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SEBENTA TEÓRICA

FISIOPATOLOGIA HUMANA
2020-2021

Apontamentos dos slides dos PPT teóricos, aulas teóricas e bibliografia


recomendada por capítulo

João Costa
NOTA INTRODUTÓRIA

Caros colegas,

Esta sebenta foi feita com recurso aos PPT das aulas teóricas, juntamente com os
apontamentos que tirei ao longo das aulas teóricas e com algumas informações e pormenores
que considerei relevantes da bibliografia recomendada. Para facilitar o estudo, podem
encontrar ao longo da sebenta algumas revisões de Fisiologia, as quais foram retiradas dos PPT
teóricos e da sebenta já existente.
Não me responsabilizo por erros científicos que possam ocorrer nesta sebenta nem
pelas respetivas consequências dos mesmos, pelo que apelo ao vosso espírito crítico e, sempre
que possível, que confrontem a informação aqui presente com as outras ferramentas de estudo
disponíveis, como os PPT teóricos, a bibliografia recomendada ou as gravações das aulas
teóricas.
Espero que a sebenta vos ajude no estudo desta UC! Que muito precisamos!

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ÍNDICE

Mecanismos gerais de doença. Lesão e morte celular ……………………………………………………… 4


Inflamação. Sépsis e choque séptico ……………………………………………………………………………….. 12
Neoplasias ………………………………………………………………………………………………………………………. 22
Doenças autoimunes. Hipersensibilidades ………………………………………………………………………. 31
Patologias respiratórias …………………………………………………………………………………………………… 36
Patologias cardiovasculares I …………………………………………………………………………………………… 56
Patologias cardiovasculares II. Síndrome metabólico ………………………………………………………. 77
Patologias renais e urinárias ……………………………………………………………………………………………. 92
Equilíbrio hidro-eletrolítico e ácido-base …………………………………………………………………………. 107
Patologias gastrointestinais ……………………………………………………………………………………………… 122
Patologias hepáticas, biliares e pancreáticas ……………………………………………………………………. 133
Diabetes mellitus ……………………………………………………………………………………………………………… 147
Patologias endócrinas ……………………………………………………………………………………………………… 155
Patologias osteoarticulares ……………………………………………………………………………………………… 166
Patologias do aparelho reprodutor masculino …………………………………………………………………. 175
Patologias do aparelho reprodutor feminino …………………………………………………………………… 178
Patologias minor da pele …………………………………………………………………………………………………. 184
Patologias do sistema nervoso central …………………………………………………………………………….. 194
Patologias do sistema sensorial e motor …………………………………………………………………………. 200

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MECANISMOS GERAIS DE DOENÇA. LESÃO E MORTE CELULAR

A patologia constitui o estudo da etiologia (causa da doença), da patogénese ou


patogenia (mecanismos através do qual o agente provoca doença) e da fisiopatologia da doença
(consequências que a alteração de um gene, órgão, proteína, célula ou tecido provocam no
organismo como um todo).
A semiologia ou semiótica constitui o estudo dos sinais da doença do ponto de vista do
diagnóstico e do prognóstico.

HOMEOSTASIA

A homeostasia constitui o equilíbrio do meio interno resultante da ação de mecanismos


fisiológicos que, atuando continuamente, repõem a estabilidade em caso de desequilíbrio.

Os mecanismos homeostáticos, que podem ser nervosos (como no caso da hipoxemia),


endócrinos (como no caso da hiperglicemia) ou locais (como no caso da diminuição do débito
sanguíneo), são redundantes – como no caso do aumento de glucagon no controlo da diabetes.
Estes mecanismos homeostáticos funcionam, globalmente, da seguinte forma:

Desvio do
Estímulo Comunicação Centro de Comunicação
normal (set- Efetor
adequado aferente regulação eferente
point)

A doença surge perante a falência dos mecanismos homeostáticos, que pode estar
associada a três principais causas:
• Falta de um elemento essencial, como insulina, timo ou fator de coagulação;
• Presença de antagonistas, como anticorpos anti-insulina ou glucagon;
• Capacidade de resposta ultrapassada, como no caso da coagulação
intravascular disseminada (CID), na qual o doente morre de hemorragia interna
uma vez que há gasto dos fatores de coagulação.

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Podem existir vários tipos de resposta à agressão, incluindo neuroendócrina,
inflamatória, hemostática, circulatória, termorreguladora, metabólica, hematológica,
imunológica ou regeneradora.
Os agentes de doença não são totalmente orgânicos, sendo físicos, químicos, biológicos,
nutricionais, genéticos ou psicossociais.
Paralelamente, as causas de maior suscetibilidade incluem a idade avançada, o estilo
de vida, os fatores genéticos, a biografia fisiológica (peso, gravidez, menopausa…) e a biografia
patológica (história clínica).

DOENÇA

De acordo com a OMS, considera-se saudável todo o indivíduo que pode utilizar em
pleno as suas capacidades físicas e intelectuais. Quando estas se encontram, de algum modo,
comprometidas fala-se em doença.
Consideram-se as seguintes formas de doença:
• Síndrome – sinais e sintomas que se associam caracteristicamente a uma
determinada doença. São exemplos a anemia, a icterícia ou a hipertensão;
• Entidades nosológicas – apresentam uma etiologia, patocronia (evolução da
doença) e fisiopatologia específicas e constante em todos os doentes. São
exemplos as doenças infecciosas, as queimaduras ou as intoxicações;
• Doenças genéticas – hereditárias ou adquiridas (síndrome de Down):
o Doenças cromossómicas – síndrome de Down;
o Doenças monogénicas – hipercolesterolemia familiar, fenilcetonúria;
o Doenças poligénicas ou multigénicas – artrite reumatoide, diabetes.
• Doenças ambientais – devidas, por exemplo, a ambientes microbiológicos;
• Doenças multifatoriais – devem-se a fatores ambientais e genéticos;
• Doenças idiopáticas – de causa desconhecida;
• Doenças iatrogénicas – associadas a um tratamento.

AGENTE
ETIOLÓGICO

ALTERAÇÃO DISFUNÇÃO ALTERAÇÃO


LESÃO INICIAL DO ÓRGÃO ORGÂNICA SISTÉMICA

SINAIS SINTOMAS

anatomofisiológicos fisiopatológicos etiológicos

Lesão, ex: Alteração da Causa, ex:


hiperglicemia, função, ex: provas presença de
albuminemia funcionais, ECG bactérias
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Relativamente aos sinais clínicos utilizados, é importante conhecer a sua especificidade
e sensibilidade:
• Sensibilidade – probabilidade de se obter um resultado positivo quando o
indivíduo está doente.

Um sinal é tanto mais sensível quanto menor for o número de falsos negativos associado.

• Especificidade – probabilidade de se obter um resultado negativo quando o


indivíduo não está doente.

Um sinal é tanto mais específico quanto menor for o número de falsos positivos associado.

Para a elaboração de um diagnóstico e para a seleção de provas complementares, é


necessária a elaboração de uma boa história clínica. Esta deve apresentar:
• Dados do doente – idade, género e etnia; é relevante, por exemplo, no caso do
sangramento retal, que está associado a doença inflamatória do intestino aos
20 anos mas a cancro do cólon aos 60 anos;
• Anamnese atual – história da doença atual, duração e característica da queixa
primária e sintomas associados;
• Antecedentes pessoais e familiares.

Relativamente à solicitação de exames de diagnóstico, é necessária a avaliação da


probabilidade pré-teste de existir a doença, considerando sempre a prevalência da doença. É o
exemplo da doença coronária em jovens e indivíduos de meia idade e a prova de esforço.

Se o teste for positivo, então a probabilidade pós-teste aumenta.

O prognóstico deve ser estadiado, tendo em conta a gravidade da doença. A


terapêutica deve ser instituída em função da gravidade e do estadio da doença e devem
estabelecer-se objetivos terapêuticos como o alívio dos sintomas e redução da mortalidade,
para além de ser monitorizada.

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MECANISMOS DE LESÃO E MORTE CELULAR

A lesão celular irreversível tem por base a perda de função de barreira das membranas
celulares, atingindo, nomeadamente, o citoesqueleto, a membrana, o retículo endoplasmático,
as mitocôndrias e o núcleo. Consideram-se várias causas de lesão celular:
• Isquemia – insuficiente fornecimento de sangue a um tecido ou órgão;
• Hipoxia – diminuição da 𝑃𝑂2 no organismo;
• Hipoglicemia;
• Radicais livres (OH-, H2O2, O-), produzidos naturalmente pelo organismo;
• Reações imunológicas (autoanticorpos) – aquando do processo de lesão
celular, substâncias intracelulares passam para o meio extracelular e são
produzidos autoanticorpos;
• Microrganismos;
• Agentes físicos e químicos.

A lesão pode ser direta – como mecanismo de defesa, como os radicais livres – ou
indireta, como processos que diminuem a produção de energia, como é o caso da isquemia

Estímulo Célula volta ao


desaparece normal

Hipertrofia
Aumento da
Estímulo atividade
Célula em stress
patológico funcional
Hiperplasia

Atrofia
Hipertrofia - > do tamanho Estímulo
Diminuição da
permanece
Hiperplasia - > do nº células atividade
funcional
Atrofia - < do tamanho Involução
Involução - < do nº células
Metaplasia – diferenciação celular
Diferenciação
Metaplasia
reversível (o tecido/órgão torna-se celular
resistente ao estímulo)

LESÃO DIRETA

Os radicais livres caracterizam-se pela existência de um eletrão desemparelhado na


orbital externa da molécula, constituindo moléculas muito instáveis e reativas. Estes formam-se
através das reações de oxidação-redução do metabolismo normal, da ação da resposta
imunitária inespecífica, da exposição a radiação ionizante e radiação UV, de hiperoxia ou das
reações que envolvem metais de transição (reações de Fenton).

No caso da hiperoxia, destaca-se o caso da isquemia cerebral. Se se realizar uma


reperfusão muito rápida, ocorre um aumento da morte celular, devido à produção
aumentada de radicais livres de oxigénio.

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Em relação às reações que envolvem metais de transição, salienta-se o facto do ferro e do
cobre circularem sempre associados a proteínas de transporte, para se evitarem reações
que formem radicais livres de oxigénio.

Particularmente, os radicais livres reagem com os lípidos da membrana por


lipoperoxidação, o que leva à alteração da sua permeabilidade. Estes são removidos através dos
seguintes mecanismos fisiológicos:
• Remoção de ROS – através de enzimas e substâncias antioxidantes.
𝑂2∗ → H2O (superóxido dismutase)
H2O2 → O2 + H2O (catalase)
OH* → GSSG + H2O (glutatião peroxidase)

• Prevenir a formação de ROS – a existência de proteínas transportadoras de


metais de transição, como é o caso da transferrina, ferritina e mioglobina para
o ferro e da ceruloplasmina e da albumina para o cobre;
• Remover as moléculas danificadas – PARP (enzimas reparadoras de DNA).
De entre os principais radicais livres, destacam-se o superóxido (𝑶−∗
𝟐 ) e o peroxinitrito
(𝑶𝑵𝑶𝑶−), sendo este último um possível subproduto do superóxido.
Superóxido (𝑶−∗
𝟐 ) Peroxinitrito (𝑶𝑵𝑶𝑶−)
• Leva à nitração de resíduos de
• Reage diretamente com moléculas tirosina, com formação de
biológicas (DNA); nitrotirosina, que é detetada
• Origina H2O2 e OH* e é causa direta aquando da avaliação da exposição
ou indireta de oxidação e ao peroxinitrito;
lipoperoxidação, respetivamente; • Provoca cisão ou dano de
• Propriedades pró-inflamatórias: componentes celulares, como as
adesão endotelial, aumento da cadeias de DNA, levando à ativação
permeabilidade microvascular e das PARP e à diminuição de NAD+ e
formação de fatores quimiotáticos. ATP.

LESÃO INDIRETA

A lesão indireta tem por base a diminuição da produção de energia, que pode ser
atingida através de três mecanismos principais:
• Hipoglicemia;
• Toxinas endógenas e exógenas, como a bilirrubina e o etanol, respetivamente;
• Hipoxia – diminuição da ventilação ou do transporte de oxigénio, podendo ser:
o Hipoxémica (𝑷𝑶𝟐 < 80 mmHg) – causada por baixa concentração de O2
no ar (altitude), obstrução das vias aéreas ou doenças pulmonares;
o Isquémica – por perfusão insuficiente, devido a insuficiência cardíaca
ou trombose;
o Anémica – por baixo número de eritrócitos e pouca hemoglobina;
o Histotóxica – envenenamento por cianeto, que bloqueia as enzimas da
membrana mitocondrial.

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Globalmente:

Existem vários marcadores celulares de lesão:


• ALT e AST – doenças hepáticas;
• CKMB – músculo cardíaco;
• CKMM – músculo esquelético;
• CKBB – neurónio;
• Troponina – músculo cardíaco, é o mais utilizado para enfartes.

TIPOS DE MORTE CELULAR


NECROSE

A necrose ocorre associada a estímulos muito intensos, na presença de anóxia (ausência


de oxigénio) e de estímulos físicos e químicos.
Este tipo de morte celular encontra-se associado à morte de um elevado número de
células que, por extravasamento dos componentes celulares, leva ao recrutamento de células
inflamatórias.
Neste processo, ocorre aumento da dimensão celular e lesão dos organelos.
Paralelamente, a desnaturação proteica resulta em acidificação do citoplasma, para além de se
verificar também uma condensação da cromatina.

APOPTOSE

A apoptose encontra-se relacionada com a ausência de fatores de crescimento, a


influencia hormonal e efeitos tóxicos ligeiros. Trata-se de um processo sistemático e
geneticamente programado, essencial à homeostasia e diferenciação celular.

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Encontra-se associado a um número reduzido de células, sendo constituído por:
1. Priming celular (síntese de enzimas para a dissolução celular);
2. Perda de junções e ativação de endonucleases;
3. Condensação da cromatina;
4. Fragmentação celular e formação de corpos apoptóticos;
5. Digestão dos fragmentos celulares pelas células vizinhas.

A apoptose pode ser iniciada por duas vias de regulação:

• Via dos recetores da morte – a ligação de ligandos a estes recetores resulta na


ativação da caspase 8 que, com o auxílio do fator Apaf-1, leva à ativação de
caspases efetoras, que clivam proteínas após resíduos de ácido aspártico;
• Disfunção mitocondrial – um stress celular leva ao aumento dos níveis de Bax,
que induz a libertação de citocromo c pela mitocôndria. Este citocromo c leva à
associação da caspase 9 ao fator Apaf-1 – com formação do apoptossoma –,
que ativa as caspases efetoras. As proteínas Bcl-2 e Bcl-XL inibem a libertação de
citocromo c.

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Os glucocorticoides, o TNF e o recetor CD95 estão diretamente implicados na
estimulação das caspases.

A intensidade da apoptose é modulada por fatores externos:

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INFLAMAÇÃO. SÉPSIS E CHOQUE SÉPTICO

A inflamação constitui uma resposta biológica e fisiológica dos tecidos vivos à agressão,
caracterizando-se por fenómenos locais associados a alterações sistémicas, configurando assim
a reação de fase aguda.
É considerada o paradigma da resposta imunitária inespecífica, sendo independente da
natureza do estímulo e da existência ou não de contactos prévios com o mesmo.
Os sinais major da inflamação são: calor, rubor (vermelhidão), tumor (inchaço), dor e
impotência funcional.
Juntamente com a inflamação, também a hemostase, a regeneração e a resposta
imunitária constituem reações vitais do organismo à lesão com efeitos protetores, mas que
também podem produzir danos. A inflamação, fundamentada na vascularização, tem como
objetivos principais limitar a difusão do agente agressor, promover a sua destruição, remover
os detritos celulares e iniciar a reparação tecidular.

INFLAMAÇÃO AGUDA

A inflamação aguda é de curta duração (no máximo, 1 semana). Quando a mesma dura
entre 1 e 4 semanas, designa-se de inflamação subaguda.
A inflamação aguda apresenta duas componentes: vascular, focada na unidade
microcirculatória (metarteríolas e esfíncteres pré-capilares) e que se baseia nos processos de
hiperémia e estase, e celular, que envolve a migração de leucócitos especializados (neutrófilos
e monócitos) para os espaços intercelulares.

COMPONENTE VASCULAR. TIPOS DE INFLAMAÇÃO AGUDA

Aquando de um estímulo externo, ocorre vasodilatação das arteríolas, esfíncteres pré-


capilares, vénulas e capilares após uma constrição muito breve. Esta constrição muito breve
provoca uma diminuição da resistência vascular, o que leva a um enorme aumento do fluxo
sanguíneo local. Este aumento do fluxo sanguíneo local denomina-se por hiperémia.
A hiperémia provoca, naturalmente, um aumento da pressão hidrostática
intravascular, acima da pressão osmótica sanguínea, o que se traduz numa saída de água e
proteínas para o interstício. Isto resulta em edema e dor pulsátil, devido à circulação do líquido
que pressiona os terminais nervosos. Há então formação de exsudado.

EXSUDADO VS. TRANSUDADO


O transudado é originado na sequência de hipoperfusão e seguida vasodilatação,
característica da hiperémia, que leva ao aumento das forças de Starling para fora do capilar
e à consequente saída de fluido, de composição igual ao fluido que circulava antes da
vasodilatação arteriolar.

O transudado contribui para o edema e inchaço, característicos da inflamação.

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Já o exsudado forma-se quando ocorrem, para além dos processos referidos para o
transudado, também alterações na permeabilidade do endotélio vascular (das vénulas pós-
capilares), o que faz com que este fluido seja rico em proteínas plasmáticas que,
normalmente, se encontram exclusivamente no vaso sanguíneo.

Constitui, portanto, um fator único à inflamação. Sob estímulos intensos, o exsudado pode
até conter eritrócitos e leucócitos, como nas queimaduras ou infeções por Streptococcus β-
hemolíticos tipo A).

O aumento da permeabilidade vascular está associado a:


• Contração das células endoteliais, de curta duração, e consequente
alargamento das junções endoteliais, mediada pela histamina, bradicinina e
substância P;
• Retração juncional, mais duradoura e persistente, mediada pelas citocinas
(TNF-α e IL-1), que induzem uma desorganização do citoesqueleto das células
endoteliais.
A formação de exsudado, motivada em parte pela hiperémia e concretizada pelo
aumento da permeabilidade endotelial das vénulas pós-capilares, provoca a perda de fluido
intravascular, à qual os eritrócitos reagem com um aumento da sua agregação. Esta situação
resulta num aumento local da viscosidade sanguínea, levando à quase paragem do sangue nas
vénulas. Este fenómeno, denominado estase, contribui positivamente para o controlo da
inflamação, pois dificulta a propagação à distância do agente agressor.
A formação de exsudado apresenta, assim, inúmeras vantagens: a diluição de
substâncias tóxicas no local de infeção; a dor limita o uso da zona afetada, evitando o
agravamento da lesão; o aumento de anticorpos e do conteúdo proteico favorecem,
respetivamente, a neutralização dos microrganismos e a fagocitose.

Classificação da inflamação aguda de acordo com a natureza do exsudado:


• Inflamação serosa:
o Exsudado seroso – forma-se no local da lesão e em lesões de menor gravidade;
contração ligeira das células endoteliais com exsudado pobre em proteínas. Ex:
queimaduras superficiais, inflamação catarral e infeções virais;
o Exsudado fibrinoso – forma-se uma camada de exsudado gelificado, sendo
indicativo de inflamação relativamente grave com danos intensos nos tecidos
que causam aumento da permeabilidade. Isto permite a saída de fibrinogénio
do sangue, que se converte em fibrina pela ação da tromboplastina e coagula o
fluido. Ex: pericardite, pleurite (pneumonia);

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o Exsudado membranoso – desenvolve-se à superfície das mucosas quando as
células necrosadas começam a ser envolvidas por exsudado fibrino-purulento
da superfície mucosa;
• Inflamação purulenta ou supurativa – consequência de infeções provocadas por
microrganismos piogénicos ou de lesões graves envolvendo necrose extensa ou que
envolvem toxinas irritantes. Este exsudado é rico em pus, um fluido espesso esverdeado
com neutrófilos, proteínas e fragmentos de tecido.

O abcesso é a acumulação localizada de pus, que se forma quando o agente agressor não
pode ser neutralizado. À medida que os tecidos se tornam progressivamente mais
necróticos, vários constituintes celulares são libertados para o abcesso.

O quisto é um saco preenchido por líquido, após a remoção do agente pela inflamação.

o Inflamação fleimorosa ou fleimão – é um subgrupo, caracterizado pela necrose


maciça dos tecidos e a formação do infiltrado purulento, que se deve ao facto
de algumas bactérias piogénicas produzirem grandes quantidades de enzimas
que digerem a rede de fibrina que mantinha a infeção circunscrita, como é o
caso da hialuronidase;
o Inflamação hemorrágica – forma-se com traumatismos tecidulares severos, os
quais provocam rotura dos vasos sanguíneos ou ocorre saída de eritrócitos.
Pode também ocorrer depleção de fatores de coagulação.

COMPONENTE CELULAR

O processo de extravasamento de leucócitos envolve várias etapas sequenciais:


• Marginação – deslocamento periférico dos leucócitos por modificação do
padrão de fluxo axial, devido à estase e à agregação eritrocitária;
• Rolamento – ocorre sobre o endotélio e desencadeia-se pela expressão de P-
seletina nas células endoteliais por resposta a mediadores como histamina,
trombina e fator de ativação plaquetária (PAF);
• Adesão celular e pavimentação – no processo de adesão, estão envolvidos
mediadores inflamatórios, como as citocinas IL-1 e TNF, por mediarem a
expressão de E-seletina (não presente no endotélio normalmente) e de
integrinas ICAM-1 e VCAM-1;

• Transmigração leucocitária ou diapedese – os leucócitos podem, finalmente,


atravessar o endotélio vascular e, em seguida, a membrana basal. Para este

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processo, contribui a existência de interações hemofílicas e envolve moléculas
como as caderinas, PECAM e JAM. Para além disso, o aumento de Ca2+
intracelular nas células adjacentes é essencial para uma mais fácil contração dos
filamentos de actina e miosina, com consequente aumento da tensão das
células endoteliais.

Fase inicial: neutrófilos (1ª fase da inflamação);


2ª fase da inflamação: macrófagos (devido à persistência dos ag. quimiostáticos seletivos)
Vírus e riketsias: linfócitos Alergias: eosinófilos

Após o extravasamento, seguem-se os fenómenos de quimiotaxia e de fagocitose:


• Quimiotaxia – os leucócitos migram para o local de lesão por quimiotaxia, ou
seja, uma movimentação orientada por um gradiente químico e que permite
ativar os leucócitos através da ligação do agente quimiotático à célula. Estes
agentes podem ser endógenos (complemento, leucotrienos e citocinas) ou
exógenos (produtos de origem bacteriana);
• Fagocitose – envolve dois principais processos:
o Reconhecimento e ligação do agente – dá-se após o revestimento do
microrganismo com opsoninas (fragmento Fc da IgG, C3b do
complemento e lectinas);
o Invaginação, absorção e destruição – formação de pseudópodes que
rodeiam o microrganismo, com formação de fagossoma, o qual se une
a um lisossoma, formando um fagolisossoma.
A partícula fagocitada pode ser destruída de duas formas diferentes:
o Independentes do oxigénio – incluem a acidificação do fagolisossoma
por ação de enzimas, como a BPT, a lisozima e a lactoferrina, que
degradam as paredes celulares e impedem a replicação bacteriana;
o Dependentes do oxigénio – o fagócito estimula um burst oxidativo por
ação da NADPH oxidase, com formação de ROS e derivados do óxido
nítrico e possível libertação do conteúdo do fagolisossoma, com
consequente aumento do estímulo inflamatório inicial.

MEDIAÇÃO QUÍMICA DA INFLAMAÇÃO

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Os mediadores químicos da inflamação podem ser intracelulares, encontrando-se
normalmente nos grânulos celulares (como a histamina nos mastócitos) e sendo sintetizados e
secretados por ativação celular, ou extracelulares, produzidos no fígado como precursores,
necessitando de ser ativados. Os mediadores extracelulares podem ser induzidos de forma
indireta pelo fator de Hageman (fator XII).

Mediadores intracelulares Mediadores extracelulares


Eucosanoides, leucotrienos, prostaglandinas
Cascatas do complemento, cininas e fatores
e tromboxano, derivados do ácido
de coagulação
araquidónico por ação da fosfolipase A2

• Cascata do sistema de complemento – composta por 9 frações proteicas (C1 –


C9), sendo que resulta da clivagem proteolítica dois péptidos – a, o fragmento
maior que se liga ao alvo, e b, que se difunde e inicia uma resposta inflamatória.
Este sistema pode ser ativado pelas vias clássica – anticorpos –, alternativa ou
das lectinas. Os componentes do sistema de complemento intervêm na resposta
a vários níveis da resposta inflamatória:
o Formação do membrane attack complex (MAC) que destrói
microrganismos invasores por abertura de orifícios na membrana;
o Promovem vasodilatação, aumento da permeabilidade, quimiotaxia,
opsonização, fagocitose, libertação de histamina e a aceleração da
cascata de cininas.
• Cascata do sistema de cininas – as cininas são péptidos plasmáticos vasoativos
muito potentes presentes na forma inativa como parte dos cininogénios, os
quais são clivados pelas calicreínas, presentes sob a forma de pré-calicreínas
que se ativam quando o fator de Hageman inicia a cascata da coagulação. Da
cascata da cinina, resulta a bradicinina que tem uma ação semelhante à da
histamina, constituindo um potente mediador da dor inflamatória;
• Cascata do sistema de coagulação – é um sistema de proteases plasmáticas que
pode ser desencadeada pela ação do fator de Hageman ativado;
• Histamina e serotonina – mastócitos e plaquetas;
• Leucotrienos e prostaglandinas – mastócitos e leucócitos; via da lipoxigenase e
da cicloxigenase, respetivamente.

EFEITOS SISTÉMICOS DA INFLAMAÇÃO AGUDA E TERAPÊUTICA

A nível sistémico, existem vários efeitos da inflamação aguda:


• Febre;
• Perda de apetite e de peso;
• Astenia (fraqueza, enfraquecimento);
• Linfadenite (gânglios) e linfangite (vasos linfáticos);
• Bacteriémia (origem linfática);
• Leucocitose;
• Neutrofilia (infeções bacterianas e isquemia), linfocitose (infeções virais,
riketsiose e dermatite aguda) e eosinofilia (alergia e infeção parasitária).
A nível de terapêutica não medicamentosa, consideram-se:

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• Aplicação de frio – resposta vasoconstritora arteriolar;
• Aplicação de calor – favorece a fagocitose, devendo ser aplicado mais
tardiamente;
• Elevação do membro – redução do fluxo e diminuição do inchaço;
• Ligadura constritiva – aumenta a drenagem linfática.
A nível da terapêutica medicamentosa, consideram-se:
• Anti-histamínicos – bloqueiam a ação da histamina nos recetores dos vasos, por
estabilização da membrana dos mastócitos;
• Corticosteroides – apresenta efeitos positivos, como a inibição da produção de
ácido araquidónico e consequente redução das prostaglandinas, tromboxano e
leucotrienos. Paralelamente, apresenta efeitos negativos como a estabilização
das membranas dos lisossomas ou o aumento da suscetibilidade à infeção.

INFLAMAÇÃO CRÓNICA

Quando a inflamação aguda não consegue remover ou neutralizar o agente agressor, a


resposta inflamatória torna-se crónica (duração de mais do que 4 semanas). Distinguem-se duas
abordagens de inflamação crónica:
• Terapêutica – a inflamação acaba quando se remove o agente causal;
• Patogénica – aquando da remoção do agente causal, a inflamação persiste.

Neste tipo de inflamação, incluem-se bactérias, fungos ou parasitas como agentes de


inflamação crónica, uma vez que estes se podem encontrar dentro dos macrófagos, escapando
ao sistema imune.
Na inflamação crónica, o processo de reparação e de inflamação ocorrem em
simultâneo, onde se verifica, por um lado, a diminuição do exsudado e um aumento da resposta
celular mediada por linfócitos e macrófagos:
• Devido à longa presença do agente, os linfócitos são estimulados e libertam
linfócitos, como a MAF (fator ativador dos macrófagos) e MIF (fator inibidor da
migração);
• Os macrófagos atuam, portanto, sob as ordens dos linfócitos T helper.
Os mediadores da inflamação crónica são portanto: γ-globulinas, ROS e linfócitos.

Classificação da inflamação crónica:


• Não específica/difusa – mais comum; ocorre acumulação difusa de macrófagos e
linfócitos no local da infeção;
• Granulomatosa/focal – menos comum; caracterizada pela acumulação focal de
macrófagos ativados e formação de granulomas; comuns na tuberculose, sífilis, lepra e
silicose (acumulação de partículas inertes).

Granuloma: tecido fibroso que envolve linfócitos, fibroblastos, macrófagos, células


epiteliais, formando uma espécie de cápsula

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HIPERTERMIA E FEBRE

A hipertermia ou síndrome hipertérmico consiste na elevação da temperatura corporal


acima do set-point hipotalâmico provocado por exposição excessiva ao calor, com desidratação,
perda de eletrólitos e falência dos mecanismos termorreguladores corporais. Tem como
principais causas a exposição prolongada ao sol, permanência em ambiente muito quente,
deficiência dos mecanismos da dissipação do calor corporal e exercício associado a drogas
inibidoras da secreção.
A febre ou pirexia traduz-se na elevação da temperatura corporal acima dos níveis do
normal ritmo circadiano em resultado de uma modificação do centro termorregulador do
hipotálamo. Na febre, os mecanismos periféricos de perda e/ou conservação de calor
encontram-se intactos – a alteração dá-se ao nível do reajuste do set-point hipotalâmico, com
consequente aumento da temperatura central.
A febre é motivada pela atuação de pirogénios exógenos e endógenos:
• Pirogénios exógenos – o mais estudado é o LPS (lipossacárido) ou endotoxina
das bactérias Gram-negativas. Porém, as bactérias Gram-positivas também
produzem enterotoxinas (toxina do choque estafilocócico), peptidoglicano e
ácido lipoteicoico;
• Pirogénios endógenos – polipéptidos libertados por uma grande variedade de
células (principalmente os fagócitos mononucleares) sob estímulo dos
pirogénios exógenos, local ou sistemicamente. Os principais incluem citocinas –
IL-1 e IL-6, TNF-α e β e IFN-β e γ – produzidas por monócitos/macrófagos,
linfócitos, células endoteliais epiteliais e hepatócitos.

O LPS é resistente ao calor, não sendo suficiente a esterilização por calor para eliminar os
seus efeitos pirogénios.
Picos de febre durante a bacteriemia: ativação de monócitos e macrófagos

A febre não é sinónimo de infeção, podendo estar associada a outras patologias, como
o enfarte do miocárdio, embolia pulmonar, neoplasias ou traumatismos.

Necrose dos
Enfarte do Produção de
tecidos Inflamação Febre
miocárdio citocinas
circundantes

18
VIAS FISIOPATOLÓGICAS DA FEBRE

Considera-se a existência de duas vias fisiopatológicas da febre:


• Via hematogénica – o LPS e as citocinas deslocam-se para junto do hipotálamo
(área pré-ótica e órgão vascular da lâmina terminal) e fixam-se em recetores
específicos, sem penetrarem no SNC. Estes recetores ativam, por conseguinte,
a fosfolipase A2 e a COX2 (cicloxigenase) com produção de prostaglandina E2
(PgE2) a partir de ácido araquidónico, através de um mecanismo de transdução
de sinal. A PgE2 penetra, assim, no hipotálamo, fixando-se em recetores
específicos das células hipotalâmicas e produzindo AMPc, o que leva ao
aumento do set-point.

Fixação em Ativação da
recetores fosfolipase Penetração
LPS e Produção Aumento
específicos A2 e COX2 e da PgE2 no
citocinas de AMPc do set-point
do produção hipotálamo
hipotálamo de PgE2

• Via neurogénica – as citocinas atingem o hipotálamo através de aferência vagal


a partir do bulbo e daí por via adrenérgica para a área pré-ótica e órgão vascular
da lâmina terminal, onde, através da noradrenalina, ativam a fosfolipase A2,
desencadeando os mesmos efeitos anteriormente descritos.

Aferência vagal
Por via Ativação da Produção de
a partir do
adrenérgica fosfolipase A2 PgE2 e Produção de Aumento do
bulbo e
para a área pré- através da penetração no AMPc set-point
citocinas no
ótica e o.v.l.t. noradrenalina hipotálamo
hipotálamo

Os anti-piréticos endógenos constituem a ADH, o α-MSH, a CRH (cortisol releasing


hormone), o IL-10 e o IL-18.

REAÇÃO FEBRIL E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA FEBRE

Fase prodrómica

Cefaleias moderadas Fadiga Mal-estar geral Pele pálida Piloereção Dores fugazes

Fase de calafrios
Ocorre no aumento da temperatura (37ºC -->
Calafrios Tremor generalizado
39ºC)

Fase de rubor
Ocorre na diminuição da temperatura (39ºC --
Vasodilatação Rubor
> 37ºC)

Fase de defervecência

Sudação

19
Um indivíduo sob efeito farmacológico alterna o seu estado febril entre as fases de
calafrios e de rubor, consoante ocorre o aumento e a diminuição da temperatura corporal.
Outras manifestações clínicas da febre, de entre as quais são perigosas, são as seguintes:
• Taquicardia – 10 – 15 bpm acima do normal/ºC de elevação térmica;
• Aumento do gasto cardíaco – pode provocar crises anginosas em doentes
insuficientes;
• Diminuição da produção de urina e aumento da sua densidade e desidratação,
devido à excreção de água e sódio pelo suor;
• Convulsões por disfunções neuronais, sobretudo em crianças;
• Alcalose respiratória como consequência da hiperventilação.

MARCADORES DA INFLAMAÇÃO DE FASE AGUDA

Os marcadores da inflamação de fase aguda incluem:


• Proteínas positivas de fase aguda:
o Proteína C reativa (PCR) – remove detritos necróticos e ativa o
complemento. É menos sensível do que a SAA mas é mais limitada à
inflamação (daí ser a mais utilizada);
o Substância amiloide A (SAA) – é muito sensível, pois mostra uma
resposta intensa durante muitos dias, mas é pouco específica;
o IL-6 – só se aplica a processos inflamatórios muito recentes;
o Velocidade de sedimentação (VS) – mede a capacidade de
sedimentação dos leucócitos, apresentando um aumento na inflamação
aguda e na inflamação crónica, pelo que não é específica.
• Proteínas negativas de fase aguda – normalmente assiste-se a uma global
diminuição da albumina, de modo a manter a osmolaridade e viscosidade do
sangue. A diminuição da transferrina ajuda a limitar o crescimento de certos
microrganismos.

SÉPSIS E CHOQUE SÉPTICO

A sépsis é definida como a presença de resposta inflamatória sistémica, no cenário de


um precipitante infeccioso identificado. Esta torna-se grave quando há uma evidência objetiva
de disfunção orgânica, em geral devido à hipoperfusão dos tecidos. O estado final da sépsis é o
choque séptico, definido como hipotensão (pressão arterial sistólica inferior a 90 mmHg) que
não responde à reposição dos fluidos.
A sépsis geralmente começa com uma infeção localizada, podendo as bactérias invadir
a corrente sanguínea – bacteriémia – ou podem proliferar localmente e libertar toxinas no
sangue (exotoxinas bacterianas e endotoxina). As consequências clínicas da sépsis incluem
alterações hemodinâmicas e disfunção vascular e orgânica.

20
ALTERAÇÕES HEMODINÂMICAS

O achado hemodinâmico comum na sépsis é o choque distributivo, que se relaciona


com a má distribuição do fluxo sanguíneo aos tecidos.
A libertação de substâncias vasoativas, como o óxido nítrico, resulta numa
vasodilatação, o que gera uma hipoperfusão dos órgãos em simultâneo com o
comprometimento da microcirculação. Esta vasodilatação gera também hipovolémia, devido à
diminuição da resistência vascular sistémica, e vazamento de plasma para o espaço
extravascular.

DISFUNÇÃO VASCULAR E ORGÂNICA

A hipotensão refratária pode estar associada à vasodilatação intensa registada


anteriormente ou devido à insuficiência cardíaca desenvolvida devido ao estado séptico, sendo
uma das características da sépsis.
O colapso microvascular, motivado pelas respostas inflamatórias como a agregação de
neutrófilos e de plaquetas e de ativação do sistema complemento e do endotélio vascular com
consequente libertação de mediadores inflamatórios e substâncias vasoativas, contribui para a
falência orgânica.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA SÉPSIS

As principais manifestações clínicas da sépsis são:


• Temperatura acima dos 38ºC ou menores do que 36ºC;
• Taquicardia – devida à vasodilatação intensa que resulta em hipovolémia. O
coração exerce então um mecanismo de compensação com o aumento da
frequência cardíaca;
• Taquipneia (frequência respiratória acima dos 20/min ou 𝑷𝑪𝑶𝟐 < 32 mmHg) –
devido à hipoperfusão, que leva a um aumento da extração de oxigénio por
parte dos tecidos e uma consequente diminuição da oxigenação da artéria
pulmonar. Isto origina um mecanismo de compensação com o aumento da
frequência respiratória;
• Leucocitose ou leucopenia.

21
NEOPLASIAS

Uma neoplasia é uma alteração de crescimento dos tecidos, potencialmente grave,


cuja forma mais séria é conhecida como cancro. É a segunda causa de morte na maior parte
dos países desenvolvidos, com cerca de 30% da população sofrendo de alguma forma desta
doença. Cerca de 25% dos adultos morrem de cancro, o qual mata mais pessoas abaixo dos 15
anos do que qualquer outra doença.

Sinais de alarme de cancro:


• Alterações dos hábitos intestinais (obstipação/diarreia) ou urinários;
• Feridas que não curam;
• Sangramento não usual: expectoração, fezes ou urina com sangue;
• Endurecimento ou inchaço localizado na mama ou noutros locais;
• Indigestão ou dificuldade em deglutir;
• Alterações do tamanho, cor, textura ou forma de verrugas ou outros sinais da pele;
• Tosse persistente ou rouquidão prolongada;
• Perda de peso rápida e acentuada sem explicação.

Neoplasma = tumor
Oncologia = Cancerologia = estudo dos tumores
Cancro = neoplasma maligna
Carcinogénese – mecanismos de produção ou indução de tumor

Os tumores podem ser divididos em:


• Benignos de origem epitelial:
o Epitelioma ou papiloma – nos epitélios de superfície;
o Adenoma + órgão – epitélios glandulares sólidos ou de superfície.
• Malignos de origem epitelial: carcinoma + órgão;
• Tumores de origem mesenquimatosa:
o Benignos – tecido de origem + sufixo -oma;
o Malignos – tecido de origem + sufixo sarcoma.
• Outros tumores, como leucemias, melanomas malignos ou tumores neuro-
endócrinos;
• Tumores designados pelo nome do cientista implicado na sua descoberta –
linfoma de Hodgkin, por exemplo.

O tipo de adaptação depende da natureza da lesão e da capacidade da célula de se


dividir e proliferar:
• Células permanentes – não se dividem e adaptam-se por hipertrofia (neurónios,
miocárdio e músculo esquelético);
• Células lábeis – dividem-se continuamente e adaptam-se por hipertrofia e
hiperplasia (medula óssea, trato GI e epitélios);
• Células estáveis – dividem-se quando necessário e adaptam-se por hipertrofia
e hiperplasia (hepatócitos, músculo liso e fibroblastos).

22
Os tecidos podem responder adaptativamente ao crescimento de diferentes formas,
incluindo um crescimento adaptativo não tumoral – hipertrofia, hipotrofia, hiperplasia,
hipoplasia e aplasia (ausência de desenvolvimento do órgão) –, ou tumoral e pré-tumoral –
metaplasia, displasia (alteração do tamanho e forma celular – pleomorfismo – e da arquitetura
do tecido, configurando-se num estadio pré-tumoral), anaplasia (reverso da diferenciação, com
aumento da capacidade reprodutiva e redução da especialização funcional) e neoplasia.

Numa displasia, as células apresentam algum pleomorfismo, existindo ainda algumas


células normais. Numa neoplasia, as células são todas anormais, com núcleos aumentados
e pleomorfismo ainda mais pronunciado.

23
O padrão de crescimento do tecido é determinado pelo equilíbrio entre inibição e
estímulo – fatores de crescimento vs. fatores inibidores de crescimento.

ESTRUTURA DO TUMOR

Um tumor neoplásico celular pode ser benigno, caso apresente células normais, com
arquitetura quase normal, ou maligno, caso apresente pleomorfismo, em configuração
desordenada, e células anaplásicas.
O estroma fibroso constitui o tecido conjuntivo que suporta as células tumorais
(tumores densos). Os tumores malignos variam na capacidade de estimular os fibroblastos para
produção dos componentes estromais.
O estroma vascular (angiogénese) forma-se, uma vez que, ao crescer, o tumor precisa
de mais nutrientes, formando-se novos vasos por ação de factores de crescimento endoteliais.
Os vasos sanguíneos intra-tumorais são caóticos, sinuosos e labirínticos para dificultar o ataque
ao tumor (teoria do caos vascular).
Indutores da angiogénese Inibidores da angiogénese
Interferões, fator plaquetário 4, análogos da
vitamina D3, trombospondina, angiostatina,
VEGF, bFGF, TGF, TNF e EGF
IL-1, 4 e 12, ácido acetilsalicílico, captopril,
talidomida, antiestrogénios e metotrexato

A angiogénese tumoral envolve a produção de fatores angiogénicos por parte do tumor,


o que levará à proliferação e migração das células endoteliais e consequente remodelação para
se formar uma rede capilar neoplásica.

A angiogénese tumoral difere da angiogénese de reparação ou normal:

24
COMPORTAMENTO DO TUMOR

Os tumores benignos e malignos apresentam diferentes comportamentos:


Tumores benignos Tumores malignos
Crescimento rápido e agressivamente
invasivo, com envio de colunas celulares
para o interior do tecido normal;
Crescimento lento e ordenado – pouca
lesão do tecido circundante; Cápsula rara ou incompleta e sem linha de
separação definida, com difícil remoção
Cápsula fibrosa com linha de separação do
cirúrgica;
tecido normal: fácil remoção cirúrgica;
Presença de metástases: migração do tumor
Ausência de metástases;
primário, originando tumores secundários
Prognóstico favorável. noutros locais, o que o diferencia do tumor
benigno;
Prognóstico desfavorável.

A taxa de crescimento tumoral é ainda muito elevada – o tempo de duplicação tumoral


é maior do que o tempo de geração (período entre 2 gerações celulares sucessivas). A fração
de crescimento tumoral (percentagem de células em crescimento no tumor) ronda os 10 – 30%.

INVASÃO TUMORAL E METASTIZAÇÃO

O processo de invasão tumoral e formação de metástases envolve vários fatores


facilitadores, destacando-se os seguintes:
• Atrofia por pressão – o tumor expande-se, aumentando a pressão sobre as
células adjacentes que atrofiam e morrem;
• Perda de adesão intercelular para libertação do tumor primitivo;
• Aumento da motilidade celular em direção aos vasos após separação das outras
células e degradação do estroma envolvente;
• Formação de recetores para a matriz extracelular e membrana basal que
favorecem a sua degradação enzimática;
• Quimiotaxia, estimulada por metabolitos das células normais, produtos de
degradação da MEC e MB e fatores de motilidade autócrinos.

25
PROCESSOS DE METASTIZAÇÃO: VIA EMBÓLICA E POR CAVIDADES

As metástases podem-se formar por via embólica, após penetração das células
neoplásicas nas veias ou vasos linfáticos. Estas células ligam-se a recetores específicos das
células endoteliais (seletinas), ativando a formação de êmbolos que as protegem e viajando até
um local de fácil saída. Uma vez em circulação, estas células podem invadir os pulmões, por
enzimas e fatores de motilidade, e o fígado, devido ao sistema porta, em tumores do trato GI
(estômago e intestinos, por exemplo). Nos vasos linfáticos, os êmbolos atingem outros nódulos,
que, por sua vez, se deslocam para locais secundários.
Podem ainda originar-se metástases por cavidades, como é o caso do adenocarcinoma
do pâncreas que se move para a cavidade pélvica e se desenvolve no reto.

EFEITOS DOS TUMORES

Os tumores provocam destruição do tecido, com consequente impacto na sua função,


redução do fluxo sanguíneo local, por compressão dos vasos sanguíneos, destruição do
parênquima por libertação de enzimas, ligação de estruturas com restrição dos movimentos,
obstrução e compressão de passagens importantes (por exemplo, os ureteres ou os brônquios)
e ainda maior predisposição a infeções, por imunossupressão generalizada e danos na função
de barreira.
Os tumores podem ainda provocar anemia, por causa direta ou indireta:
• Causa direta – por hemorragia associada à disrupção de vasos sanguíneos em
superfícies corporais (tumores digestivos e genitourinários) ou hemólise
autoimune por indução tumoral (leucemia e linfoma);
• Causa indireta – mielosupressão, com baixa produção de glóbulos vermelhos e
plaquetas, e deficiente produção hepática de fatores de coagulação.
o Dor tumoral – invasão de ossos e nervos, obstrução com distensão de
órgãos ocos, invasão da medula espinal com compressão;
o Caquexia – impacto cumulativo dos vários efeitos do tumor, com dor,
ansiedade, depressão, fraqueza e debilidade profunda. Pode provocar
ainda anorexia, resultante de alterações do paladar e do centro do
apetite, o que leva a consequente perda de peso e adinamia (utilização
de proteína muscular como fonte energética).
Os tumores apresentam ainda efeitos hormonais, nomeadamente, através da indução
da hipersecreção hormonal.
Os síndromes paraneoplásicos associam-se a muitos tipos de tumores, nomeadamente,
da mama, do pulmão e hematológicos, podendo provocar, entre outros, hipercalcemia,
síndrome de Cushing e endocardite trombótica não bacteriana.

26
ONCOGÉNESE OU TRANSFORMAÇÃO NEOPLÁSICA

A oncogénese ou transformação neoplásica descreve o processo pelo qual ocorre a


formação de células neoplásicas.
Por lesão cromossomal, a célula escapa aos controlos de crescimento, desenvolvendo-
se tecido neoplásico. A transmissão genética direta da neoplasia é rara (retinoblastoma), mas
há fatores familiares mal-definidos que favorecem a emergência de alguns tumores (cancro da
mama pré-menopáusico).
O processo oncogénico resulta da múltipla exposição a um agente iniciador que
predispõe o DNA para os efeitos do promotor, o qual favorece a formação do tumor.

O fumo do tabaco é um agente completo, com ação iniciadora e promotora.

A maior parte dos tumores deriva de uma alteração genética, normalmente, em mais
do que cinco genes, sendo que estas mutações ocorrem, normalmente, em genes que regulam
a divisão celular e a arquitetura tecidular.
As alterações ocorridas num proto-oncogene fazem com que o mesmo seja ativado,
transformando-se num oncogene. O produto proteico de um oncogene está alterado de forma
a não ser desativado pelos sinais celulares normais e a sua expressão induz a célula a dividir-
se continuamente.

27
Promotores do
crescimento, apresentam
uma ativação excessiva
nas células tumorais
Proto-oncogenes

Genes dominantes

Inibidores do
crescimento

Genes supressores de
tumores
É necessária a alteração
dos dois alelos para a
Genes reguladores do perda completa de
ciclo celular função

Reparação do material
genético

Genes de reparação

Funcionam da mesma
forma que os anteriores
geneticamente

Genes de regulação da Genes pró-apoptóticos e


apoptose anti-apoptóticos

Os agentes causais do cancro incluem a origem ambiental – agentes mutagénicos


químicos, radiação ionizante, vírus e inflamação crónica – e os agentes carcinogénicos –
substâncias químicas inertes até serem ativadas pelo metabolismo (nitrosaminas cancerígenas
no estômago por reação de nitritos com aminas secundárias).
Os principais fatores de potencial carcinogénico (promotores carcinogénicos) incluem:
• Químicos – hidrocarbonetos policíclicos (alcatrão do cigarro – pulmão), aminas
aromáticas (indústria dos corantes e da borracha – urotélio), nitrosaminas
(sistema GI – reação de nitritos com aminas secundárias) e agentes alquilantes
(ação direta sobre o ADN);
• Virais – vírus de Epstein-Barr (linfoma de Burkitt; carcinoma nasofaríngeo),
hepatite B (carcinoma hepato-celular), vírus do papiloma humano (carcinoma
cervical, alguns carcinomas da pele, etc.) e HTLV-I vírus da leucemia humana de
linfócitos T tipo I (linfoma das células T);
• Irradiação ou substâncias radioativas, radiação UVA e UVB – melanoma
maligno;
• Hormonas;

28
• Fibras de amianto (asbestos) – cancro da pleura;
• Fatores dietéticos – muita gordura e pouca fibra (carcinoma do cólon?).

RESPOSTA IMUNOLÓGICA

Os antigénios tumorais podem ser específicos do tumor, estando estes apenas


presentes nas células tumorais, ou associados ao tumor, sendo estes comuns aos das células
normais do tecido de onde surgiu (ex: PSA, exprime-se tanto nas células tumorais como nas
células prostáticas normais).
Existem vários mecanismos de defesa imunológica:
• Linfócitos T citotóxicos – atuam nas neoplasias associadas a vírus;
• Mecanismos humorais – por atuação dos anticorpos e do complemento;
• Células natural killer – capazes de destruírem as células tumorais sem
sensibilização prévia. São ativadas pela IL-2, constituindo a 1ª linha de defesa;
• Macrófagos ativados – exibem seletividade citotóxica contra as células tumorais
e são ativadas pelo IFN-γ.
A maioria dos tumores desenvolvem-se em indivíduos imunocompetentes, conseguindo
o tumor contornar a defesa imunológica por vários mecanismos:
• Seleção de variantes celulares antigénio-negativas;
• Perda ou expressão reduzida dos antigénios de histocompatibilidade, o que
proporciona escape ao ataque dos linfócitos T citotóxicos;
• Imunossupressão por ação de produtos do tumor como resultado do
tratamento antineoplásico.

Diagnóstico: a resposta imunológica a antigénios tumorais é usada na deteção de tumores –


antigénio carcioembriónico (CEA) para tumores dos pulmões, pâncreas e GI, α-fetoproteína para
hepatomas primários e antigénio prostático específico (PSA) para tumores da próstata.

TERAPÊUTICA ANTI-TUMORAL

A remoção cirúrgica é direta, rápida, eficaz e constitui a terapêutica mais utilizada em


tumores sólidos. É o único método que permite o estudo anatomo-patológico. Não garante a
eliminação de micrometásteses e obriga à remoção de muito tecido saudável vizinho do tumor.
Não está indicada quando o tumor já invadiu as estruturas adjacentes ou já se disseminou.
A radioterapia pode ser preferível à cirurgia em alguns casos. O tumor é irradiado com
raios X ou raios emitidos por fonte externa ou por implantes intraorgânicos definitivos ou
temporários (braquiterapia). Provoca a morte das células neoplásicas por ação direta ou por
indução de apoptose. Utilizada, por exemplo, no cancro da próstata, da mama, da laringe, e do
colo do útero, particularmente quando a cirurgia não está indicada, por se tratar de um tumor
não localizado no órgão ou por o doente não ter condições operatórias. Não está indicada no
caso de tumores disseminados.
A quimioterapia consiste na administração sistémica de drogas citotóxicas que
impedem a replicação do ADN e, portanto, a divisão celular por mecanismos diversos, ou por
ativação de apoptose. Fazem habitualmente parte de tratamento combinado que também

29
envolve a cirurgia e/ou a radioterapia. Embora eficaz no tratamento de alguns tumores
primários como a leucemia, é principalmente indicada na doença metastática. As drogas
conhecidas induzem quimiorresistência que, por vezes, é múltipla.
A hormonoterapia é o tratamento baseado no bloqueio hormonal por down regulation
(análogos da LHRH/triptorelina – cancro da próstata), ou utilização de anti-androgénios (cancro
da próstata – bicalutamida) e anti-estrogénios (cancro da mama).
A imunoterapia apresenta como objetivo estimular o sistema imunitário. Já foram
usados estimuladores gerais como o BCG no cancro da bexiga. Mais recentemente, têm sido
usados a IL-2 e o INF para estimular células citotóxicas específicas.
A terapêutica genética encontra-se ainda em fase inicial, atuando diretamente a nível
dos genes envolvidos ou das proteínas codificadas por esses genes, tendo por objetivo tornar as
células malignas em normais ou matar as malignas sem lesar as normais.
A inibição da angiogénese tem sido alvo de grande interesse nos últimos 10 anos, tendo
já sido desenvolvidos alguns inibidores que se encontram em ensaios clínicos. É o caso do
bevacizumab aprovado há 4 anos, anticorpo monoclonal que bloqueia a ação do VEGF (factor
de crescimento endotelial vascular), impedindo a formação de neovasos.
A modificação da adesividade celular é vital para a progressão do tumor, daí que com
a sua modificação seja possível evitar o crescimento e a disseminação.
Os inibidores das proteases particularmente das metaloproteinases da matriz (MMP),
associadas ao crescimento neoplásico, pode ser um importante mecanismo de controlo.

ESTADIAMENTO TUMORAL
CLASSIFICAÇÃO PELO SISTEMA TNM

T = Tamanho; N = Nódulo; M = Metástases

CLASSIFICAÇÃO HISTOLÓGICA

Grau I – Células muito diferenciadas, bem ordenadas e com poucas ou nenhumas mitoses
visíveis;
Grau IV – Células pouco diferenciadas (anaplásicas), pleomórficas e com muitas mitoses
visíveis;
Graus II e III – Malignidade intermédia entre estes dois extremos.

30
DOENÇAS AUTOIMUNES. HIPERSENSIBILIDADES

As doenças autoimunes constituem síndromes clínicas causadas pela ativação de


linfócitos T, linfócitos B ou ambos, na ausência de infeção ou de outra causa discernível, por
falência de mecanismos de tolerância.

A existência de um grau baixo de autoreatividade é fisiológica e crucial para o normal


funcionamento imunitário.

As doenças autoimunes são, de um modo geral, doenças raras (à exceção da artrite


reumatoide e da tiroidite de Hashimoto), com maior prevalência nas mulheres.
As doenças autoimunes podem ser classificadas de duas formas distintas:
• Classificação clínica – doenças sistémicas (lúpus eritematoso sistémico) e
doenças específicas para determinados órgãos (diabetes mellitus tipo I, cirrose
hepática primária e doença de Addison);
• Classificação mecanística (útil para animais, não para doentes) – doenças com
alteração na seleção, regulação ou morte de linfócitos B ou T e doenças com
resposta aberrante a um antigénio particular, do self ou estranho.

FISIOPATOLOGIA E ETIOLOGIA DAS DOENÇAS AUTOIMUNES

As doenças autoimunes integram-se num contexto de falência da tolerância, tanto da


tolerância central como da tolerância periférica.

Tolerância central (seleção negativa) Tolerância periférica


• Os linfócitos selecionados dirigem-se
para órgãos linfóides secundários
• Eliminação clonal de linfócitos B e T (baço, gânglios linfáticos);
autorreativos na medula e timo; • Se não gerarem uma resposta
• Previne a maturação de linfócitos positiva contra antigénios estranhos,
autorreativos. tornam-se anérgicos ou morrem por
apoptose.

31
A etiologia das doenças autoimunes pode ser idiopática (a maior parte dos casos), mas
também por fatores ambientais infecciosos e não infecciosos.
Fatores ambientais não infecciosos Fatores ambientais infecciosos
• Mimetismo molecular:
o Síndrome de Guillain-Barré –
reação cruzada entre gangliósidos
humanos e lipopolissacáridos da
Campylobacter jejuni;
o Febre reumática – reação cruzada
entre antigénio de Streptococcus
pyogenes e a miosina do tecido
cardíaco.
• Ativação policlonal de linfócitos
• Predisposição genética – autorreativos – a invasão por
mutações em múltiplos genes; microrganismos causa inflamação,
• Nutrição; libertação de antigénios sequestrados e
• Microbiota; autoimunidade. A inflamação pode,
• Infeções; mesmo na ausência de microganismos,
• Xenobióticos (fumo do causar autoreatividade.
tabaco, fármacos, hormonas, • Hormonas – os estrogénios exacerbam o
radiação UV, solventes…). lúpus eritematoso sistémico pela alteração
da população de linfócitos B mesmo na
ausência de inflamação;
• Fármacos;
• Perda de funções regulatórias – células
que controlam a autorreatividade, algumas
maturam no timo, as restantes nos tecidos
periféricos por exposição a autoantigénios,
estas células podem estar reduzidas em
doenças autoimunes (ex: diabetes
mellitus).

EVOLUÇÃO DAS DOENÇAS AUTOIMUNES

Durante a progressão de uma doença autoimune:


1. Espalhamento dos epítopos:
• Aumento do nº de autoantigénios que são alvos das linfócitos T e de
anticorpos;
• Alteração das células e citocinas participantes.
2. Linfócitos B autoreativos funcionam como células apresentadoras de
antigénios:
• Apresentam autoantigénios e moléculas co-estimuladoras;
• Geram péptidos que ainda não foram apresentados a linfócitos T;
• Ligam-se a um conjunto de proteínas, processam-nas e expressam
numerosos epitopos.

32
A lesão tecidular ocorre por:
• Linfócitos T autoreativos – necrose induzida por perforinas, apoptose induzida
por granzima B e lesão induzida por citocinas de linfócitos T helper 1 e 2;
• Autoanticorpos – formação de imunocomplexos, citólise ou fagocitose de
células-alvo e interferência com as funções celulares normais (ex: miastenia
gravis, doença de Graves).

HIPERSENSIBILIDADES

As hipersensibilidades são classificadas em quatro tipos, de acordo com a classificação


de Cell e Coombs.

HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO I (IMEDIATAS)

A hipersensibilidade do tipo I tem um caráter imediato.


O primeiro contacto com antigénio induz formação de IgE, que recobre a superfície de
mastócitos e basófilos, sendo que um novo contacto com antigénio induz uma reação mediada
por IgE:

33
1. O antigénio liga-se às IgE, que induzem desgranulação;
2. Libertação de histamina, heparina, prostaglandinas, leucotrienos;
3. Aumento da permeabilidade vascular – broncospasmo, cãibras abdominais e
rinite (hipovolémia e hipoxia), eritema, edema (pulmonar), prurido e eosinofilia.
Ocorre reatividade cruzada, sendo que os indivíduos reagem a um alérgeno são
também sensíveis a elementos que contêm substâncias semelhantes às do alérgeno.
Evolução:
• Reação imediata – após minutos de contacto;
• Reação tardia – após 24-72 horas de contacto.
Manifestações gerais: prurido, edema, rash, rinite, broncospasmo, cãibras abdominais.
Manifestações específicas: conjuntivite e rinite alérgica, asma alérgica, atopia, urticária,
angioedema, anafilaxia.

HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO II (CITOTÓXICAS)

34
HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO III (REAÇÕES DE IMUNOCOMPLEXOS)

A hipersensibilidade do tipo III baseia-se em reações antigénio – anticorpo


(imunocomplexos).
Os antigénios ligam-se a IgG e formam complexos imunes (antigénio-anticorpo). Os
complexos circulam na corrente sanguínea e depositam-se nas vénulas, com ativação do sistema
complemento, lesão tecidular e inflamação vascular.
O tamanho, carga e hidrofilia dos complexos imunes determinam os leitos vasculares
lesados (ex: rim, pele e membranas mucosas). Ocorre em lúpus eritematoso sistémico,
glomerulonefrites, vasculites e após administração de fármacos (ex: antibióticos).

HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO IV (RETARDADA OU CELULAR)

Este tipo de hipersensibilidade trata-se de uma reação mediada por linfócitos T.


O antigénio penetra na pele e é captado por células de Langerhans, migrando para
gânglios linfáticos onde se formam linfócitos T sensibilizados. O contacto repetido com o
antigénio leva à secreção de citocinas (IFNγ e TNFα) pelos linfócitos T, ativando-se macrófagos
e ocorrendo inflamação local.

35
PATOLOGIAS RESPIRATÓRIAS

REVISÃO DE CONCEITOS GERAIS DE FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA:


Bomba respiratória: refere-se à ventilação (inspiração + expiração). Envolve o sistema
nervoso central e periférico, os músculos respiratórios, as vias aéreas e a parede torácica.
Parênquima pulmonar: constituído pelos alvéolos pulmonares.
A principal função do sistema respiratório é a remoção de quantidade adequada de CO2 do
sangue que penetra na circulação pulmonar e o fornecimento de níveis adequados de O2 ao
sangue que deixa a circulação pulmonar.
Perfusão: quantidade de sangue adequada através da corrente sanguínea.
Difusão: movimentação de gases adequada entre a parede alveolar e o endotélio capilar.
Relação ventilação/perfusão (V/Q): contacto adequado entre o gás alveolar e o sangue
capilar.
O valor normal da relação V/Q é 0,8.

Inspiração: contração do diafragma e dos músculos intercostais externos → expansão do


tórax → a pressão intrapleural torna-se subatmosférica (-7 mmHg) → aumento da pressão
transpleural → expansão dos pulmões → a pressão alveolar torna-se subatmosférica

Expiração: relaxamento do diafragma e dos músculos intercostais → parede torácica volta à


dimensão inicial → a pressão intrapleural volta aos valores iniciais (- 4 mmHg) → pulmões
readquirem o tamanho que tinham antes da inspiração → compressão do ar alveolar → a
pressão alveolar passa a ser superior à pressão atmosférica

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA

A insuficiência respiratória traduz-se na incapacidade do aparelho respiratório manter a


𝑃𝐶𝑂2 e 𝑃𝑂2 a níveis adequados. Globalmente:
↑ 𝑃𝐶𝑂2 e ↓ 𝑃𝑂2

Os quimiorrecetores são responsáveis pela deteção de desvios significativos aos valores


normais de 𝑃𝐶𝑂2 e 𝑃𝑂2 , desencadeando, por conseguinte, mecanismos de compensação
fisiológicos. Estes encontram-se associados ao sistema nervoso autónomo e respondem
perante:
• Aumento de 𝑷𝑪𝑶𝟐 – estimula os quimiorrecetores carotídeos, aórticos e do
bulbo;
• Diminuição do pH (provocado pelo aumento de 𝑷𝑪𝑶𝟐 ) – estimula os
quimiorrecetores carotídeos e aórticos;
• Diminuição de 𝑷𝑶𝟐 – estimula o corpo carotídeo para valores abaixo dos 70
mmHg.
Os quimiorrecetores carotídeos são, no ser humano, os únicos responsáveis pelo
aumento da ventilação observada face a situações de hipoxia.

36
Um indivíduo apresenta insuficiência respiratória quando:

𝑃𝐶𝑂2 > 45 mmHg 𝑃𝑂2 < 80 mmHg (idade menor de 40 anos)


𝑃𝑂2 < 70 mmHg (idade maior do que 40 anos)

A insuficiência respiratória apresenta dois mecanismos fisiopatológicos associados:

O valor da 𝑷𝑪𝑶𝟐
mantém-se normal, Este mecanismo é
uma vez que, sendo comum em locais
este gás mais lipofílico, de elevada altitude,
apresenta uma difusão devido à baixa
maior do que o O2. disponibilidade de
O2.

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA PARCIAL INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA TOTAL


Os níveis de CO2 mantém-se Ocorre alteração das pressões arteriais
de O2 e de CO2

A hipoxemia, ou seja, a diminuição da pressão de oxigénio no sangue arterial, é comum


a ambos os mecanismos fisiopatológicos, envolvendo respostas adaptativas, mas também
efeitos tóxicos nocivos para o organismo humano.

RESPOSTAS ADAPTATIVAS
Taquipneia Aumento da frequência respiratória.
Taquicardia Aumento da frequência cardíaca.
Hipertensão pulmonar Vasoconstrição dos capilares dos pulmões.
Aumento da produção de eritrócitos. Os quimiorrecetores,
Poliglobulia quando ativados, estimulam a produção de eritropoietina, que
atua ao nível da medula óssea, aumentando a eritropoiese.

EFEITOS TÓXICOS NOCIVOS (rim, coração, sistema nervoso)


Insuficiência cardíaca e renal
Convulsões
Cianose central

Nota: A cianose consiste no escurecimento (arroxeamento) da pele e das mucosas. Esta pode
ser central, quando é provocada por hipoxemia, envolvendo sobretudo a mucosa labial, ou
periférica, quando está associada a situações de frio extremo, verificando-se principalmente nas

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extremidades das mãos e dos pés. Esta ocorre devido à predominância de hemoglobina não
oxigenada, que tem cor azul, ao invés da hemoglobina oxigenada que é de cor vermelha.

Existem várias causas para a insuficiência respiratória:


• Desequilíbrio na relação ventilação/perfusão;
• Shunt direito/esquerdo – este fenómeno ocorre quando existem alvéolos cuja
ventilação foi eliminada, mas a perfusão continua. Este shunt faz com que o
sangue venoso passe para a circulação sistémica, sem que tenha entrado em
contacto com o ar alveolar.
Na figura, a situação A é a ideal, na qual ocorre uma ventilação uniforme, tanto
no alvéolo A como no alvéolo B. Contudo, em B, a ventilação do alvéolo A é
inexistente, apesar de existir perfusão.
Assim, na prática, é como se o sangue tivesse passado diretamente do coração
direito para o coração esquerdo sem nunca ter passado nos pulmões – daí o
nome shunt direito/esquerdo.

• Alteração da perfusão, que pode estar associada a hipertensão pulmonar;


• Alteração na difusão dos gases, devido à presença de objetos estranhos, como
poeiras – é o que acontece, por exemplo, nos pulmões de mineiros;
• Diminuição do aporte de oxigénio no ar (↓ 𝑭𝒊𝑶𝟐 ), devido a altitudes elevadas.

Doenças Doenças
obstrutivas restritivas Diminuição da
Existência de uma complacência
obstrução à pulmonar e da
passagem do ar capacidade de
expansão

Comprometem Comprometem
principalmente a principalmente a
fase de expiração fase de inspiração

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DOENÇAS RESPIRATÓRIAS OBSTRUTIVAS

As doenças respiratórias obstrutivas estudadas – asma, bronquite crónica e enfisema –


podem ser enquadradas num termo mais global – DPOC (doença pulmonar obstrutiva crónica).
A DPOC é caracterizada por uma limitação do fluxo aéreo, que não é completamente
reversível. Esta limitação encontra-se associada a um processo inflamatório anormal, que pode
ser desencadeado por uma multitude de fatores, incluindo alergénios, microrganismos, etc.
O problema fisiológico fundamental nas doenças obstrutivas baseia-se no aumento da
resistência ao fluxo de ar como consequência de uma broncoconstrição das vias respiratórias
condutoras.

BRONQUITE CRÓNICA

A bronquite crónica caracteriza-se pela presença de tosse com expetoração mucosa


durante mais do que 3 meses por ano e durante 2 anos.
As causas principais da bronquite crónica são o tabaco, a poluição atmosférica e a
repetição de infeções bacterianas e virais, a última mais aplicável a grupos de risco (crianças,
bebés e idosos).
Para além das causas principais, também os indivíduos com deficiência genética na
produção de anti-proteases (como a α1 -antitripsina) possuem uma maior predisposição para a
bronquite crónica. Isto acontece porque estas anti-proteases hepáticas inibem outras enzimas,
nomeadamente, a elastase, que degrada a elastina. A ação da elastase e a sua relação com a
atuação das anti-proteases hepáticas encontra-se bem evidenciada no enfisema pulmonar.

Mecanismo fisiopatológico da bronquite crónica:


1. A atuação de um agente causador da bronquite crónica (como o tabaco) resulta na
instalação de um processo inflamatório local.
2. Este processo inflamatório envolve o recrutamento de células inflamatórias –
neutrófilos e macrófagos –, que produzem radicais livres de oxigénio (ROS). Estes ROS
têm um efeito quimiotático, resultando num contínuo recrutamento de células
inflamatórias para o local (cronicidade da patologia).
3. O epitélio brônquico começa a secretar muco em grandes quantidades – hipersecreção
– devido à presença de ROS.
4. A inflamação leva também à formação de exsudado e à ativação da via de biossíntese
dos leucotrienos (especificamente isoprostanos), que resultam na vasoconstrição do
brônquio.

A inflamação crónica que se instala leva também à alteração do perfil do epitélio


brônquico, o qual evolui de epitélio ciliar estratificado para metaplasia escamosa em placa. Esta
alteração de epitélio dificulta a extração do muco produzido, o que resulta na acumulação de
muco.

39
Consequências da bronquite crónica: Devido à sensação de falta
de ar sentida pelo doente.

Como é a expiração que


fica comprometida
nestas patologias, há
sempre ar que fica Há alguns alvéolos
retido nos alvéolos que obstruídos mas
não sai, aumentando o outros não.
volume do pulmão.

Também ocorre a hipertrofia


Esta cianose é central, pois
do músculo liso brônquico.
está associada à hipoxemia.

Sintomas associados à bronquite crónica:

• Tosse com expetoração mucosa viscosa – para além da tosse, também o movimento
dos cílios ajuda na eliminação do muco em excesso;
• Dispneia de esforço – falta de ar, após esforços (tende a tornar-se cada vez mais
frequente e são necessários esforços cada vez mais pequenos para que se despolete);
• Insuficiência cardíaca direita e hipertrofia do ventrículo direito (cor pulmonale), devido
à hipertensão pulmonar:

Os pulmões apresentam um mecanismo de autorregulação que, em casos de insuficiência


respiratória, leva à vasoconstrição dos capilares que irrigam alvéolos que não são
ventilados, o que aumenta a resistência dos vasos à passagem do sangue.

Este aumento da resistência propaga-se ao ventrículo direito, que sofre hipertrofia a longo
prazo, uma vez que se encontra habituado a enfrentar uma menor resistência do que aquela
à qual se encontra sujeito nestas situações patológicas (parede ventricular mais fina).

Como há acumulação de sangue no ventrículo direito, existe


um menor retorno venoso e uma consequente acumulação
de sangue nas veias periféricas.

EDEMA

• O edema pode ocorrer a nível periférico, levando a hepatomegalia e ascite;


• Cianose central, devido à alteração da relação V/Q;
• Sibilos e sons respiratórios característicos de uma elevada produção de muco;
• Hipercapnia (↑ 𝑃𝐶𝑂2 ) e acidose respiratória, aliada à obstrução respiratória;
• Poliglobulia, devido à hipoxemia crónica;

40
• Engurgitamento jugular, devido ao aumento da pressão venosa (insuficiência cardíaca
direita).

ENFISEMA

A bronquite crónica pode evoluir, posteriormente, para enfisema. O enfisema ocorre


quando há deterioração do parênquima pulmonar, ou seja, destruição do tecido conjuntivo
elástico que separa os alvéolos pulmonares.

A perda de tecido conjuntivo elástico resulta, por isso, numa diminuição da


complacência pulmonar – componente restritiva do enfisema –, para além de dificultar a
retração elástica dos alvéolos, o que faz com que o ar não sai tão facilmente e se acumule no
interior dos alvéolos.

O pulmão é protegido da perda de tecido


conjuntivo elástico pela ação das antiproteases,
como é o caso da α1 -antitripsina.
A evolução fisiopatológica do enfisema
pulmonar encontra-se, portanto, condicionada
pela produção de ROS (radicais livres de
oxigénio), de origem endógena ou exógena (no
caso do fumo do tabaco) – lesão oxidativa local –
, aliada à atividade proteolítica das elastases. Os
ROS inibem a atividade das anti-elastases, o que
aumenta ainda mais a degradação do tecido
pulmonar.
Os antioxidantes endógenos, como a
catalase, a superóxido dismutase ou o glutatião,
contribuem também para a diminuição dos ROS localmente.
Como já foi referido anteriormente, também a deficiência genética em antiproteases é
um fator importante de predisposição do enfisema, uma vez que as defesas pulmonares se
encontram diminuídas.

41
Manifestações clínicas do enfisema:
• Inexistência de cianose, uma vez que já não há alteração da relação
ventilação/perfusão. Ao contrário do que acontecia na bronquite crónica, os alvéolos
que não são ventilados também já não são irrigados;
• Dilatação da caixa torácica (a mesma adota uma forma de barril), devido ao aumento
do trabalho dos músculos respiratórios;
• Dispneia até em repouso, o que leva a uma consequente alteração da postura corporal
– o doente dobra-se para facilitar o mecanismo ventilatório.

Diagnóstico da bronquite crónica e do enfisema:


• Raio X, TAC (tomografia axial computadorizada);
• Gasimetria;
• Espirometria:

Bronquite crónica Enfisema


Diminuição da capacidade vital
Conservação da capacidade vital (volume Volumes inspiratórios aumentados
máximo expirado após uma máxima (devido à hiperinsuflação dos pulmões)
expiração)
Diminuição do valor de DLCO, uma vez
Manutenção do valor de DLCO que ocorre destruição do tecido
(capacidade de difusão do CO) alveolar, o que não acontece na
bronquite

Relativamente ao enfisema, as provas de função pulmonar apresentam ainda valores de


VEF1 diminuídos (volume expiratório forçado em 1 segundo), devido à destruição do
tecido alveolar e à broncoconstrição das vias aéreas, associados a um aumento dos
valores de VR (volume residual) e CPT (capacidade pulmonar total).

ASMA

A asma é definida como uma doença crónica de etiologia heterogénea, caracterizada


pela ocorrência de episódios recorrentes de obstrução das vias aéreas, devido a uma resposta
aumentada da árvore traqueo-brônquica a estímulos variados.

A principal componente fisiopatológica na bronquite é a inflamação, mas na asma é a


broncoconstrição.

A asma pode ser:

• Não atópica ou intrínseca – reação a fatores internos, como resposta ao stress,


fadiga, variações de temperatura e humidade ou exposição a gases tóxicos,
principalmente após uma infeção grave do trato respiratório, em adultos;

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• Atópica ou extrínseca – reação a agentes externos específicos, como alergénios
(pólens, poeiras, alimentos…) e microrganismos, manifestando-se na infância e
sendo acompanhada por outras alergias.

Fisiopatologia da asma:

A musculatura brônquica responde a um estímulo, ocorrendo hiperreatividade


brônquica, podendo mesmo evoluir para broncoespasmo.
Analogamente, o processo inflamatório local leva à formação de um infiltrado
inflamatório, contendo linfócitos Th2 (T helper2), eosinófilos, mastócitos e miofibroblastos.
Assim, a atuação dos linfócitos Th2 resulta na produção e libertação de IL-3, IL-4 e IL-5:

• IL-3 e IL-4 estimulam a síntese de IgE pelos linfócitos B que, ao se ligarem a


recetores dos mastócitos e os ativarem, resulta na libertação de histamina;
• IL-5 induz a diferenciação, proliferação e libertação de eosinófilos.

Os mediadores de ação aguda na asma são os leucotrienos, as prostaglandinas e a


histamina e induzem contração do músculo liso brônquico, hipersecreção de muco e a
vasodilatação local, o que resulta em edema.

A proliferação vascular registada é resultado do processo de regeneração do epitélio


brônquico que ocorre continuamente, ao longo do tempo. Este processo de regeneração é
mediado por fatores como TGF-α e β e FCF (fator de crescimento do fibroblasto), que induzem
fibrose da submucosa da via respiratória.

Manifestações clínicas da asma:


As manifestações clínicas da asma variam de acordo com a gravidade da doença,
podendo a mesma apresentar períodos assintomáticos:
• Respiração ofegante;
• Tosse;
• Dispneia de esforço;
• Aperto torácico;
• Sibilos e pieira, devido à redução do calibre da via e à consequente instalação
de um fluxo de ar turbulento, que provoca sons característicos;
• Taquipneia e taquicardia;
• Pulso paradoxal – queda de mais de 10 mmHg da pressão arterial sistólica
durante a inspiração;

43
• Hipercapnia e acidose respiratória, como consequência da obstrução das vias
aéreas;
• Defeitos obstrutivos nas provas de função pulmonar.

Diagnóstico da asma:
• História clínica;
• Evidência fisiológica da obstrução variável e reversível das vias aéreas;
• Provas de sensibilidade cutânea – como no caso da asma atópica ou extrínseca, na qual
se consegue, muitas vezes, descobrir o agente alergénico responsável;
• Testes laboratoriais – confirmação de atopia (reação geneticamente programada a
alergénios) e identificação dos agentes etiológicos;
• Doseamento da IgE total – reações de hipersensibilidade imediata – e da IgE específica
– monitorização da exposição e da imunoterapia e prevenção da sensibilidade precoce
a alergénios;
• Prova da metacolina – é administrada metacolina a um indivíduo, por inalação. A
metacolina é um broncoconstritor, pois ativa os recetores muscarínicos do sistema
nervoso parassimpático, permitindo inferir se um indivíduo tem asma ou não;
• Provas de função pulmonar – um doente com asma apresenta curvas semelhantes
àquelas da parte de baixo da imagem:

Um doente com asma apresenta, portanto:


✓ Diminuição do VEF1 (volume expiratório forçado) e da CVF (capacidade vital).
Como ambos diminuem, também o índice de Tiffeneau (VEF1/CVF) se encontra
diminuído;
✓ Aumento da CPT (capacidade pulmonar total) e da CRF (capacidade residual),
devido ao comprometimento da expiração, o que faz com se acumule mais ar
nos pulmões;
✓ Aumento do DLCO (capacidade de difusão do monóxido de carbono), devido
ao aumento do volume pulmonar e do sangue nos capilares pulmonares.

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DOENÇAS RESPIRATÓRIAS RESTRITIVAS

As doenças respiratórias restritivas caracterizam-se por uma alteração da expansão do


pulmão e da sua complacência. Existem vários tipos de doenças respiratórias restritivas:
• Doenças da pleura;
• Doenças da parede torácica e abdominal;
• Doenças que afetam a musculatura;
• Doenças que levam à alteração do parênquima pulmonar – estas podem estar
relacionadas com o colagénio ou podem ser intersticiais.

DOENÇAS RESTRITIVAS INTERSTICIAIS

As doenças restritivas intersticiais podem ter etiologia conhecida ou desconhecida.


No caso da etiologia ser conhecida, estas podem ser devidas a poeiras, drogas, venenos,
radiação, agentes infecciosos e, secundariamente, a edema pulmonar e a urémia crónica
(aumento dos níveis de azoto na urina).
Já no caso de etiologia desconhecida, estas estão normalmente associadas a situações
de sarcoidose (resposta inflamatória do pulmão, com formação de granulomas) e de amiloidose
(deposição de placas de tecido amiloide no pulmão).

Fisiopatologia das doenças restritivas intersticiais:

À lesão inicial do parênquima pulmonar, segue-se um recrutamento de células


inflamatórias e imunitárias – neutrófilos, mastócitos, linfócitos e macrófagos alveolares, entre
outros –, que originam uma alveolite, que pode progredir para a destruição dos ácinos
pulmonares. Os alvéolos enchem-se assim de muco, dificultando as trocas gasosas.
A cicatrização do tecido pulmonar e consequente substituição por tecido fibroso resulta
numa fibrose pulmonar disseminada e exacerbada (proliferação fibroblástica e de produção de
proteínas de matriz), resultando na diminuição da complacência pulmonar característica das
doenças restritivas.
O envolvimento dos capilares alveolares, mais especificamente a sua obstrução, gera
uma hipertensão pulmonar e, por conseguinte, ocorre insuficiência cardíaca direita (cor
pulmonale).
A hiperplasia epitelial e fibroblástica observada nos alvéolos origina alvéolos
consolidados. Estes alvéolos estão presentes em situações de broncopneumonia – no caso
destas consolidações apresentarem um padrão multifocal e abrangerem brônquios e/ou
bronquíolos – ou em situações de pneumonia lobar – no caso das consolidações estarem
confinadas no interior de um ou mais lobos do pulmão.

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Manifestações clínicas:
• Inexistência de cianose;
• Dispneia e taquipneia – a dispneia está relacionada com a necessidade de uma maior
pressão de distensão na inspiração e a taquipneia encontra-se associada à hipoxia;
• Tosse;
• Dor;
• Mau estar geral;
• Hemoptise – hemorragia alveolar difusa;
• Respiração rápida e superficial – devido à elevada perda de tecido elástico e
consequente aumento da resistência;
• Aumento do espaço morto fisiológico, devido à diminuição das trocas gasosas;
• Aumento do trabalho dos músculos respiratórios;
• Diminuição do O2;
• Aumento do 𝑷𝑪𝑶𝟐 ou conservação do seu valor normal.

ARDS (SÍNDROME DE ANGÚSTIA RESPIRATÓRIA NO ADULTO)

Dentro das doenças restritivas intersticiais, a ARDS destaca-se, uma vez que resulta da
libertação sistémica de citocinas – IL-1 e TNF-α – e de radicais livres de oxigénio (ROS), aquando
da existência de uma alveolite. Esta resposta exacerbada resulta na inativação do surfactante
pulmonar, na fibrose da parede alveolar e no aumento da permeabilidade vascular.

O surfactante pulmonar tem como objetivo reduzir a tensão superficial e estabilizar


alvéolos de diferentes dimensões, sendo crucial para o não colapso dos alvéolos.

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Estas alterações resultam em edema pulmonar, alveolar e intersticial, o que dificulta as
trocas gasosas entre o alvéolo e os capilares, e em colapso alveolar. Isto resulta na hipoxemia
e na acidose respiratória, provocando a morte em cerca de 50 a 70% dos casos.
As principais causas de ARDS são o traumatismo craniano, a sépsis, a pancreatite aguda
(mais comum), síndrome de choque, queimaduras extensas, radiação, embolia gasosa e
intoxicações.

Manifestações clínicas da ARDS:


• Hiperpneia e respiração rápida e superficial;
• Dispneia;
• Rigidez pulmonar, devido à redução da complacência pulmonar;
• Se a hipoxemia grave não for tratada, pode resultar em acidose, fibrilhação e
diminuição da produção de urina.
• A oxigenoterapia, apesar de ser supostamente necessária, não pode ser administrada
em quantidades elevadas, uma vez que isso aumentaria a quantidade de ROS e,
consequentemente, pioraria a condição clínica do doente.

PROVAS DE FUNÇÃO PULMONAR: DOENÇAS RESTRITIVAS VS. DOENÇAS OBSTRUTIVAS


Como já foi abordado anteriormente, nas doenças obstrutivas, existe uma obstrução à
passagem do ar, devido a uma broncoconstrição, o que compromete a expiração. Desse
modo, os valores do volume residual (VR) e expiratório forçado em 1 seg (FEV1) e de
capacidade vital (CVF) encontram-se diminuídos, enquanto que os valores da capacidade
residual (CRF) e da capacidade pulmonar total (CPT) encontram-se aumentados.
Já nas doenças restritivas, devido à diminuição da complacência dos pulmões, estes perdem
não se conseguem encher tanto de ar, o que faz com que seja a inspiração a estar
comprometida. Nestas doenças, a expiração não está comprometida, pois as vias aéreas se
encontram conservadas e normais. Assim, os volumes residual (VR) e expiratório forçado em
1 seg (FEV1) encontram-se aumentados e os valores da capacidade residual (CRF) e da
capacidade pulmonar total (CPT) são diminuídos.

DOENÇAS RESPIRATÓRIAS VASCULARES

As doenças respiratórias vasculares incluem a hipertensão pulmonar, o edema


pulmonar e o tromboembolismo pulmonar.

HIPERTENSÃO PULMONAR
A hipertensão pulmonar caracteriza-se pelo aumento da pressão na artéria pulmonar,
devido ao aumento da resistência.
Esta pode ser:
• Pré-capilar – devido a fibrose intersticial e a enfisema pulmonar, que tendem a
piorar a hipertensão pulmonar a longo prazo;
• Pós-capilar – devido a doença veno-oclusiva e congestão pulmonar passiva.

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A hipertensão pulmonar pode apresentar várias manifestações clínicas:
• Ortopneia, devido ao aumento da congestão pulmonar e ao consequente
aumento do esforço dos músculos respiratórios;
• Dispneia paroxística noturna (falta de ar durante a noite);
• Dor torácica, por estimulação de nociceptores na parede torácica;
• Alterações no RX torácico;
• Encerramento brusco da válvula pulmonar;
• Insuficiência cardíaca direita.

EDEMA PULMONAR

O edema pulmonar caracteriza-se por uma acumulação de líquido nos espaços


extravasculares do pulmão, devido a uma alteração das forças de Starling atuantes localmente.
Este pode-se instalar de forma lenta – no caso de uma insuficiência renal oculta – ou
rápida e súbita – no caso de uma insuficiência cardíaca esquerda devido a enfarte do miocárdio.
O edema não cardiogénico, um processo principalmente mecânico, pode estar
associado a inúmeras etiologias:
• Aumento da pressão hidrostática – no caso de enfarte do miocárdio, estenose
mitral (com aumento da pressão venosa pulmonar) e doença pulmonar
venoclusiva;
• Aumento da permeabilidade capilar – devido a toxinas, sépsis, radiações e
SDRA, devido ao aumento de ROS, o que leva a um aumento dos níveis de
interleucinas em circulação;
• Diminuição da drenagem linfática, devido ao aumento da pressão venosa
central;
• Diminuição da pressão osmótica ou coloidosmótica, devido a hipoalbuminémia
ou excesso de transfusão, que faz baixar os níveis de substâncias
osmoticamente ativas no sangue, como é o caso da albumina.

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Este tipo de edema resulta do rompimento do epitélio alveolar – que, em condições
normais, é totalmente impermeável à passagem de proteínas –, o que leva à entrada de grandes
quantidades de proteínas plasmáticas no espaço alveolar. A presença de proteínas,
particularmente o fibrinogénio e os produtos de degradação da fibrina, inativa o surfactante
pulmonar, aumentando a tensão superficial e desestabilizando os alvéolos. Este processo leva,
inevitavelmente, à redução da complacência pulmonar.

O edema pulmonar cardiogénico, ou seja, de origem cardíaca, tem como consequências


a alteração da relação V/Q e a instalação de patologia respiratória obstrutiva e restritiva, devido
ao aumento da resistência elástica e devido ao edema do brônquio. Este edema já apresenta
uma componente inflamatória.

Manifestações clínicas do edema pulmonar:


• Dispneia de esforço inicial, que pode evoluir para dispneia paroxística noturna;
• Ortopneia (necessidade de respirar na posição ereta);
• Tosse seca por irritação da mucosa brônquica, acompanhada ou não de hemoptise;
• Roncos e sibilâncias (asma cardíaca);
• Cianose, pois existem regiões com maior ou menor edema, levando a uma alteração da
relação V/Q;
• Coração hipertrofiado (insuficiência cardíaca) e vasos pulmonares dilatados;
• Grande redução da complacência pulmonar.

DOENÇA TROMBO-EMBÓLICA OU TROMBOSE

REVISÃO DE CONCEITOS GERAIS DE FISIOLOGIA DO SANGUE E HEMOSTASE:


Hemostase: processo da coagulação do sangue, pela formação de uma rede de fibrina e de
plaquetas sanguíneas ativadas, no local da lesão vascular. O sistema hemostático inclui a
participação das plaquetas, das proteínas da coagulação e do endotélio vascular.
Fases da coagulação:
1. Iniciação e formação da placa plaquetária;
2. Propagação da cascata da coagulação;
3. Terminus por mecanismos inibidores;
4. Remoção do coágulo pela fibrinólise.
A coagulação apresenta mecanismos limitantes, de modo a evitar a hipercoagulação. Estes
mecanismos incluem a atuação das seguintes proteínas:
• TFP I – inibe o fator VIIa e a ativação do fator X (via intrínseca);
• Proteína C ativada – esta apresenta como cofatores a trombomodulina e a proteína
S e tem a capacidade de destruir os fatores V e VIII ativados. Em casos de mutação
do gene do fator V (mutação do fator V de Leiden), a proteína C fica impossibilitada
de clivar o fator V e perde o seu papel regulador. Assim, pode ocorrer
hipercoagulação e trombose;
• Antitrombina III – forma complexos com fatores de coagulação ativados, o que
acontece quando se liga a moléculas semelhantes à heparina.

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O sistema fibrinolítico participa, posteriormente, na eliminação do coágulo:

Ativador do
Produtos de
plasminogénio
degradação da
tecidular
fibrina, que se
acumulam na
corrente sanguínea

Screening laboratorial:
• Via intrínseca – APTT (tromboplastina ativada);
• Via extrínseca – TP (tempo de pró-trombina).

A trombose caracteriza-se pela formação de um coágulo (trombo) dentro de um vaso


sanguíneo, devido à ação de um fator que lesa a parede do vaso ou faz o sangue estagnar no
seu interior.

COÁGULO OU TROMBO ÊMBOLO


Massa de sangue coagulado Um ou mais fragmentos do coágulo
constituído por plaquetas e fibrina ou trombo

TROMBOEMBOLISMO
PULMONAR
Pode entupir vasos mais pequenos
(se os trombos atingem a
circulação pulmonar)

Classificação dos trombos quanto à estrutura:


• Trombos vermelhos ou de coagulação ou de estase – ricos em hemácias e encontram-
se frequentemente em veias;
• Trombos brancos ou de conglutinação – constituídos por plaquetas e fibrina,
associando-se às alterações endoteliais. Encontram-se em artérias;
• Trombos hialinos – constituídos por fibrina, associando-se a alterações na composição
sanguínea. Ocorrem em capilares;
• Trombos mistos – formados por estratificações fibrinosas (brancas), alternadas com
partes cruóricas (vermelhas).

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Classificação dos trombos quanto à sua localização:
• Trombos venosos – geralmente vermelhos e localizados predominantemente nos
membros inferiores. Correspondem a 70% das tromboses no ser humano;
• Trombos cardíacos – murais (principalmente no endocárdio da aurícula direita e no
ventrículo esquerdo) ou valvulares (principalmente na aórtica e na mitral).
Correspondem a 20% das tromboses no ser humano;
• Trombos arteriais – geralmente brancos, presentes nas artérias coronárias, cerebrais,
ilíacas e femorais. Correspondem a 10% das tromboses no ser humano;
• Trombos capilares – hialinos, ocorrendo nas coagulopatias de consumo.

Classificação dos trombos quanto ao efeito de interrupção do fluxo sanguíneo:


• Trombos oclusivos ou ocludentes – obstruem totalmente a luz vascular. São comuns
nas artérias e veias;
• Trombos murais, parietais ou semi-ocludentes – obstruem parcialmente a luz vascular.
Comuns nas artérias e cavidades cardíacas;
• Trombos canalizados – trombo oclusivo que sofre proliferação fibroblástica e
neovascularização (por ação do aumento do fluxo sanguíneo local, devido à obstrução),
que permite restabelecer algum do fluxo sanguíneo perdido.

Fisiopatologia da trombose:
A trombose pode ter três principais mecanismos fisiopatológicos associados:
compressão vascular por parte de um tumor, formação de placas de ateroma (aterosclerose)
e estase (velocidade do fluxo sanguíneo diminuída).
Todos os mecanismos resultam numa alteração do perfil de fluxo sanguíneo – de um
fluxo laminar normal para um fluxo turbulento –, o que facilita a adesão plaquetária ao
endotélio vascular e origina um trombo.
Especificamente, o caso da estase é comum em viagens de avião de longa duração,
devido à falta de contração dos músculos esqueléticos, o que dificulta o retorno venoso.
No caso da aterosclerose, o trombo formado pode-se fixar nas placas ateroscleróticas,
podendo originar uma oclusão completa ou parcial.

51
Nota: Aterosclerose ≠ arteriosclerose.
A arteriosclerose é um processo associado ao envelhecimento natural dos vasos sanguíneos,
os quais sofrem fibrose e perdem complacência.
A aterosclerose é um processo associado à formação de placas ateroscleróticas, devido a
dislipidemia (aumento do colesterol LDL).

Fatores de predisposição para a trombose:


• Disfunção endotelial (inflamação, traumatismo, varizes) – as varizes consistem na
dilatação das veias, ocorrendo maioritariamente nos membros inferiores;
• Alteração do padrão de fluxo sanguíneo (estase, fluxo sanguíneo turbulento);
• Hipercoagulabilidade.

Causas hereditárias de hipercoagulabilidade: mutação do fator V de Leiden,


hiperhomocisteinémia – excesso de homocisteína em circulação –, mutação
do gene da protrombina, deficiência em proteína C e proteína S, deficiência
em antitrombina III e produção de anticorpos antifosfolípidos ou
anticoagulante lúpico – estes anticorpos reagem contra fosfolípidos de
membrana, em situações nos quais estes ficam expostos, como em caso de
infeção por HIV.

No lúpus eritematoso, existe produção de anticorpos anti-nucleares,


daí o nome anticoagulante lúpico.
Por outro lado, quando estes anticorpos estão presentes na grávida,
ocorre trombose dos vasos da placenta, originando abortos
espontâneos – os principais são o anticorpo anti-cardiolipina e o
anticoagulante lúpico.

Causas não hereditárias de hipercoagulabilidade: gravidez, anticoncecionais


orais, tratamento de reposição hormonal, tumores malignos e cirurgia.

A reposição hormonal com elevados níveis de estrogénio aumenta a


probabilidade de desenvolver trombose. Esta reposição hormonal é
utilizada para impedir a rápida osteoporose na menopausa.

Fatores de risco para a trombose:


• Tipo sanguíneo (o tipo O- é o de menor risco);
• Idade acima dos 40 anos;
• Obesidade;
• História de trombose anterior;
• História familiar;
• Gravidez e pós-parto;
• Colesterol e triglicéridos elevados.

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Diagnóstico e possíveis complicações da trombose:
Os sinais e sintomas são diferentes caso se trate de uma trombose das veias:
• Superficiais – inflamação do vaso (tromboflebite – atrofia cutânea), aumento da
temperatura e dor na área afetada, vermelhidão e edema (inchaço) e é palpável
um endurecimento no trajeto da veia sob a pele;
• Profundas – edema e dor normalmente restritos a uma só perna, ao pé ou à
coxa, indicando que o trombo se localiza nas veias profundas dessa região ou
mais acima da virilha.

São as tromboses das veias profundas que provocam tromboembolismos pulmonares.

Podem existir complicações tardias, justificadas por uma má irrigação dos membros
inferiores, como necrose cutânea, insuficiência venosa crónica (IVC) e dermatosclerose
(produção de tecido fibroso na epiderme cutânea).
Em termos de diagnóstico com base em métodos complementares de diagnóstico e
terapêutica (MCDT), destacam-se os seguintes:
• Eco-Doppler dos membros inferiores;
• Flebografia;
• Doseamento do dímero D, uma vez que este constitui um dos produtos de
degradação dos coágulos. O doseamento do dímero D possui um valor preditivo
negativo elevado, logo um resultado negativo é crucial para o despiste do
tromboembolismo;
• Pletismografia;
• Ressonância magnética (RM).

Tratamento da trombose:
• Trombose superficial:
✓ Aplicação de calor na área afetada;
✓ Elevação das pernas;
✓ Uso de anti-inflamatórios não esteroides.
• Trombose profunda:
✓ Uso de anticoagulantes injetáveis em doses baixas (ex: heparina subcutânea) e
anti-trombóticos;
✓ Tratamento cirúrgico, tais como colocação de filtro de veia cava, remoção do
coágulo (trombectomia) e angioplastia com stent.

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COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA (CID)

A coagulação intravascular disseminada (CID) é uma forma de trombose


microangiopática causada por coagulopatia de consumo.
Nesta patologia, ocorre ativação do fator XII, apresentando como principais causas a
sépsis bacteriana (septicémia), neoplasias, lesões tecidulares extensas – queimaduras, cirurgias
extensas e traumas – e complicações obstétricas.

Formação de trombos em Consumo de plaquetas (trombocitopenia)


pequenos vasos (arteríolas,
Depleção de proteínas da coagulação
capilares e vénulas)

AS MICROLESÕES CAPILARES QUE OCORREM SEMPRE


TRANSFORMAM-SE NUMA HEMORRAGIA INTERNA
PORQUE O ORGANISMO NÃO CONSEGUE CONTROLÁ-LAS.

Na CID, todos os testes de coagulação (APTT e PT) encontram-se alterados.

TROMBOEMBOLISMO PULMONAR

O tromboembolismo pulmonar ocorre quando uma oclusão se instala no vaso


sanguíneo aferente do pulmão, devido à libertação de um trombo das veias profundas, a maior
parte das vezes dos membros inferiores.

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Esta obstrução resulta num aumento da resistência vascular pulmonar (hipertensão
pulmonar), que pode levar a uma diminuição súbita do débito cardíaco – insuficiência cardíaca
direita –, causando o imediato colapso cardiogénico e a morte (em 5% dos casos).

A obstrução vascular gera também uma alteração da relação ventilação/perfusão, uma


vez que existem regiões afetadas pela mesma e outras não. Isto gera um aumento do espaço
morto alveolar, pois as trocas gasosas são dificultadas.

Sinais e sintomas do tromboembolismo pulmonar:


• Tríade clássica: dispneia, dor torácica e hemoptise (pode aparecer apenas um destes
sintomas);
• Achado físico principal: perna edemaciada, dolorosa e quente (sinal de trombose);
• Zonas de atelectasia, devido à hipoperfusão de alguns alvéolos que se encontram a ser
ventilados. Esta hipoperfusão resulta numa diminuição do surfactante pulmonar, com
consequente colapso dos mesmos e alteração da relação V/Q;
• Hipoxemia, devido à alteração da relação V/Q;
• Hemoptise, que está associada à transmissão das pressões arteriais sistémicas para a
microvasculatura pulmonar (através das anastomoses broncopulmonares), com
consequente rompimento capilar.

Diagnóstico laboratorial do tromboembolismo pulmonar: doseamento do dímero D.

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PATOLOGIAS CARDIOVASCULARES I

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

A insuficiência cardíaca trata-se de um síndrome clínico caracterizado por sintomas


típicos que podem ser acompanhados de sinais, causados por vários fatores distintos:
• Anomalia cardíaca estrutural e/ou funcional, que resulta num débito cardíaco
reduzido;
• Pressões intracardíacas elevadas em repouso ou em esforço.
Esta insuficiência cardíaca leva à hipoperfusão dos tecidos e pode ser direita ou
esquerda.

Fatores de risco da insuficiência cardíaca:


• Doença arterial coronária;
• Hipertensão arterial;
• Doenças valvulares;
• Arritmias (fibrilhação auricular);
• Doenças infiltrativas, como sarcoidose e amiloidose;
• Presença de substâncias cardiotóxicas, como AINEs (anti-inflamatórios não esteroides)
inibidores da COX2, tabaco, álcool, medicamentos citostáticos, narcóticos,
medicamentos psicotóxicos, metais pesados e imunomoduladores;
• Défices de vitamina B1, hemocromatose e hipertiroidismo.

REVISÃO DE CONCEITOS GERAIS DE FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR:

Pré-carga: volume que se encontra no ventrículo após a diástole. Está dependente do


retorno venoso.
Pós-carga: volume que sai do ventrículo após a sístole, estando dependente da resistência
periférica total (RPT).
Mecanismo de Frank-Starling:

Maior
Maior Maior Maior
volume
retorno volume débito
diastólico
venoso de ejeção cardíaco
final

56
Indicadores e condicionantes de insuficiência cardíaca
Um doente com insuficiência cardíaca apresenta:
• Diminuição da fração de ejeção;
• Aumento dos volumes diastólico e telessistólico (volume que permanece no
ventrículo após a sístole);
• Diminuição do débito cardíaco.

A fração de ejeção corresponde ao quociente entre a quantidade de sangue bombeado


e a quantidade de sangue que permanece na câmara cardíaca. Os valores da fração de ejeção
podem ser classificados da seguinte forma:
• 𝐅𝐄 < 𝟒𝟎% - fração de ejeção reduzida;
• 𝟒𝟏% < 𝐅𝐄 < 𝟒𝟗% - fração de ejeção intermédia;
• 𝟓𝟎% < 𝐅𝐄 < 𝟕𝟎% - fração de ejeção normal – é possível haver diagnóstico de
insuficiência cardíaca com valores de FE normais.

Globalmente, doentes com insuficiência cardíaca apresentam curvas de função


ventricular (volume ativo/volume passivo) deslocadas para baixo e para a direita.

Assim, de acordo com o mecanismo de Frank-Starling, os doentes com insuficiência


cardíaca apresentam uma diminuição do volume sistólico e um aumento do volume diastólico
final, o que indica acumulação de sangue nas câmaras cardíacas, devido à diminuição da
contratilidade do miocárdio.
A contratilidade do miocárdio está dependente da atuação de numerosos fatores:

57
ALTERAÇÕES HEMODINÂMICAS E TIPOS DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Existem dois tipos de insuficiência cardíaca, apesar da maior parte dos doentes
apresentarem disfunção sistólica e diastólica em simultâneo:
• IC sistólica – este tipo de insuficiência cardíaca também é denominado de IC-
FER (insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida). Esta IC é
caracterizada por uma diminuição do débito cardíaco.
Neste tipo de IC, a curva pressão-volume apresenta-se deslocada para baixo e
ligeiramente para a direita (na figura, a curva normal é abcd e a curva com IC
sistólica é a’b’c’d’).

Perante estas alterações hemodinâmicas e para manter o débito cardíaco, o


coração responde de três formas possíveis:
✓ Aumento do retorno venoso (pré-carga), que pode levar à contração
aumentada dos sarcómeros;
✓ Libertação de catecolaminas, que resulta em taquicardia;
✓ Hipertrofia do miocárdio, que leva ao aumento do volume ventricular.

• IC diastólica – este tipo de insuficiência cardíaca também é denominado de IC-


FEP (insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada), sendo
caracterizada por uma diminuição do enchimento ventricular. Esta pode ser
provocada por uma redução do recuo elástico ou aumento da parede
ventricular.

A curva pressão-volume está deslocada


para cima e para a esquerda (curva
a’b’c’d’), com aumento da pressão
diastólica final do ventrículo. É comum
na hipertensão, que leva ao aumento
da espessura da parede ventricular, e
na isquemia. Se a isquemia for grave,
como no enfarte do miocárdio, pode
ocorrer lesão irreversível dos miócitos,
com consequente fibrose, e
desenvolve-se disfunção sistólica.

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Também se distinguem dois tipos de insuficiência cardíaca – IC direita e IC esquerda.
• IC direita – esta é provocada por um aumento da vasoconstrição pulmonar, o
que impede a ejeção de sangue por parte do ventrículo direito. Por conseguinte,
de acordo com o mecanismo de Frank-Starling, o retorno venoso diminui. A
acumulação de sangue nas veias cavas inferior e superior resulta em edemas
periféricos (hepatomegalia, ascite e acropaquia) e no engurgitamento da veia
jugular, respetivamente.
• IC esquerda – é o tipo mais comum de insuficiência cardíaca. Provoca edema
pulmonar, pois o sangue proveniente das artérias pulmonares não consegue ser
ejetado de forma eficaz, levando a uma acumulação de sangue no sistema
pulmonar, o que resulta em falta de ar. Por outro lado, o aumento da pós-carga
no ventrículo esquerdo resulta na sua dilatação. Esta IC esquerda provoca ainda
IC direita, pois aumenta a pressão sanguínea intrapulmonar e acumula-se
sangue nas veias cavas superior e inferior.

FISIOPATOLOGIA DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Como consequência da insuficiência cardíaca, o organismo humano desenvolve uma


série de mecanismos adaptativos, na tentativa de normalizar o débito cardíaco e a pressão de
perfusão, como são o sistema nervoso simpático, o eixo renina – angiotensina – aldosterona e
o sistema dos péptidos natriuréticos.

Sistema nervoso autónomo (SNA)


O primeiro mecanismo adaptativo a ser ativado é o do sistema nervoso autónomo.
A diminuição da pressão arterial periférica, devido à diminuição do débito cardíaco,
ativa os barorrecetores arteriais, que comunicam com a área cardiovascular e levam à
modulação de outputs do sistema simpático e do sistema parassimpático – diminuição do SNPS
e aumento do SNS:

59
Particularmente, o sistema nervoso simpático
origina a libertação de catecolaminas (adrenalina e
noradrenalina), que atuam nos recetores α1, β1 e β2-
adrenérgicos, que ativam a adenilciclase a produzir
AMPc. O AMPc produzido fosforila o recetor rianodínico
intracelular, ativando-o e induzindo a libertação de Ca2+
do retículo sarcoplasmático, o que resulta num aumento
da contratilidade do miocárdio.
A longo prazo, os recetores β1-adrenérgicos
ficam desensibilizados, pelo que, nos doentes com
insuficiência cardíaca, estes recetores se encontram
sobreexpressos. Isto leva a um aumento da fibrose e da
apoptose, agravando a condição patológica.

Sistema renina – angiotensina – aldosterona (SRAA)


O sistema nervoso simpático induz ainda a ativação do sistema renina – angiotensina –
aldosterona.
A secreção de renina leva ao aumento dos níveis plasmáticos de angiotensina, o que
induz o aumento da libertação de aldosterona. A aldosterona contribui para a retenção de sódio
e água no rim.
Assim, a angiotensina II, que tem uma ação vasoconstritora, e a aldosterona, ao reter
água, levam ao aumento da resistência vascular e ao aumento do volume sanguíneo
(hipervolémia), respetivamente, o que contribui para o aumento da pressão arterial e o seu
reestabelecimento em valores normais.
Contudo, como este sistema é hiperativado, ocorre apoptose dos miócitos e a
deposição de grandes quantidades de colagénio, com consequente fibrose do miocárdio.

Sistema dos péptidos natriuréticos (SNP)


Os principais péptidos natriuréticos conhecidos são o ANP (péptido natiurético atrial) e
o BNP (péptido natriurético cerebral). Estes péptidos induzem vasodilatação (com consequente
diminuição da pressão arterial), que contrasta com a vasoconstrição induzida pelos outros
mecanismos reguladores e que permite o equilíbrio homeostático.
Ao se ligarem a recetores no miocárdio, originam uma diminuição da hipertrofia e da
remodelação fibrótica – apresentam um efeito cardioprotetor.

60
A evolução e progressão da insuficiência cardíaca depende da atuação desequilibrada
destes três mecanismos adaptativos:

Para além dos mecanismos adaptativos apresentados, a remodelação ventricular


assenta no mecanismo de Frank-Starling – ocorre aumento do volume e da pressão ventricular
– e na ocorrência de hipertrofia e de dilatação do ventrículo esquerdo, com consequente
aumento do consumo de O2 e diminuição da contratilidade.

A remodelação ventricular conta com a participação de citocinas – IL-1 e TNF-α –, que


são importantes no mecanismo de remodelação, hipertrofia e apoptose do miocárdio, e de
endotelina e de arginina vasopressina (AVP), que provocam vasoconstrição e deposição de
colagénio no miocárdio.

Consoante o principal fator de remodelação ventricular a atuar sobre o coração,


originam-se dois tipos distintos de cardiomiopatia:
• Cardiomiopatia hipertrófica – predomina a hipertrofia da parede ventricular e
a diminuição do raio da câmara, o que implica um aumento do débito cardíaco
e do volume sistólico;
• Cardiomiopatia congestiva – predomina a dilatação da câmara ventricular –
aumento do raio da câmara –, mas sem espessamento da parede ventricular.

61
Sinais e sintomas:
A IC tem uma progressão silenciosa, devido aos mecanismos compensatórios e à
adaptação do doente aos sintomas que apresenta:
• Fadiga e apneia de esforço, que se agrava. A hipoperfusão consequente da IC
pode atingir o cérebro, originando novos sintomas, como a confusão;
• Retenção de líquidos, devido à adaptação renal (SRAA);
• Edema pulmonar e periférico (ascite, hepatomegalia, esplenomegalia ou
anasarca – edema generalizado do corpo). A hepatomegalia pode originar
cirrose cardíaca com ascite;
• Aumento de peso;
• Dispneia cardíaca e ortopneia, devido a oxigenação reduzida;
• Noctúria – ocorre libertação dos líquidos acumulados quando se repousa;
• Engurgitamento jugular, devido ao aumento da pressão venosa jugular.

Diagnóstico:
• Historial clínico;
• Exames médicos de auscultação e eletrocardiograma (ECG) – o ECG tem uma
sensibilidade de 89%;
• Ecocardiografia;
• Se o doente apresentar, cumulativamente, os sinais clínicos e valores alterados dos
péptidos natriuréticos, é provável que se trate de insuficiência cardíaca. Contudo, os
valores dos péptidos natriuréticos encontram-se aumentados em doentes obesos, pelo
que não se aplica esta abordagem a estes doentes;
• Marcadores da insuficiência cardíaca: NT-proBNP e BNP (péptidos natriuréticos).

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Sistemas de classificação da IC

CARDIOPATIA VALVULAR

A cardiopatia valvular consiste na alteração das estruturas valvulares do coração que


afeta o funcionamento correto do mesmo. Esta pode ser de dois tipos – estenose
(estreitamento) e insuficiência (vazamento).
Os sopros cardíacos são causados por qualquer processo patológico que crie um fluxo
sanguíneo turbulento, sendo a cardiopatia valvular a principal causa de sopros cardíacos. Os
sopros cardíacos podem ser sistólicos ou diastólicos:
• Sopros sistólicos – em condições normais, na sístole, a valva aórtica está aberta
e a valva mitral está fechada, aquando da contração do ventrículo esquerdo. Um
sopro sistólico pode então originar-se devido à insuficiência da valva mitral,
com consequente regurgitamento de sangue para o átrio, ou à estenose da
valva aórtica;
• Sopros diastólicos – em condições normais, na diástole, a valva mitral está
aberta e a valva aórtica está fechada, enquanto ocorre o enchimento do
ventrículo esquerdo. Um sopro diastólico tem, por isso, origem numa
insuficiência da valva aórtica ou numa estenose da valva mitral.

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ESTENOSE MITRAL

A estenose mitral trata-se de uma condição em que a válvula mitral não se abre
completamente, restringindo o fluxo de sangue. Esta patologia pode apresentar inúmeras
etiologias, nomeadamente, febre reumática (esta patologia causa endocardites durante a
angiogénese, havendo deposição de cálcio e colagénio no tecido cicatrizado, resultando numa
diminuição da capacidade elástica do mesmo), congénita, calcificação do anel mitral, artrite
reumatoide e lúpus eritematoso sistémico.
A estenose mitral ocorre quando a área útil da válvula diminui para 1 cm2 (a área
normal da válvula ronda os 5 a 6 cm2). Esta redução leva a uma pressão aproximadamente igual
a 25 mmHg de modo a diminuir o débito cardíaco. A curva pressão-volume do ventrículo
esquerdo encontra-se relativamente normal. As pressões cardíacas também se alteram:

↑ P (átrio esquerdo) → ↑ Pressão venosa pulmonar


↑ P (ventrículo direito, átrio direito e artéria pulmonar)
A dilatação do ventrículo direito apresenta função sistólica reduzida em casos avançados.

Sinais e sintomas:
• Dispneia, ortopneia;
• Infeções respiratórias frequentes;
• Hemoptise – devido à rutura dos capilares do pulmão;
• Palpitações – a dilatação do átrio esquerdo predispõe os doentes a arritmias;
• Taquicardia;
• Edema; Principais sintomas: dispneia,
• Fadiga; fadiga e hemoptise
• Disfonia;
• Neurológicos:
✓ Dormência/fraqueza nas extremidades;
✓ Dificuldade de coordenação;
✓ Perda de visão;
• PA normal ou baixa;
• Cianose;
• Sopro diastólico – devido ao fluxo turbulento de sangue;
• Estertores pulmonares – o aumento das pressões capilares pulmonares leva à
acumulação de líquido nos alvéolos e provocam estes sons característicos;
• Som B1 hiperfonético (primeira bulha cardíaca hiperfonética).

A longo prazo, a estenose mitral pode resultar na falha da função de bomba cardíaca,
o que pode levar a enfartes do miocárdio e isquemia miocárdica.

64
INSUFICIÊNCIA MITRAL

A insuficiência mitral é um distúrbio da válvula mitral cardíaca caracterizado por


refluxo de sangue do ventrículo para a aurícula esquerda. Apresenta inúmeras etiologias, como
a febre reumática, a endocardite (inflamação do endocárdio), rutura muscular e enfarte do
miocárdio. Pode ainda ser congénita.
A insuficiência mitral ocorre quando se verifica um fecho inadequado dos folhetos (ou
cúspides) das válvulas, permitindo o fluxo retrógrado para a aurícula esquerda. Está associado
a degeneração mixomatosa (deterioração dos tecidos conjuntivos do coração, o mixoma), que
evolui posteriormente para insuficiência mitral, devido à rutura das cordas tendinosas ou devido
à rutura ou disfunção dos músculos papilares.
Quando a válvula mitral se encontra insuficiente, diz-se que a válvula mitral está
prolapsada ou sofreu prolapso.

As valvas atrioventriculares (como é o caso da mitral) encontram-se ligadas aos músculos


papilares presentes na parede ventricular através das cordas tendinosas.

A regurgitação de sangue do ventrículo para o átrio esquerdo resulta num aumento de


volume, pelo que o átrio esquerdo responde com um mecanismo compensatório de dilatação e
hipertrofia da parede. O enchimento diastólico do ventrículo direito também aumenta, pois ele
é agora a soma do débito ventricular direito normal mais o volume regurgitado do batimento
anterior.
Já na insuficiência mitral aguda, não há a aplicação do mecanismo compensatório de
imediato. Assim, a pressão elevada no átrio esquerdo propaga-se à circulação pulmonar,
ocorrendo hipertensão e edema pulmonar.

Sinais e sintomas:
• Dispneia;
• Fadiga – devido à redução do fluxo sanguíneo para os tecidos periféricos;
• Palpitações – devido ao aumento do átrio esquerdo, o que resulta em fibrilhação
auricular;
• Hipertensão pulmonar;
• Ascite;
• Congestão hepática dolorosa;
• Edema pulmonar;

65
• Distensão das veias do pescoço; Nota: Na auscultação,
• Sopro de regurgitação ao auscultar; devem-se ouvir duas bulhas
• Maior volume de ejeção com sopro sistólico; cardíacas. Na estenose
• Terceira bulha cardíaca – terceiro som adicional. mitral, a primeira bulha
encontra-se hiperfonética,
mas na insuficiência mitral,
ouve-se uma terceira bulha.

ESTENOSE AÓRTICA

A estenose aórtica caracteriza-se por um estreitamento da válvula aórtica, a qual não


se abre completamente, o que restringe o fluxo de saída de sangue do coração. Apresenta
algumas etiologias, como a febre reumática, de origem congénita (unicúspide, bicúspide,
folhetos ou cúspides fusionados) ou de origem degenerativa (depósitos de cálcio). É mais
frequente em homens do que em mulheres.
A estenose aórtica ocorre quando a área útil valvular se encontra abaixo dos 0,8 cm 2
(área normal entre os 3,5 e os 4 cm2), o que obriga a uma pressão arterial superior a 150 mmHg
para se manter o débito cardíaco – devido à presença de uma obstrução fixa do fluxo de saída.
Tem-se ainda que:

Aumento da
Compressão
parede
Aumento das excessiva dos
Aumento da pós- ventricular
necessidades em vasos
carga no VE (hipertrofia
O2 sanguíneos
concêntrica
miocárdicos
compensatória)

A diminuição do suprimento de O2
aos miócitos leva a isquemia.

Sinais e sintomas:
• Dispneia de esforço;
• Angina de peito;
• Sincope de esforço – esta deve-se, principalmente, à hipoperfusão cerebral, devido à
obstrução fixa;
• IC congestiva, que resulta em edema pulmonar;
• Com auscultação – pulsus parvus e pulsus tardus (a palpação do impulso carotídeo
revela-se reduzida e retardada em relação ao impulso apical, respetivamente), sopro
mesossistólico (mais alto na base do coração) e sopro diastólico.

INSUFICIÊNCIA AÓRTICA OU REGURGITAÇÃO AÓRTICA

A insuficiência aórtica está presente quando a válvula aórtica não se fecha


completamente, permitindo refluxo de sangue da aorta para o ventrículo esquerdo durante a
diástole ventricular, levando a um maior volume diastólico.

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A etiologia é muito diversificada, consoante se afetam a válvula ou a aorta:
• Válvula – febre reumática, endocardite infecciosa, congénita e degeneração
mixomatosa;
• Aorta – dilatação idiopática da aorta, síndrome de Marfan, dissecação da aorta
ascendente, hipertensão arterial aterosclerótica, aortite sifilítica e espondilite
anquilosante.

A fisiopatologia da insuficiência aórtica é diferente, consoante se se trate de uma


condição aguda ou crónica:

Na ins. aórtica crónica, existe um grande


período de latência, durante o qual o
doente está assintomático e o coração
responde à sobrecarga de volume.

Nota: O alargamento da parede ventricular nos doentes com insuficiência aórtica gera uma
geometria ventricular distinta daquela encontrada nos doentes com estenose aórtica:

Estenose aórtica – hipertrofia concêntrica


Insuficiência aórtica – hipertrofia excêntrica (o coração cresce no sentido lateral do tórax)

Sinais e sintomas:
• Palpitações;
• Dispneia, ortopneia;
• Angina (noturna bradicardia-dependente);
• Síncope e lipotimia (perda de força muscular, sem ocorrer necessariamente perda de
consciência);
• Pulso hiperdinâmico (martelo de água ou pulso de Corrigan) – elevação súbita da
pressão de pulso e posterior queda da mesma;
• Sinal de Musset (a cabeça balança a cada movimento cardíaco);
• Sinal de Traube (sons de tiro na artéria femoral);
• Sinal de Müller (pulsações visíveis na úvula);
• 3 sopros cardíacos ao auscultar – sopro protodiastólico, sopro de Austin-Flint (som de
rufar) e sopro sistólico.

Na insuficiência aórtica aguda, os 3 sopros cardíacos encontram-se reduzidos


ou abafados. Ocorre, portanto, edema pulmonar e hipotensão arterial, esta
última originando choque cardiogénico.

67
CARDIOPATIA ISQUÉMICA E DOENÇA VASCULAR CARDÍACA

A doença vascular cardíaca trata-se de um síndrome clínico caracterizado por


anormalidades funcionais ou estruturais das artérias coronárias, originando diminuição do
aporte de O2 ao miocárdio.
Em termos epidemiológicos, constitui a principal causa de morte de entre as doenças
cardíacas, possuindo maior incidência em indivíduos mais velhos e com fatores de risco. A
doença vascular cardíaca ocorre mais cedo nas mulheres do que nos homens.
A cardiopatia isquémica apresenta uma etiologia variada, incluindo doença
microvascular, embolismo, espasmo coronário ou de origem congénita, mas é principalmente
devida à ocorrência de doença aterosclerótica, que se caracteriza pela acumulação de placas
ateroscleróticas nas paredes dos vasos sanguíneos – neste caso, nos vasos coronários. A
aterosclerose apresenta como principais fatores de risco o tabaco, o sedentarismo, a obesidade,
a hipertensão, a dislipidemia e a diabetes mellitus.

FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA

O principal responsável pela cardiopatia isquémica é a formação de placas


ateroscleróticas.

Para informações sobre as etapas de formação da placa aterosclerótica, consultar página


49 da sebenta.

O enfarte do miocárdio encontra-se, portanto, associado a uma rutura de uma placa


aterosclerótica instável – fenómeno aterosclerótico agudo –, com consequente libertação de
um trombo relativamente fixo e persistente.
A placa aterosclerótica formada pode apresentar perfis de estabilidade distintos,
estando também eles associados a diferentes condições patológicas:

A angina variante,
vasoespástica ou
Prinzmental traduz
dor em repouso.

Paralelamente, a formação de um trombo pode originar a oclusão de um vaso


sanguíneo, contribuindo para a isquemia, que é característica desta patologia.

68
A isquemia ocorre quando há um desequilíbrio entre as necessidades metabólicas do
miocárdio e o fluxo sanguíneo que atinge os miócitos – ou seja, a isquemia miocárdica combina
uma necessidade elevada de O2 por parte dos miócitos e um suprimento sanguíneo reduzido
dos mesmos.

A isquemia resulta numa diminuição do aporte de O2 e numa acumulação de produtos


metabólicos ácidos (por falta de circulação sanguínea local), o que origina uma diminuição da
fosforilação oxidativa, com consequente diminuição dos depósitos de ATP e CP (fosfatos de
elevado valor energético) e da β-oxidação e aumento da utilização de glicose pela via anaeróbia.
Todas estas alterações culminam no aumento dos depósitos de triglicéridos e no
aumento dos níveis de lactato e de H+.

Estas alterações metabólicas ao nível dos miócitos resultam em disfunção elétrica,


afetando os mecanismos de contração e relaxamento cardíacos. Se a perfusão dos miócitos não
se reestabelecer rapidamente, verifica-se o início de um estágio de lesão irreversível,
caracterizado por tumefação difusa das mitocôndrias, dano da membrana citoplasmática e
depleção acentuada de glicogénio.

69
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL E ELETROCARDIOGRÁFICO

Esta lesão endotelial origina inúmeros produtos de degradação, nomeadamente, a


troponina (I e T), a mioglobina e o CK MB – biomarcadores de necrose miocárdica. Estes
biomarcadores são muito importantes no diagnóstico do enfarte do miocárdio.

Também se verificam alterações eletrocardiográficas relevantes:

Sinais e sintomas da cardiopatia isquémica:


• Angina de peito – devido à acumulação de metabolitos ácidos da fermentação láctica
da glicose. Esta fermentação láctica ocorre nas células do miocárdio que sofrem uma
diminuição do suprimento de O2, devido a uma obstrução. Também é possível existir
enfarte do miocárdio sem angina de peito em indivíduos com diabetes (devido à
polineuropatia periférica) e com idade avançada, uma vez que tende a ocorrer uma
degeneração das vias nervosas, não havendo, portanto, sensação de dor;
• Choque;
• Bradicardia/taquicardia;
• Náuseas e/ou vómitos.

70
ARRITMIAS

As arritmias traduzem-se numa anormalidade na frequência, regularidade ou na


origem do impulso elétrico ou uma alteração da sua condução, originando uma sequência
anormal da ativação do miocárdio.

Etiologia:
• Alteração do potencial de repouso e do potencial de ação;
• Incapacidade de repolarização;
• Propagação anómala do estímulo.

Classificação das arritmias:


As arritmias são classificadas em:
• Taquiarritmias (FC > 100 bpm):
✓ Taquicardia sinusal;
✓ Taquicardia ventricular;
✓ Taquicardia supraventricular (inclui T auricular e T paroxística
supraventricular);
✓ Taquicardia ventricular polimórfica (torsade de Pointes);
✓ Flutter auricular;
✓ Fibrilhação auricular;
✓ Extrassístole supraventricular;
✓ Fibrilhação ventricular;
✓ Extrassístole ventricular;
✓ Extrassístole auricular.
• Bradiarritmias (FC < 60 bpm):
✓ Bradicardia sinusal;
✓ Bloqueio auriculoventricular.

CHOQUE

O choque define-se como um síndrome clínico de insuficiência circulatória


generalizada, que resulta numa diminuição aguda da pressão de perfusão tecidular com o
consequente desequilíbrio agudo entre o transporte e necessidades de O2 e substratos.

71
O choque apresenta várias causas possíveis:
• Choque central – restrição à função de bomba e deficiência no enchimento;
• Choque periférico – hemorragia, trauma ou perda de fluidos, endotoxina,
anafilaxia, reflexo neurogénico e desidratação.
A causa mais frequente de choque é, contudo, o choque séptico, já abordado
anteriormente, que corresponde a mais de 60% dos casos.

CHOQUE CARDIOGÉNICO

O choque cardiogénico apresenta várias causas associadas:

O choque cardiogénico ocorre perante a perda de


frequência cardíaca e envolve:
• Hipoperfusão sistémica por diminuição
drástica de bombeamento cardíaco (DC <
2.2 L/min/m2);
• Hipotensão arterial sistólica persistente
(18 mmHg);
• Pressão de enchimento elevada (PVE final
diástole > 18 mmHg).
Os sintomas são semelhantes aos do choque
hipovolémico, aos quais se somam a congestão pulmonar
e visceral. Isto porque o coração não consegue escoar o
sangue que chega até ele, pelo que o mesmo se acumula
nesses órgãos periféricos.

72
CHOQUE OBSTRUTIVO

O choque obstrutivo ocorre por diminuição do débito sistólico sem falência ventricular.
A principal causa é o tamponamento cardíaco, que pode surgir com acumulações de 100-200
ml de sangue no pericárdio, o que limita dramaticamente a diástole e determina a queda do
débito cardíaco.
Outras causas incluem a coartação da aorta (aorta estreitada desde o nascimento),
embolia pulmonar maciça ou pericardite constritiva.

Sinais e sintomas:
• Pulso paradoxal;
• Respiração ofegante;
• Obstrução das vias respiratórias superiores;
• Hemopericárdio (acumulação de sangue no pericárdio).

CHOQUE HIPOVOLÉMICO

O choque hipovolémico envolve a diminuição drástica e súbita do volume sanguíneo (>


40% da volémia total). Pode ser de dois tipos:

• Choque hipovolémico hemorrágico – devido a trauma, hemorragia do trato


gastrointestinal ou hematoma;
• Choque hipovolémico não hemorrágico – associado a queimaduras de 3º grau,
sempre que a superfície queimada atinja 15% da superfície corporal.

A redução da volémia total resulta em variadas consequências:

Principalmente em traumas,
a mioglobina e o Ca2+
libertados no rompimento
de um músculo esquelético
podem-se acumular nos rins,
dificultando a filtração
glomerular e causando
oligúria.

Quando a compressão de um músculo esquelético cessa (aquando de um trauma), a


perfusão regressa, o que pode resultar numa acumulação de ROS localmente, o que
contribui para a destruição dos mesmos tecidos – dano induzido por reperfusão.

73
Em casos mais graves, o lactato encontra-se aumentado em doentes em choque
hipovolémico, o que contribui para uma acidose láctica que danifica ainda mais o miocárdio.

CHOQUE DISTRIBUTIVO

O choque distributivo é originado devido a uma disfunção vasomotora e


microcirculatória. Esta disfunção está associada a uma vasodilatação exacerbada, o que provoca
um aumento do retorno venoso.
Consideram-se três tipos de choque distributivo:
• Séptico ou vascular – ocorre em presença de resposta inflamatória sistémica
(sépsis), produzindo uma profunda alteração microcirculatória com desigual
distribuição da volémia pelos órgãos, havendo consequente coexistência de
vasodilatação e vasoconstrição em diferentes territórios.
O choque distributivo séptico associa-se a certos mediadores inflamatórios,
como as citocinas – IL-1, IL-6, IL-8 e TNF-α –, prostaglandinas, leucinas, óxido
nítrico e fator de ativação plaquetária.
• Anafilático – ocorre em hipersensibilidades do tipo I, envolvendo IgE específicas
da membrana do mastócito, em contacto com a molécula de alergénio, o que
ativa o processo de secreção de mediadores inflamatórios. Estes mediadores
inflamatórios geram vasodilatação, com consequente diminuição do retorno
venoso e do débito cardíaco;
• Neurogénico – ocorre associado a um acidente hipocirculatório fugaz e
reversível, envolvendo a súbita redução da circulação cerebral com perda
transitória da consciência. Numa primeira fase, está associado a uma alteração
dos outputs nervosos para os vasos periféricos e coração, promovendo
vasodilatação (pooling periférico) e queda do débito cardíaco.
Os fatores de agravamento do
choque neurogénico incluem
depressão central (anestésicos,
barbitúricos) e traumatismo
grave (acentuando a redução da
volémia e do retorno venoso).

74
CORRELAÇÃO CLÍNICO-PATOLÓGICA

Um indivíduo em situação de choque apresenta um determinado período de


intervenção terapêutica, durante o qual pode atingir uma pressão arterial normal, mas,
posteriormente, levar à morte.

De acordo com a gravidade da insuficiência circulatória aguda, podemos considerar um


choque compensado (estadio I), choque descompensado (estadio II) e choque irreversível
(estadio III). Cada estadio apresenta ainda diferentes manifestações clínicas.

• Choque compensado (estadio I) – as manifestações clínicas são mínimas devido


aos mecanismos de compensação, sendo que os primeiros sinais e sintomas
refletem a redistribuição de prioridade executada pelo sistema nervoso
autónomo.

75
Sintomas hemodinâmicos Sintomas metabólicos

• Redução máxima de fluxo na pele • Aumento da extração de O2;


(palidez), rim e intestino;
• Hipoxia tecidular;
• Redução intensa no músculo
esquelético (prostração); • Aumento do metabolismo
anaeróbico – lactacidémia;
• Redução mínima no coração,
cérebro e fígado; • Acidose metabólica;

• Redução do débito cardíaco, da • Aumento das catecolaminas;


pressão arterial média e da pressão
venosa central • Hiperglicemia.

• Choque descompensado (estadio II) – este estadio é progressivo e é


caracterizado por uma falência renal, devida à isquemia renal que se verifica.
Esta isquemia gera, por conseguinte, redução da taxa de filtração glomerular, o
que culmina com acidose metabólica, urémia e oligúria (diminuição da produção
de urina), e necrose tubular, com consequente desequilíbrio eletrolítico.

Acidose
Isquemia renal Redução da TFG metabólica,
urémia e oligúria

• Choque irreversível (estadio III) – trata-se de uma situação aguda de marcada


gravidade, manifestando o efeito dos mecanismos de feedback positivo, atuando
numa situação de choque progressivo.
Mesmo restabelecendo o débito cardíaco, através de uma intervenção muito
rápida e agressiva, este
estadio corresponde a um
grau de anoxia e dano
tóxico que não permite a
recuperação do paciente,
originando danos
principalmente ao nível
hepático e renal.

76
PATOLOGIAS CARDIOVASCULARES II. SÍNDROME METABÓLICO

ATEROSCLEROSE

A aterosclerose traduz-se num aumento progressivo da espessura da íntima vascular,


provavelmente em consequência da proliferação de células musculares lisas e de tecido
conjuntivo, acompanhado de perda progressiva de fibras elásticas substituídas por colagénio.
Este processo é característico do envelhecimento. Apresenta algumas consequências
como o aumento da rigidez vascular e a perda de elasticidade da camada íntima do vaso.

FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA

A aterogénese (formação de uma placa aterosclerótica) envolve vários passos:


1. A formação de uma placa aterosclerótica inicia-se em idade jovem (por volta
dos 20 anos), em áreas de elevadas tensões tangenciais (como pontos de
curvatura e bifurcações entre vasos sanguíneos).
2. A oxidação do colesterol LDL presente resulta no aumento da disfunção
endotelial, uma vez que promove tanto a libertação de citocinas pró-
inflamatórias (como a IL-1, IL-6 e TNF-α, produzidos pelos linfócitos) como a
inibição da produção de óxido nítrico a nível vascular, o que contribui para a
instalação de um processo inflamatório local.
3. Essa inflamação induz a transmigração endotelial de macrófagos para a camada
íntima do epitélio vascular.
4. As partículas de colesterol LDL oxidadas levam à transformação dos macrófagos
em células espumosas, com consequente formação de estrias gordas (ou fatty
streak). Isto ocorre porque os macrófagos passam a expressar recetores do tipo
scavanger à sua superfície, o que permite a captação de colesterol LDL oxidado.
5. Verifica-se a proliferação das células musculares lisas e do depósito de gordura
e colagénio, com consequente formação da placa aterosclerótica.
6. As fissuras da placa aterosclerótica podem provocar acumulação de plaquetas,
que, ao secretarem serotonina e tromboxano A2, podem causar vasoconstrição
local, o que contribui ainda mais para a redução do fluxo sanguíneo local.

Estas fases não


têm de ocorrer
necessariamente,
pois levam a
enfarte do
miocárdio.

77
A formação de uma camada fibrosa sobre a placa aterosclerótica determina o seu
amadurecimento. Como já foi referido no capítulo anterior, uma placa estável, que é
caracterizada pela presença de uma camada fibrosa espessa e pela existência de uma
remodelação arterial ao longo da aterogénese (placa A da imagem abaixo), é menos propensa
à rotura do que uma placa instável, de camada fibrosa mais fina.
No caso de uma placa instável, caso ocorra a rotura da camada fibrosa da placa
aterosclerótica (placa B da imagem), verifica-se a ativação dos mecanismos trombolíticos da
parede arterial. Contudo, se o coágulo ultrapassar estes mecanismos fibrinolíticos e
trombolíticos, o mesmo pode-se propagar e ocludir total ou parcialmente o lúmen arterial
(placa C da imagem).
A atuação eficaz da trombina resulta numa reação fibroproliferativa, que pode gerar
uma nova placa aterosclerótica excêntrica e um grau significativo de estenose arterial (placa D).

Fatores de risco para a aterosclerose:


• Diabetes mellitus – tipo I (risco associado ao tempo de evolução da doença e ao
controlo metabólico) e tipo II (maior risco cardiovascular mas depende da evolução da
doença);
• Tabagismo (1 maço/dia resulta num aumento de 70% do risco);
• Obesidade (risco aumentado em 30%);
• Hipertensão arterial – importante no risco de AVC (acidente vascular cerebral) e de
cardiopatia isquémica. A hipertensão envolve alterações da permeabilidade endotelial
devido ao stress hemodinâmico. A angiotensina, com ação vasoconstritora, danifica a
parede, promovendo a adesão plaquetária e a libertação de agentes vasoativos;
• Género – as mulheres em fase de pré-menopausa apresentam menor risco do que os
homens da mesma idade;
• Fatores genéticos;
• Doenças metabólicas – hiperhomocisteinémia e hiperfibrinogenémia;
• Alterações das lipoproteínas – as formas de lipoproteínas que conduzam a
hipercolesterolemia e o aumento do colesterol LDL. Já o colesterol HDL apresenta um
efeito anti-aterogénico.

78
CONSEQUÊNCIAS CLÍNICO-PATOLÓGICAS

As consequências clínico-patológicas são variadas e envolvem vários órgãos:


• Aorta e artérias periféricas e/ou viscerais:

Particularmente, a dissecção da aorta envolve três principais complicações


possivelmente letais: rutura externa da aorta, originando hemorragia torácica
e mediastínica (situação A), tamponamento aórtico, o que resulta em
hemopericárdio (situação B), ou rutura interna, provocando a dissecção entre
as camadas íntima e média (situação C).

• Coração e vasos coronários:

Oclusão aguda
• Angina de peito
• Enfarte agudo do miocárdio

Isquemia crónica
• Fibrose miocárdica

79
• SNC e cérebro – a isquemia crónica origina deterioração mental e síncope,
devido à falta de oxigenação do cérebro. A oclusão grave origina enfartes,
enquanto que a rotura dos vasos sanguíneos gera hemorragias;
• Rim – a estenose intra-renal origina hipertensão, enquanto que a aterosclerose
intra-renal origina hipertensão e insuficiência renal crónica, que se pode
traduzir pela existência de urémia;
• A ocorrência de gangrena também é possível, associada a uma oclusão da aorta
e das artérias periféricas e/ou viscerais;
• Membros inferiores – a insuficiência vascular pode resultar em claudicação
intermitente, ou seja, o doente sente fadiga e dor frequente durante a
caminhada, o qual se sente aliviado quando repousa.

HIPERTENSÃO ARTERIAL

A hipertensão arterial traduz-se pela existência de uma pressão arterial sistólica


superior a 140 mmHg ou pressão arterial diastólica superior a 90 mmHg. Um doente também
é considerado hipertenso quando toma anti-hipertensores.

Constitui uma das principais causas de carga global de doença, afetando cerca de 20%
da população mundial. Cerca de 15% do total das mortes são atribuíveis a hipertensão arterial,
representando, portanto, uma importante parcela dos cuidados de saúde.
A hipertensão arterial duplica o risco de doença cardiovascular, nomeadamente, de
ocorrência de doença coronária, de insuficiência cardíaca congestiva, de AVC isquémico e
hemorrágico, de insuficiência renal e de doença arterial periférica. Trata-se, porém, de um fator
de risco tratável – se o doente estiver sob tratamento, a morbimortalidade reduz-se
substancialmente.

FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA

REVISÃO DE CONCEITOS GERAIS DE FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR:


𝐏𝐀𝐌 = 𝐃𝐂 × 𝐑𝐏𝐓
A pressão arterial média depende diretamente do débito cardíaco e da resistência periférica
total.
Por sua vez, o débito cardíaco depende da frequência cardíaca e do volume sistólico (DC =
FC × VS). O volume sistólico varia consoante o grau de contratilidade miocárdica e o
tamanho do compartimento vascular.

80
A resistência periférica total encontra-se associada à morfologia vascular, nomeadamente,
a estrutura vascular e a função vascular. Esta resistência periférica é determinada,
maioritariamente, pelas arteríolas, por constituírem locais de resistência na árvore vascular.
Deste modo, quaisquer alterações funcionais e anatómicas nas arteríolas ou pequenas
artérias contribuem para a alteração da pressão arterial média.

Existem vários determinantes da pressão arterial média, nomeadamente, o volume


intravascular, a atuação dos sistemas nervoso autónomo e da renina – angiotensina –
aldosterona e a presença de variados mecanismos vasculares.

Volume intravascular
Quando a ingestão de sal (NaCl) excede a capacidade excretora do rim, gera-se um
movimento osmótico de água para o interior do vaso sanguíneo com consequente expansão
do volume intravascular, com aumento inicial da pressão arterial associado ao aumento do
débito cardíaco.

Hipertensão
Aumento do ↑ 𝑃𝐴𝑀 devido
arterial
volume ao aumento do
dependente de
extracelular débito cardíaco
volume

A presença de ião sódio (Na+ ) é, portanto, um determinante essencial para o volume


extracelular.

Sistema nervoso autónomo


O sistema nervoso autónomo atua tanto ao nível do controlo da pressão arterial a curto
prazo, como ao nível do controlo da pressão arterial a longo prazo.

Excesso de prod.
de hormonas
vasoconstritoras
Recetores (angiotensina,
adrenérgicos β2 e catecolaminas)
β3, D2 e α2
81
O tónus simpático tende a estar mais elevado em doentes hipertensos.
Deficiências nos sistemas de transporte transmembranares, nomeadamente, do ião
sódio (Na+ ) e cálcio (Ca2+ ), resultam numa acumulação intracelular de Na+ e de Ca2+ , com
consequente aumento do tónus vascular e aumento da resistência periférica total.

Sistema renina – angiotensina – aldosterona


A hiperativação do sistema renina – angiotensina – aldosterona resulta numa
vasoconstrição renal e numa retenção de sódio e de água no interior do organismo. Deste modo,
o volume sanguíneo circulante aumenta e resulta num aumento da pressão arterial média por
aumento do débito cardíaco.
A produção de angiotensinogénio, o precursor da angiotensina, está sob controlo
endócrino, mais especificamente, pelos estrogénios. Elevadas quantidades de estrogénio
circulante, como o que acontece em mulheres sob terapêutica anticoncecional com elevados
teores de estrogénio, resultam numa libertação aumentada de angiotensinogénio por parte do
fígado e numa produção aumentada de angiotensina. Isto resulta, naturalmente, numa
hiperativação deste sistema regulador.

Mecanismos vasculares
As características anatómicas e funcionais dos vasos sanguíneos produzem alterações
nos valores da pressão arterial média.
Tendo em conta que a resistência periférica total varia de forma inversa com o raio do
vaso sanguíneo, é expectável que quaisquer reduções do lúmen vascular levem ao aumento da
resistência ao fluxo e, consequentemente, ao aumento da pressão arterial. Estas reduções do
lúmen arterial podem estar associadas a situações de remodelação vascular.
Por outro lado, a formação de placas ateroscleróticas diminui a complacência arterial
(aumento da rigidez da parede vascular), o que resulta também no aumento da pressão arterial
média.

O raio vascular e a complacência das artérias de resistência (maioritariamente as


arteríolas) são importantes determinantes da pressão arterial média.

82
ETIOPATOGENIA DA DOENÇA

A hipertensão arterial pode ser classificada em primária ou secundária. A hipertensão


primária, também denominada de hipertensão essencial, tende a ser familiar.
A hipertensão secundária apresenta uma causa conhecida, de entre as quais se
destacam:
• Doenças do parênquima renal (DRC, tumores, uropatia) – a ocorrência de
uropatias diversas, como a obstrução do ureter ou a glomerulonefrite, resultam
na alteração da resposta do sistema renina – angiotensina – aldosterona.
Finalmente, tumores nas células justaglomerulares podem originar hipertensão
renal;
• Hipertensão renovascular – a ocorrência de placas ateroscleróticas nas artérias
renais pode resultar em hipertensão renal, o que leva ao aumento da produção
de renina por parte das células justaglomerulares. Também a acumulação de
tecido fibromuscular (displasia fibromuscular das paredes das artérias renais)
pode resultar em hipertensão, por diminuição da complacência vascular;
• Aldosteronismo primário – esta patologia é provocada por um excesso de
mineralocorticoides circulantes (síndrome de Conn), causado por um tumor da
zona glomerulosa do córtex da supra-renal. O nível elevado de aldosterona em
circulação resulta num aumento da retenção de Na+ , com expansão do volume
sanguíneo, e com acompanhada perda crónica de K + , levando a
hipopotassemia;
• Feocromocitoma – tumor da medula da suprarrenal, que induz o aumento da
secreção de noradrenalina, com consequente hipertensão;
• Síndrome de Cushing – esta síndrome caracteriza-se por uma hipersecreção de
cortisol e de mineralocorticoides por parte da glândula supra-renal, o que leva
à hipertensão. Por um lado, os glicocorticoides levam ao aumento da produção
de angiotensinogénio, o que leva ao aumento dos níveis de angiotensina – que
tem uma ação vasoconstritora – e ainda ao aumento da aldosterona, que resulta
na retenção de Na+ e de água e hipervolémia. Há também uma ativação do
sistema nervoso simpático, que leva ao aumento do tónus arteriolar e
consequente aumento da pressão arterial;
• Síndrome metabólico – abordado no subcapítulo seguinte;
• Hipo e hipertiroidismo;
• Apneia obstrutiva do sono;
• Coartação da aorta – é a causa cardiovascular congénita mais comum de
hipertensão arterial;
• Terapêutica (AINEs, esteroides, estrogénios).

CLASSIFICAÇÃO

• HTA lábil – flutuações espontâneas ao longo do tempo;


• Crise hipertensiva – valores de pressão arterial diastólica sustentados acima dos 120
mmHg, podendo ser assintomática ou acompanhada por cefaleias ou epistaxis
(hemorragia nasal);

83
• Maligna ou acelerada – elevação superior a 200 mmHg por dias ou semanas, podendo
implicar diversos danos vasculares (retinopatia), anemia hemolítica, insuficiência renal
ou sintomas neurológicos;
• Emergência hipertensiva – valores de pressão diastólica superiores a 140mmHg desde
que acompanhados por sintomatologia clínica objetiva (insuficiência cardíaca aguda,
insuficiência coronária aguda, aneurisma hemorragia cerebral, encefalopatia
hipertensiva, insuficiência renal aguda).

DIAGNÓSTICO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL

A avaliação da hipertensão arterial efetua-se por três etapas principais: diagnóstico e


classificação do tipo de hipertensão, avaliação do risco cardiovascular e avaliação da lesão da
célula-alvo. Para esta avaliação, é necessário solicitar história clínica, exame físico, análises
clínicas, análises à urina (1ª da manhã) e ainda ECG de 12 derivações.
• Classificação do tipo de hipertensão:

• Avaliação do risco cardiovascular: tendo em conta os fatores de risco.

Os indivíduos de
raça negra retêm
mais 𝑁𝑎+ do que
os indivíduos
caucasianos.

A maioria dos doentes com pressão arterial na faixa pré-hipertensiva ou


hipertensiva têm 1 ou + fatores de risco modificáveis para aterosclerose
(hipercolesterolemia, tabagismo, diabetes), devendo ser avaliado o risco global
para o doente:

84
• Avaliação da lesão do órgão-alvo;
• Pesquisa de achados sugestivos de hipertensão secundária:

A pesquisa destes achados é maioritariamente importante quando uma causa


aparente para a hipertensão secundária é identificada na avaliação inicial e
quando existe hipertensão grave, refratária a múltiplos fármacos ou com
necessidade de hospitalização.
Metodologia de
Patologia Causas
diagnóstico
Aterosclerose
Displasia fibromuscular
(mulheres 15 – 50 anos)
Estenose da artéria renal: Doseamento
albumina/creatini
HTA renovascular na, micro ou
macroalbuminemi
a, cálculo da TFG
(associada também à
compressão do parênquima
renal, pielonefrite e rim
poliquístico)
Adenoma unilateral produtor de Hipocaliemia não
Hiperaldosteronis aldosterona provocada
mo 1º
Hiperplasia adrenal bilateral Hipernatremia
↑ Metanefrinas*
Tumores produtores de
Feocromocitoma plasmáticas ou
catecolaminas
urinárias

85
Síndrome de Cushing, devido à
Tumor na hipófise presença de cortisol e -
metalocorticoides
MCDT toraco-
Coartação da aorta → aumento dirigidos que
Causa vascular da RPT e consequente ativação comprovem o
do sistema RAA estreitamento
congénito da aorta

*Metanefrinas – metabolitos secundários da degradação enzimática da


adrenalina.

CONSEQUÊNCIAS CLÍNICO-PATOLÓGICAS DA HIPERTENSÃO ARTERIAL

A hipertensão arterial apresenta várias consequências clínico-patológicas associadas,


que afetam o coração, os pulmões e a microvasculatura.

Consequências clínico-patológicas cardíacas


A doença hipertensiva pode motivar a formação de insuficiência cardíaca, devido ao
aumento da pós-carga ventricular, com hipertrofia e dilatação secundárias a insuficiência aórtica
e a trombose mural.
Por conseguinte, e como já foi abordado anteriormente, o espessamento da parede
miocárdica resulta num aumento do requerimento de oxigénio pelo miocárdio, o que pode
resultar em isquemia miocárdica e enfarte do miocárdio.

Enfarte antero-septal

Hipertrofia e dilatação esquerda e


direita devido à HTA

86
Consequências clínico-patológicas pulmonares
A unidade cardiorrespiratória é particularmente sensível às alterações circulatórias
promovidas pelo aumento da resistência ao fluxo e perfusão pulmonar, resultando no quadro
clínico designado de cor pulmonale.
O embolismo agudo é a principal causa de cor pulmonale, no qual múltiplos êmbolos
retidos na microcirculação pulmonar, provocam múltiplos enfartes. Pode também existir
embolismo pulmonar com congestão e dilatação do coração direito, mas sem que ocorra enfarte
do miocárdio.

Consequências clínico-patológicas ao nível da microvasculatura


A hipertensão arterial promove lesões endoteliais que favorecem o desenvolvimento
prematuro de aterosclerose.

Hialinização e
Remodelação
fibrose da Formação de
vascular (com Resposta
camada íntima aneurismas de
hipertrofia e vasoconstritora
com Charcott-
hiperplasia da exacerbada
diminuição do Bouchard
camada íntima)
lúmen

Os aneurismas de Charcott-
Bouchard ocorrem ao nível das
artérias cerebrais,
especialmente aquelas que
irrigam os núcleos da base.

Para além dos microaneurismas cerebrais, também pode ocorrer retinopatia


hipertensiva, dissecção e aneurisma da aorta, insuficiência renal e isquemia miocárdica,
consoante os vasos afetados sejam os vasos oftálmicos, a aorta, a microcirculação renal ou os
vasos coronários, respetivamente.

87
DOENÇA OU INSUFICIÊNCIA VENOSA CRÓNICA PERIFÉRICA

A doença ou insuficiência venosa crónica periférica engloba duas manifestações clínicas


visíveis – as varizes e os derrames. As varizes devem-se à dilatação das veias profundas, devido
a uma redução do retorno venoso, enquanto que os derrames estão associados à dilatação de
veias de pequeno calibre.
A dilatação das veias profundas periféricas pode ter uma componente genética, caso se
denote uma tendência para o aumento da complacência das veias, o que resulta num aumento
da acumulação de sangue nos vasos periféricos.

As veias apresentam valores de complacência mais elevados do que as artérias, pelo que o
aumento da complacência venosa resulta num aumento da acumulação de sangue nas
mesmas, contrariamente ao que se verifica nas artérias.

A acumulação de sangue nas veias profundas também pode estar associada à alteração
e insuficiência das válvulas venosas, o que contribui para a diminuição do retorno venoso ao
coração. Esta acumulação de sangue promove a estase sanguínea, o que pode aumentar a
predisposição para a ocorrência de fenómenos trombóticos.

SÍNDROME METABÓLICO

O subcapítulo do síndrome metabólico foi introduzido nas patologias cardiovasculares,


devido ao planeamento das aulas teóricas e práticas, mas não é necessariamente exclusivo
das patologias cardiovasculares.

O síndrome metabólico, também denominado de síndrome X, síndrome de Reaven ou


síndrome de resistência à insulina, constitui um conjunto de alterações metabólicas que podem
ocorrer em simultâneo no mesmo indivíduo, num dado espaço de tempo.

88
A mais comum alteração metabólica é a resistência à insulina.
Esta síndrome tem a ele associado um conjunto de etiologias, nomeadamente de
caráter genético e relacionado com os hábitos de vida e de alimentação. Os principais fatores
associados ao seu aparecimento são a obesidade, a resistência à insulina e as citocinas (como
fator independente). Também a idade, o estado pró-inflamatório e as alterações hormonais são
determinantes do síndrome metabólico.

FISIOPATOLOGIA DO SÍNDROME METABÓLICO

O síndrome metabólico enquanto patologia desenvolve-se a vários níveis: obesidade e


resistência à insulina, dislipidemia, intolerância à glicose e hipertensão arterial. Outras
manifestações incluem estado pró-trombótico, estado pró-inflamatório e alterações nos níveis
de ácido úrico, na viscosidade do soro e nos níveis de homocisteína e albumina.

Obesidade e resistência à insulina


A obesidade traduz-se num excesso de tecido adiposo no organismo. Este tecido
adiposo provoca um aumento dos ácidos gordos livres, cujo aumento se verifica a diferentes
níveis:
• No fígado, ocorre o aumento da produção de glicose, de triglicéridos e de VLDL
(lipoproteínas de muito baixa densidade). Isto resulta numa diminuição da

Aumento da Aumento da Esteatose


Diminuição
produção de acumulação hepática
da
glicose, TG e de lípidos no ("fígado
glicogénese
VLDL fígado gordo")

transformação de glicose em glicogénio pela glicogénese e num aumento da


acumulação de lípidos na forma de triglicéridos.

• No músculo, a sensibilidade à insulina diminui, o que eleva ainda mais os níveis


de ácidos gordos livres circulantes e leva a um aumento da glicose circulante.
Na tentativa de responder a esta situação, o pâncreas produz mais insulina para
contrariar os níveis elevados de glicose e verifica-se uma hiperinsulinemia.

89
Dislipidemia
Associado a este fator, encontra-se a chamada tríade lipídica:

O aumento dos ác.


gordos livres leva a um
Aumento dos Aumento das
aumento da síntese de triglicéridos LDL e VLDL
TG no fígado.

Diminuição do Ocorrem devido à


colesterol HDL mudança do seu
metabolismo.

Intolerância à glicose
A hiperinsulinemia impede a captação de glicose pelo fígado e pelo músculo e tecido
adiposo, o que resulta, respetivamente, na diminuição da gliconeogénese e perda de função
motora.
Por conseguinte, como estes mecanismos se encontram bloqueados, também a
produção de insulina é bloqueada, levando ao aumento dos níveis de glicose (hiperglicemia).

Hipertensão arterial
A obesidade leva ao aumento dos níveis de TNF, leptina e resistina, o que resulta numa
diminuição da ação da insulina.
Por conseguinte, instala-se uma vasoconstrição generalizada, o que faz subir a pressão
arterial média – hipertensão arterial.

Aumento da TNF,
Diminuição da Vasoconstrição Hipertensão
Obesidade leptina e
ação da insulina generalizada arterial
resistina

Retenção de Na+
no interior das
Ativação da Vasoconstrição e
células
Hiperinsulinemia bomba Na+/K+- aumento da
musculares lisas
ATPase PAM
do endotélio
vascular

Também a hiperinsulinemia que se regista leva à ativação da bomba de sódio e potássio


+ +
(Na /K -ATPase), mantendo-se o ião sódio no interior das células musculares lisas do endotélio
vascular e resultando em vasoconstrição, devido à sua contração.

Estado pró-inflamatório e pró-trombótico


Como já foi referido, a obesidade traduz-se num aumento do tecido adiposo. Este
aumento do tecido adiposo leva a um aumento das citocinas, que leva ao aumento da proteína
C reativa (PCR) – estado pró-inflamatório.

90
Por outro lado, o aumento das citocinas leva a um aumento dos valores do PAI-1 (fator
de coagulação) e do fibrinogénio – estado pró-trombótico.

Aumento da
proteína C Inflamação
Obesidade reativa
(aumento do tec. Citocinas
adiposo) Aumento dos
valores do PAI-1 Trombose
e do fibrinogénio

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

Considera-se que o doente apresenta síndrome metabólico quando apresenta, pelo


menos, três das seguintes características clínicas de forma cumulativa:

Fator de risco Nível definido

Obesidade abdominal (perímetro abdominal):


Homens > 102 cm
Mulheres > 88 cm

Triglicéridos elevados > 1,7 mmol/L (>150 mg/dL)

Colesterol HDL baixo:


Homens < 1 mmol/L (< 40 mg/dL)
Mulheres < 1,3 mmol/L (< 50 mg/dL)

Pressão arterial elevada ≥ 130/85 mmHg

Glicémia em jejum > 6,1 mmol/L (>110 mg/dL)

IMC elevado > 30

O tratamento pode ser de dois tipos distintos:


• Tratamento farmacológico – baseia-se no tratamento dos sintomas principais,
nomeadamente, a dislipidemia (tratamento com estatinas, fibratos e derivados
de ácido nicotínico), a hipertensão arterial (anti-hipertensivos), a diabetes
(insulina, sulfonilureias, meglitinidas), o estado pró-trombótico (aspirina) e a
resistência à insulina (fármacos insulino-sensibilizadoras);
• Tratamento não farmacológico – baseia-se na adoção de um estilo de vida
saudável (com consequente diminuição dos fatores preponderantes para o seu
aparecimento).

91
PATOLOGIAS RENAIS E URINÁRIAS

REVISÃO DE CONCEITOS GERAIS DE FISIOLOGIA RENAL:


O rim apresenta inúmeras funções principais, nomeadamente, a síntese de hormonas (como
a eritropoietina e a vitamina D) e de enzimas (como a renina), a filtração do sangue e produção
de urina, a regulação da água e do equilíbrio ácido-base do organismo, a degradação de
algumas proteínas e ainda a gliconeogénese (os rins sintetizam glicose a partir dos
aminoácidos e de outros precursores).
Os rins são estruturas retroperitoneais, localizando-se na parede posterior da parede
abdominal. O nefrónio é a unidade funcional do rim, sendo constituídos pelo corpúsculo renal
(glomérulo de Malpighi que se encontra revestido pela cápsula de Bowman), onde ocorre a
filtração, e pelo túbulo renal, que se estende no córtex e na medula renais:
• Túbulo contornado proximal, túbulo contornado distal e tubo coletor – córtex;
• Ansa de Henle – iniciam-se no córtex e estendem-se até à medula.

Equilíbrio hidroeletrolítico: regulação da osmolaridade do sangue através do controlo dos


iões Na+, K+, Mg2+ e Ca2+. Alterações nestes iões podem resultar em alterações no
funcionamento de alguns tecidos excitáveis (nomeadamente o neurónio ou o músculo).

Reabsorção de ureia: a ureia é tóxica quando presente em circulação, originando efeitos


nefastos no organismo. O rim reabsorve ureia, o que obriga à reabsorção de água, uma vez
que a ureia é osmoticamente ativa e garante um interstício medular hipertónico.

Taxa de filtração glomerular (TFG): 125 mL/min ou 180 L/dia. Cerca de 98% deste valor de
TFG é reabsorvido, para ser mais fácil o controlo das substâncias reabsorvidas.

Autorregulação do fluxo: para pressões arteriais entre os 80 e os 180 mmHg, o rim mantém-
se normal, mantendo-se também a TFG.

Eixo renina – angiotensina – aldosterona: a angiotensina apresenta uma ação


vasoconstritora, induzindo a secreção de ADH e de aldosterona. Estas hormonas levam à
retenção de Na+ e de água, o que leva a um aumento da volémia.

92
Sistema nervoso simpático e seu impacto no rim: o complexo ganglionar aórtico-
mesentérico é muito importante para a ativação do sistema nervoso simpático e,
consequentemente, para a ativação do eixo renina – angiotensina – aldosterona. O sistema
nervoso simpático é o primeiro a ser ativado em situações patológicas renais, seguindo-se, a
médio prazo, o eixo renina – angiotensina – aldosterona.

Testes de função renal:

• Métodos imagiológicos;
• Cálculo da clearance – a clearance define-se como o volume de sangue que é
completamente depurado de uma substância. O composto ideal para o seu cálculo é
a inulina, mas utiliza-se a creatinina, que sofre apenas uma pequena secreção – a
creatinina sobreexpressa a TFG. Para o cálculo da clearance renal, a ureia não pode
ser utilizada, uma vez que a mesma é fortemente reabsorvida, o que resultaria numa
inadequada subexpressão da TFG.
• Rácio ureia/creatinina – quando o rim se encontra em situação de isquemia, o
mesmo responde com vasoconstrição e consequente aumento da PAM. Esta
alteração resulta num aumento da reabsorção de água e ureia, mas os valores de
creatinina mantêm-se normais. Assim, é um importante indicador para a isquemia
renal.

INSUFICIÊNCIA RENAL

A insuficiência renal é caracterizada pela deterioração gradual das funções renais,


levando, eventualmente, à incapacidade do rim produzir urina.
Esta pode-se apresentar aguda ou crónica, consoante a cronologia da doença. A
insuficiência renal apresenta várias causas, podendo estar, numa primeira fase, associada a
outras doenças renais que serão abordadas mais à frente neste capítulo.

CAUSAS DA INSUFICIÊNCIA RENAL

As causas da insuficiência renal podem ser pré-renais (se ocorrerem noutros órgãos que
não o rim e se envolverem a diminuição ou a perda de perfusão renal), intra-renais (quando
ocorrem no interior do parênquima renal) ou pós-renais (quando afetam o trato urinário a
jusante do rim, nomeadamente, a bexiga, os ureteres, a uretra ou a próstata).

Causas pré-renais
O enfarte do miocárdio, a insuficiência cardíaca congestiva, a aterosclerose e a
hemorragia constituem as principais causas pré-renais de insuficiência renal. Estas doenças
geram, globalmente, uma diminuição do débito cardíaco e uma consequente diminuição do
aporte sanguíneo ao rim, levando a isquemia renal.
Por outro lado, a terapêutica com AINEs (anti-inflamatórios não esteroides) ou com
inibidores da ECA podem levar a insuficiência renal. Especificamente, os AINEs inibem as ciclo-
oxigenases e, consequentemente, a via de biossíntese das prostaglandinas. As prostaglandinas,
com ação vasodilatadora, permitem diminuir a perfusão renal, evitando a insuficiência renal.
Paralelamente, os inibidores da ECA (enzima conversora de angiotensina) levam à diminuição

93
da síntese de angiotensina, que possui um efeito vasoconstritor das arteríolas renais eferentes.
A diminuição de angiotensina resulta, portanto, numa diminuição da taxa de filtração
glomerular, pois se inibe a contração das arteríolas renais eferentes.

A angiotensina promove a vasoconstrição das arteríolas renais eferentes, o que leva ao


aumento da taxa de filtração glomerular. Analogamente, a dilatação das arteríolas renais
aferentes leva ao aumento do aporte sanguíneo junto ao glomérulo (aumento da pressão
hidrostática capilar), o que resulta numa taxa de filtração glomerular também aumentada.

Causas intra-renais
As causas intra-renais incluem causas de natureza inflamatória, que atinge o epitélio da
ansa e do túbulo proximal do nefrónio, como são o caso das glomerulonefrites, das vasculites
ou da lesão induzida por fármacos, e ainda necrose tubular aguda, que pode ser isquémica ou
nefrotóxica (acumulação de substâncias nefrotóxicas no rim).
Do primeiro grupo de causas, destaca-se a sépsis, que combina uma hipoperfusão renal
devida à vasodilatação exacerbada e à desigual distribuição sanguínea pelos vários territórios
anatómicos, e o aumento do aporte de citocinas pró-inflamatórias – IL-1, IL-6 e TNF-α.

Causas pós-renais
As causas pós-renais estão associadas às características anatomo-funcionais do trato
urinário a jusante do rim, nomeadamente, da bexiga, dos ureteres, da próstata e do trato
genital feminino.
São o caso das obstruções do trato urinário por cálculos renais (nefrolitíase). Também
a doença prostática (como a hiperplasia da próstata, que comprime a uretra e dificulta o fluxo
urinário), neoplasias ou anomalias congénitas constituem causas pós-renais.

94
Causas mistas
De entre as causas mistas, destaca-se a rabdomiólise, na qual ocorre rutura de um
número considerável de grupos musculares esqueléticos aquando, por exemplo, de acidentes e
traumas graves. Com esta rutura muscular, há libertação de mioglobina para a corrente
sanguínea, o que leva à acumulação de grupos heme livres em circulação. Estes grupos heme,
quando fora das células, são tóxicos, podendo-se acumular no rim e originar toxicidade
parenquimatosa.

Libert. de
Rabdomiólise
grupos heme Acumulação Necrose
(rutura de
livres para a de grupos tubular aguda
músculos
circulação heme no rim nefrotóxica
esqueléticos)
sanguínea

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA

A insuficiência renal aguda constitui uma doença de caráter normalmente reversível.


As suas principais causas são a isquemia renal e a lesão tóxica, o que leva à formação de
uma necrose tubular aguda, que se caracteriza por uma descamação do epitélio do túbulo
renal. Esta descamação (caracterizada por um processo de effacement e de detachment –
descolamento) resulta num aumento dos poros entre os podócitos do epitélio glomerular,
resultando numa passagem de proteínas do vaso sanguíneo para o túbulo renal.

Os mecanismos moleculares específicos para a necrose tubular aguda ainda não são
conhecidos, existindo, porém, duas teorias principais:
• Teoria da oclusão tubular – ocorre a oclusão do lúmen com detritos celulares,
o que faz aumentar a pressão intratubular, o que origina uma diminuição da
pressão de filtração glomerular e, consequentemente, uma diminuição da taxa
de filtração glomerular;
• Teoria vascular – a diminuição da perfusão renal, traduzida por uma
vasoconstrição das arteríolas aferentes e uma vasodilatação das arteríolas
eferentes, reduz a pressão de filtração glomerular e, por conseguinte, a TFG.

95
Tanto na teoria da oclusão tubular como na teoria vascular, a lesão tubular necrótica
está associada à hipoxia da medula renal, o que potencia o risco de isquemia renal.

Manifestações clínicas da insuficiência renal aguda


As principais manifestações são as seguintes:
• Manifestações iniciais – fadiga e desconforto;
• Manifestações mais graves – dispneia, ortopneia, estertores, S3 (terceiro som
cardíaco), oligúria, edema periférico e urémia.

A oligúria (diminuição da produção de


urina) está relacionada com a diminuição A urémia constitui a acumulação de
da TFG, que origina uma acumulação de compostos azotados no sangue, o
líquidos no organismo, algo que explica o que pode originar alteração do
edema periférico. estado mental, devido à presença
destes compostos no cérebro.
A presença de oligúria e edema
periférico são indicativos de lesão renal.

• Manifestações de recuperação – diurese aumentada e alterações eletrolíticas


(hipocalémia, hipocalcemia, hiponatremia e hipomagnesemia). A hipocalémia
pode levar a alterações nos tecidos excitáveis, enquanto que a hipocalcemia
pode originar contrações espasmódicas.

Também é importante considerar-se as análises sanguíneas e à urina:

Análises sanguíneas Análise à urina


Creatinina normal;
Azotemia pré-renal Rácio ureia/creatinina Urina normal
aumentada
Osmolaridade urinária
Creatinina elevada; diminuída;
Necrose tubular aguda Rácio ureia/creatinina Aumento da excreção de
normal sódio

A azotemia pré-renal ocorre numa primeira fase e envolve o aumento da ureia na urina,
mas sem necrose tubular, devido à diminuição da TFG. Sem tratamento da azotemia pré-
renal, esta pode evoluir para necrose tubular aguda.

INSUFICIÊNCIA RENAL CRÓNICA

A insuficiência renal crónica está associada ao decréscimo gradual do número de


nefrónios funcionais, o que resulta, inevitavelmente, numa sobrecarga dos nefrónios funcionais
e numa redução global da função renal.

96
O seu aparecimento pode estar relacionado com uma evolução negativa da insuficiência
renal aguda e da necrose tubular aguda já instaladas e pode-se associar a outras patologias,
como as glomerulonefrites, a diabetes mellitus, a hipertensão arterial, a nefrolitíase crónica, a
ocorrência de infeções recorrentes e a doença renal poliquística.

A diabetes mellitus traduz-se por um aumento dos níveis da glicose sanguínea, cujos níveis
elevados são tóxicos para o urotélio. Também a diabetes mellitus não controlada pode
originar polineuropatia periférica, afetando a condução dos impulsos nervosos até à
bexiga, diminuindo a frequência de micção. Assim, a urina permanece mais tempo na
bexiga, o que constitui um fator de risco adicional para infeções urinárias.

O comprometimento da função renal global implica alterações a vários níveis:


• Diminuição da produção de eritropoietina – esta situação induz uma
diminuição da eritropoiese na medula óssea vermelha, o que leva a uma
diminuição do hematócrito. Esta condição resulta no aparecimento de uma
anemia, que se manifesta por palidez e fadiga. Por outro lado, também se
verifica uma diminuição dos fatores de coagulação;

Diminuição da
produção de Diminuição do
Anemia Palidez e fadiga
eritropoietina e hematócrito
da eritropoiese

• Hipocalcemia e hiperfosfatemia – no rim cronicamente comprometido, não há


produção de vitamina D – há diminuição de Ca2+, o que ativa um mecanismo
compensatório que envolve as glândulas paratiroideias e o aumento da
secreção de PTH (paratormona) – hiperparatiroidismo secundário. Este
aumento da PTH resulta num aumento da reabsorção óssea de Ca2+ e da
absorção intestinal de fosfatos, originando osteodistrofia (fragilidade dos
ossos), fibrose da medula vermelha (o que contribui para a diminuição da
eritropoiese) e osteomalacia (enfraquecimento ósseo) ou osteoporose;

Osteoporose/osteomalácia,
↑ secreção de PTH
Hipocalcemia ↑ reabsorção óssea de cálcio osteodistrofia e fibrose da
(hiperparatiroidismo 2º)
medula vermelha

A hipocalcemia também está associada a uma hiperexcitabilidade do sistema


nervoso periférico, o que pode provocar arritmias, espasmos musculares ou
espasmo laríngeo (o canal respiratório fecha e o doente entra em asfixia);
• Hipercaliemia – à medida que a TFG se diminui, os níveis de aldosterona
aumentam, o que resulta no aumento do K+ em circulação;
• Urémia – a urémia (acumulação de ureia e produtos azotados no sangue) tem
vários efeitos nocivos, nomeadamente, ao suprimir a atividade dos leucócitos,
com consequente aumento da suscetibilidade a infeções. Por outro lado, origina
alterações neurohormonais, das quais se destaca a supressão dos neurónios

97
hipotalâmicos, o que resulta na diminuição da secreção de GnRH, o que afeta
tanto a produção de estrogénios – amenorreia (ausência de menstruação) e
abortos espontâneos – como a produção de testosterona – impotência
funcional e oligospermia (diminuição da produção de esperma ou da viabilidade
do mesmo).

Amenorreia e
abortos
Diminuição de
Alterações
GnRH, estrogénios
neurohormonais
e testosterona
Oligospermia e
Urémia
impotência
Supressão da Aumento da
atividade suscetibilidade a
leucocitária infeções

• Acidose metabólica – está associada à diminuição da capacidade de excretar


ácido e de gerar soluções tampão, o que resulta na diminuição do pH do sangue;
• Diminuição da degradação de insulina – o rim passa a degradar menos insulina,
o que resulta no aumento dos seus níveis séricos, o que contribui para uma
estabilização da diabetes mellitus;
• Manifestações cardiovasculares – a sobrecarga de volume, associada ao
aumento de Na+ e de água, origina hipertensão arterial, insuficiência cardíaca
congestiva, edema pulmonar e periférico, hemoptise e pericardite (devido à
acumulação de ureia);
• Manifestações do SNC – alterações do sono, diminuição da concentração e
problemas de memória;
• Manifestações do SNP – irritabilidade neuromuscular, neuropatia periférica,
asterixis, mioclonia, estupor, convulsões, coma;
• Manifestações gastrointestinais – úlcera péptica (hiperparatiroidismo 2º),
hálito urémico, gastroenterite, anorexia, singultos (“soluços”), náuseas e
vómitos e diverticulite;
• Manifestações cutâneas – para além da já referida palidez, verifica-se também
pigmentação, equimoses, hemocromatose secundária a transfusões, prurido
(deposição de cálcio) e “neve urémica”.

98
PIELONEFRITE

A pielonefrite define-se como uma inflamação do parênquima renal, comumente


associada a infeções bacterianas. Constitui uma causa intra-renal de insuficiência renal.
Esta está normalmente associada a uma infeção
ascendente, na qual se dá a entrada de bactérias
patogénicas pelo orifício uretral, ascendendo pela bexiga
(onde pode originar, mais raramente, uma cistite) até ao
rim. As bactérias mais comuns são a Escherichia coli,
Klebsiella, Enterobacter e Proteus, esta última com
projeções celulares que permitem a sua fixação ao
endotélio, pelo que a sua remoção é difícil.
Contudo, a pielonefrite também se pode apresentar
como uma infeção descendente (infeção hematogénica), a
qual envolve a circulação de bactérias no sangue a partir de
outros focos de infeção sistémica. Neste caso, as
manifestações clínicas comuns são o aparecimento de
abcessos e de necrose no córtex renal.

Manifestações clínicas da pielonefrite:


As manifestações clínicas da pielonefrite incluem a tríade clássica – febre, dor no ângulo
costovertebral e náuseas e/ou vómitos.
Por outro lado, também o ardor ao urinar (disúria) e hematúria (presença de sangue na
urina) são comuns na pielonefrite.

GLOMERULONEFRITES

As glomerulonefrites constituem inflamações na camada do córtex renal, afetando os


glomérulos renais e, com isto, alterando a filtração glomerular. Estas doenças podem, no limite,
levar a insuficiência renal aguda ou crónica.
Este grupo de doenças renais englobam várias combinações das seguintes
manifestações clínicas:

Hipertensão Hematúria

Diminuição
Proteinúria
da TFG
99
As glomerulonefrites podem estar sujeitas a diferentes classificações:
• Do ponto de vista clínico (progressão da doença) – aguda, de progressão rápida
ou crónica;

• Do ponto de vista da extensão da lesão – difusa (envolve a maior parte dos


glomérulos), focal (afeta apenas alguns glomérulos) ou segmentar (envolve um
ou mais segmentos de um determinado nefrónio);
• Do ponto de vista histológico – não proliferativa (apenas ocorrem alterações
nos podócitos) ou proliferativa (há um aumento de um dos elementos do
glomérulo, como a cápsula de Bowman, as células do mesângio ou o endotélio
dos capilares glomerulares, o que leva à restrição do fluxo sanguíneo).

Em seguida, vamos aprofundar a classificação das glomerulonefrites num ponto de vista


clínico, ou seja, de acordo com a progressão da doença.

GLOMERULONEFRITE AGUDA

A glomerulonefrite aguda apresenta uma etiologia diversificada, nomeadamente,


vasculites, nefropatias por acumulação de anticorpos IgA e infeções com bactérias
potencialmente nefritogénicas (ou seja, que possam causar infeção renal – estas bactérias
podem entrar no sangue ou originar respostas inflamatórias exacerbadas que se transmitem ao
rim).

Fisiopatologia da glomerulonefrite aguda


A glomerulonefrite aguda ocorre devido à resposta inflamatória e imune ao agente
patológico, a qual é caracterizada pela formação e deposição de complexos imunes (complexos
entre o antigénio de bactérias como os Streptococcus beta-hemolíticos do grupo A, e o anticorpo
IgA) nos capilares glomerulares e no mesângio renal. Estes anticorpos produzidos podem
também reagir contra antigénios renais do self.
Cumulativamente, ocorre o recrutamento de proteínas de complemento para os
capilares glomerulares e no mesângio renal, onde se depositam, e de células inflamatórias
(como os fagócitos) que se infiltram nestes locais para fagocitarem os complexos imunes.
Contudo, durante este processo, libertam proteases destrutivas e radicais livres que
danificam o endotélio. Assim, ocorre a exposição da membrana basal, o que favorece a
agregação plaquetária e a formação de microtrombos.

100
Recrutamento de
proteínas do
complemento
Deposição de Fagocitose dos
complexos imunes complexos imunes
Recrutamento de
fagócitos
Libertação de proteases Agregação plaquetária
e radicais livres e formação de trombos

Manifestações clínicas da glomerulonefrite aguda:


• Início súbito de hematúria e proteinúria;
• TFG reduzida;
• Edema e hipertensão, devido à infiltração capilar de células inflamatórias e à contração
do mesângio em resposta a substâncias vasoativas. Particularmente, no homem adulto,
o edema pode ocorrer na bolsa escrotal;
• Elevada concentração de IgA;
• Retenção renal de sódio e água.

GLOMERULONEFRITE DE PROGRESSÃO RÁPIDA

Na glomerulonefrite de progressão rápida, verifica-se uma transição rápida e abrupta


do estado clínico dos doentes de uma glomerulonefrite aguda para uma insuficiência renal
crónica. Os doentes com esta patologia tendem a possuir anticorpos anti-GBM (anticorpos anti-
membrana basal glomerular) e a exibir hemoptise, o que constituem sintomas semelhantes à
síndrome de Goodpasture. Por outro lado, a presença de autoanticorpos num padrão
semelhante à registada na granulomatose de Wegener é marcante.
Os sinais mais óbvios desta patologia é a proliferação celular extracapilar e a ocorrência
de descontinuidades e lacunas na membrana basal glomerular.

101
GLOMERULONEFRITE CRÓNICA

A glomerulonefrite crónica está associada à progressão da glomerulonefrite aguda,


manifestando-se entre 5 e 20 anos após a última.
A proliferação celular, quer no mesângio como nos capilares glomerulares, são a
principal marca patológica estrutural. Esta parece estar associada à produção de fatores de
crescimento pelas células mesangiais, pelos leucócitos infiltrantes e pela agregação plaquetária
já descritas na glomerulonefrite aguda.
Contudo, a glomerulonefrite crónica pode ainda ser esclerosante, se envolver a
obliteração dos glomérulos, devido a alterações estruturais nas túnicas média e adventícia dos
capilares glomerulares, ou membranosa, se se verificar a deposição subepitelial de proteínas.

SÍNDROMES NEFRÓTICO E NEFRÍTICO

Os síndromes nefrótico e nefrítico constituem também glomerulonefrites, constituindo


os dois principais tipos desta patologia.

SÍNDROME NEFRÓTICO

As principais causas do síndrome nefrótico são a presença de uma doença sistémica,


lúpus eritematoso sistémico e hepatite B. Também na nefrosclerose focal – segmentar, que é
caracterizada por uma hialinização dos glomérulos, se regista uma evolução para síndrome
nefrótico.
O síndrome nefrótico caracteriza-se por uma hiperpermeabilidade do epitélio de
filtração glomerular a proteínas, devido à deposição de complexos imunes. Apesar da
membrana basal glomerular se encontrar afetada, a abertura dos poros entre os podócitos
apenas permite a passagem de proteínas – as células vermelhas não conseguem atravessá-la.

102
Assim, devido ao escape de proteínas para o glomérulo renal, verifica-se uma
proteinúria – uma albuminúria numa primeira fase, pois a albumina é a proteína de menores
dimensões do sangue, sendo a primeira a passar –, gerando-se uma hipoalbuminúria e
hipoproteinúria.
Na tentativa de compensar esta perda proteica, o fígado inicia a síntese de VLDL
(lipoproteínas de muito baixa densidade), o que resulta numa hiperlipidemia (aumento dos
lípidos circulantes). Estes lípidos em excesso atravessam, portanto, os poros da membrana basal
glomerular e passam para a urina – verifica-se uma lipidúria.

Aumento da
Perda de pressão
síntese de VLDL Lipidémia e
Proteinúria Hipoproteinemia oncótica
(mecanismo lipidúria
sanguínea
compensatório)

A urina excreta colesterol HDL. As lipoproteínas LDL e VLDL não passam para a urina.

A perda de proteínas osmoticamente ativas altera a pressão osmótica do sangue,


levando a uma alteração das forças de Starling, gerando edema. Paralelamente, esta depleção
do volume intravascular gera a ativação do sistema nervoso simpático, assim como do sistema
renina – angiotensina – aldosterona.
Como já é conhecido, as proteínas plasmáticas, como a albumina, são cruciais no
transporte de outras proteínas e em funções de coagulação e defesa imunitária. Deste modo, a
depleção destas proteínas origina consequências como:
• Aumento da suscetibilidade a infeções, associado à perda de anticorpos;
• Hipercoagulabilidade, devido à depleção de antitrombina III;
• Deficiência em vitamina D, devido à perda das suas proteínas de ligação;
• Função tiroideia alterada, devido à perda da globulina de ligação à tiroxina.

SÍNDROME NEFRÍTICO

A principal causa do síndrome nefrítico são as infeções bacterianas e virais.


O síndrome nefrítico é caracterizado pela presença de uma lesão inflamatória que
compromete a filtração glomerular e permite a passagem de eritrócitos para a urina – origina,
portanto, maior dano nas células glomerulares e nos capilares do que no síndrome nefrótico.
Nesta patologia, os complexos imunes formados aquando da infeção bacteriana ou viral
presente ficam retidos na membrana glomerular, originando todo o processo inflamatório
característico da glomerulonefrite aguda. Origina-se, assim, edema e aumento da
permeabilidade.
Verifica-se assim hematúria (que não ocorre no síndrome nefrótico), hipertensão,
proteinúria (devido à depleção de proteínas plasmáticas) e azotemia (devido ao
comprometimento da filtração glomerular).

103
A figura seguinte permite distinguir o síndrome nefrótico do síndrome nefrítico.

NEFROLITÍASE

De entre as causas pós-renais, encontra-se a nefrolitíase, a qual se caracteriza pela


acumulação de cálculos renais (normalmente cristais de iões inorgânicos) no trato urinário.
Estes cálculos formam-se, normalmente, num único rim, podendo o mesmo permanecer
na pelve renal ou avançar para os ureteres e até para a bexiga.
A etiologia da nefrolitíase é diferenciada e varia consoante o tipo de cálculo renal:
pH da urina Situações fisiopatológicas associados
Infeções urinárias recorrentes em mulheres por
Estruvite > 7,2
microrganismos produtores de urease
Ingestão/absorção excessiva de cálcio
(hipercalciúria idiopática)
Hiperparatiroidismo – leva a um aumento da
Cálcio (oxalato e
- PTH, que favorece a absorção de Ca2+ no
fosfato de cálcio)
intestino
Toma de suplementação de vitamina C – a
vitamina C é metabolizada em oxalato.
Hiperuricosúria (aumento do ácido úrico na
urina, gera urina turva) – dieta rica em purinas
Ácido úrico < 5,5 (carne e seus derivados, frutas cristalizadas),
história de gota e artrite gotosa – deposição
subcutânea de ácido úrico
Cistinúria – aumento da cisteína na urina, pois
Cistina < 7,5
não há a sua absorção e a mesma cristaliza

104
Fisiopatologia da nefrolitíase:
• A ocorrência de desidratação leva ao aumento da concentração de solutos, que
precipitam no rim, e aumento do tempo de permanência do cálcio no nefrónio, fatores
que contribuem para a litíase;
• Uma dieta rica em proteínas aumenta a predisposição a litíase, devido à acidose
metabólica transitória que se origina e ao aumento da TFG. Por outro lado, ocorre o
aumento da reabsorção óssea de cálcio, o aumento da filtração glomerular de cálcio e a
inibição da reabsorção tubular de cálcio;

Acidose metabólica
transitória

Aumento da TFG

Dieta rica em proteínas


Aumento da
reabsorção óssea de
cálcio

Aumento da filtração
glomerular de cálcio e Acumulação de cálcio
inibição da sua na urina
reabsorção

• Uma dieta rica em sódio induz um aumento da excreção de cálcio, aumentando a


probabilidade de se formarem cálculos de oxalato de cálcio. Por outro lado, a excreção
urinária de Na+ (que se encontra aumentada devido à dieta a ser praticada) estimula a
saturação de ácido úrico (na forma de urato monossódico) que pode atuar como um
nicho para a cristalização de cálcio.

Aumento da
excreção de
Dieta rica em cálcio
sódio Aumento da
Saturação de
excreção urinária
ácido úrico
de sódio

• O aumento do consumo de líquidos e o aumento do aporte de citrato apresentam


vantagens na diminuição dos cálculos renais de cálcio. Particularmente, o citrato tem
um forte poder quelante do ião cálcio, formando-se complexos altamente solúveis em
comparação com o oxalato de cálcio ou com o fosfato de cálcio.

105
Manifestações clínicas da nefrolitíase:
• Manifestações clássicas da nefrolitíase unilateral – dor severa no flanco – cólica renal
(associada à distensão do ureter, da pelve renal ou da cápsula renal) –, hematúria e
febre (esta última pode existir ou não);
• Nefrolitíase bilateral ou unilateral no único rim funcional – oligúria/anúria (a anúria
traduz-se numa inexistência completa de urina) e azotemia;
• Complicações da nefrolitíase – hidronefrose e insuficiência renal:
✓ Hidronefrose – esta traduz-se como a dilatação do bacinete renal e da porção
proximal do ureter. Esta condição pode provocar, por um lado, ulceração do
ureter, iniciando-se um processo inflamatório que pode conduzir à libertação
de pirogénios e pode alterar o set-point no hipotálamo (febre), e, por outro lado,
pode levar a isquemia renal, pois a dilatação do bacinete renal comprime os
vasos sanguíneos da medula e leva à redução do fluxo sanguíneo.

Processo
inflamatório
Ulceração do
ureter Libert. de
pirogénios
Hidronefrose (febre)

Compressão dos
vasos sanguíneos Isquemia renal
da medula

✓ Insuficiência renal – associada à isquemia renal associada à hidronefrose. Gera-


se, assim, uma insuficiência renal de causas pós-renais.

Diagnóstico e tratamento:
• Diagnóstico com raio X (os cálculos são opacos à passagem da radiação ionizante), TAC
(gold-standard para o diagnóstico de litíase) e ressonância magnética;
• Tratamento com litotrícia (dissolução/destruição dos cálculos renais com ondas de
choque) ou cirurgia.

106
EQUILÍBRIO HIDRO-ELETROLÍTICO E ÁCIDO-BASE

COMPARTIMENTAÇÃO FLUIDA DO ORGANISMO

Cerca de 55% a 65% do peso corporal de um individuo é composto por água. A


quantidade total de água corporal (TBW, total body weight) está distribuída em quatro
compartimentos corporais distintos:
• Fluido intracelular – toda a água no interior das células do organismo;
• Fluido extracelular – toda a água à volta das células, constituindo o fluido
intersticial;
• Plasma sanguíneo;
• Fluido transcelular – inclui o líquido cefalorraquidiano (LCR), secreções
glandulares e os fluidos oculares e nos tratos urinário, respiratório e
gastrointestinal.

O fluido extracelular pode apresentar diferentes valores de osmolalidade –


concentração de uma substância expressa em osmoles por litro de água. Consoante a
osmolalidade do fluido extracelular, as células podem entrar em plasmólise (colapso da célula)
ou em turgescência (“inchaço” da célula).

É, por isso, imprescindível a manutenção da osmolalidade para a manutenção da coesão


das células e da sua integridade estrutural.

A osmolalidade normal do plasma é de 280 mOsm/L.

107
Os fluidos corporais possuem, na sua constituição, água, glicose, proteinato (as
proteínas plasmáticas, por possuírem uma carga global negativa, contribuem para a
concentração de aniões) e eletrólitos (catiões e aniões com carga positiva e negativa,
respetivamente).
Especificamente, no fluido extracelular, o Na+ é o eletrólito dominante, pelo que a sua
concentração é decisiva para a regulação do equilíbrio hídrico. Concomitantemente, o volume
de água determina a concentração de Na+ no fluido extracelular.
No nefrónio renal, consideram-se diferentes mecanismos de passagem de sódio para
dentro das células, consoante a porção do nefrónio em causa:
• No túbulo proximal, o sódio sai do lúmen tubular e entra por simporte com a
glicose e aminoácidos ou por antiporte com o H+ na célula tubular, saindo,
posteriormente, por uma bomba de sódio e potássio para o fluido intersticial;
• Na ansa de Henle, o sódio sai do lúmen tubular e entra por simporte com o K+ e
2 Cl-, saindo, posteriormente, para o fluido intersticial através de bomba de
sódio e potássio;
• No túbulo distal, o sódio entra na célula por simporte com o Cl- e sai,
posteriormente, por uma bomba de sódio e potássio para o fluido intersticial.

A passagem de sódio da célula tubular para o fluido intersticial envolve sempre transporte
ativo, devido à diferença de osmolalidades existente.

Regulação da água associada ao sódio:

1. O sódio passa para o fluido intersticial pelos mecanismos descritos acima;


2. A remoção de solutos osmoticamente ativos leva à redução da osmolaridade (aumenta
a concentração de água) no lúmen tubular e um aumento da osmolaridade no fluido
intersticial;
3. Esta diferença de concentração de água leva a movimentos osmóticos de água do lúmen
tubular para o fluido intersticial através das células tubulares ou tight junctions;
4. A água e várias substâncias que aí se encontram passam para os capilares peritubulares
através de bulk flow (fluxo em massa).

108
Regulação endócrina da excreção renal de água:
• Eixo renina – angiotensina – aldosterona: a aldosterona promove a reabsorção de sódio
(e, consequentemente, de água) à custa da secreção de potássio;
• Arginina-vasopressina ou ADH (hormona antidiurética): é libertada na hipófise,
aumentando a permeabilidade dos tubos coletores à água. O estímulo principal é,
portanto, a hipertonicidade;
• Péptido natriurético atrial (PNA): é secretado nos átrios cardíacos em resposta à sua
distensão associada ao aumento do volume plasmático. O aumento dos níveis de PNA
leva ao aumento da filtração e ao bloqueio da reabsorção de sódio, levando a uma perda
de sódio e água e à diminuição do plasma circulante.

REGULAÇÃO DA ÁGUA (HIPOVOLÉMIA)

A hipovolémia traduz-se numa perda combinada de água e sais superior à ingestão,


com consequente redução do fluido extracelular.
A contração do volume de fluido extracelular apresenta três principais vertentes:
• Perda extra-renal de sódio: gastrointestinal (vómitos, aspiração nasogástrica,
fístula, diarreia);
• Perda renal de sódio e água: diuréticos, diurese osmótica, hipoaldosteronismo
e nefropatias (com perda de sal);
• Perda renal de água: diabetes mellitus.
O volume de fluido extracelular normal pode estar associado a diferentes situações
patológicas:
• Diminuição do débito cardíaco: patologia do miocárdio, cardiopatia valvular ou
pericárdica;
• Redistribuição: hipoalbuminemia (cirrose hepática e síndrome nefrótico) e
extravasamento capilar (pancreatite aguda, isquemia intestinal e rabdomiólise).
O extravasamento capilar integra-se num estado de sequestração, no qual os
fluidos são perdidos dos capilares, mas não do organismo humano;
• Aumento da capacitância venosa: sépsis.

Fisiopatologia da hipovolémia:
A fisiopatologia da hipovolémia apresenta uma resposta cardiovascular associada.

Redução do Redução do
Ativação dos Ativação do SNS
volume retorno venoso e Hipotensão
barorrecetores e do eixo RAA
plasmático do DC

A ativação do sistema nervoso simpático, conjuntamente com a ativação do eixo


renina – angiotensina – aldosterona, leva ao aumento da reabsorção tubular de sódio. Por outro
lado, a ativação autónoma leva à diminuição da TFG, devido a uma vasoconstrição aferente.
Paralelamente, ocorre também a supressão do péptido natriurético atrial.

109
Manifestações clínicas:
As manifestações clínicas apresentam-se de forma gradual, aumentando a sua
intensidade com a gravidade.

REGULAÇÃO DO SÓDIO
HIPONATRÉMIA

A hiponatremia é caracterizada pela diminuição do sódio circulante no plasma


sanguíneo. Considera-se a existência de hiponatremia quando a concentração de sódio é
inferior a 135 mmol/L.

Não existe
Associado hipervolémia – o
ao aumento doente encontra-se
da ADH normovolémico,
pois não há edema.

Se o doente estiver
hipovolémico, então
as perdas renais e
extra-renais estão
elevadas, provocando
perda de água e sódio.
Descrevem-se dois tipos de hiponatremia:
• Pseudo-hiponatremia:
o Osmolalidade plasmática normal – hiperlipidemia, hiperproteinemia e
pós-ressecação transuretral de tumor da bexiga ou próstata;
o Aumento da osmolalidade plasmática – hiperglicemia e manitol.

110
• Hiponatremia hipo-osmolal:
o Perda primária de sódio – pele, sudorese, queimaduras, perda GI
(vómitos, diarreia, drenagem por sonda) e perda renal (diuréticos,
diurese osmótica, hipoaldosteronismo, nefropatia perdedora de sal e
necrose tubular aguda);
o Ganho primário de água – polidipsia primária, redução da ingestão de
solutos (potomania de cerveja – a ingestão de álcool inibe a ação da
ADH, resultando num maio volume de urina), libertação de ADH
secundária a dor, náuseas e fármacos, alteração da secreção de ADH,
deficiência de glucocorticoides, hipotiroidismo e insuficiência renal
crónica.

Manifestações clínicas e laboratoriais:


As principais manifestações clínicas estão relacionadas com o aumento do líquido
intracelular, principalmente no cérebro (tumefação das células cerebrais e edema cerebral):
• Taquicardia;
• Hipotensão;
• Diminuição do volume de urina;
• Secura das membranas mucosas (por perda de Na+);
• Afundamento e amolecimento das órbitas;
• Edemas localizados;
• Diminuição do turgôr cutâneo;
• Cefaleia/letargia/problemas de consciência.
Em termos de resultados laboratoriais, destaca-se a redução da osmolalidade
plasmática e urinária e a redução da concentração tubular de sódio por aumento da reabsorção
tubular e inferior a 20 mmol/L.

HIPERNATREMIA

A hipernatremia traduz-se no aumento da concentração de sódio (Na +) no sangue,


apresentando várias consequências fisiopatológicas:

Resulta de IV
salina em casos
de desidratação
ou em situações
com excreção
excessiva de K+

111
Manifestações clínicas da hipernatremia:
As manifestações clínicas da hipernatremia variam consoante a fase em que se encontra
a patologia:
• Fase precoce – desidratação com diminuição do turgor (elasticidade) cutâneo;
• Fase posterior – o excesso de Na+ torna-se aparente face à perda de água –
verifica-se uma hipernatrémia relativa (a hipernatrémia verdadeira é rara),
sendo comum no doente comatoso (por falta de queixa de sede). Nesta fase,
ocorre ascite e cirrose, insuficiência cardíaca congestiva (devido ao aumento da
pós-carga e da PAM), lesões vasculares, edemas cíclicos e síndrome nefrótico
por lesão vascular e hiperaldosteronismo.

REGULAÇÃO DO POTÁSSIO
HIPERCALIEMIA

A hipercaliemia traduz-se numa concentração plasmática de potássio superior a 5,0


mmol/L. Apresenta etiologia diversificada, sendo o desequilíbrio eletrolítico mais comum:
• Insuficiência renal;
• Diminuição do fluxo urinário distal;
• Diminuição da secreção de K+ - esta situação pode estar associada aos níveis de
aldosterona e à alteração dos mesmos:
o Hipo-aldosteronismo primário: insuficiência adrenal;
o Hipo-aldosteronismo secundário: hiporeninémia, inibidores da ECA,
AINEs, heparina;
o Resistência à aldosterona: pseudo-hipo-aldosteronismo, doença
tubular intersticial, fármacos conservadores do K+ (beta-bloqueantes).
Também pode estar associado ao aumento da reabsorção de Cl-:
o Síndrome de Gordon: raro, caracterizado por hipercaliemia, acidose
metabólica e TFG normal;
o Ciclosporina.

Manifestações clínicas da hipercaliemia:


A hipercaliemia promove a despolarização parcial e progressiva da membrana,
comprometendo a sua excitabilidade, sendo a gravidade da situação determinada pelos
sintomas, concentração plasmática do K+ e pelo ECG. Ocorrem, portanto, condições patológicas
como:
• Astenia e fraqueza muscular, que podem conduzir a paralisia flácida e
hipoventilação se os músculos respiratórios forem envolvidos;
• Acidose metabólica por inibição da génese e reabsorção renal de amónia
(porção grossa da ansa de Henle), o que agrava a situação por indução da saída
de K+ das células;
• Toxicidade cardíaca e disrritmias, com aumento progressivo da amplitude de T,
perda da onda P e, consoante a gravidade, com o aumento de PR e duração QRS;
• Bradicardia (disfunção ventricular).

112
HIPOCALIEMIA

A hipocaliemia traduz-se pela diminuição da concentração de potássio (K +) no sangue


abaixo de 3,5 mmol/L. As principais causas para a hipocaliemia são o aporte inadequado (quer
na dieta, quer na absorção), a perda excessiva de K+ e ainda o shift do K+ celular.

Devido a ressecção do
Excreção intestino ou a fístula do
excessiva e trato gastrointestinal.
inexistência
de reabsorção Síndrome de Cushing

Estes agonistas
promovem
reabsorção de sódio
e aumentam a PAM.

Os sintomas e sinais dominantes refletem a disfunção neuromuscular:


• Astenia e fraqueza muscular;
• Depressão de reflexos;
• Perda de tónus e função muscular;

• Arritmia (disritmia) – tipicamente, o ECG


mostra depressão do segmento ST com
achatamento da onda T e proeminência da
onda U:

113
• Poliúria – a hipocaliemia promove a libertação de prostaglandinas no rim, as
quais diminuem a sensibilidade à ADH, resultando em diurese intensa;
• Alcalose metabólica.

REGULAÇÃO DO CÁLCIO

Cerca de 25% da quantidade filtrada de cálcio é reabsorvida no túbulo contornado


proximal, através de mecanismos que estão relacionados com a reabsorção de sódio (Na+) e
água.
Cerca de 65% é reabsorvida na ansa de Henle, nomeadamente, na porção grossa
ascendente, onde, através das bombas de sódio-potássio-cloreto, é criado um gradiente
transepitelial positivo que permite a reabsorção do cálcio. É também nesta porção que se faz
sentir a ação da PTH, aumentando também a reabsorção do cálcio.
Posteriormente, no túbulo contornado distal, cerca de 5 a 10% do cálcio sofre
reabsorção.

O cálcio é regulado, endocrinamente, pela PTH (hormona paratiroideia), que promove,


globalmente, a reabsorção de cálcio ao nível do osso, intestino e rim:

114
O fosfato diminui na corrente sanguínea sob a ação da PTH, mas é reabsorvido juntamente
com o cálcio no osso.

A calcitonina produzida pela glândula tiroideia permite que os níveis de cálcio não
atinjam valores demasiado elevados, induzindo, nesses casos, excreção de cálcio no rim.

HIPERCALCEMIA

A hipercalcemia define-se como valores elevados de cálcio sanguíneo.


Apresenta diferentes etiologias, das quais se destacam o hiperparatiroidismo ou
estados hipotiroideos, a eficiente excreção renal de cálcio e a presença de tumores malignos
secretores de fatores tumorais PTH-like (hipercalcemia maligna) na medula, rim ou paratiroide.
Também a toma de suplementação de vitamina D em quantidades elevadas pode
resultar em hipercalcemia, pois um excesso de vitamina D resulta numa excessiva absorção de
cálcio, assim como sarcoidose.

Manifestações clínicas da hipercalcemia:


• Nefrolitíase (com cristais de oxalato de cálcio);
• Cãibras (por excesso de Ca2+) e dor osteoarticular e muscular;
• Hiperatividade gástrica (náuseas, dor abdominal e diarreia);
• Calcificação metastática, comum na hipercalcemia crónica.

A calcificação metastática difere da calcificação distrófica, pelo facto da última se referir à


calcificação de tecido necrosado.

• Hipofosfatemia, pois a regulação do fosfato está dependente da regulação do cálcio;


• Polidipsia (sede excessiva);
• Arritmia – diminuição do segmento ST e QT (diminuição da repolarização e
despolarização ventriculares).

HIPOCALCEMIA

A hipocalcemia apresenta etiologia diversificada, à semelhança da hipercalcemia:


hipoparatiroidismo, deficiência em vitamina D, excesso de calcitonina e síndromes de má
absorção. Como a absorção de cálcio está dependente de um ambiente ácido, a toma de anti-
ácidos associada a ressecção gástrica ou úlcera gástrica pode dificultar esta absorção e motivar
a hipocalcemia.
Também infeções peritoneais ou pancreáticas podem provocar hipocalcemia, pois o
cálcio fica menos disponível no fluido extracelular (fica ligado a outras moléculas).

Manifestações clínicas da hipocalcemia:


• Hiper-reflexia neuromuscular;
• Super-irritabilidade neuromuscular com espasmos paroxísticos – tetania
hipocalcémica;

115
• Sinal de Chvostek – espasmos e twitching dos músculos faciais;
• Aumento do espaço QT (aumento da despolarização ventricular).

REGULAÇÃO DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE

O equilíbrio ácido-base do organismo é crucial para o funcionamento normal de todos


os componentes celulares. O pH normal do organismo humano situa-se entre os 7,35 e os 7,45
– verifica-se uma alcalose quando o pH é superior a 7,45 e uma acidose quando abaixo de 7,35.
O ião H+ é o principal responsável pelo equilíbrio ácido-base, participando no equilíbrio
químico do ácido carbónico:
CO2 + H2 O ⇌ H2 CO3 ⇌ H + + HCO−
3

O equilíbrio é, portanto, obtido quando a taxa de produção de H+ é igual à taxa de


excreção de H+.
A ventilação pulmonar desempenha um papel importante na excreção de H + (através
da excreção de CO2) – o equilíbrio químico move-se da direita para a esquerda, de acordo com
o Princípio de Le Châtelier.

O CO2 constitui um ácido volátil, pois está associado à formação de H+ via ácido carbónico.
Todas as substâncias ácidas produzidas no metabolismo proteico e lipídico denominam-se
ácidos fixos.

A existência de soluções tampão são, porém, imprescindíveis em situações em que a


ventilação pulmonar não consegue resolver o desequilíbrio em iões H +, como é o caso dos iões
H+ que são produzidos nas células e se vão acumulando na circulação sanguínea.

Tipos de distúrbios ácido-base:


• Simples ou primárias – devidas a alteração respiratória que provoca uma modificação
primária da PCO2 ou a modificações metabólicas (primárias) que alteram a [𝐻𝐶𝑂3− ];
• Mistas – originadas por disfunções que coexistem independentemente, não
considerando as respostas compensatórias.

Metodologia de diagnóstico:
• Gasometria arterial – avaliação do pH e da PCO2, cálculo de [𝐻𝐶𝑂3− ] através da equação
de Henderson-Hasselbach e avaliação do CO2 total do plasma;
• Avaliação do anião GAP (ou AG ou anião inonimado) – representa os aniões não
medidos, embora presentes no plasma, os quais podem acumular-se e provocar
alterações importantes. São o caso do ácido láctico (acidose láctica), do ácido
cetoacético (cetoacidose diabética, alcoolismo, malnutrição), do etilenoglicol, dos
salicilatos ou do metanol.
AG: [Na+ ] − ([Cl− ] + [HCO− 3 ])

116
MECANISMOS HOMEOSTÁTICOS DE REGULAÇÃO

Descrição do mecanismo homeostático

As principais soluções tampão são as


proteínas e o sistema de fosfatos.
Também o bicarbonato, que atua
Soluções tampão apenas no plasma e no interstício, as
proteínas plasmáticas e a
hemoglobina são importantes
soluções tampão intra-plasmáticos.

A ativação dos quimiorrecetores bulbares induz a alteração da


Regulação bulbar
frequência e intensidade respiratórias.

Pode incluir a excreção de H+ ou a secreção de HCO−


3

Cotransporte Na+/K+: o sódio entra na célula tubular e o H+ sai


para o lúmen tubular. Este sistema ocorre em todo o túbulo,
destacando-se a sua presença na porção proximal. Ocorre,
assim, reabsorção de Na+ e a secreção de pequenas
quantidades de H+.

Transporte ativo primário de H+ dependente de ATPase: a H+-


ATPase concentra estes iões no lúmen tubular (principalmente
na porção distal) até 900 vezes em relação ao plasma. Para que
este sistema funcione, o pH da urina tem de se situar acima dos
4,5, sob prejuízo da bomba de protões cessar.

Reabsorção tubular e de
acidificação da urina: a
hidratação intracelular do CO2
Modificação renal gera H+, que são libertados no
lúmen tubular. Estes reagem
com o bicarbonato,
esgotando-se. Quando o
bicarbonato tubular se esgota,
os H+ sobrantes reagem com o
par fosfato monossódico
(𝑵𝒂𝑯𝟐 𝑷𝑶𝟒) – fosfato
dissódico (𝑵𝒂𝑯𝑷𝑶𝟒), o que
origina mais ácidos que
contribuem para a acidificação
da urina. Por outro lado, a
eliminação adicional de H+
ocorre com o amoníaco
(resulta da desaminação
oxidativa do glutamato e da
glutamina), eliminando-se sob
a forma de ião amónia.

117
DISFUNÇÕES ÁCIDO-BASE METABÓLICAS E RESPIRATÓRIAS

As disfunções ácido-base podem ser analisadas através dos diagramas de Davenport.

DISFUNÇÕES RESPIRATÓRIAS DISFUNÇÕES METABÓLICAS

Acidose respiratória aguda


Acidose metabólica hiperclorémica
Acidose respiratória crónica
Acidose metabólica com anião GAP
Alcalose respiratória aguda
Alcalose metabólica
Alcalose respiratória crónica

Compensação metabólica Compensação respiratória


Correção respiratória Correção renal

A acidose produz uma hipercaliemia secundária – os iões H+ em excesso são


internalizados nas células e, como mecanismo compensatório, saem grandes quantidades de
iões K+ para o meio extracelular. Analogamente, a alcalose produz uma hipocaliemia secundária,
pois é favorecida a saída de H+ para o meio e a entrada de K+ para a célula.

118
ACIDOSE METABÓLICA

A acidose metabólica engloba a acidose metabólica com anião GAP elevado e a acidose
metabólica hiperclorémica.

A acidose metabólica com anião GAP elevado apresenta várias etiologias,


nomeadamente, o aumento da produção de ácidos não voláteis (diabetes mellitus, jejum
prolongado, hipoglicémia crónica, intoxicação por etanol e acidúria metil-malónica), o aumento
da produção de ácido láctico (hipoxia tecidular, exercício excessivo, fenmorfina, diabetes
mellitus, leucemia, cirrose e pancreatite) e o aumento da produção de outros ácidos (intoxicação
por metanol, paraldeído e salicilatos). Os ácidos láctico, cetoacético e sulfatos decompõem-se
em aniões inanimados (aumento de anião GAP e diminuição do pH do sangue).
Este tipo de acidose surge então quando há diminuição da excreção de ácidos não
voláteis e aumento do anião GAP.
Por outro lado, a acidose metabólica hiperclorémica ocorre quando se verifica um
aumento da concentração de Cl-, o que está associado a uma diminuição significativa de
bicarbonato circulante.
Em relação às etiologias apresentadas na tabela, importa reforçar o facto dos sais
acidificantes, a perda renal de bicarbonato, quer por pielonefrite, quer por alterações no
transporte Na+/K+, e ainda hiperparatiroidismo (o aumento do cálcio circulante leva à
diminuição do tamponamento sanguíneo) contribuírem para a acidose metabólica
hiperclorémica.

Manifestações clínicas da acidose metabólica:


• Respirações profundas e frequentes (respirações de Kussmaul);
• Fadiga e perda de apetite;
• Náuseas e vómitos;
• Cefaleia, letargia e coma;
• Vasodilatação periférica;
• Diminuição da complacência vascular central e pulmonar (com edema).

119
ACIDOSE RESPIRATÓRIA

A acidose respiratória pode ter etiologias diferentes, consoante se trate de uma acidose
aguda e de acidose crónica.
Obstrução das vias respiratórias, supressão
Acidose aguda (𝐇𝐂𝐎− 𝟑 < 30 mEq/L, Cl
-
central respiratória (hipnóticos, sedativos,
normal, urina normal ou ácida) heroína) e lesões neurológicas (botulismo,
miastenia gravis)
DPOC, enfisema, doença pulmonar intersticial,
Acidose crónica (𝐇𝐂𝐎− 𝟑 30 – 40 mEq/L,
- poliomielite, paralisia diafragmática e
Cl baixo, urina ácida)
hipoventilação alveolar

Manifestações clínicas da acidose respiratória:


• Ansiedade, dispneia, confusão, psicose, alucinações;
• Coma;
• Distúrbios do sono, perda de memória, sonolência diurna, distúrbios motores;
• Cefaleias.

ALCALOSE METABÓLICA

A alcalose metabólica apresenta inúmeras etiologias associadas:

O aumento do
eixo RAA leva à
diminuição do Cl-
e de H+.

Aumenta a
incorporação de K+ e
H+, logo há um
aumento acentuado
de HCO3-.

Manifestações clínicas da alcalose metabólica:


• Ansiedade, letargia e tonturas;
• Disrritmias;
• Cãibras musculares e parestesias (associadas ao K+);
• Vómitos e náuseas.

120
ALCALOSE RESPIRATÓRIA

A alcalose respiratória pode estar associada a várias condições patológicas:

Há compensação
renal com
diminuição da
excreção de H+

↑ FR

Manifestações clínicas da alcalose respiratória:


• Taquicardia (aumento da frequência cardíaca);
• Hiperventilação;
• Hipotensão ou normotensão;
• Hipocaliemia (aumento da concentração de K + intracelular, devido à saída de H+);
• Perda de sensibilidade e parestesias (devido ao K+).

121
PATOLOGIAS GASTROINTESTINAIS

A parede do trato gastrointestinal apresenta uma organização histológica característica,


sendo constituída, globalmente, por camada mucosa, submucosa, muscular externa e serosa:

• A mucosa apresenta três componentes – o epitélio, a lâmina própria, onde se


encontram nervos, vasos sanguíneos e linfáticos e células imunitárias, e a
muscular da mucosa, que serve de referência para a avaliação da metastização
de tumores;
• A submucosa apresenta o plexo nervoso entérico ou submucoso ou de
Meissner, que controla as secreções do trato gastrointestinal, e ainda vasos
sanguíneos;
• A camada muscular externa é composta por uma camada muscular circular e
pelo plexo nervoso mioentérico ou de Auerbach, que controla a motilidade;
• A serosa apresenta células epiteliais escamosas e tecido conjuntivo.

As doenças do tubo digestivo podem-se apresentar de diferentes formas, consoante o


mecanismo da doença:
• Anomalias do desenvolvimento (atrésia, hérnias e divertículo de Meckel);
• Doenças motoras e mecânicas;
• Doenças inflamatórias;
• Doenças vasculares (varizes, vasculites e isquemia);
• Doenças endócrinas e metabólicas;
• Massas tumorais:
o Heterotopias (localização anómala de um determinado tipo de tecido);
o Pólipos;
o Neoplasias benignas (adenomas) e malignas (de origem epitelial);
• Doenças genéticas (polipose adenomatosa familiar);
• Doenças multifatoriais (doença celíaca, que engloba fatores nutricionais,
genéticos e imunológicos).

122
PATOLOGIAS DO ESÓFAGO
ACALÁSIA

A acalásia está associada à diminuição da peristálise do esófago e à incapacidade de


relaxar o esfíncter esofágico inferior.
Apresenta várias causas, podendo ser psicossomática ou devido à inervação ou
destruição das fibras musculares esofágicas, que produzem VIP e óxido nítrico, promovendo
assim a dilatação do esfíncter esofágico.

Sinais e sintomas:
• Disfagia (dificuldade em deglutir);
• Perda de peso;
• Vómitos.

Tratamento:
• Alargamento mecânico do esfíncter;
• Antagonistas do cálcio;
• Cirurgia.

REFLUXO GASTROESOFÁGICO E ESOFAGITE POR REFLUXO

O refluxo gastroesofágico está associado à exposição repetida e persistente da mucosa


esofágica ao ácido do estômago. Distinguem-se dois tipos de refluxo: o refluxo ocasional e o
refluxo cumulativo.
A persistência de refluxo gastroesofágico pode motivar o aparecimento de esofagite
(inflamação), com hiperplasia das células basais e das úlceras, com consequente oclusão do
cárdia (região entre o esófago inferior e o estômago). Esta alteração do epitélio esofágico de
células escamosas para colunares traduz-se numa alteração patológica que se denomina
esófago de Barrett. A longo prazo, o esófago de Barrett pode evoluir para adenocarcinoma.

123
Sintomas:
• Azia ou pirose (sensação de queimadura);
• Disfagia;
• Dor torácica.

Fatores responsáveis:
• Aumento da pressão abdominal;
• Hérnia do hiato – a parte superior do estômago passa para a cavidade torácica;
• Inoperância dos mecanismos anti-refluxo;
• Relaxamento do cardia, motivado por café e tabaco.

Diagnóstico:
• Anamnese;
• Raio X, esofagoscopia e biópsia da mucosa.

Tratamento:
• Diminuição da pressão no estômago – evitar comer muito e antes do deitar, evitar
alimentos gordos e toma de medicamentos que favoreçam esvaziamento gástrico;
• Diminuição da acidez gástrica – antiácidos e antagonistas do H+;
• Manutenção da pressão do cárdia – redução do consumo de álcool, café e gorduras,
não fumar e comer pouco de cada vez;
• Proteger a mucosa do esófago.

PATOLOGIAS DO ESTÔMAGO
HÉRNIA DO HIATO

A hérnia do hiato é uma situação patológica na qual a porção superior do estômago


passa para a cavidade torácica. Os sintomas são semelhantes aos do refluxo gastroesofágico.

Como a pressão torácica é


maior do que a pressão
abdominal, o estômago fica
sujeito a uma maior pressão,
motivando o aparecimento
de refluxo gastroesofágico.

124
GASTRITE

A gastrite constitui uma inflamação da mucosa do estômago, podendo apresentar-se


aguda ou crónica.
Os principais sintomas são a sensação de pressão no estômago, cefaleia, anorexia,
vómitos e náuseas e ainda intolerância à comida. A longo prazo, podem gerar úlcera gástrica ou
carcinoma e anemia megaloblástica.
Existem três principais tipos de gastrite:
• Aguda erosiva e hemorrágica – ocorre em consequência de lesão superficial e
de erosão da mucosa ou de úlceras superficiais. Tem como principais etiologias
a isquemia, a toma de AINEs, queimaduras ou traumatismos;
• Crónica não erosiva (tipo B) – ocorre maioritariamente no antro gástrico,
provocada por infeção por Helicobacter pylori;
• Crónica atrófica (tipo A) – está associada à presença de autoanticorpos dirigidos
contra células parietais, fator intrínseco e gastrina. Esta gastrite, juntamente
com a gastrite tipo B, podem evoluir para carcinoma, por ocorrência de
metaplasia epitelial.

Aumento dos níveis


Pode evoluir para
séricos de gastrina e
carcinoma, por
Gastrite tipo B aumento da
metaplasia do
produção de ácido
epitélio
gástrico

Hiperplasia das células


epiteliais e carcinoma
Diminuição da produção
de ácido gástrico e, por
compensação, aumento
da produção de gastrina
Carcinoide
Gastrite tipo A

Diminuição da produção
de fator intrínseco, com
Anemia perniciosa
diminuição da absorção
de cobalamina

125
ÚLCERA PÉPTICA

A úlcera péptica pode ser gástrica ou duodenal, apresentando diferentes fatores que
contribuem para o seu aparecimento.
Úlcera péptica gástrica Úlcera péptica duodenal
• Aumento da sensibilidade da mucosa ao
• Aumento da atividade vagal;
HCl;
• Aumento da sensibilidade das células
• Diminuição da secreção de bicarbonato;
parietais aos estímulos de produção de HCl;
• Acidificação do bulbo duodenal;
• Hiperplasia das células epiteliais;
• A diminuição da motilidade retrógrada
• Diminuição da secreção de prostaglandinas
dificulta a neutralização pelas secreções
(tabaco, AINEs) – resulta em isquemia;
alcalinas;
• Rápido esvaziamento gástrico.
• Infeção por Helicobacter pylori.

A úlcera péptica gástrica distingue-se da gastrite, uma vez que a úlcera afeta o epitélio a
uma profundidade maior, ultrapassando a mucosa.

Sintomas:
• Dor abdominal que irradia para o esterno;
• Dor que agrava com os alimentos;
• Fraqueza;
• Perda de peso;
• Hemorragias gastrointestinais (hematemeses ou melenas);
• Vómitos.

Fatores externos ao tubo digestivo:


• Hipersecreção ácida (hipercalcemia e hiperparatiroidismo);
• Insuficiência vascular;
• Proliferação celular (radiações ou quimioterapia).

Complicações: perfuração gástrica e peritonite (inflamação do peritoneu).

Diagnóstico:
• Endoscopia digestiva com biópsia;
• Sangue oculto nas fezes.

Tratamento:
• Antiácidos;
• Antagonistas dos recetores H2;
• Proteção da mucosa (sucralfato);
• Suspender o consumo de álcool, café, anti-inflamatórios, tabaco;
• Inibidor da bomba de protões;
• Cirurgia para controlo da hemorragia.

126
Dentro das úlceras gástricas e duodenais, consideram-se também as úlceras de stress,
que constituem lesões múltiplas e bem demarcadas da mucosa gástrica e duodenal, pouco
profundas e quase sem reação inflamatória. São normalmente assintomáticas.
Apresenta etiologia diversificada, como doenças graves (associada à produção de
cortisol, que tem uma ação permissiva sobre as catecolaminas, o que leva a um menor aporte
de sangue ao sistema nervoso simpático), politraumatizados (hipotensão, hipoxia aguda) e
ingestão crónica de anti-inflamatórios.

ADENOCARCINOMA DO ESTÔMAGO

O adenocarcinoma do estômago constitui um tumor maligno da mucosa gástrica.


Apresenta etiologia diversificada, como a ingestão de alimentos ricos em nitritos e de
alimentos fumados e salgados.

Sintomas:
• Náuseas;
• Perda de peso;
• Dor abdominal;
• Hemorragia;
• Massa palpável.

Diagnóstico: endoscopia com exame anatomopatológico da mucosa gástrica.

PATOLOGIAS DO INTESTINO
ÚLCERA DUODENAL

De entre as principais causas de úlcera duodenal, destaca-se a infeção por H. pylori,


uma vez que a bactéria origina uma alcalinização do meio (a bactéria transforma a ureia em
dióxido de carbono e amónia, esta última com propriedades alcalinas). Esta alcalinização ocorre
principalmente no antro gástrico, o que leva a ativação das células G presentes, que produzem
maiores quantidades de gastrina e que, consequentemente, resultam no aumento da produção
de ácido clorídrico pelas células parietais. Como o antro gástrico se encontra anatomicamente
próximo ao esfíncter duodenal, existe uma acidificação do duodeno, o que predispõe o
aparecimento de úlceras duodenais.

Deteção da Aumento da Passagem de


Alcalinização alteração de produção de ácido
Infeção por do meio no pH pelas ácido gástrico para
H.pylori antro células G e gástrico o duodeno e
gástrico produção de pelas células sua
gastrina parietais acidificação

127
Por outro lado, o aumento da pressão abdominal provoca um aumento da
predisposição de úlceras duodenais, o que está associado ao facto do esfíncter duodenal ser um
esfíncter fisiológico e não anatómico, respondendo a qualquer aumento da pressão local.

A mucosa duodenal apresenta uma maior sensibilidade do que a mucosa gástrica.

Sintomas: dor epigástrica que alivia com os alimentos e os antiácidos, sintomatologia


intermitente e hemorragias gastrointestinais (hematemese e melenas).

DIARREIA

A diarreia ocorre quando se verificam mais do que 3 dejeções por dia (> 200g/24h).
Contudo, a dieta praticada pelo individuo pode determinar a avaliação subjetiva das suas fezes
– um individuo com uma dieta rica em fibras apresentará, à partida, uma maior frequência de
dejeções diárias.
Esta pode ser classificada em:
• Aguda – pode apresentar origem bacteriana ou parasitária, intoxicação
alimentar ou toma de medicamentos. Tem uma duração até 3 – 4 semanas;
• Crónica – pode ser aquosa (osmótica/secretória), inflamatória e oleosa.

Particularmente, a diarreia aquosa pode ser:


• Osmótica – devido à ingestão de solutos pouco absorvíveis (sorbitol, frutose,
sais de magnésio, aniões fosfato e citrato) e à má absorção de carbohidratos
(flatulência por digestão dos açúcares pelas bactérias);
• Secretória – devido à produção de substâncias que estimulam a secreção de
eletrólitos pela mucosa intestinal por aumento da produção de AMPc ou de
GMPc (enterotoxinas bacterianas produção de VIP (péptido vasoativo intestinal)
pelos tumores do pâncreas) e à recessão do íleo (má absorção de sais biliares)
cujos metabolitos estimulam no cólon a secreção de NaCl).

Causas de diarreia:
• Exsudativa ou inflamatória – lesão orgânica da parede do intestino mais comum no
cólon, com diminuição da absorção normal de água e produção de exsudado rico em
proteínas e por vezes pus – diarreias com muco, sangue e pus (disenteria) de causa
bacteriana ou não infeciosa (doenças inflamatórias do intestino);
• Oleosa – má digestão e má absorção das gorduras (recessão do íleo);
• Motora (alterações da motilidade) – aumento do peristaltismo (síndrome do cólon
irritável).

128
Fisiopatologia e complicações da diarreia:
A diarreia apresenta três principais vertentes fisiopatológicas:
• Diminuição da absorção de água;
• Aumento dos movimentos peristálticos, com o objetivo de se facilitar a
dejeção, não havendo tempo para se absorver a água de forma significativa, o
que leva à liquidificação das fezes;
• Secreção de água e eletrólitos para o lúmen intestinal.

Esta condição patológica apresenta, portanto, várias consequências associadas:


• Perda de peso;
• Desidratação (diarreias agudas, principalmente nas crianças);
• Alteração eletrolítica e ácido-base: hipocaliemia e acidose metabólica (perda
de HCO3 – pelas fezes).

OBSTIPAÇÃO

A obstipação verifica-se quando ocorrem menos de 2 dejeções por semana.


As principais causas são funcionais, com alteração da motilidade, e devido a dilatação
ou presença de corpo estranho.

Tratamento:
• Adoção de dieta rica em fibras;
• Alteração do estilo de vida;
• Toma de laxantes.
Causas de obstipação:
• Dieta pobre em fibra;
• Neuropatias autonómicas (diabetes);
• Causas endócrino-metabólicas – hipercalcemia secundária ao hiperparatiroidismo e
hipocaliémia (contração muscular), hipotiroidismo;
• Espasmo colónico (síndrome de cólon irritável);
• Obstrução mecânica – divertículos, tumor, hérnias, volvulus (rotação de uma das ansas
do intestino sobre si mesma, com obstrução completa do lúmen, compressão de vasos
e risco de necrose e perfuração);
• Fissuras anais – contração reflexa do esfíncter anal.

Consequências da obstipação:
• Dor;
• Hipovolémia;
• Vómitos;

129
• Megacólon (dilatação anormal do colon).

SÍNDROMES DE MÁ ABSORÇÃO E MÁ DIGESTÃO

Os locais de absorção no intestino constituem principalmente:


• Duodeno, onde são absorvidos aminoácidos, hidratos de carbono, iões (Fe2+,
Ca2+ e Mg2+) e vitaminas;
• Íleo, onde são absorvidos o ácido fólico, a vitamina B12 e ainda sais biliares.

Estes síndromes apresentam uma etiologia e uma fisiopatologia associadas:

Depressão central da lâmina ungueal com


elevação das bordas, conferindo aspeto de
colher, associada à deficiência em ferro.

130
Causas da má absorção:
• Doença celíaca (na criança) – doença autoimune, de natureza genética (HLA-DR3 e HLA-
DQ2), com produção de anticorpos anti-gliadina (IgA e IgM). Caracteriza-se por uma
intolerância ao glúten (cevada, trigo e centeio) e pela ocorrência de destruição das
vilosidades intestinais que compromete a absorção dos alimentos;
• Deficiências enzimáticas (lactase, sucrase e maltase);
• Má absorção de gorduras – deficiência em lípase e sais biliares, que levam a
esteatorreia.

Consequências da má absorção:
• Deficiência em vitamina K – fatores de coagulação e hemorragias;
• Deficiência em vitamina D – osteomalacia (desmineralização óssea);
• Esteatorreia (fezes gordurosas, volumosas, amareladas, pastosas e fétidas, com mais de
6g de gordura/24h);
• Perda de peso.

DOENÇAS INFLAMATÓRIAS DO INTESTINO

As doenças inflamatórias do intestino incluem várias doenças principais:


• Doença de Crohn ou enterite regional – doença crónica granulomatosa, com
componente genético e autoimune, podendo afetar todo o trato
gastrointestinal. Ocorre infiltração inflamatória da mucosa, fibrose da
submucosa e hipertrofia muscular, que causam espessamento da mucosa, com
consequente estenose do intestino ou fístulas abdominais e perineais.
Sintomas: diarreia crónica com períodos de remissão, perda de peso, anorexia
e má absorção de ferro e vitamina B12.

Uma fístula constitui uma passagem que liga o lúmen de dois órgãos normalmente
separados ou um órgão e a uma cavidade.

• Colite ulcerosa – inflamação limitada ao colon, com perda das vilosidades do


epitélio e a presença de focos de ulcerações acompanhada de necrose purulenta
(abcessos). Manifesta-se em crises agudas e graves.
Sintomas: fezes com muco e sangue, anemia grave, diarreia e dor abdominal,
ocorre no adulto jovem.
Consequências: fístulas e peritonite, maior risco de cancro do cólon.
• Síndrome de cólon irritável – ocorre principalmente associada ao stress,
verificando-se diarreia alternada com obstipação, dor abdominal e distensão
abdominal (excesso de gás).
Encontra-se associada à diminuição do peristaltismo intestinal e a alterações na
sensibilidade das vias nervosas intrínsecas ou extrínsecas ao intestino (com
necrose de neurónios) – alteração da secreção/absorção e da motilidade

131
intestinal e hiperalgesia (dor exagerada). Também pode estar associada a
disbiose intestinal (desequilíbrio da flora intestinal).
• Diverticulite – ocorre devido à acumulação de matéria fecal nos divertículos
(ligados à ingestão de pouca fibra, que obriga a uma maior força de contração
do intestino), que gera um desenvolvimento bacteriano local.
Sintomas: dor, febre, sangramento, necrose intestinal e formação de fístulas.
Constitui a principal causa de hemorragia intestinal no idoso. A fibrose
resultante pode levar à obstrução intestinal (volvulus).

CANCRO DO CÓLON

O cancro do cólon constitui a terceira causa de morte por tumor (depois da neoplasia
da mama e do pulmão). São comuns os tumores benignos do cólon – pólipos (crescimento
excessivo de tecido) –, cuja incidência aumenta com a idade e pode progredir para cancro após
10 – 15 anos. Alguns destes adquirem características de malignidade – adenocarcinomas
invasivos, que constituem mais de 95% dos tumores malignos do intestino grosso.
Apresentam um componente genético importante.

Diagnóstico: marcadores tumorais: CEA e CA 19.9, pesquisa de sangue oculto nas fezes e
colonoscopia.

132
PATOLOGIAS HEPÁTICAS, BILIARES E PANCREÁTICAS

PATOLOGIAS HEPÁTICAS

O fígado apresenta-se como uma glândula anexa ao tubo digestivo, relacionando-se da


seguinte forma com os órgãos circundantes:

A disfunção ou doença hepática apresenta diferentes vertentes, das quais se destacam:


• Disfunção dos hepatócitos – ocorre principalmente na lesão aguda hepática,
caracterizando-se pela perda de função do parênquima hepático;
• Hipertensão portal – associada ao aumento da resistência intra-hepática,
associada a várias causas e provocando inúmeras consequências:

133
No caso específico da hipertensão portal, existem patologias que podem estar
associadas a disfunção hepatocelular, quando esta envolve a degradação
parenquimatosa propriamente dita, a derivação portossistémica, na qual o
sangue, sob elevada pressão, transpõe o fígado e passa para a circulação
sistémica indevidamente, ou até ambas (como é o caso da encefalopatia
hepática).
• Zonalidade funcional – os hepatócitos encontram-se agrupados em zonas de
acordo com a sua proximidade à vénula portal, sendo os hepatócitos da zona 1
os mais próximos à vénula portal, sendo, portanto, aqueles que recebem
oxigénio e nutrientes em concentrações mais elevadas. Contudo, também estão
mais expostos à ação de fármacos e xenobióticos, sendo os mais afetados pela
hepatotoxicidade. Por outro lado, os hepatócitos da zona 3 são os mais
afetados por produtos tóxicos do metabolismo hepático.

A doença hepática traduz-se num global comprometimento das funções hepáticas,


nomeadamente, o metabolismo das gorduras (associado a esteatose hepática e à formação de
xantomas – depósitos subcutâneos de gordura), proteínas (associado à encefalopatia hepática)
e hidratos de carbono (levando a hipo ou hiperglicemia) e ainda a distúrbios na secreção de bílis,
na destoxificação dos fármacos, na dinâmica das lipoproteínas e dislipidemias e na alteração das
funções de armazenamento e de ligação.

Esteatorreia

Deficiência em vitamina K

Ativação das fibras nervosas


Prurido sensitivas cutâneas pelos
Distúrbios na secreção de ácidos biliares
bílis

Fezes claras (hipocólicas


Ausência de urobilinogénio –
ou acólicas) produto de degradação da
bilirrubina
Bilirrubina
Urina escura
conjugada na urina

Icterícia
Doença hepática

Níveis sanguíneos
Destoxificação dos subterapêuticos ou
fármacos acumulação tóxica de
fármacos na circulação

Dinâmica das
Hipercolesterolemia
lipoproteínas e
familiar
dislipidemias

Menor armazenamento
Alteração das funções de
de ácido fólico e vitamina Anemia macrocítica
armazenamento e ligação
B12

134
Especificamente, a icterícia está associada a um estado de hiperbilirrubinemia (níveis
de bilirrubina superiores a 2 mg/dL), apresentando inúmeras causas:

Para além das especificadas na imagem, também o defeito na captação da bilirrubina


para o hepatócito (competição com alguns fármacos e síndrome de Gilbert), o defeito na
conjugação da bilirrubina por diminuição da UDP-GT (a UDP-GT é a enzima responsável pela
conjugação da bilirrubina com proteínas plasmáticas) e o defeito na excreção biliar da
bilirrubina conjugada por defeito na excreção para o canalículo biliar, lesão do hepatócito ou
colestase são causas de hiperbilirrubinemia e, consequentemente, de icterícia.
As doenças hepáticas podem, portanto, ser agrupadas em 3 principais grupos:
• Colestase – obstrução biliar, intra ou extrahepática, o que faz com que não
exista drenagem de bílis para o intestino;
• Doença hepática aguda – quando os sinais e sintomas desaparecem até 8
semanas, podendo estar associada a hepatotoxicidade, infeção ou diminuição
da perfusão hepática;
• Doença hepática crónica – quando os sinais e sintomas persistem após 6 meses,
estando associada a alcoolismo, hepatite crónica ativa ou doença autoimune.

HEPATITE AGUDA VIRAL

A hepatite aguda trata-se de uma inflamação do fígado que conduz à morte dos
hepatócitos por necrose ou por apoptose. Apresenta inúmeras etiologias, das quais se
destacam a infeção por agentes infeciosos (principalmente vírus) e a exposição a agentes tóxicos
e a fármacos.

135
No caso da hepatite viral, a mais comum doença hepática, esta pode ser causada por
infeção por vírus da hepatite A, B, C, D e E (HAV, HBV, HCV, HDV e HEV, respetivamente):
• Hepatite A – ocorre destruição direta dos hepatócitos e consequente resposta
imunitária por parte do hospedeiro. Pode, portanto, provocar insuficiência
hepática fulminante e necrose hepatocelular intensa.
• Hepatite B – este vírus não mata os hepatócitos diretamente, são as células
imunitárias (linfócitos T numa primeira fase e, posteriormente, linfócitos B) que
destroem os hepatócitos;
• Hepatite C – nesta infeção, ocorre lesão direta ou citopática, incluindo necrose,
apoptose e infiltração de linfócitos que expressam o CD-95;
• Hepatite D – este vírus necessita das funções auxiliares desempenhadas pelo
vírus tipo B (logo os indivíduos infetados por HBV têm risco acrescido de contrair
infeção por HDV).

Manifestações clínicas da hepatite viral:


A hepatite viral manifesta-se, normalmente, em três fases distintas:
• Fase prodrómica – mal-estar, fadiga, perda de paladar, desconforto abdominal
no quadrante superior direito, cefaleias, fotossensibilidade, tosse;
• Fase ictérica – a icterícia manifesta-se normalmente pela cor amarelada da pele
e das mucosas, associada a hiperbilirrubinemia (por extravasamento de
bilirrubina conjugada para a circulação sistémica). Também ocorrem alterações
na cor das fezes e da urina, equimoses (devido a coagulopatia associada à
absorção alterada de vitamina K), aparecimento de anticorpos anti-virais e ainda
alterações nos valores de AST, ALT e fosfatase alcalina;
• Fase de convalescença – melhoria gradual dos sinais e sintomas.

HEPATITE AGUDA TÓXICA

A hepatite aguda tóxica envolve três principais etiologias:


• Toxicidade direta – dependente da dose, originada por libertação de radicais
livres ou depleção de glutatião (ex: paracetamol);
• Toxicidade indireta – apoptose (ex: citostáticos; acetominofeno etc.);
• Reação imunoalérgica (com sintomas extra-hepáticos, dependente da dose e
com período de latência longo).

HEPATITE AGUDA ALCOÓLICA E CIRROSE

A hepatite aguda alcoólica constitui a causa importante de doença hepática no


Ocidente, sendo as mulheres mais suscetíveis do que os homens.
A hepatotoxicidade depende diretamente da quantidade de álcool ingerida diariamente
(40g – mulher; 50-60g – homem), sendo que o fígado recupera totalmente com a abstinência.
Cerca de 15 a 20% dos alcoólicos desenvolvem esteatohepatite e 10% desenvolvem cirrose
(devido a polimorfismo do CYP2E1).

136
O aumento dos níveis de acetaldeído, um metabolito do etanol, resultam num aumento
da conversão de acetaldeído a acetato, com consequente formação de NADH e ATP. Esta
desregulação gera um desequilíbrio entre os níveis de NAD oxidado e NAD reduzido, o que
resulta no aumento da síntese de ácidos gordos, o que contribui para a esteatose hepática.

Conversão em
Desregulação
acetaldeído e, Aumento da
Ingestão de dos níveis de Esteatose
depois, em síntese de
álcool (etanol) NAD oxidado e hepática
acetato, NADH ácidos gordos
NAD reduzido
e ATP

Por outro lado, a cirrose constitui a alteração irreversível da arquitetura hepática, com
destruição celular, fibrose e regeneração nodular. A fibrose, que está associada à substituição
do tecido hepático por colagénio, é promovida por células miofibroblastos-like, derivadas das
células de Ito, lipócitos ou células estreladas.

As células de Ito no fígado têm a função de armazenar vitamina A.


Ocorre, portanto, secreção de colagénio, fibronectina e proteoglicanos por ação do fator
β de crescimento das células de Kupffer.

137
A cirrose apresenta inúmeras etiologias associadas:
• Aumento da pressão intra-hepática – trombose da veia hepática e insuficiência
cardíaca direita;
• Lesão direta dos hepatócitos – álcool (60-70%), hepatite B e C (10%), hepatite
crónica autoimune (5-10%) (cirrose biliar primária) e doenças metabólicas;
• Obstrução biliar crónica – cálculos biliares, pancreatite e trombose da veia
porta.

Manifestações clínicas da cirrose:

Manifestações clínicas da hepatite aguda:

Retenção de sódio,
mas sem depleção de
volume verdadeira.

138
ESTEATOSE HEPÁTICA (ESTEATOSE NÃO ALCOÓLICA – NASH)

A esteatose hepática não alcoólica apresenta etiologia desconhecida, parecendo estar


associada à diabetes, obesidade e hiperlipidémias (trigliceridémia) ou ainda a uricémia
(síndrome metabólico).
Nesta patologia, existe um ligeiro aumento das transaminases (ALT e AST) e da
fosfatase alcalina, sendo que a bilirrubina, a albumina e o tempo de protrombina estão normais.
A γ-GT está elevada.

Fisiopatologia da esteatose hepática:

Formação de radicais livres e


ativação das células
estreladas – formação de
colagénio

ENCEFALOPATIA HEPÁTICA

A encefalopatia hepática manifesta-se por alterações flutuantes do estado mental,


podendo até resultar em lapsos transitórios da postura corporal.
Esta está associada a doença hepática avançada descompensada e a derivação
portossistémica.

Fisiopatologia da encefalopatia hepática:


A encefalopatia hepática apresenta 4 mecanismos principais associados:
1. Presença de substâncias tóxicas no intestino, nomeadamente, amónia,
glutamina ou mercaptanos;
2. Comprometimento da permeabilidade da barreira hematoencefálica a agentes
tóxicos;
3. Alteração nos níveis de GABA (o GABA é sintetizado no intestino);
4. Aumento da entrada de aminoácidos aromáticos no encéfalo.

Ocorre, portanto, produção de falsos neurotransmissores derivados da fenilalanina e da


tirosina, que são metabolizados no fígado (octopamina e fenilatanolamina).

139
INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA

A insuficiência hepática aguda apresenta duas principais etiologias – tóxica (associada


à toma de paracetamol, por exemplo) e viral.
Esta encontra-se associada à insuficiência renal – hiponatremia, hipocalcemia,
hipoglicemia, produção de ácido láctico, aumento do tempo de protrombina e diminuição da
ureia.
A insuficiência hepática aguda apresenta um mau prognóstico quando o doente entra
em acidose, quando se verifica um aumento muito acentuado do tempo de protrombina e
quando a relação entre o fator V e o fator VIII se encontra muito diminuída.

DIAGNÓSTICO E MONITORIZAÇÃO DA FUNÇÃO HEPÁTICA

Os principais marcadores da função hepática variam de acordo com a cronicidade da


doença em causa:
Patologias agudas Patologias crónicas

AST – Aspartato aminotransferase (GOT)

ALT – Alanina aminotransferase (GPT)


TP – Tempo de protrombina
ALP – Fosfatase alcalina
Albumina
Bilirrubina total e conjugada – a bilirrubina
conjugada pode ser direta (ligada à γ-globulinas
albumina), indireta (não está ligada) e a
delta (está permanentemente ligada à Amoniemia
albumina)

γ GT – Gama glutamiltransferase

140
Assim, de acordo com os valores obtidos para cada um destes marcadores, pode-se
utilizar o seguinte algoritmo para o diagnóstico da doença hepática.

Diagnóstico laboratorial de icterícia e respetivos tipos:

LDH – lactato
desidrogenase

PATOLOGIAS BILIARES

As patologias biliares dividem-se em doenças da vesícula biliar (colecistite) e em doenças


dos ductos biliares extra-hepáticos (colangite).

COLECISTITE E LITÍASE BILIAR

A colecistite consiste na inflamação da vesícula biliar, por obstrução dos ductos cístico
ou hepático comum por cálculos biliares. Pode ocorrer infeção por crescimento bacteriano (E.
coli).

141
O edema obstrui o fluxo biliar e irrita quimicamente a vesícula, originando necrose
celular, ao passo que o exsudado cobre as áreas ulceradas com formação de adesões às
estruturas circundantes.

Os cálculos biliares mais comuns são os de colesterol e os pigmentares, estes últimos


constituídos por bilirrubinato de cálcio. Estes cálculos biliares apresentam etiologia
diversificada:
• Cálculos de colesterol – devido à produção de uma bílis sobressaturada em
colesterol, associada a obesidade, a uma dieta rica em colesterol e calorias, à
idade e ao sexo feminino. Paralelamente, também a escassez de sais biliares,
devido a níveis elevados de estrogénios ou a doença de Crohn, são decisivos.
• Cálculos de bilirrubinato de cálcio – por excesso de bilirrubina não conjugada
(devido a hemólise exagerada), devido a anemias hemolíticas crónicas, cirrose,
infeções biliares crónicas e recessões do íleo.

Manifestações clínicas da litíase biliar:


• Dor abdominal aguda no quadrante superior direito do abdómen, irradiando para as
costas entre os ombros ou para a parte da frente do tórax;
• Cólica biliar – provocada pela passagem dos cálculos;
• Vómitos, náuseas, calafrios;
• Leucocitose e febre baixa;
• Icterícia (obstrutiva).

142
DOENÇAS DOS DUCTOS BILIARES EXTRAHEPÁTICOS

• Coledocolitíase (cálculos nos ductos biliares) – podem ocasionar:


o Icterícia obstrutiva – origina cirrose biliar secundária;
o Colangites;
o Pancreatites agudas.
• Obstrução dos ductos biliares – origina carcinoma do pâncreas, fibrose pós-cirúrgica,
carcinoma dos ductos biliares (inflamação crónica) e carcinoma da ampola de Vater.

PATOLOGIAS PANCREÁTICAS
PANCREATITE AGUDA

A pancreatite aguda descreve-se como a inflamação grave do pâncreas, com libertação


de enzimas, o que provoca necrose tecidular (particularmente das gorduras).

Fisiopatologia da pancreatite aguda:


A pancreatite aguda pode apresentar duas principais formas:
• Forma edematosa – com acumulação de líquidos e edema intersticial;
• Forma necrosante – com morte celular e lesão tecidular.
Em ambas as situações, verifica-se uma ativação prematura de enzimas, provocada por
vários fatores principais:
• Álcool – há alteração da secreção enzimática (aumento da atividade das
enzimas intrapancreáticas e aumento da secreção duodenal de CCK), com
precipitação de gorduras;
• Refluxo gastroduodenal – contendo enzimas ativadas ou levando à ativação de
outras enzimas.
Particularmente, a autoativação da tripsina parece estar associada ao aparecimento de
pancreatite aguda, juntamente com o aumento dos níveis de cálcio e com a atividade enzimática
da catepsina B (a catepsina B medeia a ativação do tripsinogénio a tripsina).
A tripsina ativada provoca, posteriormente, a ativação das proenzimas da
quimiotripsina, elastase e fosfolipase A 2, o que origina respostas fisiopatológicas diversas:
• A ativação da quimiotripsina provoca edema e lesão vascular;
• A elastase digere a elastina das paredes vasculares, originando lesão vascular e
hemorragias;
• A fosfolipase A2, para além de mediar a produção de prostaglandinas e outros
mediadores inflamatórios, forma lisolecitina, que é tóxica para os eritrócitos e
contribui para a destruição da gordura peripancreática.
Para além destas lesões anatomohistológicas, também a ativação da tripsina e da
quimiotripsina leva ao recrutamento de proteínas do complemento, a cascata das cininas e à
produção de citocinas pró-inflamatórias, como sejam a TNF-α, IL-1 e IL-6.

143
Complemento,
cininas e
Ativação da citocinas
quimiotripsina
Edema e lesão
vascular

Prostaglandinas
Autoativação da e leucotrienos
tripsina Ativação da
fosfolipase A2 Destruição da
Lisolecitina gordura
peripancreática

Ativação da Lesão vascular e


elastase hemorragias

Para além do álcool (no homem) e do refluxo gastroesofágico, também existem outros
fatores determinantes para a ocorrência da pancreatite aguda:
• Obstrução mecânica dos ductos pancreáticos – pós-operatória, traumatismo,
cálculos biliares (na mulher);
• Causas metabólicas/tóxicas – medicamentos (corticosteroides), hipercalcemia,
hiperlipoproteinemia;
• Alterações vasculares – aterosclerose e hipotermia;
• Infeções – papeira.

Manifestações clínicas da pancreatite aguda:


• Dor abdominal intensa e persistente, epigástrica ou no quadrante superior esquerdo
que irradia para as costas, que agrava na posição deitada;
• Pode haver apenas uma leve dor na região umbilical que não alivia com o vómito;
• A dor ocorre devido ao escape do exsudado inflamatório e de enzimas para o peritoneu,
ao edema e à distensão da cápsula pancreática;
• Hipocalcémia – formam-se saponósidos (complexos cálcio – ácidos gordos), o que leva
à depleção de cálcio.

Complicações da pancreatite aguda:


• Pseudoquisto pancreático;
• Peritonite;
• Síndrome de dificuldade respiratória no adulto (SDRS);
• Choque.

144
PANCREATITE CRÓNICA

A pancreatite crónica caracteriza-se pela presença de dores abdominais fortes e


recorrentes. Pode ser devida a mal absorção e diabetes mellitus por insuficiência pancreática,
sendo que episódios de pancreatite aguda podem complicar o quadro clínico.
As principais causas são o alcoolismo crónico (devido à presença de massas proteicas
nos ductos, com consequente obstrução) e idiopática (devido a idade avançada e associada a
doenças vasculares) e, mais raramente, fibrose quística, pancreatite idiopática juvenil e
pancreatite tropical.

CARCINOMA DA CABEÇA DO PÂNCREAS

O adenocarcinoma da cabeça do pâncreas constitui uma das principais causas de morte


no Ocidente, sendo os fumadores e as mulheres diabéticas os que apresentam maior
predisposição para este tipo de neoplasia. Também o consumo de carne e gorduras em excesso
constitui um fator de risco.
Os principais sintomas são a perda de peso e anorexia, dor e icterícia obstrutiva com
dilatação palpável da vesícula.
Apresenta um mau prognóstico (90% morrem 6 meses após o diagnóstico).

DIAGNÓSTICO E MONITORIZAÇÃO LABORATORIAL DA FUNÇÃO PANCREÁTICA

A função pancreática diminuída, associada a pancreatites, pode ser monitorizada


através dos níveis diminuídos de amílase, lípase e elastase no soro.
Também se verificam níveis séricos de bilirrubina elevados (pancreatite aguda e
crónica), leucocitose, fezes com gorduras e tripsina aumentada (crónica) e hiperglicemia e
glicosúria.

OUTRAS PATOLOGIAS ABDOMINAIS

APENDICITE

A apendicite constitui a inflamação do apêndice vermiforme (projeção ligada ao cego


logo abaixo da válvula ileocecal), podendo ocorrer em qualquer idade e afetando ambos os
sexos igualmente.
Os principais sinais e sintomas constituem dor epigástrica tipo cólica que, passado algum
tempo, se localiza no abdómen inferior direito, anorexia, náuseas e vómitos, febre baixa e
leucocitose moderadamente alta com algumas células imaturas.

Fisiopatologia da apendicite:
Ocorre ulceração da mucosa do apêndice por infeção viral ou obstrução com matéria
fecal, sendo que o fluxo de saída do muco é bloqueado, provocando distensão do órgão.

145
Paralelamente, ocorre também multiplicação bacteriana que aumenta a inflamação e
afeta o fluxo sanguíneo, provocando dor abdominal intensa.
O órgão pode romper e provocar peritonite.

PERITONITE

A peritonite configura-se como a inflamação do peritoneu (membrana serosa que cobre


os órgãos abdominais), desencadeada por bactérias (colon ou apêndice) ou agentes químicos
(bílis ou suco pancreático).
Os sintomas constituem os mesmos do síndrome do abdómen agudo – vómitos, febre
e dor abdominal.

Consequências da peritonite:
• Formação de aderências que complicam os movimentos intestinais;
• Formação de fístulas em resultado da formação de abcessos que podem levar à rotura
de órgãos adjacentes;
• Generalização da peritonite e passagem ao sangue de bactérias – septicémia e morte.

146
DIABETES MELLITUS

A diabetes mellitus constitui uma doença metabólica crónica, caracterizada por uma
hiperglicemia e pelo aumento dos níveis séricos de glucagon, podendo provocar lesões
tecidulares graves (olhos, rins, nervos e vasos sanguíneos) a longo prazo. É a 6ª causa de morte
por doença.
A diabetes pode ser classificada em dois tipos:
• Diabetes tipo I – doente jovem, magro, não arteriosclerótico com pressão
arterial normal e manifestação súbita e aguda da doença;
• Diabetes tipo II – doente idoso, obeso, arteriosclerótico, hipertenso,
manifestação insidiosa dos sintomas.

CLASSIFICAÇÃO DA DIABETES MELLITUS DE 1979:


• Primária (sem outra patologia associada):
o Diabetes tipo I – dependente da insulina;
o Diabetes tipo II – independente da insulina (pode ser obeso ou não).
• Secundária:
o Doença pancreática crónica (alcoolismo);
o Patologias hormonais (feocromocitoma, acromegalia, síndrome de Cushing,
stress – queimaduras extensas, pós-operatório);
o Induzida por medicamentos (diuréticos, estrogénios, cortisona);
o Anomalias no recetor para a insulina ou autoanticorpos;
o Síndromes genéticos (lipodistrofia);
o Diabetes gestacional.

CLASSIFICAÇÃO ATUAL DA DIABETES MELLITUS (2002):


• Diabetes tipo I – autoimune ou idiopática (quando não se identificam
autoanticorpos);
• Diabetes tipo II – o individuo pode ser obeso ou não obeso. Está associada à
existência de insulinopenia relativa, com maior ou menor grau de resistência à
insulina;
• Diabetes gestacional – qualquer grau de intolerância à glucose registada na
gravidez;
• Outros tipos de diabetes – tipo MODY (maturity onset diabetes in the young).

DIABETES TIPO I

A diabetes tipo I apresenta duas principais etiologias:


• Autoimune – pode aparecer de forma rápida, em crianças e adolescentes, ou
lenta, no adulto – LADA (diabetes latente autoimune do adulto).
• Idiopática.

147
A diabetes tipo I caracteriza-se pela destruição autoimune das células beta
pancreáticas nos ilhéus de Langerhans, com resultante deficiência na produção de insulina. Esta
destruição é mediada por linfócitos T, particularmente os linfócitos T supressores CD8, e por
citocinas.
Existe uma maior suscetibilidade genética para a diabetes tipo I no caso da presença de
genes de suscetibilidade ligados ao cromossoma HLA DR3 e DR4, ocorrendo ativação de
autoanticorpos anti – células β pancreáticas.
Estes autoanticorpos denominam-se de anticorpos ICA (anticorpos anti-ilhéus). Estes
autoanticorpos reconhecem, principalmente, GAD (glutamato descarboxilase) e IA2
(tirosinofosfatase-2). Também os autoanticorpos anti-insulina (IAA) estão presentes na diabetes
com uma duração até 5 anos.

Estes autoanticorpos ICA servem, assim, de marcadores para a diabetes tipo I.

Vírus podem produzir


antigénios estruturalmente
semelhantes aos das
células dos ilhéus
(mimetismo molecular), o
que pode originar uma
resposta autoimune.

148
DIABETES TIPO II

Um individuo com diabetes tipo II apresenta níveis séricos elevados de glucagon, mas
pode apresentar valores normais, baixos ou elevados de insulina. Trata-se de uma doença com
caráter familiar (transmissão poligénica – envolve vários genes).

FISIOPATOLOGIA DA DIABETES TIPO II


Resistência à insulina
A diabetes tipo II está primariamente associada a uma resistência à insulina (diminuição
da resposta dos tecidos à insulina), que se traduz numa diminuição do aporte de glicose ao
músculo e ao tecido adiposo. Esta condição resulta na diminuição da glicogénese e no aumento
da glicogenólise, da gliconeogénese, da lipólise e da proteólise.

Diminuição da
Diminuição do glicogénese e
Resistência à aporte de glicose ao aumento da
insulina músculo e ao tecido glicogenólise,
adiposo gliconeogénese,
lipólise e proteólise

Os principais fatores responsáveis pela resistência à insulina são:


• Mutações nos genes do recetor e da sua via de sinalização – evidenciado pelo
knockout dos genes que codificam para as proteínas de sinalização. É o caso do
recetor GLUT-4 e das proteínas IRS;
• Obesidade – o risco de contrair diabetes tipo II aumenta com IMC elevados (ou
seja, acima de 30), sendo que é a obesidade abdominal que tem maior efeito
sobre a resistência à insulina. A obesidade aumenta o risco de diabetes tipo II
devido a dois principais fatores:
o Produção de adipocinas – a desregulação na produção destas
hormonas proteicas produzidas pelos adipócitos pode resultar em
resistência à insulina. É o caso da adiponectina (com possível atividade
sensibilizante à insulina), da resistina (produção aumentada em
indivíduos obesos) ou da leptina.

A leptina atua ao nível dos recetores do SNC com vista a induzir a saciedade – induz,
portanto, sensibilidade à insulina. Assim, concentrações reduzidas de leptina podem
originar resistência à insulina.

Também a produção de TNF (fator de necrose tumoral) pelo tecido


adiposo pode originar resistência à insulina.

149
o Presença de triglicéridos intracelulares e produtos de metabolismo
dos ácidos gordos – associada a um nível muito elevado de triglicéridos
intracelulares no fígado e no músculo, que podem provocar resistência
à insulina.

Diminuição dos níveis de


leptina

Aumento dos níveis de


Adipocinas
resistina

Resistência à insulina
Triglicéridos intracelulares
e produtos de Aumento dos níveis de
metabolismo de ác. adiponectina
gordos

Disfunção das células β pancreáticas


A disfunção das células beta do pâncreas pode ser consequência da resistência à
insulina, originando uma desadequada secreção de insulina.
A diabetes tipo II é multifatorial, envolvendo os seguintes processos:

Resistência à
Diabetes
insulina (↑ Lesão das
Intolerância Diabetes tipo I
dos níveis células beta
à glicose tipo II (insulino-
plasmáticos pancreáticas
dependente)
de insulina)

Provocada pela redução do número de células β,


pela toxicidade da glicose e pela deposição de
tecido amiloide nas células β

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA DIABETES E DIAGNÓSTICO

As manifestações clínicas da diabetes incluem:


• Perda de massa muscular;
• Aumento dos triglicéridos e dos ácidos gordos em circulação;
• Hiperglicemia e glicosúria – a glicosúria origina diurese osmótica (poliúria e
noctúria);
• Polidipsia (sede excessiva) e polifagia (fome excessiva) – devido à diminuição
de atividade do centro hipotalâmico da saciedade;

150
• Acidose metabólica – devido ao aumento da cetogénese hepática.
• Presença de corpos cetónicos na urina (acetoacetato e β-hidroxibutirato);
• Libertação de acetona (corpo cetónico) – odor a frutas no hálito.

No caso da diabetes tipo I, o agravamento da acidose metabólica pode resultar em coma


cetoacidótico, levando à morte.
O quadro seguinte mostra as complicações mais avançadas da diabetes tipo I.

Por outro lado, no caso da diabetes tipo II, a principal complicação aguda é o coma
hiperosmolar, na ausência de cetogénese.

Na diabetes tipo I, não há qualquer produção de insulina, enquanto que, na diabetes tipo
II, o pâncreas produz quantidades reduzidas de insulina. Assim, as quantidades reduzidas
de insulina na diabetes tipo II garantem a não existência de cetogénese hepática, o que
justifica o coma hiperosmolar e não o coma cetoacidótico.

151
A diabetes apresenta ainda manifestações multissistémicas:

• Glicosilação não enzimática – a glicose liga-se ao grupo amina de proteínas intra


ou extracelulares. Esta reação (de Maillard) vai formar produtos terminais de
glicosilação avançada (AGE) ou produtos de Amadori – um destes produtos é a
hemoglobina glicada (Hb1Ac). Os AGE provocam o cross-linking do colagénio
tipo I (diminui a elasticidade dos vasos) e do tipo IV (diminui a adesão celular).
As proteínas plasmáticas, como a albumina, ligam-se também às membranas
basais glicosiladas dos vasos, diminuindo a sua elasticidade.
• Ativação da proteína cinase C – a hiperglicemia induz a síntese de DAG, que
resulta na ativação da proteína cinase C, com variadas consequências
vasculares:
o Produção de VEGF (vascular endothelial growth factor);
o Aumento da atividade da endotelina-1 (vasoconstritor) e diminuição
da atividade de eNOS – sintase de monóxido de azoto endotelial
(vasodilatador);
o Produção de moléculas pró-fibrinogénicas como TGF-β;
o Produção da molécula pró-coagulante PAI-1;
o Produção de citocinas pró-inflamatórias.
• Microangiopatia – ocorre um espessamento difuso da membrana basal,
principalmente nos capilares, por deposição de colagénio, sobretudo do tipo IV.
Assim, as paredes dos vasos ficam danificadas, podendo romper-se e criar
hemorragias, para além do aumento da permeabilidade dos capilares às
proteínas plasmáticas.
É especialmente evidente nos capilares da pele, músculo esquelético, retina,
glomérulos renais e medula renal.
• Complicações oculares (retinopatia diabética) – devido à lesão dos vasos
sanguíneos da retina. Na retinopatia pré-proliferativa podem ocorrer
microaneurismas e edema, enquanto que na retinopatia proliferativa ocorre

152
proliferação de vasos sanguíneos à superfície da retina e do nervo ótico (pode
levar à cegueira).
Podem ocorrer ainda glaucoma e cataratas.
• Doença macrovascular – a hiperglicemia tende a aumentar as concentrações
de lípidos no sangue que provocam uma aterosclerose acelerada, originando
hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, enfarte do miocárdio, claudicação
intermitente e ainda gangrena;
• Nefropatia diabética – podem ocorrer lesões glomerulares, vasculares renais
(aterosclerose renal) ou pielonefrite. Estas estão associadas a um espessamento
da membrana basal dos capilares glomerulares, ao aumento difuso da matriz
mesangial e à presença de depósitos de matriz laminar na periferia dos
glomérulos.

A função renal é afetada, perdendo-se proteínas pela urina - proteinúria.

• Neuropatia diabética – quer os nervos motores quer os recetores sensoriais


distais e os nervos do sistema nervoso autónomo são afetados, provocando, por
conseguinte, perda de sensibilidade nas extremidades, alteração da função
motora, oscilações na pressão arterial, alterações no funcionamento
gastrointestinal e ainda disfunção eréctil;
• Hiperglicemia com distúrbios na via do poliol – ocorre nos tecidos que não
necessitam de insulina para transportar a glucose (células nervosas, rins, vasos
sanguíneos). O aumento da glicose intracelular resulta na ativação da via do
poliol, com diminuição da GSH (glutatião) e consequente aumento da
suscetibilidade das células ao stress oxidativo.

A ativação da via do poliol também explica o aparecimento e a evolução rápida


do pé diabético, uma vez que o aumento do stress oxidativo gera um aumento
da necrose local, afetando também a regeneração celular.

153
O diagnóstico da diabetes envolve a utilização da prova de tolerância oral à glicose
(PTOG) – administração oral de glicose (70 g) e efetuam-se colheitas de sangue aos 60 e aos 120
minutos.

Valores de diabetes: em jejum > a 126 mg/dl e às 2 h valores > a 200 mg/dl

Por outro lado, também os valores da glicemia em jejum ( 126 mg/dl ou 7.0 mmol/l)
no plasma venoso ou a combinação dos sintomas clássicos e da glicémia ocasional  200 mg/dl
também permitem o diagnóstico da diabetes.
Em termos de monitorização do doente diabético, a quantificação da hemoglobina
glicada (HbA1c) – V.N. < 6%, traduz a glicémia nos 120 dias anteriores –, da albumina na urina
(valores de albumina na urina inferiores a 30 mg/24h), a pesquisa de acetona urinária (diabetes
tipo 1) e ainda a quantificação dos triglicéridos e do colesterol HDL e LDL são importantes.

154
PATOLOGIAS ENDÓCRINAS

PATOLOGIAS DA HIPÓFISE

A hipófise está dividida em hipófise anterior ou adenohipófise e em hipófise posterior


ou neurohipófise:
• Hipófise anterior ou adenohipófise – nesta porção da hipófise, encontra-se o
sistema porta-hipofisário, no qual o sangue deste sistema capilar flui
diretamente da eminência média do hipotálamo para a adenohipófise, onde se
encontram recetores específicos para várias hormonas hipotalâmicas. O
reconhecimento destas hormonas pelos recetores estimula a produção de
hormonas hipofisárias pela adenohipófise;
• Hipófise posterior ou neurohipófise – as hormonas produzidas pela
neurohipófise seguem um bypass pelas glândulas endócrinas secundárias,
afetando, posteriormente, os tecidos-alvo periféricos.

Hormonas da adenohipófise Hormonas da neurohipófise

ACTH, TRH, LH, FSH, GH e prolactina Vasopressina (ADH) e oxitocina

TUMORES DA ADENOHIPÓFISE

Os tumores da adenohipófise podem ser divididos em duas categorias:


• Não funcionantes (20%) – sintomas de hipopituitarismo (diminuição dos valores
das hormonas hipofisárias, com consequente diminuição das concentrações dos
produtos hormonais finais) e compressão do quiasma ótico (hemianopia
bilateral – redução da visão periférica);
• Funcionantes – produção em excesso de prolactina (50%) – também pode ser
devida a fármacos ou ao stress – GH (15%) e ACTH (10%).

No caso específico dos tumores funcionantes, a hiperprolactinemia origina


manifestações clínicas como as perturbações menstruais e infertilidade, galactorreia (produção
de leite fora do período de lactação) e, no homem, é assintomática. Por outro lado, a

155
hiperprodução de GH (hormona do crescimento) origina hiperglicemia, gigantismo (na criança)
e acromegalia (no adulto) – alterações faciais, engrossamento dos tecidos moles (ex: lábios),
sudação, alargamento das mãos e dos pés e diminuição da tolerância oral à glucose. Quanto à
hiperprodução de ACTH, esta provoca hiperplasia do córtex adrenal (doença de Cushing), cujo
diagnóstico radiológico e laboratorial envolve doseamentos hormonais e prova da TRH que
provoca o > da GH na acromegalia, sendo o tratamento cirúrgico, com antagonista da prolactina
– bromocriptina – e com antagonista da somatostatina.

DOENÇAS DA NEUROHIPÓFISE

As doenças da neurohipófise podem apresentar duas variantes:

• Diminuição da produção de ADH (diabetes insipidus) – apresenta etiologia


central – diminuição da produção de ADH por causa inflamatória (sarcoidose)
ou neoplásica – e nefrogénica – ausência da resposta renal (recetores V2).
Manifestações clínicas: poliúria (3-20 L/24h), desidratação.
Tratamento: desmopressina (vasopressina sintética).
• Excesso de produção de ADH – a etiologia está associada a tumores
neuroendócrinos e do pulmão.
Manifestações clínicas: hiponatrémia muito acentuada, intoxicação pela água.
Outros fatores que estimulam a produção de ADH: hiperosmolaridade do
sangue, diminuição da pressão sanguínea, hipovolémia, hipoglicémia aguda,
hipóxia aguda e hipercápnia aguda.

PANHIPOPITUITARISMO

O panhipopituitarismo é a perda total ou parcial da função da hipófise, podendo ser


primário – após cirurgia, metástese de carcinoma da mama, necrose isquémica após choque
hipotensivo (intrapartum ou postpartum) ou tumor hipofuncionante – ou secundário – tumor
cerebral.

PATOLOGIAS DA TIROIDE

A tiroide (ou glândula tiroideia) sintetiza as hormonas tiroideias tiroxina (T4) e tri-
iodotironina (T3), aminoácidos que contêm iodo e que são importantes para o metabolismo do
organismo.
As fases para a produção de hormonas tiroideias são as seguintes:
1. O iodo ingerido é convertido em iodeto, entrando no folículo tiroidiano pela
bomba de iodo. A atividade desta bomba de iodo é estimulada pela TSH.
2. O iodeto no interior do folículo é convertido em iodo pela enzima peroxidase.
3. O iodo liga-se a uma molécula de tiroglobulina, formando a monoiodotirosina
(MIT). A MIT pode-se transformar em di-iodotirosina (DIT).
4. A produção de T3 e de T4 ocorre através das seguintes reações de acoplamento:
o 1 MIT + 1 DIT = T3 (tri-iodotirosina);
o 1 DIT + 1 DIT = T4 (tiroxina).

156
5. Ocorre secreção das hormonas tiroideias (T3 e T4) e da tiroglobulina para o
exterior do folículo.

Relativamente à produção de hormonas tiroideias, importa considerar o efeito de


Wolff-Chaikoff – a ingestão de grandes quantidades de iodo resulta na diminuição da produção
de hormonas tiroideias.
Uma vez secretadas, as hormonas tiroideias são transportadas por três proteínas de
transporte, sintetizadas no fígado:
• TBG (Tiroide-binding globuline) – aumenta na hepatite aguda, gravidez, toma
de contracetivos e de forma hereditária e diminui pelos androgénios,
glucocorticoides, doença grave, má nutrição e síndrome nefrótico;
• TTR (Transtiretina) ou TBPA (Tiroide binding pré-albumina);
• Albumina – transporta 10% das hormonas tiroideias.

De acordo com o grau da doença, os níveis de hormonas tiroideias variam da seguinte


forma:

157
A tiroide relaciona-se com o hipotálamo e com a hipófise, através do eixo hipotálamo –
hipófise – tiroide. Ocorre a produção de TRH ao nível do hipotálamo, o que estimula a produção
de TSH ao nível da hipófise.
A produção hipofisária de TSH é regulada pelos níveis plasmáticos de T3 – níveis
elevados de T3 no sangue (aquele sintetizado originalmente e aquele resultante da desiodinação
sofrida por T4) resulta na diminuição da produção de TSH.
A TSH atua, posteriormente, ao nível da tiroide, induzindo a síntese de T3 e de T4,
libertadas na corrente sanguínea.

As patologias tiroideias apresentam um aparecimento gradual e são normalmente


bastante tratáveis, considerando-se patologias como o hiper e o hipotiroidismo e tiroidites
(doenças inflamatórias da tiroide).
Estas patologias podem ser de causa primária – se tiverem origem na própria glândula
– ou de causa secundária – se resultarem de alteração no eixo hipotálamo – hipófise – tiroide.

HIPERTIROIDISMO OU TIREOTOXICOSE. DOENÇA DE GRAVES

O hipertiroidismo traduz-se numa produção aumentada de hormonas tiroideias.


Esta patologia pode ter várias vertentes associadas, nomeadamente, a doença de
Graves ou de von Basedow, bócio tóxico multinodular, adenoma tóxico, tireotoxicose induzida
pelo iodo (amiodarona), tumor trofoblástico (mola hidatiforme ou coriocarcinoma do útero ou
testículo – estes tumores produzem gonadotrofina coriónica (hCG), que é estruturalmente
semelhante à TSH), aumento da produção de TSH (hipertiroidismo secundário) e até mesmo
subclínico.
As principais manifestações clínicas do hipertiroidismo são:
• Pele quente e húmida;
• Emagrecimento e fraqueza muscular;
• Palpitações, taquicardia e fibrilhação auricular (ocasional) – a T3 e T4
apresentam uma ação permissiva sobre as catecolaminas, que estimulam a
contratilidade do miocárdio e do músculo liso vascular;
• Diarreia;

158
• Ansiedade e hiperatividade (tremores ocasionais), insónias;
• Osteoporose e hipercalcemia;
• Hiperglicemia e hipercolesterolemia;
• Exoftalmia – devido à infiltração de linfócitos T e acumulação de líquido atrás do
olho.
Especificamente, a doença de Graves constitui a forma mais frequente de
hipertiroidismo, sendo mais comum na mulher, na terceira e quarta década de vida. Nos doentes
com doença de Graves, o autoanticorpo contra o recetor de TSH (TSHR-Ab) estimula as células
foliculares da tiroide a produzirem quantidades excessivas de hormonas tiroideias (T3 e T4),
como o que ocorre nas situações B e C da imagem abaixo.

As principais manifestações clínicas da doença de Graves incluem bócio difuso,


tireotoxicose, orbitopatia infiltrativa e dermopatia infiltrativa (na região peritibial).

Diagnóstico laboratorial: supressão do TSH, presença de anticorpos TSHR e aumento dos níveis
de T3 e T4.

HIPOTIROIDISMO. TIROIDITE DE HASHIMOTO

O hipotiroidismo configura-se como uma deficiente produção de hormonas tiroideias.


Esta apresenta várias causas possíveis, incluindo causas primárias, como a tiroidite de
Hashimoto (o mais comum), causas secundárias – disfunção da hipófise, após ablação da tiroide
ou deficiência endémica de iodo, e ainda causas transitórias (pós-parto).
Particularmente, a tiroidite de Hashimoto caracteriza-se pela destruição gradual e
autoimune (associada ao cromossoma HLA-DR5) da glândula tiroideia, através da infiltração de
linfócitos T. Nesta patologia, estão ainda presentes anticorpos antitiroideus, como anti-
tiroglobulina e antiperoxidase.

Manifestações clínicas do hipotiroidismo:


• Fraqueza muscular (99%) e pele seca (95%) – diminuição das mitocôndrias no músculo
e consequente redução da sua contratilidade;

159
• Apatia (91%);
• Edema das pálpebras (90%) – devido à deposição de complexos de ácido condroitino-
sulfúrico e de ácido hialurónico, que induzem a retenção de sódio e de água localmente;
• Intolerância ao frio (83%);
• Diminuição da memória (66%);
• Obstipação (61%) – há uma menor ação permissiva sobre as catecolaminas, diminuindo
a ação do sistema nervoso parassimpático e, consequentemente, menor motilidade
gastrointestinal;
• Aumento de peso (59%) – devido à diminuição do metabolismo basal;
• Queda de cabelo (57%);
• Edema generalizado (55%) – devido à deposição subcutânea de complexos
mucoglicoproteicos (ácido condroitino-sulfúrico e ácido hialurónico), que retêm água.

Diagnóstico laboratorial: diminuição dos valores de T3 e T4, aumento dos níveis de TSH,
presença de anticorpos antitiroideus, colesterol e triglicéridos aumentados e anemia
macrocítica.

DOENÇAS INFLAMATÓRIAS DA TIROIDE (TIROIDITE)

A tiroidite constitui uma inflamação da tiroide, normalmente de etiologia viral e após


infeção respiratória.

Manifestações clínicas da tiroidite:


• Aumento com dor da dimensão da glândula;
• Febre e fraqueza muscular;
• Eutiroidismo ou hipertiroidismo transitório;
• Velocidade de sedimentação elevada;
• Recuperação após 3 meses.

PATOLOGIAS DO CÓRTEX ADRENAL

A glândula suprarrenal organiza-se


histologicamente em duas camadas distintas – o
córtex e a medula adrenais. Especificamente, o
córtex adrenal divide-se em três zonas com funções
endócrinas distintas:
• Zona glomerulosa – produção de
mineralocorticoides, como a
aldosterona;
• Zona fasciculada – produção de
glucocorticoides, como o cortisol;
• Zona reticulada – produção de
hormonas anabólicas e sexuais.

160
O eixo endócrino hipotálamo – hipófise – glândula suprarrenal desempenha um papel
crucial neste sistema de controlo. A CRH produzida no hipotálamo induz a libertação de ACTH
na hipófise anterior, que estimula a síntese de hormonas no córtex adrenal. O cortisol,
produzido na zona fasciculada, exerce um efeito de feedback negativo sobre a produção de CRH
e de ACTH, enquanto que a epinefrina da zona reticulada exerce um efeito positivo.
A produção de cortisol por parte da zona fasciculada da glândula suprarrenal varia ao
longo do dia, sendo máximo ao acordar e diminuindo ao longo do dia até atingir um mínimo
durante a noite.

A glândula adrenal desempenha um papel muito importante na resposta ao stress, tanto


a curto como a longo prazo:
• Curto prazo – aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, aumento
da glicémia e maior aporte de energia aos músculos;
• Longo prazo – os glucocorticoides levam ao aumento do metabolismo glicídico
e proteico e à redução da inflamação, enquanto que os mineralocorticoides
promovem a reabsorção de sódio e água no rim e o aumento da volemia e da
pressão arterial.
O cortisol desempenha um feedback negativo sobre a hipófise. Contudo, em situações
de stress, o aumento dos níveis de cortisol sobrepõe-se ao feedback negativo previsto. Além
disto, concentrações elevadas de corticoides exógenos inibem a produção de ACTH e a resposta
ao stress.

161
A síntese de hormonas esteroides, que ocorre ao nível do córtex adrenal, ocorre a partir
do colesterol, sintetizando-se androgénios, mineralocorticoides (corticosterona e aldosterona)
e glucocorticoides (cortisol). Em ambas as vias de síntese de mineralocorticoides e de
glucocorticoides, participam as enzimas P450c21 e P450c11 (21-hidroxilase).

SÍNDROME DE CUSHING E SÍNDROMES DE CRH E ACTH ECTÓPICO

A síndrome de Cushing caracteriza-se por um excesso crónico de glucocorticoides de


origem endógena ou exógena. Esta patologia é mais comum em mulheres, ocorrendo
geralmente entre os 20 e os 40 anos.
Na imagem seguinte, mostram-se as diferenças entre os eixos hipotálamo – hipófise –
suprarrenal num individuo normal e num individuo com Cushing. Neste último, a lesão primária
pode-se localizar tanto na hipófise (no caso de um adenoma hipofisário) como no hipotálamo,
levando a uma produção excessiva de ACTH e cortisol – o ACTH causa hiperplasia suprarrenal
bilateral e o cortisol desencadeia as manifestações clínicas características.

As manifestações clínicas do síndrome de Cushing incluem:

Efeitos dos mineralocorticoides Efeitos dos glucocorticoides


Obesidade central
Gibosidade (cifose)
Fácies em lua cheia
Diabetes
Hipertensão
Osteoporose
Edema
Miopatia
Hipercalemia
Predisposição para infeção
Estrias violáceas
Baixa estatura (criança)
Hirsutismo (aumento da pilosidade)

Os síndromes de ACTH e de CRH ectópico constituem síndromes paraneoplásicos, pois


estão associados a neoplasias, respetivamente, carcinoma do pulmão e um tumor de outro
órgão. Nestes síndromes, os tumores produzem ACTH e CRH (ou péptidos semelhantes).

162
No síndrome de ACTH ectópico, o cortisol está muito elevado, o que diminui a produção
de ACTH na hipófise. No síndrome de CRH ectópico, a hipófise é estimulada e há produção
excessiva de ACTH. O cortisol circulante está aumentado, o que diminui a produção de CRH pelo
hipotálamo.
O adenoma ou carcinoma suprarrenal podem secretar cortisol independentemente,
podendo evoluir para síndrome de Cushing.
Já o síndrome de Cushing iatrogénico está associado à administração de corticoides
exógenos em doses acima dos níveis fisiológicos de cortisol, levando ao aparecimento das
manifestações clínicas do hipercortisolismo, para além de inibir a ACTH e o cortisol, resultando
em atrofia do parênquima das suprarrenais.

Diagnóstico do síndrome de Cushing: confirmar a hipercortisolemia (pode ocorrer pseudo-


Cushing, devido a níveis elevados de stress, aumento da transcortina, toma de corticoides ou
doença hepatorrenal), doseamento do ACTH e determinar a origem do excesso de ACTH.

Para diagnosticar o pseudo-Cushing, pode-se utilizar a prova da dexametasona de baixa


dose. Se se verificar alteração no ACTH, então trata-se de pseudo-Cushing.

DOENÇA DE ADDISON E INSUFICIÊNCIA ADRENAL

A doença de Addison caracteriza-se pela destruição ou atrofia gradual e autoimune do


córtex adrenal. Esta doença só se manifesta clinicamente quando 90% do córtex adrenal está
destruído, pois, inicialmente, esta manifesta-se por uma inadequada produção de cortisol em
resposta ao stress.
A destruição ou atrofia da suprarrenal origina insuficiência adrenal primária, que pode
resultar de destruição autoimune por anticorpos antisuprarrenais (autoanticorpos anti-21-
hidroxilase e anti-córtex) ou de infeção viral ou bacteriana, amiloidose e carcinoma metastático.

Enquanto que, para a doença de Addison, a destruição se restringe ao córtex adrenal, na


insuficiência adrenal primária a destruição tende a abranger a totalidade da glândula,
afetando também a medula.

163
A destruição do córtex adrenal culmina, portanto, na diminuição da produção de cortisol
e de aldosterona, que pode ter causas variadas:

O eixo hipotálamo – hipófise – suprarrenal apresenta as seguintes características:

Manifestações clínicas da doença de Addison:


• Sintomas: anorexia, astenia, perda de peso, alterações gastrointestinais, avidez por sal,
redução da líbido;
• Sinais: hipotensão, hipoglicémia, hipercaliémia, hiponatremia, redução da pilosidade
(mulher) e hiperpigmentação das mucosas labial e oral. A hiperpigmentação está
associada a um excesso de ACTH.

164
Manifestações clínicas da crise adrenal aguda:
• Sinais: hipotensão, choque, desidratação, confusão mental e coma;
• Sintomas: febre, náuseas e vómitos, dor abdominal, fraqueza, apatia e depressão.

HIPERPLASIA ADRENAL CONGÉNITA

A hiperplasia adrenal congénita configura-se como um conjunto de deficiências


enzimáticas congénitas de transmissão genética autossómica recessiva, que envolve enzimas
específicas da síntese hormonal esteroide, comprometendo total ou parcialmente a produção
hormonal do córtex adrenal e/ou das gónadas.
Existem seis formas diferentes de doença que dependem da deficiência de seis enzimas
diferentes. Os diferentes quadros clínicos dependem do complexo enzimático envolvido, do
grau de deficiência e do eventual envolvimento das gónadas.
Podem apresentar-se:
• Forma clássica – intra-uterina;
• Forma tardia ou atenuada – infância ou adolescência.

A deficiência em 21-hidroxilase, uma enzima envolvida na síntese de aldosterona e de


cortisol, é a mais comum forma de hiperplasia adrenal congénita (90% dos casos). O teste do
pezinho permite verificar a presença desta doença metabólica no recém-nascido.
Esta doença metabólica pode-se apresentar de duas formas distintas:
• Clássica – não perdedora de sal e perdedora de sal (desidratação entre o 3º e o
10º dia);
• Forma tardia – puberdade precoce, irregularidade menstrual, anovulação,
esterilidade.
O diagnóstico laboratorial envolve o doseamento da 17-hidroxiprogesterona.

165
PATOLOGIAS OSTEOARTICULARES

PATOLOGIAS ARTICULARES
PATOLOGIAS ARTICULARES INFLAMATÓRIAS

As patologias articulares inflamatórias incluem artrites e sinovites.


As principais causas principais destas patologias inflamatórias são degenerativas
(osteoartrites), doenças autoimunes (artrite reumatoide, lúpus eritematoso), deposição de
cristais (gota) e até infecciosas (artrite tuberculosa).
A osteoartrite atinge principalmente as articulações interfalângeas das mãos (nódulos
de Heberden e Bouchard), dos joelhos e das vértebras. Os principais fatores de predisposição
são a idade avançada, a carga sobre as articulações (por obesidade), a inflamação das
articulações e a deposição de cristais.

Fisiopatologia da osteoartrite:
1. Destruição da cartilagem, inflamação e estreitamento da cápsula articular e da
membrana sinovial;
2. Ativação de enzimas catalíticas dos condrócitos;
3. Constante fricção dos ossos que ajuda à destruição;
4. Formação de osteófitos e de quistos ósseos subarticulares;
5. Atrofia muscular devido a menor utilização da articulação inflamada.

ARTRITE REUMATOIDE

A artrite reumatoide é uma doença inflamatória crónica das articulações periféricas,


com destruição da cartilagem e do osso. Trata-se de uma doença autoimune, de etiologia
desconhecida, que leva à produção de anticorpos anti-IgG (fator reumatoide). Os complexos
antigénio-anticorpo depositam-se nas articulações (sinovites), mas também no pulmão,
músculo, coração e olho.
É mais comum na mulher jovem (30-45 anos) e existe uma predisposição genética ligada
ao HLA-DRB1 (80% dos doentes).

166
Fisiopatologia da artrite reumatoide:
Embora se desconheça o que desencadeia a inflamação, verifica-se um recrutamento
de linfócitos e leucócitos ao local, com consequente proliferação das células sinoviais e
formação de um tecido granular invasivo (panus) que cresce de forma semelhante a um tumor
benigno. Este invade a cartilagem e liberta enzimas que degradam a cartilagem e o osso.
A articulação destruída sofre fibrose, o que torna difícil o movimento – anquilação.

Manifestações clínicas da artrite reumatoide:


• Fadiga, anorexia, depressão, perda de peso, fraqueza geral, febre e anemia;
• Rigidez matinal (por uma hora);
• Localização preferencial nas mãos e pulsos;
• Nódulos periarticulares nas articulações interfalângeas proximais e distais da mão;
• Nódulos subcutâneos noutras zonas do corpo;
• Com hiperflexão dos músculos (dedos de cisne).
Diagnóstico diferencial da artrite reumatoide: presença de pelo menos 4 dos seguintes
critérios: rigidez matinal que dura mais de uma hora (durante 6 semanas pelo menos),
inflamação (artrite) em 3 ou mais articulações (durante 6 semanas pelo menos), artrite na mão,
punho ou articulações dos dedos (durante 6 semanas pelo menos), factor reumatóide positivo,
mudanças características nas radiografias ou nódulos subcutâneos.
Tratamento: Corticosteroides e anti-TNFα.
Resultados laboratoriais:

O fator reumatoide não é específico da AR, observando-se em cerca de 5% da população


normal. Contudo, quando presente em títulos altos, está associada a um mau prognóstico
relativamente às erosões articulares e manifestações extra-articulares.

167
Os testes habituais para deteção incluem o teste da aglutinação, teste de Waaler-Rose
(teste rápido de aglutinação para a determinação qualitativa em placa), nefelometria (reação de
imunoprecipitação que mede a quantidade de luz difratada devido à presença de complexos
imunológicos).
Anticorpos CCP (anti-péptidos cíclicos
Fator reumatoide
citrulinados)
Autoanticorpo (IgM) com reatividade para a Anticorpos que reagem com Ags com um
porção Fc das IgG autólogas, surgindo conteúdo elevado de resíduos de citrulina,
positivo em cerca de 75-80% dos doentes possuindo uma elevada especificidade para
com AR; a AR (95-98%) e sendo muito úteis no seu
diagnóstico precoce;
A percentagem de resultados negativos na
fase inicial é muito elevada. Quanto mais Quando associados ao HLA-DRB1*04,
alta a concentração, maior a probabilidade apresentam um elevado valor de
de AR. prognóstico.

Um diagnóstico precoce melhora bastante o prognóstico da doença, pelo que a


instituição rápida da terapêutica faz com que seja possível parar a progressão da doença.

ESPONDILITE ANQUILOSANTE

A espondilite anquilosante constitui a inflamação dos ligamentos intervertebrais com


fibrose e formação de pontes ósseas entre os corpos vertebrais (coluna em cana de bambu).
Caracteriza-se por sacro-iliite e espondilite e rigidez da coluna, aparecendo primeiro na
região lombar e estendendo-se às articulações periféricas. Pode ocorrer uveíte aguda
(inflamação da úvea no olho) e fotoretinite e aparece no adulto jovem. O aparecimento desta
doença está ligado ao Ag HLA-B27.

Manifestações clínicas:
• Dor mais glútea que lombar;
• Rigidez progressiva da coluna;
• Cifose gradual;
• Lombalgias noturnas e matinais;
• Melhora com o exercício físico.

ARTROPATIAS MICROCRISTALINAS

As artropatias microcristalinas caracterizam-se pela deposição de cristais nas


articulações e tecidos moles, devendo-se a cristais de ácido úrico (gota), com formação de tofus,
a cristais de pirofosfato de cálcio dihidratado, a condrocalcinose, sobretudo no idoso, e a cristais
de oxalato.
Os cristais depositam-se na cavidade articular e nos tecidos moles junto às articulações
(periarticulares) e causam uma reação inflamatória.

168
GOTA

A gota é mais frequente no homem que na mulher, caracterizando-se por rubor, dor e
edema da articulação afetada. Esta atinge geralmente a 1ª articulação metatársico-falangeal do
dedo grande do pé e deve-se à deposição de ácido úrico nas articulações devido a hiperuricemia.
A hiperuricemia deve-se a uma diminuição da excreção renal (patologia renal), à
alteração do metabolismo das purinas ou ao aumento da produção (quimioterapia), agravando-
se com a dieta rica em purinas e o consumo de álcool.

PATOLOGIAS ÓSSEAS E DO METABOLISMO DO CÁLCIO

O cálcio é regulado endocrinamente pela hormona calcitonina, que provoca a sua


diminuição em circulação, e pela hormona paratormona, que resulta no aumento dos seus
níveis séricos.
A vitamina D também participa nesta regulação, sendo a sua síntese induzida pela
radiação ultravioleta na pele. Também pode ser adquirida através da dieta.

Conversão a
Vitamina D Hidroxilação no
vitamina 1,25-
formada na pele fígado a vitamina
[OH]2D no córtex
(radiação UV) 25-[OH]D
renal (forma ativa)

A hipocalcemia e a hipercalcemia estão associadas à diminuição e aumento dos níveis


plasmáticos de cálcio, respetivamente. Quando estas condições ocorrem, existem dois
mecanismos compensatórios associados:

HIPOCALCEMIA HIPERCALCEMIA

169
HIPERCALCEMIA

A hipercalcemia está associada às seguintes patologias:


• Hiperparatiroidismo primário – hiperplasia, adenoma, carcinoma;
• Hipercalemia hipercalciúria familiar hereditária – mutações no recetor do cálcio
(assintomática);
• Adquirida: autoanticorpos que inibem o recetor do cálcio;
• Associada a doenças malignas – tumores sólidos (ex: pulmão e esófago) – PrHPT
(péptido PTH-like, produzido pelos adenomas do pulmão e do esófago);
• Mieloma múltiplo (>to da IL-1 e do TNF);
• Leucemia e linfoma T do adulto (>to vit. D);
• Metástases ósseas;
• Tireotoxicose;
• Insuficiência renal crónica;
• Fármacos: tiazidas e lítio.

O hiperparatiroidismo primário está associado, principalmente, a uma produção


autónoma excessiva e libertação de paratormona pelas glândulas paratiroideias.
Este afeta principalmente o sexo feminino e é geralmente assintomático. Tem como
consequências a osteíte (inflamação do osso) e fibrose cística.
Já o hiperparatiroidismo secundário leva à hiperplasia glandular difusa resultante de
um defeito exógeno às paratiroides, por exemplo em doentes com insuficiência renal crónica.

HIPOCALCEMIA

A hipocalcemia pode ser provocada por várias causas:


• Hipoparatiroidismo (1º é raro);
• Pseudo-hipoparatiroidismo (resistência do órgão);
• Hipomagnesémia (diarreia, alcoolismo);
• Diminuição da vitamina D;
• Resistência à ação da vitamina D;
• Pancreatite aguda.
Normalmente, é assintomática, podendo ocorrer também tetania (contrações
musculares tónicas espontâneas) – músculos do carpo e laríngeos (sinal de Trouseau e de
Chvostek positivos), parestesias, catarata (calcificação do cristalino) e insuficiência cardíaca.

REMODELAÇÃO ÓSSEA E TURNOVER ÓSSEO. OSTEOPOROSE E OSTEOPENIA

O osso é constituído por três principais componentes:


• Matriz orgânica (osteoide) – colagénio tipo I, osteocalcina, osteonectina e
osteopontina;
• Matriz mineral – cristais de hidroxiapatite (cálcio e fósforo);
• Células, como são os osteoblastos e os osteoclastos.

170
O colagénio tipo I é formado por uma tripla hélice. Cada cadeia contém glicina,
hidroxiprolina e prolina, o que permite que as 3 cadeias se enrolem, formando uma fibra muito
resistente. A hélice termina nos telopéptidos, pequenos segmentos sem estrutura helicoidal. As
moléculas de colagénio tipo I associam-se mediante uma reação catalizada por uma enzima, a
lisil-oxidase, que une a hidroxiprolina a um resíduo de lisina de outra cadeia, formando pontes
cruzadas de hidroxipiridina que estabilizam a molécula.

De entre as células do osso, os osteoblastos sintetizam as proteínas da matriz orgânica


(colagénio tipo I e osteocalcina), participando no processo de mineralização, enquanto que os
osteoclastos secretam enzimas e proteases, rompendo a matriz orgânica e dissolvendo a matriz
mineralizada.

REMODELAÇÃO ÓSSEA OU TURNOVER ÓSSEO


Processo metabólico no qual o osso envelhecido é destruído (processo de reabsorção) e
substituído por osso novo (processo de formação).
Objetivos do turnover ósseo:
• Manutenção das propriedades mecânicas do osso que lhe conferem resistência para
sofrer cargas e elasticidade para absorver forças;
• Garantir o fornecimento e armazenamento adequado de cálcio e fosfato ao
organismo.
O turnover ósseo ocorre na unidade de remodelação óssea (URO), constituindo um processo
acoplado e equilibrado – a quantidade de osso reabsorvido e de osso formado é igual.

171
A PTH, a hormona do crescimento (GH), a IL-2 e a deficiência de E2 levam à estimulação dos
osteoblastos. Estas células libertam, por sua vez, IL-1, IL-6, IL-11, TNF, TGF-β e CSF (citocinas
que são, globalmente, pró-inflamatórias), que induzem o recrutamento e a diferenciação
de células gigantes multinucleadas a osteoclastos.

O turnover ósseo é controlado por fatores hormonais – PTH, vitamina D, calcitonina,


estrogénios/androgénios, GH, corticoides, hormonas tiroideias e osteocalcina – e por
fatores locais – citocinas, fatores de crescimento (TGF-β e IGF-1) e osteoprotegerina (OPG).

A osteoporose surge então como uma doença esquelética sistémica caracterizada pela
diminuição da massa e deterioração da microarquitectura ósseas, com aumento da fragilidade
do osso e do risco de fratura. Nesta doença, verifica-se um desequilíbrio entre o processo de
formação e de reabsorção óssea, com óbvio favorecimento da reabsorção óssea.
A osteopenia traduz-se na diminuição da densidade mineral óssea (DMO), mas não
numa extensão tão grande como a que acontece na osteoporose. A osteopenia pode, portanto,
evoluir para osteoporose, sendo que a última aumenta o risco de fraturas.
Como se encontra visível no gráfico, a densidade mineral óssea aumenta durante a
infância e a adolescência, verificando-se uma diminuição muito acentuada da mesma durante
a menopausa, devido à diminuição dos estrogénios. Esta diminuição é particularmente notória
no osso trabecular. Homens com níveis mais baixos de testosterona, nomeadamente, aqueles
que apresentam hipogonadismo ou que se encontram sob terapêutica de inibição dos
androgénios para o cancro da próstata, também apresentam diminuições acentuadas da DMO.

172
Distinguem-se dois tipos de osteoporose:
• Osteoporose primária – não surge como consequência de nenhuma outra
doença. Esta pode ser idiopática da criança e do jovem ou involutiva, estando
esta última associada ao estado pós-menopausa na mulher (tipo I) ou ao idoso,
homem ou mulher, com mais de 70 anos (tipo II):

• Osteoporose secundária – principalmente associada a doentes com HIV e a


fármacos e toxinas, podendo também afetar fumadores, alcoólicos, entre
outras doenças.

Sinais e sintomas da osteoporose: dorsalgias e lombalgias, escoliose lombar, inclinação


anterior da bacia, diminuição da estatura, diminuição da densidade óssea, trabéculas ósseas
delgadas (osso atrófico), hipercalcemia e calciúria e fraturas. As fraturas são mais comuns
na coluna vertebral, na bacia, no pulso (fratura de Colles) e no fémur.

Os grupos de risco incluem mulheres, caucasianos, fumadores, consumidores de álcool


ou café em excesso, diabéticos (diabetosporosis) e ainda pessoas que se exercitam em excesso.

173
A reposição hormonal do estrogénio em mulheres na menopausa consegue evitar a
osteoporose. Como formas de prevenção, fazer exercício físico regularmente, seguir uma dieta
com alimentos ricos em cálcio – leite, iogurte, queijo, brócolos, laranja –, promover uma
moderada exposição ao sol (essencial à formação da vitamina D) e ainda a eliminação de hábitos
prejudiciais são alguns exemplos.

Diagnóstico: o estudo radiológico é pouco eficaz; a densitometria óssea é um método de


diagnóstico eficaz, sendo possível valorizar a DMO e a T-score. Pode ser ainda realizado o
doseamento de marcadores de reabsorção (CTX) e formação (PINP) ósseas.

OSTEOMALÁCIA OU RAQUITISMO

A osteomalácia ou raquitismo configura-se como uma deficiente mineralização da


matriz óssea, apresentando como causas a formação reduzida de vitamina D, a diminuição da
exposição solar, carências alimentares e insuficiência renal.
Algumas das características mais evidentes da osteomalacia é a dor óssea, fraqueza
muscular e a afetação da marcha (o doente apresenta um andar bamboleante), para além da
ocorrência de pseudofratura (reabsorção óssea local com a aparência de uma fratura não
deslocada) e, nas crianças, a ocorrência de curvaturas nos ossos da perna.

DOENÇA DE PAGET

A doença de Paget caracteriza-se por uma destruição progressiva e descontrolada do


osso por osteoclastos anormalmente grandes que fragilizam o osso. Durante este processo,
existe formação de osso mais fraco.
A nível laboratorial, esta doença é caracterizada pela elevação da fosfatase alcalina e da
excreção de hidroxiprolina.

174
PATOLOGIAS DO APARELHO REPRODUTOR MASCULINO

INFERTILIDADE MASCULINA

A infertilidade masculina é definida como a falha em conceber após 6 a 12 meses de


relações sexuais regulares sem o uso de contracetivos.
Esta é uma doença controversa, debatendo-se a questão de estar relacionada com a
diminuição da fertilidade humana, com fatores ambientais ou com o estilo de vida.
É uma doença multifatorial, considerando-se causas pré-testiculares, testiculares e pós-
testiculares.

CAUSAS PRÉ-TESTICULARES

As causas pré-testiculares incluem problemas endócrinos, os quais envolvem uma


secreção alterada das hormonas hipofisárias (LH e FSH), afetando 1 em cada 100 pacientes. Esta
diminuição pode resultar em insuficiência testicular.

CAUSAS TESTICULARES

As causas testiculares estão relacionadas com problemas na produção de


espermatozoides. São as mais comuns, envolvendo 60 em cada 100 pacientes.
A ausência de células precursoras (aplasia das células germinativas, uma lesão mais
grave em que apenas existem células de Sertoli a delimitar os túbulos seminíferos), a ausência
de maturação (incapacidade de completar a espermatogénese além de um estadio específico) e
a hipoespermatogénese são as principais causas, apesar de apresentar outras causas relevantes:
• Criptorquidismo (testículos não descidos);
• Causas genéticas (sindrome de Klinefelter – cariótipo XXY);
• Infeções (orquites e orquiepididimites);
• Calor;
• Presença de anticorpos anti-espermatozoides;
• Varicocelo (varizes escrotais);
• Medicamentos (ex. tratamento de cancro).

Estas causas podem levar a atrofia testicular, que pode resultar em insuficiência do
órgão terminal e, finalmente, à infertilidade.

CAUSAS PÓS-TESTICULARES

As causas pós-testiculares incluem o bloqueio no transporte dos espermatozoides, por


obstrução ou bloqueio do epidídimo e ductos deferentes. Esta condição leva a azoospermia
(ausência de espermatozoides no sémen) e pode ocorrer por ausência congénita dos ductos
deferentes, por infeção por Chlamydia ou gonorreia, por vasectomia ou por obstrução na região
da próstata.

175
Por outro lado, também dificuldades com a ereção e com a ejaculação, como as
causadas por disfunção erétil, ejaculação precoce, ausência de ejaculação e ejaculação
retrógrada. As principais causas destas situações são danos nos nervos, a toma de
medicamentos anti-depressivos e anti-hipertensores e o consumo de álcool e cocaína.

DIAGNÓSTICO DA INFERTILIDADE MASCULINA

O diagnóstico da infertilidade masculina inclui análise hormonal, como a produção de


LH e de FSH pela glândula pituitária, o que tem implicação na produção de testosterona.
Também a análise do sémen, com o espermograma, o volume de sémen ejaculado, o
pH, a contagem de glóbulos brancos e a presença de anticorpos é importante neste diagnóstico.
Através do espermograma, analisam-se vários parâmetros, nomeadamente, contagem total,
mobilidade, vitalidade e morfologia. A colheita deve ser realizada após abstinência sexual de 2
a 7 dias e a avaliação é feita em 2 a 3 colheitas com intervalos de 1 semana a 3 meses.

Situações específicas no espermograma:

• Oligozoospermia – < 20 x 106 espermatozoides/mL;


• Teratozoospermia – morfologia < 30% de formas normais;
• Azoospermia – ausência de espermatozoides no ejaculado;
• Aspermia – ausência de ejaculado.

Também a realização de testes genéticos, como o estudo dos cromossomas (avaliação


do seu número e tamanho), a análise da urina, com a pesquisa de espermatozoides na urina
para despiste de ejaculação retrógrada, e a realização de biópsia testicular, que permite avaliar
a presença de células produtoras de espermatozoides, se o processo de produção de
espermatozoides é normal e se pequenas áreas de produção de espermatozoides estão
presentes no testículo, são importantes ferramentas de diagnóstico.

DISFUNÇÃO ERÉTIL

A disfunção erétil está associada a patologias que causam disautonomia, como a


diabetes mellitus, o consumo de álcool e cocaína, a toma de anti-hipertensores (como os β-
bloqueantes) e de antidepressivos tricíclicos e lítio.
O tratamento inclui a toma de inibidores da fosfodiesterase – como o sildenafil –, que
potencia o efeito do NO (monóxido de azoto) nos corpos cavernosos, potenciando a ereção.

URETRITE

A uretrite constitui a inflamação da uretra posterior, que pode levar a obstrução e


atingir a próstata, as vesículas seminais e o epidídimo. Pode ser gonorreia (provocada por
gonococos) ou não gonocócica (quando provocada por Chlamydia ou Mycoplasma).

176
HIPERPLASIA BENIGNA DA PRÓSTATA

A hiperplasia benigna da próstata configura-se como um crescimento não maligno do


estroma da próstata e das células epiteliais, quando as mesmas são estimuladas pela
dihidrotestosterona (DHT).

A presença de cápsula prostática está relacionada com o aparecimento de


sintomatologia obstrutiva aquando de hiperplasia benigna da próstata. Pode, portanto,
provocar obstrução à saída de urina, provocando cistite e pielonefrite.

CARCINOMA DA PRÓSTATA

O carcinoma da próstata apresenta um pico de incidência aos 70 anos, sendo pequenos


e causando raramente obstrução urinária. Afetam principalmente a zona externa da glândula,
a mais sensível aos androgénios, e metastizam por via sanguínea para a bexiga, ossos da coluna
vertebral e pélvicos e para os pulmões por via linfática.
O diagnóstico envolve o toque retal, o doseamento da PSA (antigénio específico da
próstata) e a realização de ecografia e biópsia. O tratamento é cirúrgico ou com hormonas
sexuais femininas.

PATOLOGIAS TESTICULARES
CRIPTORQUIDISMO

O criptorquidismo constitui um defeito congénito, no qual um ou ambos os testículos


não passam à cavidade escrotal, comprometendo a espermatogénese. Esta condição aumenta
muito o risco de desenvolvimento de tumor testicular.

TUMORES TESTICULARES

Estes tumores são mais comuns nas células germinativas (cerca de 95%) e dão origem
a diferentes tipos celulares, como os teratomas ou os coriocarcinomas.
Estes metastizam por via linfática para o pulmão, fígado, cérebro e rim, sendo
normalmente assintomáticos e apresentando um aparecimento mais comum no jovem adulto
(20 – 35 anos). Está associado a um fator genético e é mais comum nos caucasianos.
O seu diagnóstico inclui o doseamento da β-HCG e da α-fetoproteína.

177
PATOLOGIAS DO APARELHO REPRODUTOR FEMININO

O aparelho reprodutor feminino sofre uma forte regulação endócrina, estando


principalmente associada à atuação da LH e FSH sobre os ovários durante as fases folicular e
luteínica e ainda à atuação dos estrogénios e progesterona sobre o útero.

INSUFICIÊNCIA OVÁRICA

A insuficiência ovárica ocorre associada a diferentes fatores:


• Problemas no desenvolvimento:
o Disgenesia gonadal – por ausência de folículos primordiais, associado a
um cariótipo X0;
o Falência ovárica precoce – devido a menopausa precoce (antes dos 40
anos), por atresia folicular acelerada;
o Síndrome de ovário resistente – não há desenvolvimento dos folículos,
por resistência à FSH;
o Deficiências enzimáticas – é o caso da deficiência em 17-α-hidroxilase,
o que é também causa de infantilismo sexual.
• Insuficiência ovárica adquirida – associada a fatores ambientais (radiações,
agentes químicos e infeções) ou a síndromes autoimunes (pluriglandulares);
• Deficiência na produção de gonadotrofinas – stress (hiperprolactinemia),
exercício físico intenso e anorexia nervosa (emagrecimento).

178
ALTERAÇÃO DOS CICLOS MENSTRUAIS: AMENORREIA E ANOVULAÇÃO

A amenorreia configura-se como a ausência de menstruação. Esta pode ser primária,


quando se verifica uma ausência de menstruação após os 16 anos, independentemente da
presença ou não de características sexuais secundárias, ou secundária, quando se verifica a
ausência de menstruação, no mínimo, por 3 meses numa mulher que menstruava normalmente.
A amenorreia pode estar associada a múltiplas causas, desde o síndrome de Asherman
(devido à presença de aderências fibróticas in utero, após infeção), a insuficiência ovárica e
distúrbios do hipotálamo e da hipófise.
Já a anovulação ocorre com amenorreia ou com ciclos irregulares. Apresenta como
principais causas a insuficiência ovárica primária (por falta de folículos ou produção insuficiente
de estrogénios), a falta de regulação pela hipófise, o excesso da produção de estrogénios na fase
luteínica que impede a produção de FSH e a presença de quistos nos ovários (síndrome de
ovários poliquísticos), que formam estrogénio ou progesterona conforme se formam a partir de
folículos ou de corpos lúteos.

SÍNDROME DE OVÁRIOS POLIQUÍSTICOS

O síndrome de ovários poliquísticos aparece, em geral, entre os 20 e os 30 anos, sendo


apenas manifestada esta condição por 5 a 10% das mulheres.
A formação de quistos nos ovários é muito comum, originando-se em folículos de Graaf
não rompidos ou em folículos que romperam e se fecharam imediatamente. Estes quistos
estão preenchidos por um líquido claro seroso e revestidos por uma membrana cinza-brilhante.
Os quistos lúteos da granulosa estão normalmente presentes, sendo que os maiores podem ser
diagnosticados por ecografia ou palpação, provocando estes dor pélvica.
Os ovários poliquísticos são responsáveis por anovulação crónica ligada a um
hiperandroginismo funcional e, por vezes, a obesidade. Nesta patologia, é comum a existência
de ovários de grandes dimensões com múltiplos quistos foliculares, com hiperplasia da teca
interna, assim como a presença de corpos lúteos (mas não invariavelmente, ausentes).

Fisiopatologia do síndrome de ovários poliquísticos:


O aumento da produção extraglandular de estrogénios, no tecido adiposo, associada
a uma resistência à insulina, leva ao aumento da secreção de LH, o que estimula as células
luteínicas da teca de cada folículo.

179
Ocorre, por isso, uma excessiva produção de androgénios pelas células da teca, em que
apenas uma parte sofre aromatização – hiperandroginismo.
A deficiente produção de FSH diminui o desenvolvimento dos folículos ováricos e
impede a ovulação – infertilidade.
A ausência de ovulação resulta em níveis elevados de estrogénios e insuficiente
progesterona, o que resulta em espessamento endometrial e sangramento intenso e/ou
irregular.

Produção excessiva de
Hiperandrogenismo
androgénios e baixa
funcional
aromatização

Deficiente produção
de FSH e menor
Aumento da produção Aumento da produção Infertilidade
desenv. dos folículos
extraglandular de de LH e estimulação ováricos
estrogénios da teca

Espessamento
endometrial
Níveis elevados de
Ausência de ovulação estrogénio e baixa
progesterona
Sangramento intenso
e/ou irregular

Sinais e sintomas:
• Anovulação persistente/dificuldade na ovulação;
• Oligoespaniomenorreia/amenorreia;
• Obesidade;
• Hirsutismo;
• Hiperpigmentação da pele da nuca e das axilas;
• Infertilidade;
• Abortos mais frequentes;
• Aumento do risco de cancro do endométrio;
• Hiperandrogenismo;
• Dor abdominal;
• Aumento do volume abdominal;
• Irregularidades menstruais;
• Alteração da frequência urinária;
• Acne;
• Queda de cabelo;
• Pressão pélvica.

180
Diagnóstico:
Exames clínicos Análises clínicas
• Níveis diminuídos ↓ ou normais de
FSH;
• Níveis elevados ↑ de LH (hormona
luteinizante);
• Exame pélvico; • LH/FSH>2;
• Ecografia; • Níveis elevados ↑ de androgénio
• Ressonância magnética; (testosterona) ou da D4-
• Biópsia; androstenodiona;
• Laparoscopia. • Níveis relativamente altos ↑ de
estrogénios (principalmente de
estrona) ou N mas sem pico pré-
ovulatório – E1/E2>1;
• Níveis diminuídos de SHBG.

Esquema de diagnóstico diferencial:

DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA

A doença inflamatória pélvica engloba a vagina, o útero, o peritoneu e as trompas de


Falópio. Esta patologia ocorre devido a infecções por microrganismos sexualmente
transmissíveis, como Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis, Mycoplasma e Treponema
pallidum.
É mais comum na mulher sexualmente ativa. Trata-se de uma reação inflamatória
mucopurulenta, uma vez que os microrganismos se agarram aos espermatozoides, com
consequente formação de abcessos.
Algumas das consequências a longo prazo é a obstrução das trompas de Falópio, com
infertilidade ou possibilidade de gravidez ectópica.

181
CARCINOMA CERVICAL

O carcinoma cervical ocorre, mais comumente, na zona de transição entre o endocervix


e o exocervix. Ocorre por evolução de metaplasia escamosa para displasia e,
consequentemente, para carcinoma in situ. A evolução das camadas profundas para a
superfície é muito lenta, metastizando para os nódulos linfáticos, pulmão e fígado.
Apresenta uma etiologia associada ao vírus do papiloma humano 2 (HPV 2).
A patologia é assintomática até à fase de carcinoma in situ.

PATOLOGIAS DO ÚTERO
ENDOMETRIOSE

A endometriose é causa de infertilidade por obstrução das trompas, consistindo em


depósitos de tecido endometrial fora do útero (cavidade abdominal, ossos, pulmão, etc.).
Este cresce por ação hormonal, chegando a sangrar, o que provoca dor abdominal forte.
Tratamento: Cirúrgico ou com anticoncecionais.

TUMORES DO MIOMÉTRIO

Os tumores do miométrio englobam o leiomioma (forma benigna), que afeta 1 em cada


4 mulheres com mais de 30 anos, sendo assintomático ou provocando menstruações
abundantes e dor por compressão das estruturas adjacentes, e o leiomiosarcoma, que atinge
mulheres com mais de 50 anos e apresenta uma taxa de mortalidade muito elevada, devido à
sua elevada capacidade de metastização.

NEOPLASIA DA MAMA

De entre as neoplasias da mama, a mais comum é o fibroadenoma, constituindo a


principal causa de morte entre os 35 e os 50 anos e deve-se a uma maior sensibilidade aos
estrogénios.
Existem vários fatores de risco para a ocorrência de neoplasia da mama – genéticos e
ambientais, menarca precoce a menopausa tardia, doença quística da mama, primeira gravidez
tardia, nulíparas, radiação, predisposição familiar e obesidade (devido à formação de
estrogénios – estrona – no tecido adiposo).
Os tumores da mama podem ser classificados em:
• Não invasivos – limitados à glândula e na ausência de fibrose, sendo, por isso,
difíceis de detetar;
• Invasivos – metástases axilares, ósseas e hepáticas.
O tratamento envolve quimioterapia, radioterapia, mastectomia e o marcador tumoral
CA15.3.
A prevenção pode ser feita com mamografias anuais a partir dos 45 anos e com a toma
de tamoxifeno (agente quimioterápico com afinidade para os estrogénios).

182
INFERTILIDADE FEMININA

A infertilidade feminina apresenta-se numa percentagem semelhante à infertilidade


masculina (35%).
No que toca à infertilidade feminina, a idade é um fator importante – na mulher com
mais de 38 anos, há uma diminuição da capacidade reprodutora e também um maior número
de abortos espontâneos.
Quando se recorre à FIV (fecundação in vitro), a taxa de sucesso é muito mais baixa (8%
contra 24% nas mulheres jovens).

183
PATOLOGIAS MINOR DA PELE

A pele apresenta como principais funções servir de barreira contra o meio externo, a
termorregulação, as funções sensitivas, a função endócrina e a função psíquica.
A pele apresenta-se constituída por:
• Epiderme – constitui um epitélio estratificado pavimentoso, encontrando-se os
queratinócitos divididos em várias camadas – estrato córneo, estrato granular,
estrato espinhoso e estrato basal;
• Derme – derme papilar, derme reticular, fibroblastos e células imunitárias;
• Hipoderme – tecido conjuntivo e adiposo.

A microvascularização cutânea encontra-se subdividida em dois plexos – um plexo


superior, entre a epiderme e a derme papilar, e um plexo inferior, entre a derme reticular e a
hipoderme. Estes plexos encontram-se ligados entre si através de uma rede de arteríolas e
vénulas.
Esta microvascularização afeta também a capacidade de dissipação ou de retenção de
calor, mediante a ocorrência de vasodilatação ou de vasoconstrição, respetivamente.

A síntese de melanina inicia-se com a transformação de tirosina em L-dopa e,


consequentemente, em DOPAquinona. Consoante a presença ou não de cisteína, a
DOPAquinona é convertida a feomelanina (de cor amarelada a avermelhada) ou a eumelanina
(de cor acastanhada a preta), respetivamente.

184
Os fototipos cutâneos podem ser traduzidos através da escala de Fitzpatrick, com 6
tipos. O tipo I, normalmente associado a indivíduos do Norte da Europa, é o que apresenta a
menor taxa de retenção da radiação ultravioleta e, consequentemente, o maior risco de cancro
da pele.

A microbiota cutânea inclui a presença de bactérias, fungos e vírus até em regiões da


pele saudáveis.

As patologias cutâneas podem apresentar um caráter hereditário, podendo estar


associadas ao desenvolvimento normal e podendo surgir no contexto de doenças sistémicas.
Estas doenças podem interferir significativamente na qualidade de vida dos doentes,
nomeadamente, no sono, no humor e na atividade profissional, mas são raramente fatais.

PRINCIPAIS LESÕES CUTÂNEAS

As máculas constituem áreas de alteração da textura ou da cor da pele, podendo


apresentar-se hipopigmentadas, pigmentadas ou eritematosas.

185
As pápulas são elevações sólidas da pele, com um diâmetro inferior a 5 mm. São
achatadas, abobadadas e espiculares.

Os nódulos constituem elevações da pele com um diâmetro superior a 5 mm, podendo


envolver qualquer camada da pele e ser edematosas ou sólidas.

As placas são elevações cutâneas palpáveis e em forma de planalto, com diâmetro


superior a 2 cm e altura até 5 mm. As escamas constituem acumulações de queratina espessada
e espinhosa na forma de fragmentos facilmente destacáveis.

As vesículas constituem bolhas com diâmetro inferior a 5 mm, contendo fluido


translúcido dentro ou debaixo da epiderme. Já as bolhas são semelhantes às vesículas, mas com
diâmetro superior a 5 mm.

As úlceras são áreas circunscritas de perda cutânea que se estendem da epiderme até à
derme.

186
As pústulas são uma coleção visível de pus numa bolha com dimensão variável.

Os quistos são nódulos que constituem cavidades de revestimento epitelial preenchidas


por fluido ou material semi-sólido.

Os vergões são pápulas ou placas compressíveis de edema dérmico, transitória, de


coloração vermelha ou branca, indicando, frequentemente, urticária.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico deve ter em atenção vários fatores, como a queixa atual, a história médica
prévia, a história social, a história familiar e a história de prescrição de fármacos ou abuso de
drogas.
Também a distribuição regional característica de algumas lesões cutâneas é um fator
importante no diagnóstico diferencial.

187
PRINCIPAIS PATOLOGIAS MINOR DA PELE
PSORÍASE

A psoríase é uma doença inflamatória crónica que afeta indivíduos geneticamente


suscetíveis. Os fatores desencadeadores são infecciosos, a irritação mecânica e os fármacos.
A psoríase está associada a um processo fisiopatológico de proliferação aumentada dos
queratinócitos, com consequente acantose e paraqueratose, e inflamação por secreção de
citocinas pelos linfócitos T.
A psoríase apresenta-se em dois tipos: tipo I, associado a um aparecimento em idades
mais jovens, e tipo II, associado a um aparecimento tardio.

As lesões típicas da psoríase incluem placas eritematosas, demarcadas e pruríticas, para


além de alterações ungueais e artrite.

ECZEMA OU DERMATITE

O eczema ou dermatite constitui uma inflamação cutânea de origem não infecciosa,


enquadrando-se numa reação a uma variedade de estímulos, alguns ainda desconhecidos.
É difícil formular uma classificação consistente para o eczema, mas, quanto à duração,
o mesmo classifica-se em agudo ou crónico.

Eczema agudo – caracteriza-se pela presença de vasos sanguíneos dilatados, pela infiltração
celular e, ao nível da epiderme, pela presença de vesículas que promovem a elevação da
superfície cutânea.
Eczema crónico – caracteriza-se por uma hiperqueratose (espessamento das camadas
superiores da pele), com prolongamento das interdigitações entre a epiderme e a derme. Já
não existe dilatação tão evidente dos vasos sanguíneos.

188
Existem diferentes tipos de eczema:
• Eczema de contacto – dermatite precipitada por um agente exógeno,
frequentemente de natureza química. É frequente em contexto doméstico e
laboral (causa de absentismo).
É provocado pelo contacto repetitivo e cumulativo com agentes irritantes e
alergénicos – agentes abrasivos, substâncias ácidas e alcalinas, solventes e
detergentes.

• Eczema atópico – inflamação crónica prurítica da epiderme e da derme,


frequentemente associada a uma história pessoal ou familiar de asma, rinite
alérgica ou conjuntivite. A manifestação clínica mais marcada é o prurido de
difícil controlo.
Nesta patologia, ocorre ativação de linfócitos Th1 e Th2.

Atopia – tendência inata de desenvolver uma ou mais das manifestações


acima identificadas e de produzir níveis elevados de IgE circulantes,
frequentemente a alergénios inalados.

Na criança, o eczema atópico apresenta-se como um eczema vascular


exsudativo na face e mãos, frequentemente com infeção subsequente,
prolongando-se após os 18 meses em menos de 50% dos casos. Após os 18
meses, as lesões ocorrem mais frequentemente na fosse antecubital, pescoço,
punhos e tornozelos.
No adulto, a manifestação mais frequente é a dermatite nas mãos. É exacerbada
por agentes irritantes e por stress psicológico.

• Dermatite seborreica – erupção inflamatória crónica (face, couro cabeludo,


tronco e dorso), prurido variável, estando associada a fatores endógenos,
genéticos e microbiota (Pityrosporum ovale).

189
• Eczema de estase venosa – eczema que afeta o membro inferior em contexto
de doença venosa periférica. O aumento da pressão hidrostática capilar leva à
deposição pericapilar de fibrina e pigmentos, sendo que é mais comum em
mulheres de meia idade.

ACNE

O acne constitui uma inflamação crónica das unidades pilossebáceas com formação de
comedões, pápulas, pústulas, quistos e cicatrizes. Apresenta uma incidência semelhante em
ambos os sexos.
Resulta de:
• Aumento da excreção de sebo;
• Hiperqueratose do ducto pilossebáceo;
• Colonização por Propionibacterium acnes;
• Libertação de mediadores inflamatórios.
Os comedões podem ser abertos (pontos negros) e fechados (pontos brancos).
Apresenta um início por volta dos 12 anos, permanecendo até por volta dos 20 anos. Podem
evoluir para pápulas, pústulas ou quistos, apresentando-se sobretudo na face, ombros, tronco
e dorso.

ROSÁCEA

A rosácea é uma doença inflamatória crónica, idiopática, caracterizada por eritema e


pústulas. É mais comum na meia idade, mas pode afetar jovens adultos e idosos.
Os fatores desencadeadores são climas quentes, bebidas quentes e alimentos picantes,
stress, álcool, nicotina e ácaros do género Demodex.
Histologicamente, denota-se:
• Hiperplasia das glândulas sebáceas;
• Dilatação vascular;
• Infiltrado celular inflamatório.
Existem diferentes formas de rosácea:
• Rosácea eritemato-telangiectásica – eritema facial persistente com
telangiectasias;
• Rosácea pulopustular – pápulas, pústulas e eritema;
• Rosácea fimatosa – espessamento da pele e glândulas sebáceas, nódulos
inflamatórios e rinofima (quistos no nariz);

190
• Rosácea ocular – hiperemia conjuntival, blefarite (inflamação do bordo das
pálpebras), hordéolo e calázio (“terçolho”).

URTICÁRIA E ANGIOEDEMA

A urticária configura-se como uma erupção caracterizada por vergões pruríticos


transitórios, como resultado de edema dérmico agudo por extravasamento extravascular.
Já o angioedema trata-se de uma região extensa de edema com envolvimento da derme
e tecido subcutâneo.

Na urticária, as lesões resultam da desgranulação dos mastócitos com libertação de


histamina, causando vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular:

Reação de
hipersensibilidade do
tipo I

Autoanticorpos
Ativação do sistema
indutores da libertação
complemento
de histamina

Bloqueio da formação de
prostaglandinas por
Libertação de histamina
AINEs - favorece a
causada por fármacos
acumulação de
leucotrienos vasoativos

Apresentam dois tipos de urticária:


• Urticária crónica idiopática – vergões, pápulas ou placas, pruríticos e rosados.
Permanecem por menos de 24h, sendo redondos, anulares ou policíclicos, em
número variável;
• Urticária aguda – aparecimento súbito de urticária ou angioedema, estando
associada a uma hipersensibilidade tipo I;
• Urticárias físicas – devido à exposição ao frio, calor, exposição solar, pressão e
água:
o Dermografia – vergões induzidos pela pressão aplicada na pele;
o Urticária colinérgica – vergões pequenos, papilares e pruríticos, em
resposta a sudorese induzida por exercício, calor, emoção e alimentos
condimentados;
o Urticária vasculítica – lesões disseminadas, de início súbito e que
permanecem por mais de 24h, deixando púrpura.

191
DOENÇAS INFECCIOSAS
Impetigo
O impetigo constitui uma infeção cutânea superficial (provocada por Staphylococcus
ou Streptococcus), ocorrendo geralmente em crianças.
Apresenta-se como vesículas de rutura fácil, frequentemente na face. As lesões
espalham-se facilmente e são contagiosas.

Ectima
A ectima é uma forma de impetigo que causa lesões circunscritas, ulceradas e infetadas
que curam com cicatrização. Ocorre mais frequentemente no membro inferior, sendo muito
frequente em doentes toxicodependentes e debilitados.

Erisipela
A erisipela é uma infeção aguda da derme por Streptococcus
pyogenes, causando lesões com eritema, edema e sensibilidade, podendo
formar bolhas.
Estas lesões podem ser precedidas por febre, fadiga e sintomas
febris. Afetam geralmente a face ou as pernas.

Verrugas
As verrugas constituem tumores benignos comuns, devido à infeção de células
epidérmicas pelo papilomavírus. Estas podem ser:
• Comuns – pápulas ou nódulos, geralmente múltiplos, mais comuns nas mãos,
pés, face e genitália;
• Planas – pápulas lisas e planas, acastanhadas, mais comuns na face e dorso das
mãos;
• Plantares – em crianças e adolescentes nas plantas dos pés;
• Genitais – de pequenas dimensões, mas podem coalescer para formar
condilomas em forma de couve-flor.

192
Infeção por Moluscum contagiosum
Trata-se de uma doença caracterizada por pápulas abobadadas, discretas e rosadas,
com umbilicação central, causadas pela infeção pelo vírus homónimo.
Afeta sobretudo crianças e jovens adultos, originada por contágio por contacto,
incluindo sexual. São mais comuns na face, pescoço e tronco.

Infeção por Herpes simplex


Trata-se de uma erupção vesicular aguda e autolimitada, causada pela infeção pelos
vírus Herpes simplex (HSV).
Este vírus entra pela epiderme ou membranas mucosas e replica-se nas células
epiteliais. Os vírus permanecem dormentes nos gânglios das fibras aferentes, sofrendo
reativações.

A reativação pode ser provocada por trauma físico, exposição solar e infeções
respiratórias superiores.

Distinguem-se infeções causadas por vírus Herpes simplex:


• HSV-1 – início típico na infância, geralmente subclínico. Provoca
gengivostomatite – vesículas labiais e mucosais, febre, fagida e linfadenopatia –
e afeta tipicamente a face e os lábios, mas pode envolver a córnea;
• HSV-2 – início típico na idade adulta, afetando tipicamente os genitais.
Apresenta um contágio por contacto sexual.

Infeção por Varicella zoster


Trata-se de uma erupção vesicular aguda, autolimitada e dolorosa, causada pela
infeção pelo vírus Varicella zoster.
A primeira infeção denomina-se varicela; a segunda infeção denomina-se zona, quando
ocorre reativação. O vírus mantém-se dormente nos gânglios aferentes.
A distribuição é feita por dermátomos, sendo que as vesículas agrupadas se tornam
pústulas.

193
PATOLOGIAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

O sistema nervoso central é protegido pela pele e músculos, pelo tecido ósseo, pelas
meninges e pelo líquido cefalorraquidiano (LCR).

As membranas meníngeas são três – pia-máter, aracnoide e dura-máter –, sendo que


entre a pia-máter e a aracnoide se encontra o espaço subaracnoideu, onde circula o LCR que
funciona como amortecedor. Já a dura-máter é constituída por duas camadas – o espaço entre
elas é o espaço epidural. O espaço entre a dura-máter e a aracnoide é o espaço subdural.

Sistema nervoso central (SNC)

PIA-MÁTER

Espaço subaracnoideu (LCR)

ARACNOIDE

Espaço subdural

DURA-MÁTER – Esp. epidural

O líquido cefalorraquidiano é formado por diálise do sangue dos plexos coroideus, em


particular ao nível dos ventrículos cerebrais (1º e 2º). Este líquido circula por todo o SNC e é
drenado no topo da cabeça para o sangue venoso nas vilosidades subaracnoideias.

Características do líquido cefalorraquidiano:

• Transparente;
• Poucos leucócitos;
• Pobre em proteínas;
• Glucose (60% da plasmática).

194
O SNC é irrigado pelo arco aórtico e pelos ramos vertebro-basilares e carótidas. Este
recebe 15% do débito cardíaco, uma vez que apresenta uma grande atividade, não possui
reservas de energia e apresenta uma baixa capacidade anaeróbica.
O débito arterial cerebral é mantido através de vários mecanismos reguladores,
nomeadamente, os barorrecetores carotídeos, a presença de neurónios vasomotores da
medula, a autorregulação local e a regulação da pressão intracraniana (o aumento da PIC
compromete a irrigação cerebral).
Verifica-se isquemia quando a pressão arterial se encontra inferior ou igual a 60 mmHg.

A barreira hematoencefálica existe em todo o SNC, exceto no hipotálamo. Apresenta


capilares com permeabilidade seletiva, muito permeáveis ao O2 e CO2, pouco permeáveis ao
NaCl e ao K+, quase impermeáveis às macromoléculas e impermeável às substâncias
hidrossolúveis.

Menor
permeabilidade
Substâncias hidrossolúveis

Macromoléculas

NaCl e K+

O2 e CO2
Maior
permeabilidade

A membrana dos capilares da membrana hematoencefálica é rica em mitocôndrias. Os


astrócitos desempenham uma importante função de nutrição dos neurónios.

EDEMA CEREBRAL

A secreção ativa de LCR pelos plexos coroideus depende da secreção ativa de NaCl pelas
células epiteliais, o que arrasta consigo água.
As velocidades de secreção e de absorção do LCR, bem como do volume de sangue que
entra e sai do cérebro, devem ser iguais para não alterar a pressão intracraniana, pois a caixa
craniana é estanque. Nesse sentido, caso isso não aconteça, há acumulação de LCR e/ou o
aumento do espaço intersticial ou das células cerebrais, resultando em edema cerebral.
O edema cerebral compromete a atividade do SNC, levando ao aparecimento de
cefaleias, crises epilépticas, coma, hipoperfusão/isquemia, papiledema (olho), náuseas e
vómitos.

195
Existem várias formas de edema cerebral:
• Celular ou citotóxico – devido a uma diminuição do aporte de energia às células
cerebrais;
• Vascular – ocorre aumento da permeabilidade dos vasos, como em inflamações,
tumores, enfarte ou hemorragia;
• Intersticial – diminuição brusca da pressão osmótica do sangue em relação à
pressão osmótica do espaço intersticial (ex: utilização de insulina para correção
da glicémia).

ALTERAÇÕES DO ESTADO DE CONSCIÊNCIA

As alterações do estado de consciência são de natureza muito diversa. Incluem:


• Sonolência ou obnobilação – indiferença ao que se passa, mas resposta a
estímulos verbais, desorientação e sono;
• Estupor – resposta apenas aos estímulos dolorosos;
• Coma – ausência de resposta aos estímulos, há apenas atividade reflexa;
• Coma profundo – perda de algumas funções vitais.

MENINGITES

A meningite constitui uma infeção das meninges (pia-máter e subaracnoideia) e do LCR,


podendo ser agudas (bacterianas e virais), subagudas (tuberculose) e crónicas (sífilis). Trata-se
de uma afeção muito grave (50-60% mortes sem tratamento e 5-6% quando tratadas).
A síndrome meníngea inclui como sintomas cefaleia, alteração da consciência,
convulsões, fotofobia, rigidez da nuca, febre, sinal de Kerning (na tentativa de extensão do
membro, o doente encolhe o outro membro) e sinal de Brudzinski (quando há flexão do pescoço,
ocorre contração dos membros inferiores).

196
A identificação do agente infeccioso pode ocorrer com a análise do LCR – aumento dos
leucócitos, proteínas, diminuição da glucose e a razão gLCR/glicémia ser inferior a 0,4.

EPILEPSIA

A epilepsia traduz-se como um conjunto de sintomas relacionados com a


hiperatividade súbita, anormal e temporária, das células do córtex. Estes episódios são
limitados no tempo, mas recorrentes – convulsões.
Envolve uma ativação motora, sensorial, autonómica e cognitiva complexa.
Apresenta diferentes causas – idiopática (75% dos casos), congénita ou do parto, devido
a tumores, enfarte ou inflamação, alterações metabólicas – hipoxia, hipoglicémia, acidose ou
alcalose –, e resposta a fármacos e a agentes tóxicos (ex: álcool).
A epilepsia apresenta dois tipos principais:
• Crises parciais – localizadas num dos hemisférios cerebrais, sendo simples e
complexas;
• Crises generalizadas – disfunção dos dois hemisférios cerebrais.

Crises parciais:

• Crises simples – atividade motora da cabeça, face e membros, parestesias,


sensações somato-sensoriais – luzes, zumbidos, cheiro e olfato –, depressão, medo,
perturbações visuais e auditivas;
• Crises complexas – perda de consciência (com esquecimento do sucedido) e
movimentos automáticos (ex: mastigação).

Crises generalizadas:

• Ausências (pequeno mal) – imobilidade com olhar fixo e pestanejar repetido,


movimentos leves da cabeça, sacudidelas das pernas; é quase exclusiva das crianças;
• Ataques tonoclónicos (grande mal) – inclui perda de consciência e engloba duas
fases:
o 1ª fase (tónica): rigidez muscular (extensão dos membros e arquear do
tronco) – 10 a 30 seg, contração dos músculos da faringe e respiratórios
(cianose), olhos abertos e revirados, mordedura da língua, aumento da
salivação;
o 2ª fase (clónica): fasciculação muscular dos membros (15 a 30 seg),
incontinência, recuperação com período de confusão e amnésia do
sucedido.
• Os ataques podem seguir-se sem que haja recuperação total do primeiro episódio.
O doente pode apresentar-se confuso nas horas seguintes.

Fisiopatologia da epilepsia:
As alterações ocorrem essencialmente ao nível dos canais de voltagem dependentes de
sódio e de cálcio, bem como da dessensibilização dos recetores GABAérgicos.
Os fármacos anti-convulsivantes mais usados (fenitoína e carbamazepina) atuam
inibindo esses canais e o fenobarbital aumenta a atividade dos recetores para o GABA.

197
DEMÊNCIA. DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS

A demência traduz-se no declínio progressivo das funções intelectuais com perda da


independência social. Alguns dos sintomas são a perda da memória, linguagem, cálculo,
orientação espacial, capacidade de decisão e raciocínio abstrato. Os sintomas têm um
aparecimento gradual, sem perda de consciência.
Apresenta várias causas, nomeadamente, o hipotiroidismo não tratado, as deficiências
em vitaminas (B12, B6 e B1 e niacina), a ocorrência de múltiplos enfartes cerebrais e a presença
de doença de Parkinson e de Huntington. A doença de Alzheimer é a principal causa de
demência, constituindo mais do que 50% dos casos.

DOENÇA DE ALZHEIMER

A doença de Alzheimer é uma doença neurodegenerativa, evolutiva (5 a 10 anos), com


início entre os 65 e os 70 anos. Apresenta um quadro demencial com perda progressiva das
capacidades intelectuais.
Apresenta uma importante predisposição genética (10% dos casos antes dos 65 anos),
mas associada a vários genes (cromossomas 19, 21, 22, 14 e 1).
Apresenta uma etiologia mal definida, podendo estar ligada a alteração da síntese de
acetilcolina e de neurotransmissores das áreas afetadas (córtex, amígdala e núcleo basal de
Meynert no hipocampo).

Consequências fisiopatológicas da doença de Alzheimer:


Algumas das consequências fisiopatológicas do Alzheimer são a perda sinática e a morte
neuronal com atrofia cerebral.
As zonas afetadas são o hipocampo, a amígdala e o núcleo basal de Meynert, estando,
por isso, associados à perda de memória, acalculia e desorientação espacial.
A afetação do córtex associativo (temporal, frontal e parietal) explica a componente
afaso-apraxo-agnósica da doença, enquanto que a afetação das regiões corticais primárias
explicam as alterações sensoriais e motoras.

Apraxia – incapacidade de executar movimentos e gestos precisos


Agnosia – incapacidade de reconhecer objetos
Afasia – deterioração da linguagem

Fisiopatologia da doença de Alzheimer:


Existem diferentes fisiopatologias propostas para a doença de Alzheimer:
• Formação de depósitos proteicos fibrilares (placas neuríticas) – depositam-se
no córtex e nas paredes dos vasos. Uma proteína precursora do amiloide (APP)
– constituinte normal das membranas – sofre clivagem anormal, formando a
proteína β amiloide que é tóxica para o SNC e provoca uma reação
inflamatória. Os fragmentos desta proteína, juntamente com dendrites e
axónios danificados, formam as placas neuríticas que precedem a necrose dos

198
neurónios. Estas placas induzem a disfunção sináptica e a ativação de células da
glia (astrócitos reativos e proliferação da microglia).

Ocorre afetação das mitocôndrias e, consequentemente, promoção da


produção de radicais livres. Estes radicais livres provocam danos nas
membranas celulares, proteínas e DNA – ocorre aumento da apoptose.

Clivagem
Reação Disfunção
anormal de Danos
inflamatória sináptica e
APP e Necrose dos Produção de celulares e
e formação ativação de
formação de neurónios radicais livres aumento da
de placas células da
proteína β- apoptose
neuríticas glia
amiloide

• Degenerescência neurofibrilar (emaranhados neurofibrilares) – ocorre a


formação de fibras anormais que se formam no interior das células nervosas –
hipocampo, amígdala e córtex associativo –, que são constituídas pela proteína
Tau, que faz parte dos microtúbulos, tendo como função a sua estabilização. Na
forma hiperfosforilada, as proteínas Tau agregam-se, tornando-se insolúveis.
Ocorre desorganização do citoesqueleto celular, o que causa a desintegração
dos microtúbulos, afetando, assim, o sistema de transporte dos constituintes
dos neurónios no citoplasma destes.

Agregação das
Hiperfosforilação Desorganização
Desintegração proteínas Tau e
das proteínas do citoesqueleto
dos microtúbulos formação de
Tau celular
fibras anormais

• Galanina – a galanina constitui um neurotransmissor peptídico que se encontra


em excesso na doença de Alzheimer. Este inibe a ação da acetilcolina,
neurotransmissor que contribui para as funções cognitivas (aprendizagem,
memória…).

Manifestações clínicas da doença de Alzheimer:

• Inicialmente – perda de memória (curta duração), agitação, lentidão no raciocínio,


dificuldade em perceber palavras e alteração na conversação, depressão alternada com
agitação;
• Tardias – alteração dos reflexos, fraqueza geral, incontinência urinária e fecal,
convulsões, estado vegetativo precede a morte.

199
PATOLOGIAS DO SISTEMA SENSORIAL E MOTOR

As patologias do sistema sensorial e motor constituem sensações patológicas que


envolvem os neurónios motores e sensoriais, podendo, nestes casos, estar comprometidos o
sistema nervoso central ou o sistema nervoso periférico.

PATOLOGIAS SENSORIAIS
HIPOESTESIA, ANALGESIA, PARESTESIA, DISESTESIA E HIPERPATIA

A hipoestesia ou anestesia engloba o adormecimento de um membro, enquanto que a


analgesia ou hipoalgesia se aplica a situações dolorosas, em que há redução da dor.
As parestesias traduzem-se por sensações espontâneas anormais, como o formigueiro,
queimadura ou picadas.
As disestesias constituem sensações dolorosas ou desagradáveis provocadas por um
estímulo que normalmente não o faz.
Na hiperpatia, não existe resposta sensitiva com um estímulo de pequena intensidade,
mas, quando este aumenta, a sensação é dolorosa.

Quando está envolvida metade do corpo (hemicorpo) – a lesão é no SNC.


Quando estão envolvidas todas as extremidades – polineuropatia (lesão na medula ou
alteração metabólica).
Queixas sensoriais de curta duração – epilepsia, isquemia cerebral ou alterações
metabólicas.

NEVRALGIA DO NERVO TRIGÉMEO

Uma nevralgia constitui uma dor acentuada e periódica de uma extremidade nervosa.
O nervo trigémeo constitui o V par craniano, apresentando funções motoras, propriocetivas e
sensoriais, com três ramificações – nervo oftálmico, nervo maxilar e nervo mandibular.
O principal sintoma é dor súbita com sensação de queimadura num dos lados da face,
sendo que o ataque pode ser desencadeado pela mastigação ou toque na face. As dores podem
resistir aos analgésicos, sendo necessário usar opiáceos. Por vezes, pode ser necessário
seccionar parcialmente o nervo.
Apresenta uma etiologia desconhecida e é mais comum nas mulheres.

CEFALEIAS

As cefaleias podem ser de dois tipos: cefaleias neurovasculares ou enxaquecas e


cefaleias tensionais.

Cefaleias neurovasculares ou enxaquecas


As cefaleias neuromusculares enquadram-se numa crise dolorosa, normalmente
hemicraniana e pulsátil, acompanhada de intolerância aos estímulos luminosos e acústicos,
náuseas e vómitos. Estas crises podem durar de horas, a um ou dois dias, afetando sobretudo

200
as mulheres. As formas mais complicadas são acompanhadas de sintomas neurológicos
transitórios (aura). Apresentam um componente genético importante.
Apresenta um quadro clínico dividido em 4 fases:
• Pródromo – sinais premonitórios 24h-48h antes da fase álgica, com distúrbios
de humor, sono, capacidade intelectual e gastrointestinais;
• Aura – disfunção neurológica focal, precede ou acompanha a fase álgica e
alterações visuais, da linguagem, sensoriais e motoras;
• Álgica – latejante, na região frontotemporal, unilateral, verificando-se
sensibilidade à luz, fenómenos vasomotores, sintomas gastrointestinais,
retenção hídrica e oligúria;
• Fase de recuperação – astenia e euforia.
A enxaqueca comum não apresenta a fase de aura, enquanto que a clássica apresenta.
Apresenta a teoria serotoninérgica – aumento transitório da libertação de serotonina
pelos neurónios do núcleo de Rhafe (com projeções para o córtex visual, frontal, gânglios basais,
tálamo e hipotálamo) – e a teoria da hiperexcitabilidade cerebral – aumento dos aminoácidos
excitatórios e diminuição da fosfocreatina e do Mg2+ intracelular e aumento do Pi durante as
crises – como modelos fisiopatológicos explicativos.
A principal causa deste tipo de cefaleias é a dilatação dos vasos meníngeos, devido a
neurotransmissores que se libertam quando o sistema trigémeo-vascular é ativado como
consequência da disfunção dos centros tronco-encefálicos que o modulam.

Cefaleias tensionais
Nestas cefaleias, ocorre dor em todo o crânio, leve ou moderada, e ocorre em situações
de ansiedade ou depressão ou por alterações degenerativas das primeiras vértebras cervicais
que provocam a contração muscular.

Existem ainda cefaleias provocadas por inflamação ou compressão de estruturas


sensíveis à dor, como a inflamação meníngea, a inflamação da artéria temporal ou a hipertensão
intracraniana e intraocular (glaucoma) e dos seios perinasais.

PATOLOGIAS MOTORAS

As patologias motoras constituem doenças em que o principal problema reside na


fraqueza muscular e na perda de massa muscular. Podem ocorrer a quatro níveis:
• Neurónios motores (1º neurónio);
• 2º neurónio + fibras nervosas (motoneurónios);
• Transmissão neuromuscular;
• Músculos.

Tónus muscular – grau de contração do músculo no repouso.


Espasticidade – aumento do tónus muscular basal (acontece nas zonas com paralisia).

201
VIAS DIRETAS OU PIRAMIDAIS. SÍNDROME PIRAMIDAL

As vias diretas ou piramidais incluem os feixes cortico-espinhais lateral e anterior,


sendo responsáveis pelos movimentos abaixo da cabeça. Participam na manutenção do tónus
muscular e controlo da velocidade e precisão dos movimentos finos (face e membros), sendo
que algumas vias indiretas (núcleos basais e cerebelo) colaboram no controlo fino das vias
diretas.

A síndrome piramidal constitui a patologia motora mais grave, ocorrendo quando se


interrompem os impulsos motores conduzidos pela via cortico-espinal, verificando-se,
cumulativamente, paralisia ou paresia (perda de força muscular) de uma ou mais extremidades.
Nesta patologia, a área afetada é sempre a da extremidade contralateral à zona do hemisfério
cerebral que sofreu a lesão.

Monoplegia: paralisia de uma extremidade


Hemiplegia: paralisia da extremidade superior e inferior do mesmo lado do corpo
Paraplegia: paralisia de ambas as extremidades inferiores
Tetraplegia: paralisia das quatro extremidades

A síndrome piramidal ocorre quando há lesão do 1º neurónio motor, podendo-se


observar nos músculos afetados, para além da paresia.

Manifestações clínicas da síndrome piramidal:


• Fasciculações – contrações arrítmicas e espontâneas do músculo por despolarização das
fibras musculares;
• Espasticidade – aumento do tónus muscular basal;

202
• Sinal de Babinski – reflexo flexor das extremidades inferiores (característico dos
primeiros meses de vida). Consiste na contração do dedo grande do pé quando se
estimula a planta do pé.

VIAS INDIRETAS OU EXTRAPIRAMIDAIS. DOENÇA DE PARKINSON, DOENÇA DE


HUNTINGTON, ESCLEROSE MÚLTIPLA, SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ, MIOPATIAS

As vias indiretas ou extrapiramidais incluem os feixes rubro-espinhal e reticulo-


espinhal, atuando na coordenação geral do corpo e da postura, juntamente com o cerebelo.

Os núcleos basais são importantes no planeamento, organização e coordenação dos


movimentos e da postura.

Doença de Parkinson
A doença de Parkinson constitui uma doença neurodegenerativa, que está associada a
degenerescência dos núcleos basais e de neurónios do sistema extrapiramidal. com depleção
de dopamina da substância nigra (as células produtoras de melanina degeneram, levando a
uma perda do pigmento).
Esta doença aparece entre os 45 e os 65 anos, afetando cerca de 1% da população com
mais de 65 anos e 4-5% com mais de 85 anos. Tem uma evolução lenta ao longo de 10 a 25 anos
após os primeiros sintomas.

A via direta (que facilita o movimento) está inibida e a via indireta (geralmente inibitória)
está ativada.

A doença de Parkinson apresenta uma etiologia diversificada – idiopática (genética) e


ambiental, traumatismo, inflamação, isquemia, tumores e químicos.

203
A fisiopatologia do Parkinson baseia-se na alteração dos neurónios dopaminérgicos
com deposição de um proteína anómala (alfa-sinucleína), que origina os corpos de Lewi.
Ocorre, deste modo, um aumento da apoptose dos neurónios da substância nigra, com depleção
da dopamina. Estes acontecimentos iniciam-se bastante tempo antes das manifestações
motoras da doença, no bulbo olfativo e no tronco cerebral.

Manifestações clínicas que antecedem os sintomas motores: hiposmia, disautonomia


(hipotensão ortostática, sialorreia, alterações urinárias, obstipação, hipersudorese e disfunção
eréctil), alterações do sono (insónia, perturbação do comportamento do sono, movimentos
periódicos dos membros no sono, síndrome de pernas inquietas, sonolência diurna excessiva),
deterioração cognitiva (da deterioração ligeira até à demência, sobretudo nas fases avançadas
da doença, depressão, apatia, ansiedade, fadiga, dor, disfunção sexual (de etiologia
multifatorial) alterações psicóticas (sobretudo alucinações visuais complexas, bem formadas e
coloridas, como pessoas ou animais) e perturbações do controlo dos impulsos (compras
compulsivas, jogo patológico, hiperfagia compulsiva, generosidade incontrolada,
hipersexualidade e comportamentos motores repetitivos sem propósito.
Manifestações clínicas tardias: tremor involuntário em repouso (movimento de contar
moedas), instabilidade postural e bradicinesia (marcha lenta arrastando os pés), alteração do
tónus muscular, perda da expressão facial, dificuldade no andar, flexão de ambos os joelhos,
diminuição da capacidades intelectuais, ansiedade e depressão.

Doença de Huntington
A doença de Huntington constitui uma doença hereditária autossómica dominante do
sistema extrapiramidal.
Os sintomas começam entre os 35 e os 45 anos.
Ocorre perda de neurónios dos gânglios basais e do córtex, com alterações bioquímicas
– diminuição da síntese de neurotransmissores (acetilcolina e GABA do estriado) na via
inibitória.
Verifica-se um quadro demencial (subcortical) e coreia (movimentos rápidos,
involuntários e espasmódicos) do braço, mão e face, seguido de movimentos contorcidos e
lentos dos membros e do corpo (atetose).

Esclerose múltipla ou em placas


A esclerose múltipla ou em placas caracteriza-se por uma desmielinização progressiva
do SNC com desintegração da bainha de mielina e degenerescência dos oligodendrócitos e
proliferação de astrócitos. As lesões da mielina são chamadas de placas.
Trata-se de uma doença do adulto jovem (20-40 anos) de etiologia desconhecida, mas
com forte predisposição genética (HLAB27), de evolução variável e imprevisível, podendo
desaparecer completamente sem deixar sequelas ou deteriorar-se lenta e progressivamente.
Os doentes apresentam períodos de remissão seguidos de crises agudas.
Principais sintomas: fraqueza muscular (músculos faciais, e membros inferiores), perturbações
urinárias – incontinência ou < frequência ao urinar –, perturbações visuais, euforia, depressão e
perda de memória.

204
O tratamento é sintomático, juntamente com fisioterapia.

Síndrome de Guillain-Barré
O síndrome de Guillain-Barré caracteriza-se por uma desmielinização dos nervos
periféricos e dos nervos cranianos.
Os principais sintomas incluem fraqueza dos membros e parestesias, paralisia facial e
dificuldade em deglutir.
Apresenta uma etiologia desconhecida, embora seja frequentemente precedida de
infeção viral. Normalmente, há total recuperação, embora se possam verificar remissões.

Miopatias: miastenia gravis


A miastenia gravis constitui uma doença
autoimune, que se caracteriza pela produção de
autoanticorpos contra os recetores da acetilcolina. Os
sintomas incluem enfraquecimento dos músculos
inervados pelos pares cranianos oculomotores (olho, face
e pescoço) e da cintura escapular e pélvica, sendo que o
enfraquecimento dos músculos respiratórios pode causar
dificuldades em respirar, aliado a situações de stress,
exercício físico e doença.
O tratamento inclui anticolinesterásicos (cloreto
de edrofónio) e/ou imunossupressores.

Miopatias: miotonia
A miotonia traduz-se na dificuldade do músculo em relaxar, por aumento da
excitabilidade das fibras musculares ao estímulos. É o caso da distrofia miotónica (doença
hereditária, autossómica dominante), em que há uma mutação do gene da miotonina proteína
cinase, com alteração da fosforilação de proteínas dos canais iónicos do sarcolema – alterações
nas concentrações extracelulares de Ca2+, Mg2+ e K+.
Os principais sintomas são, por isso, fraqueza e atrofia muscular.

Miopatias: alteração das proteínas que intervêm na contração muscular


De entre estas alterações, destacam-se:
• Defeitos hereditários específicos das proteínas musculares não contrácteis
(distrofina – proteína do citoesqueleto, quase só afeta os homens porque
resulta de uma alteração genética do cromossoma X e aparece precocemente –
criança com 5 anos, aumento do CK-MM e lordose marcada devido à fraqueza
muscular);

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• Lesão das fibras musculares com perda de todas as proteínas de causa
infecciosa, tóxica (álcool), autoimune (polimiosites, dermatomiosites);
• Desequilíbrio entre a síntese e o catabolismo proteico – má nutrição,
hipertiroidismo, tumores, excesso de glucocorticoides.
As principais manifestações clínicas incluem fraqueza muscular, principalmente
proximal (cintura escapular e pélvica), com dificuldade em levantar os braços acima da cabeça
e em andar, instalação gradual (distrofias) ou brusca (miosites), mialgias (dor muscular), está
presente nas doenças inflamatórias e atrofia muscular.

Miopatias: defeitos na obtenção de energia necessária à contração muscular


Estes defeitos na obtenção de energia podem abranger a via glicolítica – miopatias
glicogenósicas – ou a β-oxidação dos ácidos gordos – miopatias lipídicas. Também as alterações
ao nível das mitocôndrias (miopatias mitocondriais) são um exemplo.
As principais manifestações clínicas ocorrem principalmente após o exercício físico e
incluem fraqueza muscular, mialgias, cãibras (após o exercício) e rabdomiólise.

Rabdomiólise
A rabdomiólise integra-se num quadro de necrose muscular maciça, com mioglobinúria
(urina vermelha) e elevação da CK MM. É de relembrar ainda, como já foi referido no capítulo
das Patologias Renais e Urinárias, que a rabdomiólise pode provocar insuficiência renal aguda.

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