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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 4ª VARA CRIMINAL DA

CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA - DF

Processo n°: 2011.01.1.050862-0

MAURIGÉSIO, já qualificado nos autos em epígrafe, por intermédio de seus


defensores do Núcleo de Prática Jurídica do UDF – UPF/Brasília, nomeados ad hoc para o presente
ato, vem perante Vossa Excelência, com fulcro no artigo 403, §3°, do Código de Processo Penal,
apresentar, por meio de memoriais

ALEGAÇÕES FINAIS

em face da acusação contra sua pessoa, promovida pelo Ministério Público no presente processo
crime, aduzindo o entendimento a seguir como o mais justo para o desfecho da lide.

I - SÍNTESE DO HISTÓRICO PROCESSUAL

O i. Representante do Ministério Público denunciou o Sr. Rui Moreira da Silva, ora


acusado, no crime do artigo 171, caput do CP e duas vezes nas penas do artigo 171, caput, c/c
artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.

A denúncia para o acusado foi recebida em 14/04/2011 (fl. 73). Oferecida defesa
inicial às fls. 88.

Em audiência de instrução foram ouvidas as vítimas Mayara Rayane Alves Mariano,


Sheila dos Santos Souza e Érica Polyanna Cardozo, bem como a testemunha Alípio Ferreira Mota
(fls. 113/117). Assim, foi interrogado o acusado às fls. 118/119.

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Encerrada a instrução, o Ministério Público pugnou pela procedência da acusação
pela prática de crime do artigo 171, caput do CP e duas vezes nas penas do artigo 171, caput, c/c
artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, bem como que seja o acusado condenado a reparar os
prejuízos sofridos pela vítima Mariazinha no valor de R$ 170,00 (cento e setenta reais).

II - DO MÉRITO

ARTIGO 171, CAPUT, C/C ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL – CRIME
IMPOSSÍVEL

Em que pese à acusação movida contra o ora acusado, importante frisar que o
mesmo em seu interrogatório às fls. 118/119 confessa o crime a ele imputado, afirmando
categoricamente que não responde a outra ação penal e que é pai de família, tendo dois filhos
menores a quem sustenta.

Ademais, nota-se que o acusado demonstra arrependimento de sua conduta


realizada pela emoção e sofrimento de uma vida sacrificante, na qual tem que se comprometer com
no mínimo a alimentação de seus filhos.

É de se ressaltar que o acusado é pessoa simples, de profissão pintor, e baixa


escolaridade, sendo certo que pela natureza de sua profissão, muitas vezes não tendo trabalho por
ser autônomo, faltam-lhe condições para manter sua família.

Contudo, denota-se do presente caso que com relação à tentativa realizada pelo
acusado de convencer as vítimas se torna pelo meio de atuação, crime impossível, tendo em vista a
forma e a abordagem do acusado, pois segundo às próprias vítimas a “propaganda” realizada pelo
acusado não às convenceu, ou seja, não houve nenhum resultado prático com relação ao crime a
ele imputado, qual seja, a tentativa de estelionato.

Assim, não resta dúvida quanto à atipicidade da conduta do acusado, tendo em vista
que não houve se quer prejuízo às vítimas e que não houve o elemento essencial para caracterizar o
crime de estelionato, o convencimento das vítimas a pagar a quantia requerida pelo acusado,

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conforme se verifica nos depoimentos das vítimas, Sheila dos Santos Souza e Mayara Rayane Alves
Mariano, às fls. 115 e 116 respectivamente, vejamos in fine:

“Fl. 115 (depoimento de Sheila dos Santos Souza): (...) que o acusado se apresentou
como funcionário do Supermercado EXTRA e que estava com sobras de mercadorias;
que o acusado ofereceu uma TV de plasma de 42 polegadas e um notebook, no valor
total de 300 reais; que a vítima não acreditou na proposta feita pelo acusado; que
não sofreu prejuízo nenhum; (...)” (grifamos)

“Fl. 116 (depoimento de Mayara Rayane Alves Mariano): (...) que foi abordada pelo
acusado, que ofereceu uma TV e um micro-ondas pelo valor de 200 reais; que a
depoente não aceitou a proposta; (...)” (grifamos)

Ademais, não se pode apenar a tentativa por quem pela atipicidade da conduta não
obteve resultado algum, conforme se verifica no artigo 17 do CP, in verbis:

"Art. 17. não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta
impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime."

Este é também o entendimento dos tribunais acerca de crime impossível, senão


vejamos, in litteris:

PENAL E PROCESSO PENAL. ESTELIONATO QUALIFICADO E FALSIFICAÇÃO DE


DOCUMENTO PÚBLICO. CRIME IMPOSSÍVEL. ABSOLUTA IMPROPRIEDADE DO
OBJETO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 17 DO STJ.
POTENCIALIDADE LESIVA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL.
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INOCORRÊNCIA. 1. Nos termos do art.
17 do Código Penal, para o reconhecimento da tentativa impunível, também
denominada crime impossível, tentativa inadequada ou quase-crime, faz-se
necessário que o meio empregado pelo agente seja totalmente inidôneo,
incapaz de produzir o resultado lesivo almejado, ou que o objeto, a pessoa ou a
coisa sobre a qual recai a conduta seja inteiramente impróprio à consumação do

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delito. 2. Sendo material o crime de estelionato, e consistindo ele na obtenção,
para si ou para outrem, de vantagem ilícita, em prejuízo alheio, inexistindo o
objeto patrimonial sobre o qual recaia a conduta do agente, não houve qualquer
risco objetivo ao bem juridicamente tutelado, afigurando-se impossível a
consumação do delito, por absoluta impropriedade do objeto. (...) 7. Recurso
parcialmente provido. (ACR 200551015034387 RJ 2005.51.01.503438-7 - Relator(a):
Desembargadora - Federal LILIANE RORIZ - SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA -
Data:20/04/2010 - Página::71/72) (negritamos, grifamos)

Assim, o que se percebe até então é que houve ineficácia absoluta do meio ou
absoluta impropriedade do objeto, e verificando até mesmo a teoria da imputação objetiva, adotada
pelo código penal, torna-se claro o fundamento da atipicidade do crime impossível.

ARTIGO 171, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Ademais, no que se refere ao crime consumado, verifica-se pelo depoimento da


vítima Mariazinha que houve um prejuízo apenas material, referente à importância de R$ 170,00
(cento e setenta reais), não havendo pois nenhuma sequela no que tange à violência, coação, que
seria primordial para uma condenação criminal, vejamos in line:

(...) que o acusado ofereceu um notebook e câmera digital, no valor total acordado de
350 reais pelos produtos; que a depoente entregou 170 reais em espécie ao
acusado; que o acusado era uma pessoa muito convincente e estava bem arrumado;
que o acusado dizia que a mercadoria estava sobrando no estoque; (...) (grifamos)

Ora Excelência, houve dano a vítima, ocorre que este dano se deu em matéria
meramente cível, sendo à medida que se coaduna ao presente caso o ressarcimento civilmente, não
sendo a via eleita a correta para o ora pleiteado.

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É de se ressaltar que o valor antecipado pela vítima ao acusado esbarra-se no óbice
do princípio da insignificância, pois a lei penal observa o aspecto material da conduta, neste sentido,
não basta apenas que a conduta humana esteja descrita formalmente na lei, tem-se que visualizar
“algo mais”: se esse comportamento humano foi, verdadeiramente, lesivo a bens jurídicos, moral ou
patrimonialmente.

Com isso, considerar-se-iam atípicas condutas humanas que não lesem a vida em
sociedade, por serem tão ínfimas e insignificantes, não merecendo qualquer apreciação da função
judiciária.

Exatamente nesse aspecto que se aplica o princípio da insignificância no direito


penal. Essa é a posição de Vico Mañas, a respeito da matéria:

“O princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie,


atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado
sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crimen sine
lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito
penal.” (O Princípio da Insignificância como Excludente no Direito Penal, Saraiva, pág.
56) (destacamos)

O princípio da insignificância, auxiliado pelo princípio da intervenção mínima, almeja,


pois, desafogar a máquina judiciária, onde processos sem grande potencial jurídico de importância,
ocupam tempo e despesas processuais, de outros que, por elevado grau de periculosidade,
deveriam andar mais celeremente.

Ademais, tal entendimento é adotado pelos tribunais, sobretudo pelo Supremo


Tribunal Federal, senão vejamos:

DIREITO PENAL. ATIPICIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PARÂMETROS E


CRITÉRIOS. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA PROVOCADA. AUSÊNCIA.
INAPLICABILIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A questão de direito tratada
neste writ, consoante a tese exposta pelo recorrente na petição inicial, é a suposta
atipicidade da conduta realizada pelo paciente com base na teoria da insignificância, por
falta de lesividade ou ofensividade ao bem jurídico tutelado na norma penal. 2. Registro

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que não considero apenas e tão somente o valor subtraído (ou pretendido à subtração)
como parâmetro para aplicação do princípio da insignificância. Do contrário, por óbvio,
deixaria de haver a modalidade tentada de vários crimes, como no próprio exemplo do
furto simples, bem como desapareceria do ordenamento jurídico a figura do furto
privilegiado (CP, art. 155, § 2°). Como já analisou o Min. Celso de Mello, no precedente
acima apontado, o princípio da insignificância tem como vetores "a mínima ofensividade
da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada."
(HC 84.412/SP). 3. No presente caso, considero que tais vetores não se fazem
simultaneamente presentes. Consoante o critério da tipicidade material (e não apenas
formal), excluem-se os fatos e comportamentos reconhecidos como de bagatela, nos
quais têm perfeita aplicação o princípio da insignificância. O critério da tipicidade material
deverá levar em consideração a importância do bem jurídico possivelmente atingido no
caso concreto. 4. No caso em tela, a lesão se revelou significante não obstante o
bem subtraído ser inferior ao valor do salário mínimo . Vale ressaltar, que há
informação nos autos de que o valor "subtraído representava todo o valor encontrado no
caixa (fl. 11), sendo fruto do trabalho do lesado que, passada a meia-noite, ainda
mantinha o trailer aberto para garantir uma sobrevivência honesta." Portanto, de acordo
com a conclusão objetiva do caso concreto, entendo que não houve inexpressividade da
lesão jurídica provocada. 5. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.” (RHC
96813, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 31/03/2009, DJe-
075 DIVULG 23-04-2009 PUBLIC 24-04-2009 EMENT VOL-02357-04 PP-00706 LEXSTF
v. 31, n. 366, 2009, p. 371-380 RF v. 106, n. 407, 2010, p. 475-480) (negritamos)

PENAL – HABEAS CORPUS – FURTO DE UM BONÉ – VALOR DE R$ 50,00 – OBJETO


RESTITUÍDO À VÍTIMA – REINCIDÊNCIA – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA – POSSIBILIDADE – IRRELEVÂNCIA DA
REINCIDÊNCIA E DOS MAUS ANTECEDENTES. PRINCÍPIO DA NECESSARIEDADE
DA PENA – ORDEM CONCEDIDA PARA RECONHECER A ATIPICIDADE DA CONDUTA.
1- Se o bem tutelado nem mesmo chegou a ser ofendido, nem há relevância na
conduta praticada, o princípio da insignificância deve ser aplicado, afastando-se
a tipicidade. 2- A aplicação dos princípios da necessariedade e da suficiência
afasta a fixação de pena que se mostra excessiva para reprimir conduta
irrelevante. 3- Maus antecedentes e reincidência não impedem a aplicação do
princípio da bagatela. 4- Ordem concedida para absolver o paciente pelo
reconhecimento da atipicidade de sua conduta. Expedido alvará de soltura, salvo
prisão por outro motivo.” (HC 96.929/MS, Rel. Ministra JANE SILVA

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(DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em
08/04/2008, DJe 25/08/2008) (negritamos).

Assim, os antecedentes criminais do acusado não são capazes de impedir a


aplicação do princípio da insignificância, como vem sendo aplicado na jurisprudência:

“Recorrente condenado pela infração do artigo 334, caput, do Código Penal


(descaminho). Princípio da insignificância reconhecido pelo Tribunal de origem, em razão
da pouca expressão econômica do valor dos tributos iludidos, mas não aplicado ao caso
em exame porque o réu, ora apelante, possuía registro de antecedentes criminais.
Habeas corpus de ofício. Para a incidência do princípio da insignificância só devem
ser considerados aspectos objetivos da infração praticada. Reconhecer a
existência de bagatela no fato praticado significa dizer que o fato não tem
relevância para o Direito Penal. Circunstâncias de ordem subjetiva, como a existência
de registro de antecedentes criminais, não podem obstar ao julgador a aplicação do
instituto.” (RE 514.531, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 21-10-08, 2ª Turma,
DJE de 6-3-09). No mesmo sentido: HC 96.309, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em
24-3-09, 1ª Turma, DJE 24-4-09; HC 93.482, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-
10-08, 2ª Turma, DJE de 6-3-09) (destacamos).

Resta demonstrada a aplicação ao presente caso do princípio da insignificância,


tendo em vista o pequeno valor em discussão, sendo certo que não se deve levar em consideração
para tal os antecedentes criminais do acusado, conforme entendimento já explicitado.

IV - CONCLUSÃO

Assim, requer-se a V. Exa.:

a) Que o réu seja considerado inocente das duas acusações acerca dos crimes
previstos no artigo 171, caput, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, tendo em vista à
atipicidade da conduta do acusado, bem como que não houve se quer prejuízo às vítimas.

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b) Que o réu seja absolvido no que tange à aplicação do artigo 171, caput, do
Código Penal, tendo em vista o óbice do princípio da insignificância, sendo medida de rigor que
qualquer dano material seja guerreado em ação própria na esfera cível.

c) Que o réu, no caso de uma possível condenação exerça o direito de apelar em


liberdade devido ao não preenchimento dos requisitos impostos pelo artigo 312 do CPP, não estando
desta feita configurada sua periculosidade.

Nesses termos, requer deferimento.

Brasília/DF, 07 de junho de 2015.

Alexandre Carvalho
OAB/DF 35.428

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