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Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 2007

APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO 003


CAPÍTULO I - HIPNOSE: FILOSOFIA, CIÊNCIA, RELIGIÃO 015
Noção de physis e casualidade 018
O Arché e o kosmos 019
O Logos e o Crítico 023
Filósofos Eclesiásticos 025
A ciência Experimental 029
Método Cartesiano-Newtoniano 032
Ciência Sistêmica ou Holística 036
Hipnoterapia e Ciência 040
Mito, Rito e Religião 050
Transe e religiosidade 052
Vegetais hipnóticos 054
Religiões ayahuasqueiras 057
Transe e sincretismo 064
Padres hipnotistas 066
Hipnose e reencarnacionismo 074
CAPÍTULO II - HISTORIA DA HIPNOSE E DA HIPNOTERAPIA 080
Magnetismo e mesmerismo 083
Mesmerismo e sonambulismo 096
Magnetismo e kadercismo 100
Mesmerismo e psiquiatria 106
Mesmerismo e anestesia 108
Mesmerismo e sugestão 110
Brandismo 111
Hipnodontia 115
Hipnoterapia 117
Sugestão pós-hipnótica 118
Hipno-análise 119
Hipnose e histeria 125
Hipnose e psicanálise 132
Hipnose e fisiologismo 153
Auto-hipnose 159
CAPÍTULO III - ETIOLOGIA DA HIPNOSE 164
Hipnose é projeção 165
Hipnose é sugestão 166
Sugestão é prestigio 167
Hipnose é sono 167
Entrega amorosa 169
Mamadeira hipnótica 170
Gênero dramático 171
Hipnose como dissociação 173
Estado normal 174
Exclusão psíquica relativa 175
CAPÍTULO IV - PRÁXIS DA HIPNOSE 177
Técnicas de indução 177
Métodos de indução 179
Método de Bernheim 182
Método de Moss 183
Método de Kuehner 184
Método de Erickson e Wolberg 186
Método de autovisualização 197
Método da estrela 188
2 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
Testes de suscetibilidade 190
Hipnose de palco 198
Hipnose, hiperestesia e clarividência 202
Regressão hipnótica 203
Hipnose acordada 207
CAPÍTULO V - A PESQUISA DE CAMPO 209
Sintomatologia do transe 212
O transe hipnótico 218
Testes de eficácia 220
Saída do transe 221
Suscetibilidade à indução 222
Formulação da sugestão 224
O ambiente das sessões 225
A ética e a legalidade da hipnose 226
Categorias de hipnotistas 229
O poder do hipnotista 230
Janela da Alma 232
CAPÍTULO VI - APLICAÇÕES ESPECIAIS DA HIPNOSE 237
Hipnose e Comunicação 237
Propaganda subliminar 238
Merchandising 243
Sugestão desejada e indesejada 244
Hipnose contra vontade 245
Hipnose cotidiana 246
Hipnose no Direito 251
Hipnose e psicopedagogia 255
Psicologismo na Educação 261
Psicologia da gestalt 264
Teoria topológica 265
Fenomenologia existencial 266
Epistemologia genética 266
Teoria Histórico-social 268
Educação humanista 272
Educação como prática política 273
CAPÍTULO VII - HIPNOTERAPIA E OUTRAS PSICOTERAPIAS 275
Gestalt-terapia 275
Terapia centrada na pessoa e topológica 276
Teoria de Vygotsky 277
Teoria de Reich 278
Teoria organísmica 279
Filosofia fenomenológica 280
Filosofias orientais 281
Outras concepções 283
CAPÍTULO VIII - AUTO-HIPNOTERAPIA 285
Prática da auto-hipnose 292
O relaxamento 295
Testes e Métodos para a auto-hipnose 298
Tipos de matrizes 303
Saúde e estética do corpo 307
Ativadora da memória 307
Solução da gagueira 309
Supressão e alívio da dor 310
CONSIDERAÇÕES FINAIS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 315
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 3
APRESENTAÇÃO

Esta publicação é mais do que um livro, representa um ideal de vida, signi-


fica o desejo de informar, discutir, refletir e produzir conhecimento. Por isso,
passa longe de qualquer interesse, como reconhecimento pessoal ou retorno
pecuniário. Trata-se de uma dissertação, seu conteúdo resulta de uma investi-
gação rigorosamente cientifica. A pesquisa foi produzida de forma sistemática e
metodológica, para conceituar o significado do hipnotismo, conhecer o processo
de produção do transe hipnótico e identificar, classificar e esclarecer sua sinto-
matologia e efeitos.
O levantamento bibliográfico e a construção referencial teórico foram favo-
recidos pela intensa dedicação do autor, no decorrer de mais de trinta anos, pe-
lo tema, pela leitura teórica e pela prática da hipnose. Isso em muito contribuiu
para traçar uma metodologia que conduzisse aos resultados esperados, para a
definição e clareza dos objetivos, das técnicas e dos métodos de investigação
que foram utilizados.
Este trabalho foi escrito para quem pretende conhecer ou praticar hipnose
e auto-hipnose, principalmente com finalidade terapêutica. Apresenta uma rede
de temas transversais, esclarece dúvidas, desfaz mitos, elimina ou atenua pre-
conceitos. É fonte imprescindível de permanente consulta sobre as tradicionais
psicoterapias, tanto ortodoxas como contemporâneas, e suas associações com
a hipnose.
O autor comprova durante toda a leitura que a hipnose abrange um
campo muito vasto e que sempre aparecem ramificações do seu efeito na maior
parte das atividades humanas. A amplitude e a profundidade de como trata o
assunto são explicitas na extensa lista de títulos bibliográficos utilizados que,
somada ao conhecimento prático do autor, transformam esta obra em uma
grandiosa fonte de pesquisa para esta complexa área do saber. Revela o que é
a hipnose a partir da evolução histórica de diversas teorias quando faz
referências a mais de cento e cinqüenta autores, por isso, torna-se de interesse
particular para o meio acadêmico que não dispõe com facilidade de uma
bibliografia que trate dessa temática de forma tão abrangente.
Esta leitura elucida noções equivocadas acerca do tema do hipnotismo e
apresenta um conjunto de dados que, de alguma forma, envolve a interdepen-
dência do transe hipnótico com várias manifestações humanas que são anali-
sadas através da intricada rede de causas intermediárias entre a emoção e a
razão (inconsciente e consciente). Esclarece conceitos e confronta opiniões,
demonstra como as controvérsias e coincidências das diferentes escolas atuais
têm raízes históricas. Explora idéias e teorias que são necessárias, cooperati-
vas e seqüenciais para facilitar, a cada passo, a reflexão de conceitos e consi-
derações apresentadas ao longo da leitura.
O autor relata os procedimentos metodológicos utilizados, como aplicou o
rigor cientifico e efetuou a análise qualiquantitativa dos dados coletados na fase
da investigação, efetuada na cidade de Salvador, na Bahia, entre 1997 e 2002,
4 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

com um universo de 400 sessões, para uma população de 1.984 participantes.


Descreve as conclusões a que chegou através de uma série de observações
diretas e da análise das respostas de 500 questionários, aplicados para quem
durante o transe apresentou sintomatologia mais completa, além de 100
entrevistas para esclarecer questões não amplamente respondidas pelos
questionários.
Para melhor descrever o transe hipnótico em suas diferentes formas de
produção, ocorreu ligeira ampliação da área temática e do campo empírico da
pesquisa. Foram realizadas algumas incursões teóricas e observações in loco
em associações declaradas religiosas, todas reconhecidas e legalizadas. Isto
permitiu ao autor, motivado pelo senso de investigação, ser submetido a algu-
mas práticas de rituais. Para fundamentar uma descrição precisa dos aconteci-
mentos, procedimentos e sensações, em alguns casos o autor foi além da ob-
servação e participou ativamente das experiências, inclusive ingerindo o chá
ayahuasca e o vinho de jurema, ambos considerados como desencadeadores
de transe.
Através dos dados empíricos e teóricos levantados, a leitura confronta es-
colas e correntes de pensadores, aponta controvérsias e coincidências, separa
fatos de opiniões, tendo como principal objetivo facilitar o leitor refletir e se defi-
nir pela sua própria descoberta. O autor primou por manter a postura de investi-
gador absolutamente cientifico, tanto na fase da pesquisa como na redação da
comunicação final dos resultados. Procurando demonstrar sempre neutralidade
axiológica, em nenhum momento teve a pretensão de ser doutrinário ou dogmá-
tico, contestar ou validar credos, religiões, filosofias, idéias ou teorias.
Outra preocupação do autor foi não limitar a informação e, ao mesmo
tempo, facilitar a compreensão do texto. Para isso, optou por uma redação que
apresenta aspectos pedagógicos essenciais; foi escrito de modo claro, didático
e bem fundamentado. Descreve de forma precisa e justifica com profundidade
teórica as técnicas, métodos e procedimentos específicos. Assim, acredita que
incentiva a leitura até o final e gera o desejo por mais conhecimentos, o que
pode transformar o leitor não apenas um hipnotista hábil, mas um amplo conhe-
cedor do assunto.
No decorrer da dissertação, algumas questões são polêmicas por haver
fatos no hipnotismo sobre os quais ainda não se chegou a uma conclusão clara.
Por isso, seu estudo envolve uma reflexão antropológica e evolutiva do conhe-
cimento e expõe os paralelos paradigmáticos da ciência. Demonstra o conflito
entre a percepção mecanicista-reducionista e a sistêmica e propõe uma revisão
dos pressupostos conceituais conhecidos. Reflete sobre as exigências de uma
abordagem multidimensional do ser humano para entendê-lo de forma menos
fragmentária.
Considerando que a base semiológica não é suficiente para esclarecer to-
dos os pontos sobre a prática da hipnose e das principais psicoterapias, o autor
busca sustentação em teorias subjacentes quando recorre à leitura da evolução
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 5
do pensamento filosófico, cientifico e religioso. Neste aspecto, apresenta uma
revisão literária que tem como objetivo apontar a gênese do misticismo que ain-
da persistem nos tempos modernos.
Ao concluir, descreve a auto-hipnoterapia como sendo uma ferramenta
poderosa na solução de muitos conflitos, não deixa dúvidas de que a hipnose é
uma forma válida para superação de certos problemas que afligem o corpo e a
mente humana. E, mais uma vez, desmistifica o poder atribuído às coisas ex-
ternas ou sobrenaturais para solucionar conflitos humanos que prejudicam, em
muito, a qualidade de vida, sem ao menos se buscar antes soluções naturais e
em si mesmo.
A estruturação do conteúdo de estudo é dividida em oito capítulos:
• O primeiro capítulo faz parte do campo teórico da pesquisa e é prope-
dêutico, apresenta breve análise da evolução do pensamento, do mítico
ao filosófico e científico, como base para o estudo da história da hipnose
e seu envolvimento com rituais religiosos e místicos.
• O segundo desenvolve o campo teórico específico, apresenta um desfile
histórico-cronológico dos autores clássicos do hipnotismo. As principais
obras citadas neste capítulo são de domínio público, estão disponíveis
gratuitamente no site (http://gallica.bnf.fr/) da Biblioteca Nacional da
França.
• O terceiro capítulo complementa o referencial teórico e trata da etiologia
da hipnose. Analisa através das diferentes correntes de pensadores e ci-
entistas como se desenvolve o transe hipnótico, apresenta as técnicas e
os métodos de indução e seus efeitos práticos.
• O quarto capítulo é dedicado à práxis, é um preâmbulo para a interpreta-
ção da pesquisa de campo realizada pelo autor. Seu principal objetivo é
conhecer, passo a passo, como de fato se prática a hipnose e como ela
se apresenta e descreve situações que permitem desencadear sua ocor-
rência.
• O quinto versa sobre a pesquisa de campo, descreve as observações di-
retas do autor, a metodologia utilizada, como procedeu ao tratamento
dos dados, a análise e os resultados à que chegou para fundamentar o
que considera como sintomatologia do transe e os diferentes níveis de
aprofundamento. Finaliza descrevendo o que entende como explicação
conceitual da hipnose e denomina como sendo uma “Janela da Alma”,
um momento em que o ser humano entra em contato com sua essencia-
lidade.
• O sexto capítulo é um desdobramento de toda a pesquisa realizada. En-
volve o estudo do hipnotismo em situações naturais do cotidiano e sua
aplicação em áreas específicas, como na Mídia, no Direito e na Educa-
ção. Inclui neste último aspecto a hipnose como possível parte da psico-
pedagogia.
6 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

• O sétimo capítulo reforça a tese de que a hipnose pode ser validada co-
mo um procedimento terapêutico. Compara a hipnoterapia com moder-
nas teorias e práticas das principais psicoterapias conhecidas, demons-
trando semelhanças e diferencias.
• O oitavo e último capítulo descreve o que considera o autor como mais
um aporte da pesquisa. É dedicado à auto-hipnoterapia, representa na
prática a soma dos conhecimentos estudados nos capítulos anteriores.
Este aspecto é de grande importância para o leitor que busca soluções
para problemas existenciais, principalmente problemas de caráter psico-
terapêutico.
No geral, após a leitura e rápidos exercícios, o livro esclarece o que é e
como funciona a hipnose e a auto-hipnose, como sua execução é bem simples
e como os bons resultados são surpreendentes. Porém, bem mais importante
talvez seja o fato de reafirmar e exemplificar, o tempo todo, que cada ser hu-
mano traz dentro de si o dom da autocura e é capaz de viver bem e ser feliz,
mesmo na adversidade. É um livro que deve ser relido várias vezes, cada nova
leitura sempre apresenta surpresas e induz novas descobertas.
Por fim, recomenda o autor que, para obter melhor domínio sobre o tema
e evitar conclusões precipitadas, é aconselhável uma leitura seqüencial e que
as reflexões ocorram na medida em que seja vencido cada capítulo. Também
aconselha que este livro deva ser lido sem preconceito, mas com espírito
crítico, separando os fatos das opiniões. Lembra ainda que a proposta desta
obra não é passar informação, mas conhecimento e, isso, depende muito mais
do leitor do que do autor.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 7
INTRODUÇÃO

Embora faça parte do cotidiano dos indivíduos de várias formas e em


diferentes situações, o hipnotismo ainda é desacreditado por alguns,
equivocado na opinião de outros, temido ou pouco conhecido para a maioria.
As explicações sobre o transe hipnótico e seus efeitos, por conta de sua
vinculação com práticas religiosas e crenças no sobrenatural, é cercada de
mitos, magias e preconceitos. Mesmo entre pessoas com alto nível de
escolaridade, o desconhecimento sobre este tema é bastante generalizado e,
no conceito popular, a descrença de que os efeitos hipnóticos existam ou
possam ser provocados é geralmente substituído por um temor supersticioso.
Na literatura é fácil perceber que todas as culturas, de todas as épocas,
conheceram, procuraram e desenvolveram métodos para estabelecer o transe
hipnótico. Esse antigo estado da mente foi perseguido por muitas formas;
desde o uso de ervas, drogas e aplicações de equipamentos especiais até
rituais dos mais diversos. Na maior parte das vezes, o transe foi e é produzido
por métodos simples que vão da dança selvagem, passando pelo ritual
religioso, pela prática de uma tranqüila e intensa meditação até uso de técnicas
hipnóticas clássicas. Qualquer que seja sua origem, o transe sempre implica
em uma função normal do cérebro humano, embora algumas pessoas sejam
mais propensas ao seu alcance e aprofundamento.
Transe hipnótico é o estado mental que resulta em alterações na neurofi-
siologia e decorre de várias situações, pode ser produzido por simples estímu-
los sensoriais normais; auditivos, visuais, táteis e olfativos, além de estados
mentais de grande expectativa com violenta carga emocional, sono intenso sem
possibilidade de dormir, jejum nutricional, isolamento social, abstinência sexual
prolongada, meditação, relaxamento físico e mental ou atitude contemplativa,
em geral de fundo religioso ou místico. Pode também ser provocado por inges-
tão de substâncias químicas.
Efeitos da hipnose sempre aconteceram na história da humanidade. Em
atos religiosos têm presença marcante, quanto mais solene ocorre um ritual
associado a forças incompreensíveis, místicas ou mágicas, maior é o efeito
hipnótico. Porém, não é apenas relacionado a situações que se prendem ao
misticismo; ao longo da história foi produzido ou observado também pela
perspectiva do materialismo científico ou simultaneamente por ambos. Definida
com vários termos e diferentes sentidos, a hipnose é patrimônio da filosofia e
da medicina ocidental e oriental, tanto a antiga quanto a contemporânea.
No oriente os efeitos hipnóticos, geralmente com objetivos de cura, fazem
parte de culturas milenares e se mantiveram quase que inalterados através dos
séculos. No ocidente foram se adequando ao imaginário dominante, se
ajustando á representação de cada nova realidade cultural, se identificando
com diferentes correntes do pensamento, valores, fantasias e mistérios que
surgiam com as migrações e miscigenações étnicas. A maior e mais rápida
8 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

diversificação de procedimentos hipnóticos ocorreram na Europa, devido à


fusão étnica cultural do seu povo através de suas ações colonizadoras. Esse
viés antropológico do hipnotismo constitui a principal abordagem histórico-
lógica e teórica dedutiva deste livro.
Embora sugestão não seja sinônimo de hipnose, é certo que toda e
qualquer hipnose começa pela aceitação, consciente ou inconsciente, da
sugestão que pode até desencadear o transe hipnótico, caracterizado como o
momento em que a sugestão atinge o ponto mais alto da sua ação. A execução
desse processo é bem simples e os resultados se aproximam de fatos
extremamente compensadores, podendo em alguns casos proporcionar efeitos
terapêuticos inexplicáveis e até mesmo inacreditáveis.
Nem sempre uma sugestão representa a possibilidade de desencadear o
transe hipnótico, mas é, no mínimo, o preâmbulo imprescindível para que isso
ocorra. É comum o uso de um nome como se fosse o outro, às vezes chama-se
sugestão de hipnose e, hipnose de sugestão. No entanto, deve ser chamada de
sugestão hipnótica aquela que se perfaz no transe hipnótico ou que permeia a
aplicação de métodos e técnicas com o objetivo de atingir os efeitos da
hipnose.
Através da sugestão o pensamento se concentra numa idéia cujo
resultado ou tendência é provocar determinado efeito, impele muitas ações
humanas, tanto construtivas como destrutivas. A maior parte do resultado da
vida das pessoas é conseqüência da sugestão; desde o desfrutar de
sentimentos de alegria, paz e prazer, até situações negativas como doenças
físicas e morais. Mas, situações negativas podem ser reversíveis pelo mesmo
processo que se instalam, isto é, o que a sugestão faz, a sugestão desfaz.
Da sugestão podem resultar ações inconscientes, compulsivas ou
hipnóticas, que podem decidir o curso da vida das pessoas. E, a melhor
maneira de fazer as sugestões produzir bons efeitos é através da hetero-
hipnose e da auto-hipnose. No primeiro caso um hipnotista funciona como um
guia que influencia através de sugestões as ações inconscientes de alguém. No
segundo caso é o próprio hipnotizado quem o faz. Um indivíduo razoavelmente
instruído poderá conduzir e controlar as ações do seu próprio inconsciente, em
seu próprio benefício.
Do início do século XIX até hoje termos como hipnose inconsciente e
sugestão caminham juntos, um tentando explicar o outro. No início de suas
pesquisas, Freud se valia do hipnotismo como procedimento de acesso ao
inconsciente que o conceituou como sendo uma espécie de porão onde fica
guardado o que não se quer mostrar. Fatos e sentimentos que o indivíduo não
tem coragem de contar nem para si próprio e, por isso, guardou no inconsciente
e esqueceu. No entanto, pesquisas modernas revelam um conceito de
inconsciente bem diferente desse estabelecido há cem anos.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 9
A explicação mais aceita hoje é a de que o inconsciente, longe de
significar uma parte física localizada em uma determinada região do cérebro, é
uma espécie de programa operacional capaz de processar, ao mesmo tempo,
milhares de informações paralelas. Enquanto o consciente executa suas tarefas
de forma serial, uma atrás da outra. Fornecendo informações ao consciente sob
forma de intuição, o inconsciente é hoje compreendido como uma ferramenta
de trabalho mental que executa tarefas fundamentais e pode determinar, em
certas circunstâncias, atitudes que uma pessoa deve tomar.
Modernamente o inconsciente é considerado como uma forma de
inteligência, diferente da inteligência convencional. É hábil também em executar
tarefas sem que o consciente perceba; relaciona e toma decisões,
determinando o que uma pessoa deve ou não fazer. As pessoas agem em
determinadas situações, compelidas pelas sugestões ou informações que foram
instaladas em seu inconsciente. Conscientemente, não sabem o que estão
fazendo, mas fazem. Entender esse mecanismo é se aproximar de como
funciona os efeitos hipnóticos.
O inconsciente tem um mecanismo de realimentação de sugestões; o que
é depositado nele é retro-alimentado para o consciente e vice-versa. Toda
pessoa, a menos que possua uma patologia psiquiátrica séria, é sugestionável
e, um meio eficaz de fazer a sugestão funcionar é a sua repetição; com isso,
imprime-se no inconsciente uma idéia que realimentará o consciente. É comum
na infância se ouvir dos adultos algumas palavras ou frases repetidas, até que
o inconsciente da criança aceite a idéia do que isso representa e depois a
execute. Disso pode resultar situações que definirão, de forma positiva ou
negativa, uma vida inteira.
Na atualidade os efeitos da sugestão, agindo com força hipnótica
extraordinária, são observados em diferentes veículos de comunicação, através
de mensagens explicitas ou subliminares embutidas na informação principal.
Esse tipo de comunicação pode determinar tendências no comportamento de
massa e, existem organizações que são responsáveis pela difusão de
sugestões sistematizadas e repetidas que agem modelando o comportamento
social. Por isso alguns efeitos hipnóticos devem ser entendidos como fato social
normal que não se restringe só a momentos especiais.
Embora os seres humanos vivam como se estivessem sob efeito
hipnótico é, ironicamente, por não perceber essa possibilidade que podem ser
manipulados ou modelados por idéias alheias à sua própria vontade. Na
comunicação de massa, cada vez mais, esse recurso tem sido instituído e
serve como instrumento a serviço da mídia na propaganda política, comercial e
ou religiosa.
Efeitos hipnóticos estão presentes em diversos setores da comunicação,
mas sem dúvida, é a propaganda que mais aplica este recurso. Utilizando-se da
sugestão subliminar como estratégia para atingir seus objetivos, a chamada
hipnose de massa é bastante evidente nos modernos processos publicitários,
10 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

isso tem evoluído muito nos últimos tempos porque hipnotizar é antes de tudo
convencer e a propaganda tem este mesmo propósito.
Já existem sistemas de publicidade, sobretudo na chamada publicidade
indireta, capazes de criar no ânimo dos consumidores o desejo, quase sempre
irresistível, para fazer ou deixar de fazer alguma coisa; como adquirir
determinado produto, preferir marca ou modelo e alimentar o consumo
desnecessário, deixando-os num estado que se assemelha à hipnose clássica.
Assim, identificar esses processos é uma forma de defender-se quando for
preciso.
A mídia é capaz, de uma só vez, de modificar conceitos e
comportamentos de grande parte da sociedade através da repetição da
informação que, às vezes, são equivocadas ou ideologicamente construídas
pelos interesses da dominação. Tem a mídia, através da sugestão, o poder de
influenciar e convencer os coletivos sociais estabelecendo conceitos e
preconceitos, alterando costumes, modificando hábitos, gerando consumo e
formando opiniões.
O recurso da sugestão hipnótica é também fortemente utilizado quando a
religião determina o comportamento das pessoas com base na idéia de céu e
de inferno, virtude e pecado, santos e demônios. Uma vez sugestionado o
indivíduo pode ampliar ao máximo, por si só, o poder da sugestão que recebeu.
O resultado desse processo depende de como foi, direta ou indiretamente,
sugestionada a agir e, agindo, reforça a sugestão que recebeu em uma
realimentação constante, aumentando cada vez mais o seu grau de
convencimento em torno do objetivo induzido.
O ritual religioso quando associado ao transe hipnótico, produz efeitos
que ultrapassam a compreensão pela racionalidade; através de linguagens
simbólicas promove o aumento da percepção e curas inexplicáveis acontecem.
Algumas religiões milenares que se desdobram em várias outras, chegam à
contemporaneidade como no passado, produzindo bem a associação de transe
e cura. Nem sempre o transe é produzido apenas através de estímulos dos
sentidos normais, pode ser desencadeado por ingestão de substâncias que
agem no organismo com este propósito. Em algumas sociedades primitivas
substâncias hipnotizadoras encontradas na natureza, geralmente em vegetais,
foram incorporadas às liturgias e são usadas até hoje com surpreendentes
efeitos.
Entre os grandes clássicos do hipnotismo europeu, é comum a referencia
inicial ao Padre Gassner que praticava na Alemanha, por volta de 1770,
métodos e aplicações de técnicas hipnóticas, associadas à crença católica, com
objetivo de curar enfermidades. Para ele as doenças e os demônios estavam
quase sempre juntos e uma pessoa doente poderia ser alguém possuída.
Aquele que se sentia com o diabo no corpo, e por conseqüência doente, vinha
ou era trazido ao Padre para que ele o expulsasse e, assim, promovesse a
cura.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 11
Franz Anton Mesmer assistiu várias apresentações de Gassner e não se
conformando com a explicação do Padre, deu uma versão não menos
fantástica para as curas através do hipnotismo, em lugar de responsabilizar
demônios pelas enfermidades, responsabiliza os Astros. Para ele a doença
resulta da freqüência irregular dos fluidos astrais e a cura depende de sua
adequada regulagem. Acreditava que certas pessoas teriam o poder de
controlar esses fluidos, podendo comunicá-los a outrem, direta ou
indiretamente, por intermédio de objetos magnetizados pelo seu contato.
Os efeitos hipnóticos saíam da explicação religiosa indo para a explicação
da influência astral, tese segundo a qual os fluidos magnéticos invisíveis
regulam a vida das pessoas e, por volta de 1780, o mesmerismo se espalhou
pela Europa; Mesmer dizia que o crucifixo de metal usado por Gassner era
responsável por concentrar e transmitir para os enfermos um fluido magnético
curativo. Cria assim a doutrina do Magnetismo Animal, que foi logo bem
recebida por legiões de adeptos. Foi ele um dos maiores mistificadores do que
mais tarde seria conhecido como hipnose.
O magnetismo animal prossegue com o Marquês de Puységur, um dos
discípulos de Mesmer. O Marquês, casualmente, enquanto magnetizava um
camponês com objetivo de curá-lo de enfermidade, percebeu que o paciente
caía em um estado de sonambulismo, como se mantivesse em sono profundo,
com movimentos respiratórios tranqüilos. Nada havia das clássicas agitações
provocadas pelo Mesmerismo. Puységur percebeu, com surpresa, que o
camponês podia falar sem sair do sono hipnótico e com lucidez maior que a
habitual, indicou sua própria doença como sendo uma infecção pulmonar e para
sua própria cura indicou remédios precisos. Puységur chamou isso de
sonambulismo artificial, e descobriu o estágio mais profundo do transe hipnótico
que até hoje é chamado de sonambúlico.
O magnetismo tomou outro rumo através do médico e filósofo, Denizard
Hippolyte Léon Rivail. Em 1850 o mesmerismo atraiu a sua atenção, passando
a integrar o grupo dirigido pelo Barão Du Potet, dirigente da Sociedade
Magnética de Paris. Inicialmente Rival freqüentou sessões de magnetismo em
busca de solução para os casos de enfermidades de pacientes a ele confiados
e tornou-se mais tarde o codificador da doutrina espírita.
Em 1859, com o pseudônimo de Allan Kardec, publica o Livro dos
Espíritos e cria outra versão para o magnetismo, a de que a força curativa era
atribuída aos espíritos. A estruturação de sua doutrina tem por base o
pensamento de Pitágoras sobre a existência da alma e sua evolução defendida
por Platão, herda diretamente as teorias do magnetismo e os rituais
mesmeristas, se desenvolve absorvendo, incorporando e reinterpretando seus
efeitos. O espiritismo segue sua própria escola e o mesmerismo acaba sendo
substituído pelo hipnotismo.
Vários foram os homens famosos que desenvolveram e aplicaram as
idéias de Mesmer. Mas foi James Braid, médico escocês que usou pela
12 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

primeira vez, por volta de 1841, a palavra hipnotismo. Deve-se sua iniciação
nos estudos da hipnose ao famoso mesmerista suíço Lafontaine, discípulo de
Puységur. Em 1843 Braid publica seu livro sobre o assunto; dizia que a fixação
do olhar era o processo para o efeito mesmerista. Batizando esses efeitos
como hypnos, nome do deus grego do sono, anexado ao vocábulo ismo, que
significa estudo, cria a expressão hipnotismo e, disso derivando outros nomes
como hipnose, hipnótico, hipnólogo, hipnotizador, hipnotista e hipnotizado.
Hipnotista é quem induz o transe hipnótico de forma metódica, técnica e
sistemática, é teórico e prático na área da hipnose. Hipnotizador é quem
casualmente hipnotiza sem possuir conhecimento teórico, às vezes não sabe o
significado da hipnose ou até mesmo como provoca seus efeitos. Hipnólogo é o
teórico, estudioso do assunto, conhecedor das técnicas hipnóticas, mas nem
sempre hábil na prática de hipnotizar. Hipnotizado é quem está sob a ação do
hipnotismo e é também chamado de paciente quando a hipnose é produzida
para tratamento médico.
Liébaut foi quem acrescentou a sugestão verbal à fixação do olhar
desenvolvido no método de Braid. Sua técnica tranqüila e discreta baseava-se
nas palavras e no tom de voz. Em 1864, lendo um exemplar da obra de Braid,
fez-lhe renascer o interesse pelo assunto que não mais deixaria por toda a sua
vida. Seus clientes eram pessoas humildes e camponesas e a eles Liébaut
dizia: “Se quiser tratamentos com drogas, terá que pagar a consulta, mas se
permitir que faça o tratamento pelo hipnotismo, não terá de pagar nada”.
Por volta de 1880, Bernheim foi o primeiro a perceber que o estado
hipnótico era normal em todas as pessoas e, principalmente, foi quem definiu
os efeitos pós-hipnóticos da sugestão como elemento provocador de ações
inconscientes compulsivas, e propôs aplicar isso como terapia. Nesta mesma
época, Charcot achava que a hipnose era uma forma de histeria, descobriu que
podia induzir sintomas histéricos através de sugestões hipnóticas. Não
concordando, Bernheim apontou a Charcot os seus erros, mostrando-lhe que
as características histéricas não eram critérios para o transe hipnótico e que os
sintomas da histeria podiam ser provocados artificialmente por mera sugestão.
Nasceu daí a histórica controvérsia entre as duas escolas francesas de
hipnotismo, uma no hospital La Salpêtrière em Paris e, a outra na Cidade de
Nancy.
Salpêtrière e Nancy foram escolas que serviram de base para Freud e, as
investigações com o uso da hipnose, forneceram muitas pistas que lhe permitiu
os primeiros passos para o desenvolvimento da teoria e da técnica da
psicanálise. Mas, não é apenas a psicanálise que tem forte envolvimento com o
hipnotismo e, principalmente com a hipnoterapia; também pode ser identificado,
de algum modo, semelhanças com outras teorias que fundamentam várias
psicoterapias, filosofias de vida e concepções de mundo, produzidas nas mais
diferentes culturas, tanto orientais como ocidentais. Mesmo que tentem seus
idealizadores e seguidores se afastarem do tema, sempre aparecem laços que
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 13
vinculam suas teorias ou idéias aos processos sugestivos ou efeitos
terapêuticos próximos aos produzidos pelo hipnotismo.
Das duas clássicas escolas de hipnotismo, Salpêtrière e Nancy,
resultaram muitos outros pesquisadores; cada um tentando compreender e
difundir a hipnose pelo mundo, como Krafft-Ebing na Áustria, Forel na Suíça,
Wetterstrand na Suécia, Bramwell na Inglaterra, Heidnhain na Alemanha, Felkin
na Escócia, Pavlov na Rússia, McDougall e Phineas Puimby nos Estados
Unidos. Com tanta gente estudando e teorizando, a hipnose ganha impulso na
aplicação terapêutica e cresce através de demonstrações recreativas.
Donato e Hansen, ambos no fim do século XIX, destacaram-se por arre-
batarem multidões para demonstrações de grandes espetáculos de hipnose re-
creativa. Violentas controvérsias explodiram pela impressa, acerca da natureza
destes espetáculos, cada qual procurou interpretar a seu modo este fatos es-
tranhos, que tão vivamente incitavam a curiosidade pública. Os homens de ci-
ências, solicitados, foram obrigados ao exame deste tema e muitos médicos,
professores e cientistas se interessavam pelo assunto. Nas platéias, cada vez
mais, estavam presentes importantes personalidades e, a partir daí, davam no-
vos impulsos à hipnose. Assim, por meio do palco, o hipnotismo alcançou mais
intensamente o debate nas academias.
Os estudos acadêmicos ortodoxos quando se aproximaram da hipnose foi
com receio e cautela. Das tentativas para explicar o hipnotismo cientificamente,
muito se deve ao cientista russo Pavlov, quando analisou o fenômeno
baseando seu estudo nos reflexos condicionados. Suas hipóteses para
enquadrar as explicações nos princípios do paradigma mecanicista não
prosperam; as tentativas da ciência neste campo foram vagas e os resultados
obtidos nas pesquisas foram sempre imprecisos.
Para as neurociências ainda é um desafio desvendar como o processo
hipnótico acontece. Mas, com o avanço dos novos recursos tecnológicos
aplicados como instrumentos de pesquisa, grandes revelações já ocorrem em
laboratórios do mundo científico. Somando-se a isso o fato da ciência estar
caminhando por um novo paradigma, a hipnose sairá, em breve, do conceito de
pseudociência, ganhará a respeitabilidade da comunidade científica, deixando
de ser privilégio de alguns para ser conhecida pelo grande público. Na
atualidade estudos sistematizados já despontam em grandes centros de
pesquisa acadêmica, como na Universidade de Harvard, juntamente com a
Universidade Stanford.
Embora vagos os conhecimentos científicos disponíveis para explicar a
hipnose, muito antes de ser descartada, está sendo cada vez mais utilizada.
Nos dias atuais o hipnotismo é apontado como uma arma eficiente de que
dispõe a humanidade em sua incessante luta contra alguns males. O domínio
da auto-hipnose pode ajudar na eliminação das doenças psicossomáticas ou
eliminar efeitos psicológicos que agravam doenças orgânicas.
14 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

A hipnose quando processada pelo próprio interessado, pode representar


um caminho para que seja atingida a melhoria da qualidade de vida, requisito
indispensável para a solução de muitos problemas e conflitos. Sua prática
permite a descoberta da autoconfiança, promovendo o desenvolvimento da
auto-estima e da compreensão de si mesmo, sem que para isso seja preciso,
necessariamente, crer ou seguir doutrinas ou ser convencido a colaborar de
forma econômica para pessoas ou organizações.
O uso da sugestão hipnótica em benefício próprio dá lugar ao conceito
conhecido como auto-sugestão ou auto-hipnose, muito difundida na Europa e
que entrou em moda nos Estados Unidos na metade do século XX. Charles
Baudouin e Pierce, entre outros, escreveram sobre o assunto, mas se deve a
Emile Coué a sistematização desse processo. Foi ele quem formulou vários
princípios e leis que fundamentam a aplicação da auto-sugestão e desenvolveu
o célebre método que chamou de “Domínio de si mesmo pela auto-sugestão
consciente”. Suas idéias e frases estão, invariavelmente, escritas nos livros de
auto-ajuda.
Mesmo que convivam com ela, normalmente as pessoas não acreditam
na hipnose; a maioria só acredita quando presenciam demonstrações práticas
que não devem ser simples espetáculos de curiosidade. É através de cursos e
apresentações que os participantes podem analisar os efeitos hipnóticos a que
estão sujeitos no cotidiano e, mais ainda, que podem desmistificar
desvendando como é processada a sugestão ou a auto-sugestão e conhecer
seus efeitos.
As discussões acadêmicas representam o melhor caminho para difundir e
desmistificar a hipnose e a Faculdade é o fórum ideal para esse trabalho; neste
espaço as apresentações fogem àquele sentido superficial e comum de
espetáculo. Seu estudo deve ser claro e baseado, ao máximo, na verdade e
nos princípios éticos, morais e científicos, portanto válido pelo sentido útil que
se traduz na apropriação do conhecimento teórico e prático revelado nas
demonstrações. Nessa oportunidade não se tem um mero espetáculo de
curiosidade; tem-se uma exposição de fatos que são reproduzidos para efeito
de aprendizagem. A prática é muito importante para quem deseja aprender
além da capacidade teórica; a habilidade e a competência nesta área não se
adquirem através de simples leitura.
Nas páginas seguintes, os aspectos abordados nesta introdução são
tratados com detalhes e fidelidade com as fontes pesquisadas. O principal
objetivo, não é tomar partido por essa ou aquela opinião, é sim apresentar
idéias, conceitos, teorias e métodos que foram desenvolvidos ao longo da
história, envolvendo de alguma maneira a hipnose, para comparar com as
modernas teorias e práticas das principais psicoterapias.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 15
CAPÍTULO I – HIPNOSE: FILOSOFIA, CIÊNCIA E RELIGIÃO

Entender melhor as explicações sobre algumas terapias, incluído a psico-


terapia e, especificamente, a hipnoterapia, depende da forma como suas práti-
cas foram introduzidas nos múltiplos e diferentes domínios culturais. Assim, tor-
na-se indispensável uma reflexão histórica, filosófica e científica, mesmo que
resumida, para melhor compreender os autores que, no decorrer dos séculos,
trataram desse tema. Neste retrospecto, é fácil observar como algumas “verda-
des” desaparecem e são esquecidas para novamente reaparecerem, talvez
mais aperfeiçoadas ou distorcidas.
Considerando que a evolução de qualquer ramo do conhecimento jamais
ocorreu por meio de atos isolados de um único pensador ou cientista, mesmo
que uma descoberta seja atribuída a uma única pessoa, esta, certamente, está
embasada em idéias anteriores. É fácil a percepção de como traços culturais de
civilizações, sistemas filosóficos, crenças, religiões e modo de se fazer ciência
vão, voltam e se vão novamente, é a eterna ciranda do pensamento. Por isso,
quando se deseja conhecer a explicação sobre um fato social qualquer, é im-
portante lembrar parte da história do desenvolvimento do conhecimento que o-
rientou teorias sobre a natureza dos homens, das coisas e do Universo.
Para melhor refletir sobre a hipnose e a hipnoterapia é importante conhe-
cer as diferentes fases da evolução das idéias que, embora muitas vezes con-
traditórias entre si, preservam heranças culturais e desenvolvem, a cada mo-
mento sobreposto, uma crescente babel conceitual e pré-conceitual chegando à
contemporaneidade como sofismas atormentadores. Isso talvez explique, em
parte, o porquê e a gênese de algumas práticas curativas que, de formas anta-
gônicas, se apresentam ora centrada na filosofia ou na perspectiva da ciência
cartesiana, ora radicalizada no mito, na magia ou na religião.
Procurar compreender e explicar a realidade faz parte da natureza huma-
na e, na busca de respostas sobre o mundo, a humanidade desenvolveu dife-
rentes formas de pensar, construídas não apenas pelo senso comum, mas tam-
bém através do conhecimento dominante, àquele que tem origem no mundo
acadêmico. Enquanto o senso comum revelava-se pela cultura acumulada, o
conhecimento dominante sempre foi agregado a paradigmas, compreendidos
como um conjunto de valores, crenças e convenções que determinam as ver-
dades ou respostas aos problemas humanos.
Para o ser humano viver no mundo necessita se sentir seguro, esta segu-
rança é conquistada a partir dos conceitos que ele formula e o conjunto de con-
ceitos forma um paradigma. Enquanto prevalecer um paradigma o estado de
segurança é permanente, pois um conceito só é derrubado através do surgi-
mento de um novo conceito que o substitua. Cada paradigma representa um
longo período, nos quais se destacam diferentes orientações para o pensamen-
to e considera suas revelações como o ápice do conhecimento. No entanto, a
próxima fase considera as idéias anteriores como absurdo, mas, mesmo assim,
16 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

permanecem impregnadas na cultura popular e, mesclando-se ao novo conhe-


cimento, criam contradições, crenças e superstições baseadas em conclusões
equivocadas a partir da observação dos fatos ou da experiência vivenciada. Is-
so exerce influência direta ou indireta sobre o indivíduo e a sociedade, configu-
rando a forma pela qual o humano pode compreender o mundo em que vive e
se ajustar nele.
Entre os povos primitivos o mito é um paradigma, é forma do humano se
situar no mundo, de encontrar o seu lugar entre os demais seres da natureza. O
mito não depende de reflexão ou crítica para estabelecer algumas verdades
que explicam parte dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural. É
intuitivo e não necessita de provas para ser aceito. É, portanto, uma intuição
sobre o mundo, cuja função principal é acomodar o homem na natureza. Mas, o
mito não é exclusividade de povos primitivos, existe em todos os tempos e cul-
turas como componente indissociável da maneira de compreender a realidade.
Cada povo, com base em seus mitos, tem uma visão própria da natureza e ma-
neiras diferenciadas de explicar os fenômenos e os processos naturais. O mito
não é lenda, ficção ou fabulação, é uma organização da realidade a partir da in-
tuição sobre a experiência vivenciada.
Para o povo antigo o mito era extremamente precioso por seu caráter e-
xemplar, dogmático e sagrado, sempre verdadeiro, confirmado na vida social,
portanto, inquestionável. A sua aceitação não é racional, tem de ser através da
fé e da crença, isto é, construído pela afetividade e pela imaginação. Até o sé-
culo V a.C. o mito era a forma de revelação do conhecimento e significava ori-
entações para a conduta, representava modelos explicativos para as funções e
as atividades humanas praticados em diferentes civilizações como os gregos,
romanos, assírios, babilônios, chineses, indianos, egípcios, persas e hebreus,
além de sociedades primitivas.
O pensamento mítico pertence ao campo do pensamento simbólico e da
linguagem simbólica, se caracteriza como uma das formas pela qual um povo
explica aspectos essenciais da realidade em que vive; a origem do mundo, o
funcionamento da natureza e os processos naturais, além da origem e o destino
das pessoas e seus valores básicos. O povo grego antigo tinha essa percepção
e o termo grego mythos significa um tipo bastante especial de discurso que
pressupõe adesão e aceitação dos indivíduos para a explicação mágica de sua
experiência do real.
O mito não se justifica e não se fundamenta, nem se presta ao questio-
namento, à crítica ou à correção, não obedece à lógica nem da verdade empíri-
ca, nem da verdade científica. É verdadeiro para quem vive, é a verdade cons-
truída pela afetividade e pela imaginação, não necessita de provas para ser a-
ceita. É, portanto, uma intuição compreensiva da realidade, uma forma espon-
tânea do ser humano situar-se no mundo.
A forma de explicar a realidade apelando para o sobrenatural, para o mis-
tério e o sagrado é através do pensamento mítico. Assim, as causas dos fenô-
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 17
menos naturais, ou seja, aquilo que acontece aos seres humanos é entendido
como que governadas por realidades superiores, misteriosas, divinas. São exte-
riores ao mundo natural, forças universais e invisíveis provindas dos deuses,
dos espíritos, dos Astros e das Estrelas do céu, aceitas como capazes de influir
e governar a natureza e o destino dos homens.
O mito pretende dar uma explicação da realidade, mas recorre ao mistério
e ao sobrenatural, ou seja, àquilo que não pode ser explicado, que não pode
ser compreendido por estar fora do plano da compreensão humana. A explica-
ção dada pelo pensamento mítico termina na impossibilidade da explicação do
que se deseja conhecer. Ao responder, o mito cria outro problema irrespondível,
por isso, a resposta tem de ser definitiva, misteriosa e dogmática.
Como proposta para o homem tentar entender o mundo sem recorrer ao
misterioso e dogmático surge, no século VI a.C. na Grécia, o pensamento filo-
sófico. Os primeiros filósofos da escola jônica iniciam com o objetivo de buscar
uma explicação do mundo natural, na física (physis), baseada essencialmente
em causas naturais. A chave da explicação do mundo e da experiência humana
estaria então, para esses pensadores, no próprio mundo e não fora dele. Mas,
isso não significa o desaparecimento do mito como forma explicativa, muitos
dos seus elementos sobrevivem, chega às sociedades contemporâneas e são
manifestados pelo imaginário coletivo, criando ou modificando crenças, supers-
tições e fantasias.
O pensamento mítico fez parte de uma sociedade baseada em uma mo-
narquia divina em que a classe sacerdotal tinha grande influência e o poder po-
lítico era hereditário, sustentado por uma aristocracia militar e mantida por uma
economia agrária. A partir da invasão da Grécia pelas tribos dóricas, vindas pro-
vavelmente da Ásia central, em torno de 900 a 750 anos a.C. começam a surgir
cidades-Estado. Ocorre uma participação política mais ativa dos cidadãos e a
religião vai tendo seu papel reduzido, paralelamente surge uma nova ordem e-
conômica, baseada em atividades comerciais e mercantis. Este novo cenário al-
tera o conjunto de conceitos e inicia um novo paradigma, o pensamento filosófi-
co.
Com seu apelo ao sobrenatural e aos mistérios, o pensamento mítico vai
deixando de satisfazer às necessidades da nova organização social, mais preo-
cupada com a realidade concreta, com a atividade política mais intensa e com
as trocas comerciais. É nesse contexto que a filosofia encontrará condições fa-
voráveis para o seu nascimento. Mas, a influência do pensamento mítico per-
manece por muito tempo ativo também nas escolas de pensamento filosófico,
como no pitagorismo e na obra de Platão. A perda do poder explicativo baseado
no mito resulta de um longo período de transição e de transformação da socie-
dade, que torna possível uma nova forma de pensar e alimenta as primeiras es-
colas do pensamento filosófico no século VI a.C.
O pensamento filosófico surgiu não nas cidades do continente grego co-
mo Atenas, Esparta, Tebas ou Micenas, mas nas antigas colônias gregas do
18 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Mediterrâneo oriental, no mar Jônico, na península da Anatólia, território que


hoje faz parte da Turquia. Essas colônias, dentre as quais se destacaram Mileto
e Éfeso, eram importantes portos e entrepostos comerciais, locais de encontro
das caravanas provenientes da Mesopotâmia, Pérsia, talvez também da Índia e
China. Para lá eram levadas mercadorias que eram embarcadas e transporta-
das para outros pontos que os navegadores gregos aportavam com suas em-
barcações.
Nas cidades gregas do Mediterrâneo oriental conviviam em harmonia dife-
rentes culturas, pois o interesse comercial fazia com que os povos que ali se
encontravam, sobretudo os gregos fundadores das cidades, fossem bastante
tolerantes. As colônias do mar Jônico eram então cidades cosmopolitas imersas
no pluralismo cultural, com a presença de diversas línguas, costumes, cultos e
mitos. Considerando o fato de que cada povo tem sua forma de ver o mundo,
seus costumes e valores, é possível que o confronto entre as diferentes tradi-
ções tenha contribuído para enfraquecer o poder do mito, de dar explicações
absolutas e verdadeiras sobre os questionamentos humanos.
Nas sociedades gregas, dedicadas às práticas comerciais e aos interes-
ses pragmáticos, as tradições míticas e religiosas vão perdendo progressiva-
mente sua importância e surge o tipo de pensamento inaugurado, na Escola de
Mileto, por Tales (625-547 a.C.) que pode ser considerado como o primeiro filó-
sofo a buscar respostas além daquelas obtidas pelo pensamento mítico. Algu-
mas das características centrais desse novo tipo de pensamento exercem influ-
ências entre o século VI e V a.C. em quase todos os pensadores pré-socráticos.
É uma nova forma de analisar e ver a realidade porque propõe o uso da razão,
mas não significa que a filosofia rompe radicalmente com o mito, apenas susci-
ta o uso da razão no seu esclarecimento, sobretudo aos que se referem à ori-
gem do mundo.
A principal contribuição da Escola de Mileto ao desenvolvimento do pen-
samento filosófico e pode-se dizer também científico, foi construir um conjunto
de noções para tentar explicar a realidade, a partir de alguns conceitos básicos
que rompem com a narrativa do mito. O pensamento das primeiras escolas de
filosofia toma por base:
• A noção de physis (natureza) e de causalidade.
• O conceito de arché ou elemento primordial.
• A concepção de kosmos como o Universo racional e ordenado.
• O lógos como explicação racional.
• O caráter crítico, a discussão e não dogmatismo.
Noção de physis e causalidade
O objeto de investigação dos primeiros filósofos-cientistas é o mundo na-
tural, suas teorias buscam dar uma explicação causal aos processos e aos fe-
nômenos da natureza, a partir de causas puramente naturais, isto é, encontrá-
veis no mundo concreto, e não em um mundo sobrenatural ou divino como nas
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 19
explicações míticas. Segundo esse tipo de visão, a compreensão da realidade
natural encontra-se nesta própria realidade e não fora dela. Aristóteles (384-324
a.C.) chama os primeiros filósofos de physiólogos, ou seja, estudiosos ou teóri-
cos da natureza (phvsis) e dedicou as primeiras páginas de Metafísica a um
breve resumo sobre os pensadores que o precedeu. 1
A causalidade é a característica central da explicação da natureza pelos
primeiros filósofos, a natureza das coisas é interpretada em termos puramente
naturais e o estabelecimento de uma conexão causal entre determinados fenô-
menos naturais constitui a forma básica da explicação filosófica e científica. Ex-
plicar passa a ser relacionar um efeito a uma causa que o antecede e o deter-
mina; é reconstruir o nexo causal existente entre os fenômenos da natureza; é
tomar um fenômeno como efeito de uma causa. A existência desse nexo torna
a realidade inteligível e permite considerá-la como tal, mas é importante, entre-
tanto, que o nexo causal se dê apenas entre fenômenos naturais, considerando
que o pensamento mítico também estabelece explicações causais entre fenô-
menos naturais e sobrenaturais.
A explicação de causa e efeito entre fenômenos naturais e sobrenaturais
é bem explícita na narrativa da guerra de Tróia na Ilíada de Homero, um entre
os maiores poemas épicos da Grécia antiga, composto no século VIII a.C. e que
teve profunda influência sobre a literatura ocidental. No texto pode ser lido
quando os deuses tomam partido dos gregos e dos troianos e influenciam os
acontecimentos em favor de um ou de outro. Portanto, fenômenos humanos e
naturais têm, nesse caso, causas sobrenaturais. Trata-se de uma explicação
causal, porém dada através da referência a causas sobrenaturais. A proposta
dos primeiros filósofos é romper com essa possibilidade, o nexo tem de ser a-
penas entre fenômenos naturais.
A explicação causal entre os fenômenos naturais possui um caráter re-
gressivo, explica sempre uma coisa por outra. É a possibilidade de buscar uma
causa anterior, mais básica, até o infinito. Cada fenômeno poderia ser tomado
como efeito de uma nova causa, que, por sua vez, seria efeito de uma causa
anterior, e assim sucessivamente, num processo sem fim. Isso invalida o pró-
prio sentido da explicação, pois, mais uma vez, a exposição levaria ao inexpli-
cável, a um mistério tal como no pensamento mítico. Para evitar a regressão ao
infinito da explicação causal surge a necessidade de se estabelecer uma causa
primeira, um princípio, ou um conjunto de princípios, que possa servir de ponto
de partida para o processo racional. Neste ponto nasce a noção de arché (ele-
mento primordial).
O Arché e o kosmos
Os filósofos começam postular a existência de um ponto de partida para
todo o processo do pensamento. O primeiro a formular essa noção é justamen-

1
ARISTÓTELES, Metafísica (trad. Leonel Valandro), Porto Alegre, Ed. Globo, Biblioteca dos Sé-
culos, 1969.
20 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

te Tales de Mileto, quando afirma que a Terra flutua como um disco boiando
sobre a água, no oceano, e que a água está presente em quase tudo que existe
na natureza, em seus três estados físicos; líquido, sólido e gasoso. Para ele, a
água (hydro) é o princípio e o fim de tudo. Tales escolheu esse elemento como
primordial influenciado, provavelmente, por antigos mitos do Egito e da Mesopo-
tâmia; regiões onde a água teve um papel crucial para o desenvolvimento de ci-
vilizações, principalmente em locais fluviomarinhos como a margens de rios, la-
gos e mares.
Segundo Tales, a água ao se resfriar torna-se densa e dá origem à terra e
ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando
novamente esfriados. Desse ciclo de seu movimento (vapor, chuva, rio, mar,
terra) nascem as diversas formas de vida, vegetal e animal. A hipótese de Tales
pode ser resumida nas proposições de que a terra flutua sobre a água; a água é
a causa material de todas as coisas e, em suas diferentes formas, é cheia de
deuses e poderes divinos. Foi também um dos primeiros pensadores a afirmar
que o ímã possui vida, pois atrai o ferro, tendo assim inaugurado a doutrina
magnética, básica para o desenvolvimento da “medicina magnética” que se
desdobra no mesmerismo, no kardecismo e, por fim, no hipnotismo.
A busca por um elemento real que dá unidade à natureza é a contribuição
mais importante de Tales, elegendo a água enquanto princípio para a explica-
ção do mundo, inaugura o pensamento filosófico. Para ele a água não era sim-
plesmente a substância encontrada em rios, mares, lagos e simbolizava um e-
lemento real, o mais básico, o mais primordial; presente em todas as coisas em
maior ou menor grau. No imaginário coletivo a água vai se tornando também re-
ferencia indispensável para a explicação de todas as coisas questionáveis, se
transforma em um elemento mágico capaz de promover a cura para o corpo e a
purificação para a alma humana. Passa a ser a fonte de explicação para o que
não se pode compreender.
Os discípulos de Tales elegem outros elementos como sendo primordial
para a explicação do mundo, como exemplo, Anaximandro de Mileto (611-547
a.C.), discordando do mestre, identifica o arché não mais como um elemento
natural, mas no apeíron, termo grego que indica o ilimitado, o infinito, uma reali-
dade sem limites e sem fronteiras, um princípio abstrato significando algo de i-
limitado, indefinido, subjacente à própria natureza. Anaximandro dizia que a ori-
gem de tudo está no movimento eterno que resulta na separação dos contrá-
rios; como o quente e o frio, o seco e o úmido. Neste sentido, como forma expli-
cativa da vida, do mundo e do Universo, o pensamento teológico, impõe tam-
bém contrários como o bem e o mal, a virtude e o pecado, o sagrado e o profa-
no, o céu e o inferno, anjos e demônios, Deus e o diabo.
Anaximandro é contraditado por Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.)
quando afirma ser o ar o princípio e o fim de tudo, dizia que esse elemento se
diferenciava nas substâncias por refração e condensação; atenuado torna-se
fogo; condensado, vento; ao crescer a condensação, transforma-se em água e
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 21
depois em terra, pedras e tudo mais na natureza. Mas, os gregos também pas-
sam a compreender o ar pela expressão pnêuma, ou seja, o vento quente e ra-
refeito, de natureza mais espiritual do que material, presente em cada ser vivo e
que se exala do corpo como no último suspiro. O ar de Anaxímenes passa a ser
entendido como o princípio da vida, algo que entra e sai do corpo, entre o nas-
cimento e a morte, por isso passa a significar mais do que uma substancia natu-
ral. Dessa idéia mais tarde deriva a concepção de alma e sua imortalidade. A-
romatizar o ar passa a ser entendido como forma de melhor sentir sua presença
capaz de promover benefícios mágicos para o ser humano.
Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.) recebeu o cognome de "pai da dialética",
problematiza a questão do devir (mudança) e dizia ser o fogo o princípio expli-
cativo para tudo que fosse questionável, para ele tudo muda e tudo flui. Dizia
que todas as coisas podem ser transformadas em fogo e que o fogo pode se
transformar em todas as coisas. Mas, o pensamento de Heráclito parece ser
metafórico, compara a ação do fogo com a ação da moeda pela capacidade
que ambos têm de transformar as coisas. Dizia que do mesmo modo como se
troca o ouro, no sentido de moeda, por todas as coisas, tudo pode ser trocado
por ouro. 2 Suas idéias sobre o fogo, como elemento primordial ou metáfora ex-
plicativa, no conceito popular ganha relevância. Além do seu poder de exercer
fascinação, o fogo já não se limita apenas à iluminação ou outros serviços; pas-
sa a representar mais uma facilidade na relação do humano com o divino. Pa-
radoxalmente a filosofia que surge em substituição ao pensamento mítico, a ca-
da passo o fortalece.
Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.), natural da colônia dórica de A-
grigento, na Sicília, realizou uma síntese filosófica e propôs uma explicação ge-
ral do mundo, considerando todas as coisas como resultantes da fusão do que
considerou os quatro princípios eternos e indestrutíveis; a terra, o fogo, o ar e a
água. Acreditava que esses elementos são misturados ou separados pela ação
do amor ou pelo ódio. Tese retomada por Platão (428-347 a.C.) e difundida em
toda a Antigüidade, chegando até o período moderno nas especulações da al-
quimia no Renascimento até o surgimento da química moderna no século XVIII,
quando em 1789, Antoine-Laurent Lavoisier publicou a primeira lista de elemen-
tos químicos. Depois de Empédocles, Demócrito de Abdera acrescenta mais
um elemento, o átomo, acreditava que tudo era composto por átomos e vazio.
O atomismo de Demócrito passa a ser a medida explicativa de tudo.
Pitágoras (570-500 a.C.) identificou o arché no número, afirmando que
cada figura geométrica e, portanto, cada corpo existente, pode ser pensado
como quantidade finita de elementos-base unitários. Com a certeza de que tudo
é número e tudo pode ser quantificado em números, Pitágoras construiu a pri-
meira matemática e elaborou uma metafísica, um ideal de ordem, racionalidade
e harmonia universal. Para ele o número não era um ente abstrato, mas algo
2
NICOLAS, Ubaldo. Antologia ilustrada de filosofia: das origens à idade moderna (trad. Maria
Marghrita De Luca), São Paulo, Ed. Globo, 2005.
22 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

concreto e real com uma dimensão espacial; os números são figuras como e-
xemplo o quadrado, o triângulo e o circulo que se apresentam como um ente in-
termediário entre a aritmética e a geometria e é capaz de explicar o mundo. Daí
se desenvolve a numerologia.
No que se refere à magia, Pitágoras também se revela como crédulo das
culturas curativas arcaicas baseadas no pensamento mítico. Isso é demonstra-
do pela lista de estranhas regras de purificação da alma que impôs aos seus
discípulos. Algumas ações eram absolutamente proibidas por motivos religio-
sos, como exemplo, não comer favas; não recolher o que caiu; não tocar em um
galo branco; não partir o pão para comer; não saltar sobre traves; não atiçar o
fogo com ferro; não morder um pão inteiro; não partir as guirlandas; não se sen-
tar sobre um jarro; não comer coração; não se olhar em um espelho perto do
fogo; alisar a marca do corpo ao levantar-se na cama. Outra idéia de Pitágoras
é a de que os Astros produzem no seu movimento uma música perfeita e divina,
literalmente celestial, a música das estrelas não é percebida pelos homens por
não serem estes perfeitos ou refinados do ponto de vista da suprema purifica-
ção da alma.
Pitágoras foi o primeiro filosofo acidental a sustentar a existência da alma
e sua transmigração de um copo para outro no momento da morte. Para ele,
devido à culpa anterior, a alma é obrigada a reencarnar sucessivamente, nem
sempre em corpos humanos, mas também em animais, em um ciclo que só é
interronpido após a purificação. Esta teoria conhecida como metempsicose, pro-
fessada no oriente pelas religiões hinduísta e budista, chegou à Grécia com a
seita misteriosa dos Órficos, cresceu com os ensinamentos de Pitágoras e de-
pois foi assumida por Platão como explicação da anamnese ou reminiscências.
Anamnese, em grego, significa recordação, reminiscências. O termo indi-
ca a teoria de origem mítico-filosofica com que Platão tenta explicar o problema
do conceito e do conhecimento em geral. Segundo sua hipótese a alma, no
sentido da mente humana, não adquire conhecimento a partir do exterior, mas
recorda no seu interior, aquilo que outrora adquiriu e depois esqueceu. Reto-
mando a teoria da metempsicose de Pitágoras, Platão também acha que as al-
mas transmigram de um corpo para outro, mas antes de ocupar um novo corpo
têm a possibilidade de contemplar as idéias, o modelo perfeito das coisas. Este
conhecimento, perdido no esforço do nascimento, é posteriormente despertado
pela observação das coisas. Assim, a percepção do mundo externo não fornece
nenhum conhecimento, somente o estimulo à recordação. O conhecimento dá-
se por meio de uma visão intelectual, quando o ser humano consegue reconhe-
cer na complexidade do mundo real as formas essenciais e prototípicas, ou se-
ja, as idéias.
Para os filósofos compreender o mundo era necessário outro princípio, o
Kosmos. O significado do termo para os gregos liga-se diretamente às idéias de
ordem, harmonia, circularidade e serenidade representada pelos Astros e pelo
espaço celeste. O belo resulta da harmonia das formas vistas no Cosmo; daí a
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 23
origem do termo “cosmético” como símbolo de beleza. A visão do Cosmo dis-
tinguia a natureza celeste da natureza terrestre, o mundo supralunar e o mundo
sublunar que se opunham, um como perfeito e o outro imperfeito. O imperfeito
corruptível e perecível se opõe ao perfeito que é eterno e imutável.
As coisas terrestres eram imperfeitas, mas ao contrário da Terra, os As-
tros celestes eram vistos como perfeitos pela sua forma circular, de movimentos
uniformes, sem começo nem fim, sempre girando em torno de um ponto central
do qual não se afasta nem se aproxima, habitação dos seres perfeitos e eter-
nos. O Cosmo, entendido como ordem, se opõe ao caos que seria precisamen-
te a falta de ordem. Passa a ser contemplado pelos pensadores como o mundo
real, natural e ordenado de acordo com certos princípios racionais, em que cer-
tos elementos são mais básicos e se constitui de forma determinada, tendo a
causalidade como lei principal.
A astrologia é envolvida pelo pensamento mítico com a idéia de um Cos-
mo finito, esférico, fechado sobre si mesmo, inteiramente contido na esfera dos
céus, a Terra imóvel em seu centro e fora do qual, como diz Aristóteles, nada
existe, nem lugar, nem tempo. Os Astros celestes, principalmente os noturnos
como a Lua e as Estrelas, passam a representar o modelo para a vida humana,
espelham a virtude, representam a idéia de perfeição que deveria influenciar o
humano, suas atitudes e sua existência. Dessa filosofia deriva a convicção da
influência dos Astros na vida e no destino das pessoas, é como se a vida de
cada um estivesse escrita nas estrelas.
Há na concepção grega o pressuposto de correspondência entre a razão
humana e a racionalidade do real para a compreensão do Cosmo. É a raciona-
lidade do mundo que o torna compreensível ao entendimento humano, a ordem
do Cosmo é vista como uma ordem racional, uma realidade possível de ser
compreendida. É porque este real pode ser compreendido que se pode fazer
ciência, isto é, tentar explicá-lo teoricamente. Daí se origina o termo “cosmolo-
gia”, como explicação dos processos e fenômenos naturais e como teoria geral
sobre a natureza e o funcionamento do Universo.
O Lógos e o Crítico
Para o grego compreender o mundo faltava mais um princípio, a argu-
mentação da realidade, o discurso, o lógos. O termo significa literalmente dis-
curso e é com tal acepção que é explicitado, por exemplo, em Heráclito de Efé-
so. O lógos enquanto discurso difere fundamentalmente do mythos, narrativa de
caráter poético que recorre aos deuses e ao mistério na descrição do real. É
uma explicação em que razões são dadas no discurso dos primeiros filósofos,
explicando o real por meio de causas naturais.
Lógos são razões argumentativas, frutos não de uma inspiração ou de
uma revelação, mas simplesmente do pensamento humano aplicado ao enten-
dimento da natureza. É, portanto, o discurso racional em que as explicações
são justificadas e estão sujeitas a critica e à discussão (disso deriva o termo
“lógica”). Heráclito caracteriza a realidade como tendo um lógos, ou seja, uma
24 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

racionalidade que seria captada pela razão humana. Um dos pressupostos bá-
sicos da visão dos primeiros filósofos é a correspondência entre a razão huma-
na e a racionalidade do real, o que tornaria possível um discurso racional sobre
o real.
Para construir o lógos era necessário o crítico, um dos aspectos mais fun-
damentais do saber que fundamenta as primeiras escolas de pensamento, so-
bretudo na escola jônica. O caráter crítico impedia que as teorias formuladas
fossem dogmáticas, apresentadas como verdades absolutas e definitivas, mas
como teorias passíveis de serem discutidas, de suscitarem divergências e dis-
cordâncias, de permitirem formulações e propostas alternativas. Como se trata
de construções do pensamento humano, de idéias de um filósofo, e não de ver-
dades reveladas de caráter divino ou sobrenatural, estão sempre abertas à dis-
cussão, à reformulação, a correções. Isso aconteceu na escola de Mileto com
os dois principais seguidores de Tales, Anaxímenes e Anaximandro, quando
não aceitaram a idéia do mestre de que a água seria o elemento primordial e
postulam outros elementos como tendo esta função.
Nas escolas filosóficas o debate, a divergência e a formulação de novas
hipóteses eram estimulados, a única exigência era que as propostas divergen-
tes pudessem ser justificadas, explicadas e fundamentadas por seus autores e
submetidas à crítica. O que é acrescentado de novo na filosofia grega, não é a
substituição dos mitos por algo mais “científico”, mas sim uma nova atitude em
relação aos mitos, a atitude crítica. Em lugar de uma transmissão dogmática da
doutrina, na qual todo o interesse consiste em preservar a tradição autêntica,
encontra-se uma tradição crítica da doutrina.
Outros pensadores começam a fazer perguntas a respeito do mito, duvi-
dam de sua veracidade, a dúvida e a crítica tornam-se agora parte da tradição
da filosofia. Uma tradição superior que substitui a preservação tradicional do
dogma e, em lugar da teoria tradicional, do mito, encontra-se a tradição das teo-
rias que criticam a si mesmas e, no decorrer dessa discussão crítica, a obser-
vação é adotada como testemunha dos fatos. Não foi por mero acaso que Ana-
ximandro, discípulo de Tales desenvolveu uma teoria que divergia explícita e
conscientemente de seu mestre, e que Anaxímenes, discípulo de Anaximandro,
tenha também divergido. A explicação parece ser que o próprio fundador da es-
cola tenha desafiado seus discípulos a criticarem sua teoria, e que eles tenham
transformado, com esta atitude de fazer crítica, a tradição da escola, trocando o
dogma pela reflexão do pensamento.
O Cosmo passa a ser entendido pela astrologia, existe agora uma forma
de conhecimento racional sobre os Astros, e surgem os pensadores astrôno-
mos. Mas, até o século XVI e o início do XVII o pensamento ainda estava im-
pregnado do ocultismo e da magia. A Igreja incorpora e defende o pensamento
filosófico; passa a impor a idéia de que o mundo acima da Lua era reservado à
habitação das substâncias mais puras, mais perfeitas e divinas, superiores so-
bre o mundo imperfeito das coisas terrestres. A filosofia e a Igreja caminham
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 25
juntas e, sob os ditames divinos, reforça que o mundo cósmico é capaz de e-
xercer influência sobre as formas de vida existente na Terra. Tinham como
pressuposto básico a existência de um mundo perfeito supralunar, habitado por
seres perfeitos do qual os humanos, por serem mortais, são apenas cópias im-
perfeitas.
No século V, a invasão dos bárbaros irrompendo de todos os lados, des-
truindo no Ocidente a civilização romana, inicia a Idade Média, provocando no-
vas condições políticas e sociais, adversas à conservação e ao desenvolvimen-
to da cultura intelectual. É um período de estagnação intelectual em que não
houve filosofia propriamente dita, mas houve a preocupação de salvar os res-
tos da cultura que estava sendo arruinada com as invasões de povos nômades
como os visigodos, suevos, ostrogodos, francos e principalmente os vândalos.
O grande trabalho dos intelectuais dos primeiros séculos medievais, não
foi criar, mas compilar. E se deve principalmente aos monges, que recolheram
em seus conventos muitos manuscritos antigos, que revelavam as sabedorias
dos séculos anteriores. Aos poucos, porém, os bárbaros, vencedores, acomo-
daram-se à nova situação política e passaram a aceitar os usos e costumes
dos povos vencidos, convertendo-se ainda ao Cristianismo. Com isso houve
um ressurgimento da cultura e gradativamente as manifestações intelectuais
apareceram como doutrinas teológico-filosóficas, que passam a dominar na I-
dade Média. Entre o século IX e o XVII o pensamento filosófico se caracteriza
pelo problema da relação entre a fé e a razão, associando a filosofia greco-
romana à teologia cristã.
Apoiada na crescente influência religiosa, a Igreja passou a exercer impor-
tante papel político na sociedade medieval. Desempenhou, por exemplo, a fun-
ção de órgão supranacional, conciliador das elites dominantes, contornando os
problemas da fragmentação política e das rivalidades internas da nobreza feu-
dal. Conquistou, também, vasta riqueza material tornando-se proprietária de
aproximadamente um terço das áreas cultiváveis da Europa ocidental, numa
época em que a terra era a principal base de riqueza. Assim, pôde estender
seu poder hegemônico sobre diferentes regiões européias e impor-se como de-
tentora da revelação divina, se anunciado como a única fonte de verdade.
Filósofos eclesiásticos
Desde que surgiu o cristianismo, tornou-se necessário explicar seus ensi-
namentos às autoridades romanas e ao povo em geral. A Igreja católica sabia
que seus preceitos não podiam simplesmente serem impostos, tinham de ser
apresentados de maneira convincente. Foi assim que os primeiros Padres se
empenharam na elaboração de textos sobre a fé e a revelação divina. O con-
junto desses textos, inspirada na filosofia greco-romana, tentou munir a fé de
argumentos racionais e ficou conhecido como patrística, por terem sido escritos
principalmente pelos grandes Padres da Igreja. No plano cultural, a Igreja pas-
sa a exercer amplo domínio, trançando um quadro intelectual em que a fé cristã
era o pressuposto fundamental de toda sabedoria humana.
26 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

A Igreja Católica concedia, através de decreto do Papa, o título de Douctor


Ecclesice (Doutor da Igreja) para àqueles Padres que mais escreviam sobre a
doutrina católica, ou que, com maior profundidade, zelo e eloqüência a defen-
diam. Muitos foram os escritores eclesiásticos que receberam esse titulo por
defender a fé associada com a razão. Entre outros, destacam-se Orígenes,
Clemente de Alexandria, Gregório de Nazianzo, Cirilo de Alexandria, Santo
Ambrósio e Santo Agostinho.
À medida que a Igreja se tornava a instituição mais poderosa do Ocidente,
a filosofia de Santo Agostinho definia a cultura da época. Educação e cateque-
se praticamente se equivaliam; as escolas eram orientadas para a formação de
membros do clero, ficando em segundo plano a transmissão dos conteúdos tra-
dicionais. O conhecimento tinha lugar central na filosofia de Santo Agostinho,
mas ele se confundia com a fé "Compreender para crer, crer para compreen-
der", era uma filosofia condicionada à fé religiosa e, especificamente, à ética
cristã.
A educação conhecida como patrística, termo que se refere aos padres
Magister Ecclesice (Mestres da Igreja), ensinava, instruía e doutrinava estimu-
lando acima de tudo a obediência incontestável ao clero e sua rígida hierarquia.
A disciplina rigorosa era a forma de praticar a resignação e a humildade diante
do desconhecido. A subordinação era a forma de treinar o controle das paixões
para merecer a salvação numa suposta vida após a morte.
Para a Igreja o conhecimento tinha por base a crença irrestrita ou na ade-
são incondicional às verdades reveladas por Deus aos homens. Verdades ex-
pressas na Bíblia e devidamente interpretadas segundo a autoridade da Igreja.
De acordo com a doutrina católica, a fé representava a fonte mais elevada das
verdades reveladas, especialmente aquelas essenciais ao homem e que dizem
respeito à sua salvação. Neste sentido, afirmava Santo Ambrósio (340-397)
“Toda verdade, dita por quem quer que seja, é do Espírito Santo”. Assim, toda
investigação filosófica ou científica não poderia, de modo algum, contrariar as
verdades estabelecidas pela fé católica. Segundo essa orientação, os filósofos
não precisavam se dedicar à busca da verdade, pois ela já havia sido revelada
por Deus aos homens. Restava-lhes, apenas, demonstrar racionalmente as
verdades da fé.
Embora tenha vivido nos últimos anos da Idade Antiga, que se encerrou
com a queda do Império Romano, no ano de 476, Santo Agostinho (354-430)
foi o mais influente pensador ocidental dos primeiros séculos da Idade Média. A
ele se deve a criação de uma filosofia que, pela primeira vez, deu suporte ra-
cional ao cristianismo; numa época em que a cultura helenística (baseada no
pensamento grego) havia entrado em decadência e a nova religião conquistava
cada vez mais seguidores, embora se fundamentasse quase que exclusiva-
mente na fé e na difusão espontânea.
Outros pensadores já haviam se dedicado à revisão da cultura clássica
(greco-romana) para adaptá-la aos novos tempos. Era uma forma de mostrar
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 27
aos indecisos que a conversão ao cristianismo não seria incompatível com ma-
neiras de viver e de pensar a que estavam acostumados. Entre os pensadores
gregos, o que mais se prestava à construção de uma filosofia cristã era Platão
e a escola de pensamento, nos primeiros séculos da Idade Média, ficou conhe-
cida como neoplatonismo.
No século VIII Carlos Magno, convertido ao catolicismo, resolveu organi-
zar o ensino por todo o seu império e fundar escolas ligadas às instituições ca-
tólicas. A cultura greco-romana, guardada nos mosteiros até então, voltou a ser
divulgada, passando a ter uma influência mais marcante nas reflexões da épo-
ca. Na educação romana, começaram a ser ensinadas as matérias: gramática,
retórica e dialética (o trivium) geometria, aritmética, astronomia e música (o
quadrivium). Todas elas estavam, no entanto, submetidas à teologia. A funda-
ção dessas escolas e das primeiras universidades do século XI fez surgir uma
produção filosófico-teológica denominada escolástica (de escola).
A queda do império romano aconteceu com a deposição do último monar-
ca pelos germânicos. Os quase mil anos seguintes seriam englobados pelos
historiadores no período da Idade Média, que tem entre suas características
principais o domínio da Igreja Católica sobre quase todas as atividades huma-
nas. A filosofia de Santo Agostinho domina a primeira fase da Idade Média
(mais ou menos até o século XI), marcada por guerras constantes, decadência
das cidades, pulverização do poder político e internacionalização da cultura por
meio da Igreja. É uma época em que a educação é eminentemente religiosa e
a ciência avança pouco e se difunde menos ainda.
A partir do século XIII, o aristotelismo penetrou de forma profunda no pen-
samento escolástico, marcando-o definitivamente. Isso se deveu à descoberta
de muitas obras de Aristóteles, não descobertas até então, e à tradução para o
latim de algumas delas, diretamente do grego. A busca da harmonização entre
a fé cristã e a razão manteve-se, no entanto, como problema básico de especu-
lação filosófica. Nesse sentido, o período escolástico pode ser dividido em três
fases:
• Fase um (do século IX ao fim do século XII): caracterizada pela
confiança na perfeita harmonia entre fé e razão.
• Fase dois (do século XIII ao princípio do século XIV): caracterizada
pela elaboração de grandes sistemas filosóficos, merecendo desta-
ques nas obras de Tomás de Aquino. Nesta fase, considera-se que
a harmonização entre fé e razão pôde ser parcialmente obtida.
• Fase três (do século XIV até o século XVI): decadência da escolás-
tica, caracterizada pela afirmação das diferenças fundamentais en-
tre fé e razão.
A escolástica chega ao seu ápice com Santo Tomás de Aquino (1225-
1274), é quem que proporciona ao pensamento cristão uma filosofia que con-
verge não apenas o pensamento patrístico e escolástico, mas também o pen-
samento helênico, enriquecido com a filosofia aristotélica. Considera também a
28 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

filosofia como absolutamente distinta da teologia, - não oposta - visto ser o con-
teúdo da teologia arcano e revelado, o da filosofia evidente e racional. Inaugura
a fase do Tomismo, adotada oficialmente pela Igreja Católica, que considera
como a solução definitiva do problema das relações entre a razão e a fé. O
Tomismo se caracteriza pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristia-
nismo, rompendo com todas as doutrinas que não se harmonizavam com os
princípios da filosofia aristotélica.
Tomás de Aquino trata de duas formas o conhecimento: a filosofia e a
teologia; a primeira funda-se no exercício da razão humana; a segunda, na re-
velação divina. São independentes, mas apresentam às vezes o objeto material
comum, como exemplo, a existência de Deus, a essência da alma, a revelação
intuitiva. A distinção entre essas formas de conhecimento deriva mais do objeto
formal, pois a teologia estuda o dogma pelo método da autoridade ou revela-
ção, ao passo que a filosofia o considera por demonstração científica ou pela
razão.
A doutrina tomista admite que a alma, princípio espiritual, se junta ao cor-
po, princípio material, constituindo um composto substancial. Assim, as plantas
têm uma alma, é a "alma vegetativa", com as funções de alimentação e repro-
dução; nos animais, é a "alma sensitiva", com as funções anteriores, mais a
sensação e mobilidade; finalmente, o homem com todas as funções anteriores,
mais a racional. No concernente às propriedades da alma humana, admite o li-
vre-arbítrio, que é estudado sob todos os seus aspectos e todos os problemas
dele derivados são resolvidos com firmeza e profundidade. Tomás de Aquino
considera ainda a inteligência como a faculdade mais perfeita de nossa alma.
Sustentado pela filosofia, o pensamento teológico do século XVI e XVII
ainda defendia que os Astros, perfeitamente lisos e esféricos, eram o oposto ao
mundo imperfeito do dia a dia dos homens. A concepção da Terra não perfeita,
não lisa como os Astros do céu, induzia a crença de que as montanhas existem
em virtude do pecado de quem habitava esse mundo fechado, no topo do qual
estava seu “teto”; o céu habitado por Deus, lugar para onde se dirigiam os ho-
mens bons depois da morte. Essa forma de pensar confirma as idéias de Pitá-
goras e depois Platão quando justificam a condição de mortal do ser humano,
separando o corpo da alma, dando-lhe eternidade, após a morte, para viver no
mundo perfeito como recompensa por ter tido uma vida terrena de virtudes.
A Igreja católica parece incorporar definitivamente em seus rituais, repre-
sentações, valores e idéias dos primeiros filósofos. A noção de physis e casua-
lidade, o arché, o kosmos, o crítico e o logos, relacionados por Aristóteles, es-
tão presentes na filosofia teológica, independentemente das diferentes interpre-
tações dadas pelos filósofos eclesiásticos. A prática religiosa conserva os ele-
mentares como a água e o sal no batismo, o ar no incenso, o fogo nas lampari-
nas e velas, o ouro, a prata e outros minerais na construção e decoração dos
templos e nos instrumentos litúrgicos. Os Astros compondo o mundo celestial
como idéia de perfeição, pureza e beleza divina.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 29
A ciência experimental
Ainda na Grécia antiga aparecem pensadores que, fazendo especulações
sobre os Astros celestes, iniciam a quebra do mito filosófico incorporado ao
dogmatismo da igreja. Aristóteles de Estagira explicou que as fases da Lua de-
pendem de quanto da parte de sua face é iluminada pelo sol e está voltada para
a Terra e, ainda, explicou como ocorre um eclipse. Heraclides de Pontus propôs
que a Terra gira diariamente sobre seu próprio eixo e que Vênus e Mercúrio gi-
ram em órbita do Sol. Aristarco de Samos foi o primeiro a propor que a Terra se
movia em volta do sol, antecipando as idéias de Copérnico em quase dois mil
anos. Eratóstenes de Cirênia (240-194 a.C.), foi diretor da biblioteca Alexandri-
na e o primeiro a medir o diâmetro da Terra. Hiparco de Nicéia, considerado o
maior astrônomo da era pré-cristã, construiu um observatório na ilha de Rodes,
onde fez observações durante o período de 160 a 127 anos a.C. O último as-
trônomo importante da antiguidade foi Ptolomeu que, afirmando ser a Terra o
centro do Universo, cria o modelo geocêntrico.
Quanto mais se especulava sobre o mundo Cósmico, mais o homem de-
sejava voar ou, de algum modo, conquistar esse privilégio. Esse desejo funda-
menta-se em uma ambição muito antiga; a mitologia, a arte e a literatura de to-
das as épocas e culturas estão repletas de imagens de homens-pássaros e do
anseio humano de alcançar os céus. Uma das figuras mais célebres da mitolo-
gia grega é Ícaro, filho do arquiteto Dédalo de Creta. Para que Ícaro fugisse da
ilha onde estava aprisionado, seu pai construiu-lhe asas de cera. Ícaro conse-
guiu escapar, mas sua ambição o levou a um vôo tão alto que o Sol acabou por
derreter a cera. Ícaro caiu no mar e morreu.
Entre a Baixa Idade Média (século XI ao XV) até a Idade Moderna (século
XV ao XVIII), para a Igreja as estrelas e os planetas estavam todos fixos na a-
bóbada celeste e a Terra era o centro do Universo. Mas, nessa mesma época,
tem inicio outra forma de pensamento, a ciência experimental, que vai transfor-
mar gradativamente a reflexão filosófica em algo mais objetivo, direto, concreto,
portanto, experimentável. Com essa nova visão de mundo, a observação dos
Astros celestes continua encantando muitos pensadores, entre eles Nicolau
Copérnico que estabeleceu o Modelo Heliocêntrico (O Sol como centro do Uni-
verso) e criou conceitos importantes. Observou que a Terra é um dos seis pla-
netas, então conhecidos, Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, gi-
rando em torno do Sol. Deduziu que quanto mais perto do Sol está o planeta
maior é sua velocidade orbital. Baseado em Copérnico, Kepler cria a Lei das
Órbitas Elípticas, afirma que a distância do Sol ao planeta varia ao longo de sua
órbita. Cria também a Lei das Áreas, afirmando que a reta unindo o planeta ao
Sol varre áreas iguais em tempos iguais e finaliza com a Lei Harmônica, estabe-
lecendo que planetas com órbitas maiores se movem mais lentamente em torno
do Sol.
Até o século XVI e no início do XVII, mesmo com o avanço do conheci-
mento sobre o Universo, a Igreja ainda conservava o pensamento dos antigos
30 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

filósofos, impregnado do ocultismo, travando o desenvolvimento da ciência.


Mas, pouco a pouco foi perdendo a autoridade para impor sua “revelação” e o
fosso entre a religião e a Ciência tornou-se intransponível. Francis Bacon con-
testa afirmando que o papel da Igreja deveria ser o de apenas responder ques-
tões sobre Deus e não explicar a natureza. Dizia ser competência humana in-
vestigar, através da observação e da experimentação dos fenômenos, para que
a natureza revelasse seus segredos. Bacon inaugura uma nova forma de pen-
samento, tendo como principal edificador Galileu Galilei (1564-1642).
Embora a tradição filosófica do saber aristotélico, incorporada à teologia
católica sustentada pela Igreja e ensinada nas escolas, viesse sendo cautelo-
samente criticada, Galileu foi quem mais frontalmente se opôs, embora outros
os tenham antecedido como Giordano Bruno, Copérnico, Bacon; além dos seus
contemporâneos, Descartes, Campanella e Johann Kepler. Mas foi Galileu o
primeiro a formular o método experimental para se chegar à resposta. Foi o pri-
meiro a formular o problema crítico do conhecimento.
Entre todos os astrônomos, da Idade Média até a Moderna, Galileu Gali-
lei, italiano nascido em 1564, nas proximidades de Pizza, foi o mais brilhante.
Inventa a luneta e, com esse instrumento, transcende o limite da visão e dos
conhecimentos da época. Galileu viu o mundo celeste como ninguém antes de-
le tinha visto; as montanhas da Lua, os satélites de Júpiter e o anel de Saturno,
a constituição da Via Láctea e de várias nebulosas. Essa nova visão do Cosmo
consolidou o modelo heliocêntrico, embora a Igreja ainda impusesse o modelo
geocêntrico, Galileu sustentou a nova verdade contrária ao dogma da igreja.
Do ponto de vista da historia do conhecimento, Galileu foi o primeiro a es-
tabelecer uma linguagem adequada para interrogar a natureza, através do mé-
todo teórico experimental estabeleceu passos como a observação dos fenôme-
nos, a análise dos elementos constitutivos desse fenômeno, a indução e con-
firmação das hipóteses e a generalização dos resultados. Cria a teoria das ex-
periências coincidentes e estabelece o principio de Causa e Efeito para explicar
os fenômenos. Com isso inaugura o processo de pensamento no qual a respos-
ta se revela por dedução a partir dos fatos observados.
Galileu rompe definitivamente com a filosofia tradicional e cria seu método
científico baseado nas observações, nas vinculações do que via com as de-
monstrações quantitativas (matemáticas) dos fatos. Cria assim dois princípios
inseparáveis para a construção da pesquisa; a observação e a dedução. Da ex-
periência sensível dos fatos, da dedução necessária, seria inferida a solução do
problema investigado. Seu método pode ser resumido em quatro momentos:
• A observação imediata do fenômeno na sua complexidade.
• Resolução da complexidade nos elementos simples traduzíveis em re-
lações quantitativas, ou em linguagem matemática.
• Formulação de uma hipótese explicativa (momento teórico).
• A experimentação; verificação da hipótese com cálculo e experimento.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 31
Galileu passa dos fatos à idéia da sua conexão racional, e desta, volta
aos fatos, mas com a dedução de questionamentos. Suas observações se
transformam em provas e documentação contrária a tradição aristotélica medie-
val e a Igreja. Descobre que Copérnico tinha razão, o Sol estava no centro do
Universo e a Terra gira em torno dele. Com essas descobertas o homem perde
a certeza de sua saúde baseada na serenidade dos Astros e a certeza do Céu
como local de destino depois da morte. Tudo conta contra os dogmas da Igreja
e Galileu é, por isso, condenado pela Inquisição em 1633 e, para escapar da
fogueira, é obrigado a renegar suas afirmações. Morreu em 1642, aos 78 anos
de idade, completamente cego, sendo que sua cegueira foi atribuída pelo clero
como castigo divino.
Na investigação científica do Universo merece destaque também o astrô-
nomo alemão Johann Kepler (1571-1630), nascido em Weil der Stadt, na Swa-
bia, na Alemanha Sul-Ocidental. Adoentado desde o nascimento prematuro,
Kepler ainda criança sofreu de varíola e várias outras enfermidades. Em 1584
entrou no seminário protestante em Adelberg, e em 1589 na universidade pro-
testante de Tubingen, onde estudou principalmente teologia e filosofia, mas
também matemática e astronomia. Seu professor de matemática, embora proi-
bido pela Santa Inquisição de ensinar a teoria heliocêntrica de Copérnico, acre-
ditava nela e a transmitia discretamente aos alunos, apesar de oficialmente en-
sinar o sistema geocêntrico de Ptolomeu. Com menos de 25 anos de idade Ke-
pler tornou-se professor de Ciências na Universidade de Graz, na Áustria. Foi
ele quem primeiro suspeitou que os planetas apresentassem órbitas elípticas e
não circulares, como acreditava Copérnico.
Logo depois de ordenar-se pastor protestante, Kepler recebeu a oferta pa-
ra ser professor de astronomia em Graz, na província austríaca de Styria, desis-
tindo da carreira de sacerdote seguiu para Graz em 1594. Um de seus deveres
como professor era fazer predições astrológicas, previu corretamente um inver-
no rigoroso e, após isso, sua reputação aumentou. Absorvido na busca de um
modelo geométrico para o sistema de Copérnico chegou a uma teoria sem fun-
damento, a idéia de que um mundo perfeito seguiria as leis da geometria e as
órbitas dos 6 planetas então conhecidos deveriam circunscrever os cinco sóli-
dos regulares possíveis; a órbita da terra, a medida para as demais órbitas, cir-
cunscreveria um dodecaedro. Os resultados coincidiram com a maior parte das
precárias observações baseadas nas idéias de Pitágoras, e Kepler, satisfeito,
publicou sua teoria em Mysterium Cosmographicum (O mistério do Universo).
As idéias de Kepler impressionaram a Tycho Brahe, o famoso astrônomo
e matemático da corte do imperador em Praga que o convidou para integrar sua
equipe de astrônomos e incumbiu-o de calcular a órbita de Marte. A astronomia
aristotélica em vigor partia da pressuposição de que os corpos celestes descre-
viam órbitas circulares uniformes, eram homogêneos e perfeitos. O movimento
dos Astros era "natural", não tinha agente externo, pertencia ao corpo. Ignora-
va-se a gravidade.
32 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Com o falecimento de Tycho Brahe, Kepler assumiu o posto de matemáti-


co da corte e chefe do observatório. Dispondo agora de todas as informações
de que necessitava, compreendeu que as órbitas dos planetas eram em função
da atração solar e apenas das elipses. Concluiu que os planetas se movem se-
gundo a elipse e a velocidade dos planetas ao redor do sol variava na propor-
ção que se distanciavam para o extremo oposto da elipse ou se aproximam do
foco solar (perihélio). Quando o imperador Rodolfo inesperadamente abdicou
em 1611, Kepler decidiu abandonar Praga conseguindo um emprego de profes-
sor em uma pequena escola em Linz, na Áustria, em 1612. Onde publicou, em
1618, Epitome Astronomiae Copernicanae.
Durante certo tempo, Kepler manteve correspondência com Galileu, que
chegou a enviar-lhe um dos telescópios que construiu. Com esse instrumento,
confirmou a existência das "luas" de Júpiter, de cuja existência duvidava até en-
tão. Para designar esse tipo de corpo celeste, foi o primeiro a usar o termo "sa-
télite" que em latim significa: servente ou acompanhante. Ele também projetou
um telescópio e um microscópio, aperfeiçoando os que existiam até então, e fez
experimentos com a reflexão e a refração da luz. Escreveu também a obra
Somnium, em que narra a viagem que um homem realiza, em sonhos, até a
Lua e que contém descrições das superfícies desse satélite.
Do ponto de vista mítico, a descoberta de Kepler fez o povo acreditar
mais ainda na influencia dos Astros sobre a vida e a sorte, afinal estava com-
provada à idéia da existência de uma força universal e invisível que determina-
va o movimento dos Astros. O futuro também vai tornar realidade a sua narrati-
va do sonho de um homem a uma viagem a Lua.
Quanto mais se conhecia os segredos do Universo mais o homem tentava
construir máquinas de voar. Leonardo da Vinci, no início do século XVI, dese-
nhou esquemas de aparelhos muito parecidos com os atuais helicópteros. Para
isso, estudou a anatomia dos pássaros e seus movimentos de vôo, mas, apesar
de avançadas, suas concepções não saíram do papel porque faltava o conhe-
cimento das leis fundamentais da aerodinâmica que seriam formuladas posteri-
ormente por Isaac Newton.
À medida que a ciência se desenvolvia tornava-se mais viável o sonho de
voar e crescia o interesse da literatura pelo assunto. Nos séculos XVIII e XIX,
grandes escritores tentaram captar a força dos sentimentos quase mágicos pro-
vocados pela chamada "conquista do espaço". Em 1865, o romancista francês
Jules Verne, um dos pioneiros da ficção científica, lançou o livro com o título Da
Terra à Lua, contando a história de um homem enviado ao espaço dentro de
uma cápsula, impulsionada por uma espécie de canhão gigante.
Método Cartesiano-Newtoniano
O desenvolvimento das navegações, do comércio, da manufatura, as no-
vas terras que são incorporadas ao circuito comercial europeu, a afirmação da
burguesia mercantil por trás de quase todos os grandes empreendimentos, es-
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 33
pecialmente nas cidades portuárias, origem do sistema capitalista, modifica a
maneira de viver e afeta o plano das idéias. Os intelectuais ligados diretamente
à Igreja começam a ser substituídos por outros não comprometidos com dog-
mas religiosos.
No plano do conhecimento, quanto à racionalidade do sentido da vida,
também ocorrem mudanças e, entre os séculos XIV e XV, reaparece o huma-
nismo, doutrina que tem como princípio a idéia de que o homem é a medida de
todas as coisas, elaborada por Pitágoras. O século XVI retoma esse pensamen-
to, ou seja, o conhecimento do homem pelo homem, é a idéia de que o homem
se faz por si mesmo. Trata-se agora não do ser humano contemplar a natureza,
mas intervir nela, atuar sobre ela.
O humanismo ressurge como movimento nas artes, na literatura e na filo-
sofia durante o pré-renascimento italiano, que considera a volta à cultura e aos
ideais da antiguidade greco-romana como única maneira de restaurar e valori-
zar a dignidade do espírito humano. É uma reação contra a escolástica, o con-
junto das doutrinas oficiais da Igreja católica que tenta conciliar razão e fé e,
nesse sentido, opõe-se potencialmente às religiões reveladas, como o cristia-
nismo.
Na primeira metade do século XVII, René Descartes (1596-1650), seu
nome em latim era Cartesius, daí a expresão cartesiano, foi um filósofo e ma-
temático francês que ainda jovem tinha como ambição desenvolver um método
universal e cientifico de raciocínio que, aplicado a qualquer tipo de dado, produ-
zisse conclusões prontamente verificáveis. Repensou a filosofia da sua época,
desenvolvendo um corpo doutrinário segundo a imagem da “árvore do conhe-
cimento”, cujas raízes são a metafísica, o tronco a física, e os ramos as ciências
derivadas, de modo especial a medicina, a mecânica e a moral.
Descartes afasta-se dos processos indutivos de Galileu e propõe o méto-
do racionalista-dedutivo, afirmando ser o único meio científico para se chegar à
certeza. Seu método (cartesiano) é executado quando se pesa, mede e quanti-
fica, é totalmente fundamentado nas leis da física e instrumentalizado, sobretu-
do com o uso da Matemática e postula quatro regras básicas para se chegar á
verdade científica:
• Regra da evidência – Não acolher jamais como verdadeira uma coisa
que não reconheça como tal.
• Regra da Análise – Divide cada dificuldade em tantas partes quanto
necessárias para resolvê-la (reducionismo).
• Regra da Síntese – Conduzir ordenadamente os pensamentos, ou seja,
ordenando através de complexidade crescente.
• Regra da Enumeração – Realizar enumeração cuidadosa para ter cer-
teza de não haver omissões.
Descartes utilizava a dúvida metódica como instrumento básico de ra-
ciocínio contra o dogmatismo vigente na época. O seu método é analítico e im-
34 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

plica na decomposição do objeto em seus componentes básicos “penso, logo


existo”. Na sua visão toda a natureza divide-se em domínios distintos e inde-
pendentes; o da mente (res cogitans) e o da matéria (res extensa); “coisa pen-
sante” e “coisa extensa”, alma e corpo, sendo ambas determinadas por uma
terceira, eterna e infinita substância, Deus. Sob sua orientação intelectual, sur-
giu a concepção mecanicista; o homem-máquina habita o grandioso Universo-
máquina, regido por leis matemáticas perfeitas.
Descartes tornou-se o pai do conhecimento moderno (o conhecimento
cartesiano) e profeta do racionalismo moderno. Cria o método da investigação
científica, da organização sistemática, e faz surgir a metodologia da pesquisa
dando uniformidade ao pensamento. A certeza agora vem através da razão e a
verdade se revela a partir da: a) Observação do fenômeno b) Análise dos ele-
mentos constitutivos desse fenômeno c) Indução de hipóteses d) Verificação
das hipóteses e) Generalização dos resultados f) Confirmação das hipóteses.
O método de Descartes é fundamentado em quatro princípios básicos: 1)
Jamais aceitar alguma coisa como verdadeira sem ter certeza de que esta o é,
ou seja, evitando a precipitação e a prevenção (dúvida sistemática); 2) Dividir
os conceitos complexos em conceitos cada vez mais simples, facilitando o seu
entendimento e análise (reducionismo); 3) Ordenar os pensamentos de forma a
começar pelos mais simples avançando até os mais complexos, de maneira a
assegurar uma melhor compreensão dos mesmos; 4) Fazer o máximo de pos-
sibilidades para poder escolher a mais genérica e fazer o máximo de revisões
possíveis, para ter certeza de não esquecer de nada.
Utilizando os princípios dedutivo e indutivo e as regras de Descartes, no
início do século XVIII, Isaac Newton (1642-1727) matemático, físico, astrônomo
e teólogo inglês, publica como obra exponencial Os Princípios Matemáticos da
Filosofia Natural, que constitui a mais ampla e acabada sistematização da física
clássica, expondo os princípios e a metodologia da moderna pesquisa científica
da natureza. Graças a ele, estabeleceu-se a visão do mundo como uma espe-
tacular e perfeita máquina, movida por leis causais. Inicia o novo paradigma que
estuda as partes para se chegar ao todo e, nesta perspectiva, tudo é visto como
uma máquina e deve se entender cada peça para entender o que é o todo (a
máquina), reduzindo-se a sua menor parte, melhor será o entendimento pela
simplificação do problema. A verdade científica tem explicação mecânica (indu-
tiva) e não inferitiva. Esse novo método em busca de respostas passa a ser co-
nhecido como paradigma Cartesiano-Newtoniano. Uma referência a Descartes
e a Newton.
Isaac Newton é o fundador da Mecânica Clássica, foi quem estabeleceu,
a lei gravitacional defendida no seu livro Principia (1713), obtida a partir da ob-
servação dos fatos particulares, chega-se por indução ao estabelecimento da lei
geral e, a partir desta, por dedução, outros fatos particulares são também inferi-
dos. Superando o método empírico-indutivo de Bacon e Galileu e o racional-
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 35
dedutivo de Descartes, o seu sistema de pensamento científico unificou a me-
todologia da experiência e da matematização.
Foi Newton quem deu a explicação completa ao movimento e à forma
como as forças atuam criando a Lei da Inércia, Lei da Força, Lei da Ação e Re-
ação e estabeleceu os grupos de conceitos que conformam o substrato concei-
tual da ciência moderna; os conceitos de espaço e tempo absolutos e o de par-
tículas materiais, que se movimentam e interagem mecanicamente no espaço
tridimensional. Estabeleceu os conceitos de forças fundamentais distintas da
matéria e a descrição dos fenômenos em termos de relações quantitativas, e o
conceito de rigoroso determinismo e da possibilidade de uma descrição objetiva
dos fenômenos naturais.
O paradigma cartesiano-newtoniano consolidou-se no século XVIII, influ-
enciando o chamado Iluminismo, sendo um dos principais mentores desse mo-
vimento John Locke (1632-1704), filósofo inglês que, influenciado por Hobbes
(1588-1679), advogava o empirismo filosófico reduzindo o conhecimento ao seu
aspecto psicológico. Criticava a teoria do inatismo defendida por Platão (idéias
inatas existentes no espírito humano) e considerava não existir nenhuma ver-
dade autônoma, a mente era como um tipo de papel em branco, onde todo o
conhecimento seria gravado a partir da experiência sensível e da reflexão.
Foi a ciência cartesiano-newtoniana que concretizou o sonho do homem
voar e dominar os céus e, neste sentido, foi dado um grande salto em 1901,
ano em que o brasileiro Alberto Santos-Dumont fez um pequeno vôo em torno
da Torre Eiffel, em Paris, a bordo de um balão de hidrogênio equipado com um
pequeno motor a gasolina. Mas seu grande êxito seria em outubro de 1906,
com o histórico vôo do 14-Bis. Pela primeira vez um aparelho mais pesado que
o ar foi capaz de levantar vôo por meios mecânicos próprios. Começava ali uma
nova fase na história da humanidade.
Em outubro de 1957, os russos puseram em órbita o primeiro satélite da
Terra fabricado pelo homem, o Sputnik. Em abril de 1961, o russo Yuri Gagarin
tornou-se o primeiro homem a viajar em órbita em torno do planeta. Oito anos
depois o astronauta americano Neil Armstrong, entrava para a história como o
primeiro homem a pisar na Lua e avistar a Terra de lá.
Finalmente "Um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para
a humanidade", com essa frase Neil Armstrong registrou o momento em que pi-
sava o solo da Lua, em companhia do piloto Edwin Aldrin. O terceiro astronauta,
Michael Collins, permaneceu a bordo da nave Apollo XI. Em 20 de julho de
1969, a Terra inteira acompanhou pela TV uma das mais fascinantes experiên-
cias vividas pelo homem. Até hoje sondas continuam pesquisando planetas, es-
trelas e fenômenos em distâncias remotas, numa tentativa de satisfazer a curio-
sidade humana, provavelmente infinita como o Universo.
Em termos de compreensão do mundo, a percepção humana deu um e-
norme salto. Mas, no curso do desenvolvimento científico e tecnológico apare-
ceu uma série de problemas globais que prejudicam a vida humana de manei-
36 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

ras tão alarmantes que logo podem se tornar irreversíveis. Ao lado das grandes
conquistas espaciais, os cientistas criaram tecnologias e sistemas armamentis-
tas que ameaçam varrer a vida do Planeta. Serviu ao poder e a acumulação de
riquezas para poucos em detrimento do empobrecimento de muitos seres hu-
manos. O progresso da ciência também contaminou o meio ambiente e degra-
dou biosfera.
Com todo avanço do conhecimento muito pouco se viu no sentido de pre-
servar a vida coletiva e harmônica entre os seres e a natureza. Embora muito
se tenha conquistado no sentido de descobrir a imensidão do Universo, pouco
avanço ocorreu para desvendar a mente humana e o sentido da vida. Enfim, é
hora de iniciar uma nova forma de pensar que desenvolva o espírito crítico para
a autopreservação da vida de forma integrada e sistêmica. É hora de avançar
na conquista do espaço interior, na exploração do potencial da mente humana.
Ciência Sistêmica ou Holística
No final do século XIX, a física clássica encontrava-se em pleno apogeu,
com seus grandes pilares: a Mecânica, a Termodinâmica e a Eletricidade, mas
o paradigma mecanicista começou a ser abalado seriamente, nas primeiras dé-
cadas do século XX, pelas pesquisas dos fenômenos elétrico-magnéticos e a
natureza subatômica da matéria. Começava a surgir uma nova Física, facilitan-
do o surgimento de um novo paradigma, a noção cartesiano-newtoniana do
mundo como uma máquina torna-se, por fim, obsoleta e insustentável, encontra
oposição com um conjunto de conceitos que inicia uma nova forma de pensar.
É o início do novo paradigma; o nascimento da chamada visão sistêmica ou ci-
ência holística.
Albert Einstein (1879-1955) investigado a natureza subatômica da maté-
ria, questiona o mecanicismo perguntando como se explica, de forma mecânica,
a transmissão da luz e das ondas eletromagnéticas através de espaços com
ausência de matéria. Cria a teoria da relatividade, afirmando que todo conheci-
mento é relativo, a compreensão dos espaços vazios entre os elementos do á-
tomo de uma matéria sólida passa a negar as concepções da física ortodoxa. A
partir dele, pode-se dizer, inicia o paradigma Holístico ou Sistêmico como uma
nova tendência do pensamento.
O holismo substitui o mecanicismo, que vê o Universo como uma máqui-
na determinística, sem negar as características mecânicas que se apresentam
na natureza, percebe o Universo como uma rede de inter-relações dinâmicas e
orgânicas. Essa nova visão muito se deve a Karl Ludwig von Bertalanffy (1901-
1972), austríaco nascido em Viena, que desenvolveu a maior parte do seu tra-
balho nos Estados Unidos da América. Foi o fundador da Teoria Geral dos Sis-
temas, fez seus estudos em biologia e interessou-se desde cedo pelos orga-
nismos e pelos problemas do crescimento. 3

3
BERTALANFFY, Ludwig von. Teoría general de los sistemas, (trad. Juan Almela), Madrid, 2ª.
Fondo de Cultura Econômica, 1981.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 37
Bertalanffy, não concordando com a visão cartesiana do universo, colocou
uma abordagem orgânica da biologia e tentou fazer aceitar a idéia de que o
organismo é um todo maior que a soma das suas partes. Criticou a visão de
que o mundo é dividido em diferentes áreas, como física, química, biologia,
psicologia, etc. Ao contrário, sugere o estudo dos sistemas globais, de forma a
envolver todas as suas interdependências, pois cada uma das partes, ao serem
reunidas para constituir uma unidade funcional maior, desenvolve qualidades
que não se encontram em seus componentes isolados.
A linguagem de bloco, base para a análise dos sistemas, foi elaborada
por Bertallanfly e, a partir daí, facilitou investigar o objeto da pesquisa como um
subsistema que faz parte de sistemas maiores. A linguagem mostra o grande
bloco, no qual se enquadra o objeto de estudo e o todo composto de subsiste-
mas auto-organizados e interdependentes que isolados possui características,
elementos e padrões que se alteram no conjunto. Isso quer dizer que a parte se
transforma e, para se entender a parte, é preciso conhecer o todo.
A teoria da biologia sistêmica elaborada por Bertallanfly, associada às
contribuições de outros pesquisadores modernos, evolui para a Teoria Sistêmi-
ca da Vida; nada vive isoladamente. A nova visão da ciência nega o reducio-
nismo quando afirma que do todo se pode entender a parte e não da parte se
pode entender o todo. Considera que cada parte, quando analisada isolada-
mente, apresenta características que no todo se modificam.
Na ciência moderna o conceito do mundo é de um todo unificado e inse-
parável, é uma complexa teia de relações onde todos os fenômenos são deter-
minados por suas conexões com a totalidade. Essas conexões podem ser lo-
cais e não-locais, instantâneas e imprevisíveis, conduzindo a uma nova noção
de causalidade estatística, que supera e transcende a concepção clássica e li-
near de causa e efeito. Nesta perspectiva a realidade apresenta-se essencial-
mente dinâmica, não há inércia, passividade ou imutabilidade; tudo vibra e se
renova perpetuamente e o único que permanece é a mudança. Essa filosofia
abandona a idéia de constituintes fundamentais da matéria, não aceitando ne-
nhuma constante, lei ou equação fundamental. O Universo é descrito como uma
teia dinâmica de eventos inter-relacionados, cuja estrutura é determinada pela
coerência total de todas as suas inter-relações.
A idéia cientifica moderna cria uma visão inacessível à mentalidade carte-
siano-newtoniana. Surge uma realidade onde só há espaço, sem nenhuma divi-
são, onde toda fronteira é criação da mente humana. Não há lugar para teorias
definitivas diante do conceito de não-separatividade, de correlação, de teia de
interconexão, onde cada elemento de um campo é um evento refletindo e con-
tendo todas as dimensões desse campo. É uma visão do todo e cada uma de
suas partes, estreitamente ligadas, em interações constantes e paradoxais.
Nesta visão o todo é maior que a soma de suas partes, sendo que cada parte
contém o todo, mas o todo não contém a parte. Se uma parte for dissecada e
38 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

conhecida, no conjunto passa a ser desconhecida porque vai apresentar outras


propriedades que isoladamente não se revelam.
O paradigma holístico desenvolveu-se a partir de uma concepção sistêmi-
ca, nele subjacente, essa abordagem consiste na consideração de que todos os
fenômenos ou eventos se interligam e se inter-relacionam de uma forma global;
tudo é interdependente. A Natureza transcende a toda e qualquer noção de en-
tidade ou elemento, o Universo é uma teia dinâmica de eventos interconecta-
dos, onde cada partícula, de certo modo, consiste em todas as demais partícu-
las. Então, a abordagem holística pode ser assim sintetizada: a) Integra e ultra-
passa a dualidade e a dialética. b) Estimula a integração transdisciplinar. c)
Transcende e amplia as metas preestabelecidas. d) Estimula e encoraja a pes-
quisa de novos caminhos.
A maneira pela qual o pensamento se estruturou para produzir o conhe-
cimento mudou muito no decorrer dos séculos, mas, a cada mudança, reflete
fragmentos dos modos de produção e reprodução anteriores. É por isso que, de
certa forma, o conhecimento atual volta aos pré-socráticos, que não distinguiam
filosofia e mística, ciência de poesia e arte. Aristóteles denominou de física à fi-
losofia e esta abrangia a lógica, a ética, a estética e fenômenos da natureza e,
a partir daí, os filósofos tinham uma compreensão total da realidade.
Na nova visão de ciência é preciso um tipo de pesquisador; diferente da-
quele que rejeita tudo que não se enquadra na síntese dos dados científicos.
Este pesquisador deve ser, ao mesmo tempo, racional e intuitivo para buscar
além do raciocínio crítico, respostas para as questões do homem e da natureza.
Como alguém que encara os acontecimentos não como ocorrências separadas,
mas como elos num sistema. Na fase atual da pesquisa acadêmica todos os
ramos do conhecimento devem ser abrangidos pela transdisciplinaridade. Sem
negar a especialidade, a transversalidade dos temas entre si é que induz o
questionamento do real, numa abordagem aberta e evolutiva.
A verdade é que o pensamento científico, metódico, sistemático, respon-
sável pelo grande salto da humanidade, tem pouco mais de três séculos e o pa-
radigma científico do século XXI, apenas começando, já aponta respostas antes
imaginável. Na dedicação da conquista do Cosmo pouco avanço ocorreu para o
conhecimento de algo bem mais próximo, que ultrapassa os limites da lógica e
da razão, que mesmo perto está muito além dos limites dos olhares, além do
Céu e das Estrelas; a consciência do Universo Interior e sua auto-sustenção.
Assim, a ciência moderna reforça uma tese antiga e recomenda também que
nunca é demais relembrar a inscrição no Templo de Delfos, “homem, conhece-
te a ti mesmo e conhecerás o Universo”.
No estágio atual a humanidade crê tudo dominar e controlar, acredita que
nada possa escapar ou ultrapassar seus conhecimentos científicos, mas, por
não ter a ciência todas às respostas, o ser humano ainda recorre aos precon-
ceitos e mitos para explicar o que não pode compreender. No debate filosófico
da eterna busca do conhecimento, está amadurecendo teorias afirmando que a
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 39
sociedade humana caminhará para a evolução da consciência sobre as coisas
e não no domínio e controle das coisas. É uma nova forma de responder e
compreender questões sobre si mesmo e sobre a natureza do mundo.
O desenvolvimento da consciência envolve um conjunto de práticas que
requerem novos pensamentos, novos valores e novas atitudes com relação ao
mundo. Nesta nova era do pensamento, o homem não atribui à natureza um va-
lor apenas instrumental ou de uso excessivo, justificado pela competição e a-
cumulação de riqueza a qualquer custo. Embora aponte para o desejo de mu-
dar a forma de pensar e de agir, parece que o ser humano ainda não percebeu
completamente sua relação com a natureza. Mas, a nova visão de ciência já vê
o mundo como uma teia de fenômenos essencialmente inter-relacionados e in-
terdependentes.
O ser humano é um ser em evolução biológica e mental, na fase atual não
está no princípio, mas também está longe do fim do seu potencial evolutivo. Ex-
perimenta ainda um raquitismo psíquico que se traduz pelo prazer em ferir, não
apenas fisicamente, matando seres vivos para sua própria satisfação pessoal,
mas também no plano ético e moral, nesse processo subdesenvolvido encontra
prazer na ofensa, denegrindo e humilhando seu semelhante. Vive num ambien-
te de egoísmo, ambição, cobiça e orgulho que nutre o sentimento de vingança e
competição.
No futuro o ser humano saberá que sua própria ciência o tornou presun-
çoso; o fez pensar que a natureza está a seu serviço e não se viu como parte
interdependente dela. Ainda se imagina como sendo algo essencialmente sepa-
rado dos outros seres os quais considera como inferiores. Mas, o holismo reco-
nhece que todos os seres, inclusive o humano, estão inseridos nos processos
cíclicos da natureza e são dependentes deles. Quando essa percepção tornar-
se parte da consciência cotidiana, o apego a bens materiais cederá espaço pa-
ra um bem muito maior, a descoberta do potencial humano e seu desenvolvi-
mento mental, com base no extremo sentimento de benevolência, generosida-
de, caridade, justiça e fraternidade.
Embora a ciência tenha produzido grandes conquistas, pouco se sabe
sobre a essência humana; ainda não foi possível responder com precisão como
ocorrem os efeitos hipnóticos ou explicar os chamados transes e êxtases que
sempre ocorreram, desde o início da história das sociedades humanas até os
dias atuais, sem recorrer ao olhar mítico ou religioso. Mas um dia, no futuro, pa-
ra aliviar seus sofrimentos as pessoas vão saber buscar as soluções de seus
conflitos na sua força inata, sem recorrer ao misterioso, aos dogmas e mitos.
Isso depende apenas de uma nova consciência sobre si mesmo.
Pela nova visão da ciência, talvez o futuro próximo possa explicar o po-
tencial e o mecanismo inato que cada ser tem de promover sua própria cura e
bem-estar, além da compreensão de como “cada um carrega em si o dom de
ser feliz”, mesmo na adversidade. Se o novo paradigma do pensamento for re-
40 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

almente a solução para a descoberta da verdadeira sabedoria, envolvendo uma


nova consciência sobre a condição humana, só o tempo dirá.
A lógica econômica que sustenta as sociedades humanas no inicio do sé-
culo XXI parece falida, existe uma indicação clara de caos social que requer ur-
gentemente alterações de valores morais e éticos em todos os seguimentos.
Ocorre excessivo controle de proteção aos interesses corporativistas de peque-
nos grupos que prejudicam a qualidade de vida coletiva.
No mundo inteiro é assustador a degradação ambiental; pesquisas cientí-
ficas apontam que, nos últimos vinte e cinco anos, todas as formas de vida no
planeta estão em declínio, soma-se a isso a falta de horizonte para o futuro; da
expectativa de vida melhor para a população jovem, descrença e desolação pa-
ra a população idosa, falta também confiança nas instituições públicas, trabalho
digno e produção sustentável. No plano individual, nunca antes houve tanta
queixa de pânico, ansiedade, instabilidade do humor e outras formas de crises
emocionais e, como forma de superação, alívio ou fuga, nunca se recorreu tan-
to às psicoterapias ou ao consolo religioso.
Para vencer o caos social é necessário o despertar de uma nova consci-
ência, para isso, talvez seja imprescindível que o ser humano ajuste o pensa-
mento e o sentimento, mesclando a ação racional com a emoção, se afastar da
turbulência das competições egoísticas, do jogo de interesse, da aparência e da
arrogância. É preciso transcender o imediatismo da acumulação individual de
bens materiais para viver bem coletivamente, cultivando vínculos de confiança,
de fraternidade e de justiça plena.
Talvez um bom começo para a reconstrução de uma sociedade mais jus-
ta, seja aprender como respeitar as diferenças e valorizar o potencial que cada
um tem em si para desenvolver o dom de praticar o bem e estar pronto para
desencadear o bem coletivo. É necessário que todos reconheçam o seu direito
de ser feliz e ajudar o próximo a ser feliz, respeitar o direito à vida de todos os
seres e saber que o humano pertence à natureza e não é a natureza que lhe
pertence. Alguém que evolui nesse sentido, pensa e age como quem busca no
ideal de servir, a razão e o sentido da vida.
Hipnoterapia e Ciência
Processos e efeitos hipnóticos envolvendo rituais religiosos e procedimen-
tos de cura são características humanas, manifestadas em diferentes fases do
desenvolvimento da percepção e do pensamento, no decorrer da evolução das
civilizações. Por isso, explicações sobre o hipnotismo passam por caminhos de
muitos vieses, incorporam conceitos e pré-conceitos centrados no pensamento
mítico, mesmo quando se aproximam da ciência contemporânea, o hipnotismo,
equivocadamente, é quase sempre visto com algo mágico, distante da raciona-
lidade.
Trazer a hipnose para o conhecimento científico nasce quando, de acordo
com os padrões de ciência do século XIX, a noção de verdade depende, neces-
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 41
sariamente, de contar com o aval da ciência. E o conhecimento científico passa,
então, a ser aquele produzido em laboratórios, com o uso de instrumentos de
observação e medição. Com o surgimento do Positivismo, sistema filosófico i-
dealizado por Augusto Comte (1798-1857), filósofo francês do século XIX, que
postulava a necessidade de um maior rigor científico na construção dos conhe-
cimentos nas ciências humanas e recomendava a explicação teórica para as
observações práticas, a própria filosofia adapta-se aos novos tempos. Neste
sentido, justifica o austríaco Fritjof Capra, físico, cientista e ambientalista, atu-
almente vivendo em Berkeley, na Califórnia:
O aspecto mecanicista-reducionista que se apresenta na ciência atual foi
consolidado definitivamente com os extraordinários sucessos da física
clássica do século XVIII e, ficou ainda mais forte com o desenvolvimento
da teoria atômica da matéria. Com o exemplo dado pela física, e o
reconhecimento que esta ciência obteve nos meios intelectuais, a biologia
e a medicina enveredaram pelo mesmo caminho. Obtendo grandiosos
sucessos em revelar as bases moleculares da vida, tendo como um dos
pontos altos a descoberta dos componentes e das estruturas dos
organismos vivos, por exemplo, o DNA (Fritjof Capra). 4
Desta forma, para se conhecer o psiquismo humano, passa a ser
necessário compreender o mecanismo e o funcionamento da máquina de
pensar do homem - seu cérebro. Assim, partindo das premissas científicas, a
explicação para a hipnose começa a trilhar os caminhos da Fisiologia,
Neuroanatomia e Neurofisiologia. Se, antes, a hipnose estava subordinada à
filosofia, à teologia e até a própria arte e a magia, a partir de Pavlov é vista pela
perspectiva de ligar-se à ciência; suas hipóteses tentaram se enquadrar no
paradigma científico baseado no mecanicismo reducionista Newton-cartesiano,
mas, por não lhe ter dado todas as respostas, a hipnose não se liberta o
suficiente para abandonar os padrões anteriores.
Dentro da visão puramente científica mecanicista reducionista, o corpo
humano ainda é visto como uma máquina e, nestas condições, fica complicado
e, até contraditório, se considerar o ser humano como um ser bio-psico-social,
que de fato é. Visto assim, a ciência atual não é o único caminho para
respostas sobre o ser humano e, por isso, até hoje os métodos terapêuticos
convencionais não eliminaram os métodos de curas alternativas que, embora
deles se duvidem, funcionam. Dentro desta concepção afirma Capra:
... quando os cientistas reduzem um todo a seus constituintes
fundamentais, sejam eles células, genes ou partículas elementares, e
tentam explicar todos os fenômenos em função desses elementos, eles
perdem a capacidade de entender as atividades coordenadoras do
sistema como um todo... (CAPRA).
A ciência mecanicista reducionista não responde as questões de vários
temas humanos; como consciência, desejo, virtude e a emoção manifestada na
4
CAPRA, Fritjof. A Teia da vida: uma nova compreensão científica dos seres vivos, S. Paulo,
Ed. CULTRIX, 2000.
42 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

paixão, no amor ou no ódio, na alegria ou na tristeza ou qualquer outro estado


emocional, além do próprio pensamento que, embora existam, não podem ser
medidos nem pesados, por isso, não são possíveis comprovações científicas.
Fritjof Capra, referindo-se aos possíveis equívocos dos cientistas na
formulação de determinados conceitos, afirma que o erro fundamental reside no
fato de a ciência não levar realmente em conta que um conjunto pode muito
bem apresentar propriedades que não se encontram nos seus componentes
individuais. Aponta como erro básico do paradigma científico mecanicista
reducionista e subjacente ao modelo biomédico, o fato de que se confunde a
vida com os seus elementos constituintes.
A distinção fundamental entre uma perspectiva reducionista e uma outra
de conjunto, ou sistêmica, é representada por duas abordagens paradigmáticas
distintas. Dentro destas duas concepções a investigação científica caminha em
sentido oposto. Mas, o reducionismo ainda é a ênfase na pesquisa científica
atual e, assim pretende-se ter uma visão compreensiva e aprofundada do que
seja a vida.
Para os pensadores holísticos, quanto mais se aprofunda no
conhecimento das estruturas microscópicas, mais se perde a visão de relação
macro-sistêmica ou a visão do conjunto da vida em suas manifestações
dinâmicas. Quanto mais se analisa um fato em seus mínimos detalhes, mais
facilmente se perde a visão de conjunto sobre tal fato.
Quando se refere à terapia, o conflito entre o paradigma mecanicista e o
holístico remete para as exigências de uma abordagem multidimensional do ser
humano e uma revisão dos pressupostos antropológicos dos atuais métodos de
cura. A visão mecanicista, ainda convencional, é fragmentária e sectária, o
médico dependente sempre de instrumentos para medir e controlar a saúde a
partir do fisiológico e, se o quadro se agrava, a tecnologia requerida é cada vez
maior. Falando sobre a demasiada importância devotada a sofisticada
tecnologia médico-instrumental moderna, Medeiros 5 sugere uma perspectiva
holística tanto para o diagnóstico como para o tratamento, afirmando que
conhecer o homem significa mais do que compreender seu mecanismo
fisiológico, é preciso penetrar nos seus sentimentos:
Conhecer este ser vivo chamado homem é não apenas conhecer o
mecanismo fisiológico e bioquímico dos diversos aparelhos e sistemas,
mas também penetrar nos sentimentos, na alma de pessoas, que muitas
vezes não estão doentes, apenas “se sentem doentes” e até mesmo
“querem ficar doentes” (MEDEIROS).
Uma característica da medicina moderna é, na busca da cura, procurar
tratar as doenças de forma multidisciplinar, o que ajuda diminuir as
conseqüências adversas, às vezes provocadas pelo estresse decorrente do

5
‘MEDEIROS, Damião Nobre de. A vitória da máquina. In: Medicina, Conselho Federal. Brasília
DF, rev. nº 98, outubro, p. 28, 1998.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 43
próprio quadro. Cada paciente deve ser abordado de forma individual, isso
implica na melhor relação médico-paciente. Um passo importante nesta relação
é explicar, na medida do possível e com linguagem clara, o conceito da
presumível doença, sua ação e expectativas, suas limitações de êxito ou
fracasso. Se a solução não aparecer após as primeiras intervenções, a
conversa pode diminuir a frustração e a desconfiança do paciente e, isso,
servirá de base sólida para o sucesso da ação terapêutica.
Além da interpretação etiológica, o médico deve ouvir o doente para
avaliar se suas queixas não estão associadas a distúrbios psicossomáticos
como estresse e depressão. A cura também depende de sua influencia pessoal,
de seu prestígio, dos conselhos consoladores que sabe dar. Sua presença deve
restaurar a tranqüilidade e influenciar a vontade e a imaginação do paciente,
condição favorável para a cura. Se o médico é um hipnotista poderá
sugestionar nesse sentido em grau máximo.
A ação da sugestão verbal aliada a influencia do prestígio pessoal foi refe-
rida por Platão com forma de tratamento para as mais diferentes moléstias do
homem. Essas idéias são expostas em seus escritos como em Cármides, 6 e
em Fédro, 7 quando expõe acerca da terapia pela palavra; pelo poder da su-
gestão verbal transformado em elemento de cura. Afirma que as palavras são
phármakon, no duplo sentido grego do termo; tanto pode ser um veneno como
um remédio, depende da dose ou da forma como se aplica; as palavras quando
usadas pelo filósofo é um remédio; podem se constituir em um profícuo bálsa-
mo, mas quando usadas por um sofista é um tóxico mortal.
Considerando que hipnose e seus efeitos não são questões ainda bem
resolvidas do ponto de vista científico, a prática do hipnotismo na área de saúde
representa alguns casos isolados. Falta um estudo sistematizado sobre esse
tema nas faculdades que, geralmente, praticam o ensino no domínio do
conhecimento sobre o organismo e seu fisiologismo concreto, em bases bem
cartesianas, afastando-se da área conceitual abstrata.
Na concepção epistemológica são difíceis respostas para questões que
não são facilmente mensuráveis. Por isso, mesmo se tratando da saúde
humana, não é prioridade o estudo de conceitos que a ciência cartesiana não
pode explicar; como pensamentos, sonhos, entropia e informação que não
envolvem objetos ou corpos definidos. É isso que afirma o físico Paul Davies
autor de Deus e a nova física, 8 quando diz que ninguém pode negar que um
organismo é uma coleção de átomos, moléculas e tecidos, mas alerta para o
erro de se supor que ele é nada mais que isso. Lembra Davies, o fato de um
conceito ser abstrato em vez de concreto ou substancial não o torna, por isso,
irreal ou ilusório, como exemplo, o pensamento de uma pessoa não pode ser

6
Platão. Cármides. Coimbra, I.N.I.C.; 1988.
7
Platão. Fédro. Porto Alegre, Editora Globo, 1950.
8
DAVIES, Paul. Deus e a Nova Física. Lisboa, Coleção Universo da Ciência. Edições 70.
44 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

pesado ou medido, nem ocupa nenhum lugar no espaço, contudo, é parte


integrante do que ela é.
Cientificamente conceitos como alma, sensibilidade e sentimentos, entre
outros, os quais por sua natureza não podem ser medidos ou observados, são
totalmente inadmissíveis. O mesmo acontece com os processos hipnóticos e
seus efeitos; em sua complexidade não pode ser totalmente compreendido pela
ciência reducionista. Mas, mesmo distante do método mecanicista, estudos
científicos sobre o hipnotismo têm sido realizados. Mas, quando a ciência
estuda aquilo que não está integralmente na área científica, isto é, aquilo que
não pode ser compreendido pelo reducionismo, passa a determinar valores
científicos e a formular sobre o objeto da pesquisa características de
pseudociência. Isto é fetichização científica, é o abandono do pensamento da
contradição, da dialética, para explicar-se àquilo que é contraditório e dialético;
na ciência a contradição não existe, até porque não faz parte de sua dimensão
de estudos, por isso mesmo é que ela é cartesiana.
Segundo o princípio estabelecido na obra Crítica a razão pura (1781) do
alemão Immanuel Kant (1724–1804), se é ampliada a dimensão do objeto de
estudo a contradição surge e, por ser contradição, deixa de ser científico. A
extrema cientificação da humanidade só se tornou possível com as previsões
dos comportamentos humanos numa visão behaviorista, tudo aquilo fora destes
padrões fica difícil para a linguagem da ciência.
No livro Critica da razão prática (1788), Kant afirma que a razão prática
aplicada no campo da ação humana permite que o homem tome suas decisões
baseado em princípios. Seria a possibilidade de estabelecer a adequação entre
a coerência lógica explicativa e a realidade empírica ou observada, mas as
verdades da ciência subordinadas à racionalidade do método cartesiano não
admite o principio do contraditório. Para a ciência, tudo o que é contraditório é
impensável, é confuso e sinônimo de irracional, portanto não científico. Com
base nestes fatores, a ciência, dentro do paradigma atual, não pode apresentar
explicações concludentes sobre os contraditórios fenômenos hipnóticos.
Na maioria das explicações sobre hipnose, entre as diversas concepções
teóricas, é muito observado o princípio do contraditório, logo, foge aos padrões
da verdade única da ciência como ainda é praticada. Usando o paradigma
cartesiano, a ciência resolve apenas os problemas para os quais seus métodos
e conceitos são adequados. Sendo o objeto do estudo científico fora deste
padrão o resultado é fetichização científica.
Uma maneira de minimizar as diferenças entre o paradigma reducionista
cartesiano, atualmente dominante, e o paradigma holístico, hoje emergente,
talvez possa ser por meio da associação da ciência e da filosofia para o
entendimento do problema. Isso pode permitir diferentes modos de percepção e
de compreensão dialética da realidade do ser humano (abordagem
fenomenológica). Partindo deste princípio haverá de surgir novas explicações
para o hipnotismo diferentes das obtidas e não convincentes até aqui, porque
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 45
foram isoladamente produzidas pelo reducionismo mecanicista ou pelo
devaneio fantasioso da imaginação tentando explicar a realidade concreta sob
a ótica puramente especulativa.
A hipnose enquanto filosofia está relacionada à alma humana, descende
da escola de Nancy e, por mais paradoxal que possa parecer, encontra amparo
teórico quando se aproxima das teses que sustentam as idéias psicanalíticas.
Na visão puramente científica, a hipnose está baseada no critério da observa-
ção de dados que possam ser medidos e comprovados, de forma incipiente isto
aconteceu no hospital La Salpêtrière e ganhou impulso com as idéias pavlovia-
na, que tenta enquadrá-la na estrutura físico-orgânico-cerebral. Mas, a pesqui-
sa cientifica sobre o nexo causal entre a ocorrência da hipnose e seus efeitos,
têm sido produzidas para soluções de problemas quase que exclusivamente
especulativos, portanto, não científicos.
Na fase atual, as pesquisas científicas sobre o tema do hipnotismo,
baseadas no reducionismo mecanicista, ainda encontram sérios problemas
metodológicos. Contudo, com a ciência caminhando para a visão holística, a
hipnose poderá sair do conceito de pseudociência e obter explicações mais
sustentáveis. O importante nesta questão é que a ciência se aproximou da
hipnose e, se ainda não explica, pelo menos a reconhece como verdadeira,
portanto, já conta com o aval do reconhecimento científico. Pesquisadores
passam então a trabalhar o tema com investigações em laboratórios, utilizando
instrumentos de observação, medição e controle das variáveis. Ainda assim,
não se descobriu com precisão o porquê, nem como ocorre a hipnose, mas,
com certeza, já se sabe, é verdadeira.
A hipnose funciona no campo das emoções humanas, é o plano dos
desejos e das paixões inconscientes e compulsivas do ser humano. Enquanto o
consciente é racional, o inconsciente é emocional e a emoção é responsável por
vários efeitos psicossomáticos que tanto podem ocasionar doenças como
podem promover sua cura.
Embora reconheça a relação de causa e efeito entre o psiquismo e o
orgânico fisiológico, os neurocientistas ainda não são capazes de explicar como
o processo de autocura acontece. Uma explicação bem aceita é de que o
inconsciente é capaz de processar informações paralelamente, ao mesmo
tempo, enquanto o consciente executa suas tarefas de uma forma serial, uma
atrás da outra. Enquanto os cientistas buscam as causas de tamanha
eficiência, o inconsciente continua incansável em sua missão de revelar
soluções para problemas diários e isso ocorre principalmente quando alguém
está agindo pela intuição, vivenciando efeitos hipnóticos deflagrado pelo
relaxamento da atividade mental consciente ou vivenciando as emoções do
estado de transe.
A pesquisa científica já admite o impacto das emoções sobre a saúde
orgânica, a essa conclusão chegou o fisiologista americano Walter Cannon
(1871-1945), professor da Universidade Harvard, o primeiro a demonstrar, em
46 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

animais, como o stress pode agir sobre o organismo. Ele classificou uma série
de eventos psicossomáticos como um conjunto de reações disparadas pelo
organismo em situação de perigo ou pressão psicológica. Ao estudar estímulos
físicos e psicológicos Walter Cannon elaborou, em 1914, o conceito de "reação
de emergência". Essa reação é imediata à percepção de ameaça, teria a função
de preparar o organismo para luta ou a fuga e, a isso, denominou como sendo a
“síndrome da fuga e luta”. 9
O fisiologista austríaco Hans Seyle (1907-1982) estabeleceu pela primeira
vez os efeitos psicossomáticos agindo no ser humano. Em seu trabalho The S-
tress of Life, de 1956, 10 Seyle foi o primeiro pesquisador que, por meio de expe-
rimentos com animais de laboratório, desenvolveu o conceito de SAG - Síndro-
me de Adaptação Geral e deu origem à idéia de que situações que geram es-
tresse podem provocar doenças diversas, inclusive mentais.
Na atualidade, cientistas americanos, na tentativa de explicações
neurológicas para a hipnose, utilizaram equipamentos modernos, e
conseguiram imagens do cérebro funcionando durante o transe. Uma
experiência realizada na Universidade de Harvard, juntamente com professores
da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, relata que dezesseis voluntários
observavam imagens em cores pintadas em uma tela e depois de hipnotizados,
eles foram sugestionados a acreditar que a mesma figura colorida, vista outra
vez, era toda cinza. Neste instante os cientistas observaram através de
instrumentos computadorizados, como o PET - Positron-Emisson Tomography
(Tomografia por Emissão de Pósitrons), que o cérebro hipnotizado ativou uma
região que inibe a visão das cores e passou a ver em preto e branco. Mais
tarde os mesmos voluntários foram induzidos a ver cores em imagens onde
elas não existiam e os resultados negam as possibilidades de farsa,
confirmando que o cérebro estava mesmo vendo colorido. 11
Desde 1996, o PET mostra com precisão quais regiões cerebrais estão
sendo ativadas a cada momento, passou a ser usado também para a
investigação sobre a hipnose. Este instrumento substitui o EEG (Eletro
Encefalograma) usado em experiências anteriores que podem até mostrar a
região da visão sendo ativada, mas não informaria se o indivíduo hipnotizado
estaria mesmo enxergando aquilo que foi apenas sugerido.
O PET é uma ferramenta importante para explorar o funcionamento do
cérebro. Quando os neurônios disparam, o fluxo de sangue para a região au-
menta, e, embora o aumento seja pequeno, ele é mensurável por imagens ele-

9
CANNON, Walter B. The Wisdom of the Body, N. York, 2ª ed, W. Norton, 1939.
10
SELYE, H. O stress da vida, N. York, McGraw-Monte, 1976.
11
SUPER Interessante. Visão hipnótica, S. Paulo, revista mensal, Ed. Abril, maio/98, p. 40-45.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 47
trônicas. Esse tipo de imagens a partir de dados eletrônicos é chamado tomo-
grafia. 12
Profissionais da saúde, atualizados com informações de pesquisas
credenciadas por publicações científicas recentes, já admitem o poder da cura
pela hipnose como fato e acreditam que é possível constatar seu uso como
ferramenta para vencer os efeitos do stress no organismo e no psiquismo
humano. Pelo menos, alguns já afirmam que ninguém sabe como, mas que a
hipnose cura, não se discute, cura. Na década de 1990 cresce o interesse do
mundo acadêmico pelo assunto.
Wolberg 13 não aceitando nenhuma das explicações teóricas dadas até
então sobre o transe hipnótico e seus efeitos, reconheceu que o hipnotismo não
se justifica apenas pela hipótese da verdade científica positivista. Referindo-se
a isso, ele disse:
Meu trabalho pessoal com a hipnose convenceu-me de que o estado de
transe não pode ser explicado quer em bases psicológicas, quer em base
fisiológica exclusiva. Ela é, antes, uma reação psicossomática complexa
que abrange os elementos psicológicos e fisiológicos (WOLBERG).
As conclusões de Wolberg sobre a teoria do hipnotismo podem ser
acrescentados os motivos que justificam as possibilidades das explicações
fluírem pela lógica filosófica. Para a realização do processo de indução
hipnótica são necessários critérios como confiança, crença, fé e uma série de
valores que transcendem o psicológico convencional e o orgânico fisiológico
conhecido. O simples fato de existirem tantas explicações para o hipnotismo é
uma prova de que não há nenhuma na qual se possa qualificar de certa ou
verdadeira.
Na busca da interpretação do que pode ser a hipnose e, principalmente,
seu envolvimento com práticas terapêuticas, a hermenêutica ganha relevância.
É aconselhável analisar suas múltiplas faces e, é uma perspectiva obrigatória
ter como ponto de partida a reflexão dialética, com base na diversidade e trans-
versalidade dos saberes até então acumulados. Nessa busca deve ser valori-
zado o diálogo e a integração de diferentes áreas para descobrir, dentro da
compreensão multidisciplinar, as bases axiológicas do hipnotismo que só po-
dem ser reveladas a partir da diversidade explicativa.
A explicação para a hipnoterapia, assim como para as principais
psicoterapias, surgiu a partir de dois ambientes: o clínico e o de laboratório. No
primeiro caso, seu desenvolvimento tem por base a busca da cura para algum
problema que perturba alguém, através de entrevistas e do convívio diário com
pacientes. No segundo caso a pesquisa é feita no ambiente laboratorial, com
análises e experimentações formais, utiliza ferramenta da estatística para

12
PET - Positron-Emisson Tomography. In: The Sciences: Na Integratwd Approach. N. York,
John Wilei & Sons, p. 307, 1995.
13
WOLBERG, L. R. Hypnoanalysis, N. York, Grune & Stratton, 1945.
48 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

chegar a uma conclusão, seguindo o que se chama na ciência de método


cartesiano de investigação.
No reconhecimento científico de algumas curas por ações psicológicas,
tem de ser considerado o fato de que partes do psíquico, como o inconsciente e
o consciente, não são áreas fisicamente delimitadas e mapeadas do cérebro
humano, mas se constituem de estados psíquicos. Não são interpretados como
órgão ou lugar definido do cérebro e, modernamente, são compreendidos como
métodos de trabalho mental, ou tipos de programas operacionais do
pensamento.
Assim como a psicanálise, a hipnoterapia também é um processo que se
vincula ao conceito de inconsciente e seu estudo não está limitado ao ambiente
laboratorial, isto é, não compreendidos por imposição da lógica, espaço e
tempo, por isso, não pode ser visto como parte de uma máquina. O próprio
Freud já afirmava que “o consciente, é um estado eminentemente transitório”.
Mas, para ele isso não deixa de ser objeto de investigação científica:
A diferenciação do psíquico em consciente e inconsciente é a premissa
fundamental da psicanálise. Permite-lhe, com efeito, chegar à
compreensão dos processos patológicos da vida anímica, tão freqüentes
como importantes, e subordiná-los à investigação científica. Ou, dito de
outro modo: a psicanálise não vê na consciência a essência do psíquico,
mas somente uma qualidade do psíquico que pode ser somada a outras
ou faltar em absoluto (FREUD).
Existem dezenas de explicações, outras dezenas ainda vão surgir, de
quando, por que e como ocorre a hipnose e seus feitos terapêuticos, mas não
existe uma abrangente e definitiva que evite a evidente discórdia entre as
diferentes teorias explicativas. Mas, não pode ser negada a importância prática
das diversas hipóteses conhecidas, embora nenhuma delas isoladamente
satisfaça; cada uma contém parcela maior ou menor da verdade e,
aproveitadas em conjunto, contribuem decididamente para aprimorar o
conhecimento sobre a natureza humana, além de permitir a convicção
imprescindível para a interpretação do significado dos processos de transes e
êxtases.
Sarbin 14 vê na hipnose uma das manifestações mais generalizáveis do
comportamento social, e declara que as variantes interpessoais inerentes ao
fenômeno hipnótico são tão complexas, que nem sequer podemos determinar-
lhes as medidas, transcendem em sua complexidade os limites das próprias
explicações que conhecemos. É um fenômeno permeado pela emoção e pela
intuição, duas variáveis que vão além do paradigma da razão e da verdade
científica atual.

14
SARBIN, T. R. Contribution to roll-taking theory. In: hypnotic behaviour, Psychol. rev. 57-255,
1950.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 49
Pelas diferentes interpretações considera-se a indefinição teórica científi-
ca da hipnose como um fato. O que se pode concluir é que ela se divide em du-
as grandes correntes explicativas; uma com base na essência e outra na exis-
tência do ser humano. A primeira, ora centrada na psicanálise, ora no desco-
nhecido ou em conceitos religiosos, alinha os autores que usam em suas expli-
cações terminologias próximas, como sugestão, consciência ou inconsciência,
transferência, alma, destino, energia vital, astral ou divina, etc. A segunda cen-
trada no fisiologismo, representada originalmente pela escola russa e funda-
mentada na teoria dos reflexos condicionados e várias teorias neurais, atribui à
hipnose razões puramente fisiológicas. Em alguns pontos, quando estas duas
correntes se encontram, aparecem hipóteses explicativas diferentes, represen-
tam a derivação da somatória das correntes originais que misturam, em grau
maior ou menor, o mito, a filosofia, a ciência e a religião.
É certo que depois de Freud e Pavlov, os pesquisadores que lidam com o
tratamento dos distúrbios da mente, estavam divididos em dois grupos. Um gru-
po investindo na criação de psicoterapias mais sofisticadas, pelo menos do
ponto de vista explicativo, a maior parte delas derivadas da psicanálise ou do
refino no uso da hipnose, associada ao conceito de auto-ajuda ou de filosofias
que resultassem em soluções dos problemas existenciais humanos. O outro
grupo praticando a pesquisa cientifica com maior rigor metodológico, com base
na neurofisiologia, investindo na psicofarmacologia, trabalhando no aperfeiço-
amento de remédios como a única forma de solução para os problemas men-
tais. Os dois grupos se olhavam reciprocamente com desconfiança e extrema
rivalidade.
A herança deixada por Freud e Pavlov, ao longo do século XX, permitiu
que o tratamento das doenças psicossomáticas caminhasse por duas perspec-
tivas. Uma representada pela medicina convencional, concentrando a pesquisa
para explicar o cérebro. Outra representada pelas psicoterapias, concentrando
estudos para explicar a alma humana. Mas, o equilíbrio do conceito de alma e
de cérebro parece próximo no início do século XXI, parece que os estudiosos
concordam que as melhores terapêuticas são aquelas que combinam remédios
e psicoterapias. O predomínio de um ou outro recurso de cura varia de caso pa-
ra caso.
Na década de 1990, período conhecido nos meios médicos como “a dé-
cada do cérebro”, cientistas de várias especialidades estudaram a mente hu-
mana numa intensidade inédita. Neurologistas esquadrejaram o cérebro usando
as mais modernas técnicas de ressonância magnética, geneticistas mapearam
a transmissão dos transtornos mentais por meio do DNA e biólogos detalharam
a química dos neurônios. O resultado é que hoje se conta com um alto nível de
conhecimento para tratar os problemas da mente. A ciência encontrou muitas
respostas, mas surgiu também um grande número de novas questões. Por mais
que a farmacologia tenha se beneficiado de novas descobertas, a criação de
medicamentos que curem definitivamente todos os sofrimentos da mente, inclu-
50 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

indo principalmente a questão da somatização, é no mínimo um horizonte muito


distante.
Utilizado a técnica de obtenção de imagens do cérebro através da tomo-
grafia por emissão de pósitrons (PET), o sueco Tomas Frmark trabalhou uma
pesquisa, tipo grupo controle, e analisou o encéfalo de pacientes com fobia. Um
grupo havia se tratado unicamente com terapias psicológicas, e outro grupo ha-
via recorrido a remédios convencionais. O resultado de seus estudos mostrou
que a terapia altera o funcionamento cerebral tanto quanto a química dos medi-
camentos. 15 Comentando esse estudo, o alemão Klaus Grawe, pesquisador da
Universidade de Berna, destacou o fato de que experiências de vida alteram o
cérebro tanto quanto remédios. Dito assim, é possível imaginar as possibilida-
des de alterações quando o paciente passa por terapias envolvendo a hipnose.
Mito, Rito e Religião
O pensamento crítico e reflexivo que teve início com os primeiros filóso-
fos, na Grécia, e o desenvolvimento do pensamento científico a partir de Gali-
leu, rejeitou o modo mítico de compreensão do mundo. Para Augusto Comte
essa evolução do pensamento explica a própria evolução da espécie humana
que inicia no mítico (teológico), passando para o filosófico (metafísico) e finaliza
com o científico moderno e pós-moderno. Para os positivistas este último está-
gio é o coroamento do desenvolvimento humano, que não só é superior aos ou-
tros, como é o único considerado válido para se chegar à verdade.
O positivismo de Comte não considera o mito uma das forças fundamen-
tais da existência humana como, de fato, o é. O mito durante a história da hu-
manidade é a forma de dar significado ao mundo com base no desejo de segu-
rança ou de uma vida melhor, representa a imaginação humana criando histó-
rias para tranqüilizar e guiar bem a vida no dia a dia e pela existência inteira.
Essa função de criar soluções mágicas é de natureza inconsciente e primitiva, é
a sustentação central das religiões e subsiste na arte popular de qualquer épo-
ca, permeia possíveis soluções para problemas da vida diária de qualquer pes-
soa, independe de desenvolvimento intelectual ou do meio social ao qual per-
tença.
Como o ser humano não é só razão, é também afetividade e emoção, nas
sociedades onde predomina a ciência, o interesse pelo sobrenatural, a crença
em soluções mágicas e a credibilidade do conhecimento teológico não desapa-
recem. Ao contrário, a prática da religião em suas mais variadas formas é um
fenômeno crescente e global, representa uma forte característica da sociedade
pós-moderna. Por essa ótica se explica à dimensão religiosa presente em toda
cultura, por exemplo, na arte, na literatura e na arquitetura moderna, que se de-
senvolveram, para a forma como se apresentam, com profunda influência das
tradições religiosas.

15
Revista VEJA. O equilíbrio do cérebro e da Alma. S. Paulo, Editora Abril, ano 37, n. 48, p. 116
– 122, dez/2004.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 51
A palavra religião, do latim "religione", possivelmente se prende ao verbo
"religare", ação de ligar. Assim, pode ser definida como o conjunto das atitudes
e atos que liga o homem ao divino ou manifesta sua dependência em relação a
seres invisíveis tidos como sobrenaturais. Tomando-se o vocábulo num sentido
mais estrito, pode-se dizer que a religião é a reatualização e a ritualização do
mito.
Referindo-se a diferenças e semelhanças entre o mito e a religião, Cassi-
rer 16 afirma que, enquanto o mito “explica” suas crenças de uma forma emo-
cional, a religião utiliza o logos e explica sua crença com base em argumentos
racionais. No que se refere à religião, mesmo aquilo que é inexplicável passa a
ser argumentado e, nesse argumento, se justifica até por que é inexplicável.
Em todo o curso da história a religião permanece ligada a elementos míti-
cos e impregnada deles, pode-se dizer que desde o início o mito é religião em
potencial, o que leva a transformação de um no outro é o lógos, o mito não se
justifica, a religião sim. Embora haja elementos comuns entre o mito e a religi-
ão, é a forma como a religião argumenta, explicando esses elementos, que ca-
racteriza seu distanciamento gradativo e, por fim, radical em relação ao pensa-
mento mítico.
Segundo Cassirer, 17 o culto aos ancestrais pode ser considerado como a
primeira fonte, a origem da religião. Essa é uma prática comum em diferentes
culturas, seja na Roma antiga ou na China ou mesmo nas tribos indígenas. É
uma característica universal, irredutível e essencial da religiosidade primitiva.
O pensamento mítico está muito ligado à magia, ao desejo de querer que
as coisas aconteçam de um determinado modo. É a partir disso que se desen-
volvem rituais como meios de propiciar os acontecimentos desejados. Por defi-
nição rito é uma sucessão de emoções, palavras, gestos e atos que
repetidamente compõe uma cerimônia, geralmente religiosa, com o objetivo de
proporcionar um poder misterioso que facilite o estabelecimento de laços entre
os humanos e forças misteriosas.
Quando praticado, o rito relembra, fortalece e atualiza, alimenta e mantém
viva a religião. Assim, o ritual pode ser entendido como o mito transformado em
ação, é a repetição dos atos que, acredita-se, foram executados no passado e
que devem ser imitados e repetidos para que as forças do bem e do mal se
mantenham sob controle. Desse modo, o ritual torna o mito atual e reafirma a
convicção em um acontecimento sagrado. Através do rito o ser humano se in-
corpora ao mito e pratica sua fé; o rito é a práxis do mito, é o mito em ação.
Rituais, cultos e sacrifícios religiosos, cercados de transes, praticados nas
sociedades humanas de qualquer etnia, em qualquer época, são formas de se

16
CASSIRER, Ernst. Filosofia de las Formas Simbólicas II: el pensamiento mitico. (Trad. Ar-
mando Morones). México: Fondo de Cultura Económica, 1998.
17
CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o Homem: introdução a uma filosofia da cultura humana.
(Trad. Tomas Rosa Bueno), S. Paulo, Ed. Martins Fontes, 1994.
52 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

tentar a cura para as enfermidades ou alcançar favores divinos, são formas de


se agradecer esses favores ou de se aplacar a ira dos deuses. Assim também
acontecia na Grécia antiga, como exemplo, na religião do orfismo e nos misté-
rios de Elêusis, cujas influências se estendem à escola filosófica de Pitágoras e
ao pitagorismo, chegando à atualidade com a mesma força do passado, inde-
pendentemente das transformações na forma de pensar ao longo dos séculos.
Desde a antiguidade se acreditou que apenas sacerdotes e magos eram
capazes de interpretar os mitos e os mistérios do mundo. Eles tinham o poder
da explicação porque serviam como pontes ou intermediários entre o mundo
humano e o mundo divino, através dos rituais praticados nos oráculos e nas so-
ciedades secretas. Mas, isso não invalida a dimensão individual entre cada su-
jeito e seu mistério, entre cada humano e sua fé. Assim o rito não é apenas um
ato que se processa no coletivo da sociedade, se fortalece também através do
simbolismo inconsciente de cada pessoa, é o meio pelo qual ela pode visualizar
soluções mágicas para seus anseios, frustrações, desejos e necessidades.
Transe e religiosidade
Fatos e procedimentos identificados como hipnóticos sempre ocorreram
associados com práticas religiosas e ou curativas. Constituíam parte do conhe-
cimento mítico posto em prática através de rituais, foram largamente praticados
na Índia, Caldeia, Egito e Grécia antiga por uma casta privilegiada que, ao
mesmo tempo, exercia as funções de sacerdotes, magistrados e médicos. Não
importa a forma como se justifica ou o grupo social no qual se apresenta, a hip-
nose manteve, no decorrer dos séculos, identidade dos princípios que desen-
cadeiam seu processo, causas, efeitos e finalidades. Sua manifestação geral-
mente expressa a aliança entre o ideário do sagrado e do humano, construído
com base na cultura e na história de cada sociedade.
Na maioria das vezes, o hipnotismo é envolvido em uma atmosfera de
mistérios, de transes inexplicáveis cercado de superstições e crenças; seus
praticantes se dizem, freqüentemente, simples instrumentos da vontade
misteriosa de forças sobrenaturais. Sua prática foi se metamorfoseando à
época, local e circunstâncias particulares de cada povo, criando diferentes
crenças para justificar seus efeitos, principalmente quando relacionados à cura.
O hipnotismo presente nos rituais de cura sempre envolveu junto ou
separadamente crenças, rezas, cantos, gestos, músicas, danças, cores,
esculturas, adornos, pinturas e máscaras, elementos culturais de alto valor
simbólico que emanam força hipnótica incontestável e induz ao transe,
incluindo o êxtase que se manifesta no estado profundo do transe hipnótico. O
êxtase que dizer “posição fora”, isto é, um estado de consciência além da
consciência habitual.
O mais antigo relato do que podem ter sido sessões de hipnotismo foi
registrado nos Papiros de Ebers, por volta do século XVI a.C. e apontava fatos
a respeito da teoria e da prática da medicina egípcia. Descreve procedimentos
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 53
de médicos que, colocando suas mãos sobre as cabeças de pacientes,
afirmavam possuírem poderes sobre-humanos, enquanto recitavam estranhos
mantras que sugeriam curas.
O termo mantra vem do sânscrito, antigo idioma da Índia, é a composição
das sílabas “man”, que significa mente ou pensamento, e “tra”, que pode ser en-
tendida como entrega ou proteção. De modo geral, a palavra é traduzida como
“proteção da mente”. No sentido cultural significa silaba, palavra ou frase pro-
nunciada segundo prescrições ritualísticas e musicais, tendo a finalidade de a-
tingir um estado mental contemplativo. Os primeiros mantras foram retirados
dos Vedas, livros sagrados dos hindus, três mil anos a.C., e são hipnóticos pela
repetição e monotonia, sonoridade e ritualidade.
Algumas vertentes da yoga, filosofia indiana milenar que combina exercí-
cios físicos, técnicas de respiração e meditação, utilizam mantras em seu dia a
dia e acreditam que para ser mais efetivo deve ser dado, por um guru, para a
pessoa que irá vocalizá-lo. Neste caso o mantra não pode ser revelado para
mais ninguém. Na tradição hindu, os mantras são considerados sons sagrados
que ajuda o ser humano a entrar em estado de meditação, interrompendo o flu-
xo de pensamentos intermitentes. Essas técnicas, que geram atmosferas mági-
cas relacionadas com o divino, são próprias do hipnotismo.
Antigas civilizações sempre tiveram um deus ligado a um mantra; os gre-
gos Apolo; os egípcios Osíris; os hindus Brahma, o mesmo acontece com rela-
ção à Krisna, Buda, Mahavita e Rama entre outros. Seus seguidores acreditam
em tais sons funcionam como uma espécie de oração que, vocalizados e repe-
tidos várias vezes, ajuda a manter a mente quieta e pacifica, trazendo paz e a-
brindo o canal de comunicação com o divino. Durante a vocalização, pode-se
usar ou não um objeto que facilite a contagem, como um rosário. Nesse pro-
cesso, conhecido como japa, para que produzam os melhores efeitos hipnóti-
cos, os sons podem ser repetidos até centenas de vezes em ambiente silencio-
so, mantendo o corpo totalmente imóvel, usando a técnica da respiração lenta e
profunda.
Segundo Delcourt, 18 os gregos realizavam peregrinações ao templo de
Esculápio ou Asciénio, deus da medicina e filho do deus-profeta Apolo. Seu
templo mais famoso foi o de Epidauro em Argólia na Grécia, descoberto nas
escavações ocorridas em 1850. A descoberta revelou inscrições datadas do
século IV a.C. explicando como peregrinos eram submetidos à hipnose pelos
sacerdotes, quando invocavam a presença de uma divindade para indicar os
possíveis expedientes de cura.
Os sacerdotes de Caem recorriam à hipnose para abrandar
descontentamentos coletivos e as sacerdotisas de Ísis, postas em transe,
manifestavam o dom da clarividência; hipnotizadas, revelavam ao Faraó fatos
distantes ou ainda por ocorrer. Acontecimento semelhante ocorria nos oráculos;

18
DELCOURT, Marrie. Les grands sanctuaires de la Grèce, Paris, 1947.
54 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

quando as sibilas prediziam o futuro; articulavam suas profecias depois que


entravam em convulsões sob o efeito do transe auto-hipnótico.
Pela auto-hipnose se explica a anestesia dos mártires, que se submetiam
às maiores torturas sem dar o menor sinal de sofrimento físico. Na Índia, o
faquir produz o transe auto-hipnótico para suportar, sem aparentar sentir dor,
práticas de torturas. Dentre os hindus, mongóis, persas, chineses e tibetanos, a
hipnose vem sendo exercida há milênios em meio a rituais religiosos e, é fácil
observar que assim ainda prosseguem na atualidade. A hipnose e a religião
estão sempre próximas, quando não juntas nos ritos religiosos e, atualmente,
está sendo largamente utilizada e institucionalizada com este fim.
A hipnose provavelmente também teve um papel importante nas práticas
religiosas e nas artes curativas dos Druidas, sacerdotes de religião pré-cristã da
Gália e da Bretanha que depois se espalharam por toda a Europa Ocidental.
Eles prediziam o futuro, realizavam curas com o uso de ervas, cânticos e
magia, alguns eram considerados intermediários entre os deuses e os homens;
seus rituais, cercados de mistérios, aconteciam nas florestas. Na Gália foram
considerados bruxos, combatidos e dizimados pelos romanos e mais tarde
pelos cristãos, na Irlanda, sob sigilo, alguns sobreviveram em sua prática
religiosa.
Nas ilhas britânicas o chefe religioso dos Druidas punha seus fiéis
recostados e, induzindo-os a um sono artificial, aliviava suas dores e curava
doenças. Inúmeras gravuras daquela época mostram sacerdotes-médicos
colocando presumíveis pacientes em transe hipnótico. Semelhantes fatos já
ocorriam na velha civilização babilônica, na Grécia, na Roma antiga e no Egito,
onde existiam os Templos dos Sonhos que eram locais apropriados para se
aplicar nos pacientes sugestões terapêuticas enquanto dormiam. Também há
indícios de que nas civilizações Asteca e Maia era utilizada a prática da hipnose
para tratar dos doentes.
Vegetais hipnóticos
A busca do transe hipnótico por ingestão de meios químicos é o método
mais direto, embora menos comum, para o ser humano entrar temporariamente
em mundos fascinantes do seu inconsciente. Diversos vegetais com proprieda-
des hipnóticas têm sido utilizados com esta finalidade, desde as antigas civiliza-
ções, apresentando um papel importante em ritos religiosos. Segundo Schultes
& Hofmann, 19 o uso destas plantas permitia ao curandeiro realizar cura, fazer
adivinhações e orientar a tribo nas estratégias de guerra. A explicação é que,
entre seus efeitos, podem transportar a mente humana para o autoconhecimen-
to, para o contato com divindades e outras forças do mundo espiritual.

19
SCHULTES, R.E. & Hofmann, A. Plantas de los Dioses. Orígenes del uso de los alucinóge-
nos, Fondo de Cultura Económica. México, 1982.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 55
20
Segundo Labate na natureza existem cerca de 100 vegetais que podem
desencadear o processo hipnótico, alguns são classificados como alucinóge-
nos, como a Iboga utilizada por aproximadamente um milhão de pessoas na Á-
frica; o Peiote, um cacto amplamente consumido no México e nos EUA cuja
substância ativa é a mescalina; os Cogumelos, que já apareciam em registros
hindus da antiguidade.
Aldous Huxley, romancista e filosofo britânico, testou pessoalmente os e-
feitos da mescalina, derivada de um cacto, e registrou suas observações em um
ensaio publicado em 1954, As Portas da Percepção: Céu e Inferno. 21 Huxley
fala de um transe com sensações prazerosas, tais como “uma dança lenta de
luzes douradas”, descreve os lampejos de “diversidade transcendental” que diz
ter experimentado enquanto dirigia um automóvel por um subúrbio de Los An-
geles sob o efeito da droga.
O incrível fluxo de informação sensorial liberado pela mescalina levou Hu-
xley à hipótese explicativa do que sentiu, afirmando que a principal função do
cérebro e do sistema nervoso é servir como uma válvula redutora para restringir
o influxo de realidade a um nível administrável. Supôs que há tantos dados cap-
tados através dos sentidos que, se fossem processados, a mente submergia, fi-
cando incapaz de lidar com os problemas da vida cotidiana.
Acreditava Huxley que a mescalina desligava a função de filtrar informa-
ções no cérebro, permitindo que a mente fosse inundada por eventos mentais
que costumam ser excluídos por não terem qualquer valor de sobrevivência. Diz
que tais informações são “biologicamente inúteis, mas estéticas e às vezes es-
piritualmente valiosas” Também sugere que este estado da mente pode ser es-
timulado por outros catalisadores além das drogas, tais como doenças, fadigas,
jejum ou um completo retiro sensorial, através da meditação em algum lugar
escuro e silencioso. E, por que não, pelos métodos hipnóticos convencionais.
Na Brasil alguns vegetais são utilizados por tribos indígenas, no decorrer
de ritos religiosos, como meio de produzir transes, como a Jurema e o Yopo. A
Jurema é consumida na forma de chá, enquanto as sementes do Yopo são ma-
ceradas e seu pó é consumido pela via intranasal (cheirado). Em diversas regi-
ões da América do Sul, entre as bebidas com propriedades hipnóticas produzi-
das por vegetais, o chá ayahuasca é a mais conhecida.
Elementos e efeitos hipnóticos estão também presentes nas religiões das
tribos indígenas da África, das Américas e da Oceania, assim como dos
primitivos habitantes da Europa e da Ásia. O xamantismo é uma antiga religião
da Ásia que existe até hoje. É caracterizada por um conjunto de práticas
realizadas pelo xamã, uma categoria especial de médico-pajé que entra em
transe e, segundo a crença indígena, sua alma vai para longe do corpo,

20
LABATE, Beatriz Caiuby e Wladimyr Sena Araújo (org.). O Uso Ritual da Ayahuasca, Campi-
nas, 2ª ed, Mercado de Letras/Fapesp, 2004.
21
HUXLEY, Aldous. As Portas da Percepção: Céu e Inferno, RJ, Editora Globo, 2002.
56 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

percorre lugares distantes, enquanto um espírito estranho encarna para realizar


trabalhos de cura e adivinhação.
Entre algumas nações indígenas o xamã é um homem ou mulher que, no
final da infância, passou por uma experiência de sentir sua sexualidade
transfigurada, a partir daí leva a vida voltada inteiramente para dentro de si. É
iniciado através de rituais, permanece por vários dias em estado de êxtase,
depois disso consegue facilmente entrar em transe para servir de intermediário
entre os homens e os espíritos xaporis, entidades que indica procedimentos de
cura. Descrições dessas experiências podem ser encontradas ao longo de todo
o caminho que vai da Sibéria às Américas. Em contato com diferentes povos,
os rituais dos xamãs se popularizaram e se transferiram para fora das aldeias,
incorporaram parte de outras culturas e crenças. Essa mescla, às vezes muito
distanciada das explicações originais, é que se observa nos centros urbanos.
A prática do ritual de cura dos indígenas e outras medicinas alternativas
lidam principalmente com a fé. Mas isso não quer dizer que várias das ervas
nativas, indicadas pelos pajés e xamãs, não tenham princípios químicos ativos
que, inclusive, vêm sendo objeto de pesquisa científica e que já compõem
vários remédios produzidos pelos laboratórios farmacêuticos. Independente do
uso de vegetais, no ritual de cura dos indígenas ocorre sons produzidos pela
voz humana e ou instrumental, extremamente monótono e repetitivo, podendo
também acontecer danças com movimentos corporais lentos, síncronos e
repetidos. Tudo isso revela condições hipnotizadoras que, mesmo sem a
ingestão de qualquer substância, podem levar pessoas ao transe hipnótico.
Há relatos do uso do chá ayahuasca em toda a Amazônia, chegando à
costa do Pacífico no Peru, Colômbia e Equador, bem como na costa do Pana-
má. Foi reconhecida nesta região em pelo menos setenta e duas tribos indíge-
nas, com quarenta nomes diferentes. Entre as diversas tribos da bacia Amazô-
nica é percebida como uma poção mágica, de origem divina, geralmente usada
em ritual religioso com propósitos de cura ou para fornecer visões que são im-
portantes no planejamento de caçadas, prevenção contra espíritos malévolos,
bem como contra ataques de feras da floresta. Essas visões, guiadas e manipu-
ladas pelos xamãs e fundamentada no ideário de crença do grupo, podem se
repetir de forma coletiva.
É evidente o poder hipnótico do chá ayahuasca, bebida de cor marrom
claro e de gosto amargo, fabricada em diversas regiões da América do
Sul a partir do cozimento concomitante de talos socados do cipó jagube
ou mariri (Banisteriopsis caapi) e da folhas do arbusto chacrona (Psycho-
tria viridis). Na mistura para a sua produção pode ou não ser acrescentado
mais de trinta outras espécies de vegetais, como a folha de outro cipó conheci-
do na Colômbia como chagro panga (Diplopterys cabrerana).
O método de preparo do chá ayahuasca varia conforme o grupo que o
usa. Geralmente o cipó é cortado em pedaços de 20 centímetros e amassado,
juntado dois terços de cipó para um de folha e posto na água fervente, deixando
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 57
que ferva no fogo baixo por mais de 4 horas, repondo certa quantidade de água
na medida de sua evaporação. O mais comum é a junção de, aproximadamente
1,5 quilogramas de cipó jagube e 0,5 da folha chacrona para cada litro de água.
O cipó é colhido, limpo e socado pelos homens e cabem as mulheres colher e
limpar lavando as folhas. Depois de esfriado, o chá é coado e armazenado em
recipientes. Uma produção pode durar anos e ser usado em vários rituais.
Também podem ser amassados, juntos cipó e folha, na água fria e deixando em
descanso por, aproximadamente, vinte e quatro horas. Por qualquer método
seu preparo é um longo processo, leva quase um dia.
Originariamente o chá ayahuasca era apenas usado nos rituais indígenas
que, segundo suas crenças, entre os efeitos produzidos "facilita o desprendi-
mento da alma de seu confinamento corpóreo, voltando ao mesmo conforme a
vontade, carregada de conhecimentos sagrados" (Schultes & Hofmann). Os ín-
dios Jivaro, do Equador, acreditam que a experiência com ayahuasca é a vida
real, ao passo que a realidade cotidiana é apenas uma ilusão.
A palavra ayahuwaska pertence à língua quíchua, falada no antigo
Imperio Inca pelos quíchuas. Hoje ainda é uma importante língua indígena da
América do Sul, considerada no Peru e na Bolivia como oficial junto com a
língua Aimará. Na etnologia lingüística aya quer dizer corda ou cipó dos espíri-
tos ancestrais e huwaska significa chá ou vinho. A transliteração para a língua
portuguesa resultou na simplificação do nome para ayahuasca ou mais simples
como Hoasca. No Brasil o chá é conhecido como Auasca, Uasca, Santo Daime
ou Vegetal e, em diferentes culturas, ainda é reconhecido por outros nomes
como Yajé, Mariri, Caapi, Natema, Pindé, Kahi, Mihi, Dápa, Bejuco de Oro, Vi-
nho de Deus ou Vinho dos Espíritos entre outros. Onde se cultua esse chá é
recorrente a expressão “o cipó dá a força e a folha, luz”
No Brasil o consumo do chá ayahuasca por não indígenas surge do con-
tato entre seringueiros e xamãs da região amazônica, no auge da exploração
da borracha, no fim do século XIX. Os desdobramentos sócio-histórico-culturais
ocorridos nesta região, nas primeiras décadas do século XX, propiciaram a sua
expansão para outros contextos distintos de suas origens e dá início às religi-
ões ayahuasqueiras que se espalham rapidamente para os centros urbanos.
Religiões ayahuasqueiras
As religiões criadas no século XX que fazem uso do chá ayahuasca são
consideradas, do ponto de vista antropológico, como formas de neoxamanismo;
recriam rituais xamãnicos agregando novos elementos culturais e religiosos.
Tem início com os mestiços da região amazônica, migram para zonas urbanas
e grandes centros como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Daí avançando
para todos os Estados da federação brasileira e também para a América do
Norte e Europa, colocando a etnia branca e urbana em contato com, pelo me-
nos, fragmentos de tradições religiosas indígenas milenares.
As novas religiões que fazem uso do chá ayahuasca associam ações eso-
téricas do mundo indígena com tradições de outras crenças religiosas. Bastan-
58 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

tes sincréticas combinam, em doses diferentes, desde o xamanismo indígena


até o kardecismo, passando pelo catolicismo popular, pelo candomblé e pela re-
ligião umbandista. Em todas elas os efeitos decorrentes da ingestão do chá são
atribuídos ao processo de purificação da alma e tem como objetivo transmitir
aos homens "uma prática ordenada pela força superior no sentido de ensiná-los
a se conduzir sobre a terra" (Callaway). 22
Várias comunidades na Amazônia passam a cultuar o chá ayahuasca e,
em seu ritual, envolvem santos da Igreja católica e orixás do candomblé, reve-
renciam a mata, a floresta, a paz e a alegria. Ao lado de cânticos que geralmen-
te têm inspiração ecológica, a cerimônia envolve uma dança coletiva de passos
repetidos, síncronos e monótonos, dois para um lado, dois para outro. Ás vezes
essa dança dura uma noite inteira. Algumas dessas comunidades se transfor-
mam em religiões bem conhecidas e, por dissidência ou conflito de liderança,
se multiplicam a cada dia.
Por volta de 1930, Raimundo Irineu Serra fundou a vertente religiosa
ayahuasqueira na cidade de Rio Branco, no Estado do Acre, conhecida como
“Santo Daime” ou “Alto Santo” e, posteriormente como CICLU - Centro de
Iluminação Cristã Luz Universal. Mestre Irineu, que morreu em 1971, era um
negro seringueiro de dois metros de altura que, em 1930, após uma intensa
iniciação com a ayahuasca, através de um xamã na floresta amazônica,
resolveu chamar o chá de “Santo Daime” e, com esse nome, iniciou uma
religião. Foi tomando essa bebida que o mestre Irineu teve a visão (miração) de
Nossa Senhora da Conceição e, segundo afirma, foi quando recebeu os
fundamentos inspiradores da crença que acabaria por inaugurar. O nome
“Daime” vem do próprio verbo "dar", no sentido Daí-me Luz! Daí-me Amor! Daí-
me Força!
Na década de 1970 apareceu outra ramificação do Santo Daime, o Ceflu-
ris – Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra, funda-
mentada em crenças xamânica, esotérica e cristã, liderada por Sebastião Mota
de Melo (Padrinho Sebastião) que morreu em 1990. Sebastião foi um trabalha-
dor seringueiro e construtor de canoas, natural de Eurinepé, Amazonas, discí-
pulo do mestre Irineu que resolveu fundar sua própria religião, embora sem a-
presentar, no início, divergências significativas na prática ou na crença do Mes-
tre. Esta vertente evolui mais rapidamente para outros contextos sociais.
O Cefluris nos anos 90 realiza ajustes e correções na sua estrutura de
credo e de administração, expande-se pelos centros urbanos brasileiros e para
o exterior. Trinta anos depois de sua fundação conta com núcleos na Holanda,
na França, na Itália, no Japão e nos Estados Unidos, entre outros paises. Uma
boa característica dessa organização é o fato de ser a mais aberta à comunida-
de externa, divulgando de forma explicita seus objetivos e prática religiosa. Sua

22
CALLAWAY, J.C. et al. Quantitation of N, N-dimethyltrytamine and harmala alkaloids in hu-
man plasma after oral dosing with Ayahuwasca, J Anal Toxico, l 20(6): 492-7, 1996.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 59
estrutura, horizontal e democrática, permite que os diversos segmentos utilizem
bem os meios de comunicação como revistas especializadas e Internet. Sua di-
vulgação rápida aponta para o crescimento acelerado no Brasil e no mundo.
É curioso como surgiu outra religião ayahuasqueira denominada “Barqui-
nha”, nome que corresponde a uma festa do folclore popular, trazida para o
Brasil pelos portugueses e guardada na memória do povo através de gerações.
Representa a cultura de gente simples, suas brincadeiras e seu lirismo lúdico
que não se perderam no tempo. Cultuam feitos históricos dos navegantes, en-
volve a representação de marinheiros e sua religiosidade. Porém, aos poucos
foi se afastando das origens, se modificando, se adaptando e readaptando a
novos contextos culturais.
A festa folclórica da Barquinha é comemorada em pequenas cidades e vi-
larejos em todo o país, principalmente no Norte e Nordeste do Brasil. Acontece
nos meses de junho a dezembro, dependendo da região, mas na sua maioria
ocorre quando se comemora Santo Antonio, São João e São Pedro. Caracteri-
za-se como um bailado popular, é um entretenimento dançado por homens e
mulheres coletivamente, representando a chegada da barca que trazia mari-
nheiros e oficiais das naus para porto. Seguido do desfile até a Igreja para co-
memorar feitos náuticos e a conversão do pagão à religião católica-romana, daí
prosseguindo com os festejos aos santos padroeiros locais. O grupo é compos-
to por pessoas simples que, trajadas de marujos, são capitaneadas geralmente
pelo mais antigo, entoam hinos e glosas populares, ao som de instrumentos
musicais rústicos. Além do exibicionismo dos personagens, envolve a platéia
em seus folguedos, brincadeiras e bailados. Embora aponte vínculos de religio-
sidade é uma festa popular profana.
Em 1945, Daniel Pereira de Mattos, maranhense que bem conhecia e par-
ticipava de festas da Barquinha em sua terra natal, onde também freqüentou a
escola de aprendiz de marinheiro, se mudou para o Acre e conheceu a ayahu-
asca pelas mãos de Raimundo Irineu Serra, quando se tratava de uma enfermi-
dade (Araújo) 23. Acrescentando ao folclore junino o consumo do chá, transfor-
mou a festa em religião. Mais tarde, fundando uma sede, o grupo da Barquinha
passou a ser denominado de Centro Espírita e Culto Oração Casa de Jesus
Fonte de Luz, mas não perdeu o nome original. Entre as religiões que conso-
mem o chá, a Barquinha é a menos espalhada pelo Brasil, concentrada na regi-
ão amazônica e fundamenta-se na crença cristã, mas admite a incorporação do
"Preto Velho", típico dos rituais de influência africana.
Na região amazônica, os adeptos da Barquinha com roupas de marinheiro
tomam o chá ayahuasca que, segundo a crença, conecta o homem com o divi-
no. Todos cantam os salmos; músicas que teriam sido inspiradas por guias es-
pirituais invisíveis. No templo a imagem de São Francisco das Chagas, é o co-
mandante que pilota a Barquinha, com outros seres divinos. A bebida provoca o

23
ARAÚJO, W. S. (org). O uso ritual da ayahuasca. S. Paulo: Mercado das Letras, 2002.
60 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

transe, e assim começa a viagem, cuja missão seria resgatar almas dos mortos
que sofrem no mundo espiritual e levá-las, pelo mar sagrado do Santo Daime,
até os pés de Jesus Cristo, onde está a salvação.
A festa da Barquinha é transformada por Daniel Pereira de Mattos em
uma mescla do folclore popular com a crença cristã e o ritual indígena, além de
associar também crenças do candomblé e da umbanda. Nessa religião, santos
da Igreja católica se misturam com entidades espirituais conhecidas como Ca-
boclos, Preto Velho e Boiadeiro entre outros, que supostamente se manifestam
para afastar forças negativas, promover curas ou ajudar alguém de algum mo-
do. Após a ingestão do chá, o ritual tem duração média de quatro horas.
Entre outros grupos religiosos que se desprenderam da Barquinha e se
espalharam pela Amazônia, existe um situado às margens do Rio Acre, é o
Centro Espírita Luz, Amor e Caridade, conduzido pelo mestre Juarez que, com
mais de oitenta anos de idade, ainda comandava o Centro. No dia 29 de junho,
começa a celebração da Noite de São Pedro e, dentro da igreja, orações e sal-
mos são entoados. Após beber o chá, todos saem para o terreiro de umbanda,
onde são feitas as chamadas "obras de caridade". Mestre Juarez assovia, cha-
mando a força do Daime, ele estaria incorporando um encantado, uma entidade
poderosa no mundo da Barquinha, o Príncipe Dragão do Mar. Acredita-se que
várias entidades do além descem ao terreiro para expulsar espíritos malignos.
Na década de 1960 formou-se em Porto Velho, no Estado de Rondônia, a
UDV - Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, através de José Gabriel
da Costa, um baiano que foi para a região amazônica trabalhar nos seringais.
Atualmente figura como uma das maiores entre as religiões que fazem uso do
chá ayahuasca. Seu ritual é discreto e sem os bailados, é mais fechada à
comunidade externa e sua estrutura vertical é bem hierarquizada.
Por orientação do mestre Gabriel, a UDV adota a fundamentação
cristã e reencarnacionista e o transe é conhecido como borracheira que, se-
gundo seu fundador, significa uma “força estranha, a presença da força e da luz
do Vegetal na consciência daquele que bebeu o chá”. Segundo seus dirigentes,
a bebida é um veículo de concentração mental, seu efeito amplia a percepção e
permite melhor compreensão dos fundamentos da espiritualidade.
A UDV indica para os associados seguirem regras disciplinares rígidas,
como o não consumo de álcool e de fumo, preservação da instituição
familiar, além de postura socialmente ética sobre todos os aspetos. O
chá ayahuasca é conhecido nesta associação por três sinônimos: Hoasca, Mari-
ri ou Vegetal. É contra o uso do chá fora do contexto religioso, além de conside-
rar inadequado o uso indiscriminado por pessoas não-iniciadas e sem a orien-
tação de um dirigente (mestre). O novato para ser iniciado é indicado por um
associado e aprovado pelo líder da organização.
Na UDV ocorrem sessões regulares (de escala) duas vezes ao mês e
sessões extras convocadas pelo mestre, além de sessões de iniciação. Durante
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 61
o ritual, os participantes permanecem sentados e em absoluto silêncio, o mestre
preside a sessão e dosa a quantidade do chá ayahuasca para o consumo de
cada um em particular. Todos, sem exceção, simultaneamente bebem e ficam
esperando a "borracheira" como é conhecido o transe. Para sair do recinto,
principalmente em função das reações do chá que iniciam após trinta a quaren-
ta minutos e vai até três ou quatro horas, é preciso permissão do mestre. O no-
vato ao sair é seguido por um ou dois associados que o vigia em tempo integral.
Isso vale para prevenir vertigens e outras situações imprevistas durante o tran-
se. No ritual, a circulação das pessoas no salão se faz no sentido anti-horário
que, segundo mestre Gabriel, “é o sentido da força”. A prática da circulação an-
ti-horária também acontecia nas sessões mesmeristas até o fim do século XIX,
e em sessões kardecistas até a primeira metade do século XX.
Na UDV, cerca de uma hora e meia após a ingestão do chá, como forma
de certificar os efeitos, o mestre vai de um em um e pergunta “Como vamos?
Tem luz? Tem borracheira?” No início do transe coletivo são entoados cânticos
(chamadas), que tem como proposta transmitir ensinamentos. Decorrido cerca
de três horas, quando todos estão em plena "borracheira", ouvem gravações de
MPB. A autoridade é amplamente ostensiva, tudo é controlado rigorosamente
seguindo a hierarquia, Mestre, Conselheiro, Associado e diferencia-se um dos
outros por fardamento, função e tarefa. A Borracheira é alusão do mestre Ga-
briel ao termo conhecido nos seringais como o período decorrido entre o fim e o
início da extração do látex, quando ocorre embriedade ou bebedeira dos traba-
lhadores.
Segundo a crença da UDV, foi um importante personagem bíblico, o Rei
Salomão, quem descobriu como produzir o chá e passou esse conhecimento a
um homem chamado Caiano. Séculos depois, Caiano teria nascido de novo na
Bahia, com o nome de José Gabriel da Costa. Torna-se mestre Gabriel após
conhecer a ayahuasca nos seringais de Rondônia e fundar a União do Vegetal.
Andrade 24 conta à trajetória de vida de José Gabriel com detalhes, relata
seu envolvimento com o catolicismo popular, ainda no interior da Bahia onde
nasceu, como freqüentou sessões espíritas kardecistas e terreiros de candom-
blé em Salvador e seu trabalho na extração da borracha no Estado de Rondô-
nia. Conta como, em Porto Velho, Gabriel passa a atender pessoas, em sua ca-
sa, jogando búzios e relata com detalhes como, quando e por que se torna Ogã
e Pai do Terreiro de Mãe Chica Macaxeira. Por fim, define como ocorreu seu re-
torno ao seringal onde abre seu próprio terreiro, no qual “recebia” o caboclo Sul-
tão das Matas com o objetivo de curar pessoas, dar conselhos e orientar as ca-
çadas.
Ao abrir seu próprio terreiro, José Gabriel passa a dirigir um rito sincrético,
uma forma de xamanismo assemelhado à pajelança amazônica que associa, na
24
ANDRADE, Afrânio P. de. O fenômeno do chá e a religiosidade cabocla. Um estudo centrado
na União do Vegetal. Dissertação de Mestrado, Instituto Metodista de Ensino Superior. S.
Bernardo do Campo, 1995.
62 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

prática, elementos religiosos afro-indígena, kardecista e do catolicismo popular.


Em abril de 1959, no seringal Guarapari, na região da fronteira boliviana, Gabri-
el recebeu pela primeira vez o chá ayahuasca de um seringueiro chamado Chi-
co Lourenço, que representava uma tradição indígena-mestiça de uso xamânico
do chá.
Segundo Andrade, em 1961, José Gabriel reuniu as pessoas e disse: “Eu
quero falar pra vocês que tudo que o Sultão das Matas faz eu sei; Sultão das
Matas sou eu”. Este momento foi considerado como de grande iluminação. Ao
postular para si mesmo o poder antes atribuído à entidade Sultão das Matas,
mestre Gabriel nega a incorporação dos cultos de caboclo. A partir daí, o transe
deixa de ser entendido como mediúnico, não há incorporações nas sessões.
Mestre Gabriel reconhece um novo tipo de transe e o denomina de borracheira,
em vez de incorporação agora ocorre iluminação. Este momento é justificado
como sendo a percepção do mestre, reconhecendo uma força desconhecida
que age dentro de cada um. Como se diz na UDV, “no decorrer da borracheira
há uma potencialização dos sentimentos, das percepções e da consciência”.
Essa descrição é perfeita para caracterizar o que pode ocorrer em um transe
hipnótico quando bem conduzido.
É certo que sugestões de melhorias, curas e superações de vicissitudes,
instaladas na mente humana durante um transe, funciona de forma poderosa.
No transe produzido pelo chá ayahuasca, as sugestões são elaboradas, ampli-
adas, ajustadas e adaptadas, de forma consciente ou não, por cada pessoa, pe-
lo mestre e o ambiente onde ocorre a sessão, pelo ritual e dogmas praticados e
ensinados que induzem princípios universais da ética e da moral. A ordem reli-
giosa estabelecida lembra e introduz na mente de cada um a idéia do mereci-
mento a uma vida digna, ao direito da pessoa ser feliz e de fazer o próximo fe-
liz. Condições indispensáveis para elevação da auto-estima, superações de ad-
versidades e curas.
98% das pessoas que experimentam o chá ayahuasca entram em transe.
80%, incluindo aí o mestre, apresentam sintomatologia do transe leve, o que
permite entrar ou sair do estado hipnótico, dependendo da necessidade e de
sua vontade. 30% ficam em nível intermediário e cinco a dez 5% apresentam
sintomatologia idêntica aos níveis sonambúlicos e plenos do transe hipnótico,
exceto pelo efeito aversivo provocado pela ingestão do chá.
Os efeitos provocados pela ingestão do chá ayahuasca iniciam após, a-
proximadamente, trinta minutos e prolonga-se por até quatro horas, variando na
intensidade a depender da quantidade consumida e da propensão de cada pes-
soa ao transe. O efeito aversivo é caracterizado por uma série de reações como
náuseas, vômitos intensos, diarréias, palpitação, taquicardia, tremores, midría-
se, suor excessivo, perda da discriminação espaço-temporal, ilusões sinestési-
cas, perda ou diminuição de controle psicomotor e vertigens. Não obstante a
essas situações adversas, no período de duas a quatro horas pode ocorrer o
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 63
aumento de bem-estar do indivíduo, criando fortes sensações de felicidade e
contentamento.
Após o transe aqueles que experimentam efeitos mais profundos de bem-
estar, relatam sensações de vôo pelos ares, idas a lugares distantes, visões
envolvendo locais e pessoas (miração), relatam ainda a sensação de comuni-
cação com divindades. As narrativas são variadas e, de certo modo, se ajustam
à cultura, à crença e ao ideário de cada um. Devido a esses efeitos a mistura
dos dois vegetais para a composição do chá ayahuasca, foi e continua sendo
utilizada com finalidade mística em ritual religioso, geralmente com objetivo de
cura.
Nos anos 90 a União do Vegetal começa a se expandir pelos centros ur-
banos brasileiros e para o exterior, entrando na América do Norte e na Espa-
nha. Em 2006 a Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos deu autoriza-
ção, por votação unânime, para prática do culto em território americano. O tri-
bunal recusou os argumentos do governo americano de que uma das substân-
cias contidas na bebida ayahuasca está na lista de entorpecentes proibidos pe-
la legislação em vigor. Na decisão o tribunal levou em conta a permissão dos
membros da Igreja Nativa Americana, na grande maioria indígena, usarem em
seus rituais um chá composto por peiote. Os índios norte-americanos possuem
o Ato de Liberdade de Religião Indígena, aprovado em 1994, que especifica au-
torização para o uso do cacto Peiote para fins religiosos e, por analogia, o con-
sumo do chá foi autorizado.
O DMT, substância presente na folha do arbusto que compõe o chá aya-
huasca, é proibido pela Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas da ONU -
Organização das Nações Unidas, firmada em Viena em 1971, da qual o Brasil é
signatário. Por conta desta restrição, o DMT foi incluído na lista das substâncias
psicoativas proscritas da Divisão de Medicamentos do Ministério da Saúde bra-
sileira durante os anos de 1985 a 1987. Enquanto neste mesmo período, uma
comissão multidisciplinar estudou as formas de consumo do psicoativo proibido
e, como resultado deste estudo, o (extinto) Conselho Federal de Entorpecentes
elaborou parecer retirando a substância da ilegalidade.
Em 1992, houve nova tentativa de proibição do consumo do DMT no Bra-
sil, tendo sido organizada uma segunda comitiva, que reafirmou a decisão da
anterior, de liberalização do uso para fins religiosos. Hoje predomina o entendi-
mento fundamentado no Direito Constitucional de liberdade de culto e religião
(CFR de 1988, artigo 5º, inciso VI). Também foi considerado o fato que de nada
consta na legislação penal brasileira sobre os componentes ativos contido nos
vegetais que compõem o chá ayahuasca, portanto, seu uso é facultado (Lei de
entorpecentes, 6.368/76). Do ponto de vista internacional, existe uma ação pro-
cessual em curso na ONU para regularizar a situação, no âmbito de sua con-
venção, no sentido de reconsiderar o uso do chá ayahuasca como facultado em
ritos religiosos no Brasil.
64 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

É relativamente grande a discussão acadêmica quanto aos efeitos do chá


ayahuasca, mas a literatura científica sobre o tema é controversa, ora considera
como alucinógeno e de uso não recomendado, ora considera como inofensivo à
saúde e indicado como terapia. A ciência ainda caminha no sentido de esclare-
cer completamente como os elementos contidos na bebida agem no organismo
humano.
Já se sabe que a folha do arbusto chacrona (Psychotria viridis) con-
tém um princípio ativo, a DMT (N, N, Dimetiltriptamina), que tem semelhança
estrutural com a serotonina, um importante neurotransmissor do sistema nervo-
so central. Quando administrada por via oral, a DMT é decomposta pela mono-
aminoxidase (MAO), tornando-se inativa. O cipó jagube ou mariri (Banisteri-
opsis caapi) contém alcalóides beta-carbolinas: a Harmina, a Tetrahidroharmi-
na e a Harmalina. Esses alcalóides inibem a atuação da enzima MAO, o que e-
vita que esta torne inativa a ação da DMT contida na folha. Assim, a interação
entre esses alcalóides e a DMT permite que a bebida produza alterações no
corpo e no psiquismo.
Dentro da perspectiva sistêmica fica complicado saber como as proprie-
dades do chá ayahuasca, isoladamente identificadas a partir de pesquisas re-
ducionistas, agem no organismo humano, o quê de fato acontece quando é in-
gerido, como são ou não mantidas suas propriedades originais quando interage
com tantos outros elementos do metabolismo e do psiquismo. Para a ciência
atual essas respostas são difíceis, como também é difícil explicar como aconte-
ce a produção do transe hipnótico, com sintomatologia e efeitos iguais, que são
induzidos sem a ingestão de quaisquer substâncias, através de meras suges-
tões verbais ou visuais e que podem até ser praticados por auto-sugestão. Co-
nhecer a sintomatologia do transe hipnótico, suas diferentes formas de produ-
ção e efeitos, talvez possa contribui para interpretar o efeito do chá ayahuasca.
Na Colômbia, Bolívia, Peru, Venezuela e Equador o consumo e a admi-
nistração do chá ayahuasca sem envolvimento religioso é tradição. Sua aplica-
ção é feita por uma espécie de médico naturalista ”ou curandeiros pelas plan-
tas” que se referem a si mesmos como vegetalistas ou herboristas e ajudam as
pessoas das áreas rurais e as populações pobres de áreas suburbanas que,
doentes, não têm condições de ser assistidas pela medicina convencional.
No Peru o chá ayahuasca é conhecido também como la purga, devido às
suas características de provocar diarréias que são entendidas como processo
de desintoxicação e, em certas regiões da Colômbia, com essa mesma finalida-
de o chá é denominado de el remedio. Sem envolver religião, estudiosos levan-
tam hipóteses de que o chá ayahuasca contenha propriedades antimicrobianas,
o que o tornaria efetivo no combate a vermes ascarídeos e protozoários. É só
Brasil que tem início o uso do chá, associado ao sincretismo religioso, por popu-
lações não indígenas.
Transe e sincretismo
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 65
A história do sincretismo religioso no Brasil inicia com os jesuítas
incumbidos de doutrinar os índios e depois os negros, proibindo seus cultos
sagrados. Os negros escravos, por não terem alternativa, construíam altares
com imagens e gravuras dos santos do catolicismo e associava essas imagens
aos orixás, como a única forma de continuarem com suas crenças de origem.
Formou-se assim a associação entre o orixá do candomblé e o santo da Igreja
católica, em rituais com elementos simbólicos riquíssimos, utilizando muitas
cores, sons e ritmos, realizados nos terreiros das senzalas. Com o passar do
tempo, alguns terreiros começaram a misturar os rituais do Candomblé com os
da Pajelança, dando origem a outros cultos.
O Candomblé tem vários ritos e diferentes ênfases culturais, mas sempre
neles ocorrem transes. As culturas africanas, fontes para as atuais vertentes do
candomblé praticado no Brasil, vieram da área cultural banto; onde hoje estão
os territórios da Angola, Congo, Gabão, Zaire e Moçambique e da região
sudanesa do Golfo da Guiné, circunscrita à Nigéria e Benin, que contribuíram
para a formação cultural dos iorubás e os ewê-fons. Estas origens se
interpenetram tanto no Brasil como na África. Os rituais africanos associados
aos rituais indígenas, principalmente da Região litorânea do Nordeste brasileiro,
deram origem ao Candomblé de Caboclo e, neste caso, a força curativa é
atribuída aos espíritos de índios e negros. Essa mistura de cultos cria
ramificações como os Conjuros, Canjerê, Catimbó, Macumba, Quimbanda e
Jurema ou Juremeiros.
Os Juremeiros consomem uma bebida, originaria dos rituais indígenas, de
nome jurema. É produzida com a casca do caule e da raiz da planta jurema
(Mimosa Hostilis Benth), natural da região nordeste do Brasil, acrescida de mel
e outra bebida fermentada de teor alcoólico. Os índios também fumavam, por
meio de cachimbo, um preparado com a raiz desta planta e, tanto o hábito de
fumar como de ingerir a bebida foi incorporado aos rituais de origem e
influência africana.
No culto afro-brasileiro a composição da bebida jurema, antes apenas in-
dígena, passou a ser conhecida como vinho da jurema e, outros ingredientes fo-
ram acrescentados além da cachaça e o mel; o vinho tinto, o pó de guaraná, a
rapadura, canela, cravo-da-índia, gengibre e dandá, também conhecido como ti-
ririca ou junca, apontando no meio acadêmico como sendo a espécie Fuirena
umbellata Rotbb. Em alguns terreiros de nação Angola, antes de se beber jure-
ma, põe-se uma pitada de dandá na boca. O vinho e o dandá são também ser-
vidos à assistência e, acredita-se, a pessoa que bebe, sendo susceptível ao
transe e envolvido com a crença no culto, manifesta imediatamente a incorpo-
ração do espírito de um caboclo. Enquanto a bebida é servida, cantam-se hinos
em homenagens às divindades cultuadas e, juntos, o dandá e a jurema acele-
ram o processo do transe.
66 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Zanini & Oga 25 afirma que o vinho da Jurema produz efeitos semelhantes
aos do LSD 25 e de outras drogas desse grupo, porém reconhece que seu uso
não causa dependência física ou psíquica e seu abandono não causa síndrome
de abstinência. Logo não é tão semelhante assim. Há uma tendência acadêmi-
ca de se classificar qualquer tipo de transe, produzido por ou com a ajuda de
elementos químicos, mesmo que naturais, como sendo mera ação de uma
substância alucinógena.
No transe hipnótico produzido em diferentes rituais, com uso de substân-
cia química ou não, inclusive aqueles provocados apenas por estímulo dos sen-
tidos normais como a visão, a audição e o tato, entre seus efeitos podem ser
observados a ocorrência de alterações do humor, com euforia e depressão, an-
siedade, distorção de percepção de tempo e espaço, forma e cores e alucina-
ções visuais. A esses sintomas, algumas vezes, são acrescidas idéias deliran-
tes de grandeza ou perseguição, despersonalização, midríase, hipertermia no
tórax e cabeça associado à hipo-termia nas extremidades das mãos e pés.
Em rituais religiosos, quando provocam transes, pode ser observado além
das alterações de senso-percepção, delírios e visões que correspondem à
crença praticada. A descrição desses efeitos, narrados pelos participantes, são
induzidos e desenvolvidos pelas sugestões prévias embutidas na cultura religi-
osa. Por isso, freqüentemente, esses efeitos são entendidos como experiências
místicas, visões e êxtases.
O Candomblé de Caboclo associado ao Kadercismo cria também a
Umbanda, que admite a manifestação de espíritos de pessoas mortas. Os
cânticos para os orixás, atabaques e jogos de búzios, naturais do rito africano,
são substituídos por práticas desenvolvidas na Europa como sessões de passe
com a imposição das mãos e consulta aos espíritos através de médiuns. A
Umbanda mistura tradições religiosas africanas, indígenas e católicas, além dos
orixás, cultuam o caboclo, o preto-velho e espíritos dos antepassados que
servem de guias ou conselheiros aos fiéis.
As rezas e as bênçãos, praticadas pelas rezadeiras e benzedores,
também podem exercer efeitos hipnóticos, ou pelo menos são de grande poder
sugestivo. O benzimento é uma forma antiga no tratamento de várias doenças,
utilizado desde a idade média na Europa. No Brasil, além da reza tradicional,
alguns benzedores indicam para reforçar o efeito de cura o uso de plantas
como amuletos protetores, ou preparam e receitam chás, garrafadas, banhos e
ungüentos, dando assim origem ao termo raizeiro ou curandeiro, conhecido
também como feiticeiro ou milagreiro. Estes são proscritos pela medicina oficial
e amaldiçoados pela religião dominante, além de mantidos à margem da lei.
Parece que quanto mais uma civilização evolui e a ciência oficial se
desenvolve, mais a figura do curandeiro se faz presente e mais numerosos e
populares são os adivinhos, os videntes, as cartomantes e todas as
25
ZANINI, A C. & Oga, S. Farmacologia aplicada, pesquisa USP, S. Paulo, Atheneu Ed. 1979.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 67
metamorfoses e alterações semânticas, envolvendo antigos e novos mitos e
suas associações com o transe hipnótico.
Padres hipnotistas
Na Europa, por volta de 1770, um Padre católico de nome Johann Joseph
Gassner (1727-1779) que viveu em Klosters, no sul da Alemanha, atribuía às
doenças a possessão demoníaca. Se hoje as doenças são, para grande parte
da humanidade, atribuídas às forças malignas, isso era pensamento padrão no
século XVIII. Nessa época os doentes eram simplesmente entendidos como
possuídos pelos demônios e Gassner divulga a crença de que podia curar os
enfermos. Em milhares de pessoas, por sugestão hipnótica induzia curas
espetaculares e, para assegurar-se da aprovação da igreja, aplicava seu
método de tratamento como se fosse processo de exorcismo, obtendo o
consentimento para suas ações através da afirmação de que Deus estava
agindo através dele. 26
Gassner aparecia de forma teatral à sua clientela vestido todo de preto,
de braços estendidos, segurando um grande crucifixo de ouro cravejado de
diamantes; usava ambiente solene, decorações lúgubres e falava em latim com
voz cava e não fazia segredos de seus métodos. Freqüentemente permitia que
médicos observassem sua prática, os quais se apresentavam para observá-lo
em ação e eram conduzidos na Igreja a uma sala parecida com um pequeno
teatro onde se acomodavam. Então o doente era posicionado numa espécie de
palco para esperar o Padre. Com o objetivo de melhorar ainda mais o
espetáculo, no timing de sua entrada, Gassner caminhava até a plataforma
através de um longo promontório negro, segurando o crucifixo com a mão
estendida ao alto. Ao ser tocado pelo crucifixo o doente entrava em estado
cataléptico. Isto era o primeiro passo para expelir todas as formas de mal
existentes em quem se sentia possuído.
A catalepsia é um estado que envolve a súbita suspensão da sensação e
da volição, bem como a paralização parcial das funções vitais. Ocorre, ao
mesmo tempo, queda acentuada da pressão arterial e dos batimentos
cardíacos, resfriamento das mãos e dos pés, além de profunda palidez, o corpo
se torna rígido, ficando com a aparência que pode ser confundida com uma
pessoa morta. O estado cataléptico é provocado por emoções fortes decorrente
de grande expectativa prolongada por horas seguidas, um susto ou um medo
violento. Dependendo da técnica de indução e do nível de suscetibilidade ao
transe, algumas pessoas hipnotizadas alcançam rapidamente este estado.
Todos eram instruídos a “morrer” quando tocados pelo Padre e, enquanto
“jaziam” prostrados ao chão, Gassner expulsaria os demônios de seus corpos
devolvendo-lhes a vida normal. Depois que algum médico examinava o
paciente, não sentindo pulso, não ouvindo batidas do coração declarava-o
26
Manifestações de possessões demoníacas e procedimentos exorcistas, a Igreja Católica ad-
mitiu em determinadas épocas, em outras não. Paulo VI eliminou a figura do exorcista, que foi
recuperada, no entanto, por João Paulo II (N. do A.).
68 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

como morto, então o Padre ordenava que o demônio partisse e, logo após, o
paciente “ressuscitava” e levantava-se completamente curado.
Quando o doente era trazido, antes de empregar o exorcismo, Gassner
fazia um teste para certificar-se de que a doença era atribuída ao demônio; a
prova, na verdade um teste de suscetibilidade hipnótica, consistia
essencialmente numa fórmula de conjuração que ele fazia acompanhar do sinal
da cruz. Se o demônio não respondesse através de crises convulsivas a três
invocações seguidas, concluía ele que a doença era de origem natural e
deixava para os médicos curar, caso afirmativo iniciava a sua própria sessão de
cura. Karl Weissmann 27 descreve uma dessas sessões, realizada por volta de
1774, na qual foi hipnotizada uma jovem de nome Emilie, e relata o método
utilizado:
Entrando de maneira dramática no aposento, o Padre Gassner tocou a
jovem com o crucifixo, e essa, como que fulminada, caiu ao chão em
estado de desmaio. Falando-lhe em latim, a paciente reagiu
instantaneamente. À ordem - Agitatur bracium sinistrum - o braço
esquerdo da jovem começou a mover-se numa crescente velocidade. E ao
comando - Cesset - o braço se imobilizara, voltando à posição anterior. Ato
contínuo, o Padre lhe sugere que está louca e a jovem com o rosto
horrivelmente desfigurado, corre furiosamente pela sala, manifestando
todos os sintomas característicos da loucura. Bastou a ordem enérgica -
Pacet - para que ela se aquietasse como se nada houvesse ocorrido de
anormal. O Padre Gassner nesta altura lhe ordena falar em latim, e a
jovem pronuncia o idioma, que normalmente lhe é desconhecido.
Finalmente, ordena à moça uma redução nas batidas do coração. E o
médico presente constata uma diminuição na pulsação. Ao comando
contrário, o pulso se acelera, chegando a 120 pulsações por minuto. Em
seguida, a jovem, estendida no chão, recebe a sugestão de que suas
pulsações se iriam reduzir cada vez mais, até cessarem completamente.
Seus músculos seriam relaxados totalmente e morreria, ainda que apenas
temporariamente. E o médico, espantado, não percebendo sequer
vestígios de pulso ou de respiração, declara a jovem morta. O Padre
Gassner sorri confiantemente. Bastou a ordem sua para que a jovem
retornasse gradativamente à vida. E com o demônio devidamente expulso
de seu corpo, a moça, sentindo-se como nascida de novo, desperta e
agradece sorridente ao Padre o milagre de sua cura (WEISSMANN).

27
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958.
Karl Weissmann (1911 a 1981), austríaco naturalizado brasileiro, escreveu apenas um livro e
se tornou muito conhecido e citado no Brasil quando o tema é Hipnotismo. Desde a primeira
edição, em 1958, o livro é reimpresso com títulos ligeiramente diferentes, porém sem
alterações no seu conteúdo. Em sua autobiografia Weissmann diz que foi hipnotista de palco
e de gabinete e que trabalhou, na década de 50, como psicólogo na Penitenciária de Neves,
no Estado de Minas Gerais (N. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 69
28
Lorenzer descreve também, passo a passo, a sessão com Emilie.
Gassner começava advertindo que ela podia depor sua confiança em Deus e
em Cristo, cujo poder supera a força do demônio e a isso seria atribuída a sua
cura. Emilie senta-se numa cadeira em frente ao Padre e ele pronuncia as
seguintes palavras em latim (para este autor, Emilie entendia latim):
Praecipio tibi in nomine Jesu, ut minister Christi et ecclesiae, veniat agitatio
brachiorum quam antecedenter habuist - Nisso as mãos de Emilie
começaram a tremer. Gitentur brachia tali paroxysmo qualem antecedenter
habuisti - Ela afundou na cadeira para trás e estendeu com inteira
impotência os dois braços. Cessat paroxysmu - Levantou-se de repente de
seu lugar e parecia saudável e serenamente alegre. Paroxysmus veniat
interum vehementius, ut ante fuit et quidem per totum corpus - A crise
começou de novo. As pernas se levantaram até a altura da mesa, dedos e
braços ficaram rígidos e dois homens fortes não puderam dobrar seus
braços, além dos.olhos que ficaram abertos, mas estavam revirados.
Tremat ista creatura in toto corpore - Tremor no corpo todo. Hebeat
augustia circa cor - Emilie levantou os ombros, abriu os braços, virou os
olhos de maneira assustadora, desfigurou a fisionomia e seu pescoço
entumesceu. Sis quase mortua - Sua fisionomia ficou com palidez mortal,
sua boca abriu-se amplamente, os olhos perderam aquela expressão, o
pulso ficou tão fraco que o cirurgião presente dificilmente pode senti-lo. Sai
irata omnibus praesentibus - Ela ficou encolerizada contra todos os
presentes (cerca de vinte pessoas). Surgat de sella et aufugiat - Depois de
um momento levantou-se de sua cadeira e foi para a porta. Sit
melancholica, tristissima, fleat - Ela começou a soluçar e lágrimas
desceram pela face. Apertis oculis nihil videat - Daí em diante passou a
responder perguntas. De olhos abertos, dizendo nada ver, e assim por
diante (LORENZER).
Finalmente Gassner procedeu ao exorcismo e, depois disso, deu algumas
instruções a Emilie de como ela própria poderia proteger-se da enfermidade,
afirmando que possuía o dom de transmitir esta aptidão às pessoas que
tratava. Ao deixá-la explicou aos presentes que tudo o que havia ocorrido só
acontecera através da graça de Deus e só devia servir ao reforço e glorificação
do evangelho.
Não só através da utilização de métodos e aplicações de técnicas
hipnóticas as pessoas eram induzidas a admitir estarem possuídas pelos
demônios, para isso também contribuía a própria crença que associava as
doenças aos “maus espíritos”. Aqueles que se sentiam com o “diabo no corpo”
vinham ou eram trazidos ao Padre para que ele o expulsasse. E com o demônio
devidamente expulso a pessoa agradecia, na igreja, o milagre de sua cura. Não
resta dúvida de que Gassner era um perito hipnotista e que hoje, já passados
quase três séculos, o seu método, ligeiramente modificado, ainda surte efeitos
em muita gente.
28
LORENZER, Alfred. Arqueologia da psicanálise: Intimidade e infortúnio social (Trad. Wilson
de Lyra Chebabi), RJ, Zahar, 1987.
70 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Gassner deu início à sistematização de induções ao estado de transe


hipnótico associando a idéia do exorcismo. Primeiro era expressamente
induzido por sugestões o estado possesso para depois ser, também por
sugestão, exorcismado. O método de indução era reforçado pela solenidade do
ambiente, na fé, na crença ao sobrenatural, e na expectativa em torno do
acontecimento; tudo isso junto criava uma atmosfera propícia para o transe
imediato. As técnicas utilizadas eram bem próximas das atuais; o retorno do
transe, disfarçado como exorcismo, era previamente anunciado de forma lenta
e enfática. Acreditando ter se livrado do demônio, os pacientes ou fiéis também
acreditavam na sugestão subjetiva pós-hipnótica e comportavam-se como
quem se livrou, por assim dizer, da doença. Sem dúvida, nestes casos a cura,
para grande maioria dos males, realmente acontecia.
Algumas sessões de hipnose realizadas por Gassner eram coletivas, tinha
como objetivo o exorcismo de pequenos demônios, os quais, embora
freqüentemente instalados nas pessoas, não resistiam à expulsão em bloco. A
técnica consistia em formar uma fila e, após a explicação do que deveria
ocorrer, sobre a cabeça da primeira até a última pessoa, rapidamente passava
um pequeno e espesso manto preto e, como que fulminados todos caíam para
trás. Ato contínuo o Padre retirava do transe aqueles que permaneciam mais
profundo sob alegação que seriam libertados do mal.
M. Lecron 29 lembra que a hipnose de massa geralmente ocorre de forma
indireta ou dissimulada e que sua utilização é possível, entre outras
oportunidades, em alguns cultos e ritos de caráter religioso conforme sinaliza:
“Em muitas cerimônias religiosas, especialmente se houver música e ritual,
muitos dos presentes ficarão em estado de hipnose espontânea”. Em alguns
casos, podem os líderes ou dirigentes apresentar-se com perfil de
comportamento assemelhado ao do Padre Gassner e a aplicação do método
hipnótico varia apenas no grau de intensidade e no vocabulário que é adaptado
à época e ao ato religioso.
A pesquisa identificou através de observações in loco algumas situações
equivocadas ou dissimuladas e, por isso, consideradas como manifestações de
espíritos ou demônios. Todos os casos analisados foram interpretados como
apenas induzidas por sugestão e, para se chegar a essa conclusão, foi
constatada a presença da hipnose nas “manifestações”. Os transes foram
produzidos através de métodos hipnóticos e técnicas de induções, mesmo que
ligeiramente adaptado.
Foi identificado como sendo uma das técnicas mais utilizadas o
procedimento do hipnotizador (condutor do ritual). Como exemplo, o fato de
colocar uma das mãos na testa e a outra na nuca ou no alto posterior da
cabeça do hipnotizado (adepto à religião), efetuando pequenos e enérgicos
movimentos circulares, enquanto induziam verbalmente a sugestão direta do

29
LeCRON Leslie M. Auto-hipnose. ed. Record, 2. Ed., RJ, 1979.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 71
comportamento que espera. O veículo para a aplicação do método hipnótico
reside na fé dos participantes que, no decorrer do processo, representam
sintomas e comportamentos induzidos através de sugestões durante o transe,
ou posterior, através de sugestões pós-hipnóticas.
Entre as sugestões pós-hipnóticas observadas estão aquelas que
induzem o hipnotizado à dependência de continuar participando e colaborando
com o processo desenvolvido nas reuniões ou sessões; afirmam efusivamente
que para ele ficar livre definitivamente do problema que o atormenta deve
voltar, com regularidade de freqüência, a prática que acabara de experimentar
e ou alertam para o dever de colaborar com a continuidade da organização ou
da obra religiosa onde a tal prática foi realizada. Essas sugestões pós-
hipnóticas geralmente se transformam em ações compulsivas e, portanto,
inconscientemente cumpridas.
Para melhor análise da produção do transe hipnótico em meio de um ritual
de cura religiosa, pode ser interpretado como transcorre uma reunião ou sessão
com estas características. Geralmente inicia com um dirigente que fala com
emocionada oratória, voz cava, vocabulário repetitivo e monótono (técnica de
Liébaut), dirigindo-se às pessoas que ficam de pé e com os braços levantados.
Após a introdução inicial, os mais suscetíveis começam a balançar o corpo de
forma oscilatória, o que indica alto grau de suscetibilidade hipnótica. Nesta fase,
alguns auxiliares identificam quem mais oscila e, imediatamente, entram em
cena dando início à indução hipnótica direta e individual, falando mais ou
menos assim: “Sai demônio... Manifeste... Apareça... Não resista...”. O demônio
é primeiro induzido para depois ser exorcizado e, tudo não passa de sugestão
hipnótica.
Os mais suscetíveis entram em rigidez cataléptica, ficando com os dedos
contorcidos e sem movimentos, não propensos a falar, apenas respondem
resumidamente o que lhes for perguntado, às vezes se contorcendo ou
tremendo o corpo e, se o nível de transe hipnótico for profundo, os olhos ficam
brancos; tudo isso são características clássicas do transe. Nesta fase é
possível observar a sintomatologia dos diferentes graus de aprofundamento da
hipnose. E, desta forma, o dirigente da sessão daria continuidade ao processo,
aplicando as sugestões hipnóticas e pós-hipnóticas que garantam os objetivos
esperados.
Um Padre católico famoso por produzir transes hipnóticos foi Francis
MacNutt. 30 Empenhado no processo da renovação carismática da Igreja
católica, ele e uma equipe de dez Padres, além de vários auxiliares,
empreenderam, por volta de 1970, curas através de orações e imposição das
mãos, sobre os doentes, nos quatro cantos do mundo. Principalmente nos
Estados Unidos, na Inglaterra, na Colômbia, no México e várias nações
africanas.
30
MACNUTT, Francis O. P. O Poder de Curar, (titulo original: “The power to heal”, (Trad. C. F.
de Andrade) S. Paulo, Edições Loyola, 1980.
72 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Pelas descrições de MacNutt fica evidente que ele desencadeava transes


hipnóticos coletivos. Antes do início das sessões, se dirigia ao público
explicando como aconteceria o milagre da cura. Falava que o poder curador de
Jesus penetraria em cada célula do corpo de cada um e que a força do Espírito
Santo vinha promover a cura assim que ocorresse, durante a prece, a
imposição das mãos. Diz que o contato dele com a pessoa doente era uma
espécie de reforço para a prece, que tinha poder em si mesmo; e que os toques
com as mãos falavam mais forte do que as palavras. Fato é que em média de
40% das pessoas, minutos após a pregação, eram tacadas e caíam no chão
permanecendo como mortas. Quando retornavam ao estado normal, diziam-se
curados de suas doenças. Descrevendo o que acontecia nas sessões, MacNutt
diz que “o poder do Espírito Santo, enchia de tal forma a pessoa com uma
consciência íntima elevada e, por isso, a energia do corpo desfalecia a ponto da
pessoa não poder ficar em pé”.
Na história da Igreja católica são comuns relatos sobre o transe hipnótico
usando a expressão “arrebatado em êxtase”. A palavra êxtase vem do grego
(ekstasis) e se refere ao espírito que é “levado para fora do corpo”, expressão
sinônima de “morrer no espírito”. Os Padres católicos, Charles e Frances
Hunter, companheiros da equipe de MacNutt, empregavam para definir o transe
a expressão “cair sob poder”. Mas, MacNutt trata de se afastar destas
expressões, passando aceitar “ser dominado pelo espírito” como correto para
definir o processo hipnótico que deflagrava.
Já que a maioria das pessoas que sente esse fenômeno narra que estão
mais vivos do que nunca interiormente, prefiro não falar dele como “morrer
no Espírito” que só se refere à parte externa do corpo que cai no chão. É
exatamente o contrário de ser “morto”; assemelha-se mais a um excesso
de vida tal que o corpo não agüenta. Por isso estou evitando a palavra
“morto”, que conota violência. Com estas questões na cabeça, Padre
Michel Scanlan e eu discutimos o nome melhor para dar a esse fenômeno.
Chegamos à conclusão de que iríamos nos referir a ele como “ser
dominado pelo Espírito”. Este termo designa de modo mais adequado o
que realmente acontece (MACNUTT).
MacNutt não se conforma totalmente com a expressão “ser dominado pelo
Espírito” e, no verão de 1975 quando esse fenômeno começou a se produzir
numa assembléia católica na Inglaterra, Monsenhor Jon O’Connor sugeriu que
os ingleses iriam entender e aceitar o fenômeno, se o chamassem de “um
toque de dominação”. E, essa expressão ficou.
Tentando justificar os acontecimentos e o significado do transe, MacNutt
cita como uma santa da Igreja católica o descreveu, diz que “existe
maravilhosa descrição do repouso no espírito, empregando exatamente estas
palavras, de Santa Brígida da Noruega”. Faz referencia a Santa, atribuindo
como sendo suas as palavras:
Oh! Suavíssimo Deus, qual estranho o que me fizeste! Porque Tu puseste
a dormir meu corpo e acordastes minha alma para ver, ouvir e sentir as
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 73
coisas do espírito. Quanto Te apraz, Tu ordenas a meu corpo que durma,
não com um sono corporal, mas com o repouso do espírito, e minha alma
Tu a acordas como de um transe para ver, ouvir e sentir com as forças do
espírito (Santa BRÍGIDA da Noruega apud MACNUTT).
MacNutt escreve uma espécie de receituário para produzir curas, através
de preces e imposição das mãos, durante a liturgia católica ou fora dela. Insiste
sobre a importância da repetição da prece por várias vezes até a saturação,
afirmando que a imposição das mãos e os toques são fundamentais para que o
fenômeno ocorra e produza cura. Descreve, com detalhes, centenas de casos
nos quais eram produzidos transes hipnóticos e seus resultados curativos,
obviamente para ele “obra e graça do Espírito Santo”. Sem dúvidas, ele muito
contribuiu para as práticas hipnóticas nas novas igrejas que se organizam e se
espalham pelo mundo a partir de 1980.
Nas sessões de hipnotismo com se fossem apenas rituais religiosos, curas
podem ser induzidas e apresentam resultados satisfatórios, disso não se
duvida, mas é contestável a explicação sobre o procedimento e sobre a forma
como foi produzido o transe. Essas explicações são propositadamente
distorcidas ou, no mínimo, equivocadas como foram nas sessões realizadas por
Gassner, MacNutt e seus seguidores. Mas, seja qual for a justificativa, curas
podem ocorrer pelo fato de as pessoas suscetíveis serem mais propensas às
doenças psicossomáticas; assim como as adquirem por sugestão, com a
própria sugestão se curam.
A técnica curativa através da imposição das mãos é muito antiga e
provavelmente sempre foram de natureza hipnótica. Era conhecida e
empregada como meio de cura pelos magos da Caldéia e se propagou das
Margens do Eufrates ao Egito e à Índia. Depois dos sacerdotes de Isis, os
padres do Deus dos Judeus foram seus depositários e os cristãos o herdaram
deles. Da Grécia passou a Roma, e de Roma para Gálias de onde migraram
para o mundo (A. Tesle 1845, apud Alphonse Bué, Magnetismo Curador, 1919).
No século XVIII Mesmer, não só pratica esta técnica como também teoriza,
inova e espalha por toda a Europa com uma nova justificativa. Posteriormente
sua fórmula foi amplamente apropriada e adaptada por outras crenças que
também praticam a cura pela fé.
A prática da imposição das mãos também é muito praticada no oriente de
onde migra para o ocidente com o nome de reiki. Foi redescoberta no final do
século XIX por Mikao Usui num livro budista tibetano de 2.500 anos, em Kioto,
no Japão. Reiki significa Energia Vital Universal, seus adeptos a definem como
uma energia dourada, sagrada e curativa que passa através das mãos do
doador para o receptor.
Quem pratica Reiki acredita que o receptor suga a quantidade de energia
que lhe falta, mas quem dá não está passando a própria energia e sim servindo
de canal da energia universal. Segundo a crença, a prática do Reiki amplia a
consciência, relaxa, ameniza o estresse, fortalece corpo e mente, promove o
74 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

crescimento espiritual, aumenta o poder de observação, a auto-estima, a


autoconfiança, o espírito de caridade, diminui e anula dores e aumenta a
criatividade. Nas igrejas messiânicas também se pratica a imposição das mãos
como meio de cura e, é conhecida como Jorei.
O transe hipnótico aparece camuflado, mesclado ou associado com
diferentes ou tradicionais liturgias. O transe foi e é produzido associado com
idéias de demônios, anjos, arcanjos, espíritos desencarnados, santos ou
deuses. Essas idéias não desapareceram, pelo contrário, está presente em
algumas práticas que ganham popularidade a cada dia.
Os primeiros registros de hipnose associado à idéia de anjos ocorreram
por volta de 1840, na Alemanha. Sob a orientação de seu hipnotizador
Alphonse Cahaganet, a sonâmbula Adèle Marginot em transe descrevia estar
vendo e ouvindo anjos, narrava o que acreditava como sendo conselhos do
além para o bem da humanidade. Cahaganet, com base em Adèle, editou, em
1847, o livro Os Arcanjos da vida futura revelada. Notáveis também foram os
transes do sonâmbulo de Prevost, cidade alemã onde viveu Frédérique Hauffer.
Seu hipnotizador Justinus Kerner publica, em 1829, como transcorriam as
sessões e como Hauffer em transe descrevia situações envolvendo anjos,
arcanjos, conselhos e adivinhações de vida futura.
Em 1847 nos Estados Unidos da América, a família Fox, representa a
transição entre a fase de anjos e demônios para a fase dos espíritos
desencarnados, seja nas sessões de sonambulismo ou no meio de rituais
religiosos. O fato, que passou a ser entendido como uma comunicação com
espíritos de pessoas mortas, serviu de base para, em 1850, desenvolver
experiências com “mesas girantes” e, por conseqüência, o Kadercismo que
surge afirmando uma nova concepção de cura.
Hipnose e reencarnacionismo
A observação participativa revelou também outra forma de terapia que uti-
liza a hipnose associada ao conceito reencarnacionista, é a que utiliza a estra-
tégia da regressão a vidas passadas. A possibilidade de vida e morte serem
mais do que processos biológicos, a existência da alma e a idéia de viver várias
vezes são temas que agitam discussões filosóficas e religiosas desde tempos
remotos. O problema é que não existem provas contundentes negando ou afir-
mando tais conceitos, isso leva os pesquisadores para o campo das divaga-
ções, ao andar sem rumo por um percurso com voltas e sinuosidades que con-
duzem ao raciocínio caótico ou a conclusões dogmáticas.
Algumas pessoas hipnotizadas, em sessões envolvendo regressão de i-
dade, descrevem situações como se estivessem vivendo em outra época ou em
outra vida e, de fato, após o transe ocorrem melhorias e até curas, a isso se
convencionou chamar de TVP - Terapia por vidas passadas. Este processo po-
de ser analisado pela hipótese da fantasia do inconsciente ou da reencarnação.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 75
Embora essa última possa ser descartada quando o caso apresenta exagero ou
incoerência ou é de propósito mistificado.
Para hipnotizar é necessário convencer, mas convencer não significa mis-
tificar enganosamente, é bom sempre lembrar que se argumentos sérios não
estão ao alcance, algumas pessoas podem convencer outras através do dog-
ma, do mistério, do mito e da magia. A sociedade, na sua maioria, mesmo
quando se observa bom nível de escolaridade, está mais apta a ser convencida
com argumentação excêntrica e rodeada de ocultismo do que com explicações
sérias e lógicas. Assim, mistificar é o caminho mais fácil, embora não ético, pa-
ra personagens que vendem milagres ou, de alguma forma, exploram a fé pú-
blica. Aí entram algumas técnicas hipnóticas, que podem até ter função tera-
pêutica, mas mistificadas como se fossem curas realizadas por forças ocultas;
vidas passadas, espíritos, santos, anjos, etc.
As práticas de TVP geralmente ocorrem em ambiente solene, os
participantes são convidados para uma sessão de “ocultismo”, onde se
processará “regressões para outras vidas”, portanto, chegam pré-
sugestionadas. Algumas dessas apresentações podem ser descritas através
dos procedimentos padrões como em um ambiente de pouca luz e
invariavelmente música suave, onde nota-se a presença de um palestrante, que
é um hipnotista, sempre acompanhado de mais um ou dois parceiros. Inicia a
sessão apresentando seus “currículos”, recheados de cursos e experiências
espirituais, fala de força, luz e energia, quando não dizem logo que são
envolvidos com situações extraterrestres. Após se elogiarem mutuamente
estabelece na platéia a expectativa e a fé, dois passos decisivos para a indução
hipnótica, e anunciam suas “convicções”. Afirmam que na memória de cada um
dos presentes estão arquivadas todas as lembranças de outras vidas, que
podem ser localizadas e revividas, e se propõem a por em pratica sua teoria.
De forma proposital o transe hipnótico pode ser mascarado como se fosse
regressão a uma vida passada e não se dá oportunidade do inconsciente do
hipnotizado criar suas próprias fantasias, essas são induzidas de forma incisiva
pelas sugestões proferidas pelo hipnotista.
Para realizar a sessão de TVP, após alguns testes de suscetibilidade,
pede-se que todos fechem os olhos, respirem fundo e se preparem para as
“lembranças” (técnicas hipnóticas). Pede-se ainda que um dos seus parceiros
fale em uma língua estranha e supostamente antiga que aprendera em uma de
suas “experiências”. Aí se ouve uma série de sons, pronunciados como se
fosse um idioma desconhecido. O tom da voz é cava, suave e repetitivo (o
método).
O hipnotista pergunta o que aconteceu enquanto decorreu a experiência;
quem experimentou alguma emoção mais forte como arrepios, calor, alegria ou
tristeza. Para aqueles que respondem positivo a esse último teste, será
concentrado o processo de indução, pois esses são decididamente suscetíveis.
Pede-se que novamente fechem os olhos e é repetida a fala como se com ele
76 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

estivesse conversando o suscetível e, após alguns segundos, estes iniciam a


falar também sons parecidos com os produzidos pelo seu indutor.
A fala se transforma em cântico e, o hipnotista, inicia movimentos de
dança (sugestão indireta) e é imediatamente seguido por imitação. Os idiomas
são atribuídos às civilizações extintas e desconhecidos, quando não é de outro
planeta, porque se induz também nessas sessões a presença de seres de outro
mundo! O pseudo-idioma facilita porque não seria o indutor, nem o induzido,
obrigado a conhecer outra língua. O orador anuncia a consumação da
regressão a uma época remota cujo dialeto não se conhece.
Nas sessões de TVP a saída do transe é feita da forma convencional,
efetuando-se a técnica da contagem de um a três ou cinco, com sugestões pós-
hipnóticas de bem-estar, cura, paz, felicidade etc. Não se pode deixar de
reconhecer que, mesmo nestes casos, os efeitos da sugestão pós-hipnótica são
eficientes, isto é, o ”regredido” retornará feliz do transe, quando não curado de
um mal psicossomático, através das sugestões pós-hipnóticas que lhe são
aplicadas.
Os que passam pela experiência de assumir outras personalidades ficam
fascinados quando sabem que revelaram ter vivido como alguém bem diferente,
longe de seus hábitos e da sua própria história de vida. Com esse processo, a
maioria resolve problemas psicológicos ou de saúde que a medicina ou a
terapia convencional não deram conta de sanar.
Mesmo que idéias reencarnacionistas não façam parte da crença religiosa
ou filosófica de quem pratica TVP, a eficácia da terapia estará garantida.
Mesmo que as imagens, sensações e sentimentos despertados durante o
processo não sejam lembranças reais, e sim formas simbólicas representativas
do inconsciente, elas cumprem a função de trazer à tona problemas mal
resolvidos e traumas reprimidos. Para efeito terapêutico não faz diferença se as
memórias reveladas são verídicas ou não passam de elaboração mental.
A mente cria dramas que ajudam a enfrentar diferentes situações. Nesta
linguagem inconsciente os problemas são tratados metaforicamente, e não de
forma direta. Para criar essas metáforas, a mente recorre a todos os seus re-
cursos disponíveis, lembranças praticamente perdidas, imagens de filmes, tre-
chos de conversas conscientemente esquecidas e até situações traumáticas
apagadas da consciência.
A maioria das doenças tratadas com sucesso pela “regressão”, faz parte
das que se manifestam a partir de “gatilhos emocionais”. São psicossomáticas
e, de uma maneira ou de outra, reagem, a determinadas situações emocionais
e, é a “regressão” um potente veículo que o inconsciente encontra para mani-
festar emoções e produzir cura.
Vários livros que tratam de TVP relatam casos que são, em síntese, um
preâmbulo de indução e finalizam descrevendo um método indiscutivelmente
hipnótico. Geralmente quem lê esse tipo de livro, que bem podem ser
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 77
nomeados de Hipnoterapia por Regressão, sendo suscetível a hipnose revela-
se um sucesso nas sessões de regressões, pois já chegam pré-hipnotizados,
podendo por isso até espontaneamente entrar em transe, o que para acontecer
só depende da atmosfera gerada na sessão e pelo ritual criado para que isso
se estabeleça.
Por mais que pareça não existirem elementos suficientes para negar,
algumas situações aceitas como reencarnações espíritas não passam de
simples transe hipnótico. É preciso que não se descarte as possibilidades
explicativas normais, evitando a tendência imediata de acreditar na
transcendência do ser humano que, parece, na sua essência ir além do corpo
físico. A análise dessas ocorrências deve ser com neutralidade de valores, mas
as respostas, em sua maioria, ficam comprometidas aos dogmas religiosos e a
convicção pessoal de quem analisa. Para muitos não cabe explicação e sim
aceitação, porque tem por base revelação doutrinária ou intuitiva e, isso
pertence a cada indivíduo em particular.
Algumas situações despertam mais questionamentos, mas geralmente
quando a regressão antecede o nascimento, a análise e observação indicam
que, de certa maneira, os fatos descritos foram acontecidos na própria vida do
hipnotizado e podem ser percebidos, de forma subjetiva ou sutil, pelo hipnotista.
Parece que na representação da TVP, o hipnotizado inconscientemente revela
o seu próprio desejo, problemas ou conflitos, através de um ideário simbólico e
fantasmagórico elaborado pelo seu inconsciente e ou induzido pelo hipnotista.
O inconsciente é um perfeito gravador, ao qual nada escapa, em qualquer
fase da vida, registra tudo e nada esquece. Essa afirmação é antiga,
Swedenborg (1688-1772) já apontava o que hoje é incontestável. Tudo aquilo
que o homem ouve, vê e sente de qualquer modo, fica alojado como idéias ou
sensações e afins em sua memória, ás vezes sem que se tenha conhecimento
disso; e tudo aí se conserva sem nada se perder, ainda que as lembranças
fiquem obliteradas em sua memória. Nela também se acham inscritos todos os
fatos particulares e íntimos que em qualquer tempo pensou, falou ou fez.
Alguns desses fatos aparecem na lembrança como uma sombra e, não importa
se ocorreram na sua primeira infância ou na sua extrema velhice.
Em transe as lembranças, mesmo àquelas obliteradas, afloram com
detalhes, às vezes claras, às vezes envoltas em fantasias. Por esta ótica pode
ser entendido o que acontece quando alguém afirma sentir a sensação de já
conhecer algo que se vê pela primeira vez. Esse fato conhecido como déja-vu
(Já visto) ocorre inclusive em sonhos repetidos, mas em ambos os casos as
imagens podem ser informações contidas no inconsciente sem a lembrança
consciente. É freqüente o caso de pessoas que, chegando a determinado lugar,
declaram que já o conhece sem nunca terem estado lá. Na linguagem da
parapsicologia isto é conhecido como Pantomnésia.
Em princípio, os casos de regressões obtidos com hipnose não revelam
verdadeiramente vidas passadas, trata-se da imaginação fantasiosa do
78 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

inconsciente do hipnotizado, é como um déja-vu. “Nada é eliminado no


inconsciente, nada é superado ou esquecido” (Freud, A interpretação dos
sonhos), as lembranças despertadas e permitidas pela hipnose podem
aparecer às vezes atreladas a fantasias que funcionam como mecanismo de
atenuação da intensidade dos traumas psíquicos. São revelações simbólicas
dos conteúdos reprimidos. Este mecanismo inconsciente é também conhecido
como deliriogênia, situação capaz de transformar fantasias latentes em bem
elaborados delírios de auto-referência.
Na regressão a vidas passadas obtida por indução hipnótica deve ser
questionado o mérito, isto é, se realmente é uma manifestação de vida
passada, ou é uma fantasia do inconsciente em torno de um fato real da vida do
hipnotizado. Para isso é importante saber qual a relação entre as situações
manifestadas durante o transe e as sugestões induzidas pelo hipnotista e,
quando é evidente o uso da hipnose como condição para a indução, a
explicação do fato não deve ser apenas vista sob a ótica religiosa ou mística.
Algumas pessoas evitam se posicionar quanto à questão da presença da
hipnose em curas religiosas, com afirmações de que o importante não é a
explicação e sim a cura. Estes procedimentos parecem significar o desejo de
manter alguém em equívoco, assim como não é justificável o argumento
daqueles que não se pronunciam sobre o assunto sob alegação de que têm de
respeitar a crença alheia. Devem sim, respeitar a crença alheia e também a sua
própria crença, a omissão pode revelar um comportamento enganoso quando
não oportunista. Neste tipo de sessão o próprio hipnotista não se revela como
tal, prefere fugir do termo e tudo mais que possa identificar o processo como
hipnótico.
São vários os casos de regressão hipnótica que poderiam ser confundidos
como regressão para vidas passadas. Se a regressão corresponde ao período
de vida do hipnotizado e, no transe, este apresentar sinais de tristeza ou
depressão, choroso, como se algo extremamente reprimido estivesse a
incomodá-lo, porém sem declarar o que incomoda, a terapia pode ser sua
regressão. É sugerido ao hipnotizado que ele vive em uma época antes do seu
próprio nascimento, de modo que seu inconsciente aceite a idéia. Quando
regredido, certamente vai dizer possuir outro nome e falar como se tivesse em
outra vida, mas finalmente confessa o conteúdo de sua repressão, mesmo que
através de linguagem simbólica, revela o fato que incomoda ou perturba sua
existência. 31

31
Repressão, segundo a psicanálise, é o mecanismo de defesa através do qual um impulso ou
outro conteúdo psíquico desagradável ou inaceitável é suprimido da parte consciente da men-
te. É a retirada de idéias, afeto ou desejos perturbadores da consciência, pressionando para o
inconsciente. Encontra-se na origem das neuroses e psicoses, mas, em certa medida é inevi-
tável como na repressão dos impulsos sexuais e de agressão, quando reprimidos permitem a
existência civilizada da sociedade humana (N. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 79
É plausível concluir que as estórias contadas pelo hipnotizado, falando
como se estivesse em outras vidas, foram apenas mecanismos fantasiosos
encontrados pela sua inconsciência para liberar suas repressões. É como se
outra pessoa, e não ela própria estivesse falando sobre os problemas, sem
culpa ou vergonha imposta a ele pela moralidade, ao revelar-se, livra-se dos
sintomas que atormentam seu dia-a-dia. E, em muitas situações, os sintomas
podem desaparecer apenas com lembranças da própria infância, sem que para
isso seja preciso uma regressão à “vidas passadas”. Nestes casos a
intensidade do trauma psicológico é pequena, a pessoa hipnotizada pode
relembrar com facilidade e superar o problema que a incomoda.
A nova tendência da terapia por regressão hipnótica é a de que não é
necessário, após a indução ao estado de transe médio ou profundo, nada se
dizer, perguntar ou sugerir ao hipnotizado. Este ficará imóvel, algumas vezes
apresentando rigidez e contratura muscular nas mãos, braços, pernas ou até
generalizada, outras vezes com ligeiros tremores, ou ainda, em crises de choro
ou risos. Neste estado ocorre o processo automático de curas porque assim o
hipnotizado estará se libertando de suas repressões, refazendo seus valores e
revendo sua vida.
Como pressuposto básico da cura está a pré-sugestão de que, ao
submeter-se ao processo, o hipnotizável deseja curar-se de alguns sintomas. O
principal efeito da terapia decorre do fato de que, em transe, ele por si só entra
contato com o seu inconsciente e enfrenta os traumas conseqüentes de
situações que de alguma forma vivenciou. Nada de induzir regressões, nada de
sugestões, apenas o transe hipnótico, curiosamente era isso que acontecia nas
sessões de Mesmer, a famosa convulsão terapêutica parece que agora retorna
como se fosse novidade para a cura através da hipnose.
A leitura até aqui realizada talvez se ajuste e se esclareça, na proporção
que outros conceitos e reflexões forem surgindo, se somando ou divergindo. O
próximo capítulo apresenta os principais personagens e suas idéias, conceitos,
teorias e práticas curativas que envolvem aplicação da hipnose e como
aconteceu sua adaptação e readaptação diante das mudanças, na forma de
pensar e praticar o hipnotismo, no decorrer dos séculos.
80 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

CAPÍTULO II – HISTORIA DA HIPNOSE E DA PSICOTERAPIA

Do ponto de vista das terapias, influenciados pelas idéias filosóficas sobre


os elementos primordiais da natureza, o grego antigo (século III a.C.) infere as
mais fantasiosas idéias que, certamente, fortaleciam as possibilidades de curas
por sugestão. O elemento primordial terra é decomposto e os minerais, princi-
palmente os metais magnéticos, as pedras e os cristais de rocha, lisos, simétri-
cos e brilhantes como os Astros celestes, passam a representarem poderes
mágicos e utilizados para finalidades terapêuticas, prática hoje conhecida como
litoterapia ou gemoterapia.
A aplicação de pedras e cristais na terapia ocorre nas mais variadas for-
mas, como elixir, infusões ou amuletos. Seu uso no decorrer da história é adap-
tado a diferentes culturas, crenças e filosofias. Da terra principalmente se extrai
a argila e sua aplicação passa a ser considerada como incontestável contra vá-
rias doenças. Entre os minérios o ímã era o que mais encantava. Tales de Mile-
to acreditava que o ímã possuía vida e ao exercer atração ao ferro dava-lhe vi-
da também.
O filósofo grego Aristóteles também registra o que acreditou serem pro-
priedades terapêuticas dos ímãs naturais. O médico e escritor grego Claudius
Galeno (129-216), no século II, acreditava que ao aplicar ímãs naturais em par-
tes do corpo, a dor ocasionada por numerosas enfermidades poderia ser alivia-
da e prescrevia o uso de metais magnéticos como remédio contra várias doen-
ças. Na Idade Média os farmacólicos transformaram minerais magnéticos em
pó e utilizaram como elixir nas aplicações tópicas. Há relatos que a magnetita e
hematita foram aplicadas contra enfermidades da Rainha Isabel I da Inglaterra
por seu médico, William Gilbert de Colchester.
Galeno foi o precursor de uma doutrina médica que prevaleceu por apro-
ximadamente mil e quinhentos anos. Defendia a teoria de que as paixões, como
a tristeza, a raiva, a luxúria e o medo, constituem doenças e deveriam ser trata-
da como tais. O método de cura era baseado na aplicação dos metais magnéti-
cos e no uso de procedimentos contrários. Classificava as doenças e os agen-
tes medicinais em fria, quente, úmida e seca, o objetivo era facilitar a prescri-
ção; para uma doença dita quente era utilizado um tratamento dito frio. Esse an-
tagonismo de forças (quente/frio; úmido/seco), encontrado na filosofia grega
pré-socrática, se fundamentava no pensamento de Heráclito. Essa visão tera-
pêutica vai até o século XVI e foi ensinada na grande maioria das faculdades de
medicina. Nesse período epidemias assolavam a Europa e a população tinha
uma pequena expectativa de vida. A utilização de técnicas terapêuticas como
sanguessugas, sangrias, administração de vomitivos, purgativos e suadores,
dentre outros, era largamente aceita e empregada com base em critérios muito
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 81
frágeis. Além disso, alguns médicos não diferenciavam o método de tratamento,
acreditando que a maioria das doenças poderia ser tratada do mesmo modo 32.
Dentre os grandes homens sábios, filósofos e líderes religiosos que se
dedicaram ao hipnotismo, é destaque o médico e filosofo árabe Ibn Sina (980-
1037), que no ocidente ficaria conhecido como Avicena, nascido nas
proximidades de Bukhara morreu perto de Hamadã (atual Irã). Influenciado
pelas idéias das primeiras escolas filosóficas sobre a importância do Cosmo na
doença e na saúde, elaborou uma série de técnicas de indução de melhorias da
saúde do ser humano através de sugestões.
Avicena é considerado um dos maiores sábios do Islã, sendo reconhecido
principalmente por seu trabalho filosófico (síntese crítica das obras de Platão,
Aristóteles e Plotino). Já aos 16 anos, era bastante conceituado por seu talento
como médico, tendo sido um dos grandes difusores da obra de Galeno,
reforçando os efeitos dos metais magnéticos como elemento de cura.
No campo da hipnose Avicena já afirmava, no século X, ser possível atuar
fisiologicamente através da imaginação, da palavra, da vontade e da
persuasão. Dizia também que a imaginação humana tinha poderes e força,
através dela se poderia agir sobre o corpo humano curando os padecimentos.
Neste sentido, afirmava que a cura é proporcional à crença e a fé. Mas,
também exerceu notável influência na medicina moderna; foi quem primeiro
descreveu a anatomia do olho humano e o funcionamento das válvulas do
coração, analisou uma série de doenças como a varíola, o sarampo e o
diabetes, formulou hipóteses de que certas moléstias eram causadas por
pequenos organismos presentes na água e na atmosfera e elaborou vários
procedimentos de diagnósticos. Sua obra Cânom foi leitura obrigatória no
ensino de medicina na Europa por muitos séculos.
Mais forte do que a crença no poder curativo do ímã era a crença no ele-
mento primordial hydro e a água passa a fazer milagres, benzida, fluidificada ou
magnetizada é entendida como um elo entre o humano e o divino. A crença
prestigia também o ar como mais um elemento poderoso na promoção da saú-
de e aromatizar o ambiente passa a ser a forma mais prática de sentir sua força
e presença; o uso de incensos se faz necessário para evidenciar o ar como
meio de invocação do sobrenatural e garantir a virtude e a saúde humana.
O respaldo da Igreja ao pensamento filosófico implica na certeza da in-
fluencia dos Astros na vida, saúde e sorte das pessoas, isso fez surgir a medi-
cina astrológica, objeto de grande interesse científico na Europa. Tycho Brahe,
estudioso da medicina da época, chega mesmo a elaborar uma lista de equiva-
lência entre os Astros e a saúde; ao Sol equivalia o coração, o estômago, o cé-
rebro, os nervos e o olho direito; à Lua, o braço, a cabeça, o ventre e o estôma-
go da mulher; a Vênus, o fígado, o umbigo, e assim por diante.

32 a
DANCIGER E: Homeopatia: da alquimia a medicina. 1 ed. RJ, Ed. Xenon, 1992.
82 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Na primeira metade do século XVI o médico, filósofo e alquimista suíço


Aureolus Theophrastus ou Philippus Theophrastus Bombast von Hohenheim
(1493-1541), adota o pseudônimo de Paracelso que recebeu de seu próprio pai,
ainda jovem, o qual fazia alusão que seu filho era "superior a Celso" (Aulo Cor-
nélio Celso, famoso médico enciclopedista romano do século I), com o seu
temperamento místico, confiava mais na intuição do que nos resultados de es-
tudos clínicos até então conhecidos e associava o poder do magnetismo com
idéia do mundo perfeito supralunar para estabelecer novos conceitos sobre an-
tigas crenças curativas.
Paracelso admitia a existência de um sistema que relacionava os seres
humanos aos Astros e que forças magnéticas, em particular aquelas que pro-
vêm das estrelas, eram capazes de agirem sobre as pessoas através de ondas
invisíveis. Elabora todo um estudo das doenças causadas por influências cós-
mico-climatológicas, apontando o poder dos Astros na saúde e na doença dos
seres humanos, afirmando que cada parte do corpo humano estava sujeita a
um Astro. A partir do conceito de macro visão sobre a vida e a natureza, herda-
da de antigos filósofos, considerava o ser humano como um todo integrado e
harmônico, constituído de mente e corpo. A doença e a saúde dependem da
harmonia do microcosmo do corpo humano com a Natureza do macrocosmo.
Por volta do ano de 1519, Paracelso foi discípulo de Tritheme, considera-
do um bruxo, pois se acreditava que ele tinha o poder de penetrar nos mistérios
da Natureza e do mundo espiritual. Sob a orientação do mestre e com o propó-
sito de fazer o bem à humanidade, Paracelso se lançou nas investigações e ex-
periências da magia, buscando a produção de essências para empregá-las na
cura de doenças. Empregou também metais magnéticos como elementos cura-
tivos e foi o precursor do magnetismo de Mesmer.
Paracelso também defendia a teoria da transmutação dos metais em
substâncias diversas, suas principais investigações ocuparam-se das proprie-
dades curativas dos metais que passa a ser conhecida, principalmente no sécu-
lo XIX, como Metaloterapia e, com isso, foi o precursor de Charcot. Suas inves-
tigações culminaram na teoria das três substâncias, afirmando que todos os
corpos são formados por três princípios básicos, que ele identificou como Enxo-
fre, Mercúrio e Sal ou tria prima. O enxofre como carga energética, significa o
fogo; o mercúrio é o princípio úmido (líquido) e representa a água; o e sal como
a parte mais sólida, representa a terra ou ainda a volatilidade, fluidez ou solidez.
A força vital consiste na união dos três princípios em tríplice ação; a ação da
purificação por meio do sal, dissolução e consumação pelo enxofre e a elimina-
ção pelo mercúrio, o qual absorve o que o sal e o enxofre repelem.
Paracelso considerava como premissa que a matéria constitutiva de todos
os corpos é dividida em Alma, Corpo e Espírito. Em sua obra Arquidoxo Mágico,
trata de amuletos e talismãs, e expõe seus conhecimentos sobre o que conside-
rou como sendo a imensa força do magnetismo, combinando metais sob deter-
minadas influências planetárias com o objetivo de curar doenças. Entre os me-
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 83
tais utilizados destacava o ouro, prata, cobre, ferro, estanho, chumbo e mercú-
rio associados aos signos celestes e caracteres cabalísticos.
No livro de Paracelso, As Profecias, publicado pela primeira vez na língua
alemã por volta do ano de 1530, estavam 32 gravuras simbólicas que tinham
sido encontradas no monastério de Darthauser em Nurenberg; cada gravura es-
tava acompanhada de uma legenda escrita em um estilo obscuro e enigmático,
com textos de difícil interpretação; neles estariam guardados os acontecimentos
do futuro em uma espécie de filme, cujo desenrolar seria independente da se-
qüência cronológica. Em seu livro Tratado das Doenças Invisíveis, diz que se
alguém quiser buscar a Deus, deve buscá-lo dentro de si mesmo, pois fora ja-
mais o encontrará. O Reino de Deus, dizia ele, contém uma relação intima com
nossa vida de Fé e de Amor.
Paracelso defendia também que a fé e a imaginação pudessem curar do-
enças do mesmo modo como poderiam causá-las e, com objetivo de curar pes-
soas, comandava sessões de hipnose individuais e coletivas através de danças,
cantos, orações, rituais e palavras. Desenvolveu ainda uma teoria segundo a
qual o corpo humano teria as características de um verdadeiro ímã, sendo o pó-
lo norte constituído pelos pés e o pólo sul pela genitália. Para fortalecer o corpo
e promover curas, empregava ímãs metálicos sobre os pacientes e, esse pro-
cedimento, transforma-se na base de uma nova escola médica.
Segundo Alphonse Bué (Magnetismo Curador, 1919), no início do século
XVII Van-Helmont dedica quarenta anos de sua vida trabalhando e meditando
sobre a cura magnética de Paracelso. Por volta de 1670, esse tipo cura tam-
bém foi praticado pelo médico escocês William Maxwell que, em 1676, publica
um tratado sobre o tema com o titulo de “Medicina Magnética”. Essas idéias fo-
ram aproveitadas cem anos depois por Mesmer que, por volta do ano de 1770,
desenvolve nova teoria criando a tese do magnetismo animal. Até o fim do sé-
culo XIX, mesmo sendo uma época de grande progresso da ciência, as idéias
de Mesmer incentivam muitas outras hipóteses de curas, inclusive as defendi-
das por Charcot e outros médicos ilustres de Paris. A “medicina magnética” é
largamente praticada no hospital La Salpêtrière até o inicio do século XX. Mes-
mo hoje ainda tem quem acredite nela.
Outro destaque da medicina antiga foi Jan Bastista von Helmont, nascido
em 1577 em uma família nobre, estudou e praticou medicina fascinado pelas
possibilidades ilimitadas da aplicação da química ao tratamento das doenças.
Durante a maior parte de sua vida, se retirou para seu castelo perto de Bruxelas
e dedicou-se à pesquisa e a experimentação, apenas saia de sua casa-
fortaleza para atender seus pacientes sem jamais aceitar pagamento em troca.
Quando morreu, em 1644, era famoso em toda a Europa por suas boas obras e
por seus escritos sobre cura de várias enfermidades.
As descobertas de Helmont contribuíram para a ciência médica moderna,
foi ele o primeiro anatomista a reconhecer as funções fisiológicas do estômago
e a entender o processo digestivo, descobriu também o bióxido de carbono. Es-
84 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

sas descobertas pertencem hoje ao domínio da ciência, mas foram feitas em


nome da alquimia. Helmont reverenciava os três maiores objetivos dos alqui-
mistas, jamais procurou fazer segredo de sua crença no fenômeno da transmu-
tação, no elixir da vida e na pedra filosofal.
A busca de Helmont pelo constituinte primário da vida, outra antiguíssima
preocupação dos alquimistas, combinava uma rigorosa pesquisa prática com
saltos místicos de fé. Ele reijeitava o tria prima paracelsiano, mercúrio, enxofre
e sal, e não estava muito convencido com a explicação terra-ar-fogo-água des-
crito por Aristóteles. No lugar desses princípios, adotou um ensinamento mais
antigo ainda, segundo o qual todas as coisas derivam da água.
Como filósofo Helmont estava comprometido com a noção das causas u-
niversais, e isso levou precipitar-se em inferências quanto à natureza e o signi-
ficado da água. Justificava a presença de substâncias químicas nas águas das
estações termais e como os minérios chegam até os veios que marcam a cros-
ta da terra. Atribuiu os depósitos minerais ao que chamou de “suco petrífico”de
correntes líquidas com grande poder curativo. Assim, a água retoma sua impor-
tância na arte de curar e Mesmer aproveita muito essa idéia.
Magnetismo e Mesmerismo
Franz Anton Mesmer (1734–1815) nasceu em Iznang, Swabia, uma aldeia
na margem do lago Badensee perto de Konstranz na Alemanha. Teve suas
primeiras instruções em uma escola religiosa e, aos 15 anos, ingressou num
colégio de jesuítas onde obteve elevado conhecimento em filosofia, portanto
percebia o Cosmo como os filósofos gregos antigos receitavam, ponto de
partida para compreender a natureza das coisas e dos homens.
A percepção do Cosmo ligado às idéias de ordem, harmonia, serenidade,
circularidade e beleza, associado à importância dos elementos primordiais da
natureza (terra, água, fogo e ar), concepções sustentadoras do núcleo central
do início do pensamento filosófico, embora decadente no século XVIII, muito in-
fluenciou as idéias de Mesmer. Interessando-se também pela física, matemáti-
ca e biologia, desistiu da carreira religiosa para seguir o estudo da medicina. E,
com base na idéia da existência de um fluido astral que influencia a vida na ter-
ra, associado ao poder dos metais magnéticos, elabora a teoria do “magnetis-
mo animal”, marco teórico inicial nas principais publicações que trata dos efei-
tos e da prática da hipnoterapia.
Aos 32 anos Mesmer obteve o título de médico e, para isso, apresentou
na escola de medicina de Ingolstadt, na cidade de Ulena, em Viena, a
Dissertação físico-médica sobre a influência dos planetas (De Planetarium
Inflexu), publicada em 1766. A base teórica para o desenvolvimento da sua
pesquisa foi fundamentada no conhecimento filosófico, ainda influente nos
séculos XVI e XVII, somadas às idéias de Paracelso, Helmont, William Maxwell,
todos praticantes da alquimia como forma mágica e oculta da arte de curar. Sua
teoria ganha o mundo através de seus discípulos e seguidores.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 85
O Padre Maximilian Hell, um jesuíta que foi diretor do observatório e
professor de astronomia da Universidade de Viena, com base na hipótese do
magnetismo metálico de Paracelso, em 1770 resolveu também intentar curas
reorganizando os “pólos magnéticos humanos” através de aplicações de ímãs
naturais. Mesmer influenciado pelos êxitos de Hell também aplica ímãs naturais
em seus pacientes. Disso resultou a notícia de curas espetaculares em doentes
desenganados.
Em 1773 Mesmer montou em Viena sua clínica de magnetismo e aplica
ímãs naturais pela primeira vez em uma jovem de 28 anos, Franziska Osterlin,
pessoa envolvida na alta sociedade vienense que sofria com convulsões, febre,
vômitos, delírios, crises de rigidez, cegueira, sufocação e paralisia. É do próprio
Mesmer a descrição de como foi, em 28 de abril de 1774, realizado uma das
sessões do tratamento de Osterlin:
Há dois anos ela apresentava crises convulsivas acompanhadas de febre,
vômitos, delírio melancólico e maníaco, crises de rigidez, cegueira,
sufocação e paralisia. Percebendo a periodicidade das crises, às quais
atribuí um caráter astronômico, procurei modificar seu curso. Eu planejei
estabelecer em seu corpo uma espécie de maré artificial com a ajuda do
ímã e de forma a reproduzir artificialmente as revoluções periódicas do
fluxo e do refluxo da corrente magnética (MESMER). 33
Mesmer conta que, após ter medicado Osterlin com infusões à base de
ferro, por ser esse metal bom condutor do magnetismo, prendeu um ímã em
cada pé da paciente e um outro, em forma de coração, sobre o peito.
Imediatamente Osterlin experimentou uma dor abrasadora e dilacerante que
percorreu todo o seu corpo, seguindo os eixos das peças imantadas. Os que
assistiam a esse tratamento horrorizavam-se com os gritos. Apesar da reação
da assistência, Mesmer não hesitou em acrescentar mais dois outros ímãs aos
pés da paciente e, conta que após isso Osterlin sentiu descer com
impetuosidade as dores que tinham atormentado as partes superiores de seu
corpo e, pouco a pouco, os sintomas desapareciam.
Quanto aos efeitos positivos sobre a cura de Osterlin, Mesmer tratou de
conceituar como impossíveis de serem provocados somente pelo uso dos
magnetos naturais e sim por um “outro agente essencial”. Dizia que as
correntes magnéticas foram provocadas pela paciente através de um fluido que
se havia acumulado em sua própria pessoa; era a ação do seu próprio
magnetismo, um magnetismo animal. O magneto natural utilizado funcionou
apenas como um acessório, como um reforço. Referindo-se ao que conceitua
como magnetismo animal e seus efeitos, afirma:
Há uma ação e reação recíproca entre os planetas, a Terra e a Natureza,
por intermédio de um constante fluido universal, sujeito a leis mecânicas

33
MESMER A. F. Los fundamentos del magnetismo animal. Aforismo de Mesmer y comentarios
del Dr. Caullet de Veaumoreu. Tradução para o espanhol e prólogo de Edmundo Gonzáles
Blanco, B. Aires, Kier, 1954.
86 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
ainda desconhecidas. O corpo animal é diretamente afetado pela
insinuação deste agente na substância dos nervos. Dito agente causa em
corpos humanos, propriedades análogas às do ímã, motivo por que é
chamado “magnetismo animal”. Este magnetismo pode ser transmitido a
outros corpos, pode ser aumentado e refletido por espelhos, comunicado,
propagado, e acumulado pelo som. Pode ser acumulado, concentrado e
transportado. As mesmas regras se aplicam à propriedade contrária. O
ímã é suscetível de magnetismo e de propriedade oposta. O ímã e a
eletricidade artificial têm, com referência à moléstia, propriedades comuns
a uma multidão de outros agentes que a natureza nos apresenta, e se o
uso destes for seguido de resultados úteis, são devido ao magnetismo
animal (MESMER).
Mesmer inova a hipótese até então existente; não era o magneto natural
que provocava curas, como anunciado por Paracelso e pelo Padre Hell, era a
ação do magnetismo próprio do ser humano. Defendia a tese de que não era
preciso o ímã metálico; bastaria impor as mãos sobre o doente para que este
recebesse a transferência dos fluidos magnéticos. O magnetismo animal
poderia passar das mãos do magnetizador para os pacientes, podendo também
ser armazenado em árvores ou transportado por varinhas, espelhos, vasilhas
contendo água, cristais e outros instrumentos.
Respaldando seu estudo em hipóteses antecedentes Mesmer encontrou
justificativa suficiente para estabelecer a idéia da existência de um fluido,
invisível e miraculoso, que agia sobre os seres vivos, através da influência dos
Astros e dos Planetas. Responsabilizava esse fluido como causa de doenças
ou como força curativa. Admitia como princípio a existência de uma corrente
universal que em tudo penetra e abraça, num movimento alternativo e perpétuo
assemelhando-se ao fluxo e refluxo do mar e, a esse movimento provocado por
influências astrais, agindo de forma mútua entre todos os corpos da natureza,
uns sobre os outros, ele atribuía a saúde e a doença.
Antes de Mesmer a idéia de fluidos invisíveis já fazia parte do imaginário
de muitos homens cultos. Paracelso acreditava que forças magnéticas, em
particular aquelas que provêm das estrelas, influíam sobre as pessoas através
de ondas invisíveis. Isaac Newton, em sua publicação Principia (1713), já
explicitava o que acreditava ser “a presença do espírito extremamente sutil que
permeia e se oculta em todos os corpos densos”. O cientista sueco Carlos
Lineu (1707-1778) dizia que na vida dos vegetais ocorria a presença de um
“fluxo magnético sutil” camuflado sob os mais variados nomes, entre os quais
gravidade, gases, energia e força vital.
No ano de 1785 Mesmer publica em Paris uma série de vinte e sete
aforismos, 34 descrevendo os princípios de sustentação da tese do magnetismo
animal e como seus seguidores poderiam por em prática essa complicada
34
Título original, Les aphorismes de Mesmer dicté a l’assemblé de ses élèvem, publicado em
1785 por Caullet de Veaumoreu. Traduzido para vários idiomas, impresso e publicado em
muitos países (N. do. A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 87
teoria. Na Europa o mesmerismo foi um dos assuntos mais divulgados entre
1779 e 1789 e, com isso, viveu Mesmer glória e fracasso, principalmente em
Paris.
Na segunda metade do século XVIII a sociedade européia, em particular
na França, viveu uma época de grandes transformações para a humanidade.
Livros como O Espírito das Leis, de Charles-Louis de Secondat, o Barão de
Montesquieu (1748); O Contrato Social, de Jean-Jacques Rousseau (1762);
Cartas Filosóficas, de François-Marie Arount, conhecido como Voltaire (1773);
A Ordem Natural das Sociedades Políticas, de La Riviére (1767), induziam o
povo a pensar ampliando seus conhecimentos e a percepção de si mesmo
como cidadão capaz e merecedor de melhorias, era a fase da ação do
humanismo. Estava também o mundo vivendo as grandes descobertas da
ciência cartesiana, na área da matemática e da física, a eletricidade e seus
efeitos eram objetos de estudos intensos, a descoberta do eletromagnetismo e
do pára-raios fascinava a todos.
O mundo vivia o que se chamava na Europa Le bélle epoque; uma fase de
efervescência de novas idéias filosóficas sobre o sentido da vida e de
explicações científicas para esclarecer os fenômenos físicos, era época de
revelações, idéias e explicações e o povo acreditava que havia resposta para
tudo. As formulações científicas na área da física, as idéias de ação e reação,
atração dos corpos, o eletromagnetismo, tudo isso foi considerado como
revolucionário e extremamente racional. Neste cenário o homem acreditava
que, aliando o conhecimento com a tecnologia e a ciência, não seria jamais
limitado, por nada nem ninguém. Esse otimismo incentivava a criação de uma
imensa gama de teorias, inclusive as que explicassem o ser humano e sua
complexidade. É nesta fase que Mesmer, fazendo analogia com a física e com
as aplicações terapêuticas dos metais magnéticos, divulgado por seus
antecessores, imagina sua teoria.
No conceito popular, o poder da ciência podia explicar tudo e o grande
público demonstrava interesse cada vez maior pela explicação científica dos
fenômenos presentes na natureza humana. É nesta atmosfera que Mesmer
propaga sua teoria que ganharia o mundo através de seus discípulos e
seguidores. O mesmerismo ou o magnetismo animal faziam parte do imaginário
cosmológico desta época de transição na história do pensamento filosófico,
cuja tendência era a de misturar pesquisa experimental com pensamento
especulativo e místico, sobretudo numa fascinação pelos fenômenos de
natureza magnética e elétrica.
Satisfazendo a expectativa da sociedade, Mesmer dá a sua explicação
para o fenômeno que desencadeava, tentando no máximo se aproximar da
ciência dominante, embora suas idéias fossem baseadas na cosmologia e
princípios filosóficos antigos. Defendia a existência de uma influência mútua
entre os corpos celestes e, como justificativa, apresentava as fases da Lua
agindo sobre as marés, a força do Sol atraindo a Terra para mover-se em sua
88 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

volta. Dizia que essa força invisível era semelhante à força do ímã que atrai o
ferro, igual à força magnética que, embora ninguém possa ver, existe.
Acreditava que os cristais, superfícies espelhadas, alguns metais e
principalmente a água, poderiam acumular grande quantidade dessa força
invisível.
Sustentava Mesmer que a força invisível que existe entre os Astros e a
Terra, possui uma influência capaz de controlar a saúde dos seres animados
que aqui habitam. Dizia que tal influência se manifestava através de um fluido,
universalmente difundido, que agia nos seres vivos, sendo recebidos dos Astros
através da cabeça e da Terra através dos pés; no corpo humano sadio
circulava num fluxo contínuo e impedir este fluxo traria como conseqüência uma
enfermidade. A cura dependeria da retirada ou destruição do obstáculo para
que o fluido pudesse voltar a circular normalmente.
Pensando o corpo humano como um grande ímã, composto por vários
ímãs pequenos, Mesmer sustentava que massageando os pólos magnéticos do
corpo se efetuaria a superação do obstáculo que impedia a circulação do fluido
universal e, assim, estabelecia a cura das doenças. Inventou alguns aparelhos
que reforçavam sua tese, como um instrumento de cerâmica em forma de cone
que encerado, molhado e acionado por um pedal, era posto a rodar. Neste
instrumento deixava escorregar os dedos das mãos até que a fricção
produzisse um som que ele interpretava como sendo gerado pela acumulação
do seu magnetismo animal. Também com o mesmo objetivo, friccionava com as
mãos tecidos de seda, plumas e outros objetos macios, associando essa
prática com a produção e efeitos da eletricidade estática, para logo em seguida
magnetizar seus pacientes que entravam numa espécie de convulsão e
promovia cura.
Em Viena, utilizando o novo método, várias pessoas foram tratadas por
Mesmer, entre elas destaca-se Maria Theresa Paradis, pianista, 21 anos de
idade, vítima de seu próprio pai numa relação incestuosa forçada. Além de
cegueira histérica, sofria com freqüentes crises e sintomas severos como
vertigens, dores de cabeça, insônia entre outros. Atendida por muitos médicos,
entre eles o influente vienense Doutor Stoerk, não obteve cura. Encarregado do
tratamento, além dos passes magnéticos, Mesmer lhe devotava carinho,
atenção e amor até que a paciente recuperou a visão. Sua fama alastrou-se
pela Europa.
Mesmer teve origem pobre, filho de um ”guarda-caça”, função semelhante
a guarda-florestal, encarregado de zelar e preservar certos locais e espécies de
animais e servir a nobreza no esporte da caça. Talvez por isso, dois anos
depois de sua graduação em medicina, casou-se, em 10 de janeiro de 1768,
com a rica viúva de um Tenente-Coronel do exército, de nome Marie Anna Von
Posch. Sua mulher, 20 anos mais velha do que ele, é quem lhe proporcionava
recursos necessários para realizar seus estudos e promovia seu acesso à
classe dominante, mas movida pelo ciúme alia-se ao pai de Theresa Paradis e
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 89
ao Doutor Stoerk que contestava a tese do magnetismo animal. Os três
insuflam os médicos de Viena e iniciam forte campanha difamatória contra
Mesmer; disso resultou sua expulsão da cidade em 1776.
Em 1778 Mesmer já estava estabelecido em Paris onde encontrou
definitivamente um campo propício para difundir suas idéias, o mesmerismo
tornou-se moda na aristocracia francesa, era o assunto de todos os salões.
Embora em Viena fosse tentado tratar pelo método do magnetismo qualquer
tipo de doença, logo após a mudança para Paris, Mesmer descartou o
tratamento das enfermidades repulsivas como deformidades físicas
permanentes ou congênitas, chagas, portadores de loucura agressiva e casos
de idiotia. Esses casos na verdade nunca apresentaram resultados positivos
com o tratamento mesmerista.
A princípio, como fazia em Viena, no ritual de cura os pacientes de
Mesmer eram tocados com uma vara de metal para provocar as convulsões
terapêuticas. Mais tarde ele passou a acreditar que há no corpo humano, vários
pólos magnéticos e que, a maior parte deles, muda constantemente de lugar
provocando doenças e, por isso, tinham que ser arrumados através de passes
com a imposição das mãos; assim produzia as mesmas convulsões, iguais às
obtidas com o processo anterior. Dizia, ainda, que alguns pólos magnéticos do
corpo humano são estáveis como os dos dedos e do nariz.
Mesmer cria os passes magnéticos, sustentando a hipótese que, com a
imposição das mãos, fluidos magnéticos, saindo pelos dedos, eram
transmitidos de uma pessoa para outra, em analogia com a teoria da
eletricidade que afirma “os elétrons fluem de um corpo para outro pelas
extremidades”. Este enunciado (lei das pontas) fundamentou B. Franklin na
invenção do pára-raios. Com essa fundamentação teórica Mesmer passou a
magnetizar e a produzir convulsões em seus pacientes quando, segurando-lhes
as mãos, fitava-lhes os olhos durante alguns minutos; depois, iniciava os
passes apontando os dedos em direção da cabeça, ia descendo
vagarosamente quase sem tocar no corpo, parava um pouco nos olhos
exercendo com os dedos indicadores uma ligeira pressão na base do nariz do
paciente. Prosseguia descendo as mãos, parando à altura do tórax onde fazia
uma leve pressão, depois no estômago, o itinerário seguia pressionando
levemente as coxas até chegar aos joelhos. Dali retornava, experimentando as
mesmas estações intermediárias até alcançar novamente a cabeça. Expediente
este que no decorrer da história foi aproveitado e adaptado, sendo até hoje,
com ligeiras modificações, usado de várias formas e em larga escala, com o
objetivo de produzir curas durante rituais religiosos ou filosóficos.
As sessões de curas magnéticas foram evoluindo e já não podendo
atender individualmente à numerosa clientela, Mesmer recorreu à
magnetização indireta, dispensando seu toque pessoal no cliente. Estes, em
número de vinte a trinta, assentavam-se em volta de uma tina contendo água,
da qual saiam várias varas metálicas. Estabelecendo contato com essas varas,
90 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

num recinto meio escurecido por cortinas e ao som de músicas suaves, os


participantes em busca da cura eram acometidos das convulsões terapêuticas.
Um método engenhoso de hipnotizar por sugestão indireta e promover curas
coletivas que conquista proporções espetaculares. Medeiros e Albuquerque 35
descreve o sucesso do mesmerismo em Paris:
Aí o sucesso foi indescritível. O número de clientes chegou a extremo
nunca visto até então. O médico não bastava. Adestrou um criado nas
práticas necessárias para ajudá-lo, mas nem assim pôde satisfazer à
clientela, cada vez mais numerosa (MEDEIROS E ALBUQUERQUE).
Na versão mais avançada, em torno da tina de Mesmer cabiam cento e
trinta pessoas que se renovavam varias vezes por dia. O aparelho é descrito
como sendo uma caixa redonda de madeira de carvalho, medindo
aproximadamente um metro e oitenta centímetros de diâmetro por setenta
centímetros de profundidade. No seu interior, para melhor atrair o magnetismo,
tinha um lastro de limalha de ferro e, de vez em quando, era adicionado vidro
em pó e, por cima do lastro, havia uma lamina de água para ser magnetizada.
Tudo era feito para manter semelhança de um acumulador de fluido, como uma
pilha elétrica que acumula eletricidade, a explicação do funcionamento tinha
que ser “científica”. Da parte superior da caixa saíam varas de ferro, com
extremidades externas curvas e móveis, ligadas por fios de seda a uma haste
metálica central. Garrafas cheias de água, com hastes metálicas que saíam
através das rolhas, eram colocadas dentro da tina para que quando
transportadas para outros locais pudessem produzir os mesmos efeitos. O
argumento era que a garrafa contendo água acumulava o fluido, assim como o
capacitor eletrolítico acumulava a eletricidade.
Em Paris, os doentes, em busca da cura, sentados ao redor da tina
aplicavam sobre suas partes enfermas as varas de ferro. Uma corda de seda,
que Mesmer afirmava ser o fio condutor do magnetismo, era amarrada na vara
central e comprida o suficiente para que os participantes a colocassem
frouxamente em torno de seus membros, às vezes passavam a corda na
cintura, e de mãos dadas reforçavam a ação do fluido magnético. François
Deleuze, 36 um bibliotecário que, na época, assistia os trabalhos de
magnetizações, publica um livro sobre o assunto e descreve uma dessas
cenas:
Num dos compartimentos, sob a influência das varetas, que saíam de
garrafas contendo água magnetizada, aplicada às diversas partes do
corpo, ocorriam diariamente cenas extraordinárias. Gargalhadas satânicas,
gemidos e crises de pranto se alternavam. Indivíduos atirando-se para trás
35
Medeiros e Albuquerque. Hipnotismo. 6 ª ed., RJ, Ed. Conquista, 1956. O autor foi membro
da Academia Brasileira; da Academia de Ciências de Lisboa e da Societé de Psychologie de
Paris. O livro é prefaciado pelos psiquiatras: Miguel Couto e Juliano Moreira além de Franco
da Rocha (N. do A.).
36
DEULEZE, J. P. F. Histoire critique du magnestisme animal. [Reprin], vol. 4, Paris, Hipolyte
Bailliére, (1819), 1956.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 91
contorcendo-se em convulsões espasmódicas. Respirações semelhantes
às de moribundos e outros sintomas horríveis se viam por toda parte.
Subitamente esses estranhos atores atiravam-se, uns aos braços dos
outros ou então se repeliam com expressões de horror. Enquanto isso,
num outro compartimento, com as paredes devidamente forradas,
apresentava-se outro espetáculo. Ali mulheres batiam com as mãos contra
as paredes ou rolavam sobre o assoalho coberto de almofadas, com
acessos de sufocação. No meio dessa multidão ofegante e agitada,
Mesmer, envergando um casaco de seda lilás, movia-se soberanamente,
parando, de vez em quando, diante de uma das pacientes mais excitadas.
Fitando-lhe firmemente os olhos, enquanto lhe segurava ambas as mãos,
estabelecia contato imediato por meio de seu dedo indicador. Também
operava fortes correntes, abrindo as mãos e esticando os dedos, enquanto
com movimentos ultra-rápidos cruzava e descruzava os braços, para
executar os passes finais (DELEUZE).
A compreensão da ligação do mesmerismo com o hipnotismo atual inicia
por analisar o interior da clínica, onde tudo era disposto de forma a provocar
uma forte indução sugestiva no paciente. Tapetes espessos, misteriosas
decorações astrológicas nas paredes e cortinas cerradas, compunham o
ambiente onde se realizavam as sessões. Além disso, existia uma sala de
crises forrada de colchões, destinada aos pacientes com ataques convulsivos
violentos e a celebre tina de madeira, um aparelho de tanta eficácia que
dispensava até a presença de Mesmer nos rituais.
Nas sessões, Mesmer esforçava-se, verbalizando sua teoria, para provocar
nos pacientes o máximo possível de tensão emocional e, eles passavam a
reagirem de formas inexplicáveis, uns sentindo convulsões, outros entravam em
transe e gritavam, choravam ou gargalhavam. Tudo isso era responsável pela
criação de uma atmosfera propícia aos devaneios da imaginação dos homens
do século XVIII, uma imaginação ainda povoada pelo maravilhoso, por
monstros, demônios e encantamentos. Mas, o certo é que curas espetaculares
aconteciam.
No início da sessão de mesmerismo era mantido um silêncio absoluto. A
atmosfera geral possuía um clima de harmonia que só era interrompido, vez por
outra, por gritos ou soluços convulsivos de alguns pacientes, o que
provavelmente provocava uma indução ainda maior nas pessoas que se
encontravam no salão e, sem dúvida, era esta a intenção. Todo esse impacto
sofrido pelo suscetível colocava-o numa situação ainda maior de
suscetibilidade, facilitando a ocorrência e o aprofundamento do transe.
Na fase mais avançada de sua carreira, Mesmer induzia os pacientes para
formarem uma corrente, sendo colocados uns ao lado dos outros, alternando-se
homens e mulheres (análogo à polaridade elétrica, positivo negativo),
comprimindo as coxas entre eles. Em pouco tempo as pessoas começavam a
sofrer convulsões, caindo no chão e, o argumento explicativo baseava-se em
que a força do magnetismo era ativada pelas mãos e facilmente conduzida
92 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

pelas coxas. Para garantir a formulação do sofisma que mais convencesse tudo
era associado a um fato científico, como a corrente elétrica.
Durante as sessões, havia assistentes para retirarem os que fossem
afetados de modo mais violento, em transe convulsivo ou cataléptico, os de
choro alto e risos histéricos que eram conduzidos à sala de crise. Essa ruidosa
sala ficou conhecida como a Câmara das Crises ou o Inferno das Convulsões.
Mas, conta à história, Mesmer efetivamente acreditava no que afirmava, era
convicto das suas “verdades científicas”.
O sucesso de Mesmer em Paris foi muito rápido, chegando a alugar um
palácio Place Vendôme e faz da sala principal seu novo consultório, capaz de
receber cento e trinta pacientes por sessão. Neste ambiente atendeu a rainha
Maria Antonieta, o legislador Montesquieu, o iluminista La Fayette entre outros
nomes da nobreza e da intelectualidade parisiense. Na fase de gloria atendia a
mais de mil pessoas por dia e, como não podia atender a todos, chegou a
magnetizar uma árvore em frente do salão para que nela, quem não mais cabia
do lado de dentro, tocasse em busca de curas. Assim como aconteceu em
Viena acontece também em Paris; a classe médica enciumada lhe moveu mais
um processo de perseguição. Em 12 de março de 1784, o rei Luís XVI,
instigado pelos médicos, nomeou uma comissão de sábios para investigar a
natureza do fenômeno mesmerista.
As críticas mais contundentes contra o mesmerismo vieram da Faculdade
de Medicina, da Academia de Ciências e da Sociedade Real de Medicina. As
duas primeiras trataram de instituir a comissão de investigação oficial composta
por: a) Benjamin Franklin, na ocasião embaixador americano em Paris e
inventor do pára-raios; b) o químico Antoine-Laurent Lavoisier, cientista
conhecido como o pai da química moderna; c) Jean-Sylvain Bailly, astrônomo
conhecido pelos cálculos da órbita do cometa Halley e pelos estudos sobre os
quatros satélites de Júpiter, estadista e Prefeito de Paris; d) o médico Joseph-
Ignace Guillotin, o mesmo que oito anos depois inventaria a guilhotina; e)
Antoine Laurent de Jussieu, médico pela Universidade de Montpellier, Diretor
do Jardim Real e membro da Academia de Ciências de Paris. Todos
encarregados de investigar a legitimidade do fluido magnético e das curas
anunciadas.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 93
A prática de Mesmer começou a
enfrentar críticas de acadêmicos i-
lustres ligados à Faculdade de Me-
dicina, à Academia de Ciências e à
Sociedade Real de Medicina da
França, que iniciaram forte campa-
nha contra a prática do mesmeris-
mo.
Não obstante milhares de curas re-
alizadas, tudo era explicado como
sendo fruto de fraude e farsa.
Uma sátira ao magnetismo animal
foi publicada, em 1780, em jornais
e panfletos que circulavam por toda
Paris, com caricaturas de um corpo
de homem com cabeça e rabo de
cavalo e uma mulher sendo mag-
netizada. Era o início de uma gran-
diosa contestação que impôs o fim
da carreira de Mesmer.
Caricatura contra o mesmerismo (1780)
Uma petição dirigida por Mesmer à Academia Francesa, em data anterior
à nomeação da comissão, requerendo a investigação científica para seu
método de cura sequer foi indeferida, foi ignorada. Indignado, posteriormente
quando procurado pela comissão oficial, recusou-se por à prova suas verdades
e não ofereceu resistência às acusações, deixando sua defesa a cargo dos
fatos e de seus discípulos.
Mesmer era acusado, preliminarmente, de ser o detentor e criador de uma
doutrina secreta, que só se dispunha revelar aos membros subscritos da
“Sociedade da Harmonia”, criada por ele para formar novos magnetizadores ou
mesmeristas. Sob promessa de sigilo, os sócios aprendiam, com base na
harmonia entre os Astros celestes e os seres humanos, a concentrar os fluidos
magnéticos e a comunicar para outras pessoas. Com a ajuda de Luis XVI e
Maria Antonieta, instalou também o “Instituto Magnético”, local onde os
mesmeristas atendiam pacientes em busca de cura.
Diante da negativa de Mesmer de provar sua teoria, a comissão tratou de
investigar as práticas mesmeristas realizadas pelo seu discípulo Charles
D`Eslon, médico respeitado e professor da Faculdade de Medicina de Paris,
que se prontificou com os investigadores a compartilhar a totalidade do seu
saber e da sua experiência. Assim, o que estava sendo julgado era a prática do
magnetismo animal e, durante a fase de investigação, a comissão limitou-se a
presenciar demonstrações realizadas por D`Eslon. Os cientistas enfiaram as
mãos na tina do banho magnético, o que não lhes provocou os efeitos
94 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

esperados, nada de crises ou de convulsões, nada de fluido ou coisas


semelhantes foi registrado.
Afirma Chertok 37 que D`Eslon se comprometeu com os comissários para:
1) constatar a existência do magnetismo animal 2) comunicar seus
conhecimentos sobre essa descoberta 3) provar a utilidade do magnetismo
animal no tratamento das enfermidades. Entretanto, não deveria ter assumido
tal compromisso desde quando fora iniciado na Sociedade da Harmonia,
portanto fez votos de sigilo e devia fidelidade a Mesmer; mesmo assim assumiu
com intenção de provar que a teoria era verdadeira, mas ficou surpreso com os
resultados e como os membros da comissão procederam, com exceção de
Jussieu. Para D`Eslon a condenação do mesmerismo não era pertinente.
Após cinco anos de estudos, a comissão apresentou volumoso relatório
condenando o mesmerismo, afirmava que não havia efeitos benéficos e que os
tratamentos eram à base de excitação da imaginação e de pura imitação
mecânica; “a imaginação separada do magnetismo produz convulsões, e o
magnetismo sem imaginação nada produz... nada há que prove a existência do
fluido magnético animal...”. Complementa a acusação o fato de que a
magnetização não ocorria se o indivíduo não soubesse que estava sendo
submetido a tal prática.
A conclusão do relatório é integralmente contra a prática do mesmerismo,
afirmava que a predisposição do sujeito enfermo era condição para atingir a
cura. Mas, Jussieu recusou-se a assinar e contestou o relatório; por entender
que somente a imaginação não explicava muitos aspectos que por ele fora
observado na fase de investigação, apresentando um contra-relatório á Corte
Francesa e á Academia de Ciências, defendendo o mesmerismo,
principalmente a veracidade das curas que presenciou. 38
Com base na condenação do magnetismo animal, a Sociedade Real de
Medicina resolveu processar Mesmer. Agora era ele quem deveria ser julgado
na sua conduta médica. Indignado, D`Eslon assumiu a defesa e, referindo-se
ao primeiro julgamento, dizia ter ouvido inúmeras vezes o argumento de que
todas as curas comprovadas foram provocadas pela imaginação do próprio
paciente. Questionava D`Eslon no segundo julgamento; “E se for verdade? Se o
segredo do Doutor Mesmer é manipular a imaginação para fazê-la operar em
pró da harmonia física e mental do paciente? Isso não seria, só por isso, um
grande avanço para a medicina?”. Insistia em que a prova fosse buscada nos
efeitos curativos do fluido hipotético, mas a argumentação da defesa de nada

37
CHERTOK, Léon e STENGERS, Isabelle. O Coração e a Razão: A hipnose de Lavoisier a
Lacan. (Titulo original: Lê coeur et la raison – L’ hypnose em question, de Lavoisier à Lacan.
Trad. Vera Ribeiro) RJ, ed. Zahar, 1990.
38
JUSSIEU, Laurent de. Rapport de l’um des commissaires, [Reprin] Paris (1784), 1952.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 95
valeu. Mesmer foi condenado como charlatão, considerado impedido de praticar
a medicina. 39

Caricatura do século XVIII - B. Franklin apresentando o relatório contra o Mesmerismo


A partir do resultado do segundo julgamento, a Faculdade de Medicina de
Paris proibia qualquer médico declarar-se partidário do Magnetismo Animal, sob
pena de ser excluído do seu quadro. Paralelo a essa proibição surge um
movimento de grupos de ilustres personalidades da sociedade de Paris.
Favoráveis às idéias de Mesmer, iniciam a criação das Sociedades Magnéticas,
derivadas da Sociedade da Harmonia, que mais tarde se transformam nas
“Sociedades Mesmeristas” e se espalham pela Europa com objetivo de
promover tratamento das enfermidades.
Oficialmente desacreditado e sofrendo grande pressão da crítica,
vilipendiado pela classe médica, Mesmer abandonou Paris no ano de 1794
39
Em 1994 foi produzido por Wiland Schulz-Keil e Lance Reynolds, dirigido por Roger Spottis
Woode, um filme com o título de Dr. Mesmer o feiticeiro. Retrata o trabalho de MESMER em
Viena e em Paris e a rejeição da comunidade médica do seu tempo às suas idéias. Retrata o
julgamento da Sociedade Real de Medicina de Paris que condena MESMER como charlatão
(N. do A.).
96 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

seguindo para a Bélgica onde não obteve boa recepção; foi para a Alemanha
onde concluiu a redação do seu livro mais completo, 40 publicado em 1814,
detalhando o entendimento teórico e as práticas que desenvolvera durante sua
vida, mas seu conteúdo foi considerado pela crítica da época como informações
sem crédito.
Enfrentando mais um processo promovido pela Academia de Ciência de
Berlim, Mesmer foi intimado a prestar esclarecimentos sobre sua teoria e sua
prática. Sofrendo grandes perseguições na Alemanha, fugiu para Inglaterra
onde viveu por pouco tempo sob nome suposto, tendo depois voltado para
Iznang na Áustria onde morreu aos 81 anos de idade, em completo
esquecimento, na cidade de Weiler, em 05 de março de 1815.
É incontestável que o ritual, não importa qual seja a justificativa, se
religiosa, mística ou mágica, quanto mais solene mais eficaz será para produzir
o transe. Mesmer, sem reconhecer essa relação, usa como processo de
indução o ritual dos passes e da tina, associando à teoria do magnetismo
animal. Para ele o transe e seus efeitos eram produzidos por uma força
emanada por via astral que, agindo através da pessoa magnetizadora, era
capaz de aliviar ou eliminar sofrimentos humanos. Mesmo sendo a maior parte
das suas conclusões equivocadas, a partir de suas idéias foi possível uma série
de descobertas que deram origem a novos conceitos.
Na fase final de suas pesquisas, sem abandonar as idéias iniciais Mesmer
acrescenta outras, as quais se aproximam muito das explicações modernas.
Em suas ultimas conclusões relacionava os sintomas dos pacientes às
violentas emoções por eles vivenciadas, acreditava que sua técnica era uma
forma de superação ou cura dos sofrimentos conseqüentes da própria historia
de vida de cada um.
Entre 1790 e 1820 o magnetismo animal foi relegado à categoria de
“acontecimento sem importância”, mas o mesmerismo continuou ativo depois
da morte de seu fundador. Decorridos mais de dois séculos, muitos autores
escreveram sobre o assunto, uns a favor outros contra, novas interpretações
aconteceram. Na década de 1880, as conclusões de Mesmer incentivaram os
estudos de um neurologista francês, o famoso Charcot, que associou a
terapêutica do seu antecessor ao estudo da histeria e lhe deu novo impulso.
Tudo isso contribuiu para Freud, no início do século XX, apontar sua versão
para o significado terapêutico das práticas mesmeristas. Na atualidade, novas
hipóteses surgem e são modificadas a cada dia por novos autores, inovando e
discutindo o tema do hipnotismo, envolvendo, em maior ou menor dose, a
filosofia, a religião ou ciência.
40
Título original do livro de MESMER publicado por Herausgegeben von Wolfart, em Berlim, A-
lemanha, em 1814, System der Wechselwirkungen. Theorie und Anwendung des Thierischen
Magnetismus als die allgemeine Heilkunde zur Erhaltung des Menschen “Sistema de ação e
reação: Teoria e prática do magnetismo animal como meio geral de cura e manutenção da in-
tegridade humana” (Trad. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 97
Adeptos de Mesmer mantiveram funcionando as Sociedades da
Harmonia, no início secretamente e depois a tornaram pública com o nome de
Sociedades Magnéticas. Em 1831, os membros dessas sociedades elaboram
um minucioso relatório e o encaminha à Faculdade de Medicina de Paris
solicitando a reabertura do processo que condenara o mesmerismo, obtendo a
revisão do julgamento. A comissão de revisão finaliza a redação da nova
sentença afirmando que considerava o magnetismo como agente de
fenômenos fisiológicos e como elemento terapêutico, por isso era favorável que
seu estudo deveria entrar no quadro do ensino da medicina e fosse empregado
por médicos ou, sob sua orientação, por especialistas comprovados. Em 1837,
porém, a comissão retrata-se da decisão anterior negando a existência dos
fluidos, principal argumento do mesmerismo e, por conseqüência, anula
qualquer referencia positiva ao uso do magnetismo.
O mesmerismo, embora desacreditado pela classe acadêmica, desde o
tempo do seu surgimento, serviu de base para várias idéias e sua importância
para o desenvolvimento de algumas crenças é incontestável; a hipótese da
influência dos Astros nas vidas das pessoas para muita gente é válida até hoje
e, acreditando nisso, muitos ainda recorrem a consultas astrológicas e a mapas
astrais para obterem respostas sobre a vida, sorte e saúde. A crença de
Mesmer na força que podia ser acumulada na água, nos cristais e nos
espelhos, também ainda encanta muita gente. Na linguagem moderna do
hipnotismo, o mesmerismo é reconhecido como a escola magnética ou
mesmerista e, ainda, é muito seguida. Sua prática é acontece principalmente
em alguns ambientes religiosos.
No sentido religioso a influência do mesmerismo é evidente, os passes
magnéticos e recipientes com água das práticas mesmeristas foram mais tarde
utilizados como elementos facilitadores da cooperação entre o espírito e o
médium. Assim como Mesmer fazia quando invocava os fluidos astrais,
freqüentemente os dirigentes de rituais religiosos, em busca da cura, também
invocam ou recorrem a uma espécie de poder sobrenatural do qual se dizem
condutores ou instrumentos.
Mesmerismo e sonambulismo
Dentre os discípulos de Mesmer que fizeram reviver o mesmerismo, figura
também uma personalidade influente, o Marquês Armand-Marie-Jacques Chas-
tenet du Puységur (1751-1825), um oficial de artilharia que se distinguiu no cer-
co de Gilbraltar. Viveu dividindo seu tempo entre a vida militar e seu castelo,
uma gigantesca propriedade que possuía por herança de seus antepassados,
localizada no sul da França, na aldeia de Bezancy região da Soissons.
Puységur continuava empregando o método mesmerista, até o dia quando
magnetizando com passes um jovem camponês de 18 anos, de nome Vietor
Race, que sofria de uma afecção pulmonar, por mera casualidade verificou que
o expediente magnético podia produzir um estado de sono e repouso em lugar
das clássicas crises de convulsões. Vietor não se detinha no sono; dormindo,
98 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

movia com suavidade os lábios e sua fala parecia reproduzir pensamentos


alheios, muito superiores à sua cultura rudimentar, usava uma linguagem mais
inteligente do que quando em estado normal, chegando mesmo a indicar um
tratamento para a sua própria enfermidade, com o qual obteve pleno êxito. No
mais, o paciente se conduzia como um sonâmbulo. Puységur estava diante de
um fenômeno, que não hesitou em rotular de sonambulismo artificial e
percebendo um novo aspecto do fenômeno hipnótico, que ainda era conhecido
como magnético, passou a explorá-lo sistematicamente.
Enquanto os mesmeristas provocavam crises nervosas, convulsões
histéricas, prantos e desmaios, Puységur agia em sentido contrário, sugerindo
aos mesmerizados paz, repouso, cura e ausência de dor. Embora continuasse
a usar passes conjuntamente com a sugestão para indução ao transe, deu um
impulso decisivo ao hipnotismo moderno; a ele se devem os primeiros critérios
corretos para a análise da hipnose e da suscetibilidade hipnótica, além de
observar como decorrente da hipnose fenômenos hiperestésicos e
clarividentes. Já no ano de 1784, descobrira que, com um dos seus pacientes,
ele não tinha necessidade de falar para dar as sugestões.
Entre outros, o fenômeno da clarividência, premonição e transmissão de
pensamento, podem ocorrer com algumas pessoas em estado hipnótico.
Quevedo 41 esclarece o que ele denomina de “Incitação do Inconsciente pela
Hipnose” e apresenta casos nos quais afirma que a hipnose favoreceu a
ocorrência desses e de outros fenômenos. Descreve o conteúdo de uma carta
escrita pelo próprio Marquês, datada de oito de março de 1784 e citada por
Dominique de Sé, no seu livro Animal magnetism, publicado em Londres em
1874, que relata o acontecido quando mesmerizava um dos seus pacientes:
Eu pensava simplesmente na presença dele e ele me compreendia e me
respondia... Quando ele se mostrava disposto a dizer mais do que eu
julgava prudente deixar entender, eu, só com o pensamento, interrompia
imediatamente suas idéias, cortando as frases no meio de uma palavra e
modificava completamente seu curso (DOMINIQUE, apud QUEVEDO).
Em 1787, Jacques Henri Désiré Petétin (1744 - 1808), de Lyon, também
descobriu como levar um paciente ao transe sonambúlico. Em sua obra,
Electricité Animal (1808), comunica ter observado que nas experiências com o
sonambulismo, algumas pessoas manifestavam fenômenos estranhos. Alguns
pareciam surdos quando a voz era dirigida aos seus ouvidos, entretanto,
ouviam perfeitamente se as palavras lhes eram sussurradas ao nível do
estômago. O mesmo fato ocorria com relação à visão; o sujeito mostrava-se
capaz de “ver” com a região correspondente ao estômago. Outras vezes
observava que os sentidos sofriam uma transposição diferente, como exemplo,
para a ponta dos dedos da mão ou dos pés.

41
QUEVEDO, O. Gonzáles. A face oculta da mente, S. Paulo, ed. Loyola, 1971.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 99
É relativamente comum a observação de fenômenos de transposição dos
sentidos em sessões de hipnotismo, onde o hipnotizado, de olhos vendados e
de costas para o hipnotizador, reproduz os seus movimentos; se o hipnotista
levanta o braço, o hipnotizado também levantará, sem que para isso se diga
uma palavra; se o hipnotista apenas afasta as mãos, ele cairá com o corpo no
mesmo sentido. Mas, esse fato revelado por Puységur, até hoje é posto em
dúvida embora seja verdadeiro e até fácil de ocorrer.
Foi o Marquês, o criador do termo sonambúlico para representa o estágio
mais profundo da hipnose. Seu método, no qual o próprio doente indicava o seu
remédio, fez com que Puységur enveredasse para a pesquisa do maravilhoso.
Seus pacientes postos em contatos com outra pessoa doente viam e
descreviam seus órgãos internos como raios-X e, hipnotizados, também faziam
observações do que se passava à distância. Assim, Puységur introduziu na
hipnose uma experiência curiosa que consiste em aprofundar no transe uma
pessoa bastante suscetível, sugerindo-se em seguida que ela terá sua visão
aumentada e condições de enxergar internamente a pessoa que está à sua
frente. Ambas de frente uma para outra, com os braços apoiados sobre os
joelhos, em contato pelas mãos. Feito isso, era dito:
• Agora você já pode observar todo o funcionamento dos órgãos internos
desta pessoa com que você está em contato... Vá observando
vagarosamente, bem calma, bem tranqüila... Vá observando o
funcionamento de todos os órgãos internos dela... Observe bem...
Descreva seu funcionamento...
O hipnotizado logo dizia que estava enxergando tudo;
surpreendentemente, com detalhes descrevia o funcionamento dos órgãos,
mesmo sem ter grandes conhecimentos de anatomia. Para Puységur, com
essas experiências podiam ser obtidos diagnósticos perfeitos e com grande
precisão. Sugeria que, além de ver, o hipnotizado tinha condições de sentir as
reações do outro e descrever suas dores. O retorno dessa prática consistia
também de sugestões especificas. Como exemplo:
• Agora está tudo bem... Você está livre de qualquer interferência, está livre
de qualquer dor ou mal-estar... Está totalmente se desligando da pessoa
que segura pelas mãos... Ao soltar suas mãos, estará livre de seus
problemas... Solte as mãos... Vou contar até três para você acordar...
Um... Dois... Três...
Baseado nas experiências de Mesmer, Puységur acreditava que podia
magnetizar árvores e, com isso, desenvolveu outra técnica utilizada em
tratamento coletivo, que eram executados na presença de espectadores
curiosos e entusiasmados pelo novo método. Segundo Alphonse Bué (1919),
Puységur chegava a reunir até 130 pessoas, ao mesmo tempo, em torno das
famosas árvores de Bezancy, de Beaubourg e de Bayonna, de que os anais
magnéticos assinalam numerosas curas.
100 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

No centro da praça da pequena aldeia de Bezancy, cercada de palhoças,


próximo ao castelo do Marquês, podia ser vista uma grande árvore, um olmo
antigo em cujo pé brotava uma fonte de água clara; os camponeses se
sentavam ou eram amarrados nos principais ramos em torno do tronco. O
procedimento de cura começava com a formação de uma corrente de pessoas
que se seguravam pelos polegares em volta da árvore e descreviam sentir, na
medida mais intensa ou débil, um fluido que corria através deles. Depois de um
tempo o mestre mandava que cada um dissolvesse a corrente se soltando dos
polegares do outro para posteriormente cada um esfregar as próprias mãos.
Escolhia então alguns deles e, com o toque de seu bastão de ferro, levava-os
ao nível de transe sonambúlico. Essas pessoas, agora chamadas de “médicos”,
diagnosticavam enfermidades dos outros e indicavam tratamentos. Para
acordá-las de seu sono magnético Puységur mandava beijar a árvore. Com isto
acordavam e não se lembravam de nada.
Chamando a atenção dos cientistas para a nova forma de curar, Puységur
comunicou esse novo rumo dado à hipnose à Academia de Medicina, que se
recusava a aceitar no que parecia ser um absurdo e nomeou comissões para
estudarem os casos descritos pelo Marquês. Uns relatórios foram a favor e
outros contra, em 1837 instituiu-se a ultima comissão que, para por fim a
dúvida, estabeleceu uma recompensa de alto valor em dinheiro para quem
apresentasse um sonâmbulo capaz de enxergar através de obstáculos opacos.
Ao contrário do que se esperava a prova não envolvia qualquer demonstração
de cura pela hipnose, seria recompensado o hipnotizador que respondesse
positivamente ao desafio e acreditava-se que jamais qualquer pessoa passaria
na prova.
Contrariando as expectativas, apareceu uma garota de nome Pigaire, de
12 anos, cuja clarividência havia sido comprovada por Puységur. Apresentada á
comissão, de olhos totalmente vendados pelos experimentadores, mostrou que
podia ver perfeitamente objetos. Pois bem, o veredicto dos doutos acadêmicos
foi contrário, chegaram à conclusão de que embora com os seus olhos
rigorosamente blindados, a sua faculdade da visão não podia ser descartada
por ter ela uma vista fisiológica normal; não era cega, logo podia enxergar.
Questão encerrada... Processo arquivado.
Embora em média apenas 10% dos suscetíveis atingem o nível
sonambúlico e desse universo apenas duas têm possibilidades de apresentar
efeitos extra-sensoriais, a prática de Puységur abriu caminho para uma nova
perspectiva do transe hipnótico. Vários homens importantes na sociedade
européia seguem seus passos, entre eles o Barão Du Potet (1796-1881) que
em 1852 publicou o Tratado completo sobre magnetismo animal e Charles
Lafontaine (1802-1892) que se torna um dos maiores divulgador das práticas do
sonambulismo. A partir deles, algumas sessões de magnetismo passam a
incorporar sonâmbulos com efeitos espetaculares, ocorrem manifestações de
hiperestesias por toda a Europa.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 101
O Barão Du Potet foi um entre outros que muito contribuiu para o
desenvolvimento das sessões mesmeristas envolvendo sonâmbulos, mais tarde
transformados em (médium) espíritas. Abriu em Paris uma escola prática de
magnetismo onde o público podia instruir-se dos processos e verificar os
fenômenos e, nesta escola, foi iniciado Allan Kardec, a quem coube o
desenvolvimento e a codificação da doutrina espírita que, a partir dele, passa a
ser conhecida como kadercismo.
Magnetismo e kardecismo
O magnetismo em sua trajetória histórica envolve o sonambulismo euro-
peu com algumas manifestações ocorridas na América. Desse envolvimento
decorreu sua conversão para a doutrina espírita através do médico, filósofo e
professor de francês, Denizard Hippolyte Léon Rivail (1804 – 1860), nascido na
França, na cidade de Lyon. No início de sua carreira Rivail foi Guarda-livros no
jornal O Universo, se formou em Letras e em Medicina, publicou em 1824 a
Gramática Francesa Clássica e um ensaio sobre o aperfeiçoamento do ensino
no seu país. Com intenção de trabalhar como professor, sua principal atividade
profissional, fundou o Instituto Rivail, fechado em 1835 por dificuldades finan-
ceiras, passando então a ensinar em sua casa filosofia, química, anatomia, as-
tronomia e física, além de, eventualmente, clinicar como médico.
Rivail interessou-se pelo magnetismo de Paracelso e, no ano de 1850, o
mesmerismo atraiu mais ainda a sua atenção, passando a integrar o grupo
dirigido pelo Barão Du Potet, fundador do Jornal du Magnétisme e dirigente da
Sociedade Magnética de Paris. Embora se considerasse modesto
magnetizador, Rivail freqüentou sessões de mesmerismo em busca de solução
para casos de enfermidades de pacientes a ele confiados e tornou-se mais
tarde, com o pseudônimo de Allan Kardec, o codificador da doutrina espírita.
Antes da doutrina de Kardec, entre 1835 e 1845, na Alemanha são
notáveis as sonâmbulas Adèle Marginot e Gottlieben Dittus, ambas nas
sessões de magnetismo realizavam curas e atribuíam aos espíritos. Na
Escócia, na mesma época, o pastor presbiteriano Edward Irving pregava curas
enquanto falava em sua Igreja em língua estranha, fato comum durante transes
hipnóticos. Na Inglaterra ocorreram situações semelhantes e migra para a
América através dos shakers, grupo de religiosos místicos ingleses que, no
início século XIX, chegaram aos Estados Unidos como colonos.
No fim da década de 1840, só em Nova Orleans, cidade americana de
fortes raízes francesa, funcionavam mais de cinqüenta centros dedicados à
prática do espiritismo. Embora nestas sessões a comunicação direta com
espíritos não era cogitada, admitia-se sua existência e a crença de que eles
agiam influenciando de alguma forma na vida das pessoas.
Foi nos Estados Unidos em 1848, numa granja em Hydesville em Nova
York, que aconteceu o fato envolvendo a família Fox, que ficou conhecido como
a primeira ocorrência de comunicação direta de pessoas vivas com espíritos
desencarnados. A família era composta por John, sua esposa Margareth e três
102 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

filhas, Margareth, Katharine e Ana Lrah de quinze, doze e nove anos, respecti-
vamente.
Em dezembro de 1847, os Fox foram residir numa casa de madeira que
tinha fama de mal-assombrada, apesar de sempre ouvirem pequenos ruídos,
como se fossem batidas nas paredes, a família já estava se acostumando com
a casa, mas certa noite os ruídos se intensificaram. As duas filhas mais velhas
logo perceberam que o som respondia a seus estalos de dedos e batidas das
palmas, como se alguém invisível estivesse querendo se comunicar. Margareth,
a mais velha, levando na brincadeira e cantando em ritmo de raps, dizia: “Se-
nhor pé rachado, faça o que eu faço”. 42 Seguiu-se o mesmo número de raps ao
das palmas batidas por Margareth. Em seguida, replicou: “Agora faça exata-
mente como eu. Conte um, dois, três, quatro”. E, bateu palmas, sendo imitada
nos sons pelo que acreditou ser um espírito. Outras perguntas foram feitas pela
mãe das meninas, como qual a idade de cada uma, e para espanto da família,
as pancadas responderam acertadamente.
A casa dos Fox virou um lugar onde afluíram várias pessoas para presen-
ciar os fatos estranhos e, por causa disso, a família resolveu mudar-se dali e os
fenômenos pararam. As duas irmãs mais velhas eram sonâmbulas, portanto ti-
nham possibilidades de manifestar certos efeitos parapsicológicos. A notícia
espalhou-se pela região e, rapidamente, para o resto do país e para o outro la-
do do Atlântico. Chega à França e transforma-se em reuniões em torno de me-
sas girantes e de escritas automáticas, inicialmente como curiosidade e passa-
tempo de salão, depois se associa ao mesmerismo para mais tarde transfor-
mar-se em prática da doutrina kardecista.
O fato ocorrido com a família Fox passou a ser entendido como uma co-
municação com um espírito. O fenômeno das batidas como resposta às provo-
cações das meninas prosseguiu à vista de outras pessoas que trataram de di-
vulgar a história pelo mundo. Em 1850, na Europa, estas notícias serviram de
base para o inicio das experiências com “mesas girantes”, contando sempre
com a presença de sonâmbulas no decorrer das sessões de magnetismo, as-
sociadas com práticas mesmeristas.
Foi em 1850 que surgiram na Europa as mesas girantes; várias pessoas
em torno de uma mesa colocavam as mãos sobre o móvel que começava a
girar ou levantar os pés. Essa prática foi incorporada às sessões de
mesmerismo nas sociedades magnéticas e todos passaram a acreditar que os
fluidos magnéticos de uma ou mais pessoas do grupo proporcionavam as
condições para que isso acontecesse. Quando o efeito começava, geralmente
se ouvia um pequeno estalido na mesa, isso era o prelúdio do movimento. Essa
prática virou mania nas casas e salões e logo, o que apenas era diversão,
passou a ser entendido como se fosse comunicação com espíritos. Cada

42
O termo “pé rachado” deve-se à maneira que os nortes-americanos se referiam ao demônio
ou “cabra” (N. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 103
pancada do pé da mesa no chão passou a ser entendida como confirmação de
uma letra, proferida por alguém do grupo e, a junção das letras, formava
resposta para determinada pergunta. Isto evoluiu para o que veio a se chamar
escrita automática; uma cesta com 15 a 20 centímetros de diâmetro, na qual se
amarava um lápis com a ponta para baixo. Mantida em equilíbrio sobre uma
folha de papel, o sonâmbulo encostava o seu dedo na cesta e ela se deslocava
escrevendo.
O movimento da mesa girante, assim como da escrita automática,
independente da vontade consciente de quem está com as mãos sobre a mesa
ou com o dedo sobre a cesta, pode acontecer quando nas sessões participam
pessoas suscetíveis e atingem proporções espetaculares quando essas
pessoas são sonâmbulas. O próprio ambiente e a ritualidade das sessões
provoca nas sonâmbulas um transe hipnótico profundo e tem inicio o
movimento da mesa e da escrita automática. Como ninguém, conscientemente,
provocou os movimentos, acredita-se que o efeito ocorre por uma ação
inconsciente e, o que pode ser entendido como uma prática simples envolvendo
hipnotismo, para alguns passou a ser observado como se fosse obra de
espíritos comunicando-se com os vivos.
A iniciação de Allan Kardec no espiritismo ocorreu após reencontrar com
um amigo, de nome Victorien Sardou, que discorreu acerca do que acreditava
ser a intervenção dos espíritos em uma sessão de magnetismo e o convidou
para assistir. Em maio de 1855, foi à casa de uma sonâmbula, a Senhora Roger
e conheceu o seu magnetizador, o Sr. Fortier, além de outros membros do novo
grupo. Foi quando, pela primeira vez, presenciou a prática das mesas girantes
que saltavam e corriam, viu também alguns ensaios de escrita automática.
Interessou-se pelas explicações transmitidas pelo magnetizador quando dizia
"parece que já não é somente a pessoa que pode magnetizar".
A partir das mesas girantes e escritas automáticas, ocorreu para alguns
mesmeristas a suspeita de que existia algo além do fluido e do magnetismo
agindo nas sessões de sonambulismo e o sonâmbulo passa a ser conhecido
como médium. Nome advindo do latim que significa “meio”, definindo aqueles
sonâmbulos que entravam em transe com o propósito de “intermediar” a
comunicação entre os vivos e os mortos.
Em 1857, Allan Kardec acredita ter tido contato, através de um médium,
com um espírito de nome Zéfiro que lhe diz, entre outras coisas, tê-lo conhecido
em uma precedente existência, quando, ao tempo dos druidas, viviam juntos na
Gália e ele se chamava, então, Allan Kardec. Zéfiro prometeu orientá-lo na tare-
fa de escrever a nova doutrina e, Kardec, em 1859 publica com esse pseudô-
nimo o Livro dos Espíritos criando outra versão para o magnetismo, a de que a
força curativa era atribuída aos espíritos (Obras Póstumas de Allan Kardec). 43

43
KARDEC, Allan. Obras Póstumas, 12. Edição, R. J. Federação Espírita Brasileira (Departa-
mento Editorial), 1992.
104 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

A premissa de Kardec, fundamentada na filosofia antiga que a tudo


respondia com base na reflexão do pensamento mítico, herda as teorias do
magnetismo e se desenvolve absorvendo as práticas mesmeristas. A
estruturação de sua doutrina tem base no pensamento dos pitagóricos,
reforçada por Platão, e deriva do magnetismo desenvolvido por Paracelso,
praticado por William Maxwell, Maximilian Hell, Mesmer e Puységur.
Platão, como os pitagóricos e outras linhagens de pensadores filosóficos,
acreditava que a alma existia antes do corpo, continuava a existir após a morte
e posteriormente entrava em novo corpo prestes a nascer. Em estado puro, era
a alma capaz de contemplar sem obstáculos o mundo no qual vivemos; ao
adentrar um novo corpo, porém, ocorria um choque e produzia-se o
esquecimento. Mas, traços dessa contemplação permaneciam no espírito e
podiam ser eventualmente reativados. Essa visão, através do pensamento
mítico, é presente nas escolas filosóficas, na origem da própria filosofia para
explicar o humano e seu mundo.
Para Platão 44 a alma é uma substância independente do corpo; é eterna,
unindo-se a ele de forma temporária e acidental. Quando morre um corpo, a
alma transmigra para outro. 45 A viagem e a transmigração estão, contudo,
condicionada pelos atos praticados na vida anterior. Assim, o novo corpo em
que reencarnam pertence a uma pessoa com um estatuto social mais elevado
que o anterior, mas a união da alma com um corpo, não faz desaparecer traços
da vida antes incorporada. Pelo contrário, estes traços vão sendo substituídos
à medida que as experiências e a educação despertam na nova vida formas
mais evoluídas. O sucesso e bem-estar social, como Platão relata em A Repú-
blica, 46 seria conseqüências dessa evolução.
Conhecendo bem filosofia e vivenciando as práticas do magnetismo
mesmerista, Kardec inicia uma nova concepção de cura. Em 1858, funda e
dirige a Sociedade Parisiense dos Estudos Espíritas e cria a Revista Espírita,
onde populariza sua teoria. Ao escrever a primeira edição da Revista Espírita,
em março de 1858, destaca que o magnetismo preparou o caminho do
espiritismo. Afirma que dos fenômenos magnéticos, do sonambulismo e do
êxtase, derivou as manifestações espíritas, e diz que sua conexão é tal que é
impossível falar de um sem falar de outro. E conclui seu artigo homenageando
os praticantes do mesmerismo como sendo seus legítimos antecessores:
Devíamos aos nossos leitores esta profissão de fé, que terminamos com
uma justa homenagem aos homens de convicção que, enfrentando o
ridículo, o sarcasmo e os dissabores, dedicaram-se corajosamente à
defesa de uma causa tão humanitária (KARDEC, Revista Espírita, 1858).

44
PLATÃO. Fédro. Porto Alegre, Editora Globo, 1950.
45
Tanto para Platão como na linguagem kardecista, o conceito de alma é atribuído a um
espírito encarnado, quando a alma desencarna torna-se espírito (N.do A.).
46
Platão. A República. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 105
Referindo-se a importância da terapia praticada nas sessões mesmeristas,
Kardec em 1868, ao escrever a quinta e última obra básica da sua doutrina, A
Gênese, faz referencia às curas através da ação do fluido universal e invisível.
Destacando que as curas fluídicas seriam variedades da ação do magnetismo
diferindo apenas pela potência e rapidez da ação do magnetismo que o
transmitia. “O princípio é sempre o mesmo: é o fluido que desempenha o papel
de agente terapêutico, e o efeito está subordinado à sua qualidade e
circunstâncias especiais”.
Entusiasmado com os primeiros resultados das suas idéias, Kardec
exerce sua formação acadêmica de escritor e produz a bibliografia clássica da
nova crença, composta por cinco livros: o principal é o Livro dos Espíritos
(1859), 47 seguindo do Livro dos Médiuns (1861), o Evangelho segundo o
espiritismo (1864), O céu e o Inferno (1865), e A Gênese (1868), se somado a
essa coleção as Obras Póstumas de Allan Kardec. Esses livros contribuíram
prodigiosamente para dar ao espiritismo o aspecto dogmático e religioso que
seus seguidores têm conservado e respeitam estritamente. Cada vez mais a
literatura espírita reúne verdadeiros talentos de autores, escrevem de modo
sedutor e sob forma tão persuasivas, que encantam a imaginação e adormece
o senso crítico da maioria dos leitores.
A doutrina Kardecista defende como princípio a existência de Deus, força
cósmica criadora do universo, e a existência do espírito que se liga ao corpo
físico e a memória dos atos praticados. Defende o conceito de reencarnação
como o processo que permite os espíritos voltar ao plano material para expiar
os erros do passado ou para estimular o progresso dos outros seres humanos.
Admite ainda a pluralidade de mundos; inclusive paralelos e invisíveis para a
maioria das pessoas, onde o nosso seria um daqueles em que o espírito se
manifesta. Admite também o carma, na acepção de destino, que estabelece a
lei de causa e efeito, segundo o qual nossa vida seria uma decorrência da
conduta que tivemos em vidas anteriores, numa prestação de contas que regula
as sucessivas encarnações.
Fundamentado na crença da existência do espírito independente do corpo
e em seu retorno à Terra em sucessivas encarnações até atingir a perfeição,
Kardec considera o homem como o único responsável por sua felicidade, já que
tudo depende de seus atos. Condena o egoísmo, o orgulho, a hipocrisia e
prega o amor ao próximo como meio de atingir a maturidade espiritual. Afirma
que as reencarnações permitem a evolução gradativa do espírito para se
redimir de erros passados. Todas as faltas podem ser reparadas e, em alguns
casos, defeitos físicos são considerados como parte do processo de
purificação. Como o corpo é um instrumento para voltar à Terra, quando o
espírito atinge a perfeição não precisa mais reencarnar.

47
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, 49. Edição, R. J. Federação Espírita Brasileira (Depar-
tamento Editorial), 1983.
106 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Segundo Kardec, os espíritos interferem na vida terrena pela


mediunidade, capacidade natural de comunicação entre eles e os homens. O
médium é a pessoa a quem os espíritos recorrem para contar como estão após
da morte do corpo físico, fazer revelações e aconselhar os vivos. Isso acontece
por meio da psicografia ou escrita automática que neste caso é entendida como
se o próprio espírito escrevesse através do médium ou da incorporação;
quando o espírito apodera-se do corpo do médium para falar aos vivos. Os
espíritos superiores provem o bem e os inferiores dão más orientações.
A doutrina Kardecista, desde o seu aparecimento até os dias de hoje, não
encontra boa receptividade na Europa, principalmente na França onde surgiu.
Quanto à repercussão de suas idéias na França, após dez anos da primeira e-
dição de O Livro dos Espíritos, Kardec, em 1867, assim se exprime:
Tenho sido alvo do ódio de implacáveis inimigos, da injúria, da calúnia, da
inveja e do ciúme; têm sido publicados contra mim infames libelos; as mi-
nhas melhores instruções têm sido desnaturadas; tenho sido traído por a-
queles em quem depositara confiança, e pago com a ingratidão por aque-
les a quem tinha prestado serviços. A Sociedade de Paris tem sido um
contínuo foco de intrigas, urdidas por aqueles que se diziam a meu favor, e
que, mostrando-se amáveis em minha presença, me destratavam na au-
sência. Disseram que aqueles que adotavam o meu partido eram assalari-
ados por mim com o dinheiro que eu arrecadava do Espiritismo. Não mais
tenho conhecido o repouso; mais de uma vez, sucumbi; sob o excesso do
trabalho, tem-se-me alterado a saúde e comprometido a vida (Obras Pós-
tumas de Allan KARDEC).
Na Espanha o catolicismo combateu fortemente as idéias de Kardec,
inclusive promovendo queima em praça pública dos seus livros. Mas, nas
Américas foi rapidamente difundida e aceita, conquistando progressivamente
uma imensa legião de adeptos e simpatizantes. Isto, em parte, é justificado pelo
fato de que, baseados na filosofia de Pitágoras e Platão, e nas práticas de
curas realizadas por Puységur e seus sonâmbulos, algumas sessões
mesmeristas passaram a ser aceitas como espíritas. Bem antes de Kardec, na
França, na Alemanha, na Escócia e na Inglaterra, de onde migram para os
Estados Unidos, sessões mesmeristas passam a ser consideradas como
espíritas.
Fortemente difundido nos Estados Unidos da América do Norte, o kader-
cismo percorre as Américas, chegando ao Brasil por volta de 1865. Aqui encon-
tra ótimas condições para prosperar, como a tolerância para diferentes crenças
religiosas e múltiplos fatores sociais e culturais de fáceis ajustes a nova doutri-
na. Na atualidade o Brasil é considerado como a nação que congrega maior
número de espíritas no mundo. São 2,3 milhões de espíritas no Brasil, segundo
censo de 2001 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas - IBGE. Mas, a
Federação Espírita Brasileira estima em mais de 30 milhões de pessoas que
freqüentam cerca de 10 mil centros ou instituições espíritas espalhadas pelo
País.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 107
O kadercismo segue sua própria escola e o mesmerismo acaba sendo
substituído mais tarde pelo hipnotismo. Considerando que o kadercismo é um
viés do mesmerismo, resta definir precisamente as diferenças e semelhanças.
Tem quem afirme que o mesmerismo é diferente do hipnotismo, esta tese
é defendida por Alphonse Bué, magnetizador e seguidor fiel do mesmerismo.
No livro Magnetismo Curador (1919), Bué descreve como obteve, através do
magnetismo, centenas de curas de pacientes desenganados e, embora não se
refira ao espiritismo, seu livro serve como um manual para prática de “passes”
nas sessões espíritas. Publicado em dois volumes, o primeiro baseado nos
aforismos de Mesmer, é um manual prático, ensina como magnetizar pontos
anatômicos e seus efeitos. O segundo volume retrata a teoria mesmerista. Em
1940 foi traduzido para o português e impresso no Rio de Janeiro, sob os
auspícios da FEB - Federação Espírita Brasileira, por H. Garnier, livreiro e
editor, e, em 1946, foi impressa a segunda edição pelo departamento editorial
da FEB com objetivo de ensinar, aos praticantes do espiritismo, como conduzir
as sessões de “passes”.
Tem quem não acredita no espiritismo e também afirma que o
mesmerismo é diferente do hipnotismo; Paul C. Jagot 48 nega o espiritismo e
afirma que magnetismo, hipnotismo e sugestão são teorias diferentes entre si.
Justifica a eficácia do magnetismo com base nas idéias de Mesmer,
diferenciando do hipnotismo com base nas práticas de Charcot (escola de
Paris), e da sugestão com base nas práticas de Liébeaut (escola de Nancy).
Assim também pensa o Padre católico Oscar Quevedo, 49 absolutamente
contrário à teoria Kardecista nega qualquer possibilidade de manifestação de
espíritos de pessoas mortas e acredita que no mesmerismo ocorre sim a
transferência de uma espécie de energia entre pessoas, a qual denomina de
telergia. Segundo afirma, “algumas pessoas parecem ser dotadas, capazes de
liberar certas forças parapsicológicas, concretamente chamadas de
magnetismo animal”. Contudo, existe consenso de que, não sendo estas forças
explicadas como efeito da sugestão, sua transferência pode ser facilitada pelo
transe hipnótico. Também é consenso que o transe do médium (manifestando
espírito) apresenta idêntica sintomatologia observada no sujeito hipnotizado
(transe hipnótico).
Mesmerismo e psiquiatria
John Ellioston (1791-1868), médico inglês e uma das figuras mais
eminentes da história médica britânica, em 1830 foi nomeado Presidente da
Royal Medical and Surgical Society e um dos fundadores do University College
Hospital, em Londres, introduziu o uso do estetoscópio na Inglaterra,
juntamente com os métodos de se examinar o coração e os pulmões da forma
que são utilizados até hoje. Assistiu algumas demonstrações de mesmerismo e
48
JAGOT Paul C. Magnetismo, Hipnotismo, Sugestão. (Trad. Raimundo Nonato Corrêa), S.
Paulo, Editora Mestre Jou, 1959.
49
QUEVEDO, Oscar Gonzáles. As forças físicas da mente, S. Paulo, v. I, editora Loyola, 1992.
108 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

começou a trabalhar essa técnica com seus pacientes, entre 1843 a 1855. Foi
quem primeiro usou a hipnose, ainda conhecida como mesmerismo, no
tratamento da histeria dentro do ambiente hospitalar.
Em suas experiências pode observar que a hipnose se mostrava eficiente
nos casos em que o quadro psicopático estava ligado a uma neurose histérica,
na dispsomania e na psiconeurose e, naturalmente, nas pessoas praticamente
normais que apenas apresentavam desequilíbrio emocional temporário.
Aconselhava que o mesmerismo para fins psiquiátricos deve ser empregado
apenas quando o doente se apresenta para o tratamento por sua livre e
espontânea vontade, pois, em tal caso, havia de se beneficiar porque, ao
desejar tratar-se, demonstrava nisso fortes indícios de pouco comprometimento
das suas funções cerebrais, condição necessária para ser induzido ao transe.
Mesmo tendo Ellioston obtido resultados satisfatórios no tratamento da
neurose histérica, da melancolia acompanhada de delírio, das idéias fixas e nos
casos mais benignos das psicopatias, logo de início percebeu que não se
consegue hipnotizar portadores de graves enfermidades mentais, descartando
esse método de tratamento para loucos e retardados.
Embora seu primeiro objetivo tenha sido a utilização da hipnose como
expediente nos tratamentos psiquiátricos, começou também a introduzir o “sono
magnético” na prática hospitalar para aliviar dores dos pacientes. Utilizava
como anestesia local para diminuir a dor durante cirurgias.
Os métodos de tratamento de Ellioston não tardaram em criar uma onda de
oposição. E o Conselho Universitário acabou por proibir o uso do mesmerismo
no hospital da Universidade onde trabalhava. Em virtude disso, pediu demissão,
deixando a famosa declaração:
A Universidade foi estabelecida para o descobrimento e a difusão da
verdade. Todas as outras considerações são secundárias. Nós devemos
orientar o público e não deixar-nos orientar pelo público. A única questão é
saber se a coisa é ou não verdadeira (ELLIOSTON).
Demitido da Universidade, Ellioston continuou seu trabalho com o
mesmerismo e em 1843 fundou o Ziost, um jornal que tratava do novo método
de tratamento, da psicologia cerebral e suas aplicações para o bem-estar
humano. Posteriormente fundou em Londres o Mesmeric Hospital, no qual o
mesmerismo era largamente utilizado. Ali muitos médicos aprenderam o novo
método de cura.
Ellioston morreu em 1868, mas bem antes outros médicos adeptos do
Mesmeric Hospital anunciavam seus feitos terapêuticos, em toda parte do
mundo, principalmente anestésicos. Na Alemanha, na Áustria, na França e nos
Estados Unidos realizavam intervenções cirúrgicas sob sono magnético. Na
América, Albert Wheeler remove um pólipo nasal de um paciente, enquanto o
magnetizador Phineas Quimby atuava como anestesista. Em 1829 Jules
Cloquet usou o mesmo recurso anestésico numa mastectomia. Jeanne Oudt
comunica à Academia Francesa de Medicina seus sucessos magnéticos
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 109
obtidos em extrações de dentes, afirmando ter realizado mais de 200
intervenções cirúrgicas absolutamente sem dor. Do ponto de vista da ciência
estes fatos eram desacreditados e, neste sentido observa Weissmann: 50
É curioso registrar que a ciência ortodoxa de então rejeitava não somente
as teorias mesmeristas, mas também os fatos, quando poderia ter
aceitado o fenômeno e rejeitada apenas a teoria. Acontece que, em
relação ao mesmerismo, nem mesmo os fatos eram aceitos
(WEISSMANN).
Mesmerismo e anestesia
James Esdaille (1808–1859), médico nascido em Perth, na Escócia, for-
mou-se em medicina em 1830, conhecia os trabalhos de Ellioston e começou a
clinicar na Índia onde fez, em 1845, suas primeiras experiências de anestesia
magnética com excelentes resultados. Seus pacientes sofriam as mais severas
intervenções cirúrgicas, inclusive amputações sob sono magnético, mas eram
apontados pela medicina ortodoxa como “um grupo de endurecidos e renitentes
impostores que sofriam sem reclamar só para provar uma mentira como verda-
de”.
O lugar de Esdaille na história do hipnotismo se justifica por ter sido ele
um pioneiro na luta pelo reconhecimento da hipnose como um instrumento
valioso na cirurgia. Começou sua prática como médico da British East India
Company, na Índia e, inspirado na leitura dos trabalhos de Ellioston, realizou
mais de três mil intervenções cirúrgicas com pacientes sob efeito do “sono
magnético”. Em Calcutá, além dos milhares de intervenções cirúrgicas leves e
centenas de operações profundas, realizou dezenove amputações apenas sob
o efeito da anestesia hipnótica. Essa prática só diminuiu quando surgiu o
emprego do éter e do clorofórmio como agentes anestésicos.
Esdaille, assim como Ellioston, empregava expedientes magnéticos do
ritual mesmerista, os passes eram acompanhados de leves pancadas pelo
corpo do paciente, ao passo que olhava de perto os olhos e concentrava as
pancadas na área a ser operada. Ainda, em intervalos regulares, soprava-lhes
levemente a cabeça, os olhos e a boca. Esse processo prolongava-se
geralmente por uma hora ou mais, até que o paciente estivesse em condições
de sofrer a intervenção cirúrgica. Esdaille relata inúmeros casos de cirurgias
sob o efeito mesmerista, sem anestesia e sem dor, quando publica sua
experiência na Índia. 51
As publicações médicas recusavam-se a aceitar as comunicações do
cirurgião escocês e o Caleutta Medieal College moveu-lhe insidiosa campanha
de desmoralização; a anestesia não valia como prova de coisa alguma e, os
médicos faziam circular a notícia de pacientes que haviam sido comprados para
50
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958.
.
51
ESDAILLE, J. Mesmerism in Índia and its Pratical Applications. In: Suurgery and Medicine,
Londres, Hyppolite Baillière, 1852.
110 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

simular a ausência de dor. Esdaille foi julgado pela Sociedade Britânica de


Medicina e uma testemunha, depondo em seu favor, disse ter assistido a
extirpação de um olho, enquanto o paciente magnetizado acompanhava com o
outro olho o andamento da operação sem pestanejar.
Os fatos eram de esmagadora evidência. Contudo, contra Esdaille todos
os argumentos eram empregados, inclusive o bíblico: “Deus instituíra a dor
como uma condição humana, portanto, era sacrílega a anestesia do
magnetizador”. Idêntico argumento foi usado contra Benjamin Franklin, o pára-
raios era condenado como uma tentativa ímpia de anular a vontade de Deus.
Weissmann citando The Lancet, a mais velha revista médica inglesa, em
circulação até 2001, na época publicou a seguinte admoestação:
O mesmerismo é uma farsa demasiadamente estúpida para que se lhe
possa conceder atenção. Consideramos seus adeptos como charlatões e
impostores. Deviam ser expulsos da classe profissional. Qualquer médico
que envia um doente a um charlatão mesmerista devia perder sua clientela
para o resto dos seus dias (The Lancet, apud WEISSMANN).
Sofrendo grande perseguição, Esdaille teve que abandonar o hospital e,
completamente desacreditado, voltou à Escócia. Mudou-se posteriormente para
a Inglaterra, onde não teve melhor sorte. Suas comunicações científicas nos
órgãos especializados ingleses foram recusadas. Mas, por sua conta, consegue
publicar um protesto em 1846, do qual se destaca o depoimento:
Meu artigo não foi publicado; remeti então um trabalho mais amplo
contendo um panorama de todos os meus casos cirúrgicos. Foi este
também rejeitado por sua “impraticabilidade”. Ouvi dizer que foi dada como
razão para a não publicação do meu trabalho o fato de que, embora
ninguém duvide dos fatos narrados, aplica-se apenas aos nativos da Índia.
Mas, pelo que eu saiba, nenhum jornal médico admitiu até hoje a realidade
das operações mesméricas indolores mesmo na Índia, nem inseriu um só
dos numerosos casos já verificados em Londres, Paris, Cherburgo e etc.
Tais fatos não são admitidos ou levados ao conhecimento de outrem por
medo das conseqüências. Supondo, porém, que só aos nativos da Índia se
aplique o mesmerismo, não seria interessante para cirurgiões, médicos,
fisiologistas e até filósofos saber por que esses 120 milhões de orientais
(mesmo que os suponha macacos) são tão suscetíveis às influências
mesméricas a ponto de permitirem intervenções cirúrgicas e outros
benefícios, naturalmente por disposições hereditárias? Tem sido dito aos
leitores desses jornais que seus colegas médicos que se dedicam ao
estudo do mesmerismo são tolos ou charlatões. Porém, um homem como
eu, que jamais teve clínica particular, não posso entender assim. Se
formos idiotas, deveríamos ser encorajados a escrever o suficiente a fim
de, mais rapidamente e efetivamente, sermos desmascarados e expostos.
Estou convencido de que em um ponto concordamos; todos gostam de
tirar as próprias conclusões e ninguém deve se submeter à venda nos
olhos ou a ser conduzido pelo nariz das pessoas que pagamos para que
nos mantenham bem informados dos novos eventos e do progresso
alcançado pela nossa profissão em todo o mundo. Pretender que haja uma
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 111
imprensa médica livre na Grã-Bretanha é uma pilhéria e uma desilusão. A
prova disso é que os médicos que dispõem de imaculada reputação
profissional e privada honestidade de suas realizações, não tem permissão
de se fazerem ouvir no seu órgão de classe, como se estivessem
contrariando os interesses e as convicções pessoais dos editores...
(ESDAILLE). 52
A Sociedade Britânica de Medicina acabou por interditar a Esdaille o
exercício profissional. Contam seus biógrafos que, após a interdição, passou
boa parte da sua vida como anônimo e morreu no mais completo ostracismo.
Mesmerismo e sugestão
No mesmo ano em que faleceu Mesmer apareceu em Paris um português,
José Custódio de Faria (1756-1819), mais conhecido como Abade Faria, nasci-
do e criado em Condoline de Bardez, nos arredores de Goa, capital das Índias
Portuguesas. Segundo informam seus biógrafos, o Abade Faria descendia de
uma família de brâmanes hindus convertida ao cristianismo no século XVI. Aos
15 anos chegou a Lisboa, onde iniciou seus estudos que concluiu em Roma.
Em 1780 foi ordenado sacerdote e recebeu o titulo de doutor em teologia. Re-
gressou a Portugal e posteriormente, em 1788, se instalou na França, onde par-
ticipou do movimento revolucionário.
Em Paris o Abade Faria travou relações com o Marquês de Puységur e,
estimulado pelo Marquês, na época da conturbada reestruturação política fran-
cesa, entregou-se de corpo e alma à carreira do hipnotismo. Em sua pesquisa
adiantou-se ao mestre em muitos pontos, foi o primeiro a mostrar que hipnose
não era sinônimo de sono e desenvolveu um método de indução que era prati-
camente o atual. Na linguagem da hipnose moderna, iniciou a doutrina da su-
gestão pura, a escola da hipnose sugestiva.
Abade Faria recomendava ao hipnotizável o relaxamento muscular, fitava-
lhe firmemente os olhos e em seguida ordenava em voz alta: “DURMA!” A
ordem era várias vezes repetidas e observava que, em alguns indivíduos, isso
era o bastante para entrarem imediatamente no transe. Não obstante ordenar o
sono, Abade Faria muito contribuiu para o desenvolvimento daquilo que, um
século e meio mais tarde, se chamaria de hipnose acordada.
O Abade foi o primeiro hipnotista na acepção da palavra, suas teorias
eram despidas de toda ingerência mística, reconheceu o lado subjetivo do
fenômeno em toda sua extensão e propagou que a hipnose se produzia e se
explicava em função do hipnotizado e não do hipnotista. Dizia que o transe
estava no próprio hipnotizado e não era devido a nenhuma influência
magnética, nada de fluido misterioso, magnetismo, forças invisíveis, cristais,
passes ou água magnetizada, tudo, para ele, era uma questão de sugestão. É
dele a frase bastante citada na historia do hipnotismo: “Não posso conceber
como a espécie humana foi procurar a causa deste fenômeno na tina de

52
ESDAILLE, J. Hypnosis in medicine and surgery [Reprin]. N. York, Julian Press, (1846) 1957.
112 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Mesmer, ou na vontade externa, ou a mil extravagâncias ridículas deste


gênero”.
A maior contribuição do Abade Faria para a hipnose foi no sentido de
identificar o fenômeno hipnótico como sendo resultado apenas do hipnotizado e
por efeito de sugestão. Separando a hipnose da doutrina mesmerista ele inicia
outra, a doutrina da sugestão. Sua forma de perceber a hipnose chega ao
século XXI como se fosse atual.
Egas Moniz, prêmio Nobel de Medicina e um dos maiores expoentes da
psiquiatria, na primeira metade do século XX publicou artigos, textos e livros
sobre hipnose. Em um dos muitos trabalhos que escreve sobre o tema, declara
que o Abade Faria foi o autor que mais contribuiu para o entendimento da
hipnose moderna:
O Abade Faria viu o problema da hipnose em suas próprias bases com
uma grande precisão e com clareza. Foi ele o primeiro a marcar a hipnose
nos seus limites naturais... Foi ele que defendeu, pela primeira vez, a
doutrina sobre a interpretação dos fenômenos do sonambulismo, ponto de
partida de toda sua doutrina filosófica. O mais importante, porém, é a sua
contribuição à doutrina da sugestão (MONIZ). 53
O nome do Abade Faria era muito popular na França, sua figura era vista
com freqüência nos salões da nobreza e da alta sociedade parisiense onde
viveu, ao mesmo tempo, horas de glória e de fracasso. Foi professor da cadeira
de Filosofia na Academia de Marselha e, sem nunca ter estudado medicina, foi
proclamado membro da Ordem dos Médicos. Em Paris abriu uma escola de
hipnose, depois que a polícia lhe proibira as experiências de hipnotismo em
Nimes. Mesmo explicando a verdade sobre o hipnotismo, ele não escapou à
perseguição maliciosa dos seus contemporâneos e, envolvido nas agitações da
política francesa, sofreu muita perseguição.
Conta à história que o Abade teria morrido encarcerado no castelo da ilha
de If, em Esterel, perto de Marselha, onde fora lançado por motivos políticos.
Sua vida foi descrita por um antigo funcionário da polícia parisiense que afirma
ter sido ele o caso verdadeiro que serviu de fonte inspiradora para o romancista
Alexandre Dumas (1802-1870), autor de O Conde de Monte Cristo publicado
por volta de 1845. Seria o Abade o verdadeiro personagem que morreu na
prisão, deixando toda sua fortuna para um companheiro condenado devido a
uma denúncia falsa. Assim, tornou-se personagem de uma das mais famosas
obras de ficção. O Abade Faria é transformado pelo autor romancista como um
dos seus principais personagens.
Brandismo
James Braid (1795-1860) médico cirurgião escocês, nascido em Rylaw House,
em Fifeshire. Depois de trabalhar na Escócia durante um curto período de tem-
po, mudou-se para Manchester, Inglaterra, onde viveu até sua morte. Embora
53
MONIZ, Egas. El Abade Farias en la história de la hipnosis. B. Aires, Ed. Poblet, 1963.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 113
também não tenha escapado às campanhas maliciosas da classe médica,
mesmo que mais brandas do que as contra seus antecessores. Braid foi tão
importante para o desenvolvimento da hipnose que seu método passou a ser
chamado de Brandismo. Na linguagem moderna, inicia a escola da hipnose
sensorial.
Por volta da década de 1840, Braid marcou o início de uma nova fase, o
magnetismo animal passa a ser conhecido como hipnose e o termo mesmeris-
mo como hipnotismo, iniciando outra linha de pesquisas e controvérsias. Mas,
sem que os fatos hipnóticos fossem ser negados ou se duvidasse da respeitabi-
lidade e do valor dos seus estudos.
Com o propósito de desmascarar o que acreditava ser uma charlatanice,
Braid foi assistir em Londres, no dia 13 de novembro de 1841, a uma
demonstração do famoso Charles Lafontaine, um magnetizador suíço discípulo
do Marquês de Puységur, que na ocasião se exibia em sensacionais
espetáculos públicos na Inglaterra. Na sessão, uma jovem foi induzida ao
transe profundo quando o magnetizador fixando-lhe o olhar e segurando-lhes
os polegares, a fez cair em sono profundo, Braid e outros colegas médicos
cercaram a paciente na intenção de verificar uma possível fraude. Um dos
presentes, o Doutor Wilson, oftalmologista, lembrou-se de examinar as pupilas
levantando as pálpebras da jovem, encontrando-as fortemente dilatadas. Às
escondidas, Braid espetou um alfinete na magnetizada e não houve nenhuma
reação, nenhum gesto, Braid saiu de lá impressionado. Ele não acreditava nos
fluidos astrais nem em forças estranhas e sobrenaturais que constituíam a
maioria das explicações dos magnetizadores.
A primeira vez que assistiu a demonstração de Lafontaine não convenceu
Braid, no entanto, sua curiosidade fez com que assistisse, uma semana depois,
a uma segunda demonstração e, aí, aceitou o fenômeno, mas não a explicação.
Estava Braid, diante de um fato e em busca de uma resposta que não fosse a
do magnetismo animal, por considerar esta uma afronta à dignidade científica
da época. Era a velha prevenção contra tudo o que é invisível, tudo que não é
concreto e palpável. Prevenção essa que, de certo modo, ainda persiste na
época atual.
Tendo observado que Lafontaine olhava fixamente nos olhos da
hipnotizada, passou a acreditar que a fascinação ocular era responsável pela
indução, concluiu Braid que a causa física do transe era o cansaço visual.
Experimentou reproduzir o fenômeno em casa, mandando que a sua esposa
olhasse para o ornato da tampa de um açucareiro de porcelana e que o
cunhado e um criado fixassem a visão olhando firmemente o gargalo de um
vaso ornamental. Nos três o intento foi positivo, todos entraram em transe.
Para Braid o transe assemelhava-se a um estado de sono que podia ser
induzido através do cansaço visual, não dependia de poderes do magnetizador,
nem de influências astrais, minerais ou sobrenaturais, era algo físico, mecânico,
de ordem fisiológica. Baseado em suas hipóteses, para facilitar a indução
114 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

inventa equipamentos como bolas brilhantes, espelhos giratórios e outros


objetos que prendesse a atenção do paciente olhando fixamente como se
fascinado. O objeto brilhante que mais fácil dispunha era o seu relógio de bolso,
daí a idéia do relógio que balança ante os olhos do hipnotizado. Para a fixação
do olhar, mandava ainda seus pacientes olharem fixamente para a chama de
uma vela acesa. O processo da indução hipnótica pelo cansaço visual passou a
fazer escola.
No começo de suas experiências, Braid colava uma rolha de garrafa à
testa do paciente e fazia com que ele a olhasse atentamente; a obrigação de
conservar constantemente os olhos dirigidos sobre um objeto tão próximo,
convulsionava a vista e fatigava. Isso muitas vezes forçava-os a abandonar a
experiência antes do fim e, por isso, foi necessário modificar o processo. Na
nova versão, foi adotado um objeto brilhante entre o dedo polegar e o médio da
mão esquerda, numa distancia de 25 a 45 centímetros dos olhos, em posição
tão acima da testa, que se tornava necessário o maior esforço dos olhos e das
pálpebras, para que o paciente o fixasse.
Braid, preocupado em estabelecer as causas físicas dos fenômenos
psíquicos, fica também convencido da existência de pontos na cabeça dos
pacientes aos quais chamou de termomagnético. Acreditava que uma leve
pressão nesses pontos provocava a manifestação de sentimentos específicos.
Fricções suaves nos lados do rosto despertariam sentimentos como auto-
estima, benevolência, fraternidade e caridade. Os pontos localizados no alto da
cabeça, na nuca e no pescoço, provocavam sentimentos de carinho, afetividade
e proteção, entre outros. No tórax, na altura do peito, segurança e confiança.
No abdome, despertaria relaxamento e tranqüilidade. Sentimentos estes que
ele denominava de idealidades. Mas, antes de Braid, esses pontos também são
referidos nos aforismos de Mesmer como sendo aqueles que promovem curas
através de magnetizações com a imposição das mãos, “passes”, fricções e
insuflações (sopros).
Braid procurou demonstrar que o transe assemelha-se a um estado de
sono e que podia ser induzido por agente físico. Continuou no procedimento
com seus pacientes, fazendo com que estes olhassem para uma luz ou objetos
brilhantes. Depois dele, até hoje, os livros populares sobre hipnotismo insistem
em ensinar o desenvolvimento do método pela fadiga ocular através do
deslumbramento de pontos ou objetos. Essa técnica tornou-se clássica, sendo
muito usada na segunda metade do século XIX e o início do século XX, com o
nome de procedimento de Braid.
Braid, baseando o transe num princípio onírico, deu-nos a palavra
hipnotismo, derivada do vocábulo grego hypnos, que significa deus do sono.
Todavia, o sono hipnótico não se confundia com o sono normal e, associando
isso aos conceitos neurofisiológicos que aprendera na medicina, passou a
descrever o transe como sendo um nervous sleep ou sono nervoso provocado.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 115
Já quase no fim de sua carreira, Braid descartou-se em parte do seu
método do cansaço visual pela fascinação, pois descobriu que podia hipnotizar
cego ou pessoas em recintos obscurecidos. Dessa observação em diante,
passou a dar maior importância à sugestão verbal e a toques físicos no corpo
do paciente. Não tardou em descobrir que também o sono não era necessário
para produzir o fenômeno hipnótico.
Quando Braid se convenceu de que hipnose não era sono, tentou mudar a
designação de hipnose para monoideísmo, termo que mais adequadamente
descreve o fenômeno como sendo um pensamento único. No entanto, a palavra
hipnotismo já estava muito divulgada e se havia firmado de tal forma no uso
popular que, certo ou errado, é o nome que vigora até hoje.
Depois de muita observação e experiências, Braid solicitou da Bristih
Association, Medical Section a inclusão de seu nome para uma comunicação.
Recusaram-no, pois havia uma outra muito mais importante, com o seguinte
título: “Como diferençar as aranhas novas das velhas pelo exame dos
respectivos palpos”. Isto não impediu que Braid divulgasse sua teoria sobre
hipnose. Em 1843, publicou seu livro no qual expõe seu método para o
tratamento de enfermidades nervosas. 54 A publicação de Braid encontra
melhor aceitação na França e na Alemanha do que na sua terra natal. Em
1874, o Dicionário de Medicina aceita publicar seus conceitos que são
traduzidos em diversos países. Após Braid, antigas denominações como
magnetismo, sono magnético, mesmerismo ou sonambulismo deram lugar ao
termo hipnotismo.
Mesmo considerando Braid como pai do hipnotismo, muito antes dele, o
Abade Faria tinha idéias modernas e corretas, explicando a hipnose como um
fenômeno produzido por sugestão. E, antes do Abade, o jovem médico de Paris
que praticava mesmerismo, Alexander Bertrand (1795-1831) já apontava o
estado hipnótico como sendo tudo, dizia, uma sugestão aplicada. Foi também
um dos pioneiros a aconselhar o uso da hipnose como agente terapêutico e,
por isso, sofreu pressões da classe médica.
Em 1823 Bertrand publicou o livro Traité du Somnambulisme e, três anos
mais tarde, lançou um segundo, Du Magnétisme Animal en France, afirmando o
papel importante da sugestão nos fenômenos atribuídos ao magnetismo animal.
Ele observara a conexão entre o sono magnético, o transe coletivo e o
sonambulismo, chegando à conclusão de que as curas e demais sintomas,
antes atribuídos ao magnetismo animal, não passavam de meras sugestões do
magnetizador agindo sobre a imaginação de um paciente, cuja
sugestionabilidade foi aumentada pelo processo de indução.
Bertrand morreu aos 36 anos de idade, se tivesse vivido mais tempo
talvez houvesse antecipado a aceitação pela classe médica do transe induzido

54
BRAID, James. Neuropnology, or the rationale of nervous sleep [Reprin]. London, George
Redway, 1899 [Reprin, 1958].
116 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

por sugestão como procedimento de cura. A história considera Bertrand e o


abade Faria como sendo o ponto de transição entre o magnetismo e o
hipnotismo. Sobre isso escreveu Pierre Janet (1859 -1947): 55
Bertrand antecipou-se ao Abade Faria e a Braid. Foi o primeiro a afirmar
francamente que o sonambulismo artificial podia explicar-se simplesmente
à base das leis da imaginação. O hipnotizado dorme simplesmente porque
pensa em dormir e acorda porque pensa em acordar. A publicação do
Abade Faria, do general Noizet na França e a de Braid na Inglaterra, só
contribuíram com uma formulação mais clara destes conceitos,
desenvolvendo esta interpretação psicológica em forma mais precisa
(JANET).
Hipnodontia
Faz parte também da história da hipnose a sua aplicação em odontologia;
essa prática é conhecida como Odontohipnose ou Hipnodontia. Em 1837 o den-
tista francês Jean Tienne Oudt comunicou à Academia Francesa de Medicina
haver extraído molares sob o sono magnético, usava-se ainda a terminologia
mesmerista para designar o fenômeno.
Oudt inicia a prática da hipnose nos tratamentos odontológicos, para solu-
ção do problema da dor em extrações. Mas com o passar do tempo passou a
ser usada também para melhorar as reações psicofísicas, próprias do ambiente
do gabinete dentário, em pacientes que tinham horror a agulhas, a brocas, e até
ao barulho produzido pelo maquinário odontológico.
Depois de Oudt quem mais se destacou nesta área foi o dentista Aaron A.
Moss, pioneiro da hipnodontia na América do Norte e o terceiro presidente do
Instituto Americano de Hipnose. Ele foi responsável, em 1966, pela primeira
filmagem do uso da Hipnose na Odontologia e desenvolveu um método que
resulta de um ligeiro relaxamento muscular, exercício de respiração e sugestão
especifica. 56
A indiscutível eficácia da hipnose na odontologia fez com que G. F.
Kuehner, 57 também dentista, elaborasse uma adaptação ao método de Moss
para aplicações em odontopediatria. A novidade era usar na indução a própria
linguagem do paciente infantil. Segurando a mão da criança picava levemente
com uma agulha ou outro instrumento pontiagudo, perguntando à criança pela
sensação que experimentava. A resposta poderia ser, dói, ou coisa parecida.
Em seguida comprimia a mesma área com o dedo indicador e, perguntava; “e
agora o que está sentindo?” A resposta provável seria não dói ou está
apertando ou coisa semelhante. Ato contínuo ele fechava os próprios olhos
diante do paciente, fingindo sono, relaxar ou dormir. Assumida essa postura,
perguntava de novo, “e agora, que tal?” O pequeno paciente responde nesta
55
JANET, Pierre. The major symptoms of hysteria. N. York, Macmillan, 1920.
56
MOSS, A. A. The comfident dentist can eliminaté gagging. The Bristtish Journal of medical
hypnotism, v. 6, n. 03, 1955.
57
KUEHNER, G. F. Hypnosis in dentistry. N. York, MacGraw-Hill Book Company, 1956.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 117
situação “sono, noite, cama, etc.” Guardando mentalmente as palavras
proferidas para serem usadas ao proceder à indução, o êxito da sugestão era
mais fácil e mais rápido.
Em odontologia pode ser utilizada a sugestão pós-hipnótica; os pacientes
submetidos ao transe de nível médio podem ser anestesiados pós-
hipnoticamente, o que é feito quando o hipnotista (não necessariamente
dentista), apalpando com a mão a região a ser anestesiada, sugere as
condições específicas para a anestesia produzir efeito. Como, por exemplo,
passando a mão no campo operatório, é dito ao paciente: “quando você
assentar-se na cadeira do dentista, esta região ficará completamente
insensível, completamente anestesiada”. Esta sugestão é repetida com a
devida ênfase. Continuando é dito: “ao levantar da cadeira do dentista, tornará
a sentir esta região, porém sem qualquer sensação desagradável. Passará
muito bem”. Devidamente hipnotizado, o paciente pode ser submetido à
intervenção odontológica, independente de nova indução e na ausência do
hipnotista.
A hipnose na odontologia não depende sempre de um nível de transe
profundo, cada estágio ou grau de hipnose oferece suas possibilidades
terapêuticas próprias. Dentro desta variância são organizados esquemas de
procedimentos e, genericamente, apresentam quatro pontos:
1. Estágio preambular ou hipnoidal. Sugestões contra náuseas e sensações
afins, relaxamento muscular e sugestões contra temores, apreensões,
ansiedade, fobias e objeções ao tratamento.
2. Transe leve. Habituar o paciente à prótese e ao aparelho de ortodontia.
Preparação de cavidade e obturações leves.
3. Transe médio. Preparação de cavidade profunda e obturações profundas.
O controle da náusea, da salivação, dos espasmos. Conter sangramento
excessivo.
4. Transe profundo ou sonambúlico. Extrações de dentes, mesmo inclusos,
e polpa dentária, gengivectomias, intervenções no maxilar. Influenciar o
pós-operatório para controlar hemorragia e a regeneração do tecido
facilitando o processo da cicatrização.
Diante da sua evidente eficácia, o uso da hipnose em odontologia se
espalhou pelo mundo sem contestadores. Foi implantado como estudo
acadêmico em 1948, com a criação de uma cadeira de hipnodontia na
Faculdade de Odontologia de Concórdia, em Moorbead. Em 1952 já havia
registro de mais de trinta mil pacientes atendidos por esse processo nos
Estados Unidos.
No Brasil, a Hipnodontia ou Odontohipnose é objeto de estudo da
Odontologia, sua aplicação é recomendada por cirurgiões-dentistas e, desde
1955, por iniciativa da ABO - Associação Brasileira de Odontologia foi
implantado como curso de extensão universitária em várias Faculdades. Mas,
118 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

foi a Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia a única que


manteve, até 1993, como disciplina regular do currículo do curso de graduação,
ministrada pelo professor Giuseppe Mazzoni.
Na atualidade a maioria dos dentistas perde o interesse pela hipnodontia
pelo fato da anestesia química ser eficaz e de efeito imediato. Na verdade, para
o seu uso, a primeira sessão demanda um pouco de tempo, contudo nas
sessões seguintes isso não ocorre; o paciente pré-induzido por sugestão pós-
hipnótica administrada na sessão anterior entra em transe imediatamente ao
sentar-se na cadeira odontológica.
Hipnoterapia
Ambroise August Liébault (1823-1893) nasceu em Lothringen, na França,
foi médico na zona rural em Point-Saint-Vincent, uma aldeia próxima da cidade
de Nancy. Foi ele o fundador da sugestão verbal sistemática aplicada como
tratamento clínico; iniciou o uso da hipnose na cura de várias enfermidades.
Liébault é descrito pelos seus biógrafos como tendo sido um homem sereno,
agradável, bondoso e estimado pelos pobres, que o chamava de Le bon père
LiébauIt. Dizia ele aos seus clientes, quase todos humildes camponeses: “Se
desejais que vos trate com drogas, o farei, mas tereis de pagar-me como antes.
Se, entretanto, me permitir que vos hipnotize, farei o tratamento de graça”. Na
linguagem da hipnose moderna, fortalece os partidários da escola da sugestão
pura iniciada por Abade Faria.
A função terapêutica sempre está presente nas sessões de hipnose, ora
explícita, ora subjacente a um ritual ou ao ambiente onde transcorre a indução.
Possibilidade de cura existe até mesmo no decorrer de demonstrações de
hipnose de palco, principalmente quando o transe atingido pelo hipnotizado é
de nível médio ou profundo e quando as sugestões produzidas pelo hipnotista
representam idéias de bem-estar físico e mental. Porém sua aplicação objetiva,
para solucionar os mais variados problemas de saúde, dentro de um ambiente
médico, tem início em 1864 quando um exemplar da obra de Braid caiu nas
mãos de Liébault.
Ao estudar a obra de Braid, Liébault já residia em Nancy, na França,
cidade que, por seu trabalho no uso da hipnose para o tratamento de vários
tipos de enfermidades, se tornou conhecida no mundo como o berço da
Hipnoterapia, além de Capital do Hipnotismo.
J. M. Bramwell, 58 médico que praticava hipnotismo na Inglaterra, visitou
Liébault e deixou a seguinte descrição de sua atividade hipnoterapêutica:
No verão de 1889, passei uma quinzena em Nancy a fim de ver o trabalho
hipnótico de Liébault. Sua clínica, sempre movimentada, compreendia dois
compartimentos que davam pelos fundos em um jardim. Seu interior não
apresentava nada de especial que pudesse atrair a atenção. É certo que

58
BRAMWELL, J. M. Hypnotism, its history, practice and theory, Philaephia, J. B. Lippincott,
1930.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 119
todos que lá iam com idéias preconcebidas sobre as maravilhas do
hipnotismo tinham de sair decepcionados. Com efeito, fazendo caso
omisso do método de tratamento e algumas ligeiras diferenças, devidas
provavelmente a características raciais, a impressão que se tinha era a de
estar em um departamento público, numa pensão ou num hospital de
clínica geral. Com a diferença de que os pacientes falavam um pouco mais
livremente entre si e se dirigiam ao médico de uma maneira mais
espontânea do que se costumava ver na Inglaterra. Eram chamados por
turno, e no livro dos casos clínicos registrava-se sua anamnese. Em
seguida induzia-se o paciente rapidamente à hipnose... Seguiam-se as
sugestões e as anotações... Quase todos os pacientes dos que eu vi foram
hipnotizados de uma maneira fácil e rápida, mas Liébault me informou que
os nervosos e os histéricos eram mais refratários (BRAMWELL).
Liébault soube conquistar a simpatia e a cooperação dos seus pacientes,
contrariamente ao exemplo de Mesmer, ele era modesto e sem aparato teatral,
quer na sua apresentação indumentária, quer no ambiente da sua clínica. Ao
método de fixação ocular de Braid, ele acrescentou ênfase na sugestão verbal.
Preferiu utilizar-se, quase que exclusivamente, da sua própria voz como
principal elemento de indução, nada de equipamentos ou métodos que
envolvessem contatos físicos com qualquer parte do corpo dos hipnotizados,
evita outros tipos de estímulos sensoriais. Foi o criador da escola verbal.
No método verbal a voz deve passar equilíbrio, empatia, confiabilidade,
convicção e emoção, sempre de maneira natural e expressiva para criar nos
hipnotizados uma idéia clara e facilitar a introspecção das sugestões. Deve ser
evitada a fala rápida, com ansiedade, para controlar tensão ou falta de
coordenação da respiração e da voz. Deve o hipnotista falar pausadamente,
com ritmo, entonação, melodia e ênfase nas palavras de valor sugestivo,
articuladas nitidamente em tom cavo.
Liébault, juntamente com Bernheim, tratou mais de 12 mil pacientes em
sua clínica de hipnose. Casos de impressionantes bons resultados que atraiu
para Nancy grandes nomes, entre eles Freud. Trabalhou durante dois anos em
sua obra Du Somneil et des états analogues, considerés surtout du point de vue
de l'action de la morale sur le physique. Afirma Bramwell que Liébault vendeu
exatamente um exemplar de sua publicação; não obstante, muitos historiadores
conferem a ele a paternidade do hipnotismo médico.
Conforme se infere do próprio título de sua obra principal, Liébault
ressaltava a influência do psíquico sobre o físico, embora o psíquico ainda
fosse misterioso e praticamente inexplorado, as conjeturas que se faziam em
torno de sua estrutura e dinâmica, eram baseadas em suposições empíricas e
intuitivas. Entretanto, estava no caminho certo, podia progredir modesta e
tranqüilamente, sem ser muito molestado pelos colegas por ser discreto e pobre
e não aceitar dinheiro dos pacientes que tratava por hipnose.
Sugestão pós-hipnótica
120 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Hyppolite Henri Bernheim (1840-1919), um dos expoentes da medicina na


França, homem de reputação inatacável, a princípio contrário ao hipnotismo,
resolveu em 1881 visitar Liébault em Nancy, presumivelmente para desmasca-
rá-lo como charlatão. Cético e com propósitos hostis, logo se convenceu da au-
tenticidade e da validade do processo hipnótico e tornou-se amigo e discípulo
do modesto médico rural, isto pelo fato de ter tratado, com fracasso, durante
seis meses um caso de ciática que foi posteriormente curado por Liébault.
O prestígio de Bernheim muito contribuiu para que o mundo acadêmico
acolhesse a cura pelo hipnotismo; ao menos como uma possibilidade. Em sua
obra, De la suggestion, publicada em 1884, insiste na necessidade do estudo
da técnica sugestiva e as características da sugestibilidade. Insistindo ainda no
caráter subjetivo, ou seja, essencialmente psicológico da hipnose.
Bernheim foi o fundador da Escola Mental e, vislumbrando na hipnose um
estado psicológico normal, compreendeu esse fenômeno em bases mais
amplas. Demonstrou que a sugestibilidade não se limitava aos indivíduos
histéricos conforme se proclamava no Salpêtrière, Hospital Escola da
Universidade de Paris, representado pelo professor Jean-Martin Charcot, que
utilizando estímulos aos sentidos em vez da sugestão verbal se intitulava como
a escola do hipnotismo sensorial, a escola do grand hipnotisme.
Dizia Bernheim: “todos nós somos sugestionáveis, uns mais outros
menos, todos somos alucináveis ou alucinados”. Afirmava que os indivíduos
são potenciais ou efetivamente alucinados durante boa parte de suas próprias
vidas. Dizia ainda que “todos temos a nossa propensão inata à crença, temos a
nossa credibilidade natural”.
Além de perceber que o estado hipnótico era normal em todas as
pessoas, Bernheim 59 definiu os efeitos pós-hipnóticos da sugestão como
elemento provocador das ações inconscientes e compulsivas e propôs aplicar
como terapia. Tudo isso são conceitos moderníssimos que mostram a visão
ampla e profunda que transcendeu os limites convencionais de sua época. Seu
método de indução é o que oferece as maiores possibilidades de êxito e, além
de sistematizar o preâmbulo do relaxamento muscular progressivo, estabelece
como condição indispensável que antes do retorno do hipnotizado para o nível
consciente, lhe seja aplicado sugestões pós-hipnóticas de cura e bem-estar.
Hipno-análise
Existem duas conceituações sobre hipno-análise, a primeira considera
como um termo específico e anterior ao surgimento da psicanálise, o segundo
decorre do uso de procedimentos hipnóticos como instrumento para a rápida
aplicação da teoria psicanalítica. O termo pode ser interpretado como a fusão
da hipnose com a psicanálise ou como um procedimento anterior e diferenciado

59
BERNHEIM, H. Hypnosis and suggestion in psychotherapy: A tratise on the nature of hypno-
tism [reprint]. Translated by CA Herter. New Hyde Park, N. York, University Books, (1889)
1964.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 121
da psicanálise. Porém, a hipno-análise já teria aplicação na hipnoterapia inicia-
da por Liébault e foi, sem dúvidas, usada por Bernheim, Charcot, Breuer e o
próprio Freud no início de suas pesquisas, portanto, bem anterior ao método
psicanalítico. Serviu de ponto de partida para Freud criar hipóteses e fundar a
psicanálise.
Embora possa ser atribuído a muitos autores, a rigor o termo hipno-
análise não possui uma paternidade definida; vários foram os nomes ilustres
que a utilizaram e a evoluíram, é um método de análise do ser humano, desen-
volvido com base em técnicas de hipnose, que apresenta grandes possibilida-
des terapêuticas. Dois autores que melhor sistematizam essas técnicas e que
apontam como utilizá-las são R. Lindner 60 e B. C. Guindes. 61
A hipno-análise pode ser iniciada quando ocorre o estado hipnótico de
nível médio, por ser neste grau que se estabelece o contato mais direto com o
inconsciente. Nessa fase podem ser superados problemas existenciais através
de interpretações dos fatos revelados no transe ou em função deste. A terapia
na hipno-análise ocorre através de lembranças ou respostas despertadas ou
reveladas, pelo próprio indivíduo durante o transe ou em sonhos provenientes
de sugestões pós-hipnóticas. Sua prática acontece quando as pessoas, já em
estado de hipnose, são iniciadas em um treinamento através de técnicas que
permitem não somente aprofundar o nível do transe, como também atingirem o
fim terapêutico.
Dentre as técnicas usadas em hipno-análise incluem-se: Indução de
Sonhos, Recordar e Reviver, Espelho ou Bola de Cristal (Cristalomancia),
Psicodrama ou técnica cinematográfica e Escrita automática.
Indução de Sonhos - A interpretação dos sonhos parece ser tão antiga quanto a
própria história da civilização humana. Na antiguidade não era visto como uma
produção da mente humana, mas como um fenômeno sobrenatural. A mitologia
dos gregos, por exemplo, delega a responsabilidade dos sonhos aos filhos de
Hypnos, deus do sono, que por sua vez era irmão gêmeo de Tanatos, deus da
morte. Entre os filhos de Hypnos estava Morfeu, que trazia os sonhos para os
homens; Icelus, que trazia os sonhos para animais; e Phantasus, que
despertava sonhos nas coisas inanimadas. Outro deus relacionado aos sonhos
era Esculápio, cultuado em templos aonde as pessoas doentes iam para
receber cura divina enquanto dormiam.
Até meados do século XIX os sonhos eram tidos como reações
sobrenaturais, de natureza divina e muitas vezes profética. Freud moderniza
esse conceito; considera o sonho como a “estrada real que conduz ao
inconsciente” e, a psicanálise, entre outros recursos, vale-se também da
interpretação dos sonhos, além de ter sido responsável pelo seu
60
LINDNER, R. M. Hipnoanalysis, methods and techniques. N. York, MacGraw-Hill Book Com-
pany, 1956.
61
GUINDES, C. B. New concepts of hypnossis: an Adjunkt to psychotherapy and medicine,
London, George Allen and Unwin Ltd. 1951.
122 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

aperfeiçoamento. Para a psicanálise, o sonho é um conjunto de fenômenos


psíquicos, que involuntariamente ocorrem durante o sono.
É provável que a maior parte dos sonhos ocorra durante os períodos de
sono chamados paradoxal; oitenta 80% das pessoas acordadas nessas
ocasiões, recordam e relatam sonhos com grande riqueza de detalhes,
encontrando dificuldades para isso quando despertadas durante o sono dito
ortodoxo. A hipnose amplia o sono e por conseqüência os sonhos que podem
ser fontes da criatividade ou de revelações para a hipno-análise.
Em 1953, E. Aserinski e W. Kleitman dividiram o sono ortodoxo e o
paradoxal em quatro níveis, além de uma fase chamada REM (Rapid Eyes
Movment) que se caracteriza pelo rápido movimento dos olhos. Segundo esses
autores, antes de dormir, há ainda um estado intermediário entre o sono e a
vigília, classificado como alfa. O estágio I ocupa aproximadamente 5% do
período do sono e o II 50%. O estágio III e IV é a fase delta, com 25%, e o
estágio final (REM), 20%. Durante as fases de I a IV, progressivamente, há uma
desaceleração do sistema nervoso, do batimento cardíaco, a temperatura e a
atividade mental caem e a musculatura é relaxada. Contudo, na fase REM as
coisas mudam; a temperatura oscila, a pulsação acelera, os olhos se
movimentam rapidamente, ocorrem ereções, atonia muscular e variação da
freqüência das ondas cerebrais. Apesar da intensidade de reações do
organismo é na fase REM que se atinge o ápice do relaxamento e as funções
do sono são potencializadas ao máximo. Também é a fase de sonhos
reveladores. Algumas pessoas em estado hipnótico apresentam no decorrer do
transe características como se estivessem na fase REM. 62
Freud retrata o sonho como um dos modos de se conhecer os processos
psíquicos inconscientes; segundo ele, os sonhos são como um veículo para a
satisfação de desejos recalcados. A partir da psicanálise, os sonhos passaram
a ser visto como manifestações simbólicas do inconsciente e de seus conflitos,
desempenhando papel importante na manutenção da saúde mental. Para
Freud, os sonhos teriam um sentido, tal como as parapraxias ou atos falhos e,
dessa forma, os sonhos também se tornaram tema da pesquisa psicanalítica.
Mas, muito tempo antes da psicanálise, a hipno-análise já trabalhava com
procedimentos de interpretar sonhos, inclusive para fins terapêuticos.
Ato falho, para a psicanálise, ocorre quando se comete um erro de
linguagem, quando alguém fala, sem querer, uma palavra no lugar de outra.
Este ato pode indicar uma idéia ou sentimento reprimido no inconsciente que
tem tendência a se manifestar. Através dos atos falhos, pode se chegar ao
conteúdo da repressão, como também pode acontecer quando o simbolismo do
sonho ou do sintoma neurótico é interpretado.
A premissa que Freud trabalha para estabelecer um início para a
investigação dos sonhos enuncia que “os sonhos não são fenômenos

62
MAAS, James B. Power Sleep, Harper Perennial, N. York, 1998.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 123
somáticos, mas psíquicos” e, em relação à técnica de interpretação dos sonhos,
Freud declara:
... os sonhos são produtos, comunicações da pessoa que sonha; contudo,
são ininteligíveis, não entendemos seu sentido. Quando não se entende,
pergunta-se. Na análise é preciso perguntar ao sonhador sobre o que o
seu sonho significa (FREUD).
Estabelecendo uma ruptura radical com a tradição antiga, em que havia
um intérprete para os sonhos, a psicanálise aperfeiçoa a técnica da indução de
sonhos preconizada pela hipno-análise. Mas, embora tenha proporcionado
grande impulso no uso dessa técnica, freqüentemente as pessoas resistem à
devassa do seu inconsciente, esquecendo o que sonharam, ou simplesmente
não sonhando com o que não querem lembrar-se. Com a hipno-análise essa
dificuldade é fácil de contornar por não analisar apenas sonhos espontâneos.
Na hipno-análise o hipnotizado recebe uma sugestão para sonhar com a
situação correspondente aos conflitos que desafiam soluções e exames
conscientes. Tais sonhos, que podem ser induzidos durante o decorrer do
transe ou pós-hipnoticamente, apresentam um quadro muito mais fácil de
interpretar do que os sonhos espontâneos. Pode ser induzido ao hipnotizado
que sonhe com um incidente específico ocorrido em sua vida, reproduzindo
fatos esquecidos com todos os detalhes e que, ao terminar de sonhar, acorde e
anote o conteúdo do sonho em uma folha de papel. Os resultados se mostram,
às vezes, surpreendentemente elucidativos.
Para os hipno-analistas a simbologia dos sonhos induzidos ou
estimulados hipnoticamente costuma ser mais transparente do que a dos
sonhos comuns e, nessa transparência fica mais fácil elucidar os enigmas do
inconsciente. Já para os psicanalistas, é o estudo dos conteúdos dos sonhos
comuns, e não induzidos, que ajuda estabelecer a causa do problema ou a
natureza de um traumatismo sofrido. Isto é, do abalo que, por sua violência ou
por sua duração, foi reprimido no inconsciente e aflora nos sonhos, às vezes,
de forma simbólica.
A indução de sonho por meio de sugestão hipnótica é um método útil para
se obter rapidamente material de sonho limitado a um determinado assunto,
problema, situação ou conflito. O sonho pode ocorrer no transe hipnótico ou
num subseqüente sono natural. Em qualquer dos dois casos, fornecerá
importantes revelações do inconsciente. Muitas vezes o indivíduo terá
dificuldades em associar, no estado desperto, os significados do seu sonho, no
entanto poderá obter imediatas associações no estado de transe.
Pode ainda os sonhos ser resultado de processos mentais que geram
ansiedade ou exagerada expectativa, caso do qual decorre inconscientemente
uma espécie de auto-indução aos sonhos como busca de soluções. Neste
sentido afirma Platonov. 63

63
PLATONOV, C. Faça seu teste psicológico, RJ, Ed. Edimax, 1966.
124 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
Às vezes encontra-se a solução aos problemas da vida cotidiana e mesmo
aos problemas científicos que ocupam o espírito, não em estado de vigília,
porém à noite, durante o sono. Foi o caso, por exemplo, do químico
alemão F. Kekule que viu em sonhos a fórmula do benzol. E de Mendeliev,
que um sonho ajudou a colocar em ordem a classificação periódica dos
elementos químicos. O compositor Tartine ouviu uma vez a execução de
uma sonata, quando dormia. Voltaire sonhou com uma nova variante da
‘Henriade’. Os deuses, dizia Homero, utilizam o sono para comunicar aos
homens sua vontade. As vésperas de resolver difíceis questões políticas,
os éforos, magistrados de Esparta, iam dormir nos templos, na esperança
de que o sono lhes inspirasse uma decisão sábia (PLATONOV).
Grandes gênios do passado revelaram que receberam seus
conhecimentos e efetuaram grandes descobertas enquanto sonhavam. Entre
eles, figura o inventor Thomas Edison (1847-1931), para quem a maioria de
suas grandes invenções ocorreu durante sonhos, os quais assim que acordava
escrevia. Desse modo, descobriu o filamento da lâmpada elétrica depois que
tentara centenas de vezes por formas diferentes aperfeiçoar a invenção. Uma
noite, teve um sonho em que foi informado como criar um filamento que teria
grande duração.
Conta à história também que Jules Verne profetizou apuradamente o
futuro. E, para isso, se teria valido dos sonhos para prever com toda precisão a
energia atômica, as viagens à lua, as invenções do avião e do balão dirigível, o
submarino, as espaçonaves, as explorações submarinas e muitas outras
coisas, que mais tarde se transformaram em realidade. Assim, também,
aconteceu com o presidente americano Abraham Lincoln quando, durante um
sonho, teve uma visão do seu próprio assassinato uma semana antes da
tragédia ocorrer. Embora controversa, parece que a história revela que o dom
da profecia e ou visões do próprio futuro é uma faculdade que se manifesta
também em sonhos.
O químico alemão Friedrich Auguste Kekulé (1829-1896) contou que
estava muito esgotado quando tentava desenhar o benzeno, molécula-chave
dos compostos orgânicos, quando cochilou e sonhou com grupos de átomos se
juntando para formar uma espécie de cobra coral que tentava morder o próprio
rabo. Acordou como se um raio tivesse iluminado sua mente e veio a idéia de
que essa era a resposta que procurava; dessa forma, ele descobriu que os seis
átomos do carbono do benzeno se ligam em anéis como a imagem da serpente
de seu sonho.
Recordar e Viver - O hipnoanalista começa por incitar o hipnotizado a recordar-
se, para fins crítico e informativo das situações passadas. Este revê o passado
indicado pelo analista e, sem revivê-lo propriamente dito, apenas informa para
efeito de registro. Vencida essa etapa, processa-se a regressão a uma fase
determinada. Aí não só apenas recorda, mas revive e repete afetivamente o
episódio que pode ser a fonte de seu comportamento atual e, assim, será
possível conhecer a origem dos conflitos nas suas bases históricas traumáticas
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 125
e, através da própria sugestão, removê-los. Na prática, aconselha Lindner que
se proceda assim:
Vou pondo a mão em sua testa e contando até dez. Quando eu terminar a
contagem, você terá voltado a fase X de sua vida. Você verá nitidamente e
com nitidez cada vez maior, todos os detalhes que interessam ao caso.
Verá tudo, não omitirá nada. Não vai querer excluir coisa alguma...
(LINDNER).
Espelho ou Bola de Cristal (cristalomancia) - No estágio de hipnose profundo ou
sonambúlico, o hipnotizado pode abrir os olhos sem afetar-lhe o transe. Quando
induzindo, pode ser dito:
• Dentre em breve mandarei você abrir os olhos... À sua frente você verá
um espelho (ou uma bola de cristal)... Nela você visualizará a solução dos
problemas que o afligem... Vá dizendo tudo que aparecer na bola de
cristal (ou espelho)... Pronto... Pode abrir os olhos... Você está
enxergando nitidamente a sua situação, como nunca enxergou...
Esse processo ainda é conhecido por cristalomancia por utilizar um cristal
em forma de bola ou outra forma qualquer. Se um cristal não estiver disponível,
um copo transparente de água poderá ser usado com igual efeito simbólico. O
hipnotizado é posto em transe profundo e dizendo-se que depois de abrir os
olhos, ele deve olhar o cristal (ou a água):
• Você verá um retrato ou a representação de um remoto incidente
esquecido, do qual você não tem conhecimento consciente... Quando
você o vir descreverá verbalmente.
A primeira revelação pode exigir interpretação ulterior quando se revela
obscura ou simbólica. Neste caso, pode também ser utilizado, como recurso,
uma combinação de regressão e cristalomancia. Depois que o hipnotizado for
levado de volta a uma época anterior no tempo, nesse estado de regressão é
induzido a cristalomancia. Isso, às vezes, revela lembranças profundamente
enterradas no passado e que, embora não lembradas conscientemente, podem
estar perturbando a vida do indivíduo. Pode-se ajudar o hipnotizado, como no
caso do sonho, induzindo-o a visualizar cenas específicas e fazer com que ele
as descreva com toda clareza nos menores detalhes, sempre lembrando o
objetivo terapêutico do que se está passando. “Vai resolver os problemas que o
atordoam, dissipar as dúvidas e os temores etc.”.
Psicodrama ou técnica cinematográfica - B. C. Guindes apresentou uma técnica
que denominou de cinematográfica, que constitui uma variedade atualizada do
antigo Psicodrama e da Bola de Cristal. Sugere o autor que, uma vez em
estado de transe profundo, o hipnotizado receba a indução seguinte:
Dentro em breve pedirei a você que abra os olhos. Ao abri-los você se
encontrará em uma sala de projeção. Bem diante de você uma tela. Nessa
tela você verá passar um filme. E o filme que vai assistir é a história de sua
própria vida. Neste filme serão incluídos todos os detalhes importantes de
sua existência. E tudo na ordem cronológica. E você vai dizer tudo que vê,
126 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
já que eu não posso ver a tela. Agora vou lhe pedir para abrir os olhos.
Repare. Bem à sua frente está a tela (GUINDES).
Como seria de esperar, o hipnotizado ao abrir os olhos mostra-se
impressionado com o que vê e começa a relatar tudo a que assiste. Em certas
passagens começa a rir. Em outras passagens, mostra-se contrariado e mesmo
enfurecido, continuando, entretanto, a descrever o que se passa na tela. Muitas
vezes fica nervoso, choroso, visualizando situações e coisas penosas que
aconteceram em sua vida.
Escrita Automática. Pode ser utilizada para induzir o hipnotizável a revelar fatos
de memória que de outra forma não poderia ser obtida por causa de resistência
forte às lembranças reprimidas. Deve ser dito que a mão dele escreverá
automaticamente, sem que ele tenha disso conhecimento consciente. A escrita
resultante revela freqüentemente situações surpreendentes, podendo ser
realizada durante o transe ou, como resultado de sugestão pós-hipnótica, após
o hipnotizado retornar ao estado normal. Durante a conversa com o
hipnotizado, é-lhe feita uma pergunta importante, como por exemplo: Qual é a
causa do seu temor? E, ele pode responder oralmente: Eu não sei, enquanto
simultaneamente a mão escreve uma resposta significativa e relacionada à
pergunta. Neste estado acontece a expressão de dois pensamentos ao mesmo
tempo como estar falando sobre seu último trabalho e escrevendo uma poesia,
a qual conheceu na sua infância.
A escrita pode apresentar de início uma informação vaga, mas se torna
mais clara à medida que a prática prossegue. Nos casos em que a escrita é
simbólica, na forma e no conteúdo, o próprio hipnotizado poderá melhor
interpretá-la, quer através de livre associação oral no transe acordado, quer
através de mais escrita automática orientada para interpretar símbolos ou
palavras enigmáticas que porventura tenham sido reveladas na etapa anterior.
Isso ocorre quando a primeira etapa revela apenas o “portão” do segredo e,
para abrir a passagem e revelar o “santuário”, é necessária a segunda etapa,
que consiste em, após produzir a escrita enigmática, ser dito ao hipnotizado:
Sua mão vai agora escrever o segredo que você tem escondido de mim. Esse
pode ser o meio de produzir uma rápida revelação.
Na atualidade novos conceitos e teorias se incorporam á hipno-análise
como a Inteligência Emocional e a Análise Transacional trabalhada por Eric
Berne. O analista transacional observa as posições psicológicas tomadas pelo
indivíduo e reveladas pelas palavras, tom de voz, expressão facial, gestos,
postura corporal. O ser humano pode adquirir comportamentos inconscientes
que representam à imagem de pai, de adulto ou de criança. Na hipno-análise
moderna esta teoria pode ser de grande valia para elucidar conflitos
vivenciados pelo hipnotizado (Os papeis que vivemos na vida, James &
Jongeward).
Hipnose e Histeria
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 127
Concomitantemente com a escola de Nancy representada por Liébeault e
Bernheim, existia outra em Paris que se intitulava como a escola do grand hip-
notisme, funcionava no La Salpêtrière e era representada por Jean-Martin
Charcot (1825-1893), nascido em Paris, onde viveu a vida inteira. Na linguagem
da hipnose moderna, Charcot fortaleceu os seguidores a escola sensorial inau-
gurada por James Braid, e se torna grande rival da escola da sugestão pura i-
naugurada pelo Abade Faria.
La Salpêtrière, construído por volta de 1630, hoje é uma dependência do
Hospital Geral de Paris. O nome vem do fato de ter sido construído no local de
uma antiga fábrica de pólvora, cujo componente principal é o salitre, em francês
salpêtre. O prédio era dividido em três unidades: Bicêtre para os homens, La Pi-
tié para jovens e Salpêtrière para mulheres. Este terceiro setor foi destinado
aos cuidados de Charcot que, entre 1862 e 1893, ali desenvolveu sua carreira
de médico, pesquisador e professor da disciplina anatomia comparada.
A partir de 1870 a administração do Salpêtrière decidira separar os doen-
tes alienados das mulheres histéricas e das epilépticas, juntando essas duas úl-
timas patologias numa mesma enfermaria. Rapidamente as histéricas assimila-
vam os sintomas epilépticos e aprendiam a simular. Com o uso da hipnose pro-
duzida por estímulos sensoriais, Charcot provocava paralisia histérica em seus
pacientes para demonstrar aos alunos suas teses. Essas demonstrações trans-
formam o La Salpêtrière como uma referencia científica para o hipnotismo. 64
Na histeria, o distúrbio se traduz por perturbações intelectuais e por
sintomas físicos dos mais variados como instabilidade emocional, mitomania,
afonia, abulia, amnésia, aerofagia, anestesia, hiperestesia, dispepsia, tiques,
soluços, crises de choro ou riso, perturbação motora, vômitos e convulsões. O

64
La Salpêtrière, em 1656 foi orfanato público além de albergue para toda categoria de mendi-
gos. Em 1661 já abrigava 1460 pessoas; recebia filhas de nobres pobres, as quais gozavam
de tratamento especial e ensinamento religioso, alfabetização e artes habilitadoras. Eram
mais de 800 as Filles du roi (filhas do rei) e, entre 1663 e 1673, as moças mais pobres foram
treinadas em prendas domésticas e enviadas para as colônias para constituírem famílias com
colonos franceses. Em 1680 passou a funcionar como Hospital Geral e, em pouco tempo, a
Instituição degenerou em um repugnante depósito de loucos. Além de abrigar mendigos, epi-
lépticos, paralíticos, aleijados e vítimas de doenças mentais, também funcionava como prisão
para prostitutas e malfeitores. As loucas mais agitadas ficavam acorrentadas até morrer. Ge-
midos e gritaria todo o tempo e a infestação de ratos infernizavam a vida dos internos. Acon-
teceu ali um dos mais hediondos episódios da Revolução Francesa, Le massacre de La
Salpêtrière. No dia 3 para 4 de setembro de 1792, um bando de vândalos invadiu o prédio e,
após libertar as prostitutas, arrastaram para fora doentes mentais, alcoólatras e portadoras de
deformações físicas, sob o argumento de que davam prejuízos ao Estado, todos foram mas-
sacrados à vista do povo. No início do século XIX o psiquiatra Philippe Pinel determinou a re-
moção das correntes e a humanização dos doentes. Na segunda metade do século XIX, com
mais de 4.000 internos, tornou-se o mundialmente famoso centro de estudos psiquiátricos e
Hospital Escola da Universidade de Paris. Recebia estudantes de todo o mundo para assistir
experimentos e aulas sobre doenças mentais, especialmente as aulas de Charcot com de-
monstrações de hipnotismo que influenciaram decisivamente Freud na criação da teoria psi-
canalítica (N. do A.).
128 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

histérico pode chegar ao ataque maciço, espetaculoso como os que Charcot


exibia na Salpêtrière e nada têm ver com os ataques epiléticos.
O nome histeria é derivado da palavra grega hystera, que significa útero,
conhecida desde a antiguidade oriental e clássica, foi associada aos deuses e
demônios. Embora a histeria não seja vinculada a gênero e, seus sintomas,
também podem ocorrer por imitação em pessoas suscetíveis ao transe
hipnótico que convivam com histéricos, no início era comum apenas às
mulheres; acreditava-se ser uma doença provocada pelos fluidos do útero e
também, erroneamente, que a carência sexual das mulheres principalmente
sacerdotisas, virgens e viúvas, era sua causa próxima.
Em seus estudos experimentais sobre a histeria, Charcot valia-se da
hipnose para diferenciação diagnóstica e induzia sintomas espetaculares nas
histéricas, de modo a provar o caráter neurótico dessa doença. Suas aulas e
demonstrações atraiam estudantes de todas as partes do mundo e, em
determinado ponto de sua carreira, Charcot acreditou ter descoberto uma nova
doença, que ele chamou de "histero-epilepsia", os sintomas incluíam
convulsões, contorções, desmaios e falha transitória da consciência. Suas
conclusões e vários exemplos da nova doença eram apresentados aos alunos.
Mas, um aluno cético chamado Joseph François Félix Babinsky (1857-1932),
decidiu que Charcot tinha inventado, e não descoberto, a histero-epilepsia.
Supunha Babinsky que o fato de alojar as pacientes epilépticas e
histéricas juntas resultava na histero-epilepsia. As histéricas, já vulneráveis à
sugestão e à persuasão, eram continuamente sujeitas a viver naquela ala e,
somando-se isso com os exames hipnóticos neuropsiquiátricos de Charcot,
começavam a imitar os ataques que repetidamente testemunhavam nas
epilépticas e acabavam por exibirem os mesmos sintomas por simulação
inconsciente.
Babinsky por muitos anos, inclusive após a morte de Charcot, foi
pesquisador do Salpêtrière e criador do termo piti, no sentido de mentira, para
definir sintomas histéricos como fingimento ou simulação de doença. A ele se
deve a primeira aproximação entre histeria e simulação; o histérico seria um
simulador inconsciente.
Durante as aulas, Charcot valia-se da hipnose para induzir sintomas sob
sugestão hipnótica, mas nesta época o positivismo científico estava na sua
melhor forma, e a hipnose só pôde retornar à cena científica depois de
despojada de toda aura mística. Nesse clima de ciência, Charcot recomenda
aos seus alunos que do antigo fenômeno hipnótico só devia ser preservada a
dimensão somática. Assim pretendia evitar a simulação e acreditava que
separava a hipnose da imaginação do paciente e do poder de sugestão do
hipnotista, ao contrário da escola rival, em Nancy, que conservava a sugestão
como fator explicativo.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 129
Embora colocassem em uso as mesmas técnicas de seus antecessores e
tenha sido a maioria das suas conclusões sobre a hipnose equivocadas,
Charcot afirmava que sua prática de hipnotizar era inseparável do método
anátomo-clínico. Era baseada na excitação sensorial, portanto um fenômeno
“objetivo”, racional e, do ponto de vista acadêmico, respeitável de se estudar.
Evitando deliberadamente tudo que pudesse ser reconhecido como sugestão
verbal, preferia não verbalizar, utilizava apenas meios sensoriais para hipnotizar
como a visão, a audição, o tato, o paladar e o olfato. Nesta perspectiva
defendia que a hipnose poderia ser produzida por meios puramente físicos
sensoriais e acreditava que um indivíduo podia ser hipnotizado sem seu próprio
conhecimento ou permissão.
Durante o processo de hipnotizar, Charcot obrigava seus auxiliares fazer
uso de toda sorte de manipulações sensoriais, usando vários recursos
complementares para a indução. Entre eles, a fascinação de objetos brilhantes
e luzes coloridas, além da produção mecânica de sons soporíficos, produzidos
por instrumentos que eram colocados perto do ouvido do paciente, como
estímulo sensorial auditivo. 65 Aplicava com as mãos toques no corpo ou
colocava placas de metais como ímãs, cobre, zinco e ouro.
Paul C. Jagot descrevendo sobre o hipnotismo sensorial praticado na
Salpêtrière revela que também era induzido o transe hipnótico pelo paladar e
pelo olfato. Para isso, vez por outra, era comum o uso de rum, água de louro-
cerejo e valeriana, além de odores violentos exalados de substâncias como o
amoníaco para produzir o transe instantaneamente, enquanto que certos
perfumes como o almíscar, a alfazema e vários tipos de incensos adormeciam
gradualmente a consciência.
Como Braid, Charcot acreditava também na existência das chamadas
zonas hipnógenas, as quais devidamente estimuladas provocavam e
aprofundavam o transe. Os “toques de Charcot” são até hoje reconhecidos
como uma técnica de indução. Para ele, bastaria exercer uma leve pressão
com a mão no alto da testa, na raiz do nariz, no cotovelo ou no dedo polegar,
para produzir instantaneamente um efeito soporífico. O estágio de
sonambulismo poderia ser produzido por meio da atenção fixa ou ser causado
pela fricção do alto do crânio e da nuca de um indivíduo em estágio letárgico ou
cataléptico. Acreditava ainda que o estágio cataléptico pudesse ser produzido
por um forte e vibrante som (tã-tã, gong, diapasão). 66 Também abrindo os
olhos de uma pessoa que estivesse em estágio letárgico, forçando-a para que
65
A utilização de sons como elementos hipnóticos também eram usados pelos Mesmeristas.
“Os instrumentos mais favoráveis ao desenvolvimento da ação magnética no mesmerismo
eram, depois da voz humana, a flauta, a harpa e a cítara. Mesmer empregava freqüentemen-
te este último instrumento. Em práticas de curas, muitos magnetizadores acreditavam que os
sons que partiam de um instrumento magnetizado faziam mais efeito num doente, do que os
de um instrumento não magnetizado” (Alphonse BUÉ, Magnetismo curador).
66
JAGOT Paul C. Magnetismo, Hipnotismo, Sugestão. (Trad. Raimundo Nonato Corrêa), S.
Paulo, Editora Mestre Jou, 1959.
130 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

olhasse em direção contrária de uma luz intensa produzida por uma lâmpada
de Bourbouse, luz Drumond ou de magnésio, tecnologias que faziam parte da
iluminação da época.
No Hospital Salpêtrière era comum, como início do processo de hipnotizar,
o uso de uma vela acesa, fixando o olhar do paciente na luz da chama. Tam-
bém o uso de um disco de zinco, de dois centímetros de diâmetro, cujo centro
era formado por um prego de cobre encravado em outro metal; conservava-se
este botão a 45 centímetros, mais ou menos, do corpo na altura da cintura, co-
mo um ponto de mira, sobre o qual devia o paciente fixar os olhos durante quin-
ze a vinte minutos, sem pestanejar e concentrando toda a atenção. Logo que
absorvido nessa contemplação sem oscilar as pálpebras, o hipnotista fechava-
lhe os olhos por meio de brandas e suaves fricções e punha-lhe uma das mãos
sobre a cabeça, aplicando-lhe fortemente o dedo polegar à testa (toque de
Charcot).
Os instrumentos hipnóticos de Charcot substituíam a indução por sugestão
verbal, defendida pela escola de Nancy. Às vezes os procedimentos eram a-
companhados de ligeiras variantes; como a pressão dos globos oculares ou dos
polegares, fricções do alto da cabeça e nuca, além de violentas batidas em ins-
trumentos de percussão, repetidas de forma monótona, que atacavam e faziam
vibrar o sentido da audição. Empregavam ainda um fole para insuflar, soprando
o nariz e a testa do paciente, além de espelhos em formatos de fragmentos que
eram encaixados em dois pedaços prismáticos de madeira, com 20 centímetros
aproximadamente, dispostos em cruz, com um eixo no centro. A esse recurso
instrumental se imprimia um movimento de rotação, como um cata-vento, para
provocar no paciente perturbação e fadiga do aparelho ótico, fazendo-o cair no
estado de transe.
Teorizando sobre a hipnose, Charcot que só lidava com histéricas e
epilépticas, estabeleceu a premissa segundo a qual somente os histéricos
podiam ser hipnotizados, não passando o estado de hipnose de um estado de
histeria. Formulou a teoria dos três níveis hipnóticos: a letargia, a catalepsia e o
sonambulismo. O primeiro estágio, a letargia, podia ser produzido fechando
simplesmente os olhos do hipnotizado e caracterizava-se pela mudez e pela
surdez. O segundo estágio, a catalepsia, era marcado por um misto de rigidez e
flexibilidade dos membros, estes permanecendo na posição em que o hipnotista
os largasse. O terceiro estágio, o sonambulismo, se produzia friccionando
energicamente a parte superior da cabeça e a nuca do hipnotizado.
Foi Victor-Jean-Marie Burq (1822-1884), baseado em Paracelso, quem
primeiro publicou um vasto trabalho sobre a metaloterapia, a aplicação de
metais por via interna e externa com fins curativos. Ele pensava que o
temperamento de cada pessoa correspondia a um metal especifico e que era
possível determinar a “sensibilidade metálica individual” utilizando a
metaloscopia. Se aplicado um metal sobre a pele de um paciente, sendo ele
sensível a este metal, experimentava sensações de calor, sudorese e
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 131
formigamento. Esta técnica foi usada nas unidades do hospital geral de Paris
(Bicêtre, La Pitié e La Salpêtrière) em 1849, durante a epidemia de cólera.
Afirmava também Burq que o contato do ferro é geralmente insuportável a
todos os sonâmbulos; este contato os inquieta, irrita e queima. O ouro possui
uma virtude calmante, dissipa as dores locais e resolve as contrações, e torna-
se para certos sensitivos um excitante que provoca contrações e espasmos.
Em 1871, Burq publicou sua obra Metaloterapia: tratamiento de las
enfermedades nerviosas, Parálisis, histeria, hipocondria, migraña, dispepsia,
gastralgia, asma, reumatismos, neuralgias, espasmos, convulsiones, etc. Em
1876, Claude Bernard, que foi presidente da Sociedade de Biologia de Paris,
designou três importantes médicos, Charcot, Luys e Dumont Pallier para avaliar
essa teoria. Os três concluíram favoráveis e passaram a utilizar este método de
cura além de investigar intensamente a metaloscopia e suas relações com a
eletricidade, com os eletroímãs e ferros imantados, passaram a aplicar como
tratamento da histeria e meio de provocar o sonambulismo, a catalepsia, a
letargia, e a analgesia. Estas inocentes e crédulas experiências de Burq, dentro
do ambiente médico e cultural da época, foram consideradas como muito
importante e encantava Charcot.
Muitos são aqueles que contestam Charcot. Após a sua morte seu
discípulo Babinsky, o ridicularizou publicamente várias vezes. Dizia que o efeito
dos metais era apenas sugestivo e que seu mestre muitas vezes percorreu o
estreito caminho que separa a curiosidade científica do descrédito e do ridículo
e, amargamente, denunciava os equívocos e as dificuldades de Charcot em
lidar com a hipnose.
Pierre Janet, contemporâneo e sucessor de Charcot na Salpêtrière,
escreveu no seu livro Lês médications psychologiques, sérias críticas contra
teorias e práticas do seu antecessor e, mesmo não tendo nenhum entusiasmo
pela escola de Nancy, se declara a favor desta. É também severa a
contestação do livro Oeuvres completes, metalltherapie et hipnotism, 67 Nesta
publicação, Charcot demonstra total convicção em relação a teoria metálica
desenvolvida por Burq, segundo a qual a cura de certas doenças dependia tão-
somente do uso correto dos metais que eram aplicados nos pacientes
enfermos. Tentou também convencer os discípulos de que aplicando um ímã
em determinado membro este paralisava e, com isso, procurou reabilitar a
superada teoria da cura pela ação magnética, criada por Paracelso e Mesmer.
Charcot de novidade prática sobre o hipnotismo nada criou, para
hipnotizar associava técnicas do brandismo e do mesmerismo à teoria metálica
de Burq. Este fato representaria o retrocesso às teorias fluidas e magnéticas
defendidas por Mesmer, significava ignorância em relação à hipnose e, a
expressão “retroceder a Charcot” ficou sendo usada como termo pejorativo
contra a Salpêtrière e a favor da escola de Nancy.
67
CHARCOT, J. M. Oeuvres completes, metalltherapie et hipnotism [Reprin]. tome IX, Paris,
Lecrosnier et Babe, (1948) 1890.
132 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Achando que a hipnose era uma forma de histeria, Charcot dizia que
podia induzir sintomas histéricos através de sugestões pós-hipnóticas. Não
concordando, Bernheim dizia que as características dos sintomas da histeria
podiam ser provocadas artificialmente por mera sugestão, não se vinculavam
com a hipnose. Nasceu daí a histórica controvérsia entre as duas escolas; a do
Hospital Salpêtrière e a da Cidade de Nancy. Os dirigentes desta última
classificaram o hipnotismo daquela de hipnotismo cultivado, cujo valor em
relação ao hipnotismo de verdade se comparava ao da pérola cultivada em
confronto com a pérola natural.
Charcot acusava os membros da escola de Nancy de só hipnotizar
pacientes histéricos, os quais se deixavam iludir pela argumentação e pela
dependência que devotavam aos médicos. Em compensação, era acusado de
incorporar ao processo de indução teorias superadas, além de incompetente
por não hipnotizar pessoalmente seus pacientes, deixando essa tarefa a cargo
de auxiliares. Afirmavam ainda que as análises de Charcot foram prejudicadas
pelo fato de lidar exclusivamente com internas de sua enfermaria, disso
resultou a equivocada hipótese de que a hipnose era uma característica do
histerismo.
Liébeault rebatia como sendo absurdas as hipóteses de Charcot,
provando que há vinte anos hipnotizava os tipos mais variados de pessoas,
sem encontrar, entre elas, nenhum histérico. Em 1889, em um congresso de
psicologia, Forel também se colocando contra a teoria do Salpêtrière apresenta
suas observações que ainda são válidas na atualidade. Seu ponto de vista,
publicado em 1907, 68 descreve o que considera sobre as opiniões de Charcot:
Sou obrigado a protestar contra os que querem levar o hipnotismo para a
histeria. É absolutamente inexato. Sem falar dos Drs. Liébeault e
Bernheim, em Nancy, eu quero lembrar que Wetterstrand hipnotizou
quatro mil pessoas, em Estocolmo, no espaço de três anos e os refratários
eram raras exceções. É com o cérebro que se opera para realizar
fenômenos hipnóticos e os cérebros são tanto mais fáceis de
impressionar, quanto mais sadio forem. O cérebro dos histéricos, agitados
e volúveis, cheios de caprichos, repele às vezes as sugestões, ao passo
que o mesmo não acontece, em geral, com os indivíduos não neuróticos
em sua maioria (FOREL).
Em 1889 Charcot organizou o que denominou de Primeiro Congresso
Internacional de Hipnotismo Experimental e Terapêutico. Neste evento,
realizado no Salpêtrière, compareceram como palestrantes importantes
personalidades do mundo acadêmico, entre eles o psicólogo americano William
James, o médico e criminalista italiano Cesare Lombroso, e o jovem Sigmund
Freud. Desse Congresso resultou a publicação de uma revista especializada
em artigos sobre hipnose, rapidamente espalhando novas conceituações pela
Europa e Estados Unidos.

68
FOREL, August. Hypnotism and Psychotherapy [Reprin]. Allied Books, (1907) 1988.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 133
A cada publicação gerada na Salpêtrière, em Nancy surgia outra
contrariando e, a controvérsia, foi a forma mais rápida para a hipnose
conquistar novas adesões de estudiosos, todos tentando compreender, explicar
e difundir a hipnose pelo mundo, dando-lhe impulso científico-terapêutico.
Embora com relação ao hipnotismo Charcot tenha sido bastante contes-
tado, grandes descobertas na área médica foram devidas a sua dedicação á
pesquisa, seus estudos permitiram o surgimento da teoria que fundamenta o
estudo da neurologia moderna, além de estabelecer características e princípios
que permitiram a classificação de várias patologias. Na Salpêtrière a eletricida-
de foi exaltada como panacéia, Charcot submetia trezentos pacientes por dia a
suaves voltagens elétricas, pressagiando as rigorosas terapias de choques na
primeira metade do século XX em pacientes psiquiátricos.
Em 1882, Charcot criou no hospital Salpêtrière o que viria a ser a maior
clínica neurológica da época. Anexo à clínica, fundou o Museu Anátomo-
patológico e os laboratórios fotográfico, anatômico e fisiológico. Centrando seus
estudos sobre a histeria, epilepsia e outras desordens neurológicas; publicou
em cinco volumes, Leçons sur les maladies du système nerveux, (Lições sobre
as doenças do sistema nervoso). Descobriu enfermidades e síndromes neuro-
lógicas, como a esclerose lateral amiotrófica, (diferenciou da atrofia muscular
progressiva de Aran-Duchenne), a neuropatia de Charcot-Marie-Tooth e a es-
clerose múltipla. Da qual fez a primeira descrição histológica das lesões estabe-
lecendo características importantes, como a perda de mielina e a proliferação
de fibras e núcleos gliais.
Na atrofia muscular, Charcot descreveu os sintomas da ataxia locomotora,
uma degeneração da medula espinhal e dos feixes nervosos. Foi o primeiro a
descrever a desintegração dos ligamentos e das superfícies das juntas (Sín-
drome de Charcot ou Junta de Charcot; artropatías dos joelhos, pélvis e outras
articulações). Conduziu pesquisa para localização dos centros cerebrais res-
ponsáveis por funções nervosas e descobriu os aneurismas miliaria (dilatação
das pequenas artérias que alimentam o cérebro), demonstrando sua importân-
cia na hemorragia cerebral.
Charcot e seus pupilos tiveram um grande papel no desenvolvimento da
Neurologia Brasileira, contribuiu significativamente, de maneira indireta, para o
seu desenvolvimento, que se iniciou em 1911, no Rio de Janeiro, com A. Aus-
tregésilo, discípulo da Salpêtrière.
Importantes personagens da Europa e das colônias européia foram consul-
tadas por Charcot, entre seus pacientes estava o Imperador do Brasil, Dom Pe-
dro II. Charcot foi o seu médico particular e amigo íntimo. Em 1887, durante a
visita de Dom Pedro II à França, Charcot o avaliou e, em 1889, Dom Pedro II foi
134 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

deposto e foi para Paris, onde viveu até a sua morte em 1891. Charcot assinou
a certidão de óbito com o diagnóstico de pneumonia (Hélio A. Ghizoni et ali). 69
Hipnose e psicanálise
Depois de Lindner, Guindes e Charcot, houve um período de esqueci-
mento da hipnose e da hipno-análise por mais de trinta anos. Como responsá-
vel por esse eclipse, os historiadores apontam a popularidade da psicanálise e
a pessoa de seu fundador, Sigmund Freud (1856-1939), nascido em 6 de maio
de 1856, em Freiberg na região da Moravia, antiga porção da Áustria, hoje Pri-
bor, na República Tcheca. Quando tinha quatro anos, sua família transferiu-se
para Viena na Áustria, onde ele passou a maior parte da sua vida; ingressou na
Universidade de Viena em 1873, formando-se em medicina em 1881. Após ter
escapado ao nazismo, mudou-se para Londres onde faleceu aos 83 anos de
idade, no dia 23 de setembro de 1939.
Durante a fase inicial da sua pesquisa Freud foi vítima de hostilidade; a
maior parte dos ataques lançados contra ele vinha dos próprios colegas, os
médicos de Viena, que eram contra a afirmação da influência do inconsciente
nas ações humanas e a ligação dos impulsos sexuais com as neuroses.
Indignados com a nova teoria, tudo fizeram para desmoralizar seu autor, mas a
genialidade e a coragem fizeram Freud continuar e, em 1910, no Primeiro
Congresso Internacional de Psicanálise apresentou oficialmente, em Viena,
seus estudos, muito além do consenso médico de sua época.
Antes de apresentar oficialmente suas idéias, em 1903, Freud fundou a
Sociedade Psicanalítica de Viena e numerosos discípulos principiaram a se
reunir em torno dele. Em 1909, foi convidado por Stanley Hall para proferir
conferências na Clark University, em Worcester, Massachussets, nos Estados
Unidos, onde trabalhou não só nos aspectos médicos da psicanálise, mas
procurou aplicar suas teorias a muitas áreas da atividade humana. Mesmo
tendo sido essa sua única visita a América, essa oportunidade definitivamente
marcou sua carreira, ao atrair a atenção mundial para seus trabalhos.
Freud considerava que a psicanálise não era uma área de particularidade
médica, não tinha como objetivo desvendar os mecanismos fisiológicos do
cérebro, mas explicar o funcionamento da mente enquanto essência humana.
Por isso assistiam a suas conferências, além de médicos, outros profissionais
interessados no assunto e que fizeram avançar a teoria psicanalítica. Nas
conferências expunha suas opiniões para serem contestadas, objetadas e
discutidas. Assim, não dogmatizava verdades acabadas, mas insistia para que
seus ouvintes as descobrissem por si mesmo. 70

69
GHIZONI, Hélio A. et ali. Neuropsiquiatria, Neurology Division and Internal Medicine Depart-
ment, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba PR, Brazil:
2001;59(2-A):295-299.
70
FREUD, Sigmund. Premissas e técnica de interpretação. In: Conferências introdutórias sobre
psicanálise. Edição Standard Brasileira das Obras Completas. RJ, Imago, 1974.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 135
Até hoje a psicanálise encontra forte resistência na classe médica e a
atividade do psicanalista é proibida para médicos. Esse é o Parecer do CFM nº
02/1998 “A atividade exclusiva de psicanálise não caracteriza exercício da
medicina. A titulação médico-psicanalista não tem amparo legal, não sendo,
portanto, permitida a sua utilização” 71
A Psicanálise é uma técnica de investigação de processos mentais ou
método clínico de tratamento da mente, tem por base conceitos teóricos da es-
cola freudiana ortodoxa. A função primordial da clínica psicanalítica - a análise -
é buscar a origem do sintoma, ou do comportamento manifesto, ou do que é
verbalizado, isto é, integrar os conteúdos inconscientes na consciência com o
objetivo de cura ou de autoconhecimento.
Enquanto método de investigação, a psicanálise caracteriza-se pelo mé-
todo interpretativo, busca o significado oculto daquilo que é manifesto através
de ações e palavras ou das produções imaginárias, como os sonhos, os delírios
e as associações livres. O material reprimido no inconsciente fica escondido e
só aflora por meio dos sonhos ou de sintomas em forma de charadas e atos fa-
lhos. Se esse afloramento for bem interpretado, pode revelar pistas dos males
que afligem o paciente.
Freud afirma rejeitar o hipnotismo e a hipno-análise como método
terapêutico de forma paradoxal, pois teria inicialmente usado esses
conhecimentos, abandonando-os sem fortes razões, a não ser a descrença e o
demérito da hipnose no meio acadêmico que tem início na rejeição da classe
médica ao mesmerismo. Seus colegas ofereciam resistência às suas idéias e
contestavam sua teoria, ainda mais quando essa vinha associada à hipnose. 72
Esse seria um dos motivos a mais dificultando a psicanálise para se afirmar no
meio acadêmico e, por isso, teve Freud de abandonar ou declarar que
abandonara a prática da investigação do inconsciente através das técnicas de
hipnose explicita.
No passado os psicanalistas afirmavam que a hipnose e a hipno-análise
seriam totalmente substituídas pela psicanálise por ser um conhecimento mais
acadêmico, mas hoje a própria psicanálise também tem sido alvo de
controversas quanto a sua eficácia e sustentação teórica. A mídia, muitas
vezes, aliada à classe médica, à indústria farmacológica e à ciência cartesiana
behaviorista, têm tratado de divulgar como verdade conclusiva que a
psicanálise está ultrapassada, obsoleta, sem critérios de cientificidade e, que o
homem moderno exige decisões rápidas e eficazes para superar suas

71
(LEX, Parecer do CFM nº 02/1998. In: Medicina Conselho Federal, Brasília DF, rev. nº 98, p.
7, out., 1998).
72
Talvez Freud tivesse dificuldades para hipnotizar; é possível que lhe faltasse a qualidade de
um bom hipnotista e, isso também teria contribuído para ele abandonar o método da hipnose
(Weissmann). Freud afirma claramente “Quando constatei que, apesar de todos os meus es-
forços, só conseguia colocar em estado de hipnose uma pequena parcela de meus doentes,
decidi abandonar esse método” (FREUD, apud CHRTOK, p. 59, 1989).
136 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

dificuldades. Assim, a receita prescrita para o mal-estar contemporâneo é


composta prioritariamente de medicação, seguido, se for o caso, de cirurgia e
só em última hipótese seria recomendado uma breve psicoterapia, como se
isso fosse o último recurso para tratar o que não foi possível de resolver pela
prática convencional.
De fato, a ciência pôde criar uma possante indústria de medicamentos,
capaz de aliviar muitas dores e curar muitas doenças; no entanto não consegue
lidar bem com as implicações do desejo e do prazer, fonte de vários sintomas
que atormentam a qualidade de vida do ser humano. Tudo isso já tinha sido
previsto por Freud, quando no início do século advertiu que, no futuro os
cientistas achariam o trabalho com a psicanálise, muito laborioso, muito
inseguro, com incertezas, carente de garantias e deduções mais científicas.
Fato é que tanto a hipno-análise como a psicanálise passa por caminhos que
dependem de habilidade e sensibilidade para se ver além do óbvio, ver além do
que pode esclarecer a pesquisa cartesiana reducionista. Sua prática não se
perfaz com procedimentos repetitivos, receituários ou mecânicos que, uma vez
conhecidos, podem ser aplicados em casos similares.
Para a psicanálise, muitos sintomas considerados patológicos podem
advir de traumas psíquicos reprimidos no inconsciente, provocado por
acontecimentos que para o indivíduo é grave e de tamanha intensidade que ele
não consegue assimilá-lo e dar uma resposta adequada. Por isso trata de
esquecer o fato que fica no seu inconsciente e aflora por meio de sintomas. Por
exemplo, uma pessoa pode sentir tremores incontroláveis nos membros, porém
pode ser que não existam causas realmente físicas para tais tremores. Nesse
caso, para a psicanálise, o que pode estar ocorrendo é a tentativa de
afloramento do inconsciente da pessoa, através de um simbolismo, que faz com
que esse sintoma exista. O hipnotismo seria uma ferramenta para a cura do
sintoma e compreensão da causa.
Doenças ou sintomas que não se explicam pela etiologia ou que não têm
causa orgânicas ou explicações que as justifiquem, são interpretadas como piti,
termo derivado do radical peitho, utilizado por François Félix Babinsky,
(pitiatismo de Babinsky) para definir os sintomas histéricos. Na psiquiatria é
conhecido como síndrome da mitomania, fabulação ou mentira de pretensa
doença. Na linguagem popular o termo foi simplificado como Piti, significa
fingimento ou simulação de doença, mas, para a psicanálise e para a hipno-
análise pode ser um sintoma de causas inconscientes que atormentam, às
vezes até somatizando, por isso devem ser tratados.
Somatizar significa transferir para o corpo o que é insuportável para a
mente. Corpo e mente funcionam como vasos comunicantes: quando um está
cheio, sobra para o outro. A doença física pode ter causa psíquica, e vice-
versa. Somatizar não é fingir doença, é desenvolver um problema orgânico ou
comportamental devido a causas psíquicas que não foram enfrentadas
conscientemente. Mais tarde, esse meio de expressão para os psicanalistas e
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 137
hipnoterapeutas se denominaria como a linguagem orgânica da alma. Como
exemplo dessa linguagem, vários os casos que podem ser citados:
a) Em lugar de declarar abertamente sua repugnância por determinada
pessoa, o indivíduo se queixa de náuseas e sente vontade de vomitar.
b) Em vez de admitir sua infelicidade conjugal, o indivíduo padece de
inexplicáveis distúrbios cardiovasculares, flutuações da pressão arterial,
sudorese, tremores, etc.
c) Para deslocar seu sentimento de culpa proveniente de um “passo em
falso na vida afetiva”, uma jovem torna-se manca, como se houvesse
apenas torcido o pé.
d) Não podendo superar o conflito da vida diária, o qual não compreende
bem, nem conhece conscientemente a solução, uma senhora queixa-se
de mil falsos problemas de saúde.
No início de sua pesquisa, Freud escreve um artigo 73 no qual de forma
inequívoca revela as dificuldades para o médico dominar e aplicar a técnica do
hipnotismo, a qual considerava de indiscutível importância terapêutica:
Seria um equívoco pensar que é muito fácil praticar a hipnose com fins
terapêuticos. Pelo contrário, a técnica de hipnotizar é um método tão difícil
como qualquer outro. Um médico que deseja hipnotizar deve tê-lo
aprendido com um mestre nessa arte e, mesmo depois disso, deverá ter
tido bastante experiência própria, a fim de obter êxitos em mais de alguns
poucos casos. Depois, como hipnotizador experiente, haverá de abordar o
assunto com toda a seriedade e firmeza que nascem da consciência de
estar empreendendo algo útil e, a rigor, em algumas circunstâncias,
necessário. A rememoração de tantas outras curas realizadas pela
hipnose conferirá à sua conduta, para com seus pacientes, uma certeza
que não deixará de despertar, também nestes, a expectativa de mais um
êxito terapêutico (FREUD).
Em seu artigo sobre a hipnose, recomenda Freud que se tenha cautela
sobre o ceticismo, pois quando isso ocorre em qualquer das partes envolvidas
no processo de hipnotizar, o fracasso é garantido:
Todo aquele que se põe a hipnotizar com ceticismo, e que talvez se
afigure cômico a si mesmo nessa situação e que revele, por sua
expressão, sua voz e seus modos, não esperar nada da experiência, não
terá motivos para se surpreender com seus fracassos; deveria,
preferentemente, deixar esse método de tratamento para outros médicos
capazes de praticá-lo sem se sentirem feridos em sua dignidade médica,
de vez que se convenceram, pela experiência e pela leitura, da realidade e
da importância da influência hipnótica (FREUD).

73
FREUD, Sigmund. Textos escolhidos de psicanálise: Artigos sobre Hipnotismo e Sugestão -
Hipnose, Imago Editora Ltda. R. Janeiro, 45 - 59, 1986 (Extraído do Volume I, edição standard
brasileira, obras psicológicas completas).
138 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Diz ainda Freud que se tentássemos impor a hipnose a alguém que


acreditasse ser uma prática perigosa, o processo seria impossibilitado diante da
ansiedade e do sentimento angustiante do paciente de estar sendo dominado.
Portanto, é melhor, sempre que surgir uma intensa resistência contra o uso da
hipnose, que se renuncie ao método e espere até que o paciente, sob a
influência de outras informações, aceite a idéia de ser hipnotizado:
Devemos ter como regra não procurar impor ao paciente o tratamento pela
hipnose. Entre o público acha-se difundido o preconceito (realmente
reforçado por alguns médicos conceituados, conquanto inexperientes
nesse assunto) de que a hipnose é um procedimento perigoso (FREUD).
Mas, Freud é contundente quando conclui:
Tudo que se tem dito e escrito a respeito dos grandes perigos da hipnose
pertence ao reino da fantasia... Não há dúvidas de que a área coberta pelo
tratamento hipnótico é mais extensa do que a de outros métodos de
tratamento de doenças nervosas. E não há nenhuma justificativa para a
acusação de que a hipnose só é capaz de influenciar sintomas, e apenas
por breve período de tempo. Se o tratamento hipnótico é dirigido somente
contra os sintomas, e não contra os processos patológicos, está seguindo
justamente o mesmo caminho que todos os demais métodos de
tratamento são obrigados a trilhar. Quando a hipnose tem êxito, a
estabilidade da cura depende dos mesmos fatores que a estabilidade de
todas as curas conseguidas por outros métodos. Caso a hipnose se tenha
defrontado com fenômenos residuais de um processo já concluído, a cura
será permanente; se as causas que produzem os sintomas ainda
estiverem em atividade e com sua força não diminuída, é provável que
haja uma recaída. O emprego da hipnose nunca exclui o emprego de
qualquer outro tratamento, dietético, mecânico ou de algum outro tipo. Em
numerosos casos - ou seja, naqueles em que os sintomas são de origem
psíquica - a hipnose preenche todos os requisitos que se pode exigir de
um tratamento causal, nessas circunstâncias, fazer perguntas e infundir
calma ao paciente em hipnose profunda geralmente proporciona o mais
brilhante êxito (FREUD).
O próprio Freud, referindo-se à importância e à eficácia da hipnose, bem
como a ligação desta com seus novos métodos de análise, diz:
A importância do hipnotismo, na história do desenvolvimento da
psicanálise, não deve ser subestimada. Tanto sob o aspecto teórico
quanto terapêutico, a psicanálise é a administradora dos bens deixados
pelo hipnotismo (FREUD).
Parece claro que Freud sempre reconheceu o valor e importância
terapêutica da hipnose; é o que diz a vasta literatura sobre a teoria e a técnica
da psicanálise ortodoxa e seu grande envolvimento com o hipnotismo, tendo
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 139
por ponto de partida as experiências hipnóticas do médico Josef Breuer (1842-
1925), companheiro de pesquisas de Freud. 74
Breuer, em 1884, relatou a Freud como empregara a hipnose em uma
paciente, a jovem Anna O. de 22 anos, que apresentava sintomas clássicos da
histeria; paralisia dos membros, anestesias e perturbações da visão e da fala,
dificuldades em manter a cabeça erguida, tosse nervosa intensa, repugnância
pelos alimentos e impossibilidade de beber durante várias semanas, apesar de
sentir sede. Esses sintomas haviam aparecido pela primeira vez quando ela se
dedicava ao seu pai muito enfermo. Inicialmente tratada com aplicações das
técnicas de hipno-análise, essa paciente histérica entra para os anais da
psicanálise.
Anna O. é o nome fictício citado em Estudos sobre a Histeria para
identificar a paciente Bertha Pappenheim, nascida em Viena, Áustria, em 1859
e falecida em Iselberg, Alemanha, em 1936. Sua formação ficou restrita ao
estudo em um colégio feminino católico até os 16 anos, uma vez que a
Universidade de Viena não admitia mulheres. Por esforço próprio tornou-se
fluente em francês e inglês, dominava também italiano por ter morado muitos
anos, com o pai, em Nápoles, além de sua língua materna, o alemão falado na
Áustria.
Não fosse pela sua associação com Freud, o caso de Anna O. teria
permanecido como um episódio isolado na prática de Breuer. Entretanto, Freud
reconhece aí o berço da psicanálise cujo princípio fundamental estabelecia a
relação entre os sintomas e o chamado trauma psíquico, representado pelos
resultados de cenas impressionantemente vivenciadas, porém esquecidas. A
terapêutica fundada nesse princípio consistia em fazer com que o paciente se
recordasse de tais cenas e as reproduzisse sob hipnose, liberando assim a
carga emocional reprimida pelo trauma.
O problema de Anna O. apresentava um quadro de depressão,
nervosismo e hipocondria com os mais diversos sintomas. Em certas ocasiões
se acreditava paralítica, em outras acreditava estar impossibilitada de deglutir e
por algum tempo não conseguia comer ou ingerir líquidos, mesmo estando com
fome e sede. Em outras ocasiões; tinha distúrbios visuais, paralisia das
extremidades e contraturas musculares, perda de sensibilidade na pele, tosse
nervosa, de modo que sua personalidade ora era a de uma deficiente, ora a de
uma pessoa normal. Por vezes sentia-se incapaz de falar seu idioma, o alemão,
e recorria ao francês ou inglês para se comunicar.
O Tratamento de Anna teve a duração de cerca de um ano e meio,
curando-se, com uma combinação da recuperação de lembranças ocultas e da
conversa entre ela e seu terapeuta enquanto se encontrava em transe
hipnótico. Durante o transe Breuer induzia a moça falar; ela narrava uma série

74
Breuer nasceu em Viena, em 1867 forma-se em medicina e, em 1884, associa-se a Freud e
pesquisa a Histeria através de práticas hipnóticas (N. do A.).
140 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

de fatos passados e profundamente dolorosos que não faziam parte do


conhecimento consciente da paciente. Quando despertava do sono hipnótico
ela podia reconstituir esta etapa do seu próprio passado e os sintomas
desapareciam.
Hipnotizada, Anna historiava o começo de sua própria doença, desde os
primeiros sintomas, entrando em pormenores sobre o seu desenvolvimento e,
quando a paciente saía do transe, melhoravam as suas condições de saúde.
Com a hipnose, havia a reconstituição das cenas vivenciadas ao lado do pai e,
com a elucidação dos fatos responsáveis pelas suas dificuldades e sofrimentos
atuais, a paciente sentia-se aliviada e os sintomas iam desaparecendo.
Hipnotizada, conseguia lembrar-se do trauma passado e revivê-lo efetivamente
e a carga afetiva que determinava o sintoma podia ser eliminada. Aí surgira,
pela primeira vez, a cura pela conversa (talking cure). Esse método de Breuer
foi o princípio da doutrina de Freud que entusiasticamente adotou a hipnose
como método de cura e ambos compartilhavam das investigações.
Sentindo as limitações de Viena no tocante às possibilidades de
aperfeiçoamento e estimulado por Breuer, Freud foi até Paris, em 1885, assistir
aos cursos proferidos por Jean-Martin Charcot. Neste mesmo ano ganhou uma
bolsa de estudos para um período de especialização no Hospital Salpêtrière e
após realizou o curso de mestrado em neuropatologia. Tornando-se aluno do
professor Charcot, estudou dedicadamente os processos da histeria e
hipnotismo.
Com Breuer, Freud aprendeu o termo talking cure (cura pela fala) e o uso
da hipnose na cura da histeria. De 1885 a 1886, em Paris, sob a orientação de
Charcot prosseguiu os estudos sobre hipnose. Charcot lhe chamou a atenção
para o fato de que os problemas dos pacientes (particularmente das mulheres)
eram provocados por questões do foro sexual.
Charcot, preocupado unicamente com o fenômeno da histeria, via na
hipnose apenas um sintoma histérico. Suas teorias sobre hipnose eram
equivocadas, embora suas teorias sobre histeria fossem as mais avançadas da
época. As demonstrações de Charcot, fazendo surgir e desaparecer sintomas
como a paralisia dos membros, parecia convencer a quantos o assistisse, como
sendo o estado de histeria, a própria identidade do transe hipnótico. Como
Charcot lidava apenas com pacientes histéricos, suas conclusões não eram de
se estranhar; Freud discorda e, ansioso por aprender mais, em 1889 foi a
Nancy, a Capital do hipnotismo naquela época. Ali ingressou na clínica dirigida
por Liébeault e Bernheim, passando algumas semanas a observar e, assim,
descreveu o que assistira:
Eu mesmo presenciei Bernheim demonstrar que as lembranças
provocadas pelo sonambulismo eram, apenas, manifestamente,
esquecidas no estado de vigília, e que elas poderiam ser reproduzidas por
insistência verbal do médico, acompanhada de pressão das mãos, o que
provoca um outro estado de consciência. Por exemplo, ele provocou em
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 141
uma paciente mulher, em estado de sonambulismo, uma alucinação
negativa de que ele não estava mais presente. A seguir, tentou de todas
as formas se fazer notado, mas sem sucesso. Após ter despertado, ele
perguntou se a paciente se lembrava do que havia feito durante todo o
tempo em que ela pensava que ele não estava presente. Ela replicou que
não sabia de nada, mas, Bernheim insistiu que ela se recordaria de tudo,
pressionando com uma mão a fronte da paciente. E ela finalmente começa
a relatar todos os acontecimentos que haviam ocorrido durante o estado
sonambúlico e que, ostensivamente, ela de nada lembrava no estado de
vigília (FREUD).
Continua Freud descrevendo o que assistira na clínica de Bernheim e
como resolvera aplicar a hipnose em seus pacientes:
Essa impressionante e instrutiva experiência passou a ser meu modelo. Eu
decidi supor que meus pacientes sabiam de tudo que pudesse ter um
significado patogênico, e que só era necessário forçá-los à lembrança.
Sempre que eu atingia um ponto em que minhas perguntas não eram
satisfeitas, perguntava - Desde quando você tem esses sintomas? - E se a
resposta fosse - Realmente, eu não sei - Eu procedia da seguinte forma, -
colocava uma das mãos na fronte do paciente, ou pressionava sua cabeça
com ambas as mãos e dizia. - Através da pressão de minhas mãos você
vai se recordar, no momento em que eu retirar essa pressão você verá
algo defronte de si, ou alguma coisa surgirá em sua mente que você deve
notar; é isso que você está procurando. Muito bem, o que você viu, ou o
que veio em sua mente? (FREUD).
Referindo-se aos benefícios do tratamento dos pacientes através da
hipnose, Freud bem o distingue dos métodos anteriores à base de choques
elétricos, massagens e banhos de água fria. Segundo Sartre, 75 o procedimento
terapêutico da época, com base na eletricidade, consistia de uma cadeira onde
o paciente era sentado com braços e pernas amarrados e apoiado num degrau
isolante; aproximando-se uma escova de metal eletrizada com alta tensão e
baixa corrente elétrica, que começava a crepitar, encostada no rosto do
paciente, ao longo da nuca e sobre o cabelo. Os banhos de água fria
consistiam em amarrar o paciente numa cadeira onde permanecia por dois ou
três dias sem dormir. Vencido pelo sono, adormecia, sobre ele era despejada
grande quantidade de água. Dos banhos frios, aplicados à noite e na fria
Europa, geralmente decorria um quadro de pneumonia que, quase sempre,
resultava no óbito do paciente.
Freud até atribuiu os poucos êxitos dos banhos frios e choques elétricos
no tratamento de doentes nervosos por efeito da pura sugestão de melhoria.
Quanto ao método hipnótico como terapia, ele reconhece ser melhor que os
anteriores:
O tratamento pela sugestão durante a hipnose profunda que aprendi
através das impressionantes demonstrações de Liébeault e Bernheim,

75
SARTRE, Freud além da alma: Roteiro para um filme, RJ, ed. Nova Fronteira, 1986, p. 168.
142 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
parecia então oferecer um substituto satisfatório para o malogrado
tratamento elétrico (FREUD).
O que mais impressionou Freud nas experiências de Bernheim foram os
fenômenos pós-hipnóticos. Os pacientes executavam pós-hipnoticamente atos
sugeridos durante o transe, certos de agirem por sua livre e espontânea
iniciativa. Interrogados sobre o motivo de seu estranho procedimento, os
pacientes demonstravam que não se lembravam das ordens recebidas em
estado de transe. Havia, portanto, uma parte na personalidade humana
desconhecida do próprio indivíduo a influir e a determinar a sua conduta. Era o
inconsciente a governar o consciente. Sobre isso, descreve Freud:
Nos conhecidos fenômenos da chamada sugestão pós-hipnótica, em que
uma ordem dada durante a hipnose é depois, no estado normal,
imperiosamente cumprida, tem-se um esplêndido modelo das influências
que o estado inconsciente pode exercer no consciente, modelo esse que
permite sem dúvida compreender o que ocorre na manifestação da histeria
(FREUD).
Segundo Nuttin 76 foi a descoberta de Bernheim, relativa aos fenômenos
da sugestão pós-hipnótica, que sugeriu a Freud a significação que o
inconsciente adquiriu em psicanálise. Bernhiem praticava hipnose em seus
pacientes e, em estado de transe, dava uma ordem ou uma incumbência, por
exemplo, para realizar certo ato em determinada hora. O paciente, então,
acordava de seu sono hipnótico e, na hora fixada, executava o ato mandado,
sem ter a menor consciência da ordem recebida. Estes fenômenos mostraram
para Freud que os elementos, presentes de maneira latente ou inconsciente no
psiquismo, não permanecem necessariamente em estado de impotência e de
inatividade. Um elemento pode permanecer inconsciente e, entretanto, intervir
ativamente no comportamento. Freud relaciona e analisa esses fatos que
manifestam a atividade do inconsciente e, associando aos fenômenos
hipnóticos observados em Paris e em Nancy, conjuntamente com o que ouvira
de Breuer, inicia a elaboração de sua complexa doutrina.
A partir dessa análise, em 1895, Freud já pensava em mecanismos
mentais que iriam, mais tarde, serem englobados no seu conceito de
inconsciente. A hipnose era ainda o instrumento de penetração a esse obscuro
e desconhecido inconsciente. Ali estavam encarcerados e ativos os afetos
represados, tentando forçar o caminho para o consciente. Enquanto não
conseguissem arrombar a porta de seu cárcere, incomodavam pelo barulho
(sintomas) perturbando a “paz da consciência”. Um ou outro desses “elementos
recolhidos” conseguia burlar a sentinela, valendo-se dos mais engenhosos
expedientes de disfarces. Muitos deles vinham à tona transformados,
disfarçados simbolicamente ou somatizados.

76
NUTTIN, Joseph. Psicanálise e Personalidade. RJ, ed. Talentos, 1967.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 143
As distorções reveladas nos casos de disfarce simbólicos ou
somatizações funcionam como mais um mecanismo de defesa. 77 O indivíduo
em transe, de forma clara ou simbólica, esclarece o conteúdo represado no
inconsciente, conteúdo este atiçado e interpretado durante o transe pelo
hipnotista. Disso pode sobrevir o alívio e a supressão da necessidade de se
externar indiretamente e disfarçados por meios de sintomas simbólicos
negativos. Por esse método, os conteúdos traumáticos se libertariam.
Para que se tenha acesso às informações ocultas, pode ser usado o
método hipnótico; isso permite que se abra a válvula que prende o conteúdo
reprimido no inconsciente. Além disso, é possível obter algumas “pistas” sobre
o inconsciente se forem observados alguns lapsos, erros, sonhos e mudanças
instantâneas no comportamento. De posse desse conteúdo reprimido, podem
ser resolvidos alguns sintomas sem aplicação de medicação, como exemplo,
náuseas, flutuações da pressão arterial, sudorese, tremores, etc.
Breuer e Freud ainda eram associados e juntos publicaram um trabalho
Studien ueber hysterie. Suas descobertas, porém, devido a sua insistência na
importância do fator sexual, centrado no princípio do complexo edipiano e na
etiologia das doenças nervosas, começaram a levantar celeumas e severas
críticas. Breuer temendo prejudicar sua clínica e ressentido com as investidas
maliciosas dos colegas, abandonou a luta. A sós, com a responsabilidade do
movimento iniciado por ambos, Freud abranda os descontentamentos,
começando por se afastar da hipnose. Considerava que nem todos os
pacientes reagiam adequadamente ao trabalho de indução e achou que a
técnica hipnótica precisava de aperfeiçoamento; com isso, também buscava
facilitar nos seus colegas a aceitação da psicanálise, que por si só já assustava,
e quando associada com a hipnose era mais desacreditada e repelida.
Para Freud, o conceito de transe hipnótico representava a fase mais
acentuada da hipnose, o estado de sonambulismo. No entanto, no final de

77
Mecanismos de defesa são medidas tomadas pelo inconsciente com a finalidade de proteger
o Ego de emoções ou situações desagradáveis. Principais são: 1. Repressão - retirada de i-
déias, afetos ou desejos perturbadores da consciência, pressionando-os para o inconsciente.
2. Formação reativa - fixação de uma idéia, afeto ou desejo na consciência, opostos ao impul-
so inconsciente temido. 3. Projeção - sentimentos próprios indesejáveis que são atribuídos a
outra pessoa. 4. Regressão - retorno à forma de gratificação de fases anteriores, devido aos
conflitos que surgem em estágios posteriores do desenvolvimento. 5. Racionalização - substi-
tuição do verdadeiro, porém assustador, motivo do comportamento por uma explicação razo-
ável e segura. 6. Negação - recusa consciente para perceber fatos perturbadores, retira do in-
divíduo não só a percepção necessária para lidar com os desafios externos, mas também a
capacidade de valer-se de estratégias de sobrevivência adequadas. 7. Deslocamento - redire-
cionamento de um impulso para um alvo substituto. 8. Desfazer - através de uma ação, bus-
ca-se o cancelamento da experiência prévia e desagradável. 9. Introjeção - estreitamente re-
lacionada com a identificação, visa resolver alguma dificuldade emocional do indivíduo, ao
tomar para a própria personalidade certas características de outras pessoas. 10. Sublimação -
parte da energia investida nos impulsos sexuais é direcionada à consecução de realizações
socialmente aceitáveis (N. do A).
144 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

1892, analisa o caso de uma paciente de nome Lucie R., que sendo induzida ao
transe hipnótico, não conseguiu atingir o estado de sonambulismo. Freud relata
que a paciente se encontrava “calma, em um grau de relativa sugestibilidade,
com os olhos cerrados, as feições tranqüilas e os membros imóveis” e admite
que Lucie R. teria alcançado, não o grau profundo, mas um grau suave de
hipnose no qual poderia se processar a análise. Esse grau é reconhecido pelos
hipnotistas modernos como sendo o estado hipnoidal. Freud passa, também, a
distinguir sugestão direta (mecanismo da hipnose), e sugestão indireta
(sugestão no estado de vigília), admitindo que nesse estado se possam obter
os mesmos resultados da hipnose. Sobre isso afirma:
A sugestão direta incide diretamente contra as formas tomadas pelos
sintomas, uma luta entre sua autoridade e as causas subjacentes à
moléstia. Nesta luta, você não está preocupado com as causas. O que se
requer é que o paciente suprima suas manifestações. Em resumo, pouca
diferença faz que você coloque o paciente em transe hipnótico ou não.
Bernheim, com seu agudo senso lógico, dizia repetidamente, que a teoria
psicanalítica se constrói, não por oposição, mas por substituição à hipnose
(FREUD).
Para livrar-se das criticas de seus pares, Freud trabalhava com um grau
mais suave do transe e nega que se utilizava o método hipnótico, mas faz uso
de pressão das mãos sobre o paciente para que esse se recorde de fatos
vividos. Era exatamente a pressão das mãos, uma das técnicas sugerida por
Charcot para induzir o transe hipnótico.
Devido aos resultados obtidos através da pressão das mãos, tem-se uma
ilusão da presença de uma inteligência superior fora da consciência do
paciente, a qual sistematicamente armazena uma grande quantidade de
material psíquico para um propósito significativo, e que encontrou uma
forma engenhosa de retornar ao consciente (FREUD).
São inúmeros os casos em que Freud faz uso da pressão das mãos, e,
isso não passa de uma técnica hipnótica. Como acontece quando relata o caso
de uma jovem com neurose de ansiedade, Fräulein Elizabeth Von R., paciente
que tinha uma simpatia particular para com um cunhado, marido de sua irmã
mais velha, que se mascarava por disfarce de ternura familiar. Esta irmã
adoeceu, logo depois veio a falecer e ela fora chamada urgentemente e,
quando a moça chegou ao leito da morta, correu-lhe na mente, por rápido
instante, uma idéia de que o cunhado agora estava livre, podendo desposá-la.
Com referência ao tratamento desse caso de neurose de ansiedade através de
sessões de hipnose, Freud relata:
É-nos lícito admitir como certo que esta idéia, denunciando-lhe à
consciência o intenso amor que sem saber tinha ao cunhado, foi logo
entregue à repressão pelos próprios sentimentos revoltados. A jovem
adoeceu com graves sintomas histéricos e quando comecei a tratá-la tinha
esquecido não só aquela cena junto ao leito da irmã como também o
concomitante sofrimento indigno e egoísta. Mas recordou-se de tudo
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 145
durante o tratamento, reproduziu o incidente com sinais de intensa
emoção, e curou-se (FREUD).
Freud, descrevendo sobre seu procedimento com Elizabeth Von R.,
analisa seu efeito e, embora reconheça a possibilidade de estar aplicando
mecanismos da hipnose, nega essa explicação, mesmo sabendo que a
imposição das mãos era uma forma de sugestão hipnótica:
Ao aplicar esse método pela primeira vez, fiquei surpreso por obter tudo
que precisava. Posso mesmo dizer que ele jamais me falhou. Ele sempre
me apontou o caminho a seguir, permitindo que a análise se processasse
sem o sonambulismo. Esse método me ensinou bastante e em todas às
vezes auxiliou na obtenção de meus objetivos... Para explicar sua eficácia,
poderia mesmo pensar que se trata de certa e momentânea hipnose
induzida, mas os mecanismos da hipnose são tão enigmáticos para mim
que eu preferiria não recorrer a eles para uma explicação (FREUD).
As investigações com o uso da hipnose forneceram para Freud muitas
pistas, e através destas, ele viria a descobrir o que chamou de inconsciente.
Quando passou a mencionar que a associação livre parecia ser uma forma
substitutiva do método hipnótico, queria dizer que assim todo o processo
passava pela consciência, pela elaboração. Substituiu a técnica hipnótica pela
livre associação das idéias, instituindo como regra fundamental que o paciente
deitado em um sofá, num recinto meio escurecido, deveria exprimir livremente
seus pensamentos, sem preocupação de omissão ou de seleção. Enquanto
isso, o psicanalista se manteria assentado atrás, fora da vista do paciente.
A Livre Associação das Idéias é uma técnica psicanalítica básica que
consiste em estimular o paciente a expressar todos os pensamentos que
afloram em seu consciente, ainda que lhe pareçam desconexos ou banais, a
fim de captar seus conflitos inconscientes. Essa técnica permitiu o nascimento
da psicanálise em substituição ao método da hipno-análise. Agora, sem
hipnose, o paciente fica livre para falar o que lhe vier à mente, fazendo, assim,
associações isentas de críticas e independentes de toda reflexão consciente.
As associações seriam determinadas pelo inconsciente e o terapeuta deveria
interpretá-las para trazer à tona o trauma responsável pela perturbação nervosa
do paciente.
Reportando-se a Bernheim, de quem fora discípulo em Nancy, Freud
descobre o que chamou de transferência e aponta que na transferência
encontra-se, também, a sugestão. A transferência consiste na reprodução das
emoções relativas a experiências reprimidas, com a substituição de alguém por
outra pessoa, como alvo dos impulsos reprimidos. Constitui um dos
mecanismos de defesa e, no tratamento psicanalítico, pode o terapeuta se
tornar o objeto da transferência.
Breuer enfrentou pela primeira vez o problema da transferência quando
tratava de Anna O. A partir de certo momento, a paciente tentará lhe seduzir e,
posteriormente, tentara seduzir Freud, transferindo para estes o amor que tinha
reprimido em relação ao pai. Assim acontece também com Mesmer, quando se
146 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

envolveu com Maria Theresa Paradis, e com Jung e sua paciente Sabina
Spielrein, jovem de 19, que sofria de histeria e recebeu tratamento em um
hospital psiquiátrico de Zurique, na Suíça, em 1905, quando Jung aplica pela
primeira vez as teorias do mestre Freud. Sabina seduz Jung de forma
implacável e com ele mantém um longo relacionamento amoroso. 78
O problema da transferência no tratamento psicanalítico seria
proporcional à própria sugestibilidade do paciente, Segundo Freud quanto mais
sugestionável mais tendente será a transferência:
A capacidade de irradiação da libido em direção a outra pessoa, como
objeto de investimento, é uma capacidade de todos os indivíduos normais;
a chamada tendência que o neurótico tem em transferir representa apenas
uma intensificação excepcional de uma característica universal. Seria
deveras estranho se tal traço humano, pela sua universalidade, jamais
tivesse sido observado e pessoa alguma nunca tivesse feito uso dele. Mas
isso já foi feito. Bernheim com sua perspicácia infalível baseou sua teoria
da manifestação hipnótica sobre a proposta de que todos os seres
humanos, de alguma forma, encontram-se mais ou menos abertos à
sugestão, são sugestionáveis. O que ele chamou de sugestibilidade, nada
mais é do que uma tendência à transferência (FREUD).
A prática analítica arquitetada por Freud passa também a ser explicada
pela transferência, que fazia com que o paciente incapaz de rememorar suas
reações emocionais infantis em relação aos pais, as repetisse
estereotipadamente nas sessões. A psicanálise se define até hoje como um
método terapêutico que utiliza como instrumento principal o fenômeno da
transferência. Referindo-se a este aspecto Weissmann 79 afirma que:
Entre analista e paciente se repete correlativamente a vida afetiva
intrafamiliar. O analista representando o papel de pai ou de mãe em
relação ao paciente, mas um pai ou mãe aperfeiçoado e psicológico (o
paciente se toma de simpatia e admiração pelo analista); negativa (ódio e
desprezo pelo analista) ou ambivalente (o paciente liga ao mesmo tempo
ódio e amor, admiração e desprezo ao substituto materno ou paterno).
Portanto, psicanálise, no sentido ortodoxo da palavra, significa
essencialmente análise da resistência e da transferência (WEISSMANN).
Em A dinâmica da transferência Freud fala de um bloqueio da associação
livre causado pela ativação inconsciente da transferência feita pelo paciente
que dificulta em muito o trabalho da psicanálise. No tratamento, Freud refere-se
a um momento em que o paciente não mais quer colaborar com o psicanalista:
Nuvens aparecem, surgem dificuldades no tratamento, o paciente declara
que nada mais lhe acode à mente, dando a nítida impressão de não estar

78
Em 2003, foi produzido e distribuído por Meduza Produzione/PlayArte, o filme “Jornada da
Alma”. Conta como Sabina Spielrein foi tratada por Jung, como eles se apaixonam e como
após alguns anos a paciente torna-se também psicanalista e monta e dirige, na Rússia, a pri-
meira creche que usa noções de psicanálise no tratamento de crianças. (N. do A.).
79
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 147
mais interessado no trabalho, de estar, despreocupadamente; não
atribuindo mais importância às instruções que lhe foram dadas, no sentido
de dizer tudo que lhe vem à cabeça e de não permitir que obstáculos
críticos impeçam de fazê-lo como se estivesse fora do tratamento e não
houvesse feito acordo algum com o médico. Está visivelmente ocupado
com algo, mas pretende mantê-lo consigo próprio. É uma situação
perigosa para o tratamento (FREUD).
Afirma Weissmann que com ajuda da hipnose, as dificuldades para o
paciente colaborar com sua própria análise é menor quando acontece apenas
com base na transferência positiva. A transferência ainda pode ser
artificialmente imposta ao paciente, anulando todos os demais aspectos
negativos ou ambivalentes da rejeição ao tratamento psicanalítico. Freud, no
entanto, não queria saber dessas facilidades; na intenção de diminuir a rejeição
de seus pares às suas idéias, demonstrava afastar-se da hipnose em sua
prática terapêutica; dizia que para tornar efetiva a cura, julgava indispensável
que o paciente se mantivesse o mais consciente possível e participasse
ativamente de todos os incômodos do ato de ser analisado.
Através da interpretação dos sonhos e da livre associação, Freud
pensava encontrar mais informações sobre a mente humana do que através da
hipnose. Não tardou em descobrir, entretanto, que a simbologia do sonho era
complexa para uma interpretação precisa e que a livre associação não era livre
até o ponto em que se esperava. Observou que em alguns casos certos
pacientes só com grande dificuldade conseguiam associar livremente.
Precisamente, as coisas que interessavam mais à análise se viam impedidas
de vir à tona. Eram as coisas que não podiam ser proferidas em voz alta e,
muitas vezes, nem sequer lembradas em virtude de seu caráter
comprometedor, eram demasiadamente ridículas, humilhantes, deprimentes.
Freud pode observar que uma paciente, mesmo hipnotizada, fantasiava a
verdade do que teria realmente acontecido em seu passado e, para que tal
verdade viesse à tona, era preciso vencer a resistência consciente e
inconsciente da analisada. Pelo novo método, o analisado tinha de exercitar a
tolerância, renunciar às suas ilusões, formular novos conceitos de
personalidade à medida que se ia aproximando do término da análise, trocando
a arrogância pela humildade e o receio pela confiança.
Outro problema da psicanálise ortodoxa é o de segurar o paciente até que
se tenha iniciado proficuamente a exploração do inconsciente. Até hoje grande
parte dos pacientes abandonam o tratamento, sob um pretexto ou outro, ao
sentirem as primeiras intervenções. E há os que, vencendo essa fase inicial, se
apegam na situação agradável da transferência em caráter perpétuo. Quanto a
isso diz Weissmann:
Com o uso da hipnose esses problemas desaparecem. Aos pacientes
desertores dá-se uma sugestão pós-hipnótica, determinando-lhes a
necessidade de continuar com o tratamento, marcando-lhes o
comparecimento obrigatório para a próxima sessão. Aos que insistem no
148 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
prolongamento indefinido da análise, dissolve-se hipnoticamente a
transferência com o devido tato e habilidade, proporcionando-lhes assim a
cura dos seus problemas (WEISSMANN).
Afastando-se cada vez mais da referência ao uso dos métodos hipnóticos
Freud, em novembro de 1899, publicou A interpretação dos sonhos (Die
Traumdeutung), que revolucionou todos os conceitos existentes na época sobre
esta matéria. Posteriormente imagina o aparelho psíquico formado por Id, Ego e
Superego. Este estudo reforça a teoria do inconsciente como determinante dos
comportamentos.
Id, ego, superego faz parte da segunda teoria do aparelho psíquico
estabelecida por Freud, entre 1920 e 1923, para referir-se aos três sistemas da
personalidade. As primeiras traduções para o português foram feitas a partir de
uma incorreta tradução inglesa do original alemão; da Es, das Ich, das Über-
Ich. O correto é: o Isso, o Eu, o Supereu. O Isso, totalmente inconsciente, é a
parte mais primitiva; lugar das paixões, dos desejos não identificados. O Eu,
que tem partes consciente e inconsciente, desenvolve-se quando o Isso entra
em contato com a realidade externa. É intermediário entre as exigências do
Isso e do Supereu. O Supereu também tem partes consciente e inconsciente e
funções de juiz e sensor. O Eu também exerce censura, mas esta é apenas
consciente.
Sobre os sonhos Freud define que são mensagens mascaradas do
inconsciente, “são os caminhos que levam ao inconsciente”, chegando a
denominar os sonhos como a “via real para o inconsciente”. Dizia que,
enquanto dormimos, o corpo relaxa e as defesas da mente se debilitam.
Afloram então do inconsciente as repressões que em estado de vigília somos
incapazes de reconhecer. A partir dessa premissa, elaborou um método para
analisar os sonhos e explicou como funciona a mente enquanto dormimos.
Quando estamos acordados, nossa mente constrói uma série de barreiras ou
repressões que nos impedem de conhecer nossos pensamentos traumáticos.
Durante o sonho, essas barreiras se tornam mais fracas e do inconsciente pode
aflorar com mais facilidade o conteúdo da repressão.
Freud vai buscar, também, nos fenômenos hipnóticos uma analogia para
os sonhos que permita fortalecer sua idéia. Novamente remete-se a Nancy, em
1889, quando testemunhou o trabalho de hipno-análise, realizado por Liebault e
Bernheim, com demonstrações de indução aos sonhos com hipnose em
pacientes pobres da classe trabalhadora. Bernheim pedia para o paciente
relatar, depois de despertado, o que havia ocorrido durante o sono hipnótico.
De início, sistematicamente, o paciente nada lembrava. Aos poucos,
vagamente, ia recordando alguns elementos até que conseguia reconstituir por
completo a experiência vivida sob hipnose (hipno-análise).
Transferindo essa situação para a sua prática clínica, Freud, admitindo
que o sonhador tenha noção do que sonhou, trabalha a questão de como tornar
acessível a ele o conhecimento que tem e como fazê-lo falar disso ao
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 149
psicanalista. Estabelecendo como regra não exigir do paciente que diga
abertamente o sentido do seu sonho, porém sinta que é capaz de encontrar a
origem do círculo de pensamentos do qual surgiu tal sonho.
Freud afirma que, tal como nos atos falhos, é preciso entender o que o
inconsciente nos quer dizer durante o sono e isso seria possível através de uma
livre associação de idéias e imagens. Interpretar o sonho seria uma maneira de
vencer as inibições que nos impedem de conhecermos inteiramente ou de
forma clara seu conteúdo ou de nos livramos de alguns problemas que não
conhecemos conscientemente.
Mais tarde, a teoria de Freud foi contestada por seu discípulo Carl Gustav
Jung (1875-1961), psicólogo e psiquiatra suíço, com quem trabalhou de 1907 a
1913. Contrariando o mestre, Jung afirma que os sonhos não são
representações dos desejos insatisfeitos ou de determinadas repressões, mas
sim um grito de alerta de nossa mente para que prestemos atenção a áreas que
estão sendo descuidadas. Afirmava ainda que, se tivermos uma vida
equilibrada, esta função se realiza inconscientemente enquanto dormimos.
Caso contrário um dos primeiros sintomas é o mau humor, seguido de uma
série de outros. Neste caso, seria necessário interpretar o que sonhamos. Esta
análise se daria não simplesmente através de todos os sonhos e de livres
associações, mas sim com base nos sonhos repetitivos, cujos elementos sejam
claramente perceptíveis. Jung discordava ainda de que a sexualidade fosse a
única fonte de todos os conflitos humanos.
Jung postula a existência de dois inconscientes: o individual e o coletivo.
Este último é constituído de símbolos universais transmitidos de geração a
geração e cristalizado nos arquétipos. Os mitos e os arquétipos seria a fonte da
criatividade humana. O inconsciente coletivo é comum a todos os seres
humanos; manifesta-se nos sonhos por meios de símbolos chamados de
arquétipos. Por isso, os jungnianos dão enorme importância à interpretação dos
sonhos, chegando a sugerir que o paciente durma com um caderno de
anotações ao lado para anotar e lembrar-se depois do sonho.
O inconsciente coletivo é como o ar, que é o mesmo em todo lugar, é
respirado por todo mundo e não pertence a ninguém, mas pertence a toda a
humanidade. Expresso em arquétipos ou símbolos primitivos, mitos ou historias
folclóricas como tema e formas comuns que podem ser contados em todas as
culturas, em qualquer época. Essas poderosas imagens e historias não foram
concebidas por experiência individual, mas são heranças comuns de toda a
humanidade. Seus conteúdos (chamados arquétipos) são condições ou
modelos prévios da formação psíquica em geral. O inconsciente coletivo é
natureza, necessita da mente humana afim de funcionar para os propósitos do
homem que sempre busca os propósitos coletivos e nunca seu destino
individual. Seu destino é o resultado da colaboração entre o consciente e o
inconsciente.
150 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Os arquétipos são estudados como estruturas psíquicas que servem para


organizar ou canalizar o material psicológico e, residem no inconsciente
coletivo, onde estão incluídos materiais psíquicos não provenientes da
experiência pessoal. No inconsciente coletivo está escrita toda a história da
humanidade e cada ser humano nasce com esta herança que é essencialmente
a mesma, em qualquer lugar, e não varia de homem para homem, como a
herança biológica.
Os arquétipos são também chamados por Jung de imagens primordiais,
porque correspondem freqüentemente a temas mitológicos que reaparecem em
contos e lendas populares de épocas e culturas diferentes; porém não expressa
uma imagem ou motivo definido e não passam de representações conscientes.
O arquétipo é uma tendência a formar tais representações de um motivo que
podem variar muito em detalhes, sem perder sua configuração original. Os
conteúdos de um arquétipo podem ser integrados na consciência, mas eles
próprios não têm essa capacidade. Portanto não podem ser destruídos através
da recusa em admitir a entrada de seus conteúdos na consciência.
Outro brilhante seguidor de Freud foi Jacques Lacan (1901-1980), nasceu
na França, em Orleans, formou-se em medicina e trabalhou como neurologista
e psiquiatra até o fim da vida. Para Lacan os escorregões verbais podem
funcionar como uma porta de acesso ao inconsciente bem mais eficaz do que
os sonhos; por isso, durante a sessão, os lacanianos dão muita ênfase às
palavras do paciente, mais do que ao conteúdo que elas expressam. Lacan
recorda a afirmação de Freud de que tudo depende da linguagem e que o
inconsciente está estruturado como uma linguagem, nem sempre clara, e
destaca a importância dos recursos da metonímia e da metáfora como formas
de encobrir o verdadeiro sentido a ser capturado.
Lacan foi o seguidor de Freud que mais contribuiu e deu continuidade à
sua obra. Na década de 50, rompeu com a IPA - International Psychoanalytical
Association, mas não com Freud. Contudo lançou uma inovação importante no
método psicanalítico ao entender que as leis do inconsciente são análogas às
leis que estruturam a linguagem. Partindo da leitura de Freud, Lacan buscara
criar ou descobrir uma gramática para o inconsciente valendo-se das teorias de
Platão, Hegel, Heidegger e, sobretudo do estruturalismo de Saussure e de Lévi-
Strauss. Para Lacan a verdade tem a estrutura de uma ficção, em que aquilo
que aparece sob forma de sonho ou devaneio é por vezes a verdade oculta,
sobre cuja repressão se funda a realidade social.
Outros desdobramentos da psicanálise são atribuídos a Alfred Adler que
destacou a importância do sentimento de inferioridade na motivação que nasce
das três relações básicas que mantêm o indivíduo como o trabalho, os amigos
e seu objeto amado. Otto Rank introduziu uma nova teoria da neurose atribuin-
do todas as perturbações neuróticas ao trauma inicial do nascimento. Os últi-
mos desdobramentos foram de Erich Fromm, Karen Horney e Harry Stack Sulli-
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 151
van, além de Melanie Klein, cuja obra teve uma grande influência no desenvol-
vimento da psiquiatria e da psicologia das fantasias inconscientes.
A partir daí, a hipnose e a hipno-análise que já encontravam opositores
por ser considerada técnicas não acadêmicas, passaram a viver um período de
maior descrédito. Mas, embora Freud tenha substituído a hipno-análise pela
psicanálise, posteriormente tornou-se responsável pela sua ressurreição. O
hipnotismo em bases modernas é largamente ligado à psicanálise; o conceito
do inconsciente na proposição Freudiana tenta explicar tanto a psicanálise
quanto o fenômeno hipnótico. Observa-se também que atualmente a
psicanálise tem se reaproximado da hipnose e que as técnicas modernas da
hipnose são conseqüências diretas das orientações dos conceitos de
consciente e inconsciente, além de ser possível considerar a técnica da livre
associação das idéias como mais uma técnica hipnótica. Visto assim, Freud
nunca abandonou o hipnotismo, dissimulou seu uso e contribuiu para sua
evolução.
Na atualidade, o fenômeno da hipnose se justifica e fundamenta com ba-
se nos conceitos da psicanálise, o núcleo central da teoria freudiana converge
com os objetivos do estado hipnótico; ambos podem ser vistos como sendo
meios que facilitam a interpretação e superação dos sintomas com origem em
traumas psíquicos. Não tem como negar que a vertente interpretativa das ex-
plicações da psicanálise, iniciada por Josef Breuer e Sigmund Freud, nasceram
da observação de pacientes hipnotizados quando, no início, eles praticavam
hipno-análise. Zilboorg vai mais longe nesse argumento, relaciona magnetismo
e hipnotismo com a linguagem da psicanálise:
Ninguém duvida atualmente de que a influência e os efeitos do
magnetizador ou do hipnotizador se fundam essencialmente, senão
exclusivamente, nas profundas reações inconscientes do hipnotizado
(ZILBOORG).
Sandor Ferenczi, discípulo de Freud, defende a aplicação da hipnose na
psicanálise. Em 1931 em sua conferência, em Viena, proferida em homenagem
ao aniversário dos 75 anos de Freud, a despeito das severas críticas, cita o que
entendia como sendo a presença da hipnose no processo psicanalítico e afirma
que a livre associação é um processo que induz o paciente ao estado de
hipnose. Por diversas vezes, interpreta que a sugestão indireta não deixava de
ser hipnose ou que a sugestão direta que Freud admitia ser básica na aplicação
do seu método psicanalítico, era uma forma de produzir nos pacientes
pensamentos, tendências e emoções sem a censura consciente. Portanto,
efeitos hipnóticos:
Nos casos aparentemente imersos em dificuldades, em que a análise não
trás, depois de muito tempo, nem novas perspectivas nem progresso
terapêuticos, tenho a sensação de que isso a que chamamos associação
livre ainda continua a ser uma seleção consciente de pensamentos. Assim,
impeli os pacientes a um ‘relaxamento’ mais profundo, a um abandono
152 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
mais total às impressões, tendências e emoções internas que surgissem
de maneira inteiramente espontâneas (FERENCZI).
Ferenczi viu que, com suas colocações, havia chocado seus colegas e,
longe de se esquivar do problema, reafirmou nitidamente, “Em que medida o
que faço com meus pacientes é sugestão ou é hipnose?” Diferenciando
sugestão de hipnose na maneira freudiana relembra as instruções do
psicanalista quando recomenda “Agora, deite-se, deixe seus pensamentos
fluírem livremente e diga tudo que lhe vier à cabeça”. Relata o que entendeu
como hipnose em suas relações com os pacientes:
No curso de qualquer associação livre, são inevitáveis alguns elementos
de êxtase e de auto-esquecimento; entretanto, o convite para ir mais
adiante e mais fundo conduz, por vezes – comigo, muito freqüentemente,
confessemos com franqueza – ao aparecimento de um êxtase mais
profundo; quando ele assume um ar, digamos, alucinatório, podemos
denominá-lo, se quisermos, de auto-hipnose; meus pacientes o chamam
de bom grado de estado de transe (FERENCZI).
Ferenczi assumiu ter sempre usado a hipnose no processo psicanalítico
e, para ele, Freud não teria abandonado a hipnose em favor de outra técnica
mais eficaz, mas elaborou uma forma para dissimular sua aplicação criando
uma técnica mais suave de indução, o divã, eficiente com pacientes muito
suscetíveis. Fugindo das críticas contra o hipnotismo, originadas pelos
sucessivos equívocos de Mesmer à Charcot, o novo método, eficaz com
pacientes histéricos, não comprometeria o psicanalista caso esse não
conseguisse hipnotizar seu paciente. A proposta da análise obrigatoriamente
não passava pela hipnose.
Freud, ao referir-se freqüentemente em suas publicações ter feito uso da
hipnose para a elaboração de sua teoria, provou incontestavelmente sua
validade e autenticidade. A partir dele, só por absoluto desconhecimento ou
preconceito se pode duvidar da ocorrência dos transes hipnóticos e seus efeitos
terapêuticos, bem como da sua importância para o êxito do tratamento
psicanalítico. Mas, o preconceito não é apenas sobre a hipnose também ocorre
contra a psicanálise e contra o seu criador.
Embora os conceitos formulados por Freud estejam presentes em quase
todas as áreas do conhecimento, seu pensamento encontra atualmente alguns
opositores. Richard Webster, autor de The Hidden Freud, traduzido para o
português com o titulo “Por que Freud errou”, na sua versão mostra um Freud
descomprometido com a verdade e ansioso por ser famoso. Traz à tona fatos
que parecem colocar em xeque o método psicanalítico. Para Webster, Freud foi
uma fraude e a psicanálise é uma grande mentira.
Finalmente parece que a psicanálise moderna volta a se encontrar
claramente com a hipnose. Alguns psicanalistas concordam com Ferenczi e já
admitem, pelo menos, que não existe nenhum motivo para dissociar o
tratamento psicanalítico de um processo de hipnose de longo prazo. Com base
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 153
80
na leitura trabalhada e pela atual visível mudança nos procedimentos
terapêuticos pode ser admitido o fato que do eficiente uso da hipnose depende
o pleno êxito do tratamento psicanalítico. No entanto é preciso questionar
quantos psicanalistas podem se tornar bons hipnotistas.
Atuar na função de psicanalista é uma ação livre no Brasil, independe de
formação e é regulado pelo Aviso nº 257 de 1957 do Ministério da Saúde, po-
dendo ser exercida em consultórios, colégios, clínicas e instituições que atuam
na área de saúde mental e no tratamento da psiconeurose. A função de psica-
nalista clínico é classificada na portaria 1334 de 21/12/1994 do Ministério do
Trabalho, sob o código CBO 090/9. O estudo da psicanálise não tem escola su-
perior oficializada, são oferecidos na modalidade de cursos livres, isto é, não
tem fiscalização ou reconhecimento do Ministério da Educação. Portanto, os
cursos de psicanálise não concedem grau, não há emissão de diplomas e sim
certificado de conclusão de estudos feitos nas Sociedades Psicanalíticas insta-
ladas em várias cidades do país. Estes cursos têm duração média de dois anos,
para pessoas com qualquer formação superior independentemente da área de
conhecimento; pedagogos, professores, psicólogos, filósofos, administradores,
advogados etc. Também é oferecido para portadores de formação média e têm
duração de quatro anos.
Psicanalista também não é sinônimo de analista. Os seguidores de Jung
são analistas e não psicanalistas. Ser psicanalista é uma exclusividade dos
freudianos, todo psicanalista é freudiano. Os lacanianos são freudianos, os kei-
anianos também. Os junguianos e os adlerianos não o são.
Como introdução aos conceitos da psicanálise e seu envolvimento com a
hipnose, é recomendado conhecer um clássico do cinema americano Freud a-
lém da alma: Roteiro para um filme. Em 1986, o roteiro foi traduzido para o por-
tuguês por Jorge Laclette e publicado pela editora Nova Fronteira, Rio de Janei-
ro. Em 1958, o cineasta John Huston propõe ao filósofo francês Jean-Paul Sar-
tre que escrevesse um roteiro cinematográfico sobre Freud, mais precisamente
sobre a época em que ele, através da hipnose, inventa a psicanálise. O traba-
lho cobre o período da vida de Freud entre a graduação em Medicina até a de-
fesa pública da teoria psicanalítica. Sartre se apóia na completíssima biografia
sobre Freud escrita por Ernest Jones e nos livros Estudos sobre a histeria e A

80
FREUD, S. Obras completas de Sigmund Freud. Traduzidas por Jayme Salomão, Ed. Imago,
RJ, 1980.
Textos, artigos, casos referidos ou citados:
FREUD, S. Artigos sobre hipnotismo e sugestão; A psicoterapia da histeria (trad. José Luiz
Meurer e Christiano Monteiro), Ed. Imago Ltda, 1998. Prefácio à tradução de Suggestion de
Bernheim; Prefácio à segunda edição alemã; Resenha de Hipnotismo de August FOREL; Hip-
nose, In: Textos escolhidos de psicanálise, RJ, Imago, 7 - 61, 1986. O ego e o Id, (1923b), 19-
23 - Hipnose (1891d), 19-23 - O Inconsciente, (1915e), 14-191 - A Interpretação dos sonhos
(1900a). Josepf Breuer (1925g) 19-349. 1-117 - Mecanismo psíquico dos histéricos (Breuer e
Freud), 3-34 - A teoria da libido (1923a), 18-287 - Anna O., 1/228n; 2:14 -15, 23, 35-36, Elizabe-
th Von R., 1,109.
154 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

interpretação de sonhos. Se utilizado no seu todo, o roteiro se transformaria em


um filme de, no mínimo, 8 horas de projeção, por isso Huston aproveitou ape-
nas vinte por cento. Sartre, não aceitando os cortes, rompeu com o cineasta.
Tanto o roteiro (1958) como o filme (1961), Freud além da alma, cumpre a
função de mostrar a origem da psicanálise e seu envolvimento com a hipnose,
mostra o início dos trabalhos de Freud e como se desenvolveu sua teoria e a
rejeição da comunidade médica às suas idéias. Revela como ocorreu o início
da descoberta dos conceitos de transferência, livre associação, repressão, se-
xualidade infantil e complexo de Édipo, como também, a criação e o desenvol-
vimento dos métodos de análise através da interpretação dos sonhos e da livre
associação das idéias. Descreve como Freud desenvolveu a teoria da libido,
tomando como ponto de partida o caso de um paciente que, por desejo incons-
ciente por sua própria mãe, teria por ciúme tentado contra a vida do próprio pai.
Associando o caso com a interpretação de um sonho que tivera, no qual se via
envolvido com os sintomas de seu paciente, Freud teve que se aprofundar cada
vez mais no seu passado para admitir a existência de atividade sexual nos pri-
meiros anos da sua própria infância.
Freud denominou o complexo de Édipo como um conjunto de relações
que vinculam a criança a seus pais. Relações que constituem o núcleo central
da personalidade e, seu desenvolvimento irregular, seria responsável pelas
neuroses. A base da teoria é fundamentada na crença de que o filho sente ciú-
mes da mãe que é o objeto de desejo do menino, e o pai é o rival que impede
seu acesso ao objeto desejado. Este processo também ocorre com as meninas
(complexo de Electra), sendo invertidas as figuras de desejos e de identifica-
ção. Os meninos odeiam o pai, as meninas a mãe, mas não reconhece este ó-
dio, pois isto é errado. Isto gera um conflito que, se não resolvido até a puber-
dade, irá interferir na idade adulta. Deixam marcas profundas na estruturação
da personalidade, por exemplo, o ciúme neurótico pode ser explicado por um
conflito edipiano mal resolvido e, diferencia-se do ciúme patológico, em que a
pessoa tem certeza de estar sendo traída, mesmo que todas as evidências
mostrem o contrário. A ansiedade também seria um sintoma resultado da re-
pressão da libido e, um dos mecanismos de defesa é a sublimação, processo
pelo qual a energia da libido, reprimida pelo superego e pelas convenções soci-
ais, é desviada para outros fins social e moralmente permitida. A arte, por e-
xemplo, pode ser produto da sublimação.
Para a psicanálise, a maioria dos pensamentos e desejos reprimidos refe-
re-se a conflitos de ordem sexual e ocorrem na vida infantil (2 a 4 anos). São
experiências que, reprimidas, se confirmam como origem dos sintomas neuróti-
cos na vida adulta. Freud, ainda criança, sentiu ciúmes da mãe e quando adul-
to, na fase da auto-análise, tem essas lembranças, mas reluta em aceitar que
sentiu ciúmes não só de seu irmão, mas também de seu pai. Recorda que sua
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 155
libido em relação a sua mãe havia despertado com 4 anos de idade, durante
uma viagem de trem, quando a viu nua (GAY). 81
Segundo Lundin, 82 neuróticos são indivíduos que não são nem psicóticos
nem psicopatas, por isso, neurótico não é termo pejorativo. Existem diferentes
graus de neurose, os tipos principais são: Neurose Histérica e Neurose Obses-
siva. Histérico é o neurótico de comportamento inconstante; imprevisível, emo-
cionalmente descontrolado. O tipo obsessivo é o neurótico com comportamento
constante e previsível; tem mania de perfeição e é obstinado, com idéias e atos
que se repetem em rituais. São características das neuroses: perturbações
cognitivas e emocionais menos severas; raramente deixa de estar voltado para
seu ambiente; continua mais ou menos em contato com a realidade; tem algu-
ma compreensão da natureza do seu comportamento; embora possa demons-
trar o contrário, dificilmente se comporta de modo perigoso para si ou para os
outros; raramente exige hospitalização.
Lundin define reações neuróticas como sendo ansiedade; fobias; reação
da conversão; reação do obsessivo-compulsivo. E, diferente da psicose, por ser
uma forma externa de desorganização da personalidade; o psicótico não é mo-
ralmente responsável pelas suas ações e necessita de tratamento médico-
psiquiátrico, às vezes até de hospitalização.
Hipnose e fisiologismo
A partir dos estudos do russo Iwan Petrowitch Pavlov (1849-1936) nasci-
do em Riaza, a hipnose ganha novos conceitos. Em 1870, Pavlov ingressou
como estudante na Universidade de Petrogrado (hoje, São Peterburgo) e, aos
41 anos, ganhou a cátedra de professor de farmacologia e, posteriormente, de
fisiologia. Sua vida dedicada à pesquisa acadêmica inicia uma fase nova para a
hipnose quando a interpreta como um fenômeno neurofisiológico.
A explicação de Pavlov enquadra a hipnose na estrutura físico-orgânico-
cerebral e representa a tentativa de uma visão puramente científica, baseada
no critério da observação de dados que podem ser medidos e comprovados.
Assim, a hipnose passa a ser exclusivamente analisada em bases materiais,
fisiológicas e orgânicas. Neste caso, palavras como Transe, Sugestão,
Sugestibilidade, Sensibilidade, Imaginação, Emoções, Desejos e Sentimentos
não são termos válidos e devem ser evitados. Por exemplo, no lugar de “transe
hipnótico”, prefere “estado alterado de consciência”.
Para a escola russa, a atividade psíquica nada mais é do que a atividade
do cérebro e, com esse argumento, contesta também as hipóteses que
sustentam a teoria psicanalítica. Seus seguidores consideram que os
psicanalistas não têm prova suficientemente palpável do inconsciente humano
para afirmá-lo como verdadeiro. Por sua vez, defendem-se os freudianos,

81
(GAY, Peter. FREUD: Uma vida para o nosso tempo. S. Paulo, Companhia das Letras, 1986).
82
LUNDIN, R. W. Uma análise do comportamento. 1992.
156 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

argumentando que os resultados práticos da cura dos sintomas neuróticos


constituem uma prova suficiente da veracidade dos seus métodos.
O embate entre a escola russa e as demais escolas gerou e continua
gerando muita polêmica, mas permitiu a possibilidade da hipnose ser admitida
como um fenômeno científico. Vista por este ângulo, a hipnose é,
simplesmente, associada ao Reflexo Condicionado e, por isso, seus adeptos
defendem que é possível hipnotizar animais não racionais. Outras escolas
sustentam que “condicionamento” é bem diferente de “sugestionamento” e que
irracionais são condicionáveis e não sugestionáveis.
Aves, répteis, batráquios, entre outros animais, são facilmente postos em
catalepsia por meio de manobras físicas de excitação sensorial. A escola russa
considera que esse processo não difere daquele produzido no mesmerismo, o
quê muda é a explicação teórica. A hipnose baseada na sugestão verbal
(escola de Nancy), só é admitida como possível em humanos e não depende
de toques físicos, que podem ser entendidos como estímulos para reflexos
neurofisiológicos (escola russa) ou resultado de ações magnéticas através de
toques físicos (escola mesmerista).
Lafontaine acredita que a ação do magnetismo, além do ser humano,
pode agir sobre animais e vegetais. Sobre isso escreveu no seu livro, A arte de
magnetizar, como teria magnetizado uma série de animais. A isso também se
reporta Bué em seu livro O magnetismo curador, volume II. Bué, fundamentado
nos aforismos de Mesmer, relata como, entre 1841 a 1848, pela ação
magnética, foram induzidos animais ao estado cataléptico. Bué diz ainda como
esta ação também pode agir sobre vegetais, “curando-os quando estão doentes
ou apressando-lhes o crescimento e a florescência”.
A hipnose, baseado nos princípios da interpretação materialista da
atividade nervosa, teve por subsídio o famoso trabalho de Pavlov sobre a
fisiologia no estado hipnótico do cão. 83 Às suas experiências com cães,
devemos também a doutrina da inibição da excitação e inibição cortical, dois
processos que, segundo a escola russa, explica a atividade nervosa superior
dos animais e dos seres humanos. Mas, para Weissmann, os estímulos que
provocam uma ou outra dessas duas atividades são relativamente fáceis de
controlar em animais, tornando-se complicados no ser humano.
Pavlov conduzia os famosos experimentos com cães e demonstrava
como os reflexos condicionados se desenvolviam. Tocava-se uma campainha
sempre que o cão, quando estava com fome, era alimentado e, com a
constante repetição disso, os cães salivavam quando a campainha soava,
embora não recebessem o alimento. Tinham aprendido a associar o som da
campainha ao alimento e, então, a campainha estimulava o fluxo da saliva. A
salivação era o reflexo condicionado que fora estabelecido.

83
PAVLOV, I. P. Reflexos condicionados e inibições. RJ, Zahar, 1976.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 157
Seguidores da escola de Nancy, opositores da escola de Pavlov,
contestam afirmando que o estado hipnótico é, antes de ser um fenômeno
fisiológico cortical, um fenômeno extremamente racional. O hipnotismo humano
difere, portanto, dos simples condicionamentos, é baseado mais nas leis da
imaginação do que no fisiologismo. Para induzir um cão bastam os expedientes
fisiológicos e sensoriais, aplicando-lhes os estímulos fisiológicos na dosagem
necessária o cão dormirá.
Weissmann, aliado com os autores contrários à tese da escola russa, diz
que diferentemente do ser humano, o cão, satisfeito em sua necessidade, não
tem resistência maior aos intentos do hipnotista que o faz dormir; nada
questiona, age apenas pelo seu instinto, sem a emoção que é privativa do ser
humano. Para levar um animal à hipnose não é necessário apelar para a lei da
reversão dos efeitos dominantes que é baseada na atividade imaginativa. Isso
diferencia bem o efeito hipnótico do condicionamento:
Uma cadelinha pode ser condicionada para que ao som de uma
campainha ingira alimentos em quantidade determinada, não há perigo de
no momento assinalado passar-lhe pela cabeça algum propósito mais
importante e mais excitante do que comer. Em resumo, para hipnotizá-la
basta um fisiólogo reflexologista. Quanto ao ser humano, não dispensa a
colaboração do hipnotista para a sua complexa interpretação
(WEISSMANN).
Sem perigo de cair no excesso da interpretação fisiológica, mas apenas
com a preocupação de analisar por todos os ângulos através dos quais se tenta
explicar o fenômeno hipnótico, devem ser visto mais detalhes do que diz a tese
de Pavlov, quando se refere a hipnose como um fenômeno análogo ao sono,
um sono parcial produzido pela irradiação progressiva de uma inibição a partir
de um foco excitatório ativado no córtex, foco este que seria o estímulo
hipnótico. Pavlov 84 chamou a este fenômeno de indução recíproca e a este
foco excitatório de ponto de vigil, zona de transferência ou ponto do rapport.
Pavlov explica o processo hipnótico a partir da tese de que o córtex é o
órgão central de todas as reações orgânicas. E, de modo indireto, ele
superintende as funções viscerais, equilibrando o sistema nervoso central e o
neurovegetativo. Assim, cada órgão do corpo humano é controlado pelo córtex
que estabelece o contato entre o meio externo e o interno, através de
excitações emanadas de cada órgão. O córtex cerebral é a central diretora que
pode ser utilizada pela hipnose afim de comandar movimentos musculares,
sensações fisiológicas (frio, calor, dor ou sua supressão) ou psíquicas (alegria,
entusiasmo, tristeza, etc.). Diz ainda que o condicionamento da camada cortical
pode ser tão forte que um indivíduo, mesmo com a perna amputada poderá
sentir dores como se a tivesse. Isto ocorre por causa de estímulos que sentia
antes da amputação. Uma sugestão hipnótica pode removê-los com relativa

84
PAVLOV, I. P. The Identity of inhibition with sleep and hypnosis, N. York, Scientifc Monthly n°
17, 603-608, 1923.
158 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

facilidade. Essas impressões têm o nome de reflexos condicionados que são


inatos a cada espécie animal.
Para os pavlovianos, são poucos os reflexos incondicionados, em
comparação com os condicionados. Estes são indispensáveis aos problemas
de adaptação e sobrevivência da espécie. Pode-se agir, através do estímulo da
palavra, pela hipnose, do meio exterior até o córtex, transmitindo-se então os
comandos através do condicionamento. E, a função terapêutica da hipnose
seria possível através do descondicionamento dos reflexos nocivos e o
condicionamento de outros para proporcionar benefícios ao indivíduo. Durante
o sono fisiológico, os condicionamentos podem permanecer ativos em nosso
córtex. Estes seriam como “pontos de vigília”, estabelecidos de acordo com
certos fins e a disposição para atender às necessidades de cada um. Para
fundamentar essa teoria, Weissmann citando J. B. Burza apresenta como
exemplo:
Mães com os filhos pequenos que costumam dormir profundamente,
mesmo que se batam portas ou façam barulhos enquanto dormem, mas
acordam imediatamente a um leve choro do bebê. Também é comum,
pessoas que não usam despertador e que necessitam de acordar a certa
hora da madrugada, o consigam mesmo que estejam cansadas. É uma
espécie de auto-sugestão hipnótica, que o indivíduo dá a si próprio,
quando ainda acordado e que é capaz de nos despertar na hora certa, por
um sistema de cálculo de tempo cerebral, cujo mecanismo a ciência ainda
não consegue explicar. Da mesma maneira a palavra (a voz) do
hipnotizador penetra no cérebro do hipnotizado através desse ponto de
vigília, que é como se fosse uma luz acesa e cercada de sombras
dormentes (WEISSMANN, apud BURZA).
Diz ainda Burza que o estado de hipnose significa uma inibição irradiada,
porém não total, havendo sempre pontos de vigília e excitação concentrada,
através do qual o hipnotizável escuta o que falamos e obedece às nossas
sugestões.
Quem também aponta diferenças entre hipnose e reflexo condicionado é
o psiquiatra russo Platinov. 85 No livro The word, produzido na Rússia e
impresso na Inglaterra, Platinov afirma que muitos outros psiquiatras de seu
país recorrem à hipnose “para fazer emergir os reflexos condicionados e seus
estímulos”. Assim, ele diferencia uma coisa da outra, o reflexo é uma condição
instalada no indivíduo e a hipnose é o processo que pode ser utilizado para sua
remoção. Nesse sentido, diz: “Então o hipnotizador faz o hipnotizado retornar
na memória até o tempo ou acontecimento no qual o reflexo foi estabelecido
removendo-o”.
Em 1950 foi realizado em Moscou o I Congresso Pavloviano, quando
grandes contribuições ocorreram, somando as idéias de Pavlov com aplicações
da hipnose na medicina. Pode-se dizer que toda a teoria cortical, que alguns

85
PLATINOV, C. Faça seu teste psicológico. RJ, Ed. Edimax, 1963.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 159
autores se referem quando tratam da hipnose médica, sugiram deste famoso
congresso. Disso também deriva termos como sonoterapia, parto sem dor e a
NL-neurolingüística que apareceu como princípio terapêutico na medicina
psicossomática russa e servia também como mais uma explicação para a
hipnose.
Nos anos 70 nos Estados Unidos a NL foi transformada, por Richard
Bandler e Jonn Grinder, em PNL - Programação Neurolingüística. Fundamenta-
se no uso das palavras, dos gestos e da forma de comunicação mais adequada
para produzir a sugestão. Ambos publicam A Estrutura da Magia onde mostra
que a hipnose obedece a uma estrutura de linguagem. Criam o primeiro modelo
PNL, publicado com o nome de O metamodelo de linguagem, em seguida
estudando com Erickson escreveram Os Padrões de Linguagem Hipnótica de
Milton Erickson.
A teoria da irradiação cortical para explicar o hipnotismo continuou forte
até a década de 60. Por essa época, Volgyesi 86 já havia proposto outra teoria
neurofisiológica para a hipnose, que evidenciava a participação de estruturas
subcorticais no fenômeno, ressaltando o papel do córtex frontal. Volgyesi não
aceita a hipótese de Pavlov que afirma ser a irradiação cortical a única
explicação para o fenômeno hipnótico e propôs que o fenômeno seria devido a
uma redução temporária e reversível do fluxo sangüíneo em determinadas
áreas do cérebro. Essa teoria não recebeu muita repercussão devido à
ascendência de outras idéias sobre o assunto.
O esforço da escola russa para caracterizar a hipnose como inserida nos
padrões e na linguagem científica teve como resultado a aceitação do
fenômeno por parte da classe médica que, antes disso, era considerada nesse
meio como uma heresia científica, mentira ou simulação. A escola russa
permitiu a aceitação de fatos físicos, orgânicos, como decorrente de processos
emotivos; a cada dia é mais aceita a interação entre mente e corpo; não é mais
uma heresia médica dizer que relaxamento, crenças religiosas, transe hipnótico
e outros fatores podem afetar, até de forma inexplicável, sinais vitais
mensuráveis, como o funcionamento de órgãos do corpo humano, a pressão
arterial, os batimentos cardíacos, etc. O entendimento do processo do estresse
87
vem dessa mudança, atualmente o estresse e os efeitos psicossomáticos
passam a significar conteúdos de estudos acadêmicos regulares.

86
VOLGYESI, F. El alma lo es todo, Barcelona, 1983.
87
"Estresse" é a denominação dada a um conjunto de reações orgânicas e psíquicas que o or-
ganismo emite quando é exposto a qualquer estímulo que o excite, irrite, amedronte ou o faça
muito feliz. Funciona como um mecanismo de sobrevivência e adaptação, estimulando o or-
ganismo diante de uma experiência ou ambientes novos que causam pressões psicológicas.
No cotidiano as pessoas se defrontam com vários fatores estressantes como briga com o par
afetivo, excesso de cobrança e frustração, ansiedade exagerada ou ambiente excessivamente
barulhento. Na medida em que o cérebro interpreta estes fatores como ameaças à saúde, o
corpo fica em estado de alerta geral, até que o fato passe ou o sujeito se adapte a nova situa-
ção. Isso é “estresse” (N. do A.).
160 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

A concepção pavloviana para a hipnose estabeleceu afinidades com


muitos fatores ordinários da fisiologia e, para seus seguidores, afastou dela
inteiramente o céu de mistérios que a envolvia. No entanto, essa explicação
não é contundente e, por isso, sempre foi e é contestada até os dias atuais, não
obstante as grandes contribuições de Pavlov no campo neurofisiológico. A
justificativa neurofisiológica para explicar a hipnose parece sofismática; parte de
afirmações verdadeiramente comprovadas, por ser mensurável, para inferir
conclusões pouco prováveis, não mensuráveis. Embora faça uso de termos da
linguagem médica e do fisiologismo acadêmico, do ponto de vista das provas
científicas a tese pavloviana sobre hipnotismo é tão duvidosa quanto a tese
mesmerista.
Modernamente, na tentativa de justificar a hipótese de que a hipnose é
um resultado meramente físico-orgânico-cerebral, os seguidores da escola
russa associam os diferentes níveis de transe com ondas cerebrais do tipo alfa,
beta, gama, teta e delta. Essas ondas são produzidas pela atividade
eletroquímica do cérebro, e podem ser medidas por instrumento próprio. De
fato, sabe-se hoje, que a freqüência cerebral medida em c/s - ciclos por
segundo - é associada aos estados emocionais. Pessoas estressadas possuem
freqüência de 21 ou mais c/s, em estado de vigília aparecem às ondas Betas
(13 a 20 c/s). Já em estado de relaxamento aparecem ondas Alfas (9 a 12) e
durante o transe leve, as ondas Tetas (4 a 8 c/s). Na hipnose profunda, as
ondas Deltas (1 a 3 c/s).
Para demonstrar a relação do transe hipnótico e o estado fisiológico do
cérebro utilizam um instrumento, o “sintetizador de ondas cerebrais”, composto
de óculos estroboscópico com pequenas lâmpadas na parte interna e que
piscam rente aos olhos, acompanhado de um par de fones que difundem pulsos
sonoros rítmicos ou sugestões especificas. Os óculos e os fones são
conectados a um pequeno circuito eletrônico, que alterna a freqüência dos
ritmos luminosos de acordo com o som ou com a sugestão desejada. Acreditam
que quando usam esse instrumento, o cérebro adota o mesmo padrão de
freqüência emitido por ele e correspondentes aos variados níveis de transe que
se quer produzir no hipnotizado. Essa prática é questionada quando se
pergunta se é a freqüência luminosa que induz o transe ou trata-se de mera
sugestão indireta.
Auto-Hipnose
Émile Coué (1857 – 1926) nasceu em Troyes, na França, era farmacêuti-
co e começou a estudar hipnotismo com Bernheim e Liébaut, é conhecido como
pai da Auto-Hipnose, seu nome também é associado às pesquisas sobre o "E-
feito Placebo". Efetuou muitos estudos sobre comportamento pela sugestão e,
baseado na teoria do consciente e inconsciente, desenvolveu um método de te-
rapia. Sistematizando a hipnose como processo de auto-ajuda formulou vários
princípios e leis que fundamentam sua aplicação. Em 1910, abriu e dirigiu uma
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 161
clínica em Nancy, onde o tratamento de seus pacientes era exclusivamente gra-
tuito e por auto-sugestão.
Coué falava de auto-sugestão diferenciando isso da auto-hipnose. Com
isso, propunha obter a transformação de certos atos conscientes em inconsci-
entes pela repetição e, uma vez automatizados, eles continuam a agir em retro-
alimentação constante. Até então isso era praticado apenas com ajuda de reli-
giosos ou médicos sem, contudo, nem a religião nem a medicina reconhecerem
sua eficácia e até negarem sua prática. Mas, as bases do hipnotismo revelam
que tudo que acontece no processo hipnótico é apenas auto-sugestão, mesmo
que tenha início, direto ou indireto, em causas exteriores (ambiente, hipnotista,
ritual, etc.). É necessário que o inconsciente aceite a idéia sugerida para que
ela se realize.
A distinção teórica entre auto-hipnose e auto-sugestão parece não ter im-
portância, pode a hipnose e seus efeitos ser reconhecidos pelas duas formas. O
importante é que a partir das idéias de Coué a hipnose, como resultado de pro-
cessos sugestivos, sai do domínio exclusivo das aplicações médicas ou religio-
sas para ser revelada como ferramenta de auto-ajuda na solução de vários pro-
blemas humanos.
A partir de seus estudos, Coué estabeleceu regras e exercícios, com os
quais organizou um sistema que permite a qualquer um persuadir-se de que es-
tá passando bem, de que pode resistir a doenças e curar-se. A originalidade do
método consistia em apelar para a auto-sugestão, exercida de forma clara e sis-
temática. Dizia que uma vez que no fundo toda sugestão não passa de auto-
sugestão, cada pessoa pode auto-sugestionar, sendo o efeito mais forte do que
quando induzida por um hipnotizador:
... na verdade, não é a sugestão que o hipnotizador faz que realiza
qualquer coisa, é a sugestão que é aceita pela mente do paciente. Todas
as sugestões efetivas devem ser ou são transformadas em auto-sugestões
(COUÉ)
Coué preferiu chamar auto-hipnose de auto-sugestão, com esse nome
criou escola e estabeleceu a lei da reversão dos efeitos ou do efeito contrário
que, em síntese, diz: “Num impacto entre a vontade e a idéia, vence invariavel-
mente a idéia“. Também desenvolveu frases que orientam a auto-sugestão co-
mo: “Todos os dias, de todas as formas, eu estou melhorando cada vez mais”.
Esta frase, repetida todas as manhãs ao acordar e todas as noites logo ao dei-
tar, com os olhos fechados, sem fixar a atenção ao que se diz, mas ouvindo as
próprias palavras. É dele a idéia de que as pessoas devem pensar em coisas
boas para que aconteça no dia que se inicia, mentalizando que tudo vai se sair
bem, que o dia será muito bom, que ira se manter tranqüila em todos os mo-
mentos e encarar os imprevistos com serenidade. Tudo isso faz parte do céle-
bre método que ele chamou de “domínio de si mesmo pela auto-sugestão cons-
ciente”. Suas idéias e frases estão invariavelmente escritas nos livros de auto-
ajuda, são reproduzidas, ajustadas e compiladas sem, no entanto citar a fonte.
162 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

A relação da técnica e do método de Coué com a hipnose é clara; primei-


ro pela técnica da repetição e segundo porque a mesma frase deve ser muito
repetida, ao acordar e antes de adormecer. Como a frase abrange tudo que é
preciso melhorar, é desnecessário fazer qualquer auto-sugestão para casos es-
pecíficos. Esta auto-sugestão deve ser feita da maneira mais simples, mas me-
cânica possível e sem o menor esforço. A fórmula deve ser repetida no tom em
que se rezam as ladainhas, assim consegue-se introduzi-la mecanicamente no
inconsciente. Este é um método não só curativo como também preventivo.
Segundo Coué, a mera repetição da frase de maneira sistemática é sufi-
ciente para causar mudanças para melhorar a vida de quem a exercite. Uma
dessas frases seria alojada no inconsciente no exato momento situado entre o
estado de vigília e o sono, é o momento em que a mente inconsciente está mais
aflorada e mais propensa a aceitar sugestões. É válido o conceito segundo o
qual a hipnose corresponde a esse breve momento, quando as sugestões são
admitidas sem a crítica do consciente e, portanto, transformadas em sugestão
hipnótica. Neste caso não se trata de uma sugestão tão consciente como insi-
nua ser, é mais uma forma simples e bem prática de auto-hipnose.
A tese de Coué demonstra, com precisão, o antagonismo existente entre
a “força imaginativa e a força de vontade”. Esta força que ele chamou de “o
nosso segundo eu” pertence ao indivíduo e encontra-se escondida no
inconsciente de cada um. Depois que se toma conhecimento dessa força, só
resta fazer uso dela para promover a própria cura e bem-estar. Para ele, as
forças curativas estão no âmago de cada indivíduo.
Nos primeiros trabalhos Coué sugeria verbalizações definidas e
minuciosas, que quase sempre eram bem sucedidas. Porém, depois decidiu ser
mais eficaz através da utilização da sugestão não específica, que evitava
deliberadamente explicar ao inconsciente como alcançar um propósito. No novo
processo, a sugestão específica era prévia e o maior objetivo era o
aprofundamento do nível do convencimento para que a idéia pudesse ser
vitoriosa.
Explicando sua lei da inversão dos efeitos, Coué afirmou que, se a
pessoa pensar “eu devia gostar de fazer isto, mas não consigo” (um
pensamento negativo), quanto mais se esforça, menos conseguirá. Semelhante
a este princípio é o efeito de usar a palavra “tentar” com relação a alguma
coisa. Dizer “tentarei” implica duvidar, isto é como se a pessoa ficasse na
tentativa do fracasso. A tentativa de realizar algo deve ser encarada de forma
positiva. Deve ser dito vamos fazer, não somente tentar.
Como exemplo da lei da inversão do efeito, descreve Coué que se
alguém colocasse no chão uma tábua com dez metros de comprimento por
vinte e cinco centímetros de largura, caminharia sobre ela até de olhos
fechados. Se a colocasse entre duas cadeiras, a um metro do chão, ainda
assim não teria dificuldades em andar de uma ponta a outra, seria, neste caso,
apenas necessário um pouco mais de cautela. Se a tábua fosse estendida entre
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 163
dois edifícios de dez andares, é provável que a pessoa despencasse lá de cima
ou nem se aventurasse a atravessá-la porque o medo e a dúvida se insinuariam
e a lei da inversão do efeito tomaria conta da sua mente. É assim que Coué
expressa esse pensamento:
Suponhamos que há no solo uma tábua de dez metros de comprimento
por vinte e cinco centímetros de largura. Está claro que todo mundo é
capaz de ir de uma ponta a outra dessa tábua, sem pôr o pé fora dela.
Mudemos porem, as condições da experiência e façamos de conta que
está colocada à altura das torres de uma catedral. Quem terá, então,
coragem de avançar um metro apenas? São os senhores que me lêem?
Não, sem dúvida. Antes de darem dois passos, começarão a tremer, e,
apesar de todos os esforços de vontade, fatalmente cairão ao solo
(COUÉ).
Se a tábua estiver no alto, a pessoa vai cair porque imagina que não pode
andar sobre ela. Imagina que vai cair, e, assim, cria a impossibilidade absoluta
de realizar os passos mesmo que tenha vontade. Estando a tábua no chão
imagina que é fácil ir de uma ponta a outra e consegue sem medo. Em outras
palavras, as pessoas realizam aquilo que imaginam. E, imaginar é visualizar, é
ver mentalmente. A imaginação adquire poder pela vontade, e a vontade torna-
se poderosa pela imaginação.
Outro exemplo comum lembrado por Coué, que também explica o modo
como a lei da inversão dos efeitos atua, é o caso do indivíduo com problema de
insônia quando se deita com o pensamento de que não conseguirá dormir (uma
sugestão negativa):
Uma pessoa supondo que não conseguirá dormir tenta e quanto mais se
esforça para adormecer, mais acordado fica. Quando pára de tentar algum
tempo depois, totalmente esgotado, e começa a pensar em outra coisa,
pega no sono em questão de minutos (COUÉ).
E, cita como mais um exemplo desta lei:
Uma pessoa que está aprendendo a andar de bicicleta ainda não se
equilibra direito, vê uma árvore à sua frente e imediatamente ela tem a
certeza de que se chocará com a árvore, desesperadamente procura
evitá-la, mas vai fatalmente ao seu encontro (COUÉ).
Coué fez ainda a observação: “Quando a imaginação e a vontade estão
em conflito, a imaginação sempre vence” Isto significa, para Leslie M. LeCron,
88
que “o inconsciente sempre derrotará o consciente na disputa”.
Outra contribuição de Coué foi o que denominou de lei do esforço
dominante, que sintetiza como “uma idéia sempre tende a se concretizar e a
emoção mais forte neutraliza a mais fraca”. Assim, ele diz que basta uma
pessoa pensar que uma dor vai passar, para sentir realmente a dor
desaparecer pouco a pouco, e, inversamente, é bastante pensar que sofre para
imediatamente iniciar o sofrimento. Exemplificando, diz:
88
LeCRON Leslie M. Auto-hipnose. Ed. Record, 2ª Edição, RJ, 1979.
164 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
Conheço certas pessoas que prognosticam que, em determinado dia, vão
sentir dor de cabeça, predizendo em que circunstâncias, e, de fato, no dia
assinalado, nas circunstâncias anunciadas, sentem essa dor de cabeça.
Essas pessoas mesmas causam seu mal, assim como outras se curam
pela auto-sugestão (COUÉ).
Diz Coué que, se o nosso inconsciente é a fonte de muitos dos nossos
males, também pode trazer a cura das nossas doenças morais e físicas. Tão
grande é a sua ação sobre o nosso organismo que ele pode não somente
reparar o mal que nos fez como também curar doenças reais. Portanto, se
conseguirmos fazer crer a um doente que vai acabar o seu sofrimento, este de
fato desaparecerá e, para que isso possa ser provado, Coué recomenda que:
Isole-se uma pessoa em um quarto, sente-se numa poltrona, feche os
olhos para evitar distração e pense unicamente durante alguns instantes
que ‘tal coisa está para desaparecer... tal coisa vai acontecer’... Se for
realmente feita a auto-sugestão, isto é, se o seu inconsciente aceitou a
sua idéia, com grande admiração verá realizar-se aquilo em que havia
pensado (COUÉ).
Recomenda também Coué que só se pode pensar em uma coisa de cada
vez, isto é, “duas idéias podem se justapor, mas não se sobrepor”. Lembra que
a vontade não deva intervir na prática da auto-sugestão; porque, se ela não
está de acordo com a imaginação, se a gente pensa: “quero que tal coisa
aconteça”, e a imaginação diz: “tu queres, mas isso não sucederá”. Neste caso,
além de não conseguir o que se quer, se obtém exatamente o contrário. O
importante é a imaginação e não a vontade, não é a vontade e sim a
imaginação que nos faz agir. Não é importante querer, mas sim imaginar.
A imaginação é o poder que a mente tem de formar imagens e, é “vendo”
essas imagens que as coisas acontecem como de fato se quer. Não é
importante querer ser vencedor, é importante imaginar e ver-se vencedor e
fazer disso um pensamento dominante. Visualizar a cena futura como se ela
estivesse acontecendo é a forma mais eficaz de evitar a lei do efeito contrário, o
resultado é a conquista efetiva do que representa as imagens que se carrega e
se nutre na mente.
Em Genebra, em 1920, Charles Baudouin publica o livro Sugestão e
Auto-sugestão e dedica esta obra ao seu mestre Coué, revelando profunda
admiração e respeito por seu método e ensinamentos. A auto-sugestão ganha
o mundo, os europeus aplicaram sua teoria e a consideram de grande valor. O
livro de Coué, em 1956, é traduzido para o português 89 e logo encontra no
Brasil uma legião de seguidores, mas quando Coué fez uma série de
conferências nos Estados Unidos, jornalistas céticos ridicularizaram suas
idéias. No entanto o futuro lhe reservou a recompensa; hoje suas formulas de

89
COUÉ, E. Auto-sugestão consciente - Que digo e que faço - O domínio de se mesmo. RJ, Mi-
nerva, 1956.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 165
auto-ajuda são copiadas por centenas de autores americanos e milhares no
mundo, embora nem sempre o cite diretamente como autor.
Na mesma linha do pensamento de Coué apareceu o pastor americano,
Norman Vicente Peale, que apresenta uma versão religiosa para a força do
pensamento, mistura reza e imaginação para conquistar o sucesso e com essa
idéia lançou, em 1952, o livro O Poder do Pensamento Positivo. 90 Vários outros
seguiram caminhos mais ou menos parecidos até chegar a Rhonda Byrne que
produziu um livro com o titulo de O Segredo. 91 Byrne tenta justificar que o
pensamento funciona como um verdadeiro ímã que, literalmente, atrai tudo que
é imaginado e, para fundamentar sua explicação carregada de “magnetismo”,
recorre à física quântica. Tudo parece ser uma versão pós-moderna das antigas
teorias magnéticas associadas ao poder do pensamento. Esses novos autores
misturam conceitos antigos e novos para formar sua base explicativa de acordo
com a linguagem em uso, mas a idéia é sempre a mesma.

90
PEALE, Normam Vicente. O Poder do Pensamento Positivo, SP, Editora Cultrix, 2002
91
BYRNE, Rhonda. O Segredo, RJ, 1ª Edição, Ed.Ediouro, 2007.
166 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

CAPÍTULO III - ETIOLOGIA DA HIPNOSE

Quanto à questão de se tentar entender como se processa o transe hip-


nótico deve ser analisada, sem tomar partido, as principais explicações e leis
que se conhecem a respeito. A partir daí, com visão plural das argumentações,
poderá ser assumida preferências ou convicções pessoais definidas.
Começando por analisar a afirmação de que, numa sessão de hipnotismo
observa-se um impacto, não precisamente entre duas vontades, uma forte e
outra fraca, o que se observa é um impacto entre a vontade do hipnotizado e a
imaginação ou a idéia do hipnotista, estratégica e metodicamente elaborada.
Quanto mais forte aquela, tanto mais vitoriosa esta última. Assim sintetiza a lei
da reversão dos efeitos de Emile Coué: 92 “Num impacto entre a vontade e a
idéia, vence invariavelmente a idéia”.
Dentre os exemplos mais típicos da lei da reversão dos efeitos, está a
dificuldade que é experimentada quando, de súbito, alguém quer lembrar um
nome. Justamente no momento em que mais precisa do nome, ele não vem à
mente. Quanto maior a pressa, quanto maior o esforço, maior a dificuldade. É o
impacto da idéia do esquecimento contra a vontade imperiosa da lembrança a
bloquear a memória. O nome invocado vem à mente, à medida que é
renunciado ou é moderada a vontade da lembrança.
Nas sessões de hipnotismo, a reversão de efeitos se produz
artificialmente pela intensa e súbita mobilização da vontade do hipnotizável.
Sendo dito ao hipnotizado que ele é incapaz de lembrar de seu próprio nome,
reage desesperadamente contra a sugestão, ou seja, a idéia (no fundo, vontade
dele) de provocar o fenômeno. E por ser a vontade dele, não será capaz de
dizer seu próprio nome. Semelhantemente, sugere-se que ele não consegue
articular uma determinada palavra, que está preso na cadeira, que não
consegue abrir os olhos. Este é o efeito, ou melhor, a reversão de efeitos, a
produzir os resultados espetaculares que ocorrem nas demonstrações de
hipnotismo.
A lei da reversão dos efeitos não se põe em ação com a mesma
simplicidade com que se põe a funcionar um engenho mecânico, isto é, ligando
uma chave ou apertando um comutador. Para que a referida lei funcione, é
preciso que o hipnotizável esteja convencido da autenticidade da experiência e,
subsidiariamente, também da vontade que o fato ocorra. E, para tanto, é
preciso que o hipnotista convença. Não fora assim, qualquer pessoa, em
qualquer circunstância, poderia hipnotizar qualquer pessoa, bastaria proferir
uma sugestão para ser obedecido, o que só acontece se for o indivíduo
devidamente convencido de que, de fato, vai acontecer.

92
COUÉ, E. Auto-sugestão consciente - que digo e que faço - O domínio de si mesmo. RJ, Mi-
nerva, 1956.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 167
A Lei do efeito dominante afirma que a técnica hipnótica consiste na
animação e ativação de idéias, dramatizadas para fins determinados; tem de
valer-se da seleção de efeitos emocionais dominantes. Baudouin, Coué e
Pierce acrescentaram a isso o princípio da reversão dos efeitos. Isto significa
que, nos indivíduos, uma emoção mais forte sobrepuja uma emoção de
intensidade menor. Exemplo: uma pessoa está sob a emoção do prazer quando
lhe sobrevém uma situação de perigo. Produzindo o perigo, que é uma emoção
mais forte do que o prazer, o sentimento de prazer desaparece à medida que o
de perigo ganha proporções.
O expediente psicológico da emoção é válido quando se torna necessário
reavivar, fortalecer ou aprofundar o processo hipnótico, condicionando as
sugestões às experiências emocionais mais fortes do hipnotizado, como amor,
alegria, tristeza, ciúme, medo, repulsa, entre outros. É por esse fato que, nas
sessões de palco, ocorre grande efeito sugestivo quando é sugerido para o
hipnotizado viver situações como tempestade, ataque de insetos, inundações
ou passeio no campo, pescaria no lago, montaria a cavalo, etc.
Uma pessoa hipnotizada transforma-se facilmente em instrumentista,
maestro, cantor, orador ou personagem histórico. É que a idéia de sucesso
representa um dos efeitos dominantes, por ser o sucesso uma das emoções
mais poderosas, capaz de fazer desaparecer momentaneamente outras que,
até então, vinham ocupando as energias anímicas do indivíduo. Para os
estudiosos do comportamento, a própria autocrítica, ou seja, o medo de ser
exposto ao ridículo, desaparece facilmente diante da emoção toda poderosa do
êxito.
Hipnose é projeção
Entre outras explicações, a hipnose pode ser vista como uma projeção. A
idéia externa, ou seja, o desejo do hipnotista que tem de refletir, de certo modo,
a idéia interna, ou seja, o desejo do hipnotizável. Este conscientemente, sem se
dar conta do fato, projeta sobre a pessoa do hipnotista os efeitos de sua própria
vontade, assim como projeta sobre ele suas próprias fantasias e seus próprios
desejos de realizar o inusitado. Por esta hipótese, o hipnotizado sucumbe à sua
própria vontade, que se confunde pela projeção com a idéia ou a imaginação do
hipnotista.
Na linguagem psicanalítica, o fenômeno da projeção é um mecanismo de
defesa, consiste na atribuição a outros de impulsos que o indivíduo não pode
aceitar, mas que são provenientes de seu próprio aparelho psíquico. Sentimen-
tos próprios indesejáveis são atribuídos a outras pessoas. Isso explica em parte
o que acontece na regressão ou terapia por vidas passadas, quando o hipnoti-
zado consegue se livrar da culpa e da vergonha de atos ou lembranças reprimi-
das. Acreditando que é outra pessoa, libera mesmo que de forma simbólica su-
as próprias lembranças auto-censuradas.
168 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Hipnose é sugestão
Esta tese defende a relação entre hipnose e sugestibilidade, afirmando
ser a hipnose o resultado da sugestão. Baseia-se no princípio de que, se o indi-
víduo é sugestionável, poderá por sugestão ser levado ao estado hipnótico. Por
intermédio das palavras, é possível interferir no seu estado emocional, torná-lo
alegre ou triste, melancólico ou bravo.
Estbrooks,93 referindo-se a sugestão como elemento que desencadeia a
estado hipnótico, diz que “O hipnotismo é um estado de exagerada sugestibili-
dade induzida por meios artificiais”. É também com base nestes argumentos a
definição do Warren,94 um dos mais acatados dicionários de termos psicológi-
cos, definem a sugestão como sendo a condição para levar uma pessoa a agir
independentemente das suas funções críticas. Afirma que é a indução ou tenta-
tiva de indução de uma idéia, crença, decisão ou ato realizado na pessoa alhei-
a, por meio de estímulos verbais ou outros estímulos, cujo objetivo é também
levar uma pessoa a agir independentemente das suas funções críticas.
Um estado tendente a aguçar a sugestibilidade quase equivale a dizer
que hipnose é do princípio ao fim, sugestão. É na teoria de Hull, sugestibilidade
aumentada ou generalizada. 95 Qualquer teoria ou conceito sobre hipnose, seja
qual for a parcela de verdade que contenha e o grau de sua importância prática,
não valem senão à medida que elucida as motivações e os mecanismos desse
fenômeno eminentemente natural, que é a sugestão, nas suas diversas
graduações.
Há uma tendência de desmerecer o fenômeno da hipnose com o
argumento de que tudo não passa de sugestão, como se a sugestão fosse
necessariamente uma coisa superficial ou desprezível, sem importância para a
nossa vida. Acontece que a sugestão representa uma das forças dinâmicas
mais ponderáveis da condição humana. Não acarreta unicamente alterações
sensoriais e modificações de memória, podendo afetar todas as funções vitais
do organismo, tanto no sentido positivo como negativo.
A sugestibilidade, embora sujeita a variação de grau e de natureza, é um
fenômeno rigorosamente geral. É possível que todas ou quase todas as
pessoas sejam hipnotizadas se o hipnotista aplicar o método adequado para
induzir a sugestão. Assim, defende-se como tese que a sugestão é uma força
que domina a todos, em grau maior ou menor, não exerce apenas uma ação
superficial ou acidental em nossa vida, pelo contrário, pode até definir o modo
de viver.

93
ESTBROOKS, G. H. Hipynotism. N. York, Dutton, 1943.
94
WARREN, H. C. Dictionary of psychology, N. York, Hougton Miffin, 1934.
95
HULL, C. L. Hypnosis and suggestibility. An: Experimental approach. D. Aplleton - Century,
1933.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 169
96
Weissmann define sugestão como sendo a tendência que o indivíduo
tem de agir sob o mando ou influência de outrem:
Por sugestão entendemos comumente a tendência que o indivíduo tem de
agir sob o mando ou a influência de outrem, quer por meio de uma ordem
ou instrução direta, quer por outros meios quaisquer (WEISSMANN).
A sugestão hipnótica poderia ser definida ainda como um processo de
comunicação que resulta na aceitação convicta de idéias, crenças ou impulsos,
sem necessidade de fundamento lógico. É a tendência a criar na pessoa uma
atitude, fazendo com que ela aceite coisas imaginárias como se fossem reais.
Considerando que sugestão não é hipnose, seria pelo menos o preâmbulo da
hipnose; toda e qualquer hipnose começa pela sugestão, ainda que seja por
vias indiretas como ambientes e fatos que dispensam a sugestão verbal.
Sugestão é prestígio
O prestígio do hipnotista é um dos fatores decisivos na indução hipnótica;
geralmente só se consegue hipnotizar pessoas junto às quais se tem o prestí-
gio. Essa explicação começa por analisar a definição da sugestão como sendo
“a tendência que a pessoa tem de agir sob o mando ou a influência de outrem”.
Com base nesta afirmação questiona-se o que determina a tendência de uma
pessoa agir a mando ou sob influência alheia, e aceitar coisas imaginárias co-
mo se fossem reais. O prestígio deriva quase sempre da idéia de poder, de
competência ou de carisma que por sua vez, demanda da aparência, conheci-
mento ou atitudes de uma pessoa.
Para os psicanalistas, o prestígio se forma em virtude de uma situação de
transferência. Seria, citando Sandor Ferenczi, 97 “a expressão inconsciente
instintiva e automática da submissão frente à autoridade materna ou paterna”.
O prestígio do hipnotista resultaria da confusão inconsciente do hipnotizado que
confunde a pessoa do hipnotista como sendo seu “pai” ou “mãe”.
Segundo Weissmann, esse ponto de vista psicanalítico não é sempre
aceito, considerando que nesse caso o hipnotista feminino só conseguiria
hipnotizar quem fosse dominado pela autoridade materna, enquanto o
hipnotista masculino só induziria indivíduos habituados ao mando do pai,
fenômeno este que, na realidade, nem sempre se confirma. Acreditar, porém,
no fato de que uma pessoa pode ser hipnotizada praticamente por qualquer
hipnotista, independentemente das suas emoções pré-formadas, não chega a
invalidar essa tese, levando em conta que o fator prestígio não se forma
exclusivamente à base da experiência infantil da autoridade parternal-maternal.
Hipnose é sono
Nos primórdios do hipnotismo clássico, o primeiro a associar o estado de
hipnose ao estado onírico foi o Marquês de Puységur com a teoria do
sonambulismo artificial. Ele tinha, sem dúvida, sua parcela de razão. Até hoje
96
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958.
97
FERENCZI, S. Theorie und technik der psychoanalyse. Boni & Liveright, 1927.
170 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

são reconhecidos os indivíduos sonâmbulos como sendo ótimos hipnotizáveis,


atingem um estágio muito profundo da hipnose denominado como sonambúlico.
Mas, o primeiro a intentar uma discriminação mais acirrada entre o sono natural
e o sono hipnótico foi Braid, com a teoria do neuro-hipnotismo. Braid chamou o
estado de hipnose de sono nervoso provocado (nervous sleep) para diferenciá-
lo do sono natural. A hipnose passou a ser sono ou uma espécie de sono para
a quase totalidade dos pesquisadores, dentre os quais Liébeault, Binet, Fere,
Bernheim e muitos outros nomes mais ou menos eminentes.
Pavlov também descreve o estado hipnótico em termos oníricos. Afirma
que a diferença entre o “sono hipnótico” e o “sono natural ou fisiológico” é de
grau e não de natureza. Para ele, o sono hipnótico apresentaria uma inibição
cortical menos completa do que a do sono fisiológico, assim a hipnose poderia
ser um sono parcial. Insiste que a hipnose represente uma inibição da função
cortical superior. Outros autores, não concordando, afirmam que se esse ponto
de vista correspondesse à realidade, as pessoas hipnotizadas seriam
incapazes de executar atos inteligentes, o que na prática não se verifica. É
nesse sentido a opinião de Weissmann:
Reflexo condicionado pode prevalecer, de certo modo, como explicação
científica do sono fisiológico e do sono artificial, mas não explica a
hipnose humana, senão unicamente na parte onírica (WEISSMANN).
Dentro da própria psicanálise podem ser vistos ainda pontos em favor dos
conceitos oníricos da hipnose, no estado de transe ou no sono fisiológico
mergulhamos nos meandros do inconsciente. O estado de hipnose apresenta
fenômenos que se assemelham aos mecanismos da dinâmica dos sonhos. E os
sonhos, na definição de Freud, representam, por sua vez, “a vida mental
durante o sono”.
Mesmo contando com muitos pontos em comum, a hipnose não pode ser
considerada como sono, são dois estados diferentes. Existe no sono hipnótico
uma série de efeitos extraordinários tais como a rigidez cataléptica, a anestesia,
a amnésia pós-hipnótica, sem falar dos efeitos sugestivos de um modo geral,
que são próprios da hipnose, não ocorrendo no sono fisiológico. A pessoa
fisiologicamente adormecida não reage aos estímulos sensoriais da mesma
forma pela qual reage o indivíduo hipnotizado, a não ser que tenha sido
convertido o sono natural em sono hipnótico, ou que se trate de um sonâmbulo.
Enquanto o hipnotizado fica atento ao mais leve sussurro, para fazer ouvir o
adormecido alguém tem de falar alto ou mesmo gritar.
É válido o conceito segundo o qual a hipnose corresponde ao breve
momento que medeia o estado de vigília e o sono. Esse breve momento seria
artificialmente induzido e prolongado pelo hipnotista, mas, para o público de um
modo geral, o hipnotista continuará, para todos os efeitos e ainda por muito
tempo, como sendo o homem que faz dormir. No entanto, recentes pesquisas
com o PET, põem definitivamente fim na discussão. Os resultados mostram de
forma clara e precisa que embora o hipnotizado pareça adormecido, a área
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 171
cerebral da atenção é acionada como se ele estivesse em vigília. Se o indivíduo
estivesse em um estado próximo do sono, o que não ocorre na hipnose, o
mapa cerebral demonstrado no exame seria completamente diferente, com
outras áreas ativadas. 98 Logo, definitivamente hipnose não é sono.
Entrega amorosa
Por esse ângulo a hipnose é vista como um paralelo traçado entre a hip-
nose e o apaixonamento. O que não se justifica unicamente por mecanismos
sugestivos, mas também pela motivação afetiva do hipnotizado que, inconsci-
entemente, encontra identidade de valores (reais ou transferidos) no hipnotista
e promove o que se denomina de entrega amorosa. Freud formulou sua expli-
cação para o estado hipnótico nesta base; segundo ele, o estado de hipnose
corresponderia a uma entrega amorosa e, para justificar, em sua autobiografia
conta que uma jovem o abraçou muito afetivamente ao sair do transe. Isso, de
fato, pode ocorrer nas sessões de hipnose embora não seja regra, parece que
depende de valores afetivos, nutrido independente do processo hipnótico, que
se manifestam mais livremente no transe ou logo após.
Concluiu Freud que a hipnose traz certo grau de satisfação de caráter
libidinal, as reações e a própria expressão fisionômica de muitos pacientes
femininos indicam visivelmente estados emocionais que colaboram com essa
explicação Freudiana. Muitos ao despertarem do estado de hipnose, ainda que
não cheguem a abraçar o hipnotista, demonstram comportamento e expressão
facial de quem está apaixonado, podendo chegar, em outros casos, a uma crise
de pranto. Para aqueles que defendem essa hipótese, essas reações talvez
traduzam, mesmo que inconscientemente, aprovação e ou arrependimento do
hipnotizado pelas emoções que acabaram de experimentar.
Também é dentro da perspectiva psicanalista que se encontra a tese que
associa a imagem do pai ou da mãe como uma figura autoritária que, durante a
hipnose, é confundida com o hipnotista. Neste sentido o transe estaria
relacionado com a aceitação do hipnotizado a uma figura autoritária, o que
provocaria uma regressão emocional representada pela volta a uma fase
anterior do desenvolvimento emotivo, quando sobressairia o pensamento
mágico e simbólico. A mente do hipnotizado, regredida a um estágio de
dependência infantil, liga-se emocionalmente com o hipnotista que fica
revestido de qualidades excepcionais, podendo então fazê-lo obedecer. Dentro
dessa perspectiva, para o hipnotizado o hipnotista representa a imagem do pai
ou da mãe e a hipnose seria uma evocação infantil da relação masoquista
erótica.
A teoria psicanalítica descreve o estado hipnótico como resultado do
desejo do hipnotizado de ser controlado por uma pessoa que, para ela, em
determinados momentos, se parece com um dos pais (transferência), ou como

98
SUPER Interessante. Visão hipnótica, S. Paulo, revista mensal, Editora Abril, maio de 1998,
p. 40 - 45.
172 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

resultado do seu desejo de satisfação de impulsos eróticos ou masoquistas


inconscientes. Pode também o hipnotizado, ao submeter-se à hipnose,
representar neste ato um desejo latente de proteção e segurança que se
materializa na transferência.
Freud justifica a entrega amorosa afirmando que a credulidade como a
que o hipnotizado se dispõe a ter para com o seu hipnotizador, encontra-se,
fora da hipnose, na vida real, somente na criança face aos seus pais amados.
Para ele a hipnose pode ser entendida como uma relação amorosa com plena
entrega; a coincidência da estima exclusiva com a obediência crédula que
ocorre nas sessões são também características presente no sentimento de
amor.
Em geral, nas explicações de origem Freudiana, dá-se uma excessiva
importância ao elemento sexual, integrado às relações materno paternal.
Contudo, é muito difícil a comprovação dessa importância na relação entre o
hipnotizado e o hipnotista. Muitos autores se posicionam contrariando essa e
outras explicações baseadas nas hipóteses Freudianas, entre eles, Sarbin,
quando afirma “A hipnose representa uma forma de comportamento psicológico
social mais generalizado do que a simples entrega amorosa ou o
apaixonamento”.
Freud deu muita relevância ao lado sexual e, a isso, atrelou quase que
totalmente a suas conclusões. Ao elevar o lado sexual e dar menor importância
aos aspectos sociais e culturais, encontrou em seus próprios seguidores muitos
dissidentes e, por causa disso, vários foram os que se afastaram de uma
parcela das suas teorias e formaram as chamadas teorias neofreudianas.
Alguns dos mais importantes são: Carl Jung, Alfred Adler, Karen Horney, Harry
Sullivan e Erik Erikson. Todos eles são considerados neofreudianos e o ponto
de divergência principal com o mestre é justamente a excessiva importância
dada ao elemento sexual.
Mamadeira hipnótica
Fundamentada no desdobramento da teoria freudiana, esta explicação
afirma que a hipnose se identifica com a experiência infantil da lactação. Em
síntese, defende que o indivíduo em transe agarra-se às palavras do hipnotista,
mais ou menos como a criança se apega ao seio materno. O hipnotizado é
verbalmente amamentado pelo hipnotista, cujas palavras monótonas,
constantes e fluentes atuam como um substitutivo simbólico do leite materno.
A hipótese da mamadeira hipnótica tenta provar que, na hipnose pela
sugestão verbal, toca-se no inconsciente pela associação com o processo da
amamentação; desta forma a própria voz do hipnotista é um dos elementos
importantes no trabalho de indução, se incorpora ao Ego do paciente como se
fosse leite a amamentá-lo. A “mamadeira” a alimentar o transe são as palavras
suaves e monótonas do hipnotista.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 173
De acordo com a teoria psicanalítica, a hipnose reproduz os processos
normais do desenvolvimento do Ego infantil. Apresenta uma forma de prazer
libidinoso inconsciente, por permitir uma recapitulação da própria infância, da
sua evolução libidinal 99 para a genitalidade madura e adulta. Weissmann
observa a esse respeito:
Muitos dos meus pacientes, segundo declarações feitas a mim ou a outras
pessoas, tiveram a impressão de que, entre outras coisas, eu os fizera
‘mamar’ durante o transe. E note-se que, dentre as pessoas mais
hipnotizáveis, figuram os chamados tipos orais, ou seja, aqueles indivíduos
‘mal desmamados’ que se fixaram em sua evolução instintiva à fase pré-
genital, denominada fase oral, que é o primeiro dos três estágios
marcantes da evolução libidinal para a genitalidade madura e adulta. De
acordo com a teoria psicanalítica mais moderna, a hipnose reproduz os
processos normais do desenvolvimento do Ego infantil. É uma
recapitulação da própria infância (WEISSMANN).
Weissmann demonstra uma forte tendência para aceitar as explicações
freudianas, embora seja moderado quando revela suas convicções, fato que o
caracteriza como sendo um entre os melhores autores sobre o tema do
hipnotismo. 100
Gênero dramático
Neste caso a explicação seria a de que o hipnotizado é um artista
animado pelo desejo de representar o papel do indivíduo hipnotizado. No
entanto, essa explicação não indica, necessariamente, ceticismo quanto à
autenticidade dos fenômenos hipnóticos, nem compromete a idoneidade dos
“atores”. O desejo de representar e ou de cooperar com o hipnotista e
obedecer-lhe, desde que não contrarie os interesses vitais ou morais, constitui
uma característica inerente à hipnose. É uma manifestação daquilo que se
designa pelo nome de rapport. Sem estar hipnoticamente afetado, o “ator” não
se dispõe a colaborar com tanta docilidade, representando o papel de
hipnotizado de forma tão perfeita e convincente. Para fundamentar essa tese,
Weissmann apresenta como exemplo o paralelo da intoxicação etílica:
Ninguém põe em dúvida a realidade da intoxicação alcoólica ao descobrir
que o ébrio não é assim porque bebe, mas bebe precisamente por ser
assim. E não se duvida, tampouco, da influência do álcool pelo fato de o
indivíduo conservar a lembrança parcial ou total do que ocorreu enquanto
influenciado pela bebida. Da mesma forma, o hipnotizado representa o
99
Nos primeiros tempos de vida o corpo é erotizado e as excitações sexuais, localizadas em
partes do corpo, desenvolvem-se progressivamente. Freud postulou o desenvolvimento psi-
cosexual em: fase oral (a zona de erotização é a boca), fase anal (a zona é o ânus), fase fáli-
ca (a zona é o órgão sexual); em seguida, vem um período de latência, que se prolonga até a
puberdade e se caracteriza por uma diminuição das atividades sexuais. E, finalmente, na ado-
lescência é atingida a última fase, a fase genital, quando o objeto de erotização ou desejo não
está mais no próprio corpo, mas em um objeto externo ao indivíduo - o outro (N. do A.).
100
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado,
1958.
174 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
papel do indivíduo em transe, assim como o alcoólatra representa o papel
do ébrio. A fim de poder representar convincentemente seu papel
predileto, o ébrio tem de recorrer ao álcool e o hipnotizado também não
dispensa as condições inerentes ao transe para poder desincumbir-se
devidamente de sua função. Contudo, os céticos acreditam no álcool e,
sem justificativa plausível, duvidam da hipnose (WEISSMANN).
Diz ainda o autor que idêntico argumento tem sido usado contra a
autenticidade das alucinações negativas:
O hipnotizado em transe profundo recebe a sugestão seguinte: “Ao abrir
os olhos, você terá poderes para enxergar tudo, menos uma determinada
coisa ou pessoa”. A lógica diz que o objeto que o hipnotizado não vê, é
visto e não visto ao mesmo tempo, pois para poder eliminar do campo
visual o objeto suprimido pela sugestão pós-hipnótica, o hipnotizado tem
de localizar e identificá-lo primeiro, sob pena de desobedecer à sugestão
do hipnotista (WEISSMANN).
Para Weissmann, o simples desejo de representar o papel do indivíduo
hipnotizado não será o bastante para que uma pessoa sofra uma dor séria,
como entre outras, uma extração de dentes sem anestesia. Admitindo que não
esteja anestesiado no sentido próprio da palavra e, no fundo, participe
ativamente da dor a que é submetido, o fato é que em estado normal ele não
consegue assumir essa atitude, de quem resolveu não tomar conhecimento do
sofrimento físico, fingindo simplesmente ignorá-lo. Isso não obsta que se veja
ainda nesses casos um sacrifício feito ao mero desejo de representar e de
impressionar os outros. Os pacientes de Esdaille, que sofriam as intervenções
cirúrgicas mais severas, inclusive amputações, eram apontados pelos
adversários do hipnotismo daquele tempo como “um grupo de endurecidos e
renitentes impostores”.
Weissmann discordando da simples e pura dramatização se refere ao
sofrimento dos hipnotizados quando, por exemplo, se produzem bolhas de
queimadura na pele por efeito de sugestão hipnótica, embora efetivamente
queimado o hipnotizado não reaja à dor. Nesse caso a hipnose se for entendida
como um gênero dramático terá um esforço de simulação todo especial, capaz
de suportar dores, e de outros efeitos que não são possíveis em estado normal.
Logo não é só dramatização.
Algumas experiências modernas eliminam por completo a dúvida da
dramatização na hipnose e põe um ponto final na questão. Desde 1996, já se
pode observar através do PET (Tomografia Computadorizada por Emissão de
Positon) o funcionamento do cérebro. Os resultados dos exames,
demonstrados nesse instrumento, negam as possibilidades de ser o transe
hipnótico apenas dramatização. Prova que quando o hipnotizado é induzido a
sentir, fazer ou ver alguma coisa, mesmo que as sugestões sejam falsas, se
tornam verdadeiras para o seu cérebro.
Hipnose como dissociação
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 175
Uma das explicações mais populares sobre hipnose é a da dissociação
da personalidade, segundo a qual, a hipnose é um meio de acesso ao
inconsciente. Ao abrir a porta do inconsciente, a hipnose fecha a do consciente,
o hipnotizado quase sempre não se recorda dos incidentes ocorridos durante o
transe, nem dos papéis que desempenhou porque seu consciente estava
fechado ou adormecido e só o inconsciente, por assim dizer, acordado.
Esse fenômeno da dissociação opera dentro da expectativa do próprio
hipnotizado quando este espera que, à medida que entra em transe, seu
consciente se apague e seu inconsciente se manifeste. É parte fundamental e
convencional do indivíduo hipnotizado; ele instintivamente se esforça por
corresponder a esse imperativo categórico do transe hipnótico. Ao acordar,
apressa-se em declarar que não recorda de nada do que ocorreu, quando, às
vezes, com algum esforço, poderia recordar-se, ao menos em parte, do que se
passou.
Basta esclarecer aos hipnotizados que o clássico estado de inconsciência
e a conseqüente amnésia pós-hipnótica não são essenciais, que já não
constituem requisito e critério de hipnose, para obtermos uma notável redução
do mecanismo dissociativo. A amnésia e outros fenômenos decorrentes da
dissociação são, de certo modo, impostos por sugestão, o que equivale a dizer
que são mais artificiais do que reais. A consciência moral (sensor crítico)
continua alerta no estado hipnótico, de um modo geral o hipnotizado aceita o
que lhe convém e rejeita o que não lhe convém. Isso não invalida
completamente a tese da dissociação, a qual, de certo modo, está de acordo
com a divisão psicanalítica da personalidade em consciente, inconsciente e
consciência.
A hipnose efetivamente inibe as funções do consciente (o Ego), liberta,
ainda que condicionalmente, o inconsciente (o Id), mas não tem poder sobre a
consciência (o Superego). Esta última é a “polícia interior”, que continua
vigilante no mais profundo transe hipnótico para proteger o hipnotizado.
Entretanto, os três aspectos da personalidade citados não representam
compartimentos estanques, logo o Superego não é tão vigilante nem o Ego tão
consciente quanto se supõe ou o Id tão inconsciente.
Além do fenômeno da amnésia, apontam-se dissidências e desarmonias
intrapsíquicas como resultantes dissociativas. Hipnoticamente divididas, uma
parte da personalidade pode entrar em conflito com a outra, porém é este um
aspecto comum à psicodinâmica; é a clássica falta de unidade de propósitos
que Freud assinalou como sendo uma das características fundamentais dos
indivíduos neuróticos. São as pessoas que vivem em dissidência consigo
mesmo, num conflito permanente entre os deveres e os desejos.
176 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Myers, 101 assim como Émilie Coué, com base nas formulações
Freudianas, alinham-se a essa explicação para descrever o estado hipnótico,
afirma que o ser humano possui duas consciências: a supraliminar (o
consciente) e a subliminar (o inconsciente). Para eles, obtendo-se a ligação
com o inconsciente, a hipnose ocorrerá. Seria a hipnose um fenômeno
inconsciente.
Neste caso, os métodos de indução momentaneamente provocam o
desligamento do consciente e, neste instante, ocorre a revelação ou o
afloramento do inconsciente. Assim, o hipnotizado agiria durante o transe em
estado de inconsciência. Suas manifestações seriam conseqüências do que lhe
foi sugerido pelo hipnotista ou simplesmente fantasias dos seus desejos,
crenças ou fatos distantes que ocorreram em sua própria vida, dos quais, o
hipnotizado não se lembra conscientemente.
Estado normal
Por este ângulo a hipnose é um estado normal, não obstante as
alterações psicossomáticas que produz. Tenta provar a tese de que a diferença
de comportamento do indivíduo acordado para o indivíduo hipnotizado é uma
diferença quantitativa e não qualitativa. Seria, portanto, uma diferença de grau e
não de natureza.
Sob o efeito do transe hipnótico, as peculiaridades da personalidade
humana não se modificam em sua essência, mas apenas aumentam ou
diminuem. Diz a teoria do estado normal que cada pessoa reage à sua maneira,
de acordo com a sua própria dinâmica e estrutura psíquica. Na hipnose, a
dinâmica se exacerba ou diminui, mas o indivíduo não muda de personalidade.
Nunca deixa de ser o que é apenas deixa, eventualmente, cair à máscara,
manifestando, conforme as circunstâncias, suas próprias tendências
normalmente policiadas ou reprimidas. A hipnose altera, unicamente, a
velocidade e a intensidade dos processos psíquicos e produz no hipnotizado,
de acordo com as sugestões, modificações fisiológicas transitórias.
Para reforçar essa explicação de que a hipnose representa um estado
psicológico normal, lembra-se o clássico conceito de Bernheim, 102 segundo o
qual “somos indivíduos potenciais e efetivamente alucinados durante a maior
parte das nossas vidas”. O que equivale a dizer que todos vivem em regime
mais ou menos hipnótico à força da própria necessidade e do hábito. O hábito,
esse nosso aliado, representa o paradigma da normalidade e é, por definição,
uma hipnose permanente. A experiência tem mostrado que o grau de
subordinação ao hábito costuma servir, de certo modo, como critério de

101
MYERS, J. K., Weissman MM. Tischler GL, et al. Six-month prevalence of psychiatry disor-
ders in three communities, (1980-1982). In: Arch Gen Psychiatry, 41; 959-967, 1984.
102
BERNHEIM, H. Hypnosis and suggestion in psychotherapy: A tratise on the nature of hypno-
tism [Reprin]. Translad by CA Herte, New Hyde Park, N. York, Universrsity Books (1889)
1964.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 177
suscetibilidade hipnótica. Compreender o indivíduo hipnotizado equivale a
compreendê-lo em seu estado normal.
Exclusão psíquica relativa
Essa explicação também tenta demonstrar que as pessoas têm duas
mentes, denomina uma de objetiva e a outra subjetiva. A mente objetiva é a
que controla os sentidos: audição, visão, paladar, tato e olfato. A subjetiva é a
que controla a memória. A mente objetiva é capaz de raciocínio tanto indutivo
quanto dedutivo. A mente subjetiva é capaz somente de raciocínio dedutivo,
não podendo raciocinar por indução.
As duas mentes estão sempre presentes em cada indivíduo, num estado
relativo de equilíbrio, como uma gangorra e, para assegurar o estado hipnótico,
o hipnotista induz a mente objetiva do hipnotizado a retroceder, trazendo assim
à frente a mente subjetiva. Mas, em vez de vir à frente, como vem no sono
comum, sem ser controlada ou submetida à sugestão externa, ela vem
esperando ser controlada por sugestões do hipnotista. Por essa explicação, a
hipnose pode ser definida como uma condição em que se consumou uma troca
nas posições relativas das mentes subjetiva e objetiva, e em que a subjetiva foi
posta em evidência na expectativa de ser controlada pelo hipnotista ou pela
mente objetiva em recesso. O processo que alcança tal resultado é o
hipnotismo.
Quando induzida por um hipnotista, a mente subjetiva avança na
expectativa de ser por ele controlada. Neste caso, o chamado hipnotismo
ocorre por controle externo. Quando o próprio indivíduo induz a troca subjetiva
e objetiva, e a mente subjetiva avança na expectativa de ser controlada pela
objetiva em recesso, ocorre o que se chama de auto-hipnose ou auto-
hipnotismo.
O controle, uma vez estabelecido, pode ser mantido e prolongado à
vontade do hipnotista, logo que a mente subjetiva do hipnotizado aceita o
hipnotista como sua fonte de sugestões; qualquer sugestão daí por diante
assume, para o hipnotizado, a natureza de incontestável. O controle, depois
que for assumido, pode ser mantido ou ampliado pela simples sugestão, pois a
sugestão de manutenção ou extensão é aceita pela mente subjetiva como uma
verdade a ser cumprida.
A amplitude do controle não é ilimitada, está circunscrita pelo grau em
que a mente objetiva do hipnotizado, embora presente, se acha em recesso. É
por isso que, por mais bem sucedida que possa ser a hipnose, é impossível
dominar certos instintos básicos e opiniões profundamente arraigadas do
hipnotizado. Os instintos e as opiniões variam entre diferentes indivíduos. Por
exemplo: a maioria das pessoas tem um instinto básico de autopreservação
muito apurado. Para uma grande percentagem de mulheres, a fidelidade é um
princípio profundamente arraigado. O mesmo é verdade com relação às
crenças religiosas que, com freqüência, estão enraizadas firmemente e não
cedem facilmente a uma contra-sugestão durante a hipnose. De modo
178 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

semelhante, outros valores morais, éticos e espirituais assumem proporções


significativas para muitas pessoas, mas o grau atingido é uma questão
individual, representam suas próprias matrizes inconscientes.
Para Rhodes, 103 a quem se atribui a autoria do conceito de mente
objetiva e subjetiva, essa explicação é suficiente e supera todas as outras. Na
verdade essa forma de interpretar a hipnose não contraria as explicações
anteriores e até pode ser identificada como apenas reformulação de conceitos
sinônimos aos já conhecidos.

103
RHODES, Raphael H. Hipnotismo sem mistérios. RJ, Ed. Record, 1972.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 179
CAPÍTULO IV - PRÁXIS DA HIPNOSE

A práxis da hipnose é sustentada por procedimentos e na escolha


adequada de técnicas e métodos de indução, para produzir com eficiência e
eficácia o transe hipnótico, sem perder de vistas vários elementos que podem
decididamente contribuírem para o êxito do processo. É importante lembrar
que, embora bastante teorizado, estes fatores não definem um padrão. Cada
hipnotista adquire, no curso de sua experiência, um estilo próprio, além de
demonstrar afinidade ou preferência com um ou outro autor ou escola clássica,
alguns são simples e claros nas suas intenções e propósitos, outros
demonstram ser mais misteriosos, sem contar com os que preferem a linha
mágica ou mística para por em prática suas ações. No entanto, seja qual for
seu perfil, tem que conhecer e fazer o uso correto práticas conhecidas.
Técnicas de indução
São muitas as técnicas que facilitam a indução do transe; cada uma delas
se ajusta mais ou menos aos diferentes tipos psicológicos de pessoas, tanto as
que hipnotizam como as que são hipnotizadas. Normalmente é comum sua
aplicação antes do método e, em alguns casos, quando bem aplicada é
suficiente para produzir até o mais profundo nível de transe. As técnicas mais
aplicadas são: Repetição - Contagem - Escada - Leveza e Respiração -
Monotonia.
• Técnica da Repetição - Uma entre as grandes técnicas da força sugestiva
reside na repetição. Espera-se algum tempo e, fazendo de conta que foi
obedecido da primeira vez, o hipnotista repete a sugestão, dizendo
novamente ou mais uma vez seu braço se levanta. Isso implica na idéia
de uma repetição e costuma, em muitos casos, produzir resultados
surpreendentes. O hipnotizado tem a impressão de que já obedeceu e
sente a sua resistência quebrada. É como se uma voz lhe dissesse: “Isso
já aconteceu e vai acontecer de novo”.
• Técnica da Contagem - Outro recurso sugestivo, universalmente
aprovado em técnicas hipnóticas, é o da contagem. É preciso dar tempo
ao hipnotizado para que as sugestões iniciadas se tornem efetivas. É esta
a razão por que todos os métodos de indução, dos mais antigos até aos
mais modernos, recorrem ao expediente da contagem. É uso comum
contar de 1 a 3, de 1 a 5 ou de 1 a 10 para produzir certos efeitos
sugestivos. A contagem serve para elevar ao máximo a expectativa do
hipnotizado. É como quem assinala o momento preciso de um disparo
inevitável ou uma explosão iminente. A contagem, longe de dar tempo ao
hipnotizado para mobilizar-se em sentido contrário, paralisa-lhe toda a
defensiva e induz a uma grande expectativa. A contagem deve ser feita
vagarosa e pausadamente, com ênfase na afirmação da sugestão
progressiva.
180 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

• Técnica da Escada - Esta técnica faz bom uso da metáfora de aprofundar


ou elevar. Após a indução, pede-se ao hipnotizável que se imagine
descendo uma escada e, a cada degrau que desce mais se aprofunda no
transe. O número exato de degraus que se empregam pode variar,
dependendo da receptividade do sujeito. Geralmente, utiliza-se de 5 a 10
degraus, mas parece não haver uma correlação exata entre o número de
degraus utilizado e a profundidade final do transe, embora o sujeito possa
pensar que há. De qualquer maneira menos de 5 pode parecer breve e
mais de 10 pode ser longo. Ao final da escada, geralmente se aplica uma
sugestão que aumente a expectativa para o próximo passo.
• Técnica da Leveza e Respiração - Sugere-se que cada parte do corpo
começa a torna-se mais leve. “Quanto mais leve se torna o corpo, mais
relaxado se sentirá”. Também pode ser sugerido que o corpo é tão leve
que o sujeito se sente como se flutuasse ou que se vai introduzindo,
flutuando em um transe cada vez mais profundo. A técnica da leveza
pode ser associada à técnica da respiração: “Concentre-se em sua
respiração... Respire profunda e lentamente”. Sugere-se que, com cada
expiração, o sujeito vá entrando em um estado mais profundo de
relaxamento ou transe.
• Técnica da Monotonia - A ação sugestiva da repetição vem confirmar um
fator mais decisivo e fundamental para a indução hipnótica: a monotonia.
De um modo geral, as coisas se tornam hipnóticas pela monotonia e
monótonas pela repetição. A monotonia não se produz unicamente por
vias sensoriais, senão, também, pelos expedientes imaginativos e
ideativos, logo subjetivos. A monotonia externa, ou seja, do hipnotista,
tem de sintonizar-se, de certo modo, com a monotonia interna, ou seja, a
monotonia subjetiva do hipnotizado. O hipnotizado, sem se dar
conscientemente conta do fato, projeta sobre a pessoa do hipnotista os
efeitos de sua própria monotonia interior, assim como projeta sobre o
mesmo, seu próprio desejo de ter, de conquistar, de realizar etc.
Os seguidores da escola de Liébault acreditam que a hipnose resulta de
um estímulo sensorial monótono e suave e dentre esses estímulos sensoriais a
produzir o transe hipnótico, o auditivo é o mais eficiente. O intérprete mais
adequado e potente da monotonia hipnótica é a voz. A monotonia da voz
costuma superar a monotonia dos gestos e a monotonia do olhar ou da
expressão fisionômica.
A velha crença na força do olhar é um elemento que não se deve
desprezar, sobretudo quando o hipnotizado se confessa propenso a esse tipo
de ação sugestiva. Fixando firmemente os olhos do hipnotizável, o hipnotista
pode assegurar-se, em certos casos, maior controle sobre a atenção requerida
para a indução. No entanto, o aprisionamento da atenção do paciente é a
monotonia no olhar, na voz e nos gestos. O expediente da fascinação deve vir
acompanhado de uma sugestão verbal adequada, além de recomendações no
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 181
sentido de um progressivo relaxamento muscular e o controle apropriado da
respiração que deve ser lenta e profunda. A voz deve ser preferentemente
grave e sempre monótona. Suave com uns e mais enérgica com outros, sempre
de acordo com as condições emocionais e culturais do hipnotizável. Quanto ao
teor da sugestão verbal para efeito de indução, tem de obedecer a uns tantos
requisitos fundamentais, os quais, com ligeiras variantes, são os mesmos em
todos os métodos.
Métodos de indução
Antes da aplicação dos métodos, é bom verificar alguns detalhes que os
antecedem nas induções propriamente ditas, como por exemplo, o que se deve
ou não dizer nas sessões. Em muitos casos não observar essas
recomendações é o bastante para obstar em definitivo uma indução hipnótica.
Não se deve assustar o hipnotizável e, conseqüentemente, produzir nele uma
reação defensiva, mobilizando a sua resistência. Deve ser evitada uma
linguagem arrogante; trocando a arrogância pela humildade e o receio pela
confiança, o hipnotista se impõe à admiração e ao respeito, independentemente
do resultado negativo ou positivo do intento hipnótico. O hipnotista tem de
manter certa independência crítica e emocional diante do público e não insistirá
para que alguém se submeta à hipnose, embora possa convidar para que
participe por vontade própria.
A confiança entre o hipnotizável e o hipnotista é indispensável para o êxito
da indução hipnótica e deve sempre ser observado o maior respeito pelos
princípios éticos e morais nesta relação. Terminada a sessão explica-se ao
hipnotizado tudo quanto ele queira saber. Convém lembrar ao hipnotizável que
em hipótese alguma correrá para ele perigo moral ou mental e que o hipnotista
não adquire, em momento algum, domínio sobre a sua pessoa, como
falsamente se diz.
Um dos temores sempre questionado por quem desconhece os
mecanismos e a natureza da hipnose é a idéia de não acordar e de não voltar
ao seu estado normal. Por isso, independentemente da pergunta a esse
respeito, convém informar que caso o hipnotista não acorde o hipnotizado este
acordará por si só, passando do sono hipnótico para o sono natural e deste
desperta normalmente. Para terminar, explica-se ao interessado, que o transe
hipnótico se compara ao momento que medeia entre estar acordado ou estar
dormindo, momento este extremamente agradável. E, concluindo, afirma-se
que as pessoas hipnotizáveis são favorecidas, porque possuem, pelo menos
em potencial, condições para serem emocionalmente autocontroladas. A partir
daí, pode ser iniciada a sessão.
A hipnose é universalmente aceita como um fenômeno de caráter
essencialmente sugestivo. A constatação desse fato justifica a preferência
moderna pelos métodos subjetivos de indução. Antes da leitura de tais
métodos, é importante revisar os chamados elementos de indução. Às vezes
esses procedimentos bastam para concretizar o transe hipnótico.
182 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Mesmer, através de expedientes mágicos, como a imposição das mãos e


passes complicados, produzia convulsões e fenômenos subjetivos em seus
pacientes. Também Esdaille empregava passes magnéticos do ritual
Mesmeriano, acrescentado leves e ritmadas pancadas pelo corpo do paciente.
Esse processo de indução hipnótica prolongava-se geralmente por uma hora ou
mais, até que os pacientes estivessem em condições de sofrer a intervenção
cirúrgica.
Braid introduziu na hipnose o uso de bolas brilhantes e espelhos
giratórios, como objetos de fascinação. Usava vencer o paciente pelo cansaço
ocular; era o método da fascinação prolongada. Enquanto o hipnotizável
cansava o nervo óptico, a ponto de congestionar os olhos e lacrimejar, era
recomendado que concentrasse a mente na idéia do sono. Braid mudou de
tática já quase no fim de sua carreira, quando descobriu que podia hipnotizar
cego ou pessoas em recintos completamente escuros. Dessa observação em
diante, passou a dar maior importância ao fator imaginação, com a
preponderância do uso da sugestão verbal e ao detalhe da voz.
Braid, preocupado em estabelecer as causas físicas dos fenômenos
psíquicos, estava convencido da existência dos chamados pontos
termomagnéticos da cabeça. Acreditava que uma leve pressão nesses pontos
provocava no hipnotizado a manifestação de sentimentos. Os pontos
hipnógenos localizados no rosto e na face despertam auto-estima,
benevolência, fraternidade e caridade. Os localizados no alto da cabeça, na
nuca e, no pescoço despertam sentimentos de carinho. Os localizados no tórax
e abdome despertam segurança e proteção.
Dentre os recursos de indução que complementam a sugestão verbal, são
os pontos anatômicos hipnógenos os mais usados. Conhecidos desde Mesmer,
admitidos por Braid e desenvolvidos na Salpêtrière. Afirma a teoria que uma
pressão exercida pela mão do hipnotista no tórax do hipnotizado, na parte alta
do externo e logo abaixo do peito, na região que melhor possa sentir com os
dedos o ictus cárdio, pode provocar o sentimento de calma e passividade.
Acreditam que no centro do abdome são localizadas zonas que tocadas
despertam sentimentos de tranqüilidade e paz. Também falam que um abraço
amigo envolvendo o corpo inteiro seria suficiente para acalmar uma crise de
ansiedade ou forte distúrbio emocional. Para surtir os efeitos esperados os
toques devem ser feitos no nível de transe ideal e nos pontos precisos, a
pressão deve ser adequada na intensidade e na duração. Tudo isso em função
das reações do hipnotizado, logo, depende da prática, da habilidade e da
destreza do hipnotista.
No conceito de Liébeault, a voz é o principal elemento de indução,
dispensando a utilização de equipamentos e muito menos de contatos físicos
com qualquer parte do corpo dos hipnotizados. Só a voz, mais nada, na maioria
dos casos é suficiente para induzir o transe.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 183
O método de indução predileto de Charcot era baseado na excitação dos
sentidos. Ele acreditava também na existência das chamadas zonas
hipnógenas, as quais devidamente estimuladas provocavam e aprofundavam o
transe. Bastaria exercer uma leve pressão com a mão no alto da testa, na raiz
do nariz, no cotovelo ou no dedo polegar, para produzir instantaneamente um
efeito soporífico e, ainda, friccionava a cabeça e a nuca para induzir o estado
sonambúlico. Quanto a esses elementos de indução, Weissmann acredita que
não passam de uma sugestão indireta e relata:
Charcot friccionava a cabeça e a nuca para induzir o estado sonambúlico.
Escusado será dizer que essas zonas hipnógenas podem ser localizadas e
multiplicadas à vontade; funcionava no Salpêtrière e fora dela e funciona
até hoje à base da sugestão indireta (WEISSMANN).
Para Ernest Roth, 104 a indumentária do hipnotista e o ambiente da sessão
que reflitam cores combinadas ou jogo de luzes, podem servir como sugestão
subjetiva e despertar determinados pensamentos ou sensações. Roth relata
algumas experiências que, segundo ele, revelam os efeitos hipnóticos das
cores, descreve como pessoas se mostram violentas num aposento de cor
vermelho, tornando-se calmas e amistosas num cor-de-rosa. Afirma que o
cinzento está relacionado com o medo e, portanto, as pessoas que têm medo
injustificado não devem usar roupas desta cor. O castanho indica egoísmo e
deve ser contrabalançado pelo azul, que representa altruísmo.
Diz Roth, a cor correta quando usada no ambiente pode produzir bons
pensamentos, a cor branca reflete e o preto absorve todos os pensamentos
produzidos pelas vibrações das cores. Os hindus arianos usam a cor preta para
absorver os pensamentos excessivos, e assim podem atingir o estado de um só
pensamento que se torna poderosíssimo pelo aumento da concentração em
torno de uma só idéia. Diz ainda que no Tibet os chefes religiosos usam vestes
cor de ouro para induzir o estado de altas meditações e inspirações porque o
amarelo proporciona grande inspiração.
Segundo Weissmann, os hipnotistas antigos, baseado nas idéias de
Charcot, empregavam também muito flash, como descreve:
Enquanto se projetava uma luz instantânea e forte no rosto do paciente,
ordenava-se-lhe em voz tonitruante: DURMA! O indivíduo tímido é destarte
empurrado violentamente ao estado de transe por uma espécie de indução
relâmpago. Um susto ou um choque. Temos ainda o Judô Japonês, é uma
espécie de estrangulamento nervoso por meio de uma pressão sobre
certos feixes de nervos na nuca... (WEISSMANN).
Outro elemento físico de indução que nasceu na escola russa é o Judô
Japonês. Logo aos primeiros sinais positivos da indução verbal, a cabeça do
hipnotizado é abraçada pelo hipnotista, mantendo entrelaçados os dedos da
mão esquerda com os da direita, por trás da cabeça, comprimindo-lhe
fortemente. Nestas condições observa-se que o hipnotizado não só aprofundará
104
ROTH, Ernest. Métodos para hipnotizar In: As cores do hipnotismo, RJ, Tecnoprit, 1968.
184 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

no transe como não resiste ao hipnotista, embora demonstre, em vão, querer


livrar-se.
A prática demonstra que estando o hipnotizável com os braços esticados
e levantados ou com as mãos entrelaçadas sobre a cabeça, facilita muito o
processo de indução hipnótica. E, a isso, basta acrescentar o estímulo sensorial
auditivo produzido pela voz do hipnotista; nos mais suscetíveis isso é suficiente
para induzir o transe.
Método de Bernheim
Dentre os métodos subjetivos de indução hipnótica, em primeiro lugar
vem o de Bernheim, considerado o fundador da escola mentalista, ou seja, da
escola psicológica. Todos os demais métodos modernos são variantes do seu
método fundamental. Diz Bernheim:
Eu começo por hipnotizar da seguinte maneira: dizendo ao paciente que
acredite que grandes benefícios virão para o seu caso, através da
terapêutica sugestiva, que é perfeitamente possível curá-lo, ou pelo menos
melhorar o seu estado de saúde por meio da hipnose. Acrescento que,
nada há de perigoso ou de estranho nesse processo, é um sono no
sentido normal da palavra, ou então um estado de torpor, que pode ser
produzido em qualquer pessoa, estado esse que restaura o equilíbrio do
sistema nervoso. Se necessário, hipnotizo uma das pessoas na presença
do candidato, a fim de mostrar-lhe que nada é doloroso nesse processo, e
que não há sensações estranhas a acompanhar o estado hipnótico. O
paciente já não se mostra desconfiado e refratário ao nosso intento. Ato
contínuo, digo-lhe: Olhe para mim e pense unicamente no sono... Suas
pálpebras estão cada vez mais pesadas... Sua vista cansada começa a
piscar... Seus olhos estão se fechando... Estão úmidos... Você já não
enxerga nitidamente... Seus olhos vão se fechando, fechando... Fecharam
(BERNHEIM).
Bernheim referindo-se à aplicação de seu método de indução dizia que há
hipnotizáveis que fecham os olhos e entram em transe quase
instantaneamente. Já com outros é preciso repetir, e insistir dizendo: “Preste
mais atenção nas minhas palavras, preste mais atenção. Mais concentração”.
Induzia intensivamente a idéia do sono:
As suas pálpebras estão pesadas, estão se fechando... Já não consegue
manter os olhos abertos... E agora já não consegue abrir os olhos... Seus
braços estão ficando pesados... Suas pernas já não sentem o corpo...
Suas mãos estão imóveis... Vai dormir. Em tom imperativo acrescento:
DURMA (BERNHEIM).
Para Bernheim, em muitos casos, esta ordem tem ação decisiva e resolve
o problema. O hipnotizado fecha imediatamente os olhos e fica influenciado
pela hipnose. Assim que ele notava que uma das sugestões estava sendo
aceita aproveitava para formular a indução. Às vezes, recomendava ao
paciente acompanhar a experiência por meio de movimentos com a cabeça e
dizia: “Peço-lhe que faça um sinal afirmativamente com a cabeça”. A resposta
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 185
era considerada uma conquista e era preciso aproveitá-la para outras
consecutivas; dizia ele ao paciente:
Está vendo como funciona bem, como está respondendo...? Seu sono está
se aprofundando realmente... Seus braços cada vez mais pesados... Já
não consegue baixar os braços, etc. Se o paciente tenta baixar o braço, eu
lhe resisto, dizendo: Não adianta... Quanto mais se esforça para baixar o
braço, mais o seu braço vai se levantando... Vou fazer agora, com que seu
braço seja atraído pela sua própria cabeça, como se a cabeça fosse um
ímã (BERNHEIM).
Bernheim aconselha não sugerir a catalepsia dos braços, senão da
segunda ou terceira sessão em diante. Insiste o mesmo autor em que não se
deve fazer o hipnotizável fixar a vista demasiado tempo. Um minuto, no
máximo. E conclui: “Nas sessões seguintes fita-se a pessoa durante dois
segundos e profere-se a ordem simultaneamente: DURMA! É o quanto basta”.
Método de Moss
Uma versão atualizada do método subjetivo de Bernheim é o método de
A. A. MOSS, 105 dentista e um dos pioneiros da hipnodontia na América do
Norte. Dirigindo-se ao paciente, Moss lhe dizia:
Sente-se na cadeira da maneira mais cômoda possível. Agora solte o
corpo... Fixe esse ponto... [Há um ponto qualquer para esse fim, situado
de modo a forçar um pouco a vista do paciente para o alto]. - Enquanto
seus olhos fixam esse ponto... Você fica ainda mais descansado... Afrouxe
os músculos rapidamente, totalmente (MOSS).
Moss recomenda esperar dez minutos, com o relógio na mão, após este
tempo as instruções dadas em voz monótona, suave e sem titubear,
pausadamente. Continuava então:
Suas pernas já estão ficando pesadas (esperar dez segundos)... Seu
corpo está se tornando pesado... Muito pesado (espera dez segundos)...
Suas pernas pesadas... Seus braços pesados... Todo seu corpo pesado...
Está descansando comodamente, profundamente... Seus músculos
continuam a afrouxar-se cada vez mais... Mais... Mais... Mais (pausa
maior)... Seus músculos estão de tal forma relaxados que agora sente
também as pálpebras pesadas... Muito cansadas... Muito cansadas... Você
já está querendo fechar os olhos... Ao fechar os olhos sentirá um
extraordinário bem-estar... Entrará num repouso profundo (pausa maior)...
Seus músculos estão num estado de perfeito relaxamento (MOSS).
Se os olhos do suscetível se fechavam, ele omitia o parágrafo seguinte.
Caso contrário continuava dizendo: “Seus olhos estão se sentindo cada vez
mais cansados... estão se fechando... Estão se fechando... Fechando...
Fechando”. Ele reprisava essas palavras quatro ou cinco vezes se os olhos não
se fechavam, dava a ordem: “Feche os olhos...”. Se os olhos apresentavam um

105
MOSS, A. A. The comfident dentist can eliminaté gagging. The Bristtish Journal of medical
hypnotism, v. 6, n°03, 1955.
186 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

aspecto vítreo, isto significava que o paciente estava em transe. Neste caso, o
hipnotista lhe fechava os olhos com a própria mão e dizia:
Agora você está descansando profundamente... Você está se sentindo
maravilhosamente bem... Sua mente não abriga nenhum pensamento...
Enquanto eu falo você vai entrando num sono profundo... Você ouve
minha voz como se estivesse vindo de longe... Muito longe... Sua
respiração está se tornando mais lenta, mais profunda... Seus músculos
estão se relaxando cada vez mais... Você começa a sentir um
formigamento, uma dormência... De começo na nuca e depois envolvendo
lentamente o corpo todo, da nuca para baixo... Você não sente mais
nada... Nem a cadeira em que está assentado... É como se estivesse
flutuando nas nuvens... Continue a afrouxar os músculos cada vez mais...
Mais... Mais... Mais... Agora você está no sono profundo... Agradável...
Sem preocupação... Nada o incomoda... Você está tão profundamente
adormecido, descansando tão bem, que não quer acordar... Está
descansado... Afrouxando os músculos cada vez mais... Seu sono
continua agradável e profundamente... Nada o molesta... Já não há ruído
capaz de despertá-lo... Você está totalmente surdo... Só ouve minha voz...
Só obedece a mim... Só eu posso acordá-lo... Durma... Durma... Durma
profundamente (MOSS).
O método de Moos é considerado padrão; trata-se de sugestões que
atuam largamente, em virtude de seu caráter antecipatório e confirmativo, pois
as sensações que vão sendo sugeridas ao indivíduo parecem corresponder às
reações ao próprio estado de hipnose. Ele começa por sentir-se cansado. Suas
pálpebras pesadas tendem a fechar. Manifestam-se freqüentemente tremores
nas pálpebras e contrações espasmódicas nas mãos e nos cantos da boca.
Observa-se que a hipnose afeta mais rapidamente a vista e os músculos
oculares. E, mesmo estando o hipnotizado de olhos fechados, o hipnotista
ainda pode observar o movimento dos globos oculares, debaixo das pálpebras,
movendo-se em todos os sentidos, preferentemente para cima. É própria do
transe ainda uma sensação de peso dos membros, uma dormência envolvendo
o corpo, da nuca para baixo, bem como a sensação de flutuar e a impressão de
que a voz do hipnotista, a princípio poderosamente envolvente, se vai
afastando cada vez mais, porém sempre serão ouvidas as sugestões.
Método de Kuehner
G. F. Kuehner elaborou uma adaptação do método de MOSS para aplica-
ções específicas em seus pacientes. Seu procedimento fundamenta-se na su-
pressão das palavras “hipnose” e “sono”. Acreditava que essas palavras, muitas
vezes, assustavam o paciente, constituindo-se em empecilho insuperável no in-
tento da indução. Ele iniciava com um preâmbulo falando sobre as vantagens
do tratamento dentário com uso do relaxamento. Em seguida passava à reco-
mendação do relaxamento muscular, mandando que olhasse, em frente, um
ponto preto pintado na parede e que media aproximadamente vinte centímetros
de diâmetro. Recomendava este autor que as sugestões fossem espaçadas
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 187
com pausas de cinco segundos. O seu processo de indução seguia, com ligei-
ras variantes, o modelo descrito: 106
Vamos afrouxar primeiro bem os músculos. O relaxamento muscular vai
lhe proporcionar instantes muito agradáveis. Para ajudá-lo a relaxar, pintei
aquele ponto que poderá fixar. Terá de respirar umas três vezes,
profundamente, enchendo bem os pulmões e expirando vagarosamente.
Vou contar até três para que você possa relaxar completamente... UM...
Respire assim, profundamente... Mais um pouco... Está bem. Agora solte
todo o ar dos pulmões. DOIS... Outra vez. Respire profundamente... Mais
um pouco... Solte o ar dos pulmões, completamente. TRÊS... Repete com
ligeiras variações a recomendação anterior... À medida que você vai
fixando este ponto vai relaxando cada vez mais os músculos... Em virtude
do relaxamento muscular seus membros vão ficando pesados... Agora
suas pálpebras já estão ficando pesadas... Estão querendo fechar... De
olhos fechados, o relaxamento muscular se completa... Seus músculos
estão profundamente, completamente afrouxados... Está se sentindo
completo e, agradavelmente relaxado... Vou agora levantar o seu braço...
Primeiro o que está mais próximo de mim... À medida que vou levantando
seu braço você vai relaxando ainda mais os músculos, até alcançar o
relaxamento mais completo... Você está profundamente relaxado,
afrouxado... Já está quase completo o seu estado de relaxamento... Nunca
em toda sua vida você esteve com os músculos tão profundamente
relaxados... É esta uma sensação muitíssimo agradável (KUEHNER).
Neste ponto Kuehner largava o braço do paciente e observava a reação.
Quando tudo corria de acordo com o esperado, o braço continuava na posição
em que o largou o hipnotista. Se isso acontecesse, já tínhamos a rigidez
cataléptica. E prosseguia:
Está bem... Vamos voltar com o braço à sua posição anterior... Continuará
completamente relaxado como está agora, enquanto eu trabalho... Por
motivo algum você vai querer sair desse agradável estado... Nada
incomoda... E o pouco incômodo que por ventura experimentar, não será
motivo para despertá-lo do estado agradável em que se encontra agora
(KUEHNER).
O autor recomendava essa alusão a um possível pequeno incômodo para
favorecer a atitude do paciente em se manter inerte. Para ele, isso funcionava
como um estímulo à vaidade de quem sabe suportar algum sofrimento. E
terminando o trabalho dizia:
Por hoje é só... Vê, nenhum mal estar... Dentro de alguns instantes vou lhe
pedir para sair do relaxamento... Ao sair vai sentir-se bem disposto e
repousado... De agora em diante, sempre que voltar para algum
tratamento, você entrará rápida e profundamente no estado de
relaxamento muscular, bastando que eu peça para você relaxar... E ao
despertar sentirá uma sensação agradável... Sentir-se-á bem disposto e

106
KUEHNER, G. F. Hypnosis in dentistry. N. York, MacGraw-Hill Book Company, 1956.
188 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
descansado... Agora você vai contar, mentalmente, de UM a TRÊS para
acordar... Ao dizer TRÊS estará bem acordado e sorridente (KUEHNER).
Kuehner elaborou ainda um método hipnótico engenhoso para a
odontopediatria; considerava o uso da própria linguagem do paciente como
condição para a indução ao transe. Sugeria que primeiro fosse observado a
melhor forma de comunicação; a linguagem, os gestos, os costumes e os
valores. O êxito da sugestão era mais fácil e mais rápido quanto mais o
hipnotista conhecia e usava a forma de expressão da criança.
Para impor à atenção concentrada de um suscetível, o hipnotista tem que
se colocar, ainda que ilusoriamente, no lugar dele, usando, entre outras coisas
suas, no mais possível sua própria linguagem. As palavras de maior poder
sugestivo são precisamente aquelas que o próprio paciente usa. Para uma
criança o hipnotista tem que falar na linguagem dela usando o seu próprio
vocabulário.
Método de Erickson e Wolberg
A tendência de iniciar o processo hipnótico com a sugestão do
levantamento dos braços e das mãos vem-se generalizando desde os
primórdios do hipnotismo. A levitação dos braços pode ocorrer, em função do
próprio transe, independentemente de sugestões específicas. O hipnotista
sugere esse movimento a título de reforço e de antecipação. Milton Hyland
Erickson (1901-1980) 107 conjuntamente com L. R. Wolberg 108 deram, nos
EUA, maior divulgação a esse recurso técnico utilizando em seu método de
indução. Ambos consideravam o estado hipnótico como um estado de atenção
e receptividade, intensificado e aumentado pela reatividade de uma idéia ou
série de idéias. Embora esses dois autores tenham trabalhado para o
desenvolvimento do método, sua prática é conhecida como hipnose
ericksoriana.
Erickson, fundador da American Society of Clinical Hypnosis, implanta
uma linha de interpretação comportamentalista ao processo hipnótico e, por
essa razão, passou a ser preferido entre os estudiosos do comportamento
quando analisam este tema. Valoriza o transe hipnótico como recurso
terapêutico e, reconhece este estado como sendo o período durante o qual o
hipnotizado tem condições de quebrar as suas próprias limitadas estruturas e
sistemas de crença, de tal maneira que pode experimentar outros modelos de
crença e, disso, se beneficiar.
Sugere Erickson que o hipnotista, no lugar de falar diretamente com o
paciente sobre seu problema, recorra ao uso de metáforas como forma de
sugestão para eliminar os sintomas, inclusive para induzir o estado de hipnose.
Do que se pode concluir que no estado hipnótico ocorre o aumento da fé nas

107
ERICKSON, M. H. Experimental demostration of the psychopathology of everyday life. N.
York, 1939.
108
WOLBERG, L. R. Hypnoanalysis. N. York, Grune & Stratton, 1945.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 189
palavras do hipnotista e, por isso, ocorrem curas. Quanto maior for a
capacidade e habilidade do hipnotista, maior será a fé do hipnotizado e mais
rápido e eficaz será a cura.
O método de Wolberg e Erickson consiste em que o hipnotista, defronte
ou do lado do hipnotizável, preferentemente sentados, após a indução inicial,
deixa que o próprio hipnotizado dê prosseguimento ao processo, indo
formulando sugestões em função das reações apresentadas. O método
ericksoriano tem a vantagem de permitir que o hipnotizável dê o próprio passo
para entrar e aprofundar no transe. No entanto, apresenta desvantagem
quando o paciente não demonstra o comportamento dinâmico, perdendo-se aí
oportunidade da obtenção do transe em nível desejado, quando não o
impossibilita de vez. Também requer muita habilidade do hipnotista para criar a
seqüência do processo hipnótico com base nas reações do hipnotizado, o que
nem sempre é facilmente visível.
Em síntese, após a indução inicial, o hipnotista interpreta o significado dos
movimentos que demonstra o hipnotizado e vai reforçando para incentivar e
aprofundar as sensações reveladas Parece que esse método só funciona
quando encontramos simultaneamente três variáveis: um habilidoso hipnotista e
um suscetível ao transe médio ou profundo e que apresente também
predisposição dinâmica. Aliás, nesta condição a hipnose se perfaz com
facilidade, independente de método.
Wolberg e Erickson iniciam o processo de indução com estas palavras:
Afrouxe os músculos... As mãos sobre os joelhos... Vá prestando toda
atenção em suas mãos... Procure registrar tudo que sente em relação a
elas... É possível que sinta o calor ou peso das mãos sobre as pernas... Às
vezes, um formigamento... Seja a sensação que experimentar... O que
importa é registrá-la... Repare agora a imobilidade das mãos... Como
estão imóveis... Em breve, um dos dedos começará a se mover... Qual
deles se moverá primeiro?... O indicador... O mínimo?... O polegar?... Não
se pode prever... Será o primeiro dedo da mão direita?... Ou um da
esquerda?... Repare, um já começou a mover-se... Agora, os dedos vão-
se abrindo... Estão-se separando cada vez mais... Agora, as pontas dos
dedos vão-se levantar... Também as mãos vão começar a se levantar...
Também os braços se levantam... Quando as suas mãos chegarem à
altura do rosto, você estará profundamente adormecido... À medida que as
suas mãos se aproximam de seu rosto, o seu sono (ou hipnose) se
aprofunda... Ao tocarem o rosto, você estará em sono profundo... Durma
tranqüilamente... Nada o molesta nada o preocupa... Sua mente vazia...
Você está perfeitamente à vontade... Está se sentindo perfeitamente
bem... É uma sensação agradável de perfeito bem-estar... Só ouve minha
voz... Só eu posso acordá-lo, etc. (WOLBERG e ERICKSON).
Método da Autovisualização
Autovisualização é um dos métodos mais tipicamente subjetivos, não se
sabe ao certo a quem se atribuir autoria. Acomodada em uma cadeira, poltrona
190 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

ou leito, a pessoa recebe a recomendação de imaginar-se com os olhos


fechados, enquanto ele próprio se esforçará durante algum tempo por manter
os olhos abertos. A sugestão é processada na forma imaginativa:
• Imagine-se de olhos fechados, dormindo... Mas, enquanto a sua imagem
é visualizada de olhos fechados, você continuará de olhos abertos,
enquanto puder... Você está conseguindo imaginar-se a si mesmo de
olhos fechados, dormindo? (O hipnotizado responderá afirmativamente,
com o movimento da cabeça ou da mão). Você vai sentindo sono
também... Como exemplo de sua imagem, você vai também entrando
num profundo sono... Você vai sentindo sono também... Pensando em si
mesmo de olhos fechados... Já está querendo dormir também... Etc.
Este método tem-se mostrado particularmente eficiente com certas
pessoas refratárias aos processos menos subjetivos de indução. Já se disse
que a hipnose se baseia acima de tudo nas leis da imaginação. E imaginar é
visualizar, é ver mentalmente. Algumas pessoas, refratárias a assimilar
sugestões prontas, contam com essa facilidade e, por isso, são excelentes
candidatas naturais aos processos de auto-hipnose.
Método da Estrela
De autoria desconhecida, foge da linha dos métodos anteriores por ser
profundamente subjetivo e de grande efeito simbólico. Conhecido desde o fim
do século XIX, foi aplicado em toda a Europa por Afredo Baron d’Hont apelida-
do de Donato (entre 1875 a 1886) e Karl Hansen (a parir de 1880) em suas
conferencias e experiências públicas com demonstrações de hipnose coletiva
(JAGOT) 109.
Estando o hipnotizável bem acomodado na cadeira, e instruído quanto à
maneira de colocar as mãos sobre os joelhos e recostar a cabeça, com todos
os músculos bem relaxados, o hipnotista pede que feche os olhos. Em seguida,
o processo é iniciado:
• Você agora vai usar de toda sua capacidade de concentração nas minhas
palavras... Toda sua força de imaginação nas minhas palavras... Com os
olhos de sua mente você vai enxergar aquilo que vou lhe dizer.
O hipnotizável ainda não sabe o que vai ser sugerido, e isso prende a
atenção e aumenta nele a expectativa, dois aliados indispensáveis na indução
hipnótica. Como o hipnotizável ainda não sabe o que vem pela frente, após
uma pausa de pelo menos dez segundos é dito:
• Uma estrela solitária no céu... Fixe bem esta estrela... A estrela vem se
aproximando lentamente... Lentamente a estrela se aproxima de você... À
medida que a estrela se aproxima, seu brilho aumenta... A estrela é cada

109
JAGOT Paul C. Magnetismo, Hipnotismo, Sugestão. (Trad. Raimundo Nonato Corrêa), S.
Paulo, Editora Mestre Jou, 1959.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 191
vez mais brilhante... A estrela se aproxima cada vez mais... A estrela vem
chegando cada vez mais perto... Mais perto... Mais perto...
Há pessoas que, nesta altura da aplicação do método, cobrem os olhos,
embora fechados, a fim de proteger a vista contra o deslumbramento da luz da
estrela. E a indução continua:
• A estrela continua a se aproximar... Ela vem chegando cada vez mais
perto... A estrela se aproxima cada vez mais... A estrela se aproxima cada
vez mais... A estrela vem chegando cada vez mais perto...
Essas frases, repetidas com uma monotonia rítmica, não deixam de surtir
efeito. Pode-se, eventualmente, observar movimentos oculares dos
hipnotizados por debaixo das pálpebras. Uma pausa deve determinar o término
da aproximação da estrela. E continua:
• Agora que a estrela está próxima, se afasta para o céu distante... Vamos
agora acompanhar a estrela em sua fuga pelo espaço... Até a estrela
desaparecer completamente no céu... Vai desaparecer... Vai
desaparecer... Desaparecer...
Há quem, nesta altura, execute com a cabeça movimentos característicos
de quem está acompanhando com a vista um movimento da estrela. Não se
determina o desaparecimento da estrela, este fica a critério do hipnotizado.
Aqui termina o método da estrela. Após a indução inicial, vem a ordem de
respiração:
• Respire profundamente... Respire profundamente... A cada respiração o
sono se aprofunda mais... O sono se aprofunda a cada respiração... A
cada respiração o sono se aprofunda mais... Nada será capaz de
incomodar você agora... Dorme profundamente... Profundamente...
Observar a pausa de cinco segundos a cada repetição. Em seguida,
observada uma pausa maior, é sugerida a levitação dos braços:
• A primeira coisa que você vai sentir é uma atração nas mãos e nos
braços... Seus braços vão-se tornar leves... Leves... Lenta, mais
irresistivelmente, os braços começam a levantar... Seus braços se
levantam lenta mais irresistivelmente... Seus braços continuam a levitar...
Uma força estranha puxa seus braços para cima...
A sugestão pode ser dada para que um só dos braços levante. O
esquerdo ou o direito. Em casos mais difíceis, a sugestão pode ser reforçada
fisicamente. O hipnotista ajuda com as mãos as pessoas a levantarem os
braços e, ao levantar, é que se sabe como está indo o andamento do transe.
Até então, o hipnotizável, de olhos fechados, vinha meramente seguindo as
instruções do hipnotista. A levitação dos braços, porém, já indica estado de
hipnose.
Há pessoas que levam a recomendação muito ao pé da letra. Afirmam
laconicamente, que não conseguem ver estrela alguma. Nem por isso, a
192 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

referida sugestão deixa, em muitos casos, de surtir efeito. A estrela que o


hipnotizável (mais auditiva do que visual) não consegue visualizar é por ele
trocada, freqüentemente, pela voz do hipnotizador. Em lugar de uma estrela
que se aproxima e depois se afasta até desaparecer no céu, entra a voz do
hipnotista. Quando o hipnotista, afirma que a estrela vai fugindo, distanciando-
se cada vez mais, até sumir de vista, é a sua voz que foge aos ouvidos
conscientes dos hipnotizados até adormecerem.
Testes de suscetibilidade
Há vários testes que podem ser utilizados para avaliar a capacidade para
o transe. Alguns desses foram organizados em tarefas seqüenciais e ideomoto-
ras, outros têm por base a escala de suscetibilidade hipnótica do testado. Essas
provas, quando efetivamente correspondidas, servem de preâmbulo para o
transe hipnótico propriamente dito.
Uma das demonstrações ideomotoras utilizada para iniciar o processo
sugestivo, é o teste de suscetibilidade chamado Pêndulo de Chevreul. A partir
de 1800, alguns estudiosos começaram o estudo de pêndulos como
instrumentos de adivinhações. Em 1854, o francês M. Chevreul 110 publica suas
conclusões sobre o assunto e, a partir da publicação, o pêndulo ganha o seu
nome.
O teste do Pêndulo de Chevreul é feito com o cotovelo apoiado sobre
uma mesa, um suscetível prende entre o polegar e o indicador um barbante de
aproximadamente vinte e cinco centímetros de comprimento, de cuja
extremidade pende um pequeno peso como um anel ou uma arruela de ferro.
Sugere-se à pessoa o movimento do pêndulo, que deverá acompanhar as
linhas traçadas sobre a mesa.
Olha-se fixamente o pêndulo, imaginando que se mova, e o peso moverá
de acordo com os ponteiros do relógio ou na direção inversa, assim como de
um lado para o outro ou para frente e para trás. Ao segurar o pêndulo, a pessoa
deve, inicialmente, movê-lo em todas as quatro direções para depois conservá-
lo imóvel de propósito. O pêndulo poderá independente da vontade consciente
da pessoa que o está segurando, movimentar-se nas quatro direções básicas.
Como, conscientemente, a pessoa não provocou os movimentos, acredita-se
que isto ocorreu por determinação do seu inconsciente que é capaz de
controlar sua musculatura e, de forma sutil, movimentar o pêndulo. Se isso
ocorrer, tem o testado, a possibilidade de ser um bom suscetível, podendo até
atingir o nível sonambúlico ou pleno do transe hipnótico.
O pêndulo pode ser ainda utilizado para se realizar predições ou
adivinhações. Isto acontece quando é estabelecido que o primeiro movimento
realizado pelo pêndulo significa sim, o segundo não, o terceiro seria não sei e o
quarto, não quero responder à pergunta. Fazendo-se perguntas, recomenda-se
110
CHEVREUL, M. De la varilla advinatoria, del pendulo explorador y de las mesas giratórias,
Barcelona, editora Humanitas, 1938.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 193
que a pessoa não faça voluntariamente o movimento do pêndulo, limitando-se a
segurar o barbante; o pêndulo se moverá sozinho para determinar as
respostas. Na maioria dos casos, o movimento começa por esboçar-se na
direção que indicará a resposta, de forma inconsciente, para a pergunta
formulada.
Confirmado o efeito da indução, o hipnotista aproveita o ensejo para
prosseguir, convencendo que, de acordo com a prova que acaba de dar, todos,
ou pelo menos a maioria dos pensamentos, tendem a traduzir-se em realidade,
bastando que se pense com a devida intensidade. Nesta altura, o indivíduo
geralmente já se encontra a caminho do transe hipnótico.
Embora tenham aplicações de caráter geral, os testes podem variar de
tipo, conforme as finalidades específicas que se tem em vista. Os ideomotores
servem para medir a ação motora da sugestão hipnótica. Já os testes
sensoriais indicam a ação sensorial da hipnose. Pessoas que reagem
negativamente ao teste motor podem reagir positivamente ao teste sensorial e
vice-versa.
Dentre os testes sensoriais destacam-se, pela sua facilidade de aplicação
e importância prática, os olfativos e os térmicos. Para a aplicação do teste
olfativo, mostra-se ao indivíduo meia dúzia de frascos rotulados, contendo cada
um, uma essência específica e condizente com o rótulo. O suscetível fecha os
olhos e, o hipnotista a uma distância de dois ou três metros, abre um dos
frascos, anunciando ao paciente a essência que o mesmo contém. O suscetível
não pode negar o perfume anunciado, uma vez que o mesmo existe. O
hipnotista passa, então, a anunciar a abertura do segundo frasco, contendo
outra essência por ele especificada. Novamente tem de confirmar o cheiro. Do
quarto frasco em diante, porém, a essência é ilusória, pois o conteúdo dos
últimos frascos não corresponde aos rótulos anunciados. Contêm apenas água.
Os testes térmicos apresentam variações quanto à forma de execução,
sendo o mais fácil de executar o chamado teste térmico do dedo. O hipnotista
coloca o indicador sobre o dorso da mão ou o pulso do suscetível. Em seguida
recomenda uma forte concentração em relação à área que se encontra sob a
pressão do seu dedo. Pergunta ao suscetível se ele sente alguma sensação
estranha, algum aumento de calor, uma espécie de corrente elétrica ou
formigamento. Respondendo afirmativamente, estará selecionado
positivamente.
Para selecionar suscetíveis em um grupo de pessoas, pode ser utilizado o
teste que provoca sensações de paladar ou induz a sensação de resfriamento
térmico. No primeiro caso, o processo pode ser desenvolvido dizendo-se:
• Feche os olhos... Imagine que você está indo até a cozinha de sua casa...
Vá até a geladeira... Pegue alguns limões... Coloque em cima da pia...
Pegue um copo... Pegue uma faca. Agora, comece cortando um límão ao
meio... Esprema o límão no copo... Faça isso com todos os limões... Um a
194 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

um... Olhe o copo, está pelo meio de suco... Agora beba o suco... Beba...
Beba...
No segundo caso, pede-se que a pessoa feche os olhos e imagine-se
sentada em frente a uma grande barra de gelo, produzindo a sugestão na
seguinte forma:
• A barra de gelo está em sua frente... Comece a passar a mão direita
sobre a barra... Lentamente a mão escorrega da esquerda para a direita...
Passe mais a mão... Mais uma vez... Agora pegue no seu braço esquerdo
com a mão direita que estava sendo passada na barra de gelo...
Pergunta-se: Quem sentiu, no primeiro teste, a boca encher de saliva?
Quanto ao segundo teste, quem ficou com a mão fria, ou sentiu a sensação de
resfriamento na mão ou no local do braço por ela tocado? Os que responderam
afirmativamente apresentam fortes indícios de suscetibilidade.
Os testes citados fazem parte dos processos subjetivos da sugestão, não
se baseando em nenhum expediente de cansaço físico ou sensorial. E note-se
que, mesmo nos processos citados anteriormente, o cansaço físico, com todas
as suas características aparentes, é ilusório. É sempre produto de sugestão.
Mas, em alguns casos, pode resultar em efeito somático, como, por exemplo,
no caso da barra de gelo: a mão do sugestionado pode realmente resfriar.
Neste caso quando hipnotizado, se o hipnotista encostar um objeto em
qualquer parte do corpo do suscetível, dizendo-lhe que se trata de um cigarro
acesso, é possível que surja no local uma bolha ou pelo menos uma coloração
avermelhada, como se de fato tivesse sido a pele queimada.
Embora eventualmente possam ser utilizados os testes anteriores, os
mais aplicáveis são: Cansaço ocular, Balanço de Corpo, Atar as mãos e
Atração magnética.
Cansaço ocular - É sugerido o sono ilusório e subseqüente à fadiga que se
produz em função da fé e da expectativa. A pessoa testada espera, crê que vai
e deve sentir os efeitos pressupostos na indução e os sente sem nenhuma
necessidade específica ou física de sentir tal cansaço. Prova é que,
normalmente, as pessoas podem permanecer de olhos abertos, quer numa
leitura, quer na contemplação de um objeto, horas seguidas, sem cair em
transe e sem se ressentir sensivelmente da fadiga visual.
Uma vez estabelecidas condições psicológicas para a indução, logo se
podem observar as respostas nos indivíduos testados. Quando o teste é
aplicado com base nos métodos subjetivos, recorre-se, eventualmente, ao
expediente da fixação ocular com a concomitante sugestão do cansaço, por
exemplo: “Você está ficando com as pálpebras pesadas... Cansadas...
Querendo fechar... Vão fechar... Você verá que vão fechar... etc.”. De resto, as
técnicas para os testes e para a própria indução hipnótica pouco se diferenciam
umas das outras.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 195
No teste das mãos e no teste do balanço, as respostas são quase
instantâneas e quanto mais rápidas, maior será o grau da suscetibilidade
testada. Essas respostas positivas devem durar, no máximo, o tempo em que o
hipnotista profere as instruções e conta até cinco.
Balanço do corpo - É geralmente aplicado em grupo com mais de vinte pessoas
(teste coletivo), e dará resultado em média de 85% dos presentes na sessão.
Todos ficam de pé, de preferência com o calcanhar junto, pontas dos pés
afastadas como formando um triângulo. O método de indução é aplicado
através da voz. Os participantes são solicitados levantar-se e largar os objetos
que porventura tenha nas mãos. Recomenda-se, em seguida, não se apoiar na
cadeira ou em outra pessoa vizinha. Feita essa recomendação, passa-se à
aplicação do teste, dizendo-se as palavras aduzidas na seqüência certa, no tom
certo, lentas, porém firmes:
• Vou contar até cinco... Antes de chegar a cinco, vocês sentirão um
balanço... Agora vocês se concentram... Liguem-se em mim
mentalmente... Vou contar de um a cinco e vocês vão sentir o corpo
balançar... Mas ficarão com os pés firmes no chão, sem cair... Fechem os
olhos e se concentrem totalmente em mim... Vamos iniciar o exercício,
fechem os olhos... Fiquem concentrados em minha voz... Respirem lenta
e profundamente, só ouvindo minha voz.
Após uma pausa de meio minuto, inicia-se então a contagem, de um a
cinco, fazendo pausa de cinco segundos, aproximadamente, entre um número
e outro, na seqüência das palavras ditas com voz calma e confiante:
• Um... Dois... Três... Quatro... Todos balançando para frente e para trás...
Cinco... Vocês estão sentindo o balanço... Os pés estão firmes no chão...
Estão calmos e tranqüilos... Balançam cada vez mais... Para frente... Para
trás... Cada vez mais balançam... Balançam... Mais fortemente agora.
As pessoas mais suscetíveis balançam por meio minuto e nesse tempo, o
hipnotista deve observar todos com cuidado, porque os mais suscetíveis podem
cair no chão. Caso aconteça alguém cair, será individualmente atendido por
auxiliares, o teste não será interrompido. Provoca-se, em seguida, o balanço
lateral dizendo-se: Vou contar até três e vocês vão balançar de um lado para o
outro... Um... Dois... Três... Para um lado... Para o outro... Continuam
balançando... Balançando... Balançam... Balançam... Para encerrar o teste,
acrescentam-se as palavras:
• Vou contar de um a três... E tudo voltará ao normal... Vocês irão parar de
balançar quando chegar a três... E, se sentirão leves... Um... Dois...
Três... Pronto, todos param de balançar... Podem abrir os olhos.
Pode um indivíduo balançar e depois ser refratário à indução, mas o grau
e o modo do balanço indicam, com relativa margem de segurança, a
suscetibilidade. As pessoas que mais balançaram ou as que caíram são as
mais suscetíveis. Este teste é bem fácil e dá resultados até com pessoas pouco
196 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

suscetíveis, portanto quem não balançar, deve ser excluído definitivamente das
próximas experiências.
Uma variante do teste do balanço é o da oscilação do corpo, em que se
colocam as mãos sobre os ombros do hipnotizável enquanto o mantemos de
olhos fechados. Ao aliviar a pressão das mãos e, finalmente, suprimir o contato
físico, ele mesmo, sem receber sugestão verbal específica, oscila,
acompanhando as mãos do hipnotista, como se fora atraído por uma força
magnética. Esse fato difícil de explicação é observado em pessoas bem
suscetíveis. Quem reage satisfatoriamente a essa prova, pode ser considerado
bom para a hipnose e, não é raro, quando induzido, atinge o grau de
sonâmbulo hipnótico.
Atar as mãos - Este teste é coletivo e consiste no fato de pessoas, sentadas ou
de pé, entrelaçarem os dedos da mão esquerda com os da direita, por trás da
cabeça, na nuca ou na frente do corpo à altura do umbigo. Ao propor o teste
mostram-se primeiro, em todos os detalhes, os movimentos a serem
executados, dizendo-se: “Faça (ou façam) como eu estou fazendo... Assim...
Entrelaçando firmemente os dedos”. E continua a instrução:
• Continue com as mãos nesta posição... Quando eu lhe pedir, respire
profundamente, prenda a respiração até eu terminar de contar até cinco...
Ao terminar a contagem, soltará a respiração, porém suas mãos
continuarão presas e cada vez mais presas.
Dada essa instrução, pede-se para as pessoas fecharem os olhos. Ato
contínuo, respirarem fundo e prenderem a respiração. Conta-se pausadamente
até cinco. Se, ao terminar a contagem, os participantes não conseguirem
separar as mãos, não estarão apenas selecionados, senão também
profundamente sugestionados, quando não hipnotizados. E, de olhos fechados,
eles ouvem:
• Respirem tranqüilos... Profundamente... Vou contar de um a cinco e
vocês vão ficar com as mãos presas uma à outra... Com as mãos
presas... Quanto mais força para soltar, mais presas estas ficarão... Só
quando chegar a cinco podem soltá-las.
Começa-se a contar pausadamente, fazendo um intervalo de dez
segundos entre cada número:
• Um... As mãos estão ficando presas... Dois... Ficando presas... Três... As
mãos estão ficando cada vez mais presas... Quatro... Já estão
completamente presas... É impossível soltar as mãos... Quanto mais
força, mais presas ficam... Cinco... Podem soltar.
Depois de aproximadamente um minuto, em que eles tentaram inutilmente
soltar as mãos, continua a fala:
• Vou contar de um a três e todos se libertam... Um... Dois... Três... Já
estão todos libertados e sentindo-se muito bem... (Se alguém continuar
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 197
com as mãos presas, passa-se a mão sobre a dele e diz): Pronto... Agora
você já está livre... Sentindo-se muito bem... Desprenda as mãos, agora...
Vamos... Pronto... Soltas.
Atração Magnética - É um teste de aplicação individual de grande influência
sugestiva. Se o indivíduo não apresentar resultado positivo será
categoricamente classificado como não ou pouco suscetível, e com ele deve
ser evitada tentativa de indução hipnótica pelo menos em público. Sua indução
provavelmente só acontecerá em ambientes fechados e confortáveis,
apropriados para aplicação de induções não convencionais e específicas para
seu estado emocional.
Colocando-se a pessoa em pé, de olhos fechados, ao tempo em que o
hipnotista começa a esfregar suas mãos uma na outra, espalmadas e em
movimentos circulares, dizendo as seguintes palavras:
• Estou esfregando minhas mãos... Cada vez mais, elas vão ficando
magnéticas... Estão ficando como um ímã... Cada vez mais forte... O ímã
esta cada vez mais forte... Minhas mãos estão cada vez mais magnéticas.
Encostando-se levemente uma das mãos na testa da pessoa, depois na
nuca, em seguida encostam-se as mãos espalmadas nas costas dizendo-se:
• Quando eu afastar as mãos, você sentirá uma atração irresistível para
trás... Estou afastando... Você sente atração... É a atração cada vez mais
forte... Muito forte... Bastante forte agora...
O hipnotista prepara-se neste momento para aparar a pessoa que está
sendo testada, evitando que ela caia de costas. Logo após a inclinação para
trás, a pessoa é empurrada levemente para frente, fazendo com que retroceda
à sua posição normal. Este mesmo teste pode ser repetido, fazendo-se a
atração para frente ou para os lados, sempre com muito cuidado para não cair
totalmente, sendo antes aparada pelo hipnotista ou por voluntários.
Ponte humana - Embora muito impressione os espectadores é uma
demonstração fácil, requer apenas o transe hipnótico de nível leve. É apenas
um teste de suscetibilidade mais aprofundado, porém não é aconselhado para
hipnotistas iniciantes, a menos que esteja bastante seguro de que pode e, para
isso, deve possuir autoconfiança inabalável. A ponte, embora de fácil
consecução, é uma das provas físicas da suscetibilidade mais espetaculares; é
denominada como sendo a prova da rigidez cataléptica. Após receber a
sugestão de que seu corpo irá endurecer até alcançar a rigidez completa, o
hipnotizado é estendido entre dois apoios, ficando o corpo sustentado apenas
na nuca e nos pés, permanecendo duro à semelhança de uma tábua,
comportando em cima do abdômen um peso bem superior ao seu.
Uma variante da demonstração da ponte é aquela em que, estando o
hipnotizado apoiado entre duas cadeiras, uma pedra é colocada em cima do
tórax e partida a golpe de marreta. Devido ao seu caráter espetacular e
popularmente convincente, esse tipo de apresentação é um clássico nas
198 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

demonstrações de hipnotismo. Invariavelmente, a cada módulo de sessões,


durante a pesquisa de campo, esta experiência foi realizada com pleno êxito.
O teste da ponte é feito esfregando-se as mãos uma na outra e depois se
passando as mãos, de leve quase sem tocar, nas laterais da cabeça e
descendo-as até os pés do candidato, dizendo-se:
• Quando eu passar as minhas mãos sobre seu corpo, você ficará
totalmente rígido... Rígido como uma barra de ferro... Totalmente rígido...
Agora coloco as minhas mãos nas suas costas... Quando eu afastá-las,
você cairá para trás... Duro como uma barra de ferro... Reto como uma
tábua.
Com ajuda de dois colaboradores, o hipnotizado é seguro pelas pernas e
pelo ombro e colocado apoiado apenas nos pés e na cabeça, entre duas mesas
ou dois bancos. Quando já estiver nesta posição então se dirá: Nada o
incomoda... Nada o perturba... Você se sente muito bem...
Nestas condições, pede-se para que alguém suba sobre o hipnotizado,
ficando de pé, podendo andar de um lado para o outro e até pular se quiser.
Pode ainda ser colocada uma pedra sobre o peito do hipnotizado e quebrá-la
com golpes de marreta, e ele nada sentirá.
Para tirá-lo do transe, com ajuda da assistência, coloca-se o hipnotizado
de pé ou deitado no chão, procede-se com a indução pós-hipnótica para, por
fim, acordá-lo, dizendo-se:
• De hoje em diante sua mente estará cada vez mais trabalhando em seu
benefício... Você será capaz de superar os seus problemas... Usará de
todo o seu potencial mental em seu próprio benefício... Vou contar até
três... Quando chegar a três... Você acordará... Feliz... Bem disposto...
Alegre por ter participado dessa experiência... Um... Dois... Três...
Após a aplicação do método de indução adequado, quando o processo
for concluído com êxito, estando, portanto, instalado o estado de hipnose no
nível médio, poderão ser sugeridas várias situações que alteram o estado físico
do hipnotizado, como, por exemplo, rigidez dos braços. Para isso, aproxime-se
de um dos hipnotizados e diga:
• Seu braço está sendo atraído lentamente para cima... Fica rígido, vai
subindo e cada vez mais rígido... Ninguém conseguirá dobrar seu braço...
Seus músculos são fortes e estão ficando cada vez mais rígidos.
Convidam-se os espectadores a tentar dobrar o braço do hipnotizado, o
que não acontecerá por mais força que se aplique. Deve-se, no entanto, evitar
que a platéia se exceda, às vezes várias pessoas tentam, de uma só vez,
dobrar o braço do hipnotizado e isso poderá fazer com que ele caia no chão ou
até, pela força excessiva, quebre o braço.
Para desfazer a sugestão hipnótica do braço rígido, aplica-se a indução:
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 199
• Vou contar até cinco e seu braço vai ficando frouxo... UM, está
afrouxando... DOIS, começando a descer lentamente... TRÊS, está
descendo e afrouxando... QUATRO, quando chegar a baixo, estará
totalmente relaxado... CINCO, está perfeitamente normal, tudo agora está
bem... Você está muito bem.
Outra demonstração semelhante também experimentada na pesquisa foi
a atração magnética da perna. A sugestão se processa com a ajuda de uma
folha de papel brilhante. Coloca-se a folha de papel no chão, pedindo para que
o hipnotizado passe perto dela, enquanto isso se aplica a sugestão de que a
perna dele ficará magnetizada. O hipnotista, após esfregar uma mão na outra,
passa as mãos na perna do hipnotizado, ao mesmo tempo em que, se aplica a
indução:
• Assim que você passar perto da folha de papel, ela irá atrair sua perna...
Você sente que ela o está atraindo... Você está sendo atraído pela folha,
e quando pisar nela vai ficar preso... Sem sair do lugar... Quanto mais se
esforce, mais preso.
Depois de ter pisado na folha de papel, o hipnotizado tentará inutilmente sair
do lugar. Desfaz-se a sugestão, dizendo-se:
• Vou contar até três e você estará completamente livre... UM, está
começando... DOIS, quase solto... TRÊS, livre, pode sair, sentindo-se
muito bem...
Pode-se, ainda, fazer à mesma experiência, sugerindo que uma cadeira
está magnetizada, após passar as mãos no hipnotizado, dizendo-lhe que, ao
passar perto da cadeira, será por ela fortemente atraído, será obrigado a
sentar-se, sentirá uma atração violenta e se jogará de qualquer maneira para
cair sentado.
Uma situação bastante convincente, em que o hipnotizado pode esquecer
determinado assunto através da sugestão hipnótica, ou pós-hipnótica, pode ser
demonstrada. É o que se conhece como Amnésia de Número. Isto ocorre
quando se diz ao hipnotizado que ele poderá falar perfeitamente sem acordar,
diz-se ainda para que ele conte de um a dez; feito isso, sugere-se várias vezes,
por exemplo, que o número três desapareceu, não existe. Pode isto ser feito
com qualquer outro número ou letra do alfabeto.
Pedindo-se ao hipnotizado para que conte novamente, provavelmente ele
fará uma pequena pausa entre os números dois e quatro, e continuará até dez.
Se forem feitas perguntas como, quanto é dois mais um ou sete menos quatro,
etc., responderá “não sei, não sei”.
Após verificação da amnésia de número, diz-se, então, que o número três
está de volta, que ele existe, pedindo-se ao hipnotizado que conte de um a dez.
Manda-se que ele efetue alguns cálculos simples que envolvam o número três.
Por fim, o hipnotizado acordará como nas formas anteriores.
200 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Pode-se ainda, nesta mesma apresentação, induzir sugestões pós-


hipnóticas que serão cumpridas imediatamente após o hipnotizado sair do
transe, como, por exemplo: que, quando ele acordar, deverá abraçar
determinada pessoa, ou deverá imediatamente, sem nada dizer, sair para beber
água porque estará com muita sede, ou ainda, após ouvir determinada palavra
ou frase, deverá, imediatamente, entrar em transe profundo. Isso serve para
demonstrar aos presentes como a sugestão pós-hipnótica é poderosa.
Hipnose de palco
No final do século XIX e no início do século XX surgiam grandes nomes
que se dedicaram à hipnose de palco. Donato entre 1875 a 1886, Karl Hansen
entre 1880 a 1900, percorrendo a Europa apresentavam demonstrações públi-
cas e proporcionavam às platéias grandes espetáculos. No Brasil, no período
de 1940 a 1955, Karl Weissmann lotava teatros por todo o país para demons-
trações de hipnose e, geralmente, após suas apresentações realizava cursos,
principalmente para médicos e dentistas. Foi ele sem dúvidas, direta ou indire-
tamente, responsável pela iniciação de outros tantos grandes nomes no hipno-
tismo brasileiro.
A mais complexa sessão de hipnose é a demonstração pública porque
nesta não se admitem falhas e a indução coletiva exige muita atenção que é
redobrada em função do número de assistentes e dos hipnotizados
simultaneamente. O hipnotismo de palco exige do hipnotista a chamada força
moral, autocontrole e presença de espírito e tem que ser o mais proficiente dos
hipnotistas, porque o público é exigente, e particularmente propenso a ver tudo
como um processo fraudulento. Embora este público seja generoso quando
acredita no que vê, consagra o hipnotista quando narra os fatos acontecidos,
dando seu testemunho de veracidade. É por isso que o hipnotista de palco tem
a imperiosa necessidade de êxito. Enquanto um insucesso numa indução de
gabinete repercute de forma depressiva, sobretudo no hipnotista novo ainda
necessitando de estímulo, um fracasso em público é para ele algo desastroso;
a frustração é suficiente até para inibir outra tentativa.
Os mais eruditos autores não são contra a hipnose de palco, entre eles
Weissmann que reconhece o valor e a importância das apresentações públicas
e chama a atenção censurando quem a isso se opõe; principalmente àqueles
que injustamente se posicionam contra a hipnose e aos hipnotistas de palco.
Um erro digno de correção, cometido pela quase totalidade dos autores de
livros sobre hipnose médica, é a clássica afirmação, segundo a qual os
hipnotistas de palco são leigos ou mal formados. Condenam a hipnose de
palco, dizendo que a maioria dos hipnotistas que a praticam como
espetáculo são desqualificados. Demonstram, nessa generalização, um
pouco de tendenciosidade, além de revelar expressão de inveja e ciúme
pelo fato de que, realizando os mesmos processos de indução, discreta e
anonimamente, não desfrutam das grandes gratificações emocionais
provenientes da consagração pública (WEISSMANN).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 201
Weissmann escreve que algumas pessoas espalham antigas lendas e
boatos sobre a hipnose, às vezes por ciúmes ou para neutralizar uma possível
concorrência ou por profundo desconhecimento, contam estórias como se fos-
sem verdades. Entre esses absurdos, dizem que a hipnose é perigosa ou que a
pessoa hipnotizada pode não retornar do transe, embora isto seja impossível.
Também é antiga e igualmente falsa a afirmação de que alguém faleceu
após ter recebido uma sugestão de choque de alta tensão elétrica. Pior ainda,
afirmam que existe uma lei proibindo o uso da hipnose a não ser por determi-
nada categoria profissional. Geralmente quem afirma isso pertence a essa ca-
tegoria “privilegiada” e, às vezes, algumas dessas mentiras são inescrupulosa-
mente publicadas.
Na verdade quem é contrário a demonstrações públicas de hipnose, com
certeza não é competente para realizá-la e, geralmente, quem não é capaz de
praticar hipnose coletiva, dificilmente terá êxito em qualquer outro tipo de
hipnose. Neste aspecto, o que merece ser avaliado não é o hipnotista ou a
hipnose de palco, mas o tipo, a finalidade e a qualidade da apresentação.
• Quanto ao tipo - Não é aceitável em nenhuma condição, e muito menos
em uma sessão pública, alguém hipnotizado ser colocado em ridículo, ou
determinar que o hipnotizado coma cebola como se fosse maçã, beba
vinagre como se fosse vinho, ou ainda aspirar amoníaco como se fosse
perfume. Também não é aceitável induzir situações de emoções
negativas como demonstração de desconforto ou dor, ou para reavivar
sentimentos negativos, tais como raiva, ciúme, ódio e outros. Pior ainda
são as constrangedoras demonstrações de perfurar, com agulhas ou
estiletes, a pele do hipnotizado, ou queimá-los como prova de anestesia
hipnótica. Também é absurdo apregoar crenças religiosas ou
conscientemente utilizar processos hipnóticos como se fosse parte de um
ritual religioso. E, mesmo sendo o hipnotista habilitado para fazer
diagnósticos de saúde, isto não deve ocorrer em apresentações públicas,
muito menos prometer curas. 111 Estes expedientes demonstram má fé do
hipnotista que não sabe respeitar a confiança indevidamente nele
depositada pelo hipnotizado e pelo público.
• Quanto à finalidade - Defende-se que não se realize sessão de hipnose
apenas para proporcionar espetáculos para curiosos. Deve ter as
demonstrações finalidade esclarecedoras, educativas e didáticas,
desmistificando e aproximando as pessoas para discussões, leituras e
debates sobre a história e a prática deste conhecimento.
• Quanto à qualidade - Deve ser acompanhada de aprofundamento teórico
suficiente, pelo menos para desencadear um processo de aprendizagem
eficaz. Preferencialmente deve ser praticada no meio acadêmico, sem

111
O Código Penal Brasileiro proíbe que, sem habilitação formal, mesmo que de forma gratuita,
alguém faça diagnósticos de saúde (artigo 284, inciso III).
202 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

mistérios ou fantasias. Dificilmente alguém poderá compreender e praticar


hipnose apenas por ter lido sobre o assunto; por isso a demonstração
prática é o veículo indispensável para que se possa transmitir o
conhecimento. Negar por negar a possibilidade das apresentações
públicas é uma postura egoísta daqueles que não partilham o que sabem,
ou sabem pouco para partilhar.
A pesquisa empírica revelou que na hipnose de palco pode ser induzidas
sugestões de ilusões coletivas, após a aplicação de um dos métodos hipnótico
que, no momento, for mais conveniente ao hipnotista. Na escolha do método
deverão ser observadas as características do grupo selecionado.
Uma vez estabelecido pelo menos o transe leve, poderá ser sugerido que
os hipnotizados são instrumentistas de uma grande orquestra e vão tocar
violino, piano, violão ou outro instrumento qualquer. Eles tocam ou têm a ilusão
que estão tocando e, mesmo que no ambiente não haja música, ouvirão música
imaginária. Se for sugerido que está chovendo, eles se sentem molhados e com
frio, como se estivessem debaixo de chuva.
Na apresentação de palco os hipnotizados podem ouvir, sentir e ver
coisas que não são reais, vãos ver e viverão ilusoriamente as sugestões
apresentadas pelo hipnotista. Sugerido que estão às margens de um lago, com
cisnes e pássaros, verão e sentirão o perfume de flores; descreverão pessoas,
animais e locais que dirão ser reais. Se sugerido que estão pescando, dando-
lhes um caniço, realizarão os movimentos de quem está verdadeiramente
pescando. O hipnotizado reage como se estivesse vivendo realmente a cena
sugerida, por este motivo é que só devem ser sugeridas situações agradáveis.
Também nas apresentações de hipnose de palco pode ser induzida a
sugestão pós-hipnótica, que será cumprida imediatamente após o hipnotizado
sair do transe. Nunca o hipnotizado deverá sair de transe sem sugestões pós-
hipnóticas de bem-estar, paz e felicidade. Deve-se se aproveitar o momento em
que a pessoa está em contato direto com seu inconsciente, para sugestioná-la
positivamente, como por exemplo:
• A partir deste momento, você terá maiores condições de superar seus
problemas... Vencer suas dificuldades... Sua mente estará, de agora em
diante, trabalhando em seu próprio benefício, etc. Quando eu o acordar,
se sentirá maravilhosamente bem disposto.
Na sessão podem ser demonstrados os fenômenos alucinatórios,
começando pela alucinação olfativa, exemplo: Que forte perfume... É um
perfume... Mesmo à distância percebe-se o perfume... O perfume não existe,
embora além dos literalmente hipnotizados, outras pessoas suscetíveis
presentes na sessão afirmarão existir um forte perfume. As ilusões sensoriais
podem ser demonstradas sob a sua forma positiva e negativa. Ao indivíduo que
acabou de cheirar um perfume inexistente, pode ser apresentado um vidro
contendo amoníaco, sem que, no entanto, acuse cheiro algum.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 203
Para outra demonstração pode ser dito:
• Atenção... Vou contar até cinco e disparo um canhão... Atenção, preparar
o canhão... UM... DOIS... TRÊS... QUATRO... CINCO. Todos os
hipnotizados tampam os ouvidos. Alguns se atiram ao chão. Ato contínuo:
• Pronto... Acabou... Apenas o susto.
Um número muito curioso e popularmente apreciado é o que se chama de
sensibilidade exteriorizada. Para obter esse efeito, é anunciado:
• Atenção! Outra experiência... Tenho nas mãos uma agulha e um
boneco... Esse boneco representa você... No momento preciso em que a
agulha perfurar a mão direita do boneco, vocês sentirão a picada da
agulha no dorso da sua mão direita.
Dito isso, o hipnotista se dirige para trás dos hipnotizados e com as mãos
levantadas, de maneira que a assistência possa ver, executa o gesto
anunciado. A essa experiência reagem os mais profundamente hipnotizados,
especialmente os sonambúlicos. A mesma experiência pode ser repetida com a
variante apenas da mão sugestivamente afetada. Em lugar de sentirem a
agulhada no dorso da mão direita, os hipnotizados a sentem no da mão
esquerda.
Outra demonstração inerente ao estado hipnótico, de efeito não menos
interessante, são as alterações de memória como a amnésia. É anunciado para
os presentes que, ao terminar uma contagem até cinco, determinado
hipnotizado terá perdido a memória, a ponto de não se lembrar do próprio
nome. Terminada a contagem, é perguntado ao hipnotizado pelo nome. Não
obtendo resposta, é aparentemente facilitado o processo de memorização; Vá
dizendo nomes a esmo. Às vezes, quem sabe, acerta por acaso o seu. Salvo
raríssimas exceções, o hipnotizado pronuncia todos os nomes possíveis e
impossíveis, menos o seu próprio.
A experiência da amnésia se torna espetacular quando apresenta
natureza hiperestésica. Isso pode ocorrer quando, antecipadamente, é escrita
por pessoas presentes na platéia uma relação de 15 a 20 nomes. Alguns
hipnotizados, quando o hipnotista pergunta, “Vá dizendo nomes... Às vezes
acerta o seu...”, são capazes de reproduzir pela ordem em que foi escrita,
grande parte dos nomes constantes da relação, ou mesmo toda a relação. A
angustia do “desmemoriado” termina quando é anunciado que, ao ouvir contar
novamente até cinco, a memória do hipnotizado voltará. Ele será perfeitamente
capaz de se lembrar de seu nome.
Toda demonstração pública de hipnotismo deve incluir uma ou mais
provas do fenômeno pós-hipnótico, que constitui um dos aspectos mais
convincentes da hipnose. Para isso, é selecionado entre os mais
profundamente hipnotizados, e lhes é dito:
204 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

• Vou acordar vocês... Mas, quando acordados e me ouvirem pronunciar a


frase a chuva faz a grama crescer, logo em seguida adormecerão como
agora estão adormecidos.
Durante a pesquisa, a frase convencionada para voltar aqueles que
participaram da experiência ao transe foi Tote, Tate, Tiza... Os atos a serem
executados podem ser os mais variados e até bizarros, desde que não contrarie
os códigos morais, nem os interesses vitais dos hipnotizados. O limite para
esse número é, mais uma vez, o da própria imaginação.
Hipnose, hiperestesia e clarividência
Embora ocorrências de fenômenos de hiperestesia e clarividência hipnóti-
ca sejam restritas a pessoas extremamente suscetíveis e especiais, de fato,
não é tão raro assim. Sua descoberta teve início nas induções provocadas pelo
Marquês de Puységur. Desde 1784, ele já observava em muitos dos seus hip-
notizados essas ocorrências. Para se obter essa experiência, deve-se induzir
um suscetível a um nível profundo. Quando perceber que ele já está no ponto
certo formular sugestões para depois testá-lo:
• Agora você pode enxergar tudo o que se passa à sua volta... Mesmo
estando de olhos fechados... Você está enxergando perfeitamente de
olhos fechados.
Após repetir esta sugestão várias vezes, pergunta-se o que ele está
vendo; se ele responder que está escuro, que não consegue ver, repete às
sugestões de que ele pode ver perfeitamente bem. Poderá ver com a mente e,
que essa visão é muito melhor que a convencional, poderá ver com clareza
tudo que está acontecendo, mesmo com os olhos fechados.
Depois do hipnotizado dizer que está enxergando, pergunta-se o faz uma
pessoa que está atrás dele, e que, por isso, ele não pode enxergar seus
movimentos. Se ele responder corretamente, continua-se perguntando. Se ele
responder que não enxerga, prossegue o hipnotista dizendo que sua visão,
através da mente, está aumentando, e que agora ele já pode ver.
Outra experiência descoberta pelo Marquês de Puységur, e que também
pode ser praticada nas sessões é a da clarividência hipnótica. Isto é possível
com alguns hipnotizados. Geralmente, quem apresenta respostas positivas no
processo de hiperestesia, também se revela clarividente hipnótico. Pode ser
sugerido que esta pessoa não só pode enxergar tudo o que se passa a sua
volta, mas também o que se passa em outros lugares.
A sugestão para obtenção deste fenômeno se processa quando é dito
para o hipnotizado que ele está indo, mentalmente, para um lugar; por exemplo,
ele está indo para uma sala ao lado da que se encontra no momento da
indução e, após alguns segundos, é descrita sua ida até lá. Dizendo que foi até
a porta, saiu pelo corredor, que já chegou ao seu destino e está vendo tudo que
está se passando. Perguntam-se, quem está lá naquele momento, o que está
fazendo, etc.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 205
Alguns hipnotizados são capazes de dar descrições nítidas do local
sugerido, mesmo que lá nunca tivessem ido, como também são capazes de dar
informações exatas sobre as pessoas que lá se encontram. Poderá dizer
corretamente o que acontece. O hipnotizado clarividente pode não só descrever
o que está se passando em um aposento próximo à experiência, como também
em outro local a quilômetros de distância. 112
Outra faceta da hiperestesia ocorre quando o hipnotizado é colocado em
contato com outra pessoa, pela junção das mãos, fazendo-se sugestões de que
ele tem condições de ligar-se inteiramente na pessoa que está em contato e
pode sentir tudo que a outra pessoa está sentindo. Finalmente afirma-se que o
hipnotizado é a outra pessoa e pensará como ela, saberá tudo que a outra
estará pensando. Impressionantemente este fato se comprovou, ocorreram com
muita freqüência nas sessões realizadas na pesquisa de campo.
No estado de hiperestesia são surpreendentes os resultados; o
hipnotizado poderá dar informações que só a outra pessoa sabe de forma
consciente ou até inconscientemente. Seu comportamento será exatamente
como o da outra pessoa com quem se ligou ou de quem assumiu a
personalidade. Terminada a experiência, deve-se ter o cuidado de “desligar” a
pessoa hipnotizada da outra, sugerindo que ela é... (dizendo-se seu nome) e
que se desfez completamente a ligação, que está inteiramente livre de todos os
sintomas e preocupações da outra pessoa, que está sentindo-se muito bem.
Para induzir um suscetível ao estado hiperestésico é dito: Agora você é...
(o nome da pessoa que está ligada a ela), Sente tudo como... (diz novamente o
nome). Depois de fazer várias vezes esta sugestão, pergunta-se o nome dela e
ela dirá que é a pessoa que está em contato pela mão, se isto não ocorrer,
deve ser novamente repetida as sugestões anteriores.
Regressão hipnótica
A pesquisa de campo revelou que há dois tipos de regressão. Em um, o
hipnotizado reage como quem está lembrando o que passou, ou descreve de
maneira semelhante a um espectador vendo desenrolarem-se os fatos à sua
frente. No outro tipo, a regressão não se dá através da memória, o hipnotizado
revive o passado, reagindo de acordo com a idade, a linguagem e os conheci-
mentos adquiridos até aquele momento regredido. Assim, aos seis anos (se lhe
for induzido esta idade), usa linguagem infantil, discorrendo sobre fatos do dia
sugerido na regressão e desconhece tudo que aconteceu ou experimentou a-
pós essa idade. Esse é o tipo de regressão que mais ocorre, é também o tipo
que mais impressiona.
Na regressão hipnótica, a memória se aguça, realizando verdadeiros
prodígios, sobretudo quando o hipnotizado remonta aos acontecimentos da sua
mais remota infância. Ele poderá, não apenas recordar, mas efetivamente
reviver os fatos acontecidos, principalmente acontecimentos festivos. Tais
112
Sessão realizada pelo autor, publicado no Jornal do Brasil, RJ, de 10.09.95.
206 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

reminiscências muitas vezes são confirmadas por parentes e amigos presentes


à sessão.
A regressão hipnótica é uma experiência fascinante; afirma-se ao
hipnotizado que ele está no jardim de infância, e ele citará com exatidão os
nomes dos antigos colegas e da sua antiga professora, nomes que, em estado
normal, não seria capaz de rememorar. Regressando à idade de seis anos, se
intimado a escrever ou desenhar sobre uma folha de papel, escreverá o seu
próprio nome, reproduzindo nos mínimos detalhes os garranchos das primeiras
letras, ou desenhos, exatamente iguais aos que realmente desenhou na época
referida. Contará quem foi que o ensinou e dirá que está vendo a pessoa junto
a si.
Na regressão afirma-se que o hipnotizado tem dez anos e a letra será
outra, correspondendo sempre à caligrafia da idade sugerida. Lembrará com
detalhes, descrevendo os fatos acontecidos como se estivessem ocorrendo no
momento. Descreve, como se estivesse usando e vendo a roupa que vestiu em
determinada fase da sua mais remota infância. De forma imaginária, brincará
com seus amigos e com os brinquedos preferidos, os quais seriam impossíveis
de relembrar sem estar no estado de hipnose. Assim, acontecerá, sempre que
lhe for sugerida outra data, o hipnotizado passará a viver e a enxergar fatos de
dez, quinze, vinte anos atrás, poderá regressar praticamente até o seu
nascimento.
O hipnotizado responde a testes que comprovam ter ele, efetivamente,
regredido na idade e, os resultados correspondem ao nível mental e à
inteligência da idade induzida hipnoticamente. Um dos testes que impressionam
os pesquisadores é o sinal de Babinsky. 113 Neste teste, fricciona-se a sola de
um dos pés e, as reações diferem entre crianças de meses de vida e idade
mais avançada, na pessoa hipnoticamente regredida, o teste comprova que o
hipnotizado reage de acordo com a idade sugerida.
Quando sugerida a regressão para a idade fetal, assumirá esta posição,
deitando-se no chão e encurvando o corpo. Se perguntado o que sente neste
momento, possivelmente dirá que nada vê, mas que escuta ruídos e batidas
rítmicas, as quais descrevem assemelhando-as a batimentos cardíacos. Se a
sugestão prossegue regredindo no tempo, como, por exemplo, 30 ou 40 anos
antes de nascer, e for perguntado qual é o seu nome, certamente dirá qualquer
outro menos o seu verdadeiro. Nessa fase, descreve estranha situação que, por
ele, seriam impossíveis de ter sido realizada, quando acordado nada lembrará
ter dito e, com certeza, durante todo o transe os relatos, verdadeiros ou não,
sempre demonstram que o hipnotizado agiu com a mais absoluta boa fé. Isto é,
nada do que disse foi com o propósito de enganar, simular ou mesmo inventar,
pelo menos de forma consciente.
113
Joseph François Félix Babinsky, desenvolveu o método usado até hoje na pediatria para a-
nalisar o desenvolvimento neurológico de crianças recém-nascidas, denominado de sinal de
Babinsky (N. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 207
A regressão hipnótica é um tema muito controvertido, sofre o crivo severo
da crítica científica, mas os cientistas não têm uma explicação uniforme e
completa sobre essa prática. No entanto, é indiscutível o consenso que afirma
haver na regressão um extraordinário aumento da memória.
A regressão hipnótica pode evoluir para a regressão às vidas passadas e
sua explicação fundamenta-se basicamente em duas correntes opostas: a tese
da fantasia do inconsciente e a tese da reencarnação. Algumas experiências
são excelentes para favorecer uma ou outra explicação, sem, contudo,
apresentarem elementos suficientes para a decisão de excluir uma das duas
diferentes interpretações.
Durante as sessões da pesquisa de campo, um caso que muito impres-
sionou a todos que assistiram foi o transe de uma jovem professora, de 25 anos
de idade, que participou da experiência de hipnose regressiva. Ao regredir 40
anos antes de nascer, ela se apresentou como se fosse um homem, com im-
pressionante mudança na voz, falando de forma muito assemelhada à voz
masculina. Apresentou também uma acentuada transfiguração na aparência do
rosto. Dizia que seu nome era José Roberto Alves de Faria, falava expressões
populares de uma época bem passada, como: “sossega leão, sai pra lá violão,
dá cá o meu, etc.”. Descrevia-se trajando calça branca engomada e usando
“Parada”, marca de chapéu masculino de uso no Brasil, aproximadamente entre
1935 e 1955, falava nomes e marcas de produtos que dizia ver impressos em
cartazes de propagandas, dizia estar no interior de um bonde, transporte que
efetivamente circulava nos locais e épocas descritas. Dizia também ter consigo
moedas de uso na década de trinta. Descrevia prédios e estabelecimentos co-
merciais como empórios, armazéns e lojas, inclusive escrevendo com a ortogra-
fia da época, os nomes que dizia estar lendo nos letreiros. Os prédios não mais
estão edificados, os produtos não mais existem, os locais foram transformados
com o tempo. Para a maioria das pessoas presentes, os fatos narrados foram
verdadeiros, e acreditaram que Roberto realmente vivera naquela época.
Mudança de voz é comum na regressão de idade à própria infância,
quando o adulto regredido fala com voz infantil. Ocorre, também na regressão à
períodos anteriores ao próprio nascimento. Em alguns casos, apresentando
cautela, parece que é para não despertar o sensor crítico, indica que na
regressão mudou de gênero e muda também de voz.
A sessão para regressão hipnótica deve ser longa, não deve comportar
muitos observadores, as pessoas regredidas falam quase sussurrando. A
regressão depende de um bom aprofundamento do transe e da aplicação de
um método adequado. Só acontece após ocorrer o estado hipnótico, quando
prossegue o hipnotista dizendo mais ou menos assim:
• Dorme profundamente... Você agora vai entrar em um túnel... Vai voltar
no tempo... Conto até três e você começará a voltar... Quando chegar a
cinco estará em 1990... UM, começando a voltar... DOIS, está voltando...
208 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

1993... TRÊS, está voltando... 1992... QUATRO, 1991... CINCO, 1990...


Você está em 1990, diga, que idade você tem?...
Alguns hipnotizados precisam ser mais incentivados para falar, outros
falam com mais facilidade, geralmente apenas se limitam a respostas bem
objetivas. Depois das respostas continua o processo de regressão:
• Continua dormindo profundamente... Agora você está voltando mais
rapidamente... Mais para trás... 1989... 1988... 1987... 1986... 1985...
1984... Você está em 1984... Onde você está? Que lugar é esse? Tem
alguém com você? O que você está vendo? (Depois das respostas
prossegue-se). O que você está vendo? Descreva quem está com você...
Se o hipnotizado disser que está brincando, então lhe será entregue
qualquer objeto como se fosse o que ele descreveu, e ele se disporá a
manuseá-lo como se fosse seu verdadeiro brinquedo. Prossegue-se a
regressão com a contagem dos anos:
• 1983... 1982... 1981... 1980... Onde você está? Com quem está? Está na
escola? Como é o nome da sua escola? Seus colegas? Descreva o que
está vendo...
Com essa mesma técnica, induz-se a sugestão até praticamente o
nascimento. Quando regredido para a fase infantil, de seis meses de idade, por
exemplo, o hipnotizado poderá reagir, às vezes com a voz infantil, chorando
como um bebê e fazendo seus movimentos típicos. Nesta fase, dependendo do
desempenho do hipnotizado, pode ser sugerida a regressão para a vida fetal e
antes dela:
• Você está com seis meses antes de nascer... Como é esse lugar?... Você
sente alguma coisa?... Vou contar até dez e você estará com 20 anos
antes de nascer... UM... DOIS... TRÊS, está voltando... QUATRO...
CINCO... SEIS, está voltando... SETE... OITO... NOVE... DEZ... Pronto,
20 anos antes de nascer... Como é seu nome?... Onde você está?... Etc.
Com certeza, na regressão hipnótica que antecede o nascimento do
hipnotizado, este dirá um nome diferente do seu e contará uma vida bem
diferente da sua, descrevendo estórias surpreendentes. Pode mudar de voz,
pode comportar-se como se fosse de sexo diferente do seu, e até falar outro
idioma. Seguindo esse método, a regressão não terá limite no tempo e, para
cada nova época sugerida, o hipnotizado dirá que possui outro nome. Contará
outra estória de vida completamente diferente da anterior.
Para acordar o hipnotizado, realiza-se o processo inverso da regressão,
fazendo-o retornar até o ano da sua idade atual, dizendo-se que o tempo está
correndo para frente e que ele votará a sua idade atual, intercalando-se na
contagem de retorno sugestões de bem-estar, normalidade, paz e felicidade
pós-hipnótica. Por exemplo:
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 209
• Agora você está voltando... 1990... 1995... 2000... 2007 (repete até o ano
atual). Vou contar até cinco e você acordará... Calmo... Tranqüilo... Bem
disposto... Feliz... UM... DOIS... TRÊS... QUATRO... CINCO... Pronto...
Agora você está na sua idade atual... Normal.
É comum, nas sessões de regressão hipnótica, o hipnotista sugerir que o
hipnotizado é um grande artista, como um pintor ou escritor famoso. Neste
caso, ele começa a pintar ou escrever como se verdadeiramente fosse a
personalidade sugerida. Inclusive declara seu nome, idade, ambiente no qual
vive, mudando de voz e até a forma de caligrafia. Tudo passa a ser bem
diferente das características da vida do hipnotizado. Para que tal efeito possa
surgir, é bastante que o transe esteja estabelecido e a sugestão se processe na
seguinte forma:
• Vou contar até cinco... Quando chegar a cinco, sua mente estará
completamente vazia... UM... DOIS... TRÊS, esvaziando... QUATRO,
vazia... CINCO, completamente vazia... Agora outra personalidade vai
incorporar você... Um grande artista... Um Pintor... Como é seu nome?
A resposta é surpreendente; pode ser o nome de um artista famoso e se
for dado ao hipnotizado material de pintura, certamente ele pintará. Se o artista
ou sua obra foi conhecido pelo hipnotizado, mesmo que em sua remota
infância, mesmo que ele não se lembre conscientemente deste fato, no transe
hipnótico lembrará com clareza e representará uma pintura bem parecida. Para
isso, pode ser dito: Pinte... Mostre sua arte... De fato ele pintará com muita
destreza e com detalhes impressionantes. Seu trabalho em muito será fiel ao
que ele armazenou em sua memória. O mesmo acontece com relação à
sugestão que referem escritores ou poetas.
Hipnose acordada
Podem ser induzidos todos, ou praticamente todos, os fenômenos
clássicos inerentes ao estado de hipnose, sem submergir o hipnotizado no sono
hipnótico. Pode ser conseguida toda série de demonstrações, como
alucinações positivas e negativas dos sentidos, inibições motoras, levitação dos
braços, catalepsia, amnésia, alterações de memória e regressão de idade, sem
induzir o hipnotizado ao sono. A técnica indutiva é basicamente igual as
anteriores, exceto na parte da sugestão do sono. É de uso recorrer para esse
efeito, entre outras coisas, ao expediente da fixação ocular (método de Braid),
pelo menos para produzir os primeiros efeitos. Frank Pattie, 114 dá sua versão
sobre a hipnose acordada:
Fitando os olhos do paciente, sugiro o balanço e os movimentos
correspondentes, para frente e para trás. Ordeno ao paciente que dê um
passo para trás a fim de evitar a queda. Repito a experiência. Dessa vez,
porém, sugiro ao paciente um estado de rigidez nos joelhos dizendo que

114
PATTIE, F. The genuiness of some hypnotic phenomena: hypnosis and its therapeutic appli-
cation, N. York, Mac Grew-Hill Book Comp. 1956.
210 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
seus joelhos endureceram. Já não pode dar o passo para trás. Não evitará
a queda. A queda é inevitável, mas terá uma pessoa para ampará-lo. O
paciente cai, e é amparado pelo assistente. Passo para as provas
catalépticas. Inicialmente, a catalepsia das mãos. Em seguida sugiro a
incapacidade de articular o próprio nome. A impossibilidade de deslocar
um pé do chão, etc. (PATTIE).
Se o hipnotizado correspondeu a todas ou à maioria dessas provas,
passa-se à demonstração da amnésia. Diz Pattie, segurando a mão do
hipnotizável:
Vou largar-lhe lentamente a mão. No momento em que eu largá-la de todo,
você obedecerá a uma ordem minha, e tornará a segurar a minha mão.
Largo a mão do paciente e peço-lhe um anel ou um relógio. Torno a
segurar-lhe a mão, enquanto embolso o objeto pedido, e sugiro que, à
medida que vá largando de novo, a lembrança do que acaba de executar,
se desvaneça de sua mente. Um dos assistentes, devidamente instruído,
perguntará depois ao hipnotizado, já dispensado e fora do transe, pela
hora ou pelo anel. O grau de autenticidade da amnésia se verificará pela
sua reação (PATTIE).
Esse método de hipnotização exige atitudes mais autoritárias e maior
desembaraço do que os processos que envolvem o “sono“. O hipnotista tem de
demonstrar maior domínio e maior grau de confiança, quando atuando sobre
uma pessoa de olhos abertos. Substituindo a sugestão do sono pela
recomendação do relaxamento muscular e do exercício respiratório, muitos
indivíduos rebeldes à hipnose são levados aos níveis profundos do transe, e
voltam sem sequer desconfiarem de que foi hipnotizado, isso exige maior
perícia do hipnotista e maior suscetibilidade do hipnotizado.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 211
CAPÍTULO V - A PESQUISA DE CAMPO

Embora na literatura seja evidente a indefinição teórica da hipnose, isso


não impediu que, a partir das observações práticas, seu estudo não fosse
cientificamente sistematizado. Com objetivo geral de verificar contrastes entre a
experiência empírica e a teoria conhecida, além da conquista dos objetivos
específicos, como identificar a sintomatologia, reconhecer as características e
dividir o transe hipnótico em níveis diferenciados, o autor realizou uma pesquisa
de campo qualiquantitativa, na cidade de Salvador, na Bahia, entre 1997 e
2002.
O problema crucial da investigação foi avaliar a divergência de dados
estatísticos apontados na literatura, qual a sintomatologia e quais os efeitos do
transe, além de desvendar sua importância terapêutica. Além dessa motivação
direta, houve também o interesse em avaliar o processo hipnótico como um
todo. Na medida em que a pesquisa acontecia, outros questionamentos foram
surgindo e, com as respostas, foi possível dirimir algumas dúvidas sobre vários
tópicos apresentados nos diferentes capítulos deste livro.
A distribuição das tarefas contou com a participação de uma equipe fixa e
multidisciplinar, composta por 5 colaboradores com experiência em pesquisa
acadêmica, além de 5 voluntários, predominantemente alunos de iniciação
científica, que se revezavam entre uma sessão e outra. Todos motivados pela
expectativa de respostas para seus questionamentos pessoais e fascinados
pelo tema objeto do estudo. No período de cinco anos foram realizadas 400
sessões de hipnose, envolvendo diretamente 1.984 pessoas. Neste cenário
ocorreram bastantes observações práticas, coleta de dados, leituras e debate
sobre a área temática em análise.
Estabelecido o cronograma, foram realizadas 6 sessões de hipnose
mensais, em média, com duração de 2 horas, com o mesmo grupo de
colaboradores, participantes e expectadores. Além de mais 2 horas de reuniões
semanais, apenas com os membros da equipe, para avaliação do processo e
orientação de procedimentos futuros. Durante os 2 primeiros anos a pesquisa
foi realizada nas dependências de uma universidade localizada na cidade do
Salvador. Posterior a isso, a equipe conquistou com recursos próprios seu
próprio espaço e os equipamentos necessários para continuar suas atividades.
Cada um contribuindo da melhor forma e doando quanto e que podia,
mantendo viável a execução do projeto.
Na primeira sessão de cada mês (módulo), sempre se fez testes de
suscetibilidade com todos os presentes; na segunda, foi induzido o transe com
sugestões terapêuticas; na terceira, regressão hipnótica de idade; na quarta,
hipnose de palco e na quinta, sessão de auto-hipnose. Cada turma contou com
a participação de 40 pessoas, predominantemente alunos de cursos
universitários, profissionais da área da saúde e convidados. Nos módulos
212 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

seguintes, foi evitada a participação das pessoas que já tinham passado pela
experiência nas sessões anteriores.
Os hipnotizados foram identificados, através de fichas construídas para
este fim, considerando gênero, idade, raça, grau de instrução, atividade
profissional e situação conjugal. Durante a pesquisa, foi realizada uma série de
observações diretas e aplicados 500 questionários padronizados, semi-
estruturados, composto de questões formuladas para aqueles que
apresentaram, durante o transe, sintomatologia mais completa.
Foram realizadas 100 entrevistas, a partir de um roteiro elaborado para
esclarecer questões não satisfatoriamente respondidas nos questionários. Foi
perguntado o quê, na opinião deles, significa hipnose; quanto tempo acha que
durou o transe que experimentaram; se têm lembrança do que ocorreu durante
o transe; como e se é possível descrever sensações vivenciadas; os motivos
que os levaram a participar do processo; se efetivamente ocorreu mudanças
significativas em suas vidas depois da experiência com a hipnose, caso
afirmativo, a que eles atribuíam.
Para documentar e alimentar o banco de dados, além dos questionários e
dos roteiros das entrevistas, foi ainda incluído formulários de anotações e
discrição das observações de campo. Com esta finalidade, também se produziu
com expressa permissão dos participantes, fotografias e filmes durante as
sessões. Os dados foram tratados e, tomando por base a estatística, foi
utilizado um programa SPSS - Statistical Package for The Social Sciences para
tabulações e levantamento de probabilidades matemáticas para, na fase da
analise, confrontar com os dados teóricos.
Levando-se em consideração a incidência percentual, foram construídos
tabelas e gráficos que respondem as questões iniciais da pesquisa e,
principalmente para identificar uma seqüência de sintomas ou reações
espontâneas entre os hipnotizados. Os percentuais publicados foram ajustados
por casa decimal, conforme estabelecem as normas de aproximação.
A média de idade dos sujeitos da pesquisa variou entre 18 e 60 anos.
58% entre 18 e 25 anos, 12% entre 26 e 32 anos, 10% entre 33 e 60 anos. A
amostragem foi aleatória entre homens e mulheres de diferentes classes
sociais e níveis de escolaridade, que se apresentaram espontaneamente para
participar das sessões.
Durante as sessões, os sintomas observados não foram induzidos pelo
hipnotista, surgiram naturalmente e em conseqüência da evolução do transe.
Para efeito de classificação dos sintomas, foi considerando cinco fases de
aprofundamento; hipnoidal, transe leve, médio, profundo ou sonambúlico e
pleno, todos explicitados no campo teórico.
Durante a pesquisa, o transe foi provocado apenas por estímulo dos
sentidos normais como a visão, a audição e o tato, preferencialmente aplicando
o “método da estrela” e “toques” recomendados por Jean-Martin Charcot, nas
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 213
chamadas zonas hipnógenas do corpo humano. Com menor freqüência,
também foram aplicadas as recomendações de Ambroise August Liébault para
verbalizar sugestões.
A prática demonstrou que ocorre na pessoa hipnotizada mudança no
estado físico e mental, podendo produzir alterações no fisiologismo, na
percepção, nas sensações, no comportamento, nos sentimentos e na memória.
Nas mudanças fisiológicas que se produzem em conseqüência do nível do
transe, figura geralmente uma baixa na pulsação, ocorrendo quedas mais ou
menos acentuadas na pressão arterial.
Para mensurar as alterações no fisiologismo do organismo humano,
foram utilizados instrumentos, devidamente aferidos e calibrados conforme os
padrões, para medir pressão arterial, temperatura corporal e o nível de
batimentos cardíacos. A pesquisa não contou com apoio financeiro ou
institucional, por isso o projeto não contemplou o uso de instrumentos como o
PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons) e o EEG (Eletro Encefalograma),
além de outras tecnologias mais sofisticadas e atuais. No entanto, é sugerido
para estudos futuros o uso desses recursos, são indispensáveis para mensurar
outras variáveis neurofisiológicas e ampliar o espectro da investigação.
Os dados da pesquisa indicam que ao iniciar-se o transe costuma haver
vaso-constrição, seguida de vaso-dilatação que se vai prorrogando até o
momento de acordar. Equivale a dizer que, no começo os batimentos cardíacos
se aceleram, a pressão pode subir um pouco, mas à medida que o transe se
aprofunda tende a cair. Na pessoa bem hipnotizada observa-se geralmente
uma mudança na temperatura periférica; variação de calor para mais
(hipertermia) no tórax e cabeça, associando com variação de calor para menos
(hipo-termia) associada à sudorese excessiva nas extremidades das mãos e
pés, conservando-se geralmente assim durante todo o transe. Pequenas
diferenças podem ocorrer de um indivíduo para outro.
Durante o transe geralmente o hipnotizado apresenta-se como quem
experimenta um relaxamento geral, não obstante também apresentar o
aumento da percepção dos sentidos. Alguns hipnotizados podem manifestar
intensa excitação mental expressada através de convulsões, gritos, crise de
choro ou riso, ás vezes alternadamente. A noção de tempo e espaço fica
distorcida e, de olhos abertos, as pupilas ficam dilatadas.
87% dos que experimentaram o processo hipnótico, após o transe
perderam a noção do tempo; declarando quando entrevistado que seu transe
durou apenas 5 ou 10 minutos, quando na verdade transcorreu em 1 ou 2
horas. 5% destes, permanecendo no ambiente onde acabou de ser hipnotizado,
voltaram espontaneamente para o transe, sobretudo quando outras pessoas
hipnotizadas estivam presentes.
94% dos entrevistados que passaram pela experiência do transe, revelam
sentir aumentar muito o nível do sono fisiológico e dormiram mais
profundamente na noite posterior à sessão. 97% declararam que, após o
214 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

transe, sentiram grande sensação de bem-estar, ficaram como se estivessem


sonolentos por várias horas após a sessão. 74% declararam também que após
a experiência sentiu fortes sensações de felicidade e contentamento.
Nos entrevistados há unanimidade quanto à função terapêutica da
hipnose. 100% revelaram que, após o transe, ocorreu elevação do nível na sua
qualidade de vida. Entre as mudanças que foram citadas nos questionários, há
registro, principalmente, da elevação da auto-estima, melhoria em
relacionamento afetivo e social, superação de estresse, pânico, fobia, crise
asmática, distúrbios gástrico intestinal, ansiedade, sucesso profissional,
ampliação da capacidade de aprendizado e outros benefícios que motivaram
diretamente a participação no processo hipnótico.
É evidente pelos depoimentos dos entrevistados o caráter terapêutico do
transe hipnótico, isso comprova o que expressa o pensamento de Milton Hyland
Erickson (1901 – 1980), 115 psiquiatra americano que repensou a hipnoterapia
com o uso de metáforas que serviam para alcançar o inconsciente do paciente
e tratar as causas dos sintomas. Erickson não só atribuiu ao transe caráter
terapêutico, também o definiu como sendo um momento especial e
diferenciado, durante o qual o paciente tem condições de quebrar, com mais
facilidade, suas limitações e a estrutura dos seus sistemas de crença pessoais
e supostas realidades que regem a dinâmica de sua vida.
As conclusões da analise dos dados também apontam que a hipnose é
um fenômeno que se explica e se produz em função do hipnotizado, por isso é
possível que as expectativas sejam variadas tanto para mais como para menos,
a depender do indivíduo. Também induz acreditar que é pela reação e pelos
sintomas físicos apresentados pelo hipnotizado que o hipnotista pode avaliar a
autenticidade e a profundidade do transe.
Durante as sessões foram produzidos fortes estímulos dos sentidos da
audição, do tato, do olfato, e da visão, mas não ocorreram respostas positivas
em 93% dos hipnotizados. Porém, quando induzidos por sugestões de que
eram capazes, 76% demonstraram que, durante o transe podiam ouvir e
descrever ínfimos sinais sonoros; sentiam a presença de objetos aquecidos e
colocados a distancias impossíveis de ser percebidos em condições normais.
68% revelavam com muita facilidade a presença de fragrâncias que só eles
podiam perceber; como a presença do cheiro de éter, alfazema, álcool e
diferenciavam de outros, propositadamente colocados em distancias que só
eles, ninguém mais presente no ambiente, percebiam.
A sintomatologia do transe
Chacout dividiu a hipnose em três estágios ou níveis genéricos; a letargia,
a catalepsia e o sonambulismo. O primeiro é comparado com a hipnose ligeira,

115
ERICKSON, M. H. Experimental demostration of the psychopathology of everyday life. N.
York, 1939.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 215
o segundo com a hipnose média e o terceiro com a hipnose profunda. São
relacionados com as seguintes características:
• Hipnose ligeira, ou superficial. O hipnotizado tem consciência de tudo
que acontece. Dará e terá, inclusive, a impressão de que nem sequer
está hipnotizado. Porém, não saberá explicar porque seguiu
corretamente as sugestões do hipnotista ou porque permaneceu imóvel
enquanto durou a sessão.
• Hipnose média. A pessoa conserva uma lembrança parcial do que se
passou durante o transe. Não terá dúvida, porém, quanto ao estado de
hipnose que experimentou.
• Hipnose profunda. Também chamada de sonambúlica, neste nível
costuma ocorrer, entre outras coisas, a amnésia pós-hipnótica. Ao
acordar, declara não se recordar de nada do que se passou.
Liébeault acreditava em cinco níveis, Bernheim em nove, Davies e
Husband apresentam uma escala com trinta níveis e suas características
correspondentes. Mas, é de Le Cron e Bordeaux 116 a escala considerada como
a mais completa. Este autor divide o estado hipnótico em 5 fases e suas
respectivas mudanças fisiológicas espontâneas que se produzem naturalmente
durante o transe. Chama fase I de Insuscetível, nela ficam aqueles que não
respondem aos testes de suscetibilidade. A II é a hipnoidal, referi-se a fase
vestibular do transe, seguida da fase III, o transe leve, depois IV como nível
médio e V como profundo ou sonambúlico.
De acordo com a estatística organizada por Bramwell, 117 98% dos
indivíduos apresentam alguma suscetibilidade. De 10 a 20% das pessoas mais
jovens, entre 8 e 25 anos, alcançariam os níveis mais profundos do transe
hipnótico. Atualmente, computam-se 25 a 30% das pessoas como propensas
ao estágio sonambúlico. Liébaut e Bernheim conseguiram esse estágio em
aproximadamente 26% e afirmam que, em média, nas apresentações públicas,
80% respondem positivamente aos testes de suscetibilidade hipnótica.
Ainda segundo as estatísticas apresentadas por Bramwell, 55% das
crianças alcançam os transes mais profundos, enquanto apenas 7% das
pessoas acima dos 60 anos chegariam a níveis hipnóticos de igual
profundidade. A suscetibilidade hipnótica alcança seu máximo potencial entre 8
e 14 anos e começa declinar entre 25 e 30 anos. A pesquisa comprova que,
apesar disso, é bem possível que pessoas idosas sejam facilmente
hipnotizáveis e que crianças possam resistir bastante à hipnose. Conclui por
inferir que geralmente a suscetibilidade se apresenta como um dom de família e
é possível encontrar-se verdadeiras famílias de suscetíveis. Identificado na

116
LeCRON, Leslie M. and BORDEAUX Jean. Hypnotism today. N. York, Grune and Stratton,
1947.
117
BRAMWELL, J. Hypnotism, Ist history, practice and theory, Philaephia, J. B. Lippincott, 1930.
216 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

família uma pessoa suscetível, geralmente são também suscetíveis os irmãos


e, pelo menos, um dos pais.
Para esclarecer as diferenças estatísticas apresentas pelos autores,
principalmente quando se referem aos níveis de aprofundamento do transe e
seus respectivos sintomas, esta pesquisa considerou 4 fases (II a IV)
recomendadas por Le Cron e Bordeaux. Eliminou a primeira pelo fato de
classificar apenas os insuscetíveis e acrescentou mais uma, a quinta,
correspondente ao transe pleno.
Como critérios de classificação de sintomas foram Investigados os
percentuais de hipnotizados, as reações observadas foram numeradas de 1 a
50. Com base nestes dados, foi construída uma escala, composta por 5 fases e
nomeadas como fase I, transe preliminar; fase II, transe leve; fase III, transe
médio; fase IV, profundo ou sonambúlico e fase V, transe pleno. Essa nova
classificação da sintomatologia do transe pode ser entendida na forma
seguinte:
FASE I - Preliminar – 98% das pessoas são hipnotizáveis e, quando
submetidas à hipnose, pelo menos se enquadram na fase preliminar do transe.
Ao iniciar o processo de indução, mostram uma expressão de cansaço,
freqüentemente tremores nas pálpebras e contrações espasmódicas nos cantos
da boca e nas mãos, pode ou não ocorrer aumento de batimento cardíaco. Não
reagem positivamente com celeridade a sugestões pós-hipnótica. São sintomas
identificados na fase I:
1. Fechamento espontâneo dos olhos.
2. Aparente sonolência.
3. Tremor das pálpebras.
4. Contrações espasmódicas da boca e do maxilar durante a indução.
5. Aumento de batimento cardíaco.
6. Relaxamento mental e físico com perda de motricidade.
7. Sensação de peso no corpo inteiro
8. Ausência ou retardo da reação à sugestão pós-hipnótica.
FASE II - Transe leve – 80% das pessoas submetidas à hipnose evoluiu para
esta fase. Começaram a sentir os membros pesados e finalmente todo o corpo
pesado, experimentaram um estado de alheamento, embora conservasse ainda
consciência de tudo que se passava ao redor. Entre outros sintomas, pode ser
observado no hipnotizado a catalepsia ocular, a catalepsia dos membros e a
rigidez cataléptica que se caracteriza pelo enrijecimento dos músculos do
corpo, porém com ausência de fadiga muscular durante e após o transe. O
hipnotizado mantém-se sério e imóvel, age como se não estivesse criticamente
afetado pelo que acontece no ambiente, a respiração é mais lenta e mais
profunda. Neste estágio obedece às sugestões simples, embora resistentes às
mais complicadas, quando retornam do transe dizem que se lembrava de tudo
que aconteceu, porém declaravam sempre que, durante o transe, tentou mover-
se em vão. São sintomas identificados na fase II:
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 217
8. Rapport entre hipnotizado e o hipnotista.
9. Catalepsia ocular e parcial dos membros, com rigidez de pequenos
grupos musculares.
10. Perda de motricidade até a saída do transe (sem disposição para se
mover, falar, pensar, agir).
11. Respiração mais lenta e mais profunda.
12. Visível engrossamento da artéria carótida, à altura do pesco, rubor e
elevação de temperatura da face e do tórax.
13. Resfriamento das extremidades do corpo.
14..Alheamento a tudo que ocorre no ambiente.
16. Aceita sugestões pós-hipnóticas simples.
17. Aceita sugestões de mudanças de personalidade.
18. Contrações intermitentes das pálpebras ao sair do transe.
19. Após o transe apresenta córneas avermelhadas, porém sem irritação
ocular.
FASE III - Transe médio - 70% das pessoas submetidas à hipnose se
enquadram nesta fase. Embora conservasse alguma consciência do que se
passava, estavam efetivamente hipnotizadas, já não ofereciam resistência às
sugestões. Apresentaram amnésia parcial acentuada, lembram-se apenas de
parte dos fatos que ocorreram durante o transe. Freqüentemente, nesta fase, o
hipnotizado fica com os olhos entreabertos aparecendo parte branca inferior da
córnea. Nesta altura se produzem a catalepsia completa dos membros e do
corpo inteiro, alucinações motoras, alucinações positivas e negativas dos
sentidos e alucinações sinestésicas. Já se consegue efeitos analgésicos e
anestésicos locais, razão por que este estágio é indicado pelos autores
referidos no campo teórico como próprio para pequenas cirurgias.
Espontaneamente ocorreu a glove anestesia (anestesia das mãos), além de
hiperacuidade em relação às condições atmosféricas com elevada sensação
de frio ou calor. São sintomas identificados na fase III:
20. Amnésia parcial acentuada quando sai do transe.
21. Sudorese excessiva e resfriamento nas mãos e pés.
22. Glove anestesia.
23. Rigidez muscular nos braços e pernas no corpo todo.
24. Presenças de ilusões sinestésicas.
25. Ocorrências de ilusões do gosto e alucinações olfativas.
26. Hiperacuidade com relação às condições atmosféricas.
27. Hiperestesia em relação à presença e ou proximidade do hipnotista.
28. Hiperacuidade olfativas; auditivas e táteis.
FASE IV - Transe profundo ou sonambúlico – 30% das pessoas submetidas à
hipnose se enquadram nesta fase. Apresentaram uma expressão
impressionantemente fixa com as pupilas visivelmente dilatadas ou
permaneceram com os olhos abertos, mas não apareceu a íris (olhos brancos).
Em alguns casos ocorreu o fechamento dos olhos e o movimento não
218 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

coordenado dos globos oculares por debaixo das pálpebras, movendo-se em


todos os sentidos.
Freqüentemente na fase IV, o hipnotizado ainda que reaja com maior ou
menor presteza às sugestões, sua aparência é a de quem está submerso num
sono profundo e aceita sugestões pós-hipnóticas bizarras. O hipnotista pode
assumir o controle das funções orgânicas do hipnotizado, influindo, por meio de
sugestões, no ritmo das pulsações cardíacas, alterando a pressão arterial, os
processos metabólicos, etc.
No transe profundo pode ocorrer também regressão de idade e as
alucinações pós-hipnóticas negativas, o hipnotizado vê e tem tato, ouve, sente
cheiro ou gustação de algo que não existe, ou alucinações positivas quando os
sentidos reagem negando estímulos que existem. A isso pode ser acrescentada
a anestesia e, o que é mais importante, a anestesia pós-hipnótica. O hipnotista,
indicando a região a ser anestesiada, determina as condições específicas como
o dia, a hora ou local, quando a anestesia deve produzir efeito. Assim poderá
ser submetido à intervenção médico-odontológica, independente de nova
sessão e na ausência do hipnotista. A anestesia hipnótica completa, além de
ser um dos fenômenos clinicamente importantes, é uma das provas mais
convincentes do transe profundo.
A hiperestesia pode ocorrer no transe sonambúlico, é visível quando o
hipnotizado “se liga” mentalmente ao hipnotista e, mesmo sem ver, manifesta
inquietude quando este se afasta ou quando aproxima a mão, reagindo como
se fosse uma forte atração magnética. Em certas ocasiões o hipnotizado, de
olhos vendados, segue o hipnotista, andando como se fosse sua sombra,
inclinando ou arrastando o corpo em sua direção. São sintomas da fase IV:
29. Olhar fixo, esgazeado e, com a incidência de luz, as pupilas dilatadas
não contraem (midríase).
30. O hipnotizado permanece com os olhos totalmente abertos, mas não
aparece a íris (olhos brancos).
31. Olhos se fecham e apresentam movimentos não coordenados.
32. Comporta-se como um sonâmbulo (sonambulismo artificial).
33. Amnésia é completa ou sistematizada por sugestão pós-hipnótica.
34. Anestesia pós-hipnótica.
35. Sugestões pós-hipnóticas bizarras.
36. Alheamento total a tudo que ocorre no ambiente, mesmo quando
submetido a fortes estímulos.
37. Alterações das funções orgânicas por sugestão; alterações da
pulsação, pressão, digestão, ritmo da respiração, resfriamento de
parte ou do corpo todo.
38. Responde à sugestões de lembrar coisas esquecidas.
39. Regressão de idade com absoluta precisão de lembranças de fatos
mesmo que ocorridos na fase mais infantil.
41. Alucinações visuais e auditivas positivas e negativas pós-hipnóticas.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 219
42. Estimulação de sonhos durante o transe ou pós, no sono normal.
43. Hiper-sensações olfativas, aromáticas e a odores, ocorrência de forte
hiperestesia do tato.
FASE V - Transe pleno – 6% das pessoas, quando submetidas à hipnose se
enquadram nesta fase. Quando o transe atinge o nível pleno o indivíduo fica
imóvel e, à medida que passa o tempo, pode manifestar intensa excitação
mental expressada através de grandes convulsões, gritos, crise de choro ou
riso aparentemente voluntário. Os pesquisados mantiveram a boca seca e
entreaberta, apresentaram movimentos descontrolados do globo ocular, um
olho movendo para cima e o outro para baixo, ou ainda, um olho para um lado e
o outro em sentido contrário. Logo após entrar em transe, apresentaram
ausência total de reação mesmo quando submetidos a fortes estímulos do tato,
da audição, da visão e do olfato. No entanto, estavam profundamente ligado e
pronto para executar as sugestões do hipnotista e, se induzido, os sentidos
convencionais se exacerbavam ao extremo. Mudam do estado abúlico para
extremamente dinâmicos instantaneamente.
No grau superlativo do transe hipnótico pode ocorrer transfiguração do
hipnotizado e a mudança no tipo e timbre da voz. Geralmente nesta fase
ocorrem, ou podem ser induzidos, fenômenos hiperestésicos e clarividentes,
além da somatização das sugestões; encostando-se um objeto frio na pele do
hipnotizado e dizendo ser uma brasa, pode aparecer uma bolha como se
provocada por uma queimadura.
No nível pleno do transe pode surgir ou ser induzido um extraordinário
aumento dos sentidos convencionais como tato, audição, visão, paladar e olfato
que se manifestam na forma de clarividência, clariaudiência. A clariaudiência
significa a capacidade de ouvir ruídos ou sons ínfimos e, a clarividência é ver
além do olhar ou da visão convencional. Essas manifestações geralmente
aparecem associadas. O hipnotizado passa a ouvir, ver ou sentir além da
capacidade dos seus sentidos normais. São sintomas da fase V:
44. Movimentos descontrolados do globo ocular.
45. Inibição de todas as atividades espontâneas.
46. Mudança instantânea da abulia para o dinamismo extremo.
47. Intensa excitação mental; grandes convulsões, gritos, crise de choro
ou riso que se alternam.
48. Transfiguração; alta palidez, contorno dos olhos e unhas roxas,
49. Pode ocorrer mudança de voz.
50. Somatização das sugestões e ocorrências de telecinesias.
No transe pleno apenas (3%) dos hipnotizados apresentaram
somatização das sugestões. Durante a pesquisa aconteceram apenas três
registros entendidos como possíveis de serem manifestações de telecinsia,
termo derivado das palavras gregas tele e kinesis que significa “movimentar de
longe” ou mover objetos sem contato. a) Vibrações intensas de portas e
janelas. b) Explosão de três lâmpadas elétricas, em pequenos e sucessivos
220 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

intervalos de tempo. c) Rápidos e curtos arremessamentos e movimentações


de cadeiras e mesa.
Os casos descritos como possível de ter sido telecinesia, ocorrem de
forma espontânea e inesperada, absolutamente sem expectativa ou controle
sobre eles. Não foram identificadas, embora exaustivamente procuradas,
causas físicas ou naturais que justificassem as ocorrências. Havia mais de
trinta pessoas no ambiente, em média quinze estavam em transe e, pelo
menos, uma apresentava sintomatologia de transe pleno. Embora outras
sessões ocorressem com iguais condições, inclusive com os mesmos
participantes, os fatos não se repetiram.
Durante o transe hipnótico, salvo em casos nos quais as mudanças
fisiológicas ou as reações indicadas como sintomas sejam produzidas por
sugestão direta, ou indiretamente veiculada pelo hipnotista, estas aparecem de
forma espontânea e correspondem ao nível de aprofundamento do transe
atingido pelo hipnotizado. Mas, dentro desse esquema, tem de se levar em
conta as variantes das reações individuais, em alguns casos características do
transe profundo ocorrem no transe médio e até mesmo no ligeiro.
A pesquisa demonstrou que 3% dos hipnotizado entra em transe,
apresenta sintomatologia característica dos diferentes níveis de
aprofundamento e, mesmo assim, saem do transe espontaneamente. Também
demonstrou que, independente de sugestões do hipnotista, permanecendo no
ambiente onde ocorre a sessão, principalmente se outros ainda estiverem
hipnotizados, 5% imediatamente após passar pela experiência do transe,
apresentam midríase, perda da discriminação espaço-temporal, ilusões
sinestésicas, perda ou diminuição de controle psicomotor e voltam
espontaneamente ao estado anterior. Estes foram denominados como “liga-
desliga”.
98% dos pesquisados que respondeu positivamente aos testes de
suscetibilidade, também foram positivos à indução do transe em suas variadas
formas de apresentação; reagiram favoravelmente às sugestões terapêuticas, à
regressão de idade, à hipnose de palco e, principalmente, na sessão de auto-
hipnose. Na hipnose de palco, 45% apresentaram respostas às sugestões de
forma muito dinâmica, 30% com reações moderadas e 15% embora com
sintomas característicos do transe profundo, revelaram o comportamento
abúlico e passaram cerca de duas horas, até o fim da sessão, absolutamente
imóvel.
O transe hipnótico
O transe hipnótico, quando não produzido por meios químicos, se carac-
teriza pelo fato do sujeito manifestar certa indiferença temporária, relativa ou
completa, às impressões recebidas pelos órgãos dos sentidos com referencia
às condições do ambiente e aos acontecimentos onde e enquanto transcorre o
processo hipnótico. Porém, durante o transe podem ocorrer manifestações di-
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 221
nâmicas provocadas por sugestões externas ou internas próprias dos sujeitos
hipnotizados. Trata-se de um estado diferente da consciência habitual, mas
normal na concepção de que não é patológico e é sempre temporário, além de
não ter sido produzido por elemento invasivo.
A pesquisa aponta que, como acontece em qualquer transe, provocado
por qualquer método ou processo, o hipnotizado reage influenciado por suges-
tões subjetivas internas, como suas tendências quanto aos seus valores morais,
éticos e religiosos, seus anseios, frustrações, expectativas, êxitos e fracassos
na história de vida. Depende também do modo como a sociedade ou a cultura
na qual ele está inserido interpreta a realidade e, como ele percebe essa inter-
pretação. Reage ainda por sugestões objetivas externas, como o próprio ambi-
ente onde ocorre à sessão, a proposta ou justificativa para a produção do tran-
se, das sugestões conduzidas e manipuladas pelo hipnotista ou pelo hipnotiza-
dor. Por estes fatores, o transe se ajusta aos rituais religiosos fundamentado
em diferentes crenças, assim como pode ser produzido com diferentes propósi-
tos e ocasiões.
Colabora com as observações práticas realizadas nas sessões, a
definição da Bristish Medical Association. Define o transe como um temporário
estado alterado de consciência e atenção do sujeito, induzido por um hipnotista,
no decurso do qual podem ocorrer vários fenômenos, tanto espontâneos como
em resposta as sugestões verbais ou de outra natureza.
Há pessoas, em especial os mais jovens, que entram em transe esponta-
neamente, falam e se locomovem, são capazes de praticar atos e, ao saírem do
transe, não lembram e nem sabem explicar o quê, nem como aconteceu o que
acabou de experimenta. O transe é um acontecimento relativamente comum,
ocorre em situações diversas como no sonambulismo, nos rituais místicos, reli-
giosos e nas sessões especificas de hipnose. Em todos os casos, as caracterís-
ticas são as mesmas, embora cada um tenha seu propósito e sua própria expli-
cação.
85% das pessoas entraram em transe profundo quase que
instantaneamente. 5% alcançaram um transe satisfatório no transcurso de
várias sessões. 9% alcançaram na segunda ou terceira sessão, Destes 30%
apresentam um tipo de transe passivo, 60% se manifestam pela exacerbação
dinâmica. 10% apresentam reações abúlicas. Salvo raríssimas exceções, a
pessoa em transe não se mostra inclinada a falar, tem uma tendência de
responder às perguntas, de forma positiva ou negativamente, por meio de
movimentos com a cabeça. Quando coagido a falar, toma as recomendações
ou ordens muito ao pé da letra, manifestando-se na linguagem, como em tudo
mais, por uma ausência de iniciativa e de espontaneidade. Geralmente fala
baixo, não muda de posição e mantém-se sério, não se deixa contagiar com o
que ocorre no ambiente, é como se nada ouvisse, visse ou sentisse, a menos
quando dirigido pelo hipnotista.
222 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Quanto à eficácia ou efeito prático da sugestão na produção dos


resultados esperados, a pesquisa observou que quanto mais profundo for o
nível do transe, mais rápida e completa será a resposta. Para os mais
profundos, às vazes, apenas uma sessão será suficiente, em outros casos a
sugestão terá que ser repetida em várias sessões.
A prática demonstra que para a sugestão surtir efeito prolongado na vida
do hipnotizado, deve ser repetida em média por três ou quatro sessões. Isto é
verificado quando se aplica sugestões pós-hipnóticas, do tipo de frases para
retorno imediato ao transe. Formulada uma vez, o efeito da sugestão pós-
hipnótica dura em média vinte dias, reforçada antes deste período, ficam
validada por cerca de seis meses, reforçada pela terceira vez no mesmo prazo,
funcionam por anos.
A pesquisa demonstrou também que ocorre uma evolução no nível do
transe do hipnotizado, na medida em que ele repete a sessão. No entanto,
quem é sonambúlico ou pleno apresenta essas características
instantaneamente na primeira sessão. Nem um dos participantes evoluiu para
os dois últimos níveis, a evolução aconteceu apenas do nível preliminar para o
leve, do leve para o médio.
Testes de eficácia
As técnicas para mensurar o nível de indução ao transe hipnótico variam
de acordo com a suscetibilidade específica do hipnotizado, salvo em
demonstrações públicas quando deve ser adotado um método, mais ou menos
estereotipado, que permita uma resposta rápida, dando condições de manobra
do hipnotista. No caso de dúvida quanto ao transe o processo deve ser
abortado para evitar desconfiança da platéia. Neste tipo de hipnose, para
garantir o êxito, além da boa escolha dos suscetíveis, os testes têm de ser
rápidos.
De um modo geral, durante o transe hipnótico, as reações do indivíduo
hipnotizado se dividem em duas categorias fundamentais: a dramatização das
situações sugeridas e as alterações psicofísicas que se processam no
hipnotizado. Freqüentemente, na primeira categoria, envolve a suspeita de que
pode haver simulação. Na segunda, os sinais físicos são mais confiáveis para
que se possa acreditar que a hipnose está instalada.
Para afirmar que o indivíduo está ou não hipnotizado, o hipnotista deve
observar atentamente a sintomatologia. É o procedimento mais seguro,
embora, os menos experientes, tenham a tendência de acreditar mais nas
provas demonstradas no comportamento do hipnotizado e, isso, pode ser
simulado, enquanto as mudanças físicas do hipnotizado não.
Dentre os sinais físicos de hipnose, o mais preciso é a anestesia dos
sentidos, que pode ser verificada pela ausência do tato. Pica-se a mão do
hipnotizado sem aviso prévio e sem que ele possa perceber. A ausência de
reação indica transe médio ou profundo. Quanto mais imóvel, mais profundo
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 223
será o transe hipnótico, é quando a respiração é suave, profunda e rítmica.
Nesta fase do transe foi observado também que a sugestão se consolida com
mais força e produz efeitos imediatos.
Uma forma simples de avaliar o transe é saber que os bons suscetíveis
logo aparentam palidez, às vezes bem acentuada. Embora pareça paradoxal
quanto mais lenta for a representação das situações sugeridas ao hipnotizado,
mais profundo é o transe; quanto mais lenta a resposta da sugestão do
levantamento dos braços, quanto mais lentos os movimentos sugeridos, mais
profundo é o nível do transe.
Pode-se ter certeza do estado profundo de hipnose, se o hipnotizado
revirar totalmente os olhos de forma que, com as pálpebras levantadas não
apareça a íris, isto é, ficam totalmente brancos. É sinal incontestável de transe
sonambúlico.
Outro teste consiste em levantar o braço e ou a perna do hipnotizado e
deixá-la erguida. Se permanecer na posição em que o hipnotista largou, é sinal
de transe médio ou profundo, caso contrário o nível seria superficial ou leve.
Este teste não oferece a mesma margem de segurança que a anterior, já que o
simples gesto de levantar o braço vale por uma insinuação e pode ser
considerado como uma sugestão.
Não obstante tudo que ocorre numa sessão de hipnose ainda pode
persistir a dúvida, tanto para o hipnotizado como para o hipnotista e para quem
assiste. Em certos casos, para se ter certeza se houve ou não a ocorrência do
estado hipnótico, um recurso sutil e altamente convincente é a sugestão pós-
hipnótica.
Para se aplicar uma sugestão pós-hipnótica tanto, é preciso que se tenha
produzido um transe de nível médio ou profundo. É neste nível que se
apresentada ao hipnotizado uma sugestão de efeito retardado, ou seja, de
efeito pós-hipnótico, como exemplo: Pode ser dito que ao acordar, ele sem falar
nada, sairá para beber água porque estará com muita sede, ou ainda, que
quando ouvir determinada palavra ou frase entrará novamente em sono
profundo. Dependendo do nível do transe experimentado, tudo isto
efetivamente acontecerá.
Saída do transe
O retorno de um transe não deve ser súbito ou violento, o indivíduo pode
mostrar-se assustado, ou mesmo impressionado, a ponto de auto-sugestionar-
se que o transe lhe fez mal. Pode, por exemplo, queixar-se de sentir dor de
cabeça, ou que continua com as pernas imóveis, ou que mesmo acordado não
pode se mexer, o que jamais aconteceria se, antes de acordá-lo, lhe fosse
aplicada uma sugestão pós-hipnótica do tipo: “ao acordar se sentirá muito bem,
perfeitamente normal, feliz, etc.”.
12% das pessoas, no transe, insistiram em prolongar o rapport, ou seja,
sua relação com o hipnotista e ocorreram efetivamente casos que o ato de
224 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

acordar foi prolongado. Isso não deve constituir-se em motivo de pânico para o
hipnotista, ainda que as reações do hipnotizado assumam proporções
extremas. Nestes casos o hipnotizado deve ser surpreendido com uma ação
mais enérgica do hipnotista e, se mesmo assim persistir em não acordar ignore-
o, até que saia espontaneamente.
Uma das técnicas de acordar consiste em contar até dez, para atingir o
resultado esperado interpola-se, entre um número e outro, sugestões
adequadas e alguns toques físicos recomendados por Charcot para este ato.
Por exemplo:
• Agora, vou começar a acordá-lo contando até dez... Você vai sentir-se
maravilhosamente bem disposto... Uma sensação de grande bem-estar,
livre de qualquer desconforto ou qualquer impressão desagradável... Vou
começar a contar... Antes de chegar aos dez, você já está praticamente
acordando... Vai acordando suavemente... Atenção, 1... 2... 3... Já está
começando a acordar, 4... 5... 6... 7... Já está quase... 8... 9... 10.
Pronto... Acordou.
A razão da contagem para efeitos de acordar é para dar ao hipnotizado o
tempo para voltar ao seu estado normal. Se não terminasse a contagem ele
acordaria assim mesmo, no máximo após uma hora. Dentro deste prazo o
transe transforma-se em sono fisiológico e o hipnotizado desperta
normalmente. Invariavelmente deve ser acrescentada antes de iniciar o
processo de acordá-lo sugestões pós-hipnóticas positivas como:
• De hoje em diante, sua mente estará trabalhando em seu benefício...
Você será capaz de vencer suas adversidades... Seu inconsciente estará
trabalhando em seu benefício... Utilizando toda a sua capacidade mental
para o pleno êxito de sua vida... Será sempre feliz... Acordará sentindo-se
tranqüilo e muito bem disposto...
Outra técnica de uso freqüente para despertar o hipnotizado consiste em
soletrar o seu nome, dizendo, as letras uma a uma:
• À medida que eu for soletrando seu nome, você vai acordando... Antes
mesmo de terminar, você estará praticamente acordado... Vai acordar
bem disposto, com grande sensação de bem-estar, livre de qualquer
desconforto... Ao dizer a última letra de seu nome, estará acordado e
maravilhosamente bem disposto.
Suscetibilidade à indução
Ser suscetível não caracteriza pessoas subservientes, crédulas,
dependentes ou preocupadas como normalmente afirma o senso comum, mas
pode caracterizar pessoas felizes que, não tendo sido decepcionadas, não
vivem em guarda contra o mundo. Por isso, diz Weissmann: “dentre os
elementos femininos as moças bonitas e animadas sejam as mais fáceis de
induzir do que as suas companheiras menos favorecidas pela natureza e pela
sorte”. Levantando outros fatores positivos para caracterizar pessoas
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 225
suscetíveis destacam-se, a inteligência, a imaginação e a capacidade de
concentração como condições para se obter o transe. Roger 118 simplifica a
questão ao afirmar:
Os indivíduos mais sensíveis à hipnose são justamente aqueles que
apresentam uma inteligência média ou superior, que possuem uma
acentuada capacidade de concentração e trazem consigo uma grande
motivação (ROGER).
Concordando com Roger, acrescenta Weissmann:
Não se consegue hipnotizar loucos, nem débeis mentais. O indivíduo tem
que ter pelo menos a inteligência ou a vivacidade intelectual suficiente
para interpretar, executar e dramatizar as situações sugeridas. Já parece
estabelecido que a suscetibilidade hipnótica cresça em razão da
inteligência e na razão direta da capacidade individual para as atitudes
abstratas (WEISSMANN).
Para Spiegel, 119 a capacidade hipnótica ou suscetibilidade também não é
um sinal de fraqueza mental. É, antes, uma capacidade de concentração
focalizada que, se existir, está associado à ausência de perturbação
psiquiátrica e neurológica séria. Contrariamente ao que ensinam os livros
populares, a pesquisa demonstrou que a fé inabalável no hipnotismo e a
vontade forte não constitui atributos fundamentais e diretos do hipnotista, mas
sim, do hipnotizado.
A experiência mostra que os melhores hipnotizáveis são precisamente os
tipos impulsivos, os voluntariosos, as pessoas de muita vontade, ou de vontade
forte aliada a muita fé. É preciso, tanto para o hipnotista quanto para o
hipnotizado, crer para que se dê o transe hipnótico. Outro ponto importante é a
vontade inconsciente de ser hipnotizado, pode ser que conscientemente
declare que não quer, mas inconscientemente deseja, portanto, o transe
ocorrerá aparentemente contra a vontade. O contrário também é válido, isto é,
declara que deseja, mas inconscientemente é refratário.
Usando a terminologia psicanalítica, a hipnose consiste inicialmente na
inibição das funções da personalidade consciente, ou seja, do Ego. A outra
parte chamada Id, uma função inconsciente da personalidade humana que é
irracional, instintiva e automática. Quanto mais a pessoa é determinada pelo
seu Id, ou seja, a sua parte irracional, instintiva e automática, tanto mais
propensa se mostrará à indução hipnótica. Assim, a hipnose representa para a
maioria dos hipnotizáveis uma oportunidade de escapamento, uma fuga
temporária das censuras e coerções do Ego.
Tuckey 120 diz que a suscetibilidade hipnótica é um traço de
personalidade decididamente condicionado a repressões e mecanismos de
118
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através a auto-hipnose. RJ, ed. Record, 1978.
119
SPIEGEL, David. Hipnose. In: Tratado de psiquiatria. (Org. Talbott et al), Porto Alegre, Ed.
Artes médicas, 1993.
120
TUCKEY, C. L. Treatment by hipnotism and suggestion, London, Baillère Trindall Cox, 1921.
226 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

defesa e de impunidade, uma espécie de reação compensatória a uma


frustração instintiva. Daí, o tipo impulsivo, o valente e brigão, de ação
automática, se mostra mais suscetível às impressões externas e às reações
instintivas estereotipadas, as quais a sugestão hipnótica se enquadra:
Um indivíduo que num gesto impulsivo, puramente automático, agride um
adversário que o insultou, é muito mais fácil de hipnotizar do que um outro
que, nas mesmas circunstâncias, chama a polícia e move um processo
contra o agressor (TUCKEY).
Os efeitos práticos da hipnose são proporcionais à suscetibilidade do
hipnotizado e ao domínio e aplicação dos métodos e técnicas pelo hipnotista,
ou pelo próprio hipnotizado no caso da auto-hipnose. Para a indução é
aconselhável um método progressivo e relativo ao nível do transe. Até atingir o
transe ligeiro as sugestões são menos incisivas, isto é, preferentemente
sugestões indiretas. Do transe médio em diante as sugestões são mais
impregnadas de autoridade, levando-se sempre em conta as condições da
pessoa hipnotizada, como suas particularidades e psicodinâmica.
Existem indivíduos que não admitem o mando formal, mesmo no transe
hipnótico profundo reagem e se recusam a obedecer. Já outros aceitam
sugestões diretas e incisivas desde o início do processo de indução. O efeito
autoritário da sugestão hipnótica é enormemente atenuado em virtude do
próprio hipnotizado que passa a experimentar as determinações proferidas pelo
hipnotista como se fosse à expressão de sua própria vontade.
Um fracasso do hipnotista quase sempre repercute para este de forma
depressiva, sobretudo se não têm o seu prestígio firmado. Para evitar o
fracasso, que pode até inviabilizar novas práticas, é imperioso que antes das
sessões o hipnotista possa identificar, com precisão quem é mais suscetível ao
transe. Existem listas organizadas indicando, ou pretendendo indicar, quais os
tipos de indivíduos que se enquadram nesta categoria.
A prática demonstra que 2% dos candidatos são insuscetíveis à hipnose.
Embora perfeitamente normais, isto é, não apresentam fatores de inibição ou
resistência ao processo hipnótico, como exemplo os portadores de patologias
psiquiátricas sérias, incompatibilidade com o hipnotista ou com o ambiente da
sessão e, mesmo assim, não apresenta reação de espécie alguma. É
característica do insuscetível a ausência de toda e qualquer reação aos testes
de suscetibilidade.
É muito forte na literatura a afirmação de que loucos ou retardados
mentais não são hipnotizáveis e os pouco inteligentes oferecem bastante
resistência. São apontados ainda como impossíveis ou dificílimos de serem
hipnotizados, os psicóticos e os excessivamente preocupados. Quanto ao sexo,
ficou comprovado na pesquisa o que é consenso na pesquisa teórica, entre a
suscetibilidade do homem e a da mulher não há diferença.
O grande público ainda preso a superstições, acredita ser o hipnotista
dotado de “força” ou “poder”. Imagina que os hipnotizáveis não têm vontade
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 227
forte ou são fracos de “energia”. Enquanto isso, a realidade mostra exatamente
o contrário, são mais facilmente hipnotizáveis os intelectuais, os homens
sensíveis e inteligentes, os artistas por excelência, os curiosos, os românticos e
todos aqueles que têm força de vontade.
Formulação da sugestão
Os pensamentos e os sentimentos do hipnotista afiguram-se para o
hipnotizado, como se fossem os seus próprios pensamentos e sentimentos.
Obedece na certeza de estar agindo por sua própria vontade ou porque quer
obedecer, salvo raríssimas exceções. A essas pessoas, a ordem deve ser
indireta. Um indivíduo desses resistirá à sugestão verbal direta, por exemplo, a
ordem de dançar - dance - mas, se o hipnotista executar passos de dança
diante dele, provavelmente não deixará de condescender com a tentação de
imitar, assim a “ordem” é substituída por uma sugestão indireta visual.
Invariavelmente a ordem indireta faz parte do método sugestivo, é muito
melhor convencer e sugerir do que mandar. A ordem só atingirá os mais
submissos, enquanto a sugestão atinge a todos e quanto mais inteligente e
convencido pelo hipnotista, mais o hipnotizado saberá interpretar e executar a
sugestão indireta. O método que contempla a ordem indireta da sugestão deve,
também, valer-se da técnica da sugestão graduada. O hipnotista tem de
reservar-se a si mesmo uma margem para eventualidades, retiradas
estratégicas e avanços se for preciso, principalmente se tratado de
demonstração pública.
Em lugar de dizer “sua mão vai subir”, deve ser dito “logo sua mão estará
subindo”. Deixa a critério do indivíduo o tempo para este tornar efetiva a
sugestão iniciada. Todavia, esse procedimento não deve refletir timidez ou falta
de segurança por parte do hipnotista. Esse vai subir tem de merecer a devida
atenção, suscitar a expectativa e a firme convicção do hipnotizado quanto à
autenticidade e a infalibilidade do resultado do que foi proposto.
As palavras dirigidas ao indivíduo em transe devem ser cuidadosamente
escolhidas, elas se dirigem ao inconsciente e no inconsciente conservam seu
valor original e, ali, representam fielmente as idéias correspondentes. Na
técnica sugestiva é aconselhado evitar a palavra “não”, esta recomendação se
baseia na experiência, segundo a qual as sugestões afirmativas são mais fortes
do que as sugestões negativas, como exemplo, em lugar de dizer “você não vai
se sentir mal” pode ser dito “você vai se sentir bem”, em lugar de “você não vai
desanimar”, pode ser dito “você vai ter ânimo”.
Outro princípio da técnica sugestiva é a preferência pelos motivos visuais,
que explora o fato de corresponder a um apelo à capacidade da imaginação do
hipnotizado. Imaginar é visualizar, ou seja, ver mentalmente e o método de
indução conhecido como “Método da Estrela” tira desse princípio sua
comprovada eficiência, assim como as sugestões formuladas por metáforas.
Esse método é perfeitamente indicado quando se pretende produzir o transe
em hipnose de palco, facilita a dinamização da sugestão pelo hipnotizado.
228 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

O ambiente das sessões


Quanto ao ambiente para se realizar as sessões, a pesquisa indica como
ideal local fechado e silencioso; deve ser evitado ruído de qualquer natureza,
para tanto é recomendado desligar telefones, evitar o bater de portas, barulho
de ventiladores, ruídos do trânsito; buzinas e motores. Também não é
aconselhável o uso de aparelho de ar condicionado, não só pelo frio como
também pelo barulho que produz.
Nas sessões o ambiente não deve ser abafado, deve haver circulação de
ar natural, é recomendada iluminação fraca, indireta e na cor azulada, pelo
menos até a indução surtir os primeiros efeitos. Outro fator negativo é a
preocupação em relação ao tempo, tanto o hipnotista como o hipnotizável não
pode estar preocupado com outros compromissos. Em tais casos é preferível
adiar a sessão.
A presença de familiares consangüíneos ou afetivos como pai, mãe,
irmãos, cônjuges, podem dificultar a indução de seu parente. Isto se explica
talvez porque a atenção do hipnotizável volta-se para os familiares em lugar de
concentrar-se no hipnotista. Também pode perturbar a sessão, presenças de
curiosos e de pessoas com opiniões sem fundamentos, céticos, e pessoas com
idéias negativas ou duvidosas.
A cor do ambiente também parece ser importante, paredes brancas,
necessariamente limpas e arrumadas, passam idéia de organização e
seriedade. Quanto mais solene for o ambiente, mas induz respeitabilidade e
segurança para o candidato ao transe hipnótico, tudo deve ser adequado, até
as cadeiras para quem vai participar ativamente da sessão devem ser com
recosto e sem braços. Isto ajuda ao processo de indução, por exemplo, quando
a sugestão é a levitação das mãos.
A ética e a legalidade da hipnose
No passado hipnotizar não era coisa que se aprendesse, era considerado
um dom e extremamente raro. O consenso popular sempre atribuiu ao
hipnotista, principalmente os de palco, traços de caráter mágico, envolvidos em
lendas associadas às mais variadas superstições, inclusive poderes além do
real. Quanto a isso, assim se refere Weissmann:
Segundo o testemunho direto ou indireto da maioria de quem espalha
lendas sobre hipnose, está a do hipnotista X que se apresentou no local Y,
cujo nome e lugar variam no tempo, a uma platéia impaciente, com um
atraso de três ou quatro horas. O hipnotista aparece e simulando surpresa
com os protestos, exigiu que a platéia consultasse os relógios e, sem
exceção, todos marcavam oito, ou seja, a hora marcada para o início, em
vez de meia-noite. Ato contínuo, o hipnotista declarou encerrada a sessão
e era este o seu número único e suficiente. Jamais este fato aconteceu e,
por outro lado, não é de se admitir que a platéia tivesse a paciência de
esperar quatro horas para o início da apresentação (WEISSMANN).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 229
Um bom hipnotista dispensa qualidades excepcionais para o exercício da
indução hipnótica e não depende de nenhuma formação, habilitação ou
qualificação profissional especifica. Weissmann é enfático quando comenta que
as restrições que se vêm fazendo ao hipnotismo, ainda que eruditas e
sensatas, sempre excluem automaticamente a primeira pessoa, ninguém
jamais se manifestou contra sua própria prática, é contra apenas o hipnotismo
praticado pelos outros.
Alguns hipnotistas não poupam sacrifícios para neutralizar uma possível
concorrência e tentam passar a idéia de que são perfeitos e mais competentes.
Para estes a hipnose é prestígio que, por sua vez, é motivo de ciúme e exige
exclusividade, mas, agindo dessa forma é provável que diminua a credibilidade
e ou a confiança em relação à sua competência. Quem é competente não teme
concorrência.
O êxito do hipnotista está em função da credibilidade e da suscetibilidade
do hipnotizável. Em outras palavras, a pessoa entra em transe porque é
suscetível e por que confia no hipnotista ou lhe atribui poderes mágicos. Isso
explica porque muitas vezes pessoas escoladas e conhecedoras da teoria da
hipnose fracassam, enquanto indivíduos dotados apenas de conhecimento
tácito sobre hipnotismo conseguem bons resultados.
Segundo a crença popular o hipnotista domina pelos olhos, isso faz com
que a quase totalidade das pessoas o imaginem dotado de olhos vivos e
penetrantes, mas na realidade não é preciso olhos especiais. Um fator que
induz à hipnose e que comporta algum tempo de treino é a voz (método de
Liébault), funciona como estímulo sensorial, monótono e suave, deve ser
preferentemente grave, rítmica e repetitiva.
A crença popular insiste também em afirmar que o hipnotista, culto ou
ignorante, deve possuir um dom especial, ou aquilo que popularmente se
costuma designar por sexto sentido. B. Gindes, 121 diz que este sexto sentido “é
a capacidade de colocar-se no lugar do outro”. O hipnotizável tem de sentir,
instintivamente, a mágica presença de um indivíduo capaz de entrar em seu
inconsciente e agir em função das suas expectativas.
Ao hipnotizar, o hipnotista entra no código de valores e de fé, entra na
simbologia do ideário da crença do hipnotizável, adquirindo sua confiança e
credibilidade. Para que a sugestão seja eficaz o hipnotista tem que, pelo menos
durante a indução, sentir o que pensa e como pensa seu hipnotizável. Isso
depende mais do conhecimento tácito e menos do teórico.
Um traço de caráter indispensável ao exercício proficiente da hipnose é
certo grau de autoridade, obtida sempre pela competência demonstrada ou pelo
carisma pessoal. É preciso ser autêntico sem pretensões pessoais, orgulho ou
arrogância. O hipnotista deve ser suave, mas convincente; simples, mas

121
GINDES, C. B. New concepts of hypnossis: as an adjunkt to psychotherapy and medicine.
London, George Allen and Unwin Ltd., 1951.
230 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

competente. Não pode demonstrar timidez ou falta de autoconfiança, seus


gestos e palavras devem refletir alto grau de confiança para conquistar atenção,
suscitando expectativa e convicção do hipnotizável quanto a sua habilidade
para hipnotizar.
O comportamento ético amplia a ação do hipnotista. Para conquistar
longos horizontes o hipnotista deve ter nobreza de caráter, pureza de
sentimentos, clareza na formulação dos objetivos, vontade forte, firmeza de
decisão, rapidez de percepção, benevolência, bondade, honestidade,
sinceridade de propostos, simplicidade e modéstia associada à competência e
habilidade para influenciar pessoas, persuadindo-as de forma positiva.
A persuasão direta ou indireta, franca ou oculta, representa a condição,
não apenas do hipnotista, mas de toda pessoa que deseja triunfar em qualquer
atividade. Para o pleno êxito na prática da hipnose é preciso dispor de toda
uma estrutura ética somada à vocação, destreza, habilidade e sensibilidade
para exercer a persuasão. Um bom hipnotista seria o indivíduo que possa reunir
estas qualidades.
É preciso ter prestígio em praticamente todas as atividades, mas no
exercício do hipnotismo este fator é duplamente necessário. Se as pessoas de
grande prestígio e vitoriosas em outras carreiras se dedicassem à hipnose,
muitos seriam grandes hipnotistas. É por isso que, para hipnotizar, levam
vantagem pessoas já prestigiadas tradicionalmente como professores,
advogados, médicos, artistas, líderes religiosos e empresários bem sucedidos.
Do ponto de vista legal nada proíbe a prática da hipnose, sua divulgação
ou aplicação por qualquer pessoa e em qualquer local. A hipnose e sua prática
passam longe de ser monopólio de qualquer profissão, porém, motivadas pelo
desconhecimento ou atitudes egoísticas ou corporativistas, algumas pessoas
divulgam falsas afirmações de proibição na tentativa de talvez limitar essa práti-
ca como exclusiva para determinada categoria profissional.
Não existe proibição legal quanto ao uso da hipnose no Brasil. O presiden-
te Jânio Quadros assinou o Decreto-Lei n. 51.009 de 22/7/1961 proibindo apre-
sentação de espetáculos de hipnotismo de palco em televisão, rádio ou outros
veículos de comunicação de massa. Esta foi a única norma proibitiva que tratou
desse tema no país e visava evitar o uso da hipnose para apregoar crenças su-
persticiosas ou sensacionalistas e com objetivos pecuniários. Mesmo assim, es-
ta norma jamais foi obedecida porque shows de hipnose direta ou disfarçada-
mente sempre ocorreram, principalmente em programas televisivos. Trinta anos
depois, o presidente Fernando Collor de Mello revogou totalmente essa norma
através do Decreto-Lei n. 11 de 21/1/1991.
O hipnotismo geralmente é rejeitado como conhecimento acadêmico; seu
estudo quando raramente ocorre é como extensão ou rápidas citações
complementando outros conhecimentos. Mesmo assim, alguns conselhos de
classes profissionais reconhecem e autorizam o uso da hipnose no exercício da
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 231
profissão. O uso da hipnose esta autorizada no artigo 6º da Lei 5.081 de
24/08/66 que regulamenta a profissão dos Cirurgiões-Dentistas. O Conselho
Federal de Psicologia, através da Resolução 013 de 20/12/2000, aprovou e
regulamentou o uso da hipnose como recurso auxiliar de trabalho do Psicólogo.
Também o Conselho Federal de Medicina reconhece a hipnose como recurso
terapêutico e autoriza seu uso (CFM - Parecer 2.172/97 - aprovado em
20/08/99).
Embora a Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia,
tenha oferecido estudos da aplicação da hipnose em odontologia, como
disciplina regular até 1993. Nenhum outro curso no Brasil, de qualquer área do
conhecimento, em nível de graduação ou de pós-graduação, registra a prática
do estudo metódico e sistemático da hipnose como disciplina obrigatória em
seus currículos.
Nenhuma formação acadêmica habilita alunos ou sequer os inicia nesta
área, mas por questões meramente corporativistas alguns profissionais se
declaram “donos da hipnose”. Ledo engano, sua aplicação é tão vasta que seria
impossível qualquer tentativa de limitação a procedimentos exclusivos de
qualquer categoria profissional. Pode-se mesmo dizer que não há especialidade
em que não haja indicações do seu aproveitamento. Podem fazer uso da
hipnose o professor, o advogado, o artista, o empresário, o vendedor, o
treinador físico, o médico, o dentista e tantos outros profissionais que são
impossíveis enumerar ou limitar seu uso ou aplicação.
Categorias do hipnotista
Antes de qualquer divisão de categorias de hipnotistas deve ser
considerado o fato que no cotidiano, independentemente de cultura, credo,
etnia, gênero, nível intelectual ou social, em determinados momentos e
dependendo das circunstâncias, as pessoas normais são ora hipnotizadores,
ora hipnotizados. E mais ainda, o processo da auto-hipnose é uma faculdade
intrínseca do ser humano que pode ser usada de forma consciente ou não.
Mesmo não sendo a prática da hipnose privilégio de ninguém, alguns
profissionais atuam ou podem atuar com esse recurso em suas atividades de
formação acadêmica e, nesses casos, ocorre à possibilidade do agrupamento
por habilitação em, pelo menos, cinco categorias: 1) Hipnotista de Cátedra, 2)
Hipnoeducador, 3) Hipnoanestesista, 4) Hipnoanalista 5) Hipnotista de Palco.
Hipnotista de Cátedra - Perito Hipnotista, elevada formação acadêmica (mestre
e ou doutor), trabalhos publicados de reconhecido valor. Deve realizar
pesquisas nesta área juntamente com outros profissionais de nível universitário.
Transmite conhecimento sobre hipnose em cursos de extensão ou
complementar à educação superior. Atuação em ambientes acadêmicos.
Hipnoeducador – Professor de ensino superior (pós-graduado stricto
sensu como mestre ou doutor em ciência) ou professor graduado com
licenciatura para o ensino médio e fundamental. Utiliza a hipnose como
232 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

instrumento ou recurso facilitador do processo de ensino-aprendizagem.


Atuação em salas de aula.
Hipnoanestesista - Bacharel em medicina, odontologia, enfermagem ou
fisioterapia. Utiliza a hipnose, em procedimentos no seu campo de
trabalho, para alívio ou eliminação da dor. Atuação em consultórios,
hospitais e clínicas especializadas.
Hipnoanalista – Profissional de formação superior, preferencialmente
bacharel em medicina, psicologia ou fonoaudiólogo. Utiliza a hipnose
como ferramenta da psicoterapia. Atuação em consultórios.
Hipnotista de palco - Recomendável formação superior e curso de
hipnose em nível de extensão. Prática demonstrações de hipnose, de
forma artística e criativa, proporcionando não simplesmente lazer e ou
entretenimento, mas principalmente esclarecimentos. Sua prática deve ter
o objetivo de abrir canais, através de apresentações, para que pessoas
interessadas possam iniciar-se nesta área. Atuação em escolas,
faculdades, auditórios, clubes, centros culturais ou associações.
O poder do hipnotista
O fascínio das práticas e das lendas, repletas de exemplos mágicos e
fantasias, sobre o hipnotismo, explicam-se pelo desconhecimento sobre o tema
que atribui ao hipnotista poderes ilimitados sobre as pessoas e coisas. A
realidade é bem diferente, o hipnotizado não é esse autômato indefeso e de
obediência indiscriminada que geralmente se acredita. O poder da hipnose
sofre as limitações impostas nos códigos morais e éticos, além das
conveniências vitais da personalidade do hipnotizado.
O hipnotizado só fará aquilo que, de acordo com seu caráter e valores
intrínsecos à sua personalidade, lhe é permitido fazer. O exemplo mais comum
seria se o hipnotista sugerisse a uma pessoa hipnotizada que tirasse a roupa
em público, esta reagiria de duas formas: se o ato de desnudar-se em público
fosse de encontro com sua estrutura de pensamento ou comportamento moral,
certamente não concluiria a sugestão, inclusive, poderia até sair do transe. No
entanto, se por seus valores, esse ato fosse plausível, ou mesmo que
inconscientemente admitisse a idéia como válida, não só tiraria a roupa como
faria isso teatralmente.
Weissmann afirma que “Todos nós temos um mecanismo de defesa que
funciona inconsciente, instintiva e automaticamente, como uma “polícia interior”
que continua vigilante no mais profundo transe hipnótico”. Com esse argumento
da polícia interior, Weissmann elimina a possibilidade de se induzir uma pessoa
hipnotizada a um ato lesivo a si mesmo ou a outrem. Mas, admite a
possibilidade do hipnotista burlar esse sensor interno e afirma seu ponto de
vista:
Cabe-nos ponderar, por um lado, sobre a relatividade do poder da
hipnose, e por outro, sobre a relatividade da eficiência dessa polícia
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 233
interior, polícia essa que, à maneira da polícia externa, é suscetível de
fraquezas, de doenças, de corrupção e de suborno. Embora jamais o diga
aos pacientes, estou convencido da possibilidade, ao menos teórica, de
burlar e subornar a polícia interior em muitos casos. É só considerar a
quase absurda confiança que a maioria dos hipnotizados deposita na
pessoa do hipnotista. Podia dar-se o caso de um hipnotizador não estar
eticamente à altura da confiança que nele se deposita. Hipótese essa que
não se restringe aos hipnotistas de palco, senão também aos médicos e
aos odontólogos, notando-se em favor do primeiro o fato de atuarem em
público, e o público é notoriamente vigilante (WEISSMANN).
Se for sugerido a alguém hipnotizado que se jogue de uma altura muito
elevada do solo, certamente ele não fará e é possível até que acorde. No
entanto, embora difícil, pode se burlar o sensor crítico, como exemplo, se o
hipnotizado for convencido que está em um trampolim de uma linda piscina,
cheia de água azul e limpa e que o mergulho lhe fará bem, etc. É pouco
provável, mas, não é impossível que o “campeão de saltos” pule, porque com
esses argumentos sua polícia interior foi burlada. Paul T. Adams 122 admite
essa hipótese, mesmo que remotamente, e apresenta o convincente
argumento:
É muito remotamente possível e, com certeza bastante difícil, que uma
pessoa infrinja seu código moral. Para fazer com que uma pessoa aja
contra sua própria vontade, o hipnotizador precisaria ter contato diário com
ela usando técnicas de lavagem cerebral e subterfúgios, durante longo
tempo (ADAMS).
Seria assim, segundo Adams, um processo de convencimento em longo
prazo; pode ser entendido como uma alteração no código moral do hipnotizado.
Mas, o autor diz que, embora remotamente possível, está seguro na suposição
de que um indivíduo hipnotizado não violará sua vontade. Cita como exemplo:
Muitos de vocês têm visto hipnose de palco, e já viram pessoas fazendo
coisas que ordinariamente não fariam. Poderia parecer que estou aqui
negando o que há pouco disse sobre a violação da vontade própria. Na
realidade, tal não se dá. Quando um indivíduo voluntariamente se dispõe a
ser hipnotizado em uma sessão num teatro ou num clube,
automaticamente ele está dando seu consentimento para ser enganado,
fazer o papel de hipnotizado e ser, se for o caso, motivo de riso. Neste
caso não há violação da vontade ou da força moral (ADAMS).
Pode também o hipnotizado apenas resistir à sugestão ou até mesmo a
uma sugestão pós-hipnótica. Neste caso o hipnotista deve retirá-la para que ele
não fique em conflito entre aceitar ou resistir. Nesse sentido Eastbrooks conta
um caso típico:
Um professor hipnotizou um estudante universitário e disse: Quando eu
acender meu cigarro, você vai tirar o ás de espada do baralho que está
sobre a mesa e vai entregá-lo para mim. Em seguida acordou o aluno e,

122
ADMES, Paul T. Ajuda-te pela nova auto-hipnose. S. Paulo, Ed. Bestseller, 1972.
234 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
mais tarde, acendeu um cigarro. Ora, o estudante interessava-se pelo
hipnotismo e estava familiarizado com seu uso. Seguiu imediatamente em
direção ao baralho, depois parou de repente e disse - acho que isso é uma
sugestão pós-hipnótica. É muito provável, respondeu o professor, que
deseja fazer? - Quero dar-lhe o ás de espadas - Muito bem, trata-se
mesmo de uma sugestão pós-hipnótica, o que você vai fazer? Disse o
professor. - Não vou executá-la, respondeu - Aposto um dólar como fará.
O estudante aceitou a aposta (EASTBROOKS).
Continua Eastbrooks descrevendo o comportamento do aluno e, conclui
com uma clara demonstração do poder compulsório da sugestão pós-hipnótica:
O aluno lutava com grandes dificuldades. Inquieto, dirigia-se para o
baralho, mas dominava-se, depois se sentava, levantava-se e caminhava
pela sala, aborrecido. Mas resistiu e, depois de uma hora e meia, recebeu
o dólar do professor, despediu-se sorrindo de todos e foi para casa.
Entretanto, seu tormento apenas começara. O professor não removera a
sugestão. O aluno, em casa continuava com vontade de cumpri-la. Não
podia aquietar-se, o ás de espadas o perseguia em todos os
pensamentos. Quatro horas mais tarde, desistiu da luta, voltou onde se
dera a sessão, apanhou o às de espada e levou até a casa do professor,
devolvendo a carta do baralho e dois dólares (EASTBROOKS).
Janela da Alma
Parece que as explicações, na visão de deferentes autores, sobre o
porquê e como acontece a hipnose assim como se justificam as reações no
sujeito hipnotizado, são conceituais e intuitivas. Além disso, também não são
conclusivas. Embora usem termos e palavras parecidas, variam nas
considerações e conceitos, mas não elucidam as questões.
Quando se trata de explicar a hipnose, expressões como “estado normal
e estado de transe” - “mente objetiva e subjetiva” - “mente consciente e
subconsciente” ou “mente consciente e inconsciente”, ou ainda, “razão e
emoção” - “memória de curto prazo e memória de longo prazo”, têm aparecido
com freqüência na literatura. Mas não expressam, de fato, como ou o quê
acontece com o sujeito hipnotizado que justifique a sintomatologia do transe
hipnótico.
Talvez seja possível intuir que o funcionamento da função consciente do
cérebro seja parecido à memória volátil dos sistemas computadorizados,
considerando que ambos analisam, endereçam e arquivam informações.
Quanto à função inconsciente seria comparado ao disco rígido de um
computador (HD), um grande arquivo de informações. Do ponto de vista
didático, essa associação parece ser eficaz para o entendimento desse tema
tão complexo.
O consciente pode ser entendido também como se fosse apenas um
processador de informações que são requeridas do inconsciente onde está
localizada uma grande memória. Seria um coordenador que processa dados do
inconsciente e externa de forma psicomotora (falando, fazendo, agindo, etc.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 235
Para diferenciar o transe do estado normal de consciência, pode ser
imaginado como se o cérebro processasse o pensamento através de dois
sistemas operacionais, cada um seria como se houvesse dois sistemas
operacionais. Um agindo de forma consciente e o outro inconsciente, cada um
processando diferentemente informações no cérebro, entendido assim como
um processador. Um sistema processando o pensamento de forma consciente
e outro de forma inconsciente.
Quando alguém entra em transe parece que o consciente diminui sua
ação, isto é, não seleciona os dados do inconsciente. Em princípio paralisa a
psicomotricidade e, sem ação, o hipnotizado permanece imóvel, em estado
cataléptico, até que lhe seja sugerida qualquer atitude ou situação. São as
palavras do hipnotista que assumem a função controladora, capaz de fazer com
que o hipnotizado processe a sugestão e a manifeste sem análise, como se as
sugestões externas fossem verdades contidas na sua própria memória.
Na tentativa de explicar o processo hipnótico, imagine o consciente como
uma esfera menor tangenciando outra esfera representando o inconsciente. No
ponto de tangência existiria uma passagem que funciona como uma janela ou
restrição comunicando as duas mentes. Quando o consciente necessita de
processar uma informação, esta seria enviada pelo inconsciente. O consciente
seria apenas um coordenador; processa e externa informações memorizadas
(arquivadas) no inconsciente.
Imaginando que as informações são hierarquizadas, seriam rotuladas de
evidentes aquelas que foram armazenadas pela atenção consciente,
representam conhecimentos normais do dia a dia e sobem ao consciente
apenas quando requeridas. Outras seriam rotuladas como sutis, representam
informações armazenadas no inconsciente sem o conhecimento consciente e
seriam processadas a reboque das evidentes. Existem informações mais fortes,
construídas por repetidas vezes na história de vida de cada pessoa, essas
rotuladas como matrizes comportamentais, As matrizes rompem facilmente a
barreira da restrição e sobem despercebidas pelo consciente, justificam a
ocorrência das intuições.
Quando um filme legendado é assistido, as frases escritas formam parte
das informações evidentes, o áudio que às vezes fica como despercebido,
passa a fazer parte das informações sutis, as matrizes representam valores
como os relacionados às crenças, mitos, religiões, economia, sobrevivência,
sexualidade, etc. As matrizes são inconscientes e compulsivamente capazes de
impelir alguns dos nossos comportamentos ou sensações.

Consciente (coordenador)
Janela (passagem)
Inconsciente (arquivo)
236 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Pela janela, que funciona como uma restrição, só passa uma informação
de cada vez e quando requerida pelo consciente, dependendo da velocidade do
processador a quantidade de informações pode variar, seria assim explicado o
raciocínio rápido ou lento dependendo do fluxo de informações. Se um
indivíduo deseja fazer algo como falar, cantar ou escrever, a informação
evidente seria requerida do grande arquivo e, controlada ou filtrada das
informações sutis; passa através da abertura da janela para o coordenador.
Essa abertura estaria limitada à capacidade de processamento do consciente e
se limita apenas passar as informações evidentes, restringindo as do tipo sutis
e as matrizes.
A partir do modelo didático apresentado pode ser considerada outra
hipótese; o transe hipnótico provocar a expansão da abertura da janela que liga
as duas esferas e, neste caso, sobe mais informações evidentes do que seria
possível o consciente processar (coordenar) além das sutis e matrizes. Sem
capacidade de processamento, o consciente tornar-se-ia provisoriamente
inativo. As pessoas neste estado têm limitada a manifestação psicomotora,
ocorrendo em alguns casos à ausência total de movimentos e, isso, justifica a
rigidez cataléptica que pode ser observada em determinado nível de transe.
Nestas condições, sem ação, o hipnotizado permanecerá imóvel até que seja
apresentada uma sugestão. Assim, seria o hipnotista o coordenador externo
que substitui o consciente do hipnotizado.
O retorno ao estado normal representa o fechamento da janela e a
conseqüente regulagem do fluxo de informações da memória, seria o retorno ao
nível da capacidade de processamento do consciente do hipnotizado. Talvez
assim seja possível explicar muitas situações presentes no transe hipnótico: a
rigidez, por exemplo, seria a absoluta falta de coordenação motora que é uma
função consciente. O hipnotizado não dispõe, a menos que lhe seja sugerido,
coordenação das idéias e dos sentidos convencionais durante o transe, por isso
não tem oitiva, visão, não sente dor e, geralmente, depende das sugestões
externas geradas pelo consciente do hipnotista para manifestar sentimentos.
Durante o transe ocorre grande fluxo de informações, pela abertura da ja-
nela, para o consciente. Como a função consciente depende da regulagem do
influxo a um nível administrável, considerando que a função cognitiva não pros-
pera se os dados informados pelo inconsciente forem além da sua capacidade
do processamento, é possível que durante o transe, com mais abertura da jane-
la, seja desligada a função de filtrar. Esta abertura permite que a mente seja i-
nundada por eventos mentais, como informações sutis, que costumam ser ex-
cluídas por não terem qualquer valor imediato à racionalidade necessária ao dia
a dia.
O processo de pensar quando ocorre conscientemente é produzido
através de dados ou informações lineares, seriais, lógicas e temporais. São
dados que se aplicam às necessidades imediatamente em curso na vida
cotidiana, são racionalizados criticamente e aferidos com relação à época do
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 237
acontecimento; se hoje, ontem, dez anos. Já o processo de pensar quando
ocorre inconscientemente representa o transe, é uma situação mental
envolvendo dados ou informações de forma não linear, paralelas, emocionais e
atemporais.
Durante o transe, uma quantidade infinita de informações, adquiridas
direta ou indiretamente no decorrer de todo o processo histórico de vida do
individuo é externada de forma emocional, sem o crivo da crítica ou da razão, e
sem critério de temporalidade; para quem experimenta esse estado da mente,
os fatos vivenciados em um passado remoto são revividos, às vezes, envolto
em grades fantasias, como se agora estivessem ocorrendo. Parece que é isso
que ocorre nas regressões hipnóticas.
A função terapêutica do transe também pode ser explicada porque
permite o afloramento das memórias reprimidas que, na maioria, são
percebidas pela semiótica, por serem expressas através de linguagem
altamente simbólica. Considerando que neste estado mental não ocorre lógica
cognitiva, o pensamento é expresso através da emoção associada á fantasia,
mas libera os traumas e, por conseqüência, elimina sintomas que perturbam a
vida cotidiana. Durante o transe, pela emoção, justificam-se também a liberação
inconsciente de valores, entre eles os religiosos adquiridos diretamente na
formação da personalidade ou do inconsciente coletivo impregnados na cultura
popular como entende Jung.
Da mesma forma como se explica o transe hipnótico pode ser entendida a
auto-hipnose. Neste caso, existem sugestões conscientes e inconscientes do
próprio hipnotizado, prontas para entrarem em ação quando o transe estiver
estabelecido. O mesmo acontece na auto-regressão: de alguma forma, o
hipnotizado já sabe, antecipadamente, o que poderá manifestar no transe e,
quando a janela abre, manifesta. Assim, uma vez no transe a pessoa
manifestará aquilo que ficou anteriormente sugerido, como sentimentos de
alegria, tristeza ou afeição, valores morais, estéticos, afetivos, religiosos entre
outros, podendo ser expresso envolto na fantasia da linguagem simbólica, com
manifestações de alegria ou tristeza intensa. Pode até mesmo assumir papeis
representando como se fosse outra personalidade.
Quanto as matrizes, essas sobem a consciência sem ser chamadas.
Funcionam em determinados momentos com compulsão inconsciente e talvez
revele os valores que alimenta a vida das pessoas. Como exemplo, quando
alguém tem uma sensação piedosa sobre um fato, talvez isso corresponda aos
valores religiosos acumulado em sua história de vida. Ainda seria uma ação dita
resultante do instinto de sobrevivência diante de uma situação de perigo. Talvez
possam ser exemplificada ainda nos atos movidos pela “violenta emoção”,
motivados pela afetividade exagerada, comum nos apaixonados. Essas
situações são inconscientes, sobem ao consciente e se apropriam da ação
motora sem passar pelo crivo da racionalidade. Não importa o grau de abertura
da janela, sempre rompem o crivo da restrição imposta. Estas ações rápidas e
238 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

decisivas na vida parecem que podem ser entendidas como hipnóticas. Por
isso, parece que todo ser humano já agiu como um hipnotizado em algum
momento da sua vida.
Entendendo o estado de transe como o momento que o ser humano entra
em contato com a sua essência, a janela entre o consciente e o inconsciente
pode ser compreendido como uma Janela da Alma Esta explicação sobre o
transe hipnótico funciona ora de forma subsidiária, ora de forma cooperativa a
tudo que se disse sobre o assunto. Não pretende ser um modelo teórico, mas
sim uma representação didática e simbólica do funcionamento da mente
humana. Serve talvez para aclarar, sem contestar, outras formas de explicar o
complexo fenômeno hipnótico.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 239
CAPÍTULO V – APLICAÇÕES ESPECIAIS DA HIPNOSE

Cada vez mais a hipnose passa a ser um recurso instrumental com pos-
sibilidades de uso em várias áreas. Ao lado de outras teorias, direta ou indire-
tamente o hipnotismo cresce em variados campos do conhecimento, principal-
mente aqueles que envolvem as relações interpessoais. Antes de qualquer es-
pecificidade de aplicação, a hipnose pode ser entendida como uma condição
social normal. Isto significa que sua presença sempre ocorreu nas relações
humanas, o que agora se faz é o reconhecimento deste fato e seu aprimora-
mento, através de ações mais objetivas e aplicadas em diferentes setores, co-
mo exemplo, na Comunicação, no Direito e na Educação.
Hipnose e Comunicação
A hipnose pode ser observada também na propaganda através dos dife-
rentes veículos de comunicação, agindo de forma consciente ou inconsciente
na vida das pessoas, em seus mais ínfimos detalhes. O processo hipnótico po-
de ocorrer como estratégias de marketing 123 induzindo a moda, estabelecendo
preferências de consumo ou implantando ideologias. O fato é que pode afastar
das ações humanas a autocrítica, seus efeitos podem se revelar como atos co-
letivos compulsivos e, às vezes, até fanáticos, característicos no comportamen-
to de indivíduos bastante sugestionáveis. A mídia, através de mecanismos sutis
de sugestão, pode colocar grande contingente humano em situações próxima
ao transe hipnótico.
Uma agência publicitária apresenta produtos na tevê e, para o
convencimento de seus consumidores, utiliza platéia durante o comercial que,
após a apresentação, aplaude efusivamente o apresentador, isso pode até ser
ridículo, mas funciona, porque exerce nos telespectadores o efeito da sugestão
por comportamento imitativo. Equivale a dizer que, se algumas pessoas correm
sem motivo em uma direção, outras farão o mesmo inconscientemente, sem
saber por que estão também correndo. Assim quando alguém fica no meio da
rua olhando para cima, mesmo sem ver nada; várias outras pessoas vão imitá-
la sem saber por que, ou para o quê estão olhando.
Outra forma de sugestão é através do convencimento com o uso de
sofismas. Para evitar o senso crítico das pessoas e convencê-las a
desempenharem tarefas difíceis ou injustificadas, elas são bombardeadas com
perguntas do tipo: Você está satisfeito com o que tem? Você tem tudo que
precisa para viver bem? Você quer passar a vida toda trabalhando?
Obviamente a resposta será não, tanto para quem pergunta como para quem é
perguntado, mas assim estará quebrada a resistência dos mais suscetíveis,
123
Na década de 1950, surge o conceito de marketing, um sistema destinado a promover e dis-
tribuir produtos e serviços para compradores atuais e futuros. Com a disputa entre as marcas
de Coca-Cola e Pepsi, a primeira até então líder de mercado, as empresas passaram a procu-
rar novas linguagens de comunicação com seus clientes. As pessoas se decidiam pela com-
pra de uma marca estimulada por truques de marketing (N. do A.).
240 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

sendo estes facilmente induzidos para aceitarem a próxima idéia que é falsa ou
pelo menos duvidosa, porém é um sofisma. Por terem sido induzidos através de
verdades a dizerem “não”, quando lhes é formulada a próxima pergunta bem
que poderiam dizer “sim”, mas perdem o senso crítico e afirmam “não”.
Através de palavras uma pessoa pode ser induzida a erros, pode até falar
ou concordar com absurdos. Como exemplo pergunta-se a alguém; “se você for
picado no braço por um inseto, pode surgir um calombo ou um colombo?” Não
importa a resposta, ato continuo pergunte; “quem descobriu o Brasil?” Mais de
80% incidem em erro, a resposta convicta será, “Cristóvão Colombo”.
Para colocar em prática seus objetivos, a dominação social utiliza da
mídia de forma indiscriminada, destruindo o que a população deveria possuir de
melhor, o seu senso crítico. Manifesta como se fossem de interesse geral seus
próprios interesses, impedindo os grupos subalternos de visualizarem sua real
situação e de exprimirem suas próprias aspirações. Interesses particulares são
transmitidos como se fossem acontecimentos naturais, como se não tivessem
sido decididos por mentes de dominadores. Um dos maiores êxitos da classe
dominante consiste em conquistar adeptos entre suas próprias vítimas através
da propaganda.
A propaganda transforma o corpo humano em um receptor de consumo
para os mais variados produtos, seja para melhorar o cabelo, o tipo de roupa,
sejam as próprias formas do corpo. Através da publicidade é criado o homem e
a mulher da moda, o nome da moda, tudo tem a sua própria moda e, em função
disso, as pessoas são, com freqüência, compelidas pela propaganda a
mudarem sua própria forma de apresentação pública. Essas atitudes e
comportamentos passam a ser planejados e executados por uma grande
maioria que agem, diante dos olhos das pessoas que os vêem ou desejariam
que os vissem, como se fossem atores representando papéis ditados pela
propaganda.
Propaganda subliminar
De forma subliminar 124 a mídia determina atos sociais coletivos, que
passam a ser materializados nas pessoas, pelas preferências de marcas de
bens de consumo, nas formas de vestirem-se, na expressão do corpo,
ingerindo medicamentos em bases sugestivas e efetivando aquisições de
objetos supérfluos. Diante da televisão até os sentimentos das pessoas
mudam, passam a ser ora agressivos, ora complacentes, tudo de acordo com
as novelas e as reportagens que assistem. Tudo isso só acontece se as
pessoas acreditarem ou aceitarem como verdade o que lhes foi sugerido; mas
aceitar ou acreditar pode ser resultado de um processo sugestivo induzido,
portanto hipnótico.

124
Subliminar - define um estímulo aos órgãos dos sentidos que não é suficientemente claro pa-
ra que o indivíduo fique consciente de sua existência, mas, inconscientemente, atua para al-
cançar um efeito desejado (N. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 241
O exemplo mais convincente da eficácia do poder da sugestão é o
hipnotismo de marketing dos modernos processos publicitários. As ações
populares passam, de acordo com as propagandas, a corresponder aos
componentes objetivos da indução, isto é, conforme as mensagens publicitárias
que desencadeiam atitudes inconscientes. Na propaganda, os conceitos
subliminar e hipnótico são coincidentes, ambos baseados em estímulos abaixo
do limiar da consciência, sendo exatamente esses estímulos que produzem os
efeitos hipnóticos, permanecendo “adormecida” num estado subliminar, além do
limite da atenção consciente ou da memória, mas provocam rápidas intuições
que geram decisões de consumo. Neste sentido afirma Weissmann:
Já existem sistemas de publicidade, sobretudo, a chamada publicidade
indireta. Capazes de criar no ânimo dos consumidores um desejo
irresistível e às vezes inconsciente de adquirir determinados produtos,
deixando-os num estado que se avizinha bastante da hipnose
(WEISSMANN).
Como afirma Mc Luhan “os anúncios não são endereçados ao consumo
consciente. São como pílulas para o inconsciente, com a finalidade de exercer
um feitiço hipnótico”. Estas mensagens que pouco a pouco levam à adesão
constituem a Propaganda Subliminar através da Multimídia.
A Propaganda Subliminar surge na década de 50 nos Estados Unidos, e
esse tipo de publicidade foi reconhecido no início como Hipnotismo Comercial.
Tratava-se de uma nova entidade publicitária chamada Subliminal Projection
Company Inc., que utilizava uma engenhosa projeção inconsciente que consiste
na apresentação de frases-relâmpago. Embora a mensagem seja imperceptível
à visão consciente dirige-se ao inconsciente, tal como faz o hipnotizador.
Weissmann, referindo-se à propaganda subliminar, acrescenta o comentário:
Assusta pensar, o partido que um Hitler ou um Stalin poderiam tirar de tal
invenção. As autoridades da Comissão Federal de Comunicações do
Governo de Washington foram alertadas para evitar possíveis abusos
dessa inovação, ou melhor, desse aperfeiçoamento da velha técnica
publicitária, a qual, pela sua própria natureza tem de ser sugestiva
(WEISSMANN).
Uma matéria publicada no Jornal Sunday Times de Londres, em 1956,
sob o título Sales Through the Subconscions - Invisible Advertisement
(Propaganda Invisível – Vendas Através do Subconsciente) passaria
despercebida se Vance Packard, professor de jornalismo em New Canaan, não
lançasse sua obra The Hidden Persuaders, comentando o assunto e
desencadeando interesse por esse tipo de propaganda. O livro de Packard não
tinha a preocupação de relatar com exatidão ou de pesquisar com rigor
científico. Apenas descreve superficialmente os efeitos subliminares
experimentados em um cinema de Nova Jersey, nos Estados Unidos, em 1956,
quando Jim Vicary incluiu mensagens por frações de segundos, durante várias
sessões do filme Férias de Amor, insinuado o consumo de produtos sem que os
espectadores percebessem conscientemente.
242 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Packard desencadeou a polêmica em torno do tema da propaganda


subliminar, mas faltavam maiores dados, como, por exemplo, a descrição da tal
técnica e o responsável pelo seu desenvolvimento. Só, em 1963, outro livro,
Técnicas de persuasão: da propaganda à lavagem cerebral, de J. A. C. Brown,
vem acrescentar novos dados sobre esse histórico experimento, descrevendo
melhor o processo que aconteceu na cidade de Nova Jersey:
Jim VICARY instalou em um cinema de Nova Jersey um segundo projetor
especial, o qual projetava intermitentemente na tela frases como “Beba
Coca-Cola” ou “Coma Pipoca”. Com este experimento observou-se que
houve o aumento da venda da Coca-Cola em 57,7% e da pipoca de
18,10% (BROWN).
Um segundo projetor utilizado por Jim Vicary, o taquicoscópio, é
comparado a um tipo de projetor de slides que projeta um único slide na
velocidade 1/3000 de segundo. No cinema, fora colocado ao lado do projetor do
filme, cuja projeção era ao ritmo de 24 fotogramas por segundo, e ficava
repetindo a imagem sobreposta ao filme, a cada cinco segundos, para dar a
ilusão de movimento. Com isso, as palavras eram projetadas tão depressa que
a mente consciente não as podia perceber.
Esta técnica pode ser muito mais fácil de produzir com as novas
tecnologias, como exemplo, se utilizada em gravações de comercias para tevê
através das novas mídias eletrônicas, videogame ou softwares de computador.
Assim, a projeção subliminar visual em velocidade taquicoscópica é uma forma
de propaganda invisível que pode ser adaptada em programas de computador
ou outras formas de recursos similares. Evidencia-se, igualmente, que os
conteúdos destas mensagens podem variar desde a manipulação na venda de
produtos, até o uso clínico, à semelhança de sugestão pós-hipnótica, para
emagrecer ou parar de fumar.
Wilson Bryan Key 125 pesquisou as bases fisiológicas para a
compreensão dos fenômenos e processos subliminares, na obra Subliminal
Seduction. Ele explica que os cursos de leitura dinâmica baseiam-se na
recepção de mensagens sem o crivo crítico da consciência. Tudo que é visto,
ouvido ou sentido sem a crítica da consciência é armazenado no inconsciente e
lá permanece de forma subliminar.
Costa 126 afirma que todo discurso gráfico é subliminar, citam como
exemplo a ordenação dos textos, a diagramação, escolha da família das letras,
cor de tinta, tipo de papel, em suma, toda a produção gráfica e editoração criam
a imagem da empresa, a identidade visual táctil do veículo. Na programação
visual subliminar pode-se orquestrar uma campanha publicitária abrangendo
todas as formas de comunicação visual com efeitos subliminares planejados,
125
KEY Wilson Bryan, Subiliminar Seduction – Ad media’s Manipulation of a Not So Innocent
América (Sedução Subliminar - Manipulação da Mídia Publicitária de uma América Não Tão
Inocente, 1973.
126
COSTA, Mauro S. R. Alice no país subliminar, Folha de S. Paulo, 9/10/84.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 243
veiculando a mesma mensagem em diversas mídias: cinema, televisão, jornal,
revista, quadrinhos, outdoors, placas de lojas, etc.
As mídias são subliminares... O metrô é subliminar. Os shopping centers
são subliminares. As lanchonetes modernas todas paginadas, do
hamburguer à roupa do cozinheiro, são subliminares no seu efeito, no seu
apelo, na sua sedução. Por que você sempre volta ao McDonald’s, mesmo
depois de perceber que pesa, que é difícil de digerir? (COSTA).
Wilson Bryan Key foi quem melhor desenvolveu um método para detectar
mensagens dentro da mensagem principal. Ante um anúncio publicitário ou
ante qualquer imagem suspeita de apresentar no seu conteúdo mensagens
subliminares, deve-se, primeiramente, tentar relaxar ao máximo, para então
deixar o olho percorrer lentamente, sem destino e sem focar nenhuma área de
interesse específica, toda a imagem, diversas vezes, observando cada linha,
sombra ou canto. Key sugere que uma segunda leitura deve ser crítica e checar
cada mínimo detalhe da imagem, cada cenário, cada borrão ou sombra ou
reflexo em vidros, dobras de tecidos, nuvens no céu, manchas em paredes.
Todo o padrão pode parecer de forma confusa, irregular e caótica, cuja
desordem aparente serve de camuflagem e disfarce para uma imagem
subliminar. É nessa segunda leitura que se presta o máximo de atenção a tudo
que possa parecer sem importância.
Segundo Key, o anúncio publicitário é desenhado para ser lido em dois
segundos, pois ninguém compra uma revista e lê todos os anúncios. As
pessoas folheiam revistas e pulam os anúncios, no máximo lendo de relance os
títulos. O mesmo se passa com os cartazes e outdoors; são planejados e
diagramados para uma leitura instantânea, os detalhes de fundo dos desenhos
ou fotos nem são olhados, sendo os fundos subliminares captados pela visão
periférica, o canto do olho. Logo, uma boa quantidade de informação entra pela
visão periférica, percebida e registrada num golpe de vista de um segundo.
Para Key, o efeito subliminar não começa em um ponto estatístico
invariável para qualquer receptor da mensagem; pelo contrário, a percepção de
subliminares pode mesmo ser consciente, dependendo do grau de destreza do
público. Os limites de percepção consciente variam de pessoa para pessoa,
variam também de acordo com o sexo, a idade, o grau de instrução e o nível
cultural. Todas essas variáveis são condicionantes subliminares; precisam ser
levadas em consideração ao se confeccionar as mensagens subliminares.
Em seu livro, Key apresenta fotografias contendo os subliminares
embutidos e, para fundamentar, conta que foi no século XVI que o italiano
Giuseppe Arcimboldo (1527-1593) desenvolveu uma técnica sistematizada,
denominada efeito Arcimboldo, que consistia em combinar elementos diversos
para formar a imagem da face dos aristocratas da época. Arcimboldo
desenvolveu uma linguagem visual própria onde conchas representam orelhas;
um joelho curvado forma um nariz. Foi ele quem apurou a técnica de implantar
mensagens dentro de outras mensagens. Visto de longe ou de relance, um
244 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

retrato é um rosto comum; visto de perto ou detalhadamente com a atenção


concentrada, apresenta-se como um discurso visual subliminar de alta
complexidade. Key explica uma forma de imagem embutida, abordando as
anamorfoses:
Anamorfose é uma técnica de distorção de imagens visuais percebidas
apenas no nível inconsciente. Pode ser definida como uma imagem
intencionalmente deformada ou produzida por um método que a torne
irreconhecível, a não ser que seja vista de certo ângulo ou com um dispositivo
ou condição do observador que a reconstitua:
Holbein retratou Jean de Dienteville, embaixador da França, e seu amigo,
o bispo Georges de Selve. Os dois nobres são retratados cercados de
objetos, artefatos de comércio, ciência e arte, arrogantes aparentam
poder. Contudo, observado por quem entra pela direita no salão de baile
onde o quadro é exposto, em um ângulo de 5 a 10 graus, surge o
vislumbre de uma caveira humana, “subliminar” (KEY).
Tanto quanto os recursos visuais, a tecnologia subliminar recorre também
aos sonoros e é possível ser aplicada em processos de aprendizagem. Por
exemplo, o aparelho que ensina as pessoas quando estão dormindo, pois a
lição é gravada e um fone toca subliminarmente sob o travesseiro.
A engenharia de emoções tem o objetivo de alterar o comportamento sem
a consciência do receptor, que é manipulado subliminarmente por sons, cores e
imagens. A pessoa é manipulada inconscientemente, recebendo a mensagem
pela visão e pelo ouvido, atingindo o inconsciente para estabelecer uma
sugestão de efeito pós-hipnótico.
O efeito da música e todos os seus elementos, sons, ritmos, melodias e
harmonias, se tornam aliadas no processo de indução ao transe. A melodia, por
sua vez, está ligada à afetividade, podendo levar o ouvinte ao estado de
alegria, relaxamento, nostalgia etc. As utilizações dos mantras, por ser
repetitivos e monótonos, podem exercer um poderoso efeito hipnótico.
As cores têm efeitos subliminares psicossomáticos, elas entram pelos
olhos, pela consciência e, sem serem percebidas, alcança regiões subliminares
onde funcionam hipnoticamente, cada uma gerando uma emoção diferente;
conseqüentemente, o emprego errado de cores ou sua má articulação com
áudio, vídeo, olfato, tato ou paladar pode anular completamente os resultados
de uma orquestração subliminar multimídia. A cor tem seu significado; mesmo
que não seja consciente, pode induzir a escolha de uma embalagem na
prateleira de um supermercado, pode levar o empregado a trabalhar mais
tranqüilamente, pode influir a pressão arterial ou ser relaxante.
Segundo Roth, 127 o organismo psíquico é sensível às vibrações das
cores. Os efeitos excitantes da cor vermelha estimulam a iniciativa; o poder
calmante do azul celeste acalma o ímpeto; o roxo cura; o verde agrada porque
127
Ernest ROTH. Métodos para hipnotizar. In: As cores do hipnotismo, RJ, Tecnoprit, 1968)
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 245
desperta paz e harmonia; o alaranjado ilumina o pensamento e favorece a
criatividade; a ação revigorante do amarelo penetra dando convicção sobre
determinada idéia; o cinzento amortece as iniciativas; o violeta elimina
vontades, o castanho repousa e descansa eliminando o estresse; o cor-de-rosa
desenvolve sensações de paz. Uma imagem onde aparecem cores básicas se
sobrepondo em degradê desperta atenção, curiosidade e concentração na
mensagem subseqüente e, isto já é usado em mídias visuais.
Merchandising
O merchandising, também, é subliminar. O termo assume vários
significados dentro das diferentes áreas do marketing, da propaganda e da
publicidade. De uma maneira geral, o conceito é aplicado de acordo com os
profissionais que o manipulam. Na verdade, esta técnica de se veicular um
produto ou serviço embutido em outra mensagem, ou seja, mensagem dentro
da mensagem, rotulada de merchandising já é antiga; segundo o publicitário
Jorge Abid, apareceu nos anos 20, quando o governo americano teve uma
super safra de espinafre e, criando o Popeye, acelerou o consumo entre
crianças.
Para Flávio Calazans, 128 com as quantias absurdas gastas com o
merchandising, começaram a surgir mega contratos para filmes, já que
contavam com todo o custo operacional pago por multinacionais, surgindo
também os primeiros investimentos nas novelas, ampliando as áreas de sua
extensão e alcance. Incluía-se determinado produto no meio das novelas,
sendo “naturalmente” usado pelos personagens. São muitos os produtos que
são lançados nas novelas, através do recurso do merchandising, viram modas
e se difundem na sociedade, provando a massificação dos meios de
comunicação e, cada vez mais, a utilização da propaganda indireta. 129
Todos possuem um sistema de defesa, mas o merchandising consegue
burlá-lo: por exemplo, quando os intervalos comerciais começam,
imediatamente o nosso sistema de defesa é acionado, mas é quando recomeça
o programa ou novela que os telespectadores estão vulneráveis, e não
percebem que estão sendo atacados pelo merchandising.

128
CALAZANS, Flávio de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, 7 ed. Ver, atual e am-
pliada, São Paulo, Summus 2006.
129
O conceito de merchandising é diferenciado entre autores: A) Convencionou-se chamar de
merchandising em propaganda a aparição dos produtos no vídeo, no áudio ou nos artigos im-
pressos, em situação normal de consumo, sem declaração ostensiva da marca (TAHARA, Mi-
zuho. Contato imediato com a mídia). B) Nova modalidade de comercialização de espaços
sem o rótulo da propaganda. Batizou-se a idéia como Merchandising (SIMÕES, Roberto. O
que é merchandising? Revista Marketing). C) Compreende um conjunto de operações táticas
efetuadas no ponto de venda, para se colocar no mercado o produto ou serviço certo, na
quantidade certa, no preço certo, no tempo certo, com impacto visual adequado e na exposi-
ção correta. É basicamente o cenário do produto no ponto de venda (COBRA, Marcos. Admi-
nistração de marketing).
246 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Calazans diz que os bombardeios diários de outdoors, anúncios de rádio,


televisão, cartazes e tantos outros tipos de mídia, contribuem para seduzir e
formar uma consciência alienante a respeito do produto anunciado. Embora os
anúncios subliminares sejam antiéticos, não há lei explicitando ser ilícito
quando aplicada com fins comerciais, eleitorais ou religiosos. Porém, o que se
sabe a respeito do efeito subliminar é o suficiente para se intimidar, temer e
prevenir por ser este recurso voltado para o direcionamento do consumo de
determinado produto ou ideologia, contribuindo para que, cada vez mais, o
consumidor haja pelo inconsciente na sua tomada de decisões.
A modernização cada vez mais sofisticada da tecnologia de persuasão,
na segunda metade do século XX, mudou as antigas regras da propaganda. À
medida que a indústria de publicidade e relações públicas torna-se cada vez
mais habilidosa em manipular opiniões, crenças, posturas e sistemas de
valores, tornam-se necessário conhecer esses processos para destes defender-
se. A manipulação da percepção não pode ser alcançada se for reconhecida.
No momento em que pessoas aceitam como verdade uma informação
externa sem o crivo do consciente, elas tornam-se vulneráveis, manipuláveis e
eminentemente exploradas. Elas deixam de agir como indivíduos autônomos,
criativos e pensantes. Quando a mídia, o marketing e a religião se associam e
usam como instrumento alguns expedientes hipnóticos para focalizar suas
metas, atingem mais seguramente seus objetivos. Podem, neste caso, formar
opinião e ditar costumes, modelando de forma alienada e, por vezes
contraditória, grande contingente humano.
Sugestão desejada e indesejada
A sugestão pode funcionar negativa ou positivamente; as pessoas são
constantemente bombardeadas de sugestões de todos os tipos. Se não
absorvem as positivas que fará bem, nem sempre pode se livrar das negativas
que certamente fará mal.
O indivíduo é vítima de uma brincadeira de mau gosto no ambiente onde
trabalha; quando chega de manhã ao serviço, um companheiro o saúda com a
seguinte observação: “Minha nossa, fulano, você deve ter tido uma noite
horrível, está com uma aparência terrível”. Fulano, que se sentia bem disposto,
fica surpreso com tal afirmativa. Minutos depois, alguém comenta casualmente:
“Esta manhã você está de ressaca? Você parece mal”. Outros colegas
complementam “Veja se fulano não está com febre”. A esta altura fulano está
sentindo-se péssimo e é provável que com a continuação desses comentários
volte para casa realmente doente.
É muito importante saber identificar as sugestões negativas e prejudiciais,
bem como é preciso localizar rapidamente a sua fonte e neutralizá-la. As
pessoas trazem cotidianamente a possibilidade de serem contaminadas porque
estão quase sempre próximas de tipos de Indivíduos que podem influenciar
pessimismo. Os pessimistas são aqueles que estão ou vivem mal-humorados,
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 247
infelizes e queixosos que, sem motivo justificável, estão sempre cheios de
revolta, reclamam de tudo e, assim, passam sugestões negativas, induzem mal-
estar, assim como falta de esperança ou firmeza de bons propósitos, ou
simplesmente afastam das pessoas próximas a tão necessária alegria. Embora
nem sempre se tenha consciência de sua influência, quando este tipo está
presente é bom estar de sobreaviso. Só assim alguém pode ficar imune às suas
induções e, uma vez imune, é possível até ajudá-lo.
Se não fora a sugestão hipnótica uma força de eficiência social cotidiana
incomparável, não se justificaria a mais abrangente de todas as indústrias
modernas, a indústria publicitária. Os anúncios ocupam a maior parte de quase
todos os órgãos de imprensa, além dos dispendiosos patrocínios de rádio e de
televisão. Veja o que diz Admes 130 sobre as possibilidades da eficácia das
sugestões cotidianas e a lei do efeito contrário:
O que alguém diz ou pensa a seu respeito não afeta seu inconsciente, a
menos que você aceite as sugestões. Nada entra no inconsciente, salvo
se vem da mente consciente. O jovem, ao qual se diz que ele não é bom,
não será afetado por esta afirmativa, a menos que a aceite como fato. Se
for capaz de ‘controlar’ seu fluxo de pensamento, na realidade ele terá sua
autoconfiança aumentada (ADMES).
Para esse autor o que alguém possa dizer a você, por mais horrível que
seja, poderá ser nocivo, exceto se você não aceitar o que foi dito. Você é a
única pessoa que pode prejudicar-se e isto poderá acontecer se acreditar e
aceitar as coisas desagradáveis que são ditas a seu respeito. Aconselha
Admes, “você deve jogar tais coisas fora”. Esqueça-as. Deixe de reprisá-las na
mente, para que elas não se gravem no inconsciente e lá permaneça retro-
alimentando sua consciência para aborrecê-lo. Esqueça-as, e ponto final.
Lembre-se que nós somos aquilo que pensamos e que inconscientemente
acreditamos ser. Mais importante ainda é ter sempre a convicção que ninguém
nem coisa alguma vai fazer uma pessoa se sentir infeliz sem o seu próprio
consentimento.
Hipnose contra a vontade
A hipnose contra a vontade é uma questão sutil, implica em saber se a
vontade declarada é sincera. Geralmente se verifica uma falta de unidade de
propósitos, ao mesmo tempo em que a pessoa quer ser hipnotizada, não quer e
vice-versa. Enquanto a vontade consciente se opõe à experiência hipnótica, a
vontade inconsciente não se opõe ou vice-versa. O que vai determinar o êxito
do processo hipnótico é a vontade inconsciente e não a que declara a pessoa.
Quando as pessoas enfrentam o hipnotista com propósitos de desafios,
chegando a ponto de apostar, geralmente são ótimos hipnotizáveis. Trata-se de
indivíduos no fundo desejosos de passar pela experiência hipnótica e sua
atitude desafiante não passa, geralmente, de um reflexo da convicção íntima de

130
ADMES, Paul T. Ajuda-te pela nova auto-hipnose, S. Paulo, Ed. Besteseller, 1972.
248 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

sua suscetibilidade. É, muitas vezes, um expediente provocativo de um


masoquismo disfarçado.
A hipnose pode ainda colher a pessoa de surpresa, não lhe dando tempo
para usar a própria vontade. Pode ser tão sutil que as pessoas envolvidas
(hipnotizador e hipnotizado) não se dão conta do processo e, neste caso,
quando começam a se dar conta da situação, já está no transe. Muitos
declaram “não estavam preparado para uma situação tão fulminante. Tudo se
deu de uma maneira tão inesperada e rápida”. A hipnotização contra a vontade
do hipnotizável é tanto mais fácil quando se trata de pessoa anteriormente
hipnotizada, e havendo uma sugestão pós-hipnótica no sentido de voltar ao
transe a um dado sinal ou condição, ou circunstância, a possibilidade de resistir
é mínima.
Alguns sujeitos insistentes, se não repelidos de imediato, podem induzir
outros a agirem contra a vontade. Geralmente, por mais paradoxal que possa
parecer, isto se aplica ao tipo que utiliza argumentação sem procedência, sem
sentido, que insiste em manter conversa vazia sem nenhum resultado prático.
Podem se revelar ignorantes, brincalhões ou ainda mentirosos, coitadinhos ou
sonhadores, mesmo assim, com todas essas “qualidades”, convencem pela
insistência, embora depois de revelar-se inteiramente, e não sendo portadores
dos atributos desejados, suas idéias são rejeitadas.
Na hipnose contra a vontade, se o elemento de convicção apresentado
for suficientemente forte a ação será instantânea, não dando tempo de a
pessoa refletir sobre seu consentimento ou conseqüências disso. Mas,
admitindo-se que isso não ocorreu porque os argumentos não foram
claramente válidos; fica a dúvida e permite uma segunda oportunidade, quando
voltará o hipnotizador a insistir no seu firme propósito. A tendência é, a cada
vez que reaparece, ser mais convincente, porque quem dá a segunda
oportunidade está, por qualquer motivo que lhe interesse, consciente ou
inconscientemente, querendo acreditar. Assim acontece com o vendedor que
insiste muito na venda, se não for rápido e energicamente repelido, poderá
convencer o “cliente”, mesmo sendo o produto, objeto da venda, de má
qualidade e de alto custo. Esses exemplos são possibilidades de induções
hipnóticas que passam despercebidas no cotidiano da vida das pessoas.
Hipnose cotidiana
Em qualquer momento somos acessíveis à sugestão e para justificar esta
afirmativa basta lembrar que somos inclinados ao comportamento imitativo.
Este comportamento é evidente quando, em meio a uma multidão, alguém
começa a tossir, não demora muito e várias pessoas também tossem
compulsivamente, sem motivo orgânico que justifique. Ocorre também a
sugestão, quando um comercial de televisão anuncia um alimento com
deliciosa aparência e, de repente, aparece nos telespectadores vontade de
comer. Tudo isso prova a força da sugestão e significa também que aprofundar
uma idéia pode ser um passo para a irresistível compulsão hipnótica.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 249
As pessoas são passíveis de sugestão o tempo todo, mas se a sugestão
não for boa deve ser rebatida de imediato. A mente consciente possui o que se
denomina de “senso crítico”, é um filtro para que se possa ou não aceitar as
variadas sugestões diárias. Quando este senso crítico é relaxado, se perde o
poder de julgar e discernir.
Quando a mente consciente está relaxada, as sugestões seguem
diretamente para o inconsciente e, este, literalmente aceita as sugestões. Se
você estiver relaxado, e sugerir a si mesmo que sentirá as mãos pesadas como
dois blocos de chumbo, suas mãos começarão a sentir tal peso. Se você estiver
em estado normal, com seu senso crítico em pleno funcionamento, isto não
acontecerá. Sua mente consciente fará o julgamento e dirá que “minhas mãos
não são dois blocos de chumbo, portanto, não sinto tal peso”. Mas, quando a
mente consciente está relaxada, a sugestão transforma-se em realidade. Neste
caso, vê-se e sente-se o que não existe e não acontece, acredita-se no absurdo
até que o senso crítico volte a atuar, ou seja, até se tomar consciência da
realidade. Isto, às vezes, demora a vida toda, porque o inconsciente, através de
uma realimentação constante, poderá estar sempre convencendo, de forma
enganosa, a consciência.
Não raramente a hipnose pode ser exercida sem o conhecimento do
hipnotizado, como também sem o conhecimento do próprio hipnotizador.
Algumas pessoas ignoram suas qualidades de hipnotizadores, mas hipnotizam
mesmo sem saber como. Entre esses hipnotizadores podem ser encontrados
até analfabetos e/ou desprovidos de respeitabilidade social. Weissmann reforça
essa posição descrevendo sua experiência:
Lembro-me de um paciente, um recluso, homem rústico e analfabeto, que
acompanhado de ficha antropológica bastante desfavorável, apresentou-
se em meu gabinete de psicologia. Na ficha constava que o preso
conseguira engenhosamente evadir-se de diversos estabelecimentos
penais. Interrogado, o próprio detento confiou-me o segredo de sua
técnica fugitiva. Angariava a confiança dos guardas da prisão,
convencendo-os de que possuía uma reza secreta capaz de ‘endireitar-
lhes’ a vida. Bastava que eles (guardas) compartilhassem de sua fé e
participassem com sua presença de uma reza. Na própria cela, o
presidiário improvisava o altar, com uma simbologia; velas de cabeça para
baixo, objetos estranhos de toda ordem e mais os retratos dos guardas a
serem ‘beneficiados’. Estes últimos, dispostos em semicírculo, assentados,
recebiam do detento uma colher de água com açúcar, além da
recomendação de fecharem os olhos e se concentrarem mentalmente,
enquanto ele (detento) orava em voz baixa. Passados poucos minutos, os
guardas, assentados, de fuzil em punho, entravam em transe, permitindo
assim ao preso subir à janela, serrar a grade e fugir. Quando os policiais
acordavam, o fugitivo já estava longe da prisão (WEISSMANN).
Diz ainda Weissmann, o preso aplicou nos guardas do presídio um
engenhoso método de indução hipnótica, mesmo sem nunca ter ouvido sequer
a palavra hipnotismo em sua vida. E, no entanto, sua técnica aplicada no fato
250 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

narrado foi correta, baseada na atenção concentrada, ou desviada, como diria


Gindes, na fé e na expectativa.
Quando Weissmann perguntou ao preso a que ele atribuía o fato de os
soldados terem dormido assim, profundamente, de fuzil na mão, ele respondeu:
“É a minha reza que tem esse poder”. O preso trazia a prece numa pequena
bolsa de couro pendurada ao pescoço.
Determinados indivíduos hipnotizam inconscientemente e até possuem
perfis de comportamentos definidos que revelam seus métodos de indução.
Entre eles, podem ser observados, pelo menos, três tipos: o mentiroso, o
coitadinho, e o sonhador.
O mentiroso engendra uma série de fantásticas fantasias e apresenta
como se fossem verdades. Para isso primeiro se convence de suas
elucubrações e, uma vez convencido, será suficientemente convincente a ponto
de envolver alguém de seu interesse em suas infundadas estórias. Por incrível
que pareça, algumas pessoas diante desse tipo podem perder o senso crítico,
quando ouvem repetidamente suas mentiras, invariavelmente, aceitam como
verdades. Neste processo quando as pessoas se dão conta da realidade e, às
vezes, nem se dão, já estão envolvidas nas mais absurdas odisséias.
O coitadinho é o tipo que se caracteriza pela lamúria de vida, mesmo sem
motivo plausível revela-se chorão, como sendo uma pessoa sempre frágil,
perseguido pela família, geralmente com dificuldades insuperáveis, mal
compreendido ou mal amado, severamente injustiçado por tudo e por todos.
Geralmente revela-se, falsamente, como religioso e afirma constantemente que
só Deus o ajudaria na solução dos seus problemas. É aquele que, em síntese,
quando quer convencer alguém fica, o máximo de tempo que pode, diante
dessa pessoa e sempre afirmando coisas como: “ninguém me quer, ninguém
me liga, coitado de mim, meus sonhos são impossíveis, não sei se digo, não sei
se choro, só Deus pode me ajudar...”. Com isso, atingem a sensibilidade afetiva
e o sentimento de proteção latente nos indivíduos e, assim, estes desviam sua
atenção da realidade para concentrar-se apenas na obstinada e hipnótica
vontade de ajudar o “coitadinho”, convencidos de que é seu maior protetor, de
que é aquele Deus que o amigo precisa. O “protetor”, inconscientemente, deixa-
se ser usado até que ocorra, se e quando ocorrer, o restabelecimento do senso
crítico. Só nesta oportunidade é que poderá “acordar”, arrependido, sem
compreender como pôde ser usado de forma tão injustificável.
O tipo sonhador é o que menos lógica requer da pessoa com quem se
relaciona. Consegue aniquilar o senso crítico de quem dele se aproxima,
através da hipótese do maravilhoso e do sonho. O mundo fantástico e sem
problema é seu abre-alas, defende como verdade a utopia, ama a natureza e
seus elementos; o mar, o sol, o luar, a terra, as matas e os animais que são
freqüentemente evocados em suas argumentações como símbolos de pureza e
inocência. Com esses argumentos não tem quem resista fácil; a indução
hipnótica se perfaz rapidamente. O sonhador leva à sua “viagem” pessoas as
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 251
quais consegue tirar da realidade para embarcarem nas suas irresistíveis
fantasias.
É importante lembrar que nem sempre o mentiroso sabe que é mentiroso.
Assim como o coitadinho nem sempre acredita que ele mesmo seja tão
sofredor como se revela. E o sonhador quase nunca acredita nos seus próprios
sonhos. Todos eles, no entanto, se fazem acreditar pelas pessoas que podem,
verdadeiramente, aceitar seus argumentos, isto é, as pessoas são literalmente
convencidas por esses tipos de hipnotizadores a acreditarem, hipnoticamente,
em situações que eles mesmos geralmente não acreditam.
Muita gente pode ser hipnotizada sem saber, assim como quem hipnotiza
nem sempre sabe que utiliza uma técnica hipnótica ou sabe o que é hipnose.
Mas, se esse hipnotizador inconsciente consegue reunir “qualidades” que se
somem como, ao mesmo tempo, ser mentiroso, coitadinho e ainda por cima
sonhador, suas investidas são terríveis; neste caso, ou se rebate de logo ou
será fatalmente induzido por sugestões, porque o rapport será facilmente
estabelecido.
Durante a vida as pessoas entram em hipnose espontânea praticamente
centenas de vezes, dependendo da idade algumas ficaram em transe vários
dias, embora tais situações não sejam denominadas hipnose. Sobre estes
estados espontâneos da hipnose, diz o Griffith Williams. 131
Sonhar acordado nada mais é do que um estado hipnótico, talvez leve,
talvez profundo. Quando nos concentramos bastante em alguma coisa, tal
como na leitura de um livro, em um filme ou um programa de televisão ou
até mesmo no trabalho, tendemos a entrar em transe (WILLIAMS).
Estbrooks 132 vai além e diz que: “é até provável que o estado de hipnose
ocorra sempre que experimentamos uma forte emoção, como grande
expectativa, medo, raiva, ou paixão”. M. LeCron 133 estende o estado de
hipnose para as atividades comuns do cotidiano e, sobre isso diz:
Quase todos os motoristas lembram-se de situações que estimulam a
hipnose - viajando na estrada deserta, relaxados no volante, olhos presos
na faixa branca da estrada, o ruído monótono do motor, e de repente
percebem que já passaram por uma cidade, mas não se recordam de tê-lo
feito. Estiveram em hipnose, experimentaram sintomas de amnésia e
depois despertaram por conta própria (LeCRON).
Quando alguém está aprendendo a dirigir um automóvel, não consegue
definir bem o que fazer na seqüência dos procedimentos para pôr o veículo em
movimento e, quanto mais deseja, menos acerta. No entanto, quando se acha
capaz de dirigir suas atitudes fluem automaticamente. É capaz de dirigir por
longa distância sem se dar conta de como está fazendo isto, são seus

131
WILLIAMS, Griffith. Experimental Hypnosis, N. York, ed. Macmillan, 1956.
132
ESTBROOKS, G. H. Hipynotism, N. York, Dutton, 1943.
133
LeCRON, Leslie M. Auto-hipnose. ed. Record, 2. Ed., RJ, 1979.
252 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

procedimentos de motorista realizados inconscientemente, vira a curva, passa


marchas, enfim, faz tudo muito bem, sem se dar conta de como está fazendo.
Todo comportamento realizado mecanicamente é inconsciente.
O efeito hipnótico pode ser construído em um indivíduo desde a sua
infância, como exemplo, se uma criança não se adapta bem nos estudos e, o
pai ou a mãe ou até mesmo uma incompetente professora, a repreende várias
vezes, com comentários do tipo “você é incapaz de aprender”. É possível que a
criança aceite tais observações, acredite nelas e então se torne incapaz de
aprender com facilidade mesmo sendo inteligente. Mas se ouve de vizinhos,
amigos e parentes que ele é uma pessoa boa e agradável e que tem bom
futuro, disto resultará o êxito certo. Quando essas idéias são aceitas, alimentam
o inconsciente e este realimentará de volta a consciência.
A sugestão negativa é bem mais freqüente que as positivas, são bem
mais aceitas porque mexem com sentimentos mais fortes, como afetividade,
segurança e confiança. Assim, se durante a vida, alguém diz repetidas vezes
que “você só consegue fazer bobagens” e a pessoa que ouve aceita estas
idéias, alimentando com elas o seu inconsciente, isto resultará em um terrível
complexo de inferioridade. Porém, essas sugestões podem ser novamente
processadas. O inconsciente pode ser alcançando e convencido corretamente,
isto é desipnotizar 134 ou hipnotizar para retirar sugestões negativas instaladas
no inconsciente.
Algumas pessoas foram sugestionadas com idéias repetidas por longo
tempo e disso resultam comportamentos inexplicáveis como alguns hábitos e
superstições. Fica difícil explicar o comportamento supersticioso, de que até os
mais céticos são portadores, se não for pela compulsão inconsciente. 135 Como
se explica, ou como se justifica o fato de que muitas pessoas não vestem
determinada roupa, ou de determinada cor, não passam por baixo de escada,
acreditam, entre outras coisas, que gato preto provoca azar, ou que pé de
coelho provoca sorte. Estas situações, dependendo do nível de crença do
supersticioso, até se tornam realidade. Isto só se justifica, porque durante o
processo histórico de vida, essas idéias foram alojadas em seu inconsciente e
passam a determinar suas ações, mesmo que conscientemente não mais
acreditem nelas.
Na vida cotidiana ocorrem situações que reproduzem os mais
engenhosos expedientes da hipnotização, mostrando assim que a hipnose é
efetivamente um estado normal e bastante comum. Roger Bernhardt 136

134
O ato de desipnotizar é chamado de anipnotizar, do grego an hypnotizó. Significa acordar,
sair do sono ou anular o seu efeito (N. do A.).
135
Na psicanálise, compulsão inconsciente se refere ao conjunto dos processos e fatos psíqui-
cos que atuam sobre a conduta do indivíduo, mas que escapam ao âmbito da consciência e
não podem ser lembrados por esforço da vontade consciente (N. do A.).
136
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através a auto-hipnose. RJ, ed. Record, 1978.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 253
sintetiza essa questão fazendo-nos algumas perguntas cujas respostas para ele
podem representar o fato de ter ocorrido um transe hipnótico:
1. Se você, em alguma ocasião, já experimentou a sensação de estar
desligado de tudo enquanto lia um livro, ouvia uma música, assistia a uma
peça ou filme - você pode dizer que esteve hipnotizado.
2. Se você, alguma vez, se encontrou perdido em pensamentos ou se
esqueceu por um momento de onde estava ou mesmo não ouviu quando
o chamaram pelo nome - pode dizer que já esteve hipnotizado.
3. Se você, em alguma ocasião, se apaixonou perdidamente, permanecendo
cego aos desejos de outra pessoa a ponto de não dar ouvido a mais
ninguém - pode dizer que já esteve hipnotizado.
4. Se você, em algum momento, se sentiu como que transportado durante
suas orações - então, você já esteve hipnotizado.
Visto assim, o transe hipnótico é um fenômeno muito normal, as pessoas
de alguma forma já passaram por estes processos espontâneos da hipnose.
Sendo um processo natural, não tem justificativa para sustentar a apreensão ou
o medo de ser hipnotizado ou de utilizar a auto-hipnose em seu próprio
benefício. Além disso, conhecendo seus mecanismos estará protegida para não
sofrer induções hipnóticas que não sejam plenamente desejadas.
Hipnose no Direito
O hipnotismo se apresentou também na área do Direito envolvendo ques-
tões da psicologia jurídica. Numerosos foram os sábios que se dedicaram à
hipnose forense, tomando partido pró ou contra, entre eles: Liégeois, de Nancy;
Delboeuf, de Liéfe; Raoul e Emele Young, de Genebra; Ochorowics, de Lam-
berg; Focachon, de Charmes (Moselle); Cesare Lombroso, de Turim na Itália.
Em Paris: Paul e Pierre Janet, Victor Meunier, Peirre Veron, Feré, o Padre de
Meissas, o Coronel de Rochas. Mas, nesta área, quem mais se destacou foi
August Henri Forel (1848 – 1931).
Forel, em 1866, foi estudar medicina na Universidade de Zurique e atraí-
do pelos cursos e estudos clínicos sobre psiquiatria, devotou-se também ao es-
tudo da psicologia, sem deixar de lado o estudo das ciências naturais. O seu in-
teresse pela psicologia e sociologia, aliado a psiquiatria e ao direito, conduzi-
ram-lhe a efetuar na Suíça inúmeras reformas, não somente psiquiátricas, tam-
bém contribuiu para mudanças importantes no código penal suíço. Fascinado
pela hipnose escreveu muito sobre esse assunto, tornando-se autoridade no
que veio a ser conhecido mais tarde como hipnose forense. Fundou o Jornal de
Hipnose de Zeitschrif que, em 1902, mudou de nome para Jornal de Neurologia
e Psicologia e, em 1954, foi rebatizado como Jornal da Pesquisa Cerebral, cuja
última publicação ocorreu em 1998. 137

137
Forel, em 1879, foi professor de psiquiatria na Universidade Médica de Zurique e Diretor do
Asilo Cantonal Burghölzli, ambos na Suíça, sua terra natal. Tornou-se mestre na anatomia mi-
254 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

A possibilidade teórica de um crime ser cometido por sugestão hipnótica


foi estudada exaustivamente por August Forel que, após pesquisar sobre a
possibilidade, chegou à conclusão de que pessoas normais podem sempre
resistir a sugestões criminais; mas por outro lado, pessoas eticamente fracas,
psicopaticamente inferiores, faltando o contrapeso e a resistência moral, podem
ser induzidas a cometer crimes reais através da sugestão hipnótica. A esta
conclusão também chegou Cesare Lombroso, acrescentando que para a
realização do crime induzido seria bastante a predisposição inata do indivíduo
para o comportamento criminal. 138
Forel publicou, em 1889, um artigo sobre a importância forense do
hipnotismo e, em 1907, publicou um livro detalhando seu entendimento sobre
terapia em casos psiquiátricos com o uso da hipnose, envolvendo ainda
análises da conduta criminosa, psicológica e psiquiátrica do marginal social. 139
Ao relatar a hipótese de que, teoricamente, o crime hipnótico pode ser viável
se, pelo menos, preexistir no hipnotizado uma predisposição latente para o ato
criminal sugerido, recebeu comentários e críticas de Freud que, elabora uma
resenha, 140 e comenta o tema:
Como sabemos, até o momento, os “crimes sugeridos” são simplesmente
uma possibilidade para a qual os juristas estão se preparando, e que os
romancistas podem prever como “não tão improváveis que não possam
acontecer algum dia”. De fato, em laboratório, não é difícil induzir um bom
sonâmbulo a cometer um crime imaginário. Mas, depois das perspicazes

croscópica do sistema nervoso, em 1875, fez a primeira secção completa de todo o cérebro e
formulou o conceito das unidades celulares e funcionais (denominada mais tarde de Teoria do
Neurônio). Realizou estudos sobre a topografia dos nervos trigeminal, pneumogástrico e hi-
poglossal e deu uma descrição precisa do hipotálamo – o núcleo do hipotálamo é chamado de
Campo de Forel ou Corpo de Forel em sua homenagem. Em 1877 descreveu diversas estru-
turas do cérebro, chegando a descobrir, em 1885, a origem do nervo acústico. Fundou pelo
menos vinte instituições, fez inúmeras pesquisas e invenções em diferentes campos, autor de
mais de 1.200 publicações científicas, livros e artigos em quase todos os assuntos imaginá-
veis. Em 1912, sofreu um acidente vascular cerebral tendo por resultado a hemiplegia do lado
direito e corajosamente superou; aos 64 anos de idade aprendeu a escrever com a mão es-
querda e permaneceu ativo até sua morte em 1931, aos 83 anos (N. do A.).
138
Cesare Lombroso (1835-1909) Nascido em Verona, Itália, foi diretor do hospício provincial de
Pesaro (1871), ensinou medicina legal, psiquiatria e clínica psiquiátrica na Universidade de
Turim. Apesar de forte oposição no meio acadêmico, suas idéias relacionam certas caracterís-
ticas físicas à psicopatologia criminal ou a tendência inata de indivíduos para o crime. Em
1864, publicou o livro Gênio e Loucura. Em 1867, escreve Ações dos Astros e dos Cometas
sobre a Mente Humana. Em 1868, Relações entre a Idade, as Posições da Lua e os Acessos
das Alienações Mentais, trabalhos recebidos com muitas reservas pelos cientistas. Acreditava
que o meio social, aliado às influências astrais, preparasse para a ação criminosa indivíduos
cuja natureza fosse anti-social. Em 1882, no ensaio; Estudo sobre o Hipnotismo, relata a pos-
sibilidade de um sonâmbulo realizar um crime. Publicou também: (1876) O Homem Crimino-
so; (1899) O crime, Suas Causas e Soluções (N. do A.).
139
FOREL, August. Hypnotism and Psychotherapy [Reprin]. Allied Books, (1907) 1988.
140
FREUD, Sigmund. Resenha de hipnotismo de August Forel. In: Textos escolhidos de psica-
nálise, RJ, Ed. Imago Ltda. 27 - 44, 1969.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 255
críticas de Delboeuf aos experimentos de Liégeois, deve permanecer em
aberto a questão, até que ponto a consciência de se tratar apenas de uma
experiência facilita à pessoa hipnotizada a execução do crime (FREUD).
Experiências feitas para averiguar a possibilidade de indução ao crime,
não se validaram em virtude de seu próprio caráter experimental, como
exemplo de um hipnotizado que recebe do hipnotista um copo contendo ácido
com a devida explicação sobre seus efeitos. Em seguida recebe a ordem de
atirar o ácido ao rosto de alguém e, sem hesitar, obedece. Acontece que o rosto
da “vítima” está protegido por uma parede de vidro a qual não é possível de ser
percebida por estar o hipnotizado portando vendas nos olhos. Outro exemplo,
um hipnotizado é armado de um punhal para investir contra a pessoa do próprio
hipnotista e investe, mas o punhal é de borracha, embora o hipnotizado não
tenha sido avisado. Pode-se supor que os hipnotizados tenham agido de boa
fé, intimamente convencidos do caráter inofensivo dos atos sugeridos, seja pela
extrema confiança no hipnotista, seja por, inconscientemente, perceber a
proteção que invalida a ação agressiva. Para que tais experiências se
revestissem de validez, seria preciso reconstituí-las em bases reais, sem
nenhum aparato protetor.
Saindo da expectativa de explicar a ação do criminoso, a hipnose se volta
para o campo da investigação. De fato, notícias quanto à aplicação da hipnose
neste campo têm ocorrido com resultados espetaculares, com o propósito de
refrescar lembranças de testemunhas e vítimas de crimes, como no caso
conhecido nos tribunais americanos “o Povo verso Schoenfeld, 1980”,
envolvendo o motorista de um ônibus escolar seqüestrado em Chowchilla, na
Califórnia. Sob hipnose e não antes, o motorista foi capaz de dar o retrato
falado perfeito do bandido e lembrar os números e letras da placa do carro que
interceptou o ônibus. Isto levou à prisão e condenação dos seqüestradores.
Não obstante bons resultados em procedimentos investigativos de crimes,
tem havido sérias críticas ao uso de hipnose com testemunhas e vítimas.
Spiegel 141 aponta duas delas:
Duas acusações são feitas à técnica: uma é a de confabulação, que uma
testemunha hipnotizada forjará material e se tornará o que foi chamado de
um mentiroso honesto, representado por alguém que acredita em suas
falsas declarações por desejo de agradar ao hipnotizador ou simplesmente
como resultado de estar no próprio estado hipnótico não racional. A outra
é a de concreção, que mesmo que novas informações não sejam forjadas,
o indivíduo, tendo passado pelo processo de hipnose, emergirá dele com
uma convicção aumentada de que suas memórias são corretas e,
portanto, será mais convincente para um júri do que poderia ser (ORNE,
1979 e DIAMOND, 1980 apud SPIEGEL 1986).

141
SPIEGEL, David. Hipnose. In: Tratado de Psiquiatria (Org. Talbott et al), Ed. Porto Alegre,
Artes médicas, 687-690, 1986.
256 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Referindo-se aos processos judiciais americanos, Spiegel afirma que os


tribunais têm sido uniformemente relutantes em admitir o testemunho de uma
pessoa hipnotizada durante um julgamento. Relata ainda que, recentemente, os
tribunais também começaram a excluir testemunhos de pessoas que foram
antes hipnotizadas para depois depor sobre os fatos acontecidos.
O tipo de situação na qual a hipnose tem maior probabilidade de valer é
aquela na qual há uma amnésia traumática para os eventos de um crime. A
literatura legal tem fornecido exemplos de casos processuais nos quais ocorreu
o uso da hipnose para depoimentos e testemunhos, principalmente nos Estados
Unidos, embora não seja a justiça americana federativa, cada Estado admite
uma norma processual independente.
No processo “o Povo versus Shirley, 1982”; uma mulher, cuja memória
dos detalhes de uma agressão sexual questionável foi obscurecida devido a ela
ter ingerido uma quantidade substancial de álcool, foi hipnotizada por um
membro da equipe da acusação na noite anterior ao seu testemunho. Seu
depoimento melhorou dramaticamente. No entanto, a acusação foi derrubada
pela Suprema Corte de Justiça do Estado da Califórnia, que determinou que
qualquer testemunha ou vítima que fosse hipnotizada para depor sobre os fatos
de um crime não poderia testemunhar subseqüente ao processo hipnótico.
Neste caso, o uso da hipnose criou um problema mais de admissibilidade do
que de peso dado ao próprio testemunho.
A Suprema Corte de Justiça do Estado do Arizona (Estado versus Collins,
versus Corte Suprema, 1982), adotou um padrão mantido em Nova York (o
Povo versus Hugher, 1983) e em Nova Jersey (o Povo versus Hurd, 1980),
entre outros estados americanos, que é admitir que testemunhas em inquéritos
policiais e processos judiciais, possam depor sobre suas lembranças dos
acontecimentos hipnotizadas.
Outro processo citado na justiça americana é “o Povo versus Guerra,
1984”. Nesse caso a condenação de um estuprador foi derrubada, uma vez que
detalhes críticos relativos à natureza do ataque foram fornecidos pela
testemunha apenas durante uma sessão de hipnose, na qual foi aplicada
pressão considerável para que ela recordasse de ter sido penetrada pelo
agressor. Entretanto, neste caso, a Suprema Corte da Califórnia deixou em
aberto à possibilidade de que pudesse ser mantido o testemunho de uma
vítima, cuja história não mudou apesar de um interrogatório sob hipnose.
A legislatura da Califórnia (1985) fez passar uma lei sustentando o uso da
hipnose com testemunhas desde que certas orientações fossem seguidas.
Estas orientações incluem o acompanhamento de um profissional especializado
como consultor em hipnose, documentação cuidadosa da memória da
testemunha antes da hipnose, registro eletrônico de todas as interações antes,
durante e após as sessões de hipnose. A recomendação é de que a hipnose
não deve ser usada como substituição ao trabalho policial de rotina.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 257
Uma comissão de especialistas americanos, constituída para apresentar
parecer sobre o uso da hipnose em processos judiciais, após examinar a
questão, apresentou relatório concluindo que as evidências existentes indicam
que o uso da hipnose tende a aumentar a produtividade da testemunha,
resultando em novas memórias. Além disso, alguns estudos demonstraram um
aumento na confiança atribuída por indivíduos hipnotizados e suas memórias. A
comissão recomendou que fossem seguidas orientações semelhantes àquelas
delineadas na legislação do Estado da Califórnia, quando a hipnose for utilizada
em um processo legal. A esse respeito, diz ainda Spiegel:
Certamente é evidente que a hipnose não é o soro da verdade e, que os
tribunais devem pesar os efeitos de qualquer cerimonial hipnótico sobre
uma testemunha. Ao mesmo tempo, a hipnose pode, em certos casos,
ajudar uma testemunha traumatizada e amnésica a recordar detalhes, não
acessíveis através de métodos convencionais de interrogatório
(SPIEGEL).
No Brasil a hipnose pode ocorrer durante os processos judiciais de forma
subjetiva, principalmente em Tribunais do Júri Popular que, em seu rito,
apresenta o papel do advogado e do promotor de justiça no convencimento dos
jurados através de argumentações. Tribunais do Júri julgam como culpados ou
inocentes os acusados de crimes contra a vida humana na forma dolosa.
Jurados são os Juizes de Fato e, uma vez convencidos pelas argumentações,
votam pela condenação ou absolvição dos réus.
A longa duração da fala da defesa e da acusação em um tribunal de
justiça representa bem a técnica hipnótica da monotonia, assim como a réplica
e a tréplica do argumento representa a técnica hipnótica da repetição. Também
contribui o silêncio nas sessões de julgamento, a forma solene em que
transcorrem, além da vestimenta dos advogados, promotores, juizes e
serventuários da justiça, todos de beca e paramentados, cria no ambiente o
clima de atenção concentrada e elevada expectativa, duas excelentes
condições hipnotizadoras.
Ao longo da sessão de um julgamento jurídico, que às vezes duram dias,
alguns dos sete jurados, quando não todos, já estão hipnotizados pelas
palavras monótonas e repetitivas dos oradores. Assim, pode a defesa ou a
acusação, conhecendo ou não as técnicas hipnóticas, se beneficiar da própria
atmosfera dos tribunais para “convencer” melhor o corpo do júri com as suas
argumentações que, na maioria das vezes, são muito mais emotivas do que
lógicas ou técnicas. Talvez muito se deva a esse fato quando o veredicto é
absolutamente contrário às provas produzidas na fase de instrução do
processo.
Hipnose e psicopedagogia
A hipnose como possível solução de problemas relativos a processos de
ensino e aprendizagem é um fato incontestável, localizada no âmbito da psico-
pedagogia pode bem ser denominada de hipnopedagogia, funciona como uma
258 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

ferramenta bastante útil na motivação dos alunos pelo professor e também para
motivação do professor por ele mesmo. No processo de ensinar e aprender,
principalmente no ensino formal, não basta apenas o recurso da hipnose, o pro-
fessor deve, antes de tentar qualquer solução, ser competente e dominar con-
teúdos, metodologia, técnicas didáticas, fundamentos de organização escolar,
além de vários outros conhecimentos acumulados pela ciência da educação e
pela psicopedagia; mas pode complementar seu saber com um trabalho siste-
mático e consistente na aplicação de técnicas sugestivas que encantem o aluno
no desejo de aprender. Além disso, também deverá permitir a ele próprio com-
preender a si mesmo para lidar eficientemente com as dificuldades identificadas
no ambiente escolar.
Para os professores que buscam qualidade no ensino, os conceitos e
técnicas de Coué possibilitam uma maior aproximação deles com o mundo dos
estudantes, facilitando o estabelecimento de uma comunicação eficaz dentro do
espaço da escola, favorecendo o processo da construção do conhecimento. A
hipnose ajuda o professor a seduzir o aluno para que ele deseje aprender e,
desejando, aprenda. Neste sentido pode também aumentar a eficiência do
docente em seu papel; com essa ferramenta o professor pode aprimorar a
comunicação com seus alunos, produzindo informações precisas que permita o
estabelecimento de relações de confiança e, desse modo, propiciar o aumento
da qualidade de suas aulas. Como efeito paralelo o estudante pode concentrar-
se mais nas lições para absorvê-las melhor, assim como terá maior facilidade
na compreensão das questões e na memorização dos conceitos e fórmulas,
eliminando, ou pelo menos diminuindo, as dificuldades de memória e de
concentração.
Com o recurso da hipnopedagogia fica estabelecido o rapport, isto é, o
relacionamento entre o professor e o aluno, envolvendo confiança, respeito,
seriedade e abertura para a comunicação entre ambos. Esses fatores
aumentam as possibilidades de cada um, professor e aluno, descobrir e se
apropriar do saber. Usando processos hipnóticos, estes atores passam das
operações de instrução e aprendizagem para a motivação e desejo no
desempenho de seus papéis. Após as práticas com hipnose ocorre a elevação
da auto-estima e, vencendo o medo de que não pode aprender, o aluno coloca
sua emoção a serviço do sucesso. Com isso sente maior confiança em si
próprio, adquire mais coragem para enfrentar os problemas e fica motivado
para estudar, pesquisar e descobrir suas próprias respostas.
Até mesmo com o simples exercício diário de relaxamento, algumas bar-
reiras para a aprendizagem podem ser derrubadas e sensações visuais, auditi-
vas, táteis e outras são extremamente ativadas no aluno. Também através des-
te exercício, o professor afetivamente inter-relacionado com os alunos, promove
a qualidade do relacionamento entre os próprios alunos, incentivando o trabalho
em grupo para conquistar a auto-educação. Articula a teoria e práticas vivenci-
adas nas disciplinas, permitindo a aplicação dos conhecimentos e habilidades
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 259
adquiridos para análise de situações, elaboração de soluções ou mesmo cria-
ção de novas situações-problemas, com base na pedagogia da autonomia, a-
través da investigação científica orientada.
A hipnopedagogia coloca no mesmo patamar de importância a
inteligência e os sentimentos, ajudando o aluno a desenvolver a capacidade de
dar respostas adequadas e originais às situações problemas que lhes são
apresentados, com espontaneidade e criatividade intuitiva que é proveniente de
sua emoção. As respostas desprovidas da autocensura, que é atributo da
racionalidade, fluem com emoção. Neste processo há maior apreensão e
expressão do conhecimento, porque são recuperados vínculos humanos como
o prazer, a afetividade, o saber e, principalmente, a auto-estima.
Embora na maioria das práticas didáticas seja aplicado o exercício da
razão, um princípio importante dentro de qualquer contexto educativo é a
relação conhecimento-emoção. É a emoção que abre as portas do
conhecimento quando motiva o aluno que não tem interesse em aprender. A
hipnose favorece, tranqüilizando o aluno, quando tem de se ajustar e ficar preso
ao rigor formal e metodológico do ensino. Tranqüilo, mais solto, poderá obter
um melhor aproveitamento da informação que lhe é apresentada. Diante do
enfrentamento das situações problema, contará com mais liberdade para
expressar o que revela sua intuição e o seu conhecimento acumulado,
desenvolvendo assim habilidades e competências.
Intuição é espécie de visão direta sem auxílio de raciocínio explícito para
apreensão e compreensão de um conhecimento. A controvérsia é saber qual é
a essência da intuição, se volitiva intelectual ou emotiva. Para Dilthey a intuição
é de natureza volitiva: Para Husserl é de natureza intelectual e para Bérgson
(1859-1941) de natureza emotiva. A intuição pode ser fruto de todos os
atributos da vida interior do indivíduo, que são volitivos, intelectual e emotivo; é
toda a personalidade que se debruça sobre algo que a intriga. A intuição é,
portanto, fruto da interação da emoção com a inteligência e a vontade, que
formam a essência e a base da estrutura da personalidade de cada ser
humano.
Tanto a auto-hipnose como a hetero-hipnose, quando aplicadas no
processo de ensinar e aprender, tem revelado efeitos surpreendentes em
alunos com dificuldade na apropriação e assimilação de conhecimentos, além
de reforçar o desejo pelo estudo, desenvolve a confiança em sua própria
intuição. São muitas as experiências que provam essas hipóteses; aulas
ministradas a alunos que praticam hipnose prometem um rendimento muito
maior. Com esta prática a capacidade de reter conhecimentos aumenta
consideravelmente. Isto se deve ao fato de que a hipnose é pela sua própria
natureza atenção concentrada, elemento indispensável na aprendizagem.
As experiências demonstram que a hipnose influencia aumentando a
auto-estima e, por conseqüência, a capacidade da memória; sua prática tem
provado que é fácil recuperar fatos da mais remota infância. Proporciona ainda
260 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

o desenvolvimento da concentração ou atenção concentrada e, assim, se


justifica a receptividade do indivíduo em relação às sugestões concernentes à
melhoria da atenção e da memória e, por conseqüência, à melhoria do
aprendizado.
Desde que não haja uma história de doença grave, fica mais fácil
conseguir lembrar-se de uma grande quantidade de conhecimentos e
aperfeiçoar a habilidade de concentração e da percepção, quando o estado
emocional do aprendiz é equilibrado através de sessões de relaxamento ou de
auto-hipnose. Dificuldades para a leitura e a comunicação escrita são
superadas quando a auto-estima é conquistada, ocorre melhoria na capacidade
de ler, acumular, processar e divulgar informações.
Não ocorrendo patologia que a justifique, a dificuldade de memorização,
de escrita e de leitura pode ser relacionada a três causas, isoladamente ou
conjugadas:
• Estresse provocado principalmente pelo medo, pela ansiedade ou pelo
excesso de cobrança.
• Desinteresse pelo assunto em questão que pode também ser provocado
pelo antagonismo ou aversão ao professor.
• Auto-estima baixa que pode ter sido provocada pelo excesso de críticas
ao seu desempenho escolar ou profissional.
O mais comum é a associação do estresse com o desinteresse, estimula-
dos pela auto-estima baixa. Neste caso a pessoa estressa com facilidade e se
torna ansiosa, medrosa e ás vezes até agressiva. Para resolver o problema de
memória é preciso tão-somente ter sua auto-estima levantada. Isto aumentará
seu poder de concentração, estimulará a sua capacidade de "sonhar" e sua cri-
atividade, fortalecerá sua confiança e os problemas de memória desaparecerão
facilitando a aprendizagem.
Como normalmente se imagina, "concentrar-se no estudo" não significa
despejar toda ansiedade e toda vontade no ato de aprender. A concentração ó-
tima para a aprendizagem não é aquela em que a pessoa estimula o seu "esta-
do de alerta" que faz aumentar os batimentos cardíacos, a tensão muscular, o
ritmo respiratório. A concentração ótima é a concentração passiva, quando a
pessoa não está "preocupada em aprender", mas sim "divertir-se com o estu-
do". Quando se assiste aos filmes, se aprende muito mais sobre o fato do que
quando, de forma ansiosa, se tenta decorar tudo debruçado sobre um livro.
Não faz sentido estudar alguma coisa e não conseguir lembrar-se depois.
E, essa "falha" normalmente acontece porque as pessoas são habituadas a fa-
zer anotações lineares, organizadas, item por item. Para melhorar os resultados
da aprendizagem, a auto-hipnose ou hetero-hipnose pode ser um recurso didá-
tico a mais, principalmente no estudo de matérias discursivas, podendo melho-
rar bastante a capacidade de memorização.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 261
Também com a ajuda da hipnose, o aluno remove sentimentos de
rejeição a determinada disciplina, criando a condição propícia para absorver
novas informações, competências e habilidades. Neste novo cenário, com o
aluno mais participativo e motivado, o professor vai descobrindo, selecionando
e explorando as condições mais favoráveis para alcançar os objetivos do
ensino e, aplicar os conteúdos selecionados no seu planejamento.
Uma experiência descrita por Peter Mutke, 142 realizada na Califórnia, no
Monterey Peninsula College, demonstra como a hipnose pode ajudar no desen-
volvimento da aprendizagem. Durante a experiência, ensinou-se o método Dan-
Ro de leitura corretiva a um grupo de estudantes hipnotizados e a outro grupo
de estudantes não hipnotizados. Enquanto o primeiro grupo obteve um aprovei-
tamento de 78% na interpretação de leituras complexas em apenas cinco aulas,
o segundo grupo alcançou aquela porcentagem depois de vinte e duas aulas. O
método Dan-Ro é utilizado para habilitar alunos que apresentam determinadas
dificuldades de leitura e interpretação de textos.
Bernhardt Roger 143 descreve outra experiência realizada na Califórnia,
em Kentfield, no Child Center, com um grupo de alunos com idades de 8 a 12
anos. Uma vez hipnotizados, os alunos recebiam instruções para que
visualizassem a si mesmos lavando o próprio cérebro com uma mangueira para
retirar todas as idéias velhas que interferissem com o processo de
aprendizagem. Em seguida, eles se visualizariam lendo fluentemente, sem
esforços, com prazer. Formulou-se, então, a sugestão pós-hipnótica e que eles
se transformariam em pessoas que leriam bem e sentiriam prazer na leitura.
Dois meses mais tarde, estas crianças foram testadas e o seu desempenho foi
comparado a outro grupo formado por crianças que também apresentavam
dificuldades de leitura. A velocidade, a precisão e a compreensão aumentaram
no nível de conteúdo equivalente a mais de um ano e oito meses para as
crianças submetidas à hipnose, contra apenas quatro meses para as crianças
que não haviam sido hipnotizadas. Além disso, a auto-estima das crianças
submetidas à auto-hipnose, ou seja, os sentimentos otimistas que tinham em
relação a si mesmas aumentaram dez vezes mais em relação à auto-estima do
grupo que não praticou a hipnose.
A hipnose ou a auto-hipnose estabelece a comunicação rápida com o
inconsciente que é considerado como uma segunda inteligência. Sobre isso,
alguns cientistas franceses em recente experiência feita no Instituto Nacional de
Saúde e da Pesquisa Médica da França, 144 pediram que um grupo de doze
voluntários olhasse para a tela de um computador enquanto eram projetados
números tão rapidamente que os olhos não conseguiam captar. Foi pedido aos
participantes que acionassem um botão quando o número projetado fosse
menor que cinco e, com a outra mão, acionavam outro botão quando o número
142
MUTKE, Peter. The American Journal of Clinical hypnosis. Califórnia, EUA, abril de 1967.
143
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através da auto-hipnose, RJ, Record, 1976.
144
SUPER Interessante. A Segunda Inteligência, S. Paulo, r. p. 61- 65, maio, 1999.
262 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

projetado fosse maior. O resultado provou que o cérebro não só reconhecia as


informações como também às interpretava. Em alguns momentos era projetado
apenas o número cinco, e nestas horas, os voluntários não respondiam.
Também foram realizadas operações aritméticas de forma tão rápidas que se
tornavam absolutamente imperceptíveis, mas os resultados foram indicados
corretamente pelo mesmo principio anterior. Pela primeira vez essa faceta
inteligente do inconsciente foi comprovada de forma laboratorial.
O inconsciente percebe informações que não são percebidas
conscientemente, faz seus próprios julgamentos e dá palpites nas decisões
conscientes, sem que, ao menos, este se dê conta. É hábil em executar tarefas
sem que o consciente perceba e, muito rápido, relaciona e toma decisões,
determinando o que uma pessoa deve ou não fazer.
Funcionando de forma subjetiva, o inconsciente interfere o tempo todo na
rotina de uma pessoa; é uma ferramenta poderosíssima e não apenas uma
caixa em que se depositam informações ou se escondem lembranças
traumáticas. Como exemplo dessa proeza, pode ser analisado o fato de que no
inconsciente é que se realizam praticamente todas as atividades mecânicas.
Para andar não é preciso calcular quanto cada perna tem que ser flexionada ou
a distância entre um passo e outro. O inconsciente faz tudo isso sozinho sem
que se perca tempo. É por meio dele que o coração sabe quando tem que bater
mais rápido por causa de um esforço físico ou disparar a sensação de fome se
o nível de glicose no sangue baixar.
Uma explicação bem aceita hoje é a de que o inconsciente não é uma
parte física localizada em uma determinada região do cérebro. É uma espécie
de programa operacional capaz de processar, ao mesmo tempo, milhares de
informações paralelas, enquanto o consciente executa suas tarefas de forma
serial, uma atrás da outra. Fornecendo informações ao consciente sob forma de
intuição, o inconsciente pode determinar, em certas circunstâncias, atitudes que
um indivíduo deve tomar. Através das técnicas de hipnose ou da auto-hipnose é
despertada e ampliada essa programação para utilizar mais os conhecimentos
que estão armazenados no inconsciente:
Alguém planeja uma viagem de carro e, de repente, vem àquela sensação
de que não se deve ir. Será um sinal do inconsciente? O motorista pode ter
ouvido no rádio dias antes que a estrada não está boa (e nem prestou a-
tenção) e, enquanto dirigia de volta para casa, olhou para o céu e viu nu-
vens escuras se formando. O cérebro juntou a informação como um reca-
do para o consciente: quem sabe não é uma boa idéia viajar hoje? Isso é
intuição, um serviço extra que as células cinzentas realizam... (SUPER In-
teressante. A segunda inteligência, São Paulo, maio, 1999, r. p. 60-65).
No decorrer da pesquisa de campo, vários alunos declararam ter sido
bem sucedidos com auto-hipnose como forma de superação de difilcudades de
aprendizado. Como exemplo, os dados coletados nas entrevistas revelam o
caso de uma aluna, que tendo participado de duas sessões de hipnose,
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 263
demonstro ser suscetível ao nível de transe sonambúlico. Ela que tinha grande
dificuldade em compreender determinada disciplina, odiava a matéria, dizia que
quanto mais estudava menos compreendia e não conseguia esforçar-se para
estudar da forma apropriada. Para superar este problema foi aconselhada a
fazer uso da auto-hipnose. No semestre posterior contou que seguira o
conselho durante as férias e, no seu regresso às aulas, não só obteve altas
notas nas avaliações como conseguia agora entender com facilidade conceitos
e definições, além de ser capaz de resolver problemas com grande facilidade e
satisfação. Após a auto-hipnose, estudar o assunto lhe dava prazer, mais ainda,
passou até a gostar da professora que antes era vista como sendo muito
antipática. Resultados semelhantes também vêm sendo repetidos com outros
alunos em diferentes disciplinas.
O cientificismo cria diferentes teorias para compreender e explicar a a-
prendizagem e o processo educativo, além de se estenderem para o campo da
terapia dos distúrbios psicológicos. Algumas dessas formas afastam-se da psi-
canálise e, por conseqüência, da hipnose, são aquelas criadas em ambientes
experimentais e, por isso, são facilmente aceitas pelo mundo acadêmico, que
se encarrega de disseminar os novos conceitos e conhecimentos como indis-
pensáveis para professores, educadores e psicólogos. No entanto, parece que
nem uma dessas novas formas invalida a hipnose como recurso facilitador da
aprendizagem.
Psicologismo na Educação
Antecedendo o ensino dos jesuítas, o ensino tradicional na Roma antiga e
por toda a velha Europa, foi influenciado pelas idéias de Santo Agostinho que
tratou do tema em duas obras, De Doctrina Christiana e De Magistro, nas quais
apresenta a doutrina do mestre interior. A idéia é que o professor não ensina
sozinho, mas depende também do aluno e, sobretudo, de uma verdade comum
aos dois. Simplificando, o professor mostra o caminho e o aluno o adota; assim,
o saber brota de seu interior. "A pessoa que ensina não transmite, mas desper-
ta", Para Santo Agostinho, é desse modo que se conquista a paz da alma, que,
para ele, é o objetivo final da educação.
Dizia Santo Agostinho "Não se deve esperar da criança inteligência nem
aspirar a ela. O mais importante é a consciência, a disciplina". A educação mo-
derna, no entanto, é laica, mesmo nas escolas administradas por organizações
religiosas, porque a cultura ocidental evoluiu para a separação clara entre razão
e fé. Mesmo assim, o pensamento agostiniano permite um diálogo interessante
com concepções pedagógicas contemporâneas. A crítica atual às concepções
de ensino segundo as quais o professor apenas transmite conhecimentos para
um aluno passivo, parece semelhante a afirmação defendida por Santo Augus-
tinho que diz que o mestre indica o caminho, mas só o aluno constrói (ou não) a
informação, "Não se aprende pelas palavras, que repercutem exteriormente,
mas pela verdade, que ensina interiormente".
264 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Os jesuítas da Companhia de Jesus surgiram no início do século XVI na


Espanha, criada por um militar, Inácio de Loyola (1491-1556), depois Santo I-
nácio. Representou, na educação, a linha de frente na guerra da Igreja contra a
reforma protestante do alemão Martinho Lutero. Como os agostinianistas, os je-
suítas valorizavam a disciplina e a obediência e promoviam o sacrifício da liber-
dade de pensamento em benefício do temor a Deus. Diferentemente de Santo
Agostinho, porém, os jesuítas favoreciam a erudição e o elitismo. Integravam
um movimento conservador, derrotado a partir do século XVII, com a ascensão
do racionalismo, na filosofia, e as revoltas contra o absolutismo, na política. Os
jesuítas, criadores de métodos de ensino tradicionalistas, têm grande importân-
cia na história das colônias européias da América, entre elas o Brasil, porque
construíram as primeiras estruturas educativas do continente.
A educação tradicional que se antecipa a influencia da psicologia aplicada
aos processos educativos, tem como base o ensino praticado em organizações
religiosas e, no Brasil, até por volta 1930, é marcado pela disciplina rígida, onde
o professor é o transmissor dos conteúdos e o aluno assimila os conteúdos
transmitidos pelo professor. Os objetivos educacionais, não muito explícitos, se
caracterizam como conhecimentos gerais, sendo os conteúdos programáticos
selecionados a partir da cultura universal organizados em disciplinas e a meto-
dologia de ensino baseada em aulas centradas no professor (expositivas). O-
corre a valorização dos aspectos cognitivos com ênfase na memorização e a
avaliação com base em exercícios de fixação. Por fim, considera-se o aluno e-
ducado como aquele que domina o conteúdo da cultural universal. A escola é
privilégio das camadas mais favorecidas e sua organização apresenta funções
bem definidas e hierarquizadas. O professor interage com o aluno de forma ex-
tremamente autoritária.
As mudanças sociais produzidas pela fase da industrialização da econo-
mia, pelas guerras mundiais, por novos valores de libertação e merecimento,
pelo crescimento da psicologia como ferramenta facilitadora para criação de
novos modelos, provocam mudanças profundas no anseio pela educação e
compele para o abandono gradual do modelo tradicional; passa a ser substituí-
da pela “escola nova, a renovada, a tecnicista, a crítica” todas orientadas por
teorias psicológicas; um tratamento científico para problemas relativos à capa-
cidade de lidar com a aprendizagem. Nasce assim o que se convencionou de
psicologismo educacional, entendido como a solução que associa educação e
psicologia científica. E, cada vez mais vinculada ao positivismo, surgem novas
teorias, entre as mais importantes, a corrente cognitivista e a corrente compor-
tamentalista. Ambas surgidas nos Estados Unidos, na década de 1950 e 1960.
A corrente cognitivista tem como principal nome Aron Beck. Para ele
grande parte das doenças psíquicas se devia a percepções distorcidas da reali-
dade, e caberia ao terapeuta corrigir essas distorções. Por exemplo, uma pes-
soa deprimida que acha que não tem condições de realizar determinada tarefa
é incentivada a escrever num caderno várias situações em que foi chamada a
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 265
desempenhar tarefas e se saiu bem. Com base nos argumentos fornecidos pelo
próprio paciente, o terapeuta tenta sugestiona-lo de que ele é capaz de fazer ou
não fazer algo.
John B. Watson, em 1913, lançou um manifesto afirmando que a psicolo-
gia deveria ser redefinida como o estudo do comportamento. Afirmando que o
comportamento se liga aos reflexos e que os reflexos podem ser condicionados.
Visto assim, o reflexo sugeria um tipo de causalidade mecânica, compatível
com a concepção de ciência do século XIX e a psicologia agora podia ser com-
preendida cientificamente, fugindo das incertezas das teorias dialéticas. Contri-
bui para essa conclusão os estudos de Pavlov, publicados mais ou menos na
mesma época.
Watson afirma que o pensamento é apenas uma fala sub-vocal e Pavlov
afirma que a linguagem não passa de "um segundo sistema de sinais". Nada,
ou quase nada, tinham a dizer a respeito de sensibilidades humanas como as
intenções, os propósitos, as emoção ou criatividades humanas. Surge aí a “ci-
ência do comportamento” que se tornaria por longo período a mais forte corren-
te da psicologia. Tende ao uso de métodos científicos rigorosos, enfatiza a utili-
zação da experimentação em laboratórios, analisando o comportamento de se-
res animados. Suas pesquisas se encaixam no modelo do ambiente laboratorial
de investigação com o critério da observação de dados que possam ser medi-
dos e avaliados. Procuram fatos que são quantificados e comparados. Por fim,
infere deduções e criam teorias.
Influenciado pelos trabalhos de Pavlov e Watson, Burrhus Frederic Skin-
ner (1904-1990),145 passou a estudar o comportamento operante, desenvolven-
do intensa atividade no estudo da psicologia da aprendizagem. Seu nome ga-
nha destaque quando apresenta uma teoria baseada nos conceitos de estímu-
los, resposta e reforço. Realizou a maioria de suas experiências com animais
inferiores, principalmente o rato branco e o pombo. Desenvolveu o que se tor-
nou conhecido por "Caixa de Skinner", um aparelho adequado para estudo do
comportamento animal. Um rato é colocado dentro de uma caixa fechada que
contém apenas uma alavanca e um fornecedor de alimento. Quando o rato a-
perta a alavanca sob as condições estabelecidas pelo experimentador, uma bo-
linha de alimento cai na tigela de comida, recompensando assim o rato. Após o
rato ter fornecido essa resposta, o experimentador pode colocar o comporta-
mento do rato sob o controle de uma variedade de condições de estímulo. Além
disso, esse comportamento condicionado pode ser gradualmente modificado ou
modelado até aparecerem novas repostas que ordinariamente não fazem parte
do repertório comportamental do rato.

145
SKINNER lecionou nas Universidades americanas de Harvard, Indiana e Minnesota e, entre
outros trabalhos, publicou os livros: Behavior of Organisms (Comportamento dos Organis-
mos), Verbal Behavior (Comportamento Verbal), Science and Human Behavior (Comporta-
mento Científico e Humano).
266 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Um dos princípios da teoria do condicionamento de Skinner é que as pes-


soas são como “caixas pretas”, descobrindo-se qual o estímulo que produz cer-
ta resposta num organismo, quando se pretende obter a mesma resposta desse
organismo, basta aplicar-lhe o estímulo descoberto. De acordo com essa teoria,
a aprendizagem é igual a condicionamento. Isso significa que, se quiser que
uma pessoa aprenda um novo comportamento, deve-se condicioná-la a isso.
O êxito em experiências de comportamento condicionado em animais in-
feriores levou Skinner a transpor essa condição como facilitadora da aprendiza-
gem do ser humano. Em 1932 relatou suas observações e, seus estudos permi-
tiram criar métodos de ensino programado, que podem ser aplicados sem a in-
tervenção direta do professor, através de livros, apostilas ou mesmo máquinas
de ensinar. Em escolas, o comportamento de alunos pode ser modelado pela
apresentação de materiais em cuidadosa seqüência e pelo oferecimento das
recompensas ou reforços apropriados.
Em um momento da história a corrente cognitivista se encontrara com a
comportamentalista, e desse encontro deriva a maioria das diferentes teorias
consideradas, por muitos psicólogos e educadores, como eficientes nos trata-
mento dos distúrbios psicológicos e problemas na aprendizagem. Essas duas
correntes são estritamente cartesianas e se afastam de hipótese não estrutura-
da nesta mesma linha, mas outros pensadores localizaram-se na fronteira deste
conflito intelectual. Em oposição ao cientificismo radical surgiram várias manei-
ras de “ver” os fenômenos humanos, incluídos também aí questões da aprendi-
zagem.
Psicologia da Gestalt
O termo “Gestalt” vem do alemão, “Gestaltismo” significa Organização,
Forma, Estrutura, é uma expressão que sugere uma configuração, reunião das
partes de determinada forma, a partir da qual se gera um todo, que se distingue
do somatório das partes. A pretensão da psicologia da Gestalt é explicar a tota-
lidade dos processos psicológicos e não apenas respostas específicas dadas a
cada estímulo. Designa um conjunto de princípios, métodos, experimentos e te-
orias em psicologia, resultante do movimento iniciado no começo do século XX,
na Universidade de Berlim, sob a orientação de Max Wertheimer.
A Psicologia da Gestalt começou como um estudo do processo percepti-
vo, a “Gestaltypsychologie”, e acabou por envolver o estudo da memória, do
pensamento, do desenvolvimento individual, da motivação e do comportamento
dos grupos. Propõe também que a aprendizagem não pode ser entendida como
uma aquisição de conhecimentos devidos a ensaio e erro ou condicionamento
específico. Ao contrário, diz que tal aquisição se faz pela percepção do campo
visto como um todo. Isto conduz a uma súbita alteração do campo perceptual e
coloca uma série de comportamentos novos.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 267
Com base nas idéias e conceitos de Max Wertheimer, Wolfgang Kohler 146
e Kurt Koffka, 147 realizaram uma série de investigações relacionadas com o es-
tudo da percepção e da aprendizagem. Por esta perspectiva a experiência e a
percepção englobam a totalidade do comportamento e não apenas respostas
isoladas e específicas. Quando um indivíduo vai iniciar um processo de apren-
dizagem qualquer, ele já dispõe de uma série de atitudes, habilidades e expec-
tativas sobre sua própria capacidade de aprender. Visto assim, o sucesso da
aprendizagem vai depender de suas experiências anteriores e de muitas infor-
mações que estão em níveis inconscientes, aflorando, facilitam a construção do
pensamento para aprender.
Para os gestaltistas a aprendizagem ocorre, principalmente, por insight,
ou seja, é uma espécie de estalo, de compreensão repentina a que se chega
depois de tentativas infrutíferas em busca de uma solução. Em relação ao tra-
balho escolar, parece que a teoria da Gestalt é mais rica que a teoria do condi-
cionamento, pois tenta explicar aspectos ligados à solução de problemas. Ex-
plica, também, como ocorre o trabalho científico e artístico que, muitas vezes,
resulta de um estalo, de uma compreensão repentina, depois que a pessoa li-
dou bastante com o assunto.
O problema para o gestaltista não é como o dado é solucionado, mas
como é estruturado. Subjacente a estes e a outros conceitos, na psicologia da
gestalt está a diferença entre a realidade psíquica (o que eu percebo) e a reali-
dade objetiva (o mundo das coisas) e a impossibilidade de compreender o ho-
mem sem uma visão holística do mesmo. Que agrupe numa Gestalt (numa con-
figuração) as partes deste homem bem como sua relação com os outros ho-
mens e com a natureza. Esses dois universos podem ser considerados como a
percepção lógica (racional e consciente) e a percepção emocional do mundo
(intuitivo e inconsciente).
Teoria Topológica
Idéias e conceitos próximos da Teoria Gestalt representam também a Te-
oria de Campo ou Topológica, seu principal formulador foi Kurt Lewin (1890 -
1947). De acordo com essa teoria, são as forças do ambiente social que levam
o indivíduo a reagir a alguns estímulos e não a outros; ou que levam indivíduos
diferentes a reagirem de maneira diferente ao mesmo estímulo. A influência
dessas forças sobre o indivíduo depende das próprias necessidades, atitudes,
sentimentos e expectativas do próprio indivíduo, pois são estas condições in-
ternas que constituem o campo psicológico de cada um.
Para Kurt Lewin, o campo psicológico seria um ambiente, incluindo suas
forças sociais, da maneira como é visto ou percebido pelo indivíduo. Assim,
muitas vezes, um capítulo de história ou um trabalho de geografia são vistos
como problemas a serem resolvidos pelo professor ou por alguns alunos, mas

146
KOHLER, W. Psicologia da Gestalt. Belo Horizonte, Itatiaia, 1980.
147
KOFFKA, K. Princípios de Psicologia da Gestalt. S. Paulo, Cultrix, 1982.
268 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

não por outros, cujo campo psicológico é diferente, e que têm outras priorida-
des no momento. Tratando-se de aprendizagem infantil os professores preci-
sam desenvolver sua sensibilidade em relação aos sentimentos e atitudes do
aluno, a fim compreender o campo psicológico das crianças e promover a a-
prendizagem de forma eficaz.
Fenomenologia existencial
A palavra fenomenologia (Phänomenologie) tornou-se conhecida como o
termo que assinala uma postura filosófica preconizada por Edmund Husserl
(1859-1938). É um movimento que se dedica a descrever as estruturas da ex-
periência como se apresentam à consciência, sem o recurso da teoria, dedução
ou pressupostos de outras disciplinas. Compreende-se a concepção fenomeno-
lógica como tentativa de resgatar o significado original da filosofia que, em de-
terminado período na Grécia, definiu sua tarefa dentro da dicotomia opinião
(doxa) e verdade (epísteme).
Entre as diferentes correntes da psicologia a Fenomenologia Existencial
é, provavelmente, a mais filosófica. É diferente da Psicanálise, que partiu de
uma discussão médica e chegou ao conceito de inconsciente, essa teoria nas-
ceu do debate sobre a relação do homem com o mundo. Surgiu como uma con-
testação ao método experimental e crítica às teorias científicas, particularmente
as positivistas apegadas à objetividade. É contra a crença de que a realidade se
reduz àquilo que é percebido pelos sentidos, considera a noção do cientista so-
bre o objeto que ele pretende conhecer é completamente separada e indepen-
dente. Husserl 148 propõe que o indivíduo suspenda todo o juízo sobre os obje-
tos que o cercam, que nada afirme nem negue sobre as coisas, adotando uma
espécie de abandono do mundo e recolhimento dentro de si mesmo. Tal atitude
é denominada de redução fenomenológica ou epoquê.
Quanto ao aprendizado, os teóricos da fenomenologia dão grande impor-
tância à maneira como o aprendiz percebe a situação em que se encontra, co-
mo vive e como compreende sua própria vida. Além disso, entendem que a cri-
ança aprende naturalmente, que ela cresce por sua própria natureza. A teoria
fenomenológica defende a aprendizagem a partir da própria experiência da cri-
ança, por meio da utilização de material que tenha sentido pessoal para ela e
do aproveitamento do impulso universal para o desenvolvimento das potenciali-
dades pessoais.
Epistemologia Genética
Entre os teóricos da psicologia da educação destaca-se também Jean Pi-
aget (1896-1980), nascido em Neuchâtel, na Suíça. Na maior parte do seu tra-
balho, dedicou-se a estudar a teoria do conhecimento; como ela se desenvolve,
como se estrutura, quais são suas principais características, abordando pro-
blemas relativos à formação da inteligência infantil. Para isso, deixou de lado
148
HUSSERL, E. Investigações Lógicas: sexta investigação. (Elementos de uma elucidação fe-
nomenológica do conhecimento). In: Coleção Os Pensadores. S. Paulo, Abril Cultural, 1980.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 269
estudos tradicionais baseados no método experimental, particularmente apega-
das ao behaviorismo, para criar a Epistemologia Genética, propondo o retorno
às fontes e à gênese do conhecimento, do qual a epistemologia tradicional co-
nhecia apenas os estados superiores, isto é, certas resultantes finais de um
complexo processo de formação. 149
Piaget, 150 apresenta uma série de dados, conceitos e princípios explicati-
vos que têm importante contribuição no campo educativo. Afirma que para o
sujeito conhecer é necessário atuar diante da realidade através das suas a-
ções, na maioria dos casos essa atividade é interna, mental, ainda que se pos-
sa basear em objetos físicos. O conhecimento se organiza através de um es-
quema de ação, de uma estrutura de pensamento que permite repetir a ação e
ser aplicada com ligeiras modificações em outras situações para conseguir ob-
jetivos similares. O esquema é um mediador entre a diversidade e a complexi-
dade do mundo e o sujeito. Essa interação entre o sujeito e o mundo (objeto) é
definida como um intercâmbio constante que se efetua por meio de um jogo a-
tivo de assimilação e de acomodação.
O jogo constante de assimilação e de acomodação faz com que os es-
quemas se modifiquem, variam desde ajustes concretos e momentâneos, a di-
ferenciações, integrações e coordenações que podem gerar totalidades organi-
zadas com uma estrutura bem definida. Portanto, o sujeito vai construindo es-
pontaneamente os seus conhecimentos por meio de interações com a realida-
de que o envolve. O aprendiz aprende sozinho e de maneira natural mediante
as ações que desenvolve em interação com os objetos, os conhecimentos se
constroem ao longo da vida e essa construção adota a mesma progressão para
todos os sujeitos e, assim, Piaget subordina a aprendizagem ao desenvolvi-
mento das estruturas da inteligência. Daí o conceito de construtivismo.
Na visão da educação construtivista de Piaget, a capacidade para apren-
der está relacionada à forma de organização da atividade mental, que se de-
senvolvem em ordem seqüencial, num processo contínuo de construção pro-
gressiva do pensamento lógico. Essas etapas são desenvolvidas sob duplo as-

149
O estudo de PIAGET se estendia ao campo da religião, biologia, sociologia e filosofia. Atra-
vés da biologia suspeitou que os processos de conhecimento pudessem depender dos meca-
nismos de equilíbrio orgânico, convencendo-se de que tanto as ações externas quanto os
processos de pensamento admitem uma organização lógica. Com seus estudos em laborató-
rio, convenceu-se de que o caminho para conciliar a filosofia e a psicologia deveria ser expli-
cado na experimentação. Sua fama mundial foi após desenvolver estudos sobre a criança.
Mesmo sendo nomeado titular de filosofia dando aulas de Psicologia e Sociologia, não deixou
de lado a investigação experimental sobre a lógica e ontologia infantil. Seus primeiros traba-
lhos de epistemologia genética surgiram quando foi professor de história do pensamento cien-
tífico. Seu projeto de elaborar uma epistemologia baseou-se nas ciências positivas concreti-
zando-se em 1955 quando inaugurou o Centro Internacional de Epistemologia Genética (N.
do A.).
150
PIAGET, Jean. A epistemologia genética; Sabedoria e ilusões da filosofia; Problemas de psi-
cologia genética. (Trad. Nathanael C. Caixeiro) 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
270 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

pecto: o motor ou intelectual e o afetivo, os quais são denominados de “está-


gios de desenvolvimento” que são distribuídos de acordo com a idade da crian-
ça: o primeiro (até os 2 anos de idade) é o estágio sensório-motor, caracteriza-
do pela centralização do próprio corpo, objetivação e inteligência prática; o se-
gundo divide-se em dois períodos, o de preparação para as operações lógico-
concretas (2 a 7 anos), e o de operações lógico-concretas (7 anos até a ado-
lescência) esse estágio operacional corresponde ao período da inteligência re-
presentativa e das operações concretas de números, classes e relações; A par-
tir dos 7 anos até a idade adulta, configura-se o estágio da lógica formal ou das
operações representativas, é quando o pensamento lógico alcança seu nível
maior que é o do raciocínio hipotético dedutivo.
No conceito de Piaget a inteligência é adaptação e, sua estrutura muda
através de situações novas, enfatizando o desenvolvimento da criança como
sendo sua adaptação ao ambiente ou ao mundo que a circunda. E, para isso,
utiliza-se de dois componentes: a assimilação (que seria o processo cognitivo
de classificar novos eventos em esquemas existentes) e a acomodação (a mo-
dificação de um esquema ou de uma estrutura em função das particularidades
do objeto a ser assimilado). Sendo que o balanço entre assimilação e acomo-
dação chama-se adaptação.
Outra variável interveniente na teoria de Piaget é a motivação do estudan-
te, onde o educador deve estruturar o ambiente de modo a proporcionar uma ri-
ca fonte de estimulação ao aluno, permitindo que ele se desenvolva no seu
próprio ritmo, guiado pelos próprios interesses de modo bastante livre. Piaget
afirma que a inteligência está ligada à ação e o organismo (a mente) só recebe
uma nova mensagem se estiver “sensibilizado”, ou seja, preparado para rece-
bê-la.
Se a educação, como Piaget sugere, for planejada para permitir que o es-
tudante manipule os objetos do seu ambiente; transformando-os, encontrando
sentido para eles, dissociando-os e fazendo variar seus diferentes aspectos até
adquirir condições de fazer inferências lógicas e desenvolvendo novos esque-
mas e estruturas, o estudante chegará ao conhecimento através de uma se-
qüência de desequilíbrios sucessivos, seguidos de adaptações. Tendo assim o
educador, que se preocupar em dar para o aluno condições de receber novas
informações e operá-las.
Teoria histórico-social
Outra teoria sobre educação que envolve processos de aprendizagem é
do russo Lev Semenovich Vygotsky. 151 Profundamente marcado pelo materia-
lismo-dialético e por concepções sobre a interação entre o homem, a natureza,

151
Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), nasceu em Orsh, Bielarus, país da extinta União
Soviética, onde também faleceu, vítima de tuberculose, aos 37 anos. Vasta foi a sua produção
intelectual, se estendia desde a neurologia até a crítica literária, passando pela psicologia, lin-
guagem, deficiência, educação etc. (N. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 271
a sociedade, o trabalho e o uso de instrumentos. Vygotsky construiu sua teoria
tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo
sócio-histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse
desenvolvimento. Sendo essa teoria considerada histórico-social, sua questão
central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio.
Vygotsky e Luria 152 explicam que na área da percepção, a criança no iní-
cio de sua vida tem apenas sensações orgânicas como tensão, dor e calor,
principalmente nas áreas mais sensíveis. Quando a criança deixa de sofrer in-
fluência desses processos biológicos, passa a perceber a realidade. A percep-
ção da realidade requer processos biológicos como determinantes de experiên-
cia, permitindo que seu organismo passe a ser afetado por fatores externos,
mas só a realidade dos fatores externos não determina completamente essa
percepção. A informação de que esses processos biológicos tornam-se dispo-
níveis no organismo é organizada pela própria criança através de experiência
social e cultural. A criança passa a ver o mundo com sua própria visão, admi-
nistrando sob seu ponto de vista.
Para Vygotsky, 153 a percepção, memória, emoções e causas que são
mediadas socialmente substituem sensações orgânicas e habilita para o conta-
to com o mundo e, o meio social, passa a ser o responsável pela condução da
pessoa para a realização de todas as suas potencialidades.
A concepção de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano é
em base biológica, com peculiaridades que definem limites e possibilidades pa-
ra o desenvolvimento humano. Essas concepções fundamentam sua idéia de
que as funções psicológicas superiores, como a linguagem e a memória, são
construídas ao longo da história social do ser humano, em sua relação com o
mundo. As funções psicológicas superiores referem-se a processos voluntários,
ações conscientes, mecanismos intencionais e dependem de processos de a-
prendizagem.
Vygotsky analisa as relações entre desenvolvimento e aprendizagem sob
dois ângulos: um que se refere à compreensão da relação geral entre o apren-
dizado e o desenvolvimento, que tem início desde o primeiro dia de vida de
uma pessoa; e outro que diz respeito às peculiaridades dessa relação no perío-
do escolar, quando o aprendizado passa a produzir algo fundamentalmente no-
vo no desenvolvimento da criança. Para elaborar as dimensões do aprendizado
escolar, Vygotsky apresenta um conceito novo, zona de desenvolvimento pro-
ximal, e o aprendizado escolar é o responsável maior por sua criação:
... zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desen-
volvimento real, que se costuma determinar através da solução indepen-
dente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado

152
VYGOTSKY, L. S., LURIA, A. R. e LEONTIEV, A. N. Linguagem, Desenvolvimento e Apren-
dizagem. S. Paulo, Editora da USP, 1988.
153
VYGOTSKY, L. - Pensamento e linguagem. SP, Martins Fontes, 1988.
272 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em co-
laboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY).154
Para Vygotsky o aprendizado é considerado como um aspecto necessário
e fundamental no processo de desenvolvimento das funções psicológicas supe-
riores, visto que o desenvolvimento pleno do ser humano depende do que ele
aprende num determinado grupo cultural, a partir da interação com outros indi-
víduos de sua espécie. Nessa perspectiva, é o aprendizado que possibilita e
movimenta o processo de desenvolvimento, garantindo a constituição das ca-
racterísticas psicológicas humanas e culturalmente organizadas.
Vygotsky identifica dois níveis de desenvolvimento: um que se refere às
conquistas já efetivadas, que ele chama de nível de desenvolvimento real, e ou-
tro, o nível de desenvolvimento potencial, que se relaciona com as capacidades
em vias de serem construídas. O nível de desenvolvimento real pode ser en-
tendido como referentes àquelas conquistas que já estão consolidadas na cri-
ança, aquelas funções ou capacidades que ela já aprendeu e domina, pois já
consegue utilizar sozinha, sem assistência de alguém mais experiente (pai,
mão, professor, criança mais capaz etc.). Nas escolas, na vida cotidiana e nas
pesquisas sobre o desenvolvimento infantil, tradicionalmente, costuma-se avali-
ar a criança somente neste nível, isto é, supõe-se que somente aquilo que ela é
capaz de fazer, sem a colaboração dos outros, é representativo do seu desen-
volvimento.
O nível de desenvolvimento potencial se refere àquilo que a criança é ca-
paz de fazer, só que mediante a ajuda de outra pessoa (adultos ou crianças
mais experientes). Nesse caso, a criança realiza tarefas e soluciona problemas
através do diálogo, da colaboração, da imitação, da experiência compartilhada
e das pistas que lhe são fornecidas. Esse nível, para Vygotsky, é bem mais in-
dicativo do seu desenvolvimento do que aquilo que ela consegue fazer sozinha.
A distância entre aquilo que alguém é capaz de fazer de forma autônoma
(nível de desenvolvimento real), e aquilo que ela realiza em colaboração com
os outros elementos de seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial),
caracteriza o que Vygotsky chamou de zona de desenvolvimento proximal. De-
fine funções ainda não amadurecidas, mas que estão em processo de matura-
ção. O conhecimento adequado do desenvolvimento individual envolve, então,
tanto a consideração do nível de desenvolvimento real quanto do potencial.
O aprendizado é o responsável por criar a zona de desenvolvimento pro-
ximal, na medida em que, em interação com outras pessoas, a criança é capaz
de colocar em movimento vários processos de desenvolvimento que, sem a a-
juda externa, seriam impossíveis de ocorrer. Esses processos se internalizam e
passam a fazer parte do seu desenvolvimento individual. É por isso que Vy-
gotsky afirma; aquilo que hoje é a zona de desenvolvimento proximal, será o ní-

154
VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. 4ª. ed., S. Paulo, Martins Fontes, 1991.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 273
vel de desenvolvimento real amanhã, ou seja, aquilo que uma criança pode fa-
zer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã.
As implicações pedagógicas da teoria de Vygotsky são amplas, merecen-
do destaque as projeções para a condução do processo pedagógico que se
constitui num poderoso amparo para o desenvolvimento pleno do aluno. Suas
idéias a respeito da relação entre o aprendizado e o desenvolvimento das po-
tencialidades humanas consideram que a educação antecede o desenvolvimen-
to, embora se realize com base no nível de desenvolvimento já alcançado.
O processo pedagógico deve direcionar-se para a ampliação da zona de
desenvolvimento proximal para que desenvolva as potencialidades de aprendi-
zagem do aluno. Para ampliar a zona de desenvolvimento proximal, o ensino
deve estar voltado não apenas para ações práticas e executivas, mas também
para ações de orientação, que permitam ao aluno, conhecendo a realidade,
propor ações executivas necessárias para a solução de novos problemas. Para
que o ensino alcance seus objetivos, é necessário considerar não somente o
que o aluno já é capaz de realizar sozinho, ou seja, as aquisições já consuma-
das, mas também aquilo que esse conhecimento possibilitou em termos de no-
vas aquisições. O conhecimento das potencialidades deve se constituir não a-
penas numa base para orientar o desenvolvimento daquilo que é o aluno capaz
de desenvolver, mas também nortear ações para que novas potencialidades se
desenvolvam.
Para Vygotsky, a escola deve se comprometer com a condução adequa-
da do desenvolvimento da pessoa, realizando ações pedagógicas que permi-
tam seu desenvolvimento. Para que isso aconteça, é necessário partir da idéia
de que a aprendizagem é um processo de transformação e tem lugar no psi-
quismo humano, realizada através da apropriação das experiências sócio-
culturais acumuladas pela humanidade. Mas que se manifesta através das a-
ções transformadoras do mundo, projetando-se, então, para a produção de um
novo desenvolvimento. Nesse sentido, o processo pedagógico deve ser capaz
de promover, com base nas potencialidades da pessoa, desafios cada vez mai-
ores para que ela possa realizar-se como "sujeito do aprender" e, conseqüen-
temente, como sujeito transformador de seu mundo.
A importância do brinquedo e da brincadeira é um tema bastante explora-
do por Vygotsky, ambos permitem que a criança se projete nas atividades adul-
tas de sua cultura em seus futuros papéis e valores, antecipando o seu desen-
volvimento. Com o brinquedo, a criança começa a adquirir motivação, habilida-
des e atitudes necessárias à sua participação social, a qual só pode ser com-
pletamente atingida com a assistência de seus companheiros da mesma idade
e mais velhos.
Considera Vygotsky que a instrução e o aprendizado na escola são avan-
çados em relação ao desenvolvimento cognitivo da criança, como solução pro-
põe um paralelo entre o brinquedo e a instrução escolar; ambos criam uma zo-
na de desenvolvimento proximal e a criança elabora habilidades e conhecimen-
274 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

tos socialmente disponíveis que passará a internalizar. Durante brincadeiras,


todos os aspectos da vida da criança tornam-se temas de jogos. Na escola, tan-
to o conteúdo do que está sendo ensinado como o papel do adulto que ensina
deve ser cuidadosamente planejado e analisado.
Educação humanista
Em oposição à pedagogia tradicional que tem como valores a disciplina, a
transmissão de conteúdos do professor para o aluno e a memorização, surgi-
ram vários autores propondo novos pontos de vista voltados para a chamada
educação humanista. Um deles foi o norte-americano Carl Ranson Rogers
(1902-1987), nascido em Ilinois, Estados Unidos. Suas idéias, tendo sido pro-
postas inicialmente para o campo psicoterapêutico, foram ocupando espaços
nas Organizações, na Educação, nas Escolas e na Aprendizagem. Com isso
Carl Rogers passa a ser conhecido como o criador do "ensino centrado no es-
tudante" a partir da Abordagem Centrada na Pessoa, que se baseia fundamen-
talmente numa crença na potencialidade interna e num respeito pela individua-
lidade e singularidade humana. 155
Para Carl Rogers o homem deve visto como uma totalidade, um organis-
mo em processo de integração de uma pessoa, na qual os sentimentos e expe-
riências exercem um papel muito importante como fator de crescimento. En-
quanto na educação tradicional, o professor deve se manter o mais distante
possível do aluno, e não deve se envolver emocionalmente, na educação hu-
manística só há aprendizado quando há envolvimento emocional.
O ato de ensinar, no sentido tradicional do termo, não é aceito por Carl
Rogers, pois, implica uma pressão sobre o aluno que é inútil. Os conhecimen-
tos não são comunicáveis, não é o mestre que deve dar algo ao aluno e sim o
aluno que deve descobrir de que precisa, é uma relação de autodescoberta.
Nessa abordagem, o aluno não é um simples depositário de conhecimentos e a
função do professor não é apenas transmitir informações, mas principalmente
criar condições para que os alunos aprendam. Nesta perspectiva, o objetivo da
educação é a realização plena do ser humano e o uso pleno de suas potencia-
lidades e capacidades.
Segundo Carl Rogers, o indivíduo é capaz de dirigir-se a si mesmo, de
encontrar na sua própria natureza o seu equilíbrio e os seus valores e sua alie-
nação consiste em não ser fiel a si mesmo. Para esse autor, somente quando o
homem sente-se incondicionalmente aceito se atreve a aceitar-se como é, e se
abre para o processo de aprendizado. Essa postura não aceita qualquer projeto

155
Rogers, aos doze anos foi morar em uma fazenda e, desde então, passou a interessar-se
pelas ciências naturais e pela agricultura. Graduou-se em Ciências Físicas e Biológicas; for-
mou-se em História e Psicologia. Em 1928, concluiu seu mestrado e, em 1931, obteve o título
de doutor na área de Psicologia. Foi professor em diversas universidades: Ohio, Chicago e
Wisconsin. Suas obras principais foram: (1951) Terapia centrada no paciente. (1961) Tornar-
se pessoa. (1970) Grupos de encontro. (1972) Novas formas de amor. 1977) Sobre o poder
pessoal. (1980) Um jeito de ser. (1983) Liberdade para aprender nos 80 (N. do A.).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 275
social que seja baseado no controle e na manipulação das pessoas, ainda que
isso seja feito com a justificativa de tornar as pessoas mais felizes. As pessoas
devem ser acostumadas desde pequenas a serem autônomas e a assumirem a
responsabilidade das suas decisões pessoais.
Carl Rogers prefere chamar os professores de facilitadores, esse signifi-
cado foi deformado com o tempo e perdeu quase completamente sua expres-
são original. Para muitos, o facilitador é alguém que transfere a responsabilida-
de de aprendizado para o aluno. Exemplos disso são os professores que no
primeiro dia de aula dividem os assuntos pelos diversos alunos e os mandam
depois apresentar o resultado dessa pesquisa (que quase nunca é pesquisa,
mas apenas repetição de idéias de um autor já demarcado).
O facilitador, para Rogers, é alguém que tem confiança na relação peda-
gógica e cria um clima apropriado para a convivência apresentando aos alunos
uma base para que eles possam avançar e aceitar o grupo e cada um de seus
membros como eles são. A aceitação deve ser não só intelectual, mas princi-
palmente afetiva; alguém que se converte em um membro do grupo e participa
ativamente do ato coletivo da aprendizagem. Ou seja, facilitador é alguém que
cria condições para o aprendizado, incentivando os alunos a se aprofundarem
nos assuntos de acordo com seus interesses. É muito diferente de simplesmen-
te deixar os alunos darem aulas no lugar do professor, como alguns têm enten-
dido a proposta humanística.
Carl Rogers mostra que a educação deve ser centrada no aluno, mas que
o professor deve providenciar-lhe uma base que lhe permita aprender. Além
disso, ele ensina a importância da afetividade no processo educacional. Os alu-
nos só aprenderão se for estabelecido um clima de amizade, em que todos se-
jam aceitos com suas próprias características.
Educação como prática política
Outra grade contribuição para se entender o aprendizado e a prática edu-
cativa foi de Paulo Freire, que considera a educação como uma prática política.
Sua pedagogia é conhecida como: Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Li-
berdade, Pedagogia da Esperança. Em seus trabalhos, defende a idéia de que
a educação não pode ser um depósito de informações do professor sobre o a-
luno, como se fosse depósitos bancários. Sugere que seja respeitada a lingua-
gem, a cultura e a história de vida dos alunos, como condição para levá-los a
tomar consciência da realidade que os cerca, discutindo-a criticamente.
Paulo Freire revoluciona os métodos de alfabetizar pessoas adultas u-
sando-se os mesmos procedimentos utilizados com crianças. Seu método parte
do princípio de que é necessário aproximar a cultura ao vocabulário dos alunos,
desvelando-se a realidade subjacente às palavras geradoras em debates. Dos
debates e da força das palavras geradoras, chega-se ao domínio do código es-
crito.
276 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Em seus livros Paulo Freire reflete sobre a alfabetização, criticando a


proposta simplificadora que se limita ao repetir de idéias alheias e à memoriza-
ção de palavras e letras. Na sua concepção, o processo de alfabetizar deve
permitir ao alfabetizando a compreensão do ato de ler, de estudar, ensinando-o
a pensar a partir da realidade social que o cerca, estimulando a prática de um
diálogo gerador de uma reflexão crítica e libertadora. 156
A base da pedagogia de Paulo Freire é o diálogo libertador e não o monó-
logo opressivo do educador sobre o educando. A relação dialógica estabelecida
entre os dois, faz-se com que este aprenda a aprender. Respeita-se o aluno
não o excluindo da sua cultura, fazendo-o de mero receptor da cultura dominan-
te. Ao se descobrir como produtor de cultura, os homens se vêem como sujei-
tos e não como objetos da aprendizagem. Paulo Freire é um educador com pro-
funda consciência social, para ele, mais do que ler, escrever e contar, a escola
tem o compromisso de desvelar para os homens as contradições da sociedade
em que vivem. 157
Em 1958, Paulo Freire, no II Congresso de Educação de Adultos, em
Pernambuco, discute o ciclo de miséria gerado pelo analfabetismo e defende os
meios audiovisuais para alfabetizar adultos. Palavra e imagem se reforçavam a
seu ver, num processo que partia da própria palavra do educando. Usando mé-
todo próprio, iniciou seu trabalho com cinco adultos analfabetos e os alfabetizou
em 30 horas. A partir de pesquisa sobre o domínio vocabular dos alunos, eram
selecionadas palavras geradoras que davam origem a debates, organizando-se
temas de interesse dos alunos. A partir daí, as palavras aliadas a imagens eram
subdivididas em sílabas que, reorganizadas, davam origem a outras palavras.
As breves considerações apresentadas neste livro a respeito de algumas
das principais teorias sobre a educação, a aprendizagem e o desenvolvimento
humano, não invalidam o uso da hipnose como recurso instrucional ou educa-
cional. Por qualquer hipótese teórica aqui sinalizada, a hipnopedagogia pode
acrescentar condições favoráveis para a aprendizagem eficaz e contribuir para
a educação facilitando o ato pedagógico.

156
Principais publicações de Paulo Freire: Educação e atualidade brasileira (1959); Educação
como prática da liberdade (1966); Pedagogia do oprimido (1970); Extensão ou comunicação
(1971); Ação cultural para a liberdade e outros escritos (1976); Cartas a Guné-Bissau (1977);
Educação e mudança (1981); A importância do ato de ler (1982); Sobre educação “diálogos”
(1988); Pedagogia da esperança (1992); Política e educação (1993); Cartas à Cristina (1994);
À sombra desta mangueira (1995); Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática
educativa (1996); Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos (2000); (N.
do A.).
157
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Ed. Paz e Terra, 23ª Edição, 1996.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 277
CAPÍTULO VI - HIPNOTERAPIA E OUTRAS PSICOTERAPIAS

Para o conhecimento mais amplo do que pode ser entendido como hipno-
terapia é importante saber, pelo menos resumidamente, o que diz as principais
teorias que fundamentam as psicoterapias, também incluído aí algumas filosofi-
as de vida e concepções de mundo. A hipnoterapia pode ser lembrada quando
novos conhecimentos reúnem conceitos antigos, ou ainda quando várias cor-
rentes do pensamento se fundem ou se tangenciam, modificando, extinguindo
ou criado soluções para os conflitos humanos através de novas reflexões e teo-
rias. No mundo acadêmico, algumas se tornam mais aceitas em relação às ou-
tras. Rever diferentes correntes de pensadores, expostas na vasta literatura so-
bre o tema, pode ajudar na compreensão da etiologia da hipnose.
Gestalt-terapia
Da teoria da Gestalt, deriva a Gestalt-terapia que é uma filosofia de vida
além de uma prática psicoterápica. É um ponto de interseção de várias corren-
tes do pensamento, suas fontes de influências são: o Humanismo, a Fenome-
nologia, o Existencialismo, a Psicanálise, a análise Reicheana do Caráter, a
Teoria Organísmica de Goldstein, o Taoísmo e o Zen-budismo. Tais correntes
tão diversas possuem ou assumem concepções de vida também diversas ou
antagônicas entre si. Compreender qual a resultante do somatório de contribui-
ções tão distintas é talvez descobrir o ponto de equilíbrio entre a razão e a e-
moção ou o consciente e o inconsciente que norteiam a vida do ser humano.
Os italianos: Francesco Petrarca (1304-1374), Coluccio Salutati (1331-
1406), Leonardo Bruni (1374-1444), Lorenzo VALLA (1407-1457) e Desiderio
Erasmo (1467-1536), lançam as bases do movimento humanista. A partir do
século XIX, pensadores alemães como Ludwing Feuerbach (1804-1872), Karl
Marx (1818-1883) e Friedrich Nietzsche (1844-1900) elaboram concepções filo-
sóficas humanistas. Segundo elas, do ponto de vista moral, o homem deve abs-
trair-se de toda crença religiosa e construir seu futuro com base apenas no po-
tencial humano. No século XX, o humanismo é retomado pelo existencialismo.
A Fenomenologia na perspectiva de Martin Heidegger compreende a ver-
dade com um caráter de provisoriedade, mutabilidade e relatividade, radical-
mente diferente do entendimento que pressupõe a verdade una, estável e abso-
luta. Essa é uma das razões por que se diz que a Fenomenologia é uma postu-
ra ou atitude, é um modo de compreender o mundo e não uma teoria que seria
um modo de explicar o mundo. A Fenomenologia orienta o seu olhar para o fe-
nômeno, ou seja, na relação sujeito-objeto (ser-no-mundo). Isso representa o
rompimento do clássico conceito sujeito/objeto.
O método fenomenológico se define como aquilo que aparece à consci-
ência, que se dá como objeto intencional. Toda consciência é “consciência de
alguma coisa”. Assim sendo, a consciência não é uma substância, mas uma a-
tividade constituída por atos (percepção, imaginação, especulação, volição,
278 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

paixão, etc.), os quais visam algo. As essências ou significações noema são ob-
jetos visados de certa maneira pelos atos intencionais da consciência noesis.
Afim de que a investigação se ocupe apenas das operações realizadas pela
consciência é necessário que se faça uma redução fenomenológica ou Epoché,
isto é, coloque-se entre parênteses toda a existência efetiva do mundo exterior.
As coisas, segundo Husserl, caracterizam-se pelo seu inacabamento, pela pos-
sibilidade de sempre serem visadas por noesis novas que as enriquecem e as
modificam.
A teoria Gestalt assume uma concepção de humano como um ser total,
holístico. Mostra como a compreensão de aspectos isolados deste ser e não
permite ilações sobre o mesmo. Afirma que o ser humano só existe no todo, is-
to é, ele é um ser bio-psico-social e, que só assim pode ser de fato entendido.
O ser humano é este “todo” composto de “partes”, sendo a singularidade da vi-
da individual produto da configuração de cada um, ou seja, de como cada sujei-
to em particular agrupam-se e arranjam-se suas partes. A Gestalt-terapia tam-
bém o compreende assim. Mas acrescenta que o ser humano ao se identificar
com apenas algumas de suas partes, que são valorizadas por ele mesmo ou
pelo meio no qual vive, ao se alienar de outras partes, também suas e que são
vistas como inadequadas, gera em si mesmo um conflito de identificação ver-
sos alienação.
Um exemplo para o conflito de identificação versus alienação seria al-
guém não querer ver o seu próprio egoísmo, então se aliena dele, que para ele
passa a não existir, mas continua nele a agir. A partir desta alienação ou não
percepção, o organismo fica dificultado na sua busca de equilíbrio (homeosta-
se) e na obtenção da auto-realização. Dessa forma, a integração e organização
humanas ficam comprometidas. Para a reversão desta situação faz-se neces-
sário um trabalho de tomada de consciência continuada (awareness continuum)
que colocará o sujeito em contato com as partes que ele alienou, tornando-se
inteiro, e aí, se ele quiser poderá de fato mudar. Esse processo se assemelha,
na forma e no efeito, a terapia praticada pela regressão hipnótica.
Terapia Centrada na Pessoa e Topologia
Também deriva da Gestalt a Teoria de Campo ou Topológica, seu princi-
pal formulador foi Kurt Lewin. De acordo com essa teoria, são as forças do am-
biente social que levam o indivíduo a reagir a alguns estímulos e não a outros;
ou que levam indivíduos diferentes a reagirem de maneira diferente ao mesmo
estímulo. A influência dessas forças sobre o indivíduo depende, em alto grau,
das necessidades, atitudes, sentimentos e expectativas do próprio indivíduo,
pois são estas condições internas que constituem o campo psicológico de cada
um. O campo psicológico seria um ambiente, incluindo suas forças sociais, da
maneira como é visto ou percebido pelo indivíduo.
Entre as teorias convencionais do ambiente acadêmico, torna-se funda-
mental conhecer mais o pensamento de Carl Ranson Rogers, responsável pela
paternidade da Terapia Centrada na Pessoa. Esta terapia, também é chamada
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 279
de Terceira Força, é contra o behaviorismo e tem forte base humanista. Afirma
que o homem apela para a vida por meio de auto-realização, ou seja, o orga-
nismo tem como motivo básico a sua automotivação. 158
Um dos livros mais importante de Carl Rogers é “Tornar-se pessoa”, nes-
ta obra ele afirma que um dos principais objetivos do ser humano é buscar uma
vida mais rica e plena, pois tem o potencial de desenvolvimento, de crescimen-
to e de realização. Para que este processo de auto-realização ocorra o ser hu-
mano precisa ser libertado de suas peias internas e ser capaz de um contato ín-
timo com outras pessoas, sem máscaras, sem jogos. Para tanto, precisa criar
novos projetos, ser cooperativo, receptivo e amoroso.
Carl Rogers, na sua abordagem centrada na pessoa, inicialmente postu-
lou a existência de um processo direcional na vida que denominou de tendência
realizadora. Ele defendeu, ao longo da sua carreira, que o indivíduo traz em si
imensos recursos para a autocompreensão e atualização de seus autoconceitos
e autonomia atitudinal latente. Esse potencial de autocrescimento e auto-
regulação é atualizado, reforçado e ativado quando ocorre fatores motivacionais
que favoreçam a elevação da auto estima.
A terapia centrada na pessoa, não-diretiva ou rogeriana, propõe que o su-
jeito em análise 'fale'. Ele precisa ter oportunidade para refletir sobre o seu 'eu',
revelar a consciência que tem de si mesmo e como avalia o seu próprio com-
portamento. A auto-realização pode ser alcançada pelo treinamento da sensibi-
lidade, em grupos de encontro e exercícios que promovam o crescimento pes-
soal. Indica ainda que entre o cliente e o terapeuta deva existir um clima emo-
cional de cordialidade, apoio e aceitação para que um ambiente seguro seja
instalado. Para tanto, três condições são exigidas do terapeuta nesta relação:
Autenticidade, Aceitação incondicional e Empatia. Resumindo, a tarefa do tera-
peuta é clarificar a vida do seu cliente, funcionando como um espelho.
Teoria de Vygotsky
Neste campo amplo das terapias é necessário também refletir mais o
pensamento de Lev Semenovich Vygotsky. Seu trabalho ocorre na Rússia pós-
revolucionária, quando ele fazia parte de um grupo de estudiosos que, traba-
lhando num ambiente de grande efervescência intelectual, buscava novos ca-
minhos para a sociedade que surgia no período pós-revolucionario, através da
união entre a produção científica e o regime social recém implantado na Rússia.
Vygotsky buscava construir uma nova psicologia, que superasse as ten-
dências do início do século (psicologia como ciência natural ou como ciência da
mente), na qual o homem pudesse ser abordado enquanto corpo e mente, en-
quanto ser biológico e ser social, enquanto membro da espécie humana e parti-
cipante de um processo histórico. Construiu sua teoria tendo por base o desen-
volvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico, enfati-

158
ROGERS, C. R. (1951) Terapia Centrada no Paciente. Lisboa, Moraes Editores, 1974.
280 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

zando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, por


isso, essa teoria é considerada histórico-social.
Trabalhando com vítimas da guerra e da revolução russa, Vygotsky depa-
rou-se com uma variedade de traumas somáticos e psicológicos. Verificou que
esses pacientes poderiam ser tratados com artefatos sociais, como o Braille e a
quirologia, que ajudavam a compensar os prejuízos físicos como a visão e au-
dição. O apoio social torna-se um fator de encorajamento e orientação, com-
pensando as deficiências físicas e psicológicas. Essas compensações permi-
tem ao indivíduo desenvolver suas funções sociais, lendo, comunicando e ar-
gumentando.
De acordo com Vygotsky, fenômenos psicológicos são sociais, dependem
de experiência social e tratamento, eles absorvem os artefatos culturais. Expe-
riência social inclui a maneira como as pessoas estimulam e dirigem entre si, a
atenção, o comportamento padrão, (encorajar, desencorajar), controla movi-
mentos e organiza as relações de espaço entre indivíduos. Artefatos culturais
são sinais, símbolos, condições lingüísticas, industrialização de objetos e ins-
trumentos. Tratamento social e produtos socialmente produzidos geram e ca-
racterizam fenômenos psicológicos.
Teoria de Reich
Identificando-se com a linguagem utilizada na hipnoterapia, outras psico-
terapias usam, dentro do mesmo enfoque, termos que expressam sentimentos
humanos. Entre as técnicas psicoterapicas mais conhecidas, do ponto de vista
da emoção, elevação da auto-estima, valorização do corpo através de constan-
te processo sugestivo, a obra do médico e naturalista Wilhelm Reich (1897-
1957) é a mais completa.
A teoria de Reich é um apelo constante a uma volta ao corpo, a uma
compreensão do que chamou de bioenergia das emoções (organobiofísica), a
uma visão mais ampla e aberta da sexualidade, a uma compreensão do corpo
como uma totalidade. As lembranças devem ser acompanhadas dos afetos li-
gados a estas lembranças e o corpo deve estar presente no ato psicoterapêuti-
co.
Reich descreveu a contração da musculatura corporal como sendo o ato
habitual de repressão, para ele a repressão dos desejos manifesta-se na con-
tração seletiva dos músculos. A terapia é então devotada ao afrouxamento des-
ta rigidez corporal, de forma a liberar a excitação para o comportamento natural
que o indivíduo havia reprimido e o restabelecimento da função orgástica é o
foco principal da terapia. 159 Estas idéias lembram em certa medida uma mes-
cla da teoria de Mesmer (energia) e de Freud (sexualidade).
Embora Reich tenha circulado pelas mais variadas áreas do conhecimen-
to, como a Psicanálise, a Epistemologia, a Sociologia, a Antropologia, a Biofísi-

159
POLSTER, E. & POLSTER, M. Gestalt-terapia integrada. Belo Horizonte, Interlivros, 1979.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 281
ca, a Física etc., o fio condutor de sua pesquisa sempre foi investigar o que de-
nominou de processos energéticos básicos. Inicialmente, nos domínios psíquico
e social; depois, na dimensão biofísica e, por fim, no território cósmico.
Reich desenvolveu ampla pesquisa sobre o que acreditou ser “processos
energéticos primordiais e vitais”. Iniciou seu trabalho na década de 1920, tendo
como principal objeto de estudo o funcionamento da "bioenergia" ou "a função
bioenergética da excitabilidade e motilidade da substância viva". O encaminha-
mento do seu trabalho conduziu-o à hipótese de que existe uma "força básica”
que atua não só nos seres vivos, mas também no cosmos. Segundo acreditam
seus seguidores, esse tipo de energia foi experimentalmente comprovado por
Reich no período 1939-1940 e, então, nomeado como "energia orgone cósmi-
ca". Tudo isso, parece, relembra a teoria de Mesmer.
Com a teoria de Reich, nasce a Orgonomia, que se dedica ao estudo das
manifestações da energia orgone no micro e no macro cosmos, no vivo e no i-
nanimado. Reich desenvolve sua teoria em várias dimensões, trabalha nisso
por mais dezoito anos (até sua morte, em 1957). Suas principais publicações
são no campo da Orgonoterapia, da Física, da Astrofísica e Biofísica Orgone,
na Pedagogia Orgonômica e na Orgonometria. O termo "orgonomia", além de
indicar um novo conhecimento, expressa, também, o conjunto da produção in-
tectual reichiana.
Simultaneamente à pesquisa sobre os processos energético-vitais, Reich
elaborou no decorrer de seu percurso três técnicas terapêuticas: a análise do
caráter (1923-1934), a vegetoterapia caractero-analítica (1934-1939) e a orgo-
noterapia (1939-1957), e também, elaborou um novo método de pensamento e
pesquisa (o Funcionalismo Orgonômico), uma técnica de ordenação das fun-
ções naturais, que associa as dimensões qualitativas e quantitativas na pesqui-
sa orgonômica (a Orgonometria).
Teoria organísmica
Com o pensamento de Kurt Goldstein 160 nasce a Teoria Organísmica,
que compreende o homem como um ser em busca de equilíbrio (homeostase)
para a obtenção da auto-realização. Goldstein, estudioso da neurologia, chegou
à conclusão de que um sintoma não podia ser considerado ou compreendido a
partir apenas de uma lesão orgânica, senão a partir da consideração do orga-
nismo-como-um-todo, o organismo é uma só unidade, o que ocorre em uma
parte, afeta o todo.
A Teoria Organísmica assume que: 1) a pessoa é una, integrada e con-
sistente; 2) o organismo é um sistema organizado, com o todo diferenciado em
suas partes; 3) o ser humano possui um impulso dominante de auto-regulação
pelo qual é permanentemente motivado; 4) o ser humano tem dentro dele as
potencialidades que regulam seu próprio crescimento, embora possa e receba
influências positivas de crescimento do meio exterior, as quais ele seleciona e
160
GOLDSTEIN, K. The organism. N. York, American Book Co, 1939.
282 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

utiliza; 5) a utilização dos princípios da Psicologia da Gestalt, enquanto funções


isoladas, como percepção e aprendizagem, ajudam na compreensão do orga-
nismo total (holístico).
São conceitos dinâmicos de Goldstein: a) equalização e centragem como
processo de redistribuição de energia pelo organismo, que o leva a um estado
de tensão normal; b) a auto-realização como o motivo único do organismo, ou
seja, é o princípio orgânico pelo qual o organismo se desenvolve plenamente;
c) Composição, “por-se de acordo” com o ambiente, harmonização do organis-
mo compondo-se com o ambiente e, a partir daí, num segundo momento, so-
breposição aos problemas que surgem a partir do contato com o mundo. Para
Goldstein o ser humano se compõe com o ambiente e ou redistribui intensa-
mente sua energia pelo organismo.
Filosofia fenomenológica
Uma grande contribuição para o fortalecimento das teorias que tentam
compreender a essencialidade do ser humano e facilitar a percepção da subje-
tividade das ações do inconsciente, foi a do filósofo Edmond Hesserl. Enfrenta
o Psicologismo na tentativa de restaurar a filosofia e a "lógica pura" como forma
de respostas para as questões humanas. Pretende que a Filosofia se liberte do
psicologismo utilizando-se da observação e da sistematização, próprias do po-
sitivismo, no estudo de seus objetos ideais. Mais tarde ampliou a fenomenolo-
gia à totalidade do pensamento, criando, com o método fenomenológico, uma
"filosofia fenomenológica" afirmando que os objetos ideais têm realidade, exis-
tem na mente humana como fenômenos mentais, podem ser examinados e
classificados. São como os universais de Platão, que existiam apenas no "mun-
do inteligível", fora do alcance do homem. O objeto não precisa existir no mun-
do real, é bastante existir apenas no mundo ideal para ser pesquisado.
Husserl definiu a fenomenologia em termos de um retorno à intuição e a
percepção da essência e não da existência das coisas. Mais, a ênfase de Hus-
serl sobre a intuição deve ser entendida como uma refutação de qualquer abor-
dagem meramente especulativa da filosofia. Sua abordagem é concreta, trata
do fenômeno dos vários modos de consciência e de percepção das coisas. Na
filosofia fenomenológica, o que deve o filósofo examinar é a relação entre a
consciência e o Ser, e, ao fazê-lo, ele precisa se conscientizar de que, do ponto
de vista da epistemologia, do conhecimento, o Ser somente é acessível a ele
como um correlato do ato de consciência.
Alguns fenomenologistas também salientam a necessidade de se estudar
os modos pelos quais os fenômenos aparecem na consciência intencional (di-
recionada ao objeto) do homem. Mas, a fenomenologia não restringe seus da-
dos à faixa das experiências, admite em igualdade de termos dados não sensí-
veis (categoriais) como as relações de valor.
Femonomenologia não é o fenomenalismo, este não leva em conta a
complexidade da estrutura intencional da consciência que o homem tem dos
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 283
fenômenos. A fenomenologia, diferentemente do fenomenalismo, examina a re-
lação entre a consciência e o Ser. Dentro da filosofia, os críticos da fenomeno-
logia são principalmente os existencialistas, que em muitos aspectos são feno-
menologistas, mas consideram a existência humana imprópria para análise e
descrição fenomenalógica, porque isto significa tentar objetivar o não objetivá-
vel. Na psicologia, a objeção é contra a possibilidade de se viver com o pacien-
te sua própria visão do mundo, de sua situação e de si mesmo. Para isso é ne-
cessário que o terapeuta tenha uma intuição desses aspectos inteiramente livre
do seu próprio eu, do seu próprio pensar, o que é pouco provável.
Através de onze volumes da publicação Jahrbuch für Philosophie und
phänomenologische Forschung (1913-30), o movimento fenomenológico toma
forma, do qual Husserl foi o principal autor. Esse movimento influiu não somen-
te sobre filósofos, mas também psicólogos e sociólogos. Os existencialistas que
o seguiram foram, principalmente, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Mauri-
ce Merleau-Ponty que se intitularam fenomenologistas.
Heidegger dedicou a Husserl sua obra fundamental, Sein und Zeit (1927);
"O Ser e o Tempo". Foi seu discípulo, mas logo surgiram diferenças entre ele e
o mestre. Sartre segue estritamente o pensamento de Husserl na análise da
consciência em seus primeiros trabalhos, L'Imagination (1936) e L'Imaginaire:
Psychologie phénoménologique de l'imagination (1940), nos quais faz a distin-
ção entre a consciência perceptual e a consciência imaginativa aplicando o
conceito de intencionalidade de Husserl. No livro Psychologie von empirischen
Standpunkte (A Psicologia de um ponto de vista empírico), de 1874, Franz
Brentano afirma, como também Husserl, que os objetos dos fenômenos psíqui-
cos independem da existência de sua réplica exata no mundo real.
Filosofias orientais
Grandes pesadores orientais, distante e antecedente da preocupação
com o pensamento lógico-científico do mundo ocidental, também contribuem
para a compreensão do que pode ser determinado como terapia holística. O
hinduísmo, o budismo e o taoísmo que, em especial, se interessa pela sabedo-
ria intuitiva e não pelo reconhecimento racional.
A filosofia oriental chamada taoísmo admite a verdade do mundo objetivo
ao mesmo tempo em que também proclama uma visão holística. Ao explorar a
natureza da consciência e do universo, enfatiza que o mundo das aparências é
complementado por outro, o do não-ser, e que por trás desses dois mundos há
outra realidade ainda mais profunda, chamada Tão, um conceito fugidio, que só
pode ser aprendido de modo indireto e paradoxal. A pessoa iluminada, segundo
o texto básico do taoísmo, o tão-te Ching, “age sem ação, faz sem fazer” En-
tende que “ceder é ser preservado inteiro. Curvar-se é ficar ereto. Estar vazio é
estar repleto. Desgastar-se é renovar-se.
O Taoísmo, com suas raízes provenientes da cultura chinesa, tem como
elemento primordial o Tao que se define como a causa primeira e fundamental
de tudo. O Tao é invisível, ainda que através dele se manifeste o mundo; sem
284 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

forma, ainda que permeie todas as formas. Definindo o que pode ser entendido
como Tao, assim se refere o escritor taoísta Lao-Tsé: 161
O Tao é como um grande rio cósmico que flui através de todas as coisas.
É o caminho, a verdade e a meta. É a integração dinâmica do Yin e Yang,
do positivo e do negativo, do macho e da fêmea. É a mãe de todas as coi-
sas (LAO-TSÉ ).
Para Lao-Tsé, o homem perfeito é quem aprende a fluir com o Tao. Ele é
liberto do Ego e do mundo, vive em paz total e harmonia, não empurra os acon-
tecimentos, mas deixa a onda cósmica levá-lo. Lao-Tsé deu várias instruções
sobre como viver melhor, mas reconheceu que a mais importante mudança do
ser humano é interna, é a mudança de consciência:
Quando um letrado da mais alta classe ouve falar do Tao, ele o segue com
zé-lo. Quando um letrado médio ouve falar do Tao, em certos momentos o
segue, em outros o perde. Quando os letrados da mais baixa classe ou-
vem falar do Tao, riem-se dele. Mesmo que não se riam isso não significa
que o sigam. Há uma tradição antiga que diz: O Tao iluminado para muitos
é obscuro (LAO-TSÉ).
A concepção do ser humano subjacente ao taoísmo é a de um ser que
para se realizar deve torna-se integrado, isto é, suas forças conflitantes devem
ser trazidas ao balanço e harmonia. Assim ele passa a ser centrado, o que re-
sulta em um estado espiritual de esclarecimento. Os taoístas preconizam a in-
tegração humana, isto é, a assimilação por parte do homem de todas as coisas
disponíveis e que conformam o Tao. Mostram que, fundamentalmente, a inte-
gração se dá através de uma mudança interna que denominam de consciência,
e frisam o desapego egoísta para que, em paz e harmonia, o homem possa ser
levado pela “onda cósmica”.
Contribui com o pensamento do Tao, o Zen, ou doutrina do coração de
Buda, introduzida na China pelo monge Bodhidharma, um dos grandes refor-
madores do budismo tradicional. Possui três escolas principais: As duas primei-
ras são Soto, Obaku, que enfatizam a meditação ou o Zen sentado; considera
que para o ser humano evoluir, a coisa mais importante é sentar e meditar. A
terceira escola é Rinzai, enfatiza o Koan que é uma frase oferecida a cada dis-
cípulo, de acordo com a sua natureza. Essa frase é muitas vezes alógica ou até
risível. Exemplo: quando se bate com uma mão de encontro com a outra se ou-
ve um som, mas não se sabe qual é o som produzido por uma mão só. Os Ko-
ans não são apenas enigmas ou observações misteriosas, através disso objeti-
vam impulsionar o discípulo até o limite último da reflexão a fim de obter os se-
gredos da mente.
O Budismo de feição Zen 162 estima e valoriza o despojamento, a simpli-
cidade, a naturalidade, o gosto por paradoxos e pelos “koans”. Concebe a ilu-

161
LAO-TSÉ. O livro do caminho perfeito, S. Paulo, Pensamento, 1990.
162
SUZUKI, D. C. Introdução do Zen-budismo. S. Paulo, Pensamento, 1969.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 285
minação como uma necessidade que o ser humano tem de dar sentido à sua
própria existência. O Zen é uma técnica que adota alguns recursos como o uso
do paradoxo, da ultrapassagem dos opostos, da contradição, da afirmação e da
repetição. O objetivo último da disciplina Zen é a aquisição do satori, isto é, a
adoção de um novo ponto de vista para olhar a essência das coisas. Não con-
siste em produzir uma condição pré-determinada, por pensar-se intensamente
nela, mas sim adquirir um novo ponto de vista ao olhar para as coisas.
A sentença que talvez se aproxime do pensamento Zen é: “pouco adianta
falar, muito menos escrever. Os pássaros cantam e o sol surge diariamente,
sem explicações. Assim deve ser em todas as coisas. Simplesmente”. Allan
Watti, em Meaning of Happinen, fala do Zen e, metaforicamente, refere-se a al-
guém que querendo examinar o vento, prendia-o em uma caixa, e o que tinha
não era mais vento e sim ar estagnado. Para os Zen-Budistas o Zen não se ex-
plica, é alógico, mas pode ser percebido.
A concepção de homem implícita no Zen é a de um ser em busca de ilu-
minação. De alguém que precisa aprender ou reaprender a lidar consigo e com
o mundo de uma forma mais plena e total, para que possa, de fato, ser e en-
contrar a si mesmo e o mundo. Para os Zen-budistas a busca da iluminação
consiste em, simplesmente, viver a vida com a consciência do momento pre-
sente, com a consciência do aqui e agora, sem preocupações com o depois
que acontecerá naturalmente, simplesmente, como tem de acontecer.
Outras concepções
De quase tudo que foi visto até aqui, parece que pouco ou nada se dife-
rencia dos objetivos ou se afasta da prática da terapêutica da hipnose pura. Tu-
do gira em torno do ser humano holístico, integrado, sereno, que precisa esta
constantemente em busca de si mesmo. E “o si mesmo” pode ser entendido
como um lado da mente, conceituado de inconsciente, responsável por uma
subjetiva metade de cada pessoa em particular, a qual o próprio sujeito não co-
nhece conscientemente, e que às vezes o surpreende quando pratica determi-
nadas ações, sem saber conscientemente por que está praticando. Seria este
lado obscuro que se manifesta através de complicados mecanismos de crença
e convencimento.
Impregnada pela fusão de várias correntes do pensamento, no final do
século XX, a terapia pela hipnose aparece, desaparece e reaparece com
diferentes nomes, explicações e concepções, uma verdadeira babel de
conceitos. Para explicar a hipnoterapia são embutidos diversos títulos como
Energia Cósmica, Energia do Corpo e da Mente, Luz e Força interior,
Relaxamento, Poder do Subconsciente, Ser Interior, Curas Subconscientes e
Psicotranse entre outros. Também ocorre perfeita identidade, tanto de
princípios como de métodos e de conceitos, em livros que tratam de Terapia
por Vidas Passadas, Projeções do Corpo Astral, Inteligência Transcendental,
Dianética, Neuro-Lingüística e tantas outras concepções e temas que embute a
hipnose que seria impossível de enumerar.
286 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

É pelo menos curioso porque, na sua maioria, autores que tratam de


novos temas não revelam sua proximidade ou não lhes associam à hipnose
que, em síntese, em sua maioria parece ser o sutil substrato dos seus
conteúdos. Quando confrontados com outras leituras, parece que esses novos
títulos são produzidos a partir de compilações e plágios, das idéias clássicas e
isoladas que sustentam as explicações do magnetismo, do mesmerismo, do
hipnotismo e da sugestão.
Quando novos títulos são analisados aparecem facilmente semelhanças
com formas antigas de interpretação dos fenômenos hipnóticos. Concepções e
termos já superados reaparecem como o efeito magnético, fluido energético
e/ou astral, influência de metais, espíritos e até demônios. Tudo leva a crer que
autores modernos pensam que renomeando a hipnose, ou associado-a com
novos conceitos, conquistem dos leitores maior atenção ou maior credibilidade
que até então, injustamente, não lhe concedeu a ciência e, por isso, negam
propositadamente o seu verdadeiro nome.
A hipnose reaparece com maior ou menor intensidade de tempos em
tempos. Ressurge na maioria das vezes com nomes diferentes, porém, basi-
camente sem mudanças nos resultados e na sua forma prática. Isto aconteceu
também na época dos grandes clássicos, em cada época foi reconhecida com
nome diferente. Passou pela fase da prática exorcista, da ação do magnetismo,
da força mágica ou misteriosa, da energia vital, da energia universal e ou cós-
mica, além de várias outras concepções, conceitos e crenças.
No Brasil, entre 1950 a 1960, por influencia da escola russa, a hipnose
ressurgiu fortemente com o nome de Letargia. Durante esse período eram co-
muns apresentações públicas dos efeitos da Letargia e múltiplas eram as expli-
cações. Embora, do ponto de vista prático, fosse pequena a diferença entre o
que se via e o que aconteceu no passado mesmo remoto. Sempre o mesmo
transe, a mesma sintomatologia, os mesmos efeitos, independentemente da
forma como é provocado, explicado, entendido ou aplicado.
Krasner e Ullmann 163 defendem que os termos que foram atribuídos à
hipnose, durante sua história, são metáforas. Em cada época essas metáforas
tiveram uma vida, declinaram e morreram porque foram substituídas por
metáforas mais de acordo com o vocabulário corrente, com o pensamento
dominante, seja na cultura popular ou no ambiente acadêmico. Parece que
cada termo novo que se aplica para representar ou explicar a hipnose, busca a
credibilidade por ser o novo nome mais coerente com o momento histórico
social no qual se vive, ora inclinado para a ciência, ora a religião ou filosofia.
Não importa a veracidade da explicação ou a lógica que se dê, o importante é
convencer, uma vez que alguém é convencido de sua possibilidade, o
fenômeno hipnótico ocorrerá no indivíduo que acreditou.

163
KRASNER, e ULMANN. Modificações de comportamento, S. Paulo, ed. EPU, 1983.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 287
CAPÍTULO VII - AUTO-HIPNOTERAPIA

Cada indivíduo possui sua singularidade na forma de ser, de viver e de


reagir no meio da confusão de modelos que são apresentados como solução
para os mais diferentes problemas existenciais. O maior conflito é que esses
modelos não representam sua própria idéia, e aí vem o questionamento e a
formação de opiniões, tornando-se mais angustiado na busca de suas próprias
opções para descobrir alguma maneira de viver melhor. A mudança da
qualidade de vida só acontece quando entra em contato consigo mesmo,
quando amplia sua forma de ver a si, de redefinir o sentido das coisas e do
mundo, de melhor se relacionar com as outras pessoas. Para que isso seja
possível é necessário um processo de grande reflexão, de mergulho dentro de
si mesmo. Para tanto a auto-hipnose é um meio próprio, promove esse
processo e não custa nada, porque é próprio de cada um, é só por em prática.
As pessoas buscam conhecer a hipnose por curiosidade ou para ampliar
o conhecimento sobre o assunto, mas podem procurar também como forma
alternativa para alivio de um sofrimento. Neste caso geralmente antes procurou
um médico e não teve uma doença definida ou um tratamento indicado e outras
soluções também foram buscadas, como amigos para conversar, viagens,
filosofias ou religiões que, em suas concepções mais variadas, pareciam ser a
melhor solução para o seu problema. Esgotadas as alternativas, sem resultado
positivo, a hipnose é lembrada e um hipnotista é procurado.
Quando depende de um hipnotista, a hipnose é uma solução que vem de
fora e pode não satisfazer plenamente como resposta porque, para algumas
pessoas, se sua dúvida ou necessidade é satisfeita, surge outra; precisa-se de
amor, vem o desejo, se vence o desejo, vem a insegurança, se vence a
insegurança, vem a ansiedade, e outras dúvidas ou necessidades vão-se
sobrepondo. Ocorrendo isso, só o próprio interessado poderá construir, de
forma completa, uma solução para seu problema e a auto-hipnose entra em
cena. Em princípio, na primeira, segunda e, no máximo, numa terceira sessão
pode até ser induzida por um hipnotista, mas as sessões posteriores devem
ocorrer por iniciativa e conta exclusiva do hipnotizado, como explica Émile
Coué: 164
Não imponho coisa alguma a ninguém. Apenas auxilio as pessoas a fazer
aquilo que desejariam e que elas se julgam incapazes de fazê-lo. Não é
uma luta, e sim, uma associação que se exige entre elas e eu. Não sou eu
quem age, mas uma força que nelas existe e da qual eu lhes ensino a se
utilizarem (COUÉ).
As pessoas não estão habituadas a confiar na existência do grande
potencial que pertence a cada uma em particular, que desde a origem trazem

164
COUÉ, E. Auto-sugestão consciente - que digo e que faço - O domínio de si mesmo. RJ, Mi-
nerva, 1956.
288 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

dentro de si para ser usado em benefício de sua evolução. Desde criança,


sempre foram condicionadas a colocar a atenção para fora, no mundo exterior
e, é esta uma das razões por que a maioria dos seres humanos funciona muito
abaixo de suas reais condições de potencialidade. Foram acostumadas a
esperar as soluções dos outros e não buscar respostas em si mesmo, em sua
própria dimensão interior. Esta dimensão pode ser o que, às vezes, é chamada
de alma, mente, espírito, consciência ou outra rotulação qualquer. Mas, é certo
que esta dimensão existe; descobrindo como usá-la pode ser eliminada a
dependência de soluções externas.
A dependência externa é que explica, em parte, a necessidade que tem
a maioria das pessoas de viverem buscando através de religiões ou filosofias
soluções ou explicações para seus conflitos. Enquanto buscam, as respostas
estão bem perto, estão em seu próprio íntimo, na força interna que determina o
seu modo de vida. A auto-hipnose estimula essa capacidade inata de autocura,
presente em qualquer pessoa para melhorar seus estados orgânicos e emo-
cionais.
Os seres humanos passam a vida toda analisando situações, fazendo
julgamentos sobre as coisas que os cercam. Mas, nenhuma dessas conjecturas
é mais importante que aquela que fazem sobre si mesmo, quando pensam
como funcionam interna e externamente, na forma como vivem e se relacionam
com o mundo, sobre como manter a saúde física e mental equilibrada. Neste
sentido é a afirmação de Lao-Tsé. 165
Aquele que sabe muito sobre os outros pode ser instruído, mas aquele que
se compreende é mais inteligente. Aquele que controla o outro pode ser
mais forte, mas aquele que se domina é ainda mais poderoso (LAO-TSÉ).
Usada eficazmente, a auto-hipnose pode ser uma ferramenta poderosa,
efetuando as modificações necessárias para reeducar a mente, que passará a
pensar de uma maneira nova e saudável. Com ela pode ser desenvolvida e
utilizada ao máximo a potencialidade e modelar o próprio destino. As pessoas
podem escolher como querem ser e, para isso, não dependem de soluções
externas, não necessitam de ser conduzidas, pelo contrário, podem e devem
conduzir o seu próprio destino. São poucos os que sabem fazer uso adequado
deste poder que possuem, sobretudo quando não sabem por onde começar,
nem como fazer.
A ajuda de outras pessoas parece uma solução muito cômoda, mas, às
vezes, limita a capacidade de reagir em situações simples. Procurar dentro de
si aquela força, aquela determinação que resulta na segurança para o
enfrentamento das dificuldades e superar as próprias deficiências, as próprias
frustrações. Nada impede que, sem desprezar outras formas de ajuda, todos
façam a sua parte para a solução de muitos dos seus próprios problemas.
165
Afirmação filosófica atribuída ao chinês Lao-Tsé, escrita por Tao-Te King. O nome de Lao-
Tsé é também escrito como Lao-Tzu, e o de Tao-Te King como Tao Te’Ching, (WELHELM,
Richard. O Livro do caminho perfeito, S. Paulo, Editora Pensamento, 1982).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 289
Muitas pessoas tornam-se mais infelizes ao se apoiarem excessivamente
em objetos, pessoas ou sistemas. Mas, quando se apóiam em alguma coisa
externa, inibe e limita a sua própria capacidade de se auto-ajudar. Se alguém
for carregado, não terá necessidade de movimentar as próprias pernas, deixará
de utilizar a sua capacidade total e ficará cada vez mais dependente, tornando-
se cada vez mais vítima fácil de inúmeras dependências. Em resumo, a vida
deve ser desenvolvida por cada um, sob sua responsabilidade.
Quando o individuo concentra a atenção para dentro de si constata que
muitas soluções dependem unicamente dele mesmo, verifica que o mundo
exterior é conseqüência do seu mundo interior e vice-versa. Descobrindo o seu
lado inconsciente, descobre quem é e como pode ser conscientemente. Isso é
possível com a auto-hipnose, uma ferramenta que pode promover o
autoconhecimento. Praticar auto-hipnose é uma forma de compreender como
usar mais e melhor o próprio potencial, é um mecanismo que permite o
aumento da autoconfiança e do auto-respeito, dois componentes básicos da
auto-estima.
A auto-hipnose revela o inconsciente e, desta revelação, se pode obter
benefícios em várias áreas, no sentido de alcançar maiores resultados
profissionais, saúde física e mental, maior controle emocional, enfim, melhor
qualidade de vida. Permite superar com facilidade as chamadas doenças
psicossomáticas, vencer a insônia, o medo, o cansaço, a tensão e o estresse.
Pode ser melhorada a memória, a concentração e, ainda, aprender a superar
hábitos indesejáveis. Também pode eliminar fobias, ansiedade, insegurança,
desenvolver a criatividade, a intuição e a capacidade para programar e ampliar
a auto-estima e o prazer de viver.
É através das técnicas de hipnose ou da auto-hipnose que é despertada e
ampliada a programação da função inconsciente de revelar soluções, utilizando
mais e melhor os conhecimentos que estão nele armazenados. Este processo
mental livra o indivíduo da crítica excessiva do seu próprio consciente e permite
que a intuição possa fluir com mais facilidade. Para que isso ocorra, é
necessário que se vença a preocupação por alguns instantes, é preciso relaxar
a mente para que as melhorias possam ser programadas pelo inconsciente.
Quando uma pessoa está muito preocupada com determinado problema
e esgota os caminhos convencionais para a solução, deve deixar de pensar no
caso por algum tempo e a solução poderá aparecer de repente. Enquanto se
pratica outra coisa, o inconsciente digere o problema e revela as saídas. Sobre
isso conta a história, Einstein dizia que pensava 99 vezes e nada descobria,
mas, deixava de pensar e a verdade era revelada; nestas horas ele tocava
violino. Churchill era menos musical e preferia empilhar tijolos. Gandhi
costumava tecer. Beethoven fazia longas caminhadas. Sherlock Holmes, o
famoso detetive dos livros de Conan Doyle, levava seu companheiro Watson a
um concerto sempre que a trama que teria de desvendar se tornava
complicada. Quando o problema for difícil, deve-se relaxar e deixar o
290 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

inconsciente trabalhar. O relaxamento é o preâmbulo da auto-hipnose, passo


decisivo para a busca de soluções.
Cada vez mais vem se tornando consenso, entre a cultura popular e o
conhecimento acadêmico, quanto à necessidade de tranqüilizar a mente como
forma de tratamento de doenças. Neste caso, além de relaxar, o mais
importante é o tipo de pensamento que se nutre e, mudar a forma de pensar,
pode ser a superação de problemas da saúde. Louise L. Hay 166 defende a tese
de que o pensamento cria o futuro e norteia a vida, alerta que todos sofrem de
culpa e ódio voltados contra si próprio e que a frase presente na maioria das
pessoas é “sou incapaz”. Diz Hay, isso é apenas um pensamento e um
pensamento pode ser modificado, a crítica, a culpa e o ressentimento, são
padrões de pensamento prejudiciais, removê-los representa cura para muitas
enfermidades:
Quando realmente amamos a nós mesmos, tudo na vida funciona.
Devemos nos libertar do passado e perdoar a todos. Devemos estar
dispostos a começar a aprender a nos amar. A auto-aprovação e a auto-
aceitação no agora é a chave para mudanças positivas. Cada uma das
chamadas “doenças” em nosso corpo é criada por nós (HAY).
Lembrando a crença, bastante difundida, de que as doenças só se
manifestam quando pensamos nelas, Hay afirma que cultivar pensamentos
negativos é um passo para a evolução de doenças ou sentimentos nocivos. Diz
que é preciso haver uma perfeita sintonia entre a mente e o corpo e, se a saúde
não anda bem as razões deve ser buscada no desequilíbrio dessas duas
forças, não bastando o ataque frontal a determinada doença. Lembra ainda, a
possibilidade de doenças que têm seus sintomas agravados por pensamentos
que são acumulados durante longo tempo e reagem negativamente no
organismo. Segundo Hay, a mente gera as doenças físicas:
Não se pode mais ignorar que o pensamento e a fé influenciam a saúde da
pessoa, assim como seu destino pode ser determinado por aquilo que ela
tem inconscientemente como objetivo de vida (HAY).
Os pensamentos tornam-se ações e ações tornam-se hábitos que traçam
o destino, são os alimentadores do estado físico e mental e, parece verdade
que os pensamentos que as pessoas mais utilizam compõem o quadro de suas
vidas. Se o pensamento reflete conflitos, a vida será cheia de dificuldades, se
reflete esperança, a vida será cheia de realizações. A auto-hipnose é um
instrumento que dará o suporte que permitirá ao indivíduo mudar a forma de
pensar. Facilitará a compreensão dos conteúdos que lhe causa o transtorno, o
que poderá levá-lo a uma reorganização pessoal quanto a valores, aprender a
conviver com perdas, frustrações e descobrir outras fontes de gratificação na
sua relação com o mundo.

166
Hay relata como despertar idéias positivas, superar doenças e viver plenamente (HAY, Loui-
se L. Você pode curar sua vida, S. Paulo, Ed. Best Seller, 1996).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 291
Muitas vezes, estranhos pensamentos negativos e destrutivos surgem na
mente, mas devem ser imediatamente cortados, rejeitando toda intromissão
pessimista incisivamente, decisivamente. Assim também deve acontecer com
maus sentimentos com temores, intrigas, ódios. A vida começa a mudar de
dentro, não de fora, cuidando da qualidade da prática de pensar, ter reações e
sentir emoções. Também o medo, a ignorância e a superstição afastam a
saúde, a felicidade e a paz.
Para reorganizar a vida e ser merecedor de bem-estar é preciso ter
pensamentos positivos, amorosos, perdoar os outros e ter sentimento de
carinho. A escolha dos tipos de pensamentos que vai alimentar o inconsciente
determina o modo de viver. Se escolher a raiva, a agressão e o ressentimento
será merecedor apenas de mais raiva, mais agressão e mais ressentimentos.
Para alguém ser merecedor de alegria, é preciso pensar em alegria, assim
como para sentir paz e calma é preciso alimentar o inconsciente de
pensamentos pacíficos.
Em muitos momentos da vida, uma pessoa pode viver em situações
difíceis e de sofrimento tão intenso que pensa que algo vai arrebentar dentro de
si, que não vai suportar, que vai perder o controle sobre si mesmo, fica a ponto
de acreditar que vai enlouquecer. Isto pode ocorrer quando se perde alguém
muito querido, em situações muito estressantes, em situações em que o
indivíduo se vê com muitas dúvidas e não percebe a possibilidade de pedir
ajuda, em casos nos quais deverá resolver sozinho tal problema. A pessoa,
então, busca a superação desse sofrimento, o restabelecimento de sua
organização pessoal e de seu equilíbrio, isto é, o retorno àquelas condições
anteriores de rotina de sua vida, em que não tinha insônia, não chorava a toda
hora, não tremia o corpo de forma injustificada. Não é possível apenas se falar
de doença física nesses casos e a auto-hipnose pode ser uma boa ajuda.
Quando alguém se encontra numa situação infeliz, a auto-hipnose pode
permitir o entendimento de que isso não passa de uma situação transitória ou
de um equívoco e logo acabará melhorando. O importante é perceber que a
situação ruim é momentânea e mesmo que não se verifique uma melhora
imediata, jamais se deve ficar aflito, duvidoso ou impaciente. Ao tranqüilizar a
mente, estará trabalhando para atingir uma situação de melhoria.
Existem dois tipos de pessoas: aquelas que estão sempre com a
expressão triste, reclamando como se estivessem sempre insatisfeitas e
infelizes e aquelas que mantêm somente pensamentos radiantes, repletos de
alegria e gratidão. Pessoas que estão sempre reclamando têm uma vida infeliz,
enquanto aquelas que vivem sempre repletas de alegria têm uma vida feliz.
Pessoas que passam a vida reclamando da crise econômica, do salário, da
maldade alheia, da pobreza, da falta de saúde, acabam atraindo pelo poder da
palavra e do pensamento a situação da qual reclamam. A essas pessoas não
brotam pensamentos construtivos que as tornem prósperas e saudáveis, mas
somente pensamentos de destruição, desesperança e automutilação.
292 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Na atualidade as pessoas vivem as turbulências da vida, em acirrada


competição com os outros e até consigo mesmas, em busca desenfreada da
satisfação imediata em um mundo cada vez mais competitivo, onde a
racionalidade e a crítica são imperiosamente cobradas. Como o ser humano
não é apenas racional e crítico, é preciso conhecer onde ficam as suas
emoções e como elas atuam em seu cotidiano.
Conhecer o emocional do ser humano é entrar em contato com um lado
às vezes meio esquecido, mas que influencia a existência. Neste lado que
estão armazenadas as lembranças prazerosas, fatos acontecidos nos dias
felizes e em momentos generosos que foram vivenciados. É preciso na
lembrança reviver estes fatos, isso afasta a tristeza e faz esquecer o
sofrimento. A auto-hipnose facilita o reviver de boas emoções; as boas
lembranças vão permitir que se viva sempre na expectativa de dias melhores,
somente o que há de melhor, de mais grandioso, de mais elevado pode
acontecer.
Segundo Brun, 167 o filósofo grego Epicuro (341 a 270 anos a.C.),
conhecido como o médico da alma, afirmava que podemos desviar a dor
recorrendo a lembranças agradáveis ou idéias de prazer. Se a dor existe deve
ser curada, afastada através de mecanismos que o próprio ser humano possui,
quando a dor é física dever ser eliminada rememorizando uma situação
prazerosa do passado ou uma esperança do futuro. Quando a dor é moral
devem ser revistos os valores que orientam a vida. Para Epicuro e seus
seguidores, assim como o médico se ocupa das doenças e dos sofrimentos do
corpo, ao filósofo cabe cuidar das doenças e dos sofrimentos da alma.
Para Farrington 168 a terapia de Epicuro significa o princípio de que o
prazer efetivamente existe, não obstante a existência do sofrimento. Epicuro
afirma enfaticamente que todos e qualquer um nasce com o direito a ser feliz,
viver bem, ter prazer, viver sereno e morrer sereno e feliz. A felicidade não é
doada nem outorgada por ninguém nem por divindades, depende
exclusivamente de como cada um administra sua própria vida. Segundo essa
filosofia, para alguém viver bem e feliz, apenas deve gostar de coisas simples e
de um modo de vida não luxuoso, porque assim se adquire meios para
enfrentar, corajosamente, as adversidades da vida. Os períodos de uma
existência rica devem ser aproveitados, mas também se deve estar preparado
para enfrentar, sem temor, as vicissitudes da sorte. O remédio para uma vida
serena é se afastar da turbulência das competições egoísticas, do jogo de
interesse, da arrogância, procurar os prazeres moderados, satisfazer apenas
necessidades imediatas, manter-se longe dos antagonismos da vida pública,

167
BRUN, Jean. O epicurismo. Trad. João Amado. Lisboa, Setenta, 1987.
168
FARRINGTON, Benjamim. A fé de Epicuro. RJ, Zahar, 1968.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 293
cultivar a amizade, conquistar sempre mais conhecimento e rejeitar o medo da
morte. 169
Uma grande aspiração atrai um grandioso destino. Uma pequena
aspiração atrai pequenas realizações. Pessoas que não conseguem realizar um
grandioso sonho só conseguem realizar pequenas obras. São pessoas que
acabam desvirtuando o canal que comunica com a sua força interior e, dela não
tira o proveito que pode; pelo contrário, se prejudicam. Aqueles que têm
pequenas aspirações vêem-se como pigmeus e diminuem a si próprio. E
quando se pensam assim pequenas, acabam se tornando de fato seres
pequeninos e escravos do destino. Tornar o destino grandioso ou insignificante
depende de como se enxerga. Existe uma verdade que diz que as pessoas se
tornam exatamente como se crêem ser.
Quem idealiza para si um grandioso sonho, quem tem uma grande
aspiração, quem acredita piamente na sua concretização, conseguirá alcançar
o seu grandioso objetivo. Não há quem tenha realizado algo grandioso sem se
considerar merecedor. Seja o que for não há quem consiga realizá-lo
acreditando que não irá conseguir. Por isso, não deve ser dito “não consigo
realizar isso”. A ordem é acreditar, como recomenda Émile Coué, “o que quer
que aconteça, brotará em mim uma força redobrada. Haja o que houver durante
o percurso, acredito que no final virá somente a vitória”. Tudo acontece
exatamente como se crê.
Geralmente, os livros indicam a aplicação da auto-hipnose, também, para
eliminação de hábitos como tabagismo, alcoolismo, comer em excesso, uso de
drogas, gagueira, roer unha, bruxismo 170 e outros hábitos nervosos. Também
indicam como solução de distúrbios emocionais como tremores e fobias, triste-
za ou depressão, raiva ou hostilidade, irritação, ódio, timidez, ansiedade e ten-
são. Seu uso é ainda referido para o tratamento de dores, alergias, resfriados
crônicos, insônia, cansaço ou fadiga, soluços, coceiras e asma. Ultimamente,
também tem sido indicada para cura de doenças de pele como psoríase e vitili-
go, além de anorexia nervosa, bulimia, obesidade, síndromes pós-traumáticas,
síndrome do pânico e tantas outras doenças que é impossível relacionarem to-
das em só lista.
169
EPICURO. Lattera a Menecéo (Carta a Meneceu). Turin, Einaudi, 1970.
170
Bruxismo se caracteriza pelo fato do individuo ranger fortemente os dentes em movimentos
involuntários que produz o desgaste dentário, geralmente ocorre durante o sono e de forma
despercebida. Não é considerada uma doença e sim uma disfunção do aparelho mastigador.
A causa pode ser física, como falha na oclusão dos dentes, ou psicológica provocada por ten-
sões emocionais ligada à ansiedade, raiva, insegurança, agressividade reprimida, frustrações
do dia-a-dia, entre outras. O bruxismo acaba sendo um acumulo de sentimentos que encontra
uma descarga no ranger dos dentes, tensões acumuladas que tornam as mandíbulas rígidas
e friccionadas. Os episódios vivenciados pelo individuo, podem variar bastante e a descarga
emocional, pode ser tênue ou severa. Provoca o desgaste do esmalte dentário e o desloca-
mento da mordedura, a pessoa acorda com fortes dores nos dentes e músculos da articula-
ção das mandíbulas. O tratamento pela hipnose pode remover as causas psicológicas, pro-
porcionando uma estabilidade emocional, além de restaurar as funções do sono (N. do A.).
294 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

A hipnose tem sido aplicada para que mulheres, principalmente


adolescentes, desenvolvam uma maternidade serena no período de sua
gravidez e no parto. Pesquisadores na Universidade da Flórida, nos Estados
Unidos, afirmam que certos medos comuns na gravidez podem ser aliviados
quando a hipnose for aplicada à gestante entre a vigésima e a vigésima quarta
semana de gestação, reduzindo a ansiedade na reta final da gravidez e as
dores do parto; diminui, assim, a necessidade de reforçar a dose de anestésico.
171
A hipnose induz a grávida a criar uma expectativa positiva, ensina a relaxar
e apaga fantasias negativas, criando através da sugestão a expectativa positiva
de que vai ganhar um presente.
A hipnose é indicada também para desenvolver atitudes e sentimentos
positivos, como amor, afetividade, bom humor, determinação e coragem.
Também é indicada para desenvolver ou ampliar habilidades da mente e do
corpo, permitindo, por exemplo, melhor desempenho atlético ou esportivo,
eficiência e organização, desempenho profissional, aumento da criatividade e
habilidades. Assim como a prática da auto-hipnose pode permitir o controle
sobre pensamentos, emoções, ações e destino.
Com a auto-hipnose é fácil construir um modelo mais eficiente de
pensamento, direcionado para o que realmente é importante, o praticante
aprende a definir e alcançar objetivos, avaliar seus pontos fortes para enfrentar
desafios e obter sucessos. Aprende a agir, e não apenas reagir, para melhorar
a qualidade de vida, buscando soluções e não apenas enfrentando os
problemas, retirando obstáculos para seguir no caminho que foi definido para si
mesmo, agindo de modo mais eficiente sobre o pensamento e o que está
fazendo.
Prática da auto-hipnose
Um indivíduo pode habituar-se a entrar no transe hipnótico ao ler um
determinado texto, numa determinada posição, ao proferir ou pensar uma
determinada palavra ou frase, ao contar até cinco, dez ou vinte. Conseguindo o
transe inicial, a pessoa dá a si mesma as sugestões que deseja e inclusive as
sugestões pós-hipnóticas necessárias para o progressivo aprofundamento na
próxima sessão. Poderá sugerir a si mesmo: “hoje o transe será mais profundo
do que o de ontem, e o de amanhã mais satisfatório ainda do que o de hoje,
etc.”. Não adiantará, entretanto, recorrer ao auto-engano para efeitos
sugestivos, fazendo simplesmente de conta que está (ou esteve) hipnotizado, a
sugestão pós-hipnótica não surtirá efeito.
Como na hetero-hipnose, também a auto-hipnose vem precedida de uma
espécie de preâmbulo. O indivíduo tem de preparar-se como se estivesse
preparando outra pessoa para ser hipnotizada, e convencer-se. E esse
autoconvencimento, para produzir o efeito desejado, tem de ser mais seguro e

171
SAÚDE, revista, p. 47, julho de 2001.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 295
mais severo do que o convencimento destinado aos ouvidos e às consciências
alheias.
A auto-hipnose, pela sua própria natureza, vincula-se a propósitos
específicos, como a superação de problemas pessoais, mas as pessoas
deveriam capacitar-se ao seu uso, inicialmente, sem propósitos emergentes,
isto é, primeiro deveriam aprender a se auto-hipnotizar, para depois aplicá-la na
solução de seus problemas. Na prática isto quase não acontece e só se recorre
a ela nos momentos críticos; neste caso contam contra alguns fatores como
ansiedades, dúvidas e frustrações.
Na hetero-hipnose não se obtém resultado com as pessoas junto às quais
não se tem prestígio necessário. Também na auto-hipnose ocorre algo
semelhante, o indivíduo tem de sentir-se credor de sua própria confiança e
consideração. O êxito depende da confiança e do crédito moral que a pessoa
tem que depositar em si mesma, de conquistar, antes de tudo, a auto-estima e
a fé na possibilidade da auto-ajuda. Sem esses fatores, nem sempre estará a
ajuda ao alcance de quem a almeja e, nestes casos, a melhor saída será, pelo
menos inicialmente, a hetero-hipnose.
Assim como na hetero, a auto-hipnose funciona à base de sugestão,
exigindo nesta segunda hipótese uma atitude passiva do próprio indivíduo em
face das palavras proferidas ou imaginadas por ele mesmo. Produz-se, assim,
o estado de sugestibilidade aumentada ou generalizada, que é a condição para
o transe hipnótico, citada teoria de Hull. 172
São vários os caminhos para se chegar à auto-hipnose; seguramente, o
melhor deles é a pessoa antes ser hetero-hipnotizada e receber uma sugestão
pós-hipnótica de que, a partir daí, será capaz de se auto-hipnotizar. Outra forma
também rápida é com a utilização de gravação de músicas para ajudar na
indução e o som de voz própria ou de outrem, com palavras que induza ao
transe. Os mais suscetíveis conseguem induzir o estado auto-hipnótico sem
ajuda alheia ou de qualquer recurso eletrônico, descobrem e se antecipam sem
qualquer iniciação formal. Descobrem, por sua própria conta, como hipnotizar a
si mesmos, articulando ou simplesmente pensando em fórmulas sugestivas,
normalmente iniciadas por técnicas de relaxamento. Esta seria uma auto-
hipnose no sentido mais justo da palavra.
Neste sentido, Weissmann aponta os médiuns espíritas não só como
pessoas altamente propensas a serem hipnotizadas, como também à auto-
indução. Ele assim se refere:
Entre as pessoas particularmente propensas à auto-hipnose espontânea
apontam-se, freqüentemente, os médiuns espíritas. É do conhecimento
geral, que os espíritas são particularmente sensíveis à hipnose. Sabemos
que a suscetibilidade hipnótica cresce em razão da fé, do exercício de

172
HULL, C. L. Hypnosis and suggestibility. In: Experimental approach, N. York, D. Aplleton
Century, Century, 1933.
296 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.
concentração e da propensão individual para as atitudes abstratas. Já não
estranhamos as propaladas facilidades dos espíritas nesse domínio, muito
embora, entre eles, a verdadeira natureza de semelhantes fenômenos
anímicos costuma ser deliberadamente ignorada (WEISSMANN).
A técnica que mais se recomenda para o desenvolvimento da prática da
auto-indução é, paradoxalmente, a auto-hetero-hipnose, ou seja, um misto de
auto e hetero-hipnose. Isto é possível segundo Leslie M. LeCron e Jean
Bordeaux 173 que apontam o recurso da hetero-hipnose como primeira condição
para se chegar à auto-hipnose:
Colocar o candidato em transe profundo, o mais profundo possível. Uma
vez no transe necessário dizer o seguinte: De hoje em diante você poderá
chegar sozinho a um transe igual a este e até mais profundo. Para tanto,
bastará acomodar-se confortavelmente, assentado ou deitado e relaxando
os músculos conforme lhe ensinei. Para facilitar o relaxamento muscular
bastará respirar profundamente. Uma vez com os músculos relaxados, é
só fechar os olhos e dizer-se a si mesmo: Agora entro em estado de
hipnose. Esta frase você poderá proferir em voz alta ou apenas em
pensamento. Em seguida comece a respirar lenta e profundamente. Não
será preciso contar, pois ao chegar à décima respiração estará em transe
profundo. Se encontrar dificuldade na concentração inicial, fixe os olhos
em um ponto do teto, ou então, de olhos fechados, fite algum ponto
imaginário. Pode também manter a vista fixa vagamente na área cinzenta
imaginária da visão comum. Durante a hipnose você se manterá alerta,
perfeitamente capaz de dar-se a si mesmo as sugestões que quiser. Você
poderá assim induzir em você mesmo qualquer fenômeno hipnótico que
desejar. Para acordar bastará dizer-se a si mesmo: Agora vou acordar.
Contará até três e estará perfeitamente acordado. Se, porventura, tiver
necessidade de acordar antes para atender ao telefone ou a uma situação
de emergência, como no caso de um incêndio, por exemplo, você
acordará instantânea e automaticamente. Nesse seu estado de auto-
hipnose você poderá ainda ouvir a minha voz e seguir as minhas
instruções como se eu estivesse presente (LeCRON e BORDEAUX).
A prática da auto-indução hipnótica ocorre quando se adquire a confiança
necessária e a segurança de que precisa o indivíduo para desencadear o
processo e, para isso, deve cuidadosamente observar algumas
recomendações, como exemplo: a) Não ser excessivamente analítico; se
começar a analisar todos os movimentos que fizer e duvidar da eficácia do que
está fazendo, o transe será difícil de ser atingido. b) A atitude de tirar a prova
impedirá a eficácia, por isso, em vez de examinar-se, apenas deve relaxar e
deixar que as coisas sigam seu curso; os resultados virão. Quem se preocupa
em saber se estão ou não sob hipnose, prejudica seus próprios esforços. E, se
não passam no teste que impõem a si mesmas, sente-se como quem não estar
fazendo progressos.

173
LeCRON, L. M., and BORDEAUX J. Hypnotism today, N. York, Grune and Stratton, 1947.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 297
Quando uma pessoa deseja ardentemente ser hipnotizada, a ponto de
tornar-se ansiosa e tensa, a maior parte do tempo consiste no processo de
acalmá-la e relaxá-la antes, para depois poder ser hipnotizada. A calma é o que
trará resultados, o maior inimigo da hipnose é a tensão, por isso deve ser
evitados a ansiedade com os resultados, espera-se que apenas aconteçam.
Toda vez que se anseia muito por uma coisa, fica-se nervoso e tenso, assim
não se consegue bons resultados. Isto acontece com um estudante tenso que
se transforma em um mau estudante e aprende pouco. Assim também, nestas
condições, será impossível reagir favoravelmente à hipnose.
Quando se começar a aprender auto-hipnose, se dá tempo ao tempo.
Começa-se como principiante e relaxa-se, deixa as coisas acontecerem em seu
curso normal. Para obter melhores resultados, deve o exercício acontecer
sempre na mesma hora e no mesmo lugar, todos os dias.
Relaxamento
Bastante confundido com a hipnose em si, o relaxamento é apenas um
entre outros passos para o estado hipnótico e é o melhor caminho para o êxito
da auto-hipnose. Relaxar é condição básica, através dessa prática elimina-se o
estado de tensão que em nada contribui para a vida, mas é uma constante nos
indivíduos que vivem em grandes cidades onde a rotina diária é estressante.
Não só aplicado com propósitos exclusivamente hipnóticos, o
relaxamento está presente em várias outras propostas como religiosas ou
filosóficas, sempre com o objetivo de aliviar tensões físicas e emocionais. Em
qualquer caso, quando é alcançado um bom nível de relaxamento, a mente
consegue uma extraordinária habilidade para controlar procedimentos e
objetivar soluções. Nessa fase, sem tensões ou sobrecargas, são encontradas
saídas para alguns problemas que antes pareciam intransponíveis.
O relaxamento inicia-se pelo físico (corpo) e completa-se pelo
relaxamento da consciência (mente) permitindo, a partir daí, a instalação do
estado hipnótico. Todo método de auto-hipnose inclui a fase de relaxamento,
começando pelo nível físico, quando promove a liberação de tensões
musculares e, no nível mental, acalmando excitações nervosas (ansiedades,
preocupações, angústias, etc.), resultando, assim, em um estado de calma e
tranqüilidade. É recomendado ser praticado pela manhã, após o despertar, e à
noite, antes de dormir. Esses exercícios duram, inicialmente, em torno de
quinze minutos até que se domine a técnica e sinta-se familiarizado com ela.
Mais tarde, cada experiência não deverá durar mais do que um minuto e isso
poderá se tornar parte de um ritual tranqüilizador que, independente da hipnose
plena, trará grandes modificações na vida do praticante.
O relaxamento facilita o sono e isso também representa solução para
muitos problemas. A influência do sono sobre o nível de aprendizado é boa,
também no humor e na capacidade de memória, quem dorme mal tem
problemas para se lembrar de fatos recentes. Do sono pode resultar condições
para o desempenho de diversas atividades de maneira altamente eficiente.
298 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Durante o sono, o relaxamento antecede e amplia a fase do sono REM


(Rapid Eyes Movment) que se caracteriza pelo rápido movimento dos olhos de
um lado para o outro. É nesta fase que se atinge o ápice do relaxamento e as
funções do sono são potencializadas ao máximo. Algumas pessoas na prática
do transe hipnótico apresentam sintomas como se estivessem na fase REM do
sono. 174
O método de relaxamento é muito variado, porém segue uma linha básica
que norteia sua aplicação. Para os iniciantes deve ser falado por outra pessoa
ou gravado com a própria voz, com clareza, calma e serenidade, com a
seqüência que determine as fases descritas:
• Fase I. Fecho os olhos... Relaxo a testa... Relaxo os músculos da face e
dos olhos... Relaxo o pescoço... Relaxo os braços, antebraços e mãos...
Relaxo a musculatura do peito... Relaxo o abdome... Relaxo os músculos
das coxas... Relaxo os pés... Procuro sentir todo corpo... Sinta que meu
corpo está ficando cada vez mais pesado... Cada vez mais pesado... Mais
pesado... Relaxo as pernas... Relaxo os músculos da cintura... Deixo o
corpo pesar... Relaxo a nuca.
• Fase II. A partir de agora aumenta o poder de concentração em tudo que
penso... Procuro visualizar tudo de maneira mais agradável... Visualizo
um gramado... Um bosque de verde intenso... Estou neste bosque... O
gramado é macio, gostoso... Olho para cima e vejo imensas copas das
árvores... Raios de luz que passam por entre as folhas... A temperatura é
agradável, muito agradável... Nem calor, nem frio... Respiro fundo, Uma...
Duas... Três... Quatro... Cinco vezes... Estou relaxado profundamente.
• Fase III. Lentamente, com os olhos da mente, vejo à frente uma escada...
Conto e vejo que tem dez degraus... Essa escada é bonita e a sombra
das folhas se projeta em seus degraus... Sinto uma vontade enorme de
subir esses degraus e, aos poucos, vou subir... À medida que subo...
Ganho confiança e fico mais leve... UM... Começo a subir... DOIS...
TRÊS... QUATRO... Estou mais confiante e mais leve... Libertando as
preocupações... CINCO... Já foi a metade da escada e, a mente fica
vazia... Sem preocupações... Essa subida dá prazer... Muito prazer...
SEIS... SETE... OITO... Estou muito leve... Seguro... NOVE... DEZ...
Chegou o topo da escada... Vejo uma enorme porta que se abre
permitindo que eu entre numa sala ampla... Tudo em volta tem cores
suaves...
• Fase IV. Respiro fundo... Absorvendo tranqüilidade, calma... Na
proporção que respiro, esqueço... Esqueço o corpo... Imagino meu
corpo... É difícil saber qual posição estão os braços... Em qual posição
estão os pés ou pernas... O pensamento começa, também, a
desaparecer... Apenas percebo um círculo luminoso à altura da testa...
174
MAAS, James B. Power Sleep, Harper Perennial, N. York, 1998.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 299
Apenas percebo... O círculo é cada vez mais forte... O relaxamento
mental é pleno... Isso vai durar algum tempo... A mente vazia sem
pensamentos... Relaxo plenamente, física e mentalmente... Isso vai durar
alguns minutos... A partir de agora entro em completo relaxamento.
• Fase V. (Após, pelo menos três minutos de silêncio). Começo a visualizar
uma floresta e, nela, avisto um lago... Um imenso lago de água tranqüila...
O lago espelha em sua superfície muita calma... Respiro fundo e absorvo
essa tranqüilidade... Essa tranqüilidade transmite segurança... À medida
que respiro fica mais seguro, seguro das coisas que quero... Observo a
natureza, tudo é constante, tudo é determinado... Absorvo essa
constância e essa determinação... A partir de agora vejo que tudo vai
melhorar em minha vida... Sinto que tudo vai melhorar... Percebo uma
ponte... Olho os detalhes dessa ponte, sobre uma parte estreita do lago...
Vou atravessar a ponte... Atravesso, sem olhar para trás... Vou chegar ao
outro lado... É um lugar macio, este lugar é maravilhoso... Esse lugar
representa uma nova vida... É um lugar melhor que o anterior... A ponte
era uma etapa que foi vencida... Neste gramado imenso, corro, brinco, e
experimento tudo que mais gosto de fazer... Respiro toda a energia desse
lugar... A partir de agora estarei sempre bem disposto... Este lugar é
maravilhoso... Respiro fundo e absorvo a grandeza deste lugar... De hoje
em diante, estarei revigorado pela energia da natureza.
Na fase VI, se a pessoa estiver deitada e podendo continuar assim,
apenas adormece, e acordará quando for necessário, revigorado e bem
disposto. Caso necessite de sair do relaxamento, procedera como a seguir
indicado.
• Fase V. Respiro profundamente e ao expirar preparo minha mente para
sair do relaxamento... Vou contar até cinco e retornarei ao nível de
consciência normal... De hoje em diante, terei a mente trabalhando em
meu benefício... Cada vez mais, saberei superar problemas e vencer
adversidades... Vou começar a contagem e retornar feliz e bem
disposto... UM... DOIS... TRÊS... Estou retornando... QUATRO...
Retornando... CINCO... Abro os olhos... Movimento todos os músculos...
Retorno plenamente.
Algumas pessoas preferem um método mais direto, menos metafórico, se
identificam com a linguagem clara e precisa; nestes casos o relaxamento pode
ser atingido com as proposições construídas a seguir:
• Faço uma respiração profunda e relaxo ao expirar... Relaxo
profundamente e deixo a mente serena... Relaxo o corpo todo como se
estivesse derretendo e, sentindo mais a força de atração da terra
puxando meu corpo para baixo... Agora relaxo o corpo todo... Tornando a
respiração mais suave... Irradiando descontração pela coluna vertebral e
desta para o corpo todo... Faço outra respiração profunda e relaxo ao
expirar... Relaxando e descontraindo a pele, músculos e nervos...
300 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Relaxando e descontraindo até a medula... Soltando... Abandonando...


Desconcentrando... Relaxando os pés... Tornozelos... Pernas... Joelhos...
Coxas... Agora, também relaxando e descontraindo os órgãos do
abdome... Órgãos do tórax... Relaxando os ombros... Braços... Mãos...
Dedos... Agora, relaxo e descontraio o pescoço... A cabeça... Soltando e
descontraindo os maxilares... Face... Lábios... Nariz... Olhos...
Sobrancelhas... A testa e o couro cabeludo... Relaxo por inteiro... Vou
contar de dez a um e, a cada número regressivo, estarei aprofundando
mais ainda, neste estado agradável de relaxamento... Descontraio... 10...
9... 8... 7... 6... 5... 4... 3... 2... 1... Agora um estágio mais profundo, mais
receptivo a boas sugestões e mais saudável... Sinto-me invadido por um
bem-estar indescritível... De muita leveza... Saúde e felicidade... Sinto
uma transbordante disposição para viver... Trabalhar e Sorrir... Quando
começar a abrir os olhos, sentirei tudo isso de maneira mais forte...
Estarei cheio de energia... Respiro profundamente e, ao expirar, preparo
a saída do relaxamento... Vou contar até cinco e retornar ao nível de
consciência normal... De hoje em diante, terei a mente trabalhando em
meu benefício... Cada vez mais saberei superar problemas e vencer
adversidades... Agora, conto até cinco e estarei completamente
despertado... UM... Estou despertando... DOIS... Todas as sensações da
hipnose deixam o meu corpo... TRÊS... Estou ficando cada vez mais
desperto e maravilhosamente bem... QUATRO... Os olhos se abrem...
CINCO... Respiro profundamente e estou completamente alerta... Feliz e
bem disposto.
Testes e Métodos para auto-hipnose
98% dos indivíduos são hipnotizáveis, o segredo está em descobrir de
que modo se é mais sugestionável. Conhecer os testes de auto-sugestão e pra-
ticar um teste diferente por dia, pelo menos uma vez por dia durante duas se-
manas, é a forma mais rápida de criar os elementos básicos que permitirão o
emprego da auto-hipnose. Depois de praticar todos os testes, deve ser escolhi-
do aquele em que se aprofundou mais e, continuar a praticá-lo até o fim da se-
gunda semana para adquirir proficiência prática.
• Teste I - Junte as pontas do polegar e do dedo indicador e aperte. Ao
mesmo tempo, contemple-os mentalmente e imagine que estão grudados
com cola. Imagine ainda que ao redor das unhas haja fortes cintas de
esparadrapo, unindo-as mais fortemente. À medida que for exercendo
maior pressão, diga a você mesmo que as pontas dos dedos estão
ficando cada vez mais presas entre si. Quando você contar até três, o
dedo indicador e o polegar não se separam até que você diga JÁ. Quanto
mais você tentar separá-los, mais grudados eles ficarão.
Se você reagir de maneira satisfatória a esse teste, não terá dificuldades
em aprender a hipnotizar-se. Se sua reação não for tão favorável, não se
aborreça, porque eventualmente você encontrará sua área de sugestibilidade.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 301
• Teste II - Junte bem as mãos e estenda os braços a sua frente. Feche os
olhos e imagine que as mãos estão sendo fundidas. Imagine-as como um
sólido bloco de madeira. À medida que você for imaginando, vá apertando
as mãos gradativamente. Diga a você mesmo: Minha mão está sendo
colada completamente, uma na outra... Quando eu contar até três, serei
incapaz de separá-las até que diga JÁ.
A maioria das pessoas reagirá favoravelmente a este teste, desde que
dêem tempo ao tempo e façam bom uso da imaginação. Os que reagem bem a
este teste deverão ter imaginação forte. Quando você testar-se desta forma,
não se preocupe com o tempo e vá tentando, tanto quando lhe seja possível ver
suas mãos como um sólido bloco.
• Teste III - Sente-se confortavelmente numa cadeira reta, deixe que as
mãos fiquem caídas, sem esforço, ao longo de cada um de seus lados.
Feche os olhos e relaxe, imagine que suas mãos são dois pesos de
chumbo. Diga a você mesmo o seguinte: Minhas mãos estão ficando
cada vez mais pesadas... Sinto que são muito grandes e pesa como
nunca... Minhas mãos sentem-se preguiçosas e cansadas... Neste
momento, para mim, a coisa mais difícil é levantá-las, porque estão
cansadas e preguiçosas... Quando eu contar até três, será impossível
levantá-las, até que eu diga JÁ.
• Teste IV - Uma vez mais se sente confortavelmente numa cadeira reta.
Coloque as plantas dos pés contra o chão. Deixe uma das mãos
descansar relaxadamente sobre a coxa, logo acima do joelho. Deixe que
o corpo relaxe e olhe mentalmente para a mão. Pense o seguinte: Minha
mão está ficando muito leve... Dentro em pouco ficará mais leve que o
ar... Começará a flutuar... Minha mão está ficando cada vez mais leve...
Tão leve como uma pluma... Sinto a mão como uma pluma soprada pelo
vento... Quando a mão começar a erguer-se, diga a você mesmo: Minha
mão continuará a ficar mais leve, e continuará a subir até que eu diga JÁ.
Esse teste consome mais tempo do que os outros, porém, se os
resultados forem satisfatórios, é sinal de que o praticante vai indo muito bem.
Os próximos testes dependem inteiramente da imaginação. Os primeiros
quatro usaram a imaginação, mas houve também fatores físicos fortemente
envolvidos. A ênfase agora recai sobre a imaginação e a aptidão para criar
imagens mentais.
• Teste V - Deite-se de costas para fazer este exercício mental. Feche os
olhos, após o relaxamento comece a pensar num momento que lhe foi
agradável e em que experimentou uma forte emoção. Vá devagar; deixe a
mente derivar lentamente para a ocasião. Veja-se naquele ambiente, veja
a cor das paredes, móveis, detalhes. Veja as outras (se houver) pessoas
presentes. Agora, comece a sentir-se no lugar, relembre detalhadamente
o que conversou, comece a ouvir e a dizer mentalmente tudo que você
302 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

falou, na mesma ordem cronológica. Vá devagar e reviva integralmente,


reviva o detalhe que lhe deu mais prazer, sinta emoções, reviva tudo que
lhe deu prazer.
Os que reagem bem a esse teste são capazes de conseguir muito êxito
com auto-hipnose dentro de bem pouco tempo.
• Teste VI - Feche os olhos e, após o relaxamento, visualize um ponto preto
no meio de sua testa. Dê tempo ao tempo e permita que o ponto se
materialize. Quando o ponto aparecer, sem pressa, veja formar-se um
círculo vermelho ao seu redor, depois um círculo azulado, até que outras
cores se formem sem que você as determine, poderá aparecer a cor
branca, amarelada ou rosa. Finalmente, você verá o ponto se transformar
em uma luz. Veja a luz no meio de sua testa. Só a luz, não pense mais
em nada.
Esse teste geralmente surpreende aos que por eles passam, porque
sentem uma calma e um relaxamento profundo logo depois.
• Teste VII - Deite-se de costas numa superfície plana, como um tapete no
chão. Fique deitado com os braços estendidos ao longo do corpo, deixe o
corpo completamente solto. Relaxe. Relaxe mais ainda. Com os olhos
fechados, lentamente expire, depois inspire; retenha a respiração por dois
segundos, então expire lentamente outra vez. Repita várias vezes esse
procedimento. Imagine seus pés, depois não os sinta mais, como se não
existissem. Pense em suas pernas até não senti-las, o tórax, o abdômen,
esqueça-os. Você não mais os sente. Sinta os braços e esqueça-os. Você
agora só sente sua cabeça, esqueça a boca. Agora você só vê um círculo
em torno de seus olhos. O círculo começa a brilhar. Cada vez mais.
Agora você vê apenas uma luz. Nada o incomoda. Sente uma sensação
de estar flutuando. Vê apenas uma luz. Relaxe. Conte até cinco e acorde.
Ao acordar experimentará uma paz como nunca sentiu antes.
É esse, entre todos os testes, o mais gratificante e só depois dele deverá
praticar o próximo.
• Teste VIII - Deite-se como no teste anterior. Deixe o corpo completamente
solto. Relaxe. Lentamente expire, depois inspire. Retenha a respiração
por dois segundos, então expire lentamente outra vez. Repita esse
procedimento por dez vezes, continue a fazer até não perceber como está
fazendo. Faça isso durante cinco minutos. Inicie o processo,
aprofundando o relaxamento do corpo, até o relaxamento completo.
Comece a sentir-se como se fosse uma bola cheia de ar lentamente
esvaziando, pense que você está se desligando do seu próprio corpo,
pense que sua mente está sendo separada de seu corpo. Está se
separando de você mesmo. Comece a ver à sua volta, os móveis, veja
bem, com detalhes. Sinta-se como se estivesse andando. Vá andando até
a porta. Olhe devagar para trás. Agora você se verá deitado. Não se
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 303
assuste. Veja-se bem, como se você fosse outra pessoa. Relaxe, não
pense em mais nada agora. Acorde devagar. Só abra os olhos após
contar até cinco e quando você disser JÁ.
Nesta experiência, as pessoas retornam com uma sensação de leveza
indescritível.
Os métodos são fórmulas mais eficientes que conduzem ao estado hipnó-
tico, tanto hetero-hipnose como auto-hipnose. Antes de se adotar um método,
deve-se escolher um dos testes apresentados, aquele em que se foi mais bem
sucedido, que será escolhido como preâmbulo para aplicação do método que
levará ao transe. Feito o teste, antes de finalizá-lo a pessoa deverá dizer a si
mesmo que, a partir desse momento, terá início à indução hipnótica.
Se reagir bem ao teste sete ou oito, é sinal que já está muito próximo ao
transe hipnótico. As fórmulas são divididas em quatro momentos. A primeira
contém o relaxamento progressivo, a segunda é a indução, a terceira é a
sugestão real (matriz) dada para a reação pós-hipnótica e a quarta parte é o
chamado processo de despertar.
O método auto-hipnótico apresentado deve ser aplicado após a pessoa
escolher numa posição na qual se sinta mais confortável possível. Dizendo a si
mesmo:
• 1º Passo - À medida que fecho os olhos, entro em completo estado de
relaxamento... Presto atenção apenas aos pensamentos voltados para
mim mesmo... Agora me sinto completamente confortável e à vontade...
Minha respiração é fácil, normal e suave... Cada vez que respiro
aprofunda o relaxamento... Sinto o fluxo do ar entrando nos meus
pulmões e isso me faz relaxar mais profundamente ainda... Agora,
centralizo a atenção nos meus pés... Começando a relaxar pelos dedos
dos pés... Sinto essa sensação de relaxamento deslocar-se pelo pé até o
calcanhar... Os pés estão frouxos, sem força; completamente relaxados...
Esta sensação de relaxamento sobe aos tornozelos, que estão ficando
frouxos e sem movimento... Esta sensação sobe pelas pernas, que se
tornam frouxas e relaxadas... Estão relaxadas. A sensação sobe para os
joelhos, que ficam completamente frouxos... Toda contração muscular
desapareceu... A sensação sobe mais, dos joelhos para as pernas
inteiras... As pernas estão totalmente relaxadas frouxas... Aprofundo-me
mais e mais a cada vez que respiro... A sensação de relaxamento chega
ao abdômen... O relaxamento começa a chegar às costas... Cada vez que
respiro, isto me faz relaxar mais e mais... Meus ombros estão relaxando...
Os músculos das costas estão se afrouxando... Relaxando as costas e os
ombros... O peito está relaxando, mais e mais... Começo a relaxar os
dedos das mãos... Os dedos estão se afrouxando... Isto sobe para as
mãos... Vagarosamente sobe para os braços. Perfeitamente relaxado...
Estou cada vez mais relaxado... Meu pescoço está relaxando... Sinto
minha garganta descontraída e relaxando, relaxando... Esta maravilhosa
304 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

sensação calmante agora sobe da nuca até o alto da minha cabeça... O


alto da minha cabeça está tão relaxado, que o meu cabelo se afrouxa...
Todos os fios estão frouxos... Estou entrando em hipnose... Cada vez
mais profunda... Nada será capaz de me perturbar agora, sinto-me
maravilhosamente leve... Uma sensação extremamente agradável toma
conta de mim... Agora, meu corpo todo está no mais completo
relaxamento... Não sinto nada... Todo o corpo está afrouxado... Eu sou
apenas uma sombra... Uma sombra... Uma sombra... Uma paz... Uma
paz toma conta de minha mente... Minha mente está relaxando como meu
corpo... Minha mente está relaxando e experimentando esta maravilhosa
sensação de paz e tranqüilidade... Toda tensão, preocupação e dúvida
desapareceram... Meu inconsciente está ficando receptivo aos bons
pensamentos e idéias que logo darei a mim mesmo.
Nesta fase estará completado o relaxamento, que é o primeiro estágio da
auto-hipnose e, fica mais próximo ir ao encontro do “Eu Interior”. Quando
encontrá-lo, podem-se colocar as matrizes que quiser, serão essas que
orientarão a vida daqui para frente. Poderão ser superados problemas,
estabelecer metas e atingir os objetivos de vida desejados.
A partir daqui, se for necessário, poderá ser usado um meio eletrônico
para reproduzir o áudio que deseja-se ouvir. Será a última etapa da fase
anterior. O som deverá ser ligado sem muito esforço físico, aconselha-se o uso
de controle remoto. Além da voz poderá também ser gravado um fundo musical
suave, normalmente utilizando-se de músicas clássicas ou específicas para
esse fim.
• 2º. Passo - Agora estou sentindo uma sensação de profunda leveza...
Cada vez maior... Cada vez mais profunda... Vou começar a contar de 10
a 0, aprofundando-me neste estado até entrar em contato com meu
inconsciente... DEZ... Estou começando a descer a escada que me levará
ao meu inconsciente... NOVE... Muito relaxado, aprofundando-me cada
vez mais, no mais absoluto relaxamento... OITO... Para baixo, para baixo,
para baixo... SETE... Mais profundo ainda, descendo cada vez mais...
SEIS... Profundo, mais profundo, mais profundo... CINCO... Sinto o mais
absoluto silêncio, uma paz profunda... QUATRO... Apenas vejo uma luz...
TRÊS... A luz do meu inconsciente, DOIS... Um estado de relaxamento
profundo, pleno, absoluto... UM... Vejo a luz... Só a luz, mais nada...
Encontrei o meu Eu... ZERO... Agora estou em contato direto com meu
inconsciente... Estou pronto para receber boas sugestões.
Nesta fase, tudo que for informado ao inconsciente será obedecido, não
só poderá estabelecer novas metas, como também poderá suprimir matrizes
antigas que estão dificultando a vida. Podem ser reprogramados, em parte ou
no todo, os pensamentos que representam expectativas de vida e
possibilidades de melhoria em todos os sentidos. Pode acrescentar qualquer
sugestão desejada e formar novas matrizes no inconsciente. Neste terceiro
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 305
passo, se não houver uma matriz prioritária, é aconselhado seguir algumas
sugestões preliminares como, por exemplo:
• 3º. Passo - No futuro, quando eu quiser chegar a este estágio da hipnose,
tudo o que terei a fazer é instalar-me confortavelmente e dizer a mim
mesmo... Vamos, relaxe agora, relaxe, relaxe, profundo... Quando eu
disser essas palavras a mim mesmo, imediatamente entrarei em
hipnose... Cada vez que me hipnotizar, conseguirei fazê-lo melhor... Cada
vez será mais rápida e mais profundamente do que a anterior... Cada vez
que me hipnotizar, automaticamente conseguirei melhor equilíbrio entre a
minha mente consciente e a minha mente inconsciente... Estas sugestões
estão agora penetrando em meu inconsciente... Meu inconsciente
automaticamente realimentará estes pensamentos em minha vida
consciente... A partir de agora, desenvolvo a faculdade de controlar minha
própria vida e felicidade e, a cada dia, estarei aperfeiçoando isso... Ponho
em uso a minha mente e desenvolvo novas potencialidades em todos os
instantes do dia... Tudo que eu imaginar de bom realizar-se-á em curto
prazo e com exatidão... Estou no caminho certo para adquirir tudo de
positivo para o meu corpo e minha mente... Jamais me aborreço... Boas
soluções sempre vão surgir em minha vida... Estou agindo, no momento
mais adequado, com determinação para merecer sempre a vitória... Hoje
serei melhor do que ontem... Amanhã serei melhor do que hoje e, assim,
continuarei melhorando constantemente.
• 4º. Passo - Agora voltarei ao meu estado normal de consciência...
Quando despertar, minha mente estará alerta e o meu corpo
perfeitamente coordenado... Estarei cheio de energia, vigor e vitalidade...
Descansado e rejuvenescido... Estarei, de todas as maneiras possíveis,
em estado normal... Conto até cinco e estarei completamente
despertado... UM... Estou despertando... DOIS... Todas as sensações da
hipnose deixam o meu corpo... TRÊS... Estou ficando cada vez mais
desperto e sinto-me maravilhosamente bem... QUATRO... Meus olhos se
abrem... CINCO... Respiro profundamente e estou completamente alerta,
feliz e bem disposto.
Tipos de matrizes
Matriz é a sugestão elaborada para convencer o inconsciente e fazer com
que aconteçam ações compulsivas, geradoras de mudanças na vida das pes-
soas através da conquista de novas metas. Para formular uma matriz é preciso
saber como pode ser direcionado o processo de elaboração dos pensamentos
e como os sentimentos e estados emocionais influenciam neste resultado. É
preciso saber também usar os sentidos internamente, vendo imagens mentais,
falando a si próprio, ouvir sons e ter sensações. Assim é possível programar
uma linguagem que seja eficaz para convencer o inconsciente.
Quando Émile Coué explica a lei do efeito contrário, diz que existem duas
maneiras como a sugestão é processada; uma é a sugestão guiada pelas pala-
306 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

vras, a outra é guiada pelas imagens visuais que as palavras geram na mente.
Quando uma pessoa ouve ou pensa palavras, o cérebro imediatamente proces-
sa como imagens e, freqüentemente, a imagem criada no cérebro é contrária à
idéia que as pessoas estão tentando comunicar com palavras. Algumas pala-
vras como não, não posso, não devo, devem ser suprimidas quando se formula
uma Matriz, para se evitar a formação de imagens que favoreçam o efeito con-
trário do que representam as palavras.
A imagem visual não processa imagem negativa expressa pela palavra
não, pelo contrário, projeta a imagem positiva do fato negado, justamente a que
"não" era para ser projetada. Quando alguém tenta "não" imaginar um gorila ro-
sa, primeiro imagina o gorila para depois tentar esquecer em vão. Outro exem-
plo é quando a mãe dirigindo-se ao filho e diz "Agora, querido, não derrame seu
leite", a imagem visual criada imediatamente na mente da criança é o leite der-
ramando e, inconscientemente, fará isso acontecer. Uma vez que a imagem vi-
sual é criada, o inconsciente procura transformar aquela visão em realidade. A
criança estava "imaginando" o leite derramado pela mesa e, logo em seguida, o
braço bate "acidentalmente" no copo, porque inconscientemente está procuran-
do trazer para a realidade a imagem visual que está vendo. Embora a mãe a
repreenda por "não prestar atenção", a criança, verdadeiramente, estava atenta
ao que a mãe disse, mas, agiu em sentido contrário.
Para Roger 175 as pessoas são aquilo que pensam, imaginam e
percebem. Se os pensamentos, imagens e percepções são destrutivos, pode
evitar seus efeitos distraindo a atenção do aspecto negativo e concentrando no
positivo e, isto significa ignorar o negativo. Quanto à palavra “não” Roger
aconselha que deva ser evitada, porque ela fatalmente reforçará a lembrança
do que não se quer lembrar. Se alguém disser, “não sentirei dor”, lembra da dor
e a reforçará; se disser, “não soluçarei mais” reforçara o soluço; “não
permanecerei acordado a noite inteira”, reforçara a insônia. Para obter êxito, o
problema tem que ser esquecido por inteiro; a mente deve ser ocupada com
outro fato diferente que fará esquecer o anterior. A técnica da distração não
visa apenas substituir o pensamento negativo pelo positivo, mas na verdade,
pretende enfatizar o positivo. Esse esquecimento do problema pode ser iniciado
conscientemente e, após o relaxamento, poderá ser instalado como matriz.
Antes do processo de relaxamento é preciso especificar exatamente o
que se quer, em uma linguagem programada com o uso de imagens, sons e
sensações. A meta precisa ser estabelecida antes do processo hipnótico, como
uma pré-sugestão. É preciso deixar claro previamente ao processo da auto-
hipnose, o que especificamente vai ver, sentir, ouvir e estar fazendo durante o
transe. A meta precisa ser elaborada em termos positivos, uma meta negativa
do tipo eu não quero, cria o efeito contrário, mas não posso. Também devem
ser substituídas palavras do tipo quero, tentarei, talvez, etc. Exemplo: eu quero
parar de... Eu quero viver sem...
175
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através a auto-hipnose. RJ, ed. Record, 1978.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 307
Frases devem ser conscientemente escolhidas para formular a imagens
mentais positivas, escolhendo as palavras para comunicar a idéia de maneira
correta. Em vez de, não cometerei muitos erros ou não passarei no teste, deve
ser, acertarei o máximo e a nota no teste será excelente. Neste sentido, como
forma de evitar o uso de frases mal formuladas, podem ser usadas metáforas
(técnica de Milton Erickson) que, embora perca a especificidade, ganham por
favorecer a construção de imagens mentais de metas positivas.
As sugestões instaladas no inconsciente são chamadas de matrizes e vão
realimentar o consciente fazendo com que a pessoa execute atos compulsivos
até atingir sua meta. Usada eficazmente, a auto-hipnose pode ser uma ferra-
menta poderosa para efetuar as modificações que sejam necessárias para ree-
ducar a mente. Instalando novas matrizes, a pessoa passará a pensar de uma
maneira nova e saudável.
Se uma pessoa não é feliz, é imperativo que reeduque o seu inconscien-
te, só assim, acreditará e será feliz em todas e quaisquer circunstâncias. A pes-
soa é aquilo que seu inconsciente acredita e, o que este acredita é enviado de
volta à sua vida consciente, determinando sua maneira de agir. Quando o in-
consciente se convence de um fato verdadeiro ou falso, passa a ser verdadeiro
na vida de uma pessoa e é capaz de afetá-la física e emocionalmente para ge-
rar transformações. Em parte, é através desse fenômeno que pode ser explica-
da as curas religiosas, para as quais são difíceis as explicações.
O ser humano tem em seu interior todos os recursos necessários para
obter (ou não obter) o sucesso. E, isso só depende de cada um. A
concretização de objetivos de felicidade e qualquer outra coisa necessária para
desfrutar uma vida completa dependem exclusivamente da programação
estabelecida no seu inconsciente, que realimentará as idéias programadas ou
permitir que sejam programadas.
Ao estabelecer novas matrizes, a pessoa deverá definir bem as metas
para sua própria vida. Inicialmente, deve remover as matrizes velhas que não
sejam boas, eliminar o pessimismo, a falta de confiança; eliminar,
principalmente, idéias de autopunição que são terríveis por serem
autodestruidoras. Depois deve implantar a confiança, a auto-estima e idéias de
auto-realização. Concluída essa etapa, programa o inconsciente implantando
as metas que pretende atingir. Deve ser realista e, ao mesmo tempo, otimista
na programação. Também específico e determinando exatamente o que quer,
visualizando mentalmente, isto é, “vendo” o quadro com imagens e
“vivenciando” a situação desejada. Determinando a meta um pouco mais alta
do que é capaz de realizar no momento. Quando verdadeiramente atingir a
nova condição, avança na meta para outro patamar acima do conquistado, e
assim sucessivamente. Fazendo isso, qualquer pessoa poderá surpreender-se
em curto prazo.
O poder de visualização mental é chamado de mentalização ou
imaginação, consiste na capacidade que têm as pessoas de pensar em algo e
308 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

imaginá-lo nas formas e cores que quiser. Mentalizar ou imaginar é formar uma
imagem mental, é se ver na cena imaginada como se estivesse acontecendo, é
operar mentalmente, figurando ou concebendo fantasias e imagens como se
fossem verdadeiras. As pessoas podem desenvolver e aperfeiçoar essa técnica
de imaginar coisas ou situações felizes, e, assim, estarão contribuindo para que
de fato aconteçam. Mesmo que os fatos mentalizados ainda não estejam
manifestados, deve-se acreditar que eles já existem e entrar no clima de
agradecimento pela conquista. É importante mentalizar intensamente aquilo
que se quer e, acreditando que já foi atendido, agradecer o resultado.
Se alguém estiver confuso na maneira de conduzir a reprogramação do
seu inconsciente, não deve se preocupar, a teoria mais recente sobre o assunto
diz que existe outro caminho, é como se fosse uma auto-reprogramação. Para
isso, conscientemente deve-se pensar nas mudanças, imaginar-se e “ver-se”
conquistando novas metas, depois apenas relaxa-se e deixa o inconsciente
trabalhar, ele executará a autoprogramação. Nesta hipótese entra-se em transe
hipnótico e permite que, automaticamente ocorram mudanças curativas na
mente e no corpo. As possibilidades de curas ou de sucesso são plausíveis,
considerando que nesta situação o potencial do inconsciente pode ser revelado,
e o poder de cura desenvolvido.
Como bem ensinou o Marquês de Puységur, através da hipnose todo o
conhecimento de vida interior está disponível para qualquer pessoa. O
inconsciente sabe como resolver o problema de cada um e, sabe muito bem o
que é melhor para cada caso, porque sabe a resposta certa. Poderá ser usada
auto-hipnose para atingir a informação e a solução que se precisar e, para isso,
não é necessário conhecer exatamente os mecanismos pelos quais funciona a
mente.
À medida que a mente se torna mais leve através do relaxamento,
tornam-se mais claros os conhecimentos, e a hipnose, pela própria experiência,
torna-se mais eficaz porque a pessoa aprende a viver em harmonia com o seu
Eu interior, com o seu Eu inconsciente; a intuição natural desvendará os
mistérios, a aprendizagem ocorrerá sem necessidade de submeter-se a um
elaborado sistema de autodisciplina. Ocorrerá naturalmente melhoria no seu
modo de vida, de seus hábitos, de sua forma de ver o mundo e nele melhor
viver.
São infinitas as possibilidades de geração de matrizes que devem ser
construídas de acordo com as necessidades do hipnotizado, mas deve ser
aplicada uma de cada vez, por prioridades entre todos os anseios. Não se deve
instalar mais de uma matriz numa mesma sessão e, só após a conquista de
uma meta, outra deve ser proposta, e assim sucessivamente. As criações de
novos modelos podem ser desenvolvidas para melhorar a aprendizagem, a
saúde, a criatividade, a liderança e a comunicação entre pessoas. Depois de
elaboradas, as Matrizes devem ser repetidas até que o inconsciente aceite e
ponha em prática.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 309
Entre muitas outras matrizes que podem ser criadas pelo próprio
interessado e especificamente para sua necessidade, quatro são clássicas,
como: 1) Tratamento de saúde e estética do corpo, 2) Ativadora de maior
memória e facilidades para a aprendizagem, 3) Solução de gagueira, 4)
Tratamento da dor.
Saúde e estética do corpo
A matriz sugerida a seguir é para tratamento de saúde e estética do
corpo, e dentro dessa concepção poderão ser feitas adequações específicas
para o hipnotizado, retirando ou acrescentando sugestões:
• Ao ingerir qualquer alimento, imagino automaticamente que o alimento
sólido ou líquido será muito bem digerido e assimilado... Funcionará como
um remédio natural para garantir a saúde perfeita do corpo e da minha
mente... Curando qualquer coisa que seja necessário curar... Imagino
meu corpo para que permaneça sempre saudável e perfeito... Projeto
atenção sobre meu corpo, parte a parte, beneficiando com esta prática o
seu funcionamento perfeito... Projeto atenção sobre meu sistema
nervoso, ordenando saúde, reflexos rápidos, mas sob controle,
tranqüilidade, mas com dinamismo... Projeto atenção sobre meu cérebro,
ordenando saúde e que aumente sua potência, assimilando todo o
oxigênio que precisar para a utilização 100% da sua capacidade... Projeto
beleza física ao meu aspecto exterior... É importante que meu corpo seja
perfeito interna e externamente... Imagino minha cintura, mantendo-a com
musculatura firme, proporcional e elegante... Imagino minha pele, para
que se torne cada vez mais bonita e saudável... Imagino meu cabelo,
para que permaneça jovem e bonito... Imagino meu corpo todo com
aspecto perfeito e agradável... Ele transforma-se para atingir a forma que
desejo. Meu cérebro esta ativando, na sua melhor forma, para
proporcionar a cura de meu corpo. A partir de agora minha mente controla
meu corpo... Estarei sempre melhor, cada vez mais saudável... Cada vez
melhor...
Ativadora da memória
Outra matriz freqüentemente utilizada por alunos de qualquer grau de
estudo é a ativadora de maior memória e, por conseqüência, melhores
facilidades para a aprendizagem. Dentro dessa concepção, poderão ser feitas
as adequações que identificam as necessidades do hipnotizado. O método de
auto-indução começa por um processo de relaxamento convencional e para o
aprofundamento passa pela autocontagem de 1 a 10, nesta fase lhe é
introspectado no inconsciente uma auto-sugestão que pode ser elaborada nos
seguintes termos:
• Dia a dia minha memória melhora. Aprenderei com facilidade e lembrarei
de tudo que estudar. De agora em diante, minha memória será fiel. Minha
capacidade de concentração melhora consideravelmente. Serei capaz de
concentrar minha atenção no que for útil ou necessário para ser ótimo
310 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

aluno, em todas as disciplinas, sem exceção. Minha atenção e memória


dia a dia ficam mais eficientes. Terei prazer em aprender e facilidade para
estudar qualquer disciplina. O ambiente da minha escola será sempre
bom, porque bons são meus colegas e meus professores.
Para o bom resultado é aconselhado visualizar a sala de aula, os colegas
e professores, imaginando a situação desejada. A visualização pode ser
complementada com o pensamento a seguir:
• A partir de agora minha memória torna-se infalível e poderei recordar de
todos os fatos, datas e números que eu tenha visto, ouvido ou lido uma
única vez... Serei capaz de reproduzir com exatidão a qualquer momento
que desejar... Meu poder de concentração se amplia e se desenvolve
aceleradamente... Cada vez mais serei capaz de concentrar, imediata-
mente, meu pensamento com perfeição naquilo em que quiser... Quando
estiver estudando, ruídos e outros estímulos, se ocorrer, ajudarão a apro-
fundar mais a concentração... Por conseqüência da minha memória clara
e rápida, da minha concentração imediata e profunda, minha inteligência
aumenta cada dia mais... A capacidade de ler, acumular, processar e co-
municar qualquer tipo de informação irá melhorar muito. Conseguirei lem-
brar de uma grande quantidade de conhecimentos, aperfeiçoando radi-
calmente a habilidade de concentração e percepção. Saberei usar com
equilíbrio e harmonia os conhecimentos que acumulo em minha memória.
Nas primeiras sessões as sugestões para facilitar o aprendizado devem
ser específicas quanto ao objetivo desejado e o tempo para o aluno efetivar
seus efeitos. Exemplo:
• Meus olhos e centros visuais do meu cérebro desenvolvem a propriedade
da leitura rápida com assimilação integral... A cada dia que passa,
aumenta a quantidade de palavras assimiladas por minuto de leitura, a
ponto de simplesmente folhear um livro e absorvê-lo por inteiro. Posso
fazer citações do texto dizendo o número da página em que se encontra
impresso... Posso aprender sem nenhuma dificuldade... Logo, bastará eu
pensar no título de um livro ou então no nome do autor e recordarei bem
do seu conteúdo... Tudo que eu me propuser a aprender, aprenderei
rapidamente para nunca mais esquecer... Quando acordar amanhã,
sentirei uma vontade irresistível de estudar... Sempre que for possível
estudarei com prazer e com aproveitamento... Enquanto estiver
estudando, sentirei uma sensação de alegria intensa, uma impressão
agradável de quem está progredindo, de quem está vencendo na vida...
(repetir).
Estas sugestões devem ser claramente expressas e repetidas, pelo
menos, duas vezes, em até cinco ou seis sessões; a partir daí, as sugestões
podem ganhar o conteúdo mais geral, por exemplo: “a partir de hoje gostarei
sempre de estudar e farei isso sempre que for possível, obterei excelentes
resultados nas verificações escolares”.
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 311
O estudante sentirá com intensidade as emoções sugeridas e estudará
com entusiasmo. Porém, como a sugestão nas primeiras vezes foi limitada no
tempo “amanhã, durante duas horas, você estudará...”, deverá nas sessões
posteriores se ampliar. Exemplo:
• Quando eu for estudar as lições, sentirei um prazer extraordinário e o
farei com grande aproveitamento e atenção. Minha memória estará clara
e eficiente, eu sentirei muita disposição para estudar... E tudo se repetirá,
cada vez que for a hora do estudo... Cada dia que passe, meu interesse
será maior... (repetir).
Solução de gagueira
É freqüente a aplicação da auto-hipnose na solução de alguns tipos de
gagueira. Segundo Weissmann: 176
A gagueira, via de regra, é a expressão neurótica de um traumatismo
emocional da infância. O ato de falar produz no gago (e não apenas no
gago, senão freqüentemente também nos que ouvem), estados nervosos
de angústia e inibições fóbicas... O gago, intimidado, ainda que
inconscientemente diante de um possível castigo, pede, por assim dizer,
desculpas por estar dizendo o que não devia dizer. A gagueira
corresponde a uma fobia oral. A causa dessa fobia (ou dificuldade) reside
invariavelmente em alguma experiência traumática do passado infantil. Um
trauma psíquico equivale a uma impressão. Por sua vez, uma impressão
deriva de uma sugestão original que continua efetiva no inconsciente
(WEISSMANN).
Considera Weissmann que uma sugestão só se neutraliza com outra
sugestão mais efetiva, ou então por uma análise elucidativa (o que pode ocorrer
com o auxilio da hipno-análise). Isso equivale a dizer que só uma sugestão
hipnótica, mais forte ainda do que a sugestão que produziu o sintoma
indesejado poderá produzir a cura. Em caso de gagueira, os resultados devem
ser obtidos ao longo de, pelo menos, dez sessões realizadas com intervalos de
dez a quinze dias. Quanto a isso Weissmann afirma:
A gagueira corresponde a uma fobia e as fobias são mais difíceis de
eliminar hipnoticamente do que meros atos obsessivos. Portanto, a cura
da gagueira pela hipnose se inclui entre as mais trabalhosas. Sempre
exige uma série de sessões (WEISSMANN).
O gago, sob efeito da sugestão pós-hipnótica, provavelmente aceitará a
sugestão corretiva, mas como precisa aprender a ajustar-se a um ritmo, sua
cura completa comportará pelo menos uma dezena de sessões devidamente
dramatizadas. A idéia do ritmo pode estar contida na própria sugestão da forma
seguinte:
• Falarei num ritmo de um pêndulo de um grande relógio... Vejo um grande
relógio de pêndulo... O pêndulo balança lentamente... De um lado para
176
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado,
1958.
312 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

outro... Preciso... Seguro... Ritmado... É assim que sairão as palavras


quando eu falar... Quando iniciar a falar, lembrarei inconscientemente do
movimento desse pêndulo e falarei nesse ritmo, sem atropelos... Posso, a
partir de hoje, falar fluente e fácil... Posso falar tão fluentemente quanto
cantar... Quando eu emergir deste estado hipnótico, descobrirei que sou
capaz de falar e cantar fluente e ritmicamente... Como se estivesse
ouvindo o compasso do pêndulo do relógio... Falarei fluentemente e sem
embaraços... A idéia do pêndulo eliminará por completo o medo e o temor
de falar... Terei autoconfiança para desenvolver ótimo desempenho da
fala... Ao falar, estarei satisfeito comigo mesmo... Proferindo minhas
palavras com segurança e firmeza.
Nas sessões posteriores, o reforço pode ser complementado por
sugestões que reafirmem os argumentos anteriores de forma mais decisivas,
como exemplo:
• Posso de agora em diante articular perfeitamente todas as palavras... No
compasso do pêndulo do relógio, vou falar com prazer, serena e
despreocupadamente, sem gaguejar... A causa da gagueira era o medo
de tropeçar nas palavras... Temia a crítica e a censura dos outros... Este
medo desapareceu... Posso falar livre, sem nenhuma dificuldade... Sem
gaguejar... Vou acordar contando vagarosamente até dez... A cada
número, penso no movimento do pêndulo... À medida que eu vou
contando vou acordando... Ao terminar a contagem, estarei acordado e
em condições de falar perfeitamente sem gaguejar... De hoje em diante
vou falar no ritmo do pêndulo.
Supressão e alívio da dor
É significativa a relação entre a capacidade para o transe e a capacidade
de controle da dor, por isso a hipnose foi muito utilizada por cirurgiões antes da
invenção dos anestésicos químicos e, ainda é usada por alguns dentistas e
médicos em casos em que os pacientes são alérgicos à anestesia. Mas, antes
da sua aplicação no controle da dor e outros males físicos, é necessário que se
certifique antes dos motivos de sua origem. Em termos acadêmicos a dor é
definida como uma sensação desagradável, provocada por lesão ou por estado
anômalo dos órgãos e, é através dela que se tem a condição de saber se
alguma região do corpo não se encontra bem.
Tratando-se de sintoma de alguma doença, a dor representa um
mecanismo de alerta. Por isso, se alguém sofre de alguma dor, ou se sente
adoentado, ou suspeita de que há algo errado com seu organismo ou seu
psiquismo, deve procurar um médico; é bom lembrar que só médicos tem
prerrogativas legais para fazer diagnóstico de saúde. O recurso da hipnose não
deve ser considerado terapia alternativa, não se propõe substituir tratamento
convencional, é opção paralela. Ocorrendo um problema de saúde o médico
deve sempre ser consultado. Peça para o médico esclarecer se há uma causa
para o mal que o aflige; se há uma anomalia é necessário tratá-la de forma
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 313
convencional. Somente então é que se deve recorrer à hipnose para eliminar ou
atenuar a sensação de dor.
É fato que a experiência da dor é um fenômeno tanto físico como
psicológico. Por isso, uma pessoa pode perceber e ampliar a dor em função de
fatores cognitivos, perceptivos, emocionais, comportamentais e interpessoais.
As primeiras experiências do indivíduo influenciam seu comportamento perante
a dor, a influência das atitudes dos pais sobre a criança representa seu
comportamento quando adulto; algumas famílias ficam agitadas com pequenos
golpes e contusões insignificantes, enquanto que outras têm tendência a dar
pouca atenção a ferimentos de certa gravidade. As observações cotidianas
levam a pensar que as atitudes, perante a dor, adquirida na infância persistem
na idade adulta.
Entre outros fatores de agravamento da dor, também está o grau de
atenção, ansiedade e distração. Se uma pessoa concentra a atenção numa
situação potencialmente dolorosa, tende a sentir dores mais intensas do que o
normal. A expectativa da dor é o bastante para aumentar a ansiedade e
conseqüentemente a dor sentida. Assim Dowd 177 descreve esses fatores:
a) Fatores Cognitivos e Perceptivos - Os indivíduos com dor tendem a
pensar nela constantemente e de modo catastrófico. É possível diminuir a
experiência de dor desviando sua atenção, envolvendo-se em imagens
incompatíveis, como, por exemplo, uma cena tranqüila na praia, e tendo
pensamentos positivos sobre a própria capacidade para afrontá-la. Os
indivíduos relativamente desocupados são especialmente vulneráveis à
experiência de dor. Os pensamentos negativos geralmente aumentam a
dor, enquanto os pensamentos positivos normalmente a diminuem.
b) Fatores Emocionais - A experiência de dor pode causar também uma
grande quantidade de emoções, especialmente a ansiedade. Quando o
tipo de dor é esporádico, então os indivíduos podem ficar muito nervosos
enquanto espera o começo da dor, o que só serve para intensificá-la
quando ocorrer. Este efeito recíproco pode ser um fator importante no
agravamento da dor.
c) Fatores Comportamentais - A pessoa com dor, geralmente manifesta
muito “comportamento de dor”, como queixas verbais, lamentos, andar
rigidamente, esfregar a zona dolorida e tencionar os músculos. Além de
servirem como estímulo que constantemente os lembram que têm dor,
algumas destas atividades, como o contrair e tornar rígidos os músculos,
cria uma dor adicional.
d) Fatores interpessoais - A dor é também um fenômeno social, tanto físico
como psicológico. Os indivíduos com dor recebem mais atenção e
sentimentos diversos provenientes de outras pessoas de seu ambiente.

177
DOWD, E. Thomas. Hipnoterapia. In: Manual de técnica de terapia e modificação comporta-
mental. (Org. Caballo, Vicente E), S. Paulo, Ed. L. Santos, 609 - 628, 1987.
314 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Isto pode converter-se em algo muito reforçador e pode persistir inclusive


após ter desaparecido a base física da dor. Algumas pessoas com dor se
beneficiam com a reaproximação para si por outras pessoas, e por isso
não podem abandonar a própria dor, pois, inconscientemente, temem
perderem a atenção ou o carinho conquistado.
Corroborando as afirmações de Dowd, Spiegel 178 acrescenta o que entende
como a capacidade que cada pessoa tem de focalizar o pensamento e
potencializar ou reduzir a dor. Quanto a isso assim se refere:
A capacidade de indivíduos hipnotizáveis de focalizar a atenção e alterar
suas respostas à percepção enquanto ao mesmo tempo provocam um
estado físico de relaxamento lhe dá uma oportunidade incomum de
reestruturar suas experiências de dor e, deste modo, desenvolver um
senso de domínio sobre elas. Visto que a experiência de dor é tanto
psicológica como física, a técnica mobiliza e focaliza a experiência
cognitiva enquanto produz um senso de relaxamento físico. Ela pode ser
especialmente útil para dar aos indivíduos um senso de domínio. Afinal de
contas, a tensão na dor situa-se principalmente no cérebro (SPIEGEL).
A dor apenas como psicológica é tema da tese de doutorado apresentada
na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) pela médica reumatologista
do hospital Albert Einstein, Evelin Goldenberg. 179 Ela explica que os traumas
resultantes da violência sexual trazem danos à saúde da mulher e afirma que
10% das mulheres com fibromialgia, em determinada fase de suas vidas,
sofreram abuso sexual.
Há mulheres que hoje estão com a vida feliz, estável, mas sentem muitas
dores pelo corpo. Com uma conversa percebemos que as dores são frutos
de alguma violência sofrida no passado. A fibromialgia se caracteriza por
dores generalizadas na coluna e no corpo, cansaço permanente e
depressão. As mulheres vítimas de abuso ou violência passam a vida
inteira fazendo exames para determinar a causa da dor, mas nunca
conseguem um diagnóstico. (GOLDENBERG).
Pesquisas publicadas na Medscape, site internacional de publicação
médica, e dados publicados pelo Centro Feminista de Assessoria – CEFEMEA
têm demonstrado que o trauma emocional leva muitas crianças e adolescentes
a sentirem dores abdominais, mesmo algum tempo depois do ato de violência
sofrida. Nestes casos, as reações ou sintomas dos traumas observados em
crianças, apontam também dificuldades para dormir e evitar situações a que
antes da violência se submetia espontaneamente. Também revela perda de
interesse pelos estudos e uma conseqüente queda no desempenho escolar.

178
SPIEGEL, David. Hipnose. In: Tratado de psiquiatria. (Org. Talbott et al), Porto Alegre, Ed.
Artes Médicas, 1993.
179
GOLDENBERG, Evelin. Vítimas de violência sexual sentem mais dor durante a vida. Resu-
mo de Tese de Doutoramento (Jornal Correio da Bahia, Saúde, p. 6. 23/04/2004).
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 315
Considerando a presença dos diferentes componentes psicológicos que
contribuem para sensação dolorosa, uma das maiores expectativas da hipnose
e da auto-hipnose é a sua cura. Neste sentido, o procedimento mais aplicado
utiliza a técnica da distração. É uma técnica simples e poderosa, porque a
mente humana permite que nos concentremos somente em uma única coisa de
cada vez; podemos até mesmo permanecer consciente das outras coisas à
nossa volta, mas só nos concentramos em um único alvo. Essa técnica
defendida por Epicuro, conhecida por toda a Grécia e também na Roma antiga,
foi apropriada por Roger, 180 quando exemplifica que podemos esquecer a dor
se concentramos nossa atenção no prazer. E, cita como exemplo:
O que acontece quando uma criança cai, arranha o joelho e começa a
chorar? Se for uma garotinha podemos distraí-la da dor chamando-lhe a
atenção para o vestido lindo que está usando ou para as flores à sua volta.
Milagrosamente, as lágrimas param de rolar e o choro diminui quando ela,
distraindo sua atenção da dor, passa a concentrar-se no vestido ou nas
flores (ROGER).
Partindo do princípio de que você consultou um médico e, por sua vez,
não encontrou quaisquer causas orgânicas para a sua dor, ou então descobriu
realmente uma anomalia orgânica que já está sendo tratada. Qualquer que seja
o caso, se você deseja combater a dor, uma Matriz com esse objetivo deve ser
elaborada.
Após a indução usual ao estado de relaxamento, tenha em mente
proposições onde palavras como “dor” ou “lesão” devem ser evitadas e,
incentivadas palavras do tipo “conforto”, “bem-estar” e “relaxamento”.
• À medida que for aprofundado o transe, fico cada vez mais confortável
em todos os sentidos... Meu corpo é totalmente comandado pela minha
mente... Sou capaz de direcionar meu corpo e minha vida... A cada dia,
aumento o controle sobre meu corpo... O corpo sente o que a mente
permite... Concentrarei minha mente em situações boas... Minha mente
desenvolve plenamente o controle das sensações... Eu posso sentir ou
deixar de sentir o que desejar... Toda vez que qualquer desconforto
estiver me ocorrendo, eu trocarei automaticamente esta sensação por
lembranças de cenas agradáveis... Meu cérebro é capaz de alterar seu
mecanismo e ignorar sensações que incomodam... Apenas sinto o quero
sentir... Poderá substituir uma sensação desagradável por outra que
represente bem-estar... A partir de hoje e cada vez mais, assumo total
controle sobre minha mente e meu corpo... Sou o senhor de meu corpo,
dono das minhas sensações... Posso me livrar de qualquer sensação que
se apresente em meu corpo... Meu cérebro demonstrará que é o senhor
de meu corpo... Quero viver bem, por isso passarei a controlar mais e
melhor meu corpo... Solto mais ainda o corpo... Relaxo ainda mais...
Agora apenas respiro... Sem esforço... Respiro regularmente... Agora
180
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através da auto-hipnose. RJ, ed. Record, 1978.
316 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

estou concentrado na minha mente... Conto até quatro, e minha mente


entra em perfeita harmonia com o meu corpo... Um... Dois... Três...
Quatro... Minha mente está em perfeita harmonia com o meu corpo...
Todo o meu corpo está em perfeita sintonia com minha mente... Minha
mente dará a ordem infalível ao meu corpo... Sem esforço, posso
comandar meu corpo e todas as sensações que nele possam ocorrer...
Posso sentir ou deixar de sentir o que quiser... Imagino um lugar muito
especial... Passo algum tempo apreciando esse lugar... Agora visualizo
neste lugar especial uma cena agradável... Estou participando ativamente
desta cena... Nesse lugar eu estou seguro e relaxado... Qualquer hora do
dia ou da noite que eu necessitar bastará sentar e fechar os olhos, relaxar
novamente e verei este lugar... Agradável... Seguro... Tranqüilo... Toda
vez que necessitar suprimir uma sensação desagradável... Contarei até
quatro e esta cena realimentará meu consciente... Mesmo estando
consciente, desenvolverei cada vez mais habilidades de controlar as
sensações do meu corpo... Desenvolverei o controle sobre meus
sentidos, permitindo ou rejeitando qualquer sensação que possa me
ocorrer. Formo uma imagem do meu corpo com saúde e praticando uma
atividade que gosto... Estou aprendendo a usar mais a minha mente, e
vou usá-la em meu benefício... Vou aproveitar este estado de harmonia e
equilíbrio interior para imaginar meu completo bem-estar... A partir de
agora, minha mente estará trabalhando neste sentido... Promovendo,
cada vez mais, o pleno controle das sensações em meu corpo...
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 317
CONSIDERAÇÕES FINAIS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A explicação do transe hipnótico e seu efeito terapêutico, durante séculos,


já percorreram um grande caminho. Desde a filosofia arcaica, passando pelo
ímã milagroso de Paracelso, expulsões demoníacas do Padre Gassner e o
magnetismo de Mesmer, chegando à contemporaneidade embutida nos mais
diferentes rituais e procedimentos de cura. A hipnose, longe de desaparecer,
está sendo direta ou indiretamente cada vez mais utilizada e instituída. É fácil
sua verificação na indústria do curandeirismo religioso onde, gozando da
proteção da lei, funciona a serviço de grandes interesses econômicos e
políticos.
No domínio das hipóteses para explicar o processo hipnótico ocorreram
poucos avanços, continua empírica como sempre foi. Por haver fatos sobre os
quais ainda não se chegou a consenso, algumas questões são polêmicas e as
explicações teóricas não satisfazem. Neste campo as opiniões conhecidas não
respondem todos os questionamentos e as conclusões até então existentes, tão
contraditórias, talvez sejam válidas apenas como base para o estudo deste
assunto.
Tanto na vida acadêmica quanto no conhecimento popular, ocorre
lamentável desconhecimento e enorme preconceito sobre o hipnotismo,
incluindo-se aí profissionais de nível superior. Por isso é importante que muitos
autores estejam preparados para correr o risco de sofrer hostilidades, por parte
de quem tenta silenciar o debate sobre hipnose e seus efeitos, sob o falso
argumento de que não é importante ou não funciona. Mas, a Hipnose e seus
efeitos são fatos, a não ser por absoluto e inexplicável desconhecimento não há
porque duvidar de sua importância e do seu mecanismo de funcionamento.
Ao lado das críticas rigorosas contra a maioria dos trabalhos produzidos
sobre hipnose, está o fato de que é difícil, quando não impossível, encontrar
apoio institucional que facilite recursos para produção do conhecimento nesta
área. Por isso, esta pesquisa tem também como lado positivo chamar atenção e
mostrar que é possível enfrentar o hipnotismo de forma cientifica e, com isso,
encorajar novas incursões bem estruturadas, com apoio de organizações que
patrocinem estudos sistematizados, organizados para aprofundar ainda mais o
domínio sobre este tema.
Embora não aceitando algumas explicações, existem razões especiais,
baseadas na teoria, na história e na prática, para que se possa acreditar nas
possibilidades que tem a hipnose de resolver, pelo menos em parte, alguns
problemas que tanto afligem o ser humano. Após a leitura deste trabalho, resta
a certeza de que muito ainda pode ser esclarecido, mas já se sabe o suficiente
para eliminar preconceitos e fundamentar conclusões que abrem portas para
outras pesquisas nesta fascinante área do saber.
318 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Este livro apresentou argumentos de modo perspicaz, demonstrando


controvérsias e coincidências sobre as explicações teóricas do hipnotismo e
suas diferentes formas de manifestações, com a intenção de facilitar o leitor ao
exercício de suas faculdades críticas, a refletir e se definir pela sua própria
descoberta. E, como qualquer professor, apenas incentiva e mostra caminhos,
cabe ao leitor caminhar em busca de suas próprias respostas.

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