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UM HOMEM IRRESÍSTÍVEL

(Flynn)

Linda Turner

Ela não tinha forças para escapar dessa paixão selvagem...

O atraente peão de rodeios Flynn Rawlings não queria acreditar naquilo. Se


todas as mulheres o adoravam, qual era o problema com Tate Baxter? Ao se aproximar
dessa linda loira no baile de encerramento do rodeio, ela o congelou com o olhar. Mas
Flynn nunca aceitava um ―não‖ como resposta...
Uma amarga experiência havia ensinado Tate a não confiar nos homens.
Assim, no instante em que olhou para Flynn, ela concluiu que seria impossível resistir a
esse peão extremamente sexy. O mais prudente seria ficar bem longe dele!

Doação: Valeria
Digitalização: Joyce
Revisão e Formatação: Amanda F.
Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Capítulo I

Como sempre acontecia, o baile do rodeio fervilhava de peões em busca de


mulheres e divertimento depois de alguns duros dias de competição. Tate Baxter
entrou atrás da multidão, mas antes que a porta se fechasse às costas dela sentiu
vontade de desistir e ir embora. Já haviam se passado anos desde que ela fora pela
última vez a um daqueles bailes, que marcavam o encerramento de cada rodeio, mas
bastou uma olhada para ver que nada havia mudado. O ambiente estava à penumbra, o
ar era impregnado de fumaça e risos estridentes se espalhavam pelo salão. Um bar
improvisado funcionava a um canto e, ao fundo, um conjunto musical entoava os últimos
sucessos da música country, sempre falando de amor e perdição. Aquilo provocava a
lembrança de fatos que ela queria esquecer.
Kelly Saxon, a melhor amiga de Tate, subitamente agarrou no braço dela.
— Lá está ele! Meu Deus! Agora me responda, Tate: ele é ou não é a coisa mais
linda que você já viu na vida?
Tate não precisou perguntar quem ele era. Naturalmente tímida, Kelly vinha
seguindo há semanas o idolatrado Mitchell Dunn, comparecendo a todos os rodeio em
que ele se apresentava montando touros bravos, mesmo que fosse apenas para vê-lo de
relance. Tão logo descobriu que o rapaz iria ao baile naquela noite, suplicou a Tate que
a acompanhasse, já que não teria coragem de ir sozinha.
Seguindo o olhar de Kelly pela penumbra da pista de dança até onde estava o
alto domador de touros, recostado no balcão do bar e cercado por alguns amigos, Tate
viu-se obrigada a reconhecer que, no que se referia a beleza masculina, Mitchell era
realmente uma perdição. Parecia saído de um desses comerciais de cigarros da TV
mostrando belos espécimes do sexo forte lidando com cavalos num deslumbrante
cenário campestre. No coração de Tate, porém, a visão daquele homem não provocou
nenhum estremecimento especial. Há muito tempo que ela havia aprendido a manter
uma prudente distância de charmosos peões de rodeio.
— De fato, ele é um pedaço de mau caminho. - concordou Tate, sorrindo para
entusiasmada garota. — Mas o que é que você vai conseguir se ficar parada aqui, longe
desse jeito? Vá lá falar com ele, menina.
Kelly olhou para ela absolutamente horrorizada.
— Ah, eu não poderia fazer isso! Não saberia nem o que dizer.
— Então convide-o para dançar. - sugeriu Tate. — Olhe só. Ele está batendo
com o pé no chão, acompanhando o ritmo da música. Aposto que está louco para ir para
a pista de dança. Vá lá, Kelly, só para ver o que acontece.
Por alguns instantes Kelly ficou contemplando com olhos compridos o homem
dos sonhos dela, mas finalmente balançou a cabeça.

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— Talvez mais tarde, quando eu conseguir me acalmar um pouco.


Tate percebeu de pronto que aquela seria uma longa noite. Deus do céu. Será
que, quando tinha a idade de Kelly, ela também tinha sido tão insegura quando aquela
garota?
— Nesse caso, acho que vou buscar uma bebida. Está fazendo muito calor aqui.
— Deixe que eu vou pegar a bebida. - apressou-se em se oferecer Kelly. —
Enquanto isso, veja se arranja uma mesa para nós.
Antes que Tate pudesse abrir a bolsa para pegar dinheiro, a garota já estava
se afastando, rumando diretamente para o bar... e para Mitchell. Tate sorriu e ficou
olhando, divertida.
— Ora, Deus seja louvado! - exclamou uma voz masculina que ela conhecia
muito bem. — Mal posso acreditar no que estou vendo! Tate Baxter, bem na minha
frente, esperando o meu convite para dançar.
— Uma ova que ela está esperando o seu convite. ― rebateu outra voz, também
às costas dela. — Tate não dançaria com você nem que fosse o único homem disponível
daqui até o México. Não vê que ela está esperando por mim? Querida, diga a esse
palhaço que o que estão tocando é a nossa música.
Rindo, Tate voltou-se para Cade Delancy e Wyatt Hogan. Tanto o alto e calvo
Cade quanto o baixo e grisalho Wyatt trabalhavam há anos no circuito profissional dos
rodeios, primeiro como competidores e depois como árbitros, já que agora não
estavam mais em idade para subir no lombo dos enraivecidos touros. Para falar a
verdade, qualquer um deles tinha idade suficiente para ser pai de Tate... e, graças a
Deus, eram ambos perfeitamente inofensivos.
Com os olhos azuis brilhando de alegria por ter encontrado aqueles bons
amigos, ela contemplou os dois homens com um fingido ar de censura.
— Vocês já estão botando as manguinhas de fora outra vez, não é? Qual
seria a reação de Myrtle e Rachel se ouvissem o que vocês acabaram de me dizer?
Confiante, Cade abriu um enorme sorriso.
— Ora, doçura! Quem você acha que nos mandou aqui? As duas disseram
que já estão com os pés doendo de tanto dançar conosco e, de todas as garotas que
estão aqui, só confiam em você. Então, com quem vai dançar primeiro?
Wyatt enfiou a mão no bolso e tirou dé lá uma moeda, que jogou para o
amigo.
— Tome. Vamos decidir no cara-ou-coroa. - enquanto Cade lançava a moeda
ao ar, porém, o baixinho se aproveitou e pegou nos braços a parceira que ambos
disputavam.
— Tate chegou agora e precisa esquentar. Fique brincando com a moeda que
logo nós voltaremos.
— Ei! - protestou Cade, só então percebendo o engodo de que estava sendo
vítima.

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Mas já era tarde demais. Rindo, Wyatt saiu rodopiando com Tate, que ria
às gargalhadas.
Colocado no outro lado do salão, Flynn Rawlings observava a cativante e
risonha loirinha que saltitava pelo salão, passando dos braços de um parceiro de
barbas grisalhas a outro. Como se fosse a rainha do baile, ela mal tinha tempo de
respirar entre as músicas antes de ser outra vez arrastada para a pista de dança.
Agora estava nos braços de um peão de rodeio que era definitivamente casado.
E a diabinha dançava bem, constatou Flynn, apreciando as ancas bem
desenhadas que se requebravam vestindo a apertada calça jeans. Pequena e delicada,
com uma cintura tão fina que um homem facilmente envolveria com as mãos, ela se
movimentava como se estivesse num sonho. Flynn imaginou-se tendo-a nos braços. O
simples pensamento já foi suficiente para ele sentisse o sangue mais quente.
George Klein, que como ele montava potros bravios nos rodeios, reparou no
olhar do amigo.
— Ela é uma coisinha, não é mesmo? Não a conhece?
Incapaz de afastar os olhos da mulher que se movimentava na pista de
dança, Flynn balançou a cabeça.
— Não, mas gostaria de conhecer. Ela está no circuito?
George dissimulou o sorriso.
— Está, sim. O nome é Tate Baxter. Participa da corrida dos cilindros e é
boa como o diabo nisso. Se você acha que Tate dança bem, devia vê-la na sela de um
cavalo. Rapaz! - George balançou a cabeça para os lados. — Essa menina conquistaria o
título mundial com a maior facilidade, desde que quisesse competir a temporada
inteira, mas parece que não está interessada. Só faz o suficiente para ganhar o
dinheiro que precisa para pagar os estudos. Parece que ela quer ser médica. Por isso,
deve ser um bocado inteligente... embora eu reconheça que qualquer um é mais
inteligente do que eu. - dizendo isso o rapaz soltou uma risada. — Mas por que não vai
tirá-la para dançar?
Era justamente o que Flynn planejava, mas alguma coisa na voz do companheiro o
deixou alerta. Há apenas dois meses no circuito dos rodeios, ele já havia aprendido
que, tanto quanto os vaqueiros da fazenda da família dele, no Novo México, os peões
de rodeio adoravam passar trotes nos companheiros. Era sempre bom tomar cuidado
quando algum peão se mostrava muito solícito... e naquele momento George parecia
solícito demais.
Desconfiado, Flynn apertou os olhos azuis. Lançando a George um rápido olhar,
procurou deixar bem claro que não era nenhum bobalhão para cair em armadilha,
mesmo de brincadeira.
— Por que diz isso? Qual é o problema com Tate Baxter?
— Nenhum problema - garantiu o rapaz, fazendo uma cara de inocência. —
Juro, Flynn. Pode perguntar a qualquer um por aqui. - enfatizando o que dizia, George

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indicou com um gesto os risonhos peões que estavam por perto. — Eles vão dizer a
mesma coisa. Tate Baxter é uma gracinha. Quando quer, sabe proporcionar as maiores
alegrias a um sujeito. E aposto que ela está louquinha para dançar com você.
— É mesmo? - rebateu Flynn, ainda mais desconfiado. — Se ela é tão especial
assim, por que vocês não estão trocando socos aí para ver quem vai abordá-la
primeiro? Ela é casada, não é? No mínimo é separada. Eu juro por Deus George, se
aquela garota tiver um marido ciumento escondido por aí, pronto para saltar sobre o
primeiro que abraçá-la com um pouco mais de vontade, vou quebrar todos os seus
ossos e depois pendurá-lo de cabeça para baixo.
George ergueu as duas mãos, como se estivesse na mira de um revólver.
— Ela não é casada, nunca foi e, pelo que sei, nem tão cedo se casará. Juro
por tudo que é mais sagrado. A garota é tão livre quanto um passarinho e parece ter
sido feita para você. Pare de ficar indeciso e vá mostrar a esses palermas como é que
se dança com uma dama de verdade. Qualquer um pode ver que você está louco para
fazer isso.
Aquilo era algo que Flynn não podia negar, embora estivesse com a sensação de
que iria cometer um erro... um enorme erro. No entanto, muito tempo já se havia
passado desde que ele circulara pela última vez por uma pista de dança com uma
mulher que soubesse realmente o que estava fazendo. E aquilo era algo que Tate
Baxter evidentemente sabia fazer. Sorrindo para o parceiro de agora, que devia ter
idade suficiente para ser avô dela, ela mais parecia uma pluma conduzida pelo velhote.
Flynn chegava a ficar com a garganta seca.
Se não estivesse tão fascinado, teria escutado a voz da razão... e
principalmente reparado nos companheiros, às costas dele, que começavam a se
cutucar, contendo o riso. No entanto, os olhos de Flynn eram apenas para Tate Baxter.
— Está bem. - ele concordou. — Mas escute bem George, se está me
empurrando para uma armadilha, aproveite para se divertir à vontade, porque quando
chegar a minha vez não terei a menor piedade de você.
Imperturbável, George apenas riu.
— Estou morrendo de medo, Rawlings. Deixe de ser paranóico, homem, e vá
dançar enquanto tem oportunidade. Tate não aparece nos bailes com muita frequência
e, quando comparece, sempre vai embora cedo.
Flynn não quis ouvir mais nada e começou a atravessar a pista de dança. A sorte
estava lançada.
Com as faces coradas e os olhos brilhando, Tate estava quase sem fôlego
quando Cade conseguiu se aproximar reivindicando o direito de dançar com ela.
Resmungando contra amigos que só sabiam passar os outra para trás, ele a tomou nos
braços, a uma respeitosa distância, e saiu rodopiando com ela pela pista, mais
parecendo um rebocador que quisesse arrastar uma canoa numa corredeira sem deixá-
la emborcar.

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Sem conseguir conter o riso, Tate abraçou-se a ele quando a música chegou ao
fim.
— Agora chega, tio! - ela exclamou. — Não estou aguentando mais.
Cade balançou a cabeça, sem querer desistir.
— Você não pode se cansar tão depressa assim. A banda está apenas
esquentando. Na certa precisa de alguma coisa para recarregar as baterias. Fique
paradinha aqui que eu vou buscar uma cerveja para você... e outra para mim, é claro!
Bem que ela preferia uma Coca-Cola, mas agora Cade já abria caminho entre
a multidão, depois de tomar o cuidado de deixaria longe das vistas de Wyatt. Tate
abriu um sorriso, imaginando aqueles dois bons amigos na época em que, ainda
solteiros, estavam entre os mais requisitados peões de rodeio. Muito provavelmente
faziam palpitar mais depressa o coração das mulheres.
— Na certa isso é o que todos dizem, doçura, mas parece que estão tocando
a nossa música. Vamos dançar?
Entretida nos próprios pensamentos, Tate demorou algum tempo para
perceber que aquele convite, feito no sotaque característico do Novo México, era
dirigido a ela.
Surpresa, voltou-se para dar de cara com um peão de travessos olhos azuis
e covinhas nas faces provocadas pelo sorriso que parecia desafiá-la a resistir.
Problema, ela pensou, contendo um palavrão e sentindo o coração bater num
ritmo que a deixou irritada. Conhecia muito bem aquele tipo de problema. O rapaz
diante dela, por exemplo, era do tipo do qual mulher com algum senso de auto-
preservação deveria procurar ficar bem longe. Com cerca de um metro e oitenta, ele
era magro e de pele bronzeada. Apesar do queixo quadrado, tinha as feições de um
menino que houvesse crescido demais e fosse dado a travessuras.
Num passado não muito distante, um homem com aqueles olhos e aquele
sorriso não precisava fazer muita coisa para chamar a atenção dela. Agora, porém, não
era bem assim.
Aprumando o corpo, Tate olhou para o rapaz com uma expressão de frieza.
— Desculpe, mas eu não danço.
No primeiro instante Flynn teve certeza de que ela estava brincando.
— Ah, não? - ele inquiriu, mostrando um sorriso de descrença. — Mas o que
é isso, moça? Eu a estive observando e vi muito bem que você é capaz de dar lições de
dança à própria Ginger Rogers. E então? Vamos ou não vamos embarcar nessa canção?
— Não. - ela respondeu, sem se desculpar e sem dar maiores explicações. —
Agora, se me dá licença, preciso ir. Boa noite.
Antes que qualquer protesto pudesse ser pronunciado, Tate passou por ele
e foi se afastando sem olhar para trás. Espantado, Flynn ficou parado à margem da
pista de dança, ignorando os casais que o olhavam com curiosidade. Ele não se achava
um egocêntrico que não fosse capaz de, vez por outra, suportar uma rejeição. No

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entanto, se não queria mesmo dançar com ele, aquela mulher podia simplesmente dizer
isso com toda clareza. Não precisava ter mentido daquele jeito.
Lançando um olhar duro à aquela convencida, Flynn girou o corpo e retornou
ao local onde estavam os amigos.
George o recebeu com tapinhas no ombro.
— Não se aborreça, amigão. Isso às vezes acontece.
— Que história é essa de ―às vezes‖? - resmungou Randy Jordan, colocando
uma nota de dez dólares na mão de George. — Isso sempre acontece com Tate Baxter,
e você sabe muito bem. Eu é que não sei como fui tolo o suficiente para apostar em
Flynn. Ele pode arrancar suspiros das adolescentes sonhadoras e inexperientes, mas
isso não significa nada para Tate. Ela gosta tanto de peões charmosos quanto eu gosto
de ser jogado de cima do lombo de um touro enraivecido.
Reparando que mais dinheiro trocava de mãos entre os que haviam
observado a humilhante experiência pela qual ele havia passado, Flynn voltou-se com os
olhos apertados para George, que mostrava o mais cândido dos sorrisos.
— Ora, muito bem. Você já se divertiu um bocado... além de ter posto no
bolso alguns dólares às minhas custas. Agora, que tal me dizer que diabo está
acontecendo por aqui? O que Tate Baxter tem contra peões de rodeio?
— Tudo. - respondeu George. — Um amansador de touros cafajeste
engravidou-a quando ela estava com dezessete anos e sumiu de vista no instante em
que descobriu que ia ser papai.
— O sujeito simplesmente a dispensou?
— Sim, como se ela fosse uma batata quente. - confirmou Randy. — Pelo que
se sabe, Tate nunca mais teve notícia dele... o que não é necessariamente uma coisa
ruim. Aquele pilantra não valia nada mesmo e ela está numa situação muito melhor do
que se estivesse com ele.
— Pode ser. - concordou George. — No entanto, a garota tem levado uma
vida que não é das melhores. Só Deus sabe como ela consegue sustentar a filha
sozinha. Percorre metade do país dirigindo aquela pick-up caindo de velha para
arranjar algum dinheiro nas competições de que participa na primavera e no verão. E
gasta praticamente tudo nos estudos. Não é fácil, meu velho.
Pela expressão dos outros rapazes que o cercavam, Flynn concluiu que a
pequena competidora da corrida dos cilindros tinha um bom conceito entre todos ali...
embora ela própria não tivesse os peões em muito alta conta. Olhando outra vez para
Tate, como se fosse atraído por um imã, ele ficou observando enquanto ela abraçava
os dois velhotes com quem havia dançado antes, voltando-se em seguida para uma ruiva
bonitinha que conversava timidamente com Mitchell Dunn. Segundos mais tarde Tate
Baxter marchava para a porta. Sozinha.
A moça não o havia olhado mais depois de dispensá-lo, mas Flynn teve a nítida
sensação de que ela estava indo embora tão cedo por causa dele... por causa de uma

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tentativa de aproximação que, mesmo sem ter tido essa intenção, a deixara
constrangida. E aquilo o perturbava mais do que ele queria admitir.
Entre os melhores amigos de Flynn estavam algumas mulheres. E ele as
adorava. Adora a, delicadeza delas, a agudeza de espírito e os intrigantes caminhos
que utilizavam para raciocinar. Também adorava as tentadoras curvas de que elas
eram dotadas. Não se lembrava de ter conhecido uma única mulher de que não
houvesse gostado e, pelo menos conscientemente, jamais seria capaz de fazer algo que
as agredisse. Em geral as mulheres percebiam de pronto que Flynn não estava
querendo nada sério. Como Tate Baxter, por exemplo...
Droga! Ele não havia pensado em nada além de uma simples dança!
— Bem, ela não precisa se preocupar comigo, porque não a perturbarei mais.
- murmurou Flynn, afastando os olhos da porta por onde Tate havia desaparecido. —
Afinal de contas, há muitas outras garotas por aqui com quem poderei dançar. Para
onde terá ido a rainha do rodeio?
Deixando para trás o salão onde se realizava o baile, Tate contornou a arena
e rumou para o acampamento reservado aos competidores. Nos dias anteriores aquele
acampamento estava praticamente lotado. Agora, porém, terminado o Rodeio Red
Rock, muitos dos peões já haviam partido para participar de outros rodeios, restando
poucas pessoas acampadas ali. Entre os que haviam ficado, a pick-up dela, cuja parte
traseira tinha todos os confortos de um pequeno trailer, era a única onde havia luz
acesa.
Sem se espantar com aquilo, Tate abriu um sorriso. Na certa era Ellie
Saxon, a irmã de dezessete anos de Kelly, que havia resolvido ler até tarde. Babá
preferida de Haily, Ellie adorava romances de mistério e naquela tarde havia
começado a ler o último livro de Stephen King.
Quando Tate abriu a porta, devagar, a primeira coisa que viu foi o rosto muito
pálido de Ellie, que havia se levantado do sofá e, com o livro fechado na mão, olhava
diretamente para ela com os olhos arregalados.
— Ai, graças a Deus é você! - exclamou a garota. — Levei um susto danado.
— E eu que pensei que essa cara de medo fosse por causa da história que você
está lendo. - disse Tate, rindo. Olhando para a cama que havia por cima da cabine da
pick-up, onde viu os cabelos loiros e cacheados da filha, ela mostrou um sorriso
enternecido. — Estou vendo que a diabinha resolveu ir para a cama na hora certa. Ela
lhe deu muito trabalho?
— Haily queria ver Jornada nas Estrelas na TV, mas mal conseguiu ficar
com os olhos abertos durante o noticiário. Acomodou-se ali e de lá para cá não ouvi
mais nada. E então? Divertiu-se no baile? Quem estava lá?
Ouvindo referências ao ídolo da irmã e a alguns outros peões do circuito,
Ellie suspirou.
— Uau! Aposto que Kelly ficou nas nuvens, não foi? As garotas partem para

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cima desses rapazes como moscas no mel. Você dançou com algum deles?
Tate riu e balançou a cabeça.
— Eles nem sabem que estou viva, mas antes que eu viesse embora Kelly me
contou que Matt a convidou para sair...
— Ah, mas isso é fantástico!
— Para mim a noite até que não foi um fiasco total. - continuou Tate,
piscando o olho para a garota, — Cade Delancy e Wyatt Hogan também estavam lá e
providenciaram para que eu não tomasse-um chá de padeira. Foi muito divertido, sim.
— Mas Cade e Wyatt são velhos! - horrorizou-se Ellie. — E casados!
E inofensivos, acrescentou Tate, em silêncio, enquanto ria.
— E daí? Que diferença pode fazer uma aliança de casamento? Além disso,
a idade é apenas um estado de espírito. Cade e Wyatt podem ser um pouco mais velhos
do que eu, mas ainda têm simpatia de sobra. Sempre me fazem rir.
— Tem razão. Eu também gosto daqueles dois, mas... - Ellie hesitou por
alguns instantes, procurando as palavras, mas finalmente desistiu da diplomacia. — Se
espera encontrar um homem que lhe sirva, você não pode ficar o tempo todo por aí de
braço com seus amigos casados. Tem que circular, espalhar a notícia de que está
disponível para que todos os solteiros fiquem sabendo.
Tocada pela genuína preocupação que viu nos olhos da garota, Tate não se
ofendeu. Ellie a fazia lembrar-se de si própria aos dezessete anos... jovem, ingênua e
irremediavelmente romântica, tão ansiosa por amor que aquilo chegava a doer. Naquela
época, a ingenuidade não a deixara perceber o quanto era vulnerável. Ansiosa por viver
a vida havia se transformado em presa fácil para o primeiro homem que apareceu com
um sorriso tentador no rosto simpático.
Numa bandeja de prata Tate entregara o coração para aquele homem... além do
próprio orgulho. Mas não voltaria a cometer o mesmo erro. Jamais se arrependeria de
ter tido a filha, mas agora as duas pagavam pela tolice que ela fizera ao confiar em
Rich Travis. Haily crescia sem a presença do pai. Quanto a ela, Tate, era mãe sem
nunca ter sido esposa. Não conhecia a alegria de dormir todas as noites ao lado do
homem amado, alguém de quem pudesse esperar apoio nas horas difíceis e com quem
pudesse dividir as responsabilidades de educar uma criança. E dificilmente aquilo
sofreria alguma mudança. Tate não permitiria a aproximação de nenhum homem que
pudesse machucá-las.
— Não estou em busca de um marido. - ela disse a Ellie, calmamente. —
Descobri há muito tempo que não preciso da companhia de um homem para ser feliz.
Ellie olhou para ela com um misto de espanto e desânimo.
— Mas você é tão bonita, Tate! Aqueles rapazes fariam qualquer coisa para...
Não me diga que ainda não reparou na forma cpmo eles a olham. Você poderia escolher
o que quisesse, qualquer um deles. Mesmo Mitchell Dunn ou Pete Saunders!
Tate sorriu. Pelo jeito como garota falava, Dunn e Saunders estavam no mesmo

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nível de Mel Gibson e Torn Cruise. Se qualquer um dos dois sorrise para Ellie, ela
pensaria que havia morrido; e chegado no céu. Não percebia que o céu imaginado por
Tate era uma coisa bem diferente.
— Obrigada, mas não estou interessada. - descartou Tate, com um sorriso,
enquanto pegava na bolsa o dinheiro com que pagaria a Ellie pelo serviço de babá. —
Simplesmente não estou interessada. — depois de entregar uma nota de dez dólares,
ela saiu para certificar-se de que a mocinha chegaria em segurança ao trailer dos
Saxon, estacionado no outro lado do acampamento. — Obrigada por ter tomado conta
de Haily, querida. Estou realmente muito grata.
A garota murmurou um boa noite e começou a atravessar o acampamento. Tate
não precisava ser capaz de ler pensamentos para saber o que estava naquela cabecinha
ingênua.
No esplendor dos dezessete anos e apaixonada pelo amor, Ellie não poderia
entender por que ninguém jamais deveria querer se apaixonar. Que Deus protegesse
aquela doce adolescente, poupando-a da desgraça de descobrir isso por si própria.

Ele havia sido sorteado para montar Hornet, uma das potrancas mais
traiçoeiras e ariscas de todo o circuito. Maldizendo a sorte, Flynn saiu caminhando por
entre as pessoas que se aglomeravam por trás das arquibancadas da arena ao ar livre
de Garden City, no Estado de Kansas. O dia estava quente e de todos os lados ouviam-
se as reclamações dos peões contra o sol forte, mas ele não prestava atenção no que
aqueles homens diziam. Talvez devesse desistir, naquele momento mesmo, daquela
ideia de ser peão profissional de rodeio... Pelo menos, estaria se. poupando de um belo
fiasco. Naquele ano tinham sido muito poucos os cavaleiros que haviam conseguido se
aguentar em cima de Hornet até que soasse a campainha. Seria um milagre ele
acrescentar o próprio nome àquela reduzida lista. Droga!
Perdido nos próprios pensamentos, Flynn não viu a mulher que vinha em sentido
contrário e em quem acabou esbarrando. Tomado de surpresa, ele soltou um palavrão e
estendeu as mãos para segurá-la apenas segundos antes que ela desabasse com o
traseiro no chão. Foi só quando a mulher ergueu a cabeça, com os olhos azuis cheios de
espanto, que ele se deu conta de que estava segurando nos braços de Tate Baxter.
Já havia se passado uma semana desde que ela lhe dera o fora. Naquele
período, Flynn havia jurado a si próprio que a tiraria da cabeça. Não era homem para
ficar se lamentando por causa de uma rejeição e, além disso, não faltava mulher no
circuito dos rodeios. Em cada local elegia-se uma rainha do rodeio, sem falar nas
garotas que estavam sempre dirigindo olhares e sorrisos insinuantes para os peões.
Assim sendo, não havia por que se fixar em uma determinada mulher.

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O problema era que, desde aquele dia, ele não havia se interessado por
nenhuma outra... fosse para dançar, para namorar ou para qualquer outra coisa. E
agora percebia o motivo disso. Nenhuma mulher poderia ser tão fascinante quanto
Tate Baxter.
Esquecendo momentaneamente o confronto que teria com Hornet, Flynn
abriu um sorriso.
— Ora, se não é a moça que não dança...
Ainda com os braços apertados pelas mãos fortes do peão e o corpo muito
perto do dele, Tate sentiu o coração em disparada. Se aquele era o tipo de dança de
que Flynn Rawlings gostava, ela havia acertado em não aceitar o convite dele.
Esforçando-se para demonstrar serenidade, ela recuou um passo,
obrigando-o a soltá-la.
— Ao que parece não está acostumado a ser rejeitado, sr. Rawlings. -
observou Tate, com frieza.
Imperturbável, Flynn não desfez o sorriso.
— A questão não é a rejeição. Tenho o couro curtido e sei assimilar os golpes.
Mas realmente acho problemático ouvir mentiras. E você mentiu para mim, doçura.
Mentiu descaradamente. Não quer me explicar por que fez isso?
Sentindo calor nas faces, Tate procurou uma saída digna.
— Eu não...
Ela mal havia começado a falar quando Flynn chegou bem perto, olhando-a nos
olhos com o nariz praticamente encostado no dela.
— Olhe nos meus olhos quando estiver mentindo, doçura. Talvez dê melhor
resultado.
— Eu... eu... - olhando para ele, Tate abriu os braços, exasperada. — Está bem,
sr. Rawlings. Reconheço que menti e peço desculpas. Era isso o que queria ouvir?
Flynn abriu mais o sorriso, mas ainda não estava satisfeito.
— Na verdade, queria saber como você descobriu o meu nome. Saiu por aí
fazendo perguntas a meu respeito?
Tate sentiu um calor ainda mais forte nas faces. Será que aquele homem não ia
parar com aquilo? A égua já estava pronta, esperando por ele, a apresentação
começaria dentro de poucos instantes. Se Flynn Rawlings não estivesse no lombo da
potranca quando o portão fosse aberto, seria penalizado.
No entanto ele parecia perfeitamente relaxado, como se tivesse à disposição
todo o tempo do mundo.
Pensando bem, Tate não encontrou motivos para ficar tão surpresa. De fato,
tinha feito perguntas sobre aquele homem. Não que tivesse algum interesse nele, mas
sim por não tê-lo reconhecido. E não havia gostado do que descobrira.
Flynn Rawlings era o filho mais novo de uma rica família do Novo México e
obviamente havia se integrado ao circuito de rodeios apenas para se divertir. Tate não

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questionava o fato de ele ser rico, mas sim as atitudes irresponsáveis. Todos no
circuito dos rodeios se esforçavam para vencer com o objetivo principal de ganhar
algum dinheiro para pôr comida na mesa e encher o tanque do veículo, podendo assim
chegar à cidade onde se realizaria a próxima competição. Para Flynn, pelo menos nesse
aspecto, ganhar ou perder não fazia a menor diferença.
Tate olhou para a baia onde vários homens ajudavam o peão que se
apresentaria antes de Flynn.
— Já não devia estar se preparando para quando chegasse a sua vez, peão?
Flynn seguiu o olhar dela e voltou-se para as baias, onde se desenvolvia uma
intensa atividade. A contragosto, afastou-se um passo, depois outro.
— Você está me devendo uma dança. - ele disse, falando depressa. — Quando
poderei cobrar a dívida? Que tal esta noite?
Se ficasse por mais algum tempo ele acabaria se atrasando. Aproveitando-se
disso, Tate mostrou o mais doce dos sorrisos.
— Que tal em alguma noite do verão de 2010? Eu certamente estarei livre. E
você?
— Ora, mas o que e isso? - rebateu Flynn, rindo. — Também não precisa ser
assim comigo. Eu sou um bom sujeito. Pode perguntar a qualquer um. Vão lhe dizer que
sou tão inofensivo quanto uma pulga.
Sem se impressionar muito, Tate ergueu as sobrancelhas.
— Isso não depõe muito em seu favor, porque as pulgas transmitem a peste
bubônica.
Flynn soltou uma risada. Por que não havia esbarrado naquela mulher quinze
minutos antes? Pelo menos teria tempo para conversar um pouco. Olhando para trás,
viu quando Dutch Larkon saiu em disparada da baia no lombo de Buttercup e ouviu os
gritos nervosos dos companheiros chamando por ele.
Resmungando uma praga ele correu para a baia. No meio do caminho, voltou-se
rapidamente e olhou outra vez para Tate.
— Ainda não terminamos a nossa discussão, moça. Espere por mim.
Depois que saltou por cima da cerca metálica da baia Flynn não pôde pensar em
mais nada além do que teria que fazer em seguida. Rapidamente se colocou por cima do
animal, segurando firmemente na correia. Hornet até que estava calma, mas ele não se
iludiu com aquilo. Já vira aquela égua em outros rodeios e sabia que, tão logo o portão
se abrisse, ela sairia em disparada pela arena como um marimbondo enlouquecido.
Os auxiliares do rodeio, todos muito jovens, estavam vibrantes como sempre.
Sem dúvida sonhavam com o dia em que também seriam peões.
— Pensamos que você ia perder a sua vez, Flynn. Está pronto?
— A arena está limpa, vaqueiro. Logo que estiver pronto, abriremos o portão.
— Acredite, Flynn. Você conseguirá.
Flynn mal prestava atenção naqueles comentários. Enfiando mais o chapéu na

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

cabeça, segurou firmemente a correia com a mão esquerda e apertou o pescoço de


Hornet com os joelhos, ainda sem ter tocado com as esporas na barriga da égua. Então
respirou fundo. No instante em que deu a ordem para que o portão fosse aberto,
sentiu a descarga de adrenalina na corrente sanguínea.
Depois de um instante em que o tempo pareceu ter parado, foi como se tudo se
transformasse num inferno. Hornet arremessou-se para a arena saltando
desesperadamente para os lados, como um demônio enlouquecido. Queria de qualquer
forma soltar a correia que lhe apertava a barriga e na qual Flynn segurava para se
equilibrar.
Sentindo-se um boneco de marionete que saltitasse preso à ponta de um
barbante, ele se aguentou como pôde, procurando se concentrar nas técnicas que havia
aprendido para se manter no lombo do enraivecido animal. Além de cuidar para não ser
jogado ao chão, precisava movimentar o mínimo possível o corpo, com o que angariaria
pontos junto aos juizes. No entanto, Hornet não estava disposta a facilitar nada disso.
Se Flynn já não soubesse daquilo, juraria que o animal sabia exatamente o que
ele pretendia e fazia tudo paradificultar-lhe a ação. A certa altura Hornet pôs-se a
saltar de um lado para outro, rapidamente mas de forma ritmada, o que facilitou a
manutenção dele no lombo da égua. Logo em seguida começou a girar, sem nenhum
aviso. Flynn pôde apenas se segurar na correia, esperando pela campainha que
anunciaria o final da apresentação. Subitamente Hornet pôs-se a girar em sentido
contrário. Como não podia prever aquela mudança de direção, Flynn viu-se
arremessado no ar no instante em que ouviu o som estridente da campainha.
Por sorte aterrissando longe dos cascos da égua, ele rapidamente se pôs de pé e
sacudiu a poeira das roupas. Hornet agora parecia o mais dócil dos cordeirinhos, já que
não sentia mais o peso do cavaleiro nem o castigo das esporas na barriga. Enquanto
trotava para fora da arena, a potranca tinha a cabeça erguida, como se saboreasse o
triunfo de tê-lo jogado na poeira. Flynn juraria que a desgraçada estava rindo dele.
Pelos alto-falantes ouviu-se, a voz do apresentador, dirigm-do-se à assistência;
— Senhoras e senhores, uma salva de palmas para Flynn Rawlings. É o oitavo
cavaleiro consecutivo que Hornet derruba, ela que é a favorita para conquistar o título
de animal mais arisco da temporada. Mas Flynn obrigou-a a trabalhar muito para
continuar almejando esse título. Desejamos que tenha melhor sorte na próxima vez,
peão.
Com um sorriso amarelo, Flynn agradeceu os aplausos, bateu no chapéu para
tirar a poeira e foi saindo da arena. Enquanto caminhava rapidamente por trás das
baias, tinha alguma esperança de que Tate ainda estivesse por ali, mesmo que ela
houvesse presenciado aquela humilhante derrota. Vendo que a moça não estava por
perto, parou, aborrecido.
— Mas que droga! - ele resmungou.
Qual era o problema com aquela mulher, afinal? Pela forma como ela ficava

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

tensa sempre que o via, qualquer um diria que ele realmente podia transmitir a peste
bubônica. Flynn não estava gostando nada daquilo. Ele já sabia que, no passado, Tate
Baxter fora vilmente traída por um calhorda. Era perfeitamente compreensível uma
mulher assim se mostrar reticente em se envolver com outro homem. Flynn entendia
isso. Entendia, sim. No entanto, ele não tinha feito nenhum mal a ela e não via motivo
para toda aquela reserva. Afinal de contas, não estava interessado em nenhum
relacionamento duradouro. Longe disso! Tudo o que queria era um namorico sem
maiores consequências. Se tivesse ficado por ali para terminar a conversa, ela própria
chegaria a essa conclusão.
Flynn continuou andando por trás das baias, procurando um lugar na
arquibancada para acompanhar o resto da competição. Ele próprio não podia mais
aspirar ao grande prêmio, já que não conseguira ficar no lombo da égua até que soasse
a campainha. No entanto, se tivesse melhor sorte na competição do dia seguinte,
poderia pôr a mão no prêmio do dia, que aliás estava acumulado. Além disso, seria
sempre útil o que pudesse aprender nas competições.
Ele não chegou a entrar na arquibancada. No meio do caminho encontrou Tate,
de pé na entrada de um dos camarotes bebendo uma Coca-Cola. Flynn marchou
diretamente para onde ela estava.
— Parece que é mesmo difícil seguir a sua pista. - ele disse, com naturalidade.
— Se eu não fosse esperto, diria que está querendo me evitar.
Espantada, Tate girou nos calcanhares para vê-lo bem ali perto, com aquele
sorriso de quem sabia exatamente o que ela pretendia mas não a deixaria escapar
outra vez. Apesar do esforço que fez para parecer fria, não conseguiu esconder um
sorriso. Logo depois, porém, examinou-o da cabeça aos pés.
— Mas você se acha mesmo esperto?
— Claro. - respondeu Flynn, com um brilho intenso nos olhos azuis. — Todos
gostam de mim e você sabe que eu não tocaria num fio de cabelo seu. Assim sendo, irei
apanhá-la às sete da noite, está bem? Comeremos alguma coisa e depois iremos a
algum lugar onde você possa me proporcionar a dança que está me devendo.
Olhando naqueles olhos travessos, Tate sentiu-se tentada a concordar sem
nenhum protesto. Será que estava perdendo o juízo? Flynn Rawlings falava numa
divertida e inocente noitada, mas seria bobagem pensar que ele era algum inocente.
Uma mulher precisaria ser muito tola para se encantar com aquele jeito de garoto
despreocupado. Ela, pelo menos, não era tão tola assim.
— Acho que não. - respondeu Tate, um pouco tensa. — Eu não marco encontros.
Nunca.
Sem demonstrar nenhum abatimento com a recusa, Flynn continuou a estudá-la,
com um ar divertido no rosto.
— Você não dança e não marca encontros. Melhor dizendo, não fazia nada disso
até o presente momento, doçura, porque vamos dar um jeito nessa sua vida social. Irei

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

apanhá-la às sete.
— Não!
— Às sete, então. - ele repetiu, com a maior naturalidade. — Agora vá se
aprontar para a sua competição. A noite comemoraremos a sua vitória.
— Pode ir para o inferno, Flynn Rawlings, porque não vou sair com você! -
protestou Tate.
Mas já era tarde demais. Com um sorriso atrevido, Flynn correu o dedo pela
face dela e voltou-se para se afastar.

Capítulo II

Tate resolveu dar uma boa lição naquele pretensioso e, trinta minutos antes da
hora marcada por Flynn Rawlings, saiu para passear com a filha. Tinha deixado claro
que não estava disposta a sair com nenhum homem, mas ele não dera a mínima atenção.
Que sujeitinho irritante! Ele que fosse mostrar a outra mulher as covinhas do rosto
para ouvir o que queria ouvir, mas logo descobriria que com ela esse tipo de truque não
funcionava, simplesmente porque não estava interessada. Não podia estar. E, se fosse
preciso Flynn Rawlings levar um bolo para chegar a essa conclusão, seria justamente
essa a atitude que ela iria tomar.
Mesmo assim Tate ficou com um certo sentimento de culpa ao ir com Haily
para longe do acampamento pouco antes da hora em que ele iria aparecer, às sete e
meia. As duas jantaram com Kelly Saxon e outras competidoras da corrida dos cilin-
dros, depois jogaram buraco até as dez da noite. Quando na companhia de Kelly para o
acampamento, tudo estava calmo e não havia sinal de Flynn
Aliviada, Tate levou a sonolenta Haily pelos fundos do acampamento e parou
quando viu o buque de flores silvestres que havia sido deixado sobre o caixote de
madeira emborcado que ela usava como degrau. Haily também parou, arregalando os
olhos verdes.
— Olhe, mamãe... flores! Para quem são?
Tate ficou olhando para o buque como se aquilo fosse uma cascavel pronta para
dar o bote. Não havia um bilhete, mas também não era preciso. Apenas um homem
teria a coragem de deixar flores à porta dela, caçoando dos esforços que ela fazia
para ignorá-lo: Flynn Rawlings.
Tentando controlar a curiosidade da filha de oito anos, Tate rapidamente
apanhou o indesejado presente e abriu a porta da parte habitável da pick-up.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Na certa alguém as deixou aqui por engano. - ela disse, no tom mais natural
possível. — Provavelmente eram para Cindy Johnson, que tem uma pick-up muito
parecida com a nossa. Cindy vive recebendo flores, bombons e coisas assim de
presente. Também, bonita como ela é...
— Mas talvez você tenha um admirador secreto. - contrapôs Haily,
esperançosa, embora parecesse intrigada com aquela ideia. — Puxa, mamãe! Isso não
seria divertido? Quem você acha que pode ser?
Tate soltou um riso forçado.
— Não é ninguém, querida. Agora chega de falar em admiradores secretos,
porque é hora de ir para a cama. Já é bem tarde.
Haily protestou, como era de se esperar, mas não insistiu no assunto. Um bom
tempo depois que a menina havia adormecido, porém, quando Tate se acomodou na
própria cama ainda sentia a doce fragrância das flores silvestres que, com certa
relutância, havia colocado na água em um vaso na pequena cozinha. Ao mesmo tempo, e
também contra a vontade, viu-se pensando em Flynn Rawlings. Ah, aquele homem! O
que ela iria fazer com ele?
Como um espinho cravado na pele, a lembrança daquele sorriso de menino
ficou na mente de Tate durante toda aquela noite e na manhã do dia seguinte. Quando
Haily lembrou-a de que por volta do meio-dia haveria na arena atividades para
crianças, ela achou que seria até bom praticar um pouco nos obstáculos antes da
competição daquela tarde. Talvez isso ajudasse a tirar da cabeça aquele homem
irritante.
Mas não adiantou nada, porque estava sempre se lembrando de quando havia
se encontrado com ele atrás das baias. E o pior era que, se não conseguisse se
concentrar no que fazia, dificilmente conseguiria pôr a mão no dinheiro dos prêmios
durante a competição.
Aborrecida consigo mesma, Tate deixou Haily na arena com as outras crianças
e voltou ao acampamento, determinada a manter a mente e as mãos ocupadas numa
limpeza geral na pick-up. Mas Flynn havia se adiantado naquilo. Armado com um balde
de água com sabão, ele se ocupava em limpar o veículo que ela usava também como
residência.
Espantada, Tate apertou os olhos.
— O que pensa que está fazendo?
Sem demonstrar a menor surpresa ao vê-la, ele se voltou para olhá-la e sorriu.
— Estou lavando a sua carruagem. Estava com algum tempo livre pela manhã e
achei que podia fazer isso para você. Haily está no rodeio infantil?
Tate balançou afirmativamente a cabeça, decidida a não permitir que ele outra
vez a deixasse enfurecida. Então colocou as duas mãos na cintura.
— Não posso deixar que você faça isso, Flynn.
— Fazer o quê? Limpar a pick-up. É claro que pode, porque já estou fazendo.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Não quer ajudar?


Tate olhou para o alto, achando que jamais havia conhecido um homem tão
difícil de lidar. O que seria necessário fazer para que ele se convencesse, de uma vez
por todas, de que não despertava o menor interesse nela?
— Não! - ela respondeu. — Se isso é mais um truque seu, como as flores,
apenas para me convencer a sair com você, está perdendo tempo. Não estou à procura
de um homem... de nenhum homem, qualquer que seja.
— Ora, isso é muito bom. - comentou Flynn, rindo. — Porque eu não sou um
homem qualquer. Não tenho a ilusão de que você perceba o que está dispensando
agora, porque ainda não quer se dar a chance de me conhecer. Quando isso acontecer,
certamente vai se perguntar por que tinha tanto medo. Eu sou inofensivo, Tate.
Evidentemente ela não acreditou numa só daquelas palavras. Inofensivo? Flynn
Rawlings? Talvez isso fosse verdade na época em que ele era apenas um bebê.
Pensando bem, nem assim... não com aquelas covinhas aparecendo no rosto sempre que
ele sorria.
Aquele homem era tão charmoso que evidentemente não estava acostumado a
enfrentar uma rejeição. Via-se, portanto, numa situação nova e insistir em conquistá-
la era apenas um jogo para ele. Mas precisava entender que Tate Baxter não era
mulher de se arriscar em jogos.
— Não me importo nem um pouco com isso, mesmo que você seja tão inofensivo
quando o coelhinho da Páscoa - ela rebateu, passando por ele para abrir a porta da
pick-up. — Apenas procure ficar longe de mim e do que é meu. Assim nos
entenderemos direitinho.
Sem dizer mais nada, Tate entrou e bateu a porta. Flynn ergueu a cabeça e
ficou olhando enquanto ela fechava as cortinas das janelas, uma por uma. Então abriu
um largo sorriso. Para uma mulher que não estava interessada, ela parecia se esforçar
demais em não olhar para ele.
Assobiando baixinho, Flynn prosseguiu no trabalho de lavagem da carroceria da
pick-up. Afinal de contas, considerava-se um homem paciente.
Sabendo que não devia brincar com a sorte, Flynn mante-ve-se afastado de
Tate pelo resto do dia, mas estava na arquibancada para assistir à vitória dela na
corrida dos cilindros, no fim da tarde. Não ficou surpreso quando ela recebeu o prêmio
e os aplausos da platéia. Afinal de contas, Tate Baxter, era uma atleta excepcional e
montava uma égua negra da melhor qualidade. Para Flynn, o difícil foi convencer-se de
que devia permanecer onde estava, em vez de correr para cumprimentá-la atrás das
baias. Ele tivera tempo para refletir sobre a estratégia que estava colocando em
prática e concluiu que já era tempo de fazer com que a moça provasse um pouco do
próprio remédio.
No entanto, não estava sendo fácil cumprir a determinação de evitá-la. Achando
melhor não comparecer ao baile do rodeio, que se realizaria naquela noite, Flynn

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

resolveu partir mais cedo para Wichita Falis, no Texas, onde aconteceria outro rodeio
no qual estava inscrito, um evento que duraria quatro dias.
No dia seguinte, ele mal havia acabado de armar a barraca no acampamento
perto da arena do rodeio, em Wichita Falis, quando viu a pick-up verde de Tate Baxter
parar diante do escritório da administração.
Um leve sorriso apareceu nos lábios de Flynn. O destino era mesmo uma coisa
engraçada. Justamente quando ele havia resolvido se manter distante da moça
durante algum tempo, eis que ela aparecia como se estivesse batendo à porta dele.
Obviamente Tate estava inscrita no mesmo rodeio, embora ele só ficasse sabendo
disso agora. Mas não teria mudado os planos, é claro, mesmo que tivesse tido antes
essa informação. Então ele deixou escapar uma risadinha. Era melhor não contrariar o
destino.
Flynn presenciou o exato momento em que Tate se deu conta de que, outra vez,
os caminhos deles haviam se cruzado. Saindo do escritório com um recibo na mão, ela
parou no instante em que viu o furgão dele, o que a fez franzir a testa. No instante
seguinte, moveu os olhos para vê-lo calmamente sentado numa cadeira de campanha,
desbastando um pedaço de madeira. Com um ar travesso, Flynn acenou para ela,
sorrindo. Se olhar frio matasse ele teria caído ali mesmo, mortinho da silva.
Flynn não conseguiu se controlar e riu com vontade. Ah, ele adorava uma mulher
de personalidade!
Tate, porém, não achou graça nenhuma. Ficou evidentemente indecisa, talvez
pensando em ir pegar o dinheiro de volta para sair à procura de um outro
acampamento. O mais próximo deles, porém, ficava a quase vinte quilômetros da arena.
Flynn sabia disso porque, chegando bem antes dela, havia levado um bom tempo
procurando o melhor lugar para se instalar.
Tate também já devia saber disso, porque depois de alguma hesitação pareceu
decidida a suportar a proximidade dele, já que não seria conveniente ir para outro
lugar. Virando as costas, ela enfiou o recibo no bolso e sentou-se ao volante da pick-
up.
Como ali cada um podia escolher o lugar onde ficar, Flynn não se surpreendeu
quando viu o veículo de Tate pôr-se em movimento, indo parar na outra extremidade
do acampamento, bem longe de onde ele estava. Era um recado bem claro. Caso ele
houvesse se esquecido, Tate Baxter estava repetindo que não queria aproximação.
Flynn voltou os olhos para a peça de madeira em que vinha trabalhando, um
hobby de infância que havia retomado ao se integrar ao circuito de rodeios. Tendo que
ficar em cidades em que não conhecia ninguém e não tinha nada para fazer, aquela
atividade não só servia para matar o tempo como também revelou um talento de que
ele não se imaginara possuidor. Sem saber bem como, Flynn viu-se entalhando em
madeira cenas em que apareciam intrépidos peões cavalgando potros ariscos ou mesmo
os anônimos caipiras que enfrentavam touros de mais de uma tonelada para salvar a

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

vida do homem que houvesse sido atirado no chão pelo bicho enraivecido.
A princípio, é claro, as peças tinham um acabamento grosseiro, mas ele
persistiu e sentia verdadeiro prazer em trabalhar a madeira com o formão ou com a
faca, para finalmente lixar cuidadosamente as figuras da cena entalhada. Depois de
algum tempo, foi como se aquelas imagens tivessem vida. Flynn conseguia capturar a
graça e a beleza plástica das cenas de rodeio, surpreendendo-se a si próprio. Agora as
peças que ele produzia tinha uma boa procura por parte dos outros peões, bem como
dos aficionados daquele esporte, o que também proporcionava uma renda que ele não
havia esperado obter nos rodeios.
Refletindo sobre as ironias do destino, Flynn continuou no cuidadoso trabalho
de entalhar a figura de um touro que não queria se deixar montar. Cada linha, cada
curva dos chifres retorcidos ou do corpo forte falava da fúria do animal.
Concentrado no que fazia, Flynn só percebeu que tinha visita quando uma
sombra encobriu a madeira que ele trabalhava. Surpreso, quase deixou cair o formão
quando ergueu a cabeça para ver os olhos verdes e o rosto curioso de Haily Baxter.
— Olá. - saudou-o a menina, com o sorriso aberto de uma criança no primeiro
contato com um desconhecido. — O que está fazendo?
— Estou entalhando. - ele respondeu, abaixando-se outra vez para apanhar o
trabalho. — Dê uma olhada.
Com uma reverência que o surpreendeu, a garotinha pegou o retângulo de
madeira e começou a passar os dedos pela parte entalhada, como se quisesse guardar
na memória cada uma daquelas curvas. Flynn ficou fascinado enquanto a observava.
Naturalmente ele já vira aquela menina entre as outras crianças que
acompanhavam os pais durante as férias de verão. No entanto, saberia que aquela era
a filha de Tate mesmo que a estivesse vendo pela primeira vez. Uma versão em menor
escala da mãe, Haily Baxter tinha ondulados cabelos loiros, que certamente
escureceriam um pouco com o passar do tempo, e um sorriso que mais parecia Tate
refletida no espelho. E os olhos... Deus do céu! Dentro de mais uns dez anos, aqueles
olhos grandes e expressivos seriam a perdição de muitos homens. Não que ele
estivesse correndo o mesmo perigo por causa da mãe da menina, naturalmente...
Antes que a mente começasse a divagar, Flynn resolveu puxar conversa com a
garotinha que estava diante dele.
— Bem, o que achou?
— Está muito parecido com Bullwinkle. - declarou Haily, sem querer fazendo um
enorme elogio, já que anunciava justamente o nome do touro em que ele havia se
inspirado. — Já ouviu falar nele?
— Ah, sim. - respondeu Flynn, sorrindo. — Bullwinkle é o touro mais filho da...
mais indomável de todo o circuito. Ninguém jamais conseguiu montá-lo.
Ele esperava que a menina se pusesse a falar sobre tudo o que sabia sobre
o touro em questão, mas surpreendentemente ela abriu mais os olhos azuis, cheia de

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

curiosidade.
— Você monta touros?
— Não. Por que? Tem alguma coisa contra quem monta touros?
— Mamãe acha que é uma coisa muito perigosa de se fazer.
Flynn riu, ao mesmo tempo que se sentia enternecido, já que percebia uma
sincera preocupação nos olhos da menina.
— Já fiz muitas loucuras na vida, doçura, mas não sou louco o suficiente
para subir no lombo de um touro. Um homem de juízo não deve montar uns certos
animais. Eu só monto potros. - então, num gesto solene, ele estendeu a mão para a
menina. — Meu nome é Flynn Rawlings. E você deve ser Haily Baxter. Já tive a
oportunidade de vê-la por aí com a sua mãe.
Satisfeitíssima por estar sendo tratada como uma adulta, Haily apertou a
mão dele com toda formalidade.
— Eu não devo falar com desconhecidos. - ela se culpou, para logo piscar o
olho, com um ar de cumplicidade. — Só que, como já sei o seu nome, você não é mais um
desconhecido. - contente com aquela dedução, ela rapidamente retornou a atenção
para o touro entalhado na madeira. — Como foi que você aprendeu a fazer isso? Será
que pode me ensinar?
Flynn hesitou, dirigindo os olhos para a pick-up de Tate, estacionada
embaixo das árvores no outro lado do acampamento.
— Não sei se seria prudente, doçura. O formão... as ferramentas que eu uso
são muito afiadas e talvez sua mãe não aprove.
— Ah... mas eu prometo que vou tomar cuidado. - insistiu Haily, em tom de
súplica. — Por favor. Você ficará bem do meu lado para que eu não faça nada de
errado. Por favor, por favor, por favor...
Era muito difícil resistir àquela diabinha, que devia ter consciência disso.
Rindo e balançando a cabeça, Flynn levantou-se para pegar no furgão um pedaço de
tábua bem menor do que o que estava entalhando.
— Está bem... - ele disse, quando retornou. — Mas tem que me prometer que
fará isso devagar e com muito cuidado. Sua mãe cortará a minha cabeça se você
acabar se machucando.
A menina riu de alegria.
Sem a menor dificuldade Flynn tornou-se amigo da filha de Tate. Não havia
planejado nada e jamais pensaria naquela possibilidade. Embora gostasse muito de
crianças, não costumava ter muito contato com elas, a não ser com Mandy, a filhinha
de Gable, o irmão dele. Só que Mandy era apenas um bebê, estando agora com nove
meses. Travar conhecimento com uma esperta garota de oito anos era uma verdadeira
delícia, mais ainda sendo ela uma cópia fiel da mãe.
E como falava aquela menina!
Engraçada, inteligente e sempre alegre, Haily apareceu para visitá-lo nos dois

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

dias seguinte, logo depois do café da manhã, ansiosa por novas lições de entalhe em
madeira e falando sem parar. Mesmo sem que Flynn fizesse perguntas, contou que
morava com o avô durante o período escolar, percorrendo o circuito de rodeios nas
férias de verão. Disse também que esperava ansiosamente pelo dia em que a mãe dela
se transformaria em médica. Seria muito bom!
Flynn devia ter parado com aquilo. Sabia que Tate não ficaria satisfeita quando
soubesse das confidências que Haily fazia a ele. Não que a menina estivesse sendo
encorajada... Pelo menos nesse aspecto ele estava com a consciência tranquila. Por
outro lado, Flynn não fazia nada para desencorajá-la, especialmente quando a menina
revelou, com a maior naturalidade, quais seriam os cinco próximos rodeios a que elas
estariam presentes. Para que a filha praticasse geografia, Tate havia mostrado no
mapa qual seria o roteiro. Haily pediu emprestado o atlas do novo amigo e, orgulhosa
consigo mesma, mostrou a ele que havia aprendido direitinho.
— Você vai, então?
Perdido naqueles pensamentos, Flynn não prestava muita atenção no que a
menina dizia.
— Se eu vou aonde?
— Jantar conosco. - respondeu Haily, imitando uma adulta paciente. —
Mamãe já disse que pode ir. Não vai ter nada especial... apenas cachorro-quente com
molho de pimentão. Você vai?
Pela primeira vez desde que eles haviam se conhecido Haily não olhava
diretamente nos olhos dele. Mantendo a cabeça abaixada e fingindo-se ocupada em
tirar finas lacas de madeira presas no short, ela resolveu explicar-se melhor.
— Bem... não foi exatamente assim. Eu não disse o nome do meu amigo,
porque... Sabe como é: mamão não parece gostar muito de peões de rodeio. Mas ela
vive me dizendo que eu posso convidar meus amigos para lanchar conosco e hoje
parece um dia bom para isso. Está bem?
Flynn quase soltou uma gargalhada. Está bem? Não se ele tivesse amor à
vida! Não havia nada demais em divertir-se um pouco perseguindo Tate Baxter, mesmo
que aquilo a deixasse enfurecida. Mas aproveitar-se do inocente convite para jantar
da filha dela... Seria uma situação até engraçada, mas nem todas as pessoas tinham o
mesmo senso de humor. Tate na certa o colocaria para fora no mesmo instante, o que
acabaria se transformando num problema para ela, já que Haily dificilmente saberia
entender.
— Acho que não é uma boalidéia, doçura. Quando sua mãe disse que podia
convidar seus amigos para jantar, referia-se a garotos da sua idade, não a peões
velhos como eu.
— Mas você não é tão velho assim!
Rindo, Flynn afagou os cabelos da menina.
— Ora, muito obrigado. É bom saber que ainda não preciso passar o dia

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

sentado numa cadeira de balanço, Mas continuo sendo um peão de rodeio. Você mesma
disse que sua mãe não gosta muito de peões de rodeio, lembra-se?
— Mas ela não o conhece. - argumentou Haily com uma lógica arrasadora. —
Como é que mamãe pode saber se gosta ou não gosta de você? E é até bom, porque ela
vai poder descobrir isso se você for jantar conosco.
Flynn ficou olhando para o rostinho de anjo da menina, percebendo que não
conseguiria resistir à tentação. Afinal de contas, que mal poderia haver em aceitar o
convite dela?
— Está bem, eu irei. - ele concordou, depois de alguma relutância. — Mas
não me culpe se tivermos que sofrer os dois as consequências disso.

Impaciente, Tate desligou pela segunda vez o fogo em que as salsichas do


cachorro-quente esquentavam. Mais de meia hora depois da hora marcada para o
jantar, o amiguinho de Haily ainda não havia chegado.
— Eu sinto muito, querida, mas acho que o seu amigo não vai aparecer. - ela
disse, olhando para o rosto desapontado da filha. — Não acha melhor começarmos a
comer?
— Mas ele prometeu que viria. Por favor, mamãe... Será que não podemos
esperar só mais alguns minutinhos?
— Mas você nem sabe se ele perguntou à mãe dele se podia vir, meu bem. É
muito possível que...
Ouvindo batidas na porta, Tate voltou-se imediatamente, esperando ver um
dos garotinhos acampados ali com os pais. No entanto, a única coisa infantil no homem
que esperava pacientemente que ela abrisse a porta era o já conhecido sorriso
travesso.
Tate sentiu o coração em disparada, o que a deixou enfurecida consigo
própria. Abrindo a porta apenas pela metade, ela apertou os olhos e dirigiu-se a Flynn
Rawlings.
— O que está fazendo aqui?
O visitante abriu a boca para falar, mas Haily se antecipou.
— Flynn! - exclamou a garotinha, passando pela mãe como uma flecha e
abrindo totalmente a porta para saltar nos braços do amigo. — Mamãe achou que você
não viria mais. Nós já iamos começar a comer.
Com os olhos azuis brilhando muito, Flynn entrou no apertado espaço
habitável da pick-up e colocou a menina no chão.
— Eu não ficaria zangado com vocês se tivessem feito isso. Pretendia estar
aqui na hora marcada, mas o furgão de George Klein quebrou depois do rodeio e ele me
pediu que o rebocasse até a oficina. - então ele olhou para Tate. — Desculpe pelo

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atraso, mas não tive como avisar.


Boquiaberta, Tate ficou olhando para ele.
— Quer dizer que... o amigo que Haily convidou para o jantar é você?
Flynn sentiu vontade de rir mas conteve-se, percebendo que aquilo não seria
prudente. Então fez uma cara de inocência.
— Pois é... Ela não lhe contou? Nós nos conhecemos há alguns dias e eu
estou ensinado a ela a arte de entalhar madeira... Se você concordar, naturalmente.
— Ora, mamãe não se incomoda. - antecipou-se outra vez Haily. — Ela até
acha bom quando eu aprendo coisas novas. Não é isso, mamãe?
Tate sorriu para a filha. Por dentro, porém, estava bufando de raiva. Logo que a
oportunidade se apresentasse, diria a Flynn exatamente o que pensava de um homem
que se aproveitava de uma criança inocente com o único objetivo de se aproximar da
mãe dessa mesma criança.
— É claro que eu aprovo, querida. - ela disse, afagando os cabelos da filha. — E
quero que me conte tudo o que aprendeu enquanto estivermos comendo. Você e Flynn
sentem-se lá fora que eu vou buscar a comida.
Determinada a não permitir que a presença de Flynn estragasse a refeição,
Tate resolveu ignorá-lo e voltou-se para o fogão. No entanto, o espaço ali era muito
apertado e a figura daquele homem parecia impor-se além da conta. Alto e forte, era
até difícil para ele movimentar-se num lugar tão pouco espaçoso.
Rumando para a mesa, que Tate havia arrumado embaixo da cobertura de lona
no lado de fora da pick-up, Flynn teria que passar justamente pelo local onde ela
estava, diante do fogão... o que não seria fácil.
Tate pensou em dizer que ele esperasse onde estava, até que a comida
estivesse pronta, mas agora já era tarde demais. Quando sentiu nas costas o contato
com o peito dele, achou que faltava oxigênio no ar. Absolutamente parada, Tate pro-
curou se convencer de que não precisava exagerar o que sentia. Se o coração mais
parecia um bate-estaca era porque ela ainda estava furiosa com aquele homem por ele
haver se aproveitado de Haily para se aproximar dela, Tate. Reagiria da mesma forma
com qualquer homem que fizesse aquilo, fosse ele Flynn Rawlings ou qualquer um outro.
— Com licença. - ele murmurou ao ouvido de Tate, em tom de desculpa, ao
mesmo tempo que, apenas por alguns segundos, encostava a ponta dos dedos no ombro
dela.
Logo cm seguida Flynn passou, juntando-se a Haily embaixo do toldo de lona.
Tate fechou os olhos, procurando respirar com naturalidade. Aquele homem era
um demônio capaz de tentar a mais virtuosa das freiras. Ela não podia permitir que ele
se aproximasse mais.
Vários minutos se passaram antes que Tate se achasse em condições de encará-
lo. Finalmente, arrumou vários cachorros-quentes numa bandeja, que levou para a
mesa. Armou no rosto um sorriso que não alcançava os olhos. Se aquele homem estava

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

querendo entrar à força na vida dela, não podia esperar ser recebido de braços
abertos.
— Mas como foi que você e Haily se conheceram? - ela perguntou, num tom leve,
enquanto se sentava à mesa de frente para ele.
Tate esperava deixá-lo enrascado com aquela pergunta, mas enganou-se
redondamente. Flynn abriu um enorme sorriso e pôs-se a contar como havia sido
abordado por Haily no acampamento. A menina participou alegremente do relatório,
acrescentando detalhes de que ele havia se esquecido. Não demorou para que o homem
e a criança conversassem e rissem como se fossem velhos amigos.
Tate procurou persistir na raiva contra Flynn, mas o desgraçado era
charmoso demais e ela não conseguia parar de olhá-lo. Ele parecia relaxado demais,
como se estivesse na própria casa. Tinha as pernas espichadas por baixo da mesa e
brincava com Haily como se ela fosse a sobrinha preferida. E Haily estava adorando
aquilo. Fazia brincadeiras com ele e falava pelos cotovelos, evidentemente se
divertindo muito.
Enquanto observava aqueles dois Tate sentiu que o aborrecimento ia se
desfazendo, de uma forma que seria impossível impedir. Como podia tratar mal o
homem que fazia a filha dela rir com tanta facilidade?
Se não se vigiasse, poderia mesmo gostar de Flynn Rawlings. Mais até do que
gostar dele.
Tate levou um susto ao se dar conta do pensamento que estava tendo. A
razão mandava que ela se lembrasse de Rich Travis, mas naquele momento era
praticamente impossível pensar em outra coisa que não fosse Flynn Rawlings, afastar
os olhos da camisa que cobria aquele peito musculoso...
O pior era quando, por baixo da mesa, a perna dele roçava na dela,
aparentemente por acaso. Flynn parecia interessado demais na conversa que estava
tendo com Haily para pensar em... para ficar tão excitado quanto ela estava.
Tate levou outro susto, percebendo que o coração não havia diminuído o
ritmo das batidas desde o aparecimento daquele homem. Talvez ela devesse tomar
mais cuidado consigo do que com Flynn Rawlings.
Naquela tarde se saíra muito mal na competição e não podia culpar ninguém
mais além de si própria pelo desempenho sofrível. Na verdade tinha sido impossível
concentrar a mente no que estava fazendo. Uma hora antes do início do rodeio ela
havia ligado para o pai e alguma coisa na voz do velho a advertira de que ele não estava
bem. Allen Baxter garantiu que estava bem, naturalmente, mas Tate sabia que o pai
não era homem de se queixar de nada. Mesmo assim ela achava que havia algum
problema e ficou preocupada.
Agora, o que menos precisava era ter a companhia de Flynn Rawlings, com
aquele jeitão relaxado de quem já fizesse parte da vida delas duas. Mas seria
impossível colocá-lo para fora sem ter uma boa explicação para apresentar a Haily.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Para complicar, Flynn não parecia com a menor pressa de ir embora. Frustrada, Tate
respirou fundo e procurou ser paciente, o que não era fácil.
Terminada a refeição, quarenta minutos inteirinhos se passaram antes que
o convidado de Haily dissesse que precisava ir. Depois de comer sem nenhuma pressa,
ele havia entretido a pequena amiga com histórias sobre os irmãos e irmãs passadas na
fazenda da família Rawlinss, no Novo México. Se estivesse em outra época, num outro
lugar e com um outro homem, Tate se permitiria sentir prazer em ouvir aquelas
histórias. No entanto, tinha a desagradável sensação de que Flvnn sabia exatamente o
quanto a irritava o fato de ele estar se demorando.
No instante em que Flynn se pôs de pé, com alguma relutância, Tate
prontamente também se levantou para impedi-lo de mudar de idéia. Ele muito
provavelmente percebeu aquilo, porque pareceu divertir-se.
— Obrigado pelo jantar, Pimentinha. - disse Flynn a Haily, alisando os cabelos da
menina. — Na próxima vez eu a levarei ao McDonald's.
— Verdade, Flynn? Eu vou adorar! Você vai deixar, não é, mamãe?
Tate queria deixar bem claro que não haveria uma próxima vez, mas aquilo não
podia ser dito na presença de Haily.
— Pensaremos nisso quando chegar a hora. - ela disse à filha, num tom evasivo.
— Agora vá levando os pratos para a pia, querida. Irei ajudá-la logo que Flynn for
embora.
Mesmo que tivesse o raciocínio de um elefante aquele homem teria que
entender a indireta. Em vez de apenas se despedir, porém, e tão logo Haily se afastou
para atender ao pedido da mãe, Flynn abriu aquele sorriso peralta que criava covinhas
no rosto.
— Você deve estar furiosa, não está?
— Furiosa? - repetiu Tate, com sarcasmo, embora falando baixo para não
chamar a atenção da filha. — Eu? Por que estaria furiosa? Só porque você vem me
seguindo através do país...
— Você não precisa dar a entender que eu a estou perseguindo ou coisa assim.
- cortou Flynn, subitamente sério. — Não tenho culpa se, por coincidência, nós dois nos
inscrevemos nos mesmos rodeios. Pensando bem, é você quem pode estar me seguindo.
— Só se for nos seus sonhos, peão. - rebateu Tate, quase perdendo a paciência
e sentindo vontade de voar no pescoço daquele impertinente. — Já tentei ser razoável
com você, mas parece que estive falando para uma parede. O que preciso dizer para
me fazer entender? Já disse que não estou interessada, mas parece que você não
ouviu uma só das minhas palavras. Chegou a me mandar flores... E não negue isso aí! -
ela se apressou em dizer quando ele abriu a boca para protestar. — Sei que foi você.
É o único homem que eu conheço que não aceita um não como resposta.
Sem conseguir mais se controlar, Tate deu vazão total à raiva e à frustração
que há vários dias a consumiam.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— E fazer amizade com a minha filha para poder se aproximar de mim foi um
golpe muito baixo! - ela prosseguiu. — Se passasse treinando para os rodeios metade
do tempo que gasta pensando em formas de chegar perto de mim, você bem que
poderia ganhar algumas competições. Só que não precisa ganhar, não é mesmo? Sua
família tem muito dinheiro e você participa disso apenas por esporte, para se divertir.
Bem, não é esse o meu caso. Será que entendeu agora? Eu não estou interessada!
Flynn não se considerava um estúpido. Menos ainda um masoquista. Quando
alguma coisa não dava certo, sabia perceber o momento de cair fora. Assim sendo, o
bom senso mandava que ele fosse embora naquele instante mesmo e tomasse
providências para nunca mais voltar a se encontrar com Tate Baxter. No entanto,
aquela moça precisava aprender que não era a única pessoa no mundo com permissão
para perder a paciência.
Esquecendo o bom senso, Flynn estendeu as duas mãos, segurou-a pelos
ombros e, antes que pudesse mudar de idéia, encostou os lábios nos dela.
Bastou tocar naqueles lábios carnudos e sensuais para perceber que havia
cometido um grave erro. No mesmo instante o coração de Flynn disparou e ele
percebeu que tinha nas mãos um problema muito sério. Já havia beijado várias outras
mulheres, sempre aproveitando a delícia de cada segundo. No entanto, ter nos braços
o corpo quente de Tate Baxter e sentir na língua o gosto daqueles lábios de mel
provocavam nele uma sensação que não se lembrava de ter experimentado.
Descarga elétrica. Não havia outra forma de descrever aquela sensação. Ao
abraçar e beijar aquela mulher ele se sentia como se estivesse sendo atingido por um
raio num dia de sol e sem nenhuma nuvem no céu. Era algo que vinha de lugar nenhum
para acertá-lo em cheio.
Embora soubesse que devia sair correndo naquele instante mesmo, Flynn
abraçou-a com mais força ainda, até sentir que eles estavam com os corpos colados, do
peito aos joelhos.
Tate ficou absolutamente parada, tentando convencer-se de que não era mulher
que encorajasse a paixão de um homem. Já haviam se passado quase nove anos desde
que ela fora beijada pela última vez, e não se queixaria se aquele tempo se contasse
em décadas. Ela não precisava daquilo... não desejava aquele homem. Tudo o que
precisava fazer era demonstrar a mais absoluta frieza, deixando de corresponder ao
beijo. Flynn acabaria entendendo o recado e a deixaria em paz. Era simples assim.
Ou seria simples, desde que ela não tivesse percebido que o coração dele batia
com a mesma intensidade do dela. Depois, quando a língua de Flynn penetrou entre os
lábios dela, roubando-lhe o fôlego, Tate pôde realmente sentir o gosto do desejo de
que ele devia estar possuído. Sentiu vontade de gritar, protestando por ele estar
usando táticas desleais. Que mulher seria capaz de resistir a um homem que a
deixasse ver a extensão exata do que ela produzia nele? Para complicar, ela não se
achava com forças para empurrá-lo, não encontrava palavras para dizer o que não

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

queria nada daquilo. Em vez disso, sentindo os joelhos fracos, passou os braços por
cima dos ombros dele e se esqueceu por completo da determinação de segundos antes.
Sem perceber o que fazia, estava fortemente abraçada a Flynn, incapaz de se lembrar
dos motivos que podia ter para não desejar aquele homem.
Quando ele finalmente a deixou respirar, Tate teve certeza de que o efeito que
aquilo produzira em Flynn não era diferente do que ela estava sentindo. Num piscar de
olhos, porém, o sorriso matreiro estava de volta ao rosto dele.
— Não quer mesmo nada comigo, doçura? - ele a desafiou, -passando os costas
dos dedos pela face dela. — Vamos. Olhe nos meus olhos e diga que não está
interessada. Estou esperando.
Se Tate achasse que podia haver perdão para o crime de assassinato, Flynn
Rawlings seria um homem morto. Como pensava de outra forma, fez a única coisa que
teria feito qualquer outra mulher com um mínimo de amor-próprio: olhou bem nos olhos
dele, trincou os dentes e mentiu.
— Não estou interessada. - ela declarou, com os olhos azuis fuzilando. — Pronto,
já disse... outra vez! Quer uma declaração por escrito ou aceita apenas a minha
palavra?
Por alguns instantes Flynn ficou olhando para ela, sem saber se devia
sacudi-la com força, até que os dentes dela caíssem no chão, ou abraçá-la com força,
rindo até mais não poder. Logo percebeu que não devia fazer nenhuma daquelas duas
coisas. Se voltasse a tocá-la, não estaria disposto a soltá-la nem tão cedo.
Girando nos calcanhares, ele resmungou um palavrão e se afastou enquanto
ainda era tempo.

Capítulo III

A quarta competidora da corrida dos cilindros contornou o terceiro e


último obstáculo e alcançou a linha de chegada com os cabelos ao vento e o cavalo a
pleno galope. Um murmúrio de aprovação se espalhou pela assistência, pouco antes que
o apresentador, pelo alto-falante, cumprimentasse Becky Donaldson pelo excelente
tempo conseguido.
Por trás das baias, esperando sua vez de entrar na arena, Tate nem teria
reparado na marca que agora estava obrigada a superar se Haily não chamasse a
atenção dela para esse fato. Perdida nos próprios pensamentos, ela só abaixou os
olhos para a filha quando a menina repetiu pela segunda vez o tempo obtido por Becky.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Tem certeza? - inquiriu Tate, franzindo a testa.


— Claro. - confirmou Haily. — Acabaram de anunciar. Você está se sentindo
bem, mamãe? Está agindo de um jeito engraçado.
Tate sentiu-se corar diante da filha. Se agia ―de um jeito engraçado‖ era
porque um certo peão de rodeio que não conseguia tirar da cabeça a estava deixando
louca. Aquele Flynn Rawlings era um demônio! Ela seria capaz de matá-lo!
— Eu estou bem, querida. É que estou pensando em outra coisa. - isso era
verdade, porque há dois dias que ela não conseguia esquecer aquele beijo. — Por que
não vai para a arquibancada, torcer por mim? Para superar Becky vou precisar de toda
ajuda possível, e sua torcida sempre me dá muita sorte.
Em vez de aceitar logo a sugestão, Haily continuou onde estava, olhando para a
mãe com evidente preocupação nos olhos verdes.
— Talvez seja melhor eu ficar aqui com você, até que chegue a sua hora de
entrar na arena. Pode precisar de mim.
Aquilo até deu a impressão de que mãe e filha haviam trocado de papéis. Rindo,
Tate abraçou a menina antes de empurrá-la carinhosamente para o lado da
arquibancada.
— Pode ir, meu anjinho da guarda. Prometo que não vou me esquecer de
entrar na arena. Não precisa ficar tomando conta de mim quando sei que está
louquinha para ir lá para cima. Suma daqui!
Antes de se afastar a menina não deixou de fazer uma última
recomendação, num tom maternal.
— Aproveite o tempo para fazer Doce Mel trotar um pouco por aí. Sabe
muito bem que ela fica muito nervosa quando enfrenta a algazarra da multidão sem ter
feito antes um bom aquecimento.
— Sim, mamãe. - respondeu Tate, rindo. — Farei tudo direitinho.
Com um sorriso matreiro, Haily começou a subir a escada que levava à
arquibancada. Tate ficou onde estava, observando-a e agradecendo aos céus pela filha
que tinha. Como seria a vida dela sem aquela diabinha?
Depois disso ela levou a égua por entre os peões e auxiliares que circulavam
pela área atrás das baias, procurando se concentrar no que precisaria fazer para
superar Becky Donaldson na disputa pelo prêmio em dinheiro de que tanto precisava.
Mas não pensava em outra coisa que não fosse Flynn Rawlings. Soltando uma praga, ela
tez Doce Mel voltar pelo mesmo caminho que acabava de percorrer. Não havia
conseguido tirar aquele homem da cabeça desde o instante em que fora beijada por
ele e aquilo a estava deixando enfurecida consigo própria. Afinal de contas, tinha sido
apenas um beijo, algo que podia ser esquecido em pouco minutos. Continuar pensando
naquilo apenas daria ao fato uma importância que ele na verdade não tinha.
— Você vai participar de um rodeio, menina. - ela disse a si própria. — Se
quer se preocupar com alguma coisa, preocupe-se com isso. Será a próxima a se

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

apresentar.
Depois de montar e levar Doce Mel para a entrada da arena, Tate já se
preparava para o momento em que seria chamada quando, erguendo a cabeça, viu Flynn
a uns dez metros de distância. Surpresa, respirou fundo para controlar o ritmo do
coração, que começou a bater como os cascos de um cavalo a todo galope.
A volta dela desenvolvia-se o rebuliço que sempre se verificava nos bastidores
de um rodeio, mas era como se existisse apenas aquele homem. Nos últimos dois dias
ela o havia evitado de todas as formas, chegando a se afastar da arena quando se
realizavam as competições em que os peões montavam potros no pêlo, apenas para não
precisar vê-lo, não ter que se lembrar...
Agora sabia por que reagia daquela forma ao vê-lo. Flynn Rawlings estava
com toda razão. Mesmo fazendo tudo para negar esse fato, ela não era tão
indiferente à aquele homem quanto queria, quanto precisava ser.
E o pior era que Flynn sabia disso. Mesmo a distância, Tate podia ler a
mensagem que aqueles olhos azuis mandavam: seria apenas uma questão de tempo ele
voltar a beijá-la.
Com enorme esforço Tate voltou-se novamente para a arena. O alto-falante
acabava de anunciar o tempo obtido pela competidora que se seguira a Becky
Donaldson e agora era a vez dela.
— Senhoras e senhores... Tate Baxter!
Segundos mais tarde Doce Mel estava na arena a todo galope. Tate seria
capaz de jurar que contornaria aqueles três cilindros sem roçar em nenhum deles e
alcançaria a linha de chegada, em um tempo recorde. Afinal de contas, estava há três
anos no circuito dos rodeios e poderia fazer aquilo com os olhos fechados e as mãos às
costas. Mas não naquele dia.
O primeiro e o segundo cilindros foram contornados num tempo
absurdamente curto e Tate acreditou mesmo que conseguiria. Ela e Doce Mel
deixariam Becky Donaldson chupando o dedo e levariam para casa o gordo prêmio em
dinheiro. Faltava pouco, muito pouco.
Doce Mel galopava em torno do último obstáculo quando resvalou com o lado
do corpo no cilindro, que prontamente começou a tremer. Um lamento se espalhou pela
assistência, chegando aos ouvidos dela. Tudo o que Tate pôde fazer foi esporear a
égua para alcançar a linha de chegada no tempo mais curto possível. Se por algum
milagre o cilindro permanecesse de pé...
Não foi o que aconteceu. Quando cruzou a linha de chegada Tate ouviu outro
murmúrio da multidão, indicando que o cilindro, havia tombado inapelavelmente, como
um soldado atingido num campo de batalha. Os segundos que seriam acrescidos como
penalidade a deixariam de fora da disputa por qualquer prêmio.
Esforçando-se para conter as lágrimas, Tate procurou se convencer de que
perder uma competição não era nenhuma tragédia. No entanto, sabia que precisava

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

desesperadamente do prêmio de todas as provas que conseguisse vencer, tanto para


sustentar Haily quanto para se manter durante o período de aulas na última série da
escola secundária. E o prêmio que acabava de perder era um dos mais valiosos.
Tate saiu da arena procurando arranjar numa desculpa para apresentar a
Haily quando a menina aparecesse perguntando o que havia acontecido. Pensando bem,
a situação não era tão desesperadora assim. Aquele prêmio estava perdido, mas a
temporada apenas começava e ela poderia perfeitamente vencer outras competições,
reunindo o dinheiro suficiente para as despesas de mais um ano.
Desde que conseguisse tirar Flynn Rawlings do pensamento.
Na verdade ela não podia culpá-lo pelo fiasco na competição. Se não parava de
pensar em Flynn, a culpa era exclusivamente dela. E aquilo precisava parar. Mesmo que
estivesse querendo arriscar o coração num namoro de brincadeira, o que certamente
não queria, não podia se dar ao luxo de fazer isso com aquele homem. Disso ela não
tinha dúvida. Só precisava encontrar um jeito de convencê-lo.
Como se pudesse atrair Flynn com o pensamento, Tate estava desmontando
quando o viu se aproximando ao lado de Haily.
— Não posso acreditar que você não venceu! – exclamou a menina, dando um
rápido abraço na mãe. — Estava tão perto, mamãe! O que aconteceu?
Tate forçou um sorriso e retribuiu ao abraço da filha.
— Acho que cheguei um pouco perto demais. Às vezes isso acontece.
— Foi muito azar. - comentou Flynn, num tom calmo. — Você pode vencer
qualquer uma sem a menor dificuldade.
A simpatia com que ele disse aquilo a deixou desarmada. Não seja bondoso
comigo, queria gritar Tate. Não me dê mais motivos para gostar de você.
Mas ela não podia dizer aquilo, não sem revelar que a persistência dele
estava finalmente produzindo resultados.
— Eu estraguei tudo. - culpou-se Tate, encolhendo os ombros e logo depois
abaixando os olhos para a filha. — Está pronta para pegar a estrada outra vez,
querida? Se nos apressarmos, estaremos em Oklahoma antes do anoitecer.
Então ela não ficaria para o baile, concluiu Flynn. Bem, aquilo não o
surpreendia. Depois do beijo de duas noites antes, ele vira paixão nos olhos daquela
mulher... e medo. Até havia imaginado que, quando se levantasse no dia seguinte, não a
veria mais no acampamento. Devia ter percebido que, em função da consciência
profissional de que era possuidora, Tate Baxter não deixaria que nada estragasse a
participação dela nas provas. Agora, como mais nada a prendia ali, ela fugia como um
coelhinho assustado, antes que ele arranjasse um jeito de voltar a tocá-la.
Flynn até pensou em dizer que aquela pressa toda não teria nenhum resultado
prático. Afinal de contas, eles dois estavam inscritos nos seis rodeios seguintes e
fatalmente voltariam a se encontrar. Mas não teve a chance de falar. Naquele instante
eles ouviram a voz de Tom Daily, o administrador do rodeio.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Ei, Tate! Telefonema urgente para você. Pode atender no escritório.


Tate empalideceu, lembrando-se da última conversa que tivera com o pai.
— Oh, Deus! - ela murmurou. — Papai! Ontem nós conversamos e ele não me
pareceu bem.
Sem dizer mais nada ela correu para o escritório, seguida de perto por Haily e
Flynn. O funcionário da empresa promotora dos rodeios que havia atendido ao
telefonema fez um gesto para o telefone deixado fora do gancho em cima da mesa.
Imediatamente ela levou o fone ao ouvido.
— Alô?
— Eu estou bem. - disse o pai dela, antes de qualquer outra coisa. — Estou no
hospital, mas você não tem por que se preocupar. Nem achava necessário avisá-la, mas
o dr. Kramer ameaçou ligar ele própria se eu não ligasse. Sabe como é aquele velho...
sempre dá importância exagerada às coisas mais simples.
Em outras circunstância Tate teria rido, mas conhecia o pai que tinha. Allen
Baxter detestava causar preocupação às outras pessoas. Muito provavelmente iria
para a cova jurando que estava gozando de excelente saúde.
— Ele se preocupa porque conhece o cliente que tem. - rebateu Tate,
desabando numa cadeira ao lado da mesa. — E você não estaria no hospital se não
existisse um bom motivo para isso. O que aconteceu?
— Nada.
— Ora, não me venha com essa agora, papai! Se não me contar direitinho,
ligarei para o dr. Kramer logo que você desligar.
— Está bem, está bem. - resmungou o velho no outro lado da linha. — Mas
não vejo motivo para toda essa confusão. Não aconteceu nada sério... Eu apenas tive
uma tontura, um rápido desmaio. Já disse ao dr. Kramer que foi porque me esqueci de
tomar o remédio para a pressão arterial, mas o bode velho insistiu em me internar.
Quer fazer uma série de exames para se certificar de que está tudo bem. Parece que
aquele sujeitinho idiota não sabe que eu tenho um rebanho para alimentar, uma
fazenda para tomar conta. Não tenho tempo para essas baboseiras.
— Pelo que estou vendo não deve ter sido nada muito sério, mas é sempre bom
tomar precauções, papai.
Encorajado pelo tom simpático da filha, Allen passou a falar sobre as
muitas coisas que precisava fazer. Quem o ouvisse pensaria estar falando com um rico
fazendeiro, mas na verdade o pai de Tate era dono de dois acres de terra, onde criava
porcos e algumas cabeças de gado.
— Certamente os vizinhos cuidarão dos animais enquanto você estiver no
hospital. - disse Tate, quando ele a deixou falar. — O que importa é a sua saúde. Não
sentiu mais tonturas? Tem certeza de que está bem? Você sabe que, se for preciso,
eu posso ir até aí. Haily e eu poderemos chegar aí amanhã, se a nossa presença for
necessária.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Tate quase pôde ver a careta que o pai dela fez.


— Nem pense nisso, minha filha. Como eu já disse, sinto-me perfeitamente bem
O único problema é que estou com uma raiva danada daquele... daquele médico de uma
figa, mas não vou morrer tão cedo. Vocês duas não precisam vir para cá como se eu já
estivesse no leito de morte. Você estaria apenas desperdiçando a gasolina de que vai
precisar para ir até a cidade onde se realizará o próximo rodeio.
Tate deixou que ele falasse à vontade, afirmando e reafirmando que estava
perfeitamente bem. Quando desligou o telefone, porém, voltou-se para onde estavam
Haily e Flynn já com a decisão tomada.
— Vamos passar uns dias em casa, querida. Seu avô está outra vez com
problemas de pressão arterial e eu acho melhor estarmos lá para não deixá-lo cometer
excessos.
Em menos de uma hora Tate estava quase pronta para partir. Flynn ajudou-
a a atrelar à pick-up o reboque para animais, onde Doce Mel foi colocada. Com a
naturalidade própria de uma criança, antes de entrar na pick-up Haily abraçou Flynn e
prometeu que procuraria por ele tão logo elas retornassem ao circuito dos rodeios.
Para Tate não foi tão fácil assim. Como se fosse uma adolescente insegura
ela ficou simplesmente sem fala tão logo se voltou para Flynn, Procurou se convencer
de que era muito bom ter urna desculpa legítima para ficar algum tempo longe daquele
homem. Quando eles voltassem a se encontrar, o beijo que ainda a atormentava seria
apenas uma lembrança longínqua.
No entanto, ao erguer a cabeça para olhar naqueles olhos azuis, que pela
primeira vez estavam sérios, Tate percebeu que sentiria muita saudade dele. De
alguma forma, Flynn Rawlings havia se intrometido na vida dela e era difícil imaginar
um dia inteiro se passando sem sentir o coração palpitar mais depressa por causa dele.
— Bem, acho que agora precisamos ir. - ela disse, numa voz muito baixa. —
Obrigada pela ajuda.
Flynn encolheu os ombros.
— Ora, não foi nada. Só espero que o seu pai se recupere logo. Dirija com
cuidado, está bem?
Tate moveu afirmativamente a cabeça, incapaz de afastar os olhos dos dele.
Por um breve instante teve certeza de que Flynn a tomaria nos braços, mas Haily
apareceu na janela da pick-up perguntando onde estava o mapa, o que acabou que-
brando o clima.
— Está na bolsa da porta do seu lado. - respondeu Tate voltando a cabeça.
Quando olhou outra vez para Flynn, sorriu nervosamente. — Certamente ela está
querendo dizer que já deveríamos estar na estrada. Bem, nós nos veremos por aí, peão.
Flynn adiantou-se um passo, certamente para beijá-la, mas Tate
movimentou-se com rapidez e acomodou-se por trás do volante do veículo. Tudo que
ele pôde fazer foi tocar na aba do chapéu.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— É, nós nos veremos por aí.


Quando ela enfiou a chave na ignição, Flynn colocou os polegares no cós da
calça jeans e recuou. Tate girou a chave repetidas vezes mas o motor parecia não
querer pegar. Franzindo a testa, ele fez um gesto para que ela parasse.
— Será que o problema não é com a bateria?
— Não pode ser. - respondeu Tate, com um ar de frustração. — Ela parecia
um pouco fraca e eu achei que o nível de água estava baixo, mas verifiquei que não era
isso.
Flynn marchou para a frente da pick-up.
— Abra o capô. Talvez o problema seja apenas um fio solto.
Com o capô levantado, ele não levou mais de um minuto para verificar que
todos os cabos estavam perfeitamente conectados. Então, limpou as mãos na parte de
trás da calça e caminhou para a porta do motorista.
— Vou buscar o meu furgão para ligar a minha bateria na sua. Não
demorarei nada.
Minutos mais tarde ele estava com o furgão estacionado de frente para a pick-
up. Também não demorou para conectar as duas baterias, o que fez usando dois cabos
compridos. Então gritou para que ela tentasse dar a partida.
Tate abriu um enorme sorriso quando o motor da pick-up pegou logo na
primeira tentativa. Flynn, porém, não ficou tão contente assim.
— Quanto tempo tem essa bateria? - ele perguntou, depois de retirar os cabos
e fechar o capô dos dois veículos.
Tate encolheu os ombros.
— Não sei. Já estava aí quando comprei a pick-up.
— E a pick-up era usada?
Aquela pergunta deixava muito claro que eles dois vinham de mundos bem
diferentes. Era pouco provável que algum membro da família Rawlings, do Novo
México, já houvesse comprado um carro de segunda mão, enquanto ela jamais tivera o
prazer de ser a primeira possuidora de um veículo. Um dia, quando fosse médica,
certamente compraria um carro zero quilômetro... mas esse dia ainda estava muito
distante.
Tate voltou a sorrir.
— Seria mais correto dizer que, quando comprei, ela já era muito usada.
Mas tem sido de muita utilidade e nunca me deu nenhum problema.
Flynn fez uma cara de desgosto.
— Sinto muito dizer isso, doçura, mas você está precisando de uma bateria
nova.
Tate ouviu a palavra carinhosa, mas foi por outro motivo que protestou.
— Ah, não! É claro que não. A bateria recuperará a carga depois que a pick-
up trafegar por algum tempo.

33
Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Não, essa aí não tem mais jeito. Quando você desligar o motor, mesmo
que seja apenas para reabastecer, é bem provável que tenha um problema sério. E vai
fazer uma viagem longa. Quer se arriscar a ficar na estrada com Haily, sabe Deus
onde?
— Não, é claro que não...
— Então compre uma bateria nova, doçura. Está precisando de uma, pode
acreditar no que estou dizendo.
Tate ficou olhando para ele com um ar de desespero nos olhos. Por que
acontecia aquilo justamente naquele momento, quando ela estava com tão pouco
dinheiro? E ainda tinha pela frente uma viagem que não havia programado e que a
deixaria com o bolso ainda mais vazio. Como poderia comprar uma bateria nova se nem
sabia se o dinheiro daria para fazer a viagem de volta?
— Comprarei uma bateria em algum lugar da estrada. - ela disse, não querendo
revelar a penúria em que se encontrava a um homem que provavelmente nem sabia o
significado da palavra orçamento. — Agora não tenho tempo para isso.
Flynn pensou em insistir mas viu que não adiantaria muito. Então abriu os braços
e recuou.
— Você é quem sabe. Faça uma boa viagem, então.
Segundos mais tarde ele empurrou o chapéu para trás e coçou a cabeça,
observando enquanto a pick-up se afastava. Tate Baxter estava mentindo, disso ele
não tinha a menor dúvida. Aquela maluca pretendia atravessar dois Estados e meio com
uma bateria que não deveria ser colocada nem num carrinho de brinquedo. E ele não
podia fazer absolutamente nada.
Bem, não era problema dele, concluiu Flynn, enquanto guardava os cabos
embaixo do banco do furgão. Ela não era problema dele. No entanto, enquanto entrava
no veículo e se sentava ao volante, ele não pôde deixar de dar ouvidos à voz que dizia
que Tate era apenas uma mulher sozinha, uma mãe solteira que estaria viajando na
companhia da filha pequena. Aquelas duas não teriam nenhum homem para ajudá-las
numa emergência. Mesmo que se tratasse de estranhas totais, ele se preocuparia ao
saber que estariam viajando naquelas condições, com uma bateria que não merecia a
menor confiança.
Seguir Tate não foi uma decisão consciente. Algum tempo mais tarde,
porém, quase sem prestar atenção no que fazia, Flynn estava na estrada, percorrendo
o mesmo caminho que ela havia seguido. Afinal de contas, a cidade de Price, onde se
realizaria um rodeio, não ficava muito longe da terra do pai dela, no Estado de Utah.
Nada o impedia de seguir a mesma estrada que Tate, aproveitando para se certificar
de que nada de errado acontecia com a pick-up dela. Procuraria ficar o tempo todo de
longe... a menos que acontecesse algum problema, naturalmente. Tate também não
precisava saber que só naquele momento ele estava tomando a decisão de se inscrever
no rodeio de Price.

34
Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Tate dirigiu a noite toda, parando apenas para reabastecer o veículo e


alguns rápidos períodos de descanso. Sempre que ia dar partida no motor, olhava para
ver se havia alguém por perto, para o caso de precisar dar um empurrão na pick-up.
Felizmente, e pelo menos até aquele momento, a precaução se mostrava desnecessária.
O motor pegava sempre que ela virava a chave, embora com uma certa relutância. Mas
pegava, e isso era o que importava.
A certa altura, quando elas estavam a apenas uma hora de casa e o
amanhecer era uma promessa de luz no horizonte, o motor da pick-up morreu sem mais
nem menos. Tate soltou um palavrão bateu com o punho fechado no volante e parou no
acostamento. Então deu-se conta do silêncio e da escuridão que os faróis, agora
fracos, mal dissipavam.
Com o coração batendo depressa, desligou todas as luzes do carro para
economizar a carga da bateria e olhou para Haily, que dormia no banco ao lado.
Respirando fundo, Tate virou a chave na ignição para tentar outra vez dar
partida no motor.
Nada, absolutamente nada aconteceu.
Preocupada, ela se recostou no banco e fechou os olhos. Como aquilo podia
acontecer justamente naquela hora? Estava tão perto de casa, podia praticamente
sentir o cheiro, mas com a bateria descarregada e sem ninguém para ajudar era como
se estivesse a milhares de quilômetros. Fantástico! Aquilo era simplesmente
fantástico!
Com a cabeça encostada no banco cos olhos fechados, Tate não reparou no
veículo que apareceu no horizonte por trás dela. Instantes mais tarde viu pelo
retrovisor externo a luz forte dos faróis do carro que se aproximava. Agora a
preocupação maior não era a bateria, mas sim o tipo de pessoa que podia estar naquele
carro. Se fosse um homem com umas certas idéias...
Oh, Deus! Por que ela não dera ouvidos à advertência de Flynn de que aquilo
podia acontecer? Tinha sido uma loucura se arriscar numa viagem daquela... levando
Haily!
Quase em pânico, Tate apanhou a chave de rodas, que sempre deixava
embaixo do banco, e sacudiu o ombro da filha.
— Acorde, querida. A pick-up morreu e alguém parou para nos ajudar...
— O que...
Tonta como sempre ficava quando dormia menos de duas horas seguidas,
Haily mal conseguia abrir os olhos.
Tate ouviu a porta de um veículo batendo por trás da pick-up e o barulho de
botas pisando no asfalto. Com a garganta seca e as mãos úmidas, apertou o ferro da
chave de rodas com os dedos, rezando a Deus para não ter que enfrentar um tarado.
No espelho retrovisor a figura de um homem alto foi se aproximando. Como
os faróis do carro dele continuavam acesos, não era possível ver o rosto. Com o

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

coração batendo a mil por hora, Tate não podia fazer nada além de esperar.
Instantes mais tarde Flynn Rawlings chegou bem perto e ela deixou escapar
um suspiro de alívio.
— Ah, graças a Deus! - exclamou Tate, abaixando rapidamente o vidro da
janela. — Você me deu um susto dos infernos! O que está fazendo aqui?
Mesmo vendo que ela estava muito pálida e com os olhos arregalados, Flynn
não a poupou do carão.
— E foi um susto muito merecido! Ah, mas que mulherzinha cabeça-dura
você é! Eu avisei que isso poderia acontecer, não avisei? Mas você me ouviu? Ah, não, é
claro que não!
A noite toda ele a seguira a uma boa distância, apenas vendo vez por outra as
lanternas do reboque onde ia Doce Mel. Já começava a se achar superprotetor quando
viu a pick-up estacionada no acostamento. Aquilo o fez conter a respiração. Às vezes
os dois veículos ficavam a uns quinze minutos de distância, tempo suficiente para que
algum mal-intencionado se aproximasse de Tate e Haily e...
Felizmente nada demais havia acontecido e as duas estavam a salvo,
inteirinhas.
Essa constatação não serviu para deixá-lo menos furioso. Pensando na
possibilidade de algum tarado ter chegado antes dele, Fiynn sentiu vontade de
arrancar aquela mulher da cabine da pick-up para aplicar umas boas palmadas no
traseiro dela.
— Se eu não estivesse indo agora para Price você estaria bem complicada. -
ele acrescentou, procurando falar em voz baixa para não acordar Haily, que estava
enroscada no banco ao lado da mãe. — E seria bem feito, porque só uma louca se
arriscaria a atravessar metade do país com uma bateria que não tem força nem para
acender uma lâmpada de quarenta velas. Mas você está bem?
Ah, não! Num instante ele ralhava com ela, no outro se revelava protetor.
Tate precisou se esforçar para não mostrar o sorriso que quis aparecer nos lábios
dela. Flynn queria parecer furioso, mas não conseguia esconder que estava
sinceramente preocupado.
— Eu estou bem. - ela garantiu, num tom calmo. — Mas estaria melhor se o
carro houvesse parado na frente da casa do meu pai, e não aqui, onde o diabo perdeu
as botas.
— Vire a chave uma vez. - ele a orientou. — Provavelmente não vai adiantar
nada, mas quero ouvir o barulho.
Tate seguiu a instrução dele. Como na vez anterior, nada aconteceu. A
expressão no rosto de Flynn deixava claro que, agora, de nada adiantaria tentar uma
transferência de carga da bateria do furgão.
— No momento você não tem como tirar essa pick-up daqui. - ele disse, sern
meias palavras. — Vamos transferir o reboque de Doce Mel para o meu furgão. Quando

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

chegarmos a St. George, deixaremos a égua na casa do seu pai e eu a levarei ao


hospital para visitá-lo.
— E a minha pick-up? Não podemos simplesmente deixá-la aqui.
— É claro que podemos. - rebateu Flynn. — Ela ficará em perfeita
segurança. Do jeito que está não poderá ir a lugar nenhum. Depois que você puder ver
como está o seu pai, eu a trarei de volta aqui com uma bateria nova.
Tate protestou no ato.
— Ah, não! Não posso aceitar que você faça isso. Já ajudou demais, Flynn.
Além disso, precisa ir para Price.
— Ora, não seja ridícula. - ele ralhou. — Não vou levar tanto tempo assim
para arranjar uma bateria nova e vir até aqui com você. Tenho mesmo que matar o
tempo antes do início do rodeio. Pode acreditar que isso não me atrapalhará\ em nada.
Mais alguma objeção?
Tate podia pensar num número de objeções. Para começar, ele havia
aparecido no instante em que ela mais precisava de ajuda e agia como um herói. O
único problema, e ela sabia muito bem, era que heróis não existiam na vida real. Nos
dias atuais, uma mulher que se permitisse precisar de um homem só podia esperar
angústias. E disso ela já tinha o suficiente para o resto da vida.
O melhor seria resolver sozinha os próprios problemas, sem ficar devendo
nada à ninguém... menos ainda a um homem tão envolvente.
Só que, naquele momento, a situação parecia realmente complicada. Ela
precisava chegar logo ao hospital para se certificar de que o pai estava realmente
bem. Era muito possível que aquele velho maluco acabasse convencendo o médico de
que não tinha nenhum problema e ele o deixasse voltar para casa antes da hora.
Relutante, Tate resolveu se submeter.
— Não, acho que não tenho mais nenhuma objeção. - ela respondeu,
suspirando e abrindo a porta.
Algum tempo mais tarde, depois de transferir para o furgão de Flynn tudo o
que foi possível, os três se acomodaram como sardinha em lata e rumaram para o sítio
de Allen Baxter. Haily havia despertado no instante em que Tate tentou carregá-la de
um veículo para o outro, espantando-se ao ver que Flynn havia aparecido para resgatá-
las. Agora falava sem parar, o que a mãe achava até bom.
Tate começava a sentir as consequências de ter passado quase a noite
inteira ao volante da pick-up. Além disso, agora que Flynn assumia a responsabilidade
de dirigir, a preocupação com o pai voltava a dominá-la.
De todo o coração queria acreditar que Allen tinha sido honesto sobre as
condições de saúde em que se encontrava. No entanto, era impossível deixar de pensar
que o dr. Kramer dificilmente o obrigaria a se internar num hospital se algo realmente
sério não estivesse acontecendo. Enquanto o sol ia vagarosamente aparecendo no
horizonte a leste da estrada, Tate ficou olhando pela janela, rezando para que a

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

preocupação dela não acabasse se confirmando.


Uma hora mais tarde, tão logo puseram Doce Mel no curral nos fundos da casa
de Allen e desatrelaram o reboque, os três rumaram para o hospital. Apreensiva, Tate
bateu duas vezes na porta e entrou. Estava preparada para qualquer coisa, mas parou
ao ver o pai sentado na cama, devorando um café da manhã que até um lenhador teria
dificuldade para ingerir.
— Mas... eu pensei que você estivesse doente!
Sem demonstrar a menor surpresa ao vê-la, Allen Baxter riu do tom de
acusação da filha e enfiou na boca mais um biscoito coberto por uma grossa camada de
geléia. Com a cabeça coberta por densos cabelos brancos e um corpo que era o
resultado de anos e anos de duro trabalho ao ar livre, aquele homenzarrão mais
parecia a personificação da saúde.
— Eu lhe disse que estava bem. - ele lembrou. — Mas você acreditou em
mim? É claro que não, porque nunca acredita em mim. - então ele balançou a cabeça e
abriu os braços. — Venha até aqui para dar um beijo no seu velho.
— Eu devia era pensar num bom castigo para lhe aplicar. - rebateu Tate,
sorrindo e aproximando-se da cama para abraçá-lo. — Você me deu um susto danado,
papai!
— Ora, você sempre se preocupa com bobagens. - resmungou Allen,
acariciando os cabelos da filha. — Mas onde está a minha neta querida? - então ele
reparou em Flynn, parado à porta. — Quem é aquele?
Corando fortemente diante do pai, Tate repreendeu-se por não ter previsto
a curiosidade que a presença de Flynn fatalmente despertaria. O último homem que
Allen ou qualquer outra pessoa vira na companhia dela tinha sido Rich Travis, e isso
meses antes do nascimento de Haily.
— Ele é Flynn Rawlings. - apressou-se em dizer Tate, apresentando os dois
homens. — Flynn estava indo para Price, onde vai participar do rodeio, e por acaso nos
encontrou na estrada. Haily e eu havíamos parado porque a pick-up quebrou a uns
oitenta quilômetros daqui.
— A pick-up... O que houve?
— Não foi nada sério, sr. Baxter. - declarou Flynn. — Tate só está
precisando de uma bateria nova. Depois que sairmos daqui, passaremos numa loja de
autopeças para comprar uma.
— Ainda bem. - tranquilizou-se o velho. — Eu já disse a ela que é abusar da
sorte andar por aí naquela lata velha. Mas não adianta nada, por que essa menina nunca
prestou atenção no que eu digo. Fico contente em ver que finalmente ela encontrou um
homem a quem dá ouvidos.
— Papai!
Flynn riu, gostando imediatamente de Allen Baxter. Teve certeza de que, tão
logo começasse a falar, aquele velho daria sobre a filha independente todas as

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

informações que ele tanto queria ter. Já era mais do que tempo de saber qual era o
problema com aquela mulher.
Mas Tate tomou providências para que isso não acontecesse e mudou
rapidamente de assunto.
— Haily também queria visitá-lo no quarto, mas o regulamento do hospital não
deixa as crianças passarem do saguão. Você só poderá ver sua neta quando for expulso
daqui. Já falou com o dr. Kramer hoje? Quando espera ter alta?
Instantaneamente ela percebeu que fizera a pergunta errada, porque o sorriso
desapareceu do rosto de Allen, dando lugar a uma expressão de aborrecimento.
— Quem pode adivinhar o que está na cabeça daquele velho de uma figa? Tenho
a impressão de que nem ele mesmo sabe.
Mas o competentíssimo dr. Robert Kramer sabia muito bem o que devia ser
feito com o rebelde paciente Allen Baxter.
— Seu pai está precisando de alguém para acompanhá-lo. - disse o médico,
quando se encontrou com Tate e Flynn no corredor do hospital. — Não é a primeira vez
que ele se esquece de tomar o remédio para a pressão arterial. Pelos sintomas que
apresentou, parece que se esquece de tomar as pílulas com muita frequência... e é
possível que, na próxima vez, não tenha a mesma sorte de agora.
Tate empalideceu. Não estava preparada para ouvir que o pai podia estar de
fato correndo perigo... especialmente depois de tê-lo visto devorando um café da
manhã que seria mais indicado para um trabalhador do campo.
— Está querendo dizer que ele podia ter tido um enfarte?
Apesar das queixas de Allen, Robert Kramer era um bom amigo da família e
não queria deixar Tate assustada. Mesmo assim não podia esconder a verdade.
Passando o braço por cima do ombro dela, o médico foi direto ao assunto.
— Sei que você precisa economizar para os gastos que tem na escola,
querida, mas seu pai já não é nenhum rapazinho. Ele se esquece das coisas, não come o
que devia e não toma os remédios que precisa tomar. Allen não só podia, como pode íer
um enfarte a qualquer momento. Sou de opinião que ele não devia viver sozinho.
Tate ficou com os olhos cheios de lágrimas.
— Mas...
— Eu sei que você não pode ficar aqui o tempo todo. - voltou a falar o
médico, antecipando-se às objeções dela. — É por isso que precisa pensar em arranjar
alguém para ficar com aquele velho ranzinza quando você e Haily estiverem viajando. E
posso lhe indicar uma mulher que seria perfeita para essa missão.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Capítulo IV

Tate entregou ao balconista da loja de autopeças o dinheiro para pagar a


bateria que acabava de comprar. De uma vez, gastava metade do que iria precisar para
pôr gasolina na pick-up, mas não tinha alternativa. Se não trocasse a bateria, teria que
passar o resto do verão na casa do pai... e não poderia voltar para a escola no outono.
Só de pensar naquilo ela quase entrava em pânico. Faltava apenas um semestre
para a conclusão do curso secundário, interrompido com a gravidez e o nascimento da
filha. Depois, ela finalmente poderia entrar para a escola de medicina. Faria qualquer
sacrifício para atingir aquele objetivo, e não estava sendo um esforço solitário. Pobre
Haily... Sempre que ia de um rodeio a outro, Tate se perguntava que tipo de mãe
arrastaria uma criança de oito anos pelas estradas do país durante o verão inteiro,
praticamente roubando a infância da filha. Apenas a certeza de que aquele sacrifício
resultaria num futuro melhor para as duas a incentivava a seguir em frente. Agora,
não iria desistir... não podia desistir.
— É preciso arranjar alguém para ficar com aquele velho ranzinza quando você e
Haily estiverem viajando.
As palavras do dr. Kramer martelavam na cabeça de Tate. De onde ela iria tirar
dinheiro para alimentar mais uma boca? Todos os meses, religiosamente, chegava o
cheque com o seguro social de Allen, mas era tão pouco que mal dava para que eles
jantassem fora uma vez ou outra.
E o problema não era apenas esse. Mesmo que, pôr algum milagre, ela
arranjasse dinheiro para contratar uma pessoa, como iria convencer o pai de que aquilo
era absolutamente necessário? Allen Baxter era um homem orgulhoso e independente.
Jamais ouvira ordens de ninguém, menos ainda de uma mulher, desde que a mãe de
Tate havia morrido quando ela era ainda bem pequena. Não ficaria nada contente
quando tivesse a casa invadida por uma estranha que ralharia com ele se o visse
tomando um pouco de chuva. Se fosse obrigada a forçar aquela situação, Tate não
sabia se suportaria ver o pai com o orgulho ferido.
Mas o que mais poderia fazer? Se não podia deixá-lo sozinho, teria que se
preparar ela própria para ficar ao lado do pai. Xeque-mate, pensou Tate, caminhando
com Haily atrás de Flynn, que carregava para o furgão a bateria nova. Simplesmente
não havia saída para a situação em que ela se encontrava.
Mesmo assim Tate não parava de pensar no assunto, ainda com a esperança
de encontrar uma solução. Haily e Flynn tagarelaram o tempo todo a caminho do local
onde estava a pick-up, mas ela não conseguia prestar atenção no que aqueles dois
diziam. Mergulhada nos próprios pensamentos, querendo de toda forma encontrar uma
saída, qualquer que fosse, só percebeu que Flynn a observava quando ele estendeu o
braço por cima do encosto do banco para tocar no pescoço dela, o que a fez levar um

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

susto.
— Tudo vai dar certo. - ele garantiu. — Você ouviu o que o médico disse.
Desde que o seu pai volte a tomar os remédios com regularidade, será outra vez o
velho saudável que sempre foi. Você só precisa arranjar alguém para tomar conta dele.
Pelo jeito como ele falava tudo parecia muito fácil, e certamente para os
Rawlings, do Novo México, uma situação como aquela não apresentaria a menor
dificuldade. Quando se tem bastante dinheiro só é necessário dar uns poucos
telefonemas e assinar alguns cheques. Qualquer problema se resolve num piscar de
olhos. No entanto, as regras são bem outras quando é preciso fazer ginásticas para
que as despesas não ultrapassem o dinheiro disponível.
Tate abriu a boca para dizer exatamente aquilo, mas parou ao sentir na
nuca o aperto da mão de Flynn. Certamente percebendo a forte tensão que havia nos
músculos do pescoço dela, ele passou a massagear aquela região, em movimentos
mágicos, provocando uma sensação que quase a deixou sem fôlego.
Tate sentiu a garganta seca e percebeu que precisava urgentemente fazer
alguma coisa, talvez inclinar-se para a frente ou erguer a mão para afastar a dele. No
entanto o que os A dedos de Flynn faziam a deixava sem ação, sentindo um delicioso
relaxamento em todos os músculos do corpo. Quando os olhos deles se cruzaram ela
engoliu em seco, incapaz de desviar o rosto.
Flynn não conseguiu entender o que estava fazendo. Não tivera a intenção
de tocá-la, mas ela parecia tão séria que tinha sido impossível resistir. Sem saber
direito o que estava acontecendo, ele se viu sentindo vontade de confortá-la, trazer
um sorriso de volta àquele rosto dominado pela preocupação, abraçá-la ternamente e
garantir que tudo acabaria bem.
E aquilo o deixava terrivelmente, assustado. Não era para acontecer um
jogo entre eles dois, uma espécie de duelo de opiniões em que ele devesse encontrar
uma maneira de fazê-la admitir que não era tão indiferente quanto fingia ser. Nada
daquilo deveria ser levado a sério, porque nenhum dos dois queria realmente se
envolver. Por que, então, ele se preocupava tanto com os problemas dela? Por que havia
empreendido que a viagem sem nenhum objetivo pessoal, apenas para colocar o mundo
dela outra vez nos eixos.
Ouvindo o som inesperado de uma buzina, Tate finalmente afastou os olhos
dos dele.
— Cuidado!
Voltando os olhos para a estrada Flynn constatou que, enquanto olhava para
Tate como um adolescente fascinado, havia deixado que o furgão trafegasse por cima
da linha divisória das duas pistas... numa rota de colisão com um carro que vinha em
sentido contrário e tentava desesperadamente escapar ao choque. Soltando uma
praga, ele retirou a mão da nuca de Tate e virou rapidamente a direção para a direita.
Segundo mais tarde o outro carro passou como uma flecha ao lado deles, sem parar de

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

tocar a buzina.
O instante de silêncio que se abateu sobre os três pareceu demorar uma
eternidade. Finalmente Haily aprumou o corpo e respirou fundo.
— Puxa! Foi por pouco!
Abaixando os olhos para a menina, sentada entre ele e Tate, Flynn fez uma
careta e forçou um sorriso.
— Foi por pouco mesmo, Pimentinha. - ele reconheceu, logo voltando a olhar
para a estrada. — Parece que eu me distraí um pouco, mas prometo que isso não
acontecerá outra vez.
A pick-up de Tate continuava no mesmo local onde eles a haviam deixado, no
acostamento da estrada. Mais parecia um bêbado que houvesse parado ali para
algumas horas de sono, mas não havia sido tocada por ninguém. Aliviada, ela se sentou
ao volante enquanto Flynn, com a assistência da tagarela Haily, instalava a bateria
nova. Não demorou mais que alguns minutos para que ele retirasse a cabeça de baixo
do capo do veículo.
— Já liguei todos os fios. Dê partida agora e vamos ver o que acontece.
Tate conteve a respiração e virou a chave. O motor pegou sem a menor
hesitação.
— Finalmente! - ela exclamou, rindo de satisfação. — Pelo menos uma coisa
funciona como era de se esperar.
Flynn, porém, não se apressou tanto em comemorar. Depois de fechar o
capô, ele abriu a porta para que Haily se acomodasse na pick-up e deu a volta até o
lado de Tate, que continuava sentada ao volante, ouvindo o barulho do motor como se
aquilo fosse a mais doce das melodias.
— O que dizem os mostradores? - ele perguntou, olhando pela janela para o
painel da pick-up. — Está tudo funcionando direitinho?
Surpresa com aquela pergunta, Tate olhou-para os mostradores e encolheu
os ombros. Ela sabia o que queria dizer cada um deles, mas raramente olhava para
algum que não fosse o indicador de combustível ou o velocímetro. A cada primavera
Allen fazia uma revisão na pick-up, que jamais havia apresentado algum problema sério.
Até agora.
— Acho que sim. O que mais poderia haver? O problema era a bateria, mas
agora isso já está resolvido.
— Talvez. - disse Flynn, reticente. Enfiando a cabeça pela janela para olhar
melhor o mostrador da bateria, ele resmungou uma praga que Tate não conseguiu
entender. — Está descarregando.
— O que está descarregando? - ela perguntou, alarmada, correndo os olhos por
todos os mostradores do painel.
— A bateria. Já que ela é novinha em folha, isso significa que o alternador
não está funcionando direito. - ante o olhar apalermado de Tate, ele deu maiores

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

explicações. — O alternador é como um pequeno gerador que recarrega a bateria


quando o motor está em funcionamento. Se ele estiver com defeito, a bateria
fatalmente ficará sem nenhuma carga.
Tate sentiu uma onda de apreensão.
— Não venha me dizer agora que vou precisar comprar também um
alternador novo. - ela disparou. — Acabei de comprar uma bateria e agora você vem
me dizer que isso talvez nem tivesse sido necessário.
— Ah, você precisava de uma bateria nova, sim. - garantiu Flynn. — Aquela
outra estava com uma célula morta e não tinha mais jeito. Mas sinto dizer que também
vai precisar de um alternador. Do contrário não conseguirá ir muito longe e acabará na
mesma situação de ontem à noite... com a pick-up parada sabe-se lá onde.
Tate olhou para o alto. Aquela agora já era demais!
— E você pode me dizer quanto isso vai custar?
Flynn percebeu que ela se preparava para receber uma notícia ruim mas não
viu como poderia dourar a pílula. Desejando poder poupá-la daquilo, disse a quantia que
qualquer mecânico honesto cobraria para trocar um alternador.
Era muito para ela. Mentalmente Tate fez e refez as contas, tentando
encontrar uma forma de fazer o concerto na pick-up mantendo ainda algum dinheiro
para pagar o combustível com que chegaria à cidade onde se realizaria o rodeio
seguinte. No entanto, os resultados eram sempre negativos.
— Sei... - ela murmurou.
Forçando um sorriso, Tate tentou fazer uma piada que tivesse por tema a
péssima situação financeira em que se encontrava, mas as palavras simplesmente não
saíam. Em vez disso, lágrimas quentes inundaram os olhos dela, deixando-a
aterrorizada. Mas o que estava acontecendo, Deus do céu? Afinal de contas, ela não
era nenhum bebê chorão e não podia se debulhar em lágrimas cada vez que, numa
curva do caminho, tivesse que enfrentar um problema. Precisava ser forte.
— O que aconteceu, mamãe? Por que está chorando?
Ouvindo a pergunta da filha, Tate apertou o volante e abaixou rapidamente
a cabeça, para que os cabelos cobrissem o rosto molhado de lágrimas.
— Eu... não estou... chorando - ela soluçou, numa patética tentativa de se
controlar. — Estou apenas... cansada e...
— Tate?
Ela não olhou para ele mas isso nem seria preciso, porque Flynn já vira as
lágrimas que inundavam aqueles olhos azuis. A visão daquilo fez com que ele sentisse
um aperto no coração. Lutou consigo mesmo para não tocá-la, apenas para perceber
que aquela era unia batalha previamente perdida.
Tate Baxter sempre se mostrara uma mulher forte e ele havia imaginado que
ela seria capaz de enfrentar qualquer problema sem ao menos pestanejar. Quem iria
imaginar que uma questão simples como aquela a deixaria tão abatida? Sentindo uma

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

súbita necessidade de abraçá-la, Flynn abriu rapidamente a porta da pick-up e


colocou-se ao lado dela. Teimosamente, Tate continuava com a cabeça abaixada.
— Olhe para mim, doçura. - ele murmurou, segurando no queixo dela para forçá-
la a erguer a cabeça.
Mesmo assim Tate resistiu, recusando-se a olhá-lo nos olhos... até que Flynn
passou o braço por cima dos ombros dela e puxou-a para bem perto. Então os olhos
deles se encontraram e, de um instante para outro, estavam os dois se lembrando de
um beijo que se recusava a ser esquecido.
Solte-a, dizia a voz da razão ao ouvido de Flynn, mas aquela era uma ordem
que ele não podia cumprir, não depois, de ter esperado o que parecera uma eternidade
para voltar a abraçá-la. Além disso, que mal aquilo poderia fazer? Nada demais iria
acontecer. Eles estavam estacionados no acostamento de uma estrada. Deus do céu, e
Haily observava tudo! Ele não poderia nem mesmo beijá-la.
Mas era justamente o que queria fazer.
E Tate queria que ele a beijasse.
Aquele desejo podia ser visto claramente nas profundezas daqueles olhos
azuis, um fogo que queimava como uma estrela solitária no meio da noite. Cobrindo as
faces dela com as duas mãos, Flynn passou vagarosamente os polegares pelo caminho
percorrido pelas lágrimas, aproximando-se dos lábios carnudos. Vendo que ela
semicerrava os olhos e entreabria os lábios, percebeu que estava brincando com fogo.
A prudência não deixou que ele se aproximasse mais daquela boca tentadora.
Meio tonta e sentindo calor nas partes mais íntimas do corpo, Tate
procurou se lembrar dos motivos por que não queria aquilo, por que não podia querer
ficar com Flynn Rawlings. Sabia perfeitamente que precisava quebrar aquele clima,
mas vários segundos se passaram antes que ela fizesse um movimento com o corpo,
afastando o rosto das mãos dele.
— Não ligue para a minha reação. - ela se forçou a dizer, com um riso
nervoso, ao mesmo tempo que movimentava as mãos para limpar as últimas lágrimas. —
Eu sempre me debulho em lágrimas por causa de alternadores que não funcionam.
Especialmente quando não tinha dinheiro para comprar um novo.
Com os olhos apertados, Flynn estuaava cada um dos movimentos dela.
— Sei que você não podia estar esperando por isso, principalmente depois
de ter comprado uma bateria nova. - ele se pronunciou. — Se o dinheiro estiver curto...
Era evidente que ele ia oferecer um empréstimo, mas Tate sentiu no ato que
não deveria deixá-lo continuar.
— O dinheiro sempre está curto. - ela o interrompeu. — Mas eu darei um
jeito. Sempre dou um jeito. Papai costuma levar o caminhão dele para consertar na
Automecânica Leon e sempre é bem atendido. Logo que chegarmos ao sítio eu ligarei
para ver se eles não podem fazer um abatimento pelo serviço.
Franzindo a testa, Flynn reparou que ela falava com a maior naturalidade de

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

um problema financeiro que devia ser sério. Parecia até despreocupada demais. Estava
mentindo, isso era mais do que evidente. Algumas semanas antes ele talvez se
deixasse enganar, mas agora a conhecia melhor e sabia que havia um assunto que
aquela mulher jamais trataria como se fosse uma banalidade: dinheiro.
E nada no mundo a faria aceitar dinheiro dele ou de qualquer outro homem.
Tate Baxter era orgulhosa, independente demais. Aquilo significava que ele precisaria
escolher com muito cuidado a forma como faria a oferta que pretendia fazer.
— Se não chegar em um acordo com eles, você pode sempre ir a uma
autopeças para comprar o alternador. Certamente o seu pai sabe como fazer a troca
da peça, o que não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Como ele ainda está de cama
talvez você precise esperar uns dias, mas isso lhe poupará o dinheiro da mão-de-obra,
que, não é de se jogar fora. Ou... se quiser, pode deixar que eu faça o serviço.
— Você?
Ela pareceu tão surpresa que Flynn riu.
— Eu, sim. Por que não?
— Mas você tem que ir para Price...
— Só precisarei estar lá daqui a alguns dias. Seja como for, não vou demorar
tanto para consertar a pick-up depois que você comprar a peça. Tenho uma boa folga e
tanto faz matar o tempo aqui como lá.
Tate ficou hesitante, lutando contra a vontade de aceitar de pronto a
oferta. Flynn Rawlings era a respostas para as preces dela, um cavaleiro andante de
botas e calça jeans, sempre com a solução perfeita para qualquer problema. Mas seria,
correto usá-lo daquele jeito? Depois de ter feito todo o possível para mantê-lo a
distância, como ela poderia se aproveitar de uma generosidade que parecia
absolutamente desinteressada? Tate balançou a cabeça.
— Agradeço sinceramente pela oferta, mas você deve ter coisas melhores
para fazer do que trabalhar numa pick-up velha como a minha. E eu não teria como lhe
pagar pelo que deve valer esse serviço. - ela acrescentou, revelando sem querer que a
verdadeira causa do dilema era a falta de dinheiro. — Mesmo assim, muito obrigada.
Flynn achou melhor não insistir. Tate não queria ficar devedora com ele, o
que era um direito dela. Ele próprio não gostaria de ter a vida invadida por outra
pessoa que quisesse resolver problemas exclusivamente dele. Além disso, antes de
conhecê-lo aquela mulher certamente havia superado muitas outras dificuldades. Não
havia motivos para que não superasse a de agora. Se ele queria mesmo ajudá-la,
acreditaria na palavra dela e rumaria para o norte tão logo a deixasse no sítio de
Allen. Mas alguma coisa dizia que não seria boa coisa deixá-la sozinha com o pai
doente, a pick-up quebrada e os bolsos praticamente vazios. Antes que pudesse se dar
conta daquilo, Flynn estava fazendo outra sugestão.
— Na verdade você não precisará me pagar, porque nós podemos fazer uma
permuta. No momento eu daria faria qualquer coisa por algumas refeições caseiras e

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

uma cama de verdade em que pudesse dormir. Comer sempre em lanchonetes e passar
todas as noites num saco de dormir já é uma coisa meio fora de moda, não acha?
— Isso quer dizer que Flynn vai passar uns dias conosco, não é, mamãe? -
intrometeu-se Haily, excitada. — Uau! Vai ser incrível! Eu posso mostrar a ele a piscina
natural onde às vezes tomamos banho, o meu esconderijo secreto, o meu gato...
— Pois é, mamãe. - brincou Flynn, imitando o jeito de falar da menina. —
Vai ser incrível! E então, qual é a sua resposta? Negócio fechado?
— Por favor, mamãe. - insistiu Haily. — Eu posso praticar entalhe em
madeira e tudo o mais. Por favor...
Olhando alternadamente para a menina e para Flynn, Tate hesitou. O bom
senso dizia que seria loucura apenas levar em conta a sugestão que acabava de ouvir.
Ela já se sentia atraída demais por aquele homem... Passar mais tempo com ele só
serviria para tornar a situação insustentável. Em nenhuma circunstância ela queria se
sentir devedora com Flynn Rawlings ou com qualquer outro homem.
Mas havia aquela voz ao ouvido dela, que só podia ser de algum demônio
tentador... Quem mais se mostraria disposto a consertar a pick-up em troca de
algumas refeições caseiras? Pensando bem, ela deveria até agradecer pela sorte que
estava tendo. Além de ter o veículo consertado, ficaria com dinheiro suficiente para
pagar o combustível de mais uma viagem. Por que, afinal, estava tão hesitante?
— Apenas algumas refeições e uma cama? - ela inquiriu, voltando-se para ele
com os olhos apertados. — É só isso o que você quer?
Um brilho divertido apareceu nos olhos de Flynn quando ele ouviu aquelas
perguntas, feitas em tom de desconfiança.
— Nada mais do que isso, nadinha mesmo. Palavra de escoteiro.
Ao ouvir aquilo Tate ficou ainda mais séria, olhando fixamente para ele.
Seria capaz de apostar que Flynn jamais tinha sido um escoteiro, nesta ou em outra
encarnação. Mesmo assim todos os instintos diziam que devia confiar nele. Só Deus
saberia o motivo.
— Está bem. - ela disse, depois de mais alguns segundos de relutância. —
Mas tudo será estritamente como numa transação comercial. Se o serviço acabar
sendo mais complicado do que se imagina, eu lhe pagarei a diferença em dinheiro. -
mesmo que se visse nessa contingência ela daria um jeito... como sempre. Tomada a
decisão, Tate estendeu a mão para ele e sorriu. — De acordo?
— De acordo. - respondeu Flynn.
Quando as mãos deles se tocaram, porém, ambos se sentiram invadidos por
uma onda de sensualidade que mais padecia uma descarga elétrica. O coração de Tate
disparou e ela percebeu de pronto que estava em apuros. Assustada como se fosse
uma adolescente virgem, rapidamente retirou a mão e abaixou os olhos. Mas já era
tarde demais. Tudo levava a crer que eles dois haviam arranjado um problema bem
mais difícil de resolver que o simples conserto de uma pick-up.

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Por volta das três horas daquela tarde, Allen Baxter estava outra vez em
casa, cochilando no quarto, Haily tinha ido visitar uma amiguinha e Tate estava na
cozinha, começando a preparar o macarrão com almôndegas que serviria no jantar.
Sozinho na garagem, Flynn rapidamente trocou o alternador da pick-up, apenas para se
ver sem ter o que fazer até a hora do jantar. Retirando-se para a varanda dos fundos,
pôs-se a entalhar um pedaço de madeira com o canivete que sempre levava no bolso.
Em circunstâncias normais aquela atividade serviria para deixá-lo relaxado, mas
ouvindo o barulho de Tate na cozinha, cantarolando e mexendo com panelas, ele
simplesmente não conseguia se concentrar. A voz daquela mulher era um murmúrio de
sensualidade que o deixava com os nervos à flor da pele. A certa altura, mais acento à
canção que ela cantarolava do que ao que fazia com as mãos, ele quase cortou o dedo
com o canivete.
— Mas que inferno, Rawlings. - repreendeu-se Flynn. — Preste atenção no que
está fazendo, homem. Se a moça o pertuba desse jeito, talvez seja melhor você pegar
a estrada enquanto ainda é tempo, ir para bem longe dela...
Mas agora já era tarde para ir embora. A paz daquele lugar havia tomado conta
dele no instante em que pusera os pés ali. Em menor escala, o sítio de Allen Baxter
trazia à lembrança dele a fazenda da família, no Novo México. Além disso, ver Tate
em seu próprio meio, cantarolando com uma naturalidade que jamais demonstrava no
circuito dos rodeios, era algo incrivelmente sedutor. Não, ele não iria embora... pelo
menos não tão depressa.
Mas também não podia ficar ali sentado, lamentando-se porque a moça não
queria cair nos braços dele. Precisava arranjar alguma coisa para fazer, algo que
exigisse um excesso maior de energia.
Não foi preciso procurar muito. Aquela casa era tão velha quanto Allen Baxter,
talvez até um pouco mais. Assim como o dono, já demonstrava sentir o peso dos anos.
A torneira do banheiro não parava de pingar, a porta do armário no quarto de
hóspedes não estava fechando direito, o que fatalmente provocaria uma rachadura, e a
balaustrada de madeira na varanda do andar superior dava a impressão de que
desabaria ao menor empurrão. Depois de procurar na garagem as ferramentas de que
iria precisar, Flynn pôs mãos à obra.
Estava lidando com a torneira do banheiro quando Tate o encontrou.
Parando à porta com as mãos na cintura, ela olhou para a torneira desmontada e
franziu a testa.
— Mas o que está fazendo aí, Flynn?
Sem demonstrar o menor constrangimento ao ser surpreendido em mais uma
intromissão, ele levantou a cabeça e sorriu.
— Estou vendo se consigo fazer essa coisa parar de pingar. Espero que não
brigue comigo por causa disso.
Tate fez um ar de censura mas não conseguiu esconder o sorriso que

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apareceu nos lábios dela. Flynn parecia feliz como uma criança em seu brinquedo
preferido e não daria a menor importância se ela ralhasse com ele.
— E a pick-up?
— Está pronta há algumas horas. - respondeu Flynn, distraído, voltando a
procurar na caixa que havia levado para o banheiro a arruela de borracha de que
estava precisando. Resmungando baixinho, ele outra vez levantou a cabeça. — Será que
o seu pai não tem em algum lugar por aí outras arruelas de borracha? Nenhuma das
que encontrei se encaixa na torneira.
— Ele costuma deixar essas coisas numa gaveta da cozinha. - respondeu
Tate. — Ao lado da geladeira. Mas... para onde está indo?
— Vou pegar as arruelas. - abrindo aquele sorriso de covinhas no rosto,
Flynn parou a apenas alguns centímetros da porta, esperando que ela abrisse caminho.
Como Tate não arredasse pé, ele ergueu as sobrancelhas, agora rindo. — Você vai ou
não vai sair do caminho?
Tate, porém, não estava achando graça naquilo.
— Mas que droga, Flynn! Nós fizemos um trato. Sua obrigação era
consertar a pick-up, nada além disso.
— Foi isso o que eu disse?
Confusa, ela balançou a cabeça.
— Não, mas eu achei que...
— Pois foi esse o seu primeiro erro. - ele a interrompeu, correndo o dedo
sujo de graxa pela face dela. — Nunca deve achar nada. A falta de certeza sempre
traz complicação.
Obviamente satisfeito consigo mesmo Flynn deu mais um passo adiante, o
que a deixou com apenas duas opções: ou sairia da porta ou teria que encostar o peito
no dele. Corando fortemente, Tate preferiu recuar, ao mesmo tempo que levava a mão
à face. Na ponta dos dedos sentiu a marca que ele havia deixado... bem como o calor
produzido por aquele toque. Era inexplicável como aquele homem podia deixá-la sem
fôlego com um simples toque.
— Ei, Tate!
Tate voltou-se para vê-lo parado à entrada da cozinha, outra vez com
aquele sorriso matreiro. Corando ainda mais ela procurou pensar numa forma de
escapar a todo aquele charme. Seria um bocado difícil...
— O que é?
— Vá lavar o rosto que ele está sujo. - respondeu Flynn, rindo e
desaparecendo pela porta da cozinha.
Tate não resistiu ao impulso de atirar contra ele o sapato, que foi bater no
chão da cozinha. Flynn não foi atingido, mas não era mesmo essa a intenção. Ah, mas
que homem irritante, ela pensou, agora também rindo. O que iria fazer com ele?
No resto daquele dia Tate se fez a mesma pergunta pelo menos meia dúzia de

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

vezes. Depois que Flynn terminou o conserto da torneira do banheiro, ela foi encontrá-
lo lixando a porta do armário do quarto de hóspedes, depois trabalhando na
balaustrada da varanda do andar de cima. Queria zangar-se com ele... Pelo andar da
carruagem, estaria na obrigação de fornecer comida à aquele homem por mais uns seis
meses! Mas Flynn fazia tudo com uma naturalidade que a deixava sem ação. Frustrada,
finalmente conseguiu dizer que não o teria deixado ficar se soubesse que a intenção
dele era fazer tantas gentilezas.
Flynn riu daquilo, certamente sem perceber que ela falava muito sério. Até
que não seria difícil repelir as investidas de um Casanova conquistador, mas lidar com
um homem gentil, generoso e engraçado estava se revelando uma tarefa bem mais
complicada. Tate procurou não se esquecer de que, mesmo que derrubasse a casa
inteirinha para reconstruí-la sem querer cobrar nada, Flynn Rawlings continuaria sendo
um charmoso peão de rodeio que logo estaria outra vez colocando o pé na estrada.
Aquilo já seria suficiente para convencer o coração dela a não disparar toda vez que
ele abria o sorriso... mas não era tão fácil assim. Na verdade ela já estava morta de
medo.
Perturbada consigo própria, Tate ficou quieta durante o jantar e escapulira
para a varanda da frente enquanto Flynn tentava convencer Haily a ajudá-lo a lavar a
louça. Queria ficar sozinha para pensar, mas instantes mais tarde ouviu a porta se
abrindo e voltou o rosto para ver a aproximação do pai.
— Eu vi muito bem quando você se esgueirou para cá. - disse o velho, em
tom de brincadeira, enquanto se sentava ao lado dela. — Com tudo isso que esteve
acontecendo nós dois mal tivemos tempo para conversar. Está tudo bem com você,
filha?
Bem que ela queria contar a ele uma porção de coisas... lamentar o prêmio
perdido no último rodeio, falar no dinheiro gasto no concerto da pick-up, comentar a
recomendação do médico para que ele não ficasse sozinho, já que ultimamente andava
um tanto desmemoriado. Mas acima de tudo ela queria conversar com o pai sobre
Flynn, falar sobre o medo de que estava possuída por causa do que vinha sentindo, uma
tentação que mantinha reprimida desde que Rich Travis a deixara sozinha e grávida,
algo que havia jurado jamais voltar a sentir por qualquer homem. Mas não encontrava
palavras para dizer nada daquilo. Ainda bem, porque não seria nada bom deixar Allen
preocupado justamente no dia em que ele havia saído do hospital. Também não podia
dizer ao velho pai que era ele uma das maiores preocupações dela.
— Está tudo ótimo. - mentiu Tate, com a maior naturalidade, olhando para o
céu estrelado. — Eu só vim me sentar aqui para relaxar um pouco. Não é em qualquer
lugar que se encontra uma paz como a daqui. Algumas cidades são muito barulhentas e
parece que ultimamente são essas as escolhidas para os rodeios.
Sentados ali eles só ouviam o chiado dos grilos e o coaxar ocasional de uma
rã, mas não podiam ignorar os risos que vinham da cozinha. Ouvindo a risada alegre da

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neta, Allen Baxter também riu.


— Flynn se deu mesmo muito bem com Haily. Há muito tempo que não vejo
aquela menina rir tanto.
— É, parece que ela gostou dele.
— E a mãe da menina? - atiçou Allen. — Será que também gostou dele?
— Papai...
O velho riu do tom de advertência da filha e voltou-se para abraçá-la.
— Já sei, já sei. A última coisa de que você precisa é de um homem e eu
tenho mais é que me preocupar com os meus assuntos. Mas você sabe que não consigo
ficar sem me intrometer... nunca consegui. Além disso, minha filha única é assunto
meu, sim senhora. Será que ainda não percebeu isso? Tudo o que eu quero é que você
seja feliz.
— Eu sou feliz, papai.
— Não, você apenas não é infeliz. - ele a corrigiu, batendo no ombro dela. —
É essa a diferença. Qualquer dia desses vai aparecer o homem certo para fazê-la
entender isso.
— E você acha que Flynn pode ser esse homem? - inquiriu Tate, olhando para
ele na escuridão.
Allen mostrou os dentes brancos num sorriso e encolheu os ombros.
— Não sei. Isso é que não é assunto meu, porque a escolha do homem certo
cabe exclusivamente a você. Só não acho direito que o relacionamento com aquele
desclassificado a tenha deixado cega para o que acontece bem diante do seu nariz.
Mesmo se não estiver procurando por isso, querida, não custa nada testar as
possibilidades...
Aparentemente satisfeito por ter externado sua opinião, o velho passou a
mão pelos cabelos brancos e pôs-se de pé.
— Bem, acho que já dei conselhos demais para uma noite só e agora vou para
a cama. Boa noite, filha.
— Vai se deitar tão cedo assim?
— Vou, sim. - respondeu Allen, rindo. — É esse o problema de envelhecer... o
homem acaba indo para a cama junto com as galinhas. Mas também adquire o hábito de
se levantar quando o galo canta. Até amanhã, querida.
— Durma bem. - disse Tate. — Levarei o seu café na cama.
Ela sabia que não poderia cumprir a promessa. Allen Baxter sempre tinha
sido um fazendeiro, algo que continuaria a ser pelo resto da vida. Ela não podia
esperar que o pai mudasse hábitos consolidados ao longo da vida apenas porque estava
envelhecendo.
Mas o tempo passava, inexoravelmente. Tate sempre havia contado com o
apoio incondicional do pai, mesmo quando se vira grávida e abandonada aos dezessete
anos de idade. Agora, achava difícil aceitar o fato de que ele estava envelhecendo.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Ainda não havia falado na conversa que tivera com o médico e não sabia como abordar
aquele assunto. Allen se considerava o mesmo homem forte e competente do dia em
que ela havia nascido a não se submeteria facilmente a ter alguém dizendo o que ele
devia ou não devia fazer. Oh, bom Deus! O que ela poderia fazer?
Enternecida, Tate ficou escutando enquanto Haily subia a escada com o avô
para logo em seguida os dois trocarem boa noite, como John Boy e os irmãos, da série
de TV ―Os Waltons‖, que ela costumava ver quando era menina. Ainda estava sorrindo
sozinha quando Flynn apareceu na varanda.
Com olhos aguçados como os tíe um falcão, ele rapidamente a descobriu sentada
no escuro.
— Posso lhe fazer companhia? - perguntou Flynn, já caminhando na direção dela.
— Já nem me lembro de quando foi a última vez que me sentei na varanda de uma casa
ao lado de uma garota bonita.
Tate procurou se convencer de que não deveria tirar nenhuma conclusão
apressada daquelas palavras bonitas. Já conhecia o homem charmoso que Flynn
gostava de ser e não era mais nenhuma garotinha para se deixar envolver por aquilo.
— Claro. - ela concordou, procurando falar com naturalidade. — Desde que você
concorde em substituir a companhia de uma garotinha alegre pela de uma mãe cansada.
Mas o que ainda está fazendo aqui embaixo, afinal? Depois de ter dirigido a noite toda
e trabalhado duro durante uma boa parte do dia, imaginei que você estaria morto de
sono.
— Eu nunca preciso de muito sono. - gabou-se Flynn, sentando-se ao lado dela.
— E você também dirigiu a noite toda. Por que ainda não subiu para se deitar? Ou será
que as mães cansadas só se recolhem depois que todos estiverem em suas camas?
Tate sorriu.
— Esta mãe aqui só se recolhe quando está quase dormindo em pé.
Flynn espichou as pernas compridas, tocando inocentemente com a coxa na dela.
— Nesse caso você é uma mulher responsável. - ele concluiu. — Já imaginava
isso. Mas acho que toda mãe solteira é assim, especialmente quando carrega uma carga
como a sua. O que pretende fazer a respeito do seu pai?
Tate não havia pensado em discutir com ele os problemas da família dela.
Costumava resolver aqueles assuntos sozinha e, além disso, dentro de alguns dias
Flynn estaria indo embora, talvez saindo da vida dela para sempre. Era assim mesmo
que ela queria que acontecesse. Mas talvez tenha sido pelo mesmo motivo, além do
fato que era sempre fácil fazer confidências na escuridão, que se viu dizendo a ele
coisas que não havia pensando em comentar.
— Não sei. Vou ter que começar a vencer provas bem depressa ou não terei o
dinheiro de que vou precisar até o outono. Mas como é que vou me afastar de papai?
Você ouviu o, que o dr. Kramer disse. Na próxima vez em que ele se esquecer de tomar
o remédio para a pressão poderá ter uma complicação muito séria.

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— E a mulher para quem o médico sugeriu que você telefonasse? - lembrou


Flynn. — Pelo jeito é a solução perfeita.
— Seria a solução perfeita para alguém que tivesse o dinheiro que ela
certamente vai cobrar. - respondeu Tate, abatida. — Não é o meu caso.
Já que ela havia tocado no assunto, Flynn achou que era o momento
perfeito para falar na idéia que havia elaborado naquela tarde e procurou se ajeitar
melhor no assento. Precisava tomar muito cuidado. Aquela mulher já havia deixado
muito claro que não gostava de receber ajuda de ninguém... menos ainda dele.
Voltando-se para olhá-la, Flynn passou despreocupadamente o braço pôr
cima do encosto do banco.
— Por falar em dinheiro, eu vi no jornal de hoje que esta semana haverá
alguns rodeios de um dia em Cedar City e Mesquite. Você sabe de alguma coisa a
respeito?
Tate não entendeu direito aquela súbita mudança de assunto.
— Nunca participei de nenhum deles, mas ouvi dizer que são eventos de
pequenas proporções. E os prêmios em dinheiro não são lá essas coisas, embora
também não sejam de se jogar fora. Mas por que perguntou? Está pensando em se
inscrever?
— É... pode ser. Ainda tenho alguns dias antes de ir para Price. E
provavelmente a concorrência não será muito grande... Esses rodeios só devem atrair
gente da região.
— Isso é verdade. - concordou Tate. — Como os prêmios mal dão para pagar
a gasolina de quem vem de longe, os grandes nomes nunca participam. Mas você está
perto e acho até que valerá a pena.
— Por que não vai comigo para participar da corrida dos cilindros? - ele
sugeriu, percebendo de pronto que ela nem havia pensado em se inscrever. — Sabe que
poderá vencer sem dificuldade. Depois de todos os problemas que teve com a pick-up,
certamente terá uma boa destinação a dar ao dinheiro que conseguir ganhar.
— Mas papai...
— Seu pai não está inválido. - argumentou Flynn. — Ele só precisa de alguém
por perto para lembrá-lo da hora em que deve tomar os remédios. A menos que você
resolva desistir de vez dos rodeios para fazer isso pessoalmente, vai ter que ligar
para a tal mulher que o dr. Kramer recomendou.
Tate abriu a boca para protestar mas ele não a deixou falar.
— Já sei. Você acha que não terá o dinheiro de que vai precisar... ainda.
Mas vencer em Cedar City e Mesquite certamente será uma boa ajuda. Além disso, se
tiver alguém aqui para tomar conta de Allen, você poderá se concentrar no que estiver
fazendo para pôr a mão nos prêmios maiores.
O que ele dizia fazia muito sentido e Tate sabia disso. Sem ter o que opor à
aqueles argumentos ela só podia concordar.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Está bem. Vou ligar para a Sra. Donavan para ver se chegamos a algum
tipo de acordo.
— E os rodeios? Está disposta à ir comigo?
Tate procurou fazer cara feia, mas os lábios dela insistiam em sorrir.
— Por que tudo tem que ser sempre do seu jeito, Flynn Rawlings?
— Nem sempre. - rebateu Flynn, rindo. — Apenas nove vezes em dez. Quer
dizer que você vai?
Tate também teve que rir.
— Vou sim, seu demônio!

Capítulo V

Tate não tinha a menor intenção de ludibriar o pai, mas aconteceu que, quando
Maggie Donovan apareceu na manhã seguinte para ser entrevistada, ele tinha ido à loja
de rações da cidade. Sentindo um certo peso na consciência, Tate argumentou consigo
mesma que era até melhor assim. Não havia necessidade de perturbá-lo enquanto não
se chegasse a um acordo com a Sra. Donovan. E era bem pouco provável que isso
acontecesse, já que a mulher teria que concordar em trabalhar por um salário que
chegava a ser um insulto.
Já preparada para ouvir uma negativa, Tate procurou alimentar alguma
esperança de que encontraria outra pessoa caso a conversa com Maggie Donovan não
desse certo. Cinco minutos depois de conhecer a mulher, porém, ela dava tratos à bola
tentando descobrir uma maneira de arranjar dinheiro suficiente para contratá-la. A
Sra. Donovan era mesmo perfeita para o serviço.
Alta e muito magra, aquela viúva sem família estava cansada de morar sozinha.
Dizia sempre o que estava pensando e esperava que os outros fizessem o mesmo,
argumentando que, já que só Deus sabia o quanto cada um ainda ficaria neste mundo,
era melhor não perder tempo com embromações. Maggie Donovan ia sempre direto ao
assunto, sem evasivas. Ao ver Haily brincando no quintal a espigada mulher quase se
derreteu, o que prontamente conquistou a simpatia de Tate.
— Crianças. - disse Maggie, observando a saltitante menina e abrindo um
sorriso no rosto enrugado. — Elas não são mesmo umas coisinhas? Aposto que aquela
ali deve ser louca por doces, não é mesmo? Vou ter que fazer para ela uns bolinhos de
chocolate com amêndoas. Ainda não conheci uma criança que não gostasse desses meus
bolinhos.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Então ela já estava considerando certo que ficaria trabalhando ali. Embora
satisfeita, Tate procurou não ter muitas esperanças, já que elas ainda nem havia
tocado na questão do salário.
— Quando ao emprego, Sra. Donovan...
— Pode me chamar de Maggie, querida. - interrompeu-a a mulher. — Não sou
muito dada a formalidades. Não consigo entender como algumas pessoas que vivem na
mesma casa e comem da mesma comida podem se chamar por outra coisa que não seja
o primeiro nome. Não sei o que você pensa disso, mas para mim é um formalismo
exagerado.
— Concordo plenamente. - apressou-se em dizer Tate, perguntando-se
como podia estar perdendo o controle da entrevista. — Mas quanto ao trabalho,
Maggie...
— Certamente existem alguns pratos que você vai querer ter com
frequência no cardápio. - voltou a falar Maggie, incorretamente adivinhando que a
resposta seria uma confirmação. — Para mim não há problema nenhum. Eu me sinto
como se cozinhasse há cem anos e sou capaz de preparar qualquer tipo de comida.
Basta me dar a receita que eu darei conta direitinho do recado. Se houver também
algum prato de que vocês não gostem, é só me dizer que eu nunca o levarei à mesa.
Tate sorriu, quase rindo. Maggie falava como se tudo já estivesse acertado, mas
a questão principal ainda precisava ser resolvida.
— As coisas não são tão simples assim, Maggie. Tenho certeza de que você é
uma excelente cozinheira e será muita sorte nossa tê-la aqui conosco. O dr. Kramer
não a teria recomendado se isso não fosse verdade. O que eu não sei é se terei
condições de pagar o salário que o seu trabalho certamente valerá. Estou concluindo o
colegial e no próximo ano pretendo entrar para a faculdade de medicina, um curso
caro. Além disso, Haily cresce como uma trepadeira e está sempre precisando de
roupas e sapatos. O dinheiro é sempre curto...
— O dr. Kramer disse que eu queria dinheiro?
Tate ficou espantada com a pergunta.
— Não, mas em geral as pessoas que se candidatam a um emprego esperam
receber um pagamento.
— Isso é verdade, mas não tem que ser necessariamente em dinheiro. -
ponderou a mulher. — Eu não preciso de dinheiro. Meu marido me deixou muito mais do
que vou precisar pelo resto da vida e não tenho ninguém com quem gastar tudo isso.
Como não tivemos filhos e não me sobrou nenhum parente, sou obrigada a viver
sozinha. Já estou cansada de cozinhar para mim mesma e perambular por aquela casa
velha e grande demais para uma pessoa só. Preciso da companhia de outras pessoas e,
pelo que o dr. Kramer me falou da situação do seu pai, vocês também precisam de mim.
Não devemos deixar que o dinheiro atrapalhe um arranjo que pode ser perfeito.
— Mas você tem que receber algum tipo de compensação. - persistiu Tate.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Cozinhar e cuidar de uma casa é um trabalho duro... eu sei muito bem disso. Não me
sentiria bem se você ficasse trabalhando aqui sem receber nada.
— Se você estivesse sozinha há tanto tempo quanto eu, querida, saberia
que há muitas e muitas coisas mais importantes que o dinheiro... como ter alguém para
dar bom dia pela manhã, alguém para quem cozinhar e que a faça sentir-se útil. Pode
acreditar no que estou dizendo. Se vocês me derem um lugar para dormir e comida,
tratando-me como se eu fosse uma pessoa da família, vou me considerar no paraíso.
Havia sinceridade na voz daquela idosa mulher e a ansiedade dos olhos
castanhos deixava claro que ela não aguentava mais tantos anos de solidão. Tate sentiu
uma onda de simpatia por Maggie Donovan e percebeu que não conseguiria fazê-la
mudar de idéia.
— Acho que não é bem o que eu estava imaginando... No entanto, já que são
essas as suas condições, estou de acordo. Bem-vinda à família, Maggie.
A mulher riu de alegria.
— Começarei hoje mesmo, antes que você mude de idéia.
— Ah, pode crer que eu não vou mudar de idéia. - garantiu Tate, também
rindo. — Você é que talvez mude quando conhecer o meu pai. Ainda não conversamos
nada sobre isso e tenho a impressão de que a reação dele não vai ser muito boa quando
souber que contratei alguém sem consultá-lo.
— Pode deixar esse assunto comigo. - pronunciou-se Maggie, absolutamente
segura de si. — No instante em que provar os meus biscoitos e a minha torta de maçã
ele passará a comer na palma da minha mão.
Mal colocou as malas num dos quartos do andar de baixo, a velhota ocupou-
se em preparar o almoço, o que deixou Tate livre para procurar por Flynn. Ele estava
no alto de uma escada, trocando algumas tábuas do beiral do telhado. Tate olhou para
cima e colocou as duas mãos na cintura, exasperada.
— Mas que coisa, Flynn! Se você não parar de bancar o faz-tudo por aqui,
acho que vou ter que expulsá-lo. Pelo nosso trato, você ainda tem algumas refeições de
crédito mas não é obrigado a trabalhar, lembra-se?
— O trabalho sempre abre o apetite de um homem. - ele se justificou,
sorrindo. — Assim sendo, pare de brigar comigo, mulher. Quando me sentar à mesa
quero ser merecedor de cada grama de comida que estiver engolindo. Mas como foi a
conversa com a Sra. Donovan?
— Maggie. - corrigiu-o Tate. — Chegamos a um acordo e no momento ela
está preparando o nosso almoço.
Flynn abriu mais o sorrido e abaixou os olhos para ela.
— E você estava certa de que não poderia pagar o salário que ela iria pedir.
— Um cavalheiro não costuma chamar a atenção para as falhas dos outros,
principalmente quando está falando com uma mulher.
Flynn nem se perturbou com aquilo.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Quem disse que eu sou um cavalheiro?


Capturada na armadilha daquele sorriso, Tate praticamente ouviu as rápidas
batidas do coração. Oh, Deus! Aquele homem era um demônio de beleza! E era perigoso
com o pecado. Qualquer mulher com um pouco de juízo na cabeça saberia que ele só
prometia a perdição e devia ser evitado como uma praga. Mas a verdade era que Flynn
Rawlings estava entrando na vida dela, de uma forma quase inexplicável. A cada dia
tornava-se mais difícil para ela lembrar-se de que não seria prudente sucumbir ao
charme daquele sorriso.
— Tate? O que houve?
Só então se dando conta de que olhava fixamente para ele, Tate sentiu as
faces quentes e apressou-se em virar o rosto.
— Não é nada. Só estou pensando num jeito de falar com papai sobre
Maggie.
— Quer dizer que ele ainda não sabe?
— Não, mas vou fazer a comunicação logo que ele chegar.
Prevendo a reação que a notícia provocaria em Allen Baxter, Flynn riu.
— Rapaz! A previsão de tempo por aqui não é das melhores. Acho melhor eu
ir à cidade para comer um hambúrguer ou coisa assim.
Mas Flynn acabou ficando. Se a reação de Allen não podia mesmo ser
prevista, o melhor seria estar presente para proporcionar apoio moral a Tate. Não que
ela precisasse disso, é claro. Aquela moça era independente demais e há muitos anos
se arranjava muito bem, sem a ajuda de homem nenhum. Além disso, o relacionamento
dela com o pai não era da conta dele. Flynn sabia disso e aceitava o fato. No entanto,
por motivos que não se preocupou muito em examinar, preferiu não deixá-la sozinha
para enfrentar a ira do velho.
Faltando exatamente dez minutos para o meio-dia Allen Baxter parou perto
do celeiro o pequeno caminhão carregado de sacos de ração. Tate, que obviamente
aguardava o retorno do pai, atravessou a porta da cozinha e se aproximou do veículo
antes mesmo que ele desligasse o motor.
— Papai, há um assuntos que precisamos conversar. - ela começou, parando
ao ver que Flynn havia descido da escada e já estava bem ali.
— Não ligue para mim. - ele disse, ignorando a cara feia que ela fez. — Só
vou ajudar o seu pai a descarregar. Onde quer que coloque esses sacos, Allen?
— Ali no canto do celeiro. - respondeu o velho, descendo da boleia do
caminhão. — Obrigado pela ajuda, filho. É muita gentileza sua. - então ele se voltou
para Tate. — Será que o seu assunto não pode esperar, filha? Minha intenção é des-
carregar essa ração antes do almoço.
Tate hesitou, tentada a não dizer mais nada para que ele descobrisse
sozinho a novidade. Mas aquilo seria como um castigo e ela não queria aborrecê-lo
quando ele havia saído do hospital há tão pouco tempo.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Na verdade é justamente sobre o almoço que eu quero falar.


Com a atenção presa no que Flynn já estava fazendo, Allen não reparou no
ar de culpa que havia nos olhos da filha.
— O que há com o almoço? Se vai me falar do que está preparando nem
precisa se preocupar. Eu sempre gosto de qualquer comida que você faça, desde que
esteja quente e seja em quantidade suficiente. Estou com tanta fome que seria capaz
de comer um boi inteiro.
Subitamente se sentindo como uma criança que não tivesse coragem de
confessar que havia quebrado o vidro da janela, Tate lançou a Flynn um olhar de
súplica, mas logo quis se punir por aquela fraqueza. Desde quando precisava da ajuda
de alguém para conversar com o próprio pai? Então resolveu desembuchar.
— Mas é isso que estou tentando lhe dizer, papai. Não não fui eu que fiz o
almoço.
Confuso, Allen olhou para o lado da cozinha e depois para ela, juntando as
sobrancelhas grisalhas.
— Querida, estou sentindo daqui o cheiro da galinha frita. Se não é você
quem está preparando o almoço, quem pode ser? Naturalmente não é Haily que...
— Não, não é Haily. - apressou em dizer Tate. — Esta manhã contratei uma
empregada.
Por alguns instantes o velho ficou apenas olhando para ela, como se não
houvesse escutado direito.
— Uma empregada? - ele repetiu, pasmado. — Você contratou uma
empregada? E sem falar nada comigo? Bem, vamos esclarecer isso. Para começar, como
pretende pagar o salário dela?
— Fiz um acordo com Maggie Donovan. - enquanto explicava tudo, Tate
fingiu não ver a irritação que havia no rosto do pai. — Como vê, papai, não
precisaremos pagar nada a ela. É realmente um arranjo perfeito. Eu poderei viajar
despreocupada, sem precisar deixá-lo sozinho, e Maggie terá outra vez uma família
para cuidar. É claro que vai dar certo.
Por um bom tempo Allen Baxter ficou olhando fixamente para a filha, em
silêncio.
— Por que será que estou com a sensação de que alguma coisa anda acontecendo
por aqui sem que eu saiba? - ele disse finalmente, com o semblante fechado. — Existe
o dedo de Kramer nessa história, não é?
— Ele só está preocupado com você e...
— Preocupado uma ova! - vociferou Allen. — A intenção daquele intrometido é
me deixar aos cuidados de uma babá, mas eu não sou nenhuma criança! Mande essa
mulher embora, Tate. Estou falando sério. Se não for falar com ela neste minuto eu
mesmo irei.
— Ela já teve um bocado de trabalho para preparar o almoço. - interferiu Flynn,

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

falando num tom calmo. — Vocês não acham que seria mais correto esperarmos o final
da refeição para expulsá-la daqui?
Allen Baxter coçou a cabeça.
— Está bem. - ele resmungou, a contragosto. — Mas nada além disso, estão
me ouvindo? Logo que o almoço termine, quero que ela receba algum dinheiro e vá
embora.
Sem mais nenhuma palavra, ele marchou na direção da casa para se
preparar para o almoço.
Tate voltou-se para Flynn e mostrou um sorriso amarelo.
— O resultado até que não foi tão ruim assim, não é mesmo?
Flynn soltou uma risada, evidentemente surpreso com aquela avaliação.
— Responda você, porque o pai é seu. Na minha opinião ele fez picadinho de
você.
— Que nada. Aquilo foi apenas o desabafo de um velho ranzinza. - então ela riu
de um jeito enternecido. — Mesmo no meio de uma tempestade papai não reconheceria
que seria melhor ter um guarda-chuva.
— E o que é que você vai fazer? Despedir Maggie três horas depois de tê-la
contratado?
— É claro que não! - respondeu Tate, com ar de indignação. — Eu jamais faria
isso com ela. Nós duas fizemos um trato e sou obrigada a cumprir a palavra. Depois
que se acalmar papai acabará entendendo.
— E se ele não entender?
— Então vamos ter barulho, porque Maggie não sairá daqui.
Pronta para o que desse e viesse, Tate marchou para a casa na companhia de
Flynn. Feitas as apresentações, e como ela já estava esperando, Allen demonstrou a
simpatia com que sempre recebia qualquer convidado. No entanto, o olhar duro que
dirigiu à filha deixou bem claro que a hospitalidade não devia ser confundida com
aceitação.
Imperturbável, Tate sentou-se à velha mesa redonda de carvalho que estava
no centro da cozinha desde quando ela conseguia se lembrar. A comida que havia ali
provavelmente daria para alimentar um exército.
Maggie, evidentemente satisfeita por ter tanta gente para quem cozinhar,
colocou sobre a mesa uma cestinha coberta por um guardanapo e sentou-se ao lado de
Tate.
— Há mais biscoitos no forno. - ela avisou, tão logo o dono da casa concluiu
as preces. — E mais galinha, também. Portanto, comam à vontade vocês todos. Comida
é o que não falta.
Os pratos e as terrinas foram circulando pela mesa, logo se fazendo ouvir
os murmúrios de aprovação. Começando a mastigar um biscoito com manteiga que logo
se desmanchou na boca, Tate reparou que Allen fazia a mesma coisa e arregalava os

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

olhos, com uma expressão de perplexidade.


— Algum problema, papai?
O velho mastigou o biscoito e engoliu antes de responder.
— Não, não... É só que... - hesitante, ele olhou para Maggie com outros olhos.
— É só que não como nada parecido com isto desde que sua mãe morreu. Maggie, a sua
comida é tão gostosa quanto os seus biscoitos, vou ter que telefonar para o pilantra do
dr. Kramer agradecendo pela indicação. Esses biscoitos são divinos!
Rindo, Tate olhou para Flynn e viu que ele a observava com um enorme
sorriso no rosto. Tudo iria dar certo.
No dia seguinte, ainda se sentindo nas nuvens por causa da aceitação do pai
à presença definitiva de Maggie na casa, Tate se preparava para a viagem a Cedar
City. Pensando na participação no rodeio e certa de que venceria, estava atrelando o
reboque de Doce Mel ao furgão de Flynn quando Haily apareceu para anunciar que
queria ficar em casa para fazer doces com Maggie. Como a mulher aceitava com
satisfação a companhia da menina, Tate não viu problema em concordar e, pouco tempo
mais tarde, estava na estrada com Flynn. Só cinco quilômetros adiante percebeu o que
significava ter deixado Haily em casa.
Pela primeira vez desde que conhecera Flynn Rawlings estava
absolutamente sozinha com ele.
Com o coração descompassado, durante um bom tempo ela precisou ficar
dizendo a si mesma que não havia motivo para agir como uma ginasiana no primeiro
encontro. O fato de que Flynn havia sugerido que eles fossem no furgão dele não sig-
nificava nada. Por uma questão de economia, era comum os participantes de rodeios
viajarem juntos e até dividirem quartos em hotéis. Além disso, considerando a
situação financeira em que ela se encontrava, teria sido uma estupidez insistir para
que cada um usasse o seu próprio veículo.
Eles estavam viajando a trabalho, nada além disso.
Então por que ela sentia um sobressalto cada vez que percebia um movimento
daquele homem?
A certa altura Flynn desviou os olhos da estrada e olhou para ela, reparando de
pronto no ar de preocupação que viu.
— Algum problema? Não está preocupada por ter deixado que Haily ficasse, não
é?
— O quê? - inquiriu Tate, como se participasse de uma conversa na qual não
prestasse muita atenção. — Ah... não. Ela estará bem em casa. Aquela menina armaria
um escândalo se eu não a deixasse fazer os tais doces. Certamente vai gostar muito
de ficar na companhia de Maggie.
— E o seu pai também. - acrescentou Flynn. — Aquele homem tem um apetite
que Deus nos acuda! Nunca vi ninguém comer tantos biscoitos de uma só vez.
Tate riu.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— É, parece que Maggie o conquistou pelo estômago... graças a Deus. Não sei
em que pé estariam as coisas se ela não fosse uma cozinheira tão boa.
Nem por um minuto Flynn acreditou que ela podia ter tido aquela dúvida. Havia
alguma coisa naquela mulher que levava qualquer homem a se submeter a ela... até
mesmo o pai. E felizmente dava a impressão de não se dar conta disso. Flynn só rezava
para que Deus o ajudasse, bem como a todos os outros representantes do sexo
masculino, no dia em que Tate Baxter descobrisse o terrível poder de que era
possuidora.
Olhando outra vez para a estrada, ele procurou não pensar numa Tate cheia de
confiança e sensualidade, certa de que poderia obter o que bem quisesse de um
homem. No entanto, era como se a estivesse vendo com as mãos estendidas e um leve
sorriso nos lábios, com a promessa de um beijo que o deixaria louco de desejo. Ele só
precisava fechar os olhos para sentir o gosto daqueles lábios.
Percebendo o que fazia Flynn quase soltou um palavrão. Ela nem o havia tocado
e ele já estava perdendo a cabeça. Mas que inferno! Onde estava com a cabeça ao
convidá-la para acompanhá-lo ao rodeio? De uma vez por todas, precisava se convencer
de que deveria pensar com objetividade quando estivesse tratando com aquela mulher.
A brincadeira não parecia mais uma brincadeira e era isso o que o preocupava. Desde
quando as sensações que ela provocava nele haviam se transformado em algo que não
queria mais ir embora?
Mais intranquilo do que queria admitir, Flynn resolveu que até Cedar City eles
só conversariam sobre o rodeio. Mesmo que tenha reparado naquilo Tate não fez
nenhum comentário, aparentemente muito satisfeita com a solução.
Uma hora mais tarde eles pararam no estacionamento por trás da arena e se
separaram, indo se preparar para as diferentes competições de que iam participar...
como dois desconhecidos que desembarcassem de um ônibus.
Flynn não devia ter voltado a pensar nela depois daquilo. Em geral a cavalgada
de potros selvagens no pêlo era a primeira competição naquele tipo de evento,
realizando-se logo depois da cerimônia de abertura. Assim sendo, sempre que se apro-
ximava das baias, ele não pensava em nada além do animal que iria montar. Naquele dia,
porém, era a prova de Tate que o importunada, não a dele. Ela precisava ganhar, não só
pela precária situação financeira em que se encontrava mas também porque uma outra
derrota fatalmente a deixaria com o moral muito baixo.
Mas será que ele também não precisava levantar um pouco o moral? Afinal
de contas, há algumas provas que não ganhava nada. Por que não pensava em resolver
os próprios problemas, deixando que a moça resolvesse os dela? Era justamente o que
ele queria fazer. Perambulando por trás das baias, Flynn procurou se lembrar do que
sabia sobre Spinter, o animal que, obedecendo ao sorteio, ele deveria montar naquele
rodeio. Tão logo saía da baia e se via na arena, a égua preta tinha o hábito de rodopiar
e saltar, mudando de direção no instante em que o peão imaginava ter entrado no

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

ritmo dela. Se não tivesse muito cuidado ele poderia acabar com a cara no chão. Por
isso, precisava tirar Tate do pensamento para se concentrar apenas naquilo.
Mesmo assim foi a imagem dela que ele viu no instante em que se colocou no
lombo da inquieta égua. Logo depois disso não foi possível pensar em mais nada. Um
ajudante abriu o portão e o animal saltou para a arena como uma fera enfurecida.
Flynn segurou-se com firmeza e fez o corpo pender para a esquerda. Já vira
uma dúzia de vezes aquela égua entrar na arena e prontamente rodopiar para aquele
lado, jogando o cavaleiro no chão sem a menor dificuldade. Naquela vez, porém, em vez
dos saltos costumeiros, Spinter firmou no chão as patas dianteiras e ergueu bem alto
as traseiras. Tomado de surpresa, por muito pouco Flynn não voou por cima da cabeça
do animal. Segundos mais tarde, quando a campainha soou, ele ainda estava com as
pernas apertando a barriga da enfurecida égua.
Não chegou a ser a apresentação mais elegante que Flynn já fizera até então,
mas a pontuação foi muito boa, deixando-o em segundo lugar. Mesmo assim havia três
outros competidores inscritos para a mesma prova e qualquer um deles poderia
superá-lo, o que o deixaria sem nenhum prêmio em dinheiro.
Inquieto, Flynn ficou andando de um lado para outro por trás das baias
enquanto os três peões se apresentavam, ao mesmo tempo que prestava atenção nos
sons que vinham da arquibancada. Aplausos entusiasmados significariam que ele não
teria o que comemorar naquele dia. Mas as provas de cavalgada em potro no pêlo
chegaram ao fim sem que a assistência voltasse a se pronunciar. Instantes mais tarde
o apresentador anunciou pelo alto-falante os dois primeiros colocados. Ouvindo o
próprio nome, Flynn viu-se cercado por pessoas que queriam cumprimentá-lo.
Feliz consigo próprio, ele queria se encontrar imediatamente com Tate, mas
lembrou-se de que ela ainda tinha uma difícil prova pela frente e achou melhor não
distraí-la. Subindo para a arquibancada cheia de gente, ficou mudando de lugar a toda
hora, impaciente, enquanto esperava pela prova dos cilindros.
Tate foi a primeira a se apresentar, o que não a deixava numa situação muito
cômoda. Na verdade ela corria contra o relógio e não contra outras competidoras,
quando seria bem melhor se soubesse a marca que deveria superar. Mais nervoso do
que se estivesse ele próprio participando da competição, Flynn inclinou-se para a
frente quando o nome dela foi anunciado e conteve a respiração ao vê-la aparecer na
arena a todo galope, as rédeas de Doce Mel bem soltas.
Segundos depois de ter entrado na arena, Tate estava além da linha de
chegada, desmontando. O tempo obtido não era um recorde, mas chegou perto... muito
perto. Flynn abriu um enorme sorriso. Achando que já vira o que queria ver, desceu
rapidamente da arquibancada e foi ao encontro dela.
Tate estava por trás das baias, tentando acalmar Doce Mel, mas quem parecia
excitada além da conta era ela própria. Tinha as faces coradas e os olhos azuis
brilhando muito, como uma criança que acabasse de receber o presente de Natal.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Flynn correu para perto tão logo a viu.


O que se seguiu foi uma reação impensada, um impulso que o levou a agir antes
que pudesse se conter. Tinha a intenção de abraçá-la com força, nada além disso, para
parabenizá-la por aquele fantástico desempenho. No entanto, quando se deu conta do
que fazia estava com os lábios cobrindo os dela.
Na verdade, foi um beijo rápido. Apenas um encontro de lábios, um fugaz roçar
de línguas, uma troca de calor. Durou um segundo, não mais que isso, sem nenhuma
diferença dos beijos descompromissados com que ele já brindara tantas outras
mulheres.
No entanto aquilo provocou uma alegria tão grande que Flynn sentiu vontade de
erguer a cabeça para rir. Quando olhou nos olhos de Tate, já não queria rir. Em vez
disso sentiu um calor que se espalhou pelo corpo todo. Ao mesmo tempo era como se as
mãos dele houvessem decidido que nunca mais soltariam aquela mulher. Mas o que
estava acontecendo?
Mas do que depressa Flynn a soltou e recuou um passo, esforçando-se para
mostrar um sorriso natural.
— Foi uma corrida fantástica. - ele declarou. — Parece que nós dois vamos
voltar para casa como vencedores.
Com a garganta seca e sentindo o sangue correr mais depressa nas veias, Tate
ficou estática, mal ouvindo o que ele dizia. Sabia muito bem que devia esquecer aquele
beijo como se ele jamais houvesse acontecido. Era a única forma de lidar com um
homem como Flynn Rawlings, que distribuía beijos com a magnanimidade de um político
em busca de votos. Mas ela se sentia meio tonta e as pernas pareciam ter uma certa
tendência para perder a firmeza quando ele simplesmente a abraçava...
Achando que precisava urgentemente dizer alguma coisa, Tate recuou um passo,
sentindo as faces em brasa.
— Eu ainda não posso me considerar vencedora. - ela ponderou, numa voz meio
fraca. — Há outras moças inscritas na competição.
— Isso não tem a menor importância. - declarou Flynn, absolutamente convicto
do que dizia. — Você vencerá assim mesmo.
A profecia dele se confirmou, mas depois que se anunciou o tempo da última
competidora e ficou claro que Tate havia vencido, não houve mais beijos ou abraços de
comemoração. Na verdade eles nem chegaram a apertar as mãos. Flynn parabenizou-a
pela vitória, Tate foi receber o dinheiro do prêmio e eles pegaram a estrada de volta
para casa. E ponto final.
Na viagem de volta ao sítio, mais pareciam dois estranhos que se vissem por
acaso à mesma mesa de jantar. Conversaram, naturalmente, mas de um jeito
absolutamente formal e sem tocar em assuntos pessoais. Foi uma conversa educada e
que se desenvolveu com todo respeito. Além de ter sido absolutamente frustrante.
Flynn não conseguia entender o que podia estar acontecendo de errado e

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

não se lembrava de ter sentido tanto constrangimento ao conversar com uma mulher.
Como se tivesse vontade própria, o corpo dele apresentava reações muito estranhas,
principalmente calor e arrepios, e evidentemente a causa daquilo era a presença de
Tate. Ah, ele não estava gostando nada daquilo. Talvez um pouco de tempo... Era isso!
Ele só precisava de um pouco de tempo para clarear as idéias.
Naquela noite, com os olhos abertos na escuridão do quarto de hóspedes
enquanto o resto da casa dormia, Flynn procurou colocar os pensamentos em ordem.
Mas havia algo dentro dele que desafiava a lógica, uma inquietação que precisava de
alívio. Irritado com Tate e consigo próprio, ele pensou naquilo durante horas mas não
chegou a conclusão nenhuma. Quando sucumbiu ao sono foi por puro cansaço.
O dia seguinte foi em parte uma repetição do que já havia acontecido. Eles
dois se saíram bem nas respectivas competições do rodeio em Mesquite, ganharam
bons prêmios em dinheiro, mas não houve nenhuma comemoração espontânea. Na volta
para casa, o tratamento formal que dispensavam um ao outro deixou Flynn com os
nervos à flor da pele. Bem que ele queria tomar Tate nos braços para desafiá-la outra
vez a dizer que não sentia nada por ele.
O bom senso o convenceu a se conter. Jamais havia perdido a cabeça com
uma mulher e não iria deixar que isso acontecesse agora. Apenas para se pôr à prova,
Flynn abordou um assunto que, na noite anterior, havia resolvido evitar.
— Agora que tem Maggie para tomar conta do seu pai, imagino que você
voltará ao circuito dos rodeios. - ele disse, com estudada naturalidade, enquanto o
furgão trafegava a caminho do sítio. — Qual será sua próxima parada?
— Flagstaff. - respondeu Tate. — Depois irei para Durango, Raton e Golden, no
Colorado. Por quê?
— Bem, nenhum motivo especial. - declarou Flynn, encolhendo os ombros. — É
que eu também estou pretendendo participar desses mesmos rodeios. Já que vamos
seguir o mesmo roteiro, acho uma estupidez usarmos dois veículos. Dividir despesas é
uma coisa que não faz mal a ninguém. Assim sendo, achei que podíamos tentar outra
vez economizar algum dinheiro.
Era uma sugestão lógica... embora fosse a última que Tate esperava ouvir dele.
Flynn se mostrava tão distante desde a última vez em que a beijara, dando a
impressão que estava arrependido e mal via a hora em que poderia ir embora. Tate
ficou olhando para ele, espantada, sem saber direito o que pensar, recriminando-se
por causa da excitação que sentia com a perspectiva de passar um bom tempo na
companhia dele.
Dando-se conta de que estava realmente levando a sério aquela proposta, ela
quase entrou em pânico. Estaria por acaso perdendo o juízo? Certamente eles
poderiam economizar um bom dinheiro viajando juntos, mas quanto aquilo acabaria
custando em sofrimento?
Há várias noites que Flynn Rawlings era o único habitante dos sonhos de Tate,

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

isso quando ela não ficava várias horas acordava, pensando apenas naquele sorriso
matreiro e tentador. E tudo que ele fizera tinha sido beijá-la duas vezes. Em que
estado ela ficaria depois de atravessar o país com ele, partilhando cada momento de
um longo verão? Só de pensar naquilo Tate sentia um estremecimento.
Não, ela não poderia concordar, mesmo que fosse para economizar uma pequena
fortuna. E, já que dinheiro não era problema para ele, por que Flynn se mostrava tão
interessado em poupar gastos? Aquele, pensamento a deixou subitamente irritada. Ah,
ele só podia estar brincando! A família Rawlings tinha dinheiro para jogar fora e Flynn
participava do circuito de rodeios por pura diversão. Ele não precisava daquilo.
— Acho que não. - ela disse, num tom decidido. — Agradeço pelo seu gesto de
caridade, mas não estou precisando. Haily e eu podemos nos arranjar sozinhas.
— Caridade? - explodiu Flynn, voltando para ela os olhos arregalados. — Que
caridade, mulher? Que história é essa, afinal?
— Dinheiro. - esclareceu Tate, encarando-o. — Não existem segredos no
circuito, Flynn. Eu sei tudo sobre a sua família e sobre a fazenda que vocês possuem
no Novo México.
— E daí?
— E daí que você não pode ficar aí fingindo ser um pobretão que precisa
economizar uns trocados. Essa história de dividir despesas não passa de conversa
fiada. Você só fez a proposta porque sabe que no momento a minha situação financeira
é bem difícil.
— E se for isso?
Agora olhando fixamente para a estrada, Tate não reparou que ele estava com o
semblante fechado. O medo dela era, olhando-o nos olhos, acabar engolindo o orgulho
para agarrar a chance de estar ao lado deles todos os dias.
Então ela apertou as mãos sobre as coxas.
— Posso não dar essa impressão, Flynn, mas fico sinceramente grata pela sua
oferta. Só que não posso aceitar. Haily e eu iremos na nossa pick-up... ou não iremos.
As palavras dela eram de arrependimento, mas igualmente carregadas de
determinação. Flynn apertou o volante com força e trincou os dentes, enraivecido.
Sentiu vontade de dizer que também era um homem de princípios e que não
se aproveitava da folgada situação financeira da família. Sem contar aquele furgão,
que havia recebido de presente dos irmãos, juntamente com uma certa quantia em
dinheiro da qual não existia mais nada, mantinha-se exclusivamente com o que
conseguia ganhar montando potros selvagens no pêlo, semana após semana. O dinheiro
que embolsava com a venda das peças de madeira entalhada era tão pouco que nem
podia ser levado em conta. Bem que podia dizer isso àquela mulherzinha orgulhosa. Só
que ele também tinha o seu orgulho.
— Não leve tão a sério o que eu disse. - ele voltou a falar, embora sem a frieza
que desejava. — Foi apenas uma sugestão, provavelmente das mais idiotas. Eu

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

realmente não estava tão interessado assim em participar do rodeio em Flagstaff.


Assim sendo, posso seguir o roteiro que já havia traçado para mim e você seguira o
seu.
— Tem toda razão. Também acho que é melhor assim.
Aquelas palavras frias o atingiram em cheio e Flynn precisou se esforçar para
manter os olhos fixos na estrada.
— Nesse caso, partirei para Price amanhã. Nós nos veremos por aí.
Tate apenas assentiu com um gesto de cabeça, recusando-se a derramar as
lágrimas quentes que sentiu nos olhos. De que adiantaria chorar quando não havia mais
nada a ser dito?
Partir na manhã seguinte não foi tão fácil quanto Flynn havia imaginado. O plano
dele era despedir-se rapidamente, agradecer pela hospitalidade e subir no furgão
para pegar a estrada. Com Allen e Maggie até que não foi muito difícil. O pai de Tate
apenas pediu conselhos dele sobre alguns consertos que precisavam se feitos no
caminhão e a cozinheira insistiu um pouco para que ele ficasse para o almoço,
tentando-o com a promessa de fazer uma deliciosa torta salgada. O problema mesmo
foi com Tate e a filha, que conseguiram deixá-lo com o coração dominado pelo
sentimento de culpa.
Haily, espantada com aquela súbita partida quando esperava passar pelo
menos mais alguns dias com o amigo, mostrou-se inconsolável. Flynn tentou argumentar
dizendo que eles certamente se encontrariam no rodeio seguinte, mas a menina
conhecia direitinho o roteiro da mãe e não engoliu a mentira. Vendo aqueles olhos
verdes cheios de lágrimas Flynn quase mudou de idéia, sem querer pensar nas
consequências. Mas bastou olhar para o rosto de Tate para concluir que não poderia
voltar atrás.
Oh, Deus! Será que alguma mulher já havia olhado para ele daquele jeito?
Havia alguma coisa nos olhos dela que o atingia na alma, deixando-o aterrorizado. Flynn
sentiu uma súbita necessidade de pedir desculpas, justificar-se por estar indo
embora, e por muito pouco não se pôs a falar. Apenas ficou parado, como um idiota que
não soubesse se expressar. Mas tinha sido ela quem deixara bem claro que não queria
viajar com ele, e não o contrário. Portanto, não havia por que pedir desculpas.
Afastar-se daquela mulher talvez fosse a coisa mais difícil que ele já
fizera na vida. Assim sendo, o melhor era ir logo embora enquanto tinha forças para
isso. Entrando no furgão, Flynn voltou outra vez o rosto para ela e eles ficaram se
olhando durante um longo e tenso momento. Bastaria que Tate fizesse um sinal, por
menor que fosse, para que ele descesse do veículo no mesmo instante. Mas ela
permaneceu absolutamente parada.
Flynn trincou os dentes, deu partida no motor e pôs o furgão em movimento.
Levou várias horas para se convencer de que estava fazendo o que devia ser feito.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Capítulo VI

O acaso era mesmo um demônio traiçoeiro, concluiu Flynn uma semana e meia
mais tarde.
Agora que ele havia resolvido que não queria nada com Tate Baxter, a toda
hora estava se encontrando com ela. Tinha ido a Price, exatamente como havia
planejado, mas a participação no rodeio fora um fiasco e ele não conseguira colocar um
único tostão no bolso. Desgostoso, rumou para Durango... onde foi encontrar Tate e
Haily numa lanchonete, comendo sanduíches e tomando refrigerantes.
Aquilo não devia surpreendê-lo. Já sabia que Tate estaria em três dos cinco
próximos rodeios dos quais ele participaria. Além disso, aquele era um país livre e
ninguém tinha nada a ver com o que a moça resolvesse fazer... muito menos ele. Tate
poderia segui-lo pelo país inteiro, inscrever-se em cada rodeio no qual ele também
estivesse que isso não o afetaria em absolutamente nada. No entanto, sempre que ele
começava a pensar que havia conseguido tirá-la do pensamento, acabava cruzando os
olhos com os de Tate e vinha outra vez aquela vontade quase incontrolável de correr
para abraçá-la. Naturalmente Flynn não fazia isso. Na verdade nem chegava perto
dela. No entanto, sempre que aquilo acontecia, dormir à noite se tornava um
verdadeiro suplício. Quando conseguia, ficava sem defesas contra a mulher que o
visitava nos sonhos para acumulá-lo dos mais estonteantes carinhos.
Desgostoso com ela e consigo próprio, Flynn começou até a achar difícil
suportar a rotina dos rodeios. Os dias eram muito longos, as competições só
aconteciam no final da tarde e ele invariavelmente acabava pensando em Tate.
Lembrava-se de todas as conversas que tinham tido, mas era a afirmação dela de que
ele não levava a sério os rodeios que realmente o fazia sofrer. A crítica o atingira em
cheio.
Durante os treinamentos, Flynn se viu observando os mais bem sucedidos
cavaleiros daquela modalidade, como Shorty Hawkins e Winn Nelson, homens que
estavam no circuito há vários anos, trabalhavam duro para aprimorar a técnica e
ganhavam um bom dinheiro naquela atividade. Todos eles se esforçavam para fazer um
único movimento ao esporear o cavalo, uma coisa que sempre conquistava preciosos
pontos junto aos juizes.
Nove vezes em dez, não era isso o que acontecia com Flynn. Ele era um
cavaleiro do tipo ―saltitante e desengonçado‖, um estilo que obviamente o prejudicava.
Isso significava apenas uma coisa: precisava trabalhar muito para melhorar a técnica.
Determinado a isso, Flynn pediu emprestado a um amigo um cavalo de pau
mecânico para praticar o ato de esporear. Como não podia ficar muito tempo com à
máquina, devolveu-a e arranjou um fardo de feno. Colocando-se sobre o fardo como se
estivesse no lombo de um cavalo, golpeava-o com os calcanhares imitando o ato de

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

esporear a barriga de uma montaria na forma correta. Repetia o movimento, vezes


sem conta, até mentalizá-lo para agir instintivamente, como se estivesse mascando
chicletes.
E durante algum tempo Flynn foi realmente capaz de tirar Tate do
pensamento. Finalmente chegou a hora da participação dele no rodeio de Raton. O
chefe das baias tinha dado aos três primeiros cavaleiros a ordem de aquecer a
platéia. Assim sendo, a barrigueira dos animais foi consideravelmente apertada. O
portão da primeira baia se abriu e Jake Reader voou com o potro para dentro da
arena. Quando a apresentação de Jake terminou e chegou a vez do segundo
competidor, Flynn já estava em cima da cerca, esperando o sinal dos auxiliares para
montar o potro cinzento que haviam sorteado para ele.
Durante segundos que pareceram horas, murmurando palavras doces para a
tensa montaria, Flynn concentrou o pensamento no que deveria fazer durante a prova.
Pensava principalmente na forma correta de usar as esporas. Um murmúrio de
aprovação se fez ouvir quando o apresentador parabenizou o segundo concorrente pelo
excelente desempenho. Agora era a vez dele.
Quando o portão se abriu, o coração de Flynn pareceu alcançar a velocidade
de mil batidas por segundo. Agarrando firmemente a correia para se equilibrar, ele
golpeou a barriga do animal num único e seguro movimento, exatamente como havia
praticado vezes sem conta no fardo de feno. O potro, enfurecido por não estar
conseguindo jogá-lo ao chão, rodopiava pela arena cercada pela colorida assistência.
O tempo parecia ter parado e aqueles oito segundos demoraram uma
eternidade para passar. Então soou a campainha indicando o final da prova. Flynn abriu
um enorme sorriso, relaxando a concentração que o havia ajudado a manter-se em
cima do animal. Antes que os ajudantes chegassem perto para controlar o potro, ele se
viu no ar, indo cair pesadamente no chão. Mas foi como se houvesse desmontado da
forma mais graciosa possível, porque o sorriso não desapareceu do rosto
de Flynn.
Havia conseguido! Aquela tinha sido a cavalgada da vida dele e nem foi preciso
ouvir o anúncio da pontuação alcançada para saber que as horas e horas de
treinamento haviam surtido efeito positivo.
— Quero ouvir uma grande salva de palmas para Flynn Rawlings, senhoras e
senhores. - reivindicou o apresentador pelo serviço de alto-falantes. — Foi a primeira
vez em seis semanas que Old Gray deixou de derrubar o cavaleiro durante os oito
segundos regulamentares e Flynn alcançou a fantástica contagem de vinte e nove
pontos!
Extasiado, Flynn soltou um grito de alegria e socou o ar com o punho fechado.
Aquilo era demais, simplesmente demais! Depois de agradecer pelos aplausos, ele
sacudiu a poeira das roupas e correu para fora da arena, deixando o espaço livre para
o concorrente seguinte. Lá fora, recebeu as efusivas congratulações dos

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

companheiros. Jamais havia superado a marca dos vinte e um pontos e, se a sorte


continuasse, pela primeira vez seria aclamado como o melhor cavaleiro de um rodeio.
E tudo por causa de Tate.
Aquele pensamento serviu para moderar o estado de espírito de Flynn, mas
seria impossível deixar de reconhecer a verdade. Além de aparentemente não querer
sair do pensamento dele, aquele mulherzinha irritante o havia deixado com o amor
próprio ferido ao lembrar os fracos desempenhos nos rodeios. Não tinha sido outro o
motivo que o levara a se esforçar tanto nos treinamentos. Gostasse ou não da
constatação, ele precisava encontrá-la para agradecer por isso.
Flynn saiu andando apressadamente por trás das baias, ansioso por desincumbir-
se logo daquela obrigação. Antes que pudesse encontrar Tate, porém, ouviu uma voz
conhecida.
— Na certa ele pagou uma propina aos juizes. Só pode ter sido isso. De outra
forma, como teria chegado aos vinte e nove pontos?
— Eu mesmo nunca consegui isso. - comentou outra voz que ele conhecia
bem. — Mas pode ser que tenham colocado mulheres no lugar dos juizes. Isso
explicaria tudo, porque nunca vi uma mulher que conseguisse resistir às covinhas no
rosto desse homem. Sabe como é: gosto não se discute.
Outro sorriso largo apareceu no rosto de Flynn. Voltando-se rapidamente,
ele olhou para os irmãos com um fingido ar de censura.
— A inveja é uma coisa muito feia, rapazes. Mas como foi que dois bandidos
como vocês conseguiram fugir daquela prisão? Josey e Susannah sabem que estão
aqui?
Adiantando-se, Gable envolveu-o num forte abraço.
— E quem você acha que nos despachou para cá? Como estamos sem notícias
suas há um bom tempo, elas começaram a ficar preocupadas.
— Só viemos para ver se você não havia sido pisoteado por um cavalo ou coisa
assim - acrescentou Cooper, com um ar divertido no rosto moreno e anguloso. —
Missão cumprida, acho que podemos ir embora.
— Uma ova que vão embora! - proibiu-os Flynn, rindo e abraçando o outro irmão.
— Não antes que eu mate um pouco da saudade, seus pilantras! Por que não me
procuraram logo? Eu teria arranjado o melhor lugar da arquibancada para vocês.
— Não queríamos deixá-lo nervoso. - explicou-se Gable. — Estava tão
concentrado que eu até pensei que nunca iria reparar na nossa presença. Mas você se
saiu muito bem, Flynn.
— Parecia até que sabia o que estava fazendo. - caçoou Cooper. — Você não
montava assim em casa, quando amansávamos potros selvagens. Na certa andou
praticando um bocado.
— É verdade. - confirmou Flynn.
Naquele momento o último competidor saía da arena e o alto-falante anunciou a

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

classificação. Ele estava em primeiro lugar naquela modalidade e era o melhor


cavaleiro do dia. Se no dia seguinte fizesse uma apresentação pelo menos razoável,
teria boas chances de pôr a mão no grande prêmio da competição.
As exclamações dos dois recém-chegados foram imediatas.
— Aí, Flynn! Meu irmão é demais!
— Eu sempre soube que você era o melhor cavaleiro do mundo! Isso exige
uma comemoração. Vamos tomar uma cerveja!
Rindo, os três marcharam para a barraca cercada por pessoas que tomavam
cerveja e refrigerantes. Flynn sentia-se nas nuvens.
— Mas como vão as coisas em casa? Estão todos bem? - então ele olhou
para Gable. — E Mandy? Aposto que está crescendo como um bolo com muito
fermento.
— Pode crer. - confirmou o irmão mais velho, abrindo um sorriso ao ouvir o
nome da filha de nove meses. — Aquela menina é demais, igualzinha à mãe. Josey vive
dizendo que, quando ela começar a andar, vai ser um deus-nos-acuda.
Flynn sorriu, imaginando a sobrinha de cabelos ondulados caminhando pela
enorme e velha casa da fazenda, agarrando-se às pernas dos adultos.
— Se acha que Mandy pode causar problemas agora, espere só até que ela
esteja em idade de namorar. - ele disse. — Você vai passar muitas noites
perambulando pela casa, nervoso.
Rindo da própria profecia, Flynn imaginou o sempre controlado irmão à mercê da
filha, que já mostrava sinais de que seria tão bonita quanto a mãe. Enquanto pedia tês
cervejas ao gorducho dono da barraca, ele subitamente viu Tate a uma certa distância
dali. O efeito que aquilo produziu nele foi instantaneamente notado pelos irmãos.
Tate conversava despreocupadamente com Haily, na certa matando o tempo
antes do início da prova dos cilindros. As duas riam de alguma coisa, mas no instante
em que viu Flynn a expressão dela mudou, a seriedade tomando conta do semblante.
Por vários segundos eles ficaram se olhando fixamente, como se não estivessem
separados por uma distância de trinta metros e não houvesse mais ninguém ali.
— Você conhece a moça?
A pergunta de Cooper trouxe Flynn de volta à realidade. Reparando que os
irmãos o observavam com um brilho de malícia nos olhos, ele prontamente reagiu.
— Ah, não me venham com idéias! Só porque aconteceu com vocês dois, não
pensem que vai ser fácil uma mulher me amarrar para me levar ao matadouro. Estou
perfeitamente feliz com a vida que levo.
— Agora estou entendendo por que você não dá notícia há tanto tempo. -
pronunciou-se Gable, rindo e ignorando a pouco elogiosa descrição do casamento feita
pelo irmão. — Como é o nome dela? Acho bom nós dois termos uma conversinha com a
moça, Cooper, só para ver quais são as intenções dela. Esse menino nunca teve o menor
cuidado quando se trata de mulheres. É o que eu sempre digo: prudência e caldo de

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

galinha nunca fizeram mal a ninguém.


Cooper concordou de pronto.
— Prudência? Um namorador como o nosso irmão não, pode saber o
significado dessa palavra. Vamos falar com ela, Gable, pelo menos para ouvir o que tem
a dizer. Na minha opinião existe algo de errado nisso, porque aquela garota não parece
ser do tipo preferido por Flynn.
— É, ele prefere as exuberantes, com nádegas volumosas e seios bem...
— Ora, calem a boca, vocês dois. - resmungou Flynn, exasperado. — Ela se
chama Tate Baxter, é uma participante da corrida de cilindros, está com a filha e não
tem nada a ver com o irmãozinho de vocês. Satisfeitos? Será que agora podemos
tomar a nossa cerveja? Está fazendo um calor danado aqui e eu estou morto de sede!
Gable e Cooper trocaram um olhar significativo e o mais velho dos irmãos passou
o braço por cima dos ombros de Flynn.
— É claro, garoto. Peça o que quiser que é por minha conta.
O acampamento perto da arena estava em silêncio quando Flynn caminhou
para o local onde havia armado a pequena barraca. Durante o jantar regado a cerveja
ele ouvira dos irmãos as últimas notícias da família, alegrando-se ao saber que todos
estavam em perfeita saúde. Agora que Gable e Cooper já haviam partido, sentia-se
dominado por uma angustiante solidão. Por um instante, viu-se tentado a deixar aquilo
tudo para trás, entrar no furgão e rumar imediatamente para casa. O circuito de
rodeios obrigava a uma vida de solidão e ele tinha que admitir que sentia falta do
companheirismo que havia na fazenda.
Mas não iria desistir assim tão facilmente, menos ainda quando, pela
primeira vez, tinha sido aclamado como primeiro cavaleiro do dia.
O mais jovem entre três irmãos homens, Flynn na verdade não havia
crescido numa situação muito cômoda. Queria competir com os dois mais velhos, que
pareciam capazes de fazer qualquer coisa, pelo menos na visão dele. Assim sendo,
estava sempre precisando provar competência, mais para si próprio do que para Gable
ou Cooper. Participar de rodeios, por exemplo, era um sonho que acalentava desde a
infância. Ao se integrar ao circuito, jurou que permaneceria até ter certeza de que
não era apenas um competidor fácil para os grandes nomes da arena. Para isso seria
preciso muito mais do que, talvez por sorte, ser considerado o melhor cavaleiro do dia.
Mas o problema era que não havia muita graça em fazer aquilo sozinho, ele
lamentou enquanto entrava na barraca e se acomodava no saco de dormir.
O sono recusava-se a vir. Aquela hora os peões mais jovens, que ainda não
haviam descoberto o valor de uma boa noite de sono durante o período de
competições, deviam estar pelos bares da cidade. Voltariam para o acampamento bem
depois da meia-noite, barulhentos como sempre, sem se preocupar com as outras
pessoas que dormiam ali. No momento, porém, o lugar estava em silêncio.
Ouvindo as batidas do próprio coração, Flynn virou-se de lado e ajeitou-se

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

no travesseiro, mas aquilo não adiantou muito. Ele não conseguia dormir mesmo.
E a temperatura havia caído bastante, o que não era normal, já que o verão
ainda estava na metade. Depois de bater na nuca para espantar um dos mosquito que
infestavam o lugar, Flynn levantou-se e vestiu-se novamente. Já que nem tão cedo
conseguiria dormir, de nada adiantaria ficar ali para servir de banquete aos mosquitos.
Seria bem melhor sentar-se no lado de fora da barraca para fazer algo construtivo.
Instantes mais tarde ele estava sentado na cadeira de lona que apanhou no
furgão. Acendendo a lanterna portátil que pendurou num galho da árvore embaixo da
qual havia armado a carraca, pôs-se a entalhar uma cena de rodeio num pedaço de
madeira, usando o canivete que tirou do bolso.
— O ócio é o pior dos conselheiros. - ele filosofou, enquanto trabalhava.
Como fazia aquilo apenas para distrair a mente e dar um pouco de trabalho
às mãos, Flynn não prestou muita atenção na figura que pouco a pouco foi aparecendo
no pedaço de tábua. Quando reparou no que estava fazendo, sentiu raiva de si mesmo.
— Mas que inferno!
Feito apenas com o canivete, o trabalho tinha um acabamento apenas
sofrível. Mesmo assim, até um cego veria que aquele entalhe mostrava Tate na sela de
Doce Mel, com os cabelos ao vento, conduzindo a égua em volta de um cilindro de
metal.
Por um bom tempo ele ficou apenas olhando para o entalhe, com a testa
franzida. Já havia presenciado aquela cena inúmeras vezes e, mesmo sendo ele o autor
da obra, considerou que o rosto ali retratado mostrava com fidelidade a determinação
que sempre se via em Tate quando ela competia.
A certa altura, como se precisasse urgentemente fazer aquilo, Flynn jogou o
entalhe sobre uma pilha de madeira que havia ali perto, com uma pressa que, em outras
circunstâncias, teria achado cômica. Logo em seguida pôs-se de pé, pegou uma toalha e
marchou para os chuveiros do acampamento, decidido a tomar um banho.
A água morna estava uma delícia e o banho serviu para deixá-lo mais
relaxado. Agora talvez o sono resolvesse chegar. Flynn estava na metade do caminho
de volta à barraca quando ouviu um barulho e levantou a cabeça. Tate vinha
caminhando em sentido contrário, como se houvesse saído de um dos sonhos que ele
andava tendo.
Perdida nos próprios pensamentos, ela usava uma blusa de malha branca de
mangas compridas, um short amarelo que deixava à mostra as pernas bronzeadas e
sandálias de tiras de couro muito finas. Só então constatando que eles estavam no
mesmo acampamento, Flynn sentiu um sobressalto. Vestida daquele jeito e com os
cabelos presos num rabo-de-cavalo, ela mais parecia uma adolescente que
desabrochava, fresquinha, absolutamente linda...
Como não imaginava que ninguém pudesse tomar banho àquela hora da noite,
Tate quase esbarrou nele. Havia luzes por ali, para facilitar a caminhada das pessoas

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

acampadas, mas vários segundos se passaram antes que ela percebesse que estava
bem diante de Flynn Rawlings.
Ah, não! Aquele homem a perseguia desde que saíra do sítio do pai, primeiro
em Durango e agora ali em Raton. Desse jeito, como ela conseguiria afastá-lo do
pensamento?
Flynn Rawlings devia se achar irresistível e na certa estava determinado a
convencê-la disso. Já era mais do que hora de dizer a ele que isso jamais aconteceria!
Tate encarou-o com os olhos fuzilando e colocou as mãos na cintura.
— O que pensa que está fazendo aqui?
Obviamente Flynn não esperava aquela pergunta, porque pareceu confuso.
— Estou indo para a minha barraca. Você ficou com a impressão de que eu
estava fazendo alguma outra coisa?
— Ora, não se faça de inocente! - despachou Tate. — Você entendeu a
minha pergunta. O que está fazendo aqui?
Flynn poderia dizer que estava, participando de um rodeio, mas isso ela já
sabia. Então ergueu as sobrancelhas, achando aquilo até engraçado.
— Pensei que a resposta seria muito óbvia, mas pelo jeito me enganei. O que
acha que estou fazendo aqui?
— Está me seguindo! - ela explodiu, instantaneamente percebendo que
acabava de revelar o desespero em que se encontrava.
Tate respirou fundo, procufanáo se controlar, embora soubesse que travava
uma batalha perdida. Gostasse ou não disso, ela não conseguia permanecer indiferente
diante daquele homem, menos ainda quando ele vestia apenas uma calça jeans. Bastou
olhar para aquele peito largo e musculoso para que ela sentisse a garganta seca. Por
que, Deus do céu, ele tinha que ser atraente daquele jeito?
— Você está me seguindo, sim. - ela repetiu, com uma frieza que não foi
fácil mostrar. — E eu não estou gostando nada disso. Preferia que você estivesse bem
longe daqui.
— Ah, preferia, é? - inquiriu Flynn, rindo. — Azar o seu, doçura, porque não
pretendo ir a lugar nenhum. Se não está gostando da situação, por que não vai embora
você?
— Mas eu cheguei aqui primeiro!
Ouvindo aquele argumento infantil Flynn riu de verdade.
— Se eu soubesse que nós estávamos disputando uma espécie de corrida,
teria trazido uma fita azul para você.
Tate continuou séria.
— Não tem graça nenhuma, Flynn.
— É, não tem mesmo. - ele concordou, o que a surpreendeu. — Você já parou
para pensar que o que está acontecendo aqui talvez seja algo bem maior do que nós
dois? Como o destino, por exemplo? Talvez devêssemos desistir de combater isso?

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Combater o quê? - inquiriu Tate, embora soubesse muito bem a resposta.


— Não há nada para combater.
Aquelas palavras não eram as certas e foram pronunciadas num tom
absolutamente impróprio. Como se acabasse de ouvir um desafio que não podia tolerar,
Flynn estendeu as mãos e, antes que ela pudesse protestar, puxou-a para bem perto.
— Não vejo por que não posso beijá-la. - ele declarou, encostando os lábios
nos dela.
A intenção de Flynn era dar uma rápida e efetiva lição sobre o preço que
uma mulher deveria pagar quando se recusava a sair do pensamento de um homem. No
entanto, logo ele pensava em ir muito além disso... embora Tate não colaborasse. Tensa
como uma tábua nos braços dele, ela mantinha os dentes firmemente fechados, como
se o desafiasse a superar aquela barreira.
Flynn aceitou, o desafio.
— Vamos, doçura... - ele murmurou, rindo, com os lábios praticamente
encostados nos dela. — Seja boazinha e abra a boca, só um pouquinho.
Como resposta Tate olhou fixamente para ele, em silêncio, com a mesma
expressão de desafio.
Ela jamais imaginaria como Flynn estava gostando daquilo. Recuando alguns
centímetros, ele abriu o sorriso.
— Quer dizer então que não vai facilitar nada, não é? Pois bem. Você é quem
sabe.
Sem nenhum outro aviso além daquele, Flynn cedeu à tentação de explorar
com os lábios a região por trás da orelha dela.
Sentindo o toque da língua dele naquele lugar, Tate estremeceu e demorou
alguns segundos para perceber o perigo que estava correndo. Não podia permitir que
ele fizesse aquilo com ela, embora naquele instante respirasse com dificuldade e ti-
vesse os olhos semicerrados.
— Flynn...
— Eu sei, doçura. - ele murmurou ao ouvido dela. — Assim é muito gostoso,
não é?
Gostoso? Aquilo era simplesmente... incrível! Mesmo assim Tate não podia
deixar que ele percebesse o que estava produzindo nela. Agarrando-se a ele quando
sabia que devia empurrá-lo, ela só conseguiu balançar levemente a cabeça.
— Não...
— Sua mentirosa.
Rindo baixinho, Flynn moveu a cabeça para beijá-la nas faces, no nariz e no
queixo.
Logo depois Tate encostou o rosto no ombro dele, como se quisesse
mergulhar ali. Quente. Aquele homem a fazia sentir-se quente, de uma forma que mal
a deixava respirar. Depois, erguendo outra vez a cabeça, ela inconscientemente passou

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

a língua pelos lábios na expectativa de um beijo ardente.


Mas o beijo não aconteceu. Em vez disso os lábios de Flynn percorriam a
face e o pescoço delar, chegando a alcançar a parte dos ombros não coberta pela
blusa. Depois retornavam até o início do trajeto, mas apenas circundavam os lábios
dela, como se não existisse ali nada que os atraísse.
Uma súbita irritação misturou-se ao desejo de que Tate estava possuída e
ela pensou mesmo em empurrá-lo. Percebendo que estava perdendo a batalha, não
conseguiu conter as lágrimas que imediatamente começaram na escorrer. Flynn não
tinha a menor dificuldade em deixá-la arder de desejo, embora ela soubesse muito
bem que devia evitá-lo de todas as formas.
— Não... - ela murmurou, com a voz trêmula.
Flynn sentiu um sobressalto e recuou. Deus... será que ela estava chorando?
Então ele segurou no rosto dela com as duas mãos e obrigou-a a olhá-lo nos olhos.
Mesmo na penumbra, pôde ver o brilho das lágrimas que aqueles olhos haviam
produzido. Um misto de espanto, culpa e emoção tomou conta do coração dele.
— Não o quê? Tate... doçura, eu só estava brincando com você...
— Eu sei. - ela disse, em voz muito baixa. — É que... se vai mesmo me beijar, por
que não faz isso de uma vez?
Só aquela pergunta fosse feita em algum outro lugar e numa outra ocasião,
Flynn teria soltado uma gargalhada. Naquele instante, porém, o que o dominou foi uma
enorme onda de desejo.
— Basta me dizer como quer ser beijada. - ele declarou.
— Seguirei direitinho as suas instruções.
Sem mais palavras, Tate juntou as mãos na nuca dele e pôs-se na ponta dos
pés para beijá-lo. Sabia que no dia seguinte consideraria aquilo um erro muito grande,
mas o dia seguinte estava muito distante... No momento o que contava era estar ali,
com Flynn. E era como se há uma eternidade estivesse esperando que ele a abraçasse
como fazia agora. Tate interrompeu o beijo algumas vezes, mas apenas para murmurar
o nome dele.
Flynn soltou um gemido de prazer quando sentiu o contato com aqueles seios
macios e a língua dela se enroscando com a dele, como se quisesse dizer que há muito
tempo ela não sabia o que era ser beijada daquele jeito. Instantaneamente percebeu
que o desejo que dominava aquela mulher era comparável ao dele.
O beijo se prolongava e ele enfiou as mãos por baixo da blusa de Tate,
percorrendo as costas dela dos ombros até a altura das nádegas. Mas aquilo não era
suficiente. Flynn queria tê-la completamente nua, deitada por baixo dele,
serpenteando o corpo até que eles dois pensassem estar morrendo de amor. Só que
não podiam fazer aquilo ali, onde a qualquer momento alguém poderia passar.
Interrompendo o beijo, ele aproximou os lábios do ouvido dela.
— Aqui não, doçura... Vamos para a minha barraca.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Tate ouviu o convite e concluiu que não conseguiria resistir mesmo que
soubesse que iria correr risco de vida.
Flynn segurou na mão dela e começou a andar. No instante seguinte uma
pick-up entrou no estacionamento do acampamento, bem perto dali. O motorista nem
notou a presença deles, mas a luz dos faróis fez com que Tate apertasse os olhos e
voltasse à realidade.
Deus do céu! O que estava fazendo?
Parando onde estava ela começou a esfregar os olhos fechados. O que havia
sentido só podia ter sido uma reação hormonal. Sim, porque Flynn Rawlings queria
apenas brincar com ela, nada além disso.
Recuando, Tate o encarou na escuridão.
— Não, eu não vou a lugar nenhum com você, menos ainda à sua barraca.
Espantado, Flynn parecia não entender aquela súbita mudança.
— Tate, doçura...
— E pare de me chamar de doçura! - ela o proibiu, com os olhos fuzilando. —
Então achou que eu não perceberia a sua intenção?
— Intenção? Mas que história é essa, mulher? Minha intenção é fazer amor
com você.
— Não, não é nada disso. - persistiu Tate. — Você quer me seduzir porque
foi repelido por mim. Não consegue engolir a rejeição. Por que não admite isso de uma
vez? - ela disse aquilo com as mãos na cintura e o corpo meio inclinado para a frente,
numa postura de desafio. — Você jogou esse seu charme barato em cima de mim e
achou que eu ia me derreter toda. Como isso não aconteceu, sentiu-se atingido em seu
orgulho de macho. Então resolveu provar que podia fazer o que bem entendesse
comigo.
— Eu não quis...
— Quis, sim! – Tate bateu o pé no chão, enraivecida. — Pois, se quiser, vá
tirar essa prova com outra mulher. Eu já sucumbi, ao charme de um peão de rodeio
mas isso não voltará a acontecer. Portanto, fique longe de mim. Está me ouvindo? Fique
longe de mim!
Dito isso ela girou nos calcanhares e, de costas para ele, começou a se
afastar, deixando implícito que não devia ser seguida. Flynn nem tentou desobedecer.
Enfurecido, ficou parado no meio da escuridão procurando a todo custo se
convencer de que nem estava se incomodando. Mas sabia que se incomodava, e muito.
E o pior era que as palavras dela haviam chegado muito perto da verdade.
Flynn até tentou negar aquilo. Caminhando de volta à barraca, argumentou
consigo próprio que não tinha por que se envergonhar. Tate era uma mulher bonita e
ele se sentia atraído por ela, o que era perfeitamente natural. Não tinha nenhum
motivo além desse para persegui-la.
Flynn sentou-se na cadeira de lona diante da barraca mas logo se levantou,

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

inquieto. Queria ter alguém ali para esmurrar, socar à vontade... logo ele, um sujeito
que quase nunca recorria à violência.
Admitia que a frieza de Tate no primeiro encontro o atingira em cheio. Mais
do que isso, tinha sido como se o amor próprio dele houvesse sido jogado na lama. Não
que ele esperasse que todas as mulheres caíssem prontamente aos seus pés. Mas nin-
guém jamais o havia tratado como um leproso, e tinha sido essa a atitude de Tate
Baxter. Flynn não gostara daquilo, resolvendo provar a si próprio que a moça não era
tão indiferente quanto fingia ser.
―Eu já sucumbi ao charme de um peão de rodeio mas isso não voltará a
acontecer. Portanto, fique longe de mim‖.
A lembrança daquelas palavras só aumentava a raiva que ele estava sentindo.
Jogar um pouco de charme não o tornava igual ao pai de Haily. Aquele pilantra havia se
aproveitado da inocência de Tate, engravidando-a, para logo depois fugir como o mais
desclassificado dos homens. Flynn não podia gostar da comparação. Jamais faria nada
parecido e ela devia saber muito bem disso.
E ele não se sentia na obrigação desculpas por desejá-la.
Ah, isso não! Menos ainda quando sabia que eta também o desejava. Tate
poderia se enfurecer, gritar, esbravejar contra aquele fato, mas jamais poderia negá-
lo. Não quando ficava tonta ao menor toque dele.
Bem que Flynn queria sentir por aquela mulher apenas desejo. Não haveria
complicação em lidar com a luxúria, a atração do sexo... mas não era esse o caso.
Ele gostava de Tate, gostava demais.
Pegando outra vez o pedaço de madeira em que tinha estado trabalhando,
Flynn correu o dedo pelo rosto entalhada. As feições delicadas não conseguiam
esconder a vibração, o fogo que havia naquele rosto. Ele quase sentia como se o
estivesse tocando de verdade.
Pela primeira vez na vida Flynn sentiu vontade de impressionar uma mulher,
mas já sabia que charme e sorrisos não adiantariam nada com Tate. Precisava
descobrir uma outra forma. Não seria fácil, naturalmente. Depois daquela noite, era
pouco provável que ela o deixasse chegar perto. Mas ele a faria mudar de opinião...
embora ainda não soubesse como.
Flynn pegou o canivete, sentou-se e continuou a entalhar a madeira, enquanto
inúmeras possibilidades passavam pela cabeça dele, uma após outra.

Capítulo VII

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

No fim da tarde do dia seguinte, outra vez a voz do apresentador se fez


ouvir pelos alto-falantes.
— E o vencedor é... Flynn Rawlings! - ele gritou para a multidão. — Uma salva
de palmas para o melhor peão do rodeio, senhoras e senhores. Flynn é um novato no
circuito profissional de rodeios e esta é a primeira vez que ele conquista o prêmio
maior. E vou lhes dizer uma coisa: é uma proeza e tanto para alguém que está no
circuito há tão poucos meses. Acontece que nos últimos dias o rapaz tem demonstrado
a competência de um verdadeiro campeão. Mais uma salva de palmas para Flynn
Rawlings, do Novo México! Ele fez por merecer. E tem uma coisa que vocês podem
apostar: ainda ouviremos falar muito desse nome.
Sorrindo, Flynn ergueu os braços para agradecer pelos aplausos da multidão.
Sentia-se flutuando num balão de gás hélio, num dia de muito sol, embora estivesse na
garupa do cavalo em que um dos auxiliares fora tirá-lo da arena. Ele havia conseguido!
Finalmente era o melhor do rodeio, e não apenas um coadjuvante que
estivesse ali para ganhar algum dinheiro. E aquilo provocava uma sensação muito boa,
boa demais! Agora, só precisava persistir naquele caminho.
— Você esteve muito bem, muito bem mesmo. - disse Joe Caufman, o
auxiliar, parando o cavalo por trás das baias para que Flynn descesse. — Não sei você
sabe, mas tirou do caminho uma porção de gente boa. Andou praticando, naturalmente.
Flynn riu, mas não negou.
— É, mas acabou dando certo. Eu ainda não estou acreditando.
Incapaz de desfazer o sorriso, ele foi tirando as esporas, as luvas e o lenço
do pescoço, guardando tudo na maleta de equipamentos. Logo em seguida foi cercado
por vários companheiros que queriam apresentar as congratulações. Entre aqueles
homens estavam os vencedores de quase todos os rodeios de que ele havia participado
anteriormente. Flynn sentiu-se dominado por uma certa timidez, mas não trocaria
aquela experiência por nada no mundo.
Só uma coisa tornaria mais doce aquela vitória... Ser parabenizado por Tate
faria daquele dia o mais inesquecível de todos, mas ele nem sabia se ela estivera na
arquibancada. A velha pick-up continuava estacionada no mesmo lugar do acampamento
e, pelo que ele sabia, ela participaria da corrida de cilindros naquela mesma tarde. No
entanto, era como se a mulher houvesse tomado alguma coisa para se tornar invisível.
Aquilo não o surpreendia. Depois da noite anterior já era de se esperar que ela o
evitasse de todas as formas. Não teria sido difícil para Flynn encontrá-la. Afinal de
contas, Tatcenão poderia estar muito longe já que a pick-up, continuava ali. No entanto
ele queria dar a ela algum espaço... por enquanto. Tate Baxter não poderia se esquivar
dele para sempre, disso Flynn tinha certeza.
Carregando a maleta de equipamentos ele subiu para a arquibancada.
Queria relaxar um pouco, assistindo ao resto do rodeio e conversando com os

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

companheiros.
Estava rindo com Tex Sanchez, que acabava de contar uma piada, quando
viu Haily subindo os degraus da arquibancada.
— Ei, Pimentinha. - chamou Flynn, sorrindo ao ver a pequena amiga. — Por
onde andou? Você perdeu a minha apresentação.
Instantaneamente o rosto da garota se abriu num sorriso.
— Eu sei, e você venceu! Que cavalo montou?'
— Matador. - respondeu Flynn, reparando que Haily arregalava os olhos.
Acompanhando os rodeios há já um bom tempo, ela sabia o nome não só de todos
os cavaleiros como também dos cavalos, conhecendo também a reputação dos animais.
— Uau! - exclamou a garotinha, acomodando-se ao lado dele. — Você montou
Matador? Ah, eu queria ter visto isso... Infelizmente acabamos de chegar.
Embora aquela informação não o surpreendesse, Flynn ergueu as sobrancelhas.
— Como assim? Eu pensei que sua mãe gostasse de chegar pelo menos uma hora
antes da competição.
— É verdade, mas ficamos o dia inteiro perambulando por aí. Mamãe parece
abatida... como se estivesse doente ou coisa assim.
Flynn apertou os olhos.
— E ela está doente?
— Acho que não. Deve ser porque não dormiu direito na noite passada. Na
certa ela só está cansada. - então a menina voltou os olhos para a arena. — Oh, Deus!
A corrida dos cilindros já vai começar. Mamãe prometeu que, se ela vencer, nós vamos
sair para comer uma pizza.
A primeira concorrente irrompeu na arena, a banda começou a tocaruma
canção rápida e não houve mais tempo para palavras. Sentada na beirada do degrau da
arquibancada, Haily não desviava os olhos da mulher que voava em volta do primeiro
cilindro, montando um belíssimo animal preto, os cabelos presos no rabo-de-cavalo.
Flynn teve que reconhecer o valor daquela competidora. Ela era muito boa no que
estava fazendo, muito boa mesmo. E era apenas a primeira a se apresentar. Se Tate
estava mesmo disposta a ganhar aquela competição, teria que suar o traseiro.
A segunda participante entrou na arena e conseguiu o que parecia
impossível: uma pontuação ainda mais alta.
Haily mordeu o lábio inferior e olhou para Flynn.
— Parece que vai ser bem complicado para mamãe, não é?
Hesitante, ele pensou em dizer que não tinha dúvidas de que Tate bateria
aquelas duas sem a menor dificuldade. No entanto, Haily acompanhava a mãe nos
rodeios desde muito pequena e não se deixaria enganar com facilidade.
— É, pode ser. - admitiu Flynn. — Mas você não deve dar a pizza como
perdida. Sua mãe é uma lutadora, o tipo de pessoa que se fortalece quando está numa
situação difícil.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Os olhos da menina brilharam de orgulho.


— É verdade, ela até gosta de começar atrás. Isso faz com que se empenhe
mais.
Instantes mais tarde, quando o auxiliar abriu o portão da baia para que ela
entrasse na arena. Tate devia estar sabendo que só venceria aquela competição se
alcançasse um novo recorde. E Doce Mel parecia voar.
Com os cotovelos nos joelhos e o queixo nas mãos, Flynn não parava de olhá-
la.
Deus, aquela mulher era mesmo uma coisa bonita de se ver! A concorrente
anterior fizera uma apresentação tecnicamente perfeita, mas Tate tinha algo mais,
alguma coisa.. Uma graça que enchia os olhos de quem a observasse. Contornando os
cilindros como se fosse uma patinadora do gelo, não fez um só movimento brusco em
toda a apresentação. Quando cruzou a linha de chegada, a assistência pôs-se de pé
dando aplausos entusiasmados. Sem ter cometido uma única falta, ela havia obtido o
tempo necessário para ser proclamada vencedora.
— Bravo!
— Viva mamãe!
Rindo muito, Haiiy saltou sobre Flynn para abraçá-lo, ao mesmo tempo que
disparava a falar.
— Eu sabia que ela conseguiria. Eu sabia! Você viu só, Flynn? Ela venceu
todas as outras! Minha mãe é fantástica, é demais! Vamos descer para dar os parabéns
a ela.
Haily desceu alguns degraus antes de perceber que ele não a seguia.
— Você não vem? - ela inquiriu, surpresa. — Mamãe deve estar esperando
por nós.
Tate devia estar esperando, sim, mas não por ele... não depois do que havia
acontecido na noite anterior.
— Vá você, Pimentinha, e aproveite a pizza... Eu vou ter que pegar logo a
estrada.
Haily não aceitou a desculpa.
— Mas eu pensei que partiríamos juntos. Por favor. Nós quase não nos
vemos mais. E você ainda nem deu os parabéns a mamãe.
— Ah, neste momento ela deve estar cercada por uma porção de gente e
nem vai notar a minha falta. Diga que eu vi a competição e mando os meus parabéns. E
entregue isto, por favor.
Abrindo a maleta de equipamentos, ele remexeu lá dentro até encontrar o
que procurava... a peça de madeira que só havia acabado de entalhar quando já era alta
madrugada.
— Aqui está. - continuou Flynn, colocando a peça na mão da pequena
portadora. — Diga a Tate que é um presente meu. Se ela não quiser, pode dar ao seu

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

avô.
Espantada, Haily contemplou a figura entalhada na madeira e prontamente
a reconheceu.
— Puxa, é mamãe!
— Pois é. - confirmou Flynn, rindo. — Não foi nada premeditado, mas acabou
saindo assim. Achei que devia mandar para ela.
Haily contemplou outra vez a peça entalhada.
— Ah, Flynn... é tão bonito! E eu acho que você devia entregar
pessoalmente? Venha. Ela está bem ali.
―Fique longe de mim!‖, Flynn lembrou-se da advertência e balançou a cabeça.
— Não, prefiro que você faça isso por mim, por favor. Preciso viajar e você
tem uma pizza para comer. Agora vá, Pimentinha. Nós nos veremos por aí.
Era possível ver nos olhinhos da menina que ela queria insistir, mas Flynn não
lhe deu mais chances. Pegou a maleta de equipamentos, abraçou a pequena amiga e saiu
na direção contrária, dizendo a si mesmo que havia tomado a decisão certa.
Uma vez na estrada, porém, sem parar de pensar na mulher que havia
deixado para trás, já não estava tão certo disso.
Flynn Rawlings era realmente o homem mais impertinente que Tate já havia
conhecido! Mantinha-se a distância, mas esteve em cada rodeio de que ela participou
nas duas semanas que se seguiram. Verdade que não fazia nenhuma tentativa de
aproximação, mas continuava a segui-la como uma mosca importuna.
Mesmo quando Flynn não estava ao alcance da vista, havia a peça de madeira
entalhada para não deixar Tate se esquecer da existência dele. Todos os dias, vezes
sem conta os olhos dela eram atraídos para aquele inegavelmente belo trabalho
artístico, como se aquilo fosse um imã. Quantas horas ele teria levado trabalhando no
entalhe, pensando nela? Fascinada, apesar do esforço que fazia em contrário, Tate
imaginava as mãos dele golpeando à madeira, moldando a imagem...
Ela até pensou seriamente em jogar o entalhe no lixo, se possível junto com
as lembranças do artista. Mas era um trabalho tão bem feito que seria até pecado
fazer aquilo. Essa conclusão a deixou ainda mais enfurecida. Ah, mas que homenzinho
insuportável! De forma nenhuma ela deixaria que ele se aproximasse.
Mas ele se aproximou. Não disse uma única palavra, mal mexeu a cabeça
quando os olhos deles inesperadamente se encontraram, mas aquele encontro afetou-a
muito mais do que ela gostaria de admitir. E o pior era que Tate não podia fazer
absolutamente nada para enxotá-lo. O país era livre e ele podia se inscrever no rodeio
que bem quisesse e entendesse.
Seria bem mais fácil ignorá-lo se agora ele não estivesse levando tão a sério os
rodeios. Mas Flynn parecia estar se empenhando muito naquilo. Pelo que dizia Haily,
que o visitava sempre que tinha alguma chance, ele realmente trabalhava duro para se
aprimorar. E o esforço extra estava dando resultados: Flynn agora vencia com uma

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

frequência até surpreendente.


Observando-o de longe, Tate o via competir com cavaleiros de primeira
classe, homens que almejavam o título do Campeonato Mundial de Cavalgada no Pêlo
daquele ano, alguns com boas chances de vencer! Mesmo contra a vontade, aquilo a
impressionava. Perguntando-se se Flynn se dava conta de como era notável o sucesso
que estava obtendo, sentia até vontade de dizer isso a ele. Era realmente espantoso
um novato enfrentar de igual para igual homens que estavam há anos no circuito,
trabalhando duro para conquistar o respeito dos companheiros e dos juizes. O normal
seria eles vencerem tantas provas seguidas, não Flynn.
Mas ele era inegavelmente um bom cavaleiro e Tate não era a única a
reparar que, a cada dia que passava, a técnica dele se aprimorava. Agora, sempre que
Flynn Rawlings subia na cerca da baia para se colocar sobre mais um enfurecido animal,
ela não conseguia afastar os olhos da cena. Se olhasse um pouco para cima concluiria
que o mesmo acontecia com toda a assistência.
Tate sabia que aquilo acabaria em problema, mas a razão não tinha nada a
ver com o que ela sentia por aquele homem. Havia pensado que o melhor seria eles dois
ficarem bem longe um do outro. Agora, porém, quando ele a evitava como quem evita
um pecado, desejava que isso não estivesse acontecendo. Irritada, via-se até
procurando por ele em todos os lugares aonde ia... e muitas vezes o encontrando.
Mesmo eles não tendo trocado uma única palavra naquelas últimas semanas, Tate não
podia deixar de respeitá-lo cada vez mais, gostar dele cada vez mais, sentir saudade
dele cada vez mais. O homem a fascinava, isso era inegável... era incontrolável.
Quando chegou ao local do rodeio em Golden, no Colorado, que imaginava
começar dentro de mais ou menos uma hora, Flynn encontrou as arquibancadas
abarrotadas de gente e o estacionamento lotado. Pelo alto-falante, o apresentador
anunciava a pontuação obtida por Shorty Parker, outro competidor da cavalgada em
potro no pêlo, o que o deixou ainda mais surpreso. Tinha sido informado de que a
competição da modalidade só começaria às três da tarde. Um pneu havia furado na
estrada e ele fora obrigado a pegar uma carona ao descobrir que o estepe estava
igualmente vazio. O conserto dos dois pneus o obrigou a demorar na viagem várias
horas além do que havia planejado, mas mesmo assim esperava chegar a Golden com
tempo de sobra. Uma rápida olhada no relógio de pulso mostrou que eram apenas duas
da tarde. O que estava acontecendo, afinal?
Ignorando a placa de estacionamento proibido perto da entrada dos fundos
da arena, Flynn encostou o furgão num espaço livre que encontrou e desligou o motor.
Pegando a maleta de equipamentos, desembarcou e saiu correndo.
De nada adiantou aquele esforço. Enquanto ele trocava de roupa num
cantinho por trás das baias, um portão se abriu, um cavalo sem cavaleiro foi retirado
para ser recolhido ao curral e a voz do apresentador se fez ouvir.
— Flynn Rawlings está desclassificado, senhoras e senhores. A pontuação

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

dele é zero. O próximo competidor é...


Soltando um palavrão, Flynn nem quis saber quem se apresentaria em
seguida. Ao telefonar para se inscrever na competição ele havia se esquecido de
perguntar a hora do início, mas obtivera a informação com Grady Calhoun, um dos mais
antigos peões do circuito, um homem que agia com o mais absoluto profissionalismo.
Grady jamais se atrasava nos rodeios, era sempre tão responsável... Como podia agora
ter cometido aquele engano?
— A contagem é sessenta e cinco, o que o coloca em quinto lugar. - voltou a
falar o apresentador, tirando Flynn daqueles pensamentos. — E assim, senhoras e
senhores, está concluído o Campeonato Anual de Cavalgada no Pêlo. Uma salva de
palmas pára o grande campeão da modalidade em todo o Estado do Colorado... Grady
Calhoun!
Furioso, Flynn não pôde fazer nada além de ficar olhando para o peão com
cara de garoto que subiu na cerca de uma das baias para agradecer, sorrindo, pelos
gritos e aplausos da multidão. Grady não só havia chegado na hora certa como vencera
a competição!
— Desgraçado! - praguejou Flynn, com os dentes cerrados. Ele acabava de
ser vítima de uma traição suja praticada por um companheiro em que havia depositado
confiança.
Preparando-se para a competição de que ia participar, Tate procurava
acalmar a excitada Doce Mel puxando-a vagarosamente pela rédea quando viu Flynn,
com uma expressão enfurecida no rosto. Então ele estava ali. Ao ver os auxiliares
recolhendo o cavalo que coubera a ele por sorteio, ela não soubera o que pensar.
Talvez ele não levasse mesmo os rodeios muito a sério, mas seria difícil imaginar que
faltaria a uma competição. E só agora Tate percebia o quanto aquilo a deixara
preocupada. Eles estavam sempre viajando de um lado para outro e qualquer coisa
poderia acontecer.
No dia seguinte ela certamente se recriminaria por ter dado tanta
importância aquilo, mas no momento estava realmente feliz por vê-lo. Esquecendo-se
do propósito de ficar bem longe de Flynn Rawlings, Tate amarrou Doce Mel num poste
e saiu correndo.
— Flynn? Está tudo bem? Você não apareceu e eu fiquei muito...
Percebendo o que estava prestes a admitir Tate fechou a boca e não
concluiu a frase, mas Flynn parecia enraivecido demais para reparar naquilo.
— Eu fui um idiota, um completo paspalhão! - ele se culpou, enfurecido. —
Sabe o que é um sujeito deixar que o enganem como um patinho? Pois foi exatamente o
que eu deixei que fizessem comigo!
Tate mostrou-se preocupada.
— O que aconteceu?
— Calhoun. - respondeu Flynn, olhando para o homem que, a distância,

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

recebia as congratulações dos amigos, rindo com aquela cara de imbecil. — O


desgraçado me disse que hoje a competição da nossa modalidade começaria às três da
tarde. Nem passou pela minha cabeça que ele podia estar mentindo.
— Talvez ele não estivesse. - ponderou Tate, que sempre ouvira as melhores
informações sobre Grady. Era difícil acreditar que aquele homem fosse capaz de tal
baixeza. — Pode ser que ele tenha misturado os horários com os de outro rodeio, ou
talvez você não tenha entendido direito...
— Ou talvez ele estivesse com medo de que eu o superasse na competição,
providenciando para que isso não acontecesse. - rebateu Flynn, com dureza. — E eu
não desconfiei de nada.
Algumas semanas antes ninguém o levava muito a sério nas competições, mas
agora ele estava começando a aparecer, ganhando provas importantes. Poderia
representar um perigo real para quem estivesse almejando ganhar o Campeonato
Anual, que proporcionava uma enorme projeção. Grady Calhoun, por exemplo, seria
agora um dos nomes mais quentes do circuito.
Quanto olhou outra vez para Tate, Flynn nem precisou perguntar se aquilo
era uma prática comum naquele meio. Tratava-se de um negócio, um esporte em que,
desde que fosse bom, o competidor poderia ganhar muito dinheiro. Por isso, sempre
havia os inescrupulosos capazes de fazer qualquer coisa para chegar às primeiras
colocações.
Flynn não havia imaginado que Grady Calhoun pudesse ser desse tipo.
— Eu fui ingênuo, como um amador. - ele declarou, carrancudo. — Mas isso
não voltará a acontecer. Se Calhoun quer me tirar do caminho, vai ter que me vencer
na arena, em cima de um cavalo. Estarei pronto para a hora em que ele aparecer com
mais alguma de suas manhas.
Depois daquilo Flynn juraria que estava preparado para qualquer coisa que
Grady Calhoun tentasse fazer contra ele. Anotava pessoalmente os horários e, antes
de cada competição, verificava com cuidado os equipamentos para se certificar de que
ninguém havia mexido em nada. Mas outro problema aconteceu quando ele estava indo
de Coleman, no Texas, para Hinton, em Oklahoma.
Flynn havia saído com tempo suficiente para participar do rodeio em Hinton
mas a certa altura ò motor do furgão começou a engasgar, acabando por apagar por
completo. A única saída foi parar no acostamento.
— Droga! - ele resmungou. — O que foi agora?
Foram necessários quinze minutos para que Flynn descobrisse o problema. E
ele mal pôde acreditar. Esfregando nos dedos no pó que encontrou em volta da tampa
do tanque de gasolina, soltou um palavrão impublicável. Açúcar. Alguém, havia colocado
açúcar no tanque de gasolina do furgão! E ele sabia muito bem a quem cabia a culpa
daquilo: Grady Calhoun.
Por que não havia ficado de olho na noite anterior, ao descobrir que o patife

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

estava no mesmo acampamento em que ele, Tate e mais alguns participantes do rodeio
haviam se instalado? Mas quem iria imaginar que Calhoun pudesse tentar alguma coisa
no meio de tanta gente? Além disso, o próprio Flynn estava dormindo na barraca
armada a poucos metros do furgão. Aquele canalha era mesmo muito audacioso!
Flynn consultou o relógio, soltou outro palavrão e pegou a maleta de
equipamentos. Se queria chegar a Hinton a tempo de participar do rodeio, teria que
arranjar uma carona que o levasse pelo menos até lá perto. Do contrário, seria
desclassificado pela segunda vez num curto espaço de tempo.
Ainda era cedo, pouco mais de nove da manhã, mas não havia uma única
nuvem no céu e a temperatura já começava a subir. Sem esperar mais, Flynn saiu
caminhando pelo acostamento, vez por outra olhando para trás e rezando para que
passasse alguma alma caridosa.
Três veículos, duas pick-ups e um caminhão, passaram por ele na meia hora
que se seguiu. Nas três ocasiões Flynn ergueu o polegar e preparou-se para correr
caso o veículo diminuísse a velocidade para encostar adiante, no acostamento, mas em
vão.
Antes de retomar a caminhada, ele só podia desejar que aqueles egoístas
um dia ainda precisassem pedir carona na estrada, num dia de muito sol.
Oito quilômetros adiante do local onde avistara o furgão abandonado Tate
viu Flynn caminhando pelo acostamento. Ao ouvir o barulho da pick-up ele estendeu a
mão esquerda e ergueu o polegar, mas continuou olhando para a frente, dando a
impressão de que não esperava muito conseguir a carona.
Há vários quilômetros Haily vinha entretida numa revista de histórias em
quadrinhos, mas quando Tate tirou o pé do acelerador ela ergueu a cabeça e olhou em
volta, espantada.
— Por que está parando? Algum problema? - quando viu o homem que
caminhava alguns metros adiante delas, a menina abriu um sorriso. — Aquele é Flynn!
— É, sim. - confirmou Tate. — Nós passamos pelo furgão dele alguns
quilômetros atrás. - parando no acostamento adiante do andarilho, ela abaixou o vidro
da janela e esperou que ele se aproximasse. — Precisa de uma carona, peão?
Muito suado e sentindo os pés doendo, Flynn empurrou o chapéu um pouco
para trás e sorriu. Ah, como era bom vê-la. A vontade dele era enfiar a cabeça pela
janela do veículo para beijá-la naquele instante mesmo.
— Talvez. Para onde está indo, doçura?
Tate engoliu em seco ao ouvir a forma como elé a tratava, e com a maior
naturalidade. Morreria antes de deixar que ele soubesse disso, mas havia sentido uma
saudade muito, muito grande.
— Que tal uma oficina em Fort Worth? Parece que é disso que você está
precisando.
— Para mim está ótimo. Vou pôr minhas coisas lá atrás.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Fort Worth ficava apenas trinta minutos adiante e logo eles encontraram
uma oficina. Enquanto Flynn ia falar com o mecânico, Tate ficou com a filha no
estacionamento, achando que ele voltaria apenas para agradecer pela carona, já que
certamente permaneceria ali aguardando que o furgão fosse rebocado e consertado.
Quando ele retornou, porém, logo deixou claro que não estava com aquela intenção.
— Espere só mais um pouco que eu não vou demorar. Depois nós pegaremos
a estrada outra vez.
Surpresa, Tate procurou ignorar as batidas rápidas do coração.
— Nós pegaremos a estrada? Mas... e o seu furgão?
— Eles vão demorar alguns dias para fazer o conserto e eu terei que deixá-
lo aqui. Você está indo para Hinton, não é?
— É, sim, mas...
— Ótimo. Então eu pegarei uma carona com você e Haily. Espere só um
minutinho.
Tate queria protestar, mas não conseguiu pronunciar uma só palavra nesse
sentido. Agora com o coração disparado e a garganta seca, ficou observando enquanto
Flynn acertava com o mecânico para que o furgão fosse rebocado até a oficina e
ficasse guardado ali depois do conserto. Feito isso ele correu para a pick-up e se
acomodou no assento, com a maior sem-cerimônia. Instantes mais tarde, sem que Tate
soubesse bem como, eles estavam a caminho de Oklahoma.
Com Haily entre eles dois, Flynn apoiou o braço na janela, espichou as
pernas e pôs-se a esbravejar contra Grady Calhoun. Com os olhos na estrada, Tate
procurava prestar atenção naquelas palavras enraivecidas. No entanto, embora quase
não olhasse para ele, estava plenamente consciente da presença daquele homem.
Percebia os movimentos das pernas compridas e os cabelos pretos que se agitavam ao
vento. Acima de tudo, sentia o calor da mão que ele havia colocado por cima do banco,
tão perto dela que quase chegava a tocá-la.
Tate sentiu a pulsação acelerada. Apertando o volante, procurou lembrar-se de
que aquele era o mesmo homem que havia passado quase um mês tentando provar
alguma coisa a ela e a si próprio... provar que seria capaz de fazê-là sentir desejo por
ele. Bem, Flynn havia conseguido o que pretendia, a tal ponto que ela chegava a passar
noites e noites acordada. Mesmo assim ele continuífva a ser um homem desprezível,
um sedutor barato que não merecia a menor confiança.
Bem que ela devia ter passado direto na estrada, deixando que ele se
arranjasse sozinho. Mas Tate sabia que não teria coragem para fazer isso. Era o
destino. Outra vez o destino entrava em cena para juntá-los. A cada dia que passava,
as vidas deles iam se enredando mais e mais. Como se fossem bonecos de um teatro de
marionetes, eles pareciam à mercê de uma força maior. E aquilo a deixava
amedrontada. Estava indo pelo mesmo caminho que trilhara com o pai de Haily e já via
o desastre se desenhando adiante. E tudo levava a crer que não havia mais tempo para

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

uma mudança de curso.


Olhando no relógio do painel, Tate procurou afastar aqueles pensamentos para
se concentrar no problema mais imediato: levar Flynn a Hinton a tempo de participar
da competição. Ela não gostava de dirigir em alta velocidade, principalmente quando
estava levando um cavalo no reboque, mas não tinha escolha.
Pisando mais fundo no acelerador, Tate olhou para Haily e Flynn e sorriu.
— Fiquem de olhos abertos. Ouvi dizer que nesta estrada os guardas
rodoviários ficam escondidos para pegar quem está em excesso de velocidade. A
última coisa que eu quero é ter que pagar uma multa.
Por sorte naquele dia a patrulha rodoviária estava ausente da estrada. No
entanto, dez minutos depois que eles haviam ultrapassado os limites da cidade, surgiu
um guarda municipal cronometrando a velocidade da pick-up, que trafegava quinze
quilômetros acima do limite. Preocupada apenas em levá-lo o mais rapidamente possível
ao local do rodeio, Tate só reparou na viatura estacionada embaixo de uma árvore
quando Flynn, levantando a cabeça do mapa que consultava, chamou a atenção dela.
— Cuidado! Tem gente à sua esquerda.
Tate levou um susto e aliviou o pé do acelerador. Ainda faltavam dez
minutos para o início da competição de Flynn, mas eles ainda precisavam encontrar o
local do rodeio. Se parassem naquele momento não chegariam á tempo.
Passando pela viatura a uma velocidade mais moderada e olhando para a
frente, ela se preparou para ouvir a sirene.
— Acho que ele não me viu. - disse Tate, esperançosa.
— Ah, sim! - exclamou Flynn, rindo. — Pode ter certeza disso, tanto quanto
de que este ano nós dois vamos ser campeões mundiais. Doçura, ele estava de olho em
você antes mesmo que eu conseguisse abrir a boca.
Mais tarde, quando estivesse a sós com ele, Tate estava decidida a
repreendê-lo por aquele hábito de chamá-la de ―doçura‖. No momento, porém, aquele
jeito carinhoso de falar era até confortador.
— Está certo, eu estava correndo muito. Mas também não estava voando
pelas ruas da cidade. Só passei um pouco do limite e não teria feito isso se não
estivéssemos com tanta pressa.
— Ei, você não precisa me convencer disso. - respondeu Flynn, com um
sorriso. — Apresente seus argumentos ao juiz.
Virando a cabeça a toda hora para acompanhar a conversa daqueles dois,
como se estivesse assistindo a uma partida de tênis, Haily não conteve uma
exclamação.
— Ao juiz? Você vai ser julgada, mamãe?
Tate acariciou o joelho da filha, que estava com a cabeça levantada para ela
e os olhos muito aberto.
— Flynn está brincando, meu bem. Eu fui multada, mas só vou precisar pagar

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

a multa. Portanto, não se preocupe que ninguém vai me jogar atrás das grades. - então
ela olhou pelo retrovisor para a viatura da polícia municipal. — Acho até que nem vou
ser multada. Aquele guarda continua parado, olhando para outro lado. Se fosse me
parar ele já teria saído atrás de nós.
— Na certa está querendo pegar um peixe maior. - interpretou Flynn,
quando a rua fez uma curva e a viatura da polícia desapareceu. — Talvez uma dessas
carretas que atravessam as cidades à velocidade do som.
— É, talvez. - concordou Tate, controlando o pé para que o ponteiro do
velocímetro não ultrapassasse o limite. — Mesmo assim não quero me arriscar mais.
Você já viu aí no mapa onde é o rodeio?
— Vi, sim. Dobre na próxima rua à direita, depois na segunda à esquerda. É
lá.
Flynn sabia que Tate estava dirigindo no limite da velocidade, mas tinha a
impressão de que a pick-up apenas se arrastava. Embora eles agora não estivessem a
mais de dois quilômetros da arena, mal conseguia controlar o nervosismo. Quando Tate
entrou no estacionamento reservado a participantes e funcionários do rodeio,
faltavam dois minutos para o início da competição!
Tate freou a pick-up tão logo atravessou o portão do estacionamento.
— Nós nos encontraremos com você lá dentro, depois que eu achar um lugar
para parar. - ela mal teve tempo de dizer, enquanto Flynn descia e corria para pegar a
maleta de equipamentos, na parte de trás do veículo.
Com a maleta na mão ele saiu correndo diretamente para as baias. Como
sempre acontecia nos instantes que antecediam um rodeio, aquilo ali mais parecia uma
casa de loucos. Os relinchos dos animais se misturavam com os gritos dos auxiliares.
— Cuidado, campeão! - exortava um deles, repetindo o que o competidor já
estava cansado de saber. — Esse potro tem a mania de saltar para a direita sempre
que entra na arena.
— Está bem firme aí? - perguntava um outro. — Avise-nos quando estiver
pronto.
Flynn ouvia frases como aquelas de todos os lados mas não prestava muita
atenção. Queria saber o cavalo que tinha sido sorteado para ele. Se houvesse trapaça
também naquilo...
— Ei, Rawlings! - chamou-o Joe Martinez, a voz metálica sobressaindo no
meio do barulho. — Nós já íamos desistir de você. Mexa-se, homem. Só tem mais
trinta segundos para se colocar sobre Tiro Certo.
Flynn já havia colocado as esporas e, rapidamente, calçou as luvas.
— Quem vou ter que superar?!
— Calhoun. Foi o primeiro a se apresentar mas ninguém chegou perto dos
pontos que ele conseguiu.
Flynn trincou os dentes, pensando em ir atrás do outro peão para dizer

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exatamente o que pensava dele. Mas aquilo teria que ficar para depois, porque agora
não havia mais tempo nem para um aquecimento. Subindo rapidamente na grade da baia
ele segurou na correia presa ao pescoço de Tiro Certo e montou. Ah, era muito azar
terem sorteado para ele um dos mais ariscos cavalos do país. Deus, o que mais poderia
dar errado naquele dia? Talvez fosse melhor nem querer saber a resposta.
O portão se abriu e Tiro Certo projetou-se para o meio da arena como um
criminoso fugindo da prisão. Enfurecido, saltava muito alto para cair outra vez com as
quatro patas no chão, arrancando gritos da multidão quando novamente se lançava para
cima.
Mesmo sentindo dor no braço Flynn segurava firmemente na correia,
determinado a manter-se no lombo do animal. Cada segundo parecia uma eternidade. A
certa altura ele achou mesmo que havia assumido o controle da situação. No entanto,
logo que aterrissou de um dos seus saltos, o cavalo deu uma rápida guinada para a
esquerda.
— Maldição! - praguejou Flynn, com os dentes trincados. Quando se sentiu
escorregando ele não pôde fazer mais nada. No instante seguinte soltou a correia e
viu-se projetado no ar.
— Oh... — foi o que se ouviu da multidão, em uníssono, quando ele caiu no
chão em meio a uma nuvem de poeira.
Ferido apenas na dignidade, Flynn pôs-se de pé e olhou em volta procurando
o chapéu, que logo encontrou, amassado e coberto de poeira. Enquanto caminhava para
fora da arena, viu-se na obrigação de rir para acompanhar a assistência.
Flynn não estava mais rindo quando, atrás das baias, pôs os olhos em Grady
Calhoun. O outro homem estava encostado num poste e olhava diretamente para ele,
rindo como um idiota. Flynn não precisou de mais nada. Com os olhos faiscando de
raiva, abriu caminho entre as pessoas que se aglomeravam ali e marchou para o lado de
Grady.

Capítulo VIII

Depois que Tate encontrou um lugar para estacionar e levou Doce Mel para um
dos cercados, teve a impressão de que uma hora inteira havia se passado, e não apenas
alguns minutos. Caminhando rapidamente para a entrada da arquibancada e puxando
Haily pela mão, rezou para ter tempo de ver a apresentação de Flynn. Ainda estava na
metade do caminho quando o viu. Com as roupas empoeiradas, obviamente tendo sido

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

derrubado pelo cavalo, ele caminhava na direção de Grady Calhoun com intenções
assassinas nos olhos.
Tate empalideceu.
— Ah, não!
Ao lado dela, Haily viu a raiva que havia no rosto de Flynn e parou de andar.
— Meus Deus!
— É isso mesmo, querida: meu Deus! - concordou Tate. — Fique aqui.
Enquanto se deslocava o mais rapidamente que podia, ela reparou que os
auxiliares das baias, bem como vários peões, haviam percebido que estava para
acontecer uma briga e se aglomeravam para apreciar o espetáculo. Irritada, Tate
quase soltou um palavrão. Só havia ali homens adultos, mas pareciam garotos da escola
primária.
Abrindo caminho, ela conseguiu chegar ao local segundos antes de Flynn
parar diante de Grady.
— Mas que coisa, Flynn! - ralhou Tate, colocando-se entre os dois homens
sem parar para pensar na confusão em que podia estar se metendo. Plantando as duas
mãos no peito do enfurecido Flynn, ela procurava mantê-lo afastado do outro peão, que
insultava o contendor sem se preocupar com o fato de que havia uma mulher bem
diante dele. — Pare com isso! Não vai adiantar nada e...
— Saia da minha frente, Tate. - ordenou Flynn, sem ao menos olhar para
ela, já que mantinha os olhos fixos no rosto presunçoso de Grady. — Isso já passou da
conta e eu vou mostrar a esse desgraçado qual é o lugar dele.
— Está bem, mas não assim. - ponderou Tate. — Antes procure se
acalmar...
— Não. - ele se negou, estendendo a mão para afastá-la. Com frieza nos
olhos, Flynn caminhou mais dois passos na direção de Grady Calhoun. Os homens que os
cercavam pareciam igualmente tensos, embora Tate tivesse esperanças de que
estivessem prontos para entrar em ação caso as coisas fugissem ao controle.
— Eu o considerava um competidor de classe, Calhoun, mas não tecia
coragem de me olhar no espelho pela manhã se fizesse as mesmas coisas que você faz
para vencer.
Grady apenas ergueu as sobrancelhas, com o mesmo sorriso descarado.
— Pelo que sei, Rawlings, trabalho duro não é nada que deva envergonhar
uma pessoa. Você está aborrecido porque foi jogado de cara na poeira do chão. Se vez
por outra chegasse no horário; não seria derrubado pelo cavalo como um bobalhão da
cidade numa cavalgada de domingo.
— E se você não tivesse tanto medo de que eu o tirasse do primeiro lugar no
ranking, talvez agisse com um pouco mais de honestidade. Não quer mesmo que isso
aconteça, não é, Grady? Botou na cabeça que quer ser campeão mundial, quer porque
quer sentir o gosto do título, e fará qualquer coisa para afastar quem atravessar o seu

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

caminho, seja eu ou qualquer um outro.


Grady, que continuava displicentemente encostado na cerca de uma baia
vazia, subitamente aprumou o corpo, com uma frieza glacial nos olhos verdes.
— Não sei do que você está falando...
— Se quisesse ser ator você morreria de fome, porque essa inocência
fingida não engana ninguém. - cortou Flynn, mal controlando a vontade de amassar a
cara daquele cretino. — Eu posso ser novato por aqui, mas não sou bobo. Não vou
desistir só por causa dos seus truques. Se depender do meu esforço, meu desempenho
na arena só vai melhorar. Portanto, vou logo avisando: se quer mesmo manter sua
preciosa posição no ranking, acho bom procurar outros rodeios e ficar bem longe de
mim. Vou batê-lo em todas as oportunidades que tiver.
— Uma ova que...
Alarmada, Tate colocou-se outra vez entre os dois homens antes que eles
partissem um para cima do outro.
— Agora chega, rapazes. - ela disse, com firmeza.
Não adiantou nada, porque nenhum deles recuou um milímetro. Tate colocou
as duas mãos no peito de Flynn mas percebeu de pronto que não conseguiria detê-lo.
Correndo os olhos pelas pessoas em volta, ela suspirou de alívio ao ver que David
Hartfield, o chefe das baias, abria caminho entre os homens que se aglomeravam ali.
Tão forte quanto alto, David seria capaz de enfrentar qualquer dificuldade.
— Graças a Deus que você chegou David! - ela exclamou, fazendo um gesto
de cabeça na direção de Grady. — Tire esse sujeito daqui.
— Você ouviu a moça, Calhoun. - disse o grandalhão, com frieza. — Vá
andando. A festa acabou.
— Eu? Mas o que...
— Será que está surdo? - despachou David. — Suma daqui! Grady deve ter
pensado em resistir, mas mudou de idéia ao ver o olhar frio e decididq de David, que
pesava pelo menos uns vinte quilos a mais do que ele. Então olhou para Flynn.
— Isso não vai ficar assim, Rawlings. - ele rosnou, retirando-se acompanhado
pelos amigos.
Logo depois que Grady se afastou, Tate sentiu as batidas fortes do coração
de Flynn e percebeu que ainda estava com as mãos no peito dele. Rapidamente recuou
um passo.
— Desculpe. - ela murmurou.
— Será que alguém pode me dizer o que estava acontecendo aqui? - voltou a
falar David Hartfield, olhando para eles dois. — Sei que às vezes Calhoun faz o que
não deve, Rawlings, mas não pensei que você fosse tolo o suficiente, para deixar que
ele o prejudicasse. O que foi que aquele espertinho andou fazendo desta vez?
— Não foi nada que eu não possa resolver sozinho. - respondeu Flynn, com o
semblante fechado.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

David torceu o canto da boca. Depois de tantos anos lidando com peões de
rodeio, já sabia que, em casos como aquele, não adiantava muito falar. Mesmo assim
achou que devia dar um conselho.
— Faça como achar melhor, mas não queira resolver nos punhos suas
diferenças com Grady.
Flynn e Tate sabiam que aquilo devia ser levado a sério, embora fosse mais
uma advertência do que uma ameaça. Dificilmente um rodeio apresentava problemas
quando David Hartfield estava nos bastidores. Todos os respeitavam, mas ele sabia
agir com dureza sempre que isso era necessário.
— O que aconteceu? - perguntou Tate, agora calma, depois que o chefe das
baias foi cuidar das suas obrigações. — Você participou da competição?
— Ah, sim. - respondeu Flynn, num tom amargo. — Nós chegamos a tempo
de deixar Tiro Certo me jogar no chão.
Tate fez uma careta.
— Que azar. E onde estava Grady?
— Sentado na grade de uma das baias, observando tudo. A risada que vi na
cara dele era a de alguém que houvesse acertado na loteria.
— E então você foi atrás dele.
— Pois é. - admitiu Flynn. — Mas não ia bater nele... embora sentisse
vontade de quebrar cada um dos dentes daquele cretino. Só queria dizer o que penso
dele.
Tate riu. Agora que a fase crítica havia passado, aquela situação parecia
até engraçada.
— Bem, isso você conseguiu. Nunca vi Grady tão furioso.
Flynn continuou tão sério quanto antes.
— É, mas ele ainda não viu o que é ficar furioso. Se aquele desgraçado
tentar mais um dos seus truques...
Naquele momento o serviço de alto-falantes anunciou o início da corrida dos
cilindros. Pela expressão sombria que viu no rosto de Flynn, Tate percebeu que ele
ainda não havia tirado Grady da cabeça. A hostilidade entre os dois homens era
latente e seria difícil prever o que aconteceria quando eles voltassem a se encontrar.
— Agora preciso trabalhar. - ela disse, preocupada. — Por que não vai para a
arquibancada com Haily? Talvez se acalme um pouco...
— Não se preocupe que não pretendo ir atrás dele, Tate. - respondeu Flynn,
com calma.
— Ora, eu não quis dizer nada disso. - declarou Tate, rindo ao ver que ele não
acreditava. — Está bem, eu não cofioo mesmo em nenhum de vocês dois e, por isso,
acho melhor você ir para a arquibancada com Haily. - então ela olhou para trás e fez
um gesto para que a menina se juntasse a eles. — Acho que ela pensou que você ia
arrancar a cabeça de Grady.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Isso pode muito bem acontecer se aquele desgraçado fizer mais uma das
suas. - afirmou Flynn, em voz baixa, já que Haily ia chegando perto. — Olá, Piraentinha!
Acho que por hoje já tivemos emoções de sobra aqui embaixo. Quer ir para a
arquibancada comigo? Nós podemos comer algodão-doce enquanto vemos a sua mãe
correndo em volta daqueles cilindros.
— Oba! - exclamou a menina, excitada com a perspectiva de fazer algo
proibido. — Posso, mamãe? Só desta vez... Por favor, por favor! Prometo que escovarei
os dentes duas vezes antes de ir para a cama e não comerei mais nenhum doce até o
fim do mês.
Tate riu ao ouvir uma promessa que jamais seria cumprida e abraçou a filha.
— Vou deixar desta vez, mas não exagere, está ouvindo? Agora sumam
daqui, vocês dois. Tenho que pegar Doce Mel e me preparar para a competição.
Flynn e Haily desejaram a ela boa sorte e foram se afastando, rindo e
brincando um com o outro como se fossem pai e filha. Tate enterneceu-se ao observá-
los, embora soubesse que aquilo representava perigo. De alguma forma Flynn havia
entrado na vida delas duas, sendo até difícil imaginar que ele não houvesse estado ali o
tempo todo.
Mas era melhor não deixar que um pensamente como aquele se consolidasse.
Do contrário ela iria outra vez enfrentar a desilusão...
— Ei, Tate! - chamou-a David Hartfield, com um meio sorriso nos lábios. —
Será que vai ficar o dia inteiro com esses olhos compridos em cima de Flynn Rawlings?
Por que não aproveita o tempo para aquecer aquela sua égua?
Tate corou fortemente ao ver que era observada atentamente não só por David,
mas também por vários peões e auxiliares, que riram com vontade da observação do
chefe das baias. Agora ela precisava pensar na competição, mas no momento oportuno
diria poucas e boas a David.
— Na hora da prova, tanto eu quanto Doce Mel estaremos prontas. - ela
declarou, com o queixo empinado. — Vocês vão ver!
E ela venceu... naquele dia. O rodeio de Hinton era um eventos de dois dias, o
que significava que cada competidor devia participar de, duas provas iguais. Nos dois
dias atribuíam-se prêmios pequenos, reservando-se para o final do rodeio os prêmios
maiores que seriam dados aos que somassem o maior número de pontos em cada
modalidade. Isso significava que, mesmo peões, que houvessem sido derrubados do
cavalo no primeiro dia, como Flynn, continuavam com chances de ganhar prêmios no dia
seguinte.
Agora eles precisavam arranjar lugar para passar a noite. Não havia área
para camping em Hinton, mas um fazendeiro da região resolvera permitir que os
participantes do rodeio acampassem numa determinada área da fazenda dele. O lugar
não tinha luz elétrica nem água encanada, mas ficava a apenas três quilômetros da
cidade e o homem não cobraria nada. Era a solução perfeita para Tate, já que a pick-

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

up tinha banheiro e um pequeno gerador. E ela não precisaria gastar nada.


Flynn, porém, não estava com tanta sorte, pois havia deixado no furgão
todo o equipamento de camping. Tate só se lembrou disso quando se encontrou com ele
e Haily depois da prova.
Por coincidência, o fato também chamou a atenção de Haily.
— Mas onde é que você vai ficar, Flynn? - perguntou a menina, quando a
mãe dela anunciou a intenção de acampar na fazenda. — Estou vendo que se esqueceu
de trazer a sua barraca.
Há dez minutos que Flynn vinha se fazendo a mesma pergunta. Ele ganhara
um bom dinheiro nas últimas competições, mas gastaria quase tudo no conserto do
furgão. Certamente não pretendia comentar com aquelas duas a difícil situação
financeira em que se encontrava, principalmente depois de Tate tê-lo acusado de viver
às custas da família.
— Ah, eu darei um jeito, Pimentinha. - ele respondeu, sorrindo para Haily.
— George Klein também está aqui e ele sempre se hospeda em hotel. É claro que
George deixará que eu me espiche no chão do quarto dele.
— Mas você nem trouxe um cobertor para forrar o chão. - argumentou a
menina. — Por que não fica conosco? Temos espaço de sobra.
Com a inocência própria da idade; Haily não percebeu que estava fazendo um
convite que não devia fazer. Tate empalideceu e olhou para Flynn. Por alguns instantes
eles ficaram apenas se olhando, em silêncio, mas nem era preciso dizer nada. Ambos
sabiam que seria um enorme erro ele passar a noite com elas duas na pick up.
O problema era que Tate não sabia o que dizer à filha.
— Querida... - ela gaguejou. — Eu acho que... Bem, Flynn terá mais conforto
se ficar no hotel. Nossa pick-up é tão simples...
— Mas nós temos duas camas. - persistiu Haily. — Eu posso dormir com
você e ele ficará na minha cama.,
— É, tem razão, mas...
— Você sempre me disse que temos obrigação de ajudar quem estiver em
dificuldade. - lembrou a menina. — Flynn está em dificuldade, não está?
— Sim, ele está em dificuldade... por causa do furgão.
— Então o nosso dever é ajudá-lo, não é?
Sem argumentos para contrapor à lógica da filha, Tate voltou os olhos para
Flynn, como se pedisse a ajuda dele.
A solução não parecia muito fácil e ele resolveu adotar uma outra tática.
— Fico muito lisonjeado com o seu convite, Pimentinha, mas você não imagina
a complicação em que está se metendo. - então Flynn abaixou o tom de voz, como se
quisesse contar um segredo muito bem guardado. — Eu ronco a noite toda.
Haily soltou uma gargalhada e ele se esforçou para não rir, o que só
conseguiu a muito custo.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— E pare de rir, mocinha. O problema é muito sério. Às vezes as paredes


chegam a tremer com o meu ronco... Não posso querer que vocês duas passem a noite
acordadas, menos ainda agora. Amanhã a sua mãe estará disputando o grande prêmio,
lembra-se?
Haily não entregou os pontos.
— Mas nós quase não nos vemos mais. - ela se lamentou. — Você parou de
gostar de nós duas?
Tocado pelo tom daquela voz fina, Flynn acariciou os cabelos da garotinha.
— De onde tirou essa idéia, Pimentinha? É claro que eu gosto de vocês.
— Então fique conosco. Por favor...
Flynn percebeu que não tinha mais argumentos.
— Está bem. - ele se submeteu, rindo e evitando olhar para Tate. — Mas não
venha reclamar depois se passar a noite em claro por causa do meu ronco.
A noite estava quente, sem nenhum sopro de vento. Um bom tempo depois que
as luzes se apagaram e todos se deitaram, Flynn acomodou-se na apertada cama
vestindo apenas a calça jeans e sentindo a pele suada. Mas não era o calor que o
perturbava. Não, a culpa por aquele desconforto cabia exclusivamente a Tate. Mal
acomodado no lado oposto do compartimento, ele podia vislumbrar a silhueta dela,
dividindo com a exausta Haily a espaçosa cama por cima da cabine da pick-up. Parecia
estar tão cansada quanto a filha que há quinze minutos não se mexia. Mas Flynn não se
deixava enganar. Tate estava acordada, sim, e pensava nele tanto quanto ele pensava
nela.
Ele não tinha mais idade para acreditar naquele tipo de encenação. Havia
percebido tudo uma hora antes, quando ela saíra do banheiro usando um camisolão de
algodão que a deixava tão atraente quanto se estivesse vestindo um saco para batatas.
Com o rosto lavado e os cabelos presos por cima das orelhas, Tate mais parecia uma
menina de dezesseis anos. Era evidente o esforço que fazia para não demonstrar
sensualidade, mas mesmo assim o cheiro dos cabelos dela se espalhou pelo apertado
ambiente, enchendo as narinas de Flynn.
Fechando os olhos, ele procurou afastar da mente aquela mulher, tentando
pensar apenas em conciliar o sono. Mas... Deus, aquele cheiro era perturbador demais!
E não adiantava também fechar os olhos, porque as fantasias que iam se formando
pareciam ter vida própria, cada uma mais tentadora que a outra. Já com a respiração
descompassada, Flynn via Tate descendo da cama mais alta para se juntar a ele, a
desgraciosa camisola escorregando ao chão enquanto ela se aproximava. Era uma
imagem perturbadora demais.
Ah, o que ele não faria se pudesse abraçar aquele corpo maravilhoso,
inteiramente despido... Exploraria com a língua cada centímetro quadrado da pele de
Tate. E faria isso até deixá-la louca de desejo, suplicando a consumação do ato de
amor.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Percebendo o absurdo das reações que estava tendo, Flynn quis se controlar
mas já era tarde demais. Todo o corpo dele estava quente e tenso. Para complicar, não
soprava a mais leve brisa. Trincando os dentes, ele afastou os olhos da silhueta
sombreada de Tate e deu um sqoo no travesseiro. De nada adiantou. Naquelas
circunstâncias, só adiantaria mesmo tê-la nos braços, linda e nua...
Sentindo o corpo suado por causa do calor, Tate percebeu que Flynn se
mexia na apertada cama buscando uma posição mais confortável. Fechando os olhos ela
procurou ignorar aqueles sons, ignorar aquele homem. Mas não adiantava a mente dar
uma ordem que o corpo se recusava a cumprir. Se ela estava quente e inquieta, não era
apenas por causa do calor... A maior parte da culpa cabia a Flynn! Ele invadira o espaço
dela, tomando conta da pick-up logo ao entrar. Aquele espaço sempre fora suficiente
para ela e Haily, com conforto de sobra, mas agora parecia apertado demais,
opressivo, carente de ar. E o pior era quando ela olhava para a cama em geral ocupada
pela filha e via Flynn deitado ali, os cabelos na testa, o peito descoberto como se
tivesse o único objetivo de tentá-la. Deus, como ele podia ao menos pensar em dormir
com um calor como aquele?
Ao longo da noite ela se fez aquela mesma pergunta pelo menos uma dúzia de
vezes. E a cada minuto ficava mais ressentida. Aquele era o espaço dela, a casa dela
longe de casa. Flynn não tinha o direito de deixá-la tão perturbada com a presença
dele, de uma forma a fazia até prestar atenção na respiração dele. Aquilo não era
direito e ela não podia permitir...
Mas permitia.
Quando Haily se levantou na manhã seguinte, cheia de energia como
sempre, Tate sentia-se como se houvesse travado inúmeras batalhas. Juntando os
minutos que havia conseguido dormir, poderia somar uma hora, talvez duas, no máximo.
E tudo por causa de Flynn... aquele desgraçado! Cada vez que ela havia pregado os
olhos num cochilo leve, lá estava ele para perturbá-la em sonho. Bem que queria
apertar o pescoço dele, esganá-lo, mas sabia que estaria perdida no instante em que
encostasse as mãos naquele homem.
Depois daquela noite Tate teve certeza de que jamais conseguiria ser
indiferente a Flynn Rawlings, por mais que quisesse o contrário. Ele estava se tornando
importante demais para ela... e para Haily. Flynn ia entrando na vida delas duas e a
menina o idolatrava cada vez mais. Qual seria a reação de Haily no dia em que ele as
deixasse para sempre? Isso certamente acabaria acontecendo, porque Flynn tinha
coisas mais importantes a fazer. Na primeira oportunidade Tate conversaria com ele
sobre o assunto.
A oportunidade se apresentou depois do café da manhã, quando Haily
encontrou alguns amiguinhos com quem brincar. Aquela altura Tate estava até irritada,
porque Flyhn aparentemente insistia em permanecer naquele espaço apertado. Por que
pelo menos não ia lá para fora? Era difícil a movimentação de dois adultos ali quando

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

ambos queriam ir a algum lugar ao mesmo tempo.


Tão logo a filha dela saiu, fechando a porta, Tate resolveu falar.
— Depois das competições de hoje, seria melhor se cada um de nós
seguisse o seu caminho. Não quero ver Haily sofrendo por sua causa.
— Sofrendo? - espantou-se Flynn. — Que história é essa, mulher? Eu
cortaria o meu braço direito antes de causar qualquer sofrimento para aquela menina.
Quando Flynn ficava enraivecido era para valer, mas Tate nem pestanejou,
encarando-o.
— É mesmo? E o que me diz de ontem à noite? Deve ter visto a reação dela
quando tentou recusar o convite para passar a noite aqui. Haily achou que você não
gostava mais dela.
— Ora, não exagere a reação de uma criança, Tate. Você sabe que não é
nada disso.
Ah, sim, ela sabia. E era justamente por isso que faria todo o possível para
que, no futuro, ele ficasse bem longe delas duas.
— Quanto mais vocês dois ficarem juntos, mais difícil será para ela quando
tiver que ir para St. George, no final do verão. - argumentou Tate, sentindo as faces
quentes. — Haily poderá sofrer muito e eu não quero que isso aconteça. Portanto, o
melhor é você se afastar dela.
Aquilo era o que se podia esperar de uma mãe que quisesse proteger a filha.
No entanto, ao ver a emoção que dominava aqueles olhos, como as ondas de um mar
revolto, Flynn teve a sensação de que não era de Haily que eles estavam falando.
— E você? - ele inquiriu, observando com os olhos apertados aquele rosto
enrubescido. — Vou ter que me afastar, também de você?
Pela primeira vez Tate pareceu confusa.
— Bem... sim, é claro. Já que eu sou a mãe dela e quase sempre estamos
juntas...
—... também estou proibido de me aproximar de você. - ele concluiu. — O
que, aliás, era o seu objetivo primeiro. - embora ela mostrasse uma expressão de
perplexidade, o olhar dele continuou duro. — Nunca pensei que você fosse uma
covarde.
— Covarde?
— Isso mesmo! Está se escondendo por trás da sua filha quando isso não
tem nada a ver com ela.
— É mesmo? - ironizou Tate. — Então, que tal me dizer com quem isso tem a
ver?
— Com você, com nós dois. Quem está com medo de sair ferida não é Haily,
mas sim você.
— Não estou com medo, não!
— Ah, não? - inquiriu Flynn, agora num tom calmo, aproximando-se dela.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Quando ele chegou bem perto, foi como se naquele apertado recinto não
houvesse ar suficiente para os dois. Mesmo assim Flynn não retrocedeu. Não por
enquanto.
— Reconheça. - ele a desafiou. — Você tem medo de nós... disto...
Depois de dar a ela todas as oportunidades para recuar, Flynn ergueu as
mãos e segurou nos ombros dela, percebendo a pulsação acelerada na região perto do
pescoço de Tate. Aquele toque fez com que ele sentisse uma enorme onda de calor.
Oh, Deus! Flynn não se lembrava de ter conhecido outra mulher que o fizesse queimar
daquele jeito.
Com os olhos fixos nos dela, ele foi correndo o dedo por aquele pescoço
latejante, descendo até encontrar o primeiro botão da blusa. Tate continuava a fitá-lo
em silêncio, como se o desafiasse, mas a pele dela estava tão quente quanto a dele.
— Você acha que eu vou me revelar um canalha tão grande quanto o pai de
Haily, e por isso tem medo. - murmurou Flynn. — Isso é compreensível, porque não
invejo a situação em que você ficou. Mas eu não sou como ele, Tate! Que droga! Você
já devia ter percebido que eu jamais faria Haily sofrer.
Por um instante Flynn achou que ela finalmente desistiria de fugir da
verdade para admitir que ele estava com a razão. Tate estremeceu e Flynn juraria
que, pelo menos numa fração de segundo, tinha visto desejo naqueles olhos de safira.
No instante seguinte ela aprumou o corpo, com a expressão de uma solteirona que
acabasse de ouvir uma proposta indecente.
— O que eu sei é que essa conversa está ficando sem sentido. Já tomei a minha
decisão e nada me fará voltar atrás.
Flynn apertou os dentes, percebendo que ela não mudaria de opinião com
nenhum argumento, por mais justo que fosse. Furioso, sentiu vontade de apertar
aqueles ombros e sacudi-la até ficar cansado. Mas não estava tão precisado de
companhia feminina que resolvesse ficar num lugar onde não o queriam.
— Se a minha presença a ofende tanto, por que esperarmos até o final das
competições? Posso parar de perturbá-la agorinha mesmo.
— Isso não é necessário...
— É, sim, doçura. - respondeu Flynn, com frieza, afastando-se para apanhar a
maleta de equipamentos. — Não posso permanecer num lugar de onde estau sendo
enxotado.
Aquelas palavras feriam, mas não tanto quanto o olhar dele, que chegava a
cortar o coração de Tate.
— Não faça isso, Flynn. - ela pediu, instintivamente erguendo a mão para
segurar no braço dele. — Para onde vai?
Flynn repeliu a mão dela e marchou para a porta.
— Vou para a cidade.
— Mas... a cidade fica a três quilômetros daqui!

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Mesmo que ficasse a cinquenta. - ele despachou. — Diga a Haily que


precisei ir embora mais cedo para me exercitar.
Ignorando-a, Flynn saiu e pegou o caminho para a cidade, sem ao menos
olhar para trás. Era uma longa caminhada ao sol..
Quando chegou ao local do rodeio estava um pouco mais calmo, mas a raiva
retornava sempre que ele pensava em Tate. E o pior era aquele aperto no peito, aquela
dor... Soltando uma praga, Flynn disse a si próprio que mulher nenhuma podia machucá-
lo daquele jeito, fosse ela Tate Baxter ou qualquer uma outra. Mas a dor persistia,
recusando-se a ir embora.
Parando numa barraca de sanduíches e bebidas que encontrou pelo caminho,
Flynn pensou seriamente em afogar aquela mágoa em algumas garrafas de cerveja, mas
só um idiota se encheria de álcool para depois subir no lombo de um cavalo bravo.
Resistindo à tentação, ele marchou para as baias, deixou a maleta de
equipamentos junto com as de outros peões e saiu à procura dos amigos.
Não viu Tate até que as arquibancadas começaram a se encher e os peões que
iam participar da cerimônia de abertura daquele dia se enfileiraram para entrar na
arena. Lá estava ela, segurando a rédea de Doce Mel. Através da aglomeração de
pessoas eles ficaram se olhando e Tate parecia querer dizer que não havia motivo para
que ele ficasse zangado, que eles não podiam deixar de ser amigos assim, sem mais
nem menos.
Uma ova! Como podia ser amigo de uma mulher que tinha medo de ser
machucada por ele? Ainda enraivecido demais para chegar perto daia, Flynn desviou
propositadamente o rosto.
Quando chegou a hora de entrar na arena ele achou que talvez pudesse
descarregar um pouco da frustração no lombo de Magrela Preguiçosa, a potranca que
ia montar. Tendo aquele nome apenas porque não era tão imprevisível na arena quanto
outras éguas do seu porte, ela podia proporcionar uma boa pontuação a um peão que
fosse esperto. Se tivesse sorte Flynn poderia até ganhar o prêmio daquele dia,
embora não tivesse mais esperanças de conquistar o prêmio maior do rodeio.
Como ele já esperava, Magrela Preguiçosa entrou na arena e se pôs a saltar
naquela cadência que era o sonho de todo peão. Tão logo pegou o ritmo, Flynn começou
a esporeá-la para dar mais emoção ao espetáculo e conseguir alguns pontos extras dos
juizes. Fazia aquilo totalmente concentrado nos movimentos do animal, absolutamente
seguro de que não seria derrubado antes que soasse a campainha.
Quando arrebentou a correia em que se segurava, Flynn não pode fazer
absolutamente nada. Num instante cravava as esporas na barriga da égua com vontade,
no outro sentia-se sem nenhum equilíbrio. Logo depois viu-se voando, indo chocar-se
contra a cerca de uma baia vazia.
A dor foi imediata, quente e intensa. Envolvia as costelas dele como uma
tenaz de fogo, quase o impedindo de respirar. Gemendo e sentindo-se incapaz de se

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

mover, ele se deixou ficar no chão como um boneco de pano.


Observando a cena, Tate soltou um grito e correu para o interior da arena,
ignorando a ordem do chefe das baias para que não entrasse ninguém além dos
membros da equipe médica.
Tão pálido quanto a agora suja camisa branca que vestia, Flynn estava caído de
costa perto da baia com a dor estampada no rosto. Com o coração na mão, Tate caiu de
joelhos ao lado dele antes de qualquer outra pessoa. Tinha medo de tocá-la para não
feri-lo ainda mais.
— Flynn?
Fechando os olhos, Flynn procurou cegamente pela mão dela.
— Estou aqui, doçura. - ele disse, entrelaçando os dedos nos dela e forçando um
sorriso. — Comendo poeira... outra vez. Parece que não vou ganhar nada mesmo neste
rodeio.
— Onde está doendo?
— Em toda parte. - respondeu Flynn, còrn o mesmo sorriso amargo. — Pode
escolher qualquer ponto do meu corpo que está doendo.
Logo depois chegaram os membros da equipe médica com uma maca e Tate teve
que se afastar, deixando que aqueles homens de branco assumissem o controle. Depois
de um primeiro e rápido exame para ver se Flynn não tinha algum ferimento mais
sério, eles o colocaram cuidadosamente na maca e o levaram para o lado de fora da
arena, onde fariam um exame mais cuidadoso, decidindo então se seria necessário
mandá-lo para o hospital. Enquanto eles iam saindo, a assistência, que mantinha-se de
pé em absoluto silêncio, irrompeu com aplausos de alívio quando Flynn ergueu a mão
com o polegar levantado, dando a entender que estava bem.
Minutos mais tarde, já colocado sobre uma mesa improvisada, parecia
determinado a convencer os paramédicos da mesma coisa.
— Eu estou bem, rapazes. - ele insistia, esforçando-se para se sentar sem a
ajuda de ninguém. A cada movimento, porém, soltava um gemido por causa da dor. —
Só não estou conseguindo respirar direito. Depois que caminhar um pouco estarei
novinho em folha.
— Mesmo assim vamos ter que examiná-lo. - disse o mais velhos dos homens
de branco. — Fique quieto para que possamos tirar a sua camisa.
Se tivesse forças Flynn teria resistido. No entanto, mal conseguia respirar
e deixou que aqueles homens o livrassem da camisa, fazendo o possível para que eles
não percebessem a agonia em que se encontrava. Mas os paramédicos eram ex-
perientes e não se deixariam enganar.
— Você quebrou algumas costelas, amigão. - anunciou o mais jovem deles,
correndo a ponta dos dedos pela caixa torácica de Flynn. Logo depois ele olhou no
rosto do paciente. — Dói como o diabo, não é?
Agora Flynn não conseguia mais rir.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Basta que vocês me enfaixem para que eu possa sair daqui. Dentro de poucos
dias estarei bonzinho.
Aproximando-se mais, Tate perdeu a paciência e resolveu interferir.
— Não seja infantil, Flynn! Acha que é brincadeira ter costelas quebradas?
— A moça tem razão. - pronunciou-se o chefe dos paramédicos, devolvendo a
camisa de Flynn. — Por enquanto as costelas estão apenas quebradas. Se você voltar a
montar antes que a calcificação das fraturas se consolide, corre o risco de ter um
pulmão perfurado. Aí, sim, terá um problema sério pela frente. Portanto, se quer
mesmo ficar longe do hospital, terá que desistir dos rodeios por algumas semanas.
Flynn pareceu estar recebendo uma ordem para parar de respirar.
— O quê? Você só pode estar brincando!
— Não, estou falando muito sério. Se quiser pagar para ver, a decisão é
sua. Do contrário deverá ficar bem quieto por algum tempo, para que as costelas
fraturadas se curem sozinhas. A demora disso dependerá exclusivamente de você.
— Mas eu não posso ficar parado por tanto tempo. Logo me sentirei
melhor.
— A vida é dura, não é? - disse o outro paramédico, com uma simpatia que
não foi muito apreciada pelo paciente. — Não procure se levantar. Nós o ajudaremos.
Flynn trincou os dentes enquanto eles o ajudavam a se sentar. Procurou não
deixar transparecer a dor que sentia, embora aquilo não fosse nada fácil. Quando os
dois homens finalmente o puseram de pé, estava muito pálido e fraco como uma
criança que desse os primeiros passos.
Duas semanas... Como ele poderia aguentar aquilo durante duas semanas?
Seria um inferno!
— O que pretende fazer? - perguntou Tate, ficando bem perto como se
tivesse medo de que ele caísse a qualquer momento.
— Não sei. - respondeu Flynn, encolhendo os ombros, o que apenas serviu
para provocar outra onda de dor. — Acho que vou para casa. Na situação em que estou
minha presença aqui não serve para nada.
Olhando em volta em busca da maleta de equipamentos, ele viu que o chefe
das baias se aproximava com a correia arrebentado na mão e a testa vincada.
— Ah, ótimo... você encontrou. - disse Flynn, quando David chegou perto. —
Quero dar uma boa olhada nisso. Ainda não consigo entender como essa correia
arrebentou daquele jeito.
O grandalhão hesitou, vendo o lamentável estado em que Flynn se
encontrava, mas não conseguiu se conter.
— Parece que tem alguém com muita raiva de você, filho. - ele comentou,
entregando a correia, que era a única coisa cm que o peão se segurava quando estava
no lombo de um cavalo bravio. — Essa correia foi cortado a faca.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Capítulo IX

— Dê uma olhada você mesmo. - disse David, indicando um certo ponto da


correia.
De fato, havia um corte evidentemente proposital naquele lugar. O autor do
ato criminoso havia tomado o cuidado de cortar o couro por baixo, de forma a não
chamar a atenção quando a correia fosse colocada no animal. Ainda firme na hora em
que Flynn entrara na arena, bastaram alguns movimentos da égua para que a peça se
arrebentasse.
— Desgraçado! - disse Flynn, entre os dentes, enquanto passava o-dedo na
parte cortada da correia. — Nunca pensei que aquele cretino tivesse coragem para
chegar a esse ponto.
— De quem você está falando? — quis saber o chefe das baias, muito sério.
Flynn olhava fixamente para David como se estivesse com o pensamente
bem longe, quase pronunciando o nome de Grady Calhoun. Não tinha nenhuma prova,
mas raramente se enganava quando ouvia a voz do instinto. E, naquele momento, tinha
certeza de que não precisava ir além de Calhoun para encontrar o criminoso.
Antes do início do rodeio Flynn despreocupadamente deixara a maleta de
equipamentos junto com uma dúzia de outras, no lado de fora de uma das baias, indo
se encontrar com os amigos. Qualquer um poderia ter se aproximado, identificado a
maleta pelo nome gravado na plaqueta de bronze e rapidamente cortado a correia com
uma lâmina. Considerando que nos momentos que antecediam as competições aquele
local mais parecia um manicômio, ninguém repararia num ato de sabotagem
disfarçadamente praticado.
Só que ninguém além de Grady Calhoun teria motivos para fazer tamanha
baixeza. Flynn tinha certeza disso, tanto quanto sabia que estava agora com várias
costelas quebradas. Mas também não podia sair acusando o pilantra enquanto não
tivesse provas irrefutáveis.
— Qualquer um pode ter feito isso. - ele respondeu, evitando o olhar de
David. Como não podia erguer o braço para jogar a correia imprestável na lata de lixo
mais próxima, contentou-se em soltá-la no chão. — Parece que preciso comprar uma
correia nova.
— Eu quero o nome, Rawlings. - persistiu David Hartfield, com firmeza na
voz. — E não me diga que não suspeita de ninguém, porque será a mais pura mentira.
Portanto, desembuche. Quando acontece esse tipo de canalhice nas minhas baias,

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

quero saber quem é o culpado.


— Eu não tenho nenhuma prova.
— E eu não lhe pedi provas, mas uma coisa assim não acontece a um homem
sem que ele faça idéia de quem pode sido o autor. Fale de uma vez, Rawlings. De quem
você desconfia?
Carrancudo, Flynn quase mandou que ele fosse procurar um suspeito por
conta própria, mas não estava tratando com um qualquer. Além disso, já conhecia
David o suficiente para saber que ele não iria embora enquanto não ouvisse o nome que
estava exigindo.
— Grady Calhoun. - declarou Flynn, a contragosto, preparando-se para a
reação do outro.
Não precisou esperar muito.
— Grady Calhoun? - exclamou David, perplexo, olhando em volta para ver se
eles não estavam sendo ouvidos por ninguém mais além de Tate. — Você perdeu o
juízo, homem? Se Grady continuar na mesma pisada, finalmente conseguirá aquela
fivela de ouro que vem perseguindo há tantos anos. Ele não jogaria fora um título
mundial fazendo uma estupidez como essa.
— Você queria um nome... e eu de. - resmungou Flynn. — Não venha agora me
culpar se não gostou do que ouviu. Ah, eu conheço a reputação de Calhoun. Ele tem
muitos amigos, sim... mas pode acreditar que não me incluo entre esses.
David arqueou as sobrancelhas grossas, sem querer se convencer.
— Olhe... eu sei que Calhoun às vezes pode ser um... uma pedra no sapato,
mas ele não faria isso, Flynn, não chegaria tão baixo. O que Grady poderia ganhar
deixando você de molho por algumas semanas?
— Você mesmo disse. - respondeu Flynn, como se fizesse uma piada. — O
que ele ganharia? Aquela fivela de ouro que vem perseguindo há tantos anos. Pense
nisso, David. Para ganhar o título mundial e a cobiçada fivela de ouro, Calhoun terá que
ter acumulado o maior número de vitórias e prêmios em dinheiro ao final do ano. Ele
sabe disso tão bem quanto eu. Até duas semanas atrás, eu ganhei prêmios maiores que
os dele em dois rodeios seguidos. Foi quando os meus problemas começaram.
Tate viu que Flynn já estava com dificuldade para esconder as dores que
sentia e se aproximou mais.
— Grady deu a Flynn um horário errado para o início do rodeio em Golden,
no Colorado. - ela informou, agora preocupada com o fato de que Flynn respirava com
dificuldade.
— Na certa ele se enganou. - interpretou David. — Isso acontece.
— Ele venceu a prova, David! - lembrou Tate, enfática. — Providenciou para
que Flynn não participasse e assim ficou sem nenhum concorrente à altura.
— Mesmo assim ele pode ter misturado os horários. - insistiu o chefe das
baias, procurando se justificar ao ver o olhar duro de Flynn. — Ora, vocês dois sabem

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

o que é estar na estrada semana após semana. As cidades são muito parecidas, os
rodeios se sucedem e qualquer um pode acabar fazendo confusão.
Agora tão convencida da culpa de Grady quanto Flynn, Tate voltou a
interferir.
— Eu também pensei isso. - ela disse. — Achei que Grady poderia ter
cometido um erro honesto, mas isso não explica o açúcar que apareceu ontem no
tanque de gasolina de Flynn e muito menos o que aconteceu hoje.
— Se Tate não houvesse aparecido para me dar uma carona, eu não teria
chegado aqui a tempo de participar da prova. - acrescentou Flynn, com a raiva
superando a dor. — Mesmo assim não tive tempo para o aquecimento. Acabei comendo
poeira e Calhoun riu às gargalhadas. Você viu a cara dele quando eu saí da arena.
Parecia estar recebendo um presente de Papai Noel.
— E você acha que isso não foi suficiente para ele? - especulou David,
curioso. — Grady queria tirá-lo do caminho de forma permanente. É isso o que está
querendo dizer?
Flynn fez uma careta.
— Não sei se aquele canalha iria tão longe, mas Calhoun certamente fez o
que pretendia. Não serei uma ameaça para ele ou para qualquer um outro, se não puder
cavalgar.
Era uma história aparentemente absurda, pela violência e pela deslealdade
que envolvia. Flynn não culparia David se ele o considerasse um paranóico. No entanto,
em vez de persistir rejeitando a suspeita, o grandalhão ficou olhando longamente para
Flynn, até que se abaixou para apanhar a correia cortada.
— Vou fazer umas perguntinhas por aí. - ele prometeu sério. — Quando
descobrir alguma coisa voltarei a falar com você.
Depois disso David Hartfield se afastou para cuidar de suas obrigações no
rodeio, que havia recomeçado tão logo Flynn fora retirado da arena. O aumento da
atividade em volta das baias deixou claro que logo a prova dos cilindros estaria co-
meçando. Tate seria a terceira a competir e não tinha tempo a perder se quisesse
entrar na arena com Doce Mel aquecida.
Quando ela se voltou para Flynn, a discussão daquela manhã estava
esquecida em função da óbvia dor que o torturava. Ele estava incrivelmente pálido.
Lembrando-se do que vira tão pouco tempo antes, Tate não resistia ao impulso de
abraçá-lo. Na mente dela apareceu a imagem de Flynn voando contra a cerca da baia.
O sempre risonho Flynn, que dava a impressão de saber de algum segredo que ninguém
mais sabia, tinha ficado no chão, imóvel. Se ele realmente tivesse algum ferimento
sério...
Rapidamente ela procurou afastar aquele pensamento, temerosa da
conclusão a que podia chegar. Oh, bom Deus! Como aquilo podia estar acontecendo? Em
muito pouco tempo aquele homem havia passado a significar muito para ela.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Agora preciso ir. - declarou Tate, falando depressa. — O que você


pretende fazer?
— Fazer? - inquiriu Flynn, começando a mostrar um riso cínico, apenas para
substituí-lo por uma careta quando sentiu dor nas costelas quebradas. — Acho que não
vou poder fazer nada, graças a Grady. O desgraçado fez o serviço direitinho.
Ele podia estar fraco como um gatinho ferido, mas a raiva que o dominava
era mais do que evidente. Aquilo deixou Tate apreensiva.
— Não está pensando em ir atrás de Grady, não é? - ela perguntou,
apertando os dedos em volta do braço dele. — Quero ouvir agorinha mesmo sua
promessa de que não fará nenhuma estupidez... ou não deixarei que fique longe da
minha vista.
Quando voltou a tocá-lo Tate sentiu que a tensão que agora o dominava não
tinha nada a ver com Grady Calhoun.
— Quando foi que você resolveu tomar conta de mim? - perguntou Flynn,
muito sério. — Pensei que não queria nada comigo.
Não queria nada com ele? Aquilo era um absurdo tão grande que Tate quase
soltou uma gargalhada. Será que aquele homem estava cego? É claro que ela o queria! E
era justamente esse o problema. Ele a fazia pensar em coisas que há muitos anos ela
mantinha afastadas da mente, sonhar com coisas que havia jurado não voltar a
experimentar, sentir um enorme desejo por ele, mesmo sabendo os riscos que estaria
correndo.
Pela primeira vez desde a decepção que sofrera com Rich Travis, Tate
desejava ardentemente estar com um homem. Só que agora não era mais uma garota
de dezessete anos sem a menor idéia de como a vida podia ser dolorosa. Já havia
experimentado a dor e a perspectiva de um novo sofrimento recomendava a busca de
um abrigo seguro.
Tate enfrentou o olhar de Flynn, rezando para que ele não ouvisse as
batidas do coração dela.
— Eu disse que achava melhor procurarmos ficar longe um do outro no
futuro. - ela procurou explicar. — Isso não quer dizer que vou ficar parada vendo
Grady fazer picadinho de você, já que o seu bom senso parece não ser suficiente para
esperar até que esteja em condições de ir atrás dele. Agora prometa, Flynn.
— Ora, eu não sou um idiota para...
— Ótimo. - ela o interrompeu. — Posso considerar isso uma promessa?
Estou em cima da, hora e preciso ouvir logo a sua resposta.
Era evidente que ele não queria prometer nada, mas Tate não saiu do lugar,
encarando-o com firmeza, o que o levou a trincar os dentes.
— Está bem, droga! Prometo que não vou sair por aí atrás daquele safado... por
enquanto. Mas logo que minhas costelas estiverem curadas...
— Você poderá castigá-lo no lugar onde dói mais... no lombo de um cavalo, diante

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

das arquibancadas cheias de gente.


Tate disse aquilo e sorriu. Para surpresa deles dois, ela passou os braços
por cima dos ombros dele e abraçou-o de uma forma que não causasse dor nas costelas
fraturadas. Quando Flynn procurou erguer os braços para retribuir ao abraço, não
teve mais tempo para isso.
— Agora preciso ir. - ela se justificou. — Do contrário não participarei da
competição..
— Mas que droga. Tate! Volte aqui!
Rindo do protesto dele, ela saiu caminhando por entre as pessoas na
direção do lugar onde havia deixado Doce Mel. Quando montou para começar a
aquecer a égua, porém, estava séria outra vez e sentiu um frio na barriga. Se Flynn
houvesse batido na cerca com a cabeça e não com as costelas, naquele momento
estaria a caminho do hospital, talvez com traumatismo craniano...
— Volte para a Terra, Tate. - exclamou um dos auxiliares bem perto dela. —
Está em que planeta, menina?
Tate sacudiu a cabeça, só então percebendo que seria ela a próxima a entrar na
arena. Com as faces enrubescidas, forçou um sorriso.
— Desculpe. Acho que estava começando a atravessar a camada de ozônio.
Bem, já estou indo.
Com um toque dos calcanhares nos flancos de Doce Mel e um leve puxão nas
rédeas, Tate fez com que o animal recuasse um pouco, ganhando mais espaço para o
início da carreira. A égua dançava nervosamente, ansiosa para começar logo a correr.
O auxiliar no portão da baia fez um gesto indicando que o campo estava limpo.
Reconhecendo o sinal, Doce Mel quase empinou, o que fez Tate rir.
— Calma, garota. Nós mostraremos a eles como é que se faz. Agora!
Inclinando-se para a frente sobre a sela, ela bateu com os calcanhares da
barriga da égua, que no mesmo instante entrou galopando na arena.
Naquele momento, tendo um pensamento fora de hora, Tate achou que
talvez não devesse estar competindo. Então procurou fazer com que Doce Mel
aumentasse a velocidade, mas aparentemente não conseguia ter um sincronismo
perfeito com a égua.
Sentiu como se estivesse se movimentando em câmara lenta e quis que Doce
Mel corresse ainda mais. Também ansiosa por aquilo, a égua correspondeu e elas
contornaram o primeiro cilindro a uma incrível velocidade, fazendo a assistência se
pronunciar em aprovação. No entanto, quando superaram a última barreira e iniciaram
a arrancada para a linha de chegada Doce Mel tropeçou e começou a coxear.
A inércia fez com que cruzassem a linha de chegada com um excelente
tempo, mas que dificilmente as deixaria no primeiro lugar até o final da competição.
Não que Tate se importasse com aquilo, porque estava mais preocupava com a contusão
que Doce Mel podia ter sofrido.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Saindo da arena, ela desmontou rapidamente e abaixou-se para examinar a


pata dianteira da égua.
— O que aconteceu? Ela está bem? - inquiriu Flynn, aproximando-se com a
rapidez que permitiam as costelas fraturadas. Ainda muito pálido, ele segurou as
rédeas e reparou que Doce Mel recuava ao toque de Tate. — Calma, garota. Eu sei
exatamente como você está se sentindo, pode acreditar.
Tate pôs-se de pé, recriminando-se.
— Ela está mancando e a culpa é exclusivamente minha. Obriguei-a a correr
mais do que devia.
Agora, e apenas por causa daquela idiotice, Flynn não seria o único a ficar de
molho por algumas semanas. Até que Doce Mel estivesse em condições de competir,
Tate ficaria de braços cruzados, perdendo inclusive o dinheiro gasto na inscrição em
vários rodeios. Mais um desastre... Será que mais algum estava para acontecer? O
verão estava passando rapidamente e, pelo andar da carruagem, ela teria sorte se
conseguisse metade do dinheiro de que precisaria para se manter na escola durante o
semestre seguinte. E agora?
— Foi um acidente. - definiu Flynn, blhando calmamente para ela. — Poderia
ter acontecido com qualquer um. Você está sempre competindo com essa égua, doçura,
semana após semana, e algumas contusões têm que ser encaradas com naturalidade.
Ela ficará boa. Só precisa de algum tempo.
Mas Flynn sabia que tempo e, principalmente, dinheiro não eram coisas que
aquela mulher tivesse de sobra. Observando a forma como ela acariciava a égua,
murmurando desculpas por tê-la obrigado a correr além do necessário, ele se viu
lutando contra a vontade de dizer a Tate que parasse de se preocupar com a droga do
dinheiro. O saldo da conta dele no banco do Novo México, aberta pelo pai quando ainda
estava vivo, era mais do que suficiente para que ela terminasse o curso secundário e
se matriculasse na faculdade de medicina. Tate poderia pagar o empréstimo quando
tivesse condições para isso.
O único problema era que Tate Baxter jamais receberia dinheiro dele.
Independente demais, ela só fazia o que pudesse custear com recursos próprios.
Vagarosamente, Flynn colocou os polegares no cinto da calça.
— O que vai fazer agora? Passar um tempo na casa do seu pai?
Tate balançou afirmativamente a cabeça, com uma expressão amarga.
— Pelo jeito como estão as coisas parece que não tenho outra opção. E
imagino que você irá para o Novo México. O que vai fazer quanto ao furgão? Está
pensando em pedir a algum dos seus irmãos que vá até Fort Worth para apanhá-lo?
Era uma suposição perfeitamente lógica e Flynn achou que talvez fosse até
melhor deixar que ela continuasse acreditando naquilo. Só que ele não tinha mesmo
jeito para mentir. Então, resolveu falar a verdade e preparou-se para a violenta
reação que certamente viria.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Na verdade eu mesmo irei buscar o furgão... se não conseguir convencê-


la a passar em Fort Worth antes de ir para casa. Pagarei por esse trabalho, é claro, já
que você estará se desviando um bocado do seu caminho.
— Mas você não está em condições de dirigir.
— Ah, dentro de poucos dias eu estarei bem. Não vou poder mesmo ir para
casa, porque na sexta-feira terei de estar em Cody, no Wyoming. Assim sendo,
chegarei lá com tempo suficiente para descansar antes do rodeio.
Tate ficou olhando para ele, boquiaberta.
— Você não pode estar falando sério!
— Escute, Tate...
— E não me venha com essa história de ―escute, Tate‖. - ela o interrompeu,
enfática. — Se é que já se esqueceu, você está com várias costelas esmigalhadas...
— Fraturadas, doçura. - corrigiu-a Flynn. — Minhas costelas estão
fraturadas, o que é bem diferente.
Tate não estava com a menor disposição para ouvir uma aula de semântica.
— É bem possível que elas estejam quebradas. - ela despachou. — Como é
que você pode saber se ainda nem tirou uma radiografia? E não tente me enganar,
porque mal consegue esconder as dores que está sentindo. Quando se olhar no espelho
você vai levar o maior susto, porque está branco como um fantasma.
Flynn teve que abrir o sorriso que começou a dançar nos lábios dele.
— Tate... você me surpreende mesmo, doçura. Se não a conhecesse melhor,
pensaria até que se preocupa comigo. E olhe que esta manhã mesmo você me dizia que
cada um de nós deveria seguir o seu caminho.
Tate corou fortemente mas não desviou os olhos. Não daria a ele aquela
satisfação.
— Um homem estúpido o suficiente para montar um cavalo quando está com
várias costelas fraturadas acabará na cama de um hospital se não tiver por perto
alguém que se preocupe com ele.
— Nada disso vai acontecer...
— Tem toda razão, porque você não vai para Cody ou seja lá para onde for.
Flynn franziu a testa e apertou os olhos.
— Ora, não me diga! E quem vai me impedir?
— Eu! - adiantando-se um passo, com a cabeça levantada e o queixo apontado
para a frente, Tate encostou o indicador bem no meio do peito dele. — E não pense
que não posso fazer isso. - ela mal o tocou, mas mesmo assim Flynn se encolheu. — E
você ainda acha que pode cavalgar... Pense um pouco, peão. Por enquanto vai ter que se
conformar com o fato de que está fora da ativa. Só pode ir para casa e é melhor
aceitar de uma vez a realidade. Se insistir em agir como uma criança, vou ter que
tratá-lo da mesma forma como às vezes tenho que fazer com Haily.
Flynn continuou olhando fixamente para ela. Naquele momento podia sentir-

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

se qualquer coisa, menos uma criança. Tate estava com a pele suada mas aquilo só
aumentava o desejo que ele sempre sentia quando estava tão próximo daquela mulher.
Até se esqueceu da dor nas costelas.
Não foram necessários mais que alguns segundos para que Flynn sucumbisse
à tentação. Erguendo as duas mãos, seguro nas faces dela e beijou-a na boca, ali
mesmo, diante de Deus e de quem mais quisesse ver.
Alguém riu e logo se ouviu a exclamação de um dos peões que circulavam por ali.
— Aí, Flynn!
Mas ele só ouvia as batidas do próprio coração e a respiração
descompassada de Tate, que apertava com força os dois pulsos dele. Quando sentiu na
língua o contato com a dela, Flynn teve a impressão de que seria consumido pelo calor
que o dominou.
— Tate, doçura... - ele murmurou, afastando as mãos das faces dela para
abraçá-la.
A dor foi imediata. Flynn soltou um gemido, soltou-a e recuou um passo.
Bastou olhar no rosto de Tate para ver que o beijo a deixara tão transtornada quanto
ele. Então, ergueu outra vez as mãos para cobrir as faces dela.
— Doçura, seguirei ao pé da letra todas as suas ordens. - ele prometeu,
correndo o polegar pelo lábio inferior dela. — Mas lembre-se... eu não sou uma criança.
Com o coração em disparada, Tate engoliu em seco duas vezes para poder
falar. Deus, aquele homem sabia mesmo beijar!
— Eu... vou cobrar direitinho a promessa.
Percebendo que não conseguiria pensar com clareza enquanto estivesse
sendo tocada por Flynn, Tate recuou num movimento brusco.
— Está certo. - ela disse, sem se preocupar muito com o gesto grosseiro que
acabava de fazer. — Eu o levarei a Fort Worth, mas só para que você comunique ao
dono da oficina que o furgão terá que ficar lá por mais algum tempo. Quando não
estiver sentindo mais nada, voltará para apanhar o carro. Como a fazenda da sua
família não fica muito fora do meu caminho, eu o deixarei lá quando estiver indo para
casa. Agora vou buscar Haily na arquibancada. Iremos embora tão logo em coloque
Doce Mel no reboque.
Tate não deu a Flynn a menor chance de discutir. Girando nos calcanhares,
marchou para a arquibancada antes mesmo que ele pudesse dizer que sim ou que não.
Parado onde estava, Flynn não conseguiu conter um sorriso.
Ele podia estar brincando com fogo... mas não havia nada como uma mulher
mandona para esquentar o sangue de um homem.
Trinta minutos mais tarde eles estavam outra vez na estrada, os três
acomodados na pick-up como uma família em viagem de férias. Haily, excitada com a
perspectiva de ir até o Novo México, inocentemente comentou o boato que havia se
espalhado depois da queda de Flynn. Não eram poucos os peões que suspeitavam de

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

que Grady Calhoun podia ter alguma coisa a ver com aquilo, embora ninguém tivesse
certeza.
Encontrando os olhos de Flynn por cima da cabeça da filha, Tate
silenciosamente agradeceu aos céus por ter tomado a decisão de afastá-lo daquele
pilantra antes que ele tentasse alguma bobagem.
— David Hartfield prometeu que investigaria com cuidado. - ela lembrou. —
Quando puder ter certeza de alguma coisa, ele certamente notificará a Federação das
Entidades Promotoras de Rodeios. Se acontecer mais alguma coisa e outra evidência
for encontrada, Grady estará liquidado. Terá que esquecer os rodeios porque será
expulso da Associação dos Peões Profissionais de Rodeio, o que será muito merecido.
Flynn queria acreditar nos palavras dela, mas precisava dar algum crédito a
Grady. Aquele desgraçado era esperto demais e agia sem deixar rastros.
— Primeiro Grady vai ter que cometer um erro, o que ainda não aconteceu. -
ele se pronunciou. — Quando David e os funcionários da Federação começarem a
interrogá-lo, ele certamente tomará todos os cuidados. Não vai ser fácil desmascarar
aquele cretino.
Fazia um calor infernal em Fort Worth quando eles chegaram à oficina onde
estava o furgãío de Flynn. Deixando Tate e Haily na pick-up com o ar-condicionado
ligado, ele prometeu que não demoraria e abriu a porta para descer. Paradoxalmente,
teve a impressão de que estava entrando num forno e não precisou dar mais que alguns
passos para sentir o rosto molhado de suor. Aquele devia ser o dia mais quente do
século.
— Ainda falta recolocar o tanque de gasolina. - disse Ray Johnson, o dono da
oficina, ao mesmo tempo que entrega a nota das despesas. — O resto está pronto, mas
a colocação do tanque demora um pouco... uma hora, mais ou menos. Você pode
aproveitar para conhecer melhor a cidade ou comer alguma coisa. Quando voltar o
furgão estará prontinho.
— Não tem problema. - disse Flynn, com naturalidade. No entanto, quando
ele pôs os olhos na nota e viu o total das despesas, escrito em números bem grandes,
não conteve uma exclamação.
— Deus do céu!
— Sei que ficou bem caro. - reconheceu Johnson, como se precisasse pedir
desculpas. — Acredite ou não, eu procurei reduzir ao mínimo as despesas, mas alguém
andou fazendo um bocado de estragos naquele seu furgão. O açúcar colocado no
combustível acabou danificando várias peças do motor, que precisaram ser trocadas.
Flynn não estava duvidando da sinceridade do homem, que parecia
constrangido em apresentar uma conta tão alta. Considerando as peças que tinham
sido trocadas e a mão-de-obra envolvida, porém, ele não poderia fazer muita coisa.
Flynn mostrou um sorriso amargo.
— É, eu sei. Já esperava uma conta alta, embora não imaginasse que seria

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

tanto.
— Se o pagamento for algum problema acho que nós podemos estudar um...
Flynn sorriu e balançou a cabeça, sem deixar que ele concluísse a frase.
— Obrigado pela oferta, mas eu vou poder pagar.
Por causa dos perigos da estrada, ele nunca levava consigo uma grande soma
em dinheiro e os cartões de crédito tinha ficado na fazenda, bem guardados. Gable e
Cooper, com total apoio das mulheres da família, haviam garantido que, em caso de
necessidade, bastaria um telefonema e alguém correria ao banco para depositar o
quanto ele estivesse precisando. Mas Flynn era um homem de trinta anos, e não um
adolescente que ligasse para casa sempre que estivesse precisando de dinheiro. Ao se
integrar ao circuito de rodeios, havia resolvido que cuidaria sozinho dos próprio
problemas e aquela decisão continuava de pé.
— Só preciso pegar umas coisas no furgão. - ele disse, já sabendo o que iria
fazer. — Daqui a uma hora estarei de volta com o seu dinheiro.
Dez minutos mais tarde Flynn caminhava pela rua na direção do histórico
Centro de Comércio de Gado de Fort Worth. Ainda se realizavam ali leilões de gado,
mas os antigos edifícios, em sua maioria, eram agora restaurantes e lojas, todos
lembrando a tradição de uma cidade que havia surgido em função da pecuária. Havia
também lojas especializadas em arte do Oeste. Flynn estava em busca destas últimas
e entrou na primeira que viu, carregando a sacola ds lona em que havia colocado as
peças de madeira entalhada. O que ele entendia de arte poderia ser resumido numas
poucas frases, mas não precisava ser um perito para perceber que os trabalhos que
produzia tinham muito a ver com as pinturas indígenas ou com as paisagens do
Sudoeste que se via nas paredes da galeria.
— Posso ajudá-lo em alguma coisa?
Esperando encontrar uma esnobe negociante de arte, Flynn voltou-se para
ver uma mulher de meia idade vestindo saia colorida e blusa branca ao estilo country.
O único toque de sofisticação era o colar de pérolas verdadeiras que ela usava ao
pescoço. Flynn correspondeu ao sorriso da mulher.
— Espero sinceramente que sim. Caso ainda não tenha reparado, eu estou
me sentindo aqui como um peixe fora da água.
— Nem de longe tive essa impressão. - ela declarou, estendendo a mão. —
Meu nome é Sydney Alexander. Sou a dona da loja. Você tem interesse em ver alguma
coisa em particular?
— Na verdade eu não estou aqui para comprar. - confessou Flynn, depois de
apertar a mão da mulher e se apresentar. — Talvez devesse ter marcado uma hora, ou
pelo menos ligado, mas...
— Certamente trouxe alguma coisa que quer deixar aqui em consignação,
não é isso? - adivinhou a dona da galeria, com um sorriso que desfez totalmente o
constrangimento dele. — Bem, vamos ver o que trouxe.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Era a hora da verdade e Flynn ficou hesitante. Ele já vendera peças de


madeira entalhada, mas sempre para amigos, familiares ou companheiros do circuito
de rodeios, e naturalmente não poderia esperar ouvir de pessoas assim uma opinião
isenta. Seria perfeitamente compreensível se aquela mulher dissesse agora que era
muita pretensão dele querer colocar aqueles trabalhos à venda numa loja
especializada. Será que não estava fazendo papel de idiota na frente de uma pessoa
estranha?
Flynn quase saiu correndo da loja, mas à aquela altura Sydney Alexander já
estava estendendo a mão para pegar a sacola, de onde rapidamente tirou o conteúdo.
Preparando-se para o pior, ele ficou observando enquanto ela examinava a figura
entalhada de um peão montando um enraivecido touro.
Flynn ficou esperando, muito tenso, achando que a eternidade podia muito
bem ser medida em segundos.
— Você... não gostou, não é? - ele inquiriu, finalmente, sem suportar mais
aquela espera.
A dona da galeria olhou para ele como se estivesse tratando com um louco.
— Acha que eu não gostei? Você só pode ter perdido o...
— Ah, mas que lindo! Posso dar uma olhada?
Sem esperar pela permissão, uma bem vestida mulher que tinha estado
examinando as esculturas expostas numa prateleira da loja tirou o entalhe de madeira
das mãos de Sydney Alexander.
— Ah, mas isto é absolutamente belo! - exclamou a desconhecida. — O
observador pode quase sentir a força que emana do touro. Meu marido vai adorar.
Qual é o preço?
Então ela levantou a cabeça, olhando alternadamente para o autor da obra e
para a dona da loja. Flynn sentiu-se atropelado pelos acontecimentos, mas não viu por
que não cobrar os vinte dólares que sempre pedia de quem se interessasse em comprar
uma daquelas peças. Quando ele abriu a boca, Sydney Alexander se antecipou para
estipular um preço absurdamente alto.
A primeira reação de Flynn foi de revolta. Ele estava desesperadamente
precisado de dinheiro, mas aquela louca parecia mais interessada em expulsar dali a
compradora em potencial, que evidentemente se recusaria a pagar tanto por um
trabalho tão simples. Felizmente a simpática cliente ainda estava ali e ele podia
ajeitar as coisas, esclarecendo que o preço era na verdade uma pequena fração do que
dissera Sydney.
Outra vez ele não teve a chance de falar, porque a mulher abraçou a peça de
madeira como um filho que não visse há muitos anos.
— Eu vou levar. - ela declarou, prontamente. — Vocês aceitam cartão de
crédito, não é?
Sydney sorriu como uma gata que acabasse de almoçar uma gaiola cheia de

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

canários.
— Certamente. Venha comigo que eu embrulharei a obra. Vou arranjar
também uma sacola. A senhora não vai querer que a obra sofra nenhum arranhão no
trajeto daqui até a sua casa, não é?
Boquiaberto, Flynn ficou observando enquanto as duas mulheres se
encaminhavam para a mesa francesa discretamente colocada ao fundo da galeria. Só
podia estar sonhando! Ele fazia aquilo como passatempo e ficava até constrangido
quando cobrava alguns trocados pelas peças. Em geral ficava satisfeito quando
terminava um trabalho, mas dificilmente o consideraria arte. E certamente jamais
havia sonhado em cobrar quinhentos dólares por nenhuma daquelas peças, o que
Sydney Alexander acabava de fazer com a mais absoluta tranquilidade.
— Muito obrigada, sra. Winters. - repetiu Sydney para mulher que se
retirava levando a obra de arte feita por ele. — Eu lhe avisarei logo que tivermos
outras peças que possam interessá-la.
Sempre com um sorriso nos lábios, ela esperou até que a sineta da porta
indicasse que a cliente já havia saído. Só então voltou-se para Flynn e ergueu
levemente uma das sobrancelhas.
— Ainda precisa perguntar se gostei dos seus trabalhos?
Algum tempo mais tarde, quando retornou à oficina para pagar a conta e
acertar com Johnson a permanência do furgão por mais alguns dias, até que am dos
irmãos dele pudesse ir buscar, Flynn ainda estava em choque. Tinha dinheiro no bolso e
muito mais viria do lugar onde havia obtido aquele. Muito dinheiro, se ele acreditasse
nas afirmações de Sydney Alexander.
Era inegável que Sydney entendia de arte. Dona de lojas do ramo em Aspen,
Tahoe e Santa Fé, planejava a abertura de outras em San António, Nova Orleans e
Key West. Ela hão só havia aceitado todas as peças que Flynn levara na sacola como
encomendara mais. Confirmando-se as previsões daquela mulher, não demoraria para
que ele se transformasse na nova coqueluche da arte regional do Oeste americano.
Meio tonto, Flynn voltou para a pick-up de Tate sentindo-se como se
houvesse caído no buraco do coelho em Alice no País das Maravilhas.
Tate ficara um tanto intrigada ao vê-lo com aquela sacola, dirigindo-se ao
lado antigo da cidade, um lugar onde ela sabia existirem restaurantes, lojas e...
galerias de arte. Agora, bastava olhar no rosto dele para saber o que tinha ido fazer
ali.
Ela não devia ficar surpresa... nem preocupada. As peças entalhadas
pertenciam a Flynn e ele podia fazer com elas o que bem entendesse. O que não
entendia era a preocupação dele em colocar à venda aqueles trabalhos, especialmente
num momento em que tinha outros problemas para resolver. Afinal de contas, Flynn
Rawlings não precisava pensar em dinheiro. Era bem verdade que ultimamente ele
tivera de fazer frente a muitas despesas, num montante que faria qualquer um ar-

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

rancar os cabelos.
No entanto, era voz corrente que a família Rawlings, do Novo México, nadava
em dinheiro. Despesas inesperadas que fariam qualquer peão do circuito cair de costas
não causariam o menor estremecimento em Flynn.
O que podia estar acontecendo? Tate quase morria de vontade de perguntar,
mas não tinha coragem para isso. Devia esperar que ele tomasse a iniciativa de falar,
se quisesse. Só que a mesma preocupação em ser discreta não habitava a cabecinha de
Haily. Sentada ao lado dela, a menina estava impaciente para perguntar aonde Flynn
tinha ido e o que fora fazer.
Ao ver a pergunta que se formava nos lábios da filha, Tate se antecipou
— Agora que já está tudo acertado, que tal procurarmos um lugar
arborizado para comermos um hambúrguer? Sair um pouco da pick-up nos fará muito
bem.
— Boa idéia! - aprovou Haily. — Estou morta de fome! Por que não vamos ao
McDonald's, mamãe? Tenho certeza de que vi um perto daqui.
Tate já esperava por aquilo e riu. Mesmo que estivesse a quilômetros de uma
das lojas do McDonald's Haily não teria a menor dificuldade para identificar o símbolo
dourado.
— Eu acho que... desde que Flynn não se incomode... Talvez ele não goste da
comida do McDonald's.
Horrorizada, Haily olhou para Flynn como se a mãe dela estivesse sugerindo
que ele preferia comer espinafre.
— Ei, mas o que é isso? - ele disse, rindo. — Vocês jamais me verão
recusando um Big Mac. Vamos lá... e eu pagarei a conta.
— Vamos!
Excitadíssima e pensando apenas no que iria pedir para comer, Haily nem se
lembrava mais de quando vira Flynn sair da oficina com a sacola de couro na mão.
Tate, porém, continuava com aquilo na cabeça. Durante todo o improvisado
piquenique no parque que eles finalmente encontraram, não esquecia a expressão que
vira no rosto de Flynn quando ele saíra da oficina com aquela sacola, rumando para a
galeria de arte. Havia um ar de determinação no rosto dele e muita seriedade nos
olhos em geral risonhos. Na certa ele havia vendido alguns entalhes, embora jamais
houvesse demonstrado interesse naquilo. E aquilo a deixava intrigada.
Examinado todas as explicações possíveis, Tate chegava sempre à conclusão
de que ele fizera aquilo por pura necessidade. Mas... não fazia sentido! Não se
aguentando mais, ela aproveitou um momento em que Haily estava, brincando num
balanço do parque e despachou a pergunta.
— Mas que droga, Flynn! Por que você resolveu vender os seus entalhes? E
não venha me dizer que não fez isso porque eu vi direitinho!

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Capítulo X

— Porque precisei de dinheiro - respondeu Flynn, simplesmente. — O con-


serto do furgão saiu mais caro do que eu estava esperando.
Confusa, Tate ficou olhando nos olhos dele. Era uma explicação lógica... para
alguém como ela, que jamais conseguira formar uma reserva de emergência pelo
simples fato de que não sobrava nada depois que as contas eram pagas. Mas aquilo não
devia representar nenhum problema para Flynn Rawlings.
— Eu... não estou entendendo. Pensei que você era...
— Rico? - completou Flynn, com um sorriso, vendo que ela hesitava em
concluir a frase. — Na verdade minha família tem mais terras do que dinheiro, mas
tudo está indo muito bem... especialmente a partir do ano passado, quando resolvemos
diversificar, em vez de investir tudo no gado.
— Então por que não ligou para os seus familiares? Eles certamente lhe
mandariam dinheiro.
— Na mesma hora. - confirmou Flynn, rindo. — Mas se fizesse isso eu teria
também que explicar o problema com Grady. E aí é que estaria a complicação, porque
não haveria jeito de convencer meus irmãos a deixar que eu cuide sozinho daquele
desgraçado. Os dois já estariam aqui e Grady nem saberia de onde vinham as
pancadas. Nós temos a tendência de nos protegermos uns aos outros, mesmo quando o
prejudicado não precisa de proteção. Assim sendo, às vezes é melhor manter segredo
sobre alguns probleminhas.
164
Um Homem Irresistível
Tate reparou no sincero enternecimento que tomava conta do rosto de
Flynn enquanto ele falava da família e aquilo a fez lamentar, mais uma vez, o fato de
ser filha única. Brigas entre irmãos era uma coisa comum, mas em geral criava-se uma
forte ligação eles e todos acorriam prontafnente quando qualquer um precisava de
ajuda. E aquilo era algo de que ela sentia falta.
Voltando os olhos para onde estava a filha, Tate sentiu um aperto no
coração. Haily também estava crescendo sozinha, sem nenhum irmão com quem
pudesse brincar, rir ou mesmo brigar. Mas o que se iria fazer? Desde que Rich Travis
saíra da vida dela, aquele problema havia sido declarado insolúvel.
Então ela olhou outra vez para Flynn.
— Se vocês são tão unidos assim, eles certamente esperam ser informados
se você estiver sem dinheiro ou com algum outro problema. Se a situação fosse o
inverso... isto é, se um de seus irmãos ou irmãs estivesse em algum tipo de complicação
numa viagem, você não iria querer que ele ligasse para casa?

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Sim, mas isso é diferente.,


— Diferente por quê?.
— Porque eu fiz um trato com a minha família quando saí de casa para me
integrar ao circuito de rodeios . - revelou Flynn, relutante. — Eles me arranjaram um
bom dinheiro para que eu pudesse me aguentar na primeira fase. Depois disso, seria
tudo por minha conta. Ou eu me aprumaria ou me arrebentaria todo, mas não pediria a
ajuda deles.
Aquilo foi como um tapa de mão enluvada no rosto de Tate. Quantas vezes
ela não o havia desprezado, considerando-o um garoto rico que participasse dos
rodeios apenas para se divertir? Enquanto isso Flynn dispensava o dinheiro da família
e se esforçava para manter-se dentro de um. apertado orçamento, exatamente como a
maioria esmagadora das pessoas naquele meio. E enquanto todos diziam que Flynfn
Rawlings era um homem rico que competia apenas por esporte, ele não fazia o menor
esforço para mudar aquela opinião. Mesmo quando ela o acusara de ser um
irresponsável que só competia para fazer boa figura com as mulheres, Flynn não
dissera uma só palavra para se defender.
— Ai, meu Deus... - ela murmurou, forçada pela vergonha a abaixar os olhos.
— Desculpe. Eu nem percebi que... Não devia tê-lo acusado de... Oh, Deus! Você deve
ter pensado que eu não passava de uma idiota, uma fingida, uma...
Flynn sorriu e, por cima da toalha do piquenique, estendeu a mão para
segurar a dela.
— Ora, eu não pensei nada disso. - ele garantiu. — Seja como for, o que você
pensava de mim era o mesmo que todos os outros sempre pensaram. Portanto, pare de
se recriminar. Você não podia saber mesmo da minha situação financeira, já que
ninguém sabia.
Com a mão dele segurando a dela, seria fácil demais deixar que Flynn
assumisse a responsabilidade por aquela lamentável conduta. Mas Tate não podia
permitir isso. Havia tirado conclusões erradas a respeito dele exclusivamente por
causa daquele sorriso, cfue a atingia diretamente no coração e a deixava morta de
medo. E agora, uma a uma, Flynn ia derrubando todas as defesas dela, obrigando-a a
enfrentar uma emoção que só ele parecia ser capaz de despertar.
Agitada, achando que precisava de tempo para pensar, Tate puxou a mão e
afastou-se um pouco, pondo-se imediatamente a recolher os restos do lanche que eles
haviam comido.
— Acabou o recreio. - ela declarou, evitando os olhos dele. — Precisamos
voltar para a estrada. Pelo jeito vamos viajar a noite inteira.
— Doçura...
— Vamos embora, Haily! - gritou Tate, afastando-se para jogar o lixo no
recipiente mais próximo. — Já está ficando tarde.
Outra vez Flynn chegou bem perto dela, recusando-se a ir aonde quer que

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

fosse sem que aquele assunto estivesse esgotado. Naquele momento, porém, Haily já
corria para perto deles, o que tornava impossível qualquer conversa em particular.
Soltando baixinho um palavrão, Flynn foi se deslocando para o lado da pick-
up.
A viagem até a fazenda da família Rawlings, no sudoeste do Novo México,
parecia interminável. Por causa das costelas fraturadas de Flynn, Tate teve que dirigir
o tempo todo, o que era um castigo até bem-vindo. Pelo menos, vendo-se obrigada a
prestar atenção na estrada ela não precisava olhar para Flynn. Às vezes, quando o
silêncio se estendia por vários quilômetros, podia até fingir que eram apenas ela e
Haily viajando, como sempre.
Mas logo depois Flynn se mexia no assento, soltava um gemido quando o
movimento era um tanto brusco, e voltavam aquelas sensações que ela não podia mais
negar, cada vez mais fortes. Tate apertava as mãos no volante e olhava para a frente,
lutando contra o pânico que ameaçava tomar conta dela.
Quando eles chegaram à fazenda já era madrugada, quase três horas da
manhã. Bem perto do ponto de exaustão, Tate seguiu as instruções de Flynn e
atravessou a entrada da propriedade, que chamava a atenção pela simplicidade. Então
se esforçou para conter as lágrimas quentes que sentiu nos olhos. Ali era o fim da
linha, o ponto onde eles iriam se separar. Ela havia lutado de todas as formas para
ficar bem longe daquele homem e agora isso iria acontecer sem o menor esforço. Flynn
ficaria com a família para se recuperar e ela rumaria para casa, onde ficaria até que
Doce Mel estivesse outra vez em condições de competir.
E quando reiniciasse as viagens, procuraria evitar os encontros com ele.
Pretendia ficar no Sudoeste, percorrendo Estados não muito longe de casa, mas se
fosse preciso iria para Wyoming ou Montana, no Norte, ou mesmo para o Sul... Faria
qualquer coisa, desde que ficasse bem longe daquele sorriso tentador.
Tomada a decisão, o certo seria ela se sentir aliviada. Tate já tivera
problemas para resistir à aquele homem quando imaginava que ele fosse apenas o filho
de um rico fazendeiro em busca de divertimento. Mas agora a proximidade dele era
realmente perigosa, porque ela sabia que Flynn Rawlings era um homem que merecia
respeito e admiração. Mesmo assim continuava a ser um mulherengo, um peão
charmoso e despreocupado que jamais iria querer um compromisso. Tate o queria,
sentia por ele um desejo que chegava a doer, mas na vida dela não havia espaço para
um homem assim.
Mergulhada naqueles pensamentos ela demorou a perceber que a pick-up já
havia percorrido muitos quilômetros sem que aparecesse sinal da casa da fazenda.
— Ainda está longe? - ela perguntou, correndo os olhos pela escuridão em
volta.
— É logo depois daquela colina. Por sorte o primeiro prédio é justamente o
da estrebaria. É melhor você parar lá antes de irmos para a casa. Doce Mel

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

certamente vai gostar de passar o resto da noite num lugar mais confortável.
— Doce Mel? - espantou-se Tate, no instante em que apareceu diante deles
a enorme casa vitoriana que há gerações era o lar da família Rawlings. — Mas... nós não
vamos ficar! Depois de deixá-lo em casa, vou procurar o camping mais próximo.
— Ora, não diga bobagens! - censurou-a Flynn, logo abaixando a voz ao se
lembrar de que Haily dormia entre eles dois. — Não posso permitir isso, Tate. Já é
tarde e sei muito bem que você está cansadíssima. Além disso, o camping mais próximo
fica a no mínimo sessenta quilômetros daqui. Quer mesmo ir embora quando pode ficar
aqui com Haily para dormir numa cama de verdade, só para variar?
Tate resolveu ficar calada por alguns instantes. O convite dele era
tentador demais e, se ela dissesse alguma coisa, seria para aceitar de pronto. Mas
Flynn não sabia o que estava pedindo... Ela não podia ficar ali. Não podia conhecer a
família dele, correr o risco de gostar daquelas pessoas para depois, quando fosse
embora, deixar naquela casa o coração inteirinho, em vez de apenas os pedaços de que
ele já havia se apoderado.
— Mas eu não posso invadir desse jeito a casa da sua família, no meio da
noite. -ela persistiu, em desespero.
— Por que não, se é exatamente isso o que eu vou fazer? - rebateu Flynn,
com uma lógica arrasadora.
— Mas aqui é a sua casa. - lembrou Tate, procurando pensar em outras
desculpas. — É a sua família... Haily e eu não estamos no mesmo caso.
Mas agora era tarde, porque alguém da casa devia ter ouvido o barulho da
pick-up se aproximando. Uma luz se acendeu no andar de cima, logo seguida por outra
na sala da frente. Instantes mais tarde Flynn abriu um sorriso ao ver a figura do
irmão mais velho aparecer à porta dos fundos. Gable estava evidentemente intrigado
com aquele desconhecido veículo parado diante da estrebaria.
— Agora você não tem motivos para não ficar. - ele comemorou, olhando
outra vez para Tate e abrindo a porta. — Todos já acordaram.
Sem dar a ela tempo para apresentar mais objeções, Flynn desembarcou e
foi ao encontro do irmão.
— Sou eu, Gable. - ele gritou, atravessando a escuridão para se aproximar
das luzes externas que o outro havia acendido antes de sair. — É o filho pródigo de
volta ao lar.
— E na certa um tanto machucado, pelo que estou vendo. - disse Gable, ao
ver o cuidado que Flynn tomava para se movimentar. — Você está bem?
— Isso vai depender da parte do corpo a que você se referir.
Flynn riu mas logo pagou o preço da brincadeira. Respirando com cuidado,
ele se encolheu e levou as duas mãos ao tórax.
— Algumas das minhas costelas não estão lá essas coisas, mas o resto de
mim está em perfeita ordem.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Naquele instante a irmã de Flynn, Kat, apareceu na varanda a tempo de


ouvir aquelas últimas palavras. Os lábios dela se movimentaram no que era uma cópia
fiel do sorriso do irmão.
— Se você tivesse caído de cabeça talvez melhorasse um pouco, seu
desmiolado.
— Ora, obrigado pela recepção calorosa, pirralha. Pelo que estou vendo, sua
língua continua afiada como sempre.
— Pode acreditar nisso. - confirmou Kat, desfazendo o sorriso ao ver a
palidez do irmão. — Tem certeza de que está bem, Flynn? Você parece que não terá
forças para dar nem mais um passo.
Antes que ele pudesse dizer que só precisava de algumas horas de sono, a
voz de Josey se fez ouvir do interior da casa.
— Gable? Kat? Quem está aí? É alguém precisando de atendimento médico?
— É só o mais jovem e mais louco dos seus cunhados, meu bem. - respondeu
Gable, enquanto a mulher aparecia na varanda, assustada. — Pelo jeito ele não nasceu
para participar de rodeios.
Flynn procurou conter o riso.
— Ah, não me faça rir, Gable. Isso faz as minhas costelas doerem ainda
mais.
— Oh, Deus, ele está ferido! - exclamou Josey, que aparentemente jamais
deixava de agir como médica. Alarmada, ela desceu apressadamente os degraus da
varanda. — O que foi que você fez consigo mesmo desta vez? Entre para que eu possa
dar uma boa olhada, Flynn.
— Esperem. - ele disse, quando as duas mulheres, uma de cada lado, o
seguraram para ajudá-lo a subir os degraus.
— Há alguém naquela pick-up que eu quero que vocês conheçam. Venham.
Tate ficou observando enquanto os familiares de Flynn o cercavam,
preocupados com o que ele podia ter sofrido. Quando todos se dirigiram para a pick-up
ela já estava com as desculpas engatilhadas. Seria bem-educada, naturalmente, mas
recusaria com firmeza qualquer convite para ficar ali, argumentando que precisava
rumar para casa ao alvorecer. Já havia perturbado o sono daquelas pessoas e não
queria causar mais transtornos. Além disso, fora até ali apenas para levar Flynn, sem
nunca ter pensado em ficar mais que alguns minutos.
Quando Flynn abriu a porta do veículo e fez as apresentações, Tate forçou
um sorriso. As palavras estavam na ponta da língua, prontinhas para serem
pronunciadas, mas os parentes de Flynn simplesmente não a deixaram falar. No
instante em que ela desceu da pick-up Josey a brindou com um sorriso transbordante
de simpatia.
— Você deve estar exausta depois de dirigir por tanto tempo. - constatou a
mulher de Gable. — Vamos entrar enquanto os rapazes cuidam da sua égua. Eu a

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

levarei ao quarto de hóspedes. Só vamos precisar forrar as camas com lençóis limpos
e, amanhã, você poderá dormir até a hora que bem quiser.
— Ah, é muita gentileza mas eu não posso aceitar. - começou Tate.
Ignorando as objeções dela, naquele momento Gable e Flynn já estavam
desatrelando o reboque em que se encontrava Doce Mel.
— Não sei por que não. - rebateu Kat, no mesmo tom simpático. — Nós
temos espaço de sobra.
— É isso mesmo. - reforçou Josey. — A casa é enorme. Às vezes até parece
vazia demais, já que Cooper foi morar na propriedade da família de Susannah, depois
que eles se casaram, e Flynn vive por aí participando desses rodeios malucos. Quando
Kat voltar para a faculdade, no outono, ficaremos só eu, Gable e o bebê para ocupar
todo esse espaço. E Alice, é claro. - ela acrescentou, com um sorriso. — Alice é a nossa
empregada. Eu nem sei o que seria de nós sem aquela boa criatura, principalmente
quando acontece algum surto de gripe e eu fico cheia de trabalho.
Vendo que Tate não estava entendendo direito aquele último comentário,
Kat deu a explicação.
— Josey é médica... a única num raio de sessenta quilômetros. É por isso que
às vezes as coisas fervilham por aqui. Mas você quer pegar alguma coisa na sua pick-up
antes de entrarmos?
Esgotada depois de um dia estafante e espantada com a simpatia que
aquelas duas mulheres demonstravam por uma pessoa totalmente estranha, Tate foi
surpreendida pela súbita mudança de assunto.
— Não. Isto é, sim! A minha filha!
Como ela podia ter-se esquecido de Haily? E quando havia aceitado o convite
para ficar?
Josey mostrou um sorriso enternecido.
— Ah, você tem uma filha? Nós também. Pobrezinha... Aposto que ela
acordou com esse barulho todo que estamos fazendo. Bem, vamos levá-la para dentro.
- como se não houvesse a menor dúvida de que elas ficariam, Josey deu dois passos e
abriu a porta da pick-up. — Não, ela está dormindo... e como é linda, meu Deus! Acho
melhor que ela durma com você, no mesmo quarto. Certamente se assustará se
despertar no meio da noite para se ver num lugar totalmente estranho.
Tate passou a mão pela testa e resolveu fazer uma última tentativa de
assumir o controle da situação.
— Não... por favor... Eu agradeço muito pelo convite, agradeço sinceramente,
mas Haily e eu não podemos causar esse transtorno. É claro que vocês não estavam
preparados para receber hóspedes esta noite.
— É claro que estávamos preparados. - declarou Gable, saindo na companhia
de Flynn da estrebaria, onde os dois já haviam instalado Doce Mel. — Sempre
mantemos alguns quartos prontos para receber os pacientes de Josey, caso algum

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

deles apareça à noite sem condições de voltar logo para casa.


— E, já que você se desviou do seu caminho para trazer Flynn até aqui num
momento em que ele precisava de ajuda, o mínimo que podemos lhe oferecer é uma
cama para passar o resto da noite. - acrescentou Josey. — Por favor, não recuse o
nosso convite.
Mesmo hesitante, Tate acabou se convencendo de que estava sem
argumentos. Como podia negar àquelas pessoas a chance de retribuir o favor, embora
em nenhum momento ela houvesse esperado por aquilo?
— Está bem, nós ficaremos. Mas teremos que partir pela manhã, bem cedo.
Tate havia imaginado que passar o resto da noite naquela fazenda seria
apenas carregar Haily para o quarto e deitar-se na cama ao lado da filha. Cansada
como estava, adormeceria no instante em que encostasse a cabeça no travesseiro.
Quinze minutos depois de se deitar, porém, continuava com os olhos
abertos, olhando para o teto escuro do quarto absolutamente acordada. Não devia ter
concordado em ficar ali. Já sentia uma perigosa atração por Flynn Rawlings, o novato
peão de rodeio que era um namorador incorrigível. O Flynn Rawlings que dividia a pose
daquela fazenda com os familiares, porém, era um problema bem mais sério.
Varão mais jovem de um grupo de quatro irmãos, todos batizados com os
nomes dos astros do cinema das décadas de quarenta e cinquenta preferidos pela mãe,
ele era tão rico quanto ela havia imaginado. No entanto, ninguém concluiria aquilo se
reparasse apenas na forma de agir da família. Nenhuma daquelas pessoas ostentava
riqueza nem andava de nariz arrebitado, menos ainda Flynn. Em casa, havia entre ele e
os familiares uma troca de afeição absolutamente sincera.
Sentindo inveja daquilo, Tate imaginou Flynn menino, pregando peças nos
irmãos e na irmã, que certamente riam muito quando deviam ficar furiosos com o
peralta. E ela se via forçada a admitir, que teria gostado do patifezinho que ele devia
ter sido... assim como gostava do homem em que havia se transformado.
A certa altura Tate ouviu a voz de Flynn desejando boa noite aos familiares
e, logo depois, o som, de passos no corredor. Aquilo a fez conter a respiração. Não
precisaria olhar pelo buraco da fechadura para saber que era Flynn que estava
passando ali. O quarto dele ficava duas portas adiante do dela.
Tate levou bem mais de uma hora para conciliar o sono.
O dia amanhecia bem cedo naquela região durante o verão, mas antes que os
primeiros raios de sol aparecessem no horizonte Tate obrigou-se a se pôr de pé.
Queria ir embora o quanto antes e esperava poder instalar Doce Mel no reboque antes
que Flynn ou qualquer outro membro da família Rawlings percebesse que ela já havia se
levantado. Tateando na escuridão, vestiu rapidamente a calça jeans e uma camiseta
vermelha e, deixando Haily adormecida no quarto, desceu a escada na ponta dos pés,
rumando para a estrebaria.
Ao primeiro som de passos, Doce Mel colocou a cabeça por cima do portão

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

da baia e relinchou, saudando-a.


— Bom dia, meu doce. - disse Tate, rindo e aproximando-se da baia. — Como
está se sentindo? Na certa quer ir logo para casa, não é?
— Mas eu já estou em casa. - disse Flynn, no interior da baia. Rindo da
surpresa dela, ele se levantou e ficou bem junto da cabeça da égua, debruçando-se no
portão. — Bom dia para você também. Já que perguntou, estou me sentindo bem me-
lhor. Só não me peça para fazer movimentos bruscos. E você, como está?
Presa na armadilha daquele olhar brincalhão, Tate ficou vários segundos sem
conseguir pronunciar uma única palavra. A luz fraca da manhã que se iniciava, Flynn
parecia estar acabando de sair de um dos sonhos dela. Os olhos dele estavam cheios
de malícia e o desenho daquele queixo era a coisa mais sensual que ela já vira.
Tate engoliu em seco e procurou fazer cara feia, o que não era fácil em
função do ar zombeteiro de Flynn.
— Eu estava falando com Doce Mel.
— Pode me chamar de ―doce‖ quando quiser. Prometo que não vou ficar
zangado.
Tate apertou os lábios, séria.
— A égua. Eu estava falando com a égua.
O sorriso dele parecia perigoso, bem como aquele brilho matreiro nos olhos
azuis.
— Você certamente não dormiu o suficiente, já que está por aí falando com
cavalos. O que aconteceu? Passou a noite pensando em mim?
Ele havia acertado na mosca. Mesmo corando um pouco, Tate não
confirmaria aquilo nem que estivesse com o pescoço na forca.
— Só porque você quer, seu pretensioso. Agora saia daí, por favor, para que
eu possa colocar Doce Mel no reboque. Hoje Haily e eu vamos percorrer um longo
caminho.
Flynn não saiu de onde estava.
— Sei que você quer ir logo para casa, mas acho que vai ter que mudar de
planos. - ele disse, calmamente e com os olhos subitamente sérios. — A viagem de
ontem não foi benéfica para a contusão de Doce Mel. Ela no mínimo piorou. Outra
viagem longa agora poderá ter consequências bem mais sérias para a sua égua.
— Ah, não!
— São doze horas daqui até a sua casa, Tate. - argumentou Flynn, enquanto
ela abria o portão para se ajoelhar diante da égua. Mesmo naquela penumbra, era
possível ver que a parte baixa da perna do animal estava bem inchada. — Acha mesmo
que deve submeter Doce Mel a esse esforço? Considerando o estado em que ela já se
encontra, isso prolongaria consideravelmente o período de recuperação.
Tudo o que ele estava falando era a mais absoluta verdade e Tate pôs a
mente para funcionar, pensando numa saída. Só sabia que não podia continuar ali.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Como se pudesse ler aqueles pensamentos, Flynn segurou no braço dela e a fez
ficar de pé.
— Fique aqui por mais algum tempo. - ele sugeriu. — Nós temos espaço de sobra
para você e Haily, e também para Doce Mel. Ela poderá se recuperar aqui como se
estivesse no sítio do seu pai, com a vantagem de que não precisará enfrentar mais uma
viagem longa.
Eles estavam muito perto um do outro e Tate sentiu a pulsação acelerada,
tentando não dar ouvidos ao que ele dizia. Todos os instintos gritavam para que ela
saísse correndo dali, antes que perdesse o coração para aquele homem. Mas era
forçoso reconhecer que ele tinha razão. A viagem do dia anterior agravara muito a
contusão de Doce Mel. Agora, outra jornada longa muito certamente obrigaria a égua a
ficar fora das competições por um período bem mais longo do que apenas algumas
semanas. E, com Doce Mel parada, ela ficaria sem nenhuma fonte de renda.
Bem que podia ficar... Seriam os últimos dias que passaria ao lado de Flynn.
Que mal aquilo podia fazer?
Percebendo que o coração já havia tomado a decisão por ela, Tate não quis
nem pensar nas consequências.
— Nós ficaremos. - ela concordou. — Mas só até que a pata de Doce Mel
esteja desinchada e ela possa viajar outra vez.
Os dois ou três dias que Tate havia concordado em passar na fazenda
acabaram se transformando em quatro, depois em cinco, depois em... E o pior era que
ela não podia fazer nada para apressar a partida. Cercada pela simpática hospitalidade
da família de Flynn e isolada do resto do mundo, era fácil esquecer os rodeios e o
dinheiro de que iria precisar para se manter na escola. O dia seguinte parecia muito
distante, mais ainda o outono e o retorno às aulas.
Sempre que a consciência lembrava que na verdade ela estava tirando
proveito da hospitalidade daquelas pessoas, Tate tomava a decisão de que partiria no
dia seguinte. Doce Mel havia melhorado bastante e a viagem poderia ser dividida em
partes para não cansar a égua. No entanto, cada vez que ela tocava no assunto, Kat,
Josey e Susannah, a esposa de Cooper, insistiam para que a permanência se
prolongasse por mais algum tempo. E o problema era que ela não tinha um só argu-
mento de peso para contrapor. Allen vinha tomand o remédio para a pressão alta nos
horários certos, agora que tinha a assistência de Maggie Donovan, e não seria ele o
motivo de uma partida apressada. Além disso, Haily estava se divertindo como nunca.
Os empregados da fazenda, sempre prontos a fazer-lhe as vontades, levavam a menina
a todos os lugares por ali e até deixavam que ela ajudasse em algumas coisas,
exatamente como tinham feito com Kat anos antes. Se dependesse de Haily elas duas
ficariam naquela fazenda pelo resto da vida.
E Tate, agora incapaz de fugir da verdade, via-se forçada a admitir que ela,
também, queria ficar... dias, semanas, anos. Por causa de Flynn.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Apavorada, procurou se convencer de que nada havia mudado. Ele


continuava a ser o mesmo Flynn Rawlings namorador que a perseguira pelos rodeios de
todo o Sudoeste, o mesmo Flynn Rawlings que ela havia comparado com Rich Travís... O
charmoso, perigosamente infantil e que seria capaz de derrubar as defesas de
qualquer mulher.
O mesmo Flynn Rawlings cujo único compromisso consigo próprio era não
assumir nenhum compromisso.
Mas Flynn não era Rich Travis. A revelação de que ele vivia exclusivamente
com o que ganhava nos rodeios levara Tate a reconhecer que fizera um julgamento
apressado e injusto. Depois disso ela passara a acreditar que, como membros de uma
abastada família do Novo México, tanto Flynn quanto os outros Rawlingses apenas
aproveitavam via boa vida que uma bem-sucedida fazenda ligada à pecuária poderia
proporcionar.
Eles certamente deixavam o serviço do dia-a-dia inteiramente nas mãos dos
empregados.
Agora ela sabia também que nada poderia estar mais longe da verdade do
que aquela suposição.
Flynn e os irmãos trabalhavam tanto quanto qualquer ermpregado da
fazenda, não exigindo de ninguém mais do que eles próprios faziam. Todas as manhãs
estavam de pé antes do raiar do dia, tomavam um rápido café da manhã e saíam para o
campo, ocupando-se logo cedo com as tarefas mais duras antes que chegasse o calor
forte. E havia muito o que fazer. O trabalho com o gado em si já era duro, já que as
vezes se espalhavam por praticamente toda a propriedade, ocupando também parte da
fazenda vizinha, pertencente à família de Susannah, esposa de Cooper. E era preciso
também cuidar das extensas plantações de pimenta, uma experiência em que a família
havia se lançado no ano anterior como forma de diversificar a produção. Segundo as
previsões de Kat, os lucros que aquilo proporcionaria seriam bem maiores do que
qualquer um deles havia imaginado.
Os dias eram compridos e quentes, sempre dominados pelo sol forte.
Apesar de estar afastado há vários meses, participando dos rodeios, Flynn reintegrou-
se ao trabalho como se apenas houvesse saído para uma rápida viagem. As costelas
ainda doíam e a família insistia para que repousasse, mas no fim do dia ele estava
sempre tão suado quanto os irmãos e os empregados.
Observando a alegria com que ele participava do dia-a-dia da família, Tate
procurava fortificar as defesas que havia erguido em torno do coração. No anoitecer
de um desses dias, uma semana e meia depois da chegada deles à fazenda, Flynn
entrou na cozinha rindo muito e comentando com Gable a complicação que os dois
tinham tido com uma vaca que dera à luz no dia anterior e agora não os deixava chegar
perto do bezerro recém-nascido. Tate que arrumava a mesa para o jantar que Alice
estava acabando de preparar, viu o sorriso de um homem absolutamente de bem com a

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

vida e percebeu que não podia mais negar a verdade.


Ela o amava.
Então apertou os dedos na borda de um dos pratos que ela estava
distribuindo sobre a enorme mesa redonda. Oh, Deus! Como aquilo podia ter
acontecido? Como ela podia ter deixado que acontecesse? Era como se tivesse outra
vez dezessete anos, ansiosa pára experimentar o que fosse possível da vida. Havia
aprendido que uma mulher que cometesse o erro de se apaixonar por um homem que
não quisesse se comprometer só poderia esperar um sofrimento muito doloroso.
E Flynn era e sempre seria um namorador. Aquilo era tão natural para ele
quanto o ato de respirar. Havia mesmo declarado que não aceitava o fato de ela não
ter caído aos pés dele, como sempre faziam as garotas do circuito de rodeios. Tate
era um desafio para ele, nada além disso.
Assim sendo, era inexplicável o que ela havia deixado acontecer.
Simplesmente se apaixonara por ele.
Tate pensou em fugir naquele instante mesmo, mas o resto da família foi
chegando e a oportunidade passou. Os homens, ainda em suas roupas de trabalho,
rumaram para os banheiros enquanto as mulheres ajudavam Alice a levar a comida para
a mesa.
Cooper e Susannah em geral comiam na casa em que moravam, mas naquela
noite estariam presentes para discutir a festa do Quatro de Julho, que todos os anos
a família oferecia aos vizinhos. Mal começou a refeição, estavam todos discutindo
sobre as inúmeras coisas que ainda precisavam ser feitas para o evento, além de rirem
muito quando alguém lembrava fatos engraçados ocorridos nas festas anteriores.
Pelo que Tate percebeu eles estavam planejando a comemoração da data
nacional americana bem de acordo com a tradição, com direito a churrasco, sorvete
feito em casa, danças típicas e fogos de artifício. Em outras circunstância ela estaria
excitada com a perspectiva de participar de uma festa tão grande. No momento,
porém, só conseguia pensar que não iria gostar. Tão logo a festa terminasse e Haily
visse os fogos de artifício que estava tão ansiosa para, ver, elas duas iriam embora.
Sentando na cadeira ao lado, Flynn não deixou de reparar que ela estava
com o semblante fechado.
— O que houve? Não gosta de fogos de artifício?
Tate olhou para ele e viu uma ponta de preocupação naquele rosto bonito.
— Sim, é claro... quando são manuseados com cuidado.
— Ah, não precisa se preocupar qom isso. Nós nem encostamos a mão nos
fogos. - dizendo isso ele riu alto. — Com a sorte que temos, provavelmente tocaríamos
fogo na casa toda. Todos os anos contratamos um profissional de El Paso para cuidar
do espetáculo pirotécnico. Portanto, não se preocupe que Haily não correrá o menor
perigo de se queimar.
— Eu não estava preocupada.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Então o que houve? E não venha me dizer que está tudo bem. - Flynn não
esperou pela resposta e continuou, abaixando a voz para não chamar a atenção das
outras pessoas. — Você está calada desde que nos sentamos aqui para comer e eu
quero saber o motivo disso. Não é do seu feitio ficar tão quieta assim.
Não era de admirar que Flynn houvesse reparado naquilo, já que desde o
início do jantar Tate sentia os olhares dele. Agora ela só rezava para que a dor de que
estava padecendo não ficasse ainda mais evidente.
— Acho que estou apenas cansada. - disse Tate, encolhendo os ombros. —
Passei a tarde ajudando Alice a fazer uma parte do sorvete que será servido na festa.
Era uma explicação aceitável, mas Flynn não engoliu. Tate evitava o olhar
dele, uma indicação clara de que alguma coisa estava errada. Desde a chegada eles não
tinham tido nenhuma chance de conversar a sós e, agora que os preparativos para a
festa envolviam todos, era muito pouco provável que surgisse oportunidade para isso.
Franzindo a testa, meio tentado a arrastá-la para fora para que pudessem
conversar com privacidade, Flynn prometeu a si mesmo que naquela noite arranjaria um
jeito de ficar sozinho com Tate.
Não foi o que aconteceu. Nem naquela nem em nenhuma das três noites que
se seguiram. Flynn seria capaz de jurar ue ela o evitava; embora sempre houvesse um
fator externo para afastá-los. Cada vez que eles começavam a trocar algumas palavras
a sós, aparecia alguém ou acontecia alguma coisa que tornava aquilo praticamente
impossível.
Quando chegou o dia da comemoração da Independência americana, Flynn
estava com os nervos à flor da pele. Por várias vezes pusera os olhos em Tate naquele
dia, mas ela estava sempre ocupada em alguma coisa, conversando com ura dos
convidados, ajudando as outras mulheres ou tomando conta de Haily para que a menina
não acabasse se machucando nas brincadeiras promovidas pelos meninos e meninas da
vizinhança, muitos deles maiores do que ela.
Finalmente caiu a noite, aproximando-se a hora em que haveria o espetáculo
com fogos de artifício, depois do qual começaria a dança. Preocupado porque Tate não
estava à vista, Flynn saiu à procura dela.
Primeiro encontrou Haily, sentada com outras crianças que esperavam
impacientemente pelo instante em que o céu se encheria de luzes e cores.
— Sabe onde está sua mãe, Pimentinha? - ele perguntou, puxando a menina
de lado por alguns instantes. — Já procurei em vários lugares mas perece que ela
tomou chá de sumiço.
Haily respondeu sem tirar os olhos do local onde o profissional contratado,
com a ajuda de alguns auxiliares, concluía os preparativos para o início do espetáculo
pirotécnico.
— Ah, ela está limpando a pick-up para a nossa partida, amanhã cedo. - ela
revelou, num tom distraído.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Flynn não ficaria mais surpreso se a menina desse um chute bem na canela
dele.
— Vocês vão embora?
— Vamos, sim. Mamãe disse que Doce Mel já está bem melhor e que logo
voltaremos aos rodeios. Mas quando é que vão acender os fogos? Estamos esperando
aqui há um tempão!
Flynn procurou controlar a onda de raiva que sentiu e afagou os cabelos da
menina, antes de deixar que ela voltasse para o meio das outras crianças.
— Daqui a pouco, Pimentinha. - ele respondeu, apertando os dentes. — Daqui a
pouquinho.
Instantes mais tarde Flynn pisava firme no chão enquanto marchava para o local
onde estava a pick-up, perto da estrebaria. Ah, mas ele ia matar aquela mulher! Ela já
estava tomando providências para a partida sem ao menos comentar com ele a decisão
que havia tornado. Fazia tudo em segredo, por baixo do pano...
Ele até tinha esperanças de que Haily estivesse enganada, mas quando viu
acesas as luzes da parte habitável da pick-up não teve mais dúvidas. Enraivecido,
entrou e bateu a porta , atrás de si.
— Flynn! - exclamou Tate, que naquele momento estava arrumando a cama
da filha. O rubor que tomou conta das faces e do pescoço dela era uma indicação clara
de sentimento de culpa. — O que está fazendo aqui? Eu...
— Não precisa inventar nenhuma desculpa. - disse Flynn, sem esconder a
irritação. — Sei exatamente o que você está pretendendo fazer. Já conversei com
Haily.
— Então sabe que vamos partir amanhã cedo.
Se ela tivesse dito aquilo demonstrando algum tipo de arrependimento ou
pesar, Flynn teria conseguido controlar o furor que sentia. Mas Tate estava fria,
controlada demais. Então ele ergueu as mãos para segurar nos ombros dela.
— E sei também que teremos a noite toda.
Enraivecido como estava, Flynn não tinha a intenção de beijá-la. No instante
em que a tomou nos braços, porém, viu que não podia deixar passar a oportunidade.
Não daquela vez.
Tate procurou não se desesperar, certa de que ele a deixaria respirar tão
logo aplacasse um pouco daquela raiva. Tinha o peito comprimido contra o dele e sentia
perfeitamente o calor e a fúria què o dominavam. Sabia que Flynn jamais a machucaria
fisicamente, mas não estava disposta a cometer a imprudência de enfrentar um
homem que estava à beira de perder o controle. Assim sendo, o melhor seria apenas
esperar até que ele resolvesse soltá-la.
Era uma dedução lógica, mas na mente de Tate martelavam as palavras dele,
como uma provocação, uma tentação: teremos a noite toda. Era tudo o que eles teriam.
E ela sabia que, se não aproveitasse a oportunidade, o arrependimento a acompanharia

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

pelo resto da vida.


Dominado pelo desejo que o queimava como carvão em brasa, Flynn precisou
de vários minutos para perceber que ela não estava tensa nos braços dele. Tate
parecia estar se derretendo, os braços por cima dos ombros dele, os lábios quentes,
doces e famintos.
Ao menos por um instante Flynn resolveu parar para pensar. A moça já havia
declarado que não queria nada com ele... planejando até ir embora sem dizer uma única
palavra! Onde estava o orgulho dele? Bem, ela que fosse embora, então. E ele sairia
dali imediatamente!
No entanto, quando Flynn ergueu as mãos para retirar as que o apertavam
na nuca, Tate colocou-se na ponta dos pés para pressionar os lábios contra os dele.
Então ele tentou... tentou mesmo, trazê-la de volta à razão.
— Doçura, não é isso o que você quer...
— É, sim. - murmurou Tate. — Eu quero você.
— Mas está indo embora.
— Você disse que nós temos a noite toda, não disse. - ela lembrou,
mordendo de leve o lábio inferior dele. Percebendo que aquilo o deixava arrepiado,
Tate riu baixinho. — Todos estão apreciando o espetáculo dos fogos de artifício.
Ninguém prestará atenção em nós...
Naquele mesmo instante o argumento dela se confirmou. Ouviu-se uma
detonação, imediatamente acompanhada pelos aplausos da multidão de convidados.
Sem mais nenhuma palavra, Flynn estendeu a mão e passou o trinco na porta.

Capítulo XI

Antes que o rojão seguinte explodisse no céu, Flynn já havia apagado a luz e
voltava a abraçá-la para reiniciar o beijo. Tate passou os braços por cima dos ombros
dele, sentindo as pernas sem nenhuma firmeza.
— A cama. - ela murmurou, quase sem fôlego, quando ele finalmente afastou
um pouco a cabeça.
Mas Flynn apenas riu e mudou o ângulo do beijo.
— Chegaremos lá, doçura. Eu prometo.
Com o coração em disparada, Tate pensou em explicar que se referia à cama
que havia por cima da cabine do veículo, mais espaçosa do que aquela para onde ele a
empurrava, mas naquele momento Flynn estava ocupado em tirar a blusa dela, o que

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

fez com incrível destreza, para logo em seguida livrá-la do sutiã. Num piscar de olhos
ela estava nua da cintura para cima, sentindo ambos os seios cobertos pelas mãos dele.
Tate gemeu de prazer e encostou o rosto no ombro dele. Ternura. Não havia
esperado ternura daquele homem, acostumado a lidar com potros bravos, mas Flynn a
tocava com incrível delicadeza, como se ela fosse uma peça de porcelana rara e muito
frágil. Parecia até que era a primeira vez que tocava numa mulher. As mãos dele eram
vagarosas, cuidadosas, e os beijos também não tinham pressa. Possuída por um desejo
crescente e querendo mais, Tate pressionou o corpo contra o dele.
— Calma, doçura. - murmurou Flynn, correndo os lábios pela face dela e
beijando os olhos, a testa e à concha dà orelha. — Nós dispomos de muito tempo,
horas...
— Mas alguém pode aparecer e...
— Ninguém virá aqui. - ele garantiu, mordendo de leve a orelha dela. —
Estão todos apreciando os fogos de artifício.
No entanto, quando ele tirou o resto das roupas dela e também se despiu,
foi como se as explosões dos fogos de artifício se transferissem para o interior da
pick-up.
Flynn fez com que ela se deitasse na apertada cama em que Haily costumava
dormir e procurou cobrir cada centímetro quadrado do corpo dela com o dele. Muito
rapidamente, como se alguém houvesse acionado um interruptor, a atmosfera ali se
tornou quente, cintilante e mágica. Enquanto as mãos dele percorriam todo o corpo
dela, sem pressa, Tate apenas gemia, sentindo arrepios.
Já fazia muito tempo, ela pensou, tonta. Muito tempo havia se passado
desde que um homem a possuíra pela última vez. Anos, uma vida inteira. E não tinha
sido como estava acontecendo agora. Ninguém, nem mesmo Rich Travis, tivera tanta
facilidade para despertar nela o desejo do sexo. Em cada lugar que Flynn a tocava ela
sentia um prazer novo e indescritível, achando que podia derreter-se por inteiro.
Também se sentindo, cada vez mais dominado pelo desejo, Flynn procurou
controlar-se para prosseguir nas carícias vagarosas. Tinha a impressão de que havia
sonhado com aquela mulher a vida inteira e decidiu que só a penetraria quando ambos
estivessem no limite do desejo, não pudessem mais controlar os movimentos. Aquela
era Tate Baxter, a mulher que havia sofrido tanto nas mãos do pai de Haily que
decidira impedir a aproximação de qualquer outro homem. Até aquele momento.
Com o coração dominado pela emoção, Flynn prometeu a si próprio que faria
daquele momento o mais agradável possível para ela... e demorado. O que não seria
fácil porque Tate era doce demais. As reações dela a cada carícia faziam com que ele
se sentisse um adolescente em sua primeira relação sexual, nervosamente realizada no
banco traseiro de um automóvel. O desejo que sentia por ela chegava a doer!
Entre os gemidos Tate murmurou o nome dele quando sentiu os mamilos
apertados pelos dedos de Flynn. Ah, aquilo era uma tortura... uma doce e deliciosa

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

tortura que ela jamais havia imaginado existir. E tudo acontecia sem que eles
precisassem falar. Bastava ela sentir vontade de ser tocada em uma parte do corpo
para que, no instante seguinte, as mãos de Flynn pousassem exatamente ali, solícitas e
quentes. Os dedos dele eram lacaios do pensamento dela.
Então, quando Tate já estava achando que não aguentaria mais, Flynn
passou a língua pelo umbigo dela, desceu pela curva da virilha e alcançou a delicada
pele na região entre as coxas. Quando sentiu-se beijada na parte mais íntima, aquela
altura umedecida e quente, Tate emitiu um grito vindo do inconsciente.
— Flynn!
— Eu sei, doçura. - ele murmurou, reiniciando o caminho ascendente. — Eu
sei. Estou aqui.
Vezes sem conta Flynn havia imaginado aquele momento, mas nem nos sonhos
mais fantasiosos pensara em algo parecido com o que estava acontecendo. Como
poderia adivinhar que uma mulher tão doce pudesse ter um fogo tão intenso?
Ele não saberia dizer se já havia chegado o momento certo, mas não
aguentava mais. Então, posicionou-se entre as coxas dela e penetrou-a. Arquejando e
gemendo num tom mais alto, Tate agarrou-se a ele com os braços e as pernas. O
orgasmo simultâneo coincidiu com o intenso espocar dos fogos lá fora. O interior da
pick-up estava inteiramente às escuras mas foi como se eles pudessem ver a festa de
luzes que se espalhou pelo céu.
De pé ao alvorecer do dia seguinte, como sempre, Flynn passou
silenciosamente pela porta do quarto de Tate desejando poder entrar para acordá-la
com um beijo quente. Deixá-la voltar para a festa na noite anterior tinha sido a coisa
mais difícil da vida dele. No entanto, se aparecesse alguém, seria difícil explicar o que
estavam fazendo ali enquanto todos se deliciavam com o espetáculo dos fogos de
artifício.
Assim sendo eles haviam saído da pick-up e se separado, embora Flynn
esperasse que, mais tarde, tivessem a chance de dançar. Mas a oportunidade acabou
não surgindo. Quase dormindo em pé antes mesmo do início da dança, Haily foi levada
para o quarto nos braços da mãe e Tate também ficou por lá, não retornando mais à
festa.
Descendo calmamente a escada, Flynn argumentou consigo mesmo que ela o
evitara pelo resto da noite apenas, por estar cansada, além de certamente encontrar
dificuldade em encará-lo depois das intimidades que eles havia partilhado. Ah, mas ele
mal podia esperar para vê-la, abraçá-la...Uma eternidade parecia ter transcorrido
desde o último beijo que eles haviam trocado antes de saírem da pick-up, retornando
ao mundo real.
Imaginando o momento em que estaria outra vez a sós com ela, Flynn saiu da
casa com a intenção de começar logo o conserto do cata-vento da bomba de água no
pasto sul. O melhor seria fazer aquilo antes que o dia esquentasse muito. Mal saiu na

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

varanda dos fundos, porém, ele interrompeu a caminhada. Já de pé, Tate ocupava-se
em atrelar à pick-up o reboque de Doce Mel.
Ela estava indo embora.
Aquilo o atingiu como uma flecha no coração. Respirando fundo, ele ficou
olhando para ela enquanto procurava se convencer de que o sentimento que o dominava
não era dor, mas sim raiva. Na noite anterior, tivera certeza absoluta de que tudo
entre eles dois entraria nos eixos... e imaginara que Tate só podia pensar a mesma
coisa. Mas agora estava mais do que óbvio que aquilo, não havia significado nada para
ela.
Com medo de agarrá-la pelos ombros para sacudi-la contra a parede da
estrebaria, Flynn enfiou as duas mãos nos bolsos e se aproximou da pick-up, o mais
vagarosamente que pôde.
— Então vai mesmo embora. - ele disse, com frieza, quando chegou bem
perto. — Será que ia se dar ao trabalho de falar comigo ou pretendia apenas pegar
Haily e sair daqui sem ao menos dizer adeus?
De costas para ele, Tate terminou de prender o reboque à traseira da pick-
up, com as mãos trêmulas, e voltou-se para encará-lo. Havia passado a maior parte da
noite acordada, preparando-se para a confrontação que certamente aconteceria
quando Flynn percebesse que elas estavam de partida. Ela até havia imaginado que
saberia o que dizer, mas agora reconhecia que não conseguiria aplacar a revolta que
dominava os olhos e Flynn.
— Não. - ela começou, sentindo a garganta seca. — Você deve saber que eu não
iria embora sem...
— Ah, é? - cortou Flynn, num tom sarcástico. — Pois eu estou começando a
pensar que não a conheço mesmo.
— Não diga isso.
O tom lamentoso da voz dela pareceu tocá-lo, mas logo depois os olhos dele se
voltaram para a pick-up já pronta para a partida. Instantaneamente a raiva de Flynn
redobrou de intensidade. Como ela podia se fazer de vítima, como se fosse a parte
ofendida?
— Você está fugindo. - ele acusou, num tom duro. — Por causa do, que aconteceu
ontem à noite.
Tate não negava a acusação. Como poderia, quando os fatos falavam por si
próprios? Com lágrimas nos olhos, ela ergueu a cabeça e enfrentou o olhar dele.
— O que aconteceu ontem à noite foi um grave erro. Eu tenho uma filha,
responsabilidades, um futuro em que pensar. Não posso deixar que você ou qualquer
outro homem me faça esquecer tudo isso.
Alguma coisa nos olhos dela, o reflexo de uma dor muito antiga, disse a
Flynn que não era dele que ela estava fugindo, mas sim do terrível passado que ainda a
fazia sofrer.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Mas que inferno, Tate! - ele praguejou. — Eu não sou Rich Travis! E não
venha me dizer que não é essa a questão. Acha que não sou capaz de perceber o que
está acontecendo? Aquele desgraçado a feriu muito e agora você tem um medo
enorme de qualquer peão que tente uma aproximação, achando que vai acontecer a
mesma coisa.
— Ninguém jamais me fará sofrer daquele jeito. - declarou Tate, com fúria
nos olhos. — Ninguém.
Flynn sentiu uma vontade enorme de abraçá-la, convencê-la de que ela não
tinha nada o que temer dele. No entanto, os instintos diziam que nenhum argumento o
levaria a conseguir o que quer que fosse com aquela mulher. Ela acreditava mesmo no
que dizia e a única forma de convencê-la do contrário seria estar sempre por perto.
Observando a postura dele, por si própria Tate acabaria mudando de idéia.
— Eu sei disso, doçura. Por isso, se alguém tentar importuná-la, estarei
sempre pronto a desencorajar o cretino. A que horas será a nossa partida?
Tate recuou um passo, espantada.
— Que história é essa de ―nossa‖ partida? Haily e eu vamos embora, mas
você não está incluído nisso.
— Ah, estou, sim. - Flynn disse aquilo sorrindo, mas o que havia nos olhos
dele era a mais pura determinação. — Você pensou que eu a deixaria ficar longe de
mim depois do que aconteceu ontem à noite? Se acha que já está pronta para retornar
ao circuito, saiba que eu também estou prontinho.
— Mas as suas costelas...
— Elas estão ótimas. - cortou Flynn, com firmeza. — Ainda doem um pouco, é
verdade, mas é uma dor perfeitamente suportável. Bem, qual será nossa primeira
parada?
Com o coração batendo muito rapidamente, Tate procurou mostrar uma
indiferença que não era nada do que estava sentindo.
— Haily e eu vamos para O Estouro da Boiada, em Calgary. Não faço a menor
idéia de qual será o seu destino.
Flynn ergueu as sobrancelhas, com os olhos brilhando.
— Calgary, no Canadá... o rodeio que atrai todos os grandes nomes. Ora, ora.
Estou realmente impressionado. Mas como vamos fazer? Iremos no mesmo veículo,
para dividir as despesas, ou eu a seguirei no meu furgão. Cooper foi buscá-lo para mim
na semana passada e ele está em ponto de bala. E então? Você escolhe.
— Chama isso de escolha? Vá para o inferno, Flynn. Não recebo ordens suas!
— Não, é claro que não. - respondeu Flynn, com uma rapidez que a
surpreendeu. — Mas depois de ontem à noite passei a ter uma porção de direitos
sobre você, doçura. - vencendo a distância que os separava antes que Tate pudesse
reagir, ele segurou o rosto dela com ambas as mãos e olhou-a nos olhos. — Não vou
deixar que você saia por aí nessa sua velha pick-up, principalmente quando pretende ir

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

até o Canadá. Assim sendo, recomendo que vá se acostumando com a minha cara. Não
tenho a menor intenção de perdê-la de vista.
Tate sentiu nos lábios a carícia do polegar dele e viu-se outra vez
entontecida. Oh, Deus! Por que sentia tanta necessidade de se entregar àquele
homem?
— E Grady? - ela lembrou, desesperada. — É com ele que deve se preocupar,
não comigo. Na última vez você teve a sorte de escapar apenas com algumas costelas
quebradas, mas na próxima é possível que ele o machuque de verdade.
— Na próxima vez ele não terá nenhuma chance. - prometeu Flynn. — E
então, doçura, como vai ser? Deixará que eu vá com você e Haily ou terei que segui-
las?
Tate ficou olhando para ele com os olhos apertados. Ah, mas que
homenzinho insistente! Ela se sentia tentada a deixar que ele seguisse atrás da pick-
up, engolindo poeira até o Canadá. No entanto, a inatividade forçada pela contusão de
Doce Mel a deixara com as finanças ainda mais abaladas. Pensando bem, até que seria
boa ideia dividir as despesas com Flynn.
— Partiremos logo depois do café da manhã. - ela disse, no tom mais frio
que conseguiu. — Se quer mesmo ir conosco, acho bom arrumar logo o que precisa
levar.
Imperturbável apesar da resposta seca, Flynn acariciou mais uma vez os
lábios dela e sorriu.
— Minha bagagem já está pronta. Quando quiser ir, é só falar.
A partida não foi um acontecimento tão simples quanto Tate havia
imaginado. Os familiares de Flynn eram mesmo pessoas especiais. Depois de tê-las
acolhido em casa como se fossem velhas amigas, pareciam agora sinceramente
consternados com a decisão dela. Quando perceberam que não conseguiriam fazê-la
mudar de idéia, Cooper e Gable passaram a caçoar de Flynn, de uma forma quase
impiedosa, insistindo com ele que não a perdesse de vista. Quando chegou realmente a
hora da partida, porém, Flynn, Tate e Haily foram abraçados e beijados por todos os
membros da família, só recebendo autorização para entrar na pick-up depois de
ouvirem todo tipo de recomendação para que se cuidassem bem.
Tate deixou que Flynn dirigisse e resolveu que o melhor seria eles se
tratarem como bons amigos. Afinal de contas, estavam viajando juntos e teriam que
partilhar muitas coisas. Agindo como se a noite anterior simplesmente não tivesse
acontecido, ela fez os mais elogiosos comentários sobre a família dele e sobre a
fazenda. A certa altura, porém, Haily lembrou a maravilha que tinham sido os fogos de
artifício e os olhos de Tate, como se tivessem vontade própria, voaram para os de
Flynn. Ele não disse uma só palavra, mas nem seria preciso. A atmosfera entre eles
dois ficou carregada de lembranças e o olhar que Flynn dirigiu a ela era a mais pura
expressão do desejo. Tate sentiu a garganta seca e desviou rapidamente os olhos,

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

como se estivesse muito interessada em contemplar a paisagem.


Quatro longos dias de viagem estavam diante deles. E quatro igualmente
longas noites. Sentada entre eles dois, Haily não parava de falar nos dias maravilhosos
que havia passado na fazenda. Tate, porém, só conseguia pensar nos momentos de
amor que passara nos braços de Flynn. Tudo deveria ter terminado ali... Pelo menos,
ela havia decidido isso de uma forma irrevogável. Só que estava outra vez viajando ao
lado dele, rumando para um rodeio como se não precisasse se preocupar com o amanhã.
Mas o amanhã sempre chegava, ela se lembrou, procurando conter as
lágrimas que ameaçavam escorrer. E em geral cobrando um alto preço em dor. Tate
havia aprendido essa lição muitos anos antes. O problema era que nada parecia ter im-
portância quando se tratava de Flynn, e isso a deixaiva aterrorizada. Agora, as
perspectivas eram as piores possíveis. Eles passariam algumas semanas juntos e depois
cada um seguiria o seu caminho, provavelmente para nunca mais voltarem a se
encontrar.
Ela sofreria com isso, sofreria muito. Afinal de contas, já havia reconhecido
para si própria que amava aquele homem.
Calgary, localizada no meio das planícies da província de Alberia, no Canadá,
tinha uma tradição muito parecida com a de qualquer cidade do Velho Oeste
americano.
Ficara mundialmente conhecida ao sediar os Jogos Olímpicos de Inverno de
1988, mas os peões que se reuniam ali no meio do verão tinham outros interesses além
de contemplar as belas paisagens. Os melhores do ramo vinham de todos os pontos da
América do Norte por um único motivo: o rodeio que todos chamavam de Estouro da
Boiada de Calgary. Era feroz a competição pelos mais de cem mil dólares em prêmios
que os organizadores do evento distribuíam.
Sentindo no ar a excitação que se espalhava por ali como a eletricidade de um
relâmpago, Tate, Haily e Flynn chegaram à arena menos de uma hora antes de começar
a competição de cavalgada em potro no pêlo. A arquibancada já estava quase lotada e,
por trás das baias, campeões que Flynn conhecia apenas pela fama preparavam-se para
a cerimônia de abertura. Aquilo parecia um manicômio, com o diretor gritando ordens
como um sargento encarregado de dirigir uma centenas de tecrutas.
E Grady Calhoun estava lá.
Sem demonstrar surpresa, Flynn pôs os olhos no homem no instante em que
atravessou a entrada dos competidores. A julgar pela expressão dos olhos, Grady não
estava mais contente em vê-lo. Aquilo significava que Flynn deveria ficar sempre
atento ao que podia acontecer às suas costas... e sempre de olho no equipamento.
Aquele patife já o apunhalara pelas costas mais de uma vez e só um idiota
pensaria que ele não seria capaz de repetir a dose. Flynn não era um idiota.
Ao lado de Flynn, Tate ficou arrepiada quando viu Grady na outra
extremidade da área, ao lado da namorada, Valerie Jones. Não havia dúvida de que ele

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

já os vira.
Olhava para Flynn com uma tal expressão de ódio que, mesmo a duzentos
metros de distância, ela se sentiu também atingida por aquele veneno. Aquilo a fez
esfregar os braços, como se quisesse espantar o arrepio.
— Mamãe, por que Grady está olhando para Flynn daquele jeito? - inquiriu
Haily, seguindo a direção do olhar deles dois. — Parece que ele está com muita raiva.
— Ah, Pimentinha, isso é para você ver como Grady é. - disse Flynn,
antecipando-se na resposta. — O sujeito está sempre aborrecido com tudo. Não ligue
para ele.
Outra criança teria aceitado aquilo sem questionar, mas Tate conhecia a
filha o suficiente para saber que a menina continuaria perguntando até obter uma
resposta mais satisfatória.
— Não está com fome, querida? - ela se apressou em perguntar, pegando
algum dinheiro no bolso da calça jeans. — Compre um sanduíche naquela barraca antes
de ir para a arquibancada. A cerimônia de abertura já vai começar e a competição de
Flynn será logo em seguida. Se quer vê-lo em ação é melhor se apressar.
Haily, evidentemente, não resistiu à tentação.
— Posso comprar também uma Coca-Cola?
Rindo, Flynn acrescentou alguns dólares ao dinheiro que Tate já dera à filha.
— Compre a Coca e também um sorvete. - ele disse, piscando o olho. — Mas
não diga nada à sua mãe.
Haily abriu um enorme sorriso e abraçou-o com força.
— Juro que não contarei nada. - ela prometeu, olhando para a mãe com um
rabo de olho. — Até logo!
Toda sorrisos, a menina disparou como uma flecha enquanto Grady
continuava a observá-los, cheio de hostilidade. Tate desfez o sorriso e voltou-se para
Flynn incapaz de esconder a preocupação.
— Talvez seja melhor dar às suas costelas mais uma semana de descanso. -
ela sugeriu, no tom mais leve que conseguiu.
— As provas serão duras e você ainda não está inteiramente curado...
— Não estou com medo dele. - respondeu Flynn, sustentando o olhar de
Grady. — Aquele desgraçado pode ser capaz de qualquer coisa, menos de me assustar.
Tate abriu os braços, exasperada.
— Vocês não são dois meninos numa briga de atiradeira, Flynn!
Naquele momento um homem de quase dois metros de altura destacou-se
da aglomeração de peões para se aproximar deles. Era David Hartfield, encarregado
das baias também naquele rodeio.
— Olá, Tate. - ele disse, sorrindo, quando chegou perto. — Vejo que já está de
volta, Rawlings. Como estão as costelas?
— Melhoraram bastante. - respondeu Flynn, apertando a mão do chefe das

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

baias. — Também comprei uma correia nova e estou pronto para competir.
Vendo que ele segurava a maleta de equipamentos, David coçou a cabeça.
— Investiguei o seu acidente em Oklahoma, como prometi, mas não descobri
nada de novo. Ninguém foi visto mexendo no seu equipamento antes da competição e
todos os peões com quem conversei têm um bom álibi para o período em que a correia
deve ter sido cortada. Até mesmo Calhoun. A namorada dele jura que estiveram juntos
o tempo todo e eu não encontrei nenhuma testemunha que afirmasse o contrário.
Isso queria dizer que David não podia fazer mais nada.
— De uma certa forma isso não me surpreende. - declarou Flynn. — Grady não
faria uma coisa assim sem tomar as suas precauções. Mas é evidente que álibi dele não
tem o menor valor.
Como não podia mesmo afirmar se Grady era culpado ou inocente, David
prudentemente, preferiu não fazer mais comentários.
— Mas tome cuidado, está ouvindo? - ele recomendou. — Quem cortou a sua
correia não estava para brincadeira. Enquanto não o agarrarmos você estará correndo
sério perigo.
A advertência ficou no ar enquanto o grandalhão se afastava, deixando
Tate e Flynn em silêncio por um minuto inteiro. Finalmente ela voltou para ele os olhos
suplicantes.
— Não faça isso, Flynn. Não vale a pena. Você ouviu o que David disse. Até
ele acha que o perigo é sério.
— Então ele deveria fazer alguma coisa com Calhoun. - respondeu Flynn. —
Mas não se preocupe, doçura, que eu tomarei cuidado...
— Mas como pode saber o que Grady vai fazer agora? - insistiu Tate,
segurando no braço dele. — Desista da competição, Flynn, pelo menos desta vez.
— E que atitude deverei tomar na próxima vez? - ele rebateu. — Se recuar
agora, terei que fazer a mesma coisa em todos os rodeios nos quais ele se inscrever.
Não está percebendo isso, doçura? Essa história não terminará enquanto Calhoun não
se convencer de que não me assusta, não importa o que tente fazer. Eu preciso
competir e, se possível, vencer aquele desgraçado.
Tate sabia que ele tinha toda razão, mas mesmo assim se recusava a
concordar. Bem que eles deveriam ter ido para Santa Fé... ou para o Texas. Sempre se
realizava algum tipo de rodeio no Texas. Os competidores não seriam tão difíceis de
superar e eles estariam bem longe de Grady.
— Já que você insiste em seguir adiante com isso, não vou tirar os olhos de
Grady Calhoun, o tempo todo. - ela prometeu. — Ele não coçará o nariz sem que eu
veja.
Como se quisesse provar o que dizia ela olhou para o local onde Grady tinha
estado segundos antes. Naquele momento, porém, em vez de continuar parado olhando
fixamente para Flynn, ele caminhava para o lado deles acompanhado por Valerie. Tate

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

conteve a respiração.
— Ai, meu Deus! Lá vêm eles.
— Fique fora disso. - recomendou Flynn, segundos antes de o outro casal
chegar bem perto. — Deixe comigo.
Grady parou diante deles com os olhos cheios de raiva.
— Não sei quem você pensa que é, Rawlings, mas vou lhe dizer uma coisa: se
continuar me causando problemas com os funcionários do rodeio, vai acabar com
outros ossos quebrados, além das costelas que já quebrou em Oklahoma. Deixe-me em
paz, entendeu bem?
Com a cabeça erguida, Flynn nem pestanejou.
— Eu tive algumas costelas quebradas em Oklahoma, sim, e foi por sua
causa, Calhoun. Ouvi dizer que você tem um álibi. - então ele lançou um olhar de
desprezo à desengonçada ruiva que acompanhava Grady. — Mas nós dois sabemos que
foi você quem cortou a minha correia... e também sabemos por que fez isso. Sabe que
eu o tirarei da disputa pelo título mundial e está morrendo de medo disso.
— Medo de quê? - inquiriu Calhoun, quase se engasgando no próprio riso. —
De você? Acho que não. - logo depois ele mediu Flynn com os olhos, da cabeça aos pés.
— Você é apenas um perdedor procurando um culpado para o equipamento de péssima
qualidade que usa. Olhe-se no espelho. Isso lhe dará as respostas que está procurando.
— A única resposta que eu preciso está na minha frente, poluindo o ar que
respiro. - declarou Flynn, com frieza. — Saia daqui, Calhoun. Agora.
Com o coração na mão Tate preparou-se para o pior, olhando
alternadamente para os dois homens. Sabia que Flynn não daria o primeiro soco,
mesmo que fosse provocado, mas não estava tão certa quanto a Grady. Se aquele
homem tinha algum escrúpulo ela ainda não vira nenhuma evidência disso. E ele estava
enfurecido demais! Era quase possível ouvir o ranger dos dentes dele.
Aguardando a explosão de Calhoun para qualquer momento, Tate voltou-se
para Valerie, achando que, se juntassem as forças, talvez as duas pudessem encontrar
uma saída para aquela situação. Mas bastou olhar no rosto da outra mulher para
perder toda a esperança. A ruiva parecia tão ultrajada quando Grady com as acusações
de Flynn.
A tensão aumentava cada vez mais e Tate pensou seriamente em se colocar
entre os dois homens... apesar da advertência de Flynn para que o deixasse cuidar
sozinho do problema. Naquele instante o serviço de alto-falantes anunciou o início da
competição de cavalgada de potro no pêlo, o que fez Tate soltar um suspiro de alívio.
— Mais tarde resolveremos isso. - prometeu Grady a Flynn, falando com
absoluta frieza. — Só eu e você.
— Para mim está perfeito. - respondeu Flynn. — Basta que me diga onde e
quando.
Depois de um último e enraivecido olhar, Grady foi se afastando levando

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Valerie consigo. Tate ficou olhando, ainda muito pálida.


— Você não acha que ele falou sério, não é? É claro que Grady não tentaria
resolver esse assunto no braço.
Pensando na possibilidade de Grady Calhoun enfrentá-lo num duelo em que
só valeria a força dos punhos, Flynn soltou uma risada.
— Grady? Ah, não! Ele não teria coragem para isso. Só age pelas costas do
adversário, com a mais absoluta covardia. Aquilo tudo não passou de bravata.
Tate queria acreditar naquilo mas não conseguia esquecer o ódio que vira
nos olhos de Grady. Por mais que tentasse, não afastava a sensação de que eles
estavam caminhando para um desastre.
Nada, porém, aconteceu naquela tarde. Quando chegou a vez de Flynn competir,
tudo transcorreu sem o menor problema. De pé na entrada da arena, sem desviar os
olhos enquanto ele se esforçava para não ser derrubado pelo cavalo selvagem, Tate só
percebeu o quanto estava temerosa de que algo de errado acontecesse quando a
campainha soou e um auxiliar entrou galopando para resgatar Flynn do lombo do
enfurecido animal. Então ela suspirou profundamente e, sentindo as pernas bambas,
acusou-se de ser uma paranóica. Flynn estava certo, Grady só tinha mesmo conversa.
Agora sabendo que Flynn estava de olho nele, não teria coragem para nada.
Aliviada, Tate sentiu que a preocupação deixava os ombros dela como uma
nuvem. Foi a primeira a cumprimentar Flynn pela segunda colocação conseguida. Pelo
enorme sorriso que mostrava, evidentemente ele já sabia que havia derrubado Grady
para o terceiro lugar.
— Nada mal, peão. - disse Tate, sorrindo e sem resistir a fazer uma
brincadeira. — Principalmente quando se trata de um novato. Com estão as costelas?
Com um brilho malicioso nos olhos, Flynn segurou nas mãos dela e encostou-as no
próprio peito.
— Não sei. - ele respondeu, com fingida inocência. — Responda você. Como elas
estão?
Com um meio sorriso, Tate encostou a ponta da língua no céu da boca e manteve
os olhos fixos nos dele. Não precisou olhar em volta para saber que olhos curiosos e
divertidos os observavam, mas nem se importou com isso. Ela o amava. Mais tarde,
quando eles dois seguissem cada um o seu caminho, aquele amor certamente provocaria
um sofrimento muito grande. No momento, porém, só queria sentir as emoções que
aquele homem tinha tanta facilidade em despertar.
Sorrindo com os olhos, Tate correu os dedos pelo tórax dele, sentindo que o
coração ali guardado batia em velocidade acelerada.
— É, suas costelas parecem em bom estado. - ela declarou, com uma malícia igual
a dele. — Mas acho que você vai precisar tirar a camisa para que eu faça um exame
mais cuidadoso.
Flynn guiou os dedos dela para o zíper na frente da camisa de vaqueiro que

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

estava usando.
— Faça o que tem que ser feito, doçura.
Apenas para provocá-lo, e sabendo que Flynn achava que ela não teria,
coragem para fazer aquilo, Tate segurou de leve no zíper, apenas ameaçando abri-lo.
Logo depois, e de uma só vez, puxou o zíper até o ponto onde a camisa estava ensacada
na calça jeans.
Flynn levou um susto e ela riu alto.
— Peguei o bobo!
— Acho que não. - respondeu Flynn, que no mesmo instante agarrou os pulsos
dela. — Fui eu que peguei você.
Tarde demais Tate percebeu que ele não pararia enquanto não fizesse o que
pretendia: abraçá-la. Procurou fazer cara feia mas fracassou, já que o sorriso não
deixava os lábios dela.
Então lembrou-se de uma saída.
— Preciso aquecer Doce Mel, Flynn. Não quero que ela corra o risco de
sofrer outra contusão.
— Daqui a pouco. - ele prometeu, levando-a para uma área relativamente
deserta por trás de um galpão. — Primeiro quero que você me aqueça um pouquinho.
Já que os termometros registravam trinta e sete graus centígrados à sombra
e eles estavam brincando com fogo, Tate achou que não teria dificuldade em atender
ao pedido. Deixando-se abraçar, pôs-se na ponta dos pés para beijá-lo na boca.
Foi um beijo rápido mas realmente quente. Quando as línguas deles se
tocaram, Tate só conseguia se lembrar dos momentos que havia partilhado com Flynn
no interior da pick-up enquanto os fogos de artifício empoçavam lá fora. Então soltou
um gemido e abraçou-se a ele com mais força.
Mas ambos sabiam que aquilo não podia se prolongar. O resto do mundo estava
bem ali e ela precisava se preparar para a competição.
— Flynn...
Tate só conseguiu murmurar o nome dele, mas foi o bastante. Flynn recuou e
deixou escapar um suspiro resignado.
— Eu sei, eu sei. Você precisa ir. Só mais um para desejar boa sorte.
Então ele voltou a beijá-la, de uma forma que a deixou arrepiada da ponta dos
pés à raiz dos cabelos. Depois permitiu que fosse se ocupar com Doce Mel.
No fim da tarde, quando eles retornaram para o acampamento, Tate só tinha
boas coisas em que pensar: o beijo de Flynn, o primeiro lugar conquistado na corrida
dos cilindros e o fato de que Haily havia pedido e obtido permissão para passar a noite
com uma amiguinha com quem não se encontrava desde o ano anterior. Assim sendo, ela
nem se lembrava mais das ameaças de Grady Calhoun. Só pensava na longa noite que ia
passar com Flynn.
Mal se contendo de tanta expectativa, Tate entrou na parte habitável da pick-

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

up e parou ao ver o papel dobrado que havia sido colocado por baixo da porta.
Adivinhou que aquilo não era boa coisa antes mesmo de se abaixar para apanhar a men-
sagem.
— O que foi? - perguntou Flynn, reparando que ela ficava tão pálida quanto o
papel que estava segurando.
— Grady deixou isto aqui. - ela respondeu, entregando o bilhete. — Quer que
você vá se encontrar com ele na arena de treinamentos, às sete da noite.
Flynn pegou o papel e correu os olhos pelo que estava escrito.
— Desgraçado! - ele disse, fechando a mão para amassar o bilhete. — Calhoun
quer uma briga... e, por Deus, arranjou uma muito boa!

Capítulo XII

— Não estou gostando nada disso, Flynn. - declarou Tate, franzindo a testa.
Sentada à pequena mesa de refeições no interior da pick-up, onde eles
vinham tomado café durante os últimos trinta minutos enquanto a todo momento
consultavam o relógio, ela tentou pela última vez chamá-lo à razão.
— A violência nunca resolve nada e você sabe disso. Grady está agindo como
um garoto cheio de vontades mas você não precisa descer ao nível dele.
Com os dentes apertados, Flynn não estava disposto a discutir com ela.
— Há umas certas coisas que ele que não pode fugir. - ele disse, sem
maiores explicações. E não havia mesmo tempo para mais conversa, porque só faltavam
cinco minutos para as sete. Então ele colocou a xícara de café sobre a mesa e se
levantou. — Preciso ir.
— Não! Mas que droga, Flynh! A calcificação das suas costelas ainda não se
consolidou! Tem que haver uma outra saída.
Aquela ênfase toda fez com que Flynn sorrisse. Segurando nas mãos dela, ele
obrigou-a a levantar-se e abraçou-a, para logo depois rir baixinho.
— Pode acreditar, doçura, não era assim que eu queria passar esta noite.
— Então fique comigo.
Ah, como ele queria ficar. Se ela soubesse o quanto estava perto de fazê-lo
mudar de idéia, saltaria sobre ele como mosca no mel.
— Não posso. Aquele canalha precisa parar com o que anda fazendo. Se só vai
adquirir um pouco de bom senso à custa de pancadas, então é isso o que vou ter que
fazer. Voltarei logo que for possível.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Soltando-a enquanto tinha determinação para isso, Flynn sorriu, piscou o olho e
saiu, fechando a porta. Quando começou a caminhar na direção do local do rodeio,
porém, não sorria mais. Ninguém sabia mais do que ele que o estado das costelas ainda
era muito delicado, e Grady era bem o tipo de patife que se aproveitaria disso.
O complexo do rodeio estava deserto àquela hora da noite, vendo-se apenas os
seguranças que patrulhavam o local para garantir que os animais não seriam
perturbados nas estrebarias. Com a desculpa de que iria fazer um exame na pata de
Doce Mel, Flynn esperou que o guarda que o abordara se afastasse e marchou para a
pequena área de treinamentos localizada a meio caminho entre és estrebarias e a
arena principal.
Como ele esperava, a área cercada estava na penumbra e silenciosa como
um túmulo. Raramente usado durante o dia e jamais à noite, havia naquele espaço uma
única lâmpada acesa, bem ao fundo, o que proporcionava uma parca iluminação. Mas era
suficiente para que Flynn visse que Grady não estava à vista. Carrancudo, ele
resmungou um palavrão. Devia ter previsto que o patife não ia aparecer. Os covardes
não suportavam confrontações e o corte da correia servira para que Flynn tivesse uma
certeza: Grady Calhoun era um covarde da pior espécie, um rastejador repelente.
Aquele idiota estava redondamente enganado se imaginava que ele ficaria
esperando ali para todo o sempre. Tate estava na pick-up, certamente muito
preocupada com o que podia estar acontecendo, e era muito melhor estar com ela do
que ficar numa arena vazia esperando por Grady Calhoun, que na certa não teria
coragem para aparecer.
Quando já ia se voltando para ir embora, Flynn viu o que parecia ser um
pedaço de papel no chão, bem no centro da arena. No mesmo instante ele parou, mas
achou que estava dando atenção demais ao que devia ser uma bobagem. Na certa aquilo
era apenas lixo.
Mas a manutenção por ali era sempre cuidadosa e havia cestas de lixo por
todos os cantos. Flynn franziu a testa e ficou olhando para o papel, com a sensação de
que aquilo tinha alguma coisa a ver com Grady. Seria muito próprio daquele sujeitinho
deixar um bilhete sugerindo um outro lugar para a confrontação.
Era uma armadilha. Ele tinha tanta certeza disso quanto sabia que era capaz
de bater Grady nas competições. Mas isso não o impediu de pular a cerca e correr até
o local onde estaca caído o pedaço de papel. Enquanto se abaixava, Flynn viu que o
papel estava dobrado com o nome dele escrito no lado de fora em letras gradas.
No interior não havia nada.
— Mas que diabo...
Nesse instante um som às costas dele o advertiu de que não estava mais
sozinho. Sentindo o sangue gelar, Flynn ouviu o portão se abrindo e o som forte de
cascos no chão de terra. Tarde demais, o arrepio dos pêlos na nuca o fez sentir que
havia caído numa armadilha. Então ele se voltou e literalmente parou de respirar.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

No meio das sombras ao fundo da arena estava Lúcifer, o mais selvagem de


todos os touros do circuito. Tão traiçoeiro quando o demônio do qual havia recebido o
nome, o enorme animal adorava pisotear os peões que derrubava com uma regularidade
impressionante. E naquele momento tinha diante de si apenas um peão: Flynn. Bufando
e arranhando o chão com a pata dianteira, a silhueta monstruosa e ameaçadora
desenhada contra o fundo escuro, o selvagem touro abaixou a cabeça numa postura de
desafio, com os olhos escuros fixos na presa.
Corra!
Na fração de segundo que teve para pensar, a conclusão lógica de Flynn foi
que devia escapulir dali como se estivesse diante do próprio demónio. No entanto, não
tinha como correr mais do que aquele animal para alcançar a saída, e ambos sabiam
disso. A única esperança era saltar para o lado, escapando à primeira investida de
Lúcifer, e correr para a cerca antes que o touro fizesse a volta para iniciar um novo
ataque. Com o coração batendo de uma forma desabalada dentro do peito, Flynn
procurou ficar absolutamente parado enquanto a fera de mais de uma tonelada iniciava
a investida.
Alguma coisa estava errada, Tate não tinha a menor dúvida disso. Não
suportando mais ficar no interior da pick-up, ela saiu e olhou para a arena, no outro
lado da rua. Pelo que pôde ver, o lugar estava calmo como uma igreja no meio da noite.
Não se via ninguém ali além dos guardas de segurança. Ela já os havia observando,
ficando impressionada com a pontualidade daqueles homens. Os que ficavam no lado de
fora, por exemplo, levavam exatos quinze minutos para dar a volta completa no
conjunto de prédios que formava o complexo do rodeio.
Olhando para o ponto onde sabia ficar a arena de treinamentos, logo além das
estrebarias, Tate procurou se convencer de que estava fazendo uma tempestade num
copo d'água. Se Flynn estivesse em dificuldades, certamente um dos seguranças já
teria percebido isso. Ele na certa estava apenas tentando colocar um pouco de bom
senso na cabeça de Grady e logo estaria de volta. Não havia motivo para pânico.
Mas a lógica não tinha nada a ver com uma situação como aquela. As imagens
não saíam da cabeça dela... Flynn, vulnerável depois da queda que lhe quebrara várias
costelas, e Grady, bem mais corpulento, além de traiçoeiro o suficiente para mirar
apenas as costelas do adversário.
Não! Ela não podia ficar simplesmente parada, esperando. Flynn certamente
ficaria furioso com a interferência, mas ela nem se importava com isso. Não ficaria ali
apenas aguardando para recebê-lo depois que Grady o massacrasse. Precisava fazer
alguma coisa para ajudá-lo, mesmo que com isso ferisse o orgulho de Flynn.
Nervosa, Tate correu os olhos pelo acampamento, esperando ver alguém
que pudesse ajudar, quem quer que fosse. Então viu o trailer de Grady estacionado
duas seções adiante. Valerie! A garota vivia com Grady e também devia estar
preocupada. Valerie não havia parecido muito disposta a ajudar no encontro anterior

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

deles, pelo menos não da forma que Tate esperava, mas certamente não ficaria de
braços cruzados. Afinal de contas, um daqueles homens poderia acabar se machucando
seriamente!
Tate correu para o trailer e pôs-se a bater na porta, com força, sem se
preocupar com a possibilidade de estar perturbando o sossego do acampamento.
— Valerie! Abra a porta! Preciso da sua ajuda!
Ouvindo o barulho de alguém se movendo lá dentro e o som do trinco, Tate
suspirou de alívio. Logo depois a porta se abriu e ela abriu a boca de espanto, olhando
para o homem que a fitou com cara de poucos amigos.
— O que você quer, Tate? - ele inquiriu, deixando claro que não tinha a menor
satisfação em vê-la. — Se Flynn mandou que viesse aqui para me pedir desculpas,
perdeu a viagem. Quem manda recado é porque não tem coragem de se apresentar
pessoalmente.
Tate ficou ainda mais,espantada.
— Desculpas? Ele não tem nada por que se desculpar com você! E o que está
fazendo aqui, afinal? Seu bilhete dizia que o encontro deveria ser às sete da noite.
Esperando ouvir mais uma resposta malcriada, Tate viu que agora Grady estava
tão espantado quanto ela.
— Bilhete? - ele repetiu, rispidamente. — Que bilhete, mulher?
— O que você deixou na minha pick-up. - enfiando a mão no bolso da calça jeans,
ela retirou o papel amassado que Flynn havia deixado em cima da mesa antes de sair.
Bastou um olhar no rosto espantado de Grady para que ela visse que alguma coisa
estava terrivelmente errada. Tate engoliu em seco, tentando sufocar o mau
pressentimento que agora sentido. — Foi você que... que escreveu este bilhete, não
foi?
— Não.
Tate desejou de todo o coração que ele estivesse mentindo, mas a expressão de
Grady era a prova mais cabal da sinceridade dele. No mesmo instante ela adivinhou
quem havia escrito o bilhete, o que a deixou ainda mais alarmada.
— Onde está Valerie?
— Não sei. Ela disse que ia sair para caminhar um pouco. - Grady disse aquilo
enquanto voltava os olhos para o lado da arena, corri uma expressão de medo no rosto
bochechudo. — Flynn pode estar em perigo. - ele acrescentou, falando depressa; —
Vamos.
No mesmo instante Grady saiu em disparada. Tate correu atrás dele,
sentindo dificuldade para acompanhá-lo. Queria perguntar o que Valerie seria capaz
de fazer, por que ele achava que Flynn podia estar em perigo, mas o medo que sentia a
impedia de falar, além de deixá-la trêmula.
Pouco depois eles contornavam correndo a arena principal para logo em
seguida alcançarem o pequeno curral que servia de arena de exercício para os peões.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Alguma coisa se moveu nas sombras, mas só quando chegaram bem perto da cerca eles
puderam ver que era Flynn quem estava no interior da arena, na outra extremidade.
Muito suado, as roupas cobertas de sujeira numa clara indicação de que havia rolado
no chão, ele olhava fixamente para o enraivecido touro que o ameaçava a não mais de
seis metros.
— Oh, Deus!
Tate não se lembrava de ter gritado, mas os olhos de Flynn voltaram-se para
ela e aquele lapso na concentração dele era tudo o que o touro queria. Apontando os
chifres como se fossem lanças, a fera disparou para alcançar Flynn na altura das
costelas, tirando, sangue e um gemido de dor.
— Não! - gritou Tate, já subindo na cerca. No instante em que ela pôs uma das
pernas para dentro, porém, a mão do desafeto de Flynn a segurou. — Solte-me, Grady!
É Lúcifer quem está ali dentro com Flynn! Precisamos distrair o touro para...
— Eu farei isso. - decidiu Grady. — Corra para o outro lado. No instante em que
eu conseguir atrair a atenção do touro, ajude Flynn a sair dali.
Então ele se voltou para o portão de entrada da arena. No mesmo instante
Valerie Jones saiu correndo da escuridão, como uma bruxa, os cabelos ruivos soltos ao
vento.
— Não! - ela gritou, pondo-se no caminho do namorado. — Pare! Você não
pode entrar ali!
— Uma ova que não posso! - rebateu Grady. — Você só pode estar louca se
acha que vou ficar olhando para ver o touro transformar aquele sujeito em mingau.
Saia da minha frente!
Em vez de obedecer, Valerie fincou os pés no chão e usou as mãos para
agarrar os braços dele.
— Não, você não pode! Vai estragar tudo! Será que não está percebendo?
Nós temos que nos livrar dele. É a única forma de garantir a conquista do título para
você.
Tate levou a mão à boca, horrorizada.
— Esse tempo todo nós ficamos jogando a culpa em cima de Grady, mas era
você quem fazia tudo. - ela gritou, fuzilando a ruiva com os olhos. — Cortou a torreia
de Flynn...
— Era para dar certo. - vangloriou-se Valerie. — Teria sido perfeito se ele
houvesse caído ao alcance das patas do cavalo, em vez de ir bater contra a cerca.
Flynn Rawlings ficaria afastado por muitos meses e ninguém mais ameaçaria o título de
Grady. Eu cuidaria para que isso não acontecesse.
Uma onda de fúria tomou conta de Grady Calhoun.
— Se acha que eu iria querer um título conquistado com esses métodos, é
mais do que evidente que você não me conhece. E pode crer que, até este momento,
você também era para mim uma perfeita desconhecida.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

Por trás deles, na arena, a voz de Flynn sobrepôs-se ao bufar do touro para
fazer uma piada, apesar da situação dramática em que se encontrava.
— Será que algum campeão pode me ajudar aqui?
Naquele instante o touro voltava à carga. Flynn saltou para o lado,
escapando de ser atingido por uma questão de milímetros. Ele não saberia dizer como
ainda conseguia se mover.
As pernas já quase não suportavam o peso do corpo e cada respiração era
um verdadeiro suplício. Ainda não tivera tempo de examinar o ferimento no lado do
tórax, mas sabia que a camisa estava mais ensopada de sangue do que de suor.
Como não podia desviar os olhos de Lúcifer, ele apenas ouviu a gritaria entre
Grady e Valerie. Foram necessários apenas dois minutos com aquele monstro no
interior da arena para que Flynn entendesse por que ele tinha o nome de um demônio.
Mais rápido que um relâmpago e mais traiçoeiro que uma cascavel, o touro parecia a
personificação de Satanás.
— Aguente-se aí, Flynn. - disse Grady, ignorando os gritos de Valerie, que
queria de qualquer forma impedi-lo de entrar na arena. — Enquanto eu estiver
distraindo o bicho, Tate o ajudará a sair daí...
— Não! - gritou Fiynn, vendo com o canto do olho que Tate se movia para
tomar posição perto do portão à direita de onde ele estava. Sem parar de olhar para a
fera, prosseguiu: — Não seja louca, Tate! Não quero que você chegue perto desse
demônio! Fique exatamente onde está e apenas abra o portão, mas só quando Grady e
eu conseguirmos atrair o touro.
Mesmo apavorada, Tate quis protestar. Ele estava ferido! A camisa já
apresentava uma enorme mancha de sangue no lado direito, onde o chifre de Lúcifer o
atingira e ela queria tirá-lo dali imediatamente. Mas Grady, que evidentemente con-
cordava com o plano de Flynn, já estava pulando por cima da cerca. Um segundo mais
tarde ele produziu um barulho surdo ao bater com os pés no chão da arena.
— Oh, meu Deus! Tome cuidado. - ela suplicou, apertando com os dedos a
trave mais alta da cerca. Quando Valerie soltou um grito ao ver que o touro se voltava
para Grady, Tate perdeu a paciência com aquela maluca: — Cale essa boca, Valerie,
pelo amor de Deus!
— Está pronto, Grady? - perguntou Flynn.
Como resposta, o outro homem foi se chegando mais para perto dele para
que o touro ficasse em dúvida sobre quem deveria atacar. Logo depois eles começaram
a recuar para a cerca, atraindo Lúcifer para o portão do corredor que levava ao
cercado onde estavam os outros touros.
Cada passo era dado com extremo cuidado, sem nenhum movimento brusco.
Bufando e batendo no chão com uma das patas dianteiras, os olhos pretos fitando
alternadamente os dois homens que tinha à sua frente, Lúcifer parecia apenas
aguardar uma desculpa para espetar um dos dois com os chifres.

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

— Calma. - murmurou Flynn. — Calma, rapaz. Ninguém aqui quer machucá-lo.


Daqui a pouquinho você estará lá no meio dos seus amigos, livre... e nós também. -
sentindo a presença de Tate às costas dele, a não mais de dois metros, Flynn
prosseguiu: — Prepara-se Tate. No instante em que você abrir o portão, Grady e eu
correremos para a cerca. Vamos esperar que o bicho ataque o portão em vez de nos
atacar.
Tate empalideceu. Se o plano não desse certo, Flynn e Grady estariam de
costas, inteiramente à mercê dos chifres do touro.
— Tem certeza de que não existe outra saída...
— Se existe, doçura, eu ainda não fui informado disso. Grady, vou contar
até três e sairemos correndo, está certo?
— Pode começar a contar. - respondeu o outro.
— Aqui vamos nós. Um... dois... três!
Tate deu um safanão no portão, abrindo-o ao mesmo tempo que os dois
homens giravam nos calcanhares e disparavam para a cerca, cada um para um lado.
Confuso, Lúcifer não soube para que lado correr. E aquilo o deixou ainda mais en-
furecido. Subitamente, sem nenhum aviso, ele partiu para o ataque.
Abaixando a cabeça, saiu como uma flecha na direção do corredor, como se
quisesse cumprir à risca o plano de Flynn. Segundos antes de atravessar-o portão,
porém, virou a cabeça e atingiu Grady com os chifres.
— Oh, Deus, não! - gritou Valeíie, enquanto o animal desaparecia pelo
corredor. — Você o matou! Está ouvindo, Flynn Rawlings? Você o matou!
Tate, que já estava ao lado de Grady, voltou para ela o rosto enfurecido.
— Se disser mais alguma coisa, Valerie Jones, juro que serão suas últimas
palavras. Se quer culpar alguém por este desastre, dê uma boa olhada em si mesma!
Agora, se é que serve para alguma coisa, vá logo chamar uma ambulância.
Sem esperar para ver se a mulher seguia as instruções, Tate voltou-se
outra vez para Grady. Quase ao mesmo tempo Flynn ajoelhou-se ao lado dela.
— Como ele está?
— Nada bem. - respondeu o próprio Grady, deitado de costas no chão,
muito pálido e com o rosto sujo. — Está doendo como o diabo.
Rezando para que ele não estivesse realmente tão mal quanto parecia, Tate
resolveu brincar.
— Pare de se lamentar. Caso não tenha reparado, era com um touro que você
estava brincando de pega-pega. Devia agradecer por estar apenas com alguns
arranhões.
Vendo o sangue que escorria da coxa do homem, Flynn rapidamente tirou a
camisa. Os movimentos bruscos provocaram dor nas costelas, o que o fez soltar um
gemido.
— É isso mesmo - ele acrescentou, enquanto usava a camisa como torniquete

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

na perna de Grady. — Imagine só se aquele monstro enraivecido não gostasse mesmo


de você. A esta altura haveria no seu lugar um monte de ossos quebrados.
Com o suor escorrendo no rosto sem cor, Grady fez uma careta quando
sentiu a improvisada bandagem apertando a coxa.
— E, eu tenho uma sorte danada. - ele também brincou, com um sorriso
forçado, ao mesmo tempo que voltava os olhos para Flynn. — Espero que me desculpe,
homem. Eu sabia que Valerie queria de qualquer jeito me ver campeão, mas nunca
imaginei que ela pudesse ir tão longe.
— Não se preocupe com isso agora. - recomendou Flynn. — Economize suas
forças.
— Eu devia ter percebido. - insistiu o homem caído, aparentemente tendo
que se esforçar para pronunciar as palavras. — Quando descobri que os horários que
ela me deu para o rodeio em Golden estavam errados, achei que tinha sido apenas um
engano.
— Mas não se preocupou em alertar Flynn disso. - lembrou Tate, com os
olhos azuis fuzilando.
— Quando descobri o que Valerie tinha feito já era tarde demais. Não
consegui encontrar Flynn em lugar nenhum.
— E quando a minha correia foi cortada? - inquiriu Flynn, enfurecido só de
pensar naquilo. — Está querendo dizer que também não sabia de nada?
— Só comecei a desconfiar quando David Hartfield apareceu fazendo
perguntas, depois que você partiu para o Novo México. - via-se claramente que o
homem estava com todos os músculos do rosto contraídos, e não era por causa da dor
física. — Eu não queria acreditar que Valerie pudesse ser capaz de fazer aquele tipo
de coisa e procurei me convencer de que a culpa cabia a alguma outra pessoa. Nem
perguntei nada a ela... talvez para não me decepcionar. Sei que foi uma estupidez
enorme, mas... eu amo aquela mulher.
No mesmo instante reapareceu a ruiva, seguida por dois guardas de
segurança.
— Oh, Grady, desculpe-me! - ela exclamou, abaixando-se para deitar a
cabeça no peito, do namorado. — Eu não queria que... que ninguém saísse ferido. Só...
só queria que... que você vencesse.
Depois disso ela desatou num choro convulsivo, abraçada a Grady. Passando
os braços por cima dos ombros agitados da namorada, ele olhou outra vez para Flynn,
no instante em que soou ao longe a sirene de uma ambulância.
— Não posso me opor se você quiser chamar a polícia. - declarou o homem
ferido. — É seu direito. Afinal de contas, poderia estar morto.
A dor que sentia nas costelas era suficiente para que Flynn considerasse
aquilo a mais absoluta verdade. Ele poderia estar caído ali no chão, com o sangue
escorrendo, e ninguém o censuraria se não tivesse misericórdia com Valeria Afinal de

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

contas, que tipo de misericórdia havia guiado as ações oela?


Tate mexeu-se ao lado dele e Flynn sentiu que ela o observava. Fosse qual
fosse a decisão que tomasse, tinha a mais plena certeza de que ela o apoiaria. No
mesmo instante a decisão foi tomada. Tudo o que ele queria era ver-se finalmente
livre daquela situação absurda... e sozinho com Tate.
— Acho que isso não vai ser necessário. - declarou Flynn, enquanto a
ambulância parava bem na entrada da arena. — E acho melhor que você seja levado
logo para o hospital, antes que suje toda a arena de sangue.
Quinze minutos mais tarde, Tate acendeu a luz no interior da parte
habitável da pick-up e mandou que Flynn se sentasse ao lado da pequena mesa
enquanto ela ia buscar o estojo de primeiros socorros no banheiro.
— Ainda acho que você devia ter deixado que os paramédicos o
examinassem antes de levarem Grady para o hospital. - ela resmungou quando se
inclinou sobre ele. Enquanto ensopava uma boa quantidade de algodão num líquido anti-
séptico, olhou rapidamente para Flynn e advertiu: — Isto vai doer.
Ao primeiro togue do algodão Flynn se encolheu, mas estava gostando muito
da proximidade dela para tentar fugir. Contemplando os cabelos loiros que Tate
balançava enquanto desinfetava as feridas, ele se lembrou dos terríveis minutos que
havia passado no, interior da arena. Estivera muito perto da hora da verdade, e era
impressionante o que havia descoberto: um homem tornava-se capaz de pensar com
absoluta clareza quando via a morte de perto. De um instante para outro, ele havia
descoberto o que queria da vida.
Tate. Era ela tudo o que ele precisava, tudo o que queria. Naquele momento,
cuidando ternamente das feridas dele enquanto o repreendia, ela era o começo e o fim
de todos os sonhos de Flynn, que não conseguia parar de olhá-la, dominado que estava
de uma intensa emoção. Como podia ter demorado tanto para perceber o que tinha
bem diante do nariz? Ele a amava.
E como aquilo podia ter acontecido? Flynn havia jurado que não se
submeteria à aquela palavra de quatro letras, tomando o cuidado de deixar isso bem
claro para toda mulher que se aproximava dele. A verdade era uma só: Tate Baxter só
havia precisado torcer aquele narizinho arrebitado, como se estivesse dispensando a
coisa mais sem importância sobre a face da Terra, para que ele se apaixonasse
perdidamente por ela. Deus... os irmãos passariam o resto da vida caçoando dele.
Movendo os lábios num leve sorriso ao ter aquele último pensamento, Flynn
estendeu a mão para afastar uma mecha loira que insistia em cair nos olhos dela. Tate
reagiu ao primeiro toque, ficando tensa, e ergueu os olhos para ele. Flynn juraria que
agora o coração dela batia no mesmo ritmo do dele.
— Sabe... eu tive algum tempo para pensar enquanto estava sozinho com
Lúcifer na arena. - ele declarou, numa voz grave e um tanto trêmula, embora houvesse
pretendido falar com toda naturalidade. Será que havia alguma fórmula para que um

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

homem conseguisse declarar seu amor a uma mulher com palavras medidas? — Foi uma
experiência muito esclarecedora.
Ele mantinha a mão estendida, acariciando a região por trás da orelha dela, o
que fez com que Tate sentisse a boca seca.
— Se estivesse no seu lugar, eu não conseguiria pensar em outra coisa que não
fosse sair correndo dali. - ela respondeu. A visão de Lúcifer voltando-se para Flynn
apontando aqueles chifres enormes e mortais, a deixou transtornada. De um instante
para outro todo o corpo de Tate tremia. — Você... você podia estar morto, Flynn.
— Ei, mas o que é isso? - ele a repreendeu, sentando-a no colo e usando o
polegar para afastar a lágrima que escorreu pela face dela. Depois, murmurando
palavras doces, beijou-a ternamente. — Está tudo bem agora. Oh, Deus... eu a amo.
Não chore, meu bem. Não acontecerá nada mais de errado.
Foi só quando ela se afastou um pouco, abrindo muito os olhos cheios de
lágrimas, que eles se deram conta do que ele acabava de dizer. Então Flynn sorriu,
meio sem jeito.
— É... você ouviu direito. Eu a amo. E pode acreditar no que estou dizendo: só
percebi isso quando estava olhando nos olhos daquele demônio, Lúcifer.
Tate teve que rir.
— Ah, Flynn!
— Eu sei... é engraçado. - ele disse, também rindo e segurando o rosto dela com
as duas mãos. — Veja se era hora para isso! Eu só pensava em sair logo dali para
contar a você o que havia descoberto. - então Flynn ficou subitamente sério e com os
olhos tomados pelo desejo, os dedos agora acariciando a nuca da mulher a quem se
declarava como se não pudesse parar de tocá-la. — Eu a amo demais. Acredite em mim,
doçura, porque nunca cheguei perto de dizer isso a qualquer outra mulher. Sou louco
por você e nada fará com que isso mude, jamais.
Antes que Tate pudesse responder ele a beijou, dizendo sem palavras que
nada no inundo de Deus poderia levá-lo a desistir dela.
— Eu o amo, Flynn. - declarou Tate, com os lábios ternamente encostados
nos dele. — Nunca vou saber dizer o quanto o amo.
— Então apenas me mostre. - ele sugeriu, com aquele sorriso que/ra uma
tentação.
Era um desafio a que ela não podia resistir. Com a boca ainda bem perto da
dele, Tate melhorou a idéia.
— Na minha cama. Quero ficar com você na minha cama. Flynn riu com
satisfação.
— Meu Deus! Que mulher agressiva!
Tate também riu enquanto eles dois se levantavam.
— Pois pode acreditar que serei sempre assim. - ela prometeu, agora com um
sorriso cheio de sedução, enquanto segurava nas mãos dele para levá-las aos botões da

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

blusa que estava usando.


Flynn ainda estava ocupado com o primeiro botão quando Tate segurou no zíper
da calça dele. No instante seguinte, o botão se soltou da blusa e caiu no chão. Tate
levou um susto e ele riu novamente.
— Eu ainda não lhe disse que tenho um problema para controlar os movimentos
quando estamos nos tocando? Abra o zíper da minha calça, doçura.
A intenção de Tate tinha sido abrir o zíper bem devagar, num gesto bem
provocante, para fazê-lo sentir realmente o descontrole que ele acabava de confessar.
No entanto, Flynn não estava com nenhum problema desse tipo. Afastando as mãos
dela, abriu o zíper para rapidamente tirar a calça e a cueca. Logo depois ajudou-a a
despir-se. Segundos mais tarde, com as luzes apagadas, estavam os dois na cama por
cima da cabine da pick-up.
Tate pôs mãos à obra, decidida que estava a deixá-lo realmente
descontrolado. Precisou apenas de dois segundos, nada além disso. Bastou que ela
corresse a mão pelo tórax nu de Flynn e alcançasse a região onde estava a expressão
do desejo dele. Instantaneamente o homem terno de segundos antes se deixou
dominar pelos instintos mais primitivos.
O fogo se espalhou no mesmo instante, queimando-a por fora e por dentro.
Presa defuma indescritível alegria, Tate mexeu a cabeça em busca de ar.
— Flynn!
— Estou aqui, doçura. - ele garantiu, num tom rouco, pressionando as costas dela
contra os travesseiros. — Sempre estarei aqui.
Então ele a beijou demoradamente, como se pudesse passar o resto da vida
fazendo aquilo, como se jamais pudesse se saciar dela, como se precisasse de toda a
eternidade para beijá-la e amá-la.
A certa altura ergueu a cabeça, mas apenas para dizer o quanto ficava feliz ao
vê-la sorrir, como ficava encantado ao vê-la caminhar mexendo as ancas, enumerar
tudo que o deixava tonto de desejo... o calor, a maciez, o cheiro, o sabor do corpo dela.
Flynn a deixou sem fôlego, tonta de desejo, apenas com palavras e toques com
as mãos. E isso bem antes de penetrá-la. Com a boca, a língua e os dentes, explorou a
pele macia dos seios dela, desceu pela barriga plana e alcançou a região entre as
coxas, experimentando o fogo que a queimava.
Embora conseguisse apenas gemer palavras desconexas, Tate sabia o que ele
estava fazendo. Em vez de dar a ela a oportunidade de dizer o quanto o amava, era ele
quem fazia isso. Afirmava que havia esperado por ela a vida inteira, sem ao menos
saber disso. Mas agora sabia. Eles pertenciam um ao outro. Sempre pertenceriam.
Lágrimas de alegria rolavam pelas faces de Tate quando ele finalmente a
penetrou, bem devagar. Então eles entrelaçaram os dedos de ambas as mãos e
passaram a se mover em perfeita sintonia. Ao ver o sorriso que agora iluminava o rosto
dela, Flynn teve certeza de que não poderia haver prazer maior que o de proporcionar

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Clássicos Românticos 36 Um homem irresistível Linda Turner

prazer à mulher amada. Eles ainda sorriam quando alcançaram o êxtase, de uma forma
absolutamente sublime.
— Case-se comigo.
Sentindo um sobressalto quando ainda tinha o corpo mole por causa do
amor, Tate achou que não havia escutado direito aquelas palavras murmuradas perto
do pescoço dela. No entanto, quando Flynn ergueu a cabeça para olhá-la, ficou evi-
dente que entendia a importância do que acabava de dizer, porque estava muito sério.
Incapaz de esconder a surpresa, ela ergueu a mão trêmula para afastar a
mecha de cabelo preto que caíra na testa dele, sentindo uma onda de alegria diferente
de tudo o que já havia experimentado. Antes que ela pudesse dar qualquer resposta,
porém, Flynn interpretou mal aquele silêncio e voltou a falar.
— Sei que você já está com o seu futuro traçado e não tenho a menor intenção
de interferir nisso. Acho admirável a sua decisão de cursar a escola de medicina, mas
não vejo em que isso poderia interferir no nosso casamento. Se ainda pensa que eu
posso acabar me revelando um tratante igual ao pai de Haily...
Tate encostou a ponta do dedo nos lábios dele, obrigando-o a se calar.
— Eu não tenho esse medo. - ela garantiu, enfática. — Estava enganada quando
o acusei disso... Tinha muito medo de sair ferida outra vez.
Flynn segurou na mão dela, acariciando-a com os dedos.
— Eu sei, meu bem, e compreendo. Mas você precisa saber que eu jamais
irei feri-la. Eu a amo. Meu Deus... O amor que sinto por você é muito grande. Nós
pertencemos um ao outro. E, na minha terra, há um costume que ainda está na moda:
quando um homem e uma mulher se amam, isso sempre resulta em casamento...
— Sim.
— Você está pensando em Haily, naturalmente. Mas qualquer um pode ver
que eu sou louco por aquela... - subitamente dando-se conta da palavra que ela havia
pronunciado, Flynn ergueu as sobrancelhas. — Você disse que... sim?
— Sim?
— Isto é, disse que sim... que se casará comigo?
Ele estava tão nervoso que Tate teve que rir. Será que aquele era o mesmo
peão de rodeio que ela havia conhecido algum tempo antes, o homem charmoso que
havia se aproximado dela na pista de dança certo de que mais uma presa iria cair em
seus braços?
— Quer que eu faça uma declaração por escrito?
— Vou querer por escrito, sim, senhora. - respondeu Flynn, beijando-a
antes de abrir um enorme sorriso. — Quero um contrato assinado por nós dois e
registrado em cartório, tudo muito direitinho.
— Eu também. – garantiu Tate, também sorrindo, enquanto o puxava para
mais um beijo. — Só para afugentar aquelas mulheres que o perseguem, achando que
ainda está livre como um passarinho, quero que todos... e todas saiba que a história

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agora é diferente. Você me pertence, Flynn Rawlings. Não se esqueça disso! – e como
se quisesse se justificar. — Mas eu pensei que também quisesse o título mundial.
Flynn afastou os cabelos dela para beijá-la na testa, nas sobrancelhas e no
nariz. Houvera tempo em que ele queria o título mundial mais do que tudo na vida, mas
isso tinha sido antes de conhecer aquela mulher adorável. Deus, como a amava!
— E eu quero o título. - ele garantiu. — Mas agora isso não tem tanta
importância. Os meus trabalhos com madeira têm me dado mais satisfação... e mais
dinheiro do que já obtive nos rodeios.
Tate sorriu ao ouvir aquilo.
— Sydney continua a incentivá-lo, não é? Isso não me surpreende. Ela só
ficaria mais feliz se você produzisse aquelas peças entalhadas numa velocidade duas
vezes maior. - nesse ponto ela ficou séria. — Não está aborrecido porque eu tenho que
voltar para a escola e não posso acompanhá-lo, não é? Sei o quanto você quer competir.
— O que eu quero é você. - declarou Flynn, voltando a beijá-la para aplacar um
pouco do desejo que agora era muitas vezes mais forte. — Por que vou querer tanto
sair por aí atrás de uma fivela de ouro quando posso abraçar todas a noite o prêmio
maior da minha vida, na minha própria cama? É aqui que tenho o que mais quero. -
então ele levantou um pouco a cabeça e olhou para ela com as sobrancelhas erguidas,
as covinhas aparecendo nas faces em consequência do meio sorriso que dançava nos
lábios dele. — Mais alguma pergunta, sra. Rawlings?
Com o coração transbordante de felicidade, Tate passou os braços por trás dos
ombros dele para reivindicar tudo a que tinha direito.
— Nenhuma pergunta, peão. Nenhuma mesmo.

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