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Bruna Cantarelli – 3º módulo P4

Problema 3 – INTOXICAÇÕES EXÓGENAS


Objetivos
1- Diferenciar os tipos de intoxicação exógena (acidental x intencional).
2- Conhecer as principais classes de fármacos e agentes (benzodiazepínicos, hidrocarbonetos e organofosforados) que pode
ter como consequência a intoxicação exógena.
3- Conhecer o efeito toxicológicos dos benzodiazepínicos.
4- Compreender os efeitos causados pela intoxicação nos sistemas: hepático, renal, genital, nervoso e hematológico.
5- Entender o quadro clínico relacionado com a conduta terapêutica em todas as classes citadas: AINES, antidepressivos,
analgésicos e benzodiazepínicos.

INTOXICAÇÃO EXÓGENA
A toxicologia é a ciência que estuda os efeitos nocivos decorrentes das interações das substâncias químicas com o
organismo, com a finalidade de prevenir, diagnosticar e tratar a intoxicação. Toxicidade é a capacidade inerente e potencial
do agente tóxico de provocar efeitos nocivos em organismos vivos. O efeito tóxico é geralmente proporcional à
concentração do agente tóxico ao nível do sítio de ação (tecido alvo). Ação tóxica é a maneira pela qual um agente tóxico
exerce sua atividade sobre as estruturas teciduais. O conceito de toxicidade vincula-se ainda a outro conceito, o de risco
tóxico. Pode-se definir o risco como sendo a probabilidade existente para que uma substância produza um efeito adverso
previsível, em determinadas condições específicas de uso. Os fatores que influenciam a toxicidade de uma substância são a
frequência de exposição, a duração da exposição e a via de administração da substância. Para isso, deve-se conhecer o tipo
de efeito que ela produz, a dose para produzir o efeito, as informações sobre as características/propriedades de uma
substância e as informações sobre a exposição e o indivíduo.
Intoxicação é um processo patológico causado por substâncias endógenas ou exógenas, caracterizado por desequilíbrio
fisiológico, consequente das alterações bioquímicas no organismo. O processo de intoxicação é evidenciado por sinais e
sintomas ou mediante dados laboratoriais e pode ser desdobrado em quatro fases: exposição, toxicocinética, toxicodinâmica,
clínica.

Fase de exposição – é a fase em que as superfícies externa ou interna do organismo entram em contato com o toxicante. É
importante considerar nessa fase a via de introdução, a frequência e a duração da exposição, as propriedades físico-químicas,
assim como a dose ou a concentração do xenobiótico e a suscetibilidade individual.
Fase de toxicocinética – inclui todos os processos envolvidos na relação entre a disponibilidade química e a concentração do
agente nos diferentes tecidos do organismo. Intervém nessa fase a absorção, a distribuição, o armazenamento, a
biotransformação e a excreção das substâncias químicas. As propriedades físico-químicas dos toxicantes determinam o grau
de acesso aos órgãos-alvos, assim como a velocidade de sua eliminação do organismo.
Fase de toxicodinâmica – compreende a interação entre as moléculas do toxicante e os sítios de ação, específicos ou não,
dos órgãos e, consequentemente, a alteração do equilíbrio homeostático.
Fase clínica – é a fase em que há evidências de sinais e sintomas, ou ainda, alterações patológicas detectáveis mediante
provas diagnósticas, caracterizando os efeitos nocivos provocados pela interação do toxicante com o organismo.
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Classificação de intoxicação exógena
Intoxicação é comumente decorrente da ingestão, mas pode ser resultante de injeções, inalação ou exposição da superfície
corporal. Em geral, muitas substâncias que não são alimentos e são comumente ingeridas não são tóxicas; entretanto, quase
todas as substâncias podem ser tóxicas se ingeridas em quantidades excessivas.
As intoxicações às substâncias químicas podem ser agudas e crônicas e poderão se manifestar de forma leve (rapidamente
reversíveis, e desaparecem com o fim da exposição), moderada (são reversíveis e não provocam danos) ou grave (irreversíveis
e produzem lesões graves ou morte), a depender da quantidade de substância química absorvida, do tempo de absorção, da
toxicidade do produto e do tempo decorrido entre a exposição e o atendimento.
Intoxicação aguda: são decorrentes de uma única exposição ao agente tóxico ou mesmo de sucessivas exposições, desde que
ocorram num prazo médio de 24 horas, podendo causar efeitos imediatos.
Intoxicação crônica: pode manifestar-se por meio de inúmeras doenças que atingem vários órgãos e sistemas, com destaque
para problemas neurológicos, imunológicos, endocrinológicos, hematológicos, dermatológicos, hepáticos, renais,
malformações congênitas, tumores, entre outros. Os efeitos danosos sobre a saúde aparecem no decorrer de repetidas
exposições, que normalmente ocorrem durante longos períodos.
É importante identificar também o motivo ou razão que proporcionou o contato do paciente com o agente tóxico, que,
possivelmente, ocasionou o evento. Selecionar a circunstância que melhor descreva a razão pela qual ocorreu a exposição da
pessoa ao agente tóxico.
Acidental: exposição indesejável e inesperada, não-intencional, que causa danos a saúde. Exemplo: As exposições
não-intencionais nas crianças e acidente no local de trabalho.
É comum em crianças pequenas que são curiosas e ingerem qualquer coisa indiscriminadamente apesar de gosto e odor
ruins; em geral, uma só substância está implicada. Também pode ocorrer em idosos por causa de estado de confusão, má
visão, deficiência mental ou múltiplas prescrições do mesmo fármaco por diferentes médicos.
Intencional: uso intencional de qualquer produto e/ou substância química com a intenção de causar a própria morte.
É comum em crianças de mais idade, adolescentes e adultos que tentam o suicídio; várias drogas podem estar envolvidas,
tais como álcool, paracetamol e outros fármacos de venda livre.
Em crianças até 4 anos: produtos químicos de uso doméstico, medicamentos ou plantas tóxicas;
Adolescentes (15 a 19 anos): álcool e drogas ilícitas;
Adultos: tentativa de suicídio;
Idosos: atentar para dificuldade de metabolização.
Diagnóstico e tratamento de intoxicações
Toda intoxicação suspeita ou confirmada deverá ser tratada como uma situação clínica potencialmente grave, pois mesmo
pacientes que não apresentam sintomas inicialmente, podem evoluir mal. Desta forma, a abordagem inicial deve ser feita de
forma rápida e criteriosa.
O primeiro passo no atendimento de um paciente intoxicado é a realização de um breve exame físico para identificar as
medidas imediatas necessárias para estabilizar o indivíduo e evitar a piora clínica. Portanto, neste momento, é de
fundamental importância checar: sinais vitais; nível e estado de consciência; pupilas (diâmetro e reatividade à luz);
temperatura e umidade da pele; oximetria de pulso; medida de glicose capilar (dextro); obter ECG e realizar monitorização
eletrocardiográfica se necessário; manter vias aéreas abertas e realizar intubação orotraqueal (IOT), se necessário; obter
acesso venoso calibroso (neste momento, podem ser coletadas amostras para exames toxicológicos); administrar tiamina e
glicose via intravenosa (IV) se o paciente se apresentar com alteração do nível de consciência, a menos que os diagnósticos
de intoxicação alcoólica e hipoglicemia possam ser rapidamente excluídos; administrar naloxona em pacientes com hipótese
de intoxicação por opioide. A hipótese de intoxicação por opioide é feita com base na exposição à substância e sinais
clínicos como rebaixamento do nível de consciência, depressão respiratória e pupilas mióticas puntiformes; procurar sinais
de trauma, infecção, marcas de agulha ou edema de extremidades.
A abordagem diagnóstica de uma suspeita de intoxicação envolve a história da exposição, o exame físico e exames
complementares de rotina e toxicológicos. Dependendo do agente envolvido podem ser solicitados exames laboratoriais,
ECG, exames de imagem (RX, TC) ou endoscopia digestiva alta.
O manejo adequado de um paciente com suspeita de intoxicação depende do agente envolvido e da sua toxicidade, assim
como do tempo decorrido entre a exposição e o atendimento. Além do suporte, o tratamento envolve medidas específicas
como descontaminação, administração de antídotos e técnicas de eliminação.
Descontaminação: visa a remoção do agente tóxico com o intuito de diminuir a sua absorção. A indicação da
descontaminação GI depende da substância ingerida, do tempo decorrido da ingestão, dos sintomas apresentados e
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do potencial de gravidade do caso. Recomenda-se avaliação criteriosa do nível de consciência do paciente, antes de iniciar o
procedimento e sempre considerar intubação orotraqueal, caso julgar necessário, para proteção de vias aéreas.
Habitualmente, o procedimento divide-se em duas etapas: a realização da lavagem gástrica seguida da administração do
carvão ativado:
A lavagem gástrica consiste na infusão e posterior aspiração de soro fisiológico a 0,9% (SF 0,9%) através de sonda
nasogástrica ou orogástrica, com o objetivo de retirar a substância ingerida.
Carvão ativado é um pó obtido da pirólise de material orgânico, com partículas porosas com alto poder adsorvente do
agente tóxico, que previne a sua absorção pelo organismo. Geralmente é utilizado após a LG, mas pode ser utilizado como
medida única de descontaminação GI. Nestes casos, a administração pode ser por via oral sem necessidade da passagem de
sonda nasogástrica. Na maioria das vezes deverá ser utilizado em dose única, porém pode ser administrado em doses
múltiplas como medida de eliminação, em exposições a agentes de ação prolongada ou com circulação ênterohepática.

Fármacos e agentes relacionados com intoxicação


AINES
Constituem-se em um grupo de medicamentos que têm propriedades farmacológicas similares e são utilizados para controle
da dor e de processos inflamatórios. A intoxicação pela maioria destes medicamentos produzem usualmente alterações
gastro-intestinais leves.
 Quadro clínico
As intoxicações agudas por AINEs são frequentes, porém casos graves são raros. O uso crônico e/ou inadequado pode
trazer maiores prejuízos tais como: alterações gastrintestinais, renais e cardiovasculares.
Intoxicação leve: de modo geral, os pacientes são assintomáticos ou apresentam um quadro gastro-intestinal leve, com
náuseas, vômitos, dor ou desconforto abdominal. Ocasionalmente podem apresentar sonolência, cefaleia, letargia, ataxia,
nistagmo, tinitus e desorientação. Pode ocorrer também prolongamento do tempo de sangramento por inibição do
tromboxano, podendo durar de 1 dia a 2 semanas dependendo da meia vida do medicamento. Leve alteração das
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transaminases também pode ser encontrada. Convulsões são incomuns (< 2%) e auto-limitadas, exceção feita nas
intoxicações pelo ácido mefenâmico e fenilbutazona. Insuficiência Renal Aguda (IRA) são incomuns na intoxicação
aguda, porém pode ocorrer com alguns medicamentos como ácido mefenâmico, diclofenaco, naproxen, piroxicam,
fenprofeno, ibuprofeno, etc. Geralmente ocorre em pacientes de risco com alguma comorbidade como: desidratação,
hepatopatias, cardiopatias, lesões renais prévias. Estas alterações são normalmente reversíveis e se resolvem em alguns dias.
Intoxicação grave: ocorre geralmente com doses tóxicas de fenilbutazona, ácido mefenâmico, piroxicam, ibuprofeno, ou com
o uso de doses muito altas de qualquer um dos AINEs. Pode ocorrer hipoprotrombinemia, acidose metabólica, disfunção
hepática, convulsões, coma e alterações cardiovasculares.
 Tratamento
Medidas de suporte: desobstruir vias aéreas e administrar oxigênio suplementar quando necessário; monitorizar sinais vitais;
obter acesso venoso calibroso e coletar amostras biológicas para exames de rotina e toxicológicos; hidratação adequada.
Descontaminação: lavagem gástrica e carvão ativado não têm indicação de rotina, no entanto devem ser considerados para
pacientes com ingestão de dose maciça ou uso de preparações de liberação prolongada.
Antídoto: não há.
Medidas de eliminação: em intoxicações graves, diálise não é indicada pela alta ligação proteica.
Antidepressivos ISRS
São medicamentos utilizados no tratamento da depressão, de outros transtornos psiquiátricos tais como síndrome do
pânico, fobias e transtorno obsessivo-compulsivo, e de transtornos alimentares, incluindo anorexia, bulimia e obesidade.
 Quadro clínico
Intoxicação leve a moderada: ataxia e letargia.
Intoxicação grave: bradicardia, hipotensão, depressão do SNC e coma.
Há risco de síndrome serotoninérgica quando a quantidade ingerida é alta ou quando são ingeridos em associação com
outras substâncias que elevam o nível de serotonina como outros antidepressivos e drogas de abuso. Caracteriza-se pela
tríade:
o Alterações do estado mental: agitação, ansiedade, confusão mental, hipomania;
o Instabilidade autonômica: taquicardia, hipertensão, sudorese, hipertermia, midríase;
o Hiperatividade neuromuscular: hiperreflexia, mioclonias, rigidez, tremores.
 Tratamento
Medidas de suporte: a maioria dos casos de ingestão de ISRS não desenvolvem sintomas graves necessitando apenas de
medidas de suporte básico de vida. Desobstruir vias aéreas e administrar oxigênio suplementar quando necessário;
monitorizar sinais vitais; obter acesso venoso calibroso e coletar amostras biológicas para exames laboratoriais e
toxicológicos; hidratação adequada.
Descontaminação: lavagem gástrica + carvão ativado: A lavagem gástrica não é necessária nas pequenas ingestas, podendo
ser administrado somente o carvão ativado 1 g/Kg, preferencialmente VO; em intoxicações graves com ingestão de grande
quantidade, ou co-ingestão de outros toxicantes, realizar lavagem gástrica precocemente (até 1 hora da ingestão) com SF
0,9%; administrar em seguida carvão ativado por sonda nasogástrica.
Antídoto: não há.
Medidas de eliminação: não estão indicadas.
Antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos
São medicamentos utilizados no tratamento da depressão maior, insônia e síndromes dolorosas crônicas.
 Quadro clínico
Intoxicação leve a moderada: sonolência, sedação, taquicardia, alucinações, midríase e outros efeitos anticolinérgicos.
Intoxicação grave: convulsões, coma, aumento do intervalo QRS no eletrocardiograma (ECG), arritmias ventriculares,
insuficiência respiratória, e hipotensão. Podem ocorrer arritmias graves levando à parada cardíaca e óbito, mesmo em
pacientes jovens.
A suspeita de intoxicação por antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos deve ser feita sempre naqueles pacientes com
sintomas de midríase, letargia, convulsões ou coma associados a alterações no ECG.
 Tratamento
Medidas de suporte: monitorizar sinais vitais; iniciar monitorização eletrocardiográfica nos casos de arritmia; obter acesso
venoso calibroso e coletar amostras biológicas para exames de rotina e toxicológico; desobstruir vias aéreas e administrar
oxigênio suplementar e IOT quando necessário; hidratação adequada; avaliar estado mental e neurológico; verificar e
corrigir distúrbios hidreletrolíticos relacionados a Na, K e Ca por devido ao aumento do risco de arritmias; manter o
paciente em observação por 72 h ou quando ainda apresentar alterações no ECG.
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Descontaminação: realizar lavagem gástrica precoce com SF 0,9% até 1 hora após ingestão. Devido à sua ação
anticolinérgica, na ingestão de doses muito elevadas considerar lavagem gástrica mesmo após algumas horas da ingestão;
administrar carvão ativado por SNG após realizar a lavagem gástrica. Na ingestão de pequenas doses, o carvão ativado
pode ser administrado por VO como medida inicial de descontaminação, não se realizando- a lavagem gástrica.
Medidas de eliminação: carvão ativado em dose múltipla: considerar em casos graves. A administração pode ser repetida 1 a
2 vezes nas primeiras 12 horas; associar catártico nestes casos.
Antídoto: não há.
Opióides e opiáceos
São medicamentos utilizados para analgesia em cirurgia, câncer, queimaduras e traumas. Também usados como droga de
abuso. A metadona é também utilizada no tratamento da dependência por opioides.
 Quadro clínico
As manifestações mais importantes estão relacionadas aos efeitos em SNC, como sedação, perda de resposta a estímulos
(verbais e táteis) e falhas no controle da respiração, temperatura e pressão arterial.
Intoxicação leve a moderada: euforia, sonolência, constipação, náusea, vômitos, miose puntiforme, bradicardia leve e
hipotensão.
Intoxicação grave: depressão respiratória levando a apneia, hipóxia, coma e bradicardia. Raramente, observa-se convulsões
decorrentes da hipóxia. Coma prolongado e convulsões podem levar à necrose tubular aguda por rabdomiólise e
mioglobinúria. Podem ocorrer complicações pulmonares como broncoaspiração e edema pulmonar agudo não-cardiogênico.
Obs.: Arritmias podem ser observadas nas intoxicações por metadona e propoxifeno.
 Tratamento
Medida de suporte:
o Convulsão: administrar oxigênio e benzodiazepínicos; se convulsões repetidas, considerar administração de fenobarbital;
o Hipotensão: geralmente reverte pela administração de naloxona; administrar solução salina e vasopressores, se necessário;
o Arritmias: se aumento QRS nas ingestões de propoxifeno: administrar bicarbonato de sódio; se aumento do intervalo QT
ou Torsades de Pointes nas ingestões de metadona: monitorar ritmo cardíaco e corrigir distúrbios eletrolíticos (hipocalemia,
hipocalcemia e hipomagnesemia)
Descontaminação: lavagem gástrica e carvão ativado: indicados em ingestões recentes sem sintomas graves de intoxicação.
Medidas de eliminação: não estão indicadas.
Antídoto: Naloxona.
. Indicado para reversão da depressão respiratória (FR < 12 ipm);
. Pode ser administrado IV, IM, SC, intranasal ou endotraqueal;
. Dose: 0,4 a 2 mg IV; pode ser repetida a cada 2 a 3 minutos até 10 mg. Recomenda-se iniciar com 0,04 mg se o paciente
tem respiração espontânea. Em pacientes com quadros de apnéia ou parada cardiorrespiratória, a dose inicial deve ser mais
alta (1 a 2 mg);
. É necessária infusão contínua em ingestões de substâncias com ação prolongada; a dose sugerida é de 2/3 da dose
necessária para reverter a depressão respiratória, administrada por hora;
. Deve-se ter cautela na administração em dependentes de opióides por risco de síndrome de abstinência.
Obs.: a síndrome de abstinência por opioides causa ansiedade, piloereção, hiperalgesia, insônia, dores abdominais e diarreia.
Hidrocarbonetos
Os hidrocarbonetos são amplamente utilizados como solventes, desengordurantes, combustíveis e lubrificantes. Além da
exposição inadvertida, a intoxicação também costuma ocorrer a partir da inalação de gases de hidrocarbonetos voláteis
usados no abuso de drogas. Os hidrocarbonetos incluem compostos orgânicos derivados da destilação do petróleo, assim
como de diversas outras origens, incluindo óleos vegetais, gorduras animais e carvão. Subcategorias de hidrocarbonetos
incluem alifáticos (estrutura de carbono saturada), aromáticos (contêm um ou mais anéis de benzeno), halogenados
(contêm átomos de cloro, bromo ou flúor), alcoóis e glicóis, éteres, cetonas, ácidos carboxílicos e muitos outros.
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 Quadro clínico
Os hidrocarbonetos podem causar lesão direta no pulmão após aspiração pulmonar (caracterizado por desconforto
respiratório, como taquipneia, respiração ofegante, hipóxia) ou intoxicação sistêmica após ingestão (causa náuseas e
vômitos), inalação (asfixia) ou absorção cutânea (causa inflamação local, dor e necrose). Muitos hidrocarbonetos também
causam irritação nos olhos e na pele.
Organofosforados
São utilizados amplamente no controle de insetos e outros parasitas, podendo ser utilizados com finalidade agrícola,
doméstica ou veterinária. Atualmente existem cerca de 29 princípios ativos organofosforados. Eles inibem a
acetilcolinesterase, resultando no acúmulo de acetilcolina nas sinapses colinérgicas no sistema nervoso central, periférico
somático e autônomo, levando ao aumento da resposta nos receptores pós-sinápticos, nicotínicos ou muscarínicos.
 Quadro clínico
Agudas:
o Muscarínicas: salivação, sudorese, lacrimejamento, hipersecreção brônquica, bradicardia, miose, vômitos e diarreia;
o Nicotínicas: Taquicardia, hipertensão, midríase, fasciculações, fraqueza muscular e hiporreflexia, podendo evoluir para
paralisia dos músculos respiratórios;
o Centrais: Agitação, labilidade emocional, cefaleia, tontura, confusão mental, ataxia, convulsões e coma.
Tardias:
o As intoxicações graves por inseticidas inibidores das colinesterases habitualmente estão associadas a distúrbios ácido-
básicos, metabólicos e hidroeletrolíticos;
o Nas intoxicações agudas por inseticidas OF, podem ocorrer quadros clínicos neurológicos mais tardios;
o Síndrome intermediária: Aparece 24 a 96 horas após a exposição, e é caracterizada pela paralisia das musculaturas proxi-
mal e respiratória que pode ocorrer com alguns OF tais como: fentiona, malationa, diazinona, monocrotofos, metamidofos,
parationa metilica, parationa etílica;
o Polineuropatia tardia: pode ocorrer após 7 a 21 dias da exposição a alguns OF como o metamidofos, a malationa e o
clorpirifos entre outros;
o Desordens neuropsiquiátricas: Em exposições agudas à altos níveis de OF ou nas exposições à baixas doses por períodos
prolongados, tem sido descritas em trabalhadores expostos à OF, desordens neuropsiquiátricas induzidas por OF;
Estas desordens vão desde manifestações inespecíficas tais como sonolência, ansiedade. alterações da memória, fadiga, até
manifestações mais graves como delírio, agressividade e alucinação.
Benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos são medicamentos utilizados em transtornos ansiosos, como anticonvulsivantes, na síndrome de
abstinência alcoólica, nos estados hiperadrenérgicos como intoxicações por drogas de abuso, como relaxantes musculares e
como agentes sedativos em procedimentos. Eles têm uma alta incidência de uso caracterizando a prescrição de cerca de 50%
dos psicotrópicos. Consequentemente, os casos de intoxicação por esta classe de medicamentos são uma das maiores causas
de intoxicação medicamentosa no Brasil, evidenciando o alto risco de consumo de doses acidentais e tentativas de suicídio
por tais drogas.
 Fisiopatologia
Os benzodiazepínicos têm como mecanismo de ação a potencialização da atividade inibitória do ácido gama aminobutírico
(GABA) em todos os níveis do neuroeixo, incluindo a medula espinal, o hipotálamo, o hipocampo, a substância negra, o
córtex cerebelar e o córtex cerebral. São substâncias com excelente absorção oral e alta ligação proteica, além de serem
lipossolúveis, característica que permite uma rápida penetração no cérebro. Aproximadamente 30% dos neurônios corticais
e do tálamo apresentam receptores GABA, que tem como principais variações: GABAa, GABAb e GABAc.
Sendo o GABAa o responsável pela atuação dos benzodiazepínicos. O GABAa possui cinco subunidades e um canal que
permite a entrada de cloro. Quando o benzodiazepínico se liga a este receptor gabaérgico, os canais de cloro se abrem e
permitem uma hiperpolarização da membrana, esse influxo causa redução da hiperexcitabilidade dos neurônios, resultando
em depressão generalizada dos reflexos da medula e do sistema ativador reticular. Em casos de superdosagem ou de
exacerbação do efeito agonista por associação a outras substâncias depressoras do sistema nervoso central, como os
barbitúricos, o indivíduo poderá evoluir para um estado de coma, depressão respiratória e até mesmo óbito.
 Quadro clínico
Intoxicação leve a moderada: sonolência, sedação, fala arrastada.
Intoxicação grave: coma com depressão respiratória, hipotensão e hipotermia, principalmente com o uso endovenoso ou em
associação com outros depressores do SNC; depressão respiratória pode ocorrer em crianças, mesmo com doses
terapêuticas.
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Síndrome de abstinência: pode ser precipitada pela descontinuação abrupta após longo tempo de uso de benzodiazepínicos.
Os principais sintomas associados são o rebaixamento do nível de consciência, depressão respiratória, sem que haja
alterações dos parâmetros vitais. Em alguns casos pode levar ao coma, principalmente quando associado a outras drogas
depressoras do SNC.
O exame físico neurológico demonstra: sonolência excessiva, diplopia, ataxia, disartria e hiporreflexia.
 Tratamento
Manejo inicial inclui: monitorização das funções vitais, oxigenioterapia, hidratação venosa, exames laboratoriais
(hemograma, função renal, função hepática, eletrólitos, glicemia, ECG), correção de possíveis distúrbios hidroeletrolíticos.
Além disso, é importante manter a via aérea pérvia (desobstruída) e avaliar a necessidade de intubação orotraqueal
precocemente.
Antídoto: para bloqueio da ação dos benzodiazepínicos, o antagonista de escolha é o flumazenil. Ele é raramente utilizado,
pois as intoxicações isoladas por benzodiazepínicos geralmente não representam risco de vida. Portanto, o seu uso é
reservado para situações envolvendo sedações iatrogênicas ou intoxicações graves com depressão respiratória. A dose inicial
é de 0,1 a 0,2 mg IV em 15 a 30 segundos e repetida conforme a necessidade até a quantidade máxima de 1 mg. A meia-
vida do flumazenil é de apenas 1 a 2 horas, em casos gaves poderá ser necessária infusão contínua de 0,1 a 1 mg/h.
É contraindicado nas ingestões concomitantes de substâncias que diminuem o limiar para convulsão, como os
antidepressivos tricíclicos. Usuários crônicos de benzodiazepínicos podem desenvolver síndrome de abstinência,
caracterizada por tremores, ansiedade, disforia e, em casos graves, psicose e convulsões. Desta forma, raramente indica-se o
uso de flumazenil em usuários crônicos de benzodiazepínicos.
Descontaminação: o uso de carvão ativado pode ser feito na dose de 1g/kg em casos em que a intoxicação é
pequena/média. A descontaminação com lavagem gástrica não é indicada em casos leves e moderados, sendo utilizada
apenas em casos graves.
Nos sintomáticos com hipotensão: administração de solução salina; raramente é necessário o uso de drogas vasoativas.
Efeitos sistêmicos da intoxicação
Sistema hepático
A localização e os processos especializados de captação e secreção biliar condicionam níveis mais elevados de exposição no
fígado do que em outros tecidos do organismo e em certos tipos de células hepáticas. A elevada capacidade para reações de
bioativação influencia a taxa de exposição a toxicantes. Eventos subsequentes na patogênese parecem ser influenciados pelas
respostas das células sinusoidais e do sistema imune. As substâncias químicas que ingressam pela via digestiva são absorvidas
e chegam ao fígado. As células hepáticas têm uma capacidade muito grande para biotransformar agentes xenobióticos
(compostos químicos estranhos a um organismo), sendo convertidos geralmente em substâncias mais hidrossolúveis que são
eliminadas pela via renal. A magnitude do dano causado por substâncias químicas sobre o fígado depende da intensidade da
ação, do tipo de células afetadas e se a exposição foi aguda ou crônica.

Sistema renal
Várias substâncias químicas podem produzir efeitos nocivos nos rins devido a mecanismos de ação diferentes. Os metais
pesados como o mercúrio, cádmio, crômio e chumbo têm efeitos sobre o túbulo renal. Concentrações altas de metais
presentes no filtrado glomerular podem danificar as funções dos túbulos e produzir a perda de grandes quantidades de
moléculas essenciais para o organismo como a glicose e aminoácidos. Se a concentração de metais for suficientemente alta
poderá acontecer a morte das células e alterar a função renal como um todo. O tetracloreto de carbono e o clorofórmio são
hepatotóxicos e nefrotóxicos.
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Uma das manifestações mais comuns de lesão nefrotoxicante é a insuficiência renal aguda (IRA), caracterizada por um
declínio abrupto na TFG, resultando em azotemia ou em acúmulo de resíduos de hidrogênio no sangue. A deterioração
progressiva da função renal (insuficiência renal crônica) pode ocorrer com a exposição a vários compostos químicos a longo
prazo. Após a perda do néfron, aumentos adaptativos nas pressões e nos fluxos glomerulares aumentam a TFG do néfron
entre os néfrons viáveis restantes, o que serve para manter a TFG em todo o rim.
O glomérulo é o lugar inicial da exposição química dentro do néfron, e vários nefrotoxicantes alteram a permeabilidade
glomerular a proteínas. A lesão glomerular quimicamente induzida também pode ser mediada por fatores extrarrenais.
O túbulo proximal é o local mais comum em que ocorre lesão renal induzida por toxicantes. As razões para esse fato estão,
em parte, relacionadas à acumulação seletiva de xenobióticos dentro desse segmento do néfron. O túbulo proximal tem um
epitélio propenso ao escape de líquido, favorecendo o fluxo de compostos para as células tubulares proximais.
Sistema reprodutor
O sistema reprodutor dos homens e das mulheres pode ser alterado por determinadas substâncias químicas. Nos homens,
algumas substâncias como DBCP (1,2-Dibromo-3-Cloro propano) e cádmio, podem reduzir ou impedir a produção de
esperma. Podem acontecer alterações no processo reprodutor, como a indução de modificações fisiológicas e bioquímicas
que reduzem a fertilidade, e impedem totalmente o desenvolvimento do feto ou do nascimento normal.
Um aspecto muito estudado sobre a toxicidade reprodutora é a chamada toxicidade do desenvolvimento. Esta área
compreende o estudo dos efeitos das substâncias químicas no desenvolvimento do embrião e do feto durante a exposição no
útero e no desenvolvimento posterior da criança depois do nascimento. Nesta época a exposição pode cessar ou continuar
porque a substância química recebida pela mãe é transferida ao leite e também pode continuar toda a vida porque existem
fontes adicionais diferentes daquelas as quais a mãe esteve exposta.
A exposição a agentes químicos com função hormonal durante a diferenciação sexual pode acarretar
pseudohermafroditismo.
Para um macho adulto, existem vários alvos em potencial para a ação de agentes químicos no sistema reprodutor. Análogos
da dopamina e estrógenos interferem na produção e liberação de gonadotrofina, afetando, assim, a espermatogênese. Além
disso, a alteração no fornecimento de nutrientes pode acarretar efeitos diretos na espermatogênese e problemas subsequentes
na fertilidade. Da mesma forma, agentes químicos que afetem diretamente o fígado (p. ex., CCl4) podem alterar o
metabolismo normal dos esteroides sexuais, provocando modificações na depuração (predominantemente de conjugados
com ácido glucurônico e com sulfatos de hidro- xitestosterona), afetando indiretamente o eixo HPG e a reprodução
masculina. Alguns agentes químicos (p. ex., cádmio) podem afetar essa estrutura e o sistema circulatório testicular e induzir
choque isquêmico, que resulta em lesão tecidual e prejuízos na fertilidade.
Sistema nervoso
O sistema nervoso está relacionado a praticamente todas as funções mentais e físicas do organismo. Os neurotoxicologistas
geralmente dividem os efeitos tóxicos segundo o local primário de ação da substância química. Algumas substâncias
químicas, como o monóxido de carbono, podem produzir falta de oxigênio ou de glicose no cérebro com graves efeitos para
o organismo. Outras substâncias como o chumbo e o hexaclorobenzeno são capazes de produzir perda de mielina, e alguns
compostos orgânicos do mercúrio podem produzir efeitos nos neurônios periféricos.
Compostos neurotóxicos distintos têm, em geral, um dos quatro alvos: o neurônio, o axônio, a célula mielinizada ou o
sistema neurotransmissor.
Sistema circulatório
As substâncias químicas são absorvidas e passam para o sangue que as transportam aos distintos órgãos. Quando a
concentração das substâncias químicas ou dos produtos de biotransformação atinge níveis altos, pode acontecer uma
intoxicação sistêmica. Algumas substâncias químicas são diretamente tóxicas para os diferentes elementos do sangue e outras
produzem mudanças em alguns elementos do sangue que provocam alterações em outros sistemas do organismo. Um
exemplo pode ser o monóxido de carbono (CO) que quando é inalado une-se à hemoglobina produzindo
carboxihemoglobina que dificulta o transporte de oxigênio pelo sangue para os tecidos.
Os eritrócitos estão envolvidos como carreadores e/ou reservatórios para fármacos e toxicantes. Xenobióticos podem afetar
a produção, a função e a sobrevida dos eritrócitos. Esses efeitos se manifestam com mais frequência como uma mudança na
massa de eritrócitos circulantes, em geral resultando em um decréscimo (anemia). Às vezes, agentes que afetam a afinidade
da hemoglobina pelo oxigênio induzem um aumento na massa de eritrócitos (eritrocitose).
Dois processos relacionados contribuem para o aumento do número de reticulócitos em humanos. Primeiro, a destruição
aumentada é acompanhada por uma elevação compensatória na produção da medula óssea, com aumento no número de
Bruna Cantarelli – 3º módulo P4
células sendo liberadas da medula para a circulação. Segundo, durante a hiperplasia eritroide compensatória, a medula libera
reticuló- citos antecipadamente, e, assim, eles persistem por um período maior no sangue periférico.
As anormalidades que levam ao decréscimo da síntese de hemoglobina são relativamente comuns (p. ex., deficiência de
ferro). Os xenobióticos podem afetar a síntese das cadeias de globinas e alterar a composição da hemoglobina no interior do
eritrócito. A síntese do heme requer a incorporação do ferro no anel de porfirina. A deficiência de ferro é, em geral, o
resultado da deficiência do componente na dieta ou do aumento de perda sanguínea.
O elevado índice de proliferação dos neutrófilos torna esta célula e o pool precursor granulocítico particularmente
suscetíveis a inibidores de mitoses. Esses efeitos pelo uso de fármacos citotóxicos são geralmente inespecíficos, uma vez que
afetam as células da derme, trato gastrintestinal e outros tecidos que se dividem rapidamente. Agentes que afetam
neutrófilos e monócitos apresentam um risco maior de sequelas tóxicas, como infecções. Esses efeitos tendem a ser
relacionados à dose, com recuperação fagocitária mononuclear precedendo a recuperação neutrofílica.
Alterações das plaquetas ou a ativação sistêmica desse sistema pode levar a manifestações clínicas de uma hemostasia
alterada, incluindo sangramento excessivo e tromboses. O sistema hemostático é um alvo frequente de intervenções
terapêuticas, bem como de expressão inadvertida do efeito tóxico de uma variedade de xenobióticos. A exposição a
xenobióticos pode resultar em aumento na destruição das plaquetas imunes mediadas por meio de diversos mecanismos.

Sistemas Efeitos da intoxicação


Hepático Morte de hepatócitos, colestase canalicular, lesão do ducto biliar, dano sinusoidal, ruptura do
citoesqueleto, esteatose hepática, fibrose, cirrose, tumores e hepatite.
Renal Insuficiência renal aguda ou crônica, lesão glomerular (glomerulonefrite), lesão tubular proximal, lesão em
alça de Henle/túbulo distal/ducto coletor e lesão papilar (uso abusivo de analgésico - isquemia)
Reprodutor Infertilidade, pseudo-hermafrodismo (exposição durante a diferenciação sexual), adenocarcinoma de
vagina, anormalidades estruturais da cérvix, do útero e da trompa de falópio, malformações fetais e
alterações endócrinas
Nervoso Neuropatias, axonopatias (degeneração do axônio e, consequentemente, da mielina) e mielonopatias
(edema intramielínico e desmielinização)
Retardo mental, transtornos emocionais, demência, déficit de aprendizado, cegueira, comprometimento de
fala e visual, tremores, letargia, cefaleia, perda de memória, náusea, vômito e convulsões
Circulatório Eritrocitose, anemia, hemorragias, infecções, neutropenia tóxica, leucemia e trombose

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