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III Encontro Nacional de Estudos da Imagem

03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

DIRCEU MAUÉS: A FOTOGRAFIA PINHOLE NA ARTE CONTEMPORÂNEA.

Mariana Capeletti Calaça


Universidade Federal de Goiás

Resumo
O presente trabalho busca discutir a fotografia expandida, em especial as imagens com
pinhole do artista-fotógrafo paraense Dirceu Maués e suas fotografias produzidas em Belém
no famoso mercado Ver o Peso. A análise será guiada pelo processo criativo do fotógrafo, os
procedimentos utilizados para obtenção da imagem, as características e os resultados que
tornou sua obra reconhecida.
A fotografia está associada a fatores técnicos e a processos de aperfeiçoamento, porém
alguns fotógrafos-artistas fazem um resgate desses processos históricos produzindo imagens
dentro do campo das artes visuais.
O uso de processos alternativos parte de uma inquietação e necessidade de
experimentação dos artistas em relação à rígida linguagem fotográfica, onde os fotógrafos que
utilizam desses processos o fazem pois desejam ir além do aparelho. Os fotógrafos
denominados experimentais procuram respostas num contexto da liberdade dominado por
aparelhos, onde não se limitam aos mecanismos e dispositivos.

Palavras-chave: Fotografia expandida, pinhole, Dirceu Maués

Desde seu advento a fotografia evoluiu constantemente, sendo hoje dominada pela
tecnologia digital. Segundo Flusser (2002), quem adquire um equipamento fotográfico,
procura o “último modelo” que geralmente é menor, mais fácil de manusear e melhor que o
anterior. Porém, em meio a tanta evolução existem aqueles que buscam em processos
manuais, históricos e não comerciais meios para fotografarem.
A fotografia está associada a fatores técnicos e a processos de aperfeiçoamento, porém
alguns fotógrafos-artistas fazem um resgate desses processos produzindo imagens dentro do
campo das artes visuais, denominado por Rouillé (2009) como neopictorialismo, que é o uso
de “materiais e procedimentos antigos, ultrapassados, arcaicos – fotografia com câmeras
artesanais (pinhole), o daguerreótipo, os positivos diretos e a goma bicromática.” (ROUILLÉ,
2009, p. 184).

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O uso desses processos na fotografia contemporânea é denominado por Fernandes


Júnior (2006) como fotografia expandida, que existe graças à inquietação dos artistas, que
desde o advento da fotografia não se contiveram a utilizar apenas os padrões estabelecidos
pela indústria fotográfica. Transgredindo o fazer fotográfico, onde o importante é o processo
criativo e os procedimentos utilizados pelos fotógrafos para obterem o resultado
surpreendente.

Contemporaneidade ao acaso

Ao longo da história a fotografia se desassocia da ideia única de registro e se


caracteriza também como criativa. Na contemporaneidade adquire inúmeras facetas, sendo
suscetível a inúmeras interpretações e produções, como afirma Simonetta:

Pensar a fotografia contemporânea hoje é tentar entender a


aproximação com vários suportes e entendê-las como linguagem
autônoma...Interessante pensar sobre a fotografia na
contemporaneidade como força do simulacro, criando um duplo
como imagem de imagens...deveríamos pensar – e nisso a
produção contemporânea tem nos ajudado – em enxergar a imagem
como um mero ponto de vista sobre determinado assunto, uma
opinião própria, portanto passível de ser construída....A imagem
fotográfica, polissêmica por natureza, nos dá esse privilégio de uma
leitura múltipla. E parece que é nessa direção que tem se voltado
nossa produção fotográfica. (PERSICHETTI, p. 86 a 89)

Susan Sontag (2004) afirma ainda que alguns fotógrafos a fim de conseguir
características criativas as suas fotografias, abandonam as câmeras cada vez mais
tecnologicamente avançadas, e partem para aparelhos toscos, acreditando conseguir resultados
mais livres e positivos, é o caso do fotógrafo-artista Dirceu Maués. Fotógrafo desde 1991
atuou como instrutor de oficinas de fotografia na Fundação Curro Velho, na década de 1990,
em Belém, onde também trabalhou como repórter fotográfico nos grandes jornais impressos
durante 12 anos. Desde 2003, desenvolve trabalho autoral nas áreas da fotografia, cinema e
vídeo, os quais têm como base pesquisas com a construção de câmeras artesanais pinhole e
utilização de aparelhos precários. Seus trabalhos já foram contemplados com prêmios e hoje
fazem parte de diversas coleções.

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Figura 1 - Dirceu Maués produzindo uma


câmera pinhole através de uma caixa de
fósforos. 2009. Disponível em:
http://www.flickr.com/photos/dirceumaues
Acesso em: 15/01/2011

A câmera pinhole remete diretamente as câmeras escuras, artifício esse conhecido e


utilizado por artistas desde o período renascentista (SOUGEZ, 2001). A diferença entre as
duas caixas pretas é o material fotossensível no interior da pinhole e a possibilidade de fixar a
imagem que a invade através de um pequeno orifício. A fotografia pelo buraco da agulha é tão
simples que até mesmo uma criança é capaz de produzir a sua câmera em pouco tempo
(DIETRICH, 1998) e qualquer objeto oco pode se transformar em um aparelho fotográfico,
caixa de fósforos, de sapato, latas de leite em pó, um pimentão e até um ovo. Participar da
produção de uma câmera pinhole permite que o fotógrafo se torne parte da câmera escura e
seja capaz de dominar o aparelho, como afirma Flusser (2002), o dono do aparelho não é
quem o possui, mas sim quem foi capaz de esgotá-lo em seu interior, permitindo uma nova
forma de compreensão do fazer fotográfico.

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O resultado obtido através dessa técnica é único. A singularidade do formato de cada


câmera aparecerá no resultado final das fotografias, além de possibilitar outros
experimentalismos como imagens em dupla exposição e distorções, além de resultados
inesperados como traços de luz, sombras e flow. Na fotografia pinhole, ao contrário da
fotografia tradicional, não é o fotógrafo quem delimita o recorte da fotografia, isso irá variar
de acordo com o formato e ângulo da câmera, assim cada foto se torna inusitada e traz o olhar
de um objeto sobre outros objetos (DIETRICH, 1998), assim as pinholes são “caixas pretas
que brincam de pensar” (FLUSSER, 2002, p. 28). Nas fotografias realizadas através de
câmeras industriais, o fotógrafo domina a técnica através do aparelho, obtendo resultados
esperados segundo regras, na fotografia pinhole ele infringe o aparelho, criando novas regras
a cada imagem produzida. Aqui, o aparelho passa então a ser decisivo na produção
fotográfica, e não apenas um meio.

Figura 2 – Ver o peso pelo furo da agulha. Dirceu Maués. 2004. Disponível em:
http://www.colecaopirellimasp.art.br/autores/221/obra/813 Acesso em: 15/01/2011.

Para que a imagem se forme no interior da câmera escura, é preciso que a luz entre
através de um orifício e atinja o material fotossensível. Se esse orifício é demasiadamente
grande, o tempo em que ficara exposto para incidência da luz será menor, e isso também
acarretará na nitidez da imagem formada no interior do aparelho. Quanto menor o buraco feito
pela agulha, mais nítida se torna a imagem, porém o tempo de exposição tende a ficar maior.

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As frações dos segundos determinantes para a produção da fotografia já são capazes


de fornecer a fotografia pinhole a característica de movimento, pois durante esse pequeno
espaço de tempo a luz muda, as pessoas se mexem. Segundo Villar (2008), a imagem
fotográfica está ligada ao estático, e essas frações de segundos da pinhole desestabilizam a
imagem, captando o percurso que os objetos fazem pelo espaço fotografado.

Figura 3– Ver o peso pelo furo da agulha. Dirceu Maués. 2004. Disponível em:
http://www.flickr.com/photos/dirceumaues Acesso em: 15/01/2011.

Na fotografias de Dirceu Maués é possível notar essa interferência do tempo. Essa


característica é responsável por tornar o invisível visível ou de pelo menos dar a ele uma outra
visualidade. Trabalhando o tempo na fotografia, Maués consegue passar ao observador as
sensações que o Mercado Ver-o-peso proporciona, sua dinâmica, seu movimento; mostrando
que o mercado não é estático, mas inquieto. A pinhole também possibilita que Dirceu
estabeleça um modo próprio ao representar o mundo, dando à sua fotografia um caráter
subjetivo, nesse momento ele dialoga com o objeto a ser fotografado, e esse oferece ao seu
fotógrafo seu inconsciente, que jamais seria acessível se não fosse o aparelho.

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Figura 4– Ver o peso pelo furo da agulha. Dirceu Maués. 2004. Disponível em:
http://www.colecaopirellimasp.art.br/autores/221/obra/814 Acesso em: 15/01/2011.

Nas imagens produzidas pelo fotógrafo o importante não é a perfeição técnica que as
imagens atingirão, mas sim o caráter estético que o imprevisto trará, convertendo a baixa
tecnologia em alta característica poética, a poética da simplicidade. A teoria de Flusser ajuda
a entender a política por traz do aparelho, mas é o artista quem avança poeticamente.

Dirceu Maués em seu trabalho Ver-o-peso pelo furo da agulha, fotografou o famoso
mercado de Belém em mais 900 fotografias, todas as fotos foram produzidas com caixas de
fósforo, e apesar da precariedade do material, o fotógrafo-artista conseguiu resultados que
apenas ele, como conhecedor do ambiente e do equipamento conseguiria. O movimento está
presente em quase todas as fotos, assim como as sombras densas nas laterais, dando ao leitor a
atmosfera de sonho.

Figura 5 – Ver o peso pelo furo da agulha. Dirceu Maués. 2004. Disponível em:
http://www.colecaopirellimasp.art.br/autores/221/obra/812 Acesso em: 15/01/2011

As imagens do cotididiano de Maués, feitas com câmeras precárias, se contrapõem ao


cenário urbano tomado de máquinas e tecnologias avançadas, é um contraponto entre os dois
mundos. É o barato, tosco e reciclado registrando seu inverso. A pinhole deixa de ser um

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equipamento exclusivamente arcaico e passa dialogar com a tecnologia, se tornando uma


possibilidade estética na contemporaneidade.

Figura 6–Disponível em:


http://www.flickr.com/photos
/dirceumaues Acesso em:
15/01/2011.

Conclusão

O uso de processos alternativos parte de uma inquietação e necessidade de


experimentação dos artistas em relação à rígida linguagem fotográfica, Flusser (2002) defende
que os artistas que utilizam de processos alternativos o fazem pois desejam jogar contra o
programa; os fotógrafos denominados experimentais, procuram respostas num contexto da
liberdade dominado por aparelhos, onde não se limitam aos mecanismos e dispositivos.

Flusser (2002) coloca que a filosofia da fotografia reposiciona o problema da


liberdade, indagado em toda filosofia. O autor traz que estamos rodeados de aparelhos
programáticos, que automatizam a ação de fotografar, pensar e viver. Porém, Flusser aponta
que é possível “jogar contra o aparelho” (FLUSSER, 2002, p. 75) uma vez que o aparelho
pode ser enganado, os programas podem sofrer alterações humanas não previstas, sendo essa
a liberdade da filosofia da fotografia. A fotografia expandida existe graças a essa liberdade,
desenvolvendo o caráter mágico da imagem tradicional à fotografia, fazendo o observador
vaguear com os olhos por toda a superfície da imagem técnica.

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Bibliografia

DIETRICH, Jochen. Câmara obscura: algumas idéias sobre a fotografia pinhole – nas artes,
na estética, na educação. Porto Arte, Porto Alegre, v. 9, n. 17, p. 61-72, 1998.

FERNANDES JUNIOR, Rubens. Processos de Criação da Fotografia. In FACOM. Edição 16.


2006.

GOVEIA, Fábio. A subjetividade na fotografia pinhole , 2005. Disponível em:


http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1753 -1.pdf Acesso em
12/01/2011

FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia.
Rio de Janeiro: Editora Relume, 2002

ROUILLÉ, André. A Fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Editora
Senac, 2009

PERSICHETTI, Simonetta. Novas Legendas. In: Bravo, São Paulo, Nº. 75, dezembro, 2003,
pp. 85 - 89.

VILLAR, Maria Helena Saburido. A fotografia estenopeica revisitada:desconstrução da


homologia tradicional através das dimensões sócio-culturais da tecnologia. 2008. 249f.
Dissertação (Mestrado em Tecnologia) – Programa de Pós Graduação em Tecnologia,
Universidade Tecnológica do Paraná, Curitiba, 2008.

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