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VIDA APÓS todos resultaram no livro Vida após a morte, onde em 416
páginas Damien reúne memórias pessoais desde a infância
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história
detento que comandava a cozinha e a fac- dução de Peter Jackson e Damien Echols. O
filme faz uma análise da investigação policial
ção mais poderosa da cadeia. Como relata-
do assassinato dos três meninos, em 1993,
ria mais tarde, foram seis meses arquitetan-
revelando novas evidências sobre a prisão e
do um plano e trabalhando na confecção
condenação de três homens inocentes.
de um “estoque”, arma branca pontiaguda
feita de metal. A oficina de artesanato era,
PARAÍSO PERDIDO
naquele momento, pretexto para moldar
Filme
sua “obra”.
Série de 3 documentários produzidos pela HBO. O
Mauriti Carneiro, sujeito de 2 metros,
último filme da série, Paraíso Perdido 3: Purgató-
150 kg e histórico de muitos crimes, es- rio, vai além da saga dos jovens acusados, fala de
pancava a todos a que lhe interessava preconceito e desmascara a convenção de que
para intimidar a massa e exercer o seu a justiça é perfeita e a polícia competente. Mas a
domínio. Postura humilde e reverencia- culpa não se restringe somente às autoridades. O
dora, “Zé” foi sorrateiro para desferir povo que, apesar de ter suas razões para culpar
certeiro golpe no incrédulo chefão, que os jovens, se torna uma ameaça “nuclear” quando
desabou com a lâmina cravada no baço. consumido pela fúria. A sociedade fica cega e ir-
Sob olhar espantado de centenas de racional, e piora quando um “suposto” ritual satâ-
detentos no refeitório em horário de al- nico, como neste caso, é envolvido no processo.
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história
moço, o sujeito ainda desenterrou a arma para desferir militar que ali foram parar nos 60-70, o cadeião sucum-
sequência de “estocadas” até a chegada dos seguran- biu e suas paredes hoje em degradação são apenas tes-
ças. Começava ali outro processo por homicídio, mas temunhas silenciosas de tantas histórias fragmentadas
também uma nova vida para o “Zé do Osso”, até então de dor, tristeza, humilhações e de sangue. Como a re-
mais uma “alcunha” num rol que não poupava ninguém. gistrada em 17 de maio de 1931, na que seria a primeira
Ganhou algum respeito naquela prisão, onde mortes e rebelião de presos no Estado. A ação comandada por
motins continuariam a ocorrer e a envolver outros tan- Papst e Kindermann resultou em mortes, feridos e fugi-
tos personagens. Do "bem" e do "mal". tivos. À sombra de toda repulsa da sociedade na época,
Em 2004, “Zé do Osso” continuava entre os 2,9 mil experimento com pretensão literária tentou dar estigma
detentos ali acomodados, número três vezes maior que a de heróis aos bandidões. A história curitibana rejeitou
capacidade. A esta altura, buscava conjugar leitura, arte- o livro tanto quanto personagens cruéis que alimentam
sanato e religião, tendo ainda a oportunidade de se casar. nossos noticiários até hoje.
Estava na iminência de obter o regime semiaberto pelo Damien Echols esteve no corredor da morte. José da
cumprimento parcial da pena e bom comportamento. Fez o Silva esteve no corredor, no solário e na cela abraçado
caminho inverso de muitos dos quais conviveu. Tirou lições com ela. Como morador de rua, driblou as doenças, como
da cultura do cárcere. Quando a quase centenária unida- a tuberculose (com 60 vezes mais chance do que em con-
de prisional foi desativada, em julho de 2006, José da Silva dições normais) e a guerra diária pela sobrevivência. Na
já tinha alçado seu voo. Sessentão, não deixou memórias prisão, por quase três décadas, viveu o “inferno” até achar
lavradas de seu punho, mas deve ter levado melhor apa- o atalho para saída. Dos pontos que Damien e José con-
rência na alma e sonhos que nunca experimentara, como vergem, o de que a vida precisa fazer sentido. Com suas
escravo da miséria, ignorância e do preconceito. ideias e ideais, cada um encontrou, ao seu modo e destino,
Praga de "Zé", dos primeiros moradores alienados um fio de vida onde se prenunciava desesperança e morte.
ou de injustiçados, como as muitas vítimas da repressão Hernani Vieira (PR).
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