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Narrativa clássica no

cinema
DFCH454: Linguagem do Cinema e do Audiovisual
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
Prof. Cristiano Figueira Canguçu
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Narrativa clássica
É o modo dominante de se fazer cinema.
Consequentemente, é o principal modelo de comparação ao qual
apelamos quando vamos examinar filmes não-convencionais.
Conhecer um pouco mais desse tipo de narrativa cinematográfica
possibilita que essas comparações sejam feitas de modo mais
rigoroso e detalhado.
O espectador concentra-se em construir uma estória, não em
perguntar por que a narração a representa em um modo
particular.
A prioridade da causalidade na construção de uma estória integral
pelo cinema clássico o compromete a apresentações inequívocas,
evitando obscurecer a fronteira entre realidade diegética objetiva,
estados mentais de personagens e comentários narrativos 2
inseridos.
Narrativa clássica
Através da manipulação de tempo e espaço, a narrativa clássica
faz do mundo da fabula um construto internamente consistente
no qual a narração parece adentrar de fora:
Manejo da mise-en-scène produz eventos profílmicos
aparentemente independentes, de modo que a estória parece ser
gravada de fora – por isso, a compreensão da narrativa clássica
depende da noção do “observador invisível”, que por vezes é
interpretada como “encobrimento de produção”.
Tendência a um conhecimento cada vez mais completo e unívoco,
até o fechamento da narrativa, que tem de amarrar tudo (muitas
vezes com um final feliz).
O classicismo mais influente historicamente: o cinema
Hollywoodiano consolidado em torno de 1917. 3
Causalidade
Princípio norteador da narrativa clássica: a cadeia causal de eventos
deve ser fácil de compreender e de seguir.
O estilo clássico de Hollywood, incluindo técnicas de montagem,
enquadramentos, iluminação e cenários, foi designado para guiar a
atenção da plateia de modo a salientar os acontecimentos narrativos
com clareza.
O princípio unificador principal da fabula clássica é a unidade da
cadeira causal, em que uma causa provoca uma consequência que, por
sua vez, é causa de outra consequência.
Linhas causais que ficam “penduradas” são resolvidas antes do seu
término, para evitar fins abertos como em Ladrões de Bicicletas e Os
Incompreendidos.
Paralelismos entre personagens, cenários e situações são secundários.
Procura-se evitar o abandono de linhas causais no meio delas (diferente
de Antonioni, Godard, Bresson, etc, que exploram narrativas não- 4
convencionais).
Causalidade
Os princípios temporais (ordem, frequência e duração) também
estão subordinados à causalidade narrativa.
O que é especialmente notável no dispositivo clássico do deadline
(que pode ser explícita ou implícita).
Estruturalmente, busca-se o modelo do fechamento absoluto e
revelador, da conclusão lógica da cadeia de ventos – o efeito final
da causa inicial e a revelação da verdade.
Entretanto, ser fácil de compreender não equivale a ser
“simples”.
Há filmes comerciais que são tão complexos materialmente quanto
os “filmes de arte”– a diferença é que esses filmes são
meticulosamente construídos para a compreensão fácil.
As narrativas clássicas usam-se abundantemente de redundâncias e 5
de preparações prévias para evitar que o espectador se perca.
Personagens
Os principais agentes causais da narrativa clássica são os personagens:
Indivíduos particulares dotados de características, qualidades e
comportamentos próprios;
Os quais se empenham para resolver um problema nítido ou atingir
metas específicas;
Durante esse empenho eles entram em conflito com outros
personagens ou circunstâncias adversas, e a estória termina com um
sucesso ou um fracasso inequívoco.
Eventos e traços de personagens são motivados (previamente ou em
retrospecto) e consistentes.
As motivações das ações do filme podem ser sociais, naturais, mas, em
geral, são ligadas aos personagens e suas características.
Características lhe são atribuídas e permanecem até o fim – quando
agem contrariamente, deve haver uma explicação narrativa.
Espera-se também que as características sejam suficientes para tornar 6
os personagens interessantes.
Personagens
Desejo: o protagonista em geral deseja algo, cuja busca pela
satisfação motiva a cadeia narrativa .
Muitas vezes, há deadlines pressionando os protagonistas;
Narrativas clássicas tendem a comunicar as metas, deadlines e
características de personagens com redundância.
A trama clássica costuma ter uma estrutura causal dupla:
Uma linha romântica e uma linha envolvendo outra meta (trabalho,
conflito violento, missão, busca, relação pessoal);
Cada linha possui uma meta, obstáculos e um clímax;
Comumente as duas esferas são interdependentes e costumam
coincidir no clímax – a resolução de uma dispara a da outra.

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Estrutura em quatro atos
Identificada pela historiadora do cinema Kristin Thompson:
Thompson ajusta o modelo de três atos do manual de roteiro de
Syd Field para as estruturas mais comuns no cinema hollywoodiano;
Como demarcar as divisões estruturais? O critério mais adequado
aos filmes de Hollywood são as mudanças nas metas dos
protagonistas;
Thompson conclui que a maioria divide-se em quatro segmentos
narrativos, separados por grandes reviravoltas.
Reviravoltas estão ligadas às metas, podendo ser:
Quando as metas tomam corpo e são articuladas pelo protagonista;
Quanto a meta é atingida e é substituída por outra;
Quando se mudam as táticas para atingir uma meta;
Quando surge uma nova premissa que conferirá ao protagonista
uma nova meta. 8
Estrutura em quatro atos
1. Apresentação, ou exposição (setup):
• Estabelece-se a situação inicial e as metas do protagonista;
• Às vezes, criam-se apenas as circunstâncias que propiciarão
posteriormente a formulação de metas;
2. A ação complicadora (complicating action):
• O protagonista troca de tática para obter sua meta;
• Em alguns casos, esse segmento serve como contra-exposição e
redefine as circunstâncias e metas;

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Estrutura em quatro atos
3. O desenvolvimento (development).
• Estando estabelecidos as premissas e metas, o protagonista tenta
atingir seu objetivo e luta contra obstáculos que postergam o
clímax (resolução);
4. O clímax, ou resolução (climax).
• As linhas de ação direcionam-se claramente à resolução final;
• A questão principal é: os protagonistas obterão o seu objetivo?
• Às vezes, o clímax é seguido por um curto epílogo.

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Estrutura em quatro atos
Por que essa regularidade?
O cinema hollywoodiano foi sempre considerado como recheado de
ação – quatro segmentos marcados por reviravoltas parece oferecer
uma boa quantidade de suspense e de surpresas e,
Permitem também momentos de calmaria que cumpre suas
próprias funções: exposição, motivação, romance, redundância,
alívio cômico, motivos, subtramas e mudanças graduais nos
personagens.
Na estrutura quadripartida, cada segmento tem uma forma – o que
ajuda a conferir variedade ao filme.
Como testes de reação da plateia são feitos desde 1920,
possivelmente essa divisão é voltada para maximizar a atenção
do espectador, sem entediá-lo nem exauri-lo. 11
A cena na narrativa clássica
Definição clara de tempo e espaço narrativos, em geral com
preparos prévios e uso de marcos redundantes.
As cenas deste modo narrativo seguem critérios neoclássicos: a
unidade de tempo, espaço e ação.
São divididas em:
• um início que expõe a situação atual,
• um meio que promove mudanças (através de diálogos ou ações)
• e um fim que encerra a situação atual e abre novas linhas causais;

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O classicismo perdura?
Será que o cinema “pós-clássico” de Hollywood, que apela cada vez
mais a ações espetaculares e efeitos especiais, abandonou as tramas
coerentes?
Esquece-se que a maioria dos filmes lançados anualmente não consiste
em arrasa-quarteirões, e sim em comédias, romances, filmes infantis e
de ação de médio orçamento;
Mesmo os blockbusters não são tão fragmentados: as exceções
incoerentes, como Stargate são criticados pelos próprios padrões
hollywoodianos.
Sendo esse modo de narração um conjunto de diretrizes, certas coisas
são – do seu próprio ponto de vista – consideradas problemas graves:
Ao analisar filmes quase universalmente considerados ruins, nota-se
falta de motivação dos personagens ou motivação pobre; premissas
idiotas ou implausíveis; metas vagas, pobres ou inatingíveis. 13

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