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Paulo
terapêutico-ocupacional>
d) Revisão Bibliográfica
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CASTEL, R. Da indigência à exclusão, a desfiliação. Precariedade do trabalho e vulnerabilidade relacional. Saúde e
Loucura n.4. São Paulo: HUCITEC, 1995.
tais como Sawaia2 e Nascimento3, a autora diz que o uso indiscriminado do termo
problema.
Grande parte dos estudos (Borin, 2003; Juncá, 2004; Carneiro Jr. et al, 2006;
Jesus, 2006; Lopes, 2006; Mattos, 2006; e Silva, 2006) discute, ainda, acerca da
melhor denominação para abordar os grupos populacionais que sobrevivem nas
ruas, analisando opções como “moradores de rua”, “população de rua”, “pessoas em
situação de rua”, “população em situação de rua”, entre outros. Considerando os
trabalhos mais recentes, parece ter se instituído certo consenso no uso do termo
“população” ou “pessoas em situação de rua”. Entre os autores que defendem sua
utilização, Silva (2006) esclarece que faz uso da expressão “população em situação
de rua” não por entender que este atribui um caráter passageiro às condições
vivenciadas por esses grupos, mas por considerá-la mais apropriada ao designar o
fenômeno gerado pelo modo de produção capitalista, no qual o aprofundamento das
desigualdades sociais e dos níveis de pobreza da população empurra parcelas
expressivas da classe trabalhadora para a condição de rua. A autora defende o uso
desse termo para designar uma situação recorrente, “(...) da estrutura basilar da
sociedade capitalista, e não apenas das perdas e infortúnios de indivíduos,
considerados fora deste contexto social”. (Silva, 2006, p. 105).
NASCIMENTO, E. P. hipóteses sobre a nova exclusão social: dos excluídos necessários aos excluídos
desnecessários. Cadernos CRH, 21: 29-27, 1994.
compreensão da vida nas ruas, optou-se por focar a revisão nos estudos que
abrangem a fase adulta, dado que o objeto do estudo envolve o tema trabalho.
Estudos como os de Gomes (2004), Juncá (2004), Mattos & Ferreira (2004),
Varanda & Adorno (2004), Carneiro Jr. et al (2006), e Cerqueira (2006), desenvolvem
caracterizações e discussões a respeito dos perfis atuais da população em situação
de rua. Preocupam-se tanto com os números que a definem quanto em identificar
características das pessoas que se encontram nessa situação. Alguns estudos
realizam recortes específicos, estabelecendo relações com doenças (Jesus, 2006)
ou enfocando sub-grupos etários (Mattos e Ferreira, 2005).
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) é uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, criada em 1973
para apoiar o Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São
Paulo (FEA-USP), com destacada atuação nas áreas de pesquisa e ensino. A Fipe estuda os fenômenos econômicos e sociais
com base no instrumental teórico e metodológico da Economia. (www.fipe.org.br, acessado em 30 de março, às 11h03).
(...) a maioria dos autores descreve as pessoas em situação de
rua como pessoas de origens, interesses, vinculações sociais e
perfis socioeconômicos diversificados, por isso não constituem
um único grupo ou categoria profissional (Silva, 2006, p. 95).
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De acordo com a autora, o estudo se baseou em pesquisas realizadas sobre a população em situação de rua entre 1995 e
2005, em quatro grandes metrópoles brasileiras: São Paulo, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte. De natureza
exclusivamente documental, com o objetivo de estabelecer relações entre as mudanças recentes no mundo do trabalho e o
fenômeno da população em situação de rua no Brasil, buscou generalizar análises sobre esse fenômeno no Brasil. (Silva,
2006, p. 09).
de cidade ou saem de casa (...) esse caminho, muitas vezes,
conduz à situação de rua. (Silva, 2006, p. 115).
Quanto ao tempo de permanência nas ruas, a autora explica que esta é uma
variável importante, mas difícil de ser mensurada, pois nenhuma das pesquisas nas
quais se baseou explicita os critérios utilizados para defini-la. Mesmo com isso, Silva
(2006) afirma que há uma elevação do tempo médio de permanência nas ruas ao se
comparar os dados de 1995-2000 com os de 2000-2005. Sobre os mesmos, a
autora propõe três inferências. A primeira relaciona o fenômeno população em
situação de rua com as mudanças recentes no mundo do trabalho ocorridas no
Brasil, na década de 1990, inclusive tomando o fato de que o período apresenta uma
das mais elevadas taxas de desemprego do século. A segunda inferência diz
respeito à falta de formulação e implementação de políticas públicas em âmbito
federal para enfrentar essa problemática, mesmo com o argumento do aumento do
tempo de permanência nas ruas dessa população. A terceira inferência refere que as
mudanças recentes no mundo do trabalho, suas manifestações e efeitos, se refletem
no perfil da população de rua, explicando a centralidade das relações com o trabalho
que esta população desenvolve no conjunto das determinações do fenômeno. A
autora entende que as manifestações e efeitos das mudanças no mundo do trabalho
compreendem
Há, ainda, autores como Borin (2003) que, acreditando que a problemática da
população em situação de rua deve ser tratada no contexto das discussões sobre a
pobreza urbana e não como um fenômeno isolado, estabelece um paralelo entre o
perfil da população em situação de rua e de pessoas que moram em cortiços e
favelas, afirmando que possuem mais semelhanças do que diferenças, tendo em
vista que ambas as situações podem ser tratadas no âmbito das mudanças recentes
no mundo do trabalho, bem como suas manifestações e efeitos.
Autores como Bursztyn (2000), Borin (2003), Barros (2004), Organista (2006)
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Silva (2006) define os “bicos” como sendo “atividades que não tem uma continuidade”. (Silva, 2006, p. 129).
e Silva (2006) relacionam o fenômeno atual da população em situação com as
mudanças recentes no mundo do trabalho, partindo da premissa de que esse
fenômeno só é possível devido às condições histórico-estruturais geradas com a
implantação e reprodução do modo de produção capitalista.
Acerca dos sentidos que o trabalho admite, a partir dos discursos dos
próprios entrevistados, afirma que os camelôs constroem suas representações como
trabalhadores e vêm suas atividades para além da satisfação das necessidades
imediatas. Como posição unânime entre os entrevistados, o sentido do trabalho não
é restrito ao “manter-se vivo” sendo composto também por questões valorativas
como moral, direito e justiça. (Organista, 2006).
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O autor inclui os camelôs na parcela da classe trabalhadora que realiza seus trabalhos no âmbito da economia informal, sob
condições precárias de realização. (Organista, 2006).
Nenhum ato de trabalho em sua singularidade pode exercer
todas as funções sociais que, no interior da reprodução de uma
sociedade, em um dado momento histórico, são requeridas do
trabalho em sua totalidade. (Borin, 2003, p. 131).
Grande parte dos autores que enfocam a relação entre as políticas públicas e
a situação de rua discutem e concluem que há falta ou ineficiência das políticas
públicas dirigidas a esse segmento da classe trabalhadora. Estudos como os de
Carneiro Jr. e Silveira (2003), Carneiro Jr. et al (2006) e Rosa et al (2005), abrangem
especificamente a políticas de saúde e o acesso aos seus serviços. Outros, como
Varanda e Adorno (2004), articulam suas críticas em relação aos programas sociais
de modo geral, tendo em vista que tratam a população em situação de rua como
“população excedente”. Sendo assim, dizem esses autores, estes programas
apresentam uma forte marca institucional de práticas que objetivam somente a
retirada dessas pessoas da rua e dão poucas possibilidades para que consigam
reestruturar suas vidas. Do mesmo modo, Rosa et al (2005) consideram que as
políticas públicas dirigidas à população em situação de rua são basicamente
compensatórias, assistencialistas e raras vezes visam um projeto de inclusão social.
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Plano Municipal de Assistência Social, “PLASsp/2006”, da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social
(SMADS), da Cidade de São Paulo, inserido “no processo de concretização do Sistema Único da Assistência Social – SUAS e
de adequação à Norma Operacional Básica – NOB SUAS / 2005”.
responsabilidades dos mesmos com a AMRMC. Essa classificação substituiu a
classificação anterior, que propunha associado, usuário-participante e usuário.
Em relação aos vínculos familiares pode-se afirmar que a maior parte dos
entrevistados contata sua família, mesmo que esporadicamente e o faz via contato
telefônico: 3 (três) sujeitos referem pouquíssimo contato com familiares, sendo estes
sempre por via telefônica; 4 (quatro) sujeitos referem fazer contato esporádico com
familiares, sendo que 2 (dois) estabelecem este contato por telefone, 1 (um) sujeito
faz visitas e 1 (um) sujeito estabelece este contato via carta; 6 (seis) pessoas
contatam freqüentemente sua família sendo que 5 (cinco) indivíduos estabelecem
contato via telefone e 2 (dois) fazem visitas; e, ainda, 2 (dois) sujeitos não tem
nenhum tipo de contato com nenhum membro de sua família. Os familiares
contatados são: mãe, pai, irmãos, sobrinhos, tios, primos, ex-esposa e esposa e
filhos, sem a predominância de nenhum desses familiares. Considerou-se como
exceção em relação ao perfil obtido o caso de 1 (um) indivíduo que mora com a tia e
um primo. Outra exceção foi o caso de 1 (um) indivíduo que voltou a morar com a
família depois da condição de rua mas, permanecendo pouco tempo, voltou à
situação de rua.
Mattos (2006), em relação aos vínculos familiares, afirma que as pessoas vão
sozinhas para a situação de rua, estabelecendo ou não contato posterior com seus
familiares. Afirma que quando há contato é freqüente a omissão da situação em que
se encontram, seja por temerem serem rotulados como fracassados ou por
vergonha. Neste estudo, não foi possível acompanhar a qualidade do contato que os
sujeitos referem ter com seus familiares. Contudo, há dois sujeitos que, em
entrevista, referem não querer estabelecer contato com sua família ou, quando o
fazem, não falam sobre sua situação.
Mattos (2006) afirma que o rompimento total dos vínculos familiares se dá,
quase sempre, em virtude de sérios conflitos e ressentimentos. Porém, Silva (2006)
discute que essas informações não significam que, em condição de rua, os
indivíduos permanecem sozinhos, já que existe a possibilidade de constituição de
relações com outras pessoas em situação de rua, o que pode se aproximar a uma
nova família.
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Os dados utilizados pela autora advêm do censo realizado pela FIPE em parceria com o município de São Paulo, em 2003.
Provisória12, um (1) sujeito em Hotel Social13, dois (2) sujeitos referiram estar em
ocupação14 e três (3) sujeitos em quarto de pensão ou casa alugados.
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Moradia Provisória, de acordo com o PLASsp/2006, desempenha “...o papel de porta de saída para a rede de proteção
social destinada ao atendimento da população em situação de rua. Para grupos de no máximo 20 homens, mulheres e idosos,
em situação de rua e em processo de reinserção social. É destinada para pessoas independentes e socialmente ativas. Os
custos da locação e tarifas públicas são subsidiados e profissional habilitado assessora os moradores para a gestão coletiva da
moradia: regras de convívio, atividades domésticas cotidianas, gerenciamento das despesas e inserção em atividades
socioeducativas.” (SMADS, 2006, p. 82)
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Hotel Social, hospedagem social ou hotel econômico é um projeto de vagas de moradia para a população em situação de
rua no qual a prefeitura de São Paulo estabelece convênios com hotéis da cidade e encaminha homens que tenham alguma
fonte de renda, mesmo que informal, para ocupar estas vagas. “O convênio assegura pernoite, jantar, café da manhã, local de
lavagem e secagem das roupas dos usuários, lavanderia para lavagem de roupa de cama e banho, limpeza dos dormitórios e
áreas de convivência”. (www.prefeitura.sp.gov.br/portal/a_cidade/notícias).
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É razoavelmente comum que a população em situação de rua se insira nos movimentos sociais urbanos que reivindicam
moradia, tendo em vista que as ações desses movimentos consistem em, diversas vezes, promover ocupações de prédios
públicos abandonados para reivindicar a desapropriação dos mesmos. Neste contexto, algumas pessoas em situação de rua
acabam por conseguir espaços de moradia que vão de acordo com sua condição atual, ou seja, são moradias que a principio
não requerem que a pessoa tenha condições financeiras (para o pagamento de aluguel, por exemplo) o que inviabilizaria sua
estada e a faria voltar para as ruas. Por outro lado, como geralmente são geridas pelos próprios movimentos sociais, as
ocupações definem suas regras em assembléias e plenárias que abarcam todos os moradores e, nesse sentido, mesmo que
sendo rígidas, as regras definidas configuram-se como completamente diferentes das que a população em situação de rua
encontra nos albergues e equipamentos públicos.
três edições – sendo que destas, apenas quatro (4) estavam na terceira; quatro (4)
pessoas estiveram apenas na terceira Frente e antes dos nove meses de programa,
três (3) dessas pessoas pediram desligamento e/ou foram desligadas após a
realização das entrevistas. Desse modo, é possível afirmar que a maioria dos
entrevistados esteve em mais de uma edição do Programa, na AMRMC.
Mattos (2006) afirma que as pessoas que estão em situação de rua e não
fazem uso de álcool e outras drogas podem ser consideradas mais organizadas.
Assim, é especialmente relevante para este estudo as 6 (seis) pessoas encontradas
que não fizeram nem fazem atualmente uso de álcool e outras drogas.
6. TRABALHO E COTIDIANO: UNIVERSOS CONECTADOS?
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Esta consideração é baseada no fato de que o “grupo”, atualmente, não se concretiza do modo como se definiu o
funcionamento de um grupo de geração de renda, pois não há mercado externo para que se faça prestação de serviços e nem
possibilidades de acessá-lo tendo em vista que o grupo conta com somente um componente.
Percebeu-se que as pessoas que mais citam este tipo de problema são aquelas que
estão freqüentando a AMRMC há mais de três anos, o que pode significar que
possuem relações mais estruturadas, assim como conflitos mais difíceis de
solucionar. Além disso, nota-se que são mais críticos em relação às dinâmicas
internas da AMRMC, particularmente no que se refere à organização do trabalho.
Assumem papéis e posições diferenciadas frente aos demais.
J. S., que está na AMRMC há cerca de três anos, deixa claro suas críticas ao
dizer
As pessoas vêm e já têm... Sempre tem uns mais, é... Sei lá,
um pouco nervoso com a situação dele, né? Na rua (...) Então
a gente atende direitinho e vai levando, né? (P. S.).
Isso aqui não vai mais pra frente (...) os grupos aqui não vão
pra frente, todos os grupos foram fechados (...) Você não pode
ficar num lugar que não dá o futuro (...) O grupo está no fundo
do poço (L. F.).
Foi comum que surgisse no decorrer dos relatos dos entrevistados, suas
impressões sobre a FTE e/ou sobre a AMRMC. Conclui-se que foram duas as idéias
mais freqüentes em relação ao programa e/ou às atividades de trabalho que o
compõe. A idéia de que a FTE auxilia seus beneficiários foi bastante freqüente,
contudo, essa ajuda, seja através do ganho de renda temporário e/ou da
possibilidade de aquisição de experiência/profissão (através do curso obrigatório
oferecido) é sempre vista como um “quebra-galho” ou uma “colher de chá” oferecida
pelo governo estadual. Essas considerações se relacionam fortemente ao valor da
bolsa oferecida (duzentos e dez reais em dinheiro e quarenta e seis reais e sessenta
centavos em vale-alimentação), o que, de acordo com os entrevistados, impede que
sejam executados planos de sair do albergue, por exemplo, e mudar-se para
equipamentos que requerem alguma contribuição financeira por parte dos usuários
como as moradias provisórias, ou ainda, a mudança para quartos de pensão ou
casas alugadas, já que o valor necessário para tal é, muitas vezes, inviável aos
frentistas. Nesse sentido, as idéias geralmente se caracterizam por expressões
como “melhor do que nada”, “é pouco, mas vai levando”, entre outras da mesma
natureza. Freqüentemente, o valor conferido à FTE é ponderado em relação ao
extremo vazio de opções existentes para quem está na situação de rua, sendo
possível aos entrevistados supor que ela tem o genérico objetivo de “melhorar a
vida” destes. Assim, aponta R. R.:
Pra mim está bom, pra mim está ótimo, por enquanto está bom
porque eu não pago aluguel, o dinheirinho que eu ganho aqui
dá pra mim comprar as coisinha pra minha filha, as coisas pra
mim... Pra mim está dando pra viver. (M. C.).
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Foi despedido de seu último emprego formal em 1995 e foi para a condição de rua em 2004, porém nunca perdeu contato
com sua família.
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Neste trecho relativo à ajuda financeira, J. L. considera como família apenas sua irmã e sobrinhos, mesmo tendo sido
casado e ter filhos que, de acordo com o mesmo, já estão casados e possuem suas vidas organizadas.
adianta dizer que tem quando não tem (...) Todo ano a pessoa
é obrigada a estar na Frente de Trabalho porque não tem
recursos mais, não tem recursos, muita gente que precisa da
Frente de Trabalho não pode entrar porque a vaga está cheia,
né? (F. M.).
Embora com outros argumentos, parece que a percepção dos bolsistas sobre
a ineficácia da FTE confirma as considerações de Inojosa (2002), Borin (2003) e
Abílio (2005). Em suas análises, estes autores atribuem a ineficácia de programas
governamentais voltados aos segmentos mais pauperizados da classe trabalhadora
como, por exemplo, a população em situação de rua, à desarticulação entre os
diversos programas sociais existentes; à desarticulação entre as esferas municipais,
estaduais e federal; e, fundamentalmente, à desresponsabilização do Estado em
executar e gerir as políticas públicas, transferindo para o âmbito das ONGs essas
tarefas e transformando, dessa maneira, direitos em benefícios.
Dos planos expostos pela maior parte dos entrevistados, restaram poucos
que não foram atravessados pelo sentimento de insegurança em relação à
renovação da FTE. Estes planos, porém, são restritos. Ou envolvem a procura por
qualquer emprego ou a vontade de voltar a exercer alguma atividade de trabalho
anteriormente realizada, muitas vezes com a suposta retomada de antigos contatos.
Planos de continuar no programa enquanto puder/conseguir ou de investir esforços
no trabalho do grupo de geração de renda e consolidação da cooperativa foram
manifestados apenas por aqueles que estando nos grupos de geração de renda,
possuem atividades de trabalho que podem ser consideradas mais estáveis.
Isto posto, pode-se afirmar que a maior parte das dificuldades, impedimentos,
limites ou barreiras referidos pelos sujeitos da pesquisa em relação a suas
atividades cotidianas acontecem no âmbito dos albergues. É constante o
questionamento das regras e da gestão deste equipamento e, por outro lado, para
quem está morando em outros lugares, é constante que as dificuldades se
relacionem com a obtenção de renda para não voltar a morar em albergues.
Muito ruim... pra mim é que nem se fosse uma cadeia, tem
horário pra tudo, é disciplina pra tudo, é muito ruim. Quero sair
de lá, num agüento mais ficar no albergue... gosto não. (R. R.).
Por outro lado, outros sujeitos dizem ter táticas especiais para não beber no
tempo em que não estão trabalhando. As táticas citadas são sair sempre sozinhos,
sem os “amigos de bebida” ou, ainda, há quem diga que não sai para lugar algum
nos fins de semana. Expressões como “antes só do que mal acompanhados”
definem este comportamento. Sendo um pouco menos freqüente, referem também a
idéia de que freqüentar as demais atividades oferecidas pela Associação Minha Rua
Minha Casa18 é uma boa saída para evitar o uso de álcool e outras drogas. Há
apenas um sujeito que diz que sai de casa aos finais de semana somente com
amigos que não bebem e para locais que não ofereçam bebidas alcoólicas.
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Mattos e Ferreira (2004) definem cinco tipificações atribuídas às pessoas em situação de rua: pessoa em situação de rua
como vagabunda; como louca; como suja; como perigosa; e como coitada.
como “graças a Deus”, as como “Deus não quis” ou “muito sem Deus é pouco e
pouco com Deus é muito”. Sobre sua história de vida, A. N. diz
Nesse sentido, existe um grande esforço por parte dos sujeitos da pesquisa
de, conforme aponta Organista (2006), se diferenciarem das demais pessoas em
situação de rua, que seriam vagabundas e/ou marginais. As pessoas elaboram falas
preocupadas em se diferenciar das demais pessoas nessa condição a partir da
definição dessa população – pessoas “que querem” e as que “não querem sair
dessa vida” – e da definição dos tipos de amigos que possuem – amigos de
“bebida”, “zueira” versus os amigos “de ajudar”, “amigos de verdade” e outros tipos.
Em relação aos planos e/ou expectativas sobre o futuro apenas seis sujeitos
revelaram ter expectativas. É importante salientar que, dos nove sujeitos da
pesquisa com faixa etária entre 27 (vinte e sete) e 41 (quarenta e um) anos, cinco
estão entre os sujeitos a expressarem expectativas sobre o futuro.
Há, por fim, a exceção de L.F. que, citada durante toda análise, expõe planos
que se relacionam à sua condição de trabalho, ou seja, por estar inserido num
“grupo” que não possui atividades, seu único planejamento se dá no sentido de se
desligar da AMRMC, da FTE e, com isso, ir morar com sua família no interior,
alterando, por conseqüência, alterar seu cotidiano.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito ao trabalho é uma reivindicação necessária
não porque se preze e se cultue o trabalho assalariado,
heterodeterminado, estranhado e fetichizado (que deve
ser radicalmente eliminado com o fim do capital), mas
porque estar fora do trabalho, no universo do
capitalismo vigente, particularmente para uma massa de
trabalhadores e trabalhadoras (que totalizam mais de
dois terços da humanidade) que vivem no chamado
Terceiro Mundo, desprovidos completamente de
instrumentos verdadeiros de seguridade social, significa
uma desefetivação, des-realização e brutalização ainda
maiores do que aquelas já vivenciadas pela classe-que-
vive-do-trabalho.20 (Antunes, 2003, p. 178).
SÍTIOS CONSULTADOS
ARTIGO
A INSERÇÃO DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA EM PROGRAMA
AMPLIAÇÃO DE AUTONOMIA
RESUMO
proposições neoliberais incidiram sobre uma realidade onde não houve consolidação de
mecanismos universais de proteção social. De acordo com esses autores, a falta de emprego
“desnecessários” que são ao circuito econômico vigente. A vida na rua é caracterizada como o
públicas, exigindo que estratégias de intervenção dialoguem com uma cultura complexa e
O estudo proposto busca analisar trajetórias de pessoas em situação de rua que são usuárias da
Associação Minha Rua Minha Casa (AMRMC) e têm inserção em ocupação remunerada em
caráter temporário, através do projeto "Frente de Trabalho Especial", uma pareceria entre a
trabalho) ao nível das ações e relações sociais cotidianas. A coleta de dados é pretendida
compreensão das repercussões do programa Frente de Trabalho Especial, bem como com o
campo de reflexões e elaborações acerca das intervenções sociais junto a esse segmento da
população.
INTRODUÇÃO
Estudos sobre o problema representado pelas populações em situação de rua têm se localizado
no universo das análises que envolvem os processos de exclusão social. Nesse contexto, o
próprio conceito de exclusão social tem adquirido grande relevância no debate acadêmico
recente, e os estudos sobre a população em situação de rua expressam as críticas atuais sobre
o uso do termo. Em concordância com outros autores tais como Sawaia (2002) e Nascimento
(1994), Juncá (2004) afirma que o uso indiscriminado do termo exclusão social pode levar ao
Embora a “exclusão social” como fenômeno não seja atual ou ocorra exclusivamente na
peculiaridades. Nesse sentido, pessoas que sobrevivem ou moram nas ruas dos grandes
centros urbanos brasileiros têm sido discriminadas como novos personagens da exclusão
social, que por sua vez está associada a novas conformações da pobreza. Para Bursztyn
sobre uma realidade onde não houve consolidação de mecanismos universais de proteção
desnecessários que são ao circuito econômico. O problema surge, então, como corolário tanto
interligadas com o trabalho, enquanto fator de produção de identidade social e de uma rede de
relações sociais, produz um certo distanciamento social e uma imagem negativa. Essas
vida em sociedade.
a população em situação de rua como um grupo que sofreu uma série de rupturas de vínculos
mesmo tempo, tanto esses quanto outros estudos apontam o fato de que após as trajetórias de
nesse processo (Bursztyn, 2000; Rosa, 1995). Assim, a vida na rua das grandes cidades,
próprias, caracterizado pela relação com as sobras do excedente da produção social (Vieira;
Bezerra; Rosa, 1994). Ainda que sejam laços contraditórios, tanto por serem sempre
negociados (Montes, 1994) quanto por permitirem um acesso somente parcial e precário à
geração e distribuição das riquezas, bem como aos mecanismos públicos (Bursztyn, 2000),
sua existência coloca desafios importantes para o campo das políticas públicas. Tanto para a
gestão das cidades quanto para assistência diretamente prestada ao morador de rua, impõem-
lugar onde vivem suas experiências significativas, bem como a reflexão em torno de
estratégias de atenção a suas necessidades. Nas trajetórias pessoais aparecem não somente as
perdas de laços antigos, mas a constituição de novos vínculos e laços de solidariedade a partir
da vida na rua.
Grande parte dos autores que enfocam a relação entre as políticas públicas e a situação de rua
discutem e concluem que há falta ou ineficiência das políticas públicas dirigidas a esse
segmento da classe trabalhadora. Estudos como os de Carneiro Jr. e Silveira (2003), Carneiro
aos seus serviços. Outros, como Varanda e Adorno (2004), articulam suas críticas em relação
aos programas sociais de modo geral, tendo em vista que tratam a população em situação de
rua como “população excedente”. Sendo assim, dizem esses autores, estes programas
apresentam uma forte marca institucional de práticas que objetivam somente a retirada dessas
pessoas da rua e dão poucas possibilidades para que consigam reestruturar suas vidas. Do
mesmo modo, Rosa et al (2005) consideram que as políticas públicas dirigidas à população
Santos (2004), Abílio (2005) e Itikawa (2006) promovem, também, uma discussão sobre a
para a conformação das ações junto a esse grupo. A escuta e a intervenção que toma a
cidadania como eixo articulador das ações da terapia ocupacional, implica construí-la com o
outro, em seu contexto e história (Barros, 2002). Favorecer a criação e utilização das redes de
se configurar como espaço de ações corriqueiras e repetitivas - como por exemplo as de auto-
e transformações, como discutem Heller (1985) e Certau (1994), entre outros. E, como tal,
da vida” (Heller, 1985, p.40). Como consideram Almeida (1997), Takatori (2001) e Galheigo
(2003), estudos sobre a vida cotidiana no âmbito da terapia ocupacional têm possibilitado que
se conheçam, além dos aspectos pragmáticos que organizam uma dada maneira de fruição da
relações entre as intervenções sociais e a população em situação de rua, realizou-se estudo que
buscou identificar alterações nas ações e interações sociais cotidianas de pessoas em situação
de rua, ocorridas a partir do ingresso em programa social que tem oferecido ocupação e renda
execução) das ações que estruturam a vida cotidiana (tais como as de auto-cuidado, de
Da mesma forma, pretendeu-se identificar possíveis mudanças no que diz respeito aos
MATERIAIS E MÉTODO
O estudo foi desenvolvido no contexto da Associação Minha Rua Minha Casa- AMRMC, que
entidade é responsável por fazer a indicação das pessoas que serão beneficiárias (bolsistas) do
de suas relações internas, tanto no que se refere à equipe técnica, quanto aos associados e a
interação entre ambos. Possibilitou, ainda, que fosse observada a realização das atividades de
trabalho propostas aos bolsistas no contexto do programa Frentes de Trabalho Especial. Além
pelos sujeitos da pesquisa. Essas atividades, acompanhadas pelos pesquisadores, não eram
à análise das entrevistas, essas informações foram agregadas ao conjunto da análise, de modo
que por vezes confirmaram interpretações ou jogaram luz em aspectos pouco evidenciados
Trabalho Especial - FTE. Todas as entrevistas receberam consentimento para serem gravadas
restrições em discutir ou falar sobre assuntos que fossem relevantes, nenhuma delas pediu
diálogo. Apenas 3 (três) das pessoas sorteadas para participar da pesquisa não aceitaram.
A transcrição das entrevistas foi realizada de acordo com a ordem de obtenção das mesmas,
sendo que se aguardou a formação de grupos de três ou quatro gravações para que se
procedesse à transcrição. Isso aconteceu inicialmente de modo não intencional, mas percebeu-
se que auxiliou a criar um fluxo de trabalho, de modo que todas as entrevistas fossem
transcritas. Foi usado o software denominado F4, próprio para transcrição de áudios. Antes de
alguns poucos trechos não puderam ser transcritos. Sendo esses trechos de no máximo 05
flutuante, de modo que foi possível identificar algumas ocorrências e realizar algumas
inserção dos entrevistados no projeto Frente de Trabalho e também sobre suas perspectivas de
vida. Nessa fase, foram levantadas algumas hipóteses interpretativas, bem como algumas
indagações.
Os dados obtidos através das entrevistas foram organizados de modo a considerar os temas
seguindo orientações de Bardin (1979). Optou-se por organizá-los a partir das seguintes
dimensões: trabalho, moradia, dinheiro, família, rua, amigos e outras relações sociais, rotina,
AMRMC e religião. Em seguida, foram grifados em cada uma das entrevistas, de acordo com
cada dimensão, os relatos verbais a elas relacionados. Foi aberta, também, a possibilidade de
temáticas citadas. Obteve-se, assim, uma organização final com todas as informações
A análise das entrevistas, que se deu individualmente e também em seu conjunto, possibilitou
Na etapa final, foram reunidas as análises e informações oriundas das diferentes fontes
objetivo do estudo.
AMRMC. Caracterizam-se, na parte da manhã, pela limpeza do pátio e das mesas e cadeiras
que estão lá dispostas, limpeza dos banheiros e algum serviço de manutenção hidráulica e/ou
elétrica que seja necessário. À tarde, as pessoas que exerceram as atividades de manutenção
malas no bagageiro, distribuição das fichas de banho e lavação de roupas e controle desses
serviços, bem como na distribuição dos lanches. Essas atividades acontecem diariamente em
esquema de rodízio, tendo em vista que todos os dias, pela manhã, é realizada uma reunião
que tem a função de dividir as tarefas entre todas as pessoas presentes - sendo elas da Frente
para que permitissem o cumprimento da carga horária daqueles que tinham se tornado
bolsistas. A especificidade destes grupos é que, além de remuneração extra recebida pela
venda de seus produtos e serviços ao mercado externo, as pessoas que os compõem, em sua
maioria, não realizam serviços de manutenção na Associação, tendo em vista que suas horas
são inteiramente executadas nas atividades de trabalho que geram renda. Durante o período do
jardinagem.
atividades de trabalho que vêm realizando e como estas estão presentes em suas vidas. Os
ou barreiras encontrados tanto na realização objetiva das atividades de trabalho como nas
ingerência no trabalho. Percebeu-se que as pessoas que mais citam este tipo de problema são
aquelas que estão freqüentando a AMRMC há mais de três anos, o que pode significar que
possuem relações mais estruturadas, assim como conflitos mais difíceis de solucionar. Além
disso, nota-se que são mais críticos em relação às dinâmicas internas da AMRMC,
J. S., que está na AMRMC há cerca de três anos, deixa claro suas críticas ao dizer
(funções de cadastro e guarda da bagagem de quem chega) e para aqueles que exercem função
relacionada com controle dos demais associados e participantes (vigia e/ou zeladoria), os
Verificou-se no estudo que a implantação da FTE gerou mudanças nas equipes e nos grupos
de geração de renda, acarretando mudanças não só nos tipos de atividades de trabalho, como
trabalho da FTE em relação às atividades próprias da AMRMC parece ter gerado dúvidas
importantes nos participantes, de modo que vários deles questionam a nova organização, com
Considerando as dificuldades relatadas, pode-se afirmar que a disposição por parte dos
comportamentais (que devem ser) adotadas para superar essas dificuldades e/ou favorecer a
realização das atividades e/ou inter-relações pessoais no âmbito do trabalho. Chama a atenção
o fato de que a maioria dos relatos se refere a um comportamento que o próprio entrevistado
refere ter e que, ainda que não afirme explicitamente acreditar que seja um exemplo a ser
seguido, nota-se que a construção de seu argumento denota este objetivo. As estratégias
citadas são basicamente de dois tipos: aquelas em que as pessoas se esforçariam para executar
as regras – chegar no horário, não faltar sem justificativas, cumprir todas as horas, etc; e
aquelas nas quais as pessoas fariam coisas para além do que lhes é designado – trabalhar mais
do que deve, fazer várias atividades e ajudar em tudo o que for preciso. Não foi possível
diz respeito ao perfil levantado pelo estudo. Aparentemente, isso significa que esses
conteúdos estão ligados às histórias de vida e trabalho dessas pessoas. Porém, considerando as
conjunto de valores permanentemente transmitidos pela mesma, por meio dos quais o trabalho
é moralmente valorizado.
status de trabalhador daqueles que estão na FTE e/ou de que as atividades que realizam são
atividades de trabalho. É possível, assim, estabelecer um paralelo com Organista (2006) que
discute a representação que o trabalho tem na vida dos camelôs que entrevistou,
considerando-os como uma parcela da classe trabalhadora que realiza suas atividades de
as ruas. O autor afirma que os camelôs buscam se afirmar como trabalhadores e se diferenciar
das pessoas que estão na marginalidade e na ilegalidade. Nesse mesmo sentido, ao criticar a
diferenciação:
simbólico” do trabalho como dever moral, já que não é qualquer trabalho que é visto como
(Organista, 2006, p. 19). Desse modo, trabalhadores como os camelôs promovem tentativas
de estabelecer uma oposição entre trabalho e vadiagem, o que parece acontecer também com
possibilidades de estabilização de outras esferas da vida, indo além do que Organista (2006)
chamou em seu estudo de “pura estratégia de sobrevivência”. O autor afirma que, como
posição unânime entre seus entrevistados, o sentido do trabalho não é restrito ao “manter-se
vivo” sendo composto também por questões valorativas como moral, direito e justiça. Para o
autor
FTE parecem atingir apenas parcialmente essa posição. Foi comum que surgisse, no decorrer
dos relatos dos entrevistados, suas impressões sobre a FTE e/ou sobre a AMRMC. Foram
duas as idéias mais freqüentes em relação ao programa e/ou às atividades de trabalho que o
compõe. A idéia de que a FTE auxilia seus beneficiários foi bastante freqüente, contudo, essa
entrevistados, impede que sejam executados planos de sair do albergue, por exemplo, e
mudar-se para equipamentos que requerem alguma contribuição financeira por parte dos
usuários como as moradias provisórias, ou ainda, a mudança para quartos de pensão ou casas
alugadas, já que o valor necessário para tal é, muitas vezes, inviável aos frentistas. Nesse
sentido, as idéias geralmente se caracterizam por expressões como “melhor do que nada”, “é
pouco, mas vai levando”, entre outras da mesma natureza. Freqüentemente, o valor conferido
à FTE é ponderado em relação ao extremo vazio de opções existentes para quem está na
situação de rua, sendo possível aos entrevistados supor que ela tem o genérico objetivo de
principalmente no sentido de que essa ajuda financeira é efetiva somente para aqueles que
possuem complementação de sua renda (ao estarem inseridos também nos grupos de geração
de renda) ou, daqueles que já resolveram, ainda que provisoriamente, o problema de moradia,
como no caso dos que moram em ocupações de prédios públicos e não pagam aluguel.
Pra mim está bom, pra mim está ótimo, por enquanto está
bom porque eu não pago aluguel, o dinheirinho que eu
ganho aqui dá pra mim comprar as coisinha pra minha
filha, as coisas pra mim... Pra mim está dando pra viver.
(M. C.).
Desse modo, é possível afirmar que os entrevistados, em sua maioria, fizeram referências
críticas a FTE quanto a sua eficiência. Essas críticas foram estruturadas em torno de duas
considerações principais: a bolsa mensal tem valor menor do que o salário mínimo – sendo
muito pouco o dinheiro efetivamente recebido, e deveria haver contratação pelo governo
considerações são apresentadas no sentido de afirmar que o programa não realiza ajuda
efetiva a seus beneficiários partindo de que, além de pouca, a relativa ajuda é temporária, ou
seja, a pessoa pode até melhorar um pouco seu modo de vida enquanto estiver participando da
FTE, mas quando esta acabar retornará às suas condições anteriores. Sobre esse ponto F. M. é
claro:
FTE confirma as considerações de Inojosa (2002), Borin (2003) e Abílio (2005). Em suas
âmbito das ONGs essas tarefas e transformando, dessa maneira, direitos em benefícios.
Em relação à discussão dos planos e/ou expectativas do futuro sobre emprego, atividade de
qual foram realizadas grande parte das entrevistas, ou seja, o período de transição entre a 2ª e
a 3ª edição da Frente de Trabalho Especial. Desde que foi implantado, o programa apresenta
intervalos que duram pelo menos 3 (três) meses entre o término de uma edição e o início de
outra. Nesse período não existe certeza se o programa terá ou não continuidade, o que se
reflete claramente nas falas dos bolsistas entrevistados, através das quais se observa um forte
programa, quais serão os selecionados. É notável que as idéias permeadas por insegurança
transição, mas no período de vigência da bolsa. Desse modo, muitos planos para o futuro
de trabalho. Estes, porém, não expressam propriamente planos, visto que representam, em
Não sei, não sei o que que eu vou fazer quando terminar
essa Frente de Trabalho, viu? (...) Não sei o que que eu
vou fazer... Trabalhar por conta não, não dá, não dá pra
mim não, não dá pra mim não... É muita gente trabalhando
(...) Estou definindo o que eu vou fazer, estou definindo...
(J. P.).
Com base no exposto, parece correto afirmar que a realização de atividades de trabalho
realizadas no âmbito da FTE não permite projeções dos entrevistados para além delas
mesmas, e não promovem, também, a realização de trocas materiais e/ou simbólicas com o
autonomia.
primeiro plano, é necessário afirmar as referências dos sujeitos da pesquisa às suas atividades
fora do âmbito da AMRMC foram escassas. Por um lado, pode-se supor que tenha havido
receio ou incômodo em expor particularidades cujo conteúdo não se quer compartilhar por
razões diversas. Por outro, a falta de referências parece traduzir um certo esvaziamento do
também, dificuldades de apreensão quanto aos modos de realização dessas atividades e sua
entrevistados se dá, sobretudo, por estarem inseridos em instituições como os albergues que,
possuindo normas rígidas de funcionamento, tendem a objetivar seus usuários, por meio da
cotidiano das pessoas que, de algum modo, por morarem em outros equipamentos sociais
(como moradia provisória ou hotel social) ou terem moradia autônoma (como casa/quarto
restrito. Ao contrário da grande maioria de albergados, os sujeitos que possuem outro tipo de
moradia referem a realização de outras atividades quando não estão na AMRMC, inclusive
atividades de lazer. É comum, também, recorrerem ao circuito cultural oferecido pela cidade
Isto posto, pode-se afirmar que a maior parte das dificuldades, impedimentos, limites ou
deste equipamento e, por outro lado, para quem está morando em outros lugares, é constante
que as dificuldades se relacionem com a obtenção de renda para não voltar a morar em
albergues.
Muito ruim... pra mim é que nem se fosse uma cadeia, tem
horário pra tudo, é disciplina pra tudo, é muito ruim.
Quero sair de lá, não agüento mais ficar no albergue...
gosto não. (R. R.).
As representações sobre si e sobre a vida cotidiana dos entrevistados tratam quase que
exclusivamente da condição de rua. Assim como descrevem Mattos e Ferreira (2004) muito
do que se encontra no discurso da população em situação de rua sobre sua vida cotidiana é
reflexo de uma ideologia que impõe “tipificações” 21. Os autores definem esse fenômeno como
uma “violência simbólica” a que estão expostos. Nas representações encontradas nas
entrevistas, pode-se afirmar que o conteúdo ideológico predominante foi o que os autores
“correr atrás das coisas”, “ter objetivo na vida” e querer “se levantar”. De acordo com Mattos
situação de rua por sua condição. Ao demonstrarem esse fenômeno, os autores afirmam ser
comum que, ao explicar os motivos de sua condição, essas pessoas apresentem justificativas
parciais,
conforme aponta Organista (2006), se diferenciarem das demais pessoas em situação de rua,
diferenciar das demais pessoas nessa condição a partir da definição dessa população – pessoas
“que querem” e as que “não querem sair dessa vida” – e da definição dos tipos de amigos que
possuem – amigos de “bebida”, “zueira” versus os amigos “de ajudar”, “amigos de verdade” e
sua auto-estima.
Desse modo, o estudo parece salientar um aspecto central na discussão: no que diz respeito às
no âmbito da entidade AMRMC só podem ser verificados quando algum nível de estruturação
de moradia já foi alcançado pelo frentista. Ao ser dependente dessa condição, e não promovê-
la – devido ao seu caráter temporário e à baixa remuneração oferecida, gera poucas mudanças
ao nível das ações e relações sociais cotidianas de seus beneficiados. De modo geral, não foi
condição de existência dos bolsistas, sejam estas objetivas, relacionais ou ao nível das
produções simbólicas. Parece ser possível afirmar, portanto, que programas sociais isolados,
desarticulados de uma verdadeira política voltada ao enfrentamento das várias dimensões dos
problemas da população que hoje vive nas e das ruas do município de São Paulo tenderão
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