiza comfidelidade. O s dois
lados d a palavra ,'m et n ã o estão n u n c a se p a ra d o s e aqui se c o m b in a m para
a firm ar a fidelidade d o se rv o em sua tarefa e a seu sujeito. O “ fará” dele da
revelação divina (Justiça, v. 1) é feito co m fidelidade e d e a c o rd o co m a verdade.
As e x p re ssõ e s não mostraráfraqueja e nem sedeixaráferiru sam os v erb o s trad u -
zidos p o r rachado e fumegante n o versículo 3ab. ( ) serv o se e n c o n tra sujeito às
m esm as p re ssõ e s q u e fizeram o u tro s “ fu m e g a r” (fumegante,kêhã), m as ele não
“ fu m eg a” ( não mostraráfraqueja, ikãha). Files, d a m esm a fo rm a , ta m b é m estão
rachadofsj (p articip io passivo de ¡rasas), m as ele n ã o “ se d eix ará ferir” (não desa-
nimará |A R A |) n o se n tid o in tran sitiv o de re c e b e n d o ferim en to .12 N o c o n te x to , a
in te n ç ã o n ã o é d izer q u e o se rv o n ã o e n fre n ta rá so frim e n to , m as ap en as q u e as
p ressõ es e g o lp e s q u e im obilizam os o u tro s n ã o o deterão . E ste s o e n c o n tra rã o
an tes co m o s recu rso s in te rn o s a d e q u a d o s (não mostrarájraquetçà) e c o m u m a re-
siliência c o n tra os g o lp e s e x te rn o s ( nem sedeixaráferir).O te rm o estabeleça('¡sim,
“ a ssen tar o u p ô r”) é u sa d o em D e u te ro n ô m io 4.44 p a ra a “ a p resen tfação ]”
da lei d o S en h o r, p o r M oisés, d ian te de Israel. O q u e até aqui foi privilégio de
terra,a palavra en fatizad a n essa declaração final de
p o u c o s se to rn a rá a p o sse d a
justiça. A /«’está “ e n sin a n d o ” (veja 1.10). ( ) te rm o ilhasé relev an te aqui, indi-
can d o “ os lim ites m ais re m o to s da te rra ” (cf. 40.15). U m a tra d u ç ã o alternativa
da frase porãosuaesperançaé “ e sp e ra r” . Isso leva Y o u n g a v er o m u n d o se agitan-
d o c o m expectativa em a n tecip ação à v inda d o servo. A lex an d er p re fe re “ tem
de e sp e ra r” , p o is n e n h u m a o u tra revelação válida jam ais virá d essa m aneira. A

1 N o rth , Suffering Servant, p. 142.


2 Poderia parecer que a forma yam s deriva de ¡rus (“correr”), cm vez de ¡rasas (“machucar”).
Daí /!//Vcorrigir para yeros. G K C 67q mostra que o TM pode ser tratado com o qalde ¡rasas
e Ec 12.6 indica que este tcm um sentido intransitivo e também um sentido transitivo.
O LIV RO DO SERVO 430

N V I e n te n d e co m c o rre ç ã o aqui a re sp o sta d o m u n d o ao servo: eles a p o sta rã o


seu fu tu ro n o q u e ele lhes revela, te n d o sido c o n q u ista d o s p ela lealdade dele.

Deus confirma a tarefa do servo (42.5-9)


E sses versículos esta b e le c em um p a d rã o p o r m eio d o qual cad a câ n ü c o
d o serv o é seg u id o d e u m c o m e n tá rio c o n firm a to rio (veja 49.7-13; 50.10,11;
54.1— 55.13). N a p assag em atual, o S e n h o r c o n firm a a tarefa universal d e seu
serv o e p ro m e te seu resultado. A referên cia ao S e n h o r c o m o C ria d o r (5) re-
m e m o ra 40.12-26; seu p o d e r d e p red ição (9) relem b ra o a rg u m e n to c o n tra os
íd o lo s-d eu ses (41.1-7,21; 29). A ssim , o s do is asp ecto s d a g lória d o S e n h o r que
an tes ex p ô s a c o n d iç ã o d o m u n d o g e n tio (eles n ã o c o n h e c e m o ú n ic o e verda-
d eiro D e u s; eles são p re so s p o r íd o lo s inúteis) agora p assa a incluir um a passa-
g em d e c la ra n d o a esp e ra n ç a gentia. O s p ro n o m e s m ascu lin o s n o sin g u lar do
v ersículo 6 n ã o são e x p lícitam en te id en tificad o s co m o serv o , m as a relação
su gerid a co m o S e n h o r é id ên tica à d o serv o (cf. v. 6 co m v. 1). C ad a p assag em
foca a tarefa d o servo, e n ã o sua id en tid ad e, e a tarefa é d escrita em te rm o s
com patíveis: o s te rm o s d a aliança “ justiça” e “ lei” (3,4) são re su m id o s n a p ró -
p ria palavra mediador (6) e am b as as passagens en fatizam a universalidade.
H á três estro fes:

A O S e n h o r d a criação: o S e n h o r c o m o D eu s,
C ria d o r e d o a d o r de vida (5)
B O S e n h o r d o servo: o p ro p ó s ito universal d o S e n h o r d e aliança,
luz e lib erd ad e (6,7)
C O S e n h o r d o s falsos deuses: o S e n h o r dirige a histó ria,
o p a ssa d o e o fu tu ro (8,9)

C ad a e stro fe co m e ç a co m u m a d eclaração d o S e n h o r na qual ele identifica


a si m e sm o (5a, 6a, 8a). O S e n h o r (lavé) c o m o D e u s é C ria d o r e su ste n ta d o r de
tu d o (5); ele tem um p ro p ó s ito b en é fic o para o m u n d o to d o (6,7); ele é o ú n ico
D eu s, à p a rte d e q u e m n ã o há nada, apenas imagens (8); e ele c o n tro la a histó ria
p o r in te rm é d io d e sua palavra p ro fé tic a (9).
5 E m 40.12ss., a d o u trin a d o S e n h o r c o m o C riad o r foi feita para o conso-
lo d e Sião: será q u e esse D eus, que d á origem , m an tém , c o n tro la e dirige todas
as coisas (37.16), se esquece de seu p o v o o u renega suas p rom essas? A m esm a
d o u trin a agora é voltada em direção d o m undo. Sua su g estão tem d e levantar
um a questão. Se ele é o d o a d o r universal de vida, será que ele tem p lan o s para o
m u n d o ou apenas para alguns p o u co s escolhidos? A adição d o artigo d efin id o na
exp ressão Deus, 0 Senhor ( haêl yhwti) é enfática, ’ê/, “ aquele q u e é de fato o D eu s
tra n sc e n d e n te ” (veja 40.18), é im e d ia ta m e n te id entificad a c o m 0 Senhor (lavé).
431 ISAÍAS 42.I-9

O s q u a tro p articip io s — criou,estendeu,espalhoue dá— d escrev em a relação quá-


d ru p la e im utável e n tre o S e n h o r e a o rd e m criada. E le exerce u m a atividade
criativa co n tín u a. O céud e p e n d e o te m p o to d o d o C ria d o r para m a n tê -lo c o m o
sua criação. O p o d e r q u e c h a m o u to d a s as coisas à existên cia m a n té m to d as as
coisas e x istin d o ; ele está c o n sta n te m e n te p re se n te na te rra em to d a a e x ten são
(fôlego) e
e p ro d u tiv id a d e d e sta e m in istra de fo rm a in cessan te a p ró p ria vid a
vitalidade {vida/“ e sp írito ” [A RC|) à h u m an id ad e. S o b re criou(bãra) veja 4.5. Λ
ex te n sã o e a fo rm a d o un iv erso visível são d e te rm in a d a s p elo C riad o r; a esta-
bilidade d o u n iv erso se deve apenas à o b ra fiel dele, s u ste n ta n d o -o n o lugar. A
p ro d u tiv id a d e (tudo 0 que delaprocede) é um a atividade d iv in a — e n ã o o b ra d o s
d ito s d eu ses da fertilidade d e C anaã, m as d o S e n h o r o C riad o r. N ã o é a genia-
lidade da ag ricu ltu ra científica, m as a b ê n ç ã o de D eu s, aquele q u e ex p õ e assim
os se g re d o s q u e ele edificou na criação (28.23-26). N e m m e sm o n o so lo n ão
há vida além da vida d o C riador. A vida fôlego·,G n 2.7) n ã o é o p ro d u to d e um a
e x p lo são ev o lu cio n ária co m existência p ró p ria , m as o a to d ire to d o C riad o r;
ela n ã o é m an tid a em p e rp e tu id a d e se g u in d o u m a d o a ç ã o divina inicial, m as
é d e sfru ta d a pela co rte sia d e seu c o n tín u o “ d o a r” . A vida/ “ e sp írito ” (ARC)
está ligada a “ c a m in h a r” , o u seja, a m an ifestação d a vid a em energia, atividade
e d ireção. P o rta n to , ta n to a p ró p ria vida q u a n to as hab ilid ad es q u e as p esso as
m o stra m são dádivas d o S enhor.
6 ,7 Isaías p assa da criação para a p ro v id ên cia, o s p ro p ó s ito s de cu id ad o d o
C ria d o r p ara a vida q u e ele co n ced e. A ssim , a p e rg u n ta su g erid a n o v ersícu lo 5 é
re sp o n d id a esp ecíficam en te n o p la n o d o servo. O servo, c o m o o c o n q u ista d o r
(41.2), foi chamaidoiparajustiça,fo rm a n d o u m elo delib erad o . O c o n tra ste en tre
0 c o n q u ista d o r d e s tru id o r e o se rv o b e n ig n o co m e ç a aqui, m as cada u m tem
seu lu gar individual na retid ão d e D e u s — aqueles m a n d a to s te rre n o s em que
seus ju sto s p ro p ó s ito s são cu m p rid o s. T o d o s os v e rb o s — segurarei,guardareie
farei— 1 ex p ressam p ro p ó sito : “ a fim d e segurar, etc.” . O S e n h o r n ã o n o s cha-
m a p ara d e p o is n o s a b a n d o n a r aos n o sso s p ró p rio s estratag em as. E le, co m o
ch am ad o , p ro p õ e -se a a c o m p a n h a r (segurareifirmea sua mão), salv ag u ard ar (guar-
darei) e realizar o s p la n o s estab elecid o s (“ farei”). O te rm o guardarei é (nãsar,
m as u m a fo rm a idêntica d e ·iyãsarsignificaria “ fo rm a , m o d o ” (cf. 49.2). A m b as
as fo rm a s são adequadas: “ g u a r d a r / “ fazer” re fle tin d o a p re se rv a ç ão p ro v id e n -
ciai d o se rv o para c u m p rir o p ro p ó s ito d e te rm in a d o e “ f o r m a r /f a z e r ” to rn a -o
ex a ta m e n te a d e q u a d o p a ra a tarefa. O serv o será um mediador, o u seja, o m eio
p o r in te rm é d io d e qual o p o v o virá a te r um a relação de aliança co m o S en h o r.
E m 49.8, a o b ra de m ed iação d o serv o é d irecio n ad a p ara Israel (“o p o v o ” 1

1 Sobre a form a desses verbos com o “primeira pessoa do im perativo” veja Driver, 46 N4.
Cf. 41.23,28; ISm 14.36; 2Sm 17.12. O im perativo com a letra va!■· simples expressa pro-
pósito ou consequência.
O LIVRO DO SERVO 432

em u m se n tid o técn ico m ais e streito ), m as aqui o c o n te x to é d e u m a tarefa de


aliança universal. O povo d o versículo 6 são aqueles d o versícu lo 5 c o n fo rm e
indica o paralelism o d e povo e gentios/ “ n a ç õ e s” (BS) (6). O concerto(A RC) era o
privilégio característico d e Israel d esd e seu p rin cíp io em A b raão (G n 15, 17) a
seu ápice em M oisés (Ê x 2.24; 24.7,8). D e u s exerce sua livre d ecisão d e pegar
e m a n te r um p o v o p a ra sua p ró p ria p o sse, a tra in d o -o para si m e sm o (E x 6.2-
7), c o n stitu in d o -se c o m o o D e u s e R e d e n to r deles (E x 20.1,2) e tra z e n d o -o s a
um a vida d e lib erd ad e e o b e d iê n c ia (E x 20.3ss.). N o e n ta n to , a aliança q u e teve
o rig em em N o é (G n 6.17,18) e sua ex te n sã o p ara o m u n d o in teiro n ã o é assim
um a violação de sua n atu reza, m as an tes sua liberação p ara se r v erd ad eira a si
m e sm a em u m a salvação universal. (7 c o n q u ista d o r leva as n açõ es a m ais idola-
tria (41.5-7), m as o se rv o as traz para D eus. N o c o n c e ito a b ra n g e n te d e concerto
(A RC), h á a lu ^ da v erd ad e, a cura das deficiências p essoais (exem plificada no
ab rir o s olhosao s cegos), o fim das restriçõ es im p o sta s p o r o u tro s (lib ertan d o
os cativos) e a tra n sfo rm a ç ã o das circu n stân cias (escuridão). E les serão u m p o v o
p e rfe ito em u m a so cied ad e perfeita e um a m b ie n te perfeito.
8,9 A a u to p ro c la m a ç ã o d o S e n h o r o revela c o m o um a id en tid ad e pessoal
d istin ta co m seu p ró p rio nome\ ele n ã o existe “ in c ó g n ito ” n o m u n d o d o s deu-
ses. Sua^/0T7tí n ã o p o d e se r c o m p a rtilh a d a . E les p o d e m im itá-lo, co n se g u ir um a
sem elh an ça casual, m as ele n ã o está ali. 1 lá u m e le m e n to d e h o stilid ad e n a si-
tuação. E le, em últim a análise, n ã o to lerará a c o n fo rm id a d e co m d eu ses m o rto s
d o lo u v o r d e v id o a ele. P e rm a n e c e a d istin ção p ro v ad a em 41.21-29: é o S e n h o r
q u em p red iz e c u m p re (9). O p ro g re ssiv o c o n tra ste e n tre o se rv o e o co n q u ista-
d o r (41.1-4; cf. n o v. 6) é a chave para o versículo 9. A s primeirascoisas(A RC) são
a o b ra d o c o n q u ista d o r (os p rin c íp io s da ação divina estab elecid o s em 41.1-4
atu alm en te têm d e se r aplicadas à carreira de (firo), e as novascoisas(A RC) são as
o b ra s d o serv o p red itas agora.

c. O novo cântico: a alegria do mundo na vitória do Senhor (42.10-17)


M uitos c o m e n ta rista s e n te n d e m q u e essa p assag em reflete a alegria d o
m u n d o co m o q u e o S e n h o r fará p o r Israel (co m o em SI 96— 98). E les e n te n -
d em os “ c e g o s” salvos d o v ersícu lo 16 c o m o os ceg os d e Israel d o versícu lo 18
e veem a jo rn a d a d o s versículos 15 e 16 c o m o um paralelo d a jo rn a d a tip o
d o ê x o d o em 41.17-20. A inda assim é m e lh o r e n te n d e r a p assag em c o m o um
c h am ad o p ara o m u n d o lo u v ar em re sp o sta à o b ra universal d o se rv o (42.1-
4,5-9). H á c o n tin u id a d e d o s m e sm o s tem as a b ran g en tes: “ te rra ” (4,10), “ ilhas”
(4,10,12) e os h a b ita n te s d o m u n d o (5,10). H á, em p articu lar, a co n tin u id a d e
d a co n tro v é rsia d o S e n h o r co m o s ídolos-deuses. A recusa d o S e n h o r em co m -
p a rtilh a r o lo u v o r d e v id o a ele (8) é eq u ip a ra d o p elo c h a m a d o p ara o m u n d o
o lo uv ar (12), e sua inim izade c o n tra os falsos deu ses é levada a sua co n clu são
433 ISAÍAS 4 2 . 1 0 - 1 7

(13,17). S o b exam e, a ligação en tre 41.17-20 e o s versículos 15 e 16 é superficial.


Isaías, na passag em an terio r, u so u os tem as de ê x o d o p ara g a ra n d r a Israel que
a b en eficên cia divina faria o d e se rto florir p ara eles; m as, n o s versículos 15 e
16, os a to s de D e u s estão na d ireção o p o sta , c ria n d o co n d iç õ e s sim ilares às d o
d e s e rto (sim bólico d o ju lg am en to m undial), d o qual ele c o n d u z os ceg o s p o r
um c a m in h o q u e ap en as ele co n h ece. A v erd ad eira asso ciação d o versículo 16
n ã o é co m o versículo 18, m as co m o v ersículo 7: o s g e n tio s ceg o s são trazidos
p e lo se rv o p a ra a aliança c o m o S tn h o r.

A C o n v o c a ç ã o para o m u n d o c a n ta r (10-12)
B O fu n d a m e n to d o cântico: o s a to s d o S e n h o r (13-17)
B1 O S e n h o r p o d e ro s o (13)
a1 O silêncio d iv in o (14ab)
b A s ilu straçõ es (14ab)
b1 A gravidez: in ten cio n alid ad e
(14cd)
b2 A d ev astação : ju lg am en to
(15)
b3 A liderança: salv am en to
(16a-d)
a2 O c o m p ro m isso d iv in o (16ef)
B2 A q u e d a d o s íd o lo s e d o s idólatras (17)

A seção A in tro d u tó ria (10-12) é sep arad a p elo inclusio [criar um a e stru tu ra
ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final de u m a seção] “ seu lo u v o r d esd e os
co n fin s d a te rra ” (10) e “ nas ilhas p ro c la m e m seu lo u v o r” (12). O re sta n te do
p o e m a co n siste de cin co e stro fe s d e q u a tro linhas (13, 14, 15, 16a-d, 17) e a
afirm ação divina d e duas linhas (16ef). N ã o é possível d iz e r se o m aterial teve
o rig em n essa fo rm a o u foi tra z id o à fo rm a atual a fim d e c u m p rir sua função
c o m o u m p o n to c u lm in a n te da seção lid an d o co m o c o n so lo d o m u n d o gentio.
A m an eira c o m o a fala d o S e n h o r na p rim eira p e sso a (14-16) sep ara os versícu-
los 13 e 17 sugere um a re o rd e n a çã o d elib erad a de p o e m a s o rig in alm en te sepa-
rados, m as, se esse fo r o caso, a in serção foi feita c o m g ra n d e ta le n to artístico
e eficácia.

A convocação para 0 mundo cantar (42.10-12)


E m u m a rra n jo equilibrado, o m u n d o g e n tio c o m p le to é tra z id o a essa
co n v o c a ç ão p a ra cantar. H á o ch a m a d o ao louvor (10ab,12); a ju n ção d a frase
navegam no mar co m aqueles q u e clam am d o s altos dos montes (10c, 11 d); u m a re-
ferência c o m p a rtilh a d a aos “ h a b ita n te s” (yõsebê; os habitantes [10] e o povo [1 ld |)
O LIVRO DO SERVO 434

— os d ista n te s h a b ita n te s das ilhas e o s v izin h o s h a b ita n te s d e Selá; e u m a du-


p ia referên cia às cidadese povoadosd eserto s. A ssim to d o o m u n d o g e n tio (10) se
estreita para o v iz in h o d e s e rto d e Q u e d a r (11) e se e ste n d e m ais u m a vez pelas
ilhas (12).
10 S em p re u m novo cântico (SI 33.3; 96.1; 98.1) re sp o n d e a u m a no v a reali-
zação o u u m a nova d e m o n stra ç ã o d a b o n d a d e de D eus. O novo cânticoaqui res-
p o n d e às “ novas co isas” (A RC) d o versículo 9. O c o n q u ista d o r (41.1-4) p ro v o -
co u u m a reação in te rn a c io n a l d e te r r o r e u m a fuga para a c o n fe c ç ã o d e ído lo s;
o serv o p ro v o c a u m a ex p lo são de cân tico e um a v o lta ao S en h o r. A té m e sm o
a p ró p ria criação (tu d o q u e en c h e os m ares, as ilhas e o d e se rto ) é su sp e n sa em
lo u v o r p o rq u e a escrav id ão d a c o rru p ç ã o , ag o ra co m to d o o m u n d o tra z id o à
aliança co m o S e n h o r (7), acab o u , e o s g e m id o s da criação se tra n s fo rm a m em
cân tico (cf. R m 8.19ss.). S o b re vocês,que navegam cf. S alm os 107.23 e so b re ilhas
veja 40.15.
11 E sse v ersículo refere-se à v izin h an ça das áreas g en tias n a Palestina. O
deserto é u sa d o co m freq u ên cia n o se n tid o d e país a b e rto , em vez d e “ te rritó -
rio vasto e d e sc a m p a d o ” . O s povoados/ “ aldeias” , o s te rre n o s são os ca m p o s
p ro te g id o s, te m p o rá rio s o u se m ip e rm a n e n tes, m o n ta d o s p elo s n ô m ad es. S o b re
Quedar veja 21.16; e so b re Selá veja 16.1. O fato de q u e p o r isso E d o m devia
p a rtic ip a r na alegria m o stra q u e o triu n fo d o S e n h o r é triu n fo d e fato, m e sm o
so b re a h o stilid ad e in v eterad a (veja a in tro d u ç ã o ao cap. 34).

O fundam ento do cântico: os atos do Senhor (42.13-17)


E ssa é u m a p assag em rep leta de im ag en s de co n trastes. I lá o g rito d e g uer-
ra (13) sin alizan d o d e stru iç ã o e o c la m o r de d o r e n q u a n to se d á à luz a nova
vida (14); a ira q u e d ev asta (15) e a g en tileza q u e guia (16); aq u eles q u e c o n h e -
cem o favor divino (16b) e os q u e caem pela h o stilid ad e divina (17).
13 A e x p re ssã o homempoderoso (gihhôr) significa e sp ecíficam en te “g u errei-
%elo (qin'a) veja 9 .7 < 8 > . O s
r o ” (cf. 9 .6 < 7 > ; 10.21, “ D e u s P o d e ro so ”). S o b re
v erb o s clamará e farágrande ruído (ARC) estão ligados p e lo ‘ap, a p a rtíc u la de
ên fase cum ulativa (cf. 40.24; 41.10): “ E le b ra d a rá — o h , c o m o ele lev an tará”
A palavra triunfará()gãbêr, n o hithpael) é “ p ro v a q u ã o p o d e ro s o ele é ” . A ssim o
versículo 13 c o m e ç a e te rm in a c o m a o b se rv a ç ã o d o g uerreiro .
14 A e x p re ssã o muitotempoé “ d esd e a e te rn id a d e ” . “ D e u s é c o m o u m a m u-
lh e r co m filho, se n d o o filho as ‘novas co isa s’ (ARC) q u e estão p ara aco n tecer.
D eu s está a n sio so e im p a c ie n te à esp era d o dia d a crian ça nascer, m as, c o m o
to d a criança, é necessário e sp e ra r até seu m o m e n to [...]. M as a g o ra o m o m e n to
c h e g o u ” .1 O s c o m e n ta rista s q u e ligam a jo rn a d a n o d e se rto (15,16) co m a v o lta
d o s exilados (veja a in tro d u ç ã o a essa seção) se n te m -se co m p re e n siv e lm en te

Smart, p. 89.
435 ISAÍAS 42.IO-I7

desconfortáveis com o longo período de silêncio. Wade só consegue argumen-


tar que o Senhor exagerou de forma compassiva os setenta anos babilônios.
Outros estudiosos puxam o período da reserva divina de volta a antes do exílio
começar, mas sem especificar o período nem dizer o que foi a reserva divina.
Mas o elo do período de reserva com a vinda do servo messiânico e as novas
coisas (ARC) fazem perfeitamente sentido mesmo com uma expressão como
“antes da criação” (cf. lPe 1.20). G rito, gemo e respiro ofegante são os sons carac-
terísticos do trabalho de parto. O TM acrescenta (e a NV1 característicamente
omite!) “tudo de uma vez”.
15 Contraste esse versículo com 41.18,19. Essa é uma imagem de devas-
taçào, a destruição de tudo que torna o mundo habitável. O contraste entre os
montes e rios nos vales; entre o alimento (vegetação) e a água; e entre os rios (a
água cercada pela terra) e as ilhas (a terra cercada pela água) compõem uma
imagem de totalidade. Sobre ilhas (ARC) veja 40.15.
16 O destruidor virou salvador; não que haja algum conflito nos atributos
divinos ou nas ações consequentes. Na salvação, ele é tão justo quanto na ira. De
acordo com o versículo 7, ministrar para os cegos era o trabalho do servo; agora é
do Senhor mesmo. Essa é a mesma ambivalência como aquela registrada entre
o rei messiânico e o Senhor nos capítulos 1— 37. A solução da ambivalência
também será a mesma de quando Isaías tornou o Senhor e o rei uma divindade
(por exemplo, 9.6<7>), mas temos que permitir que o profeta desvele a história
em seu próprio ritmo. Em seu ministério, o Senhor provê para a incapacidade
pessoal {cego¿)·, suplanta a ignorância (por caminhos/ “estrada” (NTLH) que eles
não conheceram‫׳‬, remove barreiras para que não haja obstáculos para seguir em
frente (transforma as trevas em lu f) nem qualquer causa de tropeço (torna retos os
lugares acidentados). Sobre não conheceram /.../ desconhecidas/ “nunca conheceram”
veja Jeremias 31.22,23. E difícil perceber como alguém pode achar que Isaías
está se referindo à volta da Babilônia. Aquele era um caminho no qual eles não
precisavam de guia! Seguindo os três verbos no imperfeito, os verbos fa re i e não
... . abandonarei se destacam firmemente com seus tempos perfeitos cxpressan-
do uma determinação divina enfática.
17 Esse versículo casa com o versículo 13, descrevendo como o Deus
guerreiro fica face a face com seus inimigos, e como estes caem diante dele. Há
os que são levados para a segurança (16) e os que não o são. A explicação é a
confiança deles em ídolos (“imagens esculpidas”). A expressão que di^em é um
participio denotando uma condição contínua, uma descrição de um persona-
gem: “sendo esse como digamos...”. A experiência deles é esta: “retrocederão
em vergonha” e não haverá a possibilidade de escapar. O verbo inicial retrocede-
rão é um perfeito de certeza: “estão condenados a ser”. Em um mundo de lou-
vor (10-12), há aqueles que sofrem perda; quando muitos conhecem a ternura
O LIVRO DO SERVO 436

do Senhor (16), há os que se apegam a ídolos. N o final das contas, a tragedia de


sua escolha seguirá seu curso.
C. A redenção de Israel
(42. 18— 44.23)
Saber que o Senhor deve libertar seu povo (sendo o Deus que é) é urna
verdade mais profunda que saber que ele fará isso. Por essa razão, seguindo a
funesta notícia de 39.6, em princípio, a palavra de consolo (40.1ss.) é declarada.
Nenhum nome é mencionado além do Senhor e seu povo. Ele, como Criador
(40.12ss.) e o Senhor da história (41.1ss.), compromete-se a cumprir suas pro-
messas. Nem mesmo o nome do conquistador (41.1) é mencionado porque o
que o povo de Deus precisa saber é que qualquer coisa que aconteça em um
mundo ameaçador, o Senhor é aquele que faz o movimento, e o bem-estar de
seu povo é o objetivo. Mas agora Isaías avança na realidade da história. A Babi-
lônia, pela primeira vez nos capítulos 40— 48, é mencionada pelo nome (43.14),
e a coerção de 40.2 se torna a experiência do exílio. Mas a passagem 40.2 tam-
bém fala da iniquidade e da necessidade de perdão. Esses dois lados da palavra
inicial de consolo fornecem um paradigma para a seção que começa agora.
A A redenção nacional B A redenção espiritual
(42.18— 43.21) (43.22— 44.23)
a1 O fracasso espiritual de b' A totalidade do pecado
Israel resultou em de Israel (43.22-24)
cativeiro nacional
(42.18-25)
a2 A satisfação das b2 A satisfação das
necessidades nacionais necessidades espirituais
(43.1-7) (43.25— 44.5)
a3 O Senhor, Salvador e b3 O Senhor, Redentor e
único Deus, contrastado único Deus,
com os ídolos (43.8-13) contrastado com os
ídolos (46.6-20)
a4 A redenção da Babilônia b4 A redenção do pecado
(43.14-21) (44.21-23)

O desenvolvimento coerente e paralelo dos dois temas é evidente. Talvez


isso seja especialmente indicativo do cuidado com que a seção toda foi editada
a fim de apontar como as polêmicas contra a idolatria, apesar de paralelas, são
cada uma delas apropriadas ao seu próprio contexto. Assim, a seção a3 foca a
incapacidade dos ídolos de agir na história enquanto a seção b3 expõe a inade-
quaçào espiritual deles, deixando o coração do idólatra inalterado.
O LIVRO DO SERVO 438

1. A libertação da escravidão (42.18—43.21)


a. Israel, o servo cego (42.18-25)
Sai um chamado (18) para pessoas surdas e cegas (imperativos no plural)
que são convidadas a contemplar o servo cego do Senhor (19), o qual — à
medida que o poema se desenvolve — descobre-se ser Israel (24ab), entregue
pelo Senhor como consequência do pecado (24cd) que ainda continua sem ser
compreendido (25). O poema é composto em cinco partes. O poema se encai-
xa de forma tão perfeita e ao seu contexto atual que é difícil imaginar que teve
alguma pré-história literária.

Λ A convocação dos surdos e dos cegos (18)


B1 As duas questões: as incapacidades do servo (19)
C1 O propósito divino contradito (20-22)
B2 As duas questões: as experiências do servo (23,24b)
C2 A ineficácia da disciplina divina (24c,25)

As seções O , B2 e C2 são ligadas por três pares de linhas negativas no co-


meço, no meio e no fim: não deu nenhum a atenção, não ouve nada (20); ninguém p a ra
resgatá-lo, ninguém f...j reclamasse (22eg); nada aprenderam, não 0 levaram a sério (25cd).
A seção O está ligada a B2 pelo uso do vocabulário de “despojo” e “saqueado-
res”. A seção C1 e a C2 focam a ação divina {foi do agrado do Senhor, 21a; não fo i 0
Senhor, 24c).

A convocação dos surdos e dos cegos (42.18)


Muitos estudiosos veem aqui um chamado para Israel reconhecer sua pró-
pria condição de cegueira, e, à luz da descrição apresentada no versículo 19, isso
seria possível. Por sua vez, até aqui os cegos eram os pagãos não esclarecidos
(7) que precisavam do ministério do servo e (16) que o Senhor guiará para a se-
gurança, fora de um mundo sob julgamento. Tem um sentido comovente e dra-
mático ouvir aqui um chamado para as mesmas pessoas, como se o momento
da libertação delas tivesse se manifestado, e elas fossem chamadas à vida. F.sse
momento virá (55.1), mas, por ora, ele está pendente por causa da incapacidade
em Israel prestes a ser revelada pelo servo do Senhor (19). O que se pode fazer
por um mundo necessitado quando o povo de Deus está ele mesmo tão neces-
sitado e parece ter perdido a pista para o remédio salvador?

O servo cego (42.19)


A tripla referência à cegueira, no ponto em que o paralelismo sugeriría que
ali devia haver duas referências à cegueira e duas à surdez, levanta questões
439 ISAÍAS 42.18-25

sobre a condição do texto aquí.1 Mas o TM é inesperado, em vez de inaceitável


e, com certeza, não deixa de ter adequação. Ao longo dos versículos 1-17, a
cegueira foi a metáfora escolhida para a necessidade espiritual e não é inapro-
priado enfatizá-la dessa maneira em relação a Israel. Assim, a cegueira tornaria
a necessidade de Israel idêntica à do mundo gentio, apesar de que a surdez
acrescentaria essa outra dimensão de culpabilidade (sempre a principal acusa-
çào do Senhor contra seu povo), de fracasso em ouvir sua palavra (veja 30.9-11;
Am 2.4). O servo é como em 41.8. A frase 0 mensageiro que enviei é “meu mensa-
geiro a quem enviei”. Isaías (por exemplo, 44.26) usa o termo “mensageiro”
(paralelo com “servo”) em uma aparente referência aos profetas, mas essa parece
ser a única passagem em que a eleição de Israel é descrita como um ministério de
mensageiro. A palavra foi escolhida de forma deliberada como uma imagem de
inutilidade: como um mensageiro pode transmitir uma mensagem se não é capaz
de ouvi-la? A frase que é consagrado a m im (m 'su lla m ) é um participio usado com
frequência como um nome próprio (21 vezes; por exemplo, masculino em 2Rs
22.3; feminino em 2Rs 21.19). Esse uso frequente sugere um sentido conhecido e
estabelecido.2 () verbo isãlem significa “estar em paz, sentir bem-estar/inteireza”.
O piel, como uma forma transitiva, significa “fazer paz” e seu passivo corres-
pondente (pual, como aqui) significa “ser trazido a sentir paz/ser reconciliado”.
Isso descrevería de forma muito acurada a posição de Israel diante de Deus
e explicaria a decisão de dar esse nome adorável a tantos de seus filhos. Na
comparação dos títulos, servo, mensageiro, “consagrado” e servo, os dois primeiros
expressam responsabilidades; e os dois últimos, privilégios — e o fracasso do
povo do Senhor em ambas as áreas.

0 p ro p ó sito d iv in o c o n tra d ito (42.20-22)


As linhas parelhas negativas (20ab, 22d-g) agem como um inclusio [criar
uma estrutura ao pôr material similar no início e no final de uma seção]. O
cerne da seção é o que o Senhor queria (21) e o que Israel se tornou (22a-c).
20 De forma tão literal quanto possível o TM apresenta:

A visão de muitas coisas —


Mas você não observa;

1 W h y b ray o b s e rv a a trip la re fe rê n c ia a o s cegos c o m o “ e x tre m a m e n te feia” ao m e s m o te m p o


e m q u e c o n c o r d a c o m N o r t h q u e o s d o is m a n u s c rito s q u e a p re s e n ta m u m p a ralelism o
c o m p le to d e “ c e g o s ” e “ s u r d o s ” n ã o p o d e se r o riginal. W e s te rm a n n q u e r te rm in a r o versí-
c u lo 19 c m “ q u e e n v ie i” , s e n d o o re s ta n te d o v e rsícu lo alg u m tip o d e adição. M as alg u ém
faria u m u s o ad icio n al à sin g u lar e x p re s s ã o n f sullãmi c d eix aria o p a ralelism o e m d e s o rd e m ?
2 W h y b ra y se a v e n tu ra a d iz e r q u e M e su lã o e ra u m n o m e d e D e u te ro isa ía s. l ile n ã o e x p lic a
p o r q u e o p r o f e ta se d e s c re v e ría c o m o c e g o , e tc. N o e n ta n to , su a p r o p o s t a final é c o rrig ir
m'sullami p a ra nfsullãhl. (“ m e u e n v ia d o ”).
O I.IVRO DO SERVO 440

() abrir dos ouvidos —


Mas ele não ouve.

Λ mudança da segunda para a terceira pessoa é um modo de expressão fre-


quente que, ao combinar um destinatário (aquele a quem diz respeito) com uma
declaração (sobre ele para os outros), deixa o ponto muito claro (cf. 1.29s.). Os
substantivos verbais (“a visão”, “o abrir”) são infinitivos absolutos e, de acordo
com a regra, podem ser traduzidos por “você vê”, “ele abre”.1 Uma coisa é ter
as faculdades (olhos e ouvidos) para receber a informação de fora, para receber
e compreender a revelação de Deus (e esse era o privilégio de Israel), mas outra
coisa é usá-las. O principal pecado do povo de Deus é possuir a palavra divina
e a ignorar. Observe a mesma falta de percepção nas duas linhas negativas no
versículo 25.
21 A frase fo i do agrado do Senhor (yhw h hãpês ) é composta das mesmas pa-
lavras e na mesma ordem que em 53.10, a “vontade” (BJ) do Senhor no que
ele quer (cf. o substantivo h êp es em 44.28; 46.10; 48.14). A retidão é o que cum-
pre seus justos propósitos e seu caráter justo, é o Senhor agindo por moti-
vos que fazem sentido na natureza divina. A expressão tornar grande é “que
ele engrandecerá”.2 O sujeito pode ser o Senhor ou Israel. A tarefa do “mis-
sionário” do Antigo Testamento era característicamente realizada pelo povo
magnético de Deus por intermédio da atração, em vez de por meio do alcançar.
Na passagem 2.2-4 esse é o acontecimento em vista; em Deuteronômio 4.5-8,
ele é prometido. O Senhor demonstraria todo afeto de sua palavra e caminho
por intermédio de Israel e, assim, as nações seriam libertadas de sua cegueira e
seriam cuidadas pelo Senhor para entrarem em Sião.
22 Mas o propéisito acalentado nunca foi alcançado porque Israel, que de-
veria ter trazido as nações de forma submissa para o Senhor (por exemplo,
45.14-25), na verdade funcionou da forma contrária a que deveria, e, assim, as
nações se tornaram dominantes; e Israel, uma presa (cf. 2.5-9). Dessa forma,
Israel perdeu sua posição distintiva no mundo (22a-c) e sua condição de pro-
tegida diante do Senhor (22d-g). O cântico da vinha (5.1-7) foi cumprido: não
houve produção de fruto, nem proteção nem favor. Só a palavra revelada de
Deus e a obediência a ela é que tornam uma pessoa distinta e abençoada. Até
0 ponto em que a evidência mostra os termos saqueado, roubado e apanhado não
descrevem, nem mesmo de forma metafórica, a experiência de Israel na Babi-
lônia, onde a vida estava muito distante de ser opressiva (veja Jr 29). Nenhum

1 A s c o n s o a n te s d o T M ( / v í ) p r o d u z e m m a is p r o n t a m e n t e u m s e g u n d o sin g u la r (r ã Ita )
q u e o in fin itiv o a b s o lu to d o s m a s s o re ta s in d ica.
2 S o b re a c o n s tr u ç ã o d o v e r b o im p e r f e ito se m p a rtíc u la c o n e c tiv a e x p r e s s a n d o p r o p ó s ito
veja G K C 120c; D riv e r, p. 163 o b s.
441 ISAÍAS 42.18-25

profeta que vivesse entre eles podia falar assim, mas um profeta que olha adían-
te para a Babilonia através das lentes da queda de Jerusalém não podería falar de
outra maneira (6.9-12; 21.10).
Não “por quê?” mas “quem?” (42.23.24d)
Quando estamos em dificuldade nos apressamos a perguntar: “Por quê?”,
pergunta essa provocada pelo orgulho que clama: “Eu não merecia isso” e que
assume a capacidade da mente humana de avaliar todas as coisas por intermé-
dio de sua lógica. N o entanto, conforme Jó descobriu, sempre há dimensões
da condição humana não acessíveis à atual lógica humana e não há nenhuma
garantia de que o fato de entender a razão pela qual o problema veio sirva de
consolo e conforto para o indivíduo atormentado. Λο contrário, a verdadeira
questão é “quem?” — descobrir o agente do evento e, por meio desse conhe-
cimento, adotar uma posição de aceitação, confiança e esperança. A frase q u a l
de vocês/ “quem há entre vós” (ARC) mantém o equilíbrio dos termos “quem?
[...| quem?” do versículo 19. Isaías quer estabelecer um testemunho para o tempo
vin dou ro/ “depois”, ou seja, o futuro. Mais uma vez é difícil perceber como o
Deuteroisaías, vivendo entre os exilados na Babilônia, teria essa preocupação
com o futuro. Mas talvez o Isaías de Jerusalém quisesse preparar o povo para
estar em uma posição na qual pudesse interpretar os eventos indesejáveis con-
forme eles se desenrolavam. Que o Senhor é o agente por trás dos eventos é
a percepção exata da Bíblia, da história e da experiência pessoal. Não é uma
negação ou ignorância das “segundas causas”, mas um entendimento da “causa
primeira”: a constatação de que o Senhor não abdica da direção executiva so-
berana quando ele alcança seus propósitos por intermédio de outros e também
a insistência que é sempre com ele (e não com agentes secundários) de que
devemos lidar com tudo ao longo da vida. Por isso, os fatores morais (pecado,
não quiseram seguir, não obedeceram) são o ponto de articulação no qual a vida gira,
e não a esperteza em manipular as situações e “controlar” as coisas. Mas os
55 anos de Manassés no trono só merecem dezoito versículos do historiador
bíblico (2Rs 21.1ss.), pois qual é a importância final da astúcia política, do bri-
lhantismo na economia e das habilidades militares quando é a justiça que exalta
um povo e é o pecado que traz desgraça (Pv 14.34)? O pecado, como afronta
pessoal (0 Senhor, contra quem temos pecado \ih ã tã ^\, 1.4; 6.7) traz toda ruína. Não é
de surpreender que as perguntas: “Quem? [...] quem?” expressem um elemento
de dúvida se alguém vir as coisas desta maneira: ainda prevalece a relutância em
ver o Senhor como o agente e os fatores morais como decisivos.

A ineficácia da disciplina divina (42.24e,25)


O diagnóstico de pecado continua na recusa das pessoas em se amoldar à
vontade do Senhor (“não quisemos seguir os seus caminhos” [NTLIl]) e na de­
O LIVRO DO SERVO 442

sobediência a sua lei, na contradição do ensinamento conhecido. ( )bserve como


a primeira pessoa do plural (24d) se transforma na terceira pessoa do plural.
Aqui Isaías se associa com o pecado nacional (6.5), mas se desassocia da recusa
nacional de seguir o caminho e a lei do Senhor (8.16-20). () poema, com esses
versículos, volta a seu ponto de partida (veja o esboço acima): a incapacidade
de Israel de ser o servo do Senhor no sentido exigido em 42.1-4. A falta de per-
cepção espiritual do versículo 19 agora se mostra na recusa aüva do caminho
do Senhor (24ef) e no fracasso em entender o que o Senhor estava fazendo
(25cd). Eles não reconheceram a ira divina por trás da experiência nacional
e pessoal, não a entenderam (“não atentaram”/ “entenderam” [ARA]) nem
levaram a sério o aprendizado das lições que se pretendia transmitir. Isaías, ao
esperar, como esperava, a temível experiência do exílio, sabia que nem mesmo
o sofrimento e o trauma nessa escala trariam a verdadeira mudança de coração
(cf. 48.22). Para que essa mudança aconteça é necessário mais um ato, e um ato
disdnto, de Deus. Mas, conforme Isaías desenvolve sua história, em todos os
eventos, sabemos agora quem o servo não pode ser: não é possível uma simples
identificação de “o [...] servo” de 42.1-4 com “Israel, servo meu” (41.8).
b. O desastre revertido: Israel redimida (43.1-7)
Somos, com maravilhoso senso dramático, levados a considerar o povo
sob o fogo do Senhor (42.25) e, justamente por isso, ao Senhor prometendo
que o fogo não os queimará (43.2).

A1 A relação do Senhor com seu povo: criador, autor,


concessor do nome deles (1 b-d)
B1 Rumo ao exterior: a presença do Senhor em toda experiência,
a limitação do sofrimento (2)
C1 O Senhor revê o passado: “[eu] dou” (3)
C2 O Senhor dá garantias quanto ao futuro: “darei”
(ARA) (4)
B2 Rumo à pátria: a ordem do Senhor para todo o mundo (5,6)
A2 A relação do Senhor com seu povo: concessor de seu nome,
criador, autor (7)

As seções A1 e A2, estrofes de três linhas, são ligadas pelo vocabulário e


pelo tema: o povo do Senhor se torna sua posse inalienável. As seções B1e B2,
quatro e sete linhas respectivamente, contrastam os temas de “jornada” (cf.
SI 121.8) e compartilham a enfática asserção “estarei contigo/estou contigo”.
As seções C1 e C2, estrofes de quatro linhas, focam o poema sobre o amor do
Senhor, que redimiu no passado à custa do Egito e, no futuro, não hesitaria em
pagar qualquer preço por seu povo.
443 IS A ÍA S 4 3 .I - 7

0 Senhor e seu povo (43.1)


O contraste aqui não é entre presente e passado: a expressão m as agora1
(“agora, porém” [BS]) introduz um comentário divino sobre o que acabara de
acontecer. Na aliança do Senhor com seu povo, há ira e também graça, as mal-
dições da aliança e também suas bênçãos, mas, acima de tudo, há o Senhor fiel
que nunca volta atrás no que prometeu (Lv 26). Apesar de Isaías não usar aqui a
palavra “aliança”, ele se move no âmbito teológico da palavra quando se recusa
a permitir que o fogo da ira tenha a última palavra. O Senhor, mesmo em sua
punição, fica com seu povo. O uso bíblico da palavra “criou” (tlbãrã’) aponta
para um ato que deve ser atribuído a Deus, procedente de sua livre determina-
çâo como deve ser. Na própria criação, o Senhor origina, mantém, controla e
dirige (37.15); sua relação com seu povo é a mesma. A palavra fo rm o u (·¡yãsar)
é mais pessoal (Gn 2.7), indicando cuidado esmerado por meio do qual todas
as circunstâncias da vida são avaliadas e medidas a fim de aplicar exatamente
a pressão correta da mão do oleiro para que o vaso terminado seja compatível
com as especificações daquele que o fez. A palavra resgatei é ainda mais pes-
soai (1/gã’a/; 35.9; 41.14), a aceitação deliberada do Senhor de todos os direitos
dos parentes, considerando as necessidades de seu “parente” como se fossem
necessidades suas mesmas. Finalmente, em uma coroação da intimidade, há a
menção do nome; a frase “eu o chamei pelo nome” (40.26) é um relacionamen-
to pessoal direto envolvendo um plano e um lugar específicos para o indivíduo
chamado pelo nome. N o caso de Israel (7), a frase “eu o chamei pelo nome”
incluía “é chamado pelo meu nome” (cf. 4.1). O Senhor, como um verdadeiro
e satisfeito Boaz (Rt 4.3-10), redimiu sua Israel e se casou com ela. Daí o triun-
fante clamor: vocêé m e u / “você é meu” (NTI.H).

A primeira jornada (43.2)


Muitos comentaristas insistem que esse versículo descreve a jornada do
exílio para casa, mas isso não está de maneira alguma claro. Primeiro, os termos
de extrema dificuldade sugerem rigor e perigos impostos aos cativos durante
a deportação. É mais provável que o termo fogo seja um símbolo do divino e
da hostilidade do inimigo que uma experiência inesperada experimentada por
aqueles cujas inquietações estão no passado. Em 47.2, “atravessjar] os riachos”
é a sina dos que estão deixando a casa para ir para o exílio. Segundo, quando
Isaías fala da estrada para casa, ele o faz em termos de natureza transformada,
ministrando para as necessidades dos viajantes (43.14,19-21; 48.20,21). A se-

1 O u s o d e w‫‘■׳‬a ttâ e m 4 9 .5 se g u in d o u m “ la m e n to ” lev a a lg u n s e s tu d io s o s a s u p o r q u e


e ssa p a s s a g e m n ã o e stá e m se u lu g a r o rig in a l. M a s is s o sig n ific a s u p o r q u e a p a la v ra é u m
t e r m o té c n ic o q u e s ó p o d e s e r u s a d o n o s c o n te x to s d e la m e n ta ç ã o . N ã o é p o ss ív e l p r o v a r
isso . M as m e s m o q u e fo s s e p o ss ív e l, n ã o c o n tr a d ir ía a e v id ê n c ia fo rn e c id a p e lo e s b o ç o
d ia g ra m á tic o d e q u e c a d a s e g m e n to d a s e ç ã o a tu a l e s tá e x a ta m e n te n o lu g a r c e rto .
O LIVRO DO SERVO 444

quência de 42.18-25 é muito mais bem apresentada pelo entendimento de que a


justificada ira divina do versículo 25 resulta no encaminhamento do povo para
a dura estrada do cativeiro, mas eles, mesmo quando estão sob a ira do Senhor,
ainda podem se apoiar nas realidades imutáveis que os tornaram seu povo pro-
tegido e amado. O movimento, em cada categoria da provação, é do geral para
o específico (de águas para rios, de fogo para chamas). O contraste entre águas e
fogo é uma linguagem idiomática de totalidade: provações de quaisquer tipos e
por qualquer meio em que ocorram. Em tudo há a presença do Senhor (“estarei
com você”) c o controle do Senhor, um “até esse ponto e não além dele” divino
0 6 1.12; 2.6), águas sem afogamento, fogo sem incêndio.
O passado (43.3)
As promessas do versículo 2 estão “enraizadas” em quem o Senhor é (3ab)
e no que ele já tem feito por seu povo (3cd). O título 0 Senhor, 0 seu D eu s é o
título do êxodo (Ex 20.2) e ele prepara para a referência ao Egito, além de
ser o nome e título fundamentais do Deus de Israel (Ex 3.15). A expressão
seu D eus não é “o Deus que você escolheu”, mas “o Deus que o escolheu”
(43.10). A designação 0 Santo de Isra elé o título especial de Isaías para o Senhor,
combinando a completa realidade da santidade divina com a igual realidade de
sua relação com Israel. N o contexto, o título é repleto de consolo, pois apesar
de a santidade ter ardido em ira, o relacionamento permanece. Se a santidade
do Senhor e a pecaminosidade do povo não militaram contra a estruturação
do relacionamento, então não podem militar contra sua continuação. A ideia
fundamental de libertação por trás do termo Salvador (cf. 25.9) enfatiza a men-
sagem de consolo. A NVI e muitas outras versões entendem o tempo perfeito
de dei ou como um perfeito representando algo imutável no caráter divino (“A
amada Israel de Deus [...J tem um g õ ’<?/ que pagará qualquer preço, até mesmo
toda a África”);1 ou um perfeito de certeza (“Com certeza darei”) aguardando
a esperada conquista do Egito e além dele por Ciro. Mas esse entendimento
negligencia o contraste entre os versículos 3 e 4, o “dou” e o “darei” (ARA)
(veja o esboço acima). Por essa razão devemos, antes, permitir que os títulos
do Senhor (3ab) alcancem sua meta natural no êxodo em que Israel, à custa do
Egito (Ex 10.7), foi escolhida e libertada. O resgate (kõper ) é o preço a ser pago
(veja 6.7). Etiópia e Seba referem-se ao extremo sul do Egito e a terras ainda
mais a sul e são um aprimoramento poético da imagem. A tradução em troca de
voceé precisamente correta para ta h teykã , a palavra usada para o filho tomando o
lugar do pai no trono (IRs 11.43), para a relação substitutiva entre a oferenda e
a pessoa (Gn 22.13) e para a equivalência entre o crime e a punição (Êx 21.23).
Ela tem o sentido de equivalência exata.

S m art, p. 97.
445 ISAÍAS 4 3 .I - 7

O futuro (43.4)
A expressão visto que é “como resultado do fato que”. As palavras precioso,
honrado e amo são todas tempos perfeitos significando aqui o passado que conti-
nua no presente: “foste e ainda é”. Essas palavras falam do valor que o Senhor
vê em seu povo (precioso: cf. E f 1.18), a dignidade (honrado) que ele lhes conferiu
ao chamá-los de seu e o am [orj (Dt 7.7,8) que embasa tudo. Esse amor faz parte
da natureza imutável de Deus e, por essa razão, garante que, aconteça o que
acontecer, o relacionamento continua. O termo darei pode ter o mesmo sentido
do versículo 3 ou talvez, hipoteticamente, “daria” — o Senhor, caso surgisse
a situação similar à do êxodo e a fim de libertar seu povo, tivesse de destinar
todos os outros à ruína (homens é adam “humanidade”), ele está preparado para
fazer a escolha. Isaías nos mostra agora que escolha o Senhor fez nessa even-
tualidade (cap. 53) e, a seguir, que temos de esperar que o N ovo Testamento
esclareça toda a realidade (veja Jo 3.16; Rm 5.8). A expressão em seu lugar é “em
vez de” (veja v. 3).
A segunda jornada (43.5,6)
Se o compromisso de entregar a humanidade, se necessário, recebe agora
um contexto: o povo do Senhor espalhado pelo mundo. Da mesma maneira
como antes a escolha fora entre o captor, Egito, e a ameaçada Israel, o mesmo
aconteceria se o mundo também se tornasse o captor, e Israel ainda seria a
escolhida, pois assim é o amor do Senhor por seu povo. Isaías, portanto, está
olhando muito além de qualquer ameaça que a Babilônia possa representar. O
exílio babilônio, em princípio, não foi maior que a jornada egípcia e, na prática,
foi muito mais tolerável e menos ameaçador. Um chamado para voltar da Babi-
lônia não envolvería discursos divinos para alcançar os quatro pontos cardeais.
Smart observa que essa outra reunião universal pressupõe “pelo menos na ima-
ginação” um ponto de vista palestino. Confinar essas expectativas da volta da
Babilônia “reduz suas bombásticas concepções escatológicas à banalidade”.1
Isaías raramente, se é que o fez alguma vez, lida com a história sem se lançar
naquelas visões que para ele são a solução final para as situações históricas di-
ficéis do povo de Deus. Isso também acontece aqui. Ele está para mencionar
a Babilônia (14), mas, caso seus ouvintes cultivassem percepções equivocadas
sobre essa libertação (cf. Lc 19.11), ele puxa a cortina mais para trás a fim de
expor uma outra reunião universal. A frase trarei seus filh o s ajuntarei você indi-
ca a continuidade do povo do tempo escatológico com aqueles a quem Isaías
falava. As expressões m eus filh o s, m inhas filh a s indicam a continuidade da relação
com o Senhor, fundamentado na redenção (Ex 4.21).

S m art, p. 97.
O LIVRO DO SERVO 446

O Senhor e seu povo (43.7)


O poema completa o círculo (veja v. 1). Da mesma maneira que o relacio-
namento especial do povo oferece segurança no problema iminente (1-4), tarn-
bém afirma agora a certeza de esperanças futuras (4-7). A palavra todo conclui
a série de descrições daqueles que o Senhor ajumará: “seus filhos”/ “semente”
(ARC) (5) é sua associação do povo do Senhor; “meus filhos” (6), a posição
destes como redimidos; todo, a individualidade da escolha divina daqueles sobre
quem ele porá seu nome (cf. 4.3; todos os inscritos p a ra viverem / “todo aquele que
está inscrito entre os vivos” [ARA]). Sobre criei, fo rm ei e nome veja o versículo 1.
A expressão e f i ^ inclui a partícula yap\ “sim de fato, fiz” (veja 40.24; 41.23). A
palavra “criei” faz parte do vocabulário da criação. Em Gênesis 1, ela é usada
para a obra do Criador conferindo perfeita expressão a seus desígnios criativos,
trazendo os atos de criação a sua expressão concreta pretendida. Ela também
é usada para a conduta providencial do Senhor com Israel, sua contínua imple-
mentação de sua escolha criativa original para eles.
c. A certeza do que o Senhor promete (43.8-13)
Isaías usa mais uma vez uma forma literária favorita, o drama da sala de
tribunal. O ponto fundamental por trás dessa imagem é que o que ele afirma
não são fábulas, mas verdades testadas e atestadas na lei, conclusões verificadas
e fundamentadas em firme evidência. A primeira vista podería parecer que o
caso a ser contestado é se os ídolos-deuses, como o Senhor, conseguem predi-
zer e cumprir suas predições. N o entanto, conforme ouvimos as medidas legais
do processo, esse caso começa a recuar e a ser substituído por uma questão
sobre a qual todos os deuses requerentes podem agir (cf. 41.23de) e a qual tem
a capacidade soberana de determinar um curso de ação e conduzi-lo até o fim.
Assim os versículos 11 e 13 se formam sobre o único Deus como Salvador,
soberano em poder (“não há quem possa livrar”), o obreiro irresistível.

A1 A corte reunida (8-9b)


B1 (3 caso é anunciado (9c-f)
C1 As testemunhas do Senhor (lOa-d)
C2 A declaração do Senhor (10e-l lb)
B2 O caso é resolvido (12)
A2 O veredicto (13)

As seções A1 e A2 dependem uma da outra como as cenas inicial e final na


corte. As seções B1 e B2 lidam com o caso dos ídolos-deuses e, a seguir, forne-
cem a resposta do Senhor como se o mesmo caso fosse tratado por ele. Elas
compardlham o vocabulário de narração, proclamação e “suas testemunhas [...]
447 ISAÍAS 43.8-13

minhas testemunhas”. As seções C1 e C2, da perspectiva temática, dependem


uma da outra: em C1o Senhor chama suas testemunhas; em C2, ele testemunha
em seu próprio favor, pois seu servo e testemunha escolhido é cego e surdo (8)!
Assim, a passagem expõe ainda mais a condição espiritual de Israel e a impos-
sibilidade da nação ser o servo.
A corte reunida (43.8-9b)
As partes da ação estão reunidas na corte. Um grupo é composto dos cegos
c surdos (cf. 42.18), o outro é um grupo internacional.
8 As traduções e comentários coincidem em exigir um imperativo (tracei)
aqui enquanto o TM traz um perfeito: “Ele trouxe”.1 A mudança para o impe-
rativo é bem aceitável (o chamado do porteiro do tribunal), mas não se aproxi-
ma em lugar nenhum d o páthos d o perfeito. Isaías age como um repórter da cor-
te (como também no v. 9ab), observando os litigantes entrando e registrando
(com espanto) “Trazei o povo cego [...] e os surdos |...], as suas testemunhas”
(ARC). Westermann admira-se que o Senhor possa de fato usar essa forma,
mas esse não é o ponto. Antes ele, ao confiar nesse testemunho, é obrigado a
perder o caso, pois que corte aceita o testemunho do cego sobre o que ele viu
ou do surdo sobre o que ele ouviu? Por essa razão, o Senhor, apesar de tentar
motivar seu povo para sua obrigação de testemunhar, ao reiterar: “Vocês são
minhas testemunhas” (10,12), tem de fato de dar seu próprio testemunho na
falta do deles (10,11). Essa não é uma deficiência natural, mas uma culpável,
pois eles t[ê]m olhos e ouvidos, ou seja, foi-lhes garantidas as faculdades de per-
cepçào espiritual, mas contraíram a cegueira e a surdez pela constante recusa
em ver e ouvir (6.9s:·.; 29.9). E extremamente triste que aqueles que adoram
falsos deuses e não deuses se elevem com frequência acima do que sua religião
inspira, mas que o povo do verdadeiro Deus viva abaixo de sua dignidade e falte
com o Deus que os tem iluminado.
0 caso é anunciado (43.9c-f)
A voz é do juiz que preside a seção. Conforme sugerido na nota introdutória
acima, por trás do aparente desafio para predizer está a questão: quem é o Deus
de ação? Aqueles que entendem os versículos 1-7 como totalmente preocupados
com os eventos futuros (veja em especial o v. 3) fazem a palavra isto se referir aos
eventos por vir de Ciro e acham que as coisasp a ssa d a s/ “antigas” (ARC) são um pe-
dido abrangente por predições anteriores feitas pelos ídolos-deuses em qualquer
assunto que seja. Mas se o versículo 3 se refere ao evento passado do êxodo,
então tanto isto quanto passadas têm a mesma referência: “Qual deles predisse

1 G K C 5 3 m c o m e n ta e sse v e rsíc u lo e SI 94.1 c o m o im p e ra tiv o s a n á lo g o s. Q a tra z u m im -


p e ra tiv o n o p lu ra l. B H S s u g e re u m im p e ra tiv o n o sin g u lar. P o r trá s d e tu d o isso e s tá a
s u p o s iç ã o d e q u e a p a s s a g e m e x ig e u m im p e ra tiv o , m a s n ã o é e s s e o caso.
O LIVRO DO SERVO 448

isto e anunciou as coisas passadas?” A redenção do êxodo foi o “primeiro” ato


do Senhor específicamente em favor de Israel. Será que os falsos deuses têm
um ato semelhante a ser creditado a eles? (Veja mais sobre os versículos 12 e
13.) Essa capacidade soberana de determinar o que ele deve fazer e fazê-lo sem
impedimentos é a verdadeira marca da divindade. Os verbos “narrar” (predisse)
e “fazer ouvir” (anunciou ) estão respectivamente no singular (ou seja, referem-se
a qualquer deus individual) e no plural (ou seja, refere-se a todos eles juntos).
A palavra certos (NTLH) c o termo legal para “justo” com o sentido de “estão
certos/justificados”. A frase p a ra que outros ouçam e digam é “e deixe-os ouvir” —
o presidente da corte indica com um gesto o júri ou outras pessoas na corte que
registravam a evidência e chegavam ao veredicto.

As testemunhas do Senhor (43.10a-d)


A palavra declara (neum ; veja 1.24) é (lit.) “[é] a palavra de”. A conjunção e
antes da expressão m eu servo pode ser interpretada como “ou seja”: a posição de
servo carrega a responsabilidade de testemunhar. A nação recebeu essa posição
com a intenção específica (para que) de que saibam a verdade e, assim, creiam e
venham a entendfer] ('¡bin, “discernimento”, “enxergar o cerne de um assunto”)
que o Senhor é único. A construção por trás de creiam em m im ( h a anün l') em
grande parte significa “acreditar no que alguém diz” (Gn 45.26), mas inclui a
ideia de confiar na pessoa (Dt 9.23). A fé surge de fatos e questões referentes
às percepções. Sobre a expressão eu sou D eus, veja 41.4. O Senhor, em resposta
à pergunta do versículo 9: “Qual deles [...]?”, responde: “Eu sou Deus”, mas
como sempre a fórmula contém a verdade da imutável consistência do Senhor
consigo mesmo e ecoa o “EU SOU” de Êxodo 3.14.
A declaração do Senhor (43.10e-ll)
Aparentemente a incitação (l()a) de que vocês são m inhas testem unhas foi re-
cebida com silêncio por parte do cego e do surdo. O Senhor tem que se tornar
o único responsável por seu próprio caso. Sua alegação cobre seu ser (lOef) e
sua obra (11).
lOef Fala-se com frequência dos deuses do mundo pagão como form fados],
criados, vindo a ser ou tendo relação genealógica uns com os outros. O Senhor
não procede de ninguém e não é sucedido por ninguém, existindo desde o
princípio, sem superior nem inferior, o único Deus. Não apenas isso, mas ele
é o único salvador (11). Os eventos do êxodo são claramente o pano de fundo
do versículo 11: a proclamação do nome (Êx 3.14,15; 33.19— 34.8) e a obra de
salvação-livramento.

O caso é resolvido (43.12)


O versículo começa (lit.) com “anunciei [o anunciou do versículo 9j e salvei
e o fiz ouvir [anunciou, versículo 9 |”. O que os ídolos não podem fazer, o Senhor
449 ISAÍAS 43.14-21

faz. Λ sequência de verbos: “revelei, salvei e anunciei” é importante. Na Biblia,


a verdade não “emerge” enquanto as pessoas se esforçam para entender os atos
de Deus. Antes, a fala divina, como em Êxodo 3— 4, vem primeiro, determi-
nando quais serão os eventos por vir e o que eles significarão. Então isso, de-
pois dos eventos, é seguido por mais e mais profunda exposição divina trazida
para o povo de Deus por intermédio de intérpretes divinamente autorizados.
A frase não um deus estrangeiro entre vocês/ “não havia nenhum deus estrangeiro
entre vocês” (BS) (como lRs 3.18 [AVj “estranho nenhum estava conosco na
casa” [ARC|) é uma negação da possibilidade de qualquer outra interferência,
quer humana quer divina. Observe mais uma vez o p áthos da incitação divina
para o cego e o surdo que são m inhas testem unhas. O verbo revelei é como no ver-
sículo 10. D eus Ç êt) é Deus altíssimo, o Deus transcendente.
O veredicto (43.13)
Mais uma vez o Senhor, por suas testemunhas não darem um passo à fren-
te, tem de se incumbir da proclamação de si mesmo, mas, ao manter a cena
da corte, lança-se no papel de juiz que preside a sessão e anuncia o veredicto.
O versículo 13a recapitula o versículo lOd-f, c 13bc recapitula o versículo 11.
O veredicto é a favor do Senhor em seu ser e em sua obra. Há três sentidos
possíveis para a expressão gam m iyyòm (“Ainda antes que houvesse dia” (ARA):
“D esde os dias m ais antigos, “hoje também”, ou seja, não apenas no passado, no
êxodo; “desde aquele dia” (cf. Ez 48.35). Assim, é uma declaração mais abran-
gente de divindade única. A expressão eu sou (veja v. lOd) é possível que aqui
esteja enfatizando a declaração “eu sou o mesmo”. A frase ninguém há que possa
fa% er escapar indica a soberania do Senhor na decisão do que acontecerá às pes-
soas; a expressão quem 0pode desfazer aponta para sua soberania na determinação
do curso dos eventos.
d. A redenção da Babilônia: um novo êxodo (43.14-21)
O tema do êxodo (3,9) continua, fornecendo o padrão dos atos do Se-
nhor por vir. Pela primeira vez desde 39.3-6, a Babilônia é mencionada; e sua
destruição (14), prometida. Mas uma vez que a destruição de um conquistador
significa apenas o advento de outro, levando a uma escravidão mais segura, é
explicado que a queda da Babilônia é um evento do êxodo do Egito seguido
pela jornada de volta à terra natal repleta de provisão divina. O oráculo combi-
na dois poemas separados:

A A promessa (14,15)
a1 O Senhor, o santo Redentor (14b)
b A destruição da Babilônia (14c-e)
a2 O Senhor, o santo Criador e Rei (15)
O LIVRO DO SERVO 450

B O padrão (16-21)
a1 Um caminho através das águas; um povo destruído (16,17)
b1 As novas coisas prometidas (18-19b)
b2 As novas coisas descritas (19c-20b)
a2 A água no deserto; um povo salvo (20c-21)

As duas seções oferecem revelações complementares da soberania divina.


A parte A descreve a soberania sobre as pessoas e os negócios, uma obra de
destruição; a parte B diz respeito à soberania sobre a ordem natural, uma obra
de transformação. Por essa razão, somos apresentados, por meio da comple-
mentaridade e do contraste, à imagem da soberania absoluta. Mas o Senhor, em
cada área, opera para o bem-estar de seu povo (14c, 20c-e).
A destruição da Babilônia (43.14,15)
O agrupamento dos epítetos divinos (a1 e a2 acima) compartilha o pensa-
mento de santidade e acrescenta, respectivamente, R edentor e C riador /.../ Rei.
Talvez a referência à santidade pretendesse manter viva em Israel a consciência
de que nenhuma (mera) libertação nacional resolvería o problema mais fun-
damental da permanência de pecadores diante de um Deus santo e, por essa
razão, encoraja um avanço constante na confiança na obra de renovação espiri-
tual prometida (por exemplo, 29.15-24). N o entanto, é igualmente importante
lembrar que Deus, em todos seus atos, envolve sua natureza toda. Ele nunca se
acomoda a uma situação humana ao deixar de ser o que ele realmente é. Ele é
tão santo nos atos de redenção quanto nos atos de ira.
14 O Senhor, como R edentor (g õ ’êl; veja 35.9) é o Deus que toma sobre si
mesmo todas as necessidades de seu povo; daí a expressão p o r am or de vós (cf.
o oráculo babilônio anterior, 14.1,2). O verbo m andarei é um perfeito de deter-
minação (“determinei-me a enviar”) e é p ie i\ a forma usada para um superior
com autoridade enviando um subalterno. Essa é a primeira referência à Babilô-
nia nos capítulos 40— 55. Não é necessário mais contexto para essa referência
que a fornecida pelo capítulo 39 e, conforme observamos, não há fundamento
para negar o oráculo ou a experiência registrada ali para Isaías de Israel. A
frase e a todos f i ^ descer como fugitivos, os caldeus, nos navios com que se vangloriavam
é (lit.) “todos eles, o caldeus, nos navios de seu júbilo/clamor”. A referência
aos caldeus (NVI) é uma elaboração poética da ideia de Babilônia, em que os
caldeus eram um componente conhecido da população. A frase os “navios de
que se orgulhavam” podería ser traduzida por “seus navios barulhentos”, mas
a palavra rinna não é usada em nenhum lugar simplesmente para barulho, mas
é em geral um grito de alegria, por essa razão a tradução os “navios de que se
orgulhavam”. A Babilônia, em outras passagens, não é ligada específicamente
com navegação, mas observe as implicações de Jeremias 50.38; 51.13,36. E fácil
451 ISAÍAS 43.14-21

pensar na cidade se deliciando no rio e navegando, e ver, no evento da queda da


cidade, aqueles navios carregados de refugiados.
15 Sobre Santo veja o versículo 14. Urna vez que a ideia de “criação” inclui
(37.16) a manutenção em vida, controlando a ação e a experiência e guiando
para o objetivo divino pretendido, o pensamento do Senhor como Criador aqui
carregaria com ele a garanda de seu cuidado intencional (veja v. 1). O termo R ei
acrescenta uma dimensão de relação e compromisso pessoais: o rei era o pai de
seu povo (cf. 9.6<5>).
A destruição (43.16,17)
Todo o drama do mar Vermelho em poucas palavras:1 a abertura de uma
estrada para Israel (16) e uma sepultura para o Egito (17). Os verbos preparou
(ARA) e fe % sa írem / “trouxe” (ARC) são participios expressando os aspectos
imutáveis do governo de Deus, sempre guiando seu povo na vida e seus inimi-
gos, para a morte. Os verbos ja ^em e levantam são ambos imperfeitos, cheios de
vivacidade e ação — “eles jazem ali, para nunca mais se levantarem”; os verbos
exterm inados e apagados são perfeitos, indicando o resultado completo.

As novas coisas (43.18-20b)


O passado pode ensinar (16,17), mas não deve prender. O olhar deve estar
sempre voltado para a frente, para o que Deus ainda fará. Não é que o Senhor
não cumpriría uma promessa ou reescreveria a revelação do êxodo, mas que o
povo do Senhor deve viver na realidade presente do Deus do êxodo.
18 A expressão 0 que sefo i, como no versículo 9, refere-se aos atos de Deus
para o êxodo.
19 A expressão Vejam , estou fa zen d o é “Eis que estou para fazer” (TB). A
coisa nova é a libertação da Babilônia; uma libertação nacional que segue o pa-
drão do êxodo. A expressão E la j á está surgindo! está no imperfeito (“está sur-
gindo/brotando” [NVI/CNBB]) como uma semente que germina e chegou
seu tempo. A expressão vocês não (CNBB) expressa afirmação por meio de uma
pergunta, por isso, “ Vocês não 0 percebem ?'. A frase Vejam , estou fazendo é assina-
lada pela partícula enfática 'a p e transmite o pensamento de quão imutáveis
são os eventos por vir: “Até no deserto vou abrir”. Sobre caminho e nachos veja
Êxodo 13.21,22; 17.6.2

1 Q u a n t o Isa ía s p r e te n d ia q u e se u s o u v i n te s / l e i t o r e s e x p lo ra s s e m o s e n tid o d o in c id e n te
d o m a r V e rm e lh o ? T u d o s o b r e ele é re le v a n te p a ra e ssa p a s s a g e m . F o i o d e s f e c h o d a vi-
tó ria d o S e n h o r s o b r e o E g ito (E x 1 4 .1 -4 ), u m a d e m o n s tr a ç ã o p a ra se u p o v o d a sa lv aç ão
final (E x 1 4 .1 3 ,1 4 ,3 0 ,3 1 ) e u m a im a g e m d a s o b e r a n ia d o S e n h o r ta m b é m s o b r e as fo rç a s
h u m a n a s e n a tu ra is . E le m o s t r o u q u e as a p a rê n c ia s p o d e m s e r e n g a n a d o r a s (E x 1 4 .10-12)
e q u e o q u e p a re c ia d e s e rç ã o d iv in a e ra , n a v e rd a d e , o m e io d o b e n e fic io su p re m o .
2 E m v e z d e n 'h ã rô t (“ r io s ” ), Q a tra z n’ ñ b ó t (“ v e re d a s ” ), u m p a ra le lis m o c o m “ c a m in h o ”
q u e m e re c e e x am e.
O LIVRO DO SERVO 452

20 Aqui vemos os atos de Deus trazendo o mundo todo à harmonia, uma


caracterísdca que será aperfeiçoada no dia messiânico (11.6-9). Aqui, as pessoas
em jornada encontram um mundo transformado (19cd) no qual a criação ani-
mal entra alegremente com benefício.

Israel preservada (43.20c-21)


O equilíbrio do poema (veja o esboço acima) exige uma nova sentença
começando no versículo 20c: “Eis que...”. Êxodo 17 é o pano de fundo para
o versículo 20cd. O m eu povo é o relacionamento estabelecido pela aliança (Êx
6.7), m eu escolhido é a vontade divina por trás dele.
21 A imagem do oleiro aqui (formei) significa que o povo pode olhar com
confiança os problemas por vir e através deles. Esses problemas são sinais me-
recidos da ira divina (42.25), mas são ao mesmo tempo os toques e as pressões
da mão do artesão enquanto este aperfeiçoa o que planejou. A Babilônia e o
retorno para a terra têm sua parte nisso até o dia por vir quando um povo aper-
feiçoado relatará por fim com perfeição o louvor de seu Senhor.

2 .0 perdão dos pecados (43.22—44.23)


Isaías, ao mudar com habilidade o foco do que o Senhor desejava para seu
povo (21) para o que ele encontrou (22), introduz o tópico da condição espi-
ritual de Israel. Agora o profeta, em quatro passagens conectadas e paralelas
àquelas em que descreveu a escravidão e libertação nacionais (42.18— 43.21),
explora esse lado mais profundo da necessidade do povo.
а. O pecado exposto (43.22-24)
Isaías, de uma maneira típica de antes do exílio, desafia o povo em um pon-
to no qual eles podem bem achar que estão acima de reprovação: a expressão
cultuai da religião. Se ele pode condená-los aqui então talvez eles vejam que
ainda estão em seu pecado e afastados de Deus, pois os meios designados de
perdão e reconciliação não “funcionaram” para eles. N o entanto, à primeira
vista a acusação parece antes a de não usar o culto de forma alguma: você não me
invocou (22) ¡...¡N ã o fo i p a ra m im que você tro u xe ovelhas (23) [ ..) Você não me comprou
qualquer cana aromática, nem me encheu com a gordura de seus sacrificios (24). N o entanto,
esse entendimento dos versículos não pode ser correto, pois não há nenhum pe-
ríodo conhecido da história de Israel ao qual ele se aplicaria. A queixa pré-exílica
era de atividade cultuai desordenada (1.10-15; Jr 7.21; Am 4.4,5; 5.21ss.; Mq
б. 6ss.). Durante o exílio, o templo e o ministério sacerdotal foram removidos
por meio da ação divina, e dificilmente o povo podia ser culpado por não fazer
o que não era uma opção. Depois do exílio, o primeiro ato da comunidade que
voltou foi levantar o altar (Ed 3.1ss.) e Ageu (2.10-14) e Malaquias (1.7) tes-
temunham o uso contínuo do altar. Portanto, é necessário sondar por trás do
sentido superficial conforme expresso nas traduções:
453 ISAÍAS 4 3 .2 2 -2 4

1. A ênfase no versículo 22 exige uma tradução do tipo: “Não a mim você


chamou”. Essa passagem repete a acusação de 1.1 Oss., não que a oração e o
ritual tenham cessado, mas que apesar de serem abundantes, nenhum dos dois
alcançava a Deus e o satisfazia. A ênfase na expressão “não me” combina com
a frase “Para que me oferecem” em 1.11. A passagem atual começa a fazer sen-
tido se permitimos que a ênfase continue ao longo dela, embora seja apenas na
primeira linha que o hebraico de Isaías exija isso.
2. Para descobrir por que a religião deles falhou voltemo-nos para o verbo
sobrecarreguei, o sujeito de um jogo de palavras nos versículos 23c e 24c. Ele é
um htphil de Ί lãbad com o senüdo de “compelir a servir, tornar-se um escravo de”.
Isaías, no uso dele, talvez esteja continuando o contexto do êxodo dos oráculos
precedentes e tenha em mente o mesmo verbo de Êxodo 1.13; 6.5. Os egípcios
forçaram o povo a ser escravo, mas o propósito do Senhor era libertá-los (Êx 20.2,
“da terra da servidão”). Foi por essa razão que o Senhor lhes deu sua lei, moral
e cultual para que eles, pela obediência, pudessem desfrutar de liberdade (SI
119.45). Mas em l.lOss., Isaías reclama que o povo usou os meios de libertação
para se colocar em uma nova escravidão cultuai, uma religião de observância
incessante. Eles, ao transformar o ritual no único conteúdo da religião, excluí-
ram-se na verdade dos benefícios que se pretendia que os sacrifícios trouxes-
sem. O ritual divorciado da moral e do compromisso espiritual não satisfaz a
Deus nem abençoa seu povo. Na verdade acontecia o contrário, pois eles agiam
como se seu ritual fosse uma técnica para manipular as bênçãos e deixar o Se-
nhor à disposição deles. Portanto, eles o tornavam um escravo!
3. Outro verbo, ■¡yãga, é encontrado ao longo da passagem e força a verda-
de quando ela começa a surgir, “tenha ficado exausto por minha causa” (22b)1
é o q a l desse verbo e os verbos “Não o sobrecarreguei”, “me deixou exausto”
(23d, 24d) são o hiphil. O Senhor chamou seu povo para sua comunhão e isso
envolvia ouvir sua palavra e obedecer a ela (Êx 19.5), mas eles escolheram ou-
tro caminho (30.9-11). Caminhar com o Santo era muito difícil, e eles se con-
tentaram com uma opção mais suave e mais estimulante de fervor religioso.
Mas o sistema sacrificial, na intenção de Deus, fora planejado para satisfazer
as necessidades do povo conforme eles descobriam sua incapacidade de viver
à altura da lei e sua constante necessidade de perdão e restauração. Por isso, os
sacrifícios eram destinados a trazer alívio, deleite e volta para Deus. Eles, ao op-
tar por um mero ritual e por esvaziar os sacrifícios de seu poder, permaneciam
em seu pecado e, dessa maneira, estavam em constante enfado com o Santo.
Por essa razão, a mensagem de Isaías nesses versículos é a mesma de em 1.1 Oss.
Havia muito fervor religioso, mas nenhuma realidade religiosa. N o ponto em

N ã o fica c la ro o q u e o te x to d a N V 1 e s tá s e g u in d o aq u i. P a ra o T M , v eja o c o m e n tá r io
s o b r e o v e rs íc u lo 22.
O LIVRO DO SERVO 454

que eles talvez esperassem agradar a Deus, eles o cansaram (24; 1.14); no ponto
em que eles assumiram com mais zelo estarem corretos, provaram apenas que
ainda estavam em seu pecado.
Os versículos consistem de cinco parelhas de versos destinadas a mostrar
como as obras humanas contradizem a vontade de Deus:

A 1 A relutância com o Senhor (22)


B1 A falha cultuai, os sacrifícios que não honram o Senhor (23ab)
C A intenção divina: não escravizar (23cd)
B2 A falha cultuai, os sacrifícios que não satisfazem o Senhor
(24ab)
A2 Um fardo sobre o Senhor (24cd)

22 A palavra invocou pode incluir a expressão cultuai de religião (Gn 13.4),


mas ela necessariamente enfadza o lado pessoal da atividade religiosa, da ora-
ção e da comunhão com Deus. O termo me ocupa o lugar enfático na sentença.
A vida religiosa deles estava tão distante da intenção divina que eles, conforme
afirmou o Senhor, “não me” chamaram. Conforme as restrições do Senhor Je-
sus (Mt 15.9) quanto à religião fundamentada na tradição que abandonara a pa-
lavra revelada. O versículo 22b é (lit.) “por que [‘ap\ você me deixou exausto?”
O termo J y ã g a ‘ com o complemento if significa “trabalhar para (de forma a ga-
nhar)” (62.8); “estar envolvido, ter relações” (47.12), “se cansou com” (57.10).
23 Seguindo a sugestão do versículo 22, os pronomes m im /.../ m im , embora
não estejam em uma posição enfática, devem ser enfatizados a fim de garantir o
sentido correto, como se dissesse: “As ofertas queimadas que trouxeste — mas
não para mim”. A expressão a m im que você honrou expressa o cerne da acusação
aqui (veja o esboço acima e o comentário sobre o v. 24b). Em Malaquias 1.6,7,
o Senhor foi desonrado por uma religião profana; aqui a suposição de que os
sacrifícios que eram mecânicos em seu efeito desonravam a santidade moral do
Senhor ao sujeitá-lo a uma forma de mágica. Observe como a parelha central
de versos (23cd) usa os verbos essenciais para o argumento: sobrecarreguei (cf. v.
24d) e 0 deixei exausto (cf. v. 22b). Sobre sobrecarregue¡/nem [...] fatigue! (ARC)
e 0 deixei exausto , veja a nota introdutória acima. Os comentaristas encontram
aqui a mesma controvérsia de 1.1 Oss. Será que o profeta se opunha ao sacrifí-
cio como tal ou apenas ao abuso dele? (Veja North para a primeira opinião.)
A segunda opção é discutida na nota introdutória acima. Veja também 44.28,
passagem em que Isaías se delicia com o prospecto do templo restaurado, o
qual harmonizaria mal com a objeção enraizada ao sacrifício. O olíbano era um
componente do incenso do templo (Ex 30.34-38) e era usado com a oferta de
cereal (Lv 2.2).
455 ISAÍAS 4 3 . 2 5 - 4 4.5

24 A cana arom ática era usada no óleo de unção (Êx 30.23; Jr 6.20). A ex-
pressão m e saciou é (lit.) “me saturaste”, ou seja, tens me enchido (TB) ou satis-
fez-me. K gordura era a porção do Senhor (Lv 3.16,17). A verdade (aqui expres-
sa de forma antropomórfica) de “satisfazer” o Senhor está no cerne de toda
religião. O ponto não é que ela deve agradar, ajudar, etc. as pessoas, mas que
deve agradar e satisfazer a Deus. “A verdadeira religião tem de se conformar à
vontade de Deus conforme seu padrão inerrante”.1 Sobre sobrecarreguei/^ncm
me saciou” (BJ) veja o versículo 23c. Eles achavam que pela técnica do sacrifí-
cio podiam fazer Deus atender seu pedido. Os termos pecados é h a lla ’/ e ofensas
é 'ã w ô n (veja 6.7).

b. O passado esquecido, o futuro abençoado (43.25—44.5)


Isaías pula direto do Deus cansado dos pecados de seu povo (24) para
0 Deus que apaga os pecados. Nenhuma palavra de conexão do vocabulário
humano consegue unir essas duas realidades. Só Deus sabe como a santidade
e o perdão coexistem na natureza divina. O poema não apresenta nenhuma
explicação, apenas uma declaração de que a ira (28) é substituída pela bênção
(44.3). As seis estrofes de quatro linhas cada iniciam propondo uma confron-
tação no tribunal (43.25,26) para ver se a intenção do Senhor de perdoar (25)
está em harmonia com a evidência (26). Mas apesar de a contraprova (27,28)
ser esmagadora, está em operação uma lógica divina (44.1, M as [...] agora) por
meio da qual é prevista uma nova situação de bênção (1-5).

A1 A resposta convidada: a evidência justifica o perdão? (25,26)


B1 Os pecados dos pais (27,28)
C A palavra do Senhor (44.1-3b)
c1 A condição inalterada de Israel diante do
Senhor (l-2b)
c2 O medo removido, a provisão retratada
(2c-3b)
B2 A bênção dos descendentes (3c-4)
A2 A resposta predita (5)

Sente-se de maneira penetrante a ausência, nesse poema, de uma seção D


central. Sem dúvida é necessário explicar a mudança do Senhor da ira para o
perdão. Claramente não há nenhum argumento humano em favor dela (26),
mas a resposta ainda não é dada, apenas a garantia de que a salvação plena está
vindo, a qual lida com o passado (25) e fornece nova vida para o futuro (44.3c-
4). Essa salvação surge de dentro da natureza divina (25,p o r am or de m im [TB]),

1 J. C a lv in « , Institutes o f the Christian Religion (1 5 5 9 ), n a B ib lio te c a d e C ris tã o s c lá ssic o s, vols.


X X e X X I, ed . J. T. M c N e ill, tra d . F o rd L ew is B a ttle s (W e stim in s te r P re ss , 1 9 6 0 ), I.iv.3.
O LIV RO DO SERVO 456

implementa a escolha de Deus (44.1,2) e harmoniza com seu compromisso


da aliança para ser “meu Espírito sobre sua prole, e minha bênção sobre seus
descendentes” (3,4; Gn 17.7).

Seria o perdão justificado? (43.25,26)


Λ proclamação de perdão inicial (25) é seguida por um convite para produ-
zir essa evidência enquanto na lei asseguraria a absolvição (26).
25 A repetição, na expressão eu, eu mesmo, é para dar intensidade emocional
(cf. 43.11) e é típica de Isaías. A frase aquele que apaga é um participio que torna
o perdoar os pecados um atributo divino. O verbo apaga é usado no sentido de
“limpar” em 2Reis 21.13 e de pecado em Salmos 51.1 <3> . O pecado mancha o
caráter e o Senhor vê a marca que ele deixa. As transgressões/ “pecados” (NTLH)
é desobediência obstinada (cf. 24.20). A frase p o r am or de m im significa por mo-
tivos que encontram sua explicação em minha própria natureza. Deus não se
lembra m ais de teus pecados — o que ele esquece não pode nunca mais levantar
para reclamar nem condenar (cf. Jr 31.34; Mq 7.18,19). Se até mesmo o próprio
Satanás relembrasse o passado diante de Deus, ficaria frustrado com a incapa-
cidade de Deus de se lembrar. Os pecados ( h a t t a t ) são os verdadeiros tropeços
(6.7), o pecado de obra, como a “rebelião”, é o pecado da vontade.
26 O convite para o pecador escrever um caso aponta para a justiça que
Deus exige na questão do perdão. Antes de a palavra de perdão poder ser im-
plementada, os pecadores devem enfrentar sua desesperança diante da lei. A
tradução da N VI por Relem bre 0passado p a ra m im é uma boa tradução interpreta-
tiva. Depois da frase vamos discutir a sua causa, deveria ser acrescentado “na lei”,
conforme exige o verbo sã p q t (“julgar”) aqui.

Os pecados do pai (43.27,28)


É possível, depois do versículo 26, imaginarmos um silêncio na corte en-
quanto o juiz aguarda o acusado fazer sua defesa. Mas na falta de defesa, o caso
da acusação continua e faz com que a possibilidade do versículo 25 fique ainda
mais remota.
27 O termo p a i pode ser coletivo, fazendo paralelo com porta-vo^es, mas o
singular referindo-se ao pai fundador é melhor. A referência pode ser a Adão,
o fundador por excelência; Abraão, o ancestral supremo; ou Jacó, o pai ime-
diato da nação. A expressão seusporta-vo^es é de ·\ü s, com o possível sentido de
“vangloriar-se, fazer declarações grandiosas” (cf. “zombador” em 29.14,20,22).
N o hiphil, usado aqui, cf. 2Crônicas 32.31 em que é traduzido por “delegação”.
Assim, a história, desde o primeiro fundador até todos os líderes subsequentes
e até a geração atual, é a mesma (pecou e se rebelaram são os verbos corresponden-
tes aos substantivos do versículo 25).
457 ISAÍAS 4 3 . 2 5 - 44.5

28 F.m relação aos verbos envergonharei e entregarei é impossível ter certeza


quanto a que tempo verbal usar.1O passado, presente e futuro podem todos ser
exemplificados. Um tempo passado relembraria atos anteriores de julgamento
divino ou (passado incipiente) até o tempo em que o processo começou ou
(passado contínuo) até o próprio processo da oposição divina. Um tempo fu-
turo, conforme escolhido pela NVI, é com certeza o mais vivido no contexto.
Uma vez que não foi comprovado nenhum caso para o perdão e o registro até
agora é de pecado contínuo e de rebelião, só é possível julgar de uma maneira.
A frase líderes do templo/ “os maiorais do santuário” (ARC) podia, uma vez que
“santidade” também é usada com o sentido de “santuário”, significar “os lide-
res do templo” (cf. lCr 24.5). O sentido mais claro é simplesmente “os santos
príncipes”, ou seja, aqueles nomeados como dirigentes do “santo” do Senhor.
A destruição (herem ) não é a destruição pura e simples, mas a destruição do que
é abominável para o Senhor (cf. Js 6.17; 8.26). Por isso, a corte chegou ao mais
temível dos veredictos: não o perdão divino (25), mas a maldição divina (28).
A palavra do Senhor (44.1-3b)
A seção paralela (43.1-7) inicia com a palavra w‫‘ ׳‬attâ (“mas, agora”) e a
mesma palavra inicia o versículo 1. Seu propósito, como antes, não é contrastar
passado e presente, mas prevenir que seja tirada uma conclusão equivocada
e impedir o sentimento de que foi dita a última palavra. O veredicto legal de
destruição total não é, afinal, o fim do assunto. O Senhor tem uma palavra para
Jacó/Israel escutar. E se ele apenas escutiar / (1), saberá que não há motivo para
ter medo (2). Não é o julgamento que está a caminho (43.28), mas o refrigério
(3ab).
1 O Senhor começa essa palavra de conforto ao insistir que a posição de
seu povo diante dele é imutável: eles ainda são tratados como servo (cf. 41.8). O
verbo escolhí está no tempo perfeito, apontando para uma ação concluída.
2 Os verbos fe% (cf. 43.7) e form ou (cf. 4.3.1,7,21) são participios (“seu cria-
dor... oleiro”) indicando a relação imutável em que o Senhor permanece com
seu povo. O verbo ajudará também é um imperfeito, referindo-se aos repetidos
atos de Deus quando e como necessário. A segunda estrofe da seção do meio
do poema (veja o esboço acima) se liga à primeira ao usar os mesmos títulos

1 Λ f o r m a v e rb a l é im p e rfe ita c o m a s im p le s vav. A lg u n s ( p o r e x e m p lo , B I IS, W hy b rav )


a lte ra m p a ra vav c o n s e c u tiv o , c o m u m s e n tid o c la ra m e n te d e p a s s a d o . D riv e r (66n) o b -
s e rv a q u e o vav c o n s e c u tiv o , n o piei, n a p rim e ira p e s s o a d o sin g u la r to m a às v e ze s u m
r e d u z id o “ a ” ( p o r e x e m p lo , J z 6.9; 20.6). E m 84 a, ele o b s e r v a q u e o im p e rfe ito c o m u m a
vav s im p le s p o d e e x p re s s a r u m ú n ic o a to p a s s a d o (p o r e x e m p lo , 10.13; 4 8 .3 ), m as a lg u n s
d e s s e s e x e m p lo s s ã o m ais b e m c o n s id e r a d o s c o m o fre q u e n ta tiv o s o u iniciais ( p o r e x em -
p io , 5.1 2 ). O im p e r f e ito o u o im p e ra tiv o c o m u m vav s im p le s e x p re s s a c o n s e q u ê n c ia , daí
“ p o r is s o ” (D riv e r, p. 5 1 -5 3 ). V eja ta m b é m M cF all, p. 19.
O LIVRO DO SERVO 458

(servo e escolbi), m as esse n ã o é apenas um re c u rso literário, é um a reiteração do


co n fo rto : o S e n h o r p re te n d e d e fato o que essas palavras indicam , u m a posição
im utável e u m a escolha irrevogável. ( ) “ u m ” final de Jesurum (D t 32.15; 33.5,26)
é u m dim in utivo carin h o so ; o resto d o n o m e p o d e estar relacionado co m yãsãr,
co m o se n tid o d e “ ju sto ” , o u seja, o q u e o S e n h o r deseja q u e seu p o v o seja. Se
esse fo r o caso, o te rm o é u sa d o aqui co m ironia a m o ro sa , ex a lta n d o o am o r
q u e c o n tin u a a d e sp e ito d o fracasso em c u m p rir a in te n ç ã o d o criad o r. Será que
há u m a ten são d e te rm in a d a en tre Jacó (“ e n g a n a d o r”) e Jesurum (“ ju sto ”); o pri-
m e iro o lh a n d o em retro sp ectiv a o fracasso d o p o v o , o o u tro o lh a n d o adiante
para o q u e eles ain d a se rã o p o r m eio d a graça? A p assag em 32.15 usa u m a pa-
lavra d ife re n te p a ra derramarei, m as o p e n sa m e n to é o m esm o . Λ ch u v a d o céu
sim boliza to d as essas in terferên cias de g raça vivificantes e d o a d o ra s d e vid a p o r
m eio das quais o S e n h o r, p o r in te rm é d io de seu E sp írito , tra n s fo rm a o d e se rto
da vida de seu povo.

A b ê n ç ã o so b re os d e sc e n d e n te s (44.3c-4)
O te rm o derramarei n ã o só tra n sp o rta a verdade expressa pelo m e sm o verbo
na estrofe p reced en te, m as é um c o n traste planejado co m envergonharei na estrofe
paralela (28). A im agem d o versículo 3ab é substituíd a pela realidade d e m eu E sp í-
rito (cf. 59.21). D a m esm a m aneira, a realidade negativa de p u rificar e esq u ecer o
p assado (25) se to rn a a realidade positiva da nova vida vinda d e D eus. E m 3ab, a
ilustração é d e n o v a vida tran sm itid a; ag o ra a im agem (4) se d esen v o lv e naq u ilo
d e m o n stra d o pela n o v a vida. N ã o é fácil n o to d o p e rc e b e r c o m o a N V 1 che-
g o u à frase como relva nova [...] junto a regatos, m as o te x to Q fb ên hãsir) d o T M tem
sido o su jeito de m uitas c o rre ç õ es sugeridas.1 É v erd ade q u e o te rm o hên, na
m aio ria d o s ex em p lo s, é u sa d o c o m o u m a p re p o siç ã o (“ e n tre ”), m as ele, c o m o
m u itas p re p o siç õ e s h ebraicas, é o rig in alm en te u m su b sta n tiv o (“ u m [lugar] en-
tre ” , “ u m ‘e n tre -m e io s’ ”), e este ta m b é m é b e m ex em plificado.2 A qui, “ en tre
a erv a” (ARC) significa “ em m eio à relva n o v a ” e é u m a im ag em geral d e n o v o
cre sc im e n to e fertilidade b em irrigada.

A alegre re sp o sta (44.5)


E sse v ersículo está em m a rc a n te c o n tra ste co m o su g erid o silêncio d o
p o v o ao ser co n v id a d o a re s p o n d e r n a passagem paralela 43.26. O s três p ro n o -

1 A e x p ressão hòs anameson hydatos chonos c a eq u ivalente d e th e n mayim hãsir (“ c o m o gra-


m a e m m e io às ág u as” ). O te r m o th e n tem o a p o io d e Q \ B l IS traz th in hüsbr (“ c o m o um
álam o d e I !a z o r”), m as n ã o e n c o n tra m o s esse su b sta n tiv o Bin e m o u tra p a ssa g em d o A n tig o
T e s ta m e n to c, além disso, n e n h u m d o s lugares c o m n o m e d e H a z o r m e n c io n a d o s n a Bíblia
(d ezo ito referên cias) a p o n ta q u a lq u e r fam a p o r cau sa d e “ á la m o s” . O n o m e d e u m a á rv o re
to rn aria u m p aralelism o a d eq u a d o , m as à cu sta d o e m p o b re c im e n to d a ilustração.
2 P a ra hên c o m o “ e n tr e - lu g a r ” / “ m e io ” v e ja Ê x 2 5 .2 2 ; SI 104 .1 2 ; J r 4 8 .4 5 . V eja B D R 1 0 7 b
p a ra u m lista c o m p le ta .
459 ISAÍAS 4 4 . 6 -2 0

m es, um /... / outro /.../ ainda outro (peh /.../ %eh [...] %eb), fo rm a m u m inclusio [criar
u m a e stru tu ra a o p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a seção] co m
o e n fá tic o “ eu, eu m e s m o ” de 43.25,26. O b se rv e ta m b é m o m e sm o u so de
t(eh n o salm o c o n te x tu a lm e n te id ê n ü c o 87.4-6. A asso ciação d o p o v o d e D e u s
(no p a d rã o d o re m a n e sc en te d e Isaías; 8.11-20) é u m a ssu n to d e c o m p ro m isso
p essoal. A o b ra d o E sp írito de D e u s (3) está ev id en te na re sp o sta individual e
em u m p o v o co n fessio n al. V oltar-se p a ra o S e n h o r (5ac) en v o lv e v o lta r para seu
p o v o (5bd); u m é in separável d o o u tro . O s v e rb o s dirá, chamará e escreverá são,
resp ectiv am en te, te ste m u n h o s pessoais de p e rte n c e r ao S e n h o r, a identificação
c o m seu p o v o e o c o m p ro m isso da vida ded icad a ao S en h o r. (S obre a mão c o m o
a p esso a, c o m o agente, veja D t 6.8.) A ex p ressão tomará p a ra si 0 nome (íkã n â ) é
u sada para p e g a r um n o m e adicional a fim de reg istrar u m a n o v a situ ação o u
co n d ição . O fluxo d o c o n te x to até esse p o n to exige q u e a referên cia aqui seja
à d e sc e n d ê n c ia de J a c ó /I s r a e l, o u seja, n ã o os g e n tio s v in d o à fé n o S e n h o r e à
asso ciação co m seu p o v o (co m o SI 87), m as os israelitas fo rm ais se to rn a n d o
v erd ad eiro s israelitas; o p o v o de D e u s, p o r in te rm é d io d o E sp írito d e D eu s,
to rn a n d o -s e tu d o q u e eles dev em ser.

c. A certeza da promessa do Senhor (44.6-20)


N o s c a p ítu lo s 40 e 41, a in sen satez d a idolatria é e x p o sta p elo c o n traste
co m a g lória d o S enhor. N o s cap ítu lo s 43 e 44, o a rg u m e n to re v e rte u q u a n d o a
glória d o ú n ico D eu s, p o r m eio d o a b su rd o da idolatria, resp lan d eceu . O ab su r-
d o n esse caso p arece se r à p rim eira vista a ad o ra ç ã o d o q u e, se tivesse a ch an ce
d e se r d iferen te, seria u sa d o p a ra c o z in h a r a refeição (15-17), m as esse n ão é o
p o n to para o qual Isaías n o s co n d u z . A ntes, o ídolo, p o r ser o q u e é, n ã o tem
p o d e r d e m u d a r o co ra ç ã o h u m a n o (18-20), m as deixa o id ó latra na e scu rid ão e
e n g a n o espirituais co m o s quais ele c o m e ç o u (9).
T alvez seja c o rre to p e n sa r n o s versículos 9-20 c o m o in tro d u z in d o a u nida-
d e d e um o rá c u lo d a salvação original c o n sistin d o d o s versícu lo s 8 ,2 1 e 22, um a
cena n a c o rte d e stin a d a a d a r g aran tia a Israel (veja W e ste rm a n n , W hybray).
M as esse é o tip o d e “ in tru sã o ” q u e é p a rte in te g ra n te d o “ m o sa ic o ” isaínico,
0 livre u so d o m aterial p ara c u m p rir um a nova fu n ç ã o em u m n o v o cenário. E
n ão é possível d u v id ar, à luz da e stru tu ra da seção to d a ex p o sta acim a, q u e os
versículos 9-20 fo ram d elib e ra d a m en te co lo c a d o s em seu atual c o n te x to .1

1 E b e m u m o u tr o a s s u n to d u v id a r d a a u to ria d e Isaías d o s v e rsíc u lo s 9 -2 0 . A su b je tiv id a d e


e sse n c ia l d e b o a p a r te d o a rg u m e n to aq u i n ã o é p e r c e b id a p o r n a d a d e q u e N o r t h p o s s a
fa la r s o b r e e ssa se ç ã o c o m o “ v e rs o s m al e la b o r a d o s ” , e n q u a n to p a ra S im o n “ e ssa [é] a
o b r a -p r im a d a p o e s ia d e Isa ía s” . D u h m e n c o n t r o u o to m p o lê m ic o e s a rc á s tic o d o s ver-
síc u lo s n a d is c re p â n c ia c o m o e s p írito d o p r o f e ta . M as o s v e rsíc u lo s, n a v e rd a d e , n ã o sã o
s a rc á s tic o s n e m p o lê m ic o s , m a s d ir e ta m e n te d e sc ritiv o s. A sá tira e s tá n o s fa to s, n ã o n o
to m d o s v e rsíc u lo s. W h y b ra y a c h a q u e falta a o s v e rsíc u lo s “ a n o ta d e u te ro is a ía s c a ra c te ­
O LIV RO DO SERVO 460

E ssa seção é a p re se n ta d a em duas partes. O s versículos 6-8 estã o rep leto s


de iniciativa div in a à m ed id a q u e o S e n h o r tranquiliza seu p o v o , e n q u a n to os
versículos 9-20 e stã o re p le to s d e iniciativa h u m an a. O id ó latra está o c u p a d o
co m a c o n fe c ç ã o de seu íd o lo e, n o fim , é deixado, in alterad o , en tre g u e a seus
p ró p rio s recursos. O c o n tra ste é a m e n sa g e m d o todo.

O Senhor e seu povo (44.6-8)


A qui o b se rv a m o s a d e v astad o ra exclusividade d o m o n o te ís m o bíblico. À
p a rte d o S e n h o r não há D eus e não existe nenhuma outra Rocha (nada confiável em
q u e se apoiar, n ad a ativo na salvação, veja abaixo).

A l Rei e R e d e n to r, o ú n ic o D e u s (6)
B O D e u s in co m p aráv el, o S e n h o r da h istó ria (7)
A 2 C o n fo rta d o r, R evelador, R ocha, o ú n ic o D e u s (8)

6 S o b re o s títu lo s rei /.../ e [...) redentor veja 43.14,15. O títu lo Senhor dos
E xército s/ “T o d o -P o d e ro s o ” (N T L H ) (veja 1.24) o c o rre aqui p ela p rim e ira vez
n o s cap ítu lo s 38— 55 e d á início ao c o n tra ste e n tre o S e n h o r e os íd o lo s. E le é,
em si m esm o , to d o p o d e r possível (e u sa-o c o m o re i/p a i e re d e n to r /p a r e n te
m ais p ró x im o p a ra a b ê n ç ã o d e seu p o v o ; v. 8). O s íd o lo s têm o rig em n o p o d e r
h u m a n o e n ã o exercem n e n h u m p o d e r em troca. O último n ã o é aqui c o m o
“ co m os ú ltim o s” em 41.4 (em q u e o p e n sa m e n to é d e d ireção in te n c io n a l da
história). A qui a d eclaração to d a, eu sou 0 primeiro e eu sou 0 últim o, diz resp eito
à n a tu re z a d e D eu s. E le, c o m o o primeiro, n ã o deriva sua vid a d e o u tro lugar
(co n trasta c o m o s ídolos; vv. 10-17), m as é a u to e x iste n te e au to ssu ficien te; ele,
c o m o o ú ltim o , p e rm a n e c e n o fim , su p re m o e to ta lm e n te c u m p rid o . O te rm o
>elõh~1m é o su b sta n tiv o c o m u m para D eu s, m as à luz d e u m a palavra d istin ta
na frase p arelh a n o versícu lo 8, é provável q u e d ev am o s d a r a ela u m sa b o r
característico c o m o u m plural d e am p litu d e: “ D e u s na p le n itu d e e to talid ad e
d o s a trib u to s d iv in o s” .
7 U m d esafio (quem há, como eu [ARA]) é seg u id o das c o n d iç õ e s q u e têm de
ser satisfeitas a fim d e a firm a r a co m p arab ilid ad e. O te rm o anuncie/ “ c h a m a rá ”
(sem n e n h u m o b je to declarado) é o v e rb o iq ã ra u sad o (c o m o em 40.26) para

rístic a d c lo u v o r ” , e W e s te r m a n n re c la m a q u e o m e s m o la v é e s tá a u s e n te , c o m o e s tá c m
q u a lq u e r r e fe rê n c ia d a c o n d u ta d o S e n h o r c o m Isra el. M as o s d o is c o m e n ta r is ta s tira ra m
o s v e rsíc u lo s d e se u c o n te x to , e m q u e s o b e ja m t o d o s e sse s tó p ic o s . CD f a to é q u e n ã o c o -
n h c c c m o s o c o n te x t o o rig in a l d e s s e s v e rsíc u lo s e n ã o te m o s o d ir e ito d e a s s u m ir q u e falta
a e sse c o n te x to as n o ta s d e lo u v o r, e tc. E le s, p o r s u a v e z , e s tã o m u itís s im o b e m s itu a d o s
e m se u c o n te x to a tu a l c o m u m a c lara f u n ç ã o a c u m p rir. D iz e r c o m N o r t h q u e se e les es-
tiv e ss e m a u s e n te s n ã o fa ria m fa lta é n ã o to m a r c o n h e c im e n to d a a p re s e n ta ç ã o c o e r e n te ,
d e 4 2 .1 8 c m d ia n te , d a d u p la n e c e s s id a d e d c Isra el e d a d u p la r e s p o s ta d o S e n h o r.
461 ISAÍAS 4 4 .6 -2 0

d e ta lh a r o c o n tro le d o u n iv erso físico e (em 41.4) para d e ta lh a r os ev en to s


h istó rico s. P o rta n to , aquí ele significa “ e sta r n o c o m a n d o ex ecu tiv o ” . O te rm o
a n u n á e / “ d eclare” (BJ) é o m c sm o q u e fazer u m relato d o ev e n to ch am ad o ,
d essa m an eira, à existência. Λ frase e exponha diante de [“d ia n te ” (BJ) | m im (‫ו‬/ ‘ã ra k ,
“ o rd e n a r”) é u sad a para co n seg u ir to d o s o s detalh es c o rre to s d o ta b e rn á c u lo
(E x 40.4) e p ara p ô r u m p la n o d e b a ta lh a em ação (IS m 17.8,9). E la significa
“ p ô r tu d o em seu lugar c e rto e em o rd e m ” , p o r c o n se g u in te aqui, e stab elecer o
ev e n to em um p la n o c o e re n te da h istória. A frase 0 que aconteceu desde que estabelecí
meu antigo povo é m u itíssim o in terp retativ a. U m a tra d u ç ã o literal d o te x to seria:
“ d e sd e m e u d esig n ad o e a n tig o p o v o ” ; o u (cf., p a ra a c o n stru ç ã o h eb raica, SI
4 .7 < 8 > ) “ c o m p a re co m m eu designado...” . W e ste rm a n n , a p esar d e q u e re r cor-
rigir as p alavras,1 explica-as de fo rm a acu rad a ao d iz e r q u e u m d eu s p ro v a sua
v erd ad eira e efetiva div in d ad e na m ed id a em q ue, n o d e c o rre r d e u m lo n g o pe-
n o d o , ele guia claram en te a h istó ria de u m p o v o .2 E sse e le m e n to final n o desa-
fio d o S e n h o r p a ra os íd o lo s-d eu ses é u m a exigência p o r ex em p lo s específicos
— será q u e eles tin h a m de fato estab elecid o e, d ep o is, cu id ad o d e seus povos?
O A n tig o T e sta m e n to enfatiza o ev e n to d o ê x o d o c o m o um a d e m o n stra ç ã o
da sing ularidade ta n to d o S e n h o r q u a n to de Israel. (S eg u n d o S am uel 7.23 usa
o m e sm o v erbo, Ί.ν7/η, n a frase “ para fazer-te n o m e ” .) O S en h o r, ao co n trá rio
d o s íd o lo s (18-20), n ã o a b a n d o n o u seu p o v o n o m o m e n to d e ag o n ia deste.
O desafio, e m b o ra seja so b re o p assad o , para m o stra r iniciativa (proclamará ),
e n te n d im e n to (“ an u n c ia rá ”) e se n tid o h istó ric o (“ p o rá em o rd e m ”) se to rn a
um d esafio a re sp e ito d o fu tu ro e da cap acid ad e de p redizer. O te rm o anuncie/
“ d eclare” (A RA ) é tra d u z id o p o r predigam (BJ) na seg u n d a se n te n ç a d o versícu-
lo, em q u e é exigido u m ex em p lo da ação executiva p assad a; aqui ele é usado
p ara o c o n tro le executivo d o futuro. O v e rb o é in te n sific a d o p o r u m p ro n o m e
d ativ o “ lh e s” , o u seja, “ n o p ró p rio in teresse d eles” , “ cm a p o io ao caso deles” .
8 0 p o n to d o arg u m en to d o versículo 7 n ão é a exposição d o s ídolos-deuses,
m as o c o n tra ste da glória d o D e u s d e Israel e, p o rta n to , a seg u ran ça de Is-
rael n esse D eu s; daí a e x p ressão não trem am / “ n ã o v o s a sso m b re is” (ARA).
0 tre m o r é u m a d e m o n stra ç ã o d e m ed o , d e sd e q u e o v e rb o se refere a sen tir
m edo. A ex p ressão não tenham medo é, p o r o u tro lado, u m v e rb o d e sc o n h e c id o
Ç alfirhu)3 para o qual são p ro p o sta s variações d o te rm o “ m e d o ” . U m sen tid o

1 P a ra m issü n íl (“ d c s d c / c m c o m p a r a ç ã o c o m m e u d e s i g n a d o ” ), K is s a n e p r e f e r e m a s m ia ‘
m e ‘ô la m (“ a q u e le q u e a n u n c io u e m te m p o s a n tig o s o q u e s u c e d e u ta m b é m d e c la ra rá o
q u e e s tá p o r v ir” ). B I I S ( cf. o RSV ) tra z rríi h is m ia ’ m ê'òU 1m õ tiyyô t... lãnit.
2 W e s te r m a n n , ad loc.
3 O te rm o alfírhít (n ã o te r m e d o ) a p r e s e n ta u m v e r b o n ã o e n c o n t r a d o e m o u tr a p a ssa g e m .
B D B p r o p õ e , c o m o te n ta tiv a , ■irãhci (te m e r), o q u a l D e litz s c h a firm a . D o á ra b e , KB o fe -
re c e iyãrâ (“ e s ta r e s tu p e f a to d e m e d o ”). Q a tra z ,a l t i r ’i , a f o r m a p a d r ã o p a ra “ n ã o te r
O LIV RO DO SERVO 462

possível é “ e sta r assu stad o , paralisado de m e d o ” . A o rd e m p ara n ã o te r m ed o ,


p o r sua vez, é ap o ia d a pela v erd ad e revelada, a d iv in d ad e ú n ica d e seu D e u s e o
caráter p a rtic u la r dele. N a frase (lit.) “ N ã o anunciei isto e n ã o o p red isse
o v e rb o está n o singular, e n q u a n to os im perativos d e a b e rtu ra estão n o plural.
A rev elação é pública, p a ra a n ação c o m o um a unidade. M as o q u e será q u e o
S e n h o r disse? A re sp o sta m ais ó b v ia é a o b ra p articu lar d e D e u s co m a qual
essa seção está p re o c u p a d a : seu p ro p ó s ito de “ a p ag ar” as tra n sg re ssõ e s d e seu
povo. A d e sp e ito d a am eaça d e “ en treg arei [...] à d e stru iç ã o ” (43.28), eles n ão
p recisam tem er, po is ele já d eclaro u sua in te n ç ã o d e “ a p a g [a r|” as tran sg res-
sões deles (43.25). D e a c o rd o co m essa v e rd a d e re c o n fo rta n te , vós sois as m inhas
testemunhas. 0 fato de c o n h e c e re m a v erd ad e divina p o d e lhes tra z e r to d a a se-
g u ran ça de q u e precisam . C o n fo rm e c o m p a ra d o c o m a p alav ra p lu ral c o m u m
’'lõKim n o versícu lo paralelo 6, u m su b sta n tiv o sing ular 'elôah o c o rre aqui, H á
outro Deus além de mim?, p ela única vez em Isaías. Só p o d e se r p ara en fa tiz a r a
sin gu larid ade d o um e ú n ic o D eu s. A ex p ressão “ n ã o há R o ch a” (TB) (o m ite
outra) é u m sím b o lo d e refú g io (cf. SI 71.3; 95.1), co n fian ça, in teg rid ad e im u tá-
vel (26.4) e realidade c o m o o p o s ta a fantasia (D t 32.31). O S e n h o r q u e tro u x e
Israel à vida (D t 32.4), o R e d e n to r e G o v e rn a n te (SI 19.14 < 15 > ) é ativo na
salvação (E x 17.6; SI 95.1). O c a rá te r de D e u s é a g a ra n d a su p re m a d e seu povo.

O idólatra e seu povo (44.9-20)


E m c o n tra p a rtid a , os versículos 6-8, ag o ra to d a a iniciativa e ativ id ad e está
d o lad o h u m an o . N ã o havería n e n h u m D e u s se os p re te n so s a d o ra d o re s n ão
o tivessem feito! E sse é o u tro a sp e c to d o m o n o te ís m o exclusivista d a Bíblia:
fo ra d o S en h o r, q u e revela a si m esm o , só há deu ses in v en tad o s p e lo h o m e m .
Id o latria n ã o é apenas “ fazer d e u s” , é ta m b é m “ fazer q u e o d e u s seja o q u e você
q u e r q u e ele seja” .12

m e d o ” . É te n t a d o r f a z e r u m a m u d a n ç a d e a c o r d o c o m Q a, m a s é u m m a tiz fácil d e m a is.


N e s s e p o n to , v eja o c o m e n tá r io e m W atts.
1 O te rm o mê’ãz (lit. “ d e / e m s e g u id a ”) te m s e m p r e q u e s e r tr a d u z id o d e f o r m a c o n te x tu a l.
P o r isso , ele, e m 2 S m 1 5.3 4, sig n ific a “ n o p a s s a d o / a t é r e c e n te m e n te ” ; e m Is 1 6 .1 3 , “ d e s d e
a q u ele t e m p o / n o p a s s a d o ” ; e m Is 4 8 .5 ,7 , u m in d e te r m in a d o “ d e s d e e n tã o ” . E m SI 9 3 .2 ,
n o e n ta n to , e le sig n ific a “ d e s d e a e te r n id a d e ” (cf. P v 8 .2 2 ). N e s s a p a s s a g e m , a tr a d u ç ã o
p o r “ j á / a g o r a m e s m o / a n t e s ” é m a is a d e q u a d a q u e “ m u ito te m p o a trá s ” .
2 N ã o é d e f o r m a a lg u m a c e r t o c o m o e ssa s p a la v ra s se re la c io n a m u m a c o m a o u tr a o u se
elas se re la c io n a m e n tr e si. V eja H . R in g g rc n c G . J. B o ttc rw e c k , Theological Dictionary o f the
O ld Testament (E e r d m a n s , 1 97 0), vol. 1, p. 267ss.
463 ISAÍAS 4 4 - 6 2 0 ‫־‬

A* O id ó latra e seu ídolo: a ausência de se n tid o (9)


B O íd o lo inútil (10-17)
B1 E le n ã o p o d e se elevar acim a daq u ele (10-13)
q u e o o rig in o u (10,11), q ue, e m b o ra hab ilid o so ,
é frágil (12) e só te m o s seres h u m a n o s c o m o
m o d e lo (13)
B2 E le n ã o p o d e se elevar acim a d o m aterial (14-17),
o qual n ão p o d e m u d a r a fim d e se to rn a r
espiritual (14,15) n e m m u d a r p a ra satisfazer
necessidades espirituais (16,17)
A 2 O id ó latra e seu ídolo: o e n g a n o d o c o ra ç ã o (18-20)

Λ seção A 1 está ligada à B 1 pela acu sação d e inutilid ad e (as e x p ressõ es de


nada aproveitarão [9, TB] e sem valor [10] são a m esm a n o h eb raico , bal y ô llü ) .
A seção B 1, c o n fo rm e acim a, tem três estro fes. A p rim eira e a terceira estão
as d u as equilibradas so b re o p e n sa m e n to de “ h u m a n id a d e ” : n o v ersículo 10,
não passam de homens (m ê'ã dã m )\ n o versículo 13, à sem elh an ça e beleza d e um
h o m e m fa d a m ] (A RA ). A seg u n d a e a terceira e stro fe s são associadas pelo
tem a: n o v ersícu lo 12 , 0 ferreiro (hãras barzet); n o versícu lo 13, 0 carpinteiro (hãras
‘êsim ). A seção B2 está em q u a tro estrofes. ( ) q u a rto e o q u in to v erso são devo-
tad o s ao p rim e iro tó p ic o (14,15) e o q u in to e o q u a rto v erso são d e v o ta d o s ao
se g u n d o tó p ic o (16,17). (3 to d o c u m a “ h istó ria ” m ais o u m e n o s co n secu tiv a;
a co n c lu sã o (A2) volta ao te m a d e A 1 (v. 9, nada /..._/ entendem (BJ) \bal yêd r<ü\, no
versículo 18, nada sabem (/õ’ yã d ,cu), m as re to m a a “ h istó ria ” d o s versículos 14-
17 ao reite ra r o a b su rd o da idolatria, fo c a n d o aqui na cegueira q u e n ã o co n se-
g u e v e r o a b su rd o dela.
O s c o m e n ta rista s reclam am m ais u m a vez q u e Isaías (o b stin ad am en te) in-
te rp re ta a idolatria de fo rm a equivocada, m as a re sp o sta d e N o r th a isso m erece
ser c o m e n ta d a . E le m o stra q u e os e scrito res clássicos p o d ia m ser tão c o n tu n -
d e n te s q u a n to Isaías e citar I lorácio: “A n te s co stu m a v a ser u m carvalho, um
g ra v e to sem utilidade. N o e n ta n to , um a rte sã o (...] p referiu q u e eu fosse um
d e u s” . E le o b se rv a c o m o o s versículos 19,20 e x p õ e m ig u alm en te a “ estú p id a
farsa” d o id ó la tra e “ p a re c e m estar cientes d o m e d o q u ase in sa n o d e sp e rta d o
p elo íd o lo ” . M as ele enfatiza em especial q u e n ã o ap enas Isaías, m as o A n tig o
T e sta m e n to c o m o um to d o , “ n ã o sabe n ada d a d istin ç ã o e n tre u m íd o lo n o qual
se su p õ e q u e o d eu s h ab ite e d o qual, p o rta n to , é possível d izer ser id ên tico a
d eu s e u m sím b o lo c o m o o b jetiv o de le m b ra r a p re se n ç a de D e u s ao adora-
d o r ” . Ede conclui q u e “ q u a n d o tu d o é dito, a idolatria ao n atu ral n ã o é m e lh o r
O LIVRO DO SERVO 464

d o que a Bíblia a d e sc re v e ” .1 Isaías c o n c o rd a ria, a p esar de o m itin d o a e x p ressão


“ ao n a tu ra l” . Λ v erd ad eira o fe n sa da p re te n sa m e n te m o d e rn a n ã o é q u e Isaías
e n te n d a d e fo rm a eq u iv o cad a a idolatria, m as q u e seu m o n o te ísm o envolve
a séria asserção d e q u e n ã o existe o u tro d eu s além d o D e u s de Israel. M as
essa p assag em n ã o é m e ro escárnio. É u m a análise p e n e tra n te d a n ecessid ad e
h u m a n a d o d iv in o e u m a ex p o sição de cada artifício feito p elo h o m e m (p o r
ex em p lo , ta n to o íd o lo de an tig a m e n te q u a n to as fo rças m ilitares, e c o n ô m ic a s e
de m e rc a d o d e hoje) p ara to rn a r a vida segura. E m n o ssa g eração , d ev eriam o s
eleger “ a rte sã o s” d iferen tes daqueles d o s versículos 12 e 13 e d ife re n te s idéias
d aq uelas d o s versículos 14-17, m as p e rm a n e c e o a b su rd o d a d ev o ç ã o p elo q u e
é feito pelo h o m e m .

O idólatra e seu ídolo: a ausência de sentido (44.9)


9 O versículo vai d o s a rtesão s (9a) para o s íd o lo s (9b) e, e n tão , p ara os
d e v o to s q u e falam em n o m e d o s ídolos (9cd). O te rm o ja g e m é “ m o d elar, d ar
fo rm a ” . A palavra nada (tõhu) é “ sem sen tid o , vaidade, fu tilid ad e” (cf. 24.10).
O se n tid o aqui é q u e m o d e la r um íd o lo p ro v a q u e o a rte sã o n ão te m se n so de
se n tid o e de p ro p ó s ito n o m u n d o n e m q u a lq u e r chan ce de co n se g u ir ter. N o r th
d e n o m in a as coisas que estim a m / “ os d eleitam ” (TB) de “ seus a m a d o s” . Isaías,
in d e p e n d e n te m e n te d o q u e p en sasse so b re a realidade d o s íd o lo s-d eu ses, n ã o
tin h a d ú vida q u a n d o à o b se ssã o q u e eles inspiravam (aqui é u m a ex acerb ação
das em o çõ es; n o s versículos 18-20 p a re lh o s é u m a ex acerb ação d a m en te). A
ex p ressão sem valor devia ser “ inútil, sem p ro v e ito ” , q u e n ã o traz v an tag em .
A s suas testemunhas, nada veem / “ c suas m e sm a s2 te ste m u n h a s n ad a v eem , n em
e n te n d e m ” (A RC), o u seja, eles n ã o tê m credibilid ade c o m o testem u n h as. O
m o tiv o para essa cega ig n o rân cia é fo rn e c id o n o s versículos 18-20. A frase p ara
que sejam envergonhados é “ a fim de q u e co lh am v e rg o n h a ” , o u seja, “ sejam apre-
sen tad o s c o m o to lo s” (N o rth , W hybray). A o ra ç ã o exp ressa p ro p ó sito , pois
n o A n tig o T e sta m e n to , o re su lta d o inevitável o u ó b v io é v isto c o m o p a rte da
v o n tad e c o n sc ie n te d o a g en te (30.1; A m 2.8 (RV|). É c o m o se Isaías dissesse:
“ M as eles têm d e sa b e r qual será o fim!”

0 íd o lo n ã o p o d e se elevar a c im a d o m e ra m e n te h u m a n o (44.10-13)
Isaías a p o n ta p a ra a m era h u m a n id a d e d o s a rtesão s (10,11), sua fragilidade
(12) e as c o n c e p ç õ e s c o n tro la d a s p elo h o m e m c o n d u z e m sua teo lo g ia (13).

1 N o r t h , Second Isaiah, p. 40.


2 O p r o n o m e a q u i é sin a liz a d o p e lo s m a s s o re ta s c o m o puncta extraordinaria (cf. G n 16.5;
18.8; (7Λ Τ. 5 n ). É p ro v á v e l q u e e ssa fo ss e u m a f o r m a p rim itiv a d e avaliação , m a s s u a e x a ta
re le v ân c ia n ã o é m ais c o n h e c id a , him Q \ o p r o n o m e aq u i é in s e rid o a c im a d a lin h a . T alv e z
<‫ נ‬puncta e x p re s s a s s e d ú v id a se a p a la v ra tiv e sse u m lu g a r e stáv e l n o te x to . M as n e s s e c aso ,
é a ceitáv el u m p r o n o m e e n fá tic o .
465 ISAÍAS 4 4 .6 -2 0

10 O te rm o modela é u m a tra d u ç ã o m ais c o rre ta d o v e rb o tra d u z id o p o r


fatçem (N T L H ) n o versículo 9a. A tra d u ç ã o id io m ática é m ais vivida: “ Q u e m
fo rm a u m d eu s lança um íd o lo ” (a m e sm a c o n s tru ç ã o d e IS m 20.4). Sua inten-
ção é alcançar o divino, sua realização é o m aterial!
11 Todos os seus companheiros/ “ E is q u e to d o s o s seus se g u id o re s” (ARC)
— to d o s aqueles ligados ao íd o lo — ficarão envergonhados (veja v. 9d). São for-
n ecid o s do is m o tiv o s p ara isso. P rim eiro, o s p ró p rio s a rte sã o s “ n ã o p assam de
h o m e n s ” (lit. “ h o m e m ”) e, seg u n d o , se eles ap en as reu n issem o q u e fazem , se
ajuntaissem / e o b se rv a sse m sua o b ra , eles (lit.) “ te m e ría m ” (o v e rb o trad u zid o
p o r trem am n o v. 8) o q u e fizeram e ( envergonhados) ficariam “ e n v e rg o n h a d o s”
(co m o n o s w . 9d, 11a, “ p e rc e b a m o cjuanto têm sid o to lo s”). Isaías acrescen ta
“ ju n ta m e n te ” (A RC) (e a N V I om ite); o se n tim e n to de m e d o e de in sen satez
g o lp earia de im ediato.
12 F.sse versículo desen v o lv e a ên fase so b re o fato de q u e o s artesão s “ não
p assam d e h o m e n s ” . P o r m ais h a b ilid o so q u e o ferreiro (hãras harzel, “ ferre iro ”)
seja, o p ro d u to final d e p e n d e da força do braço. C o n tu d o , esp era-se q u e as pes-
soas acred item q u e o q u e é apenas p ro d u to da fo rça h u m a n a , fo rça essa que
d im in u in d o n a verd ad e na n ecessid ad e regular de s u ste n to ex tern o , to rn ar-se-á
d e re p e n te u m a coisa de fo rça so b re n a tu ra l, q u e su ste n ta a si m esm a! O s v erb o s
trabalha e modela são im p erfeito s, m o stra n d o a m a n u fa tu ra estág io a estágio, en-
q u a n to fo rja é p e rfe ito Ç fo tya -o 'j, o u seja, “ até ele te rm in a r” . Isso leva ao pensa-
m e n to so b re a “ fo rça d o b ra ç o ” c o m o o fa to r q u e traz en erg ia para o p ro c e sso .1
13 E sse versículo in tro d u z 0 carpinteiro (haras 'e fim , “ m a rc e n e iro ”). T o d o
tip o de íd o lo tem um a rte sã o p o r trás dele; o c o n tra ste de fe rre iro /c a rp in te iro
é a ling u agem idiom ática para totalidade. O s v erb o s p e rfe ito e im p erfeito , mais
um a vez, en fatizam o p ro c e sso de m an u fatu ração . O v e rb o p e rfe ito inicial nos
p e rm ite o b se rv a r o início d o tra b a lh o (“ O c a rp in te iro m ed e a m ad eira co m

1 A p e s a r d e o s e n tid o d o v e rsíc u lo 12 n ã o le v a n ta r d ú v id a s , o te x to le v a n ta q u e s tõ e s . E le
c o m e ç a c o m a d e c la ra ç ã o : “ O f e rre iro a p a n h a u m a fe rr a m e n ta c tra b a lh a c o m ela n a s b ra -
s a s” . M e s m o se s u p o r m o s u m s e n tid o m ais a b r a n g e n te p a ra ma “sad ( te r m o e n c o n tr a d o
a p e n a s c m J r 10.3) c o m o a lg u m tip o d e “ c o r ta d o r , fe rr a m e n ta d e c o r te ” , n ã o c h e g a m o s
a u m a s in ta x e p a ra as p a la v ra s iniciais. C) instrumento (T b ) p o d e s e r u m su je ito s e c u n d á rio
d e n o ta n d o a c o is a u sa d a c o m o fe rr a m e n ta c, e fe tiv a m e n te , c o m o s e n tid o d e “ c o m u m a
f e rr a m e n ta ” (cf. SI 4 4 .3 ; G K C 144 1, m ; veja 4 1 .7 ). O t e r m o “ tr a b a lh a ” p o d e se r e n te n -
d id o c o m o a s e p a ra ç ã o d o v e r b o p rin c ip a l d e u m su je ito e n f á tic o p r e c e d e n te p o r u m m m ‫׳‬
apodisis·. “ P e g u e u m f e rre iro c o m u m a fe rr a m e n ta — ele tr a b a lh a ” . N o e n ta n to , m u ito s in-
sis te m n a n e c e s s id a d e d e f o r n e c e r u m n o v o v e r b o c o m o s s u b s ta n tiv o s iniciais e s u g e re m
a a d a p ta ç ã o d a ú ltim a p a la v ra (yahad , “ ju n ta m e n te ” [A R C ]) d o v e rsíc u lo 11 p a ra yàhèd (o
hiphil d e ·!hadad, “ e s ta r a fia d o ” e, d aí, “ a fia r” ), tr a d u z in d o - a p o r: “ afia su a fe rr a m e n ta e
tr a b a lh a ” (veja BUS). K is s a n e e S im o n a lte ra m nudasãd p a ra n f ’asseh (“ o f e rre iro c o r ra ”).
D e litz s c h in s e re /o, “ o f o r ja d o r d e m e ta is te m u m a f e rr a m e n ta ” .
O LIVRO DO SERVO 466

um a lin h a ”), os três im p e rfe ito s m o stra m o p ro g re sso d o tra b a lh o (faz u m es-
b o ç o co m u m tra ç a d o r; ele o m o d ela to sc a m e n te co m fo rm õ e s e o m arca co m
c o m p a sso s) e o p e rfe ito final (fa!$ n ã o o v e rb o tra d u z id o assim n o v. 12) m o stra
q u e o tra b a lh o c o n tin u a “ [até] faz[er]” o ídolo. O s v erb o s fasç u m esboço e modela
são a m esm a palavra ( f_ ta “reh ü ) e deviam te r a m e sm a tra d u ç ã o {{fasç u m esboço
\—\J a Z um esboço”), d o c o n trá rio a ênfase p re te n d id a na ap arên cia final d a coisa
se p e rd e e, c o m ela, a sen sação d e cu lm in ân cia à m ed id a q u e ch e g a m o s à frase
na form a de homem. N ã o h á n ada co n ceitu ai a se extrair d o p ro d u to te rm in a d o a
n ã o ser a n o ç ã o d e m ais elevado q u e o a rte sã o co n h ece: de u m homem em toda a
sua belesça/à semelhança e beleza de u m homem (A RA ). O santuário é “ casa” e p ro v a-
v elm en te é u sa d o aqui em seu se n tid o c o m u m ; n isso ta m b é m o “ d e u s” é c o m o
u m a p e sso a co m u m estilo d e vida m o d e la d o se g u n d o seu fab rican te.

0 ídolo está limitado ao meramente material (44.14-17)


Isaías volta-se d o s a rte sã o s d o s versículos 10-13 e d a “ m era h u m a n id a d e ”
d a habilid ade e idéias d esses a rtesão s para o m aterial so b re o qual eles trab a-
lham . O s versículos 14 e 15 fo cam o p ro d u to te rre n o e a fo rm a c o m o a o p o rtu -
n id ad e faz c o m q u e u m p o u q u in h o d esse p ro d u to lo g o se tra n s fo rm e e m algo
divino. O s versículos 16 e 17 usam n itid a m e n te a m e sm a im ag em p a ra a p o n ta r
a fo rm a c o m o esse p ro d u to te rre n o , q u e d e fato m in istra p a ra as n ecessid ad es
h u m an as (come sua porção. E le tam bém se aquece), é re c o lh id o co m a su p o siç ã o de
q u e ta m b é m p o d e m c u m p rir u m m in istério d iv in o {Salva-me).
14 Isaías o ferece a im agem de u m c a rp in te iro em o p e ra ç ã o co m in ú m eras
á rv o res d istin ta s.1 A in te n ç ã o n ã o é relatar u m a h istó ria, m as criar u m a im p res-
são — n ã o im p o rta q u e espécie d e á rv o re seja! O v e rb o derruba é u m in fin itiv o
ex p re ssa n d o intenção: “ E le d e rru b a ced ro s, talvez a p a n h e u m cip reste, o u ain-
d a um carvalho. E le o d eixou cre sc e r e n tre as á rv o res d a flo resta, o u p la n to u
u m p in h eiro , e a chuva o fez c re sc e r” . E sse versícu lo co m e ç a co m a d e rru b a d a
d a á rv o re e te rm in a c o m a plantação. A in te n ç ã o é v o lta r à o rig em . U m a á rv o re
ad ulta é u m a coisa im p re ssio n a n te (até m e sm o u m a provável m o ra d ia p a ra u m
deus?), m as é na realidade ap en as u m a sem en te, u m a m u d a q u e u m se r h u m a n o
p la n to u e os alim en to s d a te rra fizeram cre sc e r e am ad u recer. C)b se rv e a rep e-
tição d a ex p ressão “ p ara si” (om itida pela N V I). O c a rp in te iro estav a “ ap en as
fazen d o seu tra b a lh o ” ; o o b jetiv o e o lu cro h u m a n o s eram o m otivo. N e n h u m
p e n sa m e n to d e religião e n tro u n a o rig em e carp in taria d o q u e lo g o se to rn o u
divino.
15 A qui o “ p ara si” (ARC) d o v ersículo 14 é explicado: a e c o n o m ia d o s
recu rso s d a te rra m a n té m os c o n fo rto s d a vida. O s v erb o s apanha e aquece estã o
1 E s s e u s o d o in fin itiv o é b e m e x e m p lific a d o (D riv e r, p. 2 0 4 ; cf. 2 S m 4 .1 0 ; O s 9 .1 3 ), m as
s u r p r e e n d e aq u i. V eja R I I S p a ra u m a s u g e s tã o a m p la m e n te feita d e q u e u m v e rb o , c u jo
p r e s e n te in fin itiv o ag e c o m o u m au x iliar, fo i p e rd id o .
467 ISAÍAS 4 4 . 6 - 2 0

n o te m p o p e rfe ito e x p re ssa n d o a p rática pad rão . Isaías lo g o su rg e c o m vividos


im p e rfe ito s (p reced id o s pela p artícu la a m p lia d o ra ’ap; cf. 40.24; 41.10; 43.19):
“ [...] a c e n d e u m fo g o e assa u m pão. M as ta m b é m m o d e la u m d eu s c o adora;
faz u m a im ag em e se e n c u rv a d ian te d e la ” ! O s m ateriais u sa d o s para fazer o
íd o lo são secu n d ário s a tu d o o m ais, o s re sto s d e um exercício d e a u to p reser-
vação!
16,17 H á d u as o co rrê n c ias da palavra m etade n o v ersícu lo 16: M etade da
m adeira ele queim a no fogo; sobre ela ele prepara sua refeição, assa a carne e come sua porção.
C ad a caso refere-se à m e sm a “ m e ta d e ” , a in te n ç ã o d a re p e tiç ã o é ap en as sa-
lien tar o u so d a d o à m adeira. M as o versícu lo 17 n ã o diz “ m e ta d e ” o u “ a o u tra
m e ta d e ” , m as a p en as o “ re sta n te ” . E sse re sta n te n ã o foi n e m m e sm o escolhido,
n ã o im p o rta a p rim eira escolha, m as era a p en as o “ re sta n te ” ; cf. (um a palavra
d iferen te) 0 que sobrou n o versículo 19. D e re p e n te o m aterial re sta n te p a sso u a
ser im p o rta n tíssim o e le m e n to espiritual: Salva-me.

O id ó la tra e seu ídolo: o e n g a n o d o co ra ç ã o (44.18-20)


E sse s versículos são c o n tín u o s aos versículos 14-17, n o fato d e q u e a m es-
m a cen a é reiterad a, e recapitula o versículo 9 co m a ên fase em c o m u m na falta
d e c o n h e c im e n to . O q u e o id ó latra faz de fato (14-17) é b a sta n te a sso m b ro so ,
m as o fa to d e ele n ã o v e r isso (18-20) é d u p la m e n te a sso m b ro so . E ssa falha d o
racio cín io h u m a n o só p o d e se r explicada p o r um e n g a n o d o coração.
18 S o b re sabem (yã d a ) e entendem ( b in )/ “ p o ssu in d o c o n h e c im e n to [...] dis-
c e rn in d o o c e rn e de um a ssu n to ” , veja 29.14. É provável q u e a tra d u ç ã o p o r em-
plastrado sobre seria m e lh o r para um te x to lev em en te in certo . Q u a lq u e r m an eira
em q u e o v e rb o seja in te rp re ta d o 1, p e rm a n e c e a q u e stã o so b re qual ag en te está
em v ista o u é sugerido. N ã o h á p ro b le m a bíblico em s u p o r q u e o S e n h o r visita
0 id ó latra c o m cegueira m en tal (veja c o m e n tá rio so b re 6.9; cf. 2T s 2.10,11), m as
é po ssív el q u e Isaías esteja a lu d in d o ao o u tro lad o d a m e sm a v erd ad e ao atrib u ir
in te rfe rê n cia ao íd o lo (2C o 4.4 p o d e ría até m e sm o se r u m a rem in iscên cia dessa
p assagem ). E m b o ra o íd o lo esteja m o rto , te m essa cap acid ad e a m e d ro n ta d o -
ra. O s olhos c o m o o s ó rg ã o s d e p e rc e p ç ã o são e ste n d id o s (c o m o o é o v erb o
“ ver”) à p e rc e p ç ã o da verdade. A palavra m entes é “ c o ra ç õ e s” (cf. 9 .9 < 8 > ). A
e x p re ssã o não conseguem entender (Ί sãkal) é u sa d o em geral p a ra “ q u e v o cê c u m p ra
fielm en te tu d o o q u e [...] está escrito. Só e n tã o o s seus cam in h o s p ro sp e ra rã o

1 A f o r m a tah p a re c e d e riv a r d e h ã h a h (“ s e r la m b u z a d o ”). I s s o d a ria a q u i u m v e r b o sin g u la r


c o m u m su je ito n o p lu ra l (de m a n e ira a lg u m a in f r e q u e n te n o h e b ra ic o ; v eja G K C 14 5 0 ) e
u m a m u d a n ç a p a ra tahu (veja K B ) seria p e d a n te . O t e r m o tuah te m u m s e n tid o tra n s itiv o
(“ m a n c h a r / l a m b u z a r ”), m a s isso ex igiría tah, e m v ez d e ta h, a p e s a r d e a f o r m a c o m u m
“ a ” c u r to n ã o seja im p o s sív e l (veja G K C 7 2 d d ; cf. Z c 4 .1 0 ), p e r m itin d o a tr a d u ç ã o p o r
“ ele se e m p o r c a lh o u ” .
O LIVRO D O SERVO 468

e v o cê será b e m su c e d id o ” (Js 1.8), m as q u a n d o está e sp ecíficam en te lig ad o à


m e n te re p re se n ta a c ap acid ad e de avaliar, d e se p a ra r a v erd ad e d o erro .
19 A ex p ressão N ing uém p a ra p a ra pensar é “ n in g u é m leva à sé rio ” . O co-
ração é m ais u m a vez o ó rg ã o d o p e n sa m e n to , e a frase indica ex ercitar o p en -
sarn en to em relação a algum a coisa. E sse fracasso em “ para[r] p a ra p e n sa r”
surge d o fa to de q u e (lit) “ n ã o h á c o n h e c im e n to ” , os fato s n ã o estã o ali para
q u e a p e sso a reflita so b re eles. A lém disso, “ o u e n te n d im e n to ” d e m o d o q ue
m e sm o se os fatos fo ssem co n h e c id o s, n ã o há cap acid ad e p ara v er a v erd ad ei-
ra relevância deles. E ssa é u m a análise d ev a sta d o ra d a m e n te d a h u m a n id a d e
caída, c o b rin d o o c o n te ú d o d o c o n h e c im e n to , o s p ro c e sso s d e p e n sa m e n to e a
cap acid ad e d e d isc e rn im e n to . S o b re m etade [...} do restante veja o s v ersícu lo s 16 e
17. As palavras escolhidas, repugnante e pedaço de m adeira, justificam as acusações
c o n tra a m e n te d o idó latra. P rim eiro (19f), a re sp e ito d e u m a d o u trin a d e D e u s
(as p esso as deviam sab er in tu itiv am en te q u e é ab o m in áv el d ed icar h o n ra divina
a um a “ co isa” feita p elo h o m e m ; cf. A t 17.29); e seg u n d o , em relação a um a
d o u trin a d a h u m a n id a d e (não p o d e e sta r c e rto p ro s tra r o h u m a n o d ia n te da
m atéria |19g]).
20 P o d e ria m o s tra d u z ir a frase se alim enta de cingas; um coração iludido 0 desvia
p o r “ alim en tad o co m cin zas” . O coração seduzido! A fo rm a se alim enta |pas-
to rc a r/a rre b a n h a r] de angas p o d e se r u m a ex p ressão p ro v erb ial p ara fazer o
q u e é in sen sato e inútil, m as é m ais provável q u e a ex p ressão re m e m o re os
versículos 15a, 16a c 19c. U m p e d a ç o da m ad eira foi usada p a ra o fog o , o u tro
para fazer um deus e, p o rta n to , ta n to a cinza q u a n to o d eu s são o s p ro d u to s
d o m e sm o o bjeto. T a m b é m é possível o ra r para b rasas m o rtas! A ex p ressão é
incapaz assu m e (com acerto ) q u e o v e rb o im p e rfe ito aqui é u sa d o co m força
“ p o te n c ia l” . O idólatra está “ o b c e c a d o ” p e lo íd o lo e p e rd e u to d a cap acid ad e
de se libertar. O idólatra d e fe n d e seu ídolo, o p ro d u to d e sua p ró p ria fo rça (sua
mão direita ; cf. v. 12), m as a realidade é q u e o íd o lo ag o ra o p re n d e , ele n ã o co n -
segue se lib ertar da escrav id ão d a m e n tira (seq er ), d essa v erd ad eira “ m e n tira ” ,
um a coisa falsa.

d. A bem-aventurança de Israel na redenção do Senhor (44.21-23)


C o m 42.18 co m eçam os dois m o v im en to s paralelos. O p rim eiro (42.18—
43.21) inicia co m Israel n o cativeiro e term in a com a volta para casa (43.14-21); o
segundo inicia co m Israel cm p ecad o (43.22-24) e term in a aqui co m o c h am ad o a
voltar para o S e n h o r (44.22). O c h am ad o para que se “lem b re” (21), em seu con-
texto im ediato, forja um a ligação co m o que o precede: (i) o idólatra está o cu p ad o ,
pois “ m o d ela” (9,10,12) seu ídolo, m as Israel é feita (21; N V I,y % N T L H , criei)
pelo S en ho r; (ii) o idólatra está p reso a seu ídolo (18-20), m as Israel é a serva d o
S e n h o r (servo; 21); (iii) o id ó la tra o ra p ateticam en te: Salva-m e (17), m as p a ra Is-
469 ISAÍAS 4 4 . 2 1 - 2 3

rael o S e n h o r d iz :pois eu 0 resgatei ( 2 1 2 3 ‫( ;)־‬iv) o id ó latra se in d in a para u m b lo co


d e m a d e ir a / “ a jo elh ar [...] d ia n te de u m p e d a ç o d e m a d e ira ” (bül ‘ês; 19), m as
ag o ra cad a á rv o re (kol ‘ês) é co n v o c a d a a se reg o zijar n o S e n h o r (23). E ssa teo-
logia está im p re g n a d a n o s salm os e, p o r isso, n o culto. Q u a n d o o S e n h o r vier
p ara re in a r so b re seu p o v o (SI 96— 98), a m aldição será tirad a d e to d a a criação,
p o is ele v e m “ julgar o m u n d o ” , o u seja, v e m p a ra a c e rta r to d as as coisas, libe-
ra n d o as á rv o res para ap lau d ir e cantar. P o rta n to , o q u e é feito p o r Israel tem
im p licações universais intrínsecas. D e ssa m an eira, o c â n tic o universal n o versí-
c u lo 23 faz p a rte d a p re p a ra çã o d e Isaías para o c h a m a d o universal d e 55.1 ss.
O s te m p o s verbais nos versículos 2 1 2 3 ‫ ־‬c o m b in a m p erfeito s, im p erfeito s
e im perativos. O s im p e rfe ito s devem ser c o n sid e ra d o s c o m o te m p o s fu tu ro s:
“ eu n ã o o esq u e c e rei” (21); “ m o stra sua g ló ria” (23). P o rta n to , d e m o d o re-
cíp ro co , alguns d o s p e rfe ito s p o d e m ser tra ta d o s c o m o p e rfe ito s d e certeza
(“ p o is eu o resg atei” ; 22,23). M as a re d e n ç ã o ta m b é m re p o u sa n o p assad o , pois
Israel, a p ó s o êx o d o , se m p re re m e m o ro u u m a re d e n ç ã o já realizada. E m o u tras
palavras, Isaías, n esses versículos, fala d o p o n to de vista d o culto: os sacrifí-
cios to rn a v a m c o n te m p o râ n e o o q u e fo ra realizado d e um a vez p o r to d as na
Páscoa; e os a d o ra d o re s so u b e ra m ali e n aq u ela d ata q u e seus p e c a d o s foram
“ v arri[d o s| p a ra lo n g e suas o fe n sa s” (22). M as o culto, c o n fo rm e m o stra m os
S alm os 96— 98, ta m b é m aguarda o fu tu ro e atos m aio res p o r p a rte d o Senhor.
C o u b e a Isaías, m ais q u e a q u a lq u e r o u tro , fo rm u la r essas ex p ectativ as d e fo rm a
m ais c o m p leta.

A A p rim eira o rd e m : o fu tu ro a sseg u rad o p elo passado.


A co n d iç ã o de se rv o su rg in d o da o b ra de “ fo rm a ç ã o ” d o S e n h o r
g a ra n te q u e Israel n ã o será esq u ecid a (21)
B A seg u n d a o rd em : a reconciliação alcançad a pela red en ção .
U m a c o rd o total co m o p e c a d o resulta em um c h a m a d o d e v o lta (22)
C A terceira o rd em : o resu ltad o universal d e u m a o b ra particular.
T o d a a criação p o d e se regozijar n o que o S e n h o r p ro p ô s para Israel (23)

21 A m e n te c a m e m ó ria (lembre-se) são de im p o rtâ n c ia crucial. A rccor-


d a ç ã o in ten cio n al d e q u e m é o S en h o r, d o q u e o S e n h o r tem feito, d e suas
p ro m essas, etc. é um a ênfase bíblica característica. (Veja o salm o 78 inteiro, em
especial os versículos 9-11,40-42; 42.6; e cf., n o N o v o T e sta m e n to , a institu ição
da ceia d o S e n h o r c o m o u m le m b re te co n tínuo.) A seg u n d a vez q u e a ex p ressão
meu servo é u sad a é u m p o u q u in h o m ais en fática q u e a prim eira. A p rim eira o b -
serva q u e Israel, c o m o servo, tem acesso a um a m e m ó ria b e m ab astecid a d e tu d o
que S e n h o r te m feito e, n o c o n te x to atual, a cap acid ad e de lo u v ar o ab e n ç o a d o
c o n tra ste e n tre sua p ró p ria situação c o m p a ra d a co m a im ag em p re c e d e n te d o
O LIVRO DO SERVO 470

idólatra. O seg u n d o u so d a ex p ressão traça a p o siç ã o d e se rv o a sua raiz na


o b ra d e “ fo rm fa r]” (1Íyã sa r ; cf. w . 9,10,12) d o S e n h o r e sua c o n se q u ê n c ia em
assegu rar o fu tu ro : eu não 0 esquecerei é (lit.) “ v ocê n ã o será esq u ecid o p o r m im ” .1
22 O v e rb o e o s su b sta n tiv o s de 22ab ( varri p a ra longe/ “ ap ag u ei” (TB) e
ofensas/ “ tra n sg re ssõ e s” [TB]) são os m e sm o s de 43.25 (apaga e transgressões). P o r
essa razão, a seção faz o círculo c o m p le to e volta a seu p o n to d e p artid a. O s
te rm o s nuvem e neblina re p re se n ta m o q u e é fácil e to ta lm e n te o b lite ra d o (cf. O s
6.4; 13.3). A frase Volte para m im , p o is eu 0 resgatei n ã o é (c o n fo rm e disse Sim on):
“ Se Israel, v o lta r p a ra D eu s, será resg atad a” , m as (c o n fo rm e disse W hybray):
“A g raça d e D e u s n ã o e sp e ro u p e lo a rre p e n d im e n to d e Israel” ; o u (co n fo r-
m e disse W ade): “A re d e n ç ã o c o m o m o tiv o p ara a co n v ersão , n ã o a co n v ersão
c o m o co n d iç ã o p ara a re d e n ç ã o ” . O volte n ã o é u m co n v ite, m as u m a o rd e m .
S o b re o te m p o verbal d e resgatei, veja a n o ta in tro d u tó ria acim a. S o b re ig a a l
(resgatei), veja 35.9s.
23 N a Bíblia, a criação e a re d e n ç ã o fazem p a rte d o m e sm o “ p a c o te ” de
verdade, um a vez q u e o R e d e n to r é o C riad o r, a o b ra de re d e n ç ã o tem c o n se-
qu ências n a criação. C o n fo rm e W e ste rm a n n c o m e n to u :

D euteroisaías expressa de m aneira extraordinária a conexão entre o p o n to


central da ação divina e seu horizonte mais distante [...] o p o d ero so arco
que, sub specie D ei, une o destino d o povo escolhido não só ao da raça hu-
m ana, mas tam bém [...] ao de to d o o universo criado.2

A e x p ressão 0 SliNHOR fe ^ isto é o u so a b so lu to d o v erb o , “ tem a g id o ” o u


“ d e te rm in o u -se a agir” . A frase ó p ro fu n d e z a s da te rra (tahT 1yyôt_ ‫ג‬eres ), c o m o
em S alm os 139.15, é a te rra c o m o e sta n d o abaixo d o céu. E sse c o n tra ste (cx-
p re ssa n d o totalidade) c o n tin u a em m o n tes/ “ m o n ta n h a s ” (N T L H ) e flo resta s/
“ b o sq u e s” (TB). A ex p ressão todas as suas á rvo res/ “ to d as as á rv o re s” (A RC), o u
seja, cad a item individ ual n a criação. A palavra resgatou é c o m o n o v ersícu lo 22.
A ex p ressão m ostra é um im p e rfe ito e, n o c o n te x to , seria m e lh o r c o m o fu tu ro
“ m o stra re i” . O te rm o glória é d e ip a a r (“ ser b o n ito , agrad áv el”) q u e te m o
su b sta n tiv o c o g n a to p rêr (“ b o n ito ”) e tip e r e t (“ re fin a m e n to ”) (cf. 3.18) e, p o r
isso, o versículo te rm in a co m a frase “ ele m o stra sua g lória em Israel” (N T L H ;
cf. 2Ts 1.10).

1 A f o r m a tinnãsêríi é u m p a s s iv o c o m u m s u fix o e x p r e s s a n d o u m o b je to in d ir e to (D a v id s o n ,
7 3 / 4 ; cf. SI 1 0 9 .3 ; Z c 7 .5. G K C \ 17x o b s e r v a q u e “ às v e z e s o o b je to m ais d is ta n te [...] e s tá
in d ir e ta m e n te s u b o r d in a d o n a f o r m a d e u m s u fix o a c u s a tiv o ” . G A L ’re je ita se m e x p lic a-
ç ã o o e x e m p lo atu a l, f a z e n d o a m e s m a c o r re ç ã o q u e a R H S (o n ã o e n f á tic o lõ ' tin'seríi,
“ n ã o m e e s q u e ç a ”).
2 W e s te rm a n n , p. 144.
D. A grande libertação
(44.24— 48.22)
E ssa n o v a seção, ju n to co m sua seção paralela 49.1— 53.12, c o n stitu i o
p ró x im o p a sso lógico na a p re se n ta çã o d e Isaías, e os p aralelo s e n tre os dois
ag en tes en v o lv id o s são d e se n v o lv id o s de fo rm a m u ito próxim a:

A o b ra d e C iro (44.24— 48.22) Λ o b ra d o S erv o (49.1— 53.12)

A tarefa d eclarad a e o ag en te A tarefa declarad a e o a g en te designa-


d e sig n a d o (44.24-28) d o (49.1-6)
A tarefa co n firm a d a : para Israel e o Λ tarefa co n firm a d a : p ara Israel e o
m u n d o (45.1-7) m u n d o (49.7-12)
A resp o sta: o ra ç ã o (45.8) A resp o sta: lo u v o r (49.13)
A in q u ietação d e Israel (45.9-25) (9 d e sa le n to d e Israel (49.14— 50.11)
- O p ro p ó s ito d o S e n h o r afirm a d o - O a m o r d o S e n h o r a firm a d o
(45.9-13) (49.14-16)
- Israel e os g e n tio s (45.14-22) - Israel e o s g e n tio s (49.17-26)
- O s q u e e n c o n tra m justiça e - O Servo, o ex em p lo p a ra aqueles
fo rça n o S e n h o r su p re m o e q u e e n c o n tra m fo rça e
o s q u e se o p õ e m a ele v in d icação n o S e n h o r T o d o -
(45.23-25) p o d e ro s o (50.1-11)
O c u id a d o d o S e n h o r p o r Israel — O cu id ad o d o S e n h o r p o r Israel —
d esd e o início p o r d e sd e o início p o r
in te rm é d io d a salvação p o r in te rm é d io d a salvação p o r
vir (46.1-13) vir (51.1-16)
A B abilônia: d o tro n o para a p o eira O Sião: d a p o e ira p ara o tro n o
(47.1-15) (51.17— 52.12)
A re d e n ç ã o da B abilônia (48.1-22) A red en ção d o p ecad o (52.13— 53.12)

Isaías d ia g n o stic o u u m a dupla n ecessid ad e n o p o v o d o S en h o r: a escra-


v id ão n acional (42.18— 43.21) e a p e c a m in o sid a d e espiritual (43.22— 44.23).
E le ag o ra se c o n c e n tra em d izer c o m o essas necessid ad es serão satisfeitas. O
em issário a n ô n im o de 43.14 é ch a m a d o d e C iro (44.28; 45.1), e a p o lêm ica d o
S e n h o r c o n tra os íd o lo s alcança o p o n to c u lm in a n te na b ru sc a ev acu ação da
c o n d e n a d a B abilônia (46.1,2). N o e n ta n to , há o u tra linha de p e n sa m e n to ao
lo n g o d essa seção. O p la n o d o S e n h o r de u sar C iro é receb id o co m h o stilid ad e
(45.9-13) e o esp írito d o p o v o se en d u re c e até o p o n to d e p o d e re m ser cha-
O LIV RO DO SERVO 472

m a d o s d e “ re b e ld e s” (46.8), “ co ração o b stin a d o ” e “ lon ge d a re tid ã o ” (46.12).


O cap ítu lo 48, o ex ato c a p ítu lo q u e anuncia a lib ertação deles, é u m fo co de
d en ú n cia, a c u sa n d o -o s de n ã o te r d ireito ao n o m e de Israel (v. 1), d e serem o b s-
tin ad o s (v. 4), a m a n te s d e íd o lo s (v. 5), o p in iático s (v. 7), desleais (v. 8) e te r a paz
co n fiscad a (v. 18). P o r essa razão, q u a n d o eles d eix arem a B abilônia, farão isso
c o m o triste c o m e n tá rio d o S e n h o r d e q u e “ n ã o h á paz alg u m a p a ra o s ím p io s”
(48.22). F m um a palavra, a lib ertação resolve apenas u m p ro b le m a , m as, nes-
se ín terim , a n ecessid ad e de u m a solução para o p ro b le m a m ais p ro fu n d o d o
p e c a d o fica se m p re m ais u rgente. A ssim , C iro e n tra e sai d o p alco d a história.
Sua tarefa, a so lu ção m e n o r, é cu m p rid a; a tarefa m a io r e sp era o se rv o m aior.
I lá sete su b d iv isõ es n essa seção:

A 1 C iro (44.24— 45.8)


a1 O re c o n s tru to r d e Sião (44.24-28)
a2 O irresistível c o n q u ista d o r (45.1-8)
B Israel (45.9— 46.13)
b1 E m face d a queixa, o S e n h o r afirm a seu s d ireito s
so b e ra n o s. C iro, o c o n s tru to r, etc. (45.9-13)
b2 Israel ainda está n o c e n tro d o s p la n o s
universais d o S e n h o r (45.14-25)
b1 E m face d a queixa, o S e n h o r afirm a seu cu id ad o
incessante. C iro, o salvador (46.1-13)
A 2 B abilônia (47.1— 48.22)
a2 C o n q u ista d a (47.1-15)
a1 O s cativos lib e rta d o s (48.1-22)

1. A tarefa de Ciro (44.24—45.8)


P o r c o n v en iên cia, e x am in arem o s essa seção em três divisões, ela c o n té m
na v erdad e ap e n a s duas: a frase assim di% 0 Senhor (45.1) é a re cap itu lação da
m esm a fó rm u la usada em 44.24, e os versículos in te rv e n ie n te s são u m a série de
o raçõ es participiais em q u e o S e n h o r se identifica. M as o b se rv e c o m o 44.24,
todas as coisas/ “ q u e faço to d a s as co isa s” (A RC), e 45.7, faço todas essas coisas, for-
m am um inclusio [criar um a e s tru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final
de u m a seção] p ara o o rá c u lo co m p leto . O o rá c u lo é seg u id o p o r u m a o ra ç ã o
d e júbilo p o r seu rá p id o c u m p rim e n to (45.8).

a. Ciro, o pastor do Senhor: Sião reconstruída (44.2428‫)־‬


O p o e m a , se g u in d o a fó rm u la in tro d u tó ria (24ab), inicia c o m três o ra ç õ e s
participiais sim ples (24d-f), d ep o is, seguem -se três o ra ç õ e s d u p las (25ab, cd,
26ab) e, fin alm en te, um p a d rã o de o ra ç õ e s in te rru p ta s (um a d eclaração de três
473 ISAÍAS 4 4 . 2 4-2 8

linhas [26c-e] seguida p o r u m a de duas linhas [27ab] e d e q u a tro linhas [28]). A


reg u laridade d o d e se n v o lv im e n to até o versícu lo 26 cria urna ex p ectativ a que
n ã o é cu m p rid a. A b rev e frase de duas linhas d o v ersículo 27 ap ressa o leito r
ad ian te p ara o p o n to cu lm in an te n o v ersícu lo 2 8 .1T o d o s o s v erb o s são p a rtid -
p io s o u seus equivalentes, tra n s fo rm a n d o a fala em u m a d eclaração d a n atu reza
im utável d o S enhor.

A In tro d u ç ã o : o an ú n c io de si m e sm o d o S e n h o r (24a-c)
B O p rim e iro m o v im en to . O passado: só u m D e u s (24d-f)
C O seg u n d o m o v im en to . O se m p re p resen te: só u m a p alav ra (25,26)
D O terceiro m o v im en to . O fu tu ro : só u m p ro p ó s ito (27,28)

In tro d u ç ã o e p rim e iro m o v im en to . O passad o : só u m D eu s (44.24)


O o rá c u lo inicia co m a tripla relação d o S e n h o r co m Israel: ele, c o m o reden-
tor (g o ’e l ; cf. 35.9s.), id entifica-se co m a necessid ad e d o p o v o ; c o m o aquele que
o criou (yã sar, cf. 43.1), revela seu “ to q u e ” pessoal em trazê-lo s à vida; e co m a
referên cia à e x p re ssã o no ventre, ele traça a relação d e volta a an tes que h o u v esse
u m p o v o , in d ican d o , p o rta n to , q u e o re la c io n a m en to su rg iu d a v o n ta d e divina,
n ã o d a v o n ta d e h u m an a. Isso fo rn e c e o c o n te x to p ara tu d o q u e se segue. O
S e n h o r q u e c rio u e faz to d o s (24d; 45.7c) o s a to s da p ersp ectiv a de q u e existe
u m p o v o q u e ele tro u x e à existência, m o d e la d o co m sua p ró p ria m ã o e a q u em
ele p ro m e te u o cu id ad o de p aren te. O p rim e iro m o v im e n to triád ico (24d-f)
en fatiza q u e apenas D e u s está p o r trás de to d a realidade d a criação. N ã o existe
n ad a d o q u e ele n ã o seja o c ria d o r (24d) e n ã o h á o u tro ag en te lad o a lad o co m
ele (24ef). O s v erb o s fi% estendí e espalhei são p articip io s (“ c ria d o r d e ” , “ esten -
d e d o r d e ” , “ e sp a lh a d o r d e ”), e x p re ssa n d o um re la c io n a m en to p e rm a n e n te . O
T \1 reflete trad içõ es textuais d ivergentes e re c o m e n d a m êd rfi {por m im m esm o/
“ sem a ajuda de n in g u é m ” (N T L U ), o u seja, “ de m im m e s m o ”), in d ican d o que
o im p u lso p ara criar veio apenas d o co ra ç ã o d o C ria d o r e a c re sc en ta n d o um re-
levante n o v o p e n sa m e n to à tríade. E fácil, e usual, m u d a r as vogais d o h eb raico
p ara q u e diga m V itfí (“ q u e m estava co m ig o ? ” [TB]; um a in te rro g a ç ão afirm ativa
co m o se n tid o de “ to ta lm e n te so z in h o ”).

0 se g u n d o m o v im e n to . O se m p re presente: ap e n a s u m a p alav ra (44.25-26b)


Ciada e le m e n to d essa tríade inicia co m um p a rtic ip io (25ac, 26a); o v erb o
em cada seg u n d a lin h a (ch eg an d o ao fim da linha em heb raico ) é u m im p erfeito ,
tra n s p o rta n d o o se n tid o participial, m as e x p re ssa n d o ação rep etid a. O p en sa-
m e n to m u d a da palavra n ã o c u m p rid a (25ab) para a sab ed o ria q u e deve se r b u s­

1 V eja O . T. A llis, The U n ity o f Isa ia h (T y n d ale P re ss , 1 95 1), p. 6 2ss.


O LIVRO DO SERVO 474

cada p ara o rie n ta ç ã o (25cd) e, d ep o is, para a palavra im p le m e n ta d a (26ab). Tal-


vez os sinais te n h a m sid o fo rn e c id o s para validar u m a m en sag em (D t 13.1) o u
eram p resságios p a ra o fu tu ro (E z 21.21). A ex p ressão o s fa lso s projetas (baddim )
é usada e m 1 6 .6 ,Jó 11.3 e Jerem ias 48.30 p ara “ c o n v e rsa to la” , m as, aqui e em
Jerem ias 50.36, é a p a re n te m e n te usada para “ fa n fa rrõ e s” , p ara a co n v ersa p re-
ten sio sa d o s a d iv in h a d o re s.1 A frase ja% de tolos é “ en fe itiç a r” o u “ e n lo u q u e c e r” .
0 te rm o qó s'm lm {adivinhadores) é a palavra gen érica p ara p ro g n o stic a d o re s, d o s
quais o m u n d o a n tig o estava a b a rro ta d o (cf. D t 18.9ss.). W e ste rm a n n , n a co n -
firm ação d a d iscu ssão de Isaías de q u e as palavras deles são co n sid e ra d a s sem
valor, o b se rv a q u e a g o ra p o ssu ím o s “ c o n h e c im e n to s u rp re e n d e n te m e n te ex-
te n s o ” d a literatu ra b ab ilô n ia, in clu in d o a “ m u ltid ão d e o rácu lo s dirig id o s aos
reis b ab ilô n io s e assírio s” , to d o s o s quais são m e n sa g e n s d e e sp e ra n ç a sem um a
única p rev isão d a c o n d e n a ç ã o p restes a cair so b re eles.2 A frase derruba 0 conhecí-
mento dos sábios é “ os sáb io s re tro c e d e m e fazem tolice co m seu c o n h e c im e n to ” .
O s adivinhadores alegavam te r algum a p o io so b re n a tu ra l, m as os sáb io s ten tav am
aplicar o c o n h e c im e n to h u m a n o a cu m u lad o aos p ro b le m a s d a vida. Seria tolice
alegar q u e esse c o n h e c im e n to n u n c a faz sen tid o , m as Isaías, n esse c o n te x to ,
tem em m e n te as ten tativ as das p esso as d e investig ar e d a r se n tid o ao fu tu ro e
significado à h istória. A tríade c o n tra sta os sábios (25cd) c o m a p alav ra p ro fé tic a
(26ab) e, p o r co n seg u in te, a m e n te h u m a n a b u sc a n d o se n tid o c o m a m e n te
de D e u s declara o s ev e n to s d e a c o rd o co m a v o n ta d e deste. (O s eldilas d e Pe-
relandra ab riram o s o lh o s d e R a n so m p ara a g ra n d e d a n ç a e lev aram -n o a v er
“ u m a sim p licidade q u e ultrap assa to d a a c o m p re e n sã o , v elh o s e jovens c o m o
n ascen tes cristalinas e infinitas” ,3 m as d e p o is ele n ã o co n seg u ia se le m b ra r d o
q u e tin h a visto.) O s seres h u m a n o s n ã o co n se g u e m alcan çar essa sim p licid ad e
su p rem a, a chave para to d a a realidade; essa sim plicid ad e é ap en as p ara D e u s
e so b re ela está a palavra divina: “ N ã o lhes c o m p e te sa b e r” (A t 1.7). N o ssa s
d errad eiras so n d a g e n s são c o m p le to s co n tra sse n so s.4 N a frase as palavras de seus
servos, am b as as palavras, n o heb raico , estão n o singular. O “ se rv o ” p o d ia se
referir in d iv id u alm en te ao p ró p rio Isaías (N o rth ; A lexan d er; Birks) o u coletiva-
m e n te a “ seu g ru p o d e se rv o s” .5

1 A a lte ra ç ã o d e ba d d im p a ra b ã rlm (de c o g n a to s b a b ilô n io s e a c á d io s c o m o s e n tid o d e


“ a q u e le s q u e tr a n s m ite m a v o n ta d e d o s d e u s e s e m re la ç ã o a o f u tu r o ”) a tra i m u ito s. N o r t h
s u g e re q u e ba d d im p o d e s e r u m jo g o d e p a la v ra s c o m b in a n d o d e f o r m a d e lib e ra d a a m b o s
o s se n tid o s .
2 W e s te rm a n n , p. 1 5 6 -1 5 7 .
5 C. S. L ew is, Voyage to Venus ( F o n ta n a , 1 9 74), p. 203.
4 O t e r m o ·isã k a l (“ t r a n s f o rm a r - s e e m lo u c u r a ”) te m o s o m p r a tic a m e n te id ê n tic o a o d e
■ Isãkal (“ te r p e r c e p ç ã o ” ). A q u i Isaías, iro n ic a m e n te , a d o ta a g ra fia d o ú ltim o te r m o , rid i-
c u la riz a n d o as p r e te n s õ e s d a s a b e d o ria h u m a n a .
5 A L X X , e m v e z d e “ s e r v o ” tr a z o p lu ra l, a d o ta d o p e la B U S .
475 ISAÍAS 4 4 . 2 4 2 8 ‫־‬

0 te rc e iro m o v im e n to . O fu tu ro : ap e n a s u m p ro p ó sito (44:26c-28)


A terceira tríade se aplica a um caso em p a rtic u la r (o p ré d io d e Jeru salém )
— a v erd ad e declarada n a segunda tríade: de q u e a palavra d o S e n h o r dirige to -
das as coisas. A qui ta m b é m o m o v im e n to q u e co m e ç a co m a palavra p ro fética
(26c-e), p ro m e te a re m o ç ã o d e o b stá c u lo s (27) e te rm in a co m C iro, a cid ad e e o
te m p lo (28). Para nós, a ju d ad o s pela o b se rv a ç ã o d o p a ssa d o em retro sp ectiv a,
fica claro q u e C iro era u m a “ coisa b o a ” n o fato d e q u e d e te rm in a a lib ertação
d o p o v o cativo. N o e n ta n to , os cativos, ao v erem a ap ro x im a ç ã o d e u m co n -
q u ista d o r ainda m aior, te n d e ría m a te m e r u m a escrav id ão ain d a m ais in ten sa e
v igo ro sa. P o r essa razão, Isaías cerca o p rim e iro a n ú n c io d e C iro d e g aran tias
de q u e o D e u s q u e “ fjejz to d a s as coisas” é o m ais p ró x im o d e Israel (24), e o
c o n q u ista d o r será o lib e rta d o r e c o n s tru to r (28). A h istó ria é ad m in istra d a n o
in teresse d o p o v o d o S e n h o r m e sm o q u a n d o n ã o p a re c e ser.
27 A qui há um a rem in iscen cia d a travessia d o m a r V erm elh o , a rem o ção
d e to d a s as b arreiras para o p o v o ao d eix ar o E g ito e alcan çar C an aã (cf. 48.21
em q u e os tem as d o ê x o d o são u sad o s p a ra a v o lta d a B ab ilô n ia).12Isso se ajusta
à referên cia a C iro c o m o pastor 2 (28; cf. SI 77.19,20 < 2 0,2 1 > ), g u ia n d o a m arch a
p ara casa. A palavra súlci, trad u zid a p o r profundezas aquáticas, é co g n a ta de m 'su l
lâ, usada, em Ê x o d o 15.5, p ara o m a r V erm elho. A ssim , o v ersículo 27 am plia o
v ersícu lo 26, as p ro m e ssa s d o S e n h o r c o b re m ta n to a cid ad e q u a n to a jo rn ad a
p a ra casa.3
28 E sse versículo c o ro a a seq u ên cia ao re s p o n d e r à p erg u n ta: “ P o r q uê?”
co m u m n o m e p ró p rio : Ciro. C laro q u e essa p re d iç ã o d etalh ad a tem su scitad o
c o m e n tá rio s ad v erso s e é usada c o m o u m fu n d a m e n to p ara insistir q u e es-
sas p ro fecias têm d e ser d atad as d e p o is q u e C iro in iciou seu av an ço v itorioso.
M as, p rim eiro , se o fato da p ro fecia v aticin ad o ra fo r aceito, n ã o estam o s cm
p o siç ã o d e d e te rm in a r os lim ites p ara o exercício dela. O u para a p re se n ta r o
m e sm o p o n to d e o u tra m aneira, em relação à p ro fe c ia v aticin ad o ra n o A n tig o
T e sta m e n to , a única fo n te q u e tem o s é o p ró p rio A n tig o T e sta m e n to e, p o r

1 W ad e a c h a q u e é u m a r e fe rê n c ia à s e c a g e m d o m a r c o m o n a c ria ç ã o p a ra d e ix a r a te rra
se c a a p a re c e r, m a s b e m à p a r te d o fa to d e q u e G ê n e s is n ã o faz re fe rê n c ia a s e c a r o m ar,
q u a l se ria a re le v â n c ia d is s o aq u i? D e litz s c h e n c o n tr a u m a a lu s ã o a o e s tra ta g e m a d e C iro
d e d e s v ia r as á g u a s d o E u f r a te s p a ra g a n h a r a c e s s o à B a b ilô n ia , m as, d e a c o r d o c o m
Y o u n g , o s “ re g is tro s c u n e if o r m e s d e m o n s tr a m q u e o re la to d e H e ro d e s [so b re o d e sv io
d o E u fra te s ] n ã o é d e fe n s á v e l” .
2 O s reis e ra m c h a m a d o s d e “ p a s to r e s ” p o r s e re m o s g u a rd iõ e s d e se u p o v o (veja 2 S m
2 4 .1 7 ; l R s 2 2 .1 7 ; Is 5 6 .1 1; J r 2.8; E z 3 4 .2 ,5 ,7 ,2 3 ).
5 W h y b ra y a r g u m e n ta q u e se o v e rsíc u lo 27 se re fe re a o ê x o d o , e n tã o ele e stá fo ra d a o r d e m
c r o n o ló g ic a . P o r q u ê ? S e g u in d o a d e c la ra ç ã o d e le d e q u e J e ru s a lé m se rá h a b ita d a (26), o
S e n h o r g a r a n te a o s n o v o s h a b ita n te s p a s s a g e m se g u ra p a ra casa (27). E s s a é a “ c r o n o lo -
g ia ” d a p a s s a g e m . O v e rsíc u lo 2 8 c re s e r v a d o p a ra s e r o p o n t o c u lm in a n te final.
O LIVRO DO SERVO 476

c o n seg u in te, e sta m o s, c o m o em relação a to d o s o s te x to s-fo n te (para d iz e r o


m ín im o ), m u ito m ais so b seu ju lg am en to n esse p o n to q u e so b o n o sso julga-
m en to . P o d e m o s d iz e r q u e n ã o a cred itam o s n o A n tig o T e sta m e n to , m as não
te m o s lib erd ad e p a ra n e g a r o q u e ele afirm a. S egund o, a p re d iç ã o d e u m n o m e
p ró p rio o c o rre r em IR eis 13.2 (cf. 2R s 23.15-17), u m indicativ o d o fato d e que
a p red ição, q u a n d o a ocasião exigia, era tã o d etalh ad a q u a n to essa. T erceiro,
essa d im e n sã o ex tra da p re d iç ã o é p a rtic u la rm en te natu ral e ad eq u ad a n o co n -
te x to d e Isaías, o qual m ais q u e q u a lq u e r o u tro p ro fe ta tra n s fo rm o u o n ex o d o
c u m p rim e n to da p re d iç ã o na p e d ra angular de sua ap o lo g é tic a .1 A e x p re ssã o ele
dirá é um infinitivo ex p ressiv o d e in ten ção , “ p re te n d e n d o d iz e r” .2 A c o n ju n ç ã o
p re c e d e n te, o v e rb o in tro d u z u m a explicação d o q u e p re c e d e u e p o d e m o s tra-
d u z ir p o r: “ ao d e te rm in a r o q u e d iz e r” . Foi isso ex a ta m e n te o q u e ac o n te c eu
(E d 1.1-5; 6.1-5).

b. Ciro, o ungido do Senhor: propósitos interligados (45.1-8)


C o n fo rm e o b se rv a d o acim a, esse o rá c u lo iniciou em 44.24, e a fó rm u la
de an ú ncio , seg u in d o à lo n g a d eclaração d e si m e sm o d o lo c u to r (44.24-28),
é re cap itu lad o em 45.1. O p e n sa m e n to m o v e de reasseg u rar Israel so b re C iro
(44.24-28) para d e ta lh a r a carreira d e C iro e seu lugar n o s p ro p ó s ito s divinos.
U m a coisa é sa b e r cjue os ev en to s fu tu ro s são d e sig n ad o s p ara o c o n fo rto d o
in d iv íd u o (44.24-28), o u tra é e n c o n tra r c o n fo rto neles q u a n d o eles co m e ç a m a
a c o n te c er (p o r exem plo, w . 2,3). P o r isso, o S e n h o r e n tra em d etalhes: C iro será
0 d e stru id o r m ais su rp re e n d e n te , m as assim m e sm o tu d o está b em . A seção
c o n siste d e u m a in tro d u ç ã o (la b ) seguida de seis e stro fe s d e q u a tro linhas. A
prim eira (lc -f) é u m a e x te n sã o d a in tro d u ç ã o , u m a declaração so b re o S e n h o r
e Ciro. A s estro fe s 2-6 são u m a u n id ad e, o S e n h o r falan d o p ara Ciro. C ad a es-
tro fc tem u m a ligação d o tip o d o m in ó c o m a seguin te, a rro m b a r e invadir, te r
acesso aos te so u ro s (2d, 3a); “ o D e u s de Israel, [...] Jacó , [...] Israel (3d, 4ab):
“ n e n h u m o u tro [...] n ã o há D e u s ” (5ab); “ n ã o há n in g u ém além d e m im ” (6cd).
As e stro fe s 2 e 7 iniciam co m o en fá tic o p ro n o m e “ e u ” , c o m p le ta n d o o p o em a.
N e sse to d o in te g ra d o há um te m a de am pliação de p ro p ó sito . A s estro fe s 2 e
3 falam de u m p ro p ó s ito d iv in o para C iro (3c, “ p ara q u e v o cê saib a”); p o r trás
d o p ro p ó s ito p a ra C iro está u m p ro p ó s ito para Israel (4a, “ p o r a m o r d e m e u
serv o Ja c ó ”); e p o r trás d este, há u m p ro p ó s ito para o m u n d o (6a, “ d e fo rm a

1 S m a rt e x tirp a ria to d a re fe rê n c ia a C iro a q u i, t r a ta n d o - a c o m o u m a “ r e in te r p r e ta ç ã o ” d o


D e u te ro is a ía s e la b o ra d a p e la c o m u n id a d e d e J e r u s a lé m d o sé c u lo V. T alv ez seja s u fic ie n te
c o m e n ta r p a r a o b s e r v a r a p r ó p r ia c rític a d e S m a rt s o b r e o s q u e tira ria m o n o m e d e “ Isra -
e l” d e 4 9 .3 c o m o “ c o n tr á r io a to d o b o m p r o c e d im e n to n o tr a ta m e n to c rític o d o s t e x to s ” .
R. K . H a r r is o n (Introduction to the O ld Testament [T yndale P re ss , 1 9 70], p. 79 4 ) c o n c o r d a
a m p la m e n tc c o m S m a rt.
2 C K C 114 p ; D riv e r, p. 2 0 6 (cf. Ê x 3 2 .2 9 ; L v 10.10; A m 8.4).
477 ISAÍAS 4 5 - 1 8 ‫־‬

q u e d o n a sc e n te ao p o e n te ”). C ada u m a d essas frases-chave inicia co m a m es-


m a p alavra (1'ma‘an, “ p ara que, p o r, de fo rm a q u e ”). A lém disso, o versícu lo 7
fo rm a u m inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p o r m aterial sim ilar n o inicio e n o final
d e u m a seção] c o m 44.24: “ fi2 to d as as co isa s” Çõseh kõl), “ faço to d as essas
co isas” Çõseh kot) — ú n ic o D e u s na criação e n a história.

A 1 A d eclaração in tro d u tó ria : a c o m p re e n sã o in ten cio n al d e C iro


p o r p a rte d o S e n h o r (1)
B1 A lid eran ça divina (2)
C O p ro p ó s ito p ara C iro (3)
C2 O p ro p ó s ito p ara J a c ó /I s r a e l (4,5 a)
C3 O p ro p ó s ito p ara o m u n d o (5b,6c)
B2 A d eclaração divina d e si m esm o : o D e u s d a h istó ria (6d,7)

A teo lo g ia d essa seção é idêntica à d e 10.5-15 (c o m p a re 10.15 co m 45.7). A


p assag em 10.5ss. enfatiza a justiça d o g o v e rn o d a h istó ria p e lo S en h o r, 45.1ss.
ressalta a in ten cio n alid ad e dela.
S u gere-se às vezes q u e o s ev en to s p ro v a ra m q u e essa p assag em é u m en-
gan o . P rim eiro , a “ B abilônia n ã o e n tro u à fo rça n em foi d e stru íd a ” .1 M as a
B abilônia n ã o é m e n c io n a d a p elo n o m e aqui e n ã o há fu n d a m e n to p ara presu -
m ir u m a referên cia exclusiva a esse ú n ic o item nas im en sas c o n q u ista s de Ciro.
Se p e rg u n ta rm o s, p o r sua vez, se a p assag em te m e sp a ç o p ara a ev id ên cia da
C rô n ic a d e N a b o n id o 2 d e q u e “ as tro p a s de C iro e n tra ra m n a B abilônia sem
b a ta lh a ” , n ã o p recisam o s ir além d o p rim e iro versículo. S eg u n d o , “ C iro n ão
se c o n v e rte u ” ,3 e o m u n d o n ã o foi c o n q u ista d o para o javism o. A passag em
o b se rv a apenas u m c o n q u ista d o r en v o lv id o n a s u rp re e n d e n te política d e en-
viar p esso as cativas, to d o s ig u alm en te, de volta para casa. E é d e fato v erd ad e
q u e C iro, ao e n tra r na B abilônia, envolveu-se em u m exercício d e fé m últipla
n o qual to d o s o s deu ses v e n c e ra m e to d o s são re c o m p e n sa d o s. E le, co m igual
firm eza, p ro m u lg o u o d e c re to d e E sd ra s 1.2-4, p ro c la m a n d o q u e o S e n h o r o
tro u x e ra ao g o v e rn o d o m u n d o ; e o d e c re to , p re se rv a d o n o C ilin d ro d e C iro,4
declara q u e tu d o se devia a M ard u q u e. N o e n ta n to , as coisas p o d e ría m te r sido
d iferen tes. O c a m in h o p ara ele sa b e r m ais e fazer m e lh o r estava ab erto . Pois
e n tre to d o s o s d eu ses, u m era d iferen te, o D e u s q u e sabia an tes q u e o ev en to
o c o rre sse e n q u a n to to d o s os o u tro s deu ses só tin h a m c o n h e c im e n to d o ev en to
ap ó s sua o c o rrê n c ia (cf. 41.1-7). S k in n er c o m e n ta esse p o n to : “ a co n v icção de

1 N o r t h , Isa ia h , p. 89.
2 D O T I] p. 82.
‫ י‬N o r t h , Isa ia h , p. 8 7 -8 9 ; Second Isa ia h , p. 148 -1 5 1 .
4 D O IT , p. 92ss.
O LIV RO DO SERVO 478

q ue só Jeo v á é D e u s te m o rig em n o c o n h e c im e n to d e q u e a p en as ele p red isse


seu [de Ciro] a p a re c im e n to ” .1 N ã o o b sta n te , é n ecessário o b se rv a r q u e Skin-
n e r n ã o tem o d ire ito d e fazer essa declaração em favor d e C iro, p o is a teo ria
“ D e u te ro isa ía s” n ega ao S e n h o r a glória da p redição, c o n c e d e n d o -lh e ap en as
um a p e rc e p ç ã o aguçada p a ra ver o q u e estava em p ro g re sso , u m a vez q u e C iro
estava em m archa. Se isso é o b ra de um p ro fe ta d e s c o n h e c id o q u e m in istrav a
na B abilônia a p ó s a ascen são d e C iro, e n tão , o a rg u m e n to da p re d iç ã o é des-
titu íd o d e força, po is e n tã o ta m b é m o S en h o r, c o m o os “ íd o lo s-d e u se s” , só
tem c o n h e c im e n to a p ó s o fato. N o e n ta n to , C iro seguiu o c u rso p o litic a m e n te
c o n v e n ie n te , e o p ro p ó s ito d iv in o d e q u e ele p u d e sse c o n h e c e r o S e n h o r caiu
p o r te rra e, ju n to c o m esse p ro p ó sito , to d o ím p e to da revelação para o m u n d o
(veja ta m b é m c o m e n tá rio so b re 48.20,21). P o r c o n se g u in te , n esse sen tid o , essa
passagem n ã o alcança realização. N ã o q u e ela p red ig a q u e C iro se to rn a ria u m
cren te, e ele n ã o se to rn o u , m as q u e ela revela u m p ro p ó s ito d iv in o ao qual
C iro, co m to d a o p o rtu n id a d e p a ra fazer isso, n ã o se asso cio u .

A c o m p re e n sã o in te n c io n a l de C iro p o r p a rte d o S e n h o r (45.1)


A fó rm u la in tro d u tó ria (la b ) leva à prim eira e stro fe d e q u a tro linhas. N e s-
ta, a p rim eira e a terceira linhas iniciam c o m infinitivos e x p re ssa n d o p ro p ó s ito
(.subjugar [...] abrir), e a seg u n d a e a q u a rta linhas c o n tin u a m a c o n s tru ç ã o p o r
m eio d e im p erfeito s, resp e c tiv a m en te , u m a p rim eira p e sso a (“ a rra n c a r a ar-
m a d u ra de seus reis”) e u m a terceira p e sso a na voz passiva (“ d e m o d o q u e as
p o rta s ”). D e sd e os p rim e iro s dias da m o n arq u ia, o rei era m a n tid o em especial
tem o r, e “o u n g id o d o S e n h o r” (IS m 2 4 .6 < 7 > ; 26.11) veio a ser u m a d escrição
p a d rã o d o rei c o n sid e ra d o de fo rm a ideal (SI 2.2). E ra u m a relação sag rad a es-
pccial, n ã o p a rtic u la rm e n te e sp ecifican d o san tid ad e d e c a rá te r (cf. lR s 19.15),
m as se p a ra n d o so le n e m e n te u m a p e sso a p ara os p ro p ó s ito s d o S e n h o r.2 O sub-
ju g a r as nações é um te m a esp ecíficam en te davídico (SI 1; 110), e talvez essa su-
g e stã o de C iro em u m p ap el d avídico te n h a algo q u e v er c o m a in q u ietação que
e n c o n tra m o s n o s versículos 9ss. S o b re C iro, veja 44.28. O re tra to d e Ciro, cuja
mão direita eu seguro c o m b in a as idéias de escolha, tra n sm issã o d e fo rça e c o n d u -
ção d a p e sso a p ara o p alco da história. A s palavras subjugar [ ..] arrancar /.../ abrir
[...] não estejam trancadas d escrev em b e m a ráp id a carreira d e C iro d e c o n q u ista
in in te rru p ta , o q u e era a d m ira d o n o m u n d o d a A n tig u id ad e. A q u i n e m a fo rça
coletiva (nações) n e m a lid eran ça (reis), ta m p o u c o , p o rta s d u p las (? a b rin d o para
palácios) n e m as p orta s d a cidade p o d ia m pará-lo.

1 S k in n e r, p. 59.
2 J. A. M o ty e r, “A n o in tin g ” , IB D .
479 ISAÍAS 4 5 - 1 - 8

A lid e ra n ç a d iv in a (45.2)
( ) p ro n o m e eu é enfático, “ eu m e s m o ” (BJ). O te rm o m ontes (h“dür~1m ) 1 n ão
é c o n h e c id o em o u tro s lugares c o m o um su b sta n tiv o e p arece u m p a rticip io
p assivo q a l de i ha da r (“ h o n ra r”). O adjetivo hã d ãr tem às vezes u m se n tid o
físico; é u sa d o para á rv o res altas (Lv 23.40) e d e ap arên cia im p re ssio n a n te , b em
c o n stitu íd a (Is 53.2). P o rta n to , é possível q u e o v e rb o te n h a u m a am b iên cia
paralela e p o ssa significar (na v o z passiva) “ le v a n ta d o ” , daí, seu u so aqui para
barreiras, natu rais o u artificiais, n o c a m in h o d o c o n q u ista d o r.

O p ro p ó sito d iv in o p a ra C iro (45.3)


E ssa e stro fe , c o m e ç a n d o co m “ e ” (A RC), é c o n tin u a ç ã o d a e stro fe ante-
rior. E la acre sc en ta m ais um item de ajuda divina, a d ádiva d o te so u ro e c o n d u z
ao p ro p ó s ito p o r trás d isso tudo. A s trevas re fe re m -se ao q u e está esco n d id o .
A su g e stã o d a B H S de q u e a frase p a ra que você saiba é u m a ad ição p o ste rio r
n ão tem a p o io n o m an u scrito , e W hybray diz q u e essa o p in iã o “ d ificilm en te é
justificável” . C iro c o n seg u iu vir a c o n h e c e r o v e rd a d e iro D e u s p o r in te rm é d io
da ev id ência d a p re d iç ã o e d o c u m p rim e n to d e sta , e isso é tu d o q u e as palavras
p re te n d e m dizer. E las n ã o dizem q u e C iro fará assim , m as q u e sua carreira foi
tão m a n ip u la d a nas m ão s d e D e u s q u e isso foi possível. A frase 0 convoca pelo
nome, aqui e n o versículo 4, ex p ressa a ideia de c o n v o c a r p e sso a lm e n te a reali-
zar as tarefas d e c re ta d as (40.26; 41.25). Se C iro tivesse c o n su lta d o as pesso as
que sabiam , ele teria d e sc o b e rto seu lugar e seria c h a m a d o n o p la n o d o D eus
de Israel.

0 p ro p ó sito d iv in o p a ra Jacó/Israel (45.4-5a)


O p o v o d o S e n h o r é se m p re sua prin cip al p re o c u p a ç ão . O s n o m e s Jaco
/.../ Israel são u m le m b re te d o p o d e r d o S e n h o r p ara tra n s fo rm a r (Jacó tran s-
fo rm a n d o -se em Israel) e d a re sp o n sa b ilid a d e d aq u eles q u e ain d a e n c o n tra m a
n a tu re z a de Ja c ó ac e n tu a d a neles p ara viver an tes d e a c o rd o c o m sua no v a na-
tu reza, c o n c e d id a p o r D eu s, a viver c o m o Israel. O servo é a p o sição co n ced id a
ao p o v o d o S e n h o r; o escolhido m o stra seu alicerce n a v o n ta d e divina. O S en h o r,
n o in teresse d e seu p o v o , levanta d e fo rm a so b e ra n a g o v e rn a n te s m u n d an o s,
ch am a-o s pelo nome (veja v. 3) e lhes c o n c e d e um titulo de honra. S o b re ik ã n â , veja
44.5; n ã o é ta n to u m título h o n o rífic o q u a n to a p ro p ria d o p ara a fu n ção de C iro
n o p la n o d e D eus. Tal é a so b eran ia d o S e n h o r q u e ele n ã o exige a c o o p e ra ç ão
v o lu n tária o u cien te daqueles q u e usa d essa m aneira: C iro não me reconheça/ “ n ão
m e c o n h e c e sse s” (ARC). A é p o c a m e n c io n a d a aqui seria o início da carreira de
Ciro. E le su b iu ao palco d o m u n d o sem te r q u a lq u e r ideia d o ú n ico D e u s, d o
qual seria u m in s tru m e n to (10.15). 1

1 P a ra o t e r m o Ifd ü ñ m d o T M , ta n to a L X X q u a n to Q J (h eh ã rlm ) tr a z e m “ m o n te s ” , e e ssa


tra d u ç ã o é a d o ta d a p e la B H S . N o r t h b rin c a c o m o c o g n a to á ra b e , sig n ific a n d o “ s o b e r b o ” .
O LIVRO DO SERVO 480

O p ro p ó sito d iv in o p a ra o m u n d o ( 4 5 .5 b 6 ‫־‬c)
Λ ex p ressão além de m im inicia um a n o v a e stro fe aqui. E la re p e te o p en sa-
m e n to final da e stro fe p re c e d e n te e, depois, alça a carreira d e C iro a u m a nova
dim ensão. Se ele tivesse c o n h e c im e n to d o ú n ico D eu s, q u e tã o p ro n ta m e n te
critica o s deu ses q u e são apenas p a rte da reação da h u m a n id a d e ao q u e a vida
lhes im p õ e (41.1-7), se seguiría u m a revelação universal. U m p a sso tão sim ples
co m u m a tre m e n d a c o n se q u ê n c ia foi su spendido! A frase eu 0fortalecerei é um
te m p o im p e rfe ito de ação c o n tín u a (“ eu te cingirei” [ARC], o u seja, lhe darei a
valentia para c u m p rir m eu s p ro p ó sito s). A qui C iro está n a m e ta d e d a carreira,
cingido pela ação m ilitar, m as ainda sem o c o n h e c im e n to d o D e u s de q u e m é
u m in stru m e n to . A so b eran ia d o S e n h o r é ab so lu ta, n ã o anula a resp o n sab ili-
d ad e n em exige c o o p e ra ç ã o co n scien te. O c o n h e c im e n to d e D e u s n o m u n d o
to d o {do nascente ao poente) foi p ro m e tid o p o r in te rm é d io d e A b ra ã o e seus des-
c e n d e n te s (G n 12.1ss.; 22.18) e d o rei davídico (SI 72.8-11), e Isaías está ligando
essas idéias m u ito p recio sas a Ciro. T e m o s de te r isso em m e n te q u a n d o passar-
m o s p ara o s versículos 9-13.

O D eus da h istó ria (45.6d-7)


E ssa é a c o n clu são de to d o o o rá c u lo (cf. o elo c o m 44.24 e a n o ta in tro -
d u tó ria acim a), m as em p a rtic u la r d o s versículos 2-6. A análise d o p e río d o de
C iro, co m sua ên fase na so b eran ia de D e u s, é a m p a ra d a p o r essa m agnífica
d eclaração m onergística. A lu% c as trevas são m etáfo ras b e m estab elecid as para
o agradável e o desagradável; elas são, é claro, ta m b é m a seq u ên cia reg u lar das
coisas, e am b as as m e tá fo ra s p o d e m ser o se n tid o aqui. O S en h o r, d a p ersp ec-
tiva executiva, está p o r trás de to d a s as várias experiências co n tid a s n a vida; ele
tam b ém o rd e n a a o rd e m em q u e as coisas a c o n te c em , o c u rso da exp eriên -
cia. A palavra pasç, é claro, inclui b e m -e sta r, p ro sp e rid a d e , c u m p rim e n to , etc.
(9 .6 < 5 > ), tu d o q u e to rn a a vida rica e re c o m p e n sa d o ra. A s tra d u ç õ e s m ais
antigas trazem in q u ietação d esn ecessária ao tra d u z ir “ crio o m al” ; a N V I apre-
sen ta co m a c e rto causo a desgraça. D a s cerca de 640 o c o rrê n c ia s d a palavra ra'
(que varia em se n tid o de um p o u q u in h o “ d esag rad áv el” a to tal m al m oral) há
275 casos em q u e o se n tid o é “ trib u la ç ã o ” o u “ calam id ad e” . E m to d o caso, o
c o n te x to deve d e te rm in a r o sentido. N e ssa p assag em , cheia d e calam idades
h istóricas q u e a tin g em o p o v o p o r in te rm é d io d e C iro, esse é o se n tid o d e ra ’.
A luz e as trevas são tem as tip icam en te z o ro a stria n o s, e alguns se ag arram a
isso c o m o evidência d e um a m b ie n te p e rsa para esse versículo. M as n ã o há
fu n d a m e n to p a ra e n c o n tra r um a referên cia ao z o ro a strism o aqui e, em to d o
caso, os tex to s so b re os quais Z o ro a stro , ta m b é m c o n h e c id o p o r Z a ra tu stra ,
fu n d am en tav a seu d u alism o lu z /tre v a s re m o n ta m a cerca d e 1200 a.C. Se Isaías
está a ta c a n d o algo, este é o d u alism o in e re n te ao p o lite ísm o o u o p e c a m in o so
d u alism o d o c o ra ç ã o h u m a n o , a m b o s os quais anseiam p ela seg u ran ça d o ú n ico
481 ISAÍAS 4 5 - 1 8 ‫־‬

D e u s e, to davia, recu am d ian te d o rig o r d e d iz e r co m Jó : “A ceitarem o s o b em


d a d o p o r D e u s, e n ã o o m al?” (Jó 10.2). A in te n ç ã o de Isaías, n o e n ta n to , n ã o é
criar p o lêm ica, m as an tes é de c re d o e re c o n fo rto . E sse D e u s, q u e está so z in h o
e d e fo rm a so b e ra n a , d e te rm in a n te e executiva n o c o m a n d o de tu d o e é o D eu s
q u e fez tu d o (44.24) e faz tu d o (45.7), é o S an to e fo rm a d o r d e Israel (44.24), o
P aren te re d e n to r (45.1) d e seu povo.

A o ra ç ã o e a re sp o sta (45.8)
E sse versículo é o u tro caso em q u e as dificuldad es te x tu a is1 n ã o o b scu re-
cem o se n tid o global. E le, em essência, é u m a o ra ç ã o pelas ch u v as celestiais que
p ro d u z irã o fru to s de b ê n ç ã o s so b re a terra. N o c o n te x to (seja qual fo sse seu ce-
n á rio original n o m in istério de Isaías) é o p ro d u to de u m a m e n te e co ração que
n ã o p o d e m ag u e n ta r n e n h u m a d ia m e n to nas realizações d o s b en efício s que
v irão a Israel p o r in te rm é d io d e Ciro. Λ N V I segue o Q a n a leitu ra d e u m v erb o
sin g u lar (brote) o n d e o T M traz o v e rb o n o plural. Sua tra d u ç ã o p o r cresça com
ela re p re se n ta um v e rb o (um hiphil de isãm ah) q u e é invariav elm en te transitivo
n o se n tid o (“ c rescer” , “ p ro d u z ir”). N o e n ta n to , o T M p o d e se r p re se rv a d o se
tra n s fo rm a rm o s “ salvação” e “ re tid ã o ” n o s sujeitos d o v e rb o n o p lural “ eres-
ç a m ” e e n te n d e rm o s “ te rra ” c o m o o sujeito d o v e rb o fe m in in o n o singular
“ c r e s ç a /p r o d u z a ” (ARC) em 8e:

A A o ra ç ã o (8a-e)
a1 A im agem da chuva
chova, ó céus, d o alto (figura)
e deixe q u e as p ró p ria s n u v e n s d estilem retid ão
(realidade)
a2 A im ag em d e cre sc im e n to
deixe a te rra se ab rir (figura)
a retid ão ser p ro d u tiv a (realidade)
deixe fazê-los crescerem ju n to s
B A g a ra n tia (8f)
E u m esm o , o S en h o r, co m c e rteza criarei isso (p ro m essa)

1 D o c o m e ç o a o fim d o v e rs íc u lo 14, o p r o n o m e você e stá n o fe m in in o sin g u lar. M o w in c k e l


a lte ra -o p a r a o m a s c u lin o s in g u la r e cria u m a re fe rê n c ia a C iro. E s s a s u g e s tã o se e x tin g u e
d e c is iv a m e n te c o m a a d m is s ã o d a s n a ç õ e s q u e sã o a tra íd a s p e la p e rc e p ç ã o d e q u e D eus
está com você. N a v e rd a d e , n ã o h á q u a lq u e r p ro b a b ilid a d e d e q u e o v e rsíc u lo se re fira a C iro ,
é m u ito m ais p ro v á v e l q u e Isa ías te n h a u s a d o o p r o n o m e fe m in in o a fim d e e x clu ir e sse
e n te n d i m e n to e q u iv o c a d o . O b s e r v e q u e n o v e rsíc u lo 17, ele re v e rte p a ra o m a s c u lin o ,
re fe r in d o - s e a Isra e l. M as a q u i e s ta m o s n a m e s m a á re a d e p e n s a m e n to d e 2 .2 -4 , p a s s a g e m
e m q u e o S ião a tra i as n a ç õ e s p o r s e r o c e n tr o e m q u e a p a la v ra d o S e n h o r te m d e se r
e n c o n tr a d a . (4 v e rsíc u lo e stá n a tu r a lm e n te e n tr e o s p o e m a s d e S ião fe ito s p o r Isaías.
O LIV RO D O SERVO 482

D a m esm a m a n e ira c o m o a p ro d u tiv id a d e n atu ral exige a ação fertiliza-


d o ra d o céu so b re a te rra receptiva, ta m b é m d a p ersp ectiv a esp iritu al ap en as
D eu s p o d e d a r o a u m e n to ao fazer “ c h o v e r” (■¡rã^ajr, e n c o n tra d o a p en as em SI
65.12 < 13 > ; P v 3.20) retidão, o u seja, seus p ro p ó sito s a b so lu ta m e n te c o rre to s,
aquelas coisas q u e se eq u ip aram a sua n a tu re z a justa. O “ a b r[ir|” d a te rra é um a
im agem a tra e n te de acolhida resp o n siv a ao q u e D e u s envia. D a m e sm a m an eira
q u e n ã o h á fru to sem a fertilização fo rn ecid a p elo S en h o r, o fru to ta m b é m não
é p ro d u z id o sem resp o sta. A s linhas “ d ” e “ e ” re p e te m o p ad rão . A sem en te
p la n ta d a p e lo S e n h o r é a salvação — a p ro m e tid a “ lib e rta ç ã o ” p ara seu p o v o p o r
in te rm é d io de C iro (44.28) — e a retidão. O su b sta n tiv o u sa d o aqui é fem in in o
(fdãqa) ao p a sso q u e na linha “ a” é m a scu lin o (sedeq). G . A. F. K n ig h t acha
q u e o m a scu lin o d escrev e a ação d e D e u s (p o r exem plo, O s 2.19) e o fem in in o ,
“ essa atividade criativa e a m o ro sa e n tre p esso as [...] in sp irad a e c o n c e d id a pelo
ato inicial d e D e u s d e sedeq.' E ssa d istin ção n ã o d eve se r im p o sta em dem asia,
m as ela é a d e q u a d a n a explicação d o fe m in in o (que p o d ia, é claro, ser ap en as
u m a variação literária), in d ic a n d o q u e a “ re tid ã o ” im p lan tad a p o r ele é n atu -
raím en te o fru to p ro d u z id o na vida e re la c io n a m en to s d e retidão. M as, m ais
u m a vez, tem de h av er o c o m p ro m isso re sp o n siv o da te rra (“ cresça a retid ão
co m ela”) d e aceitar a salvação d o S en h o r, v iv en d o a retid ão dele. A o ração
p o r c u m p rim e n to , o S e n h o r re sp o n d e co m reafirm ação , c o m p ro m e te n d o -s e
p e sso a lm e n tc (“ eu, o S e n h o r” , o p ro n o m e en fático ) a fazer o q u e só ele p o d e
fazer: “ cri[ar]” ('¡bã rã ’; cf. 4.5). O te m p o p e rfe ito (cf. a N V I) é u m a e x p ressão
d e certe z a c o m o se n tid o d e “ e sto u d e te rm in a d o a” .

2. As questões inaceitáveis: a soberania do Senhor (45.9-13)


Isaías aqui estaria a p en as c o n te m p la n d o u m a reação evasiva p a ra o p la n o
d o S e n h o r p a ra C iro o u ele e n fre n to u de fato im p e d im e n to s q u a n d o disse pela
p rim eira vez q u e a lib ertação seria alcançada d essa m an eira? E m to d o caso, é
lógico q u e a n o tícia d e u m lib e rta d o r g e n tio n ã o teria u m a aco lh id a calo ro sa
.(veja m ais n o v. 9). N ã o só isso, m as é fácil su b e stim a r esses a to s d e D e u s que
são “ a p e n a s” o exercício da p ro v id ên cia divina. Sem d ú v id a, esses ato s, em vista
da p ro p e n sã o h u m a n a p a ra o sensacional, talvez fo ssem d esejad o s p a ra algo
“ m ila g ro so ” — m as o s c o n q u ista d o re s p e rte n c e m “ a p e n a s” ao c u rso d a h istó -
ria! A re sp o sta ao s p ro te s to s deles foi c o n tu n d e n te : em u m a palavra: “ N ã o é da
c o n ta d e v o c ê s” . O o leiro n ã o p o d e , e o pai n ã o deve, ser q u e stio n a d o ; eles, em 1

1 A s m e s m a s id éia s d c s u b m is s ã o e ig u a ld a d e s ã o e n c o n tr a d a s , p o r e x e m p lo , n o s a lm o 47.
N o sa lm o , o s v e rs íc u lo s l - 5 < 2 - 6 > e 6 - 9 < 7 - 1 0 > , c o r r e m e m p a ralelo . N a p rim e ira seção ,
a re alez a d o S e n h o r sig n ifica q u e “ ele su b ju g a rá o s p o v o s s o b n ó s ” (v. 3 < 4 > ) ; n o v e rsíc u lo
p a ra le lo 8 < 9 > , o s n o b r e s d o s p o v o s se r e ú n e m “ c o m o o p o v o d o D e u s d e A b r a ã o ” . O
p e n s a m e n to d e Isa ías e s tá e n r a iz a d o n a a d o r a ç ã o d e Israel.
483 ISAÍAS 4 5 . 9 1 3 ‫־‬

su a p ró p ria esfera, p o ssu e m to tal so b e ra n ia (w . 9-11). P o rta n to , isso é co m o


S en ho r. E le, n e m c o m o C ria d o r n e m c o m o reg en te da h istó ria (w . 12,13), está
d isp o n ív el p a ra q u e stio n a m e n to s. E le é s o b e ra n o e aí te rm in a o assu n to .

A O o leiro e o pai (9-11)


a1 A ilu stração (9,10)
a12 A aplicação (11)
B O s a to s d iv in o s está além de q u e stio n a m e n to (12,13)
b1 N a criação (12)
b2 N a h istó ria (13)

a. O oleiro e o pai (4 5 .9 -1 1 )
9 O te rm o contende/ “ e n tra na justiça, e n tra c o m ação c o n tra ” n ã o ex p ressa
0 p e n s a m e n to d e re sistir ao q u e D e u s está fazendo, m as o d e d iscu tir o d ireito
dele d e fazer isso. A palavra C riador i/y à sa r) é usad a e sp ecíficam en te p ara um
“ o le iro ” (43.1). O a rte fa to {um caco [om ite p a ra aquele que é, mas]) n ã o p o d e ques-
tio n a r o artesão , n ã o p o rq u e n ã o fala, m as p o rq u e a a u to rid a d e d este n ã o p o d e
ser q u e stio n a d a . N e sse sentido, n e n h u m a peça de argila é d ife re n te de q u alq u er
o u tra. T o d o s o s cacos o c u p a m a m esm a p o siç ã o d e total su b o rd in a ç ã o a um a
so b e ra n ia total. A p erg u n ta: “O que você está fazen d o ? ", q u e stio n a ria a in te n ç ã o do
o leiro ; e a frase: “você não tem m ãos”,' sua habilidade. E m relação ao p la n o Ciro,
essa crítica era inevitável. O q u e o S e n h o r estaria p e n sa n d o ao d e stru ir n o ssas
esp eran ças? C o m o ele p o d e ría ser b e m -su c e d id o ao u sa r um c o n q u ista d o r para
libertar? Pois, ao u sa r um c o n q u ista d o r g e n tio para lib e rta r Israel, colocava so b
am eaça n ã o só o o rg u lh o da nação, m as ta m b é m as p ro m e ssa s d o S en h o r. O
povo, so b o c o m a n d o de u m lib e rta d o r g en tio , p o d e ría em p rin c íp io v o ltar à
m esm a situ ação da qual tin h a m sido d e p o rta d o s. O s te m p o s d o s g e n tio s co n -
tinu ariam em Jeru salém . N ã o havería E s ta d o so b e ra n o , n e n h u m reav iv am en to
davídico! O p la n o C iro era o d o b ra d o d e finados p a ra to d as essas esperanças. É
claro q u e te m o s o b en efício d o o lh a r em re tro sp ectiv a e sab em o s q u e a q u e b ra
d o m o ld e d a n a ç ã o d o p o v o d e D e u s foi delib erad a a fim de q u e a fo rm a der-
radeira d e Israel em ergisse na igreja d o S e n h o r Jesu s C risto. T a m b é m sab em o s
q u e a su b m issã o d o s g e n tio s (14-25) é asseg u rad a pela su b m issão d o s te m e n te s
a D e u s n o m u n d o in teiro ao ev an g elh o (A t 15.13-18; 1C o 14.24s.). M as o pes-
soai de Isaías co n seg u ia ver apenas u m g o lp e cruel às esp eran ças q u e tin h a m , a
tro c a d e u m a su b ju g ação p o r o u tra , e sua lógica estav a c o rreta. O a n d g o m o ld e

1 F a lta à tra d u ç ã o p o r “ n ã o te m m ã o s ” q u a lq u e r e x e m p lo d e te r m in a d o d a p a la v ra y ã d c m
a p o io . E m to d o c aso , u m a a c u s a ç ã o d e tr a b a lh o in c o m p le to n ã o é p a r tic u la r m e n te rele-
v a n te aq u i.
O LIVRO D O SERVO 484

estava irre m e d ia v elm en te q u e b ra d o , e essa é u m a ex p erien cia q u e p õ e o d e d o


n a ferida (agora c o m o na época). N o e n ta n to , a tarefa de Israel era livrar sua
m e n te d a su b m issã o à lógica h u m a n a e inculcar u m e sp írito d e su b m issã o à
so b eran ia divina.
10 Se o o leiro n ã o p o d e ser q u e stio n a d o (9), o pai n ã o d eve se r q u e stio -
nado. E ssas p e rg u n ta s são u m a in tru sã o im p ró p ria em q u e n in g u é m d e fo ra
p o d e se av enturar. A p a te rn id a d e é u m a ssu n to q u e está n o â m b ito d a d iscrição
e p rivacidade d o casal em q u e stã o e n ã o está sujeita à in te rfe rê n cia in delicada
e inadm issível. A e x p re ssã o seupai[...] sua mãe é, an tes, “ u m pai [...] à m u lh e r”
(ARC). Isaías, e m prin cíp io , está lev a n ta n d o u m a questão.
11 O v ersículo inicia a firm a n d o a relação p a i-filh o /o le iro -v a so e n tre o
S e n h o r e Israel e, d ep o is, avança p a ra a aplicação. N e sse c o n te x to , o n o m e 0
Senhor, d o êxodo, le m b ra p a rtic u la rm e n te Ê x o d o 4.22 (cf. D t 14.1). O ê x o d o foi
u m g ra n d e a to d e p ro g e n itu ra ao in stitu ir um p a d rã o d e re la c io n a m en to e n tre o
S e n h o r e seu povo. O versículo, em um se n tid o m u ito p articu lar, ta m b é m inicia
u m p ro c e sso d e “ m o ld a g e m ” ( Criador/ “ o le iro ” ; veja v. 9; 43.1) c o m o S e n h o r
p re sid in d o a so rte d e seu p o v o co m to d a a excelente hab ilid ad e d e u m m e stre
oleiro, a m assan d o , m o d e la n d o e m a n te n d o . E le, em tu d o isso, é 0 Santo deIsrael
ta n to p ró x im o deles na m isericó rd ia p e rd o a d o ra q u a n to ao m e sm o te m p o ao
D e u s tra n sc e n d e n te e aos reis (veja 6.1-7). A relação deles c o m o S e n h o r é ínti-
m a e c a rin h o sa , m as é u m a relação na qual eles têm d e a p re n d e r a n ã o p re su m ir
n ad a, m as a p e g a r o lugar m ais m o d e sto , “ an d [ar] h u m ild e m e n te c o m o seu
D e u s” (M q 6.8). P o r essa razão, o re sta n te d o versículo exclam a: “A re sp e ito de
coisas v in d o u ras, v o cê m e p e rg u n ta so b re m eu s filhos, o u m e d á o rd e n s so b re
o tra b a lh o d e m in h a s m ão s?” A s palavras estão carreg ad as d e iro n ia, c o n fo rm e
p e rm ite m as ilu straçõ es an terio res. A s coisasvindouras são o p la n o (firo ; as ex-
p re ssõ e s meusfilhose 0 trabalho de minhas mãos se re fe re m às ilu straçõ es d o pai e
d o oleiro. P e rg u n ta r ao S e n h o r so b re suas ações é tão im p o ssív el q u a n to a p ri-
m eira e tão im p ró p ria q u a n to a o u tra . C o m c erteza, é u m a re p reen são : fique n o
seu lu g ar e cu id e d e seus p ró p rio s negócios. T a m b é m está re p le ta d e c o n fo rto :
seu lu gar o deixa seg u ro d o c u id a d o s o b e ra n o de seu D eus.

b. Os atos divinos são inquestionáveis (45.12,13)


12 A iro n ia d o v ersículo 11 (p arafrasean d o : “ P o r favor, sin ta-se livre p ara
m e d a r suas o rd e n s ”) é c o ro a d a pela referên cia aqui ao C ria d o r — c o m o se
o S e n h o r tivesse de dizer: “A final, eu so u o ú n ic o C riad o r!” A re c o rd a ç ã o de
humanidade (37.16) é u m p o n to re v e la d o r da
sua q u á d ru p la so b e ra n ia so b re a
p ersp ectiv a co n tex tu al. A p alavra estrelasfoi u m a adição in te rp re ta tiv a e p o d e
ser corrigida. N o e n ta n to , o p aralelism o sugeriría q u e seuexércitoaqui se refere
à h u m a n id a d e em to d a sua m ultiplicidade. O te rm o dispus/ “ o rd e n e i” (N T L H )
re p e te iro n ic a m e n te o m e sm o v e rb o “ d á o rd e n s ” d o v ersícu lo l i e .
485 ISAÍAS 45.1 4 -1 7

13 A so b e ra n ia divina na criação (12) é e m p a re lh a d a à igual so b e ra n ia na


histó ria. E sse versículo, c o m o o versículo 12, inicia c o m u m p ro n o m e e n fático
e d ev ia te r u m a tra d u ç ã o paralela: “ S ou eu q u e m ” . O v e rb o d a frase levantareiesse
homem [Ciro], é um p e rfe ito de certeza. O n o m e Ciro (A RA ) é in terp retativ o : é
(lit.) “ d e te rm in e i-m e a lev an tá-lo ” . O v e rb o é o m e sm o d e 41.2, c o m o sen tid o
de “ c o m o d e s p e rta r d o s o n o ” e, p o r co n se g u in te , refere-se ao c o m e ç o a b so lu to
da carreira d e Ciro. A frase em minha retidãoé apenas “ em re tid ã o ” (cf. 41.2). ( )
p ro n o m e eleé enfático: “ é ele q u e m ” . O s c o m e n ta rista s q u e e n te n d e m 43.3,4
c o m o u m a p ro m e ssa p ro m e te n d o o E g ito c o n q u ista d o r c o m o a re c o m p e n sa
de C iro tê m d ificuldade co m esse versículo. W ade re m o v e sem[...]pagamento nem
qualquerrecompensa (em b o ra sem explicar p o r q u e alg uém teria in se rid o a frase).
N o r th sen te q u e o p ro fe ta n ã o estava p re o c u p a d o c o m a c o n sistên cia; W hybray
diz q u e esse v ersículo se refere ao m o tiv o de C iro, n ã o ao q u e a co n teceu . M as
p ara in te rp re ta r 43.3 c o m o re m e m o ra n d o o ê x o d o h a rm o n iz a as d u as passa-
gens.

3. Um plano mundial, um povo central (45.14-25)


N o c e rn e d esse c o m p le x o de o rácu lo s (veja o esb o ço ) está essa im p o rta n te
seção so b re o lu g ar d e Israel n o âm ag o d o p la n o d o S e n h o r p a ra o m u n d o . A
seção, n o c o n te x to , re sp o n d e à su p o siç ã o p o r trás d o s v ersícu lo s 9-13 d e q ue
as p ro m e ssa s davídicas fo ram co n fiscad as em u m a to m a d a d e c o m a n d o g e n tio
re p re se n ta d a p o r Ciro.
A p a ssa g e m está dividida e m d u as seções (14-17; 18-25) p o r d u as fó rm u las
d e a n ú n c io (14a, 18a-g). N o versícu lo 14,' o m u n d o se vo lta su b m issa m e n te
p ara Israel; o versícu lo 15 é u m te ste m u n h o de alguém p ara q u e m os cam in h o s
d o S e n h o r, d e re p e n te , ficaram claros; e os v ersícu lo s 16 e 17 são u m a c o m p a -
ração e n tre o s idólatras c o lh e n d o v e rg o n h a e Israel re c e b e n d o salvação etern a.
E p ossív el a rra n ja r o s versículos 15-17 c o m o d u as e stro fe s d e q u a tro linhas,
m as n ã o se p o d e a firm a r q u e esse te n h a sid o o fo rm a to o riginal deles. A lo n g a
fó rm u la de an ú n c io n a fo rm a d e c re d o (18a-g) se ajusta ao te m a universal da
seg u n d a su b seção , e o s versículos 18 h-25 estã o p o s to s e m “ seq u ên cia” em que
0 te m a d o S e n h o r o a p re se n ta c o m o o ú n ic o D e u s e S alv ad o r (18h, 21 e f gh, 1

1 D o c o m e ç o a o fim d o v e rs íc u lo 14, o p r o n o m e vocees tá n o fe m in in o sin g u lar. M o w in c k e l


a lte ra -o p a ra o m a s c u lin o s in g u la r e cria u m a re fe rê n c ia a C iro . E s s a s u g e s tã o se e x tin g u e
d e c is iv a m e n te c o m a a d m is s ã o d a s n a ç õ e s q u e sã o a tra íd a s p e la p e r c e p ç ã o d e q u e D eus
está com você. N a v e rd a d e , n ã o h á q u a lq u e r p ro b a b ilid a d e d e q u e o v e rsíc u lo se re fira a C iro ,
é m u ito m ais p ro v á v e l q u e Isa ías te n h a u s a d o o p r o n o m e fe m in in o a fim d e e x clu ir e sse
e n te n d i m e n to e q u iv o c a d o . O b s e r v e q u e n o v e rsíc u lo 17, ele r e v e rte p a ra o m a s c u lin o ,
re fe r in d o - s e a Isra e l. M a s a q u i e s ta m o s n a m e s m a á re a d e p e n s a m e n to d e 2 .2 -4 , p a s s a g e m
e m q u e o S iã o a tra i as n a ç õ e s p o r s e r o c e n tr o e m q u e a p a la v ra d o S e n h o r te m d e se r
e n c o n tr a d a . O v e rsíc u lo e s tá n a tu r a lm e n te e n tr e o s p o e m a s d e S iã o fe ito s p o r Isaías.
O LIVRO DO SERVO 486

22c, 22a). É u m p o e m a v ig o ro so n o qual os p e n sa m e n to s jo rram : a sinceridade


da v erd ad e revelada d o S e n h o r (18h,19), a ig n o rân cia d o s id ó latras (20) e o
c o n v ite universal (21-25). N o e n ta n to , o b se rv a m o s a u n id ad e tem ática em que
to d o esse m aterial foi trazido: o versículo 14 (o m u n d o se v o lta p a ra Israel) e
os versículos 21-25 (o m u n d o se volta p ara o S en h or) fo rm a m u m inclusio[criar
u m a e stru tu ra a o p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a seção] p o r
m eio d o c o n tra ste ; as fo rm a s veladas d o S e n h o r (15) c o n tra sta m co m a reve-
lação p ú b lica d o S e n h o r (19); a c o n fu sã o (16) e a ig n o rân cia (20) d o s idólatras
são paralelos; e o S e n h o r é d e sc rito c o m o S alvador (15,27,21g). A s d u as seções
te rm in a m co m a salvação de Israel (17,25). A su b m issã o d o s g e n tio s ao inte-
resse de e n c o n tra r o D e u s de Israel (14) e o c o n v ite p ú b lic o aos g e n tio s para
vir p ara o S e n h o r em b u sca d e salvação (21-25), lo n g e d e serem p e n sa m e n to s
co n tra d itó rio s, fo rm a m o singular c e rn e te o ló g ico d a p assag em . O p rin c íp io é
q u e aqueles q u e d e sfru ta ria m a v erd ad e têm p rim e iro d e ser re c e b id o s e n tre os
q u e já a p o ssu e m , m as eles, u m a vez receb id o s, d e sc o b re m q u e n ã o há g rad u a-
ção d e associação, m as igualdade.’ U m a vez q u e n a é p o c a d e Isaías, o p o v o de
D eus, sua “ igreja” , era c o n stitu íd o p o r u m a nação en tre n açõ es, a e n tra d a dos
g e n tio s é re p re se n ta d a cm te rm o s típicos de en tre g a nacio n al, m as p recisam o s
ter c u id a d o para n ã o c o n fu n d ir o te m a co m a realidade.

a. A submissão gentia, a glória de Israel (45.14-17)


14 As n açõ es vêm , m as n ã o d a fraqueza, pois tra z e m riquezas c o n sig o (pro-
dutos e mercadorias) e brav u ra n atu ral (altos/ “ h o m e n s d e alta e sta tu ra ” [ARC]).
A su b m issã o deles n ã o é fictícia, m as real (eles passarãopara 0 seu lado), eles fi-
carão em seg u n d o lugar (elesa seguirão/“irão a n d a n d o atrás d e v o c ê s” [N T L H ])
to rn a n d o a si m e sm o s cativos (seguirão, acorrentados) e p re sta ra m h o m e n a g e m
voluntária (elesseinclinarão)c o m o suplicantes (lheimplorarão/“ suplicarão, far-te-ão
[...] súp licas” [TB, ARC]). P o r trás d isso tu d o está a m o tiv ação religiosa: eles
re c o n h e c em Israel c o m o o p o v o d o ú n ico D eus. E sse, c o n fo rm e a passag em
2.2-4 indica, era o m a g n e tism o q u e se p re te n d ia q u e o p o v o d e D e u s exercesse.
S o b re Egito, Etiópia e sabeus, veja 43.3. Isaías vê o fu tu ro através d o esp e c tro
d o êxodo. A s n açõ es e n tã o su b o rd in a d a s a Israel são típicas d aq u elas q u e, u m
dia, b u sc a rã o e sp o n ta n e a m e n te as b ên ção s q u e Israel tem n o S en h o r. T o d o s os
p ro n o m e s d esse versículo (p o r exem plo, para ti [ARC]) tê m p o siç õ e s enfáticas.
(passarão), a realidade da asso ciação é
A s b arreiras nacio n ais são tra n sc e n d id a s
alcan çad a (lhepertencerão) e u m n o v o estilo d e vida (aseguirão/ “ irão atrás d e ti” 1

1 A s m e s m a s id éia s d e s u b m is s ã o e ig u a ld a d e s ã o e n c o n tr a d a s , p o r e x e m p lo , n o s a lm o 47.
N o sa lm o , o s v e rs íc u lo s l - 5 < 2 - 6 > e 6 - 9 < 7 - 1 0 > , c o r r e m e m p a ralelo . N a p rim e ira seção ,
a re a le z a d o S e n h o r sig n ific a q u e “ ele s u b ju g a rá o s p o v o s s o b n ó s ” (v. 3 < 4 > ) ; n o v e rsíc u lo
p a ra le lo 8 < 9 > , o s n o b r e s d o s p o v o s se re ú n e m “ c o m o o p o v o d o D e u s d e A b r a ã o ” . O
p e n s a m e n to d e Isa ías e s tá e n r a iz a d o n a a d o r a ç ã o d e Israel.
487 ISAÍAS 4 5 .1 8 -2 5

[ARC]) é seguido. U m a vez q u e n ã o há n e n h u m a referên cia a q u a lq u e r g u erra


p reced en te, as co rre n te s sim bolizam a aceitação voluntária da c o n d ição de su-
jeitos. (Veja SI 149.8 em q u e as co rre n te s fazem p a rte da m etáfo ra de vencer o
m u n d o para o S en h o r n o co m b ate d o s santos.) A ex pressão Deus [...jdeusé 'èl
[...] ’êlõhim (cf. 44.6,17; lC o 14.24s.).
15 O s n o v o s c o n v e rtid o s, m arav ilh ad o s c o m a rev elação d e u m D e u s que
n u n c a an te s lhes ch am ara a atenção, p o d e m te r d ito isso. A ltern ativ am en te, po-
d eria se r u m c o m e n tá rio de Israel à luz d o s ev en to s: q u ã o v elad o s estã o d e fato
os p ro p ó s ito s d e D e u s q u a n d o a su b m issão fo rçad a de Israel ao g e n tio C iro
n ã o p assa de u m véu passageiro so b re a v erd ad e su p re m a d a su b m issã o g entia
a Israel! Q u e m além de D e u s p o d ia tra z e r os g e n tio s p a ra Israel ao p a re c e r fazer
o in v erso ? A ex p ressão Deus eSalvadordeIsraelin te rp re ta e q u iv o c a d a m en te a ex-
p re ssã o “ D e u s de Israel, S alvador” . Seja q u e m fo r o lo c u to r n esse versículo, o
S e n h o r revela sua q u alidade de salvador ao re u n ir o s g en tio s; é a salvação deles
que p ro v o c a o c o m e n tá rio d e esp an to .
16,17 E sse s versículos fo rm a m um re su m o de e n c e rram e n to . O s te m p o s
p e rfe ito s d e c e rte z a declaram que osquefasçemídolos“ e stã o c o n d e n a d o s a c o lh er
v e rg o n h a e d e sg ra ç a ” . N ã o p o d e ser d iferen te; existe ap en as u m D e u s (14) e
S alvador (15). O te rm o firim (ídolos) é só e n c o n tra d o em S alm os 4 9 .1 4 < 1 5 > ,
passagem em q u e é tra d u z id o p o r “ a p arên cia” , o u seja, a ap arên cia ex tern a
de um a pesso a. E m o u tra s palavras, os íd o lo s n ã o são n a d a m ais q u e a fo rm a
ex terna. O v e rb o cairãoé o m e sm o de eles0 seguirão/“ irão atrás d e ti” n o versícu-
lo 14. E sse s são d e stin o s alternativos, c o n d ic io n a d o s a se r ju n ta d o s ao p o v o d o
S e n h o r o u aos ídolos. A c o n ju n ç ã o mas an tes de Israeld ev eria ser o m itid a. Isaías
te rm in a c o m duas d eclarações ju sta p o sta s sem q u a lq u e r p a rtíc u la d e conexão.
O g ra n d e n o m e de Israel deve ag o ra incluir os salvos d o m u n d o g entio. O elo
en tre Salvador{15) e salvo[...]salvação (17) exige isso. A referên cia m ais estreita,
exclu in do a d im e n sã o universal, seria inadm issível. (O m e sm o se aplica ao ver-
sículo 25.) E ssa salvação é (i) pelo Senhor, (ii) eterna na d u ra ç ã o e (iii) n ã o p o d e
ser p erd id a, p o is exclui, em pé de igualdade eterna, a v e rg o n h a {envergonhados) e
a d esg raça ( constrangidos) q u e foi a p o rç ã o d o s q u e se ap eg aram a o u tro s deuses.

b. A s a lv a ç ã o g e n tia , a g ló r ia d e Is ra e l (4 5 .1 8 -2 5 )
E sses versículos falam d o S e n h o r n a criação (18), n a revelação (19), na
salvação (20-22) e n a afirm ação (23-25).
18 O pois inicial d esse versículo to rn a essa seg u n d a seção u m a explicação
da p rim eira e, em p articular, d a o b se rv a ç ã o d e salvação m u n d ial, a “ Israel m u n -
dial” em q u e a seção conclui. Q u a tro v erb o s d escrev em a o b ra d o C riad o r: ele
iniciou {criou), m o d e lo u {moldou, c o m o um oleiro) até q u e tu d o estivesse feito
{fes/)e c o n c e d e u estabilidade {fundou) à o b ra concluída. O valor c o m p ro b a to rio
O LIVRO DO SERVO 488

d a o b ra d a criação é q u e eleéDeus (SI 96.5). A g o ra Isaías re p e te d o is d o s verbos.


A o b ra d e criação n ã o re su lto u em ausência d e se n tid o (vatçia, tõhu; cf. 24.10);
antes, o q u e D e u s e n c o n tro u sem se n tid o ele m o d e lo u p a ra ser u m m u n d o de
p esso as (paraserhabitada). A ssim , as pessoas d o m u n d o estão n o p ro p ó s ito do
ú n ico D eus.
19 A clareza da palavra d o S e n h o r é o a ssu n to d esse versículo. O S en h o r,
em u m a gentil re p rim e n d a ao e sp a n to d e Israel em u m D e u s “ q u e se e sc o n d e ”
(isãtar) (15), insiste q u e ele n u n c a falou secretamente (sèter, “ o c u lto ”) d e m o d o
numa
q u e su a palavra n ã o estava p u b lic a m e n te disp o n ív el e ta m b é m n ã o estav a
terradetrevasem q u e é fácil p e rd e r o cam in h o , o u seja, su a p alav ra é clara e n ã o é
in trin sic a m e n te in co m p reen sív el. E la, co m c erteza, n ã o d e se n c a m in h a n e m lida
co m o rd e n s o u p ro m e ssa s e n g an o sas seg u n d o as quais as p esso as q u e a seguis-
sem acab ariam p o r te rm in a r em u m la b irin to de “ falta de se n tid o ” (tõhu,à toa).
A palavra d o S e n h o r n ã o é areia m ovediça, m as te rra firm e. E le fala verdade/
“ justiça” (A RC) e 0 queécerto/“ as coisas re ta s” (ARC) / “ q u e é d ire ito ” (ARA).
0 p rim e iro é o c o n te ú d o d a palavra divina (a verd ad e em c o n fo rm id a d e com
u m a n o rm a absoluta); a seg u n d a é a ex p ressão clara e sem d u p licid ad e d a ver-
dade. O elo verbal co m o v ersículo 15 faz tu d o isso se refe rir em p a rtic u la r à
v erd ad e d a e sp e ra n ç a gentia.
20,21 A in te rp re ta ç ã o d esses do is versículos d e p e n d e d o n o sso en ten d í-
m e n to d a ex p ressão fugitivosdasnações(20) e de istona frase quem ¡...¡predisseisto
(21). A o p in iã o c o m u m é q u e o s fugitivossão os q u e so b rev iv eram às co n q u istas
d e C iro e, p o r isso, estavam em co n d iç ã o d e avaliar o q u e o S e n h o r fizera, e
q u e o te rm o isto se refere à carreira d e C iro, pela p re v isã o d a qu al o S en h o r
d e m o n s tro u sua d iv in d ad e única. T u d o isso, é claro, se ajusta ao a m p lo m ovi-
m e n to d esses versículos em Isaías,1 m as se ajusta m al ao c o n te x to im e d ia to e à
e stru tu ra p a rtic u la r de 44.24— 48.22.
C iro, n o s c a p ítu lo s cen trais d a seção (45.9— 46.13), fico u n o se g u n d o pia-
no, e a p re o c u p a ç ã o d e Isaías é q u e Israel seja cap acitad a a v er o e v e n to C iro no
c o n te x to d o s p ro p ó s ito s universais e e te rn o s d o S en ho r. O c o n te x to im ed iato
foca esses p ro p ó s ito s à m e d id a q u e eles to c a m a salvação d o s g en tio s. C o n -
fo rm e o b se rv a m o s, os versículos 14-17 e 18-25 c o m p a rtilh a m esse tem a, m as
de p ersp ectiv as distintas. O s p rim eiro s versículos fo ram escrito s d o p o n to de
vista d e Israel (a cen tralid ad e de Israel asseg u rad a pela ap ro x im ação subm issa

1 O s d e f e n s o r e s d a h ip ó te s e D e u te ro is a ía s tê m d ific u ld a d e e m e n c o n t r a r p ro fe c ia s a n te rio -
re s p a ra ju stific a r o q u e é d e c la ra d o a q u í, s u s te n ta n d o c o m o s u s te n ta m q u e a re fe re n c ia c
a C iro . N o r t h te m e m m e n te o c a p ítu lo 13 (q u e ele n e g a s e r d e Isaías); W h y b ra y re c o rre
a J r 3 0 .3 ; 3 1 .8 . N a v e rd a d e , n ã o h á o u tr a s p ro fe c ia s q u e sa tis fa ç a m b e m e ssa n e c e ssid a d e .
Isa ías 13 se ria a m e lh o r, m a s as p a s s a g e n s d e Je re m ia s s ã o a b r a n g e n te s d e m a is. Λ q u e s tã o
n o v e rsíc u lo 21 e x ig e d e ta lh e — o n o m e , a o rig e m , a c a rre ira , a v itó ria d o c o n q u is ta d o r
— e a c o r o a ç ã o s u rp re s a d a lib e rta ç ã o d o s d e p o r ta d o s .
489 ISAÍAS 4 5 . 1 8 - 2 5

d o s g e n tío s c o n fo rm e en trav am na b ê n ç ã o da salvação), e os ú ld m o s fo ram


escrito s d a p ersp ectiv a d o s g e n d o s (para os g a ra n tir d a realidade e coig u ald ad e
d e sua m em b resia). A m e n o s q u e d iv o rciem o s o s versículos 20 e 21 d esse co n -
tex to, e n tã o o s fugitivossão aqueles q u e vieram p a ra Israel a fim de e n c o n tra r o
S e n h o r, e sc a p a n d o assim d o d e sd n o q u e aguarda os idólatras, e o te rm o istose
refere à d e te rm in a ç ã o d o S e n h o r de to m a r um p o v o universal p ara si m esm o.
( ) c u m p rim e n to d essa p re d iç ã o revela a realidade d e sua d iv in d ad e c o m o D eu s
salv ado r (21), fo rn e c e o alicerce para a o rd e m se v o lta r d o s confinsda terrae ser
salvos(22) e p re p a ra p a ra a afirm ação d o s versículo s 23 e 2 4 b e p ara a co n clu são
(24c,25). O s versícu los 20 e 21, n a fo rm a , são um a c o n te c im e n to de co rte. A
c o rte é c o n v o c a d a para o rd e n a r (20ab), o p o n to a se r c o n te sta d o n a lei é decía-
rad o (20cd), a evidência é exigida ·— o a rg u m e n to da p re d iç ã o e d o c u m p rim en -
to (21a-d) — e o v ere d ic to é an u n c ia d o (21e-h). O b s e rv e q u e a q u e stã o n ã o é
m ais a d iv in d ad e c o m o tal, m as o n d e é possível e n c o n tra r u m D e u s salvador.
20 O T M a crescen ta “ to d o s ” (yahdàw)' a reúnam-se. O te rm o fugitivos(pãfít,
“ fo ra g id o s” ; cf. G n 14.13) sugere perigo, aqui o p erig o d e se d eix ar ficar na ido-
latría e “ se r [...] e n v e rg o n h a d o s” (16) e ficar so b a h o stilid ad e divina (42.13,17).
A palavra ignorantes, c o m o em 44.9,18, é “ [eles] n ada sa b e m ” : a falsa religião
p ro d u z cegueira m ental. A e x p ressão levam de um ladopara 0 outro se refere à
ex p o sição de imagensdemadeiranas p ro c issõ e s religiosas em ocasiõ es d e g ran d es
festas, m as o p e n s a m e n to d a im ag em ser carreg ad a ta m b é m su g ere im p o tên cia
(cf. 46.1-7). A frase imagens de madeira/ “ im agens d e e scu ltu ra” (ARC) en fatiza
a n a tu re z a d o m aterial d esses “ d e u se s” . N o te rm o deuses/ “ u m d e u s” (ARC),
o p ro n o m e ’ê/ é e sc o lh id o p o r iro n ia — “ alguém tra n sc e n d e n te q u e n ã o co n -
segue salvar!” A ex p ressão nãopodem salvarestá ligada ao su b sta n tiv o c o m o um
a trib u to , o u seja, (lit.) “ n ã o salvífico” , m as m ais e x a ta m e n te “ são caracterizad o s
pela in cap acid ad e p ara salvar” , em o u tra s palavras, essa in cap acid ad e n ão é um
lapso, m as um d e fe ito inerente.
21 O s v e rb o s são a b ru p to s, apenas “ d e c la re m ” , “ a p re s e n te m /c h e g a i-v o s ” .
A N V I e n te n d e co m a c e rto q u e a evidência a ser a p re se n ta d a to c a n a habilidade
p ro fética, m as as p alavras (po ssiv elm en te um u so co n v e n c io n a l n a co rte) ape-
nas c o n v id a m à ap re se n ta çã o d o caso. A e x p re ssã o queeles...é p re c e d id a d e ’«/?,
a p a rtíc u la irô n ica (“ q u e eles ju n ta m e n te se a c o n se lh e m ”), c o m o se de re p e n te
os réu s tivessem p e rc e b id o a situação d c sc sp e ra d o ra d o caso deles e p ed issem
um a d ia m e n to p ara o rg a n iz a r as idéias! S o b re istoveja a n o ta acim a so b re os
v ersículos 20 e 21. N ã o p recisam o s o lh a r m ais q u e o p ró p rio Isaías para a pre-
d ição d a c o n g re g a ç ão coigual d o s g e n tio s (2.2-4; 9.1 < 8 .2 3 > ; 11.10; 10.23-25;
25.6-9; 27.13; 42.1-4), m as o assunto, em essência, re m o n ta às p ro m e ssa s abraâ- 1

1 E m v e z d e y a h d ã w , Q " o f e re c e w '‘ejayít (“ e v e m ”). U m b o m p a ra le lism o , m as, d e a c o r d o


c o m N o r t h , “ n ã o d e v e s e r p r e f e r id o ” .
O LIV RO DO SERVO 490

m icas (G n 12.1-3; 22.18). A frase um D eus justo, d e a c o rd o co m o versícu lo 9, é


u m D e u s em cuja palavra é possível confiar. N o e n ta n to , é m u ito m ais q u e isso:
u m D e u s se m p re v e rd a d e iro c o n sig o m esm o , n ã o m e n o s n o s p ro p ó s ito s da
criação in d icad o s n o versículo 18 e em seu âm ago , ag ind o de u m a m an eira q ue
satisfaz a p ró p ria san tid ad e de sua m o ra l (cf. 1.27; 4.4).
22 N ú m e ro s 21.8,9 n ã o usa o m e sm o v e rb o d a frase voltem-se para mim, m as
ilustra p e rfe ita m e n te a in te n ç ã o da frase. Λ ex p ressão sejam salvos é u m im pera-
tivo e x p re ssa n d o a certeza d o re su lta d o d o ato, “ e sua salvação, c o m certeza,
estará além d e q u a lq u e r d ú v id a ” . O se n tid o da frase todos vocês, confins da terra n ão
p o d ia se r co lo cad a d e fo rm a m ais clara q u e p o r S ch o o rs (que su b se q u e n te m e n -
te a rg u m e n ta c o n tra sua relevância universal): “A salvação d e Israel n ã o é vista
ap en as p elo m u n d o , c o n fo rm e d ito em o u tra s p eríco p es, m as o m u n d o to d o
m e sm o seria co n v id a d o a se r salvo. E sse é o se n tid o m ais ó b v io d o te x to ” .1 O s
fugitivos n ã o são um g ru p o re strito ; q u a lq u e r u m q u e q u ise r p o d e esc a p a r d o
p erig o d a idolatria e e n c o n tra r a salvação ao “voltfarem -se] p a ra ” o S en h o r. A
salvação está fu n d a m e n ta d a n o m o n o te ísm o : pois eu sou D eus Çêf). E m c o n tra ste
co m o ’<?/ qu e é n ã o salvífico (20d), aqui se trata de u m D e u s cuja n a tu re z a inclui
salvação.
23 A frase por m im mesmo euju re i tem de se r to m a d a p alav ra p o r p alav ra da
p ro m e ssa abraâm ica (G n 22.16). A ex p ressão minha boca é (lit.) “ u m a palavra
saiu d a m in h a b o c a ” . D a m esm a m an eira q u e a frase “ v iram c o m seus p ró -
p rio s o lh o s” (D t 4.3) é “ ver p e sso a lm e n te o u p o r si m e sm o ” , ta m b é m “ a m in h a
b oca p ro n u n c io u ” é fazer u m a declaração pessoal, “ falo p o r m im m e sm o ” . A
ex p ressão com toda a integridade é “ [em] ju stiça” (ARC). U m a vez q u e aqui, no
h ebraico , n e n h u m a p re p o siç ã o é expressa, “ ju stiça” (ARC) p o d ia ser o sujeito
d a sen ten ça em ap o sição à “ palavra” . A ssim , significaria “ u m a v erd a d e ab so lu -
ta ” (cf. v. 19). N o e n ta n to , é provável q u e seja m e lh o r e n te n d e r o su b sta n tiv o 1

1 A . S c h o o r s I am Godyour Savior: A form-critical Study of the Main Genres in Isaiah xl-lv, V T S24
(1 9 7 3 ), p. 2 3 -2 6 . M u ito s e s tu d io s o s c o n c o r d a m q u e a p e s a r d a s p a la v ra s p a r e c e r e m in d ic a r
u m p r o p ó s ito sa lv ífic o u n iv e rs a l, isso é in a d m issív e l. O s m o tiv o s p a ra e ssa p e rc e p ç ã o sã o
q u e a sa lv aç ão u n iv e rs a l n ã o é e v id e n te e m o u tr o s tre c h o s d o s c a p ítu lo s 4 0 — 55, e q u e ,
n o v e rsícu lo 2 4 , o s in im ig o s d e Isra el e s tã o d e s tin a d o s à v e rg o n h a e m c o n tra s te à salvação
d e Israel (25). M as Isaías p e n s a m u ito n a salv ação d o m u n d o (cf. s o b r e 4 1 .2 1 — 42.17). N ã o
re p o u s a a p e n a s c m v e rsícu lo s in d iv id u ais, m as m u ito m ais n a fo rça p r o p u ls o ra d o a rg u m e n -
to to d o . E m 5 2 .1 0 , o s “ c o n fin s d a te rra ” (a ú n ica o u tr a o c o rrê n c ia d a frase e n c o n tra -s e n o s
c ap s. 40 — 55) s ã o c o n v id a d o s a o b s e r v a r o s a to s sa lv ífic o s d o S e n h o r, n ã o c o m o u m a to
c ru e l d e d a r á g u a n a b o c a d e le s, m a s c o m o u m a p re lim in a r d o c o n v ite u n iv e rs a l d e 55.1.
A lé m d isso , fica c la ro n a p r e s e n te p a s s a g e m q u e a q u e le s q u e “ c o n te n d c f m ] ” (9) r e p re s e n -
ta m a p e n a s u m a s e ç ã o d o m u n d o g e n tio ; h á ta m b é m a q u e le s q u e b u s c a m a D e u s (14) e o s
q u e fo g e m (20). C o m re la ç ã o a “ Isra e l” (1 7 ,2 5 ), S c h o o rs fa lh a e m v e r q u e a in te r p r e ta ç ã o
n a c io n a l d e s tr ó i t o d o o m o v im e n to d o p e n s a m e n to n o s v e rsíc u lo s 1 4 -1 7 e 18-25.
491 ISAÍAS 4 5 . 1 8 - 2 5

a d v erb ialm en te c o m o u m a palavra investida de to d o o ca rá te r ju sto d o S enhor.


A p alavra q u e não será revogada (cf. 55.11) é c o m o u m em issário ativo q u e n ão
falha em c o m p le ta r a tarefa d esignada a ele. S o b re diantedemim todojoelho, W es-
te rm a n n c o m e n ta : “A m u d a n ç a crucial é feita n o c o n c e ito d o p o v o de D e u s [...]
0 ro m p im e n to final [...] e n tre o p o v o de D e u s e q u a lq u e r fo rm a de existência
co m u m a en tid a d e política [...]. A [m em bresia] se fu n d a m e n ta n a livre co n fissão
d aq u eles q u e d e sc o b rira m q u e apenas ele é D e u s ” . O s q u e tem iam q u e o an tig o
m o d e lo fosse q u e b ra d o (9) eram justificados em seus m e d o s — m as o n o v o
m o d e lo é m u ito m ais glorioso. A s evidências de m e m b re sia são a a d o ração
('joelho) e a co n fissão [língua).
2 4 a b O v e rb o dirá (ARC) está n o singular e p ro v a v e lm e n te é distrib u tiv o ,
co m o se n tid o d e “ cada u m d irá ” , o u in d efin id o , c o m o se n tid o d e “ alguém
línguaq u e co n fe ssa d o versícu lo 23. A palavra jus-
d irá ” / “ será d ito ” .1 E ssa é a
tiçaé u m p lural de am plificação co m o se n tid o d e justiça p len a o u verdadeira.
N o v ersículo 19, o te rm o “ c e rto ” significava “ verd ad e fidedigna, ab so lu ta ” ,
m as n o s versículos 21 e 23, ela re p re se n ta a n o ç ã o m ais p ro fu n d a d o caráter
ju sto de D eus. O plural exige p len itu d e d e sen tid o , o u seja, tu d o q u e to rn a a
p esso a c e rta co m D eu s, c o n h e c e n d o sua verd ad e e c o n fo rm id a d e a seu caráter
e exigências. A suficiência d o sim ples g e sto de o lh a r para ele (22), tu d o que
p recisam o s está somentenoSenhor. S o b re a im plicação d e “ ju stiça” im p u ta d a veja
53.11. O efeito e x te rn o secu n d ário à realidade in te rio r d a justiça é a força para
virãoa eleé u m v erb o
viver p o r in te rm é d io d essa n o v a relação c posição. A frase
a
singular q u e vem im ed iatam en te d e p o is de “ justiça e fo rç a ” . A p re p o siç ã o
Çad) significa “ até ” e seria um uso e stra n h o cm relação àqueles q u e 0 odeiam,
m as é relevante em relação a cada u m q u e c o n h e c e sua justiça e força: “ até ele
cada um irá” (cf. 6.8). A salvação inclui reconciliação e acesso.
2 4 c -2 5 O te rm o mas na ex p ressão mas noSenhor(25) devia se r o m itid o . E ssa
seção, c o m o co m os versículos 14-17, te rm in a co m du as d eclaraçõ es ju stap ô s-
tas sem u m a p a rtícu la de ligação: “T o d o s o s q u e o o d eiam v irão a ele e serão
e n v e rg o n h a d o s [cf. v. 16); n o S en h o r, to d a se m e n te de Israel será justa e louva-
rá [cf. v. 17]” . O reflexivo “ o d e ia m ” indica q u e a ligação deles co m a idolatria
(16,20) n ã o era u m acid en te infeliz de n a sc im e n to o u um m e ro c o n fo rm ism o ,
m as um c o m p ro m isso decisivo en v o lv e n d o a n im o sid ad e em relação a q u alq u er
co n trad eclaração . U m a relevância m e ra m e n te n acion al de Israeln ã o faria senti-
d o p ara o a rg u m e n to to d o d essa p assagem . O n o m e h o n ra d o , c o m o n o versí-
culo 17, ag o ra lança seu m a n to so b re u m a c o m u n id a d e co n fessio n al m u n d ial
(veja W e ste rm a n n acim a, so b re o v. 23). A palavras descendentes/ “ se m e n te d e ”

1 S ã o p r o p o s ta s m u ita s a lte ra ç õ e s n o v e rs íc u lo 24 . I im v e z d e Wãmar (“ d e m im c a d a u m


a firm a ”), Q* tra z fíyê'ãmêr (“ d e m im s e rá d i to ”), e a L X X a p o n ta p a ra lê'mor (“ d i to ”).
B H S a d o ta a L X X , e n q u a n to N o r t h d iz q u e isso “ d ific ilm e n te in s p ira c o n f ia n ç a ” .
O LIV RO DO SERVO 492

(TB) ind icam a realidade e igualdade d e m e m b re sia e casam c o m a e x p ressão


“ n ascid o e m ” de S alm os 8 7 .4 -6 < 5 -7 > . O voltar-se para o S e n h o r (22) co n fe re
direito s de n a sc im e n to (cf. G1 3.7,29). C o m p a re justos (Skinner, “ d e sfru ta m de
ju stiça”) c o m justiça n o v ersículo 24. O b je tiv a m e n te , ju n to co m o d o m d a jus-
tiça veio a força para viver d e a c o rd o co m esse p a d rã o (24); su b jetiv am en te, o
d e sfru ta r d e justiça (25) resulta em “ lo u v o r” respon siv o.

4 .0 povo rebelde: o Senhor inflexível (46.1-13)


A c ro n o lo g ia d a “ n arrativ a” de Isaías se desenvolve. A B abilô n ia (cf. 43.14)
está ag o ra em p erig o im in e n te (1), co m seus deu ses se n d o retirad o s. Israel tam -
b é m m u d a — para p io r: as queixas de 45.9-14 se tra n sfo rm a ra m em rebelião
(8). O p o v o é te im o so e está lo n g e d e ser ju sto (12). M as a p esar d e o S e n h o r ser
inflexível em relação ao q u e d e te rm in a q u e seja feito (10,11), ta m b é m é inflexí-
vel em seu c o m p ro m isso c o m seu p o v o (3,4).
E sse é u m p o e m a v ig o ro so div id id o em cin co seções, b a se a d o prin cip al-
m e n te em u m a ex p ressão id io m ática de co n traste:

A O s deu ses são um fard o (1,2)


B O D e u s q u e carreg a o fa rd o (3,4)
C A c o n fe c ç ã o de deuses, fard o s sem p o d e r salvífico (5-7)
D O fazer de D e u s (8-11)
E O D e u s salv ad o r (12,13)

A seção A e B são ju n tad as p elo v o cab u lário em c o m u m (carregar, sal-


var; “ p e sa d a s” (lc ) e “ s u ste n ta d o ” (3c) são a m esm a palavra) e u m a teo lo g ia
c o n tra sta n te . A s seçõ es B e C têm palavras em co m u m : “ c a rre g a d o ” (3d) e
“ e rg u e m ” (7a) são a m e sm a palavra, e ta m b é m o são “ su ste rá ” (4b) e “ carrc-
g a m ” (7a); o v e rb o fazer (ARA) o c o rre n o s versícu lo s 4c e 6c. N o e n ta n to , o
p rin cip al elo das seçõ es é o tem ático. A descrição d o carre g ar d e D e u s (3,4) leva
à q u e stã o (5a) d e a q u e m esse D e u s se assem elharia. A seção C fala d e fazer um
D eu s Çêt) e a D de u m D e u s Çêt) q u e faz (“ farei”) o q u e lhe ag rad a (6c, lü d ).
D a p ersp ectiv a tem ática, as seções C e D são un id as pela o rd e m “ le m b re m -se ”
(8a), q u e surge d o s versículos 5-7. A associação e n tre as seçõ es E e ta n to B
q u a n to C c o m p le ta m o p o e m a . O te rm o “ e sc u te m -m e ” o c o rre em 3 ab e 12ab,
e ta m b é m h á o c o n tra ste e n tre os deu ses que n ã o p o d e m salvar (7e) e o D eu s
co m u m p ro p ó s ito salvífico (13cd).

Os deuses são um fardo (46.1,2)


C ada versícu lo c o m eça c o m o s m e sm o s dois v e rb o s a rra n ja d o s em um
quiasm a. O versícu lo 1 lida co m a q u e d a d o s deu ses c o m o e sto rv o s e fard o s; o
v ersículo 2, c o m a ex p o sição d o s d euses c o m o inúteis e im p o te n te s.
493 ISAÍAS 4 6 .1 1 3 ‫־‬

1 R eí (M anduque) era a cid ad e-d eu s d a B abilônia e o p rincipal d o p a n te ã o


b abilô nio. Nebo (filho de Bel) era a cid ad e-d eu s d e B o rsip a, p e rto d a B abilô-
nia, e o d e u s da escrita e da sabedoria. Sua im ag em era trazid a to d o s os an o s
p a ra a B abilônia a fim de a c o m p a n h a r seu pai n a p ro c issã o d e Λ η ο N o v o e
escrev er nas T áb u as d o D e stin o a sina d e c re ta d a p elo s d eu ses p a ra o a n o p o r
vir. N ebo aparece em n o m e s c o m o N a b u c o d o n o s o r e N a b o n id o , m o stra n d o a
h o n ra especial q u e tin h a n a casa real. O p a tro n a to d esses d eu ses é inútil ta n to
para o rei q u a n to para a cidade; os q u e escrev em o d e stin o d a cid ad e são as p ró -
prias v ítim as de seu destino! E m 703, q u a n d o S en aq u erib e a taco u a B abilônia,
M ero d aq u e-B alad ã o rg a n iz o u apenas u m a evacuação d e d eu ses c o m o essa.1
A ssim , Isaías, c o n tra o p a n o d e fu n d o de seu p ró p rio te m p o , re tra ta o fu tu ro de
fo rm a im aginativa. N ã o sa b e m o s se os deu ses fo ram ev acu ad o s an tes d e Ciro,
m as o p ro p ó s ito d e Isaías n ã o é descrever, m as expor. A d eclaração d e C iro
d e su b m issã o a M ard u q u e ap ó s c a p tu ra r a B abilô n ia2 é tão in sin cera e irônica
q u a n to sua d ev o ção ao S e n h o r em E sd ra s 1.2. É o p ra g m a tism o calcu lad o de
um so ld a d o tra n s fo rm a d o em p olítico p ara q u e m a religião n ã o era m ais que
o u tra alavanca para o p o d e r (co m o o p e c a d o d e J e ro b o ã o ; lR s 12.25ss.).
2 0 v e rb o abaixam é um te m p o p erfeito ; inclinam é u m p articipio. Isaías
a d o ta o papel de um co m en tarista: “ Bel se inclina, N e b o (m esm o agora) se
ab aix a” . Seus ídolos são carregados p o r/ “ estã o e n tre g u e s” (TB) à p o sse d e animais de
carga (cf. 2.20). Seus ídolos são carregados/ “ suas coisas c a rre g ad a s” (nas p ro cissõ es
religiosas) são um fa rd o /“c a rre g a d o s” (Ί Sim as‫׳‬, cf. v. 3c). Sem p o m p a ag o ra, ape-
nas “ p a c o te s d e d e u s” ! (3 te rm o exaustos é u m to q u e eficaz! U m a im ag em vene-
rável c im p re ssio n a n te , até m e sm o am e a ç ad o ra ,3 m as n ão so b ra m u ito m istério
q u a n d o até m e sm o os anim ais de carga ficam e x au sto s de carregá-los. U m a
vez q u e Bel e N e b o eram deuses p a tro n o s, o fardo devia se r re sp o n sab ilid ad e
deles co m a casa e a cidade reais, fard o esse q ue, q u a n d o a crise o s alcançou,
d esc o b riu -se q u e eles eram incapazes d e liberá-los desta. M as é m ais provável
q u e o fardo seja o p ró p rio íd o lo carre g ad o so b re os anim ais. A lém d a im agem ,
n ã o h á d eu s invisível, nada, p o rta n to , para in te rv ir e salvar o o b je to sag rad o (cf.
Jz 6.30,31).

1 E . S c h ra d e r, The Cuneiform Inscriptions a nd the O ld Testament (W illiam s e N o r g a te , 1 885), vol.


2, p. 3 6 .
2 O C ilin d ro d e C iro , u m d o c u m e n to p u b lic itá rio e s c rito c o n tr a o p a n o d e fu n d o d a aliena-
ç ã o d o s s a c e r d o te s d e M a rd u q u e p o r p a r te d e N a b o n id o (o ú ltim o i m p e r a d o r b a b ilô n io ),
re g is tra C iro c o m o a g e n te d e v in g a n ç a d e M a rd u q u e . E s te , p a ra p u n ir N a b o n id o , “ m a-
p e o u : [...] t o d o s o s p a ís e s (...) p o r u m g o v e r n a n te ju s to (...) p r o n u n c io u o n o m e d e C ir o (...)
g o v e r n a n te d o m u n d o ” . M a s M a rd u q u e , a o c o n tr á r io d o S e n h o r, g u a r d o u t u d o isso p a ra
si m e s m o a te d e p o is d o e v en to !
‫ י‬C f. as e s tá tu a s d a ilh a d e P á sc o a , veja T. H e y e rd a h l, A k u A k u (P e q u im , 1960).
O LIV RO DO SERVO 494

O Deus que sustenta o fardo (46.3,4)


3 Isaías refere-se aqueles q u e so b reviveram ao cativeiro na é p o c a d e Ciro.
A frase a quem tenho sustentado é “ a q u e m te n h o c a rre g ad o [sobre m im |” . N o
v ersículo 1, os d eu ses fo ram “ levados” p o r anim ais, q u e g e m e ra m so b o p e so
d o s deu ses; aqui as p esso as são carregadas p o r seu D e u s, q u e aceita o fardo. A
ex p ressão tenhocarregadoé “ são c a rre g ad o s” .
euossustentarei, o eu,ao lo n g o d esse versículo, é en fá tic o
4 E x c e to n o caso d e
(“ eu m esm o ...”). A N V I altero u a o rd e m d o I'M ; é (lit.) “ m e sm o na sua velhice,
q u a n d o tiverem cabelos b ran co s, so u eu aquele, aq uele q u e o s su ste rá ” . S o b re
soueuaqueleveja 41.4. Se há um a d iferen ça e n tre suster¿/“ c a rre g ar u m fardo, so-
b re o o m b ro s ” (\sãbal) e levarei((nãsa’), e n tã o o p rim e iro significa su b m e te r-se
a c arreg ar e o ú ltim o lev an tar u m p e so (cf. 53.11,12). O v e rb o aqui se refere
à o rig em d a n a ç ã o na m ã o d e D e u s (cf. 43.7; 44.2) e isso soa c o n s ta n te m e n te a
n o ta de c o n fo rto . A existência das p esso as d e p e n d e d o S en h o r, p o rta n to , eles
p e rm a n e c e m a m e n o s q u e ele m u d e de ideia, m as “ eu sereio m e s m o ” (ARC).
O v e rb o salvareié c o o rd e n a d o c o m o v e rb o sustentarei(“ o m b r o ”), c o m o se dis-
sesse q u e o salv am en to n ã o é um e sfo rç o o u a to sep arad o , m as faz p a rte d o
serv iço a u to m a tic a m e n te tra d u z id o p elo a to de D e u s, o a to d e carre g ar o fardo.

Os deuses feitos: fardos sem poder salvífico (46.5-7)


5 O te rm o compararp o d e ría ser u sa d o p a ra a sem elh an ça facial d e u m filho
co m o pai e, p o r c o n se g u in te , a p o n ta para “ sem elh an ça em g eral” . O v e rb o me
assemelharão significa “ ser igualado, em te rm o d e igualdade c o m ” c, p o r isso,
indica a p ró p ria igualdade de p o sição , capacidade, etc. A palavra compararé, usa-
d a para ex trair as sim ilaridades e n tre as coisas (u san d o u m a coisa c o m o um a
“ p ará b o la ” de o u tra p o r causa de u m e le m e n to em c o m u m em cad a u m a delas).
P o rta n to , o p o n to seria o S en h o r, d e u m m o d o geral, se m e lh a n te a q u alq u er
o u tro deus? E x iste o u tro q u e é ex a ta m e n te igual a ele? Será q u e ele tem se q u e r
algo em c o m u m c o m o s d ito s deuses?
6 A s ex p ressõ es derramam ouro e contratam um ourives referem -se à o rig em
d o s “ d e u se s” n o s recu rso s e habilidades h u m a n o s. Iro n ic a m e n te, o te rm o ‫־‬ê/,
a m ais tra n sc e n d e n te s das palavras para deus, é u sa d o co m o v e rb o “ tra n sfo r-
m a r” ! A palavra adoram é p re c e d id a pela p artícu la de iro n ia ’ap: “ In clin am -se e
o a d o ra m ” .
7 A ex p ressão embora alguém 0 invoqueé o u tro v e rb o p re fa c iad o c o m a p artí-
cuWap. P o rta n to , a ê n fase n ã o está n o fato de a o ra ç ã o ficar sem re sp o sta , m as
n o a b su rd o in e re n te d e se q u e r se p e n sa r em o ra r para um a “ co isa” q u e p recisa
ser peg a, carreg ad a, p o sta n o lugar, etc.
495 ISAÍAS 4 6 .I - 1 3

A feitura de Deus (46.8-11)


Isso p ro v a ser o apelo final de Israel p a ra aceitar a v o n ta d e d o S en h o r, para
a cred itar n o q u e ele diz e c o n fia r n o q u e ele faz, a p e sa r d e ele sen tir, e n q u a n to
faz seu apelo, q u e este cai em o u v id o s m o u c o s (12). E le c h a m a -o s a a d o ta r
um a p e rc e p ç ã o teológica da história, e n te n d e n d o o p re se n te e o fu tu ro à luz d o
p assad o , re c o n h e c e n d o a co n tin u id a d e da ação d o ú n ico D e u s, cu jo “ a m o r em
te m p o s p a ssa d o s m e im p e d e de p e n sa r que, en fim , ele m e a b a n d o n a rá ” .1
8 S o b re lembrem-se disto cf. 44.21. E difícil para o p o v o d e Isaías aceitar a
fo rm a d e lib ertação q u e n ã o resolve o p ro b le m a básico d a in d e p e n d ê n c ia na-
cion al e d a restau ração davídica (cf. 45.9ss.). O ap elo de Isaías é para q u e eles
exercitem sua m e n te , em vez d e a p o n ta r para o reg istro d o S e n h o r q u a n to ao
c a rre g ar e cuidar. A pesar de eles n ão e n te n d e re m o q u e ele está faz e n d o n o pia-
n o C iro, eles o co n h ecem ! S en tid o s c o m o “ sejam firm e s” (“ e fiq u em firm es”)
o u “ seja o b e d ie n te ” são sugeridos para a expressão gravem-no na mente ( ( 'asas). A
in te rp re ta ç ã o m ais antiga, “ ajam c o m o h o m e n s, ajam ra c io n a lm e n te ” , relacio-
n a o v e rb o co m o su b sta n tiv o *Is(“ um h o m e m ”). S im o n co rrig iría2 p ara te r o
se n tid o d e “ e co n fe sse sua cu lp a” , q u e se ajustaria à p re se n te ên fase n a rebelião
e o b stin a ç ã o (12).
9 As coisaspassadassão a c o n d u to d o S en h o r co m seu p o v o ao lo n g o da his-
tória deles. A validade desse apelo está nas linhas b e c, c o m e ç a n d o co m “ p o is”
(C N B B ). O D eu s q ue agiu dessa m aneira ainda é o m esm o. O p rim eiro Deus Çèí)
é D e u s em glória e p o d e r tra n sc e n d e n tes, e o se g u n d o ÇHõHim) é D e u s n a ple-
n itu d e d o s a trib u to s divinos. E le é o ú n ic o D e u s ( não há nenhum outro) e é ú nico
(não há nenhum como ele).
10 O s v erb o s faço conhecido, digo e convoco (11) são to d o s p articip io (“ fazer
c o n h e c id o ” , etc.), in d ic a n d o co n tin u id a d e n a h istó ria, co m p assad o , p re se n te e
fu tu ro , resp e c tiv a m en te , p ro c e d e n d o d o u m e ú n ic o D eus. E le dita o p ro p ó sito
na h istó ria (o te rm o fim é o “ re su lta d o ”). A ex p ressão temposremotosé m ais bem
trad u zid a p o r “ a n te m ã o ” . E le dita o q u e aco n te c erá (ainda virá é “ coisas q ue
ain d a n ã o fo ram feitas”). E le é so b e ra n o , seu propósito/ “ c o n se lh o ” (ARC) é
inalterável e é o p ro d u to n ão de capricho, m as de sua aprazível v o n ta d e (tudo 0
queme agrada). E m u m a palavra, ele é u m D e u s q u e é D eus.
11 E le n ã o su b e stim a o q u e m ais in q u ieta seu povo. C iro virá c o m o uma ave
de rapina, um c o n q u ista d o r cruel, e os p io res te m o re s dele se realizarão. H averá
um a volta sem liberdade e sem soberania. Isaías ch am a seus o u v in tes a um a fé
realista, u m a fé que encara os fatos de frente e ainda confia (cf. R m 4.19,20). O s
v erbo s disse,fareiacontecere fareisão cada um deles p reced id o pela partícula \1p
em seu sentid(! e n fá tic o e cum ulativo: “ N a v erd ad e, te n h o dito ; c o m certeza,

1 H in o d e J o h n N e w to n , “ B e g o n e , u n b e li e f ” .
2 D e w 'h i t ‘os'll p a ra w 'h i t ‘ass'mtt.
O LIV RO DO SERVO 496

trarei... c e rta m e n te farei” . O te rm o planejeié “ m odelei, m o ld e i” e a p o n ta p ara o


S e n h o r c o m o o o le iro d a história.

O Deus salvador (46.12,13)


A s acu sações de Isaías c o n tra Israel a u m e n ta m em seu ca rá te r d ire to e de
in ten sid ad e (e atin g irão o p o n to c u lm in an te n o cap. 48). A ex p ressão coração
obstinado significa d e m e n te rígida, o b stin a d o nas e m o ç õ e s e d e so b e d ie n te na
v ontade. S o b re coraçãoveja 9 .9 < 8 > . E les estãolongeda retidão,d a c o n fo rm id a d e à
v o n tad e, ao c a rá te r e aos p ro p ó s ito s d o S en h o r, e ele im p le m e n ta rá sua retidão,
tu d o d e a c o rd o co m sua v o n ta d e , ca rá te r e p ro p ó sito s, tu d o q u e está “ c e rto
co m D e u s ” . E sta é a escolha: eles se a p eg arão ao seu p ró p rio se n so d o q u e é
“ c e rto ” o u se c u rv a rã o ao dele? Seguir o ú ltim o c u rso é u m a to de fé nele, cm
suas p ro m e ssa s e p ro p ó s ito in c e ssa n te m e n te b o n s p ara seu povo. E ssa , em
essência, é a q u e stã o da justificação pela fé. Q u a n d o Isaías v o ltar a d iag n o sticar
a c o n d ição fu tu ra deles (48.1 ss.), eles te rã o p e rd id o to d o o d ireito de se r d e n o -
m in a d o Israel. A justificação pela fé, c o m o sem p re, é o p o n to em q u e o p o v o
de D e u s se levanta o u cai. S o b re salvação veja 25.9; c so b re esplendor/ “g ló ria”
(ARC) veja 4.2. O idó latra faz seu d eu s em sua p ró p ria im a g e m /b e le z a (44.13);
o v e rd a d e iro d e stin o de Israel é se r tra n sfo rm a d a n a im ag em d o S en h o r.

5 .0 triunfo de Ciro (47.1—48.22)


P assam o s agora p ara o c u m p rim e n to d o q u e o S e n h o r tin h a em m e n te
para Ciro. E ssa seção casa as duas p a rte s d e 44.24— 45.8 e é a rran jad a em um
quiasm a. O irresistível c o n q u ista d o r d e 45.1-8 c o n q u ista a B abilônia (47.1-15);
o re c o n s tru to r d e Sião (44.24-28) lib erta os cativos (48.1-22).

a. O orgulho antes da queda: a condenação da Babilônia (47.1-15)


O o rg u lh o da B abilônia foi d e m o n s tra d o na ex p lo ração cru el (6b), n a des-
c o n sid eração da d im e n sã o m o ra l (7), n a d estitu ição d a p o ssib ilid ad e d e retrib u i-
ção (10), na su p o siç ã o da p o sse d o b en efício d a vida c o m o u m d ire ito natu ral
(8) e na a titu d e c o n fo rtá v e l em relação à religião (14). P o r essas coisas, o S e n h o r
“ visita” os b a b ilô n io s c o m vingança.
E sse p o em a, em seu v igor e estru tu ra, lem bra a p assagem 46.1-13. D ivide-se
em seis estrofes arranjadas em pares p o r tem a cuja extensão é am p lam cn te igual:

A A d e g ra d a ç ão d a B abilônia (1 -7)
a1 A v in g an ça divina aplicada (1-4)
a2 A v in g an ça divina explicada (5-7)
B O diagnóstico: o rg u lh o (8-11)
b1 S u p e rio r a to d o s (8,9)
b2 R esp o n siv o a n in g u ém (10,11)
497 ISAÍAS 4 7 . 1 1 5 ‫־‬

C A religião q u e falh o u (12-15)


c1 A d ev o ção sem salvação (12,13)
c2 a B abilônia a b a n d o n a d a (14,15)

A s seçõ es a 1 e a2 são ligadas pela o rd e m p a ra sente-se(1 c, 5a), pelas palavras


idênticas vocênão serámais chamada ( le , 5c), m as o m ais relev an te é pelo ta to de
o S e n h o r falar n a p rim eira p esso a (3cd, 6a-c): a palavra de v in g an ça c sua ex-
plicação. O s se n tim e n to s d e p re o c u p a ç ã o co m si m e sm o s (1 f), cru eld ad e (6d,f)
e a rro g â n c ia (7ab) su rg em c o m o a característica d a B abilônia. A seção b 1 e b 2
p e g a m o a u to te s te m u n h o d o versículo 7ab e o elab o ram n o te m a dessas duas
e stro fe s d e q u e a su p e rio rid a d e da B abilônia g a ra n te a im u n id ad e d o s sofri-
m e n to s c o m u n s da vida (8b-4) e d o ser c h a m a d o a p re sta r c o n ta (10b). Fdes
ta m b é m são ligados p elo v erb o conhecerei(A RC; 8f, sofrerei) e o eco irô n ico , não
conhecerá (11b) e p o r acontecerão/ “ v irão so b re ti” (ARC) (9a) e alcançará(11a). O
elo e n tre essas estro fe s d o m eio e o p a r conclusiv o é fo rn e c id o pela ex p ressão
suasmuitasfeitiçarias(9e, 12b) e vocênãopoderá/ “ n ã o p o d e rá s ” (1 ld ) e “ co n sig a”
{tirarproveito [A R A ]/ “ a ju d e m ” [N T L H ], 12d). A s e stro fe s c 1 e c2 têm o ú nico
te m a da falsa religião e seu fracasso, co m o relevan te elo verbal d a frase nasquais
vocêtemseajadigadodesdea infância(12c, 15bc).
A degradação da Babilônia (47.1-7)

A v in g a n ç a d iv in a a p licad a ( 4 7 .1 4 ‫)־‬
E sses versículos afirm am dois p rin cíp io s q u e re p o u sa m n o âm ag o d o go-
v e rn o d iv in o p ro v id en cial d o m u n d o : a retrib u ição (3cd) e a cen tralid ad e do
p o v o d e D e u s (4). A B abilônia, para sua p erd a, d e sp re z o u a a m b o s (respectiva-
m e n te w . 7, 8-11 e v. 6).
1 A B abilônia, em posição, é h u m ilh ad a(sente-senopô) — p rivada d a antiga
glória(sem um trono) e da re p u ta ç ã o (não serámais chamada). O pó (veja 4.1) — e
é u m sím b o lo de h u m ilh ação e pesar. A ex p ressão mimosa e delicada/ “ te n ra ”
(ARC) sugere algo q u e é ferid o co m facilidade e p recisa se p ro te g e r das aspe-
rezas da vida.
2 ,3 A B abilôn ia ta m b é m so fre m u d an ças na experiên cia, de m u lh e r mi-
m ad a (1,2) p ara escrava (p eg an d o pedrasdemoinho e faz e n d o farinhd),u m a cativa
co m d e stin o ao exílio(atravesse) e um a m o ç a violada (sua nudesçseráexposta). O s
cativos ficavam c o stu m e ira m e n te nus o u p ra tic a m e n te nus. O te rm o atravesse/
“ p assa” (ARC) é u m a im agem de p a rtir para o exílio (4.3.2). N o v o c ab u lário de
vin gan ça, a palavra nãqãtn (aqui vingarei; cf. 1.24) ex p ressa equivalência e n tre a
o fe n sa e a punição. N a p re se n te sen ten ça, a palavra é enfática: o q u e o S e n h o r
faz é ex a ta m e n te a coisa ap ro p ria d a para a situação. O te rm o pouparei significa
“ e n c o n tra r” (IS m 10.5), “ e n c o sta r” ((s 16.7), “ atacar” (lR s 2.32) e “ in te rc e d e r”
O LIVRO DO SERVO 498

(G n 23.8). A p en as Isaías 6 4 .5 < 4 > , “ vens a ju d ar” (lit. “ e n c o n tra r co m fav o r”


o u ap enas “ fav o recer”) é ad eq u ad a para a p re se n te p assag em . U m a m u d an ça
de v o g al1 ficaria: “ N ã o m e p erm itirei ser so licitad o ” . D e to d o jeito, a situação,
q u a n d o o S e n h o r a vê, é de “ n e n h u m refú g io ” . N o e n ta n to , o v erd ad eiro re-
su ltad o ind ica b e m c o m o o S e n h o r n ã o fica lim itad o aos p a râ m e tro s h u m an o s.
C iro to m o u a B abilônia sem e sfo rç o e, ao a m an h ecer, to d o s o s cid ad ão s d o
im p ério n ã o eram b ab ilô n io s, m as persas. A ssim , a antiga o rd e m d esv an eceu
so b a m ã o justa (m as m isericordiosa) de D eus.
4 E sse versículo é u m in terv alo p a ra c o m e n ta r q u e a q u e d a da B abilônia
foi p o r cau sa d e Israel (14.1,2). O versícu lo ap re se n ta três p o n to s. P rim eiro , o
d ireito d o S e n h o r d e agir p o r Israel: ele é o redentor (g õ 'êl), p a re n te (cf. 35.9,10).
Isaías 63.4 liga as idéias d e v in g an ça (náqãm ) e de re d e n ç ã o (g'ülfím ).23S egundo,
o S en h o r, p o r n a tu re z a , é a d e q u a d o p ara realizar as fu n ç õ e s de algum p a re n te ,
p o is seu n o m e é o d aq u ele q u e red im iu seu p o v o (E x 6.6; '¡gá’af). A q u i, o títu lo
Senhor ( Yahweh) c in ten sificad o p elo c o m p le m e n to dosH xércitos/ “T o d o -P o d e ro -
so ” (N T E H ) (veja 1.9), a in c o rp o ra ç ã o d a se m p re possível p o te n c ia lid a d e e po-
der. T erceiro, sua a u to rid a d e p ara agir em v in g an ça nasce d e seu c a rá te r c o m o
0 Santo e p ara agir em favor d e Israel nasce d o fato de q u e ele é 0 Santo de Israel?

A v in g an ça d iv in a ex p licad a (47.5-7)
A in te rv e n ç ã o d o “ S an to d e Israel” em v in g an ça so b re a B abilônia ag o ra
é justificada pela referên cia ao tra ta d o d a d o a Israel pela B abilônia. C o n fo rm e
o b se rv a d o acim a, essa seção te m um a ligação c o m as d u as seçõ es seg u in tes
(8 -9 ,1 0 -1 1 ) em q u e cada u m a c o n té m um te ste m u n h o para a B abilônia. O pri-
m eiro te ste m u n h o (7) é q u e a B abilônia tem o d ire ito a x io m ático d e g o v e rn a r
p e rp e tu a m e n te.
5 A B abilônia diz re sp e ito à p e rd a de a u to rid a d e (silêncio, c o m p a ra d o co m o
p e río d o an terio r, q u a n d o ditava as regras), d a lib erd ad e (as trevas d o cativ eiro e
d a prisão, cf. 42.7) e d a p o sição (não será mais chamada rainha/ “ s e n h o ra ” [ARC]).

1 D e ’epga ‘ p a ra ’eppãga ‘ (ta m b é m N o r t h e S im o n ). W atts o b s e r v a q u e as “ v e r s õ e s [anti-


g a s |, c o m o o s t r a d u to r e s m o d e r n o s , n ã o c o n s e g u ira m re s is tir à te n ta ç ã o d e t r a d u z ir u m a
p a la v ra o p a c a c o m u m s e n tid o a d q u irid o d o c o n te x t o ” . E le tr a d u z “ n ã o c o n h e c e u m se r
h u m a n o ” e e x p lic a “ a p e n a s a m ág ic a e a fe itiça ria ” , m as p e r m ite q u e a e x p r e s s ã o “ c n c o n -
tr o e m m is e ric ó rd ia ” seja p o ssív e l.
2 V eja N m 3 5 .1 2 . A a n tig a in s titu iç ã o d o “ v in g a d o r ” (gó’et) r e p o u s a v a n o p r in c íp io d a rc-
c o m p e n s a e x ata. A in s titu iç ã o d a s c id a d e s d e re fú g io fo i d e te r m in a d a p a ra im p e d ir q u e se
a b u s a s s e d e s s e p rin c íp io .
3 O v e rsíc u lo 4 é s im p le s m e n te j u s ta p o s to a o v e rs íc u lo 3, e a in te n ç ã o d e Isa ías é p ô r la d o
a la d o o s p e n s a m e n to s d a v in g a n ç a p o n tu a l e o s e stilo s e títu lo s d o D e u s v in g ativ o . N o
e n ta n to , B H S se g u e a I.X X n a le itu ra d e “ d iz ” , e W h y b ra y o b s e r v a q u e a p a la v ra a n te r io r
d e c o n c lu s ã o ( ,adam) p o d e te r o c a s io n a d o u m a h a p lo g ra fia (e sc re v e r u m a p a la v ra , e m vez
d e d u a s p a la v ra s sim ilares) e a o m is s ã o d e ’ãmar (“ d iz ” ).
499 ISAÍAS 4 7 . 1 1 5 ‫־‬

6 S o b re fique! irado cf. 10.5-15. O S e n h o r tin h a seus p ro p ó sito s, m as a ação


b ab ilô n ia, e m b o ra estivesse fo rm a lm e n te n a v o n ta d e de D e u s, era u m a o fe n sa
a ele. N ã o q u e o s ev e n to s te n h a m saído d o c o n tro le d iv in o o u q u e Je ru sa lé m
te n h a so frid o m ais d o q u e era c o n siste n te c o m a ab so lu ta justiça divina. O
p e c a d o está nas p re ssu p o siç õ e s p o r trás da ação b a b ilô n ia e d a m an eira c o m o
c o n su m a ra m sua ação: sua cru e ld a d e (não mostrou misericórdia, 6d), in d iscrim in a-
ção (mesmo sobre os idosos, 6e), a rro g ân cia (sempre /.../ rainha, 7ab) e ausência de
se n so m o ra l {ponderou /... / refletiu, 7cd). Misericórdia (rah“nñm) é a e m o ç ã o da co m -
p aix ão (14.1). É típ ico d a ética d o A n tig o T e sta m e n to te r u m a p re o c u p a ç ão
especial co m aqueles que, p o r q u a lq u e r m o tiv o , e stã o im p o te n te s, p o r exem plo,
os idosos (cf. D t 10.19; SI 6 8 .5 < 6 > ). A lém disso, o A n tig o T e sta m e n to n ã o deixa
e sp a ç o para a su p o siç ã o c o m u m de q u e em te m p o d e g u e rra as co n sid eraçõ es
m orais “ c o m u n s ” p o d e m ser co n g elad as d u ra n te a g u e rra o u q u e a van tag em
n acion al justifica o q u e seria repreensível o u c rim in o so se feito p o r u m indiví-
d u o privado.
7 A B abilônia assum iu um d ire ito de p o sse {continuarei), d e a u to rid a d e (ra-
inha/ “ se n h o ra ” [ARC]) c de im u n id ad e das c o n se q u ê n c ia s {no que podería acon-
tecer) — se m p re os “ p o n to s c e g o s” daqueles n o to p o . O te rm o ponderou/ “ to-
m a ste estas coisas em teu c o ra ç ã o ” (A RC) significa a d o ta r um a c o n c e p ç ão de
c o n d u ta p o n d e ra d a ; a frase refletiu no que podería acontecer/ “ d o fim delas” (ARC)
é a d o ta r u m a c o n c e p ç ã o de c o n d u ta m o ra lm e n te resp on sáv el. M as os crim es
c o n tra a h u m a n id a d e se m p re ficam reg istrad o s n o céu e são p u n id o s (cf. A m
1.3— 2.3).

O diagnóstico: orgulho (47.8-11)

S u p e rio r a to d o s (47.8,9)
A e x p re ssã o agora, então faz u m a ligação lógica e n tre os versículos 5-7 e 8,9.
A B abilônia vivera c o m o se n ã o h o u v e sse c o n seq u ên cias m o rais d e co n d u ta
(7cd), m as, c o n fo rm e so m o s in fo rm a d o s agora, há con seq u ên cias.
8 O te ste m u n h o aqui (8cd) é u m a ssu n to p a rtic u la r (a si m esm a/ “ n o teu
c o ra ç ã o ” [ARC]): c o m efeito, n in g u ém m ais im p o rta (eu) e n ão há n in g u ém
p ara m e desafiar (somente eu, e mais ninguérri). D e ssa atitu d e in te rio r n asceu a su-
p o sição d e seguran ça (8b) e im u n id ad e (8f). A cim a de tu d o em criatura pro-
vocadora (N o rth , “ v ocê m u lh e r de m á fam a m im a d a ”) 1 está o p e n sa m e n to de
in d u lg ên cia c o n sig o m esm a. F ica r! ...] / “ se n ta re i” (TB) viúva rep resen tav a ficar
sem p ro v isão , p ro te ç ã o e po sição ; sofrerei a perda de filhos era ficar sem seg u ran ça
(SI 127.5) e e sp eran ça futuras. Sofrerei é “ e n ã o c o n h e c e re i” . E ssa tra d u ç ã o tem
d e se r p re se rv a d a para efe tu a r a ligação c o m você não saberá n o versícu lo 11b.

N o r t h , Second Isaiah, a d loe.


O LIVRO DO SERVO 500

9 N u m mesmo instante, a B abilônia p e rd e rá ta n to o p re se n te q u a n to o futuro.


A ex p ressão acontecerão a você/ “ virão so b re ti” (ARC) casa co m a p alav ra “v irã o ”
na linha d (em q u e é u m p e rfe ito de certeza “ virão so b re v o c ê ” e n o v ersícu-
lo 11a [ARC]). O fu tu ro q u e a B abilônia ignorava (7d) traz o q u e a B abilônia
d escartara. A frase a despeito de suas muitas feitiçarias é u m a referên cia à p rática
religiosa e p re p a ra p ara os versículos 12 e 13. S o b re feitiçarias e encantamento veja
o versícu lo 12.

R esp on siv o a n in g u é m (47.10,11)


A B abilônia esco lh eu assu m ir q u e n ã o havia a u to rid a d e m o ra l a q u e m res-
p o n d e r; u m a p e rc e p ç ã o alta m e n te o tim ista e to ta lm e n te equivocada!
10 A seção inicia c o m a c o n ju n ç ã o usada em seu se n tid o explicativo, “ p o r-
q u e ” (A R C )/ “ p o is ” (TB). N o versículo 8, a B abilônia, a p esar d a in d u lg ên cia
c o n sig o m esm a, estava c o n fia n te na segurança; aqui, a co n fian ça, e n tre ta n to , é
impiedade (um a palavra g en érica p ara “ m a u ” c o m p o rta m e n to ). O te rm o confiou é
u sad o em seu se n tid o ab so lu to , “ p e rm a n e c e u se re n a m e n te c o n fia n te ” . A p artí-
cuia em é o u “ e n q u a n to c o n tin u a c m ” o u “ a d e sp e ito d e ” . A e x p re ssã o sua sabe-
doria é sua p ró p ria avaliação das coisas, e conhecimento é sua p ró p ria c o m p re e n sã o
de tu d o q u e há p a ra saber. E les n ã o achavam im p o rta n te d a r a D e u s u m lugar
em seu c o n h e c im e n to (Rm 1.28). P o r c o n se g u in te , q u a n d o o terceiro testem u -
n h o é dad o , somente eu, e mais ninguém além de mim, ag o ra significa esp ecíficam en te
“ n ão h á n e n h u m g o v e rn a d o r m oral divino d o m u n d o ” . N o versícu lo 8, a fra-
se significava: “ N ã o te n h o q u e m e in c o m o d a r co m os o u tro s ” ; aqui significa:
“ N ã o te n h o q u e m c in c o m o d a r c o m D e u s ” .
11 A palavra desgraça é a m e sm a q u e a p areceu c o m o impiedade n o versí-
cu lo l()a! E les ab raçaram o “ m al” , e “ m al” é o q u e co nseg u irão . Isso ilu stra a
retrib u ição p o n tu a l d o versículo 3c. N ã o h á c e rte z a so b re a tra d u ç ã o d e você
não saberá como esconjurà-la, q u e (K lí) te m o rig em em um c o g n a to acad ian o co m
o se n tid o de “ feiticeiro” . O T M c o lo ca a frase co m o se n tid o d e “ v o cê n ão
co n h e c e rá sua alv o rad a” , o u seja, o m o m e n to em q u e raia o d ia ru im , e isso faz
sentido. A frase você não poderá proteger-se com um resgate (ikãpar) é “v o cê n ã o co n -
seguirá p o r seu p re ç o de re sg a te ” ; n ã o p o d e se r s u b o rn a d o (6.7). A e x p ressão
não pode preveré “ n ã o sa b e ” , o u seja, n ã o tem ex periência p rév ia d essa situação.
P o rta n to , o desastre, em tro ca, é in esp erad o , inevitável e sem p reced en tes.

A religião q u e fa lh o u (47.1 2 -1 5 )

A dev oção sem salvação (47.12,13)


E ssa seção e a final (14,15) estã o p re o c u p a d a s co m a religião d a B abilô n ia
c seus oficiantes. A qui, a q u e stã o é: será q u e a religião ex ecu ta as fu n çõ es d e d a r
força em u m a crise (12) e avisos claros (13)?
501 ISAÍAS 4 7 .I-1 5

12 A palavra encantamento {hfbãrim, “ asso ciaçõ es” , “ a m arraçõ es”) co m b i-


na o se n tid o de associação co m p o d e re s so b re n a tu ra is e, daí, o c o n tro le ou
a m a rra çã o d o futuro. A s feitiçarias {kfsãpirri) são o s v erd ad eiro s en can tam en to s
usados. O te rm o consiga é “ ser capaz d e b e n e fic ia r” . O S e n h o r já disse (11 d)
q u e eles n ã o esta rã o eq u ip ad o s para o d esastre p o r vir. Isaías ag o ra tra n sfo rm a
em um te ste p ara sab er qual palavra prevalecerá, a d o S e n h o r o u a d o encanta-
m e n to dirigido aos d euses da B abilônia. A ex p ressão provoque pavor, o u seja, de
m o d o q u e d e p o is d e tu d o dissipa a am eaça.
13 A frase todos os conselhos é “ a ab u n d â n c ia d e seu c o n se lh o ” e possível-
m e n te c o n té m u m indício das ideologias co n flita n te s n o c e rn e d o p o liteísm o . A
ex p ressão a deixaram ex tenu a d a / “ C a n sa ste -te ” casa co m afadigado desde a infância
(12c, 15bc). O c o m p ro m isso , a disciplina e o e sfo rç o são u m a p a rte verd ad eira
d a religião, m as, q u a n d o associados ao in d ig n o , eles são ap en as a b o rre c im e n to
e cansaço. O s astrólogos/ “ a g o u reiro s d o s c é u s” refcrcm -sc à “ divisão b ab ilô n ia
d o s céus em se g m e n to s a fim de e stu d a r o m o v im e n to d o s c o rp o s celestiais
através d o céu e, a p a rtir d essa o b serv ação , p re d iz e r o s ev en to s te rre n o s ” (W hy-
bray). N o v ersícu lo 12, eles te n ta ra m c o n tro la r o fu tu ro , c ag o ra q u erem c o n h e -
cer d e an tem ão . D o co n trário , o S e n h o r da h istó ria p ro m e te sair ar: seu p o v o
p o r in te rm é d io d o s ev en to s da história, e n ã o d o s ev e n to s (46.13).
O versículo 14, c o n tin u a n d o da seção p re c e d e n te , re sp o n d e ao versícu-
lo 12: a falsa religião longe d e fo rtalecer seus d e v o to s c o n tra o fu tu ro , só pio ra
a situação. O versículo 15 casa co m o versículo 13: lo ng e d e salvar os o u tro s,
seus p ra tic a n te s p ro fissio n ais só estão p re o c u p a d o s em salvar a p ró p ria pele.
14 A ex p ressão sem dúvida é “veja” . S o b re restolho, veja 5.24. O v e rb o salvar
é d ife re n te d o v e rb o d o versículo a n te rio r e significa: “ eles n ã o p o d e m lib ertar
sua alm a” , e x a ta m e n te c o m o os deuses deles (cf. 46.2c). A frase aqui não existem
brasas [...] não há fogueira o u é um a referên cia p ara as chamas d o ju lg am en to di-
v in o p o r v ir o u um d iag n ó stico da falsa religião, q u e p o d e o fe re c e r o c o n fo rto
d e u m a fogueira, m as n o fim é u m a fo rn alh a de d estru ição . O ú ltim o sen tid o
c o n d u z m e lh o r p ara isso é tudo 0 que eles podem fasçerpor você (15). O te rm o negocióse,
an tes, “ n eg o c ia r co m v o cê” . A B abilônia se afadigou em sua religião (12), m as os
p ro fissio n ais da religião fazem c o m ércio fora da B ab ilô n ia.1 P o r co n seg u in te,
q u a n d o caiu a base de seu negócio, cada u m deles “ desvia-se, sai” o u “ segue seu
p ró p rio c a m in h o a leató rio ” (N o rth ),2 o u seja, q u e ele p eg u e q u alq u er ro ta para
sair d o perigo. M as n essa religião “ n ã o h á n in g u ém p a ra salvá-lo” (o v erb o no v.
13d). S o b re salvá-la (\ya sa n o s w . 1 3 -1 5 , 1na sa l n o v. 14) veja 25.9.

1 G . R. D riv e r (“ l i n g u i s t i c a n d tex tu a l p ro b le m s : Isa iah x l-lx x v i” , f / S , 36 [1935], p. 400)


su g e re q u e so h e r é c o g n a to d o te r m o a c a d ia n o sàhiru “ e n c a n ta d o r ” . W h y b ray a d o ta e sse
te rm o .
2 N o r t h , Second Isaiah, p. 17.3.
O LIV RO DO SERVO 502

b. Um problema resolvido, um problema levantado (48.1-22)


O o u tro lado d a tarefa de C iro vem agora à to n a. A B abilônia caiu, os cati-
vos d a B abilônia têm d e se r lib erad o s e enviados p ara casa.
A característica m ais im p re ssio n a n te desse c a p ítu lo é a sev erid ad e d e seu
d iag n ó stico d e Israel: obstinarão1 (4a), in su b o rd in a ç ã o (4b), teim o sia (4c), sur-
dez p ara a palavra d o S e n h o r e preferên cia pelos falsos d eu ses (5-7), tra içfzo j
e rebelião (8) o d e sp re z o p ela paz p o r m eio da d e so b ed iên cia (18). A cim a d e
tu d o , eles n ã o p o d e m m ais ser ch am ad o s Israel o u alegar fidelidade ao S e n h o r
co m verd ad e o u cred ib ilid ad e (1) e, p o r c o n seg u in te, v o lta r p a ra casa regozijan-
d o -se pela lib e rta ç ã o (20), m as ím p io s e sem pa% (22). Isaías teria falado d essa
m aneira? D e v e m o s, an tes, te n d o c h eg ad o ao fim d e um a seção q u e co m e ç o u
em 40.1, p e rg u n ta r se será q u e ele p o d e ría falar d e algum a o u tra m an eira? O
cap ítu lo 48 é o p o n to c u lm in a n te inevitável de u m a u m e n to d e co n sciên cia
d o p e c a d o e necessid ad e d e Israel: a intratável e m elan có lica a u to p ie d a d e de
40.27ss., Israel ju sta m e n te em escravidão pela d eso b ed iên cia, m as insensível às
q u estõ es m orais envolvidas (42.18-25), p o r co n seg u in te, cu lp ad a p o r e sta r cega
e su rd a (43.8) e can sad a d o S e n h o r c d escu id ad a co m o se n tid o d a v erd ad eira
religião (43.22-24). E les fo ra m c o n ta m in a d o s p elo o rg u lh o n acio n al ao q u estio -
n ar o p lan o C iro e, p o r isso, ficaram arraig ad o s n a o p o siç ã o para a qual a adver-
tência (45.9-13), a g a ra n tia (45.14-25) e o ap elo (46.1-16) fo ram to d o s em vão.
E les a rg u m e n ta ram que o so rte io co m D e u s estava além d e to d a p o ssib ilid ad e
e p ro p rie d a d e (45.9ss.) c eram rebeldes (46.8), o b stin a d o s (46.12) e estavam
lo ng e d e ser justos (46.12). T u d o isso é m ais d ifuso, m e n o s su ste n ta d o q u e n o
c a p ítu lo 48, m as n ã o dc m e n o r p e so e im plicação. O cap ítu lo 48 n ã o se d estaca
d o s cap ítu lo s 40— 47 p o rq u e é e stra n h o a eles, m as p o rq u e é c u lm in a n te .1
O s tem as in te g ra d o s d a recalcitrância h u m a n a e da p e rsev eran ça divina.

1 D u h m p a re c e te r d e riv a d o a p e r c e p ç ã o d e q u e o s te r m o s d o c a p ítu lo 4 8 n ã o se a d e q u a m à
m e n s a g e m d e u m “ p r o f e ta d o c o n f o r t o ” e e x clu iu o s v e rsíc u lo s o fe n s iv o s c o m o s e c u n d á -
rio s. E s s a c o n tin u a a s e r a p e rc e p ç ã o d e m u ito s , e m b o r a m e n o s c o m b a se n o a r g u m e n to
d o “ p r o f e ta d o c o n f o r t o ” e m ais p o r c a u s a d a s m u d a n ç a s a p a r e n te m e n te a b r u p ta s d e
e s ta d o d e e sp írito . N e m t o d o s s e g u ira m e sse c u rso . M u ile n b u rg c o rta ria a p e n a s o ver-
síc u lo 2 2 e fica im p r e s s io n a d o c o m a u n id a d e d o r e s to d o c a p ítu lo , o b s e r v a n d o c o m o
u m v o c a b u lá rio c o n s is te n te ( p o r e x e m p lo , “ e s c u te , c h a m a m , d iz e r, a n u n c io u , c o n te i” )
liga o c o n te ú d o . S m a rt a c h a a p o s iç ã o d e D u h m u m a “ ilu s tra ç ã o p e rfe ita d e c o m o u m a
falsa p r e s s u p o s iç ã o p o d e fa z e r u m a i n te r p r e ta ç ã o se d e s v ia r” , o u seja, a p r e s s u p o s iç ã o d e
q u e o “ c o n f o r t o ” é o f a to r d e te r m in a n te . N o r t h c o n c o r d a , in s is tin d o q u e o p r o f e ta n ã o
é a p e n a s u m “ e n tu s ia s ta in d u lg e n te ” . C la ro q u e é e sse n c ia l p e r g u n ta r (e p a ra a q u e le s q u e
e x clu iría m v e rs íc u lo s p a ra e x p lic ar) p o r q u e u m e d ito r p o s te r io r te ria s e q u e r in c lu íd o e sse
m a te ria l se ele e sta v a tã o c la ra m e n te m a l lo ca liz ad o .
503 ISAÍAS 4 8 . 1 - 2 2

A p e rsev eran ça p assad a (1-11) A p ersev eran ça fu tu ra (12-22)


A1 O discurso: Israel descrita A2 O discurso: O S en h o r
d e sc rito (12,13)
B1 A s coisas passadas (3-6b) B2 O p la n o C iro c o n firm a d o
(14,15)
C1 A s coisas novas (6c-7) C2 O se rv o (16)
D1 CDs m o tiv o s d o S e n h o r (8-11) D2 O s a to s d o S e n h o r (17-22)

A perseverança passada (48.1-11)


E ssa seção, in tercalad a pelas referências ao nome d o S e n h o r (2c, 9a), inicia
a p lain an d o as acusações c o n tra Israel (1,2), d ese n v o lv e n d o as acu saçõ es n o s
c o n te x to s fam iliares das coisas antigas (3-6b) e novas (6c-7) e, p o r fim , revelan-
d o o se g re d o p o r trás d e to d as as c o n d u ta s divinas co m Israel (8-11).

Israel d e sc rita (48.1,2)


As palavras d o m in a n te s nesses versículos são não em verdade o u / “ n e m ”
(ARC) em retidão. N ã o há n e n h u m mas co m que co m eçar; as palavras são um a
in terjeição a b ru p ta . A s p esso as p o d e m registrar u m a reivindicação de p o sição,
lin hagem (da linhagem / “ águas” , o u seja, c o m o um rio d e sua n ascen te), lealdade
(Jagem jura m en to s/ “ juram lealdade a” ; 65.16; D t 6.13; 10.20) e d e um relacio-
n a m e n to vivo co m o S e n h o r (invocam 0 D eu s de Isra el/ “ co n fessais o D eu s de
Israel” [A RA ]).1 A lém d isso (v. 2, “ po is eles se c h a m a m ” [TB]),2 eles p o d e m
reivind icar a cidadania d e Siào e “ se inclinam \niphal de ) sã m a k ; 36.6] so b re
0 D e u s” , m as n ã o h á g en u in id ad e ( verdade) na declaração, e ela ta m b é m n ão
c o rre sp o n d e à n o rm a divina nesses assu n to s (retidão). E les se ap ro p ria m d o
n o m e e da m em b resia de Israel, d o re la c io n a m en to deles c o m D eu s. “ E les se
a p ro p ria m de fato d o d ire ito d e declarar a relação única co m ele d e u m p o v o da
aliança (...] eles n ão p o d e m em v erdade se d e n o m in a r Israel” .3
1 Jacó [...] Israel /.../ J u d á são resp ectiv am en te a nação, o p o v o da aliança e
a au d iên cia em p articu lar a q u em é dirigida a m en sag em . A p en as u m p ro feta
d e Ju d á falaria d essa m aneira e p rosseguiría para p ô r tal ên fase em a cidade santa
(2). D e ta lh e s c o m o esse dificilm ente c o n c o rd a m co m a h ip ó te se D euteroisaías.
S o b re linhagem / “ águas” (ARC) veja D e u te ro n ô m io 33.28; Salm os 6 8 .2 6 < 2 7 > .4

1 T ê m d e m a n tê -lo n a m e m ó ria c o m o a ju d a su fic ie n te p a ra s e u p o v o (SI 2 0 .7 < 8 > ) e p a ra


se u s fe ito s p a s s a d o s (SI 7 1 .1 1 < 1 2 > ; cf. Ê x 20.24).
2 S im o n tra d u z : “ M as n ã o é e m v e rd a d e e n e m e m d ire ito cjue eles se c h a m a m ...” lis s a tra-
d u ç ã o é p o ss ív e l, m as n ã o p ro v á v el.
3 S m a rt, p. 144.
4 W a tts se g u e o d e s n e c e s s á rio (e u m ta n to b a n al) c u r s o d e c o rrig ir mimtriè (“ d a s á g u as d e ”)
p a ra m im m r‘ê (“ d o lo m b o d e ” ).
O LIVRO DO SERVO 504

2 0 p ró p rio título c o m p le to d o S e n h o r aparece c o m o u m a su rp resa, m as


um a vez q u e o nome d o S e n h o r (9a) fo rm a um inclusio [criar u m a e stru tu ra ao
p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final de um a seção] co m a p rim eira m eta-
d e d o p o e m a ele n ão p o d e e sta r aqui sem n e n h u m p ro p ó sito . E le serve para
lev an tar um a q u estão : o v e rd a d e iro p o v o de J a c ó /I s r a e l c h e g o u a u m a p erd a
total, m as esse p o d e ser o fim da história? A final, eis aqui u m D e u s Senhor dos
lixércitos (“T o d o -P o d e ro s o ” [N T L H |; 1.9), ele é 0 Senhor cu jo n o m e c sin ô n im o
d e resgate d esse m e sm o p o v o d e u m a situação de p e rd a to tal (Ê x 3.7-15; 6.6,7),
e ele é o D eus de Israel\ o D e u s q u e escolheu esse p o v o e se c o m p ro m e te u co m
ele em aliança. E n tã o , qual será o fim da história? Isso p re p a ra o c a m in h o para
os versículos 9 - 1 1 ,0 D e u s p e rse v e ra n te que n u n ca desiste.

As coisas p assad as (48.3-6b)


Isaías faz u so re c o rre n te da e x p ressão “ as coisas p a ssa d a s” c “ as coisas
n o v a s” . Seu u so d essas ex p ressõ es é flexível: “ as coisas p a ssa d a s” p o d e m ser
o p assad o em geral (41.22), os ev en to s ligados ao c o n q u ista d o r p o r v ir (42.9)
o u ao ê x o d o (43.9,18). “As novas coisas” são o m in istério p o r vir d o serv o
(42.9) e a volta d a B abilônia (43.19). E m cada caso, o c o n te x to d eve d ecid ir o
sentido. A qui, as coisas passadas devem ser os ev en to s favoráveis a Israel, p o is
eles, d o co n trário , n ã o seriam a trib u íd o s de fo rm a c o n g ra tu la to ria a um íd o lo
(5). Isso p erm itiría p re d iz e r ev en to s, c o m o o êxod o, m as d e sc a rta ev e n to s p re-
d ito s c o m o a q u e d a d e Jeru salém . C aso te n h a se p re te n d id o o a p a re c im en to
de C iro, esse ev e n to deve incluir a lib ertação d o s cativos, p o is até esse p o n to
n ão havia nada n e cessariam en te b en éfico n o a d v e n to de u m s o b e ra n o ainda
m aior. P o r c o n seg u in te, não c possível classificar as coisas passadas c o m o o sur-
g im e n to d e C iro e as coisas novas c o m o a volta (c o n fo rm e classifica S k in n e r).1
A lguns e stu d io so s c o n sid eram as coisas novas c o m o a q u e d a d a B abilô n ia e a
volta (p o r exem plo, W hybray),2 m as isso é difícil em especial p ara a h ip ó te se
D eutero isaías. T a n to Jerem ias q u a n to E zeq u iel p rev iram a v o lta d a B abilônia,
e n tã o c o m o isso p o d e ría ser ch a m a d o de u m a coisa no v a, n ão o u v id a an tes
(6cd)? A e stru tu ra d o p o e m a (veja acim a) p ro p õ e sua p ró p ria in te rp re ta çã o : as
coisas passadas são o p la n o C iro (a q u ed a da B abilônia e a lib ertação d o s cativos),
as coisas novas são o s ev e n to s d o serv o (a vinda daqu ele d o ta d o d o E sp írito ).
Isaías usa o a rg u m e n to d a p red ição e c u m p rim e n to p ara d e m o n s tra r a di-
vin dad e única d o S e n h o r c o n tra os p re te n so s deuses. O a rg u m e n to aqui é q u e
0 p ró p rio S e n h o r d esig n o u o p ro c e d im e n to da p red ição n ã o d a ta d a c o m b in a d a
co m o c u m p rim e n to im ed iato a fim de tra z e r seu p o v o à p len a co n v icção e
afastar o co ra ç ã o deles d o s ídolos. N ã o há n ad a n esses versículos q u e sugira

1 S k in n e r, p. 7 9 -8 0 .
2 W h y b ray , p. 12 8-12 9.
505 ISAÍAS 4 8 . 1 - 2 2

(c o n fo rm e alguns sugerem ) q u e esse p ro c e sso to d o se p ro lo n g o u p o r u m Ion-


g o p e río d o d e tem p o . N ã o é desen v o lv id o n e n h u m fa to r te m p o n o a rg u m e n to ;
afirm a-se ap e n a s q u e o c u m p rim e n to (q u er seguisse d e p e rto a p re d iç ã o q u e r
ac o n te c esse a p ó s g ra n d e d em o ra) viria c o m u m a su b itan eid ad e im previsível. E
isso p a ra q u e alguém , p re v e n d o que o c u m p rim e n to estava p ara aco n tecer, n ã o
reg istrasse u m a reivindicação em n o m e d e u m ídolo.
3 O te rm o predisse é “ declarei” . S o b re há m uito (m e ’az) veja c o m e n tá rio so-
b re 44.8. A frase m inha boca as anunciou é “ e elas saíram d a m in h a b o c a ” (veja
45.23). A palavra conheádas é “ o u v id a s” .
4 Obstinado {qaseh) significa “ á sp e ro ” (IS m 20.10) o u “ ru d e ” (IS m 25.3),
o u seja, d e te m p e ra m e n to difícil. O pescoço de fe rro é in cap az d e se c u rv a r em
su bm issão , in d ic a n d o au to co n fian ça; a testa d e bronze indica u m a p e sso a d e opi-
n ião co m m e n te d e te rm in a d a .
5 W hybray alega u m a co n tra d iç ã o aqui co m 43.12, e n te n d e n d o esse versí-
culo c o m o “ o fato aceito de q u e n e n h u m o u tro d eu s tin h a d e se m p e n h a d o um
p ap el relev an te em Israel” . M as a passag em 43.12 n ã o lida co m “ fatos aceito s” ;
an tes é u m a ten tativ a de p re ssio n a r a re lu ta n te Israel a re c o n h e c e r ap en as um
D e u s em o p e ra ç ã o d esd e o início da h istó ria dela. M as Israel n ão testifico u isso
ali e aqui e lo g o o ste n ta d eclarações alternativas. O te rm o ídolos (que devia
e sta r n o singular) significa algo m o d e la d o (cf. o v erb o em Jó 10.8),1 as ex p res-
sões imagem de madeira é algo e scu lp id o e deus de m etal é algo fu n d id o (deus é u m a
ad ição in terp retativ a).
6 a b O s te rm o s ouvido e olhe estã o n o singular; a d m iti/ “ an u n ciareis” (ARC)
está n o plural. O plural é um apelo p o r te ste m u n h o s; o singular ex p ressa a so-
lidaried ad e da ex periência nacional. A todas as o u tras acu saçõ es co m q u e esse
c a p ítu lo resso a Isaías acrescen te essa de cegueira m en tal, a m o ro sid a d e e m á
v o n ta d e da m e n te e m se r convencida.

As coisas n ovas (48.6c-7)


O a rg u m e n to m u d a d o v alo r c o m p ro b a to rio da h istó ria p a ra a revelação da
n o v a verd ade. N o versículo 6ab, o p o n to em q u e stã o era “ o u v i|r |” (a predição)
e “ o lh far]” (o c u m p rim e n to ). A gora, to d o s o s verb o s são os u sad o s p ara o u v ir
e c o n h e c e r (contarei/ “ faço o u v ir” [ARC]). P o rta n to , n o v ersículo 7a, o te rm o
criadas n ã o se refere a ev en to s c o m o os q u e apenas D e u s p o d e p ro d u zir, m as à
v erd ad e, c o m o de q u e só ele p o d e co n tar. E le deseja q u e seu p o v o receb a essa
v erd ad e co m fé co n fian te, d e sc a n sa n d o nas palavras q u e ele diz apenas p o rq u e
é a palavra dele.
6 c d A qui, seria m e lh o r “ apenas a g o ra ” , em vez da ex p ressão de agora em
diante. Contarei é “ farei você o u v ir” . S o b re coisas novas veja a n o ta acim a so b re os

1 O s u b s ta n tiv o ‘õseb s ó o c o r r e aqui. A f o r m a c o s tu m e ir a é 'ãscib (10.11; 4 6 .1 ), m as a f o r m a


n ã o é, e m si m e s m a , d u v id o sa .
O I.IV RO DO SERVO 506

versículos 3-7. A palavra ocultas/ “ coisas esc o n d id a s” (TB) refere-se ao m o m en -


to da revelação, n ã o ao c o n te ú d o dela.
7 O te rm o criadas (/bãra ; 4.5) é usado para coisas tã o g ra n d e s o u tã o novas
q u e exigem D e u s c o m o seu agente. A palavra sim é “ veja” . A acu sação p o r trás
d e eu as conhecia n ã o é a de a trib u ir a um íd o lo a capacidad e de revelar essa ver-
dad e, m as da a rro g a n te o p in iã o de si m e sm o c o m o se a v erd ad e d e q u e só D eu s
p o d e “ criar” fosse u m fa to c o m u m na m e n te h u m an a.

O s m o tiv o s d o S e n h o r (48.8-11)
Israel n ã o tem o c o n h e c im e n to declarado (8a) n em já teve u m o u v id o re-
cep tiv o à v erd ad e divina (8b). A sim ulação d e c o n h e c im e n to é ev id ên cia de trai-
ção (8c); e o o u v id o fe c h a d o é evidência de u m a n a tu re z a reb eld e d e n ascim en -
to (desde 0 nascimento, 8d). E o q u e m ais? Será q u e o ju sto ju lg am en to virá? E les
estão fo ra da esfera d a salvação (1,2) e devem p erecer? N ã o , d e jeito n e n h u m ,
p ois h á o u tro fa to r n a situação. A ira, em razão d e sua p ró p ria n a tu re z a (por
amor do meu próprio nome, 9a), é c o n tid a, o castig o está d e n tro d o s lim ites (10a), a
esco lh a divina ain d a está e m v ig o r (10b); po is n o co ra ç ã o d o S e n h o r (por amor
de m im mesmo, 11a) está um c o m p ro m isso c o m su a p ró p ria re p u ta ç ã o (1 lb c ).
8 A s três declarações conhecimento, entendimento e fo i aberto (A RC) são cada
um a delas p re c e d id a p o r gam, u m a p artícu la de adição (“ ta m b é m ”) q u e é co m
frequ ên cia usada, c o m o aqui, p ara a c re sc en ta r ênfase. U m a vez q u e os três fa-
to s c o n tra sta m c o m o q u e o S e n h o r queria, p o d e m o s tra d u z ir p o r “ ah m a s”
an tes de cada verbo. A frase tem se fechado é “ n ã o ab riu ” . E ssa tra d u ç ã o d o piei
d e 4p0tah é justificada p o r C â n tic o d o s C ân tico s 7 .1 2 < 1 3 > . E n tã o , o p o n to
p rin cip al d a acusação é a im p e n etrab ilid ad e para a v erd ad e revelada. O S e n h o r
falou, m as n ã o foi ouv id o , n ã o h o u v e re sp o sta m e n ta l lev an d o ao c o n h e c im e n -
to (entendim ento/ “ c o n h e c e ste s” [ARC]), n e n h u m a recep tiv id ad e fu n d a m e n ta l
à palavra d o S enhor. E sse fa to é re su m id o n a acu sação d e “ tra iç ã o ” . O te rm o
■¡bagad significa re n e g a r u m a o b rig a ç ã o c o n h e c id a (IS m 14.33), p ro v a r se r um
d e sa p o n ta m e n to (Jó 6.14), v o lta r atrás n a palavra (Is 33.1) e é u sa d o p a ra des-
lealdade em fam ília (Jr 12.6) e para ad u ltério espiritual (O s 5.7). A acu sação de
que essa teim o sia (rebelde é um p articipio, “ aquele q u e se reb ela” ; cf. 1.2) v inha
desde 0 nascimento, era u m p e c a d o original, em vez d e u m a atitu d e ad q u irid a le-
v an ta u m a q u estão : se o S en h o r, p o r c o n seg u in te, estava cien te d o q u e esco lh e-
ra, será q u e ele n ã o p o d e ag o ra exercer seu p o d e r altíssim o p ara p erse v e ra r até
seus p ro p ó sito s serem cu m p rid o s, em vez d e v isitar Israel co m a m erecid a ira?
9 E sse v ersículo revela q u e o q u e apenas o u sa m o s lev an tar c o m o um a
possib ilid ade, na verdade, é u m a lógica na n a tu re z a divina. O nome d o S e n h o r
(a declaração resu m id a d o q u e ele revela so b re si m esm o ) o c o m p e le a “ adi [ar]
m in h a ira” (o lad o subjetivo d o d o m ín io p ró p rio divino, 9a) e seu louvor (a re-
507 ISA ÍA S 4 8 . 1 - 2 2

p u ta ç à o q u e ele q u e r para si m esm o ) o faz co n fer / (o lad o objetivo d o d o m in io


p ró p rio , 9b). Ser “ elim in ad o ” (ou seja, m o n o ) é a justa reco m p en sa d o p ecad o .
10 A ssim , esse versículo surge da v erd ad e (e o v. 11 leva a ela) de q u e
o d o m ín io p ró p rio é d ita d o pelos m o tiv o s ex isten tes na n atu reza divina. U m
p ro c e sso q u e só p o d e ria te rm in a r na m o rte de Israel foi ab rev iad o ; a prata foi
deix ad a n o crisol até n ão te r m ais im p u rezas (Ml 3.3), m as a p ra ta de Israel c
to d a escó ria (cf. 1.22). Pois se Israel fosse refin ad o c o m o a p r a ta / “ da m aneira
d a p ra ta ” ,1 n ã o so b ra ria nada. P o r essa razão, o S e n h o r m a n d o u p arar, d izendo:
“ eu o p ro v ei2 na fo rn a lh a d a aflição” . C lassicam ente, essa é um a referên cia ao
E g ito (D t 4.20; lR s 8.51), e se esse fo r o caso aqui, e n tã o o versícu lo 10b ex-
plica 10a: o S e n h o r n ã o vo lta a sua esco lh a an cestral (R m 11.29). M as às vezes
o v e rb o “ e sc o lh e r” é u sa d o co m o se n tid o “ ren o v a r a esc o lh a ” (p o r exem plo,
14.1; Z c 1.17). A fornalha, então, seria a ex periência bab ilônia. N e sse caso, o
versícu lo 10b apenas segue 10a q u a n d o o S e n h o r p ara o q u e, d o c o n trá rio , seria
o fim d o “ e x p e rim e n to Israel” . D e to d o jeito, resp lan d ece a v erd ad e d a esco lh a
div in a irrevogável.
11 A frase p o r am or de m im mesmo (cf. v. 9), o u seja, p o r m o tiv o s válidos na
n a tu re z a divina. A trad u ção eu faço isso é m elhor, refletin d o o u so a b so lu to d o
v erbo , “ ajo ” , o u seja, n ã o só n esse caso, m as c o m o um a p rática estabelecida
em to d o s o s casos (cf. E z 20.9,14,22). A p re p o siç ã o “ p o r ” inicial devia ser re-
in tro d u z id a an tes de como posso (lit.) “ po is c o m o d e v e /p o d e estar d e s g ra ç a d o /
c o n ta m in a d o ? ” A N V I segue o v e rb o na p rim eira p esso a e n c o n tra d o em Q 1‫׳‬
(niphal tolerativo); A A RC p õ e a ex p ressão “ m e u n o m e ” em itálico, o to emon
nomon d a L X X . F elizm ente, o se n tid o p e rm a n e c e idêntico. O outro seria Israel,
se a p c cam in o sid ad e deles su p e ra r os p ro p ó sito s de g raça e d e glória d o S en h o r;
o u os d eu ses d a B abilônia, se fo rem b e m -su c e d id o s em m a n te r Israel cativa, e
a nação, p o r fim , m erg u lh ar na cu ltu ra d e seus vizinhos. O S e n h o r tem d e co n -
seguir v itó ria so b re o p e c a d o e so b re a B abilônia.

A perseverança futura (48.12-22)


O d isc u rso ren o v a d o (12; cf. v. 1) m arca o início da seg u n d a m etad e do
p o e m a , q u e se p ro je ta u n ifo rm e m e n te n o futuro. O ch a m a d o escute/ “ d á-m e
o u v id o s” (ARC) fo rn e c e um in d ic a d o r para as três prim eiras seções (12,14,16).
0 v e rb o está n o singular n o versículo 12 (a nação perso nificad a) e n o plural nos

1 O t e r m o tfk e s e p , c o m o u m a e x te n s ã o d a c o n s tr u ç ã o beth essentiae, sig n ifica “ d e u m a m a-


n e ira c a ra c te rís tic a d a p r a ta ” . N ã o h á n e c e s s id a d e d a m e tic u lo s id a d e q u e a lte ra o p re fix o
b p a r a o p re fix o k.
2 A N V I se g u e m u ito s e s tu d io s o s a o c o n s e r ta r b 'h a rfíká (“ e u o e s c o lh í”) p a ra b 'h a n ñ k a (“ eu
o te s te i” ), se g u in d o Q a. M as isso é o p c io n a l p a ra o s e n tid o “ m ais fácil” (p a ra n ã o d iz e r
re p e titiv o ). Λ id eia d a e sc o lh a d iv in a é s a tis fa tó ria d a p e rs p e c tiv a te o ló g ic a . S im o n m u d a
lo b 'k esep (“ n ã o c o m o p r a ta ”) p a ra ü ktkesep (“ p a ra m im m e s m o c o m o p r a ta ” ).
O LIVRO DO SERVO 508

versículos 14 e 16 (a c o m u n id a d e de pessoas). E ssa variação su rg e d o cen ário


original dessas unidades. A idcia de ligação ag o ra é a palavra d o S en h o r: co n -
tro la n d o o u n iv erso (13c); c o n tro la n d o a h istó ria (15a) e rev elan d o seus p ro p ó -
sitos (16b). O versículo 17 em sua p ró p ria in tro d u ç ã o , e o p e n s a m e n to d e pa%,
a paz q u e eles p o d e m te r (18), m as n ã o têm (22), u n e a seção final.

O S e n h o r d e sc rito (48.12,13)
N o v ersícu lo 1, Israel foi ch am ad a p elo n o m e , m as sem realidade; aqui
eles são os ch am ad o s, o u o s eleitos, d o Senhor. A infidelidade deles n ã o anula
a fidelidade d e D eu s. O u so d o m e sm o v e rb o (“ c h am ar”) significa q u e o versí-
culo 12 n ão negligencia o versículo 1. A m u d a n ç a de ên fase, d e q u e Israel n ão
é c o n d e n a d a pelas c o n se q u ê n c ia s de suas p ró p ria s falhas, m as m a n tid a n a p o si-
ção a c o rd ad a p e lo S e n h o r, leva em co n sid eração o q u e o n o m e d o S e n h o r é (2),
as im plicações d esse n o m e em seu p la n o para Israel (9) e a realidade im utável
d e sua e sc o lh a (10). O c h am ad o de D e u s reap arece n o v ersícu lo 13c (quando eu
os convoco/ “ eu o s cham arei e ”) co m to d o seu irresistível p o d er. O q u e é v erd ad e
p ara o s céus é v e rd a d e p ara Israel. O c h a m a d o d iv in o n ã o p o d e falhar. E u sou
sempre 0 mesmo (41.4), o u seja, im utável e c o n siste n te em si m esm o . C o m o D eu s,
o primeiro, n ão foi p re ssio n a d o p o r q u a lq u e r ação e x te rn a n o q u e iniciara, e ele,
o ú ltim o , co n tin u a in co n testáv el p o r q u a lq u e r fo rça q u e p o ssa te n ta r se o p o r
a ele; e traz a u m a co n c lu sã o triu n fa n te o q u e c o m e ç o u . N o início, havia sua
lib erd ade sem lim ite de fazer c o m o ele escolhia; n o fim , o o u ro im acu lad o de
sua o b ra concluída. A mão d e D e u s inicia (13a), e o ch a m a d o d e D e u s d e te rm in a
d e fo rm a so b e ra n a o re su lta d o (13cd).

O p la n o C iro c o n firm a d o (48.14,15)


O S e n h o r é d ife re n te de to d o s o s o u tro s deu ses n o fa to d e q u e ele p red iz
e c u m p re (14ab); seu p la n o C iro será b e m -su c e d id o c o n tra a B ab ilô n ia (14c-
e). O ch a m a d o de D e u s é o fa to r d o m in a n te n a h istó ria (15ab) e ele m e sm o
su p e rv isio n a aqueles q u e cham a, g a ra n tin d o q u e sejam b e m -su c e d id o s (15cd).
14 A frase q u a l dos ídolos predisse essas coisas é (lit.) “ q u e m e n tre eles decía-
ro u essas coisas?” (A RC), m as a fo rça p ro p u lso ra d o s cap ítu lo s p re c e d e n tes
indica u m a referên cia p ara o s d euses-ídolos. A o lo n g o d o c a p ítu lo an terio r,
esse a rg u m e n to (a habilidade o u inabilidade de p red izer) foi u sa d o p a ra e x p o r
a irrealidade d o s d eu ses-íd o lo s e a v erd ad eira e ún ica d iv in d ad e d o S enhor.
In felizm en te, aqui ele é dirigido ao p o v o p ro fe sso d o S e n h o r (14a), te n ta n d o
lhes d a r u m a b ase d e fé p a ra aceitar o p la n o C iro c o m o d a m ã o d e seu ú n ic o
S en ho r. O amado do Senhor cumprirá seu p ro p ó sito / “ (3 S e n h o r o a m o u e ex ecu tará
a sua v o n ta d e ” (A RC). M u ile n b u rg sugere q u e há u m n o m e te o fó ric o aqui: “ O
509 ISAÍAS 4 8 . 1 - 2 2

am ad o d o S c n h o r realizará” .1 O título é u m a a n tecip ação in teressan te d o relato


d o C ilin d ro de C iro q u e M ard u q u e, co m raiva d o s reis b ab ilo n io s, “ lavou to d as
as te rra s p ara u m am igo. [...] E le c h a m o u C iro f...| ata c o u a seu lad o c o m o um
am igo e p a rc e iro ” .2 M as n o q u e diz resp eito à p rev isão , tu d o q u e M ard u q u e fez
foi v e r o c u rso das c a m p a n h a s de C iro e a lertar N a b o n id o p a ra o fato de que
“ n o início d o terceiro ano, C iro [...] cap tu rará A stíages, o rei de U m m a n -m a n d a
fum a c o n fe d e ra ç ã o m eda?]” ; ele n ão diz n ad a so b re a B ab ilô n ia.3 M as a carreira
de C iro, m e sm o an te s d o inicio déla e p o r m eio d a q u e d a p rev ista d a B abilonia,
foi dirigida p o r um g ra n d e “ am ig o ” . A ex p ressão seu propósito é “ seu p ra z e r” ,
a v o n ta d e d o S e n h o r para o deleite d o S e n h o r (cf. 53.10). A frase seu braço será
contra os babilonios é “ e seu braço, os caldeus” . As leis d o p aralelism o p e rm ite m
que os v e rb o s, p re p o siç õ e s, etc. na p rim eira p e rn a d o p aralelo e ste n d a sua força
para a seg u n d a p e rn a (p o r isso, “ seu b ra ç o será c o n tra os b a b ilô n io s”).4
15 S o b re fa le i e chamei, veja o c o m e n tá rio acim a so b re os v ersícu lo s 12-16.
A so b e ra n ia divina é a m esm a n o s rein o s n atu ral e histórico. A frase bem-sucedido
em sua missão é “ faz seu cam in h o p ro sp e ra r” .

0 serv o (48.16)
( ) S e n h o r diz a palavra inicial (16a) e está p re se n te p ara p resid ir seu cu m -
p rim e n to (16b). A palavra secretamente é “ em se g re d o ” (cf. 45.19). E ssa é a ex-
plicação d o p o d e r p re se n te n a palavra de D eu s: ela p ro c e d e dele e ele n ão a
deixa p o r c o n ta p ró p ria , m as a a c o m p a n h a p e sso a lm e n te . M u ito s e stu d io so s
c o n sid e ra m q u e 16cd é u m a adição, m as, c o n fo rm e ad m ite N o r th , “ n ã o há
ev idência te x tu a l” p a ra essa co n clu são .5 A p assag em , c o m o u m a in serção p o s-
terio r, p ro v av elm en te tin h a o o b jetiv o de validar o p ro fe ta c o m o v erd ad eiro
m en sag eiro d o S enhor. O u tro s e stu d io so s (p o r exem plo, S im on) a v eem c o m o
u m a o b se rv a ç ã o biográfica d o D e u te ro isa ía s a firm a n d o suas credenciais.6 W es-
te rm a n n o b se rv a os indícios c o rre to s q u a n d o o b se rv a a sim ilaridade co m 61.1
e “ p re c isa m e n te os m e sm o s se n tim e n to s” d e 49.1-6. Isso to rn a a palavra um a
in terjeição an te c ip a tó ria p elo S ervo d o S e n h o r c o m o u m a g en te nas “ coisas no-

1 A L X X n ã o tra z “ o S e n h o r ” e a p o n ta p a ra ’óA "¿>7 (“ m e u a m ig o ” ). W h y b ra y a d o ta essa


e x p re ss ã o .
2 7X777; p. 92.
5 D O T T , p. 89s.
4 P a ra í r ô ' o (“ se u b r a ç o ” ), a L X X su g e re z e r a c (“ s e m e n t e / d e s c e n d e n te s ”) c o m “ s o b r e a
B a b ilô n ia e [so b re] a s e m e n te d o s c a ld e u s ” . B H S , S im o n , e tc ., a d o ta m e sse te x to sim p lifi-
c ad o .
5 N o r t h , Second Isaiah, p. 182.
6 B H S m u d a ria sflã ha n i W riih ô (“ m e e n v io u , c o m se u E s p í r it o ” ) p a ra e'sluhennu 1'o rh o (“ eu
o e n v io e m se u c a m in h o ” ) — m ais u m a re fe rê n c ia a C iro , e u m n o tá v e l e x e rc íc io d e im a -
g in a ç ã o lin g u ística .
O LIVRO DO SERVO 510

vas” d o s versículos p arceiro s 3-6b. N ã o há d iscussão c o n tra o fa to d e q u e essa


in te rv e n ç ã o n o s p eg aria d e su rp resa. Pila se ajusta ao versículo c o m o u m to d o
n o fato d e q u e fo rn e c e c o n te ú d o à palavra de 16bc q u e, d o c o n trá rio , ficaria
indefinida. ( ) títu lo o Soberao, 0 Senhor figura de fo rm a m em o ráv el n o terceiro
cân tico d o S erv o (50.4,5,7,9)' e em 61.1; a ex p ressão com /a (A RA ) seu Hspírito
deve significar “ d o ta d o d e ” , e, das nove vezes em q u e a d o ta ç ã o d o E sp írito é
m e n c io n a d a n a literatu ra isaiana, cinco dizem resp eito ao M essias;12 e fin alm en te
é a p ro p ria d o falar algo so b re o S erv o em um cap ítu lo q u e en fatiza m u ito os
p ecad o s de Israel (cf. o c o m e n tá rio so b re o v. 1 lb c ).

O s atos d o S e n h o r (48.17-22)

a' O fru to d a d e so b ed iên cia: a paz p erd id a (17-19)


b O fim d o cativeiro b ab ilô n io (20,21)
a2 O p ro b le m a residual; n ã o há paz (22)

E ssa é u m a co n c lu sã o ad eq u ad a p ara um p o e m a qu e, d o c o m e ç o ao fim,


en fatiza o p e c a d o de Israel e a persev eran ça d o S enh o r. A ssim , c o n fo rm e eles
cam in h am p a ra o fim d o cativeiro, o p ro b le m a d a lib ertação é reso lv id o p o r
in te rm é d io da ação divina re d e n to ra , m as o p ro b le m a d o p e c a d o p e rm a n e c e.
O fato d e a lib ertação (20,21) ser p re c e d id a e seguida d e d u as seçõ es so b re
“ p a z ” m o stra que ela tem o rig em na decisão divina, e n ão n o m e re c im e n to de
Israel (cf. vv. 9-11). O b se rv a m o s ta m b é m q u e a seq u ên cia d o s o rácu lo s so b re a
d u p la necessidade de Israel c o m e ç o u n o fracasso de Israel em relação à lei d o
S e n h o r (42.21-24). A passagem atual (17,18) fo rn ece, assim , u m inclusio [criar
u m a e s tru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final de u m a seção]. M as
ela ta m b é m é u m a p o n te , pois o p e c a d o n ão reso lv id o p re p a ra o c a m in h o para
o S ervo v o lta r ao p alco (49.1-6) para an u n ciar q u e sua o b ra inclui tra z e r Israel
d e v olta ao S e n h o r (49.6).
17 O S e n h o r, c o m o redentor {gõ^êt), identifica a n ecessid ad e deles d e liber-
tação e a satisfaz, m as ele, c o m o 0 Santo, n ão p o d e p assar p o r cim a d o pecad o .
A frase 0 que é melhorpara você é “ p ara seu lu c ro ” . A ênfase na p alav ra d o S e n h o r
c o n tin u a d esd e os v ersículos 12-16 (veja o c o m e n tá rio in tro d u tó rio ) e casa co m
0 la m e n to so b re o o u v id o fe c h a d o n o versículo 8 c o rre sp o n d e n te . O en sin a-
m e n to d o S e n h o r é d iretiv o para a vida e ta m b é m co n ceitu ai p ara a m en te.
18 A o b e d iê n c ia (18a) resultaria em pa% (cf. 9 .6 < 5 > ) p e rp é tu a c o m o um
rio (nãhãr; 66.12), n ã o um riach o sazonal. Sua retidão/ “ sua c o n d u ta c o rre ta co m

1 Λ o r d e m d a s p a la v ra s p õ e p r im e ir o “ o S e n h o r D e u s ” (n a p o s iç ã o e n fá tic a ) c o m o e m
5 0 .4 ,5 ,7 ,9 .
2 11.2; 30.1; 32.15; 42.1; 44.3; 48.16; 59.21; 61.1; 63.11.
511 ISAÍAS 48.1-22

D c u s” leva a um a ex periência de p o d e r c o m o a das ondas do mar, o p ro d u to de


forças invisíveis em o peração.
19 O te rm o descendentes/ “ p o ste rid a d e ” (TB) c o m o incontáveis g rão s de
areia n ã o é apenas um sím b o lo de v ig or e p ro sp e rid a d e , m as u m sinal de b ê n ç ã o
divina (cf. SI 127.3-5) e, m u ito m ais, d o c u m p rim e n to das p ro m essas abraâ-
m icas (G n 15.5; 22.17); em o u tras palavras, a p len a realidade das b ên ção s da
aliança. S o b re eliminado veja o versículo 10. A e x p re ssã o diante de m im refere-se à
aceitação na p re se n ç a divina.
20 Λ p alavra fujam , b e m c o m o seu u so geral d e “ c o rre r d e ” , ta m b é m ex-
p ressa o m o v im e n to rápido : “ Saia ra p id a m e n te ” (Cf. 30.16; G n 19.15-17). Tal-
vez esteja p re se n te n o versículo a ideia d e esc a p a r da d e stru iç ã o d a B abilônia
(cf. J r 51.6). A deficien te re sp o sta ao c h a m a d o d e C iro para os exilados volta-
rem o fu sc a o fa to de q u e esse foi de fato um a to p o d e ro s o d e D eu s, q u e deu
o p o rtu n id a d e para o te ste m u n h o universal p re v isto p o r Isaías. O fato de Israel
não re s p o n d e r c o m o deveria n ã o d eve n o s cegar p ara o fato d o q u e foi possível
co m b ase n a evidência de um D e u s q u e p red iz e cu m p re , q u e dirige as forças
m ais p o d e ro sa s d o m u n d o para seus p ró p rio s p ro p ó sito s e q u e cuida de seu
p o v o insig nificante e n ã o m ereced o r. P recisam o s te r cu id ad o p ara n ão red u zir
o p ró p rio a to à d im e n sã o da falha d o s exilados. O te rm o re sg a to u (ig a 'a l) é
u sado aqui (co m o em E x 6.6) para lib ertação d a escravidão.
21 A im ag em de êx o d o co n tin u a. O S e n h o r n ão tiro u seu p o v o a fim de
a b an d o n á-lo , m as se en carreg a d e to d a a reabilitação. A p assag em Ê x o d o 17.1-
7, em p articu lar, é re m e m o ra d a co m sua te n sã o en tre um p o v o d e sc re n te e des-
c o n te n te e um D e u s m iserico rd io so e p ro v id en te. D ificilm en te a alusão p o d ería
ser m ais a p ro p ria d a à luz d a rejeição deles d o p la n o Ciro.
221 U m a m u d a n ç a de cen a n ã o traz u m a m u d a n ç a d e co ração . O p o v o , ao
d eix ar a B abilônia, n ã o escap a de seu p ró p rio caráter. O te rm o ím p io s, um a
palavra g en érica, resu m e a acusação a p o n ta d a n o c a p ítu lo 48 (veja a in tro d u ç ã o
acim a) e, c o m o a últim a palavra d o cap ítulo, escreve u m ep itáfio co n ciso d a ex-
periên cia b abilónica. E ex a ta m e n te c o m o a seção inicial (42.25) afirm o u . N ã o
há re fo rm a m o ra l n e m m e sm o re c o n h e c im e n to da n ecessid ad e d e re fo rm a m o -
ral. P o r c o n se g u in te , eles n ã o tê m pa% fa se r e n te n d id a n o s te rm o s estabelecidos
n o s w . 18,19). V oltar p ara casa em C an aã n ã o é v o lta r p a ra D eus.

1 O s e s tu d io s o s se p e r g u n ta m se e ssa s p a la v ra s s ã o o rig in a is. D e litz s c h e Y o u n g c o m e n ta m


as p a la v ra s e se u s e n tid o , m a s n ã o e x p lic a m a p o s iç ã o d e la s n o c o n te x to . K is s a n e c o m e n ta
as m e s m a s p a la v ra s e m 5 7 .2 1 , p a s s a g e m n a q u a l ele a c re d ita q u e e ste ja m n o lu g ar, m as
avalia q u e elas e s tã o m al lo ca liz ad a s a q u i. W h y b ra y e s p e c u la se a m b a s as o c o r rê n c ia s p o -
d e m s e r i n d ic a d o re s e d ito ria is d iv id in d o o te x to c m se ç õ es. N o r t h c o n c o r d a , m a s ta m b é m
o b s e r v a q u e o v e rsíc u lo , c m v ista d o v e rsíc u lo 18, n ã o e s tá m al lo c a liz a d o aqui.
E. A grande libertação
(49. 1— 55. 13)
O s e sb o ç o s das páginas 387 e 471 m o stra m o p o n to alcan çad o ag o ra p o r
Isaías em sua apresen tação . A chave para esse m o v im e n to final n o s capítu-
los 40— 55 é o c o n tra ste e n tre o n o v o c o m e ç o p ro p o rc io n a d o p elo resgate
d a B abilônia (48.20,21) e a relação im utável co m o S e n h o r e x p re sso pela frase
“ n ã o h á paz algum a p a ra o s ím p io s” (48.22). E sse é o p a n o d e fu n d o p a ra a
“g ra n d e lib e rta ç ã o ” q u e está p ara se r decretada: a o b ra d o S erv o d o S en h o r.
O fo rm a to d a seção é o seguinte:

A 1 A d u p la tarefa d o Servo: Israel e o m u n d o (49.1-6)


B1 C om entário: a tarefa para o m u n d o e Israel co n firm ad a (49.7-13)
C1 Sião: d esa n im a d o e in d ife re n te (49.14— 50.3)
A 2 O Servo: re sp o n siv o , anim ado, o b e d ie n te e so fre d o r (50.4-9)
B2 C o m e n tá rio : o o b e d ie n te e o o b stin a d o (50.10,11)
C2 Sião: c o n v o c a d o a re s p o n d e r (51.1— 52.12)
A 3 O Servo: bem -sucedido, carregador d o pecad o e triunfante (52.13— 53.12)
B3 C o m e n tá rio : Israel e o m u n d o c o n v id a d o s (54.1— 55.13)

O p a d rã o está in c o m p le to n o fato de q u e falta a seção C 3. C o n fo rm e vere-


m os, na u n id ad e c o m p le ta d a literatura isaiana, essa lacu n a é p re e n c h id a p elos
cap ítulos 56— 66. O p a d rã o d o s cân tico s d o S ervo (estab elecid o em 4 2.1-4,5-9,
o u seja, cân tico seguido de co m en tário ) é re p e tid o em cad a u m d o s três cânti-
cos a p re se n ta d o s aqui. O s cân tico s n ã o são in serçõ es ex tern as, m as eixos em
to rn o d o s quais a seção gira.

1. A dupla tarefa do Servo: Israel e o mundo (49.1-6)


A d escrição d o S erv o aqui c o n c o rd a c o m o p rim e iro c â n tic o (42.1-4). E m
cada caso u m a n ecessid ad e espiritual clam a p o r cura, e o S erv o é d e sc rito (bio-
g raficam en te em 42.1-4, a u to b io g rá fic am e n te aqui) c o m o o a g en te d o ta d o de
E sp írito d a revelação divina cujos e n sin a m e n to s a te rra ag u ard a (42.1,4) e c o m o
aquele cuja b o c a fo ra p re p a ra d a p elo S e n h o r (49.2), p o r m eio d a qu al ele cha-
m a o m u n d o to d o a o u v ir (49.1). E m n e n h u m caso ele é u m a figura política.
D ev e-se o b se rv a r isso em p articular, u m a vez q u e é possível, n a seq u ên cia d o
cam in h o d e vo lta p a ra casa de 48.20,21, esp e ra r um m in istério d irig id o às as-
p iraçõ es d a c o m u n id a d e q u e v o lto u . E sse é u m p o n to p ara se te r em m e n te
q u a n d o n o s d e p a ra m o s c o m os te rm o s geo g ráfico s, territo riais e políticos. P o r
exem plo, Isaías fala d a lib ertação de p risio n eiro s (42.7; 49.9) e u m a jo rn a d a
513 ISAÍAS 4 9 -1 - 6

p ara um a n o v a te rra (42.16; 49.9-12). N o e n ta n to , a realidade é a lib ertação da


escrav id ão n a lib erd ad e da verdade e um a jo rn a d a , n ã o d o s pés, m as d a m e n te e
d o co ração na n o v id ad e q u e o S ervo efetu o u . O S erv o é u m a figura de aliança
co m u m m in istério de aliança para m u n d o (42.6) e p a ra Israel (49.8; cf. 54.10).
N o e n ta n to , é necessária a qualificação p ara falar d o S ervo c o m o um a
figura p ro fé tic a , da aliança. E m Jerem ias 1.4,5, a p re n d e m o s a p ré -h istó ria de
to d a pro fecia. Se Jerem ias tivesse tra n sfo rm a d o esta em u m te ste m u n h o , ela
teria relevantes p o n to s de c o n ta to co m os versículos 1,2 e 5. M as ele n u n c a fez
isso, n e m o fez n e n h u m o u tro p ro fe ta , e há sérias dificu ld ad es p sico ló g icas em
im aginar Isaías (sem falar n o reserv ad o D eu tero isaías) p u b lic a n d o o s versícu-
los 1-6. A lém disso, os p ro fe ta s são e x tre m a m e n te re se rv a d o s n o s d iscu rso s
gerais (41.1; J r 31.10) e n em Jerem ias (Jr 1.5), a p esar d e te r sid o c h a m a d o a ser
p ro fe ta para as nações, n em , ta m p o u co , q u alq u er p ro fe ta jam ais disse: “ O u -
ç am -m e” , d essa fo rm a pessoal. D elitzsch ap re se n ta esse p o n to co m precisão:
“ E les têm de o u v ir o que ele diz n ão apenas nas palavras q u e se seguem . [...]
O cjue segue é, antes, um a vindicação de seu d ireito de exigir ser o u v id o ” .1 A
su g estão, n a v erd ad e, é tão a b so lu ta q u a n to a fala “ o u ç a m -n o ” de M arco s 9.7.
A lém disso, o S ervo declara ser “ Israel” (3) e ser em sua p ró p ria p e sso a a aliança
(8) e a salvação d o S e n h o r (6) — n ão ser o p re g a d o r o u até m e sm o o ex ecu to r
dessas coisas, m as ser eles nele m esm o. E sses a ssu n to s, que d iferen ciam o Ser-
vo ta n to da nação q u a n to d o re m a n e sc en te c ren te q u e está nela, será d iscu tid a
de fo rm a m ais c o m p le ta adiante, b em c o m o a singularidade d a in te n ç ã o d o
S e n h o r d e “ m o s tra r [...] o [s]eu e sp le n d o r” (3) em seu Servo. C o m certeza, o
S ervo é u m a figura p ro fé tic a e da aliança, m as ele ta m b é m é m u ito , m u ito m ais
q ue q u a lq u e r p ro fe ta já foi o u afirm o u ser.
O seg u n d o cântico, n ã o o b sta n te , vai além d o p rim e iro d e o u tra m aneira.
O m e sm o S erv o a q u e m foi c o n c e d id o um m in istério m un d ial ag o ra tem um a
d u p la tarefa. E le ta m b é m é en v iad o a Israel — na verdade, é en v iad o p rim eiro
a Israel. O s capítulos in te rv e n ie n te s e o cu lm in an te cap ítu lo 48 trazem à to n a a
situação d e Israel de m o d o q u e essa é agora u m a tarefa p rio ritária. N o e n tan to ,
d izer sim p le sm e n te que o se g u n d o cân tico reescreve a d escrição d a tarefa d o
S ervo n ã o leva em c o n sid eração a m u d an ça da biog rafia p ara a au to b io g rafia.
O p rim e iro cân tico era u m a palavra d o S e n h o r p ara o m u n d o so b re seu Servo:
“ Sua c o n d iç ã o é c o n h ecid a, m eu S ervo lidará c o m isso ” ; m as o se g u n d o cân tico
é o te ste m u n h o d o S ervo de c o m o essa tarefa m undial recaiu so b re alguém cjue
já fo ra c o m issio n a d o a m in istrar para Israel.
O p ró p rio cân tico é um d u p lo te ste m u n h o pessoal d o S erv o p ara um a
au d iência m undial:

D e litz s c h , p. 2 5 9 .
O LIV RO DO SERVO 514

A O p rim e iro te ste m u n h o (1-3)


a1 A audiência m u n d ial (la b )
b1 O S erv o p re p a ra d o e m e n c io n a d o “ Isra e l” (lc -3 )
B O se g u n d o te ste m u n h o (4-6)
C O d e sâ n im o e o a n tíd o to (4)
b2 O S e rv o p re p a ra d o e c o m issio n a d o p ara Israel (5)
a1 A salvação m u n d ial (6)

A lém d a fo rm a acim a d o cántico, cada “ te ste m u n h o ” é a p re se n ta d o da


m esm a m aneira: as palavras d o S ervo (1,2,4) seguidas das palavras d o S e n h o r
(3,5,6).

O primeiro testemunho (49.1-3)


A a u d iê n c ia m u n d ia l (4 9 .la b )
A co n v o c a ç ão é para o m u n d o em to d a sua ex te n sã o (ilhas-, veja so b re
11.11; 40.15) e to d a s suas nações (essa tra d u ç ã o su gere a g ru p a m e n to s político s
o u étn ico s, m as o te rm o 1'ummim é m ais gen érico , sig nifican d o “ p o v o s”). A pa-
lavra escutem é u m a co n v o c a ç ão p ro fé tic a c o m u m , in d ic a n d o o S erv o c o m o um
p ro fe ta . O p ro n o m e me n ã o é u sa d o p o r n e n h u m o u tro p ro fe ta além d e Isaías,
e o p ro n o m e , em Isaías, é u sad o apenas p a ra o S e n h o r (46.3,12; 48.12; 51.1,7;
55.2). C o m o o S erv o p o d e se dirigir ao m u n d o c o m o ap en as o S e n h o r se dirigia
a eles (cf. 41.1)? Será q u e existe u m a relação aind a n ã o revelada e n tre o S erv o e
o S e n h o r q u e to rn a isso possível?
A frase antes de eu nascer é “ d e sd e o v e n tre ” (cf. J r 1.5). N e m m e sm o essa
b o m b á stic a d eclaração p esso al to rn a n ecessariam en te o S erv o u m in d iv íd u o
(cf. em essência a m e sm a ideia d e 51.1,2 usada p ara u m a asso ciação d e p esso as
q u e b u sc a m a D eu s). A individualidade d o S erv o d e p e n d e d e c o n sid eraçõ es
m ais p ro fu n d a s, c o n fo rm e c o m e ç a m o s a ver acim a. M as, n a verd ad e, em rela-
ção ao M essias há c o m frequência u m a referên cia p a rtic u la r a sua m ãe (7.14;
G n 3.15; SI 2 2 .9 s.< 1 0 s.> ; M q 5.2).1 O v e rb o chamou (co m o em 40.26) refere-se
à p o sição e à função. A ex p ressão meu nascimento é “ o c o rp o d a m in h a m ã e ” . O
se n tid o literal d e fi% menção (o hiphil d e izã k a r ) é (lit.) “ fazer x se le m b ra r d e j ”
(ou seja, “ tra z e r à / p ô r n a m e n te das p essoas, a n u n ciar”) o u “ agir re m e m o ra n -
d o ” , “ te r em m e n te ” (cf. SI 2 0 .7 < 8 > ). A luz d o tem a esco n d id o , a ú ltim a o p ção
é m ais a p ro p riad a. O S e n h o r m an tev e seu n o m e em se g re d o até o m o m e n to
c e rto d e anunciar: “ E sse é Israel” .

O S ervo p re p a ra d o e m e n c io n a d o “Israel” (4 9 .lc -3 )


D a r o n o m e Israel ao S ervo é o foco c o n tro v e rso desses versículos, m as tam -
bém é o p o n to culm inante estru tu ral em direção ao qual o p e n sa m e n to se m ove.

E p ro v a v e lm e n te a e n ig m á tic a p a s s a g e m J r 3 1.22?
515 ISAÍAS 49.1-6

A B
1cd A n te s de eu n ascer o S e n h o r D e sd e as e n tra n h a s da m in h a m ãe,
m e ch am o u ; fez m e n ç ã o d o m eu n o m e (ARC)

2ab E le fez de m in h a b o c a um a N a s o m b ra d e sua m ã o ele me


esp a d a afiada; e sco n d eu ;

2cd E le m e to rn o u u m a flecha E sc o n d e u -m e na sua aljava;


polida;

3ab Pile m e disse: “V ocê é m eu “ E m q u e m m o stra re i o m eu


se rv o ” ; e sp le n d o r” .

N ã o h á evidência d e m a n u sc rito para re m o v e r Israelj1 n e m à luz d a sim etria


d o e sb o ç o acim a é possível um a acusação séria c o m fu n d a m e n to n a m étrica.2
As m e ta d e s A e B d o s versículos ex p ressam verd ad es distintas. A m e ta d e “A”
c o m eça c o m o n ascim en to , segue para a p re p a ra çã o p esso al para u m m in isté-
rio d e palavras e te rm in a co m o p ro fe ta re c e b e n d o o títu lo d e meu servo (veja
2Rs 17.13). A m e ta d e “ B ” c o m eça n o n a sc im e n to c o m a esco lh a divina de um
n o m e e c o n tin u a p ara a n o ta de “ e sc o n d e r” (ou seja, u m se g re d o g u ard a d o para
o m o m e n to certo ) e te rm in a c o m a revelação d o n o m e . E m o u tra s palavras, as
d u as m e ta d e s são c o n siste n te s em si m esm as: em Λ , o c h a m a d o leva ao servi-
ço (via tre in a m e n to p a ra o m in istério p ro fético ); e m B, “ te n d o u m n o m e em
m e n te ” leva (via u m p e río d o de e n c o b rim e n to ) à revelação d o n o m e. P o rtan to ,
p o d e m o s c o n sid e ra r o te x to c o m o ele se ap resen ta.
2 S o b re a g u e rra de m etáfo ras, veja 11.14. Isaías n ã o tem em m e n te a tarefa
para o S erv o d e fazer g u e rra (o tem a d o s caps. 56— 66), m as a b atalh a d a pala-
vra. O g u m e de um a espada é sua eficácia; u m a flecha polida n ã o tem asp ereza nem

1 O m a n u s c r ito K e n n ic o tt 9 6 n ã o tra z a p a la v ra “ Is ra e l” . E le é b e m c o n h e c id o p o r su a s va-


ria n te s e, a fo ra isso , n ã o é d a d a n e n h u m a im p o r tâ n c ia a ela (veja Η . H . R ow ley, I ‫־‬he Servant
of the IMrd [L u tte rw o rth , 1952], p. 8). “ M e s m o q u e K 9 6 fo s s e u m b o m m a n u s c r ito ” , diz
N o r t h , “ se ria d ific ílim o e n c o n tr a r m o s u m a ju stific ativ a p a ra s e g u ir e sse m a n u s c rito n o
d e s a fio d a e v id ê n c ia te x tu a l q u e , d o c o n trá rio , se ria u n â n im e ” (SecondIsaiah, p. 187).
2 M o w in c k e l s u s te n ta q u e a p a la v ra “ Is ra e l” tr a n s f o r m a o v e rsíc u lo 3 e m u m a lin h a 3 + 4 o u
4 + 5 e m u m c o n te x to 3 + 3 o u 4 + 4 . E s s e c o m e n tá r io e x tr e m a m e n te o b s c u r o e im p re c is o
a c o n te c e n a o b r a H e that Cometh (B lackw ell, 1 9 5 9 ), p. 462s. N o r t h , p o r su a v ez, d iz q u e
d e le ta r o n o m e “ Is ra e l” re s u lta e m u m a lin h a 3 + 2 e m u m c o n te x to 3 + 3 . O d is c e r n im e n to
d a m é tric a n ã o é u rn a c ie n c ia exata! M as m e s m o se a p a la v ra “ Isra e l” s o b r e c a r r e g a r a
lin h a , é e x a ta m e n te isso q u e u m p o e ta h e b r a ic o faz a fim d e tr a n s m itir a ê n fa se . O ta le n to
d a p o e s ia h e b ra ic a n ã o é (c o m o n o g r e g o e n o la tim clá ssic o s) a h a b ilid a d e q u e e x p re s s a o
s e n tid o d e s e ja d o e m u m a f o r m a p re s c rita , m as a h a b ilid a d e q u e su je ita u m a f o r m a flexível
à p rio r id a d e d e e x p re s s a r s e n tid o .
O LIVRO DO SERVO 516

d esigualdade q u e p o ssa m desviá-la n o voo, daí sua precisão. A espada c o n q u ista


v itórias ao alcance da m ão (6a); a flecha atinge alvos d istan tes (6b; cf. 57.19; E f
2.17). A frase sua mão [...] escondeu-me na sua aljava indica p re p a ra çã o e cu id ad o
pessoais, re se rv a p ara um alvo e sco lh id o e a in tim id ad e d o S e n h o r e seu Servo.
3 Israel era o n o m e de um indivíduo antes de se to rn a r u m n o m e nacional.
E m B etel (G n 28.13s.; 35.9-15), Ja c ó receb eu o n o m e d e Israel, e c o m esse
n o m e a b ê n ç ã o e a resp o n sab ilid ad e das p ro m e ssa s abraâm icas. N a q u e le m o-
m e n to , o p e so d o m u n d o estava so b re seus o m b ro s. Isaías n o s traz d e volta
a esse m o m e n to e n q u a n to ele p e n e tra n o s seg red o s das an tig u íssim as o b ras
d o S e n h o r; aqui o a to d e d a r o n o m e p a ra o S ervo, “ co m ce rte z a, reflete a
d e sc o b e rta d o p ro fe ta d e q u e Israel n o exílio n ão é d e fato cap az de, naquele
m o m e n to , viver à altura d o q u e significa se r Israel” .1 O m o m e n to d a d e sc o b e rta
foi 48.1,2; a evidência so b re a qual ela re p o u sa , 48.3-8; e a p ró p ria d e sc o b e rta
foi um ta n to m ais q u e a in cap acid ad e de Israel de viver à altu ra d e u m ideal, foi,
antes, a cassação de to d o d ireito a o n o m e. P o r co n seg u in te, o u o S e n h o r tem de
c o n c o rd a r co m o fracasso de seus p lan o s e p ro m e ssa s o u tem d e e n c o n tra r um a
Israel v erd ad eira e digna d o n o m e . O S ervo é esse m ag n ífico n o v o co m eço . H á
treze o c o rrê n c ias d a ex p ressão mostrarei 0 meu esplendor (jp ã P r) n o A n tig o Tes-
ta m e n to , das quais n o v e são em Isaías. E m to d a s as o u tras o casiões, o S e n h o r
“ m o stra seu e sp le n d o r” p o r m eio d o q u e ele faz p ara seu p o v o (44.23; 60.21);
m as aqui é o q u e é feito para ele. E m o u tra s p assag en s o p lural é u sa d o para
aqueles em q u e m o S e n h o r m o stra seu e sp le n d o r, m as aqui o S erv o (singular) é
o foco. Isso n u n c a é d ito p a ra q u a lq u e r p ro fe ta o u in divíduo, n e m p a ra Israel ou
q u alq u er o u tro g ru p o em Israel. Isaías diz u m a coisa única so b re u m a p esso a
única.

O segundo testemunho (49.4-6)

O d e sâ n im o e o a n tíd o to (49.4)
O S erv o está d esa n im a d o p o rq u e ap esar de n ã o te r p o u p a d o n e n h u m es-
fo rç o (tenho me afadigado /.../ tenho gastado minhaforça) n ã o alcan ço u n ad a (sem qual-
querpropósito, em vão, para nada). M as esse é apenas o p rim eiro p e n sa m e n to , não
0 últim o; p e rm a n e c e r aqui é p e rm a n e c e r d esan im ad o , a fu n d a r na d ep ressão . A
palavra contudo Çãkên, “ m as d e fa to ”), um a c o n ju n ç ã o c h a m a n d o ate n ç ã o para
a v erd ad e c o n trária, u m c o n tra ste ao que talvez te n h a sid o im aginado, é usada
p ara tra n sm itir o p e n s a m e n to d e q u e o S e n h o r (não eu) tem d e d ecid ir qual
é a minha recompensa, e d e q u e ele (não eu) d istrib u i a recompensa p elo trabalho.
P rim eiro, o a n tíd o to para o d e sâ n im o é a sab ed o ria de D e u s (minha recompensa/
“ m e u g ala rd ã o ” [ARC] significa q u e é c e rto d ecid ir a m eu resp eito ). Para o
Servo, tu d o p arece u m d e sp e rd íc io de energia, m as ele se afasta d e sua p ró p ria

1 J. G o ld in g a y , God's Prophet, C,od's Servant ( P a te r n o s te r P re ss, 1 984), p. 128.


517 ISAÍAS 49.I-6

sab ed o ria e se ap o ia n o D eu s que o ch a m o u e lhe d esig n o u . S egundo, é o p o d e r


de D e u s (a recompensa é, antes, “ resu ltad o d o tra b a lh o ”). O S erv o m e sm o n ã o vê
n ad a re su lta n d o de to d o seu esforço, m as n ã o cabe a ele decid ir isso. lile, c o m o
o S ervo c h a m a d o (1,2), é fiel ao trab alh ar e ao se d esg astar, e ag o ra cabe ao
S e n h o r tra z e r o fru to q u e q u e r de tu d o isso. A p o iar-se na fé é a resp o sta para o
d e sâ n im o .1 P o r essa razão, Isaías anteviu um S erv o co m um a n atu reza h u m an a
v erd ad eira, te sta d o c o m o so m o s e p ro v a n d o ser o a u to r e ap e rfe iço a d o r do
c a m in h o p a ra a fé, u m a fé verdadeira e pessoal q u e aind a p o d e d iz e r meu D eus
q u a n d o n ad a m ais p arece valer a pena. A ex p ressão sem qualquer propósito {fit!) é
“ v azio ” ; em vão (tõhu ) é o q u e n ã o tem se n tid o n e m se n so (cf. 24.10) nada {hebeí)
significa “ sem su b stâ n c ia o u c o n sistên cia” .

O S ervo p re p a ra d o e c o m issio n a d o p a ra Israel (49.5)


A N V I reflete d e fo rm a acurada a c o n stru ç ã o in te rro m p id a d o v ersículo 5.
O S ervo, c o m e ç a n d o a reg istrar o q u e o S e n h o r disse (5a), vê-se ele m e sm o
le m b ra d o de sua p ró p ria p re p a ra çã o (5b), p ara o q u e foi p re p a ra d o (5cd) e tam -
b é m p a ra sua c o n se q u e n te dignidade e fo rça em D e u s (5ef). A ssim , se o antí-
d o to d o S erv o para o d esân im o era d e sc a n sa r na fé (4cd), o a n tíd o to d o S en h o r
é d iz e r sua palavra (5a). N o e n ta n to , o principal efeito da palavra é tra z e r D eu s
p ara a situ ação de m o d o q u e o q u e p o d e ría p o r si m e sm o cau sar d e sâ n im o seja
p o s to em u m n o v o co n tex to . O S ervo é le m b ra d o de q u e D e u s o m o d e lo u
para essa exata m issão. A té m e sm o sua c o n c e p ç ã o {no ventre) foi d e te rm in a d a e
dirigida p ara o tra b a lh o q u e ele faria. O u , se tra d u z irm o s p o r “ d o v e n tre ” , cada
ex p eriên cia individual da vida d esd e seu p rin c íp io é o afia m e n to d a e sp ad a e
o p o lim e n to d a flecha p ara esse serviço. E le é m o d e la d o p ara a efetividade. A
ev id ên cia p ara o c o n trá rio d isso é aparência tran sitó ria, n ã o realidade final. A
tarefa q u e p arece o te r d e rro ta d o é d e fato a exata m issão p ara a qual o S e n h o r
0 p re p a ro u : trazer de volta Jacó ,2 a restau ração espiritual d o povo. B em , en tão , o

1 E m q u e p o n t o d a e x p eriên c ia d o S e n h o r Je s u s h á e s p a ç o p a ra e sse d e sâ n im o ? A s trev as d o


G e ts ê m a n i n ã o se a d é q u a m a o c a s o ali, à m e d id a q u e c o n s e g u im o s re v e re n te m e n te e n te n -
d e r e ssa e x p e riê n c ia , su a in q u ie ta ç ã o e a n g ú stia n ã o tê m o rig e m n o p a ssa d o , m as n o fu tu ro
im in e n te . M as h á m o m e n to s n o s e v a n g e lh o s e m q u e o S e n h o r Je s u s e n f re n to u rejeição
m a ld o sa , d e s c re n ç a cega, p re c o n c e ito e e n te n d im e n to eq u iv o c ad o ; q u a n d o as p e sso a s e os
d isc íp u lo s fo ra m a tra íd o s p e lo m a g n e tis m o d o s sinais e m aravilhas, e a p rin cip al ta re fa d a
p re g a ç ã o e stav a a m e aç a d a; q u a n d o ele clam o u : “A té q u a n d o ” (Lc 9.41); q u a n d o ele só p o d ia
la m e n ta r a c o n tín u a in c a p a c id a d e d a s p e sso a s d e e n te n d e r (M c 8.21); c q u a n d o a n te v iu o
a b a n d o n o d o g r u p o m ais ín tim o (M c 14.27). T alv ez o q u e estiv esse e sp a lh a d o a o lo n g o de
to d o o c u rs o te r r e n o d e n o s s o S e n h o r, Isaías te n h a c o m p a c ta d o e m u m ú n ic o m o m e n to .
2 O v e rsíc u lo reunir Israel a ele mesmo é u m d o s v e rsíc u lo s c m q u e h á u m a te n s ã o e n tr e 10 '
(“ n ã o ” ) e lo (“ p a r a e le ”); cf. 9 .3 < 2 > . A tr a d u ç ã o “ c q u e Israel n ã o seja v a rrid a ” é p o ssív e l,
m a s o s m a s s o re ta s re c o m e n d a v a m “ p a ra e le ” (a p o ia d o s p e lo Q a), e e ssa tra d u ç ã o , sem
d ú v id a , é (‫ נ‬c u r s o c o rre to .
O LIV RO DO SERVO 518

q u e p o d e im p e d ir essa realização?! A ssim , o d esân im o vai e m b o ra e o ân im o


to m a seu lugar. D iz e r q u e D e u s é sua força n ã o equivale a d iz e r q u e sua força
vem d e D e u s, m as q u e D e u s está tã o p re se n te co m ele e nele q u e a fo rça divina
se to rn a dele. P o r c o n se g u in te , a q u e stã o p e rc o rre n d o os versículos 4c-5 é esta:
o d e sâ n im o surge d o o u v ir a n ó s m e sm o s e de n o ssa au to av aliação etc., em vez
d e o lh a r para D e u s, le m b ra r-n o s d e seus p ro p ó sito s, viver d e a c o rd o c o m n o ssa
d ign idade e re d e sc o b rir nele n o ssa fo n te de p o der. A frase e agora 0 Senhor disç
o u “ m as ag o ra [w'^attá; fa z e n d o u m a c o n ex ão lógica] diz o Senhor ” (ARA) é
a re sp o sta divina, c a sa n d o co m mas eu disse n o v ersículo 4. O meu D eu s tem sido
a m inha força (desde o co m eço , e m b o ra eu m o m e n ta n e a m e n te n ã o te n h a visto
isso) o u “ se faz a m in h a fo rtaleza” (TB) (to rn a n d o -se n a ex p eriên cia o q u e ele
se m p re foi, a p esar d e n ã o ser v isto assim ).

A salvação m u n d ia l (49.6)
A ex p ressão ele disçj “ d isse” (ARC) recapitula o v ersícu lo 5a.1 O q u e o Se-
n h o r diz aqui é essencial p ara a q u e stã o de se é possível id en tificar o S e rv o co m
a nação, o u c o m o re m a n e sc en te o u se deve ser u m in d iv íd u o — e se a últim a
o p ç ã o fo r o caso, se ele p o d e se r au to b io g rá fic am e n te id en tificad o o u n ã o co m
0 p ro fe ta . P rim eiro , é n ecessário d iz e r q u e é difícil v er c o m o Ja c ó p o d e trazer
Ja c ó d e volta. A p e rfe ita frase de N o r th de q u e “ a p rim eira m issão d a igreja é
para a igreja” 2 é ap en as u m a fo rm a co n cisa de d iz e r q u e h á algum as pesso as
“ na igreja” (o “ v e rd a d e iro ” p o v o d e D eu s) q u e têm a re sp o n sab ilid ad e de m i-
n istrar para o s q u e se associam fo rm a lm e n te à igreja. A ssim q u e alg u ém ten ta
aplicar a “ visão c o rp o ra tiv a ” , ela se to rn a d essa m an eira u m a “ v isão rem an es-
c e n te ” oculta. S egundo, q u e m são aqueles de Israel que eu g u a rd e i/ “ os g u ard ad o s
d e Israel” (A RC)? D e u te ro n ô m io 32.10 usa o m e sm o v e rb o (in à sa r) p ara a
p ro te ç ã o d o S e n h o r d e seu povo, e Salm os 32.7b usa o v e rb o p ara a p ro te ç ã o
d o p e n ite n te p elo S enhor. Isaías é o ú n ico d o s p ro fe ta s q u e usa o v e rb o para
a p re se rv a ç ão d o c ren te p elo S e n h o r (26.3), seu cu id ad o c o m sua v in h a (27.3)
e sua p re se rv a ç ã o d e seu S ervo (42.6; 49.8). N ã o h á ev id ên cia su ficien te para
d izer q u e Isaías, c o m a palavra povo, sem p re p e n sa cm u m p o v o individual
o u g ru p o (um re m a n e sc en te ), m as, fu n d a m e n ta d o na ad eq u ab ilid ad e, esse é o
m e lh o r se n tid o aqui, c o n fo rm e refletido n a N V I (c f 10.21: “ U m re m a n e sc en te
voltará, sim , o re m a n e sc e n te d e Jacó vo ltará p ara o D e u s P o d e ro s o ”). E sse
g ru p o p re se rv a d o de fo rm a so b re n a tu ra l é trazid o de v olta ao S e n h o r p o r in-

1 N ã o é c ru c ia l u m a lev e in c e r te z a a r e s p e ito d o te x to a q u i. (7 te x to e s c rito tra z nsyr, p re -


s u m iv e lm e n te nãsir. E s s a p a la v ra n ã o é e n c o n tr a d a e m o u tr a s p a s s a g e n s , m a s se ria u m
s u b s ta n tiv o p a ssiv o re sp e itá v e l (“ p r e s e r v a d o ”). O s m a s s o re ta s re c o m e n d a v a m nãsür, p a r-
tic íp io p a s s iv o d o m e s m o v e r b o c o m o m e s m o s e n tid o .
2 N o r t h , Second Isaiah, ρ. 189.
519 ISAÍAS 49.7-13

te rm é d io d o m in istério d o S ervo, que, p o r isso, tem de ser d istin g u id o ta n to da


nação q u a n to d o rem an escen te.
( ‫ כ‬S erv o é en v iad o para restaurar/ “ su scitares” (TB) os p ro stra d o s, n o con-
texto, so b o fard o d o p ecad o e trazer de volta os q u e se distan ciaram e se alie-
n aram d o S enhor. E ssa é a tarefa co m a qual o S ervo fico u afad ig ad o (4), m as
ag ora o S e n h o r, c o m o p a rte d o p ro c e sso d e tra n q u ilizar o S erv o q u a n to a ser
b em -su c e d id o na tarefa, fala da tarefa c o m o e sta n d o m u ito aq u ém da capaci-
d ad e e d ig n id ad e d e seu S ervo {pequena demais). P o r c o n se g u in te , está incluída
na v o cação d o S erv o u m a o b ra m aior: ser a lusçpara os g en tio s/ “ p ara as n a ç õ e s”
(C N B B ) e levfarj /.../ salvação para to d o o m u n d o {até os confins da terra). M esm o
su p o n d o q u e era algo fácil aceitar a quase m eg alo m an ia d e u m p ro fe ta ch am an -
d o a si m e sm o de “ Israel” (3), ainda seria dem ais e sp e ra r q u e p u d e sse ele m es-
m o se r a luz e a salvação d o m un d o . (3 h eb raico resiste à tra d u ç ã o d a N V I p o r
para que você leve a m inha salvação e exige a trad u ção “ que v o cê p o ssa se r m in h a
salvação” , pois, n o paralelism o d o versículo, as ex p ressõ es “ se r m e u s e rv o ” e
“ ser m in h a salvação” equilibram um a à o utra. O p e n sa m e n to n ão é q u e o S erv o
é o a g en te na tran sm issão d a salvação, m as que ele, em sua p ró p ria p esso a, é a
salv ação 1 d e q u e o m u n d o p recisa e é, da m esm a m an eira, a lusç d o m u n d o .2 N o
e n ta n to , essa v ocação tem de ser c u m p rid a , ela ultrap assa a d o (m ero) p ro fe ta
— na verd ad e ela ultrapassa a d o m e ro ser h u m an o . M as Isaías relata sua histó -
ria em seu p ró p rio tem po.

2. A confirmação divina: o sucesso do Servo (49.7-13)


O “ a rre m a te ” d o seg u n d o cân tico d o S erv o lem b ra aquele q u e se seguiu
ao p rim e iro cântico. E m 42.5-9, se g u in d o a fó rm u la d o an ú n cio : “A ssim diz
0 S e n h o r” , a tarefa universal d o serv o é c o n firm a d a em te rm o s d e aliança, e

1 O v o c a b u lá rio d e salvação é m ais a b u n d a n te c m Isaías q u e e m q u a lq u e r o u t r o p ro fe ta . O


s u b s ta n tiv o y~suã ( e n c o n tr a d o a p e n a s e m J n 2 .9 < 1 0 > e H c 3 .1 8 e n tr e o s p ro fe ta s , m as
19 v e z e s e m Isaías) e s tá d is tr ib u íd o d e f o r m a e q u ilib ra d a a o lo n g o d a lite ra tu ra . H á c in c o
o c o r rê n c ia s d o s u b s ta n tiv o re la c io n a d o yesa' a o lo n g o d e Isaías, m a s é, p o r o u tr o lado,
e n c o n t r a d o a p e n a s e m M q 7.7; H c 3 .1 3 ,1 8 . H á 2 9 o c o r rê n c ia s d o v e r b o -iyasa' a o lo n g o
d e Isaías, d o c o n tr á r io a p e n a s Je re m ia s a p r e s e n ta u m u s o re le v a n te ( d e z o ito vezes). O u so
p e r s o n a liz a d o (“ D e u s é sa lv a ç ã o ”) é r a ro ( p o r e x e m p lo , Ê x 15.2; SI 35.3; Is 12.2 [duas
v e ze s]; 33 .2) e é a p lic a d o a p e n a s a D e u s m e s m o . N ã o h á e x e m p lo e m q u e se a firm a d e u m
s e r h u m a n o : “ V o c ê é m in h a sa lv a ç ã o ” .
2 I msçL· u m a rica m e tá fo r a , sig n ific a n d o e s p e ra n ç a , alívio, fim d a m e la n c o lia , u m s e n tim e n to
d e s e n tid o e p r o p ó s i t o (Jó 3.9; 12.25; SI 4 9 .1 9 < 2 0 > ; 9 7 .1 1 ), a luz d a v id a (Jó 3 .2 0 ; 18.5;
SI 3 6 .9 ; 5 6 .1 3 < 14 > ) e d a v e rd a d e (SI 43.3); SI 27.1 ju n ta luz e salv ação. Isaías u s a lu^ p a ra
o c a m in h o d o S e n h o r re v e la d o (2.5; 42.6; 51.4; 6 0 .1 ,3 ), d a e s p e ra n ç a (5.30; 4 2 .1 6 ; 4 5 .7 ;
5 8 .8 ,1 0 ; 59.9) e d o S e n h o r (10.17; 60.1 9 ,2 0 ) e o d ia d o S e n h o r (30.26). E s s e s u s o s p o d e m
s e r fe ito s p a ra le lo s e m to d o s o s p ro fe ta s , m a s s ó Isa ías u sa /«£ p a ra in te g r id a d e m o ra l
(5.20) e p a r a a e s p e ra n ç a m e s siâ n ic a (9.2; 42.6; 4 9 .6 ; 60.1,3).
O LIV RO D O SERVO 520

a m o rá c u lo m istu ra n d o a prim eira e a terceira p esso as (42.10-17) esb o ç a a pe-


reg rin ação d o m u n d o d e volta para casa, de volta p a ra o S en h o r. O seg u n d o
cântico, c o m su a d u p la “ descrição d o tra b a lh o ” , é seg u id o p o r d ois o rácu lo s
in tro d u z id o s pela fó rm u la de an ú n cio “A ssim diz o S e n h o r” (7,8). E les lidam
re sp e c tiv a m en te c o m o oráculo, m istu ra n d o a prim eira e a terceira pessoas,
q u e e sb o ç a u m a jo rn a d a d e ê x o d o (9 c-10) e um a reu n ião m u n d ial co m D eu s
(11,12). O te m a d e 42.10 é refletido n o cân tico de e n c e rra m e n to d e 49.13. E ssa
sim ilaridade n ã o p o d e ser acidental, m as, em vista d a cu id a d o sa ed ição d a litera-
tu ra isaiana, n ão é in esp erad a à luz d o te m a idêntico , a “ d escrição d o tra b a lh o ”
d o S ervo, q u e fo rm a o c ern e d o s dois p rim eiro s cânticos. Sem d ú v id a, cada
u m a das u n id ad es q u e fo rm a m esse m o saico tin h a sua p ró p ria p ré-h istó ria,
m as a nova in te g ra ç ã o é feita co m habilidade p ara alcan çar u m a ap re se n ta çã o
equilib rada d o te m a d o sucesso d o Servo.

A A eficácia universal (7-9b)


a1 O S e rv o e o re c o n h e c im e n to g e n tio (7)
b1 O se rv o e a aliança c o m Israel (8-9b)
B A re u n iã o universal (9 c -12)
b2 U m a jo rn a d a d e ê x o d o (9 c-10)
a2 A reu n ião m u n d ial (11,12)
C A alegria universal (13)

A s seções a 1 e b 1 (cada u m a co m n o v e linhas) têm a m e sm a fó rm u la in tro -


d u tó ria; as seções b 2 e a2 (seis e cin co linhas, resp ectiv am en te) têm linhas iniciais
casadas, “ ju n to aos c a m in h o s” (9c) e “ em e stra d a s” (11), ad eq u ad as a seu tem a
d e jo rn ada.

A eficácia universal (49.7-9b)


O serv o e o re c o n h e c im e n to g e n tio (49.7)
A lin h ad o s c o m o te x to p re c e d e n te, tem o s d e e n te n d e r Israel aqui c o m o
um a referên cia ao Servo. A o lo n g o dos capítulos 49— 55, “ Israel” o c o rre ape-
nas c o m o p a rte de um títu lo divino (54.5; 55.5); a n a ç ã o é c h a m a d a d e “ S ião” .
O versículo c o m e ç a e te rm in a (linhas ab, gh) c o m o m e sm o tem a: o c o m p ro -
m isso d o S e n h o r co m seu Servo. O S enhor, n a p len a realidade d e sua n a tu re z a
divina (Santo), o c u p a -se d a sua fu n ção de p a re n te (g õ ’êl, Redentor, cf. .35.9s.), o
g u ard ião d o s in teresses d o S erv o e responsável p o r to d a s as n ecessid ad es dele
(ab). O re su lta d o d a carreira d o S ervo (gh) é p o rq u e o m e sm o D e u s é fiel co m
seus escolhidos. A s linhas in te rv e n ie n te s (cd, ef) d escrev em u m c o n tra ste inex-
plicável n a reação m u n d ial ao S ervo p o r m eio d o qual a av ersão se tra n sfo rm a
em respeito. O versículo, p o r c o n seg u in te, tem u m a fo rm a ç ã o a-b -b -a.
521 ISAÍAS 49.7-13

E le, p o r se r o Servo, tem u m a n a tu re z a servil (cf. Le 22.27) e, d e urna


m an eira q u e Isaías n ã o explica aqui, so fre o reb aix am en to de sua d ig n id ad e
(desprezado) nas m ão s d o s governantes te rre n o s e d o m u n d o que eles re p re se n -
tam . O te rm o nação (goy) está n o singular e é in d efin id o , u sad o aqui c o m o u m
te rm o g e n é ric o para o m u n d o fora d e Israel. A palavra desprezado/ “ alm a des-
p re z a d a ” (ARC) (b'zoh nepes ) ' significa o u “ d e sp re z a d o d e co ração ” (ou seja,
p ro fu n d a m e n te d esp rezad o ) o u “ d e sp re z a d o p elo q u e ele m e sm o é” (ou seja,
p e sso a lm e n te d esp rezad o ). O se n tid o exigido de detestado pela nação/ “ p elos p o -
v o s” (N T L H ) é claro, m as a fo rm a hebraica é in c o m u m .12 A ideia é m u ito forte:
“ m a n tid o na aversão p o p u la r” . O servo é aquele q u e eles c o n sid eram estar a
sua d isp o sição (cf. J o 19.10). P or c o n seg u in te, Israel está c o n sc ie n te de q ue a
rejeição e av iltam en to tê m d e ser a sina d o Servo; as passag en s 50.4-9 e 52.13—
53.12 já estã o la n ç a n d o sua so m b ra. N o e n ta n to , ele n ã o explica isso m ais do
q ue explica a re p e n tin a tra n sfo rm a ç ã o nas linhas ef, em q ue os governantes agora
se levantarão para sa u d a r um su p e rio r e se curvarão em re c o n h e c im e n to da p o sição
dele. A s ações c o n tra sta n te s de levantar-se e de p ro stra r-se ex p ressam co m p leta
su b serv iên cia. S o b re reis e líderes \ c ja 32.1. N a frase 0 verão, o “ o ” é um acrésci-
m o in te rp re ta tiv o e devia ser o m itido. N ã o so m o s in fo rm a d o s so b re o q u e eles
v eem e te m o s d e e sp e ra r o “ vejam ” de 52.13 para d e sc o b rir o q u e eles veem .
Isaías, em sua m aestria de su sp en se, deixa tu d o n o ar. O S erv o d e sp re z a d o se
to rn a o S erv o re c o n h e c id o , co m a única explicação d e q u e o S en h o r, d o co m e-
ço ao fim , foi fiel, m an tev e sua san tid ad e e n u n c a v o lto u atrás em sua escolha
fe h ).

O servo e a aliança com Israel (49.8-9b)


C o rre s p o n d e n d o à revelação n o cân tico de que o S erv o se sen tiu to talm en -
te d e sa n im a d o co m seu e sfo rç o e e n c o n tro u refrig erio e co n fian ça n o S en h o r,
0 e n c o n tra m o s aqui co m o h o m e m d e o ra ç ã o (8b), re c e b e n d o g aran tia da ajuda
d o S e n h o r de m o d o q u e ele, c o m o h o m e m da aliança (8e), trará um a b ên ção

1 S o b re a f o r m a b'zóh veja G n 4 8 .1 1 , P v 16.16; (,Κ (.Ί 5 η . Q·' tra z b'zíty (o p a rtic ip io passi-
v o ), q u e faz c o m q u e o s e n tid o seja o m e s m o .
2 A e x p re s s ã o “ d e te s ta d o p e la n a ç ã o ” é a d e q u a d a p a ra o c o n te x to e é difícil d u v id a r q u e
seja e ssa a in te n ç ã o d a s p a la v ras, m a s o t e r m o m'ta eb é u m p a rtic ip io piel, c o m o s e n tid o
d e “ a lg u é m d e te s ta d o ” , n ã o d e “ a lg u é m d e te s ta n d o ” . T e o ric a m e n te , s o b r e a s u p o s iç ã o d e
q u e o qal (n ã o e x e m p lific a d o n a B iblia) é u m v e r b o e s tá tic o (“ s e r d e te s tá v e l” ), o piel p o d ia
e x p re s s a r u m a in te n s ific a ç ã o (“ s e r r e a lm e n te d e te s tá v e l”), m as e sse u s o n ã o é ex em p lifi-
c a d o . O m o v im e n to p a d rã o , n o s v e rb o s e stá tic o s , d e qal p a ra piel é d e d e s c riç ã o d o e s ta d o
p a ra u rn a s e n tid o tra n s itiv o c o r r e s p o n d e n te (de “ s e r d e te s tá v e l” p a ra “ d e te s ta r ”). M e sm o
se o t e r m o m 'la ib fo ss e e n tã o tr a ta d o c o m o u m s u b s ta n tiv o , n a a n a lo g ia d e su b s ta n tiv o s
f o r m a d o s d e f o r m a sim ilar, ele sig n ificaría “ u m d e te s ta d o ” , n ã o “ u m a a v e rs ã o ” . P o r essa
ra zã o , d e v e h a v e r r e c u r s o p a ra a sim p le s a lte ra ç ã o d o a tiv o p a r a o p a ssiv o n fto'ab (veja
N o r t h , W h v b ray , BKS, KH).
O LIV RO DO SERVO 522

q u á d ru p la d e segurança (8f), alegria (8g), lib ertação (8h) e tra n sfo rm a ç ã o (8i).
C) S en h o r, em re sp o sta à o ração , pro v ará ele m e sm o ser tu d o d e q u e seu S ervo
precisa. O p ro n o m e “ m in h a ” n a frase 0 tempo de m ostrara m inha bondade (N T L H )
deve ser o m itido. O adjetivo favorável (rãsôn ) e seu v e rb o (Irasa) n a m aio ria de
seu u so se re fe re m ao S e n h o r e àquele que está em h a rm o n ia co m a v o n ta d e
dele, aquele q ue, ao fazer o u ao receber, o deleita. P o r isso, u m “ te m p o favorá-
vel” é u m te m p o Çêt; cf. 13.22) q u e está em h a rm o n ia ab so lu ta c o m a v o n ta d e
d o S enhor. A d efin ição final, dia da salvação, é um dia m arc a d o pela salvação
co n su m a d a e disponível. A in d a n ã o sab em o s c o m o o S erv o tem de se en v o lv er
nisso, m as ele receb e a g aran tia d e que, q u a n d o esse m o m e n to d iv in am en te
a p ro p ria d o c h eg ar e o dia p ara c o n su m a r a salvação raiar, sua o ra ç ã o será res-
p o n d id a. O s v erb o s responderei e ajudarei são a m b o s p e rfe ito s d e c erteza, “ estar
d e te rm in a d o a” . A té esse te m p o vir o S e n h o r o guardar¡á] (so b re “g u a rd a r” veja
v. 6) e, d ep o is, o fa r á tu d o q u e ele p recisa ser. E m 42.6, a qualificação “ luz para
os g e n tio s” foi n ecessária para indicar u m a referên cia a tra z e r os g e n tio s para a
aliança d o S en h o r. A qui o c o n te x to faz u m a clara referên cia a Israel. M as o Ser-
vo é m ais q u e um o fician te o u in stig ad o r da aliança; ele é em sua p ró p ria p esso a
a aliança d o S enhor. A qui está m ais um a vez a declaração q u e exalta o S ervo
acim a d e q u a lq u e r p ro fe ta (cf. v. 6). A aliança, n o p e n sa m e n to bíblico, é um
p e d id o unilateral e a c o n se q u e n te o b ra d e D eu s. Falar d o S erv o c o m o o m eio
da aliança naquele p e río d o de tem p o , c o n fo rm e sab em o s, significa q u e é p o r
m eio de sua o b ra q u e as b ên ção s da aliança fo ram disp o n ib ilizad as, é ap en as
nele, na u n ião da relação pessoal, q u e essas b ê n ç ã o s p o d e m ser u su fru íd as. O s
p ro fe ta s p regavam a aliança e ap o n ta v a m p ara lon ge d e si m esm o s, ap o n ta v a m
para o S en h o r; o S ervo atualizará as b ê n ç ã o s e a p o n ta rá para si m esm o . S o b re
terra , propriedades, cativos e trevas cf. 42.6,7. A coisa física é o te m a d o espiritual:
restaurar/ “ lev an tar” é u sa d o n o se n tid o de to rn a r seguro, estab ilizar (co m o , p o r
exem plo , em 2 C r 7.18); d istribuir/ “ dares em h e ra n ç a ” (A RC) significa to m a r
p o sse e d e sfru ta r; aos cativos/ “ aos que estão em cadeias” (TB ), o S erv o significa
lib erd ade; s a ia m / “ ap arecei” é d e sfru ta r a re c é m -e n c o n tra d a liberdade.

A reunião universal (49.9c-12)


U m a jo rn a d a d e ê x o d o (4 9 .9 c -10)

E n tre a escrav id ão egípcia e o g o z o d e C anaã h á u m a jo rn a d a n o d e se rto


na qual o p o v o viv en cio u o cu id ad o de D eus. T a m b é m na p ere g rin a çã o d a v olta
d o co ração para D e u s há:
(i) P rovisão (9cd). E les se apascentarão/ “ p astarão ” (TB) c o m o o re b a n h o d o
S en h o r ju n to aos caminhos, o u seja, as pastagens estarão à m ão, satisfazen d o -o s a
cada passo, e até m e sm o a colina estéril será tra n sfo rm a d a p ara su p rir as n eces-
sidades deles.
523 ISAÍAS 4 9 .7 - 1 3

(ii) P ro teção (lü ab ). E les serão protegidos d e to d a falta de força in terio r (Jome
e sede) e de to d a am eaça exterior {calore sol). P rovavelm en te o calor (sãrãb-, 35.7) é a
terra seca abaixo, c o m o o so lé o calor im p ied o so acim a, fo rm a n d o um a im agem
de p ro teção total. A pesar de Y oung decidir c o n tra o sen tid o d e sãrãb ser aquí
“ m irag em ” , ele faz isso acred itan d o q u e o s e n ü d o n ã o se aju sta ao co n tex to .
P o r sua vez, a ideia d e p ro te ç ã o d o d e sa p o n ta m e n to é u m p e n sa m e n to adicio-
nal eficaz.1
(iii) 'I'utela (lü c d ). T odas as b ên ção s an te rio re s são explicadas: a jo rn a d a é
feita so b a co m p assiv a liderança divina. A passag em é rep leta d e pares, signifi-
c a n d o c o m p le tu d e : a lim e n to /á g u a , fo m e /s e d e ; calo r d o d e s e r to /s o l d o deser-
to. A g o ra te m o s guiará e conduzirá e n ão p o d e ser feita n e n h u m a d istin ção en tre
o p rim e iro J n ã h a g ) e o ú ltim o (inãhal)-, a ideia é sim p le sm e n te d u p licad a para
e n fatizar um a liderança total. A compaixão {¡rãham ) é o a m o r in d u z id o em o cio -
n alm en te ta n to característicam en te m a te rn o (lR s 3.26) q u a n to v erd ad eiram en -
te p atern al (SI 103.13).

A re u n iã o m u n d ia l (49.11,12)
O e le m e n to d o cu id ad o é in ten sificad o pela v olta à p rim eira p esso a d o
sin g u lar (cf. v. 8).
11 O S e n h o r ad m in istra so b e ra n a m e n te to d as as coisas, m e sm o a p o n to de
ser p ossível para o s p ereg rin o s tra n sp o r co m co n fian ça os m o n te s q u e p o d iam
p a re c e r instransponíveis. A final, eles são os meus montes , e n ão u m a b a rre ira es-
tra n h a , m as fazem p a rte d o m u n d o d o C riad o r, q u e estã o ali para c u m p rir sua
o rd e m e fazer sua v o n tad e. O s b o c a d o s feitos p elo h o m e m ta m b é m são dele
{meus caminhos) e serão fáceis de ver {serão erguidos) d e m o d o q u e os p e reg rin o s
n ão p o ssa m se desviar. N e n h u m o b stá c u lo n e m in certeza os im p ed irão d e vir
para casa.
12 N e n h u m a co n sid eração d e distância {de bem longe) n em de localização
{norte /... / oeste /.../ A ssu ã ) im pedirá a p eregrinação. N ã o h á referên cia ao leste (a
m e n o s q u e esteja incluído na “ terra d e S inim ” (ARC]), d e sc o n h e c id a p ara nós;
veja a n o ta d e ro d a p é d a N V 1), talvez p o rq u e Isaías n ã o quisesse q u e essa jor-
n ada fosse c o n fu n d id a co m a volta da B abilônia. A citação de A ssu ã , d a N V I, é
apen as um p alpite (veja E z 29.10; 30.6). A Q" traz swnyym, e isso p o d e aju d ar a
c o n firm a r Sinim c o m o s'w enéh ou A ssuã, m as, o m ais provável, é q u e isso tam -
b em seja um p alpite a ceitan d o en tre o d e sc o n h e c id o e o lu g ar em q u e se sabia
q u e alguns exilados se estabeleceram . A identificação m ais antiga de Sinim co m
a C h in a carece d e co n firm ação . Talvez Isaías estivesse se n d o d elib erad am en te
o b sc u ro , a p re se n ta n d o o p o n to de que os lugares d e sc o n h e c id o s são co n h ecí-
d o s p ara D eu s, e ele, m e sm o a p a rtir deles, reu n irá seus p ereg rin o s.

Y o u n g , p. 2 80.
O LIV RO DO SERVO 524

A alegria universal (49.13)


O S e n h o r c o n firm a os do is lados da tarefa de seu S ervo; ag o ra to d o s são
co n v o cad o s a cantar. C o m o é usual, o c a n to é u m a im ag em d e e n tra r co m
alegria nos b en efício s p elo s quais o indivíduo n ã o fez n ad a (cf. 12.1; 24.16;
25.1; 30.29; 54.1). O c a n to celebra o q u e o S e n h o r tem feito. O s céus e a terra
ex pressam to talid ad e, e o s montes são esco lh id o s c o m o o s lugares d o s quais as
b o as-n o v as são p ro clam ad as (40.9). S o b re consolo veja 40.1. O te m p o p e rfe ito
p o d e significar u m p re se n te (essa é um a característica im utável d o S en h o r) ou
um fu tu ro c e rto (ou seja, um p e rfe ito de certeza, “ d e te rm in a d o a”) o u , m e lh o r
aqui, u m passado. T o d a a criação é co n sid erad a c o m o re m e m o ra n d o algo que
já a co n teceu . N o c o n te x to da p assagem , a ex p ressão seu povo n ã o p o d e se res-
trin g ir a Israel c o m o p re v ia m e n te co n stitu íd a. N o Servo, a salvação, as b ên ção s
d a aliança c a luz são este n d id a s ao m u n d o in teiro (6); u m p o v o u niversal segue
a ro ta d e p e re g rin a çã o p a ra casa. E sse é o cân tico da “ igreja m u n d ia l” . O ter-
m o afligidos é “ reb aix ad o , h u m ilhado, o p rim id o ” . A s linhas “ d ” e “ e ” têm um a
fo rm a clássica co m o s v e rb o s n o início e n o fim: “ Pois o S e n h o r co n so la o seu
p o v o e terá co m p a ix ã o d e seus afligidos” . O p o v o d o S e n h o r está n o c e rn e das
p re o c u p a ç õ e s dele, ce rc a d o de co n so lo e (c o n fo rm e v. 10) d e com p aix ão .

3. Os muitos e o único: indiferença e resposta (49.14—50.11)


D ificilm en te a sen sação de anticlím ax em 49.14 p o d e ría ser m ais fo rte. A
lem b ran ça da frase: “ P o r q u e v o cê reclam a, ó Ja c ó ? ” d e 40.27 d e p o is das g aran -
tias d e 40.1-26, a voz queixosa de Sião c o n tra sta de fo rm a c o n tu n d e n te co m
a can ção m undial so b re a o b ra d o Servo. O u so d o n o m e “ S ião” é relevante.
O té rm in o da jo rn a d a de 48.20,21 foi um a cidade a rru in a d a c deso lad a. Isaías
levanta essa realidade e usa-a para re tra ta r o p ró p rio p o v o em sua necessidade.
A v erd ad eira acusação de in diferença vem em 50.1-3, p assag em na qual a acu-
sação se levanta em c o n tra p a rtid a à recep tiv id ad e da voz iso lad a e testificad o ra
(50.4-9) d o S erv o (50.10,11). A té esse p o n to , o S e n h o r e m p ilh a p ro m e ssa so b re
p ro m e ssa cm u m a ten tativ a d e tranquilizar o p o v o e c o n q u ista r a co n fian ça
deles, m as é tu d o em vão. E les c o n tin u a m d esalen tad o s e d escren tes, u m co n -
traste c o n tu n d e n te co m aquele q u e re sp o n d e co m jubilosa fé.
A seção co m e ç a c o m cin co falas d o S enhor. A p rim eira (1 4 -18b) re sp o n d e
d irc ta m e n te à queixa de Sião; o re sto é in tro d u z id o p o r u m a fó rm u la d e dis-
cu rso (18c,22,24,25; 50.1). O tem a filhos-m ãe u n e essa série (17,20,22,25; 50.1)
em que as q u a tro p rim eiras p a rte s fo rm a m do is pares, e a q u in ta p a rte leva ao
terceiro cân tico d o S erv o (50.4-11).
525 ISAÍAS 4 9 . I 4 - 5 0 . 1 1

Λ O S e n h o r q u e n ào esquece (49.14-21)
a1 A reu n ião fam iliar (14-18b)
b1 A fam ília reunida, um enig m a (18c-21)
B C) S e n h o r q u e c o n q u ista (22-26)
a2 O s c ap to res su b serv ien tes: a reu n ião fam iliar (22,23)
b2 O s c a p to re s d o m in a d o s: a fam ília explicada (24-26)
C O S e n h o r q u e redim e ( 5 0 .1 3 ‫)־‬
c1 A fam ília n ã o resp o n siv a (1 -2b)
d1 O S e n h o r c o m p e te n te (2c-3)
D O S e n h o r so b e ra n o (4-11)
c2 O S ervo resp o n siv o (4-6)
d2 O S e n h o r c o m p e te n te (7-9)
e O S ervo e o re m a n e sc en te (10,11)

As seções a 1 e b 1 c o m p a rtilh a m a p alav ra-tem a “ filh o s” (17,20), co m eçam


e te rm in a m , re sp ectiv am en te, co m as palavras d e Sião (14,21) e são ligadas pela
palavra “ to d o s ” (18bd). As seções a2 e b 2 c o n tin u a m o tem a d e filho (22,25) e
c o m p a rtilh a m o tem a da co n q u ista d o s captores. C ad a um a inicia co m um a fór-
m ula d e an ú n cio (21,25) e conclui co m u m a declaração so b re o c o n h e c im e n to
d o S e n h o r (23f,26c). A reu n ião fam iliar (a1) é explicada pela su b se rv ie n te coo-
p e ra ç ã o d o s o u tro ra c ap to res (a2), e o enigm a da fam ília d e Sião (b 1) é explicado
pela o b ra salvífica d o S e n h o r (!2‫)ר‬. A relação en tre as seçõ es C e D é o c o n tra ste
e n tre a in d iferen ça e a resp o sta, q u e é o tem a da seção to d a, e a palavra “ so b e-
ra n o ” fo rm a um eficiente inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar
n o início c n o final de um a seção]. A d e san im ad a Sião usa o títu lo (14b, “ o Se-
n h o r m e d e sa m p a ro u ”), m as n ão acredita nele; o S erv o reitera isso (50.4,5,7,9)
c o m o alguém q u e está c o n v e n c id o disso. D e um lado, é o fe re c id o a Sião to d a
p e rsu a sã o para c o n fia r (14-26), ela, c o n tu d o , n ã o confia; o o u v id o d o S ervo
está a b e rto para c o n h e c e r so b re o so frim e n to e a rejeição (5,6), ain d a assim , ele
re sp o n d e co m c o m p ro m isso e fé. O c o n tra ste en tre o S ervo, que é Israel (49.3),
e Sião, q u e co stu m av a ser Israel (48.1,2), é co m p leto .

O Senhor que não esquece (49.14-21)

A re u n iã o fa m ilia r (49.14-18b)
N e sse s versículos, a palavra “ a m o r” n ã o é usad a para o S en h o r, m as eles
dificilm en te p o d ia m ser m ais fragrantés d e realidade. As palavras d e d esân im o
im p e n sa d o (14) são c o n tra p o sta s pela refu tação d ireta (15,16) c pela palavra
d e p ro m e ssa (17,18b). O a n tíd o to p ara o d esân im o é, prim eiro , dirigir a m en te
para D e u s e, segundo , d escan sar na palavra dele.
O LIVRO DO SERVO 526

14 Sião acha q u e foi abandon¡ada: c desam parada j (o q u e os o lh o s n ã o veem ,


0 co ração n ã o sente). N o e n ta n to , 0 Senhor (lavé) tem u m n o m e e te rn o (Ê x
3.14,15) q u e n ã o p o d e ser alterad o e q u e ele revelou em sua o b ra re d e n to ra para
seu p o v o cativo n o F.gito; e 0 Senhor (’“dõnãy ) é o “ so b e ra n o ” q u e n ã o p o d e ser
co ag id o a fazer q u alq u er coisa q u e c o n trad ig a seu n o m e. Sião teria se o c u p a d o
m e lh o r n o exercício d e sua p ró p ria m em ó ria d o q u e em acu sar o S e n h o r d e ter
p e rd id o os seus!
15 A m ãe e o b e b ê são ligados pela ín tim a d e p e n d ê n c ia (seu bebê que ainda
mama) e pela vida c o m p a rtilh a d a (do filho que g ero u / “ d o filho d o seu v e n tre ”
[ARC]). C o n tu d o , m e sm o em relação a esses p o d e h aver falha c esq u ecim en -
to. S o b re compaixão veja IR eis 3.26. N a ex p ressão embora e la / “ ain d a q u e esta ”
(A RC), o p ro n o m e e n fá tic o “ esta ” age c o m o um e stím u lo p a ra o en fá tic o e u /
“ eu, to d av ia” (ARC): o a m o r d o S e n h o r tra n sc e n d e em c o n stâ n c ia q u a n to ao
q u e a te rra p o d e o fe re c e r d e m elhor.
16 A palavra veja su g ere um g e sto d e e ste n d e r as palm as das m ão s gravadas,
p o r m eio d o s fe rim e n to s autoinfligidos (gravei, c o m o em u m a ro c h a o u p e d ra
precio sa), co m o n o m e d e Sião. Q u a n d o os so frim e n to s d o S erv o são ex am in a-
d o s (50.6; 53.4ss.), suas m ã o s n ã o são m e n cio n ad as; isso é re se rv a d o p a ra um a
d a ta p o ste rio r (Jo 20.19,20). A ex p ressão seus muros re p re se n ta o u o ap elo m u d o
d e d eso lação (SI 74.3; 102.13s.) o u o s p la n o s para a no va Jeru salém .
17 A p ro m e ssa d a reu n ião fam iliar, n a terra, é o a n tíd o to su p re m o p ara a
d e p re ssã o p a re n ta l.1 A frase aqueles que a despojaram tem dois v e rb o s n o T M , “ a
d em o liram e a d e sp o ja ra m ” . O S e n h o r asseguraria a sua d e sa n im a d a Sião que
ele e n te n d e q u ã o terrível de fato foi a experiência. O p rim e iro v erb o , hãras
(“ d e stru ir”), refere-se ao p ro c e sso de d e stru iç ã o ; o seg u n d o v erb o , hãreb (“ de-
v astar”), ao resultado. A s d u as linhas são b elam en te equ ilib rad as c o m o s v erb o s
n o fim d e cad a u m a, c o n tra p o n d o “ v o lta r” e “ ir e m b o ra ” .
1 8 a b A ex p ressão todos os seus filh o s / “ to d o s estes” (ARC) c o m b in a a m esm a
palavra n o c o m e ç o da e stro fe seguinte.

A fa m íli a re u n id a , u m e n ig m a (4 9 .1 8 c -2 1 )
A ú ltim a e stro fe te rm in o u co m a im in en te cheg ad a “ deles to d o s ” ; essa
e stro fe c o m eça co m Sião o s receb en d o . N o e n ta n to , v o ltaram m ais d o cjue os

1 Q ‫־‬, e m v e z d o t e r m o b ã n a yik d o T M , tra z b ò n a yik (“ c o n s t r u to r e s ”). I s s o faz u m b o m


c o n tr a s te c o m “ a q u e le s q u e a d e s p o ja r a m ” e é a m p la m c n te re c o m e n d a d o . M as é c o n c e -
b ív el q u e Q “ te n h a s id o in flu e n c ia d o p o r e sse c o n tr a s te a o fix ar se u te x to . N o e n ta n to ,
o v e rd a d e iro c o n tr a s te é e n tr e o s “ d e s tr u id o r e s ” q u e b a n ira m o s “ filh o s ” e a v o lta d o s
“ filh o s” m a r c a n d o o fim d o g o v e r n o d o s “ d e s tr u id o r e s ” . A lé m d isso , se tir a r m o s a p ala-
v ra “ filh o s” d o v e rsíc u lo 17, “ d e le s t o d o s ” (18) re fe re -s e a o s c o n s tr u to r e s , e p o r q u e S ião
g o s ta ria d e se v e s tir d e le s t o d o s c o m o o r n a m e n to (19)? O te m a d e “ filh o s ” a tra v e s sa to d a
e ssa seção .
527 ISAÍAS 4 9 . i 4 - 5 O . i l

q ue saíram , de m o d o q u e a cidade está m u ito esp re m id a co m a no v a p o p u lação ,


e Sião n ã o c o n seg u e e n te n d e r de o n d e eles vieram o u q u em su p e rv isio n o u o
c re sc im e n to deles. E ssa, o b v iam en te, é a te rm in o lo g ia d a v olta da B abilônia
co m um n o v o u so (veja em especial 50.1-3). E ssa volta triu n fan te, co m n ú m e-
ro s su p e ra b u n d a n te s, p o d e te r sido v erdade em 539 a.C., m as ap en as alguns
p o u c o s re sp o n d e ra m ao d e c re to de lib ertação de Ciro. A m aio ria se c o n te n to u
co m os c o n fo rto s q u e d esco b riram na B abilônia. M as Isaías deix o u tu d o isso
para trás em 48.20,21. Seu fo co agora é na realidade espiritual, o p o v o v o lta n d o
para o S e n h o r p o r causa de um a o b ra divina de salvação e re d e n ç ã o (veja v. 26
na seção paralela; cf. 50.2).
1 8 c d A m e tá fo ra nupcial faz p a rte d a teologia d c Sião d e Isaías (cf. 4.5;
62.4,5). E le n u n ca se im p o rta em m istu rar m etáfo ras; aqui a m ãe de filhos se
to rn a a n oiva q u e está se v estin d o para seu casam en to.
1 9 O h eb raico é in te rro m p id o , refletindo o en tu sia sm o da ocasião: “A p esar
de você te r sido a rru in a d a e a b a n d o n a d a e ap esar de sua terra te r sido arrasad a,
ag o ra v o cê será p e q u e n a para o seu p o v o ” . Isaías é um m estre d o p a ssa d o ao
d eix ar suas e m o ç õ e s g uiarem sua sintaxe. ( ) que q u er q u e ele ten h a c o m e ç a d o
a d iz e r so b re as terras arrasadas foi c a p tu ra d o na visão de u m a Sião restau rad a
p e q u e n a d em ais para seus h abitantes. A palavra devoraram / “ d eix aram v o cê em
ru ín a s” (N T L H ) é u m a m e tá fo ra para “ d e sap arecer sem d eix ar tra ç o ” ;1 a nova
Sião estará em total segu rança (co m o em v. 17).
2 0 ,2 1 Isaías se p re p a ra cada vez m ais para a revelação ain d a p o r vir: que os
filhos d e Sião são a “ se m e n te ” d o S ervo (53.10; 54.1ss.), as prim icias d a co m p a-
n h ia d o red im id o , n ã o filhos d e n a sc im e n to natural. lin lu ta d a e estéril ex p ressa o
lad o p essoal da calam idade de Sião, d a m e sm a m an eira q u e exilada / “ cativ eiro ”
(ARC) e rejeitada/ “ rep elid a” (ARA) (ou seja, expulsa o u d issu ad id a, ab an d o n a-
da) ex p ressa a realidade pública. O s tem as são os d o cativeiro b ab ilô n io , m as
as referên cias à esterilidade, etc. (a privação das p o ssibilid ad es n o rm a is d e um a
família) m o stra m que a im agem n ã o é a d e um a ex p lo são p o p u lacio n al en q u an -
to estavam n o exílio co m m ais p esso as v o lta n d o d o q u e as q u e fo ram levadas
cativas. O u tro s fatores ainda n ã o explicados estão envolvidos. O “ eis” (ARC)
inicial an tes d e fu i deixada totalmente só, q u e fo rm a um inclusio [criar um a e stru tu ra
ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final de um a seção] co m o veja d o versícu-
lo 16, deve ser restau rad o ; é o “ veja” de a m o r divino e de a sso m b ro h u m an o .
N o d e v id o curso, o p rim eiro pro v erá a re sp o sta para o últim o, m as n ã o ainda.

1 O u s o m e ta fó r ic o d e Ί ba la p o d e te r o rig e m c m N m 1 6 .32,3 4. E le c e n c o n t r a d o e m Isaías


e m 3 .1 2 ; 9 .1 5 ; 19.3; 2 5.7; 28 .7 e e m o u tra s p a ssa g e n s n o s p r o f e ta s a p e n a s e m J r 5 1.34; O s
8.7; H c 1.13.
O LIV RO DO SERVO 528

0 Senhor que conquista (49.22-26)

O s cap to res su b serv ien tes: a re u n iã o fam iliar (49.22,23)


O u tro lad o da im ag em d e reu n ião fam iliar é a p re se n ta d o aqui. A so b eran ia
d o S e n h o r é tal q u e ele cu rv ará to d o p o d e r da te rra a fim d e o p e ra r a co n g reg a-
ção de seu p o v o e o b e m -e sta r d e Sião.
22 Y oung o b se rv a co m a c e rto c o m o c ad eq u ad o c o m e ç a r essa e stro fe co m
um a referên cia ao Soberano, 0 Senhor c\wc tem apenas d e fazer u m sinal p a ra q u e as
n ações se alinhem . O S e n h o r diz erguerei m inha bandeira ,’ e c o m o an tes as n açõ es
o b e d e c e ram à o rd e m para d e stru ir (5.26), ta m b é m ag o ra o b e d e c e m à o rd e m
p ara serv ir (cf. A t 4.25-28).
23 A su b m issão das n açõ es é necessária n ão a fim d e iniciar u m reiacio-
n a m e n to servil, m as (co m o em 45.14-25) p o rq u e os q u e se ju n tariam ao p o v o
de D eu s devem p rim e iro se s u b m e te r a eles (cf. IC o 14.25). A im ag em é de
su b serv iên cia política, m as a realidade é o re c o n h e c im e n to d a dívida espiritual.
Sião, n o lo n g o curso, saberá q u e tu d o q u e o S e n h o r p ro m e te u é c u m p rid o e q ue
“ e sp erajr]” (40.31) — fé pacien te, ex p e c ta n te e tran q u ila — é um a experiência
to ta lm e n te re c o m p e n sa d o ra.

O s c ap to res d o m in a d o s: a fam ília explicada (49.24-26)


C o m o na seg u n d a e stro fe d o p rim eiro p a r (18c-21), v am o s p ara as p ratica-
bilidades q u e co lo cam o o rá c u lo a n te rio r em vigor.
24 C h a m a r o s filhos de Sião para casa envolve in te rro m p e r o p o d e r das
nações, p o r isso, será que se pode tirar 0 despojo dos guerreiros? (24a). O S e n h o r p ro -
m ete, m as será q u e ele te m p o d e r para c u m p rir sua p ro m essa? M as isso n ã o é
tudo. O te x to h e b ra ic o de 24b co n tin u a: “ O u será q u e os p risio n e iro s (‘cativos
ju s to s/c a tiv o s d o s ju sto s’) p o d e m se r resg atad o s?”12 H á o u tro p o d e r além da
fo rça física, o p o d e r da lei, d o direito. Será q u e u m c a p to r q u e tem to d o o di-
re ito so b re seus cativos p o d e ser p riv ad o deles? Será q u e os cativos q u e fo ram
ju sta m e n te levados cativos p o d e m ser libertados?
25 E sse v ersículo re sp o n d e a cada q u e stã o u m a a p ó s a o u tra . O s guerreiros,
m e sm o se fo re m violentos, n ã o p o d e m m a n te r sua p re sa se u m a fo rça su p e rio r

1 I l á d e z o c o r rê n c ia s d o s u b s ta n tiv o bandeira (nes) c m Isa ías (5.26; 1 1 .1 0 ,1 2 ; 13.2; 18.3;


3 0 .1 7 ; 3 1.9 ; 3 3 .2 3 ; 4 9 .2 2 ; 6 2 .1 0 ) c o v e r b o o c o r re c m 5 9 .1 9 , q u a n d o a N V I o f e re c e u m
s e n tid o d if e r e n te (veja o c o m e n tá rio ). A p e n a s Isaías u sa a im a g e m d o S e n h o r le v a n ta n d o
su a b a n d e ira . H á o n z e o c o r rê n c ia s d o s u b s ta n tiv o n o r e s to d o A n tig o T e s ta m e n to .
2 E c o m u m s e g u ir Q ‫ '׳‬e a lte ra r sa d d iq (“ ju s to ” ) p a ra '(iris (“ fo rç a , tira n ia ” ). S o b re a frase d a
L X X “ se a lg u é m p e g |a r] u m c a tiv o in ju s ta m e n te d e v e rá ele s e r sa lv o ? ” . O ttle y c o m e n ta
q u e isso é “ b e m o q u e se d e v e e s p e ra r q u e a L X X fize sse c o m o t e r m o sa d d iq q u a n d o o s
tr a d u to r e s s e n tira m a d ific u ld a d e d e s s e t e r m o ” . A L X X , p o r c o n s e g u in te , o f e re c e a o T M
se u c o n v o lu to a p o io ! M a s o t e r m o “ ju s to ” é e sse n c ia l p a ra a p a s s a g e m t a n to n o p a ralelis-
m o q u a n to n a s o te rio lo g ia .
529 ISAIAS 4 9 . i 4 - 5 O .il

fo r u sad a (e qual p o d e r é esse é o que revela o v. 26). A lém disso, o S e n h o r


m e sm o se en c a rreg a de ver o lado legal d o a ssu n to (“ brigarei co m os q u e bri-
g am co m v o cê” , 25d). Λ trad u ção d e i ñ b (veja 1.7) c o m o brigarei m ascara o
fato de q u e a te rm in o lo g ia legal está envolvida. N ã o seria c e rto dizer que, cm
to d o caso, o g ru p o de palavras rib deve se r fo ren se, ele p o d e ser tão flexível
cjuanto “ to m a r o p a rtid o d e ” , m as sua força legal é exigida aquí pela ênfase no
“ c a p to r ju sto ” d o versículo 24b. E sta, p o r sua vez, ressalta um e le m e n to vital
na o b ra salvífica d o S e n h o r (25e), que to d a reivindicação justa da lei é satisfeita
(cf. 45.21; 53.11; 54.14,17). F or co n seg u in te, é c o n te x tu a lm e n te defensável e
teo lo g icam en te essencial p re se rv a r o tex to h eb raico d o versícu lo 24. Q u a n d o o
S e n h o r usa seu p o d e r para salvar, nem seu p ró p rio ca rá te r ju sto n e m q u alq u er
o u tro d ire ito (m esm o o de seus inim igos) é violado. A e x p re ssã o seus filhos é
“ filh os” m e sm o (cf. 17,20,22).
26 A ên fase de to d a essa passagem está n o m o v im e n to p ara Sião, q u e r d o s
filhos d e Sião q u e r das nações, re p re se n ta d o p o r seus g o v e rn a n te s, ap re ssa n d o
os “ filh o s” p ara casa e su b ju g a n d o -o s em Sião. N o e n ta n to , ta m b é m há a verda-
de m e n o s palatável de q u e existem aqueles que resistem ao cam in h o d o S e n h o r
e m a n tê m sua o p o siç ã o ao p o v o d o Senhor. T alvez as frases “ co m e re m sua p ró -
pria c a rn e ” e “ ficarão b ê b a d o s co m seu p ró p rio san g u e” in sp irem -se em um a
im agem d e c o n d içõ es de cerco te n d o o canibalism o c o m o ú ltim o recu rso con-
tra a m o rte p ro v o c a d a pela fom e. M as a realidade é que os q ue esco lh eram seu
p ró p rio cam in h o , n o fim, são a u to d e stru tiv o s, e isso faz p a rte da justiça divina
que g o v e rn a o m u n d o de tal m o d o a p ro d u z ir esse resultado. A a u to d estru i-
çào é u m a característica re c o rre n te nas “g u erras d o S e n h o r” (v e ja jz 7.22; IS m
14.20; 2 C r 20.23s.). A ex p ressão todo mundo é “ to d a c a rn e ” . O S en h o r, q u a n d o
o p e ra co m p o d e r e d ireito p ara salvar seu p o v o e p a ra d e stru ir seus inim igos, é
revelado c o m o 0 Senhor, lavé, o D e u s q u e d efiniu seu n o m e n o p rin cíp io p o r in-
te rm é d io ex a ta m e n te d essa dupla ação (Ê x 3.14,15). S o b re Salvador (jya sa ) veja
25.9, e so b re Redentor (j>õ ,êl) veja 35.9s. O títu lo Poderoso Çãbir) isola o a trib u to
d e p o d e r c o m o tal. E m 34.7, o te rm o refere-se a bois, u sad o s p ro v erb ialm en te
para in d icar força; em 10.13, ao rei assírio q u e se v angloria d e p o ssu ir p o d e r
irresistível; e em 46.12, à ab so lu ta resistência a D e u s d o s co raçõ es im p en iten tes.
A fo rm a aqui Çãbir) p o d e ter sido esp ecialm en te p lan ejad a para fo car o p o d e r
a b so lu to d o S e n h o r livre de q u alq u er m ácula de a d o ração ao b o i o u de suges-
tão d e m e ra m e n te força b ru ta . A p a rte de G ên esis 49.24 c Salm os 132.2, essa
fo rm a c u sad a apenas em Isaías para o S e n h o r (1.24; 60.16). Aqui ela fo rm a um
inclusio [criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e um a
seção] co m o te rm o Soberano n o versículo 22 n o início d o p a r d e estro fes.
O LIVRO DO SERVO 530

O Senhor que redime (50.1-3)


A fó rm u la in tro d u tó ria (cf. 49.22,25), o tem a m ãe-filh o s (cf. 49.17,20,22,25)
e a fo rm a d a q u e stã o d o início (cf. 49.15,24) u n e m essa e stro fe às q u a tro p re-
ceden tes. A s duas p o ssib ilid ad es de divórcio (lb c ) e de v en d a p ara a escrav id ão
(le f) ligam a passag em c o m 4 9 .1 4 -18a e 22ss., resp ectiv am en te. O div ó rcio
acusa d e fracasso o a m o r in term inável; a ven d a para a escrav id ão acusa o p o d e r
so b e ra n o d e fraqueza. A s cjuestões n o versículo 2bc d e sm e n te m as queixas
co m as quais as séries co m e ç a ram (49.14), d e que Sião se sen tia a b a n d o n a d a e
d esam p arad a. E sse n ã o é b e m o caso, re sp o n d e o S en h o r; ao c o n trá rio , q u a n d o
ele veio, n in g u ém re sp o n d e u .

A fam ília n ã o re sp o n siv a (50.1-2b)


1 A força p ro p u lso ra das duas situações h ip o téticas, o d iv ó rcio e a v en d a,
é p e rg u n ta r se a c o n te c e u algo irreparável, p o n d o fim a um a relação. O casa-
m e n to é u m te m a de aliança (p o r exem plo, J r 2.1-3; 3.1,2; E z 16). A qui, p o r
trás d isso está a tem ível possib lid ad e de q u e a aliança d o S e n h o r co m seu p o v o
p o ssa s o fre r um a d errad eira ru p tu ra . D e a c o rd o co m D e u te ro n ô m io 24.1-4,
u m div ó rcio p o ria em m arch a um a série de ev e n to s to rn a n d o im p o ssív el a re-
c o n stitu iç ã o d o p rim e iro casam ento. N o e n ta n to , a ausên cia d e u m a certidão
p o d ería in d icar q u e o p ro c e sso n e m m e sm o c o m e ç o u e que, p o r co n seg u in te,
a p o rta para a reco n ciliação estava ab erta. O s credores (E x 21.7; 2R s 4.1ss.; N e
5.1-5), na falta d e cap acid ad e para p ag ar um a dívida, p o d ia m p e g a r c o m o es-
cravos (até m e sm o à força) o s filhos d o d evedor. Isso (pelo q u e sab em o s) n ã o
co n stitu ía u m a situação irrem ediável, m as deixava o d ev ed o r, e n q u a n to a situa-
ção d u rasse, sem direitos. O “ veja” inicial an tes da frase p o r causa de seus pecados
devia ser restaurado . O te rm o “ veja” é u m a das características d essa séria to d a
(49.16,21,22); ele n u n c a é u sad o d esn ecessariam en te e n ão deveria ser o m itid o
p elos trad u to res. A palavra pecados Çãwôri) é a p e rv e rsã o in te rio r d o co ração , e
transgressões (pesa') é a rebelião o b stin ad a. O te rm o vendi, e m b o ra te n d o o rig em
na ilustração p re c e d e n te , ta m b é m tem um a longa h istó ria em Ju izes 2.14; 3.8;
4.2; 10.7. E ssa alusão estim ularia lem b ran ças de que nessas situ açõ es o S e n h o r
tam b ém “ lev an to u u m lib e rta d o r” (Jz 3.9,15). Isso n ã o tem in te n ç ã o d e m ini-
m izar a seriedade de serem “v e n d id o s” “ p o r causa de seus p e c a d o s” , m as de
c o n fo rta r co m o p e n sa m e n to d e q u e o S e n h o r tin h a lon g a ex p eriên cia em lidar
co m as rebeliões d e seu povo, e é im provável q u e seja d e rro ta d a n a situ ação
atual. P o r c o n se g u in te , Sião n ã o p o d e d iz e r q u e o p e c a d o e a tra n sg re ssã o im -
p e d e m a re p o sta ao c h a m a d o de g raça d o S enhor. Para ele, o fato d e o a ssu n to
d o p e c a d o e da tra n sg re ssã o ser, antes, um a p ro v a d e q u e a in d iferen ça é desar-
razo ad a e indesculpável, p o r isso o p o rq u e d o versículo 2.
2 O p o r que (m a d d ü a ‘) in te rro g a tiv o é u sad o em 5.4, e a sintaxe das duas
sen ten ças é a m esm a. A associação dessas passag ens é habilidosa. Eim cada
531 ISAÍAS 4 9 . i 4 - 5 O .il

caso, o S e n h o r faz tu d o q u e p o d e e precisa ser feito; a falha em sem ear e a falha


em re s p o n d e r ta m b é m são indesculpáveis. T eríam o s e sp e ra d o a frase: “ P o r q u e
v o cê n ã o re s p o n d e u ” , m as a m u d an ça p ara porque ninguém / “ n e n h u m h o m e m ”
respondeui é deliberada. A ênfase em “ n in g u é m [...] n ã o h o u v e q u e m ” (TB) for-
nece o c o n tra ste co m a voz solitária d o S ervo re s p o n d e n d o (4). A s expressões
eu vim /.../ eu chamei lem b ra G ên esis 3.8s., a v o z d o a m o r e d o an seio aqui co n tra-
d iz e n d o as acusações d e 49.14ss. O s te rm o s braço/ “ m ã o ” (ARC) e força reafir-
m a m o so b e ra n o p o d e r divino de 49.22ss. Será q u e isso p o d e se r q u estio n ad o ?
A “ m ã o ” é o ó rg ã o da in terferên cia pessoal. Redim i é um su b stan tiv o , p ‘d ü j (cf.
SI 111.9; 130.7) de ip ã d â (cf. 1.27; 35.10). E ssa palav ra p e rg u n ta se o S e n h o r
tem re c u rso s a sua d isp o sição para o p a g a m e n to d e u m resgate; e n q u a n to força
(kõah) é u m a ssu n to d e capacidade interior, a so b e ra n ia sem e sfo rç o d e 49.22ss.

O S e n h o r c o m p e te n te (50.2c-3)
O ú ltim o “ veja” da série devia ser restaurado. E ste, d e um a m an eira par-
ticular, casa c o m o “ veja” de 49.16, c o n tra b a la n ça n d o o p o d e r d e D e u s co m
seu am or. O ap elo à criação aqui é sem elh an te ao de A m ó s 4.13; 5.8s.; 9.5s. O
S en h o r, p o r m e io de sua o b ra na criação e seu p o d e r so b re a criação, é d em o n s-
trav elm en te capaz de fazer o que q u e r que p ro m e ta (ou am eace). N a criação é
d e m o n stra d o , em particular, seu p o d e r p a ra fazer m u d a n ç a s drásticas: o m ar
seca; o s rios viram d e se rto ; o céu p assa da luz para a escuridão. Será q u e um
D e u s assim n ã o p o d e igualm ente tra n s fo rm a r a so rte d e seu p o v o ? E le secou o
m a r V e rm e lh o (E x 14); tra n sfo rm o u a água d o N ilo em sangue, e o s peixes d o
rio m o rre ra m e ficaram co m m au ch eiro (E x 7.17,18); ele v isito u o E g ito co m
trevas palpáveis (E x 10.21), m as d eu luz ao seu p o v o (E x 10.23). T u d o isso indi-
ca o p o d e r s o b e ra n o d e D e u s, seu d o m ín io das forças h o stis e sua p re o c u p a ç ão
fu n d a m e n ta l co m seu povo. N ã o é de a d m ira r q u e aqui as palavras ten h am
fluído em re p re e n sã o indignada q u a n d o os filhos d o êx o d o , a g ra n d e redenção,
recu saram seu R ed en to r. N a realidade, n ã o h á d e scu lp a p ara n ã o resp o n d er.

O Senhor soberano (50.4-11)


O terceiro cân tico d o S ervo (4-9), c o m o o seg u n d o , é au to b io g ráfico , m as
ao c o n trá rio d e seus dois p re d e c e sso res n ã o faz referên cia ao Servo. E o co-
m e n tá rio a n ex ad o (10,11) q u e revela q u e m era o o rad o r. E sse p o n to é im p o r-
tante. A o ir d o s versículos 1-3 para o versícu lo 4, só tem o s co n sciên cia de q ue
em c o n tra d istin ç ã o ao “ n in g u ém [...] n ã o h o u v e q u e m ” (ΊΈ ) d o versículo 2, há,
afinal, alguém q u e o u v e (4b), ap re n d e a v o n ta d e de D e u s (5a), n ão se reb ela (5b;
cf. v. lg ), o b e d e c e a q u alq u er p re ç o (6) e descan sa o te m p o to d o na fé co n fia n te
n o S e n h o r s o b e ra n o (7-9). Sião n ão p re sto u aten ção ao ch a m a d o d o S e n h o r
(2), o S erv o é se m p re um o u v in te (4cd); o Sião n ã o está c o n v e n c id o d o a m o r
(49.14) e d o p o d e r d o S e n h o r (49.22), o S ervo tem con fian ça n a aju d a (7a,9a) e
O LIV RO DO SERVO 532

na p ro x im id ad e d o S e n h o r (8a); o Sião so fre p o r in iq uid ad e e reb elião (lfg ), o


S ervo so fre p o rq u e é o b e d ie n te (5f); o Sião é acu sad o d e o fen sas (lfg ), o S ervo
sabe q u e n e n h u m a acusação c o n tra ele p o d e ser su ste n ta d a pela lei (8,9). N ã o
h á u m ú nico paralelo o u id e n tid a d e e n tre o S ervo e Sião; eles são m u ito s, ele é
o único. Λ d istin ção e n tre eles se to rn o u um abism o.
A té esse p o n to , apenas 49.7 fala d o S ervo c o m o so fred o r. A característica
distintiva d esse c â n tic o é e la b o ra r os so frim e n to s e en fa tiz a r o fa to r d a o b e-
diência q u e o s provocava.
O cân tico está div id id o em q u a tro seções p elo títu lo O Senhor soberano na
p o sição en fática n o c o m e ç o d o v erso (4a,5a,7a,9a).' A s seçõ es têm ligação
c o m o em efeito d o m in ó — ouvido(s) (4d,5a); face e constrangido (6cd,7cd) — e u m
te m a fo ren se em c o m u m (7,8,9). T odas as q u a tro seçõ es revelam o S e n h o r so-
b e ra n o ag indo em favor d e seu Servo. A s duas prim eiras seçõ es m o stra m c o m o
ele p re p a ro u o S ervo p a ra o m inistério, e as duas seg u n d as m o stra m c o m o ele
p e rm a n e c e ao lado d o S e rv o na adversidade.

0 S ervo re sp o n siv o (50.4-6)


C) S ervo co m sua palavra para o exausto é claram en te a figura p ro fé tic a de
42.1-4; 49.1-6 e 53.1-12, tra z e n d o a verd ad e revelada para o s g e n tio s co m fala
gentil e n ã o assertiva (42.2), fala incisiva c o m o u m a e sp ad a afiada (49.2) e um a
b o ca p u ra (53.7,9). P o r trás d a palavra que sustém (4ab) e explica, está a disciplina
de o u v ir d iariam en te (4cd). A so b eran ia é sim bolizad a d e fo rm a relev an te n o
am p liad o ro g o p re c e d e n te a Sião; n o títu lo u sad o irre fle tid a m en te (49.14), n o
d o m ín io so b e ra n o d o S e n h o r so b re os reis te rre n o s (49.22s.) e n o p o d e r ab so -
lu to d o Poderoso (49.26). T u d o isso n ã o significava n ad a para Sião; significa tu d o
p a ra o S ervo (5,7,9). A ex p ressão um a língua instruída é “ a língua d aq u eles q ue
são e n sin a d o s” , “ a língua d o d iscíp u lo ” . “ In stru íd a ” Q im m üdim ) é “ d isc íp u lo s”
em 8.16. O S e rv o vem d ian te d e nós c o m o o discípu lo p a r excellence. E le n ão
foi d o ta d o c o m um d o m in stan tân eo , um a língua instruída , m as foi su jeito aos
p ro c e d im e n to s d o tre in a m e n to a p ro p ria d o p ara to d o s os d iscip u lad o s — co n -
ce n tra ç ão na palavra d o S e n h o r (co m o em 8.9-20).12 A frase pa ra conhecer a palavra
que sustém 0 exausto é “ c o n h e c e r c o m o su ste n ta r o ex a u sto co m u m a p alav ra” . O

1 Isaías u sa o títu lo a m p lia d o ',‘d õ n ã y yahw eh sCbãôt e m 3 .1 5 ; 1 0 .2 3 ,2 4 ; 2 2 .5 ,1 2 ,1 4 ,1 5 ; 2 8.22.


O p r e s e n te títu lo d õ n ã y yahweh o c o r r e e m 7.7; 2 5 .8 ; 2 8 .1 6 ; 3 0 .1 5 ; 4 0 .1 0 ; 4 8 .1 6 ; 4 9 .2 2 ;
5 0 .4 ,5 ,7 ,9 ; 5 2.4 ; 56 .8; 6 1 .1 ,1 1 ; 6 5 .1 3 ,1 5 .
2 Λ frase “ farei r e p o u s a r ” é t a n to p o ssív e l q u a n to a p r o p ria d o , m as a R S V p re fe r e a lte ra r a
p o n tu a ç ã o t o r n a n d o \ 1 rg~1a ‘ a p rim e ira p a la v ra d o v e rsíc u lo 5 e t r a ta n d o - a d e f o r m a ad-
v e rb ia l c o m o “ e m u m i n s ta n te ” (cf. C. 1 1. Toy, Proverbs, /C ’C [C lark, 1899] s o b r e l’v 12.19).
W e s te rn ‫!־‬arm c o rrig e p a ra re g a ' (“ e m u m m o m e n t o /d e re p e n te ”). M as, se a a lte ra ç ã o é ne-
ccssária, seria m e lh o r c o rrig ir a p rim e ira palav ra d o v e rsícu lo 5 e a lc an ç a r o e le g a n te ’a r g w ‘
'a q rib (“ tra re i p a ra p e r t o ”).
533 ISAÍAS 4 9 .I4 -5 O .1 1

v e rb o sustém (Ί'ΰ !) n ã o é e n c o n tra d o em o u tro lu g ar e está a b e rto a q u estio n a-


m e n to .1 Λ tra d u ç ã o m ais antiga, “ falar um a palavra n o te m p o a p ro p ria d o ” , em
q u e u m v e rb o deriva d o su b stan tiv o ‘êí (“ te m p o , e sta ç ã o ” ; 13.22), n ã o d eve ser
d esco n sid erad a. N o e n ta n to , um a vez q u e a deriv ação d o su b sta n tiv o é cm si
m esm a in certa, n ã o p o d e m o s afirm ar q u e ele n ão p o d ia d a r o rig em a u m ver-
b o d e n o m in a tiv o co m esse senddo. “ N a d a ” , diz D e litzsch , “ indica u m a língua
ad eq u ad a para os discípulos d e D e u s q u a n to o d o m d e ad m in istra r c o n so lo ” .2
A frase ele /.../ acorda é um te m p o c o n tín u o . O prin cip al im p u lso , c o m o n o caso
d o c o n q u ista d o r (41.2,25; 45.13), vem d o S e n h o r, e seu p rincipal o b jetiv o é
c o m p a rtilh a r sua palavra. O o b je to d o v erb o é m eu ouvido. D e s p e rta r o o u v id o
envolve, é claro, despertar-¿‫ ^׳‬, m as ac re sc en ta r esse p ro n o m e o b sc u re c e o ob-
jetivo divino: d e sp e rta r o ouv id o , estar p ro n to p ara re c e b e r a palavra de D eu s
— o p rim e iro sinal de um discípulo so b instrução. Λ esp ad a afiada e a flecha
p o lid a (49.2) n ã o aco n te c era m a u to m aticam en te, n e m tu d o isso ac o n te c eu de
u m a vez. E las fo ram o p ro d u to da aten ção p ro lo n g a d a , d efin id a aqui c o m o o
d isc ip u lad o d o c o m p ro m isso m anhã após m anhã co m D eus. N ã o q u e o S erv o
te n h a im p o s to essa disciplina a si m esm o , m as ele m o stro u seu d isc ip u lad o ao
re s p o n d e r à in stru ç ã o d o S e n h o r e à ap ro x im ação regular a ele. E le é o seg u n d o
e o terceiro A dão que, q u a n d o o S e n h o r D e u s veio e c h a m o u (cf. G n 3.8), foi
re sp o n siv o e n ã o sen tiu verg o n h a. A língua repleta co m a palavra ap ro p riad a
para m in istra r é o p ro d u to d o o u v id o re p le to da palavra de D eus. A frase como
alguém / “ aq u eles” (ARC) que está sendo ensinado é lim m íidim (cf. 4a). C) c o m p ro -
m isso m anhã após m anhã n ã o é u m a p ro v isão o u exigência especial relacionada
c o m o S erv o perfeito , m as é o c u rrícu lo p a d rã o para to d o s os discípulos.
5 C h e g o u um m o m e n to na sequência da in stru ç ã o m atin al em q u e foi feita
um a in tim ação p articu lar da v o n ta d e d o S e n h o r e igu alm en te u m p ro d u to d o
d isc ip u lad o m atinal, ela foi satisfeita pela obediência. A tra d u ç ã o abriu é a m e-
lh o r em relação a essa o casião específica. Para a im ag em d e ab rir o o u v id o , veja
22.14; 2Sam uel 7.27 (am bas as passagens usam '¡gãlà, sig n ifican d o “ desvelar,
d e sn u d a r”); m as aqui, p ecu liar a Isaías, te m o s ·Jpãtah, u sad o para ab rir um a p o r-
ta; cf. 35.5; 48.8. E ssa últim a referên cia p e rm a n e c e, co m certeza, em d elib erad o
c o n tra ste c o m o Servo. N ã o so m o s in fo rm a d o s, a essa altura, qual era o cha-
m a d o d o S e n h o r D e u s para seu Servo, m as apenas q u e o ch a m a d o foi satisfeito
p o r m eio de u m a re sp o sta total da v o n ta d e (não /.../ rebe/d ia:, \ 1nara, talvez co m
ên fase na o p o siç ã o à rebeldia; cf. 1.20; 3.8; 30.9; D t 21.18ss.) e de o b ras (não me
afastei, h ü g , “ d e sv ia n d o -se ” ; cf. 59.13; SI 8 0 .1 8 < 1 9 > ).

1 A . D. H . M ay es (Deuteronomy, N C B [O lip h a n ts , 1 9 7 9 |, p. 397) o b s e rv a q u e a c o le tâ n e a d e


d ito s e m D t 3 3 d e v ia e x is tir h av ia “ a lg u m te m p o c o n sid e rá v e l a n te s d e su a in c o r p o r a ç ã o
a s u a a tu a l lo c a liz a ç ã o c m D c u t c r o n ô m io ” . Q u a lq u e r q u e seja a d a ta a ce ita p a ra D e u te r o -
n ô m io , Isaías p o d ia te r e ssa re fe re n c ia e m m e n te .
2 D e litz s c h , p. 2 77.
O LIV RO DO SERVO 534

6 C o n fo rm e S m a rt diz: “ D e sd e o versículo 6, fica difícil su ste n ta r q u e [...]


o S erv o (...) n ão é m ais q u e u m a perso n ificação [do re m a n e sc en te d e Israel). Λ
im p ressão tran sm itid a de q u e há algum h o m e m q u e sen tiu d e fato o s g o lp e s é
fortíssim a” .1 Talvez os v erb o s sejam perfeitos de d eterm in ação , referin d o -se ao
m o m e n to d a revelação d a vocação d o Servo, “ pois d a m in h a p a rte m e d e te rm i-
nei a o fe re c e r” ; o u talvez o S e rv o seja re tra ta d o c o m o se o lh asse to d a a expe-
riência em retro sp ectiv a. N o e n ta n to , o fato é d e u m a revelação d e so frim e n to
p o r vir, e n fre n ta d a e s u p o rta d a b rav am en te em o b ed iên cia ao S e n h o r D eus.
N ã o um so frim e n to p o r causa de algum m alfeito (co m o 42.24; 50.1), m as p o r
in te rm é d io d a c u sto sa o b e d iên cia; um so frim e n to n ã o m erecid o , m as aceito,
d escrito em te rm o s d o a to judicial d o flagelo, to rtu ra gratu ita e h u m ilh a ç ã o pes-
soai. Isaías n ã o revela o n o m e d o Servo, m as o ferece u m indício: o n d e h o u v e r
esse trip lo so frim e n to , está o Servo.

O S e n h o r c o m p e te n te (50.7-9)
7 Se os v e rb o s d o versículo 6 são p e rfeito s d e d e te rm in a ç ão , e n tã o o v erb o
ajuda aqui deve ser tra d u z id o p o r “ ajudará” , m o s tra n d o q u e o c o m p ro m isso
para o fu tu ro (6) fu n d a m e n ta -se na co n fian ça cm D e u s p ara o fu tu ro (7). Se
0 versículo 6 revê o p assad o , então, ajuda deve se r “ estava m e a ju d a n d o [do
c o m e ç o ao fim |” . D e ssa co n fian ça na ajuda vem a c e rteza d o re su lta d o (“ p o r
isso ” não serei constrangido/ “ fim da c o n fu sã o ”) e a reso lu ta d e te rm in a ç ã o (por isso
eu me opus firm e como um a dura rocha) cm ser b e m -su c e d id o na realização das coi-
sas (sei que não ficarei decepcionado; cf. % ombaria/ “ o p ró b rio s ” [TB] n o v. 6). T a n to
decepcionado q u a n to constrangido u ltrap assam o em b araço , tra n sm ite m a ideia de
“ c o lh e r v e rg o n h a ” — d e sc o b rir o que alguém a firm o u ser falso, e x p re ssa n d o
u m a e sp eran ça que n ão foi cu m p rid a, ag indo co m u m a co n fian ça q u e p ro v a ser
in fu n d ad a.
8 E sse versículo retrata a co n tro v érsia p o r vir e n tre o S erv o e seus o p o n e n -
tes co m um p ro c e sso legal, m as é m ais que um retrato. O b se rv a m o s em 45.21
e em 49.24,25 u m a ênfase na m a n u te n ç ã o da justiça. Isso se aplica ta m b é m ao
Servo: se sua c o n d u ta fosse julgada na lei, n in g u ém p o d e ría c o n d e n á -lo d e te r
c o m e tid o p e c a d o ; ele, d ian te de D e u s e d a h u m a n id a d e , n ã o tem m ácu la em
seu registro. Λ palavra defende é um te rm o fo ren se co m o se n tid o d e “ tra z e r
um v ered icto d e in o cen te: aquele que defende 0 meu nome é ‘aquele q u e m e co n si-
d era ju sto ’ ” . Λ palavra perto2 é um paralelo n o se n tid o co m g ó ’é l (cf. L v 21.2s.;
25.25; N m 27.11; R t 2.20; 3.12). P o r c o n seg u in te, significa n ã o ap en as a pre-
sença p ró x im a d o S e n h o r c o n so la n d o , m as o S e n h o r p a rtic ip a n d o ativ am en te

1 S m a rt, p. 165.
2 O a d je tiv o q ã rò b c u s a d o p rin c ip a lm e n te p a ra p o s iç ã o n o e s p a ç o ( G n 19.20) o u te m -
p o ( N m 2 4 .1 7 ); p a ra “ p r ó x im o ” (Ê x 3 2 .27) e e s ta r e s p iritu a lm e n te “ p e r t o ” d e D e u s (L v
10.3).
535 ISAÍAS 4 9 . i 4 - 5 O .il

c o m o p a re n te ; n ã o “ o S e n h o r está c o m ig o ” , m as “ o S e n h o r está ao m e u la d o ” .
S o b re tra zer acusações veja brigam em 49.25. Λ frase encaremo-nos um ao outro signi-
fica e n c o n tra r na c o rte , e acusador/ “ m estre d o m eu ju lg am en to ” refere-se ao
p ro c e sso de p ro v a r te r perícia em p ro c e sso legal.
9 O c en ário fo ren se co n tin u a, m as a ênfase m u d a. N o v ersículo 8, o S ervo
estava co n fia n te d e q u e o veredicto seguiría seu cam in h o , ele está igualm ente
co n fia n te da ro ta de seus o p o n e n te s. A s palavras id ên ticas 0 Soberano, 0 Senhor,
que me ajuda são en fatizad as aqui p elo “eis” (A RC) inicial (o m itid o pela NV1)
re p e tid o an tes d e eles se desgastam em um c o n tra ste d o tip o “ o lh e isso, ag o ra olhe
aq u ilo ” . U m a vez que o S e n h o r D e u s ajuda, n e n h u m a acu sação se su sten ta. O
p e n sa m e n to n ã o é q u e o so b e ra n o p ro te g e seu favorito, m as q u e a d isp o sição
d o S e n h o r d e ser o p a re n te para o S ervo é p ro v a da justiça d e ste e d a c o rreção
de su a causa d ia n te d o ju lg am en to divino. E n tã o será q u e o a n ta g o n ista te rre n o
p o d e se sair b em ? O te rm o condenar/ “ p ro v a r m in h a cu lp a” , n a term in o lo g ia
fo ren se, é o o p o s to de “ d efe n d e o m eu n o m e ” (8a). O s a c u sad o s são co m p ara-
d o s à tra n sito rie d a d e in te rn a de um a ro u p a q u e se desg asta e à im p o tê n c ia d o
m aterial in e rte d ian te de seu p re d a d o r natural ex tern o , as traças (cf. 51.6,8; SI
3 9 .1 1 < 1 2 > ).

O S ervo e o re m a n e sc en te (50.10,11)
E sse terceiro cântico, c o m o to d o s os o u tro s, é seguido d e um a vinheta.
N o s dois p rim e iro s cânticos, as vin h etas eram c o n firm a ç õ es divinas da tarefa
d o S ervo ; as v in h etas, n esse e n o cân tico final (52.13— 53.12), são ex o rtaçõ es
p ara re s p o n d e r ao S ervo — aqui, p ara aceitá-lo c o m o m o d elo . E sses versículos
casam co m o e n sin a m e n to d e 8.9-20 so b re a criação d e u m ab ism o e n tre duas
classes d e pessoas: os q u e se m o d elam se g u n d o o S erv o (10) e os cjue seguem
o c a m in h o da au to ssu ficiên cia (11). C ada versículo tem seis linhas, e ju n to s
c o n tra sta m duas classes e duas fo rm a s de vida. As d u as “ c a m in h a d a s” , um a
nas trevas (10c) e a o u tra em um a luz acessa p o r si m esm a (11c). A p rim eira
n ã o tem luz (lO d), e a o u tra é ro d ead a de to ch as q u e ele acen d e ( l l b d ) . U m a
d e p e n d e de D e u s e c o n fia nele (lOf), a o u tra deita em to rm e n to (11 f). N ã o é
p ro m e tid o n e n h u m resu ltad o o u b ê n ç ã o em p a rtic u la r c o m o re su lta d o d o ca-
m in h o d e o b ed iên cia c da co n fian ça (lO bef), m as a su g estão é q u e aqueles q ue
o segu em escap am de “ se deitar[...] a to rm e n ta d o s ” so b a d e sa p ro v a ç ão divina.
A ssim , o S erv o n ã o só é o m e n to r deles (10b), m as ta m b é m , p o r co n clu são , o
S alv ad o r deles. E le, c o m o a id en tid ad e d o S ervo, n ã o p o d e ser ele m e sm o um a
p erso n ificação d o re m a n e sc en te c ren te e c o n fia n te , pois ele é o fe re c id o objeti-
v am en te aqui a eles c o m o seu p ro fe sso r e aquele p o r m eio de q u e m a p ren d em
o q u e é te m e r o S enhor. (9 te m o r era u m sinal p articu lar d o re m a n e sc en te em
8.12s., d a m esm a m aneira q u e as trevas eram a sina daq u eles q u e rejeitavam a
palavra e o cam in h o d o S e n h o r (8.22). E les fo ram ch a m a d o s a se c o n c e n tra r na
O LIVRO DO SERVO 536

palavra dada (8.16,20), d a m e sm a m an eira c o m o aqui o u v em ao S erv o (10b) e


re p o u sa m na fé (8.17; lOef).
10 S obre teme e obedece/ “ e sc u te ” (TB) (cf. Lc 9.35) veja Ê x o d o 20.18-20.
C) lugar e a p o sição d o S ervo é tal q u e agora ao o u v ir a ele é q u e a rev erên cia
a D eu s é d e m o n stra d a e p assa a ser praticada. Λ e x p ressão que aquele an tes de
que anda devia ser adiada até confie no nome do Senhor. C a m in h a r nas trevas e n ão
te r luz faz p a rte da d escrição daquele q u e tem e e ouve. O s q u e se c o m p ró m e -
tem co m o c a m in h o d o S ervo te rã o a experiência d o Servo, n o rm a tiv a para
eles p o r causa d a v erd ad e dele. Isso n ão é um indício de q u e eles d eix aram de
p raticara v o n ta d e d e D e u s, m as q u e isso, c o m o p ara o S ervo, é in trín se c o à
vida de o b ed iên cia. O te rm o lu ^ é “ b rilh o ” o u “ lam p ejo ” , o u seja, n ão h á nem
m e sm o faísca nas trevas. Seu nome é tu d o q u e o S e n h o r revela q u e ele m e sm o é;
foi nas trevas da escrav id ão egípcia q u e ele tro u x e o se n tid o d o seu n o m e p ara
eles (Ê x 3.13-15). lile é u m D e u s para ex atam en te esse m o m e n to ! A p e n a s em
10.20, Isaías usa o v e rb o confie/ “ incline-se” n o se n tid o de d e sc a n sa r em D e u s
e ta m b é m se refere, ali, ao rem an escen te. A ex p ressão seu D eus c o rre s p o n d e ao
m eu D eus d e 49.4d,5f.
11 O s q u e c o n tin u a m em seu p ró p rio cam in h o , lid a n d o co m as trevas da
vida p o r m eio d e um a solução d o tip o “ faça v ocê m e s m o ” estã o co n d e n a d o s.
C o m o é v erd ad e para esta vida q u e os q u e co n fiam c a m in h a m nas trevas e os
q u e sào au to ssu ficien tes cam in h am n a luz! A frase fornecem a si mesmo é u m a tra-
d u çào infeliz de “ e q u ip am -se c o m ” . “ C ingijr]” a a rm a d u ra é se p re p a ra r p ara a
batalha; ser “ vestfid o ]” co m alegria (SI 30.11 < 12 > ) é ser e q u ip a d o p ara e n tra r
em u m a experiência jubilosa. A im agem aqui é de p esso as te n ta n d o se eq u ip ar,
a p a rtir d e recu rso s te rre n o s, p ara lidar co m as so m b rias experiên cias d a terra.
E las n ã o se n te m necessid ad e de n ada q u e n ão p o ssa m p ro d u z ir p o r si m esm as.
lochas acesas é um a b o a in te rp re ta ç ã o de zsqôj, te rm o e n c o n tra d o ap en as aqui na
fo rm a fem inina (a fo rm a m ascu lin a aparece em P v 26.18); significa lam p ejo s
o u cham as d e fogo, tições. O te rm o atorm entados (m a"sêbâ ) é e n c o n tra d o ap en as
aqui, m as veja V a sêh (p o r exem plo, 63.10), co m u m se n tid o d e pesar, sofri-
m en to , d esp razer, e sp ecíficam en te o to rm e n to d o p e c a d o so b a c o n d e n a ç ã o de
D e u s (G n 3.16,17; 5.29).

4. A salvação em prospecto e realidade (51.1—52.12)


O a u m e n to d o e n tu sia sm o caracteriza essa seção: “ O s p e n sa m e n to s d o
p ro fe ta |...] e sensível e m o ç ã o e n c o n tra m ex p ressão em o rá c u lo s b rev es e
fe rv o ro so s” .1 D o s o ito o rácu lo s, o s três p rim eiro s estã o ligados p o r seu ch am a-
d o inicial a o u v ir (51.1,4,7) c o m , em cada caso, um a d u p la d escrição d aq u eles
a q u em é dirigido o ch am ad o . N e sse s o rácu lo s, o S e n h o r p ro m e te u m a salva-

S k in n e r, p. 105.
537 ISAÍAS 5 1 .1 - 8

ção p o r vir. O s tres ú ltim o s orácu lo s são ligados p o r seus d u p lo s im p erativ o s


iniciais (51.17; 52.1,11), em cada caso, exigindo q u e as pesso as d e sp e rte m para
u m a n o v a situação p ro d u z id a pelo S enhor. O s dois orácu lo s in term ed iário s
c o n siste m de um a o rd e m o u sad a p ara o “ b ra ç o d o Senhor ” (ARC) d e sp e rta r
(51.9-11) e u m a m e n sa g e m m ed itad v a d e g aran tia (51.12-16). O c h am ad o para
o S e n h o r d e sp e rta r (51.9) fo rm a a p o n te en tre os dois c o n ju n to s de três orá-
cu los cada um . A s p ro m e ssa s p re c e d e n tes d e sp e rta ra m u m an seio pelo cum -
p rim e n to delas — daí, o clam o r ao S e n h o r p o r ação. M as a re sp o sta d o S e n h o r
é dram ática: “ V ocês m e ch am aram para realizar o b ra s d e salvação, m as, antes,
são v o cês q u e têm de d e sp e rta r para o q u e já te n h o feito: o dia da salvação
alv o receu ” (51.17; 52.1,11). E , a seguir, c o m o se re sp o n d e sse a u m a p e rg u n ta
n ão v erbalizada so b re c o m o tu d o isso aco n tece: “ V ejam , o m e u se rv o ” (52.13).

A o rd e m p a ra ouvir: as O apelo e a confiança A o rd e m p a ra resp o n d er:


p ro m e ssa s de salvação restabelecida (51.9-16) a ex p eriên cia d e salvação
(51.1-8) (51.17)
O c o n so lo para Sião (1-3) O cálice da ira (17-23)
( ) É d e n re sta u ra d o (3) ( ) fim da ira (22)
A revelação m undial: ( ) apelo (9-11) O sa n to Sião: salvação
salvação e te rn a (4-6) universal (52.1-10)
O m e u p o v o (4) ( ) m eu p o v o (6)
C) b ra ç o d o S e n h o r (5) O b ra ç o d o S e n h o r (9) O b ra ç o d o S e n h o r (10)
A salvação universal (4-6) A salvação universal (10)
A salvação eterna: transi- O c o n so lo (12-16) O g ra n d e ê x o d o (11,12)
to rie d a d e h u m a n a (7,8)
P o r q u e te m e r o h o m e m ? P o r q u e te m e r o h o m e m ? Λ p a rtid a sem m e d o (12)
(7 ,8) ( 12)

O u tra s linhas de c o n ex ão m a n tê m a seção unida: c o n so lo (51.3,12; 52.9);


a alegria de Sião (51.3; 52.9); o C ria d o r e a criação (51.6,10,13,15,16); a fúria d o
o p re s s o r (51.13; 52.5). Isaías, d o c o m e ç o ao fim , in sp ira-se em tem as su g erid o s
pela q u ed a de Je ru sa lé m , p elo exílio e pela B abilônia (51.3,7,18-20; 52.5,11),
m as ele n ã o m e n c io n a n e n h u m n o m e, p e rm a n e c e n d o fiel à m u d a n ç a d o tem a
in tro d u z id o em 48.22— 49.1. Sua p re o c u p a ç ã o é a volta d o p o v o d o S en h o r,
e sua a ten ção está to ta lm e n te v oltada para as realidades espirituais, e n ã o as
políticas.

a. As ordens para ouvir, as promessas de salvação (51.1-8)


P arece h aver um p ro g re sso tra n q u ilo d o c a p ítu lo 50 para o cap ítu lo 51. A
passagem 51.1 dirige-se àqueles cuja vida é caracterizad a pela b u sca da justiça e
O LIV RO D O SERVO 538

d o S e n h o r; o v ersícu lo 7 revela a m e n te (eles “ sab em o q u e é d ire ito ”) e o co -


ração deles (eles tê m a lei d o S e n h o r n o coração). E m o u tra s palavras, eles são
o re m a n e sc e n te c re n te q u e e x p re sso u sua reverência p elo S e n h o r ao s u b m e te r
sua m en te à palavra d o S ervo e ao m odelar sua vida pela palavra dele e segui-lo
n o c a m in h o d a fé (50.10). A prim eira vista, o versículo 4 p arece se dirigir a u m a
aud iên cia m ais am pla. T alvez essa seja a in te n ç ã o d o versículo; a n o tícia da
salvação e te rn a é p ara to d o s, n ã o apenas para a irm a n d a d e c o m p ro m e tid a . P o r
o u tro lado, talvez fosse m ais c o n siste n te co m o m o v im e n to d o p e n sa m e n to
d e Isaías eq u ip arar “ p o v o m e u ” e “ nação m in h a ” co m o re m a n e sc en te , p o is a
m a io r p a rte d o p o v o p e rd e u seu d ireito a esses g ra n d e s títu lo s (48.1,2). O s três
p rim eiro s o rácu lo s, v isto s d essa m aneira, fo rm a m u m a seq u ên cia. O p rim e iro
( 1 3 ‫ )־‬faz p ro m e ssa s a Sião, m as p ro m e ssa s que, co m suas o rie n ta ç õ e s ab raâm i-
cas e edênicas, têm im plicações m ais am plas q u e Sião. O se g u n d o (4-6) revela
a verdad eira e x te n sã o das p ro m essas, elas são p a ra o m u n d o ; e o te rc e iro (7,8)
afirm a q u e n e n h u m p o d e r p o d e im p e d ir a justiça e o s p ro p ó sito s salvíficos d o
S e n h o r de serem -cu m p rid o s. T o d as as três seções têm em c o m u m o tó p ic o da
“ re tid ã o ” (la,5a,6g,7a,8c; o p rim eiro , o se g u n d o e o q u a rto estão n a fo rm a m as-
culina d a palavra; o terceiro e o q u in to estão n a fo rm a fem inina). O s v ersícu-
los l a e 7a trazem o m e sm o v e rb o para “ o u v ir” ( ) s à m a j ; n o versícu lo 4 o c o rre
u m v e rb o d ife re n te () qasab ). O s versículos lc , 2a e 6 ab c o m p a rtilh a m as o rd e n s
para “ o lh jar]” , a p rim eira e as duas ú ltim as se n d o aInãbat.

A Sião renovada, o Éden restaurado (51.1-3)


E sse p o e m a inicial, c o m o o s três o rácu lo s d essa seção, é m a rc a d o p o r pa-
res: buscam/ procuram (la b ); rocha/pedreira (1 cd); A b ra ã o /S a ra (2ab); abençoei/tornei
m uitos (2d); consolará/ com paixão (3ab); desertos/erm os, É d e n /ja rd im (3cd); alegria/
contentamento, ações de graças/canções (3ef). A força p ro p u lso ra d o o rá c u lo é es-
tim u lar a fé p o r m eio d a le m b ra n ç a de c o m o o S e n h o r agiu e a b e n ç o o u n o
p a ssa d o e, p o r co n seg u in te, encoraja a esp era em fé pelas b ê n ç ã o s ain d a p o r vir.

A 1 O ouvir: a v o z a o u v ir (lab)
B1 A ro c h a q u e se to rn o u u m a m u ltid ão (lc -2 b )
C A explicação: a b ên ção divina (2cd)
B2 O e rm o q u e se to rn a rá o É d e n (3a-d)
A 2 A canção: u m a v o z a lev an tar (3ef)

1 O p ro n o m e m e é id en tificad o n o versículo 2c c o m o S e n h o r q u e c h a m o u
A braão. R etidão é to d o a sp e c to da vida que está “ c e rto co m D e u s ” . O te rm o
olhem (cf. D t 4.29) n ã o está à p ro c u ra de algo p e rd id o , m as v em c o m to d a de-
te rm in a ç ã o de alguém q u e b u sca p re o c u p a d o o n d e se sabe q u e 0 Senhor está.
539 ISAÍAS 5 1 .1 8 ‫־‬

2 Q u a n d o Isaq u e nasceu, A b ra ã o era tão b o m q u a n to u m m o rto , e Sara,


n o q u e dizia re sp e ito à gravidez, estava de fa to m o rta . O S en h o r, a p a rtir d esse
c o m e ç o n ad a p ro m isso r, p ro d u z iu os filhos, as n açõ es e os reis que p ro m e te ra
(G n 17.3-7). P o r essa razão, a ilustração esco lh id a d e u m p rin cíp io in an im ad o
na p e d ra é m u ito ap ro p riad o . Q u a lq u e r q u e seja o p o te n c ia l ali, n ã o é in cren -
te à vida o u a q u a lq u e r p o d e r de crescim en to . R eferir-se a A b raão sem Sara
n ã o en fatizaria de fo rm a suficiente a im p o tê n c ia h u m an a; referir-se a Sara sem
A b ra ã o faltaria a referên cia explícita à p ro m e ssa da qual A b raão era o p o rta d o r.
0 “ p o rq u e ” (ARA) inicial antes da frase quando eu 0 chamei deve ser restau rad o ;
aqui está a razão para a o rd e m olhem (2a). E sse versículo fala d o p ro p ó s ito de
D e u s p ara seu c h a m a d o e n o re v ig o ra m e n to d ivinos p o r m e io d o s quais aquele
q u e era um sem e sp eran ça de crescer em n ú m e ro se to r n o u m uitos .' E sse é o
g ra n d e p rin c íp io d o passado, a sem en te d e e sp eran ça p ara o fu tu ro .
3 M ais u m a vez, o “ p o rq u e ” (ARC) inicial, in tro d u z in d o o m o tiv o p ara a
retro sp e c tiv a h istó rica d o s versículos 1 e 2, deve se r restau rad o . O s p e rfe ito s
d e c e rte z a (o S e n h o r se d e te rm in o u a consolar L ..¡, olhar /.../ com com paixão e tor-
nar i —j f g a ra n te a Sião um fu tu ro na analogia d e A b raão e Sara. A im p o tê n c ia
deles casa co m as ruínas de Sião; a ação divina c o m q u e abençoei a to d o s eles fa rá
(ARA) o n o v o fu tu ro de Sião; aquele um q u e se to rn o u m uitos será eq u ip arad o
pelas ruínas q u e se to rn a rã o o É d e n . A ex p ressão como 0 lid e n n ã o é ap en as um a
im ag em de beleza e p len itu d e, m as é ta m b é m u m a das ausências d a m aldição
div in a su b se q u e n te ao pecado. O d e c re to p o r m eio d o qual a justa criação de
D e u s se to rn o u p ro d u to ra de e sp in h o s e ervas d an in h as (G n 3.18) foi re v o g ad o
e foi a b e rto o c a m in h o p ara os e rm o s se to rn a re m lug ares d e alegria (11.6-9;
35.1).

A revelação para 0 mundo: a salvação eterna (51.4-6)


D e p articu lar im p o rtâ n c ia para esse o rá c u lo é o fato d e ele in te g ra r a p re-
se n te série n o d e se n v o lv im e n to da revelação d a p e sso a e d a o b ra d o Servo.
P rim eiro , o o rácu lo c o n té m m uitas rem iniscências d o p rim e iro cântico: têm
em c o m u m os c o n c e ito s de ju stiça e lu% (4d,5c; cf. 42.1,3,4,6); o S e n h o r descre-
ve c o m o m inha retidão (5,6) a o b ra universal q u e a passag em 42.6 in fo rm a que
ele estava faz e n d o “ em justiça” (A RC), o u seja, o ch a m a d o e a o b ra d o Servo; 12

1 Λ a lte ra ç ã o d e wa^bár'kéhü (im p e rfe ito c o m a le tra vav sim p le s) p a ra a le tra vav c o n s e c u tiv a
foi s u g e rid a (fíH S ), m as é p re fe rív e l n ã o m u d a r o te x to . O im p e rfe ito sim p le s é u s a d o
p a r a tra n s m itir v iv a c id a d e a a ç õ e s p a s s a d a s iso la d a s (veja G K C \ 10 7 b ; D riv e r, 2 7 a , 84a).
A lte rn a tiv a m e n te , a f o r m a aq u i é e x a ta m e n te c o m o e m G n 12.2 e, p o r e sse m o tiv o , p o d e
te r s id o u s a d a d e f o r m a d e lib e ra d a .
2 O te x to h e b r a ic o u sa “ c o n s o la r á ” d u a s v e z e s (“ c o n s o la r á S ião [...] c o n s o la r á t o d o s o s se u s
lu g a re s a s s o la d o s ” [A R C ]), m a s a N V I d e s tr ó i e ssa le m b ra n ç a d o d u p lo “ c o n s o lo ” d e 40.1
a o tr a d u z ir d e f o r m a a rb itrá ria p o r “ c o m p a ix ã o ” .
O LIVRO no SERVO 540

ta n to o versículo 6 q u a n to a passag em 42.5 re c o rre m à o rd e m criad a (em 42.5


a a u to rid ad e universal d o S e n h o r e p o d e r c o m o C ria d o r são o p a n o d e fu n d o
para o que ele faz p o r in te rm é d io d o Servo; aqui o u n iv erso tra n sitó rio é um
realce para a salvação etern a). S egundo, o braço d o S e n h o r é re in tro d u z id o n o
versículo 5 (cf. 40.10,11; 48.14) c o m o um tem a da ação d iv in a p esso al (E x 6.6;
15.16; cf. Is 30.30). Isso p re p a ra para a p assagem 51.9, u m c h a m a d o a u m a
no v a atividade d e ê x o d o realizada p elo S en h o r; para 52.10, p assag em em q ue
0 b ra ç o d o S e n h o r é e x p o sto para a revelação universal d o p o d e r salvífico; e
para 53.1, em q u e e n c o n tra m o s o b ra ç o d o S e n h o r em p e sso a (cf. 59.16; 62.8;
63.5,12). Isso o lh a em re tro sp ectiv a e em a n tecip ação p ara o lu g ar d o S erv o
nessas passagens n o c o n te x to p re te n d id o p ara elas, esclarecen d o c o m o fazem
asp ecto s d o q u e o S e n h o r planeja fazer p o r in te rm é d io de seu S erv o e n o s tra-
z e n d o ainda p ara m ais p e r to d a c o n v o cação d e 52.13. A característica estilística
d o s “ p a re s” c o n tin u a; n o versículo 4, te m o s escute/ ouça;povo/ nação; lei/ju stiça ‫׳‬, n o
v ersículo 5, retidão/ salvação; nações/ ilhas; “ b ra ç o s” (A R C )/ braço·, e n o v ersículo 6,
ergam / olhem, céus/terra, salvação/retidão. A d upla o rd e m p ara o lh a r (1,2,6) e a pa-
lavra “ re tid ã o ” (1,5,6) ligam esse se g u n d o p o e m a ao p rim e iro (1-3). M ais u m a
vez o p o e m a aqui te m u m p o n to focal:

A 1 A c o n v o c a ç ão a o u v ir (4ab)
B1 A luz p a ra os p o v o s, a salvação a c a m in h o (4c-5b)
C O b ra ç o d o S e n h o r (5c-e)
A2 A c o n v o c a ç ão a o lh a r (6ab)
B2 O s h a b ita n te s tra n sitó rio s d o m u n d o , a salvação e te rn a (6c-f)

A v erd ad e c en tral n o p rim e iro p o e m a , a b ê n ç ã o d e D e u s (2cd), o ingre-


d ien te se c re to d a h istó ria d e Israel, é su b stitu íd a p elo “ b ra ç o ” d o S e n h o r, o ato
d iv ino pessoal q u e executará a salvação.
4 S o b re povo m eu [...] nação m inha veja a in tro d u ç ã o a essa seção. A palavra
trad u zid a p o r nação (l'ôm ) é u sad a n o plural c o m o u m a p alav ra g en érica para
“ p o v o s ” ,1 rnas a palavra, afo ra em P ro v é rb io s 11.26 e 14.28, só ap arece em
o u tra s p assag en s n o singular em G ên esis 25.23, em q u e d istin g u e a lin h ag em
de Ja c ó d a lin h ag em de E sa ú n o s d e sc e n d e n te s d e Isaque. E provável q u e Isaías
esteja re le m b ra n d o essa referên cia p ara a p re se n ta r o p o n to d e q u e n o p o v o
total h á p esso as verdadeiras, e a estas é dirigida a palavra d e salvação ráp id a
e etern a. E las b uscam / “ p ro c u ra is” (ARA) a retidão (1) e a m en sag em d e q u e a
retidão logo virá (5) é esp ecialm en te relevante para elas. O “ p o rq u e ” inicial an tes
d e a lei devia se r restaurado. A s palavras lei e justiça m a n tê m d u as p assag en s,
resp ectiv am en te 2.3 (cf. 1.10) e 42.1-4, ju n tas na p re se n te m e ta d e d o versícu lo 1

1 Para l'u m tm m e m Isaías, v eja 17.1 2 ,1 3 ; 34.1; 4 1 .1 ; 4 3 .4 ,9 ; 4 9 .1 ; 55.4; 60.2.


541 ISAÍAS 51.1-8

(a v erd ad e revelada c o n fo rm e ensinada e decid id a p o r D eu s). A ex p ressão se


tornará !p ossivelm ente “ farei re p o u sa r c o m o ” ! uma ¡ampara as nações equivale a
“ esta b e le c er” a v erd ad e divina na terra (cf. 4 2 .4 ).1
5 D o lado h u m a n o , retidão, c o n fo rm id a d e c o m o caráter e afirm açõ es de
D eu s, é o sinal d o v erd ad eiro povo. D o lad o divino, a retid ão é a q ualidade de
tu d o que o S e n h o r faz, q u e r p o r seu p o v o (49.25; 51.5,6,8,22; 54.14) q u e r p o r
seu S erv o (50.8), o u o q u e o S ervo faz (53.11; 54.17). A q u i, a retidão e a salva-
ção são paralelas; se n d o a últim a o q u e o S e n h o r faz; e a p rim eira, a qualidade
q u e a p reen ch e. A o b ra salvífica satisfaz to d o s os p a d rõ e s d a justiça n atu ral do
S en h o r, satisfaz to d as as reivindicações legais e p e rd o a to d as as dívidas dian te
da lei etern a. D ev e-se resistir à ten d ên cia de o fe re c e r tra d u ç õ e s c o m o “ liber-
ta ç ã o ” (RSV). N ã o há n e n h u m caso q u e exija essa trad ução , m as o v erd ad eiro
p ro b le m a é q u e o q u e é essen cialm en te u m a descrição d o ca rá te r d e D e u s é
tra n s fo rm a d o em u m a d escrição de seus atos. A retid ão p re e n c h e tu d o que ele
faz p o rq u e isso é o q u e ele é. A palavra salvação tem um a am p la a m b ien tação
n o A n tig o T estam en to . T alvez o c ern e da ideia seja “ a m p litu d e ” e, p o r essa
razão seja, d a p ersp ectiv a política, essencial p a ra a lib ertação (Jz 2.16,18); e da
p ersp ectiv a religiosa, o se n tid o seja m ais p ro fu n d o . D e a c o rd o co m 12.1-3, a
salvação está ligada ao afa sta m e n to d a ira divina e ao exercício d a confiança,
lev an d o ao d e ste m o r, à alegria e à força em D e u s, e as b ên ção s p e rp é tu a s des-
critas c o m o p o ç o s disponíveis dos quais o salvo p o d e se servir. A seq u ên cia é
a m esm a aqui: da rem o ç ã o edênica da m ald ição divina p ara a alegria (3) e agora
p a ra a salvação (cf. as passagens paralelas 51.22; 52.10). D e u m a m an eira q ue
satisfaz c o m p le ta m e n te a a b so lu ta retidão hav erá salvação, o fim d a ira divina e a
e n tra d a p ela fé n o c o n fo rto , força e alegria divinos.
A e x p re ssã o meu braço é “ m eus b ra ç o s” . P o r q u e será que Isaías usaria o
plural aqui? T alvez fosse um plural de a m p litu d e, p e d in d o a c o m p le tu d e da
ação divin a p esso al para a tarefa o u u m a le m b ra n ç a d e D e u te ro n ô m io 33.27
(a ú nica o u tra passag em em que o plural é u sa d o para se referir ao S en h o r),
o u seja, o q u e era an tes privilégio exclusivo d e Israel ago ra está d e stin a d o ao
m u n d o to d o .2 N o e n ta n to , é m ais provável q u e o p lu ral seja u sa d o c o m o um

1 A frase “ fa re i r e p o u s a r ” é ta n to p o ssív e l q u a n to a p r o p ria d o , m a s a R S V p r e fe r e a lte ra r


a p o n tu a ç ã o t o r n a n d o ’o rg ia ' a p rim e ira p alav ra d o v e rsícu lo 5 e tra ta n d o -a d e fo rm a ad-
verb ial c o m o “ e m u m in s ta n te ” (cf. C. H . Toy, Proverbs, / Í X [C lark, 1899] s o b re P v 12.19).
W e s te rm a n n c o rrig e p a ra re g a ' (“ e m u m m o m e n t o / d e r e p e n te ”). M as, se a a lte ra ç ão é ne-
cessária, seria m e lh o r c o rrig ir a p rim e ira p alav ra d o v e rsícu lo 5 e alc an ç a r o e le g a n te 'a rg ia '
'a q rih (“ tra re i p a ra p e r t o ”).
2 Λ. D . H . M ay es (Deuteronomy·, N C f í [O lip h a n ts , 1 9 79], p. 397) o b s e r v a q u e a c o le tâ n e a d e
d ito s e m D t 3.3 d e v ia e x is tir h av ia “ alg u m te m p o c o n s id e rá v e l a n te s d e su a i n c o r p o r a ç ã o
a su a a tu a l lo c a liz a ç ã o e m D e u t e r o n ô m io ” . Q u a lq u e r q u e seja a d a ta a ce ita p a ra D e u te r o -
n ô m io , Isa ías p o d ia te r e ssa re fe rê n c ia e m m e n te .
O LIVRO DO SERVO 542

c o n tra p e so d e lib e ra d o para o singular meu braço n o fim d o versículo. A frase “ o


b raço d o S e n h o r” é u m a im ag em d e especial relevância em 48.14— 55.13, e o
plural in esp erad o , a p esar de p e d ir a p len itu d e d e seu p o d e r em fav o r d o m u n -
do, levanta a qu estão : q u e atividade divina especial se p re te n d e co m o singular?
D essa m an eira, Isaías p re p a ra p a ra a revelação especial d o S erv o c o m o o “ bra-
ço d o S e n h o r” em 53.1. A p le n itu d e d o p o d e r d iv in o virá n a in d iv id u alid ad e
da p esso a divina. A ju stiç a (co m o em 42.1-4) é u m a v e rd a d e divina estabelecida.
S o b re tlhas veja 11.11; 40.15; 42.4. O s te rm o s esperarão/ “ a g u a rd a rão ” (ARC) e
esperançosamente são u m a referên cia a 42.4, m o stra n d o q u e a o b ra d o S erv o está
em m e n te e a g o ra é im in en te. E m q u e se n tid o será q u e o m u n d o ag u ard a e es-
p era? E m to d a s as eras existem aqueles, c o m o C o rn é lio (At 10), q u e ap re e n d e m
co m d esejo a n sio so se g u n d o a luz m aior, m as em u m p la n o m ais p ro fu n d o esse
an seio p o r algo m e lh o r, u m a vida v erd ad eiram en te h u m a n a , está im p lícito e
n ã o ex p resso n o s g ru n h id o s e d o r lan cin an te so b os quais as p esso as vivem sua
vid a (a “g ra n d e ex p ectativ a” d a criação; R m 8.19). T o d o esse anseio, to d a essa
in ad eq u ação q u e a vida revela, será satisfeito p elo Servo, m eu braço.
6 Isaías, a p ó s re v e r a universalidade d a justa salvação d o S e n h o r (4,5),
v o lta-se a g o ra p a ra a e te rn id a d e d a salvação. O p e n sa m e n to bíb lico se m p re
re c o n h e c e u a tra n sito rie d a d e da o rd e m criada c o m o tal (SI 1 0 2 .2 5 s.< 2 6 s.> ) e
seu d ra m á tic o té rm in o n o dia escato ló g ico (34.4). P o r c o n se g u in te , as coisas
m ais duráveis em n o ssa d e sb o ta d a e fugidia experiência, m as n ã o n a salvação. A
d u p la o rd e m aqui ergam e olhem n ã o indica o c o m e ç o de u m n o v o p o e m a p o rq u e
(ao c o n trá rio d o s w . 1,4-7) aqueles a q u em as o rd e n s são dirigidas n ã o são m en -
cio n ad o s p elo n o m e. O “ p o rq u e ” inicial, antes de céus, devia ser re sta u ra d o para
explicar a o rd e m — q u ã o duráveis os céus parecem , q u ã o o b so le to s eles são!
0 v e rb o desaparecerão (jm ã la h , “ se r d isp ersad o , d esa p a re ce r”) só é e n c o n tra d o
aqui. U m a d e n sa co lu n a d e fum aça se levanta e se m a n té m u n id a p o r u m te m p o
em a p a re n te solidez, m as, a seguir, desfaz-se em p e d a ç o s e, assim , desvanece.
A frase se gastará como um a roupa é se r e ssen cialm en te ev an escen te, su c u m b in -
d o à p ró p ria tra n sito ried ad e. E m ais provável q u e a ex p ressão como moscas seja
apen as “d a m e sm a m a n e ira ” .1 A o b so le sc ê n c ia m ais ó b v ia e in q u ie ta n te é a q ue
e n c o n tra m o s em n ó s m esm o s. U m a sim ples referên cia à m o rta lid a d e h u m a n a
é m ais eficaz q u e a c o m p a ra ç ão co m m oscas. S o b re salvação e retidão veja v. 5. A

1 O s e n tid o m a is n a tu ra l d o t e r m o kfm ô kên d o T M é “ d a m e s m a m a n e ira ” e n ã o h á n a d a


im p ro v á v e l n e m in a d e q u a d o q u a n to a e sse se n tid o . A tr a d u ç ã o como moscas su rg iu d a p a -
lav ra kin n im (“ p io lh o s ” ; Ê x 8.16) d a q u a l se p re s u m e q u e e s ta seja o sin g u lar, e m b o r a a
p a la v ra e m o u tr a s p a s s a g e n s e ste ja s e m p r e n o p lu ral. Q b é a c e ita c o m o l e n d o kfm òken,
s u p o s ta m e n te d o á ra b e , sig n ifica “ c o m o [um e n x a m e de] g a f a n h o to s ” . B H S a d o ta e ssa
leitu ra. M as a e x p re s s ã o “ d a m e s m a m a n e ira ” d o T M , c o m s u a a s s e rç ã o s im p le s d e q u e
a tra n s ito rie d a d e in fe c ta to d a a c ria ç ã o , c o m c e rte z a tra n s m ite u m a s e n s a ç ã o d e a c e rto
q u a n to a isso.
543 ISAÍAS 51.1-8

d u rab ilid ad e da salvação está em sua c o n stitu iç ã o (durará é lit. “ ser”). A ex p res-
são ja m a is falhará é “ n ã o será d e stru íd a ” . ( ) n egativo refo rça o p o sitiv o “ se r” e
ta m b é m alude (p o r m eio de um v erb o d iferen te) ao “ d e sa p a re c[im e n to |” (6c)
d o a p a re n te m e n te só lid o universo e, em particu lar, o b se rv a que n e n h u m a força
ex te rn a p o d e d e stru ir o q u e o S e n h o r está para fazer.

Salvação eterna: um chamado ao destemor (51.7,8)


E sse te rc e iro p o e m a é in te g ra d o n a série p o r u m c h a m a d o c o m p a rtilh a d o
c o m o p rim e iro p o e m a (1,7). E sse p o e m a c o n tin u a o tem a d a re tid ã o (1,5,6,8);
su a lin h a final (8cd) recapitula a c o n clu são d o se g u n d o p o e m a (6fg); o tem a
se m e lh a n te da ro u p a reaparece (6d,8a); e o te rm o aterrorizados (7d) é a pala-
v ra tra d u z id a p o r “ falhará” n o versículo 6g. te m a característico d o p o e m a é
seu d e se n v o lv im e n to d o paralelo e n tre o S e rv o e o re m a n e sc en te q u e crê. E le
ta m b é m e n fre n to u os desafios d ire c io n a d o s c o n tra ele (50.8), m as se le m b ro u
d a fragilidade essencial daqueles q u e o c o n d e n a ria m (50.9). A queles, c o m o ele,
c o m o e n sin a m e n to d o S e n h o r n o co ra ç ã o (7) e n fre n ta riam os insultos (“ in-
júrias” [ARC] d irecio n ad as a eles p o r causa d e sua fidelidade) e d ev em estar
p re p a ra d o s p a ra u m a vida de p ersev eran ça, a g a rra n d o -se co m fé na relevância
e te rn a d e sua salvação v in d a d o S e n h o r (cf. 2 C o 4.16-18). A o p o siç ã o vem co m
u m a ap arên cia terrível d e força e in fin itu d e, m as re n d e r-se a ela significa deixar
0 e te rn o p e lo tem p o rário .

A 1 A re tid ã o c o n h e c id a (7ab)
B1 A o p o siç ã o e n fre n ta d a (7cd)
B2 A o p o siç ã o ex p o sta (8ab)
A 2 A re tid ã o e te rn a (8cd)

7 A frase vocês que sabem 0 que é direito é (lit.) “ c o n h e c e m a re tid ã o ” . Q u a n d o


Isaías ac u so u seu p o v o de e sta r “ lo n g e da re tid ã o ” (46.12), a acusação foi m ais
p ro fu n d a d o q u e eles te re m se d esv iad o n a c o n d u ta e foi, antes, de que eles
tin h a m se a fastad o de D e u s, faltan d o -lh es essa qualid ade d e ser que só p o d e vir
d e u m re la c io n a m en to pessoal co m o D e u s ju sto e d e c o m p a rtilh a r a vida q ue
é d istin ta m e n te dele. P o r co n seg u in te, n o versícu lo 1, a ex p ressão “ b u scam a
re tid ã o ” ta m b é m faz paralelo co m “ p ro c u ra m o S e n h o r” . “ C o n h e c e r a re tid ã o ”
vai m u ito além de “ sabe[r] o q u e é d ire ito ” . C o n h e c e r a retid ão n ão é m e ra m e n -
te se c o n fo rm a r à v o n ta d e d e D e u s o u c o n se n tir nela, m as d e n o ta u n ião ín tim a
co m a vida to ta lm e n te reta de D e u s (a to tal significância d o v erb o “ c o n h e c e r” ;
G n 4.1, N V I, “ teve relações”). O p aralelo “ q u e tem a m in h a lei n o c o ra ç ã o ” 1

1 O v e rs íc u lo 7 b a p r e s e n ta a m u d a n ç a fa m ilia r d a s e g u n d a p e s s o a v o c ativ a (7a) p a r a a ter-


c e ira p e s s o a v o c a tiv a a p o sitiv a , d a n d o m a io r ê n fa s e a o q u e é d ito .
O LIV RO DO SERVO 544

leva a ideia adiante. O coração c o c ern e e a fo n te d a p e rso n a lid a d e (P v 4.23). A


passagem 50.10 sugere q u e aqueles q u e se identificam co m o S erv o c o m p ar-
tilh arão as experiências dele. E sse é o c ern e d esse terceiro p o e m a . As g ra n d e s
coisas estão ad ian te (3,4,5,6,8), m as o in terim n ã o é fácil. N ã o é o q u e eles fa-
zem , m as o q u e eles são q u e incita hostilidade e exige p ersistên cia e resignação
(M e 13.13). Isaías u sa q u a tro palavras para a u m e n ta r a in ten sid ad e: tem am é a
em o ç ã o incitada pela p ersp ectiv a d e censura (“ e sc á rn io ” , “ d e sd é m ”); n o en tan -
to, aterrorizados significa “ d e s tro ç a d o ” o u “ d e stru íd o ” , re d u z id o à im o b ilid ad e,
e n tra n d o em e sta d o de c h o q u e d ia n te d o s insultos. O su b sta n tiv o insultos em sua
fo rm a atual o c o rre ap en as aqui, m as é u m c o g n a to p ró x im o d e 43.28 e S ofo-
nias 2.8. O v e rb o (ig ã d a p ) o c o rre apenas u m a vez p ara h o stilid ad e v erb al c o n tra
seres h u m a n o s (SI 4 4 .1 6 < 1 7 > ), e suas o u tra s sete o co rrê n c ias d izem re sp e ito à
blasfêm ia c o n tra D eus. O te rm o homens Ç 'nos) é u sa d o c aracterísticam en te para
a h u m a n id a d e e m sua fragilidade m ortal.
8 O v erd ad eiro p o v o d e D e u s vive pela fé q u e re c o n h e c e q u e as coisas
visíveis são te m p o ra is e as coisas invisíveis são e te rn a s (2C o 4.18). N o c ern e
d a o p o sição , in d e p e n d e n te m e n te d e q u ã o vio len ta ela p o ssa ficar c o n tra D eu s
e seu p o v o , e stã o as in c essan tes e eficazes (m esm o q u e im p ercep tív eis) forças
da d estru ição , ag indo c o m o traça e verme/ “ b ic h o ” (ARC). O s v e rb o s comerá e
devorará são os m e sm o s do is d o te x to h eb ra ic o (“ c o m e r [...] c o m e r”), u m a ênfa-
se repetitiva eficaz. S o b re retidão e salvação veja o versículo 5. O te rm o durará c
“ estará” (veja v. 6g). A s palavras p a ra sempre e x p ressam a p e rm a n ê n c ia in trín seca
da justa salvação d o S e n h o r; de geração em geração ex p ressa sua p e rp e tu a ç ã o na
experiência h u m an a.

b. O apelo e a garantia (51.9-16)


A tripla c o n v o cação para o re m a n e sc en te o u v ir (1,4,7) d á lu g ar a u m cha-
m a d o p e re m p tó rio (9-11) ao braço do StSNHOR (A RC), u m ap elo en tu sia sm a d o
de q u e o S e n h o r fará o q u e p ro m e te (cf. o ap elo e m 45.8 se g u in d o 45.1-7). N ã o
im p o rta se o u v im o s a v o z d o p ro fe ta o u a voz d o re m a n e sc en te , ain d a que,
n o c o n te x to , a últim a o p ç ã o p areça m ais provável. O c e rn e d o a ssu n to é q u e a
re sp o sta a p ro p ria d a para as p ro m e ssa s divinas é o ra r p e lo c u m p rim e n to delas,
e se a o ração ch e g a r à b eira d a irrev erên cia (9; cf. SI 4 4 .2 3 < 2 4 > ), isso ap en as
sinaliza u m an seio u rg e n te d e q u e o a b e n ç o a d o fu tu ro alvoreça d e u m a vez.
E m relação aos versículos 12-16, os p ro b le m a s in te rn o s d e in te rp re ta ç ã o n ão
o b sc u re c e m o sentido: c o n so lo (12a); o p o d e r d o C ria d o r so b re os m o rtais
seres h u m a n o s (12b-13); a lib ertação daqueles so b se n te n ç a d e fo m e (14); e a
so b eran ia d o S e n h o r (15) c o b rin d o co m a s o m b ra d a m ã o (16ab), o p ro p ó sito
universal (16cd) e o c o m p ro m isso central co m Sião (16e). A urg ên cia deles (9-
11) é satisfeita p o r m eio d e sua calm a g aran tia (12-16).
545 ISAÍAS 5 1 .9 - 1 6

O “b r a ç o d o S e n h o r ”: o êxo d o p a ssado e fu tu r o (51.9-11)


Q u a tro elem en to s nesses versículos ap o n ta m para o êx o d o co m o o ev en to
p assad o m en cio n ad o para: (i) a feitura de um a estrada nas profundezas ecoa a expe-
riência d o m a r V erm elho; (ii) a expressão os redimidos, q u a n d o se refere à experiên-
cia passada, descreve aqueles que saíram d o E gito; (iii) o ú n ico evento histórico
q u e prefigu ra a red en ção escatológica é o êx o d o (Fiz 20.33s.); (iv) o n o m e Raabe
(ARC) é u sad o c o m o u m có digo para Egito. Isaías 30.7 usa o n o m e R aabe de um a
m an eira qu e exige que ele fosse um a o co rrên cia co m u m , e Salm os 87.4, provável-
m en te, reflete u m uso cultuai bem estabelecido. D a m esm a m aneira, a referência
ao M onstro é rem iniscente d o credo cultuai de Salm os 74.12s., e E zeq u iel 29.3 e
32.2 são explícitos na conexão d o “ m o n stro ” co m o êxodo.
A n te s d e e x a m in a rm o s os detalh es d o s versículos, te m o s de n o s p e rg u n ta r
p o r q u e Isaías se refere ao êx o d o em te rm o s codificad os. P ara R aabe, o M o n stro /
“ d ra g ã o ” (A R C ), o grande abism o e as profundezas do m ar n o s traz.em ao c e rn e da
c o sm o g o n ia cananeia-babilônica. N isso, o d e u s-c ria d o r só p o d ia p ro d u z ir um a
criação o rd e n a d a q u a n d o c o n q u istasse as forças igu alm en te divinas da d eso r-
d e m , R a a b e /T ia m a t, re sid en te n o m a r e tipificada p elo m ar. G ên esis 1, é claro,
está c o m p le ta m e n te isen to d e q u a lq u e r c o m b a te pré-criação. N ã o o b sta n te , o
A n tig o T e sta m e n to faz um uso v ig o ro so da m ito lo g ia p ag à d a criação: para
e n fa tiz a r o c o n tro le a b so lu to d o S e n h o r (o m a r e R aabe e stã o a b so lu ta m e n te a
sua m ercê; J ó 26.11,12; SI 89 .8 ss.< 9 ss.> ); afirm a q u e n ã o h á p o d e r em n e n h u m
lu g ar além d o p o d e r d o S e n h o r (até m e sm o T ia m a t está to ta lm e n te so b o co-
m a n d o d o S e n h o r; A m 9.3); e fo car a c o n c re tu d e h istó rica e a realidade d o po-
d e r d o S e n h o r (a cren ça de cjue M ard u q u e d e rro to u T ia m a t é cred u lid ad e, pois
n ã o h á n e n h u m te ste m u n h o para tra z e r d e v o lta u m a palavra segura). V em os
a d iferen ça n o uso d e “ v o c ê s” e de “ n ó s ” de Jo su é 4.23 e n o “ v iram co m os
seus p ró p rio s o lh o s” (D t 4.3), po is o A ntigo T e sta m e n to in siste em a ssen tar a
ro c h a d a h istó ria (ev en to verdadeiro, te ste m u n h o v erdad eiro ) so b sua teologia.
E claro q u e n e m Isaías n e m o A n tig o T e sta m e n to , p elo uso d a m ito lo g ia, dão
c ré d ito à existência de R a a b e /T ia m a t; c o n tu d o , eles, ao m e sm o tem p o , indicam
cjue n e ste m u n d o o p o v o de D e u s se m p re é d esafiad o em sua lealdade p elo s ou-
tro s p re te n d e n te s à devoção. M as existe apenas u m D e u s que tem d e m o n stra d o
sua realidade, e existe apenas um cam in h o de fé, pois a fé n ã o é u m salto n o
escu ro , m as u m a re sp o sta refletida à evidência co n v in cen te. P o r co n seg u in te,
os versículos 9-11 c o n tê m a v erdadeira con fian ça da intercessão : o S e n h o r ain-
d a é o q u e revelou de si m e sm o n o passado. E le ou v iu o clam o r deles n o m ar
V erm elh o e re sp o n d e u d e fo rm a drástica e co m p leta; sé) ele é D e u s e n ã o há
c o m o resistir a sua v o n tad e; ele tem p o d e r so b re to d o o p o d e r d o inim igo, de
q u a lq u e r categ o ria o u preten são . E m um a palavra, a o ra ç ã o d o s versículos 9-11
é a o ra ç ã o d e fé.
O LIV RO DO SERVO 546

A 1 U m n o v o ato, rec a p itu la n d o o passado: u m a o b ra d e p o d e r (9)


Λ2 O a to p a ssa d o d e sc rito (10)
A 3 ( ) n ovo ato afirm ado: um a o b ra de resgate, de volta para casa e alegria (11)

9 A frase Acorda! A corda! é um exem plo de re p e tiç ã o p a ra c o n se g u ir in ten -


sidade em o cio n al. N o rico a n tro p o m o rfism o da Bíblia, Ê x o d o 2.24 su g ere um a
re p e n tin a le m b ra n ç a divina ap ó s u m p ro lo n g a d o lap so d e m em ória! A qui tam -
b ém , p a ra o o lh o h u m a n o , p arece c o m o se o S e n h o r tivesse a d o rm e c id o so b re
suas p ro m essas. E m o u tra s palavras, o a n tro p o m o rfism o exige q u e D e u s aja
co m a m e sm a rap id ez e u rg ên cia q u e havería se, em n o ssa exp eriên cia, aco rd ás-
sernos co m a re p e n tin a le m b ra n ç a de um a tarefa esquecida. N a Bíblia, o tem a
d e “ v estir” significa caráter, habilidade e c o m p ro m isso , c o m o q u a n d o o S e n h o r
se rev elou a jo s u é c o m o u m h o m e m a rm a d o (Js 5.13). E m o u tra s palavras, é do
caráter d e D e u s te r p ro b le m a c o m seus inim igos; ele te m a h ab ilid ad e p ara fazer
isso e se c o m p ro m e te c o m a tarefa. O apelo aqui p re ssu p õ e o p o d e r resid en te
n a n a tu re z a divina e exige c o m p ro m isso para e fe tu a r u m a o b ra d e p o d er. A
frase o braço do S h m u o r é u m a vivida m e tá fo ra (cf. Ê x 15.16; lR s 8.42) e n u n ca
é u sad a sim p le sm e n te p a ra força. “ N ã o [é| algo à p a rte d o p ró p rio D e u s, m as é
D eu s m e sm o em seu p o d e r” .1 Q u a n d o a criação é atrib u íd a ao b ra ç o d o S e n h o r
(SI 89.1 lss.; J r 27.5; 32.17), a em a n a ç ão d o p o d e r criativo é re p re se n ta d a c o m o
a em an ação d o p ró p rio D e u s p a ra criar. N e m m e sm o os h o m e n s m ais p o d e-
ro so s d o A n tig o T e sta m e n to , as o b ra s p o d e ro sa s m ais cen trais d e D e u s são
m e n c io n a d a s c o m o d e seu “ b ra ç o ” . A ntes, o b ra ç o d o S e n h o r foi co m M oisés
(63.12) e fo rtaleceu D avi (SI 89.20,21).2 A ex pectativa, p o rta n to , está fo cad a n o
p ró p rio S en h o r, co m a m e tá fo ra ressaltan d o cjue ele tem d e ser p ro c u ra d o em
p e sso a e em p o d er. Se q u ise rm o s e n te n d e r to ta lm e n te a referên cia cu lm in an te
d e 53.1, te m o s de ser claros a resp eito disso.
O s a to s p a ssa d o s d o S e n h o r foram v e rd a d e iram e n te h istó rico s, aco n te-
c e n d o e m d e te rm in a d a s datas (dias) e na experiên cia d e d e te rm in a d a s p esso as
('gerações) — m u ito d ife re n te d a m itologia de R aabe!3 O q u e n a B ab ilô n ia-C an aã

1 S m a rt, p. 182.
2 O “ b r a ç o ” d o S e n h o r é u m te m a d e ê x o d o (Ê x 6.6; D t 4 .3 4 ; 5.15; 7 .1 9 ). S o b re as 2 8 re fe -
rê n c ia s n o A n tig o T e s ta m e n to , o n z e s ã o e m Isa ías (3 0 .3 0 ; 4 0 .1 0 ; 4 8 .1 4 ; 5 1 .5 ,9 ; 5 2 .1 0 ; 53.1;
5 9 .1 6 ; 62 .8; 6 3 .5 ,1 2 ).
3 W h y b ra y o b s e r v a q u e n a lite ra tu ra u g a rític a ( n o s s o te x to - f o n te p a r a a re lig ião c a n a n e ia ),
o “ d r a g ã o ” (tannin) (A R C ) é o a d v e rs á rio m o r to p o r B aal, m a s q u e R a a b e “ é, a té o n d e
te m o s c o n h e c im e n to , p e c u lia r à v e rs ã o isra e lita ” . P o r q u e is s o e p o r q u e R a a b e é u sa d a
c o m o u m n o m e irris ó rio p a ra o E g ito ? S e rá q u e a p r e te n s ã o d o E g ito (R a a b e sig n ifica
“ o s te n ta ç ã o a r r o g a n t e ”) v e io a n te s e, e n tã o , a p ó s u m a re fle x ã o s o b r e o d o m ín io h is tó ric o
d o S e n h o r s o b r e a s á g u a s d o m a r V e rm e lh o , fo i fe ita u m a lig a ç ão c o m a m ito ló g ic a R a ab e ,
q u e e n tã o fa c ilito u a tra n s iç ã o p a ra o e x ib ic io n is m o d o E g ito ?
547 ISAÍAS 5 1 .9 - 1 6

era p ré -h istó ria , u m m e ro ru m o r de p ro e z a divina, cm Israel é id en tificad o co m


ev e n to s h istó rico s: a d e rro ta d o E g ito n o ê x o d o (cf. v. 10, o m a r V erm elh o ).
N ã o é a p en as u m a q u e stã o de dizer: “ Q u a lq u e r coisas q u e eles façam , eu p o sso
fazer m e lh o r” , m as, antes, é um a ssu n to d o s atos verificados d o S e n h o r o fere-
c e n d o u m fu n d a m e n to seg u ro para a fé. A teologia, sem a h istó ria, é conjectura.
1 0 A palavra h eb raica para 0 m ar ¿yarn, e na literatu ra u g arítica (n o sso do-
c u m e n to -fo n te para a religião canancia) Yarn é o n o m e de um in im ig o m ito ló -
gico m o r to p o r Baal. M ais um a vez, Isaías o fe re c e h istó ria, em vez d e m itologia,
p o is a c o n q u ista d e yãm pelo S e n h o r aco n te c e d ian te d e te ste m u n h a s n o m ar
V erm elho. N o e n ta n to , tam b ém d ev em o s p e rc e b e r q u e n ã o são o s d eu ses v ito-
rio so s (M ard u q u e, Baal), m as esp ecíficam en te as forças d e d e stru iç ã o q u e Isaías
traz d ia n te d e n ó s (Raabe [ARC], “ d ra g ã o ” , m ar,profundezas— se n d o este ú ltim o
0 habitat tie R a a b e /T ia m a t n o o cean o ). T u d o q u e divide, am eaça o u d e stró i está
so b o c o n tro le so b e ra n o d o S en h o r, até m e sm o so b e ra n a m e n te tra n sfo rm a d o
em b ên ção , c o m o q u a n d o a profundeza se to rn o u um a ro ta de fuga p a ra o redi-
m ido. Para n o sso s o u v id o s, a m itologia bab ilô n ica-can an eia p arece incip ien te,
m as a Bíblia insiste na realidade das forças d o m al e d o dan o , e, n essa co n ex ão ,
Isaías é a v o z da p ersp ectiv a e d o c o n fo rto bíblicos. E le estava c e rto em v er um
su rg im e n to d o s exércitos d o ab ism o q u a n d o n o sso s ancestrais da A n tig u id ad e
fo ram am eaçad o s c o m o g en o cíd io egípcio e em v e r a lib ertação deles c o m o um
sinal da d e m o n stra ç ã o d o p o d e r divino. T e m o s a palavra g ara n tid a d o S en h o r
Jesu s de cjue a cru z era ta n to o d erra d e iro g o lp e na o fe rta d e p o d e r de Satanás
p ara o d o m ín io d o m u n d o q u a n to ta m b é m a realização d essa o b ra de red en -
çâo d o S en h o r, o b ra essa q u e fez co m que Satanás n ã o tivesse m ais relevância.
A inda assim , os c o m b a te s in term ed iário s na m esm a b atalh a são a sina diária d o
p o v o d e D eus. T o d a circu n stân cia oferece u m a saída para as forças d o ab ism o
div id irem e d e stru íre m , e to d a circu n stân cia está nas m ão s d o g ra n d e v ito rio so
para tra n sfo rm á -la em um a fo rm a de escape d o s p e re g rin o s p ara Sião ( lC o
10.13). O s redimidos ('Igá'al; 35.9,10) são aqueles q u e vivenciaram a o b ra de seu
p a re n te d iv in o q u e to m o u to d as as necessidades deles c o m o suas m esm as.
11 E sse versículo — p ra tic a m e n te id ên tico à passag em 35.10, “Jú b ilo e
alegria se a p o d e ra rã o deles, e a tristeza e o su sp iro fug irão” — traz (lit.) “ alegria
e júbilo se a p o ssa rã o deles e tristeza c su sp iro fugirão d eles” . P o r essa razão,
a o ra ç ã o a rd e n te d o versículo 9, so b a influência das certezas históricas (10),
ajusta-se à essência da fé confiante. P ara a linguagem d o versículo 11, veja 35.10
(cf. H b 11.22; A p 21.2).‫י‬1

1 S eria fácil fa z e r o v o c a b u lá rio d e 3 5 .1 0 e 51.11 c o in c id ire m (veja BH .S), m as e ssa s u s p e ita


a r e s p e ito d o te x to é tã o in f u n d a d a q u a n to a a le g a ç ã o d e D u h m d e q u e 51.11 é in s e r id o e
in a p ro p ria d o . A p a s s a g e m 5 1 .9 ,1 0 p re c isa flu ir c m a lg u m p e n s a m e n to a d ic io n a l a d e q u a -
d o , d o c o n tr á r io , a o ra ç ã o se to r n a in a c e ita v e lm c n tc a b r u p ta e q u e ela se fu n d e e m u m a
firm e a f irm a ç ã o d e fé e s tá c o n te x tu a lm e n te c o rre to . P o r e ssa ra zã o , o e x e rc íc io d a o ra ç ã o
O LIVRO DO SERVO 548

Palavras de consolo (51.12-16)


C o n fo rm e o e sb o ç o acim a m o stra , os versículos 9-16 são u m in te rlú d io en-
tre as p ro m essas d e 51.1-8 e as o rd e n s de 51.17— 52.12. A s p ro m e ssa s estim u-
lam a o ração (9-11), e a o ra ç ã o é re sp o n d id a pelas palavras d e g a ra n tia divina. O
clam o r Desperta! Desperta! (9) e n c o n tra re sp o sta n a ex p ressão eu, eu mesmo (12),
c o m o se fosse dito: “ M as eu e sto u tão alerta q u a n to v o cê jam ais p o d e exigir!”
N o e n ta n to , p o r m ais c o m p e te n te e ap ro p ria d a q u e a seção seja em co n te x to ,
sua linguagem p ro v o c a perp lex id ad e. O versícu lo 12a c d irig id o a vos (ARC)
(m asculino plural); 12bc q u e stio n a você (fem in in o singular); e d o v ersícu lo 13
em d ian te, o tra ta m e n to é você (m asculino singular). O s v ersícu lo s 13 e 14 di-
zem re sp e ito àqueles te m e ro so s, am eaçad o s e e n c o lh id o s q u e serão lib e rta d o s e
alim en tad o s; os versículos 15 e 16 referem -se a um p e rso n a g e m p ro fé tic o co m
um m in istério universal. N o r th fala p o r m u ito s q u a n d o diz q u e essa passag em
é o c alcan h ar d e A quiles d e q u alq u er teoria q u e afirm e q u e n ã o fo ram feitas
adições su b se q u e n te s à o b ra original d o p ro fe ta .11N o e n ta n to , isso d ificilm ente
aco n tece, po is é inadm issível reso lv er p ro b le m a s ao p re su m ir q u e su b e d ito re s
lu n ático s tra b a lh a ram sem p e n sa r em seq u ên cia o u sintaxe. Levaria, é claro, um
seg u n d o p a ra alterar n o versículo 12bc d o fe m in in o p a ra o m ascu lin o e, assim ,
satisfazer n o ssa m e n te m eticu lo sa, m as, an tes d e d ed icar m ais a te n ç ã o a isso, é
n ecessário m ais reflexão so b re o assunto.
U m a vez que, n o te x to c o m o o tem o s, d iferen tes p esso as ap arecem nos
versículos 12bc, 13-15 e 16, o vos (A RC) plural d o versícu lo 12a é c o m p re e n -
sível: o c o n so lo d iv in o ta m b é m é dirigido a to d o s. O s te rm o s d o versícu lo 16
a p o n ta m para u m d iscu rso p a ra o Servo, d o ta d o co m a p alav ra d o S e n h o r (16a;
42.4; 49.2; 50.4), p ro te g id o p o r sua m ã o (16b; 49.2) e co m u m a tarefa univer-
sal e c e n tra d a em Sião (16c-e; 42.1; 49.5,6). C o m o o p risio n e iro c o n d e n a d o
d o s v ersículos 13-16, o b se rv a m o s que, e m b o ra Isaías, de 49.1 em d ian te, esteja
p re o c u p a d o c o m a re c u p e raç ã o espiritual d o p o v o , o s tem as q u e ele usa são
ex traíd o s d o re se rv a tó rio d a b a b ilô n ia /c a tiv e iro /e x ílio . P o r isso, o v ersícu lo 14
tem paralelo co m 49.9,17,19,24. A acusação d e e sq u e c im e n to (13a) red irecio n a
su tilm en te a queixa d e 49.14 d e q u e o S e n h o r os esq u ecera. O c o n te x tu a l fe-
m in in o q u e c o rre sp o n d e ría ao versículo 12bc é a p ró p ria Sião (cf. 49.14; 51.17;
52.1), e, se seg u irm o s essa linha, o b se rv a m o s q u e a m e sm a o rd e m d e tratam en -
to — Sião, o s cativos, o S e rv o — já ac o n te c eu em 49.14-21; 49.22— 50.3; 50.4-
9 e será re p e tid a em 51.17— 52.2; 52.3-12; 52.13— 53.12. O s v ersículos 12-16,
vistos d essa m an eira, são u m m o saico de frag m en to s lid an d o e m seq u ên cia
c o m Sião, o s cativos e o S ervo, c o m o os três dramatis personae (elenco e suas re s­

(51.9) s u rg e d a fé (n a s p r o m e s s a s q u e a c a b a m d e s e r re g is tra d a s e m 51 .1 -8 ) e g e ra u m a fé
firm e q u e se rá a ssim (5 1.11).
1 N o r t h , Second Isaiah, ρ. 2 14.
549 ISAÍAS 5 1 . 9 - 1 6

pectivas p e rso n a g e n s de um a p eça teatral) q u e p recisam de co n so lo e g a ra n tía


à m ed id a q u e o m o v im e n to d o s capítulos se ap ressa em direção ao seu p o n to
cu lm in ante.
1 2 a S o b re eu, eu mesmo veja a n o ta in tro d u tó ria acim a. O S enhor, p o r m eio
da du plicação, iguala a in ten sid ad e em o cio n al de sua p e sso a (9a). Kle está tão
p re o c u p a d o em re sp o n d e r q u a n to eles em cham ar. A lém disso, é ele m esm o a
re sp o sta d e q u e eles p recisam , pois consola é um p articipio , e x p re ssa n d o tan to
ação q u a n to a trib u to e u m a relação im utável. G ê n e sis 24.67 ilustra o sen tid o .'
1 2 b c N ã o é o fe re c id o c o n so lo a Sião p o r in te rm é d io d e alg u m a dispensa-
ção especial o u a to de D eus, m as pelo co n v ite a c o n sid e ra r q u em ela é e o que
seus inim igos são: se n d o q u em você é c o m o é possível tem ê-lo s, se n d o eles
0 q u e são? A a ten ção está focada na qualidade d o s in im ig o s d e Sião: o te rm o
homens Çenôs ) ex p ressa a fragilidade h u m a n a (cf. v. 7); m ortais/ “ q u e m o rre ”
(TB) é u m u so atrib u tiv o d o v e rb o im p erfeito (“ q u e c o n tin u a a m o rre r”) e m os-
tra a p erecib ilid ad e d o s seres h u m a n o s, c o m o um a característica co n tín u a , n ão
ap en as n o fim , m as ao lo n g o d o q u e eles ch am am vida; os filh o s de homens são
aqueles q u e, em essência, são h u m a n o s e têm apen as recu rso s h u m a n o s para
u sar e q u e, p o r fim , (lit.) “ são d e sig n ad o s para se r” relva, o u seja, c o n sig n ad o s
p elo C ria d o r à fragilidade e à tran sito ried ad e (cf. 40.7). N ã o há n e n h u m a análi-
se c o rre s p o n d e n te de Sião, m as a su g estão é q u e suas qualid ad es são o o p o s to
da fragilidade, m o rta lid a d e , lim itação e tra n sito rie d a d e h u m an as. O v e rb o tema
está n o te m p o perfeito , significando “ a g a rra d o p elo m e d o ” .
13-15 O p ro fe ta ag o ra se volta para o u tro d e stin a tá rio c o m as palavras
(lit.): “ E v ocê se esquece!” Se Sião foi ch am ad a a o lh a r n o ín tim o e viver de
a c o rd o co m sua dignidade, o n o v o d estin atário , o cativo d o versícu lo 14, é cha-
m a d o a lev an tar os o lh o s e refrescar sua m e m ó ria a re sp e ito d e seu D eus.

A 1 (9 S e n h o r seu A u to r, o C ria d o r d e tu d o (13a-c)


B1 O p o d e r h u m a n o : te rro r e am eaça (13d-g)
B2 (!) p o d e r das circunstâncias: o p re ssã o e priv ação (14)
A 2 O S e n h o r seu D e u s, so b e ra n o so b re as forças terren as (15)

A fo rm a d o o rácu lo é sua m ensagem : q u a lq u e r q u e seja o caso co m o p o v o


d e D e u s — c o n tra p o s to pelas forças h u m an as, o p rim id o pelas circu n stân cias
— eles estão c ercad o s pela realidade de seu D e u s em to d a sua o n ip o tê n c ia
criad ora.
13 A q u ele que fe% vocêé aquele que o fez c o m o você é p o r m eio da eleição, da
g raça, d a re d e n ç ã o d o ê x o d o e d o cu id ad o providen cial (44.2). C o m o sem p re,

1 P a ra ■inàham e m Isaías, veja 1.24; 57.6 (N ip h a i); 12.1; 22.4; 4 0 .1 ; 4 9 .1 3 ; 5 1 .3 ,1 2 ,1 9 ; 52.9;


6 1 .2 ; 6 6 .1 3 (Ptel); 5 4 .1 1; 6 6 .1 3 (Pual).
O I.IVRO DO SERVO 550

você sugere “ aquele q u e se fez ele m e sm o seu ” , e n ã o “ aquele q u e v o cê reivindi-


ca c o m o seu ” . O p rin cip al c o m p ro m isso é o d o S en h o r, e ele n ã o é u m (m ero)
D e u s nacional, m as o C ria d o r de tu d o , céus e terra, co m o q u á d ru p lo p o d e r que
isso envolve (37.16). E squejcê]-lo (viver sem um se n tim e n to im ed iato d e q u em
ele é, d o q u e ele faz, d e sua presen ça, cuidado e p o d e r so b e ra n o p ró x im o s) é vi-
v er em d e rro ta (SI 78.9-11) e d eso b ed iên cia (SI 78.40-42). A im ag em p o r trás de
apavorada, ira, o p re ssã o e d e s tr u tiv o ¡ é d o s inim igos te rre n o s, m as a realidade é
a d e rro ta e a co n d iç ã o p e rtu rb a d a das pessoas que p recisam d e re d e n ç ã o d o pe-
cad o c resta u ra ç ão d a c o m u n h ã o co m D eu s. A fo rm a d o v e rb o inclinado (kô nên )
n ão é a p ro p ria d a m e n te reflexiva, m as transitiva e p ro v av elm en te é u m a elipse
(“ p ô r [um a flecha em seu arco ]” ; SI 7 .1 2 < 1 3 > ; 11.2; 21 .1 2 < 13 > ), aqui “ q ue
m ira a fim de d e s tru ir” . A ex p ressão p o is onde é m ais b em e n te n d id o c o m o um a
d eclaração lev em en te indignada: “l i o n d e ? ” A am eaça d o in im ig o é b a sta n te
real, m as o q u e é ela e o n d e ela está cm c o m p a ra ç ão co m o p o d e r d o C riad o r?
14 O te rm o prisioneiros é u m a adição in terp retativ a para o p articip io “ en co -
lh id o s” . E les, c o n fin a d o s p elo inim igo, talvez te n h a m se e n c o lh id o d ia n te das
am eaças d este, m as ele n ão fará d o seu jeito; a lib erd ad e, e n ã o a m a sm o rra ;
0 alim en to , e n ã o a fom e, esse será o d e stin o d o p o v o d o S en h o r. O s c o m e n -
taristas in su lta m a evidência q u a n d o fazem esse versícu lo se referir ao exílio
b abilô nio, o n d e sab em o s q u e a vida estava lo n g e de ser o p ressiv a (Jr 29.4-7)
e se to rn o u d e fato ta m b é m sem elh an te à vida em casa q u e n o e v e n to p o u c o s
se erradicariam p a ra v o lta r a Sião. É inconcebível q u e um p ro fe ta q u e vivesse
na B abilônia te n h a escrito esse versículo c o m o u m a d escrição d o s exilados. O
versículo, antes, é u m d e se n v o lv im e n to d o te m a de um cativo c o m o tal, p a rte
d a arte literária d e Isaías. D a m e sm a m an eira q u e ele escrev eu 10.28-32 c o m o
se estivesse relatan d o o avanço inim igo e 46.1,2 c o m o se estivesse o b se rv a n d o
um a evacuação, ta m b é m aqui é c o m o se ele estivesse en tre as p esso as en co lh í-
das d ia n te d e um inim igo devastador. Pois essa é de fato a situ ação d o p o v o de
D eu s, a m e n o s q u e ele os salve: q u eim ad o s, c o n d e n a d o s a m o rre r, d izim ad o s.
A frase m orrerão em sua m asm orra é “ m o rre r nas p ro fu n d e z a s” , o u seja, “ m o rre r
c o m o alg u ém c o n d e n a d o às p ro fu n d e z a s” . Isso p o d ia fazer p a rte d a m e tá fo ra
d o c o n d e n a d o crim inal: m o rre r e ser jo g ad o em um a vala c o m u m . N o en tan -
to, p o d e h av er n u an ças d a m o rte sem o favor d iv in o (38.17; SI 4 9 .9 < 1 0 > ), o
o p o s to d e e n c o n tra r u m resg ate para a alm a (SI 4 9 .7 ,8 < 8 ,9 > ; cf. v. 1 4 s.< 1 5 s.> ).
15 A ex p ressão p o is eu sou/ “ p o rq u e eu s o ü ’ é u m a le m b ra n ç a en fática e
a b ru p ta da m e n te d o S en h o r. O p e n sa m e n to p o r trás de agito1 n ã o é d e q u e n ão

1 A s p a la v r a s que agito [...] seu nome (T B ) o c o r r e m e x a t a m e n t e d e s s a m a n e ir a e m J r 3 1 .3 5 . E m


v e z d e a c h a r q u e u m a p a s s a g e m u s a a s p a la v r a s d e o u t r a , é m a is r a z o á v e l p e n s a r q u e c a d a
551 ISAÍAS 5 1 .9 - 1 6

im p o rta c o m o o m a r se agite o S e n h o r é m ais p o d e ro s o e está n o c o n tro le (SI


93), m as q u e a p ró p ria agitação d o m a r é u m a m an ifestação d a v o n ta d e e d o
p o d e r d o S e n h o r; m e sm o n esse estágio d a ad m in istração m u n d ial, o C ria d o r é
s o b e ra n o (10.5-15; SI 107.23-32). S o b re Senhor dos E xército s/ “T o d o -P o d e ro so ”
(N T L H ), veja 1.9.
16 L sse versículo descreve o e q u ip a m e n to , a seg u ran ça e a tarefa d o Servo.
N e ssa rev isão d o s dramatis personae envo lv id o s na g ra n d e red en ção , o S erv o vem
d ia n te d o S e n h o r em b u sca d e sua palavra d e g a ran d a. O v ersículo co n siste de
d u as afirm açõ es divinas (pus e cobri) e três infinitiv os d e p ro p ó s ito (“ p la n ta r” ,
“ fu n d a r” e “ d iz e r” [ARC]). L ogicam ente, deve-se im ag in ar q u e cobri p re c e d e pus
m inhas palavras, o u seja, o S ervo (co m o em 49.2) fica o c u lto até vir a p len itu d e
d o tem p o . H á do is m o tiv o s para a o rd e m inesperad a. P rim eiro , p a ra q u e p o ssa
se r d a d a a p rim azia à co n d iç ã o p ro fética d o Servo. L ie é acim a d e tu d o um
m in istro d a palavra d o S enhor. O m istério da in sp iração p ro fé tic a — d e q ue
a boca h u m a n a deve falar c o m o se fossem suas m esm as as palavras q u e são de
fato d e D e u s (Jr 1.9; L z 2.7— 3.4; A m 1.1,3) — ta m b é m é verd ad e p ara a figura
p ro fé tic a c u lm in a n te d o S ervo (cf. 42.1-4; 49.2; 50.4). O se g u n d o m o tiv o é para
q u e ele p o ssa sab er que a m ã o q u e o e sc o n d e até q u e ch eg u e o m o m e n to d e ele
se r rev elad o n ã o foi retirada, m as o c o b re ta m b é m n a ex ecu ção d e sua tarefa. A
e x p re ssã o eu, que p u s é u m a tra d u ç ã o e stra n h a d e “ p la n ta r” .1 A s alternativas são
“ a fim de q u e eu p o ssa p la n ta r” — o p ro p ó s ito d o S e n h o r será alcan çad o p o r
in te rm é d io d e seu S ervo; o u “ a fim d e q u e você p o ssa p la n ta r” — o trab alh o
q u e o S erv o fará. “ P la n ta r” é u m te rm o b e m e stab elecid o c o m o m e tá fo ra para
“ c o m e ç a r m ais u m a v ez” o u “ ficar firm e m e n te n o lu g ar” .2 Se p la n ta r en fatiza
u m n o v o co m eço , e n tão , “ lancei o s alicerces” a p o n ta p ara a so lid ez e du rab ilid a-
d e da realização. O S erv o é o p o n to de o rig em d e u m a n o v a realidade có sm ica
a b ra ç a n d o o céu e a terra. Jerem ias (1.9s.) foi d o ta d o co m a p alav ra d o S e n h o r
p a ra “ p la n ta r re in o s” , m as o S e n h o r p la n ta rá céus, fa z e n d o a o b ra criativa q u e a
Bíblia re se rv a p ara D e u s m esm o. A lgo m a io r q u e u m p ro fe ta está aqui! A frase
que digo/ “ e p a ra d izer” (ARC) a Sião: Você é 0 meu povo m o stra a cen tralid ad e d o
p o v o d o S e n h o r n o s p ro p ó sito s có sm ico s d o S e n h o r e d o Servo. M eu povo é o
c u m p rim e n to su p re m o d a p ro m e ssa da aliança (E x 6.7; cf. 49.8).

u m a e s t á c i t a n d o u m h i n o c o n h e c i d o ( o u t r a s p a r t e s d o q u a l s ã o e n c o n t r a d a s e m A m 4 .1 3 ;
5 .8 ; 9 .5 s .) o u q u e t o d a s e s s a s p a s s a g e n s v ê m d a m e s m a c o le tâ n e a d e h in o s . H á i d e n t i d a d e
s u f ic ie n te d e f o r m a p o é t i c a p a r a p e n s a r m o s c m u m h i n o / h i n o s p a r a D e u s o C r ia d o r .
1 R H S p o d e r í a a l te r a r lintôa' (“ p l a n t a r ” ) p a r a lintòt (“ e s t e n d e r ” ), s u b s t i t u i n d o o i m p r e s s i o -
n a n te p e lo lu g a r c o m u m .
2 O v e r b o “ p l a n t a r ” é u m a m e t á f o r a b e m e s ta b e le c id a — p a r a f u n d a r d e n o v o r e in o s ( |r
1 .1 0 ; d e p r o v e r / p e r m i t i r lu g a r p a r a (J r 1 2 .2 ); e s t a b e l e c e n d o e m u m a p o s i ç ã o a s s e n t a d a (J r
2 4 .6 ; A m 9 .1 5 ) , e tc .
O LIVRO DO SERVO 552

c. As ordens para responder: a experiência da salvação (51.17—52.12)


( ) e sb o ç o d a página 537 m o stra c o m o essa seção v o lta ao q u e h o u v e antes.
( ) paralelo e n tre as p ro m e ssa s de 51.1-8 e as o rd e n s c o m e ç a n d o em 51.17 su-
gere que as p ro m e ssa s são c u m p rid a s e n ão falta n ad a além d e e n tra r n a p o sse
delas. P o r co n seg u in te, 51.1-3 p ro m e te o É d e n restau rad o , e 51.17-23 declara
que a m aldição é rem ovida. P o rta n to , o cam in h o está livre p ara d e sp e rta r para
o q u e o S e n h o r faz (51.17). M as essa visão de 51.17— 52.12 lev an ta um p ro b le -
ma: c o m o será q u e a ira d e D e u s (51.17-23) foi rem ovida? D a m esm a m an eira,
52.1 ch am a Sião a e n tra r na san tid ad e p o rq u e a re d e n ç ã o é realizada (52.9):
c o m o será q u e ela foi realizada? É c o n v o c a d o um n o v o ê x o d o (52.11,12), m as
c o m o isso será possível? Só é lançada algum a luz na q u e stã o q u a n d o o S e n h o r
fin alm en te c o n v o c a r seu povo: “ V ejam , o m eu se rv o ” (52.13). D e ssa m an eira,
as p ro m e ssa s d e 51.1-8 se to rn a m as o rd e n s d e 52.17— 52.12, e to d o o re sto
ta m b é m re p o u sa n a o b ra de expiação d o S ervo registrada em 52.13— 53.12.
A s três seções c o m e ç a n d o co m 51.17 são sinalizadas p elo d u p lo im p era-
tivo (51.17; 52.1,11) c o m os quais elas co m eçam . D a p ersp ectiv a tem ática, as
seções vão d o fim da ira divina (51.17-23) para a p o sição d e san tid ad e n a base
da salvação (52.1,2,3-10) e p ara a vida d o p e re g rin o em p u re z a c a rre g a n d o os
vasos d o S e n h o r (52.11,12). E ssa é a c o n su m a ç ã o da teo lo g ia d o êx o d o : o tem a
da P áscoa é ev itad o e cai n o s inim igos de Israel (Ê x 12); o te m a d o Sinai d o
p o v o sa n to (Ê x 19.4-6) lib e rta d o d a escravidão e trazid o p ara a o b e d iê n c ia (Ê x
20.2ss.); e o te m a d a P ásco a de p e re g rin a çã o (Ê x 12.11) ju n to c o m o te m a d o
tab ern ácu lo -S in ai (Ê x 25ss.; N m 9 .1 5ss.), em q u e os p e re g rin o s c a rre g am as
coisas santas.

O cálice da ira (51.17-23)


C o n fo rm e Isaías ap ro x im a seu p o v o da o rd e m p ara e n tra r n a salvação q u e
está p re p a ra d a p a ra eles e à e sp era deles, ele c o m eça co m a ira d e D eu s, alertan -
d o -o s p a ra u m a o b ra divina q u e tra n s fo rm o u essa ira em u m a co isa d o p a ssa d o
(cf. 12.1; R m 1.16-18).

A 1 O cálice d a ira o fe rta d o e c o n su m id o (17)


B A Sião d eso lad a (18-20)
B1 Sem filhos p ara aju d ar (18)
B2 Sem c o n so la d o r (19)
B3 Sem filhos re sta n te s (20)
A2 O cálice da ira re m o v id o (21-23)

As seções A estão ligadas p elo tem a d o cálice da ira e pela m ã o q u e d e u o


cálice (17c) e a m ão da qual ele foi tira d o (22c). As seçõ es B são três estro fes
553 ISAÍAS 5 1 . 1 7 - 5 2 . 1 2

d e q u a tro linhas cada u m a co m a referên cia aos filhos na p rim eira e n a terceira
linhas fo rm a n d o um inclusio [criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o iní-
cio e n o final d e um a seção]. A ausência de ajuda e c o n so lo h u m a n o s nas duas
prim eiras e stro fe s p re p a ra para o p o n to c u lm in a n te n a terceira, em que to d a
essa ag o n ia é explicada pela ira d o S enhor. D e ssa m an eira, a ira (17d,20d,22e)
é o te m a d e ligação. N a c o m b in a ç ã o 51.1-3, a p ro m e ssa era o É d e n restau rad o ;
isso é realizado agora pela rem o ção da m ald ição d e D e u s so b re o p e c a d o e os
p ecado res.
17 E sse versículo com eça com um a convocação urgente para “ levant[ar]-se”
(co m o n o v. 9 e 52.1, m as aqui na fo rm a reflexiva). E les c o n v o caram o S en h o r
(9) c o m o se ele estivesse ad o rm ecid o , m as, na verdad e, fo ram eles q ue ad o rm e -
ceram e n q u a n to coisas im p o rta n te s aco n teciam . A exp licação segue o portanto
n o versículo 21. 'Io d a s as experiências da vida são m istu rad as em um cálice
para n ó s p elo S en h o r, m as esp ecialm en te o d e v id o a q u in h o a m e n to d e sua ira
(SI 11.6; 7 5 .8 < 9 > ; J r 2 5 .1 5ss.; Fiz 23.31ss.). O cálice re p re se n ta a decisão e co m -
p ro m isso p e sso ais dele (M t 26.39; J o 18.11). A frase da taça que jasç os homens
cambalearem/ “ cálice da vacilação” (ARC) é u m a d u p la ex p ressão para e n fatizar
a ideia.1 A palavra cambalearem/ “ a to rd o a m e n to ” (TB) n ão se refere ao p asso
titu b e a n te d o in to x icad o co m bebida, m as os estágios finais d a trcm ulação: um a
im agem d e e sta r d e se sp e ra n ç ad o e irre p a ra v elm e n te so b a ira de D eus.
18 As rep etiçõ es p ro c u ra m fazer co m q u e a ideia seja e n ten d id a: filh o s/.../
filhos; teve {...¡guiá-la; criou {...] tomá-la. F alan d o da p ersp ectiv a h u m a n a (SI 127.5),
Je ru sa lé m devia e sta r b em p ro teg id a c o n tra a calam idad e — u m a situ ação da
qual se o cu p a ria ao te r e criar filhos de fo rm a diligente. Fila devia esp e ra r ser
a m p a ra d a pela sab ed o ria para guiá-la e o fe re c er fo rça para tomá-la pela mão, m as
n e n h u m re c u rso h u m a n o auxilia c o n tra a ira divina (cf. 50.2; 59.16; 63.3; 65.12).
19 A d u p licação é a ex p ressão idiom ática q u e tra n sm ite totalidade. P or
essa razão, e m b o ra to d o recu rso h u m a n o d e e sfo rço , pesso al e assistência (18)
estivessem ali, a ruína e destruição (desastre total to c a n d o a p ro p ried ad e) e a fom e
e espada (d estru ição to tal c o n tra o povo) n ã o d eixo u n em m e sm o um a voz para
consolá-la. A cidade d e stru íd a retrata o efeito d e v a sta d o r da ira divina em ação.
Fila u ltrap assa o p o d e r h u m a n o de resistir (18) e a capacid ad e da te rn u ra hu-
m an a d e a b ra n d a r (19). O tex to h eb raico (veja a n o ta d e ro d ap é da N V I) é lit.
“ Q u e m , eu, p o ssa te co n so lar?” . Isso sugere o u “ c o m o p o d e alguém , ex ceto
eu, te c o n so la r? ” , o u seja, o S en h o r, o c o m a n d a n te e o p ro m e te d o r d e c o n so lo
(40.1; 51.3,12) ch am a aten ção para ele m e sm o c o m o o ú n ico q u e p o d e lidar

1 Λ p a la v r a laça (qtibba aj) s ó c e n c o n t r a d a a q u i c n o v e r s íc u l o 17. I s s o e s t i m u l a a lg u n s


cálice fo i a c r e s c e n t a d o p a r a e x p lic á - la . M a s is s o n ã o le v a
e s tu d io s o s a s u g e rir q u e o te r m o
e m c o n s i d e r a ç ã o a s m e s m a s p a la v r a s n o v e r s íc u l o 1 7 , p o is é m u itís s im o i m p r o v á v e l q u e o
g lo s s a r is ta c o n s i d e r a r i a s e r n e c e s s á r ia u m a s e g u n d a e x p lic a ç ã o tã o c e d o .
O LIVRO DO SERVO 554

c o m sua p ró p ria ira. C) p rim e iro se n tid o talvez seja o m ais usual para a ex p res-
são idiom ática.
20 E ssa terceira im ag em d e p e rd a volta ao tem a d o s filhos d e Je ru sa lé m e,
em particu lar, a razão p o r q u e eles n ã o p o d e m trazer a ajuda su g erid a n o versí-
culo 18. As duas d u p licaçõ es, desmaiaram e jasçem, ira e repreensão, in tercalam um a
ilustração terrível: o anim al sem esp eran ça ca p tu ra d o , ch eio d e te r r o r e sem a
capacid ad e o u o p o rtu n id a d e p ara fugir. O s filhos de Sião estã o d u p la m e n te
sem e sp eran ça (20ab), a ira é a p o rç ã o d u p la deles (20de). E c o m o p a ra Sião, se
seus filhos caírem , n ã o h á n e n h u m a esp eran ça para o futuro.
21 O s três versículos seguintes d escrev em o fim e a re m o ç ã o d a ira. A
c o n ju n ç ã o portanto in tro d u z as co n clu sõ es d o S e n h o r surgidas d a situ ação de
d e sa m p a ro (18), d e s c o n fo rto (19) e d e sesp eran ça (20) so b a ira d o S en h o r. A
palavra aflita, n esse c o n te x to , é “ h u m ilh ad a” , o u seja, esp e z in h a d a pela ira divi-
na. A frase embriagada, mas não com vinho (cf. 29.9 para esse te m a isaiano) v o lta à
m e tá fo ra d o cálice, a m e d id a deliberada da ira.
22 A d u p la d escrição d a cidade (21) n ã o fo rn e c e n e n h u m in d ício d e a o q u e
o portanto levava. O su sp e n se a u m e n ta co m a d u p la d escrição d o lo c u to r d iv in o
co m o : (i) Soberano Çadõnãy). Isaías, de m o d o excepcion al, usa aqui o plural, em
geral re se rv a d o para o s “ se n h o re s” h u m a n o s, p o ssiv e lm e n te a fim d e en fa tiz a r
que esse se n h o rio n ã o é apenas o d o D e u s tra n sc e n d e n te , m as u m se n h o rio
p rá tic o p a ra to d o s os dias, c o m o o d o m a rid o co m a esp o sa (lR s 1.17) e d o s
pais co m o filho (G n 31.35). (ii) O Senhor ( y a h w e h ) . R evelado, p o r sua p ró p ria
escolh a, c o m o o D e u s q u e salva seu p o v o e julga seus inim igos, (iii) Seu Deus. O
D e u s q u e se c o m p ro m e te u c o m você e seu b em -estar, (iv) O D e u s da ju stiça e
d a legalidade ab so lu tas q u e defende ('¡ñb, “ d e fe n d e r a causa d e ”) 0 seu povo e leva
o caso ao tribunal. Q u a lq u e r coisa q u e ele faça é legalm en te a p ro v ad o ; n ã o é
arb itrária n em u m a b o n d o s a indulgência o u c o n c e ssã o n e m , ta m p o u c o , p o r
o u tro lado, um a sen ten ça extravagante, m as apenas o q u e a p ró p ria ju stiça dita.
A frase veja que eu tirei p e rte n c e à vivacidade da ilustração. O p o b re em b ria-
g a d o cam b a le an te é despertiadoj (17) agora para q u e veja q u e o cálice d a ira foi
a fastad o da mão q u e o segurava. D e algum a m aneira, e n q u a n to d u ro u o e stu p o r
p ro v o c a d o pela b eb id a, o S e n h o r agiu em favor d o d esam p arad o . O S e n h o r d eu
(17), o S e n h o r tiro u ; a b e n ç o a d o de fato seja o n o m e d o S enhor! E c o m o v e n te
o fato de Isaías re p e tir as palavras d o versículo 17df. A ira tão m erecid a, a ira
d istrib u íd a co m ta n ta precisão, é essa ira q u e se foi. A ex p ressão do cálice é u m a
adição in te rp re ta tiv a e devia se r om itida: a taça (c o m o n o v. 17, “ d a taça”) é um a
ap o sição a “ cálice q u e faz ca m b a le ar” n o versículo 22d. E im p o rta n te p re se rv a r
essa id en tid ad e e n tre o q u e foi d a d o (17) e o q u e foi re m o v id o — e re m o v id o
de u m a vez p o r todas, po is (lit.) “ você jam ais b e b e rá dele d e n o v o ” . A ira de um
D eu s q u e o d eia o p e c a d o n ã o p o d e te r n ad a q u e ver co m eles. E sse, p o r c o n se-
555 ISAIAS 5 1 . 1 7 - 5 2 . 1 2

g u in te, c o se n tid o d o portanto (21a): urna lógica o p e ra n a n atu reza de D e u s de


a c o rd o c o m a qual a dev id a rec o m p e n sa pelas o b ras deles, co m justiça perfeita,
é afastada; e a ira, sadsfeita.
23 A justiça de D e u s ta m b é m o p e ra em o u tra direção, para afligir aqueles
q u e afligiram seu povo. N o êxodo, a re d e n ç ã o d o p o v o d e D e u s na P áscoa d o
S e n h o r c o in cid iu co m sua justa visita so b re o E g ito p o r recu sar sua palavra e
afligir seu povo. N ã o foi a visita da justa p u n iç ã o so b re o E g ito q ue redim iu
o p o v o (do c o n trá rio p o r q u e seria exigido o sacrifício da Páscoa?), m as a re-
m o ç ã o da ira d e u m e a im p o sição da ira so b re o o u tro fo ram os dois lados
da m e sm a ação divina. S obre as p u n iç õ e s h istó ricas infligidas p elo S e n h o r aos
in im ig o s de seu povo, veja 10.5-15. E le ex ecu tará n o ssa v in g an ça so b re to d o s
o s p o d e re s q u e reivindicaram e exerceram d o m ín io so b re nós. M as a q u estão
q u e ain da te m de se r resp o n d id a é o q u e a o b ra d e D e u s n a P ásco a esp era q ue
seja rev elado n o versículo 22 c o m o um a explicação.

Santo Sião, Deus soberano, salvação universal (52.1-10)


O o u tro Desperte! Desperte! (1, c o m o em 51.9) an u n cia u m a n o v a seção (cf.
51.17). D iv id e-se em três partes. N o s versículos 1 e 2, Je ru sa lé m é estim u lad a
a d e sfru ta r um a nova condição. J u n to com a rem o ç ã o da ira divina (51.17-23)
veio u m a v erdadeira san tid ad e (lb -d ), co m sua c o n c o m ita n te sep aração (le f)
e d ig n id ad e real (2). Isso p ro v o ca invariavelm ente a p erg u n ta: “ C o m o ? ” e o
pois inicial d o versículo 3 p ro m e te explicação. O s versículos 3-6 n o s p e rm ite m
e n tra r na m e n te d o S e n h o r e n q u a n to ele p ro m e te um a re d en ção g ratu ita (3)
p o rq u e a escravidão de seu p o v o é algo q u e ele n ã o to lera (4,5). Por isso (6), o dia
da revelação de si m e sm o d o S e n h o r está chegando. O s versículos 7-10 n o s leva
além d o a to v ito rio so d o S en h o r, para sua triu n fa n te v in da p ara casa em Sião. O
c o rre d o r solitário proclam a: “ O seu D e u s rein a” (7), o cla m o r é a d o ta d o pelos
vigilantes so b re os m u ro s d a cidade (8) e a cid ad e celebra co m alegria (9). O Se-
n h o r, in d e p e n d e n te m e n te d o q u e faça, desnudará seu santo braço à vista de todas as
nações (10) — m as q u a n to ao p ró p rio ato, ainda estam o s em suspense! Λ seção
c o rre s p o n d e n te (51.4-6) p ro m e te u um a revelação m u n d ial c salvação universal;
essa seção n o s in fo rm a q u e ela acontece. A inda e sp e ra m o s para sab er o q ue é
isso. O ta le n to a rtístico de Isaías é v isto ta n to em sua reten ção da in fo rm a ç ã o
cheia de su sp e n se q u a n to em seu u so das palavras c im agens.

A nov a Sião: ideais c u m p rid o s (52.1,2)


N ã o o b stan te, a casa sacerdotal d e A rão e a casa real de D avi, o ideal d e um
p o v o real e sacerdotal (Ex 19.4-6) nunca foi realizado, m as e n q u a n to Sião ador-
m ece (la) o c o rre um a m aravilha de m o d o que ao d esp ertar ela e n c o n tra novos
trajes à vista (lb c ), indicativos d e um a nova condição de santidade (Id ). E isso
não é ilusão, pois q u a n d o ela se levanta, co rren tes caem e um tro n o a ag u ard a (2).
O LIV RO DO SERVO 556

1 O e n tu sia sm o d o d u p lo c h am ad o c a im agem de d e sp e rta r d o s o n o são


am b as p a rte da intenção. Siâo ach o u q u e o S e n h o r p recisava a c o rd a r (51.9),
c o m o se n ã o fo sse n ada m ais que Baal (cf. lR s 18.27)! É tão difícil m a n te r a fé
em u m dia de trevas que é m ais sim ples q u e stio n a r o ca rá te r d e D e u s q u e cam i-
n h a r cm p aciência e confiança. M as e n q u a n to Sião d o rm e im ob ilizad a, alguém
atu a em seu favor, e ela é ch am ad a a p a rtic ip a r das b ê n ç ã o s em u m a base n ão
co n trib u tiv a. A ex p ressão reveste-te (ARA) e viste-te (ARA) são o m e sm o v e rb o
u sa d o d uas vezes: “vista [...] vista” . A m e tá fo ra d e v estir (51.9) significa “ seja
o q u e v ocê realm en te é ” ; n ão é um exercício de p re te n sã o o u u m “ d isfa rc e ” ,
m as u m a m a n ife sta ç ão d o caráter. P o r isso, aqui ela significa d e sfru ta r e ex p o r
a fo rça q u e a g o ra é v e rd a d e iram e n te sua. A ex p ressão suas roupas de esplendor/
“ fo rm o sa s” (ARC) só é e n c o n tra d a aqui, m as o p a n o d e fu n d o é E x o d o 28.2,
p assag em n a qual os trajes su m o s sacerdotais são p ara c o n fe rir “ d ig n id ad e e
h o n ra ” . O p o v o d o S e n h o r é, n o m ínim o, o p o v o que, da p ersp ectiv a sacerd o -
tal, tem in te n ç ã o divina (E x 19.6). O p rim eiro o b jetiv o d o S e n h o r era satisfazer
as exigências da sua san tid ad e (51.17-23); seu se g u n d o o b jetiv o aqui é c o m p ar-
tilhar sua san tid ad e co m seu povo. A frase os incircuncisos /.../ não tornarão a entrar
ex p ressa a finalidade d o q u e é realizado c, para Sião, a p len a realidade d e se r o
p o v o sep arad o , d istin to e im acu lad o d o S enhor. A p o sse d o sinal d a circu n cisão
legitim ava a m e m b re sia d o p o v o da aliança. Q u a n d o Isaías fala d e u m a co m u -
nid ade livre d e incircuncisos e [...] impuros, ele a p o n ta p a ra um a situ ação em que
n ão há d ú v id a a re sp e ito da m e m b re sia nem da in aceitabilid ad e c o n c e rn e n te ao
caráter. Q u a n d o A rão vestia os trajes d e dig n id ad e havia u m a irrealid ad e a res-
p eito d isso tu d o , a declaração: “ C o n sa g ra d o /S a n tid a d e (A RC) ao S e n h o r” (E x
28.36) n ã o estava refletida n o ca rá te r de q u e m vestia o traje. Sua reiv in d icação
d a cidad an ia n a cidade san ta (48.2), q u e antes era fingida, n ã o o seria mais.
2 S ob as im agens de cativeiro, Isaías (co m o d esd e 49.1) está se d irig in d o
à escravidão m o ral e espiritual e a um p o v o q u e p recisa v o lta r d o exílio, m as
v o ltar p ara o S e n h o r (49.5,6). T a n to a poeira d a h u m ilh ação q u a n to as correntes
da escrav id ão já n ã o precisam m a n te r o p o v o preso. O q u e o S e n h o r fez para
0 a rq u é tip o rei D avi (veja a sequência de IS m 30.1; 2Sm 1.1; 2.1-4) e q u e foi
e n to a d o c o m o u m a trib u to d o D e u s d e Israel (SI 113.7,8), ele a g o ra ap re se n ta
ao seu p o v o o fato d e q u e eles p o d e m ser o p o v o real de seu desejo, reis (2) e sa-
c erd o tes (1). O c o n tra ste co m a B abilônia (47.1) estava b e m na m e n te d e Isaías
(veja c o m e n tá rio so b re 44.24). O te rm o cativa é enfático, u m adjetiv o apositivo:
“ V ocê cativa” .1 O te rm o livre-se é a m e tá fo ra d e vestir n a fo rm a reversa, u m tirar
da antiga c o rre sp o n d ê n c ia d o p ô r o n o v o (cf. C l 3.9,10).

1 “ S e n te - s e e n t r o n i z a d a f...| ó c a t iv a ” (p b ~1 [ . . . ] Y b ly y ã ) c u m b e l o jo g o d e p a la v r a s , s o n s
i d ê n tic o s c o m s e n t i d o s o p o s t o s ! F .ss c a s p e c t o c p e r d i d o , p o r e x e m p lo , n a i n s is t ê n c ia d e
R S V e m a l te r a r a p r i m e i r a p a la v r a p a r a “ c a tiv a ” .
557 ISAÍAS 5 1 . X7 - 5 2 . I 2

0 so lilo q u io divino: a v in d a d a d iv in a revelação de si m esm o ( 5 2 .3 6 ‫)־‬


N o ta m o s im ed iatam en te a te n sã o e n tre o “ já a g o ra ” d o s versículos 1 e 2,
q u e c h a m a m Sião a e n tra r n o b en efício de u m a realidade existente, e o “ n ão
ain d a” d o s versículos 3-6. E m o u tra s palavras, os versículos 3-6 “ explicam ”
(o b serv e o pois n o v. 3) os versículos 1 e 2 ao o lh a r adian te para o ato v in d o u ro
de D e u s.1 O p ro p ó sito d o s versículos 3-6, p o r c o n se g u in te , é n o s levar além
das cenas d o s versículos 1 e 2 a fim de a p re n d e rm o s os a to s de D eu s que
fazem esse d ra m á tic o d e rra m a m e n to d o a n tig o e v estid u ra d o n o v o possível.
Λ seção, n o v ig o ro so estilo livre d o v erso de Isaías, co n siste de três pares de
declarações. N o p rim eiro p a r (3,4), cada um a é in tro d u z id a pelas palavras pois
assim d t\ 0 Senhor, n o seg u n d o p a r (5), cada u m a inclui a frase pergunta 0 Senhor,
n o te rc e iro p a r (6), cada um a c o m eça co m por isso. C ada p a r d iz re sp e ito ao meu
povo (4b,5b,6a); o p rim e iro e o seg u n d o p ares c o m p a rtilh a m a ex p ressão pom ada
(3b,5b); o seg u n d o e o terceiro c o m p a rtilh a m as palavras meu nome (5e,6a); e há
u m m o v im e n to c o m p le to d o p assad o para o futuro :

Λ O p rim eiro par. O passado: a certe z a da re d e n ç ã o (3,4)


a' Λ re d e n ç ã o g ratu ita g aran tid a (3)
a2 A s garan tias h istóricas (4)
B O seg u n d o par. O p resen te: o n o m e d o S e n h o r d e so n ra d o (5)
b1 Seu p o v o d e sd e n h a d o (5ab)
b2 Seu n o m e d e so n ra d o (5c-f)
C O terceiro par. O futuro: a v inda d a revelação divina d e si m e sm o (6)
c1 (3 n o m e revelado (6a)
c2 A v o z e a p re se n ç a d o S e n h o r (6b-d)

3 ,4 O pois inicial (3) p re p a ra para re s p o n d e r a um a p e rg u n ta im plícita:


c o m o p o d e ría Sião, ao d e sp e rta r, d e sc o b rir u m a n o v a c o n d ição de força, san-
tid ad e e realeza p re p a ra d a para ela? (3 se g u n d o pois (4) su ste n ta a p ro m e ssa da
re d e n ç ã o g ra tu ita ao aludir a situações passadas.
3 O te rm o vendido é um a m e tá fo ra d e passag em para o u tro p ro p rie tá rio (cf.
J z 2.14; 3.8; 4.2), m as a situação em Ju izes indica q u e a “ v e n d a ” n ão é um a tran-
sação irrevogável. A “ p ro p rie d a d e ” c o n tin u a d o S en h o r, e ele p o d e recuperá-la
de a c o rd o com sua v o n tad e. A ex p ressão p or nada (hinnãm ) significa “ sem m o ti-
v o ” (IS m 19.5), “ sem p ro p ó s ito ” (Pv 1.17) o u “ d e g raça” (G n 29.15). A últim a

1 O s c o m e n t a r i s t a s d i f e r e m a r e s p e i t o d o s v e r s íc u l o s 3 -6 . A lg u n s v e e m e v id e n c ia d e u m e s -
c r i t o r p o s t e r i o r , o u t r o s v e e m Is a ía s c m s e u v i g o r o s o m e lh o r . S e m d ú v id a , e s s e s v e r s íc u l o s
n ã o s ã o o q u e p o d e r i a m o s e s p e r a r c o m o u m a e x p lic a ç ã o d o s v e r s íc u l o s 1 c 2. H s p e r a r í -
a m o s u m a d e s c r i ç ã o d e u m a t o p a s s a d o , n ã o u m a p r o m e s s a d a v in d a d e u m a to . M a s o
p l a n o d e Is a ía s é i n te n s if ic a r a t e n s ã o e a u m e n t a r o s u s p e n s e .
O LIV RO DO SERVO 558

o p ç ã o é ap ro p riad a p a ra essa passagem atual e p a ra o v e rb o “ v e n d e r” . A “ ven-


d a ” n ão era levada ao p o n to em que o d in h e iro m ud ava d e m ão, e o negócio
era con cluído; a v en d a está a b e rta para o S e n h o r re c u p e rar sua p ro p rie d a d e . Ele
fará isso: sem dinheiro vocês serão resgatados. O A n tig o T e sta m e n to , p o r con seg u in -
te, tra n sfo rm a a re d e n ç ã o (ig a 'a l; cf. 35.10) cm u m a c o n c e p ç ã o essencialm ente
d e “ p re ç o -p a g a m e n to ” , ju n ta r sem dinheiro e serão resgatados lev an ta a questão:
“ E n tão , co m q u ê?” P ois sem dinheiro, n o c o n te x to , n ã o p o d e significar “ sem cus-
to para v o cês m e s m o s ” , à m ed id a q u e isso d estru iría o paralelism o co m vendidos
pom ada. A coisa v en d id a n ã o é a beneficiária em n e n h u m a transação. O sen tid o
é: da m e sm a m a n e ira q u e o v en d ed o r, n esse caso, n ã o tem g a n h o , ta m b é m o
re d e n to r n ã o pag ará e m d inheiro. M as o q u e será q u e ele pagará? — po is pagar,
ele vai! M ais u m a vez, so m o s deix ad o s em suspense.
4 ( ) títu lo d iv in o é a m p liad o para d a r m ais garantia: o Senhor ( Yahiveh) é p o r
n atu reza o R e d e n to r d o ê x o d o (E x 6.6,7); ele, c o m o Soberano ( ’“dõnãy), é irresis-
tiv elm ente assim . A s referên cias ao Hgito e à A ssíria ac re sc en ta m m ais garan tia
ao re le m b ra r e x em p lo s de te m p o s em q u e ele in te rv e io c o m o p a re n te d e seus
n ecessitados. O v e rb o morar (,igür) significa a d o ta r m o ra d ia te m p o rá ria c o m o
um estra n g e iro p ro teg id o . Israel e n tro u n o E gito, a co n v ite d o faraó, em um a
ép o c a de angústia (G n 4 5 .1 6ss.) e n ã o h o u v e c h am ad a p ara o s ev e n to s tom a-
rem o ru m o q u e to m aram . N o e n ta n to , q u a n d o as leis d e h o sp ita lid a d e fo ram
violadas e Israel estava im p o te n te d ian te d a am eaça d e g en o cíd io , o p aren te
d iv in o (E x 3.7,8) veio p ara resgatá-los (E x 6.6). Isaías, co m a ex p ressão ultima-
mente’ a A ssíria é o o p re sso r, revê a o p re ssã o d e “A” d o E g ito p ara a d e “ Z ” da
A ssíria — a h istó ria to d a d a o p re ssã o c o n fo rm e ele a c o n h e c e .12 O S en h o r, na
m e m ó ria viva d esses o u v in tes, levantara-se p o r seu p o v o im p o te n te e indigno,
o fe re c e n d o só lid o fu n d a m e n to p a ra c o n fia r nele p ara o fu tu ro (37.36ss.).
5 O te rm o pergunta (r i um ; veja 1.24) m arca os p ro n u n c ia m e n to s p arelh o s
n esse versículo (veja o e sb o ç o acim a). D u a s coisas m o v em o S e n h o r q u a n d o ele
fala c o n sig o m esm o : a m iséria d e seu p o v o e a h o n ra d e seu n o m e. A e x p ressão
e agora/ “ a g o ra ” (TB) faz u m a co n e x ã o lógica. A ex p ressão 0 que tenho aqui?
(veja 22.1,16)3 é u sad a aqui o u de fo rm a ir ô n ic a /d e b rin cad eira (“ O q u e e sto u

1 Λ tr a d u ç ã o d e tre p e s c o m o “ p o r n a d a ” , “ p o r n e n h u m m o t i v o ” (cf. a R S V ) n ã o t e m s u -
p o r t e b íb lic o . A N V I t r a d u z c o r r e t a m e n t e p o r últimamente, a t r a d u ç ã o m a is lite ra l s e r ia “ n o
fim ” .
2 ( ‫ ל‬c o n t r a s t e e n t r e o E g i t o c a A s s ír i a c o m o o s o p r e s s o r e s e x ig e u m a p e s s o a c o m o Is a ía s
d e J e r u s a l é m . C o m o p o d e r í a u m p r o f e t a d o e x ílio i g n o r a r a B a b ilô n ia ?
‫ נ‬A e x p r e s s ã o id io m á t i c a mahtiipôh (“ o q u e t e m a q u i p a r a m im ? ” ) t e m m u ita s n u a n ç a s d e
s e n ti d o : “ o q u e v o c ê e s tá f a z e n d o a q u i? ” (1 R s 1 9 .9 ); “ O q u e a a flig e ? ” ( G n 2 1 .1 7 ) ; “ Q u a l é
o s e u p e d i d o ? ” ( E t 5 .3 ); “ C o m q u e d i r e i t o ? ” (Is 3 .1 5 , N T L H ) ; “ C o m o v o c ê p o d e fic a r a í? ”
( |n 1 .6 ); “ Q u e [v o c ê ] a in d a te m c o m ? ” ( O s 1 4 . 8 < 9 > ) ; “ O q u e s ig n if ic a e s t a c e r i m ô n i a ? ”
(Ê x 1 2 .2 6 ).
559 ISAÍAS 5 1 . 1 7 - 5 2 . 1 2

fazen d o ?” / “ N o que estava p e n sa n d o ? ”) o u a sério (“ Isso é im p o rta n te para


m im ?”). A re sp o sta antecede: o p o v o d o S e n h o r e o n o m e d o S e n h o r c o n sti-
tuem sua prin cip al m o tiv ação (cf. so b re “ p o v o ” , E x 32.11-14; so b re “ n o m e ” Js
7.7-9). A ex p ressão por nada é c o m o n o versícu lo 3. A frase aqueles que 0 dominam
trombam, n o T M , é “ seus g o v e rn a n te s la m e n ta m ” . Isaías viv en cio u o dia em que
viu a im p o tê n c ia de E zeq u ias d ian te d o s assírios (37.1-4) e deve te r p re v isto um
lam en to ainda m a io r q u a n d o a cidade caiu p a ra os b ab ilô n io s. Se o s g o v e rn a n -
tes ficam im p o te n te s, q u ã o séria é a situação d o p o v o (2Rs 6.26,27)1 M as, n essa
p assag em , o im p o te n te ch o ra diante d a im agem d o in im ig o d a co n d iç ã o espi-
ritual d o p o v o , im p o te n te n o p ecad o .1 A s e x p ressõ es 0 dia inteiro e constantemente
são palavras idênticas em 51.13, passagem em q u e elas se referiam ao d ra m a d o
p o v o d o S enhor. A qui elas se referem à d e so n ra d o n o m e d o S en h o r. C) q ue os
p reju d ica, p reju d ica a ele.
6 O d u p lo portanto (TB) (“ fo rte m e n te en fático e sua re p e tiç ã o [...] delibera-
d a ” , de a c o rd o co m T orrey) indicam um alto grau de e n tu sia sm o p o r p a rte de
Isaías.2 A p rim eira o ração co m portanto diz que o p o v o virá p ara um a co n v icção
ap rim o ra d a so b re o nome d o S enhor. E stá p ara a c o n te c er algo que co n firm a rá
e refo rç a rá tu d o q u e o n o m e significa. Plssa n ão será u m a revelação d e um a
no va v erd ad e, po is o n o m e é im utável (E x 3.15), m as um a no v a revelação da
v erdad e ex isten te, o D e u s re d e n to r d o ê x o d o se m a n ife sto u na re d e n ç ã o p o r vir
(3). A seg u n d a o ra ç ã o co m o portanto afirm a q u e n esse ev e n to p o r vir o S en h o r
será a p re se n ta d o em palavra e em pessoa. As versõ es em inglês estão certas
em re p e tir o eles saberão (6b) da linha an terio r, m as o te x to h eb raico d e Isaías se
apressa em a p re se n ta r seu p o n to : “ p o rta n to , saberá naq u ele dia3 q u e so u eu o

1 C o m u m e n tc o te rm o Yhêlilü (“ l a m e n t a r ” ) c a l t e r a d o p a r a yhdl'ló (“ f a z e r d e t o l o / z o m -
b a r ” ). A a lte r a ç ã o é m í n i m a e é s u s t e n t a d a p e l o Q '.
2 Λ s u g e s tã o d e q u e o s e g u n d o portanto é u m e r r o n o t e x t o é s u s t e n t a d a p e l o Q J e d e f e n d i d a
por B I IS. M a s r e m o v ê - l o d e s t r ó i a e s t r u t u r a d e s s e p o e m a d e “ d u p l a d e c l a r a ç ã o ” . É m a is
fá c il v e r c o m o e la p o d i a s e r p e r d i d a d o q u e e x p lic a r c o m o p o d i a t e r e n t r a d o n o te x to .
’ E a m p la m c n tc a s s u m id o q u e as p alav rasnaquele dia d e v e m sin alizar a o b r a d e u m e d ito r p ó s-exílico
( p o r e x e m p lo , M o w in c k e l, He that Cometh, ρ . 1 4 7 ). M a s Ρ. R . H o u s e d e v e s e r o u v id o q u a n d o
o b s e r v a q u e “ n e n h u m a e v id ê n c ia te x tu a l o u c o n te x tu a l s u s te n ta e s s a d e c la r a ç ã o ” e ( o n d e
a s p a la v ra s s ã o o m itid a s c o m f u n d a m e n t o n a m é tr ic a ) q u e “ a i n te n ç ã o d o p o e ta p a r a s u a
f o r m a r ítm ic a é d e s c o n h e c i d a ” . N e n h u m m a n u s c r i to o m i t e a s p a la v ra s , e o c o n t e x t o n ã o
ju s tific a a m u d a n ç a . (Zephaniah: A Prophetic Drama, )SO TS 6 9 [1 9 8 8 ], p. 1 2 7 -1 2 8 ). O q u e
H o u s e a r g u m e n ta p a r a S o f o n ia s se a p lic a ig u a lm e n te a Is a ía s . N o A n tig o T e s ta m e n to , a
f ó r m u la o c o r r e q u a t o r z e v e z e s n o s a u to r e s p r é - e x ílic o s c 2 6 v e z e s n o s a u to r e s p ó s -e x ílic o s .
A s s im , a f ó r m u la e s tá b e m e s ta b e le c id a e m a m b o s o s p e r ío d o s . K a is e r c o n s id e r a u m “ a rtifi-
c io e s tilís tic o f a v o r ito d o r e d a t o r a c r e s c e n t a r m a is d ito s a o m a te ria l já p r e s e n t e ” , m a s n ã o h á
e v id ê n c ia p a r a is so . S e a lite r a tu r a is a ia n a é le v a d a e m c o n s id e r a ç ã o c o m o p ré -e x ílic a , e n tã o
o u s o p r é - e x ílic o e x c e d e o p ó s -e x ílic o , a q u e le c o m 4 7 u s o s e e s te c o m 2 6 . C o m c e r te z a , vai
O LIV RO DO SERVO 560

q u e falo: eis q u e so u e u ” (Ί Έ ). N a red en ção d o êx o d o e revelação d o seu n o m e,


o S e n h o r in stitu iu u m m e d ia d o r p a ra falar p o r ele (E x 6.28— 7.3; 19.9), m as no
dia p o r vir, ele falará em p e sso a e de m aneira a p o d e r dizer: “ Sim so u e u ” .

A v olta p a ra casa d o S e n h o r (52.7-10)


N essa terceira seção d o o ráculo, so m o s in fo rm a d o s c o m o o “ so u e u ” (TB)
d o v ersículo 6 será c u m p rid o . S o m o s levados adiante p ara além d o a to re d e n to r
para a v in da d o v ito rio so S e n h o r para Sião q u a n d o ele é de fato v isto em v isão
aberta. M as o q u e ele fez p a ra co n seg u ir a vitória — a re d e n ç ã o “ sem d in h e iro ”
(3), sua p re se n ç a em palavra c p e sso a (6) — n ão é explicado, so m o s in fo rm a -
do s ap en as q u e o g ra n d e a to foi b em -su ced id o , e o v ito rio so vem p ara casa em
triunfo. A in d a esp e ra m o s, a to rm e n ta d o s pelos indícios e p ro m essas, sa b e r o
que d e tem feito e c o m o te m feito isso.

Λ O m en sag eiro e sua q u á d ru p la m en sag em (7)


B O s vigias e seu c â n tic o u n ísso n o e visão inequ ív oca (8)
C A cidade e seu q u á d ru p lo fu n d a m e n to p ara rego zijo (9,10)

7 N a é p o c a de Isaías, será q u e um m e n sag eiro tro u x e a n o tícia d a ráp id a e


h u m ilh an te ev acu ação de L ibna p o r S en aq u erib e (37.36,37)? T alvez ap en as o re-
lato m ais b e m d o c u m e n ta d o d a m en sag em co m a n otícia seja 2Sam uel 18.24ss.
Λ cen a deve te r se re p e tid o co m frequência, co m notícias ru in s e b o as, d u ra n te
a tu rb u le n ta h istó ria de Jeru salém . Como ê bonito (N T L H ), co n sid erariam eles,
a visão de u m m en sag eiro solitário — n ã o u m g ru p o d isp e rso de fugitivos si-
n alizan do d e rro ta , m as u m m en sag eiro co m m olas n o s pés! Q u a n d o ch eg a ao
alcance da voz, ele grita: pasç, boas notíáas, salvação, seu D eus reina. Isaías co m e ç o u
essa série de o rácu lo s (40.3ss.) co m três vozes, das quais a ú ltim a p ro clam a:
“A qui está o seu D e u s ” (40.9ss.). O a d v e n to d o m e n sag eiro aqui c o m p le ta o
círculo das séries. O D e u s v ito rio so d e 40.10,11 está v in d o p a ra casa em Sião
co m p len a d ig n id ad e real. D e a c o rd o co m a im agem , a pasç é o fim d a g u erra
e da am eaça; as boas notíáas significam q u e n ã o há m ás notícias para estra g a r a
situação; e a salvação significa q u e o p o d e r d o o p re sso r foi q u e b ra d o e q u e aque-
les q u e estavam escrav izad o s fo ra m libertados. O resu ltad o é q u e a realeza d o
S e n h o r é a firm ad a e estab elecid a so b re to d o o p o d e r d o inim igo. N o e n ta n to ,
da p ersp ectiv a co n tex tu al, e n tra m o s na arena teoló gica e esp iritu al n a qual há
a re m o ç ã o d a ira d o S e n h o r em relação a seu p o v o (51.17), na no v a co n d iç ã o
deles c o m o reis e sacerd o tes d ia n te dele (52.1,2), n a g ra n d e re d e n ç ã o sem di-
n h e iro (3) e n a revelação d o S e n h o r em palavra e p e sso a (6). Q u a lq u e r q u e seja

c o n t r a to d a r a z ã o q u e u m a m a n e ir a t ã o ó b v ia d c d iz e r a lg o ( v e n d o q u e o “ d ia d o S e n h o r ” é
u m lu g a r c o m u m p r é - e x ílic o ) s e ja u m s in a l d e e d iç ã o p ó s -c x ílic a !
561 ISAÍAS 5 1 . 1 7 - 5 2 . 1 2

o a to q u e ele realiza (e ainda n ão sa b e m o s qual é), isso é o q u e é realizad o e é


a p re se n ta d o d e fo rm a d ram ática n o m en sag eiro e seu g rito de vitória. Λ frase
seu D eus reina ecoa o fam iliar clam o r cultual de S alm os 93.1; 97.1; 99.1. N aq u ela
ép o c a , eles en to av am as palavras (co m o os cristão s can tam h in o s n o D ia da
A scen são ) em lo u v o r d e u m a realeza re c o n h e c id a pela fé. M as Isaías co n tem p la
u m dia em q u e a fé ficará à vista e o p ró p rio V ito rio so será v isto face a face.
8 A frase escutem! Suas sentinelas lem b ra 40.3 (“ u m a voz clam a”). O p o v o
q u e aguarda se n te u m ru m o r de e n tu sia sm o v in d o d o s m u ro s, e o so m inicial,
de m o d o m aravilhoso, to rn a -se um c a n to u n ísso n o fu n d in d o -se em um grit 0
de alegria/ “ alçam a v o z ” (ARC). A ex p ressão com os seus próprios olhos/ “ o lh o a
o lh o ” (ARC) (cf. J r 32.4) n ã o é, c o m o n o n o sso u so d e n o ssa ex p ressão idio-
m ática, “ co m c o n c o rd â n c ia ” , m as sim “ co m total clareza” . N ã o h á n e n h u m
e n g a n o n o q u e eles veem , po is 0 Senhor m e sm o vem n o en calço d o m ensageiro.
A ssim , h á ta n to c u m p rim e n to q u a n to n ão c u m p rim e n to da p ro m e ssa d o ver-
sículo 6. N a ação p re te n d id a , o p ró p rio S e n h o r estará p re se n te , e seu p o v o o
verá, e é p ro v a d o q u e assim acontece. M as o que ele tem feito e c o m o tem feito
isso ainda n ão foi revelado.
9 ,1 0 O c â n tic o se espalha e to d a Je ru sa lé m se to rn a o coro. A ex p ressão
id io m ática d o cân tico (cf. 26.1; 30.29; 42.10ss.; 49.13), c o m o sem p re, significa
e n tra r ju b ilo sam en te em um b en efício p elo qual n ã o se tra b a lh o u , u m a resp o sta
para a b e n ç o a r os o u tro s é fo rn ecid a livrem ente. A s ruínas deJerusalém ex p lo d em
cm c â n tic o de “ júbilo, pois to d o s os ais an terio res fo ram d ez mil vezes reco m -
p e n s a d o s ” . D e a c o rd o co m W e ste rm a n n , eles são “ o re m a n e sc en te so fred o r,
p e rp le x o ” . Isaías n ão se refere aos cativos na B abilônia, m as an tes usa os tem as
d e d estru ição , escravidão, o p ressão , etc. para e x p re ssa r a n ecessid ad e de re-
d e n ç ã o espiritual e da vo lta ao S en h o r, seu tem a d esd e 48.22. E n esse sen tid o
q u e a cidade está dev astad a, e é essa situação q u e é c o n se rta d a pela vitória
da qual o S e n h o r re to rn a a Sião. A q u á d ru p la ação divina (veja o e sb o ç o aci-
m a) está div id id o em um a d u p la ação para Sião (9cd) e u m a d u p la ação para o
m u n d o (10). O S e n h o r age p o r seu povo em c o n so lo (inãhcm i), c u m p rin d o 40.1;
49.13; 51.3,12, e em re d e n ç ã o (1'g ã ‫־‬a/), c o n fo rm e p ro m e tid o n o versículo 3 (cf.
35.9,10; 51.11). A seguir, h á um a revelação universal d o S e n h o r em p e sso a e
p o d er. O braço se esten d e para a p esso a em ação e p o d e r para q u e as coisas
sejam feitas. O b ra ç o d o S e n h o r foi m e n c io n a d o pela prim eira vez em 40.10
e reap arece aqui c o m o p a rte da co n clu são d o p ro c e sso q ue fica ev id e n te n o
v o cab u lário desses versículos. (Cf. 51.9, em q u e o “ b ra ç o ” é o a g en te d o êx o d o
q u e se levantaria para c u m p rir as p ro m e ssa s de 51.1-8.) O te m p o p a ssa d o d o
v erbo, “ d e s n u d o u ” (A RC), tem de ser p re fe rid o a desnudará, um a vez q u e Isaías
ainda re m e m o ra o a to v ito rio so d o q u e o S e n h o r está vo ltan d o . A p en as aqui se
diz q u e o b ra ç o d o S e n h o r será “ d e sn u d a d [o |” . A im agem , em seu ex trem o , é
O LIVRO DO SERVO 562

caseira: o S e n h o r “arreg aça as m a n g a s” para fazer seu trabalho. U m a vez q ue


a palavra “ vista” é usada c o m frequência n o se n tid o d e “ e x p e rim e n ta r” , talvez
essa seja a in te n ç ã o acjui: o a to pessoal d e p o d e r feito p elo S e n h o r (10a) é ta n to
visível para to d o s (10b) q u a n to p re te n d id o para to d o s c o m o u m a salvação que
p o d e m e x p e rim e n ta r (10c). (Cf. a salvação universal p ro m e tid a na p assag em
paralela, 51.4-6.)

O gra n d e êxodo (52 .1 1 ,1 2 )


A s p alavras d e Z acarias: “ resg atar-n o s da m ã o d o s n o sso s in im ig o s p a ra o
se rv irm o s sem m ed o , em sa n tid a d e ” (Lc 1.74,75), p o d e m b e m se r u m c o m e n -
tário so b re esses versículos, po is elas ex p ressam ex atam en te o p o n to alcança-
d o p o r Isaías. N o êx o d o , o S e n h o r p re te n d ia u m a d u p la b ên ção : lib ertação da
escravid ão e resta u ra ç ão d o p o v o p ara ele m esm o. P o r essa razão , a décim a
praga, q u e p o r si m e sm a efetuava lib ertação (E x 12.29ss.), foi sim u ltân ea co m
a P áscoa de m o d o q u e Israel, ao m e sm o tem p o , e m b o ra d e fo rm a s distintas,
foi lib ertad a d a escrav id ão d o faraó e d a ira de D eus. M as, u m a vez q u e o n o v o
dia alvorece, n ã o é possível se d e m o ra r n o F.gito. Q u a n d o a escrav id ão se vai,
co m eça a p ereg rin ação . E les fo ram para o Sinai para q u e p u d e sse m c o n h e c e r a
v o n ta d e d e seu R e d e n to r e saíram c a rre g a n d o os vasos sa n to s d o S en h o r. Isaías
segue fielm ente esse p ad rão : o p o v o sa n to (1,2), o re d im id o d o S e n h o r (3,9),
deve c a m in h a r em lib erd ad e e em santidade. O s dois v ersículos d essa seção
estão relacio n ad o s c o m um ch a m a d o (11) e um a ex plicação (12, c o m e ç a n d o
co m “ p o is” , e n ã o co m m as).
11 U m c h a m a d o neg ativ o (saiam , não toquem em coisas im puras) e po sitiv o
(sa ia m / “ saí” , sejam puros) à santidade. Λ m aioria d o s c o m e n ta rista s (p o r causa
d o q u e S im ons d e n o m in a de a “ o b se ssã o p o r C iro ”) v eem na frase saiam daqui
u m a referên cia p ara sair d a B abilônia co m os vasos d o te m p lo (E d 1.7-11), m as
essa in te rp re ta ç ã o p o d e n ã o estar c o rreta. P rim eiro, Isaías c o n clu iu seu trata-
m e n to d e C iro e da B abilônia em 48.20,21. Λ p a rtir daí n e n h u m deles foi m en -
c io n a d o p e lo n o m e. A nova necessidade (48.22) e o re m e d io p re d ito (49.5,6)
tem sido o ú n ic o tem a. A devastação, escravidão e cativ eiro são u sad o s c o m o
tem as, e a chave p a ra isso foi fo rn ecid a cm 49.14— 50.3, em q u e a d eso lação e o
d esân im o de Sião eram evidências da d o e n ç a espiritu al de n ã o recep tiv id ad e ao
S en h or. As principais p ro m e ssa s de D eu s d izem re sp e ito às v erd ad es espirituais
da salvação, da retidão, d o fim da ira divina, d a san tid ad e e d o sacerd ó cio . E m
52.11, é im pensável v o lta r aos ev en to s h istó rico s d o cativeiro e da libertação.
F azer isso n ã o faz se n tid o da m an eira o rd e n a d a em q u e Isaías a p re se n ta sua
m en sagem . S egundo, h á um claro c o n tra ste e n tre a v isão d e Isaías d a saída da
B abilônia (48.20,21) e essa visão aqui. Ali, o p aralelo co m o ê x o d o foi preciso:
eles têm d e “ fugir” , a palavra usada em Ê x o d o 14.5 p ara a saída d e Israel d o
563 ISAIAS 5 1 . 1 7 - 5 2 . 1 2

E gito. E les tiveram p elo m e n o s de te r a p e rm issã o para sair d ad a p elo c a p to r


n o to ria m e n te in c o n sta n te , e n ã o p e rd e ra m te m p o em ap ro v eitar a o p o rtu n i-
d ad e an tes q u e o faraó m u d asse de ideia m ais um a vez — o que ele fez; eles
n ã o saíram rá p id o o suficiente. M as aqui eles, ex p lícitam en te, n ã o saem c o m o
fugitivos. A urgência em co m e ç a r a p e re g rin a çã o é m o ral e espiritual, te n d o
o rig em n a o rd e m d e D eu s, e n ã o política e co n v e n ie n te d e n e rv o so s e in co n s-
tan tes g o v e rn a n te s. E in teressan te o fato de S im o n p r o p o r q u e a p ro c issã o é
fo rm a d a p elo s cidadãos de Jeru salém sa in d o em san ta fo rm a ç ã o p ara esco ltar
seu Rei d iv in o de volta à cidade (cf. IS m 1 8 .6 ,7 ;Jn 12.12ss.).' A p e sa r d e essa
ideia ser a traen te, ela n ã o se ajusta, po is Je ru sa lé m é a cidade santa na qual n ão
há n ad a impuro /.... (1,2). Q u al seria o p o n to da o rd e m não toque em coisas impu-
ras? A lém disso, se eles saíssem para e n c o n tra r o S en h o r, n ã o seriam eles sua
g u ard a avançada e de retag u ard a na jo rn a d a d e volta, e n q u a n to Isaías diz bem
0 inverso? M as se tra ta m o s o versículo c o m o e n v o lto em tem as d e êx o d o , ele
se aju sta p e rfe ita m en te ao co n tex to . Eoi efe tu a d a um a g ra n d e salvação na qual
a ira d o S e n h o r se foi (51.17-23), e seu p o v o é estab elecid o em san tid ad e c o m o
u m sa c e rd ó c io real (52.1ss.). A g o ra eles são ch a m a d o s a viver d e a c o rd o co m
a d ig n id ad e co n ced id a p o r seu D eu s, a m esm a coisa p ed id a ao p o v o d o Sinai,
m as q u e n ã o p u d e ra m realizar. A e x p ressão de lá (ARA) é d e fato um a g ran d e
d ificuldade para to d o s q u e p ro p õ e m um local b a b ilô n io para o p ro feta: c o m o
ele p o d e ría d izer de lá (ARA) se p re te n d ia d izer “ d a q u i” ?12 N o e n ta n to , n o co n -
tex to, o c h a m a d o é p ara deixar p a ra trás to d o o cen ário e a m b ie n te da antiga
vida p ecam in o sa. E m c o n tra ste c o m o ê x o d o q u a n d o eles re ceb eram o rd e m
para carre g ar o s te so u ro s d o E g ito (E x 12.35s.), ag o ra eles receb em o rd e m
para não to/cari em coisas impuras. A ideia d e co n tá g io p o r m eio d o Urque (Lv 5.2)
e d e “ tra n sp o rta [r] os u tensílios d o S e n h o r” é c aracterísticam en te sacerdotal.
N ú m e ro s 1.50,51 é a única o u tra passagem em q u e as e x p ressõ es “ tra n s p o rta r”
e os utensílios do Senhor são e n c o n tra d a s juntas. E la refere-se à o b rig ação levítica
d e tra n s p o rta r o ta b e rn á c u lo e seus acessórios. E sse era o “ fa rd o ” d o s levitas
(N m 4.6,14,15,24,25) e n ão p o d ia ser div id id o co m n in g u é m (N m 3.5-9). D essa
fo rm a , o versículo 11 casa c o m o s versículos 1 e 2. O p o v o que usa os trajes
sacerd o tais de e sp le n d o r realizam tarefas sacerd o tais d ian te d o S e n h o r e to d o s
q u e sairão n esse g ra n d e ê x o d o são sacerdotes. ( ) v e rb o sairão é o m e sm o verb o
e está na m esm a fo rm a d o versículo 1 la e d eve ser tra d u z id o da m esm a fo rm a:
“ saiam ” . A c o n ju n ç ã o e an tes sejam puros devia ser o m itida. A e x p ressão sejam
puro s (o niphal de i ba r ar) é u sad o para a p re p a ra çã o d o s g u erreiro s “ tre in a d o s”
( lC r 7.40), p ara ovelhas alim entadas d e fo rm a especial (N e 5.28) e c o m o um

1 S im o n , p. 19 6-19 7.
2 A te o ria é c m g e ra l p ro te g id a p e la s u p o s iç ã o d e q u e o p r o f e ta , p a ra o s p r o p ó s ito s d e sse
o rá c u lo , s itu o u -s c “ id e a lm e n te ” c m Sião.
O LIVRO DO SERVO 564

paralelo para “ p e n d r a r ” (Jr 4.11). É e stra n h o q u e Isaías, em u m a p assag em


sacerdotal c o m o essa, use u m v e rb o co m associações lon g e de serem sacerd o -
tais. E le o usa em apenas em o u tra passagem , em 49.2, p ara se referir ao S ervo
c o m o urna e sp ad a “ afiada” . Será q u e este c o m o tiv o d e ele u sar um v e rb o fo ra
de lugar aquí: su g erir q u e o p o v o d o S e n h o r deve ser c o m o o S erv o é? Isso for-
m aria um inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o inicio e n o final
de u m a seção] p e n sa d o c o m 50.10— 51.1; o c o m e ç o dessa seção. E m to d o s
os ev en to s, o v e rb o tra n sm ite um se n tid o m ais a b ra n g e n te d e “ a d e q u a ç ão ” e
“ p ro n tid ã o ” , em vez d o se n tid o m ais estreito de “ p u re z a ” .
12 São a p re se n ta d o s dois m otiv o s (o versículo c o m eça c o m “ p o rq u e ”
[ARC], em vez d e mas) em a p o io ao ch a m a d o para a san ta p ereg rin ação . Pri-
m eiro, da p ersp ectiv a negativa, n ã o há n e n h u m a justificativa circu n stan cial para
fazer u m a exceção (12ab) c, segundo, da p ersp ectiv a positiva, h á to d o cu id ad o
e aten ção d ivinos (12cd). É a terceira o c o rrê n c ia da palavra partirão (cf. v. 1 lac);
Isaías usa o v e rb o “ sair” . E ssa n o ta tô n ica d a passagem é p erd id a se a tra d u ç ã o
varia de fo rm a arb itraria c o m o na N V I. A antiga situ ação p o d e e deve se r ag o ra
d ecid id am en te deixada de lado. O te rm o apressadamente (h ip p a z m ) é e n c o n tra d o
apen as em E x o d o 12.11, passagem em q u e o te rm o é u sa d o p ara a urg en cia
co m q u e aqueles q u e c o m e ra m a P áscoa devem e sta r c o m p ro m e tid o s c o m a
p ereg rin ação , e D e u te ro n ó m io 16.3, em co n e x ã o c o m a urg ên cia p ara d eix ar o
E gito, e n q u a n to o a n d a m e n to das coisas estava b o m . A palavra fu g a (n fn u sâ ) c
e n c o n tra d a ap en as cm I .evítico 26.36, refe rin d o -se à fuga d e se sp e ra d a daqueles
q u e sofriam a re c o m p e n sa d a d eso b ed iên cia. A d u p licação da ideia é p re te n d id a
para salien tar q u e n ã o haverá n e n h u m a p re ssã o indesejável na situ ação e nada
p ara d istrair a m e n te d o tra n q u ilo c o m p ro m isso de cam in h a r co m D e u s em
san tidade. E les n ã o ex p e rim e n ta rã o o p ân ico de p e cad o res so b c o n d e n a ç ã o em
fuga n e m a fuga o p o rtu n ista daqueles cujo m estre p o d e m u d a r sua m e n te , m as
an tes v ivenciarão to d as as circu n stân cias favoráveis. A lém disso, to d o cu id ad o
d ivin o estará disponível, pois 0 Senhor os envolverá co m sua p re se n ç a guardiã.
E les vivem , p o r assim dizer, em um sa n to enclave. Isso fo rm a u m inclusio [criar
um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final de u m a seção] co m a
im agem d o g u e rre iro e d o p a s to r aten cio so s de 40.10,11, e a im ag em v em de
Jo su é 6.9. A p en as ali e cm N ú m e ro s 10.25 a palavra n fa ssõ p tem o se n tid o de
“ retag u ard a” . A im agem d e Jo su é é precisa, co m g u ard as m a rc h a n d o na fren te
e atrás d o s sa c e rd o te s q u e carreg av am os vasos santos. M esm o assim , o S e n h o r
g u ard a seu p o v o sacerdotal. A im agem d e êx o d o da co lu n a de fo g o e d e nu v em
(E x 13.21) é um tem a c o n trib u tá rio , po is eles, em sua n ecessid ad e (E x 14.19),
d e sc o b rira m q u e a co lu n a, q u e os guiava, m ovia-se p a ra p ro te g e r a retag u ard a
deles. A in da assim 0 Senhor [ ...i 0 D eus de Israel os circundava.
565 ISAÍAS 5 2 . 1 3 - 5 3 . 1 2

5 .0 braço do Senhor: o triunfo do Servo (52.13—55.13)


O livro d o S erv o está dividido em d u as partes: o q u a rto cân tico d o S ervo
(52.13— 53.12) e o g ra n d e d u p lo e sta n d a rte anexad() a ele (54.1-17; 55.1-13).
N ele, o d e lin e a m e n to d o S ervo e seu tra b a lh o é c o m p letad o . Q u a n to ao p ró -
p rio S ervo, o so frim e n to q u e co m eçara a lançar sua so m b ra so b re o seg u n d o
cán tico (49.4; cf. 49.7) e q u e fo rm a ra o c e rn e d o terceiro cân tico (50.6) ag o ra é
explicad o c o m o a chaga e injuria daquele q u e carreg a os p e c a d o s d o s o u tro s. E ,
co m b ase n esse tra b a lh o de carre g ar o pecad o , Sião é c h am ad a à aliança d e paz
(54.10), e o m u n d o to d o é ch a m a d o a um a aliança e te rn a (55.3). A ssim , a d upla
tarefa c o n fiad a ao S ervo (49.6) foi cu m p rid a. A lém disso, o q u a rto cântico,
c o m o seus p red ccesso res, tem um c o n te x to c o n fo rtáv el. O s três ch a m a d o s a
o u v ir as p ro m e ssa s d e um a salvação ce n tra d a em Sião, universal e justa (51.1-8)
e os três ch a m a d o s e q u ip arad o s a u su fru ir a realidade das b ê n ç ã o s p ro m e tid a s
(51.17— 52.12) fo ram sep arad o s pela re c o rrê n cia ao b ra ç o d o S e n h o r para a
ação (51.9). Isaías, ao lo n g o de 51.17— 52.12, p e rm itiu q u e o su sp e n se au m en -
tasse: algo deve aco n tecer, m as o q u e será? A g o ra e n c o n tra m o s o b ra ç o d o
S e n h o r (53.1) q u e realiza a paz co m D e u s (53.5; 54.10), estab elece o p o v o em
justiça (53.11; 54.17) e co n v o ca o m u n d o in teiro a p e rd o a r (55.6,7) e a pereg ri-
n a r (55.12). N a v erd ad e, a frase: “ V ocês sairão” de 55.12 usa o m e sm o v e rb o
q u e 52.11,12, e as p ro m e ssa s d o E d e n de 51.1-3 são c u m p rid a s em 55.12,13.
A ssim , o iso lad o v e rb o “ v ejam ”/ “ eis” (ARC) de 52.13 é o p o n to cu lm in an te
da série to d a de o rd e n s q u e c o m e ç o u em 51.1 e traz as p ro m e ssa s (51.1-8) e
b ê n ç ã o s (51.17— 52.12) para se a p o iarem na p esso a e na o b ra d o S ervo, p o r
in te rm é d io de q u e m tu d o é cu m prido.

a. Os testemunhos, divinos e humanos, do ato de carregar os pecados,


da morte, da vida e da vitória do Servo (5 2 .1 3 — 5 3 .1 2 )
O q u a rto cân tico d o S erv o tem um a ap re se n ta çã o eq u ilib rad a:1

A 1 O enigm a: a exaltação e a h u m ilh ação (52.13-15)


O te ste m u n h o d o S e n h o r para seu S erv o (13) m esclan d o -se
(14) na descrição d o so frim e n to d o S erv o e das reações a
esse so frim e n to

B A revelação: o te ste m u n h o h u m a n o , fu n d a m e n ta d o na
revelação divina, testifican d o o fato e o sen tid o d o so frim e n to
e d a m o rte d o S ervo (53.1 -9)

1 ( ) b s e r v e ta m b é m q u e as c in c o e s tro fe s d o p o e m a , c o n f o r m e in d ic a d o n o e s b o ç o , p o d e m
s c r a rra n ja d a s c o m n o v e , d e z , o n z e , d o z e c tre z e lin h a s re s p e c tiv a m e n te , c a s a n d o c o m o
e s p ír ito d o p r ó p r i o p o e m a d e a p r e s e n ta r o e n tu s ia s m o c m u m c re sc e n d o .
O LIV RO DO SERVO 566

B1 O so frim e n to o b se rv a d o e m al e n te n d id o (1-3)
B2 O so frim e n to explicado (4-6)
B3 O so frim e n to , v o lu n tá rio e im erecid o (7-9)

A 2 A solução: a exaltação p o r m eio d o so frim e n to d e c arreg ar


o p e c a d o (10-12)
A explicação d o so frim e n to d o S ervo (10-1 lb ) m e sc la n d o -se n o
te ste m u n h o d o S e n h o r para seu S ervo (1 lc - 1 2)

T o m a d o s ju n to s o início e o final das seções (52.13-15; 53.10-12) seguem


um p a d rã o a-b -b -a e m q u e “ a” é o S e n h o r falan d o so b re “ m eu Servo, e “ b ”
são as d e sc riç õ e s/e x p lic a ç õ e s das experiências d o Servo. E m 52.13-15, o estilo
de “ b ” sim p le sm e n te assu m e o estilo d e “ a” , e vice-versa em 53.10-12. A p e-
nas nessas seções o co n c e ito -c h av e d o “ m u ito s” o c o rre (52.14 a ,15a; 53.1 lc ,1 2 a
[grandes], 12e). G ra n d e p a rte d o enigm a e d a d ram ática in te n sid a d e d o p o e m a foca
o te rm o “ m u ito s” ; eles re tro c e d e m ao s o fre d o r apen as p a ra d e sc o b rir, u m a vez
q ue a v erd ad e é revelada, que, n o so frim e n to d este, está o m a io r b en efício deles.
A lém disso, nessas seções, o S ervo c p o s to em c o n ta to co m o s g ra n d e s d a terra,
os reis (52.15) e os fo rte s (53.12) e a n o ta d e seu triu n fo é an u n ciad a; em 52.13,
a ex p ressão agirá com sabedoria inclui o se n tid o d e “ se r b e m -su c e d id o n a ação ” e
esses do is se n tid o s são e q u ip a ra d o s p e lo prosperará e conhecimento (53.10,11). N o
p o em a, as seções B 1 e B3 (53.1-3,7-9) são seções d e “ re la to s” , c o n c e rn e n te s ao
n a sc im e n to e à vida d o S erv o e seu julgam ento, m o rte e se p u lta m e n to . C ad a
um a o ferece duas c o m p a ra ç õ es explicativas, a im ag em b o tâ n ic a d e broto e raig
(2) e a im agem d e anim al, cordeiro e ovelha (7). A seção B2 (4-6) fo rm a o c e rn e d o
p o em a, a revelação sem a q u al (de a c o rd o co m o v. 1) o S erv o n ã o p o d e ría ser
e n te n d id o : seus so frim e n to s eram a p ro p ria d a m e n te n o sso s. N o s s a avaliação de
q u e ele so fre u so b a vara de D e u s era m arav ilh o sam en te v erd ad e, e m b o ra n ão
n o se n tid o p re te n d id o . Pois seus so frim e n to s fo ram cau sad o s p o r n o sso s peca-
d o s e c o n q u ista ra m n o ssa p az p o r m eio d o a to pessoal e d e lib e ra d o d o p ró p rio
S enho r. A p e sa r de os versícu lo s 4-6 ficarem so zin h o s, eles ta m b é m p re p a ra m o
leito r para as explicações finais fo rn ecid as n o s versículos 10-12. H á u m a ên fase
em c o m u m en v o lv e n d o d o z e palavras distin tas so b re o te m a d o so frim en to .
H á em p a rtic u la r o v o cab u lário c o m p a rtilh a d o de “ d o e n ç a s” (4,1 {)\jagê-lo sofrer
é “ d eix ar d o e n te ”), esm ag ar (5,10) e d e carre g ar p e c a d o (os dois v e rb o s tomou
sobre si [taãíã’] [...! sobre si levou [Ί.κάάαί] d o v. 4 ap arecem na o rd e m in v ersa n o v.
11 [levará[ e n o v. 12 [levou[). E sse p a d rã o a-b -b -a (c o m o o de 52.13-15 e 53.10-
12 acim a) tem a in te n ç ã o d e tra n sm itir co m p letu d e. P o r fim , co m u m a sutileza
d ig n a d e Isaías, u m v e rb o iso lad o em suas duas g rad açõ es d e se n tid o co n clu i as
d u as seções: n o versículo 6, o S e n h o r fe% ca ir/ “ fez co m q u e ” (N T L H ) sobre ek
567 Is a í a s 5 2 . 1 3 - 5 3 . 1 2

n o ssa in iq u id ad e (ipa ga co m a p re p o siç ã o b') e, n o v ersículo 12, ele intercedeu


(Ίp ã g a ‘ c o m a p re p o siç ã o /).

O enigma: a exaltação e a humilhação do Servo (52.13-15)


A trip la exaltação d o S ervo (13) é seguida pelos m ais p ro fu n d o s co n trastes:
u m a aversão dele m e sm o p ro v o c a d a p elo s o frim e n to q u e co n su m iu ta n to sua
indiv idualidade q u a n to sua h u m a n id a d e (14). O so frim e n to , n o e n ta n to , tem
efeito universal, to c a n d o m uitas nações (15a) e su b ju g a n d o reis (15b) p o r m eio de
u m a n o v a ex periência e e n te n d im e n to da verd ad e (15cd).
13 O te rm o vejam (hinnèh, “ eis” [ARC]) te m trip la fu n ção : (i) Isaías, ao co-
m e ç a r esse cân tico co m hinnèh cabdi (“vejam , o m eu se rv o ”), traz a u m p o n to
c u lm in a n te c o m p le to a revelação d o S ervo q u e c o m e ç o u c o m hèn ' abdi (“ eis
0 m eu se rv o ”) em 42.1. (ii) A o rd e m p a ra “ v e[rj” co n clu i a série d e o rd e n s
q u e c o m e ç a ram em 51.1; o S ervo é a re sp o sta agu ard ada d a salvação universal
p re d ita co m to d a s as b ê n ç ã o s relacionadas a ela. (iii) O te rm o hinnèh faz um a
ligação co n te x tu a l co m “ eis-m c aq u i” (A RC) (“ sim , so u e u ”) em 52.6. Ali o
S e n h o r p ro m e te u ação em favor de seu p o v o na qual ele estaria p esso alm en te
p re se n te , e a isso se segue a ida pessoal dele a Sião (8) d e p o is de te r d e sn u d a d o
seu b ra ç o e m salvação (10). É n o S ervo q u e o S e n h o r c u m p re essas prom essas.
A e x p re ssã o agirá com sabedoria (1 ‫'י‬sãkat) c o m b in a sab ed o ria co m efetividade; a
sab ed o ria da v erd ad eira p ru d ê n c ia , n ão n o se n tid o in a d e q u a d o d e cautela, m as
n o v e rd a d e iro se n tid o de sab er ex a ta m e n te o q u e fazer a fim d e co n seg u ir o
re su lta d o p re te n d id o (cf. IS m 18.30). C lines tra d u z a p assag em p o r: “V ejam ,
m eu servo, sua sab ed o ria p ro sp e ra ” .1 (Cf. “ p ro s p e ra rá ” e “ c o n h e c im e n to ” em
53.10,11.) Isaías g o sta de c o m b in a r v erb o s d e exaltação (cf. 2.12,13 co m 57.7
e, s o b re tu d o , 6.1; 3.3.10; 57.15). A tripla exaltação (engrandecido, elevado [...] mui-
tíssimo exaltado ) ex p ressa um a dignidade além d o cjue q u a lq u e r o u tro m erece ou
receb e e, c o m c erteza, tem a in te n ç ã o de ser u m in d ício q u e leva à id en tid ad e
d o Servo. É im possível n ão se le m b ra r d a ressu rreição , ascen são e exaltação
celestial d o S e n h o r Jesus.
14,15 E c o m u m e n te n d e r a fo rm a ç ã o d esses versículos assim como [...] de
igual modo c o m o a N V I sugere: a prim eira frase co m “ p o is” (ARC) (14b) explica
pasm ados (14a), e a seg u n d a frase (15a) c o m p le m e n ta o como d e 14a. M as essa
su g estão n ã o é isenta de dificuldades. Sc su p o rm o s q u e a tra d u ç ã o aspergerá
está c o rre ta , te m o s de p e rg u n ta r em q u e se n tid o o ato d e “ a sp erg ir” m uitas d o
S erv o estaria relacio n ad o co m a reação d e h o r r o r das n açõ es (“ assim c o m o [...]
ficaram p a sm a d o s [...] de igual m o d o ele asp erg irá”). É significativo d izer q u e a
e x te n sã o d o h o r r o r delas d e te rm in a a e x te n sã o d o asp erg ir dele? A eficácia d o
a to n ã o p o d e ser lim itada pela reação q u e ele pro v o ca. P o r o u tro lado, se a p a ­

1 D. J. Λ. C lin e s, l, He, We and they: A I Jterary Approach to Isaiah 53, JSOTS, 1 (19 7 6 ), p. 11.
O I.IVRO DO SERVO 568

lavra eleve significar “ ala rm a r” (veja a n o ta d e ro d a p é da N V I) p re su m e -se que


d ev eríam o s e n c o n tra r algum a c o m p a ra ç ão e n tre “ assim c o m o h o u v e m u ito s
[...] p asm ad o s [.‫ ] ״‬d e igual m o d o ficarão m uitas n açõ es q u e ele a m e d ro n ta rá ” .
A fo ra o q u e stio n a m e n to d e se Valeria a p e n a fazer essa co m p a ra ç ão , a ênfase
q ue ela exige em muitos (14a) e muitas nações (15a) n ão é su ste n ta d a p elo tex to
hebraico. O u tra visão d a e s tru tu ra m erece ser m en cio n ad a. O h eb raico , c o m o o
inglês, nem se m p re e x p ressa a c o n ju n ç ã o “ assim ” q u e c o m p le m e n ta a co n ju n -
ção “ c o m o ” . N e sse caso atual, o h o r r o r de m u ito s (14a) é e la b o ra d o p o r m eio
de um a d u p la explicação (a p o n ta n d o para o q u e eles veem ; 14bc) e o silêncio
d o s reis (15b) ta m b é m te m u m a d u p la explicação (a p o n ta n d o p ara o q u e eles
o u v em ; 15cd). E sta é a v e rd ad eira co m p aração : co m base n a o b se rv a ç ã o h u m a-
na, os so frim e n to s d o S e rv o p ro v o c a m aversão, m as surg e um a reação m u ito
d ife re n te d o e n te n d im e n to d o q u e ele fez. Se essa c o m p a ra ç ão fo rn e c e a e stru -
tu ra básica, e n tã o a frase de igual modo ele aspergirá/ “ b o rrifa rá ” (A RC) é paralela
e resu ltad o d a e x p re ssã o tão desfigurada, u m a su g estão d o se n tid o in te rio r d esse
s o frim e n to e o pivô d a estrofe:

A 1 U m a reação d e aversão (14)


B1 A ap arên cia tão desfigurada (14b)
Bu A fo rm a tã o d e su m an izad a (14c)
C ( ) so frim e n to q u e p a s m a /a la rm a (15a)
A2 U m a reação d e su b m issã o (15b)
B2 A lgo n u n c a d ito (15c)
B 2a A lgo n u n ca o u v id o (15d)

14 A palavra muitos é um te rm o teo ló g ico n o cân tico , re fe rin d o -se a to d a a


c o n g re g a ç ão daqueles cm cujo b en efício o S ervo atu a (15a,1 lc,1 2 ae). O te rm o
ap arece aqui pela p rim eira vez e fo rn e c e um c o n tra ste eficaz “ c o m o ún ico , o
so litário [...] s e rv o ” .1 O adjetivo pasmado (isãmarn, “ c h o c a d o , e stilh a ç a d o ”) é
um a palavra m u ito fo rte usada p ara lugares d ev astad o s (49.8,19) e p ara um a
esp o sa e n lu ta d a (54.1). ( ) te rm o dele é “ d ian te d e v o c ê ” (veja a n o ta d e ro d a p é
da N V I). E ssa m u d a n ç a re p e n tin a para a seg u n d a p e sso a traz d ificu ld ad es para
os tra d u to re s, m as é um a característica estabelecida d a “ p o esia e alto estilo [he-
braicos] [...] um artifício estilístico p rim itiv o ” 2 (cf. 54.1); p o r essa razão, “ d ian te
d e v o cê — aquele cuja ap arên cia [...] e cuja fo rm a ” . A ex p ressão tão desfigurada
é “ tal d e sfig u ra m e n to ” . O su b sta n tiv o (/mishat) o c o rre ap en as aqui, m as é ir-
rep reen sível, p erfeito. A palavra homem p o d e se referir à individualidade; não
parecia um ser hum ano/ “ filhos d o s h o m e n s ” (A RC), à h u m a n id a d e c o m u m . O

1 M u ile n b u rg , p. 617.
2 N o r t h , Second Isaiah, p. 227 .
569 ISAÍAS 5 2 . 1 3 - 5 3 . 1 2

p e n sa m e n to n ã o é d e q u e o S ervo so fre u m ais q u e q u alq u er o u tro in d iv íd u o


o u m ais q u e o s o u tro s seres h u m a n o s, m as q u e ele ex p e rim e n to u um a desfigu-
ração “ d e [ser] um in d iv íd u o [...] d e [p e rte n c er à] h u m a n id a d e ” , de m o d o q u e
aqueles q u e o v iram recu aram h o rro riz a d o s e n ã o d isseram apenas: “ lis s e é o
S erv o ?” ; m as: “ Isso é h u m a n o ? ”
15 O v e rb o aspergirá (inãza) aqui está n o te m p o h ip h il (hizza). N e m o verb o
aspergirá n e m ta m p o u c o “ b o rrifa rá ” (ARC) está isen to d e dificuldade. “A spergí-
rá” , n esse sen tid o , o c o rre 22 vezes n o A n tig o T e sta m e n to , m as sem p re co m o
líq u id o a sp e rg id o c o m o seu o b je to d ireto , n u n c a (co m o aqui) co m aquele so b re
q u e m será asp erg id o c o m o seu o b je to direto. P o r isso, alguns e stu d io so s traçam
a fo rm a a um a raiz arábica “ saltar, b ro ta r” , to m a d a aqui n o se n tid o em o cio n al
(“ v o cê m c fará saltar”), “ ate m o riz a r” .1 M as isso ta m b é m tem seus p ro b le m a s
(veja N o r th ) .2 Isso p o rq u e o v e rb o árab e n ã o é exem p lificad o n o se n tid o em o ti-
vo exigido e, p o r co n seg u in te, p recisa im p o rta r d o A n tig o T e sta m e n to um ver-
b o n ã o e n c o n tra d o em o u tro lugar co m u m se n tid o n ã o ex em p lificad o em o u -
tro lugar. É cu rio so , sem dúvida, lidar co m u m a p e q u e n a n o v id ad e im p o rta n d o
um a co leção d e o u tra s novidades! C o m p a ra d o co m isso, n ã o p arece im p o rta n te
ver o T M c o m o in clu in d o um v e rb o b e m e stab elecid o c o m um a p e q u e n a varia-
ção d o u so exem plificado (cf. M u ilen b u rg ).3 O b se rv a m o s acim a c o m o a seção
cen tral d o cân tico (4-6) co m p a rtilh a seu v o c ab u lário e e n sin a m e n to co m a se-
ção final (10-12). Incita, p o rta n to , a q u e stã o se essa seção inicial, q u e tam b ém
tem ligação co m o s versículos 10-12, c o m eça a a p o n ta r em d ireção à m esm a
in te rp re ta ç ã o cultuai da m o rte d o Servo. B lo ch cr diz co m a c e rto q u e “ o ô n u s
da p ro v a |...] é daqueles q u e rejeitam o te rm o ‘a sp erg ir’ ” .4 C o n tu d o , o uso é
in co m u m . Isaías, p o rta n to , p o d ia b e m u sar assim , co m a in te n ç ã o d e au m e n ta r
a sen sação d e enigm a, q u e m arca essa estro fe, so b re c o m o a ex altação ú n ica e
0 s o frim e n to ú n ic o p e rte n c e m um ao o u tro . O q u e será q ue esses reis o u v iram
q u e os em u d eceu ? A ssim , o S ervo “ aspergirá m uitas n a ç õ e s” ; seu trab alh o é sa-

1 A e x p re s s ã o thaumasontai (“ eles se m a ra v ilh a rã o ” ) d a L X X su g e re a p e r f e iç o a m e n to p a ra


yírgzju (“ [m u ita s n a çõ e s] tr e m e r ã o ” ), e m b o r a a L X X , c o m o p rá tic a , n u n c a u se thaumazô
c o m o u m e q u iv a le n te p a ra ,rãgaz. O u t r o s in s is te m q u e a q u i o t e r m o hizza c u s a d o d e
f o r m a a b s o lu ta (“ [m u itas n a ç õ e s] re a liz a rã o ritu a is p u r if ic a d o r e s ”). Iss o e n v o lv e , c claro ,
u m v e r b o s in g u la r c o m u m s u je ito n o p lu ra l e, n a c o n tin u a ç ã o d a in te r p r e ta ç ã o d e ssa tra-
d u ç â o , e x ig e q u e o s reis m a n te n h a m a b o c a fe c h a d a p a ra q u e n ã o c o n tra ia m in fe c ç ã o d e
u m o b je to re p u ls iv o c o m o o S ervo!
2 N o r t h , Second Isaiah, ρ. 228.
3 N ã o é u m a d e c isã o d e te rm in a d a p re v ia m e n te q u e a co isa s o b re a qu al c feita a a s p c rs â o
n u n c a é u m o b je to d ire to d e hizza. L m L ev ític o 4 .1 6 ,1‫( ל‬cf. v. 4) o te r m o ’et/fitê p o d e ría
te r e ssa fu n ç ão , e m b o ra seja p o ss iv e lm e n te m ais p e c u lia r à e x p re ss ã o id io m á tic a e n te n d ê -lo
c o m o e m G ê n e s is 19.13,27; 33.18.
4 H . B lo c h c r, The Songs o f the Servan¡, (I VP, 1 9 75), ρ. 61.
O LIV RO DO SERVO 570

ce rd o ta l e m uitas nações re c e b e m seu m in istério sacerd o tal, m as qual será o agen-


te p u rificador? A adição d a palavra nações à palavra-chave m uitas é in esp erad a,
m as devia ser c o m p a ra d a co m a igualm ente in e sp e ra d a ex p ressão “ G alileia d o s
g e n tio s” (9 .1 < 8 .2 3 > ). O m essian ism o d e Isaías é in trin se c a m c n te universal.
A co n ju n ç ã o e an tes d e reis d ev ia ser o m itid a (cf. 49.7, em q u e o s p rín cip es se
p ro stra ra m p ara aquele q u e acabara de se r ch am ad o “ se rv o de g o v e rn a n te s”). O
p e n sa m e n to d a exaltação su p re m a d o S ervo (13) é e la b o ra d o p o r essa im agem
de g o v e rn a n te s te rre n o s em silêncio d ia n te dele. O te rm o iq ã p a s (calarão a bocd)
n ão é u sa d o em o u tra p assag em para fech ar a boca. As ex p ressõ es equivalentes
d escrev em o silêncio d e c h o q u e (|ó 21.5), resp eito o u se n so d e in ad eq u ação
(Jó 29.9) o u p ela falta d e d efesa a o fe re c er (Jó 40.4). T em o s, p o r c o n seg u in te,
de p e n sa r n o s reis c o m o su b ju g ad o s p elo S ervo, m as a causa ex ata d o silêncio
deles n ã o é explicada. As idéias d e verão e compreenderão/ “ e n te n d e rã o ” (ARC)
ind icam q u e algum a v erd ad e so b re o S ervo se m a n ife sto u p ara eles, m as ainda
te m o s d e d e sc o b rir c o m o e o q u e se m a n ife sto u p ara eles. O en ig m a é m a n tid o
até o fim da e stro fe ; d e algum a m aneira a exaltação única (13) e o so frim e n to
ú nico (14) são o sujeito d e u m a verd ad e única (15).

A revelação: o testemunho humano, fundamentado na revelação divina, testifi-


cando ofato e o sentido do sofrimento e da morte do Servo (53.1-9)
O so frim e n to o b se rv a d o e e n te n d id o d e fo rm a eq u iv o c a d a (53.1-3)
E ssa seg u n d a e stro fe se liga c o m o fim d a prim eira. Ali, o v e rd a d e iro e n te n -
d im e n to so b re o S erv o é c o n fu so ; aqui, ele é tra n sm itid o p ela rev elação divina,
u m a mensagem {...] reveladla]. Sem essa revelação, q u e m será q u e acred itaria que
esse ind ivíduo, co m seu n a sc im e n to e vida te rre n o s, sua ap arên cia inexpressiva,
era o b ra ç o d o S enhor? N ã o ap o ia an tes o raciocín io d e q u e ele era d e sp re z a d o ?
O te m a é a p re se n ta d o a lte rn a n d o passagens n a p rim eira p e sso a d o plural
co m p assag en s n a terceira p e sso a d o singular, ele.

A 1 U m a co n g re g a ç ão c re n te trazida à existência p o r in te rm é d io da
revelação (1)
B' O n a sc im e n to d o Servo: in ex p ressiv o e n ã o p ro m is s o r (2ab)
A2 As prim eiras reações daqueles que depois acreditariam : inexpressiva (2cd)
B2 A ex periência d e vida d o Servo: rejeição p o p u la r (3ab)
A3 D esv alo rizad o p o r aqueles q u e d e p o is cre ra m (3cd)

A s seções B 1 e B2 são consecutivas, in d o d o n a sc im e n to p a ra a vid a d o


Servo. E las ta m b é m in c o rp o ra m u m co n traste: o S erv o d ia n te d e D e u s e d ian te
d o povo. A s seções A 2 e A3 re fo rç a m a m e n sa g e m d a seção A ' d e q u e o c o n h e -
c im e n to d o S erv o só é possível p o r in te rm é d io da revelação.
571 ISAÍAS 5 2 . 1 3 - 5 3 . 1 2

1 E m algum p o n to , p assa a existir um a co n g re g a ç ão q u e crê, m as h o u v e


u m te m p o em q u e até m e sm o não 0 tínhamos em estima (3). P o rta n to , a v erd ad eira
re sp o sta p a ra a p rim eira p e rg u n ta é: “ n in g u é m ” , e a seg u n d a p e rg u n ta se p ro -
p õ e a explicar p o r q u e é assim . N ã o é possível h av er cren ça sem an tes h av er
rev elação divina; c o m b ase apenas na o b se rv a ç ã o h u m a n a (2cd,3ab), n ã o há
d isc e rn im e n to de q u e m o S ervo realm en te é. C) te rm o m u (h e >etríin I‘) significa
acred itar n o q u e é dito, acred itar n o s fato s (cf. G n 45.26; D t 9.23). O p ro fe ta
fala p o r aqueles q u e d e p o is vieram à fé, m as o s identifica co m u m g ru p o in teiro
d e e sp e c ta d o re s q u e olhavam para o S ervo sem e n te n d e r nada. A e x p ressão nos-
sa mensagem é u sad a para a palavra d ad a ao p ro fe ta p o r D e u s (28.9,19; J r 49.14)
e é a m p la m e n te usada em o u tra s passagens p a ra “ n o tíc ia s” o u “ in fo rm a ç õ e s”
(IS m 2.24; 4.19). Clines p arafraseia 0 braço [m elhor, Braço] do Senhor. “ O n d e o
p o d e r d e D e u s já foi visto — além daqui?” e c o m e n ta q u e “ o p o e ta está ne-
g a n d o q u e o b ra ç o (poder) de D e u s já foi revelado a n te rio rm e n te ” .' Isso ab re a
p ersp ectiv a c o rre ta , m as p recisa ser levado adiante. O b se rv a m o s em 51.9 c o m o
o “ b ra ç o d o S e n h o r” n ã o é a lg u é m /a lg o à p a rte d o S en h o r, m as é o p ró p rio
S e n h o r em to d o seu p o d er. (Cf. SI 4 4 .3 < 4 > , passag em em q ue “ m ã o ” , “ b ra ç o ”
e “ luz d o te u r o s to ” o c o rre m juntos, o u seja, a p re se n ç a p esso al d o S e n h o r em
ação p esso al; cf. 40.10; 51.9; 59.16.) E m D e u te ro n ô m io 7.18,19, os ato s d o bra-
ço fo ra m v isto s e n q u a n to o b raço p e rm a n e c e u invisível, m as a g o ra n ã o é um a
q u e stã o d e tra ç a r ev e n to s a u m a causa invisível, m as um a ssu n to de v er um a
p esso a, o S ervo, e re c o n h e c e r q u e ele é o S e n h o r p re se n te em p o d e r. E m 51.19,
o b ra ç o foi c h a m a d o a d e sp e rta r; 52.6 p e d e a p ró p ria p re se n ç a d o S e n h o r; 52.8
an tevê o S e n h o r v in d o visivelm ente a Sião; 52.10 o b se rv a q u e o b ra ç o foi des-
n u d a d o em ação salvífica. A gora o braço, afinal, vem , n ã o ap en as a p esso as p o r
trás e p o r in te rm é d io de q u e m o p o d e r d o S e n h o r está em o p eração , n ã o apenas
alguém e v id e n te m e n te (até m e sm o de m o d o único) c o n firm a d o e su ste n ta d o
p elo p o d e r d o S en h o r, m as “ o B raço ” m esm o , o S e n h o r vem p a ra salvar.
2 E sse versículo abre co m a c o n ju n ç ã o “ p o rq u e ” (ARC) em seu sen tid o
explicativo: “ Veja” . P o r q u e será q u e a m en sag em d o S erv o e a revelação dele
c o m o “ o B raço ” se d ep a ra ram co m o d e sp re z o ? P rim eiro, ele parecia te r um a
o rig em to ta lm e n te te rre n a o u natural: a im ag em de crescer d o so lo a p o n ta para
u m a “ g en ealo g ia” h u m a n a (cf. “ n ã o é este o filho d o c a rp in teiro ?” , M t 13.55).
C o m o u m m e ro h o m e m p o d e ría ser “ o b ra ç o d o S e n h o r” ? S egundo, ele m sceu
diante dele, o u seja, d ian te d o S enhor. C o m o ele p o d e se r “ o b ra ç o d o S e n h o r”
se é u m a p e sso a d istin ta d o S en h o r, c re sc e n d o na p re se n ç a deste? T erceiro , n ão
havia ev idência d e q u a lq u e r especialidade o u d istin ção (2cd). A inda assim , a
im ag em d e Isaías a p o n tav a a verd ad e para aqueles q u e tin h am o lh o s p a ra ver,
p o is ele re in tro d u z aqui a im agem m essiânica de 4.2, a im agem d a “ san ta sem en -

C lin e s, Isaiah 53, p. 15.


O LIVRO DO SERVO 572

te ” de 6.13 e a im agem real d e 10.33— 11.1. “ S en tiríam o s” o q u e Isaías estava


fazen d o se n o s le m b rá sse m o s de q u ão b ra n d a m e n te as p esso as d e sc a rta ram a
p o sição m essiânica d e Je su s fu n d am en tad as n o fato d e ele te r v in d o d e N azaré,
não de B elém ()o 7.41,42). A verd ad e estava tão p e rto para q u a lq u e r u m co m
v o n tad e d e vê-la e c o m o lh o s p ara vê-la. Isaías, co m os te rm o s beleza, majestade
e aparência, c o n tin u a a reg istrar a im p ressão ex te rn a tra n sm itid a p e lo Servo. As
palavras trad u zid as p o r beleza (t õ ’ar ) e aparência (m a r’eh) são usadas p ara R aquel
em G ên esis 29.17 (ela “ era b o n ita e a tra e n te ”). O te rm o majestade significa a
im p ressão e x te rn a e sp e ra d a d e u m a p esso a im p o rta n te (SI 96.6). O S ervo, p o r
c o n seg u in te, n ã o era visivelm ente “ b o n ito [...], sim pático , [...] n e n h u m a beleza
q u e ch am asse a te n ç ã o ” (N T L H ). A N V I e a RV re p re se n ta m d ife re n te s fo rm as
de p o n tu a r o te x to h eb raico , a últim a segue a p o n tu a ç ã o m a sso ré tic a trad icio -
nal. D e q u a lq u e r m a n e ira n ad a d e p e n d e disso, e a N V I o ferece u m paralelism o
m ais claro. C o m to d a ap arên cia d e ser um h o m e m en tre os h o m e n s — e n ão
se d e sta c a n d o n esse item — , n ã o era fácil a cred itar q u e ele p o d ia se r o S e n h o r
q u e vem para salvar.
3 P o r c o n se g u in te , eles, em vez de segui-lo, o m arginalizaram . A rep etição
da palavra desprezado n a p rim e ira e na ú ltim a linha é tip ic a m e n te u m a p alístro fe
isaiana. O te rm o ib ã zâ (desprezar) n ã o é u sa d o em n e n h u m a o u tra p assag em
de Isaías, m as o te rm o relacio n ad o ib ü z (37.22) fo rn e c e o se n tid o — vangló-
ria, desprezível, escárnio. A tra d u ç ã o d a frase rejeitado pelos homens (h‫״‬dal ’Tsim) é
q u estio n ad a. O v e rb o significa “ cessar, re p rim ir” , e alguns (p o r ex em p lo , Cli-
nes) in sistem q u e o adjetivo tem de ser ativo, “ re m o v id o d o s h o m e n s ” .1 N o
e n ta n to , u m a referên cia à reação d o S erv o às p esso as estaria fo ra d e c o n te x to
aqui em u m a seção q u e enfatiza a reação delas a ele, e o c o m e n tá rio d e C lines de
q u e o S ervo, c o n h e c e n d o sua fealdade, afasta-se d a so cied ad e e vai m u ito além
d o q u e o versículo 2 sugere. M as o te rm o ■ihãdal é versátil. E m Ê x o d o 9.29, ele
é u sad o co m o significado a b so lu to de “ c essar” ; em S alm os 3 9 .4 < 5 > , ele é um
ad jetivo c o m o se n tid o de “ tra n sitó rio ” ; Isaías 2.22 trad u z o te rm o p o r “ recu sar
cred en cial p a ra ” , e E zeq u iel 3.27b u sa-o n o se n tid o d e “ desp rezív el, indife-
re n te ” . P recisam os, p o rta n to , levar em c o n ta a exatid ão c o n te x tu a l c o m um a
palavra q u e se inclina p a ra várias fo rm a s de sentido. “ V ir p a ra u m fim ” levaria a
u m equiv alente adjetival, “ falta, esg o tar-se d e ” , a d e q u a d o p a ra a p re se n te passa-
gcm . O o lh o h u m a n o viu um h o m e m e n tre os h o m e n s, de d e sc e n d ê n c ia h u m a-
n a sem n e n h u m a n o b re z a especial, e ele, c o m o o b je to de escárn io , ficou “ se m ”
p artid ários. O ra ro plural homens Ç m m ) é e n c o n tra d o ap en as em S alm os 141.4 e
em P ro v é rb io s 8.4 e, de a c o rd o co m M u ilen b u rg , é u sa d o p a ra c o n se g u ir asso-
n ância p o ética se n d o seg u id o im e d ia ta m e n te p elo singular 75, lan çan d o , assim ,

( 'lin e s , Isaiah S 3, p. 16.


573 ISAÍAS 5 2 . 1 3 5 3 . 1 2 ‫־‬

p ro e m in e n c ia na individualidade isolada d o S erv o q u e c o n d n u o u a ser “ aq u ele”


em c o n tra ste c o m os “ m u ito s” .
C3 re a p a rec im e n to da palavra dores (A RC) n o v ersículo 4 indica q u e Isaías
n ão está u sa n d o a ex p ressão um bomem de dores c o m o a linguagem e stereo tip ad a
de la m e n to (cf. W e ste rm a n n ),1 m as está se n d o realista e descritivo. Se o versícu-
lo 3 p e rm a n e c esse so zin h o , p o d e ria m o s ser levad o s a p e n sa r q u e o S ervo fora
so b re c a rre g a d o co m um te m p e ra m e n to ta c itu rn o e u m c o rp o e n fe rm o , m as
o s v ersículos 4 e 10 c o m p le ta m a im agem . O S e rv o n ã o foi u m d e sa fo rtu n a d o
e so fre d o r in cessan te, m as foi visivelm ente essas coisas n ão em razão de sua
co n stitu ição , m as p o rq u e ele to m o u c o m o suas n o ssas d o re s e fragilidades. Λ
ex p ressão experimentado no ify ã d a ') significa o u “ c o n h e c e r” e, p o r isso, “ co m
ex p eriên cia p e sso a l” o u em um se n tid o h o m ô n im o é “ su b m is s o /h u m ilh a d o
p o r” ,2 a m b o s os se n tid o s se ajustam à situação. T a n to a ex p eriên cia q u a n to
a aceitação e sp o n tâ n e a d o sofrimento/ “ e n fe rm id a d e s” (TB) (m ais n o sen tid o
de fragilidade, q u e de d oença) casam co m o re tra to d o S erv o a p re se n ta d o p o r
Isaías. A frase Como alguém de quem os homens escondem 0 rosto é “ e [havia], p o r as-
sim dizer, um e sc o n d e r o ro sto d ele” . A recusa em seguir d esen v o lv eu -se em
om issão. O te rm o estima é u m a palavra de “ c o n ta b ilid a d e ” , u m a so m a d e valor.
Q u a n d o tu d o q u e o o lh o h u m a n o viu e a m e n te h u m a n a ap re e n d e u foi som a-
do, e o re su lta d o foi zero. Isaías, co m essa palavra, c o m p le ta o d iag n ó stico da
n o ssa c o n d iç ã o h u m an a, q u e ele d isc re ta m e n te p erseg uiu ao lo n g o desses três
versículos: ver o S ervo e n ã o e n c o n tra r qualquer beleza nele (2cd) revela a falência
das e m o ç õ e s h u m an as; ser um co m aqueles q u e d e sp re z a m e, d ep o is, rejeitá-lo
(3ac) e x p õ e o d e sc a m in h o d a v o n ta d e h u m an a; lou vá-lo e co n clu ir q u e ele não
é n ad a c o n d e n a n o ssa m e n te c o m o c o rro m p id a p ela n o ssa p ecam in o sid ad e e
p a rtic ip a n te dela. P o r essa razão, to d o s os asp e c to s d a n a tu re z a h u m a n a são
in ad eq u ad o s; to d o c a m in h o ao lo n g o d o qual, p o r n atu reza, p o d e m o s ch eg ar à
v erd ad e e re s p o n d e r a D e u s está fechado. N a d a além d a revelação divina p o d e
to rn a r o S ervo c o n h e c id o p o r n ó s e n o s atrair p ara ele.

Explicação: o so frim en to vicário do Servo, nosso p ecad o e a v o n tad e do S en h o r


(53.4-6)
“ O se rv o é de fato caracterizad o pelos so frim e n to s e dores, m as estes n ão
são dele m esm o .” 3 E ssa é a fo rm a c o m o os versículos 4-6 explicam o versícu-
lo 3. O q u e o o lh o h u m a n o deixou passar, o que só p o d e ser c o n h e c id o p o r
in te rm é d io d a revelação ag o ra é a firm a d o na seção que co n stitu i o c e rn e d o
p o e m a (veja o e sb o ç o acim a). As o n z e linhas d o p o e m a caem em d o is co n -

1 W e s te rm a n n , p. 26 2.
2 D. W. T h o m a s , Record and Revelation (O U P , 1 938), p. 393ss.
‫ י‬Y o u n g , p. 345.
O LIV RO DO SERVO 574

ju n to s de q u a tro (4,5) e u m d e três (6). E n q u a n to cada u m desses c o n ju n to s


tem sua v erd ad e d istin ta a tran sm itir, há linhas em c o m u m ao lo n g o deles q ue
p o d e m o s o b se rv a r de m a n e ira prelim inar.
a. ( ) S ervo estava s o z in h o em seu so frim en to . O versícu lo 4 c o n té m dois
sujeitos e n fád eo s: ele e nós, e a p esar d o s so frim e n to s d o S erv o (4ab) te re m sido
p o r nó s, n ão to m a m o s p a rte neles, pois ficam os à d istância, calcu lan d o q u e ele
deve te r m erecid o tu d o q u e so fre u (4cd). H á u m sujeito e n fático n o versícu lo 5,
ele, e essa ên fase inicial é refletida n o que se segue: ele fo i transpassado /.../ sobre ele
.... suas feridas. E n q u a n to ele, assim , lida co m nossas necessid ad es m o rais e es-
pirituais e ta m b é m c o m n o ssa pessoalidade d estru íd a, n ã o so m o s n e m m e sm o
m e n c io n a d o s e x ceto c o m o c o n trib u id o re s d o p e c a d o q u e ca u so u o so frim e n to
dele. H á do is sujeitos e n fá d e o s n o versículo 6: todos nós e 0 Senhor. E n q u a n to o
S ervo sofre, ain d a n o s desv iam o s, e o S en h o r, age c o m o su m o sa c e rd o te em
relação à V ítim a-S erv o (6c; cf. L v 16.21), p õ e n o sso s erro s so b re ele. P o r essa
razão, o S ervo so fre iso lad o da h u m a n id a d e e em d istin ção d o S e n h o r; ele so fre
so b n o sso p e c a d o e so b a m ã o d o S enhor.
b. E le agiu p o r m eio d a su b sd tu ição . D e a c o rd o co m o v ersícu lo 4ab, o
S ervo levanta e p õ e n o ssas necessidades so b re si m esm o , e n o versícu lo 5ab,
os so frim e n to s dele fo ram a p e n a q u e ele p a g o u p o r no ssas tran sg ressõ es. D e
a c o rd o co m o v ersículo 5c, a p u n iç ã o essencial p a ra n o ssa paz c o m D e u s caiu
so b re ele, e foi “ pelas suas feridas” q u e fo m o s c u ra d o s (5d). A im ag em su b sd -
tutiva d o v ersículo 6c é tirada d ire to de L evítico 16.
c. O S erv o lidou c o m to d o s os asp e c to s d a n o ssa necessidade. C o m to d as
as enfermidades e doenças q u e a rru in a m n o ssa vida (4), e o e rro e cu lp a m o rais e
espirituais q u e alienam D e u s (5). P o sitiv am en te, em relação ao p rim eiro , ele n o s
traz cu ra (5d) e, q u a n to ao seg u n d o , p az (5c).
d. Sua o b ra de so frim e n to c u m p riu a v o n ta d e d e D eu s. E n q u a n to n o s des-
víam os (6ab), o fa to de o S ervo carre g ar p o r v o n ta d e p ró p ria o n o sso p e c a d o
foi c u m p rid o pela ação divina de im p o sição d o pecado. ( ‫ נ‬S en h o r, em seu Ser-
vo, ligou c o m to d o s q u e m ereciam sua ira. O S ervo é o c o rd e iro d e D eus.
4 O S ervo, sem n e n h u m a c o o p e ra ç ã o nem e n te n d im e n to d a n o ssa p arte,
to m o u so b re si tu d o q u e a rru in a n o ssa vida. O te rm o certamente Çãkèn; cf. 40.7)
é u m a c o n ju n ç ã o q u e en fatiza o in esp erad o . O q u e r q u e as p esso as p o ssa m
te r p e n sa d o so b re as d o re s e o s so frim e n to s q u e viram , a v erd ad e era dras-
ticam en te d iferen te. O p ro n o m e ele é enfático. O v e rb o tomou sobre si ( fn ã s a )
significa “ lev an tar” (à cu sta de alguém , n esse caso) e levou (js ã b a l , “ p ô r so b re os
o m b ro s ”) é to m a r c o m o seu p ró p rio fardo. A palavra p ara enfermidades, trad u -
zida p o r sofrimento n o versículo 3, é a “ fragilidade” d o d o e n te , q u e co m b in a d a
co m as doenças re su m e m tu d o q u e a rru in a n o ssa vida. Q u e re m o s m ais d o que
te m o s capacidade de realizar, de m o d o q u e a b o a vid a está se m p re n o s ilu d in d o ;
575 ISAÍAS 5 2 . 1 3 - 5 3 . 1 2

an siam o s pela vida v e rd ad eiram en te feliz, m as so m o s c o n sta n te m e n te im p ed i-


d o s pela m á g o a em q u a lq u e r fo rm a q u e ela ven h a — d e sa p o n ta m e n to , p erd a,
tragéd ia, seja o q u e for. M as o S ervo to r n o u seu o n o sso fard o (M t 8.17; Λ ρ
21.4). O p ro n o m e na ex p ressão contudo nós é en fático , c o n tra sta n d o c o m de e
iso la n d o -o em sua o b ra vicária. O v e rb o consideramos é tra d u z id o p o r estima n o
versícu lo 3d. C) v e rb o atingido (om ite p o r D eus q u e p e rte n c e a atingido e deve ser
a n ex ad o a ele; veja abaixo) é u sad o sessen ta vezes em lA;vítico 13— 14, n ão para
a d o e n ç a d a lepra, m as para a im p o sição o u “ e x p lo sã o ” dela (cf. lR s 8.37,38;
SI 73.14, as únicas o u tra s passagens em q u e o c o rre m p re c isa m e n te essa fo rm a
d o v erb o ). A tingido “ p o r D e u s ” e afligido e x p re ssã o o s lados o b jetiv o e subjetivo
de seu so frim e n to : o ag en te divino e a exp eriên cia pesso al d e ser rebaixado,
aviltado, h u m ilhado .
5 0 S erv o foi m ais fu n d o em sua o b ra p o r n ó s e lid o u c o m n o ssa c o n d ição
p e c a m in o sa (5ab), n o ssa alienação de D e u s (5c) e n o ssa p esso alid ad e arru in a d a
(5d). til e é um p ro n o m e e n fático q u e a p o n ta para o S erv o em e sp lê n d id o isola-
m e n to e n q u a n to cuida das nossas necessidades. O te rm o transpassado (ih ã la í) c
e n c o n tra d o em Isaías apenas em 51.9, passagem em q u e o te rm o é u sa d o para
o fe rim e n to m o rta l n o dragão. E le significa em geral “ tra n sp a ssa r fatalm en -
te ” (Jó 26.13; SI 109.22). Q u a n d o eles relem b ram c o m o “ o B raço d o S e n h o r”
tra n sp a sso u o d rag ão ap ó s eles o c h am arem a agir (51.9,10), será q u e eles pre-
viam q u e o cham avam para ele m e sm o ser tra n sp a ssa d o até a m o rte ? A palavra
esmagado ( d ã k a ) é usada para a p esso a p iso te a d a até a m o rte , a im p o sição e
resistên cia de agon ias ex cru cian tes te rm in a n d o em m o rte (Lm 3.34). O te rm o
p o r é a p re p o siç ã o m in, c o m o se n tid o de “ d e ” , daí, “ su rg in d o d e, re su lta n d o de,
p o r causa d e ” . D e litz sc h diz q u e a palavra hebraica

não responde ao hypo grego, mas ao apo [...] não que ten h am sido nossos
pecados e iniquidades que o transpassaram , [...] m as que foi transpassado
e esm agado p o r conta dos nossos pecados [...], os nossos, que ele tom ou
sobre si m esm o, [...] que foram a causa dele ter sofrido um a m o rte tão cruel
e d o lo ro sa.1

D e ssa m aneira, o versículo 4 exige o su b sta n tiv o “ su b stitu iç ã o ” , e o versí-


c u lo 5 a crescen ta o adjetivo “ p en al” . A s transgressões (pesa'; p ara o su b stan tiv o
cf. 43.25; 44.22; 50.1; para o v erb o cf. 1.2,28; 46.8) são a o b stin ação em p ecar
e a reb eldia d o p e cad o r, o d e lib erad o d e sp re z o p elo S e n h o r e sua lei. As iniqui-
dades Çãwõn; cf. flã w â , “ inclinar, d o b ra r-se ao m e io ” ; SI 3 8 .6 < 7 > ) refletem a
p ro p e n s ã o o u p e rv e rsã o d a n a tu re z a h u m a n a , o resu ltad o da q u ed a e d a fo n te
p e re n e d o pecado. M as o Servo, p o r m eio d e sua m o rte , c a rre g o u n o sso castigo
(m üsãr). D h o rm e ao c o m e n ta r so b re Jó 4.3 diz: “ O sen tid o ex ato d o v e rb o n o

D e litz s c h , p. 31 8 .
O LIV RO DO SERVO 576

piel é ‘c o rrig ir’, q u e r p o r palavras e, p o r isso, ‘e n sin a r’; q u e r p elo castig o e, p o r


isso, ‘p u n ir’. O d u p lo se n tid o [...] tam b ém é e n c o n tra d o n o su b sta n tiv o ” . A ssim
c o m o a frase “ a m in h a aliança de p a z ” (54.10) ex p ressa o p e n sa m e n to co m b i-
n a d o “ m in h a aliança de p a z ” , tam b ém a frase “ o castig o q u e n o s tro u x e p a z ”
significa “ n o ssa p u n iç ã o de p a z ” , a p u n iç ã o n ecessária p ara asseg u rar o u restau-
rar n o ssa paz co m D eus. O te rm o pa% (sãlôm ) tem o rig em em isã lê m (“ se r inte-
g ro o u c o m p le to ”), in d ican d o um a c o m p le ta inteireza, e n g lo b a n d o realização
p essoal, so cied ad e h a rm o n io sa e um re lacio n am en to firm e co m D eus. Q ual-
q u e r um d esses asp e c to s p o d e ser isolado d e a c o rd o co m o c o n te x to ; aqui ele
significa a “ paz co m D e u s ” p o r m eio da qual so m o s trazid o s p ara p e rto dele,
e ele se reconcilia c o n o sco . Isaías abriu essa sequ ência de o rácu lo s c o n tra o
c o n te x to d e u m a paz q u e fo ra p e rd id a (48.18). O S ervo av an ço u (49.1) precisa-
m en te p o rq u e os iníquos n ã o p o d e m d e sfru ta r de paz (48.22), m as p recisam de
alguém para trazê-lo s d e vo lta a D e u s (49.5,6). E sse tra b a lh o ag o ra é feito p o r
sua m o rte p en al vicária. O n d e n ã o havia paz (48.22), haverá, p o r in te rm é d io da
o b ra d o S erv o de fazer a paz (53.5), um a aliança de p az (54.10). (Veja tam b ém
9 .6 < 7 > .)’ O te rm o pelas é a p artícu la d e preço: “ ao c u sto d e ” . A palavra feridas
(habbüra) é usada em 1.6 p ara feridas ain d a ab ertas e n ã o tratad as; p o rta n to , o
se n tid o aqui é d a atualidade d o s ataques infligidos e vivenciados, d e lacerações
(cf. SI 3 8 .5 < 6 > ). A frase fomos curados/ “veio a cu ra p ara n ó s ” (C N B B ) en fatiza
a realização objetiva m ais q u e o deleite subjetivo (cf. 6.10). Isaías usa o te rm o
“ c u ra d o s” em um se n tid o total: a cu ra da p esso a re sta u ra n d o a p len itu d e e a
c o m p le tu d e , u m a m arca d a é p o c a m essiânica (19.22; 30.26).
6 O c u m p rim e n to d o S ervo é u m a o b ra d o S enhor. A im ag em d a ovelha
d esg arrad a resu m e to d a in ad eq u ação e errân cia d a n o ssa n atu reza — e ta m b é m
n o sso perigo, po is a Bíblia enfatiza o p erig o q u e c o rre a o v elh a sem p asto r. A
im ag em de “ cair so b re ele a in iq u id ad e” resu m e tu d o q u e Isaías tem e n sin ad o
so b re a m o rte vicária d o Servo. O versículo, na fo rm a , é um a p alístro fe (cf. v.
3) q u e c o m eça co m todos nós (kullãnu) e te rm in a co m todos nós (kullãnü ). T a m b é m
tem um b elo ritm o in te rn o (desviamos /.../ voltou é ta l n u /.../ pãríinu) e, cm vez
de te r q u a tro linhas c o m o as duas seções p re c e d e n tes d essa e stro fe (4,5), tem
u m a terceira lin h a longa de m o d o q u e a ênfase d a e stro fe in teira cai a b ru p ta -
m e n te so b re e 0 Senhor fe ^ cair sobre ele a iniquidade de todos nós. A s palavras nós todos
e cada um e x p ressam ta n to a culpabilidade c o m u m q u a n to à resp o n sab ilid ad e
individual. N ã o p o d e m o s cu lp ar o “ in stin to d e re b a n h o ” , e m b o ra to d o s nós 1

1 A p a la v ra “ p a z ” sig n ifica c u m p r im e n to , v iv er o u te r v iv id o u m a v id a p le n a ( G n 15.15;


2 R s 2 2 .2 0 ); b e m - e s ta r p e s s o a l, p a z d e e s p írito e s a tis fa ç ã o ( G n 4 3 .2 3 ,2 7 ; I S m 1.17); tu d o
c o r r e n d o b e m (2 S m 11.7; SI 7 3 .3 ; Is 45.7); a u sê n c ia d e g u e rra , etc. (L v 2 6 .6 ; D t 2 0 .1 0 ),
h a r m o n ia ( G n 2 6 .2 9 ,3 1 ; I S m 16.4) e p a z c o m D e u s (N m 2 5 .1 2 ;J z 6 .2 3 ; SI 8 5 .8 ,1 0 < 9 ,1 1 > ;
Is 2 7 .5 ; 4 8 .2 2 ; 57.2).
577 ISAÍAS 5 2 . 1 3 - 5 3 . 1 2

ta m b é m estejam o s envolvidos. Ali, c o n tra o re b a n h o c o m u m e c asan d o com


a n ecessid ad e individual, destaca-se ele, so b re q u e m foi p o s ta n o ssa iniquida-
de. A ex p ressão e 0 Senhor é u m sujeito enfático. Isaías co rrig e c o m delicadeza
q u alq u er e n te n d im e n to eq u iv o cad o en volvido na frase “ p o r D e u s a tin g id o ” n o
versículo 4, e n q u a n to ao m e sm o te m p o salvaguarda sua v erd ad e. A ex p ressão
fe ^ c a ir flp ã g a ‘) p o d ia se r “ p ô r ” (o v e rb o é aoristo). O v erb o sim p les significa
“e n c o n tra r, alcançar, cheg ar a” ; a fo rm a causativa p o d e significar “ in te rc e d e r
p o r ” (12), m as aqui ele significa “ cau sar a ch eg ar em , fazer e n c o n tra r” . O Servo,
p o r m eio d o ato divino, era o p o n to de e n c o n tro p a ra a iniquidade de todos nós.
N ã o e n c o n tra m o s falha em Birks q u a n d o ele to m a o v e rb o c o m o se n tid o de
“esclarecer, em e n c o n tro hostil, se ta n to s fard o s so b re o o m b ro d e alguém ou
tan tas flechas alm ejavam um alvo em co m u m . C ad a p e c a d o d e cada p e c a d o r
seria c o m o u m a ferida individual n o co ra ç ã o d esse h o m e m d e d o re s ” .' P o r
co n seg u in te, ele foi d e fato “ p o r D e u s atin g id o ” . O S erv o n ã o é o e x p ed ien te
q ue p ro p o m o s e sp e ra n ç o sa m en te n e m alguém m o v id o pela c o m p aix ão e dis-
p o n ib ilid ad e pessoais; ele é a p ro v isão e o p la n o d e D e u s, q u e su p e rv isio n a ele
m e sm o a tarefa sacerd o tal (Lv 16.21) de tra n sfe rir a cu lp a d o cu lp a d o p ara a
cab eça d o S ervo, in fo rm a n d o q u e essa é d e fato a satisfação p elo p e c a d o co n -
sid erada e aceita p o r ele.

0 ato final d o Servo: sua m o rte v o lu n tá ria e im e re c id a e o m isté rio de seu


se p u lta m e n to (53.7-9)
O e sb o ç o acim a m o stra q u e essa q u a rta e stro fe d o p o e m a co n tin u a a his-
tó ria d o S erv o d esd e sua o rig em e vida (1-3) até o p o n to em q u e ele foi levado
p ara m o rrer. T a m b é m há um a im p o rta n te ligação v erb al c o m o s versículos 4-6.
N o v ersícu lo 4 d, o S ervo foi d escrito c o m o afligido, e o m e sm o v erb o (V ãna)
ap arece n o versículo 7a, m as em um a fo rm a reflexiva (lit.) “ e ele, d e sua p arte,
h u m ilh o u -se ” (cf. a N E B , “ su b m e te u -se a ser d e rru b a d o ”). E ssa é a ên fase da
p re se n te estro fe: a lúcida e a u to restritiv a v o lu n taried ad e co m q u e o S ervo se
a p ro x im o u e aceito u o q u e aco n teceu . O o lh o h u m a n o (4cd) o viu n a m iseri-
c ó rd ia d e forças h o stis e até m e sm o divinas; o o lh o in stru íd o d a p erspectiva
teoló g ica (6) viu a m ã o d o S e n h o r c u m p rin d o a m o rte d o S erv o c o m o um
exercício d e carre g ar o pecado. N o e n ta n to , agora esta m o s em u m local m u ito
sag rad o de fato, na p ró p ria consciência d o S ervo e o vem o s, n ão p eg o em um a
rede d e ev en to s, m as d ecid in d o , a ceitan d o e se s u b m e te n d o im p erio sam en te.
C o n fo rm e C lines coloca: “ O serv o [...] n ã o faz n ad a e n ã o diz nada, m as deixa
tu d o a c o n te c e r a ele” .12 O te rm o “ deixa” , u sad o p o r C lines, é p o ssiv elm en te
m ais fraco d o que justificado n o fato d e q u e o b scu rece a firm e e d elib erad a

1 T. R. B irk s, Commentary on the B ook o f Isaiah (M a cm illa n , 1 8 78), p. 264.


2 C lin e s, Isaiah, p. 6 4 -6 5 .
O LIVRO DO SERVO 578

su b m issão d e si m e sm o d a qual Isaías fala. Λ língua e a m e n te d o S erv o tam b ém


estav am disciplinadas a d a r um a sse n tim e n to in eq u ív o co à injustiça e à m o rte
q u e ele n ã o m erecia. A s três seções d essa e stro fe de d o z e linhas são rep letas de
d ificu ld ad es in trig an tes, c o n tu d o , o se n tid o m ais a b ra n g e n te é claro:

Λ A procissão. ( ) serv o saiu para m o rre r: sua d isp o sição (7)


B A execução. A m o rte d o Servo: as im p ru d ê n c ia s c o n te m p o râ n e a s (8)
C O sep u ltam en to . O m istério em to rn o d o se p u lta m e n to daq u ele
q u e n ã o m erecia m o rre r (9)

A s referên cias à boca d o S ervo fo rm a m um inclusio [criar u m a e stru tu ra ao


p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e um a seção] co m a p rim eira seção
(7bd) e co m o to d o da e stro fe (7b,9d). A s três seçõ es c o n siste m , respectiva-
m en te, de cinco, q u a tro e três linhas, d a n d o um efeito d e “ en fra q u e cim e n to
g rad u al” q u a n d o o S erv o é tra z id o para o sepulcro.
7 O S ervo n ã o o fe re c eu resistência física à violência, m as “ h u m ilh o u -se
a si m e s m o ” (TB) (7a); ele n ã o o fe re c eu resistência verbal, m as não abriu a sua
boca. O s anim ais vão tão sem e n te n d e r p ara o m a ta d o u ro q u a n to o v ão para a
to squ ia; o S ervo q u e sabia b e m o q u e aco n tecia foi p ara sua m o rte co m um a
calm a q u e refletia u m a m e n te subm issa, n ã o um a m e n te ig n o ran te. O q u e para
eles é a n a tu re z a d o anim al, para ele foi u m a a titu d e refletida e v o lu n tária. O
elevado ta le n to teo ló g ico d e Isaías n ã o fica m ais ev id en te em n e n h u m a o u tra
passag em q u e aqui. O sacrifício vicário está n o c e rn e d e sua p ró p ria experiên-
cia d e D e u s (6.5-7). E le, d e to d a s as p essoas, c o n h e c ia a eficácia d o altar e os
sacrifícios q u e D e u s a p o n ta ra , c o n tu d o (em b o ra ele n ão n o s diga c o m o ), em
algum p o n to e n tre a ex periência p ro fu n d a m e n te real d e 6.7 e a visão d o papel
vicário d o S ervo em 52.13— 53.12 m an ifesto u -se a co n sciên cia d e q u e (com o
H b 10.4 co lo ca o assu n to ) o sangue de to u ro s e b o d e s n ã o tira o s p ecad o s. N o
h o riz o n te d o A n tig o T e sta m e n to , isso era a e x trem a ousadia. N a igreja d o An-
figo T e sta m e n to , n o sso s irm ã o s e irm ãs, c o n fo rm e o s e n c o n tra m o s em Salm os,
eram p esso as em v erd a d e iro d e sfru te dos benefícios d e p e rd ã o , p az c o m D eu s
e segu ran ça espiritual. N ã o há su g estão de q u e eles, so b a an tig a aliança, sou-
b essem q u e d e sfru ta v a m desses benefícios apenas alicerçad o em u m sacrifício
p e rfe ito ainda p o r vir. A p o siç ã o deles, em tu d o q u e é essencial, foi o m esm o
q u e o n o sso : o S e n h o r ligara p ro m e ssa s (de p erd ão , d e p az, de aceitação, etc.)
aos sacrifícios, e eles o fereciam os sacrifícios, d e sc a n sa n d o em fé nas p ro m es-
sas. C abia a um h o m e m d e n otável p e rc e p ç ã o ver q u e era n ecessário alg o m aior
e m elhor. M as foi isso q u e Isaías fez. E le e x p resso u a v erd ad e d a m o rte d o Ser-
v o na te rm in o lo g ia aceita de p o rta d o r d o p e c a d o (4-6) e ag o ra (7-9) in tro d u z ,
n a verd ad e deixa claro, u m n o v o p e n sa m e n to . N ã o d e q u e o S erv o n ã o m erecia
579 ISAÍAS 5 2 . 1 3 - 5 3 . 1 2

m o rre r (pois isso está im plícito nos w . 4-6), m as q u e ele, apesar de q u e n ã o


m erecesse m o rre r, estava d isp o sto a fazer isso. F m um a palavra, a falha fatal
n o s p ro c e d im e n to s su b stitu tiv o s ex isten tes foi e x p o sta e satisfeita em um go l-
pe. Pois o p o n to em q u e a su b stitu ição d o anim al falh o u era tam b ém o p o n to
cm q u e o p e c a d o é m ais sério. O p e c a d o c o m o falha (j h ã t a ; veja v. 12) é um a
a titu d e lam entável; o p e c a d o c o m o d e fe ito m oral Çãwòrv, veja v. 5) é deso lad o r,
m as to rn a defensável que o q u e n ã o p o d e se r aju d ad o n ã o m erece receb er a
culpa; m as o p e c a d o c o m o teim osia (!1pã.va‘; veja v. 5) é algo q u e D e u s n ão p o d e
negligenciar. O p ró p rio c ern e da n o ssa p e c a m in o sid a d c é q u e p e c a m o s p o rq u e
q u erem o s. N ã o q u e re m o s q u e “ este h o m e m seja n o sso rei” (Lc 19.14). P o r essa
razão, n e n h u m anim al p o d e fazer m ais q u e ilustrar a su b stitu ição : ap en as um a
p e sso a p o d e su b stitu ir u m a pessoa; apenas um a v o n ta d e d e aq u iescên cia p o d e
su b sü tu ir um a v o n ta d e rebelde. O S ervo c u m p re d e fato as exigências declara-
das para u m su b stitu to : ele se identifica c o m os p e c a d o s na c o n d e n a ç ã o destes
(4,5); ele n ã o tin h a m ácula d o n o sso p e c a d o (9); era aceitável para o D eu s san to
(6,1 U). File ta m b é m acrescen ta o que n e n h u m o u tro in d iv íd u o acrescen taria o u
p o d e ría acrescen tar: a v o n ta d e de aceitar e de se su b m e te r ao papel de substi-
tuto. F m Isaías 53, c em p articu lar n o s versículos 7 - 9 ,(‫ נ‬A n tig o '!’e sta m e n to e a
so terio lo g ia bíblica alcança seu p o n to cu lm in an te. O te rm o oprimido ta m b é m é
u sa d o em o u tra s p assag en s c o m o um v e rb o d o s feito res (Ê x 3.7), recep tiv o ao
p e n sa m e n to de b ru talid ad e física (9 .4 < 3 > ; IS m 13.6; cf. R ib b erb o s: “ a n atu re-
za to rtu ra n te d o tra ta m e n to d a d o a ele”). A ex p ressão e afligido é “ c d e sua p a rte
h u m ilh o u -se a si m e sm o ” (sobre esse u so d o reflexivo cf. Ê x 10.3). O v erb o
aqui é um p articipio, “ a g u e n to u tu d o h u m ild e m e n te ” (N T L H ). D e a c o rd o co m
os versículos 6,7, n ó s é q u e m erecem o s a c o m p a ra ç ão co m um cordeiro e uma
ovelha, m as foi ele q u em so freu isso. O cordeiro (seh) era u sa d o reg u larm en te
p ara nas leis cultuais (G n 22.7,8; Ê x 12.3,5; Lv 5.7), e n q u a n to ovelha (rãhêl) n ão
era u sad a n o culto. F s s e c o n tra ste en tre os anim ais m o stra que Isaías n ão está
p re o c u p a d o aqui em c o m p a ra r a m o rte d o S ervo, dig am o s, co m a d o c o rd eiro
d a Páscoa, m as co m o fato de q u e o s anim ais vão c o m o b ed iên cia cega p ara seu
d estin o , seja ele qual for. O Servo, em p len a ciência d e tu d o que está p restes a
o c o rre r, vai co m su b m issão para o q u e o aguarda. O co rd e iro aqui é lev ad o para
u m a experiência im inente; a ovelha está p a ssa n d o p o r um a ex p eriên cia real; o
S erv o m a n té m seu silêncio im p o sto p o r si m e sm o — ta n to e n q u a n to vai para
o sacrifício q u a n to e n q u a n to o aguenta.
8 Ciada palavra d a frase com julgamento opressivo d á o rig em a u m a diversidade
d e sen tid o s. A p re p o siç ã o pela (TB) (min) é o u sep arativ a (“ d e ” , p o r isso, “ à
p a rte d e ” o u “ se m ”) o u causativa (“ su rg in d o d e ” o u “ p o r cau sa d e ” ; cf. v. 5).
O te rm o opressivo ( ‘õser, “ restrição ”) n ão envolve n e c e ssa ria m en te “ o p re ssã o ” ,
m as p o d e envolvê-la co n tex tu alm en te. U m a de suas d u as o u tra s o c o rrê n c ias
O LIV RO DO SERVO 580

n o A n tig o T e sta m e n to diz re sp e ito a um v e n tre “ im p e d id o ” d e c o n c e b e r (Pv


30.16; cf. o v e rb o c o g n a to em G n 16.26; 20.18). E m Salm os 107.28-30, a ideia
d e o p re ssã o é possível, m as n ã o necessária, po is a referên cia é, an tes, a to d a e
q u alq u er “ re striç ã o ” im p o sta pela vida. Falta ao c o g n a to (Ί (ãsar) o se n tid o de
“ o p rim ir” (p o r exem plo, D t 11.17; IS m 21.5; N e 6.10). P o r co n seg u in te, no
p re se n te caso, te m o s o u “ d e re striç ã o ” (de te r sid o d e tid o e p reso ) o u “ sem res-
triçào ” (todas as re striç õ e s e p ro te ç õ e s c o m u n s rem ovidas). A palavra julgamento
(mispãt) é e x tra o rd in a ria m e n te versátil além d e o fe re c e r q u a tro se n tid o s apro-
priado s: o d ire ito d a p e sso a (D t 18.3; 21.17); a p rática da lei o u d e v id o p ro cesso
(N m 27.21; D t 1.17); o d e c re to o u se n te n ç a legal (E x 21.1,31); e ap resen tação
de u m a ação legal (N m 27.5). P o r isso, falam os “ d e ju stiça” (da c o rte da lei,
p ro c e sso e se n te n ç a dev id o s) o u “ sem justiça” (ig n o ran d o os d ireito s, sem o
ju lg am en to ap ro p ria d o )? E m o u tra s palavras, p o d e m o s ressaltar o fa to ao dizer
“d a p risão à se n te n ç a ” , o u a vítima ao d izer “ sem restrição e sem d ire ito ” o u a
injustiça ao d iz e r “ sem restrição e sem justiça” . T o d as essas o p ç õ e s são co n tex -
tu a lm e n te satisfatórias, e m b o ra n o fim D. F. Payne talvez estivesse c e rto em
p e n sa r q u e a frase h eb raica é u m a fó rm u la in stitu íd a c o m o “ o d e v id o p ro cesso
d a lei” .1 C alv in o e n te n d ia a ex p ressão f o i levado (ilã q a h , “ to m a r”) n o se n tid o téc-
n ico ilu stra d o em G ên esis 5.24; 2Reis 2.9; S alm os 4 9 .1 5 < 16 > ; 73.24. M as um a
referên cia à re m o ç ã o da glória seria c o n te x tu a lm e n te in a p ro p ria d o ; ain d a não
h á m itig ação para a glória. P ro v é rb io s 24.11 e E zeq u iel 33.4, an tes, a p o n ta m o
cam in h o : “ lev ad o ” é u m a elipse p ara “ levado para m o rre r” , in te rp re ta ç ã o essa
su ste n ta d a pela o c o rrê n c ia de eliminado d u as linhas adiante.
O su b sta n tiv o descendentes (dôr) ex p ressa “ circu larid ad e” . O c o g n a to id ü r
(“ h a b ita r” ; SI 8 4 .1 0 < 1 1 > ) sugere o m u ro ro d e a n d o a cid ad e o u a p ro te ç ã o cir-
c u n d a n d o u m acam p am en to . O su b stan tiv o , aplicad o ao p o v o , su g ere u m g ru -
p o u n id o p o r algum fa to r em c o m u m (co m o n o títu lo d o livro E d w a rd Irving and
his Circle [E dw ard Irv in g e seu círculo]; cf. SI 4 9 .1 9 < 2 0 > ; 73.15). G ên esis 6.9
seria a d e q u a d o p ara a tra d u ç ã o “ c o n te m p o râ n e o s ” , o círcu lo d e seus iguais. O
te rm o simpliciter n u n c a é u sa d o n o se n tid o de zera (“ sem en te, d e sc e n d e n te s”).
Isso fala c o n tra a N V I — ap esar da dificuldade em sa b e r qual o se n tid o da
p e rg u n ta d a N V I. O v e rb o fa la r (Ίslah ) significa “ p e n s a r” (Jz 5.10; SI 119.23)
e, daí, “ p e n sa r em v o z alta” , “ m u rm u ra r” (Jó 7.11; D h o rm e , “ reclam ar”) “ res-
m u n g a r a re sp e ito ” (SI 6 9 .1 2 < 1 3 > ) e “ falar de fo rm a m ed itativ a” (SI 145.5).
T a n to a su g e stã o d e C line (“ c o n tra sua g eração q u e p ro te sta v a ? ”) q u a n to a de
B lo ch er (“ q u e m se p re o c u p o u c o m a o n d e ele fora?”)2 são m u ito vagas p ara a
am b ie n ta ç ão d a p alavra n o A n tig o T estam en to . E a frase: “ Q u a n to aos seus

1 D . F. P ay ne, “ T h e S e rv a m o f th e L o rd : la n g u a g e a n d i n te r p r e ta tio n ” , E Q , xliii 3 (19 7 1 ), p.


135.
2 B lo c h e r, Songs o f the Servant, p. 64.
581 ISAÍAS 52 . I 3 - 5 3 . I 2

c o n te m p o râ n e o s ,1 q u e p o n d e ra v a m ? ” , ajusta-se m e lh o r à in sistên cia d e Isaías


d e q u e o S ervo, d o c o m e ç o ao fim, n ã o foi re c o n h e c id o , e seus so frim e n to s
estim u laram apenas m al en te n d id o s.2 S eguindo essa n o ção , e n te n d e m o s as
d uas lin h as seguintes c o m o afirm a n d o o q u e os c o n te m p o râ n e o s deix aram de
p o n d e ra r: p rim eiro , o fato acessível a q u a lq u e r e sp e c ta d o r in g ên u o , d e q u e o
S ervo foi feito p a ra m o rre r (eliminado) e, seg u n d o , algo c o n h e c id o ap en as p o r
in te rm é d io de revelação, q u e ele m o rre u “ p o r causa d a tran sg ressão d o m eu
[do S enhor] p o v o ” . À luz da d iscussão p re c e d e n te, a frase pois elef o i d ev eria ser
trad u zid a p o r “ q u e ele foi” .
O v e rb o eliminado (igã za r) é um v e rb o c o m u m reg istro q u ase c o n tín u o
de vio lência.3 A tra d u ç ã o da frase p o r “ ele foi elim in ad o d a te rra ” ap re e n d e o
sentido. W hybray só p o d e so ltar sua im aginação de q u e Isaías 53 n ã o exige a
v erd ad eira m o rte d o S ervo re c o rre n d o ao fa to d e q u e n ã o p recisam o s e n te n d e r
de fo rm a literal da terra dos viventes/ “ foi c o rta d o ” (A R A ).4 M as seu u so n o A n-
tigo T e sta m e n to é in eq u ív o co (SI 27.13; 116.9; 1 4 2 .5 < 6 > ; Is 38.11; J r 11.19):
e n tã o o S erv o m o rre u v erd ad eiram en te e, c o m o to d o s os m o rto s, foi rem o v id o
d o m u n d o d o s vivos. S o b re pois (min, “ p o r causa d e ”) e transgressão ( p e s a , “ re-
b elião ”) veja o versículo 5. A frase to d a, d e fo rm a tão literal q u a n to possível,
é “ p o r cau sa d a rebelião d o m eu p o v o , a calam idad e p a ra e le /p a ra eles” .5 Se
c o n sid e ra rm o s a p re p o siç ã o c o m o um plural en tão , na analogia d e Salm os 95.4,
a tra d u ç ã o é: “ m e u p o v o q u e era a c a la m id a d e /a q u e m a calam idade p e rte n c ia ” .
Se to m a rm o s c o m o u m singular, e n tã o a tra d u ç ã o é “ p o r causa d a rebelião d o
m e u p o v o , a calam idade foi d e le /v e io a ele” . E m to d o caso, o S erv o so fre u a

1 S o b re o p re fix o 'et, q u e o s g ra m á tic o s m a is a n tig o s in sistia m q u e d e v ia s e r nota accusativi,


v e ja P. P. S a y d o n , “T h e m e a n in g s a n d u se s o f th e p a rtic le 'e t ', V T , X I V 2 (19 6 4 ), p. 192ss.;
e J. M a c d o n a ld , “ T h e p a rtic le 'et in classical H e b r e w ” , V T , X I V 3 (19 6 4 ), p. 2 63ss. A p a r-
tíc u la é d e fa to d e ê n fa s e e ta m b é m p o d e s e r a n e x a d a a u m n o m in a tiv o ta n to q u a n to a u m
a cu sativ o . E s s e fa to a u m e n ta m u itís s im o a g a m a d e p o s s ib lid a d e s n o p r e s e n te caso.
2 A ú n ic a d ific u ld a d e (se isso f o r u m a d ific u ld a d e ) é q u e e sse e n te n d im e n to exige q u e o
t e r m o 13 in tr o d u z a u m d is c u rs o d ire to , e n ã o h á o u t r o e x e m p lo d o t e r m o “ p o n d e r a r ”
s e g u id o d e u m a d e c la ra ç ã o d o a s s u n to p o n d e r a d o .
3 E n q u a n t o o t e r m o Igázar sig n ific a “ d e c id ir” e m E t 2.1; J ó 2 2 .2 8 (veja o c o m e n tá r io d e
D h o r m e e a m u d a n ç a p a ralela d e s e n tid o d e Ihõras e m Is 2 8 .2 2 ), ele, e m o u tr o s c o n te x -
to s , é u s a d o c o m o s e n tid o d e a lg o v io le n to , c o m o , p o r e x e m p lo , o c o r ta r a c ria n ç a e m
d o is ( I R s 3.2 5 s.), o c a ir d e u m a á r v o re (2R s 6.4 ), a “ e x clu [sâ o ]” d e u m le p r o s o d a c a s a d o
S e n h o r (2 C r 2 6 .2 1 ), a s e p a ra ç ã o d a c o m u n h ã o c o m o S e n h o r d a q u e le s q u e m o r r e m s o b o
d e s p r a z e r d e le (SI 8 8 .5 < 6 > ) , a d iv is ã o d o m a r V e rm e lh o (SI 1 3 6.13), u m a ta q u e “ s u rp re -
sa ” (Is 9 .1 9 ) e a m o r te re p e n tin a (L m 3.54).
4 W h y b ray , p. 177.
5 G K C 103s. re g is tra q u e h á c in q u e n ta o c o r rê n c ia s d o t e r m o lãm ô c o m o u m p lu ra l (“ p a ra
e le s”) e, p e lo m e n o s , n o v e o c o rrê n c ia s c o m o s in g u la r (“ p a ra e le ”). Isaías 3 0 .5 m o s tr a q u e
a d e c is ã o é s e m p r e c o n te x tu a l.
O I.IVRO DO SERVO 582

p u n ição que p o d ia cair, e caso c o n tra rio cairia, so b re “ m eu p o v o ” . O en ten d í-


m e n to n o plural en fatiza a cu lp a d o po v o ; n o singular, o papel vicário d o Ser-
vo. O p ro n o m e p o ssessiv o na e x p ressão meu povo indica q u e u m n o v o o ra d o r
ap areceu. Λ descrição (8a-c) é su b stitu íd a pela afirm ação (8d; cf. 11c seg u in d o
1 la b ). S m art o b se rv a a m e sm a m u d a n ç a em 51.1-3 c o m o u m a das “ sutis m ar-
cas d o a u to r” p o r m eio das quais “ ele talvez m u d e in te n c io n a lm e n te p ara um
o ra d o r d ife re n te a fim de re fo rç a r seu p o n to ” .1 A s referên cias a “ m eu p o v o ”
(51.4,16; 52.4-6) su g erem q u e é o S e n h o r que fala aqui. N o e n ta n to , c o m o em
45.8 e em 51.9, p o d ia ig u alm en te ser Isaías se asso cian d o co m seu p o v o c o m o
em 6.5, o p o n to em q u e ele m e sm o e n c o n tra p e rd ã o p o r m eio da su b stitu ição .
Será q u e foi cjuando ele a n u n c io u o c o n so lo deles (40.1) e p a g a m e n to p elo pe-
cad o deles (40.2) q u e ele p e rc e b e u q u e seu p ró p rio caso seria o p arad ig m a da
so lu ção d erra d e ira d o S en h o r? I‫׳‬oi e n tã o que ele p e rc e b e u que seria n ecessário
um san gu e m ais valioso q u e o sangue d o s bois c bo d es? E sse é u m cen ário
crível c e n c o n tra ria um p o n to c u lm in an te a p ro p ria d o n o clam o r d o p ro fe ta de
que “ p o r causa d a tra n sg re ssã o d o m eu p o v o ele foi g o lp e a d o ” .2 O su b sta n tiv o
“g o lp e ” (n eg a ) (veja acim a) está relacio n ad o co m o v e rb o atingido (4c) e é u sad o
aqui c o m o um a c o rre ç ã o d a falsa estim ativa p o sta ali n o so frim e n to d o Servo.
E les achavam q u e ele fo ra golpeado ¡...;por Deus, e isso fo ra feito co m ele, m as
n o lu gar deles, p o r cu lp a deles.
9 O versícu lo c o m eça (lit.) co m a frase: “ E p u s e ra m /fo i-lh e d a d o sua se-
p u ltu ra co m os ím p io s e co m o rico, na sua m o rte ” (ARC). A ssim su rg em d ois
p ro b lem as in trig an tes: p o r q u e a m u d a n ç a d o plural (“ o s ím p io s”) p ara o sin-
guiar (“ o rico ”)3 e p o r q u e o plural “ m o rte s ” ? D o c o m e ç o ao fim d o A n tig o
T estam en to , o te rm o “ ric o ” (‘ãTir) só se refere a coletivo q u a n d o em c o n tra ste
co m o u tro singular re p re se n ta n d o um a classe d istin ta d e pesso as (p o r exem -
pio, o po b re); em to d o s os o u tro s casos, o singular re p re se n ta u m singular; e
0 plural, um plural. P o r c o n seg u in te, se Isaías p re te n d ia u m sim p les c o n tra ste
e n tre u m se p u lta m e n to v e rg o n h o so e um su n tu o so , ele devia te r u sa d o dois
singulares, m as o uso de um plural e de um singular só p o d e significar que
ele n ã o está falando so b re classes, m as so b re pessoas. E le p arece d izer q u e n o
se p u lta m e n to d o S ervo, pessoas ím pias e um h o m e m rico estav am d e algum a
m an eira envolvidos.

1 S m a rt, p. 1 75, 1 9 9 -2 0 0 , 21 1.
2 C lin e s e o u tr o s e s tu d io s o s p r e fe r e m s e g u ir a leitu ra d e Q ad o t e r m o 'am m ãw (“ se u p o v o ”),
e m v e z d e ‘ am m i (“ m e u p o v o ” ). M as as rá p id a s m u d a n ç a s d e p e rs p e c tiv a sã o h e m c o n h e -
c id as n o s p ro fe ta s . N o r t h su g e re a le itu ra d e am m ê (“ p e s s o a s d e u m g o lp e p a ra e le s” /
“ q u e m e r e c e m elas m e s m a s s e r g o lp e a d a s ”).
3 S ã o s u g e rid a s c o r re ç õ e s p a ra ‘ a s ir (“ r ic o ”), p o r e x e m p lo ( N o r t h , W h y h ray , C lin e s) ‘ o s e ra ‘
(“ m a lfe ito re s ”), ( B I IS ) s ' Ί rim (“ d e m ô n i o s ”).
583 ISAÍAS 5 2 . 1 3 5 3 . 1 2 ‫־‬

S o b re morte/ “ m o rte s ” , o plural o c o rre apenas em E zeq u iel 28.10 (N V I,


“ m o rte ” ) e n ã o o ferece n e n h u m a ajuda. N o e n ta n to , o q u e para n ó s são plurais
in e sp e ra d o s n ã o são d e sc o n h e c id o s n o h eb ra ic o clássico, p o r exem plo, o plural
“ se p u ltu ra s” (N V I, “ tú m u lo ” ;J ó 17.1; 21.32) o qual G K C \2 A c c D h o rm e cias-
sificam c o m o “ plurais de e x te n sã o ” , o u seja, “ c e m ité rio /lu g a r de se p u ltu ra s” .
( ) m e sm o plural em 2Reis 22.20 e 2C rõ n icas 16.14 deve ser e n te n d id o ali co m o
um plural de a m p lific a ç ão /m a je sta d e , o u seja, “ s e u /d e le e sp lê n d id o /re a l tú-
m u lo ” . N ã o há fu n d a m e n to para se recu sar a p e n sa r q u e Isaías está ch a m a n d o
ate n ç ã o para a su p re m a qualidade da m o rte d o S erv o (“ sua m o rte s u p r e m a /
m ag nífica”), po is c o m certeza é m u ito m e lh o r e n te n d e r o te x to à luz d e um a ex-
p re ssã o id io m ática co n h ecid a q u e co rrig ir co m u m a palavra q u e em n e n h u m a
o u tra p assag em é exem plificada co m u m se n tid o ad e q u a d o .1 Y o u n g c o m e n ta
os plurais c o m o as palavras para “ v id a” e “ ju v e n tu d e ” e su g ere um a categ o ria
q u e d e n o m in a de plurais co stu m eiro s, o u seja, os plurais q u e e x p ressam um a
co n d iç ã o — aqui en fa tiz a n d o a realidade d a m o rte d o Servo. H e n d e rso n co-
m e n ta o plural “ san g u es” co m o se n tid o de d e rra m a m e n to v io len to d e sangue
e e n te n d e “ m o rte s ” c o m o “ a terrível n a tu re z a d essa m o rte à qual n o sso S e n h o r
foi s u b m e tid o ” .2 P or c o n seg u in te, a única coisa n otáv el a resp eito d o plural é
n o ssa su rp re sa em enco n trá-lo . E m su m a, u m a vez que o S erv o foi c o n d e n a d o
c o m o c rim in o so , a expectativa natural era q u e ele fosse levado para u m a sepul-
tu ra d e c rim in o so , m as ele, ao co n trário , ap ó s um a m o rte e x tra o rd in á ria /re a l/
v io len ta foi e n c o n tra d o “ co m o ric o ” (ARC). O enigm a d e 52.13-15 (co m o
tal s o frim e n to p o d ia levar a tal exaltação?) e de 53.1-3 (co m o alguém tão cia-
ra m e n te h u m a n o p o d e ría ser “ o b ra ç o d o S e n h o r” ?), p o rta n to , é c o m p o sto :
c o m o p o d e ría um h o m e m c o n d e n a d o re c e b e r um se p u lta m e n to d e rico? N o rth
c o m e n ta q u e “ n ã o p o d e m o s p re su m ir q u e a palavra a n tecip a o se p u lta m e n to
de Je su s” ,3 e W ade c o m e n ta q u e a “ associação da p assag em co m o sep u ltam en -
to d e n o sso S e n h o r [...] p arece injustificável” .4 C o m p reen siv elm en te, nin g u ém
o ferece m o tiv o s para essas asserções. D elitzsch ap resen ta o q ue p arece ser a
v erd ad e q u a n d o escreve q u e “ sem o c o m e n tá rio fo rn e c id o pelo c u m p rim e n to
seria, em ab so lu to , im possível e n te n d e r o versículo 9 ” .5 E sse, c o m o os o u tro s
enigm as d esse cântico, ta m b é m é escrito d e m o d o q ue q u a n d o a v irad a d o s
ev en to s fo rn e c e r a explicação sab erem o s co m c e rteza que esta m o s n a p re se n ç a
d o S erv o d o Senhor.
1 A a lte ra ç ã o fa v o re c id a d e tfmõjãw (“ n a s m o r te s d e le ”) é bãmõjô (“ o m o n tíc u lo d a se p u l-
tu r a ” ), m a s n ã o h á in d ic a ç ã o d e q u e o t e r m o bam ã (“ a lto s ”) p o d e te r e s s e s e n tid o (veja
M u ile n b u rg ).
2 E . H e n d e r s o n , The B oo k o f the Prophet Isaiah (H a m ilto n , A d a m s & C o , 1 8 5 7 ), p. 4 0 3 -4 0 4 .
‫ נ‬N o r t h , Second Isaiah, p. 231 .
4 W ad e, p. 342.
5 D e litz s c h , p. 327.
O LIV RO DO SERVO 584

O te rm o embora Çal) p o d e te r o se n tid o de “ m e sm o ” (ou seja, ele foi co n -


d e n a d o e levado à m o rte [m esm o] embora não tivesse cometido nenhuma violência·,
cf. J ó 10.7; 16.7). A lte rn a tiv a m e n te, o se n tid o p o d e se r “ p o rq u e ” (ou seja, ele
veio a re c e b e r u m a h o n ra in e sp e ra d a n o se p u lta m e n to [porque] n ã o co m e te u
n e n h u m a violência; cf. 38.15; SI 119.136). A violência (hãmãs) é a h o stilid ad e pia-
n ejad a ativa (Pv 10.6,11) o u dirigida (G n 49.5) c o n tra as p esso as; a violên cia da
g u erra (J1 3.19 < 4 .1 9 > ); e u m a característica d a vida n esse m u n d o p e c a m in o so
(G n 6.11,13). A frase nenhuma mentira em sua boca refere-se à m ald ad e d e co ração ,
m o tiv o velado, falsidade e x p ressa em palavra. O s te rm o s violência e mentira jun-
tos açam b arcam a total in o cên cia d o Servo; n e m n o c o m p o rta m e n to e x te rio r
n e m na p e sso a in te rio r, n e m em o b ras n em , ta m p o u c o , em p alavra, p o d e ría
um a acu sação ser ju sta m e n te ap o n tad a. O s p ecad o s de fala são am p la m e n te
c o m e n ta d o s n a B íblia.1 F oi a língua p ecam in o sa q u e rev elo u a Isaías sua p ró p ria
cu lpa e a d e seu p o v o (6.5; cf. 3.8), e n tã o n ã o é de a d m ira r q u e ele v o lte a esse
p o n to a fim d e e n fa tiz a r a p erfeição d o Servo. S u cin tam en te, c o n c o rd a -se q ue
ele tem a m ajestad e m o ral essencial p ara um v e rd a d e iro s u b stitu to d o s p ecad o -
res (veja c o m e n tá rio so b re v. 7).

O Servo triunfante: a exaltação p o r m eio do ato de carregar o p ecado (53.10-12)


F,ssa ú ltim a e stro fe é c o m o um re se rv a tó rio n o qual fluem to d a s as p rin -
cipais linhas d e p e n sa m e n to desenvolvidas ao lo n g o d o p o e m a , m as suas p rin -
cipais ligações são co m a p rim eira (52.13-15) e a terceira (53.4-6) estro fes. O s
tem as de “ su c e sso ” e “ ex altação ” de 52.13,15 ressu rg em e n q u a n to o S ervo
“ p ro lo n g a rá seus d ias” (10c), e a v o n ta d e d o S e n h o r “ p ro sp e ra rá ” p o r inter-
m éd io de sua ação (lO d); e n c o n tra realização pessoal (1 Ib ); e p eg a os d e sp o jo s
(12ab). O te m a de “ m u ito s” (52.14,15) é re p e tid o três vezes n o s v ersícu lo s 11
e 12 (a m esm a palavra é trad u zid a p o r grandes n o v. 12a). T u d o isso, ju n to co m
0 p a d rã o a-b -b -a explicado n o e sb o ç o acim a, tra n sfo rm a m esses ú ltim o s ver-
sículos u m v erd ad eiro inclusio |criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o
início e n o final d e u m a seção]. E m relação à terceira e stro fe (4-6), ela divide
u m v o cab u lário a b u n d a n te c o m os versículos 10-12. O s te rm o s enfermidades (4a;
cf. sofrimento n o v. 3b) e sofrer (10a) p e rte n c e m ao m e sm o g ru p o d e palavra; o
carre g ar das nossas e n fe rm id a d es (4) foi u m a visita divina (10). O so frim e n to
d o S erv o é ex p resso , palavra p o r palavra, n o s versícu lo s 4-6: castigado, atingí-
do, afligido, transpassado, esmagado, castigjado¡, foridjoj. T u d o isso am plia o te rm o
“ d esfig u rad a” d o versículo 14 c é finalm ente re su m id o na frase sofrimento de sua

1 D o com eço ao fim da Bíblia, é ordenado o cuidado com a fala (Pv 22.21; Mt 5.37); a men-
tira é proibida (Lv 19.11; Cl 3.9); e a língua é descrita com o um perigo (|ó 5.21; T g 3.6) e
tam bém com o uma bênção (Pv 12.24; lP e 3.10). A fala é um indicador do coração (Mt
15.18); um sinal de inconstância (Tg 3.9ss.); um fator no dia do julgamento (Mt 12.36s.);
e pode ser a marca da perfeição (Tg ■3.2).
585 ISAÍAS 5 2 . 1 3 5 3 . 12 ‫־‬

alma — o s o frim e n to p e n e tra n d o n o m ais ín tim o d e seu ser ( l i a ) . O tem a de


sacrificio d o s versículos 4-6 (surgindo d o “ asp erg irá” d o v. 15), ex p resso s c o m o
o carre g ar o p e c a d o (4), su b stitu ição penal (5), paz c o m D e u s (5) e m ed iação
(6), é re p e tid o n o s versículos 10-12. O s do is v erb o s d o v ersícu lo 4 ab são usa-
d o s m ais urna vez na o rd e m reversa ( lld ,1 2 d ) . A su b stitu ição p en al é expressa
c o m o a o fe rta pela cu lp a (10b), e a satisfação p elo p ecad o , c o n fo rm e exigida
p o r D e u s, feita p elo seu S ervo (paz e o “ so b re si lev[arj” o s p ecad o s; v v 5,6) é
afirm a d a n o v ersículo 10 (a v o n ta d e /p ra z e r d o S en h o r) e n a p len a re co m p en sa
d o v ersículo 12. O m e sm o v erb o conclui os versícu lo s 6 e 12. N o p rim eiro , o
S e n h o r faz d e seu S erv o o ca rre g ad o r d o p ecad o , n o ú ltim o , o S erv o in terfere
em favo r d aq u eles c u jo p ecad o ele carrega: ele, p o r c o n se g u in te , é o m e d ia d o r
e n tre D e u s e n ó s (6) e e n tre nós e D e u s (12).
As q u a tro p rim eiras linhas (10) d essa e stro fe d e tre z e lin h as são sep ara-
das p o r u m inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o
final d e um a seção] (vontade do Senhor [...] vontade do Senhoi). E las são u m relato
n a terceira p e sso a d o lugar d o S ervo n o p lan o de D e u s, e n q u a n to o S en h o r,
nas n o v e linhas restan tes (11,12), testifica so b re o meu servo, sua justiça (11) e a
re c o m p e n sa dev id a a ele p o r causa da n atu reza de sua m o rte (12). N o e n ta n to
— n ã o o b s ta n te essa d u p la divisão fu n d a m e n ta l da e stro fe — , h á u m trip lo pa-
d rã o e sc lareced o r c o n tid o nela. N a s q u a tro p rim eiras linhas (10), o S erv o faz a
v o n ta d e d o S e n h o r; nas q u a tro últim as linhas (12c-f), ele satisfaz n o ssas neces-
sidades; e nas cin co linhas in term ed iárias, ele é rev elad o em seu p ró p rio valor
in trín seco. A ligação verbal e n tre essas três seções é a “ alm a” (nepes) (ARC) do
S e rv o n o s versículos 10b, 11 a, 12c (no p rim e iro e n o ú ltim o tra d u z id o p o r vida).
0 te m a d o u trin a i d e u n ião é o e n te n d im e n to d a m o rte d o S erv o c o m o um a
oferta pela culpa (10b), u m sacrifício d e carre g ar o p e c a d o q u e rem o v e o p e c a d o e
im p u ta justiça (11-12ab) e c o m o u m a id entificação d e si m e sm o e in terp o sição
v o lu n tárias (12c-f).' A ssim , fin alm en te é re so lv id o o enig m a a p re se n ta d o pelos 1

1 Skinner reconhece que se o Servo é um indivíduo então “sua ressurreição tem de ser
aceita com o um fato literal, da mesma maneira com o sua m orte deve ser entendida de
form a literal” . Whybray tenta salvaguardar sua visão autobiográfica do Servo ao negar
que o Servo m orreu de fato: “As supostas referências ao sofrim ento vicario, m orte c
ressurreição do Servo são ilusórias” . lile observa que, em um salmo individual de ação
de graças, o princípio da inquietação é descrita em term inologia de “m orte”, e seu pas-
sarnento é visto com o libertação da m orte. N esse sentido, o Servo era considerado “ tão
bom quanto m o rto ”, “mas na verdade não se afirm a que ele m orreu”. F.le tem de admitir
que a expressão elefoi eliminado, se entendida de form a literal, deve significar m orte, mas
ele alude ao clamor: “ E stou cortado” (Lm 3.54, ARC) com o indicando que o verbo pode
ser usado para ameaça de m orte. N o entanto, W hybray leva em consideração a diferença
entre um clam or de alarme na aproximação direta da m orte e uma declaração factual de
que elefoi eliminado da ierra dos vívenles, que essa experiência foi infligida ao Servo porque
O LIV RO DO SERVO 586

versículos 13-15. O s fato s d o s versículos 1-3 (sua vida e so frim e n to ) são expli-
cad o s n o s versículos 4-6; e o s fatos d o s versículos 7-9 (sua m o rte v o lu n tária e
injusta) são explicados n o s versículos 10-12; passag em n a qual se d iz a últim a
palavra so b re o Servo.

Λ O significado e o s efeito s d a m o rte d o S erv o (10)


a1 A alm a d o S erv o (1): O p ra z e r d iv in o (10a)
Sua m o rte c o m o u m a o fe rta pela
culpa (10b)
A família d o S erv o (10c)
O S e rv o -e x e c u to r (lOcd)
B O te ste m u n h o d o S e n h o r para seu S ervo (11,12)
a2 A alm a d o S erv o (2): Sua m o rte c o m o so frim e n to
pessoal (11 a)
( ) S ervo satisfeito (11b)
A justiça su p rid a (11c)
P o r m eio de carre g ar o p e c a d o (1 ld )
T e rm in a n d o em v itó ria (12ab)
a3 A alm a d o S ervo (3): Sua m o rte c o m o v o lu n tária (12c)
A identificação v o lu n tária (12d)
O c arreg ar p esso al d o p e c a d o (12e)
A in te rp o siç ã o m e d ia d o ra (12f)

“ meu povo” tinha com etido o crime capital da rebelião, e que a experiência foi seguida
pelo sepultam ento. O vocabulário de expiação usado p o r Isaías para o Servo, cm essência,
é um vocabulário de m orte. C om o vamos entender que o Senhor fez cair sobre ele a ini-
quidade de todos nós salvo se ele pagou o preço do pecado ao entregar sua vida? Dizer,
conform e o faz Whybray, que a frase “levará a iniquidade” (‫¡י‬nasa ’ ‘ãwôn) não ocorre no
poem a é um esquivar-se indigno, pois as expressões equivalentes “ fez cair sobre ele a
iniquidade” (isãbal ‘ãwôn ) e “levou o pecado” (Ίnãsã ’ hêt") ocorrem ali. D izer que, nem
m esm o se a expressão nãsã* ‘ãwôn ocorresse, ela podia não se referir a “punição e sofri-
m ento vicarios” é ignorar o uso de Vnãsã’ em K m 18.1,2 e de ‫י‬isàbal cm Lm 5.7. Cheyne
estava correto em entender o versículo 11 com o “uma asserção enfática da expiação vicá-
ria com o o fundam ento de sua justa realização da obra” . C) vocabulário e o ritual do Dia
da F.xpiação (I.v 16), claramente, estão p o r trás do pensam ento de Isaías no capítulo 53.
Se ele quisesse usar toda essa imagem de carregar o pecado, voltando uma vez após a
outra às palavras que apenas podem lembrá-la e, ao m esm o tem po, não pretendesse que
entendéssem os que o Servo m orreu com o os animais na m orte ritual, ele teria de dizer
isso de fato com muita clareza. Λ m esma consideração se aplica à imagem da oferta pela
culpa do versículo 10, pois, cm todos os aspectos da oferta pela culpa (I.v 5.14— 6.7), a
m orte c exigida, e não há provisão concessionária de uma oferta sem sangue (com o cm
Lv 5.11-13).
587 ISAÍAS 5 2 . 1 3 - 5 3 . 1 2

A seção a2 é ligada à a 1 pelo p e n sa m e n to d e q u e o S ervo p ro sp e ra rá


(l()d ,l la ); a3 é ligada à a2 c o m o u m a explicação anex ada ao fato (12bc).

A m o rte d o S ervo c o m o u m a o fe rta pela c u lp a (53.10)


A p rim eira e a q u a rta linhas são um inclusio |criar u m a e stru tu ra ao p ô r
m aterial sim ilar n o início e n o final de um a seção]: o S e n h o r realiza sua v o n tad e
so b re seu S ervo, e o S ervo to m a para si a ex ecu ção d a v o n ta d e d o S enhor. As
linhas d o m eio são um a sen ten ça condicional: “ se e q u a n d o [...] e n tã o ” . N o ver-
sículo 6, foi revelado q u e o S e n h o r fez n o ssa in iq u id ad e cair so b re seu Servo;
esse v ersículo revela que ele n ão fez isso p o r algum a c o m p u lsã o e x tern a, m as
p o rq u e quis m u ito e ele se deleitou ao fazer isso. A ex p ressão 0 Senhor é o sujeito
enfático. A frase foi da vontade do Senhor é “ foi o S e n h o r que q u is /s e delicio u ”
(fhãpês significa “ desejar, q u erer, desejo, se r a g ra d a d o p o r ” ; cf. o su b stan tiv o
hêpes em lOd). D a m esm a m aneira c o m o C iro “ realizjou] tu d o o q u e m e |ao
S en hor] ag ra d a ” na restau ração d e Je ru sa lé m (44.28), ta m b é m o co ração de
D e u s é revelado em seu deleite, m e sm o a esse cu sto , ao e n c o n tra r e p ro v e r um a
o fe rta pela c u lp a .1 O te rm o esmagá-lo é c o m o n o versículo 5. O h eb ra ic o na frase
efa^ê-lo sofrer n ão tem co n ju n ção , e a ex p ressão idio m ática sugere “ q u is/a g ra -
d o u -se em en fraq u ecê-lo e sm a g a n d o -o ” .2 (3 v e rb o (ihãla) ap arece c o m o um
su b sta n tiv o n o versículo 3 (“ s o frim e n to ”) c n o versículo 4 (“ e n fe rm id a d e s”). A
“ d o ença[...]” é so frim e n to pessoal e n q u a n to su p o rta d a pelo so fre d o r em to d a
sua d o r e fraqueza. (3 objetivo, a im p o sição divina de esm ag ar foi s u p o rta d a de
fo rm a subjetiva.
N a frase embora 0 Senhor tenha Jeito da vida dele uma oferta pela culpa é u m acrés-
cim o in te rp re ta tiv o que p o d e o u n ão ser corrigido. C3 te rm o embora Çim) p o d e
se r tra d u z id o p o r “ q u a n d o /s e m p re q u e ” , e as am b ig uidad es q u e cercam a pa-
lavra fa^ê-lo serão m e n cio n ad as abaixo. A fu n ç ã o d a oferta pela culpa era de repa-
ração o u co m p en sação . W enham o b se rv a q u e ela é aplicada às o fen sas c o n tra
as coisas santas d o S e n h o r e às o fen sas c o n tra o p ró x im o , q u e a o fe rta pela
culpa “ ch am a ate n ç ã o para o fato de q u e o p e c a d o tem ta n to um a d im en são

1 Veja em especial SI 40.6-8<7-9>, passagem em que Davi teve um sinal de libertação (vv
1,2) e está confuso para encontrar um meio adequado de dar ação de graças. As formas
autorizadas falharam cm ser compatíveis com o prazer divino (lõ’ hapastii: v. 6 < 7 > ), mas
o cam inho para a obediência consagrada está à mão (v. 8<9>). Km Isaías 53, o Servo for-
nece a perfeita expressão dessa obediência (cf. 50.4-9) e a expressão lô ‘ hãpastã de Salmos
40 pode se tornar a form a yhwh hãpês (“ao Senhor agradou”, [ARA]) do versículo 10. Por
interm édio desse versículo em Isaías, Salmos 40 continua para atingir seu surpreendente
ponto culm inante em Hebrcus 10.5-18.
2 O verbo é ■ihãlâ (“estar doente”), mas a raiz é encontrada na form a hala’, com o é frequen-
tc cm verbos l-b (cf. 2Cr 16.12). Ksse últim o Aleph pode facilmente se afastar com o em
heh'ti para heh'fí' (2Rs 13.6; 6Á'G 74k). Assim, aqui tem os heh'íi para h e k lV .
O LIVRO DO SERVO 588

social q u a n to esp iritu al” e q u e o te ste m u n h o característico d a o fe rta pela culpa


é a satisfação p e lo p e c a d o o u o fe n sa c o m e tid o .1 P o r essa razão, n o p re se n te
versículo, a m o rte d o S ervo re p re se n ta ta n to a necessária satisfação d o p e c a d o r
d ian te de D e u s q u a n to as “ necessidades”/ exigencias d e D e u s em relação a sua
lei d e so b e d e c id a e a sua santidade o fen d id a. E m b o ra essa v erd ad e cen tral esteja
clara, a m an eira c o m o Isaías a expressa levanta duas q u estõ es. P rim eiro , assim
c o m o as palavras oferenda pela culpa Çasãm), duas o u tra s palavras aqui derivam
d ire ta m e n te d o v o cabulário da o fe rta pela culpa em Levítico. E m L ev ítico 5.17,
a o fe rta a p re se n ta d a p o r apenas um indivíduo é d escrita c o m o “ alg u ém ” / “ pes-
so a ” (nepes, “ alm a” [ARC]; trad u zid a p o r vida n o v. 10), e a o casião é in tro d u -
zida pela c o n ju n ç ã o Um (embora n o v. 10), co n ju n ç ã o essa q u a n d o é u sad a para
te m p o significa “ se e q u a n d o ” e c o b re situações em q u e o ev e n to n ã o está em
d ú vida, m as o m o m e n to é indefinido. S egundo, o v e rb o fa^ê-lo (tãsim) o u está na
terceira p esso a fem in in a d o singular o u na seg u n d a p e sso a m ascu lin a d o singu-
lar. Se fo r a p rim eira op ção , e n tã o o sujeito é vida dele/ “ alm a” (A RC) (su b stan -
tivo fem inino): “ q u a n d o a sua alm a fizer um a o fe rta p elo p e c a d o ” (TB). Se fo r a
seg un da o p ção , e n tã o o “ v o cê” (veja n o ta d e ro d a p é d a N V I) p o d e se refe rir ao
S e n h o r c o m o o a g en te (cf. v. 6) na m o rte d o S erv o (co m o na N V I) o u p o d e ría
se referir ao in d iv íd u o q u e se ap ro p ria da m o rte d o S erv o c o m o a satisfação
necessária p ara fazer rep aração p ara D eu s p elo p e c a d o co m etid o . U m a vez que
o v e rb o (islrri) n ã o é u sad o em o u tra passagem em co n e x ã o co m o s sacrifícios,
ele n ão o ferece in d icad o res p ara a so lu ção d essas am big u id ad es. E possível
que Isaías achasse o v e rb o c o stu m e iro “ tra z e r” (hiphild e ib ô K, cf. L v 5.18) ina-
ceitável q u a n d o o S e n h o r n ã o “ te n h a feito ” o sacrifício, p o is o sacrifício está
se n d o feito p ara ele. (E le está p ro v e n d o , m as n ã o fazendo.) O S erv o n ã o está
“ tra z e n d o ” o sacrifício, pois ele é o sacrifício. N ã o esta m o s “ tra z e n d o ” o sacri-
fício, m as v in d o para aquilo q u e foi feito em n o sso favor. Será q u e foi p o r essa
razão q u e Isaías e n c o n tro u um a palavra d iferen te e, e sta n d o p le n a m e n te cien te
das am b ig u id ad es in eren tes n o q u e está d izen d o , ficou assim m e sm o feliz em
deixar o te x to assim ? E sse p o d e ría p a recer ser o caso:
a. A prin cip al ideia d o versículo 10 é o q u e o S e n h o r faz p a ra seu S ervo
(10a). Isso lo g o levaria ao “ q u a n d o /e m b o r a o S e n h o r te n h a fe ito ” . A “ alm a”
(ARC) era o e le m e n to essencial em um sacrifício, a p ró p ria vida e n tre g u e n a
m o rte (Lv 17.11). A ssim , o S en h o r, o único q u e sabe q u e rep a ra çã o p ara o
p ecad o (em direção a D e u s e em d ireção ao h o m e m ) é exigida, delicia-se em
seu S erv o c o m o aquele q u e satisfaz p le n a m e n te a necessid ad e. O v e rb o isim foi
u sad o em 49.2 para a p assag em em q u e o S e n h o r p re p a ra seu S erv o p a ra sua
o b ra; ag o ra é u sa d o n a co n c lu sã o da ob ra. (Cf. N m 21.9, p assag em em q u e o
m e sm o v e rb o é u sad o para M oisés “ co lo c[an d o ]” a se rp e n te n o p o ste.

G. J. \Xcnham, Ijeviticus (Eerdm ans, 1979), p. 104-112.


589 ISAÍAS 5 2 .13 -5 3 .12

b. T ra d u z ir o “ v o c ê ” referin d o -se ao p e c a d o r individual que p recisa fazer o


sacrifício d e rep aração pelo p e c a d o to rn a ria esse d ito o ú n ico v erb o n a seg u n d a
p e sso a d o singular em to d o o p o em a. N ã o h á n e n h u m a rg u m e n to c o n tra isso;
essa b e m p o d e ría ser a intenção. D iz e r q u e q u a n d o o s indiv íd u o s se a p ro p ria m
d o s b en efício s d a m o rte d o Servo, este vê q u e sua pro le/ “ se m e n te ” (TB) é ver-
d ad e p ara a E sc ritu ra e para a experiência. Se essa é a in te rp re ta ç ã o c o rre ta , ela
en fatiza a c o n tín u a d isp o n ib ilid ad e para o in d iv íd u o d o sacrifício u m a vez feito
e a re u n iã o d a fam ília d o S ervo co m ele, u m a u m , em d e p e n d ê n c ia pessoal.
c. A tra d u ç ã o “ q u a n d o a sua alm a se p u se r” en fatiza a d isp o sição d o S ervo
em c o m p ro m e te r seu p ró p rio ser co m a tarefa da rep a ra çã o p ara o pecado.
Podia b e m se r q u e Isaías quisesse d ar essa n o ta b e m p o r m eio d o s versícu-
los 10-12, se g u in d o a ênfase nela n o s versículos 7-9. O c o m p ro m is s o p ra z e ro so
d o S e n h o r co m sua v o n ta d e (10a) é, assim , com patív el co m o en v o lv im en to
“ sin c e ro ” d o S erv o n o que o S e n h o r exigiu dele. E m 50.7, ele “ p[ôs] o r o s to ”
(ARC) (/sim) na d u ra tarefa da obediência; aqui ele p ô s “ sua alm a” n a co n clu são
d a tarefa. E ssa in te rp re ta çã o faz o elo m áx im o co m L evítico 5.17, p assag em na
qual a “ p e sso a ” (“ alm a”) traz a o fe rta , m as na v erdad e cad a in terp retação , p o r
sua vez, tem um co lo rid o real de adequabilidade, e u m a vez q ue Isaías deixa
assim , ta m b é m d ev em o s deixar.
O s q ue se to rn a ra m beneficiários d o S ervo p o r in te rm é d io d a o fe rta d e re-
p a ra ç ã o se to rn a m seus filhos {suaprole/ “ se m e n te ” [TB]). E m 49.21, Sião per-
g u n to u : “ Q u e m m e g e ro u estes filhos?” A qui está a re sp o sta (cf. 54.1-3,13ss.).
N ã o im p o rta q u e in te rp re ta çã o d o versículo 10b esteja c o rre ta , esse resu ltad o
a b e n ç o a d o co n tin u a o m esm o: d e sv ia m o -n o s c o m o o v elh as (6), re to rn a m o s
c o m o filhos. A c o n ju n ç ã o “ e ” antes d a ex p ressão prolongará seus dias devia ser
o m itid a. E ssa ex p ressão o u sem elh an tes o c o rre m 21 vezes n o A n tig o T esta-
m e n to (p o r exem plo, D t 5 .3 ()< 33> ; cf. a frase sim ilar “ m u ito s an o s na te rra ”
q u e o c o rre n o v e vezes, p o r exem plo, D t 30.20). A ex p ressão sem p re é usada
(co m a possível exceção d e SI 23.6) c o m referên cia à p ro lo n g a ç ã o d a vida ter-
rena. Seu u so aqui, referin d o -se àquele q u e m o rre u , é sem paralelo. B lo ch er se
p e rg u n ta p o r q u e Isaías n ão usa um v o c ab u lário d e “ lev an tar d a m o rte ” . Ele
d e d u z a p o ssib ilid ad e de que Isaías n ã o queria p a re c e r rem em o rativ o d o “ m o r-
rc r” e d o “ lev an tar” d o deus T am u z (pois Isaías estava de fo rm a m u ito su b lim e
seg u ro d e sua p o sição p ro fética para ser in flu en ciad o p o r tal co n sid eração ) e ar-
g u m e n ta q u e o in teresse d o p ro fe ta está no contraste das duas condições — a m o rte
v e rg o n h o sa e a v itória e sp le n d o ro sa , e n ão na passagem de um a c o n d iç ã o para
a o u tra .1 O c o n tra ste aqui co m eça n o re c o n h e c im e n to de que u m a vida term i-
n ad a na te rra c o n tin u a em realidade e efetividade. Isso n ão é um a m eia-v id a no
S heol, m as a a u to rid a d e a b so lu ta executiva c o m o a vontade/ “ a g ra d o u ” (ARC)

Blochcr, Songs of the Servant, p. 65-66.


O LIV RO DO SERVO 590

do Senhorprosperará/ “ v icejará” em sua mão, o u seja, p o r m eio d e sua in terferên cia


pessoal. A vontade/ “ b o m p ra z e r” (ARC) d o S e n h o r (lOad) é sua d e te rm in a ç ã o /
deleite q u e seu S erv o c u m p ra o p ap el d e o fe rta pela culpa. A o fe rta p ela culpa
é feita; o q u e resta ag o ra é a reu n ião da fam ília (to d o s aqueles p o r q u e m a re-
p aração foi feita) e o S erv o vive, revestido de au to rid ad e, p ara v er q u e isso seja
feito. O A n tig o T e sta m e n to testifica u n ifo rm e m e n te q u e o m o rto está vivo e,
nesse sen tid o , n ã o c d e su rp re e n d e r e n c o n tra r o S erv o vivo a p ó s a m o rte . M as
são ditas coisas so b re ele ap ó s a m o rte q u e o sep aram d e to d o s os o u tro s. Jacó,
p o r exem plo, “ v[ê] [...] os seus filhos” (29.23) c o m o o S erv o “ v[ê] sua p ro le ”
(10c), m as Ja c ó vê seus filhos c o m o um m e ro o b se rv a d o r à m a rg e m d a história.
E sse n ã o é o caso d o Servo! E le q u e foi esm ag ad o so b a v o n ta d e d o S e n h o r
vive c o m o o e x e c u to r d essa v o n tad e. E m 14.9-17, Isaías re tra to u a realeza da
te rra n o S heol, a g a rra n d o -se a sua n o b re z a agora sem sen tid o , n a v erd ad e, frá-
gil, c o m o to d o o resto , e c o m suas p re te n sõ e s na vida ex p o sta s c o m o d efeito s
deploráveis. A m o rte o s d e stro n o u . N o e n ta n to , a m o rte , n o caso d o S ervo, o
c o n d u z à dig n id ad e e ao p o d e r so b eran o s, a d m in istra n d o co m sua p ró p ria m ão
os p ro p ó sito s salvíficos d o S e n h o r e, c o m o v ito rio so , p e g a n d o os d e sp o jo s (v.
12, veja abaixo). “ N ã o h á d ú v id a ” , diz W esterm an n , “ q u e o ato d e D e u s de
re sta u ra r o Servo, a exaltação d o Ú ltim o, é u m a to feito so b re ele a p ó s a m o rte
e d o o u tro lado d a se p u ltu ra ” .1

A m o rte d o S ervo c o m o so frim e n to pessoal (5 3 .1 1 -12b)


C o n tin u a a ên fase n o fato e n o se n tid o da m o rte d o S erv o ( l i d ) , m as o
fo co cai m ais n o p ró p rio S ervo, seu so frim e n to (11a), sua satisfação re su lta n te
dele (11b), seu c o n h e c im e n to e justiça d ian te de D e u s (11c) e a c o n se q u e n -
te re c o m p e n sa d iv in am en te co n ced id a p o r sua m o rte de carre g ar o p e c a d o
(1 ld ,1 2 a b ).
11 O ad v érb io depois {min) p o d e ser tra d u z id o p o r te m p o ra ria m e n te (cf.
SI 73.20), m as a e x p re ssã o “ p o r causa d e ” (veja v. 5) é m ais ad eq u ad a nesse
c o n te x to to tal, cm q u e a m o rte d o S ervo n u n ca é um ev e n to vazio, m as sem p re
um a to p ro p o sital. A palavra sofrimento (fãmãt) é o tra b a lh o “ fa tig a n te ” d o s seres
h u m a n o s na te rra (E c 1.3; 2.10). Isso n ão significa “ d o r ” p u ra e sim ples, m as o
rig o r e a disciplina d e fazer algo co m e sm e ro (10.1; 59.4). O T M traz (lit.) “ ele
verá, ele ficará sa tisfeito ” , o que, d e a c o rd o co m a ex p ressão id io m ática d e d ois
v erb o s sem ligação u m c o m o o u tro , significa “ ele ficará v isu alm en te sa tisfeito ”
o u “ satisfeito co m o q u e ele vê” . O resu ltad o de sua m o rte — o d eleite d o Se-
n h o r (10a), a fam ília g erad a d essa m aneira (10c), a a u to rid a d e c o n c e d id a a ele
(lOd) — q u a n d o se to rn a um a q u e stã o d e ex periên cia p esso al (“v e r” significa

W esterm ann, p. 267.


591 ISAÍAS 5 2 . I 3 - 5 3 . I 2

“ e x p e rim e n ta r” ; cf. SI 16.10), traz realização a ele.1 D u as o u tras características


d o S erv o são m e n c io n a d a s agora: o conhecimento e a justiça. Se ele n ã o so u b esse
ex a ta m e n te o q u e era necessário e n ã o so u b e sse c o m o fazer isso, n ad a teria
sid o alcançado. Se ele n ã o fosse to ta lm e n te justo d ia n te d o S en h o r, n ã o p o d ería
ser o s u b stitu to p a ra os o u tro s; o co rd e iro tem de se r p e rfe ito (E x 12.5). O
p re se n te p o e m a c o m e ç o u c o m e n ta n d o q u e o S erv o a tu o u co m a sab ed o ria
q ue sabe c o m o alcançar o resu ltad o d esejad o (“ agirá co m sa b e d o ria ” , 52.13).
A palavra aqui ip 'd a tb ) p o d ia ser trad u zid a p o r “ ao c o n h e c ê -lo ” , in d ican d o
q u e é q u a n d o as p esso as vêm a co n h e c ê -lo q u e e n tra m n o g o z o d o s b en efício s
que ele c o n q u isto u p ara elas. M as é m ais a d e q u a d o para essa seção d a estro fe
m a n te r o fo co n o p ró p rio S ervo e ver aqui o conhecimento q u e só ele p o ssu i (e
p recisam o s ter) c o n c e rn e n te ao que D e u s exige em relação ao p e c a d o e o que
fazer a re sp e ito disso.2 A ex p ressão meu servo justo é m ais e x a ta m e n te “ o justo,
m eu s e rv o ” (cf. a RSV). G ra m a tic a lm en te , o te rm o justo é u m adjetivo apo sitiv o
(cf. 10.30; 23.12; 28.21; SI 93.4). P o r c o n se g u in te , a ênfase p o sta n o se rv o justo
c delib erad a. P rim eiro , ela p re p a ra para a referên cia, n o v ersículo 11, a sua o b ra
de c a rre g ar o p e c a d o ao salientar sua a p tid ã o m oral para a tarefa. S eg u n d o e
im ed ia ta m e n te , so m o s in fo rm a d o s que sua justiça é algo q ue ele este n d e aos
o u tro s: ele justificará a muitos/ “ fo rn e c e rá justiça a m u ito s” . A c o n stru ç ã o é úni-
ca n o A n tig o T estam en to . O v e rb o n o hiphil (causativo) de isadeq (“ ser ju sto ”)
ê “ fazer se r ju sto ” e, em geral, é seguido d e um o b je to d ire to (D t 25.1; 2Sm
15.4). Só aqui ele é seguido p o r um o b je to in d ire to g o v e rn a d o p ela p re p o siç ã o
/, daí “ tra z e r justiça p a ra ” , “ p ro v e r justiça ρα™” .3 É n ecessário se c o m e n ta r o
co n ceito -ch av e d e “ a m u ito s” . É um g ru p o preciso, n u m e ro so , m as n ã o ab ran -
ge to d o s. E sse s são o b je to s específicos da atividade salvífica d o Servo. E m um
c o n te x to em q u e a retid ão pessoal d o S erv o receb e essa ênfase, a frase “ justifi­

1 A l.X X inclui o pensam ento de o Senhor m ostrará a “luz” do Servo, c muitos estudio-
sos acham útil inserir isto no TM: “ele, depois de ressuscitar do trabalho árduo de sua
alma, verá a luz, ficará sadsfeito” . () fato de Q a trazer “vê a luz” tende a ser aceito com o
a confirm ação de que esse deve ser o texto hebraico correto, daí, a tradução da N VI. A
introdução é inofensiva, mas não acrescenta nada que não seja sugerido pelo TM com o
ele perm anece. A expressão “verá a luz” acontece em Jó 33.28; 37.21; Salmos 36.9<10>;
Is 9.2<1>. O utra m udança sugerida para o texto hebraico é alterar o term o '¡rá'á (“ver”)
para ·iràwà (“ saturar”), por essa razão, Clines (/, He, Weand They) traz “depois de ele ter be-
bido fundo da aflição” , e G. R. Driver (“ Linguistic [...] problem s”) diz: “ Lie será banhado
em luz” . N o entanto, o texto, com o perm anece, é idiomático, tem estilo e é mais emotivo
do que as alternativas sugeridas.
2 D. W. T hom as (Words and Meanings [CUP, 1968], ρ. 13) argum enta que aqui o term o ·iyada‘
é o verbo “ser hum ilhado” . Isso nos daria “e m /p o r meio de sua humilhação” , que c um
pensam ento aceitável.
‫ ג‬Para esse uso de / com o expressando a direção da ação verbal ou o recipiente déla veja
6.10 (“sejam curados”); 14.3 (“der descanso”); G n 45.7 (“ salvar-lhes a vida”).
O LIV RO DO SERVO 592

cará a m u ito s” só p o d e significar q u e há aqueles (“ a m u ito s”) q u e ele v este em


sua retidão, c o m p a rtilh a n d o co m eles sua p ró p ria aceitabilidade p e rfe ita d iante
d e D eus. E m 51.1, o re m a n e sc en te foi caracterizad o c o m o “ b u scafn d o j a reti-
d ã o ” ; o S ervo é o fim d a b u sca deles. A passagem 51.5 a n u n c io u q u e “ m in h a
retidão lo go v irá” e aqui estã o as p ro fu n d e z a s secretas d essa p ro m e ssa . Q u e m
sabería sem revelação q u e o S e n h o r d isponibilizaria u m a retid ão d e D e u s, um a
retid ão so b re a qual ele já tin h a p o s to o selo d e sua a p ro v ação ao dizer: “ M eu
serv o ju sto ” ? A c o n ju n ç ã o e n a ex p ressão e levará deve ser e n te n d id a c o m o ex-
plicativa: “ p o is” o u “ veja” , o u seja, a p ro v isão de retid ão su rg e d o a to de levar
o p ecado. E ssa n ã o é u m a ideia nova. O p ro p ó s ito d a o fe rta q u e im a d a (Lv
1.3), p o r exem plo, era q u e o o fe rta n te “ seja aceito ” (cf. L v 19.5; 22.19-21,29;
23.11). E m o u tra s palavras, o asp ecto m ais negativ o d o s sacrifícios, o carreg ar
e a re m o ç ã o d o p ecad o , era a c o m p a n h a d o de um asp e c to p o sitiv o , a co n fo r-
m id ade de u m a p o siç ã o aceita d ian te de D eu s. E sse a sp e c to ta m b é m é trazid o
à p erfeição na su b stitu iç ã o p erfeita d o Servo, o p e rfe ito levar d o p ecad o , traz
um a retid ão p e rfe ita d ia n te de D eus. E le (TB) é u m p ro n o m e en fático : “ ele”
( T B ) / “ é ele” (C N B B ). O v e rb o levará é “ p ô r so b re o o m b r o ” (veja v. 4b). S o b re
iniquidades veja o versículo 5b.
Isaías 53.11 é u m a das d eclarações m ais co m p letas d a teo lo g ia d a expia-
ção já escritas, (i) O S erv o c o n h e c e a n ecessid ad e a ser satisfeita e o q u e deve
ser feito, (ii) E le, c o m o “ m eu serv o ju sto ” , é ta n to to ta lm e n te aceitável p ara o
D eu s q u e n o sso s p ecad o s o fe n d e ra m q u a n to foi d esig n ad o p o r ele para sua ta-
refa. (iii) E le, c o m o justo, está livre d e to d o co n tág io d o n o sso p ecad o , (iv) Pile
se id en tifico u p e sso a lm e n te co m n o sso p e c a d o e n ecessid ad e, (v) O p ro n o m e
e n fático “ ele” ressalta seu c o m p ro m isso pessoal n esse papel, (vi) E le realiza
c o m p le ta m e n te a tarefa. N eg ativ am en te, n o levar da iniqu id ad e; p o sitiv am en te,
na p ro v isã o da retidão.
1 2 a b C o m certeza, n in g u é m p o d e lidar co m esse p o e m a e x tra o rd in á rio e
n ã o c h eg ar à tra d u ç ã o tradicional desse versículo co m um se n tid o de antielí-
max! Q u a n d o tu d o v e m p ara to d o s, será q u e ele n ão é d ig n o d e m ais q u e sua
p o rç ã o ju n to c o m o s g ra n d e s e de dividir seus d e sp o jo s co m os fo rtes? U m a
trad u ção d ife re n te e, n o to d o , m ais adeq u ad a é óbv ia, se n d o ex am in ad a p o r
vários c o m e n ta rista s (N o rth , M u ilen b u rg , R idderbo s). A tra d u ç ã o preferív el é:
“A locare! p a ra ele os m uitos, e os fo rtes ele alocará c o m o d e sp o jo s” . O u um a
trad u ção u m p o u q u in h o m ais livre: “A q u in h o arei os m u ito s a ele, e o s fo rtes
ele a q u in h o a rá c o m o d e sp o jo s” . S o b re “ a p artilh a [...] d o s m u ito s” Çahalleq ...
harabtíim) veja a fo rm a ç ã o idêntica em J ó 39.17. N o s dois casos, a e x p ressão
idio m ática beth essentiae é exem plificada: “ Isso p o rq u e D e u s n ã o lhe d e u sab ed o -
ria n e m parcela algum a de b o m se n so ” (jó 39.17); e aqui: “ P o r isso eu lhe darei
u m a p o rç ã o e n tre os g ra n d e s” . A frase com os fortes Çej '0síimtmm) é possível, m as
593 ISAÍAS 52 .13-5 3.12

é m e lh o r tra ta r o te rm o ’ej c o m o in d ic a n d o u m o b je to direto , pois, e m geral na


B íblia, “ p artilh ar, dividir” g o v ern a um o b je to d ire to .1 A s duas c o n stru ç õ e s (beth
essentiae e a p artícu la “ acusativa”) teriam fo rça exclam ativa, ch a m a n d o aten ção
para essa coisa s u rp re e n d e n te de o S ervo re c e b e r c o m o seu to d o s aqueles (“ d e
m u ito s”) p o r q u e m m o rre u para salvar e q u e ele é d e fato o Rei de to d o s os reís.
O te rm o grandes (rabbim) significa b asic a m e n te “ m u ito s” , m as p o d e significar
“g ra n d e s” ; o s fortes (‘“sümmim) significa b a sic a m e n te “ fo rte ” , m as p o d e signifi-
car “ m u ito s” . T u d o d e p e n d e d o co n tex to . N o p re se n te caso, n ã o há d ú v id a que
d ev em o s tra d u z ir p o r “ de m u ito s [...] [ARC] o s fo rte s ” . As referen cias iniciais
a “ de m u ito s” (ARC) e “ reis” (52.14,15) faziam p a rte d o en ig m a da p rim eira
estro fe. E les são explicados agora: “ de m u ito s” (ARC) são o to d o d o g ru p o d o s
red im id o s; os “ reis” ficam em silêncio p o rq u e estã o n a p re se n ç a d o m ais fo rte
q u e os fo rtes, eles são d e sp o jo s a sua disposição. D ev e-se o b se rv a r q u e ele é
um a “ p o rç ã o ” d e m u ito s, m as “os fo rte s” são os p ró p rio s d e sp o jo s dele, os
fru to s d e sua vitória. O S e n h o r dá a seu S ervo to d o s aqueles q u e ele red im e (cf.
J o 6.37ss.) em sinal d e q u e a o b ra d e red en ção , à vista d e D e u s, foi c o m p letad a
co m sucesso. N o e n ta n to , a su p rem acia to tal é sua p o r d ireito d e co nquista.
N ã o lhe são “ d afd o s]” os fo rtes c o m o os c a p tu ra d o s p o r algum o u tro p o d e r e,
d ep o is, p o s to s so b seu c o m a n d o ; ele p eg a-o s p o r m eio de seu p ró p rio p o d e r
su p e rio r e d isp õ e deles de a c o rd o co m seu p ró p rio prazer.

A m o rte d o S ervo c o m o v o lu n tá ria (53.12c-f)


O c â n tic o en c e rra co m um a declaração q u á d ru p la d o fu n d a m e n to so b re o
qual o S erv o recebe “ de m u ito s” c o m o sua p o rç ã o e p o r q u e os fo rte s são seu
d espo jo . O te rm o porquanto (tahat ser) é o causativ o m ais fo rte em h eb raico e
é o ex ato equivalente de “ o fato q u e ” . A s re c o m p e n sa s n ã o são m ais q ue devi-
das pela m o rte q u e ele sofreu, (i) A m o rte foi vo lu n tária, ele derramou sua vida/
“ alm a” (ARC) até a morte. E m Salm os 141.8, um in d iv íd u o c o n fro n ta d o co m
u m p erig o m o rta l clam a: “ N ã o d esam p ares a m in h a alm a” (ARC) (N V I: “ N ã o
m e en treg u es à m o rte ”). S o b re isso, A n d e rso n c o m e n ta q u e a ex p ressão “ n ão
tire a m in h a vida” d a E X X é “ u m a in te rp re ta ç ã o razoáv el” .2 O S ervo era ta n to
o a g en te q u a n to a su b stân cia desse d e rra m a m en to . N in g u é m tira sua vida dele,
ele a en tre g a de a c o rd o co m seu p ró p rio d esejo ()o 10.18; F p 2.7 [RV]). S o b re
o sign ificado da v o lu n taried ad e na expiação veja o versículo 7. (ii) E le, p esso al-
m e n te , id en tifico u -se co m aqueles q u e veio salvar: a exp ressão fo i contado é u m
niphal d e tolerância, “ deixou-se ser c o n ta d o ” . E le estava satisfeito em so fre r
p e rd a n ã o apenas d e sua vida (12c), m as ta m b é m de seu b o m n o m e e ser co n -
sid erad o um reb eld e pelos e sp ectad o res (transgressores/ “ c rim in o so ” [N T L H ]

' Veja nota de rodapé 31 na página 581.


2 A. A. A nderson, The Psalms, N C B (Oliphants, 1972).
O LIV RO OO SERVO 594

aqui é um participio, “ aqueles cm situação de reb elião ” ; cf. v. 5a). (iii) E le agiu
c o m o um su b stitu to ao lev an tar e tirar (^/1« i ã ‫ ;־‬cf. v. 42) o verd ad eiro d elito (um
su b stan tiv o de \h ã !ã K, cf. 6.7) d e muitos, (iv) ele agiu c o m o m e d ia d o r e intercedeu.
Para o v erb o (ip ã g a ') veja o versículo 6. O se n tid o básico é “ fazer alcan çar”
e, p o r essa razão, “ fazer o p e d id o de alguém alcançar o o u v id o d e o u tre m ”
(interceder) o u “ in tro d u z ir alguém na p re se n ç a de o u tre m ” (m ediar). P o r co n -
seguinte, o S ervo é u m in te rm e d iá rio , in te rp o n d o -se e n tre as d u as p a rte s c o m o
um a p o n te , n ã o c o m o u m a b arreira. N o versículo 6, o S e n h o r p ô s seu S ervo
n o m eio, u sa n d o -o c o m o um m eio de d isp o r daquilo (n ossa iniq u id ad e) q u e o
alienou d e nós. A qui o S erv o vem v o lu n ta ria m e n te p a ra ficar c o n o sc o p ara q ue
q u a n d o carre g ar n o sso p ecad o , ele p o ssa n o s tra z e r a D eus.

b. A boa notícia para todo o mundo: a proclamação e o convite universal:


“Venham, pois tudo já está pronto” (54.1—55.13)
( )s dois p rim eiro s c â n tic o s d o S ervo são seguido s de v in h etas re fe re n tes à
c o n firm a ç ão divina da tarefa d o S ervo c das p ro m e ssa s d o su cesso d essa tarefa
(42.5-9; 49.7-13). O terceiro e o q u a rto cân tico s são segu id o s p elo co n v ite a
re sp o n d e r ao S ervo e ao q u e ele fez (50.10,11). A re sp o sta d á o to m d o s ca-
p ítu lo s 54— 55. Fala-se de m u ito s atos divinos, m as apen as os a to s h u m a n o s
c o n te m p la d o s são re sp o stas: c a n ta r (54.1), alargar a ten d a (54.2), vir p a ra o b an -
q u ete (55.1), b u sc a r o S e n h o r (55.6). A relação geral co m 52.13—-53.12 é clara.
C) Servo, em sua o b ra salvífica, faz tu d o , rem o v e o pecad o , estab elece a justiça
e cria um a fam ília. O cam in h o , p o r co n seg u in te, está a b e rto p ara a re sp o sta ,
p u ra e sim ples: c an tar so b re o q u e o u tro indivíduo realizou (54.1), d e sfru ta r um
b a n q u e te pelo qual o u tro ind iv íd u o p a g o u (55.1).
Pisses d ois capítulos ta m b é m levam à co n clu são de to d o o p a n o ra m a q ue
iniciou em 40.1, c o n fo rm e m o stra o e sb o ç o na página 387. O d e se n v o lv im e n to
da visão e x p ô s ta n to a n ecessid ad e d o m u n d o g e n tio lado a lad o c o m a d e Sião
q u a n to a vo cação d o S ervo d o S e n h o r para realizar a d u p la tarefa d e tra z e r a
v erd ad e d iv ina para o s g e n tio s e de re sta u ra r os so b rev iv en tes d e Israel. A g o ra
que o S erv o realizou sua p o d e ro sa o b ra , e n c o n tra m o s n o c a p ítu lo 54 o co n so -
lo d e Sião e, n o cap ítu lo 55, p c h am ad o universal d o e v an g elh o p ara to d o s os
se d e n to s e to d o s os ím pios. N o e n ta n to , a d istin ção e n tre os d ois c a p ítu lo s n ão
deve ser fo rçad a dem ais. Sião n ão é de fato m e n c io n a d a p elo n o m e n o cap ítu -
lo 54, e m b o ra a im ag em d a reu n ião fam iliar (1-3; c f 49.18ss.) e d a cid ad e res-
tau rad a (11,12; cf. 49.16,17) seja cen trad a em Sião. M as os tem as d o ca p ítu lo 54
re p re se n ta m as p ro m e ssa s que o ev angelho faz de fato p ara to d o s. F m o u tra s
palavras, a fo rm a d o s dois capítulos é ditada pela in te n ç ã o d e Isaías d e m o stra r
c o m o as p ro m e ssa s e p revisões an terio res são c u m p rid a s n o S ervo, m as o co n -
te ú d o d o s ca p ítu lo s declara as b ên ção s p edidas para to d o s p o r q u e m o S ervo
595 ISAÍAS 5 4 . I - 5 5 . I 3

m o rre u . P o rta n to , é c o rre to dizer, co m R ichard D o w s e tt,1que o c a p ítu lo 54 fala


d o ala rg a m e n to das tendas, e o cap ítu lo 55 in fo rm a q u e m estará ali.2

Um convite a cantar: segurança, paz e retidão (54.1-17)


T rês tem as dividem esse p oem a: fam ília (1-5), c a sa m e n to (6-10) e cidade
(11-17). A s esp ecu laçõ es a resp eito da p ré -h istó ria dessas peças caem p o r falta
d e in fo rm a ç ã o , e as su g estõ es de que te m o s aqui vestígios d e um a “ p ro m essa
d e salvação” re sp o n d e n d o ao agora p e rd id o “ la m e n to d a c o m u n id a d e ” n ão
aju d am n o sso e n te n d im e n to d o m aterial em sua p re se n te co m b in ação . N o ver-
sículo 5, a seção d e “ fam ília” conclui co m u m a referên cia ao to d o -p o d e ro s o
M arido, e isso fo rm a um a p o n te co m o s versículos 6-10 c o m seu tem a d e ren o -
v ação d o casam en to . A n o ta final de paz (10) p re p a ra para a seção final em que
a cid ad e aço itad a pela te m p e sta d e vem para a segu ran ça em retidão.

O m ilag re da fam ília (54.1-5)


D u a s palavras essenciais de 52.13— 53.12 ap arecem aqui: “ a m u ito s”
(52.14,15; 53.11,12) é agora os “ m u ito s” (mais) filhos d a m u lh e r estéril (1); e a
“ se m e n te ” (TB) (53.10, “ p ro le ”) d o S erv o é agora a “ se m e n te ” (3, descendentes)
d e Sião. E m o u tra s palavras, v em o s os resu ltad o s d a o b ra d o S erv o to m a n d o
fo rm a d ia n te d e n o sso s olhos.

1 E m u m a p re le ç ã o n ã o p u b lic a d a n a C h r is t C h u r c h , W e s tb o u rn c , In g la te rra , 1988.


2 A f o r m a lite ra ria d o s c a p ítu lo s c o n f ir m a su a u n id a d e tó p ic a . A s p a la v ras, d o c o m e ç o ao
fim , s ã o u sa d a s c m p a re s e te r c e to s ( e m b o ra isso n e m s e m p r e fiq u e e v id e n te n a N V I). P o r
e x e m p lo , “ c a n te [...] c a n to ” , “ filh o |...| filh o s” (54.1); “ ju rei [...] ju re i” (54.9); “ sa c u d id o s
[...] re m o v id a s [...] a b a la d a [...] r e m o v id a ” (5 4 .1 0 ); “ filh o s [...] c ria n ç a s ” / “ filh o s ” (A R C )
(5 4 .1 3 ); “ a ta c a r [...] lu ta re m c o n tr a ” ( N T L H ) (5 4 .1 5 ); “ c rio u [...] c r io u ” (5 4 .1 6 ); “ v e n h a m
[...] v e n h a m [...] v e n h a m , c o m p r e m [...] v e n h a m , c o m p r e m ” (55.1). A p a la v ra “ d in h e ir o ”
a p a re c e trê s v e ze s e m 5 5 .1 ,2 e o v e r b o “ o u v ir ” , trê s v e z e s c m 5 5 .2 c-3 b . O s te r m o s “ p o -
v o s ” , “ n a ç õ e s ” e o v e r b o “ c o n h e c e ” a p a re c e m d u a s v e z e s e m 54 .4 ,5 ; e m 5 5 .7 -9 , h á q u a tr o
o c o r rê n c ia s d a s p a la v ra s “ c a m in h o ” e “ p e n s a m e n to s ” ; e h á d u a s o c o r rê n c ia s d e “ n o lu g a r
d o ” e “ c re s c e rá ” e m 55.1.3. O s te r m o s “ m o n te s ” c “ c o lin a s ” sã o m e n c io n a d o s e m 54.10
e 5 5 .1 2 . O g r u p o d e p a la v ras “ c o m p a ix ã o ” o c o r r e e m 5 4 .7 ,8 ,1 0 c c m 55.7. A e x p re ss ã o
“ v e ja ” / “ eis” (A R C ) é re p e tid a e m 5 4 .1 5 ,1 6 e e m 55.4,5 . A p a la v ra ■inãtâ é tra d u z id a p o r
“ e s te n d a ” e m 5 4 .2 e p o r “ d e e m ” e m 55.3. O t e r m o “ p a z ” e m 54 .1 0 c c m 55 .1 2 o lh a e m
re tro s p e c tiv a p a r a 53 .5 e 4 8 .2 2 . “A lia n ç a ” e m 5 4 .1 0 e e m 55.3 r e m e m o r a 42 .6 e 4 9 .8 (a
v in h e ta d o p rim e iro e d o s e g u n d o c â n tic o s ). 1 lá u m inclusio |c ria r u m a e s tr u tu r a a o p ô r
m a te ria l sim ila r n o in íc io e n o final d e u m a seção ] v e rb a l n a e x p re s s ã o “ ir r o m p a e m c a n -
t o ” (5 4 .1 ; 5 5.1 2) e u m inclusio ig u a lm e n te re le v a n te n a im a g e m d a m u lh e r e stéril q u e se
to r n a u m a ju b ilo sa m ã e (54.1) e o m u n d o c o r r o m p i d o d e e s p in h e iro s c r o s e ira s b ra v a s
tr a n s f o r m a d o n o ja rd im d o S e n h o r (55.1 2 ,1 3 ).
O LIV RO DO SERVO 596

A A p rim eira o rd e m . Jú b ilo pela c o m u n id a d e reu n id a d e fo rm a


so b ren atu ral: c a n to ra estéril (la -d ); m u ito s filhos (le f)
B A seg u n d a o rd e m . E x p a n sã o d a expectativa d e crescim en to :
p re p a ra çã o (2) p ara a e x ten são (3a) e p o sse (3bc)
C A terceira o rd e m . A co n fian ça n o futuro: ausên cia d e to d o
c o n stra n g im e n to (4ab) p o rq u e o p a ssa d o está su p e ra d o (4cd); e o
fu tu ro , a sse g u ra d o p elo to d o -p o d e ro s o M arido, C ria d o r e R e d e n to r (5)

C ada c o n ju n to d e o rd e n s apoia-se em explicações {porque [ARC] n o v. 2 e


p o is n o s w . 3, 4c [ARC] e 5; o “ p o is” d o v. 4c foi o m itid o pela N V I). A im agem
é d a c o n d ição n o rm a tiv a da c o m u n id a d e d o red im id o , o p o v o d e D e u s, a igreja.
E les fo ram trazid o s à existência pelo n a sc im e n to so b re n a tu ra l (1), d e stin a d o s a
a u m e n ta r (2,3) e estão seg u ro s n o cu id ad o a m o ro so d o S e n h o r (4,5).
1 O c a n ta r sim bo liza e n tra r n a b ê n ç ã o fo rn ecid a p elo e sfo rç o d o alheio (cf.
30.29). T a m b é m aqui, a m u lh e r estéril can ta, n ão p o rq u e d eix o u d e se r estéril,
m as p o rq u e o S e n h o r agiu em seu S ervo co m o efeito d e q u e sua “ se m e n te ”
(53.11) se to rn a o s filh os/crian ças dela. A im agem d e Sara, a m u lh e r estéril que
tinh a d e d a r à luz ao filho d o m ilagre e se to rn a r a m ãe d e u m a fam ília m ais
n u m e ro sa q u e as estrelas, fo rn e c e o c o n te x to (G n 11.30; 16.1; Is 51.2). O con-
traste e n tre a m ulher abandonada e daquela que tem m arido n ã o é e n tre Sião n o exílio
e a Sião pré-exílio “ casad a” co m o S enhor. Isaías deix ou esse tip o d e pensa-
m e n to o rie n ta d o pela h istó ria para trás em 48.20-22, p o n to a p a rtir d o qual
essa característica p a rtic u la r d a h istó ria fo rn e c e os tem as, m as o c u m p rim e n to
está em o u tra p assagem . O c o n tra ste aqui é en tre aquela q u e n ã o tem ch an ce de
te r filhos (sen d o priv ada d o c u id a d o e a p o io de um m arid o ; so b re abandonada
[sômêmâ] cf. 2S m 13.20) e aquela p o sicio n ad a n a tu ra lm e n te p ara ser fértil {que
tem marido). P o r co n seg u in te, a re u n iã o de fam ília n ã o p o d e ser ex p licada natu-
raím en te c o m o um fato (ela é estéril, nunca teve um filho, nunca esteve em trabalho de
parto e foi abandonada) e é m ais d o q u e p o d e ser exp licado n a tu ra lm e n te nesse
â m b ito (ela te m m ais filhos do que os daquela que tem m arido). A igreja, o p o v o do
S en h o r, é criada p o r m eio de n a sc im e n to so b ren atu ral.
2,3 A vida em te n d a é um a im ag em d o ideal (cf. J r 2.2,3) q u a n d o o p o v o
cam inh ava co m D e u s (cf. 16.5, passagem em q u e Isaías c o n te m p la o M essias
re in a n d o na “ te n d a d e D a v i” e, cm 33.20, em q u e Je ru sa lé m é d escrita c o m o
um a “ te n d a q u e n ã o será re m o v id a ” ; a referên cia co m p aráv el em A m ó s 9.11
sugere q u e a ten d a ta m b é m p o d e se r u m tem a davídico). O s dias n o d e se rto
(p o r tu d o em q u e o p o v o falhou to d a s as vezes) fo ram id ealm en te dias d e se-
p aração para o S en h o r, c o m u n h ã o exclusiva, cam in h ad a so b seu cu id ad o e em
d e p e n d ê n c ia dele. O te rm o a la rg ue/ “ d e ix e -o s/e le s têm d e alarg ar” m o stra os
filhos de Sião ativos n a p re p a ra çã o p ara o a u m e n to d e filhos. A frase as cortinas
597 ISAÍAS 5 4 . I - 5 5 . 1 3

de sua te n d a / “ as c o rtin a s das tuas h a b ita ç õ e s” (ARC) é u m plural de am p litu -


d e su g e rin d o am plidão. C o m os te rm o s alargue e firm e é d ad a igual a te n ç ã o ao
ala rg a m e n to e à solidez. T o d o esse tra b a lh o d e p re p a ra çã o para o a u m e n to
p o d e ser e m p re e n d id o co m confiança, você se estenderá, o u seja, ele re p o u sa
em u m a p ro m e ssa divina. A palavra estenderá (Ίp ã ra s ; cf. G n 28.14, passagem
que Isaías p o d ia te r em m e n te aqui) lem b ra o m e lh o r d o p assad o patriarcal.
N o E gito , Israel e x p e rim e n to u um c re sc im e n to n o n ú m e ro d e seus filhos que
co n trariava as p ro b ab ilid ad es naturais e exigiu u m a explicação so b re n a tu ra l (Êx
1.12). A frase seus descendentes desapossarão nações é “ sua se m e n te p o ssu irá até m es-
m o n a ç õ e s” (so b re descendentes/ “ p o ste rid a d e ” (ARC) veja 53.10). As palavras
“ sua d esc e n d ê n c ia c o n q u ista rá ” o c o rre em G ên esis 22.17 (cf. G n 24.60), m as
a p en as em Ê x o d o 34.24; D e u te ro n ô m io 9.1; 11.23 e Jo su é 23.9 há referên cia
a “ con qu istfar] as cid ad es” . E m Salm os 2.8, são p ro m e tid a s ao rei dav íd ico as
n açõ es c o m o sua heran ça, e esse c o n te x to m essiân ico -d av íd ico está p resen te
n o elo e n tre cidades abandonadas aqui e a te rra deso lad a da qual nasce a “ santa
s e m e n te ” (6.13; 7.14ss.), e a d eso lação (24.1-20; cf. v. 12) aguarda a cid ad e m u n -
dial an tes d e o S e n h o r reinar g lo rio sam en te em Sião (24.23). P o r isso, Isaías,
cm b e m p o u c a s palavras, ju n ta as g ra n d e s p ro m e ssa s (A braão) c os m o m e n to s
(C anaã) d o p a ssa d o e as esp eran ças m ais lu m in o sas para o futuro.
4 ,5 N o versículo 4, o “ p o rq u e ” (ARC) an tes da frase você não sofrerá [...] não
será hum ilhada e esquecerá devia ser re in tro d u z id o . As o rd e n s n essa seção final es-
tão m u itíssim o equipadas co m g aran d as explicativas, e a N V I c o m e te u m sério
e rro ao o b sc u re c e r esse fato. O s te rm o s vergonha (\b ó s), constrangimento (ikã la m )
e hum ilhada (fihãpar) são sin ô n im o s e ap arecem ju n to s p ara excluir q u alq u er
p ossib ilidade de d e sa p o n ta m e n to o u v e rg o n h a n o futuro. D ev e-se d e sfru ta r
co n fian ça total p o rq u e o p assad o (da juventude à viuveg, o u seja, to d o o passado)
ac a b o u e se foi (4cd). T alvez esses do is p o n to s tem p o rais sejam m en cio n ad o s
p o rq u e na experiência c o m u m eles co b riríam to d a a vida adulta. T alvez seja, é
claro, u m a referên cia à escravidão egípcia (o p e río d o d a ju v en tu d e; cf. J r 2.2s.)
e à “ v iu v ez” babilônia. N ã o o b sta n te , o p o n to essencial é q u e d esd e o início da
ju v en tu d e ao lo n g o das tristezas reservadas pela vida, tu d o é incluído so b a ca-
teg oria de coisas passadas e esquecidas — o q u e os o lh o s n ão veem , o co ra ç ã o
n ã o se n te — , a lousa e a m e m ó ria estão lim pas.
5 A explicação para tu d o isso é en co n trad a n o S enhor: ele é o g ran d e inclusio
[criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final de um a seção] d o
versículo 1g para o versículo 5, sua pro m essa e tam b ém sua pessoa são a g arantia
da existência (1), d o crescim ento (2,3) e da segurança (4) de seu povo. S o b re Cria-
dor, veja 43.7; D e u te ro n ô m io 32.15; Salm os 100.3. E sse é o D eu s da redenção, da
tra n sfo rm a ç ão da obra, d o “ fazer” aqueles que não eram seu p o v o se to rn arem
seu povo. A palavra marido d en o ta um relacionam ento fo rm a d o de fo rm a deli-
O LIV RO DO SERVO 598

herada, destinado à p erpetuidade (SO.lss.).1 ( ) título Senhor (lavé) é a revelação do


êx o do do D eus que salva seu p ovo e destrói seus inim igos. S obre Senhor dos E xérci-
to s / “T o d o -P o d ero so ” (N T L H ) veja 1.9. A expressão seu nome é o q ue ele revelou
de si m esm o, o que ele é etern am en te (E x 3.15). S obre 0 Santo de Israel veja 1.4 (cf.
6.3). Sobre Redentor (go*et) veja 35.9,10; 49.7. N a natureza divina n ão há tensão en-
tre a total santidade que constitui seu ser e seu c o m p ro m isso de p roxim idade com
seu povo. E em sua santidade que ele afirm a seu parentesco. A redenção realizada
agora p o r in term éd io d o Serve) é um a redenção santa, que satisfaz de um a vez p o r
todas as exigências d a natureza divina e as necessidades da n atu reza hum ana. O
título D eus de toda a terra , n o p ad rão a-b-a-b desses títulos, faz paralelo e am plia o
título Senhor dos E xérátos. E m outras palavras, ele é to d o -p o d e ro so em relação às
realidades da vida n a terra. N ã o é um a onipotência titular n em apenas u m p o d er
celestial, m as um a verdadeira soberania so b re a terra. D aí, o m ed o (4a) co m o qual
seu p o v o enfren ta o futuro. O S enhor se c o m p ro m e te u co n o sco c o m o marido em
tod a plenitude de seu poder, ele está d o no sso lado c o m o Redentor c m to d a pleni-
tude da natureza divina (ele é o Santo). T odas as circunstâncias que n o s acontecem
estão na soberania divina d o D eus de toda a terra.

0 c a sa m e n to re c o n stru íd o : a e te rn a alian ça d e paz e a m o r (54.6-10)


E ssa seg u n d a e stro fe , c o m o os versículos 1-5, está ligada ao seu c o n te x to
p reced en te. A p assagem 50.1-3 re tra to u um re la c io n a m en to m atrim o n ial des-
feito n o qual o m arid o alienado veio e “ c h a m jo u ]” (50.2) sua e sp o sa q u e estava
errad a para q u e ela fosse restaurada. U m a vez q u e ela n ã o re sp o n d e u , p asso u
a fazer p a rte da o b ra d o S ervo “ tra z e r de v o lta” Ja c ó (49.5,6). O S erv o agora
te rm in o u sua o b ra , e a restau ração foi realizada. Plssa no v a situ ação é resu m id a
c o m o u m a aliança de p a iζ (10), q u e re m e te ao fazer a paz p o r m eio d a p u n ição
q u e caiu so b re o S erv o (53.5).2 O s fru to s d essa p u n iç ã o vicária são co n se rv a d o s
c o m o a p o sse e te rn a e g aran tid a d o p o v o d o Senhor.

1 A s p a la v ra s b õ ‘“la yik ‘õsa yik (“ o se u C r ia d o r é o se u m a r id o ”) p r o v o c a r a m q u e s tio n a m e n -


ro p o r q u e o t e r m o ' õ sa yik p a re c e u m a f o r m a p lu ral. N ã o o b s ta n te , isso se d e v e , c o m o
a q u i, a o o c a s io n a l re a p a r e c im e n to d a letra yodh o rig in a l d o t r o n c o (C A 'C 9 3 s s.; cf. “ m es-
tr e ” e m 3 0 .2 0 ). O t e r m o b õ ‘"layik é m a is difícil. A re g ra g e ral é q u e “ m a r id o ” a s s u m e a
f o r m a sin g u lar, fic a n d o o p lu ra l re s e r v a d o a o p r o p r ie tá r io d a s c o is a s e a n im a is. E m b o r a
o s e n tid o a q u i n ã o e ste ja e m q u e s tio n a m e n to , o p lu ra l p o d e s e r u m p lu ral d e m a je s ta d e
(u m a v ez q u e a re fe rê n c ia é a o S e n h o r) o u talv ez seja u s a d o p a ra c ria r u m a a sso n â n c ia .
2 O s c o m e n ta ris ta s in siste m q u e n ã o é po ssív el p ro v a r q u e o te r m o pasç aq u i te m alg u m a
c o n e x ã o c o m a p alav ra “ p a z ” c m 53.5. O q u e c o n stitu iría p ro v a d isso ? N o q u e d iz re sp e ito
ao a ssu n to , ta m b é m n ã o é po ssív el re fu ta r essa n o ção ! M as d e v e -se p e r m itir q u e o s fato s
re g istre m su a p ró p ria im p re ssão . T o d o s o s o u tr o s c â n tic o s d o S e rv o lev am a u m a v in h e ta
relev an te, e é d e e s p e ra r q u e o q u a r to c â n tic o fará o m esm o . Iss o n ã o q u e r d iz e r q u e as pas-
sa g e n s 52.13— 5 3 .1 2 e 54.1ss. se m p re p e rte n c e m u m a à o u tra n e m q u e se d e v e n e g ar-lh es
u m a p ré -h is tó ria in d e p e n d e n te a g o ra irrec u p erá v el. S im p le sm e n te o b s e rv a a ju sta p o s iç ã o
delas, e o p a p el q u e a g o ra o c a p ítu lo 54 d e s e m p e n h a e m re la çã o a o c a p ítu lo 53.
599 ISAÍAS 5 4 . I - 5 5 . I 3

A 1 O c a sa m e n to d e sfe ito re sta u ra d o (6)


B T rês certezas restabelecidas (7-9)
b1 Λ co m p aix ão c o n q u ista o a b a n d o n o (7)
b2 O a m o r supera a ira (8)
b3 ju ra m e n to d iv in o te rm in a em ira (9)
A 2 A e te rn a aliança d e a m o r e paz (10)

6 O “ p o rq u e ” (ARC) inicial (o m itid o pela N V I) liga os versículos 6-10 aos


versículos 1-5, ex p lican d o a referência ao S e n h o r c o m o m arido (5). O v erb o
chamará tra ta o v e rb o h eb raico c o m o u m p e rfe ito d e certeza. N o e n ta n to , à luz
d o c o n te x to em 50.1-3 e da ligação co m a o b ra co n clu íd a d o S erv o (cap. 53), é
m e lh o r e n te n d ê -lo c o m o u m p assad o perfeito , “ c h a m o u ” (A R C ), o u seja, p o r
m eio d o s a to s salvíficos d o S ervo a a n ü g a sep aração foi curada. A ex p ressão
como se vocêfosse é “ co m n o caso d e ” . A frase abandonada e aflita te n ta re p ro d u z ir
a asso n ân cia d o h eb ra ic o Ç az ü b â w a <as ú b a j r ü a h ), m as faz isso à cu sta d e p ô r a
culp a da “ d e se rç ã o ” n o m arido. O v erb o em q u e stã o significa ap en as “ d eix ar”
e p e rm ite q u a lq u e r cen ário m arital exigido p e lo co n tex to . O c o n te x to em 50.1-
3 a p o n ta para u m a e sp o sa ju sta m e n te a b a n d o n a d a , m as c a rre g a n d o tristeza
n o c o ra ç ã o em c o n se q u ê n c ia d o a b a n d o n o . A frase que se casou nova apenas para
ser rejeitada é u m a tra d u ç ã o n o tav elm en te livre q u e m ais u m a vez tra n sfo rm a o
m arid o em m e re c e d o r da culpa. O v erb o ag o ra é um im p e rfe ito ( k l t im m a ê s ) .
A tra d u ç ã o óbvia, “ p o rq u e ela será d e sp re z a d a ” , é in ad eq u ad a, e p o d e ser que
as p alavras sejam um a súplica indignada de “ q u e e la /e s s a d ev eria ser d esp re-
z a d a ” . A e x p re ssã o “ u m a m u lh e r da m o c id a d e ” (ARC) su g ere to d a a d ev o ção
a p aix o n ad a d e um casal jovem co m as lu m in o sas esp eran ças d o início d e sua
vida m atrim o n ial — n o fim , tu d o isso p o d e n ã o significar n ada? Jerem ias 2.1ss.
fo rn e c e m ais u m a vez o c o n te x to c o m o o faz O seias 3.1, p assag em em que o
p ro fe ta receb e a o rd e m para “ trat[ar] n o v a m e n te co m a m o r sua m u lh er [...]
c o m o o S e n h o r am a ” . O p rim e iro a m o r d o S e n h o r é o m o d e lo de seu am o r
e te rn o , um a d ev o ção ap aix o n ad a p o r seu p o v o q u e n ã o p o d e n u n ca vir a ser
to m a d o p o r nada. A s palavras d i\ 0 seu D eu s são u m to q u e final d e garantia. O
ch am ad o , a su g estão de um a m o r im utável, etc., são u m a palavra de revelação
de seu D eus, “ o D e u s q u e se fez ele m e sm o se u ” .
7 -9 E sse s versículos c o n tê m três palavras distin tas de garan tia (veja o es-
b o ç o acim a). A s duas p rim eiras (7,8) são ligadas pela palavra instante (r e g a ) ; e
o se g u n d o e o terceiro versículos (8,9), p o r ira (qesep) (ARC) e irado (yqãsap).
E ssas ligações resu m em a m en sag em d e q u e havia ira, real e justificada, m as
era tem p o rária. O u tra s realidades, co m p aix ão e am o r, assu m iram o c o n tro le de
fo rm a p e rm a n e n te . C o n fo rm e diz W esterm ann:
O LIVRO DO SERVO 600

T em os aqui o cerne d o assunto [...| com o p róprio D eus e em D eu s m esm o


a m udança já acontece. [...] U m a m udança que vem com D eus. Ele deixa de
sentir ira e, mais um a vez, dem onstra misericórdia. H á, de novo, um claro
ecoar das palavras do pró lo g o [40.1-3].1

1 lá igualm ente u m a resso n ân cia de 53.5 de q u e a p u n iç ã o s u p o rta d a pelo


S ervo tro u x e d e fato a p az co m D eus. A ênfase n o v ersículo 7 está n a g ran d io -
sidade d a co m p a ix ã o exercida; n o versículo 8, n o a m o r in term in áv el q u e subs-
tituiu a ira; e n o versículo 9, na p e rm a n ê n c ia d a situação resu ltan te.
7 A qui v e m o s a b re v id a d e da alienação c o n tra ta d a co m a g ra n d io sid a d e da
reconciliação. A p alavra abandonei é a m e sm a trad u zid a p o r abandonada n o ver-
sículo 6. G ra c io sa m e n te , o s p ecad o s pelos quais a “ m u lh e r” foi “ a b a n d o n a d a ”
n ã o são m en c io n a d o s. A g a ra n tia o ferecid a aqui n ã o é de q u e os p e c a d o s fo ram
de fato p e rd o a d o s, m as q u e D eu s se reconciliou d e fato co m os p ecad o res. E le
q u e foi o fe n d id o reu n iu seus am ad o s d e n o v o a ele. O fu n d a m e n to p ara a reu-
nião ta m b é m é e n c o n tra d o nele. E p ro fu n d a / “g ra n d e ” (ARC) com paixão , o a m o r
q u e tra n sb o rd a , o a m o r em sua realidade ap aix o n ad a (cf. lR s 3.26) — “ co m
p ro fu n d a c o m p a ix ã o eu a trarei de volta” .
8 A b rev e ira é c o n tra sta d a co m o a m o r etern o . O te rm o “ a b a n d o n e i” do
versículo 7 é ex plicado e d escrito aqui. A ex p ressão im pulso de indignação trad u z
sesep qesep. O te rm o q esep significa “ [um a ex p lo são de] raiva” , m as a p rim eira
p alavra a sso n a n te (sesêp ) , d e o u tro m o d o , é d esc o n h e c id a .2 A bondade (hesed)
é o a m o r infalível sem p re leal a sua p ro m e ssa , o a m o r c o m o u m a d isp o sição
estabelecida, o co ração im utável d o a rd o r d e a m o r c o m o com paixão (veja v. 7)
é sua cham a. O Redentor {gedel·, veja v. 5) aqui é e sp ecíficam en te o D e u s q u e se
e n carreg a d e satisfazer as necessidades de seu p o v o em relação a sua p ró p ria ira
e alienação, m o tiv ad as p o r seu am or.
9 A p esar de a referên cia ao dilúvio, n o versículo 8, salien tar a seried ad e e
universalidade d a ira divina, o principal im p u lso d a ilustração é a p e rm a n ê n c ia
da d ecisão efetu ad a. A frase para m im isso é como os dias de N o é é “ p o rq u e isto é
p ara m im c o m o as águas de N o é ” (A RA ). A alteração d e “ ág u as” p a ra dias é
m ín im a, m as deve-se resistir a ela.3 A reiteração “ águas [...] ág u as” (ARC) fo rço -
sá m e n te ch am a ate n ç ã o n ã o p a ra um a ép o ca, m as para u m ato d e ju lgam ento.

1 W e s tc rm a n n , p. 2 74.
2 U m a p a la v ra sim ila r setep (“ d ilú v i o / in u n d a ç ã o ” ) é u m t e r m o f a v o rito d e Isa ías (8.8;
2 8 .2 ,1 5 ,1 7 ,1 8 ; 3 0 .2 8 ; 4 3 .2 ; 6 6 .1 2 ). T alv ez te n h a m o s a q u i u m c o lo q u ia lis m o c m q u e u m a
p a la v ra a tra ia a o u tr a e m u m s o m rim a d o .
3 A m u d an ça d e “ p o rq u e as águas d e N o é ” (ki m e nõah; RV) para como os dias de N o é (fcmê nõah) c
m ínim a, e o s e n tid o , e m e ssê n c ia , p e r m a n e c e in a lte ra d o , m a s u m a re fe rê n c ia à re al fo rm a
d o ju lg a m e n to (águ as) c m ais in d ic a tiv a d o q u e u m a re fe rê n c ia a b r a n g e n te a o p e río d o .
A lé m d isso , n ã o h á e x ig ê n c ia d e m u d a n ç a d e sn e c e ssá ria . F. o s “ t r a d u to r e s ” d e v ia m p e lo
m e n o s r e c o n h e c e r a o b r ig a ç ã o d e re g is tra r e m u m a n o ta d e ro d a p é o q u e e s tã o fa ze n d o .
601 ISAÍAS 5 4 . I - 5 5 . I 3

O a sse n ta m e n to a p ó s o diluvio foi feito à luz de u m ju lg am en to q u e o S e n h o r


d e te rm in o u ser sa d sfa tó rio para suas exigências p elo pecad o . A declaração de
paz d o S e n h o r, o p e n d u ra r de seu arco de g u e rra c o m o n ão m ais n ecessário
(G n 9.13), n ã o foi u m ato de indulgência, m as um a co n seq u ên cia d a justiça
satisfeita. T a m b é m n o p re se n te caso, p assa-se o equiv alen te às “ águas d e N o é ” .
O ju lg a m e n to caiu, a p u n iç ã o q u e tro u x e p az p a ra n ó s (53.5). A ir[a 1 re p re se n ta
a e m o ç ã o d e raiva, a repreenfsão] é sua expressão. D e sse m o d o , a ira d e D eu s é
to ta lm e n te apaziguada.
10 E m b o ra a palavra aliança n ão seja usad a em c o n e x ã o co m o c a sa m e n to
d esfeito d o versículo 6,1 a ideia de um a aliança depa% fo rm a u m p e rfe ito inclusio
[criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e um a seção]
p ara a estro fe. O versículo c o m eça co m “ e m b o ra ” , o fe re c e n d o um a explica-
çào final d a p e rm a n ê n c ia en fatizad a p e lo versícu lo 9. D a m e sm a fo rm a c o m o
o a sse n ta m e n to de N o é foi fo rm alizad o e m u m a aliança p e rp é tu a , ta m b é m a
o b ra d o S ervo leva a u m a aliança p e d in d o paz na etern id ad e. N o d ilú v io de
N o é , os m ontes d e sap areceram so b as águas d o ju lg am en to (G n 7.19ss.), e talvez
isso te n h a d a d o o rig em a u m e sto q u e de im ag en s p a ra d esastres d e m ag n itu d e
có sm ica (SI 4 6 .2 ,3 < 3 ,4 > ) e para a p ró p ria dev astação escatológica (24.1ss.). E m
u m p a ta m a r m ais sim ples, a e stru tu ra d o m u n d o é a coisa m ais p e rm a n e n te que
c o n h e c e m o s e se p re sta c o m o u m a c o m p a ra ç ão c o m p e te n te (cf. J r 31.35-37).
A e x p re ssã o 0 m eu am or eterno (N T L H ) é he sed (veja v. 8). A aliança divina, ao
lo n g o d e sua h istória, sem p re está ligada ao sacrifício (G n 8.20ss.; 9.8ss.; 15.9-
18; E x 24.4-8; SI 50.5). A ligação aqui e n tre a aliança e a pa% su g ere u m a paz
q u e re p o u sa n o sacrifício — a m o rte d o Servo. E ssa terceira seção, c o m o cada
um a das seções p re c e d e n tes (6d,8e), é c o n firm a d a pela palavra divina. A n o ta
d e e n c e rra m e n to de com paixão (veja v. 7) é d e tranquilização. A m ão d o S e n h o r
n ã o é fo rçada, n em m e sm o pelo q u e o S erv o faz. Seu p ró p rio co ra ç ã o d e a m o r
se en v o lveu n o p ro je to d e apaziguar a ira, e fe tu a n d o a reco n ciliação e selan d o
a p az. O q u e delicia o S e n h o r em p ro s p e c to e cm o p e ra ç ã o (53.10) refletia seu
co ra ç ã o n a afluência de seu a m o r a p aix o n ad o p o r seu povo.

A cidade de justiça (54.11-17)


O te m a de cidade é p a rte in te g ra n te da literatu ra isaiana: a cidade davídica
(1.26s.); o c e n tro m undial ideal (2.2-4); a cidade p urificada (4.2-6) e jubilosa
(12.1-6); a cidade d e stru íd a (24.10); a cidade universal (25.1-9), fo rte (26.1ss.)
e red im id a (35.10); a cidade caída (47.1) e a cidad e levantada (52.1); a cida-
d e co n so la d a (66.10ss.). O livro de Isaías apoia-se n o c o n traste e n tre a cid ad e
c o n stru íd a pela h u m a n id a d e sem D e u s q u e te rm in a em d estru ição e a cid ad e
de D e u s em to d a sua glória etern a. E ssa passagem atual da “ c id ad e” , a terceira

Cf. P v 2 .1 7 ; E z 1 6.5 9ss.; M l 2.14.


O LIV RO DO SERVO 602

e stro fe d o p o e m a , está ligada à prim eira e stro fe p elo tem a d o s filh o s d e Sião
(1,13) e à seg u n d a e stro fe pela m e n ç ã o a pa% (10,13). D e ssa m an eira, essa es-
tro fe é um re su m o e um a co n clu são d o todo. E stá ligada ao cân tico d o S ervo
p re c e d e n te p elo c o n c e ito de retid ão (53.11; 54.14,17). N o versícu lo 10, a paz
foi g aran tid a pela aliança; n o versículo 14, ela é d e sfru ta d a p elo p o v o d a cidade;
em 53.11, a retid ão é g a ra n tid a àqueles p o r qu em o S erv o m o rre u e c o n c e d id a a
eles; n o versículo 14, é o c h ã o so b re o qual eles re p o u sa m e, n o v ersícu lo 17, é a
p o sse pessoal d e q u e eles d e sfru ta m . Λ p ró p ria seção é um d e se n v o lv im e n to do
p ro g ra m a d efin id o n o versículo 11. A quela a flita / “ d e sc o n so la d a ” é em b eleza-
da ( llb - 1 2 ) ; aquela açoitada p o r tem pestades/ “ castigad a” (N T L H ) (ou seja, pelas
circu n stân cias e h o stilid ad es da vida) fica segura so b re a fu n d a ç ã o de retidão
(13-17ab); e aquela não consolada (ou seja, p elo S en h or) p e rm a n e c e d ia n te dele,
um a serva v estid a em retid ão (17cd). E ssa un id ad e d e d e se n v o lv im e n to é apre-
sen tad a em um p a d rã o a-b-a-b. As palavras “ eis q u e e u ” (ARC) (hinneh ’ã«õ£/;
1 lb ,1 6 a) ligam as duas seções “ a” , e retidão/defesa (14a,17d) liga as seçõ es “ b ” .

A l A cidade e m b elezad a (11,12)


BI Sua fu n d ação de retidão (13,14)
A 2 A cid ad e segura (15-17b)
B2 Sua co n d iç ã o de retid ão (17cd)

11,12 S obre aflita {cidade é um acréscim o in te rp re ta tiv o d o tra d u to r), açoita-


da p o r tempestades e não consolada (o e devia ser o m itid o ), veja a n o ta in tro d u tó ria
acim a.1 Isaías, p o r m eio das palavras e im agens, cria um a im p ressão d e esp íen -
d o r o fu scan te, alc a n ç an d o d esd e os alicerces n ão vistos até os m uros, po rtas e
escudos. A palavra inicial “ eis” (ARC) an tes de eu a edificará devia se r restau rad a.
A frase eu a edificará com turquesas é “ p o re i enfeites em suas p e d ra s” . A filha d e j ó
de im p re ssio n a n te s o lh o s escu ro s foi ch am ad a Q u é re n -H a p u q u e (“ u m chifre
co m en fe ite ” ; J ó 42.14; cf. J r 4.30). A p assagem lC rô n ic a s 29.2 m e n c io n a “ pe-
dras [...] p a ra os m o sa ic o s” (N T L H ), o u seja, p ed ras co lo cad as em arg am assa
co lo rid a p ara ressaltar a beleza d a co n stru ção . A frase edificará seus alicerces com
sa fira s/ “ te fu n d arei so b re safiras” (ARC) refere-se a u m a vivida p e d ra azul,
e m b o ra talvez n ã o seja a “ safira” de hoje. O te rm o escudos é “ só is” , o u seja,
to rre s c a p ta n d o e re fle tin d o a luz d o sol o u , p o ssiv elm en te (cf. C t 4.4), escu d o s
circulares p o lid o s p e n d u ra d o s nas pared es para fins de d e c o ra ç ão e an u n ciar
a fo rça in te rio r da cidade. O s rubis (kadkõd) são p ed ras v erm elh as cintilantes.
A ex p ressão pedras preciosas é (lit.) “ p ed ras de 'eqdâ’ (de iq ã d a h , c u jo se n tid o é
“ irrad iar” ; 50.11; 64.1,2a), o u seja, p ed ras de u m a c o r v erm elh o -fo g o .

1 A a s s o n â n c ia d a s tre s p a la v ra s n o v e rsíc u lo 11 a {‘‫״‬niyyâ sõ rã Io ’ nuhãmâ) é n o ta v e lm e n te


s e m e lh a n te à q u e la c m 1.21 , p a s s a g e m ta m b é m d irig id a à cid a d e.
603 ISAÍAS 5 4 . I - 5 5 . 1 3

13,14 In te rn a m e n te , esses versículos p o ssu e m u m p a d rã o a-h-a-b. O s ver-


sículos 13a e 14a fo cam a relação c o m o S e n h o r à luz de sua v erd ad e e fu n d a-
m e n ta d a em sua retidão. O s versículos 13b e 14b-e c o m p a rtilh a m o p e n sa m e n -
to de paz c o m o paz co m D e u s e a paz d o p e rig o terren o . A frase ensinados pelo
Senhor traz à to n a um d o s tem as centrais d essa seção: q u e os cid ad ão das cidade
são c o m o o S ervo d o S enhor. Λ palavra ensinados (lim m üdim ) é c o m o em 50.4,
p assag em na qual a língua c o o u v id o d o S erv o são característico s d e “ alguém
q u e está se n d o e n sin a d o ” / “ d iscíp u lo s” . (Cf. a seção equ iv alen te d essa estro fe,
v ersículo 17cd, em q u e o s indivíduos da cidade são d e fato servos, co m p a rtilh a n -
d o ta m b é m o títu lo d o Servo.) Isaías n ã o diz c o m o essa p ro m e ssa tem d e ser
c u m p rid a (cf. J r 31.34a-d). O p o v o d o S e n h o r se m p re é se p a ra d o pelo g ra n d e
fato d e q u e p o ssu e m a palavra d o S enhor. Q u a n d o o S erv o c o m p le ta r sua o b ra,
essa ta m b é m alcançará a c o m p le tu d e , e to d o s q u e ele red im e p e rm a n e c e rã o na
p re se n ç a d o S e n h o r p ara ser in stru íd o s em sua palavra d e v erdade. Id e s vivem
n o g o z o d o q u e ele realizou, pois ele alcan ço u a pa% (lit. “ p az a b u n d a n te ” ; cf.
53.5); o S e n h o r c o m p ro m e te -se co m a paz (54.10), c eles a d e sfru ta m em ab u n -
dância. Q u a n d o os tra d u to re s alteram g ra tu ita m e n te as p alavras-chave, isso
acab a q u a lq u e r possibilidade d e e stu d a r a Bíblia. O versícu lo 13, q ue co m eça
e te rm in a c o m “ seus filhos” (A RC), é um adorável p a lín d ro m o isaiano, p reen -
c h e n d o a v erd a d e e e n fa tiz a n d o sua realidade central. Isso é o q u e o S erv o tem
feito; ele cria um a fam ília (cf. 53.10). A queles p o r q u e m ele m o rre u são seus
filhos,1 tra z id o s aqui n o “ a b u n d a n te ” g o z o d o s fru to s de sua m o rte . A retidão é
a p e d ra fu n d a m e n ta l so b re a qual a cidade é c o n stru íd a (cf. a im agem d e “ ro-
ch a” d e 28.16 e a referên cia a “ ju ízo ” em 28.17). Ali, a ausên cia d e u m a retid ão
aceitável p ara o S e n h o r ex p ô s a cidade ao p erig o de ser varrid a da face d a terra;
aqui, fo rta le c e n d o os alicerces, está a retid ão de D e u s, d e a c o rd o co m 53.11,
a retid ão d o Servo. P o r essa razão, a cidade está segura c o n tra a d e so rd e m . A
frase a tirania estará distante é “ fique d ista n te da o p re ssã o ” . O im p erativ o é usado
para ex p re ssa r um resu ltad o a b so lu ta m e n te certo , algo tão seg u ro d e a c o n te c e r
q u e p o d e se r o rd e n a d o (cf. 2.9). T irania Ç õseq) é u m a palavra g en érica (en-
c o n tra d a q u in ze vezes n o A n tig o T e sta m e n to ; em Isaías em 30.12; 59.13) p ara
ru p tu ra in te rn a da sociedade. P o r c o n tra s te , p a vo r {n fh ittá ) re p re se n ta a taq u e de
fo ra (SI 8 9 .4 0 < 4 1 > ), b e m c o m o alerta in terio r (Pv 10.14). A p rim eira o p ç ã o
se ajusta ao c o n te x to aqui: a cidade d e sfru ta de paz total. O te m o r é rejeitad o
c o m o u m a e m o ç ã o (“ você n ã o terá n ada a te m e r”) e c o m o um a experiência (“ o
p a v o r estará re m o v id o para lo n g e ”).

1 H á e s tu d io s o s q u e q u e re m c o rrig ir “ f ilh o s ” p a ra “ c o n s t r u to r e s ” (b a n a yik p a ra bõrm yik),


a ju d a d o s n is s o p e lo Q a, q u e traz. “ c o n s t r u to r e s ” o n d e o T M , n o final d o v e rsíc u lo , tra z
“ filh o s ” . O p e n s a m e n to d e q u e o s c o n s tr u to r e s d e s s a c id a d e p re c isa ria m d e m a is q u e
s a b e d o ria h u m a n a é a p r o p ria d o , m as M u ile n b u rg e s tá c e r to c m o b s e r v a r q u e “ o e stilo d o
p r o f e ta fa v o re c e o T M ” .
O LIVRO DO SERVO 604

1 5 1 7 ‫ ־‬b A cidade, segura em seu alicerce de retid ão (14), é d u p la m e n te se-


g u ra na so b eran ia criad o ra d o S en h o r: (i) n e n h u m ataq u e (seria isso possível!)
teria au to rização divina e, p o r co n seg u in te, falharia (15a). (ii) O p o v o d o S e n h o r
sem p re será b a sta n te fo rte p a ra d o m in a r (15b). (iii) O S e n h o r — cuja so b eran ia
a b so lu ta c o b re o e la b o ra d o r (16ab), o p ro d u to (16c) e a in te n ç ã o d o u su ário
(16d) — p ro m e te q u e n e n h u m a arm a (17a) n em acu sação (17b) c o n tra seu
p o v o será b em -su ced id a. O se é u m a trad u ção possível d e h ên ,' m as o sen tid o
m ais usual, “ v e ja /e is ” , é vivido: (lit.) “ veja, o ataq u e de alguém — n ã o p o r inci-
tação m in h a /n ã o será p o r obra m inha”.2
16 E sse versícu lo é en v o lv id o pelo v e rb o “ criar” e é u m a das m aio res de-
clarações bíblicas d a so b eran ia q u e esse v e rb o atrib ui ao C ria d o r (cf. 4.5; veja
so b re “ c rio u ” em 37.16). S o b re a so b eran ia o p e ra n d o n a h istó ria veja 10.5-15.
A qui, a habilidade h u m a n a (ferreiro), o artifício m ecân ico (arm a), o p ro p ó sito
m alig no (destruidor) e o re su lta d o (prevalecerá) estã o to d o s n o c o n tro le so b e ra n o
d o C riador.
1 7 a b A frase refutará toda língua é “v ocê p ro v a rá q u e to d a língua q u e se
levanta co m v o cê em ju lg am en to é cu lp ad a” , o u seja, o p o v o d o S e n h o r estará
segu ro d e to d a acu sação na lei. “ Ix v a n ta r [...] cm ju ízo ” (ARC) significa levar
alguém à c o rte , lev an tar-se c o m o um acusador. E m o u tra s palavras, Isaías aqui
v o lta ao p e n sa m e n to d a justiça in co n testáv el d o q u e o S e n h o r faz p o r seu p o v o
(veja 45.21; 49.24). N e m o ataq u e fro n tal n em , ta m p o u c o , o q u e stio n a m e n to
legal d e seus d ireito s p o d e m privá-los d o q u e o S e n h o r lh es g aran te.
1 7 c d C o m o o m o v im e n to d e A 1 p a ra B 1 (veja o e sb o ç o acim a) foi d a ci-
d ad e p ara os cidadãos, co m sua relação c o m o S e n h o r c o m o filhos, p u p ilo s e
aqueles em paz co m ele, ta m b é m aqui a cidade segu ra (15-17ab) é seg u id a pela
c o n d ição d e seus cidadãos d ian te d o S e n h o r (17cd). E m h eb raico , o te rm o
herança n ão descreve a m an eira c o m o a p ro p rie d a d e foi ad q u irid a (p o r h eran ça
so b a força d a v o n tad e), m as a realidade da posse. T o d as as b ê n ç ã o s d escritas
p elo p o e m a (a cidade e sua força e o d ireito in co n testáv el d e cidadania) per-
te n c e m a g o ra aos servos do Senhor. Isaías, até esse p o n to , u so u o te rm o “ s e rv o ”
ap en as n o singular, m as, de agora em d ian te, ele é u sa d o ap en as n o plural. A
o b ra salvífica d o S ervo cria servos. Sejam quais fo re m as b ê n ç ã o s deles, sua p rin -
cipal d ig n id ad e está em c o m p a rtilh a r o títu lo d o Servo. A palavra defesa é um a
tra d u ç ã o eq u iv o cad a e a b su rd a de “ justiça” . D e a c o rd o co m 53.11, o S erv o
“ justificará” aqueles p o r q u e m ele m o rre u . A g o ra o p ró p rio S e n h o r valida essa
dádiva co m a a firm a ç ão (lit.) “ e a justiça deles é de m im ” (ou seja, “ d e m im ” o u
“ d ire to d a m in h a p re se n ç a ”). A c o n d ição deles d ian te d e D e u s n ã o p o d ia ser

1 P o r e x e m p lo , L v 2 5 .2 0 . V eja G K C 15 9 w e D h o r m e s o b r e J ó 4.18.
2 A f o r m a m é ’d fi é a m e s m a d e m e 'itti, e o s e n tid o “ c o m m in h a a u to r id a d e ” é b e m e x em -
p lific a d o e m l R s 1.27.
605 ISAÍAS 5 4 . I - 5 5 . I 3

m ais h o n ráv el (servos) n em a aceitação deles d ia n te dele (“ ju ízo ” [ARC]) se r m ais


c o m p leta. S o b re declara/ “ diz o S e n h o r” (A RC) veja 1.24.

O convite para vir: 0 mundo renovado e um chamado universal ao perdão gratuito,


pleno e pactuado na aliança (55.1-13)
S m art c o m p a ra de fo rm a im p re ssio n a n te o c a p ítu lo 54 co m o livro de
A p o calip se em “ sua visão d a nova Je ru sa lé m e d o s discíp u lo s d e D e u s que a
p o v o a m ” e o c a p ítu lo 55 co m o ev an g elh o d e J o ã o “ em seu ap elo ap aix o n ad o
para q u e os h o m e n s ab ram seus o lh o s p ara as riq u ezas d o s d o n s q u e D eu s
o ferece tã o g ra tu ita m e n te e ap reen d ê-lo s em fé e a rre p e n d im e n to e n q u a n to
ain d a h á te m p o ” .1 O p ró p rio capítulo, co m seu tu m u lto d e rica im ag em , é um a
u n id a d e b e m c o n stru íd a .

A 1 A prim eira im agem : a renovação individual, as necessidades satisfeitas (1)


B1 O o u v ir o m u n d o d o S e n h o r (2,3b)
C1 A c e rteza das p ro m e ssa s (3c-5)
D O c o n te ú d o da palavra: um ch a m a d o ao
a rre p e n d im e n to (6,7)
C2 A seriedade d o ch a m a d o (8,9)
B2 A eficácia da palavra d o S e n h o r (10,11)
A 2 A seg u n d a im agem : a ren o v ação m u n d ial, a m ald ição lev an tad a (12,13)

A p reo cu p ação central é co m a palavra d o S e n h o r (B '-B 2), m as as seções


A '-B 1 revelam q u e a im agem da festa tem de ser en ten d id a c o m o o u v ir a palavra,
e B 2-A2 descrevem a palavra que excede c o m o o agente em re-criação. E seguro
co nfiar nessa palavra (C 1) e tam b ém essencial, p o rq u e se fo rm o s deixados p o r
n o ssa co n ta n o s desviam os d o s p e n sa m e n to s e dos cam in h o s d o S en h o r (C2). P o r
con seg u inte, o c ern e d o assu n to (D) tem de ser um a b u sca pessoal d o Senhor.
Para os p ro p ó sito s de u m a investigação m ais aten ta, p o d e m o s o b serv ar que o
p o e m a ta m b é m cai em duas seções principais (1-5, 6-13), cada um a delas com e-
ça co m u m convite (1,6,7), prossegue para o p e n sa m e n to da palavra d o S en h o r
c o m o o fato r fundam ental (2,3, 8-11), p ro m e te u m n o v o m u n d o (3c-5b,12-13b)
e conclui c o m u m a d eclaração so b re o S e n h o r (5c-e, 13c-e). E ssas seções equi-
v alentes c o m p le m e n ta m u m a à o u tra , fo rn e c e n d o a p len itu d e da verdade.

As n ecessid ad es in d iv id u a is satisfeitas (55.1-5)


O trip lo venham n o versículo 1 (a N V I trad u z d e fo rm a eq u iv o cad a a pala-
vra “ H o ” c o m o venham em la ) é seguido de um trip lo “ e sc u te m ” (2c,3ab), e a
seção conclui co m u m a tripla g aran tía — a aliança (3c), o rei (3d-5b) e o S e n h o r
(5c‫־‬e).

S m a rt, p. 2 20.
O LIV RO DO SERVO 606

1 N o cxcesso de im p e ra tiv o s,1 W esterm an n ou v e “ os clam o res d o s vende-


d o re s de ru a ” q u e Isaías replica ao to rn a r “ seus apelos u rg e n te s e a rd e n te s” .2
N o e n ta n to , n a d a é m istu ra d o n em causa confusão . C ad a p alav ra comam salienta
um asp ecto d istin to d o q u e é o ferecido, (i) A ex p ressão venham às águas ressalta
a existência da n ecessid ad e e a ad eq u ação da p ro v isão d e água p a ra o sedento.
(ii) A frase vocês que não possuem dinheiro/ “os q u e n ão tê m d in h e iro ” (N T L H ),
o venham ressalta a p o b re z a d o s necessitados. E ssa é u m a aquisição u m ta n to
g ratu ita para o c o m p ra d o r. A p o b re z a n ã o é um a barreira; na v erdade, a p esso a
sem d in h eiro é um cliente b e m -v in d o q u e com¡ei d e a c o rd o c o m a necessidade.
(iii) A frase venham, comprem vinho e leite sem dinheiro e sem custo salienta a riq u eza
(não ap en as água, m as ta m b é m vinho e leitel) e ta m b é m a g ra tu id a d e da m ercad o -
ria. C o n tu d o , ju n to c o m essa ênfase na g ratu id ad e, o v e rb o comprem é repetido.
0 p e n sa m e n to de aquisição n ã o é d eixado d e lado; isso n ã o é n e n h u m a c o zin h a
pública, m e sm o se o s clientes fo rem m endigos. H á um a c o m p ra e u m preço ,
e m b o ra n ã o sejam eles q u e p ag u em esse preço. E les tra z e m sua p o b re z a para
um a tra n sa ç ã o já concluída. C o n te x tu a lm c n te , essa é o u tra alusão à o b ra d o
Servo. A festa é de a m o r e p e rd ã o (7). A a b u n d â n c ia e a liberalidade d a água
d e refrigério (44.3), o v in h o d o júbilo (25.6-8) e o leite d a fartu ra (Ê x 3.8) e a
su p rem acia (60.16) são re p re se n ta tiv o s d a salvação d o S e n h o r c o m o S ervo
em seu c ern e (veja w . 3-5). D ele é o p re ç o ; n o ssa, a liberalidade! O vocativ o
todos vocês que estão com sede é singular n o h eb raico ; o im p erativ o venham é plural.
C) singular individualiza a resp o sta; o plural a generaliza, o u seja, há suficiente
p ara to d o s, m as cada um deve re s p o n d e r p e sso alm en te. C o n fo rm e diz S m art,
“ c o m o o ‘to d o ’ em Jo ã o 3.16” .3 A palavra comprem (ísãhar) significa especifica-
m e n te “ c o m p re m p ã o ” , a lu d in d o a o u tro “g ê n e ro fu n d a m e n ta l” p ara a vida e
in d ican d o , assim , q u e tu d o q u e é necessário é suprido.
2 -3 b A im agem de com ércio co n tin u a (2ab) co m a falta de d iscern im en to
d o c o m p ra d o r (veja vv. 8,9) para fazer aquisições sensatas. N o versículo 2cd, en-
q u a n to o tem a de festa continua, o n ovo p en sam en to de “ o u v ir” en tra em pauta,
equivalendo de início a “ o uça o convite para o b a n q u e te ” . N o versículo 3ab, a
m etáfo ra é ab an d o n a d a e o ch am ad o foca o relacio n am en to pessoal co m o Se-
n h o r co m a diretiva venham a mim e a p rom essa para que sua alma viva/ “ v iv erá” .

1 A lg u n s e s tu d io s o s in s is te m q u e 55.1 é m é tric a m e n te in ac eitáv e l c o f e re c e m u m a varie-


d a d e d e n o v a s re d a ç õ e s p a ra o v ersícu lo . A m a io ria se g u e a lid e ra n ç a d e Q a a o o m itir
“ v in d e , c o m p ra i c c o m e i” (A R A ). M a s r e c o r r e r à m é tric a é a lg o n o to r ia m e n te su b je tiv o
c s u p õ e u m c o n h e c im e n to m a io r d a s re g ra s m é tric a s h e b ra ic a s d o q u e se te m n a v e rd a d e
d isp o n ív e l. E m t o d o c aso , é m u ito p o ssív e l q u e aq u i a o m is s ã o d e (Y se d e v a a u m e r ro d c
h o m e o te le u to c o m e tid o p e lo e s c rib a , p o r m e io d o q u a l o c o p is ta p a ssa d o “ c o m p r a r ” d e
comprem e comam p a ra o “ c o m p r a r ” d c comprem vinho.
2 W e s te rm a n n , p. 2 82.
3 S m a rt, p. 222 .
607 ISAÍAS 5 4 . I - 5 5 . 1 3

2 A frase por que gastar dinheiro naquilo que não é pão (cf. 44.20) refere-se ao pa-
g ao ig n orante d esp erd içan d o o trabalho árd u o e a riqueza a fim de se alim en tar de
cinzas! A c o n stru ç ã o escutem, escutem ó. um infinitivo ab so lu to (sim'ú sã m õ a ) signi-
fican d o “ o u ç a m c o m p ersisten cia” . E ssa c o n s tru ç ã o en fatiza o o u v ir e ta m b é m
o q u e tem exclusivam en te d e ser ouvido. A ex p ressão 0 que é bom é o v erd ad eiro
alim en to , n ã o o a lim en to sem valor nutritivo, o a lim en to q u e não épão de 2a. A
frase a alma de vocês se deliciará indica u m a satisfação de co ração , da p ró p ria pes-
so a e c o n tra sta c o m a e x p ressão não satisfa
3 A frase deem-me ouvidos e venham refere-se a re s p o n d e r p rin cip alm en te ao
o u v ir, su rg in d o d a esco lha deliberada d e fazer isso (lit. “ incline seu o u v id o ”).
E ança na ação (venham) p o r m eio da qual a palavra é o b e d e c id a e o co n v ite
e n c o n tra resp o sta. O q u e era m e táfo ra, venham às águas (1), ag o ra é realidade,
venham a mim. O S e n h o r é ele m e sm o o b an q u ete. O me d e p o is d e ouçam devia
ser o m itido. A alma é a essência total da p esso a. D a m esm a m an eira c o m o o
v e rd a d e iro alim e n to restau ra o c o rp o d e b ilita d o p o r m eio d o a lim en to q u e não é
pão, ta m b é m o alim en to da palavra d o S e n h o r traz a pesso a integral para a vida
q u e é d e fato vida.
3 c -5 O “ e ” inicial d o versículo 3c (o m itid o pela N V I) in tro d u z u m a ex-
p licação d a p ro m e ssa feita em 3b de q u e a vida é e n c o n tra d a nas b ê n ç ã o s de
u m a aliança eterna, d efinida adiante c o m o as p ro m e ssa s feitas a D avi, o rei d o
m u n d o (4). A ex p ressão firmes beneficencias (ARC) tra d u z u m a palavra h eb raica
n o plural (hos'd~e\ “ b o n d a d e infalível” , “ a m o r im utáv el”) q u e o c o rre treze vezes
n o A n tig o T e sta m e n to ; apenas S alm os 8 9 .1 < 2 > ,3 3 < 3 4 > ,4 9 < 5 0 > é relevante
aqui. A e stru tu ra d esse salm o é vital para n o sso e n te n d im e n to d essa palavra n o
plural, (i) O “ a m o r im utável” d o S e n h o r e s tru tu ra o salm o. O versículo 1 < 2 >
an u ncia-as c o m o o tem a; o versículo 4 9 < 5 0 > ad v o g a sua restauração, (ii) O s
v ersícu los l- 4 < 2 - 5 > defin em esses “ a m o re s” c o m o a aliança d o S en h o r, pc-
d in d o a D a v i (v. 3 < 4 > ) a c o n tin u a ç ã o e d o m ín io d e sua m o n a rq u ia (v. 4 < 5 > ).
(iii) D e a c o rd o co m o s versículos 5 -1 4 < 6 -1 5 > , o céu e a te rra ex u ltarão nisto:
Israel é o p o v o a b e n ç o a d o so b o rei d o S e n h o r (w . 1 5 -1 8 < 1 6 -1 9 > ). (iv) Isso
p o rq u e D avi tem u m lugar p articu lar n o esq u e m a d iv in o c o m o o u n g id o d o
S e n h o r (w . 1 9 -2 1 < 2 0 -2 2 > ). N a verdade, ele terá d o m ín io so b re o m u n d o (w .
2 2 -2 7 < 2 3 -2 8 > ) p o rq u e “ a m in h a fidelidade e o m eu a m o r [no singular, hasdi\ o
a c o m p a n h a rã o ” (v. 2 4 < 2 5 > ). A lém disso, ele p o ssu i um a linhagem d u ra d o u ra
(w . 2 8 -3 7 < 2 9 -3 8 > ) p o rq u e “ m an terei m eu a m o r [hasdi\ p o r ele p ara se m p re ” .
E sses d o is uso s ju n to s da palavra n o singular (hasdi, w . 2 4 < 2 5 > ,2 8 < 2 9 > ) de-
finem os plurais {has'd¿, w . 1 < 2 > , 4 9 < 5 0 > ) com os quais o salm o c o m e ç a e
term in a: D avi terá d o m ín io m undial e o c u p a rá um tro n o eterno.
A aliança, ta n to em Isaías 55.3 q u a n to em Salm os 89, é “ em fav o r” d o
recip ien te (aqui, “ farei u m a aliança e te rn a co m v o cês” ; Salm os 8 9 .3 < 4 > : “ Fiz
O LIV RO DO SERVO 608

aliança com o m eu e sc o lh id o ”). A fo rm a kãrat le n e m se m p re é n o to ria m e n te


d iferen te de kãrat Um'et (“ fazer u m a aliança c o m ”), n ã o o b sta n te , a frase sig-
nifica d istin tiv am en te “ fazer u m a aliança em favor d e ” , “ tra z e r alguém para
os privilégios q u e a aliança especifica” . P o r c o n seg u in te, Isaías está dizen d o :
“T rarei v o cês [plural] para as b ên ção s da aliança; a saber, as p ro m e ssa s feitas
para D avi d e u m g o v e rn o m u n d ial e um tro n o e te rn o ” . O p ro n o m e p lural re-
m ete aos co n v id a d o s p a ra o b a n q u e te g ra tu ito .1 O s c o n v id a d o s p ara o b a n q u e te
estão so b as b ê n ç ã o s d o g o v e rn o davídico m und ial e e te rn o (cf. 11.1-4,6-9;
32.1,2; 33.17,23,24) e, n esse g o v e rn o (c o n fo rm e c o m e n ta re m o s m ais abaixo)
p e rc e b e m a alm a ren o v ad a, o q u e fora p ro m etid o .
O d u p lo uso inicial d o v e rb o “ vejam ” (vejam e com certeza/ “ eis” (ARC) liga
os versículos 4 e 5ab cm u m p a d rã o a-b-a-b:

a 1 D avi é a te ste m u n h a m undial d o S e n h o r (4a)


b1 D av i p o ssu i a p o sição de líder m und ial (4b)
a2 D avi se dirigirá ao m u n d o (5a)
b2 D avi receb erá u m a re sp o sta universal (5b)

4 A palavra-chave povos c o m eça e te rm in a o versículo. O d o m ín io universal


d e D avi, e n fa tiz a d o d essa m aneira, é d eclarado em te rm o d e “ te ste m u n h a ” .
N o r th , é claro, está c o rre to ao d iz e r q u e em n e n h u m a o u tra p assag em “ é d ito
q ue D avi é ‘u m a te ste m u n h a aos p o v o s ’ ” ;2 c o n tu d o , o q u e n ã o é d ito está im -
plícito. A ideia de te ste m u n h o universal tem o rig em n o s salm o s d av íd ico s (p o r
exem plo, 9 .1 1 < 1 2 > ; 1 8 .4 9 < 5 0 > ; 57 .9 -1 1 < 1 0 -1 2 > ; 108.3,4 < 4 ,5 > ; 145.21). O
salm o 18 é p a rtic u la rm en te relevante n o fo rn e c im e n to d e um a n o ç ã o d e u m
m o d e lo para a p re se n te p assagem (cf. SI 18 .4 3 < 4 4 > , “ u m p o v o q u e n ã o c o n h e -
ci \'am lo ' yada'fí] sujeita-se a m im ” co m o v. 5 aqui, “ você c o n v o cará n açõ es que
v ocê n ã o c o n h e c e [góv lõ ' têda']”). M as m e sm o q u e Isaías n ã o esteja in o v a n d o

1 O s c o m e n ta r is ta s (p o r e x e m p lo , W e s te rm a n n ) às v e ze s e n c o n tr a m a q u i u m a n o v a in -
te r p r e ta ç ã o d a id e ia d a a n tig a alian ça. A s b ê n ç ã o s fo c a d a s a n te s n a v in d a d e D a v i sã o
tra n s fe rid a s p a r a Isra e l, o p o v o q u e d e s f r u ta r á d e d o m ín io m u n d ia l. E x c e to n a m e d id a
e m q u e isso p o d e n e g a r a v in d a d e u m a p e s s o a m e s siâ n ic a (e, d aí, c o n tr a d iz e r o q u e Isaías
d isse a n te s ) n ã o h á n a d a a la rm a n te a r e s p e ito d o p e n s a m e n to d c u m p o v o d o m in a n te
( p o r e x e m p lo , A p 5.9 ,1 0 ). N o e n ta n to , n o c o n te x to , e ssa in te r p r e ta ç ã o é im p ro v á v e l, n a
v e rd a d e , im p o s sív e l. E la fo rç a ria o v e rsíc u lo 3 c d a se a lin h a r c o m o s v e rsíc u lo s l- 3 b . A
p r o m e s s a é q u e as n e c e s s id a d e s d a a lm a p e sso a l s e rã o sa tisfeitas. A aliança (3c) d e v e se r
u m a p r o m e s s a d e s s a s b ê n ç ã o s . C o m o seria p o ss ív e l e ssa s b ê n ç ã o s s e re m c o n c e d id a s p e la
m e ra g a ra n tia d e d o m ín io m u n d ia l? A lé m d isso , p o r q u e u m a m u d a n ç a tã o m a r c a n te d o s
p lu rais d o s v e rsíc u lo s 1-3 p a ra o s v e rsíc u lo s 4 ,5 , já q u e e ste s se o c u p a m to ta lm e n te c o m
u m a p e s s o a tra ta d a p o r v e rb o s e p r o n o m e s n o sin g u lar?
2 N o r t h , Second Isaiah, ρ. 2 58.
609 ISAÍAS 5 4 . I - 5 5 . 1 3

n o p e n sa m e n to de u m ch a m a d o davídico p a ra o m u n d o , ainda é a p ro p ria d o


p e rg u n ta r p o r q u e o c h am ad o recebe essa p ro e m in ê n c ia . A resp o sta é q u e o
livro d e Reis (caps. 1-37) re tra to u o M essias c o m o o c u m p rim e n to d o ideal
em seus a sp e c to s reais, m as agora Isaías traz o s valores d o S ervo-M essias n o
m o d e lo d av íd ico -m essiân ico básico. É o S ervo, co m sua tarefa p ro fé tic a (42.1-
4; 49.2,3; 50.4), q u e c u m p re o papel d e te ste m u n h a davídica p a ra o m u n d o . O
S ervo foi o u v id o dizen d o : “ E sc u te m -m e , vocês, ilhas; o u ç a m , vocês, n açõ es
d ista n te s” (49.1), u sa n d o a palavra 1'ümnüm, c o m a qual esse v ersículo c o m eça e
term in a. S alm os 89, m ais um a vez, fo rn e c e o c o n te x to relevante. N e sse salm o,
q u e r seja e n te n d id o c o m o um a h u m ilh ação real d o rei dav íd ico so b os reis da
te rra q u e r seja e n te n d id o c o m o um d ram a ritual c h a m a n d o ate n ç ã o p ara um
asp e c to d o re in a d o davídico, as palavras d e A . R. J o h n s o n são exatas:

O rei davídico, p o r tudo que ele é um Servo especialm ente escolhido do


Rei o n ip o ten te e celestial, é um Servo sofredor. Ele é o M essias de lavé;
m as nessa ocasião, pelo m enos, ele é um M essias hum ilde.1

N a v in h e ta d o terceiro cân tico (50.10,11), o v erd ad eiro re m a n e sc en te d o


p o v o foi id en tificad o p elo o u v ir a v o z d o Servo. A g o ra a v in h e ta equivalente
p ara o c â n tic o final faz essa m esm a v o z se dirigir ao m u n d o , e n ã o ap en as c o m o
aquele q u e so fre u p a ra a salvação d o m u n d o , m as c o m o o rei d iv in am en te de-
sig n ad o cu jo d ireito é reinar. P o r essa razão q u e as b ê n ç ã o s d e ren o v ação da
alm a d o s versículos 1-3 têm de ser e n c o n tra d a s n o re in a d o d e D av i, p o is o Ser-
vo e D av i são a m e sm a pessoa. O te rm o líder (nãgid) é u sa d o treze vezes para os
reis d e Israel e Ju d á (das quais sete vezes se referia a D avi) e é u sa d o de fo rm a
p re d o m in a n te para e n fatizar a indicação divina d o rei. O te rm o é p ro v av elm en -
te u sa d o p o r esse m o tiv o aqui. A palavra comandante (TB) (nfsaw w êh) é usada
ap en as aqui c o m o título, re p re se n ta n d o a n a tu re z a a u to ritativ a da v o z real.
5 a b A palavra nações (gòy) é u sad a cm geral p a ra o m u n d o fo ra d o â m b ito
de Israel. A s palavras são enfáticas. O to d o d o m u n d o g e n tio está em m ovi-
m e n to em direção a D avi. O versículo 5a fala da ex te n sã o d o ch am ad o , alean-
ç a n d o além d o m u n d o co n h e c id o ; 5b, d e sua eficácia, s u p e ra n d o a ig n o rân cia
e in d u z in d o o zelo (apressarão/ “ c o rre rá ” [ARC]). O você está n o singular, e a
m u d an ça de “ ele” (0) n o versículo 4a c o m b in a d a c o m o d ra m á tic o “ eis [...] eis”
(A RC), é u m a ex p ressão idiom ática típica d o s p ro fe ta s, in tro d u z in d o u m a nova
ên fase ao a b a n d o n a r a descrição (4ab) para se v o lta r à fala dirigida a algum a
p e sso a o u ao p o v o (5ab).
5 c -e E x a m in a n d o esses versículos em re tro sp ectiv a, v em o s q u e o s convi-
tes (1) e as o rd e n s ou v id as (2-3b) são ap o iad o s p o r garantias. P rim eiro, as b ên -
çãos p ro m e tid a s são g aran tid as pela aliança (3c). S eg un do , são g a ra n tid o s pela

1 A . R. J o h n s o n , Sacral Kingship in Ancient Israel (U n iv e rs ity o f W ales P re ss , 1 9 67), p. 113.


O LIVRO ΠΟ SERVO 610

p esso a e g o v e rn o d o p e rp é tu o rei universal (3d-4); e terceiro, o S e n h o r p ro m e te


q u e ele m e sm o será o im ã q u e atrai as nações p ara as b ên ção s davídicas garan-
tidas pela aliança (cf. 2.2-4; lR s 8.41). As n ações virão p o r causa d o Sanio de
Israel, pois ele lhe concedeu esplendor/ “ te g lo rifico u ” (TB). E sse será o m a g n e d sm o
que n em m e sm o a b a rre ira d o nacio n alism o e x acerb ad o d e te r d e re c o n h e c e r o
D eu s de o u tra n ação im p ed irá a reu n ião d o m u n d o (cf. a referên cia ao “ D eu s
d e Ja c ó ” em 2.3). O b se rv e o paralelo co m 49.7, passag em em q u e se afirm a que
a p esar de o S erv o ser um se rv o de g o v e rn a n te s, aind a assim ch eg aria o te m p o
em q u e os reis se levantariam e o s p rín cip es se cu rv ariam “ p o r causa d o S en h o r,
q u e é fiel, o S an to de Israel, q u e o e sc o lh e u ” . N as d u as passag en s, o S e n h o r é a
atração. Ali ele é v isto em seu S ervo d esignado; e, aqui, em seu Rei designado.
O S erv o é esse D avi, q u e há de vir; p o r in te rm é d io d aqu eles cuja m o rte e vida
m ais u m a vez a b e n ç o a m o g o v e rn o de D avi, as “ firm es b en eficên cias” (ARC)
são disp onibilizadas.

U m c h a m a d o ao a rre p e n d im e n to (55.6-13)
O breve te x to reescrito d o S ervo (49.1-6) surgiu d o re c o n h e c im e n to (48.22)
d e q u e n ã o há paz para o ím pio. P o rta n to , n ã o p o d e haver n e n h u m c h am ad o
in co n d icio n al à bênção. A m aldade, c o n sid erad a de fo rm a ob jetiv a, é tratad a
p o r m eio da m o rte d o Servo; a m aldade, c o n sid erad a d e fo rm a su bjetiva, exige
a rre p e n d im en to . Se p o d e m o s d iz e r q u e o c a p ítu lo 54 d e ta lh a o s b e n efício s o b -
jetivos d a m o rte d o S ervo c o n c e d id o s p o r D eu s, o c a p ítu lo 55 re sp o n d e a sua
sub jetivid ade ao en fa tiz a r a re sp o sta q u e traz esses b e n efício s p ara a ex p eriên -
cia pessoal. H á livre e n tra d a n a vida (1-5) p o r in te rm é d io da re sp o sta m o ral e
espiritual d e v o lta r para D e u s (6-11).
E ssa passagem c o n siste d e um ch a m a d o em três p a rte s so b re o te m a do
a rre p e n d im e n to (6,7) seguido d e um a c o m p ro v a ç ã o em três p a rte s d o ch a m a d o
(8,9, 10,11, 12,13). O b se rv e q u e os versículos 8, 10 e 12, to d o s c o m e ç a m co m
o “ p o rq u e ” explicativo, e cada um a das c o m p ro v a ç õ e s c o n té m u m a ilustração
tirada d a natureza.

A U m c h a m a d o trip artite (6,7)


a1 A b u sca p elo S e n h o r (6)
a2 O a b a n d o n o d o p ecad o (7ab)
a3 A volta para o S e n h o r (7cd)
B U m a c o m p ro v a ç ã o trip artite d o ch a m a d o (8-13)
b1 A n a tu re z a divina d istin tiv a /d ife re n te (8,9)
b2 A p alavra p ro d u z in d o fru to (10,11)
b3 O fu tu ro asseg u rad o (12,13)
611 ISAIAS 5 4 . I - 5 5 . 1 3

O s te rm o s da seção a2 {caminho, pensamenlos) são re to m a d o s em b 1, c o m a


c o n se q u e n te su g estão de um D eu s d istin to e d istan te d o s pecadores. A ssim , o
ch a m a d o ao a rre p e n d im e n to é a p o ia d o pela urgência c m se acertar co m u m
D e u s assim . O v o c ab u lário de “ v o lta ” (Ísítb) é u sa d o em a3 para a v olta d o
p e c a d o r e, em b 2, p ara a volta da palavra. A palavra, c o m o a chuva, é eficaz
em p ro d u z ir fruto. A linhar-se co m a palavra q u e c h a m a a b u scar, a b a n d o n a r e
voltar, p o r c o n se g u in te , é um cam in h o seg u ro p a ra casa, para D eu s. P o r fim , os
que re c e b e m o rd e m para b u sc a r o S e n h o r (a1) receb em o p ro s p e c to tranquili-
z a d o r d e pa% (b 3).
6 O v e rb o busquem n ã o é u sad o n o se n tid o de p ro c u ra r o q u e está p erd id o ,
m as d e vir co m c o m p ro m isso a alguém q u e se sabe e sta r ali (p o r ex em p lo , D t
12.5). A frase enquanto é possível achá-lo /... / enquanto está perto su g ere u rg ên cia, um
te m p o lim itad o d e o p o rtu n id a d e . O m o tiv o p ara isso v em n o s c a p ítu lo s 56—
66. P o d eriam o s tra d u z ir enquanto épossível achá-lo p o r “ e n q u a n to ele se p e rm ite
ser e n c o n tra d o ” {niphalde tolerância), in d ican d o um dia d e g raça e salvação di-
v in a m e n te indicado. O te rm o perto {qãròb) faz p a rte d o v o cab u lário de p a re n te
(Rt 2.20; 3.12; 4.4). E m L evítico 25.25, o te rm o é associado co m a palavra gõ'el,
0 re d e n to r, e o Isaías sensível à linguística devia p re te n d e r isso. P o r essa razão,
há u m p e río d o fixado em q u e o S e n h o r p o d e ser e n c o n tra d o c o m o p a re n te de
to d o s q u e o buscam .
7 ' D o w se tt cap ta co m exatidão o im p u lso d esse versículo ao d izer “ va-
m o s ao S e n h o r c o m o so m o s, m as n ão ficam os c o m o s o m o s ” .2 O s d o is lados
d o a rre p e n d im e n to (a b a n d o n a r e voltar) estã o aqui, d a m esm a fo rm a q ue os
d o is da re sp o sta d o S e n h o r (subjetivam ente, misericórdia/co m p aix ão , o a rro u b o
de a m o r d o co ra ç ã o divino [cf. 54.8,10]; o b jetiv am en te, perdão, o v erd ad eiro
p e rd ã o d o s p ecad o s). A palavra ím pio {rasa) é um a palavra c o m u m sen tid o
m uitíssim o a b ra n g e n te em h ebraico, se n d o ta m b é m usad a p ara “ cu lp ad o d ian te
da lei” . E difícil d e id en tificar co m p recisão a e x p ressão homem mau { Is 1ãwen),
u m a vez q u e a palavra a w n tem m uitas facetas. E la é usad a para p ro b lem as
da vida (26 vezes; p o r exem plo, G n 35.18); para os en c re n q u e iro s (“ fazed o res
d e ” 'ãwen) em relação às o u tra s p esso as e p ro v o cativ o s em relação ao S e n h o r
(d ezo ito vezes, p o r exem plo, J ó 11.11); e p a ra a falsa a d o ração (oito vezes; p o r

1 W e s te rm a n n , a o e n te n d e r o s v e rsíc u lo s 1 6‫ ־‬c o m o u m c h a m a d o p a ra o s e x ila d o s b a b ilô -


n io s a p a rtic ip a r d a m a rc h a d c v o lta p a ra c asa, s ó p o d e se m a ra v ilh a r c o m o v e rs íc u lo 7
(“ C o m o se rá q u e o s e n tid o d e ssa p a ssa g e m c o n f o r m e fo r n e c id o se c o m u n ic a c o m o ver-
síc u lo 7?”). E le a c h a q u e a p a s s a g e m “ n ã o te m lig a ç ão c o m a situ a ç ã o à q u a l o p r o f e ta
se d irig e ” e d e v e s e r c o n s id e r a d o c o m o u m a c ré s c im o a o te x to fe ito p e lo leito r. E le n ã o
o b s e r v a a m u d a n ç a q u e se ju n to u à m e n s a g e m d o p r o f e ta d e s d e 4 8 .2 2 n e m a re la ç ã o d o s
c a p ítu lo s 54— 55 c o m 5 2.1 3— 53.12.
2 D ito e m u m a p a le s tra n ã o p u b lic a d a feita n a C h ris t C h u rc h , W e s tb o u rn e , e m a b ril d e
1987.
O LIVRO DO SERVO 612

exem plo, Z c 10.2). P o rta n to , é um a palavra útil em u m a p assag em c o m o essa


q u e lem b ra o p o v o de to d o s o s asp ecto s de u m a vida d esv iad a de D eu s. O s
te rm o s caminho e pensamentos referem -se ao esd lo de vid a e à filosofia d e vida p o r
trás disso, os pensamentos q u e são acolhidos na m e n te e fo rm u la d o s em planos.
O v erb o volte é “ re to rn e ” . A ex p ressão ¡ele! terá misericórdia/ “ ele te m ” (N T L H )
d e n o ta o p ro p ó s ito q u e a v o lta tem p o r objetivo; a frase pois ele dá de bom prado 0
seu perdão fo rn e c e a g a ra n tia de q u e o a rre p e n d im e n to é o m eio seg u ro p ara en-
c o n tra r u m a re sp o sta favorável. O te rm o misericórdia (irãham , “ c o m p a ix ã o ”) é a
in u n d ação d e a m o r de 54.7,8,10 (“ que ele deixe seu a m o r in u n d a r v o c ê ”). A pa-
lavra perdão (Vsãlah), c o m seu su b stan tiv o (N e 9.17; SI 130.4; D n 9.9) e adjetivo
(SI 86.5) relacio n ad o s a esse te rm o , é usada apenas p ara D e u s (Lv 4.20,26,31,35;
D t 2 9 .2 0 ss.;Jr 5.1-7) e, daí, a ideia de restau ração à c o m u n h ã o divina p ela rem o -
ção d a b arreira lev an tad a p elo pecado.
8,9 E ssa é a p rim eira declaração de c o n firm a ç ão (veja o e sb o ç o e a n o ta
acim a). S m a rt diz q u e esses versículos

expõem o abismei entre D eus e a com unidade [...], o abism o que prim eiro
alarm ou Isaías q u ando a santidade de D eus revelou a ele a profanidade de
Israel; o abism o m ortal entre eles m esm os e D eus que só p o d e ser trans-
p o sto pela resposta deles com todo seu ser à o ferta de p erd ão feita p o r
D eus.

Isso afirm a de fato o sen tid o d o v o cab u lário em c o m u m n o s v ersícu lo s 7ab


e 8,9. A relação e n tre a m en te e a vida divinas e h u m a n a s é d eclarad a, em ter-
m o s d e a n ta g o n ism o , e n ã o de co m p aração , co m o u so v ig o ro so d o s te rm o s
não [...] nem. D a m esm a m aneira c o m o Isaías, n o c a p ítu lo 6, p assa d a visão de
sa n tid a d e (v. 3) para o re c o n h e c im en to d a tra n sc e n d ê n cia (v. 5), ta m b é m aqui
a c o n d iç ã o d o p e c a d o r (7) n ão é o d a n o q u e o p e c a d o p o d e fazer a sua pesso a,
vida e aspirações, m as c o m o ele o u ela p e rm a n e c e (8) d ian te d o D e u s tran scen -
d en te. E d o o u tro lad o desse ab ism o infinito q u e a v o z d e D e u s (6,7) ch am a ao
a rre p e n d im e n to .
9 E sse v ersículo o ferece a prim eira das ilustrações tiradas d a n atu reza. A
elevada altu ra d o céu acim a da terra oferece um tip o d e p a d rã o p o r m eio d o
qual avaliar a altu ra d o s cam in h o s de D eus, etc., so b re nós. Para a p erg u n ta:
“ q u ã o m ais altos?” , a única re sp o sta é: “ in co m en su ráv el” , in citan d o , c o m o se
p re te n d e fazer, o p e n sa m e n to de q u e coisa m arav ilh o sa deve ser o a rrep en d í-
m e n to se ele c o n seg u e tra n sp o r essa lacuna! Será q u e um a coisa tã o p eq u e n a
c o n seg u e ser tão eficaz, e se esse fo r o caso, n o q u e re p o u sa seu p o d e r?
10,11 A seg u n d a ilustração da n atu reza se vo lta para u m a seg u n d a relação
e n tre o céu e a terra. H á um d o m que vem d o céu; ele é d a d o d e fo rm a ab so lu ta
(ele não voltará), traz vida de fo rm a eficaz (fa^erem-na brotar e florescer) e pro v ê
613 ISAÍAS 5 4 . I - 5 5 . 1 3

c o m p le ta m e n te p a ra a necessidade h u m a n a (semente e pão). O p aralelo e n tre a


fu n ção d e a ch u v a trazer vida e a eficácia d a palavra é exato. C ada fu n ç ã o tem
o rig em e p o d e r celestiais d e eficácia, e n e n h u m a delas falha. P rim eiro , a aplica-
ção d essa verd ad e é m ais específica: dos céus se to rn a da minha boca. A palavra é
d ire ta m e n te a palavra d o S enhor. S egundo, é m e n o s específica n o fato em que
o re su lta d o declarad o (semente, pão) se to rn a in d efin id o 0 que desejo [...] 0propósito
para 0 qual a enviei. A palavra de D e u s é o a g en te firm e d a v o n ta d e d e D eus. O
e sb o ç o na página 605 indica que palavra é p re te n d id a n esse c o n te x to ; o capí-
tu lo to d o gira e m to r n o d o ch a m a d o ao a rre p e n d im e n to . O a rre p e n d im e n to ,
d e u m lado, é o m eio para e n tra r n o g ra n d e b a n q u e te g ra tu ito ; d e o u tro lado,
o c h a m a d o ao a rre p e n d im e n to é um a palavra de D e u s tra z e n d o c o n sig o seu
p ró p rio p o d e r de realização. D a m esm a m an eira c o m o a ch u v a fo rn e c e ta n to
a se m e n te q u a n to o pão, tam b ém a palavra d e D e u s p la n ta a se m e n te d o ar-
re p c n d im e n to n o co ração e alim enta o p e c a d o r q u e vo lta c o m as ab en ço ad as
c o n se q u ê n c ia s p ro d u z id a s p elo a rre p e n d im en to . N o p re se n te c o n te x to , isso é
0 que desejo e atingirá 0propósito para 0 qual a enviei. O S e n h o r q u e r e causa o arre-
p e n d im e n to q u e traz os p e c a d o re s para casa, para ele m esm o , p a ra a lib erd ad e
d e seu salão d e b an q u ete.
1 2 ,1 3 O “ p o rq u e ” (ARC) inicial d o versículo 12 in tro d u z a terceira decía-
ração de c o n firm ação . O p ro n o m e vocês (plural) c o rre sp o n d e aos p ro n o m e s d o s
v ersículos 8 e 9. O s “v o c ê s” q u e estavam tão d ista n te s d e D e u s ag o ra en tram na
p a -ρ (12b). E sse é o m e sm o g ru p o a q u e m o “v o c ê s” d o s im p erativ o s n o plural
d o versícu lo 6 foi dirigido, e a força p ro p u lso ra d o s v ersículos 12 e 13 é enco-
rajar a re sp o sta ao afirm a r as alegrias à esp era d o s a rre p e n d id o s, o u seja, a nova
vida em um n o v o m u n d o . O te rm o sairão é um a m e tá fo ra de ê x o d o e exílio.
E ssa m e tá fo ra fala d a alegria de o u tro ra d o s escravos e p risio n e iro s d eix an d o o
cativeiro, m as um a lib ertação m a io r está em m e n te , o u seja, o g o z o da o b ra d o
S ervo em tra z e r um p o v o universal para o S enhor. O júbilo é a tra n sfo rm a ç ão
in te rio r d a pessoa; a p a t^ jzí. 53.5; 54.10), um a n o v a relação co m D eus. E les se-
rão conduzidos p elo p ró p rio S e n h o r (42.16; 52.12). A s tra n sfo rm a ç õ e s pessoais
d o versícu lo 12ab são cercadas p o r tra n sfo rm a ç õ e s am bientais. A criação é
solta em um re c é m -e n c o n tra d o júbilo (12c-f) e en tra em um a no v a relação co m
seu C riador. O d esa p a re cim e n to d o espinheiro e das roseiras bravas sim boliza a
re m o ç ã o da m aldição que se seguiu ao p e c a d o (G n 3.17s.). E “ u m a tra n sfo rm a -
ção d a n a tu re z a q u e rev erte a m aldição, [...] o ‘P araíso re c u p e ra d o ’ ” . O te rm o
espinheiros (na’asUs) c e n c o n tra d o apenas em 7.19; o se n tid o d a ex p ressão roseiras
bravas (sirpãd) é in certo , p o ssiv elm en te “ u rtig a ” (de isapad, “ p ra n te a r”). Será
que Isaías in v e n to u u m n o m e b o tâ n ic o q u e ecoa as d o res de u m m u n d o caído?
A s tra d u ç õ e s sugeridas para pinheiro e murta (berôs hadas) variam , m as a n a tu re z a
p e re n e das árv o res é um a c o n stan te. O s sím b o lo s d e m o rte e d e m ald ição são
O LIVRO DO SERVO 614

su b stitu íd o s p elo s sím b o lo s d e vida. A frase isso resultará e>71 renome para o Senhor
é “ e se to rn a rá um n o m e para o S e n h o r” . A palavra “ n o m e ” resu m e o q u e é
revelado so b re a n a tu re z a divina.

O s conquistadores n o m u n d o da A ntiguidade estavam acostum ados a eri-


gir m em oriais que preservariam seus nom es e falariam de suas conquistas.
[...] A terra tran sfo rm ad a seria um m em orial da vitória de D eus, [...] um
sinal etern o d o p o d e r do D eus vivo, [...] um a terra tran sfo rm ad a, um a co-
m unidade transform ada, um a hum anidade tran sfo rm ad a.1

N o e n ta n to , p a ra se r um to q u e m ais preciso, n ão é o p o d e r d o S e n h o r
q u e é revelado d essa m an eira, m as o “ n o m e ” d o S en h o r, sua p ró p ria n a tu re z a
in terio r, o tip o de D e u s q u e ele é. O p o v o tra n sfo rm a d o em u m m u n d o trans-
fo rm a d o será u m sinal eterno, “ significará” q u e m e o q u e o S e n h o r é. Q u a n d o o
p o v o re sp o n d e à palavra d o S e n h o r ch a m a n d o -o s a bu scar, a b a n d o n a r e vol-
ta r (6,7), o p o d e r eficaz d essa palavra (10,11) os traz para u m a ex p eriên cia d o
am or, d o p e rd ã o (7) e da paz (12) de D e u s e os eleva à m e m b re sia d e u m n o v o
m u n d o d e d u ra ç ã o etern a. Foi isso q u e o S ervo realizou.

S m a rt, p. 2 2 8 .
Isaías 56—66
O livro do Conquistador Ungido
Para u m a in tro d u ç ã o geral aos cap ítu lo s 56— 66, veja a página 29s. Λ in-
ten ção , na un id ad e editorial da literatu ra isaiana, é q ue leiam os d ire to d e 55.13
a 56 e o b se rv e m o s q u e 5 6 .Id e recapitula 51.5, a im inên cia d a “ re tid ã o ” e da
“ salvação ” d o S enhor. P o d em o s, p o rta n to , in titu la r esses cap ítu lo s finais de “As
características de um p o v o à e sp era” . M as ao ler m ais, d e sc o b rim o s q u e Isaías
te m em m e n te u m p o v o universal (p o r exem plo, 56.1-8; 65.1; 66.18ss.) e que
e n q u a n to eles, n esse ín terim , se envolvem co m a b u sca das b ê n ç ã o s d e um a
vida d e o b e d iê n c ia ( 5 6 . 1 5 8 . 1 - 1 4 ;8 ‫)־‬, eles ta m b é m têm d e vigiar p o r n o v o s atos
d o S en ho r. Pois n o c e rn e desses capítulos está a visão de u m U n g id o (59.21;
61.1-3; 61.10— 62.7; 63.1-6) co m a d u p la tarefa de salvar e v in g ar (p o r exem -
pio, 61.2; 63.4,5). E esse p erso n ag em , o C o n q u ista d o r U n g id o , q u e, co m o Rei
n o s c a p ítu lo s 1-37 e o S ervo n o s cap ítu lo s 38-55, grava sua p e sso a e o b ra n o
m o v im e n to final d o p e n sa m e n to de Isaías c o n fo rm e m o stra o seg u in te e sb o ç o
d iagram ático.

Λ 1 (9 p o v o universal g u arda o sáb ad o d o S e n h o r (56.1-8)


B1 D o is g ru p o s em tensão: o p o sição , paz e n ã o paz (56.9— 57.21)
Λ2 O te ste d o sábado: os p a d rõ e s para um p o v o sa n to (58.1-14)
O O p ecado e a necessidade: o p o v o d o S en h o r confessa (59.1 -13)
D O S e n h o r e seu U ngido: o dia d a v ingança,
o a n o da re d e n ç ã o (59.14— 63.6)
C2 O p e c a d o e a necessidade: o p o v o d o S e n h o r
in terced e (63.7—64.12‫)־‬
A3 O p o v o universal re sp o n d e (65.1)
B2 D o is g ru p o s em tensão: o p o sição , inclusão
e exclusão (65.2— 66.17)
A4 ( ) p o v o universal g u ard a o sá b a d o co m o S e n h o r (66.18-24)

E ssa a p re se n ta çã o equilibrada te m u m a “ linha da h istó ria ” distinta: o p o v o


universal d o S e n h o r é in tro d u z id o c o m o o p o v o d o sá b a d o e, c o m o tal, são cha-
m a d o s (56.1-8) a viver em retid ão até a retid ão d o S e n h o r ser revelada (56.1).
M as n e m tu d o está b em en tre aqueles q u e declaram ser o p o v o d o S enhor. 1 lá
falha (56.10,11) e d ete rio ra çã o religiosa (57.3ss.), b em c o m o retid ão (57.1), co n -
trição e h u m ild ad e (57.15), e e n tre esses dois g ru p o s h á ten são e an im o sid ad e
à m ed id a q u e o ju sto está p e re c e n d o (57.1). C o n tu d o , tam b ém há a p ro m e ssa
de paz (57.14-21), e m b o ra n ão para to d o s. M as o q ue está en v o lv id o nesse
c h a m a d o à retidão? O sáb ad o (58.1-14) é o p a d rã o a ser aplicado, m as a o rd e m
inicial (58.1) para deixar o p o v o cien te d e que a rebelião e o p e c a d o indicam
q ue é u m teste n o qual to d o s falham igualm ente. P o r c o n seg u in te, em 59.1-13, a
acusação d e p e c a d o é eq u ip arad a (59.1-3), o p e c a d o é d escrito (4-8) e co n fessa-
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 618

d o (9ss.). M as o q u e será que é possível fazer a re sp e ito d o p ecad o ? A s palavras


“ o lh o u o S e n h o r” (59.15) indica u m p o n to d e g u in ad a drástica. O b se rv a n d o a
in cap acid ad e d e seu p o v o de viver seg u n d o os p a d rõ e s d e re tid ã o q u e ele es-
tab elece (56.1; 59.14), a hostilidade d e m o n stra d a p a ra co m aqueles q u e vivem
pela v erd ad e e evitam o m al (59.15) e a ausência d e q u a lq u e r ajuda (59.16), o
S e n h o r se v este p ara as tarefas de salvação e v in g an ça (59.16,17). E sse pensa-
m e n to fo rm a u m inclusio [criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início
e n o final d e u m a seção] (63.4,5) para to d a a seção d o m eio. N o e n ta n to , no
ev en to , a ação d o S e n h o r p ro p o sta é tran sferid a p ara seu U n g id o (61.1,2,10;
63.1-6). O s c a p ítu lo s re sta n te s co n siste m d e o ra ç ã o (63.7— 64.12) e d e resposta
(65.1— 66.24). D e a c o rd o c o m 62.6, o U n g id o desig na “ sen tin elas”/ “gu ard as”
(ARC) (mazKiñm) p a ra o ra r pela in te rv e n ç ã o divina. A passag em 63.7 in tro d u z
“ alguém q u e le m b ra ” ÇazXir), o ra n d o para q u e o S e n h o r “ ro m p e sse [...] os céus
e descesse [...] (64.1). A re sp o sta divina c o m eça (65.1) ao a firm a r o su cesso do
o b jetiv o de u m p o v o universal e p ro sseg u e p ara p ro m e te r u m a ssen tam en to
final; a p artilh a de d e stin o s m u tu a m e n te exclusivos c a co lo cação d o n o v o céu
e d a nova te rra (65.2— 66.17). O p o n to cu lm in an te d e tu d o isso é a visão do
p o v o universal g u a rd a n d o o sá b a d o co m o S e n h o r (66.18-24). P o r isso, n o es-
b o ç o p re c e d e n te , as seções A ', B 1, A 2 e O d esenvo lv em o tem a d a necessidade
d o v erd ad eiro p o v o universal d o S e n h o r d e ser re sg a ta d o d e sua exp eriên cia de
p ecad o e fracasso e ser lib e rta d o d e seus inim igos. A g ra n d e seção cen tral (D) é
o c o m p ro m isso d o S e n h o r co m essa o b ra de salvação e d e v in g an ça, ag in d o por
in te rm é d io d a p e sso a d o U n gido, e as seções C 2, A3, B2 e A 4 rev elam o Senhor,
em re sp o sta à o ra ç ã o p e d in d o p a ra fazer tu d o q u e ele p ro m e te u . D everiam os,
na verdad e, estar cegos p ara n ã o o b se rv a r q u e 56.1 reflete e x a ta m e n te o n d e a
igreja p e rm a n e c e hoje: o lh a n d o em retro sp ectiv a p ara a re d e n ç ã o d e um a vez
p o r to d as n o C alvário (52.13— 53.12) e à esp era de u m a to d iv in o final que
salvará a igreja d o p ecad o , d o fracasso e d a o p o siç ã o e, finalm en te, lidará com
to d a e q u a lq u e r fo rç a co n trária.
A. O ideal e o real: as necessidades
e os pecados do povo do Senhor
( 56. 1— 59. 13)
A co erên cia d essa seção (A 1, B 1, A2, C 1 n o e sb o ç o acim a) p o d e ser m ostra-
da d esta m aneira:

a 1 O sá b a d o n o c e n tro de um p o v o universal h a rm o n io s o (56.1-8)


b1 O v erd ad eiro povo: dividido, h o stil, urna m istu ra d o “ ju sto ” e
d o s transigentes, se p a ra d o s n a vida e n o d e su n o (56.9— 57.21)
a2 O sá b a d o c o m o um p a d rã o — e um a p ro v a de fracasso (58.1-14)
b2 A s co n fissõ es de um p o v o q u e fracasso u (59.1-13)

O real z o m b a d o ideal n o p o n to ex ato em q u e o ideal tin h a d e ser expresso,


o sáb ad o , e o esp iritu alm en te zeloso e n tre o p o v o são g u iad o s a u m a co n fissão
d esesp erad o ra.

a. O povo do mundo, o povo do sábado, o povo da oração (56.1-8)


Isaías estava p ro fu n d a m e n te en v o lv id o co m os líderes político s de sua
ép o c a , e m b o ra ele tivesse p o u c o su cesso cm co n q u istá-lo s p a ra a sua visão da
política a p ro p ria d a para o p o v o d o S e n h o r n este m u n d o . E le p rev iu co rreta-
m e n te q u e o fato de Ju d á ser incluída n o p o d e r p o lítico in tern acio n al, assinar
p a c to s m ilitares e se ju n ta r a o rg an izaçõ es d e seg u ran ça coletiva significava o
fim de q u a lq u e r d e m o n stra ç ã o d e um estilo d e vida d ife re n te co m o , p o r exem -
pio, ser u m im ã p ara as nações (cf. 2.2-4 c o m o triste c o n tra ste d e 2.5-8). N ã o
h o u v e, p o rta n to , n e n h u m a falta de o p o rtu n id a d e na qual ele p u d esse ter levanta-
d o para seus co n te m p o râ n e o s esse espelho d o ideal (56.1-8). M as q u an d o ele veio
a c o m p o r seu livro, esse adorável oráculo se adequaria m e lh o r à p ró p ria casa, ou
seja, seu povo, que à ideia d o p o v o universal surgin do d a o b ra d o Servo. O capí-
tulo 55 co n v o co u to d o s ao banquete gratuito; a passagem 56.1-8 retrata o p o v o
reu n id o em q u e to d o s estão de acordo, to d o s são iguais, to d o s são b em -vindos
na casa de oração.

A ' A b ê n ç ã o ainda p o r vir: a tarefa d o p o v o à espera (1)


B1 A bênção, to d a inclusiva, d e sfru ta d a d e fo rm a c o n d icio n al (2)
B2 A bên ção , n ã o exclui n in g u é m (3-7)
a1 N ã o h á m o tiv o d iv in o para a exclusão (3ab)
b1 N ã o h á m o tiv o h u m a n o para
d e sa p o n ta m e n to (3cd)
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 620

b2 Λ b ê n ç ã o m ais q u e c o m p e n sa d o ra (4,5)
a2 A alegria de ser aco lh id o na fam ília d o S e n h o r (6,7)
A 2 A b ê n ç ã o ainda p o r vir: o p o v o re u n id o (8)

A bênção ainda por vir desfrutada deform a condicional (56.1,2)


1 E ssa o rd e m n o d e sc a n so atual na p ro m e ssa p ara o fu tu ro é típ ico da
ética bíblica (cf. a m e n sa g e m de Jo ã o B atista; M t 3.2): pratiquem 0 que é direito/
“ ju ízo ” (TB ), [...] logo será revelada a minha retidão. O ch a m a d o a p ra tic a r a re d d ã o
c o rre sp o n d e a 51.1, em q u e aqueles q u e m o d elam sua vida n o S erv o (50.10) são
d escrito s c o m o aqueles q u e “ se g u |e m | a ju sd ça” (TB) (cf. 51.7); a p ro m e ssa da
retid ão d o S e n h o r p o r v i r c o m p re ste z a c o rre sp o n d e a 51.5 (cf. 46.13; 51.6,8).
A d isp u ta q u e co m freq u ên cia, arg u m en tav a q u e o c o n c e ito d e “ fazer jusd-
ça” é u m ta n to d ife re n te n o s cap ítu lo s 56— 66 de, d ig am o s, em 40— 55 n ã o é
c o n firm a d a p e lo ex am e das p assagens em q u e a palavra o c o rre . Isaías n ã o está
c o n v id a n d o o p o v o a b u sc a r a salvação p o r m eio de suas p ró p ria s o b ra s d e jus-
dça, m as in cita (ju n to co m o re sto d a Bíblia) aqueles q u e p e rte n c e m ao S e n h o r
a se d e v o ta re m à vida q u e reflete o q u e ele revela ser certo . A s ex p ressõ es justiça
e 0 que é direito/ “ ju sd ça” ,1 to m ad as juntas, a p o n ta m re sp e c tiv a m en te p a ra a lei
d o S e n h o r (o q u e ele “ julga” se r certo ) e p a ra o ca rá te r d o S e n h o r (sua p esso a
justa). E m 51.1, a b u sca da re d d ã o faz paralelo co m a b u sc a p elo S e n h o r; em
51.7, aqueles q u e c o n h e c e m a retid ão tê m sua lei em seu co ração . Q u a n d o é
d ito q u e a re d d ã o d o S e n h o r está para vir, o se n tid o é q u e em u m fu tu ro ev e n to
a p len itu d e de seu c a rá te r ju sto e a p len itu d e d e seus m o d o s ju sto s d e trab alh ar
serão revelados. Será u m a o b ra d e salvação, o u seja, resg ate e liv ram en to , para
seu povo. C) le m b re te d o s cap ítu lo s 56— 66 revela q u e a salvação em q u e sua
retidão será revelada, de u m lado, é a lib ertação d e seu p o v o d e to d o a m b ie n te
e d a prag a d o p e c a d o e, de o u tro lado, seu ju lg am en to d e v a sta d o r e m erecid o
d aq u eles q u e se reb elam c o n tra ele.
2 O te rm o isso (ARC) o lh a em retro sp ectiv a p ara a o rd e m d o v ersícu lo 1. A
o b rig ação de e sp e ra r o a to p o r vir d o S e n h o r e de p re e n c h e r o s dias d e esp era
co m u m a vida q u e o b e d e c e a su a lei e im ita seu ca rá te r está a b e rta a to d o s sem
exceção. Palavra para homem n a frase bem-aventurado 0 homem (ARC) é 1'nos, o ho-
m em em sua co n d iç ã o h u m a n a c o m u m c o m todas suas fraquezas; 0 homem que
nisso permanece firm e c ben ’ãdãm , o “ filho d o h o m e m ” , aquele q u e c o m p a rtilh a
a co n d iç ã o h u m a n a c o m u m de to d a s as pessoas. A cab aram -se as antigas fro n -
teiras d e o rig em e privilégio. E sse p e n sa m e n to , é claro, é in e re n te n a teologia
de Sião (2.2-4; SI 47; 87) e tem sua raiz d erra d e ira na p ro m e ssa ab raâm ica de

1 A c o m b in a ç ã o d e “ ju stiç a e r e tid ã o ” é e n c o n tr a d a c o m m ais fre q u ê n c ia e m Isaías q u e e m


q u a lq u e r o u tr o livro. U m te r ç o d o to ta l d a s o c o r rê n c ia s e s tá e m Isaías, d o z e n o s c a p ítu -
lo s 1— 3 3 , q u a tr o n o s c a p ítu lo s 56— 66.
621 ISAÍAS 5 6 .1 - 8

b ê n ç ã o universal (G n 12.3). N o e n ta n to , a raiz, n o c o n te x to im ediato, é a o b ra


d o S erv o tra z e n d o para casa das trib o s d e Ja c o e se e n tre g a n d o para ser a sal-
v ação d o S e n h o r até os co n fin s da te rra (49.5,6). O s v erb o s age e permanece são
im p erfeito s d e ação co n tín u a, referin d o -se n ã o a u m m o m e n to d e decisão, m as
à p e rsev eran ça viva: “ co n tin u a a fazer” , “ c o n tin u a a se a g a rra r” . E ssa fo rte ên-
fase em 0 sábado incita m uitos estu d io so s a escrev er u m c en ário pós-ex ílico para
essas passagens, m e n c io n a n d o a ênfase n o sá b a d o em N eem ias 10.31; 13.15.
N ã o o b sta n te , n ã o há um a n ecessidade c o n v in c e n te p ara isso. O sá b a d o era
u m fa to r ig u alm en te fo rte n o s dias antes d o exílio. Isaías 1.13 e A m ó s 8.5 reve-
lam o ex ato tip o de m eticu lo sid ad e fo rm al q u e a p assag em 58.1-14 rejeita. O
E zeq u iel exílico exam ina em retro sp ectiv a a p ro fa n a ç ã o d o sáb ad o c o m o um
p e c a d o p ré-exílico (E z 20.12,20; 22.8,26) e Jerem ias tra n s fo rm a a o b serv ân cia
d o sá b a d o em um caso de teste (17.19-27), da m esm a m an eira q u e o faz Isaías.
0 arg u m en to , su p erficialm en te, causa a im p re ssã o de q u e o exílio p õ e u m fim
em m ultas coisas que fo ram a su b stan cia da co n sciên cia d e si m e sm o s d o s
israelitas — a cidade e o te m p lo co m seus cu lto s e sacrifícios tin h a m acabado.
P o r c o n se g u in te , é c o m u m estim ular que, n o exílio, esses a sp e c to s unificad o res
e c a racterizan tes fo ssem rem o v id o s, a o b se rv a n c ia d o sá b a d o e da circuncisão
p e rm a n e c e ra m c o m o o “ c im e n to ” u n ificad o r d o p o v o d e D e u s em u m am b ien -
te pagão. V on R ad escreve q u e ap esar d e ta n to o sá b a d o q u a n to a circu n cisão
terem

com certeza sido observados p o r m uito tem p o em Israel [...] enq u an to vi-
viam no exílio em m eio a um povo que não praticava a circuncisão, o bom
e antigo costum e, de repente, se to rn a aqui um sinal de diferença. O mes-
m o é verdade para o sábado, |...J foi no exílio que o sábado e a circuncisão
conquistaram um status confessionis que eles perseveran) d epois.1

E ssa ideia, em g ra n d e extensão, está apenas u sa n d o a teo ria p ara p reen -


ch e r um a lacuna n o co n h ecim en to . N ã o sa b e m o s em q u e ex te n sã o u m p o v o
c o n q u ista d o e tra z id o de fora teria lib erd ad e na B abilônia p ara o rg a n iz a r sua
se m a n a c o m b ase n o d e sc a n so d o sábado. E possível q u e a o m issão d o N o v o
T e sta m e n to d e q u a lq u e r citação d o q u a rto m a n d a m e n to seja u m p arad ig m a
m e lh o r das co n d iç õ e s da situação na B abilônia. S abem o s, n o e n ta n to , q u e o
fo rm a lism o religioso pré-exílico c o rro m p e ra o se n tid o d o sá b a d o e fo ra ne-
cessário q u e Isaías, n o cap ítu lo 58, aplicasse um co rretiv o ; e n ã o d ev e n o s sur-
p re e n d e r q u e Isaías te n h a o ferecid o a alta visão d o sáb ad o su g erid a aqui o u que,

1 G . v o n R a d , Old Testament Theology (O liv e r a n d B o y d , 1 9 6 2 ), vo l. 1, p. 79. C f. R. S. F o s-


ter, The Restoration o f Israel ( D a r to n , L o n g m a n a n d T o d d , 1 9 70), p. 59, 6 3; K n ig h t, Isaiah
56— 66, p. 5: “ N a v e rd a d e , o s e m p re r e c o r r e n te d ia d e s á b a d o e ra a ú n ic a in s titu iç ã o q u e
o p o v o p o s s u ía e c o n s e g u iu m a n tê -lo s u n id o s , [...| d u r a n te a q u e le s lo n g o s c in q u e n ta an o s.
[...] P o r isso o s á b a d o p e r m a n e c e u u m sin al d e e s p e ra n ç a p a ra o s e x ila d o s” .
O LIV RO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 622

na v erd ad e, figura em tão g ra n d e escala e m u m a p assag em q u e fala d o povo


universal. C o n fo rm e o b se rv a K night:

O s persas, babilônios, cananeus, egípcios, gregos — nen h u m desses jamais


pen sou em “ parar” de trabalhar (conform e o sentido literal da palavra) um
dia a cada sete a fim de dar às pessoas com uns |...| um dia inteiro de des-
canso. Além disso, guardar o sábado de Deus significava que aquele m esm o
povo p o d e ser ensinado a possuir um a teologia centrada em D eus.1

N e n h u m a d e m o n stra ç ã o ex terio r de deixar o “ m u n d o ” e se ju n ta r ao povo


d o S e n h o r seria m ais clara que a ad o ção d e u m a in stitu ição q u e necessitava
d e um a re o rg a n iz aç ã o to tal d a vida em to rn o das exigências e d a a d o ração do
D e u s d e Israel. A frase observando 0 sábado é a re o rd e n a çã o p o sitiv a da vida em
to rn o d e D e u s e a vigiando sua mão para não cometer nenhum m al é a c o n te n ç ã o ne-
gativa d o c o m p o rta m e n to pessoal d e c o m e te r erro.

A bênção, não exclui ninguém (56.3-7)


O estrangeiro e o eunuco são o ferecid o s c o m o casos tão m arcan tes q u e apon-
tam p a ra a in clu são a b ra n g e n te d o versículo 2. O A n tig o T e sta m e n to n u n c a foi
exclusivista em u m a base nacionalista. D e u te ro n ô m io 23.3ss. lida c o m m atérias
específicas q u e exigem tra ta m e n to especial, m as Ê x o d o 12.48,49 ex p ressa a
p o sição geral de q u e o “ estra n g e iro ” era sem p re u m c o n v e rtid o b em recebido.
E sd ra s c N eem ias, infelizm ente, são m al e n te n d id o s c o m o se o m o tiv o deles
fosse o exclusivism o. O p ro b le m a deles era p re se rv a r a id e n tid a d e e a p u reza do
p o v o d e D e u s em um a ép o c a na qual essas coisas estavam so b am eaça. E ssa é
u m a tarefa vital, po is se o p o v o de D e u s p e rd e sse o ca rá te r d istin tiv o n ã o have-
ria n ada a q u e alguém se ju n ta r n e m n e n h u m b o m m o tiv o p ara te n ta r fazer isso!
U m o b jetiv o inclusivo exige u m a base d e o p e ra ç ã o distintiva. A p o sição deles
n ão era d ife re n te d a d e Isaías em seu c o m b a te das c o m p licaçõ es p o líticas cau-
sadas p elos estran g eiro s e, n a v erd ad e, o g lo rio so u n iv ersalism o q u e ele pregava
n ão tin h a de se r e la b o ra d o em te rm o s de inclusão in co n d icio n al, c o n fo rm e
m o stra a p re se n te passagem .
3 O estrangeiro vem o u te m e n d o a rejeição d e seu p e d id o d e m e m b re sia ou
que, te n d o sido aceito, ainda c o n tin u e em um a categ o ria “ se p a ra d a ” c o m o um
cid ad ão d e seg u n d a classe. T o d o s esses te m o re s são sem fu n d a m e n to . D eu-
te ro n ô m io 23.1, em relação ao eunuco, n ão deixa claro c o m qual fu n d a m e n to
p recisam en te eles fo ram excluídos d a assem bléia, e m b o ra a v isão m ais co m u m
seja q u e “os d efeito s físicos m e n c io n a d o s p o d e m n ã o se d e v e r a u m sim ples
acid ente, m as an tes a rituais p a g ã o s” .2 A. D. H . M ayes o ferece u m a visão mais

1 K n ig h t, Isaiah 56— 66, p. 4 -5.


2 D . F. P ay n e, Deuteronomy, The Daily Study Bible (St A n d r e w P re ss , 1985), p. 130. C f. P. C.
C raig ie, The Book o f Deuteronomy {N IC ).
623 ISAÍAS 5 6 .1 - 8

c o m p le ta ao se referir ta m b é m à “ inadm issibilidad e d a m utilação física c o m o


c o n trá ria ao desígnio da criação d e D e u s ” e à “ rejeição específica de q u a lq u e r
ação q u e d e stru a o p o d e r p ro c ria d o r d o s israelitas” .1 É provável q u e o a ssu n to
seja d eix ad o in te n c io n a lm e n te vago aqui. N in g u é m é excluído d a m e m b re sia n o
p o v o d e D eu s, in d e p e n d e n te m e n te de se p ela nação, se pelo ancestral (o estran-
geiro), se p o r a cid en te d e n ascim ento, se p o r afiliação p a te rn a o u p esso al a o u tro
deu s, se p o r ficar aq u ém d o s p ad rõ es de criação d e D e u s o u se p o r p ro fu n d o e
fu n d a m e n ta l d e fe ito pessoal (o eunuco). O s m u ro s d e se p aração e n tre as p esso as
e e n tre as p esso as e o S e n h o r caíram .
4 ,5 O s v e rb o s guadaremos e escolherem são im p e rfe ito s d e ação h ab itu al, de-
n o ta n d o p e rsistên cia na c o n fo rm id a d e c o m o c ó d ig o d o sá b a d o e n o c o m p ro -
m isso p esso al c o m a v o n ta d e d o S enhor. S o b re a frase que me agrada (‫י‬ihãpès) cf.
“ a v o n ta d e e o p ra z e r” d o S e n h o r em 53.10; 55.11. A e x p re ssã o se apegarem é
p ro v a v e lm e n te o u so explicativo da co n ju n ção , u m a d eclaração su m ária d o que
os v e rb o s guardaremos c escolherem significam : “ o u s e ja /e m u m a p alavra, aqueles
q u e se ap eg am a m in h a aliança” . U m a vez q u e a aliança d o S e n h o r é, antes
d e tu d o , o p e d id o q u e ele faz (as p ro m e ssa s d a sua aliança), “ se ap eg ar [...] à
m in h a aliança” significa levar as p ro m e ssa s d o S e n h o r a sério d e m o d o a se
a te r a elas haja o q u e houver. N o e n ta n to , para aqueles q u e estão n a aliança, o
S e n h o r tra n sm ite sua graciosa lei da aliança, e n sin a n d o -o s c o m o viver d e m o d o
a agradá-lo. N e sse caso, a frase “ se ap eg arem à m in h a aliança” ex p ressa a vida
p rática d e o b ed iên cia. E n c o n tra m o s o c o n te x to de um memorial e um nome (5) em
2Sam uel 18.18, p assagem em que o A bsalão sem filhos ten tav a se p e rp e tu a r p o r
in te rm é d io de u m m em o rial de p e d ra q u e d u raria m ais q u e seu p ró p rio p erío d o
d e vida.2 E essencial tra d u z ir o te rm o templo c o m o “ casa” a fim d e e stab elecer a
ligação c o m o versículo 7 b e f e ta m b é m para re sta u ra r o seg u n d o e literal “ den-
tro ” an te s de seus muros. O e u n u c o é b e m -v in d o “ na m in h a casa e d e n tro dos
m eu s m u ro s ” (A RC), e n ã o apenas v ag am en te nos re cin to s, m as b e m na pró-
pria p re se n ç a divina! O e u n u c o está ali em um fu n d a m e n to eterno, d e sfru ta n d o
u m a b e m -a v e n tu ran ç a q u e n ão p o d e ser co n fiscad a (não será eliminado). A frase a
eles darei/ “ lh e ” (N T L H ) é um singular individualizan te; cada u m está ali em sua
p ró p ria p e sso a {nome) e é e n riq u ecid o co m b ê n ç ã o s m u ito além daquelas q ue até
m e sm o u m a fam ília te rre n a {filhos e filhas) p o d e trazer. E m 55.13, o S en h o r, ao
re u n ir um p o v o universal, faz u m n o m e para si m e sm o q u e n ão será elim inado.
A qui ele c o m p a rtilh a essa realidade co m aqueles q u e fo ram excluídos anterio r-
m e n te , m as q u e agora se to rn a m m e m b ro s de sua casa.

1 A. D. H . M ayes, Deuteronomy ( N C B , 1979). V ale a p e n a ler e sse c o m e n tá r io to d o .


2 E d ifícil p e n s a r q u e a lg u m e u n u c o tiv e sse s e n tid o c a d a v ez m ais e n tu s ia s m o p e la v isã o d e
D u h m d e q u e a p r o m e s s a a q u i é d e u m a tá b u a d e m e m o ria l n o s re c in to s d o tem p lo !
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 624

6,7 Isaías, n o p a d rã o estilístico a-b -b -a d o s v ersícu lo s 3-7 (veja acima),


volta aos estrangeiros. Pela segunda vez, eles são d escrito s c o m o aqueles “ que
se unirfam ] ao S e n h o r” (o v. 6a é id ên tico ao v. 3a) p o rq u e a decisão pessoal
está en vo lvida (Rt 1.16-18; 2.11,12; 2S m 15.19-22). O s e u n u c o s p o d ia m bem
te r n ascid o israelitas, m as os estran g eiro s tin h a m de to m a r decisõ es difíceis. A
palavra serve (^sãraf) é usada tip icam en te para o s levitas, um indício o lh an d o
ad ian te p a ra 66.21. A frase para amarem 0 nome do Senhor m o stra q u e a d ecisão não
era d e se ju n ta r a um sistem a o u se identificar co m um po v o , m as era d e devo-
ção pesso al co m o S e n h o r em tu d o q u e ele revelou q u e é; a d ev o ç ã o à pessoa,
fu n d a m e n ta d a em u m a v erdade revelada (D t 11.22; Js 2.8-11; 9.9; lR s 8.41 s.).
O b se rv e a p ro g re ssã o n o versículo 7: eles são b e m -v in d o s p ara se c o lo c a r on d e
o S e n h o r tem d e se r e n c o n tra d o {meu santo monté), n a p re se n ç a dele e d e sua fa-
mília {minha casa de oração) e nas o rd e n a n ç a s que efetu am e g a ra n te m a aceitação
e c o m u n h ã o {meu altar) (cf. SI 43.3,4). A frase de co n clu são pois a minha casa será
chamada casa de oração para todos ospovos p ro v av elm en te o lh a em re tro sp ectiv a para
o to d o d o s versículos 3-7d. A b e m -v in d a ex te n sã o aos e stran g eiro s e eu n u co s
n ã o é u m a c o n cessão , m as u m c u m p rim e n to ; era isso q u e se m p re se p re te n d e u
q u e a casa d o S e n h o r fosse (lR s 8.41 ss.). Isaías, ao esp ecificar q u e ela é um a
casa de oração, n ã o está de m an eira algum a d e n e g rin d o o fato d e q u e era um a
casa de sacrifício, n e m está c o n tra s ta n d o um a religião “ esp iritu al” c o m um a
(m eram en te) “ cultual” . O e le m e n to essencial na casa era se m p re o g o z o d a pre-
sença d o S e n h o r e c o m u n h ã o co m ele, co m o s sacrifícios fu n c io n a n d o co m o
a base so b re a qual o p o v o era aceito c m a n tid o na p re se n ç a sa n ta e divina. Foi
p o r in te rm é d io d o m in istério d o altar q u e Isaías se viu d e sfru ta n d o o g o z o de
falar d e um re la c io n a m en to c o m o S e n h o r (6.7,8) c sua experiên cia c o m o um
m ic ro c o sm o d o todo.

A bênção ainda por vir: 0 povo reunido (56.8)


A fó rm u la t f um (cf. 1.24; 22.25; 49.18) segue em geral as p alavras para
as quais ch am a ate n ç ã o c o m o um “ p ro n u n c ia m e n to ” divino. A qui a fórm ula,
co m ênfase m u ito im p re ssio n a n te , vem prim eiro : palavra do Soberano, do Senhor.
A o rd e m das palavras {Israelc, d ep o is, ainda outros) segue a de 49.6. FJe p rim eiro
reú ne (lit.) “ os d isp e rso s de Israel” (ARC) (a referên cia n ã o é ao exílio b ab ilô n io
n em à d isp e rsã o geográfica, m as àqueles q u e d e b a n d a ra m d o S en h o r) e, depois,
o s outros (os estran g eiro s c os e u n u c o s d o s vv. 3-7; o im plícito “ aquele q u e ” do
v. 2) são reunidos. A frase outros aos quejá se ajuntaram (ARC) é o u “ aos q u e já se
acham re u n id o s” (ARA) o u , m elh o r, “ além d o s seus q u e se ach am co n g reg a-
d o s” (TB), o u seja, reu n id o s p elo m e sm o S e n h o r so b e ra n o para se to rn a r um
p o v o reunido.
625 ISAÍAS 5 6 .9 - 5 7 . 2 i

b. As duas partes: o problema e a solução (56.9—57.21)


D o is o rácu lo s são ju n tad o s para fo rm a r essa seção. O p rim eiro (56.9-12)
é u m a c o n d e n a ç ã o da liderança egoísta, e o se g u n d o (57.1-21), um a visão rela-
c io n ad a ao fu n d a m e n to da vida, e x p o n d o a te n sã o e n tre ojusto (57.1) e os que
se ju n taram aos cu lto s (3-13) e esq u eceram o S e n h o r (11). H á urna p ro fecía
c o rre s p o n d e n d o a esses dois g ru p o s. O p rim e iro e n tra n a p az (2,19), o S e n h o r
h ab ita c o m eles (15) e p re p a ra para eles u m c a m in h o para casa (14); o o u tro
g ru p o , ele a b a n d o n a à ajuda q u e os íd o lo s deles p o d e m o fe re c er (13), e eles não
c o n h e c e m a paz (20s.). P o rta n to , claram en te o ideal d o s versículos 1-8 está Ion-
ge d e ser realizado. O esd lo e ta m b é m a su b stan cia desses o rácu lo s p ro clam am
a d e so rd e m . A abrasividade d o a ssu n to é e q u ip arad a p o r u m tip o de selvageria
n o te x to h ebraico, em especial na d u reza e ironia d o o rá c u lo inicial.

O banqueteiro e o banquete: o fracasso da liderança (56.9-12)


A crítica à liderança ap re se n ta d a aqui é to ta lm e n te d e caráter, e n ã o políti-
ca. A o p in iã o q u e d o p o n to d e vista d o p ú b lic o im p o rta ap en as qual é a política
d o g o v e rn o , m as que a vida p articu lar d o s líderes é a ssu n to deles m esm o s, n ão
e n c o n tra apoio. Λ ju stap o sição de 56.9-12 co m 57.1-21 insiste q u e o e rro priva-
d o e o a c e rto p ú b lico n ão coexistem .

A 1 U m b a n q u e te de alim entos: co n v ite a b e rto p ara os anim ais (9)


B O fracasso da liderança (10,11)
B' As sendnelas, n e n h u m a p re o c u p a ç ã o co m
a segurança p ública (lü a -d )
B2 A insaciável p re o c u p a ç ã o co m eles m esm o s
(1 0 e - llb )
B3 O s p asto res, n e n h u m cu id a d o ex ceto c o m eles
m esm o s (1 lc -e )
A 2 U m b a n q u e te de vinho: ab u n d â n c ia sem -fim (12)

As seções A são ligadas pela co n v o c a ç ão em c o m u m venham Çètãyu) e pelo


c o n tra ste e n tre alim en to e bebida. As seções B são estro fes de q u a tro linhas e
cada um a c o n té m as palavras “ nada sa b e m ” (ARA) (lõ‘ yãdr‘u). E m 10b a frase
não têm conhecimento é apenas “ eles n ã o sa b e m ” ; em 11b, insaciáveis é “ eles n ão co-
n h e c e m a satisfação ” ; em 11c, sem entendimento é “ eles n ã o têm d isc e rn im e n to ” .
As seçõ es B I e B2 se referem a càer, as seções B I e B3 dizem “ to d as e la s /to d o s ”
(kullãm). N a d a c o n seg u e c ap tar a ten sa ira d o te x to hebraico, m as, m e sm o na
trad u ção , a cáustica ironia d o g ru p o d o s versículos 9 e 12 é inequívoca. Q u a n d o
o p o e m a chega ao versículo 12, a liderança acredita cjue n u n ca se saiu tão b e m , e
o u v im o s vozes jubilosas c h a m a n d o p a ra o b an q u ete, p ro m e te n d o su p rim e n to s
in term ináveis. E les n ã o sabem que o s anim ais selvagens já fo ram c o n v id a d o s
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 626

(9). E ssa peça é a te m p o ra l em sua aplicabilidade aos reis d av íd ico s e aos aventu-
reiro s o p o rtu n ista s q u e se a p o d e ra ram d o tro n o d o R eino d o N o rte . Pois cada
u m d o s anim ais, c e d o o u tarde, c h e g o u para o ban q u ete.
9 O v e rb o devorar (TB) é u m a trad u ção b e m feita em vista d o fato q u e é
dirigido aos anim ais; a palavra hebraica é o “ p o lid o ” v e rb o c o m u m “ c o m e r” .
A final, lhes é p e d id o q u e vão ao palácio! O tem a d o a d v e n to e d o d o m ín io dos
anim ais sim b o liza o a b a n d o n o d a lei d o S e n h o r (Lv 26.22; D t 28.26; 32.24; 2Rs
17.25) e aqui an u n cia o tem a de julgam ento, q u e o s versículos 10 e 11 justificam
e q u e o inclusio |criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final
d e u m a seção] n o versículo 12 conclui.
10,11 O s títu lo s aqui q u e a b re m a prim eira e a terceira e stro fe s, sentinelas
(10a) e pastores (11c), c o n tra sta m do is asp ecto s d o v erd ad eiro líd er — p ro teg er
d o p erig o e x te rn o e cu id ar d a n ecessid ad e in tern a. E m u ito te n ta d o r seguir o
Q ‘ e p e rm itir q u e a e stro fe d o m eio n ã o c o m ece co m hõzim (deitam/ “ so n h ad o -
res” [ARA]), m as c o m hõzim (“ v id e n te ”), p o r m eio d isso c o m p le ta a im agem
co m u m a referên cia “ p a ra cim a” d a liderança espiritual d e tra z e r u m a palavra
d o S enhor. M as a m u d a n ç a é m u ito ó bvia para cau sar im p ressão , e, n o todo,
o equilíbrio d o v o cab u lário nas três estro fe s vai c o n tra isso, em especial a re-
ferência aos cães q u e liga a seg u n d a e stro fe à prim eira. D u a s p alavras postas
lado a lado n o versículo 10a, sentinelas e cegas, e n o versícu lo 10c, cães e mudos.
S o m o s co n v id a d o s a se n tir o a b su rd o da im ag em , a rir se isso n ã o fo sse trági-
co. A inv estida n o v ersículo 10 é a sim ples acu sação “ n ã o tê m c o n h e c im e n to ”
(10b, veja acim a), falta-lhes as qualificações básicas para seu cargo. A expressão
deitam-se é u m p a rtic ip io ('¡haza) q u e n ã o é u sa d o em o u tra p assag em . W atts,
se g u in d o o enbypnia^omai d a L X X , d e fe n d e o te rm o “ s o n h a d o re s ” , m as a KB
o ferece “ p a lp ita n te ” . Sonham c “ d e ita r” . A essa im ag em d e indo lên cia, as linhas
finais d a e stro fe ( l l a b ) a crescen tam gan ân cia insaciável. O s o lh o s d o s líderes,
que dev eríam se v o lta r p a ra o ex terio r, q u e r em vigilância (lO a-d) q u e r em cui-
d a d o ( llc - f ) , estão v o lta d o s para o in terio r, para o p ró p rio b e m -e sta r deles. A
terceira e stro fe inicia (11c) co m u m a ex p lo são indignada: “ E eles são pastoreé
(ARC). D a m e sm a m an eira c o m o n ã o c o n seg u em v er a ap ro x im ação d o perigo
(10a), p o rta n to “ n a d a c o m p re e n d e m ” (ARC) (11c); eles n ã o têm a v erdadeira
sensibilidade d o p a s to r para as n ecessid ad es d o reb an h o . A ex p ressão todos se-
g uem / “ to d o s eles se to rn a m ” (ARC) é rem in iscen te de 53.6. A palavra vantagem
(besa*), palavra essa usada c o m regularidade co m se n tid o ru im , d e n o ta g a n h o
c o n se g u id o p o r m eio d e violência, sem escrú p u lo . O te x to h eb ra ic o acrescen-
ta q ue cada um procura [ab solutam ente], o u seja, está to ta lm e n te a b so rv id o na
b u sca.1

O t e r m o m iq q ã seh u é (lit.) “ d c se u f im /e x tr c m id a d e ” . C f. G n 19.4, e m q u e o c o r r e o


m e s m o u s o (m as se m u m p r o n o m e p o s s e s s iv o ), m iq q ã seh “ d a e x tr e m id a d e ” , o u seja, “ de
627 IS A ÍA S 5 6 . 9 - 5 7 . 2 i

12 S o b re venham veja o versículo 9 e o c o m e n tá rio d o e sb o ç o acim a. A


e x p re ssã o cada umgrita é um a adição da N V I. A ên fase ag o ra (cf. v. 9) está na
b eb id a alcoólica servida n o b a n q u e te (cf. 5.11,12; 28.7,8). T alvez o o rá c u lo per-
ten cesse o rig in alm en te a te m p o s estáveis em q u e n ã o havia n e n h u m a am eaça
ao “ até m u ito m e lh o r” ev id en te n o h o riz o n te o u a u m a é p o c a (co m o o cap. 22)
em q u e o êxtase d escu id ad o d o s líderes e ta m b é m d o p o v o te n h a sido à p ro v a
d e to d a s as advertências. A in c o m p e tê n c ia (10), à p re o c u p a ç ã o c o n sig o m e sm o
( l l a b ) e à p re o c u p a ç ã o egoísta ( llc e f ) , o s g o v e rn a n te s a c rescen taram a co m -
p lacência em relação ao amanhã.

Ao nível do chão: a linhagem da prostituta e a fam ília de Deus (57.1-21)


A visão d a sociedade na esfera d o palácio (56.9-12) é su b stitu íd a agora
pela visão da so cied ad e n a esfera p o p u la r, em q u e o ju sto p erece (1), o p o v o
é a p a n h a d o pelos cu lto s e “ ism o s” (3-5) e é a rra sta d o im p o te n te na m aré das
p o líd eas nacionais q u e são incapazes d e d e te r (9,10). A qui D e u s p arece estra-
n h a m e n te d istan te, ainda assim , alguns acham q u e ele está p e rto (15), e h á aque-
les q u e vivem co m paz e confiança, ex periência q u e n ã o é de m an eira algum a
c o m u m a to d o s (19-21). E m o u tra s palavras, o p e n e tra n te d ia g n ó stico de Isaías
revela q u e é n ecessário m ais q u e o p e rd ã o d o s p ecad o s an tes q u e o p o v o de
D e u s p o ssa se c h am ar de salvo. H á forças d o m al, d e m u ito s tip o s, co m as quais
é n ecessário lidar e rem ovê-las; a in stig ação ao e rro e ta m b é m as reais am eaças
à p ró p ria vida q u e criam um a m b ie n te hostil à b o n d a d e . O v e rd a d e iro cen ário
em q u e o p o v o d o S e n h o r vive p ed e a to s d e D e u s n o rein o d o ju lg am en to e d o
salvam ento.
O te m a cen tral da p assagem é o c o n tra ste e n tre a fam ília da p ro stitu ta e a
fam ília d o S enhor. O s versículos 3-5 (verbos na seg u n d a p e sso a d o plural n o
m asculino) ex am in am a fam ília da p ro stitu ta , e n o s versícu lo s 6 -13d (verbos na
seg u n d a p esso a d o singular n o fem inino) e n c o n tra m o s a p ró p ria p ro stitu ta. O
versícu lo 15, em paralelo co m esse, in tro d u z o S e n h o r e sua família; e fazen d o
paralelo co m o s feitos da p ro stitu ta (6-13d) e stã o o s ato s so b eran o s de D eu s
(16-19a) p o r m eio d o s quais ele p e g o u aqueles q u e m ereciam sua ira, c u ro u -o s
e c o n fo rto u -o s e os c ap acito u a se a rre p e n d e r e a se la m e n ta r d ian te dele. E m
to r n o dessas passagens, h á um a e stru tu ra d e pat^(l,2 ,1 9 b -2 1 ), e en tre essas pas-
sagens, a g in d o c o m o um a seção de transição, e stã o os versículos 13e-14.

A 1 A paz: a v erdadeira paz d o ju sto (1,2)


B' A p ro stitu ta e sua fam ília (3-13d)
a A fam ília (3-5)
b O s cam in h o s da p ro stitu ta (6-13d)

(u m a) p o n t a (à o u tr a ) ” . P o r isso , a q u i “ d o fim a o fim d e le ” n ã o sig n ific a q u e t o d o s sã o


iguais n a fa lta d e e s c rú p u lo , m a s q u e c a d a u m é to ta lm e n te in e s c ru p u lo s o .
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 628

O A co n clu são e a transição: co n fian ça e h e ra n ç a (13ef)


C2 A tran sição e a in tro d u ç ã o : o c a m in h o para casa (14)
B2 ( ) S e n h o r e sua fam ília (15-19)
a O S an to e sua fam ília (15)
b A o b ra d o S en h o r: cura, c o n fo rto e p az (16-19)
A 2 A paz: a im possibilidade d e p az para o ím p io (20,21)

As divisões in te rn a s d o p o v o ev id en te n essa p assagem (cf. 65.2— 66.17;


veja o e sb o ç o acim a) são fre q u e n te m en te explicadas em relação a u m a su p o sta
situ ação pós-exílica. D iz -se q u e os exilados v o ltaram p ara circu n stân cias res-
tritivas em Je ru sa lé m e suas cercanias im ediatas. E les e n c o n tra ra m ali os que
tin h am e sc a p a d o d a d e p o rta ç ã o p ara a B abilônia e ta m b é m o s estran g eiro s que
se ju n taram ali d u ra n te o s a n o s e m q u e a te rra ficou vazia. H avia ta m b é m a po-
pulaçâo m ista m ais a n o rte , cm Sam aria. T u d o isso fo rm o u u m c a m p o fértil para
a d issen são .1 E sse cen ário faz p a rte d a justificação p ara v er os c a p ítu lo s 56— 66
c o m o p e rte n c e n d o à Ju d á pós-exílica e a d escrev en d o . Se esse fo r o caso e se
esses cap ítulos tiverem d e ser atrib u íd o s a um “T erceiro -Isaías” pós-exílico, é
e stra n h o q u e os p e c a d o s especificados sejam aqueles c o n h e c id o s n a Jeru salém
d e Isaías, e as a b e rra çõ e s religiosas q u e estão n o c e rn e da te n sã o e n tre o “ ju sto ”
e o re sto são aquelas d o c o n te x to d o p a g a n ism o pré-exílico. A c o m u n id a d e di-
vidida de 8.11-20 fo rn e c e um c o n te x to m ais que a d e q u a d o e d e sc o b rim o s que
o que Isaías e x p resso u n o c a p ítu lo 8 c o m o p rin cíp io s d e divisão são trad u zid o s
aqui em experiências reais. Q u e r essa p assagem te n h a sido c o m p o sta p ara seu
lu g ar e fu n ção atuais q u e r (o m ais provável) seja u m hábil m o saico d o m aterial
p ré-ex isten te d o qual p o ssiv elm en te n ã o co n seg u im o s te r certeza. D e to d o jei-
to, essa p assagem carreg a as m arcas da m ã o d o m e stre de Isaías.

A paz: a verdadeira paz do justo (57.1,2)


E sses versículos são um p o e m a de nove linhas co m três p ares d e linhas (1)
seguidos de três linhas sim ples (2):

P erece o ju sto (singular)


E n ã o há q u e m c o n sid ere isso em seu coração;
E os h o m e n s co m p assiv o s são retirad o s (plural)
Sem q u e alguém c o n sid ere
Q u e o ju sto é levado antes d o m al (singular)

Veja W h v b ray , p. 40 . C f. P. D. H a n s o n , The D a w n o f A pocalyptic (F o rtre s s , 1975); F o s te r,


Restoration o f Israel.
629 ISAÍAS 5 6 .9 - 5 7 . 2 i

E le en tra rá em paz (singular)


D e sc a n sa rã o nas suas cam as (plural)
O s q u e h o u v e ra m a n d a d o na sua retid ão (singular) (ARC)

A altern ân cia e n tre singular e plural te m o o b jetiv o d e ex p ressar ta n to a


v erd ad e geral d a segurança e da paz d o ju sto q u a n to aplicar isso a cada indiví-
duo. As linhas parelhas são unidas p o r um inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p ô r
m aterial sim ilar n o inicio e n o final de u m a seção], oju sto , q u e é a p rim eira e a
ú ltim a palavra n o te x to h eb raico (cf. o uso p aralelo de os ím pios n o s vv. 20 e 21).
A s linhas sep arad as são unidas p o r sua fo rm a , cada lin h a c o n te n d o a palavra
equivalen te a duas palavras hebraicas. A im ag em geral é clara: c o n fo rm e K n ig h t
diz: “ O s a d o ra d o re s leais a lav é [...] estavam na v erd ade se n d o p e rse g u id o s |...j
estav am m e sm o ‘d e sa p a re c e n d o ’ T alvez esse fosse o caso n o te n so p ân ico
im p lícito em 8.9-20 o u so b o religiosam ente m align o M an asses (cf. 5.22,23;
29.20s.; A m 5.13; M q 2.8,9; 3.1-3). M as, p o r trás da ex periên cia d e q u e o m u n d o
(e, co m frequência, o so fred o r) n ão e n te n d e , o o lh o in stru íd o vê u m p ro p ó sito
d ife re n te e o u tro resultado. O ju sto n ã o está “ p e re c e [n d o |” , m as e n tra n d o na
p az; a “ re u n iã o ” n ã o é sem p ro p ó sito , m as é u m a m isericó rd ia este n d id a aos
q u e ach am o fa rd o da inquietação p o r v ir m ais d o q u e p o d e m su p o rta r, e, p o r
c o n se g u in te , eles m ise ric o rd io sa m e n te são tirad o s an tes d o ataque.
1 A e x p re ssã o homens piedosos ( ,an.sê hesed) é “ h o m e n s d e a m o r inabalável” .
D a m esm a m an eira q u e Justo re p re se n ta “ aqueles q u e estã o c e rto s co m D e u s”
(e, p o rta n to , c o m p ro m e tid o s co m a vida justa), ta m b é m os “ h o m e n s de a m o r
inabalável” re p re se n ta m aqueles em q u e m o a m o r im utável d e D e u s foi der-
ra m a d o (e que, p o rta n to , te n ta m refletir esse a m o r em sua vida). As palavras
ninguém pondera têm n u an ças da passagem 53.8; o s ju sto s c o m p a rtilh a m a retid ão
d o S erv o (53.11; 54.17), e as experiências deles são m o d elad as p elo p a d rã o d o
Servo. O p rim e iro v erb o tirados está n o plural e exp ressa u m a v erd ad e geral; o
se g u n d o está n o singular (ARC) e a aplica a cada caso individual. A realidade
in te rio r d a m o rte deles é q u e ela n ão é ap en as o fim inevitável q u e aco m ete a
to d o s os vivos nem é acidental o u p re m a tu ra . A m o rte , antes, é u m “ tirar” deli-
b e ra d o a fim de serem poupados do m a l/ “ se livrar d o m al” (TB), o u seja, “ d o mal
p o r vir” ( lC o 10.13; cf. 2R s 22.20).
2 S o b re a o rd e m das linhas n esse versículo, veja a trad u ção acim a e leia a
N V I na o rd e m bca. S o b re pa% v e ja 53.5. E ssa é a p o rç ã o d o s am ad o s d o S e n h o r
n a m o rte : acharão descanso na morte/ “ d e sc a n sa rã o nas suas cam as” (A RC). O
c o rp o d o s en tes q u e rid o s d e itad o s em d e sc a n so (quer cm suas cam as q u e r na
“ c a m a ” d o túm ulo) retrata para n ó s o d e sc a n so c o n tín u o em q u e eles e n traram .
S m a rt c o n tra sta de fo rm a notável isso co m as cam as d e preguiça nas quais os 1

1 K n ig h t, Isaiah 56— 66, p. 12.


O LIV RO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 630

falsos líderes se d e ita m (56.10, em q u e o m e sm o v e rb o [N V I, sonham] é usado)


e a cam a de luxúria (7,8) da p ro stitu ta .1 Q u ã o a b e n ç o a d o é o p o v o d o S en h o r
na m orte! A m o rte deles é p ro p o sita l (lc e f) e leva a e n tra r n a p az (2b) e a expe-
riência d e re p o u s o (2c)! A frase aqueles que andam está n o singular (veja acim a) —
“ aquele q u e a n d a ” . O te rm o retam ente (n ãkõah ), “ em sua retid ão , h o n e stid a d e ” ,
é e n c o n tra d o ap en as em Isaías (26.10; 30.10; 59.14) à p a rte d e A m o s 3.10 e é
u n ifo rm e m e n te ético, significando aquilo q u e é “ re to ” , a vid a q u e d e m o n stra
q ue u m a p e sso a está “ c e rta ” co m D eus.

A p ro stitu ta e su a fam ília (5 7 .3 -13d)


E possível q u e o p o e m a original fosse os versículos 3-11, c o m as q u estõ es
d o s v ersículos 4 e 11 m a rc a n d o o inicio e o fim , e q u e os v ersícu lo s“ 12-13d
fo ram ac re sc en ta d o s para c o m p le ta r a im agem . A passag em le m b ra o s cultos
pré-exílicos e tem o v ig o r d e u m a peça escrita c o n tra eles q u a n d o estes estavam
em p len a o p e ra ç ã o e so b am eaça.

A fam ilia d a p ro s titu ta (57.3-5)


E sse p o e m a so b re a lin h ag em d a p ro stitu ta está em d u as e stro fe s iguais.
C ad a u m a co m e ç a c o m u m a d escrição d o p a re n te sc o (3ab,4de) e c o n tin u a com
u m a d escrição d a prática, em sua a fro n ta ao S e n h o r (4a-c) e suas v erdadeiras
a b o m in a ç õ e s religiosas (5).
3 A ex p ressão m as vocês en fatiza o c o n tra ste c o m aqueles q u e acab aram de
ser d escritos. A s adivinhas são p esso as q u e se ab riram p a ra o c o n tro le d e um
esp írito o u e n tid a d e so b ren atu ral. A s palavras adúlteros e p ro stitu ta s , n o tex to
h ebraico , estão am b as n o singular. O ad u ltério é a q u e b ra d e um ju ra m e n to e,
p o r co n seg u in te, é u sa d o figurativam ente para a re n eg ação d o ju ra m e n to de
lealdade ao S en h o r. A p ro stitu iç ã o é a e n tra d a em u m re la c io n a m en to ilícito. O
adultério, p o rta n to , ex p ressa o p rin cíp io (de infidelidade à aliança); a p ro stitu i-
ção é a p rática (da d e v o ç ã o a a m a n te s q u e n ã o são o S en h o r). O a d ú lte ro dedica
seu a m o r a o u tro s lugares; a p ro stitu ta p ega o u tro s am an tes.12
4 E sse versículo a p o n ta , u m a p ó s o o u tro , p ara o riso d escu id ad o , a zo m b a-
ria e a rejeição d e sd e n h o sa d o S enhor. O te rm o ninhada é (lit.) “ filh o s” , “ aqueles
g e ra d o s p o r o u n ascidos d e ” . A palavra rebeldes/ “ filhos da tra n sg re ssã o ” (TB)
se m p re d e n o ta teim osia d elib erad a (c f 53.5). O te rm o m entirosos/ “ m e n tira ”
(C N B B ) é a coisa falsa m e sm o (em vez d o p rin c íp io o u ideia d e falsidade).
5 T e m o s aqui dois a sp e c to s d o s cu lto s cananeus. P rim eiro , o cu lto d a fer-
tilidade asso ciad o à á rv o re p e re n e c o m o um sím b o lo d e vida e e x p re sso cm

1 S m a rt, p. 241 .
2 O u s o fig u ra tiv o d a “ p r o s titu iç ã o ” o c o r r e 4 3 v e z e s n o A n tig o T e s ta m e n to . O s d e s e n -
v o lv im e n to s m ais e x te n s o s e s tã o e m E z 16 e 23, e o e x a m e m ais p r o f u n d o d o te m a e m
O se ia s. A s o u tr a s o c o r rê n c ia s e m Isa ías s ã o 1.21 e 2 3 .1 5 -1 7 . N ã o h á r e fe re n c ia à a c u s a ç ã o
d e p r o s titu iç ã o s e r d irig id a c o n tr a o p o v o p ó s-e x ílic o .
631 ISAÍAS 5 6 .9 - 5 7 . 2 i

rituais orgíacos. S egundo, existe o cu lto a M o lo q u e co m sua exigencia d e sa-


crifício h u m an o . T alvez haja u m c o n tra ste d e lib e ra d o aqui e n tre o s c u lto s de
vida (fertilidade) e os cu lto s de m o rte (sacrifício h u m a n o ) c o m o q ue re su m in d o
to d a a g a m a de o d io sas a fro n ta s ao S enhor. Para a m e n te cananeia, os a to s se-
xuais realizados n o santuário eram dirigidos a Baal na esperança de lem b rá-lo de
seu tra b a lh o de fertilizar os seres h u m a n o s, os anim ais e a te rra e de estim u lá-lo
a fu n cio n ar. M as p ara a Bíblia, essas p ráticas n ã o eram “ rev eren ciad as” c o m o
“ religiosas” . E las eram “ luxúria” (cf. N m 25.1ss.), a satisfação e a excitação
d o a d o ra d o r su b stitu in d o a v o n ta d e e a glória de D e u s na adoração. S o b re o
sacrifício a M o lo q u e , veja 2R eis 23.10; Je re m ia s 32.35. A o fe rta d o s filhos,
p re su m e -se , era u m a p ro p iciação para o deus d o m u n d o de baixo, u m en can ta-
m e n to c o n tra a m o rte . Para Isaías, n o e n ta n to , esse sacrifício n ã o é san tificad o
p o r se r “ religioso” ; ele é apenas (lit.) “ a ssa ss in a r/a b a te r crian ças nas ravinas” ,
tra ta n d o -a s c o m o g a d o em um m ercado. O te rm o carvalhos Çêüm) significa “ ár-
v o res g ra n d e s” , em vez d e algum a árv o re especial (1.29 é a ú n ica o u tra passa-
g e m em q u e essa á rv o re é m e n c io n a d a n o c o n te x to de a b o m in a ç ã o religiosa).
A á rv o re fro n d o sa c o m o um lugar religioso é to ta lm e n te pré-exílica (D t 12.2;
IR s 14.23; J r 2.20). A s palavras precisas penhascos salientes são e n c o n tra s apenas
em 2.21 (c f.Jz 15.8,11).

Os caminhos da prostituta (57.6-13d)


A alteração p a ra a segunda p e sso a d o singular n o fe m in in o m arca o m o -
v im e n to d o s filhos p ara sua m ãe. A in te n ç ã o é analisar o q u e O seias ch am a de
“ e sp írito de p ro stitu iç ã o ” (O s 4.12; 5.4), c o m o esse e sp írito in fecta e afeta as
p essoas. O p o e m a tem um a qualidade de atividade fren ética, re fle tin d o a im a-
g em d e um p o v o g u iad o c o m o que p elo d e m ô n io in terio r, ag o ra aqui, agora ali,
p a ra alcançar u m a seg u ran ça q u e foi d isp o n ib ilizad a de b o m g ra d o n o S en h o r,
m as eles n ã o a teriam . N ó s o s seguim os vale abaixo (6) b u sc a n d o o s falsos deu-
ses, e su b in d o o m o n te (7) em um frenesi d e ap o stasia “ sexual” e d escen d o ao
fu n d o d o Sheol (9) p re p a ra d o s para q u a lq u e r h u m ilh ação se apenas os g ra n d e s
da te rra lh es o fe re c ere m u m a aliança segura.
6 A apostasia religiosa (6a-d) traz c o m ela a c e rteza da retrib u ição divina
(6e), p e n sa m e n to q u e fo rm a um inclusio [criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial
sim ilar n o início c n o final d e um a seção] q u a n d o Isaías v olta a ele n o s versí-
culos 12-13d. A ex p ressão os ídolos é um a adição in terp retativ a da N V I para
(lit.) “ e n tre as p ed ras lisas [hèleq] d o vale está sua p o rç ã o ” . O se n tid o d e hèleq
é incerto. Y o u n g o b se rv a u m a possível justificação ugarítica p ara “ [os deuses]
m o rto s ” ,1 m as é m ais usual p e n sa r em p ed ras gastas pela e ro sã o d a água q ue
ficam co m fo rm a s sugestivas de um “ d e u s” residente. N ã o escap aria a Isaías

Y o u n g , p. 4 0 2 -4 0 3 .
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 632

q ue a palavra hêleq ta m b é m significa “ e sc o rre g a d io ” , e estaria além d a fo rça de


v o n ta d e dele re sistir à te n ta ç ã o de c o m e n ta r a e stu p id e z e a falsidade d a falsa
religião de um só golpe! A palavra ta m b é m tem um a a sso n ân cia co m sua porção
(behalleqe nahal helqèk)■ M as a “ p o rç ã o ” d e Israel era o S e n h o r (SI 16.5; 119.57).
Q u e d isto rç ã o m u d a r o g ran d e, divino hêleq p o r u m hãlãq, tro c a r a vida p o r
u m a p e d ra , a verd ad e p o r um e n g a n a d o r escorregad io ! A frase são a sua parte
(jçõrã/; cf. Pv 1.14) é “ lançado em sua so rte co m eles” , “ peg u e sua ch an ce com
eles” . V oltar-se d o S e n h o r para os d euses era rejeitar a certe z a p elo in certo . A
p e rg u n ta retórica: poderei eu contentar-me com isso?, m o stra q u e a m e n te d o S en h o r
está fo rm a d a , e d a fo rm a c o rreta. O resu ltad o inevitável está re se rv a d o p ara o
fim (12-13d).
7,8 D o fu n d o d o s vales (6) para a colina alta e soberba, o e sp írito da· p ro sti-
tuição en che a terra. O leito na colina indica p ro stitu iç ã o o sten siv a e pública.
A m e tá fo ra tem d e se r levada a sério. N ã o existe essa coisa d e b rin c a r com
falsos deu ses; essa é u m a coisa séria q u e “ envolve” , p o r ex em p lo , co m p artí-
lh ar a m esm a cam a. A frase atrás de suas portas e dos meus batentes você pôs os seus
símbolos pagãos (no te x to h eb raico , to d o s o s su b sta n tiv o s estão n o singular) é
um a frase em q ue, co m c erteza, en g a n a e a re sp e ito da qual só se p o d e fazer
sugestões. O te rm o “ sím b o lo s” (zikkãrôn) vem d o v e rb o “ le m b ra r” e o c o rre
co m u m p ro n o m e p o ssessiv o (co m o aqui) apenas em J ó 13.12, p assag em na
qual ele significa “ o q u e você le m b ra ” , o u seja, “ suas m e m ó ria s” . M as p o r que
as m em ó rias d ev eríam e sta r (lit.) “ atrás de suas p o rta s ” (a m e n o s q u e seja um a
e x p ressão id io m ática para “ lo n g e da vista, longe d o c o ra ç ã o ” e, p o r co n seg u in -
tc, equ ivalente à ex p ressão não se lembrar de mim n o versícu lo 11c)? E possível
q u e a palavra zikkãrôn esteja relacionada a zãkãr (“ m a c h o ”) e seja u m sím bo-
lo fálico. M as e n tã o ainda m ais, p o r q u e “ atrás de suas p o rta s ” ? T alvez seja
que te m o s d e e n te n d e r zikkãrôn a b so lu ta m e n te c o m o “ coisas q u e le m b ra m ” . A
N V l seguiu esse c a m in h o in te rp re ta tiv o co m a tra d u ç ã o p o r seus símbolos pagãos,
p ro v av elm en te c o m a in te n ç ã o d e dissim ular o p a g a n ism o lig ad o ao javism o
p ro fessad o . M as Isaías p arece se afastar d e seu c a m in h o n essa p assag em a fim
de d escrev er a ap o stasia o sten siv a (um leito n o alto da colina!). P o r c o n seg u in te,
é m ais provável q u e “ teus m e m o ria is” (ARC) se refiram à escrita das palavras
d o S e n h o r n o b a te n te das p o rta s (D t 6.9) — n a verd ade, a referên cia aqui a “ ba-
te n te s” só p o d e a p o n ta r n essa direção. A in te n ç ã o c o m essa escrita era ser um a
d eclaração p ública d e q u e sua fam ília vive pela palav ra d o S en h o r. A p ro stitu ta ,
p o rta n to , p ó s seu te ste m u n h o fo ra de vista (não o ap ag an d o , m as o e sc o n d e n -
d o ), m a n te n d o um p é de cada lado, p re se rv a n d o um a fo rm a d e c o m p ro m isso ,
m as g a ra n tin d o q u e n in g u ém so u b esse disso. E ssa é um a e x p o sição p erfeita
d o p e c a d o d a concessão. A e x p re ssã o ao me abandonar é u m d e se n v o lv im e n to
razoável e lógico de (lit.) “ de c o m ig o ” , o u seja, “ de estar na m in h a c o m p a n h ia ” .
633 ISAÍAS 5 6 . 9 - 5 7 . 2 i

A frase descobriu seu leito significa tirar da p riv acid ad e d o q u a rto c tra z e r à vista
d o p ú b lico ; as palavras subiu nele significam ficar disp on ív el; a e x p ressão 0 deixou
escancarado/ “ alargas” (ARC) significa alargar para to d o s os cantos. A frase fe%
acordo com aqueles é “ v ocê fez u m a aliança p a ra v o cê a p a rtir deles” , o u seja, em
seu p ró p rio favor e à cu sta deles.1 A ideia d e fazer u m a aliança, re m e m o ra n d o
q u e a aliança era o c ern e da relação co m o S e n h o r, enfatiza d e fo rm a delib erad a
a ideia d e ap o stasia e concessão. A c o n d u ta d o p o v o afeta o c e rn e d a g raça e
g racio sid ad e divinas. A frase aqueles cujas camas você am a m o stra q u e a van tag em
fin an ceira era apenas u m a p a rte d o m o tiv o ; m ais n o c e rn e está o d esejo d o
co ra ç ã o p ela vida de pecado. O se n tid o literal d e dos quais contemplou a nude% é
“v o cê viu u m a m ã o ” . A su p o sição p o r trás da tra d u ç ã o d a N V I é q u e “ m ã o ” é
u m e u fe m ism o p a ra o falo, m as n ão há ex em p lo (ou su gestão ) d isso n o A n tig o
T estam en to . O te rm o “ m ã o ” p o d e ser u m a m e tá fo ra para p o d e r o u recu rso s
p essoais, o u seja, a p ro stitu ta , antes de aceitar u m cliente, p ru d e n te m e n te avalia
sua c o n ta b an cária (não sua perícia sexual). Isso casaria co m a referên cia a “ fez
a c o rd o ” . O u m ais u m a vez em 1Sam uel 15.12 e 2Sam uel 18.18, a palavra “ m ã o ”
significa “ m o n u m e n to ” o u “ m em o rial” e, p o r co n seg u in te, u m a p o ssibilidade
de n o m e e fam a etern o s. P o r essa razão aqui: “ V ocê tin h a visões de estabilidade
e te r n a /f a m a d u ra d o u ra ” . Isso se ajustaria ao d e se n v o lv im e n to n o versículo 9
e ta m b é m se ajusta ao e sta d o de esp írito d o s reis q u e b u scav am aliança co m as
su p e rp o tê n c ia s d e sua ép o c a (p o r exem plo, a ilusão lu n ática de E zcq u ias em
relação a M erodaque-B aladã; 39.1ss.).
9,10 Isaías, em geral, explica suas m e tá fo ra s (p o r ex em p lo , 7.17,20; 8.7),
p o r isso, aqui ele a crescen ta a realidade c o rre s p o n d e n te à h istó ria da p ro stitu ta.
A queles q u e in te rp re ta v am de fo rm a equivocada o q u e ele está fazen d o m u d am
o te x to d e fo rm a a ficar vocêfo i até M oloque (m õlek ), em vez d e “ você foi até o
rei” (m elek ). A m u d an ça m a n té m o tex to em c o n ta to co m o e le m e n to religioso
d o s v ersículos 6 e 7, m as d e algum p o n to d e vista n o versículo 8 (com certeza
de acordo/ “ c o n c e rto ” [ARC] em diante) o o u tro lad o d a m e tá fo ra vem à tona:
a p ro stitu iç ã o de si m e sm a de Israel a fim de g a ra n tir q u e o “ p o d e r” m ilitar das
g ra n d e s p o tên cias estivesse a seu lado. E zeq u iel 16 e 23 exem plificam esses dois
lad o s da m e tá fo ra d e “ p ro s titu ta ” . Se n ã o c o n se rv a rm o s o te rm o “ rei” aqui,
n ã o h á c o n te x to para em baixadores — a m e n o s q u e p e n se m o s em um a ten tativ a
literal d e ir ao m u n d o d o Sheol (não ao sepulcro [ARA])! M as o c o n te x to para
essa referên cia são os capítulos 7 e 28— 35, o s p erío d o s d e d e sa stro so s flertes
c o m a A ssíria e o E gito, resp ectiv am en te. E m 28.14,15, Isaías u so u a m e tá fo ra
d o S h eol p a ra e x p o r os po lítico s q u e v o ltaram acen an d o seu p e d a ç o d e papel e
falan d o so b re “ paz em n o sso te m p o ” — eles tin h am apen as assin ad o a o rd e m
d e m o rte nacional! A m esm a coisa a c o n te c e aqui. E ssa n ão é u m a ten tativ a de

S o b re k a ra t I' (“ fa z e r u m a alian ça e m fa v o r d e / p a r a a v a n ta g e m d e ”), v e ja 55.3.


O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 634

reg istrar o auxilio de p o d e re s so b ren atu rais, m as u m le m b re te d ire to d e que


q u a n d o o p o v o de D eu s b u sca fo rça e seg u ran ça n o m u n d o e p o r in te rm é -
d io d este, tu d o que eles co n se g u e m é a m o rte . A ex p ressão você desceu (■Jsür; C t
4.8) significa “ d escer d e ” . A s palavras “ fo ste ao rei” (TB) d esen cad eia perfei-
ta m e n te um exercício d eg ra d a n te e servil, c o n fo rm e o b se rv a m o s co m Acaz
(2Rs 16.7). S o b re cansou cf. 30.1-7; Jerem ias 2.25; 18.12. A frase com todos os seus
cam inhos é m ais b e m trad u zid a p o r “ pela a b u n d â n c ia d e seus c a m in h o s /jo rn a -
d a s” , re fe rin d o aos em b aix ad o res in d o p a ra cá e para ali sem p o u p a r e sfo rço s
para c o n se g u ir a p o io (cf. as m esm as palavras d e Js 9.13). A se n te n ç a recuperou
as fo rç a s/ “ a vida d e sua m ã o ” é sem paralelos e vivida. Se o te rm o “ m ã o ” for
e n te n d id o c o m o “ ação p e sso a l” , e n tã o tem o s: “ v o cê e n c o n tro u en erg ia para
o q u e q u eria fazer” ; se fo r e n te n d id a c o m o “ re c u rso s” , e n tã o o se n tid o seria:
“v ocê e n c o n tro u o s m eio s p a ra alcançar seu fim ” . D e to d o m o d o , o te rm o fala
da d e te rm in a ç ã o para b u sc a r o c u rso escolhido, b u sc a n d o forças n o âm ag o de
seu ser p a ra ain d a m ais u m e sfo rço , e n c o n tra n d o recu rso s n o e rá rio nacional
para ain d a o u tra jogada política.
11 Isaías, an tes d e c o n c lu ir o p o e m a ao re to rn a r ao p e n sa m e n to d a retri-
b u ição divina (veja v. 6), ex p õ e a falta de fu n d a m e n to da d e sc re n ç a {de quem você
teve tanto medo e trem or?), a p e c a m in o sid a d e d essa d e sc re n ç a {apir com fa lsid ade para
comigo), sua in d escu lp ab ilid ad e {não se lem brar de m im , o u seja, to d a a g ra n d e z a
d o S e n h o r e seus a to s an terio res) e seu ca rá te r o fen siv o {não ponderar isso em seu
coração/ “ n ã o te lem b rasses d e m im [ARC] — ao p a sso q u e em to d as as situa-
çõ es da vida ele devia ser n o sso p rim e iro p e n sa m e n to e n o sso p o r to seg u ro
e prioritário!). E m apenas q u a tro dessas d ezesseis o c o rrê n c ias o te rm o calado
(‫\׳‬h a sã ) refere-se n ã o falar. Seu prin cip al significado exige o u su g ere inatividade.
E m qual p e río d o d e te m p o é possível d iz e r q u e v e rd a d e iram e n te o S e n h o r pa-
receu inativo e n q u a n to seu p o v o buscava o u tro s deu ses e flertava co m alianças
políticas? O exílio é excluído d esse p e río d o de te m p o p o rq u e ele m e sm o foi
um a to d iv in o c o n tra esses m e sm o s p ecad o s — n u n c a m ais o p o v o p o d e ría
d izer que o S e n h o r n ão fez nada! M ais u m a vez, esses p ecad o s em evidência,
n em n o p e río d o de exílio n e m n o p e río d o d o pós-exílico, co n v id am à ação. M as
d u ra n te o p e río d o pré-exílico, o p o v o rem em o rav a o lo n g o m a n d a to d e suas
p o sses e d escartav a as ad v ertên cias p ro féticas (5.12-19; 28.9,10; cf. a in te rp re -
tação eq u iv o cad a d o silêncio d o S e n h o r em SI 50.21). E possível q u e te n h a m o s
aqui u m ex em p lo d a p reg ação de Isaías d u ra n te os lo n g o s e te n e b ro so s dias de
M anassés.
12 A frase sua retidão e sua ju stiça é o q u e so m o s e fazem os. O v e rb o em elas
não a beneficiarão é o m e sm o d e 30.5ss.
13 A ex p ressão quando você clam ar p o r ajuda é a p rim eira su g estão d o julga-
m e n to p o r vir q u e é tã o c en tral p ara esses últim o s cap ítu lo s d e Isaías. Q u a n d o
635 ISAÍAS 5 6 . 9 - 5 7 . 2 i

esse te m p o vier, eles “ clam arão ” , m as sua coleção (de ídolos é u m acréscim o expli-
cativo) será e x p o sta c o m o inútil (cf. 2.20; 31.7). E m c o n tra p a rtid a ao S en h o r,
c o m p ro m e tid o em “ re u n ir” (iq ã b a s) um p o v o universal p ara ele m e sm o (56.8),
o p o v o g u iad o pela p ro stitu ta reú n e (iq ã b a s) falsos deuses. P o r m ais sólidos
q u e eles p u d e sse m parecer, m as um vento , um sim ples sopro , u m “ a sso p ro ” (TB) é
su ficien te para os arrebatar [...].

A co n fian ça e a h e ra n ç a e o c a m in h o p a ra casa (57.13e-14)


E sse s são versículos d e transição (veja o e sb o ç o acim a).
1 3 e‫־‬g E sse versículo rem em o ra. C o n fo rm e o b se rv a m o s, havia aqueles que
ten tav am fazer sua vida na p ró sp e ra te rra d o S e n h o r p o r m eio de cu lto s da
fertilid ade e asseg u rar sua p o sse da te rra p o r m eio d e alianças p o líticas e m ilita-
res. E sse, n o e n ta n to , n ã o é o cam in h o d o S e n h o r para re c e b e r a h eran ça. E les
serão a rre b a ta d o s p elo v e n to d o julgam ento, m as aquele q u e fa i ζ de m im 0 seu
refúgio receberá a terra. E ssa é um a palavra d e g aran tia para o p o v o o p rim id o d o s
versículo s 1,2, d iz e n d o q u e a atual experiência deles e sc o n d e seu futuro. E a fé
(se refu g ian d o ) q u e traz salvação. A e x p ressão a terra fala d e p o sse, segurança
e p ro v isão ; m eu santo m onte, de aceitação na p re se n ç a d o S e n h o r e de d e sfru ta r
a c o m p a n h ia dele. M as 13e-g ta m b é m o lh a adian te, p ois sem u m a referên cia
àqueles q u e h e rd a rã o a te rra n ã o há c o n te x to p ara o ch a m a d o d o v ersículo 14
para p re p a ra r o cam in h o p ara a jo rn a d a deles para casa.
14 E sse versícu lo se liga co m 13e-g e fo rm a u m a p o n te e n tre as d u as m e-
tad es d o o rá c u lo co m p leto . A frase e se dirá é “ e le /a lg u é m d irá” . H á u m ar de
m istério e so len id ad e a resp eito d isso que d ev em o s sim p le sm e n te d eix ar c o m o
está. N ã o so m o s in fo rm a d o s q u em é o o ra d o r, o p ró p rio S e n h o r o u u m m en -
sageiro p ro fé tic o (cf. 40.6). M as e n q u a n to o “ c a m in h o ” , em 40.3, era aquele
p e lo qual o S e n h o r viria para c o n d u z ir seu p o v o p ara casa, aqui é o cam in h o
p re p a ra d o p elo qual eles viajam (c f 35.1-10). E um a e strad a c o n stru íd a , um a
trilha elevada, e, p o rta n to , n ã o é possível n ã o vê-la; ela está livre d e obstáculos de
m o d o q u e n ã o haverá tro p e ç o s n em acidentes. M as q u e m será q u e são esses
viajantes su b te n d id o s? O versículo 14, ao lev an tar essa q u estão , p re p a ra p ara os
versículos 15ss., e o versícu lo 15 c o m seu p o is inicial, dá início à resp o sta.

O S e n h o r e su a fam ília ( 5 7 .1 5 1 9 ‫) ־‬

A A in tro d u ç ã o : o o ra d o r: o D e u s exaltado, e te rn o e sa n to (15ab)


B A fam ília q u e o S e n h o r d eseja e ren o v a (15c-f)
C A criação da fam ília d o S e n h o r (16-19)
C P o r m eio da lim itação divina (16)
C2 P o r m eio da tro c a d o ferir pelo c u ra r (1 7 -1 8a)
C3 P o r m eio da to tal p ro v isão divina (18b-19)
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 636

p o e m a , seg u in d o a in tro d u ç ã o de duas linhas, c o n siste d e q u a tro estro -


fes d e q u a tro linhas cada um a. A s seções B e C 1 c o m p a rtilh a m as referên cias ao
espírito h u m a n o ; as seções O e C 2 c o m p a rtilh a m o v e rb o “ p e rm a n e c e r ira d o ”
(N V 1, irado, indignado, irado)·, as seções C 2 e C 3 c o m p a rtilh a m o tó p ic o d e seguir
ao lo n g o d o cam in h o (17c) e o se r g u ia d o (18b) e o v e rb o “ c u ra r” .
15 O S e n h o r fala p rim eiro dele m e sm o e, a seguir, d e seu lu g ar d e habi-
tação, d a fam ília q u e deseja e da n o v a vida q u e c o n c e d e aos m e m b ro s d e sua
fam ília. A ex p ressão A lto e Sublim e {rãm w'nisía ’) é a m e sm a em 6.1; 52.13. A lto c
o q u e S e n h o r é nele m e sm o — tra n sc e n d e n te; S u b lim e/ “ E x c e lso ” (TB) é o que
ele é em relação a to d o s os o u tro s — so b re to d o s. A antig a e e m o tiv a trad u ção
p o r “ q u e h ab ita na e te rn id a d e ” (ARC) (N V I, que vive p a ra sempre) n ã o está de
a c o rd o co m o u so d o su b sta n tiv o ‘ad (“ e te rn id a d e ”).1 U m a tra d u ç ã o literal c
“ u m h a b ita n te d a e te rn id a d e ” / “ h a b ita n d o e te rn a m e n te ” , p o r isso, c o m o na
N V I, o D eu s etern o .
O c e rn e d a n a tu re z a divina, a realidade lhe d á seu nome, é sua p e rfe iç ão e
m ajestade m o ra l.2 N a ex p ressão vive p a ra sempre, o v e rb o vive é isã k a n . É u sa d o
para a vin da d o S e n h o r p a ra “ h a b ita r” em m eio a seu p o v o (p o r ex em p lo , Ê x
25.8; 29.45) e está p ara ser u sa d o aqui p ara o seu p e g a r u m a fam ília p ara h ab itar
co m ele. Sua h a b ita ç ã o se eq u ip ara co m sua n atu reza, p o is ele vive n o “ alto e
sa n to ” (o te rm o lugar é u m a adição necessária). P o rta n to , q u a n d o o p o e m a co n -
tinua a falar d e o u tro s seres to m a d o s c o m o a fam ília d e D e u s p ara c o m p a rtilh a r
sua m o rad ia, fica claro q u e isso n ã o é feito p o r algum a re d u ç ã o n o s p a d rõ e s ou
na d ign idad e d e D e u s n em p o r in te rm é d io d e algum ajuste em sua n a tu re z a ou
co n cessão em relação a ela. D e algum a m an eira, ex istem aqueles q u e são trazi-
do s p ara c o m p a rtilh a r sua santidade. S o b re m as habito tam bém com veja 33.5,16.
0 te rm o co n trito / “ a b a tid o ” é u sa d o em 53.5,10 p ara o S erv o “ e sm a g a d o ” pelo
so frim en to . A qui o te rm o se refere àqueles esm ag ad o s p elo s fard o s e ataq u es
da vida, u m a referên cia aos so frim e n to s d o ju sto n o versícu lo 1. A p alav ra hu-
m ilde (·Jsãpêl, “ se r h u m ild e ”) é um d o s m u ito s te rm o s éticos h eb raico s q u e têm
o rig em d e u m a base física o u secular. O s h u m ild es são aqueles q u e sab em que
seu ju sto lugar é n a cam ad a m ais baixa, m as o S e n h o r n ã o tem in te n ç ã o d e dei-
xar as p esso as c o m o as e n c o n tra . O re v ig o ra m e n to d e sua fam ília é d e stin a d o
a c u ra r as p ro v a ç õ e s e desigualdades d esta vida; p o r essa razão, dar novo ânim o é

1 O t e r m o 'ad (“ e te r n id a d e ”) é u s a d o u m a v ez c o m o s u b s ta n tiv o (Jó 2 0 .4 ); trê s v e z e s n a


fó rm u la “ p o r to d o o s e m p r e ” (A R A ) (Ê x 1 5.18; l C r 28.9; SI 9 .1 8 < 1 9 > ) ; q u a tr o v e ze s
(in c lu in d o essa) n a fó r m u la “ d a e te r n id a d e ” (A R C ) (Is 9 .6 < 5 > ; 4 5 .1 7 ; H c 3.6).
2 A fó rm u la u su a l p a ra “ m e n c io n a r o n o m e ” é “ c h a m a d o / c u jo n o m e é ” ( p o r e x e m p lo , 1 S m
1.1; 17.4). O n d e o S e n h o r e stá e n v o lv id o , o n o m e d iv in o , e m g e ra l, p r e c e d e , “ o S e n h o r
d o s E x é rc ito s é o se u n o m e ” ( p o r e x e m p lo , 4 7 .4 ; 4 8 .2 ; 51.15). I s s o su g e re q u e n o c a s o
p r e s e n te (cujo nome ésanto), “ s a n to ” (c o m o “ Z e l o s o ” e m Ê x 3 4.14) n ã o é u m a d e s c riç ã o d o
n o m e d e D e u s , m a s c o m o ele é c h a m a d o , o u seja, “ c u jo n o m e é ‘S a n to ’ ” ,
637 ISAÍAS 5 6 .9 - 5 7 . 2 i

“ d a r v id a” àqueles cuja vida é h u m ilh ad a e esm agada. A p esar d e n o u so geral


h av er m u ita so b re p o siç ã o e n tre os te rm o s psico ló g ico s espírito e coração, q u a n d o
u sa d o s ju n to s, o espírito é a capacidade d e e n tra r na vid a co m v ig o r e iniciativa e
coração é o lad o co n te m p la tiv o da vida, o re in o da reflexão e d a apreciação.
16 O “ p o rq u e ” (ARC) inicial d esse v ersículo (o m itid o p ela N V I) transflor-
m a -o em u m a explicação d o versículo 15, d a m esm a m a n e ira c o m o o versícu-
lo 15 é u m a explicação d o versículo 14. C o m o será q u e o S e n h o r co n seg u irá
fazer q u e essas p esso as c o m p a rtilh e m sua h ab itação santa? P rim eiro , p o r m eio
d e u m a restrição n ã o explicada em sua p ró p ria n a tu re z a , u m a recu sa em visitar
sua ira em to d a sua extensão. A ex p ressão não fa r e i litígio é “ e n tra r co m p ro -
c e d im e n to legal c o n tra ” , e permanecerei irado sugere q u e há aquele q u e incita a
o p o siç ã o e a ira divinas. M as se o ju lg am en to a p ro p ria d o fo sse p assad o , os p o -
d eres vitais (espírito) das p esso as e seu apegar-se à p ró p ria vid a (sopro) en trariam
em colapso. Para os te rm o s “ esp írito ” e “ vida”/ “ s o p ro ” ju n to s veja 42.5; para
“ s o p r o ” c o m o a frágil vida h u m a n a , veja 2.22. A frase 0 sopro do homem é “ e o
s o p ro q u e eu m e sm o criei” . O plural “ alm as” (ARC) p ro v av elm en te refere-se a
“ coisas q u e re sp ira m ” , seres de fato vivos em sua frágil existência. O p ro n o m e
e n fá tic o eu, “ eu m e sm o ” , p o r assim dizer, ap re se n ta o p ro b le m a divino: ele
m e sm o e sco lh eu criar, p o d e ría ele, p o rta n to , d e stru ir sem dificuldade?
17 A h istó ria da h u m a n id a d e d ia n te de D e u s n ã o facilitava o dilem a divino.
A ex p ressão cobiça perversa é “ a iniquidade de seu g a n h o n o c iv o ” . “ In iq u id a d e ”
(ARC) é o desvio d a n o rm a , a co n tração da lei de D e u s na vida h um ana. Sobre
“ cobiça p erv ersa” (besa) veja 56.1 le. A qui ela significa a b u sca inescru p u lo sa do
interesse próprio. D o lado de D eus, isso produziu ira (fiquei indignado refere-se à na-
tu re z a de D e u s o fe n d id a e incitada), o p o siç ã o ativa (feri/ “ castigue!” [N T L H ])
e re tiro u a c o m u n h ã o e o favor divinos (escondí 0 m eu rosto). M as n ad a disso
e fe tu o u a m u d a n ç a n o h o m e m p e c a m in o so q u e continuou extraviado, seguindo os
caminhos que escolheu/ “ rebeldes, seguiram o cam in h o d o seu c o ra ç ã o ” (A RC), ou
seja, c o n tin u o u a viver de a c o rd o co m sua p ró p ria n a tu re z a (“ c o ra ç ã o ” [ARC]),
c o m u m estilo d e vida (“ c a m in h o s”) q u e o afastam m ais e m ais (“ d esv iad o s”)
d e D eus.
1 8 a D e re p e n te tu d o m uda; o S e n h o r lança u m n o v o d ecreto . N ã o p o rq u e
o h o m e m te n h a m u d a d o (seus caminhos ain d a c o n tin u a m ), n ã o p o rq u e o S e n h o r
d ecid iu negligenciar o p e c a d o ([eu] vi), m as p o r u m m o tiv o n ã o d eclarad o , algo
q u e é v erd ad e n o co ração de D e u s e v erd ad e p ara a n atu reza d e D e u s, “ feri” se
tra n s fo rm o u em “ curarei” . P ara essa co in cid ên cia de idéias veja 19.22, e para
um a m u d a n ç a sem elh an te n ã o explicada d a ira para a salvação veja 12.1. A so-
lução p a ra a co n d iç ã o h u m a n a b ro ta d o Senhor.
1 8 b 1 9 ‫ ־‬E ssa e stro fe final te rm in a co m u m a referên cia a “ c u ra r [...]” , que
fo rm a u m a ligação co m a e stro fe p re c e d e n te. P o d e m o s e n te n d e r c o m o um a
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 638

d eclaração sum ária, o u seja, a c o n ju n ç ã o usada p a ra in tro d u z ir u m a explicação:


“ E m u m a palavra, eu o cu rarei” . E ssa cu ra c o m p le ta da p o b re h u m an id ad e
caída q u e so fre c o m a d o e n ç a d o p e c a d o envolve p rim e iro re d ire c io n ar a vida
(eu 0 guiarei) p o r m eio d a qual o p e c a d o r extraviado (17c) é d iv in a m e n te p o sto
em um n o v o curso. S egu ndo, u m a experiência c o m p le ta d e c o n so lo (tom arei a
dar-lhe consolo/ “ lhes to rn a re i a d a r c o n so la ç õ e s” [ARC]). O p e c a d o r co n h ece
a c o n triç ã o e a h u m ild ad e (15d-f); agora to d a s as m isérias d e e sta r em p ecad o
e d e so fre r as ad v ersid ad es d o p ecad o serão m u d ad as p o r u m c o n so lo pleno.
19 T erceiro, O S e n h o r criará louvor nos lábios dospranteadores de Israel. A N VI
fez u m tra b a lh o in te rp re ta tiv o d e larga escala aqui. U m a tra d u ç ã o literal d o tex-
to h eb raico seria: “ D a re i c o n so lo c o m p le to a ele e a seus p ra n te a d o res, crian-
d o o fru to d o s láb io s” ; ou: “ D a re i c o n so lo c o m p le to a ele, o u seja, p ara seus
p ra n te a d o res, c ria n d o o fru to d o s lábios” . P o rta n to , a referên cia n ã o é à v o z de
louvor, m as a q u a lq u e r coisa q u e seja c o rre ta p ara os “ p ra n te a d o re s ” d izerem , ü
q u e Isaías ex p ressa de m o d o p o é tic o é a verd ad e fu n d a m e n ta l d e q u e sem arre-
p e n d im e n to n ã o h á e n tra d a n o s c o n so lo s d a salvação e q u e ap en as D e u s p o d e
criar d e fo rm a so b e ra n a a capacidade de se a rre p e n d er. S o b re criando ('íb ã rã ’)
veja 1.5. N ã o h á n ada n o to d o d a salvação q u e n ã o seja ap en as a o b ra criativa de
D eu s, n e m m e sm o as palavras de p e sa r p o r m eio das quais o p e n ite n te (cf. 1.27)
v olta p ara casa. O a sp e c to final da cu ra d a h u m a n id a d e é a ex p eriên cia d a verda-
d e e de paz in in te rru p ta em escala universal. A re p e tiç ã o pa% pa% é a e x p ressão
id io m ática h eb raica p a ra o q u e é su p erlativ o em tip o e to tal em ex ten são , a
verd adeira paz, e paz p a ra a exclusão de tu d o o m ais.1 A e x p re ssã o aos de longe
e aos de perto significa em to d o lugar e se refere à o fe rta e ex p eriên cia universal
da o b ra d e D e u s n a salvação. N e ssa últim a e stro fe (veja o e sb o ç o acim a), c o m o
ao lo n g o d o s versículos 15-17, as referên cias p e rm a n e c e m n o sin g u lar “ ele”
(A A R C está e rra d a e equivocada em o fe re c e r os n o versícu lo 19c; veja o início
d essa o b se rv a ç ã o so b re os versículos 18b-19). A salvação alm ejada e ab raçad a
indiv idu alm ente.

A paz: a im p o ssib ilid a d e de p az p a ra o ím p io (57.20,21)


E ssa últim a seção d o p o e m a to d o te rm in a co m u m a p a lístro fe em “ os
ím p io s” da m e sm a m an eira q u e iniciou co m um a p alístro fe em “ o ju sto ” (1).
E m e lh o r d a r a am bas as palavras sua relevância forense, o u seja, o s q u e são
declarad os in o c e n te s e os q u e são declarad o s cu lp ad o s d ia n te d o trib u n a l da
justiça divina. N a frase como 0 m a r agitado, o p a rticip io é passivo, daí “ o m ar
b ra v o ” (A R C ), sujeito às forças q u e o deixam tu rb u le n to , rev o lto e in c o n sta n te .

1 S o b re a re p e tiç ã o c o m o u m a e x p r e s s ã o id io m á tic a veja 6.3. C f. G n 14.10, e m q u e “ p o ç o s ,


p o ç o s ” sig n ific a “ c h e io d e p o ç o s ” / “ m u ito s p o ç o s ” ( C N B B ) / t o d o s o s p o ç o s ; D t 1 6.20,
e m q u e “ ju stiç a , ju s tiç a ” (A R C ) sig n ific a “ a p e n a s / s o m e n t e a ju s tiç a ” ; e e m 2 R s 2 5 .1 5 , e m
q u e “ o u r o , o u r o ” sig n ific a “ o u r o p u r o ” .
639 ISAÍAS 5 8 . 1 5 9 . 1 3 ‫־‬

P o rta n to , essas forças n ã o são externas, elas são as forças de sua p ró p ria n atu re-
za. Λ e x p re ssã o incapasç de sossegar/ “ n ã o p o d e a q u ietar” (ARC) é m u ito enfática,
“ po is n ã o p o d e ficar q u ie to ” (TB). O v e rb o expelem c o ativo d o v e rb o i ga ras
c o m o se n tid o d e “ agitado, re v o lto ” ; to d a sujeira é trazid a a céu a b e rto (cf. M c
7.20-23). E ssa é a im ag em d a c o n d ição d o ím pio, m as a terrível realidade é pela
palav ra divina (di% 0 m eu D eus), o ím p io n ã o te m pasç. E ssa g ra n d e palavra de
inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final de um a
seção] (veja v. 2) o lh a além d este m u n d o para o p ró x im o m u n d o , o lh a além da
h u m a n id a d e p a ra D eu s. A ex p ressão os ím pios n ã o têm p a ^ c o m D e u s n em en-
tra m n a pasç n a m o rte.

c. O pecado exposto e confessado (58.1—59.13)


Veja o e sb o ç o principal (p. 617), n o qual essa seção c o rre s p o n d e a A 2 e C l ,
e ta m b é m o e sb o ç o da página 619 e os c o m e n tá rio s gerais em cada u m deles.
A p assag em 58.1-14 é um ch a m a d o para o p o v o d e D e u s re c o n h e c e r seu
p e c a d o e rebeldia; 59.1-13 m o stra q u e há aqueles q u e receb em e p o d e m exer-
citar o d o m d iv in am en te criad o d o a rre p e n d im e n to d o qual falava a passagem
57.18b-19.

U m a crític a d a religião (58.1-14)


A palavra revelada d e D e u s (1) vem às p esso as m u ito religiosas (2), m as
n ã o e n c o n tra m satisfação na religião delas (3). D e algum m o d o , D e u s n ão está
re s p o n d e n d o a eles. A in d a assim , falan d o d e fo rm a d ireta, a religião ex p o sta
aqui, re p o u sa em p rin cíp io s can an eu s, em vez de em p rin cíp io s javistas. A es-
sência d a religião cananeia era p re ssio n a r o s deu ses para realizar suas fu n çõ es
(daí, p o r exem plo, o q u e d e n o m in a ría m o s d e rituais org iástico s d e stin a d o s a
e stim u lar B aal a a to s d e fertilidade). E esse e sp írito q u e o versícu lo 3 revela.
E les ag em como se fossem um a nação que f a ç 0 que é direito (2c), m as o m o tiv o é
p re ssio n a r o S e n h o r a re s p o n d e r e, p o r isso, o d e sâ n im o (3) p e lo fato de que
ta n ta p ie d a d e d o lo ro sa n ã o c h a m o u a a ten ção divina! A essência d a religião is-
raelita, n o e n ta n to , é a resp o sta. N ã o fa z e n d o coisas p ara in flu en ciar o S enhor,
m as fazen d o -as p ara o b e d e c e r a ele; n ã o o b ra s p ro c u ra n d o re c o m p e n sa , m as
fé a g in d o em ob ed iên cia. P o r essa razão, Isaías co n tra b a la n ça o jejum d esesp e-
ra d o d o s versículos 2 e 3 co m o jub ilo so g u a rd a r d o sáb ad o d o s versículos 13
e 14. Pois o sáb ad o , em to d o s os se n tid o s, tra z -n o s ao c ern e d o assu n to . E um
v e rd a d e iro teste da religião de “ c o ra ç ã o ” d ed icar to d o u m dia a D e u s e fazer
isso co m alegria. O sá b a d o é, p rim eiro, um ch a m a d o a c o n sa g ra r o calen d ário
d a vida a D eu s, a a d o ta r um estilo para os seis dias d a sem an a q u e p e rm ita que
o sé tim o seja u m dia se p a ra d o (E x 16.22-30; N m 15.32-36). M as o s vcrsícu-
los 13 e 14 v ão além c o n se g u in d o o calen d ário c o rre to ; esses v ersícu lo s são
d o m in a d o s pela palavra deleitoso (ARC) (13c, 14a) e seus derivados. O co ração é
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 640

tão cativ ado p o r D e u s q u e o dia se p a ra d o é u m a alegria. E sse é o m o tiv o para


a ênfase n o sá b a d o n o s capítulos 56— 66; é o sím b o lo d e to d a u m a vid a e cora-
ção d e v o ta d o s ao Senhor.
O c a p ítu lo 58, da p ersp ecd v a teológica e p rád ca, p e rte n c e a 1.10-20. As
d uas p assag en s são a m esm a em c o n te ú d o , ênfase e m o v im en to . E m am bas, é
a aliança p ro fa n a e n tre m eticu lo sid ad e religiosa e falha p esso al q u e é co n d en a-
da, em p articular, a p re te n sã o de q u e é possível se r v e rd a d e iram e n te religioso
e so cialm en te indiferente. S m art a p re se n ta o a ssu n to c o m ex ad d ão : “ U m das
únicas características bíblicas da fé é q u e n ã o h á relação g en u ín a c o m D e u s que
n ã o seja ao m e sm o te m p o u m a relação co m o p ró x im o ” .1

A 1 A v o z d e re p re e n sã o (1)
B1 U m jejum sem u m a b ên ção : o falso ex p o sto ,
a ên fase n o aflito (2-5)
C O co n tra ste : o jejum d o e sc o lh id o d o S e n h o r
e as b ê n ç ã o s d essa disciplina esp iritu al (6-12)
a1 A ên fase social (6,7)
b1 As recompensas pessoal e espiritual (8-9b)
a2 A ên fase social (9c-10b)
b2 As re c o m p e n sa s p esso al e espiritual
(10c-12)
B2 U m a festa c o m u m a b ên ção : a v erd ad e elogiada,
a alegria en fatizad a (13-14a)
A 2 A v o z d a p ro m e ssa (14b-d)

A d istrib u ição das palavras ao lo n g o d o p o e m a su ste n ta essa análise. As


v o zes c o n tra sta n te s (A 1, A 2), am b as referem -se a “Ja c ó ” , a p rim eira e x p o n d o
o p ecad o d a casa de Jacó, e a seg u n d a p ro m e te n d o a h e ra n ç a d e tu d o q u e foi
p ro m e tid o a Jacó. A s seções B 'e B 2 usam o g ru p o d e palavras ihãpês n o m esm o
sen tid o d e “ agradável p ara si m e s m o ” (2af, 3c, 13bf). O c o n tra ste e n tre elas é
su sten tad o , de u m lado, p e lo jejum (3a,4ac,5a) e a ên fase n a h u m ilh ação (3c,5b);
e, d e o u tro lado, p e lo sá b a d o (13ac) e a ênfase n o deleite (13c,14a). N a seção C
central, a 1 e a2 re fe re m -se ao jugo (6ce,9c), u sa o v e rb o isãlah (“ en v iar” ; 6d, pôr,
9d, estender [ARC]) c refere-se a alim en tar o faminto (7a,10a); e as d u as seções
b 1 e b 2 referem -se à /u% (8 a,lü c) e usam o n o m e d iv in o Jeo v á (TB) (8 d ,9 a,l la).

A voz d e re p re e n sã o (58.1)
O p ro p ó s ito d o p o e m a é p ro d u z ir a co n v icção d o p ecado. D e a c o rd o co m
57.19, o a rre p e n d im e n to é u m a o b ra criativa d o S en h o r, m as a p ro c la m a ç ão de

S m a rt, p. 2 47.
641 ISAÍAS 5 8 . 1 5 9 . 1 3 ‫־‬

sua palavra é o m eio q u e ele usa para criar p e n ite n te s (os quais e n c o n tra re m o s
em 59.1-13). A ex p ressão grite a lto / “ clam e em v o z alta” (ARC) é um a ex p ressão
ún ica e n fa tiz a n d o o real e v erd ad eiro u so da v o z h u m a n a , ex atam en te c o m o o
versículo 14d e n fa ü z a rá q u e a p ro clam ação re su lta n te é a boca do Senhor (v. 14,
A R C ). A trom beta (sôpãr ) era p ro e m in e n te nas narrativ as d o Sinai (Ê x 19.16,19;
20.18). A v o z p ro fé tic a aqui é a voz da lei, te n ta n d o e x p o r a rebelião (p esa ‘;
53.5,8) e o s pecados (h a ttõ "ot, falhas reais o u específicas; 6.7; 53.12).

U m je ju m sem u m a bênção: o falso e x p o sto (58.2-5)


S o m o s alertad o s, p elo p o is inicial (um a c o n ju n ç ã o explicativa), para o fato
de q u e a p esar da p rá d c a religiosa das p esso as p a re c e r sã (2a-f), h á em relação a
ela que, se d e v id a m e n te avaliada, é de fato a rebelião e o p e c a d o co m os quais
o v ersícu lo 1 os acusa. P o r co n seg u in te, as tra d u ç õ e s p o r parecem desejosos (2b f)
e como se (2c) são in te rp re ta çõ e s c o rretas, e m b o ra n ão literais. O q u e a p rim eira
e stro fe (2) indica assim , a segunda (3a-4b) d esenvolve ao e x p o r a m o tiv ação d o
jejum deles (3a-d), a m an eira c o m o eles usam o dia d e jejum (3cf) e o resu ltad o
d isso (4ab). A últim a e stro fe (4c-5) rejeita esse jejum c o m o in fru tífe ro da pers-
pectiva espiritual (4cd) e, p o r ser apenas u m a d e m o n stra ç ã o e x tern a (5a-d), é
inaceitável p a ra o S e n h o r (5ef). A s três e stro fe s são, re sp ectiv am en te, de seis,
seis e o ito linhas.
2 A p rá tic a religiosa deles parecia digna de louvor. E la era assídua (dia a
dia), c o m p ro m e tid a (procuram ; cf. 31.1; 55.6; 65.10) e d e v o ta d a (o p ro n o m e me
d e té m a p o siç ã o enfática — “ é a m im q u e p ro c u ra m ”). O v e rb o parecem (ilu ipês;
cf. o su b sta n tiv o h êp es n o s w . 3e,l 3cf) n ão lança ele m e sm o n e n h u m a dú v id a
n a realidad e espiritual deles; o v erb o sim p le sm e n te diz q u e eles “ d esejam ” ou
“ g o sta ria m d e ” (cf. 53.10). A o q u e tu d o indica, o deleite deles é u m m o d e lo que
to d a religião v erd ad eira deveria re p ro d u z ir, po is eles q u e re m conhecer (2b), fazer
(2c), p erse v e ra r sem fazer c o n cessõ es (2d) a p re n d e r (2e) e p ra tic a r a p resen ça
d e D e u s (2f). O s m andam entos/ “o ju ízo ” (TB) são o q u e o S en h o r, c o m o rei
deles, “ julga” ser c o rre to para eles em q u a lq u e r situ ação ap resen tad a. As decisões
ju s ta s / “ d ireito s d a ju stiça” (ARC) são as decisões em relação o c o m p o rta m e n to
te rre n o q u e reflete os p rin cíp io s de d ireito celestiais. A frase parecem desejosos de
que D eus se aproxim e deles/ “ têm p ra z e r em se ch eg ar a D e u s ” (ARC) refere-se ao
uso das o rd e n a n ç a s p o r m eio das quais eles se “ a p ro x im |a m |” d e D eu s (jq a re b ;
cf. seu u so em Lv 1.2) dele o u sua resu ltan te p ro x im id ad e deles.
3 O q u e p arece ser o p ro d u to d o “ c o n te n ta m e n to ” (ARC) (2bl), n a ver-
dade, é u m a política calculada co m o o b jetiv o d e g e ra r um a reação celestial
(3a-d). O ú n ic o jejum o rd e n a d o pela lei era o D ia da E x p iação (Lv 23.26-32),
q u e era um a “ re u n iã o sag rad a” , um te m p o de h u m ilh ação de si m e sm o , sem
trab alh o , um “ sáb ad o d e d escan so so len e” (A RA ) (sabbatsahbátòn). M as cia-
O LIV RO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 642

ra m e n te h á algo m ais en volvido nas q u e stõ e s a p resen tad as aqui. Sem dúvida,
na a tm o sfe ra religiosa form alista indicada em 1.1 Oss. havia m u ito d o espírito
farisaico de L ucas 18.12' em q u e o e le m e n to d e “ deleite” n o S e n h o r p o r meio
d a o b ed iên cia resp o n siv a se tra n s fo rm o u na realização d e o b ra s m eritórias. O s
versículo s 3e e 4a co m eçam co m hên (“ e is /a c a s o ” (TB]), c h a m a n d o a atenção,
resp ectiv am en te, p ara o trab alh o e x te rn o p rá ú c o (3ef) e “ esp iritu al” (4ab) do
dia religioso deles. Isso n ão invalida um ato religioso se o p o v o e n c o n tra prazer
n o q u e e stã o fazen d o , m as eles estavam u sa n d o o dia d e jejum c o m o se fosse
um feriado — um ta n to c o m o o d o m in g o d o s n o sso s dias se tra n s fo rm o u em
u m seg u n d o sá b a d o sem anal. (4 que era um dia de d e sc a n so p ara o em prega-
d o r p a sso u a ser u m dia d e “ ex p lo ra ç ã o ” , o u “ o p re ssã o ” , p ara sua equipe. N ão
so m o s in fo rm a d o s c o m o isso se resolve; m as em c o n tra p a rtid a ao “ a g ra d o ”,
d e u m lado, havia ex p lo ração d o pró x im o , e, de o u tro lado, '¡nagas é o v e rb o do
“ fe ito r” de Ê x o d o 3.7. O s empregados (a ssa b d e V ãsab, “ estar em so frim e n to ”
e, p o r isso, en fatiza a q u alidade trab alh o sa d o tra b a lh o deles) é u m substantivo,
d o c o n trá rio , n ã o usado.12
4 a b “ E is” (ARC) q u e seu jejum termina em discussão é (lit.) “ v o cê jejua para
d iscu tir” e apenas aqui o v e rb o “ jejuar” é seg u id o da p re p o siç ã o “ p a ra ” . A iro-
nia é c o n tu n d e n te : u m a vez q u e seu jejum se m p re te rm in a em b riga, co m certe-
za é “ p a ra ” isso q u e serve! O q u e foi feito co m a in te n ç ã o d e in flu en ciar a D eus,
o b v ia m e n te , tro u x e à to n a o p io r d o e sp írito h u m a n o , p o is é fácil im ag in ar a
in q u ietu d e q u e resultaria se um a fam ília b asic a m e n te n ã o esp iritu al passasse o
dia ju n ta s e n tin d o cada vez m ais fom e! O lado p o sitiv o d essas acu saçõ es é que
os exercícios religiosos p ro v am sua validade ao serem p ro d u tiv o s em cu id ad o
(3f) e san tid ad e pessoais (4ab).
4 c -5 A ú ltim a e stro fe é a rejeição explícita d o S e n h o r d o s exercícios religio-
sos deles. O jejum — u m a su g estão calculada dirigida ao S e n h o r (3a-d), u m dia
de p ra z e r d o p ró p rio in d iv íd u o para a d e sv an tag em d e o u tro s (3ef) e p ro v o ca-
d o r d o s p io res e le m e n to s d o esp írito h u m a n o (4ab) — n ã o traz re su lta d o espi-
ritual (4cd) p o rq u e n ã o p assa de um a to fo rm al (5a-d); n ã o tem n e n h u m valor
n o céu (5ef). A frase e esperar que a sua vo^seja ouvida no alto é (lit.) “ a fim d e fazer

1 W e s te r m a n n c o m e n ta Z c 7.3 c o m o u m in d ic a tiv o d a ê n fa s e p ó s-e x ílic a n o je ju m , m as a


p a s s a g e m te m p o u c o q u e v e r c o m o p r o b le m a q u e Isaías e s tá tr a ta n d o aq u i. O s q u e stio -
n a d o r e s ali n ã o p e r g u n ta m q u a is jeju n s g u a rd a r, m a s q u a is jeju n s p o d e m s e r a b a n d o n a d o s .
A s p a s s a g e n s tê m e m c o m u m a p e n a s o p e n s a m e n to d e jeju m e m q u e o S e n h o r n ã o en-
c o n tr a n a d a a a p ro v a r, m a s e sse p r o b le m a , e m q u a lq u e r p e río d o , é e n d ê m ic o e m to d a s as
p rá tic a s relig io sas.
2 B H S , p a ra o t e r m o ‘a ssã b , su g e re 'õ b i t (“ u m d e v e d o r ” ; “ v o c ê p r e s s io n a s e u s d e v e d o r e s ”).
O t e r m o V ã b a j n ã o a p a re c e e m n e n h u m a o u tr a p a s s a g e m n a fo rm a p a rtic ip ia l. A I.X X
d á s u s te n ta ç ã o p a ra o T M . A p a s s a g e m SI 12 7 .2 u sa o s u b s ta n tiv o re la c io n a d o sã b tm n o
s e n tid o d e “ e s f o r ç a r - s e ” , tr a b a lh o q u e e x ig e e sfo rç o .
643 ISAÍAS 5 8 . l - 5 9 . i 3

sua voz ser o u v id a ” . O jejum d o D ia d a E x p ia ç ã o n ã o estava e x p lícitam en te


ligado à o ração , m as o jejum e a o ra ç ã o são p arceiro s n aturais e p re c io so s, a últi-
m a fo rn e c e n d o o p ro p ó s ito para o p rim eiro , e o p rim e iro crian d o o afastam en -
to e a c o n c e n tra ç ã o d e m e n te necessários para a últim a. As palavras apenas [...]
apenas são adições in terp retativ as, m as co rretas. H u m ilh ja r / a si m e sm o faz p a rte
da disciplina d o D ia d a E xpiação. L evítico 23.27,29 usa as m esm as p alavras que
Isaías Ç innãh n ep es ), m as n ão é fo rn ecid a n e n h u m a o rie n ta ç ã o p ara explicar
isso. O p o v o d e Isaías 58 ritualizara o exercício to d o na cab eça inclinada, n o
p a n o d e saco e nas cinzas. A frase como 0jun co ex p õ e o fo rm a lism o d o exercício
in teiro ; o exercício era tão a u to m á tic o e sem c o m p re e n sã o q u a n to u m junco
d ia n te d o vento. A ex p ressão pano de saco é m e n c io n a d a 33 v ezes n a Bíblia c o m o
u m a d ju n to p ara a h u m ilh ação de si m e sm o d ian te d o S e n h o r (p o r ex em p lo , N e
9.1) e co m p re e n siv e lm en te, po is so m o s criados co m u m a u n id a d e d e c o rp o e
alm a, e as p o stu ra s e as disciplinas co rp o ra is p o d e m d e fato a u m e n ta r o respei-
to e a h u m ild a d e d e m e n te e coração. JVfas o p a n o de saco n ão é o rd e n a d o na
lei, e n e n h u m “ auxílio” está im u n e de d e g e n e ra r em rep resen tação .

O jejum do escolhido do Senhor e as bênçãos dessa disciplina espiritual (58.6-12)


A m e n sa g e m d essa seção cen tral d o p o e m a fica claro a p a rtir de sua for-
m ação a-b -a-b (veja o e sb o ç o acim a). A ex te n sã o d a id e n tid a d e d o v o cab u lário
e n tre o s versículos 6a e 5a estabelece u m a base d e in terp retação . N o versícu-
lo 5a, n ã o era o jejum c o m o tal que o S e n h o r n ã o esco lh era, m as o u so feito d o
te m p o q u e o dia de jejum criara. O S en h o r, ta m b é m n o v ersículo 6a, n ã o rejeita
a p rá tic a d e jejuar (contra S m art), m as insiste (veja W esterm an n ) q u e u m dia de
jejum se valida p o r e sta r re p le to de o b ras de a p rim o ra m e n to social (cf. o elo
e n tre a falsa religião e o e rro social em A m 2.8). P o r c o n se g u in te , é o cu id ad o
d o n e c e ssita d o (6,7,9c-10b) que p ro v a te r v alo r n o céu (cf. w . 4cd,5ef) ao trazer
b ê n ç ã o s pesso ais (8-9b,10c-12).
6,7 E sse s versículos in sistem q u e os o b jetiv o s d e um dia d e jejum são a
criação d e u m a so cied ad e justa (6), a satisfação de n ecessid ad es individuais (7a-
c) e o c u id a d o d o m é stic o (7d).
6 A se n te n ç a soltar as correntes da in ju stiç a / “ ligaduras da im p ied ad e” (ARC)
a p o n ta para a n ecessid ad e de trab alh ar a rd u a m e n te pela a abolição de todas as
m an eiras em q u e as e stru tu ra s sociais erradas, o u os m alfeito res da sociedade,
d e stro e m o u d im in u em a devida liberdade d o s o u tro s. A frase desatar as cordas
dojugo refere-se à n ecessid ad e de elim inar to d a s as m aneiras em q u e as p esso as
são tratad as c o m o anim ais. O s oprim idos são aqueles “ alq u eb rad o s” pela vida.
N ã o b asta tra b a lh a r p o r m elhoria; o o b jetiv o ta m b é m é assegurar o s valores
p o sitiv o s q u e se p e rd e ra m . E m vez d a escravidão e d o a lq u e b ra m e n to deveria
h aver lib erd ad e — n ã o apenas a p e rd a das c o rd as d o jugo, m as ta m b é m a que-
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 644

b ra d o p ró p rio jugo, q u e r d a injustiça (6b), q u e r da d esu m a n id a d e (6c), q u er da


desig uald ade (6d).
7 E sse versículo, em c o n tra p a rtid a, alcança casos individuais. N o p o n to em
q u e os objetiv o s d o versículo 6 são in ev itav elm en te de lo n g o te rm o , sem p re há
coisas im ed iatam en te à m ão, co m o , p o r exem plo, o p ro v im e n to d e alim ento,
ab rig o e ro u p a s p o r in te rm e d io d o e n v o lv im e n to pesso al direto. A expressão
p a rtilh a r sua com ida/ “ rep artas o teu p ã o ” (A RC) sug ere serv ir d e fato alim ento
p ara o fam in to ; o te rm o abrigar é (lit.) “ tra z e r p ara casa” o u “ tra z e r p ara d entro
d e casa” e se re fe rre a a b rir a casa; e, vendo (ARC) fala d a re sp o sta im ed iata para
a n ecessidade. T a m b é m há a o b se rv a ç ã o m u ito p rática d e q u e h á to d o u m cam-
p o d e cu id a d o na casa e n a fam ília, po is é possível ser so cialm en te sensível e
d o m e stic a m e n te m íope. H á um u so id ê n tic o de não recusar/ “ n ã o te e sco n d as”
(ARC) (11‘ã/am) em D e u te ro n ô m io 22.1 (“ ig n o re ”).
8,9b E ssa seção d escrev e as c o n se q u e n te s b ê n ç ã o s pessoais. A queixa do
v ersículo 3a-d é cancelada p ro n ta e v ig o ro sam en te: a i sim (8a,9a) é u m a conjun-
ção enfática. O v e rb o irrom perá ( jb ã q a j é “ ro m p e r” c o m o u m a in u n d ação de
águas (cf. G n 7.11). Q u a tro b ê n ç ã o s são p ro m etid as. P rim eiro , u m n o v o com e-
ço para a vida (a sua lu% irrom perá como a alvorada)·, seg u n d o , a restau ração , o u cura
( ,‫״‬rükâ; te rm o u sa d o em J r 30.17 para a c arn e n o v a c re sc e n d o so b re a ferida, e
em N e 4.1,2 p a ra “ re sta u ra r”); e terceiro, a seguran ça, co m a retidão c o m o um
g u ard a avan çad o e a glória c o m o u m g u a rd a n a retagu ard a. (Veja 52.12 para
a im ag em e R o m a n o s 13.12 e 2 C o rín tio s 6.7 p ara o p e n sa m e n to .) O S en h o r
p ro v ê retid ão (53.11; 54.17), o te m e n te a D e u s a veste c o m o arm a d u ra . A frase
a glória do Senhor sugere o S e n h o r em to d a sua glória, sua g lo rio sa p re se n ç a guar-
diã. A q u a rta b ê n ç ã o é a livre c o m u n h ã o co m o S e n h o r (9ab). O te x to hebraico
tem ên fases relevantes: “ V ocê ch am ará e o p ró p rio S e n h o r resp o n d e rá ; você
clam ará p o r ajuda e, im ed ia ta m e n te , ele d irá ” .1 A ex p ressão a qu i esto u / “ eis-m e
aq ui” (ARC) é a re sp o sta d e um serv o à esp era (cf. G n 22.1,11; IS m 3.4ss.).
9c-10b O s versículos v o ltam ao u so a p ro p ria d o d o dia d e jejum , co n cen -
tra n d o -se ag o ra de u m a fo rm a m ais p ro n u n c ia d a n o c o m p o rta m e n to e n o en-
v o lv im e n to pessoais. A referên cia ao ju g o (9c; opressor é u m a ad ição da N V I)
recap itula o versículo 6, m as n ã o o relaciona ag o ra ao fato d e q u e a sociedade
c o m o um to d o está e stru tu ra d a de fo rm a s injustas, d e su m a n a s e desiguais, mas
ao c o m p o rta m e n to p esso al c o m o o de im p o r fard o s aos o u tro s. A ex p ressão
0 dedo acusador n ã o é e n c o n tra d a em o u tra s passagens, m as P ro v é rb io s 6.12ss.
m o stra q u e ela significa “ agir p o r m eio de alu são ” — o ac e n o d e aquiescência
co m a cabeça, o p iscar de o lh o s de aq uiescência o u a su g estão , o ru m o r não

1 A o rd e m d a p a la v ra e n fa tiz a “ o [p ró p rio ] S e n h o r ” . A e x p re s s ã o “ im e d ia ta m e n te ” reflete


o fa to d e q u e o v e r b o é c o o r d e n a d o n a f o r m a , s u g e r in d o q u e o c h a m a d o e a re s p o s ta são
in se p ará v eis.
645 ISAÍAS 5 8 . l - 5 9 . i 3

atribuível. E m u m a palavra, é possível te r u m a co nsciên cia social m u ito de-


senv olv ida (6), m as se r p e sso a lm e n te o p ressiv o e tu rb u len to . T ip ic a m e n te , a
ex p ressão fa lsida d e no fa la r é escolhida p a ra d esaprov ação . A frase se com renúncia
própria você beneficiar os fa m in to s e sa tisfizer 0 anseio dos aflitos é “ se v o cê d o a 1 sua
alm a ao fa m in to e satisfaz a alm a d o o p rim id o ” . O te rm o “ alm a” é u sad o co m
freq u ên cia c o m o m e tá fo ra para “ necessidade, d e se jo ” , daí: “ se você d o a r p ara o
fa m in to o q u e q u e r p ara você m e sm o e satisfizer as n ecessid ad es d eles” . A im a-
g em é de u m c o m p ro m isso d e te rm in a d o e sacrificial q u e u ltrap assa até m e sm o
as exigências d escritas n o versículo 7.
1 0 c-1 2 E ssa seg u n d a série de b ê n ç ã o s c o rre s p o n d e aos v ersícu lo s 8-9b.
P rim eiro , h á u m a clara o rie n ta ç ã o n a vida (1 0 c -lla ). A im ag em d e lu% aqui
n ã o está relacio n ad a c o m “ alv o recer” (a im agem d e um n o v o c o m e ç o , c o m o
n o v. 8a), m as co m as trevas e, p o r c o n seg u in te, co m as p erp lex id ad es d a vida,
as o casiõ es em q u e n ã o sab em o s que cam in h o seguir. M as essas trev as serão
su b stitu íd a s p ela c o n sta n te o rie n ta ç ã o divina (11a). S egu n d o , há a b ê n ç ã o da
p ro v isã o d ivina em te m p o d e necessidade. A ex p ressão terra ressequida pelo sol
(sahsãhôt) só é e n c o n tra d a aqui, m as o te rm o i sã ha h significa “ ser b ra n c o ” (Lm
4.7). O adjetivo c o g n a to significa “ b rilh an te, liso, d e s n u d o ” (E z 24.7) o u “ n ão
p ro te g id o ” (N e 4 .1 3 < 7 > ), e há um o u tro su b sta n tiv o ( f hi hei) co m o se n tid o de
“ te rra árida, seca” (SI 6 8 .6 < 7 > ). O p e n sa m e n to n ã o é q u e satisfação o S en h o r
c o n c e d e rá, m as onde ele c o n c e d e rá isso — q u a n d o tu d o está em sua co n d ição
m ais so m b ria e m e n o s p ro m isso ra . M as a p ro v isã o d iv in a n ã o é ap en as exterior,
ela ta m b é m é o fo rta le c im en to in te rio r d o s alicerces, o d o m d a d u rab ilid ad e.*2
T erceiro , as b ê n ç ã o s d o s no v o s recu rso s v in d o s de fo ra, c o m o a água em um
ja rd im , e a p a rtir de d e n tro , c o m o as águas de um a fo n te. Q u a rto , h á as b ên ção s
da re sta u ra ç ão e da co n tin u ação . A e x p ressão seu povo é “ aqueles seu s” , o u seja,
aqueles ain d a p o r nascer. E ssa é u m a p ro m e ssa d e co n tin u a ç ã o e b ê n ç ã o alean-
ç a n d o as g eraçõ es p o r v ir (E x 20.6; P v 20.7) e e ste n d e n d o -se d a recu p eração
d o d e sa stre p a ssa d o ( velhas ruínas) à p ro v isã o p a ra o b e m -e sta r fu tu ro (ruas e

' O q a l d e i p ü q sig n ific a “ c a m b a le a r” (28.7); o h ip h il, “ b a la n ç a r” (Jr 10.4), “ a c h a /o b t é m ”


(P v 3 .1 3 ; 8 .3 5 ) o u “ re c a ir” (SI 140.9; 1 4 4.13). A N V 1 e x p re s s a b e m o se n tid o d o te x to
h e b ra ic o . N o e n ta n to , a f o r m a jussiv a a q u i c o n f u n d e D r iv e r (155 O b s ). A G K C 109h
e x e m p lific a o s ju ssiv o s n a p r ó te s e d e u m a o r a ç ã o c o n d ic io n a l (SI 4 5 .12; 104.20; Is 41.28).
P o r isso , a q u i é o e q u iv a le n te a u m ‘im (“ s e ”) re p e tid o . N ã o h á n e c e ssid a d e d e s e g u ir a
B H S n a a lte ra ç ã o d e w ‘_ tãpêq p o r W Jãpiq.
2 O t e r m o ih ã la s n ã o a p a re c e e m o u tr a p a s s a g e m n a f o r m a c a u sativ a e n c o n tr a d a aqui.
S e u q a l sig n ific a “ d e s c o b rir, re tira r-s e , a fa s ta r-s e ” ( D t 25.9; L m 4.3; O s 5.6). S u a f o r m a
m a is c o m u m é o p a rtic ip io p a ssiv o , “ d e s n u d a d o ” (e, p o r c o n se g u in te ) “ e q u ip a d o p a ra a
g u e r ra ” . S e e sse é o c o n te x to a p ro p ria d o , e n tã o , o s e n tid o é “ a p ro n ta r, e q u ip a r ” . M a s se
o t e r m o e stá re la c io n a d o c o m o s u b s ta n tiv o Iflã s a y im (“ l o m b o ” ), e n tã o a ideia b á s ic a d o
t e r m o é “ f o r ç a ” e, p o r c o n s e g u in te , “ fo rta le c e r” .
O LIV RO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 646

m oradias). A queles q u e d esejam um a d a ta pós-exílica p ara essas p assag en s en-


c o n tra m aqui u m a referên cia à re c o n stru ç ã o d e p o is da v o lta d a B abilônia, mas
1.6ss. indica a relevância para a é p o c a de Isaías.

U m a festa com u m a bênção: a v erdade elogiada, a alegria en fatizad a (58.1314 ‫־‬a)


O sá b a d o n ã o era um dia d e jejum , m as d e festa. Isaías c o m b a te o ne-
g ativ ism o de sua ép o c a (2-5) n ão só co m as o b ra s p ositivas e p ro m e ssa s dos
v ersículo s 6 1 2 ‫־‬, m as tam b ém ao c o lo car a festa c o n tra o jejum . O S e n h o r está
m ais in teressad o n o deleite de suas b ê n ç ã o s p o r m eio da o b ed iên cia q ue nas
p rivaçõ es au to im p o stas. O cern e da verdadeira religião é se c o n fo rm a r ao que
D e u s o rd en a. Veja a página 640 para o lu g ar d esses versícu lo s n o p o e m a co m o
um tod o. A p re sc riç ã o de Isaías p ara o u so d o sá b a d o é su rp re e n d e n te m e n te
negativa e n ã o d iretiva q u a n to c o m p a ra d a co m sua p ró p ria p o stu ra p o sitiv a em
relação ao u so a p ro p ria d o d o dia d e jejum . (4 m o tiv o p a ra isso é q u e o sábado,
p o ssiv elm en te c o m o d istin to d o jejum — o qual os ind iv íd u o s p o d e m im p o r
a si m e sm o s o u que, de te m p o s em te m p o s, p o d e ser d e c re ta d o p u b licam en te
— faz p a rte d o decálogo, e Isaías n ã o queria ir além das p rescriçõ es negativas
afirm ad as ali. E d a n a tu re z a de um a o rd e m negativa d eix ar m ais lib erd ad e de
m o v im e n to q u e u m a o rd e m p ositiva jam ais p o d e ría fazê-lo. A ên fase n o versí-
cu lo 13a-d é o re c o n h e c im e n to d o sáb ad o c o m o sa n to e h o n o ráv el; e, em e-f,
na p ro te ç ã o d o sáb ad o d e atividades im p ró p rias. A frase se você vigiar seus p és para
não profan a r 0 sá b a d o / “ se desviares o teu pé d o sá b a d o ” (ARC) equivale a “ vigie
seus p a sso s n o sá b a d o ” (cf. E c 5.1). E m u m a palavra, o sá b a d o exige o viver
c u id a d o so e p o n d e ra d o . O sáb ad o n ã o é um dia para fa ^ e r 0 que bem quiserem
p o rq u e ele é m eu santo dia e m erece ser h o n ra d o {honroso). N o e n ta n to , o sáb ad o
n ão é u m fard o p o rq u e , v e rd a d e iram e n te e n te n d id o , é u m a “ delícia” (en q u an to
a A R C trad u z p o r deleite, 'õ n eg ). P o r co n seg u in te, é u m dia p ara u so rev eren te
e p o n d e ra d o , ju n to co m um a d o ce alegria. O fa to r d e te rm in a n te é se essa ou
aquela atividade p ro fa n a o u h o n ra a san tid ad e d o dia, se é u m a m era in d ulgên-
cia d e u m p ra z e r (fa je ro que bem quiserem) o u u m a p re fe rê n cia p esso al {seguir seu
próprio caminho) o u se c o n d u z a um “ d o c e deleite” n o S e n h o r e suas o rd en an ças.
A ex p ressão fa la r futilidades / “ c o n v e rsa n d o à to a ” (N T L H ) é e n c o n tra d a ap en as
em D e u te ro n ô m io 18.20, em que é usada p ara u m a palavra sem au to rização
divina, um a m era palavra h u m a n a , p o r isso aqui, “ b a te -p a p o ” .
14a E sse versículo acrescen ta ainda o u tra b ê n ç ã o co m u m e n fático então
(cf. w . 8a,9a). O uso verd ad eiro d o sá b a d o traz d eleite n o p ró p rio S en h o r. A
ex p ressão terá /...] a sua alegria é u m a fo rm a reflexiva d o v e rb o q u e fo rn e c e o
su b sta n tiv o “ d eleite” (ARC) n o v ersículo 13c. A s o rd e n a n ç a s d o S e n h o r, usa-
das d e fo rm a verd ad eira, são m eio s de g raça, c a m in h o s p ara o p ró p rio S en h o r.
647 ISAÍAS 5 8 . 1 5 9 . 1 3 ‫־‬

A voz d a p ro m e ssa (58.14b-d)


A frase a boca do Se n h o r (A RC), e q u ip a ra n d o o “g rite alto ” d o a ra u to p ro -
fótico (1), fala a palavra final. E sse versículo, em c o n tra ste co m a acu sação de
reb elião (1), é u m a p ro m e ssa de b ê n ç ã o (o “ e” na frase e eu fa rei d eve ser tra ta d o
c o m o explicativo). E p ro m e tid a um a b ê n ç ã o dupla: a co n fian ça em face d a vida
(so b re cavalgue nos altos da terra , cf. D t 32.13; 33.29; H e 3.19) e a alegria co m as
b ê n ç ã o s da aliança. A sen ten ça fa r e i com que você / . . . / se banqueteie/ “ te alim enta-
rei” (TB) ex p ressa a a p ro p ria ç ão e satisfação pessoais. A frase a herança de fa có
é tu d o q u e o S e n h o r p ro m e te u an cestralm en te. D e a c o rd o co m o versícu lo 1,
fo ram os d e sc e n d e n te s de Ja c ó que p ecaram , m as ag o ra são esses p ecad o res
q u e e n tra m n o s b en efício s da aliança. O “ p o rq u e ” (ARC) inicial an tes de a boca
(ARC) devia ser restau rad o . Veja 1.20, passagem em q u e a afirm ação d a palavra
divina, c o m o aqui, vem n o c o n te x to de “ o b ed iên cia e alim e n ta ç ã o ” . Isso for-
tífica ain da m ais a ligação en tre esses c a p ítu lo s q u e estã o ev id en tes d o c o m e ç o
ao fim (veja p. 640).

Acusado, culpado, penitente e sem esperança (59.1-13)


0 p ro p ó s ito da p assagem 58.1-14 era e x p o r a reb eld ia e o p e c a d o (v. 1). A
p assag em 59.1-13 segue na sequência, c o n te n d o m ais acu saçõ es (1-8) seguidas
d e um a co n fissã o ta n to de culpa q u a n to de im p o tên cia. O s v ersícu lo s 1 e 2, em
p articu lar, e n c o n tra m seu c o n te x to em 58.3,4. O p o v o jejuou, m as n ão teve su-
cesso em atrair a aten ção divina o u c o n se g u ir ser ouvido . M as o p ro b le m a não
dizia re sp e ito n e m ao fato d e o S e n h o r ouvir, m as ser in cap az de agir (59.1a)
n e m ao fa to de ele n ã o co n seg u ir o u v ir ( lb ) , m as devia-se ao p e c a d o q u e levan-
to u u m a b a rre ira e n tre eles e seu D e u s (2ss.).
A ssim , 59.1-13 elab o ra e aplica o c a p ítu lo 58 e faz isso em u m m o v im e n to
em três partes. O s versículos l-4 b são ex p resso s n a seg u n d a p e sso a d o plural,
n iv elan d o as acusações diretas; os versículos 5-7 são u m a d escrição na terceira
p e sso a d o plural, e o s versículos 9-12 são um a co n fissão n a p rim eira p esso a d o
plural. O s versículos 4cd, 8, 13 são declarações sum árias co n c lu in d o suas res-
p ectiv as seções. O to d o é escrito em linhas parelhas, fato b e m refletid o na N V I.

A a cu sação (59.1-4)
A falha p a ra a qual a passagem 58.3,4 ch am a a ten ção n ão está n o S en h o r,
m as n a reb elião e n o pecado, que causaram u m a sep aração (2ab) e alienação
(2cd). H á, em p articular, p ecad o s pessoais d e ação (3ab) e de fala (3cd) e peca-
d o s n o d o m ín io p ú b lic o (4ab). E m su m a, falta à vida u m só lid o fu n d a m e n to
(.apoiam-se) e in teg rid ad e pessoal (m entiras)·, as am b içõ es e m o tiv açõ es d a vida
(concebem) e seu e fe ito e resu ltad o (geram) ta m b é m são o e rro (4).
1 O te rm o eis (ARC) é “ vejam ” . A palavra braço devia ser “ m ã o ” , o sím b o lo
de ação, hab ilid ad e e recu rso pessoais. N ã o é c o m o se o S e n h o r o u v isse, m as
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 648

n ã o tivesse fo rça n e m suficiência para re sp o n d e r. O te rm o ouvido d e n o ta tanto


capacid ade q u a n to d isp o sição de p re sta r atenção.
2 S o b re iniquidades (ARC) (àwòri) e pecados (h a tta j ) veja 58.1. O pecado
p rim eiro ab re um a b ism o (separaram ) e, depois, cria u m a alienação div in a {es-
conderam /.../ 0 rosto de/e). A frase vocês do seu D e u s / “ e n tre vós e o v o sso D e u s”
(ARC) m o s tra a falta de n aturalidade d a situação; o n d e devia h av er unidade
havia divisão. A se n te n ç a esconderam [.../ 0 rosto é a d im e n sã o p esso al d a situação.
A fissura é significativa da o fen sa feita ao S enhor. A p o n tu a ç ã o tradicional de
esconderam de vocês 0 rosto dele está c o rre ta em relação à de W atts, q u e tran sferiría de
vocês p ara a lin h a seguinte (ou seja, “ ele n ã o os o u v irá ”) p ara a qual ele cita evi-
dências inexatas. O S e n h o r n ã o é apenas o fe n d id o p elo p ecad o , ele é o fen d id o
p elo pecador. A frase ele não os ouvirá é u m a declaração ab so lu ta re je ita n d o a pos-
sibilidade de ser o u v id o an tes de a b arreira levantada p elo p e c a d o ser rem ovida.
3 S o b re m ãos /... /' manchadas de sangue cf. 1.15. O te rm o m anchadas/ “ con tam i-
n a d a s” (ARC) significa to rn a d o im p ró p rio para D e u s; o p e c a d o deixa u m a m ar-
ca e u m a c o n tam in ação . Isaías em p arelh a “ m ã o s” e “ d e d o s ” em 2.8; 17.8. N o
e n ta n to , aqui o te rm o m ãos n ã o é yã d , m as ka p , a palm a o u “ esfera d e ação ” da
m ã o (se fo r algum a coisa, essa é u m a acusação m ais específica d e e n v o lv im en to
pessoal). O s dedos d e n o ta m to q u e direto, detalhad o . O sangue é o m al feito aos
o u tro s, a cu lp a / “ in iq u id ad e” (ARC) a d ep rav ação in te rio r e a c o n ta m in a ç ão
d o c o ra ç ã o d o qual flui d a n o específico. O s lábios e a língua são u m ex em p lo de
d u p licação p o r ên fase e a in te n ç ã o é c o b rir to d o s os asp e c to s d a fala. S o b re os
p ecad o s d e fala veja 53.9. (A única referên cia a lábios em Isaías é em 6.5; so b re
língua cf. 3.8; 32.4; 35.6; 57.14). A palavra m entiras (seqer ) é falsidade específica;
o te rm o p a ra palavras ím pias Ç ãW Ía, “ d esvio c o m p o rta m e n ta l”) é u m a palavra
m ais a b ra n g e n te , d e n o ta n d o d eslealdade geral n a fala, ta n to n o q u e n ã o é certo
q u a n to n o q u e n ã o é co n v en ien te.
4 As duas prim eiras linhas d esse versículo, c o n tin u a n d o o catálo g o d e pe-
cad o s q u e alienam de D e u s, p o d e m se referir à c o rru p ç ã o n o sistem a legal, m as
isso n ã o é a b so lu ta m e n te c e rto em 4a. A frase “ pleiteia sua causa co m ju stiça”
é (lit.) “ clam e em ju stiça” (qãrã^b ‫ ;)־׳‬so b re essa ex p ressão id io m ática, veja 41.25.
O se n tid o m ais provável aqui é “ p ro c la m a r ju stiça” , o u seja, a p e sso a co m u m
a d o ta n d o um p a d rã o p ú b lic o d o q u e é c e rto e fa z e n d o isso p o r p rin cíp io s jus-
tos. S o b re pleiteia sua causa com ju stiça veja 5.22; 29.21; A m 2.7; 5.12. O p o n to
aqui, p o r c o n se g u in te , n ã o é a c o rru p ç ã o d o juiz, m as o m au u so d o p ro c e sso
legal p ara fins ilegais. O últim o p a r de linhas d o versículo 4 co n siste d e q u atro
in finitivos ab so lu to s, re su m in d o o estilo de vida d o p o v o c o m o “ a p o iam -se em
a rg u m e n to s vazios e falam m en tiras; c o n c e b e m m ald ad e e g eram in iq u id ad e” ,
o u seja, “ n ã o co n fiam n o S e n h o r n e m falam a verdade, c o n ceb em d ano, p ro d u -
z in d o p ro b le m a ” . S obre tõhü {argumentos vadios) veja 24.10. Isaías n ã o está relatan­
649 ISAÍAS 5 8 . l - 5 9 . i 3

d o o que o p o v o achava nem o que achava que eles estavam fazendo, m as explica
as im plicações d e qualquer confiança que não seja a confiança n o Senhor. Talvez
eles te n h a m vin d o a um a posição planejada de confiança n o g overno, co n fian d o
na segurança coletiva de alianças defensivas arm adas, c o n fia n d o b o m senso fun-
dam en tal de to d a pessoa de boa-vontade; m as o fato é q u e to d a co n fian ça, exce-
to a p o sta n o S en h o r, é c o n fia r n aq u ilo q u e n ão faz sen tid o , n em é confiável. O
te rm o tõhu tra n sm ite um estad o de fluxo. Λ palavra m entiras n ã o é a m esm a do
versícu lo 3c, m as o te rm o m ais ab ra n g e n te s a w \ o esp írito d a inco n fiab ilid ad e,
to d a a aura de in d iferen ça à verdade. S o b re iniquidade Ç ãm ãl) veja 53.11 e so b re
m aldade Çãwen, “ e r r o ” e o p ro b le m a q u e ele causa) veja 55.7.

A d e sc riç ã o (59.5-8)
Λ a p re se n ta çã o m u d a para a terceira p esso a e é um a declaração objetiv a da
situação, ta n to da p ersp ectiv a figurativa (5a-6b) q u a n to da real (6c-7). A s linhas
iniciais (5ab) c o n tin u a m a p a rtir d o versículo 4d e a seção é co n clu íd a p o r um a
d eclaração sum ária (8). O s versículos iniciais {chocam [...j sai) e final (pa%[...jpa%)
são p alistró fico s, fo rn e c e n d o u n id ad e form al para a seção.
5 a -6 b O p rim e iro p a r de linhas o ferece as duas ilustrações, ovos e teias. O s
pares seg uintes d e linhas d esen v o lv em cada um a das ilu straçõ es cm sequência.
A s d u as ilu straçõ es são de u m “ p ro d u to ” , o p rim e iro prejudicial aos o u tro s
(5acd) e o se g u n d o inútil para o c ria d o r dele (5b,6ab). O v e rb o chocam está n o
te m p o p e rfe ito d e n o ta n d o ca rá te r fixo; tecem está n o te m p o im p erfeito , d en o -
ta n d o c o n d u ta habitual. H á um fa to r c o n sta n te em n ó s, c o m o p ecad o res, q ue
é u m a am eaça para os o u tro s e q u e nos deixa c o n tin u a m e n te ineficazes n o que
fazem o s p o r n ó s m esm os. O p e c a d o é um co n tág io e u m a fru stração . N o s ter-
m o s d a m e tá fo ra , comeré, c o m p a rtilh a r o s fru to s d o p e c a d o e, p o r c o n seg u in te,
c o m p a rtilh a r sua c o n d e n a ç ão {morre). O q u e b ra r1 d o o v o p o d e se referir à pre-
p aração p ara c o z in h a r e c o m e r o u p o d e re p re se n ta r o p o siç ã o aos p e cad o res e
seus cam inh os. D e to d o jeito, a m u d an ça de cobra (5a) p a ra víbora (5d) (as tra-
d u ç õ e s são um ta n to titu b e a n te s, ex p erim en tais), p ro v av elm en te, indica q ue o
q u e c o m e ç a m al se m p re fica p io r, q u e r nas m ão s d o am ig o (co m en d o ) q u e r nas
m ão s d o in im ig o (esm agando). A frase 0 quefa% em é (lit.) “ suas o b ra s” (com o
n o v. 6c). A ex p ressão “ tecem teias” é um a m e tá fo ra p ara fazer p lan o s (30.1)
e p ara c o b e rtu ra in ad eq u ad a (28.20). O m e lh o r e sfo rç o d o p e c a d o r deixa-o
insatisfeito, sem provisão.
6 0 7 E típ ico de Isaías explicar suas ilustrações, e os três pares seguintes de
linhas são d ed icad o s a isso. As palavras iniciais, suas obras, fo rm a m um a ligação

1 O v e r b o hazzüreh é o p a rtic ip io p a ssiv o d e Ίζμγ (“ e s p re m e r, t o r c e r ” , J z 6.38; “ e s m a g a r” , J ó


3 9 .1 5 ). G K C 7 4 d c o m e n ta as fo r m a s fe m in in a s “ c o m o e n f ra q u e c im e n to d a m o d u la ç ã o a
p a r a e ' c m l R s 2 .3 6 -4 2 ; Z c 5.4. V eja ta m b é m GÁT. 80Í c B H S s o b re zu n i.
O LIVRO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 650

tip o “ d o m in ó ” (perdida na N V I, veja lo g o acim a) co m o versícu lo 6b. A expres-


são obras[...]más Çãwen; ações d e rebeliões) é c o m o n o v ersícu lo 4d. C on tin u a
a ê n fase n o efeito d a vida p ecam in o sa. C) p e c a d o r está p e sso a lm e n te envolvido
(mãos,pés, correm, ágeis,pensamentos) e o s o u tro s são ferido s (violência,sangue ino-
cente, ruína edestruição). A violência (hãmãs) é o c o m p o rta m e n to p e rtu rb a d o r (cf.
53.9). A ex p ressão corrempara 0 mal/ “ levam ao c rim e ” (C N B B ) é u m a palavra
gen érica d e n o ta n d o q u alq u er tip o d e erro. O inocenteé aq u ele q u e n ã o m erece
esse tratam en to . O te rm o pensamentosé (lit.) “ avaliação” , p e n sa m e n to que leva a
form ular um plano (cf. 55.8,9). E sses pensam entos são maus Çãwen-,c o m o acima):
o q ue eles planejam resulta em problem a para os outros. Ruína Çsõd)é um a palavra
gen érica para e ru p ç ã o d e “d ev a sta ç ã o ” ; a destruição(esp ecíficam en te “ ru p tu ra ”)
leva ao co la p so da so cied ad e, à frag m en tação de tu d o q u e está o rd e n a d o e as-
sentado.
8 E sse versículo 4 cd, o lh a a e stro fe em retro sp ectiv a e faz u m co m e n tá rio
geral. A ideia d elin ead a de pasç fo rn e c e o tópico. O s p e cad o res n ã o “ co n h e-
ce m ” a paz (8a) e seu estilo d e vida (veredas) n ã o os leva à paz (8d). S o b re patç¡
veja 53.5. O te rm o caminho, c o n fo rm e aco n te c e co m freq u ên cia, significa estilo
de vida. O v e rb o conhecemé o c o n h e c im e n to c o m o u m a ssu n to d e experiência
pesso al, íntim a. Justiça (mispãt) é u m a palavra m u ito versátil (cf. 42.1); aqui, ela
p ro v av elm en te se refere à “ reg ra” , o u d iretriz, pela qual a vida é dirigida. N ã o
há su b serv iên cia para o “ ju lg a m e n to ” n em para a m e n te d e D eu s. A frase eles
as transformaram em caminhos tortuosos é “ eles d e sv irtu a ra m seus c a m in h o s p o r
si m e s m o s /p a r a seu p re ju íz o ” . E les, ao recu sarem a “ reg ra d a lei” de D eus,
tra n sfo rm a ra m sua vida em u m a in tricad a co n fu são , e a re sp o n sab ilid ad e é to-
talm en te deles. A se n te n ç a quem andarporelesnão conheceráapasç,o u seja, o futu-
ro n ã o te m n e n h u m p ro s p e c to de pa% (paz co m D eu s, so cied ad e h a rm o n io sa ,
realização pessoal) p o rq u e a estra d a n ã o leva a ela. A e x p re ssã o poreles/“ n ele”
é um sin gular p articu larizad o r, significando em to d o e q u a lq u e r c a m in h o tor-
tuoso.

A confissão (59.9-13)
A p rim eira p e sso a d o plural indica q u e h á aqueles q u e vêm a se a rrep en d er.
A o b ra secreta d a cap acitação divina (57.19a) e o efeito d a p re g a ç ã o d a lei de
D e u s (58.1-14) o s tra z e m ao lugar em q u e são p re p a ra d o s para c o n fe ssa r as
trevas(9), a im p o tê n c ia (10), a am arg u ra (1 la b ), a d e se sp e ra n ç a (1 le d ) e a culpa
p esso al (12,13) d o pecado. N o s versículos 9-11, a ên fase é n a n ecessid ad e; n o
v ersículo 12, n a culpa. A s d istin tas fo rm as gram aticais (infinitivos ab so lu to s)
d o versículo 13 (veja abaixo) indicam q u e (co m o n o s w . 4 cd e 8) ele é u m su-
m ário q u e e n c e rra a estrofe.
651 ISAÍAS 5 8 . l - 5 9 . i 3

9-11 E sse s versículos são sep arad o s p o r um inclusio[criar u m a e stru tu ra ao


p ô r m aterial sim ilar n o inicio e n o final d e um a seção] — ajustiça estálonge de
nós(9a) e livramentoÍ...Jestálonge/“ salvação [...] está lo n g e d e n ó s ” (ARC) (1 Id ).
O eq uilíb rio e n tre justiça e retidão n o versículo 9 ab e e n tre justiça e livramento/
“ salvação” n o versículo t i e d m o stra c o m o te m o s de e n te n d e r esses term o s.
K justiça n ã o é “ a so cied ad e justa” c o m o tal, m as a reg ra d e D e u s q u e define
tu d o c o m d ireito s; a retidãote m o m e sm o se n tid o q u e em 56.1, a a to p o r vir de
D e u s em q u e v in d icará e d e m o n stra rá sua re tid ã o e c u m p rirá to d o s seus justos
p ro p ó sito s. C o n fo rm e diz S m art, “ ju stiça” e “ re tid ã o ” são “ sin ô n im o s para
d e n o ta r o dia da re d e n ç ã o d e D e u s” .12
9 O porissoÇalkên, “ p o rta n to ”) inicial co n e c ta esse v ersícu lo co m o versí-
cu lo 8. A ev id ên cia fo rn ecid a pela p re se n ç a da d o e n ç a e d o s sin to m a s d o peca-
d o p ro v a q u e o an siad o ato de D e u s ainda n ão aco n teceu . Isaías, ao u sa r a pri-
m eira p e sso a d o plural, c o n tin u a a se identificar co m seu p o v o n o p e c a d o d este,
c o m o em 6.5 (cf. 1.9; 2.5; 8.10; 9 .6 < 5 > ; 32.15; 33.21,22; 53.6; 63.7; 64.6,7,12).
O u so m e ta fó ric o de lusç(ARC) e de trevasé especial p ara Isaías, e m b o ra n ão
seja exclusivo dele (cf. 2.5; 5.20,30; 42.6,16; 45.7; 51.4; 58.8,10). E ssa m e tá fo ra é
u sad a para o M essias em 9.2< 1 > ; 4 9 .6 ,6 0 .1 ,3 (cf. 10.17; 13.10; 30.26; 60.19,20).
A luz m essiânica, e n tre os p ro fetas, é um a ideia peculiar a Isaías, e n o s p ro fe-
tas, a m e n ç ã o ao S e n h o r c o m o luz é e n c o n tra d a apen as em M iqueias 7.8. N a
p re se n te p assag em , o te rm o trevasé um a referên cia à e scu rid ão d e ste m u n d o ,
0 cen ário em q u e o p o v o d o S e n h o r vive. E le n ã o é a b ra n d a d o de m o d o que
até m e sm o a claridade(um “ lam p ejo ” o u “ v islu m b re ” d e luz), q u a lq u e r p e q u e n o
sinal d e D e u s cm operação , seria bem -v in d o . M as eles o lh a m e n ã o e n c o n tra m
n e n h u m sinal.
10 O p ro b le m a , n o e n ta n to , é m ais p ro fu n d o , p o is a m e tá fo ra tam b ém
d escrev e um a co n d iç ã o da n a tu re z a h u m a n a , as trevas d o cego[...] não tem olhos.
A cegueira é u m a d e sv e n tu ra q u e p o d e se r corrigida, m as n ã o te r o lh o s, falando
d a p ersp ectiv a h u m a n a , é u m a c o n d ição irreversível, q u e só p o d e ser co rrig id a
p o r u m ato de nova criação. P o r isso, n ã o im p o rta quais são as circu n stân cias
e x tern as; o meio-diae a noite— é tu d o a m e sm a coisa. N a frase apalpando 0 muro,
tateamos/ “ ap alp am o s [...] a n d a m o s a p a lp a n d o ” (ARC) o m e sm o v e rb o o c o rre
d u as vezes. Tropeçamosp o rq u e o d efeito está em nós, n ã o em n o ssas c ircu n stân -
cias. P o r co m p a ra ç ão , os o u tro s são fortes /asmanmm).2 N o e n ta n to , o p e c a d o
debilita, e o p o v o d o S e n h o r é um a pálida so m b ra d o que eles g o sta ria m de

1 S m a rt, p. 2 54.
2 ( ‫ ר‬te rm o ‘asmannim n ã o é e n c o n tra d o e m o u tra p a ssa g em , m as o se c o “ n ã o e x p lic ad o ” d e Kfí
é u m lap so su rp re e n d e n te . A palavra i~sãmên significa “ e star g o rd o , saudável” (cf. nusmanriim,
“ fo rte, saudável, v ig o ro so ” ; 10.16). O h e b raico te m m u ito s su b stan tiv o s fo rm a d o s c o m o aleph
d e p r ó te s e c o m o a q u i; p o r isso , “ o fo rte , v ig o r o s o ” .
O LIV RO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 652

ser ( como os mortos). E les estão “ c e g o s” (ARC) q u a n to à v isão e claridade para


c o n d u z ir a vida, “ tro p e ç a [n d o ]” q u a n to à c o n stâ n c ia e à estab ilid ad e d a vida,
“ m o r to s ” q u a n to à vitalidade e à energia p ara se lev an tar e seguir em frente.
11 O te rm o urramos (jnãham, c o m o em 5.29,30) é u m u rro d e raiva, pois
o s te m e n te s a D e u s estão co m raiva d o caos em q u e o p e c a d o tra n s fo rm o u o
m u n d o de D e u s e a vida deles m esm o s, além d e estarem fru stra d o s co m sua
p ró p ria im p o tê n c ia d ian te d o pecado. O sa n to g e m id o d o S e n h o r Jesu s (Mc
7.34; J o 11.38) nas desgraças d o m u n d o é m ais d o q u e p o d e m o s aspirar, m as
Paulo o u v iu se c re ta m e n te o g e m id o de u m a criação fru stra d a (R m 8.22) e com -
p a rtilh a m o s o g e m id o co m ela (Rm 8.23). Isaías c h e g o u ali an tes d e Paulo. A
ex p ressão gememos comopombas é usada em o u tro tre c h o d a E sc ritu ra em relação
a E zeq u ias, e n q u a n to estava m o rta lm e n te d o e n te e a g u a rd a n d o co m esp eran ça
p o r u m a to de D e u s q u e tro u x e sse vida e saúde (38.14). T a m b é m o s tem en tes
a D e u s la m e n ta m e so fre m em seu pecado.
12 C o n te m p la -se u m a cen a d e trib u n al co m o S e n h o r c o m o juiz e o peca-
d o c o m o o acusador. S o b re transgressões/“ atos de reb eld ia” (C N B B ) veja 53.5;
58.1. O s pecadossão lap so s específicos. O su b sta n tiv o n o p lural está lig ad o com
um v e rb o n o singular, testemunham, co m um efeito ind iv id u alizad o r: “ n o sso s
p ecad o s — cada u m deles te ste m u n h a ” . U m “ p o is” inicial (o m itid o pela N V I)
explica p o r q u e n o sso s p ecad o s p o d e m te ste m u n h a r d e fo rm a tã o eficaz: não
te m o s d efesa a o fe re c e r p o rq u e as acusações são v erdadeiras! E las e stã o sempre
conoscoc o m o co m p a n h ia s c o n sta n te s e só p o d e m o s reconhece[r]q u e as tran sg res-
sões são n o ssas (lit. “ e c o n h e c e m o s nossas in iq u id ad es”); e sta m o s p esso al e
in tim a m e n te u n id o s a elas. D e fo rm a reveladora, o “ lad o in te r n o ” d a palavra
iniquidades Çãwõn; 53.5), u sad a para a co n d iç ã o d e p rav ad a d o co ração , aparece
aqui, em vez d e u m a re p e tiç ã o d e “ p e c a d o s” (os lap sos ex terio res) faz paralelo
co m o versículo 12b. F alam os a p a rtir da “ in fo rm a ç ã o in te rn a ” .
13 E sse versículo, c o m o o versículo 4, usa infin itiv o s a b so lu to s p ara trans-
m itir u m c o m e n tá rio g en é ric o so b re a e stro fe e, c o m o o v ersícu lo 4, enfatiza
o s p ecad o s d e fala e usa a m e tá fo ra de “ c o n c e p ç ã o ” . O juiz d ia n te d e quem
ficam os (12a) é aquele c o n tra q u e m n o ssa rebelfiãoie traiiçãoié dirigida (13a). A
rebel¡iãoj (co m o n o v. 12a) é a recusa o b stin a d a d a reg ra d o S e n h o r; a trafição!
é o re p ú d io d a n o ssa lealdade d ad a a ele. A frase deixarde seguir0 nosso Deus/
“ re tira rm o -n o s d o n o sso D e u s ” (TB) é o a b a n d o n o d a c o m p a n h ia dele. Israel,
c o m o u m a jovem noiva, era c o n h e c id a p o r “ m e seguijr] p elo d e s e rto ” (Jr 2.2),
m as isso foi revertido. A língua ( conceberam é lit. “ falando”) exterioriza o que é
in tern am en te verdade n o coração. O p ecado co n tam in a to d o n o sso ser. A opressão
é o crim e social de m altratar aqueles so b re quem estam os em um a p o sição de po-
der, m as ta m b é m é um p ecad o a ser c o n fessad o diante de D eus. N ã o p o d e haver
u m relacionam ento verdadeiro co m o S e n h o r que n ã o seja ao m e sm o te m p o um
653 ISAÍAS 5 8 . l - 5 9 . i 3

re la c io n a m en to g e n u ín o co m as pessoas. D a m esm a m an eira, p e c a r c o n tra as


o u tra s p esso as é p e c a r c o n tra D eus. Revolta é o afastar-se de D eu s d e fo rm a ar-
ro g an te. A frase proferiras mentiras que os nossos corações conceberam é “ c o n c e b e n d o e
m u rm u ra n d o as palavras d e falsidade d o c o ra ç ã o ” . D ia n te d o juiz n ão p o d e m o s
a d m id r q u e n o ssa c o n d u ta tem sido falha, m as d e fe n d e m o s a p u reza d o n o sso
co ração, p o is é n o co ra ç ã o q u e nasce a m entira.
B. A vinda do Conquistador Ungido
( 59. 14— 63.6 )
A cen a é p re p a ra d a para o m o v im e n to seg u in te n a g ra n d e ap re se n ta çã o de
Isaías p o r m e io das palavras: “ O lh o u o S e n h o r [...] viu [...] a d m iro u -se [...] u so u
a justiça [...] salvação [...] v in g an ça” (59.15c-17c). A p ro m e tid a v in d a d a “ reti-
d ã o ” (56.1) está p ara aco n tecer, m as n o sso e n te n d im e n to d o q u e isso envolve
foi e n riq u e c id o p elo s cap ítu lo s 56— 59 e pela d escrição d esses c a p ítu lo s da
co n d iç ã o d o p o v o universal d o S e n h o r am eaçad o e o p rim id o p elo s o p o n e n te s,
a to rm e n ta d o e d e rro ta d o p e lo pecado. P o r essa razão, o S e n h o r se atrib u iu , de
um lado, a tarefa d a salvação e, de o u tro lado, a d a vingança. O c e rn e d a pas-
sagem 59.14— 63.6, n o e n ta n to , é o su rg im e n to d e u m in d iv íd u o in esp erad o .
E m 59.21, p ro m e te -se u m a aliança divina co m eles, m as im e d ia ta m e n te a pas-
sagem p ro sse g u e p ara se dirigir a você (singular m asculin o ) c o m o d o ta d o c o m o
E sp írito e a palavra d o S e n h o r e c o m p a rtilh a n d o essa d o ta ç ã o c o m tua (ARC)
(m asculino singular) “ p o ste rid a d e ” / “ filhos” . A exegese cu id ad o sa d eve cu id ar
d essa n o táv el m u d a n ç a d o plural p ara o singular. M as ain d a m ais, u m in d iv íd u o
faland o em sua p ró p ria p e sso a aparece em 61.1. E le n ã o p o d e se r to ta lm e n te
id en tificad o co m o p o v o d e Sião, p o is vem c o n fe ssa m e n te c o n so la r os enlu-
tad o s d e Sião (61.3). Q u e m será ele? E q u e m é a p rim eira p e sso a d o singular
q u e fala n o b elo p o e m a reg istrad o em 61.10— 62.7 e o p e rso n a g e m d e im p res-
sio n a n te m ajestad e d e 63.1-6? lle v a n d o em c o n sid e ra ç ão tu d o isso, é possível
m a p e a r a seção d a seg u in te m aneira:
5 9 .1 4 — 6 0 .2 2 6 1 .1 -9 6 1 .1 0 — 6 2 .1 2 6 3 .1 -6

P r e f á c io : a s i tu a ç ã o
( 5 9 .1 4 -1 5 a ) e a re a -
ç ã o (5 9 .1 5 b -2 0 )
O U n g i d o m e d i a d o r (3 U n g i d o
d a a lia n ç a (5 9 .2 1 ) A s b o a s-n o v a s na C) o b r a d e s a lv a ç ã o O d ia d a v i n g a n ç a
é p o c a d a s a lv a ç ã o e e ju s tiç a e m p r e e n - e o a n o d a s a lv a ç ã o
d a v i n g a n ç a ( 6 1 . 1 3 ‫ )־‬d i d a c o m a le g ria (6 3 .1 -6 )
(6 1 .1 0 — 6 2 .7 )

A g l o r io s a S iã o A g l o r io s a S iã o A g l o r io s a S iã o
A r e u n iã o d o p o v o O p o v o r e s id e n te : S e g u ra n ça p a ra sem -
d e to d o o m u n d o , as o s s a c e rd o te s d o p r e , a r e u n iã o d o s
n a ç õ e s s e r v a s (6 0 .1 - S e n h o r, as n a ç õ e s p o v o s , o S a lv a d o r
22) s e r v a s (6 1 .4 -9 ) p o r v ir (6 2 .8 -1 2 )
655 ISAÍAS 5 9 . 1 4 - 2 0

O in d iv íd u o de 61.1, c o m o o Servo, é d o ta d o co m o E sp irito d o S e n h o r


(42.1; 59.21; 61.1), e a m b o s têm o m in isterio da palavra c o m o p rio rid a d e (42.1-
4; 49.1,2; 59.21; 61.1) e u m a palavra esp ecíficam en te de c o n so lo (50.4; 61.2,3).
M ais p o n to s d e id en tid ad e surgirão abaixo. A lém disso, os q u a tro cân tico s d o
U n g id o seg uem o m e sm o p a d rã o d o s cân tico s d o Servo.
a. E m cada caso, o p rim e iro e o q u a rto cân tico s são relatos, e o seg u n d o e
o te rc e iro são te ste m u n h o s.
b. E m cada caso, o p rim eiro cân tico é so b re a p o sição e a tarefa d o S ervo
o u d o U n g id o ; o seg u n d o , so b re o m in istério e o ob jetiv o ; o terceiro, so b re o
c o m p ro m isso pessoal; e o q u a rto , so b re a c o n clu são da o b ra e m p reen d id a.
c. E m cada caso, o a n o n im a to d o ind iv íd u o n o terceiro c â n tic o é o m esm o ;
a p en as n o c o n te x to d o tre c h o to d o , o lu g ar d o terceiro cân tico é to ta lm e n te
reco n h ecid o .
d. A té m e sm o a discrição da en tra d a d o in d iv íd u o em cen a n o p rim eiro
cân tico é igual em cada série; d e sc o b rim o -n o s d e re p e n te p e n sa n d o em te rm o s
d e “ S e rv o ” o u “ U n g id o ” .
e. C ad a c â n tic o d o S ervo foi seguido d e u m a “ v in h e ta ” ap ro p ria d a para o
cân tico; aqui, os três p rim eiro s cân tico s são seguidos d e o rácu lo s so b re a glória
d e Sião, o tip o p a rtic u la r de c o n firm a ç ão d a tarefa e da m en sag em d o U n gido
c o n d iz e n te co m os capítulos 56— 66, cm q u e o a sso m b ro d a Sião p o r vir é o
“ e n re d o d a h istó ria ” . T alvez até m e sm o seja q u e 63.7— 66.24 seja um a v in h eta
e ste n d id a d o ú ltim o cân tico (63.1-6), tra z e n d o , c o m o o faz, o te m a d a “glo rio sa
S ião” ao g ra n d e ápice.
N o to d o , e q u ip a ra n d o o Rei d o s capítulos 1— 37 e o S erv o d o s cap ítu -
los 38— 55, h á o C o n q u ista d o r U n g id o p ara p ro v e r o fo co m essiân ico d o s der-
radeiros capítulos de Isaías. Surge um a im agem consisten te. O s d ois prim eiros
cânticos são ligados pelo tem a d o E sp írito e d a palavra; o segundo, o terceiro e
o q u a rto cânticos, pela vingança, salvação e favor; e esse, p o r sua vez, integra-os
na seção total. E m 59.15c-20, o p ró p rio S e n h o r veste o s trajes ap ro p riad o s
p ara a tarefa d e salvação e vingança. A seguir, aparece o U n g id o , d o ta d o co m
o E sp írito e a palavra (59.21), e sua v in d a d ata o a d v e n to d o dia de favor e vin-
g a n ç a (61.2). E nele q u e o S e n h o r p õ e as vestes d a salvação e o m a n to d a justiça
(61.10) de m o d o q u e ele p o ssa fazer a justiça n ascer para as nações (61.11); e a
salvação, para Sião (62.1). P o r fim , aquele q u e usa os m a n to s an u n cia a co n clu -
são da o b ra d e v in g an ça e de re d en ção (63.1-6).

a. A situação e a reação: o compromisso divino com a salvação e a vingança


(5 9 .1 4 -2 0 )
A s q u a tro e stro fe s d esse p o e m a in tro d u tó rio (veja o e sb o ç o acim a) são
quase d a m e sm a extensão: os dois p rim eiro s têm seis linhas cad a u m ; o s dois
ú ltim os, sete linhas.
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 656

A 1 A situação: o co lap so m o ral (14-15b)


B1 A reação divina: a in d ig n ação e o c o m p ro m isso (1 5 c-16)
B2 A ação divina: a justiça, a salvação e a vin g an ça (17,18)
A2 A nova situação: universal, c e n tra d a em Sião (19,20)

O p o e m a relata um a h istó ria c o eren te. A s e stro fe s têm u m elo d o tipo


“ d o m in ó ” : “ m al” (15b) e “ in d ig n o u -se” (15c) são a m b o s o riu n d o s d e V rü'a‘; o
te rm o “ ju stiça” liga os versículos 16d e 17a; e a referên cia à ex p ressão “ às ilhas”
(18e) é am pliada p e lo te m a re fe re n te ao p o e n te -n a sc e n te d o versícu lo 19ab.

A situação: o colapso m o ra l (5 9 .1 4 -15b)


A c o n ju n ç ã o assim in tro d u z u m re su m o da situ ação alcan çad a n o final da
d escrição e co n fissão p reced en tes. E assim que as coisas são: os a b so lu to s m o-
rais d esap arecem (14ab), a m o ralid ad e pública colapsa (14cd), e o c a rá te r m oral
individual está so b am eaça (15ab). A justiça e a retidão são práticas m o rais que
têm o rig em n o p rin cíp io m oral. O “ p o is” antes d e verdade, in tro d u z in d o a evi-
d ên cia q u e c o n firm a a frase p re c e d e n te, devia ser restau rad o . A frase verdade/
“ in teg rid ad e, c o n fian ça, p ro b id a d e ” caiunapraça, o u seja, co lap sa n a vida públi-
ca. Honestidade é c o n d u ta franca, direta. A se n te n ç a não seacha a verdade emparte
alguma p o ssiv elm en te significa “ falta in te g rid a d e /p ro b id a d e p esso al” . H á for-
ças da im o ralid ad e em o p e ra ç ã o que são um a am eaça até m e sm o p a ra aqueles
q u e se afastam d o q u e está e rra d o (cf. A m 5.13).

A reação divina: a in d ig n a ç ã o e o co m p ro m isso (5 9 .15c-16)


E sses versículos d escrev em a reação divina, d a qual su rg e to d a essa seção
(até 63.6). O S e n h o r, em um a n tro p o m o rfis m o bíblico típico, é re tra ta d o c o m o
se m o v e n d o para to m a r u m a d ecisão c o m o se dvesse sid o p e g o de su rp resa
p elo fato de as coisas terem c h eg ad o a essa situação e d e n ã o h av er nin g u ém
para lid ar co m isso. A ssim , so m o s c ap acitad o s a ver o p e c a d o c o m o D e u s o vê e
a v er a n ó s m e sm o s na im p o tê n c ia q u e ele sabe q u e n o s envolve. E le indignou-se/
“ foi m al aos seus o lh o s” (A R C )/ “ d e sa g ra d o u -lh e ” (TB) e admirou-se/ “ ficou
e s p a n ta d o ” ( N T L H ) / “ sen tiu -se d e so la d o ” . O v e rb o intercedeu/ “ so c o rre sse ”
(N 'T L H ) significa ficar e n tre a p esso a e as c o n seq u ên cias d o co lap so m o ral de-
Ias (cf. 53.12). O hraçoé o p o d e r e re c u rso pessoais d o S e n h o r (cf. 51.9; 52.10;
53.1). A justiçad o S e n h o r aqui é seu ca rá te r re to im utável e inabalável se g u n d o o
qual ele tem de se r v e rd a d e iro c o m o que ele é fiel ao q u e ele p ro m e te . Q u a n d o
seu b ra ç o o p e ra a salvação, ela faz isso p o rq u e o S e n h o r p ro m e te u salvar seu
povo, e o b ra ç o age d e m an eira a satisfazer a justiça e a re tid ã o divinas.

A ação divina: a ju stiç a , a salvação e a v in g a n ç a (59.17,18)


V estim enta se m p re é u m a m e tá fo ra para caráter, c o m p ro m isso e investidu-
ra p ara a tarefa. A justiça,a salvação,a vingançae o sçelosão to d o s asp e c to s d a natu -
657 ISAÍAS 5 9 .1 4 - 2 0

reza divina. Q u a n d o o S e n h o r p õ e essas vestes, ele está rev elan d o p u b licam en te


0 q u e ele é. M as ta m b é m está declaran d o o q u e ele p re te n d e fazer e q u e é capaz
de fazer isso. E u m a o b ra q u e e x p o rá e satisfará sua justiça, salvará seu povo,
dará o tro c o a seus inim igos e será levada a cab o pela m o tiv ação p ro p u lso ra d o
zelo d iv in o (qinr,á; 9 .7 < 6 > ; 26.11; 37.32; 42.13; 63.15). A ideia d e vingança' c
fu n d a m e n ta l para essa seção d e Isaías. C o n fo rm e o b se rv a m o s, cssa é urna ideia
p rin cip al n ã o ex p lo rad a na delineação d o Rci e d o Servo. A lgum dia deve haver
u m a declaração definitiva en tre o S e n h o r e to d o s q u e se o p õ e m a ele. Isso será
feito em ab so lu ta justiça: conforme 0 quefizeram. A iraé a h o stilid ad e ard e n te da
n a tu re z a div ina em relação ao p ecad o ; a retribuição, a ex atid ão c o m q u e a ira é
aplicada. S o b re ilhas, os lim ites m ais re m o to s da terra, veja 11.11; 24.15; 40.15.
18 E sse é, em si m esm o , um p o e m a delicioso. É possível im ag in ar Isaías
a n o ta n d o -o ra p id a m e n te p o rq u e o p o e m a “ acabara d e lhe o c o rre r” e, d epois,
in c o rp o ra n d o -o to d o , c o m o aqui, em um o rá c u lo m ais ex tenso. Seu inclusio
[criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a seção]
fo rn e c e um se n tim e n to m u ito h a rm o n io so d a estrofe:

C o n fo rm e o que fizeram lhes retribuirá:12


Aos seus inim igos, ira; aos seus adversários, o que m erecem ;
As ilhas, a devida retribuição.

A n o v a situação: o u n iv erso c e n tra d o em Sião (59.19,20)


E m c o n tra ste c o m a a rro g a n te o p o siç ã o aos p a d rõ e s d ivinos, ev id en ciad a
n a p rim eira e stro fe (14-15b), a reverência p elo S e n h o r env o lv erá to d o o m u n -
do, m as ela se dará p o r m eio d o a d v e n to d e u m Redentorem Sião. E m o u tra s pa-
lavras, a realização d a o b ra p articu lar (redim ir o Sião) g a ra n te u m re su lta d o uni-
versal. A N V I reflete o e n te n d im e n to atu a lm e n te fav o rito d o v ersículo 19cd, o
S e n h o r ag indo c o m o u m a in u n d ação c o n tid a re p e n tin a m e n te lib erad a e trans-
fo rm a d a em te m p e sta d e p e lo v io le n to vento. A im ag em é atra e n te e adequada.
E la env olve u m a m u d a n ç a m ín im a (um a c e n to o u m arca) n o T M e deve ser
p o s to u m p o n to d e in te rro g a ç ã o ao lado da tra d u ç ã o de impelida. E ssa fo rm a de

1 N o v e rs íc u lo 17c, o T M d iz “ u s o u as v e ste s d a v in g a n ç a c o m o r o u p a ” . A N V I p a re c e jun-


ta r e sse s q u e , c o m o BHS, o m ite tilbosej (“ [c o m o ] v e s tin d o ”) d o tex to . E ssa a p re s e n ta ç ã o
n e g lig e n c ia o f a to d e q u e , e m c a d a u m a d a s q u a tr o lin h a s d o v e rsíc u lo 17, a id eia p rin c ip a l
é a p o ia d a p o r u m q u a lific a d o r — como couraça f...J pôs na cabeça [...] “ c o m o v e s tin d o ” /.../
como numa capa. A sa íd a d o t e r m o tilbosej n a lin h a c d e s tr ó i e sse e q u ilíb rio . O f a to d e o
t e r m o tilbosej n ã o s e r e n c o n t r a d o e m o u tr a p a s s a g e m n ã o e s c o n d e o fa to d e q u e é u m
s u b s ta n tiv o p e r fe ita m e n te c o m p re e n s ív e l e aceitável.
2 N e s s a lin h a , o te x to h e b ra ic o , te m u m a a p r e s e n ta ç ã o se m e x e m p lo s c m o u tr a s p a ssa g e n s :
t ã l gjmuíôj kf al y~sallem, e m q u e o s e g u n d o IC al é u m a p r e p o s iç ã o n ã o se g u id a d e u m
s u b s ta n tiv o . E la p o d e s e r a ce ita c o m o u m a a d a p ta ç ã o id io m á tic a d a fó r m u la “ c o m o [...]
e n tã o ” o u c o m o e m 53 .9, p a s s a g e m e m q u e ,al re g e u m a o ra ç ã o v e rb al.
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 658

4nüs n ã o o c o rre em n e n h u m a o u tra p assagem e “ cau sar a p re ssa ” é u m sen tid o


possível. N o e n ta n to , o se n tid o m ais n atu ral das palavras iniciais c o m o estão
seria: “ q u a n d o u m adversário vem c o m o um rio ” . O te rm o “ in im ig o ” (ARC)
é a m e sm a palavra usada n o versículo 18c, e isso su g ere q u e ela teria o m esm o
se n tid o aqui. Λ ex p ressão nos'sa (impelida; veja acim a), c o m o o re sta n te , p o d ería
se r hiãsa.s, q u e é derivada de nès (“ u m e sta n d a rte ”). E m Salm os 6 0 .4 < 6 > e
Z acarias 9.16, a palavra significa “ u sar o u acen ar c o m o u m e s ta n d a rte ” . P o r
co n seg u in te, u m a tra d u ç ã o possível é: “ Q u a n d o u m ad v ersário vem c o m o um a
to rre n te , o E sp írito d o S e n h o r levanta um a b an d eira c o n tra ele” . E sse p o d ería
ser u m d ito p ro v erb ial u sa d o d iscu rsiv am en te aqui. C) “ in im ig o ” (ARC) em
q u e stã o é to d a o p o siç ã o de p e c a d o e p e cad o res alinh ad a c o n tra o S e n h o r e
seu po vo , m as o E sp írito dirige-se p ara o ataque, s u b m e te n d o o m u n d o to d o
a rev eren ciar o Sião e a tra z e r re d e n ç ã o p ara ele. N e n h u m a tra d u ç ã o aq u i está
livre d e dificuldade; cada po ssib ilid ad e é a p ro p riad a. S o b re Redentor(gõ'èf)veja
35.9. A frase searrependerem dosseuspecados é “ d e re m as co stas à reb elião ” (veja
1.27,28; 57.18,19a). O p o d e ro s o ato de re d e n ç ã o o p e ra m o ra lm e n te p o r inter-
m éd io d o a rre p e n d im e n to . S o b re “ reb elião ” (pesa) veja 53.5.
b. O mediador da aliança (59.21)
D o is itens n esse versículo vêm sem aviso prévio: a aliança q u e o S en h o r
g aran te a eles e o m e d ia d o r d a aliança, o você n o singular, p o r in te rm é d io de
q u em as b ê n ç ã o s p ro m e tid a s d o E sp írito e d a palavra d iv in o s são asseg u rad o s
p o r g eraçõ es sem -fim . N o e n ta n to , a situação faz paralelo co m as referên cias à
aliança, igualm ente in esp erad as, em 42.6; 49.8; 54.10; 55.3. T o d as essas referên -
cias estão d ire ta m e n te relacionadas ao S ervo e sua o b ra. D e a c o rd o c o m 49.8 e
54.10, é p o r in te rm é d io d o S ervo q u e o p o v o de J a c ó /S iã o e n tra nas b ên ção s
da restau ração e d a paz; de a c o rd o c o m 42.6 e 55.3, as b ê n ç ã o s são g aran tid as
em aliança universal p o r in te rm é d io d o Servo. A ssim , o vocên o sin g u lar d estaca
a p o siç ã o d o Servo. A ação divina assegura um p o v o universal reverenciai e um
g ru p o de p e n ite n te s em Jacó, e h á um a p esso a a q u e m p o d e m o s c h a m a r de U n-
gido, pois o E sp írito d o S e n h o r está so b re ele, p o r m eio d e q u e m o relaciona-
m e n to deles co m o S e n h o r está e te rn a m e n te g aran tid o . A queles a q u e m ele as-
segura, c o m o a o S erv o (53.10), essas b ê n ç ã o s d a aliança são sua “ p o ste rid a d e ”
(ARC). O e n fático p ro n o m e na ex p ressão quantoa mim salienta o c o m p ro m isso
divino. A aliança n ã o re p o u sa n o d esejo o u necessid ad e h u m a n o , m as na deter-
m in ação divina. A ex p ressão minha aliança é c o m o em 54.10. E la é d o S e n h o r
p o rq u e é su a ideia q u e d everia h av er um re la c io n a m en to g a ra n tid o p o r aliança
e p o rq u e ela n ã o c o n té m nada, n e m p ro m e ssa s n e m estip u laçõ es, ex ceto o que
é dele. Elessão os p e n ite n te s red im id o s d e 59.20 e, p o r co n seg u in te, são im pli-
citam en te o g ru p o universal de 59.19, q u e v e re m o s (no c a p ítu lo 60) v in d o para
Sião. O v e rb o di% está n o te m p o perfeito , “ declara o S e n h o r” , d e n o ta n d o um
659 ISAÍAS 5 9 - 2 1 - 6 0 .2 2

a ssu n to decidido. A s ex p ressõ es meu Hspírito e minhas palavras são, resp ectiv a-
m e n te , a vida d o S e n h o r e a verd ad e d o S enhor. O U n g id o c o m p a rtilh a d a vida
divina e vive so b a v erd ad e divina, e o q u e ele d e sfru ta , ele m a n té m em cu stó d ia
p ara c o m p a rtilh a r co m sua “ p o ste rid a d e ” (A RC). A p esar de d o ta d o d o E sp írito
e d a p alavra, a ênfase, c o m o em 61.1-3, está na p o sse e m in istério d a palavra.
E ssa p alavra divina n ã o partirá, o u seja, ela p e rm a n e c e rá n o sinal c o n tín u o d o
U n g id o e das g eraçõ es p o r vir. O s filh o s/ “ tua p o ste rid a d e ” (ARC) e seus deseen-
dentes/ “ p o ste rid a d e da tua p o ste rid a d e ” (ARC) n ã o só ligam a passagem com
53.10, m as re m o n ta m a G ên esis 22.18 e m ais para trás ain d a à “ d escen d ên cia
dela [a m u lh er]” (N T L H ) em G ên esis 3.15 (cf. o s “ d e sc e n d e n te s” d e Sião em
54.3 e a “ p ro le ” d o ta d a d o E sp írito em 44.3). A d u p la afirm ação , di% 0 Senhor
(veja acim a), em um esp a ç o de te m p o tã o breve é m u ito enfática.

c. A glória vindoura: a cidade do Senhor, a cidade universal e a consumação


da bênção abraâmica (60.1-22)
O fo rm a to d esse p o e m a , c o m o a c o n te c e co m ta n ta freq u ên cia em Isaías, é
sua m en sag em . E le co n siste d e dez e stro fe s (todas, m e n o s u m a, c o n sistin d o de
o ito linhas), cin co d e cada lado da declaração central n o v ersículo 12 d e q u e a
n ação q u e n ã o serv ir a Sião p e recerá.1 E ssa passagem é sep arad a pelas estro fes
fo c a n d o a visão das n açõ es serv in d o (10,11) e se n d o su b se rv ie n te s (13,14) a
Sião, c o n s tru in d o seus m u ro s (10a) e se c u rv a n d o para ela (14a). P o r co n seg u in -
te, o p o e m a se c e n tra n o te m a ab raâm ico d e q u e aqueles q u e o a b e n ç o a m serão
a b e n ç o a d o s e aqueles q u e o am aldiçoam serão am ald iço ad o s (G n 12.3; 27.29).
A g lo rio sa Sião p o r v ir é a co n su m a ç ã o d o s p ro p ó sito s universais d e D eus. O
re sta n te d o p o e m a rev erb era a p a rtir d esse p o n to em círcu lo s c o n cên trico s:

A 1 O S e n h o r, a luz de Sião (1-5)


a1 A cidade de luz, im ã para o m u n d o (1-3)
a2 A re sp o sta de Sião à reu n ião das n açõ es (4,5)
B 1 A nova p o siç ã o das nações: aceitas m aterial e esp iritu alm en te pelo
S e n h o r (6,7)
C1 As expectativas d o m u n d o são satisfeitas n o Senhor (8,9)
D1 As n ações servas: a co m p aix ão d o S en h o r
p o r Sião (10,11)
E Sião, a chave p ara o d estin o m undial
( 12)
D2 As n ações subm issas: o re c o n h e c im en to de
Sião p o r elas (13,14)
C2 As necessidades de Sião satisfeitas pelo S e n h o r (15,16)

V eja W ad e e C h e y n e.
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 660

B2 Λ tra n sfo rm a ç ão , m aterial e espiritual, d e Sião (1 7 -1 8b)


Λ2 O S e n h o r, a luz d e Sião (180-22)
a2 A re sp o sta de Sião às b ê n ç ã o s d o S e n h o r (18c-20b)
a1 A cidade d e luz, d e te n to ra d o m u n d o (20c-22)

Será q u e algo m u d o u o co ração de Isaías o u estim u lo u seu ta le n to literário


ta n to q u a n to o fez a visão da Sião p o r vir? O ritm o d o c a p ítu lo 60 lem b ra 2.2-
4; 4.2-6; 25.6-10a; 26.1-6; 35.1-10; sua visão d a passag em d o a d v e n to m undial
re p o u sa em 45.14-25; 49.16-26 e nas passagens c u lm in an tes (19.23-25; 23.18;
27.12,13) n o p a n o ra m a d o s capítulos 13— 27. T a m b é m é im p o rta n te reco rd ar
a “ nov a Je ru sa lé m ” de A p o calip se 21. N a s duas p assag en s h á m aterial visio-
n ário d a m e sm a o rd e m . O o u ro e a p rata, co m to d a a riq u eza das n açõ es, têm
a in te n ç ã o de criar a c o rre ta im p re ssã o d e gran d eza. T a n to Isaías q u a n to Jo ão
acalen tam a m esm a e sp eran ça d a cidade d e D e u s na qual h a b ita a justiça.

O Senhor, a luz de Sião (60.1 -5)


As duas p rim eiras e stro fe s (1-3, 4,5) estão fo rm a lm e n te ligadas p elo s du-
pio s im p erativ o s d e suas linhas iniciais: levántese, refulja (la ), olhe /.../ e veja (4a).
Sião é co n v o c a d a a e n tra r n a luz q u e é sua e, d ep o is, o b se rv a r as n açõ es e reagir
a elas c o n fo rm e se u n e m à m e sm a luz. N o v ersículo lb , o te rm o raia (jzãrah,
“ fla m e ja r/re sp la n d e c e r”) fo rm a u m inclusio [criar u m a e s tru tu ra a o p ô r m aterial
sim ilar n o início e n o final de u m a seção] c o m a palavra alvorecer (zerah) n o ver-
sículo 3b, e cada e stro fe te rm in a c o m um a referên cia a nações (3a,5d).
1 Isaías é o ú n ico p ro fe ta q u e usa a m e tá fo ra d a “ lu z” em algum a ex ten são
digna d e n o ta .1 E m Jerem ias, a m e tá fo ra o c o rre apen as u m a vez (13.16; cf. O s
6.5; A m 5.18,20; M q 7.8,9). Q u a n d o o R e d e n to r veio a Sião, reu n iu o s p en iten -
tes (59.20) e d e sig n o u um m e d ia d o r d a aliança para c o m p a rtilh a r co m eles o
E sp írito d o S en h o r, n ã o é q u e eles estejam apen as b a n h a d o s em luz, m as que
irradiam luz, o u seja, e stã o c a rre g ad o s in te rio rm e n te co m vida n o v a e resplan-
d ecen te. (S obre refulja cf. IS m 14.27,29, passag em em q u e Jô n a ta s c o m e u m el e
“ seus o lh o s b rilh a ra m [resplandeceram ]” .) E ssa exp eriên cia su b jetiv a tem um a
base o b je tiv a , porque chegou a sua lusç.
2 0 “ p o rq u e ” inicial devia se r re sta u ra d o à m ed id a q u e esse v ersícu lo for-
nece u m c o n te x to explicativo. E ssa n ã o é ap en as u m a ex p eriên cia d e Sião, ela
destin a-se a u m a necessid ad e d o m u n d o (2ab), satisfeita pelo “ raia[r]” (■¡zãrah;
veja c o m e n tá rio so b re o v. 1 a), o irro m p e r d a luz d o S e n h o r em Sião. A glória
d o S en h o r, o u seja, o S e n h o r em to d a a glória e m ajestad e d a sua p esso a, apa-
recerá e, e n tã o , tirará as n ações (2.3; 49.7gh; 55.5) das trevas e m sua lu% [...]
r a ia / “ re sp le n d e n te ” (A RA ). D o is tem as d o A n tig o T e sta m e n to se e n c o n tra m

2.5; 5 .2 0 ; 9 .2 < 1 > ; 1 0.17; 4 2 .6 ; 4 9 .6 ; 51.4.


661 ISAÍAS 5 9 . 2 1 - 6 0 .2 2

aqui. P rim eiro, em relação à salvação, o q u e o S e n h o r faz p o r Sião ele faz para
o m u n d o . A o b ra p a rtic u la r é de relevância universal, o m u n d o é salvo n a sal-
v ação d e Sião. S eg u n d o , ap esar d o e sfo rç o m issio n ário para alcançar as p esso as
n ã o ser d e sc o n h e c id o n o A n tig o T e sta m e n to , D e u te ro n ô m io 4.5-8, Jo su é 2.10
(R aabe) e 2R eis 5 (N aam ã) falam m ais tip icam en te d a qualid ad e m ag n ética d o
S e n h o r e das p esso as e n tre as quais ele é e n c o n tra d o . A s trevas c o n stitu e m ta n to
as circu n stân cias da vida q u a n to a experiência d o p o v o , m as a so lu ção está n o
q u e a c o n te c e a você. A experiência d o p o v o d o S e n h o r é su p e rio r e privilegiada,
m as n ã o exclusivista.
3 As nações c o s reis, os do is asp ecto s da vida o rg an izad a — as g o v e rn a d a s
e os g o v e rn a n te s — significam re sp o sta total. E les ta m b é m figuram n a o b ra
d o S erv o (49.7; 52.15). A qui ta m b é m é o c u m p rim e n to d o c h a m a d o universal
em itid o em 55.1.
4 O c o m e ç o d esse versículo é idêntico, palavra p o r palavra, a 49.18a em
u m c o n te x to paralelo. A s ex p ressõ es todos [...] os seus filh o s c suas filh a s são enfá-
ticas — as n açõ es e ta m b é m os filhos d e Sião se ju n tam n essa g ra n d e m arch a
p a ra casa na qual a distância n ão é u m a b a rre ira {de longe) e a fragilidade (carre-
g a d a s/ “ n o s b ra ç o s das m ães” [N T L H ]) n ã o é um im p ed im en to . C o n fin a r um a
p ro fe c ia c o m o essa à volta da B abilônia significa n ã o o u v ir o q u e Isaías está
d izen d o . E le p ro c u ra um a reu n ião universal (en v o lv en d o até m e sm o viagem
p o r m ar, veja v. 9).
5 A visão da g ra n d e pro cissão en co rajará Sião, q u e ficará radiante (in ã h a r,
“ irradiar” ; SI 3 4 .5 < 6 > ). E ssa reação é explicada pelo reco n h ecim en to de Sião
(v. 5c co m eça co m “e n tã o ”) de que tu d o é para seu enriquecim ento. A frase a
riquetça/ “ ab u n d ân cia” (ARC) dos mares é provavelm ente u m a alusão às terras que
só p o d e m ser alcançadas p o r mar. N o en tan to , o te rm o m ar pc >de ser u sado m e-
tafo ricam ente para tu d o que se o p õ e ao g o v e rn o d o S en h o r (51.10; SI 93) e, p o r
co n seg uin te, a in ten ção aqui p o d e m ser seus antigos inim igos se to rn a n d o alegres
pag ado res d e im posto. A expressão será tra fid a é “ se v oltar para” ('íhãpak; co m o
em L m 5.2; S f 3.9). U m a vez que Isaías está p e n sa n d o n o fu tu ro em te rm o s de
cidade, a re u n iã o d o m u n d o na aceitação d o p o v o de D e u s é vista n atu ralm en te
n o s tem as d e p e re g rin a çã o e d e p a g a m e n to de trib u to . A realidade é a co n q u is-
ta das n açõ es p elo ev an g elh o e a reu n ião de to d o s na Sião celestial q u a n d o o
S e n h o r Jesu s voltar.

A nova posição das nações: aceitas material e espiritualmente pelo Senhor (60.6,7)
E m q u e te rm o s as n ações se reú n em ? D o lado delas, elas vêm “ p ro c la m a n -
d o o lo u v o r d o S e n h o r” (6e); d o lado d o S en h o r, ele aceita to ta lm e n te as o fe rta s
(7c) e os p re se n te s (7d) delas. M idiã, Fifá, Sabá, Q u eda r e N ebaiote são n o m es
re u n id o s de fo rm a im p ressio n ista p ara criar a sen sação de um m o v im e n to uni-
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 662

versal p ara Sião. M idiã fica n o e x tre m o sul, H fá fica a leste d o g o lfo p ersa; Sabá,
n o e x tre m o sul; Q uedar e Nebaiote, a leste n o n o rte e alcança o d e se rto árabe.
6 S o b re M idiã veja Juizes 6.1, passag em q u e teria e sta d o na m e n te de Isaías.
O an tig o sa q u e a d o r a m e d ro n ta d o r é agora o b e m -v in d o ad o rad o r. Proclamando
é “ traz[er| b o a s-n o v a s” (·¡basar; 40.9). As n ações n ã o vêm c o m o m eras recep-
cion istas d o s filhos de Sião, m as c o m o c o n v e rtid o s ao S e n h o r e c o m o “ evan-
gelistas” dele.
7 D a m esm a m aneira, os rebanhos deles são aceitos como ofertas n o p ró p rio
d ireito deles c o m o p articip an tes d o s b e n efício s d o altar, e n ã o n o se n tid o de
E sd ra s 6.9,10, passagem em q u e um g o v e rn a n te g e n tio fo rn e c e anim ais para o
sacrifício ex ecu tad o p o r Israel. O S e n h o r está p re p a ra d o para aceitar os p resen -
tes deles p ara adornar¡...¡ 0 meu glorioso templo/ “ e eu glorificare¡ a casa d a m in h a
gló ria” (ARC). N e sse capítulo, são usadas duas palavras d istin tas p ara a abran-
g e n te ideia de “glória” . O g ru p o de ■ikãbêd (1,2,13), em q u e a ideia é d e “ p e so ”
e, daí, “ im p o rtâ n c ia ” , e o g ru p o d e i p a ê r (7,9,13,19,21), em q u e a ideia é de
“ b eleza” . As palavras ex p ressam , resp ectiv am en te, a g lória q u e im p re ssio n a e a
glória q u e atrai.

As expectativas do mundo são satisfeitas no Senhor (60.8,9)


A n o v a e stro fe traz u m n o v o p e n sa m e n to . A s n açõ es q u e vêm d e fo rm a
su b m issa (4,5), jubilosa (6) e co m aceitação (7) e n c o n tra m sua casa n atu ral (8ab)
e a satisfação d e seus anseios (9a) n o S e n h o r (9e) e em sua cid ad e em b elezad a
(9fg). F icam os, p o r assim dizer, n o p ro m o n tó rio p a ra o b se rv a r a ap ro x im ação
da fro ta (9b); os navios vêm co m a velocidade das n u v en s (8a) e a n atu ralid ad e
co m q u e os p o m b o s vão para seus n in h o s (8b).
9 O te rm o certamente (ARC) é “ p o is” . S o b re ilhas veja 59.18. A e x p ressão
esperam em m im / “ m e a g u a rd a rão ” (ARC) (iqãwâ) tem o m e sm o p e n sa m e n to
d o v e rb o sin ô n im o em 42.4c. O s anseios das naçõ es, de fo rm a c o n sc ie n te ou
in co n scien te, e n c o n tra m realização apenas n o D e u s de Israel. E les n ã o vêm
“ c o n trib u in d o c o m p e rc e p ç õ e s” ; n ã o h á p e n sa m e n to de cjue a religião deles
é b o a o b a sta n te para eles o u q u e to d o s e n c o n tra m em seus p ró p rio s deuses
seu cam in h o p a ra o céu. E les vêm , antes, p ara a v erd ad e so b re o S e n h o r, em
honra/ “ p a ra o n o m e ” (TB), o u seja, p a ra o q u e ele rev elo u so b re si m e sm o (cf.
2.3). E les e stã o p re p a ra d o s p a ra se s u b m e te r ao D e u s d e o u tro p o v o , 0 Santo de
Israel. E sse é o se n tid o da su b serv iên cia, a su b m issã o n ecessária e inevitável d o
ev an gelizado ao evangelista, à sua m en sag em e ao seu D eu s. E les são m o v id o s
p elo atra e n te esplendor/ “ glória” (N T L H ) (veja v. 7) co m o qual ele cap acita sua
cidade. Se Társis (2.16; 23.1) é n a E sp a n h a , e n tã o Isaías e q u ip ara esse o lh a r
para o o e ste c o m o o lh a r p ara o leste d o s versículo s 6 e 7, m as, em to d o caso,
a viagem m arítim a é acrescen tad a à viagem te rre stre p a ra c o m p le ta r a im agem
de u m a reu n ião universal.
663 ISAÍAS 5 9 - 2 1 6 0 . 2 2 ‫־‬

As nações servem a Sião (60.10-14)


E sse é o c e rn e d o p o e m a (veja o e sb o ç o acim a). Λ ênfase n o s v ersícu lo s 10
e 11 (as n açõ es servas) é n a c o n stru ç ã o da cidade; n o s versículos 13 e 14 (as
n açõ es su b serv ien tes) é n o e m b e le z am e n to d o santuário.
10 O s estrangeiros são “ os filhos d o e stra n g e iro ” (o bserv e o inclusio [criar
u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a seção], osfilh o s
dos seus opressores, n o v. 14a). A in c o rp o ra ç ã o d e “ os filhos d o s estra n g e iro s”
(A RC) (as m esm as palavras) faziam p a rte da visão inicial d essa seq u ên cia de
pro fecias (56.3,6). Isaías, a p ó s an u n ciar o ideal, ab re seu c a m in h o para a realiza-
ção d esse ideal. Se as palavras reconstruirão e servirão su g erirem p o siç ã o su b alter-
na, n ã o e sta m o s p e rc e b e n d o o se n tid o exato. A s palavras são, an tes, evidência
d e um v e rd a d e iro zelo em d e se m p e n h a r o papel d o cid ad ão ag o ra q u e eles são
cidadãos. A frase reconstruirão os seus m uros é ta n to u m a m e tá fo ra em c o n ex ão
co m a Sião v isionária de Isaías q u a n to o o u ro de A pocalipse 21.18. R ep resen ta
c o m p r o m is s o c o m tu d o q u e to r n a a c id a d e se g u ra e fo rte . C) te r m o servirão
()s â r a j)' é o v e rb o para serv iço levítico (56.6; 66.21). A sen ten ça porque, no meu
fu r o r (ARC) fo rn e c e o u tro m o tiv o p o rq u e os estran g eiro s e seus reis se en co n -
tra m e n tre os cid ad ão s de Sião. D e a c o rd o co m o versícu lo 3, eles vieram p or-
q u e Sião está ilum inada c o m a glória d o S e n h o r; de a c o rd o co m o versículo 9e,
eles v ieram “ em h o n ra ao S e n h o r” , a revelação d o S e n h o r a se r e n c o n tra d a em
Sião. O versícu lo 3 é p ictó rico ; o versículo 9, g en érico ; o versícu lo 10, específi-
co. E ssa é a luz d o S en h o r, essa é a revelação d e seu no m e: ele estava irado, m as
se v o lto u p ara a c o m p aix ão (lit. “c o m ira eu a feri, m as co m a m o r/b e n ig n id a d e
(ARC) lhe m o stra re i co m p a ix ã o ”). A ira d e D e u s era real (eu a feri). A ira (qesep )
é a ex p lo são d e raiva (cf. 34.2; 54.8). As n ações p o d ia m o lh a r p ara Sião e julgar
a n a tu re z a d o D e u s da cidade (D t 29.22-27; J r 22.8,9). M as o a m o r ap aix o n ad o
d o S e n h o r os tro u x e d e volta a seu favor. “ M e u ” a m o r(rã sô n ) é tra d u z id o p o r
aceitos (lit. “ para aceitação ”) n o versículo 7. O te rm o com paixão (irã h a n i ) é usado
para a ex plo são, a e m o ç ã o d o a m o r (54.7).
11 P o rta s c o n sta n te m e n te a b e rta f são às vezes um im agem d e seg u ran ça
to tal c o n tra a am eaça (Z c 2.4,5), m as o m o tiv o aqui é o in cessan te fluxo d o s que
carreg am p resen tes. A frase guiadas pelos seus reis ( N T L H ) / “ c o n d u z id o s co m
elas os seus reis” (TB) p o d ia significar “ levados c o m o c a d v o s” (cf. 45.14), um a
v ig o ro sa declaração d a c o rre ta su b m issão d o intruso. N o e n ta n to , a su cin ta ex- 12

1 A f o r m a “ a s e r v ir ã o ” n o s v e rsíc u lo s 7 e 10 e n v o lv e o a c ré s c im o d o su fix o p r o n o m in a l à
le tra nun p a ra g ó g ic a . G Ã T .'60e c o m e n ta d o z e p a s s a g e n s e m q u e isso o c o r re ( p o r e x e m p lo ,
J ó 19.2; P v 1.28).
2 Λ e x p re s s ã o permanecerão abertas é o p ie i d o v e r b o e a s u p o s iç ã o d e q u e é n e c e s s á ria u m a
f o r m a p a ssiv a faz a B U S a lte ra r p a ra o niphal. N o T M , a f o r m a é s u s te n ta d a p o r Q “ e é
e n c o n tr a d a e m 4 8 .8 e e m C t 7 .1 2 < 1 3 > , c o m u m s e n tid o p assivo.
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 664

p re ssã o p o d e ria igualm ente significar “ co m seus reis e sc o lta d o s” , v in d o co m o


reis em seu p ró p rio direito, ainda assim sú d ito s d e b o a v o n ta d e d e Sião.
1 2 E sse versículo é o te n e b ro so p ivô d e to d o o p o em a. Sião é d e fato a
chave p ara o d e stin o in tern acio n al, a fo rm a final d o sistem a ab raâm ico (veja p.
659s.). E n tra r é ser ab e n ç o a d o ; p e rm a n e c e r a fastad o é p e re c e r — é c o m p re e n -
sível q u e seja assim , po is apenas Sião é o lugar em q u e a ira divina se trans-
fo rm a em co m p a ix ã o divina. N a frase a nação [h a g g ô y \/ “ as n a ç õ e s” (N T L H )
[haggòyim ] /.../ serão totalm ente exterm inados , a palavra, tip icam en te, d escrev e os
q u e estão fora d o s lim ites d o p o v o de D eus. N o e n ta n to , n ã o é a p o siç ã o hostil
deles q u e os c o n d e n a , m as sua a titu d e c o m Sião, o u seja, se são atraíd o s pela
luz (3), p elo n o m e (9) e p elo a m o r (10) d o S enh or. A m b o s o s su b stan tiv o s, o
singular e o plural, são en fático s, ressaltan d o a co n d iç ã o d a qual eles p o d e m ser
salvos e à qual, caso se a p eg u em a ela, será a ru ín a deles.
1 3 A analogia co m o te m p lo de S alom ão está p o r trás d a im ag em , rem em o -
ra n d o c o m o S alom ão c o n v o c o u a ajuda d o s g e n tio s sid ô n io s p o rq u e a casa do
S e n h o r n ã o teria n ad a além d o m e lh o r (lR s 5.2-9). O te rm o adornarem , c o m o
n o versículo 7, é “ o rn a m e n ta r” . A e x p ressão m eu santuário n ã o é u sad a co m
ta n ta freq u ên cia ag o ra c o m o se n tid o de um lugar d e refúgio, m as é m iqd as, um
“ lug ar d e sa n tid a d e ” . O p ro n o m e m eu significa q u e o lu g ar é sa n to p o r causa de
seu h a b ita n te sa n to (lR s 8.12-19). A frase 0 local em que p isa m os m eus pés, o u seja,
o escabelo, é o n d e o D e u s tra n sc e n d e n te e sa n to to ca a te rra (SI 99.1; 132.7; is
66.1; Lm 2.1).
1 4 O p e n sa m e n to d a su b serv iên cia das n açõ es está à to n a d esd e o versí-
culo 10, m as aqui a ênfase está m ais na reversão d e papéis. A fim d e tirar da
n o ssa m e n te , de um lado, to d o s os p e n sa m e n to s d e triu n falism o e, d e o u tro
lado, o s d e escravização, p recisam o s d o le m b re te d e q u e Isaías, n esse versículo,
c o m o em to d o s os versículos sem elh an tes a esse, afirm a a v erd ad e n o s te rm o s
p o líticos d ita d o s pela m e tá fo ra da cidade. A qui, de fo rm a m u ito a p ro p riad a,
aqueles q u e b u sc a m a cidadania precisam vir co m h u m ild ad e e se, c o m o aqui,
seu c o m p o rta m e n to a n te rio r exigir isso, co m ex tre m a su b m issão . A realidade
d isso é aquela d e alegre su b m issã o à verd ad e e de re c o n h e c im e n to d o lugar
d e v id o daqueles q u e são os d e p o sitá rio s e m in istro s d essa verd ad e. A fo rm a
literária da p rim eira m e ta d e d o versículo é a m e sm a d e 41.11-13. O s opressores
são “ os q u e a d e sp re z a m ” ; o an tig o “ c h e fe ” fica em se g u n d o lugar. A p en as o
triu n fo d a g raça, e sb o ç a d o n o s versículos 3,9,10, p o d e ria alcan çar isso. Pois
n ão é Sião c o m o tal q u e p ro d u z essa d isp o sição p ara u m a m u d a n ç a d e atitu d e
e m en te; é o re c o n h e c im e n to de q u e essa é a C idade do Senhor [...] do Santo (cf. v.
9). E q u a n d o o S en h o r, cm sua san tid ad e, está p re se n te em m eio a seu p o v o e,
d e fo rm a m an ifesta, q u e o m u n d o é atraíd o a ele.
665 ISAÍAS 5 9 . 2 1 - 6 0 .2 2

Sião transformada pelo Senhor (60.15-18b)


E ssas d u as e stro fe s estão tó p ic a m e n te ligadas, à m ed id a que lidam co m a
tra n sfo rm a ç ã o d e Sião e estão fo rm a lm e n te ligadas ao fato de que cada u m de-
las co m e ç a c o m o te rm o tahat (em ve% d e / “ em lu g ar d e ” [TB] n o v. 15 e em lugar
de [TB] n o v. 17). N o s versículos 15 e 16, Sião é tra n sfo rm a d a em experiência
co m três itens d e rejeição (abandonada, odiada, sem que ninguém quisesse percorrê-la)
seg u id os de três itens de tra n sfo rm a ç ão (orgulho e alegria, leite, Salvador). N o s ver-
sículos 17 -18b, Sião é tra n sfo rm a d a em circu n stân cias m ateriais e espirituais,
o fu n d a m e n to su b stitu íd o p elo m e lh o r (17a-d) e a so cied ad e ren o v ad a d esd e
a lideran ça (17e-18b). ( ) S e n h o r desata, p o n to a p o n to , a te n e b ro sa red e d o
p a ssa d o e to rn a to d a s as coisas novas.
15 O te rm o perpétua (TB) expressa co n tin u a ç ã o n o te m p o ; a ex p ressão
todas as gerações, c o n tin u a ç ã o na experiência.
1 6 a b E sse versículo é u m a adorável palístrofe: “ V ocê b e b e rá o leite das na-
ções e será a m a m e n ta d a p o r m u lh eres n o b re s ” . A principal ideia, e n fatizad a ao
ser p o s ta n o início e n o fim , é o verd ad eiro deleite d o m e lh o r d o cu id ad o e sus-
te n to a m o ro so s e pessoais. O leite é crem e g o rd o e rico, o m elh o r, c o m o n a frase
“ te rra q u e m an a leite” (TB). A palavra “ a m a m e n ta d a ” re p re se n ta intim id ad e,
cu id ad o m a te rn a l a m o ro so e abnegado. E ssa tra n sfo rm a ç ã o d o relacio n am en to
e n tre Sião e o “ m u n d o ” prim itivo só p o d e ser o b ra d e D eus. O te rm o Salvador
(veja 56.1) é u sa d o aqui p ara a o b ra salvífica, d o s versículos 14ab e 15ab, de
resg ate d o p a ssa d o d e sa stro so n o p re se n te glorioso. S o b re Redentor (gõ'¿[) veja
35.9,10. T u d o se deve ao fato de que o S e n h o r se identifica co m as n ecessid ad es
d e seu p o v o e as to m a c o m o suas. A palavra nobres Çab~1r) está e n fa tiz a n d o o p o -
d e r “ a b so lu to ” , aqui o p o d e r a b so lu to d o R e d e n to r o p e ra n d o c o m o Salvador
(cf. 1.24). A c o n sta n te experiência d o s cidadãos de Sião é saber L .¡ seu D e u s
n esses te rm o s, te r c o n h e c im e n to ín tim o e pessoal d o S enhor.
17 A s frases de tra n sfo rm a ç ã o são ju n tad as p ara criar u m a im p re ssã o de
riq u eza s u p e ra b u n d a n te e qualidade excepcional, ex c e d e n d o até m e sm o o m e-
lh o r q u e a A n tiguidade já c o n h e c e u (lR s 10.21,27). A se n te n ç a farei da pagç 0 seu
dominador/ “ teus oficiais [...] m a g istrad o s” (TB) é um b o m ex em p lo d e justa-
p o sição em q u e cada u m d o s dois su b stan tiv o s m a n té m seu p ró p rio sen tid o ,
m as são to ta lm e n te id en tificad o s um co m o o u tro (cf. J ó 5.24, “ sua te n d a é
seg u ra”). O te rm o governador/ “ e x ato res” (ARC) é a palavra p ara a escrav id ão
egípcia (E x 3.7). P o r essa razão, o g o v e rn o c o m o tal será to ta lm e n te assim ilado
n o s exercícios de paz, e o n d e ela se d e te rio ra e se to rn a opressiva, até m e sm o
as p ró p ria s palavras d o p assad o serão tra n sfo rm a d a s n o m e lh o r q u e o S e n h o r
p o d e con ced er. A justiça é aquilo q u e se iguala ao p ró p rio caráter ju sto d e D eus.
1 8 a b E m c o n tra p a rtid a ao estab elecim en to da paz e da justiça (17ef), há a
abo lição d e to d a força de d e so rd e m (cf. 59.6,7). A o rien tação d esses versículos
é fo rn e c id a em H e b re u s 12.18-24 e A p o calip se 21.9— 22.5.
O LIV RO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 666

O Senhor, a luz de Sido (60A8c-22)


A s d u as ú ltim as estro fes v o ltam ao tem a d o S e n h o r c o m o a luz d a cidade
co m o qual o p o e m a foi iniciado (1-5). H á p o r p a rte d e Sião, c o rre s p o n d e n d o à
n o v a a titu d e p o r p a rte das n ações (5), o a b a n d o n o de to d a s as antigas atitu d es
d efen siv as, expressas n o s m u ro s c p o rta s (18cd). E x a ta m e n te c o m o Sião res-
p o n d e u à e n tra d a das nações co m trêm ula e expansiva alegria de c o ra ç ã o (5ab),
ela ta m b é m re sp o n d e ( você chamará ) aos a to s d e D e u s ao e n c o n tra r segurança
na salvação dele e, n o p o n to em q u e an tes suas p o rta s im p ed iam a e n tra d a do
in tru so , ag o ra o exercício re sp o n siv o de louvor ab so rv e to d a a cidade. D o Se-
n h o r p ara seu p o v o flui tu d o d e q u e eles p o d e ría m precisar; deles p a ra ele flui
de volta u m interm inável h in o d e louvor. A s antigas fo rm a s físicas d e luz (19ab)
são su b stitu íd as pela luz n o v a e espiritual (19cd), e as m u d an ças e flu tu açõ es são
p assad o (20ab), p o r causa da p e rp é tu a p resen ça divina tra z e n d o c o n sig o alegria
in q u eb ran táv el (20cd). H averá total d e sfru te d a g ra n d e salvação realizada p o r
D e u s (21a; so b re ju s to v e ja 53.11; 54.17; 56.1; 59.17), seg u ran ça e te rn a (21b) p o r
causa d a o b ra divina de p la n ta r (21c-e) e suficiência p a ra to d a even tu alid ad e
(22ab). A g a ra n tia divina d á certe z a d o c u m p rim e n to de tu d o isso (22cd).
19-20b A vida, na antiga o rd e m das coisas, era g o v e rn a d a pela altern ân cia
reg ular d e sol e lua (G n 1.16) e estava à m ercê d a fidelidade deles (20a), m as, na
o rd e m d a salvação e d o lo u v o r (18cd), o p rin cíp io p rim o rd ia l é a p re se n ç a im u-
tável d o S en h o r. S o b re g ló ria / “ b rilh o ” (C N B B ) veja o v ersícu lo 7. O S en h o r
n ão só b a n h a rá seu p o v o em sua luz, m as os m u d a rá a sua sem elh an ça.
20c-22 H á u m “ p o rq u e ” inicial q u e liga essa últim a e stro fe a sua e stro fe
parceira (veja o e sb o ç o na p. 659) e a m b o s explicam a luz p e rp é tu a d a n o v a Sião
e p assa p ara o n o v o p e n sa m e n to de lusçj “ alegria” c o m o a an títese d e triste za /
“ lu to ” (A RA ). O c o n te x to p ara a re m o ç ã o d a tristeza n ã o é ap en as a o p re ssã o
(14ab) e o esc á rn io (15ab) d o p assad o , m as ta m b é m suas lágrim as d e arre p e n -
d im e n to (57.18; 59.11,20). A ssim to d o p e sa r e x te rn o e in te rn o será rem ovido.
A reu n ião d o s red im id o s d o m u n d o criará u m a c o m u n h ã o d e alegria (5,18cd),
e o p ra n to p e lo p e c a d o será su b stitu íd o pela alegria n o S e n h o r (20cd). S o b re a
p o sse da terra p a ra sempre veja lo g o acim a (cf. 2Sm 7.10; c o n tra ste co m D t 6.18;
28.63s.). Q u a n d o a justiça é aperfeiço ad a, a p o sse p e rm a n e n te é g aran tid a. A fo-
ra D an iel 11.7, o te rm o renovo (neser) só é e n c o n tra d o em Isaías 11.1; 14,19. N a
n o v a Sião, to d o s serão o q u e o M essias é. A palavra p la n tei é “ d o m e u p la n tio ” .
E les estã o na cidade p o rq u e o S e n h o r o s “ c o lo c o u ” ali. H á seleção div in a e lo-
calização exata — c o m o um jardineiro cu idadoso . E le n ã o só o s c o lo c o u o n d e
estã o (plantei), m as fez deles o q u e são (obra das m inhas m ãos). T o d a a n o v a cria-
ção, in c lu in d o seu p o v o , é to ta lm e n te o b ra d o S en ho r. A frase p a ra manifestação
da m inha glória é (lit.) “ a fim de m a n ife sta r m in h a b eleza” (o reflexivo d e 11p a a r ;
veja v. 7), o S e n h o r se “ p e rso n ific o u ” c se m o s tro u em seu povo. E ssa sem p re
667 ISAÍAS 6 1 . 1 9 ‫־‬

fo ra a in te n ç ã o divina (44.23) e até aqui realizada apenas n o S e rv o (49.3).' O


p o v o d a n o v a Sião é fo rte o b a sta n te p ara c o n fro n ta r q u a lq u e r in im ig o (Lv
26.8; D t 32.30; Js 23.10; cf. 30.17). M ais u m a vez, a d escrição é c o lo rid a co m os
te rm o s d o te m a básico d a cid ad e (cf. v. 14). A n o v a Sião, em sua p o siç ã o e te rn a ,
n ão terá in im ig o s a c o n fro n ta r, m as d e sfru ta rá de to d o s os valores e a trib u to s
d e u m a c o m u n id a d e inatacável. A passagem 51.2 fo rn ece um c o n te x to adicio-
nal. A qui está o u tro pequenino que se to rn o u mil·, a p ro m e ssa feita a A b raão é
a b u n d a n te m e n te c u m p rid a. A força m o triz g a ra n tin d o a no v a Sião é a d ev o ção
ao S e n h o r ao c u m p rim e n to de suas p ro m e ssa s (22d; cf. 9 .7 h i< 6 > ; 37.32). O
S e n h o r, ao d iz e r eu sou 0 Senhor, fortifica sua re p u ta ç ã o n o q u e está a c o n te c en d o .
A frase isso aconteça depressa é (lit.) “ ap ressar isso ” , m as W atts su g ere q u e aqui o
te rm o a//iw.v é o v e rb o h o m ô n im o “ d e sfru ta r” , e n c o n tra d o em E clesiastes 2.25:
“ D e sd e o É d e n , lavé n ã o d e sfru ta v e rd a d e iram e n te d e sua criação h u m a n a ” .1
2
Se o p e n s a m e n to fo r c o n te x tu a lm e n te v erdadeiro, e u m a vez q u e Isaías estava
p le n a m e n te c o n sc ie n te d o d u p lo sen tid o , essa devia se r a in te n ç ã o d essa esco-
lha.

d. O poder transformador presente e futuro (61.1-9)


O U n g id o aparece ag o ra pela seg u n d a vez. E le, c o m o n o se g u n d o cân tico
d o S erv o (49.1-6), fala cm sua p ró p ria p e sso a d e si m e sm o e d o m in istério que
lhe foi c o n c e d id o p o r D eus. Seu te ste m u n h o (1-3) é segu id o d e u m a v in h eta (4-
9). O te m a c o m u m de a m b o s é a tra n sfo rm a ç ão . O cân tico é a d e q u a d o ao co n -
te x to p re c e d e n te, (i) E le, c o m o em 59.21, é d o ta d o co m o E sp írito e a palavra
(1). (ii) A p ro c la m a ç ão d a bondade e d a vingança (2) se relacio n a c o m o p ró p rio
e m p re e n d im e n to d o S e n h o r (59.16-21) d e realizar ato s universais d e v in g an ça
e de saU ação. (iii) O m in istério o rie n ta d o em Sião d e su b stitu iç ã o d o s pesares
pelas alegrias, etc. (2c-3g, 7) foi p ro fe tiz a d o em 60.17, p assag em em q u e tam -
b é m era um a o b ra d o S e n h o r surgida d e suas b ê n ç ã o s da aliança in term ed iad as
pelo U n g id o (59.21). E ssa tran sferên cia d a palavra d o S e n h o r para o U n g id o é
im p o rta n te à luz d o q u e ainda deve ser revelado (10,11). D a m esm a m an eira, o
q u e o S e n h o r p ro m e te n a m e tá fo ra de “ p la n ta r” (60.21) é alcan çad o p o r in ter-
m éd io d a o b ra re n o v a d o ra d o U n g id o (61.3h-j).

0 primeiro testemunho do Ungido: 0 povo transformado (61.1-4)


E ssa é a p assag em que o S e n h o r Jesu s p ro c u ro u d e lib e ra d a m en te c o m o
p o n to d e p a rtid a de seu m in istério pú b lico (Lc 4.16-22). Sua ação valida de
fo rm a a u to ritativ a o e n te n d im e n to q u e alcançam os, sem re c o rre r aos evange-
lho s, d e q u e Isaías ex p õ e aqui u m a figura m essiânica. E m sua leitura, o S e n h o r

1 C) t e r m o lp ã 'a r , e n tr e o s p ro fe ta s , é u s a d o a p e n a s p o r Isa ías d e n tr e t o d o s o s p r o f e ta s (veja


1 0 .15; 4 4 .2 3 ; 4 9 .3 ; 5 5 .5 ; 6 0 .7 ,9 ,1 3 ,2 1 ; 61.3).
2 W atts, vol. 2, p. 2 97.
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 668

Jesu s p a ro u nas palavras a bondade do Senhor (2a) e n ã o p ro sseg u iu p ara 0 dia da


vingança. D e ssa fo rm a , ele ex p resso u , n esse p o n to , seu p ró p rio e n te n d im e n to
de sua m issão para salvar o m u n d o , n ão para c o n d e n á -lo (Jo 3.17). N o en tan to ,
ele ta m b é m estava ciente d o dia p o r vir em q u e ele ex ecu taria o ju lg am en to
co n fia d o a ele 0 o 5.22-29). E m o u tras palavras, o que Isaías vê c o m o u m m inis-
tcrio co m u m a d u p la faceta, o S e n h o r Jesu s divide re sp e c tiv a m en te o trab alh o
d o S erv o e d o C o n q u ista d o r U n g id o p ara sua p rim eira e seg u n d a vindas. A
p assag em é u m a u n id ad e de três m o v im e n to s, c o m e ç a n d o co m a in v estid u ra do
U n g id o c o m o E sp írito d o S e n h o r so b e ra n o (la b ). A seguir, o p ro p ó s ito dessa
u n ção e su a c o n c o m ita n te c o m issão ( ld , enviou) é e la b o ra d o em sete infinitivos
(lc -3 g ), e o p o e m a conclui co m o resu ltad o da o b ra d o U n g id o (3h-4).
1 O títu lo Soberano, 0 Senhor (/‫״‬d õnãy yahw eh) é o m e sm o títu lo d iv in o de
50.4,5,7,9.' O títu lo re p re se n ta a atrib u ição de so b eran ia a lav é, o ê x o d o de
D e u s, q u e salva seu p o v o e vinga ele m e sm o de seus inim igos. É o E sp írito des-
se D e u s — S o b eran o , Salvador, Ju iz — q u e re p o u sa so b re o U n g id o p ara que
ele p o ssa o p e ra r as palavras d e D eus. D e ssa m aneira, sua c arreira d e salvação
e v in g an ça é sinalizada. S o b re a investidura d o E sp írito d o S e n h o r veja 42.1.
S o b re levaras boas notícias (Ί bãsar) veja 40.9. O s pobres (‘‫״‬nãw im ; 11.4; 29.19; 32.7)
são os o p rim id o s, os d e sp ro te g id o s, os q u e são im p e d id o s d e p ro g re d ir e se
a p rim o ra r pelas p esso as o u pelas circunstâncias. O v e rb o cu id a r/ “ c u ra r” (ARC)
(1.6) ex p ressa a ten ção pessoal, aliviar, c u ra r e re sta u ra r a inteireza. “ C o ra ç ã o ” é
u m a palavra tã o versátil q u e o coração quebrantado c o b re to d o e q u a lq u e r co lap so
h u m a n o , d esd e a p ro stra ç ã o em o cio n al até o c o n v e n c im e n to d o p e c a d o (cf.
57.15). A e x p ressão anunciar liberdade {ctrôr, “ m a n u m issã o ” ; L v 25.10; J r 34.8)
fo rm a u m a ligação p a rtic u la r co m L evítico e a g ra n d e m a n u m issã o d o A n o de
Ju b ileu , e o u so d e ano (2a) favorece esse p e n s a m e n to de q u e o U n g id o vem em
um te m p o d esig n ad o p a ra re a sse n ta r to d a s as coisas e lib e rta r o s d e v e d o re s e os
escravos. O s te rm o s cativos e prisioneiros d e n o ta m re sp e c tiv a m en te a escravidão
im p o sta pela p e sso a e p elo lugar, o c o n tra ste su g e rin d o “ lib ertação d e to d o
tip o ” . A frase libertação das trevas (pfqahqôah) é um su b sta n tiv o “ a b ra n g e n te ”
re p e tid o u sa d o apenas aqui. O te rm o 4pãqah c o m u m e n te significa a ab e rtu ra
d o s o lh o s o u d o s o u v id o s (42.20), e isso, em 42.7, está asso ciad o c o m tirar
as p esso as das trevas d a prisão. A qui “ a n u n ciar [...] lib ertação das trevas aos
p risio n e iro s” fu n d e as d u as idéias. A ssim , rev en d o , as boas notícias ab raçam a
ren o v ação e re sta u ra ç ão pesso ais {cuidar dos que estão com 0 coração quebrantado),1

1 O títu lo ’‫״‬dõnãy yahweh é c a ra c te rís tic o d e E z e q u ie l (u s a d o 2 0 7 v ezes) e A m ó s (v in te


v e ze s). O títu lo é e n c o n tr a d o a o lo n g o d e Isa ías (7.7; 2 5 .8 ; 2 8 .1 6 ; 4 0 .1 0 ; 4 8 .1 6 ; 4 9 .2 2 ;
5 0 .4 ,5 ,7 ,9 ; 5 2 .4 ; 5 6 .8 ; 6 1 .1 ,1 1 ; 6 5 .1 3 ,1 5 ). A lc m d isso , Isa ía s u sa o títu lo e m s u a f o r m a am -
p lia d a “ o S o b e ra n o , o S e n h o r d o s E x é r c ito s ” (3.15; 2 2 .5 ,1 2 ,1 4 ,1 5 ; 2 8 .2 2 ). A p e n a s Isa ías
u sa o títu lo “ o S o b e ra n o , o S e n h o r , o S a n to d e Is ra e l” (30.15).
669 ISAÍAS 6 1 . 1 9 ‫־‬

lib e rta r das restriçõ es im p o sta s pelas p esso as (cativos é u m a d escrição negativa
d a criação d e um a so cied ad e h arm o n io sa) e a retificação das circu n stan cias (//-
bertação /.../ aos prisioneiros).
2 A re p e tiç ã o d o v e rb o proclam ar sinaliza q u e o q u e se segue recap itu la o
q u e p re c e d e u d e u m n o v o p o n to d e vista. O q u e está p o r vir é u m ano de favor,
um dia de ira. E m 49.8, o “ te m p o favorável” era a p re p a ra çã o e v in d a d o Servo;
em 60.7,10, o favor d o S e n h o r foi e ste n d id o à o fe rta trazid a p elo s g e n tio s e
ex p re sso n a co m p a ix ã o q u e ele d e m o n stro u c o m Israel e q u e atraiu o m u n d o
p ara Sião. O U n g id o p ro clam a que esse an o ch eg o u ago ra. A palavra dia, em
c o n tra ste co m o te rm o ano, expressa a c o n tu n d e n te e ráp id a o b ra d e vingança
realizada. M ais u m a vez, o q u e o S e n h o r p ro p õ e fazer, o U n g id o p ro clam a (cf.
59.17). Todos os que andam tristes serão c o n fo rta d o s, c o n fo rm e o S e n h o r p ro m e -
teu em 57.18. (O te rm o tristeza de 60.20 p e rte n c e ao m e sm o g ru p o d e palavra.)
M ais u m a vez, u m a in te n ç ã o divina é realizada p elo U ngido. O p e n sa m e n to de
vin gan ça é d eix ad o d e lado, e o fo co cai n o favor. P rim eiro , a re m o ç ã o d e to d o
m o tiv o d e tristeza (2c) e, d ep o is, a o b ra p ositiva d e tra n sfo rm a ç ã o (3a-g). A
palavra “ triste s” c o b re to d as as tristezas d a vida (p o r exem plo, G n 50.10,11),
m as o elo c o n te x tu a l co m 57.18 tra n sfo rm a a tristeza p elo p ecad o n o principal
p e n s a m e n to e n o m eio de e n tra r nas b ên ção s q u e se seguem .
3 A ex p ressão dar a é u m a tra d u ç ã o d u v id o sa na qual o te rm o isü m n ã o é
u sa d o a b so lu ta m e n te d essa m an eira em n e n h u m o u tro lugar, m as se m p re co m
u m o b je to afirm a d o o u im plícito. P o r essa razão, W atts o ferece “ d e te rm in a r
d ireito s a” p o rq u e acha q u e a tristeza d o versículo 2c era a re sp e ito d a p e rd a de
d ireito s d a te rra .1 A p e sa r d essa in te rp re ta çã o se r im prov áv el, ela está g ram ati-
calm e n te n a lin h a certa. E possível q u e d ev am o s e n te n d e r c o m o u m a referên cia
ao p ró p rio c o n so lo (“ d e te rm in a d o p a ra ”). D o c o n trá rio , um a vez q u e o te rm o
isitm e o in fin itiv o seguinte dar (■¡nãtan, “ c o n c e d e r”) c o m p a rtilh a m o significa-
d o de “ p ô r, colocar, d e te rm in a r, d esig n ar” , p o d e m o s tra n sfo rm a r o seg u n d o
em u m re su m o d o p rim eiro , e n fa tiz a n d o assim a ideia de “ d a r a to d o s os que
c h o ra m em Sião u m a bela c o ro a ” . D e to d a m aneira, a p en itên cia traz tra n sfo r-
m ações. P rim eiro , um a bela coroa em vecç de cincas. A s palavras-chave e n v o lv em as
m e sm a s letras: ¡ f'e r (lit. “ to u c a d o ” ; cf. Ê x 39.28; Is 3.20; 61.10; E z 2 4.17,23),12
em vez d e ’êper (“ cin zas” ; 2Sm 13.19; Is 58.5). A ssim , a lo c u ç ã o p rep o sitiv a
em ve% de (tahat), e x p re ssa n d o “ equivalência exatas, su b stitu iç ã o ” (p o r exem plo,
G n 22.13), é ace n tu a d a pela quase id en tid ad e das palavras. O S e n h o r su b stitu i
ex a ta m e n te a ferida p elo rem éd io e, um a vez q u e as cin zas d e p e sa r foram
p assad as na cabeça, ele aplica sua cura p recisam en te n o p o n to necessário. O
ó leo era p a ra m o m e n to s de alegria (SI 23.5), n ã o de d o r (2Sm 14.2). E m Sal-

1 W atts, v o l.2 , p. 30 3 .
2 A tra d u ç ã o d a N V I p o r bela coroa s u rg e p ro v a v e lm e n te d a s u p o s iç ã o d e q u e p r e r (“ to u ca -
d o , c o r o a ”) d e riv a d e Ί ρ ά ’αΓ (“ s e r b e lo ” )■
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 670

m o s 4 5 .7 < 8 > , a e x p ressão “ó leo de alegria” explica o tip o d e vida d istin to no


rei. P o r c o n se g u in te , o U n g id o su b stitu i o pranto p o r vida nova. O m anto é um a
cap a o u “ m a n ta ” q u e envolve tudo. O te rm o deprim ido (kèhâ ) refere-se ao que
é to lo e ap ático; o te rm o é u sad o em 42.3 p ara “ p av io fu m e g a n te ” . T am b ém
aqui a in fu sã o d e n o v a vida (3de) se ex p ressa n o louvor resp o n siv o , su b stitu in d o
a d e p re ssã o e a m elancolia. O tem a d e v estir re p re se n ta a ex p ressão e x te rio r de
um a realidade interior. ( ) m a n to q u e c o b re tu d o indica to tal re n o v ação pessoal.
C o m a frase eles serão chamados, a c o n stru ç ã o m u d a d o s infinitivos q u e expres-
sam o s o b jetiv o s d o U n g id o para u m a d eclaração d o q u e ele tem realizado.
P rim eiro, há u m n o v o n o m e e p o sição (3h-j). ( ) p assivo (lit.) “ será c h am ad o
para eles” enfatiza a realidade objetiva, a realização. U m n o v o n o m e significa
um a n o v a n a tu re z a c o m novas p o ten cialid ad es (G n 17.5,6). O s carvalhos (cf.
1.29; 57.5) n ã o são u m a v ariedade especial, m as “ á rv o res g ra n d e s” . A s o u tras
duas referên cias em Isaías associam as “ árv o res g ra n d e s” c o m a religião falsa.
M as elas fo ra m re c u p e rad a s para o S en h o r, tra n sp la n ta d a s e re ceb eram um a
cep a estab elecid a n o jardim dele. A ju stiça (co m o em 53.11; 54.17) é q u e lhes
d á p o sição e aceitação d ia n te de D eus. Pelo fato de serem p la n tio do Senhor, seu
lugar e ca rá te r se dev em to ta lm e n te à ação divina. A se n te n ç a pa ra manifestação
da sua glória é c o m o 60.21 e.
4 A seg u n d a realização d o U n g id o é a rein teg ração d e p o sse e restau ração
das cidades. A frase “ eles re c o n stru irã o ” (4a) se c o rrelacio n a a “ eles serão cha-
m a d o s” (3h), lig an d o o s dois resu ltad o s — o n o v o p o v o e a n o v a p o sse — do
m in istério d o U ngido. C o n fo rm e é o caso de 49.1 em d ian te, a im ag em d a volta
da B abilônia p a ra um país d eso lad o é u m tem a para u m a re c u p eração m aio r, ou
seja, a en tra d a n o v erd ad eiro R eino de D eu s, a te rra de h e ra n ç a esp iritu al em
q u e to d o s os co lap so s d o p assad o , in d e p e n d e n te m e n te d e q u ã o an tig o s o u du-
rad o u ro s, são c o n se rta d o s. Isso envolve coisas q u e p a re c e m te r sid o devastadas
“ para se m p re ” {velhas), coisas q u e vieram c o m o u m a h e ra n ç a d e te m p o s antigos
{devastadas de geração em geração/ “ d eso laçõ es d e m uitas g eraçõ es [pessoas]”) (TB)
e coisas que as gerações tran sitó rias são incapazes d e c o n sertar. P o r in te rm é d io
d o U ngido, to d a essa d e stru iç ã o e x isten te há m u ito será restau rad a.

A confirmação: na verdade, a transformação (61.5-9)


E ssa v in h e ta p ara o te ste m u n h o d o U ngido, c o m o a v in h e ta d o se g u n d o
cân tico d o S ervo (49.7-13), divide-se em duas partes. A p rim eira p a rte o b serv a
a su b serv iên cia das n ações (5,6; cf. 49.7); e a seg u n d a p arte, a aliança d o S en h o r
co m seu p o v o (7-9; cf. 49.8). N o e n ta n to , as m u d a n ç a s gram aticais sugerem
um m o sa ic o isaiano d e peças o rig in alm en te díspares: os v ersícu lo s 5-7a são
fo rm u la d o s n a seg u n d a p e sso a d o plural (a N V I altera o T M p ara a terceira
p esso a d o plural em 7a); os versículos 7b-f, 9 estã o na terceira p e sso a d o plural,
e o v ersícu lo 8 está na p rim eira p e sso a d o singular. P o d e até m e sm o ser que
671 ISAÍA S 6 1 . 1 9 ‫־‬

esses fra g m e n to s te n h a m sid o in serid o s na u n id ad e original d o s v ersícu lo s 1-4


e 10-12. M as a inserção, c o m o a separação, foi feita co m in ten ção d elib erad a, de
m o d o q u e os versículos 5-9 fo rn ecessem u m a c o n firm a ç ão divina d a o b ra d e
seu U ngido. A im ag em q u e eles trazem da vida e p ro sp e rid a d e na te rra e x p an d e
e c o n firm a o s versículos 3 e 4.
H á q u a tro e stro fe s de q u a tro linhas q u e “g iram ” em to rn o d o versículo 7ef.

A 1 O re c o n h e c im e n to pelas nações, p ro x im id ad e d o S e n h o r (5-6b)


B1 O fato da reco m p en sa: rev ersão e tra n sfo rm a ç ã o (6c-7d)
C A p o sse e a alegria (7ef)
B2 A explicação da reco m p en sa: a justiça e a aliança divinas (8)
A 2 O re c o n h e c im e n to pelas nações, a b e n ç o a d o p elo S e n h o r (9)

O “ eixo” (7ef) está ligado à e stro fe p re c e d e n te pela ex p ressão porção dupla


(7be) e à e stro fe seg u in te pela palavra eterna (7f,8d). O s versículos 5-6b e 9 têm
fo rm a to idêntico. A s duas prim eiras linhas e x p ressam a relação das n açõ es co m
0 p o v o de Sião; e as duas segundas, a relação d o p o v o d e Sião co m o Senhor.
5-6b A im agem n ã o é de um E s ta d o su b se rv ie n te n em de cid ad an ia de
seg u n d a classe, m as d e alegre co o p e ra ç ão , de antiga gente de fora a ssu m in d o seu
lu g ar n a vida d o p o v o (c o n fo rm e m o stra o uso d e estrangeiros/ “ filhos d o s es-
tra n g e iro s” [ARC] em 60.10). O v erb o vai p a sto rea r/ “ se a p re se n ta rão e apas-
c e n ta rã o ” (ARA) é u sa d o para o M essias em M iqueias 5.4. O te rm o “ hav erá”
(A RC) su gere a ssu m ir a re sp o n sab ilid ad e e su p erv isio n ar, b e m c o m o c o n tin u a r
n o trabalho.
6 A frase “ m as vocês serão c h a m a d o s” sacerdotes refere-se ao ideal d e E x o -
d o 19.6 (cf. a p o ste rio r e x ten são aos g e n tio s em 66.21; am b as as passagens
são an tecip ató rias d o “ sacerd ó cio para to d o s os te m e n te s a D e u s ” d o N o v o
T e sta m e n to ) até aqui n ã o realizado. O p e n sa m e n to paralelo de re c o n h e c im en -
to e n tre as n açõ es (9ab) exige que aqueles q u e estão falan d o na frase vós sereis
chamados [...] chamarão (ARC) sejam os estrangeiros e os “ filhos d o s e stra n g e iro s”
(ARC). O p o v o de D e u s ex isten te m in istra a v erd ad e d o S e n h o r a esses estran -
geiros, a p re se n ta n d o -o s ao S e n h o r e tra z e n d o -o s para a c o m u n id a d e d e fé. Eles,
p o r sua vez, re c o n h e c em a p o sição privilegiada especial d aq u eles p o r in te rm é -
d io d e q u e m são a b e n ç o a d o s e os co n sid eram sacerdotes in te rm e d ia n d o as b ên -
ção s divinas e m inistros (m tsã rêj; o v e rb o típico d o serv iço levítico) agindo, c o m o
v erd ad eiro s levitas, em favor deles nas coisas de D e u s (N m 8.5ss.).
6 c S o b re c o m p a rtilh a r o orgulho e as riquezas das nações veja 60.16 (cf. Rm
15.27). A frase 0 orgulho delas é “ em sua glória” (cf. G n 31.1; A p 21.26). A sen ten -
ça vocês se orgulharão 1p ro v av elm en te é o se n tid o m ais provável d o te x to hebraico.

1 A frase vocês se orgulharão tra d u z o te r m o titya m n frii. E s s a p o d e se r u m a f o r m a defectiv a


d e V ã m a r (“ v a n g lo riar-se ” ; cf. SI 94.4) o u u m a fo rm a se c u n d á ria d e ■imür (“ m u d a r” ) e, daí
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 672

7 E sse versículo c o m eça (lit.) co m “ em lugar da v e rg o n h a d u p la e [em


vez da] d e s o n ra /d e s a p o n ta m e n to eles exultarão em sua p o rç ã o ” . A ex p ressão
da vergonha n a N V I e “ sua p a rte ” da A R C indica m an eiras d istin tas d e fazer os
p ro n o m e s d esse versículo so arem h a rm o n io so s. E m e lh o r re te r o te x to d o T M
(c o n fo rm e acim a) e, então, p e rm itir q u e o v ersícu lo 7 ab c o n tin u e a p a rtir do
v ersícu lo 6 e, se g u in d o este, q u e se relacione co m o p ro n o m e n a terceira p esso a
em 7cd c o m o um a daqueles m u d an ças de p e sso a fre q u e n te s n o s p ro fe ta s (cf.
1.29; 5.8; 42.20; 52.14; G K C 144p). S o b re ao invés da veja o v ersícu lo 3. Vergonha
é m ais q u e e m b a ra ç o e inclui “ co lh er v e rg o n h a ” , ficar d e c e p c io n a d o co m a
esp eran ça e se r e x p o sto c o m o um a fraude. O m e sm o se aplica p ara humilhação.
A frase 0 m eu povo receberá é u m acréscim o in te rp re ta tiv o d a N V I. Seria m u ito
m e lh o r d eix ar o h e b ra ic o co m sua b ru sq u id ã o , c o n fo rm e acim a. A herança/
“ p a rte , p o rç ã o ” (A RC, T B )1 é o q u e o S e n h o r d e stin o u p ara seu p o v o . A palavra
dupla {porção é u m a adição interpretativa) é u sad a n o se n tid o d e “ am p la, to tal,
a b u n d a n te ” (cf. J ó 42.10).
7 e f E ssas linhas fo rm a m o eixo d o p o e m a (veja o e sb o ç o acim a). E las reca-
pitu lam o p e n s a m e n to d e 7a-d e a crescen tam m u itíssim o a ele. O v e rb o herdará
se m p re enfatiza p o sse, em vez de (co m o c o n o sc o ) o m o d o p elo qual a p o sse se
deu. P o r co n seg u in te, h á u m a pro g ressão . E m 7ab, foi feita u m a am p la su b sti-
tuição d o te rm o vergonha; em 7cd, eles se regozijam n o q u e foi d e stin a d o para
eles; e em 7e, essa p o rç ã o é declarada p o sse deles. A lém disso, eles p o ssu e m
sua p o rç ã o e se alegram nela de fo rm a eterna. M ais u m a vez, o se n tid o d e dupla
(se n d o porção u m a adição in terpretativa) é “ am pla, p len a, a b u n d a n te ” .
8 O S e n h o r p ro m e te u m a re c o m p e n sa a b u n d a n te p a ra seu p o v o (7), m as
n ão p o rq u e “ eles tê m tid o b a sta n te dificuldade e está na h o ra de algo d a r c e rto
p ara eles” . A re c o m p e n sa surge da justiça à qual o S e n h o r é d e v o tad o . O Sc-
n h o r — ao tra z e r esse alívio, o an o da b o n d a d e e o dia d a v in g an ça (2) — age
co m to tal justiça e n o in teresse de sua justiça. Sua salvação é tã o justa q u a n to
sua vin gança. O porque co m q u e esse versículo co m eça é vital d a p ersp ecti-
va teológica. A frase odeio 0 roubo e toda m aldade envolve u m a m u d a n ç a n o T M
(de tfôlâ [“ e m o fe rta q u e im a d a ”] para /b‫‘ ׳‬aW /â [“ e m /c o m e rro ”]).2 Isso é am -

(su p o s ta m e n te ) “ n a su a g ló ria v o s g lo ria reis” (A R C ). A B U S su g e re tijm ã rã yíi o u lijm ã r a u


(“ v o c ê s se a lim e n ta rã o ” ).
1 A N V I às v e z e s n ã o é tã o c u id a d o s a q u a n to d e v e ria s e r a o s e le c io n a r as p a la v ra s e q u iv a -
le n te s p a ra as p a la v ra s h e b ra ic a s, e isso é b e m ilu s tra d o e m 6 1 .7 d c . A s p a la v ra s herança e
herdará o b s c u r e c e m o f a to d e q u e e s tã o e n v o lv id a s d u a s p a la v ra s h e b ra ic a s d is tin ta s , n e-
n h u m a d a s q u a is é b e m tra d u z id a p e la n o s s a n o ç ã o d e “ h e r a n ç a ” . N o v e rsíc u lo 7 d , hêleq
c “ a q u in h o a m e n to ” e, n o v e rsíc u lo 7e, o t e r m o iy ã r a s é “ e n tr a n a p o s s e d e ” .
2 W atts a c e ita a c o rre ç ã o , c o m e n ta n d o a e x a d ikia s d a L X X . R le tr a d u z “ r o u b o p e la in ju sti-
ç a ” , o u se ja , “ p riv a r a lg u é m d e se u s b e n s o u d in h e ir o p o r m e io d e a ç ã o ju d icial in ju s ta ” .
E s s e é u m s e n tid o a rtificial p a ra 'αννΊα, t e r m o q u e p o r si m e s m o n ã o te m n u a n ç a s ju d i­
673 ISAÍAS 6 1 . 1 9 ‫־‬

p ía m e n te assu m id o sem (ap aren tem en te) se p e rg u n ta r qual seria o se n tid o d o


te x to resu ltan te, po is ele n ã o significaria “ ro u b o e m a ld a d e /in iq u id a d e ” (N V I,
A R C ), m as “ ro u b o co m e rro ” ou “ ro u b o em m atéria de e rro ” . H avería algum
tip o de ro u b o que o S e n h o r não odeia? H avería um ro u b o sem erro? ( ) roubo
(gãzêf) é sem p re um a palavra violenta co m o sentido de “ to m a r pela fo rça” . A
frase hebraica “ ro u b o em o fe rta queim ada” é su rp reen d en te, m as tran sm ite a
m ensagem . H á um paralelism o perceptível en tre as expressõ es “ ro u b o em o ferta
q u eim ada” (gãzêl tfôla) e “ sua obrigação em fidelidade” (jfP llãtãm b e >emej; 8c).
N ã o h aviam m eias m ed id as em relação à o fe rta queim ad a; era tu d o o u nada
(cf. G n 22.2,12,16). O S e n h o r exigia c o m p ro m isso integral d e seu p o v o , c tu d o
m e n o s q u e isso era ro u b o . E le agora re m e m o ra isso a fim d e ilu strar o fato de
q u e ele m esm o , em sua fidelidade, n ão so n eg a nada q u a n d o re c o m p e n sa seu
povo. E le vive d e a c o rd o co m seu p ró p rio padrão. P o r essa razão, ele d iz em
minha fidelidade os recompensarei/ “ lhes darei sua p ^ u llâ ' (um a palavra q u e pri-
m e iro significa “ re c o m p e n sa pelo tra b a lh o ” , “ salário” e, d ep o is, d esen v o lv eu o
se n tid o m ais g e n é ric o de “ o q u e é d e v id o ” ; cf. 40.10; 49.4). P o r c o n seg u in te, no
fim , a dupla (7be), a dádiva fiel d o q u e é d e v id o (8c), co n firm a ser um a aliança
eterna. E n q u a n to as passagens 54.10 e 55.3 (em q u e são usadas as m esm as pa-
lavras) fo rn e c e m o c o n te x to , a principal referên cia é 59.21, p assag em em q ue o
U n g id o é o m e d ia d o r das b ê n ç ã o s d o E sp írito e da palavra divinas para o p o v o
p e n ite n te d o S en h o r. E v id e n te m e n te , a aliança ta m b é m p ro m e te ría ao p en iten -
tc as b ê n ç ã o s a testad as p elo U n g id o nos versículos 3 e 4.
9 S o b re descendentes/ “ p o ste rid a d e ” (ARC) veja 59.21. O s v ersículos 5-9, de
u m p o n to d e vista o u d e o u tro , focam a tra n sfo rm a ç ão . O versícu lo 9 é o p o n to
crucial — o p o v o d o S e n h o r será tã o tra n sfo rm a d o q u e serão b e m d istin to s d o
m u n d o to d o (9ab) p o r causa d e um a qualidade d iscern id a neles (9cd) q u e só
p o d e se r ex plicada c o m o u m ato de b ê n ç ã o divina. O q u e Isaías estaria aguar-
d a n d o ? E m últim a análise, a nova Sião d o c a p ítu lo 60. M as, é claro, q u a n d o isso
ch eg ar n ão haverá o u tra s nações nem povos. E m o u tras palavras, Isaías está m ais
um a vez (cf. 60.12) c o n sid e ra n d o o tem a da cidade re c o n stru íd a e d o p o v o res-
ta u ra d o p a ra c o n tro la r sua previsão. E c o m o se ele dissesse: “ Se você, naquela
ép o c a , fosse u m p o v o e n tre m uitos, v ocê seria to ta lm e n te d ife re n te ” . O que
Isaías via c o m o a o b ra d o U ngido, o p o v o d e D e u s já co m eçara a e x p e rim e n ta r
em seu p rim e iro estágio (veja o c o m e n tá rio in tro d u tó rio acim a). N esse sen tid o ,
os versículos 5-9 têm um a aplicação para a igreja e n tre as d u as vindas d o n o sso
S e n h o r Jesu s, seg u in d o 61.1-2a e antes a 61.2b. S ob essa luz, o versículo 9 afir-
m a o q u e d everia ser v erd ad e agora.

ciais c não c usado dessa maneira cm outras passagens. N a verdade, seu constante uso
abrangente, com o desvio de toda e qualquer maneira da norm a, resiste a esse estreitamen-
to de referência.
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 674

e. O compromisso do Ungido e o juramento do Senhor (6 1 .1 0 — 6 2 .1 2 )


O terceiro c â n tic o d o U ngido, c o m o o terceiro c â n tic o d o Servo, é u m tes-
te m u n h o c e n tra d o n o c o m p ro m isso pessoal, m as e n q u a n to 50.4-9 se d e fro n ta
co m o c u sto d a o b e d iê n c ia , 61.10— 62.7 (um p o e m a em q u a tro estro fe s d e dez
linhas cada um a) exulta n o que será realizado. E sse se n tid o de exp an siv a alegria
c o n tin u a n a v in h e ta (62.8-12), co m o ju ra m e n to c o n firm a to rio d o S e n h o r de
q u e Sião d e sfru ta rá o q u e é seu m e sm o e co m a co n v o c a ç ão p a ra o m u n d o
iniciar sua g ra n d e m arch a p ara Sião. E ssa e n c a n ta d o ra seção n o s d á u m a per-
cep ção d e algo d a “ alegria q u e lhe fora p ro p o s ta ” (H b 12.2).

A alegria e a urgência na obra de salvação (61.10—62.7)


A v o z solitária q u e fala n a prim eira, seg u n d a e q u a rta estro fe s (61.10;
62.1,6) d esse p o e m a é a d o U n g id o .1 A o p in ião de K n ig h t e d e Y o u n g d e que
o o ra d o r é Sião ig n o ra o fato de q u e p ara estar v estid o c o m as vestes d a salva-
ção (10), n o caso das p essoas, indicaria p o sse e deleite n a salvação, e n q u a n to
0 re sta n te d o p o e m a ainda aguarda a salvação a se r realizada e c o n ced id a. As
e stro fe s têm ta n to u m a rra n jo e q u ilib rad o q u a n to c o n tin u id a d e e u n idade.

A 1 A alegria em e m p re e n d e r a o b ra de salvação (os tem as d e n o iv o /


noiva; a te rra p ro d u tiv a; o “ p o rq u e ” explicativo nas linhas três e sete)
( 10, 11)
B1 U m a voz solitária o ra n d o p o r Je ru sa lé m (n açõ es e reis p ara
v er a sa lv a ç ã o /ju stiç a d e Sião) (62.1-3)
A 2 A alegria em relação à Sião tra n sfo rm a d a (os tem as d e n o iv o /n o iv a ,
a te rra p ro d u tiv a; o “ p o rq u e ” explicativo nas linhas três e sete) (4,5)
B2 U m g ru p o ch a m a d o a o ra r p o r Je ru sa lé m (Jerusalém se to rn a
u m lo u v o r n a terra) (6,7)

N e ssa e stru tu ra , as seções A 1 e B 1 c o m p a rtilh a m os tem as d a salvação,


da justiça e d o m u n d o vigilante; as seções B 1 e A 2 divid em o te m a d o “ n o v o
n o m e ” ; e A 1 e B2 te rm in a m am b as co m o te m a d e Je ru sa lé m c o m o u m louvor
universal.

A aleg ria e m e m p re e n d e r a o b ra d e salvação (61.10,11)


10 A s “v e ste s” revelam o caráter, g a ra n te m e q u ip a m e n to e ex p ressam
co m p ro m isso . N e ssa sequência d o s cân tico s, os a to s p ro m e tid o s d o S e n h o r se

1 O bserve com o a expressão '"dõnãy yahweh (1,11) soa com o um inclusio [criar uma estru-
tura ao pôr material similar no início e no final de uma seção] em to rn o do poem a. Se os
versículos 5-9 não estivessem ali a form ação resultante seria m uito bem lida com o uma
unidade. Dividir um poem a dessa form a, usando as peças sabiamente separadas em seus
novos contextos, é exatam ente o que Isaías fez em 5.24ss.
675 ISAÍAS 6 1 . 1 0 - 6 2 .1 2

to rn a m p ro g re ssiv a m e n te o s a to s d o U ngido. N o v estir d o U ngido, alcança-se


u m p o n to decisivo n essa tran sferên cia de atividade. N o co m e ç o (59.16,17), o
re c o n h e c im e n to d e q u e o m u n d o n ã o p o d ia p ro d u z ir sua p ró p ria salvação, o
S e n h o r se vestiu c o m as vestes da salvação e d a justiça. A g o ra tu d o isso passa
p ara o U n g id o (ele me vestiu·, cf. a p re p a ra çã o divina d o S erv o em 49.2). O ter-
m o pôs é “ c o b rir/e n v o lv e r” (cf. so b re “ p ô r ” [TB] n o v. 3). A salvação é dirigida
a n ó s, ele fará q u a lq u e r coisa q u e seu p o v o p recisar; a justiça está c o n c e n tra d a
em D eu s, ele faz tu d o q u e a san ta n a tu re z a d e D e u s exige. O s te rm o s o noivo
e a noiva p o d e m c o n te r u m a alusão à aliança d o c a sa m e n to e, p o r co n seg u in te,
o en v o lv im e n to d o U n g id o em um a tarefa d e aliança (v. 8d; cf. a v olta ao tem a
d o c a sa m e n to em 62.5cd). O principal p e n sa m e n to , n o e n ta n to , é q u e das ves-
tes q u e p ro c la m a m para o m u n d o que esse h o m e m e essa m u lh e r são no iv o e
noiva, q u e esse é o caráter e o c o m p ro m isso deles. O S en h o r, c o m o m e sm o
cu idad o, p re p a ra seu a g en te ungido. A ex p ressão como um sacerdote é “ p õ e seu
to u c a d o sa c e rd o ta l” ; o v e rb o é ·Ikãkan (“ agir c o m o u m sa c e rd o te ag e”). (Sobre
“ c o ro a ” , veja o versículo 3.) E ssa ex p ressão única reflete a visão bíblica d a san-
tid ad e d o c a sa m e n to “ in stitu íd o p o r D e u s n o te m p o d a in o cên cia d o h o m e m ” .1
D a m e sm a m a n e ira san ta e cuidadosa q u e o casal se veste p a ra seu casam en to ,
o S e n h o r veste seu g ra n d e agente para a o b ra de salvação.
11 E sse versícu lo acrescen ta um a seg u n d a exp licação p ara a alegria n o ver-
sículo lOab. E ssa tarefa para a qual ele é cap acitad o será fru tífera. A terra tem
um p o d e r e sp o n tâ n e o de c rescim en to ; o jardim é cu ltiv ad o a fim d e p ro d u zir.
A ssim , ta m b é m a justiça é o p ro d u to da atividade e sp o n tâ n e a d a n a tu re z a divina
e d o cultivo cu id a d o so d o D e u s q u e c u m p re suas p ro m essas. A justiça é a o b ra
salvífica, à m ed id a q u e satisfaz D e u s e p ro d u z o fru to d e justiça em seus reci-
p ien tes; o louvor é a o b ra salvífica à m edida q u e ela estim u la um a resp o sta.

0 zelo p o r Sião (62.1-3)


0 U n g id o expressa sua d e te rm in a ç ão q u e Sião p o ssa vir a p o ssu ir as bên-
çãos d e justiça e salvação q u e talvez estejam ev id en tes p ara to d o s verem ; e
p o ssu ir ta m b é m u m n o v o n o m e e dignidade real.
1 A ex p ressão não me calarei (TB) (V/1¿í5S) aplica-se ta n to à ação (Jz 18.9;
SI 107.29) q u a n to às palavras (SI 28.1; 3 9 .2 < 3 > ; cf. Is 42.14; 57.11; 62.6;
64.12 < 11 > ; 65.6). A palavra descansarei (jsãqat) significa “ ficar p arad o , in ativ o ” .
O s v e rb o s são c o m b in a d o s para d izer q u e o U n g id o se e n treg ará ta n to à o ra ç ã o
in c e ssa n te q u a n to à ação incessante. A ção, p o rq u e ele está v estido p a ra a tarefa
(61.10cd), e o ração , p o rq u e ele re c o n h e c e q u e é o S e n h o r q u e deve fazer a justiça
[.../ brotar (61.1 le d ). O o b jetiv o é q u e Sião p o ssa d e sfru ta r os fru to s d a o b ra
dele. E le se p re p a ra para alcançar a justiça ( ó l.lü d ; cf. 56.1), tu d o q u e o D e u s

1 O vocabulário da introdução ao culto de casam ento no Livro de O ração C om um (1662).


O LIV RO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 676

ju sto exige, e Sião a receb erá (53.11; 54.17) em u m a n o v a p o sição e q u alid ad e de


vida. R le realizará a salvação (61.10c), e Sião será salva. A m u d a n ç a será tã o drás-
tica q u a n to um a luz resp la n d e c en d o e as chamas de uma tocha. A frase resplandecer
como a alvorada é “ seguir co m e sp le n d o r” (o te rm o nõgah n u n c a é u sa d o p ara “ al-
v o ra d a ” , m as se m p re p ara luz clara e c o n tu n d e n te ; 4.5; 50.10; 60.3,19; J1 2.10).
2 S o b re nações e reis veja 49.7; 52.15; 60.3,10,11,16. O q u e o S e n h o r faz p o r
Sião atrai a ate n ç ã o d o m u n d o , ela é u m a luz nas trevas deles. A se n te n ç a você
será chamada/ “ c h a m a r-te-ã o ” (ARC) (cf. 61.3h) refere-se à realid ad e o b jetiv a da
c o n c e ssã o de u m n o v o n o m e , o u seja, um a nova n a tu re z a co m novas p o ten cia-
lidades. E ssa é a realidade so b re n a tu ra l d o q u e o U n g id o faz p o r Sião q u e só o
p ró p rio S e n h o r {boca) p o d e dar Í...J/ “ n o m e a rá ” (ARC) o nome q u e a expressa.
A ssim , a o b ra e a o ra ç ã o d o U n g id o trazem um a b ê n ç ã o tripla. P rim eiro , um a
n o v a p o siç ã o d ian te d e D e u s (Justiça) aliada co m a salvação, salv am en to d e to d a
escrav idão e am eaça (le d ); seg u n d o , u m a justiça d e vida visível (2ab); e terceiro,
a d ádiva divina d e um a n o v a n a tu re z a (2cd). O re su lta d o é q u e v o cê será uma
esplêndida coroa. N ã o é d ito a Sião p ara u sa r a coroa o u diadema, m as é d ito duas
vezes p ara se r estas na m ã o d o S enhor. S er n a m ã o d o S e n h o r é se r c o n se rv a d o ,
g u ard a d o e d e fe n d id o ; ser um a c o ro a é ser aquele q u e e x p ressa realeza — n ão
0 exercício d o p o d e r real (o u sar u m a co ro a), m as a p o sse d e v alo r e d ig n id ad e
reais. O p o v o d o S e n h o r será o sinal d e q u e ele é Rei.

A tra n sfo rm a ç ão : nov o s n o m es, nova p o sição (62.4,5)


E ssa terceira estro fe, c o m o a p rim eira, co n siste d e u m a d eclaração inicial
(4ab) su ste n ta d a pelas duas explicações (o porém em 4c devia se r “ p o is” , e o
“ p o rq u e ” inicial em 5a devia se r restau rad o ). O p a ssa d o se foi (4ab) p o r causa
d o d eleite d o S e n h o r co m Sião, e h á u m a te rra n o v a e fértil (4cd) q u e, p o r sua
vez, é explicada pelas ilu straçõ es inspiradas n o casam ento .
A frase não mais a chamarão abandonada, nem desamparada à sua terra/ “ n u n ca
m ais te ch a m a rã o D e sa m p a ra d a, n em a tua te rra se d e n o m in a rá jam ais A ssola-
d a ” (A RC). O u so d o passivo “ d iz e r” é característico d e Isaías (4.3; 19.18; 32.5;
61.6), e n q u a n to ele o c o rre ap en as três vezes em Jerem ias e u m a vez em O seias
e S ofonias. O p a ssa d o foi-se tã o c o m p le ta m e n te c o m o se n ã o m erecesse m en -
ção. O n o m e Hefiçibá (“ m eu deleite está n ela”) su b stitu i “ a b a n d o n a d a ” e fíeulá
(“ casada”) su b stitu i “ d e sa m p a ra d a ” . N ã o fo ram ap en as as p esso as q u e m u d a-
ram , m as o m e io a m b ie n te ta m b é m m u d o u . O te rm o agrada (A RC) (n o tex to
h eb raico ) rim a n d o c o m a q u a d ra 1 d o v ersículo 5 explica tu d o . As d u as m etad es
d o v ersículo são, resp ectiv am en te, o c a sa m e n to e a lua d e m el; a aliança d o ca-

1 kl y itf'a l bcihiir tftülâ


yib'ãlãk bãnãyik ■
ünfsôs hàtán ‘alkallã
yâsis ‘ãlayik ,'lõhãyik
677 ISAÍAS 6 1 . 1 0 - 6 2 .1 2

sarn en to , q u e inclui a p ro m e ssa d o no iv o de “ am ar e resp eitar” , e a e n tra d a nos


deleites d a vida co njugal em q u e o no iv o se agrada em sua noiva. T a m b é m Sião
será o o b je to d o a m o r ca rin h o so de seus p ró p rio s filhos, e o S e n h o r d e sfru ta rá
o d eleite da lúa de m el co m aqueles q u e o U n g id o salvou e to rn o u c e rto s co m
ele.

A d esig n ação d o s g u a rd iõ e s in tercesso res (62.6,7)


Ule, em paralelo co m a segunda e stro fe na qual o U n g id o o ra, designa
aqueles q u e in te rc e d e rã o sem cessar até a c o m p le ta o b ra d e salvação e justiça
e sta r concluída. A n te s da prim eira vinda d o S e n h o r Jesu s, h o u v e in tercessão
(Lc 2.36-38; cf. M t 24.42; 25.13; M c 13.33-37; Lc 21.36). S m a rt o b se rv a co m
a c e rto q u e in te rp re ta r a referência a m u ro s (6a) c o m o u m a in d icação d e que
a p assag em d eve se r d e um te m p o ap ó s o tra b a lh o d e N eem ias “ ig n o ra o ca-
rá te r d ra m á tic o e im aginativo da escrita” 1 q u e n ã o é d escrita de um a situação,
m as im p ressio n ista d a urgência atenta. A s sentinelas (isãtnar) são “d efen so res,
g u a rd iõ e s” . A queles q u e se dedicam à o ra ç ã o são os v erd ad eiro s g u ard iõ es, e a
v erd adeira o ra ç ã o é: (i) incessante (lit.) “ to d o o dia e to d a a n o ite ” (A RC); (ii)
e lo q u e n te , v e rb alizan d o a necessidade (não calarei [A R C |, 'ihãsâ; cf. v. Ia); (iii)
c o n c e n tra d a em D e u s c o m eficácia (vocês que clamam ao Senhor/ “ vós, o s que
fareis le m b ra d o o S e n h o r ” [ARA]). N ã o co n clu ím o s q u e d o c o n trá rio ele es-
qu eceria, m as q u e n o ssas o raçõ es, pela v o n ta d e dele, são de algum a m an eira um
in g red ien te vital na im p lem en tação de suas p ro m essas. C o m p a re co m a fo rm a
c o m o a p ro m e ssa d e M alaquias 4.5 veio cm re sp o sta às o ra ç õ e s de L ucas 1.13.
Λ o ra ç ã o ta m b é m é: (iv) disciplinada (não se entreguem ao repouso)·, (v) u rg e n te e
p re m e n te (não lhe concedam descanso; cf. Lc 18.1 -8); e (vi) su ste n ta d a (até que ele esta-
heleça, o u seja, c u m p ra tu d o que foi vaticin ad o n o cap ítu lo 60 em relação a Sião,
a o b ra to d a de salvação e justiça em 61.10— 62.1). Je ru sa lé m é tra n sfo rm a d a em
0 louvor da terra, algo p elo q u e o m u n d o to d o louva o S en h o r, p o rq u e ao salvar
Sião, o m u n d o é salvo.

O grande juramento e a grande convocação (62.8-12)


E im possível d iz e r em q u e p o n to d o m in istério de Isaías esses o rácu lo s
(8,9,10-12) p o d e m te r tid o origem , m as a qualidade isaiana deles e sua ade-
q u ação em seu c o n te x to atual são inquestionáveis. A p e rd a de safras para um
in v aso r era u m a experiência c o m u m antes d o exílio, e calaria fu n d o n o p o v o de
Isaías ser d ito q u e sua segurança p o r vir n u n ca a co n teceria de novo. N o cân tico
p re c e d e n te d o U ngido, as fiéis “ forças d a n a tu re z a ” fo ram o ferecid as c o m o u m
m o d e lo d o s exercícios salvíficos d o S e n h o r (61.11; 62.4,5). A g o ra o p o v o en tra
na p o sse e n o d e sfru te assegurados d o q u e fora p ro m e tid o , o esta b e le c im en to
d e Sião p elo qual os g u ard iõ es-in tercesso res estavam o ra n d o (6,7). A passag em

Smart, p. 263.
O LIV RO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 678

de p ro c la m a ç ão é m u itíssim o re m in iscen te de 52.7-12, e, n esse sen tid o , am bas


são u m a v in h e ta c o n firm a to ria para o cân tico p re c e d e n te e (co m o 52.7ss., q ue
é um p re lú d io p a ra o ú ltim o cân tico d o Servo) p re p a ra p ara o p o n to cu lm in an te
d o c â n tic o d o U n g id o (63.1-6). D e a c o rd o co m 61.11 e 62.2,7, Sião será justiça,
glória e lo u v o r p a ra to d a a terra. A g o ra o povo (10b) e as “ n a ç õ e s” (lOe) são
co n v o c a d o s p a ra u m a p ereg rin ação p re p a ra d a, u n in d o -se c o m o os redimidos do
Senhor (12) para e n tra r na cidade dele.

O ju ra m e n to d o S e n h o r (62.8,9)
8 Se fo r im p o sta u m a d istin ção de sim b o lism o , mão é in te rfe rê n cia p esso al,
o en v o lv im e n to d ire to d a p esso a, e braço c p o d e r pessoal. J u n to s eles a p o n ta m
para alguém q u e é fo rte o b a sta n te p ara a tarefa e está p re p a ra d o “ a ssu m ir a res-
p o n sab ilid ad e p o r ela” . Ju izes 6.1-4 oferece um ex em p lo h istó ric o d a situ ação
d o ju ra m e n to c o n te m p la d o (cf. 37.30s.); L evítico 26.16 e D e u te ro n ô m io 28.30-
33 o fe re c em u m c o n te x to co nceituai.
A p o sse e o g o z o estão c o n d ic io n a d o s à o b ed iên cia n a aliança. A n te rio r-
m e n te , o p o v o estivera ap en as sujeito aos atos d iv in os de p u n iç ã o e se via fra-
co d ian te d o inim igo. A g o ra a justiça de D e u s é satisfeita e n ã o h av erá m ais
p u n iç ã o severa n e m fraq u eza e m face d o inim igo. Q u a n d o a aliança se to rn a
realidade (o te m a d e c a sa m e n to n o c â n tic o p re c e d e n te; cf. 54.10; 55.3; 61.8) e
q u a n d o os a to s d ivinos d e justiça e salvação estim u lam re sp o sta s d e lo u v o r, a
isso, seg u em -se a p az e a segurança.
9 O v e rb o louvarão fala d o co ra ç ã o h u m a n o , sensível ao fa to d e q u e to d a
dádiva b o a e p e rfe ita é d o alto; a ex p ressão meu santuário fala d o co ra ç ã o d e
D eu s, d isp o sto e satisfeito em c o m p a rtilh a r festas de c o m u n h ã o c o m seu p o v o
c o m o n o s an tig o s dias das p rim icias (E x 34.26; N m 18.13; D t 26.1-11) e ofer-
tas d e p az (Lv 7.1 lss.). N o e n ta n to , ag o ra é a colheita to d a e a v in d im a q u e são
d e sfru ta d a s nas c o rte s d o S enhor. E m u m a palavra, os pátios do meu santuário
deix aram d e se r locais e lim itados para se to rn a re m u m sím b o lo d e to d a vida
c o m o aquela vivida na p re se n ç a d o S an to e d e to d a refeição c o m o a sagrada
c o m u n h ã o . S o b re santuário veja 60.13.

A g ra n d e p e re g rin a ç ã o ( 6 2 .1 0 1 2 ‫) ־‬
10 Para o s d u p lo s im perativos, veja 51.9,17; 52.1,11; 57.14; p ara o te m a d o
c a m in h o p re p a ra d o , veja 40.3ss.; 57.14; e para a p e re g rin a çã o p ara Sião, veja
24.16; 25.1ss.,6ss.; 27.12,13; 35.1-10. A im agem é de u m a cid ad e p re p a ra d a e
receptiva. O co n v ite foi feito, as p o rta s estão abertas, as e strad as fo ra m pavi-
m e n ta d a s d e novo. T u d o q u e foi d ito so b re a reu n ião d o s p e re g rin o s d o m u n d o
em Sião (quer c a rre g a n d o os filhos de Sião, q u e r tra z e n d o p re se n te s, q u e r vin-
d o p o r si só) é c o n su m a d o agora. N e m o b stá c u lo n e m in c e rte z a fru stra rã o a
jo rn ad a; a estra d a foi aplainada, a estra d a foi elevada. N ela, ta n to 0povo q u a n to
679 ISAÍAS 6 3 . 1 6 ‫־‬

os “ p o v o s ” (A RC) (lü d e ; n ão as nações) ju n tam -se na pereg rin ação ; aqueles a


q u e m o S e n h o r reu n irá para si d e seu p o v o p ro fe sso existen te n aq u ele te m p o
(os p e n ite n te s de Sião) e aqueles d ista n te s a q u e m ele esten d e sua p az (57.19).
S o b re bandeira vé)a. 11.10,12; 49.22.
11 H á três “ eis” n esse versículo: o p rim e iro (11a, o m itid o pela N V I) é
u m a justificação p ara as o rd e n s p re c e d e n tes para ab rir as p o rta s e p re p a ra r as
estrad as: a p ro c la m a ç ão universal d o S e n h o r foi feita. O seg u n d o (11 d) revela
o s te rm o s da p ro clam ação . O S e n h o r a n u n c io u para Sião q u e sua “ salvação” (e
n ã o Salvador) está a cam in h o , e q u e o q u e o S e n h o r faz para Sião é feito p ara o
m u n d o inteiro. N ã o há salvação sep arad a p ara g ru p o s sep arad o s. O Rei d e Sião
é o Rei d o m u n d o (caps. 9 ,1 1 ); a salvação de Sião (54.1) é a salvação d o m u n d o
(55.1). A salvação é um e le m e n to n o c o m p ro m isso d o S e n h o r (59.16) e ela foi
deleg ada a o U n g id o (61.10); o m o m e n to chegou! O terceiro “ eis” ( l i e ) ch am a
ate n ç ã o p a ra aquele c u jo galardão 0 acompanha. E m 40.10, o p ró p rio S e n h o r traz a
re c o m p e n sa , m as a g o ra seu “ eis” a p o n ta para o u tro tra z e n d o a re c o m p e n sa . O
c o n te x to exige q u e seja o U ngido. Q u a n d o um a rte sã o c o m issio n a d o faz um a
p eça d e m obília, ele é p ag o para isso, essa é sua re c o m p e n sa (seker); o artig o
in te iro é sua recompensa (jfulla) o u “ fru to d o tra b a lh o ” . N o caso d o U n g id o , seu
p o v o salvo é ta n to o q u e anseia q u a n to o q u e realiza; em te rm o s d e 53.12, ta n to
sua p o rç ã o q u a n to seu espólio.
12 A frase eles serão chamados/ “ c h a m ar-lh es-ão ” (ARC) so a c o m o se h o u -
v esse o b se rv a d o re s a ssistin d o a p ereg rin ação ch eg ar e d e c id in d o q u em são es-
ses q u e ch egam . E les são os p ereg rin o s, o p o v o e as n açõ es d o v ersículo 10, a
recompensa e a galardão d o versículo 1 1 . 0 p ro n o m e vocêestá n o fe m in in o singu-
lar e se refere a Sião. O s títu lo s povo santo, redimidos do Senhor, ¡...¡procurada, ádade
não abandonada fo rm a m um p a d rã o a-b -b -a n o qual a cláusula “ a” d escrev e o
q u e é u m a v erd ad e p e rm a n e n te e a cláusula “ b ” , o q u e o S e n h o r tem feito.
A e x p re ssã o povo santo/ “ p o v o d e sa n tid a d e ” é m ais u m a afirm ação q u e um a
sim ples atribuição. E les são u m p o v o co m a san tid ad e c o m o sua característica
d o m in a n te . O s redimidos do Senhor são aqueles p o r q u em o S e n h o r aceito u o
p ap el d e p a re n te p ró x im o e p a g o u to d as as dívidas deles (35.9,10). A palavra
procurada deriva-se de idãrds, palavra usada co m freq uên cia para p esso as v in d o
a ssid u a m e n te ao local o n d e o S e n h o r p o d e ser e n c o n tra d o (D t 12.5), m as aqui
ela se refere ao S e n h o r e n c o n tra r e reu n ir a ssid u am en te seu p o v o universal
(E z 34.11; J o 1.43; 9.35). O v e rb o abandonada n o 'I'M está n o te m p o p erfeito ,
e x p re ssa n d o a ex atid ão e certeza: “ E la, co m certeza, n u n c a será a b a n d o n a d a ” ,
até m e sm o “ n ã o p o d e se r a b a n d o n a d a ” .

f. O dia da vingança e a vitória do Conquistador Ungido (63.1-6)


O v o cab u lário d essa passagem im p ressio n an te n o s traz a um te rre n o fam i-
liar: vestes (lb c,2 ab ,3 ef), justiça (le ), salvação (lf,5 c ), re d e n ç ã o (4e), raiva e ira
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 680

(3cd,5d,6ah) e v in g an ça (4a). E m 59.16ss., o S e n h o r vestiu as vestes indicadvas


d e sua cap acid ad e para a salvação e a v in g an ça e de seu c o m p ro m isso c o m elas.
N aq u ela p assag em , c o m o aqui, o a g ru p a m e n to de palavras de raiva indicava
o n d e estava a ênfase, m as ali, c o m o aqui, “ seu b ra ç o lhe tro u x e liv ra m e n to ”
(59.16c; 63.5c). O S e n h o r tam b ém ficou h o rro riz a d o c o m o fato d e q u e o s pe-
cad o res da te rra n ã o tin h a m n inguém p ara vir em seu auxílio (59.16ab; 63.5ab).
M as e n tre essas duas passagens, o c o m e ç o e o fim d e to d a a seq u ên cia, so m o s
in fo rm a d o s q u e o U n g id o veio co m um m in istério d e co n so lo , v in g an ça e sal-
vação (61.2) e q u e é so b re ele q u e o S e n h o r p ó s as vestes d a salvação e d a justiça
(61.10). ( ) terceiro c â n tic o d o U n g id o e sua v in h eta focaram o d ram a, o d ia da
vingança. O b se rv a m o s c o m a c e rto a c o n tra p a rte d o N o v o T e sta m e n to disso
na ira d o C o rd e iro (A p 6.15ss.) e o pisar n o lagar d a ira d e D eu s (A p 14.17-20;
19.15) e recu am o s disso. M as a reflexão lúcida e sensata n o s a d v e rte q u e n ão
d ev em o s c o n fia r em n o ssa reação. N ã o sab em o s n ad a das e m o ç õ e s ap ro p riad as
p ara a san tid ad e ab so lu ta, a justa, m erecid a e inevitável declaração final en tre
D e u s e to d o s q u e d e so n ra m e se o p õ e m a ele. E , c o n fo rm e diz K n ig h t, que
“ D e u s só p o d e agir cm c o n fo rm id a d e co m ele m e sm o [...] em um a p re o c u p a -
ção a p aix o n ad a e c o n tu n d e n te co m a justiça” .1 D e m an eira sim ilar, S m a rt diz:
“ N e m p ara o S eg u n d o Isaías n em para q u a lq u e r o u tro p ro fe ta p o d e ría haver
u m dia da salvação sem um dia de julgam ento. A m isericó rd ia d e D e u s c a ira
de D e u s n ã o estã o em c o n trad ição , m as em h a rm o n ia ” .2

Um personagem de mistério e sua identificação de si mesmo (63.1)


P artiu d e Sião a palavra d iz e n d o “ tu a salvação v e m ” (A RC; 62.11), e os
sen tinelas estão vigilantes. E les n ã o e n te n d e m o q u e veem : quem é aquele? O
p aralelo co m 52.8 é notável. E les — ao p ro c u ra r seu rei (52.7), p o is o S e n h o r
d e sn u d o u seu b ra ç o na salvação (52.10) — o q u e v eem d e fato é “ vejam , o m eu
serv o [...] o b ra ç o d o S e n h o r (52.13; 53.1). T a m b é m aqui as exp ectativ as deles
são c o n fu n d id a s p o r esse p e rso n a g e m im p re ssio n a n te q u e vem so zin h o , chega
de E d o m , está v e stid o d e fo rm a vivida e m ajesto sa e ca m in h a c o m g ran d io si-
d ade e força. S o b re lidom e Bosçra, veja a n o ta in tro d u tó ria a 34.1-17 e 34.5. O
país e a cidade são u sado s aqui cm seu se n tid o estab elecid o d o típ ico inim igo
escatoló gico, a in c o rp o ra ç ã o d a an im o sid ad e in cessan te c o n tra o S e n h o r e seu
povo. M as ta m b é m o n o m e da área de Hdom ( ’‫׳‬dòm) e as vestes av erm elh ad as
Çãdõm) c o m b in a m u m a co m a o u tra. E c o m o dizer: o n d e seria possível c o n se-
guir vestes av erm elh ad as salvo na p ró p ria te rra v erm elh a? D a m esm a m an eira,
o n o m e da cidade Bo%ra significa “ v in d im a” — o n d e m ais seria possível pisar
uvas em um lagar (3)? A ex p ressão estão vermelhas (hãmès), u sad a ap e n a s aqui,

1 Knight, Isaiah 56— 66, p. 70.


2 Smart, p. 266.
681 ISAÍAS 6 3 . I -6

significa “ aguçada, viva” . E la n ão especifica n e n h u m a c o r em p articu lar, m as


os sentinelas, c o m o ch a m a m o s algum as co res de “vivas” , veem a figura d istan -
te co m vestes “ d e vivas c o re s” (A RA ). P o r en q u a n to , eles só c o n se g u e m ver
g eneralidades. A frase num manto de esplendor é (lit.) “ d estaca-se em sua v e ste ” .
S o b re i hãdar (esplendor) veja 45.2. O te rm o avança (fs a a , “ inclinar-sc, p e n d e r”)
é u sa d o aqui para o b alan ço natural d o c o rp o q u a n d o cam in h a d e fo rm a en ér-
gica. N ã o h á fraq u eza n essa figura, m as an tes grandeza/ “ p le n itu d e ” (A RA ) de
força. Q u a n d o ele se identifica é c o m o sou eu, que falo. O U n g id o foi p rim eiro
a p re se n ta d o (59.21) c o m o inv estid o d o E sp írito e da palavra. E le exerceu u m
m in istério d a palavra n o dia da vingança e da salvação (61.1) e ju ro u n ã o se calar
q u a n d o p ô s suas vestes pela prim eira vez (62.1; cf. A p 19.13,21). O que q u er
q u e ele estivesse fazen d o , ele vem relatar co m in teg rid ad e, c o m o alguém cuja
justiça está in tacta e cuja consciência p rim o rd ial é q u e ele é poderoso para salvar.
O s v ersícu los seguintes se especializam em a to s d e ira e v ingança, m as sua
p rincipal co n sciên cia é que tem de agir em salvação. O te rm o poderoso (rab) é o
adjetivo d o su b sta n tiv o grandeza/ “ p le n itu d e ” (ARA) na linha d. A força m era-
m e n te “g ra n d e ” p o d e ría surgir para u m a ocasião e, d ep o is, d u ra n te u m tem p o ,
esg o tar; a “g ra n d e z a ” de sua força n u n c a se esgota. E tão a b u n d a n te q u a n to
sua fo rça é sua salvação; ela é m ais que suficiente para tu d o a q u e ele é cham ado.

Sua veste descrita com mais detalhe e explicada (63.2,3)


O por que (maddãa') in terro g ativ o b u sca u m a causa: “ C o m o v o cê explica
sua ro u p a tingida de v erm elh o ? V ocê esteve em u m lagar? V ocê d iz se r um ora-
d o r, m as n ã o h á d iscu rso suficiente p ara explicar “ tu as ro u p a s [...| v e rm e lh a s” .
“ E ssa n ã o é a c o r dela, é um a m ancha!” O U n g id o n ã o resiste, m as a d o ta o
te m a d o lagar. O te rm o pürd em sua única o u tra aparição (A g 2.16) é a cu b a de
a rm a z e n a m e n to , m as aqui deve ser o ta n q u e d e pren sar. A frase das nações/ “ p o -
v o s” ninguém esteve comigo, c o n fo rm e d iriam o s “ n in g u ém em to d o o a m p lo m u n -
d o ” . Ninguém Çên *is) é c o m o em 59.16 (cf. 50.2). D e sd e o início da d escrição da
o b ra d o U n g id o , aqui e em seguida nos versículos 4 e 5, sua so lid ão é enfatizada.
A o b ra inteira de julgam ento, da m esm a m an eira q u e to d a a o b ra d e salvação
(5c), é só dele. C aso se p re te n d a um a d istin ção e n tre pisei e pisoteei, o seg u n d o é
m ais v ig o ro so q u e o prim eiro. E les são, re sp ectiv am en te, idcirak (“ c a m in h a r/
p isa r”) c 1‫י‬ramas (“ p iso te a r”). A ira Çap) é a ind ig n ação (u rro ) d e raiva; e furor
(ARC) (hêmâ) é a in ten sid ad e (calor) da raiva. A ên fase está na raiva sen tid a na
alm a. O te rm o sangue (nêsah) só é e n c o n tra d o aqui e n o v ersículo 6 e é e n te n -
did a em geral p ara “ resp in g o de san g u e” . A s vestes dele fo ram respingfadasf e1

1 O verbo nTyéz é derivado de ■inãzâ (respingar; cf. 2Rs 9.33; ls 52.15). f í H S lería uma letra
waw consecutiva aqui. Λ form a logicamente seria w ayyêz, mas ela aparece em 2Reis com o
wayyicç (veja G K C 76c). Driver (83; cf. G K G \(Ώ \Ρ ) observa casos com o esse, em que uma
O LIV RO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 682

manchiadas/.' O ú ltim o te rm o ()gã'al) significa “ m an ch ar, c o n ta m in a r” (59.3,


Ml 1.7). O s do is se n tid o s são a p ro p ria d o s aqui. Q u a n to ao fato, sua ro u p a foi
m a n c h a d a (seria ela o rig in alm en te branca?), q u a n to ao efeito, esta foi co n tam i-
nada. A tarefa envolvia ex p o r a c o n tam in ação , q u e ele aceito u , m as q u e n ã o o
c o n ta m in o u , po is ele volta com retidão (1). A ex p ressão toda a minha veste refere-se
ao q u e o o lh o cap ta (lb ,2 a); a vivacidade geral d o san gu e a e m b e b e u . O U n g id o
declara sua ira, m as n ã o a explica n em justifica. A p en as a in tro d u ç ã o ao ciclo
d o U n g id o fo rn e c e a razão para a ira: a sujeição d o p o v o d o S e n h o r a in im ig o s
o p re sso re s q u e dev em se r d e stru íd o s e a p re se n ç a de p e c a d o re s im p e n ite n te s
n o m u n d o to d o (59.18).

A história completa: a ocasião, sua solidão e sua realização (63.4-6)


4 H o u v e ofensas e o fen so res que p ro v o caram a vingança. T a m b é m algo tinha
d e ser feito para os “ m eus red im id o s” (ARC) (não minha redenção, ge'ülñm; cf. 35.9;
51.10; 62.12; SI 107.2). A descrição sugere que eles já p ossu íam a p o sição d e re-
dim ido s e que ele agiu dessa m aneira p o rq u e eles já eram seus red im id o s, e não
para to rn á-lo s seus redim idos. Isso se ajusta ao p ro g resso d o livro d e Isaías, co n -
fo rm e o traçam os. A o b ra de red en ção foi realizada n o capítulo 53, m as d e 56.1
em d ian te o p o v o foi ch a m a d o a esp e ra r a salvação p ro m e tid a . O s cap ítu lo s
segu in tes revelam a necessid ad e d e se r resg atad o d e u m a m b ie n te e stre ssa n te
e h ostil e d a p ra g a d o p e c a d o e d o fracasso (57.1 ss.; 58.1— 59.13). P o r co n se-
gu inte, q u a n d o o U n g id o age c o m o poderoso para salvar (1) e q u a n d o o “ a n o d o s
m eu s re d im id o s” (ARC) vier, o fard o d a atividade é a ex atid ão d a v in g an ça final
so b re to d o s o s inim igos. A ex p ressão “ m eu s re d im id o s” (ARC) (ge,úllãy) tem
as m esm as letras da palavra manchei Ç'g'ãlti) d e duas linhas an tes; as raízes delas
(¡ga’af) tê m a m e sm a grafia. E ssa associação deve ser in ten cio n al; p a ra ele, a
co n ta m in a ç ão ; p ara eles, a red en ção .12 ( ) U n g id o estava p e sso a lm e n te c o m p ro -

simples letra waw se conecta com o que a precedeu, e o verbo im perfeito contribui sua
vitalidade para a cena e aponta para 43.28; 51.2; 57.17. N a seção 174, no entanto, ele trata
a presente form a com o “quase certam ente” um erro de im pressão para um a letra waw
com a form ação consecutiva.
1 O term o “m anchadas” traduz uma form ação verbal incom um ’eg'aln. G K C 56p afirma
que o questionável aleph inicial se sustenta, em vez de ele; mas 56k (observe J r 25.3) con-
sidera esse detalhe um erro de algum escriba. K B trata esse caso com o um exem plo de
uma form ação aphel, mas sugere que leiamos um niphal Çeggaêl). Q a traz g ‘Ity, presumi-
velmente g e‘aíí'1. Delitzsch frisa que a form a é um hiphilcom “ uma inflexão aramaica” e
observa 2Cr 20.35; SI 76.6< 5> (cf. CAT.'54a2).
2 A tradução por minha redenção (NVI, RSV) supõe um substantivo que não é
encontrado em nenhum a outra passagem e que não acrescenta nada para o sentido aqui.
Antes, o inverso, pois “meus redim idos” contém a ênfase correta nas pessoas e no rela-
cionam ento.
683 ISAÍAS 6 3 . I -6

m e tid o co m sua o b ra ; ela estava em seu coração, eq u ip aran d o -se co m o “ z e lo ”


d o p ró p rio S e n h o r na m e sm a causa (59.17).
5 O a ssu n to da solidão dele é tão im p o rta n te q u e ele o traz à to n a m ais u m a
vez. Será q u e a m e n ç ã o d o versículo 3 à so lid ão c o m o u m fato e ta m b é m d o
versículo 4, co m sua referên cia ao seu coração, indica que n ã o h á “ n e n h u m o u tro
b o m o b a sta n te ” ? E sse versículo a crescen ta o s e n tim e n to p esso al dele da tragé-
dia das coisas c o m o elas estavam : mostrei assombro são as palavras usadas p a ra o
S e n h o r e m 59.16,17. ( ) U ngido, q u e veio para an u n c ia r o dia d o S e n h o r (61.2) e
para ex e c u ta r a o b ra d o S e n h o r (61.10) a g o ra fala c o m a v oz d o S en h o r. A frase
0 meu braço me trouxe a salvação (ARC) tem as m esm as p alavras d e 59.16. A passa-
g e m 59.16, a n te c ip a n d o to d o o e m p re e n d im e n to , o vê fo rta le c id o pela justiça
d e D e u s, ju sto n a salvação e ta m b é m na vingança. M as aqui, n o m o m e n to de
real execução, fala-se d a ira e ela d e te rm in a o lugar d a ên fase n a frase. E c o m o
se su gerisse q u e m u ito s fatores p o d e m p re ssio n á -lo a se co m p a d e c er, a seguir
u m c u rso d istin to , m as a “ p ro p rie d a d e ” in trín seca da ira n a n a tu re z a divina o
p re n d e até q u e a o b ra seja feita. S o b re ira veja o versículo 3d.
6 P ara pisoteei (Ί büs) veja 14.19,25; 63.18; S alm os 44.6; Jerem ias 12.10; e para
ira veja o versícu lo 3c. A ideia de as embededfarj (w a “sakkfrêm; não, c o n fo rm e
p ro p õ e m alguns, o insíp id o w ã^sabfrrêm , “ e d e rra m e i”) re m e m o ra 51.17,21,22,
p assag em e m q u e o cálice que intoxica é o cálice da ira d o S enhor. Ali ele é
tira d o das m ão s de Siâo e p o s to nas m ão s de seus inim igos. O U ngido, m ais
u m a vez, assu m e o lugar d o S ervo, ex ecu tar a o b ra d e ira em q u e ele o p e ro u a
o b ra d e salvação. A e x p ressão 0 sangue delas é c o m o n o v ersícu lo 3e. O d e rram a-
m e n to d o sangue na te rra é u m a m an eira vivida de d iz e r q u e essa e n tid a d e viva
em p a rtic u la r n u n c a p o d e ser restabelecida (cf. 2Sm 14.14). A ssim , a o b ra de
vin g ança d o U n g id o — c o m o a o b ra de p a g a r o p re ç o e carre g ar os p e c a d o s d o
S erv o — é u m a o b ra concluída.
C. A oração e a resposta:
os passos para o novo céu e a nova terra
( 63 . 7 — 66 . 24 )

Veja o e sb o ç o na página 61. A literatu ra isaiana se caracteriza p o r um a


m arav ilh o sa p e rc e p ç ã o d o fu tu ro ; ainda assim , to d a vez q u e so m o s trazid o s
ao p o n to em q u e tu d o p arece ser c u m p rid o e n c o n tra m o s u m “ ain d a n ã o ” . O
cap ítulo 12 c a n ta em alegria so b re a glória d a v in d a d o rei (caps. 6— 11), m as os
capítu los 13— 27 in te rp õ e m -se para n o s le m b ra r d a escala d e te m p o e e sp aço
na qu al o S e n h o r op era. M ais u m a vez, traçam o s a o b ra d o S erv o até o p o n to
cm q u e tu d o está feito e resta apenas o deleite d o b a n q u e te m essiân ico (cap. 55)
e, a seguir, d e sc o b rim o s (56.1) q u e a salvação aind a está p o r vir. F in a lm e n te ,
ch eg am o s à m elancólica, m as m aravilhosa, p assagem d e 63.1-6. C o m c erteza,
ag o ra a o b ra re d e n to ra , c o m a d e stru iç ã o de to d o s os inim ig o s, está co m p le ta -
m e n te concluída! M as não, os le m b re te s to m a m seu lugar n o s m u ro s p ara n ã o
d a r d escan so ao S e n h o r até ele c u m p rir tu d o q u e p ro m e te u . E sse é o te m a da
seção final: a igreja q u e o ra (63.7— 64.12) e o D e u s p ro m e te d o r (65.1— 66.24).

1. A oração de lembrete (63.7—64.12)


E m 62.6, n o terceiro c â n tic o d o U ngido, p a rte d e seu zelo p ela g ló ria d e
Sião p o r vir era o p o sic io n a m e n to d o s sen tin elas-in tercesso res a fim d e n ã o d a r
d escan so ao S e n h o r até tu d o ser cu m p rid o . E les são d e sc rito s c o m o “v ó s, os
q u e fareis le m b ra d o o S e n h o r ” (A RA ) (mazJürlm; o / ‫׳‬$</‫׳‬/ / im p e rfe ito d e Ίzãkar
“ lem b rar, aqueles cau sam a le m b ra n ç a ” .). E m 63.7, e n c o n tra m o s aquele q ue
diz falarei/c a u s a r a lem b ran ça ÇazJãr; o /‫׳‬/^/‫׳‬//im p e rfe ito de '¡zãkar). A q u i h á um
sen tin e la -in te rce sso r d e se m p e n h a n d o sua tarefa. C o n fo rm e K id n e r diz: “A s
glórias d o s c a p ítu lo s 60— 62 e a visão d a ação decisiva em 63.1-6 m o v e o p ro -
feta p ara u m a das m ais elo q u e n te s in tercessõ es d a Bíblia c o n fo rm e ele ex am in a
a b o n d a d e p assad a d e D e u s e a dificuldade atual de seu p o v o ” .1

a. O fundamento da intercessão: a mente de Deus em relação ao seu


povo (63.7-14)
O lem b rete, c o m o é típ ico das o ra ç õ e s bíblicas, c o m eça co m “ c o n v e rsa n -
d o co m D e u s so b re D e u s ” , em especial o q u e fez n o p a ssa d o p ara seu p o v o ,
seus c a m in h o s em m isericó rd ia, paciência e red en ção . N e ssa seção, o vcrsícu-
lo 7 é se p a ra d o p e lo inclusio [criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início
e n o final d e u m a seção] bondade [...] bondade. O s versículos 8 e 9 são u n id o s pelo
tem a, d e sc re v e n d o o início e a c o n tin u a ç ã o d a relação d o S e n h o r co m seu povo.
K id n e r, p. 62 3 .
685 ISAÍAS 6 3 . 7 - 1 4

O s v ersícu los 10-14 c o n siste m de duas e stro fe s de dez linhas (10,11,12-14),


cad a u m a co m seu p ró p rio inclusio [criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar
n o início e n o final d e u m a seção]: seu lispírito Santo n o s versículos 10 e 11 e
glorioso braços [...] nome glorioso nos versículos 12-14.
7 (4 v ersícu lo é d elim itad o pelas duas referências a bondade. S o b re o plural
(<hasã(T1m) veja 53.3d. A qui significa to d o s o s a sp e c to s possíveis e d e m o n stra ç ã o
d o “ a m o r se m p re infalível” d o S en h o r, c o b rin d o p rim e iro os seus atos gloriosos, se-
gundo tudo 0 que o Se n u o r nos concedeu (A R A )/ “ lo u v o res d o Senhor ” (A RC), o u
seja, os a to s d o a m o r se m p re infalível q u e estim ulam o lo u v o r c o m o resp o sta.
S eg u n do , c o b re quanto bem ele fe g j “ a g ra n d e b o n d a d e ” (ARC) co m q u e satisfez
p le n a m e n te as necessidades d e seu povo. O v e rb o feg (jgãm al, “ fazer p ara”)
significa “ retrib u ir, re c o m p e n sa r” (G n 50.15) e, d ep o is, (o n d e n ão há p en sa-
m e n to d e “ re trib u iç ã o ”) “ agir p le n a m e n te ” , “ satisfazer to d a s as n ecessid ad es”
(SI 13.6). Seu a m o r infalível inclui ta m b é m a q u alidade em o c io n a l d a compaixão
(cf. 54.7), a in u n d a ç ã o de am or.
8,9 E sse s versículos falam d e c o m o o a m o r d o S e n h o r c o m e ç o u em ciei-
ção e salvação (8) e c o m o c o n tin u a em identificação (9a), salvação, re d e n ç ã o e
ap o io .'
8 O m o m e n to d o ê x o d o é o p o n to d e p a rtid a para a revisão (E x 4.22; 6.7).
0 S e n h o r esperava q u e o fato de os te r aceitad o em sua c o m u n h ã o e fam ília
seria seg uido de um c o m p ro m isso de fidelidade da p a rte deles (não serão falsos
[TB]) e ele se tornou 0 Salvador deles. A única p assagem na seq u ên cia d o ê x o d o em
q u e o v e rb o “ salvar” o c o rre é em E x o d o 14.30, um u so a b ra n g e n te in d ican d o
q u e o e v e n to d o m a r V erm elh o c o m p le to u e selou o e m p re e n d im e n to to d o
c o m o u m a o b ra de salvação. D e ssa m aneira, o S e n h o r n ã o só tro u x e seu povo ao
re la c io n a m en to de filhos co m ele m esm o , m as, d e sua p a rte , aceito u as im plica-
ções d esse re la c io n a m en to ao agir em salvação c o n fo rm e a n ecessid ad e deles.
Q u e r eles fo ssem viver n esse re la c io n a m en to q u e r vivessem à altura d esse rela-
c io n a m e n to , o re la c io n a m en to deles c o m ele tinha de ser o u tro assunto.
9 A qui Isaías ex p lo ra m ais a relação da p a rte d o S e n h o r — ele também se afii-
giu. E ssa é um a das passagens (veja 9 .3 < 4 > ) em que a tran sição p o d e ser “ n ã o ”

1 A habilidade de Isaías em rimar é bem exemplificada no versículo 9:


a b'kol sãratam
b lo'stir
a üm al’ak pãnãw h<.tsiam
c1 b' alfhãtô
c2 ubhemlato
a hid if '¿¡lam
d1 waynatriem
d2 w ay nas? 'em
a kol y mZ> 'òUim
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 686

o u “ para ele” . O te rm o afligiu (sãr), c o m p lic a n d o m ais o assu n to , ta m b é m p o d e


significar “ ad v ersário ” . U m a tra d u ç ã o possível é “ em to d a s as aflições deles n ão
h o u v e n e n h u m a d v e rsá rio ” , o u seja, ele n ã o era o o p o n e n te resp o n sáv el pela
adv ersid ade deles n e m p e rm a n e c eu c o n tra eles em seu m o m e n to d e n ecessid a-
de, m as se id en tifico u c o m eles. N o e n ta n to , u m a tra d u ç ã o m e lh o r é: “ em to d a
a aflição deles, aflição para e le /e le ficou aflito” , o u seja, ele se id en tifico u co m
eles e c o m p a rtilh o u a trib u lação deles. A frase 0 anjo da sua presença é “ o an jo da
sua face” . A face significa p re se n ç a pessoal e reconh ecív el. E sse é o se r angélico
q u e to rn o u a p re se n ç a d o S e n h o r de fo rm a reco n h ecív el real e n tre seu p o v o ,
“ u m alter ego de D e u s [...] to ta lm e n te equivalente a o A n jo da A liança” ,1 d istin to
d o D e u s ú n ic o e n q u a n to D e u s-em -rev elação é d ife re n te d o D eu s-e m -si-m e s-
m o. O su b sta n tiv o amor(ah“bâ) é u sad o aqui pela ú n ica vez em Isaías ( c f . ‫ו‬1‫ג‬ãheb,
u sad o p a ra o a m o r d o S e n h o r em 43.4; 48.14; 61.8); é o a m o r q u e se deleita na
c o m p a n h ia d o e n te am ado. E ssa o c o rrê n c ia da palavra misericórdia (hemlã), en -
c o n tra d a apenas em G ê n e sis 19.16, é u m a ilu stração p e rfe ita d e seu sen tid o : “ a
n o b re p e n a q u e p o u p a ” (cf. o v e rb o em 9 .19 < 1 8 > ; 30.14). P ara resgatou {gaat)
veja 35.9 e G ê n e sis 48.16 para a relevância m ais a b ra n g e n te d e u m a id entifica-
ção c a rin h o sa e p ro te to ra c o b rin d o to d o o c u rso d a vida. O s te rm o s levantou e
conduziu são sin ô n im o s, um ex em p lo d e d u p licação p o r cau sa d e ênfase.
10-14 N a e stru tu ra das duas estro fe s de dez linh as c o m e n ta d a acim a, as
d u as p rim eiras linhas d a p rim eira e stro fe (lO ab) fo rm a m u m a in tro d u ç ã o . A
seção d o m e io co n siste da reação divina (lOcd) e d e u m so lilo q u io d iv in o (11-
14b). N o soliloquio, o S e n h o r lem b ra suas atitu d e s c o m seu p o v o reb eld e n o
êx od o, M oisés e o m a r V erm elh o ( llb c ,1 2 a b ) , o cu id a d o d o p a sto re a r que
ele e ste n d e u a eles (1 ld ,1 3 b c,1 4 a) e a p re se n ç a e a atividade d e seu E sp írito
(lle f,1 4 b ). As duas ú ltim as linhas (14cd) são dirigidas ao S en h o r, d e sc re v e n d o
sua p ersistên cia co m seu p o v o recalcitran te e o p ro p ó s ito q u e tin h a em m en te.
10 A ên fase inicial, “ a p esar disso, eles” assim ila a ex p ectativ a divina n o ver-
sículo 8b d e q u e eles, tão e v id e n te m e n te h o n ra d o s, n ã o seriam falsos. O te rm o
revoltaram (‫״‬Jmãrâ; 1.20; 3.8; 50.5) d e n o ta reb elião p ro v o cativ a, a ideia d e rejeitar
a ap ro x im ação d e u m D e u s gracioso. S o b re seu Hspírito Santo (cf. SI 51.11 < 13 > ) ,
D elitzsch diz:

O E spírito de santidade é distinto dele co m o um a existência pessoal pelo


fato de que ele pode ser ferido (cf. E f 4.30). [...| P or isso, lavé, e o anjo de
sua face e o E spírito de sua santidade são distinguíveis co m o três pessoas.2

K n ig h t diz:

1 G. A. K Knight, A BiblicalApproach to the Doctrine of the Trinity (Oliver and Boyd, 1953), p.
29.
2 Delitzsch, vol. 2, p. 456.
687 ISAÍAS 6 3 . 7 - 1 4

T u do com ido sob a palavra “santo” [...], que D eus está vivo, é transcen-
dente, im ánente, justo e totalm ente sem pecado, é aplicado p o r Isaías 63
e Salm os 51 para o E spírito de D eus. [...| O E spírito, com isso, recebe a
personalidade e o p ró p rio caráter de D eus m esm o.1

A se n te n ç a Por isso/ “ e ” se tornou faz paralelo c o m “ eles se rev o ltaram [...]


p o r isso ele se to r n o u ” . O v e rb o tornou (ihãpak) significa v irar para o lad o certo.
E le é cara c terístic a m e n te u sa d o p ara a aniquilação d e S o d o m a p o r p a rte d o Se-
n h o r. D e a c o rd o co m W esterm an n : “ O fe n d e r a b o n d a d e d e D e u s é atacar sua
san tidad e. [...] O c e n tro n e rv o so de tu d o q u e a c o n te c e na h istó ria co n siste n o
fato de q u e as coisas, q u a n d o a santidade de D e u s é ferida, n ã o p o d e m co n ti-
n u a r c o m o e stã o ” .2 Salm os 78 é um tra ta m e n to am p liad o d o m e sm o te m a des-
ses versículos. O s q u e rejeitam o cam in h o d o S e n h o r se to rn a m seus in im ig o s
(1.24) e, na p a ssa g e m atual, ele se to rn a inim igo deles. A v erd ad e q u e ele odeia
0 p ecad o , m as am a o p e c a d o r, precisa d o equilíbrio e da c o rre ç ã o das passagens
d e “ in im izad e” c o m o essas. E m últim a análise, n ã o é fácil m a n te r o p e c a d o r e o
p e c a d o sep arad o s. O e an tes d o te rm o pessoalmente p o d e ría ser o m itid o a fim de
m a n te r a b ru sq u id ã o d o hebraico.
11 S o b re então 0 seu povo veja a n o ta de ro d a p é da N V 1, m as trad u z p o r “ se
le m b ro u ” (ARC). A seq u ên cia é: “ E les se rev o ltaram (10a) [...]. P o r isso, ele se
to r n o u (10c) [...]. E n tã o se le m b ro u (11a, T B )” . N o c e rn e d a reb elião e ho sti-
lidade p ro v o c a d a , a te rn a m e n te d o S e n h o r se v o lto u para o início das coisas
(cf. J r 2.2,3). A frase 0 tempo de Moisés e a sua geração m ascara a b ru sq u id ã o d o
heb raico , q u e é m u ito m ais eficaz. E c o m o se o S e n h o r tivesse sid o sacu d id o
em suas reaçõ es h o stis pelas lem b ran ças rep en tin as: “ Se le m b ro u d o s dias da
an tig u id ad e, d e M oisés e d o seu p o v o ” (ARC). A ex p ressão seu povo re m e m o ra
a declaração sem dúvida eles são 0 meu povo n o versícu lo 8a. Pois essa d ram ática
“ le m b ra n ç a ” divina cf. Ê x o d o 2.24. A se n te n ç a aquele que os perpassar através do
m a r/ “ o s fez su b ir d o m a r” (ARC) refere-se ao m a r V erm elho. A e x p ressão
com 0 p asto r/ “ p a sto re s” (ARC) refere-se a p en as a M oisés o u a M oisés e A rão
(SI 77.19,20; M q 6.4). A s únicas referências ao E sp írito S an to nas narrativas
d o ê x o d o são o d e sfe c h o d e Bezalel (Ê x 28.3) e o re p o u sa r d o E sp írito so b re
M oisés e, su b se q u e n te m e n te , so b re os anciãos (N m 11.17,25). M as o “ p ô [r]”
d o E s p írito S an to “ e n tre ” eles (cf. A g 2.5) sugere a h ab itação d o S e n h o r n o
ta b e rn á c u lo (Ê x 29.44-46).
12 A frase que com 0 seu glorioso braço esteve à mão direita de Moisés é “ q u e m fez
seu b elo b ra ç o ir à m ã o direita d e M o isés” . M oisés, ao c o n trá rio d o S erv o (53.1),
n ã o era “ o b ra ç o d o S e n h o r” , m as ele c o n h e c ia o p o d e r d o a c o m p a n h a m e n to
d esse b ra ç o e n q u a n to c o n d u z ia o p o v o adiante. Ê m u ito provável q u e a s e n te n ­

1 K night, Trinity, p. 54-55.


2 W esterm ann, p. 388.
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 688

ça que dividiu as águas seja um a referên cia ao c a m in h o através d o J o rd ã o n o o u tro


e x tre m o da jo rn ad a. N e sse p o n to , a re c o rd a çã o d e ev e n to s h istó ric o s d á lu g ar
à rem in iscên cia d o m o tiv o p o r trás de tu d o : a p ró p ria re p u ta ç ã o d o S en h o r,
alcançar renome eterno [para e le ] / “ c ria n d o p a ra si u m n o m e e te rn o ” (A RA ). N a
histó ria d e Israel, as coisas celestiais e divinas estã o em jogo, c o n fo rm e M oisés,
n a v erd ad e, sabia m u ito b e m (E x 32.12; N m 14.13-16; cf. Js 7.9; E z 20.9,14,22).
13 Segue-se o u tro p e n sa m e n to : os conduziu através das profundezas. N ã o foi
p e rm itid o q u e ficasse n e n h u m a b arreira n o c a m in h o d e seu povo. A palavra
profundezas é o plural d e fh ô m (veja 51.10). D o s d eu ses d o E g ito aos en can ta-
m e n to s d e B alaão (N m 22ss.), n ã o foi p e rm itid o n e n h u m o b stá c u lo (natural ou
so b ren atu ral) q u e im p ed isse seu povo, p o r m ais in d ig n o s q u e fo ssem (lO ab). A
palavra “ d e s e rto ” (A R C ), c o m o aqui, é co m freq u ên cia u sad a p ara campo aberto;
tão g ra n d e era o c u id a d o d iv in o q u e Israel a trav esso u esse g ra n d e e tem ível
d e se rto (D t 8.15) d e fo rm a tã o co n fia n te q u a n to u m cavalo g a lo p a n d o em campo
aberto.
1 4 a b E sse versículo volta à h istó ria d a jo rn a d a d o E g ito p a ra C anaã, co m -
p le ta n d o -o c o m u m a terceira referên cia ao E sp írito S anto: foi ele q u e m tro u x e
o p o v o para seu descanso. U m a adorável ilustração in ten sifica o p e n sa m e n to . O s
re b a n h o s são trazid o s das altas p a sta g e n s p a ra se alim en tar em ex u b e ra n te s
vales; m e sm o assim , o E sp írito lhes d eu d e sc a n so em C anaã.
1 4 c d A quele q u e lem b ra, te n d o tra z id o esses p e n sa m e n to s à m e n te divina,
ag o ra se dirige d ire ta m e n te a ele a fim de tirar co nclusõ es. P rim eiro , ele p ed e
p a ra D e u s p e n sa r em tu d o q u e fez p a ra seu povo: foi assim que guiaste— d e to d as
essas m aneiras, co m to d o esse p o d er, a p a rtir d esse a m o r a d e sp e ito d e to d a
essa ofensa. S erá q u e tu d o isso foi p o r nada? T eria D e u s m u d a d o ? S eg u n d o ,
ele le m b ra D e u s de q u e eles ainda são teu povo; o títu lo d a d o n o v ersícu lo 8 n ão
foi retirado. E les, d e sua p arte, n u n c a viveram as im p licaçõ es d e sua filiação,
m as o n d e estaria o S e n h o r d e a m o r se m p re infalível (7)? Será q u e esse a m o r
to d o a b ra n g e n te n ã o c o b re ta m b é m essa situação? Elle ta m b é m serjá¡falso /..../
(8, T B )? T erceiro, e q u a n to ao nome glorioso d e D eu s, “ n o m e fa m o so ” (N T L H )?
A beleza d o S e n h o r (cf. 60.7) é tu d o q u e atrai nele, a g lória d e seus c a m in h o s
adoráveis e vito rio so s. Será q u e ele ainda o p e ra rá de m o d o q u e seu n o m e seja
visto em to d a sua beleza?

b. A confissão e a intercessão (63.15—64.12)


A quele q u e le m b ra estab eleceu a g o ra u m a base para a o ra ç ã o (63.7-14) ao
le m b ra r a si m e sm o e a o S e n h o r o a m o r se m p re infalível d a n a tu re z a divina, o
lugar especial d e seu p o v o e filhos d ia n te de D eu s. P ara esse D e u s é possível
o ra r co m co n fia n ç a p o r esse povo. E ssa o ra ç ã o é u m p o d e ro s o p o e m a em sete
e stro fe s da qual a p rim eira e stro fe (15,16) é lev em en te m ais lo n g a, e a sexta
689 Is a í a s 6 3 . 1 5 - 6 4 . 1 2

(8,9) lev em en te m ais c u rta q u e a n o rm a d e o ito linhas estab elecid a p e lo re sto


d o p o em a.

Λ 1 Λ casa celestial d o S en h o r: suas co m p aix õ es refread as (15,16)


B1 S o m o s seu p o v o ap esar d e n ã o p a re c e r (17-19)
O As n açõ es trem eríam d ia n te d o S e n h o r se ele ap en as
m o stra sse seu ro sto (64.1-3)
D ( ) S e n h o r único: ativo para aqueles que
esp e ra m nele, m as e q u a n to àqueles que
ig n o ram sua ira? (4,5)
C2 S om os n ó s q u e d efin h a m o s p o r cau sa d o n o sso
pecad o , e o S e n h o r e sc o n d e seu ro sto (6,7)
B2 S o m o s seu povo: p o r favor, leve isso em c o n sid e ra ç ão (8,9)
Λ2 Λ casa te rre n a d o S e n h o r em ruínas: ele se refreará? (10-12)

A seção D c en tral o u sa e n fre n ta r a difícil qu estão : será q u e p o d e m o s ser


salvos? E ssa p e rg u n ta ex p ressa o rig o r e a seriedade de um re la c io n a m en to co m
o D e u s u n o e ú n ico q u e ta m b é m é ú nico em santidad e: sab er q u e ele m a n té m
c o m u n h ã o c o m aqueles q u e an d a m n o c a m in h o dele, q u e h á u m a realidade
c o m o a ira dele — e ainda assim c o n d n u a r a pecar! C o m o essa p e sso a p o d e ser
salva? A s seções C, juntas, estão in teressad as na confissão. A e sp e ra n ç a era p o r
se p ro stra re m p o r seu D eu s, tra z e n d o o m u n d o to d o a se ajo elh ar (C 1), m as
an tes so m o s “ n ó s ” q u e d e fin h a m o s (C2) p o rq u e ele v iro u sua face p ara nós! A s
seções B e A e n c o n tra m fu n d a m e n to para rogar. N a s seçõ es B, esse é o fu n d a-
m e n to h u m a n o (so m o s seu po v o ; cf. 63.8,14); nas seçõ es A , esse é o fu n d am en -
to d iv in o (o D e u s celestial q u e é c o m p assiv o só se lib erar suas co m p aix õ es).

“Onde?” — o problema do amor retido (63.15,16)


U m p e d id o pela aten ção divina (15ab) leva à p e rg u n ta se D e u s m u d o u p o r-
q u e an te s ele era c o n h e c id o p o r seu zelo em favor de seu po v o , p ela c o m p aix ão
e p e lo co ra ç ã o te rn o (15cd). E sse é u m p ro b le m a real p o rq u e ele, aco n te ç a o
q u e ac o n te c er, ainda é Pai e R e d e n to r (16).
15 O S e n h o r receb e o p e d id o p ara virar o ro sto na n o ssa d ireção e o b ser-
v ar o q u e vê a fim de nos d edicar sua total atenção. C) in te rc e sso r, co n scien -
te m e n te , a d o ta a p o stu ra exigida na oração de S alom ão (lR s 8.30). A frase tua
habitação elevada, santa egloriosa é (lit.) “ a casa de sua san tid ad e e b eleza” . O te rm o
“ h a b ita ç ã o ” (zebut) p o d e derivar d o v e rb o “ h o n ra r” o u d o v e rb o “g o v e rn a r” .
N o uso, ele se refere a casas “ im p o rta n te s” (lR s 8.13; SI 4 9 .1 4 < 1 5 > ). S o b re
gloriosa/ “ m a je sto sa ” (C N B B ) veja 60.7. A o ração é dirigida ao S e n h o r na ple-
n itu d e d a n a tu re z a divina, sua tran scen d ên cia (céus), dign id ad e (“ h a b ita ç ã o ”),
“ sa n tid a d e ” (TB) c m ajesto sa o u im p ressio n an te glória. Zelo (9 .6 < 7 > ; 59.17) é o
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 690

c o m p ro m isso fe rv o ro so p o r m eio d o qual ele m a n té m suas p ro m essas. Poder é


a hab ilidade h ero ica, a fo rça p a ra cu id ar d e u m a tarefa o u d e u m inim igo. A bon-
dade/ “ a te rn u ra das tuas e n tra n h a s” (ARC) é paixão c o m o v e n d o in te rn a m e n te .
A compaixão é a m o r su p e ra b u n d a n te (54.7). O m o v im e n to , nessas q u a tro idéias,
é d e fo ra para d e n tro . O S e n h o r é c o n h e c id o p o r seu zelo so c o m p ro m isso co m
sua p ró p ria causa, o p o d e r q u e o capacita, o ín tim o de seu co ra ç ã o e a irru p ç ã o
d e seu a m o r p o r seu povo. N o soliloquio d o S e n h o r, ele é o u v id o d izen d o :
“ O n d e ? ” (63.11). O in te rc e sso r q u e lem b ra re p e te a p erg u n ta: o n d e estã o ag o ra
as g ra n d e s qualidades d o p assad o ? (cf. J z 6.13). O v e rb o retiveste é reflexivo; a
restrição é a u to im p o sta . O u so d o v e rb o evidencia a n a tu re z a créd u la d a p er-
g u n ta q u e acaba d e ser feita. D e u s n ã o m u d o u ; seu zelo, etc., ain d a estão ali. O
te rm o retiveste n ã o é o m e sm o q u e “ d e stru iu ” o u “ d e sa p a re ce u ” !
16 A referên cia a. A braão e Israel está delim itada pelas referên cias ao S e n h o r
c o m o P aic Redentor, e o se n tid o d o v ersículo é q u e m e sm o nas situ açõ es e m q ue
os m e m b ro s m ais ex celentes e m ais h o n ra d o s da fam ília n ã o p o d e m o fe re c er
ajuda, a p a te rn id a d e d o S e n h o r e seu ca rá te r de p a re n te R e d e n to r ain d a estão
dispo nív eis e são eficazes. O v e rb o conhece é d e iyãda e reconhece (A RC) é o hiphil
d e inãkar. C o m p a re co m D e u te ro n ô m io 33.9, passag em em q u e os m e sm o s
v erb o s são u sa d o s n o neg ativ o “ n ã o te n h o c o n sid e ra ç ão p o r ” e “ n ã o re c o n h e -
ceu ” , a m b o s n o se n tid o d e d ista n c ia m e n to d o s re la c io n a m en to s fam iliares e
recusa das o b rig açõ es fam iliares. N o versículo q u e e sta m o s e x am in an d o , h á
u m d u p lo p e n sa m e n to d e q u e as relações a m o rte c id a s n ã o p o d e m a ju d ar de
m an eira algum a e ta m b é m q u e — em c o n tra p a rtid a a 48.11,12, p assag em em
q u e o p o v o d eclaro u u m re la c io n a m en to ao qual eles n ã o tin h a m m ais d ireito
— há ag ora um p ro fu n d o s e n tim e n to d e perd a. E les estã o alien ad o s d e A b raão ,
o pai d a fam ília, e d e Israel, q u e lhes d e u o n o m e q u e d ev ia exp licar o s privi-
légios deles. N e sse vazio, vem o S e n h o r c o m o Pai e c o m u m p a re n te p ró x im o
{Redentor, 35.9), c e rto q u e fora aceito desde a antiguidade/ “ d e sd e o p rin c íp io ”
(N T L H ), “ se m p re ” c o m o p a rte d a revelação de si m esm o , seu nome (A RC). O
apelo aqui são os fato res n a n a tu re z a divina, equivalen tes a sua p re o c u p a ç ã o
co m seu n o m e n o s versículos 12 e 14.

“Porque ?” — clamor por um povo que erra (63.17-I9<17-I9a>)


O p ro b le m a fu n d a m e n ta l está n a n a tu re z a divina, e até o S e n h o r m u d a r
(17) n ad a p o d e m udar. E les, a p esar de serem seu p o v o (17cd), c o n tin u a m a per-
d e r a h e ra n ç a (18) e c o m o se n ã o p e rte n c e sse m d e m o d o alg u m ao S e n h o r (19).
17 A frase por que nosfa%es andar longe dos teus caminhos? n ã o é u m a ten tativ a
de p ô r a cu lp a n o S en h o r, m as, n o p e n s a m e n to d o A n tig o T e sta m e n to , é um
re c o n h e c im e n to de cu lp a d e p ro p o rç õ e s q u e o S e n h o r n ã o p o d ia d eix ar passar,
m as teve d e se n te n c ia r ju dicialm ente seu p o v o p ara as c o n seq u ên cias d e suas
691 ISAÍAS 6 3 . i 5 - 6 4 . i 2

p ró p ria s escolhas. A ex p ressão endureces 0 nosso coração (jq ã sã h ) n ã o é u sad a na


n arrativ a d o Ê x o d o para o e n d u re c im e n to d o co ra ç ã o d o faraó,1 m as a situ ação
d o ê x o d o é u m paradigm a. O co ração estim u lad o à d eso b ed iên cia se en d u re c e
p ro g re ssiv a m e n te em relação ao cam in h o e à v o n ta d e de D e u s até q u e ch eg a
o m o m e n to , c o n h e c id o apenas p elo S e n h o r (e co n h e c id o , n a v erd ad e, d eter-
m in a d o p o r ele de a n te m ã o ), em q u e a se n te n ç a d e e n d u re c im e n to d eve ser
dada. E sse é o p o n to d o qual n ã o há volta. U m a vez q u e o co ra ç ã o e n d u re c id o
é h u m a n a m e n te irrecu p eráv el, apenas u m a “v o lta ” p o r p a rte d e D e u s p o d e
aju d ar (SI 80.14 < 15 > ; 90.13). O s servos (cf. 54.17), p o r in te rm é d io da o b ra do
S ervo, vêm a ser e e n tra m na p o sse d e su a h erança. M as, nas circu n stân cias
d e ste m u n d o e n o c o n flito en tre a velha n atu reza e a no v a n a tu re z a , os serv o s
d o S e n h o r ficam g ra v e m e n te aquém d e seu ideal b a se a d o n a g raça. O c o n tra ste
e n tre 54.17 e 63.17 faz p a rte da razão da existência d o s cap ítu lo s 56— 66, a ex-
p ectativ a d e um a o b ra d e D e u s p o r vir d e d e stru iç ã o de to d o o b stá c u lo p ara a
v erd ad eira vida d o s servos, in tro d u z in d o a n o v a Jeru salém d e san tid ad e. T a n to
o te rm o servos q u a n to a palavra herança e x p ressam u m re la c io n a m en to c o m o
S en ho r. O p rim e iro carreg a em si a su g estão de o b e d iên cia; o seg u n d o , o pri-
vilégio d o g o z o d o q u e o S e n h o r n o s dá para “ p o ssu ir” (a ideia básica p o r trás
da palavra herança). A s tribos são o p o v o d o ê x o d o q u e d e s fru to u a re d e n ç ã o e a
q u e m foi p ro m e tid o h eran ça e, n esse m eio te m p o , so fre u as tu rb u lên cias d esta
vida e o s g ra n d e s fracassos d o p ró p rio co ra ç ã o deles.
1 8 ,1 9 E c o m u m d eclarar um cen ário pós-exílio p a ra esses v ersículos, o u
seja, a v o lta p ara um santuário devastado. O to d o da ex periência p ó s-ex ílica vai
c o n tra essa percep ção . O m e ro fato d e u m a volta d a B abilô n ia era p ro v a d e que
0 S e n h o r go v ern av a seu p o v o e estava ao lado deles. N essas circu n stân cias, eles
n ã o p o d e ría m te r dito: onde estão 0 teu sçelo e 0 teu poder ? (15) n e m p o d e ría m o rar:
volta (17) p o rq u e estaria claro que o S e n h o r tin h a d e fato “v o lta[d o ]” p ara eles.
O s v ersículos, é claro, p o d e ría m ser exilíeos, e x am in an d o em retro sp e c tiv a a
q u e d a d a cidade e d o san tu ário em 586 e para o qu e, em re tro sp e c to , parecia
a cu rtíssim a existência d o im p é rio davídico. M as é n ecessário fazer a p e rg u n ta
se u m p ro fe ta tem p e rm issã o p ara m e d ita r so b re o q u e já foi rev elad o a ele

1 O s v e r b o s d a n a rra tiv a d o Ê x o d o sã o ·ihãzaq (o q a ld o q u a l sig n ifica “ e s t a r / f ic a r e n d u re c í-


d o ” [7 .1 3 ,2 2 ; 8 .1 9 < 1 5 > ; 9.35] e o p i e l à z “ t o r n a r d u r o ” , “ e n d u r e c e r ” [4.21; 9 .1 2 ; 10.2 0 ,2 7 ;
11 .10; 14.4 ,8 ,1 7 ]) q u e é s e m p r e u s a d o p a ra a a ç ã o d iv in a ; ik ã b ê d (o q a l d o q u a l significa
“ e s t a r / s e t o r n a r p e s a d o /i n s e n s í v e l / in d i f e r e n t e ” [9.7; cf. o a d je tiv o e m 7.14] e o hiphil
d e “ t o r n a r in d if e r e n te ” [8.15 < 11 > ,3 2 < 2 8 > ; 9 .3 4 ; 10.1]), q u e é u s a d o ta n to p a ra o s a to s
d o S e n h o r q u a n to p a ra o s a to s d o fa ra ó ; e Iq ã sâ (o hiphil d o q u a l sig n ifica “ e n d u r e c e r /
t o r n a r o b s tin a d a m e n te a n ta g o n is ta ” [7.3]), q u e é u s a d o p a ra a a ç ã o d iv in a . O a to h u m a n o
d e d e s o b e d iê n c ia re s u lta e m u m e n d u r e c im e n to d o c a rá te r, u m a d im in u iç ã o d o p o d e r d e
r e s p o n d e r d e f o r m a p o s itiv a a té q u e e sse p o d e r , n a a d m in is tra ç ã o e d e c r e to s o b e r a n o s d e
D e u s , seja to ta lm e n te p e rd id o .
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 692

d e ev e n to s v in d o u ro s e em q u e ex te n sã o p o d e m e d ita r a re sp e ito d o assu n to .


C o m o p o d e rla , p o r exem plo, Isaías reagir a sua co n sciên cia d a d e rro c a d a para
a B abilonia p o r vir e sem d ata m arcad a (39.7,8)? À luz d essa c erteza, c o m o ele
teria o ra d o ? Se ele, p o r m eio d a im aginação, se p u sesse n o m eio d o d esastre,
ele oraria c o m o o ra aquí. P o r o u tro lado, ele p o d e ria o ra r em p e rfe ito s d e cer-
teza: “ P o r p o u c o te m p o o teu p o v o p o ssu iu [...] n o sso s in im ig o s p iso te a ra m
0 teu sa n tu á rio (...) so m o s!” D e to d o jeito, Isaías está se im a g in a n d o n o p ap el
de alguém q u e anseia p o r u m a m u d a n ç a n o co ra ç ã o d iv in o e p o r m ais ato s
retificad o res p o r p a rte d e D eus. C in co privilégios são m e n c io n a d o s: a eleição,
u m povo esco lh id o ; o santuário, a p re se n ç a da sa n ta h a b ita ç ã o d e D e u s; teu, a
m cm b resia n a fam ília p o r in te rm é d io da re d e n ç ã o (43.1 de); o seu c u id a d o real
(governaste); o c o m p a rtilh a m e n to de seu nome ligava in tim a m e n te a ele p esso a
a pesso a. U m a tra d u ç ã o m ais literal d o versículo 19 é: “ P o r u m lo n g o te m p o
te m o s sid o |c o m o | aqueles so b re q u e m v ocê n ã o g o v e rn o u , so b re q u e m seu
n o m e n ã o foi c h a m a d o ” . É q u ase c o m o se as o ra ç õ e s tivessem títulos: n ó s n o s
to rn a m o s “ v ocê n ã o g o v e rn o u so b re eles” , “ seu n o m e n ã o foi d a d o a eles” . O
te rm o pisotearam , c o m o em 63.6, é a re c o m p e n sa p o r vir q u e se iguala à o fen sa.

“A h !” — 0 que poderia tão facilmente ter sido (64.1-3<63.19b—64.2>)


1 As regras q u e reg em a p artícu la l u 12exigem u m a referên cia p a ssa d a aqui
— n ã o A h , se rompesses, m as “ ah, ro m p e s te ” . Isaías estava re v e n d o u m p assad o
trágico (17-19); tu d o p o d ia te r sid o tão diferente! A m era p re se n ç a d o S e n h o r
b astaria para m u d a r tudo! ( ‫ כ‬v e rb o descesses fo rn e c e o inclusio [criar u m a e stru tu -
ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a seção] e, p o r c o n se g u in te ,
é o te m a ab a rc a d o p o r essa e stro fe (la ,3 b ). Isaías u so u esse v e rb o d e “ d esces-
ses” p ara o S e n h o r lidar c o m a am eaça assíria (31.4). O v e rb o faz p a rte d a quali-
ficação da teo fan ia, q u e inclui ta m b é m o tre m o r d e te rra e o fo g o (da santidade)
(SI 1 8 .7 ss.< 8 ss.> ; cf. w . 2 d ,3b). A ex p ressão diante de t i é “ e m / p o r cau sa d e sua
fa c e /p re s e n ç a ” ; ap en as isso, n a d a mais!
2 E sse versículo re tra ta a ráp id a d e stru iç ã o (0fogo acende os gravetos) e a ir-
resistível m u d a n ç a (“ fo g o ” — o sujeito é re p e tid o n o lu g ar em q u e a N V I
in tro d u z a c o n ju n ç ã o e — f a ^ a águaferver)? A ssim , se o S e n h o r tin h a a p en as de

1 A in v ariáv e l re g ra h e b ra ic a e m re la ç ã o a o s e n tid o d a p a rtíc u la lu (“A h , a q u il o / p o d e r í a


isso !”) é q u e o te m p o d o v e r b o se g u in te é d e te rm in a tiv o . A p a rtíc u la , s e g u id a d e u m
te m p o p e rfe ito , s e m p r e se re fe re a o p a s s a d o (teria isso..., p o r e x e m p lo , N m 14.2; J s 7.7);
c o m u m te m p o p r e s e n te , ela s e m p r e se re fe re a o p r e s e n te (teria isso ... e s ta d o < a g o r a > ,
p o r e x e m p lo , N m 2 2 .9 2 ; 2 S m 19.7); e se g u id a d e u m im p e rfe ito , ela s e m p r e se r e fe re a o
p r e s e n te o u a o f u tu r o (A h , aquilo... p o d e ría ..., p o r e x e m p lo , G n 17.18; J ó 6.2). V eja D riv e r,
p. 140; G K C , p. 151; D a v id s o n , p. 131.
2 A p a s s a g e m 6 4 .2 a b < 6 4 .1 a > é o u t r o e x c e le n te e x e m p lo d a té c n ic a d e p a lís tro fe d e Isaías:
kiq 'tfo a h 'ê s h"m ãslm m axim tii>ceh ,ês.
693 ISAÍAS 6 3 . i 5 - 6 4 . i 2

“ d e sc e [r|” , to d o s os inim igos p o d e ría m te r desaparecid o, tu d o p o d e ría te r sido


m u d a d o (cf. SI 46, q u e p o d e b em p e rte n c e r ao p e río d o assírio d o m in istério
de Isaías). P ede-se a D e u s p ara que conheçam 0 teu nome em to d o seu p o d e r des-
tru tiv o e tra n sfo rm a d o r. A teo fan ia é in te n c io n a l — q u e o m u n d o p o ssa sab er
q u e m é o D e u s d e Israel e o q u e ele é.
3 O te rm o quando (ARC) é m e lh o r q u e “ e n q u a n to ” , o u seja, n o p ro c e sso
da teo fan ia. A palavra trem endas é im p re ssio n a n te e im p o n e n te . A ex p ressão
não esperavamos é um re c o n h e c im e n to d e q u e a descida d o S en h o r, d e to d o s os
tem as c o n h e c id o s de teofania, sem p re ultrapassaria to d as as expectativas. E ssa
re p e tiç ã o d o versícu lo la b é a m p lam en te red u zid a p elo s co m e n ta rista s c o m o
u m e rro d o copista. M as o o u v id o sin to n iz a d o n o u so d a p a lístro fe p o r Isaías
lo g o o u v e o p e sa r e o an seio co m q u e a e stro fe volta ao seu p o n to d e p artid a,
em especial se as palavras são deixadas tão a b ru p ta s na tra d u ç ã o q u a n to o são
n o h eb raico : “T ivesse descido; an tes q u e teus m o n te s tre m e sse m ” . Ah! N ó s
q u e ta m b é m ficam os tão p erp lex o s pela m an eira c o m o o S e n h o r g o v e rn a o
m u n d o p o d e m o s n o s identificar co m o esp írito q u e se m aravilha p o rq u e ele age
d e alg um a o u tra m an eira — p o r q u e ele n ã o fez algo p a ra c o n tro la r o m al, para
m u d a r as c ircu n stân cias e as p essoas, para resg atar o s seus — em vez d e, c o m o
p arece, n ã o te r feito nada!

“Tu te iraste” — o único Deus e 0 confisco de seu favor (64.4,5<3,4>)


N a e stro fe p re c e d e n te p areceu m u ito fácil para u m D e u s tão p o d e ro s o
q u a n to o S e n h o r m o stra r “ tu a face” (ARC) e d eix ar to d as as coisas certas. M as
p e rg u n te a essa e stro fe c en tral d o p o em a: p o r q u e u m D e u s c o m o ele in terv ém
em favo r d e p esso as c o m o nós? E ssa é a e stro fe q u e e n fre n ta as p erg u n tas
difíceis. E la é açam b arcad a p o r um inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial
sim ilar n o início e n o final de u m a seção], p e rd id o na N V I (os tempos antigos [4aj e
prosseguindo [5c] são a m esm a palavra hebraica, ‘olãm ). D a m esm a m an eira c o m o
D e u s p ro sseg u e “ para se m p re ” , ta m b é m o faz n o sso pecado! A c o n clu são p re-
ce d e n te n ã o é q u e n ã o p o d e m o s ser salvos. O único S e n h o r (4a-c) to rn o u co-
n h ecid as as co n d iç õ e s p ara a b e n ç o a r (4d,5ab). N ó s, lo n g e de satisfazer essas
co n d içõ es, as d e sp re z a m o s d e fo rm a p e rsiste n te (5d-f).
4 N e m a h istó ria (desde os tempos antigos) n e m a revelação (ouviu /.../ ouvido)
e, ta m p o u c o , a p e rc e p ç ão (olho) tro u x e à luz algum o u tro D e u s; n ã o h á outro
D eus, além de ti. M as e q u a n to ao seu caráter e aos seus ca m in h o s, esse é o ú n ico
D eu s? Se ele é o ú n ico e esp eram o s sua ajuda, p recisáv am o s sab er c o m o ele é.
P rim eiro, ele trabalha para aqueles que nele esperam. O v e rb o esperam (‫י‬ih ã kâ ) é sinô-
n im o d e aIqãw â (esperavamos n o v. 3). A m b o s os verb o s, em seu se n tid o m ais alto,
significam “ exercitar u m a fé paciente, co n fia n te e e x p e c ta n te ” . A in te rv e n ç ã o
div ina c o rre sp o n d e ao tip o d e fé q u e o ú n ico D e u s exige c o m o a a titu d e habi-
tual (esperam está n o im p erfeito ) de seu povo.
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 694

5 S egundo, h á u m a exigência m oral: vens ajudar aqueles que praticam a ju stiça


com alegria. A ex p ressão vens a ju d a r/ “ saíste ao e n c o n tro ” (ARC) está n o te m p o
perfeito , significando u m a característica estab elecid a d o S en h o r. O s p articip io s
cm aqueles que praticam a ju stiça com alegria/ “ d aq u ele q u e se alegrava e p raticava
justiça” (ARC) e x p ressam um a co n d iç ã o p e rm a n e n te . O s v erb o s, ex p resso s
se p a ra d a m en te , d ã o p e so a cada um deles, o u seja, “ aquele cuja alegria está em
c o n tin u a r em justiça e fazer o q u e é c e rto ” e aquele qu e, c o n tin u a n d o em justi-
ça, e n c o n tra alegria” . A s em o ç õ e s e a o b e d iê n c ia m o ral da v o n ta d e estão am b as
envolvidas. T erceiro , ele age para aqueles q u e se lem bram de ti e dos teus cam inhos e
os ajuda. A vida tem d e se r c o n fo rm a d a ao p a d rã o d e D eu s, c o n tu d o , n ã o p o d e
ser apen as c o n fo rm is m o (c o n fo rm e sugere a N V I c o m a frase lem bram /.../ dos
teus caminhos), m as d ev o ção à p esso a (“ se le m b ra m d e ti n o s teu s c a m in h o s”
[ARC]), p o r co n seg u in te, c o m o a b u sca pela sem elh an ça divina. O te x to h eb rai-
co exige u m a tra d u ç ã o m ais literal da seg u n d a m e ta d e d o versículo:

“Mas, q u anto a ti,


tu te iraste.
E po rq ue pecam os.
E nos pecados ficam os p o r um longo tem p o —
E serem os salvos?”

O s v erb o s “ iraste [...] p e c a m o s” (ARC) são p a re lh o s d e c e rta fo rm a c o m o


“ regozijar-se e fazer” acim a, m as aqui eles e stã o n o te m p o p erfeito , in d ic a n d o
u m a c o n d iç ã o estabelecida: “ sua m e n te estava d e te rm in a d a p a ra ficar co m rai-
va d o n o sso p e c a r in v eterad o e estáv am o s d e te rm in a d o s a c o n tin u a r p e c a n d o
ap esar de sua ira c e rta ” . Isaías n ã o está ex p lican d o a ira divina (que exigiría re-
v e rte r a o rd e m d o s v e rb o s — p e c a m o s e, p o r isso, v o cê estav a irad o ), an tes ele
está e x p o n d o a o fe n sa agravada (de q u e p e c a m o s co m p le n o c o n h e c im e n to de
q u e isso o deixaria irado). A o fe n sa co n trariav a fro n ta lm e n te a D eu s. O te rm o
“ n eles” (y\R C ) p o d e se refe rir à a b u n d â n c ia d e p e c a d o s q u e c o m e te m o s o u
aos do is c o m p o n e n te s d e ira e p e c a d o — d u ra n te u m lo n g o p e río d o essa “ co -
n h ecid a p ro v o c a ç ã o ” c o n tin u o u . S eg u in d o isso, a últim a p e rg u n ta tem d e ser
en fren tad a: seria possível essa p ro v o cação , essa o fe n sa d elib erad a e p e rsiste n te
re c e b e r salvação?

A face escondida: 0 pecado e o desamparo (64.6,7<5,6>)


H á u m a e n o rm e iro n ia n o equilíbrio e n tre essa e stro fe e a terceira e stro fe
p arelh a (1-3). A expectativa era q u e se o S e n h o r m o stra sse sua face (lb ,2 d ,3 b ),
o m u n d o e as n açõ es trem eríam . A realidade é q u e nós m u rc h a m o s (6c) e pe-
recem o s (7d) p o rq u e o S e n h o r e sc o n d e u sua face (7c). M as isso vem n o c u rso
de u m p ro fu n d o re c o n h e c im e n to d o p e c a d o c o m o a ú n ica re sp o sta à e stro fe
a n te rio r (4,5). Isaías fo rn e c e u m a análise d o pecado.
695 ISAÍAS 6 3 . 1 5 6 4 . 1 2 ‫־‬

1. Im puro (tãrriè '). E sse é o cla m o r d o le p ro so (Lv 13.45) d e in ad eq u ação


p esso al p a ra a c o m u n h ã o co m D e u s e co m a c o m u n id a d e d e adoração.
2. Trapo im u n d o / “ c o m o sangue m e n stru a i” (C N B B ), o u seja, m a n c h a d a
p e lo san gue m e n stru a i. L ib eraçõ es c o rp o ra is ligadas à p ro criação eram consi-
d erad as u m a c o n ta m in a ç ã o p o rq u e estavam m u ito v italm en te associadas à vida
h u m a n a caída. A té m e sm o nossos atos de ju stiça , o q u e p o d e ria m o s co n sid e ra r
e sta r a n o sso favor, fluem de um a n a tu re z a caída e c o m p a rtilh a m seu caráter
caído.
3. A im ag em d e “ folhas m u rc h a s” (cf. 1.30; 24.4; 28.1; 34.4; 40.7). E ssa
é u m a im ag em d e fim d ec a d e n te n a m o rte . E ssa m o rte é in e re n te ao p ró p rio
p ecad o , p o is são nossas in iqu id a d es/ “ p e c a d o s” (N T L H ) (53.5; o a sp e c to in terio r
d o p ecad o , o p e c a d o c o m o o c e rn e da n a tu re z a caída) q u e nos levam para longe
c o m o o v e n to c a rreg a as folhas m o rta s (cf. SI 1.4, p assag em cm q u e o v e n to é
ju lg a m e n to divino).
4. O d e sin te re sse n o S enhor. N egligenciar a D e u s ta n to c o m o u m o b je to
d e a d o ra ç ã o (clame pelo teu nome\ cf. G n 13.4) q u a n to c o m o um a fo n te d e força
(“ se a n im e ” a apegarse a ti). A im agem p o r trás da palavra se anim e/ “ d e s p e rte ”
(A RC) é a d e d e sp e rta r d o sono. D e m o d o q u e a vida sem um a relação viva co m
D e u s n ã o se eq u ip ara n e m m e sm o a estar m eio d e sp e rto . O v e rb o reflexivo
ta m b é m tra n s fo rm a a vida espiritual em u m a resp o n sab ilid ad e pessoal.
5. A alienação divina (escondeste de nós 0 teu rosto). A c o n se q u ê n c ia d isso é que
“ n o s fez d e rre te r, p o r causa das no ssas in iq u id ad es” (A R C ).1 “ D e rre te ” , figura-
tiv am en te, é p e rd e r energia o u o “ â n im o ” , a d isso lu ção d a vida. A e x p ressão p o r
causa d a s / “ pelas n o ssa s” (TB) m o stra o S e n h o r p e rm itin d o q u e o p e c a d o siga
seu c u rso e te rm in e em m o rte.

“Contudo ” — um pedido para 0 Deus imutável (64.8,9<7,8>)


H á o u tro lad o na im u tab ilid ad e d e D eus. E le, d e u m lado, é im utável em
suas exigências (4,5) e, d e o u tro lado, é igualm ente im utável em g raça e m ise-
ricó rd ia, u m a vez q u e ele se c o n stitu iu o P ai (63.16) de seu povo q u e ta m b é m
é inalterável. P o r c o n seg u in te, a p re se n te e stro fe p assa das terríveis ad m issõ es
d o s v ersículos 6 e 7 para a d eclaração tu és 0 nosso P ai (8a) e somos 0 teu povo (9d),
tra n s fo rm a n d o essas co n d iç õ e s n o fu n d a m e n to da o ra ç ã o d e q u e a ira p o d e

1 O t e r m o ·Imüg (“ d e r r e t e r ” [A R C ]) c u s a d o c o m fre q u ê n c ia fig u ra tiv a m e n te (p o r e x em p lo ,


J s 2 .9). N o te x to h e b ra ic o , “ m u ito s v e rb o s o r ig in a lm e n te in tra n s itiv o s p o d e m s e r u s a d o s
ta m b é m c o m o tra n s itiv o s ” (G K C , p. 117u). A p ro b a b ilid a d e é q u e n o s s a te rm in o lo g ia
“ t r a n s itiv o /in tr a n s itiv o ” n ã o seja to ta lm e n te a p r o p ria d a p a ra o v e rb o h e b ra ic o . O p o r tu -
g u ê s e x ig e u m v e r b o tra n s itiv o aqui. P o d e m o s a té m e s m o d iz e r q u e , a cim a , Isaías n ã o e stá
f o r ç a n d o u m v e r b o in tra n s itiv o e m u m s e n tid o tra n s itiv o a fim d e te r m in a r e ssa e s tro fe
c o m u m e x c e le n te e f e ito d e rim a: w a tfm üg ên ü beyad^w õnênü. A a lte rn a tiv a é a lte ra r p a ra
w atrm a g g fnen u (“ e v o c ê n o s e n tr e g a p a ra ...”).
O LIVRO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 696

cessar (9a), a iniquidade ser esquecida (9b) e a aten ção favorável v o lta r (9c). A
e stro fe c o rre s p o n d e n te 63.17-19 lam entava um “ p o v o ” q u e n u n ca p o ssu ira de
fato suas p o sse s (18a).
8 0 te rm o contudo é “ m as a g o ra ” . O filho n ã o estaria ali a n ã o ser p e lo pai;
n em o p o te , a n ã o ser pelo oleiro; ta m p o u c o , o a rte fa to , a n ão ser p e lo artesão.
É n esse se n tid o q u e as três im agens são usadas. N ã o se d eve c u lp a r o pai pelo
q u e seus filhos fazem , n e m o oleiro pelo p o te danificad o , etc., m as a firm a r u m
re la c io n a m en to de d escan so n o a m o r divino (Pai), n a so b e ra n ia (oleiro) e no
cu id ad o (obra das tuas mãos). E sse re lacio n am en to faz p a rte d a realidade im utável
d e D eu s. P o r co n seg u in te, os filhos p o d e m v o ltar e p e d ir p a ra ser lev ad o s p ara
casa, o p o te p o d e b u sc a r o oleiro para o refazer. O c o rre d u as vezes na ú ltim a
e stro fe a palavra kullãnü (todos nós [6a, A R C |; todos nós [6c,8c,9d]) c o m o co n fis-
são; ela o c o rre duas vezes n essa e stro fe c o m o súplica.
9 D eseja-se u m a m u d a n ç a ab ra n g e n te em D eus: n ão ires (iqãsap, “ fu ro r,
raiva” ; um a palavra de significado g enérico, cf. v. 5c; 47.6; 57.17) e p ara não
re le m b ra r as o fe n sa s q u e n u tre m a raiva. O te rm o demais su g ere q u e a ira divina
p o d ia exceder o s lim ites perm issíveis, m as o tex to h eb raico é (lit.) “ em g ra n d e
q u a n tid a d e ” , significando “ co m to d a sua força in e re n te ” , o u seja, “ n ã o n o s
deixe se n tir to d o o p e so de sua ira” . E les, em vez disso, te n ta m co n se g u ir um a
nov a a titu d e de D eus. O te rm o olha é “ veja, o lh a ” (para nós e por d ev iam ser
o m itid os): “ O lh e , veja, n ó s oram os! S o m o s seu p ovo !”

“Depois disso tudo” — podería 0 amor ainda ser evitado? (64.10-12<9-ll>)


O v e rb o essencial n essa últim a e stro fe é te conter (12a), ca sa n d o c o m o m es-
m o na e stro fe inicial, em q u e a b o n d a d e e a co m p aix ão “ são reti[das]” (63.15d).
O s o u tro s elos e n tre as duas e stro fe s são a m a n sã o celestial e a casa te rre n a
(11a; 63.15a) e as referências aos pais fu n d ad o res, A b raão e Israel (63.16) e à
ad o ra ç ã o d o s pais em te m p o s an tig o s (11a). A referên cia às cidades d eso lad as e
à casa qu eim ad a d eram o rig em às su g estõ es de d a ta ç ã o pós-exílica. E in c o m e s-
tável que foi isso q u e os exilados e n c o n tra ra m q u a n d o v o ltaram p ara sua terra,
m as o versículo 12 n ã o p o d ia falar p o r eles, pois a volta deles seria ev id ên cia
d e que o S e n h o r n ão se e sc o n d e u o u esteve em silêncio. A o c o n trá rio , a v olta
deles m o stro u q u e ele tin h a d eix ad o d e afligi-los. A experiên cia b ab ilô n ia deles
te rm in o u ex a ta m e n te p o rq u e o S e n h o r agiu em favor deles. A lém disso, o p ro -
blem a d o s dias lo g o ap ó s o exílio n ã o era a inação divina, m as a falha h u m a n a
q u a n d o os que v o ltaram caíram n a in d iferen ça e n ã o re c o n stru íra m a casa. P o r
c o n seg u in te, te m o s as m esm as alternativas d e 63.18,19: o u um a súplica exílica
o u um a m ed itação isaiana su rg in d o da revelação já c o n c e d id a a ele e ex p ressa
c o n stru tiv a m e n te d essa m aneira. C o n fo rm e o b se rv a m o s n o c a p ítu lo 39, a pre-
d ição b ab ilô n ia n ão era d atad a e um a o p ç ã o viva n o te m p o de vida d e Isaías.
697 ISAÍAS 6 5 .I

Seria inevitável q u e ele se perg u n tasse: “ O q u e faria qu an d o ...?” É ain d a m ais


c e rto q u e o u tro s, um a vez q u e eles o u v issem a p ro fe c ia b ab ilônia, fizessem a
m esm a p e rg u n ta a ele. U m p o e m a c o m o esse (63.15— 64.12) é ap en as o guia
p ara os dias d e sc o n h e c id o s que re p o u sa m à frente. À luz d o p a d rã o eq u ilib rad o
d o s c a p ítu lo s 56— 66 (veja o e sb o ç o na p. 617) e a in cessan te im agem e co n -
te ú d o pré-exílicos, n ã o é p e d ir dem ais q u e o s v erb o s aqui sejam to m a d o s c o m o
p e rfe ito s de certeza: “A s tuas cidades santas tra n sfo rm a ra m -s e ” , etc.
10 Λ ex p ressão as tuas ádades santas refere-se ao to d o d a te rra p ro m e tid a
co n sid e ra d a c o m o a p o rç ã o san ta d o Senhor.
11 A frase 0 nosso templo santo eglorioso é “ n o ssa casa d e san tid ad e e b eleza”
(para as palavras cf. 63.15b). A palavra “ casa” (ARC) (em vez d e templo) tran s-
m ite a ideia ap ro p ria d a d o lu g ar de h ab itação d o S e n h o r e n tre seu povo. N ã o
era o te c id o e a d e c o ra ç ão q u e fo rn eciam beleza, m as a san tid ad e e capacid ad e
d e atrair d o o c u p a n te d a casa.
12 A e x p re ssã o e depois disso tu d o / “ so b re to d as essas co isas” n ã o signi-
fica “ d e p o is” q u e elas a c o n te c era m , m as em re sp o sta a essas eventualidades.
A s palavras irás te conter é o reflexivo Ί ’ã p a q . Q u a n d o esse v e rb o foi u sa d o em
63.15, aqueles q u e naquele p o n to estavam o ra n d o eram eles m e sm o s a causa da
re te n ç ã o da co m p a ix ã o divina; m as n o c u rso d o p o e m a , o p e c a d o foi ex p o sto ,
re c o n h e c id o e co n fessad o . O S e n h o r foi p ro c u ra d o em a rre p e n d im en to . P o r
co n seg u in te, n o fim d o p o e m a , a re te n ç ã o divina n ã o está relacio n ad a co m o
p o v o , m as c o m a situação c o n fo rm e co n te m p la d a . O p o v o ag o ra está c e rto
co m D e u s; a m aravilha d o a rre p e n d im e n to é q u e ele fu n cio n a. N ã o en traria
ago ra o S e n h o r em ação para lidar c o m o re sta n te de seus in im ig o s e p ara criar
u m a nov a situ ação q u e tra n sc e n d e sse as ruínas d o p assad o ?

2. As promessas garantidas: o juízo final e a nova Jerusalém (65.1—66.24)


Veja o e sb o ç o n a página 617 para o lugar d esses cap ítu lo s finais n o esque-
m a d o s cap ítu lo s 56— 66. A o ração d o ind iv íd u o q u e lem b ra, em p rincípio,
te rm in o u co m o p o v o p e n ite n te d o S e n h o r v iv en d o en tre ru ín as, à esp era de
u m a to re p a ra d o r de D eus. O a ssu n to d o s capítulos 65— 66 é q u e essa n ão é a
in te n ç ã o su p re m a d o S e n h o r p ara seu povo. N esses capítulos, h á u m a e stru tu ra
e stre ita m e n te in teg rad a, co m tem as eq uilibrados e u m tre m e n d o ap o g eu . A
im agem to tal é a m esm a d e 56.1— 59.13. O p o v o d o S e n h o r (os q u e v erda-
d e ira m e n te te m e m a D eu s, co m frequência d e n o m in a d o s d e “ se rv o s” nesses
capítu los) são p o s to s lado a lado co m o u tro s q u e o u fazem c o n c e ssõ e s o u são
a b e rta m e n te pagãos. M as nem sem p re será assim , po is o S e n h o r trará seus ser-
vos para u m n o v o céu, um a nova terra e u m a no va Sião, e n q u a n to o tem ível
ju lg a m e n to aguarda o re sto das pessoas. A inegável cru eld ad e assen ta-se lado
a lad o co m inim agináveis glórias; am bas ta m b é m são a palavra d o Senhor. Te-
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 698

m o s d ian te d e n ó s u m a p rev isão tã o clara das im plicações d a seg u n d a v in d o d o


S e n h o r Je su s C risto q u a n to os capítulos 1— 37 o fe re c era m d e seu n a sc im e n to e
os cap ítu lo s 44— 55 d e sua cru z. A inda assim , n ã o d e v e m o s ler o A n d g o T esta-
m e n to co m visão retro sp ectiv a, m as d eix ar q u e ele fale p o r si m esm o.

A ' O ch a m a d o d o S e n h o r para aqueles q u e n ã o o b u sc a ra m ou


c o n h e c e ra m antes (65.1)
B1 O ca sd g o de D e u s para aqueles q u e se reb elaram e
seguiram cultos (2-7)
O U m re m a n e sc en te p re se rv a d o , seus serv o s,
q u e h ab ita rã o sua te rra (8-10)
D1 O s q u e a b a n d o n a ra m o S e n h o r e seguiram
o s cu lto s estã o d e stin a d o s à m o rte p o rq u e
ele os c h a m o u e eles n ã o re sp o n d e ra m ,
m as esco lh eram o q u e n ã o agradava
ao S e n h o r (11,12)
E A s alegrias para os serv o s d o S e n h o r
n a nova criação. A n o v a Je ru sa lé m
e seu p o v o (13-25)
D2 O s q u e esco lh eram seu p ró p rio c a m in h o e
su a a d o ração im p ró p ria. E les e stã o so b
ju lg a m e n to p o rq u e o S e n h o r o s c h a m o u e
eles n ã o re sp o n d e ra m , m as esco lh eram o q ue
n ã o agradava ao S e n h o r (64.1-4)
C2 O fu tu ro g lo rio so daqueles q u e tre m e m d ia n te da
palavra d o S en h o r, o m ilagre d o s filhos d e Sião,
os serv o s d o S e n h o r (5-14)
B2 O ju lg am en to so b re aqueles q u e segu em cu lto s (15-17)
A 2 O ch a m a d o d o S e n h o r p a ra aqueles q u e n ã o o u v iram an tes (18-21)
C onclusão: Jerusalém , o cen tro de peregrinação para o m u n d o inteiro (22-24)

C o m o to d o s o s p a d rõ e s em “ arc o ” , o p rim e iro p ro p ó s ito d esse p a d rã o


é ch a m a r ate n ç ã o p ara a v erd ad e c en tral (E ), a n o v a criação c o m a n o v a Sião.
O seg u n d o p ro p ó s ito é m o stra r os p a sso s p ara o c u m p rim e n to d a visão, as
co n d iç õ e s so b re as quais ela p o d e ser d e sfru ta d a (A ’- D 1); e o te rc e iro p ro p ó -
sito (D ^ A 2) é reite ra r e ac re sc en ta r m a io r p le n itu d e àquelas m esm as verdades.
N o p a d rã o p re se n te , a p assag em 66.22-24 p o d e ría m u ito b e m se r incluída n a
seção A 2, po is o tó p ic o é o m esm o , m as a ênfase p articu lar n o sá b a d o sugere
q u e esses versículo s fo ram c o lo cad o s n o fim p a ra fo rm a r u m inclusio [criar u m a
e stru tu ra a o p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a seção] co m 56.1-8
699 ISAÍAS 6 5 .I

(passagem co m a qual te m sim ilaridades m arcan tes) e para co n clu ir o q u e é, d o


c o m e ç o ao fim , u m a ênfase especial.

A iniciativa mundial do Senhor (65.1)


O S e n h o r to m a a iniciativa em relação às p esso as q u e n ã o p erg u n ta ra m p o r
ele n em o b u sc a ra m , a p re se n ta n d o -se para os q u e n ã o tin h a m se relacio n ad o
an tes co m ele (a N V I rev erteu a o rd e m d o v. le d ). M u ito s co m en taristas, se n ão
a m aio ria deles, e n te n d e m esse versículo c o m o se re fe rin d o a israelitas rebeldes,
a p ó sta ta s que, em algum se n tid o real, deixaram d e re c o n h e c e r o S en h o r. N o
e n ta n to , o e n te n d im e n to m ais n atu ral d o s v e rb o s nas d u as p rim eiras linhas é
q u e q u a n d o o S e n h o r “ fiz-m e acessível [...] fui a c h a d o ” (niphals tolerativos) as
coisas ch eg aram a um a co n clu são b em -su ced id a, o u seja, aqueles a q u e m ele se
a p re se n to u re sp o n d e ra m ao b u sc a r e e n c o n tra r. A lém disso, a se n te n ç a a um a
nação que não clamava pelo m eu nome n ã o p o d e ría em p o n to algum ser u sad a c o m o
u m a descrição d e Israel, pois se m p re havería aqueles q u e o ch am aram . M es-
m o se to m a rm o s as palavras co m o se n tid o de “ eles ch am aram , m as n ã o co m
sin c e rid a d e ” , a acusação ainda é m u ito a b ra n g e n te e, m e sm o q ue n ão fosse,
n ã o h á n ad a nas palavras hebraicas o u n a o rd e m delas q u e justifique in serir o
p e n sa m e n to vital d e sinceridade (cf. 43.22). A dem ais, a tra d u ç ã o p o r não clama-
va envo lve u m a alteração d o T M , q u e traz “ p ara u m a n ação q u e n ã o cham ava
p elo m e u n o m e ” (veja a R V ).1 O T M , claram en te, exclui a referên cia a Israel. C)
ú n ic o m érito , da p ersp ectiv a g ram atical, na p ro p o s ta p ara e n te n d e r c o m o um a
referên cia à a p ó sta ta Israel é q u e o versículo 2 c o n tin u aria o m e sm o assu n to .
C o m c erteza, isso n ã o é decisivo e dificilm ente até m e sm o im p o rta n te . Isaías
n ão incluiu títu lo s e divisões em seu livro. N o e n ta n to , d ev e-se c o n fe rir o p e so
real q u e u m a referên cia aqui (c o n fo rm e m o stra e sb o ç o acim a) aos g e n tio s se
ajusta ao p a d rã o d o to d o . D e ssa m aneira, um a vez q u e é d isc e rn id o u m p a d rã o
g e n u ín o em um a seção, ele exerce um c o n tro le a p ro p ria d o na exegese. A passa-
g em 66.18-21 casa co m o p re se n te versículo ao falar d e “ n a ç õ e s” “ n ã o viram a
m in h a g ló ria” e “ n ã o ou v iram falar de m im ” . E ssa ap ro x im ação às n açõ es é to d a
d e D e u s, ta n to em seus p rim o rd io s (eles não perguntavam p o r m ini) q u a n to em seu
re su lta d o (“ fiz-m e acessível”). E claro q u e D e u s n ã o p o d e se r “ p ro c u ra fd o j”
sem u m a decisão e u m a v o n ta d e de fazer isso. O v ersículo n ã o anula isso, m as
esclarece seu c o n te x to essencial: só p o d e m o s b u sc a r p o rq u e ele b u sc o u pri-
m e iro (cf. J o 15.16). O m o v im e n to para eu disse indica q u e o S e n h o r alcança o
p o v o p o r in te rm é d io de sua palavra. O c e rn e da m en sag em é sua revelação de
si m esm o : eis-m eaqui, eis-me a q u i/ “ e sto u aqui, e sto u a q u i” (N T L H )! A revelação

1 « A T s u g e r e a a lte ra ç ã o s im p le s d e qò ra (“ foi cham ado”) p o r q a r a ’ (“ c h a m o u ”) , m as re c o r-


r e r à L X X e a o u tr a s tra d u ç õ e s a n tig a s e m u m p o n t o c o m o e sse é e x tr e m a m e n te a rrisc a -
do.
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 700

d e si m e sm o ro m p e u um n o v o fu n d a m e n to d a p ersp ectiv a g eo g ráfica, m as n ão


d a teológica. V isan d o até aqui o g e n tio n ã o alcançad o, seu o b jetiv o era trazê-lo s
a a b raçar seu nome, o u seja, aos lim ites de sua o b ra re d e n to ra e d a revelação d e
si m e sm o c o m o R e d e n to r (E x 3.15). A ssim , isso é o q u e se p re te n d ia c o m o
S e n h o r lev an tan d o um a b an d eira para as n açõ es e p ro c la m a n d o q u e a salvação
veio para a filha d e Sião (60.1 Os.).

A alegação, a provocação e a reação (65.2-7)


E sse e sb o ç o tó p ic o descreve um p o e m a escrito em seis e stro fe s d e qua-
tro linhas cada um a. O p o e m a , e n q u a n to descrev e a c o rru p ç ã o religiosa, tem
u m c o n te x to — os cu lto s can an eu s pré-exílicos. O m áx im o q u e F o ster, p o r
exem plo, p o d e d iz e r em favor de seu cen ário pós-ex ílico p a ra essa p assag em é
q u e “ o q u e te m o s aqui de fa to é u m a d escrição da d ep ra v a d a religião p o p u la r
q ue existia n o p e río d o pré-exílico e, sem dúvida, ta m b é m n o p e río d o exílico
e p ó s-ex ílico ” .1 Isso é fazer a teo ria d ita r o fato. À m ed id a q u e a ev id ên cia se
esten d e, as ap o stasias e sin cretism o s pré-exílicos fo ram q u e im a d o s n a fogueira
d o exílio. O s livros de E sd ra s e N eem ias, A geu, Z acarias e M alaquias revelam
o u tro s lap so s d a co m u n id a d e , m as n ã o esses. A discu ssão d e K n ig h t d e q u e a
passag em p e rte n c e “ ao p e río d o [im ediato p ó s-re to rn o ] an tes d o p e río d o em
q u e a ad o ra ç ã o sacrificial foi re to m a d a ” 2 ig n o ra a ev id ên cia d e E sd ra s 3 de
q u e a ad o ra ç ã o sacrificial foi a p rim eira coisa a se r reto m ad a. P o r o u tro lado,
h á a b u n d a n te referên cia à existência d esse m e sm o tip o d e p rá tic a c o rro m p id a
an tes d o exílio.3 A p assagem 1.28ss. m o stra q u e esse tip o d e p re g a ç ã o é n atu ral
p ara Isaías e seria relev ante p a ra a situ ação dele. N e sse p re se n te c o n te x to e uso,
a in te n ç ã o é e x p o r a c o n tin u a ç ã o d a ap o stasia n o p o v o d e D e u s e am e a ç ar a
ap a v o ra n te realidade d a re c o m p e n sa divina (veja ta m b é m as p assag en s p arale-
las 65.11,12; 66.1-4,15-17).
2 O prin cip al u so da frase “ esten d i \) paras] as m ã o s” é a d o ta r u rn a atitu -
d e d e o ra ç ã o (1.15; IR s 8.22,38; SI 143.6). O u so da frase c o m o urna p o stu ra
g en érica d e ap elo está lim itad o a L am e n ta ç õ es 1.17. Q u e m u d a n ç a , en tão , d o
re la c io n a m en to co rreto ! O S e n h o r c o m suas m ão s estendidas! T al é seu an seio
p o r levar seu p o v o à re sp o sta desejada. O te rm o obstinado ()sarar) significa re-

1 R. S. F o s te r, The Restoration o f Israel ( D a r to n , Ix> n g m an a n d T o d d , 1 9 7 0 ), p. 126. W atts


d e s ta c a a d e te r m in a ç ã o c o m u m d e d a ta r e ssa s p a s s a g e n s n o p e r ío d o p ó s-e x ílio : “A p re -
s e n ç a d a s m e s m a s p r á d e a s p a g ã s n a J e r u s a lé m d o s é c u lo V q u e tin h a m s id o c o n d e n a d a s
n a J e r u s a lé m d o sé c u lo V I I I m o s tr a q u e o ex ílio [...] n ã o fo ra u m a c a ta rs e ” (vol. 2, p. 344).
S k in n e r c o m e te o e r r o d e r e c o r r e r a E z e q u ie l 8 .1 0 c o m o e v id e n c ia p a r a p rá tic a s sim ilares,
a p a r e n te m e n te e s q u e c id o d e q u e E z e q u ie l e s tá d e s c re v e n d o u m a c e n a p ré -e x ílic a (vol. 2,
p. 2 1 2 ).
2 K n ig h t, Isaiah 5 6 — 6 6 , p. 92.
3 Is 1 .2 8 -3 0 ; J r 2 .2 0 ,2 7 ; 3 .2 ,6 ,1 3 ; E z 8 .1 -1 8 ; l ó .l s s .; M q 5 .1 2 -1 4 .
701 ISAÍAS 6 5 . 2 -7

b cldia o b stin a d a (cf. 1.23). A resistência deles era p ro v a até m e sm o c o n tra a


sú plica in cessan te (o tempo todo). E cíes, c o n fo rm e ao q u e se assem elh am cm sua
v o n tad e, seguiam -na em seu estilo de vida (anda p o r um caminho que não é bom),
o qual, p o r sua vez, estava en raizad o n a m e n te deles (seguindo as suas inclinações/
“ a p ó s os seus p e n s a m e n to s ” (A RC); m ahsãbôt; 55.8,9).
3 A frase diante da m inha fa ce (A RC) j a l p ã n ã y ) e o “ d ian te (A R Q /a lé m
d e m im ” d e Ê x o d o 20.3, refe rin d o -se aqui ao cultivo d e o b je to s de a d o ração
alternativos. A ex p ressão sem cessar c o rre sp o n d e ao seu su p licar o te m p o todo.
O S e n h o r o s acusa d e d e sc o n sid e ra r suas exigências nas fo rm a s ex terio res da
p rática religiosa. A im agem d o jardim c o m o u m locus d a falsa religião é p eculiar
a Isaías (cf. 1.29; 66.17), m as 2Reis 21.18,26 p o d e in d icar q u e essa é u m a prá-
tica d ifu n d id a. E m 1.29, o jardim é um lugar e um sím b o lo d e fertilidade. O
v e rb o ■¡qãtar {queimando incenso em altares de tijo lo s/ “ q u e im a n d o [...] so b re tijo lo s”
[A R C |) n ã o está re strito à q ueim a d e in c e n so (cf. v. 7c) e aqui faz paralelo co m
oferecendo sacrificios {izã b a h ). O s v e rb o s ex p ressam , resp ectiv am en te, “ a b a te ” e a
“ q u e im a ” , a sp e c to s d o sistem a sacrificial: “ o fe re c e n d o sacrifícios em jardins e
q u e im a n d o in c e n so em altares de tijo lo s” . D a m esm a m an eira q u e o jardim era
u m lu g ar n ã o a u to riz a d o para o fe re c er sacrifício, ta m b é m o s tijolos n ã o eram
m aterial a u to riz a d o p ara fazer altar (E x 20.25; D t 27.5,6; Js 8.31). Isaías irá mais
fu n d o em suas co n d e n a ç õ es, m as ele c o m eça co m as sim plicidades d a prática
religiosa, p o is a d e so b ed iên cia co m e ç a co m freq u ên cia em u m p o n to em q u e a
o b e d iê n c ia seria fácil, m as n ã o a ch am o s isso im p o rta n te .
4 A seg u n d a c o n d e n a ç ã o d o S e n h o r diz re sp e ito a u m a ssu n to m ais p ro -
fu n d o da fo n te da revelação so b re n a tu ra l em q u e a co n su lta co m o s m o rto s
era a principal coisa (cf. 8.19,20). D e u te ro n ô m io 18.9ss. p ro íb e a n e c ro m a n -
cia e a ad iv in h ação e exige ate n ç ã o à palavra p ro fética. A ex p ressão ju n to aos
lugares secretos (ARC) é (lit.) “ em lugares g u a rd a d o s” , o u seja, seg u ro s c o n tra
in te rru p ç õ e s externas. A L X X in te rp re ta esse te x to c o m o “ nas covas eles se
d e ita m p o r causa d o s so n h o s ” . T erceiro, o S e n h o r c o n d e n a a ap licação que
eles fazem d a religião na vida para a ssu n to d e alim en to s “ p u r o s ” e “ im p u ro s” .
S o b re porco veja L evítico 11.7; D e u te ro n ô m io 14.8. O s m a sso re ta s reco m en d a-
vam q u e lé ssem o s aqui m ãrãq {sopa), em vez d a leitu ra q u e eles p re se rv a m em
seu tex to, p 'rá q (“ b o c a d o s /fra g m e n to s ”). A carne im pura {piggü /; L v 7.18) é a
refeição c o m p o s ta da c arn e d o s sacrifícios g u ard ad as além d o te m p o tolerável.
E m L evítico 19.7 e E zeq u iel 4.14, a m e sm a palavra é usad a em geral p ara carn e
im p u ra. E les n ã o estavam p re o c u p a d o s em tra z e r os p a d rõ e s e as disciplinas de
sa n tid a d e d o S e n h o r p ara sua vida.
5 E m c o n se q u ê n c ia disso, eles d esen v o lv eram suas p ró p ria s n o ç õ e s de
san tid ad e, em p a rtic u la r um a san tid ad e de elitism o q u e afastava d a c o m u n h ã o
e criaram divisões, cidadania de p rim eira e d e seg u n d a classe d e experiências
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 702

especiais o u d eclarações q u e n ã o são e n c o n tra d a s em n e n h u m a p assag em d a


B íblia.1 E ssas p re te n sõ e s são fumaça no meu nari^ p o rq u e refletem u m a “ santi-
d a d e ” in d ife re n te às diretrizes d o S e n h o r em relação à ad o ra ç ã o (3cd), utilizam
o u tra s fo n te s de revelação q u e n ã o a palavra d o S e n h o r (4ab), n eg lig en ciam o
fa to r d a o b ed iên cia q u a n to aos a sp e c to s p rático s d a vida sa n ta (4cd) e p ro v a m
ser divisão na c o m u n h ã o (5ab). A ex p ressão 0 tempo todo d escrev e a irritação
c o n sta n te d a falsa san tid ad e e fo rm a um inclusio |criar u m a e stru tu ra ao p ô r
m aterial sim ilar n o início e n o final de u m a seção | c o m as palavras 0 tempo todo
usadas para o ap elo d iv in o (2a), assin alan d o a descrição d a situ ação a p a rtir da
declaração seg u in te d a in te n ç ã o divina (6,7).
6,7 A reação divina é: (i) c e rta , pois escrito está diante de mim; (ii) p esso al, não
ficarei calado/ “ d e scan sarei” (N T L H ) em palavra e o b ra (ihãsâ; 62.1); (iii) u m a
retrib u ição p ro p o rc io n a l, plena e total retribuição (o piei d e /saiam , “ fazer algo co m
c o m p le tu d e ” , daí a exatidão d a re trib u ição ; o te m p o é p e rfe ito d e certeza); (iv)
individual n a aplicação, no seu seio/ “ c o lo ” . O v e rb o farei pagar é o m e sm o da
linha a n te rio r e, p o rta n to , a e x p ressão “ p len a e to ta l” devia ser a c re sc en ta d a de
n o v o ; (v) u m a d eclaração final (7ab). A cu lp a se agrava c o n fo rm e o te m p o pas-
sa, e cad a g eração é m ais cu lp ad a q u e a anterior. N ã o é q u e cad a g eração p o r vir
seja c o n d e n a d a d e a n te m ã o p elo s p ecad o s reais das g e ra ç õ e s p assad as (nesse
sen tido , cada g e ra ç ã o carreg a seu p ró p rio fardo) n em q u e o v ín cu lo n ã o p o ssa
ser in te rro m p id o (cf. E z 18). A n tes, d e g e ra ç ã o a g eração , h á u m a m o n to a m e n -
to d e cu lp a d ia n te d e D e u s, e o fracasso em ro m p e r c o m o p a ssa d o en v o lv e a
aceitação d a h e ra n ç a d o passado. E sse é o p re ç o de se r h u m a n o (Lc 11.47-51).
O b se rv e a m u d a n ç a d e p e sso a d e lhes (6c) para seus (7a). A p e sso a n ã o p o d e ría
ser m u d a d a (c o n fo rm e a RSV, B H S ). O m e sm o m o v im e n to é o b se rv a d o n a
passag em paralela 1.29 e é d ifu n d id o n ã o só nas p assag en s d e c o n d e n a ç ão , em
que é u sada p a ra c o n v e n c e r os o u v in te s atuais. A ex p ressão uma vei^que in tro d u z
u m re su m o final d e causa (7cd) e e fe ito (7ef).
7 A ex p ressão queimaram incenso/ “ eles q u e im a ra m ” (N T L H ), c o m o n o ver-
sículo 3d, é o u so a b so lu to d e iqãtar. A ad o ra ç ã o n o s montes é a a b e rra ç ã o típica
e, até o p o n to em q u e vão os registros, exclusivam en te p ré-exílica.2 O s to p o s
d o s m o n te s eram e sc o lh id o s p a ra o fe re c e r sacrifícios p o r o fe re c e re m m ais es-
p e ra n ç a d e “ c h a m a r a te n ç ã o de B aal” e d e in citar sua re sp o sta im itativa. A reli-
gião cananeia, q u a n d o c o m p a ra d a c o m a (verdadeira) religião d e o b e d iê n c ia em

1 P a ra a f o r m a tfd à s tik ã (“ s o u m ais s a n to d o q u e tu ” [A R A ] ) cf. 44.21 (“ e u n ã o o e s q u e c e -


rei” , tinnãsêrií). A “ s a n tid a d e ” , d a p e rs p e c tiv a s a c e rd o ta l, in e v ita v e lm e n te s e p a ra a o r d e m
s a c e rd o ta l d a s p e s s o a s (L v 2 1 .8 ), m a s a v o n ta d e d o S e n h o r, p a ra s e u p o v o , e ra a s a n tid a d e
d a o b e d iê n c ia (E x 1 9.5 ,6 ). Isa ía s e x p õ e a falta d e s e n tid o d e a f ir m a r a lg u m tip o d e sa n ti-
d a d e s a c e rd o ta l e n q u a n to d e s p r e z a m as re g ra s d o S e n h o r p a ra a re lig ião (3).
2 l R s 1 4 .2 3 ; 2 R s 7 .1 0 ; 16.4; J r 2 .2 0 ; 1 3.27; 17.2; E z 2 0 .2 8 ; O s 4.13.
703 ISAÍAS 6 5 .8 -IO

re sp o sta a D e u s, era u m a religião de p re ssã o h u m a n a so b re o d e u s invocado.


Para desa fia ra m / “ a fro n ta ra m ” (ARC) (‫י‬Ihãrap) veja 37.4,17,23,24. A frase fa re i
pa gar pelos seusfeitos anteriores é u m a palavra em hebraico, p 'u lla tü m (“ re su lta d o da
o b ra d eles”), in d ic a n d o e x aü d ão d a retribuição, p a g a m e n to p elo tra b a lh o feito.
C o n fo rm e o te x to c o lo ca anteriores (rC sõnâ ) deve ser adverbial (cf. G n 33.2; lR s
18.25), significando “ c o m o u m a p rim eira co isa” , a p rim eira coisa q u e o S e n h o r
deve fazer, o “ p o n to p rin cip al” da sua ag en d a o u , p o ssiv elm en te, “ d esd e o pri-
m e iro [até o ú ltim o ]” (cf. J r 16.18).1

Um remanescente preservado, seus servos, que herdarão sua terra (65.8-10)


A ideia d e u m a c o m u n id a d e dividida p e rm e ia o s cap ítu lo s 56— 66 e é am -
p ía m e n te e n te n d id a c o m o u m reflexo d o s “g ru p o s ” pó s-ex ílico s co m d isp u tas
e n tre eles. M as n ã o há n ad a de fato n esses capítulos o u n o c o n tra ste aqui en tre
o s v ersículos 2-7 c 8-10 q u e ultrapasse, p o r exem plo, 1.26ss.; 8.11-20; 10.20-23
(cf. 4.3; 6.11-13; J r 4.27; 5.10,18; 30.11; E z 11.13-20). E ssas p assag en s m o stra m
q u ã o sem fu n d a m e n to c a asserção de W hybray d e q u e a “ d ico to m ía que per-
m eia esse c a p ítu lo in teiro [...] vai m u ito além d e q u alq u er co n c e ito de ‘rem an es-
c e n te ’ n a lite ra tu ra pré-exílica” ;2 o u até m e sm o a p e rc e p ç ã o de S k in n er d e q ue
e n c o n tra m o s aqui “ u m a aplicação para as novas circu n stân cias d a d o u trin a de
Isaías d o re m a n e sc e n te ” .3 Isso só é verd ad e se p rim e iro in v e n ta rm o s as novas
circun stâncias. N ã o h á m o tiv o para n e g a r q u e essas palavras são d e Isaías. N a-
q ueles dias te n e b ro so s, o co ração d o re m a n e sc en te te m e n te a D e u s teria co m
freq u ên cia rec e b id o d e b o m g ra d o essa m en sag em d e garantia.
8 O suco (fíro s ) m e n c io n a d o aqui n ã o é v in h o n ã o fe rm e n ta d o (cf. O s 4.11),
m as “ o v in h o feito das p rim eiras g o ta s d o su co an tes d a p re n sa se r p isad a” .4
“A c h a [r|” esse su c o p o d e significar q u e as uvas já estav am g o te ja n d o q u a n d o
fo ra m co lh id as e jogadas n a p re n sa e q u e esse su co e s p o n tâ n e o era c o le ta d o
c o m o algo esp ecialm en te valioso. E m relação à p assagem 63.3, essa seria um a
adorável im agem de garantia de salvação: o lagar da ira discrim ina. Seria não 0
destruam u m cântico d a época da colheita das uvas? (Cf. o clam o r d a ép o c a da
co lh eita das uvas em 16.10; J r 25.30. Salm os 57— 59 e 75 têm títulos referindo-se
a u m c â n tic o de “ n ã o d e s tru a ” .) A frase p o is ainda há algo b o m / “ p o is há b ên ção
n ele” (A R C ), o u seja, ele é ap reciado p o r si m esm o. T alvez o u se m o s d izer que
o p o v o d o S e n h o r é u m a b ê n ç ã o para ele, e ele o s p ro te g e rá d a d e stru iç ã o co m

' D o c o n tr á r io , o te x to d e v e s e r m u d a d o , p o s s iv e lm e n te (c o m B H S ) d c riisõnà para b'ró'sam


(“ n a c a b e ç a d e le s ” ). M as c o m o so a ria e s tr a n h o “ n a c a b e ç a d e le s n o s e io ” ! Is s o e n v o lv e a
B H S e . m ais re e s c rita d o tex to .
2 W h y b ray , p. 27 2 .
3 S k in n e r, v o l.2 , p. 213.
4 V eja o a rtig o s o b r e “ v in h o ” n a IfíD .
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 704

to d o cuidado. E sse rem an escen te, p rim eiro, d e a c o rd o co m a g raça, c o n fo rm e


m o stra m as palavras não os destruirei to ta lm en te/ “ a to d o s ” (N T L H ). T o d o s m e-
recem o lagar, m as alguns serão salvos dele. S egundo, o re m a n e sc en te é tirad o
d e e n tre as p esso as p ro fessas, de Jaco, e de Ju d á (9); e, terceiro , ele está d e stin a d o
p ara re c e b e r a h e ra n ç a (9c).
9 ( ) te rm o descendentes/ “ se m e n te ” (TB) reflete a p ro m e ssa ab raâm ica de
G ên esis 22.17ss. e chega ainda m ais p ara trás a G ên esis 3.15. O o u tro lad o d a
p ro m e ssa abraâm ica (G n 15.7ss.) é e x p re sso pelas palavras recebapor herança [...]
herdarão/ “ sejam d o n o s ” (N T L H ) (o m e sm o v e rb o o c o rre d u as vezes). C o m -
p are co m a trag icam en te breve “ p o ssje]” registrada em 63.18 c o m o d u p lo u so
d e “ p o ssu a ” (A RC) aqui, d e n o ta n d o p o sse garan tid a. O te rm o escolhidos (o m ite
povo e servos) reflete os dois lados d a relação alicerçada n a graça: a realidade
fu n d am en tal d a esco lh a d o S e n h o r e a realidade resp o n siv a d a n o v a p o siç ã o e
c o m p ro m isso q u e a g raça im p le m e n ta (54.17; 57.18,19). C o m p a re m inhas mon-
tanhas co m os m o n te s d o versículo 7. O S e n h o r trará seu p o v o p a ra seu lu g ar
e sco lh id o d e bênção .
10 Isaías usa o n o m e de Sarom ( lC r 5.16; 27.29) c o m o típ ico d e d e te rio ra -
ção lam entável (33.9) e d e re n o v ação m essiânica (35.2). A c o rQ s 7.24-26) é um
sím b o lo de um b rilh a n te c o m e ç o fru strad o . A qui, p o r c o n se g u in te , a im ag em
é de restau ração (Sarom será o q u e se p re te n d ia q u e fosse) e d e tra n sfo rm a ç ã o
(A cor co m to d a a am eaça rem ovida). N a d a fru stra rá esse n o v o c o m e ç o (cf. O s
2.15). S arom era a o e ste e A co r a leste da Palestina; assim , a te rra to d a estaria
so b bên ção. A ex p ressão que !...] buscou está n o te m p o p e rfe ito e tem o se n tid o
d e “ te r p ro c u ra d o ” o u “ se d e v o ta r a b u sc a r” (id ã ra s, c o m o n o v. la , é o v erb o
inicial d o versículo). Será q u e se p re te n d ia isso c o m o u m inclusio [criar u m a
e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a seção], c o m o u m a
in d icação d e q u e os v ersículos 1-10 são um a u n id ad e original? P o d ia b e m ser
esse o caso. D e q u a lq u e r m o d o , ele p re e n c h e u m a sequência. A s m esm as carac-
terísticas m arcam o s q u e fo ram reu n id o s d o m u n d o e os q u e fo ram to m a d o s
das an tig as c o m u n id a d e s de Jacó: eles são diligentes em e sta r o n d e sab em q ue
o S e n h o r tem de ser e n c o n tra d o .

O destino daqueles que abandonaram o Senhor e seguiram os cultos (65.11,12)


A frase aqueles q u e esquecem 0 m eu santo m onte c o n tra sta co m os m eus escolhidos
que receba!m! p o r herança as m inhas m ontanhas (9), e sua p rática os id en tifica co m os
reb eld es o b stin a d o s d o s versículos 2-7. A p esar de Isaías v o lta r d essa m an eira a
um an tig o tó p ico , h á ta m b é m p ro g re sso , p o is o q u e estava n o v ersícu lo 7, u m a
am eaça de justa retrib u ição , é ag o ra (12) a espada-, m as a cau sa p a ra isso (2,12)
c o n tin u a a m esm a.
705 ISAÍAS 6 5 . I I -25

11 N ã o é possível fazer concessão. Seguir o s cu lto s é a b a n d o n a r o S en h o r;


e sta r o c u p a d o n esses m o n te s (7) é esquecei ή seu santo monte. N a ação, eles ab an -
d o n a ra m ; na m e n te , eles esqueceram . A religião n ã o é n e n h u m s u b stitu to para
o re la c io n a m e n to pessoal. E les n ã o têm dificuldad e em ser religiosos (7c), na
verd ade, eles su b iríam em q u alq u er m o n ta n h a ex ceto naq u ela em que deveríam
e n c o n tra r o D e u s santo. A se n te n ç a põem a mesa para a deusa Sorte e enchem taças,/...
para 0 deus Destino é u m a ex p o sição da in sen satez da falsa religião: d eu ses que
p recisam ser receb id o s em jantares reg ad o s a v in h o e, ain d a assim , são vistos
c o m o o s c o n tro la d o re s d o destino. A d eu sa Sorte (gad) era u m a d eu sa síria cuja
a d o ra ç ã o era m u ito d ifundida. C o m p a re co m o a p a re c im en to d o n o m e cm lu-
g ares c o m o B aal-G ad e (Js 11.17) e M igdal-G ade Qs 15.37), in d ican d o o cen ário
pré-ex ílico d a ad o ra ç ã o dessa deusa. O n o m e Destino (m'm) significa “ aq u in h o a-
m e n to ” , o u seja, d o destino. W e ste rm a n n diz que “ u m a acu sação d e idolatria
p ú b lica é su rp re e n d e n te n o p e río d o pós-exílico. T alvez isso in d iq u e q u e ta n to
o o rá c u lo de salvação n o s versículos 9s. q u a n to o o rácu lo de ju lg am en to n o s
v ersículo s 11 e 12a fo ram sim p lesm en te assu m id o s d a trad ição ” .1 M as p o r que
será q u e eles deveríam ser a ssu m id o s se são in ap ro p riad o s? O cen ário é clara-
m e n te pré-exílico.
12 (3 te rm o destinarei (imana) repete o n o m e d o “ d e u s” Destino (11). Eles bus-
cam “a q u in h o a m e n to ” e é isso que conseguirão! O v erb o se dobrarão (ik ã ra ') tem
as m esm as co n so an tes que a palavra põem (i'arak; 11c), m as na o rd e m inversa. A
p u n iç ã o se iguala à o fe n sa , e a falsa religião traz o o p o s to d o q u e p arece p ro -
m eter. C o m p a re pois eu os chamei co m o versículo 2. A re sp o sta deles c o n trad isse
a v o n ta d e (eu /.../ chamei), a m e n te (falei), a n atu reza (0 que é m al aos meus olhos
[ARC]) e o co ra ç ã o (o que me desagrada/ “ aquilo em q u e eu n ã o tin h a p ra z e r”
[ARC]) de D eus.

As alegrias para os servos do Senhor na nova criação: a nova Jerusalém e seu


p o vo (65.13-25)
T o d as as três c o rre n te s p re c e d e n tes se alim entam d essa g ra n d e visão da
co n su m ação . H á a c o rre n te universal (v. 1; cf. v. 25, rec a p itu la n d o 11.9), a
c o rre n te d e ju lg am en to (w . 2-7,11,12) q u e resulta n o s c o n tra ste s d o s versícu-
los 13-15 (cf. w . 20fg,25c) e a c o rre n te d o re m a n e sc en te q u e leva ao principal
c o n te ú d o d essa passagem : as glórias à esp era d o s serv o s d o S en h o r. O s versícu-
los 1.3-15, c o n sid e ra d o s d e fo rm a a b ra n g e n te , levam à re c o rd a çã o d a p ro m e ssa
ab raâm ica para a terra. L’m m u n d o n o qual sobeja a b ê n ç ã o (16) é ex p licad o (o
v. 17 co m e ç a co m “ p o is”) pela in te n ç ã o d o S e n h o r de fazer um a nova criação,
in clu in d o u m a nova Je ru sa lé m (17,18). N e ssa nova cidade, a b ê n ç ã o so b ejará, o
p e c a d o será expulso, e to d a a te rra será o m o n te sa n to d o S e n h o r (19-25). N o

W e s te rm a n n , p. 40 5 .
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 706

inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a


seção] e d ito rial assimdivç0 Soberano, 0 Senhor(13) e disç0 Senhor(25), h á três seçõ es
de ex te n sã o q u ase igual (13b-16,17-20,21-25) escritas em u m estilo d e v erso
livre. A prim eira e a terceira seções têm p a d rõ e s p a re lh o s em q u e cad a u m a
c o m eça co m o tip o de vida que o p o v o d e sfru ta rá (13-15,21-24) e p ro sse g u e
p a ssa n d o p a ra o a m b ie n te em q u e eles d e sfru ta rã o essa vid a (16,25). A seção
d o m eio rev erte a o rd e m , lid an d o p rim eiro co m o c o n c e ito a b ra n g e n te d a n o v a
criação (1 7-18b) e, d ep o is, fo can d o a n o v a cidade (18c-20).

U m p ov o c a ra c terístic o e m u m m u n d o d e b ê n ç ã o (65.13-16)
U m u m a série de c o n tra ste s, e n c o n tra m o s o p o v o c o m ex p eriên cias d istin -
tas (13,14) e um n o m e d istin to (15), ao qual está asso ciad a a b ê n ç ã o universal
(16a-d). A explicação é u m a nova a titu d e p o r p a rte de D e u s (16ef).
13,14 A c o n ju n ç ã o portantorefere-se às p ro m e ssa s (8-10) e am eaças (11,12)
p reced en tes. O b s e rv e c o m o a ex p ressão meus servos faz u m elo c o m o versícu-
lo 9, e o tem a da fo m e e d a sede c o n tra sta co m o p ô r a m esa d o v ersícu lo 11. O s
v erb o s comerão e beberão têm de ser e n te n d id o s c o m o na p assag em 25.6; 55.1,2,
ou seja, o s e le m e n to s c o n tra sta n te s n ecessário s p ara a c o m p le ta n u triç ã o co r-
poral u sad a c o m o u m a im agem d a satisfação d e to d as as n ecessid ad es d a p es-
soa. A isso se so m a o e le m e n to d e (lit.) “ alegria de c o ra ç ã o ” , satisfação in terio r,
b em c o m o p ro v isã o exterior. P o r c o n tra ste , os q u e a b a n d o n a m o S e n h o r e se
v o ltam para os cu lto s (2-5,11,12) d e sc o b rirã o q u e fo ram c o n d e n a d o s p o r si
m e sm o s ao total n ã o c u m p rim e n to , à vergonha,o u seja, às esp eran ças fru strad as,
à angústia a g a rra n d o o c ern e (coração) d a p e sso a e ao quebrantamento de espírito,o
co lap so de to d a energia vital e atividade in ten cio n al.
15-16d N o versículo 15, o tó p ic o d o nome é esco lh id o , e o s d o is v ersícu lo s
são ligados p o r um p ro n o m e relativo (o m itid o n a N V I): “ o u tro n o m e , em co -
nex ão c o m o qual q u e m q u e r q u e seja” . A ssim , surg e um p ad rão . (3 n o m e q u e
leva àmaldiçãoc à miarte: na m ã o d o Soberano, 0 Senhor(15a-c) e o outronome (não
revelad o aqui) q u e liga co m b ê n ç ã o e sujeição ao Deus da verdade (15d,16a-d).
O “ n o m e ” significa tu d o q u e é essen cialm en te verd ad e em u m a p esso a. E m
re tro sp ectiv a, os escolhidoso s v erão c o m o os exem p lares d aq u eles so b re q u e m
cai ju sta m e n te a c o n d e n a ç ã o d e D eu s (p o r exem plo, J r 29.22) te rm in a n d o em
mforte]. O s p ro n o m e s na seg u n d a p e sso a d o plural (13b-15a) são su b stitu íd o s
pela seg u n d a p e sso a d o singular, tematará (TB), d e ix a n d o claro p ara o in d iv íd u o
a am eaça d e ju lg a m e n to (cf. um singular se m e lh a n te n o ju lg am en to d a p assa-
g em d e D t 28.48). A ex p ressão id io m ática de um “ singular in d iv id u alizad o r”
é c o m u m . S o b re seusservos, veja 54.17. A ação de d a r u m n o v o n o m e lem b ra
G ên esis 17.5, o fu n d a m e n to d o p la n o ab raâm ico d o S en h o r. O n o m e d iferen -
te, n aq u ela é p o c a c o m o aqui, “ significa” se to rn a r u m a p e sso a d ife re n te co m
707 ISAÍAS 6 5 . 1 1 2 5 ‫־‬

pedirbênção (o reflexivo d e ibárak)


p o ten ciais e p ro sp e c to s diferentes. O v e rb o
é m ais um elo ab raám ico (G n 22.18; 26.4; cf. o nipbal reflexivo em G n 12.3;
18.18; 28.14). O ím p e to d o v e rb o reflexivo é: “ n o m u n d o , q u em q u e r q u e seja
q u e e n tre n a b ê n ç ã o d estin ad a a ele en tra rá n essa b ê n ç ã o n o D eu s da v e rd a d e ”
(o v e rb o é u sa d o d u as vezes). M as esse chega ao D e u s d a v erd ad e “ em c o n ex ão
c o m ” o n o m e q u e o S e n h o r dá aos seus servos. A queles q u e se ligam ao n o m e
se ligam a D eus. Isso é v isto n o caráter o u “ p e sso a ” c u jo n o m e resu m e aquele
q u e os leva a c o rre r para esse D e u s p a ra serem a b e n ç o a d o s, o u seja, e n trarem
n a b ê n ç ã o d e stin a d a a eles. A palavra terra,à luz das asso ciaçõ es ab raâm icas da
p assag em , devia ser “ te r r a /m u n d o ” , c o m o acim a. O títu lo o Deus da verdade/
“ D e u s d o A m é m ” , e n c o n tra d o apenas aqui, é re m e m o ra d o em 2 C o rín tio s 1.20,
passagem que deixa seu sentido claro: ele c o D eu s q ue diz “A m é m ” para todas
suas p ro m essas, a firm an d o a realidade delas e sua confiabilidade em cum pri-las
— o D e u s q ue, na A ntiguidade, p ro m e te u a A braão q u e esse p o v o universal
en traria na b ê n ç ã o e q u e m a n té m sua palavra. E sse g o z o universal d o D e u s fiel
é seg u id o p elo c o m p ro m isso universal c o rre sp o n d e n te : juramento/ “ p ro m e ssa ”
(N T L H ) (cf. 45.23).
1 6 e f A frase ocultasaosmeus olhosn ã o se refere ao q u e as p esso as esq u ecem ,
m as ao q u e D e u s esquece. O “ p o rq u a n to ” que abre a ú ltim a linha deixa isso cia-
ro: “ p o rq u a n to as aflições passadas serão esquecid as e e starão o c u lta s” . O que
n ã o é m ais válido d ian te de D e u s n ã o tem fu n d a m e n to p ara existir. A palavra
passadasé “ a n te rio re s” , c o m o n o versículo 17c.
A n o v a criação, a nova c id a d e (65.17-20)
D u a s adoráveis d escriçõ es po éticas c o m p õ e m essa seção: o p o e m a d a nova
criação (17-18b) e o p o e m a da cidade e seu p o v o (18c-20). O p rim e iro p o e m a
p o d e se r div id id o da seguinte form a:

Λ 1 O a to divino criativo (17ab)


IV A tra n sc e n d ê n cia d o p assad o (dois verb o s) (17cd)
B2 A alegria d o p re se n te (dois verbos) (18a)
Λ 2 O a to d iv in o criativo (18b)

17 O “ p o is” inicial devia ser restaurado. O p ro p ó s ito d o p o e m a n o co n -


te x to é explicar as b ê n ç ã o s particulares e universais da seção p reced en te. S o b re
criareiveja 4.5. O s céuse a terra re p re se n ta m a to talid ad e das coisas, c o n fo rm e
G ên esis 1.1. A ex p ressão as coisaspassadas cap ta a referên cia a afliçõespassadas
n o versículo 16e, m as expressa um a c o n c e p ç ão de “g ra n d io sid a d e ” ; n ão só
suas aflições, m as tu d o em relação à antiga o rd e m irá e m b o ra n essa ren o v ação
total. A frase não serãolembradas refere-se ao c o n te ú d o c o n sc ie n te da m em ó ria;
a ex p ressão virãoà mente, às m em ó rias re p e n tin a m e n te avivadas. A co n sciên cia
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 708

será de n o v id ad e total sem n ada n e m m e sm o estim u la n d o u m a le m b ra n ç a d o


q u e co stu m a v a ser. O e sq u e c im e n to divino d o versículo 1 6 ef será igualado pela
am nésia generalizada.
18ab O porém é enfático: “ P o rém d o c o n trá rio ” , o u seja, q u a n d o c o m p a -
rad o co m a possibilidade de u m a m e m ó ria p assad a v in d o à to n a hav erá ap en as
alegria a b u n d a n te . A duplicação dos im p erativ o s é em si m e sm a u m a g aran tia
d e alegria total, c o m o se d ito d e duas m aneiras ab ran g esse to d o p o ssív el sen-
tim e n to d e alegria. O te rm o jamais indica a d iferen ça final: a in c o n stâ n c ia e in-
certe z a das “ alegrias d a te rra ” agora n ã o serão c o m o antes. S o b re o im p erativ o
d e re su lta d o c e rto veja 2.9.
1 8 c d O se g u n d o p o e m a , q u e c o m eça aqui, p o d e ser d iv id id o d a seg u in te
m aneira:

A 1 A n o v a criação e sua in te n ç ã o (18cd)


B1 A ex p eriên cia divina (19ab)
B2 A ex periência h u m a n a (19c-20e)
A 2 O im utável fa to r m oral (20fg)

A frase porque vou criar/ “ p o rq u e eis q u e c rio ” (A RC) usa o m e sm o v e rb o


na m esm a fo rm a (um p a rü c íp io ex p re ssa n d o o fu tu ro im in en te) pela terceira
vez (cf. w . 17a,18b), n ã o apenas p ro d u z in d o um elo e n tre os d o is p o e m a s, m as
in sisd n d o q u e o S e n h o r usa o m e sm o cu id ad o criativo ú n ic o co m a cid ad e e
seu p o v o , c o m o ta m b é m co m o a m b ie n te total. O s su b sta n tiv o s regozijoe alegria
estão em aposição, re sp ectiv am en te, a Jerusalém e povo. O tex to h e b ra ic o usa a
ap o sição q u a n d o um a coisa é tão idêntica a o u tra q u e é possível d izer q u e são
a m esm a coisa, o u seja, aqui Je ru sa lé m e regozijo, seu p o v o e alegria são inter-
cam biáveis (cf. 60.18).
19 A n o v a cidad e e seu p o v o c o rre sp o n d e m p re c isa m e n te ao d esíg n io divi-
no. N ã o h á n ada q u e fique aq u ém d o s desejos d o S e n h o r (cf. G n 6.6). O b s e rv e
a m u d an ça d e seupovo p ara meu povo. P o r c o m p a ra ç ão , até m e sm o o “ m u ito
b o m ” d e G ên esis 1.31 p arece m o d erad o ! A experiên cia h u m a n a ta m b é m se
eq uip ara à n o v a situação: n ã o h á n ad a que cause tristeza (19cd) n e m n ad a q u e
a rru ín e a vida (20a-e). O te rm o pranto refere-se a se n tir d o r; choro/ “ v o z d e cia-
m o r” (A RC), a d o r infligida... T a n to a e m o ç ã o q u a n to to d a causa d ela se foram .
A e x p ressão nuncamaisc o rre sp o n d e ao parasempred o versícu lo 18a, a c o m b in a -
çâo de idéias negativa e positiva.
20 Isaías, d o c o m e ç o ao fim d essa p assag em , usa a sp e c to s d a vid a p re se n te
para criar im p ressõ es d a vida ainda p o r vir. E sta será u m a vid a d e p ro v isã o total
(13), felicidade total (19cd), segurança to tal (22,23) e d e p az total (24,25). As
coisas que n ã o te m o s real cap acid ad e p a ra e n te n d e r só p o d e m se r ex p ressas
709 ISAÍAS 6 5 . I I - 2 5

p o r in te rm é d io de coisas q u e c o n h e c e m o s e ex p erim en tam o s. T a m b é m n essa


p re se n te o rd e m das coisas aco n tece de a m o rte c o rta r a vida an te s d e ela m al
te r c o m e ç a d o o u an tes d e estar to ta lm e n te m adura. M as n ão será assim n essa
ép o ca. N e n h u m a criança deixará de d e sfru ta r a vida n em o id o so ficará aq u ém
d a realização total. N a verdade, o in d iv íd u o seria ap en as um jovem se m o rresse
co m cem anos! Isso n ã o significa q u e a m o rte ain da estará p re se n te (co n trad i-
z e n d o 25.7,8), m as, antes, afirm a q u e ao lo n g o da vida to d a, c o n fo rm e d izem o s
quem
a g o ra d a infância à velhice, o p o d e r da m o rte será d e stru íd o . A se n te n ç a
nãochegaraoscemserámalditoé um a tra d u ç ã o possível, salvo q u e ela suaviza o lite-
ral “ será a m a ld iç o a d o ” (A RA ). U m a tra d u ç ã o m ais prov áv el (veja a RV e RSV)
é “ o p e c a d o r de cem anos será am ald iço ad o ” (TB ), em especial p o rq u e essa
tra d u ç ã o se eq u ip ara à se rp e n te n o versículo 25c e p re p a ra para a referên cia a
ela; e ta m b é m p o rq u e fo rn e c e re fo rç o negativo para a asserção d o deleite total
d o S e n h o r na n o v a cidade (19ab). C laro q u e n ão haverá n e n h u m p e c a d o r na
no v a Je ru sa lé m (6,7,12,15c). A m e tá fo ra é usada m ais um a vez, m as a realidade
é q u e m e sm o se um p e c a d o r — seissofossepossível, 0 que não 0 é— n ã o fosse de-
te c ta d o d u ra n te um século, a m aldição ain d a o alcançaria e o d estru iría. A ssim ,
o versícu lo 20 ex p ressa um d u p lo p e n sa m e n to : a m o rte n ã o terá m ais p o d e r e
o p e c a d o n ã o terá m ais presença.

A vida n a n o v a c id ad e e n o m u n d o (65.21-25)
T rês im agens, p in tad as nas cores d esta vida, p ro je ta m a p e rfe iç ão d a vida
p o r vir. H averá g aran tia de p o sse p e rm a n e n te (21-22b), co m u m a explicação
(22c-f); c u m p rim e n to (23ab), co m um a explicação (23cd); e p az c o m D e u s
(24ab) cm to d a a nov a criação (25a-c), co m a im plícita ex p licação de q u e essa
p u re z a surge d o fato de q u e to d a a nova criação é meu santo monte (25de). A
fam ília fo rn e c e u m inclusio [criar um a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o iní-
cio e n o final d e um a seção] tó p ic o para as duas prim eiras seçõ es relacio n ad as
(21a,23cd). Isso está a lin h ad o co m a aliança abraâm ica (G n 17.7): “T i e a tua
s e m e n te ” (ARC).
2 1 ,2 2 A qui te m o s duas d eclarações positivas (21) co m suas c o n tra p a rte s
negativas (22ab). O p e n sa m e n to n ão é de co m e ç a r a c o n s tru ir e n ã o c o m p le ta r
a o b ra , m as d e c o n s tru ir e n ão se regozijar nisso p o rq u e o fru to d o trab alh o
foi ro u b a d o p o r um inim igo. Plsse era o d e stin o d o d e so b e d ie n te (D t 28.30).
Sua invalidação fala d e um a vida to ta lm e n te ce rta co m D e u s ta n to em casa
{construirão casas) q u a n to n o cam p o {vinhas), o u seja, em to d o lugar. A s vinhas
são o ex em p lo esco lh id o p o rq u e elas levam ta n to te m p o para ser cultivadas e
p ro d u z ir fru to q u e exigem co n d içõ es assentadas (p o r isso em Z c 8.12, a v in h a
é c h am ad a [lit.] “ se m e n te da p a z ”). A frase como osdias da árvore (ARC) é um a
im agem de du rab ilid ad e e longevidade, d o q u e tem lo n g o te m p o d e vida e está
firm e em seu lugar (cf. 16.14; 21.16). A sen ten ça gomarãopor longo tempo (TB) é
O LIV RO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 710

(lit.) “ c o n su m irã o ” (o pieide ibala) e, p o r co n seg u in te, “ u sar p le n a m e n te , viver


p a ra d e sfru ta r o u so c o m p le to d e ” .
23 O p e n s a m e n to p assa p ara o g o z o daquilo p elo qual la b u ta ra m ard u a-
m e n te (23a) sem q u alq u er n u vem se q u e r a tra p a lh a n d o o g o z o deles (23b). A
e x p re ssã o para a infelicidade/ “ na d esg raça” (N T L H ) (cf. L v 26.16) se refere
à in seg u ran ça in d u zid a pela deso b ed iên cia, co m a d esg raça ro n d a n d o a cada
esquina. N ã o há n u vem m ais te n e b ro sa na vida d e u m pai q u e v er a d esg raça
se a b a te r so b re u m filho q u e rid o em q u e m foi p o s to a m o r e esp eran ça. E sse
n u n ca será o caso na n o v a Je ru sa lé m , po is “ serão u m p o v o a b e n ç o a d o pelo
S e n h o r” . E ssa b ê n ç ã o vem d e a c o rd o co m a p ro m e ssa feita p a ra a “ se m e n te ”
em G ên esis 17.7 e, m ais im ed iatam en te, p o rq u e eles são a “ p ro le ” d o S erv o
(53.10). A se n te n ç a seusdescendentes/ “ as se m e n te s” (TB) é u m su b sta n tiv o em
h ebraico, d e jyãsâ’ (“ sair”), in d ican d o , assim , a linha d ireta d o pai p ara o filho.
A qui “ seus d e sc e n d e n te s” estã o co m eles n o g o z o d a b ê n ç ã o d o S en h o r. E les
n ã o só n ã o v erão seus filhos d e stru íd o s pela tragédia, m as ta m b é m o s v erão
co m eles m e sm o s nas coisas de D eus.
24,25 O p e n sa m e n to u n ific a d o r e n tre esses dois v ersículos é a “ u n id a-
d e ” . P rim eiro , há u m a u n id a d e c o m o S e n h o r d e m o d o q u e ele a n tecip a as
necessidades deles co m sua c o n sta n te vigilância p ro v e d o ra d e v o ta d a ao b e m
deles (24a); e, seg u n d o , h á tal id en tid ad e de v o n ta d e q u e estandoelesaindafalando
(ARC) o q u e eles d izem é im ed iatam en te re c o m e n d a d o p o r ele p a ra a ação.
E ssa h a rm o n ia ta m b é m se aplica a to d a a criação. O É d e n é re sta u ra d o (25; cf.
11.6-9), e o s an tig o s inim igos se v ão {lobo),e os te m o re s são re m o v id o s {cordel·
ro);as n a tu re z a s são m u d ad as ( 0 leãocomeráfeno),o s anim ais c a rn ív o ro s p assarão
a ser h e rb ív o ro s. N ã o há n e n h u m a referên cia ao g ra n d e a g en te da q u ed a, a
serpente, em 1 1.6ss., m as ela está acu ra d a m en te em p o siç ã o aqui (pat^ BIIS). O
ú n ico p o n to n o to d o da nova criação em q u e n ã o h á m u d a n ç a (cf. v. 20fg) é n a
m aldição p ro n u n c ia d a so b re o p ecad o , a qual ainda p e rd u ra (cf. G n 3.14).
25d A im agem positiva d o loboe d o cordeiroem h a rm o n ia , etc., é inten sifica-
d a p o r u m a d eclaração n egativa d e sc a rta n d o ta n to o d a n o q u a n to a d estru ição ,
o q u e p reju d ica e o q u e anula. Pois o to d o é meu santo monte, o lu g ar em q u e o
S e n h o r h a b ita em sa n tid a d e n o m eio d e seu p o v o e ag o ra eles, co m ele.

O ju lg a m e n t o e a e s p e r a n ç a (6 6 .1 - 2 4 )

Isaías, a p ó s se e ste n d e r na glória p o r vir, c o m eça a re tra ç a r seus p a sso s


(veja o e sb o ç o na p. 698). E m linhas gerais, a seq u ên cia A -D em 65.1-12 afir-
m o u fatos: h á aqueles q u e h e rd a rã o a glória e há aqueles q u e p o d e ría m te r her-
dad o , m as n ã o h erd arão . A sequência D -A c o m e ç a n d o a g o ra é explícita q u a n to
a “ fazer cada vez m ais firm e a v o ssa v o cação e eleição” (2Pe 1.10, A R C ). O
p rin cip al tó p ic o é d eclarad o n o s versículos 2,3 e 5b, tre m e r d ia n te d a p alav ra d o
711 ISAÍAS 6 6 . 1 4 ‫־‬

S en ho r. M as essa ênfase em to rn a r a p ró p ria cidadania d o in d iv id u o n a no v a Je-


ru salém em um a c e rte z a é igualada pela resp o n sab ilid ad e de tra z e r o u tro s para
ela (A2). P o r co n seg u in te, a sequência D -A está p re o c u p a d a co m o e n tra r na
p o sse , c o m a fuga da ira p o r vir c co m a re u n iã o universal d o p o v o d o S enhor.

O s q u e esc o lh e ra m seu p ró p rio c a m in h o e su a a d o ra ç ã o im p ró p ria estão sob


ju lg a m e n to (66.1-4)
O s c o m p o n e n te s desses versículos são:
1. O versículo la -c , o g ra n d e D e u s d o céu e da terra.
2. O s versículos ld -2 , um a un id ad e co m dois tem as: as q u e stõ e s referen tes
a o n d e é a casa d o S e n h o r (Id e ), estim uladas p elo fato de q u e o S e n h o r fez tu d o
(2a-c), e u m a referên cia à pesso a a q u em o S e n h o r c o n sid e ra (2d-f). A asso n ân -
cia d e onde /.../ onde (NTL11) Çêzeh..dêzeh) co m [m as| é este (w'elzeh ) p arece um a
ju n ção d elib erad a e n tre os do is tem as.
3. O versículo 3a-h, c o m p o sto de q u a tro pares em q u e ato s perm issív eis de
ad o ra ç ã o cultuai são associados co m os n ã o perm issíveis.
4. O s versículos 3i-4, um a acusação de in d iferen ça, faz p aralelo co m 65.12.
Será q u e esses q u a tro c o m p o n e n te s p e rte n c e m un s aos o u tro s ? 1 E m rela-
ção aos do is p rim eiro s (la -c ,ld -2 ), a o ração d e S alo m ão n a c o n sa g ra ç ão d o seu
te m p lo (lR s 8.12-29) fo rn e c e um c o n te x to in te rp re ta tiv o p o rq u e ele, na oração ,
o ferece u m raciocínio p ara justificar a c o n stru ç ã o d o tem p lo . Sua p e rg u n ta n o
versícu lo 27 é crucial: “ M as será possível q u e D e u s h ab ite na terra? O s céus
[...] n ã o p o d e m c o n ter-te. M u ito m e n o s este te m p lo q u e c o n stru í!” A p ró p ria
p e rg u n ta p arece se m o v e r em direção à resp o sta, “ não, de m an eira alg u m a” ,
m as a re sp o sta n ecessária para a o ração c o m p le ta é positiva. S alo m ão co m e ç o u
d e claran d o o fato da casa c o m o h ab itação divina (v. 12); a seguir, ele afirm o u
p u b lic a m e n te a o rd e m divina dada p ara a c o n stru ç ã o d essa casa (vv. 14-21);
terceiro , ele ag rad eceu q u e a p ro m e ssa feita a D avi te n h a sid o c u m p rid a (vv
22-26). C o n tra esse p a n o de fu n d o , n u n ca h o u v e dú vida q u a n to à re sp o sta para
0 versícu lo 27: o S en h o r, em to d a sua g ran d io sid ad e, viverá n essa casa p o rq u e
ele p ro m e te ra fazer isso. Isso fo rn e c e a perspectiva para Isaías 66.1. O S e n h o r
é tra n sc e n d e n te, m as, sim , ele vem para viver e n tre seu povo. E le n ão d e sd e n h a
u m a casa te rren a. M as o n d e você disse q u e era? E difícil resistir a u m c e rto
sarcasm o na questão! O s seres h u m a n o s c o n stro e m edifícios altíssim os e não
c o n v e n ie n te s para D e u s, e D eu s declara-os difíceis de serem e n c o n tra d o s. Isso
n ã o é p o rq u e o S e n h o r os d esp reza o u rejeita os m o tiv o s q u e os in cen tiv o u
a fazer isso, m as p o rq u e n ã o é o n d e seus o lh o s fo cam co m m ais facilidade e

1 O t e r m o inàham (“ c o n s o lo ” ) o c o r r e a o lo n g o d o liv ro d e Isaías (1.24; 12.1; 22.4; 40.1;


4 9 .1 3 ; 5 1 .3 ,1 2 ,1 9 ; 5 2 .9; 5 4.1 1; 57.6; 61.2; 6 6 .1 3 ). P o r c o n s e g u in te , o t e r m o n ã o é in c o m u -
m e n te c a ra c te rís tic o d o s c a p ítu lo s 40— 55.
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 712

rapid ez. P o r c o n seg u in te, o onde (N T L H ) Ç ê z e h ) d o v ersículo I d e assu m e o se-


g u n d o lugar para o “ m as [...| esse” (TB) ( w e 'e lz e h ) d o versículo 2d. A p rio rid ad e
d o S e n h o r é o individuo q u e sen te um a reverencia trêm u la p o r sua palavra.
V o ltan d o -n o s para o seg u n d o p a r de passagens, o p rim eiro c o m p o n e n te
(3a-h) m e n c io n a o uso e a b u so d o sistem a cultual, e o se g u n d o c o m p o n e n te (3i-
4) d escreve p esso as que, co m certeza, n ã o tre m e m d ia n te d a palavra d o S en h o r.
A ssim , há u m a fo rm a q u e abrange tudo:

A 1 A casa n ã o é a coisa m ais ev id en te ao o lh o d iv in o (l-2 c )


B1 O n d e cai o o lh o d o Senhor: na reverência p o r sua palavra (2d-f)
A 2 A casa n ã o c u m p re a u to m a tic a m e n te um fu n ção aceitável (3a-h)
B2 A rejeição daqueles que rejeitam a palavra (3i-4)

C o m certeza, é legítim o c o n s tru ir u m a casa, e o S en h o r, p o r m a io r q u e ele


seja, c o n d e sc e n d e ría em viver ali; c o n tu d o , o d esejo div in o p rim o rd ial é q u e o
in div ídu o tre m a d ian te de sua palavra. A s práticas cultuais p o d e m ser c o rro m -
p idas e se to rn a re m inaceitáveis, e o S e n h o r n ã o aceita aqueles q u e rejeitam sua
palavra e seu cam inho.
N ã o há justificativa para escrev er um cen ário pós-ex ílico p ara u m a passa-
g em c o m o essa; ela é tão pré-exílica q u a n to o te m p lo d e S alo m ão e tã o isaiana
q u a n to 1.10-20. É c o m p reen sív el q u e Isaías — à luz d e seu c o n h e c im e n to de
que o p o v o , um dia, voltaria para u m a cidade d ev astad a co m u m a o rd e m para
re c o n stru ir a casa (44.28) — quisesse g a ra n tir as p ersp ectiv as ap ro p ria d a s p ara
essa tarefa, u sa n d o p ara essa finalidade m aterial q u e teve o rig em c o m o p a rte de
sua p o lêm ica c o n tra o a b u so e u so e q u iv o cad o d o cu lto em sua p ró p ria ép o ca.
1 E ssa é a única p assagem em q u e a p ró p ria terra c o estrado d o s p és de
D eus. E m 1 C rô n icas 28.2 e S alm os 99.5 e 132.7, a p ró p ria casa o u a arca n a casa
é o e stra d o para o s p és d o S en h o r, e é um p e n sa m e n to v e rd a d e iram e n te bíb lico
e c o m o v e n te q u e os pés d o S an to re p o u se m n o p ro p iciató rio . M as aqui o tó p i-
co n ã o é sua m isericórdia, m as sua ab so lu ta g ran d io sid ad e, sua “ im e n sid ã o ” de
a c o rd o c o m a q u al a p ró p ria te rra n ã o é m ais q u e seu e s tra d o p a ra o s pés. A o
a c re sc e n ta r -%eh a o onde in te rro g a tiv o , ele se to rn a “ É este o m e u lu g a r [...]?”
Çê-^eh) u m a p e rg u n ta co m um g rau d e perp lex id ad e, c o m o se a co isa em q u es-
tão p u d e sse ser facilm ente p erdida. A ssim , o S e n h o r, ap esar d e n ã o rep u d ia r de
fo rm a algum a a casa, indica q u e ela n ão é a coisa m ais p e n e tra n te em seu ca m p o
de visão. N ã o há n e n h u m a n o v id ad e nisso; na v erd ad e, esse é u m p e n sa m e n to
b íblico n o rm ativ o . P o r exem plo, ap esar d e o S e n h o r te r c o n firm a d o d e fo rm a
g racio sa o desejo d e D avi de lhe c o n s tru ir um a casa, ele c o m e ç o u a d iscu ssão
co m a p erg u n ta: “A lgum a vez p e rg u n te i [...]: P o r q u e v o cê n ão m e c o n stru iu
um te m p lo de ce d ro ? ” (2Sm 7.7). Sam uel d eu a m e sm a p rio rid a d e q u a n d o dis-
713 ISAÍAS 6 6 . 1 4 ‫־‬

se q u e o b e d e c e r é m e lh o r q u e fazer sacrifício (IS m 15.22).1 Isaías p ro teg eria


q u a lq u e r casa p o r v ir c o n tra um d u p lo perigo. D e um lado, ap esar d e o S e n h o r
c o n d e sc e n d e r em h a b ita r ali, n ão se deve p e n sa r nele em te rm o s red u cio n istas.
Kle aind a é o D e u s tra n sc e n d e n te q u e en ch e to d o o céu e to ca a te rra co m os
pés. D e o u tro lado, ap esar de a casa ser c o rre ta m e n te um c e n tro de sacrificio, o
p rin cip al c h a m a d o de D e u s para seu p o v o é pela o b ed iên cia deles a sua palavra.
Para meu lugar de descanso {menühd) veja R ute 1.9. O S en h o r, em graça, “ faz sua
m o ra d a ” e n tre seu povo.
2 É d ada m ais urna salvaguarda à d o u trin a d e D eu s: ele n ã o só d o m in a
to d o o u n iv erso (1), m as tu d o é o b ra de sua m ã o (2a) e d eve sua existencia a ele
(2b). E le, ao vir viver na casa, n ão fica d e v e n d o àqueles q u e c o n stru íra m a casa,
p o is é ele m e sm o o c riad o r de tudo. C o m o sua un iversalidade tra n sc e n d e n te
n ã o é lim itada p o r sua co n d e sc e n d ê n cia em viver em u m lu g ar em p articular,
ta m b é m sua lib erd ad e so b e ra n a de ação n ã o está lim itada a aceitar urna casa das
m ão s d e seres h u m an o s. A frase não foram as minhas mãos que fizeram todas essas coi-
sas é n o se n tid o m ais literal um a declaração, em vez de um a p erg u n ta: “ M inhas
m ão s fizeram to d as essas coisas e tro u x eram to d as essas coisas à existência!”
A se n te n ç a a este eu estimo é “ m as p ara este o lh a re i/d e fato o lh o ” ; c o n fo rm e
Birks co m en ta: “ U m o b je to na criação, em m eio a sóis e estrelas, atrai o o lh a r
d o g ra n d e C ria d o r” . O humilde Çãrii), da perspectiva social, é aquele que está na
base da pirâm ide, e m p u rra d o para baixo pelos interesses m ais fo rte s e d o m i-
n am es. N o e n ta n to , ele, da perspectiva religiosa, é aquele q u e está p re p a ra d o
p ara to m a r o lu g ar m ais baixo d ian te de D e u s e p o r D eus. O contrito de espírito
é “ in cap acitad o em e sp írito ” (cf. o te rm o nekêh u sad o para in cap acid ad e física
em 2Sm 4.4; 9.3). O te rm o é usado apenas aqui co m u m a referên cia espiritual
para e x p re ssa r um se n tid o d e incapacidade em assu n to s espirituais. E sse n ã o é
0 se n tid o d e p ecad o , m as d o d a n o o p e ra d o p elo p ecad o na p e rso n a lid a d e e a
in cap acid ad e d e ag rad ar a D eus. O v e rb o treme (hãred; E d 9.4; 10.3) d e n o ta um
an seio perceptível p o r obedecer.
3 a - h Veja o e sb o ç o e a n o ta in tro d u tó ria acim a. As palavras é como (3bdh)
e é como quem apresenta (3f) são acréscim os in terp retativ o s s u b m e te n d o Isaías
a u m a c o n d e n a ç ã o d ireta d o lado sacrificial da religião. V im o s em 1.1 Oss. que
essa n ã o é a p o sição dele. O que ele faz aqui é apenas a rru m a r itens lad o a lado.
E le c o n tra sta o lícito co m o p ec a m in o so (um m ata um boi; o o u tro m ata um
h o m e m ); o lícito co m o sem sen tid o (um sacrifica um c o rd eiro ; o o u tro q u e b ra

1 D a m e s m a m a n e ira , A g e u é ju lg a d o d e f o r m a e q u iv o c a d a p e la in te r p r e ta ç ã o c o m u m d c
q u e ele e ra u m fo rm a lis ta d o te m p lo q u e e n sin a v a q u e a sa lv aç ão gira e m t o r n o d o te m p lo
c o m o tal. A n te s , su a p re o c u p a ç ã o e ra q u e o p o v o o b e d e c e s s e às e x ig ê n c ia s d iv in a s rela-
c lo n a d a s à p re s e n ç a d o S e n h o r e n tr e se u p o v o . N ã o c o n s tr u ir a casa eq u iv a lia a d iz e r q u e
e ra in d ife re n te o S e n h o r e s ta r (tu n ã o e n tr e eles.
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 714

o p e sc o ç o d e um c a ch o rro ); o lícito co m o inaceitável (um traz u m p re se n te ;


o u tro , san gue de p o rco ); e o lícito co m a ap o stasia (um faz u m m e m o ria l de
in cen so ; o o u tro a b e n ç o a um ídolo).
D e a c o rd o co m E zequiel 8, a a d o ração pré-exílica d o S e n h o r an d av a lado
a lad o co m a p rática secreta desses desvios. O p ro p ó s ito d o catálo g o d e Isaías
é a p re se n ta r um ch a m a d o claríssim o, b em definid o. Λ d istin ção e n tre as duas
listas é q u e u m a ex p ressa u m a co n c o rd â n c ia c o m a palav ra d e D e u s, e a o u tra
é d esviacionista. A c o n stru ç ã o de um a casa n ã o significa n ad a em si m e sm o ; o
cu lto sacrificial d iv o rciad o d o “ trem e[r| d ian te da m in h a [do S en h o r] p alav ra”
é p ecam in o so , sem sen tid o , inaceitável e a p ó stata. Q u a n d o A m ó s disse: “V ão a
B etei e p o n h a m -se a p e c a r” (A m 4.4), o se n tid o das palavras dele era o m e sm o
— a c o n fo rm id a d e ritual sem a o b ed iên cia m o ra l ap enas e ste n d e o p e c a d o p ara
o u tra área d a vida. É possível ser m eticu lo so na religião e, na p io r das h ip ó teses,
in c o rre r em cu lp a e, n a m e lh o r, n ã o alcançar nada. A palavra de D e u s é a chave
para tudo.
3 i-4 E ssa últim a seção é sep arad a p o r um inclusio [criar u m a e s tru tu ra ao
p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a seção]: escolheram(3i) e escolheram
(4f), e prazer(3j) e desagrada/ “ n ã o tin h a p ra z e r” (4f). N a s o ito lin h as d a e stro fe ,
0 p rim e iro p a r (c o m e ç a n d o co m gam-hêmmâ, “ q u a n to a eles, en tão , eles”) é
igualado p e lo se g u n d o p a r (c o m e ç a n d o c o m gam-’‫״‬ru, “ q u a n to a m im , e n tão ,
e u ”), e as ú ltim as q u a tro linhas são u m a explicação.
3ij O s e le m e n to s d e vida e x te rio r {caminhos), e m o ç ã o in te rio r (prazer) e en -
v o lv im e n to da p e sso a essencial {almas) e stã o to d o s incluíd o s aqui. Será q u e eles
disseram : “ Isso é tão útil, tem de e sta r c e rto ” ; ou: “ Isso é tã o ed ifican te, será
ahomi-
q u e p o d e e sta r e rra d o ? ” M as o q u e eles e sco lh eram , na v erd ad e, eram
nações(ARC) (siqqüs), u m a palavra m u ito fo rte q u e ab ran g e tu d o q u e o S e n h o r
d e te sta .1
4 A frase duro tratamentopara eles/“s\s2LtaalüHd é a m esm a p alav ra d e 3.4,
trad u zid a c o n te x tu a lm e n te p o r “ c a p ric h o ” . O te rm o 'Tãlaí significa “ agir, lidar
c o m ” , e seu d e riv ad o c o m u m mct"lãlim significa “ o b ra s ” . O q u e e m 3.4 são os
ato s im previsíveis de u m g o v e rn a n te c a p ric h o so aqui é re p e n tin o e in esp era-
d o início d o julgam ento. P o ssiv elm en te, p o r co n seg u in te: “ esco lh erei u m d u ro
tra ta m e n to ” . O te rm o temem su g ere q u e eles, c o m o um a técn ica d e p ro te ç ã o ,
a b a n d o n a ra m suas p ráticas religiosas questionáveis. Isso se eq u ip ara à referen -
cia a n te rio r de cultivar os deu ses S o rte e D e stin o (65.11). M as lo n g e d e esca-
par, a justiça divina trará so b re eles o q u e te n ta ra m ev itar — c o m o ela se m p re

1 O t e r m o siqqüs é u s a d o p a ra íd o lo s (2R s 2 3 .2 4 ), d e u s e s p a g ã o s ( l R s 11.5), p rá tic a s o u


a lim e n to s p r o ib id o s (Z c 9 .7 ), o u seja, t u d o q u e é c o n tr á r io à a d o ra ç ã o d o S e n h o r ( j r 4.1 ),
e p a ra a a p ó s ta ta Isra e l (O s 9 .1 0 ). P ara Isãqas v eja L v 11.43; D t 7 .2 6 ; SI 2 2 .2 4 < 2 5 > . ( )
s u b s ta n tiv o seqes o c o r r e e m L v 7 .2 1 ; 1 1 .1 0 ,1 3 ,4 1 ; E z 8.10.
715 ISAÍAS 6 6 . 5 - 1 4

faz q u a n d o a seg u ran ça é p ro c u ra d a em o u tro lugar q u e n ã o n o S e n h o r (G n


11.4,8). A p rin cip al causa é a recusa deles da palavra divina ta n to ativ am en te n o
q u e fizeramq u a n to m e n ta lm e n te n o q u e escolheram.
A destruição repentina, a glória instantânea (66.5-14)
O s do is g ru p o s são descritos. D e u m lado estã o aqueles q u e tremem diante
da suapalavra (5b; cf. v. 2e e a n o ta in tro d u tó ria p a ra 66.1-21) e, d e o u tro lado,
o s q u e se co lo caram c o n tra um a espiritualidade ex p e c ta n te e seus a d e p to s (5c-
f). H á um d u p lo d e se n v o lv im e n to p ara os versículos 2c-4, em q u e os m esm o s
g ru p o s fo ra m diferenciados. P rim eiro, eles estão ag o ra em te n sã o e n q u a n to a
d escrição a n te rio r sim p lesm en te os c o lo c o u lad o a lad o n o s ab ra n g e n te s parâ-
m e tro s p ara o p o v o d o S enhor. O g ru p o um o d eia o o u tro g ru p o , o p õ e m -se a
sua m e m b re sia n a co m u n id a d e e d e sp re z a m suas ex p ectativ as espirituais (5c-e).
O c e rn e da p re se n te seção (10,11) in stru i os q u e “ tre m e m d ia n te d a p alav ra” a
c o m o se c o m p o rta r n essa situação. S egundo, as q u e stõ e s escato ló g icas são dei-
xadas m ais explícitas. Para u m g ru p o , “ da[r] a devida re trib u iç ã o ” se tra n sfo rm a
n a d e stru iç ã o m aciça da cidade e d o te m p lo (6ab). E les são eles m e sm o s os ini-
m igo s d o S e n h o r re c e b e n d o a retrib u ição p lena, colérica e in d ig n ad a (6cd,14d).
Para o o u tro g ru p o , as m e tá fo ra s d e n a sc im e n to e infância (7-9,12,13) são usa-
das p ara indicar a ação so b re n a tu ra l q u e os in tro d u z irá n a n o v a Sião e nos
c o n fo rto s q u e d e sfru ta rã o ali. E les são dignificados p elo g ra n d e títu lo d e servos
d o S e n h o r (14c).

A 1 O s cínicos ficam d e sc o n c e rta d o s (5,6)


B' As p ro m e ssa s ilustradas e atestad as (7-9)
C A alegria e o p ra n to em Sião (10,11)
B2 A s p ro m e ssa s declaradas e atestadas (12,13)
A 2 O s “ q u e tre m e m d ian te d a sua p alavra” são c o n firm a d o s (14)

para que vejamos (5f, em A 1 é


A cínica zo m b a ria d a expectativa espiritual,
quando vocêsvirem/ “ vós o v ereis” (14a) em A 2. C ada
c o n tra p o sta pela afirm ação
seção A ta m b é m se refere aos inimigos(6d,14d). As seções B usam as m etáfo ras
d e n a sc im e n to e infância: B 1 especifica o n a sc im e n to de u m a crian ça d o sexo
m ascu lin o (7d); e B 2, o c o n so lo de u m a criança d o sexo m ascu lin o (13a, lit.,
“ c o m o u m h o m e m a q u e m sua m ãe c o n so la ”). C ad a seção te rm in a afirm a n d o
a ação divina p o r vir (9,13bc).
5 S o b re tremem veja o c o m e n tá rio d o versículo 2. E les são seusirmãos n o
fato d e q u e, fo rm a lm e n te , p e rte n c e m à m esm a “ fam ília” d o p o v o d o S en h o r. O
p e n sa m e n to d e te n sã o na c o m u n id a d e p e rm e ia esses cap ítu lo s, m as, c o n fo rm e
o b se rv a m o s, n ã o há necessidade n esse relato d e a p o ia r um a su p o sta situação
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 716

pós-exílica. É verdade q u e Isaías, n o s cap ítu lo s a n terio res, n ã o e x p ô s n a m es-


m a ex te n sã o d a veem ên cia d o se n tim e n to que está ev id en te aqui. T alvez isso
se d eva ao fato de q u e sua p re o c u p a ç ão n o s o u tro s cap ítu lo s fo sse se dirigir
aos “ o u tro s ” e recuperá-los, m as aqui a p re o c u p a ç ã o é o c o n so lo e a in stru ç ã o
d o s v erd ad eiro s te m e n te s a D e u s so b pressão. E m to d o caso, e n c o n tra m o s
aqui o m e sm o tip o de hostilid ad e p re se n te em 5.18,19, os m e sm o s d o is g ru -
p o s d e 8.11-20, o m e sm o c o n tra ste en tre os q u e b u scam os cu lto s e os q u e
b u scam o S e n h o r e sua palavra e o m e sm o re su lta d o de ira (8.21,22) e glória
(9 .2 ss.< lss.> ). T a m b é m p o d e m o s c o m p a ra r o e scárn io lan çad o so b re o p ró -
p rio p ro fe ta em 29.9,10. W e ste rm a n n , q u e insiste q u e “ em n e n h u m a p assag em
a situ ação d o s assu n to s e n tre os do is g ru p o é a p re se n ta d a c o m ta n ta clareza”
c o m o aqui, d efin e a área de d iferen ça d esta m aneira: “ E les o d eiam [...] aqueles
que, em pied ad e, retêm a palavra de D e u s ” .1 M as essa foi p re c isa m e n te a dis-
tinção feita nos c a p ítu lo s an terio res, d istin ção essa m e n c io n a d a acim a. E les ex-
cluemp o rq u e são c o n v e n c id o s de q u e eles m e sm o s são os v erd ad eiro s m e m b ro s
e q u e o s q u e “ tre m e m d ian te d a sua palavra” n ã o têm reiv in d icação v erd ad eira.
A frase porcausadomeu nome p o d e ex p ressar o m o tiv o p o r trás d a su p o sta exco-
m u n h ão : eles ach am d e fato q u e o n o m e d o S e n h o r é h o n ra d o d e fo rm a m ais
v erd ad eira e q u e o b e m d e seu p o v o é m ais b em se rv id o pelas c o n c e ssõ e s q u e
fazem e p o r sua d isp o sição d e a c o m o d a r as teologías n ã o alicerçadas na palavra.
D o o u tro lado, a frase por causa do meu nome p o d e significar “ p o r cau sa d e sua
p o sição firm e cm favor d o m eu n o m e ” , o u seja, a v erd ad e so b re D e u s c o n fo r-
m e revelada em sua palavra. O s q u e “ trem em d ia n te d a sua p alav ra” e n d o ssa m
u m a jubilosa expectativa, e seus o p o n e n te s lançam isso na face deles (cf. 2Pc
3.3s.). T alvez essa te n h a sid o a experiência de Isaías q u a n d o c o n fro n to u A caz
co m g arantias da d isp e rsã o d a am eaça v in d a d o n o rte (cap. 7), q u a n d o d esafio u
os eclesiásticos e o s p olíticos q u a n to à aliança egípcia (cap. 28) o u d isc o rd o u
de E zeq u ias a re sp e ito d e S en aq u erib e (caps. 36— 37). A re sp o sta política de
que ele era u m m e ro b e b ê em u m m u n d o d e h o m e m (28.9s.) e d e q u e a fé n ã o
tin h a um p apel a d e se m p e n h a r n o d u ro jogo d a p o lítica (no qual c o n ta m ap en as
b atalh õ es e alianças) é ex a ta m e n te c o m o em 5.19 e p e rm a n e c e se m p re a v o z da
sab ed o ria m u n d a n a em re sp o sta à v o z da fé.2 O S e n h o r e ste n d e a e sp e ra n ç a da
reversão escatológica para os q u e “ tre m e m d ia n te d a sua p alav ra” e q u e fo ram
m olestad os. A s palavras eleséquepassarão vergonha são enfáticas: “ M as são eles
que c o lh erão v e rg o n h a ” . A v e rg o n h a q u e eles co lh e rã o é a p re se n ta d a d e fo rm a

1 W e s te rm a n n , p. 4 1 5 -4 1 6 .
2 W e s te rm a n n d ife re n c ia e ssa p a s s a g e m d a d e 5.1 9 n o fa to d e q u e ali “ o a n ú n c io d e Isa ías é
d e c o n d e n a ç ã o e a q u i é d e s a lv a ç ã o ” . M as, c m a m b a s as se ç õ e s, h á a m e s m a c o m b in a ç ã o
d e c o n d e n a ç ã o p a r a a q u e le s q u e re je ita m a p a la v ra e d e sa lv a ç ã o p a ra a q u e le s q u e se vo l-
ta m p a r a a p alav ra.
717 ISAÍAS 6 6 . 5 - 1 4

dram ática: a cidade e o te m p lo se fo ram e fo ram eles m esm o s e x p o sto s c o m o


o b je to s d e in im izad e divina.
6 A frase ouve j...j ouve [...] ouve (C N B B ) é (lit.) “ um a v oz |...| urna v oz [...]
urna v o z ” , c o m o qol em seu u so id io m á tic o :1

O uçam o e stro n d o que vem da cidade!


[O uçam ], o som que vem do templo!
[O uçam [, é o S enhor que está dando a devida retribuição...

E les, p o rq u e n ã o “ tre m e m d ian te da sua palav ra” , co m c erteza, trem erão


d ia n te d a ira d o S enhor. O te rm o retribuição (isãlem) significa “ fazer um paga-
m e n to c o m p le to ” .
7-9 E sse s versículos m o stra m que as coisas q u e são im possíveis co m os
h o m e n s são possíveis co m D e u s (cf. I x 18.27).

A 1 A im p o ssib ilid ad e h u m a n a (duas declarações de n a sc im e n to in d o lo r;


d u as q u e stõ e s de m arav ilh am en to ) (7-8b)
B U m a m aravilha ainda m aio r (um a d u p la q u estão,
ap lican d o o p rin cíp io de n a sc im e n to in d o lo r para a terra
e a n ação; a realidade d a nova Sião) (8c-f)
A 2 U m a certe z a divina (um a d u p la q u e stã o e d u p la afirm ação :
a infalibilidade d o S e n h o r p ro m e tid a para a tarefa) (9)

7 O n a sc im e n to in d o lo r (cf. G n 3.16) é um sím b o lo d o E d e n re sta u ra d o e


da m ald ição rem ovida. A im agem é d e m a te rn id a d e sem tra b a lh o d e p a rto , o u
seja, o filho é realm en te dela, m as sem n e n h u m custo. A ex p ressão dá á iu% (o
hiphil d c im ãlqt) é usada apenas aqui p ara o “ d ar à luz” um a crian ça (cf. 34.15,
em q u e é u sad a p a ra um a ave p o n d o ovos).
8 N a d a d isso e n tro u n a experiência h u m a n a q u e r p o r o u v ir d iz e r q u e r p o r
ex p eriên cia pessoal. É um ato de D e u s sem q u alq u er analogia h u m an a. Prova-
v elm cn te, a palavra coisa isolada se refira ao n a sc im e n to in d o lo r das d eclaraçõ es
p re c e d e n tes, c a palavra coisas o lh e ad ian te para o d u p lo a to d e p ro d u ç ã o da
te rra e d a nação. E ssa d eclaração seria vivida: “ V'ocê já o u v iu falar disso? B em ,
o q u e d izer so b re esses — n ão apenas um a criança, m as ta m b é m um a te rra e
u m a nação!” A ênfase em dia c instante é a m esm a — in stan tan eid ad e. Q u a n d o
0 S e n h o r tro u x e r glória para seu povo, será d e fo rm a tão re p e n tin a q u a n to ao
ju lg am en to q u e trará so b re seus inim igos (4a) e tão c o m p le ta q u a n to este (6d).
As q u e stõ e s são um a c o n tu n d e n te zo m b a ria d o s cético s d o v ersículo 5ef. E

1 S o b re a e x p re s s ã o id io m á tic a qôl, ela e q u iv ale a “ o u ç a ” , h á u m p o ssív e l e x e m p lo s é tu p lo


c m SI 2 9 , m a s Z c 11.3 é a ú n ic a d u p la e x c la m a ç ã o e n c o n tr a d a fo ra d e Isaías (13.4; 52.8,
ta m b é m 4.3 ,6 ).
O LIV RO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 718

c o m o se dissesse: “ Será q u e eles z o m b a m d a exp ectativ a d a g lo ria d o S e n h o r


p o r v ir e acham isso inacreditável? E les ainda n ã o e n fre n ta ra m o m ilagre cen -
trai d o e m p re e n d im e n to co m p leto : o vir in sta n tâ n e o à ex istên cia d e to d a um a
no v a so cied ad e p o r m eio d o n a sc im e n to so b re n a tu ra l.” Pois a atu alid ad e d isso
é Sião e seus filhos. E les são filhos dela, m as seu n a sc im e n to é p o r in te rm é d io
d o p ro c e sso único, d e sc o n h e c id o d o s seres h u m a n o s e x p o sto n o versícu lo 7,
um a o b ra de D e u s (c o n fo rm e o v. 9 c o n tin u a p a ra “ exp licar”).
9 '¡sãbar (“ ro m p e r”) significa “ ab rir o v e n tre n o nas-
A p e n a s aqui o te rm o
c im e n to ” . O su b sta n tiv o relacio n ad omasbêr tem esse se n tid o em 37.3 e em
2Reis 19.3. A s ex p ressõ es darà lu^ e faço chegara hora doparto são am b as o hiphil
de ■iyãlad. E ssa fo rm a d o v e rb o significa o u “ g e ra r” (do m o m e n to d a c o n c e p -
ção) o u “ cau sar o n a sc im e n to ” (do m o m e n to d o n ascim en to ). A tra d u ç ã o faço
chegarahoradoparto (o p e río d o d e gestação) n ão é exem p lificad a, e d ev em o s tra-
d uzir, antes, p o r “ o u g e ro e fech o o v en tre?” A ex p ressão fechareiamadre (Ί‘ãsar,
reter) (TB) é u sad a em G ê n e sis 16.2; 20.18 p ara “ fech ar o v e n tre ” . O versículo,
p o rta n to , ex p ressa duas verdades. P rim eiro, a ilu stração d e u m p ro c e sso b em
avançado, m as n ã o trazid o à c o m p le tu d e (9ab) m o stra q u e o S e n h o r n ã o segue
adian te c o m seus p ro p ó s ito s apenas para a b a n d o n á -lo s an tes de serem alean-
çados. S egundo, a ilustração de algo q u e c o m e ç o u c se fru s tro u an tes d e p o d e r
se q u e r seguir em direção ao c u m p rim e n to (9cd) m o stra q u e o S e n h o r n ã o co-
m eça o q u e n ã o tem a in te n ç ã o d e term in ar. A prim eira ilu stração tem ligação
co m a fidelidade d e D eu s (“ o a m o r em te m p o s p assad o s q u e m e im p ed e de
p e n sa r q u e ele, p o r fim , m e d eixará”);' a seg u n d a ilu stração tem ligação c o m a
so b eran ia d e D e u s, à qual é im possível resistir em seu p ro p ó sito . E m cad a ilus-
tração o p ro n o m e p esso al eu(ARC) é en fá tic o (“ so u eu que... eu so u aquele...”).
Se o “ e u ” d iv in o está n o c o m a n d o , o q u e p o d e d a r e rra d o ? A ilu stração d o p ro -
cesso de n a sc im e n to liga essa visão d o fu tu ro co m as p assag en s a n te rio re s de
Sião (49.21; 54.1) e co m a o b ra d o S ervo (53.10,11). O p rim e iro v e rb o d i^ c stá
n o te m p o im p erfeito ; o segundo, n o perfeito. E n tre o s p ro fe ta s, a fó rm u la co m
o im p e rfe ito é p ecu liar a Isaías (1.11,18; 33.10; 40.1,25; 41.21; cf. SI 1 2 .5 < 6 > ).
E n q u a n to o te m p o p e rfe ito enfatiza a firm eza d o q u e é dito, o im p e rfe ito ex-
p re ssa a p e rsistên cia d o o rad o r. A frase “o S e n h o r c o n tin u a a d iz e r” n o s lem b ra
q u e ele n ão p o d e m e n tir; a sen ten ça “ p e rg u n ta o seu D e u s ” n o s le m b ra q u e
ele n ão m u d a de ideia. Pile, c o m o o Senhor(jahweií),é p o r n a tu re z a o D e u s q ue
traz seu p o v o à p len a salvação e ao c u m p rim e n to de to d a s suas p ro m e ssa s (Js
13.14); ele, c o m o seuDeus, é o D e u s q u e se c o m p ro m e te u co m seu povo.
10,11 E sses versículos são o pivô d e to d a a seção (veja o e sb o ç o acim a).
E les ligam o fu tu ro (11) co m o p re se n te (10) p o r in te rm é d io d e u m a co n ju n -
ção d e p ro p ó sito : “ d e m o d o q u e ” (11a ,pois/ “ para q u e ” [ARC]; 11c [lit.] “ p ara

H in o d e J o h n N e w to n , “ B e g o n e , u n b e li e f ” .
719 ISAÍAS 6 6 . 5 - 1 4

q u e ”). N o p re se n te , o c h a m a d o é para se identificar co m Jeru salém : regosçijem-se


na alegria d a cidade, a amfem/ pelo q u e ela é c prantei¡emi suas d o res. E m sum a,
tem o s, aquí e ag o ra c o m o m e m b ro s de Sião (H b 12.22), de e sta r to ta lm e n te
env o lv id o s na vida da igreja te rre n a e c o m p ro m e tid o s co m ela. Sião ag u ard a
rego^ijem-secomJerusalémé c o m p a rtilh a r esse
as b ê n ç ã o s ain d a guardadas; a frase
o lh a r adiante. AmarJeru salém é valorizar o que ela rep resen ta: a cid ad e em q ue
0 S e n h o r h a b ita em san tid ad e, m isericó rd ia e lei. T e m o s d e viver n o b en efício
d a m isericó rd ia divina, d e sfru ta r a m agnificência d a c o m u n h ã o divina e m o d e-
lar n o ssa vida em o b ed iên cia à palavra divina. A ex p ressão porelapranteiam (cf.
E z 9.4) é la m e n ta r os p ecad o s da igreja visível, suas falhas, sua fragilidade e ine-
ficácia em face d o m u n d o e d a p resen ça nela de p esso as q u e fazem c o n cessõ es
e de ap ó statas, m as fazer isso c o m o u m irm ã o p e c a d o r q u e an seia pelas b ê n ç ã o s
e pela p e rfe iç ão ainda p o r vir (cf. 59.9-13). E ssa id en tificação co m Je ru sa lé m
resultará em p a rtic ip a ç ão nas b ê n ç ã o s c o n c e n tra d as nela, ta n to as atuais q u an -
to as escatológicas. P ois aqueles q u e um dia c o n h e c e rã o a p len a realidade d o
n a sc im e n to m ilag ro so (7-9) já são os filhos d e Sião, seus b e b ê s em seus seios.
C) b e b ê n ã o p recisa de n ad a m ais, além disso. A sen ten ça seusseiosreconfortantes/
“ p e ito s das suas c o n so la ç õ e s” 1 (A R A ), em últim a análise, o lh a ad ian te p ara o
v ersículo 13. A ex p ressão suafarturaé (lit.) “ o m am ilo de sua g ló ria” / “ seu seio
g lo rio so ” e indica q u e Je ru sa lé m agora, m as c o n su m a d a m e n te na ocasião, é um
sistem a in d e p e n d e n te d e p ro v isã o total.
12,13 E sse s versículos c o m b in a m a m e tá fo ra d o n a sc im e n to (7-9; veja o
e sb o ç o acim a) e as alusões aos cu id ad o s co m a criança e as coisas “ rec o n fo r-
ta n te s” (11) para eles. O pois(12) in tro d u tó rio explica p o rq u e é possível co n fiar
nas p ro m essas. S o b re pa% como um riocf. 48.18. T u d o q u e foi p e rd id o p o r cau-
sa da d e so b e d iê n c ia seria re stau rad o , a g ra n d e h istó ria da p az in teira traçad a
até sua co n c lu sã o (48.22; 52.7; 53.5; 54.10,13; 55.12; 57.2,19,21; 59.8; 60.17).
N a fu tu ra cidade, as b ên ção s de p a \ inatingíveis seriam c o n tra b a la n ça d a s pelas
b ê n ç ã o s e x tern as d e rique·.χα/ “glória” (ARC) das nações (cf. 6 0.5-7,11,16), ou
seja, u m a im ag em d a cidade n a qual to d as as necessidad es d e to d o s o s tip o s
são su p rid as e ta m b é m u m a “ cidade m u n d ial” em q u e to d a s as n açõ es estão
rep resen tad as. E m 2.2, as n ações vieram “ c o rre rje n d o ]” p ara Sião; à m ed id a
q u e o livro te rm in a , so m o s in fo rm a d o s q u e as visões iniciais n ã o eram ilusó-
rias. A p alavra corrente(isatap) é aquela usada para a d escrição típica d e Isaías da
“ in u n d a ç ã o ” assíria (8.8; 10.22; 28.2,15,17,18; 30.28), m as ta m b é m é usada para
as trib u laçõ es daqueles in d o para o cativeiro (43.2). A m ed id a d o ju lg am en to
é a m edid a d o c o n so lo p ara o redim ido. ( ) p ro n o m e seusan tes d e joelhos— e

1 ( ) t e r m o Inãham (“ c o n s o lo ” ) o c o r r e a o lo n g o d o liv ro d e Isaías (1.24; 12.1; 2 2 .4 ; 40.1;


4 9 .1 3 ; 5 1 .3 ,1 2 ,1 9 ; 52.9; 5 4 .1 1 ; 57.6; 61.2; 6 6 .1 3 ). P o r c o n s e g u in te , o t e r m o n ã o é in c o m u -
m e n te c a ra c te rís tic o d o s c a p ítu lo s 4 0 — 55.
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 720

ta m b é m o p ro n o m e d e m o n stra tiv o dela d e p o is d e b ra ç o s — é u m a ad ição in-


terp retativ a, m as p ro v av elm en te acrescen tad a co m co rreção . D e a c o rd o co m
49.23 e 60.4,16, as n açõ es en co rajaram a vinda d o s filhos d e Sião, m as eles, em
Sião, passam a te r o cu id a d o m atern al adequado. A m ãe Sião é tu d o p ara seus
filhos: alim e n to (<amamentados/ “ m am areis” [ARC]), c a rin h o (acalentados, “ afagar,
m im ar, acariciar, fazer m u ito d e ” ; cf. SI 119.16,47). O consollo / o fe re c id o é triplo:
em sua qualidade, m atern al (13a); em sua fo n te e ag en te, o S e n h o r (13b); e em
sua localização, Je ru sa lé m (13c; em ‫*אן‬-] é a m e lh o r trad u ção ). A ssim , o c o n so lo
p ro c la m a d o em 40.1 é am p la m e n te cu m p rid o . E u / . . . / consolarei é a ação divina;
vocês serão consolados é a experiência hum ana.
14 E sse versículo casa co m os versículos 5 e 6. A zo m b a ria d aq u eles q u e
rejeitaram a glória fu tu ra c o m o algo q u e n u n c a veriam é c o n tra p o s ta pela p ro -
m essa afirm ativa, “ q u a n d o vocês v ire m ” , c o m q u e o versícu lo co m eça. A fra-
se 0 seu coração se regozijará, e vocês florescerão é (lit.) “ seus o sso s flo re sc e rão ” . O s
te rm o s coração e “ o s s o s ” e n g lo b a m a p e sso a inteira, o lad o p síq u ic o e o físico.
S o b re como a relva veja 44.3,4. A e x p ressão a m ã o / “ en tão , a m ã o ” (A RC) é um
ex em p lo d o u so explicativo da co n ju n ção : “A ssim , a m ã o ” . N o c a m in h o q u e
to d a essa seção indica, o dia escato ló g ico revelará q u e tu d o , d e sd e o p rim e iro ao
últim o, é de D eu s. O te rm o mão d e n o ta o S e n h o r ag in d o p e sso a lm e n te e co m
seus p ró p rio s recursos. S o b re servos, veja 54.17. A ex p ressão sua ira , n o T M , é
um v e rb o ( j z a 'a m , “ m as ele ficará fu rio so c o m ”), e a ú n ica o c o rrê n c ia d esse
v e rb o é em Isaías. O su b sta n tiv o o c o rre em 10.25; 13.5; 26.20; 30.27 e é se m p re
u sa d o para o S e n h o r (26.20). T o ta lm e n te a p ro p ria d o p ara o p re se n te co n tex to .
O te rm o adversários é “ in im ig o s” , c o m o n o versícu lo 6d.

O ju lg a m e n to so b re aqu eles q u e seguem cu lto s (66.15-17)


O “ p o rq u e ” (ARC) co m q u e o versículo 15 inicia (o m itid o p ela N V I) indi-
ca q u e a passag em é um a explicação da p re c e d e n te. Veja o e sb o ç o acim a p ara
as m en sag en s altern ad as d o ju lg am en to p o r vir e da g ló ria p o r vir n essa seção.
O s versículos 2c-4 isolaram do is g ru p o s — o g ru p o d o s “ q u e tre m e m d ia n te da
sua p alavra” e o g ru p o d o s q u e fazem c o n c e s s õ e s /a p ó s ta ta s — o ú ltim o co m
p articu lar referên cia a suas práticas cultuais n ã o au to rizad as e abom ináveis. O s
versículos 5-14 n ã o e sq u eceram o c o n te x to te n e b ro s o d e ju lg a m e n to (14d),
m as se c o n c e n tra na glória à esp era d o s “ q u e tre m e m d ia n te d a sua p alav ra”
(5,7-14c). O s versículos 15-17 se originam d o v ersícu lo 14d e fo cam o julga-
m e n to universal p o r vir. O te rm o fogo fo rm a um inclusio [criar u m a e s tru tu ra ao
p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e u m a seção] n o versícu lo 15, in d ican -
d o q u e o ju lg am en to é d e santidade. (9 versícu lo 16a está ligado a o v ersícu lo 15
p o r sua referên cia inicial ao fogo, e a ex p ressão 0 Senhor é u m inclusio [criar um a
e s tru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o início e n o final d e um a seção] em to rn o
721 ISAÍAS 6 6 . 1 5 - 1 7

d o versículo; é seu sa n to ju lg am en to universal. N o versículo 17, os m ortos pela


mão do Senhor (16c) são d e fin id o s c o m o os cultistas cjue fazem co n c e ssõ e s e
o s a p ó sta ta s d o versículo 3.1 O versículo 17, m e sm o se tivesse u m p o n to de
o rig em d istin to d o s versículos 15 e 16, está to ta lm e n te in te g ra d o em seu atual
lu g ar ta n to pela adeq u ab ilid ad e tó p ica q u a n to p e lo fato d e que a frase todos eles
perecerão (h ü p ) fo rm a um inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o
inicio e n o final de u m a seção] co m labaredas ( süpâ) n o versícu lo 15b.
15,16 O “ p o is ” inicial devia se r re stau rad o , fo rm a n d o u m elo c o m o versí-
culo 14d (veja acim a). A ex p ressão num fogo o u “ co m fo g o ” (TB) (heth essentiae,
b á 'e s) te m a m esm a c o n stru ç ã o de Ê x o d o 3.2 (“ em [o c a rá te r e x p re sso por]
u m a c h a m a ” [ARC]), passagem em q u e o “ fo g o ” é d efin id o c o m o u m tem a
da san tid ad e inacessível e m o rta l de D e u s (cf. G n 3.24; Ê x 19). O s carros, um a
m a n ife sta ç ão te rre n a de p o d e r d estru tiv o , são o sím b o lo d o p o d e r irresistível
d o D e u s sa n to a g in d o em julgam ento. A relação d e labaredas (süpâ) c o m perecerão
(h ü p ) (17) tra n s fo rm a estas em labaredas q u e n ã o deix am n ad a atrás d e si. O
te rm o transform ará é “ trazer d e v o lta” . A su g estão de Y o u n g de q u e “ cau sar a
v o lta d e sua ira” significa “ apaziguar sua ira” 2 n ã o é c o n firm a d a p elo uso ,3 que
m o stra q u e “ tra z e r d e v o lta ” significa g a ra n tir q u e a ira divina atinja seu alvo.
N o v ersículo 15, a ên fase cai na san tid ad e fogo, labaredas de fogo) e p o d e r (car-
ros); n o versícu lo 16, ela cai na justiça (espada, executará julgam ento) de san tid ad e
fogo). S o b re fogo e espada veja G ên esis 3.24. O to d o da h istó ria h u m an a, d a que-
d a ao ú ltim o dia, é in tercalad a pela esp ad a d a santidade. A ex p ressão executará
julgam ento é o n ip h a l d e is â p a t, significando “ exercer os d ireito s judiciais” . E m
59.17, a “ ju stiça” foi a prim eira veste q u e o S e n h o r u so u ; em 61.10, ela estava
e n tre as vestes tran sm itid as ao U n g id o que, ao v o lta r da am eaça d o lagar da ira,
“ falo[u] c o m re tid ã o ” (63.1). T o d o a to de D e u s é m arc a d o co m justiça p u ra,
q u e r ele salve seu p o v o q u e r d e stru a seus inim igos. A s p alavras todos os homens
é “ to d a c a rn e ” . É típico de passagens c o m o essa q u e o ju lg am en to universal
seja afirm ad o , m as n ã o d isc u tid o em detalh es (cf. 3.13-15). O ú n ic o ju lg am en to
d e ta lh a d o n o s cap ítu lo s 56— 66 é o ex ecu tad o so b re a a p ó sta ta Israel, m as as
referên cias c o m o essa a “ to d a c a rn e ” c o n se rv a m as d im e n sõ e s m ais am p las da
san ta ira em vista.

1 A passagem 66.17 exemplifica a versatilidade da form a poética na literatura isaiana:


hammitqadcfsim w'hammittak'ñm ’elhaggannój
'ahar ’ahad battãwek
’õkflê b'sar halfzir w'hasseqes w*haakbãr
yahdàw yãsupü
2 Young, p. 529.
3 Há nove exemplos do hiphilde Isüb associado com o vocabulário de “ira” (por exemplo,
N m 25.11; SI 106.23). N o po n to em que o pensam ento de apaziguam ento é contextual-
m ente exigido, ele é afirm ado separadam ente, com o em SI 78.38.
O LIV RO D O C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 722

17 E m essência, e n c o n tra m o s aqui as p esso as d e 6 5.2-7,11,12 e 66.3,4:


aquele q u e faz c o n c e ssõ e s c os a p ó sta ta s e n tre o p o v o p ro fe sso d o S en h o r,
aqueles q u e n ã o tre m e ra m diante da sua palavra. Pois q u a n d o as p esso as dei-
xam d e p re sta r ate n ç ã o à palavra de revelação, n ã o é q u e elas p assem a n ão
ac re d ita r em nada, m as que passam a ac re d ita r em tu d o — in c lu in d o jardins,
p o rc o s e ratos. ( ) v e rb o consagram (jq ã d es) diz re sp e ito à situ ação e n a tu re z a da
p esso a; a palavra purificam (ARC) (itã h a r ) diz re sp e ito a sua a d eq u ab ilid ad e para
ficar d ia n te d o deus. O s ja rd in s (cf. 1.29; 65.3) eram o s locais d e cu lto s d a fer-
tilidade p re te n d e n d o o fe re c e r a chave para a p le n itu d e d e vida e p ro sp e rid a d e .
O p aralelo bíblico m ais p ró x im o da frase indo atras do sacerdote que está no meio é a
passagem E zeq u iel 8.7-11, em q u e o p ro fe ta via os cultistas pós-ex ílio em sua
ado ração , se te n ta an ciãos de Israel e “Jazanias, filho de Safa, estav a n o m eio
d eles” . A m esm a p re p o siç ã o (jfjô k , “ n o m e io ”) o c o rre em am b as as p assagens.
N ã o sa b e m o s o su ficien te so b re as antigas fo rm a s d e ad o ra ç ã o p a ra levar o
a ssu n to adiante. O te x to soa, na superfície, apenas c o m o u m a c o n g re g a ç ã o to-
m a n d o a liderança d e u m a figura cen tral, m as p o d e ser u m a u m c o lo q u ialism o
p o r m eio d o qual o s m e m b ro s de u m a so cied ad e secreta o u sem issecreta id en ti-
ficavam uns ao s o u tro s (“ v ocê segue ‘aquele n o m e io ? ”). Para o v e rb o perecerão
('¡süp, “ v ir a u m fim ”), veja o c o m e n tá rio so b re labaredas (15b).

O p ov o u n iv ersal d o S e n h o r (66.18-24)
O h o lo fo te b alan ça d e v o lta p a ra o o u tro g ru p o , o g ru p o d aq u eles q u e o
S e n h o r re u n irá n a n o v a Jeru salém . N e ssa p assag em , p a ssa m o s o círcu lo c o m -
pleto , ta n to p a ra 65.1 (veja o e sb o ç o na p. 698) q u a n to , n a im ag em co m p le ta ,
para 56.1-8 (veja o e sb o ç o n a p. 617). N a p ersp ectiv a d o N o v o T e sta m e n to ,
essa seção final tra n sp õ e a p rim eira e a seg u n d a vin d as d o S e n h o r Je su s C risto:
seu p ro p ó s ito p a ra o m u n d o (18), e seu m eio para realizá-lo (19-21), o sin a l
estab elecid o e n tre as nações, o re m a n e sc en te en v iad o p a ra ev angelizá-los (19)
e a reu n ião d e seu p o v o em “Je ru sa lé m ” (20) co m os g e n tio s em p len a m e m -
bresia (21). A Je ru sa lé m n ã o é a cidade literal, m as a cid ad e d e G álatas 4.25,26;
H e b re u s 12.22; A p o calip se 21. E x a ta m e n te isso, m as para Isaías — sem o p ri-
vilégio q u e te m o s d e v er em re tro sp e c to — foi u m a v isão d e p ro p o rç õ e s estar-
recedoras. D e algum a m a n e ira em relação aos p ro p ó s ito s d a n o v a criação d o
S e n h o r p a ra Sião, e seria tra n sfe rid o p ara aqueles q u e já fo sse m seu s c id ad ão s a
tarefa d e re u n ir d e to d o o m u n d o aqueles q u e seriam iguais a eles m e sm o s em
cid ad an ia e privilégio n o dia em q u e Je ru sa lé m seria o c e n tro d e p e re g rin a çã o
p ara to d a a criação; e q u a n d o to d o fa to r e p e sso a d e o p o siç ã o já fo ssem u m a
coisa d o passado.
E sse s versículos, d o p o n to d e vista literário, são em g eral im p re sso s c o m o
p ro sa , m as p o d e m se r arra n ja d o s c o m o v erso livre o u p ro sa rítm ica co m for-
m açõ es u n in d o o to d o . N o s versículos 18,19, o S e n h o r an u n cia q u e c h e g o u a
723 ISAÍAS 6 6 . 1 8 - 2 4

h o ra d e e stab elecer seu sinal e n tre as nações e de env iar em issário s p ara aqueles
que n ã o o u v ira m sua m e n sa g e m n e m viram sua glória. O s m en sag eiro s decía-
rarão a glória d o S enhor. N o s versículos 20-22, o s em issários tra z e m d e v olta
a Je ru sa lé m aqueles q u e são ch am ad o s seus “ irm ã o s” , e estes serão receb id o s
p elo S e n h o r c o m o m e m b ro s p len o s da c o m u n id a d e cultual. N o s v ersículos 23
e 24, o s fesdvais m ensais e anuais verão “ to d a a c a rn e ” (ARC) re u n id a em ado-
ração, d e sfru ta n d o os privilégios aos quais fo ram trazid o s e cien tes d o d e stin o
d o qual fo ram salvos.

A 1 U m a c o m u n id a d e universal é c o n te m p la d a (18,19)
B U m a co m u n id a d e de irm ão s é aceita em Je ru sa lé m (20-22)
A2 U m a c o m u n id a d e universal de a d o ração em sessão co n stan te(2 3 ,2 4 )

A p e sa r de a trad u ção d o versículo 18 ser um enigm a n ã o resolvido, há


claros elos e n tre as seções “Λ” . O v e rb o “ v e n h o ” (ARA) (na N V 1 virei) n o ver-
sículo 18 equ ip ara-se a toda a hum anidade virá n o versículo 23; a frase elas virão e
verão n o v ersículo 18 eq uipara-se a “ sairão e v erão ” n o versícu lo 24. T a m h é m há
a d u p la referên cia a toda h um anidade/ “ to d a a c a rn e ” (ARC) n o s v ersícu lo s 23 e
24. A seção “ B ” tem um inclusio [criar u m a e stru tu ra ao p ô r m aterial sim ilar n o
início e n o final de um a seção] tópico: os irm ãos de vocês n o início d o versícu lo 20
equ ip ara-se a os descendentes/ “v o ssa p o ste rid a d e ” (TB) n o fim d o v ersículo 22.
18 A “ se n te n ç a ” inicial está tão tru n c a d a q u e n e n h u m a en g e n h o sid a d e até
a g o ra c o n seg u iu re c o n stru í-la. E la co n siste d e três o u talvez q u a tro palavras: “ E
eu [...] suas o b ra s e seus p e n sa m e n to s: [ele] vem [...]” . O u as palavras de ligação
se p e rd e ra m na tran sm issão ; o u o c o n te x to to d o ficou d e so rg a n iz a d o d eix an d o
essas palavras isoladas; o u e sta m o s lid an d o co m e x p ressõ es id iom áticas h eb rai-
cas q u e estão além d o n o sso alcance. U m a solução fácil é im p o rta r u m v erb o
c o m o “ c o n h e ç o ” (veja a ARC) ou (co m o fez a N V I) in serir a ex p ressão p o r causa
d o se aju star a fo rm a d o v e rb o “ vir” a fim de fazê-lo se referir à v in d a d o S en h o r;
essa últim a h ip ó te se tem o a p o io da E X X . M as é fácil p e rc e b e r o p ro b le m a que
essa so lu ção cria. Q u a lq u e r v in d a d o S e n h o r relacionad a a atos e [...] conspirações
deve ser a v in d a em julgam ento. P o r c o n seg u in te, a glória m e n c io n a d a seria a d o
Juiz. N o e n ta n to , a referên cia à glória n o versículo 18 leva à reu n ião d o m u n d o
em Je ru sa lé m c o m o um p o v o aceito. P o rta n to , os atos c as conspirações d ev em se
referir ao q u e p reced e; assim c o m o a glória se refere ao q u e se segue. E ssa n ão
é u m a so lu ção p re te n d id a , m as apenas um a fo rm a d e to rn a r palatável u m tex to
sem so lu ção n o c o n te x to até o dia jub ilo so cm que p o ssa m o s p e d ir ao p ró p rio
Isaías p ara explicar esse texto: “ E , p o r causa d o s seus a to s e das suas c o n sp ira-
ções, virei aj u n ta r to d as as n ações e línguas, e elas virão e v erão a m in h a gló ria” .
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 724

O S e n h o r lida c o m um lado de sua p ro m e d d a o b ra d e v in g an ça e salvação


(59.17; 61.2; 63.4). O dia e a o b ra de vingança “ v e m ” (ARC) (o te rm o 'Ibô’
u sado , c o m o o era co m frequência, n o se n tid o de “ a c o n te c e r” ; D t 1 3 .2 < 3 > ; Js
23.14). A e x p re ssã o virei a ju n ta r/ “ aju n tarei” (ARC) c o m eça co m u m v e rb o n o
infinitivo (cf. 44.14), expressivo d e c o m p ro m isso o u até m e sm o d e o b rig ação :
“ ago ra d e v o ju n ta r” . Isaías tem u sa d o a ideia d e u m a b an d eira se n d o lev an tad a
para c o n v o c a r as n ações para vir a Je ru sa lé m (11.12,13; 49.22; 62.10). E le tam -
b é m vê o p ró p rio S e n h o r c o m o o im ã, o p o n to d e atração (2.2-4; 60.9). A g o ra,
o S e n h o r é o m issionário, a voz q u e clam a: “ Paz, p a z ” (57.19). Verão a m inha
glória , o u seja, m e v erão em to d a m in h a glória. O p o v o d o ê x o d o viu sua g lória
e n q u a n to ele cuidava deles n o d e se rto (E x 16.7,10), a im p re ssio n a n te g lória re-
velada n o Sinai (E x 24.16,17), a g racio sa glória q u e habitav a n o ta b e rn á c u lo (E x
29.43) e a glória q u e coincidia c o m a c o m p le ta o p e ra ç ã o d o s sacrifícios levíticos
(Lv 9.6,23), e eles c o n h e c ia m a p ro m e ssa d e q u e o q u e fo ra p rim e iro privilégio
ú n ico deles estava d e stin a d o a se r o privilégio de to d a a te rra (N m 14.21).
19 C o m o seria realizado esse privilégio universal? A frase estabelecerei um
sin a l entre elas n ã o se refere a u m a b an d e ira lev an tad a à d istân cia p ara c h am ar
a aten ção (veja v. 18), m as um sin a l entre elas, em to rn o d o qual elas se a g ru p a m
o n d e estão. S ab en d o , c o m o sab em o s, q u e essa passag em se refere ao ín te rim
e n tre as vindas d o S e n h o r Jesus, o “ sinal” só p o d e se r sua cru z. Isaías, n o e n ta n -
to, só sabe e diz q u e o m u n d o e n c o n tra causa em c o m u m cm to rn o d e u m sinal
q u e o S e n h o r estab eleceu en tre eles. A frase e enviarei alguns é a d eclaração m ais
clara d o A n tig o T e sta m e n to d o te m a de m in istério d e alcance m issio n ário . O
A n tig o T e sta m e n to , em sua m a io r p arte, a p re se n ta o m u n d o c o m o c o n q u ista -
d o pela atração; a p assagem 2.2-4 é u m p arad ig m a disso. O N o v o T e sta m e n to ,
p o r sua vez, vive so b a g ra n d e co m issão d e sair co m o evangelho. J u n to s estes
c o n stitu e m a o b rig a ç ã o m issio n ária d a igreja: criar u m a c o m u n id a d e a tra e n te e
c o m p a rtilh a r a m e n sa g e m d a salvação. M as aqui o S e n h o r en v ia os seus, c o m o
e n v io u an te s o p ró p rio Isaías p a ra seu p ró p rio p o v o d esv iad o (6.8). O s m is-
sio n ário s são alguns dos sobreviventes, os q u e “ esc a p a ram ” ('Ipãléj cf. N m 21.29;
J r 44.14). N o c o n te x to , eles são aqueles q u e escap aram d a m a n ife sta ç ão d o
S e n h o r n o fo g o e na esp ad a (16; cf. caps. 24— 25, em q u e a m e sm a ideia está
p o r trás da p ro c issã o das n açõ es p ara Sião; eles ta m b é m e scap aram d a d e stru i-
ção m undial). E m te rm o s desses capítulos, eles são aqueles p a ra q u e m o “ dia
da v in g an ça” era an tes “ o a n o da m in h a re d e n ç ã o ” (63.4), os q u e o u v ira m o
clam o r d o S en h o r: “ Paz, p a z ” e estavam c ap acitad o s a exercitar, em p en itên cia,
o “ fru to d o s lá b io s” (ARC) c riad o p o r D e u s (57.19). A lg u n s desses ag o ra são
seus em issários para o m u n d o , po is esse serv iço universal n ã o é p ara to d o s, m as
p ara aqueles q u e enviarei. A citação d o s n o m e s d o s locais p re te n d ia ser gen érica,
em vez de literal, c ria n d o um se n so de alcance m u nd ial (cf. a lista em 11.11), e
725 ISAÍAS 6 6 . 1 8 2 4 ‫־‬

a localização d o s locais são, n o m ínim o, incertas. T ársis (2.16; 23.1; 60.9) p o d e


ser T a rte sso na E sp a n h a . O s libios e os lidias são in te rp re ta tiv o s (lit.) d e “ P u l” e
“ L u d e ” . E sses lugares são m e n c io n a d o s, ju n to co m C uxe, em Jerem ias 46.9 e
E z e q u ie l 30.5, o que, d e a c o rd o co m Y o u n g ,1sugere u m a lo calização ao sul, m as
a o p in iã o geral te n d e a c o n c o rd a r co m a N V 1.2 T ubal (E z 3 9 .Is.) ficava n o ex-
tre m o n o rte , e a N V I re p re se n ta c o rre ta m e n te “Jav ã” (ARC) c o m o p e rte n c e n te
à G reda. A ex p ressão fam osos arqueiros refere-se aos “ q u e p u x a m o a rc o ” (cf. J r
46.9; E z 27.10). P o r que será que esse fato é m e n c io n a d o ? P ro v av elm en te para
in d ic a r q u e a p esar da lista ser feita de fo rm a g en érica, a tarefa d o s m issio n ário s
é ir a situações reais, e n fre n ta r p o v o s o rg a n iz a d o s e in d e p e n d e n te s e p erig o s
reais. A s ilhas Ç iyyinr, 11.11; 40.15; 42.4; 60.9) re p re se n ta m “ as fro n teiras m ais
re m o ta s d a te rra ” . M as elas, o n d e q u e r que seja q u e estiv erem e q u e m q u e r que
sejam elas, têm em c o m u m o fato de q u e não ouviram fa la r de m im / “ n ã o o u v iram
a m in h a fa m a /m e n s a g e m /re la to de m im ” n e m viram a m inha glória (veja v. 18).
20 O s irm ãos n ã o são o s irm ã o s israelitas — q u e anticlím ax isso seria! Q ual
seria o se n tid o d e d izer q u e os israelitas q u e v o ltaram se to rn a ria m sacerd o tes
e levitas (21)? O se n tid o é ex atam en te o de J o ã o 11.52. O s g e n tio s d e o u tro ra
são reu n id o s c o m o irm ãos (cf. 19.24,25; 45.14-25) e, assim , a p ro m e ssa d e 56.8
é cu m p rid a. A palavra oferta (m inha) c m ais u sad a n o v o cab u lário d e o fe re n d a e
te m o se n tid o a b ra n g e n te d e “ dádiva” . E m relação aos m issio n ário s, seus co n -
v e rtid o s são sua san ta dádiva para o S enhor. Se a N V I está c o rre ta em p e n sa r
q u e a o fe re n d a aqui é o cereal o u o grão, e n tã o ela re p re se n ta de fato o trazer
0 fru to d o tra b a lh o deles p a ra o S e n h o r.3 A re sp e ito d o s c o n v e rtid o s, eles são
aceitáveis para ele. A lista d o s m eios de tra n sp o rte é tã o g en érica c o m o a lista de
n ações. N e n h u m a distância o u dificuldade se in te rp o rá n o c a m in h o d e trazer
o s irm ã o s para casa; to d o s o s m eios d e tra n s p o rte c o n trib u irã o p ara a tarefa. O
tra n s p o rte m ilitar (carros) será tra n sfo rm a d o p a ra o tra b a lh o d o ev an g elh o da
paz; o n d e h o u v e r estrad a, haverá carroçar, camelos o n d e h o u v e r d e se rto s, m as,
d e to d o jeito, to d o s virão em segurança para m eu santo monte. E les, ao v ir para o
lug ar san to , serão tão aceitáveis p ara o S e n h o r q u a n to u m a das o fe rta s q u e ele
m e sm o a u to riz o u q u e seu p ró p rio p o v o tro u x esse e q u e foi trazid a co m to d a
ate n ç ã o p ara as regras d e p u reza. S o b re p uros (tãh ô r, d e itã h a r , o q u e é aceitável
para D e u s em pureza) veja o versículo 17. A única o fe rta trazid a em u m reci-

1 Y o u n g , p. 5 33.
2 V eja o s re le v a n te s a rtig o s e m I B D e ID B .
3 S o b re a m in h a , F. D . K id n e r esc re v e : “ O s in g re d ie n te s sã o o s d a c o z in h a . [...] F.ssas c o isas
se t o r n a m tã o in d is p e n s á v e is n o re in o d o sa c rifíc io q u a n to o s ã o n o d a h o s p ita lid a d e . [...]
P o r isso , D e u s ex ig e d e se u s a d o r a d o r e s n ã o s ó a c u s to s a d e c isã o d e d e d ic a ç ã o to ta l d e si
m e s m o s ( c o n fo r m e r e tr a ta d o n a o f e rta q u e im a d a ), m as, c o m ela, a o f e rta d o s in g re d ie n te s
c o r riq u e ir o s d a v id a d o m é s tic a e la b o r io s a ” (Sacrifice in the O ld Testament [T yndale P re ss,
1 9 5 2 ], p. 15ss.).
O LIV RO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 726

p íe n te eram as prim icias (D t 26.2). (Os c o n v e rtid o s das n açõ es vêm c o m o as


prim icias da co lh eita d o m u n d o — n ã o c o m o um sinal d o q u e ainda virá, m as
c o m o aquilo q u e é p ercep tiv elm en te sa n to e p e c u lia rm e n te d o S en h o r.
21 Λ ex p ressão alguns deles referem -se aos c o n v e rtid o s d o m u n d o . E m 61.6,
Israel, c o m o resu ltad o da o b ra d o U ngido, to rn o u -se u m p o v o d e sacerd o tes,
o c u m p rim e n to de Ê x o d o 19.6. A gora o ideal é e ste n d id o ain d a m ais. N o s dias
de Isaías, a p en as alguns israelitas eram sacerd o tes o u levitas, e ele tra b a lh a nes-
sa analogia, m as, ao fazer isso, d e m o n stra q u e o s g e n tio s e n tra ra m em te rm o s
iguais e em privilégios iguais.
22 Λ tu d o isso, o versículo 22 acrescen ta a g aran tia d e p e rp e tu id a d e . O
v e rb o que vou cria ré um p articip io d o fu tu ro im in en te, “ v o u fazer” . C o n fo rm e
o e sb o ç o da página 698 m o stra , a nova criação e a n o v a cid ad e são o p o n to cul-
m in a n te em d ireção ao qual tu d o se m ove. E le ainda n ã o a c o n te c eu , m as tem
a certe z a e a p e rp e tu id a d e d e algo e stab elecid o diante de m im e a firm a d o s pela
palavra d o S e n h o r (so b re declara, riu m , veja 1.24). E sse é o p a d rã o e a g aran tia
d e p e rm a n ê n c ia ped id a para (lit.) “ sua se m e n te e seu n o m e ” . A p alav ra “ des-
c e n d e n te s” é p ra tic a m e n te um te rm o técn ico em um c o n te x to c o m o esse para
a fam ília única u n id a n o an cestral em c o m u m , A braão; e na salvação em co -
m u m p o r in te rm é d io d o S ervo (G n 22.16-18; Is 53.10; cf. 59.21; 65.9). O nome
é aquele q u e resu m e e ex p ressa a verd ad e in te rio r e “ real” so b re u m a p esso a
(62.2; 65.15,16). A ssim , o S e n h o r g u a rd a rá seu p o v o em p o sse seg u ra d e sua
no v a n a tu re z a c o m o seus filhos, a se m e n te d o Servo. A s b ê n ç ã o s d a salvação
n ão p o d e m ser co n fiscad as p o rq u e o S e n h o r p ro m e te u q u e o “ n o m e ” deles é
tão d urável q u a n to a p ró p ria nova criação.
23 A queles d escrito s c o m o “ os d e sc e n d e n te s d e v o cês” q ue c o m p a rtilh a m
em c o m u m seu nome são ag o ra toda a h u m anidade/ “ to d a a c a rn e ” (A RC). A ssim ,
a tran sição da seção A 1 p ara a B (veja o e sb o ç o n a p. 723), em q u e as nações
se to rn a m irm ãos de vocês (19,20) é eq u ip arad a pela tran sição d e B p a ra A 2, em
q u e seus descendentes e nome são tra n sfo rm a d o s para se ap licar a “ to d a a c a rn e ”
(A RC), o u seja, à h u m a n id a d e red im id a q u e d e sfru ta a n o v a criação. E les são
esp ecíficam en te o p o v o da lua nova e d o sábado. Isaías te rm in a co m o p e rfe ito
g u a rd a r das duas festas cuja c o rru p ç ã o o afligiu em 1.13. E las são festas, n ão
jejuns: os dias d e p e sa r acab aram (65.17-19). A lém disso, a ên fase ao lo n g o d o s
cap ítu los 56— 66 n o sáb ad o surgiu d o fato de q u e esse é o m a n d a m e n to que
m ais q u e q u alq u er o u tro p recisa da su b m issão d o p la n e ja m e n to p rá tic o d a vida
ao calen d ário d o S en h o r, um teste m in u c io so de san tid ad e p rática (58.13,14).
O acréscim o da lua no va, d a celeb ração e c o n sa g ra ç ão de cad a m ês, c o n fo rm e
a p re se n ta d o , a u m e n ta a p re ssã o p a ra d a r o p rim e iro lu g ar p ara o S e n h o r n a o r-
d en ação da vida. Só u m v e rd a d e iro c o m p ro m isso d e co ração , e n ã o m e ro m o ti-
vo c o n fo rm ista , p o d e alcançar isso. O c o n te x to exige q u e o locus d essa a d o ração
727 ISAÍAS 6 6 . 1 8 - 2 4

seja a n o v a Jeru salém . O fato de q u e “ to d a a h u m a n id a d e ” p o d e ría v ir a u m a ci-


d a d e m o s tra q u e Isaías u ltrap assa o c o n c e ito d e um ú n ic o local. E ssa é a cidade
m u n d ial d o re d im id o q u e e n c o n tra m o s n o s cap ítu lo s 25— 26 seg u in d o a q u ed a
d a cidad e m u n d ial sem s e n u d o (24.10). C o m o a últim a d escrev ia o m u n d o to d o
o rg a n iz a d o em to rn o da h u m a n id a d e e excluindo D e u s, ta m b é m a p rim eira, a
n o v a Je ru sa lé m , é a nova criação o rg an izad a c o m o a “ c id ad e” em q u e o S e n h o r
h a b ita e n tre seu povo, receptivo e disp o n ív el para eles em san ta co m u n h ão . O
te m a d e “ p e re g rin a ç ã o ” acrescen ta o p e n sa m e n to d o c o m p ro m isso deles de vir
p ara ele, o d esejo deles d e estar o n d e ele está.
24 N o ta v e lm e n te , existe um cem itério ao lad o da cidade. O s red im id o s,
se m p re q u e v ã o ad o rar, e n fre n ta m de fo rm a d eliberad a, vivida e h o rrív el (sairão
e verão) o d e stin o d o qual fo ram p o u p a d o s. E sse a sp e c to sin istro n ã o está fora
de lu gar n esses capítulos finais de Isaías. D e um lado, eles têm sid o ilu m in ad o s
co m a g lória da n o v a criação, d a n o v a cidade e seu n o v o povo. M as, d e o u tro
lado, eles têm sido ig u alm en te celeb rad o s c o m a n o ta de v in g an ça (59.17; 61.2;
63.4), o lagar da ira d e D e u s (63.3), a e sp ad a flam ejante d o ju lg am en to (66.16)
e o reg istro d e q u e m uitos serão os m ortos p ela mão do Senhor (66.16). C o n so a n te
co m isso é q u e o s a d o ra d o re s se fo rçam c o n sta n te m e n te a e n fre n ta r as co n se-
q u ên cias d a últim a b atalh a à m ed id a q u e v[eem] os cadáveres. É frívolo e tem erário
p e n sa r n o s p e re g rin o s “ se re g o z ija n d o ” .1 N o se n tid o m ais v e rd a d e iro da pala-
vra, a cen a é m u ito feia em sua in cessan te c o rru p ç ã o (0 verme destes não morrera)
e n a in term in áv el ira san ta (e 0 seu fogo não se apagara). A causa d isso tu d o se deve
aos que se rebelaram contra m im ('¡p ã sa \ o p e c a d o d a d e so b e d iê n c ia o b stin ad a);
Isaías te rm in a o n d e c o m e ç o u (1.2; cf. 1.28; 53.12; 59.13). E les n ã o trem em
d ia n te da palavra d o S e n h o r (66.2,5; cf. 65.12; 66.4) e, p o r isso, ch eg aram a
essa c o n d iç ã o etern a. Sua c o n tín u a c o rru p ç ã o revela a real n a tu re z a d o p ecado,
b e m c o m o seu re su lta d o inevitável. Sem dúvida, q u a n d o eles se recu saram a
ou vir, te n ta ra m fazer um a b o a p re sta ç ã o de c o n ta s de suas escolhas, d o que
esp erav am alcançar e d e sfru ta r se g u in d o seu p ró p rio cam in h o . M as o v e rm e já
estava n o b ro to , e o v erm e, n o fim , foi o g a n h a d o r. E irreal im ag in ar q u e eles,
q u a n d o d e b a te ra m suas escolhas, o u v iram u m a v o z q u e disse: “ Foi isto m e sm o
q u e D e u s disse?” (G n 3.1). A prim eira v erd ad e a se r estab elecid a em u m a des-
c o n sid e ra ç ão feita p elo te n ta d o r era a d o u trin a da ira de D e u s se e x p re ssa n d o
n a se n te n ç a d e m o rte , m as, n o fim , q u ã o erra d a essa v oz p ro v a estar q u a n d o as
d u as forças d e d e stru iç ã o às quais n ã o se p o d e resistir e das quais n ão se p o d e
esc a p a r co incidem : a o b ra de c o rru p ç ã o e a o b ra d e ira. O verme e o fogo d ã o seu
p ró p rio te ste m u n h o . E sses versículos, n o s lábios de Jesu s, se tra n sfo rm a rã o
n o veícu lo da d o u trin a da p e rd a e te rn a (M c 9.43-48). A rebelião, c o n fo rm e

S m a rt, p. 2 92.
O LIVRO DO C O N Q U ISTA D O R U N G ID O 728

as referências acim a in d icam ,1 é, d a prim eira à últim a, u m a acu sação isaiana.


N a p re se n te p assagem , sua correlativa é repugnância (dêrã^ôn, [lit.] “ e sta d o de
re p u g n ân cia”). E m o u tra s passagens, a palavra só o c o rre em D an iel 12.2, em
que o c o n te x to é sim ilar, m as falta evidência para in d icar a g am a d e se n tid o que
a palavra p o d e incluir. C o m certeza, o p ro p ó s ito d e visitar u m cem itério n ão é
tripu diar, n em m e sm o se n tir p e n a (apesar de q u em p o d e ría c o n te r pen a?), m as
de se n tir aversão. V er e refre sc ar c o n sta n te m e n te a m e m ó ria d e q u e essas são
as co n seq u ên cias da rebelião e, assim , se afastar co m rep u g n ân cia d e u m a coisa
assim e ficar n o v a m e n te m o tiv a d o a o b e d e c e r ao v er q u e o salário d o p ecad o
é de fato a m o rte . H á u m a g ra n d e z a em relação a Isaías n ã o e n c o n tra d a em
o u tro s livros, n em m e sm o nas passagens m ais m ajesto sas d o re sto d a E scritu -
ra, u m a m ajestade cheia d e glória e de solenidade, ev id en te c o m o na revelação
co n ced id a a ele e n a língua em q u e ele foi in sp ira d o a e x p re ssa r isso. M as, co m
a g ran d io sid ad e, vem u m a d e te rm in a ç ã o grave de q u e se a glória n ã o n o s g a n h a
para a vida de ob ed iên cia, se as visões da v inda d o Rei, d o S erv o q u e carreg a os
p ecad o s e d o C o n q u ista d o r U n g id o lib e rta d o r n ã o são suficientes, e n tã o talvez
as terríveis e inequívocas rec o m p e n sa s da d e so b ed iên cia levem n o sso co ração
v o lu n ta rio so e in c o n sta n te a tre m e r d ian te da palavra d o S enhor.

' O t e r m o Ί ρ ά ϊα ' o c o r r e e m 1.2,28; 4 3 .2 7 ; 4 6 .8 ; 48.8; 5 3 .1 2 ; 5 9 .1 3 ; 6 6 .2 4 e o s u b s ta n tiv o


p e s a ‘ o c o rre e m 2 4 .2 0 ; 4 3 .2 5 ; 4 4 .2 2 ; 50.1; 53.5,8; 57.4; 58.1; 5 9 .1 2 ,2 0 . E s s a q u a n tid a d e
u ltra p a s s a m u ito o u s o d e s s e v o c a b u lá rio p o r q u a lq u e r o u tr o p ro fe ta .

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