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ENSINO E PRODUÇÃO DO

CONHECIMENTO NA SAÚDE, NO
ESPORTE E NA ESCOLA

Coleção MOVIMENTAÇÃO: DEBATES E PROPOSTAS


(Volume 4)
Realização:

&

CONSELHO EDITORIAL

Prof. Dr. Marcius de Almeida Gomes – UNEB/BA


Prof. Dr. Paulo Cezar Borges Martins – UNEB/BA
Profa. Me. Margaret Pereira Arbués – UFG/GO
Prof. Me. Edson Matias Dias – PUC/GO
Profa. Dra. Sueli Ribeiro Mota Souza – UNEB/BA
Prof. Dr. Antônio Lopes Ribeiro – FATEO/DF
Profa. Dra. Sandra Célia Coelho G. S. S. de Oliveira – UNEB/BA
Prof. Dr. Krzysztof Dworak – PUC/SP
Prof. Dr. Luís Flávio Reis Godinho – UFRB/BA
Prof. Dr. Itamar Pereira de Aguiar – UESB/BA
Profa. Me. Larissa Silva de Abreu Rodrigues – UNEB/BA
Profa. Me. Ivanete Prado Fernandes – UNEB/BA
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Isamary Roberta Ferreira Cézar; Ricardo Franklin de Freitas Mussi (Orgs.).

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BIBLIOTECA PÚBLICA ESTADUAL PIO VARGAS

AMO Amorim, Alexandra da Paixão Damasceno de.


ens Ensino e produção do conhecimento na saúde, no esporte e
na escola - Alexandra da Paixão Damasceno de Amorim; Berta
Leni Costa Cardoso; Isamary Roberta Ferreira Cézar; Ricardo
Franklin de Freitas Mussi (Orgs.) - Goiânia: / Kelps, 2018

290 p.: il.

ISBN: 978-85-400-2318-5

1. Análise 2. Artigos 3, Ensino I. Título.


CDU: 796: (045)

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Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2018
Capítulo 15

OS USOS DA HERMENÊUTICA NA PRODUÇÃO


CIENTÍFICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Prof. Dr. Ricardo Franklin de Freitas Mussi


Prof. Dr. Angelo Maurício de Amorim
Prof. Me. Warley Kelber Gusmão de Andrade
Profa. Dra. Saray Giovana dos Santos

Introdução

O presente texto trata do liame existente entre a produção


científica no campo da Educação Física e seu vínculo com a
hermenêutica. Neste sentido, será apresentado, de maneira
objetiva, o que é, e as implicações da hermenêutica na pesquisa,
bem como, uma análise das produções que a utilizam para a
descrição e análise da realidade.
Mais adiante será abordado de maneira mais clara o
significado e a abrangência do termo hermenêutica, mas a
título de introdução vale ressaltar que o significado de maneira
resumida desta palavra “é principalmente ‘expressão’ (de um
pensamento); daí, ‘explicação’ e sobretudo ‘interpretação’ do
pensamento” (MORA, 2001, p.1329).
Logo, é evidente a conexão de tal definição com a busca
pelo conhecimento, já que esta é tarefa rica, pela multiplicidade
das escolhas e caminhos metodológicos, como também, pelas
incertezas quanto ao êxito e contribuições sociais e acadêmicas
da pesquisa. Situações que só poderão ser minimizadas
ou alcançadas com opções e posicionamentos científicos
embasados, intencionais e coerentes ao problema e objetivo de
investigação.

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Ainda nesta direção sabe-se que em grande parte a ciência
é caracterizada por teoria e método. A teoria é a maneira como
se observa a realidade investigada, pois, não parece possível
compreender e explicar o problema por ele próprio, o que exige
a mediação de teorias, crenças e representações, enquanto os
caminhos trilhados na investigação representam os métodos
(MINAYO, 2002).
Neste sentido, a escolha teórica e metodológica, desde
o seu planejamento até a execução da investigação, deve ser
carregada de consciência e intencionalidade, para que o
pesquisador desenvolva a adequada compreensão do objeto,
de maneira contextualizada e coerente.
Logo, pesquisar representa processo complexo
envolvendo teoria, método, operacionalização e criatividade,
com o pesquisador integrado a realidade (MINAYO, 2007).
O responsável pela investigação deve ser cuidadoso para
garantir que diante as informações coletadas seja garantida a
continuidade do curso metodológico inicialmente previsto, de
maneira o mais respeitosa possível.
É justamente diante do exposto até aqui que o presente
estudo ganha importância, pois como visto de maneira
resumida, a hermenêutica trabalha na busca de uma espécie de
significado silencioso e latente que ela acredita estar presente
em todo real a ser pesquisado. É como se houvesse um
discurso anterior ao próprio discurso, isto é, a própria escolha
teórica e metodológica que movimenta uma ação de pesquisa
já vem carregada de necessidade de explicação e interpretação
do pensamento que a movimenta. Daí a importância de se
verificar como internamente vem sendo utilizado o método
hermenêutico nas pesquisas realizadas no âmbito da Educação
Física no Brasil.

270
Hermenêutica: da definição ao método

Hermenêutica, derivada do verbo grego Herrmeneuein,


traduzido ao português como interpretar (associado à dizer
ou anunciar, traduzir e explicar), e do substantivo hermeneia,
ou seja, interpretação. Remete-se à Hermes, deus mensageiro,
ligado à transmutação, transformação daquilo acima da
compreensão humana, especificamente das mensagens divinas,
em informações compreensíveis (RUEDELL, 2005).
A “interpretação” e “compreensão” assumem posição
central nas discussões sobre hermenêutica (REZER;
FENSTERSEIFER; NASCIMENTO, 2011). Representa a arte
de compreender o texto (no mais amplo sentido), no local
de encontro entre o passado e o futuro, com o diferente e a
diversidade mediada pela linguagem (MINAYO, 2002).
Neste sentido, dedica-se à interpretação e principalmente
à compreensão das linguagens ou textos, ou ainda do que é dito.
Para que seja aplicada de maneira adequada é fundamental a
contextualização histórica e regional, pois, nesta perspectiva
o sentido das coisas só é obtido a partir da aproximação do
pesquisador aos sujeitos e objetos estudados.
No século XIX, Friedrich Schleiermacher1 apresentou
regras gerais para a Hermenêutica, o que viabilizou sua
aplicação em diversas áreas do conhecimento, especialmente
em investigações da razão comunicativa (o humano,
suas vivências e criações) que não podem ser reduzidos à
perspectiva instrumental do conhecimento (de caráter racional
compreensivo, carregado de significações intencionais das
atividades históricas concretas da humanidade) (RUEDELL,
2005).
1
Filósofo e teólogo polonês (1768-1934), radicado na Alemanha.

271
Esta orientação investigativa depende da existência
da linguagem, locus dos significados, reconhecendo que o
discurso não é a única maneira de manifestação da realidade
humana. Mas, essa é carregada da realidade que a gerou, com
o “ser” da linguagem e como linguagem representando sentido
ofertado pelo discurso (GHEDIN, 2004).
A linguagem representa uma entidade histórica, com sua
herança cultural dinâmica e multifacetada, por isso complexa,
fruto de longo trabalho poético, gramatical e filosófico
(RÉE, 2000). Nesse sentido, a hermenêutica proporciona
a aproximação desta história ao determinar, de maneira
contextualizada o significado da palavra, considerando seu
sentido na frase do discurso do indivíduo dessa comunidade
(BRAIDA, 2000).
Sem que haja a contextualização histórica, cultural e
social o método hermenêutico não será garantido em sua
plenitude, gerando consequente fragilidade na interpretação
e compreensão da linguagem sob análise. Esta dinâmica
contextual almeja tornar um fenômeno compreensível pela
tradução da linguagem comunicativa inicialmente oral,
traduzida para texto escrito, devido a certa dessemelhança
entre a palavra falada e a escrita, para só então o pesquisador
se dedicar a sua interpretação e compreensão (ALVES, 2009).
Na busca de uma definição, a Hermenêutica pode ser
entendida como teoria da interpretação, especificamente da
linguagem, que recorrentemente demanda a tradução, no
contexto histórico e cultural, para sua compreensão. Visto
que, a significação dos termos não são naturais, logo são
atribuídos segundo à arbitrariedade do signo linguístico,
representando convenção social, respeitando sua tradição e
história (RUEDELL, 2005).
A proposição é recolher o sentido do discurso. Mas, até que
ponto isso é possível ou como pode ser feito? A Hermenêutica

272
é também o próprio esforço de compreender a maneira de
compreender. O pensar hermenêutico é também uma busca
da razão das significações dos seres (GHEDIN, 2004). A
questão fundamental é que seja evitada a valorização exclusiva
dos preconceitos do pesquisador e consequente supressão ou
desvalorização da necessidade de contextualização histórica e
teórica no ato da interpretação e compreensão da linguagem a
ser analisada.
Mas, afinal o que seria a Hermenêutica então? Nas
palavras de Gadamer (2001) é um caminho para o pensar,
pensar por si mesmo, considerando a falta de aprendizagem
sem o pensamento. Sua essência esta na mesma base da
pergunta que não tem resposta definitiva.
Braida (2000) a entende como a arte da compreensão
apropriada do discurso do sujeito. Para Alves (2009) a
Hermenêutica não almeja a verdade, mas, o sentido do
texto, pois, a verdade é aquela do sujeito, sendo demandada
a verificação das versões orais das informações em análise,
enquanto momento em que o sujeito soberano é desmantelado
diante do sujeito de fato.
Para que seja realizada uma apropriada análise
hermenêutica é necessário que o investigador se aproxime do
cotidiano dos sujeitos e se aproprie o máximo possível dos seus
hábitos e comportamentos culturais e sociais, somente desta
maneira poderá interpretar e compreender as informações com
a menor perspectiva preconceituosa e equivocada possível.
A admissão na prática científica da orientação
hermenêutica “ajuda a pensar” possibilidades da pesquisa que
vão além da metodologia, perpassando pela escolha do tema,
determinação do problema, escolhas teóricas e a abordagem
das informações obtidas (REZER; FENSTERSEIFER;
NASCIMENTO, 2011).

273
A opção pela pesquisa Hermenêutica vai para além
da mera escolha de um caminho metodológico, representa
a introspeção na vida, considerando as questões históricas,
culturais e sociais como a apropriada maneira de realização
da análise compreensiva pelo olhar do sujeito, frente a sua
linguagem discursiva. A interpretação e compreensão,
enquanto centralidade na discussão Hermenêutica, indica
que esta, somente será Hermenêutica, quando carregada de
contextualização.

Enlaces entre Pesquisa na Educação Física e


Hermenêutica

Ainda parece forte na Educação Física a discussão


científica que considera o corpo e o movimento pelo viés
analítico quantitativo, com suas experiências reduzidas a um
dado objetivo de análise. Enquanto, diversas vezes, a pesquisa
qualitativa, assumindo uma visão positivista, considera apenas
a ordem dos fatos, desconsiderando sua história de vida
(ALVES, 2009).
Adotar a Hermenêutica como um caminho para o
pensar na Educação Física representa tarefa complexa, com
produção científica que as entrelace ainda incipiente, devido as
seguintes hipóteses: a) suas questões teóricas parecem pouco
conhecidas na área; b) situação que gera baixo interesse entre
pesquisadores; e c) pode ser considerada filosofia que pouco
contribuiria para estudos caracterizados fundamentalmente
por intervenção ‘prática’; entre outras questões (REZER;
FENSTERSEIFER; NASCIMENTO, 2011).
A investigação sobre a presença da hermenêutica
enquanto opção metodológica em pesquisas realizadas na área
da Educação Física foi realizada a partir de buscas no Banco de

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Teses e Dissertações da CAPES (2013), escolhido por conter
todos os resultados da produção acadêmica da pós-graduação
brasileira, considerando publicações desenvolvidas entre os
anos de 2001 à 2012, valendo-se da busca pela combinação das
palavras: “Hermenêutica” e “Educação Física”.
Foram encontradas inicialmente 45 teses e dissertações.
Após uma primeira análise baseada no título do trabalho,
identificou que 34 atendiam ao objetivo proposto por este
trabalho. Na sequência, foi feito a análise dos resumos e
constatou-se que eram 28 dissertações e 06 teses, 14 originados
de Programas de Pós-Graduação em Educação Física, 18 de
Educação, uma de Psicologia e uma de Linguística.
Ao desenvolver analise das 14 produções desenvolvidas
em pós-graduações na Educação Física, destaca-se o seguinte
enquadramento quanto as linhas de pesquisa na Universidade
Federal de Santa Catarina: Teoria do Desenvolvimento Humano
(01); Teorias Pedagógicas e Didáticas do Ensino da Educação
Física e do Esporte (01); Educação Física, Condições de Vida
e Saúde (03), Teorias sobre o Corpo e Movimento Humano na
Sociedade (01).
Na Universidade São Judas Tadeu a distribuição é
a seguinte: Educação Física na Promoção de Saúde (01) e
Educação Física, Escola e Sociedade (02). Na Universidade
Gama Filho apenas na linha Representações Sociais da
Educação Física, esporte e lazer (02). Por fim, na Fundação
Universidade de Pernambuco as produções pertencem a linha
de pesquisa Prática Pedagógica e Formação Profissional em
Educação Física (03).
Em prol da ampliação de estudos hermenêuticos na
Educação Física, Alves (2009) indica que movimentar-
se cria linguagem – corporal (própria ao ato) ou verbal
(comentário do movimento – inter-relacionado ao corpo e ao

275
sujeito). A história de vida é capaz de captar esta linguagem,
e a Hermenêutica a torna compreensível na verificação do
interlocutor, sendo essa verificação e suas possibilidades não
desbravadas que interessaria a estes estudos.
O delineamento dos textos elencados é diversificado,
tais como: pesquisa-ação, estudo de caso, análise documental,
etnografia. Com diferentes procedimentos de coleta de
informações: entrevista, questionário, ficha de observação.
Com a presença dos procedimentos metodológicos que
envolvessem a hermenêutica sendo estruturados de duas
maneiras: bases epistemológicas para a pesquisa ou técnica de
análise de informações.
No que tange as bases epistemológicas para a pesquisa
21 estudos (61,76%) fizeram referência explicita. Oito
pesquisas (23,52%) foram elaborados a partir do paradigma
epistemológico hermenêutico-filosófico na busca da
interpretação dos sentidos embasado na “percepção de que
as expressões humanas contêm componente significativo,
que tem que ser reconhecido como tal, por um sujeito e
transposto para o seu próprio sistema de valores e significados”
(BLEICHER,1992, p.13).
Onze investigações (32,35%) são apresentadas como
pesquisa de base fenomenológico-hermenêutica o que,
segundo Dartigues (1992, p.135) pretende “decifrar o sentido do
texto da existência, esse sentido que precisamente se dissimula
na manifestação do dado [...] não mais se contentando em ser
descrição do que se dá ao olhar, mas interrogação do dado que
aparece”.
Dois trabalhos (5,88%) são sustentados na Hermenêutica
Crítica, que também pode ser chamada de crítica dialético-
hermenêutica, ao enxergarem “limites na positividade
linguística para fundamentar uma interpretação efetivamente

276
emancipadora dos fatos humanos, reclamando o movimento
negador da crítica como elemento reconstrutivo dos discursos
e de seu sentido prático” (AYRES, 2005).
As outras treze teses e dissertações (38,23%) consideram
a Hermenêutica como técnica de coleta de informações. O
método dialético-hermenêutico, presente em oito trabalhos
(23,52%), é capaz de permitir a interpretação aproximada da
realidade, colocando a fala de maneira contextualizada, o que
permite entendê-la por dentro e na especificidade histórica e
ampla que é produzida (MINAYO, 2007).
A união entre Dialética e Hermenêutica é
determinante para melhor compreensão das relações sociais,
permitindo o entendimento do texto, da fala, o depoimento
enquanto resultante do processo social e do processo de
conhecimentoambos frutode diversificadas determinações e
significado específico (MINAYO, 2007).
A hermenêutica da escuta, esta presente em uma
produção (2,94%), tem concepção proposta por Gianni
Vattimo2, que pressupondo compreensão para além adequação
entre sujeito e objeto, reconhece a alteridade enquanto elemento
essencial na compreensão de si mediada pela compreensão do
outro (RAULI; TESCAROLO, 2009). Esta técnica não incide
nas preocupações científicas da coleta de informações, mas,
no exercício do diálogo para permitir que o pesquisador e o
sujeito reflitam sobre os temas investigados.
Dois textos (5,88%) basearam-se na técnica da
hermenêutica de profundidade, guiando o pesquisador
na análise do contexto sócio-histórico e espaço-temporal
circulante ao fenômeno pesquisado, aceitando análises
discursivas, de conteúdo, semióticas ou de qualquer padrão
formal necessário (VERONESE; GUARESCHI, 2006).
2
Filósofo e político italiano nascido em 1936.

277
Figura 1: Hermenêutica em profundidade

As etapas procedimentais da hermenêutica de


profundidade (figura 1) não configurariam um roteiro de
análise que segue um cronograma, mas, distintas dimensões
de análise, complementares, que devem respeitar o contexto e
os objetivos da pesquisa (VERONESE; GUARESCHI, 2006).
Dois trabalhos (5,88%) empregam técnicas de análise
alicerçada na hermenêutica objetiva, de Ulrich Oevermann3.
Esta consiste na análise profunda e sequencial da situação
em relação a teoria e, na interpretação detalhada a partir
do cruzamento de informações entre os sujeitos envolvidos
presentes nos textos.
As análises proferidas pelos cientistas sociais consistem
na apreensão do mundo de maneira compreensiva. Com
a hermenêutica objetiva figurando como resultado do
controle metodológico da operação empírico-cientifica para
compreensão (WERNET, 2000), obedecendo a seguinte
organização na pesquisa: determinação da pergunta, apreciação
preliminar geral e condições contextuais do material, seguida de
análise detalhada e determinação de generalizações estruturais
(MAYRING, 2002).
3
Sociólogo alemão, nascido em 1940.

278
Considerações Finais

Após a busca e descrição das produções da Pós-


graduação brasileira relativa a Hermenêutica e Educação
Física do início do século XXI até o ano de 2012, ficou aparente
um quantitativo incipiente de teses e dissertações frente a
quantidade de cursos existentes, especificamente, na área da
Educação Física propriamente dita.
Uma problemática que pode ser apresentada para mais
e melhores produções deste entrelace recai na dificuldade
ou pobre contato teórico-metodológico com as propostas da
Hermenêutica, o que reduz as possibilidades de amplificação
da sua aceitação e incorporação como referencial norteador
para intervenções e produções do conhecimento na área. Além
disso, fica o alerta que entre os estudos que afirmaram utilizar
esta teoria, alguns usam a sua metodologia ou método de
pesquisa para o tratamento e análise dos dados, o que indica
uma perspectiva hermenêutica fragilizada.
Por fim é relevante perguntar o que movimentou esta
investigação e, qual a importância em abordar tal tema. O fato
é que talvez estejamos presenciando nas pesquisas realizadas
no campo da Educação Física uma espécie de antinomia que
atravessa perigosamente os objetos de estudo propostos. Mas o
que exatamente pretendemos dizer com esta afirmação?
De um lado há um arsenal de pesquisas que examina/
disseca o corpo, apontando diversos caminhos que podem
conduzir este corpo a um máximo de desempenho e saúde,
desconsiderando aí completamente as implicações históricas
ou sociais envolvidas neste processo, bem como, as diversas
interpretações e significados do que seria saúde. Na outra
extremidade estão aqueles que acreditam que a Educação
Física deve pautar suas pesquisas exclusivamente em todo um

279
arcabouço histórico-crítico que leve sempre em consideração
as diversas variações culturais em que o corpo humano se viu
enredado, diminuindo a relevância dos aspectos biológicos.
É justamente neste viés que entra nossa intenção em
apresentar até que ponto a hermenêutica se faz presente nas
pesquisas realizadas em Educação Física, bem como, o modo
como ela se faz presente. Pois ela é uma das possibilidades de
resolução da antinomia relatada acima, isto é, buscar o sentido
do sentido, escavar o discurso para assim verificar os seus
significados ocultos, interpretar o texto escrito pelo real, ser
capaz de compreender o não dito, perscrutar o pensamento.
Todas essas ações são extremamente condizentes aos
dois posicionamentos utilizados em pesquisas na área, pois
de um lado ajudariam a não permitir que a Educação Física
se restringisse a discurso biologista ingênuo que transforma
o corpo em uma mera máquina totalmente quantificável e
previsível, mas por outro lado, também ajudaria a não se
encarcerar em um discurso que reduziria o corpo a uma
construção cultural livre das amarras biologistas, mas que por
isso mesmo também ingênuo.
Obviamente não seria somente a hermenêutica a
resolver esta trama, mas com certeza ela contribuiria para a
construção de uma tessitura onde a Educação Física seria
capaz de ser educação, ao mesmo tempo, que não desprezaria
de modo algum os diversos dados das ciências que explicam
o intricado funcionamento desta máquina que é o corpo
humano, saberes biológico e da saúde.
Fica claro assim que a produção do conhecimento no
campo hermenêutico revela as implicações de se produzir
conhecimento com rigor metodológico no campo das ciências
em geral e, a partir do amadurecimento das técnicas de
categorização e compreensão do fenômeno investigado, será

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possível a partir das leituras dos textos discursivos encontrar
as entrelinhas, os meandros, os sentidos atribuídos que,
por vezes, não é revelado em palavras claras, mas fruto de
uma construção discursiva carregada de influências sociais,
históricas, culturais, biológicas, físicas e psicológicas.
A pretensão então será envolver elementos na
pesquisa que possuam maiores consonâncias com a realidade
apresentada, de maneira multifacetada, levando a amplificação
para utilização de procedimentos, métodos e técnicas que,
aparentemente, não dialogam entre si, ou melhor, com
recorrente dificuldade para diálogo.
Nossa última constatação é de que a discussão
apresentada aqui também tem a possibilidade de influenciar
um outro debate, aquele que trata do currículo de formação
em Educação Física, problema extremamente atual e que vem
sendo objeto de inúmeros estudos realizados, principalmente
no que diz respeito ao equacionamento da licenciatura
e do bacharelado em EF quanto ao campo de ação e
consequentemente o tipo de profissional a ser formado, aqui
mais uma vez ao nosso ver a hermenêutica poderia desvelar
o não dito e ajudar na construção de um caminho que evite a
antinomia.

Referências

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