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História da

Farmácia

Clóvis Dervil Appratto Cardoso Júnior


História da farmácia
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer os fatos históricos pertinentes ao surgimento da farmácia.


 Relatar as atividades do farmacêutico.
 Comparar as farmácias do passado com as atuais.

Introdução
A história da farmácia é milenar. Desde o início da humanidade, o homem
buscou a cura para os seus males. Como não havia conhecimento sobre
as substâncias capazes de curar, os tratamentos eram fundamentados
no conhecimento empírico de plantas na sua forma bruta. Em algumas
localidades do mundo, o tratamento de pessoas enfermas também
envolvia crenças e rituais religiosos.
No entanto, com o passar dos séculos e com o desenvolvimento das
civilizações, foram ocorrendo evoluções no modo como eram realizados
os tratamentos terapêuticos. A capacidade de extrair e isolar substâncias
farmacologicamente ativas das plantas e os progressos significativos na
síntese de novas moléculas proporcionaram à humanidade tratamentos
eficazes e seguros para suas moléstias, chegando ao modelo de farmácia
e farmacêutico que conhecemos hoje em dia.
Neste capítulo, você vai conhecer os principais fatos históricos rela-
cionados à origem da farmácia. Você conhecerá as atribuições do farma-
cêutico no cotidiano da farmácia, além de distinguir as suas atividades
profissionais nas antigas boticas e nas farmácias atuais.

História da farmácia
Evidências arqueológicas sustentam que, desde o princípio da humanidade,
a busca por remédios para combater as doenças era constante. Escavações
em assentamentos pré-históricos comprovam que os indivíduos da época já
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coletavam plantas com objetivo medicinal. Os curandeiros da época, ou xamãs,


abordavam as doenças dentro de um contexto místico, envolvendo a crença de
bons e maus espíritos. Dessa forma, a abordagem terapêutica era realizada com
o uso de poções “mágicas”, manipuladas por eles (ALLEN JUNIOR, 2015).
Quando grandes civilizações, como a Mesopotâmia e o Egito, nasceram e
se organizaram com o controle das plantações e as grandes construções, tábuas
de argila e papiros surgiram como as primeiras fontes escritas sobre o uso dos
medicamentos. Os registros demonstram um vasto número de preparações
farmacêuticas para serem manipuladas com base em detalhadas receitas. No
entanto, nesses povos, ainda havia uma grande relação com a cura sobrenatural,
já que, geralmente, tais receitas iniciavam com um ritual de encantamento
ou prece (DIAS, 2005). O Papiro de Ebers, datado por volta de 1.550 a.C. no
Egito, é o mais importante documento da história da farmácia, descrevendo
mais de 7.000 substâncias medicinais, distribuídas em mais de 800 fórmulas
(CABRAL; PITA, 2015; SÃO PAULO, 2015).
O desenvolvimento da civilização grega contribuiu muito na história da
humanidade e serviu como base às raízes da medicina moderna. Nesta época,
foi desenvolvido o conceito de fármaco (pharmakon), que apresenta como
definição: feitiço, remédio ou veneno (DEL CORRAL, 2009; DIAS, 2005).
O médico grego Hipócrates (460–370 a.C.), considerado o pai da medicina,
foi um dos grandes responsáveis pelas explicações racionais na relação entre
saúde e doença, com a teoria dos quatro humores corpóreos. Ele acreditava
que a saúde do indivíduo dependia do equilíbrio dos humores (eucrasia) e que,
quando ocorria alguma desarmonia (discrasia), a doença era observada. Além
disso, com a teoria, pode-se estabelecer uma correspondência entre os quatro
humores, os quatro elementos e as quatro qualidades, conforme descritos a
seguir (REZENDE, 2009; ALLEN JUNIOR, 2015; SÃO PAULO, 2015).

 Os quatro humores: bile negra (secreção produzida no baço e no estô-


mago de natureza fria e seca), sangue (armazenado no fígado e levado ao
coração, de natureza quente e úmida), bile amarela (secreção do fígado
quente e seca) e fleuma (secreções mucosas de característica fria e úmida).
 Os quatro elementos: terra, fogo, ar e água.
 As quatro qualidades: frio, quente, seco e úmido.

Teofrasto (370–285 a.C) foi um estudioso das plantas medicinais. Ele com-
pilou informações de acadêmicos, parteiras, coletores de raízes e médicos. Seu
trabalho serviu como base para Dioscórides (65 d.C.), considerado o fundador da
farmacognosia (ciência que estuda os princípios ativos naturais, sejam animais
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sejam vegetais), que elaborou uma obra de referência sobre o uso das plantas
medicinais, a De materia medica. Essa obra menciona o uso de 600 plantas
medicinais, além de indicar como elas devem ser coletadas e armazenadas.
Nesse documento, pode ser destacada a aplicação do salgueiro-branco, uma das
primeiras fontes de ácido acetilsalicílico, importante analgésico conhecido mun-
dialmente até hoje (DIAS, 2005; ALLEN JUNIOR, 2015; SÃO PAULO, 2015).

O símbolo internacionalmente utilizado para representar a profissão farmacêutica teve


origem na Grécia Antiga. O brasão é representado por uma taça com uma serpente
enrolada. O símbolo é baseado na mitologia grega e ilustra o poder (serpente) da cura
(taça), utilizado pela deusa Hígia, responsável pela saúde.

Fonte: Stocker_team/Sgutterstock.com.

Segundo a mitologia, Chiron, o centauro, possuía o conhecimento da cura e tinha


Asclépio como seu discípulo. Asclépio recebeu todo o conhecimento sobre as plantas
medicinais de Chiron, tornando-se o deus da saúde. Tinha como símbolo um cetro
com duas serpentes enroladas. No entanto, além de salvar vidas, Asclépio usava seu
poder para ressuscitar pessoas, quebrando o ciclo natural da vida. Zeus, não contente
com as ações do deus da saúde, resolveu intervir e acabou matando Asclépio. Com
a morte de Asclépio, a saúde passou a ser responsabilidade de sua filha Hígia, que se
tornou a deusa da saúde. Hígia tinha como símbolo uma taça e, em virtude de sua
nova responsabilidade, uma serpente enrolada foi adicionada a ela. Essa serpente é,
obviamente, uma representação do legado de seu pai. Posteriormente, o símbolo de
Hígia, a taça com a serpente, tornou-se o símbolo da Farmácia (CFF, 2008).

O médico grego Galeno, que viveu em Roma no século II d.C, considerado o


pai da farmácia, desenvolveu um método de combater as doenças empregando
substâncias que se opunham diretamente aos sinais e sintomas do paciente.
Assim, com Galeno surgiu o conceito da alopatia (DEL CORRAL, 2009;
CABRAL; PITA, 2015; SÃO PAULO, 2015).
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Historiadores revelam que, entre os anos 400 e 900, houve o surgimento


da farmácia na civilização islâmica. Baseados nas escrituras médicas gregas,
especialmente as de Galeno e Dioscórides, médicos islâmicos elaboravam
novas informações (ALLEN JUNIOR, 2015). Dentre eles, pode-se destacar
Avicenna (980-1063), que elaborou o Cânone da medicina, obra que apresentava
o conhecimento médico obtido até então, além de descrever a meningite e o
tétano. Dada a grande contribuição dessa obra, ela foi utilizada para o ensino
na área por mais de 600 anos na Europa (SÃO PAULO, 2015). Ao mesmo
tempo, os médicos árabes também buscaram transformar suas formulações
farmacêuticas mais atraentes e aceitáveis ao usuário, utilizando veículos
adoçados para melhorar o sabor e, até mesmo, revestindo pílulas com folhas
de ouro ou prata. Surgem assim, medicamentos mais sofisticados, que exigiam
técnicas mais elaboradas de preparação (ALLEN JUNIOR, 2015).
No ano de 1240, Frederico II, governante do Reino das Duas Sicílias,
decretou a separação entre a farmácia e a medicina pela primeira vez na
Europa. Os profissionais de farmácia eram denominados como boticários
ou apotecários — palavra proveniente de apotheca, que em grego significa
depósito ou armazém (PEREIRA; NASCIMENTO, 2011; SÃO PAULO, 2015).
Na época do Renascimento e da revolução da imprensa, com a invenção
da máquina de impressão, obras médicas e farmacêuticas passaram a ser
reproduzidas. Foi um momento de reinterpretação dos temas clássicos e do
nascimento de novas ideias. A impressão teve grande contribuição no estudo
das plantas medicinais graças às ilustrações que ajudavam os leitores a com-
preender o conteúdo (DIAS, 2005; ALLEN JUNIOR, 2015).
Paracelso (1493–1541) foi um dos expoentes desta fase na história da far-
mácia. Ele defendia os medicamentos quimicamente preparados com matérias-
-primas vegetais e minerais. O desenvolvimento de processos químicos, como
a destilação, permitiu que fossem extraídos os princípios ativos de interesse.
Além disso, Paracelso contribuiu com uma célebre frase: “Todas as substâncias
são venenos, não existe nada que não seja veneno. Somente a dose correta
diferencia o veneno do remédio” Nessa sentença, Paracelso deixa claro a sua
compreensão sobre a influência da dose das substâncias no organismo humano
(DIAS, 2005; CABRAL; PITA, 2015).
Com o advento das grandes navegações, novas drogas foram descobertas,
oriundas das novas terras exploradas. A obra Dispensatoruim (1546), de
Valerius Cordus, pode ser considerada como a primeira farmacopeia, pois
se tornou referência na manipulação de medicamentos em Nuremberg, na
Alemanha (ALLEN JUNIOR, 2015).
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Com o avanço da ciência, em meados do século XVIII, surge a primeira


medicação preventiva. O médico inglês Edward Jenner desenvolveu a primeira
vacina do mundo, a vacina contra a varíola. Neste mesmo século, cria-se uma
nova abordagem terapêutica, a homeopatia, sistema farmacológico baseado
no princípio da semelhança e das doses mínimas (CABRAL; PITA, 2015).
A evolução das tecnologias laboratoriais, no início do século XIX, viabilizou
a descoberta e o isolamento dos primeiros princípios ativos. No século XX,
a indústria farmacêutica continuou evoluindo, desenvolvendo os primeiros
comprimidos e medicamentos injetáveis. Nesta mesma época, novas substân-
cias essenciais para a saúde humana foram desenvolvidas, como a insulina,
utilizada no tratamento do diabetes, e a penicilina, primeira droga com ação
antibiótica, descoberta por Alexander Fleming em 1928 (ALLEN JUNIOR,
2015; CABRAL; PITA, 2015). A penicilina produzida em grande escala permi-
tiu o tratamento das doenças bacterianas, ajudando a salvar milhares de vida.
Pouco tempo depois, outros antibióticos também foram desenvolvidos, além
de outras classes de medicamentos, como os corticosteroides, antidepressivos,
anti-hipertensivos, entre outros. Desde então, um vasto número de novas op-
ções farmacológicas foi desenvolvido, ampliando as ferramentas terapêuticas
disponíveis para o tratamento e a prevenção de várias enfermidades (ALLEN
JUNIOR, 2015; CABRAL; PITA, 2015).

História da farmácia no Brasil


No ano de 1549, o primeiro boticário, Diogo de Castro, chegou ao País junto
com o primeiro governador geral do Brasil, Thomé de Souza (SANTOS;
LIMA; VIEIRA, 2005; DEL CORRAL, 2009). No Brasil colonial, os boticários
eram curandeiros ambulantes que viajavam oferecendo remédios à população
doente. Os jesuítas instituíram enfermarias e boticas em seus colégios, dispo-
nibilizando um “irmão” para prestar assistência aos enfermos e preparar os
remédios. Um exemplo foi o Padre José de Anchieta, considerado o primeiro
boticário de Piratininga, em São Paulo (FERNANDES, 2004; PEREIRA;
NASCIMENTO, 2011).
As boticas consistiam em comércios onde o público se abastecia de
medicamentos. A autorização das boticas foi instituída em 1640, determi-
nando a obrigatoriedade de serem dirigidas por boticários (FERNANDES,
2004). No entanto, nessa época, o ensino farmacêutico era adquirido de
forma prática dentro das boticas, ou seja, quando se obtinha experiência
suficiente, o proponente a boticário era submetido a exames aplicados pelos
comissários do físico-mor do Reino, a fim de receber o seu título. A partir
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disso, houve uma grande distribuição das boticas por todo o País, em virtude
da expectativa de lucros e da grande facilidade de abertura (PEREIRA;
NASCIMENTO, 2011).
No ano de 1774, foi implementado o Regimento 1774, que proibia a distribui-
ção de drogas e medicamentos por estabelecimentos não habilitados. Além disso,
criava o profissional responsável e a fiscalização sobre o estado de conservação
das drogas e dos vegetais medicinais (SANTOS; LIMA; VIEIRA, 2005).
Com a vinda da família real ao Brasil, em fevereiro de 1808, Dom João
VI instituiu os estudos médicos no Brasil, no Hospital Militar da Bahia. Após
isso, em 1832, Dom Pedro II institucionalizou o ensino de farmácia no País
e, nove anos depois (1839), foi fundado o primeiro estabelecimento de ensino
farmacêutico do Brasil e da América, a Escola de Farmácia de Ouro Preto,
no estado de Minas Gerais (PEREIRA; NASCIMENTO, 2011).
Com o Decreto nº. 2.055, de 19 de dezembro de 1857, o comércio botica
passou a ser chamado de farmácia. Esse decreto, além disso, estabeleceu as
condições para que os farmacêuticos e os não habilitados tivessem licença
para continuar tendo suas boticas (BRASIL, 1857). A regulamentação do
exercício da profissão farmacêutica foi realizada com o Decreto nº. 19.606,
de 19 de janeiro de 1931. Essa legislação definiu que somente farmacêuticos
diplomados em institutos de ensino oficiais poderiam exercer a profissão
(BRASIL, 1931). Posteriormente, o decreto foi revogado pela Lei nº. 5.991, de
17 de dezembro de 1973, que regulamentou o controle sanitário do comércio de
drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos (BRASIL, 1973;
SANTOS; LIMA; VIEIRA, 2005). Finalmente, o Decreto nº. 85.878, de 7 de
abril de 1981, definiu as atribuições privativas e exclusivas do farmacêutico
(BRASIL, 1981).

No dia 20 de janeiro é comemorado o Dia Nacional do Farmacêutico, em referência à


data de fundação da Associação Brasileira de Farmacêuticos (ABF) em 1916. Essa era,
na época, a maior instituição que representava a categoria no País. Internacionalmente,
é comemorado em 25 de setembro (SÃO PAULO, 2015).
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Atividades do farmacêutico
O farmacêutico é um profissional da saúde com ampla formação. O seu conheci-
mento atravessa diversas áreas, como química, bioquímica, fisiologia e anatomia
humana, além de entender sobre as plantas medicinais e, principalmente, sobre os
fármacos e medicamentos (SATURNINO et al., 2012; ALLEN JUNIOR, 2015).
Devido à formação generalista, o farmacêutico é um profissional que tem
um vasto campo de atuação, em diversas especialidades dentro das dez linhas
dispostas na Resolução nº. 572, de 25 de abril de 2013, do Conselho Federal
de Farmácia (CFF, 2013a, documento on-line):

I — alimentos;
II — análises clínico-laboratoriais;
III — educação;
IV — farmácia;
V — farmácia hospitalar e clínica;
VI — farmácia industrial;
VII — gestão;
VIII — práticas integrativas e complementares;
IX — saúde pública;
X — toxicologia.

No entanto, o setor de medicamentos ainda representa a principal função do


farmacêutico, que exerce funções de responsabilidade técnica em farmácias,
drogarias e indústria farmacêutica, demonstrando seu valor profissional na
produção e dispensação dos medicamentos (CFF, 2013a).
A atuação clínica do farmacêutico é fundamental na orientação e na pro-
moção do uso correto e racional dos medicamentos. Por ser grande conhecedor
dos medicamentos e dos fármacos, é de suma importância o seu papel na
saúde pública. Com isso, o farmacêutico tem conquistado importante espaço
na área clínica, fortalecendo a área de farmácia clínica, em que participa de
equipes multidisciplinares em saúde, atuando diretamente na correta decisão
do tratamento farmacoterapêutico dos pacientes (PEREIRA; NASCIMENTO,
2011; SATURNINO et al., 2012).
As farmácias e drogarias seguem as exigências estabelecidas na Lei nº.
5.991, de 17 de dezembro de 1973, do Ministério da Saúde, que estabelece a
obrigatoriedade da assistência de técnico responsável, inscrito no Conselho
Regional de Farmácia (CRF), assim como, a presença do técnico responsável
durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento (BRASIL, 1973).
Dentro desses estabelecimentos, o farmacêutico tem atribuições clínicas e,
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paralelemente, atividades de gestão e gerenciamento do estabelecimento.


Dentre as atividades de gestão, podemos listar (BRASIL, 2006; 2007; 2009):

 gerenciamento de estoque dos medicamentos;


 recebimento das mercadorias, garantindo seu correto armazenamento
e conservação;
 produção do Manual de Boas Práticas de Dispensação, dos Procedi-
mentos Operacionais-Padrão (POPs) e do Plano de Gerenciamento de
Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS);
 treinamento dos demais funcionários do estabelecimento, com base
nos POPs elaborados;
 emissão dos relatórios diários no Sistema Nacional de Gerenciamento
de Produtos Controlados (SNGPC);
 manipulação de fórmulas magistrais e oficinais;
 fracionamento de medicamentos.

As atividades clínicas do farmacêutico são regulamentadas com base na


Resolução do CFF nº. 585, de 29 de agosto de 2013. Estas são algumas delas
(CFF, 2013b):

 estabelecer e conduzir uma relação de cuidado centrada no paciente;


 analisar a prescrição de medicamentos quanto aos seus aspectos legais
e técnicos;
 prover a consulta farmacêutica em consultório farmacêutico ou em
outro ambiente adequado, que garanta a privacidade do atendimento;
 fazer a anamnese farmacêutica, bem como verificar sinais e sintomas,
com o propósito de prover cuidado ao paciente;
 organizar, interpretar e, se necessário, resumir os dados do paciente, a
fim de proceder à avaliação farmacêutica;
 prevenir, identificar, avaliar e intervir nos incidentes relacionados aos
medicamentos e a outros problemas relacionados à farmacoterapia;
 identificar, avaliar e intervir nas interações medicamentosas indesejadas
e clinicamente significantes;
 realizar, no âmbito de sua competência profissional, administração de
medicamentos ao paciente;
 orientar e auxiliar pacientes, cuidadores e equipe de saúde quanto
à administração de formas farmacêuticas, fazendo o registro dessas
ações, quando couber;
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 dar suporte ao paciente, aos cuidadores, à família e à comunidade, com


vistas ao processo de autocuidado, incluindo o manejo de problemas
de saúde autolimitados;
 prescrever, conforme legislação específica, no âmbito de sua compe-
tência profissional;
 avaliar e acompanhar a adesão dos pacientes ao tratamento e realizar
ações para a sua promoção;
 fornecer informação sobre medicamentos à equipe de saúde;
 informar, orientar e educar os pacientes, a família, os cuidadores e a
sociedade sobre temas relacionados à saúde, ao uso racional de medi-
camentos e a outras tecnologias em saúde.

Todas essas atividades fazem parte do cotidiano e da rotina do profissional


farmacêutico, que busca sempre excelência em seu trabalho, tendo como foco
principal a melhora da qualidade de vida de seus pacientes, com a promoção,
a proteção e a recuperação da saúde, além da prevenção de doenças (CFF,
2013b). Com base nas atividades realizadas pelos farmacêuticos, é notável a
importância da farmácia comunitária no cenário da saúde pública de nosso
País, visto que é um estabelecimento de saúde de fácil acesso à população,
com profissional capaz de promover o consumo adequado e racional dos
medicamentos (SATURNINO et al., 2012).

Boticas e farmácias
Antigamente, o farmacêutico, na época denominado boticário, atuava dentro
das boticas. As boticas foram trazidas ao País durante o período colonial.
Eram caracterizadas por serem pequenos estabelecimentos comerciais, onde
o boticário diagnosticava doenças, manipulava e dispensava produtos, prin-
cipalmente de origem animal e vegetal, sempre garantindo seu preparo de
acordo com as normas técnicas vigentes da época. Atuava também na pesquisa
de novas drogas.
As formulações eram reproduzidas a partir de informações de compêndios
oficiais, de farmacopeias ou, até mesmo, formulações baseadas no conheci-
mento popular. Nesse período, a comercialização de medicamentos já era vista
como um negócio rentável e lucrativo (FERNANDES, 2004; SATURNINO
et al., 2012). As boticas (Figura 2), durante o século XX, também eram reco-
nhecidas como centros de irradiação cultural, reunindo, não somente pessoas
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que buscavam remédios, mas também aqueles que procuravam novidades


e notícias do mundo, quando eram escassos os meios de comunicação dos
acontecimentos político-sociais (PEREIRA; NASCIMENTO, 2011).

Figura 2. Botica no início do século XX.


Fonte: villorejo/Shutterstock.com.

O boticário tinha a responsabilidade sobre a manipulação das formulações,


sobre a orientação do correto uso das drogas e sobre a indicação do uso de
drogas de venda livre, estabelecendo contato direto com o paciente. A flora
era o principal recurso do boticário para a confecção de suas preparações.
Ao ouvir os males de seus clientes, diagnosticava o problema e já partia para
a preparação da formulação medicamentosa. Até este período, as boticas
dominavam o espaço na produção de medicamentos, algo que se manteve até
meados do século XX (SATURNINO et al., 2012).
Com o avanço das indústrias e consequente industrialização do setor
farmacêutico nas décadas de 1930 e 1940, a relação profissional do boticá-
rio com os usuários de seus serviços sofreu uma drástica transformação. A
industrialização da produção dos medicamentos gerou uma grande perda de
espaço desse profissional, deslocando o domínio intelectual e operacional das
técnicas para a indústria, deixando o boticário em segundo plano. O desen-
volvimento de formulações padronizadas levou à produção de medicamentos
em larga escala. Ao mesmo tempo, ocorreu a descoberta de novos fármacos
de eficácia superior e, consequentemente, os laboratórios magistrais ficaram
obsoletos (SANTOS; LIMA; VIEIRA, 2005; PEREIRA; NASCIMENTO,
2011; SATURNINO et al., 2012).
História da farmácia 11

Na época das boticas, os médicos prescreviam aos seus pacientes complexas


misturas de ingredientes ativos que eram preparadas pelos boticários. Após
o advento da indústria, os médicos começaram a prescrever medicamentos
preparados industrialmente em grande escala. As boticas dominavam o es-
paço na produção de medicamentos, porém cederam lugar para as farmácias
e as indústrias. Nesse novo cenário, as farmácias aviavam receitas médicas e
comercializavam medicamentos industrializados. Enquanto isso, as indústrias
surgiam com novas formulações e técnicas de produção de medicamentos em
grande escala (FERNANDES, 2004).
Com a expansão da indústria farmacêutica, as preparações magistrais
foram sendo substituídas pelos medicamentos preparados industrialmente.
Em consequência disso, a função de produzir o medicamento, pela qual o
farmacêutico era tradicionalmente conhecido, desapareceu quase que por
completo. Assim, o novo modelo predominante de função na farmácia passou
a ser a orientação farmacêutica e dispensação (SATURNINO et al., 2012).

Botica era o nome dado a pequenas caixas de madeira compartimentadas que con-
tinham uma série de produtos terapêuticos ou preparações medicamentosas. Essa
expressão também foi aplicada para definir o estabelecimento comercial permanente
do boticário (PEREIRA; NASCIMENTO, 2011).

O desenvolvimento tecnológico proporcionou que novos fármacos fossem


inseridos no mercado, produzidos em escala industrial, proporcionando à
população a cura de diversas doenças que até então não tinham tratamento.
Com isso, o medicamento, além de um agente terapêutico, tornou-se um
bem de consumo na sociedade. Devido à característica mercantil do setor
farmacêutico, o profissional farmacêutico aos poucos foi deixando de ser o
proprietário da farmácia (ou botica) passando a ser sócio, ou até mesmo apenas
funcionário, transferindo para a indústria toda a responsabilidade de produção
e pesquisa dos medicamentos. Com isso, infelizmente, o farmacêutico foi
perdendo gradualmente sua principal função na saúde individual e coletiva
(SATURNINO et al., 2012).
Levando em consideração os sérios problemas encontrados na saúde
pública brasileira, a farmácia tem sido o mais acessível dos serviços de
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saúde em nosso País oferecido por profissional da saúde com formação


qualificada. O farmacêutico pode ter uma atuação privilegiada na atenção
básica dos pacientes, já que é o último profissional a ter contato com ele,
podendo ajudar na resolução de problemas de saúde vinculados ao uso do
medicamento (PEREIRA; NASCIMENTO, 2011; SATURNINO et al., 2012).
Atualmente, as farmácias são estabelecimentos de saúde que devem ter,
em tempo integral de seu funcionamento, a presença de um farmacêutico
devidamente registrado no Conselho de Farmácia. O farmacêutico tem diversas
funções dentro desse estabelecimento, que permeiam desde a gestão até o
atendimento e orientação do paciente. Ele atua prestando informações, tirando
dúvidas e orientando a correta administração do medicamento, podendo,
até mesmo, realizar prescrições farmacêuticas de medicamentos isentos de
prescrição médica (BRASIL, 1973; CFF, 2013b).
Conforme anteriormente citado, nas farmácias houve a substituição dos
produtos manipulados pelos industrializados, produzidos em sua grande
maioria com base em substâncias sintéticas e tecnologias mais avançadas. O
farmacêutico, antes ocupado em manipular, agora está focado em orientar os
pacientes quanto à escolha do medicamento e em esclarecer as dúvidas quanto
à posologia e à forma de administração (PEREIRA; NASCIMENTO, 2011).
Segundo dados levantados pelo CFF (SERAFIN; CORREIA JÚNIOR;
VARGAS, 2015), cerca de 81% dos farmacêuticos atuam em farmácias ou
drogarias. A sua atuação está bastante ligada à dispensação de medicamentos,
que inclui os medicamentos sujeitos a controle especial (Portaria nº. 344, de
12 de maio de 1998) e antibióticos (RDC 20, de 5 de maio de 2011). Além
disso, atuam no controle de estoque e aquisição de medicamentos. No entanto,
é crescente a atuação do farmacêutico no cuidado com o paciente (atenção
farmacêutica), embora poucos profissionais disponham de um local exclusivo
para o atendimento individualizado.
As práticas envolvendo a farmácia clínica e a atenção farmacêutica estão
sendo cada vez mais comuns, seguindo o exemplo de outros países que já
avançaram nessa área. Conquistando cada vez mais espaço em sua atuação
clínica, o farmacêutico passou a prestar informações às equipes de saúde,
participar de comissões internas de hospitais, auxiliar o médico quanto à
terapia medicamentosa dos pacientes. A farmácia clínica compreende uma
série de atividades realizadas pelo farmacêutico, como monitoramento de
efeitos adversos, análise da prescrição médica e, até mesmo, intervenção e
contribuição na prescrição de medicamentos, com o intuito de maximizar os
efeitos da terapêutica e minimizar os riscos e os custos ao paciente (FERRA-
CINI et al., 2014; FIN; CORREIA JÚNIOR; VARGAS, 2015).
História da farmácia 13

Assistência farmacêutica: é o conjunto de atividades relacionadas ao medica-


mento que são destinadas a apoiar ações de saúde da comunidade. Envolve desde
a pesquisa de um novo fármaco até a sua chegada ao usuário. Passa por etapas de
abastecimento, conservação e controle de qualidade, segurança e eficácia terapêutica,
acompanhamento e avaliação da utilização. Além disso, inclui a educação contínua dos
profissionais de saúde, do paciente e da comunidade, para assegurar o uso racional
de medicamentos (IVAMA et al., 2002).
Atenção farmacêutica: é o conjunto de práticas realizadas pelo farmacêutico com
o objetivo de orientar o paciente quanto ao uso apropriado de medicamentos. É a
interação direta do farmacêutico com o usuário, visando uma terapia farmacológica
racional e a obtenção de resultados voltados para a melhoria da qualidade de vida
(IVAMA et al., 2002).

ALLEN JUNIOR, L. V. Introdução à farmácia de Remington. Porto Alegre: Artmed, 2015.


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Leitura recomendada
MENEZES, R. F. (org.). Da história da farmácia e dos medicamentos. [S. l.: s. n.], [20--]. Dis-
ponível em: http://www.miniweb.com.br/Ciencias/artigos/lm_historiafarmaciamed.
pdf. Acesso em: 16 set. 2019.

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