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NOTA TÉCNICA NÚMERO 795

Solicitante: Exma. Sra. Juíza Dra. Lia Sammia Souza Moreira


Vara: 09ª Vara da Fazenda Pública
Número do processo: 0202316-88.2022.8.06.0001
Tipo de solicitação: Medicamento
Data de envio da solicitação de parecer ao NAT-JUS: 03/03/2022
Data do Parecer: 12/03/2022

SUMÁRIO

TÓPICO Pág
1. Tema --------------------------------------------------------------------------------- 2
2. Considerações teóricas ---------------------------------------------------------- 2
3. Eficácia do tratamento e evidências científicas ---------------------------- 3
4. Sobre o registro pela ANVISA -------------------------------------------------- 5
5. Sobre a recomendação da CONITEC ---------------------------------------- 5
6. Sobre a presença de Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do
Ministério da Saúde ou órgão público --------------------------------------- 6
7. Dos tratamentos disponibilizados pelo SUS -------------------------------- 6
8. Custo do tratamento -------------------------------------------------------------- 7
9. Conclusões -------------------------------------------------------------------------- 8
10. Sobre as perguntas formuladas ------------------------------------------------ 8
11. Referências ------------------------------------------------------------------------- 10

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NOTA TÉCNICA

1) Tema

Avaliação tecnológica do uso dos medicamentos Canabidiol Prati Donaduzzi


200 mg/mL na dose de 0,75 mL de 12/12h, para paciente de 18 anos com epilepsia
refratária do tipo Lennox Gastaut que apresenta até 15 crises diárias de ausência e
focais a despeito do uso de lamotrigina, carbamazepina, fenobarbital e clobazam, sem
indicação de cirurgia ressectiva,

2) Considerações teóricas
A epilepsia é uma doença que se caracteriza por uma predisposição
permanente do cérebro em originar crises epilépticas e pelas consequências
neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais destas crises. Estima-se que a
prevalência mundial de epilepsia ativa esteja em torno de 0,5% a 1,0% da população.
A epilepsia está associada a uma maior mortalidade (risco de acidentes e traumas,
crises prolongadas e morte súbita), a um risco aumentado de comorbidades
psiquiátricas (sobretudo depressão e ansiedade) e a inúmeros problemas
psicossociais (perda da carteira de habilitação, desemprego, isolamento social, efeitos
adversos dos fármacos, disfunção sexual e estigma social).
As epilepsias podem ser causadas por lesões estruturais, alterações genéticas,
erros inatos do metabolismo, doenças neurocutâneas, doenças cromossômicas,
doenças mitocondriais, infecciosas, metabólicas ou autoimunes, além de condições
adquiridas ao longo da vida, como trauma, AVC e etilismo. A etiologia da epilepsia de
um determinado indivíduo pode ser “desconhecida”, devido às limitações dos métodos
de investigação.
A Síndrome de Lennox-Gastaut, também conhecida como encefalopatia
epilética da infância, é uma síndrome epilética grave que constitui 1 a 4% das
epilepsias da infância. É comumente caracterizada por uma tríade de sintomas:
epilepsia de vários padrões, retardo mental e complexos ponta-onda lentos no
eletroencefalograma. Os padrões de epilepsia mais comuns relacionados à síndrome

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são tônica axial, atônica, e de ausência, mas convulsões parciais, mioclônicas e


tônica-clônica generalizadas também são observadas.
O objetivo do tratamento da epilepsia é propiciar a melhor qualidade de vida
possível para o paciente, pelo alcance de um adequado controle de crises com um
mínimo de efeitos adversos. Os fármacos antiepilépticos são a base do tratamento da
epilepsia. Os tratamentos não medicamentosos são viáveis apenas em casos
selecionados, após a falha dos antiepilépticos.
Há diversas categorias de fármacos antiepilépticos. Deve-se buscar um
fármaco com um mecanismo de ação eficaz sobre os mecanismos de geração e
propagação específicos das crises do paciente, de forma individual. Em caso de falha
do primeiro fármaco, deve-se tentar sempre fazer a substituição gradual por outro, de
primeira escolha, mantendo-se a monoterapia. Em caso de falha na segunda tentativa
de monoterapia, pode-se tentar a combinação de dois fármacos antiepilépticos.
Poucos pacientes podem obter benefício adicional com a associação de mais de dois
fármacos, o que deve ser considerado uma conduta de exceção. O tratamento ideal
para a Síndrome de Lennox-Gastaut permanece incerto e nenhum estudo até o
momento demonstrou que qualquer droga seja altamente eficaz.

3) Eficácia do tratamento e evidências científicas

O canabidiol (CBD) é um fitocanabinoide de nome químico: 2-[ (1R,6R) -3-


metil-6-(1-metiletenil) -2- ciclohexen-1- il]-5-pentil-1,3-Benzenodiol, número CAS:
13956-29-1 e fórmula molecular: C21H30O2. O canabidiol na forma de solução oral,
conforme a disponibilidade regulatória em território nacional, não inclui em sua
composição o tetrahidrocanabinol (THC), um outro subproduto que pode ser obtido por
meio da Cannabis.

A evidência disponível de eficácia, efetividade e segurança do canabidiol em


crianças e adolescentes com epilepsia refratária a medicamentos antiepilépticos é
baseada em três ensaios clínicos randomizados (ECR), controlados por placebo, e
suas extensões abertas, que incluíram pacientes com Síndrome de Lennox-Gastaut.
Também foram incluídos seis estudos observacionais sem grupo controle e uma

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revisão sistemática com metanálise dos resultados dos ECR. Todos os estudos foram
conduzidos com o medicamento Epidiolex®. Ao todo foram incluídos 1.487 pacientes,
que tiveram acompanhamento entre 12 e 144 semanas.

Observou-se benefício estatístico em qualidade de vida (QOFCE) após três


meses de tratamento com canabidiol (diferença entre médias=8,12; desvio
padrão=9,85; p<0,001; n=48) e redução de cerca de 50% na frequência de crises
epilépticas totais por até 2 anos. Nesse período, entre 40% e 60% dos pacientes
atingiram pelo menos 50% de redução na frequência de crises epilépticas totais e
cerca de 30% dos pacientes atingem pelo menos 75% de redução. Menos de 10% dos
pacientes chegam a ficar sem crises epilépticas.

Em relação aos resultados de segurança, foram relatados 22 óbitos entre os


pacientes tratados (1,5%) por até 3 anos. Acima de 80% dos pacientes relatam
eventos adversos ao longo de 3 anos de acompanhamento, sendo os mais comuns:
sonolência, redução de apetite, diarreia, vômito e perda de peso. Outros eventos
adversos descritos são infecções, insônia, aumento do apetite, distúrbios
gastrointestinais, distúrbios respiratórios, irritabilidade, fadiga, reações de
hipersensibilidade na pele e alteração nos níveis de enzimas hepáticas. Cerca de 10%
dos casos de interrupção do tratamento ocorrem devido a eventos adversos.

O uso de canabidiol para epilepsia refratária foi avaliado pelas agências de


ATS da Inglaterra (National Institute for Health and Care Excellence - NICE), Escócia
(Scottish Medicines Consortium - SMC) e Argentina (Administración Nacional de
Medicamentos, Alimentos y Tecnología Médica – ANMAT). Após a aprovação sanitária
do medicamento Epidiolex® no Reino Unido, NICE e SMC manifestaram-se
favoravelmente à sua utilização exclusivamente para as síndromes de Dravet e
Lennox-Gastaut. A avaliação conduzida pela ANMAT considerou apenas evidências
clínicas de eficácia e segurança, concluindo por uma recomendação forte a favor da
utilização de produtos purificados de canabidiol para a síndrome de Dravet.

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O medicamento é contraindicado para pacientes com histórico de


hipersensibilidade e alergia a qualquer um dos componentes da fórmula, pacientes
usuários de drogas de abuso e crianças menores de 2 anos de idade. O uso do
canabidiol é admitido quando há uma condição clínica definida em que outras opções
de tratamentos estiverem esgotadas. O produto pode causar dependência física ou
psíquica e deve ser administrado com cautela em pacientes com contraceptivos orais,
pois pode ocasionar redução da eficácia de contraceptivos orais.

4) Sobre o registro pela ANVISA

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou no dia 15/4/2021


a autorização de dois novos produtos à base de Cannabis. Os produtos aprovados
foram soluções de uso oral à base de canabidiol nas concentrações de 17,18 mg/mL e
34,36 mg/mL, com até 0,2% de THC e, portanto, deverão ser prescritos por meio de
receituário tipo B. As autorizações, conforme solicitações da empresa, são para
importação dos produtos, fabricados nos Estados Unidos, para serem comercializados
no Brasil.

A Anvisa publicou, em 14/5/2021, a Autorização Sanitária de mais um produto


à base de Cannabis, fabricado no Brasil pela empresa Prati, Donaduzzi & Cia Ltda. e
distribuído no país pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)/Farmanguinhos. O produto
autorizado tem a forma farmacêutica de solução oral, contendo 200 mg/mL de CBD e
até 0,2% de THC. Por se tratar de um laboratório público, Farmanguinhos não
comercializa seus produtos, mas os fornece ao Ministério da Saúde. Conforme
disposto em norma específica, seu uso deverá ser prescrito por meio de receita
médica tipo B, somente nos casos em que forem esgotadas outras opções
terapêuticas disponíveis no mercado brasileiro.

5) Sobre a incorporação pela Comissão Nacional de Incorporação de


Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC)

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O Plenário da Conitec observou que as opções terapêuticas disponíveis para


pacientes com síndromes epilépticas graves no SUS são a combinação de diversos
anticonvulsivantes, mas que a falta de controle adequado das crises é comum; e que
há crescente utilização de produtos de Cannabis, por meio de importação ou através
do uso de óleos artesanais, autorizados via judicialização. O relatório da CONITEC
ressalta, por outro lado, que a melhor evidência disponível sobre o uso do canabidiol
em crianças e adolescentes com epilepsia refratária aos medicamentos antiepilépticos
incluiu poucos pacientes e apresentou benefício clínico questionável, além de aumento
de eventos adversos, com resultados de custo-efetividade e impacto orçamentário
elevados. Destaca também que a avaliação econômica apontou a possibilidade de o
efeito do canabidiol não ser superior ao comparador. Além disso, apontou-se que o
produto com autorização de uso pela Anvisa (Canabidiol Prati-Donaduzzi 200 mg/mL)
não é o mesmo utilizado nos estudos clínicos (Epidiolex ®) e também se diferencia dos
óleos artesanais à base de cannabis. Pelo exposto, os membros do Plenário, em sua
97ª reunião ordinária, no dia 06 de maio de 2021, deliberaram por não recomendar a
incorporação no SUS do Canabidiol Prati-Donaduzzi 200 mg/ml para tratamento de
crianças e adolescentes com epilepsias refratárias aos tratamentos convencionais.

6) Sobre a presença de Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do


Ministério da Saúde ou de órgão público
O SUS disponibiliza as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas da Epilepsia, de
acordo com a Portaria nº 17, de 21 de junho de 2018. Canabidiol não era aprovado no
Brasil à época da publicação do PCDT e não é citado na Portaria.

7) Dos tratamentos disponibilizados pelo SUS


Segundo o PCDT para epilepsia, os seguintes medicamentos estão disponíveis
no SUS:
- Valproato de sódio;
- Carbamazepina;
- Clobazam;
- Clonazepam;

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- Etossuximida;
- Fenitoína;
- Fenobarbital;
- Gabapentina;
- Lamotrigina;
- Levetiracetam;
- Primidona;
- Topiramato;
- Vigabatrina.
O SUS também fornece a opção da realização de cirurgia ou estimulação
elétrica do nervo vago para pacientes considerados refratários ao tratamento
medicamentoso.
A Portaria SCTIE/MS nº 25, de 28 de maio de 2021, tornou pública a decisão
de não incorporar o canabidiol para tratamento de crianças e adolescentes com
epilepsias refratárias aos tratamentos convencionais, no âmbito do SUS. O canabidiol
não integra a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) 2022 e não
faz parte de nenhum programa de medicamentos da Assistência Farmacêutica no
SUS.

8) Custo do tratamento

Medicamento Custo Custo mensal Custo anual Farmácias


unitário

Canabidiol R$ 2.231,46 3.347,19 40.724,14 Drogaria São


200mg/mL Prati Paulo
Donaduzzi Sol
Oral com 30mL

Canabidiol R$ 2.375,00 3.562,50 43.343,75 Drogasil


200mg/mL Prati
Donaduzzi Sol
Oral com 30mL

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9) Conclusões

A parte autora é portadora de epilepsia refratária do tipo Lennox Gastaut. A


despeito do uso de diversos fármacos antiepilépticos, como lamotrigina,
carbamazepina, fenobarbital e clobazam, o adolescente permanece com múltiplas
crises convulsivas diárias. Não tem indicação de cirurgia ressectiva. A perspectiva de
controle adicional dos sintomas com o uso de fármacos disponíveis no SUS é bastante
limitada. Em estudos clínicos randomizados, o uso do canabidiol associou-se à
redução de cerca de 50% na frequência de crises epilépticas totais. Apesar das
críticas às evidências científicas apontadas pelo Relatório da CONITEC, expostas no
item 5 desta Nota Técnica, a conclusão do presente parecer é favorável à
disponibilização do canabidiol, considerando: (1) a presença da Síndrome de Lennox
Gastaut; (2) a ampla diversidade dos antiepilépticos usados anteriormente; (3) a
extensão atual dos sintomas, a despeito do tratamento instituído; e (4) a evidência de
benefício em estudos clínicos randomizados.

10) Sobre as perguntas formuladas pelo Magistrado:

a) Qual o tratamento disponibilizado atualmente pelo sistema público para a


doença que acomete a parte autora, considerando as particularidades do
presente caso?
Os seguintes medicamentos antiepilépticos estão disponíveis no SUS: valproato de
sódio, carbamazepina, clobazam, clonazepam, etossuximida, fenitoína, fenobarbital,
gabapentina, lamotrigina, levetiracetam, primidona, topiramato e vigabatrina. O SUS
também fornece a opção da realização de cirurgia ou estimulação elétrica do nervo
vago para pacientes considerados refratários ao tratamento medicamentoso.

b) Os fármacos requeridos nesta ação se apresentam como indicados e


eficientes para o tratamento da doença que acomete a parte autora? Em caso
positivo, pode ser ministrado eficazmente no caso da parte promovente?

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Sim, é indicado. Sim, pode ser ministrado no caso da parte promovente.

c) Existem estudos que comprovam a eficácia das referidas drogas diante das
moléstias que acometem a parte requerente?
Sim. Os estudos clínicos apontam um benefício estatístico em qualidade de vida após
três meses de tratamento com canabidiol e redução de cerca de 50% na frequência de
crises epilépticas totais por até 2 anos. Nesse período, entre 40% e 60% dos
pacientes atingiram pelo menos 50% de redução na frequência de crises epilépticas
totais e cerca de 30% dos pacientes atingem pelo menos 75% de redução.

d) Há possibilidade de contraindicação para algum tipo de paciente? A


medicação é contraindicada para o caso do autor?
O medicamento é contraindicado para pacientes com histórico de hipersensibilidade e
alergia a qualquer um dos componentes da fórmula, pacientes usuários de drogas de
abuso e crianças menores de 2 anos de idade. Não há informação sobre
contraindicação no caso do autor.

e) Existem outras drogas adequadas ao tratamento da parte autora?


Existem outros fármacos antiepilépticos que poderiam ser usados no caso da parte
autora. Contudo, dada a refratariedade aos diversos agentes previamente utilizados, a
perspectiva de benefício com a adição de novos antiepilépticos é muito reduzida.

f) A medicação requerida é aprovada pela ANVISA e está incorporada ao SUS?


Sim, é aprovada pela ANVISA. Não está incorporada ao SUS.

g) Existe alguma observação a ser feita especificamente em relação ao uso dos


citados medicamentos no presente caso?
Não.

h) Considerando as respostas aos itens anteriores, pode-se dizer, a partir do


quadro apresentado pela parte autora, que os fármacos prescritos e requeridos

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judicialmente são imprescindíveis ao tratamento da enfermidade que lhe


acomete e à preservação de sua saúde e dignidade? Em caso de resposta
negativa, apontar a alternativa, dizendo se essa é fornecida pelo setor público ou
não.
Considerando: (1) a presença da Síndrome de Lennox Gastaut; (2) a ampla
diversidade dos antiepilépticos usados anteriormente; (3) a gravidade atual dos
sintomas, a despeito do tratamento instituído; e (4) a evidência de benefício em
estudos clínicos randomizados, esta Nota Técnica é favorável ao emprego do
medicamento pleiteado.

11) Referências

Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Canabidiol para tratamento


de crianças e adolescentes com epilepsias refratárias aos tratamentos convencionais.
Brasília, 2021.

Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Epilepsia. Relatório de recomenda-


ção. Conitec. Março/2019. Ministério da Saúde.

Canabidiol 200mg/ml para o tratamento de Crianças e adolescentes com epilepsia re-


fratária A medicamentos antiepilépticos. Relatório para Sociedade -informações sobre
recomendações de incorporação de Medicamentos e outras tecnologias no sus. Nº
246 • fevereiro | 2021. Conitec. Ministério da Saúde.

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