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A COISA JULGADA - Um Direito Fundamental

Eduardo Pires Gomes Cruz


Advogado

O instituto da coisa julgada foi criado para trazer paz


social. Não só isso, mas principalmente para pacificar as partes
litigantes nos processos, pondo fim às discussões, não permitindo a
sua perpetuação no tempo.

Entre nós, a coisa julgada está prevista expressamente


na Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXVI, sendo estabelecido
que a “lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e
a coisa julgada”.

Cândido Rangel DINAMARCO1, a respeito da garantia


fundamental do instituto acima mencionado, assim se posiciona:

Por força da coisa julgada, não só o legislador carece de poderes


para dar nova disciplina a uma questão concreta já definitivamente
regrada em sentença irrecorrível, como também os juízes são
proibidos de exercer a jurisdição outra vez sobre o caso e as partes
já não dispõem do direito de ação ou de defesa como meios de
voltar a veicular em juízo a matéria já decidida.

Os direitos fundamentais visam tutelar a liberdade, a


autonomia e a segurança da pessoa frente ao Poder Público bem
como aos demais membros do corpo social.

Quando se fala em segurança, não se está apenas


querendo fazer referência à segurança pública – que nos é dada pelas
Polícias, mas também à segurança jurídica. Os direitos fundamentais
devem sempre ser interpretados de forma extensiva, procurando
incluir o máximo de conteúdo que determinado direito comporta e
atingir o maior número possível de pessoas.

Não considerar que o preâmbulo e o art. 5º, caput, da


Constituição, quando menciona segurança, está incluindo também a
segurança jurídica seria uma forma de lesão ao direito fundamental
da segurança, pois a lesão configura-se quando se submete o direito
a limitações que o tornem impraticável, dificultem seu exercício mais
que o razoável ou lhe retirem a necessária proteção.

Assim, retirar uma das faces do direito à segurança


seria limitá-lo de tal forma a configurar a lesão, não podendo haver
dúvida quanto à amplitude da segurança disciplinada pelo art. 5º,
caput, da Constituição, incluindo-se aí, também, a segurança jurídica
por ser uma das faces da segurança.
1
DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista Ajuris nº 83,
tomo I, setembro/01. pp. 48 e 49.

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O princípio da segurança jurídica é essencial ao Estado
Democrático de Direito, desenvolvendo-se em torno de dois conceitos
base: o da estabilidade das decisões do Poder Público e o da
previsibilidade, que se traduz na exigência de calculabilidade por
parte dos cidadãos.

Sendo a segurança jurídica direito fundamental, todos


os instrumentos que permitem sua exigência também terão a
proteção constitucional. É o que se dá com a coisa julgada que, sendo
um imperativo da segurança jurídica, deve ser considerada da mesma
forma, como direito fundamental, tendo em vista que não há como se
obter a segurança jurídica mínima sem a preservação da
imutabilidade e da indiscutibilidade das decisões judiciais transitadas
em julgado. Como se pode perceber, segurança jurídica e coisa
julgada estão intrinsecamente relacionadas, não havendo como
separar tais institutos.

Com o trânsito em julgado da decisão, passa a ser


indiferente se o seu conteúdo é falso ou verdadeiro; por isso, ao
contrário do que muitos dizem, não se presume verdadeiro o que foi
decidido, mas apenas passa a não ter mais qualquer utilidade tal
discussão.

Transitada em julgado a sentença, põe-se fim às


incertezas e expectativas que envolviam as partes e mantinham-nas
em desconfortável estado de angústia.

A coisa julgada é exigência de ordem pública e de paz


social, na medida em que efetiva a tutela jurisdicional, ao torná-la
estável e segura.

Assim, a coisa julgada não é apenas uma garantia


individual, uma proteção ao vencedor da lide que viabilize a efetiva
possibilidade de fruição de sua vitória, mas uma garantia coletiva, da
sociedade como um todo, visto ser interesse de toda a coletividade a
eficácia das soluções dadas pelo Judiciário, o que não ocorreria sem a
estabilidade decorrente da garantia da coisa julgada.

Por tudo isso, a coisa julgada, como mecanismo que


permite aos jurisdicionados ter confiança nas decisões do Estado na
solução de seus conflitos, deve ser considerada como elemento de
existência do Estado Democrático de Direito, por consagrar a
segurança jurídica.

No entender de Nelson NERY JUNIOR2:

2
NERY JUNIOR, Nelson. Coisa julgada e o Estado Democrático de Direito. Revista forense vol.
375, set.-out./04. pp. 148 e 149.

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Quando se fala na intangibilidade da coisa julgada, não se deve dar
tratamento jurídico inferior, de mera figura do processo cível,
regulada por lei ordinária, mas, ao contrário, impõe-se o
recolhimento da coisa julgada com a magnitude constitucional que
lhe é própria, ou seja, de elemento formador do Estado
democrático de direito, que não pode ser apequenado por conta de
algumas situações, velhas conhecidas da doutrina e jurisprudência,
como é o caso da sentença injusta, repelida como irrelevante, ou
da sentença proferida contra a Constituição ou a lei, igualmente
rechaçada pela doutrina, sendo que, nessa última hipótese, pode
ser desconstituída pela ação rescisória (CPC, art. 485, V).

A justiça é o valor supremo do Direito e não deve ser


apenas um ideal. Mas para que tal ocorra necessário se faz que haja
um meio de resguardar as decisões justas da possível má-fé da parte
perdedora que, inconformada, irá sempre buscar novas questões,
novos mecanismos para rediscutir o que já foi decidido.

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