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Evolução favorável do tratamento de epilepsia com uso de

Cannabis Medicinal: um relato de caso

4º Curso Livre Sobre Cannabis Medicinal


Nome do Aluno – Diego Rafhael Soares Carvalho Feitosa
Médico Neurologista – Secretaria de Saúde do Estado do Ceará
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SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO.......................................................................................................2

2 - RELATO DE CASO.................................................................................................4

3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................6

4 – REFERÊNCIAS......................................................................................................7
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1 INTRODUÇÃO

A epilepsia é uma das mais frequentes patologias neurológicas que


acometem adultos jovens no mundo. Caracteriza-se pela ocorrência espontânea e
recorrente de episódios breves ou prolongados de atividade neuronal excessiva,
devido a um estado de hiperexcitabilidade neuronal e hipersincronia (1). Essas
alterações nas descargas neuronais geram crises, que podem ser localizadas,
compreendendo um dos hemisférios cerebrais (crises parciais ou focais) ou difusas,
quando ambos os hemisférios são atingidos (crises generalizadas).

As crises podem se manifestar de diferentes maneiras, dependendo do


estado de consciência do indivíduo e do comprometimento do hemisfério afetado (2).
O tratamento farmacológico das epilepsias objetiva interromper as crises através da
administração de fármacos anticonvulsivantes (3). Atualmente, diversos fármacos
estão disponíveis para o tratamento de pacientes com epilepsia. Apesar desse
arsenal terapêutico, não houve grande avanço em relação à eficácia terapêutica
considerando os pacientes refratários à medicação (4).

Portanto, há uma demanda para o desenvolvimento de novos fármacos


anticonvulsivantes que sejam mais eficazes no tratamento de casos refratários e
tenham um perfil de segurança aceitável (4). Nesse cenário, os derivados
canabinóides estão ganhando espaço, uma vez que apresentam um mecanismo de
ação distinto dos fármacos anticonvulsivantes convencionais e parecem ter efeitos
colaterais bem tolerados pelos pacientes (5,6).

Entre os canabinóides presentes na Cannabis, o mais estudado é o


canabidiol (CBD), devido à sua propriedade anticonvulsivante e, especialmente, pela
ausência de efeitos psicotomiméticos e risco de desenvolvimento de dependência
típicos do Δ-9-tetraidrocanabinol (THC) (5).

Os extratos padronizados com alto teor de CBD têm se mostrado eficazes na


redução da frequência e severidade das convulsões, particularmente em crianças
com tipos raros de epilepsia que são refratárias à farmacoterapia convencional (5, 6,
7).
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Essas evidências têm motivado a regulamentação do uso clínico,


particularmente de extratos padronizados contendo CBD e THC, para o tratamento
de casos graves de epilepsia no Brasil (7).
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2 RELATO DE CASO

Paciente masculino, 15 anos, natural de Tauá-CE, com diagnóstico de


epilepsia, desde os 11 anos de idade, com crises recorrentes, de natureza afebril, e
que eram predominantemente parciais com alterações comportamentais e
automatismos motores. Em média, apresentava duas a três crises ao dia, apesar de
toda a terapêutica instituída. Crises que, diante de sua ocorrência, comprometiam o
funcionamento global do paciente, causando prejuízos em suas relações sociais,
educacionais, esportivas e, de forma bem contundente, oferecendo riscos à saúde e
à integridade física do mesmo.

A terapêutica instituída, desde o início das crises e da conclusão diagnóstica,


já tinha sido realizada com vários fármacos, inicialmente isolados ou em associação.
Dentre esses podemos citar (em ordem de uso): Fenobarbital (FNB)100mg ao dia
(inicialmente isolado), Fenitoína (FNT) 300mg ao dia (associado ao uso do FNB) e
Carbamazepina (CMZ) 1200mg (associado a FBT, FNT e CMZ) sem controle efetivo
das crises e apresentando efeitos colaterais associados ao uso das medicações,
como irritabilidade, náuseas e queixa de diminuição da concentração, memórias e
atenção (9). O último esquema terapêutico era composto por Ácido Valpróico 3g,
Topiramato (TMT) 300mg e Lamotrigina (LMT) 200mg ao dia, todos em associação.
Mesmo em politerapia com as referidas medicações, o paciente continuava a
apresentar repetidas crises e até mesmo relato de aumento do número de episódios,
em algumas ocasiões, com ocorrências de convulsões generalizadas, de padrão
motor tônico-clônico, além das queixas de sucessivas procuras aos serviços de
emergência para controle dos eventos epilépticos.

Os pais do paciente, diante do quadro e da evolução desfavorável, apesar de


toda terapêutica instituída, avaliaram o uso do ‘’óleo da maconha” como uma
possibilidade para abrandar as crises e, de certa forma, como ‘’um último recurso’’
para tentar auxiliar o filho em contexto de saúde tão estigmatizante. Fizeram contato
com uma instituição que atua no Estado do Ceará e divulga o uso da Cannabis
medicinal, para coletarem informações sobre uso, legislação e como conseguir os
derivados da Cannabis para fins terapêuticos. Diante de uma associação a tal
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entidade, onde receberam informações, auxílio médico e prescrição adequada,


passaram a ministrar o óleo do canabidiol (CBD) a 5%, 45 gotas ao dia (sendo 15
gotas a cada 8 horas).

O esquema atual de tratamento do paciente engloba LMT 200mg e CBD 5%


45 gotas, administrados diariamente. O tratamento atual foi iniciado a
aproximadamente 10 meses, quando o paciente apresentava 14 anos de idade, e,
de acordo com relato de familiares, está há 08 meses sem crises. Os fármacos
foram, gradativamente, reduzidos em número e em doses, considerando-se também
que, atualmente, até a própria LMT encontra-se em diminuição gradual da dose.

Há relato de melhora global do desenvolvimento do paciente, depois de


quase 03 anos de crises epilépticas recorrentes, no tocante as interações sociais,
educacionais e na satisfação familiar por obtenção de controle efetivo das crises e
uma boa adequação do paciente ao seu contexto sócio-cultural.
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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O canabidiol possui amplo potencial terapêutico em nível do sistema nervoso


central, evidenciando uma grande importância no tratamento de diversos distúrbios
neurológicos (10), dentre os quais as crises epilépticas de difícil controle. O
reconhecido papel anticonvulsivo do canabidiol apresenta-se capaz de reduzir
significativamente as crises convulsivas de pacientes epiléticos farmacorresistentes
e polimedicados, além de evitar os irreversíveis danos cerebrais e impedir os efeitos
retrógrados no desenvolvimento de crianças e adolescentes (11).

Dessa forma, é necessário que estudos clínicos comprovados e bem


conduzidos, envolvendo um elevado número de participantes, sejam realizados
objetivando uma análise minuciosa das propriedades farmacocinéticas do
canabidiol, para que o processo de aprovação para o uso medicinal do canabinóide,
como fármaco de escolha no tratamento de epilepsias de difícil controle, seja
realizado o mais rápido possível.
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4 REFERÊNCIAS

1. French JA, Pedley TA. Clinical practice. Initial management of epilepsy. N Engl J
Med. 2008 Jul 10;359(2):166-76.

2. Fisher R, Boas W, Blume W, Elger C, Genton P, Lee P et al. Epileptic Seizures


and Epilepsy: Definitions Proposed by the International League Against Epilepsy
(ILAE) and the International Bureau for Epilepsy (IBE). Epilepsia. 2005;46(4):470-
472.

3. Dalic L, Cook M. Managing drug-resistant epilepsy: challenges and solutions.


Neuropsychiatric Disease and Treatment. 2016;Volume 12:2605-2616.

4. Perucca P, Gilliam F. Adverse effects of antiepileptic drugs. The Lancet Neurology.


2012;11(9):792-802.

5. Devinsky O, Cilio M, Cross H, Fernandez-Ruiz J, French J, Hill C et al.


Cannabidiol: Pharmacology and potential therapeutic role in epilepsy and other
neuropsychiatric disorders. Epilepsia. 2014; 55(6):791-802.

6. Leo A, Russo E, Elia M. Cannabidiol and epilepsy: Rationale and therapeutic


potential. Pharmacological Research. 2016; 107:85-92.

7. dos Santos RG, Hallak JE, Leite JP, Zuardi AW, Crippa JA. Phytocannabinoids
and epilepsy. J Clin Pharm Ther. 2015 Apr; 40(2):135-43.

8. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 17 de 06/05/2015. Disponível em


http://portal.anvisa.gov.br/legislacao. Acesso em 20 de setembro de 2016.

9. Brodie, M. J. Antiepileptic drug therapy the story so far. Seizure 2010, 19, 650.

10. Elmes, S. J.; Jhaveri, M. D.; Smart, D.;Kendall, D. A.; Chapman, V. Cannabinoid
CB2 receptor activation inhibits mechanically evoked responses of wide dynamic
range dorsal horn neurons in naïve rats and in rat models of inflammatory and
neuropathic pain. European Journal of Neuroscience 2004, 20, 2311.

11. Niesink, R. J.; Van Laar, M. W. Does Cannabidiol Protect Against Adverse
Psychological Effects of THC? Frontiers in Psychiatry 2013, 4, 1.

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