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Egoísmo, sociedade e o bem-estar de todos os seres

Sumário

1. Natureza Humana e o Pressuposto do egoísmo na economia ..................................................... 1


2. O livre arbítrio humano ..................................................................................................................... 2
3. A dinâmica social humana................................................................................................................. 3
4. Relação entre psicologia individual e psicologia coletiva: o caso do capitalismo .................. 4
5. Relação entre psicologia individual e psicologia coletiva: introduzindo PROUT ..................... 7
6. Desenvolvimento individual e social equilibrado: Sadvipras ...................................................... 8

1. Natureza Humana e o Pressuposto do egoísmo na economia


Hoje em dia podemos facilmente acompanhar a competição entre empresas, a disputa por fatias de
mercado e assim por diante. Estas práticas são tão comuns que não é difícil encontrar pessoas que pensam
que o capitalismo é o único sistema de sociedade e de economia possível ou existente. E no nível
individual, o mesmo tipo de pressuposto também é aceito: de que as pessoas em geral apenas buscam o
seu sucesso individual, ou obter dinheiro a todo custo. Isto mostra que certos pressupostos de teorias
econômicas já estão bastante arraigados na mentalidade coletiva.
Por exemplo, lendo um artigo escrito em 1955 por um autor chamado Paul Mattick, encontrei um trecho
que me fez recordar imediatamente de uma conversa que tive com um amigo. O autor estava falando da
teoria de um economista famoso chamado John Maynard Keynes [1883-1946], explicando um pouco
sobre a linguagem que Keynes usou em sua teoria. O trecho é o seguinte:
“Categorias econômicas foram revestidas em termos psicológicos, presumivelmente
derivados da ‘natureza humana’. Expectativas e frustrações individuais determinam a
vida econômica, e Keynes até mesmo falou dos instintos individuais de fazer dinheiro e
de amor pelo dinheiro como a força motivadora principal da máquina econômica. Ele
acreditava que é uma “lei psicológica” que os indivíduos tendem a consumir
progressivamente menores porções dos seus rendimentos na medida em que seus
rendimentos aumentam.” 1
Coisas não muito diferentes do que isso foram ditas também por outro famoso economista, Adam Smith
[1723-1790]:
“Não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que
saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu próprio auto-interesse.”
“Assim, o mercador ou comerciante, movido apenas pelo seu próprio interesse egoísta
(self-interest), é levado por uma mão invisível a promover algo que nunca fez parte do
interesse dele: o bem-estar da sociedade.” 2
Estas citações sugerem uma visão pessimista da natureza humana, em que a busca pela acumulação de
dinheiro e o egoísmo seriam predominantes nos seres humanos. Mas será que esse pessimismo é correto ?
Quer dizer, será que essa visão corresponde à única realidade dos seres humanos ?
Em primeiro lugar, não podemos fazer uma generalização a respeito da natureza humana, que se baseie
somente em certos aspectos ou expressões da vida humana, ignorando outros aspectos ou expressões. A
natureza humana inclui todas as potencialidades humanas de expressão, e em particular as expressões que
os diversos seres humanos manifestam em suas vidas, nas mais diversas épocas, lugares e situações.
Por isso, tanto o egoísmo quanto o altruísmo são igualmente partes da natureza humana. Isto não é
alterado se, por exemplo, o egoísmo é mais proeminente do que o altruísmo em meio à sociedade atual.

1
Paul Mattick. “Marx and Keynes” In: Western Socialist, Boston, USA, November-December 1955.
http://www.marxists.org/archive/mattick-paul/1955/keynes.htm [acessado em 16/out/2010]
2
http://pt.wikipedia.org/wiki/Adam_Smith [acessado em 16/out/2010]
A antropóloga Margaret Mead expressou isto da seguinte forma:
“A natureza humana é potencialmente agressiva e destrutiva, e potencialmente ordeira e
construtiva.” 3
Podemos então perguntar: Por que existe uma predominância do egoísmo em relação ao altruísmo, tanto
nas teorias desses famosos economistas quanto em nossa sociedade atual?
2. O livre arbítrio humano

O filósofo social Prabhat Ranjan Sarkar [1921-1990] explica que devido à mente altamente
desenvolvida dos seres humanos, eles possuem a capacidade de não serem guiados ou motivados
diretamente por seus instintos ou emoções. Eles conseguem discriminar entre duas ou mais possibilidades
de ação, e em certa medida antecipar os resultados de cada linha de ação e avaliar os aspectos positivos e
negativos envolvidos em adotar-se cada ação. Podem então escolher entre não agir ou agir segundo uma
dessas possibilidades, de acordo com a avaliação de se os respectivos resultados são desejáveis ou não.
Quando a escolha da ação está relacionada com um objetivo benevolente, esse processo pode ser
propriamente denominado – ainda segundo Sarkar – de racionalidade, e em especial quando o objetivo
visado é o do bem-estar de todos os seres. Este último é, conforme Sarkar, o ponto culminante da
racionalidade.4
Sarkar explica ainda que, devido a essa mente altamente desenvolvida dos seres humanos, emerge
uma característica singular dos seres humanos. Como ele diz, “Há no ser humano uma sede pelo
infinito.”5 Entretanto, devido ao seu livre arbítrio, os seres humanos podem adotar tanto um caminho
positivo de expansão mental e continuidade de evolução, quanto um caminho negativo de degradação e
embrutecimento mental. O primeiro caminho faz com que
aproximem-se da entidade mais sutil do universo, que é a
consciência cósmica. O segundo caminho faz com que aproximem-
se da matéria – a qual, segundo a filosofia de Sarkar, é a
manifestação mais grosseira ou densa da mesma consciência
cósmica.

Certamente os físicos já sabem que a matéria que


percebemos com nossos órgãos sensoriais revela-se, com uma
abordagem especial ou com instrumentos apropriados, de forma
completamente distinta. Assim, esses físicos, ao procurarem
penetrar cada vez mais na matéria, buscando a sua essência,
descobriram que mesmo a matéria sólida ou mais densa é, em uma
escala microscópica ou atômica, um grande “vazio”, e que as
chamadas “partículas” subatômicas não são sólidas, e sim entidades
que podem manifestar-se tanto como partículas quanto como ondas
– contrariamente ao que o grande físico Newton, séculos atrás, havia
sugerido: de que os átomos seriam partículas sólidas e indestrutíveis.
Recentemente, um grupo de físicos quânticos chegou à conclusão de
que por trás das manifestações da matéria encontra-se, em última,
instância, a presença e atuação de uma consciência cósmica.6
Por outro lado, na sociedade como um todo, o entendimento ordinário das pessoas parece ser
bastante diferente disso.

3
Margaret Mead. And keep your powder dry: an anthropologist looks at America. Berghahn Books, 2000
(1965). p.134.
4
Prabhat Ranjan Sarkar. Neo-humanismo – Ecologia, Espiritualidade e Expansão Mental. SP: Ananda Marga
Publicações, 2001.
5
Prabhat Ranjan Sarkar. “What is Dharma?” (1955). In: Prout in a Nutshell Part 11.
6
Entrevista de Amit Goswami. “A ponte entre a Ciência e a Religião”. Programa “Roda Viva”, TV
Cultura, 12/março/2001. http://www.saindodamatrix.com.br/archives/goswami.htm [acessado em
16/out/2010]
3. A dinâmica social humana

Várias tentativas anteriores foram


feitas por pensadores diversos para explicar
como é a dinâmica básica da sociedade
humana.7 Entendo que o filósofo Prabhat
Ranjan Sarkar deu uma contribuição
fundamental a este respeito, com a sua teoria
dos ciclos sociais.8, 9, 10
Em particular, entendo que essa teoria
de Sarkar constitui-se, ou melhor, está em vias
de constituir-se como um paradigma de
referência fundamental entre as ciências
sociais, diferentemente do estado atual dessas
ciências, que podemos chamar de “pré-
paradigmático” – segundo a filosofia da
ciência de Thomas Kuhn [1922-1996].
Fazendo uma analogia, é como o estágio em
que houve a introdução da teoria de Newton,
sobre a dinâmica de corpos materiais, no
campo da ciência física – ou seja, um
paradigma que tornou-se de uso corrente entre
os físicos e demais especialistas da área: uma
ferramenta ou referência fundamental. Seja
como for, vou apresentar resumidamente alguns dos pontos da teoria dos ciclos sociais de Sarkar que
podem ser relevantes aqui.
Um primeiro ponto é que existem, segundo Sarkar, quatro mentalidades humanas básicas. O
desenvolvimento dessas mentalidades ocorreu ao longo da história humana, começando numa
mentalidade denominada de shúdra (em sânscrito) – termo que pode ser traduzido simplificadamente
como “trabalhador braçal”. O termo shúdra designa a mentalidade dominante em pessoas que são
orientadas principalmente para o desfrute de prazeres sensoriais e que não possuem um intelecto muito
desenvolvido, levando assim uma vida moldada mais pelas circunstâncias e pressões ambientais e sociais
do que por suas próprias decisões. Essas pessoas tipicamente não possuem capacidade de liderança. Em
seguida, na história, surgiu a mentalidade denominada ksátriya, ou “guerreira”, que apresenta alguns
aspectos como coragem, iniciativa, luta contra as circunstâncias para alterá-las e moldá-las conforme
algum propósito, capacidade de liderança e consequentemente uma certa organização social. Em seguida
desenvolveu-se a mentalidade vipra, ou “intelectual”, dentro do espírito de que onde a força física não
consegue obter os resultados esperados (a mentalidade “guerreira”), então o intelecto passa a ter papel
destacado. Como disse o poeta William Blake, “o fraco de coragem é forte em astúcia”. E por último,
assume preponderância a mentalidade vaeshya, ou “aquisidora”, voltada para a administração de recursos
materiais, e que pode manifestar-se através da distribuição e uso planejado e otimizado desses recursos,
evitando desperdícios, podendo também levar à sua acumulação. Assim, a mentalidade aquisidora mostra-
se como uma especialização da mentalidade intelectual, quando o intelecto volta-se para os recursos
materiais – para a economia. Com a evolução desta mentalidade, o ciclo social fica pronto para ser
fechado e ter-se um reinício do mesmo.

7
Sohail Inayatullah, Jennifer Fitzgerald. Transcending Boundaries - Prabhat Ranjan Sarkar’s Theories of
Individual and Social Transformation. (Part 1: Macrohistory). Maleny: Gurukula Press, 1999.
8
Ibidem.
9
Prabhat Ranjan Sarkar. Human Society. Tiljala: Ananda Marga Publications, 1999. 2a ed.
10
Dada Maheshvarananda. Após o Capitalismo - A Visão de PROUT para um Novo Mundo. Belo Horizonte:
Proutista Universal, 2003.
Vale mencionar que cada uma dessas quatro mentalidades básicas (chamadas de varnas em
sânscrito) possui tanto aspectos positivos quanto negativos. Cada ser humano possui cada uma delas pelo
menos em estado latente dentro de si, ainda que ordinariamente cada pessoa acabe especializando-se em
uma delas, deixando as outras em estado latente ou sub-desenvolvido. As quatro varnas já haviam sido
reconhecidas na antiguidade, no oriente. Entretanto, um uso distorcido desse reconhecimento foi na forma
do sistema de castas, que apregoa que cada pessoa nasce e tem de viver dentro de uma certa casta ou sub-
casta. Esse sistema desumano foi criado pela mentalidade intelectual, vipra, como forma de os brâmanes
(intelectuais religiosos da Índia) manterem seu status social indefinidamente. É óbvio que, no sistema de
castas, os brâmanes ocupam o posto mais elevado na hierarquia social.
Entretanto, Sarkar mostrou que na história cada uma dessas quatro mentalidades básicas ocupa
uma posição dominante em um grupo, povo ou civilização – ou seja, em qualquer coletivo ou
agrupamento social – por um certo período de tempo mais ou menos limitado. Portanto, a dominância
social de cada varna é limitada, e elas sucedem-se e seguem um padrão cíclico.
Exemplificando essa sucessão dentro da história da chamada civilização ocidental: em um certo
período da Idade Média européia, houve a dominância dos vipras ou intelectuais na forma da Igreja
Católica. Essa organização de intelectuais religiosos surgiu no lugar do império romano, em que havia a
dominância da mentalidade guerreira, e depois deu lugar ao período histórico caracterizado pelo
feudalismo, no qual a mentalidade aquisidora passou a ser dominante. Entretanto, a fragmentação da
organização social e econômica na forma dos feudos implicou no fim do domínio dos intelectuais
religiosos sobre a sociedade européia. Sem dúvida eles continuaram tendo uma certa influência e a Igreja
Católica continuou a existir, mas a psicologia coletiva da sociedade mudou de acordo com a mentalidade
aquisidora, que passou a ter maior influência.
Desde então, nos séculos que se passaram até aqui, o ciclo social já passou por uma rotação inteira
e na maior parte do mundo deparamo-nos novamente com a predominância da mentalidade aquisidora na
sociedade. O sistema sócio-econômico moldado pela influência de tal mentalidade é chamado de
capitalismo.

4. Relação entre psicologia individual e psicologia coletiva: o caso do capitalismo

A teoria dos ciclos sociais explica que a psicologia coletiva da sociedade é influenciada de forma
decisiva pela psicologia individual das pessoas cuja mentalidade é dominante naquela sociedade, em uma
dada época. Assim, quando a mentalidade dominante muda, a psicologia coletiva também mudará de
acordo. Mas isto não significa que a psicologia individual de toda e cada pessoa dessa sociedade será
controlada pela psicologia individual das pessoas cuja mentalidade é dominante naquela sociedade, e sim
que a psicologia da maioria das pessoas ajusta-se – até certo ponto – à psicologia dominante na sociedade;
isto é, das suas lideranças atuais. É claro que outros fatores são igualmente importantes em controlar a
psicologia individual das pessoas. Quando se fala de psicologia coletiva, isto quer dizer que as pessoas
tendem a pensar, em linhas gerais, da mesma forma como as lideranças na sociedade – e isto se deve à
influência dessas lideranças sobre o sistema social, econômico, político etc.

Vamos falar de nossa sociedade atual, que está dominada por pessoas de mentalidade aquisidora.
Pode ser um pouco difícil identificar isto, justamente porque, segundo Sarkar, o domínio dessa
mentalidade na sociedade caracteriza-se por uma certa descentralização do poder, diferentemente do
domínio da mentalidade guerreira, em que a liderança é tipicamente concentrada na mão de indivíduos
com personalidades vigorosas, que governam com mão forte, centralizando o poder em si. Isto significa
que os líderes aparentes de nossa sociedade, como as lideranças políticas (presidentes, primeiros-
ministros etc.), não são realmente ou necessariamente quem domina a psicologia coletiva da sociedade.

Então, como se pode notar o domínio da mentalidade aquisidora na sociedade ?


Uma maneira é olhando as condições de vida na sociedade, especialmente a disponibilidade ou
distribuição de recursos materiais na sociedade. Assim, não é difícil de notar que há pessoas
extremamente ricas, enquanto grande número de pessoas vive na pobreza ou na miséria, e muitas morrem
por falta de necessidades básicas, como comida, água, assistência à saúde, roupa, casa. Desigualdades
econômicas sempre houveram na sociedade humana, mas o que se deve observar é o grau a que chegam.
(Como afirmou Sarkar, “A desigualdade, e não a igualdade, é a lei da natureza.”) O desemprego estrutural
também faz parte desse sistema; ou seja, sempre há um certo percentual considerável de pessoas na
sociedade que vivem desempregadas ou sub-empregadas. Há outros indícios, como a ênfase na
competição entre as pessoas, a luta pela sobrevivência material ou pela manutenção de um certo padrão
de vida, instabilidades acentuadas na economia etc. O próprio egoísmo altamente disseminado na
sociedade é uma evidência, podendo ser percebido tanto de forma objetiva quanto subjetivamente.
Individualismo exacerbado, consumismo e a ênfase no sucesso individual, em detrimento de outras
pessoas (na forma de competição) ou com negligência do bem-estar de outras pessoas, são mais alguns
indícios. Olhando-se para as relações econômicas entre as nações, há outros indícios, sendo talvez o mais
notável o colonialismo e a dependência econômica, com países “ricos” ou “desenvolvidos” retirando
matérias-primas de países colonizados, “pobres” ou “sub-desenvolvidos”, e vendendo para esses mesmos
países produtos beneficiados, industrializados. (O escritor e pesquisador Eduardo Galeano escreveu um
livro sobre este assunto, chamado “As Veias Abertas da América Latina”.) Para conseguir-se entender
essa situação de exploração econômica, não se deve entendê-la como um resultado casual ou espontâneo
das atividades econômicas dos diversos países, e sim como um estado de coisas propositadamente
mantido – isto é, com certos objetivos, e em detrimento de outros
interesses.

Compreender o modo de funcionamento e de atuação da


mentalidade aquisidora para alcançar e manter seu domínio na
sociedade é outra maneira de notar-se a sua influência na
psicologia coletiva. Pessoas com essa mentalidade utilizam-se da
sua capacidade acentuada de adquirir recursos ou riqueza material
para controlar a sociedade. Fazem isto criando escassez artificial,
ou seja, fazendo com que haja falta de certos recursos – desta
forma criando pressão para que as outras pessoas façam o que elas
querem.
Por exemplo: um dono de uma empresa pode demitir
funcionários e admitir apenas aquelas pessoas que estejam
dispostas a trabalhar por um salário menor. Em geral, conseguem
isto porque muitas pessoas estão desempregadas e vivendo em
condições materiais precárias – por isso é que os capitalistas têm
interesse na conservação de um desemprego estrutural; pois, de
outro modo, as pessoas poderiam mais facilmente se recusar a
trabalhar por salário menor. A intenção dos capitalistas ao
diminuírem salários é a de terem maior margem de lucro, ou seja, poderem acumular riqueza com maior
velocidade.
Esta riqueza acumulada pode ser utilizada em outras técnicas de obter dominação econômica,
como o chamado dumping. (Na linguagem eufemista dos capitalistas, isto pode ser chamado de
“conquistar novos mercados”.) Como funciona isto? Os capitalistas têm em vista estabelecerem seus
negócios em um certo lugar onde já há um outro negócio semelhante, ou seja, um “competidor” em
potencial. (Fala-se muito de competição, mas no fundo os aquisidores não gostam de competição, pois
isto implica em dividir riquezas com mais pessoas. Como Adam Smith já havia notado, há no sistema
capitalista uma tendência à formação de monopólios, ou grandes corporações.) Então, o que fazem neste
caso? Introduzem seu negócio a qualquer custo, especialmente baixando seus preços de venda ao ponto
em que os clientes do outro negócio abandonem-no e passem a comprar no novo negócio. Isto é feito até
o ponto em que o outro negócio, por falta de clientes, seja obrigado a fechar. A partir daí, o novo negócio
está pronto para aumentar seus preços à vontade, cobrando às vezes bem mais do que o antigo negócio
que faliu, já que agora os clientes não têm mais outra alternativa. E com isto, os aquisidores também
podem obter uma margem de lucro maior.
Então, estes são só alguns exemplos das táticas que os aquisidores empregam. Mudar as empresas
de um país para outro, onde a mão de obra seja mais barata, ou seja, onde possam fazer sua produção ou
seu negócio pagando menos aos trabalhadores, é apena mais uma das técnicas, aliás muito comum na
chamada globalização econômica. (E se, para isto, os funcionários antigos no país de origem são
mandados embora e ficam desempregados, isto é apenas uma mera consequência que em si não tem maior
importância para os aquisidores.)
Mas a influência dos aquisidores vai muito além da área das atividades econômicas produtivas,
indo também para as áreas da comunicação de massa, da pesquisa científica e tecnológica, da educação,
das artes e cultura, da assistência à saúde etc. Mesmo na política isto é notável – por exemplo: é possível
ver grandes corporações ocupando cadeiras nas assembléias da ONU, ao lado de representantes de
diversas nações do planeta. É um dado que as 51 empresas mais ricas do globo são mais ricas que as 49
nações mais pobres do mundo. A riqueza pessoal desses grandes capitalistas chega à casa de dezenas de
bilhões de dólares. A corrupção governamental também não é um mero incidente, já que os aquisidores
precisam exercer pressão também dentro do governo, para que os atos governamentais possam beneficiá-
los, ir de encontro aos seus interesses, e também não prejudicá-los de forma alguma. E uma das formas
preferidas dos aquisidores terem influência é pagando ou comprando as pessoas e pondo-as, assim, ao seu
serviço. Sarkar explicou que a democracia política é o sistema de governo favorito dos aquisidores,
porque eles podem influenciar esse sistema mais facilmente – através de compras de votos, etc.
Campanhas políticas milionárias são apenas outro elemento de todo esse jogo de influência dos
aquisidores dentro da política.

Como já dito antes, cada varna pode apresentar aspectos e contribuições tanto positivos quanto
negativos para a sociedade. O que estou indicando acima é a situação em que uma mentalidade – no caso
a mentalidade aquisidora - chega a um ponto muito negativo de grande exploração da sociedade, levando
à sua degeneração, bem como também a uma grande destruição ambiental – devido tanto à extrema
exploração de recursos naturais quanto ao acelerado ritmo dos processos econômicos e produtivos e aos
efeitos dos mesmos sobre o ambiente, como poluição, lixo etc.
Como explica Sarkar, quando a mentalidade capitalista atinge essa fase exploradora no ciclo
social, há uma tendência a que todas as pessoas, fora as lideranças aquisidoras, assumam a mentalidade
shúdra. Por exemplo: professores e professoras, que normalmente seriam pessoas com mentalidade
intelectual, ou vipras, tendem a assumir a mentalidade shúdra. Como ? Devido a uma tendência geral de
explorar economicamente as pessoas, todas as profissões sentem isto, na forma de redução de salários,
piora de condições de trabalho etc. As pessoas que estão cooperando de forma mais próxima com este
sistema tendem a ter condições de vida melhores, devido à sua proximidade dos líderes capitalistas. Mas
há a tendência de que a maior parte das pessoas sejam colocadas em
um padrão de vida mais baixo, ou mesmo insuportável. A
insegurança gerada por essa escassez artificial de recursos materiais
estimula nas pessoas a mentalidade de luta pela sobrevivência,
competição pelos recursos materiais escassos, individualismo etc. As
pessoas em geral ficam excessivamente preocupadas e ocupadas em
como conseguir alimentar-se, pagar aluguel, pagar as contas etc., e
desta forma não têm mais tranquilidade mental para reconhecer a
origem dos seus problemas em uma exploração econômica deliberada
da sociedade, e muito menos para fazerem algo a respeito. Este é o
efeito geral da mentalidade aquisidora sobre a psicologia coletiva da
sociedade, quando ela chega à sua fase exploradora.

O consumismo é estimulado entre todas as pessoas, mesmo aquelas que não têm um padrão de
vida mínimo para uma vida digna. Por isto vemos que muitas pessoas têm TV em suas casas, mesmo
vivendo em condições precárias, como numa favela, com falta de comida etc. Através da TV e da
comunicação de massa, a propaganda atua em suas mentes, estimulando-as a querer comprar, a ter um
padrão de vida melhor para poderem comprar e participar dos sonhos de consumo apregoados por esses
meios de comunicação. Nem todas as pessoas deixam-se seduzir por essa propaganda, mas essas são antes
exceções do que o caso geral. Uma mensagem subliminar importante que é espalhada com essa
propaganda é a de que todos esses produtos e serviços existem e podem ser comprados, mesmo que não
se tenha dinheiro para isto. Esta é uma forma de dizer, subliminarmente, que esse sistema dá a todas as
pessoas a mesma oportunidade de consumirem esses produtos, e o direito de escolherem o que querem
comprar. Obviamente não garante a todas as pessoas as condições para colocarem esse direito em prática
– e, na verdade, isso não é sequer a intenção desse sistema, ou melhor, das suas lideranças efetivas.

5. Relação entre psicologia individual e psicologia coletiva: introduzindo PROUT

O ambiente e a educação têm em geral forte influência sobre a psicologia individual das pessoas.
Criando escassez material na sociedade na forma de desigualdades econômicas (poucos ricos de um lado,
muitos pobres de outro) e cuidando para que essa escassez artificial seja mantida, as pessoas de
mentalidade aquisidora conseguem controlar a psicologia coletiva da sociedade, mas não a psicologia
individual de cada pessoa. Entretanto, como já dito, há uma tendência a que a maioria das pessoas
assumam a mentalidade shúdra. Isto significa que a existência humana e a vida coletiva começam a
assemelhar-se mais e mais com o modo de existência ou de vida dos animais.
Por exemplo, numa família humana equilibrada, a comida é dividida entre as pessoas de modo que
cada uma tenha uma porção razoável; e se há escassez de comida, então pessoas que têm maior
necessidade de cuidado, como crianças, idosos e pessoas doentes, têm prioridade em receber comida. É
assim que o senso humanitário, que visa o bem-estar de todas as pessoas, manifesta-se numa família. Mas
entre os animais, há uma tendência geral de que os indivíduos mais fracos, velhos ou doentes sejam
deixados de lado e eliminados do grupo. E isto é o que se verifica atualmente em nossa sociedade.
Chama-se a isto de exclusão social, marginalização etc. Pessoas mais pobres tendem a ser afastadas da
vida social das pessoas que conseguem manter um padrão de vida mais elevado. Acaba acontecendo que
não há um padrão de vida mínimo digno, comum a toda a sociedade, por causa da tendência aquisidora –
que permeia a psicologia coletiva. Essa tendência, andando de mãos dadas com um certo individualismo,
egoísmo ou ausência de simpatia, empatia ou compaixão pelas demais pessoas, contribui para que o
padrão de vida de uma pessoa ou família possa aumentar mais e mais, sem que essas pessoas importem-se
de como está o padrão de vida geral da sociedade, ou se outras famílias vivem em condições precárias, ou
indignas, ou estejam mesmo sujeitas à morte por falta de satisfação de suas necessidades básicas.
Assim, há uma correlação estreita entre a tendência aquisidora e a negligência dos demais
membros da sociedade – ou também a sua utilização como meios ou instrumentos para os aquisidores
aumentarem suas aquisições. (Só que nesse segundo caso não há apenas uma simples indiferença com o
bem-estar ou sofrimento alheio, mas também um interesse particular a serviço do qual são colocadas
outras vidas, e ao qual o interesse coletivo é ativamente subordinado. Em outras palavras: introduz-se um
sistema de exploração na sociedade. E por que as pessoas exploradas ou motivadas pelo bem-estar
coletivo não se revoltam ou agem para mudar essa situação? Isso é explicado em parte pelo que Sarkar
denominou de exploração psíquica: o sistema de exploração é de certo modo internalizado e tornado
aceitável para as demais pessoas, inclusive por meio de complexos de inferioridade, dogmas etc.)
A vida social é fortemente influenciada ou controlada pelas lideranças cuja mentalidade é
dominante em cada fase do ciclo social. E atualmente, temos as lideranças de pessoas com tendência
aquisidora. Esta é a razão fundamental pela qual o egoísmo é tão disseminado em nossa sociedade:
porque a sua psicologia coletiva é controlada por pessoas que estão elas próprias dominadas pelo
egoísmo. Sarkar apontou isto claramente, e explicou que essas pessoas sofrem de uma doença mental: a
doença do egoísmo extremo.

No fundo, não há maneira pela qual o padrão material de vida de uma pessoa aumente
indefinidamente, porque a capacidade de uma pessoa desfrutar de riquezas materiais ou de conforto é
limitada. Algo semelhante a isto acontece também no âmbito intelectual: uma pessoa pode acumular mais
e mais conhecimentos, mas a capacidade dela fazer uso de seus conhecimentos, e portanto de obter
satisfação com os mesmos, é limitada. E assim como a concentração excessiva da mente em uma emoção
ou propensão mental implica no desequilíbrio mental e negligência das demais, também a concentração
excessiva na atividade intelectual leva a pessoa a uma vida sedentária, com detrimento da saúde física.
Para remediar esse tipo de situação insalubre, Sarkar propôs a teoria da utilização progressiva
(PROUT), que apresenta princípios e medidas para que haja um desenvolvimento equilibrado do
indivíduo, da sociedade e do ambiente, em todos os âmbitos da existência: físico, mental e espiritual.11

6. Desenvolvimento individual e social equilibrado: Sadvipras

Podemos perguntar: Como é possível fazer com que o egoísmo diminua sua influência sobre a sociedade,
e como é possível fazer com que as tendências benevolentes das pessoas, como o altruísmo, tornem-se
mais manifestas na sociedade ?

Uma frase de Sarkar:

“Os seres humanos não devem ser pessimistas, sob nenhuma circunstância. Eu sou um
otimista incorrigível, pois eu sei que otimismo é vida.” 12

Assim, dentro de sua teoria do ciclo social, Sarkar introduziu o conceito de sadvipra. Sadvipra
significa “intelectual estabelecido no que é eterno”. Não se trata de uma quinta varna ou mentalidade
básica, mas trata-se do fundamento da aceleração do ciclo social. Sarkar explicou que, para evitar ou
minimizar os aspectos negativos de cada mentalidade que domina a sociedade em certa época, é
necessário que haja dinamismo apropriado no ciclo social. Uma analogia para isto é a fusão das diversas
cores do arco-íris, manifestando-se como a cor branca - ou seja, um processo de síntese. Na psicologia
individual, o mesmo acontece.
Sarkar introduziu uma nova ciência chamada de biopsicologia, onde explica que há na psicologia
humana 50 tendências mentais básicas, ou vrttis.13 Estas tendências encontram seu fundamento fisiológico
no funcionamento do sistema endócrino humano. Assim, a secreção dos diversos hormônios das
glândulas endócrinas está relacionada com as diversas emoções ou sentimentos, que então são refletidas
na mente humana.
Algumas dessas tendências mentais podem ser consideradas negativas, e outras como positivas,
mas todas fazem parte da psicologia humana, e o caráter realmente negativo ou positivo de cada uma
depende da forma como elas estão relacionadas dinamicamente, e também de acordo com as
circunstâncias. Entre essas tendências estão o medo, o ciúme, a raiva, a ganância, a timidez, a compaixão,
o sentimento de ego, o discernimento, a luxúria, o desejo físico, o desejo espiritual, etc. O medo, por
exemplo, pode ser considerado como uma tendência negativa, mas pode ter um papel positivo
dependendo de sua intensidade e das circunstâncias. Se o medo for exagerado, pode levar uma pessoa a
ficar paralisada perante uma situação considerada ameaçadora. Assim, um controle apropriado e um
equilíbrio dinâmico entre as diversas tendências deve ser mantido.
No caso do ciclo social, algo semelhante deve acontecer, para que o movimento do ciclo social
possibilite a aproximação ao bem-estar de todas as pessoas e, levando-se em conta o ambiente, ao bem-
estar de todos os seres. Sarkar explica que a tendência exploradora ou negativa de cada varna manifesta-
se com a estagnação do ciclo social, ou seja, quando permite-se que essa mentalidade domine a psicologia
coletiva por um tempo excessivo.
Sadvipras podem evitar essa estagnação e a consequente exploração na sociedade ao manterem o
dinamismo apropriado do ciclo social - buscando a síntese social. Entretanto, vários fatores são
necessários para isto, como apontou Sarkar. Um primeiro fator óbvio é que devem existir tais sadvipras, e
isto não é algo garantido de forma alguma.
O que exatamente são esses sadvipras ? Como podem ser reconhecidos ? Como uma pessoa pode
tornar-se sadvipra ?
O significado literal dessa palavra em sânscrito já foi indicado acima. Pode-se dizer que são
lideranças apropriadas para a sociedade, ou então, pessoas que trabalham com determinação para o bem-
estar de todos os seres. Entretanto, o processo de formação de tais lideranças não é simples. Como já

11
Ibidem.
12
Prabhat Ranjan Sarkar. “Dynamicity and Staticity” (1979). In: A Few Problems Solved Part 3.
13
Shrii Shrii Anandamurti. Psicologia do Yoga. Brasília: Editora Ananda Marga Yoga e Meditação, 2007.
sugerido implicitamente a respeito da biopsicologia, requer-se uma transformação interna profunda em
uma pessoa, para que ela chegue a tal condição. Ou seja, a busca por um equilíbrio dinâmico apropriado
na sociedade só poderá ser orientada por pessoas que já praticam, ou que já estabeleceram esse equilíbrio
dinâmico dentro de si mesmas. Pessoas dominadas pela ganância, pela vaidade, orgulho, etc. nunca
poderão promover uma sociedade para o bem-estar de todos. Por outro lado, com o funcionamento
biopsicológico individual harmonizado, e orientado para o bem-estar de todos os seres, uma pessoa pode
prestar muito serviço benevolente para os seres ao seu alcance.
Esta posição individual pode resultar do reconhecimento de que nenhuma transformação externa
pode trazer melhorias duradouras na vida individual ou coletiva - e portanto, que a única posição externa
compatível com o progresso individual é a posição de servir a todos os seres, visando o bem-estar deles
(inclusive do próprio indivíduo que realiza esse serviço). Nenhuma aquisição externa e nenhum
conhecimento intelectual têm importância duradoura, no máximo uma importância circunstancial.
Entretanto, a manutenção da existência física é condição básica para o progresso individual, mas esse
progresso é interno, não externo. Mesmo assim, ele é manifestado externamente na forma de serviço a
todos. Isto significa, claramente, que sadvipras nunca poderão ser hipócritas, e poderão ser reconhecidos
pela sua competência em promover o bem-estar geral - de humanos, animais, vegetais, etc. Mesmo o
cuidado adequado dos seres inanimados é importante para o progresso coletivo.
Para sadvipras, o valor existencial de qualquer ser está acima do valor utilitário. Na base disto,
está o entendimento vivencial, ou a prática de pensar e sentir que a consciência cósmica está manifesta na
forma dos diferentes seres deste universo, e que a evolução do universo é uma jornada de expressão cada
vez mais plena dessa consciência, culminando nos seres humanos.

Portanto, acima de tudo, a formação de sadvipras depende do contato individual com o que é
eterno e imutável, e que ao mesmo tempo é a origem e fonte de toda a vida, de todas as manifestações, de
todos os seres. A consciência cósmica pode parecer distante e estática a algumas pessoas, mas de acordo
com o entendimento acima, ela é o fundamento de todo o dinamismo deste universo. Assim, ao entrarem
mais e mais em contato com essa Entidade Suprema, as pessoas que aspiram a ser sadvipras também irão
gradualmente adquirir a qualidade de dinamismo, de ajuste contínuo das circunstâncias, e às
circunstâncias, para o bem-estar de todos os seres. Sadvipras não irão tolerar passivamente a exploração
na sociedade (ou em qualquer situação), mas vão procurar alertar as pessoas sobre isto, fazendo com que
entendam a situação, e incentivando para que façam algo a respeito. Cuidarão para que as pessoas
organizem-se, de forma que a exploração seja gradualmente eliminada e que o bem-estar coletivo, de
todos os indivíduos, fique cada vez mais manifesto. A desorganização, o individualismo e o egoísmo
convêm aos propósitos estreitos de certos exploradores, mas sadvipras farão todo o esforço para que as
pessoas organizem-se e desenvolvam um espírito verdadeiramente coletivo, uma união inabalável,
formando enfim uma única e verdadeira sociedade humana, onde todas as pessoas tenham condições
dignas de vida e de progredirem espiritualmente. Em particular, circunstâncias deverão ser criadas para
que lideranças imorais sejam tiradas de posições de responsabilidade social, ou seja, para que não tenham
mais chance de explorar a sociedade, e para que pessoas com tendências anti-sociais possam corrigir-se.
É importante notar que o reconhecimento geral de tendências anti-sociais ou exploradoras requer
que a pessoa esteja estabelecida em promover o bem-estar de todos os seres. Caso contrário, as limitações
no comprometimento com o bem-estar acabarão resultando em divisões sociais, exploração de um grupo
por outro e assim por diante, conforme o tipo de limitação envolvida.
Sadvipras organizados ocuparão enfim o núcleo do ciclo social, fazendo com que a sociedade seja
centrada e gire em torno da consciência cósmica, e não mais em torno do umbigo de lideranças egoístas e
exploradoras. Essa, na teoria de Sarkar, é a condição para que a sociedade possa livrar-se definitivamente
da exploração. A consciência cósmica - Deus - não quer explorar ninguém e nem quer que ninguém sofra
desnecessariamente, mas quer o bem-estar de todos, e quer que todos tenham a liberdade de encontrarem-
se com Ele. Entretanto, isto não acontecerá espontaneamente - dependerá decisivamente da determinação
e do esforço de cada pessoa. Enquanto vivem uma existência humana, as pessoas não podem escapar de
seu livre arbítrio - que é uma condição tanto para poderem embrutecer-se e degradar-se, como para
poderem acelerar seu progresso rumo à entidade mais sutil deste universo.

* * *
Mahesh
Grupo de Estudos e Práticas de PROUT e Neo-humanismo
Florianópolis – SC

escrito: 19 e 20 de abril de 2009


revisado/reeditado: 23 de maio de 2009; 16 de outubro de 2009

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