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Quatro em cada dez das 726 mil pessoas presas no Brasil não foram
condenadas pelo Judiciário. Esses 292 mil homens e mulheres são os presos
provisórios, que foram encarcerados no sistema prisional, mas ainda aguardam
julgamento. A informação é do novo relatório do Infopen, o Sistema Integrado de
Informações Penitenciárias, divulgado nesta sexta-feira 8 pelo Ministério da
Justiça. A quantidade de presos provisórios no Brasil tem variado pouco
recentemente. No levantamento do Infopen de junho de 2014, essa população
representava 41% do total. Em dezembro do mesmo ano, representava 40%.
Em dezembro de 2015, as pessoas sem julgamento somavam 37% do total.
Historicamente, o Brasil tem uma taxa de presos provisórios alta. De 2000
a 2004, a taxa caiu de 35% para 22% do total, mas desde então vem crescendo:
26% em 2004, 32% em 2009 e, agora, 40%. Por estado, a quantidade de presos
sem condenação varia bastante. As unidades da federação com as maiores
taxas são Ceará (66%), Sergipe (65%) e Amazonas (64%), enquanto Roraima
(17%), Amapá (23%) e Distrito Federal (24%) têm as menores taxas. Entre os
mais populosos, a Bahia e Minas Gerais têm as maiores taxas (58%), o Rio de
Janeiro tem 40% e São Paulo, 32%.
Em termos de percentual de presos sem condenação com mais de 90 dias
de aprisionamento, a pior situação é de Sergipe, em que 100% dos presos estão
nessa situação. Alagoas (91%) e Paraná (84%) aparecem na sequência. Na
melhor situação estão Rio de Janeiro (6%) e Distrito Federal (24%).
Em 2015, CartaCapital publicou reportagem sobre estudo do Centro de
Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) que examinou 1.330 casos de
pessoas presas em flagrante e acusadas de tráfico de drogas no Rio de Janeiro.
A pesquisa revelou excesso e uso indevido de prisões provisórias, o que gera
um grande peso para o orçamento, um enorme custo humano e agrava o caos
carcerário.
População carcerária cresce 19,5% em dois
anos e chega a 726 mil pessoas
por Beatriz Drague Ramos e José Antonio Lima — publicado 08/12/2017 11h17, última modificação 08/12/2017 12h54
Entre junho de 2014 e junho de 2016, 118 mil pessoas foram parar no sistema
prisional brasileiro. Há praticamente dois presos para cada vaga
O mineiro A.M.P. foi preso em flagrante em 2013 ao tentar furtar uma moto
no Rio de Janeiro. Dois anos antes, entrara em vigor uma lei que estimula os
juízes a aplicar penas alternativas, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica ou
o pagamento de fiança. A ordem de prisão, supunha-se, deveria ficar reservada
a situações mais graves. Para A.M.P., não adiantou. Por ser réu primário e não
ter antecedentes, a promotoria sugeriu uma punição inicial branda, mas a juíza
condenou-o a 12 meses de prisão preventiva, sob o argumento de evitar
ameaças à sociedade, até a decisão final sobre o caso. O rapaz foi solto em
2014 e hoje mora em local incerto, o que impede sua intimação para um
julgamento no qual o Ministério Público propõe anular todo o processo.
A história de A.M.P. é ilustrativa de uma epidemia que tomou conta do
Brasil nos últimos anos. O País ficou viciado em prender e faz pouco caso de
outras soluções, talvez mais produtivas e inteligentes, situação que já causa
desconforto em autoridades. Entre delegacias e presídios, os cárceres
brasileiros amontoavam 581 mil detentos em dezembro de 2013, último dado
oficial disponível. Segundo estimativas extraoficiais, no fim de 2014 esse total já
havia ultrapassado os 600 mil, entre condenados e réus à espera de julgamento.
É a quarta maior população prisional do planeta, atrás de Estados Unidos, China
e Rússia. E cresce em ritmo alucinante. De 1995 a 2010, subiu 136%, porcentual
abaixo apenas daquele registrado na Indonésia (145%). No ritmo atual,
o Brasil chegará ao bicentenário de sua independência com 1 milhão de
reclusos.
O que para alguns parece boa notícia não justifica festejos. O fantasma
da cadeia como punição não tem conseguido conter os assassinatos, o crime
mais danoso que se pode cometer. O País é recordista mundial em homicídios,
cerca de 60 mil por ano. O número só aumenta, apesar do encarceramento
massivo. Foram 37 mil mortes em 1995, 45 mil em 2000 e 56 mil em 2012, último
dado conhecido. “Estamos naturalizando o superencarceramento no Brasil e isso
é preocupante. Prendemos muito e errado. O sistema não consegue se
concentrar nos crimes contra a vida”, diz o diretor do Departamento Penitenciário
Nacional, Renato de Vitto.
Uma parcela ínfima, 12%, está presa por assassinato. O índice de resolução
desse tipo de crime é ridículo, entre 5% e 8% dos casos. O latrocínio, roubo com
morte, representa 3%. O grosso da massa carcerária é formado por criminosos
menos agressivos. Roubo e tráfico de drogas representam cada um 26%. Há
ainda 14% por furtos (roubo sem violência) e 20% de casos considerados leves.
O sistema é um sumidouro de verbas. Entre presídios e unidades
socioeducativas, em 2013 foram gastos 4,9 bilhões de reais, segundo o
último Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A despesa média com cada
preso, informa o Depen, situa-se entre 2,5 mil e 3 mil reais por mês (valor
aproximado do investimento anual com alunos da rede pública).
Os gastos não dão conta, porém, da sanha encarceradora. São necessárias 216
mil vagas novas para acomodar em condições decentes a massa hoje presa.
Sem isso, assistem-se à superlotação das cadeias e a um ciclo vicioso. Do jeito
que as cadeias brasileiras estão – lotadas, sem controle do poder público e
entregues ao domínio do crime organizado –, não resta dúvida, dali ninguém sai
melhor, só pior. “Presídio é um ambiente criminógeno. Prender deveria ser
exceção, não regra”, defende o juiz Luís Geraldo Sant’ana Lanfredi, coordenador
do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do
Conselho Nacional de Justiça. “O sistema é medieval. Nele não existe nenhuma
possibilidade de ressocialização”, afirma Maria Laura Canineu, diretora no Brasil
da Human Rights Watch, entidade que há um mês divulgou um relatório sobre a
caótica situação no País.
O complexo penitenciário de Curado, no Recife, é o exemplo mais recente
do risco de o encarceramento lotar as cadeias e estas se transformarem em
escolas de crime. O governo de Pernambuco enfrenta uma rebelião desde o
início do ano, motivada pela superlotação. O local tem capacidade para 2 mil
detentos, mas abriga quase 7 mil. Na fúria intramuros, não faltaram foices,
facões e barbárie. O preso Marco Antonio da Silva, de 52 anos, foi decapitado
pelos colegas.
É sintomático que a crise tenha eclodido em Pernambuco. O estado
apostou nas prisões em massa no combate ao crime. Sob o comando do falecido
Eduardo Campos, criou-se o programa Pacto Pela Vida, para coibir
assassinatos. De lá para cá, a população carcerária triplicou. Soma hoje 31 mil.
Suas cadeias aguentam, porém, não mais que 11 mil detentos. A situação ficou
tão crítica que o governo tem repensado sua estratégia. “É importante adotarmos
mais as penas alternativas, para os jovens não serem capturados por quadrilhas
nos presídios”, especula Pedro Eurico, secretário estadual de Justiça.
A tornozeleira eletrônica, de monitoramento por GPS, é uma opção.
Segundo estimativas, 21 mil estão em funcionamento e outras 30 mil, prontas
para uso. É uma opção mais econômica também. Custa 10% das despesas com
encarcerados. Prisão domiciliar é outro caminho, percorrido por 147 mil presos.
Uma lei de 2011 tentou estimular a aplicação de medidas alternativas. Em vão,
pelo que indicam as estatísticas.
A explicação talvez esteja na “cultura do encarceramento”, apontada
recentemente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo
Lewandowski, como um dos “problemas mais sérios” do Judiciário. Nunca um
chefe da mais alta Corte do País havia se pronunciado assim sobre o tema, nem
perante colegas de toga. A manifestação pública deu-se no lançamento de um
programa-piloto que tentará “quebrar” essa “cultura”.
Desde a terça-feira 24, o Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, o maior
da América Latina, passou a realizar as chamadas audiências de custódia.
Presos em flagrantes têm de ser levados pela Polícia Civil a um juiz em até 24
horas após a detenção. Normalmente o suspeito espera em uma delegacia de
100 a 120 dias, antes do tête-à-têteem São Paulo. Nas audiências, uma equipe
de nove juízes faz uma primeira triagem. Com base nos antecedentes do
acusado, no relato da polícia e na versão do preso, decide se há razões para
uma prisão até o processo ser julgado ou se podem ser aplicadas alternativas.
O procedimento está previsto em tratados internacionais e busca prevenir
sobretudo a tortura. Um efeito colateral positivo poderia ser o desestímulo ao
encarceramento. Ao menos na expectativa de Lewandowski, pois a decisão não
será tomada só com base em papéis.
Uma experiência pioneira no Maranhão levada adiante após a crise em
Pedrinhas, no verão passado, sugere que a iniciativa pode dar algum resultado.
Relatório concluído em janeiro contém um balanço de 84 audiências realizadas
entre outubro e dezembro. Desse total, 48,8% terminaram sem ordem de prisão.
Para o juiz autor do relatório, Fernando Mendonça, o resultado foi positivo. Como
as prisões maranhenses estão dominadas pelo crime organizado, é benéfica a
seletividade no encarceramento e a separação entre quem é perigoso e quem
praticou um crime ocasional ou episódico. Se as audiências forem adotadas
como regra no País, escreveu Mendonça, “ficará para trás o estigma das prisões
abundantes, inúteis e de qualidade técnica duvidosa”.
Estudo aponta para excesso e uso indevido de prisões provisórias por tráfico.
Ao final do processo, apenas 45% dos presos provisórios foram presos
A situação prisional brasileira é caótica, com frequentes violações dos
Direitos Humanos, baixa reinserção social e uma expansão em ritmo acelerado
do número de pessoas presas, o que alça o Brasil à condição de quarto país que
mais encarcera no mundo.
Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) revelam que os fatores
que mais contribuem para este rápido crescimento são uma legislação incapaz
de diferenciar o consumo e o tráfico de drogas (crime que mais prende no País)
e o alto número de presos provisórios (41%), aqueles que ainda não
foram julgados e aguardam presos.
O estado do Rio de Janeiro é simbólico desta realidade. De cada quatro
réus acusados de envolvimento com o tráfico de drogas no Rio, três ficaram
presos provisoriamente enquanto aguardavam julgamento em 2013. No entanto,
apenas 45% deles foram condenados a uma pena de prisão. Isso significa
que em mais da metade dos casos as prisões preventivas foram indevidas.
Os dados são de um estudo do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania
(CESeC), que examinou 1.330 casos de pessoas presas em flagrante e
acusadas de tráfico de drogas no Fórum da Comarca do Rio de Janeiro.
Segundo o levantamento, se estas detenções desnecessárias fossem evitadas,
cerca de 8 milhões de reais seriam poupados do bolso dos contribuintes
cariocas. Este montante é o suficiente para custear mais de 15 mil alunos do
ensino fundamental no estado.
Outra razão para que detentos provisórios fiquem mais de 220 dias presos
à espera do julgamento é a falta de estrutura da Defensoria Pública no estado.
Entre os casos estudados, dois em cada três réus foram assistidos por um
defensor público. O tempo médio para a primeira intervenção da defesa, no
entanto, foi de 50 dias.
"O réu demora muito tempo para se encontrar com o defensor, no Rio de
Janeiro, e quem precisa deste serviço são pessoas pobres que não têm nem
clareza de seus direitos", ressalta Lemgruber. Prova disso é que cerca de 97%
desses presos não contavam com nenhuma assistência jurídica no momento em
que o auto de flagrante foi lavrado na delegacia. Estes dados demonstram a
necessidade do estado fluminense investir na contratação de mais defensores
públicos e na estruturação do órgão a fim de garantir o direito de defesa, previsto
em lei. "É preciso estruturar a defensoria para que ela tenha mais defensores e
para que possa contar com o auxílio de outros profissionais, como um assistente
social, por exemplo", afirma a coordenadora.
"Muitas pessoas são presas na rua, sem documentos, e a defensoria não
entra com o pedido de liberdade provisória porque falta documentação. Não
basta aumentar o número de defensores é preciso contar com outros
profissionais que vão às ruas coletar documentos, buscar a família e contatar
testemunhas", explica.
Mais investimentos
De acordo com Almeida, os resultados do Infopen ajudam a direcionar as
políticas públicas para o sistema prisional e na correta aplicação dos recursos
financeiros, tanto da União quanto dos estados. O levantamento, em breve, será
substituído pelo Sistema de Informações do Departamento Penitenciário
Nacional (SisDepen), que vai coletar informações padronizadas e mais eficazes
sobre a situação dos presídios.
Segundo o diretor-geral, o Depen está investindo em políticas públicas
que qualifiquem a porta de entrada, de saída e as vagas do sistema, de forma a
propiciar um “ambiente prisional mais humano”. Almeida disse que o Depen
aplicará mais recursos em políticas de monitoramento eletrônico (tornozeleiras)
e de alternativas penais, para penas diferentes da privação de liberdade, além
de intensificar a implementação das audiências de custódia junto ao Poder
Judiciário. Além disso, as políticas com os egressos do sistema prisional serão
expandidas para que eles voltem a trabalhar.
O governo federal também continuará investindo na reforma, ampliação e
construção de unidades prisionais para que mais vagas sejam ofertadas. Serão
investidos recursos para módulos de saúde, educação e outros tipos de
ambientes “para que as pessoas possam cumprir as penas com maior respeito
à sua dignidade”.
Em dezembro de 2016, o Ministério da Justiça liberou R$ 1,2 bilhão aos
estados, do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), para construção de
presídios e modernizar o sistema penal. A medida veio após a edição da Medida
Provisória (MP) 755, permitindo a transferência direta de recursos do Funpen
aos fundos estaduais e do Distrito Federal. Em agosto de 2015, o Supremo
Tribunal Federal decidiu que as verbas do fundo não podem ficar com saldo
acumulado. A decisão obrigou o Executivo a liberar o saldo acumulado do
Funpen.
Segundo Almeida, com a aprovação da MP que alterou a Lei
Complementar 79/94, esse ano o Depen vai repassar até 75% do Funpen; 10%
desse total aos municípios (para políticas de reintegração social) e 90% aos
estados, além das transferências voluntárias. O diretor-geral do Depen não
soube precisar os recursos que serão distribuídos até 31 de dezembro.