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A CIDADE CRIATIVA
Aluno: Odilon Amaral
INTRODUÇÃO
O presente trabalho se apresenta como um breve estudo sobre a economia criativa e como
ela pode ser uma saída para cidades em processo de decadência e estagnação. A proposta é abordar
os termos e conceitos (ou a ausência de precisão dos mesmos) em torno do que acaba se
constituindo uma Cidade Criativa, como a Nova Economia, a Economia da Cultura, a Economia
Criativa, as Classes Criativas, Clusters, e como esses processo está intimamente ligado à
Urbanização.
Para tanto, foi feita uma revisão bibliográfica, abordando artigos, teses, livros, enfim,
publicações acadêmicas e jornalísticas, levantando problemas, propostas e proposições. Em
inúmeras cidades ao redor do mundo, o estímulo ao desenvolvimento da economia criativa serviu
como um dos motores para processos de regeneração de territórios degradados. (DE JESUS, 2017,
p.1). Nas últimas décadas, “mudanças econômicas (globalização), tecnológicas (internet), sociais
(migrações e longevidade), entre outras, impactaram profundamente a dinâmica
1 PARDO, 2011, p.87. Jordi Pardo é mestre em Administração Pública, perito independente da Comissão
Europeia para a avaliação e seleção das Capitais Europeias da Cultura (CEC), membro da equipe de
especialistas internacionais da UNESCO em políticas culturais no âmbito da Convenção da UNESCO de
2005, para a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. Dirigiu e avaliou projetos
relacionados à cultura, patrimônio e desenvolvimento na Espanha, Itália, Suécia, Brasil, Argentina, Bolívia,
Honduras, Paraguai, Palestina, Paraguai, Peru, Uruguai, Vietnã e Chile (NARTEX BARCELONA).
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urbana” (PALADINO, 2016.). O fenômeno é observado na decadência em que entraram metrópoles
como Detroit, nos Estados Unidos, Manchester, na Inglaterra e Bilbao, na Espanha, por exemplo,
que foram atingidas por um processo de desindustrialização por causa da transferência da maior
parte das suas unidades para a Ásia. “Um dos resultados deste movimento tem sido a transformação
das médias e principalmente grandes cidades em territórios cujo setor produtivo está baseado
essencialmente nos segmentos de serviços” (IDEM).
Tal situação é marcante no final do século XX. Ela é caracterizada pelo “movimento
crescente do trabalho material -a produção manual de coisas- para o trabalho imaterial -a produção /
criação de novas idéias” (LESLIE & RANTISI, 2012, p.458). A criatividade e a geração de novos
conhecimentos passam a ser vistas como recursos-chave para empresas que desejam se destacar em
um mercado global (IDEM). Ainda segundo Leslie e Rantisi (2012, p.459), “o conhecimento e a
criatividade substituem os fatores tradicionais de produção material, como o acesso a terras baratas,
a dotação de recursos naturais ou uma oferta abundante de trabalho, como insumos essenciais. Não
são mais os recursos físicos que você tem que importa, mas o que você sabe”. Foi-se embora a
tradicional atividade industrial, “levando consigo não apenas os empregos e a renda, mas pouco a
pouco, o ethos industrial”. (CORAZZA, 2013, p.208)
O processo torna menos relevantes fatores que uma vez modelaram o desenvolvimento da
cidade, como o sistema de transporte e a proximidade de fontes de matérias-primas. O transporte
passa a ser mais um problema de mobilidade de pessoas do que de mercadorias. A decadência das
antigas formas de vida e de trabalho, que se desenvolviam em torno do escritório e da fábrica,
trazem mais decadência. “Lidar com o crime, eliminar a insegurança e melhorar a qualidade do
ambiente tornam-se questões vitais” (CORAZZA, 2013, p.215-6). Em contraponto à crise, a
perspectiva da cidade criativa é otimista a respeito das possibilidades que se abrem ao futuro. “Ela
prevê muito espaço para comunicação, para novas ideias e para a criação de riquezas” (IDEM).
A cidade criativa, por vezes, vira uma espécie de musa -quando não, miragem-, “irresistível
para os formuladores de políticas em vista de sua promessa de empregos de alta remuneração em
setores da atividade econômica que são em sua maioria ecologicamente corretos e prometem
melhorar o tecido urbano” (SCOTT, 2007, p.1476).
É quando surgem as propostas de revitalização e “redesenvolvimento” (CARDOSO, 2017,
p.2), que se destacam nas discussões sobre planejamento urbano e políticas públicas, sobretudo nas
grandes cidades. Territórios recebem novas formas e conteúdos. Porém as questões da segregação
socioespacial com a valorização econômica que resulta na acumulação do capital também podem
ser resultado deste novo caminho.
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A cultura ganha uma nova dimensão, ao deixar de ser um fator neutro e passar a fazer parte
decisiva na gestão das cidades (WANIS, 2014, p.117). “O ideário de Cidade Criativa, difundido por
agentes internacionais e posto em prática por atores locais, impulsiona o discurso econômico,
trazendo a cultura à centralidade da pauta urbana, como justificativa de valor, tornando-se, então,
ferramenta de mobilização de recursos econômicos” (IDEM, p.118).
Ao surfar nesta onda, característica marcante do início do terceiro milênio, Belo Horizonte
deu um passo importante para, na visão de seus gestores, trazer uma roupagem mais moderna à
cidade -ainda que baseada numa de suas maiores tradições. A capital mineira se candidatou e foi
escolhida pela UNESCO como uma das Cidades Criativas do mundo, no ramo da Gastronomia. O
título foi dado já no final de 2019, muito perto da pandemia que freou todas as possibilidades de a
cidade já se aproveitar da nova situação. Mas encheu empresários e administradores municipais de
expectativas.
Segundo Ana Carla Fonseca Reis, a Economia Criativa padece de uma precisão, ou mesmo
de um consenso, em torno de seu conceito. Por isso mesmo, carrega uma “riqueza de
interpretações” numa “Babel conceitual”, na medida em que “parece beber da fonte de outros
conceitos e tomar deles traços que se fundem (REIS, 2008, apud. REIS, 2011, p.19). A autora cita
exemplos, como a economia da experiência, em que “reconhece o valor da originalidade, dos
processos colaborativos e a prevalência de aspectos intangíveis na geração de valor, fortemente
ancorada na cultura e em sua diversidade”; a economia do conhecimento, com a “ênfase ao uso de
tecnologias de ponta, à existência de mão-de-obra capacitada para operá-la […], embora nem todos
os setores criativos sejam intensivos em tecnologia de ponta ou em direitos industriais” -por
exemplo nas atividades ligadas ao artesanato e ao folclore-; e a economia da cultura, com a
“valorização da autenticidade e do intangível cultural único e inimitável” (IDEM, p.20). No entanto
a autora lembra que o debate em torno da economia criativa transcende as fronteiras da discussão
conceitual, teórica, exatamente por seu caráter prático, o potencial de guiar políticas públicas. Nem
por isso, a economia criativa esteve imune a críticas, lembra Ana Carla Fonseca Reis, ao ser vista
como uma prática que dava pouca prioridade a questões sociais, “como a inclusão socioeconômica
de áreas ou classes marginalizadas nas grandes cidades” e as que diziam respeito à “ênfase
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excessiva recaída sobre o conjunto das indústrias criativas, sem conferir consideração mais detida às
singularidades setorias” (REIS, 2011, p.22, 23).
A NOVA ECONOMIA
ECONOMIA DA CULTURA
AGLOMERAÇÃO: OS CLUSTERS
Quando se fala em produção criativa, Florida (2014) lembra que a imagem recorrente é a do
“criador solitário”. Mas, na sociedade, ela surge em grupos, reunidos em laboratórios de pesquisa,
colaborações cinematográficas e equipes de arquitetura, por exemplo. Conforme aponta o autor,
quanto mais urbano for o cenário, mais diversificado e, portanto, mais criativo esse grupo
provavelmente será (FLORIDA, 2014, p.201-202).
O ambiente é, pois, predominantemente urbano. É nele que se formam os clusters, conforme
definido por Ana Carla F. Reis (em PALADINO, 2016), ambientes ou ecossistemas implantados em
bairros que contam com “polos tecnológicos, centros de conhecimento, instituições sem fins
lucrativos, espaços culturais, uso misto (residencial, comercial e lazer) e diversidade cultural”. A
relevância dessa proximidade é evidente na partilha de conhecimento, por exemplo. Os
empreendimentos criativos desenvolvem-se de forma mais eficiente quando interagem, física ou
virtualmente, e tendem a se concentrar, desde um centro de mídia em uma pequena cidade a
aglomerados tecnológicos como o Vale do Silício, na Califórnia (EUA). “Na Economia Criativa, o
lugar importa -talvez até mais do que nos setores industriais tradicionais” (OLIVEIRA, 2016, p.
116).
Luiz Antônio Gouveia Oliveira (2016) usa o termo “Rede de Economia Criativa” para
definir o “conjunto de empreendimentos, empreendedores e profissionais dos setores culturais e
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criativos (formais ou informais), caracterizado pela intensidade de conexão física e/ou virtual entre
eles, assim como pela flexibilidade de suas estruturas produtivas” (OLIVEIRA, 2016, p.122). O
autor também chama a atenção para um outro conceito, o de “Cadeia Produtiva”, que define “o
conjunto de atividades -elos- que se articulam progressivamente, desde os insumos básicos até o
produto final, incluindo bens de capital, bens intermediários, distribuição e comercialização”. Mas,
para abordar a economia criativa, propõem em lugar deste, uma abordagem baseada no “Sistema
Produtivo”, que compreende “o conjunto de atividades e conexões de natureza colaborativa e/ou
competitiva […] entre empreendimentos, empreendedores e demais profissionais dos setores
culturais e criativos”. A articulação se dá de forma progressiva, “desde a etapa da criação, passando
pela produção e pela distribuição de bens e serviços culturais e criativos”. Nessa nova conformação
(e interação), os ciclos de produção são, muitas vezes, não lineares e concomitantes (OLIVEIRA,
2016, p.123).
Power e Scott acrescentam que a indústrias de produtos culturais quase sempre operam com
mais eficácia quando os estabelecimentos individuais que as constituem apresentam pelo menos
algum grau de aglomeração locacional. A tendência é explicada pelas eficiências econômicas que
podem ser obtidas quando muitas firmas e trabalhadores estão próximos uns dos outros, de modo
que suas interações são circunscritas no espaço e no tempo. A aglomeração também é, em parte,
“resultado dos processos de aprendizagem e energias inovadoras que são desencadeadas […] em
clusters industriais”. É onde as informações, opiniões, sensibilidades culturais são transmitidas,
“especialmente fortes nos casos em que a intensidade transacional é alta”. (POWER & SCOTT,
2011, p.165).
Individualmente, as aglomerações criativas também exercem seu fascínio, atraindo
indivíduos talentosos, pelo que Menger (1993, apud POWER & SCOTT, 2011, p.166) chamou de
"gravitação artística". Essa força faz com que aglomerações sejam constantemente reabastecidos
pela imigração seletiva de trabalhadores. A gravidade é fomentada ainda pela existência de
instituições de ensino e treinamento especializadas, que normalmente surgem em aglomerações
produtivas.
A interdependência entre as unidades de produção é outro fator que favorece a aglomeração.
Juntas, as firmas alcançam vantagens, que vão desde a inserção em fluxos de informação e de
inovação àquelas tipicamente existentes onde o mercado de trabalho é concentrado. A proximidade
potencializa a possibilidade de se obter economias de aglomeração e um ciclo virtuoso de
crescimento, além e trazer economias de escala (custos de mão-de-obra, abertura de ateliers,
espaços de exibição, etc.).
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Como as indústrias criativas são atraídas para determinadas bases territoriais e tendem a se
agrupar e, dessa forma, atrair mais empreendimentos criativos para esses clusters, ocorre a gênese
de “um poderoso processo de retro-alimentação, uma vez que as referidas aglomerações também
fortalecem a base territorial” (MEDEIROS, GRAND, FIGUEIREDO, 2017, p.12-13). A
aglomeração, nesse caso, se torna, pois, um ativo urbano de grande importância, e central ao
planejamento urbano. Os negócios criativos “gostam” de se agrupar, segundo Gina Gulineli
Paladino (2016), “porque os seus produtos e serviços ganham com a troca e interação entre os seus
atores”. O cluster gera um ganho de visibilidade, em relação a iniciativas isoladas, e reduz as
dificuldades das empresas iniciantes, já que possibilitam o maior acesso a informação, redes e apoio
técnico, (PALADINO, 2016).
A ECONOMIA CRIATIVA
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■ compreendem produtos tangíveis e serviços intelectuais ou artísticos intangíveis com
conteúdo criativo, valor econômico e objetivos de mercado;
■ situam-se no cruzamento entre os setores artesanal, de serviços e industrial; e
■ constituem um novo setor dinâmico no comércio mundial.
Segundo Luiz Antônio Gouveia Oliveira (2106, p.113), o Ministério da Educação do Brasil
(MEC) prefere adotar o termo “setores criativos” como representativo dos diversos conjuntos de
empreendimentos cujas “[...] atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo
gerador de um produto -bem ou serviço- cuja dimensão simbólica é determinante do seu valor,
resultando em produção de riqueza cultural, econômica e social” (MINISTÉRIO DA CULTURA,
2011, p. 22, apud. OLIVEIRA, 2016, p.113).
DA ABUNDÂNCIA À ESCASSEZ
a inexistência de uma conta específica para mensurar as atividades e os produtos dos setores
criativos (uma Conta Satélite da Cultura, por exemplo); e a ausência de uma diretriz dos
órgãos públicos relativa à uniformização da classificação e ao enquadramento das atividades
econômicas e da força de trabalho criativas. (…). Dado o alto grau de informalidade da
Economia Criativa brasileira, boa parte da produção e circulação doméstica de bens e
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serviços criativos nacionais não é incorporada aos relatórios estatísticos (OLIVEIRA, 2016,
p.114).
A esta altura, já se torna possível delinear, com base nos conceitos e reflexões expostos
acima, alguns traços da economia criativa, como os destacados por Ana Carla Reis. O primeiro
deles diz respeito ao reconhecimento do valor de ativos intangíveis. O segundo deixa claro a
complementaridade das políticas cultural, tecnológica e econômica e a importância, para favorecer a
criatividade, de se investir em educação, capacitação, acesso e circulação de informação. Também
fica patente uma nova característica, que difere das cadeias setoriais tradicionais, a produção e o
consumo, impulsionados pelas novas tecnologias, em vez de seguirem o modelo tradicional de um
para muitos, desdobrando-se numa gama de possibilidades de muitos produtores para muitos
consumidores. Por fim, a tecnologia digital se insere como “espinha dorsal” da criação, produção,
circulação e/ou consumo criativo, e requer mudanças de modelos de negócios e formas de trabalhar,
incluindo novas habilidades e infraestrutura (REIS, 2011, p.28).
BRASIL
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a falta de articulação entre as pastas públicas. O panorama parece ainda mais obscuro com a
tendência atual, de um governo federal, que desvaloriza a cultura e as iniciativas criativas, de se
distanciar longamente dos setores de produção intelectual, de universidades a salas de espetáculo,
num processo perigosamente infeliz de rasteirização intelectual. As expectativas em torno de
políticas nacionais, envolvendo desenvolvimento, tecnologia, educação, turismo e a própria cultura,
de se refletirem positiva e construtivamente em esferas estaduais e municipais, demandando atenção
e preparo para lidar com o tema, são cada vez mais baixas e desalentadoras.
Mas há ainda alguns esforços locais em que a economia criativa passou a ser vista como um
modelo de desenvolvimento econômico capaz de trazer vitalidade, equidade social e identidade às
cidades. Entre os objetivos, estão os de gerar novo fôlego e competitividade às economias locais,
resolver problemas relacionados a áreas urbanas degradadas e esvaziadas, de forma compatível ao
contexto histórico e cultural de cada localidade. Cardoso levanta, pois, a importância de se analisar
cuidadosamente as nuances, principalmente quando algumas incongruências decorrentes da
aproximação (ou fusão) dos conceitos da cidade criativa e da economia criativa começam a se
tornar evidentes. O autor praticamente exclui as cidades pequenas do cenário, ao afirmar que a
economia criativa, “enquanto conjunto de atividades relacionadas aos setores secundário e terciário,
encontra possibilidade de desenvolvimento, com resultados econômicos mais significativos, em
geral, nas cidades de maior porte” (CARDOSO, 2017, p.9).
A CIDADE CRIATIVA
Em poucas palavras, o catalão Jordi Pardo definiu: a cidade criativa é uma área urbana
voltada à inovação e à cultura (PARDO, 2011, p.85). Cardoso acrescenta que criativa é aquela
cidade envolta em uma mentalidade criativa igualitariamente dispersa em sua comunidade
(CARDOSO, 2017, p.8). Paladino, numa referência que remete a Florida, afirma que as cidades são
consideradas “o habitat por excelência das classes criativas e dos empreendedores inovadores e, por
isso, as grandes protagonistas do desenvolvimento econômico e social no século
XXI” (PALADINO, 2016). Pardo complementa (inclusive a própria definição), acrescentando que
uma cidade criativa é um sistema social, cultural e econômico de natureza urbana, no qual a
criação de oportunidades, prosperidade e riqueza está baseada na habilidade de gerar valor
com a força de ideias, informação, conhecimento e talento. A cidade criativa promove os
elementos de um ecossistema sociocultural que é parte do sistema produtivo, no qual os
centros de treinamento, informação, pesquisa, bem como as áreas tradicionais da cultura
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(criação artística e experimentação, pesquisa, memória e tradição etc.) e as atividades
econômicas de todos os setores interagem para gerar valor e riqueza e melhorar a coesão
social, a qualidade de vida e a atratividade da cidade como um cenário econômico e vital
(PARDO, 2011, p.88-9).
O cenário parece promissor; a paisagem, encantadora. Mas a cidade criativa pode pecar em
termos de democracia e representação (assunto também abordado adiante, quando o objeto de
enfoque for a classe criativa). Em termos gerais, há um interesse de que se construa uma ideia de
diversidade cultural, o que traria um conjunto de culturas determinadas, mas sem que
necessariamente todas as possibilidades culturais fossem contempladas com a mesma intensidade, a
partir de um consenso normalmente estabelecido por uma coalisão de atores dominantes. Porém a
ideia deste tipo de cidade constitui-se um mito, que dá uma aparência coesa a este sistema
complexo, conflituoso e dissociado em que se encontra a cultura (WANIS, 2014, p.119).
Reis lembra que cultura e criatividade estão interligadas. “Os recursos culturais são a
matéria-prima da cidade e sua base de valor. Seus ativos substituem o carvão, o aço e o ouro.
Criatividade é o método para explorar esses recursos e ajudá-los a crescer” (REIS, 2011, p.35). A
exploração, depois do reconhecimento, e o posterior gerenciamento de forma responsável desses
recursos (num ideal de sustentabilidade) é uma importante tarefa dos administradores urbanos. Uma
perspectiva pautada pela cultura deveria indicar como o planejamento, o desenvolvimento
econômico e as questões sociais deveriam ser abordadas, ainda segundo Reis: “A cidade criativa é
um toque de trombetas para estimular abertura mental, imaginação e participação pública” (REIS,
2011, p.36).
No prefácio da obra organizada por Reis e Kageyama, “Cidades criativas - perspectivas”
Charles Landry parte do pressuposto de que
sejam criadas condições para que as pessoas pensem, planejem e ajam com imaginação, para
estimular oportunidades ou resolver problemas urbanos aparentemente incuráveis. Estes
podem variar de lidar com os sem-teto, a criar riqueza ou melhorar o ambiente visual. Isso
significa que tanto as cidades grandes quanto as pequenas podem ser criativas. Cidade
criativa é, portanto, um conceito positivo.
O pressuposto é que pessoas comuns podem fazer o extraordinário acontecer,
se lhes for dada uma chance (LANDRY, 2011, p. 13)
instituições educacionais ou culturais que ajudam a misturar o caldo […] Nem é preciso
dizer que um ambiente urbano oferecerá uma variedade mais diversa de estímulos potenciais
de iniciação do que um ambiente rural. O primeiro, em relação ao último, tem mais
probabilidade de oferecer um mundo repleto de diferentes línguas, culturas, religiões e
estilos de vida ” (FLORIDA, 2014, p.201)
CLASSES CRIATIVAS
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Florida define um núcleo de Classe Criativa para incluir um grupo de pessoas com
habilidades
Uma diferença importante em relação às outras classe é “no que seus membros são pagos
para fazer, […] para usar a mente -todo o escopo de suas habilidades cognitivas e sociais (IDEM).
Florida conclui que a Classe Criativa é “dominante em termos de riqueza e renda, com seus
membros ganhando quase o dobro em média do que os membros das outras classes e, como um
todo, respondendo por mais da metade de todos os salários e ordenados” (FLORIDA, 2014, p.9-10).
Ela se constitui numa elite, visível, que se manifesta espacialmente na crescente segregação de
classes nas áreas metropolitanas. (LESLIE & RANTISI, 2012, p.460) Paralelamente, a Classe
Criativa seria, ainda, a força motriz chave para remodelar a geografia urbana, liderando o
movimento de volta às áreas remotas, aos centros urbanos e subúrbios próximos e acessíveis. Uma
classe relativamente móvel, que é muito mais concentrada em algumas cidades e áreas
metropolitanas do que em outras (IDEM, p.11)
As classes criativas também atuariam como “magnetos”, atraindo empresas de rápido
crescimento, alta tecnologia e grande mobilidade (CORAZZA, 2013, p.220). Uma das suas
características principais seria exatamente a mobilidade. E se tornam, assim, um alvo de cobiça das
mais diversas cidades, levando-as a criar ambientes propícios à atração e à manutenção de
profissionais criativos. Tal definição parece embutir uma confusão entre uma comunidade e o
capital -que, este sim, é dotado de mobilidade mais patente (REIS, 2011, p.37). Classes são
compostas de pessoas que, eventualmente, viram famílias e tendem a se fixar.
Um ambiente atraente à classe criativa deveria garantir a oferta de um mercado voltado aos
trabalhadores com alto potencial criativo, compreendendo portanto universidades, centros de
pesquisa e empresas com perfil diferenciado; uma oferta cultural e de apreciação estética
compatível com a sensibilidade criativa desses profissionais; uma efervescência de vida urbana
(“agitos”) e valorização ou, no mínimo, uma tolerância à diversidade (REIS, 2011, p.37, 38).
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Leslie e Rantisi levantam a polêmica de se elencarem políticas que consideram a
criatividade um processo individualizado. Os autores buscam demonstrar como tais políticas
aumentam as desigualdades socioespaciais na cidade e promovem formas de trabalho
empreendedoras e carregadas de risco. (LESLIE & RANTISI, 2012, p.462). Tal conclusão pode se
derivar do reconhecimento de que os integrantes da classe criativa se dispõem a viver nas cidades
com melhor qualidade de vida. O desafio seria superar um planejamento baseado em engenharia
urbana, direcionando o foco para a promoção da cidade criativa, que, na essência, significaria uma
cidade para as pessoas. O risco seria a política deixar seu caráter plural de lado e privilegiar um
grupo de pessoas, com formas de tratamento diferenciados entre aquelas que seriam e aquelas que
não seriam, ou seriam menos criativas. Segundo Reis, gerir uma cidade criativa requer um pacto de
governança de amplo espectro, com agendas convergentes, sustentável no longo prazo e blindada
das vicissitudes das reviravoltas políticas, evitando com isso externalidades negativas infelizmente
tão corriqueiras, como a gentrificação (REIS, 2011, p.52-53).
TRANSFORMAÇÃO
Pardo destaca: o ativo mais importante são as pessoas, “com sua criatividade e sua
capacidade cultural, científica, técnica e artística”, que podem oferecer a base fundamental para que
as cidades se tornem sistemas inovadores (PARDO, 2011, p.89). Mas é preciso também que a
cidade atenda a todos. O espaço deve se prestar ao combate às desigualdades e à violência e à
atração de talentos e investimentos para revitalizar áreas degradadas, deve promover os clusters
criativos, ser ainda de transformação das cidades em polos criativos mundiais, não raro de maneira
articulada com a política do turismo e atração de trabalhadores criativos, com a devida observação
ao cuidado contra a gentrificação, a segregação.
Há visões que universalizam as possibilidades de uma cidade se “tornar” criativa. Reis
aponta que o arquiteto e urbanista, ex-prefeito de Curitiba-PR, Jaime Lerner, abre essa possibilidade
para qualquer cidade. Esse processo seria “baseado na construção de um sonho coletivo, indutor de
uma aspiração coletiva e na mobilização de esforços para a sua realização” e “incrementaria a
qualidade de vida urbana, expressa por sua vez em três conceitos: sustentabilidade, mobilidade e
solidariedade” (REIS, 2011, p.50). A Cidade Criativa de Lerner é a da integração: entre lazer e
trabalho; entre ambiente natural e ambiente construído; entre áreas e pessoas; entre as camadas do
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passado, do presente e do futuro (arquitetura) e na recuperação de áreas marginalizadas (IDEM).
Uma visão poeticamente teórica.
Voltando ao catalão Jordi Pardo, a criatividade aplicada (ou seja, a inovação) resulta em
valores de mudança e progresso em todas as atividades econômicas, sociais e culturais, que por sua
vez reforçariam um ambiente favorável à criatividade (REIS, 2011, p.50). A Cidade Criativa
apresenta-se em constante transformação e, para isso, deve ser entendida de forma complexa,
integrada e repleta de conexões, com a inclusão de áreas e grupos marginalizados (IDEM, 2011, p.
53). E são, fundamentalmente, as pessoas que constroem a cidade, que vivenciam o espaço, e é,
portanto, preciso devolver a cidade para as pessoas” (HUF, 2016). Mas de forma concreta. O
conceito e a bandeira do “Direito à Cidade” erguem-se aqui. Não na forma de
Um passo para a unificação dessas lutas é adotar o direito à cidade, como slogan e como
ideal político, precisamente porque ele levanta a questão de quem comanda a relação entre a
urbanização e a produção do lucro. A democratização desse direito, e a construção de um
amplo movimento social para fazer valer a sua vontade são imperativas para que os
despossuídos possam retomar o controle que por tanto tempo lhes foi negado e instituir
novas formas de urbanização. Lefebvre estava certo ao insistir em que a revolução tem de
ser urbana, no sentido mais amplo do termo (Harvey, 2013).
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As fórmulas de desenvolvimento baseadas no apoio aos setores ditos criativos se difundem
de forma mais veloz e vigorosa do que organizada (CORAZZA, 2013, p.222). É, portanto,
extremamente necessário, repensar as tradicionais políticas de desenvolvimento urbano, e, nesse
contexto, contemplar a criatividade como um importante recurso territorial (MEDEIROS, GRAND,
FIGUEIREDO, 2017, p.12).
Mais uma vez o olhar se volta para o contexto urbano, em que a criatividade é vista como o
atributo de um determinado conjunto de indivíduos ou como proveniente de um sistema mais amplo
de atividades econômicas interrelacionadas. As duas perspectivas vêem as grandes cidades como
uma base diversificada de atividades, como locais onde a criatividade floresce. Elas diferem, porém,
nas forças que acreditam moldar o crescimento urbano (LESLIE & RANTISI, 2012, p.460).
Leslie e Rantisi rotulam a primeira perspectiva como a do capital humano.
Em contraste com o capital físico, como máquinas ou edifícios, o poder do capital humano
reside em sua capacidade de se renovar e se transformar por meio do uso.
Consequentemente, as possibilidades de inovação são ilimitadas. Para os defensores dessa
perspectiva, o ingrediente para o sucesso econômico é, portanto, direto. Se as localidades
desejam aumentar suas economias criativas, devem aumentar sua dotação de capital
humano. Isso vai atrair empresas inovadoras (IDEM, p.461).
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política. “Em vez de buscar iniciativas de cidades criativas destinadas a aumentar a atratividade da
cidade para as elites criativas, os governos urbanos podem se sair melhor atraindo empresas e
promovendo clusters industriais diversificados” (LESLIE & RANTISI, 2012, p.462).
Power e Scott acrescentam que uma série de países de baixa e média renda estão
descobrindo que também são capazes de participar de várias maneiras na nova economia cultural, às
vezes com base nas indústrias e culturas tradicionais. Mesmo áreas industriais antigas e
economicamente deprimidas podem ocasionalmente mudar sua sorte por meio de iniciativas
culturais bem planejadas (POWER & SCOTT, 2011, p.170).
TURISMO
Até aqui, falou-se sobre a atração de pessoas de forma definitiva ou, ao menos, com um
mínimo de perenidade para a cidade. Mas existe outro público que interessa. Aquele que não chega
para ficar: o turista. Segundo Pardo, “além de ser uma atividade econômica importante, o turismo é
um catalisador dos negócios locais, do desenvolvimento do setor de serviços e do aumento da
demanda cultural” (PARDO, 2011, p.92). O setor pode viabilizar uma série de projetos culturais que
não se desenvolveriam apenas com a demanda local. E, ainda, ele amplia a atividade criativa.
Mas o turismo não pode ser predatório. Se mal administrado, pode acarretar a “perda da
personalidade de um território, quando os residentes de uma cidade são expulsos pelo aumento de
preços ou pela incompatibilidade entre o turismo e a vida diária dos cidadãos”. Numa visão bem
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catalã do tema, Jordi Pardo alerta que o turismo de massa pode ser um problema sério e que deve
ser evitado. O desafio está em manter um balanço entre a viabilidade econômica e a massa, bem
como entre a preservação das identidades locais e a personalidade urbana e cosmopolita (PARDO,
2011, p.92).
Cidades como o Rio de Janeiro e Barcelona já são dotadas de atributos naturais suficientes
para atração do visitante. Mais além, as cidades criativas conseguem promover suas ações e atrair
investimentos e turismo também por meio dos seus recursos tangíveis e intangíveis, como é o caso,
por exemplo, da gastronomia e todos os valores culturais e socioeconômicos que a envolve
(BRITO, 2016).
A Rede de Cidades Criativas foi criada pela UNESCO com objetivo de promover a
cooperação entre municípios que têm na criatividade um fator estratégico para o desenvolvimento
urbano sustentável. A qualificação se dá em diferentes setores: gastronomia, cinema, música,
design, artesanato e artes folclóricas, arte mídia e literatura. Atualmente, 10 cidades brasileiras
integram a rede: Brasília (DF), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), no design; João Pessoa (PB) –
artesanato e artes folclóricas; Salvador (BA), na música; Santos (SP), no cinema; e Florianópolis
(SC), Paraty (RJ), Belém (PA) e Belo Horizonte (MG), na gastronomia. Ao todo, a rede conta com
cerca de 250 municípios espalhados por todos os continentes (MENDONÇA, A.; LIMA, D.;
RONAN, 2019).
Florianópolis foi a primeira cidade brasileira a integrar a Rede de Cidades Criativas (HUF,
2016). No mesmo ramo da capital catarinense, Belo Horizonte se candidatou e foi reconhecida, no
final de outubro de 2019, como uma cidade criativa da área da gastronomia. Para adquirir esse
rótulo, é preciso que o setor seja bem desenvolvido, “tanto na produção da matéria prima, quanto no
preparo e no desenvolvimento e promoção da região com expertise para esse tipo de atividade”.
Além disso, é fundamental que se tenha uma agenda de políticas públicas direcionada
especificamente para o setor (BRITO, 2016). A gastronomia é tida como um patrimônio imaterial
(intangível) e é um reflexo tanto da cultura tradicional, da identidade de um lugar, quanto dos
investimentos no saber (fazer, inclusive).
Um bônus muito favorável à conquista desse tipo de titulo -e, particularmente, do alcançado
por Belo Horizonte- está justamente na promoção e no incremento ao turismo, elencando a cidade
como um destino gastronômico. É também outro importante benefício, o fortalecimento das
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identidades locais e da auto-estima da população. Oportunidades de desenvolvimento econômico e
social podem ser associadas ou incrementadas, a partir do aumento do fluxo de turistas, investidores
e participação da sociedade local (BRITO, 2016). Na ocasião da escolha de Belo Horizonte, o jornal
Estado de Minas trouxe uma declaração da diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, em que ela
afirmava que “em todo o mundo, essas cidades, cada uma a seu modo, fazem da cultura o pilar, e
não um acessório, de sua estratégia. Isso favorece a inovação política e social e é particularmente
importante para as gerações jovens” (MENDONÇA, A.; LIMA, D.; RONAN, 2019). Na mesma
reportagem, Gilberto Castro, presidente da Belotur2 , defendeu que o título era “importante para (a
culinária de) BH, mas também para valorizar nossa economia e nossa projeção internacional. A
expectativa é que tenhamos, de fato, a gastronomia como um motor do desenvolvimento
econômico”. O chef Leo Paixão, um dos integrantes do grupo que promoveu a candidatura da
cidade, demonstrou todo o seu otimismo na época: “Com o tempo, todo o processo colaborativo da
Unesco pode trazer uma série de benefícios, inclusive com a vinda de algum tipo de recurso que
possa facilitar alguma ação dentro da gastronomia” (IDEM).
Mas não deu tempo nem de avaliar os primeiros impactos da ascensão de Belo Horizonte à
categoria de Cidade Criativa da Gastronomia. O título veio em 30 de outubro de 2019, dois meses
antes de a Organização Mundial da Saúde considerar a Covid-19 uma emergência mundial de saúde
e, posteriormente, uma pandemia. Fronteiras se fecharam, barreiras foram impostas ao
deslocamento das pessoas (e das mercadorias) e o necessário isolamento social impediu que as
pessoas desfrutassem dos benefícios, como visitantes ou como habitantes, que essa nova
possibilidade poderia abrir para Belo Horizonte.
CONCLUSÃO
Ainda que muito debatida, a ideia da Cidade Criativa ainda não atingiu nenhuma espécie de
consenso. Pelo contrário, a discussão continua intensa e atual, em torno de termos e de conceitos.
Para vários autores, a saída para muitas cidades da crise pós-industrial (resultante da
desindustrialização) é exatamente investir nas atividades impulsionadas pela criatividade -
considerada, mesmo, um ativo importante, essencial nas engrenagens da economia criativa. Mas,
além de benefícios e promessas de recuperação de territórios decadentes, de redução de atividade e
de renda, o investimento na transformação numa cidade criativa também pode produzir efeitos
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Referências
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prefeitura.pbh.gov.br/belotur
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