Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Um mar à margem:
o motivo marinho
na poesia brasileira
ANTONIO CARLOS SECCHIN
do Romantismo
ANTONIO CARLOS Para procurar a resposta, percorremos a
SECCHIN é ononom nom obra de 52 poetas (2) do Romantismo bra-
onomn mon mon omnm
sileiro, uma vez que o centramento exclu-
onm onm onm onm onm
onm onm onm sivo nos autores canônicos nos parecia in-
suficiente para revelar a dimensão da inci-
“M
dência (ou da ausência) do mar na produ-
ção do período. Foram lidos todos os poe-
inha terra tem palmeiras, / mas que fizessem no título menção explíci-
Onde canta o sabiá” (1). Nos ta ao mar, ou implícita, através de campos
famosíssimos versos da metonímicos como praia, concha, areia,
“Canção do Exílio”, Gonçal- barco. Desse total, nada menos do que 22
ves Dias fala de terra, aves, poetas não assinaram textos com motivo
estrelas, bosques: fala de quase tudo, mas marinho; dos 30 restantes (3), 23 possuem
não do mar. A natureza do Brasil, na sua poemas efetivamente dedicados ao tema, e
idealização exemplar, já surge celebrada nos demais o mar comparece na condição
com o mar a menos. E nos outros poetas de coadjuvante, seja no contexto mais
1 G. Dias, 1957, p. 83. Para românticos? O mar teria sido elemento im- amplo de uma baía ou de um litoral, seja
evitar excessiva remissão às
notas, doravante as citações
portante na constituição de um espaço num cenário protagonizado pela lua. Pre-
serão acompanhadas, no cor- paradisíaco, ou, ao contrário, acabou re- sença, portanto, relativamente moderada,
po do texto, do número da
página do livro em que se en- traindo-se como um convidado modesto que vem de encontro às expectativas de uma
contram. Atualizamos a orto- no banquete suntuoso do imaginário ro- comemoração dionísiaca da magia tropi-
grafia de acordo com as nor-
mas vigentes. mântico? cal, cuja imagem-clichê é a do coqueiro à
Encontro nas praias sentada a indiana, Pulam sem freios nas marinhas plagas 4 B. Sampaio, 1860.
Que alegre, que ufana Como nos ermos os corcéis bravios; 5 F. Varela, 1962.
margem
poética é propícia à navegação costeira, gido” (p. 241). A observar que o compas-
apresenta em toda a sua obra um único tí- so pelo qual se pauta a mensuração do mar
tulo relacionado a nosso tema. Trata-se de é integralmente tecido por imagens que
“Palavras ao Mar” (13), que, excetuando- remontam a um mundo abstraído da
se o dado contextual de ter sido eventual- história. Espaço em que as forças naturais
mente escrito próximo ao oceano, em nada travam combate, e, acima delas, as forças
mais justifica a referência marinha. Fos- sobrenaturais, de Deus e da alma, voejam
sem palavras ao vento, ao espelho ou ao vitoriosas.
travesseiro, o leitor não perceberia qual- No mesmo diapasão, uma difusa pará-
quer diferença: frase bíblica do fiat divino encontra-se em
“Hino da Criação” (15), de Aureliano Lessa,
“Oh! Se eu pudesse onde o próprio mar desvela em primeira
Hoje – sequer – pessoa os mistérios de seu poder:
Fartar desejos
Nos longos beijos “A minha informe amplidão
Duma mulher!…” (p. 163). Do infinito é tosca imagem,
O brado é minha linguagem
O oceano como objeto de indagação No hino da criação!
filosófica compõe o bloco mais numeroso Pra render minha homenagem,
do motivo marinho na poesia romântica Tento aos astros me arrojar,
brasileira, e talvez o de tratamento mais E sobre mil escarcéus
homogêneo. Em geral o poeta, diante do Louvar o Senhor nos céus…
mar, canta-lhe a grandeza cósmica; louva- Mas quebra os arrojos meus
lhe a força e a rebeldia; lembra-se de Deus, Do Senhor um só olhar!” (p. 65).
e afirma que diante dEle o próprio mar se
curva, ainda que, loucamente, ouse desafiá- Notemos que sempre alguma coisa fa-
lo com o arrojo das ondas. Com freqüência, lha, seja no oceano gonçalvino, que é der-
para realçar-lhe a magnitude, o mar é ex- rotado pelo grão de areia, seja no mar de
presso como oceano. Também aqui não há Lessa, que não atinge as alturas. Essa falha
marcas que o individualizem, pois se o é a brecha por onde penetra a instância di-
mar é (talvez) brasileiro o oceano é (cer- vina. O mar é arremedo de uma força maior
tamente) Atlântico; sua dimensão física e, mesmo sem galgar o céu, já é poderoso
alça-se à metafísica do divino, e é nesse o suficiente para impor-se ao homem. É o
outro patamar que ele adquire sua efetiva que lemos em Fagundes Varela, que, toda-
significação. O mais conhecido texto des- via, introduz a história ali onde Gonçalves
sa vertente é “O Mar” (14), de Gonçalves Dias enxergara unicamente a natureza. Em
Dias, que abre a seção de “Hinos” dos todas as estrofes de “O Mar” (16), o drama
Primeiros Cantos. Suas dez estrofes em humano – de cobiça, de delírio, de audácia
decassílabos e hexassílabos brancos esta- – é contraposto à força do oceano, em que
belecem, de certo modo, o padrão pelo qual o poeta louva não apenas o caráter
a (des)medida do oceano será celebrada indomado, mas também a capacidade de
pela maioria dos românticos subseqüen- sobreviver à insânia e às paixões terrenas:
tes. Destaquemos alguns versos: “Oceano “Sacode as vagas do teu dorso imenso,/ Oh
terrível, mar imenso/De vagas procelosas profundo oceano”; “O que é feito de Roma, 13 C. Abreu, 1961.
que se enrolam”; “E esse rugido teu Assíria e Grécia,/ Cartago, a valorosa? As 14 G. Dias, op. cit.
sanhudo e forte/ Enfim medroso escuto!”; vagas tuas/ Lambiam-lhe os muros”; “Tudo 15 A. Lessa, 1909.
“Ó mar, o teu rugido é um eco incerto/Da esb’rou-se, se desfez em cinzas”; “Só tu, oh 16 F. Varela, op. cit.
BIBLIOGRAFIA
Autores românticos
ABREU, Casimiro de. Poesias Completas. 3a ed. São Paulo, Saraiva, 1961.
ALENCAR, José de. Iracema. 2a ed. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1979.
ALVES, Castro. Poesias Completas. São Paulo, Saraiva, 1953.
AZEVEDO, Álvares de. Poesias Completas. 2a ed. São Paulo, Saraiva, 1962.
BARRETTO, Moniz. Cantos d’Aurora. Rio de Janeiro, Laemmert, 1868.
DIAS, Gonçalves. Poesias Completas. 2a ed. São Paulo, Saraiva, 1957.
GUIMARÃES, Bernardo. Poesias Completas. Rio de Janeiro, INL/MEC, 1959.
LESSA, Aureliano. Poesias Póstumas. 2a ed. Belo Horizonte, Beltrão & Comp., 1909.
PARANAPIACABA, Barão de. Poesia e Prosa Seletas. Rio de Janeiro, Leuzinger, 1910.
PORTO-ALEGRE, Manoel de Araújo. Colombo. Rio de Janeiro, B. L. Garnier, 1866.