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O Enterro do Sol

Terminou a agonia do dia longo e azul.


Puseram-lhe nas mãos o Cruzeiro do Sul
E o céu todo se encheu de sangue constelado,
como se um grande deus se houvesse suicidado!

E a tarde viúva lhe caíu de bruços sobre o corpo


ainda quente e lhe fechou os olhos longamente
e chorou tanto que ficou pingando estrelas...
Pingos brancos de lágrimas no espaço.

O enterro vai sair por um vão do horizonte...


Um morro - de cabeça enorme pensativa -
vai à frente, levando o féretro, passo a passo.
Todos os rios o acompanham em silêncio.

Passeiam nuvens pelo céu parado e absorto.


Vista de longe na amplidão da noite que começa,
a cidade organiza uma imensa corrida
de tochas rubras e entra a tomar parte
na grande marcha que acompanha o grande morto!

Horrivelmente branca uma lua selvagem


do lado espia a saída do enterro.
No resmungo do vento andam vozes estranhas...

E vagarosa em marcha fúnebre que assombra,


como vultos de dor desfilando na sombra
caminha a procissão silente das montanhas...

E diante de tamanha pompa, ao fim de cada dia,


fico a pensar, não sei por quê, nos enterros anônimos,
sem marcha fúnebre, sem corrida de tochas...
Tarde! Sensação do meu último dia!

-Cassiano Ricardo-

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