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Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2018
Capítulo 15
Introdução
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Ainda nesta direção sabe-se que em grande parte a ciência
é caracterizada por teoria e método. A teoria é a maneira como
se observa a realidade investigada, pois, não parece possível
compreender e explicar o problema por ele próprio, o que exige
a mediação de teorias, crenças e representações, enquanto os
caminhos trilhados na investigação representam os métodos
(MINAYO, 2002).
Neste sentido, a escolha teórica e metodológica, desde
o seu planejamento até a execução da investigação, deve ser
carregada de consciência e intencionalidade, para que o
pesquisador desenvolva a adequada compreensão do objeto,
de maneira contextualizada e coerente.
Logo, pesquisar representa processo complexo
envolvendo teoria, método, operacionalização e criatividade,
com o pesquisador integrado a realidade (MINAYO, 2007).
O responsável pela investigação deve ser cuidadoso para
garantir que diante as informações coletadas seja garantida a
continuidade do curso metodológico inicialmente previsto, de
maneira o mais respeitosa possível.
É justamente diante do exposto até aqui que o presente
estudo ganha importância, pois como visto de maneira
resumida, a hermenêutica trabalha na busca de uma espécie de
significado silencioso e latente que ela acredita estar presente
em todo real a ser pesquisado. É como se houvesse um
discurso anterior ao próprio discurso, isto é, a própria escolha
teórica e metodológica que movimenta uma ação de pesquisa
já vem carregada de necessidade de explicação e interpretação
do pensamento que a movimenta. Daí a importância de se
verificar como internamente vem sendo utilizado o método
hermenêutico nas pesquisas realizadas no âmbito da Educação
Física no Brasil.
270
Hermenêutica: da definição ao método
271
Esta orientação investigativa depende da existência
da linguagem, locus dos significados, reconhecendo que o
discurso não é a única maneira de manifestação da realidade
humana. Mas, essa é carregada da realidade que a gerou, com
o “ser” da linguagem e como linguagem representando sentido
ofertado pelo discurso (GHEDIN, 2004).
A linguagem representa uma entidade histórica, com sua
herança cultural dinâmica e multifacetada, por isso complexa,
fruto de longo trabalho poético, gramatical e filosófico
(RÉE, 2000). Nesse sentido, a hermenêutica proporciona
a aproximação desta história ao determinar, de maneira
contextualizada o significado da palavra, considerando seu
sentido na frase do discurso do indivíduo dessa comunidade
(BRAIDA, 2000).
Sem que haja a contextualização histórica, cultural e
social o método hermenêutico não será garantido em sua
plenitude, gerando consequente fragilidade na interpretação
e compreensão da linguagem sob análise. Esta dinâmica
contextual almeja tornar um fenômeno compreensível pela
tradução da linguagem comunicativa inicialmente oral,
traduzida para texto escrito, devido a certa dessemelhança
entre a palavra falada e a escrita, para só então o pesquisador
se dedicar a sua interpretação e compreensão (ALVES, 2009).
Na busca de uma definição, a Hermenêutica pode ser
entendida como teoria da interpretação, especificamente da
linguagem, que recorrentemente demanda a tradução, no
contexto histórico e cultural, para sua compreensão. Visto
que, a significação dos termos não são naturais, logo são
atribuídos segundo à arbitrariedade do signo linguístico,
representando convenção social, respeitando sua tradição e
história (RUEDELL, 2005).
A proposição é recolher o sentido do discurso. Mas, até que
ponto isso é possível ou como pode ser feito? A Hermenêutica
272
é também o próprio esforço de compreender a maneira de
compreender. O pensar hermenêutico é também uma busca
da razão das significações dos seres (GHEDIN, 2004). A
questão fundamental é que seja evitada a valorização exclusiva
dos preconceitos do pesquisador e consequente supressão ou
desvalorização da necessidade de contextualização histórica e
teórica no ato da interpretação e compreensão da linguagem a
ser analisada.
Mas, afinal o que seria a Hermenêutica então? Nas
palavras de Gadamer (2001) é um caminho para o pensar,
pensar por si mesmo, considerando a falta de aprendizagem
sem o pensamento. Sua essência esta na mesma base da
pergunta que não tem resposta definitiva.
Braida (2000) a entende como a arte da compreensão
apropriada do discurso do sujeito. Para Alves (2009) a
Hermenêutica não almeja a verdade, mas, o sentido do
texto, pois, a verdade é aquela do sujeito, sendo demandada
a verificação das versões orais das informações em análise,
enquanto momento em que o sujeito soberano é desmantelado
diante do sujeito de fato.
Para que seja realizada uma apropriada análise
hermenêutica é necessário que o investigador se aproxime do
cotidiano dos sujeitos e se aproprie o máximo possível dos seus
hábitos e comportamentos culturais e sociais, somente desta
maneira poderá interpretar e compreender as informações com
a menor perspectiva preconceituosa e equivocada possível.
A admissão na prática científica da orientação
hermenêutica “ajuda a pensar” possibilidades da pesquisa que
vão além da metodologia, perpassando pela escolha do tema,
determinação do problema, escolhas teóricas e a abordagem
das informações obtidas (REZER; FENSTERSEIFER;
NASCIMENTO, 2011).
273
A opção pela pesquisa Hermenêutica vai para além
da mera escolha de um caminho metodológico, representa
a introspeção na vida, considerando as questões históricas,
culturais e sociais como a apropriada maneira de realização
da análise compreensiva pelo olhar do sujeito, frente a sua
linguagem discursiva. A interpretação e compreensão,
enquanto centralidade na discussão Hermenêutica, indica
que esta, somente será Hermenêutica, quando carregada de
contextualização.
274
Teses e Dissertações da CAPES (2013), escolhido por conter
todos os resultados da produção acadêmica da pós-graduação
brasileira, considerando publicações desenvolvidas entre os
anos de 2001 à 2012, valendo-se da busca pela combinação das
palavras: “Hermenêutica” e “Educação Física”.
Foram encontradas inicialmente 45 teses e dissertações.
Após uma primeira análise baseada no título do trabalho,
identificou que 34 atendiam ao objetivo proposto por este
trabalho. Na sequência, foi feito a análise dos resumos e
constatou-se que eram 28 dissertações e 06 teses, 14 originados
de Programas de Pós-Graduação em Educação Física, 18 de
Educação, uma de Psicologia e uma de Linguística.
Ao desenvolver analise das 14 produções desenvolvidas
em pós-graduações na Educação Física, destaca-se o seguinte
enquadramento quanto as linhas de pesquisa na Universidade
Federal de Santa Catarina: Teoria do Desenvolvimento Humano
(01); Teorias Pedagógicas e Didáticas do Ensino da Educação
Física e do Esporte (01); Educação Física, Condições de Vida
e Saúde (03), Teorias sobre o Corpo e Movimento Humano na
Sociedade (01).
Na Universidade São Judas Tadeu a distribuição é
a seguinte: Educação Física na Promoção de Saúde (01) e
Educação Física, Escola e Sociedade (02). Na Universidade
Gama Filho apenas na linha Representações Sociais da
Educação Física, esporte e lazer (02). Por fim, na Fundação
Universidade de Pernambuco as produções pertencem a linha
de pesquisa Prática Pedagógica e Formação Profissional em
Educação Física (03).
Em prol da ampliação de estudos hermenêuticos na
Educação Física, Alves (2009) indica que movimentar-
se cria linguagem – corporal (própria ao ato) ou verbal
(comentário do movimento – inter-relacionado ao corpo e ao
275
sujeito). A história de vida é capaz de captar esta linguagem,
e a Hermenêutica a torna compreensível na verificação do
interlocutor, sendo essa verificação e suas possibilidades não
desbravadas que interessaria a estes estudos.
O delineamento dos textos elencados é diversificado,
tais como: pesquisa-ação, estudo de caso, análise documental,
etnografia. Com diferentes procedimentos de coleta de
informações: entrevista, questionário, ficha de observação.
Com a presença dos procedimentos metodológicos que
envolvessem a hermenêutica sendo estruturados de duas
maneiras: bases epistemológicas para a pesquisa ou técnica de
análise de informações.
No que tange as bases epistemológicas para a pesquisa
21 estudos (61,76%) fizeram referência explicita. Oito
pesquisas (23,52%) foram elaborados a partir do paradigma
epistemológico hermenêutico-filosófico na busca da
interpretação dos sentidos embasado na “percepção de que
as expressões humanas contêm componente significativo,
que tem que ser reconhecido como tal, por um sujeito e
transposto para o seu próprio sistema de valores e significados”
(BLEICHER,1992, p.13).
Onze investigações (32,35%) são apresentadas como
pesquisa de base fenomenológico-hermenêutica o que,
segundo Dartigues (1992, p.135) pretende “decifrar o sentido do
texto da existência, esse sentido que precisamente se dissimula
na manifestação do dado [...] não mais se contentando em ser
descrição do que se dá ao olhar, mas interrogação do dado que
aparece”.
Dois trabalhos (5,88%) são sustentados na Hermenêutica
Crítica, que também pode ser chamada de crítica dialético-
hermenêutica, ao enxergarem “limites na positividade
linguística para fundamentar uma interpretação efetivamente
276
emancipadora dos fatos humanos, reclamando o movimento
negador da crítica como elemento reconstrutivo dos discursos
e de seu sentido prático” (AYRES, 2005).
As outras treze teses e dissertações (38,23%) consideram
a Hermenêutica como técnica de coleta de informações. O
método dialético-hermenêutico, presente em oito trabalhos
(23,52%), é capaz de permitir a interpretação aproximada da
realidade, colocando a fala de maneira contextualizada, o que
permite entendê-la por dentro e na especificidade histórica e
ampla que é produzida (MINAYO, 2007).
A união entre Dialética e Hermenêutica é
determinante para melhor compreensão das relações sociais,
permitindo o entendimento do texto, da fala, o depoimento
enquanto resultante do processo social e do processo de
conhecimentoambos frutode diversificadas determinações e
significado específico (MINAYO, 2007).
A hermenêutica da escuta, esta presente em uma
produção (2,94%), tem concepção proposta por Gianni
Vattimo2, que pressupondo compreensão para além adequação
entre sujeito e objeto, reconhece a alteridade enquanto elemento
essencial na compreensão de si mediada pela compreensão do
outro (RAULI; TESCAROLO, 2009). Esta técnica não incide
nas preocupações científicas da coleta de informações, mas,
no exercício do diálogo para permitir que o pesquisador e o
sujeito reflitam sobre os temas investigados.
Dois textos (5,88%) basearam-se na técnica da
hermenêutica de profundidade, guiando o pesquisador
na análise do contexto sócio-histórico e espaço-temporal
circulante ao fenômeno pesquisado, aceitando análises
discursivas, de conteúdo, semióticas ou de qualquer padrão
formal necessário (VERONESE; GUARESCHI, 2006).
2
Filósofo e político italiano nascido em 1936.
277
Figura 1: Hermenêutica em profundidade
278
Considerações Finais
279
arcabouço histórico-crítico que leve sempre em consideração
as diversas variações culturais em que o corpo humano se viu
enredado, diminuindo a relevância dos aspectos biológicos.
É justamente neste viés que entra nossa intenção em
apresentar até que ponto a hermenêutica se faz presente nas
pesquisas realizadas em Educação Física, bem como, o modo
como ela se faz presente. Pois ela é uma das possibilidades de
resolução da antinomia relatada acima, isto é, buscar o sentido
do sentido, escavar o discurso para assim verificar os seus
significados ocultos, interpretar o texto escrito pelo real, ser
capaz de compreender o não dito, perscrutar o pensamento.
Todas essas ações são extremamente condizentes aos
dois posicionamentos utilizados em pesquisas na área, pois
de um lado ajudariam a não permitir que a Educação Física
se restringisse a discurso biologista ingênuo que transforma
o corpo em uma mera máquina totalmente quantificável e
previsível, mas por outro lado, também ajudaria a não se
encarcerar em um discurso que reduziria o corpo a uma
construção cultural livre das amarras biologistas, mas que por
isso mesmo também ingênuo.
Obviamente não seria somente a hermenêutica a
resolver esta trama, mas com certeza ela contribuiria para a
construção de uma tessitura onde a Educação Física seria
capaz de ser educação, ao mesmo tempo, que não desprezaria
de modo algum os diversos dados das ciências que explicam
o intricado funcionamento desta máquina que é o corpo
humano, saberes biológico e da saúde.
Fica claro assim que a produção do conhecimento no
campo hermenêutico revela as implicações de se produzir
conhecimento com rigor metodológico no campo das ciências
em geral e, a partir do amadurecimento das técnicas de
categorização e compreensão do fenômeno investigado, será
280
possível a partir das leituras dos textos discursivos encontrar
as entrelinhas, os meandros, os sentidos atribuídos que,
por vezes, não é revelado em palavras claras, mas fruto de
uma construção discursiva carregada de influências sociais,
históricas, culturais, biológicas, físicas e psicológicas.
A pretensão então será envolver elementos na
pesquisa que possuam maiores consonâncias com a realidade
apresentada, de maneira multifacetada, levando a amplificação
para utilização de procedimentos, métodos e técnicas que,
aparentemente, não dialogam entre si, ou melhor, com
recorrente dificuldade para diálogo.
Nossa última constatação é de que a discussão
apresentada aqui também tem a possibilidade de influenciar
um outro debate, aquele que trata do currículo de formação
em Educação Física, problema extremamente atual e que vem
sendo objeto de inúmeros estudos realizados, principalmente
no que diz respeito ao equacionamento da licenciatura
e do bacharelado em EF quanto ao campo de ação e
consequentemente o tipo de profissional a ser formado, aqui
mais uma vez ao nosso ver a hermenêutica poderia desvelar
o não dito e ajudar na construção de um caminho que evite a
antinomia.
Referências
281
BLEICHER, J. Hermenêutica contemporânea. Rio de Janeiro:
Edições 70, 1992.
282
RÉE, J. Heidegger. História e verdade em Ser e Tempo. São
Paulo: UNESP, 2000.
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