Você está na página 1de 3

Relato de Caso

Ressonância Magnética em Paciente Portadora de


Marcapasso
Magnetic Resonance Imaging in a Patient With Pacemaker

Jaime Giovany Arnez Maldonado, Maria Euda Pereira, Karina Rabelo de Albuquerque,
Jorge Pires
Manaus, AM

Mulher de 24 anos, portadora de marcapasso dupla câmara, The patient is a 24-year-old female with a dual-chamber
com hipertensão intracraniana e perda visual progressiva, e vários pacemaker, who had intracranial hypertension, progressive visual
exames de tomografia de crânio inconclusivos. Foi submetida à loss, and several inconclusive cranial tomographies. She under-
Ressonância Magnética, mesmo sendo este método diagnóstico went magnetic resonance imaging, even though that diagnostic
uma contra-indicação absoluta em portadores de marcapasso. method is absolutely contraindicated in patients with pacemakers.

A ressonância magnética (RM) é um método diagnóstico não mesmos pelo fato da paciente ser portadora de marcapasso car-
invasivo que fornece imagens de alta definição anatômica, sendo díaco. Foi optado pela realização do procedimento, consideran-
utilizada amplamente no campo da neurologia. do os riscos e benefícios.
A realização da RM está formalmente contra-indicada em porta- Para a realização do exame foi seguido o seguinte protocolo:
dores de marcapasso (MP); isto significa que pacientes portado- conhecimento por parte da paciente dos riscos na realização do
res destas próteses que têm uma outra patologia associada e que exame; paciente não dependente do uso do marcapasso; termo
necessitam deste exame, estão privados de realizá-lo, devido às de consentimento assinado pela paciente e por um familiar; con-
complicações e riscos que pode provocar. trole por telemetria do marcapasso pré e pós-RM; suporte de
Relatamos um caso de paciente portadora de marcapasso equipe médica composta por cardiologista com conhecimento
que foi submetida à realização de ressonância nuclear magnética. em estimulação cardíca, anestesiologista e radiologista; material
completo para reanimação. Rx de Tórax em PA pré e pós-RM.
Relato do caso O equipamento utilizado foi um aparelho de ressonância magné-
tica de 0,5 Tesla, Modelo Contour, fabricado pela General Eletric.
Paciente de 24 anos portadora de marcapasso dupla câmara A realização do procedimento teve a seguinte sequência: ava-
DDDR (marca Guidant modelo Insígnia I Plus) implantado há 15 liação prévia por telemetria do gerador de marcapasso, impedância
meses devido a síncope de repetição causada por síndrome neu- dos eletrodos, controle de limiares e sensibilidade, programação
rocardiogênica tipo cardioinibitória. Após o implante a paciente do pacing e sensing em bipolar, modo de estimulação DDD; pun-
teve melhora significativa da sintomatologia. ção venosa, monitorização cardíaca, oximetria de pulso contínua
Sete meses após traumatismo crânio-encefálico por aciden- durante todo o procedimento; o tempo total que a paciente per-
te, a paciente evoluiu com quadro neurológico de hipertensão maneceu exposta ao equipamento de RM foi de aproximadamen-
intracraniana e perda progressiva do campo visual. Foi submeti- te 50 minutos. Normalmente são realizadas 6 sequências tendo
da a múltiplas tomografias computadorizadas de crânio e a deriva- cada uma a duração de 5 minutos. No caso específico desta
ção lombo-peritoneal sem, no entanto, ter-se chegado a uma paciente, em cada seqüência ela pedia para sair de dentro do
conclusão diagnóstica sobre a causa da patologia. Foi solicitada túnel da RM (câmara onde se encontra o magneto que gera o
a realização de exames de ressonância magnética e angioresso- campo magnético e a radiofreqüência) aumentando desta forma o
nância de crânio pela equipe de neurocirurgiões para definir o tempo total de permanência na sala.
diagnóstico; no entanto havia a preocupação na realização dos Durante a primeira seqüência, percebeu-se um ritmo cardía-
co irregular compatível com fibrilação atrial. Em cada saída, do
túnel da RM a paciente era interrogada com relação a sintomas.
Serviço de Eletrofisiologia e Marcapasso - Manaus, Hospital Santa Julia Após a primeira seqüência a paciente referiu sensação de “queimor”
e Hospital Universitário Dona Francisca Mendes em região precordial e no local do gerador associado a vibração e
Correspondência: Jaime Giovany Arnez Maldonado. Rua “O”, 133 -
palpitações. Nas últimas seqüências a paciente persistia com o
Apto 702 - Parque 10 - 69050-290 - Manaus, AM
E-mail: jaimearnez@cardiol.br quadro de queimor precordial sendo este de maior intensidade
428 Enviado em 08/07/2004 - Aceito em 06/10/04 chegando a provocar dificuldade respiratória associada a rouquidão.

Arquivos Brasileiros de Cardiologia - Volume 84, Nº 5, Maio 2005

TAbr 36.p65 428 28/4/2005, 12:00


Ressonância Magnética em Paciente Portadora de Marcapasso

Foi feita sedação e corticoterapia venosa com a qual foi possível é considerada atualmente contra-indicação absoluta a realização
melhorar a sintomatologia e terminar a realização do exame. deste exame em pacientes portadores desta prótese1-4. As inte-
Todos os parâmetros hemodinâmicos se mantiveram estáveis rações adversas potenciais entre marcapasso e RM incluem a
durante todo o procedimento. Finalizado o exame, a paciente foi inibição de saída do marcapasso, aquecimento, vibração, estimu-
transferida para Unidade de Terapia Intensiva, tendo seu marcapasso lação assincrônica, indução de fibrilação atrial, indução de fibri-
reavaliado. Após monitorização, o ritmo observado era sinusal. lação ventricular, mau-funcionamento do modo switch, estimu-
O MP foi reavaliado por telemetria, sem dificuldades na interroga- lação atrial rápida, estimulação ventricular rápida e alteração da
ção. Evidenciou-se unicamente um aumento no limiar de comando programação com potencial dano ao circuito do marcapasso ou
atrial de 0,4 volts com 0,4 ms para 0,7 volts com 0,4 ms e os deslocamento do sistema5-8.
eletrodos permaneceram com a mesma impedância, as sensibilidades RM gera potentes forças eletromagnéticas na forma de campo
atriais e ventriculares não foram alteradas, a programação não apresen- magnético estático e campo magnético de radiofreqüência pulsátil9.
tou alterações, nem foram detectados danos no circuito do marcapasso O mau funcionamento dos MP é resultado da interferência da radio-
e/ou na bateria do gerador. A função contador de eventos documen-
tou uma fibrilação atrial (FA) (fig. 1) e uma taquicardia atrial (TA)
(fig. 2) que coincidiu com a entrada da paciente dentro do túnel da
RM e a ativação do campo de radiofreqüência. O Rx de tórax de
controle não evidenciou nenhuma mudança em relação ao posicio-
namento dos eletrodos e gerador (fig. 3).
Quanto ao resultado das imagens de crânio obtidas através da
RM, nenhum tipo de artefato foi gerado pela presença do marca-
passo (fig. 4 e 5).

Discussão

Devido aos riscos de efeitos adversos do magneto e do sinal


de radiofreqüência gerado pelo sistema da RM sobre o marcapasso,

Fig. 3 - Rx de tórax pós ressonância nuclear magnética.

Fig. 1 - Fibrilação atrial (A-EGM: Canal atrial; V-EGM: Canal ventricular).

Fig. 2 - Taquicardia atrial (A-EGM: Canal atrial; V-EGM: Canal ventricular). Fig. 4 - Angioressonância de crânio. 429
Arquivos Brasileiros de Cardiologia - Volume 84, Nº 5, Maio 2005

TAbr 36.p65 429 28/4/2005, 12:00


Ressonância Magnética em Paciente Portadora de Marcapasso

prática clínica nas quais a RM é necessária para prover valiosas


informações. Negar a estes pacientes a realização deste procedi-
mento pode ter significativo impacto na sua conduta.
A realização de uma RM em pacientes não-dependentes de
marcapasso eliminaria as complicações potenciais, caso a esti-
mulação fosse inibida durante o exame1,11.
Martin e cols.1, em uma série de 54 pacientes portadores de
marcapasso (não-dependentes) submetidos a 62 exames de RM
usando sistema de 1,5T, sendo avaliados 61 geradores de pulso e
107 eletrodos mostrou um perfil de segurança nesta série de
pacientes.
Vahlhaus e cols.10, em um estudo prospectivo de 32 pacien-
tes submetidos a 34 exames de RM a 0,5T, sendo avaliados os
limiares de estimulação e sensibilidade, impedância de eletrodo e
a voltagem, corrente e impedância da bateria mostrou que RM a
0,5T não causa mudanças irreversíveis no sistema do MP.
Lauck e cols.12 analisaram a influencia da RM de 0,5T sob a
Fig. 5 - Ressonância de crânio.
nova geração dos MP, utilizado modelos fantasmas e usando os
seguintes modos de estimulação: VVI, VVIR, VOO, DDD, DDDR e
DOO. Não foi identificada influência na função de estimulação e
freqüência durante a realização da RM podendo causar uma total nem na programação do MP. A função contador de eventos perma-
inibição da saída atrial e ventricular ou, ao contrário, podendo causar neceu intacta.
estimulação perigosa em altas freqüências nas câmaras, provocan- No presente caso, a sensação de “queimor” precordial, presen-
do fibrilação atrial ou ventricular, causando efeitos deletérios3,5-7. ça de arritmia supraventricular (FA/TA) e mudança no limiar de
Outro efeito adverso provocado pela energia de radiofreqüência comando do MP podem ser atribuídas ao aquecimento e vibração
é o aquecimento dos eletrodos que deve ser considerado quando do sistema de eletrodos provocado pela energia de radiofreqüência
expomos pacientes a RM, sendo este o fator causal do desconforto emitida durante a obtenção das imagens. Além disso, não foi evi-
precordial durante a realização do exame e da mudança no limiar denciada nenhuma outra alteração no sistema do marcapasso.
de comando do MP1,6. Nesta paciente não dependente de MP a RM com 0,5T apre-
Devido a estes fatos, a realização de RM em pacientes porta- sentou certos riscos e complicações (sintomas e arritmias) porém
dores de MP está formalmente contra-indicada. mostrou-se potencialmente segura com riscos baixos e calcula-
A segurança e viabilidade da RM em pacientes com MP é um dos. Assim, podemos concluir que a contra-indicação absoluta à
assunto que está ganhando importância10. Existem situações na realização de RM em portadores de MP vem sendo reavaliada.

Referências

1. Martin ET, Coman JA, Shellock FG et al. Magnetic resonance imaging and cardiac 7. Holmes DR, Hayes DL, Gray JE et al. The effects of magnetic resonance imaging on
pacemaker safety at 1.5-Tesla. JACC 2004; 43: 1315-24. implantable pulse generators. Pacing Clin Electrophysiol 1986; 9: 360-70.
2. Consenso SOCESP-SBC sobre Ressonância Magnética em Cardiologia. Arq Bras 8. Hayes DL, Vliestra RE. Pacemaker malfunction. Ann Intern Med 1993; 119: 828-35.
Cardiol 1995; 65: 469-74. 9. Fontaine JM, Mohamed FB, Gottlieb C et al. Rapid ventricular pacing in a pace-
3. Hayes DL, Holmes DR, Gray JE. Effect of 1.5T nuclear magnetic resonance imaging maker patient undergoing magnetic resonance imaging. Pacing Clin Electrophysiol
scanner on implanted permanent pacemakers. J Am Coll Cardiol 1987; 10:782-6. 1998;21:1336-9.
4. Roguim A, Zviman MM, et al. Modern Pacemaker and Implantable Cardioverter/ 10. Vahlhaus C, Sommer T, Lewalter T et al. Interference with cardiac Pacemakers by
Defibrillator Systems Can Be Magnetic Resonance Imaging Safe. Circulation 2004; magnetic resonance imaging: are there irreversible Changes at 0.5 tesla? Pacing Clin
110: 475-82. Electrophysiol 2001;24 (4Pt1);489-95.
5. Erlebacher JA, Cahill PT, Pannizzo F et al. Effect of Magnetic Resonance imaging 11. Inbar S, Larson J, Burt T et al. Case report: nuclear magnetic resonance imaging
on DDD pacemakers. Am J Cardiol 1986; 57: 437-40. in a patient with a pacemaker. Am J Med Sci 1993; 305:174-5.
6. Achenbach S, Moshage W, Diem B et al. Effects of magnetic resonance imaging on 12. Lauck G, von Smekal A, Wolke S et al. Effects of nuclear magnetic resonance ima-
cardiac pacemakers and electrodes. Am Heart J 1997; 134: 467-73. ging on cardiac pacemakers. Pacing Clin Electrophysiol 1995; 18: 1549-55.

430
Arquivos Brasileiros de Cardiologia - Volume 84, Nº 5, Maio 2005

TAbr 36.p65 430 28/4/2005, 12:00

Você também pode gostar