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Análises Bromatológicas

e Toxicológicas
Fundamentos da Toxicologia

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Esp. Flávia Bonfim Lima

Revisão Textual:
Prof.a Dr.a Selma Aparecida Cesarin

Revisão Técnica:
Prof. Everton Carlos Gomes
Fundamentos da Toxicologia

• Introdução a Toxicologia;
• Intoxicação;
• Avaliação da Toxicidade;
• Toxicologia de Alimentos.


OBJETIVO

DE APRENDIZADO
• Apresentar os conceitos básicos e fundamentais da toxicologia e os principais agentes into-
xicantes presentes nos alimentos, seus mecanismos de ação e seus efeitos tóxicos no orga-
nismo humano.
UNIDADE Fundamentos da Toxicologia

Introdução a Toxicologia
A toxicologia, embora seja um tema atual, tem seu histórico tão antigo quanto a
história da civilização humana. Os primeiros registros datam de 1500 a.C. (Papiro de
Eber). No Egito, nesse mesmo período, foram registradas mais de 800 substâncias quí-
micas, incluindo chumbo, venenos de origem animal e vegetais tóxicos (OGA, 2008).

Ao longo de anos várias, obras foram escritas, descrevendo substâncias tóxicas e


introduzindo ideias e teorias que contribuíram para termos as bases que hoje utiliza-
mos no estudo da toxicologia.

Vejamos algumas dessas obras:


• Fontana (1720-1805): descreve estudos feitos com venenos de serpentes;
• Magendie (1783-1855): introdução do brometo, iodeto e o ópio na Medicina;
• Rognetta (1800-1857): descreveu a ação de vários agentes tóxicos;
• Frederick Accum (1769-1838): pioneiro na química analítica aplicada à detec-
ção de contaminantes em alimentos e preparações farmacêuticas.

Graças ao avanço nos estudos da toxicologia, atualmente, as autoridades governa-


mentais de todo o mundo exigem que estudos de avaliação de toxicidade sejam feitos
em diversos tipos de produtos, como medicamentos, alimentos, domissanitários e
aditivos alimentares, entre outros.

Todos os esforços são feitos no sentido de utilizar a toxicologia como ferramenta


na segurança da população. Esses avanços também são resultado da inter-relação
da toxicologia com outras áreas da Ciência, como Epidemiologia, Estatística,
Bioquímica, Química Analítica, Imunologia e Biologia Molecular, entre outras.

Com isso, a toxicologia apresenta áreas de atuação específicas, como a Toxicolo-


gia Ambiental, Forense, Ocupacional, Social e de Medicamentos.

Bioquímica Química
Metabolismo Caracterização
das toxinas de toxinas
Forense Clínica
Biologia Genética
Efeito das toxinas Toxicologia Alteração do
do ambiente código genético
Ambiental
Fisiologia Legislação
Efeito das toxinas nos Controle do uso
órgãos do corpo de substâncias
tóxicas

Epidemiologia Farmacologia
Efeito de agentes Entrada e
suspeitos sobre distribuição das
uma população toxinas no corpo

Figura 1
Fonte: Adaptado de COSTA, 2008

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“A toxicologia é a ciência que estuda os efeitos nocivos decorrentes das interações
de substâncias químicas com o organismo, sob condições específicas de exposição”
(OGA, 2008).

E:
A Toxicologia pode ser definida como o estudo da interação entre agen-
tes químicos e sistemas biológicos, com o objetivo de determinar quan-
titativamente o potencial dos agentes químicos em produzir danos, que
resultem em efeitos adversos em organismos vivos, e para investigar a
natureza, a incidência, os mecanismos de produção, os fatores que in-
fluenciam no desenvolvimento e reversibilidade desses efeitos adversos.
(BALLANTYNE et al., 1999)

Seguindo a definição acima, vamos conhecer alguns conceitos básicos da toxicolo-


gia, que fará você entender melhor a aplicação da definição da toxicologia como ciência:
• Veneno: termo empregado para designar a substância química ou mistura que
provoca intoxicação ou morte mesmo em baixas quantidades. Alguns autores
descrevem como substâncias provenientes de plantas e animais que são origi-
nalmente para autodefesa ou predação;
• Agente tóxico: entidade química capaz de causar dano a um Sistema Biológico,
alterando uma função ou levando-o à morte, sob certas condições de exposição;
• Antídoto: é um agente ou uma substância capaz de antagonizar os efeitos tóxi-
cos de determinadas substâncias;
• Toxicidade: propriedade dos agentes tóxicos de promoverem injúrias às estru-
turas biológicas por meio de interações físico-químicas;
• Ação tóxica: é a maneira ou o mecanismo pelo qual o agente tóxico exerce sua
atividade danosa sobre os diferentes níveis estruturais dos tecidos;
• Intoxicação: é a manifestação dos efeitos tóxicos. Trata-se do processo pato-
lógico desenvolvido pela ação do agente intoxicante, que pode ser substância
endógeno ou exógena. Esse evento pode ser evidenciado por meio de exames
clínicos e laboratoriais;
• Xenobiótico: é o termo empregado para substâncias que são estranhas ao
nosso organismo. Pode ser utilizado para poluentes atmosféricos e metais
pesados, por exemplo, desde que essa substância não exerça nenhum papel
fisiológico no organismo.

Quando falamos sobre a interação do agente toxicante com o organismo, é im-


portante considerarmos os fatores que envolvem cada uma das partes.

Pensando nas características físico-químicas do toxicante, podemos citar a so-


lubilidade dessa substância, pressão de vapor, estado físico, tamanho de partícula,
reatividade química e estabilidade entre outros.

Com relação ao organismo humano, podemos pensar nos fatores biológicos,


sexo, idade, peso, fatores genéticos, condições metabólicas.

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UNIDADE Fundamentos da Toxicologia

A seguir, temos um exemplo das características do agente toxicante e como se dá


a intração com organismo humano:
• Hidrossolubilidade: grupos que permitem formação de pontes de Hidrogênio
com a água: –OH, –COOH, –NH2, –SH;
• Lipossolubilidade: grupos alquílicos, fenílicos e naftílicos;
• Benzeno (lipossolúvel): acumula-se no tecido adiposo;
• Pele: fácil interação com agentes no estado líquido;
• Vias respiratórias: vapores, fumaça, Material Particulado (MP);
• Chumbo tetraetila: pele/vias respiratórias;
• Acetato de chumbo: pouco absorvido pela pele, nas vias respiratórias pode ser
absorvido como MP.

A via de exposição e o tempo de exposição também são fatores determinantes


nas intoxicações.

Intoxicação
Como vimos anteriormente, a intoxicação é o processo patológico causado pela
ação do agente intoxicante.

Vejamos, agora, sobre o processo de intoxicação. Podemos dividi-lo em 4 fases:


• Fase de exposição: compreende a fase ou o momento em que o organismo
entra em contato com o agente toxicante. Esse contato pode ser externo ou
interno (pele, mucosas, corrente, sanguínea). Fatores como a via de contato,
dose ou concentração, tempo e frequência de exposição, propriedades físico-
-químicas e a susceptibilidade do organismo são cruciais no desenvolvimento e
impactos das fases seguintes. Em outras palavras, o desdobramento da intoxi-
cação está relacionado às interações do agente xenobiótico com o organismo,
considerando as características de cada um. Esta exposição pode causar um
efeito local ou sistêmico;
• Fase toxicocinética: envolve todos os processos de absorção do agente toxi-
cante pelas diferentes vias de absorção nos diferentes tecidos do organismo. Isto
é, trata-se de como o xenobiótico é introduzido no organismo. Os processos
envolvidos na toxicocinética são: absorção, distribuição, transporte, armazena-
mento, biotransformação e excreção. As características físico-químicas de cada
substância vão determinar os tecidos alvos a serem afetados e a biodisponibili-
dade no organismo;
• Fase toxicodinâmica: nesta fase, temos a interação no nível molecular, ou seja, a
interação do agente toxicante com moléculas específicas ou não dos órgãos alvos;

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• Fase clínica: é a fase em que ocorre o desenvolvimento dos sinais e sinto-
mas da intoxicação. É possível detectar e diagnosticar por meio de exames
clínicos e laboratoriais. É o resultado do desequilíbrio homeostático causado
pelo agente toxicante. De acordo com o Manual de Intoxicação Clínica da
Secretaria Municipal de Saúde, uma das etapas do protocolo deve ser o exa-
me físico, no qual é possível identificar, no primeiro momento, a presença de
agentes toxicantes no organismo:

Realizar exame físico do paciente verificando os principais sinais e sintomas


descritos a seguir:
• Odores característicos: por exemplo, hálito etílico (uso de álcool), odor de alho
(organofosforados);
• Achados cutâneos: sudorese, secura de mucosas, vermelhidão, palidez, cianose,
desidratação, edema;
• Temperatura: hipo ou hipertermia;
• Alterações de pupilas: miose, midríase, anisocoria, alterações de reflexo pupilar;
• Alterações da consciência: agitação, sedação, confusão mental, alucinação,
delírio, desorientação;
• Anormalidades neurológicas: convulsão, síncope, alteração de reflexos, alte-
ração de tônus muscular, fasciculações, movimentos anormais;
• Alterações cardiovasculares: bradicardia, taquicardia, hipertensão, hipoten-
são, arritmias;
• Anormalidades respiratórias: bradipneia ou taquipneia, presença de ruídos
adventícios pulmonares;
• Achados do aparelho digestório: sialorreia, vômitos, hematêmese, diarreia,
rigidez abdominal, aumento ou diminuição de ruídos hidroaéreos.

A figura a seguir resume as 4 fases da intoxicação e a correlação entre elas:

I II III IV
TOXICO TOXICO
EXPOSIÇÃO CINÉTICA DINÂMICA CLÍNICA

Processos de Natureza
transporte: da ação
• Absorção
Vias de introdução • Distribuição
• Eliminação
biotranformação

TOXICANTE TOXICIDADE INTOXICAÇÃO

disponibilidade sinais e
química biodisponibilidade sintomas

Figura 2

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UNIDADE Fundamentos da Toxicologia

Avaliação da Toxicidade
Todas as substâncias são venenos, não existe nenhuma que não seja. A dose cor-
reta diferencia um remédio de um veneno.

A toxicologia aponta que todas as substâncias podem ser em algum momento


consideradas agentes tóxicos. O que vai determinar essa ação será a via de admi-
nistração (oral, respiratória, cutânea etc.), a dose absorvida, o tempo de exposição.

Vejamos o exemplo do benzeno, que é um agente carcinogênico:


• Curta exposição: depressor do SNC, dores de cabeça, tonturas, convulsão,
inconsciência, edema pulmonar;
• Longa exposição: mielotoxicidade (agressão à medula óssea): diminuição dos
componentes hematológicos (eritrócitos, glóbulos brancos, plaquetas) leucope-
nia, eritropenia, plaquetopenia, anemia aplástica;
• Relações causais com exposição ao benzeno: leucemia mieloide, leucemia
linfoide, pré-leucemia, mieloma múltiplo etc.

Considerando que todas as substâncias são potencialmente tóxicas, é fundamen-


tal conhecer e estabelecer limites que garantam a segurança do uso, protegendo a
saúde humana.

Para caracterizar o potencial tóxico de um agente toxicante, é necessário conhe-


cer as suas propriedades físico-químicas e seu comportamento quando interage com
o organismo, isto é, que tipo de efeito ele causa no organismo. Então, definir, a ava-
liação da toxicidade se dá, para conhecer os níveis ou limites de exposição seguros,
a dose segura e o tempo de exposição.

Uma das formas de avaliar a toxicidade é por meio da relação dose-resposta.


A dose é a concentração ou quantidade de uma determinada substância adminis-
trada, porém, essa quantidade pode não ser a mesma absorvida dependendo da
via de administração.

Sendo assim, para saber qual dose efetivamente é capaz de causar danos ao
organismo, é fundamental conhecer a toxicocinética dessa substância e considerar
todos os processos pelos quais essa substância passa após ser introduzida no orga-
nismo. A relação dose resposta é a relação entre as características da exposição e
os efeitos tóxicos: quanto maior a dose, maior a resposta tóxica. Esta, por sua vez,
é individualizada, ou seja, cada organismo pode responder de forma diferente ao
mesmo agente toxicante.

Assim, essa relação é calculada por meio de uma curva estatística (Gaussiana), a
partir de dados de observação de mortalidade após a exposição a doses relacionadas
da substância testada.

Essa curva é amplamente empregada para calcular a dose letal 50% (DL 50
)ea
concentração letal 50% (CL 50) (OGA, 2008).

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A DL50 descreve a dose da substância testada que é capaz de matar 50% da po-
pulação em estudo em condições definidas:

100

80
Mortalidade / %
60

40

20

0
CL 50
Concentração / u.a.
Figura 3
Fonte: Adaptado de COSTA, 2008

Outro dado importante para a avaliação da toxicidade, que é extraído dessa curva,
é a dose limite, ou seja, a menor dose capaz de produzir uma resposta detectável
no organismo.
Esse dado não é fácil de ser obtido, mas, para fins de Legislação, pode ser usado
também o NOEL (No Observed Adverse Effect Level, a dose em que não são obser-
vados efeitos tóxicos) e o LOEL (Lowest Observed Effect Level) menor quantidade
de substância na qual se observam efeitos adversos.
A seguir, temos os critérios adotados pela comunidade europeia para classificar
a toxicidade:

Tabela 1
Categoria DL50 Oral para Ratos (mg/kg Peso Corpóreo)
Muito tóxico Menor que 25
Tóxico De 25 a 200
Nocivo De 200 a 2.000
Fonte: OGA, 2008

Teste Seu Conhecimento


• Graças ao avanço do estudo da toxicologia, hoje podemos afirmar que esta é uma área que
se inter-relaciona com quais áreas? Cite ao menos 4;
• Qual a diferença entre veneno, agente tóxico e xenobiótico?
• Cite 3 exemplos de características físico-químicas e 3 biológicas que envolvem a interação
do agente toxicante com o organismo;
• Quais as fases envolvidas no processo de intoxicação? Descreva cada uma delas;
• Por qual meio é possível avaliar a toxicidade? Explique.

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UNIDADE Fundamentos da Toxicologia

Testes toxicológicos
Além da curva de relação dose, a avaliação da toxicidade engloba outros testes
toxicológicos. As condições desses testes são bem definas e o testes seguem a expe-
rimentação em modelo animal.

No Brasil, foram estabelecidos os 5 tipos de testes toxicológicos obrigatórios de


acordo com Resolução 1/78 (D.O.U 17/10/1978) para cada nova substância que
é produzida em larga escala (acima de 1 tonelada/ano), sendo: toxicidade aguda,
subaguda, crônica, teratogenia e embriotoxicidade.

O foco dos testes toxicológicos é apontar que tipo de efeito nocivo esta substância
é capaz de produzir em um organismo.

A seguir, temos os testes mais comumente realizados, e suas descrições:


• Toxicidade aguda/subaguda: indica os efeitos tóxicos manifestados após a
administração de uma dose dentro de um curto período de tempo (24 horas);
• Toxicidade subcrônica: indica a ação de substâncias pós repetidas exposições.
Normalmente, este teste ocorre em 90 dias. É um teste importante pois, por
meio dele, é possível identificar os níveis nos quais não se observa efeito tóxico;
• Toxicidade crônica: indica os efeitos tóxicos de uma substância após um longo
período de exposição, podendo variar de 6 meses a 2 anos. Por meio desse
teste, também é possível avaliar o potencial de carcinogênico da substância;
• Teratogenia: nesse teste, é avaliada a fertilidade, o desempenho reprodutivo
e os efeitos sobre a formação do feto. Machos tratados são acasalados com
fêmeas não tratadas, ou o contrário;
• Embriotoxicidade: avalia os efeitos da substância durante a embriogênese, as
doses são administradas durante a gestação.

Outros testes também são incluídos na avaliação da toxicidade de uma subs-


tância, como:
• Estudos de toxicocinética: fornecem informações sobre absorção, trans-
porte, distribuição e armazenamento, biotransformação e excreção da subs-
tância em análise;
• Mutagênese e carcinogênese: avaliam a capacidade da substância de al-
terar o material genético das células e consequente replicação do material
genético modificado;
• Efeitos locais sobre pele e olhos: utilizados para testes de produtos cosméticos,
a fim de avaliar o nível de irritação cutânea ou ocular que a substância é capaz de
causar. Nesse tipo de teste, utiliza-se o coelho como animal de experimentação;
• Estudo de sensibilização cutânea: avalia a capacidade da substância de causar
sensibilização da pele quando em contato por repetidas vezes;
• Estudos de ecotoxicidade: estudo dos efeitos tóxicos no ecossistema.

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Além disso, informações iniciais sobre a substância analisada são incluídas como
características físico-químicas (cor, viscosidade, densidade, pressão de vapor e vola-
tilidade entre outras).

Avaliação do risco
Assim como conhecer as características das substâncias e como elas se compor-
tam quando em contato com o organismo humano, é importante, também, conhe-
cer e avaliar os riscos que essas substâncias oferecem.

Essa é, também, uma tarefa da toxicologia: conhecendo os riscos, é possível gerar


estratégias para controle e evitar acidentes e contatos perigosos. Em outras palavras,
trabalhar na prevenção.

Primeiro, vamos entender o conceito de “Perigo” e “Risco” do ponto de vista


toxicológico:

Perigo
É a capacidade de uma determinada substância de causar danos ou efeito adverso
(explosiva, neurotóxica, inflamável, corrosiva, irritante etc.)

C U I DA D O
MATERIAL
TÓXICO
Figura 4
Fonte: Adaptado de Getty Images

Risco
É a probabilidade de um evento nocivo ocorrer devido a uma exposição a um
agente químico/biológico (OGA,2008).

A avaliação de risco consiste em um processo de análise que relaciona o perigo, o


risco e a exposição à determinada substância. É um estudo aprofundado que caracte-
riza cientificamente os danos e os efeitos da exposição humana aos agentes químicos.
Todo esse esforço é direcionado para estabelecer limites de segurança à exposição.

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UNIDADE Fundamentos da Toxicologia

Para isso é considerado o potencial da substância em causar danos e o tempo


de exposição.

A avaliação do risco, envolve a etapa de identificação do perigo, na qual estudos


conduzidos em animais descrevem se a substância é capaz de causar danos.

A partir dessas informações, é possível estabelecer o tipo de efeito pode ser cau-
sado e qual o impacto na população estudada.

A caracterização do perigo é outra etapa dessa avaliação. Aqui, teremos a quan-


tificação do perigo (dose-resposta). A Avaliação da exposição visa a avaliar os níveis,
intensidade, frequência de exposição humana a substância em questão.

Essa fase inclui 3 etapas:


• Caracterização da fonte da exposição: local da exposição (rios, lagoas, bar-
ragens, fábricas) e a população exposta também é caracterizada nesta etapa;
• Identificar os meios de exposição: caracterizar os meios pelos quais a popu-
lação local está exposta (água contaminada, ar, solo, alimentos);
• Quantificar a exposição: estima-se a concentração do agente que pode estar
em contato com a população exposta.

Por fim, temos a etapa de manejo do risco, que consiste em predizer a frequência
e o nível de severidade dos efeitos tóxicos sobre a população exposta. Os dados en-
volvidos nesta etapa estão relacionados às etapas anteriores. Isso gera um Banco de
Informações que aponta para a severidade e a probabilidade de ocorrer.

Com essas informações em mãos, é possível analisar se o risco pode ser negligen-
ciado ou não. Isto é, com bases em informações científicas, em caso de necessidade de
exposição a determinadas substâncias, é possível tomar decisões equilibradas e seguras.

Identificação
do perigo

Avaliação Avaliação Caracterização


da exposição do risco do risco

Caracterização
do perigo

Figura 5

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Teste Seu Conhecimento
• Cite os 5 tipos de testes toxicológicos obrigatórios de acordo com a Resolução 1/78 (D.O.U
17/10/1978);
• Quais testes de toxicidade podem ser aplicados a produtos cosméticos?
• Qual a diferença entre risco e perigo?
• Explique as três fases da avaliação da exposição;
• De que forma a Avaliação da Exposição contribui para o estudo da toxicologia de uma de-
terminada substância química?

Toxicologia de Alimentos
Os alimentos são elementos que ocupam um lugar de destaque dentro da to-
xicologia, pois constituem uma via importante de exposição de agente tóxicos ao
organismo humano podendo chegar ao alcance de um grande número de pessoas.
Os principais agentes que podem contaminar os alimentos são divididos em: metais
pesados, micotoxinas, pesticidas e os constituintes naturais.
Vamos começar falando dos constituintes naturais dos alimentos, que podem agir
como agentes tóxicos para o ser humano. Esses constituintes nada mais são do que
substâncias químicas (metabólitos secundários) produzidas pelos vegetais como me-
canismo de defesa que, dependendo da dose, frequência e exposição pode causar
sérios danos ao organismo:

Glicosídeos cianogênicos
Compostos nos quais parte da molécula é um carboidrato e outra parte não. Quando
esta molécula é hidrolisada, libera o ácido cianídrico, que é um composto tóxico.
Um exemplo conhecido é a mandioca brava, que apresenta na sua constituição
a linamarina, que pode causar manifestações gastrointestinais: náuseas, vômitos e
diarreia, distúrbios neurológicos: cefaleia, tontura, midríase, torpor, convulsões, dis-
túrbios respiratórios: dispneia, acúmulo de secreções e cianose, distúrbios cardiocir-
culatórios: arritmias, hipotensão e óbito.

Glicoalcaloides
Estão presentes em diferentes tipos de batatas, alimentos amplamente consumi-
dos no Brasil e no mundo. Os glicoalcaloides (como a solanina) estão presentes em
maior concentração em dois momentos no crescimento da planta e no brotamento
que ocorre no tubérculo (na batata), a concentração de 45mg por 100g de batata é
a quantidade suficiente para causar intoxicação.

Exemplo de batata esverdeada, disponível em: https://bit.ly/2RoJ6Mz

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UNIDADE Fundamentos da Toxicologia

Figura 6
Fonte: Getty Images

Metais nos alimentos


Os metais estão amplamente distribuídos na Natureza, e alguns, inclusive, fazem
parte da constituição de vários alimentos.

São elementos necessários ao nosso organismo e os alimentos são fontes impor-


tantes de obtenção de determinados tipos de metais. Outros tipos, são considerados,
em qualquer concentração, prejudiciais à saúde humana.

Quando os alimentos trazem em sua estrutura metais que são nocivos à saúde,
constitui-se um meio de exposição à população.

O chumbo, por exemplo, era muito utilizado em diversas atividades humanas des-
de a Antiguidade. Os romanos utilizavam chumbo para fabricação de dutos de água
consumo e fabricação de utensílios domésticos. O chumbo também era usado para
adoçar vinhos devido ao seu sabor adocicado (açúcar de chumbo).

O Mercúrio também é um metal envolvido com contaminação alimentar. Ele pode


se apresentar de 3 formas e todas podem contaminar os alimentos.

São elas: mercúrio inorgânico (na forma de sal), mercúrio metálico e mercúrio
orgânico (metilmercúrio).

Cada uma dessas formas apresenta uma via preferencial de absorção, toxicocinética
e efeitos no organismo humano. Isso, devido às suas características físico-químicas.

Na História, foi registrado um caso extremamente relevante de intoxicação por


mercúrio, que chamou a atenção dos órgãos governamentais para o perigo de con-
taminação de metais em alimentos:
O despertar da consciência pública para as consequências do mercúrio
e de seus compostos se ampliou na década de 1960 com o desastre

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ambiental no Japão, onde, por mais de vinte anos, uma indústria lançou
em seus efluentes líquidos o mercúrio em sua forma orgânica diretamen-
te na baía de Minamata. A baía, situada no arquipélago sul do País, foi
contaminada pelos rejeitos da empresa Chisso, que contaminou a fauna
marinha e, por meio da cadeia trófica, alcançou o homem. Além das
sequelas no corpo e na mente das vítimas, Minamata também é uma
história de luta política da população para o reconhecimento da ‘‘Doença
de Minamata’’ ou do ‘‘Mal de Minamata”. (SILVA et al., 2017)

Síndrome de Minamata, disponível em: https://bit.ly/3bXhrMc

Vejamos os principais contaminantes nos alimentos:

Tabela 2
Metal Fonte de exposição Toxicocinética Efeitos tóxicos Prevenção
Absorção por via respiratória, O FDA (2005) estabeleceu
oral, cutânea e parenteral. o limite máximo diário
Transportado pela corrente de 5µg.
Alimentos de origem sanguínea ligado à albumina • Neurológicos; A OMS (2004) definiu o
vegetal e animal. Produ- (80%), à ferritina (10%) e a pro- • Hematológicos; limite de alumínio na água
tos à base de leite soja. teínas de baixo peso molecular. • Ossos; potável para ≤ 0,1 mg/l
Alumínio Alumínio proveniente de É distribuído em todo o orga- • Respiratórios; para estações de tratamen-
utensílios domésticos. nismo, acumula-se em rins, • Cardiovasculares; to e para água engarrafada
Aditivos alimentares. fígado, testículos, músculo • Carcinogênicos. 0,2mg/l. A RDC n° 8/2001
esquelético, coração e cérebro. estabelece limites água
É eliminado na urina e nas fe- utilizada na fabricação de
zes (o não absorvido). solução para hemodiálise.
O FDA, em 2006, estabele-
Absorção via gastrointestinal ceu o limite de 0,1ppm de
Alimentos produzidos
e respiratória. chumbo em doces e emba-
próximos a indústrias
A sua concentração no sangue lagens. No Brasil, a Portaria
que utilizam chumbo e Os órgãos mais suscetíveis
reflete a dose absorvida. n° 685, de 27 de agosto de
seus compostos, peixes ao chumbo são o Sistema
Distribui-se majoritariamente 1998 (ANVISA), estabelece
e mariscos oriundos Nervoso em desenvolvi-
Chumbo de regiões aquáticas
nos ossos, meia vida de elimi-
mento (crianças são críti-
o limite máximo de chum-
nação é de aproximadamente bo em alimentos.
contaminadas, vegetais cas), hematológico, cardio-
27 anos. A Portaria n° 518, de 25 de
cultivados em solo vascular e renal.
A meia vida de eliminação do março de 2004, (Ministério
contaminado, leite
chumbo no sangue é de 30 dias, da Saúde) estabelece o li-
e derivados.
e é excretado na urina e fezes. mite máximo permitido de
chumbo em água potável.
Mercúrio iônico (sais): absor-
ção pelo trato grastrointesti-
No Brasil, a Portaria n°
nal e excreção via renal;
685, de 27 de agosto de
Mercúrio orgânico:
1998 (ANVISA), estabelece
Emissões associadas à são absorvidos por TGI, pul- • Mercúrio iônico:
o limite máximo de mer-
atividade humana, como mão e pele; Bloqueio de enzimas,
cúrio em peixes e produtos
garimpo de minério, que Mercúrio metálico: cofatores e hormônios;
Mercúrio contamina rios e solo. absorção por pele e pulmão • Mercúrio orgânico:
de pesca.
A Portaria n° 518, de 25 de
Peixe e animais marinhos (cerca de 80% do inalado é Sistema Nervoso;
março de 2004 (Ministério
(metilmercúrio). absorvido), mas não há ab- • Mercúrio metálico: Rins.
da Saúde), estabelece o li-
sorção pelo TGI, excretado,
mite máximo permitido de
principalmente, pela urina, e
mercúrio em água potável.
ainda pelas fezes, e um pouco
pelo suor.
Fonte: Adaptado de OGA, 2008

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UNIDADE Fundamentos da Toxicologia

Micotoxinas
Os alimentos processados ou in natura podem ser contaminados também com as
micotoxinas, que são substâncias altamente tóxicas produzidas por fungos.
Isso mesmo! Por fungos!
Os fungos estão presentes em todos os lugares e, nos alimentos, não é diferente.
Existem certas condições de higiene, temperatura, umidade, exposição à luz, pH
e oxigênio que favorecem o desenvolvimento desses fungos e, após sua instalação
nos alimentos, em condições favoráveis para o seu crescimento, eles passam a
produzir substâncias que são produtos do seu metabolismo, mas que são tóxicas ao
organismo humano.
O consumo de alimentos contaminados com essas toxinas pode causar sérios
danos ao organismo.
As micotoxinas podem ser encontradas em quase todos os tipos de alimentos: ar-
roz, milho, feijão, cevada, soja, castanhas, nozes, amendoim, laticínios (queijo, leite)
produtos cárneos (presunto) e bebidas (vinho).
Existem centenas de micotoxinas que já foram caracterizadas, mas algumas delas
são mais frequentemente encontradas em alimentos:
• Aflotoxinas;
• Zearalenona;
• Ocratoxina;
• Alcaloides do ergot;
• Ácido penicílico;
• Citrinina;
• Patulina;
• Ocratoxina;
• Tricotecenos.
Vejamos alguns exemplos:
Tabela 3
Micotoxina Fungo Ação biológica Ocorrência Efeitos
Interagem com diversas mo-
Presente em leite,
Aflotoxina Aspergillus flavus e léculas funcionais e organelas.
carne e rações ani- Carcinogênico.
Aspergillus parasiticus Atuam no DNA apresentando
mais contaminadas.
propriedades carcinogênicas.
Possui ação estrogênica em
Estrogenismo (inflamação
Espécie Fusaruim machos e fêmeas, e estimula
Zearalenona (F. roseum, F. tricinctum, Cereais (em especial uterina, aumento de secreção
a síntese de DNA e RNA nos
o milho). vaginal e retal, vulvovaginite
F.lacterium) entre outros órgãos como útero e glându-
e aumento das mamas).
las mamárias.
• Atividade carcinogênica;
Possivelmente, associada à • Maçãs;
• Edema pulmonar;
Patulina Espécies de Aspergillus, sua estrutura química (for- • Peras;
• Processos hemorrágicos
Penincillium e Byssoclamys mação da dupla ligação na • Uvas;
(fígado, baço, rins);
posição 4 do anel lactona). • Cereais.
• Edema cerebral.
Fonte: Adaptado de OGA, 2008

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Existe Legislação específica para as micotoxinas presentes em alimentos.

No Brasil, temos a RDC 274/2002(ANVISA), a Resolução no. 25/02 e a Portaria


MAARAN 183/96.

Internacionalmente, existem outras normas que se aplicam a essa categoria para


diversos tipos de alimentos, podendo ser aplicadas conforme a necessidade.

Praguicidas
A definição de praguicidas é mais ampla do que imaginamos. Não se trata apenas
de substâncias químicas utilizadas para o controle de pragas.

A FAO (Organização para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas) descreve


os praguicidas como: “Produtos químicos ou qualquer substância ou misturas
destinadas à prevenção, destruição ou controle de qualquer praga, incluindo
vetores de doenças humanas ou animais”.

Nesse cenário, podemos apontar: agrotóxicos, defensivos agrícolas, agroquímicos,


praguicidas, pesticidas, desinfetantes e biocidas entre outros.

Note que são muitos tipos de produtos tóxicos que se enquadram nessa definição.

Se trouxermos isso para o contexto alimentar, podemos concluir que muitos ali-
mentos estão sob a influência de algum tipo desses produtos tóxicos.

No Brasil, o Decreto n.º 98.816, de 11/01/1990, do Ministério da Agricultura,


que regulamentou a Lei n.º 7.802, de 11/07/89, aborda também a definição de
agrotóxicos e componentes.

Os praguicidas são divididos em grupos, conforme suas características químicas


e de ação.

Os mais utilizados em lavouras e plantações na produção de alimentos são: orga-


nofosforados, organoclorados, carbamatos e piretróides.

Teste Seus Conhecimentos


• Quais são os principais agentes contaminantes dos alimentos?
• A mandioca brava e a batata em brotamento ou com coloração esverdeada, produzem
quais tipos de substâncias tóxicas respectivamente?
• Quais são as 3 formas químicas em que o mercúrio pode se apresentar?
• Qual forma do mercúrio é preferencialmente absorvida pelo trato gastrointestinal? Explique;
• Qual o órgão alvo da ação do chumbo no organismo humano?
• A qual tipo de contaminante grãos, cereais e laticínios estão susceptíveis? Cite 4 exemplos
desse tipo de contaminante;
• Quais os praguicidas mais empregados na lavoura.

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UNIDADE Fundamentos da Toxicologia

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
Fundamentos de Toxicologia
Toxicocinética: OGA, S.; CAMARGO, M. M. de A.; BATISTUZZO, J. A. de O.
Fundamentos de toxicologia. São Paulo: Atheneu, 2008.

 Leitura
A Toxicidade em Ambientes Aquáticos: Discussão e Métodos de Avaliação
COSTA, C. R. et al. A toxicidade em ambientes aquáticos: discussão e métodos
de avaliação. Quím. Nova, São Paulo, v. 31, n. 7, p. 1820-1830, 2008.
https://bit.ly/2RqwlkU
Alucinógenos Naturais: um Voo da Europa Medieval ao Brasil
MARTINEZ, S. T.; ALMEIDA, M. R.; PINTO, A. C. Alucinógenos naturais: um
voo da Europa Medieval ao Brasil. Quím. Nova, São Paulo, v. 32, n. 9, p. 2501-
2507, 2009.
https://bit.ly/2RosKDV

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Referências
BALLANTYNE, B.; MARRS, T.; SYVERSEN, T. Fundamentals of toxicology.
General applied toxicology. London: McMillan Reference, 1999. p. 1-32.
BOBBIO, F. O.; BOBBIO, P. A. Introdução à química de alimentos. 3.ed. São
Paulo: Varela, 2003.
BRASIL. Decreto-Lei Federal nº 986/69. Institui normas básicas sobre alimentos.
Presidência da República. Brasília. Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1969.
________. Lei nº 9.677, de 2.7.1998. Código Penal Brasileiro. Altera dispositivos do
Capítulo III do Título VIII do Código Penal, incluindo na classificação dos delitos con-
siderados hediondos crimes contra a saúde pública, e dá outras providências. Brasília:
Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1998.
________. RDC n° 43, de 1° de setembro de 2015. Dispõe sobre a prestação de
serviços de alimentação em eventos de massa. Brasília: Ministério da Saúde/MS
Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, 2015.
BRILHANTE, O. M.; CALDAS, L. Q. A. (coord.). Gestão e avaliação de risco em
saúde ambiental. Cap. 4 – Avaliação de Risco para a Saúde Humana e Ecossistema
[on-line]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999. 155p. Disponível em: Scielo Books.
COSTA, C. R. et al. A toxicidade em ambientes aquáticos: discussão e mé-
todos de avaliação. Quím. Nova, São Paulo, v. 31, n. 7, p. 1820-1830,  2008.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
-40422008000700038&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 17/03/2020.
MARTINEZ, S. T.; ALMEIDA, M. R.; PINTO, A. C. Alucinógenos naturais: um voo da
Europa Medieval ao Brasil. Quím. Nova, São Paulo, v. 32, n. 9, p. 2501-2507, 2009.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
-40422009000900047&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 17/03/2020.
OGA, S.; CAMARGO, M. M. de A.; BATISTUZZO, J. A. de O. Fundamentos de
toxicologia. São Paulo: Atheneu, 2008. Cap. 1 e 5.
SILVA R. R. et al. Convenção de Minamata: análise dos impactos socioambientais
de uma solução em longo prazo, Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 41, n. especial,
p. 50-62, jun. 2017.
SECRETARIA de Estado da Saúde. Superintendência de Controle de Epidemias.
Manual de Segurança em Controle Químico de Vetores. Secretaria de Estado
da Saúde. Disponível em: <http://www.saude.sp.gov.br/sucen-superintendencia-
-de-controle-de-endemias/programas/seguranca-do-trabalhador/manual-de-segu-
ranca-em-controle-quimico-de-vetores>.
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE. Manual de Toxicologia Clínica, orien-
tações para assistência e vigilância das intoxicações agudas. 2017. Disponível em:
<http://www.cvs.saude.sp.gov.br/up/MANUAL%20DE%20TOXICOLOGIA%20
CL%C3%8DNICA%20-%20COVISA%202017.pdf>.
UEL. Mandioca brava. Disponível em: <http://www.uel.br/hu/portal/pages/cit/
plantas-toxicas/mandioca.php>. Acesso em: 09 set 2020.

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