Você está na página 1de 11

CAPÍTULO 4

Isaque Brandão

isaque@ufpa.br

4. Quantificação da incerteza padrão, u(xi)


Neste capítulo abordaremos várias fontes de incertezas (incertezas componentes) e como

agrupá-las para converter em incerteza padrão de acordo com o tipo A e B.

4.1 Incerteza componente

Todas as fontes importantes de incerteza são expressas quantitativamente como componentes

de incerteza, ou seja, estimativas de incerteza que descrevem quantitativamente a respectiva fonte de

incerteza. As componentes da incerteza são quantificáveis, como exemplo na conversão de uma

estimativa de incerteza com distribuição retangular em uma estimativa de incerteza padrão.

Mostraremos vária fontes de incertezas através de exemplos e a conversão da incerteza componente

em incerteza padrão.

4.1.1 Incerteza associada à massa molar

A incerteza da massa molar é calculada levando em consideração a fórmula molecular do

composto químico, que poder ser um sal, um ácido, uma base, etc. As incertezas associadas a cada

elemento constituinte da fórmula molecular podem ser obtidas diretamente de tabelas fornecida pela

IUPAC, disponíveis na internet. A lista de elementos mais comuns pode ser consultada na tabela

abaixo.
Tabela: Incerteza associada à massa molar dos elementos quimicos.

Fonte:SAC-SINGLAS (2008)

A lista completa de todos os elementos e suas incertezas pode ser consultada no site:

http://www.chem.qmw.ac.uk/iupac/AtWt/
A incerteza padrão será estimada admitindo uma distribuição retangular (Tipo B), conforme o

exemplo da tabela abaixo.

EXEMPLO: determinar a incerteza referente a massa molar do iodato de potássio (KIO3).

Elemento massa molar (g/mol) U (g/mol) k u(x) (g/mol) Número de átomos u(x) (g/mol)

K 39.0983 0.0001 1.73 0.000058 1


I 126.9045 0.00003 1.73 0.000017 1 0.00052310
O 15.9994 0.0003 1.73 0.000173 3

O resultado da tabela foi obtido pela combinação das incertezas padrão dada por:

u (mm) = [n1.u( x1 )]2 + [n2 .u( x2 )]2 + [n3.u( x3 )]2

Onde n é o número de cada átomo na fórmula molecular do composto químico.

g
u (mm) = [1.(0.000058)]2 + [1.(0.000173)]2 + [3.(0.000173)]2 = 0.00055076
mol

4.1.2 Incerteza associada à massa

Existem várias incertezas associadas em qualquer pesagem. Dentre as principais, temos a


incerteza da repetitividade, que é um efeito aleatório típico (Tipo A), a incerteza da calibração da
balança e incerteza da resolução da balança (Tipo B) (EURACHEM/CITAC, 2002).

4.1.2.1 Incerteza associada à repetitividade da massa

A repetitividade por ser um efeito aleatório e experimental, deve ser determinada pelo
laboratório nas condições da rotina de trabalho. A estimativa é dada por:
s
u (repe) =
n
Onde s é o desvio padrão obtido experimentalmente e n é o número de experimentos realizados.
A equação acima também é conhecida como o desvio padrão da média.
A repetibilidade da pesagem de um sal para preparar uma solução, por exemplo, é inviável,
devido à questão econômica e de contaminação. Para resolver esse problema, determina-se a incerteza
da repetitividade usando pesos padrão de verificação com massa próxima à pesagem da amostra e dos
recipientes de pesagem (vidro de relógio, cadinho, cápsulas, etc) (SARKIS; BUCHMANN, 2002).
Para o peso padrão de 1g, o desvio padrão calculado foi 0.00024 g para 10 medições. A
incerteza da repetitividade é:

s 0.00024
u (repe) = = = 0.00007589 g
n 10

4.1.2.2 Incerteza associada à calibração da balança

Esta incerteza é declarada no certificado de calibração da balança. Deve-se observar que no


certificado existem várias faixas de peso. No momento do cálculo, deve-se associar a incerteza
referente a faixa adequada de peso, como mostra o certificado de calibração de uma balança analítica
de resolução 1 mg.

Por exemplo, na pesagem de 50g de amostra, a incerteza da calibração da balança associada a


esta pesagem será de ±0.00020 g. É importante observar o fator de abrangência k especificado no
certificado, pois nem sempre é 2. A incerteza, por ser uma distribuição normal (Tipo B) é calculada da
seguinte forma:
U 0.00020
u (cal ) = = = 0.00010 g
k 2

4.1.2.3 Incerteza associada à resolução da balança


Segundo o VIM (2012) a resolução é a menor variação da grandeza medida que causa uma
variação perceptível na indicação correspondente. A resolução pode depender do ruído externo ou
interno e do atrito. A incerteza da resolução da balança diz respeito ao algarismo duvidoso, ou seja, o
último algarismo significativo. Para uma balança de resolução 0.01mg a incerteza é dada por
(EURACHEM/CITAC (2002):

res 0.01
u (res) = = = 0.00288mg
2 3 2 3

4.1.3 Incerteza associada à temperatura

A incerteza referente a temperatura é calculada a partir da incerteza expandida declarada no


certificado de calibração do termômetro ou termohigrômetro utilizado na medição ou durante a
medição. Por ser uma incerteza do tipo B, um termômetro que tenha incerteza expandida, U= 1.73°C
e k=2, é calculada por:
U 1.73
u (temp) = = = 0.865C
k 2

4.1.5 Incerteza associada à pureza

A pureza é expressa no cerificado, geralmente da seguinte forma:0.9999±0.0001. Se não há


informações, considera-se 100% ou 1. Para obter a incerteza padrão, considera-se como uma
distribuição retangular (Tipo B), da seguinte forma:

 a 0.0001
u ( P) = = = 0.0000577
3 3
É importante lembrar que a pureza é uma grandeza adimensional.

4.1.6 Incerteza associada ao volume

O volume tem influência de três incertezas fundamentais: repetitividade, calibração e


temperatura (EURACHEM/CITAC, 2002).
4.1.6.1 Incerteza referente à repetitividade do volume

A incerteza decorrente de variações de volume em uma titulação, por exemplo, sofre várias
influências aleatórias, dentre elas, do operador, da temperatura, do ponto final de titulação e outros. A
melhor forma de minimizar a influência desses efeitos aleatórios e ou sistemáticos é aumentar o número
de experimentos, de acordo com a expressão:

s
u (repe) =
n

Em um experimento titulométrico para acidez foram realizadas 5 réplicas e os resultados foram


10.3, 10.1,10.4, 9.9 e 10.3 mL. O desvio padrão obtido foi 0.20 mL e a incerteza da repetitividade
calculada foi dada por:
s 0.20
u (repe) = = = 0.089mL
n 5

A estimativa da incerteza para vidrarias graduadas, quando se trata de titulação, é mais fácil e
prática. No entanto, é muito dispendioso determinar a repetitividade do volume de 10 mL de uma
amostra, pois é necessário saber a densidade do líquido, além de fazer medições de volumes e pesagens
varias vezes até obter uma incerteza do enchimento do volume. Nestes casos, usaremos apenas as
incertezas da calibração e influência da temperatura.

4.1.6.2 Incerteza referente à calibração da vidraria

A incerteza da calibração da vidraria é calculada a partir da incerteza expandida declarada no


certificado de calibração. Para vidrarias graduadas como buretas e provetas, deve-se observar a faixa
de volume, sua incerteza e fator de abrangência k. Uma bureta de 10 mL, por exemplo, tem incerteza
expressa, conforme o volume medido, como mostra a tabela abaixo.
Apesar da incerteza expandida (U) ser a mesma para os volumes calibrados, o fator de
abrangência k é diferente para cada volume. Em um experimento titulométrico, o volume médio de
titulante gasto foi de 5 mL, logo, a incerteza referente a calibração será de ± 0.0040 e k=2.08. A
incerteza padrão da calibração é dada por:

U 0.0040
u (cal ) = = = 0.00192 g
k 2.08

As vidrarias volumétricas, como balões e pipetas, a incerteza declarada no certificado refere-se


ao volume total. As vidrarias volumétricas têm maior precisão e menor incerteza de medição herdada
do padrão de calibração rastreável.

4.1.6.3 Incerteza referente à influência da temperatura no volume

A incerteza da influência da temperatura no volume de vidrarias é dada pelo modelo


matemático:
V .T .
u (V , temp) =
3
Onde:
V é a capacidade da vidraria
ΔT é a variação de temperatura em relação a temperatura de calibração (20°C)
γ é o coeficiente de dilação térmica da água

EXEMPLO: Um balão volumétrico de 100 mL foi utilizado para preparar uma solução de padrão
primário. A temperatura no momento do preparo da solução era de 23°C e o coeficiente de dilação
térmica da água é de 0.00021 °C-1. Qual a influência da temperatura no volume?
Resolução:
V .T . 100 x(23 − 20) x0.00021
u (V , temp) = = = 0.00363mL
3 3

4.1.7 Incerteza referente à absorbância, A

As principais fontes de incertezas são a repetitividade, calibração do espectrofotômetro e a


resolução do instrumento (SOOVÄLI, 2006). A determinação dessas incertezas é feita usando as
formulas de desvio padrão da média, certificados de calibração e resolução do instrumento, similar às
incertezas referentes à massa, ressaltando que aqui a unidade é a absorbância (abs) ou UA (unidade de
absorbância). É importante diferenciar no cálculo de incerteza a absorbância da amostra e absorbância
dos padrões da curva analítica.

4.1.8 Incerteza referente ao coeficiente angular, m, e coeficiente linear, b

A incerteza dos coeficientes da curva de calibração é influenciada pela incerteza da pureza do


padrão da calibração, repetibilidade para ponto da curva analítica, preparação dos padrões (diluição),
calibração e resolução do espectrofotômetro. Como as incertezas são as mesmas para os dois
coeficientes da curva analítica, essas incertezas devem ser excluídas do cálculo, devido a duplicidade
de fontes de incertezas relatadas no momento da construção do diagrama de causa e efeito. Para
resolver tal problema, a estimativa da incerteza referente aos coeficientes angular e linear são
calculadas estatisticamente através do modelo de regressão linear (SOOVÄLI, 2006).
As estimativas de incertezas dos coeficientes podem ser obtidas a partir da curva analítica
através da função PROJ.LIN em software de edição de planilhas (SKOOG, 2010). Na tabela abaixo, a
estimativa da incerteza dos coeficientes angular e linear é dada na célula E3 e F3, respectivamente.
Outras informações importantes podem ser obtidas pela função PROJ.LIN.
Figura: Estimativa da incerteza dos coeficientes da curva analítica através da função PROJ.LIN.
Fonte: SKOOG (2010)

Onde:
E2: coeficiente angular, m (inclinação da reta)
F2: coeficiente linear, b (intercepto)
E3: Desvio padrão do coeficiente angular
F3: Desvio padrão do coeficiente linear
E4: Coeficiente de determinação, R2
F4: Desvio padrão da regressão (Sr) ou erro padrão da estimativa
E5: Função estatística F
F5: Graus de liberdade associado ao erro
E6: Soma dos quadrados da regressão
F6: Soma dos quadrados do resíduo

O valor de Sr é o erro padrão da estima e quanto menor o valor de Sr, melhor é o ajuste.

4.1.9 Incerteza referente à diluição, fd

A incerteza da diluição pode ser estimada no caso de diluição de solução ou de amostras. Na


diluição de solução comercial deve ser observado a incerteza declarada no certificado da solução. Em
diluições de solução de padrão preparada no laboratório, deve ser estimada a incerteza considerando a
massa, a massa molar e a pureza da substância química e volume da solução. No caso de diluição de
amostras, a incertezas relacionadas são referentes apenas ao volume da alíquota tomada (pipeta
graduada, volumétrica ou proveta) e do recipiente para diluição (balão volumétrico ou proveta). As
diluições podem é dada pelos modelos matemáticos:

c2 .v2
Diluição de padrões (comercial ou preparado no laboratório): c1 =
v1

Incerteza da diluição do padrão: uc (c1 ) = c1 u ( c2 ) + u ( v2 ) + u ( v1 )


2 2 2

vamostra
Diluição da amostra: fd =
vrecipiente

(
Incerteza da diluição da amostra: uc ( f d ) = f d . u ( vamostra ) + u vrecipiente )
2 2

4.1.10 Incerteza referente à recuperação, R

Na determinação da recuperação do método analítico, amostras devem ser preparadas em vários


níveis de concentração através da fortificação com material de referencia (Cref) e obter a incerteza
referente a repetitividade, erro padrão da estimativa (Sr) entre o valor conhecido do padrão fortificado
e o valor recuperado, obtido por curva analítica e a incerteza do padrão de referencia declarado em
certificado do reagente. A estimativa é dada por (TARTU, 2015):

2
 u (Cref )   sr ( R) 2  u (V , rep) 2
u ( R) = R.   +   + 
 C   
 ref   R V

4.1.11 Incerteza referente à decomposição ou contaminação da amostra, ΔCdc

A fontes de incertezas referente de composição da amostra é muito complexa, pois sofrem


influência de fenômenos como reação incompleta, volatilização do analito, contaminação, degradação
pela luz, temperatura e outros. A possível contribuição da incerteza da decomposição ou contaminação
do nível de concentração deve ser estimada pela experiencia do laboratório, considerando desde a
amostragem, transporte, conservação e tempo de análise (TARTU, 2015).

4.1.12 Incerteza referente ao ponto final de titulação


Método titulométricos possuem erros sistemáticos introduzidos pelos indicadores usados na
detecção visual do ponto final de titulação. A mudança de cor dos indicadores ocorre dentro de uma
faixa de pH, a exemplo da fenolftaleína que ocorre entre pH 8.2 e 9.8, levando a um volume excedente
de titulante se comparado à detecção do ponto final empregando um medido de pH. A tendência
proveniente do volume excedente deve ser levada em consideração no cálculo da incerteza de medição.
O volume exato de titulante no ponto final de titulação é dado por:

Vpe = Vindicador − Vexcedente

O volume excedente deve ser obtido pela comparação entre o volume gasto usando indicador e
o volume gasto usando sistema automático de titulação obtendo o ponto de equivalência da curva de
pH. A literatura mostra que o volume excedente é próximo de 0.05 mL com uma incerteza padrão de
aproximadamente 0.03 mL em relação ao ponto de equivalência (EURACHEM/CITAC, 2002).

Você também pode gostar