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• O sétimo capítulo reforça a tese de que a hipnose pode ser validada co-
mo um procedimento terapêutico. Compara a hipnoterapia com moder-
nas teorias e práticas das principais psicoterapias conhecidas, demons-
trando semelhanças e diferencias.
• O oitavo e último capítulo descreve o que considera o autor como mais
um aporte da pesquisa. É dedicado à auto-hipnoterapia, representa na
prática a soma dos conhecimentos estudados nos capítulos anteriores.
Este aspecto é de grande importância para o leitor que busca soluções
para problemas existenciais, principalmente problemas de caráter psico-
terapêutico.
No geral, após a leitura e rápidos exercícios, o livro esclarece o que é e
como funciona a hipnose e a auto-hipnose, como sua execução é bem simples
e como os bons resultados são surpreendentes. Porém, bem mais importante
talvez seja o fato de reafirmar e exemplificar, o tempo todo, que cada ser hu-
mano traz dentro de si o dom da autocura e é capaz de viver bem e ser feliz,
mesmo na adversidade. É um livro que deve ser relido várias vezes, cada nova
leitura sempre apresenta surpresas e induz novas descobertas.
Por fim, recomenda o autor que, para obter melhor domínio sobre o tema
e evitar conclusões precipitadas, é aconselhável uma leitura seqüencial e que
as reflexões ocorram na medida em que seja vencido cada capítulo. Também
aconselha que este livro deva ser lido sem preconceito, mas com espírito
crítico, separando os fatos das opiniões. Lembra ainda que a proposta desta
obra não é passar informação, mas conhecimento e, isso, depende muito mais
do leitor do que do autor.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 7
INTRODUÇÃO
isso tem evoluído muito nos últimos tempos porque hipnotizar é antes de tudo
convencer e a propaganda tem este mesmo propósito.
Já existem sistemas de publicidade, sobretudo na chamada publicidade
indireta, capazes de criar no ânimo dos consumidores o desejo, quase sempre
irresistível, para fazer ou deixar de fazer alguma coisa; como adquirir
determinado produto, preferir marca ou modelo e alimentar o consumo
desnecessário, deixando-os num estado que se assemelha à hipnose clássica.
Assim, identificar esses processos é uma forma de defender-se quando for
preciso.
A mídia é capaz, de uma só vez, de modificar conceitos e
comportamentos de grande parte da sociedade através da repetição da
informação que, às vezes, são equivocadas ou ideologicamente construídas
pelos interesses da dominação. Tem a mídia, através da sugestão, o poder de
influenciar e convencer os coletivos sociais estabelecendo conceitos e
preconceitos, alterando costumes, modificando hábitos, gerando consumo e
formando opiniões.
O recurso da sugestão hipnótica é também fortemente utilizado quando a
religião determina o comportamento das pessoas com base na idéia de céu e
de inferno, virtude e pecado, santos e demônios. Uma vez sugestionado o
indivíduo pode ampliar ao máximo, por si só, o poder da sugestão que recebeu.
O resultado desse processo depende de como foi, direta ou indiretamente,
sugestionada a agir e, agindo, reforça a sugestão que recebeu em uma
realimentação constante, aumentando cada vez mais o seu grau de
convencimento em torno do objetivo induzido.
O ritual religioso quando associado ao transe hipnótico, produz efeitos
que ultrapassam a compreensão pela racionalidade; através de linguagens
simbólicas promove o aumento da percepção e curas inexplicáveis acontecem.
Algumas religiões milenares que se desdobram em várias outras, chegam à
contemporaneidade como no passado, produzindo bem a associação de transe
e cura. Nem sempre o transe é produzido apenas através de estímulos dos
sentidos normais, pode ser desencadeado por ingestão de substâncias que
agem no organismo com este propósito. Em algumas sociedades primitivas
substâncias hipnotizadoras encontradas na natureza, geralmente em vegetais,
foram incorporadas às liturgias e são usadas até hoje com surpreendentes
efeitos.
Entre os grandes clássicos do hipnotismo europeu, é comum a referencia
inicial ao Padre Gassner que praticava na Alemanha, por volta de 1770,
métodos e aplicações de técnicas hipnóticas, associadas à crença católica, com
objetivo de curar enfermidades. Para ele as doenças e os demônios estavam
quase sempre juntos e uma pessoa doente poderia ser alguém possuída.
Aquele que se sentia com o diabo no corpo, e por conseqüência doente, vinha
ou era trazido ao Padre para que ele o expulsasse e, assim, promovesse a
cura.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 11
Franz Anton Mesmer assistiu várias apresentações de Gassner e não se
conformando com a explicação do Padre, deu uma versão não menos
fantástica para as curas através do hipnotismo, em lugar de responsabilizar
demônios pelas enfermidades, responsabiliza os Astros. Para ele a doença
resulta da freqüência irregular dos fluidos astrais e a cura depende de sua
adequada regulagem. Acreditava que certas pessoas teriam o poder de
controlar esses fluidos, podendo comunicá-los a outrem, direta ou
indiretamente, por intermédio de objetos magnetizados pelo seu contato.
Os efeitos hipnóticos saíam da explicação religiosa indo para a explicação
da influência astral, tese segundo a qual os fluidos magnéticos invisíveis
regulam a vida das pessoas e, por volta de 1780, o mesmerismo se espalhou
pela Europa; Mesmer dizia que o crucifixo de metal usado por Gassner era
responsável por concentrar e transmitir para os enfermos um fluido magnético
curativo. Cria assim a doutrina do Magnetismo Animal, que foi logo bem
recebida por legiões de adeptos. Foi ele um dos maiores mistificadores do que
mais tarde seria conhecido como hipnose.
O magnetismo animal prossegue com o Marquês de Puységur, um dos
discípulos de Mesmer. O Marquês, casualmente, enquanto magnetizava um
camponês com objetivo de curá-lo de enfermidade, percebeu que o paciente
caía em um estado de sonambulismo, como se mantivesse em sono profundo,
com movimentos respiratórios tranqüilos. Nada havia das clássicas agitações
provocadas pelo Mesmerismo. Puységur percebeu, com surpresa, que o
camponês podia falar sem sair do sono hipnótico e com lucidez maior que a
habitual, indicou sua própria doença como sendo uma infecção pulmonar e para
sua própria cura indicou remédios precisos. Puységur chamou isso de
sonambulismo artificial, e descobriu o estágio mais profundo do transe hipnótico
que até hoje é chamado de sonambúlico.
O magnetismo tomou outro rumo através do médico e filósofo, Denizard
Hippolyte Léon Rivail. Em 1850 o mesmerismo atraiu a sua atenção, passando
a integrar o grupo dirigido pelo Barão Du Potet, dirigente da Sociedade
Magnética de Paris. Inicialmente Rival freqüentou sessões de magnetismo em
busca de solução para os casos de enfermidades de pacientes a ele confiados
e tornou-se mais tarde o codificador da doutrina espírita.
Em 1859, com o pseudônimo de Allan Kardec, publica o Livro dos
Espíritos e cria outra versão para o magnetismo, a de que a força curativa era
atribuída aos espíritos. A estruturação de sua doutrina tem por base o
pensamento de Pitágoras sobre a existência da alma e sua evolução defendida
por Platão, herda diretamente as teorias do magnetismo e os rituais
mesmeristas, se desenvolve absorvendo, incorporando e reinterpretando seus
efeitos. O espiritismo segue sua própria escola e o mesmerismo acaba sendo
substituído pelo hipnotismo.
Vários foram os homens famosos que desenvolveram e aplicaram as
idéias de Mesmer. Mas foi James Braid, médico escocês que usou pela
12 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
primeira vez, por volta de 1841, a palavra hipnotismo. Deve-se sua iniciação
nos estudos da hipnose ao famoso mesmerista suíço Lafontaine, discípulo de
Puységur. Em 1843 Braid publica seu livro sobre o assunto; dizia que a fixação
do olhar era o processo para o efeito mesmerista. Batizando esses efeitos
como hypnos, nome do deus grego do sono, anexado ao vocábulo ismo, que
significa estudo, cria a expressão hipnotismo e, disso derivando outros nomes
como hipnose, hipnótico, hipnólogo, hipnotizador, hipnotista e hipnotizado.
Hipnotista é quem induz o transe hipnótico de forma metódica, técnica e
sistemática, é teórico e prático na área da hipnose. Hipnotizador é quem
casualmente hipnotiza sem possuir conhecimento teórico, às vezes não sabe o
significado da hipnose ou até mesmo como provoca seus efeitos. Hipnólogo é o
teórico, estudioso do assunto, conhecedor das técnicas hipnóticas, mas nem
sempre hábil na prática de hipnotizar. Hipnotizado é quem está sob a ação do
hipnotismo e é também chamado de paciente quando a hipnose é produzida
para tratamento médico.
Liébaut foi quem acrescentou a sugestão verbal à fixação do olhar
desenvolvido no método de Braid. Sua técnica tranqüila e discreta baseava-se
nas palavras e no tom de voz. Em 1864, lendo um exemplar da obra de Braid,
fez-lhe renascer o interesse pelo assunto que não mais deixaria por toda a sua
vida. Seus clientes eram pessoas humildes e camponesas e a eles Liébaut
dizia: “Se quiser tratamentos com drogas, terá que pagar a consulta, mas se
permitir que faça o tratamento pelo hipnotismo, não terá de pagar nada”.
Por volta de 1880, Bernheim foi o primeiro a perceber que o estado
hipnótico era normal em todas as pessoas e, principalmente, foi quem definiu
os efeitos pós-hipnóticos da sugestão como elemento provocador de ações
inconscientes compulsivas, e propôs aplicar isso como terapia. Nesta mesma
época, Charcot achava que a hipnose era uma forma de histeria, descobriu que
podia induzir sintomas histéricos através de sugestões hipnóticas. Não
concordando, Bernheim apontou a Charcot os seus erros, mostrando-lhe que
as características histéricas não eram critérios para o transe hipnótico e que os
sintomas da histeria podiam ser provocados artificialmente por mera sugestão.
Nasceu daí a histórica controvérsia entre as duas escolas francesas de
hipnotismo, uma no hospital La Salpêtrière em Paris e, a outra na Cidade de
Nancy.
Salpêtrière e Nancy foram escolas que serviram de base para Freud e, as
investigações com o uso da hipnose, forneceram muitas pistas que lhe permitiu
os primeiros passos para o desenvolvimento da teoria e da técnica da
psicanálise. Mas, não é apenas a psicanálise que tem forte envolvimento com o
hipnotismo e, principalmente com a hipnoterapia; também pode ser identificado,
de algum modo, semelhanças com outras teorias que fundamentam várias
psicoterapias, filosofias de vida e concepções de mundo, produzidas nas mais
diferentes culturas, tanto orientais como ocidentais. Mesmo que tentem seus
idealizadores e seguidores se afastarem do tema, sempre aparecem laços que
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 13
vinculam suas teorias ou idéias aos processos sugestivos ou efeitos
terapêuticos próximos aos produzidos pelo hipnotismo.
Das duas clássicas escolas de hipnotismo, Salpêtrière e Nancy,
resultaram muitos outros pesquisadores; cada um tentando compreender e
difundir a hipnose pelo mundo, como Krafft-Ebing na Áustria, Forel na Suíça,
Wetterstrand na Suécia, Bramwell na Inglaterra, Heidnhain na Alemanha, Felkin
na Escócia, Pavlov na Rússia, McDougall e Phineas Puimby nos Estados
Unidos. Com tanta gente estudando e teorizando, a hipnose ganha impulso na
aplicação terapêutica e cresce através de demonstrações recreativas.
Donato e Hansen, ambos no fim do século XIX, destacaram-se por arre-
batarem multidões para demonstrações de grandes espetáculos de hipnose re-
creativa. Violentas controvérsias explodiram pela impressa, acerca da natureza
destes espetáculos, cada qual procurou interpretar a seu modo este fatos es-
tranhos, que tão vivamente incitavam a curiosidade pública. Os homens de ci-
ências, solicitados, foram obrigados ao exame deste tema e muitos médicos,
professores e cientistas se interessavam pelo assunto. Nas platéias, cada vez
mais, estavam presentes importantes personalidades e, a partir daí, davam no-
vos impulsos à hipnose. Assim, por meio do palco, o hipnotismo alcançou mais
intensamente o debate nas academias.
Os estudos acadêmicos ortodoxos quando se aproximaram da hipnose foi
com receio e cautela. Das tentativas para explicar o hipnotismo cientificamente,
muito se deve ao cientista russo Pavlov, quando analisou o fenômeno
baseando seu estudo nos reflexos condicionados. Suas hipóteses para
enquadrar as explicações nos princípios do paradigma mecanicista não
prosperam; as tentativas da ciência neste campo foram vagas e os resultados
obtidos nas pesquisas foram sempre imprecisos.
Para as neurociências ainda é um desafio desvendar como o processo
hipnótico acontece. Mas, com o avanço dos novos recursos tecnológicos
aplicados como instrumentos de pesquisa, grandes revelações já ocorrem em
laboratórios do mundo científico. Somando-se a isso o fato da ciência estar
caminhando por um novo paradigma, a hipnose sairá, em breve, do conceito de
pseudociência, ganhará a respeitabilidade da comunidade científica, deixando
de ser privilégio de alguns para ser conhecida pelo grande público. Na
atualidade estudos sistematizados já despontam em grandes centros de
pesquisa acadêmica, como na Universidade de Harvard, juntamente com a
Universidade Stanford.
Embora vagos os conhecimentos científicos disponíveis para explicar a
hipnose, muito antes de ser descartada, está sendo cada vez mais utilizada.
Nos dias atuais o hipnotismo é apontado como uma arma eficiente de que
dispõe a humanidade em sua incessante luta contra alguns males. O domínio
da auto-hipnose pode ajudar na eliminação das doenças psicossomáticas ou
eliminar efeitos psicológicos que agravam doenças orgânicas.
14 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
1
ARISTÓTELES, Metafísica (trad. Leonel Valandro), Porto Alegre, Ed. Globo, Biblioteca dos Sé-
culos, 1969.
20 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
te Tales de Mileto, quando afirma que a Terra flutua como um disco boiando
sobre a água, no oceano, e que a água está presente em quase tudo que existe
na natureza, em seus três estados físicos; líquido, sólido e gasoso. Para ele, a
água (hydro) é o princípio e o fim de tudo. Tales escolheu esse elemento como
primordial influenciado, provavelmente, por antigos mitos do Egito e da Mesopo-
tâmia; regiões onde a água teve um papel crucial para o desenvolvimento de ci-
vilizações, principalmente em locais fluviomarinhos como a margens de rios, la-
gos e mares.
Segundo Tales, a água ao se resfriar torna-se densa e dá origem à terra e
ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando
novamente esfriados. Desse ciclo de seu movimento (vapor, chuva, rio, mar,
terra) nascem as diversas formas de vida, vegetal e animal. A hipótese de Tales
pode ser resumida nas proposições de que a terra flutua sobre a água; a água é
a causa material de todas as coisas e, em suas diferentes formas, é cheia de
deuses e poderes divinos. Foi também um dos primeiros pensadores a afirmar
que o ímã possui vida, pois atrai o ferro, tendo assim inaugurado a doutrina
magnética, básica para o desenvolvimento da “medicina magnética” que se
desdobra no mesmerismo, no kardecismo e, por fim, no hipnotismo.
A busca por um elemento real que dá unidade à natureza é a contribuição
mais importante de Tales, elegendo a água enquanto princípio para a explica-
ção do mundo, inaugura o pensamento filosófico. Para ele a água não era sim-
plesmente a substância encontrada em rios, mares, lagos e simbolizava um e-
lemento real, o mais básico, o mais primordial; presente em todas as coisas em
maior ou menor grau. No imaginário coletivo a água vai se tornando também re-
ferencia indispensável para a explicação de todas as coisas questionáveis, se
transforma em um elemento mágico capaz de promover a cura para o corpo e a
purificação para a alma humana. Passa a ser a fonte de explicação para o que
não se pode compreender.
Os discípulos de Tales elegem outros elementos como sendo primordial
para a explicação do mundo, como exemplo, Anaximandro de Mileto (611-547
a.C.), discordando do mestre, identifica o arché não mais como um elemento
natural, mas no apeíron, termo grego que indica o ilimitado, o infinito, uma reali-
dade sem limites e sem fronteiras, um princípio abstrato significando algo de i-
limitado, indefinido, subjacente à própria natureza. Anaximandro dizia que a ori-
gem de tudo está no movimento eterno que resulta na separação dos contrá-
rios; como o quente e o frio, o seco e o úmido. Neste sentido, como forma expli-
cativa da vida, do mundo e do Universo, o pensamento teológico, impõe tam-
bém contrários como o bem e o mal, a virtude e o pecado, o sagrado e o profa-
no, o céu e o inferno, anjos e demônios, Deus e o diabo.
Anaximandro é contraditado por Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.)
quando afirma ser o ar o princípio e o fim de tudo, dizia que esse elemento se
diferenciava nas substâncias por refração e condensação; atenuado torna-se
fogo; condensado, vento; ao crescer a condensação, transforma-se em água e
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 21
depois em terra, pedras e tudo mais na natureza. Mas, os gregos também pas-
sam a compreender o ar pela expressão pnêuma, ou seja, o vento quente e ra-
refeito, de natureza mais espiritual do que material, presente em cada ser vivo e
que se exala do corpo como no último suspiro. O ar de Anaxímenes passa a ser
entendido como o princípio da vida, algo que entra e sai do corpo, entre o nas-
cimento e a morte, por isso passa a significar mais do que uma substancia natu-
ral. Dessa idéia mais tarde deriva a concepção de alma e sua imortalidade. A-
romatizar o ar passa a ser entendido como forma de melhor sentir sua presença
capaz de promover benefícios mágicos para o ser humano.
Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.) recebeu o cognome de "pai da dialética",
problematiza a questão do devir (mudança) e dizia ser o fogo o princípio expli-
cativo para tudo que fosse questionável, para ele tudo muda e tudo flui. Dizia
que todas as coisas podem ser transformadas em fogo e que o fogo pode se
transformar em todas as coisas. Mas, o pensamento de Heráclito parece ser
metafórico, compara a ação do fogo com a ação da moeda pela capacidade
que ambos têm de transformar as coisas. Dizia que do mesmo modo como se
troca o ouro, no sentido de moeda, por todas as coisas, tudo pode ser trocado
por ouro. 2 Suas idéias sobre o fogo, como elemento primordial ou metáfora ex-
plicativa, no conceito popular ganha relevância. Além do seu poder de exercer
fascinação, o fogo já não se limita apenas à iluminação ou outros serviços; pas-
sa a representar mais uma facilidade na relação do humano com o divino. Pa-
radoxalmente a filosofia que surge em substituição ao pensamento mítico, a ca-
da passo o fortalece.
Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.), natural da colônia dórica de A-
grigento, na Sicília, realizou uma síntese filosófica e propôs uma explicação ge-
ral do mundo, considerando todas as coisas como resultantes da fusão do que
considerou os quatro princípios eternos e indestrutíveis; a terra, o fogo, o ar e a
água. Acreditava que esses elementos são misturados ou separados pela ação
do amor ou pelo ódio. Tese retomada por Platão (428-347 a.C.) e difundida em
toda a Antigüidade, chegando até o período moderno nas especulações da al-
quimia no Renascimento até o surgimento da química moderna no século XVIII,
quando em 1789, Antoine-Laurent Lavoisier publicou a primeira lista de elemen-
tos químicos. Depois de Empédocles, Demócrito de Abdera acrescenta mais
um elemento, o átomo, acreditava que tudo era composto por átomos e vazio.
O atomismo de Demócrito passa a ser a medida explicativa de tudo.
Pitágoras (570-500 a.C.) identificou o arché no número, afirmando que
cada figura geométrica e, portanto, cada corpo existente, pode ser pensado
como quantidade finita de elementos-base unitários. Com a certeza de que tudo
é número e tudo pode ser quantificado em números, Pitágoras construiu a pri-
meira matemática e elaborou uma metafísica, um ideal de ordem, racionalidade
e harmonia universal. Para ele o número não era um ente abstrato, mas algo
2
NICOLAS, Ubaldo. Antologia ilustrada de filosofia: das origens à idade moderna (trad. Maria
Marghrita De Luca), São Paulo, Ed. Globo, 2005.
22 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
concreto e real com uma dimensão espacial; os números são figuras como e-
xemplo o quadrado, o triângulo e o circulo que se apresentam como um ente in-
termediário entre a aritmética e a geometria e é capaz de explicar o mundo. Daí
se desenvolve a numerologia.
No que se refere à magia, Pitágoras também se revela como crédulo das
culturas curativas arcaicas baseadas no pensamento mítico. Isso é demonstra-
do pela lista de estranhas regras de purificação da alma que impôs aos seus
discípulos. Algumas ações eram absolutamente proibidas por motivos religio-
sos, como exemplo, não comer favas; não recolher o que caiu; não tocar em um
galo branco; não partir o pão para comer; não saltar sobre traves; não atiçar o
fogo com ferro; não morder um pão inteiro; não partir as guirlandas; não se sen-
tar sobre um jarro; não comer coração; não se olhar em um espelho perto do
fogo; alisar a marca do corpo ao levantar-se na cama. Outra idéia de Pitágoras
é a de que os Astros produzem no seu movimento uma música perfeita e divina,
literalmente celestial, a música das estrelas não é percebida pelos homens por
não serem estes perfeitos ou refinados do ponto de vista da suprema purifica-
ção da alma.
Pitágoras foi o primeiro filosofo acidental a sustentar a existência da alma
e sua transmigração de um copo para outro no momento da morte. Para ele,
devido à culpa anterior, a alma é obrigada a reencarnar sucessivamente, nem
sempre em corpos humanos, mas também em animais, em um ciclo que só é
interronpido após a purificação. Esta teoria conhecida como metempsicose, pro-
fessada no oriente pelas religiões hinduísta e budista, chegou à Grécia com a
seita misteriosa dos Órficos, cresceu com os ensinamentos de Pitágoras e de-
pois foi assumida por Platão como explicação da anamnese ou reminiscências.
Anamnese, em grego, significa recordação, reminiscências. O termo indi-
ca a teoria de origem mítico-filosofica com que Platão tenta explicar o problema
do conceito e do conhecimento em geral. Segundo sua hipótese a alma, no
sentido da mente humana, não adquire conhecimento a partir do exterior, mas
recorda no seu interior, aquilo que outrora adquiriu e depois esqueceu. Reto-
mando a teoria da metempsicose de Pitágoras, Platão também acha que as al-
mas transmigram de um corpo para outro, mas antes de ocupar um novo corpo
têm a possibilidade de contemplar as idéias, o modelo perfeito das coisas. Este
conhecimento, perdido no esforço do nascimento, é posteriormente despertado
pela observação das coisas. Assim, a percepção do mundo externo não fornece
nenhum conhecimento, somente o estimulo à recordação. O conhecimento dá-
se por meio de uma visão intelectual, quando o ser humano consegue reconhe-
cer na complexidade do mundo real as formas essenciais e prototípicas, ou se-
ja, as idéias.
Para os filósofos compreender o mundo era necessário outro princípio, o
Kosmos. O significado do termo para os gregos liga-se diretamente às idéias de
ordem, harmonia, circularidade e serenidade representada pelos Astros e pelo
espaço celeste. O belo resulta da harmonia das formas vistas no Cosmo; daí a
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 23
origem do termo “cosmético” como símbolo de beleza. A visão do Cosmo dis-
tinguia a natureza celeste da natureza terrestre, o mundo supralunar e o mundo
sublunar que se opunham, um como perfeito e o outro imperfeito. O imperfeito
corruptível e perecível se opõe ao perfeito que é eterno e imutável.
As coisas terrestres eram imperfeitas, mas ao contrário da Terra, os As-
tros celestes eram vistos como perfeitos pela sua forma circular, de movimentos
uniformes, sem começo nem fim, sempre girando em torno de um ponto central
do qual não se afasta nem se aproxima, habitação dos seres perfeitos e eter-
nos. O Cosmo, entendido como ordem, se opõe ao caos que seria precisamen-
te a falta de ordem. Passa a ser contemplado pelos pensadores como o mundo
real, natural e ordenado de acordo com certos princípios racionais, em que cer-
tos elementos são mais básicos e se constitui de forma determinada, tendo a
causalidade como lei principal.
A astrologia é envolvida pelo pensamento mítico com a idéia de um Cos-
mo finito, esférico, fechado sobre si mesmo, inteiramente contido na esfera dos
céus, a Terra imóvel em seu centro e fora do qual, como diz Aristóteles, nada
existe, nem lugar, nem tempo. Os Astros celestes, principalmente os noturnos
como a Lua e as Estrelas, passam a representar o modelo para a vida humana,
espelham a virtude, representam a idéia de perfeição que deveria influenciar o
humano, suas atitudes e sua existência. Dessa filosofia deriva a convicção da
influência dos Astros na vida e no destino das pessoas, é como se a vida de
cada um estivesse escrita nas estrelas.
Há na concepção grega o pressuposto de correspondência entre a razão
humana e a racionalidade do real para a compreensão do Cosmo. É a raciona-
lidade do mundo que o torna compreensível ao entendimento humano, a ordem
do Cosmo é vista como uma ordem racional, uma realidade possível de ser
compreendida. É porque este real pode ser compreendido que se pode fazer
ciência, isto é, tentar explicá-lo teoricamente. Daí se origina o termo “cosmolo-
gia”, como explicação dos processos e fenômenos naturais e como teoria geral
sobre a natureza e o funcionamento do Universo.
O Lógos e o Crítico
Para o grego compreender o mundo faltava mais um princípio, a argu-
mentação da realidade, o discurso, o lógos. O termo significa literalmente dis-
curso e é com tal acepção que é explicitado, por exemplo, em Heráclito de Efé-
so. O lógos enquanto discurso difere fundamentalmente do mythos, narrativa de
caráter poético que recorre aos deuses e ao mistério na descrição do real. É
uma explicação em que razões são dadas no discurso dos primeiros filósofos,
explicando o real por meio de causas naturais.
Lógos são razões argumentativas, frutos não de uma inspiração ou de
uma revelação, mas simplesmente do pensamento humano aplicado ao enten-
dimento da natureza. É, portanto, o discurso racional em que as explicações
são justificadas e estão sujeitas a critica e à discussão (disso deriva o termo
“lógica”). Heráclito caracteriza a realidade como tendo um lógos, ou seja, uma
24 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
racionalidade que seria captada pela razão humana. Um dos pressupostos bá-
sicos da visão dos primeiros filósofos é a correspondência entre a razão huma-
na e a racionalidade do real, o que tornaria possível um discurso racional sobre
o real.
Para construir o lógos era necessário o crítico, um dos aspectos mais fun-
damentais do saber que fundamenta as primeiras escolas de pensamento, so-
bretudo na escola jônica. O caráter crítico impedia que as teorias formuladas
fossem dogmáticas, apresentadas como verdades absolutas e definitivas, mas
como teorias passíveis de serem discutidas, de suscitarem divergências e dis-
cordâncias, de permitirem formulações e propostas alternativas. Como se trata
de construções do pensamento humano, de idéias de um filósofo, e não de ver-
dades reveladas de caráter divino ou sobrenatural, estão sempre abertas à dis-
cussão, à reformulação, a correções. Isso aconteceu na escola de Mileto com
os dois principais seguidores de Tales, Anaxímenes e Anaximandro, quando
não aceitaram a idéia do mestre de que a água seria o elemento primordial e
postulam outros elementos como tendo esta função.
Nas escolas filosóficas o debate, a divergência e a formulação de novas
hipóteses eram estimulados, a única exigência era que as propostas divergen-
tes pudessem ser justificadas, explicadas e fundamentadas por seus autores e
submetidas à crítica. O que é acrescentado de novo na filosofia grega, não é a
substituição dos mitos por algo mais “científico”, mas sim uma nova atitude em
relação aos mitos, a atitude crítica. Em lugar de uma transmissão dogmática da
doutrina, na qual todo o interesse consiste em preservar a tradição autêntica,
encontra-se uma tradição crítica da doutrina.
Outros pensadores começam a fazer perguntas a respeito do mito, duvi-
dam de sua veracidade, a dúvida e a crítica tornam-se agora parte da tradição
da filosofia. Uma tradição superior que substitui a preservação tradicional do
dogma e, em lugar da teoria tradicional, do mito, encontra-se a tradição das teo-
rias que criticam a si mesmas e, no decorrer dessa discussão crítica, a obser-
vação é adotada como testemunha dos fatos. Não foi por mero acaso que Ana-
ximandro, discípulo de Tales desenvolveu uma teoria que divergia explícita e
conscientemente de seu mestre, e que Anaxímenes, discípulo de Anaximandro,
tenha também divergido. A explicação parece ser que o próprio fundador da es-
cola tenha desafiado seus discípulos a criticarem sua teoria, e que eles tenham
transformado, com esta atitude de fazer crítica, a tradição da escola, trocando o
dogma pela reflexão do pensamento.
O Cosmo passa a ser entendido pela astrologia, existe agora uma forma
de conhecimento racional sobre os Astros, e surgem os pensadores astrôno-
mos. Mas, até o século XVI e o início do XVII o pensamento ainda estava im-
pregnado do ocultismo e da magia. A Igreja incorpora e defende o pensamento
filosófico; passa a impor a idéia de que o mundo acima da Lua era reservado à
habitação das substâncias mais puras, mais perfeitas e divinas, superiores so-
bre o mundo imperfeito das coisas terrestres. A filosofia e a Igreja caminham
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 25
juntas e, sob os ditames divinos, reforça que o mundo cósmico é capaz de e-
xercer influência sobre as formas de vida existente na Terra. Tinham como
pressuposto básico a existência de um mundo perfeito supralunar, habitado por
seres perfeitos do qual os humanos, por serem mortais, são apenas cópias im-
perfeitas.
No século V, a invasão dos bárbaros irrompendo de todos os lados, des-
truindo no Ocidente a civilização romana, inicia a Idade Média, provocando no-
vas condições políticas e sociais, adversas à conservação e ao desenvolvimen-
to da cultura intelectual. É um período de estagnação intelectual em que não
houve filosofia propriamente dita, mas houve a preocupação de salvar os res-
tos da cultura que estava sendo arruinada com as invasões de povos nômades
como os visigodos, suevos, ostrogodos, francos e principalmente os vândalos.
O grande trabalho dos intelectuais dos primeiros séculos medievais, não
foi criar, mas compilar. E se deve principalmente aos monges, que recolheram
em seus conventos muitos manuscritos antigos, que revelavam as sabedorias
dos séculos anteriores. Aos poucos, porém, os bárbaros, vencedores, acomo-
daram-se à nova situação política e passaram a aceitar os usos e costumes
dos povos vencidos, convertendo-se ainda ao Cristianismo. Com isso houve
um ressurgimento da cultura e gradativamente as manifestações intelectuais
apareceram como doutrinas teológico-filosóficas, que passam a dominar na I-
dade Média. Entre o século IX e o XVII o pensamento filosófico se caracteriza
pelo problema da relação entre a fé e a razão, associando a filosofia greco-
romana à teologia cristã.
Apoiada na crescente influência religiosa, a Igreja passou a exercer impor-
tante papel político na sociedade medieval. Desempenhou, por exemplo, a fun-
ção de órgão supranacional, conciliador das elites dominantes, contornando os
problemas da fragmentação política e das rivalidades internas da nobreza feu-
dal. Conquistou, também, vasta riqueza material tornando-se proprietária de
aproximadamente um terço das áreas cultiváveis da Europa ocidental, numa
época em que a terra era a principal base de riqueza. Assim, pôde estender
seu poder hegemônico sobre diferentes regiões européias e impor-se como de-
tentora da revelação divina, se anunciado como a única fonte de verdade.
Filósofos eclesiásticos
Desde que surgiu o cristianismo, tornou-se necessário explicar seus ensi-
namentos às autoridades romanas e ao povo em geral. A Igreja católica sabia
que seus preceitos não podiam simplesmente serem impostos, tinham de ser
apresentados de maneira convincente. Foi assim que os primeiros Padres se
empenharam na elaboração de textos sobre a fé e a revelação divina. O con-
junto desses textos, inspirada na filosofia greco-romana, tentou munir a fé de
argumentos racionais e ficou conhecido como patrística, por terem sido escritos
principalmente pelos grandes Padres da Igreja. No plano cultural, a Igreja pas-
sa a exercer amplo domínio, trançando um quadro intelectual em que a fé cristã
era o pressuposto fundamental de toda sabedoria humana.
26 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
filosofia como absolutamente distinta da teologia, - não oposta - visto ser o con-
teúdo da teologia arcano e revelado, o da filosofia evidente e racional. Inaugura
a fase do Tomismo, adotada oficialmente pela Igreja Católica, que considera
como a solução definitiva do problema das relações entre a razão e a fé. O
Tomismo se caracteriza pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristia-
nismo, rompendo com todas as doutrinas que não se harmonizavam com os
princípios da filosofia aristotélica.
Tomás de Aquino trata de duas formas o conhecimento: a filosofia e a
teologia; a primeira funda-se no exercício da razão humana; a segunda, na re-
velação divina. São independentes, mas apresentam às vezes o objeto material
comum, como exemplo, a existência de Deus, a essência da alma, a revelação
intuitiva. A distinção entre essas formas de conhecimento deriva mais do objeto
formal, pois a teologia estuda o dogma pelo método da autoridade ou revela-
ção, ao passo que a filosofia o considera por demonstração científica ou pela
razão.
A doutrina tomista admite que a alma, princípio espiritual, se junta ao cor-
po, princípio material, constituindo um composto substancial. Assim, as plantas
têm uma alma, é a "alma vegetativa", com as funções de alimentação e repro-
dução; nos animais, é a "alma sensitiva", com as funções anteriores, mais a
sensação e mobilidade; finalmente, o homem com todas as funções anteriores,
mais a racional. No concernente às propriedades da alma humana, admite o li-
vre-arbítrio, que é estudado sob todos os seus aspectos e todos os problemas
dele derivados são resolvidos com firmeza e profundidade. Tomás de Aquino
considera ainda a inteligência como a faculdade mais perfeita de nossa alma.
Sustentado pela filosofia, o pensamento teológico do século XVI e XVII
ainda defendia que os Astros, perfeitamente lisos e esféricos, eram o oposto ao
mundo imperfeito do dia a dia dos homens. A concepção da Terra não perfeita,
não lisa como os Astros do céu, induzia a crença de que as montanhas existem
em virtude do pecado de quem habitava esse mundo fechado, no topo do qual
estava seu “teto”; o céu habitado por Deus, lugar para onde se dirigiam os ho-
mens bons depois da morte. Essa forma de pensar confirma as idéias de Pitá-
goras e depois Platão quando justificam a condição de mortal do ser humano,
separando o corpo da alma, dando-lhe eternidade, após a morte, para viver no
mundo perfeito como recompensa por ter tido uma vida terrena de virtudes.
A Igreja católica parece incorporar definitivamente em seus rituais, repre-
sentações, valores e idéias dos primeiros filósofos. A noção de physis e casua-
lidade, o arché, o kosmos, o crítico e o logos, relacionados por Aristóteles, es-
tão presentes na filosofia teológica, independentemente das diferentes interpre-
tações dadas pelos filósofos eclesiásticos. A prática religiosa conserva os ele-
mentares como a água e o sal no batismo, o ar no incenso, o fogo nas lampari-
nas e velas, o ouro, a prata e outros minerais na construção e decoração dos
templos e nos instrumentos litúrgicos. Os Astros compondo o mundo celestial
como idéia de perfeição, pureza e beleza divina.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 29
A ciência experimental
Ainda na Grécia antiga aparecem pensadores que, fazendo especulações
sobre os Astros celestes, iniciam a quebra do mito filosófico incorporado ao
dogmatismo da igreja. Aristóteles de Estagira explicou que as fases da Lua de-
pendem de quanto da parte de sua face é iluminada pelo sol e está voltada para
a Terra e, ainda, explicou como ocorre um eclipse. Heraclides de Pontus propôs
que a Terra gira diariamente sobre seu próprio eixo e que Vênus e Mercúrio gi-
ram em órbita do Sol. Aristarco de Samos foi o primeiro a propor que a Terra se
movia em volta do sol, antecipando as idéias de Copérnico em quase dois mil
anos. Eratóstenes de Cirênia (240-194 a.C.), foi diretor da biblioteca Alexandri-
na e o primeiro a medir o diâmetro da Terra. Hiparco de Nicéia, considerado o
maior astrônomo da era pré-cristã, construiu um observatório na ilha de Rodes,
onde fez observações durante o período de 160 a 127 anos a.C. O último as-
trônomo importante da antiguidade foi Ptolomeu que, afirmando ser a Terra o
centro do Universo, cria o modelo geocêntrico.
Quanto mais se especulava sobre o mundo Cósmico, mais o homem de-
sejava voar ou, de algum modo, conquistar esse privilégio. Esse desejo funda-
menta-se em uma ambição muito antiga; a mitologia, a arte e a literatura de to-
das as épocas e culturas estão repletas de imagens de homens-pássaros e do
anseio humano de alcançar os céus. Uma das figuras mais célebres da mitolo-
gia grega é Ícaro, filho do arquiteto Dédalo de Creta. Para que Ícaro fugisse da
ilha onde estava aprisionado, seu pai construiu-lhe asas de cera. Ícaro conse-
guiu escapar, mas sua ambição o levou a um vôo tão alto que o Sol acabou por
derreter a cera. Ícaro caiu no mar e morreu.
Entre a Baixa Idade Média (século XI ao XV) até a Idade Moderna (século
XV ao XVIII), para a Igreja as estrelas e os planetas estavam todos fixos na a-
bóbada celeste e a Terra era o centro do Universo. Mas, nessa mesma época,
tem inicio outra forma de pensamento, a ciência experimental, que vai transfor-
mar gradativamente a reflexão filosófica em algo mais objetivo, direto, concreto,
portanto, experimentável. Com essa nova visão de mundo, a observação dos
Astros celestes continua encantando muitos pensadores, entre eles Nicolau
Copérnico que estabeleceu o Modelo Heliocêntrico (O Sol como centro do Uni-
verso) e criou conceitos importantes. Observou que a Terra é um dos seis pla-
netas, então conhecidos, Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, gi-
rando em torno do Sol. Deduziu que quanto mais perto do Sol está o planeta
maior é sua velocidade orbital. Baseado em Copérnico, Kepler cria a Lei das
Órbitas Elípticas, afirma que a distância do Sol ao planeta varia ao longo de sua
órbita. Cria também a Lei das Áreas, afirmando que a reta unindo o planeta ao
Sol varre áreas iguais em tempos iguais e finaliza com a Lei Harmônica, estabe-
lecendo que planetas com órbitas maiores se movem mais lentamente em torno
do Sol.
Até o século XVI e no início do XVII, mesmo com o avanço do conheci-
mento sobre o Universo, a Igreja ainda conservava o pensamento dos antigos
30 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
ras tão alarmantes que logo podem se tornar irreversíveis. Ao lado das grandes
conquistas espaciais, os cientistas criaram tecnologias e sistemas armamentis-
tas que ameaçam varrer a vida do Planeta. Serviu ao poder e a acumulação de
riquezas para poucos em detrimento do empobrecimento de muitos seres hu-
manos. O progresso da ciência também contaminou o meio ambiente e degra-
dou biosfera.
Com todo avanço do conhecimento muito pouco se viu no sentido de pre-
servar a vida coletiva e harmônica entre os seres e a natureza. Embora muito
se tenha conquistado no sentido de descobrir a imensidão do Universo, pouco
avanço ocorreu para desvendar a mente humana e o sentido da vida. Enfim, é
hora de iniciar uma nova forma de pensar que desenvolva o espírito crítico para
a autopreservação da vida de forma integrada e sistêmica. É hora de avançar
na conquista do espaço interior, na exploração do potencial da mente humana.
Ciência Sistêmica ou Holística
No final do século XIX, a física clássica encontrava-se em pleno apogeu,
com seus grandes pilares: a Mecânica, a Termodinâmica e a Eletricidade, mas
o paradigma mecanicista começou a ser abalado seriamente, nas primeiras dé-
cadas do século XX, pelas pesquisas dos fenômenos elétrico-magnéticos e a
natureza subatômica da matéria. Começava a surgir uma nova Física, facilitan-
do o surgimento de um novo paradigma, a noção cartesiano-newtoniana do
mundo como uma máquina torna-se, por fim, obsoleta e insustentável, encontra
oposição com um conjunto de conceitos que inicia uma nova forma de pensar.
É o início do novo paradigma; o nascimento da chamada visão sistêmica ou ci-
ência holística.
Albert Einstein (1879-1955) investigado a natureza subatômica da maté-
ria, questiona o mecanicismo perguntando como se explica, de forma mecânica,
a transmissão da luz e das ondas eletromagnéticas através de espaços com
ausência de matéria. Cria a teoria da relatividade, afirmando que todo conheci-
mento é relativo, a compreensão dos espaços vazios entre os elementos do á-
tomo de uma matéria sólida passa a negar as concepções da física ortodoxa. A
partir dele, pode-se dizer, inicia o paradigma Holístico ou Sistêmico como uma
nova tendência do pensamento.
O holismo substitui o mecanicismo, que vê o Universo como uma máqui-
na determinística, sem negar as características mecânicas que se apresentam
na natureza, percebe o Universo como uma rede de inter-relações dinâmicas e
orgânicas. Essa nova visão muito se deve a Karl Ludwig von Bertalanffy (1901-
1972), austríaco nascido em Viena, que desenvolveu a maior parte do seu tra-
balho nos Estados Unidos da América. Foi o fundador da Teoria Geral dos Sis-
temas, fez seus estudos em biologia e interessou-se desde cedo pelos orga-
nismos e pelos problemas do crescimento. 3
3
BERTALANFFY, Ludwig von. Teoría general de los sistemas, (trad. Juan Almela), Madrid, 2ª.
Fondo de Cultura Econômica, 1981.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 37
Bertalanffy, não concordando com a visão cartesiana do universo, colocou
uma abordagem orgânica da biologia e tentou fazer aceitar a idéia de que o
organismo é um todo maior que a soma das suas partes. Criticou a visão de
que o mundo é dividido em diferentes áreas, como física, química, biologia,
psicologia, etc. Ao contrário, sugere o estudo dos sistemas globais, de forma a
envolver todas as suas interdependências, pois cada uma das partes, ao serem
reunidas para constituir uma unidade funcional maior, desenvolve qualidades
que não se encontram em seus componentes isolados.
A linguagem de bloco, base para a análise dos sistemas, foi elaborada
por Bertallanfly e, a partir daí, facilitou investigar o objeto da pesquisa como um
subsistema que faz parte de sistemas maiores. A linguagem mostra o grande
bloco, no qual se enquadra o objeto de estudo e o todo composto de subsiste-
mas auto-organizados e interdependentes que isolados possui características,
elementos e padrões que se alteram no conjunto. Isso quer dizer que a parte se
transforma e, para se entender a parte, é preciso conhecer o todo.
A teoria da biologia sistêmica elaborada por Bertallanfly, associada às
contribuições de outros pesquisadores modernos, evolui para a Teoria Sistêmi-
ca da Vida; nada vive isoladamente. A nova visão da ciência nega o reducio-
nismo quando afirma que do todo se pode entender a parte e não da parte se
pode entender o todo. Considera que cada parte, quando analisada isolada-
mente, apresenta características que no todo se modificam.
Na ciência moderna o conceito do mundo é de um todo unificado e inse-
parável, é uma complexa teia de relações onde todos os fenômenos são deter-
minados por suas conexões com a totalidade. Essas conexões podem ser lo-
cais e não-locais, instantâneas e imprevisíveis, conduzindo a uma nova noção
de causalidade estatística, que supera e transcende a concepção clássica e li-
near de causa e efeito. Nesta perspectiva a realidade apresenta-se essencial-
mente dinâmica, não há inércia, passividade ou imutabilidade; tudo vibra e se
renova perpetuamente e o único que permanece é a mudança. Essa filosofia
abandona a idéia de constituintes fundamentais da matéria, não aceitando ne-
nhuma constante, lei ou equação fundamental. O Universo é descrito como uma
teia dinâmica de eventos inter-relacionados, cuja estrutura é determinada pela
coerência total de todas as suas inter-relações.
A idéia cientifica moderna cria uma visão inacessível à mentalidade carte-
siano-newtoniana. Surge uma realidade onde só há espaço, sem nenhuma divi-
são, onde toda fronteira é criação da mente humana. Não há lugar para teorias
definitivas diante do conceito de não-separatividade, de correlação, de teia de
interconexão, onde cada elemento de um campo é um evento refletindo e con-
tendo todas as dimensões desse campo. É uma visão do todo e cada uma de
suas partes, estreitamente ligadas, em interações constantes e paradoxais.
Nesta visão o todo é maior que a soma de suas partes, sendo que cada parte
contém o todo, mas o todo não contém a parte. Se uma parte for dissecada e
38 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
5
‘MEDEIROS, Damião Nobre de. A vitória da máquina. In: Medicina, Conselho Federal. Brasília
DF, rev. nº 98, outubro, p. 28, 1998.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 43
próprio quadro. Cada paciente deve ser abordado de forma individual, isso
implica na melhor relação médico-paciente. Um passo importante nesta relação
é explicar, na medida do possível e com linguagem clara, o conceito da
presumível doença, sua ação e expectativas, suas limitações de êxito ou
fracasso. Se a solução não aparecer após as primeiras intervenções, a
conversa pode diminuir a frustração e a desconfiança do paciente e, isso,
servirá de base sólida para o sucesso da ação terapêutica.
Além da interpretação etiológica, o médico deve ouvir o doente para
avaliar se suas queixas não estão associadas a distúrbios psicossomáticos
como estresse e depressão. A cura também depende de sua influencia pessoal,
de seu prestígio, dos conselhos consoladores que sabe dar. Sua presença deve
restaurar a tranqüilidade e influenciar a vontade e a imaginação do paciente,
condição favorável para a cura. Se o médico é um hipnotista poderá
sugestionar nesse sentido em grau máximo.
A ação da sugestão verbal aliada a influencia do prestígio pessoal foi refe-
rida por Platão com forma de tratamento para as mais diferentes moléstias do
homem. Essas idéias são expostas em seus escritos como em Cármides, 6 e
em Fédro, 7 quando expõe acerca da terapia pela palavra; pelo poder da su-
gestão verbal transformado em elemento de cura. Afirma que as palavras são
phármakon, no duplo sentido grego do termo; tanto pode ser um veneno como
um remédio, depende da dose ou da forma como se aplica; as palavras quando
usadas pelo filósofo é um remédio; podem se constituir em um profícuo bálsa-
mo, mas quando usadas por um sofista é um tóxico mortal.
Considerando que hipnose e seus efeitos não são questões ainda bem
resolvidas do ponto de vista científico, a prática do hipnotismo na área de saúde
representa alguns casos isolados. Falta um estudo sistematizado sobre esse
tema nas faculdades que, geralmente, praticam o ensino no domínio do
conhecimento sobre o organismo e seu fisiologismo concreto, em bases bem
cartesianas, afastando-se da área conceitual abstrata.
Na concepção epistemológica são difíceis respostas para questões que
não são facilmente mensuráveis. Por isso, mesmo se tratando da saúde
humana, não é prioridade o estudo de conceitos que a ciência cartesiana não
pode explicar; como pensamentos, sonhos, entropia e informação que não
envolvem objetos ou corpos definidos. É isso que afirma o físico Paul Davies
autor de Deus e a nova física, 8 quando diz que ninguém pode negar que um
organismo é uma coleção de átomos, moléculas e tecidos, mas alerta para o
erro de se supor que ele é nada mais que isso. Lembra Davies, o fato de um
conceito ser abstrato em vez de concreto ou substancial não o torna, por isso,
irreal ou ilusório, como exemplo, o pensamento de uma pessoa não pode ser
6
Platão. Cármides. Coimbra, I.N.I.C.; 1988.
7
Platão. Fédro. Porto Alegre, Editora Globo, 1950.
8
DAVIES, Paul. Deus e a Nova Física. Lisboa, Coleção Universo da Ciência. Edições 70.
44 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
animais, como o stress pode agir sobre o organismo. Ele classificou uma série
de eventos psicossomáticos como um conjunto de reações disparadas pelo
organismo em situação de perigo ou pressão psicológica. Ao estudar estímulos
físicos e psicológicos Walter Cannon elaborou, em 1914, o conceito de "reação
de emergência". Essa reação é imediata à percepção de ameaça, teria a função
de preparar o organismo para luta ou a fuga e, a isso, denominou como sendo a
“síndrome da fuga e luta”. 9
O fisiologista austríaco Hans Seyle (1907-1982) estabeleceu pela primeira
vez os efeitos psicossomáticos agindo no ser humano. Em seu trabalho The S-
tress of Life, de 1956, 10 Seyle foi o primeiro pesquisador que, por meio de expe-
rimentos com animais de laboratório, desenvolveu o conceito de SAG - Síndro-
me de Adaptação Geral e deu origem à idéia de que situações que geram es-
tresse podem provocar doenças diversas, inclusive mentais.
Na atualidade, cientistas americanos, na tentativa de explicações
neurológicas para a hipnose, utilizaram equipamentos modernos, e
conseguiram imagens do cérebro funcionando durante o transe. Uma
experiência realizada na Universidade de Harvard, juntamente com professores
da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, relata que dezesseis voluntários
observavam imagens em cores pintadas em uma tela e depois de hipnotizados,
eles foram sugestionados a acreditar que a mesma figura colorida, vista outra
vez, era toda cinza. Neste instante os cientistas observaram através de
instrumentos computadorizados, como o PET - Positron-Emisson Tomography
(Tomografia por Emissão de Pósitrons), que o cérebro hipnotizado ativou uma
região que inibe a visão das cores e passou a ver em preto e branco. Mais
tarde os mesmos voluntários foram induzidos a ver cores em imagens onde
elas não existiam e os resultados negam as possibilidades de farsa,
confirmando que o cérebro estava mesmo vendo colorido. 11
Desde 1996, o PET mostra com precisão quais regiões cerebrais estão
sendo ativadas a cada momento, passou a ser usado também para a
investigação sobre a hipnose. Este instrumento substitui o EEG (Eletro
Encefalograma) usado em experiências anteriores que podem até mostrar a
região da visão sendo ativada, mas não informaria se o indivíduo hipnotizado
estaria mesmo enxergando aquilo que foi apenas sugerido.
O PET é uma ferramenta importante para explorar o funcionamento do
cérebro. Quando os neurônios disparam, o fluxo de sangue para a região au-
menta, e, embora o aumento seja pequeno, ele é mensurável por imagens ele-
9
CANNON, Walter B. The Wisdom of the Body, N. York, 2ª ed, W. Norton, 1939.
10
SELYE, H. O stress da vida, N. York, McGraw-Monte, 1976.
11
SUPER Interessante. Visão hipnótica, S. Paulo, revista mensal, Ed. Abril, maio/98, p. 40-45.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 47
trônicas. Esse tipo de imagens a partir de dados eletrônicos é chamado tomo-
grafia. 12
Profissionais da saúde, atualizados com informações de pesquisas
credenciadas por publicações científicas recentes, já admitem o poder da cura
pela hipnose como fato e acreditam que é possível constatar seu uso como
ferramenta para vencer os efeitos do stress no organismo e no psiquismo
humano. Pelo menos, alguns já afirmam que ninguém sabe como, mas que a
hipnose cura, não se discute, cura. Na década de 1990 cresce o interesse do
mundo acadêmico pelo assunto.
Wolberg 13 não aceitando nenhuma das explicações teóricas dadas até
então sobre o transe hipnótico e seus efeitos, reconheceu que o hipnotismo não
se justifica apenas pela hipótese da verdade científica positivista. Referindo-se
a isso, ele disse:
Meu trabalho pessoal com a hipnose convenceu-me de que o estado de
transe não pode ser explicado quer em bases psicológicas, quer em base
fisiológica exclusiva. Ela é, antes, uma reação psicossomática complexa
que abrange os elementos psicológicos e fisiológicos (WOLBERG).
As conclusões de Wolberg sobre a teoria do hipnotismo podem ser
acrescentados os motivos que justificam as possibilidades das explicações
fluírem pela lógica filosófica. Para a realização do processo de indução
hipnótica são necessários critérios como confiança, crença, fé e uma série de
valores que transcendem o psicológico convencional e o orgânico fisiológico
conhecido. O simples fato de existirem tantas explicações para o hipnotismo é
uma prova de que não há nenhuma na qual se possa qualificar de certa ou
verdadeira.
Na busca da interpretação do que pode ser a hipnose e, principalmente,
seu envolvimento com práticas terapêuticas, a hermenêutica ganha relevância.
É aconselhável analisar suas múltiplas faces e, é uma perspectiva obrigatória
ter como ponto de partida a reflexão dialética, com base na diversidade e trans-
versalidade dos saberes até então acumulados. Nessa busca deve ser valori-
zado o diálogo e a integração de diferentes áreas para descobrir, dentro da
compreensão multidisciplinar, as bases axiológicas do hipnotismo que só po-
dem ser reveladas a partir da diversidade explicativa.
A explicação para a hipnoterapia, assim como para as principais
psicoterapias, surgiu a partir de dois ambientes: o clínico e o de laboratório. No
primeiro caso, seu desenvolvimento tem por base a busca da cura para algum
problema que perturba alguém, através de entrevistas e do convívio diário com
pacientes. No segundo caso a pesquisa é feita no ambiente laboratorial, com
análises e experimentações formais, utiliza ferramenta da estatística para
12
PET - Positron-Emisson Tomography. In: The Sciences: Na Integratwd Approach. N. York,
John Wilei & Sons, p. 307, 1995.
13
WOLBERG, L. R. Hypnoanalysis, N. York, Grune & Stratton, 1945.
48 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
14
SARBIN, T. R. Contribution to roll-taking theory. In: hypnotic behaviour, Psychol. rev. 57-255,
1950.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 49
Pelas diferentes interpretações considera-se a indefinição teórica científi-
ca da hipnose como um fato. O que se pode concluir é que ela se divide em du-
as grandes correntes explicativas; uma com base na essência e outra na exis-
tência do ser humano. A primeira, ora centrada na psicanálise, ora no desco-
nhecido ou em conceitos religiosos, alinha os autores que usam em suas expli-
cações terminologias próximas, como sugestão, consciência ou inconsciência,
transferência, alma, destino, energia vital, astral ou divina, etc. A segunda cen-
trada no fisiologismo, representada originalmente pela escola russa e funda-
mentada na teoria dos reflexos condicionados e várias teorias neurais, atribui à
hipnose razões puramente fisiológicas. Em alguns pontos, quando estas duas
correntes se encontram, aparecem hipóteses explicativas diferentes, represen-
tam a derivação da somatória das correntes originais que misturam, em grau
maior ou menor, o mito, a filosofia, a ciência e a religião.
É certo que depois de Freud e Pavlov, os pesquisadores que lidam com o
tratamento dos distúrbios da mente, estavam divididos em dois grupos. Um gru-
po investindo na criação de psicoterapias mais sofisticadas, pelo menos do
ponto de vista explicativo, a maior parte delas derivadas da psicanálise ou do
refino no uso da hipnose, associada ao conceito de auto-ajuda ou de filosofias
que resultassem em soluções dos problemas existenciais humanos. O outro
grupo praticando a pesquisa cientifica com maior rigor metodológico, com base
na neurofisiologia, investindo na psicofarmacologia, trabalhando no aperfeiço-
amento de remédios como a única forma de solução para os problemas men-
tais. Os dois grupos se olhavam reciprocamente com desconfiança e extrema
rivalidade.
A herança deixada por Freud e Pavlov, ao longo do século XX, permitiu
que o tratamento das doenças psicossomáticas caminhasse por duas perspec-
tivas. Uma representada pela medicina convencional, concentrando a pesquisa
para explicar o cérebro. Outra representada pelas psicoterapias, concentrando
estudos para explicar a alma humana. Mas, o equilíbrio do conceito de alma e
de cérebro parece próximo no início do século XXI, parece que os estudiosos
concordam que as melhores terapêuticas são aquelas que combinam remédios
e psicoterapias. O predomínio de um ou outro recurso de cura varia de caso pa-
ra caso.
Na década de 1990, período conhecido nos meios médicos como “a dé-
cada do cérebro”, cientistas de várias especialidades estudaram a mente hu-
mana numa intensidade inédita. Neurologistas esquadrejaram o cérebro usando
as mais modernas técnicas de ressonância magnética, geneticistas mapearam
a transmissão dos transtornos mentais por meio do DNA e biólogos detalharam
a química dos neurônios. O resultado é que hoje se conta com um alto nível de
conhecimento para tratar os problemas da mente. A ciência encontrou muitas
respostas, mas surgiu também um grande número de novas questões. Por mais
que a farmacologia tenha se beneficiado de novas descobertas, a criação de
medicamentos que curem definitivamente todos os sofrimentos da mente, inclu-
50 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
15
Revista VEJA. O equilíbrio do cérebro e da Alma. S. Paulo, Editora Abril, ano 37, n. 48, p. 116
– 122, dez/2004.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 51
A palavra religião, do latim "religione", possivelmente se prende ao verbo
"religare", ação de ligar. Assim, pode ser definida como o conjunto das atitudes
e atos que liga o homem ao divino ou manifesta sua dependência em relação a
seres invisíveis tidos como sobrenaturais. Tomando-se o vocábulo num sentido
mais estrito, pode-se dizer que a religião é a reatualização e a ritualização do
mito.
Referindo-se a diferenças e semelhanças entre o mito e a religião, Cassi-
rer 16 afirma que, enquanto o mito “explica” suas crenças de uma forma emo-
cional, a religião utiliza o logos e explica sua crença com base em argumentos
racionais. No que se refere à religião, mesmo aquilo que é inexplicável passa a
ser argumentado e, nesse argumento, se justifica até por que é inexplicável.
Em todo o curso da história a religião permanece ligada a elementos míti-
cos e impregnada deles, pode-se dizer que desde o início o mito é religião em
potencial, o que leva a transformação de um no outro é o lógos, o mito não se
justifica, a religião sim. Embora haja elementos comuns entre o mito e a religi-
ão, é a forma como a religião argumenta, explicando esses elementos, que ca-
racteriza seu distanciamento gradativo e, por fim, radical em relação ao pensa-
mento mítico.
Segundo Cassirer, 17 o culto aos ancestrais pode ser considerado como a
primeira fonte, a origem da religião. Essa é uma prática comum em diferentes
culturas, seja na Roma antiga ou na China ou mesmo nas tribos indígenas. É
uma característica universal, irredutível e essencial da religiosidade primitiva.
O pensamento mítico está muito ligado à magia, ao desejo de querer que
as coisas aconteçam de um determinado modo. É a partir disso que se desen-
volvem rituais como meios de propiciar os acontecimentos desejados. Por defi-
nição rito é uma sucessão de emoções, palavras, gestos e atos que
repetidamente compõe uma cerimônia, geralmente religiosa, com o objetivo de
proporcionar um poder misterioso que facilite o estabelecimento de laços entre
os humanos e forças misteriosas.
Quando praticado, o rito relembra, fortalece e atualiza, alimenta e mantém
viva a religião. Assim, o ritual pode ser entendido como o mito transformado em
ação, é a repetição dos atos que, acredita-se, foram executados no passado e
que devem ser imitados e repetidos para que as forças do bem e do mal se
mantenham sob controle. Desse modo, o ritual torna o mito atual e reafirma a
convicção em um acontecimento sagrado. Através do rito o ser humano se in-
corpora ao mito e pratica sua fé; o rito é a práxis do mito, é o mito em ação.
Rituais, cultos e sacrifícios religiosos, cercados de transes, praticados nas
sociedades humanas de qualquer etnia, em qualquer época, são formas de se
16
CASSIRER, Ernst. Filosofia de las Formas Simbólicas II: el pensamiento mitico. (Trad. Ar-
mando Morones). México: Fondo de Cultura Económica, 1998.
17
CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o Homem: introdução a uma filosofia da cultura humana.
(Trad. Tomas Rosa Bueno), S. Paulo, Ed. Martins Fontes, 1994.
52 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
18
DELCOURT, Marrie. Les grands sanctuaires de la Grèce, Paris, 1947.
54 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
19
SCHULTES, R.E. & Hofmann, A. Plantas de los Dioses. Orígenes del uso de los alucinóge-
nos, Fondo de Cultura Económica. México, 1982.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 55
20
Segundo Labate na natureza existem cerca de 100 vegetais que podem
desencadear o processo hipnótico, alguns são classificados como alucinóge-
nos, como a Iboga utilizada por aproximadamente um milhão de pessoas na Á-
frica; o Peiote, um cacto amplamente consumido no México e nos EUA cuja
substância ativa é a mescalina; os Cogumelos, que já apareciam em registros
hindus da antiguidade.
Aldous Huxley, romancista e filosofo britânico, testou pessoalmente os e-
feitos da mescalina, derivada de um cacto, e registrou suas observações em um
ensaio publicado em 1954, As Portas da Percepção: Céu e Inferno. 21 Huxley
fala de um transe com sensações prazerosas, tais como “uma dança lenta de
luzes douradas”, descreve os lampejos de “diversidade transcendental” que diz
ter experimentado enquanto dirigia um automóvel por um subúrbio de Los An-
geles sob o efeito da droga.
O incrível fluxo de informação sensorial liberado pela mescalina levou Hu-
xley à hipótese explicativa do que sentiu, afirmando que a principal função do
cérebro e do sistema nervoso é servir como uma válvula redutora para restringir
o influxo de realidade a um nível administrável. Supôs que há tantos dados cap-
tados através dos sentidos que, se fossem processados, a mente submergia, fi-
cando incapaz de lidar com os problemas da vida cotidiana.
Acreditava Huxley que a mescalina desligava a função de filtrar informa-
ções no cérebro, permitindo que a mente fosse inundada por eventos mentais
que costumam ser excluídos por não terem qualquer valor de sobrevivência. Diz
que tais informações são “biologicamente inúteis, mas estéticas e às vezes es-
piritualmente valiosas” Também sugere que este estado da mente pode ser es-
timulado por outros catalisadores além das drogas, tais como doenças, fadigas,
jejum ou um completo retiro sensorial, através da meditação em algum lugar
escuro e silencioso. E, por que não, pelos métodos hipnóticos convencionais.
Na Brasil alguns vegetais são utilizados por tribos indígenas, no decorrer
de ritos religiosos, como meio de produzir transes, como a Jurema e o Yopo. A
Jurema é consumida na forma de chá, enquanto as sementes do Yopo são ma-
ceradas e seu pó é consumido pela via intranasal (cheirado). Em diversas regi-
ões da América do Sul, entre as bebidas com propriedades hipnóticas produzi-
das por vegetais, o chá ayahuasca é a mais conhecida.
Elementos e efeitos hipnóticos estão também presentes nas religiões das
tribos indígenas da África, das Américas e da Oceania, assim como dos
primitivos habitantes da Europa e da Ásia. O xamantismo é uma antiga religião
da Ásia que existe até hoje. É caracterizada por um conjunto de práticas
realizadas pelo xamã, uma categoria especial de médico-pajé que entra em
transe e, segundo a crença indígena, sua alma vai para longe do corpo,
20
LABATE, Beatriz Caiuby e Wladimyr Sena Araújo (org.). O Uso Ritual da Ayahuasca, Campi-
nas, 2ª ed, Mercado de Letras/Fapesp, 2004.
21
HUXLEY, Aldous. As Portas da Percepção: Céu e Inferno, RJ, Editora Globo, 2002.
56 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
22
CALLAWAY, J.C. et al. Quantitation of N, N-dimethyltrytamine and harmala alkaloids in hu-
man plasma after oral dosing with Ayahuwasca, J Anal Toxico, l 20(6): 492-7, 1996.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 59
estrutura, horizontal e democrática, permite que os diversos segmentos utilizem
bem os meios de comunicação como revistas especializadas e Internet. Sua di-
vulgação rápida aponta para o crescimento acelerado no Brasil e no mundo.
É curioso como surgiu outra religião ayahuasqueira denominada “Barqui-
nha”, nome que corresponde a uma festa do folclore popular, trazida para o
Brasil pelos portugueses e guardada na memória do povo através de gerações.
Representa a cultura de gente simples, suas brincadeiras e seu lirismo lúdico
que não se perderam no tempo. Cultuam feitos históricos dos navegantes, en-
volve a representação de marinheiros e sua religiosidade. Porém, aos poucos
foi se afastando das origens, se modificando, se adaptando e readaptando a
novos contextos culturais.
A festa folclórica da Barquinha é comemorada em pequenas cidades e vi-
larejos em todo o país, principalmente no Norte e Nordeste do Brasil. Acontece
nos meses de junho a dezembro, dependendo da região, mas na sua maioria
ocorre quando se comemora Santo Antonio, São João e São Pedro. Caracteri-
za-se como um bailado popular, é um entretenimento dançado por homens e
mulheres coletivamente, representando a chegada da barca que trazia mari-
nheiros e oficiais das naus para porto. Seguido do desfile até a Igreja para co-
memorar feitos náuticos e a conversão do pagão à religião católica-romana, daí
prosseguindo com os festejos aos santos padroeiros locais. O grupo é compos-
to por pessoas simples que, trajadas de marujos, são capitaneadas geralmente
pelo mais antigo, entoam hinos e glosas populares, ao som de instrumentos
musicais rústicos. Além do exibicionismo dos personagens, envolve a platéia
em seus folguedos, brincadeiras e bailados. Embora aponte vínculos de religio-
sidade é uma festa popular profana.
Em 1945, Daniel Pereira de Mattos, maranhense que bem conhecia e par-
ticipava de festas da Barquinha em sua terra natal, onde também freqüentou a
escola de aprendiz de marinheiro, se mudou para o Acre e conheceu a ayahu-
asca pelas mãos de Raimundo Irineu Serra, quando se tratava de uma enfermi-
dade (Araújo) 23. Acrescentando ao folclore junino o consumo do chá, transfor-
mou a festa em religião. Mais tarde, fundando uma sede, o grupo da Barquinha
passou a ser denominado de Centro Espírita e Culto Oração Casa de Jesus
Fonte de Luz, mas não perdeu o nome original. Entre as religiões que conso-
mem o chá, a Barquinha é a menos espalhada pelo Brasil, concentrada na regi-
ão amazônica e fundamenta-se na crença cristã, mas admite a incorporação do
"Preto Velho", típico dos rituais de influência africana.
Na região amazônica, os adeptos da Barquinha com roupas de marinheiro
tomam o chá ayahuasca que, segundo a crença, conecta o homem com o divi-
no. Todos cantam os salmos; músicas que teriam sido inspiradas por guias es-
pirituais invisíveis. No templo a imagem de São Francisco das Chagas, é o co-
mandante que pilota a Barquinha, com outros seres divinos. A bebida provoca o
23
ARAÚJO, W. S. (org). O uso ritual da ayahuasca. S. Paulo: Mercado das Letras, 2002.
60 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
transe, e assim começa a viagem, cuja missão seria resgatar almas dos mortos
que sofrem no mundo espiritual e levá-las, pelo mar sagrado do Santo Daime,
até os pés de Jesus Cristo, onde está a salvação.
A festa da Barquinha é transformada por Daniel Pereira de Mattos em
uma mescla do folclore popular com a crença cristã e o ritual indígena, além de
associar também crenças do candomblé e da umbanda. Nessa religião, santos
da Igreja católica se misturam com entidades espirituais conhecidas como Ca-
boclos, Preto Velho e Boiadeiro entre outros, que supostamente se manifestam
para afastar forças negativas, promover curas ou ajudar alguém de algum mo-
do. Após a ingestão do chá, o ritual tem duração média de quatro horas.
Entre outros grupos religiosos que se desprenderam da Barquinha e se
espalharam pela Amazônia, existe um situado às margens do Rio Acre, é o
Centro Espírita Luz, Amor e Caridade, conduzido pelo mestre Juarez que, com
mais de oitenta anos de idade, ainda comandava o Centro. No dia 29 de junho,
começa a celebração da Noite de São Pedro e, dentro da igreja, orações e sal-
mos são entoados. Após beber o chá, todos saem para o terreiro de umbanda,
onde são feitas as chamadas "obras de caridade". Mestre Juarez assovia, cha-
mando a força do Daime, ele estaria incorporando um encantado, uma entidade
poderosa no mundo da Barquinha, o Príncipe Dragão do Mar. Acredita-se que
várias entidades do além descem ao terreiro para expulsar espíritos malignos.
Na década de 1960 formou-se em Porto Velho, no Estado de Rondônia, a
UDV - Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, através de José Gabriel
da Costa, um baiano que foi para a região amazônica trabalhar nos seringais.
Atualmente figura como uma das maiores entre as religiões que fazem uso do
chá ayahuasca. Seu ritual é discreto e sem os bailados, é mais fechada à
comunidade externa e sua estrutura vertical é bem hierarquizada.
Por orientação do mestre Gabriel, a UDV adota a fundamentação
cristã e reencarnacionista e o transe é conhecido como borracheira que, se-
gundo seu fundador, significa uma “força estranha, a presença da força e da luz
do Vegetal na consciência daquele que bebeu o chá”. Segundo seus dirigentes,
a bebida é um veículo de concentração mental, seu efeito amplia a percepção e
permite melhor compreensão dos fundamentos da espiritualidade.
A UDV indica para os associados seguirem regras disciplinares rígidas,
como o não consumo de álcool e de fumo, preservação da instituição
familiar, além de postura socialmente ética sobre todos os aspetos. O
chá ayahuasca é conhecido nesta associação por três sinônimos: Hoasca, Mari-
ri ou Vegetal. É contra o uso do chá fora do contexto religioso, além de conside-
rar inadequado o uso indiscriminado por pessoas não-iniciadas e sem a orien-
tação de um dirigente (mestre). O novato para ser iniciado é indicado por um
associado e aprovado pelo líder da organização.
Na UDV ocorrem sessões regulares (de escala) duas vezes ao mês e
sessões extras convocadas pelo mestre, além de sessões de iniciação. Durante
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 61
o ritual, os participantes permanecem sentados e em absoluto silêncio, o mestre
preside a sessão e dosa a quantidade do chá ayahuasca para o consumo de
cada um em particular. Todos, sem exceção, simultaneamente bebem e ficam
esperando a "borracheira" como é conhecido o transe. Para sair do recinto,
principalmente em função das reações do chá que iniciam após trinta a quaren-
ta minutos e vai até três ou quatro horas, é preciso permissão do mestre. O no-
vato ao sair é seguido por um ou dois associados que o vigia em tempo integral.
Isso vale para prevenir vertigens e outras situações imprevistas durante o tran-
se. No ritual, a circulação das pessoas no salão se faz no sentido anti-horário
que, segundo mestre Gabriel, “é o sentido da força”. A prática da circulação an-
ti-horária também acontecia nas sessões mesmeristas até o fim do século XIX,
e em sessões kardecistas até a primeira metade do século XX.
Na UDV, cerca de uma hora e meia após a ingestão do chá, como forma
de certificar os efeitos, o mestre vai de um em um e pergunta “Como vamos?
Tem luz? Tem borracheira?” No início do transe coletivo são entoados cânticos
(chamadas), que tem como proposta transmitir ensinamentos. Decorrido cerca
de três horas, quando todos estão em plena "borracheira", ouvem gravações de
MPB. A autoridade é amplamente ostensiva, tudo é controlado rigorosamente
seguindo a hierarquia, Mestre, Conselheiro, Associado e diferencia-se um dos
outros por fardamento, função e tarefa. A Borracheira é alusão do mestre Ga-
briel ao termo conhecido nos seringais como o período decorrido entre o fim e o
início da extração do látex, quando ocorre embriedade ou bebedeira dos traba-
lhadores.
Segundo a crença da UDV, foi um importante personagem bíblico, o Rei
Salomão, quem descobriu como produzir o chá e passou esse conhecimento a
um homem chamado Caiano. Séculos depois, Caiano teria nascido de novo na
Bahia, com o nome de José Gabriel da Costa. Torna-se mestre Gabriel após
conhecer a ayahuasca nos seringais de Rondônia e fundar a União do Vegetal.
Andrade 24 conta à trajetória de vida de José Gabriel com detalhes, relata
seu envolvimento com o catolicismo popular, ainda no interior da Bahia onde
nasceu, como freqüentou sessões espíritas kardecistas e terreiros de candom-
blé em Salvador e seu trabalho na extração da borracha no Estado de Rondô-
nia. Conta como, em Porto Velho, Gabriel passa a atender pessoas, em sua ca-
sa, jogando búzios e relata com detalhes como, quando e por que se torna Ogã
e Pai do Terreiro de Mãe Chica Macaxeira. Por fim, define como ocorreu seu re-
torno ao seringal onde abre seu próprio terreiro, no qual “recebia” o caboclo Sul-
tão das Matas com o objetivo de curar pessoas, dar conselhos e orientar as ca-
çadas.
Ao abrir seu próprio terreiro, José Gabriel passa a dirigir um rito sincrético,
uma forma de xamanismo assemelhado à pajelança amazônica que associa, na
24
ANDRADE, Afrânio P. de. O fenômeno do chá e a religiosidade cabocla. Um estudo centrado
na União do Vegetal. Dissertação de Mestrado, Instituto Metodista de Ensino Superior. S.
Bernardo do Campo, 1995.
62 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
Zanini & Oga 25 afirma que o vinho da Jurema produz efeitos semelhantes
aos do LSD 25 e de outras drogas desse grupo, porém reconhece que seu uso
não causa dependência física ou psíquica e seu abandono não causa síndrome
de abstinência. Logo não é tão semelhante assim. Há uma tendência acadêmi-
ca de se classificar qualquer tipo de transe, produzido por ou com a ajuda de
elementos químicos, mesmo que naturais, como sendo mera ação de uma
substância alucinógena.
No transe hipnótico produzido em diferentes rituais, com uso de substân-
cia química ou não, inclusive aqueles provocados apenas por estímulo dos sen-
tidos normais como a visão, a audição e o tato, entre seus efeitos podem ser
observados a ocorrência de alterações do humor, com euforia e depressão, an-
siedade, distorção de percepção de tempo e espaço, forma e cores e alucina-
ções visuais. A esses sintomas, algumas vezes, são acrescidas idéias deliran-
tes de grandeza ou perseguição, despersonalização, midríase, hipertermia no
tórax e cabeça associado à hipo-termia nas extremidades das mãos e pés.
Em rituais religiosos, quando provocam transes, pode ser observado além
das alterações de senso-percepção, delírios e visões que correspondem à
crença praticada. A descrição desses efeitos, narrados pelos participantes, são
induzidos e desenvolvidos pelas sugestões prévias embutidas na cultura religi-
osa. Por isso, freqüentemente, esses efeitos são entendidos como experiências
místicas, visões e êxtases.
O Candomblé de Caboclo associado ao Kadercismo cria também a
Umbanda, que admite a manifestação de espíritos de pessoas mortas. Os
cânticos para os orixás, atabaques e jogos de búzios, naturais do rito africano,
são substituídos por práticas desenvolvidas na Europa como sessões de passe
com a imposição das mãos e consulta aos espíritos através de médiuns. A
Umbanda mistura tradições religiosas africanas, indígenas e católicas, além dos
orixás, cultuam o caboclo, o preto-velho e espíritos dos antepassados que
servem de guias ou conselheiros aos fiéis.
As rezas e as bênçãos, praticadas pelas rezadeiras e benzedores,
também podem exercer efeitos hipnóticos, ou pelo menos são de grande poder
sugestivo. O benzimento é uma forma antiga no tratamento de várias doenças,
utilizado desde a idade média na Europa. No Brasil, além da reza tradicional,
alguns benzedores indicam para reforçar o efeito de cura o uso de plantas
como amuletos protetores, ou preparam e receitam chás, garrafadas, banhos e
ungüentos, dando assim origem ao termo raizeiro ou curandeiro, conhecido
também como feiticeiro ou milagreiro. Estes são proscritos pela medicina oficial
e amaldiçoados pela religião dominante, além de mantidos à margem da lei.
Parece que quanto mais uma civilização evolui e a ciência oficial se
desenvolve, mais a figura do curandeiro se faz presente e mais numerosos e
populares são os adivinhos, os videntes, as cartomantes e todas as
25
ZANINI, A C. & Oga, S. Farmacologia aplicada, pesquisa USP, S. Paulo, Atheneu Ed. 1979.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 67
metamorfoses e alterações semânticas, envolvendo antigos e novos mitos e
suas associações com o transe hipnótico.
Padres hipnotistas
Na Europa, por volta de 1770, um Padre católico de nome Johann Joseph
Gassner (1727-1779) que viveu em Klosters, no sul da Alemanha, atribuía às
doenças a possessão demoníaca. Se hoje as doenças são, para grande parte
da humanidade, atribuídas às forças malignas, isso era pensamento padrão no
século XVIII. Nessa época os doentes eram simplesmente entendidos como
possuídos pelos demônios e Gassner divulga a crença de que podia curar os
enfermos. Em milhares de pessoas, por sugestão hipnótica induzia curas
espetaculares e, para assegurar-se da aprovação da igreja, aplicava seu
método de tratamento como se fosse processo de exorcismo, obtendo o
consentimento para suas ações através da afirmação de que Deus estava
agindo através dele. 26
Gassner aparecia de forma teatral à sua clientela vestido todo de preto,
de braços estendidos, segurando um grande crucifixo de ouro cravejado de
diamantes; usava ambiente solene, decorações lúgubres e falava em latim com
voz cava e não fazia segredos de seus métodos. Freqüentemente permitia que
médicos observassem sua prática, os quais se apresentavam para observá-lo
em ação e eram conduzidos na Igreja a uma sala parecida com um pequeno
teatro onde se acomodavam. Então o doente era posicionado numa espécie de
palco para esperar o Padre. Com o objetivo de melhorar ainda mais o
espetáculo, no timing de sua entrada, Gassner caminhava até a plataforma
através de um longo promontório negro, segurando o crucifixo com a mão
estendida ao alto. Ao ser tocado pelo crucifixo o doente entrava em estado
cataléptico. Isto era o primeiro passo para expelir todas as formas de mal
existentes em quem se sentia possuído.
A catalepsia é um estado que envolve a súbita suspensão da sensação e
da volição, bem como a paralização parcial das funções vitais. Ocorre, ao
mesmo tempo, queda acentuada da pressão arterial e dos batimentos
cardíacos, resfriamento das mãos e dos pés, além de profunda palidez, o corpo
se torna rígido, ficando com a aparência que pode ser confundida com uma
pessoa morta. O estado cataléptico é provocado por emoções fortes decorrente
de grande expectativa prolongada por horas seguidas, um susto ou um medo
violento. Dependendo da técnica de indução e do nível de suscetibilidade ao
transe, algumas pessoas hipnotizadas alcançam rapidamente este estado.
Todos eram instruídos a “morrer” quando tocados pelo Padre e, enquanto
“jaziam” prostrados ao chão, Gassner expulsaria os demônios de seus corpos
devolvendo-lhes a vida normal. Depois que algum médico examinava o
paciente, não sentindo pulso, não ouvindo batidas do coração declarava-o
26
Manifestações de possessões demoníacas e procedimentos exorcistas, a Igreja Católica ad-
mitiu em determinadas épocas, em outras não. Paulo VI eliminou a figura do exorcista, que foi
recuperada, no entanto, por João Paulo II (N. do A.).
68 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
como morto, então o Padre ordenava que o demônio partisse e, logo após, o
paciente “ressuscitava” e levantava-se completamente curado.
Quando o doente era trazido, antes de empregar o exorcismo, Gassner
fazia um teste para certificar-se de que a doença era atribuída ao demônio; a
prova, na verdade um teste de suscetibilidade hipnótica, consistia
essencialmente numa fórmula de conjuração que ele fazia acompanhar do sinal
da cruz. Se o demônio não respondesse através de crises convulsivas a três
invocações seguidas, concluía ele que a doença era de origem natural e
deixava para os médicos curar, caso afirmativo iniciava a sua própria sessão de
cura. Karl Weissmann 27 descreve uma dessas sessões, realizada por volta de
1774, na qual foi hipnotizada uma jovem de nome Emilie, e relata o método
utilizado:
Entrando de maneira dramática no aposento, o Padre Gassner tocou a
jovem com o crucifixo, e essa, como que fulminada, caiu ao chão em
estado de desmaio. Falando-lhe em latim, a paciente reagiu
instantaneamente. À ordem - Agitatur bracium sinistrum - o braço
esquerdo da jovem começou a mover-se numa crescente velocidade. E ao
comando - Cesset - o braço se imobilizara, voltando à posição anterior. Ato
contínuo, o Padre lhe sugere que está louca e a jovem com o rosto
horrivelmente desfigurado, corre furiosamente pela sala, manifestando
todos os sintomas característicos da loucura. Bastou a ordem enérgica -
Pacet - para que ela se aquietasse como se nada houvesse ocorrido de
anormal. O Padre Gassner nesta altura lhe ordena falar em latim, e a
jovem pronuncia o idioma, que normalmente lhe é desconhecido.
Finalmente, ordena à moça uma redução nas batidas do coração. E o
médico presente constata uma diminuição na pulsação. Ao comando
contrário, o pulso se acelera, chegando a 120 pulsações por minuto. Em
seguida, a jovem, estendida no chão, recebe a sugestão de que suas
pulsações se iriam reduzir cada vez mais, até cessarem completamente.
Seus músculos seriam relaxados totalmente e morreria, ainda que apenas
temporariamente. E o médico, espantado, não percebendo sequer
vestígios de pulso ou de respiração, declara a jovem morta. O Padre
Gassner sorri confiantemente. Bastou a ordem sua para que a jovem
retornasse gradativamente à vida. E com o demônio devidamente expulso
de seu corpo, a moça, sentindo-se como nascida de novo, desperta e
agradece sorridente ao Padre o milagre de sua cura (WEISSMANN).
27
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958.
Karl Weissmann (1911 a 1981), austríaco naturalizado brasileiro, escreveu apenas um livro e
se tornou muito conhecido e citado no Brasil quando o tema é Hipnotismo. Desde a primeira
edição, em 1958, o livro é reimpresso com títulos ligeiramente diferentes, porém sem
alterações no seu conteúdo. Em sua autobiografia Weissmann diz que foi hipnotista de palco
e de gabinete e que trabalhou, na década de 50, como psicólogo na Penitenciária de Neves,
no Estado de Minas Gerais (N. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 69
28
Lorenzer descreve também, passo a passo, a sessão com Emilie.
Gassner começava advertindo que ela podia depor sua confiança em Deus e
em Cristo, cujo poder supera a força do demônio e a isso seria atribuída a sua
cura. Emilie senta-se numa cadeira em frente ao Padre e ele pronuncia as
seguintes palavras em latim (para este autor, Emilie entendia latim):
Praecipio tibi in nomine Jesu, ut minister Christi et ecclesiae, veniat agitatio
brachiorum quam antecedenter habuist - Nisso as mãos de Emilie
começaram a tremer. Gitentur brachia tali paroxysmo qualem antecedenter
habuisti - Ela afundou na cadeira para trás e estendeu com inteira
impotência os dois braços. Cessat paroxysmu - Levantou-se de repente de
seu lugar e parecia saudável e serenamente alegre. Paroxysmus veniat
interum vehementius, ut ante fuit et quidem per totum corpus - A crise
começou de novo. As pernas se levantaram até a altura da mesa, dedos e
braços ficaram rígidos e dois homens fortes não puderam dobrar seus
braços, além dos.olhos que ficaram abertos, mas estavam revirados.
Tremat ista creatura in toto corpore - Tremor no corpo todo. Hebeat
augustia circa cor - Emilie levantou os ombros, abriu os braços, virou os
olhos de maneira assustadora, desfigurou a fisionomia e seu pescoço
entumesceu. Sis quase mortua - Sua fisionomia ficou com palidez mortal,
sua boca abriu-se amplamente, os olhos perderam aquela expressão, o
pulso ficou tão fraco que o cirurgião presente dificilmente pode senti-lo. Sai
irata omnibus praesentibus - Ela ficou encolerizada contra todos os
presentes (cerca de vinte pessoas). Surgat de sella et aufugiat - Depois de
um momento levantou-se de sua cadeira e foi para a porta. Sit
melancholica, tristissima, fleat - Ela começou a soluçar e lágrimas
desceram pela face. Apertis oculis nihil videat - Daí em diante passou a
responder perguntas. De olhos abertos, dizendo nada ver, e assim por
diante (LORENZER).
Finalmente Gassner procedeu ao exorcismo e, depois disso, deu algumas
instruções a Emilie de como ela própria poderia proteger-se da enfermidade,
afirmando que possuía o dom de transmitir esta aptidão às pessoas que
tratava. Ao deixá-la explicou aos presentes que tudo o que havia ocorrido só
acontecera através da graça de Deus e só devia servir ao reforço e glorificação
do evangelho.
Não só através da utilização de métodos e aplicações de técnicas
hipnóticas as pessoas eram induzidas a admitir estarem possuídas pelos
demônios, para isso também contribuía a própria crença que associava as
doenças aos “maus espíritos”. Aqueles que se sentiam com o “diabo no corpo”
vinham ou eram trazidos ao Padre para que ele o expulsasse. E com o demônio
devidamente expulso a pessoa agradecia, na igreja, o milagre de sua cura. Não
resta dúvida de que Gassner era um perito hipnotista e que hoje, já passados
quase três séculos, o seu método, ligeiramente modificado, ainda surte efeitos
em muita gente.
28
LORENZER, Alfred. Arqueologia da psicanálise: Intimidade e infortúnio social (Trad. Wilson
de Lyra Chebabi), RJ, Zahar, 1987.
70 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
29
LeCRON Leslie M. Auto-hipnose. ed. Record, 2. Ed., RJ, 1979.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 71
comportamento que espera. O veículo para a aplicação do método hipnótico
reside na fé dos participantes que, no decorrer do processo, representam
sintomas e comportamentos induzidos através de sugestões durante o transe,
ou posterior, através de sugestões pós-hipnóticas.
Entre as sugestões pós-hipnóticas observadas estão aquelas que
induzem o hipnotizado à dependência de continuar participando e colaborando
com o processo desenvolvido nas reuniões ou sessões; afirmam efusivamente
que para ele ficar livre definitivamente do problema que o atormenta deve
voltar, com regularidade de freqüência, a prática que acabara de experimentar
e ou alertam para o dever de colaborar com a continuidade da organização ou
da obra religiosa onde a tal prática foi realizada. Essas sugestões pós-
hipnóticas geralmente se transformam em ações compulsivas e, portanto,
inconscientemente cumpridas.
Para melhor análise da produção do transe hipnótico em meio de um ritual
de cura religiosa, pode ser interpretado como transcorre uma reunião ou sessão
com estas características. Geralmente inicia com um dirigente que fala com
emocionada oratória, voz cava, vocabulário repetitivo e monótono (técnica de
Liébaut), dirigindo-se às pessoas que ficam de pé e com os braços levantados.
Após a introdução inicial, os mais suscetíveis começam a balançar o corpo de
forma oscilatória, o que indica alto grau de suscetibilidade hipnótica. Nesta fase,
alguns auxiliares identificam quem mais oscila e, imediatamente, entram em
cena dando início à indução hipnótica direta e individual, falando mais ou
menos assim: “Sai demônio... Manifeste... Apareça... Não resista...”. O demônio
é primeiro induzido para depois ser exorcizado e, tudo não passa de sugestão
hipnótica.
Os mais suscetíveis entram em rigidez cataléptica, ficando com os dedos
contorcidos e sem movimentos, não propensos a falar, apenas respondem
resumidamente o que lhes for perguntado, às vezes se contorcendo ou
tremendo o corpo e, se o nível de transe hipnótico for profundo, os olhos ficam
brancos; tudo isso são características clássicas do transe. Nesta fase é
possível observar a sintomatologia dos diferentes graus de aprofundamento da
hipnose. E, desta forma, o dirigente da sessão daria continuidade ao processo,
aplicando as sugestões hipnóticas e pós-hipnóticas que garantam os objetivos
esperados.
Um Padre católico famoso por produzir transes hipnóticos foi Francis
MacNutt. 30 Empenhado no processo da renovação carismática da Igreja
católica, ele e uma equipe de dez Padres, além de vários auxiliares,
empreenderam, por volta de 1970, curas através de orações e imposição das
mãos, sobre os doentes, nos quatro cantos do mundo. Principalmente nos
Estados Unidos, na Inglaterra, na Colômbia, no México e várias nações
africanas.
30
MACNUTT, Francis O. P. O Poder de Curar, (titulo original: “The power to heal”, (Trad. C. F.
de Andrade) S. Paulo, Edições Loyola, 1980.
72 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
31
Repressão, segundo a psicanálise, é o mecanismo de defesa através do qual um impulso ou
outro conteúdo psíquico desagradável ou inaceitável é suprimido da parte consciente da men-
te. É a retirada de idéias, afeto ou desejos perturbadores da consciência, pressionando para o
inconsciente. Encontra-se na origem das neuroses e psicoses, mas, em certa medida é inevi-
tável como na repressão dos impulsos sexuais e de agressão, quando reprimidos permitem a
existência civilizada da sociedade humana (N. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 79
É plausível concluir que as estórias contadas pelo hipnotizado, falando
como se estivesse em outras vidas, foram apenas mecanismos fantasiosos
encontrados pela sua inconsciência para liberar suas repressões. É como se
outra pessoa, e não ela própria estivesse falando sobre os problemas, sem
culpa ou vergonha imposta a ele pela moralidade, ao revelar-se, livra-se dos
sintomas que atormentam seu dia-a-dia. E, em muitas situações, os sintomas
podem desaparecer apenas com lembranças da própria infância, sem que para
isso seja preciso uma regressão à “vidas passadas”. Nestes casos a
intensidade do trauma psicológico é pequena, a pessoa hipnotizada pode
relembrar com facilidade e superar o problema que a incomoda.
A nova tendência da terapia por regressão hipnótica é a de que não é
necessário, após a indução ao estado de transe médio ou profundo, nada se
dizer, perguntar ou sugerir ao hipnotizado. Este ficará imóvel, algumas vezes
apresentando rigidez e contratura muscular nas mãos, braços, pernas ou até
generalizada, outras vezes com ligeiros tremores, ou ainda, em crises de choro
ou risos. Neste estado ocorre o processo automático de curas porque assim o
hipnotizado estará se libertando de suas repressões, refazendo seus valores e
revendo sua vida.
Como pressuposto básico da cura está a pré-sugestão de que, ao
submeter-se ao processo, o hipnotizável deseja curar-se de alguns sintomas. O
principal efeito da terapia decorre do fato de que, em transe, ele por si só entra
contato com o seu inconsciente e enfrenta os traumas conseqüentes de
situações que de alguma forma vivenciou. Nada de induzir regressões, nada de
sugestões, apenas o transe hipnótico, curiosamente era isso que acontecia nas
sessões de Mesmer, a famosa convulsão terapêutica parece que agora retorna
como se fosse novidade para a cura através da hipnose.
A leitura até aqui realizada talvez se ajuste e se esclareça, na proporção
que outros conceitos e reflexões forem surgindo, se somando ou divergindo. O
próximo capítulo apresenta os principais personagens e suas idéias, conceitos,
teorias e práticas curativas que envolvem aplicação da hipnose e como
aconteceu sua adaptação e readaptação diante das mudanças, na forma de
pensar e praticar o hipnotismo, no decorrer dos séculos.
80 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
32 a
DANCIGER E: Homeopatia: da alquimia a medicina. 1 ed. RJ, Ed. Xenon, 1992.
82 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
33
MESMER A. F. Los fundamentos del magnetismo animal. Aforismo de Mesmer y comentarios
del Dr. Caullet de Veaumoreu. Tradução para o espanhol e prólogo de Edmundo Gonzáles
Blanco, B. Aires, Kier, 1954.
86 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
ainda desconhecidas. O corpo animal é diretamente afetado pela
insinuação deste agente na substância dos nervos. Dito agente causa em
corpos humanos, propriedades análogas às do ímã, motivo por que é
chamado “magnetismo animal”. Este magnetismo pode ser transmitido a
outros corpos, pode ser aumentado e refletido por espelhos, comunicado,
propagado, e acumulado pelo som. Pode ser acumulado, concentrado e
transportado. As mesmas regras se aplicam à propriedade contrária. O
ímã é suscetível de magnetismo e de propriedade oposta. O ímã e a
eletricidade artificial têm, com referência à moléstia, propriedades comuns
a uma multidão de outros agentes que a natureza nos apresenta, e se o
uso destes for seguido de resultados úteis, são devido ao magnetismo
animal (MESMER).
Mesmer inova a hipótese até então existente; não era o magneto natural
que provocava curas, como anunciado por Paracelso e pelo Padre Hell, era a
ação do magnetismo próprio do ser humano. Defendia a tese de que não era
preciso o ímã metálico; bastaria impor as mãos sobre o doente para que este
recebesse a transferência dos fluidos magnéticos. O magnetismo animal
poderia passar das mãos do magnetizador para os pacientes, podendo também
ser armazenado em árvores ou transportado por varinhas, espelhos, vasilhas
contendo água, cristais e outros instrumentos.
Respaldando seu estudo em hipóteses antecedentes Mesmer encontrou
justificativa suficiente para estabelecer a idéia da existência de um fluido,
invisível e miraculoso, que agia sobre os seres vivos, através da influência dos
Astros e dos Planetas. Responsabilizava esse fluido como causa de doenças
ou como força curativa. Admitia como princípio a existência de uma corrente
universal que em tudo penetra e abraça, num movimento alternativo e perpétuo
assemelhando-se ao fluxo e refluxo do mar e, a esse movimento provocado por
influências astrais, agindo de forma mútua entre todos os corpos da natureza,
uns sobre os outros, ele atribuía a saúde e a doença.
Antes de Mesmer a idéia de fluidos invisíveis já fazia parte do imaginário
de muitos homens cultos. Paracelso acreditava que forças magnéticas, em
particular aquelas que provêm das estrelas, influíam sobre as pessoas através
de ondas invisíveis. Isaac Newton, em sua publicação Principia (1713), já
explicitava o que acreditava ser “a presença do espírito extremamente sutil que
permeia e se oculta em todos os corpos densos”. O cientista sueco Carlos
Lineu (1707-1778) dizia que na vida dos vegetais ocorria a presença de um
“fluxo magnético sutil” camuflado sob os mais variados nomes, entre os quais
gravidade, gases, energia e força vital.
No ano de 1785 Mesmer publica em Paris uma série de vinte e sete
aforismos, 34 descrevendo os princípios de sustentação da tese do magnetismo
animal e como seus seguidores poderiam por em prática essa complicada
34
Título original, Les aphorismes de Mesmer dicté a l’assemblé de ses élèvem, publicado em
1785 por Caullet de Veaumoreu. Traduzido para vários idiomas, impresso e publicado em
muitos países (N. do. A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 87
teoria. Na Europa o mesmerismo foi um dos assuntos mais divulgados entre
1779 e 1789 e, com isso, viveu Mesmer glória e fracasso, principalmente em
Paris.
Na segunda metade do século XVIII a sociedade européia, em particular
na França, viveu uma época de grandes transformações para a humanidade.
Livros como O Espírito das Leis, de Charles-Louis de Secondat, o Barão de
Montesquieu (1748); O Contrato Social, de Jean-Jacques Rousseau (1762);
Cartas Filosóficas, de François-Marie Arount, conhecido como Voltaire (1773);
A Ordem Natural das Sociedades Políticas, de La Riviére (1767), induziam o
povo a pensar ampliando seus conhecimentos e a percepção de si mesmo
como cidadão capaz e merecedor de melhorias, era a fase da ação do
humanismo. Estava também o mundo vivendo as grandes descobertas da
ciência cartesiana, na área da matemática e da física, a eletricidade e seus
efeitos eram objetos de estudos intensos, a descoberta do eletromagnetismo e
do pára-raios fascinava a todos.
O mundo vivia o que se chamava na Europa Le bélle epoque; uma fase de
efervescência de novas idéias filosóficas sobre o sentido da vida e de
explicações científicas para esclarecer os fenômenos físicos, era época de
revelações, idéias e explicações e o povo acreditava que havia resposta para
tudo. As formulações científicas na área da física, as idéias de ação e reação,
atração dos corpos, o eletromagnetismo, tudo isso foi considerado como
revolucionário e extremamente racional. Neste cenário o homem acreditava
que, aliando o conhecimento com a tecnologia e a ciência, não seria jamais
limitado, por nada nem ninguém. Esse otimismo incentivava a criação de uma
imensa gama de teorias, inclusive as que explicassem o ser humano e sua
complexidade. É nesta fase que Mesmer, fazendo analogia com a física e com
as aplicações terapêuticas dos metais magnéticos, divulgado por seus
antecessores, imagina sua teoria.
No conceito popular, o poder da ciência podia explicar tudo e o grande
público demonstrava interesse cada vez maior pela explicação científica dos
fenômenos presentes na natureza humana. É nesta atmosfera que Mesmer
propaga sua teoria que ganharia o mundo através de seus discípulos e
seguidores. O mesmerismo ou o magnetismo animal faziam parte do imaginário
cosmológico desta época de transição na história do pensamento filosófico,
cuja tendência era a de misturar pesquisa experimental com pensamento
especulativo e místico, sobretudo numa fascinação pelos fenômenos de
natureza magnética e elétrica.
Satisfazendo a expectativa da sociedade, Mesmer dá a sua explicação
para o fenômeno que desencadeava, tentando no máximo se aproximar da
ciência dominante, embora suas idéias fossem baseadas na cosmologia e
princípios filosóficos antigos. Defendia a existência de uma influência mútua
entre os corpos celestes e, como justificativa, apresentava as fases da Lua
agindo sobre as marés, a força do Sol atraindo a Terra para mover-se em sua
88 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
volta. Dizia que essa força invisível era semelhante à força do ímã que atrai o
ferro, igual à força magnética que, embora ninguém possa ver, existe.
Acreditava que os cristais, superfícies espelhadas, alguns metais e
principalmente a água, poderiam acumular grande quantidade dessa força
invisível.
Sustentava Mesmer que a força invisível que existe entre os Astros e a
Terra, possui uma influência capaz de controlar a saúde dos seres animados
que aqui habitam. Dizia que tal influência se manifestava através de um fluido,
universalmente difundido, que agia nos seres vivos, sendo recebidos dos Astros
através da cabeça e da Terra através dos pés; no corpo humano sadio
circulava num fluxo contínuo e impedir este fluxo traria como conseqüência uma
enfermidade. A cura dependeria da retirada ou destruição do obstáculo para
que o fluido pudesse voltar a circular normalmente.
Pensando o corpo humano como um grande ímã, composto por vários
ímãs pequenos, Mesmer sustentava que massageando os pólos magnéticos do
corpo se efetuaria a superação do obstáculo que impedia a circulação do fluido
universal e, assim, estabelecia a cura das doenças. Inventou alguns aparelhos
que reforçavam sua tese, como um instrumento de cerâmica em forma de cone
que encerado, molhado e acionado por um pedal, era posto a rodar. Neste
instrumento deixava escorregar os dedos das mãos até que a fricção
produzisse um som que ele interpretava como sendo gerado pela acumulação
do seu magnetismo animal. Também com o mesmo objetivo, friccionava com as
mãos tecidos de seda, plumas e outros objetos macios, associando essa
prática com a produção e efeitos da eletricidade estática, para logo em seguida
magnetizar seus pacientes que entravam numa espécie de convulsão e
promovia cura.
Em Viena, utilizando o novo método, várias pessoas foram tratadas por
Mesmer, entre elas destaca-se Maria Theresa Paradis, pianista, 21 anos de
idade, vítima de seu próprio pai numa relação incestuosa forçada. Além de
cegueira histérica, sofria com freqüentes crises e sintomas severos como
vertigens, dores de cabeça, insônia entre outros. Atendida por muitos médicos,
entre eles o influente vienense Doutor Stoerk, não obteve cura. Encarregado do
tratamento, além dos passes magnéticos, Mesmer lhe devotava carinho,
atenção e amor até que a paciente recuperou a visão. Sua fama alastrou-se
pela Europa.
Mesmer teve origem pobre, filho de um ”guarda-caça”, função semelhante
a guarda-florestal, encarregado de zelar e preservar certos locais e espécies de
animais e servir a nobreza no esporte da caça. Talvez por isso, dois anos
depois de sua graduação em medicina, casou-se, em 10 de janeiro de 1768,
com a rica viúva de um Tenente-Coronel do exército, de nome Marie Anna Von
Posch. Sua mulher, 20 anos mais velha do que ele, é quem lhe proporcionava
recursos necessários para realizar seus estudos e promovia seu acesso à
classe dominante, mas movida pelo ciúme alia-se ao pai de Theresa Paradis e
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 89
ao Doutor Stoerk que contestava a tese do magnetismo animal. Os três
insuflam os médicos de Viena e iniciam forte campanha difamatória contra
Mesmer; disso resultou sua expulsão da cidade em 1776.
Em 1778 Mesmer já estava estabelecido em Paris onde encontrou
definitivamente um campo propício para difundir suas idéias, o mesmerismo
tornou-se moda na aristocracia francesa, era o assunto de todos os salões.
Embora em Viena fosse tentado tratar pelo método do magnetismo qualquer
tipo de doença, logo após a mudança para Paris, Mesmer descartou o
tratamento das enfermidades repulsivas como deformidades físicas
permanentes ou congênitas, chagas, portadores de loucura agressiva e casos
de idiotia. Esses casos na verdade nunca apresentaram resultados positivos
com o tratamento mesmerista.
A princípio, como fazia em Viena, no ritual de cura os pacientes de
Mesmer eram tocados com uma vara de metal para provocar as convulsões
terapêuticas. Mais tarde ele passou a acreditar que há no corpo humano, vários
pólos magnéticos e que, a maior parte deles, muda constantemente de lugar
provocando doenças e, por isso, tinham que ser arrumados através de passes
com a imposição das mãos; assim produzia as mesmas convulsões, iguais às
obtidas com o processo anterior. Dizia, ainda, que alguns pólos magnéticos do
corpo humano são estáveis como os dos dedos e do nariz.
Mesmer cria os passes magnéticos, sustentando a hipótese que, com a
imposição das mãos, fluidos magnéticos, saindo pelos dedos, eram
transmitidos de uma pessoa para outra, em analogia com a teoria da
eletricidade que afirma “os elétrons fluem de um corpo para outro pelas
extremidades”. Este enunciado (lei das pontas) fundamentou B. Franklin na
invenção do pára-raios. Com essa fundamentação teórica Mesmer passou a
magnetizar e a produzir convulsões em seus pacientes quando, segurando-lhes
as mãos, fitava-lhes os olhos durante alguns minutos; depois, iniciava os
passes apontando os dedos em direção da cabeça, ia descendo
vagarosamente quase sem tocar no corpo, parava um pouco nos olhos
exercendo com os dedos indicadores uma ligeira pressão na base do nariz do
paciente. Prosseguia descendo as mãos, parando à altura do tórax onde fazia
uma leve pressão, depois no estômago, o itinerário seguia pressionando
levemente as coxas até chegar aos joelhos. Dali retornava, experimentando as
mesmas estações intermediárias até alcançar novamente a cabeça. Expediente
este que no decorrer da história foi aproveitado e adaptado, sendo até hoje,
com ligeiras modificações, usado de várias formas e em larga escala, com o
objetivo de produzir curas durante rituais religiosos ou filosóficos.
As sessões de curas magnéticas foram evoluindo e já não podendo
atender individualmente à numerosa clientela, Mesmer recorreu à
magnetização indireta, dispensando seu toque pessoal no cliente. Estes, em
número de vinte a trinta, assentavam-se em volta de uma tina contendo água,
da qual saiam várias varas metálicas. Estabelecendo contato com essas varas,
90 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
pelas coxas. Para garantir a formulação do sofisma que mais convencesse tudo
era associado a um fato científico, como a corrente elétrica.
Durante as sessões, havia assistentes para retirarem os que fossem
afetados de modo mais violento, em transe convulsivo ou cataléptico, os de
choro alto e risos histéricos que eram conduzidos à sala de crise. Essa ruidosa
sala ficou conhecida como a Câmara das Crises ou o Inferno das Convulsões.
Mas, conta à história, Mesmer efetivamente acreditava no que afirmava, era
convicto das suas “verdades científicas”.
O sucesso de Mesmer em Paris foi muito rápido, chegando a alugar um
palácio Place Vendôme e faz da sala principal seu novo consultório, capaz de
receber cento e trinta pacientes por sessão. Neste ambiente atendeu a rainha
Maria Antonieta, o legislador Montesquieu, o iluminista La Fayette entre outros
nomes da nobreza e da intelectualidade parisiense. Na fase de gloria atendia a
mais de mil pessoas por dia e, como não podia atender a todos, chegou a
magnetizar uma árvore em frente do salão para que nela, quem não mais cabia
do lado de dentro, tocasse em busca de curas. Assim como aconteceu em
Viena acontece também em Paris; a classe médica enciumada lhe moveu mais
um processo de perseguição. Em 12 de março de 1784, o rei Luís XVI,
instigado pelos médicos, nomeou uma comissão de sábios para investigar a
natureza do fenômeno mesmerista.
As críticas mais contundentes contra o mesmerismo vieram da Faculdade
de Medicina, da Academia de Ciências e da Sociedade Real de Medicina. As
duas primeiras trataram de instituir a comissão de investigação oficial composta
por: a) Benjamin Franklin, na ocasião embaixador americano em Paris e
inventor do pára-raios; b) o químico Antoine-Laurent Lavoisier, cientista
conhecido como o pai da química moderna; c) Jean-Sylvain Bailly, astrônomo
conhecido pelos cálculos da órbita do cometa Halley e pelos estudos sobre os
quatros satélites de Júpiter, estadista e Prefeito de Paris; d) o médico Joseph-
Ignace Guillotin, o mesmo que oito anos depois inventaria a guilhotina; e)
Antoine Laurent de Jussieu, médico pela Universidade de Montpellier, Diretor
do Jardim Real e membro da Academia de Ciências de Paris. Todos
encarregados de investigar a legitimidade do fluido magnético e das curas
anunciadas.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 93
A prática de Mesmer começou a
enfrentar críticas de acadêmicos i-
lustres ligados à Faculdade de Me-
dicina, à Academia de Ciências e à
Sociedade Real de Medicina da
França, que iniciaram forte campa-
nha contra a prática do mesmeris-
mo.
Não obstante milhares de curas re-
alizadas, tudo era explicado como
sendo fruto de fraude e farsa.
Uma sátira ao magnetismo animal
foi publicada, em 1780, em jornais
e panfletos que circulavam por toda
Paris, com caricaturas de um corpo
de homem com cabeça e rabo de
cavalo e uma mulher sendo mag-
netizada. Era o início de uma gran-
diosa contestação que impôs o fim
da carreira de Mesmer.
Caricatura contra o mesmerismo (1780)
Uma petição dirigida por Mesmer à Academia Francesa, em data anterior
à nomeação da comissão, requerendo a investigação científica para seu
método de cura sequer foi indeferida, foi ignorada. Indignado, posteriormente
quando procurado pela comissão oficial, recusou-se por à prova suas verdades
e não ofereceu resistência às acusações, deixando sua defesa a cargo dos
fatos e de seus discípulos.
Mesmer era acusado, preliminarmente, de ser o detentor e criador de uma
doutrina secreta, que só se dispunha revelar aos membros subscritos da
“Sociedade da Harmonia”, criada por ele para formar novos magnetizadores ou
mesmeristas. Sob promessa de sigilo, os sócios aprendiam, com base na
harmonia entre os Astros celestes e os seres humanos, a concentrar os fluidos
magnéticos e a comunicar para outras pessoas. Com a ajuda de Luis XVI e
Maria Antonieta, instalou também o “Instituto Magnético”, local onde os
mesmeristas atendiam pacientes em busca de cura.
Diante da negativa de Mesmer de provar sua teoria, a comissão tratou de
investigar as práticas mesmeristas realizadas pelo seu discípulo Charles
D`Eslon, médico respeitado e professor da Faculdade de Medicina de Paris,
que se prontificou com os investigadores a compartilhar a totalidade do seu
saber e da sua experiência. Assim, o que estava sendo julgado era a prática do
magnetismo animal e, durante a fase de investigação, a comissão limitou-se a
presenciar demonstrações realizadas por D`Eslon. Os cientistas enfiaram as
mãos na tina do banho magnético, o que não lhes provocou os efeitos
94 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
37
CHERTOK, Léon e STENGERS, Isabelle. O Coração e a Razão: A hipnose de Lavoisier a
Lacan. (Titulo original: Lê coeur et la raison – L’ hypnose em question, de Lavoisier à Lacan.
Trad. Vera Ribeiro) RJ, ed. Zahar, 1990.
38
JUSSIEU, Laurent de. Rapport de l’um des commissaires, [Reprin] Paris (1784), 1952.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 95
valeu. Mesmer foi condenado como charlatão, considerado impedido de praticar
a medicina. 39
seguindo para a Bélgica onde não obteve boa recepção; foi para a Alemanha
onde concluiu a redação do seu livro mais completo, 40 publicado em 1814,
detalhando o entendimento teórico e as práticas que desenvolvera durante sua
vida, mas seu conteúdo foi considerado pela crítica da época como informações
sem crédito.
Enfrentando mais um processo promovido pela Academia de Ciência de
Berlim, Mesmer foi intimado a prestar esclarecimentos sobre sua teoria e sua
prática. Sofrendo grandes perseguições na Alemanha, fugiu para Inglaterra
onde viveu por pouco tempo sob nome suposto, tendo depois voltado para
Iznang na Áustria onde morreu aos 81 anos de idade, em completo
esquecimento, na cidade de Weiler, em 05 de março de 1815.
É incontestável que o ritual, não importa qual seja a justificativa, se
religiosa, mística ou mágica, quanto mais solene mais eficaz será para produzir
o transe. Mesmer, sem reconhecer essa relação, usa como processo de
indução o ritual dos passes e da tina, associando à teoria do magnetismo
animal. Para ele o transe e seus efeitos eram produzidos por uma força
emanada por via astral que, agindo através da pessoa magnetizadora, era
capaz de aliviar ou eliminar sofrimentos humanos. Mesmo sendo a maior parte
das suas conclusões equivocadas, a partir de suas idéias foi possível uma série
de descobertas que deram origem a novos conceitos.
Na fase final de suas pesquisas, sem abandonar as idéias iniciais Mesmer
acrescenta outras, as quais se aproximam muito das explicações modernas.
Em suas ultimas conclusões relacionava os sintomas dos pacientes às
violentas emoções por eles vivenciadas, acreditava que sua técnica era uma
forma de superação ou cura dos sofrimentos conseqüentes da própria historia
de vida de cada um.
Entre 1790 e 1820 o magnetismo animal foi relegado à categoria de
“acontecimento sem importância”, mas o mesmerismo continuou ativo depois
da morte de seu fundador. Decorridos mais de dois séculos, muitos autores
escreveram sobre o assunto, uns a favor outros contra, novas interpretações
aconteceram. Na década de 1880, as conclusões de Mesmer incentivaram os
estudos de um neurologista francês, o famoso Charcot, que associou a
terapêutica do seu antecessor ao estudo da histeria e lhe deu novo impulso.
Tudo isso contribuiu para Freud, no início do século XX, apontar sua versão
para o significado terapêutico das práticas mesmeristas. Na atualidade, novas
hipóteses surgem e são modificadas a cada dia por novos autores, inovando e
discutindo o tema do hipnotismo, envolvendo, em maior ou menor dose, a
filosofia, a religião ou ciência.
40
Título original do livro de MESMER publicado por Herausgegeben von Wolfart, em Berlim, A-
lemanha, em 1814, System der Wechselwirkungen. Theorie und Anwendung des Thierischen
Magnetismus als die allgemeine Heilkunde zur Erhaltung des Menschen “Sistema de ação e
reação: Teoria e prática do magnetismo animal como meio geral de cura e manutenção da in-
tegridade humana” (Trad. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 97
Adeptos de Mesmer mantiveram funcionando as Sociedades da
Harmonia, no início secretamente e depois a tornaram pública com o nome de
Sociedades Magnéticas. Em 1831, os membros dessas sociedades elaboram
um minucioso relatório e o encaminha à Faculdade de Medicina de Paris
solicitando a reabertura do processo que condenara o mesmerismo, obtendo a
revisão do julgamento. A comissão de revisão finaliza a redação da nova
sentença afirmando que considerava o magnetismo como agente de
fenômenos fisiológicos e como elemento terapêutico, por isso era favorável que
seu estudo deveria entrar no quadro do ensino da medicina e fosse empregado
por médicos ou, sob sua orientação, por especialistas comprovados. Em 1837,
porém, a comissão retrata-se da decisão anterior negando a existência dos
fluidos, principal argumento do mesmerismo e, por conseqüência, anula
qualquer referencia positiva ao uso do magnetismo.
O mesmerismo, embora desacreditado pela classe acadêmica, desde o
tempo do seu surgimento, serviu de base para várias idéias e sua importância
para o desenvolvimento de algumas crenças é incontestável; a hipótese da
influência dos Astros nas vidas das pessoas para muita gente é válida até hoje
e, acreditando nisso, muitos ainda recorrem a consultas astrológicas e a mapas
astrais para obterem respostas sobre a vida, sorte e saúde. A crença de
Mesmer na força que podia ser acumulada na água, nos cristais e nos
espelhos, também ainda encanta muita gente. Na linguagem moderna do
hipnotismo, o mesmerismo é reconhecido como a escola magnética ou
mesmerista e, ainda, é muito seguida. Sua prática é acontece principalmente
em alguns ambientes religiosos.
No sentido religioso a influência do mesmerismo é evidente, os passes
magnéticos e recipientes com água das práticas mesmeristas foram mais tarde
utilizados como elementos facilitadores da cooperação entre o espírito e o
médium. Assim como Mesmer fazia quando invocava os fluidos astrais,
freqüentemente os dirigentes de rituais religiosos, em busca da cura, também
invocam ou recorrem a uma espécie de poder sobrenatural do qual se dizem
condutores ou instrumentos.
Mesmerismo e sonambulismo
Dentre os discípulos de Mesmer que fizeram reviver o mesmerismo, figura
também uma personalidade influente, o Marquês Armand-Marie-Jacques Chas-
tenet du Puységur (1751-1825), um oficial de artilharia que se distinguiu no cer-
co de Gilbraltar. Viveu dividindo seu tempo entre a vida militar e seu castelo,
uma gigantesca propriedade que possuía por herança de seus antepassados,
localizada no sul da França, na aldeia de Bezancy região da Soissons.
Puységur continuava empregando o método mesmerista, até o dia quando
magnetizando com passes um jovem camponês de 18 anos, de nome Vietor
Race, que sofria de uma afecção pulmonar, por mera casualidade verificou que
o expediente magnético podia produzir um estado de sono e repouso em lugar
das clássicas crises de convulsões. Vietor não se detinha no sono; dormindo,
98 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
41
QUEVEDO, O. Gonzáles. A face oculta da mente, S. Paulo, ed. Loyola, 1971.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 99
É relativamente comum a observação de fenômenos de transposição dos
sentidos em sessões de hipnotismo, onde o hipnotizado, de olhos vendados e
de costas para o hipnotizador, reproduz os seus movimentos; se o hipnotista
levanta o braço, o hipnotizado também levantará, sem que para isso se diga
uma palavra; se o hipnotista apenas afasta as mãos, ele cairá com o corpo no
mesmo sentido. Mas, esse fato revelado por Puységur, até hoje é posto em
dúvida embora seja verdadeiro e até fácil de ocorrer.
Foi o Marquês, o criador do termo sonambúlico para representa o estágio
mais profundo da hipnose. Seu método, no qual o próprio doente indicava o seu
remédio, fez com que Puységur enveredasse para a pesquisa do maravilhoso.
Seus pacientes postos em contatos com outra pessoa doente viam e
descreviam seus órgãos internos como raios-X e, hipnotizados, também faziam
observações do que se passava à distância. Assim, Puységur introduziu na
hipnose uma experiência curiosa que consiste em aprofundar no transe uma
pessoa bastante suscetível, sugerindo-se em seguida que ela terá sua visão
aumentada e condições de enxergar internamente a pessoa que está à sua
frente. Ambas de frente uma para outra, com os braços apoiados sobre os
joelhos, em contato pelas mãos. Feito isso, era dito:
• Agora você já pode observar todo o funcionamento dos órgãos internos
desta pessoa com que você está em contato... Vá observando
vagarosamente, bem calma, bem tranqüila... Vá observando o
funcionamento de todos os órgãos internos dela... Observe bem...
Descreva seu funcionamento...
O hipnotizado logo dizia que estava enxergando tudo;
surpreendentemente, com detalhes descrevia o funcionamento dos órgãos,
mesmo sem ter grandes conhecimentos de anatomia. Para Puységur, com
essas experiências podiam ser obtidos diagnósticos perfeitos e com grande
precisão. Sugeria que, além de ver, o hipnotizado tinha condições de sentir as
reações do outro e descrever suas dores. O retorno dessa prática consistia
também de sugestões especificas. Como exemplo:
• Agora está tudo bem... Você está livre de qualquer interferência, está livre
de qualquer dor ou mal-estar... Está totalmente se desligando da pessoa
que segura pelas mãos... Ao soltar suas mãos, estará livre de seus
problemas... Solte as mãos... Vou contar até três para você acordar...
Um... Dois... Três...
Baseado nas experiências de Mesmer, Puységur acreditava que podia
magnetizar árvores e, com isso, desenvolveu outra técnica utilizada em
tratamento coletivo, que eram executados na presença de espectadores
curiosos e entusiasmados pelo novo método. Segundo Alphonse Bué (1919),
Puységur chegava a reunir até 130 pessoas, ao mesmo tempo, em torno das
famosas árvores de Bezancy, de Beaubourg e de Bayonna, de que os anais
magnéticos assinalam numerosas curas.
100 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
filhas, Margareth, Katharine e Ana Lrah de quinze, doze e nove anos, respecti-
vamente.
Em dezembro de 1847, os Fox foram residir numa casa de madeira que
tinha fama de mal-assombrada, apesar de sempre ouvirem pequenos ruídos,
como se fossem batidas nas paredes, a família já estava se acostumando com
a casa, mas certa noite os ruídos se intensificaram. As duas filhas mais velhas
logo perceberam que o som respondia a seus estalos de dedos e batidas das
palmas, como se alguém invisível estivesse querendo se comunicar. Margareth,
a mais velha, levando na brincadeira e cantando em ritmo de raps, dizia: “Se-
nhor pé rachado, faça o que eu faço”. 42 Seguiu-se o mesmo número de raps ao
das palmas batidas por Margareth. Em seguida, replicou: “Agora faça exata-
mente como eu. Conte um, dois, três, quatro”. E, bateu palmas, sendo imitada
nos sons pelo que acreditou ser um espírito. Outras perguntas foram feitas pela
mãe das meninas, como qual a idade de cada uma, e para espanto da família,
as pancadas responderam acertadamente.
A casa dos Fox virou um lugar onde afluíram várias pessoas para presen-
ciar os fatos estranhos e, por causa disso, a família resolveu mudar-se dali e os
fenômenos pararam. As duas irmãs mais velhas eram sonâmbulas, portanto ti-
nham possibilidades de manifestar certos efeitos parapsicológicos. A notícia
espalhou-se pela região e, rapidamente, para o resto do país e para o outro la-
do do Atlântico. Chega à França e transforma-se em reuniões em torno de me-
sas girantes e de escritas automáticas, inicialmente como curiosidade e passa-
tempo de salão, depois se associa ao mesmerismo para mais tarde transfor-
mar-se em prática da doutrina kardecista.
O fato ocorrido com a família Fox passou a ser entendido como uma co-
municação com um espírito. O fenômeno das batidas como resposta às provo-
cações das meninas prosseguiu à vista de outras pessoas que trataram de di-
vulgar a história pelo mundo. Em 1850, na Europa, estas notícias serviram de
base para o inicio das experiências com “mesas girantes”, contando sempre
com a presença de sonâmbulas no decorrer das sessões de magnetismo, as-
sociadas com práticas mesmeristas.
Foi em 1850 que surgiram na Europa as mesas girantes; várias pessoas
em torno de uma mesa colocavam as mãos sobre o móvel que começava a
girar ou levantar os pés. Essa prática foi incorporada às sessões de
mesmerismo nas sociedades magnéticas e todos passaram a acreditar que os
fluidos magnéticos de uma ou mais pessoas do grupo proporcionavam as
condições para que isso acontecesse. Quando o efeito começava, geralmente
se ouvia um pequeno estalido na mesa, isso era o prelúdio do movimento. Essa
prática virou mania nas casas e salões e logo, o que apenas era diversão,
passou a ser entendido como se fosse comunicação com espíritos. Cada
42
O termo “pé rachado” deve-se à maneira que os nortes-americanos se referiam ao demônio
ou “cabra” (N. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 103
pancada do pé da mesa no chão passou a ser entendida como confirmação de
uma letra, proferida por alguém do grupo e, a junção das letras, formava
resposta para determinada pergunta. Isto evoluiu para o que veio a se chamar
escrita automática; uma cesta com 15 a 20 centímetros de diâmetro, na qual se
amarava um lápis com a ponta para baixo. Mantida em equilíbrio sobre uma
folha de papel, o sonâmbulo encostava o seu dedo na cesta e ela se deslocava
escrevendo.
O movimento da mesa girante, assim como da escrita automática,
independente da vontade consciente de quem está com as mãos sobre a mesa
ou com o dedo sobre a cesta, pode acontecer quando nas sessões participam
pessoas suscetíveis e atingem proporções espetaculares quando essas
pessoas são sonâmbulas. O próprio ambiente e a ritualidade das sessões
provoca nas sonâmbulas um transe hipnótico profundo e tem inicio o
movimento da mesa e da escrita automática. Como ninguém, conscientemente,
provocou os movimentos, acredita-se que o efeito ocorre por uma ação
inconsciente e, o que pode ser entendido como uma prática simples envolvendo
hipnotismo, para alguns passou a ser observado como se fosse obra de
espíritos comunicando-se com os vivos.
A iniciação de Allan Kardec no espiritismo ocorreu após reencontrar com
um amigo, de nome Victorien Sardou, que discorreu acerca do que acreditava
ser a intervenção dos espíritos em uma sessão de magnetismo e o convidou
para assistir. Em maio de 1855, foi à casa de uma sonâmbula, a Senhora Roger
e conheceu o seu magnetizador, o Sr. Fortier, além de outros membros do novo
grupo. Foi quando, pela primeira vez, presenciou a prática das mesas girantes
que saltavam e corriam, viu também alguns ensaios de escrita automática.
Interessou-se pelas explicações transmitidas pelo magnetizador quando dizia
"parece que já não é somente a pessoa que pode magnetizar".
A partir das mesas girantes e escritas automáticas, ocorreu para alguns
mesmeristas a suspeita de que existia algo além do fluido e do magnetismo
agindo nas sessões de sonambulismo e o sonâmbulo passa a ser conhecido
como médium. Nome advindo do latim que significa “meio”, definindo aqueles
sonâmbulos que entravam em transe com o propósito de “intermediar” a
comunicação entre os vivos e os mortos.
Em 1857, Allan Kardec acredita ter tido contato, através de um médium,
com um espírito de nome Zéfiro que lhe diz, entre outras coisas, tê-lo conhecido
em uma precedente existência, quando, ao tempo dos druidas, viviam juntos na
Gália e ele se chamava, então, Allan Kardec. Zéfiro prometeu orientá-lo na tare-
fa de escrever a nova doutrina e, Kardec, em 1859 publica com esse pseudô-
nimo o Livro dos Espíritos criando outra versão para o magnetismo, a de que a
força curativa era atribuída aos espíritos (Obras Póstumas de Allan Kardec). 43
43
KARDEC, Allan. Obras Póstumas, 12. Edição, R. J. Federação Espírita Brasileira (Departa-
mento Editorial), 1992.
104 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
44
PLATÃO. Fédro. Porto Alegre, Editora Globo, 1950.
45
Tanto para Platão como na linguagem kardecista, o conceito de alma é atribuído a um
espírito encarnado, quando a alma desencarna torna-se espírito (N.do A.).
46
Platão. A República. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 105
Referindo-se a importância da terapia praticada nas sessões mesmeristas,
Kardec em 1868, ao escrever a quinta e última obra básica da sua doutrina, A
Gênese, faz referencia às curas através da ação do fluido universal e invisível.
Destacando que as curas fluídicas seriam variedades da ação do magnetismo
diferindo apenas pela potência e rapidez da ação do magnetismo que o
transmitia. “O princípio é sempre o mesmo: é o fluido que desempenha o papel
de agente terapêutico, e o efeito está subordinado à sua qualidade e
circunstâncias especiais”.
Entusiasmado com os primeiros resultados das suas idéias, Kardec
exerce sua formação acadêmica de escritor e produz a bibliografia clássica da
nova crença, composta por cinco livros: o principal é o Livro dos Espíritos
(1859), 47 seguindo do Livro dos Médiuns (1861), o Evangelho segundo o
espiritismo (1864), O céu e o Inferno (1865), e A Gênese (1868), se somado a
essa coleção as Obras Póstumas de Allan Kardec. Esses livros contribuíram
prodigiosamente para dar ao espiritismo o aspecto dogmático e religioso que
seus seguidores têm conservado e respeitam estritamente. Cada vez mais a
literatura espírita reúne verdadeiros talentos de autores, escrevem de modo
sedutor e sob forma tão persuasivas, que encantam a imaginação e adormece
o senso crítico da maioria dos leitores.
A doutrina Kardecista defende como princípio a existência de Deus, força
cósmica criadora do universo, e a existência do espírito que se liga ao corpo
físico e a memória dos atos praticados. Defende o conceito de reencarnação
como o processo que permite os espíritos voltar ao plano material para expiar
os erros do passado ou para estimular o progresso dos outros seres humanos.
Admite ainda a pluralidade de mundos; inclusive paralelos e invisíveis para a
maioria das pessoas, onde o nosso seria um daqueles em que o espírito se
manifesta. Admite também o carma, na acepção de destino, que estabelece a
lei de causa e efeito, segundo o qual nossa vida seria uma decorrência da
conduta que tivemos em vidas anteriores, numa prestação de contas que regula
as sucessivas encarnações.
Fundamentado na crença da existência do espírito independente do corpo
e em seu retorno à Terra em sucessivas encarnações até atingir a perfeição,
Kardec considera o homem como o único responsável por sua felicidade, já que
tudo depende de seus atos. Condena o egoísmo, o orgulho, a hipocrisia e
prega o amor ao próximo como meio de atingir a maturidade espiritual. Afirma
que as reencarnações permitem a evolução gradativa do espírito para se
redimir de erros passados. Todas as faltas podem ser reparadas e, em alguns
casos, defeitos físicos são considerados como parte do processo de
purificação. Como o corpo é um instrumento para voltar à Terra, quando o
espírito atinge a perfeição não precisa mais reencarnar.
47
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, 49. Edição, R. J. Federação Espírita Brasileira (Depar-
tamento Editorial), 1983.
106 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
começou a trabalhar essa técnica com seus pacientes, entre 1843 a 1855. Foi
quem primeiro usou a hipnose, ainda conhecida como mesmerismo, no
tratamento da histeria dentro do ambiente hospitalar.
Em suas experiências pode observar que a hipnose se mostrava eficiente
nos casos em que o quadro psicopático estava ligado a uma neurose histérica,
na dispsomania e na psiconeurose e, naturalmente, nas pessoas praticamente
normais que apenas apresentavam desequilíbrio emocional temporário.
Aconselhava que o mesmerismo para fins psiquiátricos deve ser empregado
apenas quando o doente se apresenta para o tratamento por sua livre e
espontânea vontade, pois, em tal caso, havia de se beneficiar porque, ao
desejar tratar-se, demonstrava nisso fortes indícios de pouco comprometimento
das suas funções cerebrais, condição necessária para ser induzido ao transe.
Mesmo tendo Ellioston obtido resultados satisfatórios no tratamento da
neurose histérica, da melancolia acompanhada de delírio, das idéias fixas e nos
casos mais benignos das psicopatias, logo de início percebeu que não se
consegue hipnotizar portadores de graves enfermidades mentais, descartando
esse método de tratamento para loucos e retardados.
Embora seu primeiro objetivo tenha sido a utilização da hipnose como
expediente nos tratamentos psiquiátricos, começou também a introduzir o “sono
magnético” na prática hospitalar para aliviar dores dos pacientes. Utilizava
como anestesia local para diminuir a dor durante cirurgias.
Os métodos de tratamento de Ellioston não tardaram em criar uma onda de
oposição. E o Conselho Universitário acabou por proibir o uso do mesmerismo
no hospital da Universidade onde trabalhava. Em virtude disso, pediu demissão,
deixando a famosa declaração:
A Universidade foi estabelecida para o descobrimento e a difusão da
verdade. Todas as outras considerações são secundárias. Nós devemos
orientar o público e não deixar-nos orientar pelo público. A única questão é
saber se a coisa é ou não verdadeira (ELLIOSTON).
Demitido da Universidade, Ellioston continuou seu trabalho com o
mesmerismo e em 1843 fundou o Ziost, um jornal que tratava do novo método
de tratamento, da psicologia cerebral e suas aplicações para o bem-estar
humano. Posteriormente fundou em Londres o Mesmeric Hospital, no qual o
mesmerismo era largamente utilizado. Ali muitos médicos aprenderam o novo
método de cura.
Ellioston morreu em 1868, mas bem antes outros médicos adeptos do
Mesmeric Hospital anunciavam seus feitos terapêuticos, em toda parte do
mundo, principalmente anestésicos. Na Alemanha, na Áustria, na França e nos
Estados Unidos realizavam intervenções cirúrgicas sob sono magnético. Na
América, Albert Wheeler remove um pólipo nasal de um paciente, enquanto o
magnetizador Phineas Quimby atuava como anestesista. Em 1829 Jules
Cloquet usou o mesmo recurso anestésico numa mastectomia. Jeanne Oudt
comunica à Academia Francesa de Medicina seus sucessos magnéticos
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 109
obtidos em extrações de dentes, afirmando ter realizado mais de 200
intervenções cirúrgicas absolutamente sem dor. Do ponto de vista da ciência
estes fatos eram desacreditados e, neste sentido observa Weissmann: 50
É curioso registrar que a ciência ortodoxa de então rejeitava não somente
as teorias mesmeristas, mas também os fatos, quando poderia ter
aceitado o fenômeno e rejeitada apenas a teoria. Acontece que, em
relação ao mesmerismo, nem mesmo os fatos eram aceitos
(WEISSMANN).
Mesmerismo e anestesia
James Esdaille (1808–1859), médico nascido em Perth, na Escócia, for-
mou-se em medicina em 1830, conhecia os trabalhos de Ellioston e começou a
clinicar na Índia onde fez, em 1845, suas primeiras experiências de anestesia
magnética com excelentes resultados. Seus pacientes sofriam as mais severas
intervenções cirúrgicas, inclusive amputações sob sono magnético, mas eram
apontados pela medicina ortodoxa como “um grupo de endurecidos e renitentes
impostores que sofriam sem reclamar só para provar uma mentira como verda-
de”.
O lugar de Esdaille na história do hipnotismo se justifica por ter sido ele
um pioneiro na luta pelo reconhecimento da hipnose como um instrumento
valioso na cirurgia. Começou sua prática como médico da British East India
Company, na Índia e, inspirado na leitura dos trabalhos de Ellioston, realizou
mais de três mil intervenções cirúrgicas com pacientes sob efeito do “sono
magnético”. Em Calcutá, além dos milhares de intervenções cirúrgicas leves e
centenas de operações profundas, realizou dezenove amputações apenas sob
o efeito da anestesia hipnótica. Essa prática só diminuiu quando surgiu o
emprego do éter e do clorofórmio como agentes anestésicos.
Esdaille, assim como Ellioston, empregava expedientes magnéticos do
ritual mesmerista, os passes eram acompanhados de leves pancadas pelo
corpo do paciente, ao passo que olhava de perto os olhos e concentrava as
pancadas na área a ser operada. Ainda, em intervalos regulares, soprava-lhes
levemente a cabeça, os olhos e a boca. Esse processo prolongava-se
geralmente por uma hora ou mais, até que o paciente estivesse em condições
de sofrer a intervenção cirúrgica. Esdaille relata inúmeros casos de cirurgias
sob o efeito mesmerista, sem anestesia e sem dor, quando publica sua
experiência na Índia. 51
As publicações médicas recusavam-se a aceitar as comunicações do
cirurgião escocês e o Caleutta Medieal College moveu-lhe insidiosa campanha
de desmoralização; a anestesia não valia como prova de coisa alguma e, os
médicos faziam circular a notícia de pacientes que haviam sido comprados para
50
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958.
.
51
ESDAILLE, J. Mesmerism in Índia and its Pratical Applications. In: Suurgery and Medicine,
Londres, Hyppolite Baillière, 1852.
110 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
52
ESDAILLE, J. Hypnosis in medicine and surgery [Reprin]. N. York, Julian Press, (1846) 1957.
112 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
54
BRAID, James. Neuropnology, or the rationale of nervous sleep [Reprin]. London, George
Redway, 1899 [Reprin, 1958].
116 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
58
BRAMWELL, J. M. Hypnotism, its history, practice and theory, Philaephia, J. B. Lippincott,
1930.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 119
todos que lá iam com idéias preconcebidas sobre as maravilhas do
hipnotismo tinham de sair decepcionados. Com efeito, fazendo caso
omisso do método de tratamento e algumas ligeiras diferenças, devidas
provavelmente a características raciais, a impressão que se tinha era a de
estar em um departamento público, numa pensão ou num hospital de
clínica geral. Com a diferença de que os pacientes falavam um pouco mais
livremente entre si e se dirigiam ao médico de uma maneira mais
espontânea do que se costumava ver na Inglaterra. Eram chamados por
turno, e no livro dos casos clínicos registrava-se sua anamnese. Em
seguida induzia-se o paciente rapidamente à hipnose... Seguiam-se as
sugestões e as anotações... Quase todos os pacientes dos que eu vi foram
hipnotizados de uma maneira fácil e rápida, mas Liébault me informou que
os nervosos e os histéricos eram mais refratários (BRAMWELL).
Liébault soube conquistar a simpatia e a cooperação dos seus pacientes,
contrariamente ao exemplo de Mesmer, ele era modesto e sem aparato teatral,
quer na sua apresentação indumentária, quer no ambiente da sua clínica. Ao
método de fixação ocular de Braid, ele acrescentou ênfase na sugestão verbal.
Preferiu utilizar-se, quase que exclusivamente, da sua própria voz como
principal elemento de indução, nada de equipamentos ou métodos que
envolvessem contatos físicos com qualquer parte do corpo dos hipnotizados,
evita outros tipos de estímulos sensoriais. Foi o criador da escola verbal.
No método verbal a voz deve passar equilíbrio, empatia, confiabilidade,
convicção e emoção, sempre de maneira natural e expressiva para criar nos
hipnotizados uma idéia clara e facilitar a introspecção das sugestões. Deve ser
evitada a fala rápida, com ansiedade, para controlar tensão ou falta de
coordenação da respiração e da voz. Deve o hipnotista falar pausadamente,
com ritmo, entonação, melodia e ênfase nas palavras de valor sugestivo,
articuladas nitidamente em tom cavo.
Liébault, juntamente com Bernheim, tratou mais de 12 mil pacientes em
sua clínica de hipnose. Casos de impressionantes bons resultados que atraiu
para Nancy grandes nomes, entre eles Freud. Trabalhou durante dois anos em
sua obra Du Somneil et des états analogues, considerés surtout du point de vue
de l'action de la morale sur le physique. Afirma Bramwell que Liébault vendeu
exatamente um exemplar de sua publicação; não obstante, muitos historiadores
conferem a ele a paternidade do hipnotismo médico.
Conforme se infere do próprio título de sua obra principal, Liébault
ressaltava a influência do psíquico sobre o físico, embora o psíquico ainda
fosse misterioso e praticamente inexplorado, as conjeturas que se faziam em
torno de sua estrutura e dinâmica, eram baseadas em suposições empíricas e
intuitivas. Entretanto, estava no caminho certo, podia progredir modesta e
tranqüilamente, sem ser muito molestado pelos colegas por ser discreto e pobre
e não aceitar dinheiro dos pacientes que tratava por hipnose.
Sugestão pós-hipnótica
120 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
59
BERNHEIM, H. Hypnosis and suggestion in psychotherapy: A tratise on the nature of hypno-
tism [reprint]. Translated by CA Herter. New Hyde Park, N. York, University Books, (1889)
1964.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 121
da psicanálise. Porém, a hipno-análise já teria aplicação na hipnoterapia inicia-
da por Liébault e foi, sem dúvidas, usada por Bernheim, Charcot, Breuer e o
próprio Freud no início de suas pesquisas, portanto, bem anterior ao método
psicanalítico. Serviu de ponto de partida para Freud criar hipóteses e fundar a
psicanálise.
Embora possa ser atribuído a muitos autores, a rigor o termo hipno-
análise não possui uma paternidade definida; vários foram os nomes ilustres
que a utilizaram e a evoluíram, é um método de análise do ser humano, desen-
volvido com base em técnicas de hipnose, que apresenta grandes possibilida-
des terapêuticas. Dois autores que melhor sistematizam essas técnicas e que
apontam como utilizá-las são R. Lindner 60 e B. C. Guindes. 61
A hipno-análise pode ser iniciada quando ocorre o estado hipnótico de
nível médio, por ser neste grau que se estabelece o contato mais direto com o
inconsciente. Nessa fase podem ser superados problemas existenciais através
de interpretações dos fatos revelados no transe ou em função deste. A terapia
na hipno-análise ocorre através de lembranças ou respostas despertadas ou
reveladas, pelo próprio indivíduo durante o transe ou em sonhos provenientes
de sugestões pós-hipnóticas. Sua prática acontece quando as pessoas, já em
estado de hipnose, são iniciadas em um treinamento através de técnicas que
permitem não somente aprofundar o nível do transe, como também atingirem o
fim terapêutico.
Dentre as técnicas usadas em hipno-análise incluem-se: Indução de
Sonhos, Recordar e Reviver, Espelho ou Bola de Cristal (Cristalomancia),
Psicodrama ou técnica cinematográfica e Escrita automática.
Indução de Sonhos - A interpretação dos sonhos parece ser tão antiga quanto a
própria história da civilização humana. Na antiguidade não era visto como uma
produção da mente humana, mas como um fenômeno sobrenatural. A mitologia
dos gregos, por exemplo, delega a responsabilidade dos sonhos aos filhos de
Hypnos, deus do sono, que por sua vez era irmão gêmeo de Tanatos, deus da
morte. Entre os filhos de Hypnos estava Morfeu, que trazia os sonhos para os
homens; Icelus, que trazia os sonhos para animais; e Phantasus, que
despertava sonhos nas coisas inanimadas. Outro deus relacionado aos sonhos
era Esculápio, cultuado em templos aonde as pessoas doentes iam para
receber cura divina enquanto dormiam.
Até meados do século XIX os sonhos eram tidos como reações
sobrenaturais, de natureza divina e muitas vezes profética. Freud moderniza
esse conceito; considera o sonho como a “estrada real que conduz ao
inconsciente” e, a psicanálise, entre outros recursos, vale-se também da
interpretação dos sonhos, além de ter sido responsável pelo seu
60
LINDNER, R. M. Hipnoanalysis, methods and techniques. N. York, MacGraw-Hill Book Com-
pany, 1956.
61
GUINDES, C. B. New concepts of hypnossis: an Adjunkt to psychotherapy and medicine,
London, George Allen and Unwin Ltd. 1951.
122 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
62
MAAS, James B. Power Sleep, Harper Perennial, N. York, 1998.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 123
somáticos, mas psíquicos” e, em relação à técnica de interpretação dos sonhos,
Freud declara:
... os sonhos são produtos, comunicações da pessoa que sonha; contudo,
são ininteligíveis, não entendemos seu sentido. Quando não se entende,
pergunta-se. Na análise é preciso perguntar ao sonhador sobre o que o
seu sonho significa (FREUD).
Estabelecendo uma ruptura radical com a tradição antiga, em que havia
um intérprete para os sonhos, a psicanálise aperfeiçoa a técnica da indução de
sonhos preconizada pela hipno-análise. Mas, embora tenha proporcionado
grande impulso no uso dessa técnica, freqüentemente as pessoas resistem à
devassa do seu inconsciente, esquecendo o que sonharam, ou simplesmente
não sonhando com o que não querem lembrar-se. Com a hipno-análise essa
dificuldade é fácil de contornar por não analisar apenas sonhos espontâneos.
Na hipno-análise o hipnotizado recebe uma sugestão para sonhar com a
situação correspondente aos conflitos que desafiam soluções e exames
conscientes. Tais sonhos, que podem ser induzidos durante o decorrer do
transe ou pós-hipnoticamente, apresentam um quadro muito mais fácil de
interpretar do que os sonhos espontâneos. Pode ser induzido ao hipnotizado
que sonhe com um incidente específico ocorrido em sua vida, reproduzindo
fatos esquecidos com todos os detalhes e que, ao terminar de sonhar, acorde e
anote o conteúdo do sonho em uma folha de papel. Os resultados se mostram,
às vezes, surpreendentemente elucidativos.
Para os hipno-analistas a simbologia dos sonhos induzidos ou
estimulados hipnoticamente costuma ser mais transparente do que a dos
sonhos comuns e, nessa transparência fica mais fácil elucidar os enigmas do
inconsciente. Já para os psicanalistas, é o estudo dos conteúdos dos sonhos
comuns, e não induzidos, que ajuda estabelecer a causa do problema ou a
natureza de um traumatismo sofrido. Isto é, do abalo que, por sua violência ou
por sua duração, foi reprimido no inconsciente e aflora nos sonhos, às vezes,
de forma simbólica.
A indução de sonho por meio de sugestão hipnótica é um método útil para
se obter rapidamente material de sonho limitado a um determinado assunto,
problema, situação ou conflito. O sonho pode ocorrer no transe hipnótico ou
num subseqüente sono natural. Em qualquer dos dois casos, fornecerá
importantes revelações do inconsciente. Muitas vezes o indivíduo terá
dificuldades em associar, no estado desperto, os significados do seu sonho, no
entanto poderá obter imediatas associações no estado de transe.
Pode ainda os sonhos ser resultado de processos mentais que geram
ansiedade ou exagerada expectativa, caso do qual decorre inconscientemente
uma espécie de auto-indução aos sonhos como busca de soluções. Neste
sentido afirma Platonov. 63
63
PLATONOV, C. Faça seu teste psicológico, RJ, Ed. Edimax, 1966.
124 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
Às vezes encontra-se a solução aos problemas da vida cotidiana e mesmo
aos problemas científicos que ocupam o espírito, não em estado de vigília,
porém à noite, durante o sono. Foi o caso, por exemplo, do químico
alemão F. Kekule que viu em sonhos a fórmula do benzol. E de Mendeliev,
que um sonho ajudou a colocar em ordem a classificação periódica dos
elementos químicos. O compositor Tartine ouviu uma vez a execução de
uma sonata, quando dormia. Voltaire sonhou com uma nova variante da
‘Henriade’. Os deuses, dizia Homero, utilizam o sono para comunicar aos
homens sua vontade. As vésperas de resolver difíceis questões políticas,
os éforos, magistrados de Esparta, iam dormir nos templos, na esperança
de que o sono lhes inspirasse uma decisão sábia (PLATONOV).
Grandes gênios do passado revelaram que receberam seus
conhecimentos e efetuaram grandes descobertas enquanto sonhavam. Entre
eles, figura o inventor Thomas Edison (1847-1931), para quem a maioria de
suas grandes invenções ocorreu durante sonhos, os quais assim que acordava
escrevia. Desse modo, descobriu o filamento da lâmpada elétrica depois que
tentara centenas de vezes por formas diferentes aperfeiçoar a invenção. Uma
noite, teve um sonho em que foi informado como criar um filamento que teria
grande duração.
Conta à história também que Jules Verne profetizou apuradamente o
futuro. E, para isso, se teria valido dos sonhos para prever com toda precisão a
energia atômica, as viagens à lua, as invenções do avião e do balão dirigível, o
submarino, as espaçonaves, as explorações submarinas e muitas outras
coisas, que mais tarde se transformaram em realidade. Assim, também,
aconteceu com o presidente americano Abraham Lincoln quando, durante um
sonho, teve uma visão do seu próprio assassinato uma semana antes da
tragédia ocorrer. Embora controversa, parece que a história revela que o dom
da profecia e ou visões do próprio futuro é uma faculdade que se manifesta
também em sonhos.
O químico alemão Friedrich Auguste Kekulé (1829-1896) contou que
estava muito esgotado quando tentava desenhar o benzeno, molécula-chave
dos compostos orgânicos, quando cochilou e sonhou com grupos de átomos se
juntando para formar uma espécie de cobra coral que tentava morder o próprio
rabo. Acordou como se um raio tivesse iluminado sua mente e veio a idéia de
que essa era a resposta que procurava; dessa forma, ele descobriu que os seis
átomos do carbono do benzeno se ligam em anéis como a imagem da serpente
de seu sonho.
Recordar e Viver - O hipnoanalista começa por incitar o hipnotizado a recordar-
se, para fins crítico e informativo das situações passadas. Este revê o passado
indicado pelo analista e, sem revivê-lo propriamente dito, apenas informa para
efeito de registro. Vencida essa etapa, processa-se a regressão a uma fase
determinada. Aí não só apenas recorda, mas revive e repete afetivamente o
episódio que pode ser a fonte de seu comportamento atual e, assim, será
possível conhecer a origem dos conflitos nas suas bases históricas traumáticas
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 125
e, através da própria sugestão, removê-los. Na prática, aconselha Lindner que
se proceda assim:
Vou pondo a mão em sua testa e contando até dez. Quando eu terminar a
contagem, você terá voltado a fase X de sua vida. Você verá nitidamente e
com nitidez cada vez maior, todos os detalhes que interessam ao caso.
Verá tudo, não omitirá nada. Não vai querer excluir coisa alguma...
(LINDNER).
Espelho ou Bola de Cristal (cristalomancia) - No estágio de hipnose profundo ou
sonambúlico, o hipnotizado pode abrir os olhos sem afetar-lhe o transe. Quando
induzindo, pode ser dito:
• Dentre em breve mandarei você abrir os olhos... À sua frente você verá
um espelho (ou uma bola de cristal)... Nela você visualizará a solução dos
problemas que o afligem... Vá dizendo tudo que aparecer na bola de
cristal (ou espelho)... Pronto... Pode abrir os olhos... Você está
enxergando nitidamente a sua situação, como nunca enxergou...
Esse processo ainda é conhecido por cristalomancia por utilizar um cristal
em forma de bola ou outra forma qualquer. Se um cristal não estiver disponível,
um copo transparente de água poderá ser usado com igual efeito simbólico. O
hipnotizado é posto em transe profundo e dizendo-se que depois de abrir os
olhos, ele deve olhar o cristal (ou a água):
• Você verá um retrato ou a representação de um remoto incidente
esquecido, do qual você não tem conhecimento consciente... Quando
você o vir descreverá verbalmente.
A primeira revelação pode exigir interpretação ulterior quando se revela
obscura ou simbólica. Neste caso, pode também ser utilizado, como recurso,
uma combinação de regressão e cristalomancia. Depois que o hipnotizado for
levado de volta a uma época anterior no tempo, nesse estado de regressão é
induzido a cristalomancia. Isso, às vezes, revela lembranças profundamente
enterradas no passado e que, embora não lembradas conscientemente, podem
estar perturbando a vida do indivíduo. Pode-se ajudar o hipnotizado, como no
caso do sonho, induzindo-o a visualizar cenas específicas e fazer com que ele
as descreva com toda clareza nos menores detalhes, sempre lembrando o
objetivo terapêutico do que se está passando. “Vai resolver os problemas que o
atordoam, dissipar as dúvidas e os temores etc.”.
Psicodrama ou técnica cinematográfica - B. C. Guindes apresentou uma técnica
que denominou de cinematográfica, que constitui uma variedade atualizada do
antigo Psicodrama e da Bola de Cristal. Sugere o autor que, uma vez em
estado de transe profundo, o hipnotizado receba a indução seguinte:
Dentro em breve pedirei a você que abra os olhos. Ao abri-los você se
encontrará em uma sala de projeção. Bem diante de você uma tela. Nessa
tela você verá passar um filme. E o filme que vai assistir é a história de sua
própria vida. Neste filme serão incluídos todos os detalhes importantes de
sua existência. E tudo na ordem cronológica. E você vai dizer tudo que vê,
126 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
já que eu não posso ver a tela. Agora vou lhe pedir para abrir os olhos.
Repare. Bem à sua frente está a tela (GUINDES).
Como seria de esperar, o hipnotizado ao abrir os olhos mostra-se
impressionado com o que vê e começa a relatar tudo a que assiste. Em certas
passagens começa a rir. Em outras passagens, mostra-se contrariado e mesmo
enfurecido, continuando, entretanto, a descrever o que se passa na tela. Muitas
vezes fica nervoso, choroso, visualizando situações e coisas penosas que
aconteceram em sua vida.
Escrita Automática. Pode ser utilizada para induzir o hipnotizável a revelar fatos
de memória que de outra forma não poderia ser obtida por causa de resistência
forte às lembranças reprimidas. Deve ser dito que a mão dele escreverá
automaticamente, sem que ele tenha disso conhecimento consciente. A escrita
resultante revela freqüentemente situações surpreendentes, podendo ser
realizada durante o transe ou, como resultado de sugestão pós-hipnótica, após
o hipnotizado retornar ao estado normal. Durante a conversa com o
hipnotizado, é-lhe feita uma pergunta importante, como por exemplo: Qual é a
causa do seu temor? E, ele pode responder oralmente: Eu não sei, enquanto
simultaneamente a mão escreve uma resposta significativa e relacionada à
pergunta. Neste estado acontece a expressão de dois pensamentos ao mesmo
tempo como estar falando sobre seu último trabalho e escrevendo uma poesia,
a qual conheceu na sua infância.
A escrita pode apresentar de início uma informação vaga, mas se torna
mais clara à medida que a prática prossegue. Nos casos em que a escrita é
simbólica, na forma e no conteúdo, o próprio hipnotizado poderá melhor
interpretá-la, quer através de livre associação oral no transe acordado, quer
através de mais escrita automática orientada para interpretar símbolos ou
palavras enigmáticas que porventura tenham sido reveladas na etapa anterior.
Isso ocorre quando a primeira etapa revela apenas o “portão” do segredo e,
para abrir a passagem e revelar o “santuário”, é necessária a segunda etapa,
que consiste em, após produzir a escrita enigmática, ser dito ao hipnotizado:
Sua mão vai agora escrever o segredo que você tem escondido de mim. Esse
pode ser o meio de produzir uma rápida revelação.
Na atualidade novos conceitos e teorias se incorporam á hipno-análise
como a Inteligência Emocional e a Análise Transacional trabalhada por Eric
Berne. O analista transacional observa as posições psicológicas tomadas pelo
indivíduo e reveladas pelas palavras, tom de voz, expressão facial, gestos,
postura corporal. O ser humano pode adquirir comportamentos inconscientes
que representam à imagem de pai, de adulto ou de criança. Na hipno-análise
moderna esta teoria pode ser de grande valia para elucidar conflitos
vivenciados pelo hipnotizado (Os papeis que vivemos na vida, James &
Jongeward).
Hipnose e Histeria
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 127
Concomitantemente com a escola de Nancy representada por Liébeault e
Bernheim, existia outra em Paris que se intitulava como a escola do grand hip-
notisme, funcionava no La Salpêtrière e era representada por Jean-Martin
Charcot (1825-1893), nascido em Paris, onde viveu a vida inteira. Na linguagem
da hipnose moderna, Charcot fortaleceu os seguidores a escola sensorial inau-
gurada por James Braid, e se torna grande rival da escola da sugestão pura i-
naugurada pelo Abade Faria.
La Salpêtrière, construído por volta de 1630, hoje é uma dependência do
Hospital Geral de Paris. O nome vem do fato de ter sido construído no local de
uma antiga fábrica de pólvora, cujo componente principal é o salitre, em francês
salpêtre. O prédio era dividido em três unidades: Bicêtre para os homens, La Pi-
tié para jovens e Salpêtrière para mulheres. Este terceiro setor foi destinado
aos cuidados de Charcot que, entre 1862 e 1893, ali desenvolveu sua carreira
de médico, pesquisador e professor da disciplina anatomia comparada.
A partir de 1870 a administração do Salpêtrière decidira separar os doen-
tes alienados das mulheres histéricas e das epilépticas, juntando essas duas úl-
timas patologias numa mesma enfermaria. Rapidamente as histéricas assimila-
vam os sintomas epilépticos e aprendiam a simular. Com o uso da hipnose pro-
duzida por estímulos sensoriais, Charcot provocava paralisia histérica em seus
pacientes para demonstrar aos alunos suas teses. Essas demonstrações trans-
formam o La Salpêtrière como uma referencia científica para o hipnotismo. 64
Na histeria, o distúrbio se traduz por perturbações intelectuais e por
sintomas físicos dos mais variados como instabilidade emocional, mitomania,
afonia, abulia, amnésia, aerofagia, anestesia, hiperestesia, dispepsia, tiques,
soluços, crises de choro ou riso, perturbação motora, vômitos e convulsões. O
64
La Salpêtrière, em 1656 foi orfanato público além de albergue para toda categoria de mendi-
gos. Em 1661 já abrigava 1460 pessoas; recebia filhas de nobres pobres, as quais gozavam
de tratamento especial e ensinamento religioso, alfabetização e artes habilitadoras. Eram
mais de 800 as Filles du roi (filhas do rei) e, entre 1663 e 1673, as moças mais pobres foram
treinadas em prendas domésticas e enviadas para as colônias para constituírem famílias com
colonos franceses. Em 1680 passou a funcionar como Hospital Geral e, em pouco tempo, a
Instituição degenerou em um repugnante depósito de loucos. Além de abrigar mendigos, epi-
lépticos, paralíticos, aleijados e vítimas de doenças mentais, também funcionava como prisão
para prostitutas e malfeitores. As loucas mais agitadas ficavam acorrentadas até morrer. Ge-
midos e gritaria todo o tempo e a infestação de ratos infernizavam a vida dos internos. Acon-
teceu ali um dos mais hediondos episódios da Revolução Francesa, Le massacre de La
Salpêtrière. No dia 3 para 4 de setembro de 1792, um bando de vândalos invadiu o prédio e,
após libertar as prostitutas, arrastaram para fora doentes mentais, alcoólatras e portadoras de
deformações físicas, sob o argumento de que davam prejuízos ao Estado, todos foram mas-
sacrados à vista do povo. No início do século XIX o psiquiatra Philippe Pinel determinou a re-
moção das correntes e a humanização dos doentes. Na segunda metade do século XIX, com
mais de 4.000 internos, tornou-se o mundialmente famoso centro de estudos psiquiátricos e
Hospital Escola da Universidade de Paris. Recebia estudantes de todo o mundo para assistir
experimentos e aulas sobre doenças mentais, especialmente as aulas de Charcot com de-
monstrações de hipnotismo que influenciaram decisivamente Freud na criação da teoria psi-
canalítica (N. do A.).
128 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
olhasse em direção contrária de uma luz intensa produzida por uma lâmpada
de Bourbouse, luz Drumond ou de magnésio, tecnologias que faziam parte da
iluminação da época.
No Hospital Salpêtrière era comum, como início do processo de hipnotizar,
o uso de uma vela acesa, fixando o olhar do paciente na luz da chama. Tam-
bém o uso de um disco de zinco, de dois centímetros de diâmetro, cujo centro
era formado por um prego de cobre encravado em outro metal; conservava-se
este botão a 45 centímetros, mais ou menos, do corpo na altura da cintura, co-
mo um ponto de mira, sobre o qual devia o paciente fixar os olhos durante quin-
ze a vinte minutos, sem pestanejar e concentrando toda a atenção. Logo que
absorvido nessa contemplação sem oscilar as pálpebras, o hipnotista fechava-
lhe os olhos por meio de brandas e suaves fricções e punha-lhe uma das mãos
sobre a cabeça, aplicando-lhe fortemente o dedo polegar à testa (toque de
Charcot).
Os instrumentos hipnóticos de Charcot substituíam a indução por sugestão
verbal, defendida pela escola de Nancy. Às vezes os procedimentos eram a-
companhados de ligeiras variantes; como a pressão dos globos oculares ou dos
polegares, fricções do alto da cabeça e nuca, além de violentas batidas em ins-
trumentos de percussão, repetidas de forma monótona, que atacavam e faziam
vibrar o sentido da audição. Empregavam ainda um fole para insuflar, soprando
o nariz e a testa do paciente, além de espelhos em formatos de fragmentos que
eram encaixados em dois pedaços prismáticos de madeira, com 20 centímetros
aproximadamente, dispostos em cruz, com um eixo no centro. A esse recurso
instrumental se imprimia um movimento de rotação, como um cata-vento, para
provocar no paciente perturbação e fadiga do aparelho ótico, fazendo-o cair no
estado de transe.
Teorizando sobre a hipnose, Charcot que só lidava com histéricas e
epilépticas, estabeleceu a premissa segundo a qual somente os histéricos
podiam ser hipnotizados, não passando o estado de hipnose de um estado de
histeria. Formulou a teoria dos três níveis hipnóticos: a letargia, a catalepsia e o
sonambulismo. O primeiro estágio, a letargia, podia ser produzido fechando
simplesmente os olhos do hipnotizado e caracterizava-se pela mudez e pela
surdez. O segundo estágio, a catalepsia, era marcado por um misto de rigidez e
flexibilidade dos membros, estes permanecendo na posição em que o hipnotista
os largasse. O terceiro estágio, o sonambulismo, se produzia friccionando
energicamente a parte superior da cabeça e a nuca do hipnotizado.
Foi Victor-Jean-Marie Burq (1822-1884), baseado em Paracelso, quem
primeiro publicou um vasto trabalho sobre a metaloterapia, a aplicação de
metais por via interna e externa com fins curativos. Ele pensava que o
temperamento de cada pessoa correspondia a um metal especifico e que era
possível determinar a “sensibilidade metálica individual” utilizando a
metaloscopia. Se aplicado um metal sobre a pele de um paciente, sendo ele
sensível a este metal, experimentava sensações de calor, sudorese e
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 131
formigamento. Esta técnica foi usada nas unidades do hospital geral de Paris
(Bicêtre, La Pitié e La Salpêtrière) em 1849, durante a epidemia de cólera.
Afirmava também Burq que o contato do ferro é geralmente insuportável a
todos os sonâmbulos; este contato os inquieta, irrita e queima. O ouro possui
uma virtude calmante, dissipa as dores locais e resolve as contrações, e torna-
se para certos sensitivos um excitante que provoca contrações e espasmos.
Em 1871, Burq publicou sua obra Metaloterapia: tratamiento de las
enfermedades nerviosas, Parálisis, histeria, hipocondria, migraña, dispepsia,
gastralgia, asma, reumatismos, neuralgias, espasmos, convulsiones, etc. Em
1876, Claude Bernard, que foi presidente da Sociedade de Biologia de Paris,
designou três importantes médicos, Charcot, Luys e Dumont Pallier para avaliar
essa teoria. Os três concluíram favoráveis e passaram a utilizar este método de
cura além de investigar intensamente a metaloscopia e suas relações com a
eletricidade, com os eletroímãs e ferros imantados, passaram a aplicar como
tratamento da histeria e meio de provocar o sonambulismo, a catalepsia, a
letargia, e a analgesia. Estas inocentes e crédulas experiências de Burq, dentro
do ambiente médico e cultural da época, foram consideradas como muito
importante e encantava Charcot.
Muitos são aqueles que contestam Charcot. Após a sua morte seu
discípulo Babinsky, o ridicularizou publicamente várias vezes. Dizia que o efeito
dos metais era apenas sugestivo e que seu mestre muitas vezes percorreu o
estreito caminho que separa a curiosidade científica do descrédito e do ridículo
e, amargamente, denunciava os equívocos e as dificuldades de Charcot em
lidar com a hipnose.
Pierre Janet, contemporâneo e sucessor de Charcot na Salpêtrière,
escreveu no seu livro Lês médications psychologiques, sérias críticas contra
teorias e práticas do seu antecessor e, mesmo não tendo nenhum entusiasmo
pela escola de Nancy, se declara a favor desta. É também severa a
contestação do livro Oeuvres completes, metalltherapie et hipnotism, 67 Nesta
publicação, Charcot demonstra total convicção em relação a teoria metálica
desenvolvida por Burq, segundo a qual a cura de certas doenças dependia tão-
somente do uso correto dos metais que eram aplicados nos pacientes
enfermos. Tentou também convencer os discípulos de que aplicando um ímã
em determinado membro este paralisava e, com isso, procurou reabilitar a
superada teoria da cura pela ação magnética, criada por Paracelso e Mesmer.
Charcot de novidade prática sobre o hipnotismo nada criou, para
hipnotizar associava técnicas do brandismo e do mesmerismo à teoria metálica
de Burq. Este fato representaria o retrocesso às teorias fluidas e magnéticas
defendidas por Mesmer, significava ignorância em relação à hipnose e, a
expressão “retroceder a Charcot” ficou sendo usada como termo pejorativo
contra a Salpêtrière e a favor da escola de Nancy.
67
CHARCOT, J. M. Oeuvres completes, metalltherapie et hipnotism [Reprin]. tome IX, Paris,
Lecrosnier et Babe, (1948) 1890.
132 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
Achando que a hipnose era uma forma de histeria, Charcot dizia que
podia induzir sintomas histéricos através de sugestões pós-hipnóticas. Não
concordando, Bernheim dizia que as características dos sintomas da histeria
podiam ser provocadas artificialmente por mera sugestão, não se vinculavam
com a hipnose. Nasceu daí a histórica controvérsia entre as duas escolas; a do
Hospital Salpêtrière e a da Cidade de Nancy. Os dirigentes desta última
classificaram o hipnotismo daquela de hipnotismo cultivado, cujo valor em
relação ao hipnotismo de verdade se comparava ao da pérola cultivada em
confronto com a pérola natural.
Charcot acusava os membros da escola de Nancy de só hipnotizar
pacientes histéricos, os quais se deixavam iludir pela argumentação e pela
dependência que devotavam aos médicos. Em compensação, era acusado de
incorporar ao processo de indução teorias superadas, além de incompetente
por não hipnotizar pessoalmente seus pacientes, deixando essa tarefa a cargo
de auxiliares. Afirmavam ainda que as análises de Charcot foram prejudicadas
pelo fato de lidar exclusivamente com internas de sua enfermaria, disso
resultou a equivocada hipótese de que a hipnose era uma característica do
histerismo.
Liébeault rebatia como sendo absurdas as hipóteses de Charcot,
provando que há vinte anos hipnotizava os tipos mais variados de pessoas,
sem encontrar, entre elas, nenhum histérico. Em 1889, em um congresso de
psicologia, Forel também se colocando contra a teoria do Salpêtrière apresenta
suas observações que ainda são válidas na atualidade. Seu ponto de vista,
publicado em 1907, 68 descreve o que considera sobre as opiniões de Charcot:
Sou obrigado a protestar contra os que querem levar o hipnotismo para a
histeria. É absolutamente inexato. Sem falar dos Drs. Liébeault e
Bernheim, em Nancy, eu quero lembrar que Wetterstrand hipnotizou
quatro mil pessoas, em Estocolmo, no espaço de três anos e os refratários
eram raras exceções. É com o cérebro que se opera para realizar
fenômenos hipnóticos e os cérebros são tanto mais fáceis de
impressionar, quanto mais sadio forem. O cérebro dos histéricos, agitados
e volúveis, cheios de caprichos, repele às vezes as sugestões, ao passo
que o mesmo não acontece, em geral, com os indivíduos não neuróticos
em sua maioria (FOREL).
Em 1889 Charcot organizou o que denominou de Primeiro Congresso
Internacional de Hipnotismo Experimental e Terapêutico. Neste evento,
realizado no Salpêtrière, compareceram como palestrantes importantes
personalidades do mundo acadêmico, entre eles o psicólogo americano William
James, o médico e criminalista italiano Cesare Lombroso, e o jovem Sigmund
Freud. Desse Congresso resultou a publicação de uma revista especializada
em artigos sobre hipnose, rapidamente espalhando novas conceituações pela
Europa e Estados Unidos.
68
FOREL, August. Hypnotism and Psychotherapy [Reprin]. Allied Books, (1907) 1988.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 133
A cada publicação gerada na Salpêtrière, em Nancy surgia outra
contrariando e, a controvérsia, foi a forma mais rápida para a hipnose
conquistar novas adesões de estudiosos, todos tentando compreender, explicar
e difundir a hipnose pelo mundo, dando-lhe impulso científico-terapêutico.
Embora com relação ao hipnotismo Charcot tenha sido bastante contes-
tado, grandes descobertas na área médica foram devidas a sua dedicação á
pesquisa, seus estudos permitiram o surgimento da teoria que fundamenta o
estudo da neurologia moderna, além de estabelecer características e princípios
que permitiram a classificação de várias patologias. Na Salpêtrière a eletricida-
de foi exaltada como panacéia, Charcot submetia trezentos pacientes por dia a
suaves voltagens elétricas, pressagiando as rigorosas terapias de choques na
primeira metade do século XX em pacientes psiquiátricos.
Em 1882, Charcot criou no hospital Salpêtrière o que viria a ser a maior
clínica neurológica da época. Anexo à clínica, fundou o Museu Anátomo-
patológico e os laboratórios fotográfico, anatômico e fisiológico. Centrando seus
estudos sobre a histeria, epilepsia e outras desordens neurológicas; publicou
em cinco volumes, Leçons sur les maladies du système nerveux, (Lições sobre
as doenças do sistema nervoso). Descobriu enfermidades e síndromes neuro-
lógicas, como a esclerose lateral amiotrófica, (diferenciou da atrofia muscular
progressiva de Aran-Duchenne), a neuropatia de Charcot-Marie-Tooth e a es-
clerose múltipla. Da qual fez a primeira descrição histológica das lesões estabe-
lecendo características importantes, como a perda de mielina e a proliferação
de fibras e núcleos gliais.
Na atrofia muscular, Charcot descreveu os sintomas da ataxia locomotora,
uma degeneração da medula espinhal e dos feixes nervosos. Foi o primeiro a
descrever a desintegração dos ligamentos e das superfícies das juntas (Sín-
drome de Charcot ou Junta de Charcot; artropatías dos joelhos, pélvis e outras
articulações). Conduziu pesquisa para localização dos centros cerebrais res-
ponsáveis por funções nervosas e descobriu os aneurismas miliaria (dilatação
das pequenas artérias que alimentam o cérebro), demonstrando sua importân-
cia na hemorragia cerebral.
Charcot e seus pupilos tiveram um grande papel no desenvolvimento da
Neurologia Brasileira, contribuiu significativamente, de maneira indireta, para o
seu desenvolvimento, que se iniciou em 1911, no Rio de Janeiro, com A. Aus-
tregésilo, discípulo da Salpêtrière.
Importantes personagens da Europa e das colônias européia foram consul-
tadas por Charcot, entre seus pacientes estava o Imperador do Brasil, Dom Pe-
dro II. Charcot foi o seu médico particular e amigo íntimo. Em 1887, durante a
visita de Dom Pedro II à França, Charcot o avaliou e, em 1889, Dom Pedro II foi
134 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
deposto e foi para Paris, onde viveu até a sua morte em 1891. Charcot assinou
a certidão de óbito com o diagnóstico de pneumonia (Hélio A. Ghizoni et ali). 69
Hipnose e psicanálise
Depois de Lindner, Guindes e Charcot, houve um período de esqueci-
mento da hipnose e da hipno-análise por mais de trinta anos. Como responsá-
vel por esse eclipse, os historiadores apontam a popularidade da psicanálise e
a pessoa de seu fundador, Sigmund Freud (1856-1939), nascido em 6 de maio
de 1856, em Freiberg na região da Moravia, antiga porção da Áustria, hoje Pri-
bor, na República Tcheca. Quando tinha quatro anos, sua família transferiu-se
para Viena na Áustria, onde ele passou a maior parte da sua vida; ingressou na
Universidade de Viena em 1873, formando-se em medicina em 1881. Após ter
escapado ao nazismo, mudou-se para Londres onde faleceu aos 83 anos de
idade, no dia 23 de setembro de 1939.
Durante a fase inicial da sua pesquisa Freud foi vítima de hostilidade; a
maior parte dos ataques lançados contra ele vinha dos próprios colegas, os
médicos de Viena, que eram contra a afirmação da influência do inconsciente
nas ações humanas e a ligação dos impulsos sexuais com as neuroses.
Indignados com a nova teoria, tudo fizeram para desmoralizar seu autor, mas a
genialidade e a coragem fizeram Freud continuar e, em 1910, no Primeiro
Congresso Internacional de Psicanálise apresentou oficialmente, em Viena,
seus estudos, muito além do consenso médico de sua época.
Antes de apresentar oficialmente suas idéias, em 1903, Freud fundou a
Sociedade Psicanalítica de Viena e numerosos discípulos principiaram a se
reunir em torno dele. Em 1909, foi convidado por Stanley Hall para proferir
conferências na Clark University, em Worcester, Massachussets, nos Estados
Unidos, onde trabalhou não só nos aspectos médicos da psicanálise, mas
procurou aplicar suas teorias a muitas áreas da atividade humana. Mesmo
tendo sido essa sua única visita a América, essa oportunidade definitivamente
marcou sua carreira, ao atrair a atenção mundial para seus trabalhos.
Freud considerava que a psicanálise não era uma área de particularidade
médica, não tinha como objetivo desvendar os mecanismos fisiológicos do
cérebro, mas explicar o funcionamento da mente enquanto essência humana.
Por isso assistiam a suas conferências, além de médicos, outros profissionais
interessados no assunto e que fizeram avançar a teoria psicanalítica. Nas
conferências expunha suas opiniões para serem contestadas, objetadas e
discutidas. Assim, não dogmatizava verdades acabadas, mas insistia para que
seus ouvintes as descobrissem por si mesmo. 70
69
GHIZONI, Hélio A. et ali. Neuropsiquiatria, Neurology Division and Internal Medicine Depart-
ment, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba PR, Brazil:
2001;59(2-A):295-299.
70
FREUD, Sigmund. Premissas e técnica de interpretação. In: Conferências introdutórias sobre
psicanálise. Edição Standard Brasileira das Obras Completas. RJ, Imago, 1974.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 135
Até hoje a psicanálise encontra forte resistência na classe médica e a
atividade do psicanalista é proibida para médicos. Esse é o Parecer do CFM nº
02/1998 “A atividade exclusiva de psicanálise não caracteriza exercício da
medicina. A titulação médico-psicanalista não tem amparo legal, não sendo,
portanto, permitida a sua utilização” 71
A Psicanálise é uma técnica de investigação de processos mentais ou
método clínico de tratamento da mente, tem por base conceitos teóricos da es-
cola freudiana ortodoxa. A função primordial da clínica psicanalítica - a análise -
é buscar a origem do sintoma, ou do comportamento manifesto, ou do que é
verbalizado, isto é, integrar os conteúdos inconscientes na consciência com o
objetivo de cura ou de autoconhecimento.
Enquanto método de investigação, a psicanálise caracteriza-se pelo mé-
todo interpretativo, busca o significado oculto daquilo que é manifesto através
de ações e palavras ou das produções imaginárias, como os sonhos, os delírios
e as associações livres. O material reprimido no inconsciente fica escondido e
só aflora por meio dos sonhos ou de sintomas em forma de charadas e atos fa-
lhos. Se esse afloramento for bem interpretado, pode revelar pistas dos males
que afligem o paciente.
Freud afirma rejeitar o hipnotismo e a hipno-análise como método
terapêutico de forma paradoxal, pois teria inicialmente usado esses
conhecimentos, abandonando-os sem fortes razões, a não ser a descrença e o
demérito da hipnose no meio acadêmico que tem início na rejeição da classe
médica ao mesmerismo. Seus colegas ofereciam resistência às suas idéias e
contestavam sua teoria, ainda mais quando essa vinha associada à hipnose. 72
Esse seria um dos motivos a mais dificultando a psicanálise para se afirmar no
meio acadêmico e, por isso, teve Freud de abandonar ou declarar que
abandonara a prática da investigação do inconsciente através das técnicas de
hipnose explicita.
No passado os psicanalistas afirmavam que a hipnose e a hipno-análise
seriam totalmente substituídas pela psicanálise por ser um conhecimento mais
acadêmico, mas hoje a própria psicanálise também tem sido alvo de
controversas quanto a sua eficácia e sustentação teórica. A mídia, muitas
vezes, aliada à classe médica, à indústria farmacológica e à ciência cartesiana
behaviorista, têm tratado de divulgar como verdade conclusiva que a
psicanálise está ultrapassada, obsoleta, sem critérios de cientificidade e, que o
homem moderno exige decisões rápidas e eficazes para superar suas
71
(LEX, Parecer do CFM nº 02/1998. In: Medicina Conselho Federal, Brasília DF, rev. nº 98, p.
7, out., 1998).
72
Talvez Freud tivesse dificuldades para hipnotizar; é possível que lhe faltasse a qualidade de
um bom hipnotista e, isso também teria contribuído para ele abandonar o método da hipnose
(Weissmann). Freud afirma claramente “Quando constatei que, apesar de todos os meus es-
forços, só conseguia colocar em estado de hipnose uma pequena parcela de meus doentes,
decidi abandonar esse método” (FREUD, apud CHRTOK, p. 59, 1989).
136 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
73
FREUD, Sigmund. Textos escolhidos de psicanálise: Artigos sobre Hipnotismo e Sugestão -
Hipnose, Imago Editora Ltda. R. Janeiro, 45 - 59, 1986 (Extraído do Volume I, edição standard
brasileira, obras psicológicas completas).
138 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
74
Breuer nasceu em Viena, em 1867 forma-se em medicina e, em 1884, associa-se a Freud e
pesquisa a Histeria através de práticas hipnóticas (N. do A.).
140 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
75
SARTRE, Freud além da alma: Roteiro para um filme, RJ, ed. Nova Fronteira, 1986, p. 168.
142 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
parecia então oferecer um substituto satisfatório para o malogrado
tratamento elétrico (FREUD).
O que mais impressionou Freud nas experiências de Bernheim foram os
fenômenos pós-hipnóticos. Os pacientes executavam pós-hipnoticamente atos
sugeridos durante o transe, certos de agirem por sua livre e espontânea
iniciativa. Interrogados sobre o motivo de seu estranho procedimento, os
pacientes demonstravam que não se lembravam das ordens recebidas em
estado de transe. Havia, portanto, uma parte na personalidade humana
desconhecida do próprio indivíduo a influir e a determinar a sua conduta. Era o
inconsciente a governar o consciente. Sobre isso, descreve Freud:
Nos conhecidos fenômenos da chamada sugestão pós-hipnótica, em que
uma ordem dada durante a hipnose é depois, no estado normal,
imperiosamente cumprida, tem-se um esplêndido modelo das influências
que o estado inconsciente pode exercer no consciente, modelo esse que
permite sem dúvida compreender o que ocorre na manifestação da histeria
(FREUD).
Segundo Nuttin 76 foi a descoberta de Bernheim, relativa aos fenômenos
da sugestão pós-hipnótica, que sugeriu a Freud a significação que o
inconsciente adquiriu em psicanálise. Bernhiem praticava hipnose em seus
pacientes e, em estado de transe, dava uma ordem ou uma incumbência, por
exemplo, para realizar certo ato em determinada hora. O paciente, então,
acordava de seu sono hipnótico e, na hora fixada, executava o ato mandado,
sem ter a menor consciência da ordem recebida. Estes fenômenos mostraram
para Freud que os elementos, presentes de maneira latente ou inconsciente no
psiquismo, não permanecem necessariamente em estado de impotência e de
inatividade. Um elemento pode permanecer inconsciente e, entretanto, intervir
ativamente no comportamento. Freud relaciona e analisa esses fatos que
manifestam a atividade do inconsciente e, associando aos fenômenos
hipnóticos observados em Paris e em Nancy, conjuntamente com o que ouvira
de Breuer, inicia a elaboração de sua complexa doutrina.
A partir dessa análise, em 1895, Freud já pensava em mecanismos
mentais que iriam, mais tarde, serem englobados no seu conceito de
inconsciente. A hipnose era ainda o instrumento de penetração a esse obscuro
e desconhecido inconsciente. Ali estavam encarcerados e ativos os afetos
represados, tentando forçar o caminho para o consciente. Enquanto não
conseguissem arrombar a porta de seu cárcere, incomodavam pelo barulho
(sintomas) perturbando a “paz da consciência”. Um ou outro desses “elementos
recolhidos” conseguia burlar a sentinela, valendo-se dos mais engenhosos
expedientes de disfarces. Muitos deles vinham à tona transformados,
disfarçados simbolicamente ou somatizados.
76
NUTTIN, Joseph. Psicanálise e Personalidade. RJ, ed. Talentos, 1967.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 143
As distorções reveladas nos casos de disfarce simbólicos ou
somatizações funcionam como mais um mecanismo de defesa. 77 O indivíduo
em transe, de forma clara ou simbólica, esclarece o conteúdo represado no
inconsciente, conteúdo este atiçado e interpretado durante o transe pelo
hipnotista. Disso pode sobrevir o alívio e a supressão da necessidade de se
externar indiretamente e disfarçados por meios de sintomas simbólicos
negativos. Por esse método, os conteúdos traumáticos se libertariam.
Para que se tenha acesso às informações ocultas, pode ser usado o
método hipnótico; isso permite que se abra a válvula que prende o conteúdo
reprimido no inconsciente. Além disso, é possível obter algumas “pistas” sobre
o inconsciente se forem observados alguns lapsos, erros, sonhos e mudanças
instantâneas no comportamento. De posse desse conteúdo reprimido, podem
ser resolvidos alguns sintomas sem aplicação de medicação, como exemplo,
náuseas, flutuações da pressão arterial, sudorese, tremores, etc.
Breuer e Freud ainda eram associados e juntos publicaram um trabalho
Studien ueber hysterie. Suas descobertas, porém, devido a sua insistência na
importância do fator sexual, centrado no princípio do complexo edipiano e na
etiologia das doenças nervosas, começaram a levantar celeumas e severas
críticas. Breuer temendo prejudicar sua clínica e ressentido com as investidas
maliciosas dos colegas, abandonou a luta. A sós, com a responsabilidade do
movimento iniciado por ambos, Freud abranda os descontentamentos,
começando por se afastar da hipnose. Considerava que nem todos os
pacientes reagiam adequadamente ao trabalho de indução e achou que a
técnica hipnótica precisava de aperfeiçoamento; com isso, também buscava
facilitar nos seus colegas a aceitação da psicanálise, que por si só já assustava,
e quando associada com a hipnose era mais desacreditada e repelida.
Para Freud, o conceito de transe hipnótico representava a fase mais
acentuada da hipnose, o estado de sonambulismo. No entanto, no final de
77
Mecanismos de defesa são medidas tomadas pelo inconsciente com a finalidade de proteger
o Ego de emoções ou situações desagradáveis. Principais são: 1. Repressão - retirada de i-
déias, afetos ou desejos perturbadores da consciência, pressionando-os para o inconsciente.
2. Formação reativa - fixação de uma idéia, afeto ou desejo na consciência, opostos ao impul-
so inconsciente temido. 3. Projeção - sentimentos próprios indesejáveis que são atribuídos a
outra pessoa. 4. Regressão - retorno à forma de gratificação de fases anteriores, devido aos
conflitos que surgem em estágios posteriores do desenvolvimento. 5. Racionalização - substi-
tuição do verdadeiro, porém assustador, motivo do comportamento por uma explicação razo-
ável e segura. 6. Negação - recusa consciente para perceber fatos perturbadores, retira do in-
divíduo não só a percepção necessária para lidar com os desafios externos, mas também a
capacidade de valer-se de estratégias de sobrevivência adequadas. 7. Deslocamento - redire-
cionamento de um impulso para um alvo substituto. 8. Desfazer - através de uma ação, bus-
ca-se o cancelamento da experiência prévia e desagradável. 9. Introjeção - estreitamente re-
lacionada com a identificação, visa resolver alguma dificuldade emocional do indivíduo, ao
tomar para a própria personalidade certas características de outras pessoas. 10. Sublimação -
parte da energia investida nos impulsos sexuais é direcionada à consecução de realizações
socialmente aceitáveis (N. do A).
144 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
1892, analisa o caso de uma paciente de nome Lucie R., que sendo induzida ao
transe hipnótico, não conseguiu atingir o estado de sonambulismo. Freud relata
que a paciente se encontrava “calma, em um grau de relativa sugestibilidade,
com os olhos cerrados, as feições tranqüilas e os membros imóveis” e admite
que Lucie R. teria alcançado, não o grau profundo, mas um grau suave de
hipnose no qual poderia se processar a análise. Esse grau é reconhecido pelos
hipnotistas modernos como sendo o estado hipnoidal. Freud passa, também, a
distinguir sugestão direta (mecanismo da hipnose), e sugestão indireta
(sugestão no estado de vigília), admitindo que nesse estado se possam obter
os mesmos resultados da hipnose. Sobre isso afirma:
A sugestão direta incide diretamente contra as formas tomadas pelos
sintomas, uma luta entre sua autoridade e as causas subjacentes à
moléstia. Nesta luta, você não está preocupado com as causas. O que se
requer é que o paciente suprima suas manifestações. Em resumo, pouca
diferença faz que você coloque o paciente em transe hipnótico ou não.
Bernheim, com seu agudo senso lógico, dizia repetidamente, que a teoria
psicanalítica se constrói, não por oposição, mas por substituição à hipnose
(FREUD).
Para livrar-se das criticas de seus pares, Freud trabalhava com um grau
mais suave do transe e nega que se utilizava o método hipnótico, mas faz uso
de pressão das mãos sobre o paciente para que esse se recorde de fatos
vividos. Era exatamente a pressão das mãos, uma das técnicas sugerida por
Charcot para induzir o transe hipnótico.
Devido aos resultados obtidos através da pressão das mãos, tem-se uma
ilusão da presença de uma inteligência superior fora da consciência do
paciente, a qual sistematicamente armazena uma grande quantidade de
material psíquico para um propósito significativo, e que encontrou uma
forma engenhosa de retornar ao consciente (FREUD).
São inúmeros os casos em que Freud faz uso da pressão das mãos, e,
isso não passa de uma técnica hipnótica. Como acontece quando relata o caso
de uma jovem com neurose de ansiedade, Fräulein Elizabeth Von R., paciente
que tinha uma simpatia particular para com um cunhado, marido de sua irmã
mais velha, que se mascarava por disfarce de ternura familiar. Esta irmã
adoeceu, logo depois veio a falecer e ela fora chamada urgentemente e,
quando a moça chegou ao leito da morta, correu-lhe na mente, por rápido
instante, uma idéia de que o cunhado agora estava livre, podendo desposá-la.
Com referência ao tratamento desse caso de neurose de ansiedade através de
sessões de hipnose, Freud relata:
É-nos lícito admitir como certo que esta idéia, denunciando-lhe à
consciência o intenso amor que sem saber tinha ao cunhado, foi logo
entregue à repressão pelos próprios sentimentos revoltados. A jovem
adoeceu com graves sintomas histéricos e quando comecei a tratá-la tinha
esquecido não só aquela cena junto ao leito da irmã como também o
concomitante sofrimento indigno e egoísta. Mas recordou-se de tudo
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 145
durante o tratamento, reproduziu o incidente com sinais de intensa
emoção, e curou-se (FREUD).
Freud, descrevendo sobre seu procedimento com Elizabeth Von R.,
analisa seu efeito e, embora reconheça a possibilidade de estar aplicando
mecanismos da hipnose, nega essa explicação, mesmo sabendo que a
imposição das mãos era uma forma de sugestão hipnótica:
Ao aplicar esse método pela primeira vez, fiquei surpreso por obter tudo
que precisava. Posso mesmo dizer que ele jamais me falhou. Ele sempre
me apontou o caminho a seguir, permitindo que a análise se processasse
sem o sonambulismo. Esse método me ensinou bastante e em todas às
vezes auxiliou na obtenção de meus objetivos... Para explicar sua eficácia,
poderia mesmo pensar que se trata de certa e momentânea hipnose
induzida, mas os mecanismos da hipnose são tão enigmáticos para mim
que eu preferiria não recorrer a eles para uma explicação (FREUD).
As investigações com o uso da hipnose forneceram para Freud muitas
pistas, e através destas, ele viria a descobrir o que chamou de inconsciente.
Quando passou a mencionar que a associação livre parecia ser uma forma
substitutiva do método hipnótico, queria dizer que assim todo o processo
passava pela consciência, pela elaboração. Substituiu a técnica hipnótica pela
livre associação das idéias, instituindo como regra fundamental que o paciente
deitado em um sofá, num recinto meio escurecido, deveria exprimir livremente
seus pensamentos, sem preocupação de omissão ou de seleção. Enquanto
isso, o psicanalista se manteria assentado atrás, fora da vista do paciente.
A Livre Associação das Idéias é uma técnica psicanalítica básica que
consiste em estimular o paciente a expressar todos os pensamentos que
afloram em seu consciente, ainda que lhe pareçam desconexos ou banais, a
fim de captar seus conflitos inconscientes. Essa técnica permitiu o nascimento
da psicanálise em substituição ao método da hipno-análise. Agora, sem
hipnose, o paciente fica livre para falar o que lhe vier à mente, fazendo, assim,
associações isentas de críticas e independentes de toda reflexão consciente.
As associações seriam determinadas pelo inconsciente e o terapeuta deveria
interpretá-las para trazer à tona o trauma responsável pela perturbação nervosa
do paciente.
Reportando-se a Bernheim, de quem fora discípulo em Nancy, Freud
descobre o que chamou de transferência e aponta que na transferência
encontra-se, também, a sugestão. A transferência consiste na reprodução das
emoções relativas a experiências reprimidas, com a substituição de alguém por
outra pessoa, como alvo dos impulsos reprimidos. Constitui um dos
mecanismos de defesa e, no tratamento psicanalítico, pode o terapeuta se
tornar o objeto da transferência.
Breuer enfrentou pela primeira vez o problema da transferência quando
tratava de Anna O. A partir de certo momento, a paciente tentará lhe seduzir e,
posteriormente, tentara seduzir Freud, transferindo para estes o amor que tinha
reprimido em relação ao pai. Assim acontece também com Mesmer, quando se
146 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
envolveu com Maria Theresa Paradis, e com Jung e sua paciente Sabina
Spielrein, jovem de 19, que sofria de histeria e recebeu tratamento em um
hospital psiquiátrico de Zurique, na Suíça, em 1905, quando Jung aplica pela
primeira vez as teorias do mestre Freud. Sabina seduz Jung de forma
implacável e com ele mantém um longo relacionamento amoroso. 78
O problema da transferência no tratamento psicanalítico seria
proporcional à própria sugestibilidade do paciente, Segundo Freud quanto mais
sugestionável mais tendente será a transferência:
A capacidade de irradiação da libido em direção a outra pessoa, como
objeto de investimento, é uma capacidade de todos os indivíduos normais;
a chamada tendência que o neurótico tem em transferir representa apenas
uma intensificação excepcional de uma característica universal. Seria
deveras estranho se tal traço humano, pela sua universalidade, jamais
tivesse sido observado e pessoa alguma nunca tivesse feito uso dele. Mas
isso já foi feito. Bernheim com sua perspicácia infalível baseou sua teoria
da manifestação hipnótica sobre a proposta de que todos os seres
humanos, de alguma forma, encontram-se mais ou menos abertos à
sugestão, são sugestionáveis. O que ele chamou de sugestibilidade, nada
mais é do que uma tendência à transferência (FREUD).
A prática analítica arquitetada por Freud passa também a ser explicada
pela transferência, que fazia com que o paciente incapaz de rememorar suas
reações emocionais infantis em relação aos pais, as repetisse
estereotipadamente nas sessões. A psicanálise se define até hoje como um
método terapêutico que utiliza como instrumento principal o fenômeno da
transferência. Referindo-se a este aspecto Weissmann 79 afirma que:
Entre analista e paciente se repete correlativamente a vida afetiva
intrafamiliar. O analista representando o papel de pai ou de mãe em
relação ao paciente, mas um pai ou mãe aperfeiçoado e psicológico (o
paciente se toma de simpatia e admiração pelo analista); negativa (ódio e
desprezo pelo analista) ou ambivalente (o paciente liga ao mesmo tempo
ódio e amor, admiração e desprezo ao substituto materno ou paterno).
Portanto, psicanálise, no sentido ortodoxo da palavra, significa
essencialmente análise da resistência e da transferência (WEISSMANN).
Em A dinâmica da transferência Freud fala de um bloqueio da associação
livre causado pela ativação inconsciente da transferência feita pelo paciente
que dificulta em muito o trabalho da psicanálise. No tratamento, Freud refere-se
a um momento em que o paciente não mais quer colaborar com o psicanalista:
Nuvens aparecem, surgem dificuldades no tratamento, o paciente declara
que nada mais lhe acode à mente, dando a nítida impressão de não estar
78
Em 2003, foi produzido e distribuído por Meduza Produzione/PlayArte, o filme “Jornada da
Alma”. Conta como Sabina Spielrein foi tratada por Jung, como eles se apaixonam e como
após alguns anos a paciente torna-se também psicanalista e monta e dirige, na Rússia, a pri-
meira creche que usa noções de psicanálise no tratamento de crianças. (N. do A.).
79
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 147
mais interessado no trabalho, de estar, despreocupadamente; não
atribuindo mais importância às instruções que lhe foram dadas, no sentido
de dizer tudo que lhe vem à cabeça e de não permitir que obstáculos
críticos impeçam de fazê-lo como se estivesse fora do tratamento e não
houvesse feito acordo algum com o médico. Está visivelmente ocupado
com algo, mas pretende mantê-lo consigo próprio. É uma situação
perigosa para o tratamento (FREUD).
Afirma Weissmann que com ajuda da hipnose, as dificuldades para o
paciente colaborar com sua própria análise é menor quando acontece apenas
com base na transferência positiva. A transferência ainda pode ser
artificialmente imposta ao paciente, anulando todos os demais aspectos
negativos ou ambivalentes da rejeição ao tratamento psicanalítico. Freud, no
entanto, não queria saber dessas facilidades; na intenção de diminuir a rejeição
de seus pares às suas idéias, demonstrava afastar-se da hipnose em sua
prática terapêutica; dizia que para tornar efetiva a cura, julgava indispensável
que o paciente se mantivesse o mais consciente possível e participasse
ativamente de todos os incômodos do ato de ser analisado.
Através da interpretação dos sonhos e da livre associação, Freud
pensava encontrar mais informações sobre a mente humana do que através da
hipnose. Não tardou em descobrir, entretanto, que a simbologia do sonho era
complexa para uma interpretação precisa e que a livre associação não era livre
até o ponto em que se esperava. Observou que em alguns casos certos
pacientes só com grande dificuldade conseguiam associar livremente.
Precisamente, as coisas que interessavam mais à análise se viam impedidas
de vir à tona. Eram as coisas que não podiam ser proferidas em voz alta e,
muitas vezes, nem sequer lembradas em virtude de seu caráter
comprometedor, eram demasiadamente ridículas, humilhantes, deprimentes.
Freud pode observar que uma paciente, mesmo hipnotizada, fantasiava a
verdade do que teria realmente acontecido em seu passado e, para que tal
verdade viesse à tona, era preciso vencer a resistência consciente e
inconsciente da analisada. Pelo novo método, o analisado tinha de exercitar a
tolerância, renunciar às suas ilusões, formular novos conceitos de
personalidade à medida que se ia aproximando do término da análise, trocando
a arrogância pela humildade e o receio pela confiança.
Outro problema da psicanálise ortodoxa é o de segurar o paciente até que
se tenha iniciado proficuamente a exploração do inconsciente. Até hoje grande
parte dos pacientes abandonam o tratamento, sob um pretexto ou outro, ao
sentirem as primeiras intervenções. E há os que, vencendo essa fase inicial, se
apegam na situação agradável da transferência em caráter perpétuo. Quanto a
isso diz Weissmann:
Com o uso da hipnose esses problemas desaparecem. Aos pacientes
desertores dá-se uma sugestão pós-hipnótica, determinando-lhes a
necessidade de continuar com o tratamento, marcando-lhes o
comparecimento obrigatório para a próxima sessão. Aos que insistem no
148 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
prolongamento indefinido da análise, dissolve-se hipnoticamente a
transferência com o devido tato e habilidade, proporcionando-lhes assim a
cura dos seus problemas (WEISSMANN).
Afastando-se cada vez mais da referência ao uso dos métodos hipnóticos
Freud, em novembro de 1899, publicou A interpretação dos sonhos (Die
Traumdeutung), que revolucionou todos os conceitos existentes na época sobre
esta matéria. Posteriormente imagina o aparelho psíquico formado por Id, Ego e
Superego. Este estudo reforça a teoria do inconsciente como determinante dos
comportamentos.
Id, ego, superego faz parte da segunda teoria do aparelho psíquico
estabelecida por Freud, entre 1920 e 1923, para referir-se aos três sistemas da
personalidade. As primeiras traduções para o português foram feitas a partir de
uma incorreta tradução inglesa do original alemão; da Es, das Ich, das Über-
Ich. O correto é: o Isso, o Eu, o Supereu. O Isso, totalmente inconsciente, é a
parte mais primitiva; lugar das paixões, dos desejos não identificados. O Eu,
que tem partes consciente e inconsciente, desenvolve-se quando o Isso entra
em contato com a realidade externa. É intermediário entre as exigências do
Isso e do Supereu. O Supereu também tem partes consciente e inconsciente e
funções de juiz e sensor. O Eu também exerce censura, mas esta é apenas
consciente.
Sobre os sonhos Freud define que são mensagens mascaradas do
inconsciente, “são os caminhos que levam ao inconsciente”, chegando a
denominar os sonhos como a “via real para o inconsciente”. Dizia que,
enquanto dormimos, o corpo relaxa e as defesas da mente se debilitam.
Afloram então do inconsciente as repressões que em estado de vigília somos
incapazes de reconhecer. A partir dessa premissa, elaborou um método para
analisar os sonhos e explicou como funciona a mente enquanto dormimos.
Quando estamos acordados, nossa mente constrói uma série de barreiras ou
repressões que nos impedem de conhecer nossos pensamentos traumáticos.
Durante o sonho, essas barreiras se tornam mais fracas e do inconsciente pode
aflorar com mais facilidade o conteúdo da repressão.
Freud vai buscar, também, nos fenômenos hipnóticos uma analogia para
os sonhos que permita fortalecer sua idéia. Novamente remete-se a Nancy, em
1889, quando testemunhou o trabalho de hipno-análise, realizado por Liebault e
Bernheim, com demonstrações de indução aos sonhos com hipnose em
pacientes pobres da classe trabalhadora. Bernheim pedia para o paciente
relatar, depois de despertado, o que havia ocorrido durante o sono hipnótico.
De início, sistematicamente, o paciente nada lembrava. Aos poucos,
vagamente, ia recordando alguns elementos até que conseguia reconstituir por
completo a experiência vivida sob hipnose (hipno-análise).
Transferindo essa situação para a sua prática clínica, Freud, admitindo
que o sonhador tenha noção do que sonhou, trabalha a questão de como tornar
acessível a ele o conhecimento que tem e como fazê-lo falar disso ao
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 149
psicanalista. Estabelecendo como regra não exigir do paciente que diga
abertamente o sentido do seu sonho, porém sinta que é capaz de encontrar a
origem do círculo de pensamentos do qual surgiu tal sonho.
Freud afirma que, tal como nos atos falhos, é preciso entender o que o
inconsciente nos quer dizer durante o sono e isso seria possível através de uma
livre associação de idéias e imagens. Interpretar o sonho seria uma maneira de
vencer as inibições que nos impedem de conhecermos inteiramente ou de
forma clara seu conteúdo ou de nos livramos de alguns problemas que não
conhecemos conscientemente.
Mais tarde, a teoria de Freud foi contestada por seu discípulo Carl Gustav
Jung (1875-1961), psicólogo e psiquiatra suíço, com quem trabalhou de 1907 a
1913. Contrariando o mestre, Jung afirma que os sonhos não são
representações dos desejos insatisfeitos ou de determinadas repressões, mas
sim um grito de alerta de nossa mente para que prestemos atenção a áreas que
estão sendo descuidadas. Afirmava ainda que, se tivermos uma vida
equilibrada, esta função se realiza inconscientemente enquanto dormimos.
Caso contrário um dos primeiros sintomas é o mau humor, seguido de uma
série de outros. Neste caso, seria necessário interpretar o que sonhamos. Esta
análise se daria não simplesmente através de todos os sonhos e de livres
associações, mas sim com base nos sonhos repetitivos, cujos elementos sejam
claramente perceptíveis. Jung discordava ainda de que a sexualidade fosse a
única fonte de todos os conflitos humanos.
Jung postula a existência de dois inconscientes: o individual e o coletivo.
Este último é constituído de símbolos universais transmitidos de geração a
geração e cristalizado nos arquétipos. Os mitos e os arquétipos seria a fonte da
criatividade humana. O inconsciente coletivo é comum a todos os seres
humanos; manifesta-se nos sonhos por meios de símbolos chamados de
arquétipos. Por isso, os jungnianos dão enorme importância à interpretação dos
sonhos, chegando a sugerir que o paciente durma com um caderno de
anotações ao lado para anotar e lembrar-se depois do sonho.
O inconsciente coletivo é como o ar, que é o mesmo em todo lugar, é
respirado por todo mundo e não pertence a ninguém, mas pertence a toda a
humanidade. Expresso em arquétipos ou símbolos primitivos, mitos ou historias
folclóricas como tema e formas comuns que podem ser contados em todas as
culturas, em qualquer época. Essas poderosas imagens e historias não foram
concebidas por experiência individual, mas são heranças comuns de toda a
humanidade. Seus conteúdos (chamados arquétipos) são condições ou
modelos prévios da formação psíquica em geral. O inconsciente coletivo é
natureza, necessita da mente humana afim de funcionar para os propósitos do
homem que sempre busca os propósitos coletivos e nunca seu destino
individual. Seu destino é o resultado da colaboração entre o consciente e o
inconsciente.
150 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
80
FREUD, S. Obras completas de Sigmund Freud. Traduzidas por Jayme Salomão, Ed. Imago,
RJ, 1980.
Textos, artigos, casos referidos ou citados:
FREUD, S. Artigos sobre hipnotismo e sugestão; A psicoterapia da histeria (trad. José Luiz
Meurer e Christiano Monteiro), Ed. Imago Ltda, 1998. Prefácio à tradução de Suggestion de
Bernheim; Prefácio à segunda edição alemã; Resenha de Hipnotismo de August FOREL; Hip-
nose, In: Textos escolhidos de psicanálise, RJ, Imago, 7 - 61, 1986. O ego e o Id, (1923b), 19-
23 - Hipnose (1891d), 19-23 - O Inconsciente, (1915e), 14-191 - A Interpretação dos sonhos
(1900a). Josepf Breuer (1925g) 19-349. 1-117 - Mecanismo psíquico dos histéricos (Breuer e
Freud), 3-34 - A teoria da libido (1923a), 18-287 - Anna O., 1/228n; 2:14 -15, 23, 35-36, Elizabe-
th Von R., 1,109.
154 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
81
(GAY, Peter. FREUD: Uma vida para o nosso tempo. S. Paulo, Companhia das Letras, 1986).
82
LUNDIN, R. W. Uma análise do comportamento. 1992.
156 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
83
PAVLOV, I. P. Reflexos condicionados e inibições. RJ, Zahar, 1976.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 157
Seguidores da escola de Nancy, opositores da escola de Pavlov,
contestam afirmando que o estado hipnótico é, antes de ser um fenômeno
fisiológico cortical, um fenômeno extremamente racional. O hipnotismo humano
difere, portanto, dos simples condicionamentos, é baseado mais nas leis da
imaginação do que no fisiologismo. Para induzir um cão bastam os expedientes
fisiológicos e sensoriais, aplicando-lhes os estímulos fisiológicos na dosagem
necessária o cão dormirá.
Weissmann, aliado com os autores contrários à tese da escola russa, diz
que diferentemente do ser humano, o cão, satisfeito em sua necessidade, não
tem resistência maior aos intentos do hipnotista que o faz dormir; nada
questiona, age apenas pelo seu instinto, sem a emoção que é privativa do ser
humano. Para levar um animal à hipnose não é necessário apelar para a lei da
reversão dos efeitos dominantes que é baseada na atividade imaginativa. Isso
diferencia bem o efeito hipnótico do condicionamento:
Uma cadelinha pode ser condicionada para que ao som de uma
campainha ingira alimentos em quantidade determinada, não há perigo de
no momento assinalado passar-lhe pela cabeça algum propósito mais
importante e mais excitante do que comer. Em resumo, para hipnotizá-la
basta um fisiólogo reflexologista. Quanto ao ser humano, não dispensa a
colaboração do hipnotista para a sua complexa interpretação
(WEISSMANN).
Sem perigo de cair no excesso da interpretação fisiológica, mas apenas
com a preocupação de analisar por todos os ângulos através dos quais se tenta
explicar o fenômeno hipnótico, devem ser visto mais detalhes do que diz a tese
de Pavlov, quando se refere a hipnose como um fenômeno análogo ao sono,
um sono parcial produzido pela irradiação progressiva de uma inibição a partir
de um foco excitatório ativado no córtex, foco este que seria o estímulo
hipnótico. Pavlov 84 chamou a este fenômeno de indução recíproca e a este
foco excitatório de ponto de vigil, zona de transferência ou ponto do rapport.
Pavlov explica o processo hipnótico a partir da tese de que o córtex é o
órgão central de todas as reações orgânicas. E, de modo indireto, ele
superintende as funções viscerais, equilibrando o sistema nervoso central e o
neurovegetativo. Assim, cada órgão do corpo humano é controlado pelo córtex
que estabelece o contato entre o meio externo e o interno, através de
excitações emanadas de cada órgão. O córtex cerebral é a central diretora que
pode ser utilizada pela hipnose afim de comandar movimentos musculares,
sensações fisiológicas (frio, calor, dor ou sua supressão) ou psíquicas (alegria,
entusiasmo, tristeza, etc.). Diz ainda que o condicionamento da camada cortical
pode ser tão forte que um indivíduo, mesmo com a perna amputada poderá
sentir dores como se a tivesse. Isto ocorre por causa de estímulos que sentia
antes da amputação. Uma sugestão hipnótica pode removê-los com relativa
84
PAVLOV, I. P. The Identity of inhibition with sleep and hypnosis, N. York, Scientifc Monthly n°
17, 603-608, 1923.
158 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
85
PLATINOV, C. Faça seu teste psicológico. RJ, Ed. Edimax, 1963.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 159
autores se referem quando tratam da hipnose médica, sugiram deste famoso
congresso. Disso também deriva termos como sonoterapia, parto sem dor e a
NL-neurolingüística que apareceu como princípio terapêutico na medicina
psicossomática russa e servia também como mais uma explicação para a
hipnose.
Nos anos 70 nos Estados Unidos a NL foi transformada, por Richard
Bandler e Jonn Grinder, em PNL - Programação Neurolingüística. Fundamenta-
se no uso das palavras, dos gestos e da forma de comunicação mais adequada
para produzir a sugestão. Ambos publicam A Estrutura da Magia onde mostra
que a hipnose obedece a uma estrutura de linguagem. Criam o primeiro modelo
PNL, publicado com o nome de O metamodelo de linguagem, em seguida
estudando com Erickson escreveram Os Padrões de Linguagem Hipnótica de
Milton Erickson.
A teoria da irradiação cortical para explicar o hipnotismo continuou forte
até a década de 60. Por essa época, Volgyesi 86 já havia proposto outra teoria
neurofisiológica para a hipnose, que evidenciava a participação de estruturas
subcorticais no fenômeno, ressaltando o papel do córtex frontal. Volgyesi não
aceita a hipótese de Pavlov que afirma ser a irradiação cortical a única
explicação para o fenômeno hipnótico e propôs que o fenômeno seria devido a
uma redução temporária e reversível do fluxo sangüíneo em determinadas
áreas do cérebro. Essa teoria não recebeu muita repercussão devido à
ascendência de outras idéias sobre o assunto.
O esforço da escola russa para caracterizar a hipnose como inserida nos
padrões e na linguagem científica teve como resultado a aceitação do
fenômeno por parte da classe médica que, antes disso, era considerada nesse
meio como uma heresia científica, mentira ou simulação. A escola russa
permitiu a aceitação de fatos físicos, orgânicos, como decorrente de processos
emotivos; a cada dia é mais aceita a interação entre mente e corpo; não é mais
uma heresia médica dizer que relaxamento, crenças religiosas, transe hipnótico
e outros fatores podem afetar, até de forma inexplicável, sinais vitais
mensuráveis, como o funcionamento de órgãos do corpo humano, a pressão
arterial, os batimentos cardíacos, etc. O entendimento do processo do estresse
87
vem dessa mudança, atualmente o estresse e os efeitos psicossomáticos
passam a significar conteúdos de estudos acadêmicos regulares.
86
VOLGYESI, F. El alma lo es todo, Barcelona, 1983.
87
"Estresse" é a denominação dada a um conjunto de reações orgânicas e psíquicas que o or-
ganismo emite quando é exposto a qualquer estímulo que o excite, irrite, amedronte ou o faça
muito feliz. Funciona como um mecanismo de sobrevivência e adaptação, estimulando o or-
ganismo diante de uma experiência ou ambientes novos que causam pressões psicológicas.
No cotidiano as pessoas se defrontam com vários fatores estressantes como briga com o par
afetivo, excesso de cobrança e frustração, ansiedade exagerada ou ambiente excessivamente
barulhento. Na medida em que o cérebro interpreta estes fatores como ameaças à saúde, o
corpo fica em estado de alerta geral, até que o fato passe ou o sujeito se adapte a nova situa-
ção. Isso é “estresse” (N. do A.).
160 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
89
COUÉ, E. Auto-sugestão consciente - Que digo e que faço - O domínio de se mesmo. RJ, Mi-
nerva, 1956.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 165
auto-ajuda são copiadas por centenas de autores americanos e milhares no
mundo, embora nem sempre o cite diretamente como autor.
Na mesma linha do pensamento de Coué apareceu o pastor americano,
Norman Vicente Peale, que apresenta uma versão religiosa para a força do
pensamento, mistura reza e imaginação para conquistar o sucesso e com essa
idéia lançou, em 1952, o livro O Poder do Pensamento Positivo. 90 Vários outros
seguiram caminhos mais ou menos parecidos até chegar a Rhonda Byrne que
produziu um livro com o titulo de O Segredo. 91 Byrne tenta justificar que o
pensamento funciona como um verdadeiro ímã que, literalmente, atrai tudo que
é imaginado e, para fundamentar sua explicação carregada de “magnetismo”,
recorre à física quântica. Tudo parece ser uma versão pós-moderna das antigas
teorias magnéticas associadas ao poder do pensamento. Esses novos autores
misturam conceitos antigos e novos para formar sua base explicativa de acordo
com a linguagem em uso, mas a idéia é sempre a mesma.
90
PEALE, Normam Vicente. O Poder do Pensamento Positivo, SP, Editora Cultrix, 2002
91
BYRNE, Rhonda. O Segredo, RJ, 1ª Edição, Ed.Ediouro, 2007.
166 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
92
COUÉ, E. Auto-sugestão consciente - que digo e que faço - O domínio de si mesmo. RJ, Mi-
nerva, 1956.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 167
A Lei do efeito dominante afirma que a técnica hipnótica consiste na
animação e ativação de idéias, dramatizadas para fins determinados; tem de
valer-se da seleção de efeitos emocionais dominantes. Baudouin, Coué e
Pierce acrescentaram a isso o princípio da reversão dos efeitos. Isto significa
que, nos indivíduos, uma emoção mais forte sobrepuja uma emoção de
intensidade menor. Exemplo: uma pessoa está sob a emoção do prazer quando
lhe sobrevém uma situação de perigo. Produzindo o perigo, que é uma emoção
mais forte do que o prazer, o sentimento de prazer desaparece à medida que o
de perigo ganha proporções.
O expediente psicológico da emoção é válido quando se torna necessário
reavivar, fortalecer ou aprofundar o processo hipnótico, condicionando as
sugestões às experiências emocionais mais fortes do hipnotizado, como amor,
alegria, tristeza, ciúme, medo, repulsa, entre outros. É por esse fato que, nas
sessões de palco, ocorre grande efeito sugestivo quando é sugerido para o
hipnotizado viver situações como tempestade, ataque de insetos, inundações
ou passeio no campo, pescaria no lago, montaria a cavalo, etc.
Uma pessoa hipnotizada transforma-se facilmente em instrumentista,
maestro, cantor, orador ou personagem histórico. É que a idéia de sucesso
representa um dos efeitos dominantes, por ser o sucesso uma das emoções
mais poderosas, capaz de fazer desaparecer momentaneamente outras que,
até então, vinham ocupando as energias anímicas do indivíduo. Para os
estudiosos do comportamento, a própria autocrítica, ou seja, o medo de ser
exposto ao ridículo, desaparece facilmente diante da emoção toda poderosa do
êxito.
Hipnose é projeção
Entre outras explicações, a hipnose pode ser vista como uma projeção. A
idéia externa, ou seja, o desejo do hipnotista que tem de refletir, de certo modo,
a idéia interna, ou seja, o desejo do hipnotizável. Este conscientemente, sem se
dar conta do fato, projeta sobre a pessoa do hipnotista os efeitos de sua própria
vontade, assim como projeta sobre ele suas próprias fantasias e seus próprios
desejos de realizar o inusitado. Por esta hipótese, o hipnotizado sucumbe à sua
própria vontade, que se confunde pela projeção com a idéia ou a imaginação do
hipnotista.
Na linguagem psicanalítica, o fenômeno da projeção é um mecanismo de
defesa, consiste na atribuição a outros de impulsos que o indivíduo não pode
aceitar, mas que são provenientes de seu próprio aparelho psíquico. Sentimen-
tos próprios indesejáveis são atribuídos a outras pessoas. Isso explica em parte
o que acontece na regressão ou terapia por vidas passadas, quando o hipnoti-
zado consegue se livrar da culpa e da vergonha de atos ou lembranças reprimi-
das. Acreditando que é outra pessoa, libera mesmo que de forma simbólica su-
as próprias lembranças auto-censuradas.
168 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
Hipnose é sugestão
Esta tese defende a relação entre hipnose e sugestibilidade, afirmando
ser a hipnose o resultado da sugestão. Baseia-se no princípio de que, se o indi-
víduo é sugestionável, poderá por sugestão ser levado ao estado hipnótico. Por
intermédio das palavras, é possível interferir no seu estado emocional, torná-lo
alegre ou triste, melancólico ou bravo.
Estbrooks,93 referindo-se a sugestão como elemento que desencadeia a
estado hipnótico, diz que “O hipnotismo é um estado de exagerada sugestibili-
dade induzida por meios artificiais”. É também com base nestes argumentos a
definição do Warren,94 um dos mais acatados dicionários de termos psicológi-
cos, definem a sugestão como sendo a condição para levar uma pessoa a agir
independentemente das suas funções críticas. Afirma que é a indução ou tenta-
tiva de indução de uma idéia, crença, decisão ou ato realizado na pessoa alhei-
a, por meio de estímulos verbais ou outros estímulos, cujo objetivo é também
levar uma pessoa a agir independentemente das suas funções críticas.
Um estado tendente a aguçar a sugestibilidade quase equivale a dizer
que hipnose é do princípio ao fim, sugestão. É na teoria de Hull, sugestibilidade
aumentada ou generalizada. 95 Qualquer teoria ou conceito sobre hipnose, seja
qual for a parcela de verdade que contenha e o grau de sua importância prática,
não valem senão à medida que elucida as motivações e os mecanismos desse
fenômeno eminentemente natural, que é a sugestão, nas suas diversas
graduações.
Há uma tendência de desmerecer o fenômeno da hipnose com o
argumento de que tudo não passa de sugestão, como se a sugestão fosse
necessariamente uma coisa superficial ou desprezível, sem importância para a
nossa vida. Acontece que a sugestão representa uma das forças dinâmicas
mais ponderáveis da condição humana. Não acarreta unicamente alterações
sensoriais e modificações de memória, podendo afetar todas as funções vitais
do organismo, tanto no sentido positivo como negativo.
A sugestibilidade, embora sujeita a variação de grau e de natureza, é um
fenômeno rigorosamente geral. É possível que todas ou quase todas as
pessoas sejam hipnotizadas se o hipnotista aplicar o método adequado para
induzir a sugestão. Assim, defende-se como tese que a sugestão é uma força
que domina a todos, em grau maior ou menor, não exerce apenas uma ação
superficial ou acidental em nossa vida, pelo contrário, pode até definir o modo
de viver.
93
ESTBROOKS, G. H. Hipynotism. N. York, Dutton, 1943.
94
WARREN, H. C. Dictionary of psychology, N. York, Hougton Miffin, 1934.
95
HULL, C. L. Hypnosis and suggestibility. An: Experimental approach. D. Aplleton - Century,
1933.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 169
96
Weissmann define sugestão como sendo a tendência que o indivíduo
tem de agir sob o mando ou influência de outrem:
Por sugestão entendemos comumente a tendência que o indivíduo tem de
agir sob o mando ou a influência de outrem, quer por meio de uma ordem
ou instrução direta, quer por outros meios quaisquer (WEISSMANN).
A sugestão hipnótica poderia ser definida ainda como um processo de
comunicação que resulta na aceitação convicta de idéias, crenças ou impulsos,
sem necessidade de fundamento lógico. É a tendência a criar na pessoa uma
atitude, fazendo com que ela aceite coisas imaginárias como se fossem reais.
Considerando que sugestão não é hipnose, seria pelo menos o preâmbulo da
hipnose; toda e qualquer hipnose começa pela sugestão, ainda que seja por
vias indiretas como ambientes e fatos que dispensam a sugestão verbal.
Sugestão é prestígio
O prestígio do hipnotista é um dos fatores decisivos na indução hipnótica;
geralmente só se consegue hipnotizar pessoas junto às quais se tem o prestí-
gio. Essa explicação começa por analisar a definição da sugestão como sendo
“a tendência que a pessoa tem de agir sob o mando ou a influência de outrem”.
Com base nesta afirmação questiona-se o que determina a tendência de uma
pessoa agir a mando ou sob influência alheia, e aceitar coisas imaginárias co-
mo se fossem reais. O prestígio deriva quase sempre da idéia de poder, de
competência ou de carisma que por sua vez, demanda da aparência, conheci-
mento ou atitudes de uma pessoa.
Para os psicanalistas, o prestígio se forma em virtude de uma situação de
transferência. Seria, citando Sandor Ferenczi, 97 “a expressão inconsciente
instintiva e automática da submissão frente à autoridade materna ou paterna”.
O prestígio do hipnotista resultaria da confusão inconsciente do hipnotizado que
confunde a pessoa do hipnotista como sendo seu “pai” ou “mãe”.
Segundo Weissmann, esse ponto de vista psicanalítico não é sempre
aceito, considerando que nesse caso o hipnotista feminino só conseguiria
hipnotizar quem fosse dominado pela autoridade materna, enquanto o
hipnotista masculino só induziria indivíduos habituados ao mando do pai,
fenômeno este que, na realidade, nem sempre se confirma. Acreditar, porém,
no fato de que uma pessoa pode ser hipnotizada praticamente por qualquer
hipnotista, independentemente das suas emoções pré-formadas, não chega a
invalidar essa tese, levando em conta que o fator prestígio não se forma
exclusivamente à base da experiência infantil da autoridade parternal-maternal.
Hipnose é sono
Nos primórdios do hipnotismo clássico, o primeiro a associar o estado de
hipnose ao estado onírico foi o Marquês de Puységur com a teoria do
sonambulismo artificial. Ele tinha, sem dúvida, sua parcela de razão. Até hoje
96
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958.
97
FERENCZI, S. Theorie und technik der psychoanalyse. Boni & Liveright, 1927.
170 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
98
SUPER Interessante. Visão hipnótica, S. Paulo, revista mensal, Editora Abril, maio de 1998,
p. 40 - 45.
172 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
Myers, 101 assim como Émilie Coué, com base nas formulações
Freudianas, alinham-se a essa explicação para descrever o estado hipnótico,
afirma que o ser humano possui duas consciências: a supraliminar (o
consciente) e a subliminar (o inconsciente). Para eles, obtendo-se a ligação
com o inconsciente, a hipnose ocorrerá. Seria a hipnose um fenômeno
inconsciente.
Neste caso, os métodos de indução momentaneamente provocam o
desligamento do consciente e, neste instante, ocorre a revelação ou o
afloramento do inconsciente. Assim, o hipnotizado agiria durante o transe em
estado de inconsciência. Suas manifestações seriam conseqüências do que lhe
foi sugerido pelo hipnotista ou simplesmente fantasias dos seus desejos,
crenças ou fatos distantes que ocorreram em sua própria vida, dos quais, o
hipnotizado não se lembra conscientemente.
Estado normal
Por este ângulo a hipnose é um estado normal, não obstante as
alterações psicossomáticas que produz. Tenta provar a tese de que a diferença
de comportamento do indivíduo acordado para o indivíduo hipnotizado é uma
diferença quantitativa e não qualitativa. Seria, portanto, uma diferença de grau e
não de natureza.
Sob o efeito do transe hipnótico, as peculiaridades da personalidade
humana não se modificam em sua essência, mas apenas aumentam ou
diminuem. Diz a teoria do estado normal que cada pessoa reage à sua maneira,
de acordo com a sua própria dinâmica e estrutura psíquica. Na hipnose, a
dinâmica se exacerba ou diminui, mas o indivíduo não muda de personalidade.
Nunca deixa de ser o que é apenas deixa, eventualmente, cair à máscara,
manifestando, conforme as circunstâncias, suas próprias tendências
normalmente policiadas ou reprimidas. A hipnose altera, unicamente, a
velocidade e a intensidade dos processos psíquicos e produz no hipnotizado,
de acordo com as sugestões, modificações fisiológicas transitórias.
Para reforçar essa explicação de que a hipnose representa um estado
psicológico normal, lembra-se o clássico conceito de Bernheim, 102 segundo o
qual “somos indivíduos potenciais e efetivamente alucinados durante a maior
parte das nossas vidas”. O que equivale a dizer que todos vivem em regime
mais ou menos hipnótico à força da própria necessidade e do hábito. O hábito,
esse nosso aliado, representa o paradigma da normalidade e é, por definição,
uma hipnose permanente. A experiência tem mostrado que o grau de
subordinação ao hábito costuma servir, de certo modo, como critério de
101
MYERS, J. K., Weissman MM. Tischler GL, et al. Six-month prevalence of psychiatry disor-
ders in three communities, (1980-1982). In: Arch Gen Psychiatry, 41; 959-967, 1984.
102
BERNHEIM, H. Hypnosis and suggestion in psychotherapy: A tratise on the nature of hypno-
tism [Reprin]. Translad by CA Herte, New Hyde Park, N. York, Universrsity Books (1889)
1964.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 177
suscetibilidade hipnótica. Compreender o indivíduo hipnotizado equivale a
compreendê-lo em seu estado normal.
Exclusão psíquica relativa
Essa explicação também tenta demonstrar que as pessoas têm duas
mentes, denomina uma de objetiva e a outra subjetiva. A mente objetiva é a
que controla os sentidos: audição, visão, paladar, tato e olfato. A subjetiva é a
que controla a memória. A mente objetiva é capaz de raciocínio tanto indutivo
quanto dedutivo. A mente subjetiva é capaz somente de raciocínio dedutivo,
não podendo raciocinar por indução.
As duas mentes estão sempre presentes em cada indivíduo, num estado
relativo de equilíbrio, como uma gangorra e, para assegurar o estado hipnótico,
o hipnotista induz a mente objetiva do hipnotizado a retroceder, trazendo assim
à frente a mente subjetiva. Mas, em vez de vir à frente, como vem no sono
comum, sem ser controlada ou submetida à sugestão externa, ela vem
esperando ser controlada por sugestões do hipnotista. Por essa explicação, a
hipnose pode ser definida como uma condição em que se consumou uma troca
nas posições relativas das mentes subjetiva e objetiva, e em que a subjetiva foi
posta em evidência na expectativa de ser controlada pelo hipnotista ou pela
mente objetiva em recesso. O processo que alcança tal resultado é o
hipnotismo.
Quando induzida por um hipnotista, a mente subjetiva avança na
expectativa de ser por ele controlada. Neste caso, o chamado hipnotismo
ocorre por controle externo. Quando o próprio indivíduo induz a troca subjetiva
e objetiva, e a mente subjetiva avança na expectativa de ser controlada pela
objetiva em recesso, ocorre o que se chama de auto-hipnose ou auto-
hipnotismo.
O controle, uma vez estabelecido, pode ser mantido e prolongado à
vontade do hipnotista, logo que a mente subjetiva do hipnotizado aceita o
hipnotista como sua fonte de sugestões; qualquer sugestão daí por diante
assume, para o hipnotizado, a natureza de incontestável. O controle, depois
que for assumido, pode ser mantido ou ampliado pela simples sugestão, pois a
sugestão de manutenção ou extensão é aceita pela mente subjetiva como uma
verdade a ser cumprida.
A amplitude do controle não é ilimitada, está circunscrita pelo grau em
que a mente objetiva do hipnotizado, embora presente, se acha em recesso. É
por isso que, por mais bem sucedida que possa ser a hipnose, é impossível
dominar certos instintos básicos e opiniões profundamente arraigadas do
hipnotizado. Os instintos e as opiniões variam entre diferentes indivíduos. Por
exemplo: a maioria das pessoas tem um instinto básico de autopreservação
muito apurado. Para uma grande percentagem de mulheres, a fidelidade é um
princípio profundamente arraigado. O mesmo é verdade com relação às
crenças religiosas que, com freqüência, estão enraizadas firmemente e não
cedem facilmente a uma contra-sugestão durante a hipnose. De modo
178 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
103
RHODES, Raphael H. Hipnotismo sem mistérios. RJ, Ed. Record, 1972.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 179
CAPÍTULO IV - PRÁXIS DA HIPNOSE
105
MOSS, A. A. The comfident dentist can eliminaté gagging. The Bristtish Journal of medical
hypnotism, v. 6, n°03, 1955.
186 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
aspecto vítreo, isto significava que o paciente estava em transe. Neste caso, o
hipnotista lhe fechava os olhos com a própria mão e dizia:
Agora você está descansando profundamente... Você está se sentindo
maravilhosamente bem... Sua mente não abriga nenhum pensamento...
Enquanto eu falo você vai entrando num sono profundo... Você ouve
minha voz como se estivesse vindo de longe... Muito longe... Sua
respiração está se tornando mais lenta, mais profunda... Seus músculos
estão se relaxando cada vez mais... Você começa a sentir um
formigamento, uma dormência... De começo na nuca e depois envolvendo
lentamente o corpo todo, da nuca para baixo... Você não sente mais
nada... Nem a cadeira em que está assentado... É como se estivesse
flutuando nas nuvens... Continue a afrouxar os músculos cada vez mais...
Mais... Mais... Mais... Agora você está no sono profundo... Agradável...
Sem preocupação... Nada o incomoda... Você está tão profundamente
adormecido, descansando tão bem, que não quer acordar... Está
descansado... Afrouxando os músculos cada vez mais... Seu sono
continua agradável e profundamente... Nada o molesta... Já não há ruído
capaz de despertá-lo... Você está totalmente surdo... Só ouve minha voz...
Só obedece a mim... Só eu posso acordá-lo... Durma... Durma... Durma
profundamente (MOSS).
O método de Moos é considerado padrão; trata-se de sugestões que
atuam largamente, em virtude de seu caráter antecipatório e confirmativo, pois
as sensações que vão sendo sugeridas ao indivíduo parecem corresponder às
reações ao próprio estado de hipnose. Ele começa por sentir-se cansado. Suas
pálpebras pesadas tendem a fechar. Manifestam-se freqüentemente tremores
nas pálpebras e contrações espasmódicas nas mãos e nos cantos da boca.
Observa-se que a hipnose afeta mais rapidamente a vista e os músculos
oculares. E, mesmo estando o hipnotizado de olhos fechados, o hipnotista
ainda pode observar o movimento dos globos oculares, debaixo das pálpebras,
movendo-se em todos os sentidos, preferentemente para cima. É própria do
transe ainda uma sensação de peso dos membros, uma dormência envolvendo
o corpo, da nuca para baixo, bem como a sensação de flutuar e a impressão de
que a voz do hipnotista, a princípio poderosamente envolvente, se vai
afastando cada vez mais, porém sempre serão ouvidas as sugestões.
Método de Kuehner
G. F. Kuehner elaborou uma adaptação do método de MOSS para aplica-
ções específicas em seus pacientes. Seu procedimento fundamenta-se na su-
pressão das palavras “hipnose” e “sono”. Acreditava que essas palavras, muitas
vezes, assustavam o paciente, constituindo-se em empecilho insuperável no in-
tento da indução. Ele iniciava com um preâmbulo falando sobre as vantagens
do tratamento dentário com uso do relaxamento. Em seguida passava à reco-
mendação do relaxamento muscular, mandando que olhasse, em frente, um
ponto preto pintado na parede e que media aproximadamente vinte centímetros
de diâmetro. Recomendava este autor que as sugestões fossem espaçadas
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 187
com pausas de cinco segundos. O seu processo de indução seguia, com ligei-
ras variantes, o modelo descrito: 106
Vamos afrouxar primeiro bem os músculos. O relaxamento muscular vai
lhe proporcionar instantes muito agradáveis. Para ajudá-lo a relaxar, pintei
aquele ponto que poderá fixar. Terá de respirar umas três vezes,
profundamente, enchendo bem os pulmões e expirando vagarosamente.
Vou contar até três para que você possa relaxar completamente... UM...
Respire assim, profundamente... Mais um pouco... Está bem. Agora solte
todo o ar dos pulmões. DOIS... Outra vez. Respire profundamente... Mais
um pouco... Solte o ar dos pulmões, completamente. TRÊS... Repete com
ligeiras variações a recomendação anterior... À medida que você vai
fixando este ponto vai relaxando cada vez mais os músculos... Em virtude
do relaxamento muscular seus membros vão ficando pesados... Agora
suas pálpebras já estão ficando pesadas... Estão querendo fechar... De
olhos fechados, o relaxamento muscular se completa... Seus músculos
estão profundamente, completamente afrouxados... Está se sentindo
completo e, agradavelmente relaxado... Vou agora levantar o seu braço...
Primeiro o que está mais próximo de mim... À medida que vou levantando
seu braço você vai relaxando ainda mais os músculos, até alcançar o
relaxamento mais completo... Você está profundamente relaxado,
afrouxado... Já está quase completo o seu estado de relaxamento... Nunca
em toda sua vida você esteve com os músculos tão profundamente
relaxados... É esta uma sensação muitíssimo agradável (KUEHNER).
Neste ponto Kuehner largava o braço do paciente e observava a reação.
Quando tudo corria de acordo com o esperado, o braço continuava na posição
em que o largou o hipnotista. Se isso acontecesse, já tínhamos a rigidez
cataléptica. E prosseguia:
Está bem... Vamos voltar com o braço à sua posição anterior... Continuará
completamente relaxado como está agora, enquanto eu trabalho... Por
motivo algum você vai querer sair desse agradável estado... Nada
incomoda... E o pouco incômodo que por ventura experimentar, não será
motivo para despertá-lo do estado agradável em que se encontra agora
(KUEHNER).
O autor recomendava essa alusão a um possível pequeno incômodo para
favorecer a atitude do paciente em se manter inerte. Para ele, isso funcionava
como um estímulo à vaidade de quem sabe suportar algum sofrimento. E
terminando o trabalho dizia:
Por hoje é só... Vê, nenhum mal estar... Dentro de alguns instantes vou lhe
pedir para sair do relaxamento... Ao sair vai sentir-se bem disposto e
repousado... De agora em diante, sempre que voltar para algum
tratamento, você entrará rápida e profundamente no estado de
relaxamento muscular, bastando que eu peça para você relaxar... E ao
despertar sentirá uma sensação agradável... Sentir-se-á bem disposto e
106
KUEHNER, G. F. Hypnosis in dentistry. N. York, MacGraw-Hill Book Company, 1956.
188 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
descansado... Agora você vai contar, mentalmente, de UM a TRÊS para
acordar... Ao dizer TRÊS estará bem acordado e sorridente (KUEHNER).
Kuehner elaborou ainda um método hipnótico engenhoso para a
odontopediatria; considerava o uso da própria linguagem do paciente como
condição para a indução ao transe. Sugeria que primeiro fosse observado a
melhor forma de comunicação; a linguagem, os gestos, os costumes e os
valores. O êxito da sugestão era mais fácil e mais rápido quanto mais o
hipnotista conhecia e usava a forma de expressão da criança.
Para impor à atenção concentrada de um suscetível, o hipnotista tem que
se colocar, ainda que ilusoriamente, no lugar dele, usando, entre outras coisas
suas, no mais possível sua própria linguagem. As palavras de maior poder
sugestivo são precisamente aquelas que o próprio paciente usa. Para uma
criança o hipnotista tem que falar na linguagem dela usando o seu próprio
vocabulário.
Método de Erickson e Wolberg
A tendência de iniciar o processo hipnótico com a sugestão do
levantamento dos braços e das mãos vem-se generalizando desde os
primórdios do hipnotismo. A levitação dos braços pode ocorrer, em função do
próprio transe, independentemente de sugestões específicas. O hipnotista
sugere esse movimento a título de reforço e de antecipação. Milton Hyland
Erickson (1901-1980) 107 conjuntamente com L. R. Wolberg 108 deram, nos
EUA, maior divulgação a esse recurso técnico utilizando em seu método de
indução. Ambos consideravam o estado hipnótico como um estado de atenção
e receptividade, intensificado e aumentado pela reatividade de uma idéia ou
série de idéias. Embora esses dois autores tenham trabalhado para o
desenvolvimento do método, sua prática é conhecida como hipnose
ericksoriana.
Erickson, fundador da American Society of Clinical Hypnosis, implanta
uma linha de interpretação comportamentalista ao processo hipnótico e, por
essa razão, passou a ser preferido entre os estudiosos do comportamento
quando analisam este tema. Valoriza o transe hipnótico como recurso
terapêutico e, reconhece este estado como sendo o período durante o qual o
hipnotizado tem condições de quebrar as suas próprias limitadas estruturas e
sistemas de crença, de tal maneira que pode experimentar outros modelos de
crença e, disso, se beneficiar.
Sugere Erickson que o hipnotista, no lugar de falar diretamente com o
paciente sobre seu problema, recorra ao uso de metáforas como forma de
sugestão para eliminar os sintomas, inclusive para induzir o estado de hipnose.
Do que se pode concluir que no estado hipnótico ocorre o aumento da fé nas
107
ERICKSON, M. H. Experimental demostration of the psychopathology of everyday life. N.
York, 1939.
108
WOLBERG, L. R. Hypnoanalysis. N. York, Grune & Stratton, 1945.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 189
palavras do hipnotista e, por isso, ocorrem curas. Quanto maior for a
capacidade e habilidade do hipnotista, maior será a fé do hipnotizado e mais
rápido e eficaz será a cura.
O método de Wolberg e Erickson consiste em que o hipnotista, defronte
ou do lado do hipnotizável, preferentemente sentados, após a indução inicial,
deixa que o próprio hipnotizado dê prosseguimento ao processo, indo
formulando sugestões em função das reações apresentadas. O método
ericksoriano tem a vantagem de permitir que o hipnotizável dê o próprio passo
para entrar e aprofundar no transe. No entanto, apresenta desvantagem
quando o paciente não demonstra o comportamento dinâmico, perdendo-se aí
oportunidade da obtenção do transe em nível desejado, quando não o
impossibilita de vez. Também requer muita habilidade do hipnotista para criar a
seqüência do processo hipnótico com base nas reações do hipnotizado, o que
nem sempre é facilmente visível.
Em síntese, após a indução inicial, o hipnotista interpreta o significado dos
movimentos que demonstra o hipnotizado e vai reforçando para incentivar e
aprofundar as sensações reveladas Parece que esse método só funciona
quando encontramos simultaneamente três variáveis: um habilidoso hipnotista e
um suscetível ao transe médio ou profundo e que apresente também
predisposição dinâmica. Aliás, nesta condição a hipnose se perfaz com
facilidade, independente de método.
Wolberg e Erickson iniciam o processo de indução com estas palavras:
Afrouxe os músculos... As mãos sobre os joelhos... Vá prestando toda
atenção em suas mãos... Procure registrar tudo que sente em relação a
elas... É possível que sinta o calor ou peso das mãos sobre as pernas... Às
vezes, um formigamento... Seja a sensação que experimentar... O que
importa é registrá-la... Repare agora a imobilidade das mãos... Como
estão imóveis... Em breve, um dos dedos começará a se mover... Qual
deles se moverá primeiro?... O indicador... O mínimo?... O polegar?... Não
se pode prever... Será o primeiro dedo da mão direita?... Ou um da
esquerda?... Repare, um já começou a mover-se... Agora, os dedos vão-
se abrindo... Estão-se separando cada vez mais... Agora, as pontas dos
dedos vão-se levantar... Também as mãos vão começar a se levantar...
Também os braços se levantam... Quando as suas mãos chegarem à
altura do rosto, você estará profundamente adormecido... À medida que as
suas mãos se aproximam de seu rosto, o seu sono (ou hipnose) se
aprofunda... Ao tocarem o rosto, você estará em sono profundo... Durma
tranqüilamente... Nada o molesta nada o preocupa... Sua mente vazia...
Você está perfeitamente à vontade... Está se sentindo perfeitamente
bem... É uma sensação agradável de perfeito bem-estar... Só ouve minha
voz... Só eu posso acordá-lo, etc. (WOLBERG e ERICKSON).
Método da Autovisualização
Autovisualização é um dos métodos mais tipicamente subjetivos, não se
sabe ao certo a quem se atribuir autoria. Acomodada em uma cadeira, poltrona
190 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
109
JAGOT Paul C. Magnetismo, Hipnotismo, Sugestão. (Trad. Raimundo Nonato Corrêa), S.
Paulo, Editora Mestre Jou, 1959.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 191
vez mais brilhante... A estrela se aproxima cada vez mais... A estrela vem
chegando cada vez mais perto... Mais perto... Mais perto...
Há pessoas que, nesta altura da aplicação do método, cobrem os olhos,
embora fechados, a fim de proteger a vista contra o deslumbramento da luz da
estrela. E a indução continua:
• A estrela continua a se aproximar... Ela vem chegando cada vez mais
perto... A estrela se aproxima cada vez mais... A estrela se aproxima cada
vez mais... A estrela vem chegando cada vez mais perto...
Essas frases, repetidas com uma monotonia rítmica, não deixam de surtir
efeito. Pode-se, eventualmente, observar movimentos oculares dos
hipnotizados por debaixo das pálpebras. Uma pausa deve determinar o término
da aproximação da estrela. E continua:
• Agora que a estrela está próxima, se afasta para o céu distante... Vamos
agora acompanhar a estrela em sua fuga pelo espaço... Até a estrela
desaparecer completamente no céu... Vai desaparecer... Vai
desaparecer... Desaparecer...
Há quem, nesta altura, execute com a cabeça movimentos característicos
de quem está acompanhando com a vista um movimento da estrela. Não se
determina o desaparecimento da estrela, este fica a critério do hipnotizado.
Aqui termina o método da estrela. Após a indução inicial, vem a ordem de
respiração:
• Respire profundamente... Respire profundamente... A cada respiração o
sono se aprofunda mais... O sono se aprofunda a cada respiração... A
cada respiração o sono se aprofunda mais... Nada será capaz de
incomodar você agora... Dorme profundamente... Profundamente...
Observar a pausa de cinco segundos a cada repetição. Em seguida,
observada uma pausa maior, é sugerida a levitação dos braços:
• A primeira coisa que você vai sentir é uma atração nas mãos e nos
braços... Seus braços vão-se tornar leves... Leves... Lenta, mais
irresistivelmente, os braços começam a levantar... Seus braços se
levantam lenta mais irresistivelmente... Seus braços continuam a levitar...
Uma força estranha puxa seus braços para cima...
A sugestão pode ser dada para que um só dos braços levante. O
esquerdo ou o direito. Em casos mais difíceis, a sugestão pode ser reforçada
fisicamente. O hipnotista ajuda com as mãos as pessoas a levantarem os
braços e, ao levantar, é que se sabe como está indo o andamento do transe.
Até então, o hipnotizável, de olhos fechados, vinha meramente seguindo as
instruções do hipnotista. A levitação dos braços, porém, já indica estado de
hipnose.
Há pessoas que levam a recomendação muito ao pé da letra. Afirmam
laconicamente, que não conseguem ver estrela alguma. Nem por isso, a
192 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
um... Olhe o copo, está pelo meio de suco... Agora beba o suco... Beba...
Beba...
No segundo caso, pede-se que a pessoa feche os olhos e imagine-se
sentada em frente a uma grande barra de gelo, produzindo a sugestão na
seguinte forma:
• A barra de gelo está em sua frente... Comece a passar a mão direita
sobre a barra... Lentamente a mão escorrega da esquerda para a direita...
Passe mais a mão... Mais uma vez... Agora pegue no seu braço esquerdo
com a mão direita que estava sendo passada na barra de gelo...
Pergunta-se: Quem sentiu, no primeiro teste, a boca encher de saliva?
Quanto ao segundo teste, quem ficou com a mão fria, ou sentiu a sensação de
resfriamento na mão ou no local do braço por ela tocado? Os que responderam
afirmativamente apresentam fortes indícios de suscetibilidade.
Os testes citados fazem parte dos processos subjetivos da sugestão, não
se baseando em nenhum expediente de cansaço físico ou sensorial. E note-se
que, mesmo nos processos citados anteriormente, o cansaço físico, com todas
as suas características aparentes, é ilusório. É sempre produto de sugestão.
Mas, em alguns casos, pode resultar em efeito somático, como, por exemplo,
no caso da barra de gelo: a mão do sugestionado pode realmente resfriar.
Neste caso quando hipnotizado, se o hipnotista encostar um objeto em
qualquer parte do corpo do suscetível, dizendo-lhe que se trata de um cigarro
acesso, é possível que surja no local uma bolha ou pelo menos uma coloração
avermelhada, como se de fato tivesse sido a pele queimada.
Embora eventualmente possam ser utilizados os testes anteriores, os
mais aplicáveis são: Cansaço ocular, Balanço de Corpo, Atar as mãos e
Atração magnética.
Cansaço ocular - É sugerido o sono ilusório e subseqüente à fadiga que se
produz em função da fé e da expectativa. A pessoa testada espera, crê que vai
e deve sentir os efeitos pressupostos na indução e os sente sem nenhuma
necessidade específica ou física de sentir tal cansaço. Prova é que,
normalmente, as pessoas podem permanecer de olhos abertos, quer numa
leitura, quer na contemplação de um objeto, horas seguidas, sem cair em
transe e sem se ressentir sensivelmente da fadiga visual.
Uma vez estabelecidas condições psicológicas para a indução, logo se
podem observar as respostas nos indivíduos testados. Quando o teste é
aplicado com base nos métodos subjetivos, recorre-se, eventualmente, ao
expediente da fixação ocular com a concomitante sugestão do cansaço, por
exemplo: “Você está ficando com as pálpebras pesadas... Cansadas...
Querendo fechar... Vão fechar... Você verá que vão fechar... etc.”. De resto, as
técnicas para os testes e para a própria indução hipnótica pouco se diferenciam
umas das outras.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 195
No teste das mãos e no teste do balanço, as respostas são quase
instantâneas e quanto mais rápidas, maior será o grau da suscetibilidade
testada. Essas respostas positivas devem durar, no máximo, o tempo em que o
hipnotista profere as instruções e conta até cinco.
Balanço do corpo - É geralmente aplicado em grupo com mais de vinte pessoas
(teste coletivo), e dará resultado em média de 85% dos presentes na sessão.
Todos ficam de pé, de preferência com o calcanhar junto, pontas dos pés
afastadas como formando um triângulo. O método de indução é aplicado
através da voz. Os participantes são solicitados levantar-se e largar os objetos
que porventura tenha nas mãos. Recomenda-se, em seguida, não se apoiar na
cadeira ou em outra pessoa vizinha. Feita essa recomendação, passa-se à
aplicação do teste, dizendo-se as palavras aduzidas na seqüência certa, no tom
certo, lentas, porém firmes:
• Vou contar até cinco... Antes de chegar a cinco, vocês sentirão um
balanço... Agora vocês se concentram... Liguem-se em mim
mentalmente... Vou contar de um a cinco e vocês vão sentir o corpo
balançar... Mas ficarão com os pés firmes no chão, sem cair... Fechem os
olhos e se concentrem totalmente em mim... Vamos iniciar o exercício,
fechem os olhos... Fiquem concentrados em minha voz... Respirem lenta
e profundamente, só ouvindo minha voz.
Após uma pausa de meio minuto, inicia-se então a contagem, de um a
cinco, fazendo pausa de cinco segundos, aproximadamente, entre um número
e outro, na seqüência das palavras ditas com voz calma e confiante:
• Um... Dois... Três... Quatro... Todos balançando para frente e para trás...
Cinco... Vocês estão sentindo o balanço... Os pés estão firmes no chão...
Estão calmos e tranqüilos... Balançam cada vez mais... Para frente... Para
trás... Cada vez mais balançam... Balançam... Mais fortemente agora.
As pessoas mais suscetíveis balançam por meio minuto e nesse tempo, o
hipnotista deve observar todos com cuidado, porque os mais suscetíveis podem
cair no chão. Caso aconteça alguém cair, será individualmente atendido por
auxiliares, o teste não será interrompido. Provoca-se, em seguida, o balanço
lateral dizendo-se: Vou contar até três e vocês vão balançar de um lado para o
outro... Um... Dois... Três... Para um lado... Para o outro... Continuam
balançando... Balançando... Balançam... Balançam... Para encerrar o teste,
acrescentam-se as palavras:
• Vou contar de um a três... E tudo voltará ao normal... Vocês irão parar de
balançar quando chegar a três... E, se sentirão leves... Um... Dois...
Três... Pronto, todos param de balançar... Podem abrir os olhos.
Pode um indivíduo balançar e depois ser refratário à indução, mas o grau
e o modo do balanço indicam, com relativa margem de segurança, a
suscetibilidade. As pessoas que mais balançaram ou as que caíram são as
mais suscetíveis. Este teste é bem fácil e dá resultados até com pessoas pouco
196 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
suscetíveis, portanto quem não balançar, deve ser excluído definitivamente das
próximas experiências.
Uma variante do teste do balanço é o da oscilação do corpo, em que se
colocam as mãos sobre os ombros do hipnotizável enquanto o mantemos de
olhos fechados. Ao aliviar a pressão das mãos e, finalmente, suprimir o contato
físico, ele mesmo, sem receber sugestão verbal específica, oscila,
acompanhando as mãos do hipnotista, como se fora atraído por uma força
magnética. Esse fato difícil de explicação é observado em pessoas bem
suscetíveis. Quem reage satisfatoriamente a essa prova, pode ser considerado
bom para a hipnose e, não é raro, quando induzido, atinge o grau de
sonâmbulo hipnótico.
Atar as mãos - Este teste é coletivo e consiste no fato de pessoas, sentadas ou
de pé, entrelaçarem os dedos da mão esquerda com os da direita, por trás da
cabeça, na nuca ou na frente do corpo à altura do umbigo. Ao propor o teste
mostram-se primeiro, em todos os detalhes, os movimentos a serem
executados, dizendo-se: “Faça (ou façam) como eu estou fazendo... Assim...
Entrelaçando firmemente os dedos”. E continua a instrução:
• Continue com as mãos nesta posição... Quando eu lhe pedir, respire
profundamente, prenda a respiração até eu terminar de contar até cinco...
Ao terminar a contagem, soltará a respiração, porém suas mãos
continuarão presas e cada vez mais presas.
Dada essa instrução, pede-se para as pessoas fecharem os olhos. Ato
contínuo, respirarem fundo e prenderem a respiração. Conta-se pausadamente
até cinco. Se, ao terminar a contagem, os participantes não conseguirem
separar as mãos, não estarão apenas selecionados, senão também
profundamente sugestionados, quando não hipnotizados. E, de olhos fechados,
eles ouvem:
• Respirem tranqüilos... Profundamente... Vou contar de um a cinco e
vocês vão ficar com as mãos presas uma à outra... Com as mãos
presas... Quanto mais força para soltar, mais presas estas ficarão... Só
quando chegar a cinco podem soltá-las.
Começa-se a contar pausadamente, fazendo um intervalo de dez
segundos entre cada número:
• Um... As mãos estão ficando presas... Dois... Ficando presas... Três... As
mãos estão ficando cada vez mais presas... Quatro... Já estão
completamente presas... É impossível soltar as mãos... Quanto mais
força, mais presas ficam... Cinco... Podem soltar.
Depois de aproximadamente um minuto, em que eles tentaram inutilmente
soltar as mãos, continua a fala:
• Vou contar de um a três e todos se libertam... Um... Dois... Três... Já
estão todos libertados e sentindo-se muito bem... (Se alguém continuar
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 197
com as mãos presas, passa-se a mão sobre a dele e diz): Pronto... Agora
você já está livre... Sentindo-se muito bem... Desprenda as mãos, agora...
Vamos... Pronto... Soltas.
Atração Magnética - É um teste de aplicação individual de grande influência
sugestiva. Se o indivíduo não apresentar resultado positivo será
categoricamente classificado como não ou pouco suscetível, e com ele deve
ser evitada tentativa de indução hipnótica pelo menos em público. Sua indução
provavelmente só acontecerá em ambientes fechados e confortáveis,
apropriados para aplicação de induções não convencionais e específicas para
seu estado emocional.
Colocando-se a pessoa em pé, de olhos fechados, ao tempo em que o
hipnotista começa a esfregar suas mãos uma na outra, espalmadas e em
movimentos circulares, dizendo as seguintes palavras:
• Estou esfregando minhas mãos... Cada vez mais, elas vão ficando
magnéticas... Estão ficando como um ímã... Cada vez mais forte... O ímã
esta cada vez mais forte... Minhas mãos estão cada vez mais magnéticas.
Encostando-se levemente uma das mãos na testa da pessoa, depois na
nuca, em seguida encostam-se as mãos espalmadas nas costas dizendo-se:
• Quando eu afastar as mãos, você sentirá uma atração irresistível para
trás... Estou afastando... Você sente atração... É a atração cada vez mais
forte... Muito forte... Bastante forte agora...
O hipnotista prepara-se neste momento para aparar a pessoa que está
sendo testada, evitando que ela caia de costas. Logo após a inclinação para
trás, a pessoa é empurrada levemente para frente, fazendo com que retroceda
à sua posição normal. Este mesmo teste pode ser repetido, fazendo-se a
atração para frente ou para os lados, sempre com muito cuidado para não cair
totalmente, sendo antes aparada pelo hipnotista ou por voluntários.
Ponte humana - Embora muito impressione os espectadores é uma
demonstração fácil, requer apenas o transe hipnótico de nível leve. É apenas
um teste de suscetibilidade mais aprofundado, porém não é aconselhado para
hipnotistas iniciantes, a menos que esteja bastante seguro de que pode e, para
isso, deve possuir autoconfiança inabalável. A ponte, embora de fácil
consecução, é uma das provas físicas da suscetibilidade mais espetaculares; é
denominada como sendo a prova da rigidez cataléptica. Após receber a
sugestão de que seu corpo irá endurecer até alcançar a rigidez completa, o
hipnotizado é estendido entre dois apoios, ficando o corpo sustentado apenas
na nuca e nos pés, permanecendo duro à semelhança de uma tábua,
comportando em cima do abdômen um peso bem superior ao seu.
Uma variante da demonstração da ponte é aquela em que, estando o
hipnotizado apoiado entre duas cadeiras, uma pedra é colocada em cima do
tórax e partida a golpe de marreta. Devido ao seu caráter espetacular e
popularmente convincente, esse tipo de apresentação é um clássico nas
198 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
111
O Código Penal Brasileiro proíbe que, sem habilitação formal, mesmo que de forma gratuita,
alguém faça diagnósticos de saúde (artigo 284, inciso III).
202 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
114
PATTIE, F. The genuiness of some hypnotic phenomena: hypnosis and its therapeutic appli-
cation, N. York, Mac Grew-Hill Book Comp. 1956.
210 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
seus joelhos endureceram. Já não pode dar o passo para trás. Não evitará
a queda. A queda é inevitável, mas terá uma pessoa para ampará-lo. O
paciente cai, e é amparado pelo assistente. Passo para as provas
catalépticas. Inicialmente, a catalepsia das mãos. Em seguida sugiro a
incapacidade de articular o próprio nome. A impossibilidade de deslocar
um pé do chão, etc. (PATTIE).
Se o hipnotizado correspondeu a todas ou à maioria dessas provas,
passa-se à demonstração da amnésia. Diz Pattie, segurando a mão do
hipnotizável:
Vou largar-lhe lentamente a mão. No momento em que eu largá-la de todo,
você obedecerá a uma ordem minha, e tornará a segurar a minha mão.
Largo a mão do paciente e peço-lhe um anel ou um relógio. Torno a
segurar-lhe a mão, enquanto embolso o objeto pedido, e sugiro que, à
medida que vá largando de novo, a lembrança do que acaba de executar,
se desvaneça de sua mente. Um dos assistentes, devidamente instruído,
perguntará depois ao hipnotizado, já dispensado e fora do transe, pela
hora ou pelo anel. O grau de autenticidade da amnésia se verificará pela
sua reação (PATTIE).
Esse método de hipnotização exige atitudes mais autoritárias e maior
desembaraço do que os processos que envolvem o “sono“. O hipnotista tem de
demonstrar maior domínio e maior grau de confiança, quando atuando sobre
uma pessoa de olhos abertos. Substituindo a sugestão do sono pela
recomendação do relaxamento muscular e do exercício respiratório, muitos
indivíduos rebeldes à hipnose são levados aos níveis profundos do transe, e
voltam sem sequer desconfiarem de que foi hipnotizado, isso exige maior
perícia do hipnotista e maior suscetibilidade do hipnotizado.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 211
CAPÍTULO V - A PESQUISA DE CAMPO
seguintes, foi evitada a participação das pessoas que já tinham passado pela
experiência nas sessões anteriores.
Os hipnotizados foram identificados, através de fichas construídas para
este fim, considerando gênero, idade, raça, grau de instrução, atividade
profissional e situação conjugal. Durante a pesquisa, foi realizada uma série de
observações diretas e aplicados 500 questionários padronizados, semi-
estruturados, composto de questões formuladas para aqueles que
apresentaram, durante o transe, sintomatologia mais completa.
Foram realizadas 100 entrevistas, a partir de um roteiro elaborado para
esclarecer questões não satisfatoriamente respondidas nos questionários. Foi
perguntado o quê, na opinião deles, significa hipnose; quanto tempo acha que
durou o transe que experimentaram; se têm lembrança do que ocorreu durante
o transe; como e se é possível descrever sensações vivenciadas; os motivos
que os levaram a participar do processo; se efetivamente ocorreu mudanças
significativas em suas vidas depois da experiência com a hipnose, caso
afirmativo, a que eles atribuíam.
Para documentar e alimentar o banco de dados, além dos questionários e
dos roteiros das entrevistas, foi ainda incluído formulários de anotações e
discrição das observações de campo. Com esta finalidade, também se produziu
com expressa permissão dos participantes, fotografias e filmes durante as
sessões. Os dados foram tratados e, tomando por base a estatística, foi
utilizado um programa SPSS - Statistical Package for The Social Sciences para
tabulações e levantamento de probabilidades matemáticas para, na fase da
analise, confrontar com os dados teóricos.
Levando-se em consideração a incidência percentual, foram construídos
tabelas e gráficos que respondem as questões iniciais da pesquisa e,
principalmente para identificar uma seqüência de sintomas ou reações
espontâneas entre os hipnotizados. Os percentuais publicados foram ajustados
por casa decimal, conforme estabelecem as normas de aproximação.
A média de idade dos sujeitos da pesquisa variou entre 18 e 60 anos.
58% entre 18 e 25 anos, 12% entre 26 e 32 anos, 10% entre 33 e 60 anos. A
amostragem foi aleatória entre homens e mulheres de diferentes classes
sociais e níveis de escolaridade, que se apresentaram espontaneamente para
participar das sessões.
Durante as sessões, os sintomas observados não foram induzidos pelo
hipnotista, surgiram naturalmente e em conseqüência da evolução do transe.
Para efeito de classificação dos sintomas, foi considerando cinco fases de
aprofundamento; hipnoidal, transe leve, médio, profundo ou sonambúlico e
pleno, todos explicitados no campo teórico.
Durante a pesquisa, o transe foi provocado apenas por estímulo dos
sentidos normais como a visão, a audição e o tato, preferencialmente aplicando
o “método da estrela” e “toques” recomendados por Jean-Martin Charcot, nas
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 213
chamadas zonas hipnógenas do corpo humano. Com menor freqüência,
também foram aplicadas as recomendações de Ambroise August Liébault para
verbalizar sugestões.
A prática demonstrou que ocorre na pessoa hipnotizada mudança no
estado físico e mental, podendo produzir alterações no fisiologismo, na
percepção, nas sensações, no comportamento, nos sentimentos e na memória.
Nas mudanças fisiológicas que se produzem em conseqüência do nível do
transe, figura geralmente uma baixa na pulsação, ocorrendo quedas mais ou
menos acentuadas na pressão arterial.
Para mensurar as alterações no fisiologismo do organismo humano,
foram utilizados instrumentos, devidamente aferidos e calibrados conforme os
padrões, para medir pressão arterial, temperatura corporal e o nível de
batimentos cardíacos. A pesquisa não contou com apoio financeiro ou
institucional, por isso o projeto não contemplou o uso de instrumentos como o
PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons) e o EEG (Eletro Encefalograma),
além de outras tecnologias mais sofisticadas e atuais. No entanto, é sugerido
para estudos futuros o uso desses recursos, são indispensáveis para mensurar
outras variáveis neurofisiológicas e ampliar o espectro da investigação.
Os dados da pesquisa indicam que ao iniciar-se o transe costuma haver
vaso-constrição, seguida de vaso-dilatação que se vai prorrogando até o
momento de acordar. Equivale a dizer que, no começo os batimentos cardíacos
se aceleram, a pressão pode subir um pouco, mas à medida que o transe se
aprofunda tende a cair. Na pessoa bem hipnotizada observa-se geralmente
uma mudança na temperatura periférica; variação de calor para mais
(hipertermia) no tórax e cabeça, associando com variação de calor para menos
(hipo-termia) associada à sudorese excessiva nas extremidades das mãos e
pés, conservando-se geralmente assim durante todo o transe. Pequenas
diferenças podem ocorrer de um indivíduo para outro.
Durante o transe geralmente o hipnotizado apresenta-se como quem
experimenta um relaxamento geral, não obstante também apresentar o
aumento da percepção dos sentidos. Alguns hipnotizados podem manifestar
intensa excitação mental expressada através de convulsões, gritos, crise de
choro ou riso, ás vezes alternadamente. A noção de tempo e espaço fica
distorcida e, de olhos abertos, as pupilas ficam dilatadas.
87% dos que experimentaram o processo hipnótico, após o transe
perderam a noção do tempo; declarando quando entrevistado que seu transe
durou apenas 5 ou 10 minutos, quando na verdade transcorreu em 1 ou 2
horas. 5% destes, permanecendo no ambiente onde acabou de ser hipnotizado,
voltaram espontaneamente para o transe, sobretudo quando outras pessoas
hipnotizadas estivam presentes.
94% dos entrevistados que passaram pela experiência do transe, revelam
sentir aumentar muito o nível do sono fisiológico e dormiram mais
profundamente na noite posterior à sessão. 97% declararam que, após o
214 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
115
ERICKSON, M. H. Experimental demostration of the psychopathology of everyday life. N.
York, 1939.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 215
o segundo com a hipnose média e o terceiro com a hipnose profunda. São
relacionados com as seguintes características:
• Hipnose ligeira, ou superficial. O hipnotizado tem consciência de tudo
que acontece. Dará e terá, inclusive, a impressão de que nem sequer
está hipnotizado. Porém, não saberá explicar porque seguiu
corretamente as sugestões do hipnotista ou porque permaneceu imóvel
enquanto durou a sessão.
• Hipnose média. A pessoa conserva uma lembrança parcial do que se
passou durante o transe. Não terá dúvida, porém, quanto ao estado de
hipnose que experimentou.
• Hipnose profunda. Também chamada de sonambúlica, neste nível
costuma ocorrer, entre outras coisas, a amnésia pós-hipnótica. Ao
acordar, declara não se recordar de nada do que se passou.
Liébeault acreditava em cinco níveis, Bernheim em nove, Davies e
Husband apresentam uma escala com trinta níveis e suas características
correspondentes. Mas, é de Le Cron e Bordeaux 116 a escala considerada como
a mais completa. Este autor divide o estado hipnótico em 5 fases e suas
respectivas mudanças fisiológicas espontâneas que se produzem naturalmente
durante o transe. Chama fase I de Insuscetível, nela ficam aqueles que não
respondem aos testes de suscetibilidade. A II é a hipnoidal, referi-se a fase
vestibular do transe, seguida da fase III, o transe leve, depois IV como nível
médio e V como profundo ou sonambúlico.
De acordo com a estatística organizada por Bramwell, 117 98% dos
indivíduos apresentam alguma suscetibilidade. De 10 a 20% das pessoas mais
jovens, entre 8 e 25 anos, alcançariam os níveis mais profundos do transe
hipnótico. Atualmente, computam-se 25 a 30% das pessoas como propensas
ao estágio sonambúlico. Liébaut e Bernheim conseguiram esse estágio em
aproximadamente 26% e afirmam que, em média, nas apresentações públicas,
80% respondem positivamente aos testes de suscetibilidade hipnótica.
Ainda segundo as estatísticas apresentadas por Bramwell, 55% das
crianças alcançam os transes mais profundos, enquanto apenas 7% das
pessoas acima dos 60 anos chegariam a níveis hipnóticos de igual
profundidade. A suscetibilidade hipnótica alcança seu máximo potencial entre 8
e 14 anos e começa declinar entre 25 e 30 anos. A pesquisa comprova que,
apesar disso, é bem possível que pessoas idosas sejam facilmente
hipnotizáveis e que crianças possam resistir bastante à hipnose. Conclui por
inferir que geralmente a suscetibilidade se apresenta como um dom de família e
é possível encontrar-se verdadeiras famílias de suscetíveis. Identificado na
116
LeCRON, Leslie M. and BORDEAUX Jean. Hypnotism today. N. York, Grune and Stratton,
1947.
117
BRAMWELL, J. Hypnotism, Ist history, practice and theory, Philaephia, J. B. Lippincott, 1930.
216 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
acordar foi prolongado. Isso não deve constituir-se em motivo de pânico para o
hipnotista, ainda que as reações do hipnotizado assumam proporções
extremas. Nestes casos o hipnotizado deve ser surpreendido com uma ação
mais enérgica do hipnotista e, se mesmo assim persistir em não acordar ignore-
o, até que saia espontaneamente.
Uma das técnicas de acordar consiste em contar até dez, para atingir o
resultado esperado interpola-se, entre um número e outro, sugestões
adequadas e alguns toques físicos recomendados por Charcot para este ato.
Por exemplo:
• Agora, vou começar a acordá-lo contando até dez... Você vai sentir-se
maravilhosamente bem disposto... Uma sensação de grande bem-estar,
livre de qualquer desconforto ou qualquer impressão desagradável... Vou
começar a contar... Antes de chegar aos dez, você já está praticamente
acordando... Vai acordando suavemente... Atenção, 1... 2... 3... Já está
começando a acordar, 4... 5... 6... 7... Já está quase... 8... 9... 10.
Pronto... Acordou.
A razão da contagem para efeitos de acordar é para dar ao hipnotizado o
tempo para voltar ao seu estado normal. Se não terminasse a contagem ele
acordaria assim mesmo, no máximo após uma hora. Dentro deste prazo o
transe transforma-se em sono fisiológico e o hipnotizado desperta
normalmente. Invariavelmente deve ser acrescentada antes de iniciar o
processo de acordá-lo sugestões pós-hipnóticas positivas como:
• De hoje em diante, sua mente estará trabalhando em seu benefício...
Você será capaz de vencer suas adversidades... Seu inconsciente estará
trabalhando em seu benefício... Utilizando toda a sua capacidade mental
para o pleno êxito de sua vida... Será sempre feliz... Acordará sentindo-se
tranqüilo e muito bem disposto...
Outra técnica de uso freqüente para despertar o hipnotizado consiste em
soletrar o seu nome, dizendo, as letras uma a uma:
• À medida que eu for soletrando seu nome, você vai acordando... Antes
mesmo de terminar, você estará praticamente acordado... Vai acordar
bem disposto, com grande sensação de bem-estar, livre de qualquer
desconforto... Ao dizer a última letra de seu nome, estará acordado e
maravilhosamente bem disposto.
Suscetibilidade à indução
Ser suscetível não caracteriza pessoas subservientes, crédulas,
dependentes ou preocupadas como normalmente afirma o senso comum, mas
pode caracterizar pessoas felizes que, não tendo sido decepcionadas, não
vivem em guarda contra o mundo. Por isso, diz Weissmann: “dentre os
elementos femininos as moças bonitas e animadas sejam as mais fáceis de
induzir do que as suas companheiras menos favorecidas pela natureza e pela
sorte”. Levantando outros fatores positivos para caracterizar pessoas
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 225
suscetíveis destacam-se, a inteligência, a imaginação e a capacidade de
concentração como condições para se obter o transe. Roger 118 simplifica a
questão ao afirmar:
Os indivíduos mais sensíveis à hipnose são justamente aqueles que
apresentam uma inteligência média ou superior, que possuem uma
acentuada capacidade de concentração e trazem consigo uma grande
motivação (ROGER).
Concordando com Roger, acrescenta Weissmann:
Não se consegue hipnotizar loucos, nem débeis mentais. O indivíduo tem
que ter pelo menos a inteligência ou a vivacidade intelectual suficiente
para interpretar, executar e dramatizar as situações sugeridas. Já parece
estabelecido que a suscetibilidade hipnótica cresça em razão da
inteligência e na razão direta da capacidade individual para as atitudes
abstratas (WEISSMANN).
Para Spiegel, 119 a capacidade hipnótica ou suscetibilidade também não é
um sinal de fraqueza mental. É, antes, uma capacidade de concentração
focalizada que, se existir, está associado à ausência de perturbação
psiquiátrica e neurológica séria. Contrariamente ao que ensinam os livros
populares, a pesquisa demonstrou que a fé inabalável no hipnotismo e a
vontade forte não constitui atributos fundamentais e diretos do hipnotista, mas
sim, do hipnotizado.
A experiência mostra que os melhores hipnotizáveis são precisamente os
tipos impulsivos, os voluntariosos, as pessoas de muita vontade, ou de vontade
forte aliada a muita fé. É preciso, tanto para o hipnotista quanto para o
hipnotizado, crer para que se dê o transe hipnótico. Outro ponto importante é a
vontade inconsciente de ser hipnotizado, pode ser que conscientemente
declare que não quer, mas inconscientemente deseja, portanto, o transe
ocorrerá aparentemente contra a vontade. O contrário também é válido, isto é,
declara que deseja, mas inconscientemente é refratário.
Usando a terminologia psicanalítica, a hipnose consiste inicialmente na
inibição das funções da personalidade consciente, ou seja, do Ego. A outra
parte chamada Id, uma função inconsciente da personalidade humana que é
irracional, instintiva e automática. Quanto mais a pessoa é determinada pelo
seu Id, ou seja, a sua parte irracional, instintiva e automática, tanto mais
propensa se mostrará à indução hipnótica. Assim, a hipnose representa para a
maioria dos hipnotizáveis uma oportunidade de escapamento, uma fuga
temporária das censuras e coerções do Ego.
Tuckey 120 diz que a suscetibilidade hipnótica é um traço de
personalidade decididamente condicionado a repressões e mecanismos de
118
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através a auto-hipnose. RJ, ed. Record, 1978.
119
SPIEGEL, David. Hipnose. In: Tratado de psiquiatria. (Org. Talbott et al), Porto Alegre, Ed.
Artes médicas, 1993.
120
TUCKEY, C. L. Treatment by hipnotism and suggestion, London, Baillère Trindall Cox, 1921.
226 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
121
GINDES, C. B. New concepts of hypnossis: as an adjunkt to psychotherapy and medicine.
London, George Allen and Unwin Ltd., 1951.
230 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
122
ADMES, Paul T. Ajuda-te pela nova auto-hipnose. S. Paulo, Ed. Bestseller, 1972.
234 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
mais tarde, acendeu um cigarro. Ora, o estudante interessava-se pelo
hipnotismo e estava familiarizado com seu uso. Seguiu imediatamente em
direção ao baralho, depois parou de repente e disse - acho que isso é uma
sugestão pós-hipnótica. É muito provável, respondeu o professor, que
deseja fazer? - Quero dar-lhe o ás de espadas - Muito bem, trata-se
mesmo de uma sugestão pós-hipnótica, o que você vai fazer? Disse o
professor. - Não vou executá-la, respondeu - Aposto um dólar como fará.
O estudante aceitou a aposta (EASTBROOKS).
Continua Eastbrooks descrevendo o comportamento do aluno e, conclui
com uma clara demonstração do poder compulsório da sugestão pós-hipnótica:
O aluno lutava com grandes dificuldades. Inquieto, dirigia-se para o
baralho, mas dominava-se, depois se sentava, levantava-se e caminhava
pela sala, aborrecido. Mas resistiu e, depois de uma hora e meia, recebeu
o dólar do professor, despediu-se sorrindo de todos e foi para casa.
Entretanto, seu tormento apenas começara. O professor não removera a
sugestão. O aluno, em casa continuava com vontade de cumpri-la. Não
podia aquietar-se, o ás de espadas o perseguia em todos os
pensamentos. Quatro horas mais tarde, desistiu da luta, voltou onde se
dera a sessão, apanhou o às de espada e levou até a casa do professor,
devolvendo a carta do baralho e dois dólares (EASTBROOKS).
Janela da Alma
Parece que as explicações, na visão de deferentes autores, sobre o
porquê e como acontece a hipnose assim como se justificam as reações no
sujeito hipnotizado, são conceituais e intuitivas. Além disso, também não são
conclusivas. Embora usem termos e palavras parecidas, variam nas
considerações e conceitos, mas não elucidam as questões.
Quando se trata de explicar a hipnose, expressões como “estado normal
e estado de transe” - “mente objetiva e subjetiva” - “mente consciente e
subconsciente” ou “mente consciente e inconsciente”, ou ainda, “razão e
emoção” - “memória de curto prazo e memória de longo prazo”, têm aparecido
com freqüência na literatura. Mas não expressam, de fato, como ou o quê
acontece com o sujeito hipnotizado que justifique a sintomatologia do transe
hipnótico.
Talvez seja possível intuir que o funcionamento da função consciente do
cérebro seja parecido à memória volátil dos sistemas computadorizados,
considerando que ambos analisam, endereçam e arquivam informações.
Quanto à função inconsciente seria comparado ao disco rígido de um
computador (HD), um grande arquivo de informações. Do ponto de vista
didático, essa associação parece ser eficaz para o entendimento desse tema
tão complexo.
O consciente pode ser entendido também como se fosse apenas um
processador de informações que são requeridas do inconsciente onde está
localizada uma grande memória. Seria um coordenador que processa dados do
inconsciente e externa de forma psicomotora (falando, fazendo, agindo, etc.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 235
Para diferenciar o transe do estado normal de consciência, pode ser
imaginado como se o cérebro processasse o pensamento através de dois
sistemas operacionais, cada um seria como se houvesse dois sistemas
operacionais. Um agindo de forma consciente e o outro inconsciente, cada um
processando diferentemente informações no cérebro, entendido assim como
um processador. Um sistema processando o pensamento de forma consciente
e outro de forma inconsciente.
Quando alguém entra em transe parece que o consciente diminui sua
ação, isto é, não seleciona os dados do inconsciente. Em princípio paralisa a
psicomotricidade e, sem ação, o hipnotizado permanece imóvel, em estado
cataléptico, até que lhe seja sugerida qualquer atitude ou situação. São as
palavras do hipnotista que assumem a função controladora, capaz de fazer com
que o hipnotizado processe a sugestão e a manifeste sem análise, como se as
sugestões externas fossem verdades contidas na sua própria memória.
Na tentativa de explicar o processo hipnótico, imagine o consciente como
uma esfera menor tangenciando outra esfera representando o inconsciente. No
ponto de tangência existiria uma passagem que funciona como uma janela ou
restrição comunicando as duas mentes. Quando o consciente necessita de
processar uma informação, esta seria enviada pelo inconsciente. O consciente
seria apenas um coordenador; processa e externa informações memorizadas
(arquivadas) no inconsciente.
Imaginando que as informações são hierarquizadas, seriam rotuladas de
evidentes aquelas que foram armazenadas pela atenção consciente,
representam conhecimentos normais do dia a dia e sobem ao consciente
apenas quando requeridas. Outras seriam rotuladas como sutis, representam
informações armazenadas no inconsciente sem o conhecimento consciente e
seriam processadas a reboque das evidentes. Existem informações mais fortes,
construídas por repetidas vezes na história de vida de cada pessoa, essas
rotuladas como matrizes comportamentais, As matrizes rompem facilmente a
barreira da restrição e sobem despercebidas pelo consciente, justificam a
ocorrência das intuições.
Quando um filme legendado é assistido, as frases escritas formam parte
das informações evidentes, o áudio que às vezes fica como despercebido,
passa a fazer parte das informações sutis, as matrizes representam valores
como os relacionados às crenças, mitos, religiões, economia, sobrevivência,
sexualidade, etc. As matrizes são inconscientes e compulsivamente capazes de
impelir alguns dos nossos comportamentos ou sensações.
Consciente (coordenador)
Janela (passagem)
Inconsciente (arquivo)
236 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
Pela janela, que funciona como uma restrição, só passa uma informação
de cada vez e quando requerida pelo consciente, dependendo da velocidade do
processador a quantidade de informações pode variar, seria assim explicado o
raciocínio rápido ou lento dependendo do fluxo de informações. Se um
indivíduo deseja fazer algo como falar, cantar ou escrever, a informação
evidente seria requerida do grande arquivo e, controlada ou filtrada das
informações sutis; passa através da abertura da janela para o coordenador.
Essa abertura estaria limitada à capacidade de processamento do consciente e
se limita apenas passar as informações evidentes, restringindo as do tipo sutis
e as matrizes.
A partir do modelo didático apresentado pode ser considerada outra
hipótese; o transe hipnótico provocar a expansão da abertura da janela que liga
as duas esferas e, neste caso, sobe mais informações evidentes do que seria
possível o consciente processar (coordenar) além das sutis e matrizes. Sem
capacidade de processamento, o consciente tornar-se-ia provisoriamente
inativo. As pessoas neste estado têm limitada a manifestação psicomotora,
ocorrendo em alguns casos à ausência total de movimentos e, isso, justifica a
rigidez cataléptica que pode ser observada em determinado nível de transe.
Nestas condições, sem ação, o hipnotizado permanecerá imóvel até que seja
apresentada uma sugestão. Assim, seria o hipnotista o coordenador externo
que substitui o consciente do hipnotizado.
O retorno ao estado normal representa o fechamento da janela e a
conseqüente regulagem do fluxo de informações da memória, seria o retorno ao
nível da capacidade de processamento do consciente do hipnotizado. Talvez
assim seja possível explicar muitas situações presentes no transe hipnótico: a
rigidez, por exemplo, seria a absoluta falta de coordenação motora que é uma
função consciente. O hipnotizado não dispõe, a menos que lhe seja sugerido,
coordenação das idéias e dos sentidos convencionais durante o transe, por isso
não tem oitiva, visão, não sente dor e, geralmente, depende das sugestões
externas geradas pelo consciente do hipnotista para manifestar sentimentos.
Durante o transe ocorre grande fluxo de informações, pela abertura da ja-
nela, para o consciente. Como a função consciente depende da regulagem do
influxo a um nível administrável, considerando que a função cognitiva não pros-
pera se os dados informados pelo inconsciente forem além da sua capacidade
do processamento, é possível que durante o transe, com mais abertura da jane-
la, seja desligada a função de filtrar. Esta abertura permite que a mente seja i-
nundada por eventos mentais, como informações sutis, que costumam ser ex-
cluídas por não terem qualquer valor imediato à racionalidade necessária ao dia
a dia.
O processo de pensar quando ocorre conscientemente é produzido
através de dados ou informações lineares, seriais, lógicas e temporais. São
dados que se aplicam às necessidades imediatamente em curso na vida
cotidiana, são racionalizados criticamente e aferidos com relação à época do
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 237
acontecimento; se hoje, ontem, dez anos. Já o processo de pensar quando
ocorre inconscientemente representa o transe, é uma situação mental
envolvendo dados ou informações de forma não linear, paralelas, emocionais e
atemporais.
Durante o transe, uma quantidade infinita de informações, adquiridas
direta ou indiretamente no decorrer de todo o processo histórico de vida do
individuo é externada de forma emocional, sem o crivo da crítica ou da razão, e
sem critério de temporalidade; para quem experimenta esse estado da mente,
os fatos vivenciados em um passado remoto são revividos, às vezes, envolto
em grades fantasias, como se agora estivessem ocorrendo. Parece que é isso
que ocorre nas regressões hipnóticas.
A função terapêutica do transe também pode ser explicada porque
permite o afloramento das memórias reprimidas que, na maioria, são
percebidas pela semiótica, por serem expressas através de linguagem
altamente simbólica. Considerando que neste estado mental não ocorre lógica
cognitiva, o pensamento é expresso através da emoção associada á fantasia,
mas libera os traumas e, por conseqüência, elimina sintomas que perturbam a
vida cotidiana. Durante o transe, pela emoção, justificam-se também a liberação
inconsciente de valores, entre eles os religiosos adquiridos diretamente na
formação da personalidade ou do inconsciente coletivo impregnados na cultura
popular como entende Jung.
Da mesma forma como se explica o transe hipnótico pode ser entendida a
auto-hipnose. Neste caso, existem sugestões conscientes e inconscientes do
próprio hipnotizado, prontas para entrarem em ação quando o transe estiver
estabelecido. O mesmo acontece na auto-regressão: de alguma forma, o
hipnotizado já sabe, antecipadamente, o que poderá manifestar no transe e,
quando a janela abre, manifesta. Assim, uma vez no transe a pessoa
manifestará aquilo que ficou anteriormente sugerido, como sentimentos de
alegria, tristeza ou afeição, valores morais, estéticos, afetivos, religiosos entre
outros, podendo ser expresso envolto na fantasia da linguagem simbólica, com
manifestações de alegria ou tristeza intensa. Pode até mesmo assumir papeis
representando como se fosse outra personalidade.
Quanto as matrizes, essas sobem a consciência sem ser chamadas.
Funcionam em determinados momentos com compulsão inconsciente e talvez
revele os valores que alimenta a vida das pessoas. Como exemplo, quando
alguém tem uma sensação piedosa sobre um fato, talvez isso corresponda aos
valores religiosos acumulado em sua história de vida. Ainda seria uma ação dita
resultante do instinto de sobrevivência diante de uma situação de perigo. Talvez
possam ser exemplificada ainda nos atos movidos pela “violenta emoção”,
motivados pela afetividade exagerada, comum nos apaixonados. Essas
situações são inconscientes, sobem ao consciente e se apropriam da ação
motora sem passar pelo crivo da racionalidade. Não importa o grau de abertura
da janela, sempre rompem o crivo da restrição imposta. Estas ações rápidas e
238 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
decisivas na vida parecem que podem ser entendidas como hipnóticas. Por
isso, parece que todo ser humano já agiu como um hipnotizado em algum
momento da sua vida.
Entendendo o estado de transe como o momento que o ser humano entra
em contato com a sua essência, a janela entre o consciente e o inconsciente
pode ser compreendido como uma Janela da Alma Esta explicação sobre o
transe hipnótico funciona ora de forma subsidiária, ora de forma cooperativa a
tudo que se disse sobre o assunto. Não pretende ser um modelo teórico, mas
sim uma representação didática e simbólica do funcionamento da mente
humana. Serve talvez para aclarar, sem contestar, outras formas de explicar o
complexo fenômeno hipnótico.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 239
CAPÍTULO V – APLICAÇÕES ESPECIAIS DA HIPNOSE
Cada vez mais a hipnose passa a ser um recurso instrumental com pos-
sibilidades de uso em várias áreas. Ao lado de outras teorias, direta ou indire-
tamente o hipnotismo cresce em variados campos do conhecimento, principal-
mente aqueles que envolvem as relações interpessoais. Antes de qualquer es-
pecificidade de aplicação, a hipnose pode ser entendida como uma condição
social normal. Isto significa que sua presença sempre ocorreu nas relações
humanas, o que agora se faz é o reconhecimento deste fato e seu aprimora-
mento, através de ações mais objetivas e aplicadas em diferentes setores, co-
mo exemplo, na Comunicação, no Direito e na Educação.
Hipnose e Comunicação
A hipnose pode ser observada também na propaganda através dos dife-
rentes veículos de comunicação, agindo de forma consciente ou inconsciente
na vida das pessoas, em seus mais ínfimos detalhes. O processo hipnótico po-
de ocorrer como estratégias de marketing 123 induzindo a moda, estabelecendo
preferências de consumo ou implantando ideologias. O fato é que pode afastar
das ações humanas a autocrítica, seus efeitos podem se revelar como atos co-
letivos compulsivos e, às vezes, até fanáticos, característicos no comportamen-
to de indivíduos bastante sugestionáveis. A mídia, através de mecanismos sutis
de sugestão, pode colocar grande contingente humano em situações próxima
ao transe hipnótico.
Uma agência publicitária apresenta produtos na tevê e, para o
convencimento de seus consumidores, utiliza platéia durante o comercial que,
após a apresentação, aplaude efusivamente o apresentador, isso pode até ser
ridículo, mas funciona, porque exerce nos telespectadores o efeito da sugestão
por comportamento imitativo. Equivale a dizer que, se algumas pessoas correm
sem motivo em uma direção, outras farão o mesmo inconscientemente, sem
saber por que estão também correndo. Assim quando alguém fica no meio da
rua olhando para cima, mesmo sem ver nada; várias outras pessoas vão imitá-
la sem saber por que, ou para o quê estão olhando.
Outra forma de sugestão é através do convencimento com o uso de
sofismas. Para evitar o senso crítico das pessoas e convencê-las a
desempenharem tarefas difíceis ou injustificadas, elas são bombardeadas com
perguntas do tipo: Você está satisfeito com o que tem? Você tem tudo que
precisa para viver bem? Você quer passar a vida toda trabalhando?
Obviamente a resposta será não, tanto para quem pergunta como para quem é
perguntado, mas assim estará quebrada a resistência dos mais suscetíveis,
123
Na década de 1950, surge o conceito de marketing, um sistema destinado a promover e dis-
tribuir produtos e serviços para compradores atuais e futuros. Com a disputa entre as marcas
de Coca-Cola e Pepsi, a primeira até então líder de mercado, as empresas passaram a procu-
rar novas linguagens de comunicação com seus clientes. As pessoas se decidiam pela com-
pra de uma marca estimulada por truques de marketing (N. do A.).
240 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
sendo estes facilmente induzidos para aceitarem a próxima idéia que é falsa ou
pelo menos duvidosa, porém é um sofisma. Por terem sido induzidos através de
verdades a dizerem “não”, quando lhes é formulada a próxima pergunta bem
que poderiam dizer “sim”, mas perdem o senso crítico e afirmam “não”.
Através de palavras uma pessoa pode ser induzida a erros, pode até falar
ou concordar com absurdos. Como exemplo pergunta-se a alguém; “se você for
picado no braço por um inseto, pode surgir um calombo ou um colombo?” Não
importa a resposta, ato continuo pergunte; “quem descobriu o Brasil?” Mais de
80% incidem em erro, a resposta convicta será, “Cristóvão Colombo”.
Para colocar em prática seus objetivos, a dominação social utiliza da
mídia de forma indiscriminada, destruindo o que a população deveria possuir de
melhor, o seu senso crítico. Manifesta como se fossem de interesse geral seus
próprios interesses, impedindo os grupos subalternos de visualizarem sua real
situação e de exprimirem suas próprias aspirações. Interesses particulares são
transmitidos como se fossem acontecimentos naturais, como se não tivessem
sido decididos por mentes de dominadores. Um dos maiores êxitos da classe
dominante consiste em conquistar adeptos entre suas próprias vítimas através
da propaganda.
A propaganda transforma o corpo humano em um receptor de consumo
para os mais variados produtos, seja para melhorar o cabelo, o tipo de roupa,
sejam as próprias formas do corpo. Através da publicidade é criado o homem e
a mulher da moda, o nome da moda, tudo tem a sua própria moda e, em função
disso, as pessoas são, com freqüência, compelidas pela propaganda a
mudarem sua própria forma de apresentação pública. Essas atitudes e
comportamentos passam a ser planejados e executados por uma grande
maioria que agem, diante dos olhos das pessoas que os vêem ou desejariam
que os vissem, como se fossem atores representando papéis ditados pela
propaganda.
Propaganda subliminar
De forma subliminar 124 a mídia determina atos sociais coletivos, que
passam a ser materializados nas pessoas, pelas preferências de marcas de
bens de consumo, nas formas de vestirem-se, na expressão do corpo,
ingerindo medicamentos em bases sugestivas e efetivando aquisições de
objetos supérfluos. Diante da televisão até os sentimentos das pessoas
mudam, passam a ser ora agressivos, ora complacentes, tudo de acordo com
as novelas e as reportagens que assistem. Tudo isso só acontece se as
pessoas acreditarem ou aceitarem como verdade o que lhes foi sugerido; mas
aceitar ou acreditar pode ser resultado de um processo sugestivo induzido,
portanto hipnótico.
124
Subliminar - define um estímulo aos órgãos dos sentidos que não é suficientemente claro pa-
ra que o indivíduo fique consciente de sua existência, mas, inconscientemente, atua para al-
cançar um efeito desejado (N. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 241
O exemplo mais convincente da eficácia do poder da sugestão é o
hipnotismo de marketing dos modernos processos publicitários. As ações
populares passam, de acordo com as propagandas, a corresponder aos
componentes objetivos da indução, isto é, conforme as mensagens publicitárias
que desencadeiam atitudes inconscientes. Na propaganda, os conceitos
subliminar e hipnótico são coincidentes, ambos baseados em estímulos abaixo
do limiar da consciência, sendo exatamente esses estímulos que produzem os
efeitos hipnóticos, permanecendo “adormecida” num estado subliminar, além do
limite da atenção consciente ou da memória, mas provocam rápidas intuições
que geram decisões de consumo. Neste sentido afirma Weissmann:
Já existem sistemas de publicidade, sobretudo, a chamada publicidade
indireta. Capazes de criar no ânimo dos consumidores um desejo
irresistível e às vezes inconsciente de adquirir determinados produtos,
deixando-os num estado que se avizinha bastante da hipnose
(WEISSMANN).
Como afirma Mc Luhan “os anúncios não são endereçados ao consumo
consciente. São como pílulas para o inconsciente, com a finalidade de exercer
um feitiço hipnótico”. Estas mensagens que pouco a pouco levam à adesão
constituem a Propaganda Subliminar através da Multimídia.
A Propaganda Subliminar surge na década de 50 nos Estados Unidos, e
esse tipo de publicidade foi reconhecido no início como Hipnotismo Comercial.
Tratava-se de uma nova entidade publicitária chamada Subliminal Projection
Company Inc., que utilizava uma engenhosa projeção inconsciente que consiste
na apresentação de frases-relâmpago. Embora a mensagem seja imperceptível
à visão consciente dirige-se ao inconsciente, tal como faz o hipnotizador.
Weissmann, referindo-se à propaganda subliminar, acrescenta o comentário:
Assusta pensar, o partido que um Hitler ou um Stalin poderiam tirar de tal
invenção. As autoridades da Comissão Federal de Comunicações do
Governo de Washington foram alertadas para evitar possíveis abusos
dessa inovação, ou melhor, desse aperfeiçoamento da velha técnica
publicitária, a qual, pela sua própria natureza tem de ser sugestiva
(WEISSMANN).
Uma matéria publicada no Jornal Sunday Times de Londres, em 1956,
sob o título Sales Through the Subconscions - Invisible Advertisement
(Propaganda Invisível – Vendas Através do Subconsciente) passaria
despercebida se Vance Packard, professor de jornalismo em New Canaan, não
lançasse sua obra The Hidden Persuaders, comentando o assunto e
desencadeando interesse por esse tipo de propaganda. O livro de Packard não
tinha a preocupação de relatar com exatidão ou de pesquisar com rigor
científico. Apenas descreve superficialmente os efeitos subliminares
experimentados em um cinema de Nova Jersey, nos Estados Unidos, em 1956,
quando Jim Vicary incluiu mensagens por frações de segundos, durante várias
sessões do filme Férias de Amor, insinuado o consumo de produtos sem que os
espectadores percebessem conscientemente.
242 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
128
CALAZANS, Flávio de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, 7 ed. Ver, atual e am-
pliada, São Paulo, Summus 2006.
129
O conceito de merchandising é diferenciado entre autores: A) Convencionou-se chamar de
merchandising em propaganda a aparição dos produtos no vídeo, no áudio ou nos artigos im-
pressos, em situação normal de consumo, sem declaração ostensiva da marca (TAHARA, Mi-
zuho. Contato imediato com a mídia). B) Nova modalidade de comercialização de espaços
sem o rótulo da propaganda. Batizou-se a idéia como Merchandising (SIMÕES, Roberto. O
que é merchandising? Revista Marketing). C) Compreende um conjunto de operações táticas
efetuadas no ponto de venda, para se colocar no mercado o produto ou serviço certo, na
quantidade certa, no preço certo, no tempo certo, com impacto visual adequado e na exposi-
ção correta. É basicamente o cenário do produto no ponto de venda (COBRA, Marcos. Admi-
nistração de marketing).
246 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
130
ADMES, Paul T. Ajuda-te pela nova auto-hipnose, S. Paulo, Ed. Besteseller, 1972.
248 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
131
WILLIAMS, Griffith. Experimental Hypnosis, N. York, ed. Macmillan, 1956.
132
ESTBROOKS, G. H. Hipynotism, N. York, Dutton, 1943.
133
LeCRON, Leslie M. Auto-hipnose. ed. Record, 2. Ed., RJ, 1979.
252 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
134
O ato de desipnotizar é chamado de anipnotizar, do grego an hypnotizó. Significa acordar,
sair do sono ou anular o seu efeito (N. do A.).
135
Na psicanálise, compulsão inconsciente se refere ao conjunto dos processos e fatos psíqui-
cos que atuam sobre a conduta do indivíduo, mas que escapam ao âmbito da consciência e
não podem ser lembrados por esforço da vontade consciente (N. do A.).
136
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através a auto-hipnose. RJ, ed. Record, 1978.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 253
sintetiza essa questão fazendo-nos algumas perguntas cujas respostas para ele
podem representar o fato de ter ocorrido um transe hipnótico:
1. Se você, em alguma ocasião, já experimentou a sensação de estar
desligado de tudo enquanto lia um livro, ouvia uma música, assistia a uma
peça ou filme - você pode dizer que esteve hipnotizado.
2. Se você, alguma vez, se encontrou perdido em pensamentos ou se
esqueceu por um momento de onde estava ou mesmo não ouviu quando
o chamaram pelo nome - pode dizer que já esteve hipnotizado.
3. Se você, em alguma ocasião, se apaixonou perdidamente, permanecendo
cego aos desejos de outra pessoa a ponto de não dar ouvido a mais
ninguém - pode dizer que já esteve hipnotizado.
4. Se você, em algum momento, se sentiu como que transportado durante
suas orações - então, você já esteve hipnotizado.
Visto assim, o transe hipnótico é um fenômeno muito normal, as pessoas
de alguma forma já passaram por estes processos espontâneos da hipnose.
Sendo um processo natural, não tem justificativa para sustentar a apreensão ou
o medo de ser hipnotizado ou de utilizar a auto-hipnose em seu próprio
benefício. Além disso, conhecendo seus mecanismos estará protegida para não
sofrer induções hipnóticas que não sejam plenamente desejadas.
Hipnose no Direito
O hipnotismo se apresentou também na área do Direito envolvendo ques-
tões da psicologia jurídica. Numerosos foram os sábios que se dedicaram à
hipnose forense, tomando partido pró ou contra, entre eles: Liégeois, de Nancy;
Delboeuf, de Liéfe; Raoul e Emele Young, de Genebra; Ochorowics, de Lam-
berg; Focachon, de Charmes (Moselle); Cesare Lombroso, de Turim na Itália.
Em Paris: Paul e Pierre Janet, Victor Meunier, Peirre Veron, Feré, o Padre de
Meissas, o Coronel de Rochas. Mas, nesta área, quem mais se destacou foi
August Henri Forel (1848 – 1931).
Forel, em 1866, foi estudar medicina na Universidade de Zurique e atraí-
do pelos cursos e estudos clínicos sobre psiquiatria, devotou-se também ao es-
tudo da psicologia, sem deixar de lado o estudo das ciências naturais. O seu in-
teresse pela psicologia e sociologia, aliado a psiquiatria e ao direito, conduzi-
ram-lhe a efetuar na Suíça inúmeras reformas, não somente psiquiátricas, tam-
bém contribuiu para mudanças importantes no código penal suíço. Fascinado
pela hipnose escreveu muito sobre esse assunto, tornando-se autoridade no
que veio a ser conhecido mais tarde como hipnose forense. Fundou o Jornal de
Hipnose de Zeitschrif que, em 1902, mudou de nome para Jornal de Neurologia
e Psicologia e, em 1954, foi rebatizado como Jornal da Pesquisa Cerebral, cuja
última publicação ocorreu em 1998. 137
137
Forel, em 1879, foi professor de psiquiatria na Universidade Médica de Zurique e Diretor do
Asilo Cantonal Burghölzli, ambos na Suíça, sua terra natal. Tornou-se mestre na anatomia mi-
254 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
croscópica do sistema nervoso, em 1875, fez a primeira secção completa de todo o cérebro e
formulou o conceito das unidades celulares e funcionais (denominada mais tarde de Teoria do
Neurônio). Realizou estudos sobre a topografia dos nervos trigeminal, pneumogástrico e hi-
poglossal e deu uma descrição precisa do hipotálamo – o núcleo do hipotálamo é chamado de
Campo de Forel ou Corpo de Forel em sua homenagem. Em 1877 descreveu diversas estru-
turas do cérebro, chegando a descobrir, em 1885, a origem do nervo acústico. Fundou pelo
menos vinte instituições, fez inúmeras pesquisas e invenções em diferentes campos, autor de
mais de 1.200 publicações científicas, livros e artigos em quase todos os assuntos imaginá-
veis. Em 1912, sofreu um acidente vascular cerebral tendo por resultado a hemiplegia do lado
direito e corajosamente superou; aos 64 anos de idade aprendeu a escrever com a mão es-
querda e permaneceu ativo até sua morte em 1931, aos 83 anos (N. do A.).
138
Cesare Lombroso (1835-1909) Nascido em Verona, Itália, foi diretor do hospício provincial de
Pesaro (1871), ensinou medicina legal, psiquiatria e clínica psiquiátrica na Universidade de
Turim. Apesar de forte oposição no meio acadêmico, suas idéias relacionam certas caracterís-
ticas físicas à psicopatologia criminal ou a tendência inata de indivíduos para o crime. Em
1864, publicou o livro Gênio e Loucura. Em 1867, escreve Ações dos Astros e dos Cometas
sobre a Mente Humana. Em 1868, Relações entre a Idade, as Posições da Lua e os Acessos
das Alienações Mentais, trabalhos recebidos com muitas reservas pelos cientistas. Acreditava
que o meio social, aliado às influências astrais, preparasse para a ação criminosa indivíduos
cuja natureza fosse anti-social. Em 1882, no ensaio; Estudo sobre o Hipnotismo, relata a pos-
sibilidade de um sonâmbulo realizar um crime. Publicou também: (1876) O Homem Crimino-
so; (1899) O crime, Suas Causas e Soluções (N. do A.).
139
FOREL, August. Hypnotism and Psychotherapy [Reprin]. Allied Books, (1907) 1988.
140
FREUD, Sigmund. Resenha de hipnotismo de August Forel. In: Textos escolhidos de psica-
nálise, RJ, Ed. Imago Ltda. 27 - 44, 1969.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 255
críticas de Delboeuf aos experimentos de Liégeois, deve permanecer em
aberto a questão, até que ponto a consciência de se tratar apenas de uma
experiência facilita à pessoa hipnotizada a execução do crime (FREUD).
Experiências feitas para averiguar a possibilidade de indução ao crime,
não se validaram em virtude de seu próprio caráter experimental, como
exemplo de um hipnotizado que recebe do hipnotista um copo contendo ácido
com a devida explicação sobre seus efeitos. Em seguida recebe a ordem de
atirar o ácido ao rosto de alguém e, sem hesitar, obedece. Acontece que o rosto
da “vítima” está protegido por uma parede de vidro a qual não é possível de ser
percebida por estar o hipnotizado portando vendas nos olhos. Outro exemplo,
um hipnotizado é armado de um punhal para investir contra a pessoa do próprio
hipnotista e investe, mas o punhal é de borracha, embora o hipnotizado não
tenha sido avisado. Pode-se supor que os hipnotizados tenham agido de boa
fé, intimamente convencidos do caráter inofensivo dos atos sugeridos, seja pela
extrema confiança no hipnotista, seja por, inconscientemente, perceber a
proteção que invalida a ação agressiva. Para que tais experiências se
revestissem de validez, seria preciso reconstituí-las em bases reais, sem
nenhum aparato protetor.
Saindo da expectativa de explicar a ação do criminoso, a hipnose se volta
para o campo da investigação. De fato, notícias quanto à aplicação da hipnose
neste campo têm ocorrido com resultados espetaculares, com o propósito de
refrescar lembranças de testemunhas e vítimas de crimes, como no caso
conhecido nos tribunais americanos “o Povo verso Schoenfeld, 1980”,
envolvendo o motorista de um ônibus escolar seqüestrado em Chowchilla, na
Califórnia. Sob hipnose e não antes, o motorista foi capaz de dar o retrato
falado perfeito do bandido e lembrar os números e letras da placa do carro que
interceptou o ônibus. Isto levou à prisão e condenação dos seqüestradores.
Não obstante bons resultados em procedimentos investigativos de crimes,
tem havido sérias críticas ao uso de hipnose com testemunhas e vítimas.
Spiegel 141 aponta duas delas:
Duas acusações são feitas à técnica: uma é a de confabulação, que uma
testemunha hipnotizada forjará material e se tornará o que foi chamado de
um mentiroso honesto, representado por alguém que acredita em suas
falsas declarações por desejo de agradar ao hipnotizador ou simplesmente
como resultado de estar no próprio estado hipnótico não racional. A outra
é a de concreção, que mesmo que novas informações não sejam forjadas,
o indivíduo, tendo passado pelo processo de hipnose, emergirá dele com
uma convicção aumentada de que suas memórias são corretas e,
portanto, será mais convincente para um júri do que poderia ser (ORNE,
1979 e DIAMOND, 1980 apud SPIEGEL 1986).
141
SPIEGEL, David. Hipnose. In: Tratado de Psiquiatria (Org. Talbott et al), Ed. Porto Alegre,
Artes médicas, 687-690, 1986.
256 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
ferramenta bastante útil na motivação dos alunos pelo professor e também para
motivação do professor por ele mesmo. No processo de ensinar e aprender,
principalmente no ensino formal, não basta apenas o recurso da hipnose, o pro-
fessor deve, antes de tentar qualquer solução, ser competente e dominar con-
teúdos, metodologia, técnicas didáticas, fundamentos de organização escolar,
além de vários outros conhecimentos acumulados pela ciência da educação e
pela psicopedagia; mas pode complementar seu saber com um trabalho siste-
mático e consistente na aplicação de técnicas sugestivas que encantem o aluno
no desejo de aprender. Além disso, também deverá permitir a ele próprio com-
preender a si mesmo para lidar eficientemente com as dificuldades identificadas
no ambiente escolar.
Para os professores que buscam qualidade no ensino, os conceitos e
técnicas de Coué possibilitam uma maior aproximação deles com o mundo dos
estudantes, facilitando o estabelecimento de uma comunicação eficaz dentro do
espaço da escola, favorecendo o processo da construção do conhecimento. A
hipnose ajuda o professor a seduzir o aluno para que ele deseje aprender e,
desejando, aprenda. Neste sentido pode também aumentar a eficiência do
docente em seu papel; com essa ferramenta o professor pode aprimorar a
comunicação com seus alunos, produzindo informações precisas que permita o
estabelecimento de relações de confiança e, desse modo, propiciar o aumento
da qualidade de suas aulas. Como efeito paralelo o estudante pode concentrar-
se mais nas lições para absorvê-las melhor, assim como terá maior facilidade
na compreensão das questões e na memorização dos conceitos e fórmulas,
eliminando, ou pelo menos diminuindo, as dificuldades de memória e de
concentração.
Com o recurso da hipnopedagogia fica estabelecido o rapport, isto é, o
relacionamento entre o professor e o aluno, envolvendo confiança, respeito,
seriedade e abertura para a comunicação entre ambos. Esses fatores
aumentam as possibilidades de cada um, professor e aluno, descobrir e se
apropriar do saber. Usando processos hipnóticos, estes atores passam das
operações de instrução e aprendizagem para a motivação e desejo no
desempenho de seus papéis. Após as práticas com hipnose ocorre a elevação
da auto-estima e, vencendo o medo de que não pode aprender, o aluno coloca
sua emoção a serviço do sucesso. Com isso sente maior confiança em si
próprio, adquire mais coragem para enfrentar os problemas e fica motivado
para estudar, pesquisar e descobrir suas próprias respostas.
Até mesmo com o simples exercício diário de relaxamento, algumas bar-
reiras para a aprendizagem podem ser derrubadas e sensações visuais, auditi-
vas, táteis e outras são extremamente ativadas no aluno. Também através des-
te exercício, o professor afetivamente inter-relacionado com os alunos, promove
a qualidade do relacionamento entre os próprios alunos, incentivando o trabalho
em grupo para conquistar a auto-educação. Articula a teoria e práticas vivenci-
adas nas disciplinas, permitindo a aplicação dos conhecimentos e habilidades
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 259
adquiridos para análise de situações, elaboração de soluções ou mesmo cria-
ção de novas situações-problemas, com base na pedagogia da autonomia, a-
través da investigação científica orientada.
A hipnopedagogia coloca no mesmo patamar de importância a
inteligência e os sentimentos, ajudando o aluno a desenvolver a capacidade de
dar respostas adequadas e originais às situações problemas que lhes são
apresentados, com espontaneidade e criatividade intuitiva que é proveniente de
sua emoção. As respostas desprovidas da autocensura, que é atributo da
racionalidade, fluem com emoção. Neste processo há maior apreensão e
expressão do conhecimento, porque são recuperados vínculos humanos como
o prazer, a afetividade, o saber e, principalmente, a auto-estima.
Embora na maioria das práticas didáticas seja aplicado o exercício da
razão, um princípio importante dentro de qualquer contexto educativo é a
relação conhecimento-emoção. É a emoção que abre as portas do
conhecimento quando motiva o aluno que não tem interesse em aprender. A
hipnose favorece, tranqüilizando o aluno, quando tem de se ajustar e ficar preso
ao rigor formal e metodológico do ensino. Tranqüilo, mais solto, poderá obter
um melhor aproveitamento da informação que lhe é apresentada. Diante do
enfrentamento das situações problema, contará com mais liberdade para
expressar o que revela sua intuição e o seu conhecimento acumulado,
desenvolvendo assim habilidades e competências.
Intuição é espécie de visão direta sem auxílio de raciocínio explícito para
apreensão e compreensão de um conhecimento. A controvérsia é saber qual é
a essência da intuição, se volitiva intelectual ou emotiva. Para Dilthey a intuição
é de natureza volitiva: Para Husserl é de natureza intelectual e para Bérgson
(1859-1941) de natureza emotiva. A intuição pode ser fruto de todos os
atributos da vida interior do indivíduo, que são volitivos, intelectual e emotivo; é
toda a personalidade que se debruça sobre algo que a intriga. A intuição é,
portanto, fruto da interação da emoção com a inteligência e a vontade, que
formam a essência e a base da estrutura da personalidade de cada ser
humano.
Tanto a auto-hipnose como a hetero-hipnose, quando aplicadas no
processo de ensinar e aprender, tem revelado efeitos surpreendentes em
alunos com dificuldade na apropriação e assimilação de conhecimentos, além
de reforçar o desejo pelo estudo, desenvolve a confiança em sua própria
intuição. São muitas as experiências que provam essas hipóteses; aulas
ministradas a alunos que praticam hipnose prometem um rendimento muito
maior. Com esta prática a capacidade de reter conhecimentos aumenta
consideravelmente. Isto se deve ao fato de que a hipnose é pela sua própria
natureza atenção concentrada, elemento indispensável na aprendizagem.
As experiências demonstram que a hipnose influencia aumentando a
auto-estima e, por conseqüência, a capacidade da memória; sua prática tem
provado que é fácil recuperar fatos da mais remota infância. Proporciona ainda
260 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
145
SKINNER lecionou nas Universidades americanas de Harvard, Indiana e Minnesota e, entre
outros trabalhos, publicou os livros: Behavior of Organisms (Comportamento dos Organis-
mos), Verbal Behavior (Comportamento Verbal), Science and Human Behavior (Comporta-
mento Científico e Humano).
266 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
146
KOHLER, W. Psicologia da Gestalt. Belo Horizonte, Itatiaia, 1980.
147
KOFFKA, K. Princípios de Psicologia da Gestalt. S. Paulo, Cultrix, 1982.
268 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
não por outros, cujo campo psicológico é diferente, e que têm outras priorida-
des no momento. Tratando-se de aprendizagem infantil os professores preci-
sam desenvolver sua sensibilidade em relação aos sentimentos e atitudes do
aluno, a fim compreender o campo psicológico das crianças e promover a a-
prendizagem de forma eficaz.
Fenomenologia existencial
A palavra fenomenologia (Phänomenologie) tornou-se conhecida como o
termo que assinala uma postura filosófica preconizada por Edmund Husserl
(1859-1938). É um movimento que se dedica a descrever as estruturas da ex-
periência como se apresentam à consciência, sem o recurso da teoria, dedução
ou pressupostos de outras disciplinas. Compreende-se a concepção fenomeno-
lógica como tentativa de resgatar o significado original da filosofia que, em de-
terminado período na Grécia, definiu sua tarefa dentro da dicotomia opinião
(doxa) e verdade (epísteme).
Entre as diferentes correntes da psicologia a Fenomenologia Existencial
é, provavelmente, a mais filosófica. É diferente da Psicanálise, que partiu de
uma discussão médica e chegou ao conceito de inconsciente, essa teoria nas-
ceu do debate sobre a relação do homem com o mundo. Surgiu como uma con-
testação ao método experimental e crítica às teorias científicas, particularmente
as positivistas apegadas à objetividade. É contra a crença de que a realidade se
reduz àquilo que é percebido pelos sentidos, considera a noção do cientista so-
bre o objeto que ele pretende conhecer é completamente separada e indepen-
dente. Husserl 148 propõe que o indivíduo suspenda todo o juízo sobre os obje-
tos que o cercam, que nada afirme nem negue sobre as coisas, adotando uma
espécie de abandono do mundo e recolhimento dentro de si mesmo. Tal atitude
é denominada de redução fenomenológica ou epoquê.
Quanto ao aprendizado, os teóricos da fenomenologia dão grande impor-
tância à maneira como o aprendiz percebe a situação em que se encontra, co-
mo vive e como compreende sua própria vida. Além disso, entendem que a cri-
ança aprende naturalmente, que ela cresce por sua própria natureza. A teoria
fenomenológica defende a aprendizagem a partir da própria experiência da cri-
ança, por meio da utilização de material que tenha sentido pessoal para ela e
do aproveitamento do impulso universal para o desenvolvimento das potenciali-
dades pessoais.
Epistemologia Genética
Entre os teóricos da psicologia da educação destaca-se também Jean Pi-
aget (1896-1980), nascido em Neuchâtel, na Suíça. Na maior parte do seu tra-
balho, dedicou-se a estudar a teoria do conhecimento; como ela se desenvolve,
como se estrutura, quais são suas principais características, abordando pro-
blemas relativos à formação da inteligência infantil. Para isso, deixou de lado
148
HUSSERL, E. Investigações Lógicas: sexta investigação. (Elementos de uma elucidação fe-
nomenológica do conhecimento). In: Coleção Os Pensadores. S. Paulo, Abril Cultural, 1980.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 269
estudos tradicionais baseados no método experimental, particularmente apega-
das ao behaviorismo, para criar a Epistemologia Genética, propondo o retorno
às fontes e à gênese do conhecimento, do qual a epistemologia tradicional co-
nhecia apenas os estados superiores, isto é, certas resultantes finais de um
complexo processo de formação. 149
Piaget, 150 apresenta uma série de dados, conceitos e princípios explicati-
vos que têm importante contribuição no campo educativo. Afirma que para o
sujeito conhecer é necessário atuar diante da realidade através das suas a-
ções, na maioria dos casos essa atividade é interna, mental, ainda que se pos-
sa basear em objetos físicos. O conhecimento se organiza através de um es-
quema de ação, de uma estrutura de pensamento que permite repetir a ação e
ser aplicada com ligeiras modificações em outras situações para conseguir ob-
jetivos similares. O esquema é um mediador entre a diversidade e a complexi-
dade do mundo e o sujeito. Essa interação entre o sujeito e o mundo (objeto) é
definida como um intercâmbio constante que se efetua por meio de um jogo a-
tivo de assimilação e de acomodação.
O jogo constante de assimilação e de acomodação faz com que os es-
quemas se modifiquem, variam desde ajustes concretos e momentâneos, a di-
ferenciações, integrações e coordenações que podem gerar totalidades organi-
zadas com uma estrutura bem definida. Portanto, o sujeito vai construindo es-
pontaneamente os seus conhecimentos por meio de interações com a realida-
de que o envolve. O aprendiz aprende sozinho e de maneira natural mediante
as ações que desenvolve em interação com os objetos, os conhecimentos se
constroem ao longo da vida e essa construção adota a mesma progressão para
todos os sujeitos e, assim, Piaget subordina a aprendizagem ao desenvolvi-
mento das estruturas da inteligência. Daí o conceito de construtivismo.
Na visão da educação construtivista de Piaget, a capacidade para apren-
der está relacionada à forma de organização da atividade mental, que se de-
senvolvem em ordem seqüencial, num processo contínuo de construção pro-
gressiva do pensamento lógico. Essas etapas são desenvolvidas sob duplo as-
149
O estudo de PIAGET se estendia ao campo da religião, biologia, sociologia e filosofia. Atra-
vés da biologia suspeitou que os processos de conhecimento pudessem depender dos meca-
nismos de equilíbrio orgânico, convencendo-se de que tanto as ações externas quanto os
processos de pensamento admitem uma organização lógica. Com seus estudos em laborató-
rio, convenceu-se de que o caminho para conciliar a filosofia e a psicologia deveria ser expli-
cado na experimentação. Sua fama mundial foi após desenvolver estudos sobre a criança.
Mesmo sendo nomeado titular de filosofia dando aulas de Psicologia e Sociologia, não deixou
de lado a investigação experimental sobre a lógica e ontologia infantil. Seus primeiros traba-
lhos de epistemologia genética surgiram quando foi professor de história do pensamento cien-
tífico. Seu projeto de elaborar uma epistemologia baseou-se nas ciências positivas concreti-
zando-se em 1955 quando inaugurou o Centro Internacional de Epistemologia Genética (N.
do A.).
150
PIAGET, Jean. A epistemologia genética; Sabedoria e ilusões da filosofia; Problemas de psi-
cologia genética. (Trad. Nathanael C. Caixeiro) 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
270 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
151
Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), nasceu em Orsh, Bielarus, país da extinta União
Soviética, onde também faleceu, vítima de tuberculose, aos 37 anos. Vasta foi a sua produção
intelectual, se estendia desde a neurologia até a crítica literária, passando pela psicologia, lin-
guagem, deficiência, educação etc. (N. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 271
a sociedade, o trabalho e o uso de instrumentos. Vygotsky construiu sua teoria
tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo
sócio-histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse
desenvolvimento. Sendo essa teoria considerada histórico-social, sua questão
central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio.
Vygotsky e Luria 152 explicam que na área da percepção, a criança no iní-
cio de sua vida tem apenas sensações orgânicas como tensão, dor e calor,
principalmente nas áreas mais sensíveis. Quando a criança deixa de sofrer in-
fluência desses processos biológicos, passa a perceber a realidade. A percep-
ção da realidade requer processos biológicos como determinantes de experiên-
cia, permitindo que seu organismo passe a ser afetado por fatores externos,
mas só a realidade dos fatores externos não determina completamente essa
percepção. A informação de que esses processos biológicos tornam-se dispo-
níveis no organismo é organizada pela própria criança através de experiência
social e cultural. A criança passa a ver o mundo com sua própria visão, admi-
nistrando sob seu ponto de vista.
Para Vygotsky, 153 a percepção, memória, emoções e causas que são
mediadas socialmente substituem sensações orgânicas e habilita para o conta-
to com o mundo e, o meio social, passa a ser o responsável pela condução da
pessoa para a realização de todas as suas potencialidades.
A concepção de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano é
em base biológica, com peculiaridades que definem limites e possibilidades pa-
ra o desenvolvimento humano. Essas concepções fundamentam sua idéia de
que as funções psicológicas superiores, como a linguagem e a memória, são
construídas ao longo da história social do ser humano, em sua relação com o
mundo. As funções psicológicas superiores referem-se a processos voluntários,
ações conscientes, mecanismos intencionais e dependem de processos de a-
prendizagem.
Vygotsky analisa as relações entre desenvolvimento e aprendizagem sob
dois ângulos: um que se refere à compreensão da relação geral entre o apren-
dizado e o desenvolvimento, que tem início desde o primeiro dia de vida de
uma pessoa; e outro que diz respeito às peculiaridades dessa relação no perío-
do escolar, quando o aprendizado passa a produzir algo fundamentalmente no-
vo no desenvolvimento da criança. Para elaborar as dimensões do aprendizado
escolar, Vygotsky apresenta um conceito novo, zona de desenvolvimento pro-
ximal, e o aprendizado escolar é o responsável maior por sua criação:
... zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desen-
volvimento real, que se costuma determinar através da solução indepen-
dente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado
152
VYGOTSKY, L. S., LURIA, A. R. e LEONTIEV, A. N. Linguagem, Desenvolvimento e Apren-
dizagem. S. Paulo, Editora da USP, 1988.
153
VYGOTSKY, L. - Pensamento e linguagem. SP, Martins Fontes, 1988.
272 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em co-
laboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY).154
Para Vygotsky o aprendizado é considerado como um aspecto necessário
e fundamental no processo de desenvolvimento das funções psicológicas supe-
riores, visto que o desenvolvimento pleno do ser humano depende do que ele
aprende num determinado grupo cultural, a partir da interação com outros indi-
víduos de sua espécie. Nessa perspectiva, é o aprendizado que possibilita e
movimenta o processo de desenvolvimento, garantindo a constituição das ca-
racterísticas psicológicas humanas e culturalmente organizadas.
Vygotsky identifica dois níveis de desenvolvimento: um que se refere às
conquistas já efetivadas, que ele chama de nível de desenvolvimento real, e ou-
tro, o nível de desenvolvimento potencial, que se relaciona com as capacidades
em vias de serem construídas. O nível de desenvolvimento real pode ser en-
tendido como referentes àquelas conquistas que já estão consolidadas na cri-
ança, aquelas funções ou capacidades que ela já aprendeu e domina, pois já
consegue utilizar sozinha, sem assistência de alguém mais experiente (pai,
mão, professor, criança mais capaz etc.). Nas escolas, na vida cotidiana e nas
pesquisas sobre o desenvolvimento infantil, tradicionalmente, costuma-se avali-
ar a criança somente neste nível, isto é, supõe-se que somente aquilo que ela é
capaz de fazer, sem a colaboração dos outros, é representativo do seu desen-
volvimento.
O nível de desenvolvimento potencial se refere àquilo que a criança é ca-
paz de fazer, só que mediante a ajuda de outra pessoa (adultos ou crianças
mais experientes). Nesse caso, a criança realiza tarefas e soluciona problemas
através do diálogo, da colaboração, da imitação, da experiência compartilhada
e das pistas que lhe são fornecidas. Esse nível, para Vygotsky, é bem mais in-
dicativo do seu desenvolvimento do que aquilo que ela consegue fazer sozinha.
A distância entre aquilo que alguém é capaz de fazer de forma autônoma
(nível de desenvolvimento real), e aquilo que ela realiza em colaboração com
os outros elementos de seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial),
caracteriza o que Vygotsky chamou de zona de desenvolvimento proximal. De-
fine funções ainda não amadurecidas, mas que estão em processo de matura-
ção. O conhecimento adequado do desenvolvimento individual envolve, então,
tanto a consideração do nível de desenvolvimento real quanto do potencial.
O aprendizado é o responsável por criar a zona de desenvolvimento pro-
ximal, na medida em que, em interação com outras pessoas, a criança é capaz
de colocar em movimento vários processos de desenvolvimento que, sem a a-
juda externa, seriam impossíveis de ocorrer. Esses processos se internalizam e
passam a fazer parte do seu desenvolvimento individual. É por isso que Vy-
gotsky afirma; aquilo que hoje é a zona de desenvolvimento proximal, será o ní-
154
VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. 4ª. ed., S. Paulo, Martins Fontes, 1991.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 273
vel de desenvolvimento real amanhã, ou seja, aquilo que uma criança pode fa-
zer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã.
As implicações pedagógicas da teoria de Vygotsky são amplas, merecen-
do destaque as projeções para a condução do processo pedagógico que se
constitui num poderoso amparo para o desenvolvimento pleno do aluno. Suas
idéias a respeito da relação entre o aprendizado e o desenvolvimento das po-
tencialidades humanas consideram que a educação antecede o desenvolvimen-
to, embora se realize com base no nível de desenvolvimento já alcançado.
O processo pedagógico deve direcionar-se para a ampliação da zona de
desenvolvimento proximal para que desenvolva as potencialidades de aprendi-
zagem do aluno. Para ampliar a zona de desenvolvimento proximal, o ensino
deve estar voltado não apenas para ações práticas e executivas, mas também
para ações de orientação, que permitam ao aluno, conhecendo a realidade,
propor ações executivas necessárias para a solução de novos problemas. Para
que o ensino alcance seus objetivos, é necessário considerar não somente o
que o aluno já é capaz de realizar sozinho, ou seja, as aquisições já consuma-
das, mas também aquilo que esse conhecimento possibilitou em termos de no-
vas aquisições. O conhecimento das potencialidades deve se constituir não a-
penas numa base para orientar o desenvolvimento daquilo que é o aluno capaz
de desenvolver, mas também nortear ações para que novas potencialidades se
desenvolvam.
Para Vygotsky, a escola deve se comprometer com a condução adequa-
da do desenvolvimento da pessoa, realizando ações pedagógicas que permi-
tam seu desenvolvimento. Para que isso aconteça, é necessário partir da idéia
de que a aprendizagem é um processo de transformação e tem lugar no psi-
quismo humano, realizada através da apropriação das experiências sócio-
culturais acumuladas pela humanidade. Mas que se manifesta através das a-
ções transformadoras do mundo, projetando-se, então, para a produção de um
novo desenvolvimento. Nesse sentido, o processo pedagógico deve ser capaz
de promover, com base nas potencialidades da pessoa, desafios cada vez mai-
ores para que ela possa realizar-se como "sujeito do aprender" e, conseqüen-
temente, como sujeito transformador de seu mundo.
A importância do brinquedo e da brincadeira é um tema bastante explora-
do por Vygotsky, ambos permitem que a criança se projete nas atividades adul-
tas de sua cultura em seus futuros papéis e valores, antecipando o seu desen-
volvimento. Com o brinquedo, a criança começa a adquirir motivação, habilida-
des e atitudes necessárias à sua participação social, a qual só pode ser com-
pletamente atingida com a assistência de seus companheiros da mesma idade
e mais velhos.
Considera Vygotsky que a instrução e o aprendizado na escola são avan-
çados em relação ao desenvolvimento cognitivo da criança, como solução pro-
põe um paralelo entre o brinquedo e a instrução escolar; ambos criam uma zo-
na de desenvolvimento proximal e a criança elabora habilidades e conhecimen-
274 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
155
Rogers, aos doze anos foi morar em uma fazenda e, desde então, passou a interessar-se
pelas ciências naturais e pela agricultura. Graduou-se em Ciências Físicas e Biológicas; for-
mou-se em História e Psicologia. Em 1928, concluiu seu mestrado e, em 1931, obteve o título
de doutor na área de Psicologia. Foi professor em diversas universidades: Ohio, Chicago e
Wisconsin. Suas obras principais foram: (1951) Terapia centrada no paciente. (1961) Tornar-
se pessoa. (1970) Grupos de encontro. (1972) Novas formas de amor. 1977) Sobre o poder
pessoal. (1980) Um jeito de ser. (1983) Liberdade para aprender nos 80 (N. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 275
social que seja baseado no controle e na manipulação das pessoas, ainda que
isso seja feito com a justificativa de tornar as pessoas mais felizes. As pessoas
devem ser acostumadas desde pequenas a serem autônomas e a assumirem a
responsabilidade das suas decisões pessoais.
Carl Rogers prefere chamar os professores de facilitadores, esse signifi-
cado foi deformado com o tempo e perdeu quase completamente sua expres-
são original. Para muitos, o facilitador é alguém que transfere a responsabilida-
de de aprendizado para o aluno. Exemplos disso são os professores que no
primeiro dia de aula dividem os assuntos pelos diversos alunos e os mandam
depois apresentar o resultado dessa pesquisa (que quase nunca é pesquisa,
mas apenas repetição de idéias de um autor já demarcado).
O facilitador, para Rogers, é alguém que tem confiança na relação peda-
gógica e cria um clima apropriado para a convivência apresentando aos alunos
uma base para que eles possam avançar e aceitar o grupo e cada um de seus
membros como eles são. A aceitação deve ser não só intelectual, mas princi-
palmente afetiva; alguém que se converte em um membro do grupo e participa
ativamente do ato coletivo da aprendizagem. Ou seja, facilitador é alguém que
cria condições para o aprendizado, incentivando os alunos a se aprofundarem
nos assuntos de acordo com seus interesses. É muito diferente de simplesmen-
te deixar os alunos darem aulas no lugar do professor, como alguns têm enten-
dido a proposta humanística.
Carl Rogers mostra que a educação deve ser centrada no aluno, mas que
o professor deve providenciar-lhe uma base que lhe permita aprender. Além
disso, ele ensina a importância da afetividade no processo educacional. Os alu-
nos só aprenderão se for estabelecido um clima de amizade, em que todos se-
jam aceitos com suas próprias características.
Educação como prática política
Outra grade contribuição para se entender o aprendizado e a prática edu-
cativa foi de Paulo Freire, que considera a educação como uma prática política.
Sua pedagogia é conhecida como: Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Li-
berdade, Pedagogia da Esperança. Em seus trabalhos, defende a idéia de que
a educação não pode ser um depósito de informações do professor sobre o a-
luno, como se fosse depósitos bancários. Sugere que seja respeitada a lingua-
gem, a cultura e a história de vida dos alunos, como condição para levá-los a
tomar consciência da realidade que os cerca, discutindo-a criticamente.
Paulo Freire revoluciona os métodos de alfabetizar pessoas adultas u-
sando-se os mesmos procedimentos utilizados com crianças. Seu método parte
do princípio de que é necessário aproximar a cultura ao vocabulário dos alunos,
desvelando-se a realidade subjacente às palavras geradoras em debates. Dos
debates e da força das palavras geradoras, chega-se ao domínio do código es-
crito.
276 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
156
Principais publicações de Paulo Freire: Educação e atualidade brasileira (1959); Educação
como prática da liberdade (1966); Pedagogia do oprimido (1970); Extensão ou comunicação
(1971); Ação cultural para a liberdade e outros escritos (1976); Cartas a Guné-Bissau (1977);
Educação e mudança (1981); A importância do ato de ler (1982); Sobre educação “diálogos”
(1988); Pedagogia da esperança (1992); Política e educação (1993); Cartas à Cristina (1994);
À sombra desta mangueira (1995); Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática
educativa (1996); Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos (2000); (N.
do A.).
157
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Ed. Paz e Terra, 23ª Edição, 1996.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 277
CAPÍTULO VI - HIPNOTERAPIA E OUTRAS PSICOTERAPIAS
Para o conhecimento mais amplo do que pode ser entendido como hipno-
terapia é importante saber, pelo menos resumidamente, o que diz as principais
teorias que fundamentam as psicoterapias, também incluído aí algumas filosofi-
as de vida e concepções de mundo. A hipnoterapia pode ser lembrada quando
novos conhecimentos reúnem conceitos antigos, ou ainda quando várias cor-
rentes do pensamento se fundem ou se tangenciam, modificando, extinguindo
ou criado soluções para os conflitos humanos através de novas reflexões e teo-
rias. No mundo acadêmico, algumas se tornam mais aceitas em relação às ou-
tras. Rever diferentes correntes de pensadores, expostas na vasta literatura so-
bre o tema, pode ajudar na compreensão da etiologia da hipnose.
Gestalt-terapia
Da teoria da Gestalt, deriva a Gestalt-terapia que é uma filosofia de vida
além de uma prática psicoterápica. É um ponto de interseção de várias corren-
tes do pensamento, suas fontes de influências são: o Humanismo, a Fenome-
nologia, o Existencialismo, a Psicanálise, a análise Reicheana do Caráter, a
Teoria Organísmica de Goldstein, o Taoísmo e o Zen-budismo. Tais correntes
tão diversas possuem ou assumem concepções de vida também diversas ou
antagônicas entre si. Compreender qual a resultante do somatório de contribui-
ções tão distintas é talvez descobrir o ponto de equilíbrio entre a razão e a e-
moção ou o consciente e o inconsciente que norteiam a vida do ser humano.
Os italianos: Francesco Petrarca (1304-1374), Coluccio Salutati (1331-
1406), Leonardo Bruni (1374-1444), Lorenzo VALLA (1407-1457) e Desiderio
Erasmo (1467-1536), lançam as bases do movimento humanista. A partir do
século XIX, pensadores alemães como Ludwing Feuerbach (1804-1872), Karl
Marx (1818-1883) e Friedrich Nietzsche (1844-1900) elaboram concepções filo-
sóficas humanistas. Segundo elas, do ponto de vista moral, o homem deve abs-
trair-se de toda crença religiosa e construir seu futuro com base apenas no po-
tencial humano. No século XX, o humanismo é retomado pelo existencialismo.
A Fenomenologia na perspectiva de Martin Heidegger compreende a ver-
dade com um caráter de provisoriedade, mutabilidade e relatividade, radical-
mente diferente do entendimento que pressupõe a verdade una, estável e abso-
luta. Essa é uma das razões por que se diz que a Fenomenologia é uma postu-
ra ou atitude, é um modo de compreender o mundo e não uma teoria que seria
um modo de explicar o mundo. A Fenomenologia orienta o seu olhar para o fe-
nômeno, ou seja, na relação sujeito-objeto (ser-no-mundo). Isso representa o
rompimento do clássico conceito sujeito/objeto.
O método fenomenológico se define como aquilo que aparece à consci-
ência, que se dá como objeto intencional. Toda consciência é “consciência de
alguma coisa”. Assim sendo, a consciência não é uma substância, mas uma a-
tividade constituída por atos (percepção, imaginação, especulação, volição,
278 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
paixão, etc.), os quais visam algo. As essências ou significações noema são ob-
jetos visados de certa maneira pelos atos intencionais da consciência noesis.
Afim de que a investigação se ocupe apenas das operações realizadas pela
consciência é necessário que se faça uma redução fenomenológica ou Epoché,
isto é, coloque-se entre parênteses toda a existência efetiva do mundo exterior.
As coisas, segundo Husserl, caracterizam-se pelo seu inacabamento, pela pos-
sibilidade de sempre serem visadas por noesis novas que as enriquecem e as
modificam.
A teoria Gestalt assume uma concepção de humano como um ser total,
holístico. Mostra como a compreensão de aspectos isolados deste ser e não
permite ilações sobre o mesmo. Afirma que o ser humano só existe no todo, is-
to é, ele é um ser bio-psico-social e, que só assim pode ser de fato entendido.
O ser humano é este “todo” composto de “partes”, sendo a singularidade da vi-
da individual produto da configuração de cada um, ou seja, de como cada sujei-
to em particular agrupam-se e arranjam-se suas partes. A Gestalt-terapia tam-
bém o compreende assim. Mas acrescenta que o ser humano ao se identificar
com apenas algumas de suas partes, que são valorizadas por ele mesmo ou
pelo meio no qual vive, ao se alienar de outras partes, também suas e que são
vistas como inadequadas, gera em si mesmo um conflito de identificação ver-
sos alienação.
Um exemplo para o conflito de identificação versus alienação seria al-
guém não querer ver o seu próprio egoísmo, então se aliena dele, que para ele
passa a não existir, mas continua nele a agir. A partir desta alienação ou não
percepção, o organismo fica dificultado na sua busca de equilíbrio (homeosta-
se) e na obtenção da auto-realização. Dessa forma, a integração e organização
humanas ficam comprometidas. Para a reversão desta situação faz-se neces-
sário um trabalho de tomada de consciência continuada (awareness continuum)
que colocará o sujeito em contato com as partes que ele alienou, tornando-se
inteiro, e aí, se ele quiser poderá de fato mudar. Esse processo se assemelha,
na forma e no efeito, a terapia praticada pela regressão hipnótica.
Terapia Centrada na Pessoa e Topologia
Também deriva da Gestalt a Teoria de Campo ou Topológica, seu princi-
pal formulador foi Kurt Lewin. De acordo com essa teoria, são as forças do am-
biente social que levam o indivíduo a reagir a alguns estímulos e não a outros;
ou que levam indivíduos diferentes a reagirem de maneira diferente ao mesmo
estímulo. A influência dessas forças sobre o indivíduo depende, em alto grau,
das necessidades, atitudes, sentimentos e expectativas do próprio indivíduo,
pois são estas condições internas que constituem o campo psicológico de cada
um. O campo psicológico seria um ambiente, incluindo suas forças sociais, da
maneira como é visto ou percebido pelo indivíduo.
Entre as teorias convencionais do ambiente acadêmico, torna-se funda-
mental conhecer mais o pensamento de Carl Ranson Rogers, responsável pela
paternidade da Terapia Centrada na Pessoa. Esta terapia, também é chamada
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 279
de Terceira Força, é contra o behaviorismo e tem forte base humanista. Afirma
que o homem apela para a vida por meio de auto-realização, ou seja, o orga-
nismo tem como motivo básico a sua automotivação. 158
Um dos livros mais importante de Carl Rogers é “Tornar-se pessoa”, nes-
ta obra ele afirma que um dos principais objetivos do ser humano é buscar uma
vida mais rica e plena, pois tem o potencial de desenvolvimento, de crescimen-
to e de realização. Para que este processo de auto-realização ocorra o ser hu-
mano precisa ser libertado de suas peias internas e ser capaz de um contato ín-
timo com outras pessoas, sem máscaras, sem jogos. Para tanto, precisa criar
novos projetos, ser cooperativo, receptivo e amoroso.
Carl Rogers, na sua abordagem centrada na pessoa, inicialmente postu-
lou a existência de um processo direcional na vida que denominou de tendência
realizadora. Ele defendeu, ao longo da sua carreira, que o indivíduo traz em si
imensos recursos para a autocompreensão e atualização de seus autoconceitos
e autonomia atitudinal latente. Esse potencial de autocrescimento e auto-
regulação é atualizado, reforçado e ativado quando ocorre fatores motivacionais
que favoreçam a elevação da auto estima.
A terapia centrada na pessoa, não-diretiva ou rogeriana, propõe que o su-
jeito em análise 'fale'. Ele precisa ter oportunidade para refletir sobre o seu 'eu',
revelar a consciência que tem de si mesmo e como avalia o seu próprio com-
portamento. A auto-realização pode ser alcançada pelo treinamento da sensibi-
lidade, em grupos de encontro e exercícios que promovam o crescimento pes-
soal. Indica ainda que entre o cliente e o terapeuta deva existir um clima emo-
cional de cordialidade, apoio e aceitação para que um ambiente seguro seja
instalado. Para tanto, três condições são exigidas do terapeuta nesta relação:
Autenticidade, Aceitação incondicional e Empatia. Resumindo, a tarefa do tera-
peuta é clarificar a vida do seu cliente, funcionando como um espelho.
Teoria de Vygotsky
Neste campo amplo das terapias é necessário também refletir mais o
pensamento de Lev Semenovich Vygotsky. Seu trabalho ocorre na Rússia pós-
revolucionária, quando ele fazia parte de um grupo de estudiosos que, traba-
lhando num ambiente de grande efervescência intelectual, buscava novos ca-
minhos para a sociedade que surgia no período pós-revolucionario, através da
união entre a produção científica e o regime social recém implantado na Rússia.
Vygotsky buscava construir uma nova psicologia, que superasse as ten-
dências do início do século (psicologia como ciência natural ou como ciência da
mente), na qual o homem pudesse ser abordado enquanto corpo e mente, en-
quanto ser biológico e ser social, enquanto membro da espécie humana e parti-
cipante de um processo histórico. Construiu sua teoria tendo por base o desen-
volvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico, enfati-
158
ROGERS, C. R. (1951) Terapia Centrada no Paciente. Lisboa, Moraes Editores, 1974.
280 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
159
POLSTER, E. & POLSTER, M. Gestalt-terapia integrada. Belo Horizonte, Interlivros, 1979.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 281
ca, a Física etc., o fio condutor de sua pesquisa sempre foi investigar o que de-
nominou de processos energéticos básicos. Inicialmente, nos domínios psíquico
e social; depois, na dimensão biofísica e, por fim, no território cósmico.
Reich desenvolveu ampla pesquisa sobre o que acreditou ser “processos
energéticos primordiais e vitais”. Iniciou seu trabalho na década de 1920, tendo
como principal objeto de estudo o funcionamento da "bioenergia" ou "a função
bioenergética da excitabilidade e motilidade da substância viva". O encaminha-
mento do seu trabalho conduziu-o à hipótese de que existe uma "força básica”
que atua não só nos seres vivos, mas também no cosmos. Segundo acreditam
seus seguidores, esse tipo de energia foi experimentalmente comprovado por
Reich no período 1939-1940 e, então, nomeado como "energia orgone cósmi-
ca". Tudo isso, parece, relembra a teoria de Mesmer.
Com a teoria de Reich, nasce a Orgonomia, que se dedica ao estudo das
manifestações da energia orgone no micro e no macro cosmos, no vivo e no i-
nanimado. Reich desenvolve sua teoria em várias dimensões, trabalha nisso
por mais dezoito anos (até sua morte, em 1957). Suas principais publicações
são no campo da Orgonoterapia, da Física, da Astrofísica e Biofísica Orgone,
na Pedagogia Orgonômica e na Orgonometria. O termo "orgonomia", além de
indicar um novo conhecimento, expressa, também, o conjunto da produção in-
tectual reichiana.
Simultaneamente à pesquisa sobre os processos energético-vitais, Reich
elaborou no decorrer de seu percurso três técnicas terapêuticas: a análise do
caráter (1923-1934), a vegetoterapia caractero-analítica (1934-1939) e a orgo-
noterapia (1939-1957), e também, elaborou um novo método de pensamento e
pesquisa (o Funcionalismo Orgonômico), uma técnica de ordenação das fun-
ções naturais, que associa as dimensões qualitativas e quantitativas na pesqui-
sa orgonômica (a Orgonometria).
Teoria organísmica
Com o pensamento de Kurt Goldstein 160 nasce a Teoria Organísmica,
que compreende o homem como um ser em busca de equilíbrio (homeostase)
para a obtenção da auto-realização. Goldstein, estudioso da neurologia, chegou
à conclusão de que um sintoma não podia ser considerado ou compreendido a
partir apenas de uma lesão orgânica, senão a partir da consideração do orga-
nismo-como-um-todo, o organismo é uma só unidade, o que ocorre em uma
parte, afeta o todo.
A Teoria Organísmica assume que: 1) a pessoa é una, integrada e con-
sistente; 2) o organismo é um sistema organizado, com o todo diferenciado em
suas partes; 3) o ser humano possui um impulso dominante de auto-regulação
pelo qual é permanentemente motivado; 4) o ser humano tem dentro dele as
potencialidades que regulam seu próprio crescimento, embora possa e receba
influências positivas de crescimento do meio exterior, as quais ele seleciona e
160
GOLDSTEIN, K. The organism. N. York, American Book Co, 1939.
282 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
forma, ainda que permeie todas as formas. Definindo o que pode ser entendido
como Tao, assim se refere o escritor taoísta Lao-Tsé: 161
O Tao é como um grande rio cósmico que flui através de todas as coisas.
É o caminho, a verdade e a meta. É a integração dinâmica do Yin e Yang,
do positivo e do negativo, do macho e da fêmea. É a mãe de todas as coi-
sas (LAO-TSÉ ).
Para Lao-Tsé, o homem perfeito é quem aprende a fluir com o Tao. Ele é
liberto do Ego e do mundo, vive em paz total e harmonia, não empurra os acon-
tecimentos, mas deixa a onda cósmica levá-lo. Lao-Tsé deu várias instruções
sobre como viver melhor, mas reconheceu que a mais importante mudança do
ser humano é interna, é a mudança de consciência:
Quando um letrado da mais alta classe ouve falar do Tao, ele o segue com
zé-lo. Quando um letrado médio ouve falar do Tao, em certos momentos o
segue, em outros o perde. Quando os letrados da mais baixa classe ou-
vem falar do Tao, riem-se dele. Mesmo que não se riam isso não significa
que o sigam. Há uma tradição antiga que diz: O Tao iluminado para muitos
é obscuro (LAO-TSÉ).
A concepção do ser humano subjacente ao taoísmo é a de um ser que
para se realizar deve torna-se integrado, isto é, suas forças conflitantes devem
ser trazidas ao balanço e harmonia. Assim ele passa a ser centrado, o que re-
sulta em um estado espiritual de esclarecimento. Os taoístas preconizam a in-
tegração humana, isto é, a assimilação por parte do homem de todas as coisas
disponíveis e que conformam o Tao. Mostram que, fundamentalmente, a inte-
gração se dá através de uma mudança interna que denominam de consciência,
e frisam o desapego egoísta para que, em paz e harmonia, o homem possa ser
levado pela “onda cósmica”.
Contribui com o pensamento do Tao, o Zen, ou doutrina do coração de
Buda, introduzida na China pelo monge Bodhidharma, um dos grandes refor-
madores do budismo tradicional. Possui três escolas principais: As duas primei-
ras são Soto, Obaku, que enfatizam a meditação ou o Zen sentado; considera
que para o ser humano evoluir, a coisa mais importante é sentar e meditar. A
terceira escola é Rinzai, enfatiza o Koan que é uma frase oferecida a cada dis-
cípulo, de acordo com a sua natureza. Essa frase é muitas vezes alógica ou até
risível. Exemplo: quando se bate com uma mão de encontro com a outra se ou-
ve um som, mas não se sabe qual é o som produzido por uma mão só. Os Ko-
ans não são apenas enigmas ou observações misteriosas, através disso objeti-
vam impulsionar o discípulo até o limite último da reflexão a fim de obter os se-
gredos da mente.
O Budismo de feição Zen 162 estima e valoriza o despojamento, a simpli-
cidade, a naturalidade, o gosto por paradoxos e pelos “koans”. Concebe a ilu-
161
LAO-TSÉ. O livro do caminho perfeito, S. Paulo, Pensamento, 1990.
162
SUZUKI, D. C. Introdução do Zen-budismo. S. Paulo, Pensamento, 1969.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 285
minação como uma necessidade que o ser humano tem de dar sentido à sua
própria existência. O Zen é uma técnica que adota alguns recursos como o uso
do paradoxo, da ultrapassagem dos opostos, da contradição, da afirmação e da
repetição. O objetivo último da disciplina Zen é a aquisição do satori, isto é, a
adoção de um novo ponto de vista para olhar a essência das coisas. Não con-
siste em produzir uma condição pré-determinada, por pensar-se intensamente
nela, mas sim adquirir um novo ponto de vista ao olhar para as coisas.
A sentença que talvez se aproxime do pensamento Zen é: “pouco adianta
falar, muito menos escrever. Os pássaros cantam e o sol surge diariamente,
sem explicações. Assim deve ser em todas as coisas. Simplesmente”. Allan
Watti, em Meaning of Happinen, fala do Zen e, metaforicamente, refere-se a al-
guém que querendo examinar o vento, prendia-o em uma caixa, e o que tinha
não era mais vento e sim ar estagnado. Para os Zen-Budistas o Zen não se ex-
plica, é alógico, mas pode ser percebido.
A concepção de homem implícita no Zen é a de um ser em busca de ilu-
minação. De alguém que precisa aprender ou reaprender a lidar consigo e com
o mundo de uma forma mais plena e total, para que possa, de fato, ser e en-
contrar a si mesmo e o mundo. Para os Zen-budistas a busca da iluminação
consiste em, simplesmente, viver a vida com a consciência do momento pre-
sente, com a consciência do aqui e agora, sem preocupações com o depois
que acontecerá naturalmente, simplesmente, como tem de acontecer.
Outras concepções
De quase tudo que foi visto até aqui, parece que pouco ou nada se dife-
rencia dos objetivos ou se afasta da prática da terapêutica da hipnose pura. Tu-
do gira em torno do ser humano holístico, integrado, sereno, que precisa esta
constantemente em busca de si mesmo. E “o si mesmo” pode ser entendido
como um lado da mente, conceituado de inconsciente, responsável por uma
subjetiva metade de cada pessoa em particular, a qual o próprio sujeito não co-
nhece conscientemente, e que às vezes o surpreende quando pratica determi-
nadas ações, sem saber conscientemente por que está praticando. Seria este
lado obscuro que se manifesta através de complicados mecanismos de crença
e convencimento.
Impregnada pela fusão de várias correntes do pensamento, no final do
século XX, a terapia pela hipnose aparece, desaparece e reaparece com
diferentes nomes, explicações e concepções, uma verdadeira babel de
conceitos. Para explicar a hipnoterapia são embutidos diversos títulos como
Energia Cósmica, Energia do Corpo e da Mente, Luz e Força interior,
Relaxamento, Poder do Subconsciente, Ser Interior, Curas Subconscientes e
Psicotranse entre outros. Também ocorre perfeita identidade, tanto de
princípios como de métodos e de conceitos, em livros que tratam de Terapia
por Vidas Passadas, Projeções do Corpo Astral, Inteligência Transcendental,
Dianética, Neuro-Lingüística e tantas outras concepções e temas que embute a
hipnose que seria impossível de enumerar.
286 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
163
KRASNER, e ULMANN. Modificações de comportamento, S. Paulo, ed. EPU, 1983.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 287
CAPÍTULO VII - AUTO-HIPNOTERAPIA
164
COUÉ, E. Auto-sugestão consciente - que digo e que faço - O domínio de si mesmo. RJ, Mi-
nerva, 1956.
288 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
166
Hay relata como despertar idéias positivas, superar doenças e viver plenamente (HAY, Loui-
se L. Você pode curar sua vida, S. Paulo, Ed. Best Seller, 1996).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 291
Muitas vezes, estranhos pensamentos negativos e destrutivos surgem na
mente, mas devem ser imediatamente cortados, rejeitando toda intromissão
pessimista incisivamente, decisivamente. Assim também deve acontecer com
maus sentimentos com temores, intrigas, ódios. A vida começa a mudar de
dentro, não de fora, cuidando da qualidade da prática de pensar, ter reações e
sentir emoções. Também o medo, a ignorância e a superstição afastam a
saúde, a felicidade e a paz.
Para reorganizar a vida e ser merecedor de bem-estar é preciso ter
pensamentos positivos, amorosos, perdoar os outros e ter sentimento de
carinho. A escolha dos tipos de pensamentos que vai alimentar o inconsciente
determina o modo de viver. Se escolher a raiva, a agressão e o ressentimento
será merecedor apenas de mais raiva, mais agressão e mais ressentimentos.
Para alguém ser merecedor de alegria, é preciso pensar em alegria, assim
como para sentir paz e calma é preciso alimentar o inconsciente de
pensamentos pacíficos.
Em muitos momentos da vida, uma pessoa pode viver em situações
difíceis e de sofrimento tão intenso que pensa que algo vai arrebentar dentro de
si, que não vai suportar, que vai perder o controle sobre si mesmo, fica a ponto
de acreditar que vai enlouquecer. Isto pode ocorrer quando se perde alguém
muito querido, em situações muito estressantes, em situações em que o
indivíduo se vê com muitas dúvidas e não percebe a possibilidade de pedir
ajuda, em casos nos quais deverá resolver sozinho tal problema. A pessoa,
então, busca a superação desse sofrimento, o restabelecimento de sua
organização pessoal e de seu equilíbrio, isto é, o retorno àquelas condições
anteriores de rotina de sua vida, em que não tinha insônia, não chorava a toda
hora, não tremia o corpo de forma injustificada. Não é possível apenas se falar
de doença física nesses casos e a auto-hipnose pode ser uma boa ajuda.
Quando alguém se encontra numa situação infeliz, a auto-hipnose pode
permitir o entendimento de que isso não passa de uma situação transitória ou
de um equívoco e logo acabará melhorando. O importante é perceber que a
situação ruim é momentânea e mesmo que não se verifique uma melhora
imediata, jamais se deve ficar aflito, duvidoso ou impaciente. Ao tranqüilizar a
mente, estará trabalhando para atingir uma situação de melhoria.
Existem dois tipos de pessoas: aquelas que estão sempre com a
expressão triste, reclamando como se estivessem sempre insatisfeitas e
infelizes e aquelas que mantêm somente pensamentos radiantes, repletos de
alegria e gratidão. Pessoas que estão sempre reclamando têm uma vida infeliz,
enquanto aquelas que vivem sempre repletas de alegria têm uma vida feliz.
Pessoas que passam a vida reclamando da crise econômica, do salário, da
maldade alheia, da pobreza, da falta de saúde, acabam atraindo pelo poder da
palavra e do pensamento a situação da qual reclamam. A essas pessoas não
brotam pensamentos construtivos que as tornem prósperas e saudáveis, mas
somente pensamentos de destruição, desesperança e automutilação.
292 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
167
BRUN, Jean. O epicurismo. Trad. João Amado. Lisboa, Setenta, 1987.
168
FARRINGTON, Benjamim. A fé de Epicuro. RJ, Zahar, 1968.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 293
cultivar a amizade, conquistar sempre mais conhecimento e rejeitar o medo da
morte. 169
Uma grande aspiração atrai um grandioso destino. Uma pequena
aspiração atrai pequenas realizações. Pessoas que não conseguem realizar um
grandioso sonho só conseguem realizar pequenas obras. São pessoas que
acabam desvirtuando o canal que comunica com a sua força interior e, dela não
tira o proveito que pode; pelo contrário, se prejudicam. Aqueles que têm
pequenas aspirações vêem-se como pigmeus e diminuem a si próprio. E
quando se pensam assim pequenas, acabam se tornando de fato seres
pequeninos e escravos do destino. Tornar o destino grandioso ou insignificante
depende de como se enxerga. Existe uma verdade que diz que as pessoas se
tornam exatamente como se crêem ser.
Quem idealiza para si um grandioso sonho, quem tem uma grande
aspiração, quem acredita piamente na sua concretização, conseguirá alcançar
o seu grandioso objetivo. Não há quem tenha realizado algo grandioso sem se
considerar merecedor. Seja o que for não há quem consiga realizá-lo
acreditando que não irá conseguir. Por isso, não deve ser dito “não consigo
realizar isso”. A ordem é acreditar, como recomenda Émile Coué, “o que quer
que aconteça, brotará em mim uma força redobrada. Haja o que houver durante
o percurso, acredito que no final virá somente a vitória”. Tudo acontece
exatamente como se crê.
Geralmente, os livros indicam a aplicação da auto-hipnose, também, para
eliminação de hábitos como tabagismo, alcoolismo, comer em excesso, uso de
drogas, gagueira, roer unha, bruxismo 170 e outros hábitos nervosos. Também
indicam como solução de distúrbios emocionais como tremores e fobias, triste-
za ou depressão, raiva ou hostilidade, irritação, ódio, timidez, ansiedade e ten-
são. Seu uso é ainda referido para o tratamento de dores, alergias, resfriados
crônicos, insônia, cansaço ou fadiga, soluços, coceiras e asma. Ultimamente,
também tem sido indicada para cura de doenças de pele como psoríase e vitili-
go, além de anorexia nervosa, bulimia, obesidade, síndromes pós-traumáticas,
síndrome do pânico e tantas outras doenças que é impossível relacionarem to-
das em só lista.
169
EPICURO. Lattera a Menecéo (Carta a Meneceu). Turin, Einaudi, 1970.
170
Bruxismo se caracteriza pelo fato do individuo ranger fortemente os dentes em movimentos
involuntários que produz o desgaste dentário, geralmente ocorre durante o sono e de forma
despercebida. Não é considerada uma doença e sim uma disfunção do aparelho mastigador.
A causa pode ser física, como falha na oclusão dos dentes, ou psicológica provocada por ten-
sões emocionais ligada à ansiedade, raiva, insegurança, agressividade reprimida, frustrações
do dia-a-dia, entre outras. O bruxismo acaba sendo um acumulo de sentimentos que encontra
uma descarga no ranger dos dentes, tensões acumuladas que tornam as mandíbulas rígidas
e friccionadas. Os episódios vivenciados pelo individuo, podem variar bastante e a descarga
emocional, pode ser tênue ou severa. Provoca o desgaste do esmalte dentário e o desloca-
mento da mordedura, a pessoa acorda com fortes dores nos dentes e músculos da articula-
ção das mandíbulas. O tratamento pela hipnose pode remover as causas psicológicas, pro-
porcionando uma estabilidade emocional, além de restaurar as funções do sono (N. do A.).
294 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
171
SAÚDE, revista, p. 47, julho de 2001.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 295
mais severo do que o convencimento destinado aos ouvidos e às consciências
alheias.
A auto-hipnose, pela sua própria natureza, vincula-se a propósitos
específicos, como a superação de problemas pessoais, mas as pessoas
deveriam capacitar-se ao seu uso, inicialmente, sem propósitos emergentes,
isto é, primeiro deveriam aprender a se auto-hipnotizar, para depois aplicá-la na
solução de seus problemas. Na prática isto quase não acontece e só se recorre
a ela nos momentos críticos; neste caso contam contra alguns fatores como
ansiedades, dúvidas e frustrações.
Na hetero-hipnose não se obtém resultado com as pessoas junto às quais
não se tem prestígio necessário. Também na auto-hipnose ocorre algo
semelhante, o indivíduo tem de sentir-se credor de sua própria confiança e
consideração. O êxito depende da confiança e do crédito moral que a pessoa
tem que depositar em si mesma, de conquistar, antes de tudo, a auto-estima e
a fé na possibilidade da auto-ajuda. Sem esses fatores, nem sempre estará a
ajuda ao alcance de quem a almeja e, nestes casos, a melhor saída será, pelo
menos inicialmente, a hetero-hipnose.
Assim como na hetero, a auto-hipnose funciona à base de sugestão,
exigindo nesta segunda hipótese uma atitude passiva do próprio indivíduo em
face das palavras proferidas ou imaginadas por ele mesmo. Produz-se, assim,
o estado de sugestibilidade aumentada ou generalizada, que é a condição para
o transe hipnótico, citada teoria de Hull. 172
São vários os caminhos para se chegar à auto-hipnose; seguramente, o
melhor deles é a pessoa antes ser hetero-hipnotizada e receber uma sugestão
pós-hipnótica de que, a partir daí, será capaz de se auto-hipnotizar. Outra forma
também rápida é com a utilização de gravação de músicas para ajudar na
indução e o som de voz própria ou de outrem, com palavras que induza ao
transe. Os mais suscetíveis conseguem induzir o estado auto-hipnótico sem
ajuda alheia ou de qualquer recurso eletrônico, descobrem e se antecipam sem
qualquer iniciação formal. Descobrem, por sua própria conta, como hipnotizar a
si mesmos, articulando ou simplesmente pensando em fórmulas sugestivas,
normalmente iniciadas por técnicas de relaxamento. Esta seria uma auto-
hipnose no sentido mais justo da palavra.
Neste sentido, Weissmann aponta os médiuns espíritas não só como
pessoas altamente propensas a serem hipnotizadas, como também à auto-
indução. Ele assim se refere:
Entre as pessoas particularmente propensas à auto-hipnose espontânea
apontam-se, freqüentemente, os médiuns espíritas. É do conhecimento
geral, que os espíritas são particularmente sensíveis à hipnose. Sabemos
que a suscetibilidade hipnótica cresce em razão da fé, do exercício de
172
HULL, C. L. Hypnosis and suggestibility. In: Experimental approach, N. York, D. Aplleton
Century, Century, 1933.
296 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
concentração e da propensão individual para as atitudes abstratas. Já não
estranhamos as propaladas facilidades dos espíritas nesse domínio, muito
embora, entre eles, a verdadeira natureza de semelhantes fenômenos
anímicos costuma ser deliberadamente ignorada (WEISSMANN).
A técnica que mais se recomenda para o desenvolvimento da prática da
auto-indução é, paradoxalmente, a auto-hetero-hipnose, ou seja, um misto de
auto e hetero-hipnose. Isto é possível segundo Leslie M. LeCron e Jean
Bordeaux 173 que apontam o recurso da hetero-hipnose como primeira condição
para se chegar à auto-hipnose:
Colocar o candidato em transe profundo, o mais profundo possível. Uma
vez no transe necessário dizer o seguinte: De hoje em diante você poderá
chegar sozinho a um transe igual a este e até mais profundo. Para tanto,
bastará acomodar-se confortavelmente, assentado ou deitado e relaxando
os músculos conforme lhe ensinei. Para facilitar o relaxamento muscular
bastará respirar profundamente. Uma vez com os músculos relaxados, é
só fechar os olhos e dizer-se a si mesmo: Agora entro em estado de
hipnose. Esta frase você poderá proferir em voz alta ou apenas em
pensamento. Em seguida comece a respirar lenta e profundamente. Não
será preciso contar, pois ao chegar à décima respiração estará em transe
profundo. Se encontrar dificuldade na concentração inicial, fixe os olhos
em um ponto do teto, ou então, de olhos fechados, fite algum ponto
imaginário. Pode também manter a vista fixa vagamente na área cinzenta
imaginária da visão comum. Durante a hipnose você se manterá alerta,
perfeitamente capaz de dar-se a si mesmo as sugestões que quiser. Você
poderá assim induzir em você mesmo qualquer fenômeno hipnótico que
desejar. Para acordar bastará dizer-se a si mesmo: Agora vou acordar.
Contará até três e estará perfeitamente acordado. Se, porventura, tiver
necessidade de acordar antes para atender ao telefone ou a uma situação
de emergência, como no caso de um incêndio, por exemplo, você
acordará instantânea e automaticamente. Nesse seu estado de auto-
hipnose você poderá ainda ouvir a minha voz e seguir as minhas
instruções como se eu estivesse presente (LeCRON e BORDEAUX).
A prática da auto-indução hipnótica ocorre quando se adquire a confiança
necessária e a segurança de que precisa o indivíduo para desencadear o
processo e, para isso, deve cuidadosamente observar algumas
recomendações, como exemplo: a) Não ser excessivamente analítico; se
começar a analisar todos os movimentos que fizer e duvidar da eficácia do que
está fazendo, o transe será difícil de ser atingido. b) A atitude de tirar a prova
impedirá a eficácia, por isso, em vez de examinar-se, apenas deve relaxar e
deixar que as coisas sigam seu curso; os resultados virão. Quem se preocupa
em saber se estão ou não sob hipnose, prejudica seus próprios esforços. E, se
não passam no teste que impõem a si mesmas, sente-se como quem não estar
fazendo progressos.
173
LeCRON, L. M., and BORDEAUX J. Hypnotism today, N. York, Grune and Stratton, 1947.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 297
Quando uma pessoa deseja ardentemente ser hipnotizada, a ponto de
tornar-se ansiosa e tensa, a maior parte do tempo consiste no processo de
acalmá-la e relaxá-la antes, para depois poder ser hipnotizada. A calma é o que
trará resultados, o maior inimigo da hipnose é a tensão, por isso deve ser
evitados a ansiedade com os resultados, espera-se que apenas aconteçam.
Toda vez que se anseia muito por uma coisa, fica-se nervoso e tenso, assim
não se consegue bons resultados. Isto acontece com um estudante tenso que
se transforma em um mau estudante e aprende pouco. Assim também, nestas
condições, será impossível reagir favoravelmente à hipnose.
Quando se começar a aprender auto-hipnose, se dá tempo ao tempo.
Começa-se como principiante e relaxa-se, deixa as coisas acontecerem em seu
curso normal. Para obter melhores resultados, deve o exercício acontecer
sempre na mesma hora e no mesmo lugar, todos os dias.
Relaxamento
Bastante confundido com a hipnose em si, o relaxamento é apenas um
entre outros passos para o estado hipnótico e é o melhor caminho para o êxito
da auto-hipnose. Relaxar é condição básica, através dessa prática elimina-se o
estado de tensão que em nada contribui para a vida, mas é uma constante nos
indivíduos que vivem em grandes cidades onde a rotina diária é estressante.
Não só aplicado com propósitos exclusivamente hipnóticos, o
relaxamento está presente em várias outras propostas como religiosas ou
filosóficas, sempre com o objetivo de aliviar tensões físicas e emocionais. Em
qualquer caso, quando é alcançado um bom nível de relaxamento, a mente
consegue uma extraordinária habilidade para controlar procedimentos e
objetivar soluções. Nessa fase, sem tensões ou sobrecargas, são encontradas
saídas para alguns problemas que antes pareciam intransponíveis.
O relaxamento inicia-se pelo físico (corpo) e completa-se pelo
relaxamento da consciência (mente) permitindo, a partir daí, a instalação do
estado hipnótico. Todo método de auto-hipnose inclui a fase de relaxamento,
começando pelo nível físico, quando promove a liberação de tensões
musculares e, no nível mental, acalmando excitações nervosas (ansiedades,
preocupações, angústias, etc.), resultando, assim, em um estado de calma e
tranqüilidade. É recomendado ser praticado pela manhã, após o despertar, e à
noite, antes de dormir. Esses exercícios duram, inicialmente, em torno de
quinze minutos até que se domine a técnica e sinta-se familiarizado com ela.
Mais tarde, cada experiência não deverá durar mais do que um minuto e isso
poderá se tornar parte de um ritual tranqüilizador que, independente da hipnose
plena, trará grandes modificações na vida do praticante.
O relaxamento facilita o sono e isso também representa solução para
muitos problemas. A influência do sono sobre o nível de aprendizado é boa,
também no humor e na capacidade de memória, quem dorme mal tem
problemas para se lembrar de fatos recentes. Do sono pode resultar condições
para o desempenho de diversas atividades de maneira altamente eficiente.
298 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
vras, a outra é guiada pelas imagens visuais que as palavras geram na mente.
Quando uma pessoa ouve ou pensa palavras, o cérebro imediatamente proces-
sa como imagens e, freqüentemente, a imagem criada no cérebro é contrária à
idéia que as pessoas estão tentando comunicar com palavras. Algumas pala-
vras como não, não posso, não devo, devem ser suprimidas quando se formula
uma Matriz, para se evitar a formação de imagens que favoreçam o efeito con-
trário do que representam as palavras.
A imagem visual não processa imagem negativa expressa pela palavra
não, pelo contrário, projeta a imagem positiva do fato negado, justamente a que
"não" era para ser projetada. Quando alguém tenta "não" imaginar um gorila ro-
sa, primeiro imagina o gorila para depois tentar esquecer em vão. Outro exem-
plo é quando a mãe dirigindo-se ao filho e diz "Agora, querido, não derrame seu
leite", a imagem visual criada imediatamente na mente da criança é o leite der-
ramando e, inconscientemente, fará isso acontecer. Uma vez que a imagem vi-
sual é criada, o inconsciente procura transformar aquela visão em realidade. A
criança estava "imaginando" o leite derramado pela mesa e, logo em seguida, o
braço bate "acidentalmente" no copo, porque inconscientemente está procuran-
do trazer para a realidade a imagem visual que está vendo. Embora a mãe a
repreenda por "não prestar atenção", a criança, verdadeiramente, estava atenta
ao que a mãe disse, mas, agiu em sentido contrário.
Para Roger 175 as pessoas são aquilo que pensam, imaginam e
percebem. Se os pensamentos, imagens e percepções são destrutivos, pode
evitar seus efeitos distraindo a atenção do aspecto negativo e concentrando no
positivo e, isto significa ignorar o negativo. Quanto à palavra “não” Roger
aconselha que deva ser evitada, porque ela fatalmente reforçará a lembrança
do que não se quer lembrar. Se alguém disser, “não sentirei dor”, lembra da dor
e a reforçará; se disser, “não soluçarei mais” reforçara o soluço; “não
permanecerei acordado a noite inteira”, reforçara a insônia. Para obter êxito, o
problema tem que ser esquecido por inteiro; a mente deve ser ocupada com
outro fato diferente que fará esquecer o anterior. A técnica da distração não
visa apenas substituir o pensamento negativo pelo positivo, mas na verdade,
pretende enfatizar o positivo. Esse esquecimento do problema pode ser iniciado
conscientemente e, após o relaxamento, poderá ser instalado como matriz.
Antes do processo de relaxamento é preciso especificar exatamente o
que se quer, em uma linguagem programada com o uso de imagens, sons e
sensações. A meta precisa ser estabelecida antes do processo hipnótico, como
uma pré-sugestão. É preciso deixar claro previamente ao processo da auto-
hipnose, o que especificamente vai ver, sentir, ouvir e estar fazendo durante o
transe. A meta precisa ser elaborada em termos positivos, uma meta negativa
do tipo eu não quero, cria o efeito contrário, mas não posso. Também devem
ser substituídas palavras do tipo quero, tentarei, talvez, etc. Exemplo: eu quero
parar de... Eu quero viver sem...
175
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através a auto-hipnose. RJ, ed. Record, 1978.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 307
Frases devem ser conscientemente escolhidas para formular a imagens
mentais positivas, escolhendo as palavras para comunicar a idéia de maneira
correta. Em vez de, não cometerei muitos erros ou não passarei no teste, deve
ser, acertarei o máximo e a nota no teste será excelente. Neste sentido, como
forma de evitar o uso de frases mal formuladas, podem ser usadas metáforas
(técnica de Milton Erickson) que, embora perca a especificidade, ganham por
favorecer a construção de imagens mentais de metas positivas.
As sugestões instaladas no inconsciente são chamadas de matrizes e vão
realimentar o consciente fazendo com que a pessoa execute atos compulsivos
até atingir sua meta. Usada eficazmente, a auto-hipnose pode ser uma ferra-
menta poderosa para efetuar as modificações que sejam necessárias para ree-
ducar a mente. Instalando novas matrizes, a pessoa passará a pensar de uma
maneira nova e saudável.
Se uma pessoa não é feliz, é imperativo que reeduque o seu inconscien-
te, só assim, acreditará e será feliz em todas e quaisquer circunstâncias. A pes-
soa é aquilo que seu inconsciente acredita e, o que este acredita é enviado de
volta à sua vida consciente, determinando sua maneira de agir. Quando o in-
consciente se convence de um fato verdadeiro ou falso, passa a ser verdadeiro
na vida de uma pessoa e é capaz de afetá-la física e emocionalmente para ge-
rar transformações. Em parte, é através desse fenômeno que pode ser explica-
da as curas religiosas, para as quais são difíceis as explicações.
O ser humano tem em seu interior todos os recursos necessários para
obter (ou não obter) o sucesso. E, isso só depende de cada um. A
concretização de objetivos de felicidade e qualquer outra coisa necessária para
desfrutar uma vida completa dependem exclusivamente da programação
estabelecida no seu inconsciente, que realimentará as idéias programadas ou
permitir que sejam programadas.
Ao estabelecer novas matrizes, a pessoa deverá definir bem as metas
para sua própria vida. Inicialmente, deve remover as matrizes velhas que não
sejam boas, eliminar o pessimismo, a falta de confiança; eliminar,
principalmente, idéias de autopunição que são terríveis por serem
autodestruidoras. Depois deve implantar a confiança, a auto-estima e idéias de
auto-realização. Concluída essa etapa, programa o inconsciente implantando
as metas que pretende atingir. Deve ser realista e, ao mesmo tempo, otimista
na programação. Também específico e determinando exatamente o que quer,
visualizando mentalmente, isto é, “vendo” o quadro com imagens e
“vivenciando” a situação desejada. Determinando a meta um pouco mais alta
do que é capaz de realizar no momento. Quando verdadeiramente atingir a
nova condição, avança na meta para outro patamar acima do conquistado, e
assim sucessivamente. Fazendo isso, qualquer pessoa poderá surpreender-se
em curto prazo.
O poder de visualização mental é chamado de mentalização ou
imaginação, consiste na capacidade que têm as pessoas de pensar em algo e
308 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
imaginá-lo nas formas e cores que quiser. Mentalizar ou imaginar é formar uma
imagem mental, é se ver na cena imaginada como se estivesse acontecendo, é
operar mentalmente, figurando ou concebendo fantasias e imagens como se
fossem verdadeiras. As pessoas podem desenvolver e aperfeiçoar essa técnica
de imaginar coisas ou situações felizes, e, assim, estarão contribuindo para que
de fato aconteçam. Mesmo que os fatos mentalizados ainda não estejam
manifestados, deve-se acreditar que eles já existem e entrar no clima de
agradecimento pela conquista. É importante mentalizar intensamente aquilo
que se quer e, acreditando que já foi atendido, agradecer o resultado.
Se alguém estiver confuso na maneira de conduzir a reprogramação do
seu inconsciente, não deve se preocupar, a teoria mais recente sobre o assunto
diz que existe outro caminho, é como se fosse uma auto-reprogramação. Para
isso, conscientemente deve-se pensar nas mudanças, imaginar-se e “ver-se”
conquistando novas metas, depois apenas relaxa-se e deixa o inconsciente
trabalhar, ele executará a autoprogramação. Nesta hipótese entra-se em transe
hipnótico e permite que, automaticamente ocorram mudanças curativas na
mente e no corpo. As possibilidades de curas ou de sucesso são plausíveis,
considerando que nesta situação o potencial do inconsciente pode ser revelado,
e o poder de cura desenvolvido.
Como bem ensinou o Marquês de Puységur, através da hipnose todo o
conhecimento de vida interior está disponível para qualquer pessoa. O
inconsciente sabe como resolver o problema de cada um e, sabe muito bem o
que é melhor para cada caso, porque sabe a resposta certa. Poderá ser usada
auto-hipnose para atingir a informação e a solução que se precisar e, para isso,
não é necessário conhecer exatamente os mecanismos pelos quais funciona a
mente.
À medida que a mente se torna mais leve através do relaxamento,
tornam-se mais claros os conhecimentos, e a hipnose, pela própria experiência,
torna-se mais eficaz porque a pessoa aprende a viver em harmonia com o seu
Eu interior, com o seu Eu inconsciente; a intuição natural desvendará os
mistérios, a aprendizagem ocorrerá sem necessidade de submeter-se a um
elaborado sistema de autodisciplina. Ocorrerá naturalmente melhoria no seu
modo de vida, de seus hábitos, de sua forma de ver o mundo e nele melhor
viver.
São infinitas as possibilidades de geração de matrizes que devem ser
construídas de acordo com as necessidades do hipnotizado, mas deve ser
aplicada uma de cada vez, por prioridades entre todos os anseios. Não se deve
instalar mais de uma matriz numa mesma sessão e, só após a conquista de
uma meta, outra deve ser proposta, e assim sucessivamente. As criações de
novos modelos podem ser desenvolvidas para melhorar a aprendizagem, a
saúde, a criatividade, a liderança e a comunicação entre pessoas. Depois de
elaboradas, as Matrizes devem ser repetidas até que o inconsciente aceite e
ponha em prática.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 309
Entre muitas outras matrizes que podem ser criadas pelo próprio
interessado e especificamente para sua necessidade, quatro são clássicas,
como: 1) Tratamento de saúde e estética do corpo, 2) Ativadora de maior
memória e facilidades para a aprendizagem, 3) Solução de gagueira, 4)
Tratamento da dor.
Saúde e estética do corpo
A matriz sugerida a seguir é para tratamento de saúde e estética do
corpo, e dentro dessa concepção poderão ser feitas adequações específicas
para o hipnotizado, retirando ou acrescentando sugestões:
• Ao ingerir qualquer alimento, imagino automaticamente que o alimento
sólido ou líquido será muito bem digerido e assimilado... Funcionará como
um remédio natural para garantir a saúde perfeita do corpo e da minha
mente... Curando qualquer coisa que seja necessário curar... Imagino
meu corpo para que permaneça sempre saudável e perfeito... Projeto
atenção sobre meu corpo, parte a parte, beneficiando com esta prática o
seu funcionamento perfeito... Projeto atenção sobre meu sistema
nervoso, ordenando saúde, reflexos rápidos, mas sob controle,
tranqüilidade, mas com dinamismo... Projeto atenção sobre meu cérebro,
ordenando saúde e que aumente sua potência, assimilando todo o
oxigênio que precisar para a utilização 100% da sua capacidade... Projeto
beleza física ao meu aspecto exterior... É importante que meu corpo seja
perfeito interna e externamente... Imagino minha cintura, mantendo-a com
musculatura firme, proporcional e elegante... Imagino minha pele, para
que se torne cada vez mais bonita e saudável... Imagino meu cabelo,
para que permaneça jovem e bonito... Imagino meu corpo todo com
aspecto perfeito e agradável... Ele transforma-se para atingir a forma que
desejo. Meu cérebro esta ativando, na sua melhor forma, para
proporcionar a cura de meu corpo. A partir de agora minha mente controla
meu corpo... Estarei sempre melhor, cada vez mais saudável... Cada vez
melhor...
Ativadora da memória
Outra matriz freqüentemente utilizada por alunos de qualquer grau de
estudo é a ativadora de maior memória e, por conseqüência, melhores
facilidades para a aprendizagem. Dentro dessa concepção, poderão ser feitas
as adequações que identificam as necessidades do hipnotizado. O método de
auto-indução começa por um processo de relaxamento convencional e para o
aprofundamento passa pela autocontagem de 1 a 10, nesta fase lhe é
introspectado no inconsciente uma auto-sugestão que pode ser elaborada nos
seguintes termos:
• Dia a dia minha memória melhora. Aprenderei com facilidade e lembrarei
de tudo que estudar. De agora em diante, minha memória será fiel. Minha
capacidade de concentração melhora consideravelmente. Serei capaz de
concentrar minha atenção no que for útil ou necessário para ser ótimo
310 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
177
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314 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
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179
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Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 315
Considerando a presença dos diferentes componentes psicológicos que
contribuem para sensação dolorosa, uma das maiores expectativas da hipnose
e da auto-hipnose é a sua cura. Neste sentido, o procedimento mais aplicado
utiliza a técnica da distração. É uma técnica simples e poderosa, porque a
mente humana permite que nos concentremos somente em uma única coisa de
cada vez; podemos até mesmo permanecer consciente das outras coisas à
nossa volta, mas só nos concentramos em um único alvo. Essa técnica
defendida por Epicuro, conhecida por toda a Grécia e também na Roma antiga,
foi apropriada por Roger, 180 quando exemplifica que podemos esquecer a dor
se concentramos nossa atenção no prazer. E, cita como exemplo:
O que acontece quando uma criança cai, arranha o joelho e começa a
chorar? Se for uma garotinha podemos distraí-la da dor chamando-lhe a
atenção para o vestido lindo que está usando ou para as flores à sua volta.
Milagrosamente, as lágrimas param de rolar e o choro diminui quando ela,
distraindo sua atenção da dor, passa a concentrar-se no vestido ou nas
flores (ROGER).
Partindo do princípio de que você consultou um médico e, por sua vez,
não encontrou quaisquer causas orgânicas para a sua dor, ou então descobriu
realmente uma anomalia orgânica que já está sendo tratada. Qualquer que seja
o caso, se você deseja combater a dor, uma Matriz com esse objetivo deve ser
elaborada.
Após a indução usual ao estado de relaxamento, tenha em mente
proposições onde palavras como “dor” ou “lesão” devem ser evitadas e,
incentivadas palavras do tipo “conforto”, “bem-estar” e “relaxamento”.
• À medida que for aprofundado o transe, fico cada vez mais confortável
em todos os sentidos... Meu corpo é totalmente comandado pela minha
mente... Sou capaz de direcionar meu corpo e minha vida... A cada dia,
aumento o controle sobre meu corpo... O corpo sente o que a mente
permite... Concentrarei minha mente em situações boas... Minha mente
desenvolve plenamente o controle das sensações... Eu posso sentir ou
deixar de sentir o que desejar... Toda vez que qualquer desconforto
estiver me ocorrendo, eu trocarei automaticamente esta sensação por
lembranças de cenas agradáveis... Meu cérebro é capaz de alterar seu
mecanismo e ignorar sensações que incomodam... Apenas sinto o quero
sentir... Poderá substituir uma sensação desagradável por outra que
represente bem-estar... A partir de hoje e cada vez mais, assumo total
controle sobre minha mente e meu corpo... Sou o senhor de meu corpo,
dono das minhas sensações... Posso me livrar de qualquer sensação que
se apresente em meu corpo... Meu cérebro demonstrará que é o senhor
de meu corpo... Quero viver bem, por isso passarei a controlar mais e
melhor meu corpo... Solto mais ainda o corpo... Relaxo ainda mais...
Agora apenas respiro... Sem esforço... Respiro regularmente... Agora
180
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através da auto-hipnose. RJ, ed. Record, 1978.
316 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
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