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Introdução à

Toxicologia Veterinária
Heloise Maggione
João Victor Sobreira Xavier
Introdução à
Toxicologia Veterinária

Introdução
A toxicologia é uma ciência multidisciplinar que se utiliza de outras áreas de estudo
para embasar-se e desenvolver seu objetivo em prol da sociedade. Com o aumento da
atividade antrópica, cresceu, também, a preocupação com a saúde do ecossistema e
dos seres que nele habitam devido à constante exposição de substâncias danosas a
esses seres.

Na medicina veterinária, a toxicologia alcança muito além das casuísticas advindas


pela clínica, não mantendo seu foco apenas no diagnóstico e tratamento de
intoxicações. Inclusive, graças ao desenvolvimento em grande proporção da ciência e
da tecnologia, o estudo dessa área pode proporcionar um melhor entendimento sobre
os principais agentes tóxicos, auxiliando o profissional na sua rotina.

É um conteúdo de suma importância para a medicina veterinária, pois abrange os


cuidados de saúde única, podendo o profissional atuar na saúde ambiental, animal e
humana e, assim, contribuir cada vez mais com nosso planeta.

Objetivos da Aprendizagem
Ao final do conteúdo, esperamos que você seja capaz de:

• Proporcionar noções acerca dos efeitos adversos dos principais agentes tóxicos;
• Desenvolver, junto ao aluno, a capacidade de examinar a natureza de efeitos
tóxicos, incluindo mecanismos de ação bioquímicos, celulares e moleculares,
avaliando a probabilidade de ocorrência e prevalência;
• Abranger os conceitos de toxicologia, descrevendo a história e sua evolução
no decorrer dos anos, assim como as áreas de atuação;
• Definir os conceitos de toxicocinética e toxicodinâmica;
• Abordar condutas terapêuticas em casos de intoxicações: primeiros socorros
e avaliação do estado geral do paciente.

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Definição de Tóxicos
Conhecer a história e a evolução da toxicologia é um importante ponto de partida
para entender como se deram os estudos de determinadas substâncias no decorrer
dos séculos e entender que, até hoje, a toxicologia tem um papel fundamental para o
ecossistema e as biotas presente nele. Para isso, definir os termos presentes nesta
área se faz necessário para entender como se deu o desenvolvimento e como são os
estudos voltados para a toxicologia atualmente.

A toxicologia é uma ciência que desde os primórdios da civilização humana esteve


inserida nos aspectos evolutivos dos homens primitivos. Foi capaz de proporcionar
o desfrute de finalidades com a diferenciação do que era benéfico e maléfico por
meio da separação e distinção entre os reinos. Os homens, então, aprenderam
que determinadas substâncias nocivas eram capazes de ser utilizadas na caça, na
confecção de armas de guerra e, inclusive, na eliminação de membros indesejáveis de
seu nicho social (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

A toxicologia tornou-se uma ciência multidisciplinar e passou a ser dividida em diversas


áreas, possibilitando, também, que vários profissionais atuassem nela de forma
diversificada. No entanto, na medicina veterinária, a toxicologia clínica e forense são
as partes mais abordadas, visto que a investigação post-mortem e a investigação de
doenças que são causadas ou associadas a substâncias tóxicas são as mais comuns
dentro da medicina veterinária, embora as demais áreas não sejam dispensáveis.

Sendo assim, o médico veterinário, por sua vez, utiliza-se dos conhecimentos
toxicológicos para avaliar se há a probabilidade de que os sinais de um paciente
possam ser causados por substâncias tóxicas, requerendo aos princípios destes
conhecimentos para que se faça necessário no reconhecimento e solução de
problemas e na garantia da saúde.

Introdução à Toxicologia Veterinária: História e Evolução

A história e aplicação de substâncias tóxicas são descritas em documentos antigos,


como no Papiro de Ebers, um documento pertencente à civilização egípcia datado em
cerca de 1.500 a.C, em que há informações de noções sobre estudos toxicológicos já
conhecidos de séculos anteriores.

Na civilização grega também se encontram referências a substâncias tóxica por meio


da descrição de Platão sobre a morte do filósofo grego Sócrates em 402 a.C., com
Hipócrates (460 - 337 a.C.), pai da medicina. Foram encontrados estudos e práticas

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de seus conhecimentos sobre uma série de venenos. Hipócrates foi também o
responsável pela primeira descrição dos princípios rudimentares sobre a toxicologia,
tais quais as formas de controlar a absorção de substâncias químicas (SPINOSA;
GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

Dioscórides (século I) foi quem iniciou o estudo sobre as terapias para tratamentos
de indivíduos intoxicados e sugeriu a primeira classificação de venenos em animais,
vegetais e minerais após ter observado que a origem dos venenos era necessária para
o entendimento e desenvolvimento de uma terapia para eles. A civilização romana
também relata o uso de substâncias tóxicas envolvendo as atividades políticas da
época, principalmente com o uso do arsênio. Durante a história, vários relatos de
envenenamento são descritos e, por isso, era comum que houvesse provadores
oficiais nas cortes (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

Houve também Paracelsus (1493 - 1541), importante figura na medicina e na


toxicologia, que dizia que “todas as substâncias são veneno, (...) só a dose diferencia
um veneno de um remédio” e introduziu o estudo sobre a dose (SPINOSA; GÓRNIAK;
PALERMO-NETO, 2008, n. p.).

Por fim, a toxicologia moderna iniciou-se com Orfila (1787 - 1853), após este
correlacionar as substâncias químicas e os efeitos biológicos por elas provocados
após a ingestão. Orfila também criticou e elencou a ineficiência de muitos antídotos e
tratamentos utilizados naquela época. Ele é considerado também o pai da toxicologia
forense moderna por implementar a necessidade de análises químicas para a obtenção
de provas legais em intoxicações, oficializando a toxicologia como uma ciência em
1815, com a publicação do primeiro livro exclusivo aos estudos dos efeitos nocivos
das substâncias químicas, o Traité de Toxicolagie (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-
NETO, 2008).

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Diagrama 1 - Linha do tempo na toxicologia.
Fonte: SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008, p. 03-07.

Definição e Conceitos em Toxicologia

Toxicologia é definida como a ciência que estuda, de forma quantitativa e qualitativa,


os efeitos adversos dos agentes exógenos em seres vivos e seus descendentes, tais
quais as interações químicas ou físicas com um determinado organismo, incluindo
as alterações estruturais e a resposta, além de definir os limites de segurança desses
agentes (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

TERMO SIGNIFICADO

Substância (química ou física) que, ao interagir com um organismo,


Agente tóxico
provoca efeito nocivo.

Substância estranha ao organismo, qualitativa ou quantitativamente, sem


Xenobiótico
necessariamente ser nociva.

Toxina Efeito venenoso originado por sistemas biológicos.

Substância tóxica elaborada por glândulas especializadas, que servem


Peçonha
para proteção e predação.

Substância tóxica localizada nas vísceras, musculatura ou em humores


Veneno
de diferentes espécies.

Toxina Efeito venenoso originado por sistemas biológicos.

Toxicose Sinônimo de envenenamento ou intoxicação.

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Quantidade de veneno que, sob condição específica, causa efeito tóxico
Toxicidade
ou alterações biológicas.

Dose/Dosagem Porção ou quantidade administrada; ato de dosar.

Duração Refere-se ao tempo de exposição do agente; pode ser aguda ou crônica.

Local por onde um agente torna-se capaz de alcançar a corrente


Vias de exposição
sanguínea.

Propriedade Refere-se às propriedades físico-químicas de um agente.

Suscetibilidade
Espécie, raça, idade, sexo, peso corporal, características genéticas.
individual

Quadro 1 - Principais conceitos utilizados pela toxicologia.


Fonte: SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008, p. 08-11.

O entendimento dos conceitos da toxicologia é essencial para a contribuição e


participação ativa e efetiva do médico veterinário frente a situações exigidas, seja ela
na saúde animal, humana ou até mesmo ambiental. Tais conhecimentos tornam mais
amplo a avaliação dos efeitos nocivos, na identificação dos agentes com potenciais
de toxicidade e na eficiência de uma resposta terapêutica adequada a cada situação
(SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

Fatores que Influenciam na Toxicidade


Os mecanismos que influenciam nos fatores de toxidez de um agente estão
relacionados com as características advindas de suas propriedades físico-químicas,
bem como aos processos cinéticos e dinâmicos que ocorrem durante a passagem
do agente pelo organismo do animal, também conhecido na toxicologia como
toxicocinética e toxicodinâmica (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 20088). O
grau de toxicidade de uma substância é avaliado quantitativamente pela medida da
DL 50 (RUPPENTHAL, 2013).

Após a ocorrência dos processos dinâmicos e cinéticos, a intoxicação adentra a fase


clínica, na qual surgirá os sinais clínicos, alterações patológicas e o efeito deletério em
estruturas celulares, órgãos, tecidos ou sistemas mediante a interação do toxicante
com o organismo (RUPPENTHAL, 2013).

Entender dos fatores que determinam a toxicidade é compreender quais substâncias


podem ou não ser tóxicas a depender de espécie, raça, sexo, idade ou até mesmo
estágio de vida em que o animal se encontra. É entender que cada singularidade pode

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ser uma predisposição ou um fator de menor susceptibilidade à alguma determinada
substância.

Compreender tais mecanismos oferece uma visão sobre a forma com que as
substâncias tendem a se comportar em contato com o organismo, servindo, assim,
para que o médico veterinário saiba como e onde agir no caso de uma intoxicação.
É muito importante determinar como e qual conduta será mais útil para garantir a
sobrevida do paciente, logo, ao conhecer as maneiras que influenciam a toxicidade, o
profissional pode utilizar os conhecimentos a seu favor.

Saiba mais
A DL 50 é a dose de um agente tóxico, obtida estatisticamente,
capaz de produzir a morte de 50% da população em estudo. Assim,
um agente será tanto mais tóxico, quanto menor for sua DL 50.

Toxicocinética

A toxicocinética refere-se aos efeitos quantitativos do processo de absorção,


distribuição, biotransformação e excreção dos organismos vivos que são expostos a
um determinado agente tóxico. Sendo assim, sabe-se que a intensidade e duração da
ação tóxica são variantes de acordo com cada espécie e a forma com que o agente
está relacionado ao sítio de ação e, até mesmo, à sua intimidade com os tecidos
(SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

A absorção caracteriza-se pela penetração de uma substância química externa


em um ser vivo até que chegue à corrente sanguínea. Para que chegue até ela, é
necessário que o agente atravesse membranas biológicas por meio de processos que
são conhecidos como transporte passivo (difusão simples e filtração) ou transporte
mediado por carreadores (difusão facilitada, transporte ativo, pinocitose e fagocitose
(NOGUEIRA; ANDRADE, 2011).

No transporte passivo ou por difusão, as moléculas realizam o ato de se transporem


entre os poros presentes na membrana por simples difusão e sem haver o gasto de
energia, logo, a polaridade da molécula a ser absorvida é de suma importância.

Na difusão simples, as moléculas do agente tóxico se transpõem da região de maior


para menor gradiente de concentração, sendo necessário que sejam solutos apolares

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e peso molecular compatível com a membrana a ser atravessada. Já na filtração, as
moléculas do agente tóxico atravessam a membrana pelos canais nela existentes,
logo, a filtração varia de acordo com o diâmetro da membrana em questão, comum
para substâncias de baixo peso molecular, hidrossolúveis, polares ou apolares. Há,
ainda, o transporte mediado por carreadores, que realizam o transporte de substância
por meio de carreadores e com gasto de energia (NOGUEIRA; ANDRADE, 2011).

A difusão facilitada é um tipo de transporte sem gasto de energia, mas, ainda assim, é
mediada por carreador, pelo qual a substância tóxica se move a favor do gradiente de
concentração em velocidade maior quando comparada à difusão simples.

O transporte ativo apresenta alto grau de especificidade estrutural e estereoquímica,


transportando substâncias contra o gradiente de concentração, ou seja, do meio
menos concentrado (baixo potencial eletroquímico) para o mais concentrado (alto
potencial eletroquímico), com o gasto de energia derivada da hidrólise de ATP ou de
outras ligações ricas em energia (NOGUEIRA; ANDRADE, 2011).

A fagocitose é o processo de invaginação da membrana celular, com gasto de energia,


sobre uma ou mais micromoléculas ou uma única macromolécula sólida, formando
vesículas na membrana. A pinocitose consiste no mesmo processo, porém, de
substâncias advindas de partículas líquidas (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO,
2008).

Saiba mais
Para entender mais sobre a composição, a função e de quais
maneiras os transportes celulares acontecem pela membrana
plasmática, assista ao vídeo Membrana Plasmática – Toda Matéria.

Disponível no link.

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Solutos

Proteína transportadora do carrier


Canal E
Difusão simples
Difusão facilitada

Transporte passivo Transporte ativo

Figura 1 - Tipos de transportes celulares.

Para que alcance a corrente sanguínea e o efeito de absorção aconteça, o agente


precisa que as vias de exposição o permitam concluir esse processo. Na toxicologia,
as principais vias de exposição são a oral, dérmica e inalatória, apresentando
características singulares, que influenciam na velocidade de absorção do agente. O
fenômeno que determina o processo de absorção é definido como biodisponibilidade,
ou seja, a fração da dose ou concentração de um agente tóxico que é transferida do
local de administração ou exposição para a circulação sanguínea (SPINOSA; GÓRNIAK;
PALERMO-NETO, 2008).

A distribuição é definida como a transferência de um agente tóxico da circulação geral


para os tecidos, sendo influenciado por características variáveis do agente, tais como
hidrossolubilidade ou lipossolubilidade e o fato de estarem ou não ligados a proteínas
plasmáticas ou teciduais.

A biotransformação consiste na transformação química do agente, tóxicos ou não,


para que haja a eliminação do mesmo de maneira favorável, permitindo a formação
de metabólitos, geralmente mais polares e menos lipossolúveis do que a molécula
original. A biotransformação pode também favorecer a inativação do agente, ou
formação de metabólitos com maiores ou menores índices de reatividade, ou seja,
sendo mais ou menos tóxico ao organismo (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO,
2008).

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Possui duas fases, em que na chamada Reação de Fase 1, há a conversão do agente
em metabólitos por meio de oxidação, redução ou hidrólise, realizados no sistema
microssomal hepático do retículo endoplasmático liso por catálise do sistema P450,
no qual a família do citocromo destaca-se como uma das principais realizadoras
desse processo.

Na fase chamada Reação de Fase 2, há a conjugação do agente tóxico ou dos seus


metabólitos a substratos endógenos, para assim ser feita a eliminação ou inativação.
Essa conjugação pode ser feita com o ácido glicurônico, glutationa, glicina, glutamina,
sulfato, acetato e outros (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

Xenobiótico

Fase I Fase II Produtos


biotransformação biotransformação estáveis

Bioativação

Intermediários Desintoxicação
reativos

Diagrama 2 - Mecanismo de biotransformação.


Fonte: RUPPENTHAL, 2013, p. 30.

A excreção é o mecanismo de eliminação do agente tóxico do organismo e pode


ocorrer por meio de líquidos corpóreos ou excretas, como fezes, urina, leite e até
mesmo ar expirado. A excreção renal é a principal forma de eliminação de agentes
tóxicos, seguido da excreção biliar e, posteriormente, a excreção pelo leite (SPINOSA;
GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

A excreção renal é a principal forma de eliminação de substâncias polares ou pouco


lipossolúveis, mas varia em ocasiões conforme o pH do meio e a afinidade da
substância em se ligar a proteínas plasmáticas (NOGUEIRA; ANDRADE, 2011).

A excreção biliar refere-se à excreção da substância tóxica por via hepática,


intermediada pela bile. Nesta ocasião, é comum que substâncias orgânicas polares e
com peso molecular elevado usem desta via para que seja excretado do organismo.
No entanto, é possível que, nessa via de absorção, a substância seja absorvida pelo

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ciclo êntero-hepático assim que chegar ao intestino. Esse processo varia de acordo
com a lipossolubilidade e a conjugação com glicuronídeos. Quando esse processo
ocorre, é comum que o metabolismo faça com que a substância retorne novamente
aos processos de biotransformação para que seja refeito todo o processo que
favoreça a sua excreção, mas pode acontecer também de, por conta desse processo,
a substância se armazenar em tecidos, principalmente nos adipócitos, fazendo com
que seja possível encontrá-la no organismo mesmo depois de vários dias após a
última exposição a ela.

Na excreção pelo leite há a passagem por difusão facilitada do agente tóxico, com a
qual a mãe tenha entrado em contrato, do sangue para o leite. Em consequência disso,
há a possibilidade de que, durante a amamentação, o recém-nascido ou qualquer
ser que do produto venha a consumir seja intoxicado. As circunstâncias para uma
substância ser excretada pelo leite são principalmente pela característica de pH do
leite, 6,5, em relação ao pH sanguíneo, favorecendo a eliminação de substâncias
básicas (NOGUEIRA; ANDRADE, 2011).

Toxicodinâmica

Outro mecanismo im0portante de se considerar são os que envolvem os mecanismos


dinâmicos pelos quais os agentes tóxicos atuam, levando à lesão das funções
bioquímicas ou fisiológicas do organismo. Para isso, a toxicodinâmica visa esclarecer
a relação de dose-resposta entre um agente e um ser vivo.

Para entender os efeitos deletérios que esses agentes são capazes de causar, a
toxicodinâmica atribui a eles mecanismos inespecíficos e específicos de ação tóxica,
classificadas para melhorar o entendimento e adquirir informações sobre a forma
mais adequada de tratamento em casos de intoxicações por esses agentes (SPINOSA;
GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

Mecanismos inespecíficos Mecanismos específicos

Acarretam lesões a um determinado órgão


Acarretam lesões em qualquer célula do
ou tecido; agem de maneira seletiva em
organismo, sem predileções.
determinada estrutura orgânica.

Quadro 2 - Tipos de mecanismos toxicodinâmicos.


Fonte: SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008, p. 34.

Exemplos de mecanismos de ação tóxica inespecífica são os ácidos e as bases fortes,


que vão atuar sobre qualquer órgão ou tecido, sem distinção, causando irritação ou
corrosão. É bem comum que as regiões susceptíveis a esses acidentes sejam os

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olhos, a pele, a cavidade oral e o trato respiratório superior, de forma rápida e sem
latência.

Por outro lado, os exemplos de mecanismos de ação tóxica específicos estão


relacionados àqueles nos quais as estruturas afetadas são proteínas com funções de
enzimas, moléculas transportadoras, canais iônicos, receptores, ácidos nucléicos e
muitos outros (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

Quando as enzimas são alvos dos toxicantes, essas são inibidas, não desempenhando,
assim, sua função, cujo meio é muito comum de atuação de praguicidas, do cianeto
e dos metais. Podem interferir na cinética do composto, exercendo ação tóxica nas
enzimas carreadoras, como também podem atuar com ação agonistas ou antagonistas
de receptores dos neurotransmissores ou inibindo a produção de adenosina trifosfato
(ATP) (NOGUEIRA; ANDRADE, 2011).

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Exposição Toxicocinética Toxicodinâmica Clínica

Processos de transporte:
- Absorção
Vias de introdução – Distribuição Natureza da ação
- Eliminação
- Biotransformação

Toxicante Toxicidade Intoxicação

Disponibilidade
Biodisponibilidade Sinais e sintomas
química

Diagrama 3 - Fases da intoxicação.


Fonte: RUPPENTHAL, 2013, p. 22.

Classificação dos Tóxicos Quanto à Ação


Sabe-se que os agentes tóxicos podem agir de maneiras diferentes, levando em
consideração as suas características e as dos organismos com os quais entram em

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contato. Quando pensamos em ação tóxica de um agente, logo nos remetemos à
periculosidade que esse agente pode propiciar.

É válido ressaltar que há uma vasta lista de substâncias químicas que não são
seguras e são capazes de causar algum efeito deletério ao nosso organismo ou até
mesmo no meio em que vivemos. Porém, pode ser evitada ou minimizada com uso de
equipamentos de segurança, boas práticas de manipulação e conhecimento sobre a
ação do agente com que está lidando.

A ação dos tóxicos pode ser influenciada de acordo com o tempo de exposição, com a
severidade, de acordo com a Agência de Proteção do Ambiente dos EUA (EPA) e conta
com outras classificações e grupamentos que buscam melhor definir a ação dessas
substâncias.

Também devemos nos atentar que a ação tóxica é correlacionada com a interação e
uma substância química com o determinado local em que ela irá agir no organismo e,
assim, causar uma alteração, podendo ela ser neurotóxica, hepatotóxica, nefrotóxicas,
citotóxicas ou de acordo com os demais órgãos que interagem.

Conhecer a ação dos tóxicos é válido em vários âmbitos da toxicologia, pois esse tipo
de conhecimento fornece informações valiosas para identificar e saber como proceder
perante ao risco toxicológico que cada agente apresenta e, assim, saber conduzir da
melhor forma as medidas de reversão sob a intoxicação ou exposição ao agente.

Classificação de Acordo com Tempo de Exposição

O tempo com que uma substância química é capaz de permanecer no organismo até
provocar algum efeito adverso é determinante para a caracterização do efeito tóxico
de um agente. Essa caracterização, por sua vez, está relacionada ao seu mecanismo
de ação e sobre os conceitos de dose-reposta.

O Quadro 3 mostra os tipos de substâncias, de acordo com o tempo de exposição.

TIPO TEMPO

Decorrente de um único contato ou múltiplos contatos com o


agente tóxico, em um período de aproximadamente 24 horas,
Intoxicação aguda
podendo o efeito surgir imediatamente ou no decorrer de dias, não
extrapolando 14 dias.

Exposições repetidas a substâncias químicas em um período


Intoxicação subaguda
menor ou igual a um mês.

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Exposições repetidas a substâncias químicas em um período de um
Intoxicação subcrônica
a três meses.

Exposição prolongada a doses cumulativas de uma substância


Intoxicação crônica
química, com duração de três meses até anos.

Quadro 3 - Tipos de intoxicações.


Fonte: RUPPENTHAL, 2013, p. 19.

Classificação de Acordo com a Severidade, a EPA e Outras


Classificações

As substâncias tóxicas também podem ser classificadas de acordo com o grau


de severidade que apresentam, podendo ser leves, moderadas e severas. Quando
apresentam aspecto leve, são rapidamente reversíveis e desaparecem após o fim
da exposição ao agente tóxico. Quando moderadas, os distúrbios são reversíveis e
não são suficientes para provocar danos. E, por fim, quando severas, há mudanças
irreversíveis suficientemente para produzir lesões graves ou levar à morte.

Ainda, a EPA (Agência de Proteção Ambiental) subdivide os níveis de toxicidade leve,


severa e moderada em local aguda, quando há o efeito sobre a pele, membranas,
mucosas e olhos após a exposição, sistêmica aguda, com efeitos nos diversos
sistemas orgânicos após a absorção de uma sustância tóxica, seja por qualquer via.
Também há a subdivisão local e sistêmica crônica, que se aplica da mesma forma
que a aguda, porém o tempo de duração se estende de meses ou até mesmo anos
(RUPPENTHAL, 2013).

As outras classificações são impostas para quando se desconhece os dados


toxicológicos de um agente, imediata para quando a ação ocorre rapidamente após
uma única exposição; e retardada, quando a ação ocorre rapidamente após um longo
período de latência.

Classificação de Substâncias Tóxicas


As substâncias tóxicas apresentam, de modo geral, que a intensidade da ação do
agente tóxico é proporcional à concentração e ao tempo de exposição, que é variável
de acordo com as características de suscetibilidade individual dos animais ou do
organismo em questão. Dessa maneira, podemos notar que a intoxicação é uma
manifestação do potencial do toxicante correspondente à soma de sinais capazes
de provocar um desequilíbrio no organismo devido à interação desse agente com ele,

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ocasionando danos à saúde, efeitos deletérios de curto e longo prazo, e até mesmo o
óbito.

Os efeitos nocivos aos organismos, que são advindos do conceito de toxicidade, se


vinculam também ao risco tóxico, ou seja, à probabilidade existente de uma substância
produzir um efeito adverso previsível, sob determinadas condições. Essas condições
podem ser consideradas de efeito aditivo (soma dos efeitos dos agentes envolvidos),
sinérgico (efeito tóxico maior que a soma dos agentes separados), potencialização
(aumento do efeito tóxico quando somado a outro agente), antagonismo (diminuição
ou eliminação do agente devido à interação com outro agente), reação idiossincrática
(reação exacerbada e anormal a substâncias mesmo em doses baixas ou tolerância a
doses altas) e reação alérgica (sensibilização do organismo a um agente tóxico devido
à produção de anticorpos de memória no organismo do indivíduo) (RUPPENTHAL,
2013).

Por isso, os testes de toxicidade se mostram importantes para determinar as


características e os riscos toxicológicos que cada agente ou substância química é
capaz de apresentar e de qual maneira eles são capazes de interagir com o organismo
das diferentes biotas.

Avaliação de Toxicidade

No âmbito da toxicologia, toda substância química pode ser considerada um agente


tóxico, desde que seja capaz de promover efeito deletério em sistemas biológicos.
Dessa maneira, de acordo com as condições apresentadas por essas substâncias (dose,
concentração, duração, frequência de exposição, via de exposição, características
físico químicas e suscetibilidades individuais) (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO,
2008).

Logo, o fato de conhecer o princípio tóxico dessas substâncias e as condições com


as quais ela vai se estabelecer no organismo é de extrema importância para que haja
o uso seguro dessas substâncias.

Há uma diversidade de agentes tóxicos e, como vimos, todas as substâncias podem


caracterizar-se como veneno, a depender somente da dose aplicada. Por isso, é
importante que sejam realizados ensaios de toxicidade para adquirir e definir a
margem de segurança desses produtos.

Na toxicologia, muito se estuda sobre os efeitos tóxicos causados por medicamentos,


dominossanitários, zootoxinas, agrotóxicos, plantas tóxicas, micotoxinas, toxinas
bacterianas, metais, micronutrientes, alimentos e diversas outras substâncias que

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estão sendo estudadas. Todas essas substâncias são responsáveis por vários
acidentes toxicológicos.

Porém, é válido lembrar que há sempre uma dificuldade de notificação e estabelecimento


de dados epidemiológicos devido ao fato de que nem sempre os casos de intoxicação
chegam a um atendimento profissional.

Acontece também de seus sinais clínicos, por serem inespecíficos, acabarem


sendo confundidos com outras afecções, e há a falta de notificação associada à
subnotificação para os órgãos de saúde, dificultando a pesquisa da incidência dessas
substâncias pelas entidades responsáveis por realizar as pesquisas. A Tabela 1 mostra
uma estimativa de casos registrados no Brasil causados por algum tipo de substância
tóxica, tanto para vítimas animais como para vítimas humanas.

Total
Humana Animal Informação
Agente/
Vítima
nº nº. nº.
nº %

Medicamentos 20.637 134 631 21.402 26,79

Agrotóxicos/
2548 64 94 2706 3,39
Uso agrícola

Agrotóxicos/
831 66 74 971 1,22
Uso doméstico

Produtos
709 111 51 871 1,09
veterinários

Raticidas 1151 84 47 1282 1,60

Domissanitários 4652 34 75 4761 5,96

Cosméticos 1067 4 24 1095 1,37

Produtos
químicos 2878 45 69 2992 3,75
industriais

Metais 55 1 10 66 0,08

16
Drogas de
2743 7 27 2777 3,48
abuso

Plantas 821 71 58 950 1,19

Alimentos 472 3 16 491 0,61

Animais peç./
3070 47 173 3290 4,12
Serpentes

Animais peç./
5956 18 246 6220 7,79
Aranhas

Animais peç./
11.679 6 258 11.943 8,06
Escorpiões

Animais peç./
6130 21 288 6439 14,95
Venenosos

Animais não
5050 22 330 5402 6,76
peçonhentos

Desconhecido 1004 54 63 1121 1,40

Outros 4662 54 385 5101 6,39

Tabela 1- Casos registrados de intoxicação humana e animal no Brasil, em 2017, de acordo com a
substância tóxica.
Fonte: Fundação Oswaldo Cruz, 2020.

Saiba mais
O Sistema de Informações Tóxico-Farmacológicas – SINITOX é
um site de acesso livre no qual são disponibilizados a coleta, a
compilação, a análise e a divulgação dos casos de intoxicação e
envenenamento notificados no Brasil. Disponível no link.

Ensaios de Toxicidade

Os ensaios de toxicidade são necessários para determinar o tipo de efeito tóxico que
uma substância química produz, não sendo planejado para mostrar que uma substância

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química é segura. E são realizados por meio da caracterização das propriedades
físico-químicas da molécula (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

Devido à falta de uma legislação efetiva, era muito comum que esses testes fossem
realizados em modelos animais, porém, no decorrer dos anos, a criação de comissões
voltada para saúde e o bem-estar animal, conselhos de comitê de ética, juntamente
ao apelo da sociedade, que passou a ver os animais de outra perspectiva e a exigir
das grandes marcas e empresas outros meios de teste de produtos, fizeram com que
os ensaios toxicológicos com animais reduzissem muito, embora, ainda que pouco,
continua sendo uma realidade.

Em geral, os ensaios de toxicidade são divididos em duas categorias. Na primeira,


há o delineamento para avaliar as características dos efeitos gerais das substâncias
químicas, fazendo testes de exposição aguda, subaguda, crônica e subcrônicas
(SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

• Ensaio de toxicidade aguda consiste na administração do composto em uma


única dose ou em doses múltiplas no intervalo de 24 horas e determinar os
sinais e sintomas consequentes da administração dessa substância química
e a ordem de letalidade notada, geralmente, após 24 horas de administração.
A dose única é utilizada para que se determine a potência do composto e a
dose múltipla é utilizada para que se avalie o efeito cumulativo desse compos-
to. Nesse ensaio, busca-se conhecer a dose que produza efeito e, em seguida,
determinar a dose capaz de causar efeitos deletérios e, com essas informa-
ções, definir a curva de dose-resposta e dados para o cálculo da dose letal a
50% (DL50);
• Ensaios de toxicidade subaguda e subcrônica trazem certa controvérsia devi-
do ao intervalo de tempo de exposição à substância química, realizados em
um tempo de 14, 21 e 28 dias para os ensaios subagudos, e 90 dias ou mais
para os ensaios subcrônicos;
• Ensaio de toxicidade crônica são estabelecidos para determinar a ausência
de toxicidade de um composto em doses diárias, verificando se há ou não um
efeito cumulativo e se é capaz de causar alterações como mutagenicidade ou
carcinogenicidade. Costumam ter um período de mais de um ano, podendo
chegar até dois.

Esses testes também requerem a avaliação de outros parâmetros e, assim,


exigem testes bioquímicos, hematológicos, anatomopatológicos e histológicos
para compreender melhor os resultados da experimentação (SPINOSA; GÓRNIAK;
PALERMO-NETO, 2008).

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A segunda categoria serve para delinear mais especificamente o tipo específico
de toxicidade, sendo assim, estuda se a capacidade da substância em questão ser
teratogênica, mutagênica, carcinogênica, de qual forma interfere na reprodução
desses animais ou qual o órgão de ação alvo da substância (SPINOSA; GÓRNIAK;
PALERMO-NETO, 2008).

Conduta Terapêutica Geral nas Intoxicações por


Defensivos Agrícolas e outros Elementos Tóxicos
Saber identificar uma emergência toxicológica e, a partir disso, conduzir as manobras
ideais para tratar os animais intoxicados é um diferencial primordial para o médico
veterinário, esteja ele dentro das clínicas ou até mesmo em trabalhos de campo. A
rapidez da iniciativa de tomar as medidas necessárias para estabilizar, controlar e
minimizar os sinais de intoxicação é o que define a sobrevivência ou não desse animal
perante à exposição de certos princípios tóxicos.

Os entraves encontrados nas escolhas das manobras são a presença de sinais clínicos,
muitas vezes, inespecíficos, falta de histórico concreto, assim como a veracidade dos
fatos obtidos por meio dele, tempo de exposição e se já houve ou não a tentativa de
alguma conduta baseada em achismos que, na grande maioria das vezes, apenas
agrava o quadro clínico desses pacientes.

Por isso, a presença de um médico veterinário que saiba se sobressair diante de


uma situação de intoxicação é um diferencial, assim como seu atendimento deve ser
condizente com a necessidade de atender as urgências com uma abordagem coesa
e sistematizada, para que se evite a perda de tempo. Sendo assim, a instituição de
uma terapia de emergência para a manutenção da sobrevida do paciente, emprego
de medicamentos ou antídotos adequados, determinação da fonte de exposição e
o correspondente agente tóxico são imediatamente essenciais, tanto para o animal
já acometido como também para evitar que haja novas exposições, seja de outros
animais ou até mesmo do proprietário.

Conduta de Urgência em Intoxicações

É muito importante salientar que, na grande maioria das vezes, as intoxicações se


apresentam na forma aguda e com isso há uma preocupação imediata do tutor na
busca da assistência veterinária, que, muitas vezes, acontece via telefone. Por isso,
saber conduzir a conversa para instruir de maneira assertiva é um diferencial na

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conduta diagnóstica, pois a medida terapêutica seguinte depende dessa primeira
abordagem (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

Estava presente na interação do animal com o agente tóxico?

Sabe informar qual o produto ou substância de contato?

Qual foi a via de exposição do animal com o agente?

Quanto foi a quantidade aproximada?

Quais sinais o animal apresenta?

Qual a duração dos sinais apresentados?

Qual a frequência dos sinais apresentados?

Há outros animais apresentando os mesmos sinais?

Quadro 4 - Sugestões de perguntas ao tutor.


Fonte: SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008, p. 84.

Nessas condições primárias, é possível que o médico veterinário dê orientações ao


tutor de acordo com as informações adquiridas, para que ele conduza certas ações
que visem à minimização das condições clínicas do animal intoxicado até que seja
possível o atendimento por parte do profissional (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-
NETO, 2008).

Sendo assim, em casos de exposição a agentes tópicos, o recomendado é que se lave


a pele do animal com água corrente em abundância, preferencialmente com água fria
ou morna para que evite o aumento da circulação na região e, consequentemente,
o favorecimento da absorção do agente. Em condições nas quais o agente tóxico
apresente uma característica de lipossolubilidade, o ideal é recomendar que seja
utilizado sabões neutros para o banho, evitando o ato de esfregar ou massagear a
área (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

Em casos nos quais o agente tóxico é ingerido, muitas vezes, acredita-se que o
recomendado é a indução da emese; no entanto, é válido ressaltar que nem sempre
essa manobra é eficaz e deve ser avaliada com cautela pelo médico veterinário e, se
necessário, desestimular que o tutor use deste método, pois são procedimentos que
podem acabar sendo ineficiente se executados por leigos. E, às vezes, o agente tóxico
trata-se de substâncias cáusticas ou corrosivas, portanto, o retorno pela cavidade oral
não é adequado, aumentando a lesão já presente no animal.

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Deve sempre ser alertado ao tutor a não usabilidade e administração de medicamentos
por meio da via oral para esses animais intoxicados. É muito comum que tutores
administrem medicações sem prescrição e conhecimento das propriedades
farmacológicas do composto. Alguns, ainda, têm o costume de fazer a administração
de medicamentos com animais deprimidos ou comatosos, o que pode levar à aspiração
dessas substâncias por ausência de reflexos protetores. A recomendação é apenas
para permitir o acesso do animal a água, à vontade, para que haja a diluição do agente
tóxico (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

Administração de alimentos como leite e clara de ovo nem sempre é indicada,


mesmo sendo considerados demulcentes, pois, caso o princípio tóxico seja
lipossolúvel, a administração desses alimentos favorecerá a biodisponibilidade do
agente no organismo.

Diante de qualquer tratamento de urgência, manter as funções vitais é o ato mais


importante e isso não se difere frente aos quadros de intoxicação, pois de nada adianta
ter recursos e procedimentos disponíveis se os animais perderem suas funções vitais,
principalmente a manutenção da função respiratória e cardiovascular. Logo, visando
garantir isso, manobras como massagem cardíaca, técnicas de desfibrilação, uso
de respiração artificial, assim como outras, podem ser necessárias para que haja o
desenvolvimento das ações terapêuticas seguintes (SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-
NETO, 2008).

Com a estabilização do paciente, é válido ressaltar a importância de realizar a avaliação


inicial do paciente e considerar as informações adquiridas na anamnese em relação à
espécie, peso, raça, sexo, idade, gestante ou não, se possui alguma doença crônica, se
está realizando algum tratamento, mudanças na dieta ou no ambiente, relacionamento
do animal com outros moradores e vizinhos etc.

Não se dispensa também a realização do exame físico para aquisição dos parâmetros
vitais, usando a investigação semiológica para avaliar o animal e definir suas
condições clínicas e mensurar seus parâmetros vitais. Após essas condutas, inicia-se
o processo de determinação de diagnóstico de intoxicação, procurando determinar
quais amostras biológicas devem ser encaminhadas aos laboratórios de análises
clínicas ou toxicológicas para que se aproxime do agente causador (SPINOSA;
GÓRNIAK; PALERMO-NETO, 2008).

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Defensivos Agrícolas

Os defensivos agrícolas, conhecidos popularmente como agrotóxicos, são substâncias


químicas utilizadas no controle de organismos considerados pragas, sejam esses
organismos animais, vegetais, fungos ou microrganismos. São usados de maneira
desenfreadas pelas indústrias, agricultura, pecuária, na veterinária e nas campanhas
sanitárias voltadas à saúde humana (PARANÁ, 2018; SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-
NETO, 2008).

De acordo com a Lei nº 7.802, de 1989, agrotóxicos são

produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos,


destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e
beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de
florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também
de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a
composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de
seres considerados nocivos (BRASIL, 1989).
São substâncias com propriedades tóxicas altamente prejudicais à saúde humana,
animal e ambiental, visto que sua mistura é baseada na adição de um princípio ativo
junto a aditivos, solventes, coadjuvantes e excipientes, que podem ser tão ou mais
tóxico que o princípio ativo (PARANÁ, 2018).

O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, utilizados em larga escala


na agricultura por meio de pesticidas, herbicidas, fungicidas, inseticidas e outros.
Na veterinária é usado como medicamentos para tratamento de endoparasitas e
ectoparasitas, e na saúde humana, para controlar vetores de doenças (PARANÁ, 2018).

São classificados conforme a sua finalidade, ou organismo alvo, quanto ao grupo


químico a que pertence e quanto à toxicidade. Sobre a sua finalidade os agrotóxicos
podem ser:

• Inseticidas: ação em insetos;


• Fungicidas: ação sobre os fungos;
• Herbicidas: ação no controle de ervas daninhas;
• Desfolhantes: induzem a queda prematura das folhas;
• Fumigantes: ação promovida por meio de cases sobre a fauna e a flora;
• Rodenticidas/raticidas: ação em roedores;
• Moluscicidas: ação em moluscos terrestres ou aquáticos;
• Nematicidas: ação em nematoides;

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• Acaricidas: ação em ácaros;
• Algicidas: ação no controle de algas.

Quanto ao grupo químico, podemos encontrar os organofosforados, os carbamatos,


os piretroides, os de glicina substituída, bipiridilos, ditiocarbamatos, dinitrofenóis,
organoclorados e organomercuriais. Já de acordo com a toxicidade, os agrotóxicos
são divididos em classes e são adotadas faixas que definem o caráter de cada um.
Vale salientar que a classificação toxicológica reflete a toxicidade aguda e não indica
os riscos de doenças de evolução prolongada, como câncer, neuropatias, hepatopatias
e outros problemas crônicos (PARANÁ, 2018; SPINOSA; GÓRNIAK; PALERMO-NETO,
2008).

Classe Toxicidade DL50 Cor da faixa

I Extremamente tóxico < 5 mg/kg Vermelha

II Altamente tóxico 5 – 50 mg/kg Amarela

III Medianamente tóxico 50 – 500 mg/kg Azul

IV Pouco tóxico 500 – 5000 < 5 mg/kg Verde

Tabela 2 - Classes dos agrotóxicos.


Fonte: Paraná, 2018, p. 13.

Conduta Terapêutica por Defensivos Agrícolas

A conduta terapêutica a ser estabelecida em casos de intoxicações por


agrotóxicos não difere muito da conduta geral de emergência médica e de outros
casos de intoxicação.

É importante que seja instaurada uma avaliação inicial rápida do paciente e de suas
condições clínicas para identificar e corrigir o risco de vida eminente que possa
surgir, seguidos de tratamentos de suporte e medidas de descontaminação. No
entanto, alguns agentes tóxicos podem apresentar efeitos tardios e continuarem a ser
absorvidos mesmo com o paciente assintomático ou estável na avaliação clínica, o
que pode evoluir rapidamente e gerar inúmeras complicações.

Vale lembrar que cada composto exerce um determinado tipo de ação. Por esse
motivo, conhecer o composto, a via de absorção e o tempo de exposição é de suma
importância para definir as medidas terapêuticas a curto e longo prazo, se há ou não

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a existência de algum antídoto, bem como se haverá necessidade do uso de técnicas
de descontaminação.

Fazer o manejo das vias aéreas e da circulação do animal é importante, por isso, preza-
se notar se há ou não a presença de alguma obstrução nas vias aéreas, realizar o
monitoramento da frequência respiratória e cardíaca, da pressão arterial, do tempo de
preenchimento capilar e dos demais parâmetros físicos do animal, visto que é comum,
no caso de intoxicações por agrotóxicos, que os animais apresentem vômitos, diarreia,
sudorese, sialorreia, e alterações na frequência cardíaca e respiratória.

A avaliação do sistema nervoso central também é importante, pois muitos destes


compostos atuam sobre o mesmo e são capazes de causar alterações sensoriais,
convulsões, tremores, fasciculações e outras alterações nervosas.

As medidas de descontaminação são os procedimentos que visam eliminar ou


diminuir ou evitar a absorção do agente tóxico e varia de acordo com a região exposta
ao agente, em que as principais são: respiratória, cutânea, ocular e gastrointestinal,
por meio da lavagem gástrica.

Não é recomendado provocar a emese em animais intoxicados por agrotóxicos,


visto que o ato tende a piorar o prognóstico clínico e retardar a ação de substâncias
adsorventes, catárticas ou até mesmo dos antídotos.

Sendo assim, a determinação do tratamento eficaz nos casos de intoxicações


por agrotóxicos vai depender muito do composto em questão, pois as alterações
clínicas são decorrentes do princípio tóxico e a forma com que essa molécula age
no organismo vivo.

A maioria dos agrotóxicos não possuem antídoto específico para tratar dos casos de
intoxicações, sendo utilizados fármacos que tendem a minimizar os efeitos, como
o uso da atropina nos casos de intoxicações por carbamatos, das oximas para os
organofosforados, da vitamina K ativada para os rodenticidas e da ioimbina quando
se tratar de intoxicação por amitraz. Contudo, frisa-se que esses compostos não são
antídotos, mas, sim, fármacos que auxiliam no tratamento. Para a administração
destes fármacos, é recomendado que o paciente esteja consciente e estável.

Outra substância importante de ser utilizada é o carvão ativado, que age como
adsorvente e impede que a substância tóxica se ligue às moléculas do organismo,
porém, ele não impede e elimina a porção tóxica que já se ligou às moléculas.

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Diuréticos e acidificantes podem ser utilizados para favorecer a excreção do agente
por via renal e o controle da temperatura e da volemia também são importantes
também para a melhora do quadro clínico do animal.

A solicitações de exames laboratoriais é eficaz para a determinação de parâmetros


bioquímicos e hematológicos desses animais, podendo fornecer informações sobre
como o organismo reagiu com o contato do agente tóxico e se ele foi capaz de causar
alguma lesão grave a determinados órgãos, sendo de suma importância também na
estabilização clínica, na determinação do prognóstico e na decisão de alta do paciente.

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Conclusão
O contexto em que a toxicologia se insere dentro da medicina veterinária, como se
pôde ver, é muito importante. Os aperfeiçoamentos dos estudos voltados ao uso ou
exposição de determinadas substâncias foi capaz de garantir que cada vez menos
acidentes acontecessem e que os quadros de intoxicações fossem identificados com
uma maior propriedade, garantindo a conduta e o tratamento correto.

Entender a situação de um ponto de vista toxicológico e saber como os agentes podem


exercer sua função tóxica no organismo é um divisor de água, pois esse entendimento
é capaz de guiar o profissional a uma conduta mais coesa e assertiva.

De modo geral, como a atuação do médico veterinário não se restringe apenas aos
animais, ter os mesmos pontos de vista e inseri-los sobre a saúde ambiental e humana
também tornam o estudo da toxicologia muito mais interessante, uma vez que há
uma crescente preocupação para sermos seres menos poluentes, menos geradores
de resíduos e, dessa forma, nos tornarmos seres capazes de aumentar os níveis de
seguridade sobre a saúde.

Nesse contexto, os testes de toxicidade demonstram ser importantes pois são eles que
ajudam a estipular os parâmetros de toxicidade ou não de uma molécula e estabelecer
a margem de segurança para podermos ter uma maior usabilidade sobre elas.

Com isso, é válido ressaltar que a toxicologia é notada no nosso dia a dia, na água que
bebemos, no solo que andamos, no ar que respiramos, nos produtos que utilizamos,
nos alimentos que comemos, nas coisas que produzimos e o destino que damos
a elas. Foram abordadas também as características dos defensivos agrícolas e as
condutas terapêuticas em casos de acidentes envolvendo os mesmos.

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Referências
BRASIL. Lei Federal nº 7.802, de 11 de julho de 1989. Dispõe sobre a pesquisa, a
experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento,
a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o
destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção
e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, Poder Executivo, 12 jul. 1989. Disponível em: https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7802.htm. Acesso em: 24 out. 2023.

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NOGUEIRA, R. M. B.; ANDRADE, S. F. Manual de toxicologia veterinária. São Paulo: Roca, 2011.

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Disponível em: https://www.saude.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/
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