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GUIA PARA ESTUDO DE TOXICOLOGIA

Referência: http://ltc.nutes.ufrj.br/toxicologia/modVI.htm#
Modulo Básico:
Modulo IV: atendimento inicial ao paciente intoxicado
3. Diagnóstico da intoxicação
Anamnese
O diagnóstico de uma intoxicação aguda, como em outras patologias, baseia-se nas informações colhidas
cuidadosamente sobre a história, no exame da sintomatologia clínica e em exames laboratoriais de rotina e, eventualmente,
em análises toxicológicas. Esta etapa deve ser realizada após a avaliação clínica do paciente e adotadas as medidas
terapêuticas necessárias.
I - Anamnese
É a base do diagnóstico toxicológico. As informações colhidas diretamente com o paciente e/ou seus
acompanhantes, e com investigação das circunstâncias envolvidas, orientam o diagnóstico na maioria dos casos (entre 80-
90% das ocasiões). Entretanto, a história nem sempre é obtida facilmente, em especial quando se trata de crianças ou
pacientes que tentam suicídio. Nessas situações, as informações devem ser confirmadas, se possível, com as manifestações
clínicas e laboratoriais esperadas na intoxicação com o agente tóxico implicado na história. Quando o paciente estiver
incapacitado (no caso de crianças ou pacientes com rebaixamento do nível de consciência) ou relutante (suicidas e usuários
de drogas ilícitas) para prestar esclarecimentos relacionados à exposição, as informações deverão ser colhidas com
familiares, amigos, equipes de resgate (médicos e socorristas, bombeiros, policiais), empregadores, entre outros.
No levantamento deve-se dar atenção especial para alguns detalhes. São os chamados (em inglês) 5 Ws:
• WHO – QUEM?
Primeiramente, deve-se identificar o paciente, incluindo sexo, idade, peso, patologias de base (cardíaca,
pulmonar, hepática, renal, neurológica, psiquiátrica ou hematológica), passado de atopia, história de casos anteriores ou
história familiar de tentativa de suicídio, onde esteve e com quem, medicação habitual (de uso do paciente, parentes e
amigos), uso de medicamentos sem receituário, uso de suplementos herbáceos/dietéticos ou remédios caseiros. Devem ser
incluídos questionamentos a respeito das atividades ocupacionais atuais e passadas (focalizando-se em substâncias químicas
como metais e gases) e hobby. No caso de pacientes do sexo feminino, em idade fértil, recomenda-se realizar sempre o
diagnóstico de gravidez, pois uma gravidez indesejável é causa freqüente de tentativas de suicídio em adolescentes.
• WHAT – O QUÊ?
Estabelecer qual foi o produto envolvido (medicamento; droga de abuso; agrotóxico de uso agrícola,
doméstico ou veterinário; raticida; produto domissanitário, entre outros) bem como a sua apresentação (sólido, líquido, gás
ou vapor) e pH. Se for um produto formulado, é de suma importância analisar a sua composição, pois nesses produtos além
do ingrediente ativo (substância principal) são adicionadas outras substâncias que, algumas vezes, são mais tóxicas. Deve-se
estimar a quantidade (dose tóxica ou não tóxica) ingerida ou com a qual o paciente entrou em contato e que, geralmente, são
maiores nas exposições intencionais. Na maioria das vezes ocorre ingestão ou exposição a um único produto, porém, deve-
se estar atento para a possibilidade de intoxicações múltiplas, nas quais existem possibilidades de interação de efeitos, para
então instituir adequadamente as medidas terapêuticas.
• WHEN – QUANDO?
Avaliar o tempo decorrido desde a exposição (mais ou menos de uma hora) e, no caso de exposições repetidas,
durante quanto tempo o paciente esteve exposto. Este parâmetro é importante para a indicação ou não de medidas de
descontaminação. Também é importante estabelecer o que aconteceu no período decorrido (ocorrência de vômito
espontâneo ou induzido e seu aspecto; muitas vezes é feita desnecessariamente a lavagem gástrica e, somente depois ou
durante a sua realização consulta-se um Centro de Informação e Assistência Toxicológica).
• WHERE – ONDE?
A investigação do ambiente (domicílio, local de trabalho, casa de amigos, festas raves, terreno baldio, escola,
ou outro local) onde o paciente foi encontrado pode conter dados que contribuirão para o esclarecimento da intoxicação.
Deve-se procurar restos de alimentos ou do agente tóxico, cartelas ou frascos de medicamentos vazios, garrafas de bebidas
alcoólicas, embalagens de agrotóxicos ou frascos /caixas de raticidas, seringas ou outros artifícios para uso de drogas, notas
de despedidas e presença de odores.
• WHY – POR QUÊ OU COMO?
A determinação da circunstância na qual aconteceu a exposição, assim como a via de contato, pode fornecer
dados importantes para predizer a intensidade e a gravidade da intoxicação. A exposição pode se dar de forma:
a) Acidentais – (investigar se o acidente foi individual). Podem ser:
- profissionais: podem resultar de exposição aguda, sobreaguda ou crônica;
- medicamentosas: por erro de administração (produto, frasco ou dose errados), por interação ou intolerância;
- alimentares - pela presença natural de substâncias tóxicas, migração de substâncias tóxicas das embalagens, por
contaminação biológica (intoxicação alimentar: botulismo, aflatoxinas e toxiinfecção alimentar: estafilococos, salmonela, E.
coli, etc), contaminação química (agrotóxicos, hormônios) e aditivos e conservantes (autorizados e fraudulentos);
- domésticas ou infantis: por descuido dos pais e cuidadores (colocação de substâncias perigosas ao alcance das crianças e
troca de recipientes). Deve-se avaliar a possibilidade de abuso ou maus tratos;
b) Intencionais - em geral são as mais graves e incluem as tentativas de suicídio, tentativas de homicídio,
aborto, abuso sexual, assaltos, abuso infantil e farmacodependência;
c) Iatrogênicas - por prescrição médica ou por automedicação.
Exame físico:
As manifestações clínicas podem auxiliar a ratificação do diagnóstico, mas, sobretudo é útil no estabelecimento da
gravidade.
A – Reconhecimento de síndromes tóxicas
Em diversas situações, o agente tóxico implicado na intoxicação não é identificado à admissão no serviço de
saúde. No paciente sintomático, o exame físico pode fornecer indícios inestimáveis para a identificação do agente
envolvido. Portanto, após a estabilização do paciente, deve ser feito um exame físico mais minucioso e completo
procurando-se identificar a substância envolvida, com foco nos sinais vitais (pressão arterial, freqüência respiratória e
cardíaca), pupilas (tamanho e resposta à luz), temperatura, estado de hidratação da pele e mucosas, peristaltismo e estado
mental.
Através das alterações encontradas na avaliação dos parâmetros citado acima, pode-se caracterizar uma
determinada síndrome tóxica ou toxíndrome, que é definida como um conjunto complexo de sinais e sintomas produzidos
por doses tóxicas de substâncias químicas que, apesar de diferentes, têm efeitos semelhantes. As principais síndromes
tóxicas e os agentes envolvidos são descritas a seguir.
1. Síndrome anticolinérgica
Os pacientes apresentam agitação psicomotora e/ou sonolência, confusão mental, alucinações visuais, mucosas
secas, rubor cutâneo, hipertermia, retenção urinária, diminuição dos ruídos intestinais, midríase e cicloplegia (incapacidade
de acomodação visual para perto). A maioria desses sintomas é descrita na regra mnemônica:
Blind as a bat: completamente cego Dry as a bone: seco como osso
Hot as hare: quente como o inferno Mad as a hatter: louco varrido
Red as a beet: vermelho como pimentão
Os agentes que comumente causam essas manifestações são: antagonistas H1 da histamina, atropina,
escopolamina (hioscina), antidepressivos tricíclicos, vegetais beladonados (ex. saia branca e estramônio, também
denominada figueira-do-inferno ou figueira-brava), fenotiazínicos, medicamentos antiparkinsonianos, etc. Essas substâncias
exercem seus efeitos por bloqueio dos receptores muscarínicos da acetilcolina.
2. Síndrome de depressão neurológica

As manifestações clínicas incluem de sonolência ao coma, hiporreflexia, miose, hipotensão, bradicardia,


hipotermia e edema pulmonar.
Agentes envolvidos: pode ser determinada por benzodiazepínicos, carbamazepina, barbitúricos, carisoprodol,
zolpidem, derivados da imidazolina (descongestionantes tópicos), antidepressivos tricíclicos, inibidores da
acetilcolinesterase (principalmente organofosforados), salicilatos, álcoois (etanol, metanol, etilenoglicol, isopropanol),
monóxido de carbono, opióides naturais (heroína, morfina) e seus análogos sintéticos (meperidina).
3. Síndrome colinérgica
Esta síndrome é determinada pela diminuição da atividade da enzima acetilcolinesterase e caracteriza-se por:
sialorréia, lacrimejamento, diurese, diaforese, diarréia e vômitos.
Outros sintomas clínicos mais importantes como broncorréia (edema pulmonar), bradicardia, broncoespasmo,
fraqueza e fasciculações musculares e convulsões também fazem parte desta síndrome. Os sintomas colinérgicos são
causados pela atividade excessiva da acetilcolina, porém, variam de acordo com o receptor estimulado: receptor
muscarínico, receptor nicotínico ou receptor colinérgico central, conforme descrito quadro abaixo:
Sinais e sintomas colinérgicos
Muscarínicos Nicotínicos Centrais
Miose Midríase Agitação
bradicardia Taquicardia Confusão Mental
broncorréia, broncoespasmo Broncodilatação Letargia
vômitos, diarréia Hipertensão Convulsões
sialorréia, lacrimejamento Diaforese Coma
incontinência urinária Fraqueza e fasciculação muscular Óbito
Agentes envolvidos: os agrotóxicos organofosforados e carbamatos e certos cogumelos podem produzir
qualquer um dos sintomas listados na tabela acima. O risco de exposição é maior entre trabalhadores rurais, mas, qualquer
pessoa pode estar exposta a esses produtos, em casa ou no trabalho. Militares e antiterroristas devem se preocupar com os
gases neurotóxicos (como o sarin). Inseticidas à base de nicotina e a nicotina do tabaco apresentam atividade colinérgica
nicotínica. Os medicamentos fisostigmina, neostigmina e edrofônio, são usados em distúrbios neuromusculares, mas seus
efeitos colinérgicos geralmente não são evidenciados.
4. Síndrome simpatomimética
Essa síndrome é caracterizada por agitação psicomotora, alucinações, paranóia, sudorese, taquicardia,
hipertensão arterial (ou hipotensão nos casos graves), midríase, tremores, convulsões e arritmias nos casos graves. É
determinada por agentes que promovem estimulação da atividade simpática através de:
- aumento de liberação de catecolaminas (anfetaminas)
- bloqueio da recaptação (cocaína)
- interferência no metabolismo (inibidores da Monoaminooxigenase - IMAO)
- estimulação direta de receptor (adrenalina)
Os principais agentes simpatomiméticos são: anfetaminas, ecstasy, cocaína, teofilina, fenilpropanolamina, efedrina,
pseudoefedrina e cafeína.
5. Síndrome serotoninérgica
Esta síndrome usual é causada por estimulação excessiva de receptores serotoninérgicos centrais e periféricos. O aumento
da estimulação provocada pelo neurotransmissor 5-hidroxitriptamina (serotonina) pode ser devido:
- ao aumento da produção de serotonina: triptofano;
- ao aumento da liberação da serotonina estocada: anfetamínicos (incluindo ecstasy), bromocriptina, cocaína, L-dopa;
- à diminuição da recaptação da serotonina pelo neurônio pré-sináptico: dextrometorfano, nefazadona, petidina
(meperidina), inibidores seletivos da recaptação da serotonina – ISRS (fluoxetina, paroxetina, sertralina, etc.), venlafaxina e
antidepressivos tricíclicos;
- à inibição da monoaminooxidase (MAO) responsável pelo metabolismo da serotonina: moclobemida (inibidor seletivo da
MAO-A) e inibidores não-seletivos da MAO (isocarboxazida, iproniazida, etc.);
- à estimulação do receptor pós-sináptico da serotonina: dietilamida do ácido lisérgico (LSD);
- ao aumento da resposta pós-sináptica à estimulação causada pela serotonina: lítio.
Clinicamente a síndrome serotoninérgica apresenta-se como uma tríade de sintomas envolvendo disfunção
autonômica, alterações neurológica e mentais. O diagnóstico é sugestivo quando há manifestação de quatro ou mais
sintomas em cada grupo descritos no quadro abaixo.
Diagnóstico clínico da síndrome serotoninérgica
Alterações
Disfunção autonômica Alterações neurológicas
mentais
Alteração da
Diaforese Tremores
consciência
Diarréia Vertigem Agitação
Hiperrrefl
Febre Hipomania
exia
Taquicardia sinusal Mioclonia Letargia
Convulsõ
Hiper ou hipotensão Insônia
es
Rigidez
Taquipnéia Alucinações
muscular
Reflexo
Midríase Hiperatividade
de babinski
Opistóton
Rubor
o
Cãibras abdominais Ataxia
Sialorréia Coma
Calafrios
Contudo, deve-se realizar diagnóstico diferencial com outras situações que possam apresentar manifestações
clínicas em comum. O diagnóstico diferencial mais importante e provável refere-se à síndrome neuroléptica maligna
(SNM), caso o paciente iniciou o uso de agentes neurolépticos ou teve a dose aumentada antes do aparecimento dos sinais e
sintomas. Deve-se ainda fazer exclusão entre síndrome anticolinérgica; intoxicação por carbamazepina; infecções do
sistema nervoso central; insolação; abstinência de etanol, opióides ou hipnótico-sedativos; overdose de simpatomiméticos e
intoxicação por lítio.
6. Síndrome de liberação extrapiramidal (distonia aguda)
Ocorre quando há bloqueio de receptores dopaminérgicos. O paciente apresenta-se com quadro de hipertonia,
espasmos musculares, sinal da roda denteada, catatonia, acatisia, crises oculógiras, opistótono, mímica facial pobre, choro
monótono.
Pode estar presente nas intoxicações por bloqueadores dopaminérgicos D 2 (domperidona), metoclopramida,
butirofenonas (haloperidol), fenotiazínicos.
7. Síndrome metemoglobinêmica
Origina-se pela conversão excessiva da hemoglobina em metemoglobina que é incapaz de se ligar e
transportar oxigênio. Dentre as manifestações clínicas destacam-se: cianose, taquicardia, astenia, irritabilidade, dificuldade
respiratória, depressão neurológica e convulsões. Entre os agentes oxidantes dstacam-se as sulfonas (dapsona), anilina e
derivados, sulfonamidas, quinonas, cloratos, metoclopramida, anestésicos locais, nitrobenzeno, azul de metileno, entre
outros.
O reconhecimento dessas síndromes permite a identificação mais rápida do agente causal e,
conseqüentemente, a realização do tratamento adequado. Entretanto, é importante salientar que muitas vezes pode-se ter um
quadro clínico misto. Por exemplo, um paciente intoxicado por um antidepressivo tricíclico pode apresentar manifestações
anticolinérgicas, depressão neurológica e convulsões.
4. Tratamento da intoxicação
Diminuição ou interrupção da absorção
Descontaminação de superfície
‘As medidas de descontaminação são distintas de acordo com o tipo de contato do agente tóxico com o
organismo, ou seja, depende da via de introdução.
• Cutânea
Existem substâncias que, por suas características físico-químicas, são absorvidas pela pele íntegra (como por
exemplo, agrotóxicos e solventes orgânicos). Em caso de contato orienta-se:
Se o paciente apresenta-se consciente e clinicamente estável, ele deve ser levado a uma sala de higienização.
Caso contrário, a descontaminação deve ser feita no próprio leito;
2- retire toda a roupa do paciente, o mais precoce possível, mas evite hipotermia;
3- proceda à lavagem corporal ou da área afetada, exaustivamente, durante 15-20 minutos, com água corrente
limpa e morna e com especial atenção para os cabelos, região retro-auricular, axilas, umbigo, região genital e subungueal;
4- procure identificar o agente e conhecer seus efeitos tóxicos para melhor lidar com ele. Por exemplo, se a
substância for oleosa, deve-se usar sabão ou xampu. Se o produto não é absorvível através da pele, mas é cáustico, deve-se
proceder da mesma forma, pois muitas substâncias corrosivas, além do efeito nocivo local são potencialmente tóxicas se
absorvidas (Tabela 30). Entretanto deve-se tomar cuidado na descontaminação para não aumentar a superfície da lesão;
- resíduos sólidos devem ser retirados através de escovação e lavagem com água corrente, exceto se a
substância reagir com água;
6- é contra-indicado tentar neutralizar o agente tóxico porque o calor produzido pela reação exotérmica de
neutralização pode ser mais perigoso e ocasionar lesões mais graves do que o próprio agente.
Observação importante:
A equipe assistencial deve proteger-se para evitar exposição a substâncias potencialmente contaminantes. Para
isso, recomenda-se o uso de luvas, jaleco e óculos protetores. Em caso de exposição, lavar a área atingida rapidamente.

Tabela 30 - Exemplos de manifestações sistêmicas causadas por agentes corrosivos


Agente corrosivo Manifestações sistêmicas
ácido fluorídrico hipocalcemia; hipercalemia
ácido oxálico hipocalcemia; insuficiência renal
ácido pícrico lesão renal
ácido tânico lesão hepática
cloreto de metileno depressão do SNC; arritmias cardíacas
fenol convulsões; coma; lesão hepática e renal
formaldeído acidose metabólica
fósforo lesão hepática e renal

nitrato de prata metemoglobinemia

paraquate fibrose pulmonar


permanganato metemoglobinemia
• Ocular
O contato ocular com substâncias químicas pode provocar lesões graves nos olhos. A córnea é muito sensível
a agentes corrosivos e hidrocarbonetos. Estas substâncias podem danificar rapidamente a superfície córnea que evolui para
uma cicatriz permanente.
Como nas exposições dérmicas, deve-se agir rapidamente para prevenir uma lesão mais grave e permanente e
a absorção do agente tóxico, observando-se as seguintes recomendações:
1- retirar lentes de contato, se presentes;
2- pode-se utilizar colírio anestésico para facilitar a irrigação. entretanto o colírio pode causar desepitelização
de córnea. Deve-se preferir analgésicos sistêmicos;
3- posicionar o paciente com a cabeça elevada para que a irrigação penetre no canal lacrimal para limpá-lo
também;
4- iniciar a lavagem do olho acometido, com eversão das pálpebras mantendo-as abertas. Irrigar com soro
fisiológico ou água limpa e corrente, por pelo menos 30 minutos (não lave com menos de 1 litro de solução);
5- a lavagem deve ser feita sempre no sentido médio-lateral e com a cabeça lateralizada, para evitar o
comprometimento do outro olho;
6- em casos de exposições a substâncias ácidas ou alcalinas, a irrigação deve ser realizada até que o pH do
fluido ocular esteja entre 6 e 8;
7- é contra-indicado o uso de solução neutralizante pois a liberação de calor, durante a reação, pode agravar a
lesão;
8- após a descontaminação, o paciente deve ser examinado por um médico oftalmologista para verificar se
houve lesão e tratá-la especificamente.
• Respiratória
Além de ser uma via de intoxicação comum e muito eficiente para a absorção de gases, vapores e
aerodispersóides, muitas substâncias químicas podem lesar a árvore brônquica. A absorção pode ocorrer tanto nas vias
aéreas superiores, quanto nos alvéolos. Para a descontaminação deve-se:
Remover o paciente da fonte de exposição e fornecer oxigênio úmido suplementar (se disponível) e suporte
ventilatório, se necessário;
Retirar as roupas do paciente e realizar lavagem corporal pois a contaminação cutânea é freqüente nesses
casos;
3- examinar cuidadosamente o paciente para verificar a existência de edema de vias aéreas superiores,
mediante presença de roncos e sibilos e de estridor laríngeo, pois este pode evoluir rapidamente com obstrução completa
das vias aéreas. Os pacientes que apresentam evidências de comprometimento progressivo de vias aéreas devem se
intubados;
4- observar também os sinais tardios de edema pulmonar causado por exposição a substâncias como dispnéia,
hipoxemia e taquipnéia, que podem surgir até várias horas após a exposição.
Observação importante:
Antes de entrar no ambiente contaminado, a equipe assistencial deve proteger-se com equipamentos
apropriados.

B - Descontaminação gastrintestinal
O trato gastrintestinal constitui a principal via de introdução do agente tóxico na maioria das intoxicações. As
medidas que promovem a evacuação gástrica (indução de vômito e lavagem gástrica) ou que diminuem a absorção intestinal
(uso de adsorventes, catárticos e irrigação intestinal) têm sido utilizadas há muitos anos. Entretanto, existem muitas
controvérsias com várias restrições sobre os usos, indicações e, principalmente, quanto à real eficácia desses procedimentos,
tanto no atendimento pré-hospitalar quanto no hospitalar. Muitas vezes, esses procedimentos são desnecessários e aplicados
de forma iatrogênica.
Embora existam poucos estudos sobre os procedimentos de esvaziamento gástrico na literatura médica, está
bem estabelecido que depois de 60 minutos, muito pouco ou quase nada da dose ingerida é removida por êmese ou lavagem
gástrica. Estudos mais recentes demonstram que uma dose única de carvão ativado, mesmo sem a realização prévia de
esvaziamento do estômago, é tão eficiente quanto a seqüência tradicional de lavagem gástrica seguida do uso de carvão
ativado.
Através de um trabalho conjunto baseado em estudos clínicos, a Academia Americana de Toxicologia Clínica
e a Associação Européia dos Centros de Intoxicação e dos Toxicologistas Clínicos, têm se posicionado regularmente sobre
esses procedimentos, desde 1997, com propostas de protocolos de tratamento nos quais apresentam fortes restrições à
indicação generalizada das medidas de descontaminação gastrintestinal.
Existem várias opções para a descontaminação do trato gastrintestinal. São procedimentos simples que não
exigem equipamentos sofisticados. O tempo para sua realização varia conforme o agente tóxico, devendo-se observar a
toxicidade da substância, a dose ingerida, a forma farmacêutica (quando se tratar de um medicamento) e a apresentação
(produtos líquidos são quase completamente absorvidos em cerca de 30 minutos após a ingestão; apresentações sólidas são
absorvidas, em geral, no intervalo de 1-2 horas).
Portanto, existem circunstâncias nas quais a descontaminação gástrica pode diminuir o potencial tóxico da
substância ingerida, mesmo quando realizada até 2 horas após a ingestão. Como exemplos incluem-se:
- Ingestão de substâncias altamente tóxicas (paraquate, fluoracetato de sódio, bloqueadores de canais de cálcio,
colchicina, etc.);
- Ingestão de doses potencialmente tóxicas ou letais da substância;
- Ingestão de medicamentos de liberação controlada ou com cobertura entérica;
- Ingestão de substâncias que não são adsorvidas pelo carvão ativado (lítio, ferro e outros metais);
Após este período, a descontaminação gástrica só tem valor no caso de substâncias que retardam o
esvaziamento gástrico como os barbitúricos, anticolinérgicos e antidepressivos tricíclicos.

Lavagem gástrica
2 - Lavagem gástrica
É um método de descontaminação gástrica mais invasivo do que a êmese induzida e que é amplamente usado
em hospitais e em unidades de emergência e é bastante seguro se bem realizado. Embora não existam muitos estudos que
comprovem sua eficácia, ela é provavelmente um pouco mais eficiente que a êmese induzida, se realizada pouco tempo
após a ingestão do tóxico. Entretanto, não remove com eficácia, plantas tóxicas, pílulas e cápsulas não dissolvidas
(especialmente fármacos de liberação lenta ou controlada ou com cobertura entérica). Além disso, pode retardar o uso do
carvão ativado e pode ainda, acelerar a passagem do agente tóxico para o intestino, principalmente se o paciente não estiver
posicionado adequadamente. Não há necessidade de realizar lavagem gástrica em casos de ingestão de doses pequenas e
moderadas, se o carvão ativado puder ser administrado prontamente.
a- Indicações
Entretanto existem algumas situações em que a lavagem gástrica poderá ser feita:
• para remover agentes sólidos ou líquidos, quando o paciente ingeriu quantidade maciça (overdose) ou uma
substância muito tóxica. É mais eficiente se realizada nos primeiros 30 a 60 minutos da ingestão para a maioria das drogas,
embora para alguns agentes que retardam o esvaziamento gástrico (salicilatos, drogas anticolinérgicas, antidepressivos
triciclícos) ela é efetiva por um período de tempo maior;
• em pacientes que receberão carvão ativado e estão impossibilitados de o tomarem por via oral e que
receberão uma sonda nasogástrica para isso;
• quando houver ingestão de substâncias cáusticas que possuem efeito sistêmico mais importante que sua ação
no trato digestivo, como paraquate, fluoracetato de sódio e creolina;
• quando houver intoxicação mista com cáusticos e outras drogas, estas podendo ser de grande risco para a
vida do paciente, a lavagem pode ser feita desde que a sonda seja passada por via endoscópica para que não haja risco de
perfuração de esôfago, aproveitando para se fazer o exame endoscópico;
• para remover conteúdo gástrico para realização de endoscopia digestiva.
b- Contra-indicações
• em pacientes comatosos, obnubilados ou convulsionando, deve ser realizada com muita cautela, e o risco
benefício bem avaliado, porque nesses pacientes os reflexos de proteção das vias aéreas estão ausentes ou muito alterados
ou diminuídos, podendo assim, predispor ou causar a aspiração do conteúdo gástrico. Nesses casos recomenda-se realizar a
intubação orotraqueal para a proteção das vias aéreas e prevenir a aspiração de conteúdo gástrico;
• quando o agente apresenta-se na forma de drágeas ou comprimidos entéricos, ou quando tratar-se de ingestão
de plantas, que não serão removidos devido ao limite do calibre da sonda. Nesses casos, recomenda-se a irrigação intestinal;
• a realização de lavagem gástrica na ingestão de substâncias corrosivas é controversa. Devido à fragilidade do
esôfago, a passagem da sonda pode causar perfuração do esôfago, possibilidade de refluxo e conseqüente aumento da
superfície de contato com a substância cáustica e de reação exotérmica provocada pela reação do cáustico com a água.
Entretanto, muitos gastroenterologistas recomendam que a lavagem deve ser feita o mais precoce possível após a ingestão
de líquidos cáusticos com a finalidade de remover o material corrosivo do estômago e preparar para a endoscopia que deve
ser realizada 12-24 horas após o acidente;
• em pacientes submetidos recentemente a cirurgia de esôfago;
• em pacientes com suspeita de fratura de base de crânio não deve ser passada a sonda nasogástrica. Neste caso
deve-se utilizar sonda orogástrica.
c- Efeitos Adversos
• perfuração do esôfago ou do estômago;
• sangramento nasal devido à passagem traumática do tubo;
• intubação traqueal inadvertida;
• vômito causando aspiração pulmonar de conteúdo gástrico em pacientes obnubilados, sem proteção de vias
aéreas;
• laringoespasmo, principalmente, em pacientes semiconscientes que não colaboram com a passagem do tubo;
d- Técnica
• este procedimento exige pessoal capacitado e ambiente hospitalar, pois embora seja uma técnica simples,
podem ocorrer complicações como posicionamento indevido na traquéia, traumatismo (epistaxe) e aspiração pulmonar;
• se o paciente estiver comatoso (Escala Coma de Glasgow menor ou igual a 8), realize uma intubação traqueal
para a proteção das vias aéreas, antes de iniciar o procedimento;
• passe uma sonda gástrica de grosso calibre (nº 18-22, em adultos e nº 8-12, em crianças) pela boca ou pelo
nariz (utiliza-se mais comumente sonda nasogástrica) até o estômago. A instalação da sonda deve ser feita com o paciente
em decúbito dorsal e com leve flexão do pescoço (se não houver suspeita de trauma raquimedular). Antes de iniciar a
colocação da sonda deve ser feita uma estimativa do comprimento a ser usado (medindo-se da ponta do nariz ao lóbulo da
orelha e, então, até o apêndice xifóide);
• posicione o paciente em decúbito lateral esquerdo, pois essa posição facilita o procedimento e evita o retorno
de material do duodeno para o estômago;
• conferir a posição correta da sonda: insuflar ar através de uma seringa com o estetoscópio sobre a região
epigástrica para assegurar que esteja bem posicionada;
• retire primeiramente o máximo de conteúdo gástrico que conseguir, sem diluir (reservar amostra para análise
toxicológica, se esta estiver disponível ou indicada). Se o tóxico retirado do estômago ainda for contaminante tome
providências para a retirada e isolamento adequado da substância removida;
• administre soro fisiológico, aquecido a 38ºC, para evitar hipotermia, na dose de 10mL/Kg (em adolescentes e
adultos podem ser usados até 250mL por instilação). Remova por gravidade ou por sucção até se obter um retorno claro. O
volume de retorno deve ser o mesmo do instilado. O uso de grande quantidade de líquidos em crianças pode causar
hipotermia ou distúrbios hidroeletrolíticos.
Administração de adsorventes
Os adsorventes são substâncias que têm a propriedade de se ligarem ao agente tóxico formando um composto
estável que não é absorvido pelo trato gastrintestinal, sendo eliminado nas fezes. Os adsorventes mais empregados
normalmente na prática clínica correspondem ao carvão ativado e à Terra de Füller.
• Carvão ativado em dose única
O carvão ativado é empregado como medida de descontaminação gastrintestinal na maioria dos casos de
intoxicação há muitos anos. Atua através da adsorção de substâncias tóxicas, diminuindo assim, a disponibilidade para
absorção pelo sistema digestivo. O carvão ativado consiste em carvão vegetal, obtido através da pirólise de material
orgânico a partir da polpa da madeira, sofrendo um processo de ativação posterior pela passagem de gás oxidante em altas
temperaturas que remove substâncias previamente adsorvidas e produz uma fina rede de poros, com uma área de superfície
de 950-2.000 m2/g e, portanto, altamente adsorvente, capaz de se ligar a uma grande quantidade de produtos tóxicos,
incluindo substâncias orgânicas. Apenas poucas substâncias não são adsorvidas pelo carvão ativado (Tabela 31).
Tabela 31 - Exemplos de substâncias não adsorvidas pelo carvão ativado
Álcalis e ácidos Sais inorgânicos
Cianeto Ferro
Etanol e outros álcoois Lítio
Etilenoglicol Ácidos minerais
Fluoreto Potássio
Alguns alimentos parecem diminuir a capacidade adsorvente do carvão e também pode ocorrer dessorção
quando o complexo tóxico-carvão passa através dos intestinos. Entretanto, com as doses preconizadas isto não parece ser
clinicamente significativo.
Estudos realizados com voluntários humanos demonstram que a sua eficácia é inversamente proporcional ao
tempo (sendo mais eficaz se usado até 1 hora depois da ingestão), e diretamente proporcional à quantidade e freqüência das
doses administradas. Embora existam orientações para o uso de carvão ativado, mesmo se foram decorridas várias horas
após a ingestão de substâncias com atividade anticolinérgica (e que retardam o esvaziamento gástrico), não existem estudos
controlados que validam essas recomendações.
O carvão ativado pode ser usado após o vômito induzido pela solução emetizante, após a lavagem gástrica ou,
isoladamente, nos pacientes onde a descontaminação gástrica esteja contra-indicada, ou seja, ineficaz devido ao tempo
decorrido após a ingestão.
Alguns estudos sugerem que a administração de carvão ativado sozinho, é tão ou mais efetivo que os
procedimentos de esvaziamento gástrico (êmese e lavagem gástrica) seguidos pela administração de carvão ativado.
a- Indicações
A administração de carvão ativado em dose única pode ser considerada quando:
• suspeita-se da ingestão de doses potencialmente tóxicas e de substâncias que comprovadamente são
adsorvidas pelo carvão ativado;
• mesmo sem saber se a substância ingerida é adsorvida pelo carvão, devido à possibilidade de outras
substâncias terem sido ingeridas concomitantemente;
• a administração de várias doses de carvão pode aumentar a eliminação de certas drogas da corrente
sangüínea.
b- Contra-indicações
• íleo sem distensão não é contra-indicação para o uso de uma única dose de carvão ativado, porém doses
repetidas devem ser evitadas;
• após a ingestão de ácidos ou álcalis, pois além de ser ineficaz para adsorver tais substâncias, compromete o
exame endoscópico e dificulta a cicatrização;
c- Efeitos adversos
• a administração muito rápida pode causar vômitos;
• constipação intestinal ou a formação de fecalomas (em pacientes com propensão a constipação intestinal)
podem ocorrer inicialmente, principalmente após a administração de várias doses de carvão ativado, seguida de diarréia
(mecanismo osmótico);
• distensão gástrica com risco potencial de aspiração pulmonar. Existem relatos de pneumonia aspirativa, bem
como de obstrução traqueal, injúria pulmonar grave e efusão pleural por administração direta de carvão na árvore
respiratória;
• são disponíveis comercialmente em vários países (não no Brasil), misturas de carvão ativado e sorbitol.
Mesmo administrado em dose única, o sorbitol pode causar vômitos e cólicas. A administração de doses repetidas pode
cursar com perda de fluidos e risco de desidratação;
• pode diminuir o efeito de alguns antídotos que são administrados por via oral.
d- Técnica e dose
• se houver depressão neurológica ou respiratória, as vias aéreas devem ser protegidas antes da administração
do carvão;
• as doses tradicionalmente recomendadas, de acordo com a idade são: 1g/Kg em crianças menores de 12 anos
e de 25-100g (em média utiliza-se 50g) em adolescentes e adultos, não sendo indicada a associação com catárticos;
• administre por via oral ou pela sonda naso ou orogástrica. Em crianças, a aceitação por via oral nem sempre
é eficaz. Como no Brasil existe apenas a apresentação em pó, recomenda-se a diluição em água ou em soro fisiológico na
concentração de 10-20%. Apresentações em comprimidos possuem menor eficácia e não devem ser usadas;
• uma ou duas doses adicionais podem ser administradas no intervalo de 1-2 horas, para assegurar
descontaminação adequada, particularmente, nos casos de grandes ingestões. Em algumas situações, pode ser necessária a
administração de várias doses de carvão para alcançar a proporção de 10:1 (carvão: agente tóxico). Nesses casos, as doses
são administradas por um período de várias horas;
• para algumas substâncias que apresentam circulação entero-hepática pode ser administrada a metade dose
inicial de carvão ativado, de 6 em 6 horas para impedir que isso aconteça.
e- Associação com catárticos
Após administração de carvão, as fezes tornam-se escuras, sendo este parâmetro clínico utilizado para a
avaliação da motilidade intestinal. Embora a maioria das preparações provoque constipação, algumas formulações podem
provocar diarréia.
Apesar de ter sido preconizado durante muito tempo, o uso concomitante de catárticos, para reduzir o risco de
constipação e aumentar o trânsito intestinal, estes agentes parecem diminuir a eficácia do carvão in vivo (existem
controvérsias sobre este assunto). Além disso, os catárticos aumentam o volume de fluidos intestinais e retardam o
esvaziamento gástrico, reduzindo, dessa forma, a quantidade de carvão disponível no intestino delgado para a adsorção do
agente tóxico.
• Terra de Füller
A Terra de Fuller é uma argila de cálcio monte-morilonita de ocorrência natural e alta pureza utilizada como
agente adsorvente no tratamento de intoxicação pelo herbicida paraquate em virtude da alta capacidade de ligação do
composto bipiridílico aos minerais presentes na argila, assim como observado em seu comportamento no solo. Quando
armazenada, parece ser química e biologicamente estável durante anos. Permanecendo intacto o frasco, mantém-se a
esterilidade por tempo indefinido. A dose de ataque (inicial) recomendada para a Terra de Füller é de 60 gramas diluídas em
200mL de manitol (VO ou por SNG) de 2-2 horas, nas primeiras 6 horas e após, de 4-4 horas, durante 3 ou 4 dias.
O critério de interrupção do uso dos adsorventes é o aparecimento nas fezes ou até completar um período
máximo de 48 horas.

Os antídotos e antagonistas específicos são substâncias químicas que, por diferentes formas e por mecanismos
antagônicos, reduzem ou revertem os efeitos nocivos dos agentes tóxicos.
Quanto ao tipo de ação que desempenham, podem ser classificados em antídotos e antagonistas que:
a- impedem a formação de metabólitos tóxicos – ex.: N-Acetilcisteína nas intoxicações por paracetamol e etanol ou
fomepizol nas intoxicações por metanol e etilenoglicol;
b- ligam-se ao agente tóxico formando complexos menos tóxicos e de fácil excreção renal (quelação) – ex.:
deferoxamina para ferro; D-Penicilamina para o cobre e EDTA cálcico para o chumbo;
c- adsorvem o agente tóxico impedindo sua absorção – ex.: carvão ativado para a drogas adsorvíveis; terra de Füller para
o herbicida paraquate; amido para o iodo;
d- exercem ação competitiva sobre o sítio alvo – ex.: naloxona nas intoxicações por opióides; flumazenil nas intoxicações
por benzodiazepínicos; atropina e acetilcolina nas intoxicações por anticolinesterásicos; propranolol nas intoxicações por
beta-adrenérgicos (salbutamol, terbutalina); oxigênio nas intoxicações por monóxido de carbono;
e- atuam corrigindo distúrbios funcionais ou dano celular produzido pelo agente tóxico – ex.: pralidoxima na
recuperação da inibição da enzima acetilcolinesterase inibida por organofosforados; biperideno para a correção dos
distúrbios extrapiramidais induzidos por drogas como metoclopramida e fenotiazínicos; gluconato de cálcio para correção
da hipocalcemia produzida por fluoretos; dantrolene no controle da hipertermia maligna;
f- atuam por mecanismos imunológicos – ex.: soros antipeçonhentos usados nos acidentes ofídicos, aracnídicos,
escorpiônicos e por Lonomia; fragmentos Fab antidigoxina.
Essas substâncias têm importante função no tratamento das intoxicações. Possuem a ação mais específica,
mais eficaz e, muitas vezes, mais rápida dentre todas as substâncias ou métodos com utilidade terapêutica em Toxicologia
Clínica. Podem reduzir significativamente a morbidade e a mortalidade em certas intoxicações, mas, não são disponíveis
para a maioria dos agentes tóxicos e, segundo estimativas, são utilizados em apenas 1% dos casos.
O consumo e a experiência clínica na utilização desses medicamentos apresentam grandes variações regionais.
Por exemplo, a N-Acetilcisteína é freqüentemente empregada nos Estados Unidos e Inglaterra, tendo vista o grande número
de intoxicações por paracetamol nesses países. No Brasil, casos graves deste tipo de intoxicação ainda são raros, porém
existe uma grande possibilidade para o aumento dessas exposições, considerando-se a elevação do consumo de paracetamol
em razão da epidemia nacional de dengue.
As indicações para o uso de antídotos e antagonistas devem seguir os seguintes critérios:
1. especificidade de ação frente ao agente tóxico;
2. condições clínicas que justifiquem o seu uso (intoxicações graves ou com prognóstico de severidade);
3. concentrações sangüíneas do toxicante em níveis potencialmente tóxicos ou letais (por determinação
analítica ou por estimativa através da dose ingerida);
4. os benefícios terapêuticos superem os riscos, uma vez que os antídotos também possuem toxicidade
intrínseca;
5. ausência de contra-indicações.
Módulos Específicos:
Módulo VI: intoxicação por animais peçonhentos
2. Ofidismo
Botrópico:
Ação do veneno
O veneno botrópico apresenta 3 atividades principais:
Ação Inflamatória aguda: também chamada atividade “proteolítica”, é melhor definida como inflamatória
aguda. Decorre da ação de várias frações como metaloproteinases, fosfolipases e serinoproteases responsáveis pelos
fenômenos locais do envenenamento. Toxinas encontradas nesses venenos podem atuar por ação direta sobre diferentes
substratos, causando lesão tecidual através da ativação/liberação de mediadores celulares e moleculares do processo
inflamatório como leucócitos, derivados do ácido araquidônico
(leucotrienos, prostaglandinas, prostaciclinas), ativação do sistema
complemento e de cininas, liberação de citocinas inflamatórias,
como TNF-α, INF-γ, IL-1 e IL-6.
Ação Coagulante: é devida a enzimas que atuam em
pontos específicos da cascata de coagulação, levando ao consumo
de vários fatores de coagulação e do fibrinogênio, com a formação
de fibrina intravascular que, pela ativação da
fibrinólise/fibrinogenólise, é rapidamente degradada em produtos
de degradação da fibrina/fibrinogênio (PDF). Responsável pela
incoagulabilidade sanguínea observada nesses envenenamentos.
Ação Hemorrágica: é atribuída, particularmente, a
ação de metaloproteinases (hemorraginas) que, lesam o endotélio
vascular, além de também atuar na inflamação. Os sangramentos
observados em muitos pacientes também é atribuído a
anormalidades na quantidade e na função plaquetária, além da
coagulopatia descrita acima.
Quadro Clínico
O acidente botrópico pode evoluir com
alterações locais e/ou sistêmicas:
Alterações locais: Sangramento pelos
orifícios de inoculação do veneno é geralmente
relatado, em pequena quantidade. A dor e o edema
aparecem precocemente e progridem nas primeiras
horas. Equimose local ou próxima à área de drenagem
linfática regional pode ser observada. Bolhas podem
surgir, de conteúdo variável (seroso, hemorrágico,
necrótico, purulento).
Alterações sistêmicas: A alteração
sistêmica mais freqüentemente observada é a
incoagulabilidade sangüínea com ou sem hemorragias.
Equimose (local e regional), gengivorragia, epistaxe e
hematúria são as manifestações hemorráigcas mais
comumente observadas. Hematêmese, hemoptise,
hemoperitônio, sangramento intracraniano,
hemorragia meníngea, hemorragia hipofisária e
complicações hemorrágicas obstétricas são raras. A
hipotensão e o choque são descritos raramente e, em
geral, ocorrem nas primeiras horas após o acidente.
Complicações
Complicações locais
Alguns casos podem evoluir com complicações como:
Infecções: abscesso, celulite, erisipela ocorrem com
freqüência variável (de 1 a 20% segundo a literatura). Os germes mais
freqüentemente encontrados nos abscessos pertencem ao grupo dos
bacilos gram-negativos, sendo particularmente freqüente o achado de
Morganella morganii, e anaeróbios.
Necrose: sua incidência varia de 1 a 20% é mais
freqüentemente observada quando o acidente ocorre nos dedos
Síndrome compartimental: a síndrome compartimental é
uma complicação rara que geralmente ocorre nas primeiras 24 horas
após a picada. O quadro é decorrente da compressão do feixe vásculo-
nervoso, causada pelo edema acentuado.
Alguns fatores que favorecem a ocorrência das
complicações locais são: picada em dedos, utilização de torniquete ou garrote, incisões no local da picada e retardo na
administração do antiveneno.
Complicações sistêmicas
A insuficiência renal aguda (IRA) é uma complicação observada raramente e ocorre, em geral, nas primeiras
48 horas após o acidente. Pode estar associada a hipovolemia (decorrente de sangramento ou seqüestro de líquidos na região
picada), hipotensão/choque e coagulopatia de consumo. A lesão mais comumente observada tem sido a necrose tubular
aguda e, raramente, a necrose cortical.
A evolução para quadro séptico pode ocorrer nos pacientes que apresentaram infecção secundária e não foram
tratados adequadamente.
Crotálico:
Ação do veneno
As principais atividades do veneno são:
Ação neurotóxica: a crotoxina, importante fração do veneno crotálico, age na membrana pré-sináptica da
junção neuromuscular impedindo a liberação da acetilcolina, ocasionando paralisia muscular.
Ação miotóxica: leva a necrose seletiva de fibras da musculatura esquelética (rabdomiólise) e também é
atribuída a crotoxina.
Ação Coagulante: o veneno crotálico apresenta atividade trombina-like, que pode ocasionar incoagulabilidade
sangüínea.
Quadro Clínico
O quadro local é discreto, podendo ser observado leve edema. Alguns pacientes referem sensação de
parestesia na região da picada.
Nestes acidentes, as manifestações sistêmicas se apresentam mais evidentes. Ocorre turvação visual, ptose
palpebral, anisocoria, oftalmoplegia, paralisia velopalatina, com dificuldade à deglutição e diminuição do reflexo do
vômito, alteração da gustação e do olfato. Em casos mais graves o paciente pode evoluir com insuficiência respiratória
aguda.
Devido à atividade miotóxica, ocorre mialgia generalizada e escurecimento da urina, pela mioglobinúria.
Complicações
Complicação Local
Infecção secundária na região da picada tem sido raramente descrita.
Complicação Sistêmica
Insuficiência renal aguda (IRA) é uma complicação que pode ocorrer. Instala-se, na maioria das vezes, nas
primeiras 48 horas, sendo a necrose tubular aguda, a lesão usualmente observada. Está associada à rabdomiólise e eventual
efeito direto do veneno.
3. Escorpionismo
Características epidemiológicas dos acidentes por escorpiões
Cerca de 34.000 acidentes escorpiônicos foram notificados no ano de 2005, no Brasil, sendo mais freqüentes
na região Sudeste (no Estado de Minas Gerais) e Nordeste (especialmente nos estados da Bahia e Pernambuco).
Os acidentes são mais comuns na zona urbana e sua sazonalidade varia em cada região do país. A letalidade
nacional situa-se em torno de 0,3%, observando-se um aumento na faixa etária infanto-juvenil.
No Brasil, tem importância médica o gênero Tityus1. As principais espécies relacionadas aos acidentes são T.
serrulatus, T. bahiensis, T. stigmurus, T. paraensis e T. metuendus.
Ação do veneno
Toxinas presentes no veneno dos escorpiões atuam sobre canais de sódio causando despolarização das
terminações nervosas sensitivas, motoras e do sistema nervoso autônomo (SNA). A ação sobre as terminações sensitivas
causa o quadro doloroso no local da picada. A ação sobre o SNA pode causar liberação maciça de neurotransmissores
(adrenalina e acetilcolina), determinando o quadro clínico sistêmico, dependente da predominância dos efeitos adrenérgicos
e/ou colinérgicos nos diversos sistemas ou aparelhos do organismo.
Quadro Clínico
Alterações Locais
A dor no local da picada é o sintoma mais freqüente nesses acidentes. Ocorre logo após a inoculação do
veneno e em geral é intensa. Pode haver irradiação para a raiz do membro acometido. Outras manifestações locais incluem
parestesia, eritema, sudorese e piloereção.
Alterações Sistêmicas
É mais comum em crianças. Podem ser observados inicialmente, além do quadro local descrito anteriormente,
sinais de estimulação adrenérgica que ocorrem precocemente, nas primeiras horas após o acidente, como vômitos,
hipertensão arterial, taquicardia, sudorese, tremores. Fasciculações, sialorréia, priapismo, hipotensão arterial, arritmias
cardíaca, insuficiência cardíaca e edema agudo de pulmão também são.
Os acidentes podem ser classificados em leves, moderados e graves, baseado na presença e intensidade das
manifestações clínicas (Tabela 3)
Os acidentes graves são observados com maior freqüência em crianças e associados a exemplares adultos de
T. serrulatus.
Prognóstico
O prognóstico, nos casos graves, depende fundamentalmente da precocidade no diagnóstico, soroterapia
específica e tratamento de suporte adequado.
Exames complementares
Nos acidentes moderados e graves observa-se leucocitose com neutrofilia, hiperglicemia, hiperamilasemia,
hipopotassemia e hiponatremia. Em casos graves a enzima creatinoquinase M e B (CKMB) e a troponina I (proteína
altamente específica para o tecido miocárdico) podem estar aumentadas.
Alterações eletrocardiográficas como taquicardia ou bradicardia sinusal, extra-sístoles ventriculares, alterações
similares às encontradas no infarto agudo do miocárdio, bloqueio de condução atrioventricular ou intraventricular podem
ocorrer.
A radiografia de tórax pode evidenciar alterações compatíveis com o aumento da área cardíaca e edema agudo
de pulmão.
Em formas graves o ecocardiograma pode mostrar hipocinesia transitória do septo interventricular e da parede
posterior do ventrículo esquerdo.
Tratamento
Específico
A soroterapia está indicada em pacientes com manifestações sistêmicas, e as doses devem ser administradas de
acordo com a gravidade estimada do acidente (Tabela 3).
Geral
Nos casos onde há dor intensa, utilizar infiltração local de anestésico, do tipo lidocaína 2%, sem
vasoconstritor, até o máximo de 4mL por aplicação, nos adultos, que poderá ser repetida até um total de 3 vezes, a
intervalos de uma hora, dependendo da intensidade da dor. Em crianças deverá ser respeitada a dose máxima por dose.
Entretanto, ocasionalmente, pode ser necessário associar analgésicos opióides.
Nos casos em que a dor tem menor intensidade apenas analgésicos orais (ou sistêmicos) e compressas quentes
no local podem controlar a dor.
Primeiros socorros
Compressa morna no local da picada
Procurar o serviço médico mais próximo;
Se possível, levar o animal para identificação.
Prevenção
Evitar acúmulo de lixo doméstico, material de construção nas proximidades das casas;
Não colocar as mãos em buracos, sob pedras e troncos podres. É comum a presença de escorpiões sob dormentes da linha
férrea;
Usar telas em ralos do chão, pias ou tanques;
Vedar frestas e buracos em paredes e assoalhos; colocar saquinhos de areia nas portas e telas nas janelas;
Afastar as camas e berços das paredes; evitar que roupas de cama e mosquiteiros encostem no chão;
Acondicionar lixo domiciliar em sacos plásticos ou outros recipientes que possam ser mantidos fechados, para evitar
baratas, moscas ou insetos de que se alimentam os escorpiões;
Preservar os inimigos naturais dos escorpiões: aves de hábitos noturnos (coruja), galinhas, gansos.
Tabela - Classificação quanto à gravidade dos acidentes por escorpiões e propostas de tratamento.
Tra
C Tratame
Manifestações Clínicas tamento
lassificação nto Inespecífico
Específico
L Dor, eritema, sudorese, piloereção Observa -
eve ção clínica
Anestésico local e/ou
analgésico
Internaç
Quadro local e uma ou mais manifestações como: 2-3
M ão hospitalar
náuseas, vômitos, sudorese e sialorréia discretas, agitação, ampolas de
oderado Anestésico local e/ou
taquipnéia e taquicardia SAAr ou SAEs
analgésico
Além das manifestações acima: vômitos profusos e
Internaç 4-6
incoercíveis, sudorese e sialorréia intensa, prostração, convulsão,
ão em Unidade de ampolas de
coma, bradicardia, insuficiência cardíaca, edema agudo de pulmão,
Terapia Intensiva SAAr ou SAEs
choque
SAAr: Soro Anti-aracnídico. SAEs: Soro Anti-escropiônico. Fonte: Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por
Animais Peçonhentos, Ministério da Saúde, 1998.

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