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Um rico mercador, chamado "Todo o Mundo" e um homem pobre cujo nome é "Ninguém",
encontram-se e põem-se a conversar sobre o que desejam neste mundo. Em torno desta conversa,
dois demônios (Belzebu e Dinato) tecem comentários espirituosos, fazem trocadilhos,
procurando evidenciar temas ligados à verdade, à cobiça, à vaidade, à virtude e à honra dos
homens.
Representada pela primeira vez em 1532, como parte de uma peça maior, chamada Auto da
Lusitânia (no século XVI, chama-se auto ao drama ou comédia teatral), a obra é de autoria do
criador do teatro português, Gil Vicente.
Entra Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo
após, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém e diz:
Ninguém: Buscas outro mor bem qu'esse? A palavra mor, muito pouco
empregada atualmente, é uma
forma abreviada de maior.
Poderíamos dizer, pois:
buscas outro maior bem...
Todo o Mundo: Busco mais quem me louvasse
tudo quanto eu fizesse.
Ninguém: E eu quem me repreendesse
em cada cousa que errasse.
Belzebu: Escreve mais.
Dinato: Que tens sabido?
Belzebu: Que quer em extremo grado
todo o mundo ser louvado,
e ninguém ser repreendido.
O autor deu o nome de Todo o Mundo e Ninguém às suas personagens principais desta cena.
Pretendeu com isso fazer humor, caracterizando o rico mercador, cheio de ganância, vaidade,
petulância, como se ele representasse a maioria das pessoas na terra (todo o mundo). E atribuindo
ao pobre, virtuoso, modesto, o nome de Ninguém, para demonstrar que praticamente ninguém é
assim no mundo.
O autor: Gil Vicente
Não se sabe, ao certo, a data do nascimento de Gil Vicente. Talvez 1452, 1465 ou 1470. Supõe-se
tenha falecido em 1537. Trabalhava junto à corte, como mestre da balança (ou seja, diretor da
Casa da Moeda). Em 1502, por ocasião do nascimento do príncipe D. João III, representou perante
a rainha mãe, ainda acamada, a peça Auto da visitação (ou Monólogo do vaqueiro). Com ela
iniciava o teatro em Portugal.
Em sua biografia quase tudo são hipóteses, inclusive a cidade portuguesa que teria sido seu berço
natal.
Mas o importante mesmo é o valor de sua extensa obra teatral, com a qual pintou um painel crítico
da sociedade portuguesa quinhentista, não lhe tendo escapado classe social alguma. Suas peças
eram, em geral, representadas nos paços reais, com a corte presente. Os cenários e os recursos
técnicos eram pobres, mas os temas engenhosos , as personagens decalcadas da realidade e a
agilidade do diálogo, além do humor, fizeram do autor um dos mais significativos de toda a
história da literatura portuguesa. Principais obras: Auto da Barca do Inferno, Auto da Barca do
Purgatório e Auto da Barca da Glória (a chamada Trilogia das barcas), Auto da Índia, Farsa de
Inês Pereira.
Apesar da dificuldade que poderá ocorrer na leitura e representação de suas peças, por causa da
linguagem antiga, vale a pena conhecer esse autêntico gênio do teatro português de todos os
tempos.
Fonte: "Aprendendo o Português...", Dino Preti, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1977