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25/07/13 CURTA-METRAGEM: BISTURI

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S EX T A- FEI R A, 24 DE M AI O DE 2013 P A R C ER I A C ULT UR A L

BISTURI

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“A Palavra Emoldurada, uma Árvore e um Ônibus:


Sobre Vai e Vem de João Cesar Monteiro”
por Rejane K. Arruda

“A língua portuguesa é muito traiçoeira. É preciso dar tempo


ao tempo” diz João Cesar Monteiro em certo momento de “Vai e vem”,
filme de 2002. Em cena de forma bastante performativa, quase como Já é um membro? Fazer login
ele mesmo, tece relações com algumas mulheres e a família enquanto
o tempo passa em quadros estáticos muito bem delineados.
Alternados com estes bate-papos intensos no interior de uma casa ou A R Q UI V O DO B LO G
café, estão os também estáticos quadros de um interior de ônibus e
▼ 201 3 (1 07 )
uma enorme árvore, onde João está na maior parte do tempo só, no
► Julho (1 2)
espaço, para a ação de um cigarro.
É um tipo de filme que, para escrever sobre ele é preciso se ► Junho (1 5)
pôr a inventar. Mas, ainda assim, dá para destacar aspectos. A ▼ Maio (1 5)

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música responsável por uma visualidade completamente distinta da Cláudio Curi


que a imagem trás e entre as duas dá-se o espaço de uma Div ulgação
contemplação. As memórias da moça vestida com pelos artificiais e
Tom Paranhos
compridos: “Cortei o cabelo que meu pai penteou” são lindas. A cena
Cássia Linhares
termina com ele falando: “As recordações da infância são sagradas” –
e o sentido aparece. Um ponto de basta. De maneira simples e BISTURI
abrupta. “Cortar os cabelos” ganha outro estatuto quando diz: “Dá pra Ramiro Silv eira
encher um travesseiro e morrer abraçado a ele”. O tempo todo é esta Gorete Milagres
coincidência da ação banal, cotidiana, com a palavra que a eleva,
Memória Cinematográfica
emoldurada pela imagem.
Rafael Primot
É como se a poética fosse sendo apurada a cada um destes
quadros onde o arranjo se repete: o bom-papo com uma mulher, o Div ulgação
enquadramento fixo, o ar do cotidiano misturado com a palavra- Toniko Melo
citação, filosofia, narrativa, poesia, brincadeira. A palavra emoldurada.
Charges
Um espaço de emolduração da palavra-coisa. Palavra-coisa que ocupa
Karina Barum
o seu espaço. Não para de sair da boca. E quadros dentro de quadros,
janelas em janelas. Meninas de vestidos largos. A infância ali no lugar Érico Brás

errado. Palavra que guarda imagens e expele-as. Mundo que se vê de Jom Tob Azulay
fora. Ouvir. Já estou inventando.
► Abril (1 5)
Agora são as três janelas – entre duas estantes de livro. E
do bate-papo corta para uma canção – máxima da palavra-som. Por ► Março (1 5)

onde se instaura a visualidade de uma brincadeira? Da citação que ► Fev ereiro (1 3)


agora advém da dança flamenca? A preparação da representação é ► Janeiro (22)
brincadeira e ela aparece: é imagem. Um percurso de quadros. Um a
► 201 2 (249)
um com a câmera fixa. “Suzana coração de mi vida tem dó de mim,
perdoe todo o mal que te fiz”. “E eu?” “A menina não perdoa”. “Não sei ► 201 1 (1 49)
se sou capaz. Tenho vergonha”. A palavra sem a ação que ► 201 0 (54)
corresponderia a fala, se a atuação fosse naturalista. Aqui não. A ► 2009 (49)
palavra é expelida, solta no ar. Sem a ação. Um erotismo que não
► 2008 (53)
acontece. Mas ameaça. A palavra contorna o erotismo. “As
recordações da infância são sagradas” e ele corta para uma canção,
uma festa popular dentro do ônibus. E desta vez a alegria toma conta.
Q UEM S O U EU
João Cesar Monteiro segue uma cultura às avessas, a
RA F A E L SP A CA
desitua, desobedece, despreza – para fazer filmes instaurando uma
outra: outro sitio, um outro lugar no discurso. Deslocando, produzindo, Radialista e
agindo, ativo. Transpassando o cotidiano com as suas imagens nos Produtor Cultural.
faz olhar de maneira diferente para ele. Para um ônibus, de uma Sou autor do blog
maneira diferente. Como ele desconstrói e reconstrói os espaços Os Curtos Filmes, no "ar" desde
públicos – a praça, o ônibus – e os domésticos, com a estetização de agosto de 2008. Colaboração em

seus objetos. Elevando cada um ao “preço”, ao valor de significante, tex tos e artigos para ‘Bigorna.net’;
‘Rev ista de Cinema Caipira’; ‘Jornal
ou de representante de algo para além deles próprios, fazendo vacilar
do Cinema – Cineclube Cauim’ e;
a referência como diz Jakobson.
‘Punctum’.
Em nova repetição do ônibus agora está com o “menino da gaita”
e aquele cachorrinho segurando um potinho para as moedas. Que vi em V I S UA LI Z A R M EU P ER FI L C O M P LET O

Portugal. Acho que isto só tem lá se não estou enganada (se estiver me
digam). Ou deixar o pensamento fluir, a cadeia desenrolar sem pudores
maiores. E na repetição do quarto agora é tudo escuro junto aos atabaques.
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O parto do falo. A lenda bíblica. A câmera em pan apresenta um ritual da


própria morte? Ele aparece no quadro sem som em preto e branco e é
esconjurado. Tira os sapatos e beija os pés do defunto. E depois a boca. É
uma mulher. O próximo som é apenas um “bip”. Tudo faz alusão a sua própria
morte que, no entanto, não acontece. A menina em câmera lenta joga pétalas
no caixão e agora, sob os cuidados de uma enfermeira, o erotismo se dá. E
depois da última frase (“Quando fores ter com tua amada, nunca te esqueças
de levar o chicote”) e a imagem da árvore ocupando o quadro, o órgão olho é
exposto em tamanho descomunal durante um tempo. Onde se pode ver o
mundo refletido na íris com o buraco da pupila bem ao centro.

P O S T A DO P O R R A FA EL S P A C A À S 04: 15

U M C O M E NT Á RI O :

Thaís Ferraz disse...

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2 5 DE MA I O DE 2 0 1 3 1 1 :3 4

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