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INTOXICAÇÃO EXÓGENA
A toxicologia é a ciência que estuda os efeitos nocivos decorrentes das interações das substâncias químicas com o
organismo, com a finalidade de prevenir, diagnosticar e tratar a intoxicação. Toxicidade é a capacidade inerente e potencial
do agente tóxico de provocar efeitos nocivos em organismos vivos. O efeito tóxico é geralmente proporcional à
concentração do agente tóxico ao nível do sítio de ação (tecido alvo). Ação tóxica é a maneira pela qual um agente tóxico
exerce sua atividade sobre as estruturas teciduais. O conceito de toxicidade vincula-se ainda a outro conceito, o de risco
tóxico. Pode-se definir o risco como sendo a probabilidade existente para que uma substância produza um efeito adverso
previsível, em determinadas condições específicas de uso. Os fatores que influenciam a toxicidade de uma substância são a
frequência de exposição, a duração da exposição e a via de administração da substância. Para isso, deve-se conhecer o tipo
de efeito que ela produz, a dose para produzir o efeito, as informações sobre as características/propriedades de uma
substância e as informações sobre a exposição e o indivíduo.
Intoxicação é um processo patológico causado por substâncias endógenas ou exógenas, caracterizado por desequilíbrio
fisiológico, consequente das alterações bioquímicas no organismo. O processo de intoxicação é evidenciado por sinais e
sintomas ou mediante dados laboratoriais e pode ser desdobrado em quatro fases: exposição, toxicocinética, toxicodinâmica,
clínica.
Fase de exposição – é a fase em que as superfícies externa ou interna do organismo entram em contato com o toxicante. É
importante considerar nessa fase a via de introdução, a frequência e a duração da exposição, as propriedades físico-químicas,
assim como a dose ou a concentração do xenobiótico e a suscetibilidade individual.
Fase de toxicocinética – inclui todos os processos envolvidos na relação entre a disponibilidade química e a concentração do
agente nos diferentes tecidos do organismo. Intervém nessa fase a absorção, a distribuição, o armazenamento, a
biotransformação e a excreção das substâncias químicas. As propriedades físico-químicas dos toxicantes determinam o grau
de acesso aos órgãos-alvos, assim como a velocidade de sua eliminação do organismo.
Fase de toxicodinâmica – compreende a interação entre as moléculas do toxicante e os sítios de ação, específicos ou não,
dos órgãos e, consequentemente, a alteração do equilíbrio homeostático.
Fase clínica – é a fase em que há evidências de sinais e sintomas, ou ainda, alterações patológicas detectáveis mediante
provas diagnósticas, caracterizando os efeitos nocivos provocados pela interação do toxicante com o organismo.
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Classificação de intoxicação exógena
Intoxicação é comumente decorrente da ingestão, mas pode ser resultante de injeções, inalação ou exposição da superfície
corporal. Em geral, muitas substâncias que não são alimentos e são comumente ingeridas não são tóxicas; entretanto, quase
todas as substâncias podem ser tóxicas se ingeridas em quantidades excessivas.
As intoxicações às substâncias químicas podem ser agudas e crônicas e poderão se manifestar de forma leve (rapidamente
reversíveis, e desaparecem com o fim da exposição), moderada (são reversíveis e não provocam danos) ou grave (irreversíveis
e produzem lesões graves ou morte), a depender da quantidade de substância química absorvida, do tempo de absorção, da
toxicidade do produto e do tempo decorrido entre a exposição e o atendimento.
Intoxicação aguda: são decorrentes de uma única exposição ao agente tóxico ou mesmo de sucessivas exposições, desde que
ocorram num prazo médio de 24 horas, podendo causar efeitos imediatos.
Intoxicação crônica: pode manifestar-se por meio de inúmeras doenças que atingem vários órgãos e sistemas, com destaque
para problemas neurológicos, imunológicos, endocrinológicos, hematológicos, dermatológicos, hepáticos, renais,
malformações congênitas, tumores, entre outros. Os efeitos danosos sobre a saúde aparecem no decorrer de repetidas
exposições, que normalmente ocorrem durante longos períodos.
É importante identificar também o motivo ou razão que proporcionou o contato do paciente com o agente tóxico, que,
possivelmente, ocasionou o evento. Selecionar a circunstância que melhor descreva a razão pela qual ocorreu a exposição da
pessoa ao agente tóxico.
Acidental: exposição indesejável e inesperada, não-intencional, que causa danos a saúde. Exemplo: As exposições
não-intencionais nas crianças e acidente no local de trabalho.
É comum em crianças pequenas que são curiosas e ingerem qualquer coisa indiscriminadamente apesar de gosto e odor
ruins; em geral, uma só substância está implicada. Também pode ocorrer em idosos por causa de estado de confusão, má
visão, deficiência mental ou múltiplas prescrições do mesmo fármaco por diferentes médicos.
Intencional: uso intencional de qualquer produto e/ou substância química com a intenção de causar a própria morte.
É comum em crianças de mais idade, adolescentes e adultos que tentam o suicídio; várias drogas podem estar envolvidas,
tais como álcool, paracetamol e outros fármacos de venda livre.
Em crianças até 4 anos: produtos químicos de uso doméstico, medicamentos ou plantas tóxicas;
Adolescentes (15 a 19 anos): álcool e drogas ilícitas;
Adultos: tentativa de suicídio;
Idosos: atentar para dificuldade de metabolização.
Diagnóstico e tratamento de intoxicações
Toda intoxicação suspeita ou confirmada deverá ser tratada como uma situação clínica potencialmente grave, pois mesmo
pacientes que não apresentam sintomas inicialmente, podem evoluir mal. Desta forma, a abordagem inicial deve ser feita de
forma rápida e criteriosa.
O primeiro passo no atendimento de um paciente intoxicado é a realização de um breve exame físico para identificar as
medidas imediatas necessárias para estabilizar o indivíduo e evitar a piora clínica. Portanto, neste momento, é de
fundamental importância checar: sinais vitais; nível e estado de consciência; pupilas (diâmetro e reatividade à luz);
temperatura e umidade da pele; oximetria de pulso; medida de glicose capilar (dextro); obter ECG e realizar monitorização
eletrocardiográfica se necessário; manter vias aéreas abertas e realizar intubação orotraqueal (IOT), se necessário; obter
acesso venoso calibroso (neste momento, podem ser coletadas amostras para exames toxicológicos); administrar tiamina e
glicose via intravenosa (IV) se o paciente se apresentar com alteração do nível de consciência, a menos que os diagnósticos
de intoxicação alcoólica e hipoglicemia possam ser rapidamente excluídos; administrar naloxona em pacientes com hipótese
de intoxicação por opioide. A hipótese de intoxicação por opioide é feita com base na exposição à substância e sinais
clínicos como rebaixamento do nível de consciência, depressão respiratória e pupilas mióticas puntiformes; procurar sinais
de trauma, infecção, marcas de agulha ou edema de extremidades.
A abordagem diagnóstica de uma suspeita de intoxicação envolve a história da exposição, o exame físico e exames
complementares de rotina e toxicológicos. Dependendo do agente envolvido podem ser solicitados exames laboratoriais,
ECG, exames de imagem (RX, TC) ou endoscopia digestiva alta.
O manejo adequado de um paciente com suspeita de intoxicação depende do agente envolvido e da sua toxicidade, assim
como do tempo decorrido entre a exposição e o atendimento. Além do suporte, o tratamento envolve medidas específicas
como descontaminação, administração de antídotos e técnicas de eliminação.
Descontaminação: visa a remoção do agente tóxico com o intuito de diminuir a sua absorção. A indicação da
descontaminação GI depende da substância ingerida, do tempo decorrido da ingestão, dos sintomas apresentados e
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do potencial de gravidade do caso. Recomenda-se avaliação criteriosa do nível de consciência do paciente, antes de iniciar o
procedimento e sempre considerar intubação orotraqueal, caso julgar necessário, para proteção de vias aéreas.
Habitualmente, o procedimento divide-se em duas etapas: a realização da lavagem gástrica seguida da administração do
carvão ativado:
A lavagem gástrica consiste na infusão e posterior aspiração de soro fisiológico a 0,9% (SF 0,9%) através de sonda
nasogástrica ou orogástrica, com o objetivo de retirar a substância ingerida.
Carvão ativado é um pó obtido da pirólise de material orgânico, com partículas porosas com alto poder adsorvente do
agente tóxico, que previne a sua absorção pelo organismo. Geralmente é utilizado após a LG, mas pode ser utilizado como
medida única de descontaminação GI. Nestes casos, a administração pode ser por via oral sem necessidade da passagem de
sonda nasogástrica. Na maioria das vezes deverá ser utilizado em dose única, porém pode ser administrado em doses
múltiplas como medida de eliminação, em exposições a agentes de ação prolongada ou com circulação ênterohepática.
Sistema renal
Várias substâncias químicas podem produzir efeitos nocivos nos rins devido a mecanismos de ação diferentes. Os metais
pesados como o mercúrio, cádmio, crômio e chumbo têm efeitos sobre o túbulo renal. Concentrações altas de metais
presentes no filtrado glomerular podem danificar as funções dos túbulos e produzir a perda de grandes quantidades de
moléculas essenciais para o organismo como a glicose e aminoácidos. Se a concentração de metais for suficientemente alta
poderá acontecer a morte das células e alterar a função renal como um todo. O tetracloreto de carbono e o clorofórmio são
hepatotóxicos e nefrotóxicos.
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Uma das manifestações mais comuns de lesão nefrotoxicante é a insuficiência renal aguda (IRA), caracterizada por um
declínio abrupto na TFG, resultando em azotemia ou em acúmulo de resíduos de hidrogênio no sangue. A deterioração
progressiva da função renal (insuficiência renal crônica) pode ocorrer com a exposição a vários compostos químicos a longo
prazo. Após a perda do néfron, aumentos adaptativos nas pressões e nos fluxos glomerulares aumentam a TFG do néfron
entre os néfrons viáveis restantes, o que serve para manter a TFG em todo o rim.
O glomérulo é o lugar inicial da exposição química dentro do néfron, e vários nefrotoxicantes alteram a permeabilidade
glomerular a proteínas. A lesão glomerular quimicamente induzida também pode ser mediada por fatores extrarrenais.
O túbulo proximal é o local mais comum em que ocorre lesão renal induzida por toxicantes. As razões para esse fato estão,
em parte, relacionadas à acumulação seletiva de xenobióticos dentro desse segmento do néfron. O túbulo proximal tem um
epitélio propenso ao escape de líquido, favorecendo o fluxo de compostos para as células tubulares proximais.
Sistema reprodutor
O sistema reprodutor dos homens e das mulheres pode ser alterado por determinadas substâncias químicas. Nos homens,
algumas substâncias como DBCP (1,2-Dibromo-3-Cloro propano) e cádmio, podem reduzir ou impedir a produção de
esperma. Podem acontecer alterações no processo reprodutor, como a indução de modificações fisiológicas e bioquímicas
que reduzem a fertilidade, e impedem totalmente o desenvolvimento do feto ou do nascimento normal.
Um aspecto muito estudado sobre a toxicidade reprodutora é a chamada toxicidade do desenvolvimento. Esta área
compreende o estudo dos efeitos das substâncias químicas no desenvolvimento do embrião e do feto durante a exposição no
útero e no desenvolvimento posterior da criança depois do nascimento. Nesta época a exposição pode cessar ou continuar
porque a substância química recebida pela mãe é transferida ao leite e também pode continuar toda a vida porque existem
fontes adicionais diferentes daquelas as quais a mãe esteve exposta.
A exposição a agentes químicos com função hormonal durante a diferenciação sexual pode acarretar
pseudohermafroditismo.
Para um macho adulto, existem vários alvos em potencial para a ação de agentes químicos no sistema reprodutor. Análogos
da dopamina e estrógenos interferem na produção e liberação de gonadotrofina, afetando, assim, a espermatogênese. Além
disso, a alteração no fornecimento de nutrientes pode acarretar efeitos diretos na espermatogênese e problemas subsequentes
na fertilidade. Da mesma forma, agentes químicos que afetem diretamente o fígado (p. ex., CCl4) podem alterar o
metabolismo normal dos esteroides sexuais, provocando modificações na depuração (predominantemente de conjugados
com ácido glucurônico e com sulfatos de hidro- xitestosterona), afetando indiretamente o eixo HPG e a reprodução
masculina. Alguns agentes químicos (p. ex., cádmio) podem afetar essa estrutura e o sistema circulatório testicular e induzir
choque isquêmico, que resulta em lesão tecidual e prejuízos na fertilidade.
Sistema nervoso
O sistema nervoso está relacionado a praticamente todas as funções mentais e físicas do organismo. Os neurotoxicologistas
geralmente dividem os efeitos tóxicos segundo o local primário de ação da substância química. Algumas substâncias
químicas, como o monóxido de carbono, podem produzir falta de oxigênio ou de glicose no cérebro com graves efeitos para
o organismo. Outras substâncias como o chumbo e o hexaclorobenzeno são capazes de produzir perda de mielina, e alguns
compostos orgânicos do mercúrio podem produzir efeitos nos neurônios periféricos.
Compostos neurotóxicos distintos têm, em geral, um dos quatro alvos: o neurônio, o axônio, a célula mielinizada ou o
sistema neurotransmissor.
Sistema circulatório
As substâncias químicas são absorvidas e passam para o sangue que as transportam aos distintos órgãos. Quando a
concentração das substâncias químicas ou dos produtos de biotransformação atinge níveis altos, pode acontecer uma
intoxicação sistêmica. Algumas substâncias químicas são diretamente tóxicas para os diferentes elementos do sangue e outras
produzem mudanças em alguns elementos do sangue que provocam alterações em outros sistemas do organismo. Um
exemplo pode ser o monóxido de carbono (CO) que quando é inalado une-se à hemoglobina produzindo
carboxihemoglobina que dificulta o transporte de oxigênio pelo sangue para os tecidos.
Os eritrócitos estão envolvidos como carreadores e/ou reservatórios para fármacos e toxicantes. Xenobióticos podem afetar
a produção, a função e a sobrevida dos eritrócitos. Esses efeitos se manifestam com mais frequência como uma mudança na
massa de eritrócitos circulantes, em geral resultando em um decréscimo (anemia). Às vezes, agentes que afetam a afinidade
da hemoglobina pelo oxigênio induzem um aumento na massa de eritrócitos (eritrocitose).
Dois processos relacionados contribuem para o aumento do número de reticulócitos em humanos. Primeiro, a destruição
aumentada é acompanhada por uma elevação compensatória na produção da medula óssea, com aumento no número de
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células sendo liberadas da medula para a circulação. Segundo, durante a hiperplasia eritroide compensatória, a medula libera
reticuló- citos antecipadamente, e, assim, eles persistem por um período maior no sangue periférico.
As anormalidades que levam ao decréscimo da síntese de hemoglobina são relativamente comuns (p. ex., deficiência de
ferro). Os xenobióticos podem afetar a síntese das cadeias de globinas e alterar a composição da hemoglobina no interior do
eritrócito. A síntese do heme requer a incorporação do ferro no anel de porfirina. A deficiência de ferro é, em geral, o
resultado da deficiência do componente na dieta ou do aumento de perda sanguínea.
O elevado índice de proliferação dos neutrófilos torna esta célula e o pool precursor granulocítico particularmente
suscetíveis a inibidores de mitoses. Esses efeitos pelo uso de fármacos citotóxicos são geralmente inespecíficos, uma vez que
afetam as células da derme, trato gastrintestinal e outros tecidos que se dividem rapidamente. Agentes que afetam
neutrófilos e monócitos apresentam um risco maior de sequelas tóxicas, como infecções. Esses efeitos tendem a ser
relacionados à dose, com recuperação fagocitária mononuclear precedendo a recuperação neutrofílica.
Alterações das plaquetas ou a ativação sistêmica desse sistema pode levar a manifestações clínicas de uma hemostasia
alterada, incluindo sangramento excessivo e tromboses. O sistema hemostático é um alvo frequente de intervenções
terapêuticas, bem como de expressão inadvertida do efeito tóxico de uma variedade de xenobióticos. A exposição a
xenobióticos pode resultar em aumento na destruição das plaquetas imunes mediadas por meio de diversos mecanismos.