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Experiências Expandidas
em Comunicação
SÃO LUÍS
2019
Copyright © 2019 by EDUFMA
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Esnel José Fagundes
Profa. Dra. Inez Maria Leite da Silva
Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha
Profa. Dra Andréa Dias Neves Lago
Profa. Dra. Francisca das Chagas Silva Lima
Bibliotecária Tatiana Cotrim Serra Freire
Prof. Me. Cristiano Leonardo de Alan Kardec Capovilla Luz
Prof. Dr. Jardel Oliveira Santos
Profa. Dra. Michele Goulart Massuchin
Prof. Dr. Ítalo Domingos Santirocchi
Revisão
Letícia Conceição Martins Cardoso
Projeto Gráfico
Patrícia Azambuja
CDD 302.2
CDU 316.77
1 O termo foi introduzido por Nick Couldry, em 2011, para falar do atual ambiente midiático como uma
complexa rede de múltiplas plataformas – no original: a complex web of delivery plataforms. Ver Life
with the media – Between freedom and subjection (COULDRY, 2016).
micas produtivas e processos de vinculação social, escrito pelo professor Ramon
Bezerra Costa e a doutoranda Francine Tavares, tem como objetivo prin-
cipal refletir sobre os processos de construção dos “vínculos sociais”, que
são entendidos a partir de Muniz Sodré (2014) como o que caracteriza o
processo da comunicação, que tem relação com a constituição de sujeitos
e a produção de modos de vida. Nessa perspectiva, segundo os autores, a
vinculação social se dá por meio da instauração de um “comum” – não
“algo em comum”, nem uma “coisa” ou “substância”, mas uma relação
que se constrói, uma espécie de compartilhamento de referências cons-
truídas que passam a ser partilhadas.
O quinto capítulo, intitulado Mídia e sujeitos: a busca pelas representações
de agentes da rede de combate ao trabalho escravo, escrito pela professora Flávia
de Almeida Moura, busca compreender a participação da mídia brasilei-
ra nas representações (Hall, 2010; 2012) do trabalho escravo contempo-
râneo junto a um grupo de agentes de entidades governamentais e não
governamentais que integram a rede de combate ao trabalho escravo
contemporâneo no Maranhão e no Brasil. O estudo traz elementos de
análise para a questão da representação dos sujeitos envolvidos a partir
das representações midiáticas, principalmente da televisão. Com o ma-
peamento das estratégias de comunicação das entidades envolvidas bem
como suas relações com os aparatos midiáticos, a pesquisa traz à tona
aspectos interessantes da temática, que é sociabilizada entre os agentes
pesquisados e o grupo de pesquisadores envolvidos, descortinando pro-
duções de sentido sobre a condição da escravidão contemporânea bem
como suas representações na mídia.
Já o sexto capítulo, escrito pela professora Letícia Conceição Mar-
tins Cardoso, intitulado, Quem define o que é ou não é a identidade brasileira?:
uma revisão conceitual sobre cultura popular à luz dos estudos culturais, traz outra
discussão conceitual sobre a temática dos sujeitos e de suas identidades
a partir de uma discussão sobre cultura popular. O objetivo é revisitar
a questão da identidade nacional, tomando o caso do Bumba meu boi,
entre outras expressões populares, a fim de discutir antigas e novas con-
figurações teóricas sobre o conceito de “cultura popular”, o que leva a
pensar também no processo de implantação das políticas públicas de
cultura no Brasil.
O sétimo capítulo, também tratando sobre televisão, mas numa
perspectiva das políticas públicas da Comunicação, a professora Melissa
Moreira escreve sobre TV pública no Brasil: a primazia histórica do acesso restri-
to. Para a autora, mesmo com as transformações tecnológicas que pode-
mos acompanhar na atualidade, a televisão ainda deve ser tratada como
uma mídia massiva. E neste sentido, a TV teria duas funções centrais nas
democracias: o de manter a população informada, repassando dados e
informações sobre realidades diferenciadas e de exercer o controle social
sobre a ação governamental, garantindo que a coisa pública sirva, de
fato, aos interesses coletivos.
Já o oitavo capítulo, intitulado Redes sociotécnicas, híbridos e duas contro-
vérsias metodológicas pelo viés da Teoria Ator-rede, escrito pela professora Patrí-
cia Azambuja e doutoranda Ana Paula Pereira Coelho, apresenta dois
estudos nos quais a Teoria Ator-rede e o Princípio da Simetria oferecem
caminhos metodológicos no sentido em que propõem pensar o social
menos como categoria de base analítica, posta antecipadamente, e mais
como um processo contínuo, vinculado a uma rede de relações heterogê-
neas geradas no campo das experiências. Seguindo a ideia de descrever
sem explicar, ou narrar sem necessariamente demarcar soluções defini-
tivas para as controvérsias identificadas, rastreando as conexões a partir
de uma escrita etnográfica, a Teoria Ator-Rede (Latour, 1997) redefine a
noção de social para além dos limites humanos, como uma rede de (re)
associações entre elementos híbridos (humanos e não-humanos).
E para fechar a coletânea do Obeec, o nono capítulo, intitulado
O rádio debate a cidade: a participação dos ouvintes nos programas jornalísticos das
emissoras AM em São Luís também é desdobramento de pesquisa de douto-
ramento do professor da UFMA, Ed Wilson Araújo. Trata-se de um es-
tudo de recepção realizado na capital maranhense a partir do protocolo
teórico-metodológico do mapa noturno de Jesus Martín-Barbero (2001). O
objetivo principal é analisar a participação da audiência no contexto do
rádio AM de São Luís, influenciado pelo controle econômico e político
dos seus proprietários e pelas mudanças de constituição dos poderes exe-
cutivo e legislativo a cada eleição. Nessas circunstâncias, pode-se perce-
ber que a audiência participa dos programas de diversas formas (crítica,
propositiva, dialogada, contestatória, iconoclasta etc) tendo como eixo o
cotidiano da cidade.
Esperamos com esta primeira coletânea do ObEEC possa contri-
buir para as pesquisas no campo da Comunicação, principalmente as
interessadas em analisar a participação dos sujeitos nos processos de co-
municação, de vinculação social ou mesmo de midiatização da sociedade
contemporânea. Desejamos, assim, uma ótima leitura.
As organizadoras
A PRÁTICA
DA PESQUISA
EM ESTUDOS
CULTURAIS:
EM FOCO OS
SUJEITOS*
Ana Carolina D. Escosteguy**
1 Ver, por exemplo, a discussão teórica realizada em HALL, S. et al Resistance Through Rituals (1975) e
Policing the Crisis (1978).
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 13
2 O termo foi introduzido por Nick Couldry, em 2011, para falar do atual ambiente midiático como uma
complexa rede de múltiplas plataformas – no original: a complex web of delivery plataforms. Ver Life
with the media – Between freedom and subjection (COULDRY, 2016).
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 15
– não se deu apenas pelo recorte etário8 (faixa entre 14 e 25 anos), mas
sobretudo pela observação de um processo de identificação entre iguais
e diferenciação de outros, em especial dos adultos, no que diz respeito ao
uso do telefone celular, do computador e da internet.
Embora, em boa parte das propriedades, o celular e a internet te-
nham sinal inexistente ou precário, essas tecnologias têm estimulado con-
versas e envio de mensagens entre amigos, familiares e casais, entre ou-
tras formas mediadas de interação. Especialmente, entre os jovens, o uso
do celular tem se constituído como um elemento dinamizador de novos
espaços de sociabilidade (principalmente, a reutilização de espaços de wi-
-fi livre na localidade rural próxima às propriedades rurais como ponto
de encontro juvenil), viabilizando-se fundamentalmente como um dispo-
sitivo de lazer (jogos, redes sociais, conversas, escuta de música, meio para
colecionar fotografias).
É possível considerar que há uma intensificação da comunicação
entre os jovens que estão no meio rural, mas também desses com pessoas
que vivem nas cidades. Nessa última direção, nota-se a redução das dis-
tâncias entre espaço rural e urbano e um trânsito entre eles mais acentua-
do, seja pela melhoria da infraestrutura das estradas e do transporte, seja
via o uso de TICs, mais especificamente, o telefone celular. Talvez seja
essa uma razão para que não se observe no grupo estudado uma forte
atração para a migração.
Enfim, o estudo revela que tanto a vida social cotidiana, quanto as-
pectos de caráter mais pessoal/individual e, sobretudo, os modos de viver
dos jovens, estão sendo afetados e reorganizados pela presença das TICs,
principalmente, com a chegada do telefone celular e da internet. A nova
8 O recorte etário de juventude para a pesquisa se aproxima da faixa etária proposta pelo Instituto Bra-
sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que considera jovens os indivíduos entre 15 a 29 anos, e pelos
organismos internacionais como ONU, que os considera entre 15 e 24 anos. Na pesquisa, incorporam-
-se jovens de 14 a 25 por se entender que no grupo das famílias estudadas, esses sujeitos apresentavam
comportamentos de uso das TICs que os aproximavam, com distinções dos demais sujeitos da pesquisa.
Assim, entendendo que não existe um limite etário universalmente aceito para definir juventude, assumi-
mos uma delimitação mais próxima de modos de vida, neste caso, associado sobretudo aos usos de TICs.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 19
REFERÊNCIAS
BIRD, Elizabeth S. The audience in everyday life: Living in a media
world. Nova York/Londres: Routledge, 2003.
CALHOUN, Craig; SENNET, Richard. Introduction. In: CALHOUN,
Craig; SENNET, Richard (orgs.). Practicing culture. Londres/Nova
York: Routledge, 2007.
COULDRY, Nick. Theorising media as practice. Social Semiotics,
v.14, n.2, p. 115-132, 2004.
COULDRY, N. Theorising media as practice. In: BRAUCHLER, B.;
POSTILL, J. (orgs.) Theorising media and practice. Nova York:
Bergham Books, 2010.
COULDRY, N. ‘Life with the media manifold: Between freedom and
subjection’. In L. Kramp/N. Carpentier/A. Hepp/R. Kilborn/R. Ku-
nelius/H. Nieminen/T. Olsson/P. Pruulmann-Vengerfeldt/I. Tomanić
Trivundža/S. Tosoni (Eds.) Politics, Civil Society and Participa-
tion: Media and Communications in a Transforming Envi-
ronment. Bremen: Edition Lumière, 2016.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 21
* Este artigo é originado da tese de doutorado “A mídia na formação da identidade dos artistas sertanejos
de São Luís: uma análise cultural”, defendida pelo autor em 2015, no PPGCOM/PUCRS.
** Professor Adjunto do Departamento de Comunicação Social da UFMA (Universidade Federal do
Maranhão). Doutor em Comunicação/PPGCOM/PUCRS. Email: marcio.ufma@gmail.com.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 23
Introdução
A música sertaneja é um gênero musical surgido no Brasil, no final
da década de 1920, a partir da tentativa de registro em disco da música
caipira. Esta, por sua vez, está relacionada aos rituais religiosos, de lazer
e de trabalho de quem habitava e trabalhava nas fazendas e sítios de
cidades do interior paulista. O jornalista, escritor e folclorista Cornélio
Pires teria sido o responsável por viabilizar, no ano de 1929, a gravação
e prensagem de vinte e cinco mil discos, o que foi, de certa maneira,
fundamental para despertar o interesse das gravadoras pelo lucro que a
musicalidade caipira podia oferecer (FERRETE, 1985).
Os discos impuseram, contudo, um limite de tempo sobre o mate-
rial a ser gravado e a música caipira foi adaptada, por assim dizer, a esse
formato. Os vinte anos seguintes a essa experiência pioneira fizeram com
que o termo música sertaneja se popularizasse. A música produzida na
cidade, contudo, afastava-se em muitos aspectos daquela que original-
mente circulava no ambiente rural.
Esses discos e os que viriam a ser gravados nos anos seguintes, alia-
dos aos programas de rádio e ao circo, levaram a música sertaneja para
as cidades do interior de São Paulo e também para outros estados. Ain-
da hoje, aliás, o disco e o rádio, tendo a televisão como aliada, exercem
um papel fundamental na circulação e transformações do gênero musical
sertanejo pelo país. Festivais, casas de shows, boates e bares desempenham
um papel igualmente importante no que diz respeito ao alcance desse
tipo de música. Já a internet, por meio dos sites de redes sociais e pelo
compartilhamento de vídeos em plataformas como o YouTube, aumentou
exponencialmente a circulação da música sertaneja ao redor do mundo.
O que se observa no cenário sertanejo de São Luís é uma combi-
nação de fatores que têm a mídia como agente principal. A proliferação
da música sertaneja na capital maranhense se alargou com o surgimento
e a consolidação de um circuito em que artistas locais se apropriam das
músicas veiculadas exaustivamente pela mídia, incorporam-nas ao seu
24 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
notti Junior (2003), para quem o consumo está ligado a uma parte do
processo identitário, que envolve a tensão entre a cultura global e as apro-
priações locais. Seriam dois os possíveis desdobramentos desse processo:
1) ou há uma reestruturação do local frente à globalização; 2) ou ocorre
a solidificação de identidades híbridas que permitiriam um fluxo mais
fluido entre o local e o global.
Stuart Hall (1996) observa que a identidade não deve ser pensada
como um fato que, uma vez consumado, passa a ser representado pelas
práticas culturais. Ao invés disso, deve ser pensada como algo que nun-
ca se completa, sempre em processo, sempre constituída interna e não
externamente à representação. Para o autor, escrevemos e falamos desde
(ênfase do próprio Hall) um lugar e de um tempo determinados, desde
uma história e uma cultura que nos são específicas. “O que dizemos está
sempre ‘em contexto’, posicionado” (HALL, 1996, p. 68).
O conceito de identificação seria, para Hall (2013), uma alternativa
ao conceito de identidade, mas deve ser usado com cautela. A identifi-
cação é vista pela abordagem discursiva como uma construção, um pro-
cesso nunca completado. Ela poderia ser, sempre, sustentada ou abando-
nada. É, portanto, condicional. A identificação é, no fim das contas, um
processo de articulação (HALL, 2013).
Ainda de acordo com Hall (2013), as identidades surgem da narrati-
vização do eu e por isso, precisam ser compreendidas “como produzidas
em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações
e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas”
(HALL, 2013, p. 109).
A construção da identidade, conforme a posição assumida por Res-
trepo (2007), dá-se discursivamente. Sobre esse aspecto, o autor diz: “En-
quanto realidade social e histórica, as identidades são produzidas, dispu-
tadas e transformadas em formações discursivas concretas (RESTREPO,
2007, p. 27, tradução livre do autor)”. As identidades, contudo, não são
apenas discurso. As formações discursivas, advoga o autor, são tão reais
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 27
1 A autoidentidade é, para Giddens (2002), um projeto reflexivo do eu que consiste em manter narrativas
biográficas coerentes e, ao mesmo tempo, continuamente revisadas. Deve ser criada e sustentada rotinei-
ramente nas atividades reflexivas do indivíduo, propõe o autor.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 29
Considerações finais
As identidades são, conforme reiterado ao longo deste artigo, resul-
tado de um posicionamento assumido pelo indivíduo e, ao mesmo tem-
po, das posições atribuídas a ele pelos outros. No contexto examinado, ser
cantor sertanejo não é meramente uma atividade ocasional; é um estilo
de vida que se expressa no discurso e nas práticas cotidianas dos artistas.
A coleta de dados, inspirada pela abordagem etnográfica, possibilitou
que fossem identificados os modos como os artistas locais se assumem
discursivamente como sertanejos. Esse posicionamento é localizado, por
exemplo, nas descrições que eles fazem de si mesmos nos sites de redes so-
ciais. Também está nos flyers digitais que são compartilhados como parte
da estratégia de divulgação dos shows.
A identidade dos artistas sertanejos entrevistados é construída, se-
gundo o que se propõe, porque a mídia é um agente de circulação e
transformação da música produzida numa escala global e isso repercute
nos contextos locais. Esse aspecto tem relação direta com a questão do
3 Programas como Sabadão Sertanejo, exibido pelo SBT a partir de 1991, e Amigos & Amigos, veiculado
pela TV Globo em 1999, são alguns exemplos do espaço aberto pelas emissoras de televisão para a música
sertaneja na década de 1990. A série Bem Sertanejo, exibida pela TV Globo entre julho e novembro de
2014, constitui um exemplo contemporâneo.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 39
Referências
* Uma versão preliminar deste texto foi apresentado no GP Ficção Seriada do XIII Encontro dos Grupos
de Pesquisa em Comunicação, evento componente do XXXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Co-
municação e publicado nos anais do mesmo.
** Doutora em Comunicação Social pela PUCRS. Mestre em Comunicação Social pela UFF. Professora
Adjunta do Departamento de Comunicação Social da UFMA. Autora do livro “Diluindo Fronteiras:
hibridizações entre a realidade e a ficcionalidade na narrativa da telenovela” (Edufma). Coordenadora
do grupo de pesquisa Observatório de Experiências Expandidas em Comunicação - ObEEC - registrado
no CNPq. Editora da revista Cambiassu, do Departamento de Comunicação Social da UFMA. Email:
larissaleda@gmail.com.
44 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
Considerações iniciais
A evolução do slogan do YouTube, de Your digital video repositor, em seus
primeiros anos, ao conhecido Broadcast yourself é, além de uma mudança
de caráter publicitário e/ou comercial, uma alteração que aponta para
uma nova direção, significativa e sintomática do que viria a revolucio-
nar nosso modo de absorver, transmitir e produzir conteúdo atualmente.
Burgess e Green (2009, p. 27) nos pedem para compreender o YouTu-
be como um “sistema de mídia estruturado e em evolução no contexto
social e econômico de uma mudança mais ampla nos meios de comu-
nicação e na tecnologia”. E é por este caminho que podemos pensá-lo
em um local de disputa entre a política da cultura popular e o poder da
mídia. É por meio de um evento relacionado aos grandes conglomerados
de mídia, que o YouTube tornou-se conhecido e foi pautado pela mídia
como algo ao qual deveríamos prestar atenção. O primeiro hit do site foi a
publicação de um quadro cômico do conhecido programa Saturday Night
Live1, em dezembro de 2005. Visto por mais de um milhão de pessoas
em seus primeiros dez dias online, chamou a atenção da NBC Universal,
a poderosa rede de televisão e rádio norte-americana que iniciou suas
atividades em 1926 e passou a transmitir o sinal audiovisual em 1938. A
empresa exigiu sua retirada do ar, junto com outros 500 vídeos, baseada
na ameaça de processo por desrespeito aos direitos autorais (BURGESS;
GREEN, 2009). Ora, uma das forças que alavancou o sucesso do site es-
tava relacionada justamente à tensão entre “velhas” e “novas” formas de
consumo de conteúdo.
Mas, como nos alerta Burgess e Green (2009, p. 14), é preciso pensar
o YouTube hoje como um site de cultura participativa, “cada um dos par-
ticipantes chega ao YouTube com seus propósitos e objetivos e o modelam
1 O Saturday Night Live é um programa humorístico da rede de televisão norte-americana NBC (National
Broadcasting Company). Com quadros de humor e música, está no ar desde outubro de 1975, sendo um
grande sucesso comercial da emissora, além de bastante premiado, é, por exemplo, o recordista mundial
de indicações do respeitado Emmy. O programa, semanal, já lançou diversos atores e escritores ao estre-
lato mundial.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 45
2 A emissora, fundada em 1962, faz parte das Organizações Globo, fundada em 1925, e hoje um conglo-
merado multimídia que reúne empresas de rádio, televisão, cinema, publicidade, jornais, sites e revistas.
Atualmente a Rede Globo cobre mais de 98% do território nacional, alcança mais de 99% da população
e tem mais de 90% de produção própria, incluindo mais de 3 mil horas de entretenimento, um recorde
mundial de teledramaturgia. Disponível em: <http://estatico.redeglobo.globo.com/2017/10/04/sobre_
globo.pdf>. Acesso em: 19. out. 2017.
48 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
3 Estaremos, neste trabalho, utilizando o termo telenovela e novela indiscriminadamente, mas nos refe-
rindo ao mesmo produto: narrativa de ficção seriada brasileira, apresentada de segunda a sábado, em ho-
rários pré-determinados, em capítulos que são encadeados em uma única narrativa longa, que se estende
por uma média de 200 capítulos.
4 Acompanhamos Martín-Barbero (2001) em sua consideração de que o melodrama e o folhetim são
matrizes culturais fundamentais da telenovela. Tais heranças podem ser recuperadas em alguns momen-
tos, que se fundem e hibridizam-se - além de se permearem com o histórico político, cultural e tecno-
lógico da história das comunicações no Brasil – para conformar os moldes do que hoje chamamos de
telenovela brasileira. Tais momentos são o melodrama e folhetim francês do século XIX, as radionovelas
e o cinema de lágrimas latino-americanos e a soap-opera norte-americana. Ver mais em: ROCHA, Laris-
sa Leda Fonseca. Diluindo fronteiras: hibridizações entre o real e o ficcional na narrativa da telenovela.
São Luís: Edufma, 2011.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 53
Essa empatia dos jovens é feita não só de facilidade para lidar com
as tecnologias audiovisuais, mas também por cumplicidade expressiva,
“é em seus relatos e imagens, em suas sonoridades, fragmentações e ve-
locidades que eles encontram seu idioma e seu ritmo”. São, na verdade,
56 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
estar juntos, que são caracterizados pela “apropriação dos textos televi-
sivos por parte de uma recepção que substitui as tradicionais relações de
identificação e de projeção por uma verdadeira produção de significa-
ção” (LACALLE, 2010, p. 90).
Referências
Introdução
Não é de hoje que profissionais como arquitetos, artistas e designers
alugam e dividem um espaço de trabalho visando diminuir os custos.
Vale lembrar que essa prática é, majoritariamente, característica dos “pe-
quenos profissionais”, pois símbolo de sucesso seria ter um escritório num
prédio próprio da empresa e quanto maior, mais alto, maior o sucesso.
No entanto, atualmente, o que se está chamando de espaços de traba-
lho compartilhados, seja os intitulados de coworking ou “casas abertas”,
parecem funcionar em outra lógica e considerar o “sucesso” de outra
maneira.
Existem diversos modelos. Alguns são empresas que funcionam de
maneira centralizada, no qual o pagamento de uma mensalidade permi-
te acessar os serviços; enquanto outros investem em modelos de gestão
horizontais e não visam ao lucro, funcionando como experimentos de
dinâmicas produtivas diferentes das usuais. O que todos esses modelos
parecem ter em comum é que os espaços, recursos e custos de um es-
critório são divididos entre os profissionais com a intenção de reduzir as
despesas de manutenção e contribuir para que as pessoas auxiliem umas
às outras, aumentando as possibilidades de networking – independente de
como essa dinâmica aconteça.
Para se ter uma ideia da dimensão desse fenômeno, uma pesqui-
sa realizada em 2016, conhecida como “Censo do Coworking no Brasil”
(EKONOMIO; MOVEBLA; COWORKING BRASIL, 2016), traz
alguns dados: existem 378 espaços ativos no país; as cidades com mais
espaços são: São Paulo (90), Rio de Janeiro (32), Belo Horizonte (24),
Curitiba (20). Dos 378 espaços, 173 responderam a um questionário que
oferece outros dados: 53 espaços funcionam 24h por dia, em 26% deles
é possível levar o animal de estimação e mais de 90% organizam eventos
no espaço. Além desses números, vários eventos têm acontecido no mun-
do para discutir essas formas de trabalho; sites dedicados ao tema foram
criados e as notícias sobre novos espaços e/ou seus modelos de negócios
são frequentes na mídia.
66 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
Os modelos
O modelo mais comum para compartilhamento de espaços de tra-
balho é o que funciona de maneira centralizada: um proprietário, ou um
grupo de sócios, oferece um espaço equipado com as necessidades de um
escritório (mesas de trabalho, salas de reunião, telefone, acesso à inter-
net, gerenciamento de correspondências, central de recados, espaço para
eventos) e os profissionais interessados pagam por mês para utilizar todos
ou alguns dos serviços (existem vários planos), seja a partir de uma sala
privada ou de uma estação de trabalho em um grande salão com outras
pessoas. Vale lembrar que mesmo nesses modelos considerados “centra-
lizados” há, por parte dos que oferecem o serviço, o interesse em criar e
manter estratégias de integração entre os profissionais que lá estão. Para
isso, esses espaços costumam oferecer cursos e palestras regularmente e
muitos possuem serviços de bares, refeitórios, cafeterias, piscinas e outros
68 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
vinculação social?1
Por exemplo, o espaço de coworking Casa de Viver, que funciona em
São Paulo, reúne as características de um espaço de trabalho comparti-
lhado, conforme descrito, com a possibilidade de se trabalhar perto dos
filhos. Enquanto o pai ou a mãe participa de uma reunião ou está escre-
vendo algo no computador, seu filho está em outro andar com educado-
res. Caso se queira ver o filho “no meio do expediente” é só ir para outro
espaço da casa, próprio para as crianças estarem com os pais, seja para
brincar ou trabalhar. Há ainda espaços para atendimento de saúde e co-
zinhar, seja junto com outros pais, sozinho ou mesmo comprar comida.
Espaços como a Casa de Viver parecem criar experiências curiosas
entre pais, funcionários e filhos, que acontecem em um determinado es-
paço físico com objetos, de computadores a brinquedos, configurando
o cenário da experiência. É um ambiente no qual a função de mãe/pai
parece coexistir com a de profissional. É como se houvesse uma confu-
são, ou junção, entre experiências características da vida privada (família)
com a vida pública (profissional).
Além dos modelos de espaços de trabalho compartilhados que se
está chamando de “centralizados”, há outros que surgem na tentativa de
investir em outro paradigma econômico e produtivo. Oswaldo Oliveira,
economista que trabalhou 15 anos no mercado financeiro, estava inte-
ressado em testar uma ideia: “ao contrário do que entende a tradição
econômica, o que existe é abundância de recursos, não escassez, tudo de-
pende da maneira como os recursos são geridos e as pessoas interagem”.
Para ele, o padrão organizativo mais distribuído e menos centralizado
geraria essa abundância (OLIVEIRA, 2014). Diante disso, ele decidiu
fazer um experimento. Em maio de 2013, conforme relatou em entre-
vista, alugou a parte de cima de um sobrado (com 30 metros quadrados)
1 Nesse contexto, é importante perceber ainda uma espécie de “precarização” que parece ser naturali-
zada, na qual a precarização pode aparecer como fonte de sujeição e exploração. Contudo, ao mesmo
tempo em que a “naturalização” dessas formas de trabalho pode levar a uma espécie de “exploração”,
pode também produzir outro tipo de experiência, como a colaboração e a aproximação entre as pessoas.
70 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
2 Neste momento, eram cerca de 1500 pessoas circulando na casa, de acordo com Oswaldo Oliveira, que
se baseia no número de usuários do grupo do Facebook.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 71
3 Diz respeito a um momento no qual a utilização do bem, o que ele proporciona, é mais importante do
que a propriedade sobre ele. É importante salientar que falar em “era do acesso” não significa considerar
o surgimento de uma nova sociedade ou de relações que nunca existiram, mas sim que atualmente existe
um ambiente que favorece essa forma de se relacionar com bens e serviços.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 73
Últimas considerações
Devido aos limites do ensaio, não foi possível abordar outros
exemplos em cada um dos modelos adotados para pensar os espaços de
trabalho compartilhados. A forma como se desenvolveu a exposição, não
adotando nenhum exemplo específico no primeiro e no último modelos,
e tratando de uma experiência particular no segundo foi a opção que
pareceu mais adequada no intuito de exemplificar e refletir sobre a per-
gunta que move este ensaio.
Conforme foi indicado na introdução, os processos de vinculação
social dizem respeito à constituição de sujeitos. Diante disso, e eviden-
4 Guitarras, carros, drones, robôs, bengalas eletrônicas de baixo custo, entre outros.
5 O próprio Chris Anderson é um exemplo de profissional que largou o antigo emprego (editor-chefe
da revista Wired) para se dedicar a uma empresa fundada por ele para fabricar drones – a 3D Robotics.
76 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
ciando a primeira parte da questão que moveu este trabalho, como são
configurados os sujeitos nessas formas de organização produtiva? Uma
maneira que parece pertinente para visualizarmos esses processos é to-
marmos como exemplo algumas das diferenças que Rifkin (2012) aponta
entre as três revoluções industriais. A primeira teria sido caracterizada
pelas máquinas a vapor, pela imprensa e por modelos produtivos centra-
lizados; a segunda, por máquinas elétricas, broadcasting e também modelos
centralizados; enquanto a terceira, na qual os espaços de trabalho com-
partilhados parecem funcionar, teria como marca a internet, a colabo-
ração e a descentralização da produção, na qual “todos” são potenciais
produtores – conforme é possível notar nos espaços makers.
Cada uma dessas revoluções industriais pode funcionar como uma
figura dos processos de vinculação. Tais processos ocorrem, aqui se en-
fatiza a segunda parte da pergunta que orientou este trabalho, nesses
arranjos entre configurações físicas, espaciais, máquinas, ideias, que fun-
cionam produzindo diferentes experiências de vinculação e, consequen-
temente, de constituição de sujeitos, em cada momento.
No contexto dos espaços de trabalho compartilhados, os sujeitos pa-
recem atuar em um ambiente semelhante ao que Deleuze (2010) chamou
de “sociedade de controle”, na qual nunca se para de trabalhar e nunca
se termina nada. Os espaços de coworking que funcionam 24h e a jun-
ção entre as vidas pessoal e profissional ilustram isso, moldando a forma
como se vive, alterando as relações com o espaço, o tempo, a família, o
lazer, o trabalho e a visão de mundo.
Por outro lado, essas experiências de trabalho compartilhado, ao or-
ganizarem espaços físicos que estimulam a aproximação entre os sujeitos,
especialmente as “casas abertas”, mas não só, podem, talvez, também
indicar possíveis “linhas de fuga” (DELEUZE; GUATTARI, 1995) nesse
cenário de controle. Enquanto as experiências de trabalho “convencio-
nais” são majoritariamente marcadas por comportamentos competitivos
e isolamento, tais espaços talvez criem possíveis “fissuras”, ao manter a
produção, mas de outra forma.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 77
Referências
Introdução
O presente artigo apresenta parte de uma etapa de pesquisa em cur-
so que busca compreender a participação da mídia, e mais propriamente
da televisão, nas representações (HALL, 2010; 2013) do trabalho escravo
contemporâneo junto a um grupo de agentes de entidades governamen-
tais e não governamentais que compõem a rede de combate ao trabalho
escravo contemporâneo no Maranhão e no Brasil.
No momento, o estudo está sendo desenvolvido por intermédio de
dois planos de trabalhos1 que buscam mapear as principais estratégias
de comunicação (BUENO, 2009) das entidades pesquisadas para ana-
lisarmos suas relações com as representações midiáticas sobre o tema.
Entendemos aqui como estratégias de comunicação o modo como emis-
sores/receptores constroem e dispõem de efeitos de sentido na cadeia de
comunicação. E essas estratégias têm como principal objetivo visibilizar a
temática, formando a opinião pública sobre o assunto a partir da mídia.
Para esta reflexão, trazemos a contribuição de autores que discutem
comunicação de forma abrangente, como é o caso de Cecília Peruzzo
(1998) que entende a comunicação como um espaço de trocas mútuas,
como ferramenta capaz de promover a democracia, como algo indispen-
sável para mobilização de grupos envolvidos com causas sociais.
[...] a comunicação é mais que meios e mensagens, pois
se realiza como parte de uma dinâmica de organização
e mobilização social; está imbuído de uma proposta de
transformação social e, ao mesmo tempo, de construção
de uma sociedade mais justa; abre a possibilidade para a
participação ativa do cidadão comum como protagonista
do processo (PERUZZO, 1998, p.20-21).
4 A obra “Dos Meios às Mediações”, publicada em 1987, é revisitada pelo autor no ano de 1997, mo-
mento em que ele propõe que o título seja invertido, resultando em “Das Mediações aos Meios”, indican-
do a necessidade, a partir da perspectiva econômica-cultural das novas tecnologias, de que os meios sejam
levados em conta na constituição das políticas culturais, a fim de que se enfrente o efeito dessocializador
do neoliberalismo e se insira a indústria cultural no contexto econômico e político das regiões dos países
latino-americanos.
88 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
6 As informações foram retiradas do site do IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística).
Disponível em www.ibope.com.br. Acesso em: 11/11/2014.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 91
9 “The television text is therefore more polysemic and more open than earlier theo-
rists allowed for. (...) This means that reading is not a garnering of meanings from the
text but is a dialogue between text and the socially situated reader”.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 93
Considerações finais
Buscamos entender nesse estudo de que formas a mídia, e mais pro-
priamente a televisão, participa das representações dos agentes da rede
de combate ao trabalho escravo no Maranhão e no Brasil. E para isso,
buscamos analisar primeiramente as estratégias de comunicação dessas
entidades governamentais e não governamentais para, depois, relacioná-
-las com as representações midiáticas sobre a temática. Para isso, iremos
escolher um corpus documental formado por, no máximo, dez reporta-
gens veiculadas em canais comerciais e abertos da televisão brasileira nos
últimos cinco anos.
Sabemos que representantes dessas entidades são as principais vozes
que aparecem na mídia sobre o tema. Em conversas informais durante
trabalho de campo com alguns agentes de entidades da sociedade civil,
como o caso do Centro de Defesa de Açailândia, em geral, eles afirma-
ram que as reportagens televisivas dão visibilidade ao problema e, de
alguma forma, legitimam o trabalho de denúncia realizado pelo movi-
mento social.
Entendemos essas afirmativas aqui como algo preliminar, que será
analisado e sistematizado no decorrer das entrevistas de pesquisa. Mas
trazemos aqui algumas impressões desses sujeitos. Na ocasião da conver-
sa, realizada em dezembro de 2015, eles relataram o caso de um traba-
lhador que, após ter assistido a uma reportagem sobre trabalho escravo,
tomou coragem e denunciou as condições similares em que viveu em
fazenda de gado em Açailândia (MA).
A principal crítica dos representantes do movimento social feita
em relação às representações midiáticas sobre o trabalho escravo está
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 95
Referências Bibliográficas
Sites consultados
www.agenciabrasil.ebc.com.br
www.donosdamidia.com.br
www.ibope.com.br.
www.reporterbrasil.org.br
QUEM DEFINE O
QUE É OU NÃO
É A IDENTIDADE
BRASILEIRA?: UMA
REVISÃO CONCEITUAL
SOBRE CULTURA
POPULAR À LUZ DOS
ESTUDOS CULTURAIS
Letícia Conceição Martins Cardoso*
Introdução
Este é um recorte do nosso estudo de doutorado1, no qual investi-
gamos o Bumba meu boi do Maranhão como um processo completo e
complexo de comunicação, a partir dos Estudos Culturais. Com a refe-
rida tese, construímos um protocolo teórico-metodológico, baseado na
teoria das mediações latino-americana (MARTÍN-BARBERO, 2008),
capaz de empreender análises comunicacionais sobre objetos de culturas
populares - e não apenas sobre objetos ligados aos meios de comuni-
cação, aos suportes midiáticos e tecnológicos. A proposta foi operar o
mapa das mediações para compreender o processo de comunicação do
grupo cultural Bumba meu boi de Maracanã, identificando as instâncias
da produção, da circulação e do consumo desta prática cultural num
contexto de cultura e política no estado.
Extraindo dessa discussão maior os elementos para a construção
deste artigo, temos aqui o objetivo de revisitar a questão da identidade
nacional, tomando o caso do Bumba meu boi, entre outras expressões
populares, a fim de discutir antigas e novas configurações teóricas sobre o
conceito de “cultura popular”, o que leva a pensar também no processo
de implantação das políticas públicas de cultura no Brasil.
Primeiramente, buscamos evitar o estudo da cultura popular de for-
ma essencialista e universalizante, como se houvesse apenas uma cultu-
ra popular que abarcasse todas as práticas culturais oriundas do povo.
Sobre essa problemática, Canclini (1983) adverte que o termo “cultura
popular”, no singular, não dá conta de traduzir a multiplicidade de sen-
tidos possíveis nos processos culturais gerados pelo povo, entidade não-
homogênea, ao contrário do que pressupõem as teorias do Estado-nação.
Assim, não caberia determinar «a cultura popular» de um país, de uma
região, mas identificar culturas populares que traduzem os sentidos da
1 CARDOSO, Letícia Conceição Martins. As mediações no Bumba meu boi do Maranhão: uma pro-
posta metodológica de estudo das culturas populares. 2016. 268 f. Tese. (Doutorado em Comunicação).
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.
100 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
2 Teixeira Coelho retoma a Carta do Folclore Americano para definir o termo: “conjunto de bens e
formas culturais tradicionais, predominantemente de caráter oral e local, e que se apresentam inalteráveis
em seus modos de apresentação”. No entanto, apesar de entender o folclore como depositário privilegiado
da identidade de cada país e núcleo central de seu patrimônio cultural, o autor discorda que ele corra
perigo diante dos meios de comunicação que promoveriam, segundo os folcloristas, a desintegração desse
patrimônio e a perda da identidade dos povos. Para Teixeira Coelho, não se trata mais apenas de formular
programas de preservação de tradições arcaicas, supostamente inalteradas, mas de examinar as interações
entre o folclore e os demais modos culturais modernos e determinar suas atuais funções na dinâmica
cultural. (COELHO, 1997, p.176).
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 103
3 Podem-se citar vários exemplos: na escultura, a Bailarina, de Vitor Brecheret; nas artes plásticas, as telas
Antropofagia e Abaporu (1929), de Tarsila do Amaral; e Cinco moças de Guaratinguetá (1930), de Di Cavalcanti;
na música, Uirapuru e Tocata (O trenzinho do caipira), de Heitor Villa-Lobos.
106 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
4 Apropriação é percebida a partir da “elaboração de uma história social dos usos e das interpretações,
relacionados às suas determinações fundamentais e inscritos nas práticas específicas que os constroem”.
Considerar as apropriações que as pessoas fazem da arte, dos bens culturais significa estar atento “às con-
dições e aos processos que muito concretamente são portadores das operações de produção de sentido”
(CHARTIER, 1995, p.184).
110 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
mente expulsos das áreas nobres e centrais da capital São Luís à base de
força policial. Para ultrapassar essas barreiras físicas, o Boi teve que se
enquadrar em alguns padrões de normalidade das elites, além de con-
tar com a ajuda de políticos, passando por um processo de “assepsia”,
em que elementos considerados grotescos, oriundos das culturas negras,
sofreram adaptações. Houve uma ressemantização de conteúdos que fa-
ziam parte do processo criativo dos folguedos, gerando novas práticas,
táticas e sentidos. Hoje, o Bumba-boi é símbolo de identidade regional,
divulgado e financiado pelo poder público estadual e municipal.
Uma das repercussões desse processo é que os agentes passam a
lidar com o fenômeno cultural de modo diferente, ao passo em que assu-
mem compromissos perante o Governo, tanto para propagar a cultura
local quanto para divulgar a imagem do político que os ajudou. Assim,
o Bumba meu boi, expressão musical, cênica e de dança, originário das
classes populares e das periferias, da cultura negra, perseguido e proibi-
do, acaba sendo apropriado por políticos e pelas elites, aceito e veiculado
midiaticamente como autêntico símbolo da cultura estadual. Num pro-
cesso muito parecido com o que ocorreu com o samba – antes restrito às
classes populares e circunscrito aos morros, transformado em símbolo de
identidade nacional pelos militares –, o Bumba foi introduzido em outro
circuito, ao ser incorporado pelo mercado de bens simbólicos e apropria-
do por ações estatais.
Marcelino Azevedo, dono do Boi de Guimarães, importante repre-
sentante da cultura negra no Maranhão, reforça a ideia aqui defendida
ao contar sua experiência:
Quando eu me entendi, eu ainda conheci gente que foi
escravo, as velhinhas já tavam velhinhas, mas elas conta-
vam alguma coisa. A gente novinho deixou na memória.
[...] Já brincavam, mesmo escravos. O Boi nessa época não
era como agora. Ele era reprimido e era proibido de brin-
car em algumas partes, em praça... Eles brincavam mais
era no quilombo, eram tratado como baderneiro. É muito
relativo isso. Depois, de uns tempos que eles [as elites lo-
cais] foram se acostumando e até quando eu comecei a
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 111
5 Entrevista concedida para esta pesquisa por AZEVEDO, Marcelino. São Luís: 09.10.2012.
6 Expressão nativa usada para se referir às práticas culturais populares. Assim, os sujeitos que integram os
grupos populares sao os brincantes.
112 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
foi atenuado por uma estratégia de poder que o elegeu como símbolo
de identidade local. Essa eleição ressignificou o auto do Bumba meu boi
(que até início do século XX servia de denúncia, momento em que po-
pulação podia falar das desigualdades): hoje, a crítica política raramente
aparece nas toadas, cedendo lugar cada vez mais à exaltação das belezas
naturais, do amor, do próprio grupo e de seu padrinho político-financeiro
e a temáticas genéricas como preconceito, drogas, ecologia, futebol. Por
essa estratégia, o poder instituído abrandou o caráter contestatório do
Bumba meu boi, investindo em práticas discursivas que transformaram o
folguedo em símbolo de identidade maranhense.
Várias Leis foram acionadas por conta de lutas por direitos cultu-
rais, demandadas pelo movimento organizado do Bumba meu boi, mas
também da articulação dos grupos junto a agentes políticos específicos
(vereadores, deputados, prefeitos, secretários, governadores) que têm in-
fluência nos processos de decisão. Exemplos: Lei Municipal 4.544/2005,
Dia do Brincante; Lei 4.487/2005, institui o nome da Avenida São Mar-
çal, padroeiro do Bumba boi maranhense; a Lei 4.806/2007 intitula o
Bumba boi Patrimônio Cultural Imaterial da cidade de São Luís; a Lei
Federal 12.103/2009 estabelece o Dia nacional do Bumba meu boi (30
de junho). A agência dos brincantes é um indicativo de que exercem
algum poder junto à política, ainda que relativizado e não comparado
ao peso do poder estatal. Esse fato, junto a outros identificados em nossa
pesquisa, sugere que não se deve falar em dominação do Estado sobre
a cultura popular, mas num jogo de disputas e trocas, em proporções
diferenciadas, em que brincantes são sujeitos conscientes de seu poder
político.
Considerações inconclusivas
Os Estudos Culturais vêm desencadeando um olhar inovador sobre
a cultura comum/ordinária, vista como um modo de vida em condi-
ções de igualdade de existência com qualquer outro. Por esse viés teórico,
adotado no trabalho, o campo do popular passou a ser interpretado sob
114 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
Referências
Introdução
Apesar das recentes mudanças no negócio de televisão no mundo,
ainda podemos considerar o papel de destaque obtido por este veículo
no cenário atual como meio de comunicação de massa, em virtude do
seu poderio comercial e pelo acúmulo de grandes audiências. Citamos
também sua capacidade de estar em muitos lugares ao mesmo tempo1,
com imagem e dinamicidade, assim como sua variedade de programas
de informação e entretenimento, que passa pelo jornalístico, esportivo,
de bem-estar, de auditório, humorístico, novela, etc.
Nessa perspectiva, a mídia teria duas funções centrais nas democra-
cias: o de manter a população informada, repassando dados e informa-
ções sobre realidades diferenciadas e de exercer o controle social sobre a
ação governamental, garantindo que a coisa pública sirva, de fato, aos
interesses coletivos. Como lembra Couto (2003), a influência que a mí-
dia exerce é vista como uma forma legítima de embate de ideias numa
sociedade democrática, justificando, assim, a conquista de espaço e re-
conhecimento, visto que, “sem os meios de comunicação não se pode
conquistar o consentimento da população para as diferentes dinâmicas
do mundo político, existindo, entretanto, formas diferentes de encará-los
e administrá-los” (COUTO, 2003, p. 17).
Por outro lado, na medida em que os órgãos da mídia são empresas
privadas, nem sempre é possível estabelecer uma articulação entre esse
objetivo e os interesses dos grupos que representam, portanto, os interes-
ses de acumulação do capital.
Importante destacar que o processo de informar legitimamente rea-
lizado pelos veículos de comunicação não é, a rigor, livre de ideologias. A
própria inserção do indivíduo, sujeito produtor e divulgador de notícias,
em conjunto com as empresas de comunicação, num ambiente social
amplo e complexo, gera uma série de novas formas de dar e receber a
notícia ou informação.
Mas o aspecto central diz respeito ao fato de que a notí-
118 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
o papel estratégico e social que esse veículo exerce nos dias de hoje. A
televisão mostra o mundo ao vivo e em cores. Tem-se numa perspectiva
o desenvolvimento do saber, da ciência, dos avanços tecnológicos e da
riqueza; em outra, o contraste da pobreza, da ignorância e da miséria da
grande maioria da população. É necessário entender que num país onde
a população analfabeta2 tem na televisão uma de suas únicas fontes de in-
formação, o papel desse veículo precisa ser muito bem engendrado com
aspirações ao desenvolvimento social, cultural, educacional e da identi-
dade, e não meramente como um veículo de transmissão de informações.
Dessa forma, entende-se que a proposta de um sistema de comunicação
pública, tendo como principal veículo a televisão, pode corroborar com
este anseio. Sem falar nas possibilidades que as novas tecnologias da in-
formação oferecem para o setor: acesso aos conteúdos televisivos atra-
vés de suportes diferenciados, como computador, tablet ou celular, além,
claro, do próprio aparelho televisor, aumentando significativamente seu
potencial de acesso e consequente alcance do serviço público à sociedade.
Sendo assim, importante ressaltar de que serviço público estamos
tratando, através dos conceitos que regem o serviço público de televisão,
segundo Rocha (2006, p.35):
a) Diversidade: compreende que uma programação pode ser diversi-
ficada, desde que atinja os preceitos da informação, da formação
e do entretenimento;
b) Universalidade: fazer com que a televisão chegue a todos os cida-
dãos em igualdade de condições;
c) Financiamento público: poderia ser por meio de uma taxa paga
pelo cidadão ou através de recursos fornecidos pelo Estado;
2 Em relação à população analfabeta no Brasil, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2014, mostra uma
taxa de analfabetismo entre brasileiros com 15 anos ou mais estimada em 8,3% (13,2 milhões de pessoas).
No ano anterior, 2013, esse índice era de 8,5% (13,3 milhões de pessoas). O número de analfabetos está
fortemente concentrado na região Nordeste e na população de maior idade, sendo importante destacar
que a situação pode ser mais grave uma vez que a pergunta da Pnad é autodeclatória, podendo a pessoa
ter pequeno domínio na leitura, mas não se declarar analfabeta. Disponível em: http://brasilemsintese.
ibge.gov.br/educacao/taxa-de-analfabetismo-das-pessoas-de-15-anos-ou-mais.html
124 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
6 Beth Carmona é radialista e jornalista formada pela USP e diretora-geral e editorial do ComKids,
canal especializado no público infantil da Globosat. Foi presidente do MIDIATIVA – Centro Brasileiro
de Mídia para Crianças e Adolescentes, diretora de Programação na TV Cultura de São Paulo de 1987 a
1998, diretora de programação e produção dos canais do grupo Discovery Channel para América Latina,
entre 1999 a 2003. Foi presidente da Associação de Comunicação Educação Roquette Pinto - ACERP,
mantenedora da TVE e da Rádio MEC, desde 2003. Em 2007, em virtude da criação da nova TV
pública que incorporava a antiga TVE, a presidente deixa a ACERP alegando estar impossibilitada de
permanecer devido à dualidade de comando, se tornando a primeira diretora-presidente da TV Brasil.
7 Extinta fundação do governo federal que tinha como função a prestação de serviços à comunidade
voltada à educação e cultura, através dos meios de comunicação. Devido à falta de uma política clara
de comunicação e a falta de responsabilidade fiscal, a fundação quebra financeiramente, o que provoca
uma mudança radical na forma de administração por parte do Governo Federal. A fundação foi então
sucedida, em 1998, pela Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto – ACERP, por meio da
medida provisória nº 1648-7, que passa a ser qualificada como a Organização Social ACERP, assumindo
seus bens, funcionários e concessões. Mais tarde, a ACERP foi extinta (nos moldes anteriores) e seus
servidores, bens e concessões foram repassados para a Empresa Brasil de Comunicação – EBC, em 2007.
132 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
Conclusão
A partir do modelo hegemônico comercial de televisão no Brasil,
surgem as dificuldades de acesso a um modelo de televisão que não trans-
forme os bens culturais em mercadoria. Os motivos “vão desde a fragili-
zação das identidades à inibição do surgimento de novas manifestações
culturais e artísticas, vítimas da falta de reconhecimento público” (LEAL
FILHO, 2007, p. 7).
Com isso, observamos que ao longo da história da televisão pública
no Brasil, nos seus mais variados formatos, a questão do acesso ao seu
canal de maneira direta e gratuita não acompanhou o avanço tecnológi-
co imposto pela televisão privada comercial, concebido através de alian-
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 133
Referências
Patrícia Azambuja**
Ana Paula Pereira Coelho***
* Este texto é o resultado da compilação de alguns trabalhos publicados em outros momentos, e que utili-
zam a Teoria Ator-rede como inspiração metodológica para compreensão de processos de comunicação.
** Professora Adjunta do Curso de Comunicação Social - UFMA, doutora em Psicologia Social pela
UERJ e mestre em Artes Visuais pela UNESP. Autora do livro Televisão Híbrida: recepção de TV sob a
perspectiva sociotécnica da Teoria Ator-rede, também coordena o Projeto de Pesquisa “Mise-en-scène plástico:
culturalmente construído ou pela imaginação subvertido?” (Financiado pelo FAPEMA). Email: patri-
ciaazambuja@yahoo.com.br.
*** Graduada em jornalismo pela UFMA, mestre em Comunicação pela UFES e doutoranda em Comu-
nicação e Cultura Contemporânea pela UFBA. Email: ana.coelho.jornal@gmail.com.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 137
guagem em sociologia. “Em lugar de imputar aos atores sociais, a cada vez, interesses, cálculos, classes,
hábitos, estruturas, supondo-os marionetes da sociedade, a etnometodologia quer esvaziar a sociologia de
toda a sua metalinguagem e quer tomar o ator e sua prática como o único sociólogo competente. Entre
o sociólogo falastrão e o ator, é melhor confiar no ator. Entre o sociólogo que põe ordem e o ator que
acrescenta desordem, é melhor confiar no ator – e pior para a desordem” (p.28).
4 “A expressão caixa-preta é usada em cibernética sempre que uma máquina ou um conjunto de coman-
dos se revela complexo demais” (LATOUR, 2000, p.14). Há, portanto, relação com fatos ditos incontes-
táveis, os quais adquirem estabilidade ao conseguirem neutralizar incertezas e controvérsias ao seu redor.
Neste caso, a caixa-preta está fechada; ficando a cargo de algum tipo de polêmica ou mudança no cenário
geral de existência do fato o poder de reabri-la. Nota incluída pela autora.
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 139
5 De acordo com Bruno Latour, a palavra ator, do inglês actor, se limita a humanos, por isso, muitas ve-
zes utiliza actante (actant), termo emprestado da semiótica, para incluir não-humanos no entendimento
sobre coletivo.
140 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
10 Os nomes reais e identidades de nossos informantes foram alterados por versões fictícias, na medida do
possível, no sentido de preservar minimamente sua privacidade.
150 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
13 This is why we should paradoxically take all the uncertainties, hesitations, dislocations, and puzzle-
ments as our foundation.
152 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
14 Traveling with ANT, I am afraid to say, will turn out to be agonizingly slow. Movements will be cons-
tantly interrupted, interfered with, disrupted and dislocated by the five types of uncertainties.
158 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
Referências
Introdução
As cinco emissoras de rádio AM sediadas no município de São Luís
- Educadora (560 Khz), Mirante (600 Khz), Difusora (680 Khz), Capi-
tal (1180 Khz), Timbira (1290 Khz) e São Luís (1340 Khz) - veiculam
diariamente programas jornalísticos abertos à participação de ouvintes.
As demandas, sugestões e críticas da audiência versam sobre os mais va-
riados temas: funcionamento dos serviços públicos, atuação dos poderes
Executivo, Legislativo, Judiciário e do Ministério Público, observações
sobre a situação das ruas da cidade, abastecimento de água, iluminação
pública, funcionamento dos orelhões e da telefonia celular, coleta de lixo,
desenhos da conjuntura política, resultados do futebol, atendimento nos
hospitais públicos, valor das tarifas e serviços, comentários sobre decisões
políticas e judiciais de grande abrangência, transporte coletivo e valor
das passagens, atuação dos políticos em temas de impacto na cidade e
tantos outros.
A partir do ano 2000, a audiência ativa nos programas dessas rá-
dios, mas individualizada e dispersa nos bairros, passou a constituir-se
sob a égide da Sociedade dos Ouvintes Maranhenses de Rádio (Somar),
entidade sem fins lucrativos, formada por pessoas de diversos ramos de
atividade profissional e estratificação econômica, bem como distintos ní-
veis de educação formal.
O rádio é, portanto, uma tribuna em que diversos atores dialogam
sobre a cidade. No polo da produção, as emissoras têm os apresentadores
fixos nos estúdios e os repórteres percorrendo a cidade ou fazendo co-
berturas setoriais na Câmara de Vereadores e na Assembleia Legislativa.
Na recepção, os ouvintes interferem na programação participando prin-
cipalmente com entradas ao vivo por telefone, ou pelas plataformas na
internet (redes sociais, blogs e outros), mensagens de texto e aplicativos de
celular, enviando fotografias e vídeos.
O tecido informativo do rádio é costurado por múltiplas vozes. À
fala institucional dos profissionais do rádio, operadores do conteúdo
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 165
Desenvolvimento
Utilizamos como aporte metodológico o “mapa noturno” (MAR-
TÍN-BARBERO, 2009), fundamentado na teoria das mediações. Assim,
propomos cercar o objeto na perspectiva dos momentos (matrizes cultu-
rais, lógicas de produção, formatos industriais, competências de recepção)
e das mediações (institucionalidade, tecnicidade, ritualidade e socialida-
de), visando dar conta da complexidade do processo de produção, circu-
lação e consumo nos programas jornalísticos das emissoras de rádio AM.
1 “A palavra falada em pulsação: produção e recepção dos programas jornalísticos nas emissoras AM, em
São Luís”, defendida em 2016, no PPGCOM/PUC-RS.
166 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
O trabalho de campo
Cumprida esta etapa, iniciamos os contatos por telefone para agen-
dar as entrevistas. Não houve delimitação na quantidade de informan-
EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO 169
tes até que fosse atingido o nível de saturação das informações colhidas.
Neste percurso, entrevistamos 15 (quinze) ouvintes, do total de 30 (trinta)
listados por João Carlos. Registramos entre os entrevistados dois ouvintes
cegos, um deles fundador da Somar. As entrevistas aconteceram entre o
segundo semestre de 2013 e os dois primeiros meses de 2014: o primeiro
informante foi ouvido dia 6 de outubro e o décimo quinto em 13 de feve-
reiro. Todos os ouvintes foram entrevistados em São Luís. O tempo das
entrevistas durou, em média, uma hora e meia.
Nas competências da recepção, utilizamos entrevista semiestrutura-
da e diário de escuta para coleta de dados. As entrevistas foram transcri-
tas e analisadas para elaboração das categorias.
A audiência sistemática dos programas jornalísticos das emissoras
de rádio AM permitiu conceituar a escuta atenta e focada como um “diá-
rio de escuta”, através do qual pudemos confirmar ou refutar impressões
observadas a partir das entrevistas.
Na análise, destacamos cinco aspectos relevantes recortados nos tó-
picos mais representativos dentro da área de interesse focado da pesquisa,
a saber: a) Encontro com o rádio: para saber em qual etapa da vida e
sob quais influências o informante começou a ouvir rádio; b) Significado
do rádio: buscou verificar a relação emotiva, social ou política do ou-
vinte com o rádio; c) Motivação para participar dos programas: objeti-
vou mapear as pulsações que levam o ouvinte a acionar o interesse pela
participação; d) Temas abordados e repercussão: que tipo de situação,
problema, reivindicação eram levantados pelo ouvinte nos programas; e
e) Relação com o apresentador: como se dava o diálogo entre o ouvinte
e o apresentador.
Os entrevistados, para garantia do anonimato, foram identificados
por nomes bíblicos.
Resultados e discussão
Do total de 15 entrevistados, 09 (nove) foram identificados como
militantes e 06 (seis) sazonais ou esporádicos. A duração das entrevistas
170 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
Conclusão
As reflexões teóricas e o trabalho de campo permitiram tecer con-
siderações sobre a participação da audiência nos programas jornalísticos
de rádio AM. O apresentador, na condição de locutor autorizado, é ten-
sionado pelo ouvinte que deixou de ser o receptor passivo das reporta-
gens, notícias, notas, comentários e editoriais para se tornar um sujeito
de poder, quando ingressa na rede dos oradores oficiais (apresentadores
e repórteres) apresentando suas narrativas oriundas dos bairros, das ruas
e praças da cidade. A palavra, portanto, é tomada por outros locutores,
não oficiais (os ouvintes), que compartilham enunciados no ambiente ra-
diofônico.
Nesse contexto, a participação da audiência nos programas radiofô-
nicos tem sido objeto de reflexões teóricas em diversos estudos. “Durante
décadas, o emissor, principalmente, foi o foco das atenções mas, agora, há
uma intensa procura sobre o que pensa, o que quer, o que deseja e como
age o receptor e, mais do que isto, entender o receptor como sujeito do
processo de comunicação.” (PRATA, 2002, p. 1).
Brecht (1981) partia do princípio de que o rádio, instalado nas re-
sidências, poderia proporcionar mecanismos de transmissão e recepção
176 EXPERIÊNCIAS EXPANDIDAS EM COMUNICAÇÃO
Referências