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Organização
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EQUIPE
ORGANIZAÇÃO
Luisa Paraguai
Rachel Zuanon
CONCEPÇÃO GRÁFICA
João Batista Moreira Correa
Mayra Ferreira Martyres
PRODUÇÃO DIGITAL
Ana Basaglia
Elton Camalionte
Igor de Freitas
Mayra Martyres
Thiago Trevisan
EDIÇÃO
Edições Rosari Ltda.
PROMOÇÃO
Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Universidade Estadual Paulista – UNESP/Bauru
ISBN xxx xx xxxx xxx x
1a Edição
Data da edição: 2014. Local da edição: São Paulo
Número de artigos: 13. Número de páginas: 171.
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SUMÁRIO
O QUE EXATAMENTE TORNA O CÉREBRO E A MENTE DE HOJE TÃO DIFERENTES, TÃO 104
ATRAENTES?: NEUROCIÊNCIA E A PERCEPÇÃO SENSÍVEL NOS AFETOS DO DIA-A-DIA.
Leila Reinert
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SUMÁRIO
Resumo
Um termo corrente nas discussões sobre globalização é o de
nomadismo e mobilidade que colocam em debate às questões
voltadas ao espaço entendido como território geográfico físico
definido, para dar a ver a idéia de um espaço em trânsito, mais
líquido e em constante movimento. O texto procura, neste
sentido, discutir o conceito de nomadismo e mobilidade dentro
da perspectiva do design a partir de três vetores principais: Design
e mobilidade de linguagens, Design, mobilidade e tecnologia, e Design
e mobilidade de povos nômades.
Abstract
The current terms Nomadism and Mobility, during discussions
about globalisation, change the debate about space from the
physical geographic territory to a transit and liquid conditions,
considering it in constant movement. The text is concerned with
the relationship between nomadism and mobility from three main
perspectives: design and mobility of languages; design, mobility
and technology; and design and mobility of nomadic tribes.
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Globalização, nomadismo e deslocamento
Desde os anos 80 diversos autores tentam demarcar o que se convencionou chamar de
globalização e suas implicações econômicas, políticas e culturais no mundo contemporâneo. Muitas
destas análises, embora fidedignas, entendem a globalização como um sistema de trocas -físicas
e simbólicas- que abarcam lugares cada vez mais distantes e que provocam uma espécie de
interdependência entre espaços distintos do planeta.
Castells (1999), ao analisar o fenômeno da globalização e a revolução das tecnologias da
informação atreladas a ela, percebe que o debate sobre o lugar e os espaços na contemporaneidade
vai para além de uma discussão meramente geográfica - que coloca em cheque os limites
geográficos físicos e fixos postulando a idéia de um espaço em fluxo e em constante deslocamento
– mas sinaliza para profundas mutações no campo da economia, do trabalho bem como na arena
política.
O aparecimento de uma complexa transnacionalização da produção de mercadorias, a
constituição de mercados financeiros que escapam à regulação de agências normativas nacionais,
a generalização de deslocamentos populacionais de longas distâncias; migrações sejam aquelas
associadas a processos de independência de nações até então sob o jogo colonialista, aos
renovados conflitos étnicos que se seguiram depois da guerra fria ou até mesmo os deslocamentos
relacionados à busca de novos postos de trabalho, são algumas das mutações que poderíamos
apontar.
Um termo corrente nas discussões sobre globalização, portanto, é o de nomadismo e
mobilidade, que colocam em debate às questões voltadas ao espaço entendido como território
geográfico físico definido, para dar a ver a idéia de um espaço em trânsito, mais líquido e em
constante movimento. Muitas vezes o termo território e o conceito de lugar dão vazão a termos
mais elásticos tais como o de “não-lugar”, como diria Augé (2010) ou “cartografias”, como afirmam
Deleuze e Guattari (1996).
Augé (2010), retomando os debates sobre o conceito de “não-lugar” desenvolvido em
publicações anteriores, discute o nomadismo a partir de questões relacionadas à realidade e aos
fenômenos sociais contemporâneos. Pensa os imigrantes, os exilados, os refugiados políticos;
aqueles que não tem residências; aqueles que por questões diversas - culturais, políticas, religiosas
ou econômicas - são obrigados a viver em deslocamento constante.
Obviamente falar em mobilidade significa também entender esta discussão a partir do campo
das tecnologias emergentes, especialmente as tecnologias móveis e os dispositivos nomádicos
como os celulares, palms, pocktes PCs que tornam cada vez mais factível a existência de um mundo
em deslocamento permanente.
De um lado, temos o instinto de sobrevivência dos exilados, dos imigrantes, dos refugiados
políticos; de outro os homens conectados às tecnologias: todos nômades. Ambos compartilham
das prerrogativas de deslocamento e desterritorialização características do mundo contemporâneo.
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Design, mobilidade e complexidade
Dentro desta perspectiva poderíamos nos perguntar: Qual o impacto do conceito de
nomadismo no mundo do design? Ou melhor, de que forma podemos pensar a relação entre design,
nomadismo e globalização dentro do contexto contemporâneo?
Importante salientar que os teóricos do campo do design sinalizam para um deslocamento
da produção em massa, típica do mundo industrial, para uma produção mais flexível, fluida, voltada
às necessidades e contextos dos usuários. Cardoso (2013) sinaliza:
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Mobilidade de áreas e linguagens
Ao longo da história das mídias e do pensamento sobre elas, há um deslocamento de um
discurso que prega a especificidade dos meios/das mídias para outro que defende sua intersecção.
Fotografia, cinema, televisão, vídeo, embora sejam meios próximos em alguns aspectos, sempre
foram tratados de forma independente. Dos anos 70 para cá, em virtude de produções que
transbordam para além das especificidades, começa-se a se esboçar outro discurso que aponta
para os processos de contaminação entre as linguagens e áreas de atuação.
O crítico norte-americano Gene Youngblood, com seu livro Expanded Cinema (1970), que
discute a explosão do conceito tradicional de cinema; o francês Raymond Bellour, que sinaliza a
passagem entre os meios em seu livro Passages de L´image (1990); assim como A Voyage on
the North Sea: Art in the Age of the Post-Medium Condition, em que a crítica norte-americana
Rosalind Krauss coloca em debate determinados preceitos da visão de Clement Greenberg - como
a especificidade e pureza dos meios- sinalizando para um momento pós-meio - ou seja, pós-mídia
- são alguns dos exemplos de um discurso voltado para a expansão, intersecção, contaminação; ou
melhor, nomadismos e trânsito entre as linguagens.
Se no campo da produção de linguagem as discussões sobre a convergência entre os meios
já se faz notar desde os anos 70, na área do design podemos dizer que a hibridação de discursos
se faz notar desde o seu início visto que o design é um campo híbrido por excelência atuando no
diálogo e convergência com outros campos do saber:
O design (...) esta associado, em suas origens, a outras áreas que projetam
a configuração de artefatos, como artes plásticas, arquitetura e engenharia,
tangenciando cada uma delas em várias frentes. Ao mesmo tempo, o design é
uma área informacional que influi na valoração das experiências, todas as vezes
que as pessoas fazem uso de objetos materiais para promoverem interações de
ordem social ou conceitual. Nesse sentido, abre-se para outras áreas de atribuição
de valor abstrato e subjetivo, como a publicidade, marketing e moda, tangenciando
cada uma delas em várias frentes (...) pode-se dizer que o design é essencialmente
híbrido que opera a junção entre corpo e informação, entre artefacto, usuário e
sistema (CARDOSO, 2013, p.237).
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of nerve cells, more precisely of cell membranes which are subject to complex
chemical and electrical processes. These complex invisible processes, occurring on
an atomic level, are difficult to comprehend when relying on texts only with static
illustrations. The understanding of these processes is crucial because they explain
for instance the reasons why aspirin works (BONSIEPE, 2000)
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não deve deixar nenhum outro se aproximar dele, caso contrário, está fora do jogo. Outro exemplo
é o trabalho do artista mexicano Rafael Lozano Hemmer, Amodal Suspension realizado pela primeira
vez no Japão na inauguração do YCAM, composto por celulares, canhões de luz e GPS. A instalação
permite aos participantes enviarem mensagens de texto usando telefone celular ou Internet.
As mensagens se codificam em flashes de luz, geradas pelos canhões de luz, circulando no céu
da cidade. O usuário pode ler a mensagem através do celular ou pela Internet. Ambos trabalhos
colocam em cena, assim, a construção de um espaço em fluxo, líquido , que se constrói entre o
espaço físico e o espaço de informação.
Notas
i Tornar o uso do computador transparente ao usuário, diferente de como é feito hoje, onde o homem tem
que ligar, operar e desligar as máquinas. Na computação pervasiva, o homem seria inundado por tantos
computadores que estaria interagindo mesmo sem perceber. Para isso, é necessário que o computador
tenha uma interface amigável e simples de se usar. Caso a interface seja algo complicado de se usar, toda
a idéia da computação pervasiva vai por água abaixo. A computação ubíqua (ou pervasiva) surgiu devido a
grande interação entre pessoas e máquinas que rege o mundo atualmente, ao fato de que cada vez mais
os homens trabalham compartilhando informações e de que cada vez mais computadores wireless estão
presentes em nossa vida.
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Referências
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BONSIEPE, Gui. Design as Tool for Cognitive Metabolism: from knowledge production to knowledge
presentation. 2000. Acesso em Junho, 2014. Disponível em : http://www.guibonsiepe.com/pdffiles/
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KRUCKEN, Lia. (org.) Design e transversalidade. Belo Horizonte; Santa Clara: Centro de Estudos
Teoria, Cultura e Pesquisa em Design, UEMG, 2008.
MANOVICH, Lev. Poetics of Augmented space. 2006. Acesso em Junho, 2014. Disponível em
<http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.90.5708&rep=rep1&type=pdf>.
THACHARA, John. Plano B. O design e as alternativas viáveis em mundo complexo. São Paulo:
Editora Saraiva, 2008.
Resumo
Este artigo se constitui pela descrição teórica e pratica da
pesquisa aqui colocada e dos esforços feitos no âmbito de um
Programa de Pós-Graduação com proposta interdisciplinar em
Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade, alinhavando os
campos do Design, Ciências Sociais e Engenharia de Materiais com
o intuito de desenvolver Tecnologias Sociais para uma Associação
de Artesãos do município de Maria da Fé, região sul de Minas
Gerais. Pela perspectiva da Teoria Ator-Rede, a rede sociotécnica
será exposta em um processo linear entre pesquisadores,
artesãos e o contexto socioeconômico em que estão inseridos.
A constituição interdisciplinar se dá pela incorporação de Design
e Engenharia de Materiais enquanto instrumentos para analise
da função, permutação das características morfológicas dos
produtos e processos artesanais com a finalidade de inserção
dos artesãos à lógica produtiva vigente. Na descrição da etapa
experimental, tem-se a análise das fibras de banana utilizadas na
produção artesanal e a produção sistêmica de linguagem visual
dos produtos.
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Introdução
O artigo centra-se no estudo da aplicação de Tecnologias Sociais em Movimentos Sociais,
neste caso, uma Associação de Artesãos denominada “Casa do Artesão Mariense”, discutindo
as possibilidades de inserção dos artesãos de Maria da Fé - Sul do Estado de Minas Gerais - no
mercado de maneira competitiva, por meio de tecnologias sociais a partir do aprimoramento de
processos tecnológicos aplicados no uso da fibra de banana e/ou de produtos. Neste exercício
de descrever a pesquisa em desenvolvimento no Programa de Mestrado em Desenvolvimento,
Tecnologias e Sociedade da Universidade Federal de Itajubá, serão colocados os conceitos acerca
da Teoria Ator-Rede, Tecnologias Sociais, Engenharia de Materiais e Design voltados à realidade e
atividades do grupo artesão.
O grupo de artesãos no centro das reflexões configura uma forma alternativa de geração de
renda popular, coletiva e com diferentes formas de organização para além da lógica do capital atual.
Esta proposta perpassa pelos saberes populares, campo da cultura e da tecnologia, valorizando o
empirismo do fazer artesanal e identificando os diversos significados simbólicos e identitários das
peças artesanais da Associação.
A Teoria Ator-Rede entende que a sociedade e suas relações sociais são permeadas
por elementos heterogêneos conectados via mediações, sendo estas conduzidas pelos atores
humanos e/ou não-humanos inseridos nesta rede. Por não-humanos entende-se os objetos,
materiais, máquinas, e demais itens antes não discutidos e deixados de lado pelos “cientistas do
social” (LATOUR, 2012). Enfocando nesta pesquisa, os materiais em destaque são a fibra de banana
como insumo da produção artesanal, as peças produzidas e os híbridos de comunicação como
produtos culturais que transmitem a identidade local e do grupo, atuando de forma sustentável
ambientalmente e socialmente e, concomitantemente, valorizando os saberes locais.
No campo do design serão abordados os seus múltiplos aspectos e suas interfaces com
a arte neste contexto, com o conceito de terroir e branding, possibilitando o desenvolvimento de
tecnologias e linguagens em meios emergentes, levando em conta a estética das peças e as
correlações com o meio em que estão inseridos os artesãos.
A aplicação de Tecnologias Sociais se dá em dois momentos. O primeiro, no branding da
Associação de Artesãos Mariense, tem-se o objetivo de despertar no consumidor a capacidade de
formular uma interpretação para as peças artesanais no qual tenham contato. Essa capacidade de
representação, na maior parte das vezes instável, também é designada pela expressão “conteúdo
simbólico” (FRUTIGER, 2007). Este elemento simbólico presente em uma marca é um valor implícito,
uma ligação entre a realidade e o subjetivo e, neste sentido, o designer se torna um mediador ao
projetar não somente uma identidade visual, mas sim o olhar e a interpretação que os observadores
fazem de uma marca.
Quanto à Engenharia de Materiais, a parte experimental envolve a determinação da
classificação, forma e a distribuição das fibras via Microscopia Óptica e Eletrônica de Varredura visando
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aperfeiçoamento na manipulação das fibras desde a extração até a confecção das peças artesanais.
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está impregnado de criação e liberdade, onde os artesãos imprimem seus pensamentos criativos
e inteligência projetual na sua maior parte empíricas, marcando identidades locais, colaborando na
melhoria da vida dos produtores e usuários, e consequentemente, no desenvolvimento econômico
do país. Esse fazer manual distancia-se do fazer mecânico da produção industrial (BORGES, 2012).
O elemento não-humano intangível ligado à Associação e sua produção é a marca e seu
simbolismo. Quanto ao branding, Martins (1996) conceitua-o como os processos utilizados para
a construção de uma marca, a qual se propõe a comunicar uma gama de princípios intangíveis
por meio de um conjunto de evidências que visam amplificar os valores das marcas, produtos e
serviços de empresas, instituições e demais atores sociais. Ao desenvolvermos uma nova marca
para a Associação que una elementos e identidades locais às peças artesanais, está imbricada a
constituição de uma parte visível de uma realidade complexa (CHEVALIER E MAZZALOVO, 2007).
Desta forma, com a incorporação destas três áreas disciplinares à pesquisa, as Tecnologias
Sociais emergem como uma alternativa para a inserção do grupo no mercado formal, visto que o
trabalho artesão é frequentemente associado à precarização iii , pois estão sujeitos à irregularidade
no fluxo de vendas devido à sazonalidade, que implica de forma negativa na produção por diversos
fatores – Turismo; obtenção de matéria-prima sazonal, no caso, fibras vegetais; tendências de
mercado, entre outros.
As Tecnologias Sociais surgem como um contraponto às Tecnologias Convencionais e
também como uma oportunidade de auxílio às formas de geração de renda alternativas, só se
constituindo “como tal quando tiver lugar um processo de inovação, um processo do qual emerja
um conhecimento criado para atender aos problemas que enfrenta a organização ou grupo de
atores envolvidos” (DAGNINO, 2004). De formas antagônicas, porém correlatas, a linearidade, assim
como na Teoria Ator-Rede, está presente nas Tecnologias Sociais, compreendendo “um conjunto de
técnicas e procedimentos, associados a formas de organização coletiva, que representam soluções
para a inclusão social e melhoria da qualidade de vida” (LASSANCE E PEDREIRA, 2004, p. 10).
Os conceitos e Tecnologia Social, inclusão, mediação e desenvolvimento ganham, através
desta pesquisa, uma dimensão prática originada no movimento exógeno da Universidade através
de suas relações com os diferentes segmentos sociais. Como ponto de partida temos geração
de conhecimento para a inclusão, sob a ótica da educação tecnológica voltada à integração entre
produção de conhecimento e sua adequação à “realidade social”.
Metodologia
A Teoria Ator-Rede será adotada como método de leitura e identificação dos atores
implicados e suas interações com o meio produtivo em que estão englobados. A pesquisa, por
ser interdisciplinar, integra em sua rede profissionais e pesquisadores das áreas disciplinares
envolvidas no desenvolvimento e aplicação de Tecnologias Sociais. Dessa forma, a pesquisa inicia-
se com o levantamento e análise da estrutura sociotécnica da Associação, com a posterior análise
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do desenvolvimento da pesquisa envolvendo Engenharia de Materiais e estudo do Design nos
produtos da Associação. No desenrolar da pesquisa, os atores, actantes e todos os elementos da
rede serão rastreados, bem como as conexões e negociações serão perseguidas.
O percurso delineado se faz e desfaz entre fibras, artesãos e teorias, com narrativas que
elucidam os sonhos e anseios individuais e coletivos, em um exercício interdisciplinar de escrita e
fazer científico. De maneira concisa, esta pesquisa ultrapassa olhares distanciados a cada conversa
com os personagens que integram a rede, cada visita e encontro experenciado. Os preceitos
etno-metodológicos sustentados pela Teoria Ator-Rede atuam como uma lente desveladora das
conexões entre pesquisadores e atores pertencentes ao campo simetricamente, considerando e
valorizando todas as formas de conhecimento.
A leitura sócio-técnica e todo o processo de coleta de dados é sustentado por instrumentos
como a observação participante, busca documental e entrevistas individuais e em grupo. Esses
fazem parte do rol do que nas ciências sociais é denominada pesquisa qualitativa, considerada um
“conjunto de técnicas para coletar dados sobre valores, hábitos, crenças, linguagem, significados e
comportamentos sociais” (OLIVEIRA, 2010, p. 73).
O desenvolvimento e aplicação de Tecnologias Sociais se darão pelo Design e Engenharia
de Materiais. No design, pelo branding da Associação, visando gerar valor à marca e formas de
construção simbólicos e culturais considerando a complexa rede de associações, da qual a marca,
em si, é apenas um entre os vários atores que a constitui. Será levado em conta o lócus da pesquisa
(Maria da Fé e a Associação), a diversidade de produtos e elementos identitários que levem à uma
associação da marca ao produto.
Na Engenharia de Materiais, serão realizadas as Microscopias Eletrônica de Varredura
(MEV) e Óptica (MO) para definição da morfologia das amostras das fibras e cascas da bananeira.
Em um primeiro momento, foram feitas fotografias com uma câmera digital com Zoom óptico de
26X, lente 18-135 e 20.1 Megapixels. A imagem seguinte mostra, com zoom de 20X, um abajur
confeccionado com fibra de banana sem tratamento, (Figura 1) e a trama de um Suplá (Apoio de
mesa para refratários quentes) confeccionado com Fibra de Banana (Figura 2).
Figura 1 – Abajur de fibra de banana com zoom 20X Figura 2 – Suplá de fibra de banana com zoom 20X
Fonte: Os autores Fonte: Os autores
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A rede de artesãos e aplicação de tecnologias sociais:
experiências preliminares
A pesquisa ainda em fase de desenvolvimento tem como lócus da pesquisa o município de
Maria da Fé, localizado na mesorregião Sul do Estado de Minas Gerais e microrregião de Itajubá,
serra da Mantiqueira (Figura 3). Quanto ao perfil econômico da região em que o município encontra-
se, segundo a Fundação João Pinheiro (2013), a região Sul do Estado de Minas Gerais registrou
novamente a segunda maior contribuição para o PIB estadual; 12,4%.
O município conta com aproximadamente 10 ateliês, sendo que 4 utilizam a fibra de banana
nas peças e produtos, e os demais utilizam insumos como madeiras, papelão reciclado, cipó, dentre
outros. A Associação Casa do Artesão Mariense localiza-se no Centro Cultural da cidade, na praça
Getúlio Vargas, uma das 04 praças da cidade, Figura 4 (a) e (b). A Associação localiza-se no coração
deste Centro Cultural, na antiga estação ferroviária.
(a) (b)
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A rede de atores da Associação é composta por 40 artesãos, sendo 28 mulheres e, do total,
apenas 20 com participação nas atividades de venda no showroom. Cada um com uma segmentação
de produtos, materiais e processos produtivos, trazendo consigo a inerente diversidade, segundo
informações cedidas em entrevista pela presidente da Associação. O grupo possui uma escala de
revezamento no ponto de venda proposto mensalmente nas reuniões, realizadas sempre na última
segunda-feira do mês (Figura 5).
São sete artesãos que trabalham com fibra, palha ou papel da bananeira, sendo destes a
presidente da Associação, uma ainda em fase de aprendizagem, uma que trabalha somente com a
palha e os demais que utilizam as fibras, de forma mista ou predominante na peça. A obtenção das
fibras para o artesanato são duas, a primeira é a compra do insumo por meio de produtores locais,
e a outra é a produção própria. Somente a presidente da Associação e mais uma artesã plantam,
colhem e preparam as fibras em casa, e que, quando a fibra não está em boas condições, realizam
trocas, segundo relato da presidente da Associação, que trabalha há 15 anos com artesanato de
fibra de banana e há 4 na Associação e, anteriormente, na Cooperativa (CADERNO DE CAMPO,
2014).
Os híbridos iv produzidos da interação artesãos – fibra de banana são Vasos, flores,
revestimento externo de garrafas feito com a corda da fibra, bonecas (aproximadamente 9 tipos
diferentes), bolsas, caixas, quadros, cestos, bandejas, descanso para panelas e porta-guardanapo
(Figura 6).
Ao invés de jogar fora, eu criei uma caixinha de madeira MDF. Tudo! Parafuso e
tudo o que você imaginar (...) e pensei ‘não vou jogar fora, de alguma maneira vou
aproveitar’. E eu fiz sem curso, sem técnica (...) é uma caixa comum de MDF, só que
ela mudou o estilo por completo, então vai muito da criatividade do artesão. Eu
ia jogar fora, mas aí coloquei tudo num vasinho. Eu to querendo levá-lo pra casa
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porque quero ver se faço alguma coisa, porque tá cheio de botões lá, ‘jogar fora?’ Aí
eu pensei: ‘Aí eu vou encher o vasinho só de botões’ (CADERNO DE CAMPO, 2013).
À mesma artesã, quando foi questionada sobre quais são os produtos que mais são vendidos
na Associação, foi dada a resposta de que: “Por mês, na parte de artesanato, seria mais os com fibra
de bananeira, de palha (...) tirando essa parte, eles compram muito azeite daqui e muito produto da
oliveira” (CADERNO DE CAMPO, 2013).
Esse relato reforça a necessidade de evidenciar os elementos identitários que ligam a
Associação ao local, com o estudo do território (ou terroir) no campo do design e, posteriormente, do
branding. Preliminarmente, foram registrados o atual logotipo e os itens em que são empregados,
como a sacola e etiquetas (Figura 8 e 9).
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O desenvolvimento de uma nova marca para a Associação configura-se no campo das
aplicações de Tecnologias Sociais, visto que a criação da nova identidade visual será orientada
levando em conta questões econômicas, sociais e tecnológicas do grupo, produtos e lócus de
pesquisa (BAXTER, 2011).
Quanto à análise de superfície das fibras, serão empregadas as técnicas de Microscopia
Óptica e a Eletrônica de Varredura (MEV). Com a microscopia óptica, o microscópio de luz é utilizado
para estudar a microestrutura, e os sistemas ópticos e de iluminação são seus elementos básicos.
Para materiais que são opacos à luz visível (todos os metais e cerâmicas e polímeros de
diversos), somente a superfície é sujeita a observação, o microscópio de luz e tem de ser utilizado
em um modo refletor. Contrastes na imagem produzida resultam de diferenças na refletividade das
várias regiões da microestrutura. (CALLISTER, 2008: p.98)
Na Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV), a superfície de uma amostra a ser examinada
é digitalizada com por meio de um feixe de elétrons, e posteriormente este feixe é coletado e então
exibido com a mesma taxa de análise a de um tubo de raios catódicos (semelhante a um ecrã de
televisão). A imagem sobre a tela, que pode ser fotografada, representa a superfície apresentada do
espécime. (CALLISTER, 2008). Por meio dele, é possível ampliações de 10 até 50.000 vezes, como
também ampliações significativas em profundidades de campo. Os acessórios do equipamento
permitem a análise qualitativa e semiquantitativa da composição elementar de muitas áreas
localizadas na superfície.
Considerações Finais
Na lógica da trama desta pesquisa, o entrelaçar da Engenharia de Materiais com o Design
e Ciências Sociais traz questões ligadas à adaptabilidade mercadológica dos recursos por meio do
desenvolvimento de inovação científica e tecnológica. No contexto do artesanato, consideramos
que este é carregado de significações e identidades, possuindo uma implicação sociocultural de
grande importância. Nele os artesãos imprimem sua história, suas percepções e sentidos.
Assim o que se terá ao final deste projeto de pesquisa é uma conjugação de interesses
sociais, tecnológicos e processuais a respeito da construção e gestão de marcas e uma análise do
impacto e da relevância cultural e simbólica da marca da Associação Mariense.
Os conceitos de Tecnologia Social, inclusão, mediação e desenvolvimento ganham uma
dimensão prática originada no movimento exógeno da Universidade através de suas relações com
os diferentes segmentos sociais.
Agradecimentos
Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais -
FAPEMIG pela concessão da bolsa de Mestrado e ao CNPq pela concessão de Auxílio Financeiro da
Chamada Pública MCTI/CNPq Nº 14/2013 Universal, Processo 476905/2013-3 da Universidade
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Federal de Itajubá e Processo 485752/2013-1 das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila.
Notas
i Um ator se caracteriza pela heterogeneidade de sua composição; ele é, antes, uma dupla articulação entre
humanos, e não-humanos e sua construção se faz em rede. (MORAES et. al., 2004,
ii “Terroir é um território caracterizado pela interação com o homem ao longo dos anos, cujos recursos e
produtos são fortemente determinados pelas condições do solo, do clima e culturais. O termo que mais se
aproxima na língua portuguesa seria “produto local”” Disponível em: < http://abcdesign.com.br/por-assunto/
teoria/design-e-territorio-valorizando-as-qualidades-dos-produtos-locais/>. Acesso em: 18 jan. 2014.
Apenas o primeiro deles (I FIC), realizado em 1966, foi transmitido pela TV Rio.
iii Definindo o termo “precarização” de forma axiológica, Biderman (1992, p. 740), define o termo precário
como o “que não é definitivo, provisório, ruim, insuficiente ou inadequado”.
iv Uma das definições é a de que os híbridos são classificados como “mistos de natureza e cultura” (LATOUR,
1994, p. 35). Ou seja, fruto da interação do homem com objetos ou não-humanos.
Referências
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Blucher, 2011.
BORGES, A. Design + Artesanato: o caminho brasileiro. São Paulo: Terceiro Nome, 2012.
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Redonda: FOA, 2012.
WALTER, Y. O Conteúdo da Forma: subsídios para Seleção de Materiais e Design. Bauru, SP:
2006. Dissertação (Mestrado) – FAAC–UNESP - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus Bauru.
Resumo
Este artigo faz uma reflexão sobre o papel do designer de games
a partir da visão de alguns pesquisadores e profissionais da
área. Percebe-se que não há um consenso, já que a expressão
inglesa game design possui mais de uma interpretação.
Consequentemente, o designer de games pode ser visto desde
como o responsável por interferir em todos os elementos que
formam um jogo digital, até como aquele que trata unicamente
do jogo no seu aspecto funcional.
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Introdução
Uma das questões que rondam o debate sobre a área do Design é a proliferação de novas
especialidades, em adição às tradicionais áreas do Design Gráfico e do Design de Produto. Para
aquecer um pouco mais essa discussão, surgiu, entre as décadas de 1970 e 1980, o Design de
Games (ou Design de Videojogos), uma variedade específica que cuida da prática de projetar jogos
digitais em seus mais diversos formatos, para as mais variadas plataformas. Tal definição, no
entanto, não esclarece o escopo de atuação de um designer de videojogos, já que a expressão
inglesa game design possibilita mais de uma interpretação.
O designer de games
O designer de games (ou videojogos) é entendido como o profissional que projeta jogos,
eletrônicos e digitais, sejam eles implementados para funcionar em um computador ou em uma
rede digital, para os consoles de videojogos, para dispositivos móveis, como o celular, ou os jogos
para a Web.
Essa definição, no entanto, embora correta, não encerra a questão, já que não esclarece
qual “projetar” está sob seu domínio. A atribuição de projetar é comum a diversas áreas: o Design, a
Engenharia, as Ciências da Computação e até da Arte. Por outro lado, quando se diz que o designer
projeta jogos, supõe-se que ele o faça dentro do paradigma do Design. Imagina-se, portanto,
que o designer de games projeta um jogo digital da mesma forma que um designer de mobiliário
projeta uma cadeira. No entanto, o videojogo é um objeto muito complexo, formado por elementos
compositivos, construídos cada qual pela atuação individual ou conjunta dos diferentes atores que
trabalham por sua constituição. Às vezes, não fica claro quem é o responsável por determinado
elemento. Por exemplo, na construção de um personagem de game, há a participação do designer,
do artista e do programador.
Diante dessas incertezas, talvez uma saída seja voltar às origens, entender a atuação
do designer de games, compreendendo o papel do designer, na concepção mais generalista.
Evidentemente, especificar um campo de atuação para o designer é algo tão difícil quanto definir o
que é design, até porque as definições perdem-se entre visões absolutistas e aquelas que procuram
generalizações com base nas habilitações existentes.
Flusser (ano, p.182), nesse sentido, parece ser o autor que nos traz as melhores pistas. Pare
ele, designer é “um conspirador malicioso que se dedica a engendrar armadilhas”. Este enunciado
sustenta-se nas diversas definições em inglês para o verbo to design, que, segundo Flusser (idem,
p. 181) “significa, entre outras coisas, ‘tramar algo’, ‘simular’, ‘projetar’, ‘esquematizar’, ‘configurar’,
‘proceder de modo estratégico’”. Há tal força nesta definição, que é possível aplicá-la a qualquer
coisa, já que podemos tramar, configurar, esquematizar quase tudo: objetos tangíveis ou intangíveis,
um produto ou uma ideia. Neste sentido, apesar de muitos de nós considerarmos uma verdadeira
heresia falar em design de arranjos florais, o fato é que, do ponto de vista semântico, há algum
9
sentido na expressão.
O problema é que essa forma de enxergar o design acaba por engendrar ainda mais
ambigüidades. Por exemplo, a expressão inglesa game design pode significar design de jogos, mas
também pode ser traduzida simplesmente como design do jogo. A diferença sintáxica é sutil, mas
ela permite maneiras distintas de interpretação: o designer “de jogos” é o profissional que projeta,
configura, esquematiza o produto-jogo, no sentido concreto, como artefato, levando em conta tudo
o que envolve seu projeto, da mecânica do jogo a seus aspectos contextuais, da aparência visual ao
enredo, podendo incluir até mesmo o projeto gráfico da embalagem. O designer “do jogo” é aquele
que projeta, configura, esquematiza o jogo em si, em seu sentido abstrato e conceitual, constituída
pelas regras e todos os outros elementos que compõe a mecânica de um jogo, como a arena,
as ações e as peças. Ou seja, o primeiro seria o designer do artefato-jogo; o segundo seria o da
mecânica do jogo.
Essa confusão pode ser expressa na forma pela qual os diversos designers e autores da
área de games definem a atuação do designer de games: há um grupo da opinião de que o designer
de videojogos só se deve preocupar com a mecânica do jogo e aqueles da opinião de que o designer
de games deve ser um designer total, envolvendo-se em tudo o que define o produto.
9
produtor, do artista gráfico ou do roteirista. Segundo esses autores, é responsabilidade do designer
conceber o jogo, criar protótipos, escrever os documentos de design e criar os níveis do jogo. O
designer de games é uma espécie de advogado do jogador; deve projetar pelo olhar desse usuário.
Na contramão dessa visão, alguns autores entendem que o designer de games é a pessoa
da equipe que está no nível mais alto nas definições projetuais. A definição encaixa-se em uma
concepção bem tradicional da atuação do designer, que é a daquele profissional que projeta produtos
com base em suas necessidades formais (aparência) e funcionais (mecânica do jogo, ou outros
aspectos, como a navegabilidade, por exemplo). Richard Rouse é o mais enfático neste sentido: “o
designer de games é a pessoa que projeta o game, que determina a aparência e a mecânica do jogo”
(ROUSE, ano, p. XIX).
Já Paul Schuytema afirma que “o design de games é a planta baixa de um game. Designer é a
pessoa designada para criar a planta baixa, e, a partir dela, com a combinação adequada de talento
e esforço, surgirá um game” (SCHUYTEMA, ano, p. 3). Schuytema define o projeto (no sentido da
planta baixa) como elemento central do processo, e, sendo o designer o responsável por este
projeto, ele participará direta ou indiretamente da concepção de todos os elementos. Shuytema
fornece uma lista de atribuições: “dependendo do tipo de game em que está trabalhando, você (o
designer) pode ser chamado para fazer o design de cenários” (idem, p. 29); “uma das tarefas mais
essenciais é o ato de visualizar a mecânica” (idem, p. 23); “os diálogos, as interações com NPCs e a
exposição do texto serão elaborados; isto será administrado pelo designer ou pelo redator” (idem, p.
29); “um componente fundamental do trabalho do designer é criar o protótipo de uma experiência
de jogo” (idem, p. 24). Para Shuytema, o designer é uma espécie de “líder de torcida”, pois ele é o
responsável por tomar as decisões mais concretas do projeto: seja sobre a mecânica, seja sobre os
elementos que contextualizam o jogo (visuais, sonoros, narrativos).
9
154) afirma que o designer de games “é o grande responsável por entreter o jogador em todos os
momentos de um jogo”.
Já Salen e Zimmerman enfatizam o que chamam de criação de uma experiência significativa:
“o design é o processo pelo qual o designer cria um contexto que será enfrentado pelo participante,
a partir do qual o significado do jogo emerge” (SALEN). Quando falam em significado do jogo,
referem-se ao resultado alcançado pelo jogador no curso do jogo. Para os autores, sem design,
a experiência limita-se a uma brincadeira de crianças, que não possui definições claras, na qual
cada criança segue sua própria regra, umas correndo, outras gritando, outras se chocando. Com
design, cada ação ganha sentido, e o conjunto delas propicia uma experiência de fato significativa. O
mesmo vale para um jogo digital: “o design é o jogo; sem ele, você teria um CD cheio de dados, mas
não uma experiência” (CHURCH apud SALEN, p. 41).
Essa inversão semântica – o design é o jogo, em vez de o jogo ser feito pelo design – nos faz
voltar a Flusser. Se, seguindo a lógica de Salen, o design é o jogo, e, conforme Flusser, fazer design
é tramar algo, esquematizar, engendrar mecânicas, então, podemos afirmar que design (de games)
é criar regras. Ao planejá-las, a experiência emerge. Deste modo, quando os autores mencionam
que o designer de games é o responsável por criar experiência ou diversão, a mecânica será o
vetor dessa construção. Esta premissa fortalece a tese que entende o designer de games como o
designer da mecânica do jogo.
No entanto uma experiência não se constrói só pela mecânica do jogo. Todos os elementos
contextuais (estéticos ou dramáticos), como a concepção audiovisual ou o enredo, também
participam dessa composição que forma a experiência, e não é possível separá-los. A experiência
pode até ser construída só pelo designer, se consideramos que ele projeta tudo num jogo, ou por ele
em conjunto com os outros profissionais (se o designer for o responsável apenas pela mecânica).
Para o jogador, a experiência é única.
A esse respeito, é importante apontar que há um embate, na recente história de estudos
na área de games, separando, de um lado, os narratologistas, e, de outro, os ludologistas. Jesper
Juul afirma que, na perspectiva dos narratologistas, é possível ver a narrativa como um caminho
primário para estruturar o mundo, em suas mais variadas manifestações. Os videojogos seriam
somente mais uma forma de contar histórias. Os ludologistas, por outro lado, entendem o jogo
como algo único. Ou seja, os jogos “são, portanto, fenômenos transmidiáticos, da mesma forma
que a narrativa” (JUUL, p. 7).
Juul resolve essa equação dizendo que os games atuais são regras (mecânica) e ficção
(história), ou seja, jogos e narrativas, trabalhando conjuntamente. Em outras palavras, é possível um
designer partir de uma única história e criar diversas mecânicas, da mesma forma que é possível ele
utilizar um conjunto de regras e revesti-lo com contextos ficcionais (e estéticos).
Se esses argumentos não resolvem de todo o enigma de qual é o papel do designer de
games no processo de criação do jogo, eles parecem deixar claro que o design de um game envolve
não só a criação de sua mecânica (sistemas de regras), mas também o contexto ficcional e estético
9
do jogo. E, se, como afirma Schell, o designer de games é o designer de toda uma experiência,
ressaltamos que esta é composta por todos os elementos que integram um game: suas regras,
sua história, sua estética.
Lembremos ainda que a palavra “design” é proveniente também do termo latino signum,
que significa algo como de-signar. O designer cria signos. O videojogo é um signo composto por um
sistema de regras, mas que só se completa pela composição com os outros elementos designados
para sua formação: além das regras, a história e a toda a direção de arte.
Considerações Finais
Entendemos, portanto, que, se o designer de games dedicar-se apenas ao projeto da mecânica
e abrir mão da concepção dos elementos contextuais (história e estética) do jogo, ele estará abrindo
mão de parte do design do game. Do mesmo modo, se o designer de games preocupar-se apenas
com o projeto dos elementos estético-formais do produto, ele também se absterá de criar um jogo
em sua completude. Ou seja, o designer de games não deve abrir mão das decisões de projeto
relacionadas a todos os elementos que compõem um game (mecânicos, narrativos, estéticos) e
mesmo de detalhes de projeto de interface e design de som. Ele pode delegar a implementação a
outros profissionais, mas não deve abster-se de sua conceituação projetual.
Notas
i Tornar o uso do computador transparente ao usuário, diferente de como é feito hoje, onde o homem tem
que ligar, operar e desligar as máquinas. Na computação pervasiva, o homem seria inundado por tantos
computadores que estaria interagindo mesmo sem perceber. Para isso, é necessário que o computador
tenha uma interface amigável e simples de se usar. Caso a interface seja algo complicado de se usar, toda
a idéia da computação pervasiva vai por água abaixo. A computação ubíqua (ou pervasiva) surgiu devido a
grande interação entre pessoas e máquinas que rege o mundo atualmente, ao fato de que cada vez mais
os homens trabalham compartilhando informações e de que cada vez mais computadores wireless estão
presentes em nossa vida.
Referências
ADAMS, Ernest; ROLLINGS, Andrew. Fundamentals of Game Design. New Jersey (NJ): Pearson
Prentice Hall, 2007.
BATES, Bob. Game Design: The Art and Business of Creating Games. Roseville (CA): Prima
Publishing, 2001
COOK, Daniel. What are game mechanics?, outubro de 2006. Disponível em < http://www.
9
lostgarden.com/2006/10/what-are-game-mechanics.html >. Acessado às 19 h, em 29 de abril de
2011.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo:
Cosac Naify, 2007.
FULLERTON, Tracy; SWAIN, Christopher; HOFFMAN, Steven. Game Design Workshop: Designing,
Prototyping and Playtesting Games. San Francisco (CA): CMPBooks, 2004.
JUUL, Jesper. Half-Real: Videogames between Real Rules and Fictional Worlds. Cambridge (MA):
MIT Press, 2005.
ROUSE III, Richard. Game Design: Theory & Practice. Plano (TX): Wordware, 2001.
SALEN, Katie; ZIMMERMAN, Eric. Rules of Play: Game Design Fundamentals. Cambridge (MA):
Massachusetts Institute of Technology, 2004
SCHELL, Jesse. The Art of Game Design. Burlington (MA): Morgan Kaufmann Publishers, 2008
SCHUYTEMA, Paul. Design de games: uma abordagem prática. São Paulo: Cengage Learning, 2008
Resumo
Os estudos sobre a concepção projetual no design contemporâneo
brasileiro são de suma importância para o entendimento da
inter-relação entre teoria e prática projetual. Neste sentido, este
artigo busca relacionar o processo projetual dos designers Irmãos
Campana ao conceito teórico denominado de Pensamento
Complexo analisado por Edgar Morin e, como método de
procedimento investigativo foi utilizada a metodologia de crítica
genética. Esta investigação tornou-se necessária no momento
em que foram identificadas influências teóricas de Edgar Morin na
concepção projetual dos designers brasileiros Irmãos Campana.
Como considerações finais buscou-se compreender a relação
da teoria com a prática projetual e promover reflexões sobre a
totalidade, a transdisciplinaridade e a complexidade na concepção
projetual do design brasileiro.
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Introdução
Este artigo tem como principal objetivo analisar a trajetória de vida dos designers
brasileiros Irmãos Campana, pautando-se sobre pontos que estabelecem relações entre os
designers e questões relacionadas ao Pensamento Complexo.
Essa investigação tornou-se instigante no momento em que os designers escreveram um
livro intitulado “Irmãos Campana – cartas a um jovem designer: do manual à indústria, a transfusão
dos Campana”, no qual relatam suas trajetórias de vida e, principalmente, as dificuldades que
tiveram e ainda têm para a elaboração e produção de seus objetos de design.
Tentar compreender a vida e seus efeitos sobre a produção profissional dos designers é muito
complexo, pois envolve diversas situações e detalhes que devem ser analisados minuciosamente
em suas diferentes escalas. Essas histórias de vida estão ligadas diretamente ao processo projetual.
Para esta análise, principalmente do processo projetual dos designers, enfatiza-seprincipalmente o
Pensamento Complexo, e por isso, toma-se como base estrutural de análise os estudos de crítica
genética.
Crítica Genética i é uma investigação sobre a obra de arte a partir da sua origem, ou seja, de
seus “genes”. Assim tendo como principal objetivo elucidar as diversas formas de produção artística
a partir de sua construção. (SALLES, 2004:12)
De acordo com Salles (2004), o estudo de crítica genética não é uma interpretação do
produto considerado final pelo artista ii , mas do processo responsável pela geração da obra, ou
seja, a ênfase dada ao processo não ocorre em detrimento da obra. Nesse sentido, o interesse dos
estudos genéticos é direcionado pelo movimento criativo a partir do ir e vir da mão do criador.
O fascínio exercido pelas obras de arte é inegável. Muitos dos receptores, afetados
por seus vigorosos efeitos estéticos, desejam conhecer um pouco sobre sua
fabricação. (...) Com essa mesma curiosidade que paira no ar, o crítico genético
entrega-se ao acompanhamento de percursos criativos, sempre em busca de uma
aproximação maior do processo criador.(SALLES, 2004:13)
Observa-se então que, a Crítica Genética permite analisar a vida e o processo de criação
dos designers Irmãos Campana e o percurso criativo deles, sendo desta forma, adequado para o
entendimento do Pensamento Complexo.
Teorias e conceitos
Pensamento Complexo
Como verificado anteriormente, o Pensamento Complexo envolve-se em uma forma mais
ampla de pensamento, visando ao complexus – “tecer em conjunto”. As questões complexas
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como a totalidade, a ordem, a desordem, a incerteza no seu planejamento e execução mostram
que existem Relações Complexas dentro do seu processo projetual que visam caminhos para um
Pensamento Complexo.
Uma visão simplificadora do gesto criador mostra um percurso que tem sua origem
em um insight arrebatador, que se concretiza ao longo do processo criativo. Um
caminho do caos inicial para a ordem que a obra oferece. Essa perspectiva contém
uma linearidade que incomoda aqueles que convivem com a recursividade e a
simultaneidade desse fenômeno. Seria uma forma limitadora, como disse, de olhar
para esse trajeto. Uma representação que não é fiel à complexidade do percurso.
Segundo Morin (2000), existe um princípio de incerteza no princípio da lógica, e essa incerteza
encontra-se justamente na junção em um sistema de ideias, assim, há um princípio de incerteza
no exame de cada instância constitutiva do conhecimento e que pode estar relacionada com o
nosso “Demens”. Desde a infância aprende-se que se deve ser apenas racional, ou seja, Homo
Sapiens Sapiens. No entanto, segundo Morin (2005), se o homem definir-se exclusivamente como
9
sapiens será sistemático demais, e por isso deve-se pensar de forma complexa e considerar que
se precisa adicionar outra característica a essa sistematização que seria o “Demens”, que consiste
no descomedido, no louco, no descontrolado.
Para compreender o Pensamento Complexo que evidencia o Demens, a incerteza, a
transdisciplinaridade e a imperfeição,devem-se rever os operadores da complexidade que são as
bases estruturadoras desse pensamento: (MORIN, 2005)
1º Operador Dialógico – Tem como base a dialogia, que é o juntar, o entrelaçar coisas que
aparentemente estão separadas.
2º Operador Recursivo (ou da recursividade) – Tem como base a recursividade, ou um
circuito recursivo. O homem aprende no paradigma simplificador que a causa A gera o efeito B, já
na recursividade verifica-se que a causa produz o efeito que, por sua vez, produz a causa.
3º Operador Holograma (ou hologramático) – Tem como objetivo evidenciar que não se
consegue dissociar parte do todo, ou seja, a parte está no todo, da mesma forma que o todo está
na parte.
Esses três operadores são as bases estruturadoras do Pensamento Complexo, que
se organizam a partir de: juntar coisas que estavam separadas, fazer circular a causa e o efeito
e o efeito sobre a causa, e, a ideia de totalidade, e por isso são de extrema importância para o
desenvolvimento dos estudos de crítica genética que evidenciam o processo projetual.
Compreender o Pensamento Complexo que envolve a fragmentação e a totalidade para o
desenvolvimento de estudos sobre o processo projetual é de suma importância para o repensar de
posturas antigas. (SALLES,2004:78)
Quando se analisa o operador recursivo, verifica-se que o processo projetual nunca tem um
fim, e em muitos casos não se quer que esse “objeto de criação” tenha um fim. Quer-se que ele
tenha vida e, como acontece na vida, tudo tem causas, efeitos e causas.
É importante salientar que o Pensamento Complexo não tem como objetivo a ruptura
de uma forma de pensar em outra e nem de criar metodologias, e sim métodos que ajudem no
desenvolvimento e complementação na forma de pensar.
Transdisciplinaridade
Tornar-se imperfeito, contrapor raciocínio e reinventar são exercícios que podem ajudar
no desenvolvimento de um processo projetual mais complexo. Como se observa na base do
Pensamento Simplificador durante grande parte da vida, separa-se, segrega-se e disjunta-se as
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coisas para estudá-las, analisá-las e compreendê-las. Entretanto, o homem deve estar ciente que
é preciso “religar” o que foi desligado, o que foi separado, o que foi disjunto.
Nesse sentido, deve-se/pode-se pensar de forma transdisciplinar. A transdisciplinaridade
visa não apenas a disciplinas separadas discutindo sobre um mesmo tema (interdisciplinaridade),
mas também o aprofundamento integrador entre essas disciplinas.
Na transdisciplinaridade não se analisa apenas um assunto sobre a visão de ramo de saber,
mas, sim, de forma mais global, principalmente sobre a vida, a humanidade, o conhecimento, as
culturas, as artes. Esses diálogos transdisciplinares são importantes para o desenvolvimento
humano.
9
A organização dos estímulos do processo projetual dos designers surge provavelmente
da liberdade de “brincar” e testar novas formas e materiais sem medo de errar dentro de um
espaço sem restrições, onde, encontram-se diversos produtos inacabados ou em processo
de desenvolvimento. Como se pode verificar na Foto 03 (a cadeira sobre a mesa) e na Foto 04
(detalhamento da peça), que é o estudo de uma cadeira feita em papelão. Encontram-se, também,
vários estudos sobre modelos/protótipos das sandálias Melissa (Foto 05), em plástico, couro ou
fibras naturais/sintéticas, evidenciando o uso de modelos e protótipos no processo projetual dos
irmãos Campana.
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Foto 06: Espaço de projeto e produção
Foto: Cláudio Lima Ferreira. Local: Ateliê Campana – SP, dezembro de 2010
No espaço superior do ateliê encontram-se as salas dos funcionários e estagiários (Foto 07)
e as salas de Humberto e Fernando Campana (Fotos 08 e 09).
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prateleiras, tecidos, fibras naturais, papelão, borracha, madeira, ferramentas de marcenaria, entre
tantas outras coisas, misturam-se dentro de um mesmo espaço, produzindo ambientes de criação
ricos e dinâmicos.
9
Os designers, em diversas entrevistas, relatam que muitas de suas
O entorno do ateliê (Foto 10) evidencia a riqueza da dinâmica e dos materiais e formas que
estimulam o processo projetual dos designers, que se inspiramnas formas, cores e texturas da vida
cotidiana presente no bairro de Santa Cecília, em São Paulo.
O ateliê dos designers (Foto 10 - casa amarela) fica próximo a uma casa que abriga
moradores de rua (casa marrom), minimercado, bares, quitandas, além das lojas de materiais
elétricos, construção, móveis, materiais de limpeza e manutenção de geladeiras. Tal proximidade
evidencia o convívio dos designers com o entorno, que serve como fonte de inspiração projetual.
Com relação ao material e à forma dos projetos dos Campana, estes usam os atributos
técnicos e estéticos oferecidos pelo material para atingir formas mais inovadoras e gestuais.O
material muitas vezes é escolhido antes de nascer o projeto, selecionado por alguma qualidade
estética ou conceitual existente neste.Após um estudo sobre todas as liberdades limites e oferecidos
pela matéria-prima na construção, é criada a forma.
Caminho inverso para a maioria dos designers, que costumam projetar a forma antes, para
depois selecionar o material que se adéqua à produção do projeto. A consequência disso são formas
homogêneas e o uso dos mesmos materiais, resultado da falta de conhecimento ou ousadia.
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Nossa ideia era tirar partido do erro – o erro de acabamento, de execução, tão
comum em nosso país, por causa da pressa de produção. Fazer com todas as
limitações, essa se tornou a nossa busca.
O ensinar a condição humana, no caso de Humberto Campana, mostra que não se deve ser
só razão, deve-se também ser um pouco louco (demens) e principalmente não se deve ser perfeito
a todo momento, a imperfeição e a loucura fazem parte do desenvolvimento humano.
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4º Saber: Ensinar a identidade terrena – Esse saber está diretamente ligado à ideia de
sustentabilidade. Fernando e Humberto Campana sabem usar da sustentabilidade como uma grande
aliada para a produção de seus objetos de design. A reutilização ou uma nova função para produtos
como cordas, mangueiras, ralos, entre outros, é de suma importância para o desenvolvimento de
seus processos projetuais.
A questão da sustentabilidade fica evidente nas peças criadas pelos designers, assim como
em suas falas (CAMPANA,2009:96):
Pode-se observar que a preocupação dos designers vai além da produção. Possuem sólido
conhecimento do que é sustentabilidade. A sustentabilidade enfatiza uma preocupação com o
“nascer-viver-morrer” do produto, ou seja, seu projeto, sua produção, seu uso e seu descarte.
5º Saber: Enfrentando as incertezas – Deve-se compreender e admitir a ideia da incerteza.
O conhecimento científico nunca é um produtor absoluto de certeza, e ele deve ser sempre
“atormentado” pela ideia da incerteza. No caso das artes, a incerteza é um propulsor para o seu
desenvolvimento. Fernando e Humberto trabalham com a experimentação para a produção de
seus objetos. Essa experimentação é o desenvolvimento de uma incerteza.
Nos relatos de Humberto e Fernando Campana, observam-se as incertezas que assolaram
o início da vida profissional dos designers e, principalmente, enfatiza-se que tais incertezas foram
muito válidas para o desenvolvimento pessoal e profissional dos designers. (CAMPANA, 2009:19)
Eu, Humberto, saí de Brotas aos 18 anos de idade e me mudei para São Paulo para
fazer faculdade. (...) Escolhi a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no
Largo de São Francisco. (...) Foi uma época boa da minha vida.(...) Em 1977, larguei
emprego, apartamento e carro em troca de uma possibilidade de trabalhar na
Cooperativa de Cacau de Itabuna, na Bahia. (...) Acabei não conseguindo o emprego
na cooperativa em Itabuna. Um amigo chamado Osmundo fazia objetos com
conchas, terracota, vários materiais. Ele me ensinou a fazer também, e comecei a
usar as mãos para trabalhar o pão de cada dia. (...) Ao final de dois anos, essa prática
e a consciência de um caminho me deram forças para voltar. Decidi aprender mais
sobre materiais. Nessa procura, passei a frequentar cursos livres, na Fundação
Armando Álvares Penteado (FAAP), de esculturas em materiais variados, como
terracota e ferro, e de joalheria. Paralelamente, comecei a fazer esculturas e cestas
de plantas e bambu.
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mesmo, antes do projeto no papel.
Pode-se verificar no relato abaixo, quena vida de Humberto as experiências artísticas e
artesanais são diferentes do cotidiano de Fernando (CAMPANA, 2009:22):
Eu, Fernando, vim para São Paulo em 1977. (...) Em 1978, entrei para a Faculdade de
Arquitetura. (...)Sentia muita ansiedade de que não saberia projetar corretamente,
achando que nunca iria conseguir fazer um prédio reto, todo certinho, e me
lembrava da infância, quando tentava colorir aqueles livros de antigamente. Os
colegas pintavam bonito e eu borrava, saía fora do desenho.(...) em 1984 fui ajudar
o Humberto a fazer entregas.
Fernando, em sua fala, mostra, também, na época de faculdade, uma certa “rebeldia”, ou
incerteza com relação ao pensamento modernista racionalista que direcionava alguns professores.
Quando ele fala que seus desenhos saiam borrados, isso mostra uma possível ruptura, ou melhor,
um início de Pensamento Complexo mesmo que inconscientemente direcionando seu processo
projetual.
6º Saber: Ensinar a compreensão – Pode-se/deve-se estender a ideia da compreensão
dizendo que o planeta também precisa de mais compreensão. Hoje, olhando para o planeta Terra,
nossa terra pátria, pode-se verificar que o que o caracteriza é a incompreensão por todas as partes,
seja política, ideológica e/ou econômica.
Os Campana tentam ensinar essa compreensão quando fazem a ligação entre economia,
sociologia, estudos ambientais e marketing sem medo de serem criticados por isso. Provavelmente,
esse ensinar a compreender está inserido na questão de entender e aceitar o diferente.
Os designers mostram que atualmente é possível “andar” em diversas áreas de forma
flexível, projetando produtos industriais em série, confeccionando produtos artesanais, realizando
paisagismo e até mesmo projetos de interiores sem necessariamente estarem rotulados como
designers, arquitetos, decoradores ou paisagistas. (CAMPANA, 2009:91)
Os designers não têm preocupação com relação aos rótulos de serem chamados de artistas
ou designers. Para eles, o importante é o intuitivo, e não o cerebral.
Com relação aos limites de cada profissão, eles mostram uma abordagem transdisciplinar,
em que não se deve criar preconceitos nem autolimites, principalmente para as áreas que
envolvem criação.
9
7º Saber: A ética do gênero humano –Segundo o dicionário tradicional iii , ética se define
como parte da filosofia que aborda os fundamentos da moral. O dicionário de filosofia iv define como
disciplina tradicional da filosofia, também conhecida por filosofia moral, que enfrenta o problema de
saber como devemos viver.
Para o dicionário de filosofia (2003):
A área da ética que lida com este problema da forma mais direta é a ética normativa.
A ética normativa ocupa-se em grande medida de dois problemas mais específicos:
1) O que é agir de uma forma moralmente acertada? 2) O que torna boa ou valiosa a
vida de uma pessoa? Ao tentar responder a esta perguntas, os filósofos propõem,
respectivamente, teorias da obrigação e teorias do valor.
Essa imagem “ética” forte da mãe, provavelmente, é o que estrutura até hoje os designers,
principalmente quando dizem sobre inconformismo com regras, escapar de moldes rígidos ou de
loucura no sentido de liberação e principalmente sobre os ensinamentos que instigavam a ver
beleza ao redor e apreciar as sutilezas das coisas. Esse é um puro Pensamento Complexo e pode-
se observar que tal pensamento vem desde o início de vida dos designers, pela educação da mãe.
Contudo, além das características éticas de sua mãe e de serem nascidos e criados na pequena
Brotas, no interior do estado de São Paulo, os designers estão inseridos em uma dinâmica global
de transição contemporânea, em uma época de capital flexível e de forte produção e reprodução da
imagem. Todos esses elementos influenciam os seus processos projetuais.
Dada a complexidade envolvida no processo projetualdos Campana, para melhor
compreender e analisar a originalidade de seus trabalhos, percebe-se que a história pessoal de
vida de Fernando e Humberto Campana são as bases estruturadoras.
Segundo relatou Humberto Campana (CAMPANA, 2009:08):
9
A família paterna tinha vindo das regiões de Ferrara e Lucca, na Itália, e morava em
Jaú, cidade que, para nós, era a metrópole, com seus casarões imponentes. Nosso
avô tinha uma loja de ferragens chamada Irmãos Campana. Eu, Humberto, gostava
de ir lá e ficar mexendo na loja inteira; pegava escondido massa de modelar, vidro,
correntes, parafusos; aqueles materiais me fascinavam. (...) A família materna, de
sobrenome Piva, era italiana de Rovigo, na região de Vêneto, por parte de nosso
avô e a outra metade misturava origens portuguesa e indígena. Nossa avó Laura
nos marcou muito. (...) Tudo que avó Laura fazia era orgânico: criava porco, matava,
fazia linguiça, fazia sabão em casa; transformava lata de biscoito em caneca, em
vaso para plantas, em recipiente para guardar mantimentos. Não jogava nada fora;
no final da vida tinha pilhas enormes de sacos de supermercado.
9
a produção de seus objetos de design. Cada um tem sua marca, seus desejos, suas inquietações,
suas facilidades e suas fragilidades. Mesmo trabalhando juntos, a produção de seus objetos e suas
características são singulares.
Humberto gosta de trabalhar com protótipos em escala real com uma visão mais artística e
principalmente questionando a “perfeição”. Fernando, por sua vez, teve formação em Arquitetura e
Urbanismo e se considera mais racional e, principalmente, direcionado ao projeto e a um processo
de criação.
Essas distintas formas de processo projetual não impedem a integração da criação e da
confecção de objetos de design. Ao contrário, só fazem com que esses produtos se tornem mais
ricos e interessantes.
Os objetos de design dos Campana, na maioria das vezes, não possuem um projeto técnico,
e esse é um dos grandes diferenciais dos artistas. Seus projetos são realizados a partir de protótipos
em escala real como um objeto artístico.
A procura por outras formas de projetar que não seja no papel ou no computador enriquecem
as obras dos designers e promovem, consequentemente, diferentes formas de elucidá-las.
Os designers estão na contramão dos processos mecânicos, perfeitos e simplificadores,
e isso faz com que suas criatividades se alimentem a cada dia de novas experiências. Estas
experiências são armazenadas e a cada novo processo criativo, abrem maior leque de opções e
ferramentas. Por exemplo, entre suas atuações, estão a reformas das lojas de calçados Camper
em Berlim (Foto 12)e Florença, a cenografia do ambiente lounge“HSBC Private Bank” em São Paulo
(foto 13) e até mesmo desenhos de roupas para a Lacoste (Foto 14).
9
Foto 14: Camisa Lacoste by Campana
Fonte: www.mistermag.com.br. Acesso em: 21/07/09
Considerações Finais
Este artigo teve como propósito relacionar a teoria com a prática projetual de maneira a
contribui para o entendimento do todo e evidenciar a riqueza do processo de criação artístico a
partir do Pensamento Complexo.
Com o auxílio de pesquisadores envolvidos com investigações sobre pensamento complexo
e a crítica genética foi possível buscar o entendimento necessário acerca do design e do processo
projetual dos irmãos Campana.
Ao se adotar a crítica genética pode-se analisar e interpretar o processo criador dos
designers, levando a princípios que norteiam e evidenciam o Pensamento Complexo existente
nestes processos.
Neste sentido, compreende-se que nada se opõe, mas tudo se complementa em um universo
dessemelhante e inconstante. Essas são as premissas para as bases do Pensamento Complexo,
tão discutido por Edgar Morin, que respeitam até mesmo uma forma de pensar simplificadora.
Conforme apontado, Morin propõe a reorganização do nosso estilo de pensamento. Para o
autor existe um princípio de incerteza no coração da lógica, essa incerteza encontra-se justamente
na junção em um sistema de ideias, assim, há um princípio de incerteza no exame de cada instância
constitutiva do conhecimento e isso podese evidenciar no processo projetual do design.
Não se pode pensar o design apenas como um ramo do saber do conhecimento, uma disciplina;
ele se envolve no que se chama de transdiciplinaridade e o pensamento complexo aposta nisso.
9
Relacionar a teoria do Pensamento Complexo com a prática do processo projetual mostra-se, então,
ser de suma importância para o contínuo desenvolvimento profissional dos designers brasileiros.
Notas
i Segundo Cecília Almeida Salles (2004:13) “Esses estudos, até pouco tempo, limitaram-se à análise de
ii Para Salles (2004:12) “A crítica genética é uma investigação que vê a obra de arte a partir de sua construção.
Acompanhando seu planejamento, execução e crescimento, o crítico genético preocupa-se com a melhor
compreensão do processo de criação. É um pesquisador que comenta a história da produção de obras de
natureza artística, seguindo as pegadas deixadas pelos criadores.”
iii Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa, Ed. Nova Cultural, São Paulo, 1999
iv Dicionário Escolar de Filosofia, Ed. Plátano, Lisboa, 2003, http://www.defnarede.com/
Referências
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9
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LOBACH, Bernd. Design industrial: bases para a configuração dos produtos industriais. São Paulo,
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São Luís: 2012.
VENTURI, Robert. Complexidade e contradição em arquitetura. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1995.
Resumo
Em fins do século passado, a moda paulatinamente invadiu
espaços destinados à exibição de arte, como museus e galerias.
Em sua maior parte, essas ocupações foram construídas sob
o ponto de vista do sistema da arte, que impunha suas regras:
a moda ocupava museus e galerias como exercício criativo de
artistas, não de estilistas. Este texto discute como sistema de
moda se alimentou dessas ocupações descritas acima, assumindo
discursos e leituras estéticas reservados à arte. Ao assumir a
mimetização dos espaços da arte, o sistema de moda pretendia
trazer para seus domínios a validação e a anuência dos atores do
campo artístico, como críticos, artistas, curadores. O texto analisa
como a mimetização dos espaços artísticos resultou também
em reflexões sobre a percepção e discussão das fronteiras
ontológicas entre moda e arte. Atualmente, mostras de moda
contemporânea, como a Mode Biënalle Arnhem, tem fomentado
um repensar das linguagens, das estratégias de criação, das
possibilidades de transferências interdisciplinares com outros
sistemas. Sua interdisciplinaridade com o campo artístico – os
empréstimos de linguagens e estéticas – tem funcionado como
uma maneira do mercado buscar renovação e reinvenção.
9
Moda, criação e mercado
Não é por acaso que as relações entre moda e arte se intensificaram a partir do momento
em que as grandes casas de alta costura passaram a ser adquiridas por grandes conglomerados
financeiros. Desde fins do século passado, parte das maisons de alta-costura passou a se
aglomerar dentro de dois grandes grupos empresariais, controlados por homens de negócios, não
por couturiers. Atualmente a criação de moda nas maisons é cuidada por um diretor criativo, que
chefia uma equipe, cujo tamanho varia de acordo com a quantidade de linhas de produtos oferecida
pela empresa. No sistema de moda contemporâneo, não é mais a imagem do couturier gênio que
necessita permanecer, mas sim a imagem da marca, seu discurso expresso em seus produtos.
Remaury (2004) chama esses discursos identitários de narrativas de marcas. É a narrativa que a
marca explicita em seus produtos que passa a ser o objeto de consumo. O autor nos esclarece:
9
do século passado e princípio deste, como prêt-à-porter de luxo. Esse novo nicho é o que o mercado
chama de luxo massificado, ou masstige, termo cunhado pelos economistas americanos Michael
J. Silverstein e Neil Fiske ii. Masstige é um neologismo para prestígio de massa. Com esse termo
os economistas queriam definir os produtos que simbolizam o novo luxo acessível às massas de
consumidores, o foco das grandes marcas nesse princípio de século.
Quando as marcas de luxo tomaram como decisão de negócios expandir o mercado através
do masstige, as empresas que ocupavam os nichos de compras mais populares repensaram a
localização de seus espaços, reorganizando-se próximas às marcas sofisticadas:
(...) as marcas do mercado médio como Zara, Gap, H&M e Banana Republic
(...) passaram para a porta ao lado. (...) Essa integração do varejo transformou
as ruas de compras outrora chiques em atrações turísticas e fez com que as
marcas de luxo buscassem endereços novos e mais “secretos” (...). (Thomas,
2008)
Para as marcas de luxo, essa busca por endereços e espaços mais exclusivos e livres das
hordas de turistas e do comércio de massa – provocou uma dança das cadeiras, reorientando não
somente a localização como também a reconfiguração dos espaços de moda.
Nova York, em fins dos anos 90, foi palco e modelo para essas transformações. No caso
específico da metrópole americana, foi o sistema de arte que mostrou o caminho, apontando
a trilha a ser seguida. Townsend (2002) apontou para o fato, descrevendo o momento em que
algumas marcas de luxo começaram a se instalar no distrito do SoHo nova-iorquino, na segunda
metade dos anos 90: elas seguiam a clientela que frequentava as galerias de arte lá instaladas ii i.
Os novos espaços de moda, encomendados aos mesmos arquitetos que projetavam as galerias de
arte, tornavam-se muito semelhantes a estas, a ponto de suas funções se fundirem:
9
criação e excelência artísticas, que se distanciassem dos espaços e produtos das lojas que operavam
em um nicho de consumo mais popular. Esses ambientes passaram a emular as galerias ‘cubo-
branco, mimetizando a pretensão artística do espaço livre da influência do comércio, empregando
as mesmas estratégias da elevação e realce estético através do isolamento elegante’ (Grunenberg,
2002).
Assouly, Carlotti e outros autores comentam sobre as parcerias estabelecidas entre marcas
de moda e artistas plásticos em fins do século passado e princípio deste:
É (...) entre os anos 90 e os anos 2000 que a moda se casa intimamente com
a arte (...) nas colaborações que participam do sistema geral de imagem da
moda: as instalações de Gostcho para as vitrines de Dior ou as performances
de Vanessa Beecroft para a inauguração da loja Vuitton na Champs-Elysées,
em Paris. Um casamento entre moda e arte que se consome igualmente
de maneira recíproca: exposições e happenings substituem os desfiles, ao
passo que alguns criadores jovens adotam sistemas de visibilidade que
flertam com aqueles da arte contemporânea, como Viktor e Rolf. (Assouly
et al, 2008)
9
Atualmente, montar uma parceria desta natureza significa acionar uma rede de
relacionamentos que inclui galeristas, curadores, representantes de marcas de moda, assessores
do artista, críticos e jornalistas. Ou seja: as parcerias contemporâneas entre arte e moda não se
estabelecem somente entre duas partes interessadas ( o artista plastico e o designer de moda),
mas entre várias partes que gravitam em torno das marcas e do artista. São parcerias que elencam
inúmeros interesses e que se movem em torno de questões relativas à visibilidade da marca e do
artista no mercado. A bem-sucedida parceria entre o artista Takashi Murakami iv. e a Louis Vuitton
é um exemplo:
A simbiose entre a Louis Vuitton e Murakami foi de tamanha monta que, em 2008, durante
uma retrospectiva do artista montada no MOCA – The Museum of Contemporary Art, Los Angeles
–, uma loja da Louis Vuitton foi instalada dentro do museu, mas como parte da obra do artista,
não como anexo à exposição. Marc Jacobs declarou na ocasião: ‘Não é uma loja de presentes, é
mais como uma performance (...). Acompanhar o que acontece na butique no contexto de uma
exposição de arte é tão arte quanto a arte aplicada às bolsas’ (Thorton, 2010). A loja da Louis
Vuitton montada na retrospectiva de Murakami deglutia qualquer discussão sobre arte, moda e
consumo antes mesmo que alguém pudesse pensar em propor uma: a loja, assim como os objetos
nela expostos, não questionava linguagens nem mesmo propunha reorganizações que pudessem
levantar questionamentos entre fronteiras entre arte e moda. Ela propunha o consumo unicamente,
respondendo e já encerrando qualquer discussão crítica que se pudesse levantar sobre os mercados
de arte e de moda.
O êxito das parcerias entre marcas e artistas fez com que algumas casas de moda
estabelecessem relações mais aprofundadas com o sistema da arte. Algumas propostas foram
montadas com o sentido do artificar, de transferir os sentidos e particularidades da linguagem
artística para marcas de moda específicas, como no caso da maison Chanel e da Dior. A Chanel
montou em 2008 um pavilhão para abrigar uma mostra itinerante de arte contemporânea, a Chanel
Mobile Art. Durante 2012-2013 a casa Dior patrocinou uma mostra itinerante de cunho semelhante,
em que artistas contemporâneos produziram versões particulares de uma das bolsas da maison,
a Lady Dior; o mesmo tipo de parceria foi estabelecido recentemente na mostra Esprit Dior: Miss
Dior, na qual o frasco do perfume Miss Dior é reinterpretado por quinze artistas contemporâneas.
As trocas contemporâneas entre arte e moda são operadas e negociadas em patamares que se
9
assemelham: a arte como produção, o artista como grife. É um complexo de práticas v que estão
em mutação e estabelecem outros tipos de diálogos entre as áreas.
A partir das relações que apontamos, vamos analisar as mostras de Arnhem, pois esses
diálogos e parcerias interdisciplinares entre arte e moda serão explorados em suas edições.
9
MºBA 2013: redirecionamentos
A curadoria geral da quinta edição da Bienal de Moda de Arnhem ficou a cargo de Lidewij
Edelkoort e Philip Fimmano, ambos renomados pesquisadores de tendências. A opção por esses
profissionais já mostrava as ambições para a bienal, entre elas: aproximá-la de questões do mercado
de moda contemporâneo e buscar sua internacionalização. A primeira mudança foi renomear a
mostra: Arnhem Mode Biënnale – AMB – tornou-se Mode Biënnale Arnhem, ou MºBA.
As três edições anteriores da bienal giraram em torno de temas escolhidos por seus
curadores. Esses temas ajudavam os designers convidados a escolher as peças que enviariam para
a bienal. Edelkoort e Fimmano estabeleceram que a edição de 2013 giraria em torno do fetichismo
e suas diversas manifestações.
O texto principal do catálogo reforçava a ideia de que toda a seleção dos fetiches foi baseada
em pesquisas sobre direcionamentos do mercado consumidor, reforçando o posicionamento
estrategico dos curadores vi. Apesar de a mostra, em uma primeira leitura, voltar seu olhar e
interesse para a criação e a experimentação em moda, em uma análise mais apurada, percebia-se
que existia uma linha condutora subliminar, baseada na estrutura do mercado contemporâneo de
moda.
Essa observação era comprovada ao se analisar alguns pontos específicos: uma de nossas
observações iniciais sobre alinhamentos da mostra com o mercado de moda era o fato de que
a maior parte dos designers convidados para a MºBA eram europeus e asiáticos, principalmente
japoneses, coreanos e chineses (nessa ordem). Ora, atualmente a Ásia é o grande mercado da
moda europeia. Não somente como consumidor como também produtor, visto que várias marcas
europeias têm suas fábricas instaladas na China, Índia e Bangladesh. A quinta bienal de moda de
Arnhem tentava abarcar as várias instâncias do sistema de moda, desde o ensino (com mostras
de escolas convidadas), passando pela produção feita por pequenos ateliês e também por grandes
marcas de moda.
Para quem já havia visitado as outras edições da bienal, as salas temáticas do MºBA
Centraal ( o edifício central da mostra) surpreendiam: desta vez, não havia instalações site-
specific; somente roupas e, por vezes, algumas fotos e vídeos. Todas as peças estavam montadas
em manequins como os de vitrines de lojas e estes repousavam em suportes cinzas de alturas
variadas, como se fossem pequenos plintos. Sobre os suportes, o nome da marca ou do designer,
além da coleção à qual aquela peça pertencia. A primeira impressão que vinha à superfície, para um
habitué das bienais de Arnhem, é que nessa edição a curadoria tomou a posição de deixar qualquer
referência com a linguagem artística somente na interpretação do espectador, sem recorrer à
mediação de linguagens emprestadas do sistema artístico, como as instalações site-specific que
eram montadas até a quarta edição da bienal. Moda e criação em estado latente, sem mediações
intermediárias. É possível argumentar que o mediador comum era a mostra em si, mas ao menos
no MºBA Centraal não havia reforços de linguagem: as roupas bastavam por si próprias, por serem
9
criações. A ausência das instalações propunha uma mostra em que marcas célebres e designers
desconhecidos eram exibidos em patamares igualitários, livres de orçamentos distintos. Além desse
aspecto, a disposição simplificada, limpa de reforços de linguagens, permitia ao visitante observar
as obras detalhadamente, atentando para minúcias de construção das peças, como detalhes de
costura e materiais. Sob certo aspecto, esse tipo de montagem possibilitava a leitura da vestimenta
como criação e artesania.
A MºBA pretendia abarcar todo o sistema de moda, procurando levantar reflexões sobre seus
vários aspectos, intencionando uma visão global. Porém, não nos esqueçamos de que os curadores
das mostras principais eram holandeses. Consequentemente, o eurocentrismo permeava a mostra:
era a visão europeia etnocêntrica, sobre seus mercados, que estabelecia a linha conectora entre os
vários pontos da exposição.
Considerações Finais
MºBA 2013 operou como um respiro do sistema de moda. Foi um repensar das linguagens,
das estratégias de criação, das possibilidades de transferências interdisciplinares com outros
sistemas. A possibilidade da discussão fora dos espaços tradicionais ocupados pela moda – ou
seja, desfiles, vitrines, lojas – permite um distanciamento das formas tradicionais de exibição, ao
mesmo tempo que propõe outras possibilidades de narrativas e leituras para as indumentárias
expostas. A mostra de Arnhem pode ser interpretada como um desvio do sistema, possibilitando
o levantamento de discussões sobre criação, sistemas de fabricação e divulgação de moda. MºBA,
porém, não pode ser interpretada de maneira isolada do mercado de moda. É necessário enxergá-la
ao mesmo tempo como pausa e motor do sistema de moda: ela evidencia a necessidade do respiro
para que esse sistema se renove e se reestabeleça em moto perpétuo. Sua interdisciplinaridade
com o campo artístico – os empréstimos de linguagens e estéticas – funciona como uma maneira
do mercado buscar renovação e reinvenção.
As estratégias de impacto e transferências de linguagens com a arte continuam operando
no mercado de moda: em fevereiro de 2014, para o desfile de prêt-à-porter outono-inverno da
casa Chanel, foi montado um supermercado cenográfico. As mercadorias – passando por produtos
de limpeza, alimentos, produtos de higiene pessoal – tiveram sua embalagem reestilizada e
ressignificada com o mítico logo da maison. Lagerfeld montou uma versão fashion da obra Your
Supermarket vii , de Guillaume Bijl – e se faz necessário notar que, nos textos da imprensa de moda
sobre esta coleção específica, boa parte se dedicou a descrever o cenário, deixando as roupas em
segundo plano. Não que a coleção fosse fraca, longe disso; mas a apologia (?) crítica (?) sobre o
apelo ao consumo foi mais sedutora: ao fim do desfile, esquecendo das roupas, os convidados
correram em direção ao cenário, ávidos para levar os produtos viii. É a marca-narrativa instaurando
sua magia: como não possuir um exclusivo detergente Chanel?
9
Notas
i Texto apresentado no SIACOM 2014 – I Seminário Íbero-Americano sobre Comunicação e Moda, realizado
pela Universidade do Minho na cidade de Braga, Portugal, em abril de 2014.
ii Michael J. Silverstein e Neil Fiske são autores do livro Trading up: the new American luxury. Penguin Books,
2003. In: http://www.bcg.com.cn/export/sites/default/en/files/publications/articles_pdf/Trading_Up_
New_Luxury_Oct2003.pdf. Acesso em: 12.10.2013.
iii O mesmo movimento aconteceu novamente em Nova York em fins da década passada, quando lojas de
moda se instalaram no Meat Packing District, seguindo as galerias de arte lá instaladas. (ASSOULY, 2008).
iv O artista japonês Takashi Murakami mantém uma estrutura de produção de obras que pode ser comparada
a um ateliê de alta-costura: Murakami é uma espécie de diretor artístico de seu ateliê. Suas obras são pintadas
e montadas por artistas diversos. Recomendamos a leitura do capítulo “A visita ao ateliê” (THORTON, 2010).
v DANTO, 2006.
vi 2007: “Happy Fashion”; 2009: “Shape”; 2011: “Amber”.
vii Your Supermarket, um supermercado com produtos verdadeiros, foi instalada na mostra Shopping,
montada na Tate Gallery de Liverpool, em 2002/2003. Os produtos à mostra não podiam ser consumidos,
estavam expostos para contemplação.
viii Seguranças gentilmente avisavam aos frequentadores que as “mercadorias” não podiam ser levadas. In:
< http://www.style.com/fashionshows/review/F2014RTW-CHANEL/>, acesso em 23/03/2013.
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Remaury, B. (2004) Marques et Récits: la marque face a l’imaginaire culturel contemporain. Paris:
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9
Thomas, D. (2008) Deluxe: como o luxo perdeu o brilho: os bastidores da atual indústria de moda.
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Thorton, S. (2010) Sete dias no mundo da arte: bastidores, tramas e intrigas de um mercado
milionário. Rio de Janeiro: Agir, pp. 183; 187; 209; 213.
Townsend, C. (2002) Rapture: art’s seduction by fashion. London: Thames and Hudson, p.10.
Resumo
O design é considerado uma área emergente no turismo e fa-
tor de diferenciação na hotelaria que tem relevante papel econô-
mico e social, mas enfrenta desafios como a competividade do
mercado global, problemas gerenciais, setoriais e a sazonalidade.
Destaca-se que a Gestão de Design é responsável pelo direcio-
namento, planejamento, coordenação e controle das atividades
nos três níveis de atuação do design (estratégico, tático e ope-
racional). Sendo assim, qual o panorama teórico da atuação da
gestão de design na hotelaria? Com isso é feita uma revisão com
pesquisa bibliográfica e documental dos temas: gestão de design,
turismo e hotelaria e uma revisão integrativa do tema “Gestão de
Design na hotelaria”. Como resultados foram levantadas informa-
ções referentes à Gestão de Design que contribuem a competiti-
vidade e diferenciação na hotelaria, bem como maior compreen-
são da atuação da Gestão de design no setor.
9
Introdução
A importância do setor de serviços na economia brasileira faz com que a compreensão de
atividades do setor se torne ainda mais relevante (FERNANDES, 2012). Dentre os serviços em
expansão, o turismo destaca-se como uma das atividades que tem alcançado as maiores taxas
mundiais de crescimento econômico anual. A renda total gerada pelo turismo internacional em
2008 alcançou US$1,1 trilhão e respondeu por 30% de todas as exportações de serviços do mundo
(BRASIL, 2009c).
Segundo pesquisas do Ministério do turismo, no Brasil, os dados setoriais apresentam um
crescimento de 2003 a 2009 em 32,4% enquanto a economia brasileira apresentou um crescimento
de 24,6% (BRASIL, 2013a). Esta crescente demanda do turismo se deve a ampliação de acesso a
meios de transporte, aumento da renda da população e as próprias ações do ministério do turismo
que entende o turismo para camadas sociais menos beneficiadas como “uma das melhores
estratégias para a inclusão social” e desenvolvimento das comunidades aonde ele se desenvolve
(BRASIL, 2013a).
Em Santa Catarina o turismo representa 12,5% do PIB do estado, o setor gera mais de 600
mil empregos diretos e indiretos. Devido às belezas naturais, os municípios catarinenses recebem
mais de 10 milhões de turistas por ano e o estado está entre as cinco cidades de destino mais
visitadas no turismo de lazer no Brasil, com 16,9 % de procura, conforme apresentado na Figura 1.
Figura1 – Cidades de destino mais visitadas. Fonte: (VALOR ANÁLISE SETORIAL, 2010, p.19).
9
que 90% das empresas de hospedagem caracterizam-se como micro e pequenas empresas e,
além de geradores de empregos, são os maiores consumidores de equipamentos e mercadorias
(BRASIL, 2013a). Em 2010, segundo dados do Ministério do Turismo, Santa Catarina teve uma
oferta hoteleira cadastrada de 224 meios de hospedagens com 13.451 Unidades Habitacionais
(UH) que totalizaram 32.924 leitos.
Não diferente do panorama nacional, em todo o estado predomina a administração familiar,
que representa cerca de 80% dos empreendimentos. A administração familiar, em sua maioria,
se caracteriza por processos de gestão pouco profissionalizados, onde frente ao crescimento da
concorrência com a entrada de players internacionais com alto capital e profissionalização, faz-se
necessário à diferenciação dos produtos (VALOR ANÁLISE SETORIAL, 2010).
O design, considerado área emergente no turismo, tem se consolidado neste setor por
propiciar o diferencial competitivo (MOYSES, 2010). A exemplo, o design de serviços que projeta
a experiência dos hóspedes têm fornecido benefícios ao turismo por suas técnicas e ferramentas
(STICKDORN e ZEHRER, 2013; INTARAPASA e THONGPAN, 2013; PIKKEMAAT; WEIERMAIR, 2003).
Segundo Moritz (2005) o Design de Serviço é um campo multidisciplinar, integrado e holístico que
ajuda a inovar ou melhorar serviços por torná-los mais úteis e utilizáveis, desejáveis para os clientes
assim como efetivos para as organizações.
Além do design de serviço, as atribuições do design na hotelaria, citados por alguns autores
são: aspectos de branding, diferenciação de produtos-serviços, orientação ao posicionamento,
promover a eficiência nas operações, conforto e valor à experiência dos hóspedes; projetar aspectos
intangíveis (personalidade para o negócio, experiência) e tangíveis (ambientação, cor, mobiliário,
ergonomia), agregação de valor, design como uma estratégia (PETRELLI; ARANHA, 2012; MOYSES,
2010; ALONSO; OGLE, 2008).
Destaca-se que a gestão de design está inserida nas atividades de direcionamento,
planejamento, coordenação e controle do design; se distingue de outros processos gerenciais pela
identificação e a comunicação das possibilidades pelos quais o design pode contribuir ao contexto,
ou seja, as maneiras das quais o design pode ajudar a empresa a alcançar seus objetivos. (MARTINS
e MERINO, 2011). Dessa forma, pergunta-se: “Qual o panorama teórico sobre a atuação da gestão
de design na hotelaria?”.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa é de natureza básica e qualitativa quanto à forma de abordagem, portanto
não será necessário o uso de métodos e técnicas estatísticas. Logo, é uma pesquisa descritiva
quanto aos seus objetivos. Quanto aos procedimentos técnicos, a pesquisa se deu por meio de
revisão sistemática da literatura com pesquisa bibliográfica e documental dos temas gestão de
design, Turismo e hotelaria. Com a revisão da literatura foi possível identificar as principais ações
da Gestão de Design, bem como entender questões relacionadas a competitividade na hotelaria.
9
Apreendeu-se a necessidade de uma revisão sistemática integrativa referente à atuação da Gestão
de design na hotelaria, para que, em estudos futuros, se proponham ações estratégicas, táticas
e operacionais que contribuam para a competitividade do setor hoteleiro. A revisão sistemática
integrativa inclui a análise de pesquisas com relevância ao tema e que dão suporte para a tomada
de decisão e possibilita a síntese do estado da arte do conhecimento de um determinado assunto
(MENDES, 2008).
A revisão sistemática integrativa diz respeito a estratégias científicas que, segundo Botelho,
Cunha e Macedo (2011, p.127), permitem a integração de “opiniões, conceitos ou ideias provenientes
das pesquisas utilizadas no método”. Quanto às vantagens da revisão integrativa no design, Freitas,
Carvalho e Menescal (2010) constam da possibilidade de atualização do estudo com questões que
podem ser incluídos posteriormente, bem como o auxilio a tomada de decisões por profissionais.
Quanto ao método utilizados, a pesquisa se dividiu em 6 etapas, conforme pode ser
observado na Figura 2.
Figura 2- Processo de revisão integrativa. Fonte: Adaptado de BOTELHO, CUNHA e MACEDO (2011, p.129).
9
Fundamentação teórica
Gestão de Design
A Gestão de design dentre outros objetivos, visa à melhoria da competitividade, da
diferenciação e da sustentabilidade nas organizações (MERINO 2010). A união do design com a
gestão, pela gestão de design, se deu na década de 60, Grã Bretanha, com o objetivo de garantir a
integração das agências de design e as empresas, facilitando assim a comunicação e garantindo a
uniformidade dos projetos (MOZOTA, 2011).
Em 1975, Bill Hannon e o Massachusetts College of Art fundaram o DMI (Design Management
Institute)1, que tem como objetivo melhorar as organizações por meio da Gestão de Design eficaz
buscando o crescimento econômico (MOZOTA, 2011). Para o DMI (2013) a Gestão de design
abrange os processos, as decisões de negócios e estratégias que permitem inovar e criar produtos,
serviços, comunicações, ambientes e marcas projetados de forma eficaz que melhoram a qualidade
de vida e proporcionam o sucesso organizacional.
Em 1990, Peter Gorb traz a definição de que a gestão de design diz respeito a eficaz aplicação
dos recursos de design pelos gerentes para atingir os objetivos estratégicos. Para Avendaño (2002,
p.40) a Gestão de Design é:
Esta definição traz o contexto da gestão de design nos processos de tomada de decisão
nas organizações onde acontece a integração da alta administração com as equipes criativas e
da organização com os atores externos envolvidos no processo de desenvolvimento. Com este
conceito pressupõe-se que a introdução da gestão de design nas organizações muda o modelo de
gestão hierarquizada para um modelo gerencial plano, inovativo e criativo incorporando na cultura
corporativa o design como estratégia de negócio.
Cultura corporativa pode ser definida como as “experiências, histórias, convicções e normas
que caracterizam uma organização, e pode ser percebida em seu ambiente interno e nas atitudes
e hábitos de seus funcionários” (KOTLER, 2002, p.64). A cultura corporativa deve ser permeada
por uma cultura de design, que de acordo com Costa (2009, p.8), vai além da contratação de um
profissional criativo, mas da atuação do gestor de design que irá “conceber estrategicamente novos
produtos, idealizá-los, e lançá-los no mercado”.
Segundo Äijälä e Karjalainen (2012, p.27), o papel do design nos três níveis da Gestão de
design está relacionado:
9
• No nível estratégico, o design relaciona-se com a operação da estratégia corporativa que
poderá ser utilizado como uma fonte de vantagem competitiva e também um catalisador
para alterar o âmbito e direção da organização;
• No nível tático, o design pode ser usado como um criador de conceitos de produtos únicos
produtos e como uma ferramenta para busca de novas oportunidades de mercado. O foco é
colocado sobre as futuras necessidades dos clientes e os objetivos da unidade de negócio.
Dessa forma, vários autores referenciam a Gestão de Design com atuação nos três níveis
organizacionais: estratégico, tático e operacional e onde se evidencia a influência do design na
criação de valor (ÄIJÄLÄ e KARJALAINEN, 2012; MARTINS e MERINO, 2011; MOZOTA, 2011;
MARTINS, 2004).
Ainda quanto às atribuições do design, especificamente Gestão de Design na hotelaria, o
SENAC (2013) relaciona as seguintes:
• Observar, classificar e documentar aspectos da aplicação da gestão de design no ambiente
hoteleiro em formulários específicos e emitir relatórios para fins de análise e direcionamento
estratégico do empreendimento em operação ou empreendimento em desenvolvimento,
considerando o conceito de hospitalidade como qualidade da interação humana em um
ambiente hoteleiro;
9
• Levantar e documentar, com precisão, as demandas junto aos hóspedes e, posteriormente,
qualificá-las para se aplicar os conceitos de hospitalidade.
Esta perspectiva do turismo onde a hotelaria se insere é explicitada por Costa (2011) da
seguinte maneira:
9
operacionais. Além da visão integrada das partes, são necessárias as capacidades para idealizar e
diagnosticar a experiência e a percepção do hóspede, orientando a gestão de bens e serviços para
que atendam as expectativas. Todos esses aspectos aliado ao crescimento da concorrência nos
mercados mais padronizados, demonstra a necessidade das empresas investirem em produtos
diferenciados. Nos processos de diferenciação, os hotéis aproveitam as características do local
onde estão instalados ou o próprio design do hotel (VALOR ANÁLISE SETORIAL, 2010).
Uma das características do turismo nacional nas empresas de hospedagem é a
administração familiar, onde 90% caracterizam-se como micro e pequenas empresas. Entre as
vantagens desse tipo de administração está na proximidade e conhecimento do cliente, o que
oportuniza o estabelecimento do perfil e o comportamento do consumidor e público-alvo de forma
clara. Outra vantagem mencionada é quanto à flexibilidade e agilidade na tomada de decisões.
Como desvantagem está à gestão pouco profissionalizada, frente ao crescimento da concorrência
(VALOR ANÁLISE SETORIAL, 2010). Além da entrada de concorrentes internacionais capitalizados
e com processos padronizados, a hotelaria tem como desafios: a sazonalidade, a inflexibilidade
da legislação trabalhista que desconsidera o problema de sazonalidade do setor, a dificuldade de
obtenção de crédito para financiar reformas e construções pelo BNDES.
Nos últimos anos, a competitividade internacional nos mercados turísticos é uma
preocupação debatida nos meios de comunicação, acadêmico e que, segundo Brasil, (2013b) é
um dos temas mais relevantes nas agendas de políticas públicas em nações desenvolvidas e em
desenvolvimento. No âmbito internacional o turismo é avaliado pelo Fórum Econômico Mundial
(FEM) através do Índice de Competitividade em Viagens e Turismo (ICVT). O ICVT considera como
critérios de competitividade:
1) Regras e regulamentações;
2) Sustentabilidade ambiental;
3) Segurança e bem-estar;
4) Saúde e higiene;
9
O conceito de competitividade para o Ministério do Turismo é a “capacidade crescente
de gerar negócios nas atividades econômicas relacionadas com o setor de turismo, de forma
sustentável, proporcionando ao turista uma experiência positiva” (BRASIL, 2013b). A âmbito
nacional, a competitividade é avaliada pelo Índice de Competitividade do Turismo Nacional em 65
municípios considerados destinos Indutores do Desenvolvimento Turístico Regional. Os critérios de
avaliação constam de 5 categorias divididas em 13 critérios, conforme apresentado na Figura 4.
As etapas da revisão foram dispostas num quadro síntese para melhor visualização e
arquivamento da pesquisa, o Quadro 1.
9
Quadro 1 – Quadro síntese da revisão
9
Campo para observações quanto aos resultados das buscas prévias:
Science of direct: Na primeira busca foram encontrados 2 artigos, sendo que não tinham relação com o
conteúdo. Na segunda busca foram usadas em TITLE-ABSTR-KEY (“design management”) AND hotel em
todos os tópicos. Foram encontrados 9 artigos, apenas um tinha relação com o tema.
SCOPUS: 1° e 2° filtro - Apenas 1 artigo encontrado, mas sem relação com o tema.
SAGE Journals: 1° e 2° filtro - 14 artigos disponíveis
Willey Online Library: 10 artigos - apenas 1 relacionado a design, porém design de serviços.
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) - 3 artigos encontrados sem relação com o
tema.
9
Quadro 2 – Matriz de síntese das publicações
9
Os artigos 1 e 2 apresentam o design como fator para vantagem competitiva, seja pela
construção de uma imagem mental para os hóspedes ou através das experiências proporcionadas.
A ênfase principal destes artigos está nas estratégias adotadas pelos hotéis. O artigo 3 têm um
caráter técnico do ponto de vista da sua ênfase principal. O processo de desenvolvimento em si é a
temática do artigo, não sendo mencionada diretamente a gestão de design no artigo.
Um ponto comum aos três artigos é a preocupação com o planejamento para a promoção
do turismo. Também tanto o artigo 1 e o artigo 2 apresentam o fator experiência no turismo e
relacionam a isto questões quanto ao processo organizacional e estratégico. O artigo 2 evidencia
que o Design de serviços é uma disciplina emergente no turismo que juntamente com o crescente
interesse acadêmico na experiência de turismo e as pesquisas em design de serviço fornecem
benefícios ao turismo (STICKDORN e ZEHRER, 2013).
Destaca-se no artigo 3 o posicionamento quanto a necessidade de compreensão dos fatores
que afetam o sucesso na indústria do turismo. Chama a atenção para o fato que os gestores devem
desenvolver processos e procedimentos que lhes permitam identificar as características emergentes
e tendências do mercado a fim de avaliar a capacidade do negócio para desenvolver tais ofertas e
que estas correspondam às características desejáveis. Os autores sugerem que a empresa deve
desenvolver uma experiência na análise de oportunidade, no conhecimento das necessidades dos
hóspedes e que necessitam estabelecer padrões pelos quais o desempenho deve ser julgado, nos
quais sem normas mensuráveis, os gestores não podem acompanhar o desempenho do produto
nem fazer os ajustes necessários para estratégias. Por fim, esclarecem que embora os hotéis não
possam ter todas as habilidades requeridas para a proficiência em desenvolvimento de novos produtos
turísticos, estas ainda podem ter sucesso através da terceirização e parcerias estratégicas que realizar.
Conclusão
O design é tido como fator de diferenciação no setor da hotelaria que, conforme dados
apresentados no artigo, tem relevante papel econômico e social; mas que têm como principais
desafios a competividade do mercado global, os aspectos gerenciais, problemas setoriais e
a sazonalidade. Sendo a Gestão de Design responsável pelo direcionamento, planejamento,
coordenação e controle das atividades de design; a pesquisa objetivou levantar informações
referentes à Gestão de Design e que contribuam a competitividade e diferenciação na hotelaria.
Para isto foi desenvolvida uma pesquisa bibliográfica e documental dos temas gestão de
design e hotelaria que subsidiaram as análises dos artigos selecionados com a revisão sistemática
integrativa. A busca dos artigos foi realizada nas principais bases de dados em que ficou evidenciado
o incipiente número de artigos científicos no tema.
Na especificidade da pesquisa apresentada, entretanto, cabe à possibilidade da gestão de
design estar inserida em outros contextos ou em áreas afins; como o marketing ou a gestão da
hospitalidade, por exemplo. Fato este que pode justificar a falta de artigos científicos.
9
Como resultados da pesquisa, a análise dos artigos nos permite indicar um espaço para
crescimento da atuação da Gestão de design na indústria hoteleira, uma vez que as atividades de
design citadas pelos autores dos artigos se inserem nos três níveis organizacionais (estratégico,
tático e operacional).
Como limitações de pesquisa, consta o tempo para a realização da pesquisa que impediu
buscas e análises em outras bases de dados ou anais de eventos. Contudo, com a explicitação
do método torna-se possível atualizar a pesquisa e aprimorar seus procedimentos para o
aprofundamento ao tema.
A relevância da pesquisa está por: evidenciar a importância do design no turismo e
hotelaria, evidenciar a necessidade de pesquisas sobre a Gestão de design na hotelaria, bem suas
potencialidades. Além disso, a pesquisa possibilitou a ampliação do entendimento da atuação da
Gestão de design no setor.
Aponta-se como estudos futuros a verificação da atuação do designer na indústria do
turismo de modo geral a fim de apontar as oportunidades no setor turístico.
Notas
i http://www.dmi.org/dmi/html/aboutdmi/design_management.htm.
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VALOR ANÁLISE SETORIAL: A Indústria Hoteleira no Brasil. São Paulo, ago. 2010.
Resumo
Tendo em vista a centralidade das relações entre comunicação,
consumo, entretenimento e a bilionária indústria mundial de ga-
mes, este texto examina uma iniciativa de jogo independente for-
matado para as plataformas iPhone e iPad, o game Tíz. Em meio
a um privilegiado cenário no qual coexistem grandes produtoras
e pequenos desenvolvedores, buscamos estudar o processo de
game design e desenvolvimento de mecânicas lúdicas para plata-
formas mobile.
9
Introdução
É interessante examinar a indústria do entretenimento, que temos consolidada na
contemporaneidade, como um espaço privilegiado de estruturação de narrativas e consumo de
bens (materiais e simbólicos). O lúdico, cada vez mais presente em nosso cotidiano, nos faz refletir
acerca das palavras de Huizinga (2001) que na década de 1930 apontou que mais do que homo
sapiens, o ser humano também é o homo ludens.
Dentro deste contexto, os video games – em seus múltiplos formatos de consoles e
plataformas – se consolidaram como objetos culturais e importantes pilares da indústria do
entretenimento. Outro ponto a ser destacado dentro desse cenário é de que os video games
atraem, cada vez mais, a atenção da mídia devido às dimensões de lucratividade que esta
indústria representa. Não é incomum abrirmos algum grande portal de notícias na internet e
encontrarmos informações sobre o mercado de video games. Projeções e estudos indicam que,
no ano de 2016, este mercado pode atingir uma cifra próxima de 86 bilhões de dólares1. Santaella
(2009, p.x), na introdução da coletânea de textos “Mapa do Jogo”, reforça esta ideia e aponta que
a indústria de games já superou o cinema em faturamento e forma a terceira maior indústria do
mundo, perdendo somente para as indústrias bélica e automobilística.
Um mercado de tamanha magnitude parece conquistar grandes audiências devido aos
múltiplos formatos de experiências que oferece. Acerca do assunto, Martín-Barbero (2004,
p.215) afirma que um video game pode oferecer uma experiência que retira um indivíduo do
“mundo real” levando-o a uma experiência que chega a ser “hiper-real”, tamanha a evolução
que estas plataformas de entretenimento sofreram nos últimos anos. Sobre esta evolução,
em termos de plataformas e linguagens, vale uma ressalva especial de que os games hoje,
inclusive, extrapolaram a esfera do puro entretenimento e são utilizados na área médica
(ARAUJO; CARVALHO; FERREIRA; VASCONCELLOS, 2013, p.343), para promover o aprendizado
infantil (TÓTH; POPLIN, 2013, p.194) ou até mesmo com fins ecológicos (MASTROCOLA, 2013,
p.330).
É neste contexto de comunicação e entretenimento, desta indústria bilionária, que iremos
nos debruçar no processo de criação e game design do jogo para iPhone/iPad denominado Tíz2. O
jogo em questão foi criado pelo autor deste texto e desenvolvido pela produtora independente
Ludofy Games, cujo trabalho pode ser visto no endereço http://www.ludofy.com/. Lançado em março
de 2013, o game está disponível para download nas plataformas supracitadas.
Objetivamos discutir os passos principais para o processo de criação/produção deste tipo de
produto midiático sempre ancorados no pensamento de diversos autores da área de game design
e comunicação.
Além disso, pretendemos debater determinadas apropriações estratégicas que as plataformas
móveis de comunicação, como smartphones e tablets, disponibilizam na contemporaneidade. Neste
cenário, vemos grandes empresas lançando jogos, mas também vemos pequenas produtoras
9
buscando um espaço para mostrar seu trabalho; e não é incomum estes pequenos produtores
conseguirem lucro ou visibilidade com suas produções independentes.
O contexto digital, a alta disponibilidade de conteúdo e o acesso relativamente fácil a
determinadas tecnologias, complementa este intricado panorama que propomos observar neste
texto. Segundo Castells (2009, p. 135), novas tecnologias fazem com que todas as formas de
comunicação se combinem em um ambiente digital, global, multicanal e multiplataforma. Castells
ainda afirma que a capacidade interativa dos usuários desses novos sistemas de comunicação
geraram o fenômeno do mass self-communication3, com acesso ao conteúdo por diversas
plataformas, como celular, computador, video game, iPhone, iPad, TV digital etc., onde indivíduos
vivem experiências e podem, muitas vezes, compartilhá-las com outros indivíduos através de redes
sociais digitais como Twitter, Facebook, Tumblr etc.
Sendo assim, partimos em seguida para apresentar o game Tíz procurando mostrar detalhes
de sua mecânica, interface e funcionamento. Em seguida iremos apresentar algumas importantes
ideias correlacionando a criação do game Tíz com o processo de game design.
O jogo Tíz
Conforme mencionamos anteriormente, o jogo observado neste texto é uma produção
advinda de um pequeno estúdio. Atualmente, este tipo de produção é comumente chamada de
indie game, pelo seu caráter de publicação independente. O número de indie games publicados,
principalmente para smartphones e tablets, veio aumentando consideravelmente nos últimos anos e
não faltam sites como, por exemplo, o http://indiegames.com/ para falar com bastante propriedade
sobre o assunto.
É nesse cenário que se enquadra o game Tíz4, que pode ser jogado contra o computador
ou contra um oponente (alternando turnos no smartphone ou no tablet) e pode ser enquadrado na
categoria de puzzle estratégico.
Schell (2008, p.210-218) aponta que um bom jogo que envolve mecânicas de quebra-
cabeça, ou puzzle, possui algumas características essenciais: o objetivo a ser solucionado deve ser
facilmente entendível; o puzzle precisa ser fácil de ser iniciado; é importante dar alguma ideia de
progresso e solução para o jogador; a dificuldade deve aumentar gradativamente e, finalmente, o
jogador deve ser recompensado (com posições em rankings, pontos, troféus, badges etc.) ao atingir
a solução do enigma.
Para entendermos melhor essa definição, vamos explicar brevemente como se opera a
mecânica do jogo em questão.
A inspiração do game advém do clássico “jogo da velha”, onde dois jogadores procuram
colocar suas peças formando linhas, colunas ou diagonais com os mesmos símbolos. A diferença
no jogo Tíz é o fato de que o jogador rola um poliedro/dado de dez lados (numerado de um até dez)
e deve alocar o resultado em um grid de 3x3 quadrados. Os resultados dos dados sempre devem
9
ser postos nos quadrados externos do tabuleiro e um dado pode “empurrar” outro na vertical ou na
horizontal. O objetivo do jogo é marcar pontos fazendo sequências de números.
Se um jogador faz uma sequência de números crescente/decrescente sem ordem – como
por exemplo 4, 7 e 9 – ele marca um ponto e os dados desaparecem do grid; se um jogador faz uma
sequência de números crescente/decrescente em ordem – como por exemplo 2, 3 e 4 – ele marca
três pontos e os dados desaparecem do grid; e, finalmente, se um jogador faz uma sequência de
números iguais – como por exemplo 8, 8 e 8 – ele marca seis pontos e os dados desaparecem do
grid. Ganha o jogo quem conseguir fazer quinze pontos primeiro.
O jogador deve pensar estrategicamente ao colocar um resultado numérico no tabuleiro
para não privilegiar as jogadas dos oponentes. Vale frisar que o jogo em questão não é puramente
estratégico e há um componente de sorte para tornar a experiência menos complexa para jogadores
casuais.
Na imagem a seguir, podemos observar algumas telas do jogo, assim como uma descrição
visual resumida das regras:
(figura_1.jpg)
Em essência, como pudemos ver na imagem anterior, Tíz é um jogo bastante simples e pode
ser considerado um jogo casual (ou casual game). Segundo Trefay (2010), casual games podem ser
definidos como jogos rápidos de experimentar, detentores de mecânicas simples e extremamente
acessíveis. Neste tipo de jogo, segundo o autor, regras e objetivos devem ser muito claros e os
jogadores devem adquirir proficiência de maneira rápida. O casual game se adapta ao cotidiano e à
agenda do jogador.
Um jogo casual, como Tíz, pede uma interface intuitiva e simples de ser assimilada pelos
jogadores. Brent (2005) em seu livro “Game Interface Design” aponta alguns caminhos para criação
de interfaces intuitivas e amigáveis pensando nos jogadores de diferentes plataformas de games
digitais. Segundo este autor (2005, p.2), mais importante do que o aspecto visual do jogo é a sua
funcionalidade. Uma interface pobre pode arruinar por completo a experiência do game. Johnson
9
(2001, p.17) reforça esta ideia quando diz que a interface atua como uma espécie de tradutor,
mediando entre duas partes, tornando uma sensível para a outra; este fato é essencial dentro do
contexto dos casual games.
Vale ressaltar, também, que atualmente, há um alto número de games casuais disponíveis
para download em plataformas como a App Store (Apple) e a Play Store (Google) e esse fato nos
dá algumas pistas para o enorme potencial dessa área. Além de grandes empresas lançando jogos
nestas plataformas, há desenvolvedores de indie games colocando seus produtos na mesma loja
virtual para os jogadores.
Uma vez apresentada a ideia geral do game Tíz e o contexto no qual ele está inserido, iremos
fazer algumas considerações sobre o processo de game design deste jogo. No próximo tópico iremos
abordar uma, das muitas maneiras, que este tipo de produto midiático pode ser materializado.
9
multidisciplinares e existem jogos como Tíz, que são criados através do trabalho de poucos
profissionais envolvidos.
Diante destas primeiras reflexões é importante ressaltar que diferentes tipos de jogos
necessitam de diferentes tipos de envolvimento técnico. Um jogo de tabuleiro pode, por exemplo,
ter um game designer para desenvolver as regras/mecânicas e um designer gráfico para dar vida ao
tabuleiro, peças e arte da caixa. Já um jogo de Playstation com complexidade alta pode agregar uma
equipe com mais de duzentas pessoas, entre elas: game designers, modeladores 3D, compositores
de trilha sonora, programadores etc.
Independente da plataforma ou da grandeza, todo jogo – de certa maneira - possui uma
mecânica e regras, seja ele de tabuleiro ou de video game. Todo jogo possui uma interface e requer
um jogador (ou alguns jogadores).
Nesse fluxo percebemos que há uma constante troca de informações. O jogo envia desafios
e inputs ao jogador, que por sua vez devolve outputs e ações em uma espécie de ciclo constante
onde o importante é o caráter lúdico e o entretenimento acima de tudo.
McGonigal (2011, p. 21) fornece um olhar sobre game design que vem complementar nosso
raciocínio. A autora diz que todos os games são definidos por quatro aspectos essenciais: 1) O
objetivo: a finalidade específica pela qual os jogadores devem lutar; 2) As regras e mecânicas: que
estabelecem limitações para os jogadores atingirem os objetivos; 3) O sistema de resposta: que
conta aos jogadores o quão perto eles estão de atingir os objetivos; 4) A participação voluntária: que
determina que todos os jogadores sabem e aceitam o objetivo, as regras e o sistema de respostas
do jogo.
Com base nestes apontamentos, voltamos para nosso objeto de estudo com o objetivo
de descrever seu processo de criação/game design. O game Tíz seguiu um processo de elaboração
muito parecido com determinadas ideias propostas por Fullerton (2008 ps.15-16) que diz que – de
maneira geral – a criação de determinados jogos eletrônicos passa por sete passos: 1) Brainstorm,
ou seja, uma geração de ideias livres entre os envolvidos no processo; 2) Execução de um protótipo
físico do jogo usando papel, caneta e outros materiais, pois é imprescindível enxergar como irá
funcionar a mecânica do jogo em sua essência; 3) Apresentação de layouts e esboços mais completos
do jogo; 4) Protótipo digital (no caso de jogos eletrônicos) que opera como um “rascunho digital” já
com os primeiros testes de mecânica e software; 5) Documentação de design, onde é formalizado
o processo de criação, dados importantes do jogo, telas principais para futuras referências etc.; 6)
Produção e finalização do projeto; 7) Certificação de qualidade com testes finais e correções.
O jogo Tíz segue boa parte desta lógica anterior. Foi criado pelo autor deste texto em
parceria com o programador da Ludofy Games e o primeiro passo foi uma ampla discussão de ideias
(brainstorm) para se chegar ao conceito principal do jogo (pontos que se materializam em sequências
de números). Uma vez definida a ideia, foi criado um protótipo de papel e dados de dez faces para
os primeiros testes, em seguida, foi desenvolvido um protótipo analógico com maior qualidade e
só depois o processo de programação foi concebido. Uma vez que o jogo foi disponibilizado na
9
iTunes Store foi importante receber feedbacks de jogadores para ajustar possíveis erros/problemas.
A seguir, apresentamos alguns rascunhos do processo criativo do jogo.
(figura_2.jpg)
Ao que tudo indica, um casual game – como o que colocamos em pauta neste texto – deve
possuir mecânicas simples como guias. O processo de criar primeiramente no “papel” gera um
ganho de tempo bastante grande e dinamiza a produção digital em um segundo momento.
Logicamente, esta é uma visão breve do processo de criação de um game eletrônico, mas
serve de base para reflexões mais amplas e para cenários mais complexos de produção deste tipo
de produto na gigantesca indústria do entretenimento.
Munidos destes aportes, partimos para considerações finais deste trabalho.
Considerações finais
Mais do que conclusões definitivas, aqui será apresentada uma síntese do que foi exposto
durante a elaboração desse texto. Apontaremos, ainda, possíveis desdobramentos futuros que
poderão ser considerados para outro artigo.
A contemporaneidade parece ser palco cada vez mais amplo para ações ligadas ao
entretenimento. Neste cenário, diversas empresas (grandes e pequenas) entenderam que
a ludicidade é essencial na materialização de determinadas estratégias de comunicação e
consumo. As empresas de video games e as produtoras de jogos para estas plataformas, por
exemplo, aperfeiçoam as experiências lúdicas de seus usuários a cada nova leva de produtos
lançada no mercado.
Dentro deste ecossistema comunicacional, percebemos que os consoles de video games
operam um papel fundamental, mas há outros mercados – como jogos para smartphones e
9
tablets – que possuem oportunidades para jogos extremamente criativos e envolventes para
determinados públicos.
Pudemos observar o passo a passo do processo de criação de um jogo simples, mas que
sinaliza que atualmente é possível desenvolver jogos eletrônicos mesmo não sendo uma grande
empresa do ramo do entretenimento.
A indústria de games já pressupõe uma opulência em termos de consumo de produtos.
Conforme pudemos observar neste estudo, há uma complexa trama de negócios envolvendo
diversas ramificações desta indústria. Sabemos, entretanto, que há muitas outras estratégias e
caminhos de comunicação possíveis dentro dessa vasta indústria, que é amparada por um cenário
tecnológico em alto desenvolvimento.
Por esta breve reflexão, podemos perceber o enorme potencial que a indústria de games
oferece para os mais variados tipos de empresas. Dentro deste cenário privilegiado, produtores
independentes (ou indies, como também são chamados) despontam com a possibilidade de poder
mostrar suas ideias para qualquer lugar do planeta através do download de um jogo. A ideia de
poder levar entretenimento para diferentes indivíduos através de um mobile game, por exemplo, é
bastante sedutora para aqueles que trabalham na área.
A ideia de se entreter parece ser cada vez mais uma característica básica de nossos tempos.
O autor Raph Koster (2005, p.100-104) aponta que pessoas diferentes pedem tipos diferentes de
diversão. Entender estes diferentes públicos em termos de linguagem e oferecer o melhor formato
de entretenimento para eles parece ser a chave para aplicar o lúdico na contemporaneidade.
O assunto em questão é fértil e esperamos que a discussão aqui iniciada se expanda em
outros artigos e novas articulações de conteúdo.
Notas
i Segundo matéria do site www.brasilgamer.com.br de 4/7/2013 fazendo alusão a um estudo realizado pela
consultoria Newzoo. O conteúdo pode ser lido no endereço http://goo.gl/yIFA4F (acesso em 2/2014).
ii Mais detalhes sobre o game podem ser encontrados na página da iTunes Store no endereço de internet a
seguir: http://goo.gl/Rw54Ir (acesso em 2/2014)
iii Castro (2012, p.191) traduz o termo como “comunicação interpessoal de massa”.
iv A palavra “tíz” no idioma húngaro significa “dez”. O nome foi escolhido pela sonoridade curiosa e por causa
dos números que podem ser alocados no grid central que variam de um a dez.
Referências
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9
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SANTAELLA, Lúcia (Org.). Mapa do jogo. São Paulo: Cengage Learning, 2009.
Resumo
TO objetivo deste trabalho é investigar o processo de comodifica-
ção da estética do movimento de contracultura culture jamming.
O que antes se caracterizava pelas altas barreiras entre a cultu-
ra dominante e a subcultura, atualmente é marcado pelo cons-
tante fluxo de intercambio de práticas, técnicas e ferramentas.
Tais fluxos influenciam o comportamento e as relações dos seus
participantes criando assim, novas respostas e re(ações) como
por exemplo, uma nova estética e um novo tipo de consumo. Ao
mesmo tempo, um vazio criado a partir destas dinâmicas neces-
sita ser entendido: o ciclo produção-consumo da culture jamming
e do design nos leva a imaginar sobre os papeis e desafios do
próprio design. Neste trabalho levantamos questões relaciona-
das a estas novas dinâmicas de criação-produção e o estímulo
ao consumo usando a estética subvertida dos cartazes como o
principal objeto de análise desta pesquisa ainda incipiente.
9
Introdução
Os movimentos ligados à rebelião visual surgiram para expressar os sentimentos de insatisfação
e críticas por uma minoria não alinhada com a cultura dominante e, portanto, identificados como
subcultura. De acordo com Julian Sorge (2012), durante centenas de anos novos estilos artísticos se
estabeleceram pela reviravolta estética como uma insurgência visual contra as regras estabelecidas ao
longo do tempo como, por exemplo, pela arte tradicional e os movimentos de design. O autor argumenta
que até agora, todas as variações do que geralmente era considerado agressivo visualmente (no
sentido de impacto e invasão do espaço público), passou a ser considerado como “rebelde”.
Atualmente, aqueles que estão à margem da cultura dominante são tidos como parte dos
movimentos de contracultura que surgiram no final dos anos 70 com a situação paradoxal do
crescimento da crise política e do desenvolvimento da mídia, ou seja, a televisão colorida, o rádio,
revistas especializadas, e o mais importante, a web. Um dos movimentos de contracultura que
mais contribuiu com esta atual rebelião visual foi o culture jamming que, como em um ciclo vicioso,
tomou as técnicas desenvolvidas nas artes visuais e no design gráfico como ferramentas de sua
própria expressão, desenvolvendo assim uma linguagem estética específica.
Por muitos anos, os jammers criaram um impacto visual que vai de encontro ao que eles
costumavam acreditar ser o seu pior inimigo: as falhas no sistema político e capitalista, a poluição
visual, a manipulação do espaço público e o exacerbado estímulo ao consumismo.
Como em uma bricolage, os jammers realizam mudanças (ou, subverções) nos cartazes em
via pública para comprometer a sua “legitimidade” e modificar sua leitura. Ao (re)tomá-los e refazê-
los, a comunicação de uma via dos anúncios é alterada por um intercambio de idéias e imagens
impelidas pela ironia e pelo sarcasmo, isto é, mensagens subvertidas.
Embora a abordagem política de todos os ataques visuais dos jammers seja bastante clara
no inicio do movimento, atualmente a “matriz” desta produção parece estar se modificando. Muitos
jammers famosos, como OBEY (Estados Unidos), são artistas visuais e designers com uma posição
política e crítica, mas com objetivos diferentes: suas produções, cartazes subvertidos a priori, estão
sendo vendidas e administradas por galerias de artes internacionais.
Em resumo, seus trabalhos não estão sendo concebidos apenas com o objetivo de criticar,
mas também para serem consumidos. E, quando estamos nos referindo a consumo aqui, estamos
apontando a produtos vendidos em troca de valor monetário (dinheiro), o quer dizer, processos de
comodificação.
Neste trabalho tentaremos explicar esta trajetória tomada pelos jammers e designers
em seus atuais níveis de ação. Levantamos a hipótese do que seria a expressão de um novo
comportamento ou de uma nova relação entre os movimentos de subcultura e a cultura dominante:
uma estética da hipocrisia, um fenômeno que identificamos como uma nova corrente no consumo
visual em espaço público, uma vez que necessitamos reconhecer que as imagens subvertidas, ao
serem expostas em espaço público, estão sujeitas a consumo.
9
Tal afirmação, no entanto, não significa uma diminuição na crença dos movimentos contra
culturais ou que estamos admitindo o desaparecimento deles. Pelo contrário, o que estamos
tentando examinar detalhadamente é sobre o papel dos designers no processo de comodificação de
uma subcultura: o que há de interessante na estética de um movimento que necessita “alimentar”
suas mainstream: por que transformar um movimento de contracultura em um produto capitalista?
Qual é a razão por detrás deste propósito e, especialmente, o quê mudou na sociedade que a faz
consumir este tipo de estética visual?
Para compreender melhor o fenômeno da estética da hipocrisia que aqui levantamos, este
trabalho será desenvolvido sob o marco teórico da guerrilha semiológica (guerrilla semiotic warfare,
ECO), do processo de comodificação (commodification, KOPYTOFF), o conceito de estratégias e
táticas (strategies and tactics, de CERTAU), entre outros.
Para exemplificar nossa hipótese nós tomamos OBEY, que é um dos mais importantes
jammers da atualidade, e Adbusters que é uma das revistas mais representativas do movimento
de contracultura. Acreditamos que isso possibilitará a observação de mudanças nos usos, forma,
função, linguagem, identidade visual etc.
O principal objetivo e a relevância deste trabalho está no fato de que ele demonstrará
e analisará novas questões sociais e narrativas do design da comunicação visual e, também
tentará compreender a ausência de fronteiras entre os níveis de produção cultural. Gostaríamos
de compreender a atual culture jamming não como um movimento político/artístico, mas
como um processo de ressignificação da visualidade no que diz respeito a imagens de/para
consumismo.
As ideias iniciais desta investigação, ainda em andamento, podem nos ajudar a esclarecer
aspectos que ainda não foram percebidos pelo Design da Comunicação.
A crise do (in)visível
De acordo com Giulio Argan (1993), nós precisamos repensar o papel das escolas de arte
e do design uma vez que a industrialização e o surgimento de novas tecnologias levaram todo um
sistema de produção cultural, tais como artesanato e arte, a uma crise.
No que diz respeito ao design, o autor afirma categoricamente que “há uma crise” (IBID, p.01).
Com isto em mente e observando as muitas contradições que surgem na sociedade, o
autor argumenta que nós deveríamos considerar o design como um processo significativo da vida
diária de uma sociedade, uma vez que é o design que leva algo (um objeto) a ser o autor (e ato) da
existência humana.
Portanto, a crise (ainda tão atual desde a afirmativa de Argan) é global, em que o
mundo moderno em que vivemos tende a deixar de ser um mundo de sujeitos para se tornar
um mundo de objetos, de um mundo de pessoas pensantes a um mundo de coisas pensadas,
como bem o disse Argan. Dito de outra maneira, a sociedade gradualmente está substituindo o
9
pensamento dialogado do design de um determinado projeto (o diálogo entre passado e futuro)
pela programação de soluções dialetais (a busca pela síntese), apagando da sociedade todas as
formas de existência histórica.
Isto significa que nós, enquanto sociedade, criamos “atalhos” no processo de produção
na tentativa de acelerá-los ainda mais, nós estamos interrompendo o pensamento criativo e o
processo centrado no homem de qualquer projeto: “O pensamento ocidental, estruturalmente
objetivador, objetifica as coisas, as pessoas, a realidade inteira” (ARGAN, 1993, p.04).
De acordo com o autor, isto acontece devido a um avanço óbvio na melhoria e avanço
tecnológico, o desenvolvimento rápido e contínuo da mídia cultural e do aumento irrefreável
do consumo estimulado pelo sistema capitalista, o que nos leva à ideia da indústria cultural
[Kulturindustrie] defendida por Adorno (1991).
Considerada como uma consequência do desenvolvimento da própria sociedade moderna,
o tema da indústria cultural inclui aspectos relativos à industrialização, ao desenvolvimento da
ciência, consumo e massificação social, e a discussão sobre o assunto geralmente destaca fatores
relacionados a uma descaracterização do conceito de arte (no qual também podemos incluir o
design) e, portanto, de uma cultura dominante e a “transformação” dos indivíduos em consumidores.
Sabe-se que a cultura de massa se realiza principalmente através da informação e do
sistema de comunicação, e que com esta enorme quantidade de imagens é criada e circulada
gerando então, ao mesmo tempo, um “problema” infinito:
“O novo design não deveria por certo consistir em impor a essas atividades,
que utilizam amplamente os meios de comunicação visual, uma certa dignidade
formal [...] Se pensarmos que, em substancia, reduziu os objetos às suas imagens
podemos até dizer que produz e introduz nos mercados apenas imagens” (ARGAN,
1993, p.10).
O bombardeio de imagens no qual as pessoas são impostas, especialmente no espaço
público, é de acordo ao autor, a conseqüência de nossa tolerância passiva no que se refere a esta
situação específica. Nossa aceitação e omissão estão diretamente refletidas no desenvolvimento
do meio ambiente, isto é, a ausência de (re)ações e participação dos indivíduos permite a apropriação
do espaço público e a proliferação (e poluição) de imagens.
Em resumo, é importante salientar que a informação e a comunicação de massa não
deveriam (e não permitida ser) uma comunicação de mão única, mas em vez disso, deveriam
estimular a comunicação entre os próprios indivíduos e o ambiente.
O maior exemplo disso é a publicidade, um campo no qual a predominância visual urbana ou
motiva o consumo ou exagera a cobiça por um determinado tipo de produto e estilo de vida.
É claro que a cultura de massa não pode aceitar que os valores essenciais para sua existência
se reduzam a comunidade monopolizada, não importa quais sejam seus pressupostos ideológicos:
“a tentativa por parte de alguns grupos de hegemonizar e administrar seus interesses na cultura de
9
massas é certamente a principal causa de ansiedade e perigos para outros” (ARGAN, 1993, p.10).
Acreditamos que quando o autor menciona a palavra “outros”, ele está se referindo especificamente
aos marginalizados, a uma minoria da população que deve se subjugar às regras ditadas pela cultura
dominante: a subcultura.
Subvertendo a crise
Subverter significa alterar ou destruir completamente. Segundo Dick Hebdige (1979), a
subcultura é a subversão dos padrões sociais dominantes. O autor defende que as subculturas têm
um caráter crítico que junto com indivíduos da mesma mentalidade que se sentem negligenciados
pelos princípios sociais, permite que eles desenvolvam uma sensação de identidade – em uma
maneira específica de estética visual.
O que vamos defender aqui é a subversão dos significados e conceitos revelados pela
apropriação do espaço público com a comunicação visual criada pela cultura dominante e que, para
tanto, Umberto Eco (1976, p.13) defende a necessidade de uma solução: “Eu não estou propondo
a uma e terrível forma de controle da opinião pública. Eu estou propondo uma ação para encorajar
o público a controlar a mensagem e suas múltiplas possibilidades de interpretação”3. Este “público”
ao qual o autor se refere tem o mesmo sentido da palavra “outros” utilizada por Argan (1993) e que
se refere às minorias, à contracultura.
Para Eco (1976), ter poder não é controlar os principais meios de comunicação, mas, usar
“forças de expressão” com pequenos meios em que a cultura dominante não exerce nenhum
controle ou poder sobre eles. Segundo o autor, não é tomando os estúdios de TV que a produção
em massa das imagens dominantes vai parar. Isto pode até ser assustador e também utópico. Pelo
contrário, afirma o autor:
9
formas de comunicação de guerrilha: uma manifestação complementar para as manifestações de
comunicação massiva e tecnológica.
Diretamente ligada ao ambiente urbano, os cartazes criam um ambiente visual ao mesmo
tempo em que “dialoga” com o espaço público e influencia o estilo de vida diário da sociedade
(MOLES 2004). Estejam eles nos prédios, avenidas, praças, pontos de ônibus, os cartazes “vivem” e
coabitam na metrópole como “humanos”, isto é, eles interagem com o seu entorno através de sua
própria linguagem, características visuais e modos de comunicação.
Dentro deste contexto e com um background artístico e histórico, os cartazes estão sempre
diretamente conectados à ideia de anúncio publicitária e à propaganda. Ao mesmo tempo, os
cartazes se tornam um dos melhores “alvos” das mensagens da contracultura e ferramenta de
expressão de vários grupos de resistência visual que surgiu ao longo do tempo.
De acordo com Eco (IBID), certos grupos da “massa dissidente” como os hippies, beatniks,
boêmios, ações de movimentos estudantis, por exemplo, podem ser vistos como respostas
negativas à sociedade da indústria cultural e de fato, eles o são. Pelo menos, de alguma maneira,
essas minorias estão tentando ir de encontro a um sistema controverso e expressar-se com
técnicas e ferramentas que eles acreditam sejam as melhores.
Neste sentido, estas práticas atualmente nos fazem lembrar o que Fuad-Luke (2009) define
como “ativismo do design”. Para este autor, o design pode gerar vida na vida diária ao reconectar o
conceitual com o natural e, ao mesmo tempo, o natural com o artificial. O design, afirma Fuad-Luke,
pode perguntar “O quê e agora?” ou, “Qual é o próximo?”. O design pode perturbar narrativas atuais,
pode romper o presente com contra-narrativas e, essencialmente, pode contribuir com abordagens
reformistas. Ou seja, o design pode e deve ser usado como forma de ativismo e catalisador de
transformações sociais.
Portanto, o design como ativismo proporciona todas as ferramentas, técnicas e práticas aos
indivíduos para criar suas próprias guerrilhas e expressá-las.
Contra a cultura
Önal (2005) afirma que, em cada era é fácil encontrar ativistas que são contra o poder
dominante e imagens controladas no espaço público, e o culture jamming é, por exemplo, um
desses grupos dissidentes defendido por Eco, no qual é possível observar (e analisar) claramente
a guerrilha:
Numa sociedade de calor, luz e poltergeist eletrônico – outro mundo misterioso “de
vastidão ilimitada, luzes brilhantes, do brilho e suavidade das coisas materiais” –
o projeto urgente da reconstrução do significado, ou pelo menos que reivindique
essa noção dos departamentos de marketing e das agencias públicas, requer
alguém que seja visualmente alfabetizado. Os jammers preenchem esse requisito”
(Dery, 1993 p.07)5
9
O culture jamming é um tipo de subversão. É uma resposta visual às instituições culturais do
mainstream, especialmente a aquelas que lidam com a visualização do espaço público – para os
jammers, apropriação e domínio do espaço público.
O movimento, como proposto pela guerrilha de Eco, que é parcialmente “terrorismo artístico”
e parcialmente crítico cria uma desordem nos signos e símbolos da mensagem visual freqüente da
imagem (DERY, 1993).
Baseado no graffiti, na arte moderna, e na filosofia punk do-it-yourself, o movimento do
culture jamming usa cartazes como o seu principal meio, (re)criando sua legitimidade visual com
“ataques” visuais, ou seja, subvertendo a linguagem já estabelecida e exposta nos cartazes,
especialmente aquelas relacionadas a moda e fast food. O culture jamming se caracteriza assim
como um movimento de anti-consumerismo cujo objetivo principal é expor e questionar as
implicações relacionadas ao consumo.
De acordo com muitos estudiosos, entre eles Dery (IBID), a origem do movimento é
caracterizada por um contexto histórico que inclui a estética do defiance russo, o jornalismo radical
dos anos 60, beatnick’s, bricollage, collage, assemblange e, principalmente, a estética desenvolvida
pelos Situacionistas: a prática de detournement ou inversão.
As raízes do próprio detournement baseiam-se nas cerimônias medievais onde a ordem
social era invertida e as autoridades desfilavam fantasiadas, revelando o seu “lado natural”, isto é,
a intenção real e verdadeira da sua “persona”6. E este é exatamente o objetivo do culture jamming:
revelar a mensagem oculta por trás da publicidade e reverter a relação hierárquica entre significado
e criação gerados pelo mainstream. Em vez de permitir que o significado seja imposto da corporação
para baixo, o objetivo é mover-se do povo para cima”7 (LAMB, 2003 p.04).
O culture jamming, segundo afirma o American Center for Communication and Civil Engagement8
apresenta uma variedade de estratégias de comunicação interessantes que brincam, se assim
podemos afirmar, com as imagens rotuladas e com os ícones da cultura do consumo para
conscientizar a sociedade de suas publicações e experiências culturais para justificar sua atenção.
Usando as técnicas do bricollage, montagem, colagem e corte para subverter os cartazes, os jammers
pintam e montam novas mensagens sobre os pôsteres expostos.
De acordo com o Culture Jammer’s Network Statement (DERY apud LAMB, 2003), seus
principais objetivos são tornar-se o que os direitos civis foram para os anos 60, as feministas para
os anos 70 e o ativismo ambiental para os anos 80, ou seja, modificar a maneira como a sociedade
interage e reage com os meios de comunicação as maneiras como os significados são produzidos
e (re)interpretados.
O jammer americano Poster Boy é um claro exemplo disto. Rasgando os cartazes e pintando
sobre eles, ele geralmente usa o contexto da imagem original exposta para desenvolver uma nova
imagem. Com uma técnica “rústica”, por assim dizer, ele corta as imagens originais dos cartazes
e com um adesivo caseiro ele cola as novas imagens que previamente foram preparadas por ele.
Como em uma cebola, ele vai “descascando” toda a visualidade de um determinado cartaz para
9
então criar a sua imagem subvertida, desenvolvendo novas camadas em uma nova mensagem, em
sua grande maioria com atitudes irônicas e políticas.
Giroux (apud HAIVEN, 2007), argumenta que a missão dos ativistas, artistas, produtores
culturais e intelectuais do espaço público é lutar, transformar a cultura, reinventar, restaurar e
9
defender os espaços públicos contra a apropriação indevida da cultura dominante. Juntamente
com o espírito de justiça social, o autor deposita a sua fé em indivíduos que realizam atos de
culture jamming e (re)tomam o espaço público. Segundo ele, “isto pode ser uma experiência muito
importante em que ela não só demanda atos de imaginação além daqueles atribuídos pela cultura
de consumo mainstream, mas incita a imaginação do [espaço] público, e as formas pelas quais os
aprendizes podem transformá-lo”9 (IBID, p.107).
O ponto de passagem
Os atos de sabotagem visual requerem uma variedade de técnicas que contribuem com
o estilo típico que a cultura dos jammers usa para reivindicar autoridade diante dos produtores
originais das imagens. É importante salientar aqui, a importância do design gráfico no culture
jamming uma vez que está claro que a pluralidade das técnicas desenvolvidas pelos jammers foi
apropriada desta forma de comunicação.
Alguns jammers, por exemplo, empregam os conhecimentos técnicos para implementarem
alguns planos complexos, tais como refazer a instalação de luzes de neon. Outros usam apenas
abordagens técnicas simples como o spray ou cola de maizena que são bastante mais acessíveis a
jammers com recursos limitados (LAMB, 2003).
Embora as técnicas e os objetivos que os jammers usem sejam diferentes umas das outras,
os resultados são esteticamente combinados, destacando-se e sendo facilmente identificados
por qualquer indivíduo que não faça parte da minoria da contracultura, quer dizer, pelos indivíduos
da cultura dominante. Curiosamente, todas essas técnicas que reivindicam poder e autoridade
das corporações da publicidade passam a serem identificadas pelas sociedades vigentes que, de
certa maneira, também as envolve em um processo de identificação especifico – a sensação de
insatisfação também parece afetar a maioria, mas sem expressão. Segundo Lamb:
Sob esse ponto de vista, se a sociedade vigente se identifica com a estética do culture
jamming, nós constatamos que de fato, a estética da contracultura pode ser usada como parte de
uma estratégia da cultura dominante para/como um estímulo de consumo.
Para Michel de Certeau (2010), as “estratégias” operam dentro de um sistema de poder.
Segundo o autor, as estratégias são as principais estruturas que caracterizam as posições de
poder e tentam forçar os indivíduos a seguir determinados padrões: a cultura dominante e o
9
sistema capitalista. Neste caso, as propagandas são partes das estratégias e, alvo do culture
jamming.
Porém, o autor explica que ao mesmo tempo em que a cultura dominante usa suas estratégias
para manter o controle da sociedade, há também a “tática”, ou seja, as (re)ações daqueles sem
poder, os marginais, como os jammers por exemplo.
Mas, o que acontece quando as táticas passam a ser usadas como estratégias? Digamos, o
que acontece quando a cultura dominante passar a fazer uso do culture jamming? Neste sentido, as
agências de comunicação visual estão sendo colocadas como os agentes que operam o processo
de comodificação do culture jamming.
Comodificar é, de acordo com Igor Kopytoff (1986), transformar qualquer mercadoria,
serviço ou objeto sem valor monetário em uma transação que envolve a troca, geralmente a
troca por dinheiro. Uma mercadoria é algo que possui valor e que pode ser intercambiada em uma
transação discreta por outra mercadoria, o próprio ato da troca indicando que o outro produto tem
no contexto imediato, um valor equivalente: “qualquer coisa que poder ser comprada por dinheiro é
uma mercadoria, qualquer que seja o destino que lhe esteja reservado depois que a transação for
feita”11 (IBID, p.68).
A comodificação deve ser vista como um processo de transformação social que envolve uma
sucessão de fases e mudanças de status, e alguns deles se fundem com outros status. Sob uma
perspectiva cultural, argumenta Kopytoff (ibid), a produção de mercadoria é também um processo
cognitivo e cultural, o que significa que as mercadorias não devem ser produzidas somente como
coisas, mas também marcadas culturalmente como sendo um determinado tipo de coisa.
Voltando aos Situacionistas, Guy Debord (1968, p.24), o mais significante membro do
movimento afirmou que “o capital é acumulado ate o ponto em que ele se torna uma imagem”.
Com esta afirmação, o autor estava defendendo a idéia de que a relação entre sociedade e as
imagens produzidas normalizam e padronizam uma ordem especifica da vida e que neste contexto,
era “obrigação” do movimento decretar uma variedade de ações reflexivas para quebrar a rotina
diária da sociedade.
Mas, o que acontece se a culture jamming se torna a rotina da sociedade? O que acontece
se nós pensamos o oposto da afirmação de Debord: a imagem é acumulada até o ponto que ela
se torna um capital? Dito isto, somos capazes de compreender a transformação da estética da
contracultura em uma estratégia de consumo ou, melhor: da guerrilha semiológica defendida por Eco
(1996), a um processo de guerrilha de marketing defendida pelas atuais agências de comunicação
visual.
9
Warhol, em 1989 Fairey começou a criar e a espalhar adesivos e cartazes com o slogan “OBEY
THE GIANT” (obedeça ao gigante). O designer se inspirou na imagem do pugilista André The Giant, e
embora o lutador não esteja relacionado à posição crítica de Fairey, ele se tornou o símbolo icônico
de todo o seu trabalho: “fora do mundo do pugilismo, André foi comemorado por Shepard Fairey
em sua campanha adesiva chamada ‘André The Giant has a posse’ (André o gigante tem uma pose)
que representou um esforço artístico para estimular a expansão cultural espontânea sobre o status
icônico de André”12.
Dentro deste manifesto, a campanha OBEY pode ser considerada como uma tentativa de
estimular a curiosidade e fazer com que as pessoas imaginem seu ambiente e a cultura dominante
das imagens das propagandas e da beleza padronizada: “uma vez que as pessoas não estão
acostumadas a ver os anúncios ou propagandas nos quais os objetivos não são óbvios, frequentes
e novos, a propaganda de OBEY provoca pensamentos e possíveis frustrações, mas, no entanto ela
revigora a percepção do espectador”13.
Está claro que ao longo dos anos, Fairey desenvolveu sua própria linguagem estética e suas
técnicas e que tem trabalhado em campanhas de comunicação visual para bandas de pop e rock
e até para a campanha política de Barack Obama em 2008. No entanto, para nós o ponto mais
importante a ser destacado aqui é sua linha de roupas denominada OBEY.
Outro exemplo que tomamos para entender o fenômeno da comodificação do culture
jamming é a revista canadense Adbusters que, apesar de ser uma das revistas mais representativas
relacionadas ao movimento da contracultura, tem demonstrado algumas mudanças no seu discurso
e em sua posição durante os últimos anos.
Esta revista se caracteriza por ser uma revista que evita qualquer tipo de campanha
publicitária. Este fato necessita ser destacado aqui porque de acordo com Dery (1993), a revista
tem sido “incansável” em promover o culture jamming no mainstream, o que vai de encontro a sua
filosofia. “Adbusters é uma revista sem fins lucrativos “preocupada” com a erosão de nosso ambiente
físico e cultural pelas forças comerciais. O nosso trabalho tem sido destacado em centenas de
9
meios como jornais, revistas, televisão e rádio”14. Paradoxalmente, assim começa a sessão “about
us” na página web da Adbusters.
Como em um círculo vicioso, mas longe de ser seu objetivo principal, eles fazem e vendem os
seus próprios produtos criados para dar aos jammers “melhores” ferramentas, isto é, kits e sapatos
apropriados para os atos jamming. Então, insistindo em uma atitude ambígua e desconectada,
eles evitam a propaganda embora o façam usando um “estilo” próprio – eles não são nem sequer
baratos e cada jammer tem que arcar com suas próprias despesas: “o jam Adbusters representa a
política do gesto nos quais os atos e o culture jamming são apreciados por eles mesmos” (HAIVEN,
2007 p.100).
9
Não é somente o artista/jammer, mas também o indivíduo do mainstream – aquele que não
pertence à camada da subcultura – que nós precisamos observar. Nós precisamos observar aquele
indivíduo que agora está usando uma camiseta com o slogan contra o capitalismo, ou que comprou
um pôster subvertido por um alto valor, vendido por uma galeria de arte hipster, e que agora está
pendurado na parede da sua casa.
Fairey e a revista Adbusters não estão mais subvertendo as paredes, mas talvez o estejam
fazendo com o mundo e seu sistemas – e até mesmo com a subcultura. Usando a estética do
movimento para a produção de seus produtos, eles defendem suas posições argumentando que
eles ainda criticam a cultura dominante, mesmo sendo parte dela. Ao assumir esta posição, o que
exatamente estão fazendo? Estarão sendo táticos ou estrategicamente ativistas?
A partir daqui, é possível ver o que ambos estão fazendo para fundir dois campos de ação
diferentes, apoiando-se na desobediência visual na linguagem visual do ativismo do design: “o
termo ‘ativismo’ é usado para enfatizar a afinidade do ativismo do design com o ativismo político e
com outros movimentos de vários tipos tais como, anti capitalismo, anti global e assim por diante”17
(MARKUSSEN, 2011, p.01).
De acordo com Markussen (IBID), o ativismo no design é interpretado à luz de práticas
inventadas por certos movimentos de arte tais como o “intervencionismo social” e “arte comunidade”.
Tem-se chamado a atenção, por exemplo, de que as técnicas subversivas usadas no ativismo
do design urbano contemporâneo trabalham mais ou menos deliberadamente com práticas de
produção de arte que foram introduzidas pelos Situacionistas nos anos 60, as mesmas técnicas
usadas pelos jammers.
Como um ativista, um jammer, um artista ou indivíduo que faz parte do mainstream, é
importante se questionar sobre os papéis que eles desempenham uma vez que estão usando
o espaço público e técnicas da arte para se expressarem contra um sistema que eles acreditam
está fracassando. É importante questionar, o quê e quem eles estão tentando atingir com suas
mensagens e o mais importante, se é uma crítica ou uma estratégia estética para estimular o
consumismo e não mudanças sociais.
Considerações finais
É evidente que o culture jamming surgiu como um movimento da contracultura que luta
contra a vigilância da cultura dominante e o controle/apropriação das imagens no espaço público.
9
No entanto, se faz necessário esclarecer aqui que não pretendemos desenvolver uma pesquisa
para enfatizar aspectos tais como o caráter participativo e criativo do movimento ou destacar a
história do movimento.
O que procuramos aqui é compreender os processos de comodificação e consumo do que
deveria ser um movimento de resistência, uma vez que é importante observar em particular estas
estratégias que vão além dos cartazes subvertidos.
Para tanto, se faz necessário questionar o papel que os jammers e os designers desempenham e
o caminho traçado entre ambos. Também se faz necessário questionar todas as camadas de produção
cultural, principalmente porque ao remover os objetos de seu contexto “seguro” e recriá-los, os jammers
e os designers estão estimulando o ciclo consumo-produção-consumo das imagens subvertidas.
Ao retirar um cartaz subvertido do seu contexto da subcultura, por exemplo, e lhe atribuir
um valor (seja ele monetário ou conceitual) modifica não só a maneira como os jammers veem o seu
trabalho e a sociedade, mas também muda o comportamento da sociedade: é tudo uma questão
de ação e reação, estratégias e táticas.
O que queremos salientar aqui é, quais são as táticas que os designers e os jammers dão
uns aos outros? É uma resposta, no sentido de conscientemente aceitar a comodificação? Isto os
transforma em atores e participantes ativos de novas questões visuais que servem para caracterizar
o comportamento do individuo contemporâneo, aquele que esta incrivelmente distante da condição
de receptor passivo. A dinâmica dos jammers e designers agora é a mesma.
Reforçamos aqui, que a o processo de comodificação do culture jamming não é somente criar
um novo intercâmbio da estética visual, mas também afetar a sua produção e especialmente, ser
absorvida pelo mainstream tais como, galerias, anúncios, moda etc. Ao modificar isso também afeta
o comportamento da sociedade frente aos cartazes subvertidos, ou seja, uma vez que é tomado
pelo mainstream e transformado em produto, não há nada para surpreender ou criticar. O jamming
passa a ser considerado então, algo “normal” com o tempo
Se ambos, jammers e designers, estão “misturando” as diversas camadas de produção
cultural – subcultura e cultura dominante respectivamente, estamos de acordo com Haiven (2007,
p.107) que afirma que “os jammers deveriam assumir que o produto dos seus próprios trabalhos
não terão qualquer efeito substancial sobre um público maior. Serão poucos aqueles que passarão
por uma publicidade subvertida ou por um cartaz e irão reavaliar o capitalismo global”18, uma vez
que será um campo do design normalizado e padronizado.
No entanto, é o design que pode modificar essa perspectiva e assumir as posições de ativista
e de agente social. Ate que os papéis desempenhados por cada ator não esteja claramente definido,
será confuso para os acadêmicos, indivíduos e para os próprios agentes analisar e compreender o
tipo de importância que eles têm na produção cultural da sociedade. É necessário manter unidas a
coerência do discurso e as ações.
É difícil entender, por exemplo, como é possível ver um grupo de ativistas criticar as
propagandas, ao mesmo tempo em que eles estão vendendo e promovendo seus próprios produtos.
9
Nós enfatizamos que estas ações não são válidas. Uma vez mais, argumentamos que os papéis
desempenhados por cada um devem ser estabelecidos e suas ações justificadas: não está claro
porque a revista Adbusters está comercializando os “kits” para um “melhor jamming”. Os jammers não
o faziam bem antes? As ferramentas que usavam não eram boas o suficiente? E, vender um kit é
criar um padrão de trabalho que é exatamente uma das principais filosofias do capitalismo.
Até que nenhum desses papéis esteja claramente definido entre os níveis de produção,
entenderemos e tomaremos o fenômeno da hipocrisia da estética e continuaremos a questionar e
analisar cada camada e cada ator.
Concluindo, nos perguntamos se essas mudanças são reais. Seria o processo de
comodificação o destino de toda subcultura? Pode ser, e pode ser que não importe o quão às
margens um movimento esteja ou o quanto contracultura ele é. Ele ainda está sob a tutela do
sistema mainstream que sendo parte de nossa cultura, é impossível deixá-lo.
Notas
i Originalmente desenvolvido em inglês e aprovado para apresentação e participação no dmi: 19th Academic
Design Management Conference, Londres/Inglaterra, 2014.
ii Doutoranda em Design da Comunicação - D.COM, na Politecnico di Milano, Itália. Mestrado em Culturas
Midiáticas Audiovisuais pelo Programa de Mestrado em Comunicação Social da Universidade Federal da
Paraíba – PPGC/UFPB, Brasil. Email: andrea.poshar@polimi.it
iii Tradução livre de “I am not proposing a new and more terrible form of control of public opinion. I am
proposing an action to urge the audience to control the message and its multiple possibilities of interpretation”
(ECO, 1976, p.13).
iv Tradução livre de “Precisely when the communication systems envisage a industrialized source and a
single message that will reach an audience scattered all over the world, we should be capable of imagine
systems of complementary communication that allow us to reach every individual human group, every
individual member of the universal audience” (ECO, 1976, p.12).
v Tradução livre de “In a society of heat, light and electronic poltergeist – an eerie otherworld of “illimitable
vastness, brilliant light, and the gloss and smoothness of material things” – the desperate project of
reconstructing meaning, or at least reclaiming that notion from marketing departments and P.R. firms,
requires visually-literate ghostbusters. Culture jammers answer to that name” (DERY, 1993 p.07).
vi http://www2.fiu.edu/~mizrachs/Culture_jamming.html.
vii Tradução livre de “Instead of allowing for meaning to be dictated from the corporation down, it aims for
meaning to move from the people up” (LAMB, 2003, p.04).
viii http://depts.washington.edu/ccce/polcommcampaigns/CultureJamming.htm
ix Tradução livre de “This might be a very important experience in that it not only demands acts of imagination
9
beyond those ascribed by mainstream consumer culture, but it invites an imagination of the public [space]
and forms by which learners can address and change it” (GIROUX apud HAIVEN, 2007, p.107).
x Tradução livre de “Interestingly, this style is gaining popularity in the design world as advertisements
that imitate the style of subvertisements and winning awards in the advertising industry. Although both
might consider their relationship to be parasitic, the ad industry and culture jammers actually share an odd
symbiotic relationship. Jammers rely on the techniques of advertisement […] while the ad industry has
capitalized on the anti-ad hipness culture jamming promotes” (LAMB, 2003, p.31).
xi Tradução livre de “Anything can be bought for money is at the point a commodity, whatever the fate that
is reserved for it after the transaction has been made” (IBID, p.68).
xii http://www.thegiant.org/wiki/index.php/Andr%C3%A9_the_Giant
xiii Tradução livre de “Because people are not used to seeing advertisements or propaganda in which the
motive is not obvious, frequent and novel encounters with OBEY propaganda provoke thought and possible
frustration nevertheless revitalizing the viewer’s perception”. Ver também http://www.thegiant.org/wiki/
index.php/Obey_Giant#History
xiv https://www.adbusters.org/about/adbusters.
xv Tradução livre de “Culture jamming has active recruitment techniques which appeals to professional who
work in the industry in order to persuade them to use their talents for a “greater” cause” (LAMB, 2003, p.35).
xvi Tradução livre de “As people consume the commodities or image-objects of the spectacle they become
part of the spectacle, making rebellion against its hard. Even the most radical gesture gets recuperated
into the spectacle and turned into a commodity, negating its subversive meaning. It is a question not of
elaborating the spectacle of refusal, but rather of refusing the spectacle. Everything becomes a commodity
[…] Rebellion is sold back to us as an image that pacifies us” (ELLIOT apud LAMB, 2003, p.37).
xvii Tradução livre de “The term ‘activism’ is meant to emphasize design activism’s kinship with political
activism and anti-movements of various sorts such as, anti-capitalist, anti-global, and so forth” (MARKUSSEN,
2011, p.01).
xviii Tradução livre de “culture jammers should assume the products of their work itself will have any
substantial effect on the broader public. There will be extremely few who will walk by a jammed ad or billboard
and reevaluate global capitalism” (HAIVEN, 2007, p.107).
Referências
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9
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[Online] Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/mar.10006/pdf>. [Acesso 25
de Maio de 2014]
Resumo
O conhecimento dos processos mentais dos últimos cinquenta
anos, via ciências da mente, ampliou muito o entendimento de
como o cérebro funciona. Este artigo destaca as recentes pes-
quisas em neurociência e suas relações com o design na con-
temporaneidade. Discutimos alguns dos mecanismos cerebrais
que produzem, controlam, gerenciam a subjetividade humana
no mundo ordinário do dia-a-dia para entender a importância
da consciência e da percepção dos nossos processos mentais. O
afeto, a sensibilidade, as emoções contidas na produção e recep-
ção das informações que circulam na atualidade, e que, sobretu-
do, condicionam comportamento, são fundamentais na articula-
ção entre a neurociência e o design.
9
Introdução
Parafrasear Richard Hamilton para intitular o artigo aqui apresentado esclarece, bastante
bem, como as pesquisas em neurociência, ou mais amplamente falando, das novas ciências da
mente, têm sido incorporadas nos discursos das mais variadas áreas do conhecimento. Assim
como a colagem O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes? do pôster de
1956 de Hamilton, composto de anúncios recortados de revistas populares, que rompia com a
barreira existente entre uma elevada cultura ocidental e a comunicação de massa, entre elitista e
democrático, único e múltiplo – as pesquisas sobre a mente e o cérebro romperam com as barreiras
que segregavam o saber científico a poucos e circulam vasta e livremente nos mais diversos
periódicos encontrados nas bancas de revistas espalhadas pelas cidades, ou ainda, em inúmeras
reportagens exibidas pelas TVs, elas estão na boca do povo. Mas, o que torna esse conhecimento
tão sedutor e popular?
Os avanços científicos dos últimos anos tornaram possível revelar muitas das funções dos
organismos vivos, especialmente as funções do cérebro no interior desses organismos. A medicina,
a biologia molecular, a neurociência, aliadas a filosofia, a psicologia e a psiquiatria, produziram
importantes pesquisas para o entendimento da mente e de suas ações na vida cotidiana. Questões
centrais do pensamento ocidental sobre a natureza dos processos mentais, dos modos de ser e
existir no mundo, foram explicitadas pelas novas ciências da mente na atualidade.
O desenvolvimento dessas pesquisas, especialmente em neurobiologia molecular, sobre
o modo como pensamos, aprendemos, lembramos, enfim, permitiram avançar sobre aspectos
da mente considerados difíceis de investigar. Auxiliadas pelas novas técnicas de imageamento
cerebral, que admitiram visualizar e mapear as atividades mentais do cérebro durante a realização
de várias ações desempenhadas pelas pessoas – das mais simples as mais complexas, como ver
uma imagem, emocionar-se, ou refletir sobre um trajeto no espaço – essas pesquisas abriram
caminhos para um melhor entendimento dos processos cognitivos, da consciência, e também
dos afetos por eles produzidos. Pode-se dizer que a subjetividade está sendo estudada no
laboratório, e por mais estranho que possa parecer, isso não implica uma abordagem fria e distante
dos cientistas. Eric Kandel, em seu livro Em Busca da Memória, declara não ser possível “tomar
decisões puramente com base nos fatos – porque os fatos são quase sempre insuficientes. No
final das contas temos que confiar em nosso inconsciente, em nossos instintos, em nosso anseio
criativo” (2009, p.169).
Assim como Kandel, prêmio Nobel de fisiologia e medicina em 2002, renomados
neurocientistas – António Damásio, Oliver Sacks, Vilayanur Ramachandran, e Miguel Nicolelis no
Brasil, entre outros – tiveram um papel fundamental na disseminação do conhecimento científico
sobre o funcionamento do cérebro e da mente quando tornaram “literária” a neurociência por meio
de seus livros. Compreender o quê acontece no cérebro quando se está apaixonado, ou por que me
apaixono; entender os processos de aprendizado, atenção e memória para que se possa exercitar o
9
cérebro e obter melhor desempenho nas tarefas desejadas, ou mesmo retardar o envelhecimento
mental; conhecer as reações afetivas, as emoções e sentimentos, que condicionam nossas ações
no mundo; mapear áreas cerebrais acionadas pela imaginação, pelo delírio, pelo sonho; são alguns
exemplos que elucidam o quão fascinante é a neurociência, e o quão abrangente pode ser o uso
deste saber.
Inevitável que o design, no seu papel de articulador das relações cotidianas entre os seres
humanos e seus artefatos, seus sistemas de comunicação, faça usufruto dos saberes sobre a mente
para que os designers possam melhor “operar sobre a qualidade das coisas e sua aceitabilidade e,
portanto, sobre a atração que novos cenários de bem-estar possam porventura exercer” (Manzini,
2008).
Este artigo apresenta algumas pesquisas da neurociência sobre a consciência e a percepção
para pontuar de que modo esse conhecimento condiciona o desenvolvimento de projetos em
design na atualidade.
Mente e cérebro
“Dê-me um lapso, um ato falho, e reconstituirei um cérebro”, afirma Deleuze (2005) em
seu livro A Imagem-Tempo, mas foi um neuroanatomista espanhol, Santiago Ramón y Cajal,
contemporâneo de Freud, quem formulou a doutrina do neurônio, base para o pensamento moderno
sore nosso sistema nervoso, sobre o funcionamento do nosso cérebro. De estudos feitos a partir
da década de 1890, Cajal inferiu que a sinapse entre os neurônios é caracterizada por um breve
intervalo chamado de fenda sináptica (Kandel, 2009). As intuições de Cajal foram confirmadas de
maneira conclusiva somente em 1955, e hoje pode-se afirmar com segurança que a comunicação
entre as células nervosas acontece nos intervalos, na fenda, na “falha”.
Se o cérebro humano funciona na descontinuidade, o que dizer dos processos mentais,
da mente humana? Desde a invenção da psicanálise e da teoria freudiana do inconsciente, não
há como duvidar que nossos pensamentos também estão repletos de falhas, ou mesmo que se
constituem nas falhas. Mas como entender as fendas dos processos mentais? Quanto mais e
mais os mistérios da consciência são desvendados, tanto mais somos conscientes dos processos
inconscientes que regulam nossa existência – biológica e subjetiva.
É fato que o desenvolvimento tecnológico associado às ciências médicas e biológicas não só
desvelou o corpo humano, mas também interferiu e modificou-o, afinal, é fato também que o corpo
é um objeto histórico – resultado da convergência dos encontros aos quais foi submetido. Um
pouco mais complicado é compreender de que modo os impulsos elétricos e as reações químicas
da matéria cerebral dão origem aos pensamentos subjetivos. A dificuldade está em estabelecer as
relações entre a mente e o cérebro, entre o corpo e a alma, e o grau de cientificidade comprovado
das abordagens: Quem, ou o que, é consciente em nós? Podemos ser o resultado de meras reações
físico-químicas? E nossa alma, onde ela se encontra? Se a consciência humana pode ser definida
9
como uma percepção de si, ser consciente da própria consciência, o que quer dizer perceber-se?
Em vez de respostas, a cada argumento estudado novas perguntas são pronunciadas, novos
conhecimentos se fazem necessários e novas “consciências” são geradas.
Reflexões que se alinham as pesquisas das chamadas novas ciências da mente, pois o
conhecimento dos processos mentais adquiridos nos últimos anos ampliou muito o entendimento
dos mecanismos cerebrais que delineiam a subjetividade humana. É o que veremos a seguir.
9
O entendimento da questão apresentada passa por um rápido percurso das abordagens
propostas pelas ciências e pela filosofia sobre a consciência que visam esclarecer os conceitos e as
escolhas determinadas. E é preciso atentar para o fato de que o instrumental teórico desenvolvido
pelo pensamento filosófico ocidental, quer dizer, o vocabulário e os conceitos engendrados, foi
incorporado ao pensamento produzido pelas novas ciências da mente. John R. Searle(1998) afirma
ser preciso rever o uso dos conceitos para que se possa avançar na exploração do mistério da
consciência, ou para transformá-lo em problema. Alinhando-se, assim, ao que Deleuze (2003)
havia dito em 1988 sobre a vida útil de um conceito filosófico. Vale relembrar: conceitos nascem,
morrem e também se transformam de acordo com suas funções e campos de atuação.
O problema da consciência
Na filosofia da mente, os fenômenos do mundo são pensados, basicamente, ou a partir
de um ponto de vista dualista, que defende a existência no mundo de duas espécies diferentes
de fenômenos; ou de um ponto de vista monista, que considera a existência de somente um tipo
de fenômeno (Searle, 1998). Os discursos que se constroem sobre a consciência, em sua maioria,
estão apoiados nestas duas distinções. Quais as diferenças que cada um desses discursos produz
para o entendimento da consciência?
Os dualistas dividem os fenômenos do mundo em mentes e corpos, e se há uma diferença
de substâncias entre o mental e o físico, eles são chamados de “dualistas de substâncias”. Por outro
lado, pode ser que o mental e o físico sejam compostos pela mesma substância tendo propriedades
diferentes, e estes são chamados de “dualistas de propriedade”. Searle supõe que a maior parte
das pessoas comuns aceita o discurso dualista, pois acreditam ser possuidores de uma alma e
um corpo, ou de um corpo e uma mente. Há que haver um ser imaterial que habita o corpo, há
que haver uma alma destinada ao céu, ou mesmo ao inferno; é impossível que o ser humano, que
meu eu interior, resulte de descargas elétricas e reações químicas. Mas diante da visão científica
contemporânea, são poucos os profissionais das ciências da mente que defendem uma visão
dualista dos fenômenos do mundo.
Para os monistas, que pensam o mundo formado por uma única espécie de coisa, a
divisão se dá entre os idealistas e os materialistas. Os idealistas consideram tudo que se passa
como sendo essencialmente mental, e os materialistas consideram que todos os fenômenos
do mundo são materiais ou físicos. Segundo Searle (1998, p.154) “a história da filosofia da
mente, nesses últimos cem anos, tem sido, em grande parte, uma tentativa para se livrar do
mental mostrando que nenhum fenômeno mental existe para além dos fenômenos físicos”.
Sejam os estados mentais pensados como padrão de comportamento (behaviorismo), ou como
sendo idênticos aos estados cerebrais (fisicalismo), ou ainda que “os estados mentais podem
ser considerados estados físicos, mas são definidos como ‘mentais’ não em função da sua
constituição física, mas devido às suas relações causais” (funcionalismo), Searle (Idem) aponta
9
o problema da consciência como o nó que engata o desenrolar do pensamento nas vertentes
materialistas da filosofia da mente.
Mas toda essa história começou bem antes. Hipócrates, fundador da academia de Atenas
no século v a. C., foi o primeiro médico a afirmar que os processos mentais resultam de funções
cerebrais (Kandel, 2009), argumento baseado na observação de casos clínicos. Por sua vez, Platão
rejeita os experimentos e as observações de Hipócrates, pois só é possível pensarmos sobre nós
mesmos e nosso corpo mortal porque possuímos uma alma imaterial e imortal, ou seja, uma
realidade essencialmente imortal, que faz parte do mundo inteligível das idéias. A separação
corpo e alma é incorporada pelo cristianismo, que aprofunda a idéia de uma alma de origem divina
distinta do corpo material e geradora da consciência. Mas é no século XVII que Descartes atribui
uma natureza dual aos seres humanos quando afirma que corpo e mente são constituídos por
substâncias diferentes, ou seja, o corpo é matéria (substância material) e a mente deriva de uma
substância de natureza espiritual. A ciência médica pode estudar o corpo e o cérebro para entender
seu funcionamento e suas ações, ou para compreender a “percepção sensorial, os apetites, as
paixões e até mesmo formas simples de aprendizagem, […] A mente, entretanto, é sagrada e,
como tal, não é um objeto de estudo adequado para a ciência” (Idem, p. 408).
Por outro lado, Espinosa, também no século XVII, não considera a alma superior ao corpo
nem o corpo superior a alma. “Segundo a Ética, ao contrário, o que é ação na alma é também
necessariamente ação no corpo, o que é paixão no corpo é por sua vez necessariamente paixão na
alma” (Deleuze, 2002, p.24). A consciência não domina ou controla as paixões do corpo, ela é ilusória,
porque o corpo é mais, ou pode mais, do que o conhecimento que temos dele, e o pensamento é
mais amplo do que a nossa consciência. Somos conscientes somente dos efeitos produzidos pelos
encontros entre corpos, entre idéias, pelo afetar e ser afetado, mas não temos conhecimento das
causas que o produziram. Para Espinosa, ter consciência não quer dizer conhecer. Consciência e
afetos propulsionam o conhecimento quando ultrapassam a condição de signos equívocos (Deleuze,
2002), que exprimem somente uma condição natural de nossa existência, e passam a organizar-se
pelo esforço da razão para nos induzir a formar idéias adequadas. Pode-se dizer que o pensamento
é gerado a partir de uma consciência que se alimenta de processos inconscientes, pois nossas
primeiras percepções são consciências de idéias inadequadas, errôneas.
Em oposição ao “eu penso logo sou”1 de Descartes, é Kant, no final do século XVIII, quem
introduz a distinção entre uma consciência empírica e uma consciência transcendental, ou segundo
Deleuze (1997), um Eu [Je] e um Eu [Moi]. Um Eu [Moi] que não pára de mudar, receptivo, que se dá
no tempo, e um Eu [Je] que é ato, e determina ativamente minha existência. Mas, “eu, considerado
como sujeito pensante, me conheço como objeto pensado dado a mim mesmo na intuição do
mesmo modo que conheço os outros fenômenos, isto é, não como sou, mas como me apareço”
(Machado, 2009, p.112). Essa consciência que não se encontra mais localizada em uma alma divina,
mas que resulta do entendimento entre o Je e o Moi, produz um sujeito que se modula na relação
consigo mesmo. Ou seja,
9
[…] o Eu não é um conceito, mas a representação que acompanha todo conceito;
e o Eu não é um objeto, mas aquilo que a todos os objetos se reportam como
à variação contínua de seus próprios estados sucessivos e a modulação infinita
de seus graus no instante. A relação conceito-objeto subsiste em Kant, mas
encontra-se duplicada pela relação Eu-Eu, que constitui uma modulação, não mais
uma moldagem. (Deleuze, 1997, p. 39-40)
Embora Damásio não faça nenhuma referência à Deleuze em seus livros, o seu eu também
é concebido como um processo que comporta dois tipos de eus, “e esse processo encontra-se
presente em todos os momentos em que se presume que estejamos conscientes” (2010, p. 25).
Pode-se dizer, grosso modo, que o que Deleuze denomina de eu transcendental, Damásio vai
chamar de “eu-enquanto-sujeito”, enquanto conhecedor; e o eu empírico ou fenomenal, o Moi de
Deleuze, é definido como o “eu enquanto objeto-dinâmico” em Damásio. Para o autor, não há de
fato uma dicotomia entre o “eu-enquanto-objeto” e o “eu-enquanto-conhecedor”, mas sim uma
continuidade e uma progressão. Seria possível dizer que há aqui também uma modulação? Ou
ainda, seria possível traçar algum tipo de paralelo entre os “eus” apresentados? É preciso buscar
com mais precisão as definições de Damásio para que se possa pensar nessa questão.
Por um lado, tem-se dois “eus” como duas fases do desenvolvimento evolutivo da
identidade do sujeito, concebido por Damásio. Por outro, tem-se um Moi mutável, cambiante no
tempo, um sujeito fenomênico que é afetado pelo Je, o eu transcendental que o determina. Para
Deleuze (2006), o intervalo que se encontra entre um e outro não constrói nenhuma identidade
– mesmo que a unidade seja mantida, ao contrário, provoca fissuras que fazem com que o Moi
apreenda o Je como um Outro nele. Ou ainda, “o ‘eu penso’ afeta o tempo e só determina a
existência de um eu que muda no tempo e apresenta a cada instante um grau de consciência”
(Idem, 1997, p. 38).
9
Claro que há diferenças fundamentais na conceituação dos “eus” de cada um dos autores,
mas há também algumas aproximações viáveis. O importante é entender que a consciência é um
estado mental particular em que temos conhecimento da nossa própria existência, um estado mental
enriquecido por uma sensação do organismo a que a mente pertence e do entorno que o cerca.
“A consciência é um estado mental a que foi acrescentado o processo do ser” (Damásio,
2010).
Bases biológicas
Sermos conscientes de nós mesmos resulta de um processo biológico que será um
dia explicado em termos de vias de sinalização molecular (Kandel, 2009). Mas ainda não há
tecnologia para compreender como impulsos elétricos e reações químicas da matéria cerebral são
transformados em pensamentos subjetivos. Aliás, o cérebro só se torna consciente quando adquire
uma propriedade subjetiva.
A neurobiogia da consciência organiza-se em torno de estruturas cerebrais que estão
envolvidas na criação de três aspectos fundamentais para um organismo consciente, são elas: o
estado de vigília, a mente e o Eu. E há três grandes divisões anatômicas envolvidas que contribuem,
de forma não linear, para a emergência desses três aspectos, são elas: o tronco cerebral, o tálamo
e o córtex cerebral. Essas estruturas anatômicas realizam várias tarefas de forma colaborativa e
coordenada. Os núcleos do tronco cerebral são responsáveis pela regulação visceral do organismo
tanto como contribuem para o estado de vigília e geram os sentimentos primordiais. O tálamo é
uma estrutura par, com aspecto ovóide, e tem um importante papel para a criação do pano de fundo
da mente como um todo e da chamada mente consciente. É ele que se encarrega da transmissão
dos sinais necessários para despertar ou adormecer o córtex cerebral, e serve de coordenador das
atividades corticais. O tálamo “tanto retransmite informações essenciais ao córtex cerebral como
cria uma interassociação massiva de informações corticais” (Damásio, 2010, p.307). Por fim, o
córtex cerebral que é considerado o apogeu da evolução cerebral humana.
O córtex cerebral evolui junto ao tálamo desde os primórdios do desenvolvimento do
organismo humano. Eles são, portanto, inseparáveis e sem o tálamo o córtex cerebral não funciona.
É na interação entre o tronco cerebral e o tálamo que o córtex cerebral cria os mapas neurais que nos
mantém acordados e concentrados em nossas escolhas, e que cria a nossa biografia na medida em
que armazena, arquiva, os registros de tudo aquilo que vivemos. Embora não se possa favorecer
uma das estruturas em detrimento das outras no processo de criação da consciência, o tronco
cerebral merece uma atenção especial por ter uma “precedência funcional”. Ele é indispensável para
uma mente consciente pois é nele que se encontram os sentimentos corporais qualitativamente
distintos, o primeiro vislumbre da subjetividade humana.
O corpo, está repleto de micromundos, de passagens secretas, de vastos pormenores que
informam o cérebro sobre os estados dos sistemas corporais, que responde aos sinais de forma
9
consciente ou não-consciente. Apesar dos avanços nas pesquisa dos aspectos neurobiológicos da
consciência, boa parte baseou-se na articulação de 3 perspectivas: 1) a perspectiva de observação
direta da mente consciente individual, de 1º pessoa; 2) a perspectiva comportamental, que observa
os outros revelando suas ações; 3) e a perspectiva do cérebro, que estuda o funcionamento cerebral
em indivíduos em que a consciência esteja presente ou não (Damásio, 2010). Mas essas três
perspectivas não são suficientes para o entendimento da mente consciente, por mais articulada
que seja a relação estabelecida entre elas, então Damásio introduz uma nova perspectiva que
considera os aspectos evolutivos, os antecedentes do eu. Perspectiva, em parte, impulsionada
pelos estudos da neurobiologia molecular. Os organismos unicelulares podem ser vistos como
nossos antepassados, pois permanecem gravadas em nossas células memórias de mecanismos
ancestrais. Somos um organismo multicelular, resultado do agenciamento de trilhões de células
que funcionam associadas, de forma colaborativa, gerando uma infinidade de ações bastante
complexas. Grosso modo, o que nos difere dos organismos unicelulares é a complexidade gerada
pela quantidade de células que nos compõem.
Embora muitos pesquisadores considerem o problema da consciência como o mais
importante para a compreensão da mente humana, para Damásio, ele é um dos problemas
da mente, mas não o único. Ele afirma que “a consciência é um ingrediente indispensável da
mente humana criativa, porém não é toda a mente humana e, a meu ver, tampouco é o ápice da
complexidade mental”(Damásio, 2000, p. 48). Portanto, mente e consciência são coisas distintas,
pois “a consciência é a parte da mente relacionada ao sentido manifesto do self e do conhecimento.
Damásio acredita que há dois problemas importantes para que se possa elucidar a
consciência: o primeiro, é saber como o cérebro humano engendra padrões mentais – imagens de
um objeto a partir das propriedades emergentes do sistema de neurônios; o segundo, é como o
cérebro constrói um padrão mental unificado – um sentido de self, ou, em outras palavras, saber-
se proprietário e observador dos padrões mentais engendrados. O segundo problema implica em
saber como padrões neurais, os alicerces biológicos, são transformados em padrões mentais que
conhecem o ato de conhecer. Ele aponta alguns fatores importantes a serem considerados para
elucidar a consciência: a consciência é sustentada pela arquitetura neural do organismo; estado
de vigília e atenção básica são distintos da consciência; consciência e emoção são inseparáveis;
a consciência não é um monólito – há diferentes níveis de consciência; as funções cognitivas não
explicam a consciência.
A intrínseca relação entre o corpo e o cérebro se dá através de uma área de não mais que
1 cm de diâmetro: o tronco cerebral. O tronco cerebral, ou o tronco do encéfalo, é “uma unidade
definida topograficamente e embriologicamente, mas não representa um sistema funcional
uniforme” (Menezes, 2006, p. 109), ele participa, em maior ou menor grau, de todas as tarefas do
sistema nervoso central. É uma peça chave para o processo de tomada de consciência. Isso porque
Damásio concebe a consciência como resultante da relação entre o organismo e o objeto. Mas
o que isso significa? Primeiro é necessário determinar a definição dos termos da relação, então,
9
“Objeto designa aqui entidades tão diversas quanto uma pessoa, um lugar, uma melodia, uma dor
de dente, um estado de êxtase” (Damásio, 2000, p. 24). Segundo o autor, embora tradicionalmente
o cérebro e o corpo tenham sido constantemente estudados como coisas separadas pela ciência
cognitiva e mesmo pela neurociência, é imprescindível pensar em um organismo integrado – corpo
e cérebro fazem parte de um conjunto composto que compõem o organismo vivo. O organismo é,
então, o corpo propriamente dito mais um sistema nervoso, e o tronco cerebral que funciona como
uma via de mão dupla e transporta as informações de um para o outro.
A mente consciente resulta de propriedades emergentes no cérebro – sabemos o que é mas
não como ela emerge. Para a biologia da consciência, do ponto de vista de Damásio, a compreensão
de uma consciência com sentido de self passa por elucidar como o cérebro mapeia o organismo e o
objeto, como ele cria padrões mentais e constrói representações. É preciso salientar que a palavra
representação é usada como sinônimo de imagem mental ou padrão neural, quer dizer, um “padrão
que é consistentemente relacionado a algo, […] Não tenho idéia de quanto os padrões neurais e
as imagens mentais são fiéis em relação aos objetos aos quais se referem” (Idem, p. 405). Uma
representação, portanto, não é uma cópia, uma reprodução de um objeto específico com o qual
se estabelece uma relação, mas uma construção mental resultante da interação do objeto com o
organismo, e da própria estrutura do organismo.
Consciência e afeto
Ainda que as abordagens científicas sejam fascinantes nas suas comprovações de dados,
os conceitos filosóficos continuam a exercer sua influência, a balizar modos de apreensão e
interpretação nas pesquisas objetivas dos cientistas, como se pode observar na articulação
entre as pesquisas de Damásio e a filosofia de Baruch Espinosa (1632-1677). Em seu livro Em
busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos, Damásio expõe os avanços do papel dos
sentimentos na vida humana, um dos aspectos menos compreendidos na neurobiologia, ainda
que as sociedades avançadas lidem e manobrem seus sentimentos sem o menor pudor. Ou nas
palavras do autor, “Tratamos dos nossos sentimentos com comprimidos, bebidas, exercícios físicos
e espirituais, mas nem o público nem a ciência fazem uma idéia clara do que são os sentimentos
do ponto de vista biológico” (2004, p. 12). Inclusive, até pouco tempo atrás, os sentimentos não
eram considerados objetos da ciência, eles não pertenciam a nenhum programa científico e só era
possível, no máximo, estudar os processos sensitivos e as reações físicas emocionais do corpo que
correspondem as respostas reflexas como o rubor facial, o suor nas mãos ou o tremor no corpo
quando algo nos assusta ou nos deixa em pânico.
É preciso diferenciar os afetos que ocupam o corpo e a mente para melhor compreender
os mecanismos cerebrais que engendram uma mente consciente. Os fenômenos da emoção e do
sentimento são processos distinguíveis que produzem os nossos afetos. São distinguíveis mas
não ocorrem separadamente, quer dizer, são estágios de um “continuum: um estado de emoção,
9
que pode ser desencadeado e executado inconscientemente; um estado de sentimento, que pode
ser representado inconscientemente, e um estado de sentimento tornado consciente, isto é, que é
conhecido pelo organismo que está tendo emoção e sentimento” (Damásio, 2000, p.57). A emoção
refere-se diretamente ao corpo, e os sentimentos fazem parte dos conteúdos mentais, afirma
Damásio (2004), e é na articulação corpo e mente inferida por Espinosa, no séc. XVII, que se intui a
organização anatômica e funcional assumida pelo o corpo para que seja possível a emergência da
mente consciente, que os afetos serão estudados pelo autor.
Para concluir. O sentir corresponde a “uma percepção de um certo estado de corpo,
acompanhado pela percepção de certos temas e pela percepção de um certo modo de pensar”
(Damásio, 2004, p. 92). Damásio ainda vai além, para ele a consciência “dá a sensação de ser um
sentimento [...] de ser um tipo de padrão construído com os sinais não verbais dos estados do
corpo” (2000, p. 394). Isso porque nossa consciência e seu sentido de self se revelam ao organismo,
segundo o autor, de uma forma “ao mesmo tempo intensa e indefinível, inequívoca e vaga”.
Design e afeto
O design focado no sujeito não projeta mais para um consumidor nem para um público alvo,
ele agora projeta para um usuário, ao menos nos discursos mais inovadores. Esse deslizamento
de sentido faz com que, no planejamento de novos produtos, os aspectos afetivos adquiram uma
maior relevância, ou, como afirma Carlos Zibel da Costa, “… hoje, é preciso admitir que a produção
– de arte, design ou arquitetura – contém desde o início o sujeito, o objeto e a própria relação
sujeito-objeto” (2010, p.205). Considerando que o afeto, as emoções e os sentimentos, são parte
constituinte de nossa relação com o entorno, será possível concluir que o afeto é um mediador
essencial nos projetos de design? Da relação entre o objeto produzido e o usuário?
Há muitas maneiras diferentes de abordar esta questão, por exemplo: Zibel (Ibidem) vai articular
a produção de afetividade com o pensamento de Espinosa, Leibniz e o conceito de dobra de Deleuze
dentro da complexidade da produção de subjetividade no mundo contemporâneo e, desse modo,
pensar o design nas relações em rede que esgarçaram as fronteiras anteriores; Donald A. Norman
(2008) parte de uma abordagem que tem suas bases nas pesquisas em ciências cognitivas e tem como
foco o desenvolvimento de tecnologias de ponta, para produzir um design de interface entre homem e
máquina; Vera Damazio (2008) pesquisa as relações entre a memória e o design emocional, focando nos
aspectos históricos, antropológicos e culturais, isso para citar somente algumas vias de acesso sobre o
papel do afeto nas relações das pessoas com o mundo projetado. O que não significa dizer que se está
falando de formas estanques de abordagens, pois os limites atuais são sempre muito tênues. O que nos
interessa é sublinhar que o mundo do sensível faz parte dos mais variados campos do conhecimento, e,
retomando o papel da arte e do design na configuração de regimes de visibilidade que constroem nossa
existência, tem que se atentar para como o afeto está sendo “projetado”, quer dizer, tem sido pensado
na elaboração de projetos de design, sob a influência das atuais pesquisas da neurociência.
9
Norman foi um dos pioneiros a trabalhar no campo das ciências cognitivas e é uma importante
referência nas pesquisas sobre o Design Emocional – um campo que estuda a estreita ligação
entre os objetos do dia-a-dia e as emoções nascidas nessa relação. A partir de estudos sobre
a emoção, Normam e seus colegas pesquisadores sugerem três níveis de estruturas do cérebro:
Visceral, Comportamental e Reflexivo2 (2008, p. 41), e esses níveis são mapeados, de uma forma
simplificada, em termos de características de produto da seguinte maneira:
• Design Visceral > aparência. O nível visceral é pré-consciente, e tem nas primeiras
impressões, no impacto visual inicial ou no impacto emocional imediato, seu grande trunfo.
• Design reflexivo > auto-imagem, satisfação pessoal, lembrança. O nível reflexivo está
diretamente ligado à consciência e aos mais altos níveis dos afetos e da cognição. É nele
que se encontram a interpretação, a compreensão e o raciocínio, que variam de acordo com
a cultura, experiência, grau de instrução e as diferenças individuais de cada um.
Comprei um espremedor caro, mas não posso usá-lo para fazer suco! Nota zero
para o design comportamental. E daí? Orgulhosamente, exibo o espremedor no
saguão da minha casa. Nota cem para a atração visceral. Nota cem para a atração
reflexiva. (Idem, p.15)
9
Para complementar a declaração de Norman, dizem os rumores que Starck teria afirmado
diante das criticas: “Meu espremedor de sucos não foi feito para espremer limões: foi feito para
iniciar conversas” (Ibidem, p.136).
O Design Emocional procura projetar o entre da relação sujeito-objeto, mas é difícil confinar
essa relação somente ao design denominado de emocional, pois, como foi mencionado por
Zibel, toda produção atual em arte, design e arquitetura está diretamente vinculada as relações
estabelecidas entre produto e usuário e produz afetividade.
Conclusão
Faz-se necessário salientar que os aspectos afetivos de nossa relação com o entorno
tem sido apresentados a partir de pesquisas sobre o funcionamento dos mecanismos cerebrais,
privilegiando, muitas vezes, linhas de pesquisa bastante segmentadas. Queremos dizer que é
preciso atentar para o uso abusivo do conhecimento e das pesquisas sobre o cérebro e a mente,
pois, apesar dos avanços das pesquisas na área, ainda há muito para desvelar e corre-se o risco de
cair em um reducionismo exagerado dos aspectos subjetivos da mente humana. Afinal, estamos
na era das neurociências. Há um artigo de Francisco Ortega – Instituto de Medicina Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro intitulado: Neurociências, neurocultura e autoajuda cerebral3.
O artigo analisa o fenômeno denominado de neuroascese, ou autoajuda cerebral, para investigar a
questão da biossociabilidade, de como o sujeito cerebral engendra práticas de si cerebrais, ou seja,
práticas de como agir sobre o cérebro para maximizar a sua performance.
Notas
i Apesar do enunciado de Descartes ser mais conhecido como: “Eu penso, logo existo”, os tradutores de
Gilles Deleuze optaram por substituir o verbo existir pelo verbo ser. Optamos por manter ao longo do texto
a escolha dos tradutores.
ii Vale remarcar a relação entre a classificação assumida por Norman e a teoria do “encéfalo triúnico” do
neurologista americano Paul MacLean, no livro The Triune Brain in Evolution: Role in Paleocerebral Functions.
Nova Iorque: Plenum Press, 1990.
iii Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-32832009000400002&script=sci_arttext>.
Referências
COSTA, Carlos Zibel. Além das Formas: introdução ao pensamento contemporâneo no design,
nas artes e na arquitetura. São Paulo: Anablume, 2010.
9
DAMÁSIO, António. Em Busca de Espinosa: prazer e dor na Ciência dos sentimentos. Adaptação
para o português do Brasil: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. 2º edição. Tradução: Luiz Orlando, Roberto Machado. Rio
de Janeiro: Graal, 2006.
________. Crítica e clínica. Tradução: Peter pal Pelbart. São Paulo: Editora 34, 1997.
________. Deux régimes de fous: textes et entretiens, 1975-1995. Org. David Lapujade. Paris:
Minuit, 2003.
KANDEL, Erick R. Em Busca da Memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. Tradução:
Rejane Rubino. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
MACHADO, Robert. Deleuze, a arte e a filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2009.
MONT’ALVÃO, Claudia; DAMAZIO, Vera. Design Ergonomia Emoção. Rio de Janeiro: Editora Mauad
X, 2008.
NORMAN, Donald A. Design Emocional: por que adoramos (ou detestamos) os objetos do dia-a-
dia. Tradução: Ana Deiró. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.
Resumo
Estudo de como o design audiovisual e suas variações podem
potencializar o resgate do patrimônio imaterial da tipografia nos
territórios de Mariana e Ouro Preto e difundir características
da identidade cultural local por meio de uma animação gráfica
imersiva, sensorial, multi-telas e com sonorização distribuída
no espaço de exibição. Esse conteúdo, produzido no âmbito
do projeto de Educação Patrimonial Trem da Vale – Vagão dos
Sentidos, localizado em Mariana, MG, desdobrou-se em oficina,
exposição, vídeo, participação e premiação em festivais no Brasil
e no exterior. Pretende-se apontar como um projeto de design
audiovisual pode se desdobrar em diferentes artefatos de
memória, a fim de emocionar, sensibilizar e divulgar uma história
até então pouco conhecida pelos próprios moradores da região,
pelos mineiros e pelos brasileiros.
9
Introdução
9
Pode-se pensar que os tipos móveis (figura 1, acima), como unidade mínima da tipografia,
são um código genérico capaz de constituir sistemas e, consequentemente, linguagem. O código
é um sistema de símbolos que tem por objetivo possibilitar a comunicação. Ao unir várias dessas
unidades/símbolos, inicia-se um processo de difusão e registro das ideias que eram geradas na
época, contribuindo para a formação de uma identidade.
Segundo Tarouco e Reyes (2011), a formação de identidades – sejam elas culturais,
territoriais ou visuais – está enraizada no contexto social, coletivo e histórico de cada localidade.
É um processo de produção simbólica e discursiva que busca realçar as características e valores
próprios de cada lugar, em contraposição aos elementos representativos de outras culturas. São
essas identidades que dão personalidade aos lugares dentro de um contexto global. A construção
de uma identidade territorial é algo complexo e envolve vários fatores, mudando a cada realidade.
Partindo da ideia de Castells de que toda identidade é construída:
9
que possibilitaram a impressão do volume que continha não apenas o Canto
Encomiástico de Diogo de Vasconcelos, mas também, e significativamente, o
Mappa do Donativo Voluntário que ao Augusto Principe R.N.S offerecerão os povos
da Capitania de Minas-Gerais, no anno de 1806. (ARAÚJO, 2006, p. 20).
Figura 3: Captura fotográfica de um clichê da paisagem da região, na gráfica Ouro Preto. Cláudio Santos, Lucas
Miranda e Leonardo Dutra, com Guilherme Mansur em Ouro Preto.
Fonte: Acervo de Cláudio Santos.
9
Esse universo e seus detalhes são apresentados num filme de animação que percorre as
janelas do Vagão dos Sentidos. A intenção foi transpor e traduzir para a linguagem audiovisual a
lógica do impresso tipográfico, o labirinto das gavetas, as cores das tintas e a textura das letras de
chumbo no papel de algodão, além dos rangidos e burburinhos de fundo das gráficas.
Para a realização do filme, foi levada em conta a conformação do espaço, a posição de cada
tela e de cada poltrona do vagão, para possibilitar uma experiência sensorial em diferentes pontos
de vista. Imagem e som dão forma a essa composição, possibilitando um novo tipo de fruição, por
meio da relação entre as pessoas, as palavras e as máquinas.
Durante toda a peça, o som acompanha as mesmas seções e temáticas. Não temos aqui
uma trilha em separado, é uma associação intrínseca com a imagem no intuito de realmente se
alcançar uma ambientação com efeitos sensoriais imersivos (figura 4).
Figura 4: Estudos de perspectiva e visualização dos diferentes pontos de vistas dentro do Vagão dos sentidos. Fonte:
Acervo de Cláudio Santos.
9
Descendente de proprietários de gráfica, Guilherme Mansur cresceu entre tipos,
clichês, papéis, chapas, tinta, cheiro de cola, guilhotina, zumbido de cortes, dobras,
embrulhos. Enfim, despertou para a poesia em meio a toda a parafernália que
constituía, inevitavelmente, o mundo gráfico há alguns anos, toda uma “sujeira”,
uma “bagunça”, que (fato lamentável de um ponto de vista cultural) vai-se tornando
cada vez mais difícil de se encontrar hoje em dia em função das novas tecnologias
de impressão. As edições de Mansur são marcadas por esse ambiente em que ele
se criou, atravessadas por uma precariedade que acaba por se afirmar como seu
dado encantador. Entre os muitos autores editados pela Tipografia do Fundo de
Ouro Preto, destacam-se alguns dos principais poetas da cena literária brasileira
de fins do século XX para cá, como Paulo Leminski, Régis Bonvicino, Sylvio Back,
Laís Corrêa de Araújo, Josely Vianna Baptista e, especialmente, Haroldo de Campos.
(OLIVEIRA, s/d).
Figura 5: Página de Bichos tipográficos - Edições Dubolsinho e Trípitico Bamboletras, ambos de Guilherme Mansur.
Fonte: Dos autores.
O primeiro desdobramento do projeto foi uma oficina que ministramos para 17 jovens do
ensino básico de Passagem de Mariana, distrito de Mariana (figura 6). O objetivo era sensibilizar os
participantes para a importância e o caráter histórico embutido na tipografia e, além disso, fazer
uso dela de forma lúdica e criativa, por meio do manuseio de uma máquina tipográfica centenária e
da transposição do poema e do material impresso para o universo da animação gráfica. O resultado
foi uma animação stop-motion de 1 minuto, além de acesso a todo repertório pesquisado para a
produção dos Tipos móveis.
9
Figura 6: Imagens da oficina ministrada em Mariana no vagão oficina.
Fonte: Acervo de Cláudio Santos.
9
Figura 7: Imagens do vídeo Tipoema – movimento um. Exibição no evento Noite Branca.
Fonte: Acervo de Cláudio Santos.
Esse desdobramento permitiu que o vídeo fosse selecionado e exibido no evento Noite
V
Branca, em Belo Horizonte . A parte final do vídeo é inédita e foi concebida especialmente para ser
exibido na Noite Branca. As letras que formam cada palavra são animadas enquanto o poema se
movimenta, destacando o caráter de unicidade, e ao mesmo tempo infinito, do processo tipográfico.
Todo o material gerado para o vídeo foi disponibilizado para Guilherme Mansur, incluindo
duas famílias de tipos que foram fotografados e digitalizados em alta resolução por Cláudio Santos
e Leonardo Dutra e que fazem parte do acervo da tipografia da Voltz Design. Isso deu a Guilherme
a possibilidade de compor digitalmente, em seu computador pessoal, diferentes poemas, dando
origem à exposição “Estalactites Tipográficas” na oitava edição do Fórum das Letras de Ouro Preto,
de 22 a 25 de novembro de 2012. Mansur participou com a exposição na Galeria do Centro Cultural
FIEMG. Compôs poemas do expressionista alemão August Stramm traduzidos por Augusto de
Campos (figura 8).
Figura 8: Poemas impressos produzidos por Guilherme Mansur para o Fórum das Letras em Ouro Preto.
Fonte: Acervo de Cláudio Santos.
9
Posteriormente, foi desenvolvida uma nova versão derivada do vídeo Tipoema – movimento
um. Esse novo vídeo foi, então, um dos 10 selecionados pelo Festival Vivo Arte.Mov para participar
do 3º Hong Kong International Mobile Film Awards. Ao todo, 10 países selecionaram 10 filmes e, a
partir de uma seleção de um júri internacional, fomos escolhidos para representar o Brasil. Durante
a cerimônia, realizada em 24 de março de 2013, em Hong Kong, o vídeo foi contemplado com o
troféu de prata na categoria animação, dentre os 10 filmes finalistas. Foi o único representante
das Américas nesse festival mundial de conteúdo para celular e dispositivos móveis. Dentro do
processo de seleção, foi preciso apresentar verbalmente o vídeo para um júri internacional. Além da
entrega dos prêmios, aconteceu, depois, uma conferência dentro de um evento mundial de cinema
e televisão (Hong Kong International Film e TV Market), onde se apresentou o processo de produção
do filme, para uma plateia de estudantes de várias partes do mundo. Os outros troféus foram para
Alemanha, Austrália, França e Taiwan. O grande vencedor foi o trabalho da Espanha, que ganhou
melhor filme, melhor drama e melhor filme para celular (figura 9).
Figura 9: Troféu e palestra no Centro de Convenções de Hong Kong, dentro do 3º Hong Kong Mobile Film Awards.
Fonte: Acervo de Cláudio Santos.
9
Durante a exibição, vários gráficos convidados para o evento se emocionaram e se
lembraram de histórias de vida e trabalho, o que permitiu uma troca de ideias mais rica com os
demais participantes (figura 10).
Figura 10: Imagens do evento na Memória Gráfica em Belo Horizonte, 23 de novembro de 2013.
Fonte: Acervo de Cláudio Santos.
Considerações Finais
Pode-se concluir que, nesse caso, um projeto de design audiovisual e seus desdobramentos
se tornaram artefatos de memória. Ao misturar técnica, informação e emoção, despertaram
lembranças nos mais velhos que tiveram alguma relação com o ofício da tipografia e curiosidade
nos mais jovens e nos que desconheciam o universo apresentado. Conforme Damazio (2006),
Lima (2008) e Rezende (2011), os artefatos que trazem boas lembranças têm estreita relação com
situações que envolvem sentimentos positivos, atitudes cidadãs e humanitárias, estreitamento de
vínculos afetivos e ações para bem viver em sociedade.
Ao se relacionar a memória e a emoção, foi possível sensibilizar públicos de diferentes locais,
classes sociais, faixas etárias e realidades culturais, além de fortalecer o sentimento de valorização
dos bens culturais pela população local, permitindo um reconhecimento das identidades ali inseridas.
Notas
i O Projeto Trem da Vale foi inaugurado em 2006, com ações educativas voltadas para o reconhecimento e
valorização do patrimônio cultural e natural de Mariana e Ouro Preto. O programa de Educação patrimonial foi
escolhido como linha mestre de todas as ações. Além da revitalização das estações de Mariana, Passagem
de Mariana, Vitorino Dias e Ouro Preto, propõe-se a reconhecer e valorizar os patrimônios ali existentes,
tornando-se instrumento eficaz para o exercício da cidadania por parte da população local, através de
atividades que valorizam a memória individual e coletiva. De acordo com Herzhaft (1989), estes chamados
também poderiam se chamar hoolies ou arhoolies.
ii Tipos móveis: Concepção, roteiro e direção: Cláudio Santos, Leonardo Dutra e Lucas Miranda / Poema
9
original: Guilherme Mansur / Trilha sonora, design de som e mixagem: Lucas Miranda / Animação stop
motion: Cláudio Santos e Leonardo Dutra / Montagem e animação: Luis Morici / Fotografia: Cláudio Santos,
Leonardo Dutra e Luis Morici / Produção: Alessandra Maria Soares, Sarah Faria e Renato Moura / Impressão
tipográfica: Cláudio Santos (Voltz) e Leonardo Martins (Gráfica Ouro Preto) / Consultoria Técnica A/V: EAV –
Engenharia Audiovisual / Imagens históricas: Arquivo Público Mineiro / Realização: Voltz Design. Giacomini
refere-se à moda surgida nesse período como moda soul. Preferimos optar pela denominação moda black
por ser mais abrangente e mais característica da identidade dos seguidores do movimento que, na maioria
das vezes, se autodenominam Blacks.
iii Formato de vídeo a ser exibido em apenas um canal ou tela.
iv Tipoema – movimento um: Concepção e Montagem: Cláudio Santos e Leonardo Dutra / Poema Original:
Guilherme Mansur / Trilha Sonora: Lucas Miranda / Composição tipográfica digital: João Oliveira / Pré-
montagem: Luiz Morici / Parceiro: Santa Rosa Bureau Cultural / Realização: Voltz Design / Agradecimentos
– Eleonora Santa Rosa.
v Na noite de 14 de setembro de 2012, das 6 da tarde às 6 da manhã, o Parque Municipal e o Palácio das
Artes foram abertos à visitação pública durante toda a noite e se tornaram palco de um evento inédito no
Brasil, que proporcionou uma nova forma de fruição do espaço público. O evento tomou todas as praças,
coretos e largos do Parque, oferecendo uma vasta programação da arte contemporânea com exposições,
instalações artísticas, mostras de vídeos, apresentações cênicas e musicais de mais de 70 artistas.
Referências
CARAÚJO, M. M. Uma história de precursores e ativistas. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo
Horizonte, ano XLIV, n. 1, jan.-jun. 2008.
BRINGHURST, R. Elementos do estilo tipográfico (versão 3.0). Trad. André Storlaski. São Paulo:
Cosac Naify, 2005.
CASTELLS, M. O poder da identidade. Trad. Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
DAMAZIO, V. Design, Memória, emoção: uma investigação para o projeto de produtos memoráveis.
In: MORAES, Dijon de; DIAS, Regina Álvares. Cadernos de Estudos Avançados em Design: Design e
Emoção. Barbacena: EdUEMG, 2013. p. 43-62.
9
OLIVEIRA, Anelito de. Encantadora precariedade. Caderno de Leitura – EDUSP. Disponível em:
http://www.edusp.com.br/cadleitura/cadleitura_0802_7.asp. Acesso em: 12 dez. 2013.
SILVA, S. A.; QUEIROZ, S. (Org.). Livro dos tipógrafos. Belo Horizonte: Museu Vivo Memória Gráfica,
2012.
Sites
http://www.voltzdesign.com.br/2013/02/tipos-moveis-em-mariana/
http://www.voltzdesign.com.br/2012/09/tipoema-noite-branca/
http://www.voltzdesign.com.br/2013/03/3º-hong-kong-international-mobile-film-awards/
http://www.hkimfa.com/2012/finallist.php?fid=178#top
http://www.voltzdesign.com.br/2013/11/livro-dos-tipografos/
http://www.edusp.com.br/cadleitura/cadleitura_0802_7.asp
http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=12297&retorno=paginaIphan
http://www.dad.puc-rio.br/labmemo/artefatos_de_memoria.pdf
Resumo
O presente estudo consiste em uma revisão teórica na área da
história do design e tem como foco compreender aspectos da
conexão entre cultura, consumo e a atividade projetual praticada
no Brasil do século 19. Baseia-se na abordagem de Adrian Forty
e de Rafael Cardoso, que entendem o design em sua capacidade
de transmitir ideias e como prática fetichista, respectivamente.
Em seguida, discute a relevância dos significados e do consumo
para a compreensão de manifestações da atividade projetual
em território brasileiro. A partir da perspectiva destes autores,
considera-se que o design pode se manifestar no campo
do consumo por meio das ideias que introduz nos objetos
industrializados, sendo que o funcionamento deste mecanismo
básico da atividade projetual pode ser observado em seu
estabelecimento na sociedade brasileira do período em questão.
9
Introdução
O presente artigo é fruto de uma pesquisa de mestrado em fase de conclusão, que propõe
discutir a relação entre design, cultura e consumo no Brasil do final do século 19, a partir de uma
interpretação da obra de Rafael Cardoso. Esta pesquisa foi realizada com base em um levantamento
bibliográfico que, entre outras fontes, destaca a contribuição deste autor para uma abordagem da
temática em questão.
Inicialmente, explica-se a perspectiva desenvolvida por Forty (2007), no que diz respeito à
compreensão do design em sua relação com a sociedade. Para este autor, somente uma análise
dos aspectos sociais envolvidos na atividade projetual é capaz de revelar os motivos por trás de
sua prática ao longo da história. Neste sentido, o autor se opõe à ideia de que o design pode ser
explicado a partir da trajetória de vida de designers bem sucedidos ou a partir de conceitos como o
de “Boa Forma”. Segundo Forty, são os mitos presentes na sociedade que, ao serem incorporados
no projeto dos objetos, dão sentido ao design, permitindo que este seja entendido como uma
atividade essencial para o funcionamento das sociedades industrializadas.
A abordagem realizada por Cardoso em sua análise dos rótulos oitocentistas registrados
na Junta Comercial do Rio de Janeiro demonstra a mesma preocupação em situar o design diante
da sociedade e da cultura em que a atividade é desempenhada. No caso da prática do design no
Brasil daquele período, sua perspectiva permite notar a influência de uma estrutura internacional
de comércio em plena expansão, que por meio do consumo de artigos industrializados trazia para a
sociedade brasileira ideias sobre a modernidade então em efervescência na Europa.
De modo geral, o presente artigo propõe destacar um dos papeis culturais do design,
desempenhado a partir de sua capacidade de atribuir significados aos objetos, por meio da
manipulação de elementos formais. Esta capacidade, conforme observa Penny Sparke (2004), é
desempenhada pelo design na sua condição de mediador entre produção e consumo, carregando
mensagens a partir de um contexto tecnológico, por meio dos materiais de que dispõe, para um
contexto sociocultural e para o campo do consumo.
No que diz respeito à interpretação da obra de Cardoso, pode-se considerar que a perspectiva
deste autor, apesar de nem sempre focalizar o tema do consumo explicitamente, contribui para
uma compreensão da temática em questão. É possível, a partir da leitura de alguns de seus textos,
enxergar a participação do Brasil numa estrutura internacional de comércio em plena expansão e
entender o que isso tem a ver com o design, com o consumo de artigos industrializados e com os
significados referentes à modernidade do século 19.
9
Objetivos
Justificativa
De acordo com Forty (2007, pp. 9-10), assim como o foco sobre a produção, o foco sobre
o consumo constitui um campo de estudos capaz de explicar a conexão entre design e sociedade,
bem como as transformações que os objetos sofrem ao longo do tempo e que caracterizam o
desenvolvimento da atividade projetual. Neste sentido, considera-se necessário adotar o consumo
como um tema em si mesmo, levando em conta sua importância para definir os meios pelos quais
o design se manifesta.
Deve-se ainda considerar que se a história do design, conforme observou Cardoso
(2008b), é uma história da modernidade surgida no século 19 e se, de acordo com Ortiz (1998),
o consumo foi um dos meios privilegiados para a experiência da modernidade naquele período, a
abordagem sobre o tema do consumo como fenômeno moderno, em estudos na área da história
do design, pode contribuir para uma melhor compreensão da atividade projetual em seu percurso
pelo século 19.
Nas últimas décadas, o contexto social passou a ser enxergado como o terreno em que se
sustentam algumas das causas principais para a prática do design. Dentre os autores que buscam
compreender o design a partir da forma como a sociedade se organiza e se estrutura para produzir
e consumir artefatos industrializados, pode-se indicar Adrian Forty como um dos precursores.
Em Objetos de desejo, Forty (2007, pp. 7-16) se concentra em compreender “as razões da
aparência das mercadorias”, e explica que as diferentes formas de design produzidas ao longo do
tempo, suas origens e a maneira como se transformam quase nada têm a ver com os designers
que as projetaram.
9
O autor argumenta que os resultados do design se sustentam sobre dois princípios.
Primeiramente, o autor observa que o design nasce dentro de um estágio bem definido da história
do capitalismo, com a importante finalidade de contribuir com o enriquecimento industrial. Para
Forty (2007, p. 13), o design de objetos serve, antes de qualquer coisa, para “tornar os produtos
vendáveis e lucrativos”.
Contra a ideia de que o design muda naturalmente, para se adaptar a uma espécie de
processo evolutivo cujo fim consistiria em atingir um design perfeito, Forty (2007, p. 14) afirma que
o design de bens manufaturados é determinado “pelas pessoas e as indústrias que os fazem e
pelas relações entre essas pessoas e indústrias e a sociedade em que os produtos serão vendidos”.
Segundo o autor, para explicar porque as formas do design mudam, é importante ter como base
“uma compreensão de como o design afeta os processos das economias modernas e é afetado por
eles” (FORTY, 2007, p. 14).
Em segundo lugar, Forty (2007, pp. 15-16) enxerga o design como uma atividade ligada aos
mitos. Baseando-se no estruturalismo, o autor afirma que tanto as sociedades primitivas como as
modernas constroem mitos para explicar experiências aparentemente contraditórias vivenciadas
pelas pessoas em seu cotidiano. Conforme o caso do Neoclassicismo nas fábricas de Wedgwood,
analisado pelo autor, o mito, por meio do design, permite, por exemplo, justificar e tornar bem-
vindo, na segunda metade do século 18, o progresso material, dando-se aos objetos de consumo
produzidos pelas novas manufaturas um aspecto de antiguidade e beleza clássica, que era aceito
como modelo de harmonia e civilidade, atributos opostos aos que pareciam envolver o crescimento
industrial bastante questionado naquele momento.
Assim, Forty entende que o design transmite ideias, como mitos que permeiam a sociedade
e a ajudam a contornar suas experiências contraditórias, e somente quando transmite essas ideias
adequadamente um determinado produto consegue ser bem sucedido. Com isso, o autor ressalta
o caráter do design como transmissor de ideias. Por tornar de fato concretas, a atividade, segundo
Forty (2007, p. 12), intensifica a influência das ideias que ajuda a transmitir, contribuindo para definir
identidades e comportamentos entre os consumidores.
Nas palavras de Forty (2007, p. 16),
9
que, de acordo com sua compreensão, tornaram-na de fato importante para a sociedade moderna e
contribuíram para definir a aparência dos produtos industrializados concebidos ao longo da história.
Para demonstrar sua tese, Forty (2007, pp. 9-10) opta por investigar e apresentar o design
a partir dos processos produtivos empregados nas manufaturas industriais, baseando-se, por
exemplo, no ponto de vista dos produtores. Porém, conforme o próprio autor indica, o campo do
consumo representa um dos eixos sobre o qual poderia se construir uma versão coerente da história
do design concentrada em explicar o modo como os objetos se transformam ao longo do tempo e
sua conexão com a sociedade.
O autor justifica que, no seu caso, o foco sobre o consumo não foi enfatizado devido ao
número reduzido de pesquisas disponíveis sobre o temai no momento em que Objetos de desejo
foi publicado. Apesar disso, seu interesse sobre o consumo, ou melhor, sobre o que ocorre quando
os objetos passam a fazer parte do mercado e da vida dos consumidores, pode ser considerado “o
outro tema principal do [seu] livro”.
Dentre as ideias que permeiam a história do design em sua conexão com a sociedade,
destaca-se a ideia de progresso. Souza (2001, pp. 20-23) indica três grandes acontecimentos que
contribuíram para definir os sentidos sobre os quais o design iria se manifestar em sua história:
a Revolução Americana (1776), a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Industrial (no final do
século 18). Para Souza, esses três processos têm em comum o vínculo com a ideia de progresso,
que, em termos industriais, correspondia, entre outras coisas, a satisfazer desejos e necessidades
por meio do consumo e proporcionar um bem estar material maior para mais pessoas.
Na visão de Forty, que marca uma ruptura com estudos anteriores, o design funciona então
como um agente dentro do contexto em que se insere, não podendo ser compreendido sem que
sejam consideradas as ideias por trás do comportamento das pessoas, do funcionamento dos
meios produtivos e das formas de se consumir e produzir os produtos industriais. Essa perspectiva
permite que o design seja encarado como uma atividade importante para o mundo moderno, por
ter ajudado a definir o modo como as pessoas se organizaram para produzir e consumir e de como
isso repercute na vida em sociedade.
9
no contexto da vida cotidiana”.
Adotando um ponto de vista semelhante ao de Forty, Sparke entende o design como uma
atividade que comunica discursos complexos por meio das mensagens e valores ideológicos que
incorpora nos objetos a partir de aspectos visuais e materiais. Nesse sentido, a autora compreende
o design não como um reflexo apenas, mas “como sendo parte do processo dinâmico por meio do
qual a cultura é, na verdade, construída” (SPARKE, 2004, p. 4, tradução nossa).
O design como transmissor de ideias e mensagens complexas pode ser compreendido por
meio do conceito de fetiche e a partir do processo de atribuição de significados. No texto Design,
cultura material e o fetichismo dos objetos, Cardoso (1998) define a capacidade do design de
atribuir significados aos objetos como sendo a sua natureza fetichista. O autor formula um modelo
teórico em que entende o design como uma atividade capaz de dar a objetos materiais atributos
simbólicos e explica como esse processo funciona e qual sua importância para a prática do design
nas sociedades industrializadas.
O fetichismo, segundo Cardoso (1998, p. 28), é “o ato de investir os objetos de significados
que não lhes são inerentes. É a ação [...] de acrescentar valor simbólico à mera existência concreta de
artefatos materiais”. De acordo com o autor, o design pode ser considerado uma atividade fetichista,
porque “é, em última análise, um processo de investir os objetos de significados, significados estes
que podem variar infinitamente de forma e de função” (CARDOSO, 1998, p. 29).
Cardoso (1998, pp. 30-33) explica que os significados atribuídos pelo design são dinâmicos
e, até certo ponto, independentes de significados inerentes, podendo representar valores e ideias
como classe, prestígio ou status social, entre outros. Por exemplo, um relógio, além de marcar
as horas, pode sinalizar o pertencimento de seu portador a uma determinada classe social ou
manifestar seu gosto pessoal e sua adesão a certos valores. Assim, considera-se que, por meio
da dimensão simbólica do objeto manufaturado, capaz de portar significados, o design pode ser
entendido como uma atividade ligada aos valores e ideias compartilhados em sociedade.
Para Löbach (2001, p. 91), o modo como o design atribui significados aos objetos é
influenciado pela sociedade. O autor explica que este mecanismo básico do design baseia-se
em um processo associativo, em que os significados transmitidos por um determinado produto
dependem dos seus elementos estéticos e da capacidade dos seres humanos de perceber tais
elementos, associando-os, em seguida, a um conjunto de significados (LÖBACH, 2001, pp. 64-65).
Assim, entende-se que, a partir de elementos estéticos como formas, cores, texturas e materiais,
o design introduz significados complexos nos produtos e configura o modo como estes significados
podem ser percebidos pelos consumidores, sendo incorporados a um contexto sociocultural.
9
O papel dos significados na cultura e no consumo moderno
Para que se entenda o funcionamento dos significados presentes nos rótulos analisados
por Cardoso, deve-se considerar que estes estavam associados a questões introduzidas pela
modernidade do século 19. A modernidade naquele período pode ser considerada o resultado de
um processo de ruptura operado por uma sociedade tradicional no sentido de um modo de vida
menos rígido para seus indivíduos. Neste novo modo de vida, a importância da dimensão simbólica
do objeto se destaca diante das suas demais funções e contribui para caracterizar o consumo
moderno.
Ortiz (1998, pp. 263-265) define a modernidade do século 19 como uma cultura particular
distinta de outras culturas e como “um modo de ser”, desencadeado, principalmente, pelo sucesso
da indústria e pelas consequências de sua expansão ao longo daquele século. Este novo modo de
vida podia ser constatado no dia-a-dia das pessoas que circulavam, trabalhavam e consumiam nas
cidades cada vez mais populosas.
Baseando-se em Geertz (1978, pp. 15-16), entende-se a cultura como sendo um conjunto
de significados compartilhados a partir de um código estabelecido entre indivíduos vivendo em
sociedade. Neste sentido, conforme observa Slater (2002, p. 131, grifo do autor), “todo consumo
é cultural”, porque sempre envolve significados partilhados socialmente produzidos a partir de
valores, hábitos e rituais. Assim, o consumo pode ser entendido como “o conjunto de processos
socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos” (CANCLINI, 2006, p. 60).
Dentro deste contexto, o design pode ser compreendido como um agente da cultura por
meio do conceito de cultura material. O termo cultura material representa o conjunto dos objetos
produzidos e utilizados por pessoas vivendo em sociedade e permite “entender melhor [...] a maneira
em que estes se encaixam em sistemas simbólicos e ideológicos mais amplos” (CARDOSO, 1998,
pp. 19-20).
A capacidade do design de atribuir significados aos produtos representa um fator
importante para se definir o consumo no mundo moderno e para a constituição da cultura
material das sociedades industrializadas daquele período. Sparke (2004, pp. 13-14, tradução
nossa) observa que
A partir do século XVIII, na Europa e nos EUA, a industrialização começou a criar novos
níveis de agitação social, enquanto o maior acesso a bens de consumo começou a
apagar as distinções de classe tradicionais. Novas classes emergiram enquanto um
número crescente de consumidores aderia a bens que desempenhavam mais do
que uma mera função utilitária em suas vidas. [...] em anos posteriores [...] o design
de bens e imagens assumiu, a partir das artes decorativas, a tarefa de demarcar
diferenças sociais, tornando-se um meio através do qual um grande número de
consumidores poderia expressar as suas aspirações sociais e realizações.
9
Esta aderência, à qual a autora se refere, consiste em uma aderência aos aspectos simbólicos,
aos significados que os bens podiam transmitir e que se tornavam cada vez mais importantes no
mundo moderno, caracterizado como uma sociedade pós-tradicional, em que as identidades, ao
invés de serem pré-determinadas, deveriam ser construídas.
Com o anseio dos indivíduos por compor e expressar sua individualidade e se distinguir por
meio do consumo, os objetos assumem um valor particular à cultura moderna. Se antes os bens
eram disponibilizados às pessoas de maneira restritiva, de acordo com suas classes sociais, como,
por exemplo, a partir de leis suntuárias, na modernidade, dissemina-se o acesso a uma grande
quantidade e variedade de produtos. Os significados envolvidos no consumo se multiplicam e se
tornam cada vez mais complexos e dinâmicos.
O consumo desponta então como um meio não só de expressar o pertencimento, mas de
sinalizar o desejo de pertencer a um determinado grupo social, enquanto os bens de consumo se
tornavam um recurso acessível para se construir aparências, estabelecer vínculos entre as pessoas
e definir estilos de vida, bem como para comunicar ideias e valores associados à modernidade.
Figura 1: Rua Direita, c. 1900, Brasil/São Paulo-SP (autor desconhecido). São Paulo, como Londres, Paris e outras
cidades, teve sua paisagem reformulada pelo aumento populacional e pelos novos estilos de vida.
Fonte: PILAGALLO, O.; DIWAN, P.. Cotidiano: um dia na vida de brasileiros. 1. ed. (Coleção Folha. Fotos antigas do Brasil;
v. 11) São Paulo: Folha de S. Paulo, 2012.
9
de Cardoso, a capacidade da prática projetual de atribuir aos objetos significados associados à
modernidade.
Conforme foi mencionado, a obra deste autor caracteriza-se por situar a prática do design
em fenômenos socioculturais mais amplos e por considerar o consumo um aspecto relevante para
a compreensão do percurso histórico da atividade projetual. Com o intuito de compreender aspectos
da História cultural do Brasil e de demonstrar a importância do acervo de impressos efêmeros do
Arquivo Nacional, o texto supracitado apresenta uma leitura de alguns dos rótulos registrados na
Junta Comercial do Rio de Janeiro, no período entre 1875 e 1898, que, atualmente, encontram-se
preservados naquele acervo.
Num sentido estrito, explica Cardoso (2009), a categoria dos impressos efêmeros é composta
somente por materiais cuja natureza foge à classificação tradicional utilizada por bibliotecas para
designar itens que podem ser reunidos em séries e em volumes, como livros, jornais e revistas.
Os efêmeros, neste sentido, são impressos que não pertencem à mesma categoria desses itens
e que, por isso, compõem uma categoria à parte. São exemplos de efêmeros os cartazes, rótulos,
embalagens, folhetos e selos e uma grande variedade de outros materiais que juntos formam esta
categoria bastante diversificada de impressos.
De acordo com Cardoso (2009), a contrafação, ou falsificação, que podia ocorrer entre os
fabricantes de produtos concorrentes, foi o que deu origem à prática do registro de marcas ao redor
do mundo e, consequentemente, à produção de rótulos comerciais. O funcionamento das leis que
protegiam essas marcas se baseava no depósito, em órgãos como a Junta Comercial do Rio de
Janeiro, de materiais, como efêmeros impressos por litografia, contendo o desenho de um rótulo e/
ou de um símbolo que indicava a marca do produto a ser protegida.
Cardoso explica que alguns dos efêmeros registrados na Junta Comercial, por estarem
inseridos numa rede internacional de comércio e no intuito de identificar sua procedência, exibiam
referências a várias nacionalidades. A partir deste cosmopolitismo, o autor observa que
O exame dos álbuns não deixa a menor dúvida de que o Brasil estava plenamente
inserido em um sistema mundial de comércio, já no último quartel do século XIX, pelo
menos no que diz respeito a compra e venda de alguns produtos industrializados.
(CARDOSO, 2009, p. 25)
9
Dessa forma, Cardoso associa comércio internacional, design e consumo a aspectos culturais
vivenciados pelas pessoas em suas vidas cotidianas e indica que o estudo destes aspectos pode
ser feito por meio dos impressos preservados no Arquivo Nacional. Para exemplificar este fato, o
autor comenta que temas como o abolicionismo estavam presentes tanto no dia-a-dia daquelas
pessoas como nos rótulos dos produtos que eram consumidos.
É a partir do caráter internacional do acervo que Cardoso irá aprofundar a discussão em
torno da dimensão histórico-cultural dos rótulos. O autor observa que por meio desses rótulos
é possível se ter uma imagem do Brasil muito diferente daquela que se costuma depreender das
fontes históricas convencionais. Ao contrário do que se pode pensar sobre o período, uma análise
dos impressos do acervo
Neste sentido, o autor observa que os rótulos são fruto da sociedade brasileira em sua
“premência de importar, adaptar e recriar o imaginário do capitalismo global nascente” (CARDOSO,
2009, p. 14).
Das questões internacionais que envolveram o Brasil e o uso dos rótulos naquele momento,
Cardoso se concentra em explicar os motivos que levaram ao surgimento das marcas no mundo
moderno. Segundo o autor, a partir da expansão da indústria e do comércio em nível mundial,
estabelecida na segunda metade do século 19, entra em jogo a necessidade de regulamentar o
enorme fluxo de mercadorias, ao mesmo tempo em que “surgiam novos problemas de como fazer
o produto ser aceito, reconhecido e valorizado em outros contextos” (CARDOSO, 2009, p. 16).
A linguagem persuasiva peculiar das marcas modernas e dos impressos efêmeros em
questão, segundo Cardoso, decorre da importância de se identificar a origem do produto e atingir
públicos cada vez maiores, mais diversificados e com interesses por artigos específicos. Com esta
linguagem, “os rótulos encaixam-se no nascente sistema de comunicação visual moderno, que é
um dos fenômenos mais determinantes da modernização cultural na segunda metade do século
XIX” (CARDOSO, 2009, p.17).
No que diz respeito à conexão entre a linguagem persuasiva dos impressos e a modernidade,
o autor destaca que a ideia de progresso, representada por meio de imagens de locomotivas e de
fábricas nos rótulos, é uma das mais recorrentes no acervo. Neste sentido, o progresso tinha a ver
com desenvolvimento tecnológico.
9
Segundo Cardoso (2009, p. 21),
Por exemplo, no caso do rótulo do Vinagre Branco Superior, da Fritz, Mack & Cia. (figura 2),
a imagem da fábrica do produto é estampada em destaque em meio a uma paisagem do litoral
carioca. De acordo com Cardoso, este recurso consistia em uma homenagem ao progresso, ao
mesmo tempo em que permitia associar a marca à cidade do Rio de Janeiro e, com isso, aumentar
o prestígio do fabricante diante dos consumidores.
9
diz sobre este livro e sobre seu autor revela a influência de ambos sobre sua forma de compreender
o design brasileiro, ou seja, de se considerar os motivos sociais que dão sentido à prática do design.
Com isso, pode-se supor que o tratamento dado por Cardoso aos efêmeros incorpora aspectos do
modo utilizado por Forty para compreender como design e sociedade se articulam.
A grande influência de Forty na área da história do design permite indicar um importante
pressuposto da abordagem que Cardoso faz sobre os efêmeros. A possibilidade de se compreender
aspectos culturais da sociedade brasileira a partir de uma leitura dos impressos que esta produziu no
passado pressupõe que, conforme considera Forty, os artefatos projetados pelo design dão forma
material a ideias que permeiam a sociedade e que a ajudam a definir parâmetros de comportamento
para os indivíduos que a compõem. Sobre isso, em outro texto, Cardoso (2005, p. 15) afirma que,
9
O texto de Cardoso contribui para entendermos o modo como o projeto dos rótulos que
circulavam no mercado brasileiro, por meio dos bens de consumo, transportava para a esfera do
comércio e para o cotidiano dos consumidores ideias sobre o progresso e sobre a modernidade.
Entretanto, conforme Rezende conclui, havia uma discrepância entre a imagem do Brasil projetada
nos rótulos e a realidade social em que estes circulavam.
Considerações Finais
A partir das perspectivas de Adrian Forty e de Rafael Cardoso, bem como das observações
de Sparke e de Rezende, é possível compreender o design como um agente cultural, que participa
da realidade social na qual está inserido, por meio dos significados que introduz nos objetos.
Com a expansão do comércio internacional de bens de consumo industrializados, no século
19, o Brasil passa a fazer parte de um sistema mundial que depende da identificação e comunicação
de marcas e produtos por meio do projeto de impressos efêmeros como rótulos produzidos em
larga escala. Atendendo a este sistema, o design praticado no Brasil daquele período, no intuito de
reproduzir e recriar ideias vindas do exterior sobre um novo modo de vida baseado no progresso
industrial, utilizou-se de elementos visuais como figuras de ferrovias e de fábricas, que simbolizavam
valores modernos.
Pode-se considerar que este mecanismo, conforme operado pelo design no Brasil do século
19, contribui para ilustrar a natureza fetichista da prática projetual, a partir do momento em que os
significados associados a valores do mundo moderno, como o progresso industrial, introduzidos
em produtos como o vinagre, o cigarro, as roupas e as bebidas, entre outros, faziam parte de um
recurso de persuasão que não tinha a ver, necessariamente, com a qualidade e finalidade imediatas
daqueles produtos, mas com sua dimensão simbólica e cultural.
No que diz respeito à questão introduzida por Forty sobre os mitos do design e conforme
nos mostra a análise de Rezende sobre a discrepância entre o discurso dos impressos e a realidade
social brasileira do período oitocentista, pode-se considerar que alguns dos significados atribuídos
pelo design aos bens de consumo que circulavam no mercado brasileiro daquele momento eram um
recurso utilizado pela sociedade brasileira para lidar com o descompasso entre o que ela desejava
ser e o que realmente era. O consumo de bens industrializados, por meio do projeto dos rótulos,
pode ser compreendido, dessa maneira, como um campo no qual a sociedade brasileira poderia
expressar e comunicar o desejo de se modernizar, antes que tivesse as estruturas necessárias para
concretizar este desejo.
9
Notas
i Para Forty (2007, pp. 9-10), esse cenário mudou, em parte, devido ao estudo de Pierre Bourdieu, intitulado
A distinção: crítica social do julgamento, de 1979. Segundo Sparke (2004, p. 7), este estudo permitiu que se
enxergasse o design de um ponto de vista sociocultural, dando maior sentido à compreensão da atividade.
Referências
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9
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SOUZA, Pedro Luiz Pereira de. Notas para uma história do design. 3. ed. Rio de Janeiro: 2AB, 2001.
SPARKE, Penny. An introduction to design and culture: 1900 to the present. 2. ed. New York:
Routledge, 2004.
9
Introdução: as narrativas infantis
O homem sempre teve o desejo de fazer representações das coisas que ele vê no mundo
ao seu redor. Ao olhar as criaturas que compartilham de seu cotidiano ele primeiro tenta desenhar,
fazer uma escultura ou moldar suas formas em algo reconhecível. Então, conforme sua habilidade
aumenta, ele tenta capturar algo dos movimentos de uma criatura - um olhar, um salto, uma luta.
Já no período pré-histórico o homem desenhava em sua caverna e muitos dos seus desenhos
parecem ter uma vida interior combinada com uma sugestão de movimento. (THOMAS; JOHNSTON,
1984) Dessa combinação e necessidade de contar sua história, assim como, de se comunicar entre
si, o homem começa a desenvolver narrativas que tornam seu cotidiano mais ávido.
A experiência contemporânea, principalmente das crianças, é preenchida pelo contato
frequente com imagens e sobretudo imagens em movimento, advindas da televisão, cinema,
computador, internet e jogos eletrônicos. Essas crianças, organizam seu pensamento de acordo com
suas experiências imagéticas. A maior parte destes conteúdos possuem um fim de entretenimento,
como produto comercial. Em contrapartida, dentro deste cenário, é possível explorar propostas
que visam difundir conteúdos educativos, através da animação. Devido ao seu caráter lúdico e a
valorização de detalhes que permitem a ligação entre diversas áreas do conhecimento.
Para desenvolver uma animação, é necessário existir uma história, e nenhuma história é
possível sem a presença de um personagem, que dentre os elementos centrais das narrativas
animadas, é considerado o mais fundamental. Ele é quem conduz a história e cativa o espectador.
(NESTERIUK, 2011, p. 180).
Pode-se trabalhar com a realidade psíquica de personagens para traduzir de maneira
simbólica aspirações, vivências e experiências humanas. Dessa forma, é possível perceber a
presença do mito para representar e aproximar o personagem da realidade do público. Campbell
(2007) expõe que a função mais importante do mito é orientar as pessoas em suas travessias
de vida, ajudando-as a identificar e alcançar a realização plena. Enfatizando o poder do mito nas
narrativas infantis, é importante atentar para a necessidade de embasamento científico na criação
de personagens e roteirização destas histórias.
Através de um estudo de caso, em que obras com abordagem na concepção de personagens
foram revisadas, centrou-se na temática da psicologia arquetípica com o objetivo de promover as
relações de cognação entre receptor e personagem para se desenvolver uma ficha guia. Esta foi
utilizada na elaboração dos perfis de personagens animados para a série infantil em desenvolvimento
no DesignLab, laboratório vinculado ao programa de Graduação e Pós-Graduação em design, da
Universidade Federal de Santa Catarina.
A história abordada pela série acontece no período histórico das bandeiras, no século XVII,
no local onde hoje está situada a capital de Santa Catarina, Florianópolis. Em sua trama adapta os
fatos e personagens existentes na história em quadrinhos “Dias Velhos e os Corsários”, de Eleutério
9
Nicolau da Conceição. Além do conteúdo relacionado à história, levanta questões ecológicas e do
folclore nacional.
Conceito de Personagem
Somos movidos pela necessidade de nos comunicarmos uns com os outros, todas
as tecnologias que o ser humano desenvolve, em algum momento, são direcionadas para a
comunicação. Contar histórias é uma ação inata no homem desde os primórdios da sua existência.
(BUGAY, 2004) Presentes nestas narrativas estão os personagens, que por sua vez, são os
responsáveis por nos chamar a fazer parte da história ou somente querer conhece-la.
A palavra personagem surge do grego “persona”, e significa máscara. Ela é a maneira pela
qual o indivíduo irá se apresentar. É com a ‘máscara’ ou personagem que o público se identifica
logo que o vê entrar em cena. Acompanha toda a sua trajetória e faz dela sua própria. Assim, quem
assiste, passa pela experiência do drama, da comédia ou da tragédia, da dor ou da alegria sem sofrer
as consequências que personagem apresentado sofre (MOLETTA, 2009). De alguma maneira o
público se identifica com o personagem, com a sua história ou suas atitudes, e se permite querer
fazer parte dela.
Existem diversas técnicas para concepção de personagens e uma delas, senão a mais
importante, é o uso da psicologia arquetípica. No entanto, anteriormente à definição das
características psíquicas, é relevante entender os principais tipos de perfis de personagens que
se pode trabalhar em uma série infantil animada. Campos (2011, p. 140) classifica estes perfis em
personagem redondo, raso ou tipo, arquétipo e hipertipo. O redondo é aquele constituído de traços
plurais de perfil, capaz de surpreender de maneira convincente, ocupando um lugar de destaque na
história. O personagem raso ou tipo é aquele com um perfil básico de personalidade, que possui
uma característica marcante e todo o seu desenvolvimento dentro da história acontece em torno
desta singularidade. É um personagem que representa melhor um coletivo do que um único
indivíduo. Se a narrativa privilegia a história acima dos personagens, como é o caso de animações
para o público infantil, é ideal trabalhar com personagens-tipo, já que a complexidade existente nos
personagens redondos, pode desviar o foco do espectador. O personagem-arquétipo é constituído
mais por um vetor de ação modelado num mundo pré-existente, do que por traços de perfil. Ele
emana caraterísticas do universo que se insere. Dentro da narrativa, outros arquétipos podem
ser chamados de hipertipos, que por sua vez, são personagens-tipo que emanam de conceitos
culturais fundamentais.
A seleção do personagem principal da narrativa estabelece uma referência a partir da qual
a história será composta, e mais tarde, recebida pelo espectador. O jogo de ações da narrativa é
conduzido pelo (s) personagem (s) principal (s). Este personagem pode ser o herói, que é conhecido
como uma figura correta, justa, audaz e boa. É aquele pelo qual narrador e espectador torcem,
com quem se emocionam e se identificam. Ou pode ser o vilão, que é o personagem que destoa
9
da conduta moral socialmente estabelecida e possui atitudes consideradas repreensíveis, a que o
narrador e espectador condenam. (Campos 2011, p. 154)
Para haver essa identificação espectador-personagem é necessário, inicialmente, definir a
sua personalidade e delimitar os traços que conduzem suas atitudes. Deste modo, se compõem os
laços necessários para que o público crie afinidades com o personagem. O modo como fala, anda ou
se comporta depende de uma série de fatores que incluem sua infância, modo como cresceu, idade,
doenças físicas, acidentes e outros (BUGAY, 2004). Alguns autores de manuais de escrita sugerem
que ao pensar no personagem é preciso pensar em sua gênese, toda a sua trajetória para ser aquilo
a que se destina, para entender a sua motivação (MOLETTA, 2009).
Para Seegmiller (2008) o design de personagens é o ato de criar algo ou alguém, que em
um determinado contexto ou ambiente, provoca algum tipo de crença, reação ou expectativa do
público. Neste contexto, é fundamental pensar que todo personagem é um indivíduo que pensa,
sente e se comporta dentro do universo da série. Para isso é necessário que apresentem padrões
universais sociais - muitas vezes encontrados nos mitos - que despertem algum tipo de empatia
nas pessoas que os assistem. As bases para traçar os perfis psicológicos dos personagens seguem
os estudos do mito e da psicologia arquetípica desenvolvidos por Carl Jung (2000), Joseph Campbell
(2007) e Christopher Vogler (2006).
A Psicologia Arquetípica
O termo Arquétipo vem do grego archétypon, que significa “o modelo dos seres”. (CAMPOS,
2011, p. 142). Segundo Jung (2000, p. 87), “‘arquétipo’ nada mais é do que uma expressão já existente
na Antiguidade”, de representações do inconsciente de toda a humanidade, que emanam para o
consciente através dos sonhos, dos símbolos e da imaginação. O autor acredita que o homem já
nasce com uma psique pré-formada, onde revela traços nítidos de sua antecedência.
Os personagens-tipo, que são emanações de conceitos culturais - ser avarento, boêmio
etc. – são também arquétipos preexistentes a qualquer cultura e se ligam ao mundo dos instintos,
mais fortemente que ao simbólico que lhes dá materialidade. Jung comparou a propensão para a
imaginação arquetípica à propensão instintiva dos pássaros construírem ninhos.
Vogler (2006), por sua vez, define alguns arquétipos básicos para construção de uma
narrativa. Eles estão presentes em quase todas as histórias que conhecemos e permitem ao público
identificar-se com os personagens e/ou com suas histórias. São eles: o Herói, o Mentor, o Guardião,
o Arauto, o Camaleão, o Sombra e o Pícaro.
Herói: é caracterizado principalmente por sua capacidade de se sacrificar pelo bem-estar
comum. Geralmente ele é apresentado no início da narrativa e será o protagonista. É aquele que
irá conduzir a história, por esta razão é necessário que exista uma identificação sua com o público.
Assim, quanto mais humano, próximo das qualidades das pessoas comuns, mais próximo dos
espectadores ele estará. Este arquétipo é quem será chamado para a aventura, sairá de seu mundo
9
comum, passará por caminho em que sua conduta e atitude serão postas à prova, é aquele que
busca a restauração do mundo, e que retornará transformado. Em relação às questões psicológicas
o Herói é aquele capaz de transcender os limites e ilusões do ego. Este arquétipo representa a
busca pela identificação do “eu”, de sua totalidade.
Mentor (ou Velha ou Sábio): está baseado na expressão dos personagens que ensinam
e protegem os heróis, dando-lhes certos conhecimentos e dons. Geralmente são inspirados
pela sabedoria divina e entusiasmam em seus ensinamentos. Na psique humana, os mentores
representam o Deus dentro de nós mesmos, o aspecto da personalidade que está ligado a todas
as coisas. São a representação do consciente e inconsciente e o responsável pela harmonização
da nossa vida psíquica. “As figuras dos mentores, seja nos sonhos, nos contos de fadas, nos mitos
ou nos roteiros, representam as mais elevadas aspirações dos heróis. são aquilo que o herói pode
transformar-se” (VOGLER, 2006, p. 62). O arquétipo do mentor está ligado intimamente à imagem
de um dos pais, por sua função estar ligada ao ato de ensinar, de ser o responsável por guiar o Herói
em seu caminho. Além disso, o mentor pode assumir outras características como de professor,
inventor, entre outros, porém sempre será o responsável por motivar o Herói em sua jornada.
Guardiões: não é o principal vilão, pode ser seu capataz ou mercenário, contratado para
guardar algo. São os que ao longo da trajetória do Herói, o colocarão a prova, testarão sua
capacidade e serão as representações de suas principais neuroses. Estes guardiões representam
também os obstáculos mais profundos que todos nós encontramos e vivenciamos no dia a dia. Eles
representam nossos medos e demônios internos, nossas limitações a serem superadas. Assim,
nas narrativas a função primordial do Guardião do Limiar é testar o Herói.
Arauto: representa as mudanças e também possui a função de motivar. Pode ser
representado por um personagem, ou simplesmente um acontecimento, que aparecerá no início da
jornada e será responsável por fornecer a energia para o Herói, irá propor seu desafio. A energia do
Arauto é caracterizada por causar um desequilíbrio na instabilidade do Herói e coloca-lo de frente
a uma situação em que deve haver uma tomada de decisão, em que a ação de enfrentamento é
necessária. Sua função psicológica é de informar que o momento de mudança chegou e/ou que
estamos prontos para mudar. Os Arautos fornecem motivação, lançam um desafio ao herói e
desencadeiam a ação da história. Alertam o Herói (e a plateia) para o fato de que a mudança e a
aventura estão chegando.
Camaleão: é o arquétipo que aparenta estar em constante mudança, principalmente do ponto
de vista do Herói. Geralmente tal arquétipo é apresentado como uma figura do sexo oposto ao do
Herói. Por esta razão, pode se desenvolver um interesse amoroso e uma relação que gera sempre
alguma dúvida. Os Camaleões mudam de aparência ou de estado de espírito. Tanto para o Herói como
para os espectadores, é difícil saber realmente quem são e quais suas reais intenções. Ele representa
a confrontação, a busca pelo equilíbrio entre o feminino e o masculino, entre as qualidades reprimidas
dentro de nós que são suprimidas em função de alguns conceitos sociais e culturais.
Sombra: também conhecido como o vilão, antagonista ou inimigos, pois representa o lado
9
obscuro, o medo, todos os aspectos que não queremos expressar ou demonstrar. São os sentimentos
que reprimimos de nós mesmos, que escondemos nas profundezas do nosso ser e não queremos
admitir que possuímos. Os vilões e inimigos são os que geralmente se dedicam a destruir o Herói,
a partir de desafios que eles mesmos podem se impor em relação às características e qualidades
percebidas do Herói. Já os antagonistas podem ser aliados que têm os mesmos objetivos mas
não concordam plenamente com os heróis. “Antagonistas e heróis em conflitos são como cavalos
numa parelha, que puxam em direções diferentes, enquanto vilões e heróis em conflito são como
trens que avançam um de encontro ao outro, em rota de colisão” (VOGLER, 2006, p. 83). A função
do Sombra é representar os aspectos reprimidos do herói e desafiá-lo a superar, ameaçando a
destruição do mesmo, caso ele não consiga vencê-la. Os sombras criam conflito e trazem à tona o
que o herói tem de melhor, ao colocá-lo numa situação que ameaça sua vida. Costuma-se dizer que
uma história é tão boa quanto seu vilão, porque um inimigo forte obriga o herói a crescer no desafio.
Pícaro: pode ser representado por um palhaço ou qualquer figura cômica que incorpora o
desejo de mudar o mundo de forma saudável e divertida, trazendo à tona muitas vezes questões de
hipocrisia e alertando para problemas graves que passam por comuns. Podem ser criados ou aliados
trabalhando para o Herói ou o Sombra, ou podem ser independentes, com suas próprias formas de
atuação. Sua função psicológica é a de trazer um alivio cômico, mudanças e transformações sadias
para situações que podem se tornar exaustivas para o espectador. O Pícaro é o responsável por
quebrar essa tensão e trazer à tona uma nova energia e fluência. Eles gostam de causar confusão
só para se divertir e podem ser personagens catalisadores, ou seja, que afetam a vida de outras
personagens e os levam à mudança, mas eles mesmos não mudam.
É importante entender que nem sempre os arquétipos precisam ser usados de maneira
completa, com todas as suas características apresentadas originalmente. Eles são utilizados como
funções psicológicas e dizem respeito a uma condição temporária de quem o está incorporando.
Por esta razão, existem situações em que encontramos personagens com um ou mais arquétipos
na narrativa, eles servem de condutores para a identificação do público com o personagem.
Assim como os personagens, os mitos estão nos ambientes e costumes da sociedade desde
os primórdios de todas as civilizações. “Eles nos ajudam a compreender, não apenas o significado
dessas imagens para a vida contemporânea, mas também a unidade do espírito humano em
termos de aspirações, poderes, vicissitudes e sabedoria.” (CAMPBELL, 2007, p. 40). Conhecer e
saber utilizar essas características é de suma importância no desenvolvimento de narrativas e
concepção de personagens.
9
sua história, favorecendo a corroboração do público espectador. Dificilmente crianças entre cinco e
sete anos compreendem personagens complexos e com alta carga psicológica dentro da narrativa.
Por isso é importante pensar em imprimir um personalidade mais infantil e em acordo com os
aspectos cognitivos e intelectuais da faixa etária do espectador. A criança deve se identificar com o
personagem, e este, por sua vez, deve interagir com o universo infantil. Por esta razão é importante
trabalhar com personagens-tipo, pois eles apresentam maior superficialidade e estão associados a
uma única ideia ou qualidade, sendo o perfil mais representativo para o publico alvo.
Nesteriuk (2011) e Campos (2011) colocam que o primeiro passo para traçar o perfil do
personagem é pensar na sua ascendência, ou seja, quem foram seus pais, como é o relacionamento
entre eles, em que circunstância o personagem nasceu, sua criação e educação, suas amizades, suas
lembranças e traumas. O passado é elemento fundamental na elaboração de uma ficha biográfica
para o personagem. Seegmiller (2008) enfatiza esses são alguns apontamentos que contribuem
para a criação de uma história, roteiro ou princípios da personalidade do personagem. O autor explica
que também é essencial pensar nos aspectos práticos, de como ocorrerá a movimentação e ações
do personagem na animação. E sugere alguns questionamentos para o início de um projeto de
personagens como, por exemplo: Como o personagem será usado? Como ele será indicado? Quão
próximo ou distante da câmera estará o personagem? De quantos ângulos ele será visualizado?
Que tipo de movimento ele terá? Ele fala? Para o autor essas informação apontam caminhos para
a criação um personagem animado.
No início da construção do perfil psicológico do personagem, Nesteriuk (2011) coloca que
é basilar pensar nas suas qualidades distintivas: idade, autoimagem, autoestima, temperamento,
humor, virtudes, medos, defeitos, habilidades, orgulho, pontos de vista, ocupação principal,
relacionamento com outros personagens, sonhos, interesses, necessidades, superstições e
transtornos. A partir destas referências surgem as primeiras noções do biotipo do personagem, e
são definidos parâmetros como, altura, peso, cores, entre outros.
Segundo Campos (2011), com estas questões formuladas e buscando delimitar o perfil
arquetípico do personagem, são apontados os itens que o darão individualidade e originalidade
a ele, como: o estilo (despojado, sério, esportivo, profissional, etc., por exemplo) que pode ser
evidenciado pela indumentária e pelos acessórios do personagem - em uma série histórica, como a
que se pretende desenvolver, estes traços devem também representar o período em que se passa
a história; Os pontos de foco que ele percebe, bem como, as reações dele ao que é visto/percebido;
Suas vivências, como por exemplo, se ele gosta de contar histórias do passado ou apresenta
cicatrizes e/ou tatuagens que podem indicar suas experiências; Suas emoções, obsessões, manias,
tiques, suas relações com pessoas e objetos, sua expressividade e, por fim, definir seu traço principal
de personalidade.
Independente do tipo específico do personagem é essencial criar uma bagagem de
observação, que pode ser advinda da televisão, do cinema e do teatro, por exemplo, com o intuito de
imprimir neles características humanas para que criem vínculos com o espectador. Alguns diretores
9
e roteiristas identificam o personagem como sendo mais importante que a história, justamente
pelo fato dele imitar as ações humanas e representa-las na obra de ficção. (MOLETTA, 2009).
Campos (2011) coloca que se, para o profissional, o personagem primeiro se mostra num
perfil e depois, na ação e nos diálogos, para o espectador a sequência é inversa: primeiro ele vê o
personagem agindo e falando e depois traços de perfil se revelam. Uma vez revelados, os traços
do perfil devem ser tomados como atributos do personagem, e só podem ser mudados se o
personagem passa por alterações, processo este que deve ser apresentado ao espectador. A situação
que o personagem vive motiva sua nova personalidade, por exemplo, se o traço a ser revelado é o
desequilíbrio do personagem, ele deve ser colocado numa situação que o motive para tal.
A partir dos apontamentos apresentados, se desenvolveu a Ficha guia, Quadro 1, que
contempla algumas particularidades físico-psíquicas, também embasadas nos arquétipos, para
iniciar o processo de concepção dos personagens da série.
PERSONAGEM:
Nome:
Idade:
Cor:
Olhos:
Cabelos:
Tamanho:
Tipo Físico:
Temperamento hipocrático:
Ele resolve os problemas usando instintos, pensamento lógico ou emoção?
Como ele se sente em relação a sua aparência?
Arquétipo:
Histórico:
Quais são seus hobbies?
O que ele acha engraçado e/ou prazeroso?
Medos:
Qual a reação quando tem medo:
Manias:
Humor:
Virtudes:
9
Defeitos:
Habilidades:
Motivação principal:
Relações com as pessoas:
Seu traço principal:
Como os outros personagens o veem?
Quadro 01: Ficha guia desenvolvida a partir do estudo inicial
Resultados
A partir das diretrizes estabelecidas na criação da ficha, foram desenvolvidas as principais
características psíquicas e físicas dos personagens, que por sua vez, determinarão sua trajetória
dentro da série. O Quadro 02 apresenta uma breve descrição da personalidade de cada personagem:
9
Cauã: quase Herói Menino parceiro de Léca. Criado por jesuítas, estuda
8 anos, com muito e é apaixonado por ciências. É inteligente e
traços indígenas, racional, por isso pode aferir mais pessimismo ao
cabelos enfrentar um desafio. É uma criança preocupada com
escuros e olhos o que os outros pensam dele, e se o acham mais
castanhos fraco e corajoso do que Léca. É um menino tranquilo
que gosta de estudar, tocar instrumentos musicais,
aprender coisas novas e inventar mecanismos. Tem
muito medo de altura, mais tem a esperança de
inventar/descobrir algo que vai mudar o mundo. Seu
principal traço de personalidade: inteligência.
Gui: macaquinho Pícaro e Arauto É um macaquinho meio cômico e atrapalhado, que
motiva os heróis a novos desafios. Gosta de dar
risadas por ter uma personalidade mais irônica, e isso
significa ter que ser, às vezes, inconveniente para
garantir sua alegria. É hiperativo e bem humorado,
mas se apavora com água. Está sempre junto dos
heróis ajudando ou provocando novas aventuras. Seus
principais defeitos são ser mentiroso e escandaloso,
pois gosta de chamar atenção. Os amigos o veem
como um macaco divertido, mas os que não são
amigos pensam no macaco como um estorvo que
atrapalha seus planos, por ele ser muito atento. Seu
principal traço de personalidade: indiscreto.
Dias Velho: Mentor Dias Velho colonizou a vila onde a história se passa, é
homem de 60 um homem experiente que educa e dá conselhos aos
anos, alto e demais, principalmente para as crianças. Tem um porte
forte, cabelos e atlético e postura elegante. Gosta de contar histórias
barbas grisalhos e é bastante paternal. Ele se sente responsável pelo
bem estar da vila e de seus habitantes. Tem um melhor
amigo, um pajé, que vive na comunidade indígena da
vila. É mais sério e preocupado e sente muito medo
de não poder proteger a vila. Gosta de compartilhar
seus conhecimentos com os demais, mas é um pouco
controlador e rígido. Gosta de motivar as pessoas a
resolverem seus problemas. Seu principal traço de
personalidade: patriarca.
9
Pajé Apuã: Mentor e um pouco Apuã é visto como o guia espiritual da vila. É intuitivo e
índio de 55 Arauto possui muitos conhecimentos místicos e medicinais.
anos, moreno, Participou de algumas jornadas com Dias Velho e são
tendência a grandes amigos. Tem um espírito paternal também
obesidade, por possuir muitos filhos. Incentiva os habitantes
cabelos da vila, principalmente as crianças, a preservar os
compridos recursos ecológicos. Tem uma personalidade tranquila
e gosta de estar em contato com a natureza, cozinhar
e participar de rituais musicais. Procura sempre o
equilíbrio entre homem e natureza, mas as vezes
apresenta inércia em algumas situações. É querido
por todos por ser calmo, paciente e carismático, mas
principalmente, porque todos acreditam em suas
magias, que nem sempre dão certo. Seu principal
traço de personalidade: equilíbrio
Pirata Frins: Sombra Frins está sempre em busca de dinheiro. É um homem
branco de olhos nervoso e impaciente com tudo e todos por nunca
claros, 45 anos, suprir sua ganância. É totalmente racional e se irrita
magro, ruivo e facilmente. É um pirata que vive saqueando vilarejos ao
careca longo da costa, pensando apenas nos seus objetivos
pessoais. Extremamente vaidoso e preocupado com
a aparência, odeia mostrar que é careca. Tem paixão
pelo poder e faz tudo que puder para sempre possuir
dinheiro e comandar outras pessoas. É orgulhoso, mal
humorado e não se importa em maltratar os outros.
Não tem noção de família, amizade ou de qualquer
outro conceito digno para se viver em sociedade. Sua
qualidade é ser perseverante, por sempre ir atrás de
seus objetivos, mesmo que eles não sejam bons. Seu
principal traço de personalidade: egocêntrico.
9
Cesar: tiriva, Guardião e Camaleão Cesar foi achado por Frins em um de seus saques em
animal de uma vila. É um animal inteligente e adora manipular. Ele
estimação do possui uma autoestima elevada por achar que sempre
Pirata Frins consegue o que quer e também por ser protegido de
Frins, que o criou. Seu sonho é ser o capitão de um
navio pirata, como seu “pai”. Gosta de se vestir e usar
adereços como tal. Ganancioso e vaidoso, gosta de
dar ordens e humilhar os demais tripulantes do navio
em que vive. Mas para não parecer que quer o lugar
de Frins, cuida para que seus ataques de poder não
sejam presenciados por ele, ou seja, Cesar tem dupla
personalidade. Tem medo de ficar perdido e sozinho,
e fica histérico quando passa por uma situação que o
coloca de frente com seu medo. É sarcástico, teimoso,
nervoso, inteligente e persuasivo. Seu principal traço
de personalidade: vaidade.
Juan Pablo: Guardião e Pícaro É um homem nada inteligente, que acha que a força
espanhol de 30 resolve todos os problemas. Preocupado com seus
anos alto e forte, músculos, vive se exercitando. Seu corpo forte é usado
ajudante de Frins por ele para esconder seu lado sentimental. Frágil,
ele gosta de flores e se comove facilmente. Quando
fica sozinho e com medo, sua principal reação é
chorar. É emotivo, cuidador e ingênuo. Sua motivação
principal é servir, usando a força. Seu principal traço de
personalidade: fragilidade.
Pepe: italiano, Guardião Comandado por Frins e tomado pela inércia, Pepe
40 anos, biotipo não é burro, pelo contrário, usa sua inteligência para
gordo, bigode despender o mínimo possível de esforço ao realizar
uma tarefa. Gosta de cozinhar, comer e dormir muito.
Sempre arranja um jeito para não realizar uma tarefa,
ou manipular alguém para fazer isso por ele. Reclama
de tudo, mas é tranquilo, nada agitado. Sua motivação
é conseguir muito dinheiro para não fazer mais nada
na vida. Seu principal traço de personalidade: preguiça.
9
Bilica: loira, mais Sombra e pícaro Vaidosa, faz de tudo para se manter jovem e bonita. É
velha. a bruxa da ilha e é envolvida com magias e misticismo.
Temperamental, raivosa e vaidosa, faz de tudo para
se manter jovem. É meio atrapalhada com suas
magias, esquece-as e sempre faz algo errado, o que
a torna um pouco cômica. Possui a habilidade de se
transformar em uma gralha, e disfarçada, supre seu
desejo de controlar tudo que acontece. Seu principal
traço de personalidade: repulsiva.
A ficha guia possibilita conhecer os personagens de modo particular, criando para eles uma
história individual. Isto favorece o ato de projetar sua presença dentro da narrativa. Sua história
pode ser apresentada e se relacionar com as demais ou apenas servir de referência para futuras
narrativas, neste caso episódios. Assim como, a facilidade que proporciona para conceber a
personalidade dos personagens, ela instrui os designers/ilustradores no momento de dar forma
física para eles.
Considerações Finais
9
Referências
CAMPOS, Flavio de. Roteiros de cinema e televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
JUNG. Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
MOLETTA, Alex. Criação de curta-metragem em vídeo digital: uma proposta para produções de
baixo custo. São Paulo: Summus, 2009.
SEEGMILLER, Don. Digital character painting using Photoshop CS3. Boston, Massachusetts:
Charles River Media, Inc., 2008.
THOMAS, Frank; JOHNSTON, Ollie. The illusion of life: Disney animation. New York, Popular ed.
1984.
VOGLER. Christopher. A jornada do escritor: estruturas míticas para escritores. 2.ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
Resumo
Organizamos nossas necessidades, desejos e preferencias desde
o momento do nascimento. Nossos mecanismos fisiológicos são
automáticos e aquilo que vemos nos afeta de algum modo. São
ações psicológicas que muitas vezes acontecem sem mesmo
que o indivíduo possa perceber. Através da revisão bibliográfica
dos Princípios do desenho bidimensional, estruturados por Wong
(1998) para os estudos da forma, e a conexão destes com os
Princípios fundamentais da animação clássica, formalizados pela
Walt Disney Productions, este artigo propõe relacionar estas
teorias visando a criação de personagens animados. Para então
compreender o quão importante é conhecer primeiramente os
princípios do desenho para a aplicação e execução das técnicas
pertinentes aos princípios da animação clássica.
9
Introdução
Contar histórias sempre esteve na base da sociedade humana. É uma característica do ser
humano, é o que define sua cultura, seu modo de agir e como se relaciona entre si. Sempre que uma
nova tecnologia é desenvolvida, sua aplicação na comunicação é explorada (BUGAY, 2004), busca-
se sempre um meio de fazer do ato de comunicar algo simples e fácil, que supere todo e qualquer
percalço que possa existir. Dentre os meios de comunicação existentes o desenho se destaca, como
9
uma das manifestações mais abundantes deixadas pelos grupos primevos, permeando os séculos
como registro de um modo de comunicação, um processo de relacionamento em um grupo cultural.
(MARQUES, 2012)
Para Wong (1998, p. 41) o desenho “é um processo de criação visual que tem propósito”,
diferente da pintura, por exemplo, que o autor considera como uma realização das visões e
sonhos pessoais do artista. Wells, Quinn e Mills (2012, p. 101) consideram o desenho como “...uma
ferramenta complexa para expressar uma variedade de ideias e pensamentos, mas é também uma
ação procedimental para o desenvolvimento e a investigação material.” Para estes autores, assim
como, para Bugay (2004), o desenho desempenha importante papel na comunicação e acesso à
informações quando apenas a comunicação verbal, não se faz satisfatória.
Para tanto, existem princípios com relação à organização visual, que servem de suporte aos
profissionais que desempenham alguma atividade relacionada ao desenho, tais conhecimentos
auxiliam e colaboram na sua capacidade de organização visual. (WONG, 1998)
Para melhor entender sobre estes princípios, Wong (1998) os denomina elementos do
desenho, que são distribuídos em quatro grupos: os elementos conceituais (ponto, linha, plano
e volume); elementos visuais (formato, tamanho, cor e textura); elementos relacionais (direção,
posição, espaço e gravidade) e elementos práticos (representação, significado, função). Estes
elementos serão detalhados a seguir, porém, os elementos conceituais e visuais são objetos deste
estudo e serão mais amplamente explorados.
Elementos Conceituais
Os elementos conceituais são aqueles não visíveis, na realidade eles não existem, porém
parecem estar presente. Para melhor entender o raciocínio Wong (1998, p. 42) exemplifica da
seguinte forma “...sentimos que há um ponto no ângulo de um formato, que há uma linha marcando
o contorno de um objeto, que há planos envolvendo um volume e volumes ocupando o espaço.” Na
realidade esses elementos não está lá e por esta razão são chamados de conceituais.
Ponto: O ponto indica uma posição, ele não possui comprimento e nem largura, não ocupa
nenhuma área ou espaço. Trata-se do início e do fim de uma linha. (WONG, 1998) Em termos
puramente geométricos, o ponto é um par de coordenadas. Graficamente ele toma forma como
um sinal, uma marca. Pode ser uma mancha ou um foco de força concentrada. (LUPTON; PHILLIPS,
2008)
O ponto é a unidade de comunicação visual mais simples. Na natureza a forma arredondada
é a mais comum, as demais formas raramente são encontradas. Ele pode ser utilizado como
atração visual, capaz de direcionar o olhar para aquilo que se deseja atenção, essa capacidade de
condução do olhar é intensificada dependendo da proximidade dos pontos. Em grande número
e justapostos criam a ilusão de tom ou cor. Essa característica, de fusão visual, foi explorada por
9
diversos impressionistas, como Seurat, por exemplo, em seus quadros pontilhistas. (DONDIS, 1997)
Linha: A linha pode ser considerada a trajetória realizada pelo ponto ao se mover. Ela
possui comprimento, mas não largura. Possui posição e direção, e forma a borda de um plano.
(WONG 1998) É composta por uma série de pontos, que estão muito próximos entre si, de modo
que a identificação individual é impossível. É também a conexão entre dois pontos. Pode ser uma
marca positiva ou a lacuna negativa. Podem ser retas ou curvas, contínuas ou tracejadas, ao atingir
determinada espessura tornam-se um plano. (LUPTON; PHILLIPS, 2008)
Nas artes visuais ela possui grande energia. Não é estática, pode ser considerada um
elemento visual inquieto e inquiridor do esboço. É o instrumento fundamental da pré-visualização,
meio palpável de apresentar algo que ainda não existe fisicamente. Ela é decisiva, tem propósito e
direção; pode ser rigorosa e técnica. É utilizada na escrita, na criação de mapas, símbolos e mesmo
para a música. É elemento essencial do desenho e pode assumir formas muito diversas para
expressar uma variedade infinita de informações. (DONDIS, 1997)
Plano: O plano é uma superfície lisa que possui altura e largura. É o trajeto de uma linha em
movimento. Uma linha fecha-se para se tornar um plano delimitado. As formas são planos com
limites. Ele pode ser paralelo à superfície da imagem ou inclinar-se e recuar no espaço. Ele pode ser
sólido ou perfurado, opaco ou transparente. (LUPTON; PHILLIPS, 2008)
Volume: O volume é representado por convenções gráficas, em um desenho bidimensional
ele é ilusório. A perspectiva linear simula distorções óticas e a partir destas a percepção de volume.
(LUPTON; PHILLIPS, 2008)
Elementos Visuais
Os elementos visuais são aquilo que podemos realmente ver em um desenho. Ao desenhar
um objeto sobre o papel é empregada uma linha visível, que representa uma linha conceitual. Essa
linha possui comprimento e largura, sua cor e textura são determinadas pelos materiais utilizados
e pela maneira que é feita. Assim sendo, quando os elementos conceituais se tornam visíveis eles
adquirem formato, tamanho, cor e textura. (WONG, 1998)
Formato: O formato é tudo aquilo que pode ser visto e que proporciona a identificação
principal para a percepção. (WONG, 1998)
Tamanho: Wong (1998) apresenta o tamanho como algo que é relativo e fisicamente
mensurável. Lupton e Phillips (2008) adotam o termo escala para complementar esse elemento,
apresentando-o como objetiva ou subjetiva. Quando objetiva, ela se refere às dimensões exatas
de um objeto ou à correlação exata entre uma representação e a coisa real que ela representa,
como nos mapas, por exemplo. Subjetivamente ela alude à impressão referente ao tamanho de um
objeto.
Cor: Estamos em um mundo cheio de cor, entretanto, ela está apenas em nossa cabeça, e a
9
experimentamos por meio de apenas um sentido: a visão. (FRASER; BANKS, 2007) Existem muitas
teorias da cor, para Barros (2006, p. 15):
Ela pode comunicar uma atmosfera, descrever uma realidade ou codificar informações.
Existente apenas no olho do observador, só pode ser percebida quando a luz é refletida por um
objeto ou emitida por uma fonte. (LUPTON; PHILLIPS, 2008) Ela possui três dimensões que podem
ser definidas e medidas: matiz, a cor em si; a saturação, a pureza relativa de uma cor, do matiz ao
cinza; e acromática, o brilho relativo, do claro ao escuro. (DONDIS, 1997)
Textura: A textura é o elemento visual que serve de substituto para o tato. É possível apreciar
e reconhecer a textura tanto através do tato quanto da visão, ou pela combinação de ambos. Ela
se relaciona com a composição por variações na superfície do material. Ela pode ser falseada de
modo muito convincente, sendo possível não apresentar qualidades táteis, apenas óticas como,
por exemplo, a padronagem em um tecido ou um vídeo. O julgamento visual acaba se confirmando
sempre pelo toque. (DONDIS, 1997)
Elementos Relacionais
Elementos Práticos
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contexto palpável é insatisfatória. Elementos como o ponto, a linha e o plano são componentes que
fundamentam o design. Partindo destes elementos os designers criam imagens, ícones, texturas,
padrões, diagramas e animações. (LUPTON; PHILLIPS, 2008) E a cada avanço tecnológico novas
possibilidades são proporcionadas.
Partindo de princípios quase artesanais para gerar a ilusão do movimento, artistas e cientistas
conseguiram ao longo dos séculos desenvolver mecanismos para captura dos movimentos, assim
como, dispositivos capazes de capturar, editar e projetar as imagens em movimento. O cinema,
como hoje conhecemos, surgiu a partir destes experimentos e foi aperfeiçoado ao longo dos anos.
Com a criação das companhias de animação, como a Walt Disney, foram investidos
esforços para tornar o processo de animação melhor. No início, os animadores desenhavam todas
as cenas completas no papel e depois fotografavam para fazer o filme. Mais tarde, foram utilizadas
folhas transparentes, denominadas cels, onde eram desenhados os diferentes elementos do
desenho, o que permitiu que o fundo permanecesse o mesmo e estático, com apenas alguns
elementos em movimento. Essa técnica foi chamada de “cel animation”, muito utilizada até o
surgimento da animação por computadores. (DIAS, 2010)
Independente da técnica utilizada para executar uma animação, o primeiro objetivo deve ser
cativar a atenção do espectador. Tarefa destinada ao animador, que deve ter claramente esclarecido
para si aquilo que entretém a audiência, as ferramentas e capacidades para tornar as ideias claras.
Os Princípios Fundamentais para Animação Clássica, tornaram-se a base do desenho
manual de personagens animados, e continuam relevantes ainda hoje, eles colaboram no processo
de criação de personagens e de situações mais verossímeis. A Walt Disney Productions foi a
responsável pela formalização destes princípios, eles propõem regras para a análise e criação de
ações e gestos na animação. Foram elaborados, primeiramente, para a execução do primeiro longa-
metragem animado do cinema, “Branca de Neve e os Sete Anões” (1937). (MELO; NETO, 2005) Os
doze princípios fundamentais da animação são os seguintes:
Temporização: O tempo, ou velocidade, é a essência de uma animação. A velocidade em que
algo se movimenta indica a matéria que compõe o objeto e a razão para a qual se movimenta. (MELO;
NETO, 2005) Algo como um piscar de olhos pode ser rápido ou lento. Se for rápido, o personagem
parecerá estar alerta; se for lento, poderá parecer cansado. As animações reais tendem a ter uma
temporização mais lenta, o que permite um aspecto de maior veracidade. Portanto, a coerência
temporal é fundamental para autenticidade de uma animação. (DIAS, 2010)
Suavização do início e do fim: O princípio básico de dinâmica aplicada à animação é que
os objetos precisam de tempo exato para iniciar e finalizar o movimento, eles devem ter uma
construção cadenciada, que permite ao espectador perceber à mudança de cada nova cena. Este
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princípio consiste na desaceleração do início e do final de uma ação, que realça a zona central desta.
(MELO; NETO, 2005)
Arcos: Nas animações os movimentos percorrem uma trajetória, seguem caminhos curvos,
são raros os personagens que se movimentam em linha reta. (MELO; NETO, 2005) A utilização dos
arcos permite obter um aspecto mais natural, pois no mundo real quase todas as ações são feitas
segundo linhas precisas e harmoniosas que suavizam o movimento. Por esta razão, ao animar um
personagem deve-se usar trajetórias curvas em vez de lineares, não respeitar esse princípio faz
com que o personagem se movimente de modo pouco natural. (DIAS, 2010)
Antecipação: As ações numa animação normalmente acontecem em três etapas: a
organização do movimento, a ação propriamente dita e o seguimento da ação. A primeira etapa é
conhecida como antecipação. (MELO; NETO, 2005) Em alguns casos, ela é essencial por razões de
natureza física. Exemplo deste princípio pode ser o ato de arremessar um objeto pesado. Primeiro
é necessário balançar o braço para trás. Esta ação é a antecipação, enquanto o lançamento é o
movimento propriamente dito. Ela é utilizada para chamar a atenção do espectador para a etapa
seguinte. (DIAS, 2010)
Exagero: O exagero é usado para acentuar ações, é muito comum em personagens
caricatos. Ele deve ser usado de maneira cuidadora e equilibrada, e resulta numa animação realística
e divertida. (MELO; NETO, 2005)
Amassar e esticar: A distorção numa animação acentua o movimento e o realismo do
personagem, segue o princípio dos movimentos dos músculos que se “deformam” para executar
a ação. (MELO; NETO, 2005) Dias (2010) considera, esta técnica, um dos princípios base para a
animação, e todos os elementos envolvidos na produção de animações devem dominar. Através
dele é possível realçar atributos físicos como a inércia, o peso ou a velocidade.
Ação secundária: As ações secundárias deixam a animação mais interessante e ampliam
a sensação de realidade. Ela é uma ação resultante de outra ação, importante para aumentar o
interesse e acrescentar complexidade à animação. Elas enriquecem a ação principal e dão maior
dimensão ao personagem. (DIAS, 2010)
Continuidade e ação sobreposta: Este princípio é aplicado quando o personagem muda de
direção, enquanto as suas roupas e cabelo, por exemplo, continuam a se movimentar de acordo com
o movimento anterior. (DIAS, 2010) Os princípios físicos em um animação conferem autenticidade
ao filme e mantém o espectador identificado com os personagens. Uma das recomendações é
manter a ação fluída, sem interrupções abruptas de movimentos. (MELO; NETO, 2005)
Ação contínua e ação quadro a quadro: A ação contínua e a ação quadro a quadro têm como
base duas técnicas de animação, que obtém resultados diferentes. Na ação contínua o animador
começa a desenhar a primeira frame e segue a sequência de frames até o final da cena, sem
necessariamente ter um planejamento prévio. Neste método pode se perder a noção de proporção,
porém ganha-se espontaneidade. Enquanto na técnica de quadro a quadro é permitido um maior
planejamento, pois é guiada por desenhos-chave. Nele o controle de proporções é mais simples. O
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animador considera quantos e quais são os desenhos necessários para animar a cena, são feitos os
desenhos-chave e o restante do movimento é complementado com frames intermediárias. (DIAS,
2010)
Enquadramento: O enquadramento das cenas devem enfatizar as ações, porém isso não
deve limitar a criação. O enquadramento serve como meio de estruturar a cena e é importante para
dar continuidade à linha narrativa. (MELO; NETO, 2005)
Desenho Sólido: Deve ser criada uma figura volumétrica, sólida e tridimensional, em que
serão aplicadas a percepção de peso, profundidade e equilíbrio. (DIAS, 2010)
Apelo: O apelo está ligado à capacidade do personagem de se relacionar com o espectador.
(MELO; NETO, 2005) Enquanto o ator tem carisma, o desenho animado é emocionalmente
expressivo. O que não significa que o personagem precise apenas de um aspecto agradável. Este
princípio indica que o personagem deve ser facilmente entendido pelo público, além de obter a
atenção e interesse deste. Ele deve ser único, assim como um humano é individual, isso dá a ele
um estilo próprio e a capacidade de reagir de forma distinta a diversas situações. (DIAS, 2010)
Essas características são mais enfáticas em personagens que carregam em sua personalidade
características humanas.
Estes princípios ainda são encontrados na maioria das animações, e servem de auxílio
no processo de criação. Ainda que idealizados na década de 30, os princípios são adaptados aos
processos atuais buscando torna-los mais rápidos e dinâmicos. Para Nadal (2012) isso parte do
pressuposta de complementação entre tecnologia e narrativa. Em que o surgimento de novas
técnicas digitais para manipulação de imagens, permite um maior detalhamento estético que
pode articular a narrativa de novas maneiras. A tecnologia permite reduzir o tempo de execução
de algumas tarefas, desde modo os criadores conseguem executar uma quantidade maior de
atividades, e ainda aumentar o detalhamento visual da obra.
Ligando os princípios
É possível perceber que para execução dos princípios formalizados pela Walt Disney
Productions, primeiramente o profissional precisa conhecer os princípios fundamentais do desenho,
apresentados por autores como Dondis (1997), Lupton e Phillips (2008) e aqui presente na visão de
Wong (1998). Estes elementos fundamentais são comumente encontrados em cursos dirigidos às
artes, ao design, arquitetura, ou que de algum modo envolvam o desenho.
A união destes princípios resulta em um produto que desperta sensações em seu cliente.
Para Türcke (2010) a sensação que originalmente estava ligada à percepção, hoje discursa como
aquilo que a atrai: o espetacular, o chamativo. Propondo uma mudança no uso do termo. Porém,
fica claro também que as sensações ainda estão ligadas às nossas percepções e atreladas às
experiências vivenciadas pelo indivíduo. O que Merleau-Ponty (2006, p. 5-6) enfatiza dizendo que
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“A cada momento, meu campo perceptivo é preenchido de reflexos, de estalidos,
de impressões táteis fugazes que não posso ligar de maneira precisa ao contexto
percebido e que, todavia, eu situo imediatamente no mundo, sem confundi-los
nunca com minhas divagações.”
O autor ainda pontua dizendo que a verdade não habita apenas o homem interior, mas o
mundo em que ele faz parte. As animações que propõem representações cada vez mais realistas
precisam explorar essas capacidades perceptivas. Permitindo ao espectador maior proximidade
e identificação com a obra. Por mais óbvias que as estratégias possam parecer é necessário
apresentar ao espectador elementos que façam parte de sua cultura visual, porém adicionando a
estes uma parcela de novidade.
Os elementos conceituais são importantes para o desenho, por suas características
intrínsecas, permitindo ao espectador perceber coisas, mesmo quando elas não estão presentes.
Enquanto os elementos visuais se encarregam de dar visibilidade aos conceituais de maneira
sugestiva. Estes elementos aplicados aos princípios da animação dão vida à personalidade do
personagem animado; é aquilo que os torna verossímeis e faz com que o público se identifique,
tanto com o personagem quanto com sua história. (BUGAY, 2004) Essa capacidade de identificação
é estabelecida pelo princípio do apelo, que acompanhado de elementos visuais bem trabalhados
exercita a ação de cativar o espectador. Exemplo desta capacidade, é o personagem animado
Woody da trilogia Toy Story, que com suas características reais e humanas favorece a empatia com
o público. (DIAS, 2010)
Para que os princípios fundamentais da animação possam agir com eficácia, é preciso
conhecer inicialmente os princípios do desenho e saber como aplica-los. Tais conhecimentos podem
ser adquiridos e com a prática desenvolvidos e aperfeiçoados.
Considerações Finais
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os contos de fadas, os personagens que se tornam brinquedos, todos possuem a figura humana
como referência. Os profissionais que desenvolvem esse tipo de produto, utilizam de atributos
particulares do ser humano para dar forma, cor, movimento e personalidade aos seus personagens.
Com todos estes aspectos resta seguir os princípios básicos da animação clássica, para que as
criações possam ser executadas de modo organizado e com êxito.
Percebemos e aceitamos aquilo a que estamos habituados a conviver, por essa razão
os personagens humanoides despertam tanto a curiosidade humana, por perceber nestes,
características do homem, e ao mesmo tempo, compreendendo se tratar de um desenho e não
uma fotografia. A tecnologia se desenvolve de tal maneira que os limites entre uma técnica ou outra
estão cada vez mais estreitos, e a aliança entre técnica e tecnologia favorecem o desenvolvimento
de desenhos com uma qualidade tão fidedigna quanto uma fotografia digital. Mas de nada servem
quando princípios básicos são desconhecidos ou não acompanhados.
Referências
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Goethe. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2006.
BENSON, Nigel et al. O livro da Psicologia. Tradução Clara M. Hermeto e Ana Luisa Martins. São
Paulo: Globo, 2012.
DIAS, Rui Luís Correia. Sistema de animação de personagens virtuais para comunicação não
verbal. 105 f. Dissertação (Mestrado). Engenharia Informática, Instituto Superior de Engenharia do
Porto, 2010.
DONDIS, D. A. Sintaxe da Linguagem Visual. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
FRASER, Tom; BANKS, Adam. O guia completo da cor. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007.
LUPTON, Ellen.; PHILLIPS, Jennifer C. Novos fundamentos do design. São Paulo: Cosac Naify, 2008.
MARQUES, Luzia Amélia Silva. O corpo na pedra: informações da dança. Anais do II Congresso
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MELO, Adrei Krepsky; NETO, Walter Dutra Da Silveira. Técnicas de Animação em Ambientes
Tridimensionais. Revista Eletrônica de Sistemas de Informação, 2005, Vol.4(1) - Disponível em
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SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. 1 Edição. São Paulo:
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WELLS, Paul; QUINN, Joanna; MILLS, Les. Desenho para Animação. Tradução: Mariana Bandarra;
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WONG, Wucius. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 1998.