Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos - Caio Paiva - 2015 PDF
Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos - Caio Paiva - 2015 PDF
INTERNACIONAL
DE DIREITOS HUMANOS
Resumos, comentários e destaques dos principais pontos
de d e c i s õ e s proferidas pela Corte Interamericana de Direitos
H u m a n o s , C o m i s s ã o I n t e r a m e r i c a n a d e Direitos H u m a n o s ,
Corte Internacional de Justiça, Tribunal Penal Internacional,
e n t r e outros. Inclui questões de concursos sobre a matéria.
- 2015 -
Dizer Direito
Editora
C A I O PAIVA
THIMOTIE A R A G O N H E E M A N N
JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL
DE DIREITOS H U M A N O S
Dizer Direito
Editora
Copyright © 2015, Dizer o Direito Editora AGRADECIMENTOS
Todos os direitos desta edição reservados à Dizer o Direito Editora.
CAIO PAIVA
Projeto gráfico e editoração:
Agradeço aos meus pais, João e Maristela, por todo apoio dado desde o
Dados internacionais de C a t a l o g a ç ã o na Publicação (CIP) início desta jornada, e a Nathalia, por todo companheirismo, incentivo e
carinho durante o desenvolvimento deste projeto.
Pi49 Paiva, Caio Cezar de Figueiredo
Jurisprudência internacional de direitos humanos / THIMOTIE HEEMANN
Caio Cezar de Figueiredo Paiva e Thimotie Aragon Heemann.
- Manaus: Dizer o Direito, 2015.
432 p.
Agradecemos ao amigo Márcio André Lopes Cavalcante pela oportunida-
ISBN: 978-85-67168-05-0 de de publicarmos a obra na editora Dizer o Direito. Em nome dos con-
curseiros de todo o país, ainda, dedicamos esse trabalho também a você,
1. Direitos humanos 2.Direíto internacional 3. Heemann, Márcio, um exemplo de profissional, professor e pessoa, que muito nos
Thimotie Aragon I.Título. inspira. Agradecemos também aos queridos alunos do curso CEI-Jurispru-
dência de Tribunais Internacionais de Direitos Humanos, que confiaram
CDU 342.7:341
nesse projeto e nos incentivaram a ampliar a pesquisa.
F i c h a c a t a l o g r â f i c a e l a b o r a d a p e l a B i b l i o t e c á r i a A d r i a n a S e n a G o m e s C R B 5/1568
Editora
Também inserimos nesta primeira edição os dois novos casos que envol-
vem o Brasil na jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direi-
tos Humanos. Os casos ainda aguardam julgamento pelo tribunal inte-
ramericano e, portanto, ainda não receberam um nome em definitivo da
Corte até o fechamento desta edição. Por conseguinte, nominamos estes
dois casos da forma que eram popularmente conhecidos durante a sua
tramitação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
CAIO PAIVA
THIMOTIE ARAGON HEEMANN
I de agosto de 2015.
O
SUMÁRIO
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
S U M Á R I O | 7
Caso M o h a m e d vs. Argentina 1 6 2 Caso das pessoas privadas de liberdade na
Caso Artavia Murillo e outros ("Fecundação in vitro") vs. Costa Rica 1 6 7 Penitenciária "Dr. Sebastião Martins Silveira", São Paulo 2 8 4
Caso M e n d o n z a e outros vs. Argentina 172 C i s o Unidade de Internação Socioeducativa no Espírito Santo 2 8 7
Caso C o m u n i d a d e s Afrodescendentes Deslocadas da Caso C o m p l e x o Penitenciário de Curado em Pernambuco 2 8 9
Bacia do Rio Cacarica vs. Colômbia ("Operação Gênesis") 1 7 6 Caso C o m p l e x o Penitenciária de Pedrinhas 2 9 2
Caso Família Pacheco Tineo v s . Bolívia 183
Caso Liakat Ali Alibus v s . Suriname 191 CAPÍTULO V
Caso X i m e n e s Lopes vs. Brasil 212 no "Presídio Central de Porto Alegre" 315
Caso Nogueira de Carvalho e outros vs. Brasil 218 Caso Maria da Pena Maia Fernandes v s . Brasil 316
Caso Escher e outros vs. Brasil 222 Caso Jailton Neri da Fonseca vs. Brasil 323
Caso Gomes Land e outros vs. Brasil ("Caso Guerrilha do Araguaia") 234
CAPÍTULO V I
Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde v s . Brasil 2 6 7
O BRASIL NO SISTEMA GLOBAL DE DIREITOS H U M A N O S 331
Caso C o s m e Rosa Genoveva e outros v s . Brasil
("Caso Favela Nova Brasília") 2 7 0
Caso Alyne da Silva Pimentel Teixeira v s . Brasil 332
CAPÍTULO I V
CAPÍTULO V I I
O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS H U M A N O S 275
DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA 3 3 9
8 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
S U M Á R I O | 9
Caso A l e m a n h a vs. Itália (Grécia como terceiro inteverniente)
("Caso Ferrini") 3 5 9
Caso Bélgica v s . Senegal ("Caso Habre") 3 6 6
Caso Austrália vs. J a p ã o
("Caso das Atividades Baleeiras na Antártica") 3 8 8
CAPÍTULO V I I I
PARECERES CONSULTIVOS DA
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA 391
CAPÍTULO I X
CASOS J U L G A D O S PELO
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL 3 9 7
CAPÍTULO X
IO I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
Princípio do non-refouiement: Princípio que veda o reenvio ou a devo- g u a r d a i o s inleii'sM's d o s i n d i v i d u o s r resguardar a tutela d a Corte Inte-
lução de um refugiado para um Estado no qual o indivíduo corra risco i . H i i c r k a n a d e I l u c i l o s I l i i m a n o s . A concessão dessas medidas não impli-
de sofrer graves violações de direitos humanos. O non-refoulement não • M i m p i e i i i l g a m c n l o do mérito d o processo.
confere um direito subjetivo ao asilo e tampouco a obrigação de receber
( omissão Interamericana de Direitos Humanos: É um órgão da Organlza-
o refugiado de forma permanente. É também chamado de princípio da
• i " i los Estados Americanos, criado para promover a proteção internacio-
proibição do rechaço ou da não revolução.
n a l d o s direitos humanos n o continente americano e também para fun-
Corte Interamericana de Direitos Humanos: Ê um tribunal judicial autô- (tonar como órgão consultivo da OEA na matéria de direitos humanos.
nomo, cujo objetivo é aplicar e interpretar a Convenção Americana de I vcntualmente, submete à Corte Interamericana de Direitos Humanos
Direitos Humanos. Exerce a função contenciosa — na qual se encontra iSi is contenciosos que não logrou êxito em solucionar.
a resolução de casos contenciosos e o mecanismo de supervisão de sen-
obrigações erga omnes: Normas que retratam valores essenciais para
tenças — e também a função consultiva, na qual emite uma opinião não
i o d a a comunidade internacional e, portanto, geram obrigações para to-
vinculante sobre um tema que lhe seja apresentado.
d o s o s Estados. Sendo assim, todos os países possuem legitimidade para
Opinião Consultiva (advisory opinión): Consiste em uma opinião sem ca- exlgll o respeito e o cumprimento destas obrigações.
ráter vinculante proferida por um tribunal ou órgão julgador sobre deter-
Normas de jus cogens: São normas imperativas de direito internacional,
minado tema.
d o t a d a s de um status normativo superior em relação as demais. São in-
Princípio do estoppel: Consiste na impossibilidade de as partes envolvi- tlcrrogáveis pela vontade das partes e só podem sofrer modificação por
das em um litígio nas instâncias internacionais de direitos humanos ale- normas do mesmo quilate.Também são chamadas de normas peremptó-
garem ou negarem um fato ou direito, estando essa negação em desacor- M.is o u cogentes.
do com uma conduta anteriormente adotada ou anuída. O princípio do
Cláusula derrogatória ou cláusula geral de derrogações: Cláusulas que
estoppel funciona como espécie de preclusão e é fundado no brocardo do
permitem a suspensão temporária de determinadas obrigações de direi-
ven ire contra factum proprium.
l o s humanos em situações de emergência claramente delimitadas.
Dano ao projeto de vida: É uma das formas de violação dos direitos hu-
Teoria da margem de apreciação: Consiste no entendimento de que o
manos que se pode buscar reparar. Consiste, basicamente, na lesão que
I stado onde ocorreram determinadas violações de direitos humanos é
compromete a liberdade de escolha de determinado indivíduo e frustra o
0 organismo mais bem situado para compreender e resolver a questão.
projeto de vida por ele elaborado. A inclusão deste tipo de dano entre as
Nestes casos, as violações de direitos humanos são tuteladas com base
formas de violações dos direitos humanos é amplamente aplicada pela
em normas domésticas em detrimento das normas internacionais, o que
Corte Interamericana de Direitos Humanos.
acaba por mitigar a característica universa! dos direitos humanos e tende
Medidas cautelares: Provimentos de cognição não exauriente exarados a asfixiar minorias. Possui ampla aceitação na Corte Europeia de Direitos
pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em situações de ex- 1 lumanos, mas não conta com a simpatia da Corte Interamericana de Di-
trema gravidade ou urgência; têm o objetivo de evitar danos irreparáveis reitos Humanos.
às pessoas ou ao objeto do processo. Com a expedição de tais medidas,
Princípio da Jurisdição universal: Consiste na possibilidade de determi-
objetiva-se salvaguardaros interesses dos indivíduos e resguardar a tute-
n a d o Estado regular e reprimir condutas realizadas fora de seu território.
la da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A concessão dessas
medidas não implica um pré-julgamento do mérito do processo. Jus standi (in judicio): Postulação direta na corte ou em outro órgão judicial.
Medidas provisórias: Provimentos jurisdicionais de cognição não exau- Princípio do aut dedere, autjudicare: Consiste na obrigação de extraditar
riente exarados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em ca- ou julgar os indivíduos que cometeram crimes internacionais.
sos de extrema gravidade; têm o objetivo de evitar danos irreparáveis às
pessoas ou ao objeto do processo. Com sua emissão, objetiva-se salva-
nários. A Corte considerou, ainda, que "a Senhora Maria Elena Loayza Ta- enquanto não existir o relatório destacado no referido artigo"(§ 82 ).
mayo foi julgada e condenada por um procedimento excepcional no qual I malmente, a Corte ordenou que o Estado peruano colocasse a senho-
obviamente estão sensivelmente restringidos os direitos fundamentais que ra Loayza Tamayo imediatamente em liberdade, obrigando-o, também, a
integram o devido processo. Esses processos não atingem os padrões de um pagará vítima e seus familiares uma justa indenização.
u
J ko justojá que não se reconhece a presunção de inocência; é proibido aos
processados contradizer as provas e exercer o controle das mesmas; limita-
s e
a faculdade, do defensor ao impedir que este possa livremente comuni- PONTOS IMPORTANTES SOBRE O C A S O
da jurisdição comum, o que a Corte classificou como uma atuação ultra que "a violação ou não ao artigo 57.2 da Convenção não pode se estabelecer
vires, em usurpação e invasão das faculdades dos órgãos judiciais ordi- cm um caso que, como o presente, foi submetido à consideração da Corte,
nários. A Corte considerou, ainda, que "a Senhora Maria Elena Loayza Ta- enquanto não existir o relatório destacado no referido artigo" (§ 82 ). o
l8 I JURISPRUDENCIA I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 119
L / U C nuv corna com ciausuia aessa natureza, o que leva a inúmeros deluite; ( , n i ' . . i \ (0111 <lc< i'..io pen.il dclmiliv.i 1. A decisão que declarou ex-
sobre os problemas de ordem prática que pode tal ausência ocasionar"-; tinta a punibilidade em favor do Paciente, ainda que prolatada com
suposto vício de incompetência de juízo, é susceptível de trânsito
2. Principio da vedação do bis in ld.
em julgado e produz efeitos. A adoção do princípio do ne bis in ld.
A Corte Interamericana enfatizou que a vedação do bis in ld. encontrada pelo ordenamento jurídico penal complementa os direitos e as ga-
na CADH é mais ampla e, consequentemente, mais benéfica à vítima do rantias individuais previstos pela Constituição da República, cuja
que a fórmula prevista noutros instrumentos normativos internacionais interpretação sistemática leva ã conclusão de que o direito à liber-
de proteção aos direitos humanos. Vejamos. O art. 84 da CADH dispõe dade, com apoio em coisa julgada material, prevalece sobre o dever
que "O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá estatal de acusar" (STF, HC 86606, rei. Min. Cármen Lúcia, 1 Turma, a
ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos" Já o art. 14.7 do Pacto DJe 02-o8-2007) . s
Ponto importantíssimo deste Caso Loayza Tamayo se relaciona com a Sobre este tópico, também é importante considerar, ainda recorrendo à
superação do entendimento da Corte a respeito da facultatividade no lis,ao de Ramos, que "A Corte, contudo, diferenciou os dois Informes da Co-
cumprimento pelos Estados das recomendações emitidas pela Comissão missão. O Primeiro Informe (ou Informe Preliminar) é enviado ao Estado,
interamericana. Anteriormente, a Corte interpretava o termo "recomen- que possui o prazo de até três meses para cumprir as recomendações nele
dações" no seu sentido habitual, ou seja, como diretivas sem poder para i1 nítidas. Este Informe não é vinculante, pois não é definitivo. De fato, a Cor-
vincular os Estados. Agora, porém, prestigiando o princípio da boa-fé con- te constatou que, caso o Estado descumpra esse Primeiro Informe, a Comis-
sagrado no art. 31.1 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, a são, obrigatoriamente, deve optar entre acionar o Estado perante a Corte
Corte avançou para assentar que "se um Estado subscreve e ratifica um úu em editar um Segundo informe, que pode ou não publicar. No caso da
tratado internacional, especialmente se tratando de direitos humanos, (omissão ter preferido acionar o Estado perante a Corte, é a sentença des-
como é o caso da Convenção Americana, tem a obrigação de realizar seus sa última que será vinculante, podendo até contrariar o entendimento da
melhores esforços para aplicaras recomendações de um órgão de proteção Comissão. Entretanto, se o caso não for submetido à Corte (em virtude, em
como a Comissão Interamericana que é, além disso, um dos órgãos princi- geral, do não reconhecimento, peio Estado, da jurisdição da Corte), edita-se
pais da Organização dos Estados Americanos, que tem como função 'pro- 0 Segundo Informe. Pelo princípio da boa-fé, os Estados, segundo a Corte,
mover a observância e defesa dos direitos humanos'no hemisfério (Carta devem cumprir com as condutas determinadas por esse Segundo Informe,
da OEA, arts. 52 e m)" (§ 80), concluindo que "ao ratificar a referida Con- já que os mesmos, ao aderirá Convenção, aceitaram a competência da pró-
venção ¡Americana], os Estados partes comprometem-se a atender as re- 9
pria Comissão em processar petições individuais" .
comendações aprovadas pela Comissão nos seus relatórios" (§ 81). Neste
sentido, vejamos a didática exposição de André de Carvalho Ramos: Para finalizar este tópico, um questionamento: pode a Comissão Intera-
mericana de Direitos Humanos, tendo adotado relativamente a um Esta-
"Em primeiro lugar, é necessário inquirir sobre a natureza dos In- do os dois informes a que se referem os artigos 50 e 51 da Convenção e re-
formes da Comissão: seriam meras 'recomendações' sem força vin- lativamente ao último deles notificado o Estado tratar-se de um informe
culante, ou, ao contrário, seriam deliberações internacionais vincu- definitivo, modificar substancialmente esse informe e emitir um tercei-
lantes, devendo os Estados obedecê-las de boa-fé? Nos primeiros ro parecer? Esta pergunta reproduz literalmente a questão apresentada
casos propostos pela Comissão, o caráter de mera 'recomendação pelo Chile, em 11/11/1996, à Corte Interamericana, o que gerou a Opinião
não vinculante'dos Informes da Comissão foi reconhecido pela Cor- Consultiva n° 15/1997, por meio da qual a Corte, por seis votos contra um,
te Interamericana de Direitos Humanos. Com efeito, no caso Cabal-
lero Delgado, a Corte sustentou que o Estado não estava obrigado a
cumprir com as determinações dos Informes da Comissão, que se-
8 RAMOS, A n d r é de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 2. ed. São
riam meras 'recomendações'. (...) Ocorre que essa posição da Corte
Paulo: Saraiva, 2012, p. 218.
9 RAMOS, A n d r é de Carvalho. Processo internacional de Direitos Humanos, p. 218. Reco-
m e n d a - s e a leitura d a s p á g i n a s s e g u i n t e s da referida obra para conhecer Informes
que j á f o r a m c u m p r i d o s pelo Brasil, recurso da C o m i s s ã o no caso de d e s c u m p r i -
7 S ú m u l a 524 d o STF: "Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requeri-
mento do Promotor de Justiça, não pode a ação penai ser iniciada, sem novas provas". m e n t o do S e g u n d o Informe etc.
são Interamericana autorizada a modificar as opiniões, conclusões e reco- pire edeiite do IRI da 4 Região".
mendações transmitidas a um Estado-membro, salvo em circunstâncias
íi. Diálogo das Cortes
excepcionais, como: (a) em caso de cumprimento parcial ou total das re-
comendações e conclusões contidas no informe; (b) em caso da existên- ' > 1 mo Loayza Tamayo vs. Peru foi citado no julgamento da ADI 4277 pelo
cia no informe de erros materiais sobre os fatos do caso; e (c) no caso do '.II (uniões homoafetivas), no voto do Min. Marco Aurélio, que fez menção à
descobrimento de fatos que não eram conhecidos no momento da emis- (uiisprudência da Corte Interamericana sobre a proteçãojurídica conferida
são do informe e que tiveram uma influência decisiva no seu conteúdo ". 1 ,io projeto de vida. Um exemplo, portanto, de "diálogo das Cortes", em que
•1 jurisprudência de Tribunais nacionais e internacionais se cruzam num
5. Primeiro caso e m que a Corte Interamericana aplicou o d e n o m i n a - dialogo que somente tem a fortalecer a proteção dos direitos humanos.
do "dano ao projeto de v i d a "
se por parte da doutrina e da jurisprudência recentes. Trata-se de ORAL) Fale sobre o caso Loayza Tamayo.
uma noção distinta do 'dano emergente' e do 'lucro cessante'. Cer- GABARITO:Bastaria fazer uma síntese dos fatos e destacar os principais
tamente não corresponde à afetação patrimonial derivada ime- pontos sobre o Caso, assim como foi apresentado acima.
diata e diretamente dos fatos, como sucede no 'dano emergente'.
No que diz respeito ao 'lucro cessante', corresponde assinalar que (DPU — IV CONCURSO DEFENSOR PÚBLICO FEDERAL, 2010 — PROVA
enquanto este se reflete de forma exclusiva na perda de ingressos ORAL) Foi apresentado um caso em que, por decisão de juiz absoluta-
econômicos futuros, que é possível quantificar a partir de certos mente incompetente, o inquérito policial foi arquivado. O candidato foi
indicadores mensuráveis e objetivos, o denominado 'projeto de questionado se havia coisa julgada material.
vida' atende à realização integral da pessoa afetada, considerando
GABARITO: O candidato deveria se posicionar que sim, conforme foi explica-
sua vocação, atitudes, circunstâncias, potencialidades e aspirações,
do no tópico "principais pontos sobre o caso", mais especificamente sobre
que lhe permitem fixar razoavelmente determinadas expectativas
o bis in ld. e a vedação do segundo julgamento, ainda que no primeiro o
e alcançá-las" (§ 147).
juiz fosse absolutamente incompetente.
E prossegue a Corte, então, para dizer que no caso da vítima é evidente que
os atos praticados contra ela impediram a realização de suas expectativas
de desenvolvimento pessoal e profissional,factíveis em condições normais,
razão pela qual a ela foi reconhecido um grave dano ao "projeto de vida".
io M A Z Z U O L I , Valério de Oliveira; G O M E S , Luiz Flávio. Comentários à Convenção Ame- 11 Cf. íntegra d o acórdão: < h t t p : / / s . c o n j u r . c o m . b r / d l / a c o r d a o - t r t - r s - m a n d a - w a l m a r t
ricana sobre Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 329. indenizar.pdfx
0
N o que diz respeito à violação do art. 4 da CADH (direito à vida), a Corte
Caso Villagran Morales e Outros vs.
11 ssaltOU que "O direito à vida é um direito humano fundamental, cujo gozo
G u a t e m a l a "Caso dos Meninos de Rua" e um pré requisito para o desfrute de todos os demais direitos humanos. (...)
I m essência, o direitofundamental à vida compreende não somente o direito
de todo ser humano de não ser privado da vida arbitrariamente, senão tam-
ÓRGÃO JULGADOR:
bém o direito a que não se lhe impeça o acesso às condições que lhe garan-
tían uma existência digna. Os Estados têm a obrigação de garantir a criação
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s das condições que se requerem para que não se produzam violações desse
1 lucilo básico e, em particular, o dever de impedir que seus agentes atentem
SENTENÇA: t antra e/e"(§ 144). Após, considerando que os assassinatos são imputados a
19 de novembro de 1999 agentes estatais, a Corte concluiu que o Estado violou o art.4 da CADH em 0
2. Corpus iuris internacional sobre direitos das crianças No dia 29 de novembro de 1988, após uma petição proposta por uma junta
Imprescindível o estudo da normativa internacional sobre os direitos das d l sete advogados que alegavam agir como representantes da Igreja
crianças, na qual se destacam, além da CADH (art. 19), as Regras Míni- < atólica e de Jesus Cristo, o Conselho de Qualificação Cinematográfica do
mas das Nações Unidas para a Administração da Justiça, da Infancia e da I '.lado do Chile proibiu — com fulcro no artigo 19, §12 da sua Constituição
Juventude, também denominada de Regras de Beijing, as Diretrizes das - a exibição do filme -4 Última Tentação de Cristo (The Last Temptation
Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil, também deno- "I i hrist), dirigido por Martin Scorsese. Segundo os advogados que
minada de Diretrizes de Riad e a Convenção sobre os Direitos da Criança, Interpuseram a petição, o filme atentava contra os princípios cristãos e
promulgada no Brasil pelo Decreto n° 99710/90. • " i i l i a a honra de Jesus Cristo.
30 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
C A S O S I U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 31
nos, mesmo agindo com fulcro em uma norma constitucional edilada pelo 1 ()|iiiii.io( onsultiva 11" s d a ( oite Interamericana de Direitos Humanos
poder constituinte originário do Estado do Chile. Isso porque, para o direito d sii.i convergência com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
internacional, não há importância se a norma é constitucional, infracons-
A i i i i l . i n o amhito do diieito a liberdade de expressão, é imprescindível
titucional ou até mesmo um ato administrativo, pois, para o ius gentium, 1
ri minarmos que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao se
o direito interno é visto como mero fato. Assim, nem mesmo as normas
. l i ' i ' . u a i < c m uma consulta formulada pela Costa Rica, proferiu opinião
constitucionais oriundas do poder constituinte originário sen/em como
> i in . i i l l i v a no sentido de que não seria compatível com a Convenção
excludente de responsabilidade internacional por violação de direitos hu-
A i i i r i í i ana de Direitos Humanos uma lei que impedisse o exercício do
manos. Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Logo, para o
tllrrlto a liberdade de expressão para quem não tivesse formação uni-
Direito Internacional, os atos normativos internos (leis, atos administrativos
v c i s i l a i i a . Segundo a Corte IDH, tal restrição seria desarrazoada e in-
e mesmo decisões judiciais) são expressões da vontade de um Estado, que de-
pativel com o direito à liberdade de expressão e com o direito à in-
vem ser compatíveis com seus engajamentos internacionais anteriores, sob :
I. ,H,. io,ambos consagrados no Pacto de San José da Costa Rica. Nessa
pena de ser o Estado responsabilizado internacionalmente. (...) Assim, mesmo
lOilda 6 fazendo menção a Opinião Consultiva n° 5 da Corte Interameri-
a norma constitucional de um Estado é vista não como 'norma suprema',
1 .ma de Direitos Humanos, o Supremo Tribunal Federal, apreciando re-
mas como merofato, que, caso venha a violara norma jurídica internacional,
1 urso extraordinário numa ação civil pública manejada pelo Ministério
acarretará a responsabilização internacional do Estado infrator"®.
Publico Federal, considerou inconstitucional o Decreto-Lei 972/69 que
Em razão disso, o caso chamou a atenção da comunidade internacional gia o diploma de jornalismo para o exercício da profissão de jorna-
como um todo, já que, conforme já dito, a Corte Interamericana de Direitos IKta, caracterizando uma evidente convergência entre a interpretação
Humanos responsabilizou o Estado do Chile pelo ocorrido, inclusive orde- domestica e a interpretação internacionabi. É oportuno lembrar que
19
nando que fossem realizadas reformas na Constituição chilena . Ainda so- parte da doutrina chama esse fenômeno de invocação de precedentes
breesté ponto, as considerações de André de Carvalho Ramos: "Tratou-se de Internacionais como argumentação pelo Supremo Tribunal Federal de
censura à exibição do filme 'A Última Tentação de Cristo'no Chile.fundada no pune ípio do cosmopolitismo ético".
art. 79, inciso 12 de sua Constituição, confirmada peio Poder Judiciário Local.
A Corte IDH determinou que, mesmo diante de norma constitucional, deve o «,. O que são direitos comunicativos?
Estado cumprir a Convenção Americana de Direitos Humanos, devendo, en- 1 Is direitos humanos comunicativos são direitos linguísticos, que con-
tão, alterar sua própria Constituição. A Corte decidiu que a censura prévia ao llstern basicamente em compartilhar aprendizados e experiências de
filme em questão violou os direitos à liberdade de expressão e liberdade de v i d a ; nesta compreensão, o indivíduo é ao mesmo tempo um profes-
consciência, consagrados nos artigos 12 e 73 da Convenção, em detrimento da sor e um aprendiz, dado que a troca de informações é uma via de duas
sociedade chilena. O Chile, após, alterou a sua Constituição" . 20
mãos, O chamado right to communicate {"r2c", como se abreviou a ex-
piessão em inglês) possui duas facetas correlacionadas: a) o direito do
É importantíssimo ressaltar, conforme acima mencionado, que a decisão da
(nmunicante; e b) o do recipiente. Desse modo, estão compreendidos
Corte Interamericana de Direitos Humanos surtiu efeitos, uma vez que, pos-
110 conceito de direitos comunicativos tanto a liberdade de expressar
teriormente à condenação no caso Olmedo Bustos vs. Chile, o Estado chileno
opiniões, pontos de vista religiosos e conceitos em ciência e arte quanto
alterou a redaçãododispositivoconstitucional que permitia a censura prévia.
os direitos de quem sofre o impacto dessa expressão. Convém relembrar
Atualmente, a Constituição chilena veda expressamente a censura prévia.
que esses direitos possuem um caráter bi-vetorial, fato que concebe um
nalidade do delito de desacato. Vejamos: liberdade de expressão . O efeito resfríador da liberdade de expressão
cativos que, receosos de políticas sancionatórias e seguidas de censura 11.1 Publica do Estado de São Paulo também denunciou o Brasil à Comis-
por parte do Estado, acabam evitando adentrar assuntos polêmicos ou | l o IDIT". Dessa forma, espera-se que, em um futuro próximo, o Brasil
deixam de se expressar da forma que gostariam, o que ocasiona um 1 e s s e a violação permanente à Comissão Americana de Direitos Huma-
27
"resfriamento" do direito à liberdade de expressão. Além da previsão n a , e expurgue o artigo 331 do Código Penal brasileiro.
do delito de desacato no ordenamento jurídico, é possível formularmos
diversos exemplos fictícios. Segue um deles: suponhamos que a Cons- 6. jurisprudência internacional correlata
tituição Federal de 1988 não houvesse regulado as imunidades parla- ( a s o Lehideux and Isorni vs. França, julgado pela Corte Europeia de Direi-
mentares. Será que os parlamentares exerceriam com integralidade o l u s Humanos {1998): Neste precedente, a Corte de Estrasburgo declarou
seu direito à liberdade de expressão durante o exercício de seus man- Invalida,com fulcro no direito à liberdade de expressão, a condenação pe-
datos? É evidente que não! Os próprios parlamentares realizariam uma nal imposta pelo Poder Judiciário da França a cidadãos que haviam feito
autocensura de seus discursos nas casas legislativas, devido ao receio publicamente apologias a atos do Marechal Pétain (membro do governo
de se tornarem alvo de possíveis ações indenizatórias ou até mesmo l i a i u es que colaborou com a ocupação nazista no território da França du-
ações penais privadas por crimes contra a honra. Logo, é possível con- i.inte a Segunda Guerra Mundial).
cluir que não é somente a censura expressamente imposta que viola o
< aso Jersild vs. Dinamarca, julgado pela Corte Europeia de Direitos Hu-
direito à liberdade de expressão; determinadas práticas e posturas do
manos (1994): Neste precedente, a Corte de Estrasburgo declarou invá-
Estado (como a manutenção do crime de desacato no atual Código Pe-
lida a condenação imposta pelo Estado dinamarquês a um jornalista
nal brasileiro) também o fazem mediante um efeito resfríador da liber-
poi ter realizado uma entrevista ao vivo na televisão com jovens inte-
dade fundamental em comento.
grantes de um grupo racista chamado "camisas verdes", que proferiram
Como se não bastassem todas as críticas já expostas, é de se lamentar a discurso de ódio e acusações racistas contra imigrantes de diversas et-
postura do SupremoTribunal Federal ao se deparar com uma situação em n i a s estabelecidas na Dinamarca, caracterizando xenofobia. Nesse caso,
que poderia minimizar os danos da permanência do desacato no Código ti Corte EDH entendeu que, embora as manifestações do grupo racista
Penal brasileiro, e se alinhar, ainda que de maneira inicial, com o enten- I .uihgurassem discurso de ódio e um abuso de uma liberdade funda-
dimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Trata-se da mental, o jornalista não poderia ser punido por realizar seu trabalho
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.127 em que restou consagrado e divulgá-las, especialmente ao se levar em conta que o jornalista não
o entendimento pela inconstitucionalidade de parte do parágrafo 2 do 0
endossara aquelas atitudes. A punição a jornalistas nesta situação po-
o
artigo 7 do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) que consagrava a imunidade dei ia causar uma inibição na imprensa quando fosse necessário tratar
profissional do advogado para o delito de desacato em suas manifesta- de casos polêmicos e de interesse público.
ções, quando proferidas no exercício de sua função (ainda que fora de
Caso Roger Caraudy vs. França, julgado pela Corte Europeia de Direitos
juízo). Assim, o STF declarou a inconstitucionalidade da expressão "desa-
Humanos (2003): Neste precedente, a Corte de Estrasburgo se deparou
cato", prevista no artigo em comento; permaneceu em vigor a imunidade
com a condenação de um escritor francês que havia publicado uma obra
para os delitos de injúria e difamação.
38 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 39
base no art. 79, inc. 12 da Constituição chilena, que permitia, então, cen- (PGR — 2 8 CONCURSO DE PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAP-
O
sura prévia. O texto foi, posteriormente, alterado. (...) O caso foi levado ao TADA) Assinale a alternativa correta.
sistema interamericana de direitos humanos, sendo submetido à Comis- • N.i opinião consultiva n° 5/1985, a Corte Interamericana de Direitos
são Interamericana de Direitos Humanos, que decidiu, em iggg, submeter I Itimanos manifestou-se contrária a obrigatoriedade do diploma uni-
a lide à Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Corte julgou ter 1 itário e da inscrição em ordem profissional para o exercício da pro-
o Estado chileno violado o art. 73 da Convenção Americana. Nos funda- H V . , 1 0 de jornalista.
mentos de sua decisão, o tribuna! considerou comprovada a ocorrência de
censura prévia a proibira exibição do flme, violando o direito à Uberdade GAIIARITO: Correto.
de expressão e o direito à informação dos cidadãos chilenos que peticio-
32 (PGR — 2 6 CONCURSO DE PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2012 — ADAP-
O
A reclamação enviada para o governo nicaraguense não surtiu efeito, 1. Primeiro caso j u l g a d o pela Corte Interamericana de Direitos H u m a -
restando apenas a via do Poder Judiciário para que os Interesses dos nos envolvendo a relação entre as comunidades tradicionais e a pro-
membros da comunidade Awas Tingni fossem tutelados. Todas as me- priedade de suas t e r r a s 34
42 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 43
de terras por comunidades tradicionais no âmbito da Corte I n i V i . m i e têm sentida autônomo, de modo que não podem ser equiparados ao sen-
35
ricana de Direitos Humanos , Atualmente, passada mais de uma dé- 1 ti h> que lhes é atribuido no direito interno. Ademais, estes tratados de di-
cada do julgamento do feito pela Corte de San José, a temática é uma reitos humanos são instrumentos vivos cuja interpretação tem que se ade-
das mais recorrentes na jurisprudência do tribunal, que, a partir do caso quar à evolução dos tempos e, em particular, às condições de vida atuais"
Awas Tingni, vem reconhecendo cada vez mais direitos das comunida- ('i 146). Ao adotar este entendimento, o tribunal interamericano rechaçou
des tradicionais, como a proteção dos usos e costumes, as formas de ,1 hipótese de os Estados conferirem uma interpretação nacionalista dos
manifestação cultural em suas peculiaridades, o direito à consulta pré- 11,il.idos internacionais de direitos humanos,sob pena de se criar uma in-
via às comunidades tradicionais envolvidas em determinado fato que terpretação do Pacto de San José da Costa Rica para cada Estado-parte . 38
lhes possa causar um gravame, entre outros. Afinal, caso se admitisse que cada Estado estipulasse, sob a sua peculiar
ótica, o conteúdo dos tratados internacionais de direitos humanos, ha-
2, Ampliação do conceito de propriedade previsto no artigo 21 da C o n - vei ia diversas compreensões sobre o conteúdo de cada direito protegido
venção A m e r i c a n a de Direitos H u m a n o s : a Proteção da propriedade pela Convenção Americana de Direitos Humanos, o que ocasionaria um
comunal dos povos indígenas eiilraquecimento da proteção internacional dos direitos humanos, pois a
O ponto chave do caso Awas Tingni vs, Nicarágua é, sem sombra de dúvida, universalidade destes direitos, uma de suas principais características, es-
o reconhecimento da propriedade comunal dos povos indígenas. A Corte laiía comprometida. Além disso, o fenômeno daria ensejo a uma deman-
Interamericana de Direitos Humanos, ao analisar o direito de propriedade da infinita de ações na Corte de San José, j á que cada Estado submetido
previsto no artigo 21 do Pacto de San José da Costa Rica, conferiu interpre- á jurisdição da Corte IDH poderia alegar o cumprimento de determinado
3
tação extensiva * ao dispositivo, reconhecendo que, além do direito de pro- halado internacional sob a sua peculiar ótica.
priedade privada, o texto da Convenção Americana de Direitos Humanos
também abrange a proteção da propriedade comunal dos povos indíge- 4. Diálogo das Cortes entre o Supremo Tribunal Federal (no emblemá-
nas em suas peculiaridades, Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho tico caso Raposa Serra do Sol) e o caso Awas Tingni versus Nicarágua
Ramos: "O caso Comunidad Mayagna Awas Tingni expandiu a extensão da
Interessantíssima hipótese de diálogo das cortes foi realizada pelo Supre-
propriedade conferida pelo artigo 21 da CADH, no sentido de não apenas pro-
mo Tribunal Federal na PET 3388 (caso Raposa Serra do Sol). O Min. Mene-
teger a propriedade privada, mas também a propriedade comunal dos povos
1
zes Direito, percursor da polêmica teoria do fato indígena e das famosas
indígenas, conforme todas as particularidades que este grupo exige"* .
" 1 ondicionantes" que norteiam a controvérsia do caso, fez menção ao
3. Impossibilidade de conferir interpretação nacionalista aos tratados i aso Awas Tingni em seu voto-vista: "Veja-se recente decisão da Corte Inte-
internacionais de Direitos H u m a n o s ramericana de Direitos Humanos no caso Awas Tingni que aplicou sanções
à Nicarágua por entender que houve violação do direito de propriedade dos
Ainda neste julgamento, a Corte Interamericana de Direitos Humanos as-
indígenas sobre suas terras bem como ao seu bem-estar e integridade cul-
sentou que "Os termos de um tratado internacional de direitos humanos
tural, isso revela que a comunidade internacional não medirá esforços para
tentar aplicar aos Estados-Membros suas posições quanto a esses direitos.
Pouco importa que no caso brasileiro a propriedade das terras indígenas
35 Vale lembrar que, s e g u n d o a Constituição Federal de 1988, as c o m u n i d a d e s indíge-
••ejü da União (art. 21, XI, CR/88). E assim é porque, segundo a decisão, o art.
nas d e t ê m apenas a posse de suas terras; a propriedade delas é da União. A s c o m u -
nidades quiiombolas, por sua vez, d e t ê m a propriedade. Para aprofundar o t e m a , ver zi da Convenção Americana de Direitos Humanos (Direito à Propriedade
comentários do caso Comunidades Deslocadas da Bacia do Rio Cacarica vs. Colômbia. Privada, que garante a "toda pessoa o uso e gozo de seus bens"), que pode
36 T a m b é m é possível afirmar q u e a Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s c o n -
feriu interpretação evolutiva ao artigo 21 da C o n v e n ç ã o A m e r i c a n a de Direitos H u -
m a n o s . É a posição de Márcio Melo no artigo Últimos avanços da justiciabilidade
dos direitos indígenas no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Sur. Revista (8 Sobre a i m p o s s i b i l i d a d e de se criar u m a C o n v e n ç ã o A m e r i c a n a de Direitos H u m a -
Internacional de Direitos H u m a n o s . Vol. 3, n. 4. São Paulo: j u n h o de 2006. nos " à brasileira", ver a critica do autor André de Carvalho R a m o s e m Teoria Cerai
37 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.331. dos Direitos Humanos.
podem postular diante da ordem internacional. Segundo a Corte Consti- d e s l e livro se filiam à segunda corrente, reconhecendo a personalidade
tucional brasileira, "A Constituição teve o cuidado de não falar em territó- l u t i d i i a das comunidades indígenas para serem sujeitos de direito peran-
rios indígenas, mas, tão-só, em 'terras indígenas'. A traduzir que os 'grupos] te ,1 ordem internacional.
'organizações', 'populações' ou 'comunidades' indígenas não constituem
pessoa federada. Não formam circunscrição ou instância espacial que se d. Jurisprudência nacional correlata
orne de dimensão política. Dai não se reconhecer a qualquer das organiza-
f* 1 Aplicação dos beneficios e privilégios de Fazenda Pública às comu-
ções sociais indígenas, ao conjunto delas, ou à sua base peculiarmente an-
nidades indígenas quando postulam em juízo
tropológica a dimensão de instância transnacional. Pelo que nenhuma das
comunidades indígenas brasileiras detém estatura normativa para compa- 0 Superior Tribunal de Justiça possui precedente interessantíssimo sobre
recer perante a Ordem Jurídica Internacional como 'Nação', 'País', 'Pátria', a possibilidade de estender às comunidades índígenas.quando postulam
'território nacional'ou 'povo'independente" . 40
1 IN j u í z o , os benefícios conferidos à Fazenda Pública, como o prazo em
quádruplo para contestar e o prazo em dobro para recorrer. Vejamos:
41
Corrente internacionalista : Recentemente, a concepção estática do di-
reito internacional vem sendo abandonada em prol do reconhecimento COMUNIDADES INDÍGENAS POSSUEM OS BENEFÍCIOS DE FAZENDA
pela maioria da doutrina (e, também, pelos tribunais internacionais) da PÚBLICA. ESTATUTO DO ÍNDIO. PRAZO EM DOBRO PARA RECORRER.
personalidade jurídica internacional da pessoa humana. Em alinho com BENEFÍCIO FAZENDÁRIO. REMOÇÃO DE COMUNIDADE INDÍGENA. IN-
esta mudança de paradigma, é oportuno relembrar que o indivíduo pos- DENIZAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. I — Constatado
sui jus standi em cortes internacíonais ,é submetido a julgamento peran- 4?
que o Estatuto do índio — Lei n° 6.001/73, estende aos interesses do
43
te Tribunais Penais Internacionais e possuí direitos a serem postulados patrimônio indígena os privilégios da Fazenda Pública, dentre eles
perante a ordem internacional. Logo, com a quebra do antigo paradigma a concessão de prazo em dobro para recorrer — artigo 188, do CPC,
é de se considerar tempestivo o agravo regimental interposto pela
Comunidade Indígena Gavião da Montanha contra a decisão que ne-
gou seguimento ao recurso especial por ela interposto. II — Ainda
39 S u p r e m o T r i b u n a l Federal, Pet 3388, V o t o do M i n . Menezes Direito,Tribunal Pleno, que a legislação preveja, em casos de remoção de comunidade indí-
j u l g a d o e m 19/03/2009.
gena, o ressarcimento dos prejuízos, o aresto recorrido, para negar tal
4oSupremo T r i b u n a l Federal, Pet 3388, Relator(a): M i n . Carlos Ayres Brítto, Tribunal
pedido, entendeu que não houve comprovação do alegado prejuízo
Pleno,julgado e m 19/03/2009.
41 É a posição da banca e x a m i n a d o r a do Ministério Público Federal.
42 o S i s t e m a Europeu de Direitos H u m a n o s , por e x e m p l o , a d m i t e - s e o acesso direto do
Indivíduo à Corte Europeia de Direitos H u m a n o s .
,|4 rima das críticas que se faz a esta corrente é a ausência do chamado treaty making power
43 0 T r i b u n a l Penal Internacional j u l g a a p e n a s indivíduos. N ã o se a d m i t e o j u l g a m e n -
d,is comunidades indígenas, ou seja, a capacidade para celebrar tratados internacionais.
to de Estados p e l o T P I .
Das 32 presumidas vítimas, 30 se encontravam presas e aguardando exe- mentos das vitimas , aplicar a pena de morte.
cução da pena capital, enquanto que uma delas teve a sua pena comuta-
da e a outra, o senhor Joey Ramiah.foi executada em junho de 1999, mui- P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
to embora a Corte Interamericana, a pedido da Comissão Interamericana,
já houvesse adotado diversas medidas provisórias entre 1998 e 1999 para 1. Fases da regulação jurídica internacional da pena de morte
preservar a vida das vítimas, as quais foram ignoradas pelo Estado de- Conforme registra André de Carvalho Ramos, há três fases da regulação j u -
mandado, que denunciou a Convenção Americana em 25/05/1998, não rídica internacional da pena de morte: "A primeira fase é a da convivência
prejudicando, porém, a apuração dos fatos que ensejaram esse Caso, seja tutelada, na qual a pena de morte era tolerada, porém com estrito regramen-
porque ocorridos antes da denúncia, seja porque esta, nos termos do art. to"^ qual abrangia, segundo o autor, limites como o da natureza do crime,
78 da CADH, somente produz efeito após um ano. vedação da ampliação, devido processo legal penal e vedações circunstan-
50 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 51
das. "A segunda fase do regramento internacional da pena de morte é a do n u que, mesmo diante de um crime contra a vida (homicídio doloso),
banimento com exceções, (...) A terceira — e tão esperada —fase do regra- .1 ( orte Interamericana censurou a aplicação da pena de morte (muito
mento jurídico da pena de morte no plano internacional é a do banimento embora, advirta-se, a principal/oceta da decisão relaciona-se à "obríga-
48
em qualquer circunstância" . Podemos dizer que o Brasil se encontra, atual- i"M''dade"da pena capital).
mente, na "segunda fase"da regulação internacional da pena de morte,eis
que, embora tenha aderido ao bloco normativo internacional de repressão 1. Repúdio à aplicação obrigatória d a pena de morte
à pena de morte (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o seu No I QSO llilaire e outros vs. Trinidad e Tobago, objeto destes breves aponta-
Segundo Protocolo Facultativo; Convenção Americana de Direitos Huma- meiiios.a importância da decisão da Corte Interamericana está no "repúdio
nos e o seu Protocolo Adicional), reservou-se no direito de aplicar a pena -117 i/k ação obrigatória da pena de morte sem individualização penal e pos-
0
capital no caso de guerra declarada, nos termos do art. 5 , XLVll,a,da CF. sibilidade de indulto,graça ou anistia"4. Registra Antônio Augusto Cançado
Indicativo, ainda, do rumo à "terceira fase" da regulação internacional da 111111 Lide, ainda, ter sido esta "a primeira vez que um tribunal internacional
pena de morte, é o fato de os Tribunais Penais Internacionais ad hoc para 1 lei cr mina que a pena de morte 'obrigatória 'é violatória de um tratado de di-
a ex-Yugoslávia (1993) e para Ruanda (1994) não terem aplicado a pena irih)', humanos como a Convenção Americana, que o direito à vida é violado
capital, que tampouco está prevista no Estatuto de Roma (de 1998) do pela aplicação da pena de morte de modo genérico e automático, sem indivi-
Tribunal Penal Internacional. dualização e sem as garantias do devido processo legal, e que, entre as medi-
das de reparação, deve o Estado demandado modificar sua legislação penal
Para os países que, a exemplo do Brasil, estão parados na "segunda fase"
para harmonizá-la com a normativa de proteção internacional dos direitos
da regulação internacional da pena de morte (recordemos: banimento
humanos e abster-se, em qualquer caso, de executaras condenadas" {§ i°).
da pena capital com exceções), o Direito Internacional dos Direitos Hu-
manos impõe uma condicionante intransponível, qual seja, a de que o I 1 i n s t a do julgamento deste Caso Hiiaire referência, pela Corte Interamerica-
sujeito tenha praticado um "crime grave" (neste sentido, o art. 6.2 do ii.i, .i decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos em Woodson vs. North
PIDCP e o art. 4.1 da CADH). E o que pode ser considerado um crime de I an>lina (1976),em que, da mesma forma, se estabeleceu que a condenação
natureza "grave"? No âmbito da proteção global dos direitos humanos, obrigatória à pena de morte constitui uma violação das garantias do devido
o Comitê de Direitos Humanos da ONU já estabeleceu que crimes graves ptocesso da Emenda XIV e do direito a não ser submetido a um tratamento
49
são aqueles que "impliquem em perdas de vidas humanas" . A jurispru- 1 mel ou incomum da Emenda XIII, em relação com a Constituição dos EUA.
dência do sistema global é seguida pelo sistema regional americano, o N e s t e mesmo Caso, a Suprema Corte americana também indicou que a im-
que pode ser visto no próprio precedente formado neste Caso Hilarie, posição da pena de morte requer uma consideração dos aspectos relevantes
• li 1 caráter do acusado e as circunstâncias do crime praticado.
48 RAMOS, A n d r é de Carvalho. In: PETERKE, Sven (Coord.). Manual Prático de Direitos j . Pena de morte e aspectos subjetivos do condenado
Humanos Internacionais. Brasília: E S M P U / D F , 2010, p. 248-250.
Sobre "aspectos relevantes" da pessoa do acusado/condenado, o art. 4.5
49 Cf. Observação Cerai n° 6 e t a m b é m as Observações Finais sobre o Irã. Ainda na juris-
prudência do Comitê, se encontram precedentes que concluem pela violação do PIDCP d.i CADH estabelece que "Não se deve imporá pena de morte a pessoa que,
no caso de aplicação da pena de morte em crime de roubo à m ã o armada sem vítima no momento da perpetraçõo do delito, for menor de dezoito anos, ou maior
fatal (Caso Luhuto vs. Zâmbia, 1995) e t a m b é m e m casos de aplicação obrigatória/au-
tlr setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez". Importante
tomática da pena capital, s e m analisar as circunstâncias particulares do caso concreto
[Caso Kennedy vs. Trinidad y Tobago, e m 2000, e Caso T h o m p s o n vs. San Vicente y Las ressaltar, aqui, a importantíssima conclusão da Comissão Interamericana
Granadinas, em 2002).Também no â m b i t o da O N U , a antiga Comissão de Direitos H u - no Caso Michaeí Domingues vs. EUA, em 2002, ao assentar que "o Estado
manos instou os Estados a velarem para que "o conceito de 'crimes mais graves'se limi- atuou em violação de uma norma de jus cogens internacional ao senten-
te aos delitos intencionais com consequências fatais ou extremamente graves e que não
(iarMichael Domingues à pena de morte por um delito que cometeu quan-
imponham a pena de morte por atos não violentos" (Cf, Resolução 2005/59 Questão da
Pena Capital da Comissão de Direitos H u m a n o s da O N U . Disponível e m : < h t t p : / / w w w . do tinha JÓ anos. Portanto, se o Estado vier a executar o Sr. Domingues em
acnur.org/biblioteca/pdf/4339. pdf?view=i>, p. 3). virtude desta sentença, a Comissão conclui que será responsável por uma
6. Brasil e pena de morte para e x t r a d i t a n d o (MPT — i 6 ° CONCURSO PROCURADOR DO TRABALHO — ADAPTADA) As-
Ú n a l e a alternativa INCORRETA:
Para finalizar, sem qualquer pretensão de esgotar este — inesgotável -
tema da "pena de morte", devemos recordar que o Brasil não pode entre- • 1 ie acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos, em ne-
gar extraditando a Estado que poderá aplicar a pena de morte, entendi nhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem
mento este consolidado na jurisprudência do STF desde 1959 (Plenário, ,1 delitos comuns conexos com delitos políticos.
Ext 218) até os dias atuais (Plenário, Ext 1201, julgada em 2011). A exceção,
GABARITO:a alternativa (C) está correta e, por isso, não deveria ter sido
ainda conforme a jurisprudência do Supremo, ficaria porconta da hipóte
marcada. Neste sentido, dispõe o art. 4.4 da CADH: "Em nenhum caso
se em que a Constituição Federal brasileira admite a aplicação da pena de
0
pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos co-
morte, nos termos do seu art. 5 , XLVII, a, quando seria permitida, portan
muns conexos com delitos políticos".
to, a extradição (neste sentido: Plenário, Ext 633, julgada em 1996).
1 nibora não se trate de uma Questão de Concurso, chamo a atenção
dos a l u n o s que estudam — principalmente — para o concurso do MPF
INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
para o seguinte Coso apresentado por André de Carvalho Ramos no
Manual Prático de Direitos Humanos Internacionais, produzido pela Es-
(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2 0 0 6 — FCC) Em atenção ao que dispõe 1 ola Superior do Ministério Público da União (ESMPU):
o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos seu Segundo Protocolo
Adicional com vista à Abolição de Pena de Morte, a pena de morte é: O Estado X inflige a pena de morte a delinquentes adolescentes a par-
tir d o s 14 anos. Ele não ratificou nenhum tratado internacional vetando
a| proibida em qualquer hipótese, pois o direito à vida é inerente à pes
e s s a prática. Ademais, corroborou várias vezes sua opinião oficial de
soa humana, sendo vedada a formulação de reserva pelo Estado-Par
que t a l prática seria seu "bom direito". A prática de impor a pena de
te, no ato de ratificação do tratado.
morte aos jovens autores de delitos violaria, mesmo assim, obrigações
b| proibida em qualquer hipótese, exceto mediante reserva formulada internacionais emanadas dos direitos humanos?
pelo Estado-Parte, no ato de ratificação do tratado, relacionada à sua
COMENTÁRIO: A resposta, coincidente com a apresentada pelo professor
aplicação apenas em tempo de guerra.
André de Carvalho Ramos, se encontra nos Ponfos Importantes sobre o
c| proibida em qualquer hipótese, exceto mediante reserva formulada (aso, destacando-se, pois, o importantíssimo Caso Michael Domingues
pelo Estado-Parte, no ato de ratificação, relacionada à sua aplicação vs. EUA apreciado pela Comissão Interamericana.
56 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAJVÍERICANA D E DIREITOS HUJVLANOS | 57
5 . 0 f e n ô m e n o do "corredor da m o r t e " apenas aos crimes mais graves, obedecidos os princípios da legalida-
Outro tema importante, que pode ser abordado a partir das considera- de, anterioridade e jurisdícionalidade.
ções sobre a pena de morte, é o denominado "fenômeno do corredor
d| permitida nos Estados-partes a que a pena de morte não havia sido
da morte" (death row phenomenon), que foi severamente criticado pela
iholída, .1 época da ratificação do tratado, m a s reservada aos crimes
Corte Interamericana neste Caso Hilaire. Sobre o assunto, imprescindível
mais graves, e obedecidos os princípios da legalidade, anterioridade e
lembrar que oTribunal Europeu de Direitos Humanos, no conhecido Coso
jurisdicionalidade.
Soering vs. Reino Unido, determinou que o "corredor da morte" é um tra-
tamento cruel,inumanoedegradante,ejustamente por essa razão impe- »1 permitida nos casos mais graves, obedecido o devido processo legal,
diu que o Estado demandado extraditasse o indivíduo demandante (um a fim de compatibilizar o direito individual à vida com o direito social
nacional alemão) aos EUA, onde poderia ser condenado à morte e, conse- à segurança pública.
quentemente, submetido ao sofrimento intenso e prolongado de espera
GABARITO: a alternativa correta é a letra (B), conforme explicação veiculada
de execução no "corredor da morte", cenário que evidenciaria violação do
o 111 is Pontos Importantes sobre o Caso.
art. 3 da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
6. Brasil e pena de morte para extraditando (MPT — 1 6 CONCURSO PROCURADOR DO TRABALHO — ADAPTADA) As-
O
56 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 57
s o l i d a i i a o p r e j u i / o i o r n o S r , Roluinosei. POI l i m , a s e n t e n ç a l a m b e m
IRDENOU que o jornal La Nación retirasse o nome do Sr. Przedborski de
todos os artigos publicados.
Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica < 1 ( a s o chegou até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
• | i i . ' . n | n t , . i i medida cautelai para suspender a sentença penal condena
ÓRGÃO JULGADOR: e m i t i d a pelo Indiciário da Costa Rica. Como nao houve eficácia na
iesolução do entrave, a Comissão IDH levou o caso à Corte Interameri-
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s 1 a n . i de Direitos Humanos.
54 A s notas Importantes sobre o caso v o l t a r a m - s e para a c o n d e n a ç ã o do Sr. Herrera Por fim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou a Costa
Ulloa, e m virtude de a Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s não ter apreciado Rica ao pagamento de uma indenização de US$ 20.000,00 (vinte mil
os fatos relativos ao Sr, Rohrmoser. Por isso, dar-se-á m a i o r e n f o q u e a o s fatos I m p u -
dólares) a título de danos morais para o Sr. Herrera Ulloa.
tados ao Sr. Herrera Ulloa.
61
discurso que se considera crítico da administração pública" .
62 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 63
Há sinais de que este entendimento esposado pela Corte Interameritana I K Idade conduz â necessidade de que o Direito Internacional dos Direitos
de Direitos Humanos no caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica também é ado- Humanos tenha regras e princípios próprios de interpretação. Sobre essa
tado, em linhas gerais, pelo Superior Tribunal de Justiça e também pelo temática, é INCORRETO afirmar:
Supremo Tribunal Federal. Vejamos dois exemplos. • Como a regra do esgotamento dos recursos internos não é aplicada
( orn flexibilidade no Direito Internacional Geral, a jurisprudência das
Excesso de Linguagem (ou "eloquência acusatória") e Tribunal do Júri: Em
rortes internacionais de direitos humanos desenvolveu vários enten-
processos de competência do Tribunal do Júri, o magistrado, ao pronun-
dimentos que mitigam ou estabelecem pré-requisitos para a plena in-
ciar o acusado, deve ser cauteloso com suas palavras, valendo-se apenas
cidência da referida regra, como, por exemplo, fazendo recair o ônus
de termos mais comedidos para que não cause qualquer tipo de influên-
da prova da existência de um recurso "acessível e suficiente" sobre o
cia sob os jurados. Caso adentre no mérito e dê margem à possibilidade
I stado demandado, ou estabelecendo que o Estado requerido estaria
de influenciar a opinião dos jurados, restará caracterizado o fenômeno
obrigado a levantar a objeção no primeiro momento em que fosse cha-
conhecido como excesso de linguagem, tornando nula a decisão de pro-
mado perante a Comissão Interamerlcana, sob pena de ficar Impedido
núncia proferida. Nesse sentido, é o entendimento do STJ (v. HC 142803) e
de invocar o não-esgotamento no julgamento perante a Corte Intera-
também do STF (v. RHC 103078).
merlcana (estoppel).
6. Desnecessidade de motivação pelo magistrado no ato de recebimento
GABARITO: A assertiva está correta, e portanto, não deveria ser assinalada.
da denúncia
Ainda sobre o tema que estamos estudando, vem prevalecendo na juris- (ÜACEN — PROCURADOR, 2 0 0 9 — CESPE, ADAPTADA) Em relação a atos
prudência a desnecessidade de fundamentar o ato que recebe a denún- unilaterais, assinale a opção correta:
cia. É importante lembrar que não cabe recurso contra o ato que recebe a • Esses atos são conhecidos também como estoppel.
inicial acusatória, sendo possível apenas o manejo de habeas corpus em
GABARITO: Errada. O conceito do princípio do estoppel não equivale ao
situações teratológicas. Nesse sentido, é o entendimento do STJ (v. RHC
conceito de ato unilateral. Trata-se, na verdade, da proibição do com-
36974) e do STF (v. HC 95354). Vale observar que o STF possui precedente
portamento contraditório em âmbito internacional.
pela necessidade de fundamentação no ato de recebimento da denúncia,
nos procedimentos penais em que há a possibilidade do exercício de de-
fesa preliminar pelo acusado (v. HC 84919). Portanto, é possível falar que
há certa convergência entre a jurisprudência da Corte Interamerlcana de
Direitos Humanos e a Interpretação conferida pelos tribunais superiores
domésticos acerca da Imparcialidade do juiz no ato de recebimento da
denúncia, pois o ordenamento jurídico pátrio proíbe o excesso de lingua-
gem e também não exige a necessidade de fundamentação pelo magis-
trado ao receber a denúncia (ressalvada a exceção já comentada).
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S
têm determinado uma sorte de 'exasperação ou desesperação'que é má con- ti jurisdição penal , tratando-se de uma "das garantias da liberda-
69
selheira: sugere abandonar os progressos e retornar a sistemas ou medidas de pessoal que se traduz em obrigações positivas a cargo do Estado" .
que já mostraram suas enormes deficiências éticas e práticas. Numa de suas A designação de tal procedimento como "audiência de custódia" não en-
versões extremas, este abandono tem gerado fenômenos como a 'guantana- 1 unira correspondência no Direito Comparado. Há, inclusive, quem prefi-
mização' do processo penal, ultimamente questionada pela jurisprudência 1.1.1 expressão "audiência de garantia" . Aqui utilizaremos o termo "au- 70
o
da própria Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos" (§ 30 ). diência de custódia" em razão de sua ampla acolhida não somente pela
Imprensa brasileira, mas também pelos instrumentos (judiciais e legisla-
2. Proibição absoluta da tortura
tivos) que visam a sua implementação.
Conforme a Corte Interamerieana fez constar em sua decisão, "Existe um
A previsão normativa da referida garantia é encontrada em diversos Tra-
regime jurídico internacional de proibição absoluta de todas as formas de
lados Internacionais de Direitos Humanos. Vejamo-los.
tortura, tanto física como psicológica, regime que pertence hoje em dia ao
domínio do ius cogens. A proibição da tortura é completa e inderrogável, A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) prevê que "Toda pes-
ainda que nas circunstâncias mais difíceis, tais como a guerra, ameaça de «.< ia presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um
guerra, luta contra o terrorismo e quaisquer outros delitos, estado de sítio juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercerfunções judiciais (...)" (art.
ou de emergência, comoção ou conflito interior, suspensão de garantias 7.5). O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), da mesma
constitucionais, instabilidade politica interna ou outras emergências ou ca- lomia, estabelece que "Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de
lamidades públicas" (§ 143}. Para mais considerações a respeito da tortura, infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de ou-
ver os comentários sobre o Caso Bélgica vs. Senegal neste livro.
3. Para aprofundar: o que é "audiência de custódia"? 68 Neste sentido, ver CARVALHO, Luis G u s t a v o Grandinetti C a s t a n h o de. Processo Penal
e Constituição:princípios constitucionais do processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
Uma das violações da CADH praticadas pelo Equador, censurada pela Cor-
2014, p. 44: "A Convenção Americana de Direitos Humanos, no art. 7°, n.5, contempla
te Interamerieana, foi o fato de o senhor Tibi ter sido apresentado diante outra hipótese de acesso à jurisdição penai, toda pessoa detida tem direito de ser
de uma autoridade judicial somente vários meses após a sua prisão. Tal conduzida, sem demora, à presença de um juiz".
cenário nos remete a um dos temas mais polêmicos e falados da atuali- dg CASAL, Jesus Maria. In: Convención Americana sobre Derechos Humanos — Comen-
67
dade no Brasil: a audiência de custódia . tário. F u n d a c i ó n Bototã, C o l ô m b i a ; Konrad Adenauer, 2014, p. 195.
70 É o entendimento de Cleopas Isaías Santos:"(.,.) entendemos que a expressão au-
diência de custódia não traduz, da melhor forma, a natureza desse ato. Acreditamos
que a expressão audiência de garantia representa com maior fidelidade sua natureza,
levando-se em conta suas finalidades e projetando com maior eficácia suas potencia-
67 Os escritos aqui veiculados sobre a u d i ê n c i a de custódia c o n s i s t e m e m reprodução lidades," [Audiências de Garantia ou sobre o óbvio ululante. Disponível e m : <http://
de trechos do livro escrito por u m dos coautores dessa obra, Caio Paiva, cujo título é emporiododireito.com.br/audiencia-de-garantia-ou-sobre-o-obvio-ululante-por-
Audiência de Custódia e o Processo Penai Brasileiro (pendente de publicação). cleopas-isaias-santos-2/>. Acesso: 05/03/2015).
têm determinado uma sorte de 'exasperação ou desesperação'que é má con- acesso à jurisdição penal ", tratando-se de uma "das garantias da liberda-
69
selheira: sugere abandonar os progressos e retornar a sistemas ou medidas de pessoal que se traduz em obrigações positivas a cargo do Estado" .
que já mostraram suas enormes deficiências éticas e práticas. Numa de suas A designação de tal procedimento como "audiência de custódia" não en-
versões extremas, este abandono tem gerado fenômenos como a 'guantana- (ontra correspondência no Direito Comparado. Há, inclusive, quem prefi-
mização' do processo penal, ultimamente questionada pela jurisprudência 70
ra a expressão "audiência de garantia" . Aqui utilizaremos o termo "au-
o
da própria Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos" (§ 30 ). diência de custódia" em razão de sua ampla acolhida não somente pela
Imprensa brasileira, mas também pelos Instrumentos (judiciais e legisla-
2. Proibição absoluta da tortura
tivos) que visam a sua implementação.
Conforme a Corte Interamericana fez constar em sua decisão, "Existe um
A previsão normativa da referida garantia é encontrada em diversos Tra-
regime jurídico internacional de proibição absoluta de todas as formas de
tados Internacionais de Direitos Humanos. Vejamo-los.
tortura, tanto física como psicológica, regime que pertence hoje em dia ao
domínio do ius cogens. A proibição da tortura é completa e inderrogável, A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) prevê que "Toda pes-
ainda que nas circunstâncias mais difíceis, tais como a guerra, ameaça de soa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um
guerra, luta contra o terrorismo e quaisquer outros delitos, estado de sítio juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais {...)" (art.
ou de emergência, comoção ou conflito interior, suspensão de garantias /.c,). O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), da mesma
constitucionais, instabilidade política interna ou outras emergências ou ca- forma, estabelece que "Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de
lamidades públicas" (§ 143). Para mais considerações a respeito da tortura, infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de ou-
ver os comentários sobre o Caso Bélgica vs. Senegal neste livro.
3. Para aprofundar: o que é "audiência de custódia"? Í18 Neste sentido, ver CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal
e Constituição:princípios constitucionais do processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
Uma das violações da CADH praticadas pelo Equador, censurada pela Cor-
2014, p. 44: "A Convenção Americana de Direitos Humanos, no art. 7° n. 5, contempla
te Interamericana,foi o fato de o senhorTibi ter sido apresentado diante outra hipótese de acesso à jurisdição penal: toda pessoa detida tem direito de ser
de uma autoridade judicial somente vários meses após a sua prisão. Tal conduzida, sem demora, à presença de um juiz".
cenário nos remete a um dos temas mais polêmicos e falados da atuali- 69CASAL, Jesus Maria. In: Convención Americana sobre Derechos Humanos — Comen-
67
dade no Brasil: a audiência de custódia . tário. Fundación Bototá, Colômbia: Konrad Adenauer, 2014, p. 195.
70 É o entendimento de Cleopas Isaías Santos:"(...) entendemos que a expressão au-
diência de custódia não traduz, da melhor forma, a natureza desse ato. Acreditamos
que a expressão audiência de garantia representa com maior fidelidade sua natureza,
levando-se em conta suas finalidades e projetando com maior eficácia suas potencia-
67 Os escritos aqui veiculados sobre audiência de custódia consistem e m reprodução lidades" (Audiências de Garantia ou sobre o óbvio ululante. Disponível em: <http:/Y
de trechos do livro escrito por um dos coautores dessa obra, Caio Paiva, cujo título é e m poriododi reito.com.br/audiencia-de-garantia-ou-sobre-o-obvio-ululante-por-
Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro (pendente de publicação). cleopas-isaias-santos-2/>. Acesso: 05/03/2015).
68 I Jurisprudência internacional de direitos humanos Casos julgados pela jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos | 69
tra autoridade hubilitudu por lei a exercer funções judiciais (...)" (ar t. <•). j). L a var para o conduzido que tonlra ele havia sido expedido um mandado
Convenção Europeia de Direitos Humanos, por sua vez, garante que "Qual- ile prisão".
quer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo i alínea c),
Outra hipótese de "audiência de apresentação", e não de audiência de
do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro
(ustódia, portanto, está prevista no art. 175 do ECA, que dispõe: "Em caso
magistrado habilitado pela lei para exercerfunções judiciais (...)" (art. 5.3)''.
de não liberação, a autoridade policial encaminhará, desde logo, o ado-
Antes de prosseguir, uma curiosidade. Desde 1965, o Código Eleitoral bra- lescente ao representante do Ministério Público, juntamente com cópia
sileiro já prevê uma espécie de audiência de custódia para os cidadãos do auto de apreensão ou boletim de ocorrência".Tal ato não se confunde
72
que forem presos (nas hipóteses permitidas ) no período entre cinco dias torn a audiência de custódia por duas razões: primeira, não é realizado
antes e até quarenta e oito horas após o encerramento da eleição: "Ocor- 74
na presença de autoridade judicial , mas perante o Ministério Público,
rendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença e, segundo, a atividade do MP neste procedimento se revela incapaz de,
do juiz que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promovera sozinha, reparar qualquer tipo de ilegalidade na apreensão do adoles-
a responsabilidade do coator" (art. 236, § 2°). Veja-se, pois, que a conside- cente ou fazer cessá-la ante sua desnecessidade, ou, ainda, de custodiar
ração de tal ato como sendo uma audiência de custódia justifica-se pela o adolescente vítima de eventual violência ou maus tratos, e isso porque,
sua vinculação expressa à apreciação pelo juiz da legalidade da prisão, o entendendo por arquivar o expediente ou conceder a remissão (art. 179,
que não parece excluir que por ocasião da audiência o juiz verifique, tam- ^ único, incisos I e II, do ECA),o que acarretaria a liberação do adolescen-
bém, a necessidade da prisão, assim como exerça um controle de custódia/ te, ainda assim tal ato ficaria condicionado à homologação judicial (art.
proteção do direito à integridade física do cidadão conduzido. 181 do ECA). Diversamente, pode-se encontrar alguma possibilidade de
audiência de custódia no art. 171 do ECA, que dispõe que "O adolescente
Semelhante hipótese é encontrada no art. 287 do CPP, que dispõe: "Se a
apreendido por força de ordem judicial será, desde logo, encaminhado à
infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a.
autoridade judicial", ainda que parte da doutrina se empenhe em esva-
prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que 75
ziar a potencialidade desta norma .
tiver expedido o mandado". Aqui, porém, não há uma audiência de cus-
tódia propriamente dita, mas apenas uma "audiência de apresentação",
cuja finalidade é menos ampla do que a daquela, eis que se limita à pro-
73 Basileu Garcia recorda, a propósito, que o art. 287 do CPP concilia o interesse individual com
o interesse social, pois o primeiro exige "a obediência a fórmulas que resguardem de abusos o
direito à liberdade", razão pela qual "tolerando a lei a captura sem exibição do mandado nos
71 Outra correspondência pode ser encontrada, ainda, no "Conjunto de Princípios para crimes mais graves, os inafiançáveis, determina seja o preso imediatamente conduzido à pre-
a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão sença do magistrado que haja ordenado a prisão" (GARCIA, Basileu. Comentários ao Código de
documento das Nações Unidas, de 1988, cujo Princípio 37 estabelece que "A pessoa Processo Penal—v. III. Rio de Janeiro: Forense,i945, p. 36). Outra hipótese de audiência de apre-
detida pela prática de uma infração penal deve ser presente a uma autoridade judicia- sentação.enãodecustódia.é encontrada noart. 66, § úníco.daLei 5010/66 (Organiza a Justiça
ria ou outra autoridade prevista por lei, prontamente após sua captura. Essa autoridade Federal de primeira instância), que assim dispõe-. "Ao requerer a prorrogação do prazo para
decidirá sem demora da ilegalidade e necessidade da detenção (...)". Da mesma forma, conclusão do inquérito, a autoridade policial deverá apresentar o preso aoJuiz"Ja\ expediente,
o art. 47 do Código de Processo Penal Modelo para a Iberoamérica: "Se o Imputado nunca observado na prática, tem um objeto mais restrito do que aquele reservado à audiência
houver sido apreendido, se dará comunicação imediatamente ao juiz da instrução para de custódia, pois a apresentação do preso ocorreria apenas para balizar um juízo sobre prorro-
que declare em sua presença, no máximo do prazo de doze horas a contar desde sua gação das investigações e necessidade de manter o cidadão preso até o seu término.
apreensão. Este prazo poderá se prorrogar pelo mesmo período, quando houver pedido 74 Este t e m a será aprofundado no tópico 2.3.1.
do imputado para eleger defensor. Em casos excepcionais, quando for absolutamente
75 A s s i m , Nucci, para q u e m "Se é para ser internado, uma vez apreendido, não há o que
impossível o traslado de pessoas no prazo estabelecido, pela distância, a grave dificulda-
de das comunicações, uma catástrofe, o isolamento ou outro fato extraordinário simi- fazer na presença do juiz; deve ser imediatamente encaminhado à unidade apropria-
lar, o juiz poderá fixar um prazo distinto, de acordo com as circunstâncias, por resolução da. Poder-se-ia dizer — e esse é o real significado desta norma — que, feita a apreen-
fundada e sob sua responsabilidade" (tradução do espanhol feita livremente).
são, comunica-se, de pronto, o juízo, para que se tenha conhecimento da internação.
(...) Enfim, quando for apreendido por ordem do juiz, deve seguir para a unidade res-
72 0 art. 236, caput, do Código Eleitoral, s o m e n t e admite a prisão no período citado pectiva, comunicándose o juízo em, no máximo, 24 horas (...)" (NUCCI, Guilherme de
quando se tratar de flagrante delito, prisão decorrente de sentença condenatória Souza Nucci. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: em busca da Consti-
por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto. tuição Federal das Crianças e dos Adolescentes. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 554).
70 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S | 71
Em suma, temos que o conceito dado à audiência de custódia está total- |<»lln da utilidade dos direitos e garantias veiculados nos I ratados a que
mente vinculado à sua finalidade (assunto do tópico seguinte), nao po« voluntariamente — aderiram.
dendo se confundir com a mera "audiência de apresentação", porquanto
íJulia finalidade da audiência de custódia se relaciona com a prevenção
sua previsão nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos j á citados
»1.1 triitina policial, assegurando, pois, a efetivação do direito à integrida-
somente se justifica na possibilidade de servir-se como um instrumento
de pessoal das pessoas privadas de liberdade. Assim, prevê o art. 5.2 da
de controle judicial imediato da prisão.
t ADI t que "Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos
3.2. Finalidades da audiência de custódia f desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve
»r»r tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano". O
A principal e mais elementar finalidade da implementação da audiência
expediente, anota Carlos Weis, "aumenta o poder e a responsabilidade dos
de custódia no Brasil é ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados
76
fuues, promotores e defensores de exigir que os demais elos do sistema de
Internacionais de Direitos Humanos . Tal premissa implica considerar 1
ju\tiça criminal passem a trabalharem padrões de legalidade e eficiência" *.
que as finalidades da audiência de custódia, ainda que não convençam os^
seus opositores, não os desobriga de observar o seu cumprimento. Pouca Nrístc sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos j á decidiu que
ou nenhuma importância teria o Direito Internacional dos Direitos Hu-. fl (presentação imediata ao juiz "é essencial para a proteção do direito à
77
manos se cada país dispusesse de uma "margem de apreciação" a res- : liberdade pessoal e para outorgar proteção a outros direitos, como a vida e a
Integridade pessoal", advertindo que "O simples conhecimento por parte de
• um\uiz de que uma pessoa está detida não satisfaz essa garantia,já que o de-
lida deve comparecer pessoalmente e apresentar sua declaração ante o juiz
76 Neste sentido, ver CHOUKR, Fauzi Hassan. PL 554/2011 e a necessária (e lenta) adapta-»^ 19
cão do processo penal brasileiro à convenção americana de direitos do homem. IBCCrim £ (iii autoridade competente" . Noutro precedente, a Corte IDH, dialogando
Boletim n.254—jan. 2014. Vertambém PAIVA, Caio; LOPES Aury. Audiência de custo-, com a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos, ressalta que
dia e a imediata apresentação do preso aojuiz-, rumo à evolução civilizatória do processo "A pronta intervenção judicial é a que permitiria detectar e prevenir amea-
penal. Em Revista Liberdades, publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
ças contra a vida ou sérios maus tratos, que violam garantias fundamentais
(IBCCrim), n° 17 - setembro/dezembro de 2014, disponível em <http://www.revista
liberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdícoesExibir.php?rconJd=209>. Acesso lambem contidas na Convenção Europeia (...) e na Convenção Americana",
em:27/02/20i5. No mesmo sentido: "Um aspecto importante relativo ao preso cautelar
diz respeito ao problema da exigibilidade da sua apresentação 'pessoal' perante o juiz.
competente para a análise da regularidade da prisão. Tal questão tem sido negligencia-
da não apenas pela doutrina processual penal brasileira, mas também pela magistra-- — parcial — acolhida somente na jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Huma-
tura nacional, a revelar a apatia história de ambos os setores pelo direito internacional. nos, não havendo qualquer entendimento semelhante no âmbito do Sistema Interame-
em geral e aquilo que Cünther Teubner chama de 'nacionalismo metodológico. Ambas ilcano de Direitos Humanos, e ainda, os casos que ensejaram a sua aplicação no Sistema
as noções traduzem a ideia de que o direito e as organizações domésticas bastam-se a si europeu de Direitos Humanos tratam de questões consideradas "polêmicas" sob certo
mesmos, não necessitando do suplemento teórico ou normativo seja do direito interna • ponto (liberdade de expressão, direitos de transexuais etc), em nada se assemelhando
cional seja da jurisprudência internacional. Infelizmente, este é o cenário histórico que se- do direito à mera apresentação do preso à autoridade judicial. Para mais considerações
registra no Brasil e em outros países da América Latina, o que tem produzido resultados - sobre a "teoria da margem de apreciação", inclusive com indicação de outras fontes de
negativos para a esperança do desenvolvimento dos direitos humanos na região" (PE- estudo, vero livro citado nesta nota de André de Carvalho Ramos (p. 92-99). Ainda sobre a
REIRA, Ruítemberg Nunes. Assegurar direito à apresentação ao juiz é dever do Estado. teoria da margem de apreciação, ver comenta rios do caso Lopez Mendoza vs. Venezuela.
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-out-15/ruitemberg-nunes-assegu-
78 WEIS, Carlos. Trazendo a realidade para o mundo do direito. Informativo Rede Justi-
rar-direito-apresentacao-juiz-dever-estado>. Acesso em:27/o2/2oi5).
ça Criminal, Edição 05, ano 03/2013. Disponível e m : <www.iddd.org.br/Boletim_Au-
77 A "teoria da margem de apreciação" baseia-se na subsidiariedade da jurisdição interna- dienciaCustodia_RedeJusticaCriminal.pdf >.
cional e prega, conforme recorda André de Carvalho Ramos, "que determinadas questões 70 Corte I D H . Caso Acosta Calderon vs. Equador. Fundo, reparações e custas. Sentença
polêmicas relacionadas com as restrições estatais a direitos protegidos devem ser discutidas proferida em 24/06/2005, § 78. No m e s m o sentido: Corte IDH. Caso Lopez Alvarez
pelas comunidades nacionais, não podendo o juiz internacional apreciá-las" (RAMOS, An- vs. Honduras. Fundo, reparações e custas. Sentença proferida e m 01/02/2006, § 87;
dré de Carvalho. Teoria Cerai dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 2. ed. São Pau- Corte IDH. Caso Palamara Iribarne vs. Chile. Fundo, reparações e custas. Sentença pro-
lo: Saraiva, 2012, p. g2).Tal teoria não pode ser invocada para sustentar o descumprimento ferida em 22/11/2005, § 2 2 1
; Corte IDH. Caso Tibi vs. Equador. Exceções preliminares,
do direito à audiência de custódia, e isso por pelo menos duas razões: primeiro, encontra fundo, reparações e custas.Sentença proferida em 07/09/2004, § 118.
72 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA D A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS H U M A N O S | 73
concluindo, em seguida, que "tstão em jogo tanto a proteção da hticrda qualquei teirllótio sob suajunsdiçào" (orl. 2.1 da Convenção Contra <i loituia
de física dos indivíduos como a segurança pessoal, num contexto no qual rOubos Iratamcntosoii Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes" ). 1
V
(CNV), cujo relatório final veiculou, entre as recomendações, a "Criação da
audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro para garantia da Assim, já decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos que "O
apresentação pessoal do preso à autoridade judiciária em até 24 horas apos controle judicial imediato é uma medida tendente a evitar a arbitrarieda-
o ato da prisão em flagrante, em consonância com o artigo j° da Convenção de ou ilegalidade das detenções, tomando em conta que num Estado de
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), à qual * Direito corresponde ao julgador garantir os direitos do detido, autorizar
82
o Brasil se vinculou em 1992" . Ao implementar a audiência de custódia no ú adoção de medidas cautelares ou de coerção, quando seja estritamente
ordenamento jurídico pátrio, o Brasil cumpre, ainda, um compromisso inter ' necessário, e procurar, em geral, que se trate o investigado de maneira coe-
86
83
nacional de tomar "medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, lente com a presunção de inocência" . Da mesma forma, após ressaltar a
judicial ou de outra natureza, a fim de impedira prática de atos de tortura em
mericana já decidiu, inclusive, que tal direito não pode ser anulado nem entre os quais não está o direito à liberdade pessoal previsto no art. 7 .
Assim, decidiu a Corte IDH, portanto, que ainda que o direito à liberdade
Antes, ainda, de avançarmos para o conteúdo da referida expressão, impor- Pois bem. Há um consenso na jurisprudência dos Tribunais Internacionais de
tante considerar, com Weis e Junqueira, que a Corte Interamericana, na inter- I Jireitos Humanos no sentido de que a definição do que se entende por "sem
pretação que faz do art. 7.5 da CADH, observa primeiro a legislação interna demora" deverá ser objeto de interpretação conforme as características es-
96
do país caso esta fixe um prazo para tal apresentação, fazendo, depois, dois peciais de cada caso concreto , havendo, assim, diversos precedentes tanto
97 98
juízos: "um quanto ao respeito ao prazo estabelecido pelo próprio país, logica- da Corte Interamericana quanto da Corte Europeia de Direitos Humanos .
mente considerando violado o preceito da apresentação célere se for descum- No entanto, é possível encontrar algum "parâmetro" na jurisprudência inter-
prida a legislação local, e, outro, quanto à razoabilidade deste mesmo prazo, nacional, que tem potencializado bastante a expressão "sem demora" para
em face da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos" . Disso chega- 94
atribuir-lhe um significado condizente com as finalidades da garantia.
mos à elementar conclusão de que o prazo fixado na legislação interna não
No âmbito regional americano, a Corte IDH já decidiu, p. ex., que viola a CADH
encerra o juízo de avaliação sobre o cumprimento da garantia, e isso porque
a condução do preso à presença da autoridade judicial nos seguintes lapsos
92 No Direito brasileiro, a Constituição Federal estabelece restrições ao direito à liberdade na 95 No m e s m o sentido, Casal adverte que "(...) a ordem de levar o detido 'sem demora'
hipótese de Estado de Defesa (art. 136), prevendo, porém, que em qualquer hipótese a pri- ante uma autoridade judicial deve ser entendida e aplicada como um conceito autô-
são — por crime contra o Estado — será comunicada imediatamente ao juiz competente nomo da Convenção, cujo alcance se determina à luz dos parâmetros da mesma Con-
o
(art. 136, § 3 , I), acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do venção e sem subordinação, ainda que haja uma abertura, aos critérios da legislação
detido no momento de sua autuação (art. 136, § 3°, II). No entanto, em que pese 0 cuidado nacional" (CASAL, Jesús María. In: Convención Americana sobre Derechos Humanos
adotado pelo constituinte, a diligência se revela insuficiente para o resguardo dos direitos — Comentario. Fundación Bototá, C o l ô m b i a : Konrad Adenauer, 2014, p. 198).
dopreso,quedeveria—ele, e não os autos—ser conduzido à presença do juiz competente. 96 Neste sentido: "A condução ante a autoridadejudicial deve ter lugar 'sem demora'. A Corte
93 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Parecer apresentado a partir de consulta do Insti- Interamericana, seguindo o TEDH, tem estimado que devem ser valoradas as circunstân-
tuto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e da Defensoria Pública da União (DPU), para ser cias do caso concreto para determinar se o traslado do detido ante o juiz preenche esta
utilizado na Ação Civil Pública registrada sobon" 8837-91.2014.4.01.3200, em trâmite peran- exigência temporal" (CASAL, Jesús María. In: Convención Americana sobre Derechos Hu-
a
te a 3 Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Amazonas, p. 8. Disponível em <http:// manos — Comentário. Fundación Bototá, Colômbia: Konrad Adenauer, 2014, p. 198).
iddd.org.br/Parecer_AudienciaCustodia_Badaro.pdf>. Acesso em:oi/03/2oi5. Badaró ain- 97 Ver Corte IDH: Caso Acosta Calderon vs. Equador. Fundo, reparações e custas. Senten-
da menciona que "A mesma discussão surgiu em relação à Convenção Europeia de Direitos ça proferida e m 24/06/2005, § 77; Caso Bámaca Velasquez vs. Guatemala. Fundo. Sen-
Humanos, ante a diferença da terminologia utilizada na versão inglesa — promptly— e tença proferida em 25/11/2000, § 140; Caso Juan Humberto Sánchez vs. Honduras. Ex-
francesa — aussiôt —. Embora a primeira tenha o significado literal de prontamente, en- ceções preliminares,fundo, reparações e custas. Sentença proferida em 07/06/2003,
quanto que a segunda, tem conotação de imediatidade, a Corte Europeia reconheceu que § 84; Caso Maritza Urrutia vs. Guatemala. Fundo, reparações e custas. Sentença pro-
há muito pouco grau deflexibilidade para interpretar a expressão prontamente". ferida e m 27/11/2003, § 73; Caso Castillo Petruzziy outros vs. Peru. Fundo, reparações e
custas. Sentença proferida em 30/05/1999, § 108; CasoJ vs. Peru. Exceção preliminar,
94WEIS, Carlos; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. A obrigatoriedade da apresen-
fundo, reparações e custas. Sentença proferida e m 27/11/2013, § 144.
tação imediata da pessoa presa ao juiz. Revista dos Tribunais, v. 921/2012, p. 331-355,
2012, acesso eletrônico. 98 Vero Caso Kandzhovvs. Bulgária, de 06/11/2005, § 65, citado por Badaró (Parecer..., p. 9).
S U A L P E N A L I N F R A - C O N S T I T U C I O N A L D E V E P R E V E R A
0
( P G R — 2 8 C O N C U R S O P R O C U R A D O R D A R E P Ú B L I C A , 2 0 1 5 — A D A P T A D A )
B| admissibilidade de prova ilícita pro reo. • O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos prevê que qualquer
c| permissão de extradição de nacional. pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser
londuzida.sem demora, a presença do juiz ou de outra autoridade ha-
D| audiência de custódia.
bilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada
E| publicidade processual ampla e irrestrita. em prazo razoável ou de ser posta em liberdade.
Gabarito: Letra D.
Gabarito: Certo.
( D P E / S P — D E F E N S O R P Ú B L I C O , 2 0 1 2 — F C C ) N O BRASIL, Q U A N D O O C O R R E U M A ¿1 ( D P E / P A — D E F E N S O R P Ú B L I C O , 2 0 1 5 — F M P ) E M R E L A Ç Ã O A O S T R A T A D O S
P R I S Ã O E M F L A G R A N T E , O A R T I G O 3 0 6 D O C Ó D I G O D E P R O C E S S O P E N A L D E T E R M I N A
E C O N V Ê N I O S I N T E R N A C I O N A I S R A T I F I C A D O S P E L O B R A S I L , É C O R R E T O A F I R M A R Q U E :
Q U E H A J A A C O M U N I C A Ç Ã O I M E D I A T A D O F A T O A U M J U I Z . C O N F R O N T A N D O TAL D I S P O -
a| O Pacto Internacional de Direitos Políticos e Civis prevê, entre os direi-
S I T I V O C O M O Q U E D E T E R M I N A M A S N O R M A S D O P A C T O I N T E R N A C I O N A L S O B R E D I R E I -
tos de qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração
T O S C I V I S E P O L Í T I C O S E D A C O N V E N Ç Ã O A M E R I C A N A S O B R E D I R E I T O S H U M A N O S , H Á :
penal, ser ela conduzida, no prazo de 24 horas, à presença do juiz.
A | compatibilidade entre a lei e os tratados, visto que a prisão imediata- ^
mente é submetida ao crivo do judiciário, com envio do auto de prisão * £ b| O Pacto Internacional de Direitos Políticos e Civis prevê que o direito
em flagrante em vinte e quatro horas ao iuiz. ^ de ser conduzido somente à presença de um juiz se aplica unicamente
às pessoas que foram presas em flagrante, não se aplicando, portanto,
B| incompatibilidade entre a lei e os tratados, pois, segundo estes, o pre-
a outras modalidades de privação de liberdade realizadas pelo Estado.
so deve ser levado à presença de um juiz de direito em vinte e quatro
horas para a determinação de seus direitos e obrigações. c| O Pacto de San José da Costa Rica não fixa qualquer prazo para que
toda pessoa detida ou retida deva ser conduzida à presença de um
C | compatibilidade entre a lei e os tratados, pois o preso fica à disposição
juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercerfunções judiciais.
do juiz e do membro do Ministério Público que podem requisitá-lo
para ser ouvido, se necessário. D | O Pacto de San José da Costa Rica fixa o prazo de 24 horas para que
toda pessoa detida ou retida deva ser conduzida à presença de um
juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercerfunções judiciais.
n o Neste sentido: Corte IDH. Caso Acosta Calderon vs. Equador. Fundo, reparações e
e| O Pacto de San José da Costa Rica fixa o prazo de 24 horas para que toda
custas. Sentença proferida e m 24/06/2005, § 80.
pessoa presa ou retida deva ser conduzida somente à presença de um juiz.
111 Para aprofundamento no tema "audiência de custódia", recomenda-se a leitura do li-
vro escrito pelo coautor dessa obra, Caio Paiva, que deve ser publicado muito em breve Gabarito: Letra C.
82 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA D A CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S | 83
A segunda preliminar, relativa à arguição de que os recursos Internos não
trilam sido previamente esgotados pelas vitimas,foi igualmente rejeita-
da pela Corte, que, acolhendo a manifestação da Comissão, considerou
I Caso Comunidade Moiwana vs. Suriname que a preliminar foi apresentada intempestivamente, operando-se, en-
tão, a renúncia tácita.
I
i Piosseguindo, após rejeitar outras preliminares que desinteressam para
! ÓRGÃO JULGADOR: 1**1 a ocasião, a Corte adentra no mérito e declara, primeiro, o Estado res-
ponsável pela violação do direito à integridade física, psíquica e moral
Corte Interamericana de Direitos Humanos
dos membros da comunidade Moiwana (art. 5.1 da CADH), considerando,
SENTENÇA: pois, o sofrimento emocional, psicológico, espiritual e econômico experi-
mentado pela comunidade em razão (1) da não obtenção de justiça, (2) da
15 de junho de 2005
Impossibilidade de os membros da comunidade honrar apropriadamente
seus entes queridos falecidos (restou provado que o povo da comunidade
Moiwana tem rituais específicos e complexos que devem seguir após a
morte de um membro da comunidade) e (3) da separação dos membros
da comunidade de suas terras tradicionais. Da mesma forma, a Corte
RESUMO DO CASO
declarou Suriname responsável pela violação do direito de circulação e
O caso se relaciona com a alegação de que em 29/11/1986 membros das for- residência (art. 22 da CADH), já que o Estado não criou as condições ne-
ças armadas de Suriname teriam atacado a comunidade N'djuka Maroon cessárias nem providenciou os meios que permitiriam aos membros da
de Moiwana, massacrando mais de quarenta homens, mulheres e crianças comunidade regressarem voluntariamente para suas terras tradicionais.
e destruindo a comunidade. Aqueles que conseguiram escapar foram exila- Mais adiante, a Corte reiterou o seu entendimento de que "comunidades
dos ou internamente deslocados. Até a data da apresentação da demanda indígenas que tenham ocupado suas terras ancestrais de acordo com suas
na Comissão, supostamente não teria havido uma investigação adequada práticas consuetudinárias — pelo que carecem de um título formal de pro-
do massacre nem tampouco julgamento ou punição dos envolvidos. Os so- priedade —, a posse da terra deveria bastar para que obtenham o reconhe-
breviventes permaneceram longe de suas terras, incapazes de retomar seu cimento oficial da dita propriedade e o conseguinte registro" (§ 131). E pros-
estilo de vida tradicional. A Comissão, ao submeter o caso à Corte, assinalou segue a Corte ressaltando que, para tais povos, o nexo com o território
que, embora o ataque tenha ocorrido em data anterior à ratificação da Con- ancestral não é meramente uma questão de posse e produção, senão um
venção Americana por parte de Suriname e do consequente reconhecimen- elemento material e espiritual do qual devem gozar plenamente, "inclusive
to da competência contenciosa da Corte, a presumida denegação de justiça para preservar seu legado cultural e transmiti-lo às gerações futuras" (§ 131).
e o deslocamento das vítimas, objeto central da demanda, ocorreram após a Com relação ao fato do povo N'djuka não ser indígena, e sim um "povo
ratificação da CADH e adesão à competência contenciosa da Corte. tribal", a Corte ressaltou que a sua jurisprudência com relação às comu-
nidades indígenas e seus direitos comunais à propriedade deve também
A Corte inicia rejeitando a preliminar de incompetência rationi temporis
aplicar-se aos membros da comunidade tribal que residia em Moiwana.
arguida pelo Estado, e isso porque embora o Suriname tenha reconhecido
Assim, a Corte concluiu que o Estado violou o direito dos membros da co-
a competência da Corte IDH no ano de 1987 e os fatos tenham ocorri-
munidade à propriedade tradicional protegido pelo art. 21 da CADH.
do em 1986, dois eventos subsistiram, mantendo a violação de direitos
humanos, quais sejam, o descumprimento do dever de investigar o mas- Posteriormente, a Corte, em atenção a diversos fatores explorados minu-
sacre ocorrido na comunidade e, ainda, a impossibilidade de as vítimas ciosamente na decisão, considerou que a deficiente investigação de Suri-
retornarem para suas terras ancestrais. Assim, a Corte decidiu pela sua name sobre o ataque de 1986 à aldeia Moiwana, a obstrução violenta de
competência para analisar o caso. justiça e o largo período transcorrido sem que se logre o esclarecimento
Pois bem, sobre o primeiro ponto, a Corte entendeu que o Estado da Gua- Entre outros aspectos secundários da sentença, a Corte também ordenou
temala violou o princípio da congruência ou da correlação, o qual classifica que a Guatemala se abstenha de executar (aplicar a pena capital) o se-
como "uma garantia fundamental do devido processo em matéria penal, que nhor Fermín, qualquer que seja o resultado do novo julgamento.
apresenta à Corte fundamentos acerca dos fatos contidos no escrito de sub 1 icana" . Importante registrar que o instituto da reincidência também foi
missão do caso ouformula considerações jurídicas sobre a matéria do processo, considerado constitucional pela Suprema Corte Argentina (Processo n°
por meio de um documento ou de uma alegação em audiência". Questiona-se 6/157/09, Caso Taboada Ortiz), vencido, na ocasião, o juiz Zaffaroni, que,
no Brasil, um cidadão pode ser amicus curiae? Em se tratando do processo de após ressaltar que a agravação da pena pela reincidência "denota a apli-
controle concentrado de constitucionalidade, a Lei 9868/99, que dispõe sobre cação de pautas vinculadas ao direito penal do autor e da periculosidade",
o processo e julgamento da ADI e da ADECON, somente admite a manifesta- mencionou, portanto, este precedente da Corte Interamericana.
ção "de outros órgãos ou entidades".!ratando-se, porém, de RE, para a análise
da repercussão geral, o Relator pode admitir a manifestação de "terceiros" (ari I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S
o
543-A, § 6 , do CPC), aplicando-se o mesmo expediente para o procedimen-
(DPE/PB — DEFENSOR PÚBLICO, 2014 — FCC, ADAPTADA) No tocante à in-
to do recurso repetitivo, em que o Relator poderá admitir a manifestação "dt
terpretação e aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos,
pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia". Seja como for.
é INCORRETO afirmar:
não sendo esta a ocasião adequada para aprofundarmos nesta temática pro-
cessual, importa dizer que o STF, no julgamento do MS 32033, em 13/06/2013, • O Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Hu-
admitiu particulares como amicus curiae, entre eles o Senador Pedro Taques. manos, com o intuito de tornar a interpretação dos direitos humanos
mais aberta e plural, podem admitira participação deamicus curiae.
2. Primeira manifestação da Corte sobre o tema "congruência entre a GABARITO: A assertiva está correta, razão pela qual não deveria ter sido
acusação e a sentença" assinalada.
Conforme fez constarem seu voto o juiz da Corte Interamericana, Sérgio
(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — 2 FASE, PROVA DISCURSIVA) Dis- A
Garcia Ramirez, esta foi a primeira vez em que a Corte analisou a questão
corra sobre o diálogo entre a Corte Interamericana de Direitos Humanos
da "congruência entre a acusação e a sentença". No Brasil, quem faz uma
e o Supremo Tribunal Federal no controle de convencionalidade do siste-
abordagem desta decisão da Corte Interamericana no âmbito processual
ma interamericano de direitos humanos, analise criticamente e cite três
penal é Gustavo Badaró, que registra: "A Corte Interamericana de Direitos
casos jurisprudenciais sobre o assunto.
Humanos já teve oportunidade de analisar casos de violação da regra da
correlação entre acusação em sentença. No caso Fermín Ramirez vs. Guate- GABARITO ADOTADO PELA BANCA: (...) Outra divergência a ser citada éoRE 453000, em
mala foi apreciada a violação de vários direitos garantidos pela Convenção que o STF reconheceu a constitucionalidade da reincidência como agravante
Americana de Direitos Humanos, entre eles o princípio da correlação entre de pena, em contraste com o caso Fermín Ramirez vs. Guatemala (2005) da
acusação e sentença, com especial atenção para a mudança da qualificação Corte IDH que reconheceu a violação ao artigo g°da CADH. Até 2,5 pontos.
15
jurídica dos fatos pelo tribunal, com base no princípio iura novit cúria"' .
116 Cf. GOMES, Luiz Flávio. Reincidência: novo conflito entre o STF e a Corte Interameri-
115 BADARÓ, G u s t a v o Henrique. Correlação entre Acusação e Sentença. 3. e d . S ã o Paulo cana. Disponível e m : <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/reinci-
RT, 2013, p. 217. dencía-novo--conflito-entre-o-stf-e--a-corte-interamericana/ii076>
Ocorre que, no dia 24 de janeiro de 2000, a Nicarágua promulgou uma < No dia 23 de junho de 2005, a Corte Interamericana de Direitos Huma-
reforma de sua legislação eleitoral, que extinguiu o modelo de Associa- nos decidiu que o Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua, ao expedir
ção de Subscrição Popular. Devido a esta mudança, a organização YATAMA resoluções que excluíram o partido YATAMA das eleições de 2000, não
se viu obrigada a converter-se no formato de "Partido Político" previsto observou o dever de motivação e, portanto, violou as garantias judiciais
na nova legislação, para que pudesse continuar a concorrer aos pleitos previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos (artigos 8.1 c/c
eleitorais no Estado da Nicarágua. As comunidades indígenas afetadas 1.1). A Corte de San José também entendeu que houve violação ao artigo
pela mudança da legislação eleitoral jamais haviam se organizado da- 0
25.1 c/c o artigo 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos, eis que
quela forma, dado que já era uma tradição na região da Costa Atlântica a não houve recurso efetivo posto à disposição dos prejudicados contra as
organização através de Associação Popular. decisões do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua.
Assim, o partido regional indígena se viu obrigado a realizar uma aliança Ainda segundo a Corte IDH, as mudanças impostas pela nova legislação
com o partido Los Pueblos Costehos para que pudessem ter chances de eleitoral causaram um Impacto desproporcional aos membros das comu-
partido político às pressas, o que implicou um impedimento à efetiva par- indiqena Yatama possuísse candidatos em 80% dos municípios"" .
ticipação nos assuntos públicos por parte dos membros das comunida-
i Primeira vez e m que a Corte Interamericana se pronunciou em um
des indígenas da Costa Atlântica da Nicarágua. Assim, com fulcro no ar-
caso concreto a respeito do sentido e alcance do direito à igualdade e
tigo 23 da CADH, a Corte Interamericana de Direitos Humanos atestou a
do dever de não-discriminação
violação dos direitos políticos dos membros das comunidades indígenas
afetadas. Segundo a Corte IDH, houve violação do princípio da igualdade Imbora a Corte Interamericana de Direitos Humanos houvesse,dois anos
e da não-discriminação, ambos considerados normas de jus cogens pela antes do Caso Yatama vs. Nicarágua, emitido a Opinião Consultiva n° 16
comunidade internacional. Ao final, a Corte Interamericana de Direitos acerca das dimensões do princípio da igualdade e da não-dlscnminação,o
Humanos determinou que: t aso em comento foi o primeiro em que a Corte IDH se pronunciou sobre
o lema. A respeito deste tópico, pontua Isabel Penldo de Campos Macha-
a) O Estado da Nicarágua publicasse a sentença do Caso Yatama vs. Nica-
do: "Foi então que, pela primeira vez, a Corte se pronunciou em um caso
rágua no Diário Oficial do país, bem como em emissora de rádio e televi-
concreto a respeito do sentido e alcance do direito à igualdade e do dever
são que possuísse sinal na região da Costa Atlântica, onde reside a grande
de não discriminação. O Caso Yatama vs. Nicarágua, que versava sobre a
maioria das comunidades indígenas afetadas; b) Indenizasse o partido
discriminação de um grupo político indígena nas eleições do Estado da Ni-
YATAMA pelas custas e gastos, na quantia de US$ 15.000,00 (quinze mil
carágua seguiu toda a evolução jurisprudencial que havia sido construída
dólares); c) Dentro de um prazo razoável, o Estado da Nicarágua adotas-
na Opinião Consultiva dos migrantes ilegais""*.
se medidas legislativas necessárias para estabelecer um recurso judicial
simples e efetivo que permitisse reavaliar as decisões do Conselho Supre- 3 . 0 caso retrata u m a hipótese de violação do princípio da igualdade
mo Eleitoral; d) Fosse reformada a legislação eleitoral (mais precisamen- material conhecida como "discriminação indireta" e a Corte Intera-
te, a lei n° 331, que incidiu no caso concreto) para adequar à Convenção mericana de Direitos Humanos, ainda que o não tenha mencionado
Americana de Direitos Humanos os requisitos exigidos para concorrer ao expressamente, utilizou-se da teoria do impacto desproporcional
pleito eleitoral, de maneira que os membros das comunidades indígenas
para constatar essas violações
pudessem participar das eleições em condições de igualdade, respeitan-
do suas tradições e costumes e o formato de organização política que já A alteração da legislação eleitoral no Estado da Nicarágua exigiu a mudan-
por eles utilizado havia mais de uma década. ça de algumas condições de elegibilidade. Embora tais exigências não se-
jam ilegais, elas acabaram afetando as comunidades Indígenas da região
da Costa Atlântica da Nicarágua. Assim, as comunidades Indígenas, que já
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O estavam acostumadas, há mais de uma década, a concorrer por meio de As-
sociação Popular, tiveram seu modelo costumeiro de participação política
1. Primeiro caso em que a Corte Interamericana de Direitos Humanos violado em razão das alterações legislativas. As comunidades Indígenas fo-
se deparou diante de matéria eleitoral ram afetadas de forma desproporcional, já que outros segmentos da popu-
teoria do impacto desproporcional, entende-se que a teoria foi aplicada na ADI Constituição Federal. Estará, ainda, conclamando o empregador a oferecer
:
1.946, em que a corte constitucional brasileira examinou a constitucionalidade à mulher trabalhadora, quaisquer que sejam suas aptidões, salário não su-
da incidência do limite dos benefícios previdenciários de R$ 1.200,00, estabe- perior a R$ 1.200,00, para não ter de responder peia diferença".
lecido pela Emenda Constitucional n° 20, sobre o salário-maternidade. Sobre
Vejamos outras possibilidades em que foi ventilada a aplicação da teoria
a aplicação da teoria do impacto desproporcional na AD11.946, pontua Daniel
do impacto desproporcional no direito brasileiro:
Sarmento: "A consequência da aplicação do referido teto sobre o salário-mater-\
nidade seria a transferência, para o empregador da gestante, da responsabilidad 3.7. Exigência de representação da vítima mulher para início da ação penal
de pelo pagamento da diferença entre o seu salário e o referido limite durante o relativa a crime de lesões corporais leves praticado no ambiente doméstico
período de licença maternidade. Ora, o argumento em que se louvou o STF para, Na ADI 4424 interposta pelo Procurador Geral da República, uma das teses
por unanimidade, em decisão de interpretação conforme a Constituição, impedir sustentadas para declarar inconstitucional a exigência de representação
a incidência questionada,foi o de que eia teria como efeito concreto o aumento nos crimes de lesão contra a mulher no âmbito da violência doméstica e
da discriminação contra a mulher no mercado de trabalho. Como a isonomia farniliarfoi a teoria do impacto desproporcional. Vejamos um trecho da ADI
de gêneros constitui cláusula pétrea (art. 5° inciso I, combinado com art. 60, §4°, 4424, subscrita pela PGR, em que se explica o ponto: "Sem embargo, apesar
inciso IV, CF), entendeu-se que o limite dos benefícios não poderia ser aplicado ao
de aparentemente neutra, ela produz, como já visto, impactos nefastos e des-
27
salário maternidade, sob pena de inconstitucionalidade"' .
proporcionais para as mulheres, sendo, por isso, incompatível com o princípio
Ainda sobre a ADI 1.946, segue a lição de André de Carvalho Ramos: "Caso a da igualdade material. [...] Como fartamente descrito no tópico anterior, a
interpretação concluísse que o excedente seria pago pelo empregador, a regra interpretação que condiciona à representação o início da ação penal relativa
aparentemente neutra (limite a todos os benefícios) teria um efeito díscrimina- a crime de lesões corporais leves praticado no ambiente doméstico, embora
não incida em discriminação direta, acaba por gerar, para as mulheres víti-
mas deste tipo de violência, efeitos desproporcionais nocivos. É que ela, por
125 Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s , Caso Átala Riffoy Niñas vs. Chile (2012), razões históricas, acaba dando ensejo a um quadro de impunidade, que, por
que será estudado mais à frente. sua vez, reforça a violência e a discriminação contra a mulher".
126 SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais — Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janei-
ro-. L u m e n Júris, 2006, p. 150.
127 SARMENTO, Daniel. Livre e Iguais — Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janei-
ro.- L u m e n Júris, 2006, p. 151.
128 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014. P-479-
Já se passaram quase dez anos da decisão da Corte de San José no Caso It| Instituição, pelo poder público, de medida em evidente violação a um
Yatama vs. Nicarágua, que ordenou a alteração da legislação eleitoral lo- 1 ritério proibido de discriminação.
cal, eis que a mesma causava um impacto desproporcional às comuni- 11 diferenciação ilegítima, com o propósito de prejuízo, por meio de tra-
dades indígenas que pretendiam concorrer o pleito. Até agora, o Estado lamento menos favorável direcionado a um indivíduo ou grupo.
da Nicarágua não tomou nenhuma medida para reformar sua legislação
>l| adoção de medidas, decisões ou práticas com a aparência de neu-
eleitoral, sendo esta rotineiramente aplicada nos pleitos eleitorais nica-
135 tralidade que têm o efeito ou resultam em um impacto diferenciado
raguenses . Logo, convém relembrar que o descumprimento da decisão
ilegítimo sobre um indivíduo ou grupo.
proferida no Caso Yatama vs. Nicarágua pelo Governo nicaraguense po-
derá ensejar nova responsabilização internacional por violação de direi- •I aplicação ou execução, de forma manifestamente desigual, de uma
tos humanos diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos. lei neutra.
"Num Estado Democrático de Direito a jurisdição penal militar há de ter um la qual pretende que seja dada ao art. 9 , I e III, do Código Penal
alcance restritivo e excepcional e estar encaminhada à proteção de interesses Militar, interpretação conforme à Constituição Federal, a fim de que seja
jurídicos especiais, vinculados com as funções que a lei atribuí às forças mi lei onhecida a incompetência da Justiça Militar para julgar civis em tem-
litares. Por isso, somente se deve julgar a militares pela prática de crimes ou pi ide paz e que esses crimes sejam submetidos à julgamento pela Justiça
38
faltas que por sua própria natureza atentem contra bens jurídicos próprios 1 iiiniim, federal ou estadual' .Tramita também na Câmara dos Deputa-
da ordem militar" (§ 124). Entende a Corte IDH, portanto, que somente os - 1 " 1 > Projeto de Lei 7770/2014, de autoria da bancada do PSOL, cujo objeto
militares podem ser sujeitos ativos de crimes militares, sendo que, no caso illeraçâo do Código Penal Militai para dele excluir a permissão de
do senhor Palamara, concluiu-se, ao contrário do alegado pelo Chile, que a r i l e . 11 M e n t o de civis pela Justiça Militar em tempo de paz,o que o Partido
sua função, embora desempenhada num Departamento ligado à Armada, I l.issifica como "uma aberração autoritária"'™.
era de natureza administrativa e o seu vínculo de natureza civil.
II ( mo Palamara Iribarne vs. Chile foi citado pelo min. Celso de Mello no
a
A Corte, por fim, decidindo que o Estado é responsável pela violação de diver julgamento do HC 112936 (2 Turma, em 05/02/2013), ocasião em que o
sos artigos da CADH, determinou, além de outros expedientes de natureza Ml decidiu que "Refoge à competência penai da Justiça Militar da União
indenizatórios/reparatórios, principalmente, que o Chile garantisse à vítima gfOi essar civis, em tempo de paz, por delitos supostamente cometidos por
o direito de distribuir o seu livro por qualquer meio capaz de atingir o maior estes em ambiente estranho ao da Administração Militar e alegadamente
número de destinatários, que o país adequasse o seu ordenamento consti- imiticados contra militar das Forças Armadas no contexto do processo de
tucional e jurídico interno para restringir o julgamento de civil pela Justiça III upação e pacificação das Comunidades localizadas nos morros cario-
Militar, tendo determinado, ainda, que se tornasse "sem efeito" as condena K/s, pois a função de policiamento ostensivo traduz típica atividade de
ções criminais sofridas por Palamara em decorrência destes fatos, j á que a segurança pública". Igual menção pelo min. Celso de Mello é encontrada
jurisdição penal militar responsável pelo seu julgamento não preenchia os no 1IC 105256. Embora a jurisprudência do STF esteja caminhando para
imprescindíveis requisitos da competência, imparcialidade e independência.
37
Em 2006, conforme noticiou a CEJIL' , uma das entidades responsáveis
por levar o presente caso ao conhecimento da Comissão Interamericana, MB Cf. notícia no site d o STF: < h t t p : / / w w w . s t f . j u s . b r / p o r t a l / c m s / v e r N o t i c i a D e t a l h e .
a imprensa da Armada publicou o livro do senhor Palamara. asp?idConteudo=246326>. Sobre o tema, ainda, vale a pena a c o m p a n h a r o j u l g a -
m e n t o d a A D I 5032, t a m b é m proposta pelo PGR: <http://www.stf.jus.br/portal/
c m s / verNotíciaDetalhe.asp?idConteudo=2472i8>.
139 Cf. <http://psol50.org.br/site/noticias/2836/projeto-do-psol-define-que-jUstica-mi-
137 Cf. < h t t p : / / c e j i l . o r g / c a s o s / p a l a m a r a - i r i b a r n e > . litar-nao-pode-ter-competencia-parajulgar-cidadaos-civis>.
m C f PAIVA Caio. Audiência de custódia: a quem o preso deve ser apresentado? Dis-
ponível em- < h t t p : / / j u s t i f i c a n d o . c o m / 2 0 / 0 4 / i o / n a - s e r i e - a u d í e n c i a - d e - c u s t o d i a
15
140 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 2. e d . Salvador: J u s p o d i v m ,
-a-quem-o-preso-deve-ser-apresentado/>. Acesso e m : 28/06/2015.
2014, p. 367.
Caso González e Outras vs. México A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que os homicí-
dios praticados decorreram de violência de gênero, tratando-se, pois, de
("Campo Algodonero")
Irminicidio", e concluiu que "é preocupante o fato de que alguns destes
1 rimes parecem apresentar altos graus de violência, incluindo sexual, e que
ÓRGÃO JULGADOR: Sm geral foram influenciados, tal como aceita o Estado, por uma cultura de
• ir.it iminação contra a mulher, a qual, segundo diversas fontes probatórias,
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s tin idiu tanto nos motivos como na modalidade dos crimes, bem como na
resposta das autoridades. Nesse sentido, cabe destacar as respostas inefi-
SENTENÇA: 1 a mtes e as atitudes indiferentes documentadas em relação à investigação
16 de n o v e m b r o de 2009 destes crimes, que parecem haver permitido que se tenha perpetuado a vio-
lência contra a mulher em Ciudad Juárez" (§ 164).
142 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 334. 4 . Teoria da obrigação processual
143 LIXINSKI, Lucas. Caso do Campo de Algodão: Direitos Humanos, Desenvolvimento,
Consta na decisão da Corte Interamericana que, no contexto da obrigação de
Violência e Gênero. Nota de ensino. Casoteca Direito GV — Produção de Casos
2011, p, 15. Disponível e m : <http://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/cam- proteger o direito à vida.oTribunal Europeu de Direitos Humanos desenvol-
po_de_ a l g o d ã o - n o t a d e e n s i n o . p d f x veu a "teoria da obrigação processual" de o Estado efetuar uma investigação
d| dos parâmetros de reparação adotados pela Corte Interamericana de Ao tratar do caso na Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Co-
Direitos Humanos. missão Interamericana alegou a incompetência da Corte Suprema de
e| do primeiro caso decorrente de uma comunicação apresentada por Justiça da Venezuela para julgá-lo, tendo em vista que o Sr. Barreto Leiva
um Estado parte em face de outro perante a Comissão Interamerica- não possuía qualquer foro por prerrogativa de função.Também foi alega-
na de Direitos Humanos. da a violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, eis que diante do
julgamento perante a Corte Suprema de Justiça da Venezuela, a vítima
GABARITO: letra (A).
teve suprimida sua possibilidade de recorrer da sentença condenatória. A
vítima também não teve o direito de escolher seu próprio defensor e tam-
pouco a possibilidade de interrogar supostas testemunhas arroladas pela
144 P I O V E S A N , Flávia. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos das Mulheres. R.
acusação, ou mesmo conhecer as provas que estavam sendo produzidas
EMERJ, v. 15, n. 57 (Edição Especial), p. 79, jan-mar, 2012. Disponível e m : < h t t p : / /
www.emerj.tjrj.jus.br/revi5taemerj_online/edicoes/revista57/revista57_70.pdf>. contra a sua pessoa.
J
oficial efetiva em casos de violações a este direito {Casos Ergi vs. lurquia.Ak-
kok vs. Turquia e Killiç vs. Turquia). A Corte Interamericana, da mesma forma,
já aplicou esta teoria em diversos casos (Casos Juan Humberto Sanchez vs.
Honduas, Valle Jaramillo e outros vs. Colômbia e Garibaldi vs. Brasil). Ainda no Caso Barreto Leiva vs. Venezuela
que diz respeito à jurisprudência comparada, fruto de um diálogo de Cortes,
consta também na decisão da Corte Interamericana que o Tribunal Europeu
ÓRÜAO JULGADOR:
de Direitos Humanos já declarou que "a falha do Estado em protegeras mu-
lheres contra a violência doméstica viola o seu direito à igual proteção da lei e ( orte Interamericana de Direitos H u m a n o s
esta falha não necessita ser intencional" (Caso Opuz vs. Turquia).
d| dos parâmetros de reparação adotados pela Corte Interamericana de Ao tratar do caso na Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Co-
Direitos Humanos. missão Interamericana alegou a incompetência da Corte Suprema de
Justiça da Venezuela para julgá-lo, tendo em vista que o Sr. Barreto Leiva
e| do primeiro caso decorrente de uma comunicação apresentada por
não possuía qualquer foro por prerrogativa de função.Também foi alega-
um Estado parte em face de outro perante a Comissão Interamerica-
da a violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, eis que diante do
na de Direitos Humanos.
julgamento perante a Corte Suprema de Justiça da Venezuela, a vítima
GABARITO: letra (A).
teve suprimida sua possibilidade de recorrer da sentença condenatória. A
vítima também não teve o direito de escolher seu próprio defensor e tam-
pouco a possibilidade de interrogar supostas testemunhas arroladas pela
144 P I O V E S A N , Flávia. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos das Mulheres. R.
acusação, ou mesmo conhecer as provas que estavam sendo produzidas
EMERJ, v. 15, n. 57 (Edição Especial), p. 79, jan-mar, 2012. Disponível e m : < h t t p : / /
www.emerj.tjrj.jus.bf/revistaemefj_online/edicoes/revista57/revista57_70.pdf>.
contra a sua pessoa.
Rabellojosé Roberto Salgado e Vinícius Samarane se baseiam na violação te ja houvera regulamentado legalmente o foro privilegiado"'* .
do duplo grau de jurisdição, eis que os réus não eram detentores de foro por
4, A Venezuela denunciou a C A D H e m meados de 2012 150
Ao chegar ao Equador, o Sr. Vélez reportou ao governo de seu país que foi
Caso Vélez Loor vs. Panamá I IL m 11 1 ido A tortura e maus tratos enquanto esteve privado de sua liber-
Estado do Panamá. O Sr. Vélez Loor noticiou que,
J u l r D E LOC O M O C , 1 0 PELO
l.into no período em que esteve detido em Darien quanto nos momentos
ÓRGÀO JULGADOR:
i m Q U E esteve recluso em La Palma e La Joyita, tais práticas aconteceram.
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s VÉLEZ Loor também relatou às autoridades equatorianas a superlotação
l uesídíos panamenhos e a deficiência na rede de saneamento básico
II is 1 omplexos penitenciários, bem como a deficiência no sistema pana-
SENTENÇA:
MENHO de classificação e nos programas de ressocialização e educação.
23 de n o v e m b r o de 2010
() I stado do Panamá não apresentou informações sobre as recomendações
ftltas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o que motivou
ESLA última a submeter o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
H u m a n o s : o princípio da igualdade e o princípio da não-discrimina- A .sim como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Corte Inter-
nai ional de Justiça também considera que o direito à notificação consular
ção são aplicáveis aos imigrantes ilegais?
I I instituí garantia essencial e indisponível que assiste qualquer pessoa pre-
Em maio de 2002, o México, com fulcro no artigo 64.1 da Convenção Ame- sa em território estrangeiro. Foi o que decidiu a Corte de Haia nos casos Pa-
ricana de Direitos Humanos, provocou a jurisdição consultiva da Corte niquai vs. USA (CasoÁngel Breard), Alemanha vs. USA (Caso Le Grand) e Méxi-
Interamericana de Direitos Humanos requerendo a opinião consultiva (ovs. USA (Caso Avena), nos quais a Corte analisou o caráter e os limites do
sobre a seguinte indagação: "Os princípios da igualdade e da não-discrimi disposto no art. 36,1 'b'da Convenção de Viena sobre Relações Consulares,
nação são aplicáveis aos imigrantes ilegais?". artigo este que versa sobre a notificação consular. A título de curiosidade, o
Brasil é signatário desta convenção e a mesma já foi devidamente interna-
Diante da indagação proferida requerida pelo Estado mexicano, a Corte
lizada na ordem jurídica interna através do Decreto 61.068/1997.
Interamericana de Direitos Humanos emitiu opinião consultiva no sen-
tido de que os princípios da igualdade e da não-discriminação estão in 7. Convergência entre a jurisprudência do STF e a interpretação con-
terligados e constituem elementos básicos para a proteção internacional
ferida ao t e m a da assistência consular pela Corte Internacional de
dos direitos humanos. Assim, a condição de imigrante ilegal não legitima
Justiça e pela Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
que o Estado trate quaisquer indivíduos (que, na maioria das vezes, em
se tratando de imigrantes ilegais, se encontram em situação de vulne- Ainda na linha de interpretação dos tribunais internacionais, o STF enten-
rabilidade) de maneira discriminatória. Assim, os princípios em questão dequeoartigo36,i,'b'da Convençãode Viena sobre Relações Consulares,
também são aplicáveis aos imigrantes ilegais. possui natureza cogente, o que impõe um verdadeiro dever do Estado em
notificar o consulado. Vejamos o entendimento do Min. Celso de Mello na
É importante ressaltar que o entendimento emitido pela Corte Interame-
I xtradíção 1.126:
ricana de Direitos Humanos em sede de jurisdição consultiva também já
apareceu em precedentes julgados pela Corte de San José, como no Caso "Vê-se, portanto, que, no plano das relações consulares existentes
As meninas Yean e Bosico vs. República Dominicana, no qual a Corte Intera- entre o "État d'envoi" (Estado que envia) e o "État d'accueil" (Estado
mericana de Direitos Humanos reafirmou que a não discriminação é um de acolhimento ou receptor), instauram-se vínculos jurídicos, fun-
direito que independe de qualquer status migratório. dados, em base convencional, que impõe recíprocas prerrogativas e
obrigações, como a que ora se cuida.
A notificação consular em questão tal como delineada no artigo 36
da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, revela-se bifron-
155 C I A C O M O L L I , Nereu José. O devido processo penal. Abordagem Conforme a Consti- te, pois se mostra impregnado, quanto aos seus destinatários, de
tuição Federal e o Pacto San José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. p.139 dupla subjetividade, eis que dirigido ao agente consular (que tem a
138| J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
38 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
linha, a Corte IDH ressaltou que não possui competência para analist] v\ Venezuela era inexequível. Segundo o governo venezuelano, o tema
eventual responsabilidade do Sr. Lopez Mendoza, mas apenas para aferi] nivi ilvei ia uma margem de apreciação exclusiva do Estado Venezuela-
se houve alguma violação à Convenção Americana de Direitos Humano*., 111 1 N E 1 jurisdição internacional n a o s e r i a dotada de competência
Nesse sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu que M r B analisar a matéria ou para se imiscuir nos assuntos internos do Es-
|, ;:
a Venezuela não partiu do pressuposto de que o acusado era culpado, t? 1 „ 1 . . V / e i i e , M i e l . m o ' . Sobre a equivocada postura do Estado Venezuela-
sim do estado de inocência. a lição de Luiz G u i l h e r m e Marinoni: "O descumprimento de decisão
dit ( orle Interamericana gera ao Estado responsabilidade internacional.
Também não prosperaram as alegações de que o direito ao duplo grau de Ni)n 1 <lijante, alguns Estados não se constrangem em descumprír as de-
jurisdição do Sr. Lopez Mendoza haveria sido violado. A Corte Interamericana 1 / Mies da Corte, como exemplifica recente decisão do Tribunal Supremo de
de Direitos Humanos entendeu que o acusado recorreu das decisões tanto lustiça da Venezuela, que simplesmente declarou ser inexecutãvel a sen-
em sede administrativa quanto em sede judicial, e que, em ambos os casos, (rntií proferida no caso López Mendoza vs. Venezuela. Neste caso, a Corte
os recursos foram devidamente analisados pelo Estado da Venezuela. determinou a anulação das resoluções que cassaram os direitos políticos
Entretanto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Es- de I opez Mendoza, opositor de Hugo Chavez nas eleições presidenciais de
tado da Venezuela por violar o artigo 8.2 da CADH c/c artigo 1.1 da mesma •ia:, considerando o Estado venezuelano responsável por violação dos
Convenção, tendo em vista que o Estado Venezuelano apenas declarou a flreitos à fundamentação e à defesa nos procedimentos administrativos
que acarretaram a imposição das sanções de inabilitação, bem como res-
inabilitação do Sr. Lopez Mendoza, sem que fossem expostos os motivos
ponsável por violação dos direitos à tutela judicial e de ser eleito, todos
de tal condenação. Caracterizou-se, portanto, uma violação do dever de
Qiirantidos na Convenção"'™.
motivar as decisões por parte da Venezuela, bem como um cerceamento
ao direito de defesa do Sr. Leopoldo Lopez Mendoza. Nessa linha, a Cor- 1 >ev,e modo, seja na fase de admissibilidade da demanda, seja na fase de
te Interamericana de Direitos Humanos reconheceu a violação do artigo execução, o Estado venezuelano insistiu que a matéria versada no caso
22.3 da Convenção Americana de Direitos Humanos, eis que, segundo a topez Mendoza vs. Venezuela era privativamente de competência das cor-
Corte IDH, a restrição de direitos políticos deveria ter advindo de um pro- les venezuelanas, incorrendo em verdadeira alegação da teoria da mar-
cesso criminal, processado e julgado diante de todas as garantias, o que pem de apreciação.
não haveria ocorrido. Dessa maneira, a Corte determinou a anulação das
2 . 0 que é a teoria d a m a r g e m de apreciação?
medidas emitidas pela Controladoria-Geral da República que decretaram
a inabilitação do acusado para o exercício da função pública. A teoria da margem de apreciação, alegada pela Venezuela tanto no
momento em que o caso foi submetido à Corte Interamericana de Direi-
Por fim, além de determinar a publicação do resumo oficial da sentença no
iir, Humanos quanto no momento de implementar as determinações
Diário Oficial e em jornal de grande circulação, a Corte IDH determinou que
da Corte IDH no caso López Mendoza, consiste em uma tese oriunda do
o Estado venezuelano, através de seus órgãos sobre a matéria, em especial o 60
Sistema Europeu de Direitos Humanos' , baseada na subsidiariedade
Conselho Nacional Eleitoral (CNE), não levassem em consideração as penas
impostas ao acusado e que se procedesse ao registro da sua candidatura.
157 C o n f o r m e j á a f i r m a d o anteriormente, a V e n e z u e l a d e n u n c i o u a C o n v e n ç ã o A m e -
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O ricana de Direitos H u m a n o s no a n o de 2012.
158 L E G G , Andrew. The Margin ofAppreciation in International Human Rights Law: De-
ference and Proportíonality. United K i n g d o m : O x f o r d , 2012, p. 133
1. A Venezuela entendeu de maneira equivocada que a sentença proferi-
159 M A R I N O N I , Luiz G u i l h e r m e . Controle de Convencionalidade (Na perspectiva do di-
da pela Corte Interamericana de Direitos Humanos era inexequível
reito brasileiro). Disponível e m : <http://www.marinoni.adv.br/baixar.phpParqui-
O Estado venezuelano, com a postura que lhe foi peculiar durante o pe- vo=files_/C%2oCONV..docx>.
ríodo em que figurou como parte da Convenção Americana de Direitos 160 Ateoria da margem de apreciação é adotada pela Corte Europeia de Direitos Humanos.
ção, determinadas questões polêmicas e controversas advindas em de- • l i que a Corte Interamericana de Direitos Humanos não é multo simpá-
terminado Estado só poderiam ser discutidas, processadas e dirimidas tica à teoria, Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Porém,
por juízes da comunidade nacional; não caberia ao juiz internacional I- 11.1 ,e. minorias vulneráveis, o universalismo será mais u m a palavra ao
apreciá-las, em razão de se tratar de questões especificas a certo Estado, VBnto caso não seja possível o acesso às instâncias internacionais, para
com as quais os juízes internacionais não possuiriam a familiaridade iu< p u v . a m inclusive questionar as interpretações nacionais majorilá-
necessária para julgar e proferir decisões. Sobre a teoria da margem de u r i h is 11 ibunais domésticos que tenham violado direitos humanos. Por
apreciação, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Essa tese é baseada Iv.o, a Corte Interamericana de Direitos Humanos não aceita a teoria da
na subsidiariedade da jurisdição internacional e prega que determinadas p e m de apreciação"*'-.
questões polêmicas relacionadas com as restrições estatais a direitos pro-
tegidos devem ser discutidas e dirimidas pelas comunidades nacionais; I. Reconhecimento da extensão da presunção de inocência a proces-
não podendo o juiz internacional apreciá-las. Assim, caberia, a princípio, s o s administrativos
ao próprio Estado estabelecer os limites e as restrições ao gozo de direitos I mbora concebido originariamente para os processos criminais, o princí-
6
em face do interesse público"' '. pio da presunção de inocência também deve ser aplicado aos processos
administrativos. Ainda que no caso Lopez Mendoza vs. Venezuela, o acu-
Em virtude do seu conteúdo, muitas críticas são proferidas à teoria da
n l e i lenha sido tratado como se inocente fosse, a Corte Interamericana
margem de apreciação. Isso porque, com a aceitação da margem de apre-
rje Direitos Humanos ressaltou a aplicação do princípio da presunção de
ciação, muitas violações de direitos humanos ocorridas em âmbito inter-
Inocência nos processos administrativos. Nesse sentido, a lição de Nereu
no podem restar à míngua de uma efetiva proteção imparcial, eis que os
losé Giacomolli: "Entretanto, as sanções administrativas são expressões
órgãos do Estado violador podem alegar "margem de apreciação"quando
(¡0 poder punitivo do Estado, as quais possuem, em diversas situações, na-
lhes convier. Nesse sentido, é a observação de André de Carvalho Ramos:
tureza similar às penais. Também destacou entender que todos os órgãos
"Para vários críticos, entretanto, a aceitação da justificativa da 'margem
que exerçam atividade materialmente jurisdicional, mesmo que não penal,
de apreciação'pode resvalar na perigosa tendência para o relativismo dos
possuem o dever de proferir decisões justas, baseadas no respeito pleno às
direitos humanos, aceitando que uma maioria momentânea das comuni- o
qurantias do devido processo, estabelecidas no art. 8 da CADH. Nesses ter-
dades nacionais possa adotar postura violatória de direitos protegidos ou
mos, fica confirmada a necessidade de respeitar a presunção de inocência
que práticas históricas ou religiosas sejam usadas como justificativas para
62
também nos processos administrativos sancionadores. Ao examinar o caso
impedir mudanças sociais, em especial na esfera da moralidade pública"' .
concreto, entendeu que essa garantia específica não foi violada. Os repre-
Embora seja bastante aplicada no Sistema Europeu de Direitos Humanos, sentantes da suposta vítima alegavam que a presunção de inocência en-
a teoria da margem de apreciação não se desenvolveu da mesma ma- qioba o direito do acusado de ser condenado somente se provada a sua cul-
pabilidade peia parte adversa. Ocorre que as sanções impostas a Leopoldo
neira no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Muitos Estados
teriam sido fundadas em responsabilidade do tipo objetiva, que dispensa
tentam, para fugir da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Hu-
a demonstração de dolo ou culpa, bastando a comprovação do fato viola-
manos, aiegar "margem de apreciação", o que não é aceito pela Corte de
16 dor do ordenamento jurídico. A Corte entendeu que o acusado foi tratado
San José . Assim, o ideal é entender pela inadmissibilidade da teoria da
161 RAMOS, André de Cava lho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacio- sores dessa teoria no S i s t e m a Interamericano foi a O p i n i ã o C o n s u l t i v a n ° 4/84,
nal. 4.ed. S ã o Paulo: Saraiva, 2014. p. 115. na qual se discutiram m u d a n ç a s constitucionais no processo de naturalização de
162 l d . , p. 119-120. estrangeiros na C o s t a Rica.
163 Foram r a r í s s i m a s as vezes q u e a Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s a c e i - 164 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
tou u m a " m a r g e m de a p r e c i a ç ã o " do Estado. O caso m a i s c o m u m para os d e f e n - Paulo: Saraiva, 2013, p. 178.
165 G I A C O M O L L I , Nereu José. O devido processo penal: Abordagem Conforme a Consti- i h / TRE-SP decide que Lei da Ficha Limpa não viola a C o n v e n ç ã o A m e r i c a n a de Direitos
tuição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014, p. 104-105. H u m a n o s . Disponível e m : <www, presp. mpf.mp.br/índex.php?option=com_con-
166 G I A C O M O L L I , Nereu José. O devido processo penai: Abordagem Conforme a Consti- tent&view=article&id=692:i5o820i2-tre-sp-decide-que-lei-da-fícha-limpanao-
tuição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014, p. 104. violaa-convencao-americana-de-direitos-humanos-&ícatid=i:notas&<ltemid=284>.
168 "Os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas « A leoría da margem da apreciação é baseada na subsidiariedade d a j u -
rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade 11..lição internacional e ponderada pelo princípio da proporcionalida-
administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver de, sendo esse instrumento de interpretação adotado frequentemente
sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem
P É L A Corte Interamericana de Direitos Humanos.
nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o
disposto no inciso II do art. yi da Constituição Federal, a todos os ordenadores de GABARITO: A assertiva " E " e s t á incorreta. É, portanto, o gabarito da ques-
despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição".
tão. Embora o conceito sobre a teoria da margem de apreciação esteja
169 "ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL N O RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CAN-
(orreto.a mesma não é aplicada frequentemente pela Corte Interame-
DIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. ART. 1 , I, G, DA LC n ° 64/1990
(REDAÇÃO DADA PELA LC N° 135/2010). PRELIMINAR DE OFENSA AO ART. 23 DA CON- iK ,ina de Direitos Humanos. Embora a tenha aplicado algumas vezes
VENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ULTRAJE AOS no passado, a Corte de San José refuta a teoria da margem de aprecia-
PRINCÍPIOS D O JUIZ NATURAL E DA NÃO CULPABILIDADE. QUESTÃO DECIDIDA PELO ção, conforme visto anteriormente. A teoria da margem de apreciação
a
STF NOS AUTOS DAS A D C s N 29 E N° 30. REJEIÇÃO DE CONTAS DE GESTÃO. PREFEITO.
e aplicada frequentemente na Corte Europeia de Direitos Humanos.
COMPETÊNCIA DA CORTE DE CONTAS. CONFIGURAÇÃO DE ATO DOLOSO DE IMPROBI-
DADE ADMINISTRATIVA. MAIOR EFICIÊNCIA NA REALIZAÇÃO D O S CASTOS PÚBLICOS.
ADEQUAÇÃO DAS CONDUTAS ÀS DIRETRIZES NORMATIVAS BALIZADOR AS DA ATUA- ( D P E / M A — DEFENSOR PÚBLICO, 2011 — ADAPTADA) Considerando a teo-
Ç Ã O DOS RESPONSÁVEIS PELAGESTÃO DAS DESPESAS PÚBLICAS. INTERPRETAÇÃO INE- ila geral dos direitos humanos, assinale a opção correta.
QUÍVOCA DA CLÁUSULA FINAL DA ALÍNEA G. DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDA-
• Consoante a teoria da margem de apreciação, nenhuma norma de direitos
DE D O REFERIDO PRECEITO NAS ADCs N ° 29 E N° 30. DECISÕES DOTADAS DE EFICÁCIA
ERGA O M N E S E EFEITO VINCULANTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO, i. A causa humanos pode ser invocada para limitar o exercício de qualquer direito.
de inelegibilidade veiculada na alínea g do inciso I do art. i ° da LC n° 64/90, na novel
GABARITO: Errado. A teoria da margem de apreciação é invocada para a
redação dada pela LC n° 135/2010, recebeu a chancela de sua constitucionalidade no
julgamento das A D C s n ° 29 e n° 30, ambas de minha relatoria. 2. O pronunciamen- não-apreciação de determinados assuntos (e em ultima ratio, direitos)
to da Suprema Corte, nas A D C s n° 29 e n° 30, deve ser compulsoriamente observado perante as instâncias internacionais. Contudo, isso não implica a im-
por juízes eTribunais, posto ser revestido de eficácia erga omnes e efeitos vinculantes, possibilidade de invocar normas de direitos humanos. Estas sempre
não se revelando possível proceder-se a reduções teleológicas no âmbito de incidência
podem ser invocadas contra a restrição arbitrária de qualquer direito.
das disposições declaradas constitucionais. 3. As hipóteses de inelegibilidade no orde-
namento jurídico pátrio são fixadas de acordo com os parâmetros constitucionais de Por fim, ressalta-se que, na própria aplicação da teoria da margem de
probidade, moralidade e de ética, e veiculadas por meio de reserva de lei formal (lei apreciação, a Corte Europeia de Direitos Humanos utiliza o princípio da
complementar), nos termos do a r t 14,5 9 °,da Constituição da República, razão porque, proporcionalidade, pois até mesmo os direitos humanos estão sujeitos
a prevalecer a tese segundo a qual a restrição ao direito de ser votado se submete às
a técnica da ponderação de interesses.
normas convencionais, haveria a subversão da hierarquia das fontes, de maneira a ou-
torgar o status supraconstitucional à Convenção Americana, o que, como se sabe, não
encontra esteio na jurisprudência remansosa do SupremoTribunal Federal que atribui
o caráter supralegal a tratados internacionais que versem direitos humanos (ver por
todos RE n° 466.343, Rei. Min. Cezar Peluso). 4. Além disso, e sob um enfoque de mode- nal.e não pode ser admitida. (...) 6. A incidência da hipótese de inelegibilidade prevista
lagem interinstitucional, ao encampar a referida tese estar-se-ia tolhendo, pela via da na alínea g do inciso I do art. 1° da LC n° 64/90 pressupõe: (í) o exercício de cargos ou
hermenêutica, a atuação confiada pelo constituinte ao legislador infraconstitucional funções públicas; (ü) contas rejeitadas; (iii) irregularidade insanável que configura ato
de estabelecer qualquer causa restritiva ao ius honorum. Vale dizer: toda e qualquer doloso de improbidade administrativa; (iv) decisão irrecorrível do órgão competente;
hipótese de inelegibilidade veiculada por norma infraconstitucional (no caso, através c» (v) inexistência de decisão judicial que suspenda ou anule a decisão que rejeitou as
de lei complementar) seria atentatória ao art. 23 da Convenção Americana de Direitos contas. (...) Tribunal Superior Eleitoral, Agravo Regimental em Recurso Ordinário n °
Humanos, a despeito de a Constituição facultar tal prerrogativa ao legislador ordiná- 47153, Acórdão de 02/12/2014, Relator(a) Min. LUIZ FUX, Publicação: PSESS - Publicado
rio. Ora, chancelar essa consequência, concessa vénia, não encontra lastro constitucio- em Sessão, Data 02/12/2014)" (grifo nosso).
Com isso, a Corte, que não adentrou no mérito sobre com quem deveria 1'nvavel verificar, ainda, no Coso Átala Riffo, o que a doutrina chama de
ficar a guarda das filhas, mas somente considerou incompatível com a ,i .10 projeto de vida", que seria "justamente a liberdade de agir da
Convenção a motivação discriminatória sexual ou de gênero encampa 01 oa que é tolhida peio agente que termina por impedir o desenvolvi-
da pelo Poder Judiciário chileno para atribuir aquela ao pai {senhor Ló- mento da personalidade da vítima de acordo com a vontade desta. Projeto
pez), ressaltando, assim, não ser uma "quarta instância", estabeleceu as I vida é o rumo ou destino que a pessoa outorga à sua vida, aquilo que
seguintes medidas de reparação: i) prestar assistência médica e acesso ii pessoa decide — e pode —fazer da sua vida. O dano ao projeto de vida
psicológico ou psiquiátrico e imediata, adequada e eficaz, através de suas • 1 e ijuando se interfere no destino da pessoa, frustrando, aviltando ou
instituições especializadas públicas de saúde às vítimas que o solicitem; b| 1 sleiqando a sua realização pessoal". E prosseguem os autores Schafer e
ií) publicar o resumo do julgamento, por uma vez, no Diário Oficial e em Mai liado, depois, afirmando que "a reparação do dano ao projeto de vida
jornal de circulação nacional, divulgando o inteiro teor no site oficial; iii) e resume à indenização, podendo trazer outras prestações que apro-
realizar ato público de reconhecimento de responsabilidade internado \\mem a reparação do ideal restitutio in integrum. Neste sentido podem
nal para os fatos do presente caso; iv) continuar a implementar, dentro til prestações de natureza acadêmica, laboral, e outras a fim de resta-
de um prazo razoável, programas permanentes e cursos de educação e belecer, na medida do possível, o projeto de vida arruinado. Exemplo disso é
17
formação para os funcionários públicos regionais e nacional e, particular- & condenação estabelecida no caso Átala Riffoy Ninas vs. Chile" *.
mente, para servidores de todas as áreas e escalões do Judiciário; v) pagar
determinadas quantias a titulo de compensação por danos materiais e INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
morais e reembolso de custos e despesas, conforme o caso.
(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — FCC, ADAPTADA) Em relação à
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O t orte Interamericana de Direitos Humanos e sua jurisprudência, é cor-
i r t o afirmar:
i. Primeira decisão da Corte Interamericana sobre a proteção do direi-
• No caso Átala Riffo y ninas, a Corte Interamericana de Direitos Huma-
t o à diversidade sexual
nos decidiu pela responsabilidade do Estado violador em face do trata-
Este foi o primeiro caso, conforme registra Mazzuoli, "julgado pela Corte mento discriminatório e da interferência indevida na vida privada da
72
Interamericana relativo à proteção do direito à diversidade sexual"' , No vítima em razão de sua orientação sexual.
mesmo sentido, Flávia Piovesan: "Inéditamente, em 24 de fevereiro de 20x2,
GABARITO: Conforme vimos acima, o enunciado está correto e deveria,
a Corte Interamericana reconheceu a responsabilidade internacional do Es-
portanto, ter sido assinalado.
tado do Chile em face do tratamento discriminatório e interferência na vida
privada e familiar da vítima Karen Átala devido à sua orientação sexual".
Piovesan ainda atribui ao Caso Átala Riffo o referencial de se tratar de oca-
1 /1 P I O V E S A N , Flávia. D i á l o g o no sistema interamericano de direitos h u m a n o s . Revis-
ta Campo Jurídico, n. 01, mar. 2013, p. 172-175.
1/4 S C H À F F E R , Gilberto; M A C H A D O , Carlos Eduardo Martins. A reparação do d a n o a o
172 M A Z Z U O L I , Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Forense, projeto de vida na Corte Interamericana. Revista de Direitos Fundamentais e Demo-
2014, p.259. cracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 189-194.
Diante dos fatos ocorridos, a Corte de San José estipulou uma indeniza-
RESUMO DO CASO
çâo de um milhão e trezentos mil dólares em favor da comunidade indí-
No dia 26 de julho de 1996, a Companhia Estatal de Petróleo do Equador I'.i'iia Sarayaku. O tribunal interamericano também ordenou a remoção
(PETROEOUADOR) firmou um contrato com a Companhia Geral de Com- dos explosivos implantados na área, bem como o respeito ao direito de
bustíveis (CGC), empresa argentina, para a exploração de petróleo em 1 onsulta às comunidades indígenas.
uma área popularmente conhecida na região como "Bloco 23". Essa re-
gião tem uma extensão de aproximadamente 20.000 hectares, 65% dos P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
quais foram reivindicados pela comunidade indígena Sarayaku.
!. Utilização da C o n v e n ç ã o 169 da OIT c o m o vetor h e r m e n ê u t i c o
Dois anos após a celebração do contrato, o Estado equatoriano ratificou a para que se interpretem as d e m a i s o b r i g a ç õ e s de direitos h u m a n o s ,
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), diploma m e s m o e m casos e m q u e o Estado n ã o ratificou o referido d i p l o m a
que prevê o direito de consulta às populações indígenas em caso de em-
Internacional
preendimentos ou intervenções que possam afetar suas terras e o modo
em que desempenham sua cultura. Também no ano de 1998, o Equador A Convenção 169 da OIT é o mais importante tratado internacional de
promulgou uma nova Constituição, na qual também há a previsão do di- direitos humanos sobre direitos dos Povos Indígenas eTribais. Ela propor-
reito de consulta às comunidades indígenas. cionou uma mudança de paradigma no tratamento da matéria: introdu-
ziu o paradigma do multiculturalísmo para as comunidades tradicionais
No ano de 2002, a Companhia Geral de Combustíveis (CGC) começou a e rompeu com o antigo paradigma do integracionismo, segundo o qual a
realizar suas atividades na área. Foram destruídas várias cavernas, ca- finalidade era, em última instância, introduzir os membros destas comu-
choeiras e rios subterrâneos que eram utilizados como fonte de água po- nidades na sociedade envolvente, dando-lhes uma destinação social' . 75
da sua aplicação, a Convenção 169 da OIT também é utilizada como trata- n o artigo 6 da Convenção 169 da OIT, convenção internacional já incor-
do internacional de auxílio na interpretação da Convenção Americana de pi n a d a no ordenamento jurídico interno através do Decreto 5.051/2004
Direitos Humanos,dimensionando as obrigações de determinado Estado, I que possuí status de norma supralegal, devendo, portanto, também ser
80
independentemente de ratificação. Isso porque a Corte Interamericana Obedecida na ordem interna' . É oportuno ressaltar, no entanto, que o
de Direitos Humanos pode se valer de qualquer tratado internacional Suprema Tribunal Federal, ao julgar os embargos declaratórios no caso
aplicado no continente americano para buscar melhor concretização dos 1,1 posa Serra do Sol, entendeu que: "o direito de prévia consulta às comu-
direitos humanos consagrados no Pacto de San José da Costa Rica. Logo, nidades deve ceder diante de questões estratégicas, como a defesa nacio-
não há qualquer problema em se interpretar a Convenção Americana de nal, wberania ou a proteção ambiental, que podem prescindir de prévia
Direitos Humanos à luz da Convenção 169 da OIT, mesmo em casos que 1 otaunicação a quem quer que seja, incluídas as comunidades indígenas"
envolvam aqueles Estados que ainda não ratificaram o tratado interna- (Peí {388 ED, Rei. Min. Roberto Barroso,Tribunal Pleno,j. 23/10/2013). Logo,
cional em questão. Foi o que decidiu a Corte Interamericana de Direitos 0 STF simplesmente ignorou a jurisprudência já consolidada pela Corte
Humanos no caso Sarayaku vs. Equador. Nesse sentido, também é a lição Inlerarnericana de Direitos de Direitos Humanos.ao entender não servin-
de André de Carvalho Ramos: "Interessante que já há precedente sobre sua 1 ulante e obrigatório o direito de consulta prévia às comunidades indíge-
aplicabilidade como guia hermenêutico para que se interprete as demais 11 is, posição com a qual não concordamos, por estar em dissonância com
8
obrigações de direitos humanos. Em caso contra o Equador, que não havia 11 atual estágio da proteção internacional dos direitos humanos' '.
ratificado a Convenção n. i6g, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
J, Indagação didática: o dever de consulta às comunidades indígenas
entendeu que a Convenção n. 169 serve como baliza interpretativa para
possui o m e s m o significado que o dever de obter consentimento des-
dimensionar as obrigações do Estado perante a Convenção Americana de
76 t.is comunidades?
Direitos Humanos (Caso Sarayaku vs. Equador)"' .
A resposta é negativa. Desde o caso Povo Saramaka vs. Suriname, a Corte
2. Dever de consulta prévia e de boa-fé para com as comunidades indíge- lnleramericana de Direitos Humanos estabeleceu uma distinção entre
nas e divergência com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal C o n s u l t a e consentimento. O dever de obter o consentimento das comu-
nidades indígenas é exigido nas hipóteses de grandes empreendimentos
Neste precedente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos seguiu
77 78 que possam vir a provocara perda do território indígena ou comprometer
a sua jurisprudência' acerca da obrigatoriedade' de consultar os po-
significativamente a relação da comunidade indígena com a sua terra, o
vos indígenas com a finalidade de obter acordo ou consentimento antes
que, neste caso, inclui o acesso aos recursos fundamentais que fomen-
de tomar qualquer decisão ou praticar ato estatal que possa causar um
tam a existência do grupo e de suas tradições culturais. Nesse sentido, a
gravame ou influenciar a vida cultural e social desses povos, de acordo
( onvenção 169 da OIT prevê em seu artigo 16 a necessidade de obtenção
com seus valores, usos, costumes e formas de organização. Este também
79 do consentimento em casos de reassentamentoi82 das comunidades in-
é o entendimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos' .
dígenas.Já o deverde consulta prévia, informada e de boa fé, é necessário
ÒKGÃO JULGADOR:
INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
(DPE/PA — DEFENSOR PÚBLICO, 2015 — FMP, ADAPTADA) Sobre a jurispru-
dência da Corte Interamericana de Direitos Humanos no que se refere ao SIÍNTENÇA:
reconhecimento de direito aos povos indígenas, é CORRETO afirmar que: u de agosto de 2012
• Consoante o julgamento do caso Sarayaku versus Equador, os Estados
devem consultar os povos indígenas com a finalidade de obter acordo
ou consentimento antes de tomar qualquer decisão ou praticar qual-
quer ato estatal sobre assuntos que influenciam ou podem influenciar
a vida cultural e social desses povos, de acordo com seus valores, usos, RHSUMO D O C A S O
costumes e suas formas de organização.
11.. .lia 2i de dezembro de 1988, Sebastian Furlan, criança de apenas 14
GABARITO: Correto. Foi o entendimento da Corte IDH no caso Sarayaku vs.
[fios de idade, adentrou um prédio próximo a sua residência com o fa-
Equador.
bulo de se divertir. Ocorre que o prédio era na verdade um circuito de
o
liiin.irnento militar abandonado, de propriedade do Exército argentino.
(PGR — 2 8 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAPTADA)
Nao havia qualquer tipo de proteção, cerca ou obstáculo que impedisse o
Assinale a alternativa incorreta:
Ingresso das crianças no local, que era considerado o ponto de encontro
• Conforme o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Hu-
dl is jovens para a prática de esportes e brincadeiras.
manos, o uso da Convenção n. 169 da Organização Internacional do
Trabalho como auxílio de interpretação para dimensionar as obriga- niquele dia, o jovem Sebastian se pendurou em uma viga pertencente
ções de Estado perante a Convenção Americana de Direitos Humanos i instalações militares do Exército argentino e a peça, de cerca de çokg,
independe da ratificação da Convenção n. 169 pelo Estado em questão. . ,1111 sobre sua cabeça, deixando-o inconsciente. Após diversas interven-
H i i " . cirúrgicas e longo tempo de internação,o menino Sebastian saiu do
GABARITO: Correto. Foi o entendimento da Corte Interamericana no Caso
Kospitãl com dificuldades na fala e para exercer o movimento dos mem-
Sarayaku vs. Equador.
l.ii.s superiores e inferiores. O adolescente teve que interromper todas
as práticas esportivas que praticava e passou a ter sérios problemas na
íscola. Junto com as sequelas físicas causadas pelo acidente, Sebastian
I urlán desenvolveu transtornos irreversíveis na área cognitiva. Em agosto
|e 1989, acometido por uma depressão profunda, tentou pela segunda
• > suicídio ao se atirar do segundo andar de um prédio.
156 J JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S 1157
uma culpa concorrente entre as partes, na qual 70% da culpa foi atribuldl Htlma e US$ 15.000,00 (quinze mil dólares) em favor de cada um dos dois
ao Estado argentino, pela negligência de abandonar o local sem tomar Hfmnos da vítima e; 6.Tomar as medidas necessárias para garantir que, no
qualquer precaução para que pessoas não ingressassem nele, e 30% fui m e n t o em que um indivíduo for diagnosticado com sequelas graves,
atribuída à própria vítima, que, por sua própria vontade, assumiu os riscou M'|a dada aos familiares uma carta de direito que resuma deforma sinté-
ao brincar com uma viga de sokg. As partes apelaram e a sentença de a" i . m essivel os benefícios que contemplam o individuo diagnosticado.
grau manteve o entendimento do órgão o quo. O processo durou cerca de
doze anos, se contadas as fases de conhecimento e de execução, » Primeiro caso envolvendo a atuação da Defensoria Pública Intera-
84
nirricana'
No ano de 2001, o pai de Sebastian denunciou o caso à Comissão Intera
I 0 caso Sebastian Furlan efamiliares vs. Argentina foi o primeiro caso com
mericana de Direitos Humanos. Dez anos depois, no dia 26 de julho de
a o. 1 1 . 1 0 da Defensoria Pública Interamericana. Para este caso, foram desig-
2011, o caso chegou até a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em
nados os defensores públicos interamerícanos Maria Fernanda Lopez Puleio,
razão de o Estado argentino não ter dado uma resposta efetiva e célere ao
1 lia Argentina, e Andrés Marino, do Uruguai, tendo em vista que, desde o iní-
caso, o que causou um enorme prejuízo para a família Furlan, que depen
1 In do feito na Corte IDH, era o pai do menino Sebastian, o Sr. Danilo Furlan,
dia da indenização postulada em juízo para arcar com o custo de parte do
Ijlie impulsionava o andamento do processo. Foi o primeiro caso a chegar à
tratamento do menino Sebastian.
n i e Interamericana de Direitos Humanos sem assistência técnica, o que
185
Em 31 de agosto de 2012, a Corte Interamericana de Direitos Humanos pro vrlo a motivar a designação do Defensor Público Interamericano . É impor-
feriu sentença na qual condenou o Estado da Argentina pelos seguintes tante ressaltar que a atuação da Defensoria Pública Interamericana tam-
motivos: a) a violação do direito do menino Sebastian e sua família ao jul bém pode ocorrer perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
gamento do processo em prazo razoável (artigos 8.1 c/c 19 e 1.1 da CADH)
86
ante a compreensão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de que, I , Fixação do " d a n o ao projeto de v i d a ' " como forma de reparação
diante do estado de vulnerabilidade em que se encontrava a vítima, esta A lixação como reparação ao menino Sebastian do "dano ao projeto de vida"
necessitava que o processo fosse julgado com a maior celeridade possível; h muito além de indenizar e de compensar os danos sofridos e os lucros
b) a violação do direito à proteção judicial e ao direito de propriedade priva- 1 < .'.antes. O dano ao projeto de vida vai na verdade tentar resgatar aquilo
da (artigos 25.1 c/c 25.2 e 21 da CADH); c) a inefetividadedo Estado argentino que a pessoa seria se não houvesse ocorrido a violação de direitos humanos.
em garantir o acesso à justiça e o direito à integridade pessoal de Sebastian Ainda sobre o dano ao projeto de vida, vejamos a lição de André de Carvalho
e de seus familiares (artigos 5.1,8.1,21,25.1 e 25.2 da CADH). 1 11 n os: "Já o projeto de vida refere-se a toda realização de um indivíduo consi-
1 lenindo, além dos futuros ingressos econômicos, todas as variáveis subjetivas,
Desse modo, o Estado da Argentina foi ordenado a: 1. Publicar, no prazo de
tomo vocação, aptidão, potencialidades e aspirações diversas, que permitem
6 meses a partir da data de notificação, a sentença exarada pela Corte In-
m/oavelmente determinaras expectativas de alcançar o projeto em si. Assim,
teramericana de Direitos Humanos no caso Sebastian Furlan e familiares
vs. Argentina em jornal de grande circulação nacional e no diário oficial
do Estado argentino; 2. Conceder atenção médica e psicológica de forma
I
gratuita e imediata para o menino Sebastian e seus familiares, através 184 A possibilidade de n o m e a ç ã o do Defensor Público Interamericano está prevista
no artigo 37 d o R e g u l a m e n t o da Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s . Essa
de instituição pública de saúde; 3. Formar uma equipe interdisciplinar
n o m e a ç ã o pode ocorrer ex ofício pela Corte I D H e t e m c o m o objetivo prestar as-
que determinasse as medidas de proteção e assistência mais apropriadas sistência j u r í d i c a às v í t i m a s s e m representação legal.
para a inclusão social, educacional e profissional da vítima; 4. Indenizar 185 Há apenas quatro casos e f e t i v a m e n t e j á j u l g a d o s na Corte Interamericana de D i -
Sebastian Claus Furlan por danos materiais e morais, num montante de reitos H u m a n o s e m q u e houve a a t u a ç ã o da Defensoria Pública Interamericana.
US$ 90.000,00 (noventa mil dólares); 5. Indenizar a família da vítima por A l é m do caso S e b a s t i a n Furlan e familiares v s . A r g e n t i n a , t a m b é m houve a d e -
s i g n a ç ã o do Defensor Público Interamericano no caso Família Pacheco Tineo v s .
danos materiais e morais, na quantia de US$ 84.000,00 (oitenta e quatro
Bolívia, Arguelles vs. A r g e n t i n a , a s s i m c o m o no caso M o h a m e d vs. A r g e n t i n a .
mil dólares), sendo US$ 36.000,00 (trinta e seis mil dólares) em favor do
1H6 0 dano ao projeto de vida foi aplicado pela primeira vez no caso Loayza Tamayo vs. Peru.
pai da vítima, US$ 18.000,00 (dezoito mil dólares) em favor da mãe da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Sentença proferida no dia 3 de junho de 1999.
tado (agora violador de direitos humanos), criado justamente para a busca indivíduos de exercerem seus direitos na sua plenitude ?. Logo, a Corte
do bem-comum de toda a sociedade. Por tudo isso, a Corte Interamericana de Interamericana de Direitos Humanos concluiu que os Estados (no caso,
Direitos Humanos considerou perfeitamente admissível a pretensão de uma B l '.lado argentino) devem adotar medidas para eliminar as barreiras
vítima deque seja reparada, através de todos os meios possíveis, pela perda de impostas pela sociedade majoritária, perfectibilizando o direito à acomo-
opções de vida ocorrida devido ao fato internacionalmente ilícito"* . 1
darão razoável e favorecendo uma maior inclusão das pessoas com defi-
1 lenda na sociedade.
3. Reconhecimento dos pais e irmãos de Sebastián Furlan c o m o víti-
mas diretas do caso
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S
Por fim, é importante ressaltar o fato de a Corte Interamericana de Direitos
Humanos ter reconhecido não só o menino Sebastián Claus Furlan como
(liPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2012 — FCC, ADAPTADA) Os Defensores
vítima direta do ocorrido, mas também seus familiares mais próximos.
Publicos Interamericanos:
Vejamos as palavras de Antonio José Maffezoli Leite sobre este ponto da
decisão: "Importante também consignar que a Corte também reconheceu • Atuam por designação da Corte Interamericana de Direitos Humanos
como vítimas (diretas, não indiretas) de violação aos artigos 5.7 (integridade para que assumam a representação legal de vítimas que não tenham
pessoal) e8.ie2$ (acesso à Justiça e garantias judiciais) os pais de Sebastián designado defensor próprio.
e seus dois irmãos, que também sofreram danos psicológicos e morais ao GABARITO: Correto. É o disposto no art. 3 7 do regulamento da Corte Inte-
não terem assistência para lidar com a deficiência de Sebastián e não terem lamericana de Direitos humanos.
conseguido rápida resposta judicial. Vale uma nota especial às consequências
vividas pelo genitor, Danilo, que abandonou seu emprego para cuidarãofilho ( P G R — 28 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 - ADAPTADA)
O
e tocou sozinho, por anos, a denúncia ante a Comissão Interamericana"^. Assinale a alternativa correta:
I • Os defensores públicos interamericanos são escolhidos pela Comissão
4. Utilização da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com
Interamericana de Direitos Humanos, entre os advogados habilitados
Deficiência como fundamentação no caso Sebastian Furlan e outros vs.
da própria Comissão.
Argentina para promover o direito à adaptação razoável
GABARITO: Errado.
Além dos tratados regionais americanos, a Corte Interamericana de Di-
reitos Humanos pode valer-se de outros tratados internacionais para
Mohamed. Irresignado, o Ministério Público argentino recorreu da decisão. nos que contou c o m a atuação Defensoria Pública Interamericana
No dia 22 de fevereiro de 1995, a Câmara Nacional de Apelação Criminal 11 ( aso Mohamed vs. Argentina foi o segundo caso efetivamente julgado
e Correcional (órgão de segunda instância) reformou a decisão do juízo a pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em que houve a atuação
quo e condenou o Sr. Mohamed pelo crime de homicídio culposo, estabele- da Defensoria Pública Interamericana. Para este caso, foram designados
cendo uma pena de três anos de prisão e oito anos de proibição para dirigir
qualquer veículo automotor. Insatisfeito com a decisão,o advogado do acu
sado interpôs recurso extraordinário contra o provimento jurisdicional que
mio A possibilidade de n o m e a ç ã o do Defensor Público Interamericano está prevista
havia condenado o Sr. Mohamed. A tese da defesa foi embasada em viola no artigo 37 do R e g u l a m e n t o da Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s . Essa
ções de garantias constitucionais, como o dever de motivação das decisões, n o m e a ç ã o pode ocorrer ex officio pela Corte I D H e t e m c o m o objetivo prestar a s -
irretroatividade da lei penal e cerceamento de defesa. sistência jurídica às v í t i m a s s e m representação legal.
vendo o recurso ser: (a) eficiente; (b) amplo (i.e. permitindo a revisão de fa
tos, provas e o direito aplicado à causa); (c) ordinário; e (d) simples. $, A Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s não adentrou o méri-
lo da questão, deixando de se pronunciar sobre eventual violação ao
Observa-se que o sistema processual penal argentino não conferiu ao Sr.
princípio da legalidade e da irretroatividade da lei penal
Mohamed um recurso com estas características. Nesse sentido, é a lição
1111 muito interessante a posição da Corte Interamericana de Direitos Hu-
de Antônio José Maffezoli Leite: "No julgamento do caso, a Corte reconhe-
111.mos neste caso ao entender que não deveria adentrar o mérito da ação
ceu que o direito a um duplo grau de jurisdição significa a possibilidade de
penal proposta pelo Estado argentino contra o Sr. Mohamed. Segundo a
uma pessoa ter acesso a um recurso eficiente e amplo (que permita revisar
fatos, provas e o direito aplicado), ordinário e simples, que permita que ela I I ir te de San José, as alegações do ex-motorista deveriam ser julgadas pelo
recorra a outra instância, superiora e diferente, de uma decisão condenató- pmprio Poder Judiciário argentino, através de um recurso que perfectibi-
ria proferida pela primeira vez"" .92 lize o direito ao duplo grau de jurisdição previsto na Convenção America-
na de Direitos Humanos, conforme visto em item anterior. Nesse sentido,
Ainda sobre a violação do direito ao duplo grau de jurisdição no caso r ,1 lição de Antônio José Maffezoli Leite: "Quanto à alegação de violação
Mohamed vs. Argentina, é a lição de Giacomolli: "Esse recurso deve ser dos [irincípios da legalidade e da irretroatividade, a Corte entendeu que essa
acessível, ou seja, não deve conter requisitos complexos para que seja co- malhe dizia respeito ao mérito da ação penal e deveria ser reanalisada pelo
nhecido, porque tornaria 'ilusório este direito'. Por isso, as formalidades pioprio Poder Judiciário argentino, através de um recurso adequado e sufi-
9
1 lente que permita o reexame total de qualquer decisão condenatória"' *.
GABARITO: Errado.
RESUMO DO CASO
I ntre outros aspectos, alegou-se que tal proibição constituía uma ingerên-
(la arbitrária nos direitos à vida privada e familiar e de formar uma família,
além de implicar, também, numa violação do direito à igualdade das víti-
mas, j á que o Estado as impediu de acessar o tratamento que lhes garan-
tiria superar sua situação de desvantagem a respeito da possibilidade de
lerem filhos biológicos. Finalmente, alegou-se também que este impedi-
mento havia provocado um impacto desproporcional nas mulheres.
166 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
196 Art. 14- Direitos aos benéficos da c u l t u r a . Os Estados Partes neste Protocolo reco-
art. 4 da CADH, do art. 3 da DUDH (Declaração Universal dos Direitos
n h e c e m o direito de t o d a pessoa a : b) G o z a r dos benefícios d o progresso científico Humanos),do PIDCP (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos),da
e tecnológico.
Convenção sobre os Direitos da Criança, entre outros. No entanto, confor-
197 A r t i g o XIII. T o d a pessoa t e m o direito de t o m a r parte n a vida cultural da coletivi-
me ressaltou a Corte, nenhum destes instrumentos normativos sustenta
dade, de g o z a r das artes e de desfrutar dos benefícios resultantes do progresso
Intelectual e, e s p e c i a l m e n t e , das descobertas científicas.
que o embrião possa ser considerado pessoa nem tampouco é possível
198 " T o d a pessoa t e m o direito d e q u e se respeite s u a v i d a . Esse direito deve ser pro- depreender tal conclusão a partir dos trabalhos preparatórios ou de uma
t e g i d o pela lei e, e m g e r a l , d e s d e o m o m e n t o da concepção. N i n g u é m pode ser Interpretação sistemática dos direitos consagrados na CADH ou na De-
privado da vida arbitrariamente".
i laração Americana.
168 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
CASOS I U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1169
5 . Outros precedentes sobre o t e m a / interação entre ordens jurídicas doméstica e internacional
Para reforçar o entendimento sobre a ausência de decisões internacionais 1 oiilorme indica Ana Paula Carvalhal, tem-se, aqui, "exemplo de promo-
que subsidiassem a decisão do Judiciário costarriquenho, a Corte citou al- Kode direitos fundamentais decorrente da interação entre ordens jurídi-
guns precedentes que, de alguma forma, deram outra visão sobre a prote iii: doméstica e internacional, inclusive com contraste e superação da de-
ção do direito à vida. Neste sentido, a Corte recordou do Caso Baby Boy vs.
• da Corte Suprema nacional. A afirmação da declaração de direitos no
Estados Unidos, em que a Comissão Interamericana rechaçou a pretensão
piam1 supraestatal, pelo influxo de sua corte de tutela, repercutiu na ordem
dos peticionários de considerar como vioiadora da Declaração Americana
min na da Costa Rica, determinando a conformação do direito doméstico à
uma decisão da Suprema Corte dos EUA que legalizou a prática do aborto
20
antes de verificada a viabilidade fetal. Da mesma forma, mencionou que iuri••prudência internacional" '.
o Comitê de Direitos Humanos, órgão da ONU de supervisão do PIDCP.em I , STF e Lei de Biossegurança
suas Observações Gerais n° 6 (direito à vida) e 17 (direitos da criança), não 1) 'dl firmou o entendimento, por maioria, de que as pesquisas com célu-
se pronunciou sobre o direito à vida do não nascido, mas assinalou que |,i', tronco embrionárias não violam o direito à vida,tampouco a dignida-
se viola o direito à vida da mãe quando as leis que restringem o acesso de d.i pessoa humana (ADI 3510).
ao aborto obrigam a mulher a recorrer ao aborto inseguro, expondo-se
u. Reconhecimento d a existência de u m a discriminação indireta em
a risco de morte. A Corte também destacou o Caso L.C. vs. Peru, em que o
virtude da proibição da técnica da Fecundação in Vitro pelo Estado da
Comitê da CEDAW (Comitê da Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra a Mulher — em suas siglas em inglês)
Costal Rica e a aplicação da teoria d o i m p a c t o desproporcional c o m o
critério de restauração d o princípio da igualdade pela Corte IDH
concluiu que negar o direito ao aborto terapêutico, quando há grave peri
go para a saúde física e mental da mãe, constitui discriminação de gênero n.r.icamente a Corte IDH entendeu que a norma proibitiva das técnicas de
e uma violação de seu direito à saúde. lei undação in vitro violaria a igualdade in concreto, pois ocasionaria um
Impacto desproporcional em um grupo determinado de pessoas (mulheres
6. Pioneirismo e diálogo entre as Cortes Interamericana e Europeia de I F F L idade fértil para ser mãe, casais sem dinheiro para realizar a fecundação
Direitos Humanos: Ressalta Flávia Piovesan que "no caso Artavia Mu- In vitro nos exterior e etc). A Corte também reconheceu uma discriminação
rilo e outros contra a Costa Rica, a Corte Interamericana enfrentou, de indireta em razão do gênero e da capacidade econômica. Para um maior
forma inédita, a temática da fecundação in vitro sob a ótica dos direi- aprofundamento sobre a teoria do impacto desproporcional, remetemos o
39
tos humanos"" e conclui, depois, a destacada jurista que "no marco da leitor para os comentários acerca do Caso Yatama vs, Nicarágua.
interpretação sistemática centrada no Direito Internacional dos Direitos
Humanos holisticamente compreendido, o diálogo entre as Cortes Euro-
peia e Interamericana tem fomentado a transformação mútua dos siste-
mas regionais, mediante a 'interamericanização'do sistema europeu e a
200
'europeicização' do sistema interamerícano" .
199 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e justiça Internacional. 5. ed. São Paulo: Sarai-
va, 2014, p. 215-216.
200 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional, p. 221. Ótimas expressões
para serem cobradas e m provas.- "Interamericanização" do sistema europeu e " e u -
ropeicização" do sistema interamerícano, que nada mais indicam do que o diálogo « 1 CARVALHAL A n a Paula. Fertilização in vitro expõe conflito entre cortes Disponível
jurisprudencial entre as duas Cortes, com empréstimos, influências, interações e i m - ^ ^ ^ . c o n ^ x o r n . ^ - ^ / observatorio-constituconal-fertili-
pactos recíprocos. Piovesan dá outros exemplos dessa interação na obra citada. zacao-in-vítro-evidencia-conflito-cortes>.
A Corte inicia observando que as controvérsias deste caso não estão rela-
cionadas à apuração da responsabilidade penal das vitimas pelos crimes .'02 E s t a m o s u s a n d o a e x p r e s s ã o "jovens", a q u i , para d e s i g n a r crianças e adolescentes.
RESUMO DO CASO I lesse modo, o Estado colombiano restou obrigado a prestar assistência hu-
manitária e a garantir o regresso das comunidades afrodescendentes deslo
O Caso das Comunidades Afrodescendentes Deslocadas da Bacia do Rio I 11 las, em segurança, para suas povoações de origem (artigos 22 e 5 da CADH),
Cacarica, popularmente conhecido como "caso da Operação Gênesis", b e r í i como a pagar indenizações pelo uso efetivo da propriedade afrodescen-
se refere às graves violações de direitos humanos ocorridas no período
dente.
entre 24 e 27 de fevereiro de 1997, que resultaram na morte de Marino
Lopez Mena e no deslocamento forçado de quase 3.500 pessoas, a gran-
de maioria pertencente às comunidades afrodescendentes que viviam às P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos total ou ( onvenção a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no
parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação es-
i aso "Operação Gênesis".
pecial. Dentre as principais normas que garantem direitos às comunidades
quilombolas, destacam-se: (a) Direito a verem implementadas pelo Estado
politicas que lhe garantam o acesso, em igualdade de condições, às oportu-
205 VITORELU, Edilson. Estatuto da Igualdade Racial e Comunidades Quilombolas. S a l -
nidades oferecidas à generalidade da população e à plena efetividade dos
vador: J u s p o d i v m , p. 247-248.
206 A r t i g o 16.5 da C o n v e n ç ã o 169 da OIT (internalizada no Brasil pelo Decreto n°
5.051 de 2004): Deverão ser indenizadas plenamente as pessoas transladadas e
reassentadas por qualquer perda ou dano que tenham sofrido como conseqüência
204 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Comunidade Moiwana vs.Suriname.
do seu deslocamento.
178 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1179
4- A p r o f u n d a m e n t o : q u e m pode ser considerado m e m b r o de u m a co- ,/,/•. tnms para as comunidades indígenas, restando a União como proprietária
m u n i d a d e quilombola? d l l 111 ias. Vejamos a lição de Edilson Vitorelli sobre o tema: "Embora o funda-
207 mento da posse indígena e da propriedade quilombola seja o mesmo — a tra-
Segundo o Decreto 4.887/2003 e a Convenção 169 da OIT, cabe à própria co
\ lu 11 malidade da ocupação por uma comunidade culturalmente diferenciada —
imunidade quilombola decidir quem é ou não quilombola. Assim, não compete
tespa tivi »5 regimes jurídicos são bastante distintos. As terras indígenas são
à sociedade dominante, exterior à aquela cultura, decidir quem é ou não qui- u
• A aquisição, pelas comunidades de remanescentes de quilombo, do di- Caso Família Pacheco Tineo vs. Bolívia
reito de propriedade das terras por elas ocupadas, pressupõe a posse
mansa e pacífica da área a sertitulada entre data da abolição da escra-
ÓRGÃO JULGADOR:
vidão e o advento da Constituição de 88.
GABARITO: Errado. A data da abolição da escravatura não é importante Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
para a determinação do direito de propriedade das comunidades re-
manescentes de quilombo.
SENTENÇA:
(AGU — PROCURADOR FEDERAL, 2013 — CESPE). Julgue os itens seguin- 15 de novembro de 2013
tes, a respeito da demarcação e titulação de terras ocupadas por rema-
nescentes das comunidades dos quilombos.
vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua / I . 'ti tefoulement está previsto no art. 7 , § 2°, da Lei 9.474/1997, diploma
raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas que legulamenta o instituto do refúgio no Brasil. O tema envolvendo
(violação do princípio do non-refoulement), consagrado no artigo 22.8 da M lugiados está em alta! Recentemente, foi objeto de questionamento
Convenção Americana de Direitos Humanos; (c) o direito de proteção da d.i ultima prova discursiva da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
o
família consagrado no art. 17 da Convenção Americana de Direitos Huma- 1 •< 113/2014). Também foi objeto de questionamento do 2 5 Concurso de
o
nos; (d) o direito à proteção especial das crianças consagrado no artigo 19 Procurador da República, realizado no ano de 2011, e do 2 6 Concurso de
da Convenção Americana de Direitos Humanos, em prejuízo de Frida Edith, Procurador da República, realizado no ano de 2012.
Juana Guadalupe e Juan Ricardo Pacheco Tineo, todos menores de idade.
I, Atuação da Defensoria Pública Interamericana
Assim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou a Bolívia I ste é um dos três casos do Sistema Interamerícano de Direitos Humanos
a: (a) indenizar a família Pacheco Tineo em danos materiais e morais so- e m que houve a designação do Defensor Público Interamerícano para atuar
fridos em razão do ocorrido; (b) a implementar programas de capacitação no caso. Nessa linha, e de maneira inédita, pela primeira vez um brasileiro
permanente para os funcionários da Direção Nacional de Imigração, da foi designado para atuar em um caso da Corte Interamericana de Direitos
Comissão de Refugiados e qualquer outro que tenha contato com imi- I lumanos (Roberto Tadeu, Defensor Público do Estado do Mato Grosso).
grantes ou pessoas que pedem asilo ou refúgio; (c) a publicar o resumo
oficial da sentença elaborado pela Corte IDH no diário oficial boliviano e i. Crianças imigrantes e Opinião Consultiva n° 21 da Corte Interame-
em veículo de comunicação oficial do Estado boliviano; (d) informar no ricana de Direitos H u m a n o s
prazo de um ano, as medidas que foram adotadas para dar cumprimento I lá uma forte probabilidade do caso em tela ser questionado nos próximos
à sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos. concursos em razão da recente Orientação Consultiva n° 21 da Corte Intera-
mericana de Direitos Humanos, expedida em 19 de agosto de 2014, que versa
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O sobre os direitos e garantias de crianças e adolescentes no contexto da imigra-
1 . 1 0 . 0 Brasil foi um dos países que solicitaram a opinião consultiva da Corte.
1. Primeira v e z e m q u e a Corte Interamericana analisa caso envolven-
do o princípio do non-refoulement 4. Utilização da acepção "asilo e m sentido a m p l o " pela Corte Intera-
mericana de Direitos H u m a n o s
Pela primeira vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos analisou
um caso envolvendo o princípio do non-refoulement (também conheci- O Caso Família Pacheco Tineo gira em torno do pedido de refúgio dos inte-
do como "princípio da nâo-devolução" ou "princípio da proibição do re- grantes da família em território Boliviano. Entretanto, na sentença a Corte
chaço"). O princípio do non-refoulement consiste em uma garantia do Interamericana de Direitos Humanos utiliza o termo asilo em sua acepção
refugiado para que este não seja reenviado para um Estado onde possa ampla, que engloba o asilo territorial, diplomático, militar e o próprio refúgio.
estar sujeito a tratamento desumano e degradante, ou ainda a persegui-
ção politica. Nesse sentido, André de Carvalho Ramos: "O refugiado não
poderá ser expulso ou rechaçado para fronteiras de territórios em que sua ¿12 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 170.
Com a internacionalização dos direitos humanos, o asilo e o refúgio se dade de ambos os Estados envolvidos no ciclo de envios do individuo. Se-
tornaram verdadeiros institutos garantidores de direitos humanos. As- cundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR),
sim, quebra-se o paradigma de que os institutos não podem ser aprecia- .1 vei lente indireta do principio da proibição do rechaço estaria contida
dos na ordem internacional. Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho implicitamente dentro do artigo 33 da Convenção da ONU relativa ao Es-
2
Ramos: "Sob a ótica dos direitos humanos internacionais, o asilo é hoje uma laliilo dos Refugiados de 1951 .
garantia internacional de direitos humanos, que consta da Declaração Uni- Alem dos diplomas convencionais j á expostos, o princípio do non-refou-
o
versal de Direitos Humanos (artigo XIV) e da Convenção Americana de Di meni também esta previsto no artigo 8 da Convenção da ONU sobre
reitos Humanos (art. 22.3). Logo, tanto a concessão quanto a denegação do 1 '<•.aparecimento Forçado e no Artigo 33 da Convenção da ONU relativa
asilo são passíveis de controle, não sendo mais livre o Estado, Por exemplo, li 11 statuto dos Refugiados.
o Brasil, após a Convenção Americana de Direitos Humanos (1992) e reco-
nhecimento da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos /. Total c u m p r i m e n t o da sentença pelo Estado boliviano
Humanos (Corte IDH, em 1998), não poderá mais conceder ou denegar asilo No dia 17 de abril de 2015, ante o cumprimento pelo Estado boliviano de
sem temer a vigilância internacional dos direitos humanos e eventual sen- Iodas as obrigações em que havia sido condenado, a Corte Interamerica-
tença condenatória vinculante da Corte IDH" ^. 2
na de Direitos Humanos editou uma resolução dando o caso envolvendo
217
a família Pacheco por encerrado .
Finalmente, importante ressaltar que a entrada de maneira irregular do
refugiado em determinado Estado não dá ensejo para que este descum-
pra o princípio do non-refoulement. INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S
213 RAMOS, André de Carvalho. As/7o e Refúgio: semelhanças, diferenças e perspectivas, p. 24 ¿16 Para u m maior aprofundamento sobre o tema, é possível consultar LEBOEUF, Luc. Le
Artigo disponibilizado no site do autor: <www.academia.edu/andredecarvalhoramos>. non-refoulementface aux atteintes aux droits économiques, sociaux et culturels. Quelle
214 É t a m b é m c o n h e c i d o c o m o indirect-refoulement ou a i n d a chain refoulement.
protection pour le migrant de survie? Working papers do Centro de Estudos de Direito
Internacional Europeu. Universidade Católica de Louvain. n° 08/2012. Disponível e m :
215 O Alto C o m i s s a r i a d o d a s N a ç õ e s U n i d a s para Refugiados ( A C N U R ) c o n c e i t u a o
<https://www.uclouvain.be/cps/ucl/doc/ssh-cdie/documents/2012-8-L_Leboeuf.pdf>.
princípio do non-refoulement indireto como: "indirect removal of a refugee from
one country to a third country which subsequently will send the refugee onward to .'17 A l é m d o p a g a m e n t o d e indenização por d a n o material e imaterial aos m e m b r o s
the place of feared persecution constitutes refoulement, for which both countries da f a m í l i a Pacheco Tineo, a Bolívia i m p l e m e n t o u p r o g r a m a s p e r m a n e n t e s de c a -
would bear joint responsibility". Esse conceito pode ser buscado no sitio da EDAL pacitação dos f u n c i o n á r i o s q u e a t u a m na Direção Nacional de M i g r a ç ã o e na C o -
{European Database of Asylum Law), <http://www.asylumlawdatabase.eu/en/ m i s s ã o Nacional de Refugiados.
keywords/indirect-refoulementx
186 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
d| a proibição de extradição de refugiado para Estado que possa vir a 1 orno identificação e documento para emissão de CPF e Carteira de Tra-
torturá-lo.
balho. Com o auxilio de uma ONG, Paul conseguiu um trabalho em uma
GABARITO: Letra C. empresa conveniada ao programa de oportunidades para estrangeiros,
porém não tinha com quem deixar o filho de somente dois anos e oito
(PGR — 26 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2012) Espancada
O rflflses de idade. Paul fora informado pela referida ONG que o Município
de São Paulo disponibilizava acesso à creche, porém, ao tentar efetuar a
regularmente por seu marido durante dez anos, a ponto de ser internada
matrícula da criança Roger, o servidor da rede pública denegou em razão
com graves ferimentos em hospital, a senhora Rodi Alvarado Pena, gua-
da ausência da certidão de nascimento e do protocolo de identificação
temalteca, fugiu de seu país para os Estados Unidos da América, onde
11.io conter dados pessoais suficientes. O servidor ainda informou que,
pediu asilo, Este lhe foi concedido em primeiro grau e revertido depois.
mesmo que existissem informações suficientes, somente seria efetuado
Somente após quatorze anos de litigância conseguiu ver reconhecido seu um prévio cadastro de espera em razão da ausência de vagas em creche.
direito de permanecer nos Estados Unidos da América para se proteger
de seu marido. Este notório caso é um exemplo de: Irresignado com a excessiva burocratização que impedia o ingresso de
a| aplicação, embora tardia, da Convenção de Belém do Pará; Koger à creche, Paul retornara a ONG e fora orientado a procurar a Defen-
••"i ia Pública do Estado de São Paulo. No atendimento inicial especializa-
b| da limitação da Convenção da ONU contra a Tortura, principalmente do da Defensoria Pública, Paul procura um defensor público para relatar
no que diz respeito à garantia do non-refoulement (art. 3°); os fatos já narrados. Como defensor público, aponte os fundamentos jurí-
dicos e os dispositivos pertinentes da ordem interna e internacional para
c| não-aplicabilidade da Convenção das Nações Unidas Relativa ao Es-
tatuto dos Refugiados de 1951; eventual pretensão de acesso à rede municipal de ensino.
GABARITO ADOTADO PELA BANCA: Indicação dos envolvidos como refugiados, (ar-
d| garantia, pela Guatemala, de eficácia horizontal do direito à vida e do
tigos I , inciso III e 2° da Lei 9.474/97 e Declaração de Cartagena sobre os
O
188 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1189
aa LKi-ts. uoserva-se que o rol de fundamentos não é taxativo. O Municí-
pio deve disponibilizar o acesso de Roger à creche independentemente
de certidão de nascimento ou de dados pessoais insuficientes. Pontuação
máxima: 1,5.
Caso Liakat Ali Alibus vs. Suriname
( D P E / M G — DEFENSOR PÚBLICO, 2014 — 2 FASE PROVA DISCURSIVA). Dis- A
RESUMO DO CASO
190 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
ditada, se assim o considera pertinente" (§ 105). E concluiu, depois, que, ao 1 uilorme consta na decisão da Corte, o Comitê de Direitos Humanos, na
constatar que no presente caso o senhor Alibux foi julgado pelo tribu observação Geral n° 32, de 23/08/2007, já se manifestou no sentido de
nal máximo de Suriname, sem que lhe fosse garantida a possibilidade de que "Quando o tribunal mais alto de um país atua como primeira e única
recorrer contra sua condenação, houve violação do art. 8.2(h) da CADH. • ir.it meia, a ausência de todo direito a revisão por um tribunal superior não
Ainda sobre esse tópico, a Corte considerou que a criação de um recurso resta compensada pelo fato de haver sido julgado pelo tribunal de maior
no ano de 2007, quando o senhor Alibux já havia cumprido a sua pena, hiritirquia do Estado Parte; pelo contrário, tal sistema é incompatível com o
significou um expediente meramente formal, que não poderia modificar Pai lo, a menos que o Estado Parte interessado haja formulado uma reserva
a situaçãojurídica infringida nem poderia ser capaz de produziro resulta a esse efeito" (§ 47). A Corte anota, a propósito, que o art. 14.5 do PIDCP se
do para o qual foi concebido, não sendo, portanto, adequado nem efetivo diferencia do art. 8.2(h) da CADH,já que o último é muito claro ao garan-
para o caso concreto. tir o direito de recorrer sem fazer menção à frase "conforme ao prescrito
pela lei", como estabelece o PIDCP. De qualquer forma, o Comitê, na mes-
Finalmente, após considerar que o Estado também violou o direito de mi.I Observação Geral, já se manifestou no sentido de que "A expressão
circulação e de residência reconhecido no art. 22, incisos 2 e 3, da CADH, 11 informe ao prescrito em lei'nesta disposição não tem por objeto deixar a
a Corte condenou Suriname a ressarcir os danos imateriais causados ao discrição dos Estados Partes a existência mesma do direito a revisão, posto
senhor Alibux, deixando de determinar a modificação da legislação in- i\ue este é um direito reconhecido pelo Pacto e não meramente pela legis-
terna do país em razão de tal expediente já ter ocorrido em 2007, com a lação interna. A expressão 'conforme ao prescrito em lei'se refere à deter-
garantia de um recurso para cidadãos que forem julgados na mais alta minação das modalidades de acordo com as quais um tribunal superior
Corte de Justiça do país. levará a cabo a revisão, assim como com a determinação do tribunal que se
0
encarregará disso de conformidade com o Pacto. O parágrafo 5 do artigo
14 não exige dos Estados Partes que estabeleçam várias instâncias de apela-
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
ção. Sem embargo, a referência à legislação interna nesta disposição há de
interpretar-se no sentido de que se o ordenamento jurídico nacional prevê
1. Direito ao recurso nos j u l g a m e n t o s pelo Tribunal m á x i m o do país
outras instâncias de apelação, a pessoa condenada deve ter acesso efetivo
Já abordamos anteriormente diversas questões sobre a matéria (direito a cada uma delas" (§ 45). Nos comentários do Caso Barreto Leiva, registra-
ao duplo grau de jurisdição) quando comentamos os principais pontos do mos a diferença no tratamento do tema perante o sistema europeu de
Caso Barreto Leiva vs. Venezuela, razão pela qual não seremos repetitivos direitos humanos,onde ojulgamento do acusado pela instância máxima
aqui. Parece-nos importante ressaltar apenas que a Corte Interamerica- do Poder Judiciário dispensa a existência ou garantia do recurso contra
na, por uma vez mais, reiterou o seu entendimento de que o fato de o .1 decisão. A analogia com o sistema europeu foi invocada por Suriname
acusado ser julgado pelo Tribunal máximo do seu país não dispensa a no caso em estudo, tendo a Corte, porém, após ressaltar a importância do
obrigação do Estado de garantir o direito ao recurso contra a decisão. Ine- diálogo jurisprudencial, rejeitado o argumento ante ao tratamento diver-
vitável que nos recordemos — novamente — do julgamento da AP 470, já so que a matéria recebe no sistema interamericano.
questionado na Comissão Interamericana por violação do direito ao duplo
grau de jurisdição. O fato de o STF ter admitido os embargos infringentes 3. Criação de um Tribunal Constitucional
satisfez a garantia da CADH? Aguardemos a posição da Corte. Importante
Interessante anotar que a Comissão Interamericana e a vítima alegaram
lembrar, ainda, que em 2014 houve uma alteração no Regimento Interno
que o art. 25 da CADH (direito à proteção judicial) teria sido violado pelo
do STF (Emenda Regimental n° 49/2014), autorizando o processamento
fato de não existir em Suriname um "Tribunal Constitucional", já que a
de ações penais contra réus com prerrogativa de foro pelas Turmas, com
Alta Corte de Justiça afirmou não dispor de competência para revisar de-
recurso para o Plenário.Tal expediente cumpre o art. 8.2(h) da CADH.
terminados atos praticados pela Assembleia Nacional (Poder Legislati-
194 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
C A S O S J U L G A D O S PELA IURISDIÇÀO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 1195
vo). A Corte, porém, decidiu que, embora reconheça a importância destes
órgãos (Tribunais Constitucionais) como protetores dos mandamentos
constitucionais e dos direitos fundamentais, "a Convenção Americana
não impõe um modelo específico para realizar um controle de constitucio-
nalidade e convencionaíidade", recordando que "a obrigação de exercer
(aso Brewer Carias vs. Venezuela
um controle de convencionaíidade entre as normas internas e a Convenção
Americana compete a todos os órgãos do Estado, inclusive juízes e demais ÓKGÂO JULGADOR:
órgãos vinculados à administração de justiça em todos os níveis" (§ 124). ( orte Interamericana de Direitos H u m a n o s
4. Aplicação da norma processual no t e m p o s e g u n d o o ordenamento
jurídico brasileiro SENTENÇA:
Hrewer Carias foi citado em janeiro de 2005, quando a sua Defesa pas-
sou a questionar diversas irregularidades e nulidades no processo. Em
setembro de 2005, Brewer Carias viaja para fora do país e a sua Defe-
sa informa ao Poder Judiciário que o acusado não retornaria até que "se
apresentassem as condições idôneas para obter um julgamento imparcial
e com respeito de suas garantias judiciais". Em outubro de 2005 a Defesa
de Brewer Carias apresentou em juízo uma "solicitação de nulidade" de
todo o procedimento adotado pelo Ministério Público, a quem atribuiu
parcialidade na condução do caso. No mesmo mês tal pleito foi indeferi-
do, decisão contra a qual a Defesa interpôs apelação.
196| JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S 1197
Para o que interessa à essa ocasião de Resumo do Caso, impoil.i di/ei que, I finaliza a Corte, portanto, acolhendo a exceção preliminar, tendo em
após diversos requerimentos da Defesa pela produção de prova e adla« • unia que "no presente caso não foram esgotados os recursos idôneos e
mentos da audiencia, o Poder Judiciário venezuelano decretou a prisão eletivos, e que não procediam as exceções ao requisito do prévio esgota-
preventiva de Brewer Carias em junho de 2006, decidindo, ainda, que a mento dos ditos recursos internos" (§ 144), deixando, consequentemente,
"solicitação de nulidade" apresentada pela Defesa somente poderia ser de continuar com a análise de fundo (mérito).
apreciada diante da presença do acusado em audiência preliminar.
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
O caso chegou à Comissão Interamericana, que emitiu diversas recomen-
dações para o Estado, sendo que, tendo sido aquelas descumpridas, a Co-
I, Primeira vez e m que a Corte Interamericana não aprecia o mérito
missão submeteu o caso à Corte Interamericana.
de um caso por acolher u m a exceção preliminar de ausência de esgo-
O Estado demandado (Venezuela) arguiu a exceção preliminar de falta d l tamento dos recursos internos
esgotamento dos recursos internos, assim o tendo feito no momento pro 0 julgamento da Corte Interamericana foi concluído por quatro votos a
cessualmente oportuno, qual seja, no procedimento perante a Comissão, dois, ficando vencidos os juízes Manuel E. Ventura Robles e Eduardo Fer-
ratificando-a posteriormente na Corte Interamericana, baseando-se no ar- iei Mac-Gregor Poisot, que fizeram e juntaram voto conjunto dissidente,
gumento de que a falta de esgotamento dos recursos internos se devia ao observando com preocupação o fato deste caso ilustrara primeira vez em
fato de que o processo penal contra Brewer Carias não ter sido concluido, que a Corte não conhece o fundo/mérito do litígio por estimar procedente
existindo etapas nas quais se poderia discutir as irregularidades alegadas uma exceção preliminar por falta de esgotamento dos recursos internos.
a partir de recursos específicos previstos no processo penal venezuelano. Anotam, ainda, os citados juízes, que somente em três ocasiões anteriores,
Víu-se a Corte, então, diante de um caso com características peculiares, ja nos mais de vinte e seis anos de jurisdição contenciosa, a Corte Interameri-
que (i) o processo contra Brewer Carias ainda se encontra em "etapa inter Cana não entrou no fundo/mérito da controvérsia por diversos motivos.- (a)
mediáría"e (i¡) o principal obstáculo para que o processo avance é a ausên- 1 primeira pela caducidade do prazo para apresentação da demanda pela
cia do acusado, razão pela qual a Corte considera que, estando pendente 1 omissão (Caso Cayara vs. Peru, em 1993); (b) a segunda por desistência da
a audiência preliminar e pelo menos uma decisão de mérito da primeira aç.io deduzida pela Comissão (Caso Maqueda vs. Argentina, em 1995); e (c)
instancia, "não é possível passar a pronunciarse sobre a alegada vulneração a terceira por falta de competência ratione temporis do Tribunal Interame-
das garantias judiciais, devido a que não há certeza sobre como continuaría o rlcano (Caso Alfonso Martin dei Campo Dodd vs. México, em 2004). Desta
processo e se muitos dos fatos alegados poderiam ser analisados e resolvidos forma, somados, temos hoje, então, quatro casos em que a Corte Interame-
a nivel interno" (§ 88). A Corte considera, ainda, que "não é possível analisai licana, por alguma razão, não adentrou no mérito da demanda, sendo que
o impacto negativo que uma decisão possa ter se ocorre em etapas tempra n Coso Brewer Carias vs. Venezuela consiste no primeiro precedente em que
nas, quando estas decisões podem ser analisadas e corrigidas por meio dos a Corte acolheu a exceção de não esgotamento dos recursos internos.
recursos ou ações que se estipulem no ordenamento interno" (§ 96).
Os juízes vencidos no julgamento consideraram que a decisão da Corte
A respeito da necessidade de o acusado estar presente na audiência para constitui "um perigoso precedente para o sistema interamericano de pro-
que o seu requerimento de nulidade seja apreciado, a Corte considerou teção dos direitos humanos em sua integralidade em detrimento do direito
0
que "em muitos sistemas processuais a presença do acusado é um requise de acesso à justiça e à pessoa humana" (§ 2 ), além de ressaltarem, tam-
to essencial para o desenvolvimento legal e regular do processo. A própria bém, o especial interesse que este caso havia despertado na sociedade
Convenção acolha a exigência. A este respeito, o art. 7.5 da Convenção es- civil, tendo a Corte recebido 33 escritos em qualidade de amicus curiae,
tabelece que a 'liberdade poderá estar condicionada a garantias que as- provenientes de reconhecidos juristas internacionais, assim como de ins-
segurem seu comparecimento ante o juízo', de maneira que os Estados se tituições, associações não governamentais, jurídicas e profissionais da
encontram facultados a estabelecer leis internas para garantir o compare- América e da Europa, relacionados com diversos temas atinentes ao lití-
cimento do acusado" (§ 134). gio, a exemplo do Estado de Direito, as garantias judiciais, o devido pro-
198 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S C A S O S JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DlRElTOS H U M A N O S | 199
cesso, a maependencia judicial, a provisoriedade dos juizes e o exercício .1 piofissão de advogado. Concluem os juizes: "Não ter analisado o mérito
da advocacia. E destacam, ainda, que "todos os amici curiae resultaram t/o (uso do processamento penal do Professor Brewer Carías limitou o que
coincidentes em assinalar distintas violações aos direitos convencionais do deveria ser a principal função de um tribunal internacional de direitos hu-
senhor Brewer Carias" (§ 3 ) . 0
manos: a defesa do ser humano frente a prepotência do Estado" (§ 124).
2. Teoria da etapa t e m p r a n a
INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
O Caso Brewer Carias se destaca, ainda, pela criação da denominada "teo-
ria da etapa temprana", duramente criticada petos juízes vencidos no
julgamento: "Aceitar que nas 'etapas tempranas'do procedimento não se (PGR — 28 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAPTADA)
O
pode determinar alguma violação (porque eventualmente possam ser re- Assinale a alternativa Incorreta:
medidas em etapas posteriores) cria um precedente que implicaria graduar • A defesa de não esgotamento dos recursos internos perante a Comis-
a gravidade das violações atendendo à etapa do procedimento na qual se são Interamericana de Direitos Humanos pode ser reapresentada pelo
encontre" (§ 56). E prosseguem os juízes, depois, para afirmar que "Ao uti- tstado no momento em que o caso individual for apreciado pela Corte
lizar como um dos argumentos centrais na Sentença a artificiosa teoria da Interamericana de Direitos Humanos.
'etapa temprana'do processo, para não entrar na análise das presumidas
GABARITO: Certa. A exceção de não esgotamento dos recursos internos
violações a direitos humanos protegidos peio Pacto de São José, constitui
pode ser reapresentada na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
um claro retrocesso histórico desta Corte, podendo produzir o precedente
que se está criando consequências negativas para as presumidas vitimas no
exercício do direito de acesso à justiça" (§ 119).
Lei 18314
ÓRGÃO JULGADOR: o
Art. I . Constituirão delitos terroristas os enumerados no artigo 2 , 0
206 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 207
te, ainda, o fato de ter havido a possibilidade de recursos para instâncias 1, ,„ w , . , . ( / pir.uii pievenliva deve estai submetida a revisão periódica, de tal
ordinárias superiores, do foro comum, onde se obteve sucesso em alguns forma que não se prolongue quando não subsistam as razões que motivaram
pleitos relacionados ao julgamento pelo foro militar, fato que contribuiu uia adoção. Nesta ordem de ideias, o juiz não tem que esperar até o momen-
para a conclusão de que o Estado não violou os artigos 8.1 e 25.1 da CADH, to de ditar sentença absolutória para que uma pessoa detida recupere sua
Uberdade, senão que deve valorar periodicamente se as causas, necessidade
Quanto à violação do direito de ser assistido por um defensor de sua es-
§pn 'porcionatidade da medida se mantêm. Em qualquer momento em que
colha, a Corte iniciou ressaltando que o direito de defesa deve ser obser-
apan -ça que a prisão preventiva não satisfaz estas condições, deverá decretar-
vado desde a identificação de uma pessoa como provável autora ou par- •« a liberdade, sem prejuízo de que o processo respectivo continue" (§ 121). A
tícipe de um fato punível até o fim do processo (§ 175). Ressaltou a Corte, 1. v i s , 1 0 periódica existe no ordenamento jurídico brasileiro? De forma ex-
também, que a assistência deve ser exercida por um profissional do Direi- pn ..i, infelizmente não. Todavia, conforme ressalta Ciacomolli, "Embora
to para poder satisfazer os requisitos de uma defesa técnica, sendo que a lei ordinária não determine a revisão periódica da prisão processual, como
impedir o acusado de contar com seu advogado-defensor significa limitar , N< <ne em outros ordenamentos jurídicos, tal obrigatoriedade integra o devi-
severamente o direito de defesa, "o que ocasiona desequilíbrio processual il, 1 processo (art. 5° LIV, CF). Não realizado o ato processual dentro do prazo
e deixa o indivíduo sem tuteia frente ao exercício do poder punitivo" (§ 176). . ta helecido em lei, cabe ao magistrado decidir acerca das consequências pelo
Verificou-se que o art. 96 do Código de Justiça Militar argentino estabele- 11/ descumprimento do prazo, mormente sobre a prisão processual. Porém,
cia que "todo processado ante os tribunais militares deve nomear defensor. em razão do baixo nível de compreensão constitucional, se verifica a necessi-
Ao que não quiser ou não puder fazê-lo, se lhe designará defensor de ofício dade de lei ordinária para cumprir o que já determina a CF". E prossegue o a u-
pelo presidente do tribunal respectivo". E o art. 97, por sua vez, dispunha loi, com a seguinte sugestão: "Diante da inexistência de uma determinação
que "o defensor deverá ser sempre oficial em serviço ativo ou aposentado", leqai para que o magistrado revise periodicamente a decisão que decretou a
não exigindo, portanto, que a defesa técnica seja exercida por profissio- l 't 1 '.110 processual, há que ser buscado, no próprio ordenamento jurídico, parâ-
nal do Direito. A Corte considerou que o fato de as vítimas não terem tido metros factíveis de serem executados. Um deles éoda manifestação acerca
a possibilidade de serem defendidas por um profissional do Direito cau- da persistência dos motivos a cada conclusão dos autos e nas audiências, além
sou desequilíbrio processual durante o procedimento no foro militar,con- da possibilidade de o responsável pela unidade administrativa ser compelido
2
cluindo que o Estado violou, consequentemente, o direito a ser assistido a enviar, mensalmente, os autos de réu preso ao julgador" "*. Importante: o
por um profissional escolhido, nos termos do art. 8.2 (d e e) da CADH, em l'l S156/2009 (Novo Código de Processo Penal), embora tenha seus defeitos,
.iv.inça significativamente na matéria de prisões, prevendo expressamente
relação com o art. 1.1 da mesma Convenção.
0 "reexame obrigatório". Vejamos o art. 562 do Projeto:
Finalmente, entre outras medidas que desinteressam citar aqui, a Corte
"Art. 562. Qualquer que seja o seu fundamento legal, a prisão pre-
condenou o Estado a ressarcir as vítimas pelos danos causados.
ventiva que exceder a 90 (noventa) dias será obrigatoriamente ree-
xaminada pelo juiz ou tribunal competente, para avaliar se persis-
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O tem, ou não, os motivos determinantes da sua aplicação, podendo
substituí-la, se for o caso, por outra medida cautelar.
1. Atuação da Defensoria Pública Interamericana o
§ I O prazo previsto no caput deste artigo é contado do início da
11 das 20 vítimas foram assistidas por dois defensores públicos intera- execução da prisão ou da data do último reexame.
mericanos, que acompanharam o caso desde o procedimento perante a § 2° Se, por qualquer motivo, o reexame não for realizado no prazo
Comissão Interamericana. devido, a prisão será considerada ilegal".
I N C I D Ê N C I A E M PROVAS DE C O N C U R S O S
o
{PGR — 2 8 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAPTADA)
Assinale a alternativa correta:
• Os defensores públicos interamericanos são escolhidos pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, entre os advogados habilitados
da própria Comissão.
GABARITO: Errado.
C A P Í T U L O III
D A CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS H U M A N O S
210 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
loram cumpridas apenas parcialmente, motivando, pois, que a Comissão
submetesse o caso à Corte Interamericana no ano de 2004.
212 | J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
O BRASIL N A JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 213
investigação da morte de Ximenes Lopes somente teve inicio após trinta e seis |, Primeiro caso envolvendo violações d e direitos h u m a n o s de pessoa
dias da sua ocorrência, e também que, após mais de seis anos, não havia sen- I um deficiência mental
tença de primeira instância no processo penal contra os envolvidos na morte
Andre de Carvalho Ramos registra a importância do Caso por ser o primei-
da vítima, a Corte Interamericana declarou que o Estado violou: (i) os direitos
to envolvendo violações de direitos humanos de pessoa com deficiência
à vida e à integridade pessoal de Ximenes Lopes (artigos 4a, 5.1 e 5.2 da CADH);
mental, o que ensejou com que a Corte estabelecesse deveres do Estado
(2) o direito à integridade pessoal de seus familiares, vitimados por diversos 1
.lê elaboração de política antimanicomíal" .
problemas de saúde decorrentes do estado de tristeza e angústia ocasionado
no contexto dos fatos narrados; e (3) os direitos às garantias judiciais e à prote- I Primeira condenação sofrida pelo Brasil n a Corte Interamericana
ção judicial consagrados nos artigos 8.1 e 25a da CADH, em razão da ineficiên-
I I i aso Ximenes Lopes foi a primeira condenação sofrida pelo Brasil na
cia em investigar e punir os responsáveis pelos maus tratos e óbito da vítima,
{ orle Interamericana. Assim, pois, vejamos a lição de Sidney Guerra: "O
E determinou a Corte, por fim, que o Estado indenizasse os familiares de Xi- Caso Ximenes Lopes ganhou notoriedade não apenas por ter sido o primei-
menes Lopes pelos danos materiais e imateriais provocados, além de ter or- ro a ensejar uma condenação ao Estado brasileiro, mas também por se tra-
denado diversas outras obrigações ao Estado Brasileiro, a exemplo do dever tai de caso que envolveu deficiente mental. Dentre as várias agravantes,
222
de garantir, em prazo razoável, "que o processo interno destinado a investigare destaca-se a situação de vulnerabilidade da vítima" .
sancionar os responsáveis pelos jatos deste caso surta seus devidos efeitos {...)".
INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS D E CONCURSOS
P O N T O S IMPORTANTES SOBRE O C A S O
(pc/MG — I N V E S T I G A D O R DE POLÍCIA, 2 0 1 4 — F U M A R C , A D A P T A D A ) SO-
% Uso da Convenção Interamericana sobre a Eliminação de Todas as bre a Corte Interamericana de Direitos Humanos, NÃO é correto o que se
Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência afirma e m :
A Corte Interamericana usou como fundamento de sua decisão, entre • A Corte Interamericana, até março de 2010, no exercício de sua jurisdição
outros diplomas normativos internacionais, a Convenção interamericana contenciosa, havia proferido 211 sentenças.O Brasil,em 2006,foi condena-
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas do, pela primeira vez, pela referida Corte no caso Damião Ximenes Lopes.
Portadoras de Deficiência, internalizada no ordenamento jurídico brasilei-
GABARITO: A alternativa está correta e não deveria, portanto, ter sido assi-
ro pelo Decreto n° 3956/2001, a qual, conforme ressalta André de Carva-
lho Ramos, "é vetor interpretativo dos direitos do Pacto de São José, quan- nalada.
do aplicado a casos envolvendo pessoas com deficiência", ficando sanada,
(DPE/SP — D E F E N S O R PÚBLICO, 2013 — FCC, A D A P T A D A ) Quanto ao Siste-
portanto, "uma importante lacuna da Convenção da Cuatemala, que era
ma Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, é correto afirmar:
justamente a impossibilidade de se processar um Estado signatário (como
o Brasil) que a desrespeitasse perante a Corte Interamericana de Direitos • A demanda perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Humanos". Criou-se, assim, conforme adverte o referido autor, uma "su- pode ser resolvida por meio de solução amistosa entre a vítima e o Es-
;
pervisão por ricochete", já que "caso o Brasil desrespeite a Convenção da tado infrator, como ocorreu no Caso Damião Ximenes Lopes e no Caso
Cuatemala, pode tal desrespeito ser considerado uma violação de algum dos Meninos Emasculados, ambos tendo o Brasil como Infrator.
dos direitos genéricos do Pacto de San José (como, por exemplo, o direito à GABARITO: a alternativa está errada, pois o Caso Ximenes Lopes não foi
igualdade) e, com isso, ser desencadeado o mecanismo de controle do pacto resolvido mediante solução amistosa na Comissão Interamericana, e
210
(petição à comissão e, após o trâmite adequado, ação perante a corte)" .
„>2i RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 335.
220 RAMOS, André de Carvalho. Reflexões sobre as vitórias no caso Damião Ximenes, disponí- 222 G U E R R A , Sidney. O Sistema Interamericana de Proteção dos Direitos Humanos e o
vel em: <http://www.conjur.com.br/2006-set-08/reflexoes_vitorias_damiao_ximenes>. Controle de Convencionaíidade. São Paulo: Atlas, 2013, p.i2i.
223 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p 322. 2. e d . Brasília: Universidade de Brasília, 1997, p. 254.
ÓRGÃO JULGADOR: No mérito, porém, a Corte considerou que o Estado não falhou na investi-
gação da morte da vítima, tendo havido, no seu entender, a adoção de di-
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
v r i s . i s medidas policiais e judiciais efetuadas a partir de 10/12/1998, ou seja,
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
RESUMO DO CASO
1. Caráter subsidiário da jurisdição da Corte
Em 11/12/1997 algumas entidades de proteção dos direitos humanos I embrou a Corte Interamericana que "compete aos tribunais do Estado o
apresentaram petição perante a Comissão Interamericana contra o Bra- exame dos fatos e das provas apresentadas nas causas particulares. Não
sil, na qual alegaram que o país seria responsável pela morte de Gilson compete a este Tribunal substituir a jurisdição interna estabelecendo as
Nogueira de Carvalho, um advogado ativista de direitos humanos, assas- modalidades específicas de investigação e julgamento num caso concreto
sinado em 20/10/1996, j á que o seu direito à vida não havia sido garanti- para obter um resultado melhor ou mais eficaz, mas constatar se nos pas-
do nem tampouco o Estado havia realizado uma investigação séria sobre sos efetivamente dados no âmbito interno foram ou não violadas obriga-
sua morte. Em 2000,0 Estado informou à Comissão que o processo sobre ções internacionais do Estado decorrentes dos artigos 8 e 25 da Convenção
a morte da vítima j á se encontrava em fase de pronúncia. Após sucessi- Americana" (§ 80).Com isso,a Corte reafirma, portanto,conforme ressalta
22
vas prorrogações de resolução da demanda, o Estado brasileiro informou Sílvio Beltramelli Neto, "o caráter subsidiário da sua atuação" ^. Da mes-
à Comissão, em 2005, que o único imputado pela morte da vítima ha- ma forma, André de Carvalho Ramos ensina que não se exige que o resul-
via sido absolvido pelo Tribunal do Júri e que o Ministério Público havia tado (identificação e punição) seja alcançado, não se tratando, então, de
apelado da referida sentença. No mesmo ano, porém, entendendo que o uma obrigação de resultado, "mas sim obrigação de usar todos os meios
216
Brasil não teria cumprido com as recomendações emitidas, a Comissão para se chegar à verdade dos fatos" .
apresentou o caso na Corte Interamericana.
2. Qualidade do trabalho d e s e m p e n h a d o pela A G U
Inicialmente, a Corte, embora tenha concordado com o Estado demanda-
Conforme vimos anteriormente, o caso encerrou-se com a "absolvição"
do que o fato da morte da vítima ter ocorrido dois anos antes do reconhe-
do Estado brasileiro, motivo pelo qual André de Carvalho Ramos desta-
cimento da competência contenciosa pelo país a impede de apreciar a]
responsabilidade pela morte, decidiu que é competente para examinar as
ações e omissões relacionadas com violações contínuas ou permanentes,
225 NETO, Sílvio Beltramelli. Direitos. Humanos —Coleção Concursos Públicos. Salvador:
"que têm início antes da data de reconhecimento da competência da Corte
J u s p o d i v m , 2014, p. 385.
e persistem ainda depois dessa data". Assim, a Corte rechaçou, portanto,
226 RAMOS, André de Carvalho. In: PETERKE, Sven (coord.). Manual Prático de Direitos
a exceção preliminar arguida pelo Estado, da mesma forma que rejeitou Humanos Internacionais. Brasília: E S M P U , 2010, p. 243,
2l8 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
O BRASIL N A JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 219
ca "a importância do mecanismo coletivo de proteção de direitos huma- nos, não foram investigados com a seriedade necessária", entendimento
nos também para os Estados. O Brasil defendeu-se de modo adequado e . •,!<• que não foi acolhido pela Corte Interamericana.
7
a demanda internacional foi considerada improcedente"" . A contestação
•>, C u m p r i m e n t o de u m a das recomendações da Comissão
apresentada pela AGU está disponível em <http://www.cortetdh.or.cr/
docs/casos/nogueira/esep.pdf>. i i stado brasileiro cumpriu algumas das recomendações emitidas pela
i omissão Interamericana, destacando-se a criação da Política Nacional
3. Primeiro caso na história da Corte sobre violações contra defenso- de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PNPDDH) peio De-
res de direitos h u m a n o s . reto 11 6044/2007,disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivi l o 3 / _
o
227 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 336.
228 Cf. <http://reporterbrasil.org.br/2006/02/primeiro-caso-de-defensor-de-direitos
-humanos-tera-decisao-em-seis-meses/>. Cf. <http://wwwi.folha.uol.com.br/mun-
do/20i4/io/i530284-paqulstanesa-malala-yousafzay-e-indiano-kailash-satyar-
thidivld.-premio-nobel-da-paz.shtml>
229 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12. ed.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 400.
230 Cf. <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/10/1530284-paquistanesa-malala
-yousafzay-e-indiano-kailash-satyarthidivld.-premio-nobel-da-paz.shtml>.
E finalizou Corte Interamericana concluindo que o Brasil violou o direito Sobre a importância da decisão, Diogo Malan afirma que "ao condenar o
à vida privada e o direito à honra e à reputação reconhecidos no artigo t stado Brasileiro a Corte de São José da Costa Rica reafirmou a importân-
ii da Convenção Americana, pela interceptação, gravação e divulgação cia e a normatividade do direito fundamentai ao sigilo de comunicações
das conversas telefônicas de Escher e outros, declarando, também, que i tic fónicas. A CIDH incluiu expressamente no ámbito de proteção do di-
o Estado violou o direito à liberdade de associação, reconhecido no art, reito fundamental a não sofrer ingerências arbitrárias ou abusivas na vida
16 da Convenção, eis que a ingerência nas comunicações da COANA e da privada por parte do Estado ou de particulares (artigo n da CADH) a in-
1 2
ADECON, além de não cumprir com os requisitos legais, "não atendeu ao violabilidade das comunicações telefônicas" '* . Da mesma forma, André de
fim supostamente legítimo ao qual se propunha, ou seja, a investigação i arvalho Ramos também registra a importância do precedente: "A Corte
criminal dos delitos alegados, e trouxe consigo o monitoramento de ações traçou importantes parâmetros para o tratamento do direito à privacidade
dos integrantes de tais associações" (§ 178), causando temor, conflitos t f à honra, em um contexto de disputa agrária entre fazendeiros e membros
afetações ã imagem e ã credibilidade das entidades. de movimentos populares de reforma agrária, que, de modo ilegal, foram
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
131 A N D R E U C C I , Ricardo Antônio. Legislação Penai Especial. 9. ed. S ã o Paulo: Saraiva,
1. I l e g i t i m i d a d e da Polícia Militar para representar pela intercepta- 2013, p.427. N o m e s m o sentido, consta na decisão da Corte a m a n i f e s t a ç ã o de Luiz
ção telefônica Flávio G o m e s , ouvido c o m o "perito".
132 M A L A N , Diogo. C a s o Escher e outros v s . Brasil e sua importância para o processo
Diversas questões envolvendo o tema "interceptação telefônica"foram vistas penal brasileiro. Boletim Informativo IBRASPP, ano 02, n. 03,2012/02, p. 11. Disponível
neste Caso, a exemplo da (i)legitímidade da Polícia Militar para requerer tal (também) e m : <http://www.Malanleaoadvs.Com.Br/artigos/caso_escher.Pdf>.
dos inquéritos policiais, estes últimos estipulados no artigo 10 do Código mou mais uma vez o seu entendimento de que existem quatro elementos
de Processo Penal brasileiro. Por fim, além da publicação da sentença no para se aferir se a razoabilidade do prazo (como consectário da duração ra-
Diário Oficial como forma de reparação, a Corte Interamericana de Direi- zoável do processo) foi ou não violada: a) complexidade do assunto; b) ativi-
tos Humanos fixou uma quantia a título reparatório para a viúva do Sr. dade processual do interessado; c) conduta das autoridades judiciais; e d) o
Sétimo Garibaldi e para cada um dos três filhos da vítima, além de uma efeito gerado na situação jurídica da pessoa envolvida no processo.
quantia para reparar os gastos com as despesas e custas do processo. Ao submeter o caso Garibaldi ao crivo destes quatro requisitos, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos constatou que foi violado o direito
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O à duração razoável do processo e que, portanto, os familiares do Sr. Gari-
baldi foram privados de qualquer resposta estatal efetiva. Nesse sentido,
1. Constatação da inefetividade do sistema de investigação atual em é a lição de Nereu José Giacomolli: "A demora de mais de cinco anos na
vigência no Brasil fase de investigação ultrapassou o prazo considerado razoável, consistindo
1
em denegação de justiça, em prejuízo dos familiares da vítima" *'.
No caso Garibaldi vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
considerou inefetivo o procedimento do inquérito policial; ordenou que Vale ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça j á trancou determinada
o Brasil siga à risca os prazos estipulados no artigo 10 do Código de Pro- investigação policial em virtude da violação do prazo razoável. Vejamos o
cesso Penal para a conclusão do inquérito. Há tempos que a doutrina e os precedente do STJ:
operadores do Direito fazem críticas ao procedimento do inquérito poli-
"HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA. ADVOCACIA ADMINISTRA-
cial, pugnando por mudanças. A maioria dessas críticas gira em torno do
TIVA. INQUÉRITO POLICIAL EXCESSO DE PRAZO. PROCEDIMENTO
seu modelo arcaico de funcionamento, que torna inefetivo o procedimen
ADMINISTRATIVO INSTAURADO HÁ 5 ANOS E AINDA NÃO CONCLUÍ-
to investigativo. Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos ao
DO. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. CONSTRANGIMENTO EVIDEN-
falar do Caso Garibaldi vs. Brasil: "Essafaceta punitiva da Corte IDH exige
CIADO. 1. O Inquérito Policial em comento foi instaurado há cinco
modificações no obsoleto sistema do inquérito policial brasileiro, que eluci-
anos para apurar a suposta prática dos crimes de corrupção passiva
da pouco menos de 8% dos crimes contra a vida".
230 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
O BRASIL N A JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 231
e advocacia administrativa pelo impetrante/paciente, e, neste in- se houve ou não a violação do direito ao prazo razoável, são eles: a) com-
terregno, ainda não findaram as atividades administrativas, encon- plexidade do caso; b) o comportamento das partes; ec) o comportamento
trando-se os autos na respectiva Delegacia para diligências. 2. Por d.i .iiiloridade judicial. Esse último entendimento foi adotado nos casos
outro vértice, outras duas ações penais movidas contra o acusado / lornsby vs. Grécia, Martins e Garcia Alves vs. Portugal, Ruiz Mateos vs. Es-
peio cometimento de delitos idênticos, contemporâneas ao procedi- l>,inha, entre outros. Assim, pode-se dizer que há uma convergência entre
mento em testilha, há muito foram encerradas, tendo as respectivas os critérios estabelecidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
condenações transitado em julgado após serem confirmadas pela e pela Corte Europeia de Direitos Humanos para aferir casuisticamente se
Corte estadual. 3. Nesse contexto, ainda que o simples indiciamento houve violação do direito ao prazo razoável, ainda que a Corte Interameri-
não constitua coação ilegal sanável pela via do habeas corpus quan- « In.) de Direitos Humanos estabeleça um critério a mais do que entende
do o incriminado permanece em liberdade, entende-se configurado necessário a Corte Europeia.
constrangimento na hipótese, decorrente da infindável duração do
Inquérito instaurado contra o paciente, que se vê investigado há 4. Elementos para aferira razoabilidade temporal na jurisprudência do STF
cinco anos sem que tenha sido ofertada denúncia pelos fatos apu- Ainda sobre os critérios para aferir a razoabilidade temporal, o STF, em sede
rados. 4. Ordem concedida para trancar o Inquérito Policial n. 113/05, de habeas corpus, também pontuou os elementos que entende necessá-
da comarca de Buritama/SP. (HC 144.593/SP, Min. Rei. JORGE MUSSI, rio para aferir se foi ou não extrapolada a duração razoável do processo,
a
5 Turma, julgado em 19/08/2010, DJe 27/09/2010)" (grifo nosso). 1 o r n o : a) a pluralidade de réus; b) a expedição de cartas precatórias; c) o
.ijuizamento de inúmeras medidas liberatórias e,- d) a existência de outros
3. Elementos para determinar casuisticamente se ocorreu a violação a
processos criminais em andamento (v. HC 113189, Rei. Min. Cármen Lúcia, 2
do direito ao prazo razoável no sistema europeu de direitos humanos
Turma,j. 02/04/2013). Note-se que os elementos estipulados pelo Supremo
Assim como no sistema interamericano de direitos humanos, o sistema eu- Tribunal Federal no julgado supracitado não são necessariamente Iguais
ropeu também realizou uma construção jurisprudencial de elementos para aos critérios estipulados pelos Tribunais Internacionais de Direitos Huma-
aferir se ocorreu em determinado caso uma violação do direito ao prazo nos. Ainda assim, não há qualquer divergência ou incompatibilidade entre
razoável. O primeiro caso a tratar do tema na Europa foi o Caso Neumeis- os entendimentos da jurisprudência internacional e os da jurisprudência
ter, no qual o processo demorou mais de sete anos em virtude de diversas doméstica, pois, quanto maior a proteção dos direitos do acusado, maior
cartas rogatórias. No caso supracitado, a Comissão Europeia de Direitos a perfectibilização do princípio do pro homine. Assim, tanto os elementos
Humanos fixou sete critérios para a determinação do prazo razoável: a) a estipulados pelas cortes internacionais quanto os elementos estipulados
efetiva duração da detenção; b) a duração da prisão preventiva em relação pelo STF devem ser considerados válidos para aferir se o direito à razoável
à natureza da infração, ao grau da pena cominada que se possa prever para duração do processo foi ou não violado em determinado caso.
o suspeito e ao sistema legal de abatimento da prisão no cumprimento da
pena, caso o suspeito venha a ser efetivamente condenado; c) a conduta
do acusado (analisarse a conduta contribuiu para retardara instrução pro-
cessual ou os debates ou ainda se o acusado pediu sua liberdade provisória
mediante o oferecimento de fiança ou de comparecimento em juízo); d) a
dificuldade de instrução do caso, como complexidade dos fatos, número de
acusados, número de testemunhas e etc; e) a forma como se desenvolveu
a instrução processual; f) a atuação do membro do Poder Judiciário e; g)
os efeitos materiais, morais e de outra natureza que a detenção produz no
detido quando ultrapassarem as normas e consequências da mesma.
232 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 233
de Justiça e de Direito Internacional (CEIJL) e também pela organização
nüo-governamental Human Rlghts Watch, em nome dos familiares dos
Caso Gomes Land e outros vs. Brasil . I' aparecidos na região do Araguaia.
24 de n o v e m b r o de 2010 0
(onhecimento da personalidade jurídica), artigo 4 (direito à vida), artigo
0
S" (direito à integridade pessoal), artigo 7 (direito à liberdade pessoal),
o
artigo 8 (garantiasjudiciais), artigo 13 (liberdade de pensamento e de ex-
pressão) e artigo 25 (proteção judicial). A Comissão Interamericana de Di-
RESUMO DO CASO reitos Humanos ainda fez referência à promulgação da Lei da Anistia no
l .tado brasileiro, que ocasionou a não-realização da investigação penal
O caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, popularmente conhecido como e do cumprimento do dever de perseguir e julgar os responsáveis pelos
"caso Guerrilha do Araguaia", trata da responsabilidade do Estado bra- massacres no caso Gomes Lund vs. Brasil.
sileiro pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de
O Estado Brasileiro alegou quatro exceções preliminares, postulando que a
aproximadamente setenta pessoas, entre elas integrantes do PCB (Parti-
Corte: a) não poderia atuar como uma "quarta instância" diante do Judiciá-
do Comunista Brasileiro) e camponeses da região do Araguaia, situada no
rio Brasileiro; b) declarasse a sua incompetência, em razão dos fatos ocorri-
Estado do Tocantins, entre 1972 e 1975.
dos no caso "Guerrilha do Araguaia" terem ocorrido antes da aceitação da
A maioria das vitimas desaparecidas integrava (ou pelo menos havia uma jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Brasil (cláu-
suspeita de que o fizessem) o movimento de resistência intitulado "Guer- sula ratione temporis); c) a falta de interesse processual dos representantes
rilha do Araguaia", conhecido por realizar atos de resistência e oposição das vítimas no caso; d) a falta do esgotamento dos recursos administrati-
aos militares. Naquela época, o governo do Estado brasileiro implemen- vos. Entretanto, nenhuma destas exceções foi acolhida pela Corte Intera-
tou ações com o objetivo de exterminar todos os integrantes do movi- mericana de Direitos Humanos, que passou a julgar o mérito da causa.
mento "Guerrilha do Araguaia", no que obteve êxito.
No mérito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu por una-
Ocorre que, no dia 28 de agosto de 1979, o Brasil aprovou a Lei Federal n° nimidade que:
6.683, popularmente conhecida como "Lei da Anistia". Esse diploma nor-
mativo perdoou todos aqueles que haviam cometidos crimes políticos ou "3. As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investi-
conexos com eles no período da ditadura militar, o que acabou gerando gação e sanção de graves violações de direitos humanos são incom-
a irresponsabilidade de todos os agentes do Estado brasileiro que par- patíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e
ticiparam dos massacres ocorridos no período da ditadura, inclusive em não podem seguir representando um obstáculo para a investigação
relação aos fatos ocorridos na região do Araguaia. dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos
responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto
A controvérsia chegou até a Comissão Americana de Direitos Humanos a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos
no dia 07 de agosto de 1995, através de petição apresentada pelo Centro consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.
234 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS HUMANOS | 235
4- o tstado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, 1,11N lidas que devem ser tomadas pelo Brasil como lorma de reparação no
pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurí- ( a s o Gomes Lund e outros vs. Brasil. São elas:
dica, à vida, à Integridade pessoal e à Uberdade pessoal, estabelecidos
7. O Estado deverá conduzir eficazmente a investigação penal dos fa-
nos artigos 3,4,5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Huma-
tos do presente caso, esclarecer, responsabilizar penalmente e aplicar
nos, em relação com o artigo 7.7 desse instrumento, em prejuízo das
sanções e consequências dispostas em lei;
pessoas indicadas no parágrafo 725 da presente Sentença, em confor
midade com o exposto nos parágrafos 101 a 725 da mesma, 2. Determinar os autores materiais e intelectuais do desaparecimento
forçado das vítimas e da execução extrajudicial;
5. O Estado descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno
à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, contida em seu 3,0 Estado não poderá aplicar a lei de anistia em beneficio dos auto-
artigo 2, em relação aos artigos 8a, 25 e 7.7 do mesmo instrumento, res, ou qualquer excludente similar de responsabilidade para eximir-
como consequência da interpretação e aplicação que foi dada à Lei de se da obrigação;
Anistia a respeito de graves violações de direitos humanos, Da mesma
4. As autoridades que realizarão as investigações disponham de todos
maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garan-
os recursos necessários para realizá-las da melhor forma possível, as
tias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 8.1 e 25a da
pessoas que participem da investigação recebam a devida segurança,
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos ar-
não sejam realizados atos que prejudiquem o processo investigativo;
tigos í.7 e 2 desse instrumento, peia falta de investigação dos fatos
do presente caso, bem como pela falta de julgamento e sanção dos 5. Que os supostos responsáveis militares sejam julgados em jurisdi-
responsáveis, em prejuízo dos familiares das pessoas desaparecidas e ção ordinária e não em jurisdição militar;
da pessoa executada, indicados nos parágrafos 180 e 181 da presente
6 . 0 resultado dos processos deverá ser publicamente divulgado, para
Sentença, nos termos dos parágrafos 137 a 182 da mesma.
que a sociedade brasileira conheça os fatos, objeto do presente caso;
6.0 Estado é responsável pela violação do direito à liberdade de pen-
7. O Estado deve esforçar-se para que, com brevidade, sejam encontra-
samento e de expressão consagrado no artigo 13 da Convenção Ame-
dos os restos mortais das vítimas da Guerrilha do Araguaia. O Estado
ricana sobre Direitos Humanos, em relação com os artigos 7.7, 8.7 e 25
também deve ser encarregado de custear possíveis despesas funerárias;
desse instrumento, pela afetação do direito a buscar e a receber infor-
mação, bem como do direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido. 8. Conceder o prazo de seis meses, contados a partir da notificação da
Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos sentença para requerer atendimento psicológico e psiquiátrico, que
às garantias judiciais estabelecidos no artigo 8.1 da Convenção Ame- deverá ser prestado por entidades públicas, na localidade mais próxi-
ricana, em relação com os artigos 1.1 e 13a do mesmo instrumento, ma à vítima, e os medicamentos necessários;
por exceder o prazo razoável da Ação Ordinária, todo o anterior em
9. A sentença deverá ser publicada no Diário Oficial e também em
prejuízo dos familiares indicados nos parágrafos 212,213 e 225 da pre-
sente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 196 um jornal de grande circulação nacional. A sentença ainda deve ser
a 225 desta mesma decisão. publicada em formato de livro eletrônico na internet;
236 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 237
fj. O Estado brasileiro deverá adotar medidas legislativas que refor- «>( i.itico anterior, como por exemplo, prover indenizações aos familiares
cem o acesso à informação da população; das vítimas, responsabilizar o Estado pelos abusos cometidos etc. Histori-
74, Realizar a criação de uma Comissão da Verdade para que se inves- t .imente, o conceito de "justiça de transição" e suas quatro dimensões é de
tigue e se faça conhecer toda a verdade sobre os fatos ocorridos no Bütofía do Conselho de Segurança da ONU. Vejamos o conceito Onusiano
período da ditadura militar; pmferido por Jorge Chediek, representante residente do Programa das Na-
1 ões Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e coordenador residente do
75. O pagamento da quantia de US$ 3.000,00 (três mil dólares) para Sistema ONU Brasil: "Para a família da ONU, justiça de transição é o conjun-
cada familiar da vítima pelo dano material;
to de mecanismos usados para tratar o legado histórico da violência dos re-
16.0 pagamento da quantia de US$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil gimes autoritários. Em seus elementos centrais estão a verdade e a memória,
dólares) para cada familiar direto e de U5$ 15.000,00 (quinze mil dó- através do conhecimento dos fatos e do resgate da história. Se o Desenvol-
lares) para cada familiar indireto; vimento Humano só existe de fato quando abrange também o reconheci-
mento dos direitos das pessoas, podemos dizer que temos a obrigação morai
17.O pagamento de US$5.000,00 (cinco mil dólares) aos familiares e
US$ 35.000,00 (trinta e cinco mil dólares) a favor do grupo "Tortura de apoiar a criação de mecanismos e processos que promovam a justiça e a
Nunca Mais" da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos reconciliação. No Brasil, tanto a Comissão de Anistia quanto a Comissão da
Políticos de São Paulo e do Centro pela Justiça e o Direito Internacio- Verdade configuram-se como ferramentas vitais para o processo histórico de
nal, respectivamente a título de custas e gastos"23j. wsgate e reparação, capazes de garantir procedimentos mais transparentes e
eficazes. É papel da ONU, como agente de mudança e de transformação, sen-
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
sibilizar e predicar àqueles que não compartilham destes ideais a importân-
cia da construção e do respeito aos Direitos Humanos, pedra fundamental
1 . 0 caso "Guerrilha do A r a g u a i a " envolve o t e m a da justiça de transi- sobre a qual está edificada a Carta das Nações Unidas. Ê através desse prisma
ção e suas quatro dimensões que os ideais de um mundo mais justo e pacifico devem ser concretizados,
lustiça, paz e democracia não são objetivos que se excluem. Ao contrário, são
O caso Gomes Lund e outros vs. Brasil é mais um caso julgado pela Corte In- 239
238
imperativos que se reforçam" .
teramericana de Direitos Humanos envolvendo Leis de Anistia, Justiça de
transição e suas quatro dimensões. Em uma breve síntese, entende-se por Outrossim, o Conselho de Segurança da ONU também definiu quatro
justiça de transição (ou "transitionaljustice") um conjunto de mecanismos práticas para lidar com o regime de exceção. A doutrina costuma chamar
judiciais ou extrajudiciais utilizados por uma sociedade como um ritual de essas facetas de "dimensões". São elas: a) direito à memória e à verdade;
passagem à ordem democrática após graves violações de direitos huma- b) direito à reparação das vítimas (e seus familiares); c) o adequado trata-
nos por regimes autoritários e ditatoriais, de forma que se assegure a res- mento jurídico aos crimes cometidos no passado; d) a reforma das insti-
ponsabilidade dos violadores de direitos humanos.o resguardo da justiça e tuições para a democracia. Sobre o conceito de justiça de transição e suas
a busca da reconciliação. Assim,ajustiça de transição compreende diversas dimensões, é a lição de André de Carvalho Ramos: "A justiça de transição
práticas administrativas e judiciais que visam deslegitimar o regime antld. engloba o conjunto de dispositivos que regula a restauração do Estado de
Direito após regimes ditatoriais ou conflitos armados internos, engloban-
do quatro dimensões (ou facetas): (i) direito à verdade e à memória; (ii) o
direito à reparação das vítimas; (iii) o dever de responsabilização dos perpe-
237 U m a breve síntese da sentença do c a s o Comes Lunde outros vs. Brasil, disponível tradores das violações de direitos humanos e, finalmente (iv) a formatação
e m : <http://www.corteidh.or.cr/docs/ casos/artículos/seriec_2ig_por.pdf>.
238 O primeiro c a s o j u l g a d o na Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s e n v o l v e n -
do Justiça de T r a n s i ç ã o e Leis de A n i s t i a foi o caso Barrios Altos vs. Peru. Outros
j u l g a d o s envolvendo o t e m a t a m b é m j á f o r a m apreciados e j u l g a d o s pela Corte 239 C H E D I E K , Jorge. Justiça de Transição. Manual para a América Latina. O N U . Brasil
I D H , são eles: Almonacid Arellano e outros vs. Chile, La Cantuta vs. Peru, Gelman vs. e Nova Iorque, p.16. Disponível e m : < h t t p : / / www.dhnet.org.br/verdade/resisten-
Uruguai, entre outros. cia/a_pdf/manualJustica_transicao_ameríca_latina.pdf>.
238 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DISEITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 239
democrática das instituições protagonistas da ditadura (por exemplo, as 1 indenizar diversos familiares das vitimas desaparecidas na região do
2 0
Forças Armadas)" * . Ai.iguala. Além disso, e como concretização do direito à reparação das
(•• m - u s Ian lili, i r e s ) , o Indiciário brasileiro v e r t i e n t e n d e n d o q u e . 1
Vejamos cada urna das facetas da justiça de transição:
h i de Anistia não pode ser estendida à esfera civil, o que possibilita que
7.7. Direito à verdade e à memória I S 1 'essoas suspeitas de cometer atos ilícitos no período entre 1661 e 1979
O direito à verdade e à memória nada mais é do que uma busca de toda iv.arn ser demandadas na justiça para que reparem seus danos.
informação ou esclarecimento de interesse público para que a população
1 j. A reforma das instituições para a democracia
saiba o que realmente aconteceu ou não durante o período do regime
antld.ocrático. Essa faceta da justiça de transição pode ser concretiza- 1 i i s d e o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil vem evoluindo
da através de medidas administrativas, resguardando a história do país para o cumprimento dessa dimensão da justiça de transição. A Constitui-
afetado pelo regime antld.ocrático, e também através de ações judiciais <.,in Federal de 1988 estabeleceu no Brasil o que muitos entendem como
que visem obter a devida reparação pelos danos sofridos no regime an- D regime mais democrático de toda a história brasileira. Nesta linha, as
tld.ocrático, bem como responsabilizar os responsáveis pelas violações de próprias Forças Armadas passaram por um processo de reformulação e
direitos humanos. Nessa linha, André de Carvalho Ramos esclarece que o democratização desde o fim do período ditatorial. Atualmente, a liberda-
direito à verdade eà memória édotadode uma dupla finalidade. Vejamos de de expressão, a liberdade de ir e vir, o direito de reunião e o direito de
o esclarecimento do autor: "O direito à verdade consiste na exigência de associação, estão consagrados como direitos fundamentais e não podem
toda informação de interesse público, bem como exigir o esclarecimento de sofrer limitação arbitrária por parte do Estado. Entretanto, se reconhece
situações inverídicas relacionadas a violações de direitos humanos. Tem du- que o Brasil ainda pode melhorar seu regime democrático, principalmen-
242
pla finalidade: o conhecimento e também o reconhecimento das situações, le no que tange a concretização de direitos sociais .
combatendo a mentira e a negação de eventos, o que concretiza o direito à
2. Divergência entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e
memória. (...) O direito à verdade é concretizado tanto na sua faceta históri-
da Corte Interamericana de Direitos Humanos
ca, mediante Comissões da Verdade (ver abaixo a Lei n. 12.528/2012), quanto
na sua faceta judiciai (fruto das ações judiciais — eiveis e criminais — de No dia 21 de outubro de 2008, o Conselho Federal da OAB ajuizou uma
punição dos agentes responsáveis)" *'. 2
ADPF almejando conferir interpretação conforme a Constituição para
que a Lei da Anistia brasileira fosse interpretada no sentido de excluir
7.2. Direito à reparação das vítimas os agentes da ditadura militar dos seus efeitos. Em síntese, o Conselho
Essa dimensão da justiça de transição pode ser realizada tanto pela Corte federal da OAB invocou preceitos fundamentais constitucionais como
Interamericana de Direitos Humanos quanto pelo próprio Judiciário bra- o princípio da igualdade, o direito à verdade, o princípio republicano e
sileiro. O direito à reparação das vítimas pode ocorrer de inúmeras ma- ,1 dignidade da pessoa humana. Ocorre que, no dia 28 de abril de 2010, o
neiras, tais como: a publicação da sentença da Corte Interamericana de Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a demanda proposta pelo
Direitos Humanos no Diário Oficial da União como pedido de desculpas; t.FOAB. Segundo o STF, a Lei da Anistia deve ser aplicada aos atos crimi-
a descoberta do que efetivamente ocorreu no período do regime antld. nosos cometidos pelos agentes da ditadura. Já no dia 24 de novembro de
ocrátíco; a localização dos corpos das vítimas do delito de desapareci- ¿010, quase sete meses após a decisão proferida pelo Supremo na ADPF
mento forçado no período ditatorial; a concessão de indenizações para 153, a Corte Interamericana de Direitos Humanos julgou o caso Gomes
os familiares das vítimas etc. No caso Comes Lund e outros vs. Brasil, a Lund e outros vs. Brasil, reconhecendo a invalidade da Lei de Anistia brasi-
Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro
240 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIRECTOS HUMANOS | 241
leira e condenando o Estado brasileiro a investigar e punir os agentes da /. th entendimentos. O primeiro deles é preventivo e consiste no apelo ao
ditadura militar pelas graves violações de direitos humanos ocasionadas I ualogo das Cortes"e àfertilização cruzada entre os tribunais. Com isso, an-
na região do Araguaia durante o período ditatorial. Segundo a Corte In- feveji >. no futuro, o uso pelo STF das posições dos diversos órgãos internacio-
teramericana de Direitos Humanos, são incompatíveis com a Convenção ni te. de direitos humanos aos quais o Brasil já se submeteu. Claro que não
Americana de Direitos Humanos todas as anistias de graves violações de nossivel obrigai os juízos nacionais ao 'dialogo das Cortes] pois isso des-
243
direitos humanos e não somente as "autoanistias" . Desse modo, restou naturaria a independência funcional e o Estado Democrático de Direito" ^. 2
242 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 243
tucional. Por outro lado, a Corte de San íuse e guardiã da Convertido Ameri Al )p|- 320, proposta pelo PSOL em 2014, visto que são ações com preten-
cana de Direitos Humanos e dos tratados de direitos humanos que possam tôes diversas. O objetivo da ADPF 153, proposta pelo Conselho Federal
ser conexos. Exerce, então, o controle de convencionalidade. Para a Corte d.i OAB, era que o STF adotasse uma interpretação da Lei de Anistia, nos
IDH, a Lei da Anistia não é passível de ser invocada pelos agentes da dita- • pnformes da Constituição, de forma a excluir do alcance de sua prote-
dura. Com base nessa separação, é possível dirimir o conflito aparente entre ção os agentes da ditadura. Como já abordamos anteriormente, o STF
uma decisão do STF e da Corte de San José. Assim, ao mesmo tempo em que d<< idiu peia improcedência da primeira ADPF. Já na ADPF 320,0 objetivo
se respeita o crivo de constitucionalidade do STF, deve ser incorporado o ila demanda é obter do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento da
crivo de convencionalidade da Corte Interamericana de Direitos Humanos. validade e do caráter vinculante da decisão proferida no caso Gomes
Todo ato interno (não importa a natureza ou origem) deve obediência aos lund e outros vs. Brasil. Assim, não há que se falar em qualquer conflito
dois crivos. Caso não supere um deles (por violar direitos humanos), deve o ou violação ao princípio do ne bis in ld. neste caso.
Estado envidar todos esforços para cessar a conduta ilícita e reparar os da-
nos causados. No caso da ADPF 753 houve o controle de constitucionalidade. Não deixamos de lamentar o fato de ser necessária a propositura de uma
No caso Comes Lund, houve o controle de convencionalidade. A anistia aos nova ADPF para que o Estado brasileiro cumpra os ditames da sentença
agentes da ditadura, para subsistir, deveria ter sobrevivido intacta aos dois do caso Gomes Lund. Isso porque o Brasil aderiu à jurisdição da Corte Inte-
controles, mas só passou (com votos contrários, diga-se) por um, o controle 1 americana de Direitos Humanos, e as decisões da Corte de San José são
de constitucionalidade. Foi destroçada no controle de convencionalidade. vinculantes. Assim, por uma proteção internacional dos direitos humanos
Cabe, agora, aos órgãos internos (Ministério Público, Poderes Executivos, ( ada vez mais ampla, espera-se que, com uma nova composição do Su-
Legislativo e Judiciário) cumprirem a sentença internacional. A partir da premoTribunal Federal, o julgamento da ADPF 320 tenha destino diverso
teoria do duplo controle, agora deveremos exigir que todo ato interno se da ADPF 153.0 Ministério Público Federal já exarou parecer favorável pelo
conforme não só ao teor da jurisprudência do STF, mas também ao teor 1 onhecimento e procedência parcial da ADPF 320.
da jurisprudência interamericana, cujo conteúdo deve ser estudado já nas
Faculdades de Direito" * . 2 9 3. Dever de investigar e punir como norma de jus cogens
Ainda sobre a teoria do duplo controle, é importante ressaltar que o Minis- As "garantias de não-repetição" consistem em uma das formas de repa-
tério Público Federal adota essa teoria, conforme o parecer do PGR na ADPF ração por violação de direitos humanos utilizadas pela Corte Interame-
320, que será julgada pelo SupremoTribunal Federal em um futuro próximo. ricana de Direitos Humanos para que se assegure que os Estados julga-
dos por sua jurisdição não tornem a violar direitos humanos previstos na
2.2. A propositura de uma nova ADPF pelo PSOL e a não-violaçõo do ne Convenção Americana de Direitos Humanos. Dentro dessas garantias de
bis In ld. não-repetição, insere-se o dever de investigar e punir, conforme o qual o
I stado condenado pela jurisdição da Corte IDH é sentenciado a investigar
Irresignado com a postura do Estado brasileiro diante da inércia e d
e. punir os autores das violações de direitos humanos. Desse modo, evita-
não-cumprimento da decisão proferida pela Corte Interamericana de
se tanto a reincidência da conduta violadora de direitos humanos quanto
Direitos Humanos no caso Comes Lund e outros vs. Brasil, o Partido So-
.1 própria impunidade dos responsáveis. O dever de investigar e punir foi
cialismo e Liberdade (PSOL) ingressou no dia 15 de maio de 2014 com 149
utilizado pela primeira vez no caso Velasquez Rodriguez vs. Honduras ,
uma ADPF no Supremo Tribunal Federal para que a corte máxima do
Judiciário brasileiro reconheça a validade e o efeito vinculante da de-
cisão proferida pela Corte IDH no caso da Guerrilha do Araguaia. Em-
bora possa parecer um tanto confuso, não há que se falar em qualquer .'49 Foi e m razão do dever de investigar e de punir aplicado pela Corte I D H no caso
conflito entre a ADPF 153 (já julgada pelo Supremo Tribunal Federal) e a Velasquez Rodriguez vs. H o n d u r a s que nasceu a " D o u t r i n a V e l a s q u e z Rodriguez".
Essa d o u t r i n a d e t e r m i n a que o Estado deve reprimir p e n a l m e n t e as violações de
direitos h u m a n o s . Desse m o d o . s e o Estado c o n d e n a d o se quedar inerte nesta t a -
refa, será responsabilizado t a n t o pelas violações dos direitos h u m a n o s ocorridas
248 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva: 2014, p. 408. e m seu território, q u a n t o pela i m p u n i d a d e dos autores dessas violações.
244 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 245
primeiro caso julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humano", a doutrina convencionou chamar de mandado de criminalização. Esses
desde o início de seus trabalhos no ano de 1988, Vejamos a lição de An- mandados de criminalização podem ser nacionais (quando previstos na
dré de Carvalho Ramos sobre o ponto em análise: "Diante da gravidade I Cfftftituição Federal) ou internacionais (quando previstos em um tratado
das condutas de violações de direitos humanos, pode ser fixado o dever do Internacional ou ainda em uma decisão de um tribunal internacional).
Estado em investigar e punir os responsáveis pelas violações, de modo a Atendo-nos ao âmbito internacional, caso a ordem para a tipificação de
evitara impunidade e prevenir a ocorrência de novas violações. Tal objetivo uma determinada conduta esteja prevista em um tratado internacional,
de prevenção da ocorrência de novas violações insere o chamado "dever de ilar-se-á o nome de mandado internacional expresso de criminalização.
investigar, processar e punir" como forma de garantia de não repetição"* . 0
N e s s e sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Quanto à primeira
obrigação (criminalizar condutas), os tratados de direitos humanos esti-
O dever de Investigar e punir foi utilizado pela Corte Interamericana de Di-
pulam diversos mandados internacionais expressos de criminalização, que
reitos Humanos na sentença proferida contra o Estado brasileiro no caso
consistem em cláusulas previstas em tratados ordenando a tipificação pe-
Gomes Lund e outros vs. Brasil. O tribunal interamericano ordenou que o Bra-
nal nacional de determinada conduta, a imposição de determinada pena,
sil investigasse os fatos e punisse os responsáveis pelas violações de direitos
a vedação de determinados benefícios (por exemplo, a proibição da prescri-
humanos na região do Araguaia. Nessa linha, a Corte IDH reiterou o caráter 2 2
> ao penal) ou até mesmo o tratamento prisional específico" '' .
de norma de jus cogens do dever de investigare punir, ressaltando o caráter
cogente e imperativo dessa norma para a comunidade internacional como Por outro lado,caso o comando para a tipificação de uma determinada con-
um todo. Com o intuito de elucidar qualquer dúvida sobre o conceito de nor- duta advenha de uma sentença de determinado tribunal internacional, atri-
ma de jus cogens, vejamos a explicação de André de Carvalho Ramos sobre bui-se o nome de mandado internacional implícito de criminalização. Nesse
o que são essas normas imperativas: "No Direito Internacional, a norma im- sentido, invoca-se novamente a doutrina de André de Carvalho Ramos: "A
perativa em sentido estrito (também denominada norma cogente ou norma justificativa para a existência de mandados implícitos de criminalização está
de jus cogens) é aquela que contém valores considerados essenciais para a na chamada dupla dimensão dos direitos humanos, já vista, e também, no
comunidade internacional como um todo, e que, por isso, possui superiorida- próprio principio da proibição de insuficiência (faceta positiva da proporcio-
de normativa no choque com outras normas de Direito Internacional. Assim, nalidade). Os mandados implícitos de criminalização pressupõem a atividade
pertencer ao jus cogens não significa ser considerado norma obrigatória, pois de interpretação de textos normativos. No direito Internacional dos Direitos
todas as normas internacionais o são-, significa que, além de obrigatória, a Humanos, tais mandados foram extraídos de textos convencionais, em es-
norma cogente não pode ser alterada peia vontade de um Estado" *. 2
pecial graças à atividade hermenêutica de duas Cortes regionais de direitos
humanos: a Corte interamericana de Direitos Humanos e a Corte Europeia de
4, A Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s proferiu um m a n d a - Direitos Humanos. Estas interpretaram, respectivamente, a Convenção Ame-
do internacional implícito de criminalização contra o Brasil: a tipifica- ricana de Direitos Humanos e a Convenção Europeia de Direitos Humanos no
ção do delito de desaparecimento forçado sentido de reconhecer a necessidade de punição penal aos autores de viola-
Ao condenar o Estado brasileiro no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, a ções de direitos humanos. (...) Assim sendo, o Direito Internacional dos Direi-
Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou que o Brasil proce- tos Humanos estipulou verdadeiros mandados implícitos de criminalização
por meio do reconhecimento do dever de investigare punir criminalmente os
desse à tipificação do crime de desaparecimento forçado. Quando uma
autores de violações de direitos humanos. De fato, para que se puna criminal-
lei, tratado ou até mesmo uma sentença internacional profere uma or- 2 3
mente é necessário que o Estado antes tenha tipificado a conduta em tela" '* .
dem de criminalização de determinada conduta, estamos diante do que
250 RAMOS, And ré de Ca rval ho. Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos 252 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Cerai dos Direitos Humanos na Ordem Interna-
Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, p. 291-292. cional. 4. e d . S ã o Paulo: Saraiva, 2014, p,245,
251 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Cerai dos Direitos Humanos na Ordem interna- 253 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Cera! dos Direitos Humanos na Ordem Interna-
cional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 152-153 cional. 4, ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 249-250.
246 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 247
Questiona-se: seria possível a Corte Interamericana de Direitos Humanos iniimimerlcana de Direitos Humanos decidiu no caso Anzualdo Castro vs.
condenar o Brasil pelo delito de desaparecimento forçado ainda que o Es- Peai que, diante de circunstâncias razoáveis para suspeitar que algum in-
tado brasileiro não tenha esta conduta criminalizada em sua legislação dividuo tenha sido vítima do crime de desaparecimento forçado, o Estado
interna? Sim! Segundo o entendimento da Corte Interamericana de Direi- 1 leve abrir uma investigação ex officio.
tos Humanos no caso Caballero Delgado e Santana vs. Colômbia (1993), I
Alualmente, o delito de desaparecimento forçado é um dos temas mais
ausência de tipificação do delito de desaparecimento não deve impedir a
hequentes nos julgamentos da Corte IDH. Citamos como exemplos de
condenação do Estado em âmbito internacional. O fato de o Estado ainda
i a s o s envolvendo o delito de desaparecimento forçado: Heliodoro Portu-
não ter criminalizado a conduta de desaparecimento forçado deve servir
como mola propulsora para uma condenação em âmbito internacional e, qid vs. Panamá, Bámaca Velasquez vs. Guatemala, Blanco Romero e outros
por conseguinte, uma futura tipificação do delito em análise . Portanto, 254 vs. Venezuela, Caballero Delgado e Santana vs. Colômbia, Gomez Palomino
ao condenar o Brasil pelo desaparecimento forçado de uma série de indiví- vs. Peru, Anzualdo Castro vs. Peru, La Masacre de Maplripán vs. Colômbia,
duos na região do Araguaia, a Corte Interamericana de Direitos Humanos Gonzalez Medina e Familiares vs. República Dominicana e Osório Rivera e
nada mais fez do que manter o seu entendimento já consolidado. l amiliares vs. Peru.
Por fim, e a título de curiosidade, ressalta-se que tramita na Câmara dos De- 4.2. Elementos estruturantes do delito de desaparecimento forçado se-
putados um PL de autoria do senador Vital do Rego para tipificar a conduta gundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos
de desaparecimento forçado e acrescentá-lo ao rol de crimes hediondos.Tra-
ta-se do PL 6.240/2013, que possui a seguinte ementa: "Acrescenta art. 149-A Nos casos Gomez Palomino vs. Peru (2005), Osório Rivera e Familiares vs.
ao Decreto-lei n°2.848, de 7de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar Peru (2013J, Gonzalez Medina e Familiares vs. República Dominicana (2012)
o crime de desaparecimento forçado de pessoa, e acrescenta inciso VIU ao art. e Gelman vs. Uruguai (2011), a Corte Interamericana de Direitos Humanos
i° da Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990, para considerar esse crime hediondo". definiu os três elementos estruturantes para que se reste configurado o
delito de desaparecimento forçado. São eles: a) a privação da liberdade;
4.1. Primeira aparição do desaparecimento forçado na jurisdição da Cor- b) a intervenção direta de agentes estatais ou a aquiescência destes; e c)
te interamericana de Direitos Humanos e a questão do ônus da prova a negativa de reconhecer a detenção e de revelar o fim ou o paradeiro da
É possível dizer que as discussões envolvendo o delito de desaparecimen- pessoa interessada.
to forçado "nasceram" junto com a atividade judicante da Corte Intera-
mericana de Direitos Humanos. Isso porque os três primeiros casos julga- 4.3. Desaparecimento forçado, extradição e dupla tipicidade
dos pela Corte de San José versaram sobre o tema: Velasquez Rodriguez vs. Para viabilizar o pleito da extradição,o requisito da dupla tipicidade é me-
Honduras, Pairen Carbi e Solis vs. Honduras e Godínez Cruz vs. Honduras. A dida que se impõe. Entende-se por princípio da dupla tipicidade (também
doutrina costuma fazer referência a estes três casos como "os três casos chamado de "princípio da dupla incriminação" ou da "identidade da in-
hondurenhos". Nestes casos, a Corte Interamericana de Direitos Huma- íração") a necessidade de que determinada conduta seja tipificada tan-
nos firmou sua jurisprudência tradicional no sentido de que, nos casos to no estado requerido quanto no estado requerente da extradição. Para
envolvendo o delito de desaparecimento forçado, o ônus de provar que o
que seja satisfeito o requisito da dupla tipicidade, não é necessário que a
indivíduo não está desaparecido é do Estado.
conduta criminosa tenha o mesmo nomen júris em ambos os países.
Ainda nessa linha de raciocínio e segundo seu próprio entendimento
Ao realizar a análise de pedidos de extradição envolvendo o delito de
acerca do ônus da prova no delito de desaparecimento forçado, a Corte
desaparecimento forçado, o Supremo Tribunal Federal entendeu que
estaria satisfeito o princípio da dupla tipicidade, mesmo não havendo
a tipificação do delito de desaparecimento na ordem interna brasileira.
254 A Corte I n t e r a m e r i c a n a de Direitos H u m a n o s t a m b é m a d o t o u este e n t e n d i m e n
to nos casos Heliodoro Portugal vs. Panamá (sentença proferida e m 12.08.2008) Para chegar a este raciocínio, o STF entendeu que o delito de sequestro
G o í b u r ú e outros vs. Paraguai (sentença proferida e m 22.09.2006}. previsto no art. 146 do Código Penal brasileiro seria equivalente ao deli-
248 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 249
to de desaparecimento forçado para fins de aferir se está preenchida ou no paradigmático caso Nlcholas Blake vs. Guatemala, a própria jurispru
não a dupla tipicidade . 255
dencla da Corte Interamericana de Direitos Humanos já havia admitido
lua própria competência para julgar um Estado por fatos anteriores ao
Para encerrar, é importante ressaltar que o desaparecimento forçado não M I o i i l i ( ' ( i mento de sua jurisdição. No caso Blake, a Corte IDH reconheceu
pode ser considerado crime político para fins de extradição, conforme ar-
que o assassinato do jornalista americano Nicholas Blake não havia sido
tigo 13 da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas
256
investigado de maneira adequada, o que inviabilizou a responsabilização
contra o Desaparecimento Forçado . Sobre o ponto, importante registrar
i h is violadores de direitos humanos. Segundo a Corte Interamericana, es-
que, embora o Brasil tenha ratificado a Convenção Internacional para a
sas obrigações de investigar e responsabilizar os autores de tais violações
Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, o mes-
possuiriam o caráter permanente, sendo, portanto, posteriores ao reco-
mo não pode se falar da Convenção Interamericana sobre o Desapareci- 259
n i i i i imento da jurisdição pelo Estado da Guatemala .
mento Forçado, que, embora tenha sido aprovada pelo Congresso Nacio-
nal, ainda não foi ratificada pelo Estado brasileiro. 11 ii com base nesse entendimento que a Corte Interamericana de Direitos
I lumanos rejeitou a exceção preliminar proposta pelo Estado brasileiro e
Ainda sobre a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pes-
0 determinou sua própria competência parajulgarofeito.Segundoa Corte
soas contra o Desaparecimento Forçado, o artigo 5 do referido compro-
misso internacional prevê que: "a prática generalizada de desaparecimen- II il I, os corpos das vítimas do caso Gomes Lund e outros vs. Brasil conti-
to/orçado constitui crime contra a humanidade, tal como define o direito nuam desaparecidos e os responsáveis pelos desaparecimentos forçados
internacional aplicável, o qual está sujeito às condições nele previstas" . A 251 nao foram responsabilizados. Assim, a Corte Interamericana de Direitos
matéria foi tratada da mesma maneira pelo Estatuto de Roma (TPI). Humanos entendeu que o próprio delito de desaparecimento forçado
••eria de caráter permanente, pois, a cada instante passado sem que se
5 . 0 Brasil foi processado por violações de direitos humanos cometi- encontrem os corpos desaparecidos e se responsabilizem os autores dos
das antes de sua adesão à jurisdição da Corte Interamericana de Di- delitos, o direito à vida e à integridade física estariam sendo violados.
reitos H u m a n o s Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: "No caso brasileiro,
Uma das exceções preliminares arguidas pelo Estado brasileiro no caso cm face do ocorrido na chamada 'Guerrilha do Araguaia' e nos casos de
Gomes Lund vs. Brasil foi justamente a incompetência da Corte Interame- tortura, homicídios e desaparecimentos forçados, a situação é semelhante.
ricana de Direitos Humanos para julgar o feito. Isso foi alegado porque Os fatos e a lei da anistia são da década de 1970, bem antes do reconheci-
o Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana mento brasileiro da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Di-
de Direitos Humanos no dia 10 de dezembro de 1998, mais de duas dé- reitos Humanos, mas os corpos continuam desaparecidos e os responsáveis
cadas após os fatos ocorridos na região do Araguaia. Assim, segundo o por eventuais violações de direitos humanos continuam impunes, uma vez
Estado brasileiro, o processamento do caso na Corte Interamericana de que a anistia impediu as possíveis ações penais. Assim, a lógica do Caso Bla-
Direitos Humanos violaria sua cláusula ratione temporis ^. Ocorre que, 2
ke pode ser perfeitamente aplicada ao Brasil, tornando ineficaz a cláusula
temporal inserida no nosso ato internacional de reconhecimento da jurisdi-
ção da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Saliente-se, por fim, que
o Caso Blake, que nos traz essa interpretação sobre os limites à jurisdição
255 STF, Extradições 974,1278 e 1150.
temporal da Corte, foi sentenciado em 24 de janeiro de 1998, quase um ano
256 O Brasil a s s i n o u a C o n v e n ç ã o Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas
contra o D e s a p a r e c i m e n t o Forçado no dia 6 de fevereiro 2 0 0 7 . 0 Decreto Legislati-
depois do reconhecimento pelo Brasil da jurisdição da Corte Interamerica-
vo do C o n g r e s s o N a c i o n a l foi a p r o v a d o e m i ° de s e t e m b r o de 2010 e a C o n v e n ç ã o
e m análise foi ratificada e m 29 de n o v e m b r o de 2010.
257 Os crimes contra h u m a n i d a d e são n o r m a s de jus cogens. Este t a m b é m foi o e n t e n -
d i m e n t o da Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s no caso Arellano Almona- 259 A l é m do caso Blake vs. Guatemala, o e n t e n d i m e n t o e n v o l v e n d o o dever de " i n v e s -
cid vs. Chile. t i g a r e punir" e seu caráter p e r m a n e n t e foi adotado pela Corte I n t e r a m e r i c a n a de
Direitos H u m a n o s no caso Comunidade Mowana vs. Suriname (Sentença proferida
258 S e g u n d o essa c l á u s u l a , a Corte de S a n José só pode j u l g a r d e t e r m i n a d o Estado por
fatos ocorridos após a a c e i t a ç ã o da sua jurisdição. e m 08 de fevereiro de 2006).
250 | JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA IURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 251
na de Direitos Humanos (1998). Ou seja, o Brasil tinha ciência e sabia desse (• .' Imprescritlbllidade da pretensão indenizatória em virtude de da-
precedente antes de reconhecer a jurisdição da Corte. Com isso, a Corte es- nos decorrentes da perseguição política na época da ditadura militar
tabeleceu que possui jurisdição para analisar os atos de caráter continuo '.r) ;u ndo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, os danos decorren-
ou permanente. No caso Gomes Lund, a Corte recordou o caráter continuo li", de perseguição política na época da ditadura militar são imprescritíveis.
ou permanente do desaparecimento forçado de pessoas e considerou que a
nu, é pacifico o entendimento de que não se aplica o prazo prescricíonal
própria existência do desaparecimento forçado permite concluir que houw
quinquenal do Decreto n° 20.910/1932. Vejamos um julgado nesse sentido:
desrespeito — continuo — aos deveres de prevenir violação do direito à
2bo
vida e integridade fisica" . PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS
6. Jurisprudência nacional correlata sobre o t e m a DECORRENTES DE PERSEGUIÇÃO POLÍTICA NA ÉPOCA DA DITADURA
A jurisprudência brasileira vem enfrentando os mais diversos casos en- MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO DE CON-
volvendo fatos ocorridos no período da ditadura militar. Logo, além das TRARIEDADE A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO
duas ADPFs já enfrentadas, é importante que mencionemos os julgados STF. 1.0 acórdão impugnado decidiu em conformidade com a orien-
mais importantes em âmbito nacional. tação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça no sentido de
que não se aplica a prescrição quinquenal do Decreto n. 20.910/1932
6.1. Possibilidade de penhora da remuneração econômica recebida a às ações de reparação de danos sofridos em razão de perseguição,
título de anistia política tortura e prisão, por motivos políticos, durante o Regime Militar,
Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a remuneração pois nesse caso é imprescritível a pretensão. 2. No mesmo sentido,
recebida a título de anistia política não configura verba salarial. Logo, pelo os seguintes precedentes: AgRg no REsp 1.417.171/SP, Segunda Turma,
entendimento do STJ, tal remuneração pode ser penhorada, conforme o Rei. Min. Humberto Martins, DJe 16/12/2013; AgRg no AREsp 330.242/
julgado a seguir: RS, Segunda Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, DJe 5/12/2013; AgRg
no REsp 1.301.122/RJ, Primeira Turma, Rei. Min. Ari Pargendler, DJe
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO
25/9/2013; AgRg no REsp 1.128.042/ PR, Primeira Turma, Rei. Min. Sér-
ART. 557 DO CPC. ANISTIA POLÍTICA. REMUNERAÇÃO ECONÔMICA.
gio Kukina, DJe 23/8/2013.3.0 Superior Tribunal de Justiça não é com-
CARÁTER INDENIZATÓRIO. PENHORA. POSSIBILIDADE. 1. Nos termos
petente para analisar, em sede de recurso especial, eventual violação
da jurisprudência pacífica do STJ, fica superada eventual ofensa ao
de dispositivos constitucionais, sob pena de usurpar-se da competên-
art. 557 do Código de Processo Civil pelo julgamento colegiado do
cia do Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo regimental não provido.
agravo regimental interposto contra decisão singular do Relator. 2. a
(AgRg no REsp 1424680/SP, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, 2
Discute-se nos autos a possibilidade de penhora da remuneração
Turma, j. em 03/04/2014, DJe 09/04/2014) (grifo nosso).
econômica recebida em decorrência da concessão de anistia polí-
0
tica, na forma do art. 5 da Lei n° 10.559/2002 (prestação mensal,
permanente e continuada). 3. A reparação econômica prevista na 7. Instituição da Comissão Nacional da Verdade
Lei 10.559/02 possui caráter indenizatório (art. i ° , inciso II). Logo, Uma das determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos
a sua natureza não salarial possibilita a penhora para garantia do no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil foi a instituição da famosa Comis-
crédito tributário, nos termos do art. 184 do CTN c/c art. 649 do CPC. . . 1 0 Nacional da Verdade. Esta comissão foi criada pela Lei n° 12.528/2011
Recurso especial impróvido. (REsp 1362089/RJ, Rei. Min. Humberto e não possui caráter jurisdicional. Logo no artigo i° do referido diploma
a
Martins, 2 Turma,j. em 20/06/2013, DJe 28/06/2013) (grifo nosso). legal atribui-se à comissão a finalidade de "examinar graves violações de
o
direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8 do Ato das Dispo-
sições Constitucionais Transitórias (período de 18 de setembro de 1946 até a
260 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. e d . São
data da promulgação da Constituição [de 1988]/, afim de efetivar o direito
Paulo.- Saraiva, 2013. p. 386-387. a memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional".
252 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 253
Ainda nessa linha, a Lei 12.528/2011 estabeleceu uma série de objetivos Supremo Tribunal Federal sobre o caso. Assim, para o Estado brasileiro,
serem perseguidos pela Comissão Nacional da Verdade: 1 u ,1C orle Interamericana de Direitos Humanos decidisse prosseguir
"Art. 3° São objetivos da Comissão Nacional da Verdade: ... • |ul¡' .míenlo do 1 aso Comes I und e outros vs. Brasil, ela acabaria se
(
254 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 255
g. Indagação didática: com fulcro na imprescritibilidade dos crimes n3o estariam abarcados pela proteção conferida pela Lei de Anistia, ante
contra a humanidade e para perfectibilizar o direito à verdade e à o caráter permanente dos delitos imputados ao acusado. Já adiantamos
reparação dos familiares das vítimas, é possível a persecução penal desde já que não é possível concordar com os argumentos exarados pelo
dos agentes d a ditadura no Poder Judiciário Brasileiro? Irlbunal Regional Federal da I Região, que refutam a importação de nor-
A
256 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 257
previsão da imprescritibilidade para os delitos em análise no Estatuto de nu,diante da prática do SupremoTribunal Federal em aplicar o cos-
70
Roma, convenção que regula o Tribunal Penal Internacional' . i i i m e internacional como se lei brasileira fosse, e também em prol de
a
uma proteção mais efetiva aos direitos humanos, nos filiamos à primei-
2 Corrente: impossibilidade do reconhecimento da imprescritibilidade
1,1 uirrente, capitaneada na doutrina brasileira por André de Carvalho
dos crimes contra a humanidade e dos crimes de guerra (atualmente r imos, que admite a aplicação do costume internacional da impres-
adotada pelas cortes nacionais) ni ibilidade dos crimes de guerra e contra a humanidade diretamente
Não é possível reconhecer a imprescritibilidade dos delitos contra a hu no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, entendemos ser possível a
manidade e de guerra; logo, não é possível promover a persecução penal persecução penal contra os agentes estatais violadores de direitos hu-
174
contra os agentes da ditadura pelos fatos atentatorios aos direitos huma manos no período da ditadura militar .
nos que foram cometidos no período da ditadura militar brasileira, pois
os mesmos estariam prescritos. Outros argumentos, principalmente o INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
sentimento de insegurança jurídica em uma possível admissão da impoi
tacão de normas internacionais para o ordenamento jurídico brasileiro, (ADVOGADO DA UNIÃO, 2012 — CESPE) No que concerne aos direitos hu-
também são frequentemente invocados pelas cortes domésticas. manos no âmbito do direito internacional, julgue os itens que se seguem.
. Na sentença do caso Gomes Lund versus Brasil, a Corte Interamericana
Não podemos concordar com o posicionamento adotado pelos tribu-
de Direitos Humanos estabeleceu que o dever de investigar e punir os
nais brasileiros. Isso porque o próprio Supremo Tribunal Federal fre-
responsáveis pela prática de desaparecimentos forçados possui cará-
quentemente aplica o costume internacional diretamente em nosso
país, como se law ofthe land fosse, sem qualquer processo de integra- ter de jus cogens.
ção. Nesse sentido, é possível encontrar um amplo acervo de julgados GABARITO: Correto. O ponto foi abordado anteriormente.
do STF sobre o tema envolvendo imunidades de jurisdição dos Estados
17
estrangeiros- ', no qual o principal argumento para a Corte Constitucio- (PGR — PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2008) De acordo com a jurispru-
nal brasileira reconhecer a impossibilidade {em regra) de se processar dência da corte interamericana de direitos humanos sobre as violações
um Estado estrangeiro nas cortes domésticas é justamente o costume dos direitos humanos, praticadas pelos regimes de exceção na américa
2 2
internacional ? . A respeito deste tema, é a lição de André de Carvalho latina, é incorreto afirmar que:
Ramos: "Denomino essa aplicação direta de normas internacionais extra- a| A justiça transicional pode justificar a validade interna e externa de
convencionais de 'fenômeno da impregnação', peio qual tais normas são leis sobre anistias, se tiverem sido incorporadas ou expressamente
aplicadas diretamente no ordenamento brasileiro, sem qualquer media- mantidas pela Constituição.
ção do Congresso Nacional (ausência de Decreto Legislativo), e sem qual-
213
b| A punição dos responsáveis pelas violações é decorrência do conceito
quer promulgação por Decreto Executivo" .
de Estado de Direito e do devido processo legal.
258 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 259
dj As violações dos direitos humanos geram a responsabilidade Inter- (TJ/SP _ OFICIAL ESCREVENTE, 2011 — VUNESP) A Corte Interamericana de
nacional do Estado à sua devida e justa reparação, Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA),
GABARITO: A assertiva "A" é o gabarito, eis que o enunciado se encontra condenou a repressão e os crimes cometidos pelo regime militar brasileiro
equivocado. Ajustiça transnacional não justifica a validade sobre leis de (...). A sentença divulgada nesta terça-feira (14.12.2010) determina que o
anistia. A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos Istado brasileiro é responsável pelo desaparecimento forçado de 62 pes-
não admite a impunidade dos violadores de direitos humanos no pe- soas, entre os anos de 1972 e 1974. Esta é a primeira condenação internacio-
ríodo da ditadura militar. O entendimento foi adotado no caso Comes nal do Brasil em um caso envolvendo a ditadura militar (1964-1985) (www.
Lund vs. Brasil e em outros julgados, como nos casos Barrios Altos vs, cartacapital.com.br, 15.12.2010). A condenação citada refere-se ao episódio;
Peru, Almonacid Arellano e outros vs. Chile, La Cantuta vs. Peru e Gelman ,i| do levante do Forte Copacabana.
vs. Uruguai. As outras assertivas da questão em comento estão corretas.
b| da guerrilha do Araguaia.
( P G R — 28 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAPTADA)
O
cj da Intentona Comunista.
Assinale a alternativa correta:
d| das greves do ABC.
• A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos admi-
te, nos processos de redemocratízação ocorridos na América Latina nas e| do Congresso da UNE.
últimas décadas, a anistia total nos casos de graves violações de direi-
GABARITO: Assertiva "B".
tos humanos realizadas pelos agentes da ditadura militar, desde que
tal anistia seja fruto de um acordo entre o regime militar e a oposição. (DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2010 — FCC) Recentemente o Supremo
GABARITO:Errado. A Corte Interamericana de Direitos Humanos não ad- Tribunal Federal julgou improcedente a Arguição de Descumprimento de
mite a validade de leis de anistia em casos de violações de direitos hu- Preceito Fundamental n° 153, em que se requeria declaração daquela Corte
manos. Foi o entendimento exarado pela Corte de San José no caso no sentido de reconhecer que a anistia concedida pela Lei n° 6.683, de 28 de
Gomes Lund e outros vs. Brasil. agosto de 1979, aos crimes políticos ou conexos, não se estende aos crimes
comuns praticados pelos "agentes da repressão contra opositores políticos,
(DPE/SE — DEFENSOR PÚBLICO, 2012 — CESPE, ADAPTADA) De acordo durante o regime militar (1964/1985)". A respeito das chamadas "leis de
com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos: autoanistia",a Corte Interamericana de Direitos Humanos já se posicionou
• Não compete a essa corte conhecer de violações contínuas ou perma- diversas vezes. A partir da jurisprudência deste tribunal é correto afirmar:
nentes conexas a atentados contra o direito à vida ocorridos antes do a| O fato de um Estado parte ser signatário das Convenções de Genebra
reconhecimento de sua jurisdição pelo Brasil. sobre Direito Internacional Humanitário não serve de fundamenta-
GABARITO: Errado. O enunciado trata do entendimento aplicado pela Cor- ção para sua condenação pela Corte Interamericana de Direitos Hu-
te IDH no paradigmático caso Blake vs. Guatemala. Foi também o en- manos, pois há plena separação entre aquele sistema de normas e as
tendimento adotado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos que compõem o Direito Internacional dos Direitos Humanos.
no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil,
b| Os agentes estatais que tenham praticado atos de tortura em perío-
do não democrático, objeto de lei de anistia, não podem mais ser pro-
(SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR — ANALISTA JUDICIÁRIO, 2011 — CESPE)
cessados ante a irretroatividade de lei penal mais severa.
Em dezembro de 2010, a Corte Interamericana dos Direitos Humanos jul-
gou improcedente o pedido de condenação do Estado brasileiro pelo de- cj O Estado parte na Convenção Americana de Direitos Humanos tem o
saparecimento de algumas pessoas no combate à guerrilha do Araguaia. dever de punir os responsáveis por crimes de lesa humanidade, não
Errado. A Corte Interamericana julgou procedente o pedido de
GABARITO: podendo aventar a prescrição criminal para deixar de fazê-lo, mesmo
condenação do Estado brasileiro no caso "Guerrilha do Araguaia". que os fatos tenham ocorrido há mais de vinte anos.
260 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 261
d| Por se tratar de um tribunal de natureza civil, a l o r i r intri.miciU. d l Lei n° 6.683/79 (Lei da Anistia) no contexto da Constituição de 1988.
de Direitos Humanos não pode determinar que um Estado parte leve A decisão polêmica teve repercussão internacional e o Tribunal foi alvo
a juízo criminal agentes públicos que supostamente cometeram cri- de criticas. Recentemente, o Ministério Público Federal ofereceu ação
mes de lesa humanidade. penal contra agentes militares pelo sequestro do jornalista Mário Al-
ej O fato de a prática do desaparecimento forçado de opositores poli vi", e pelos supostos crimes praticados durante os eventos conhecidos
ticos ser anterior à ratificação da Convenção Americana de Direitos tomo "guerrilha do Araguaia". Elabore texto dissertatívo abordando os
Humanos pelo país impede a apreciação do caso perante a Corte In wguintes pontos.
teramericana de Direitos Humanos. Jtj Decisão do STF na ADPF n° 153:
A assertiva "A" está errada. O fato de um Estado parte ser signatário das a.i j feitos da decisão e sua vinculatividade para os órgãos do Poder Judi-
Convenções de Genebra sobre Direito Internacional Humanitário pode ciário, Administração Pública, Poder Legislativo e o próprio STF;
servir como fundamentação para sua condenação pela Corte Interameri- .1.2 I Efeitos políticos, penais e civis da decisão do STF;
cana de Direitos Humanos. É oportuno relembrar que a Corte Interameri-
cana de Direitos Humanos pode examinar qualquer tratado aplicável no ».3 I Compatibilidade dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade,
continente americano e não apenas tratados que possuem a vigência de instituída pela Lei n° 12.528, de 18.11.2011, e das iniciativas do Minis-
seus efeitos atrelada ao continente americano. tério Público Federal descritas acima com a decisão do STF.
A assertiva "B" está errada. A Corte Interamericana de Direitos Humanos b| Pode o Brasil ser responsabilizado com base na Convenção America-
decidiu justamente ao contrário no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. na sobre Direitos Humanos por eventuais crimes praticados entre os
anos de 1961e 1979?
A assertiva " C e s t a correta. Foi o que a Corte Interamericana de Direitos
b.i I Hierarquia dos tratados internacionais no ordenamento jurídico
Humanos decidiu no caso Gomes Lunde outros vs. Brasil. Os crimes de lesa
-humanidade são crimes de jus cogens e portanto, imprescritíveis diante brasileiro;
da ordem internacional. b.2 I Jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos para in-
vestigar os supostos crimes.
A assertiva "D" está errada. A Corte IDH não é propriamente um tribunal
de natureza cível, eis que também julga fatos envolvendo matéria crimi- Espelho DO GABARITO ADOTADO PELA BANCA:
nal. O próprio caso Gomes Lund vs. Brasil demonstra o equívoco do enun-
* Fundamento jurídico e legal da eficácia erga omnes e do efeito vincu-
ciado, pois os agentes públicos que supostamente cometeram crimes de
lante no caso da ação de descumprimento de preceito fundamental.
lesa-humanidade podem ser julgados pela Corte Interamericana de Di- 0
Lei n° 9.882/99 (art. 10, § 3 ). Abrangência da vinculatividade. Situação
reitos Humanos.
institucional do Poder Legislativo e do próprio STF. Regime jurídico dos
A assertiva "E" está errada, O enunciado trata do entendimento aplicado efeitos da decisão para o Poder Judiciário e Administração Pública. Pre-
peia Corte IDH no paradigmático caso Blake vs. Guatemala. Foi também o cedentes do STF. (6 pontos)
entendimento adotado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos • Repercussão internacional da decisão do STF em comparação com o
no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. sistema Internacional e/ ou interamericano de direitos humanos (Caso
GABARITO: Letra C. "Gomes Lund" com sentença de 24.11.2010). Menção às consequências
no campo dos direitos políticos. Efeito penal e extinção de punibilida-
(MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR — PROMOTOR, 2013 — FASE DISCURSIVA) de (fundamento: art. 107, II, CP e/ou art. 123, II, CPM). Conhecimento da
i.b. (30 PONTOS) Em 29.04.2010, o plenário do Supremo Tribunal Fede- polêmica em relação à possibilidade de persecução penal. Efeitos civis
ral encerrou o julgamento da ADPF n° 153 e reconheceu a plena validade e indenização. Responsabilidade civil do Estado. Responsabilidade do
262 j JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 263
particular. Fundamentos {art. 63 (1) da Convenção Americana de Dire Supremo Tribunal Federal no controle de convencionalidade do Sistema
tos Humanos; art. 3, VII, da Lei n° 12.528/2011, dentre outros). [ nfoque Inieramericano de Direitos Humanos, analise criticamente e cite três ca-
constitucional. (6 pontos)
*os jurisprudenciais pertinentes ao assunto.
• A Comissão da Verdade não tem caráter jurisdicional ou persecutório GABARITO ADOTADO PELA BANCA: "(...) NOS casos divergentes, o STF, em suas de-
o
(art. 4, § 4 , da Lei n° 12.528/2011). Análise de sua compatibilidade entre . r.ors, desrespeita precedentes da Corte IDH, como a ADPF 153 e o Caso
sua criação e a decisão do STF. Atuação do Ministério Público Federal (lomes Lund".
e análise de sua compatibilidade com as exceções do regime jurídico
da anistia de 1979 (art. i°, § 2°, Lei n° 6.683/79). Sequestro e prescrição, ( P G R — 28 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAPTADA)
O
Atuação do Ministério Público Federal e polêmica em torno do respeito Assinale a alternativa correta:
à decisão do STF. (6 pontos) () ( ostume internacional e as resoluções vinculantes do Conselho de Se-
gurança da Organização das Nações Unidas são incorporadas interna-
• Regime jurídico dos tratados no Brasil. Hipóteses de tratados que versem
mente no direito brasileiro por intermédio de decreto presidencial.
sobre direitos humanos antes e depois da Emenda Constitucional n°
o 0
45/2004 (art. 5 , § 2° da Constituição e art. 5 , § 3°,da Constituição). Prece GABARITO:Errado. O costume internacional é aplicado diretamente no orde-
dentes do STF (RE 80004; RE n° 349.703; RE n° 466.343). Supralegalidade i lamento jurídico brasileiro sem qualquer processo formal de incorporação.
dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos (6 pontos)
(DPE/RJ — DEFENSOR PÚBLICO, 2015 — PROVA DISCURSIVA I FASE) Em A
264 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 0 BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 265
neiro, os autores desta obra sugerem o seguinte gabarito. Um mm eil
de Justiça de Transição que poderia ser lembrado pelo candidato seria I
Justiça de Transição como um conjunto de mecanismos judiciais ou ex- Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde
trajudiciais utilizados por uma sociedade como um ritual de passagem
à ordem democrática após graves violações de direitos humanos por vs. Brasil
regimes autoritários e ditatoriais, de forma que se assegure a responsa
bilidade dos violadores de direitos humanos, o resguardo da justiça e 8 ÓRGÃO JULGADOR:
busca da reconciliação. Já os elementos centrais, também chamados de
"dimensões" por boa parte da doutrina, foram definidos pelo Conselho de
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
Segurança da ONU na seguinte ordem: a) direito à memória e à verdade;
b) direito à reparação das vítimas (e seus familiares); c) o adequado trata SFNTENÇA:
mento jurídico aos crimes cometidos no passado; d) a reforma das institui Ainda pendente de j u l g a m e n t o pela Corte IDH
ções para a democracia. No contexto da Justiça de Transição e da recons
trução das instituições democráticas, o Defensor Público pode se deparai
com diversas situações práticas. A mais comum é o ajuizamento de ações
indenizatórias em favor das vítimas torturadas no período ditatorial pelos
275
agentes estatais . No mesmo contexto, o Defensor Público pode postulai RESUMO D O CASO
aos órgãos internacionais de direitos humanos para responsabilizar o Es-
tado brasileiro por acontecimentos atentatórios aos direitos humanos que I ntre o final do ano de 1988 e o início de 1989, a Polícia Federal recebeu
se tenham dado na época da ditadura militar brasileira. Por fim, é possível denuncias de trabalho escravo em inúmeras fazendas na região do mu-
276
atribuir aos Defensores Públicos Federais a tarefa de defenderem juízo os nicípio de Sapucaia, no estado do Pará, entre as quais estava a Fazenda
militares denunciados por crimes cometidos à época da ditadura, caso os Brasil Verde. Após as denúncias, as autoridades estatais realizaram fre-
denunciados não possuam advogado particular, pois o direito à defesa deve quentes visitas e inspeções à Fazenda Brasil Verde com o intuito de veri-
ser conferido também aos possíveis violadores de direitos humanos. ficar as condições lá existentes para o desempenho da atividade laboral.
0 proprietário da Fazenda Brasil Verde formava parte do Grupo Irmãos
1 iiiagliato, que possuía inúmeras fazendas na região e aproximadamente
1 eirto e trinta mil cabeças de gado. Após inúmeras visitas, as autoridades
estatais, entre elas a Polícia Federal, verificaram a existência de trabalho
escravo no seio da Fazenda, além de irregularidades nos direitos traba-
lhistas dos empregados e falhas estruturais na área da fazenda. Como se
não bastassem tais violações, dois trabalhadores adolescentes desapare-
ceram da Fazenda Brasil Verde e jamais foram encontrados.
I oi constatado que a maioria dos trabalhadores rurais percorria um longo
trajeto para chegar até a Fazenda Brasil Verde e recebia quantias irrisórias
l o m o pagamento. O grupo de trabalhadores era formado majoritaria-
mente por homens entre 15 e 40 anos de idade, afrodescendentes e par-
275 Vale relembrar que esta pretensão é imprescritível, conforme j á comentado nesta obra. dos, oriundos dos estados mais pobres do país e, portanto, em situações
276 As ações penais visando responsabilizar os agentes da ditadura militar por violações que lhes proporcionavam exíguas possibilidades de trabalho.
de direitos h u m a n o s são processadas e j u l g a d a s na Justiça Federal. A s s i m , e m caso
de necessidade de designação de um Defensor Público para um caso envolvendo a
O processo penal instaurado em 1997 em razão da condição análoga à de
matéria, a defesa recairá sobre um m e m b r o da Defensoria Pública da União. escravo reconhecida pela Polícia Federal na Fazenda Brasil Verde foi extinto
2Ó6| JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 267
19
cmhsdo ou aquiescência"' . Estes elementos foram fixados em alusão à
em 2007 em virtude da prescrição. A ação civil pública instaurada em 2000
perante a Justiça do Trabalho resultou em acordo de conciliação entre o 1 1 invenção 29 da OIT que regulamenta o tema do trabalho forçado, sempre
proprietário da Fazenda Brasil Verde e o Ministério Público do Trabalho. Erj t luz da Convenção Americana de Direitos Humanos. No caso Fazenda Bra-
tretanto, as graves violações de direitos humanos não foram cessadas. ull Verde, a Corte IDH terá a oportunidade de se pronunciar sobre se houve
•11 nao omissão ou aquiescência das autoridades estatais.
No dia 12 de novembro de 1998, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o
Ainda no que diz respeito a temática do trabalho escravo, o Brasil jamais
Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL/Brasil) apresentaram
foi processado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, embora já
o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O Estado brasi-
leiro não cumpriu as recomendações expedidas pela Comissão IDH , que 277 linha reconhecido a sua responsabilidade por graves violações de direi-
submeteu o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos no dia 06 tos humanos em âmbito trabalhista diante da Comissão Interamericana
280
de maio de 2015. de Direitos Humanos .
Em virtude de o caso ter sido submetido ao tribunal interamericano em Poi hm, a Corte Interamericana de Direitos Humanos será instada a se
maio de 2015, não houve até o fechamento desta edição o juízo de admis pionunciar sobre a chamada neoescravidão, ou seja, as novas formas de
28
sibilidade e tampouco o julgamento do caso Trabalhadores da Fazenda 151 i.ividão ' surgidas em meio ao avanço da tecnologia e da convivência
282
Brasil Verde vs. Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. do ser humano em uma sociedade de riscos .
270 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 271
parte da ordem interna, e o policial responsável pela morte adolescente I, 1 , - . . | M > i i - . - i l . 1 1 n I . n I . • | H - | - , ' , r i i ' . . m - ,
( l ' Atualmente,iHM.e.odeiesislem u
foi condenado a três anos de prisão em 2013. Para elucidar melhor o tema A prisão, o Código de Processo Penal autoriza o uso de quaisquer meios
da prescrição e o caso Bulacio, é a lição de André de Carvalho Ramos: "O necessários para que o policial se defenda ou vença a resistência e deter-
processo contra um agente policiai já durava mais de 10 anos e a sanção mina que seja feito um auto, assinado por duas testemunhas. Ocorre que,
dos responsáveis pelas violações tinha sido obstaculizada depois da pres- •, inlorme já determinou a Comissão Interamericana de Direitos Huma-
crição da ação penai, existindo, então, coisa julgada nacional a favor do nos , tal prática vai de encontro ao arcabouço normativo da proteção
acusado. A Argentina reconheceu sua responsabilidade internacional por Internacional dos direitos humanos, porque, muitas vezes, impossibilita
violação dos direitos à vida, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, às 3 responsabilidade por crimes perpetrados por agentes estatais. Outros-
garantias judiciais e à proteção judicial e aos direitos da criança. Em relação -.iin, a prática dos "autos de resistência à prisão" mascara dados estatís-
286
às medidas de reparação, a Corte reforçou que a grave violação de impuni ticos sobre a criminalidade brasileira , além de deixar os familiares das
dade deveria ser revertida e que o Estado deveria concluir a investigação c vítimas sem qualquer resposta estatal sobre o que realmente ocorreu em
sancionar os responsáveis independentemente de qualquer óbice de direito determinado fato e quem foram os responsáveis pela eventual prática
interno, ou seja, exigiu a superação da coisa julgada nacional em favor do criminosa. Nesse sentido, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidên-
direito dos familiares à justiça. Depois do intenso debate interno de como (la da República, juntamente com o Conselho de Defesa dos Direitos da
287
cumprir a decisão da Corte IDH, houve reabertura do caso e, em 2013, um is ,soa Humana ,editou a Resolução n° 8/2012, na qual dispõe sobre "a
acusado de detenção arbitrária foi finalmente condenado a três anos de
2S
prisão" \ O caso Walter Bulacio vs. Argentina será devidamente aprofun-
dado na segunda edição deste livro. Entretanto, ressalta-se desde já a si- 284 É i m p o r t a n t e ressaltar que não se está a f i r m a n d o aqui que todo e q u a l q u e r uso
militude entre o caso Favela Nova Brasília e o caso envolvendo a morte da expressão " a u t o de resistência" objetiva dar a p a r ê n c i a de legalidade a u m a
situação ilegal. É evidente que, dentre as i n ú m e r a s pessoas que m o r r e m nos c o n -
do jovem argentino, pois ambos tratam da morte de pessoas por agentes frontos c o m a polícia, a l g u m a s resistem à prisão de maneira desarrazoada e des-
estatais, envolvem a presença de adolescentes entre as vítimas e, por fim, proporcional, a t e n t a n d o contra a vida dos a g e n t e s estatais. Porém, m e s m o nestes
lidam com a questão da prescrição dos processos penais em âmbito do- casos, as expressões "resistência s e g u i d a de m o r t e " ou " a u t o de resistência à pri-
s ã o " são insuficientes e não d e v e m por si só dar fim a q u a l q u e r a p u r a ç ã o sobre
méstico. A tendência da Corte Interamericana de Direitos Humanos é de
o a c o n t e c i m e n t o . É necessário que, e m t o d o e q u a l q u e r contexto, os boletins de
que seja adotado o entendimento firmado no Caso Bulacio. ocorrência e os procedimentos investigatórios s e j a m a m p l a m e n t e f u n d a m e n t a -
dos, descrevendo c o m detalhes a situação e o c o n t e x t o em que os fatos ocorreram,
2. Posição da Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s sobre a prá- seja para obedecer aos preceitos da atual ordem constitucional brasileira, seja
para obedecer aos preceitos do arcabouço n o r m a t i v o de proteção internacional
tica denominada "autos de resistência à prisão"
dos direitos h u m a n o s . É t a m b é m , u m a f o r m a de prestar contas à sociedade.
A prática de "autos de resistência à prisão", corriqueira nos anos de chum- .»85 Site da C o m i s s ã o Interamericana de Direitos H u m a n o s , 12 de j u n h o de 2015: CtDH
bo da ditadura brasileira e infelizmente ainda utilizada pela polícia bra- apresenta caso sobre o Brasil à Corte IDH. < h t t p : / / w w w . o a s . o r g / p t / c i d h / p r e n s a /
sileira, consiste no ato de utilizar expressões genéricas e desprovidas de notas/2015/069.asp>.
qualquer fundamentação idônea como "autos de resistência" ou "resis- 286 O uso de "autos de resistência"estimula a famosa cifra amarela da criminalidade: são
aqueles crimes praticados por arbitrariedades policiais que sequer c h e g a m ao conhe-
tência seguida de morte" pelos agentes da polícia em seus boletins de
cimento do órgão fiscalizador da polícia. C o m isso, além de muitas vezes não retratar
ocorrência e até em inquéritos policiais, para justificar determinados de- o real contexto em que o conflito ocorreu, resta t a m b é m comprometida a veracidade
litos cometidos pelos próprios agentes policiais no desempenho de suas das informações enviadas aos órgãos internacionais dedireitos humanos, pois os " a u -
funções, o que acaba ocasionando, muitas vezes, uma irreal aparência de tos de resistência" acabam influenciando as estatísticas relativas a homicídios, porém
legalidade à situação, encerrando as investigações e eximindo os autores sem influenciar o número de pessoas mortas por arma de fogo. Esta realidade foi des-
tacada pelo Relator Especial sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias e Ilegais da O N U ,
Dr. Philip Alston, por ocasião da sua visita ao Brasil em novembro de 2007.
287 Recentemente, a Lei 12.986/2014 t r a n s f o r m o u o C o n s e l h o de Defesa dos Direitos
283 RAMOS, A n d r é de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. S ã o Paulo: Saraiva da Pessoa H u m a n a e m Conselho Nacional dos Direitos H u m a n o s ( C N D H ) , revo-
2015, p.332. gando-se assim a Lei 4,319/1964.
272 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 273
abolição de designações genéricas, como 'autos de resistência', 'resistência
seguida de morte', em registros policiais, boletins de ocorrência, inquéritos
policiais e notícias de crime"288. Além de estabelecer uma série de medi-
das a respeito do tratamento do tema, a Resolução n° 8/2012 destaca a
inexistência na legislação brasileira de uma excludente de ilicitude de
nominada "resistência seguida de morte", frequentemente documenta
da como "auto de resistência ã prisão", devendo o registro ser realizado
como homicídio decorrente de intervenção policial e, no curso da investi
gação, deve-se verificar se houve ou não eventual excludente de ilicitude.
Além disso, está pronto para ser votado na Câmara dos Deputados o PL
4.471/2012 que cria regras rigorosas para a apuração de mortes e lesões
corporais decorrentes da ação de agentes do Estado, tais como policiais. A
Corte Interamericana de Direitos Humanos será instada a se manifestar
sobre o tema em um futuro próximo.
CAPÍTULO IV
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s 1, Eficácia dos direitos humanos nas relações entre particulares
N,i Resolução adotada pela Corte Interamericana em 07/07/2004, o juiz
JULGAMENTO: 1 .inçado Trindade ressaltou em seu voto concordante que a obrigação de
proteção por parte do Estado não se limita às relações verticais deste com
Medidas Provisórias determinadas e m 2002 e 1
a , pessoas sob sua jurisdição, estendendo-se também, em determinadas
fiscalizada até 25 de agosto de 2011 1 ni unstâncías, às relações horizontais entre particulares, principalmente
quando verificada a situação de custódia, já que agressores e vítimas en-
i ontravarn-se presos, aos cuidados do Estado.
RESUMO DO CASO
i. Primeiro Pacto para revogação de medidas provisórias
( onforme registra André de Carvalho Ramos, "A assinatura do 'Pactopara
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à Corte In- Melhoria do Sistema Prisional do Estado de Rondônia e Levantamento das
teramericana de Direitos Humanos, em 06/06/2002, uma solicitação de Medidas Provisórias Outorgadas pela Corte interamericana de Direitos Hu-
medidas provisórias em favor dos internos da Casa de Detenção José Ma- manos'foi algo inédito no Brasil, sendo criado um instrumento de cobrança
rio Alves, conhecida como "Penitenciária Urso Branco", localizada na cida- de implementação das obrigações internacionais assumidas pelo Brasil in-
de de Porto Velho, Estado de Rondônia, no Brasil. O objetivo era o de evitar 19
ternacionalmente" ". No entanto, a assinatura do referido Pacto não eli-
que continuasse a morrer internos naquela unidade prisional. minou os problemas do sistema penitenciário do Estado de Rondônia, o
Após diversas outras Resoluções (em 2002, 2004,2005, 2008 e 2009) res- que ensejou com que o Procurador-Geral da República ajuizasse no STF
saltando o dever de o Estado melhor executar o cumprimento das medidas um pedido de Intervenção Federal (IF 5129) em razão do descumprimento
292
provisórias para prevenir mais mortes na Penitenciária Urso Branco, a Corte a direitos humanos em presídio .
Interamericana adotou sua última Resolução sobre o caso em 25/08/2011,
ocasião em que, considerando (I) que desde dezembro de 2007 não se re- I N C I D Ê N C I A E M PROVAS DE CONCURSOS
gistravam mortes violentas ou motins na Penitenciária Urso Branco, (II) que
o Estado estava investigando adequadamente as denúncias de violência (PGR — 2 5 ° CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2 0 l t — PROVA
ou maus tratos apresentadas pelos representantes das vítimas e, principal- ORAL) Fale sobre o caso Urso Branco.
mente, (III) que o Estado de Rondônia firmou com os representantes das ví- O candidato deveria apresentar uma síntese do que foi res-
BREVE RESPOSTA:
timas um "Pacto para Melhoria do Sistema Prisional do Estado de Rondônia saltado anteriormente, salientando, ainda, principalmente por ter se tra-
e Levantamento das Medidas Provisórias Outorgadas pela Corte Interame-
590
ricana de Direitos Humanos" , revogou as medidas provisórias em razão
291 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 451.
290 Embora o Pacto t e n h a sido proposto pelo Estado de R o n d ô n i a , a União t a m b é m 292 Ver PGR pede intervenção federai em Rondônia por descumprimento a direitos hu-
c o n s t o u c o m o parte aderente, a s s u m i n d o diversas obrigações no â m b i t o do Mi- manos em presidio: < http://www.stf.jus.br/porta l/cms/verNoticiaDetalhe.asp?id-
nistério da Justiça e do D e p a r t a m e n t o Penitenciário N a c i o n a l (DEPEN). Conteudo-97379>.
276 [ JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 277
tado de um concurso do MPF, o ajuizamento de pedido de Intervenção I m //7/2004, a Corte Interamericana ditou nova resolução que reiterava
Federal pelo PGR. Al demais resoluções adotadas ao longo dos últimos dois anos.
278 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 279
centro penal, e indique o número e nome dos reclusos que se encon- 11 pedido de nova-, medula-, p m v i s n n a s ,1 respeilo da Republica Federativa
tram cumprindo condenação e dos detentos sem sentença conde» do Brasil, no caso da penitenciária Urso Branco, julgue os itens a seguir.
natória e que, ademais, informe se os reclusos condenados e os não • manto ao PR t, o Estado brasileiro estaria correto se solicitasse a sus-
condenados se encontram localizados em diferentes seções; I" 11 ..todo cumprimento dessas medidas provisórias, sob o argumento de
. investigue os acontecimentos que motivam a adoção das medidas <|M< .devido à sua forma federativa,tais providências seriam competência
provisórias com o fim de identificar os responsáveis e impor lhes as ile um de seus estados-membros, razão pela qual não estaria internacio-
sanções correspondentes, incluindo a investigação dos acontecimen nalmente obrigado a lhes dar cumprimento.
tos graves ocorridos na Penitenciária Urso Branco depois de a Corte (.AHAKiTo: Errado. A forma federativa de Estado não inibe nem inviabiliza a
ter emitido as Resoluções de i8 de junho e 29 de agosto de 2002; responsabilização do pais pelas violações a direitos humanos ocorridas em
• submeta ã Corte um relatório, no máximo em 3 de maio de 2004, sobre: 1 11 lorritório, seja no âmbito dos Estados ou dos municípios. Neste sentido,
lltabelece o art. 28a da CADH que "Quando se tratar de um Estado-parte
. o cumprimento e a implementação das medidas indicadas nos an-
11 instituido como Estado federal, o governo nacional do aludido Estado-par-
teriores incisos deste ponto resolutivo;
te t iimprirá todas as disposições da presente Convenção, relacionadas com as
• os acontecimentos e problemas expostos no escrito da Comissão matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial".
de 20 de abril de 2004 e seus anexos, em particular sobre a grave
* As medidas provisórias ditadas pela Corte Interamericana, no caso em
situação de amotinamento que atualmente prevalece na mencio-
tela, beneficiam os reclusos da penitenciária Urso Branco e os não-re-
nada penitenciaria, as medidas adotadas para solucionar tal situa
clusos que se encontrem na situação de reféns, independentemente
cão, e se algumas das supostas "170 pessoas em situação de reféns
do vínculo de nacionalidade brasileira, uma vez que o vínculo exigido é
em mencionada penitenciária" não são reclusos; e iii as medidas
o da relação entre os reclamantes e o perigo de dano irreparável ou de
adotadas para solucionar a atual situação de amotinamento dos
grave violação aos direitos à vida e à integridade física que denunciam.
reclusos,
GABARITO: Certo.
2. Reiterar ao Estado e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
a solicitação de tomar as providências necessárias para coordenar e (POLÍCIA CIVIL/TO, 2014 — AROEIRA, ADAPTADA) No decorrer de sua
supervisionar o cumprimento das medidas provisórias ordenadas pela história, as decisões da Corte Interamericana são de suma importância
Corte, em conformidade com o disposto no ponto resolutivo terceiro para efetivação dos direitos humanos no Brasil. Nesse sentido, acerca
da Resolução de 29 de agosto de 2002. Ademais, o Estado e a Comissão da responsabilidade internacional dos Estados pela observância dos di-
Interamericana de Direitos Humanos deverão informar sobre o resul- reitos humanos e da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
tado da implementação de tais providências. Humanos, o caso Urso Branco configura-se como um evento de abuso
3. Solicitar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e aos peticio- cometido por policiais, com o apoio de proprietários rurais contra tra-
nários das medidas que apresentem suas observações ao relatório esta- balhadores sem-terra.
tal solicitado no prazo de 10 dias contados a partir de seu recebimento. Errado. O Caso Urso Branco configura-se como um evento de
G A B A R I T O :
4. Convocar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, os peticio- r.ilha do Estado em propiciar um ambiente prisional livre de violências,
nários das medidas e o Estado a uma audiência pública que se realizará agressões e demais violações a direitos humanos.
na sede da Corte em 28 de junho de 2004, a partir das 15 h 30 min, para
conhecer seus argumentos sobre o cumprimento das medidas provi-
sórias ordenadas no presente caso.
Considerando o texto acima transcrito, referente aos pontos resolutivos
(PRs) ditados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que acolheu
280 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 281
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, medidas provisórias
Caso crianças e adolescentes privados <*m favor dos adolescentes internos no Complexo Tatuapé da Fundação
I ••t.idual do Bem-Estar do Menor do Estado de São Paulo (FEBEM/SP) e
de liberdade no "Complexo do Tatuapé" convocou o Estado brasileiro para audiência pública sobre as menciona-
da FEBEM das medidas no dia 29 do corrente. A partir dos textos acima, julgue o
liem a seguir.
ÓRGÃO JULGADOR: . No caso do complexo Tatuapé da FEBEM/SP, as supostas vítimas, seus
Familiares ou seus representantes devidamente acreditados podem
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s apresentar uma solicitação de medidas provisórias diretamente à Cor-
te Interamericana de Direitos Humanos.
DECISÃO: GABARITO:Certo. Dispõe o art. 27.2 do Regulamento da Corte Interameri-
Medidas provisórias determinadas e m 2005 e 1 ana que "Tratando-se de assuntos ainda não submetidos à sua consi-
deração, a Corte poderá atuar por solicitação da Comissão". E o art. 27.3,
fiscalizadas até 25/11/2008 por sua vez, estabelece que "Nos casos contenciosos que se encontrem
em conhecimento da Corte, as vitimas ou as supostas vitimas, ou seus
representantes, poderão apresentar diretamente àquela uma petição de
RESUMO DO CASO
medidas provisórias, as quais deverão ter relação com o objeto do caso".
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à Corte Intera Como o Caso Complexo do Tatuapé já havia sido submetido à Corte,
mericana de Direitos Humanos, em 08/10/2005, uma solicitação de medi- ainda que em sede de cognição de emergência (solicitação de medidas
das provisórias com o propósito de que o Estado brasileiro fosse compelido provisórias), as vítimas ou seus representantes poderiam continuar no
a protegera vida e a integridade pessoal das crianças e adolescentes que es- processo, pleiteando outras medidas provisórias ou reiterando pedidos
tavam internadas no "Complexo do Tatuapé" da FEBEM (Fundação Estadual anteriores feitos pela Comissão.
do Bem-Estardo Menor de São Paulo) e das pessoas que poderiam ingressar
futuramente na qualidade de internos no mencionado centro de internação.
I N C I D Ê N C I A E M P R O V A S DE C O N C U R S O S
282 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISORIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 283
FI* jurisprudência da Corte, se refere ao "caráter tutelar, M A I S que caute-
lar, das medidas provisórias de proteção". Vejamos a sua lição: "No uni-
Caso das pessoas privadas de liberdade na
¡VTRÍO conceituai do Direito Internacional dos Direitos Humanos, — como
Penitenciária "Dr. Sebastião Martins Silveira", |#N/í0 assinalado em sucessivos Votos nesta Corte e em distintos estudos,
São Paulo ,1 ni, 1 lulas provisorias dr piolet ao tem passado a salvaguardar, mais
./1 • guru eficácia da função jurisdicional, os próprios direitos fundamentais
ÓRGÃO JULGADOR: dn pessoa humana, revestindo-se, assim, de um caráter verdadeiramente
tulriar, mais do que cautelar. Para isto tem contribuído decisivamente a
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s iyrisprudêncla da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a mate-
AN, mais do que a de qualquer outro tribunal internacional até o presente.
•.,ia i onstrução jurisprudencial a respeito, dotada de uma base convencio-
DECISÃO:
NAL, r verdadeiramente exemplar, sem paralelos — quanto a seu amplo al-
Medidas provisórias determindas e m 28/07/2006 e . atn e — na jurisprudência internacional contemporânea, tendo, nos últi-
fiscalizadas até 25/11/2008 mos anos e até o presente, explorado devidamente um grande potencial
de pioteção — por meio da prevenção — que se depreende dos termos do
9rtlgo 63(2) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Mas não
RESUMO DO CASO | tbstante os avanços logrados até pela Corte até o presente, ainda resta um
0
I, >nqo caminho a percorrer" (§ 3 ). Ou seja, as medidas provisórias, que or-
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à apreciação d
dinariamente, conforme lição elementar de Direito Processual, se desti-
Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 25/07/2006, uma solicitaçã
nam a proteger a eficácia da função jurisdicional ou o não perecimento
de medidas provisórias com o propósito de que o Brasil fosse compelido a
dn direito, transbordam essa função, chegando a — também — tutelar
proteger a vida e a integridade de todas as pessoas privadas de liberdade na
bl direitos fundamentais da pessoa humana. Daí porque se pode pedir
Penitenciária "Dr. Sebastião Martins Silveira", localizada em Araraquara, es
.1111,1 medida provisória na Corte Interamericana independentemente de
tado de São Paulo, assim como das pessoas que pudessem ingressar futura-
algum caso estar sendo processado diante de sua jurisdição.
mente na qualidade de reclusos ou detentos naquela Penitenciária. A Corte>
deferiu as medidas provisórias na Resolução adotada em 28/07/2006. 1. Problemas derivados da coexistência de m e d i d a s cautelares da
Após outras Resoluções ressaltando o dever de o Estado melhor executar o Comissão I n t e r a m e r i c a n a e de m e d i d a s provisórias da Corte Intera-
cumprimento das medidas provisórias, a Corte, em Resolução adotada em mericana
25/11/2008, observando que o Estado realizou uma série de medidas para resol- ( aneado Trindade, fazendo referência a votos por ele proferidos noutros
ver a situação da Penitenciária de Araraquara, tendo, inclusive, procedido com Julgamentos pela Corte, notadamente em Mery Naranjo e outros e tam-
a transferência de 1200 beneficiários para outros estabelecimentos prisionais bém em Gloria Girait dei Garcia Prieto e outros, afirma que: "primeiro, não
e também reconstruído integralmente aquela Penitenciária, que passou a fun 11' aplica o requisito do prévio esgotamento de recursos internos em soli-
cionar dentro de sua capacidade, entendeu por revogaras medidas provisórias. t ilações de medidas provisórias de proteção à Corte; dito requisito é uma
condição de admissibilidade de petições à Comissão, quanto ao fundo e
PRINCIPAIS P O N T O S SOBRE O C A S O
eventuais reparações do caso concreto. As medidas provisórias de proteção,
por sua vez, têm um rito sumário, em conformidade com a própria nature-
í. O caráter tutelar, mais q u e cautelar, das medidas provisórias d za desse instituto jurídico de caráter preventivo-tutelar, e por não prejulgar
proteção da Corte em nada o fundo do caso. Segundo, não existe requisito algum de prévio
Importante lição do — então — j u i z da Corte Interamericana Cançado esejotamento de medidas cautelares da Comissão antes de recorrer-se à
Trindade, reproduzida em inúmeros votos seus e também já incorporada ( orte para solicitar medidas provisórias de proteção. As medidas cautelares
284 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 285
da Comissão têm base tão somente regulamentar, e não convencional, I
não podem retardar —- às vezes indefinidamente — a aplicação de medi»
das provisórias de proteção pela Corte, dotadas estas de base convencional, Caso Unidade de Internação Socioeducativa
A insistência da Comissão em sua prática sobre medidas cautelares prévlm T
pode, em alguns casos, ter consequências negativas para as vitimas polen no Espírito Santo
ciais, e criar um obstáculo a mais para elas. Em determinados casos, pode
ÓRGÃO JULGADOR:
configurar uma denegação de justiça no plano internacional".
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
Caneado Trindade defende, ainda, no que — infelizmente — ainda é vot
minoritária, que "uma negativa adicional por parte da Comissão de solk I
tar medidas provisórias à Corte, igualmente sem fundamentação, legitima DECISÃO:
as vítimas potenciais, como sujeitos de Direito Internacional dos Direitos Medidas provisórias determinadas e m 25/02/2011 e
Humanos, para poder recorrer à Corte, em busca da concessão destas me
didas provisórias; de outro modo, se poderia configurar uma denegação de
fiscalizadas até 26/09/2014
justiça no plano internacional".
ÓKÜÀO JULGADOR:
PRINCIPAIS P O N T O S SOBRE O C A S O
( 'orte Interamericana de Direitos H u m a n o s
1. Proteção dos direitos h u m a n o s de crianças e adolescentes privado
de liberdade no Brasil
UIRISÀO:
Conforme ressalta André de Carvalho Ramos, assim como no caso "II
BEM", o presente caso é de salutar importância "para a construção depre
Medidas provisórias determinadas e m 22/05/2014 e
cedentes no que diz respeito à proteção dos direitos humanos de crianças ainda e m c u m p r i m e n t o
e adolescentes privados de liberdade no Brasil", destacando que decidiu .1
Corte que "a proteção de direitos deve ser ainda maior quando se refere a
29
crianças e adolescentes" *. ¡SUMO D O C A S O
288 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 289
Primeiramente, a Corte Internacional de Justiça rejeitou a preliminar de inépcia
da inicial arguida pelo Governo da Albânia. Ao analisar o mérito do caso, a CU se
Caso Reino Unido vs. Albânia 1 leparon prini ¡pálmente com dois questionamentos: a) É o rstado da Albania
responsável pelas explosões ocorridas no Canal de Corfu? Deve a Albania pagar
("Caso do Estreito de Corfu") uma compensação ao Reino Unido?; b) O Reino Unido violou os tratados e con-
venções internacionais pelos atos de sua marinha em águas albanesas?
ÓRGÃO JULGADOR:
Em relaçãoà primeira questão,oTribunal de Haia declarou a responsabilidade
do Estado da Albânia por 11 votos a 5. Com respeito à segunda questão, a Corte
Corte Internacional de Justiça
Internacional de Justiça dividiu suas decisões em dois tópicos. Com relação a
navegação exercida pelos navios britânicos no dia 22 de outubro de 1946, o
SENTENÇA: Tribunal de Haia reconheceu o direito de passagem inocente, pois, à época
dos fatos, muitos países utilizavam-se dos estreitos para deslocar seus navios
09 de abril de 1949
de guerra; era uma prática rotineira da sociedade internacional. Portanto, por
14 votos a 2, a Corte Internacional de Justiça decidiu não ter ocorrido violação
das leis internacionais pelo Reino Unido no dia 22 de outubro de 1946. Entre-
tanto, de maneira unânime, a Corte Internacional de Justiça reconheceu quea
RESUMO DO CASO
operação realizada nos dias 12 e 13 de novembro de 1946.com fins de desativar
No dia 22 de outubro de 1946, dois cruzadores e dois destroyers™ britânicos as minas no Canal do Corfu, violou a soberania do Estado da Albânia, já que
adentraram no Canal de Corfu (também conhecido como Estreito de Cor- o Reino Unido realizou esta última operação sem qualquer consentimento
fu), nas águas territoriais da Albânia. Ambos os destroyers colidiram com do governo albanês e tampouco notificou as organizações internacionais da
minas dentro causando a morte de quarenta e quatro tripulantes das duas operação de desativação de minas; portanto, a operação de desativação de
embarcações, bem como sérios danos materiais aos destroyers. Nos dias 12 minas não poderia ser justificada pelo direito de passagem inocente.
e 13 de novembro do mesmo ano, o Reino Unido executou uma operação de
limpeza e desativação de minas nas águas do Estreito de Corfu. P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
317 O caso dos empréstimos franco-brasileiros na Corte Permanente de Justiça foi o único
caso em que o Brasil foi processado perante a jurisdição internacional global contenciosa
315 O s destroyers são considerados " n a v i o s de g u e r r a " pelo Direito Internacional. em toda a sua história. Neste caso, a França sagrou-se vencedora. No âmbito da Corte
316 As resoluções do C o n s e l h o de S e g u r a n ç a d a O N U p o s s u e m caráter v i n c u l a n t e . Internacional de Justiça, o Brasil ainda não figurou como parte em litígio algum.
340 J JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS IULGADOS PELA IURISDIÇÀO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 341
tenha parado de funcionar em 1940, a CPJ foi extinta formalmente ape- 3. Aceitação tácita d a jurisdição d a Corte Internacional de Justiça
nas em 1946. Neste mesmo ano, foi criada a Corte Internacional de Jus- pela Albânia
tiça, já no seio da Organização das Nações Unidas (ONU), que sucedeu
I lodiernamente, são quatro as formas de aceitação da jurisdição con-
a antiga Liga das Nações. Nesse contexto, o caso do Estreito de Corfu é
paradigmático por ter iniciado os trabalhos da jurisdição contenciosa lencíosa da Corte Internacional de Justiça. Todavia, nem sempre foi as-
da Corte Internacional de Justiça, fato que é sempre lembrado pelos e s sim. Quando o Estatuto Internacional da Corte Internacional de Justiça
tudiosos do direito internacional. foi criado, eram três as formas de se aceitar a jurisdição contenciosa do
330
Tribunal de Haia: a) Aceitação da Cláusula Raul Fernandes ; b) Previ-
2, Reconhecimento do direito de p a s s a g e m inocente como norma são em tratado internacional específico aceitando a jurisdição conten-
consuetudinária de direito internacional ciosa da CU; e c) Submissão "ad hoc" de um caso à Corte Internacional
de Justiça. Ocorre que, ao julgar o caso Reino Unido vs. Albânia, a Corte
O direito de passagem inocente consiste em uma travessia contínua, sem
qualquer tipo de ancoragem e turbação ao mar territorial do Estado Cos- Internacional de Justiça passou a admitir uma quarta forma de aderir a
32
teiro. Este direito de passagem inocente foi reconhecido pela primeira vez sua jurisdição: a aceitação tácita '. Isso ocorreu após oTribunal de Haia
no caso do Estreito de Corfu, situado entre a Ilha de Corfu — pertencente notificar a Albânia — ré no caso do Estreito de Corfu —, que, ao invés
à Grécia — e os territórios continentais da Albânia e da Grécia. À épo- de alegar ser um Estado que não reconhece a jurisdição da Corte Inter-
ca do julgamento do caso Reino Unido vs. Albânia, não havia qualquer nacional de Justiça, veio a realizar a sua defesa de mérito, o que indicou
previsão convencional acerca do direito de passagem inocente. Assim, que o Estado aceitava implicitamente a jurisdição da Corte Internacio-
a Corte Internacional de Justiça reconheceu o direito de passagem ino- nal de Justiça.
cente como um costume internacional, podendo ser aplicado inclusive
4. I n d a g a ç ã o d i d á t i c a : há u m direito de p a s s a g e m i n o c e n t e para
no caso de navios militares, conforme ocorreu no caso do Estreito de
Corfu. Atualmente, o tema já possui previsão convencional, conforme aeronaves?
8
art. 17 e seguintes da Convenção de Montego Bay sobre Direito do Mar*' . Para o Direito Internacional, não é correto falar em direito de passagem
É importante ressaltar que, excepcionalmente, o Brasil pode exercer ju- inocente para aeronaves. Isso se dá em razão de haver previsão conven-
risdição penal sobre os fatos que ocorrerem na passagem inocente de cional expressa de instituto similar para as aeronaves, o chamado direi-
navio estrangeiro por águas brasileiras. Isto é possível caso haja um pe- to de sobrevoo. O direito de passagem inocente, como já visto, possui
dido do capitão do navio estrangeiro ou caso a embarcação estrangeira origem consuetudinária, embora atualmente já esteja previsto na Con-
pratique alguma conduta durante sua passagem que ofenda os interes- venção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, assim como na legisla-
3 9
ses do Estado brasileiro ' . ção interna brasileira. Já o direito de sobrevoo possui origem convencio-
nal, pois está regulado pela Convenção da Aviação Civil Internacional,
— popularmente conhecida como Convenção de Chicago. Assim, pelo bro-
318 A l é m da C o n v e n ç ã o de M o n t e g o Bay sobre Direito do Mar, j á incorporada pelo
cardo da especialidade, não há que se falar em passagem inocente para
o r d e n a m e n t o j u r í d i c o brasileiro, o t e m a t a m b é m é regulado pela Lei 8.617/1993,
que dispõe sobre o mar territorial, a z o n a c o n t í g u a , a z o n a e c o n ô m i c a exclusiva e
a p l a t a f o r m a continental brasileiros, e dá outras providências.
320 Esta c l á u s u l a é facultativa para os Estados e consiste no reconhecimento da j u r i s -
319 A e s s e r e s p e i t o , é a lição d e P a u l o H e n r i q u e G o n ç a l v e s P o r t e l a : "A passagem
será inocente quando não for prejudicial à paz, à boa ordem ou á segurança d i ç ã o obrigatória da Corte Internacional de J u s t i ç a . A cláusula leva este n o m e e m
do Estado costeiro, entendendo-se como prejudiciais atos como ações militares, razão do d i p l o m a t a brasileiro Raul Fernandes, n o m e a d o pelo C o n s e l h o da Socie-
espionagem, poluição, pesca ou o embarque ou desembarque de qualquer pro- dade das Nações, para o r g a n i z a r o projeto de E s t a t u t o s da Corte P e r m a n e n t e de
duto, moeda ou pessoa com violação das leis e regulamentos aduaneiros, fis- Justiça Internacional, reunido e m H a i a , de j u n h o a j u l h o de 1920. O Brasil, ainda
cais, de imigração ou sanitários do Estado Costeiro" ( P O R T E L A , Paulo H e n r i q u e receoso em s u b m e t e r t o d a e qualquer controvérsia à jurisdição da C o r t e Interna-
G o n ç a l v e s . Manual de Direito Internacional Público e Privado. 7. ed. S a l v a d o r : cional de J u s t i ç a , não aceitou a C l á u s u l a Raul Fernandes.
J u s p o d í v m , 2015, p. 582). 321 Hipótese t a m b é m conhecida c o m o " p r o r r o g a ç ã o " .
2
34 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 343
aeronaves, dada a existencia de instituto próprio para a aplicação no (OAB-RJ — EXAME DE ORDEM, 2007) Assinale a opção correta:
3
espaço aéreo ". a| A Convenção da Aviação Civil Internacional (Chicago, 1944) admite o
direito de sobrevoo de qualquer tipo de aeronave estrangeira no es-
INCIDÊNCIA DO TEMA EM PROVAS DE CONCURSOS paço aéreo dos Estados, como norma consuetudinária de direito in-
ternacional.
(TRF 5 REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2015 — CESPE, ADAPTADA) É corrente o
A
entendimento de que o Estado constitui uma junção de elementos: uma b| Tanto o direito de passagem inocente no mar territorial quanto o direi-
base territorial, uma dimensão humana e um governo efetivamente es- to de sobrevoo no espaço aéreo constituem normas convencionais, so-
tabelecido. Considerando o primeiro desses elementos, costuma-se ¡den mente obrigando os Estados que ratificarem as respectivas convenções.
tificar o elemento territorial ou espacial do Estado. Com relação a essa
c| Ao contrário do direito de passagem inocente no mar territorial, que
temática, assinale a opção correta:
é costumeiro, o direito de sobrevoo é convencional e está limitado
• O direito de passagem inocente no espaço aéreo ocorre da mesma for às aeronaves civis, não sendo admitido em relação às aeronaves de
ma que em relação ao mar territorial. propriedade de governos.
GABARITO: Errado. Não há que se falar em direito de passagem inocente no
d| O direito de passagem inocente e o direito de sobrevoo constituem
espaço aéreo. Em relação ao espaço aéreo, aplica-se o direito de sobrevoo.
restrições costumeiras à soberania do Estado sobre o seu território e
estão garantidos a quaisquer navios e aeronaves.
(CÂMARA DOS DEPUTADOS — ANALISTA LEGISLATIVO, 2002 — CESPE)
Julgue os itens a seguir relativos aos meios jurisdicionais de solução pa- GABARITO:A letra "a" está errada, pois o direito de sobrevoo não é norma
cífica de controvérsias: consuetudinária e sim, norma convencional. A letra "b"está errada, pois a
• O primeiro órgão de jurisdição internacional permanente a ser instituí- origem do direito de passagem inocente é norma consuetudinária. A letra
do foi a Corte Permanente de Justiça Internacional, substituída poste- "d" está errada, pois o direito de sobrevoo não constitui uma restrição
riormente pela Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia. costumeira. É regulado pela Convenção da Aviação Civil Internacional. O
gabarito correto é a letra "c".
GABARITO: Correto.
Como o enunciado da questão não questiona
CRÍTICA AO GABARITO DA QUESTÃO:
(TRF I REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2011 — CESPE, ADAPTADA) No que se refere
A
especificamente a origem dos institutos, a assertiva "b" também poderia
ao domínio público marítimo internacional, assinale a opção correta: ter sido considerada correta pela banca examinadora, já que, atualmente,
• Os Estados exercem soberania sobre suas águas interiores, ainda que o direito de passagem inocente também possui previsão convencional.
estejam obrigados a assegurar o direito de passagem inocente em fa-
vor dos navios mercantes, mas não dos navios de guerra. (CONSULTOR LEGISLATIVO SF, 2002 — CESPE) Considerando a defesa da
soberania nacional, julgue os seguintes itens.
GABARITO: Errado. Admite-se o direito de passagem inocente aos navios
de guerra. É justamente o entendimento da Corte Internacional de Jus- • O direito de passagem inocente nas águas do marterritorial brasileiro
tiça no caso Reino Unido vs. Albânia. é irrestrito.
GABARITO: Errado. O direito de passagem inocente comporta algumas res-
trições, como a exigência de não ofender os interesses do Estado costeiro.
322 Reconhecemos a posição minoritária de Luiz Flávio C o m e s que advoga pela " e x -
t e n s ã o " do direito de p a s s a g e m inocente às aeronaves. Entretanto, à luz do direito
internacional, tal posição não pode ser considerada correta, eis que há instituto
(PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2014 — PROVA
O
próprio previsto na Convenção da Aviação Civil Internacional a ser aplicável e m se ORAL) O direito de passagem inocente é aplicável aos navios militares?
tratando de d e s l o c a m e n t o no espaço aéreo. As bancas e x a m i n a d o r a s de concursos
O direito de passagem inocente é plenamente aplicável aos
BREVE RESPOSTA:
públicos t a m b é m não a d o t a m a posição de reconhecer o direito de p a s s a g e m ino-
cente às aeronaves. navios militares. Esta possibilidade foi reconhecida no primeiro caso jul-
344 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 345
gado pela Corte Internacional de Justiça.Trata-se do caso Reino Unido vs.
Albânia, popularmente conhecido como "Caso do Estreito de Corfu".
a
(TRFi REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2015 — ADAPTADA) Ao realizar um cru- Caso República Democrática do Congo
zeiro turístico, uma embarcação do pavilhão do Estado A parou em área vs, Bélgica ("Caso Yerodia")
situada na zona econômica exclusiva do Estado B e lá permaneceu. Após
dez dias, autoridades do Estado B apreenderam a embarcação sob a ale-
ÓRGÃO JULGADOR:
gação de que esta deveria ter informado que permaneceria parada na-
quela área, sendo a ausência de informação motivo para suspeitar de seu Corte Internacional de Justiça
engajamento em atividade ilícita. Nessa situação hipotética, a atitude do 1
Estado B violou: SENTENÇA:
• O direito de passagem inocente da embarcação.
11 de fevereiro de 2002
GABARITO: Errado. Não há qualquer situação envolvendo o direito de pas
Os delitos de que o Sr. Yerodia estava sendo acusado eram puníveis pelo
Estado belga com base em uma lei local referente à "punição de gra-
ves violações das Convenções Internacionais de Genebra e seus Protoco-
los Adicionais". Posteriormente, o Estado belga também passou a punir
graves violações de regras e princípios concernentes ao Direito Interna-
cional Humanitário.
346 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA I 347
Basicamente, os argumentos levantados pelo Estado congolês eram: .1) P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
a nulidade da ordem internacional de captura expedida pelo I '.Lulo hei
1. Preliminarmente: o que é a jurisdicional universal e quais são as
ga, visto que a Bélgica atribuiu uma jurisdição universal a si própria, com
base unicamente em uma lei interna, violando o princípio de que um Es- suas modalidades?
tado não pode exercer sua autoridade em território de outro Estado, bem A regra internacional da jurisdição universal admite que o Estado possa
como a igualdade soberana entre os membros das Nações Unidas; e b) regular e sancionar condutas realizadas fora do seu território, colaboran-
o Estado belga ignorou a imunidade de jurisdição do Sr. Yerodia, que, na do com a ordem internacional no combate à impunidade e assegurando
época do ocorrido, ocupava o cargo de Ministro das Relações Exteriores os valores essenciais da comunidade internacional. Sobre o conceito de
da República Democrática do Congo. jurisdição universal, é a lição de José Cretella Neto: "O principio da juris-
dição universal reflete a noção de que certos crimes são de tal modo abo-
Assim, segundo o Estado congolês, a Bélgica também estaria violando
mináveis e aberrantes, que todos os Estados têm — em tese, ao menos —
uma imunidade diplomática. 111
interesse em assegurar que os criminosos sejam levados a julgamento" .
OEstado belga, por sua vez, alegou que a Corte Internacional deJustiça não Vejamos as suas modalidades.
possuía competência para julgar o caso. Com base no princípio da kompe
tenz-kompetenz, a Corte Internacional de Justiça se declarou competente t.i. Jurisdição penal "comum"ou "grociana"
para julgar o caso, dado que, na data da reclamação feita pelo Estado do É aquela jurisdição na qual o Direito Internacional admite que um Estado
Congo, as partes estavam vinculadas por uma declaração obrigatória de possa regular e sancionar uma conduta realizada fora do seu território. É
submissão à jurisdição da Corte, No momento do julgamento pela Corte nada mais, nada menos que a extraterritorialidade da lei penal, prevista no
Internacional de Justiça, Yerodia não ocupava mais o cargo de Ministro das 0
art.7 , inciso II do Código Penal Brasileiro. Leva o nome dejurisdição grocia-
Relações Exteriores da República Democrática do Congo, o que não consti- na em homenagem a Hugo Grácio (ou Grotius), principal expoente e defen-
tuiu óbice para o processamento do feito na CU, pois, quando estabelecido sor deste modelo de jurisdição. Sobre o conceito dejurisdição grociana, é a
o litígio, o Sr. Yerodia ainda ostentava a condição de Ministro de Estado. lição de André de Carvalho Ramos: "O primeiro tipo é a jurisdição universal
Após examinar as Convenções de Viena sobre Direitos dos Tratados e a comum (ou grociana), pela qual o Direito internacional permite que um Es-
Convenção de Nova York sobre Missões Especiais, a Corte Internacional de tado possa regular e sancionar uma conduta realizada fora de seu território,
Justiça não encontrou nenhuma norma que fizesse referência a possível pois, de outro modo, esta restaria impune, prejudicando os esforços de outro
imunidade a ser gozada por um Ministradas Relações Exteriores. Assim,a Estado. Essa hipótese de aplicação extraterritorial da jurisdição normativa é
2
Corte Internacional deJustiça recorreu ao Direito Internacional Costumeiro longeva no Direito Internacional, em especial no que tange a leis penais"* *.
e constatou que haveria um costume internacional em vigor, conferindo Ainda segundo André de Carvalho Ramos: "Na mesma linha, o Supremo
imunidade ao Ministro das Relações Exteriores, não como benefício pes- Tribuna! Federa! possui diversos precedentes que pugnam pela aplicação
soal, mas sim para assegurar que o ocupante do cargo pudesse desempe- da lei brasileira a condutas ilícitas ocorridas no exterior — cujos autores
nhar suas funções com a maior integralidade e plenitude possível. não estão sujeitos à extradição •— para cumprir o ideal grociano de 'aut de-
Assim, para a Corte internacional de Justiça, o Estado belga violou uma dere aut judicare', revelando, aos olhos do STF, o compromisso ético jurídico
115
norma de Direito Internacional Costumeiro em relação a República De que o Brasil deve assumir na repressão da criminalidade comum" .
mocrática do Congo. Da mesma forma, a Corte Internacional de Justiça
concluiu pela incompetência do magistrado belga para processar e jul
gar o Sr. Yerodia com base em uma lei interna, tendo em vista que o Sr, 323 NETO, José Cretella. Curso de Direito Internacional Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
Yerodia sequer estava em território belga no momento em que a ordem 2014. p.246.
internacional de captura foi emitida. Assim, para a Corte Internacional 324 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
de Justiça, não há no atual cenário do Direito Internacional uma norma Paulo: Saraiva, 2013, p. 286.
costumeira que reconheça uma jurisdição universal in absentia. 325 ld.,p.287
348 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 349
Logo, segundo o posicionamento da doutrina, bem como do próprio Su- •,, R, 1 | i ) ' , ML. 1 1 1 , 1 1 11 HL.US QUE PRLLLHLRM .1 |L('TSI'L IH,.1(1 PRLL.LL ('III 1,1 A I O (1,1
premo Tribunal Federal, é possível concluir que o Brasil adota o critério da |urlsdlção universal qualificada imperfeita. Sobre a jurisdição universal quali-
jurisdição universal comum, seja através do seu Código Penal, da ratifica- ficada "condicional", é a lição de André de Carvalho Ramos: "Najurisdição uni-
ção de Tratados Internacionais, ou ainda de sua jurisprudência. versal condicional (ou imperfeita) a lei nacional exige que o acusado esteja em
custódia do Estado para o início da persecução (judex deprehensionis). Assim,
1.2. Jurisdição universal "especial"ou "qualificada" a presença física do acusado no território do Estado ê um vínculo indispensável
A jurisdição universal especial visa impedir que os indivíduos, com fulcro na para o exercício desse tipo de jurisdição qualificada, revelando a intenção da lei
sua legislação local, violem valores essenciais para a comunidade internacio- nacional impedir que juízes e promotores sejam "xerifes mundiais" e iniciem
nal (v.g. crimes dejuscogens). Assim, não há que se confundira jurisdição uni- procedimentos contra qualquer pessoa que, em qualquer lugar no mundo, te-
versal especial com a jurisdição universal comum.já que aquela visa coibir que nha cometido crimes contra os valores essenciais da comunidade"* . 7
350 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 351
mitinao a jurisdição universal qualificada absoluta. Nao toi o que entendeu Assim, em virtude do nao reconhecimento de um costume internacional legiti-
a Corte Internacional deJustiça no caso Yerodia, conforme veremos a seguir. mador da jurisdição universal absoluta qualihcada.a Bélgica alterou sua legisla-
O Estado brasileiro não adota a jurisdição universal qualificada "absolu- ção local, adotando a mesma posição do Estado brasileiro sobre o tema, ou seja,
ta", "perfeita" ou "in absentia". valendo-se da jurisdição universal qualificada "condicional"ou "imperfeita".
2. Não há u m costume internacional que permita a aplicação da juris- 3. A imunidade de Ministro das Relações Exteriores é absoluta e equi-
dição universal penal in absentia vale à imunidade diplomática
Conforme já explicado no tópico anterior, a jurisdição universal penal in absen- Ao analisar a reclamação da República Democrática do Congo no Caso
tia é aquela permite a aplicação extraterritorial da lei interna aos autores de Yerodia, a Corte Internacional de Justiça reconheceu que, em razão de um
crimes de jus cogens, ainda que estes jamais tenham estado no território do Es- costume internacional vigente na ordem internacional, o cargo de Ministro
tado emissor da ordem internacional de captura. Como não há tratado interna- das Relações Exteriores possui imunidade absoluta, que equivale à imuni-
cional que regule a matéria, a Bélgica, ao expedir uma ordem internacional de dade diplomática. Vale relembrar que as imunidades diplomáticas confe-
captura contra o Sr. Yerodia, fundamentou a jurisdição universal in absentia em rem uma proteção penal plena, de tal maneira que os indivíduos por ela
um possível costume internacional existente na ordem internacional. Porém, protegidos não podem ser processados.julgados nem condenados no Esta-
ao julgar o caso Congo vs. Bélgica, a Corte Internacional de Justiça não reconhe- do acreditado. Portanto, equivocou-se o magistrado belga ao emitir ordem
ceu a existência de um costume internacional que possa legitimar a jurisdição internacional de captura contra o Sr. Yerodia, já que este estaria sob a pro-
universal in absentia; por conseguinte, anulou a ordem internacional de captura teção da imunidade diplomática. Nesse sentido, é a lição de Paulo Henrique
emitida pelo Estado belga contra o Sr. Yerodia, tendo em vista que este sequer Gonçalves Portela: "Para a jurisprudência da Corte Internacional deJustiça
se encontrava em território belga. Ainda sobre a inexistência de um costume in- (CU), equiparam-se às imunidades diplomáticas as imunidades dos ministros
ternacional que legitime a jurisdição universal qualificada absoluta, é a lição de das relações exteriores dos Estados, como restou estatuído no exame do Caso
André de Carvalho Ramos: "Defato, o costume internacional cristalizado no pós- Yerodia, em que a República Democrática do Congo questionava ordem de
110
Nuremberg admite a tipificação especial — com regime jurídico próprio, como, prisão de seu Ministro das Relações Exteriores, proferida pela Bélgica" .
por exemplo, o dever dejulgar ou extraditar, a imprescritibilidade dos crimes e au- Vale relembrar que a imunidade dejurisdição não se confunde com a res-
sência de qualquer imunidade desses violadores — mas não legitima a jurisdição ponsabilidade individual (como, por exemplo, em julgamentos diante do
universal in absentia. É necessário separar, então, o regime material especial dos
TPI ou do Tribunal Especial para Serra Leoa, ambos tribunais internacio-
crimes de jus cogens (crimes contra a humanidade e assemelhados) do regime 33
nais que julgam indivíduos) '. A imunidade dejurisdição apenas impede
processual que trata da hipótese de aplicação extraterritorial da lei local. Pelo con-
a persecução penal por outro país.
trário, os Estados, como a Espanha e a Bélgica, que adotaram leis locais de juris-
dição universal in absentia foram duramente criticados e, inclusive, a Bélgica foi 4. Curiosidade: o que é "intraterritorialidade da lei"?
processada pelo Congo perante a Corte Internacional deJustiça no chamado Caso
A intraterritorialidade da lei consiste no fenômeno da incidência da lei estran-
do Mandado de Prisão de v de abril de 2000. Nesse caso, a Corte Internacional de
geira para um fato típico ocorrido dentro do Estado brasileiro. Há crimes que
Justiça decidiu, por maioria (com voto inclusive do então Juiz Francisco Rezek), que
não havia um costume internacional que amparasse a lei belga dejurisdição uni-
versal in absentia. Demonstrando a aceitação da posição da Corte, tanto a Bélgica
quanto a Espanha alteraram suas leis internas para reduzir o alcance da jurisdi- 330 PORTELA, Paulo H e n r i q u e G o n ç a l v e s . Direito internacional Público e Privado, s.ed.
9
ção universal para a espécie de jurisdição universal condicional ou imperfeita"* . Salvador: J u s p o d i v m , 2013, p. 249.
331 Nestes casos, a i m u n i d a d e de Chefe de Estado não deve prevalecer. Trata-se d o que
a d o u t r i n a convenciou c h a m a r de q u a r t a velocidade d o Direito Penal, o u seja, a i m -
possibilidade de Chefes de Estado a l e g a r e m i m u n i d a d e diante d e T r i b u n a i s Penais
329 R A M O S , A n d r é de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. S ã o Paulo; Internacionais de Direitos H u m a n o s que j u l g a m indivíduos. A quarta velocidade do
Saraiva, 2013, p. 289. Direito Penal t e m c o m o seu principal expoente o a r g e n t i n o Daniel Pastor.
352 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 353
ocorrem dentro do território brasileiro aos quais não é possível aplicar a lei do- notice"); objetiva buscar informações de natureza criminal sobre pessoas
méstica, como nos casos em que o delito se passa dentro de uma embarcação que cometeram delitos e estão propensas a reincidir, mas em outro país; f)
ou aeronave pública estrangeira a serviço do Estado estrangeiro, ou ainda nos Difusão roxa ("purple notice"): objetiva buscar informações sobre o modus
crimes cometidos no Brasil, porém acobertados por imunidade diplomática ou uperandi, objetos e métodos utilizados por criminosos; e g) Difusão laranja
consular. Nesses casos, aplica-se o Direito estrangeiro ou internacional, por au- ("orange notice"): objetiva avisar a população em geral sobre um determi-
toridade estrangeira e no país estrangeiro. A intraterritorialidade da lei penal é nado evento, objeto, pessoa ou situação de iminente perigo.
o fenômeno oposto à extraterritorialidade da lei penal, que ocorre quando um
6. Jurisprudência nacional correlata sobre o t e m a
crime é cometido no estrangeiro, mas a ele se aplica a lei brasileira. Nesse sentl-
do,é a lição de Rogério Sanches Cunha: "Porconta desta mitigação à territoriali- 6.1. Impossibilidade de validação automática da difusão vermelha
dade, permite-se a aplicação de lei estrangeira a fato praticado em território bra- ("red notice")
sileiro, fenômeno conhecido como intraterritorialidade, presente, por exemplo,
Apesar de ter enfrentado poucas vezes o tema, o Supremo Tribunal Fe-
na imunidade diplomática. Esse fenômeno (intraterritorialidade), contudo, não
deral, ao se deparar com a ordem internacional de captura da INTERPOL
se confunde com a extraterritorialidade, adotada pelo Código Penal no seu art.
1 (também chamada de red notice), entendeu que esta não recebe valida-
7°, em que a lei penal brasileira alcança condutas praticadas no estrangeiro" *.
ção automática pelo Estado brasileiro. Assim, além da ordem internacio-
5.0 que é a difusão vermelha "red notice"! nalmente emitida, a prisão cautelar do foragido internacional deve ser
requerida e decretada pelo STF (v. HC 80923, Rei. Min. Néri da Silveira,Tri-
A difusão vermelha, também chamada de "red notice", consiste em verda-
bunal Pleno, j. 15/08/2001; PPE 623 0 0 , Rei. Min. Cármen Lúcia, Tribunal
deira notícia da existência de um alerta expedido pelas autoridades judi-
Pleno, j. 01/07/2010). O STF deixou claro que há a necessidade do preen-
ciais de um Estado-membro da INTERPOL, visando à extradição da pessoa
chimento de outros requisitos, não bastando a mera ordem de prisão in-
procurada. Vejamos a lição de Vladimir Aras sobre o conceito de red notice:
ternacional para que o foragido possa ser preso no Estado brasileiro. Nes-
"As difusões vermelhas (red notices) são registros utilizados peia Organização
se sentido, explica Renato Brasileiro de Lima: "Se no estrangeiro, a difusão
de Polícia Internacional (Interpol) para divulgar entre os Estados-membros a
existência de mandados de prisão em aberto, expedidos por autoridades com- vermelha é suficiente, de per si, para que seja efetivada a prisão da pessoa
petentes nacionais ou por tribunais penais internacionais, no curso de proce- procurada, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal entende que é indispen-
dimentos criminais. Quando uma difusão vermelha é expedida, as organiza- sável prévia ordem escrita da autoridade judiciária competente brasileira.
ções policiais que representam a Interpol em cada um dos seus 188 Estados Logo, estando a pessoa no território nacional, ainda que seu nome conste
Partes podem dar execução aos mandados de captura internacional"* . 3 na Interpol como procurada em razão da difusão vermelha, deve haver pré-
vio pedido de extradição tramitando no Supremo, ocasião que o Ministro
Há na ordem internacional outras espécies de difusão. Vejamos algumas relator poderá determinar a prisão preventiva para fins de extradição, nos
delas, a título de curiosidade: a) Difusão azul ("blue notice"): objetiva coletar termos do art. 102,1, "g", da Constituição Federal. Nesse contexto, o Plená-
informações sobre a identidade de um indivíduo ou atividade em relação rio do Supremo já teve a oportunidade de asseverar que, ausente o pedido
a determinado crime; b) Difusão Amarela ("yellow notice"): objetiva ajudar de extradição em tramitação perante o STF, caracteriza constrangimento
a localizar pessoas desaparecidas; c) Difusão branca ("white notice"): obje ilegal à liberdade de locomoção o cumprimento de mandado de prisão ex-
tiva localizar bens culturais; d) Difusão preta ("black notice"): objetiva bus- pedido por justiça estrangeira contra pessoa residente no Brasil, para cuja
car informações sobre corpos não-identificados; e) Difusão verde ("green execução foi solicitada a cooperação da Interpol, já que tal mandado, por si
114
só, não pode lograr qualquer eficácia no território nacional" .
332 C U N H A , Rogério Sanches. Manual de Direito Penal— Parte Cerai. Salvador: Juspo-
d i v m , 2013, p. 14.
333 ARAS, Vladimir. A difusão vermelha no Brasil. Disponível e m : < h t t p s : / / b l o g d o v l a d i - 334 LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 2.ed. Salvador: J u s p o d i v m , 2014.
mir.wordpress.com/20io/02/2i/a-difusao-verrnelha/>. p.837.
354 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 355
6.2. O Supremo Tribunal Federal não possui competência para julgar (PGR — 26 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2012) Na com-
O
habeas corpus contra chefe da INTERPOL preensão contemporânea da doutrina e da jurisprudência em direito in-
Recentemente, o STF decidiu pela sua incompetência para julgar habeas ternacional, no exercício dejurisdição universal, estados podem promo-
corpus contra ato do Delegado-Chefe da INTERPOL no Brasil, Segundo o ver a persecução penal:
Supremo, a hipótese em comento não estaria elencada pela Constitui- a| contra qualquer pessoa sob seu império, não protegida por Imunidade
ção Federal de 1988 como um dos casos de competência da Corte (v. HC reconhecida por norma internacional, quando acusada da prática de
119056, Re!. Min. Cármen Lúcía,TrÍbunal Pleno, j. 03/10/2013). crimes graves, para os quais o direito internacional impõe a obrigação
"aut dedere, aut judicare";
6.3. A Interpol tem legitimidade para formular perante o Ministério da
Justiça pedido de prisão cautelar para fins de extradição b| contra qualquer pessoa sob seu império, independentemente de imu-
nidade que se lhe atribua, quando se trata de crimes de jus cogens;
No final do ano de 2014, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a legi-
timidade da INTERPOL para formular pedido de prisão cautelar para fins c| contra qualquer pessoa, sob seu império ou não, independentemen-
de extradição, ressaltando que tal conclusão decorre da alteração pro- te de imunidade que se lhe atribua, quando se trata de crimes de jus
movida no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6815/80) pela Lei 12878/2013, que cogens-,
0
conferiu nova redação ao art. 82, § 2 , estabelecendo que "O pedido de d| contra qualquer pessoa sob seu império ou não, desde que não pro-
prisão cautelar poderá ser apresentado ao Ministério da Justiça por meio tegida por imunidade reconhecida por norma internacional, quando
da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), devidamente acusada da prática de crimes graves, para os quais o direito internacio-
instruído com a documentação comprobatória da existência de ordem de nal impõe a obrigação "aut dedere, aut judicare".
prisão proferida por Estado estrangeiro" (v. PPE 732 00, Rei. Min. Celso de
a
GABARITO: A assertiva "A" está correta. Conforme já explicado no tópico "O
Mello, 2 Turma, DJe 02/02/2015).
que é a jurisdição penal universal e quais são as suas modalidades", o enun-
ciado remete à ideia de que o atual estágio da jurisdição penal universal
INCIDÊNCIA DO TEMA EM PROVAS DE CONCURSOS não permite a intromissão em território estrangeiro (vedação da juris-
dição universal in absentia). Assim, está correta a alternativa assinalada,
(PGR — 25 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2011) Segundo a
O
que retrata justamente o entendimento da Corte Internacional deJustiça
Corte Internacional de Justiça, (caso Yerodia República Democrática do no Caso Yerodia (Congo vs. Bélgica). A assertiva "B" está errada. Confor-
Congo vs. Reino da Bélgica), a imunidade de Ministro de Estado das Re- me o entendimento no Caso Yerodia, o Direito Internacional reconhece
lações Exteriores: a imunidade absoluta para Chefe de Estado e também para Ministro das
a| é relativa e só vale para viagens a serviço; Relações Exteriores, como no caso Congo vs. Bélgica. A assertiva "C" está
errada. Há dois erros no enunciado. A afirmação de que a jurisdição uni-
b| é relativa e não prevalece para o crime de genocídio; versal pode ser exercida independentemente de imunidade não pode ser
c| é absoluta e se equipara à imunidade diplomática; considerada correta, eis que vai em desencontro com o entendimento da
Corte Internacional de Justiça no Caso Yerodia. Da mesma maneira, a ju-
d| é absoluta, mas não se equipara à imunidade diplomática.
risdição universal não pode ser exercida contra pessoa que não está sob o
GABARITO: Letra C. O ponto foi devidamente abordado anteriormente. império do Estado, tendo em vista que não há, no atual estágio do direito
internacional, o reconhecimento de um costume internacional que per-
{PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2014 — PROVA
O
356I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 357
A jurisdição universal, além de permitir o julgamento pelo Estado, tam-
bém impõe um dever ao Estado que detém a custódia do acusado: o de-
335
ver de extraditar ou julgar .
Caso Alemanha vs. Itália (Grécia como
(MINISTÉRIO PÚBLICO DE GOIÁS — PROMOTOR, 2013 — ADAPTADA) Em terceiro inteverniente) "Caso Ferrini"
recente reforma processual, o legislador ordinário, imbuído de espírito
garantista do legislador constituinte, assentou a regra segundo a qual
ÓRGÃO JULGADOR:
"ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem es-
crita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decor-
rência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da
Corte Internacional de Justiça
investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão
preventiva" (art. 283, CPP). Em outros termos, foi sedimentada a ideia de SENTENÇA:
que o ato prisional deve ser encarado como exceção, não como regra. 03 de fevereiro de 2012
Dessarte, no que se refere ao tema prisão e liberdade — talvez o mais
sensível da seara processual penal —, é correto afirmar que:
• de acordo com o entendimento do Pretório Excelso, a difusão vermelha
(red notice) não é suficiente para que se efetive a prisão do foragido
RESUMO DO CASO
internacional no Brasil, sendo imprescindível o prévio pedido de extra-
dição e decretação de prisão cautelar pelo STF. Em 23 de dezembro de 2008, a Alemanha deu início a uma demanda pe-
rante a Corte Internacional de Justiça contra a Itália por violação da sua
GABARITO:Correto, conforme abordado no tópico "jurisprudência inter-
imunidade como Estado soberano na ordem internacional. Ao postular
nacional correlata".
na Corte Internacional de Justiça, o Estado alemão alegou que a Itália ha-
a
via se recusado a reconhecer a imunidade de Estado do país alemão pe-
(TRFi REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2015 — ADAPTADA) Raul, nacional do Es-
rante suas cortes domésticas.Tal controvérsia atingiu seu ápice no "Caso
tado X, solicitou asilo diplomático na embaixada do Estado Y, localizada
Ferrini", diante da Corte de Cassação italiana, onde se estabeleceu a com-
no território do Estado Z, alegando que tem sofrido perseguição politica
petência dos tribunais italianos para processar e julgar feitos envolvendo
por ação conjunta dos Estados X e Z. O asilo diplomático foi concedido
indivíduos que,durante a Segunda Guerra Mundial, haviam sido deporta-
pelo Estado Y, que reconhece como norma de direito internacional cos-
dos para a Alemanha para exercer a pena de trabalhos forçados. Bens da
tumeiro o asilo diplomático, ao passo que o Estado Z alega que nunca
Alemanha estavam inclusive sendo bloqueados pelos tribunais italianos.
reconheceu tal norma como valida e obrigatória para si. Nessa situação
hipotética: Além das iniciativas tomadas pelos italianos.alguns cidadãos gregos ten-
• 0 Estado Y tem o dever de aplicar a Raul o princípio do aut dedere aut taram obter a execução em território italiano de decisões concedidas por
judicare. tribunais gregos em virtude de um massacre realizado pelo exército ale-
mão em território grego durante a Segunda Guerra Mundial. Em síntese,
GABARITO: Errado. O princípio do aut dedere aut judicare não confere ao
as cortes italianas e gregas estavam reconhecendo a responsabilidade
Estado uma possibilidade de violar institutos do direito ao acolhimento
da Alemanha por violação sistemática de direitos humanos de gregos e
(asilo, refúgio, non-refoulement e etc). Tampouco impõe a sua aplicação
italianos durante a guerra. Assim, a Corte Internacional de Justiça foi cha-
em detrimento dos institutos acima referidos.
mada para resolver a controvérsia entre Alemanha e Itália.
Para a Corte Internacional de Justiça, a Itália ignorou o regramento clás-
335 Para maior a p r o f u n d a m e n t o sobre a c l á u s u l a aut dedere aut judicare, ver o caso sico do Direito Internacional ao não respeitar a imunidade do Estado ale-
Dusko Tadic vs. Prosecutor, que será a b o r d a d o m a i s a frente. mão. Segundo a CU, não é possível que um país no exercício de atos de
358 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 359
império seja julgado por outro, tendo em vista que não ha subordinação De acordo com a visão clássica, um Estado não poderia ser julgado pe-
entre Estados na sociedade internacional. Na sociedade internacional, las autoridades de outro contra a sua vontade, pelo simples fundamento
não há uma hierarquia entre Estados; não há como se falar em qualquer de que os "iguais não podem julgar iguais", ressalvados os casos em que
supremacia de um Estado sobre outro. o próprio Estado demandado renuncia a sua imunidade. Atualmente, a
teoria clássica se encontra defasada, prevalecendo tanto na jurisdição
Assim, segundo a Corte, nem mesmo a sistemática violação de direitos
doméstica brasileira quanto nas cortes internacionais a teoria moderna
humanos perpetrada pelos agentes alemães na Segunda Guerra Mundial
das imunidades de jurisdição dos Estados. Vejamos algumas palavras de
e tampouco a dificuldade para que essas pessoas ou seus familiares bus-
Paulo Henrique Gonçalves Portela sobre o tema: "A imunidade absoluta
quem uma eventual reparação na Justiça alemã justificariam a suspen
é consentânea com o espírito da época em que surgiu, em que o Estado
são da imunidade dos Estados frente às jurisdições nacionais.
nacional se consolidava, fenômeno que ocorreu sob a égide do absolutismo
Desse modo, a Corte Internacional de Justiça ordenou que a Itália tornas- e, portanto, de ideias como o 'direito absoluto do Estado de se organizar, de
se sem efeito as decisões judiciais contra a Alemanha, desconsiderando não depender senão de seus próprios órgãos', a 'negação de subordinação
inclusive eventuais constrições contra os bens do Estado alemão. ou limitação do Estado por qualquer outro poder, passando este a encerrar
um poder supremo e independente' e a necessidade de oposição a pode-
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O CASO
res externos. Atualmente, a visão clássica encontra-se superada, não mais
guiando os Estados diante da possibilidade de exame de um processo ju-
i. Nem m e s m o a grave violação de direitos humanos relativiza a imu- diciai em que o réu é outro Estado soberano. Entretanto, o inteiro teor da
nidade de jurisdição Estatal noção tradicional da matéria foi acolhido pela noção moderna a respeito
da imunidade de jurisdição e anda é pregada quando o Estado pratica os
A comunidade internacional lamentou muito a decisão proferida pi 7
chamados 'atos de império (...)"'" .
Corte Internacional de Justiça no caso Alemanha vs. Itália. Isso porque,
no atual estágio da proteção internacional dos direitos humanos, espe Por outro lado, a teoria moderna das imunidades de jurisdição dos Es-
rava-se que a Corte de Haia pautasse sua decisão pelos princípios que tados é aquela que distingue os atos estatais em atos de gestão e atos
resguardam os interesses da pessoa humana, como o princípio da máxi- de Império. Os atos de gestão seriam aqueles em que o Estado pratica
ma efetividade dos direitos humanos. Infelizmente, a Corte Internacional sem qualquer potestade pública, sendo virtualmente equiparado a um
de Justiça preferiu adotar a tese mais cômoda e conservadora, fazendo particular. Nesses casos, não há qualquer Imunidade de jurisdição estatal.
prevalecera imunidade de jurisdição estatal por atos de império, na qual São os casos em que o ato praticado pelo Estado envolve uma relação de
ainda vigora o clássico brocardo pariri parem non habet judicium * . 1 6
natureza trabalhista, comercial ou civil. Já os atos de império são aqueles
em que se vale de suas prerrogativas para praticar o ato. Nas situações
2.Teoria moderna sobre o alcance da imunidade de jurisdição estatal: em que o Estado se vale de suas prerrogativas inerentes para a prática o
distinção entre atos de gestão e atos de império ato, prevalece o clássico brocardo par in parem non habet judiciam (não
A temática relativa ao tema das imunidades de jurisdição estatal envol há jurisdição entre os iguais). Logo, de acordo com a visão mais moderna
ve a discussão entre as duas visões apresentadas pela doutrina e pelos sobre o tema e atualmente adotada, para saber se um Estado estrangeiro
próprios precedentes internacionais: a visão clássica e a visão moderna. pode ou não ser processado por outro Estado, deve-se analisar a natureza
e o contexto do ato praticado.
Por fim, deve-se atentar para o fato de que a teoria moderna das imuni-
dades de jurisdição estatal aplica-se apenas para o processo de conheci-
336 Atenção.- A tendência do candidato em provas de concursos é sempre marcar a
assertiva que melhor resguarda a proteção dos direitos humanos. Em se tratando
do caso Alemanha vs. Itália, tal raciocínio não deve ser utilizado. A famosa "casca
a
de bana na" foi colocada na última prova doTRFda 5 região e muitos candidatos 337 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 5. ed.
acabaram errando a questão. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 201.
360 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 361
8
mento, não se referindo à imunidade de execução» e tampouco às or- época da Segunda Guerra Mundial, com a ocupação aa rrançti pui uo
9
ganizações internacionais» , eis que nestes casos ainda vigora a teoria pas nazistas, foi vitima de diversas perseguições e humilhações pelos
340
absoluta da imunidade de jurisdição . militantes alemães. O STJ decidiu pela imunidade de jurisdição do Es-
tado alemão, pois as práticas nazistas perpetradas à época se caracteri-
3. A Corte Internacional de Justiça admitiu um terceiro Estado como
zam como atos de império:
interveniente
"DIREITO PROCESSUALCIVILE INTERNACIONAL AÇÃO INDENIZATÓ-
Além de Alemanha e Itália, a Corte Internacional de Justiça admitiu um
RIA AJUIZADA CONTRA ESTADO ESTRANGEIRO. AUTORIDADE JUDI-
terceiro interveniente no feito, a Grécia. Trata-se de um precedente in-
CIÁRIA BRASILEIRA. COMPETÊNCIA. LIMITES. RESPOSTA DO ESTADO
comum se analisarmos a jurisprudência tradicional da CU, conhecida
por limitar os casos sobre sua responsabilidade apenas às partes envol- ESTRANGEIRO. PROCEDIMENTO.
34
vidas no contencioso '. 1. A imunidadedejurisdição não representa uma regra que automa-
ticamente deva ser aplicada aos processos judiciais movidos contra
4. Voto dissidente do Juiz brasileiro A u g u s t o Cançado Trindade
um Estado estrangeiro.Trata-se de um direito que pode, ou não, ser
Para Antônio Augusto Cançado Trindade, juiz da Corte Internacional de exercido por esse Estado, que deve ser comunicado para, queren-
Justiça e maior autoridade brasileira em matéria de direitos humanos, a do, alegar sua intenção de não se submeter à jurisdição brasileira,
imunidade de jurisdição estatal não poderia prevalecer sobre massivas suscitando a existência, na espécie, de atos de império a justificar a
violações de direitos humanos. Embora a opinião do professor Cançado invocação do referido princípio. Precedentes.
Trindade tenha sido minoritária no caso Alemanha vs. Itália, ela é de ex-
trema importância para o estudo da proteção internacional dos direitos 2. Tendo o Estado estrangeiro, no exercício de sua soberania, decla-
humanos, tendo em vista o caráter humanista, pedagógico e até mesmo rado que os fatos descritos na petição inicial decorreram de atos de
revolucionário de seus votos quando a matéria envolve direitos humanos. império, bem como apresentado recusa em se submeter à jurisdi-
ção nacional, fica inviabilizado o processamento, perante autorida-
5. Convergência entre o entendimento da Corte Internacional de Jus- de judiciária brasileira, de ação indenizatória que objetiva ressarci-
tiça e o entendimento da Justiça Brasileira mento pelos danos materiais e morais decorrentes de perseguições
Curiosamente, um caso análogo foi proposto perante a jurisdição bra- e humilhações supostamente sofridas durante a ocupação da Fran-
sileira. Um francês naturalizado brasileiro ajuizou ação de indenização ça por tropas nazistas.
por danos morais e materiais contra o Estado alemão. Sustentou que, à 3. A comunicação ao Estado estrangeiro para que manifeste a sua
intenção de se submeter ou não à jurisdição brasileira não possui a
natureza jurídica da citação prevista no art. 213 do CPC. Primeiro se
338 Salvo e m casos de renúncia da i m u n i d a d e de e x e c u ç ã o pelo próprio ente estatal. oportuníza, via comunicação encaminhada por intermédio do Mi-
STF, A C O - A g R 633/SP.
nistério das Relações Exteriores, ao Estado estrangeiro que aceite
339 A O r g a n i z a ç ã o das Nações U n i d a s - O N U e sua agência P r o g r a m a das Nações Uni-
ou não a jurisdição nacional. Só aí, então, se ele concordar, é que se
das para o D e s e n v o l v i m e n t o - P N U D p o s s u e m i m u n i d a d e de j u r i s d i ç ã o e de exe-
cução relativamente a c a u s a s trabalhistas, c o n f o r m e e n t e n d i m e n t o do S u p r e m o
promove a citação para os efeitos da lei processual.
T r i b u n a l Federal nos RE's 597368 e 578543.
4. A nota verbal, por meio da qual o Estado estrangeiro informa não
340 M e s m o s nestes casos, é necessária a d e t e r m i n a ç ã o da citação do Estado estran
geiro para que se decida se deseja ou não renunciar à i m u n i d a d e de jurisdição. Se
aceitar a jurisdição nacional, direcionada ao Ministério das Relações
renunciar e x p r e s s a m e n t e a i m u n i d a d e , a e x e c u ç ã o prossegue n o r m a l m e n t e . Se Exteriores e trazida por esse aos autos, deve ser aceita como mani-
i n v o c a r a i m u n i d a d e ou q u e d a r silente, a e x e c u ç ã o é e x t i n t a sem resolução de mé- festação legítima daquele Estado no processo.
a
rito. STJ, 2 T u r m a , RO 138-RJ, Rei. Min, H e r m a n B e n j a m i n , j u l g a d o e m 25/02/2014.
341 Vale relembrar que a Corte Internacional de Justiça exerce s u a j u r i s d i ç ã o apenas Recurso ordinário a que se nega provimento. (RO 99/SP, Rei. Min. Nancy
a
diante de Estados. Não há o p r o c e s s a m e n t o de pessoas físicas pela CU. Andrigui, 3 Turma, julgado em 04/12/2012, DJe 07/12/2012)" (grifamos).
3<J2 I lllkT.PRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 363
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S (TRF 3"' REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2011 — CESPE, ADAPTADA) Acerca da
imunidade de jurisdição estatal, assinale a opção correta:
(TRF 5 REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2013 — CESPE, ADAPTADA) Acerca da
A • A imunidade de jurisdição é absoluta no Brasil para casos que envol-
imunidade de jurisdição estatal, assinale a opção correta: vam reclamações trabalhistas.
• A Corte Internacional de Justiça entende que esse tipo de imunidade Errado. Nos casos envolvendo matéria trabalhista, o Estado
GABARITO:
não é aplicável em casos de violações a direitos humanos, como, por atua como se particular fosse (teoria dos atos de gestão).
exemplo, aqueles que envolvam trabalhos forçados.
(TRF 5 REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2015 — CESPE, ADAPTADA) Assinale a
A
3 6 4 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 3 b 5
Assim, antes de realizar um terceiro pedido de extradição do Sr. Habré,
,1 Bélgica levou o Í . a s o a l e .1 Í 0 1 l e lutei 11..K l u n a l d e Justiça. O I stado bel
o
ga baseou suas alegações nos artigos 6 , parágrafo 2, e 7 ° , parágrafo 1°,
da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outras Penas ou
Caso Bélgica vs. Senegal ("Caso Habré")
Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Convenção contra a
Tortura), que prevêem a possibilidade de jurisdição universal, diante da
ÓRGÃO JULGADOR:
cláusula de aut dedere aut judicare (extradite ou julgue) para aqueles que
perpetrarem atos de tortura.
Corte Internacional de Justiça
Além disso, o Estado belga embasou suas alegações em normas interna-
cionais consuetudinárias.
SENTENÇA:
20 de j u l h o de 2012 No dia 20 de julho de 2012, a Corte Internacional de Justiça decidiu — com
o 0
fulcro nos artigos 6 , parágrafo 2°, e artigo 7 , parágrafo i°, da Convenção
das Nações Unidas contra a Tortura — que o Estado do Senegal deveria
julgar imediatamente o ex-presidente do Chade, Sr. Hissène Habré, e em
caso de recusa do Estado senegalês a fazê-lo, extraditar o ex-presidente
RESUMO DO CASO do Chade para o Estado belga.
o
O Sr. Hissène Habré foi presidente da República do Chade -' de 1982 até 34 Do mesmo modo, com fulcro no artigo 6 , parágrafos 1 e 2, da Convenção
1990. Seu mandato ficou marcado pela sistemática violação de direitos da ONU contra a Tortura, a Corte de Haia responsabilizou o Estado de Se-
humanos no país, eis que o Governo liderado por Habré praticava a tor- negal por não ter aberto de maneira imediata, assim que tomou ciência
tura de maneira corriqueira e usual; não bastasse isso, ceifava a vida de dos fatos, uma investigação preliminar contra o Sr. Habré.
qualquer pessoa que se manifestasse contra seu governo. Milhares de Assim, para a Corte Internacional de Justiça, a obrigação de investigar
pessoas foram mortas e torturadas na República do Chade.
não é uma faculdade, mas uma obrigação do país onde se encontra o
Em 1990, diante de todas as atrocidades cometidas pelo seu governo, acusado de crimes de tortura. Ainda segundo a Corte de Haia, a única
Hissène Habré foi deposto do cargo e fugiu para a cidade de Dakar, no hipótese em que o Senegal poderia deixar de investigar e julgar o Sr. Ha-
Senegal, onde recebeu asilo. Após alguns anos, a República do Chade pe- bré seria se o país tivesse extraditado o ex-presidente do Chade para um
diu a repatriação do ex-presidente para que ele pudesse responder por Estado competente e que tivesse solicitado a extradição, como ocorreu
todas as violações de direitos humanos cometidas durante o seu governo. no caso da Bélgica.
Nesse interregno, a Bélgica também pediu a extradição de Habré, já que
algumas vítimas do Regime comandado por Habré, que contavam com
dupla cidadania, vieram a postular diante do Judiciário da Bélgica. P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
O Senegal negou o pedido de repatriação do ex-presidente Habré para a í. Jurisdição universal prevista para o crime de tortura na Convenção
República do Chade, alegando que a República do Chade não julgaria o Sr.
das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas
Habré de maneira imparcial. No ano de 2005,0 Estado do Senegal também
Cruéis, Desumanos o u Degradantes
denegou o pedido de extradição do ex-presidente Habré para a Bélgica.
Diferentemente do caso Bélgica vs. Congo (Caso Yerodia)— em que o funda-
mento analisado pela Corte Internacional de Justiça para conferir validade
342 A República d o C h a d e é um país s e m acesso ao mar, localizado na região centro-
ou não à jurisdição universal era o ordenamento jurídico interno de uma
norte da Africa. das partes —, no caso Bélgica vs. Senegal (Caso Habré), o fundamento que
366 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 367
confere validade para a jurisdição universal diante da prática de tortura são Além de estar prevista em diversas convenções internacionais ^ cláusula do 344
os próprios preceitos da Convenção da ONU contra a Tortura, que estabele- aut dedere aut judicare também encontra resguardo na doutrina internacio-
cem os casos em que um país se torna competente para exercer a jurisdição: nalista. Para os estudiosos do direito internacional, a cláusula do aut dedere,
quando o crime foi cometido em seu território, quando o acusado ou a ví- aut judicare*'' obriga os Estados a tomarem providências para levaros autores
tima nasceu lá ou ainda quando o acusado foi encontrado circulando pelo iA6
de crimes de jus cogens a julgamento. Ainda sobre o assunto e para elucidar
343
país . Vale relembrar ainda que a Corte Internacional de Justiça não exami- eventuais dúvidas, uma pequena lição de Luiz FernandoVoss Chagas Lessa so-
nou se a Bélgica possui ou não competência para julgar Hissène Habré, mas bre a cláusula aut dedere, aut judicare: "A cláusula aut dedere aut judicare (ex-
apenas a viabilidade da jurisdição universal para o crime de tortura. tradite ou julgue) aparece como um princípio de Direito Internacional vinculan-
te, aplicável não somente aos casos de extradição, mas sim à própria persecução
2. As obrigações de investigar e julgar ou extraditar {aut dedere aut dos autores de ilícitos internacionais penais. Esse principio tem aplicabilidade
judicare) previstas na Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura naqueles casos em que um Estado recusa conceder a extradição requerida por
e Outros tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes outro Estado, como, por exemplo, costuma ocorrer no caso de nacionais do pais
são obrigações erga omnes requerido. Nessas hipóteses, embora o Estado requerido não esteja obrigado a
entregar o acusado do fato criminoso ao requerente, aquela tem a obrigação de
É importante destacar também a postura da Corte Internacional de Jus-
processar e julgar o criminoso. Indo além, é possível sustentar que, na ausência
tiça no Caso Habré, pois, ao se deparar com a obrigação de investigar e
o de um pedido de extradição, existe, para o Estado onde se encontra localizado o
julgar ou extraditar, previstas respectivamente nos artigos 6 e 7 ° da Con-
autor do fato delituoso, o dever de processá-lo. Esse dever pode resultar tanto da
venção da ONU contra a Tortura,ela decidiu que estas seriam verdadeiras
aplicação da cláusula do aut dedere aut judicare quanto do costume interna-
obrigações erga omnes, passíveis de serem exigidas por qualquer Estado, 341
cional, das normas imperativas de Dl ou mesmo de princípios gerais do direito" .
eis que estas obrigações resguardam valores essenciais da comunidade
internacional. Logo, critérios para aferira legitimidade ativa para postular Nesse sentido, é também a posição de André de Carvalho Ramos sobre
o dever de investigar e julgar ou extraditar, como, por exemplo, a naciona- o tema: "O princípio do aut dedere aut judicare ("extraditar ou julgar")
lidade da vítima, são irrelevantes. remonta a Crotius e tem como objetivo assegurar punição aos infratores
destas normas internacionais de conduta onde quer que eles se encontrem.
348
Não estariam seguros, na expressão inglesa, anywhere in the wor/d" .
343 Artigo 5 ° — r. Cada Estado-parte tomará as medidas necessárias para estabelecer
sua jurisdição sobre os crimes previstos no artigo 4°, nos seguintes casos:
q u a n d o os c r i m e s t e n h a m sido c o m e t i d o s e m q u a l q u e r território sob sua jurisdi-
344 A c l á u s u l a do aut dedere aut judicare pode ser e n c o n t r a d a no art. 36.2 " a " da C o n -
ção ou a bordo de navio o u a e r o n a v e registrada no E s t a d o e m q u e s t ã o ;
v e n ç ã o única sobre Entorpecentes d e 1961, n o art. 22.2 " a " d a C o n v e n ç ã o sobre
q u a n d o o s u p o s t o a u t o r for nacional do Estado e m q u e s t ã o :
S u b s t â n c i a s Psicotrópicas (1971), no a r t i g o 16 d a C o n v e n ç ã o das N a ç õ e s U n i d a s so-
q u a n d o a v i t i m a for nacional d o Estado e m questão e este o considerar apropriado;
bre C r i m e O r g a n i z a d o T r a n s n a c i o n a l (2000), no a r t i g o 11 d o T r a t a d o d e Extradição
Artigo 6" — Todo Estado-parte em cujo território se encontre uma pessoa suspeita do Mercosul (1998), entre outros d o c u m e n t o s .
de ter cometido qualquer dos crimes mencionados no artigo 4", se considerar, após 345 A c l á u s u l a do aut dedere, aut judicare possui o r i g e m no brocardo a u f dedere, aut
o exame das informações de que dispõe, que as circunstâncias o justificam, proce- punire, f o r m u l a d o por H u g o Grócio no c o n t e x t o do p a r a d i g m a d a c o e x i s t ê n c i a .
derá à detenção de tal pessoa ou tomará outras medidas legais para assegurar sua C o m o a t u a l m e n t e o Direito i n t e r n a c i o n a l é g u i a d o por u m viés cooperativo, o bro-
presença. A detenção e outras medidas legais serão tomadas de acordo com a lei do c a r d o foi a d a p t a d o para aut dedere, aut judicare.
Estado, mas vigorarão apenas peto tempo necessário ao inicio do processo penal ou 346 São os crimes de c o m p e t ê n c i a do T r i b u n a l Penal Internacional: c r i m e s de guerra,
de extradição. c r i m e s contra a h u m a n i d a d e , g e n o c í d i o e o c r i m e de agressão.
O Estado e m q u e s t ã o procederá i m e d i a t a m e n t e a u m a i n v e s t i g a ç ã o preliminar 347 LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. Persecução penal e cooperação internacional
dos fatos. direta pelo Ministério Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 62-63.
Qualquer pessoa detida de acordo c o m o parágrafo i ° terá asseguradas facilidades 348 R A M O S , A n d r é de Carvalho. O caso Pinochet: p a s s a d o , presente e f u t u r o d a perse-
para comunicar-se imediatamente c o m o representante mais próximo do Estado de cução criminal internacional. Revista do instituto Brasileiro de Ciências Criminais,
que é nacional ou, se for apátrida, com o representante d e sua residência habitual. j a n . / m a r . 1999, p a i o .
368I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 3 6 9
Por fim, é de suma importância ressaltar que o Brasil adota o ideal grecia- d,i\ normas de Investigai e exltadilat uu julgar, estas somente prevale-
no de aut dedere aut judicare. Vejamos a lição de André de Carvalho Ra- cem para os fatos que se passaram após a entrada em vigor da Conven-
mos sobre o ponto em questão; "Complementando esses tratados interna- ção da ONU contra a Tortura para o Senegal; respeita-se assim o artigo 28
cionais, há a previsão do art. j° do Código Penal que dispõe F icam sujeitos da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados" .0 fato da proibição 3
à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (...) il — os crimes a) que, da prática de tortura ter sido considerada uma norma de jus cogens tam-
por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir'. Na mesma linha, bém não alterou a questão intertemporal em comento.
o Supremo Tribunal Federal possui precedentes que pugnam pela aplicação
5. Após a decisão da Corte Internacional de Justiça no Caso Bélgica
da lei brasileira a condutas ilícitas ocorridas no exterior — cujos autores
353
não estão sujeitos à extradição — para cumprir o ideal g rocia no de 'aut de- vs, Senegal, criou-se u m Tribunal Internacional H í b r i d o para j u l g a r
dere aut judicare', revelando, aos olhos do STF, 'o compromisso êtico-jurídico Hissène Habré
149
que o Brasil deve assumir na repressão a atos de criminalidade comum'" . Diante da decisão da Corte Internacional no caso Habré, a União Africana
e o Senegal criaram um novo Tribunal Internacional de quarta geração
Para finalizar, e tratando especificamente do ponto em comento, segue
para julgar o ex-presidente do Chade, o que demonstra o empenho do Es-
um trecho da lição de André de Carvalho Ramos: "Por sua vez, a Conven-
tado senegalês em cumprir a decisão da Corte de Haia. Vejamos a lição de
ção da ONU, em seu art. $°, §2° estabelece o princípio do aut dedere, aut
André de Carvalho Ramos sobre o tema: "Recentemente foi criado o Tribu-
judicare, pelo qual o Estado contratante tem o dever de extraditar ou julgar
nal Especial para julgar o ex-líder do Chad Hissène Habré, estabelecido gra-
o torturador que esteja sob sua jurisdição, não importando a nacionalidade
150 ças a acordo firmado entre a União Africana e o Senegal (onde se encontra
do autor, vítima ou local que a tortura tenha ocorrido" .
Habré). As acusações referem-se a fatos ocorridos de 1982 até 1990, período
3. A Corte Internacional de Justiça afirmou no caso Bélgica vs. Senegal que a em que Habré tomou o poder no Chad por um golpe e iniciou o massacre de
proibição da prática de tortura é uma norma consuetudinária de jus cogens oponentes. O acordo acontece após a manifestação da Corte Internacional
de Justiça sobre o caso Bélgica vs. Senegal, que impõe a este país o dever de
No caso em comento, a Corte Internacional de Justiça reconheceu que a 154
julgar o ex-ditador do Chad" .
proibição da prática de tortura é uma norma de jus cogens costumeira.
As normas de jus cogens são aquelas normas imperativas e que possuem 6. Para aprofundar: o c o m b a t e à tortura e a proteção internacional de
valores essenciais para toda a comunidade internacional. Assim, segundo direitos h u m a n o s
a Corte de Haia, há um costume internacional em vigor no qual é possível
afirmar que a proibição da prática de tortura é norma de jus cogens '. 35
6 . 7 . 0 delito de tortura pela Lei n. 9455/97
A proibição da prática de tortura é um mandado de criminalização
4. As obrigações de aut dedere aut judicare previstas na Convenção da proferido pela Constituição Federal de 1988 e que foi satisfeito pelo
O N U contra a Tortura e dotadas de natureza de obrigações erga omnes legislador brasileiro apenas no ano de 1997, com a edição da Lei n.
(conforme decisão da própria CU no Caso Habré) estão submetidas ao 9455. Segundo o diploma legal brasileiro, a prática de tortura pode
artigo 28 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados ser definida como "constranger alguém com emprego de violência ou
Ê interessante ressaltar o posicionamento da Corte Internacional de Jus-
tiça ao decidir que, mesmo diante da qualidade de obrigação erga omnes
352 trretroatividade de Tratados — A não ser que uma intenção diferente se evidencie
do tratado, ou seja estabelecida de outra forma, suas disposições não obrigam uma
parte em relação a um ato ou fato anterior ou a uma situação que deixou de existir
349 RAMOS, André de C a r v a l h a Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. S i o antes da entrada em vigor do tratado, em relação a essa parte.
Paulo: Saraiva, 2013. p.287. 353 Para a p r o f u n d a r o t e m a "tribunais internacionais híbridos" r e c o m e n d a - s e a leitu-
350 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 505. ra do C a s o Charles Taylor, que será e s t u d a d o m a i s a frente.
351 Esse e n t e n d i m e n t o j á havia sido cristalizado pelo T r i b u n a l Penal para a e x - l u g o s - 354 RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de Direitos Humanos. 3. ed. S ã o
lávia no caso Furundzija vs. Prosecutor, j u l g a d o em 10 de d e z e m b r o de 1998. Paulo: Saraiva, 2013, p. 320.
3 7 ° I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 371
grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: Em razão de
TORTURA SEGUNDO A TORTURA SEGUNDO A
discriminação racial ou religiosa (tortura religiosa ou discriminatória);
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONVENÇÃO INTERAMERICANA
Para provocar ação ou omissão de natureza criminosa (tortura crime);
Com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de CONCEITO: "qualquer ato pelo qual dores ou CONCEITO: "todo ato pelo qual são infli-
sofrimentos agudos.fisicos ou mentais, são gidos intencionalmente a uma pessoa
terceira pessoa (tortura clássica).
infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou men-
afim de obter, dela ou de uma terceira pes- tais com fins de investigação criminal,
A lei ainda prevê outras duas modalidades específicas de tortura: (a) en-
soa, informações ou confissões; de castiga como meio de intimidação, como cas-
volvendo a submissão de pessoa presa a sofrimento físico ou mental; (b) -la por ato que ela ou uma terceira pessoa tigo pessoal, como medida preventiva,
envolvendo pessoa sob guarda, poder ou autoridade, como forma de apli- tenha cometido ou seja suspeita de ter co- como pena ou com qualquer outro fim".
metido; de intimidar ou coagir esta pessoa
car castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. O B S : a existência de e s t a d o de guer-
ou outras; ou por qualquer motivo basea-
ra, a m e a ç a de guerra, estado de sítio
do em discriminação de qualquer nature-
Desse modo, é possível constatar que, para a legislação brasileira a tortura ou e m e r g ê n c i a , distúrbios o u lutas
za; quando tais dores ou sofrimentos são
internas, a s u s p e n s ã o de garantias
é um crime: (a) comum; (b) prescritível; e (c) equiparado a crime hediondo. infligidos por um funcionário público ou
constitucionais, a instabilidade políti-
outra pessoa no exercício de funções pú-
ca interna e outras e m e r g ê n c i a s pú-
6.2. Extraterritorialidade incondicionada do crime de tortura blicas, ou por sua instigação, ou com 0 seu
blicas ou desastres não poderão ser
consentimento ou aquiescência".
A Lei n. 9455/97 prevê em seu artigo 2 0
uma das raras hipóteses de extra- invocados n e m admitidos c o m o j u s t i -
territorialidade incondicionada da jurisdição brasileira. Segundo o artigo O B S : Não se admite a invocação de circuns- ficativa para 0 crime de tortura. T a m -
o
t â n c i a s excepcionais, tais c o m o a m e a ç a pouco poderá 0 caráter perigoso d e
2 da Lei de Tortura, aplica-se a lei brasileira mesmo que o crime não te-
ou e s t a d o de guerra, instabilidade políti- u m detento ou prisioneiro justificar 0
nha sido cometido no território nacional, desde que a vítima seja brasilei- ca interna ou qualquer outra e m e r g ê n c i a recurso à tortura. De igual f o r m a , or-
ra ou, ainda, se o agente estiver em local sob jurisdição brasileira. Sobre pública, como j u s t i f i c a ç ã o para tortura. dens de superiores hierárquicos não
T a m b é m não se admite a e x c u l p a n t e d a podem ser invocadas para justificar 0
essa hipótese de extraterritorialidade incondicionada, é a lição de André
"ordem hierárquica" c o m o justificação crime. Não há, pois, possibilidade d e
de Carvalho Ramos: "Assim, há dois casos de extraterritorialidade: 1) pelo para 0 crime. Não há, pois, possibilidade derrogar a proibição contra a tortura.
princípio da personalidade passiva, quando a vítima da tortura for brasilei- de derrogar a proibição contra a tortura.
O B S : O s atos oriundos de sanções le-
ra; e 2) pelo princípio da universalidade da jurisdição, quando o agente se O B S 2: O s atos oriundos de sanções legíti- g í t i m a s q u e c a u s e m sofrimento o u
mas q u e c a u s e m sofrimento ou dores não dores, d e s d e que não i n c l u a m a reali-
encontra em território brasileiro"™.
são considerados tortura. zação de atos ou a aplicação de méto-
dos que c a u s e m penas ou sofrimento
6.3. Conceito de tortura: Convenção da ONU contra a Tortura versus físicos ou m e n t a i s para fins de inves-
Convenção Interamericana contra a Tortura t i g a ç ã o , c o m o meio de intimidação,
como c a s t i g o pessoal, c o m o medida
Somente após a II Guerra Mundial, e em razão das experimentações bio- preventiva ou que provoquem a a n u -
lógicas realizadas em seres humanos durante a beligerância, nasceu um lação da personalidade da v í t i m a o u
a d i m i n u i ç ã o de s u a c a p a c i d a d e física
movimento de repúdio ã tortura que originou a aprovação de inúmeros
ou m e n t a l , não caracterizam tortura.
tratados internacionais contra a tortura, como a Convenção contra a Tor-
tura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes (1984) e a ELEMENTO SUBJETIVO: Dolo. A tortura culposa ELEMENTO SUBJETIVO: Dolo. A tortura c u l -
Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura {1985), ambas não é punível. posa não é punível.
372 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 373
da vitima. Apenas a Convenção Interamericana admite que determina-
TORTURA S E G U N D O A TORTURA S E G U N D O A
da medida preventiva ou pena pode resultar em configuração de tortura.
C O N V E N Ç Ã O DAS N A Ç Õ E S UNIDAS C O N V E N Ç Ã O INTERAMERICANA
Apenas a Convenção da ONU exige a presença de agente público ou sua
SUJEITO A T I V O : É O a g e n t e público ou particu- SUIEITO A T I V O : 1. O s e m p r e g a d o s ou aquiescência para a caracterização da prática de tortura. Apenas a Con-
lar agindo e m caráter oficiai, ou ainda por f u n c i o n á r i o s públicos que, no exercí- venção da ONU exige que o sofrimento ocorra deforma aguda.
instigação, c o n s e n t i m e n t o ou aquiescên- cio de sua f u n ç ã o , o r d e n e m a prática
cia do a g e n t e público. do ato de tortura ou a i n d a I n s t i g u e m Assim, diante de todos os elementos expostos, é possível concluir que a
ATENÇÃO: Para a Convenção da O N U C o n - ou i n d u z a m a ele, c o m e t a m - n o dire- Lei n° 9.455/97 está mais próxima da Convenção Interamericana. Nesse
tra a Tortura, a presença do f u n c i o n á r i o t a m e n t e ou, p o d e n d o Impedi-lo, não
sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Comparando o disposto
o façam.
público c o m o sujeito ativo da tortura é
nos diplomas internacionais ratificados pelo Brasil e a Lei 9.455/97, nota-se
obrigatória. 2. As pessoas que, por instigação dos
funcionários ou empregados públicos
que a lei brasileira é mais próxima do diploma interamericano, pois é mais
e m apreço, ordenem sua prática, Insti- geral que a Convenção da ONU, que considera essencial ser a tortura come-
6
g u e m ou induzam a ela, c o m e t a m - n o tida por agente público ou com sua aquiescência"* .
diretamente ou nele sejam cúmplices.
ATENÇÃO: Para a Convenção Interame- 6.4.0 PNDH i e a tipificação do delito de tortura pela Lei 9.455/97
ricana contra a Tortura, o particular
Os planos nacionais de direitos humanos possuem origem na Declaração
pode ser sujeito ativo de tortura sem
que esteja em concurso c o m um
e Programa da Ação da Conferência Mundial de Viena em 1993. No Brasil,
a g e n t e público. a competência para instituir esses planos é comum a todos os entes da
federação brasileira, o que possibilita a existência de programas de direi-
RESULTADO D A PRATICA DE T O R T U R A : O ato pode
tos humanos nacionais, estaduais e até municipais. O objetivo da institui-
ou não resultar e m pena ou sofri-
m e n t o físico ou m e n t a l .
ção destes planos é dar maior exposição aos problemas relacionados aos
O ato deve
RESULTADO D A PRÁTICA DE TORTURA:
ATENÇÃO; T a m b é m configura tortura o
direitos humanos de cada pais e, ao mesmo tempo, estipular metas para
causar dor ou sofrimento agudo, físico ou
mental. ato que anule a personalidade da víti- que a garantia insatisfatória dos direitos humanos possa ser superada.
ma ou d i m i n u a a sua capacidade física Estes programas não possuem força vinculante e devem ser colocados
ou mental, m e s m o que dele não de- em prática com a comunhão de esforços do governo e da sociedade civil.
corra qualquer dor física ou psíquica.
Ocorreque,ainda queotema não seja muito mencionado pela doutrina,a
tipificação do delito de tortura foi considerada um grande avanço obtido
pelo primeiro programa nacional de direitos humanos brasileiro, datado
Convergências entre a Convenção da O N U contra a Tortura e a Con-
de 1996. Além da tipificação do delito de tortura peta Lei 9.455/97. é tam-
venção Interamericana contra a Tortura:
bém possível atribuir ao PNDH-i a iniciativa que resultou na PEC que in-
Tanto a Convenção da ONU quanto a Convenção Interamericana conside- cluiu o incidente do deslocamento de competência em caso de violações
ram tortura como "sofrimentos físicos e mentais". Ambas as convenções de direitos humanos na justiça federal. Nessa linha, é a lição de André de
consideram configurada a prática de tortura quando ela for realizada Carvalho Ramos: "Em 2002, foi aprovado pelo Decreto 4.229, de 13 de maio
para fins de investigação penal, castigo pessoal ou intimidação. de 2002, o II Programa Nacional de Direitos Humanos, na mesma linha do
PNDH-i mas agora com ênfase nos direitos sociais. Nos "considerandos"
Divergências entre a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura do novo programa, foram identificados avanços obtidos nos seis anos de
e a Convenção Interamericana Contra a Tortura: vida do PNDH-i, entre eles a adoção de íeis sobre-. 1} reconhecimento das
Apenas a Convenção Interamericana prevê a tortura por ato omíssivo. mortes de pessoas desaparecidas em razão de participação política (Lei n°
Apenas a Convenção Interamericana criou a figura equiparada, que con-
siste em condutas equiparadas à primeira, que, ainda que não inflijam
dor ou sofrimento, acabem diminuindo a capacidade física ou mental 356 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 507.
374 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 375
9.140/95), pela á.ual o Estado brasileiro reconheceu a responsabilidade por cumpriu a obrigação — assumida no Protocolo Facultativo da Conven-
essas mortes e concedeu indenização aos familiares das vitimas; 2) a trans- ção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos
ferência da justiça militar para a justiça comum dos crimes dolosos contra ou Degradantes da ONU — de criar o Mecanismo Preventivo Nacional
a vida praticados por policiais militares (Lei n. 9.266/96); 3) a tipificação do de Prevenção e Combate à Tortura.
crime de tortura (Lei n. 9455/97); 4) e a proposta de emenda constitucional
sobre a reforma do Poder Judiciário, na qual se incluiu a chamada "federa 6.7. Indagação didática: você sabe o que é a teoria do cenário da bom-
157
lização" dos crimes de direitos humanos" . Atualmente, o Brasil está no ba relógio (ticking bomb scenario)?
terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos {PNDH-3). A teoria do cenário da bomba relógio é uma vertente do Direito Penal
máximo que levanta a problemática sobre a possibilidade ou não de se
6.5. Princípio do non-refoulement e sua previsão na Convenção da
torturar um determinado indivíduo em razão de um "estado de neces-
ONU contra a Tortura
sidade coletivo". O ticking bomb scenario encontra maior aceitação nos
O princípio do non-refoulement consiste em uma garantia do refugiado Estados Unidos da América: o governo americano já é conhecido por im-
de que este não seja reenviado para um Estado onde possa estar sujei- plementar medidas "contra-terroristas" que, na grande maioria das ve-
to a tratamento desumano e degradante, ou ainda a perseguição polí- zes, acabam por desrespeitar e violar todo e qualquer direito humano. O
tica. Nesse sentido, André de Carvalho Ramos: "O refugiado não poderá exemplo clássico apresentado pela doutrina é uma situação em que há
ser expulso ou rechaçado para fronteiras de territórios em que sua vida ou uma bomba implantada em algum local de uma cidade e o Estado, em-
liberdade estejam ameaçadas em decorrência de sua raça, religião, nacio- bora já tenha capturado o responsável ou os responsáveis pelo iminente
nalidade, grupo social a que pertença, opiniões políticas, o que consagra o atentado, não possui conhecimento do local onde se encontra o artefa-
359
princípio do non-refoulement (proibição do rechaço). O princípio da proi- to explosivo . Nestes casos, questiona-se a possibilidade de se torturar
bição do rechaço, entretanto, não poderá ser invocado se o refugiado for o individuo responsável pelo atentado terrorista para que ele revele o
considerado, por motivos sérios, um perigo à segurança do país, ou se for paradeiro do artefato explosivo. Para os defensores desta possibilidade,
condenado definitivamente por um crime ou delito particularmente grave, a prática da tortura nesta situação estaria abarcada por um "estado de
constitua ameaça para a comunidade do país no qual ele se encontre" *. 15 necessidade coletivo", dando ensejo à exclusão da ilicitude da conduta.
Já aqueles que repudiam a teoria do ticking bomb scenario alegam a vio-
Além do art. 7°, § 2°, da Lei 9.474/1997 (diploma que regulamenta o insti- lação de normas internacionais de direitos humanos e, no caso do Brasil,
tuto do refúgio no Brasil), o princípio do non-refoulement tem sua origem a própria proibição constitucional à prática de tortura.
atrelada à Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura e outros Trata-
mentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (art. 3 ) e também 0
Conforme ressaltado anteriormente, nem a Convenção das Nações
ao artigo 22, VIII, do Pacto de San José da Costa Rica. Unidas, nem a Convenção Interamericana contra a Tortura admitem
a invocação de circunstâncias excepcionais, tais como ameaça ou
A primeira vez que a Corte Interamericana de Direitos Humanos se depa-
estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra
rou com o princípio do non-refoulement foi no Caso Família Pacheco Tineo
emergência pública, como justificação para a tortura. Assim,diante do
vs. Bolívia,já estudado anteriormente.
atual estágio da proteção internacional dos direitos humanos, a tic-
6.6. Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (Lei 12.847/2013) king bomb scenario theory caracterizaria um ato ilícito e contrário aos
direitos humanos resguardados, seja pela ordem internacional, seja
Com a promulgação da Lei n° 12.847, de 02 de agosto de 2013, o Brasil,
pela ordem interna.
além de instituir o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura,
376 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS IULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 377
Ressalta-se que o tema é polêmico e envolve uma ponderação de Interes- contra a sua vontade ou consciência. Além da Comissão EDH, o Conselho
ses. No Brasil, a discussão é tratada de maneira brilhante por Luis Greco, Europeu também analisou este caso.
360
em estudo cuja leitura recomendamos .
Caso Irlanda vs. Reino Unido ("caso Irlandês" [Irish Case]), j u l g a d o pela
7. Jurisprudência internacional correlata Corte Europeia de Direitos H u m a n o s em 1978
Neste precedente, a Irlanda reclamou perante a Corte de Estrasburgo em
Caso Loayza Tamayo vs. Peru, j u l g a d o pela Corte Interamericana de relação ao tratamento dado aos nacionais irlandeses que estavam sob
Direitos H u m a n o s em 27.11.1998 custódia do Reino Unido. Vários destes prisioneiros foram submetidos
Neste precedente, já estudado anteriormente, a Corte Interamericana pelo Reino Unido às chamadas cinco técnicas de interrogatório, que in-
de Direitos Humanos estabeleceu que a violação do direito à integri- cluíam a privação de sono por tempo indeterminado, a privação de ali-
dade física e psicológica possui vários níveis e gradações, englobando mentos por tempo indeterminado, a obrigação de ficar em pé por tempo
tratamentos que vão desde a tortura até outras formas de humilhação indeterminado, a exposição a barulhos e ruídos excessivos, e a necessi-
ou tratamento cruel, desumano ou degradante, com vários níveis de dade de se usar um capuz cobrindo toda a cabeça. Configurou-se o que
efeitos físicos e psicológicos causados, que devem ser provados casuis- a doutrina costuma chamar de tortura invisível. Ocorre que, embora os
ticamente. prisioneiros irlandeses estivessem sendo submetidos à tortura invisível, a
Corte Europeia de Direitos Humanos cristalizou entendimento no senti-
Caso Martiza Urrutia vs. Guatemala, j u l g a d o pela Corte Interamerica- do de que tais atos não caracterizavam tortura, mas "apenas" maus tratos
na de Direitos H u m a n o s em 27.11.2003 e tratamento desumano e degradante, eis que não denotavam intenso
sofrimento ou crueldade (elementos entendidos à época como necessá-
Neste precedente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhe- rios para a caracterização da prática de tortura). Assim, neste precedente,
ceu que a mera ameaça e o perigo real de submeter determinado indiví- a Corte EDH separou o conceito de tortura do conceito de maus tratos.
duo a lesões pode produzir, em determinadas situações, uma angústia Com a finalidade de esclarecer qualquer dúvida sobre o Caso Irlandês, ve-
moral que pode ser considerada "tortura psicológica". jamos a lição de André de Carvalho Ramos: "A inspiração da redação do ar.
76 foi fruto de tratamento desumano a prisioneiros realizado em plena Eu-
Caso Grego (Greek Case) J u l g a d o pela Comissão Europeia de Direitos
ropa democrática, no seio da luta antiterrorista britânica. Em 1971, o Reino
H u m a n o s e m 1978 Unido deflagrou a "Operação Demetrius"para reprimir ativistas suspeitos
Este precedente legitimou a Comissão Europeia de Direitos Humanos de integrar ou apoiar o IRA (Irish Revolutionary Army) na Irlanda do Norte
como primeiro órgão internacional a se deparar com o desafio de delimi- e deteve quase 350 pessoas. Várias delas foram submetidas às chamadas
tar o conceito de tortura e diferenciá-lo do conceito de maus tratos, trata- "5 técnicas ("five techniques") de interrogatório, que consistiam em: obri-
mentos cruéis, desumanos e degradantes. Ao analisar este caso, a Comis- gação de ficar de pé por horas e horas, usar capuz cobrindo toda a cabeça
são Europeia de Direitos Humanos entendeu que tortura é uma espécie (retrato em foto célebre de prisioneiro iraquiano na Prisão de Abu Chaib,
agravada de tratamento desumano, infligido a alguém com um intuito Iraque, feita por soldados norte-americanos), sujeição a ruído excessivo, pri-
específico (obter confissão, informação, etc). Já o tratamento desumano vação de sono e privação de comida e água por prazo indeterminado. Tudo
seria aquele que causa intenso sofrimento e dor em uma situação injusti- voltado para desorientar, enfraquecer, gerar privação de sentidos, intimidar,
ficável. Por fim, a Comissão EDH entendeu que o tratamento degradante obtendo a total sujeição do prisioneiro para seus propósitos. Essa técnicas
seria aquele que humilha a pessoa perante os demais ou que a leva a agir são comumente conhecidas como 'tortura invisível' e foram usadas tam-
i6
bém por diversas ditaduras no mundo" \
360 V. As regras por trás das da exceção — reflexão sobre a tortura nos chamados "casos
de bomba-relógio". Disponível e m : < h t t p : / / r e v i s t a . u n i c u r i t i b a . e d u . b r / i n d e x . p h p / 361 R A M O S , A n d r é de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. S ã o Paulo: Saraiva, 2014.
RevJur/article/view/95/7i>. pp.509-510.
378 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 379
Assim, o caso Irlandês superou o entendimento do caso Grego. Por fim, e denamento jurídico brasileiro; ela só veio a ser editaaa sete anos apos
a título de curiosidade, calha ressaltar que o Irish Case foi a primeira de- a promulgação do ECA. Assim, como a Convenção da ONU já havia sido
manda interestatal do sistema europeu de direitos humanos. internalizada pelo Brasil, o STF utilizou o conceito de tortura previsto no
referido diploma internacional para dar sentido ao art. 233 do ECA e viabi-
Caso Selmounivs. França, julgado pela Corte Europeia de Direitos Hu- lizar a análise do habeas corpus em questão (v. HC 70389, Rei. Min. Sydney
manos em 1984 Sanches, rei. p/ acórdão min.Celso de Mellojribunal Pleno, j. 23/06/1994).
Neste precedente, a Corte Europeia de Direitos Humanos cristalizou o entendi-
mento de que submeter determinado prisioneiro à prática do "corredor polo- INCIDÊNCIA DO TEMA EM PROVAS DE CONCURSOS
nês", ser alvo de urina por agentes estatais, ser alvo de assédio verbal em razão
de sua origem, obrigá-lo a simular sexo oral com policial ou ainda ameaçar (PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2013) De acordo
O
determinado prisioneiro com uma seringa constituem atos de tortura, não ha- com a Corte Internacional de Justiça, no julgamento de 20 de julho de
vendo que se falar em mero tratamento degradante, superando-se, assim, o 2012 no caso "Questões Relativas à Obrigação de Perseguir ou Extraditar"
entendimento proferido pela Corte de Estrasburgo no caso Irlandês. Vejamos a (Bélgica vs. Senegal):
lição de André de Carvalho Ramos sobre este ponto: "Para a Corte EDH, a tortu-
a| O crime de tortura é, no direito internacional, de natureza consue-
ra pode ser sintetizada em atos, com características cruéis e severas, de violência
tudinária e, por isso, prevalece a obrigação do Senegal de extraditar
física e mental considerados em seu conjunto, que causam dor e sofrimento agu-
ou promover a persecução penal (aut dedere aut judicare) contra o
do. Com isso a Corte modificou seu posicionamento, uma vez que adota a inter-
ex-presidente do Chad, Hissène Habré, para fatos que tiveram lugar
pretação evolutiva da Convenção Europeia de Direitos Humanos (tida como um
antes mesmo da entrada em vigor da Convenção da ONU contra a
Instrumento vivo'), sustentando que atos que hoje são caracterizados como de-
361 Tortura para o Senegal;
gradantes ou desumanos podem, no futuro, ser caracterizados como tortura" ,
b| O crime de tortura não é, no direito internacional, de natureza consue-
8. Jurisprudência nacional correlata tudinária, sendo sua criminalização resultado do direito convencional
A extraterritorialidade incondicionada do crime de tortura não deslo- e, por isso, prevalece a obrigação do Senegal de extraditar ou promover
ca, por si só, a competência para a Justiça Federal a persecução penal (aut dedere aut judicare) contra o ex-presidente do
Chad, Hissène Habré, apenas para fatos que tiverem lugar após a en-
Ainda que a Lei. 9.455/97 preveja uma hipótese de extraterritorialidade
trada em vigor da Convenção da ONU contra a Tortura para o Senegal;
incondicionada para o crime de tortura, o STJ entende que esta possibili-
dade não implica em transferência para a Justiça Federal da competência c| O crime de tortura é, no direito internacional, de natureza consue-
para apreciar e julgar o crime de tortura (v. CC 107, Rei. Min. Nefi Cordeiro, tudinária, mas, a obrigação do Senegal de extraditar ou promover a
a
3 Seção, j. 24/09/2014). persecução penal (aut dedere aut judicare) contra o expresidente do
Chad, Hissène Habré, somente prevalece para os fatos que tiveram
O Supremo Tribunal Federaljã utilizou a definição de tortura prevista
lugar após a entrada em vigor da Convenção da ONU contra a Tortura
na Convenção da O N U para preencher a lacuna do art. 233 do ECA,
para o Senegal;
eis que, na época da edição do Estatuto da Criança e do Adolescente
d| O crime de tortura é, no direito internacional, de natureza consue-
O990), a lei brasileira que define tortura ainda não havia sido editada
tudinária, mas, a obrigação do Senegal de extraditar ou promover a
O artigo 233 do ECA prevê: "Submeter criança ou adolescente sob sua au-
persecução penal (aut dedere aut judicare) contra o expresidente do
toridade, guarda ou vigilância a tortura". Ocorre que, à época em que o
Chad, Hissène Habré, somente prevalece para os fatos que tiveram lu-
ECA foi editado (1990), a Lei de Tortura ainda não vigorava no atual or-
gar após a entrada em vigor da Convenção da ONU contra a Tortura
para a Bélgica.
380 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 381
(PGR — 26 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2012) Espancada
O
b| foi desmembrada em seus oiversos letmub nu icov n m . , w ...... U x
regularmente por seu marido durante dez anos, a ponto de ser internada Case, Corte Europeia de Direitos Humanos, 1977), para separar o con-
com graves ferimentos em um hospital, a senhora Rodi Alvarado Pefla, ceito de tortura do conceito de outros maus tratos;
guatemalteca, fugiu de seu país para os Estados Unidos da América, onde c| não foi acolhida peia Convenção da ONU contra a Tortura de 1984,
pediu asilo. Este lhe foi concedido em primeiro grau e revertido depois. porque ali só se cuida de obrigações dos Estados-Partes no tocante à
Somente após quatorze anos de litigância, conseguiu ver reconhecido prevenção e repressão da tortura e não de outros maus tratos;
seu direito de permanecer nos Estados Unidos da América para se prote-
ger de seu marido. Este notório caso é um exemplo de: d| deve ser interpretada de modo restritivo, de modo a não incluir a vio-
a| aplicação, embora tardia, da Convenção de Belém do Pará; lência no espaço privado"
GABARITO: B. O ponto foi tratado no item "jurisprudência internacional cor-
b| da limitação da Convenção da ONU contra a Tortura, principalmente
relata". A assertiva "A" está errada. Desde o Caso Grego já se realizava uma
no que diz respeito à garantia do non-refoulement (art. 3°);
análise em separado dos conceitos de tortura e de tratamentos cruéis, de-
c| não-aplicabilidade da Convenção das Nações Unidas Relativa ao Es- sumanos ou degradantes. A assertiva "C" está errada. A expressão foi aco-
tatuto dos Refugiados de 1951; lhida pela Convenção da ONU, conforme exposto anteriormente. A asserti-
d| garantia, pela Guatemala, de eficácia horizontal do direito à vida e do va "D"está errada. O espaço privado deve ser incluído na análise de tortura.
direito à integridade física.
(AGU — ADVOGADO DA UNIÃO, 2012 — CESPE) No que concerne
GABARITO:B. É um caso típico de aplicação do princípio do non-refoulement.
aos direitos humanos no âmbito do direito internacional, julgue
A assertiva "A" está equivocada, pois a aplicação da Convenção de Belém
os itens que se s e g u e m :
do Pará em nada resolveria a questão de permanência ou não da senhora
guatemalteca em outro Estado. A assertiva "C" está equivocada: o Estatu- • Em casos que envolvam a prática de tortura sistemática, a Convenção
to dos Refugiados possui aplicação neste caso. A assertiva "D" está equi- Americana de Direitos Humanos permite o acesso direto do indivíduo
vocada, já que, no caso em questão, a vítima já fugira do seu país, o que à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
torna imprescindível a aplicação do princípio do non-refoulement. GABARITO:Errado. O indivíduo não possui acesso direto à Corte Intera-
OBS: Essa questão foi baseada no caso Rodi Alvarado Pena, no qual os Esta- mericana de Direitos Humanos. Vale relembrar que, no sistema euro-
dos Unidos da América concederam de maneira inédita, com fulcro no art. peu de direitos humanos, o indivíduo possui, sim, acesso direto à Corte
o
3 da Convenção da ONU contra a tortura (que prevê o princípio do non-re- Europeia de Direitos Humanos.
foulement), asilo (aqui em sentido amplo) para a Sra. Rodi Alvarado Pena
(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2006 — FCC) Segundo a Convenção con-
em decorrência de violência doméstica sofrida pela cidadã guatemalteca.
tra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou De-
Caso fosse reenviada para o Estado da Guatemala, a mesma estaria sujei-
gradantes (ONU, 1984), para a caracterização da tortura é relevante:
ta a tratamento desumano e degradante por parte do seu marido.
a| sua finalidade e irrelevante a intensidade do sofrimento causado.
(PGR — 25 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2011) A Expressão
O
Americana de Direitos Humanos (art. 5 , par. 2 ): 0 0 e| o local onde ocorre e irrelevante a intensidade do sofrimento causado.
a| deve ser interpretada de forma integrada, sem que o significado de GABARITO: C. A assertiva "A" está errada. Segundo a Convenção da ONU, o
seus termos seja tomado isoladamente; ato de tortura deve causar sofrimento agudo. A assertiva "B" está errada.
382 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 383
Segundo a Convenção da ONU, a finalidade do ato é relevante para a ca* bj O Comitê contra a Tortura deve ser composto por pessoas ae reputa-
racterização da tortura. A assertiva "D" está errada, Conforme explanado, ção ilibada indicadas pelos Estados-partes e aprovadas pelo secretá-
a qualidade de quem pratica o ato de tortura é relevante para a Conven rio-geral da ONU.
cão da ONU contra a tortura. A assertiva "E" está errada. Segundo a Con-
c| Essa convenção não estabelece garantias para o acusado da prática
venção da ONU, o local onde ocorre a prática de tortura é irrelevante.
de tortura.
(OPE/MA — DEFENSOR PÚBLICO, 2009 — FCC) Nos termos da Convenção d| O referido acordo internacional define a tortura como qualquer ato
contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou por meio do qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais,
Degradantes, a tortura é: são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de castigá-la por
a| proibida em toda e qualquer circunstância, seja ameaça ou estado de ato que ela tenha cometido, mesmo que tais dores ou sofrimentos
guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência sejam consequência unicamente de sanções legítimas.
pública, sendo um crime impróprio em que a qualidade de agente pú
e| Quando o Estado-parte reconhecer a competência do Comitê contra a
blico é causa de aumento de pena.
Tortura para receber e processar petições individuais, devem ser sem-
b| permitida excepcionalmente em estado de guerra, sendo um crime pre consideradas inadmissíveis as petições apócrifas.
próprio que tem como sujeito ativo um agente público.
GABARITO: B. A assertiva "A" está errada. A Convenção pode funcionar como
c[ permitida excepcionalmente para o combate ao terrorismo, sendo base legal para extradição. Foi justamente o que ocorreu no Caso Bélgica
um crime impróprio em que a qualidade de agente público é causa vs. Senegal (Caso Habré). A assertiva "C" está errada. A Convenção da ONU
de aumento de pena. contra a Tortura estabelece inúmeras garantias para o acusado da prática
d| proibida em toda e qualquer circunstância, seja ameaça ou estado de tortura. A assertiva "D" está errada. Para a Convenção da ONU, não há
de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergên- que se falar em tortura quando as dores e sofrimentos são consequência
cia pública, sendo um crime próprio que tem como sujeito ativo um unicamente de sanções legítimas. A assertiva "E" está errada. As petições
agente público. apócrifas não devem ser sempre consideradas inadmissíveis pelo Comitê
contra a Tortura.
e| permitida excepcionalmente em estado de guerra, sendo um crime
impróprio em que a qualidade de agente público é causa de aumento
(PGR — 25 O
C O N C U R S O P R O C U R A D O R D A R E P Ú B L I C A , 2011) Entende-se
de pena.
por princípio de non-refoulement, em acepção mais ampla:
GABARITO: D. O tema foi abordado anteriormente, no tópico "Combate à a| a proibição de deportar refugiado para lugar onde corre risco de vida;
tortura e a proteção internacional dos direitos humanos". As assertivas "B",
"C" e "E" estão erradas. A Convenção da ONU não admite a prática de b| a proibição, para Estados, de retirada de estrangeiro de seu território,
tortura em hipótese alguma. A assertiva "A" está errada. A qualidade de quando este corre risco de perseguição política;
agente público não é uma causa de aumento de pena, mas elemento da c| a proibição, para Estados, de devolver estrangeiro a lugar onde sua
tortura. A banca tentou confundir o candidato misturando conceitos da vida ou liberdade estão ameaçadas;
Convenção Interamericana contra a Tortura.
d| a proibição de extradição de refugiado para Estado que possa vir a
torturá-lo.
(DPE/TO — DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — CESPE) Assinale a opção correta
acerca da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas GABARITO: A assertiva "C" é o gabarito, eis que a questão fala em "acepção
Cruéis, Desumanos ou Degradantes. ampla" do principio do non-refoulement A assertiva "A" restringe o insti-
a| A referida convenção não pode funcionar como base legal para a ex- tuto para os casos de deportação, o que torna o enunciado incorreto. A as-
tradição, quando permitida, de pessoa acusada de tortura. sertiva "D" restringe o instituto para os casos de extradição, o que torna o
384 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 385
a
enunciado incorreto. A assertiva "B" restringe o instituto para os casos em (JUIZ FEDERAL — TRF 3 R E G I Ã O , 2013 — CESPE, A D A P T A D A ) Considerando a
que houver risco de perseguição política,o que torna o enunciado incorreta proteção internacional dos direitos humanos, assinale a opção correta:
• Dado o princípio da tipicidade, não se admite a estipulação.em normas
{DPE/MG — DEFENSOR PÚBLICO, 2014 — 2 FASE PROVA DISCURSIVA)
A
386 [ JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA ] 387
garam que não havia Ilicitude alguma na atividade realizada, posto que a
mesma teria sido realizada à luz do programa de investigação.
Caso Austrália vs. Japão Os argumentos do Estado japonês não foram suficientes para convencer
"Caso das Atividades Baleeiras na Antártica" os juízes da Corte Internacional de Justiça, que, por 12 votos a 4, condena-
ram o Japão a interromper imediatamente sua atividade de caça de ba-
leias, reconhecendo que o programa de investigação científica do Japão,
ÓRGÃO JULGADOR: conhecido popularmente como "JARPA II", não possuía qualquer propósi-
to científico. Segundo a Corte de Haia, o país asiático realizava a atividade
Corte Internacional de Justiça de caça de baleias com propósito verdadeiramente comercial (a carne de
baleia é tradicionalmente apreciada no Japão).
SENTENÇA:
A decisão foi lamentada pelo Estado japonês e muito comemorada
14 de maio de 2014 pelo governo australiano e por diversos grupos ambientalistas, como o
Greenpeace e, principalmente, a Sociedade de Conservação Sea Shepherd,
que por diversas vezes enviou barcos para os mares antárticos para impe-
dir a realização da atividade predatória pelo governo japonês.
RESUMO DO CASO
A Corte de Haia acenou com a possibilidade de o Japão voltar a realizar a
No ano de 1982, a Comissão Internacional da Baleia adotou um programa atividade de caça de baleias em um futuro próximo, desde que reformule
de moratória sobre a caça de baleias, autorizando apenas o abate para o seu programa de investigação científica e que reste evidenciada a fina-
fins científicos. No final da década de 80, o Japão passou a realizar a caça lidade científica da atividade.
de baleias em larga escala nos mares ao entorno da Antártica, sempre
A decisão da Corte Internacional de Justiça é definitiva e inapelável. O
alegando o caráter educativo e científico da atividade. Por anos, grupos
governo japonês se pronunciou no sentido de que irá cumprir a decisão.
ambientalistas e pesquisadores alertaram a comunidade internacional
de que o programa japonês de caça às baleias era ilegítimo e desvirtuado
e que seu propósito era meramente comercial. P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O CASO
nais relacionadas à preservação do meio ambiente. De acordo com a Atividades Baleeiras , que confere isenção às regras da convenção em
acusação do Governo australiano, o Japão teria caçado 10 mil baleias
entre os anos de 1987 e 2009.
363 O Brasil é parte da referida convenção, que entrou e m vigor para o Brasil no plano
Em plenário, o Estado japonês negou veementemente que a referida ati- internacional no dia 20 de d e z e m b r o de 1973 e foi internalizada no plano nacional
vidade de caça teria caráter comercial. Os advogados do país asiático ale- através do Decreto 73.497 de 1974.
388 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 389
comento, nos casos de morte, captura e tratamento de baleias para fins
364
de investigação científica .
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O
a
(TRF 5 REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2011 — CESPE, ADAPTADA) O domínio
público internacional refere-se a espaços de interesse geral pertencentes
a todas as nações. A respeito desse assunto, assinale a opção correta com
base nos tratados e convenções pertinentes:
• A Antártica é considerada domínio público internacional cujo uso deve
destinar-se a fins científicos e militares.
a
(TRF 5 REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2009 — CESPE, ADAPTADA) No âmbito do
direito internacional, cada vez mais são debatidos temas ligados ao domí-
nio público internacional, conjunto de espaços cujo uso interessa a mais de
um Estado ou à sociedade internacional como um todo. Nesse sentido, não
é tema de domínio público internacional o continente antártico.
GABARITO: O item está correto e, portanto, não deveria ser assinalado.
CAPÍTULO VIII
364 A l é m d a caça de baleias para fins científicos, a C o m i s s ã o Internacional d a Baleia
(CIB) permite a atividade de caça de baleias para fins de s u b s i s t ê n c i a , desde q u e
realizada por povos a b o r í g e n e s . PARECERES CONSULTIVOS D A
365 Nesse sentido, ver S O A R E S , G u i d o Fernando Silva. Curso de Direito internacional
público, v. i. São Paulo: Atlas, 2002, p. 410. CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA
392 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS PARECERES CONSULTIVOS DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 393
ca, sempre com fulcro no caso Bernadotte e nas normas costumeiras de o direito da ONU de solicitar reparação, a CU estabeleceu a superiorida-
366
direito internacional . de da proteção funcional, proporcionada pelo exercício de sua função na
ONU, em relação à proteção diplomática, que seria garantida pela Suécia,
2. Reconhecimento da O N U como sujeito de Direito Internacional e 369
Estado patrial do Sr. Folke Bernadotte .
a possibilidade de a m e s m a exercer proteção funcional sobre seus
funcionários, inclusive com primazia sobre a proteção diplomática do
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M QUESTÕES DE C O N C U R S O S
Estado patrial do funcionário
É de suma importância ressaltar, embora já referido no tópico anterior, a
que o caso Folke Bernadotte reconheceu a personalidade jurídica da (TRF 3 REGIÃO — J U I Z FEDERAL, 2008) No parecer consultivo da Corte
maior e mais atuante organização internacional da atualidade, a ONU. Internacional de Justiça sobre o caso Bernadotte (1949) ficou assenta-
Até a conclusão do parecer ora em comento pela Assembleia Geral das do que:
Nações Unidas, os funcionários da ONU, assim como os de outras orga- a| tanto o Estado patrial de um funcionário das Nações Unidas quanto
nizações internacionais, não eram protegidos pelo instituto da proteção a própria organização têm, em princípio, legitimidade para protegê-lo
funcional, já que, para o exercício desta proteção, é necessário possuir contra o Estado que lhe tenha causado dano mediante ato ilícito.
personalidade jurídica internacional. Assim, ocorrido algum evento da- b| só o Estado patrial do funcionário tem legitimidade nessa mesma hipótese.
noso a determinado funcionário de organização internacional, restava
ao particular ser protegido pelo Estado de sua nacionalidade, através do c| a proteção funcional é impossível se o causador do dano, mediante
367
instituto da proteção diplomática . Logo, após o parecer exarado pela ato ilícito, não for membro das Nações Unidas.
Corte Internacional de Justiça no caso Bernadotte, os funcionários de or- d| a proteção funcional é impossível se o causador do dano, mediante
ganizações internacionais como a ONU passaram a receber proteção não ato ilícito, for o próprio Estado patrial do funcionário público.
apenas de seus respectivos Estados patriaís, através do instituto da pro-
GABARITO: A.
teção diplomática, mas também das organizações de que fazem parte,
368
pelo instituto da proteção funcional . No caso sob análise, ao garantir
(INSTITUTO RIO BRANCO — DIPLOMATA, 2008 — CESPE, 2 ETAPA) É con- A
3Q/1 I luanniiDtNcu i n t f v n a c k w a i . nu niHFiTos h u m a n o s l'.ui. i il , . itr.ui i i v i . ' . i ..1 (', .ni Iniiitja, imnaiih Iiimi.aI HIC
(PGR — 26 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2012 — PROVA
O
CAPÍTULO IX
398 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL | 399
m
local onde ocorre a maioria dos crimes de jus cogens . A condenação de 5. A Tramitação do processo ocorreu de forma muito tormentosa, g e -
Lubanga Dyilo não é somente um fato novo na caçada aos criminosos de rando inúmeras críticas por parte da defesa de Lubanga Dyilo, das ví-
guerra em âmbito global, mas um extraordinário avanço na consolidação timas e das organizações que militam e m favor dos direitos humanos
4
do TPI como instituição credível" .
Embora se reconheça o inegável fator histórico da condenação no caso
3. Recrutamento e alistamento de "crianças" para servir e m milícia Lubanga Dyilo, o caso não ficou isento de criticas pelas partes que atua-
ram no feito. As críticas foram oriundas de diversos acontecimentos,
Muitos devem ter questionado o fato de o TPI falar em recrutamento de
como a suspensão do processo, o excesso na delimitação da acusação por
"crianças" menores de quinze anos. Entretanto, é importante observar
parte do órgão acusador do TPI, entre outros acontecimentos. Sobre essas
que, para a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, considera-se
375 críticas, explica José Cretella Neto:
criança todo menor de 18 anos . Assim, a classificação adotada pelo Di-
reito Internacional é distinta do critério adotado pelo ECA, que considera "Contudo, esse primeiro julgamento do TPI não ficou isento de con-
376
criança toda pessoa até 12 anos incompletos . tundentes críticas. A primeira éa de que o julgamento fora suspenso
em 13-6-2008, quando o Tribunal decidiu que a recusa do Promotor
a
4,Tribunal Internacional de 3 geração em apresentar provas favoráveis à defesa (exculpatory evidence)
377
Segundo André de Carvalho Ramos , o Tribunal Penal Internacional é um constituía uma violação ao direito do acusado a um julgamento jus-
a
Tribunal de 3 geração. Vejamos as gerações dos Tribunais Penais Interna- to. O Promotor obtivera trais provas da ONU e de outras fontes sob
cionais, segundo o autor citado: condição de sigilo, mas os juízes entenderam que o Promotora aplica-
ra indevidamente os dispositivos pertinentes do Estatuto do TPI e, em
Tribunal Internacional de N u r e m b e r g consequência, "the trial process has been ruptured to such a degree
Tribunal Militar Internacional para 0 E x t r e m o Oriente GERAÇÃO '.;'! that it is now impossible to piece together the constituent element
("Tribunal d e T ó q u i o " )
of a fair trial" (= o processo foi desfigurado de tal forma que se tor-
T r i b u n a l Penal Internacional de R u a n d a Tribunal Penal nou agora impossível reuniras elementos necessários que constituem
Internacional para a E x - l u g o s l á v i a
GERAÇÃO -"jMs[ um julgamento justo). Assim, em 2-7-2008, o TPI ordenou a soltura
de Lubanga, por considerar que seu julgamento não poderia ser con-
T r i b u n a l Penal Internacional - T P I GERAÇÃO
siderado justo, devendo ser repelidas todas as justificativas para sua
T r i b u n a i s penais Internacionalizados ou híbridos
(e.g:Tríbunal Especial para Serra Leoa). i GERAÇÃO ;V''T detenção. Contudo, a Promotoria recorreu dessa decisão e a Câmara
de Apelação entendeu que Lubanga deveria ser mantido em custódia.
Em 18-11-2008, o Promotor concordou em revelarão Tribunal todas as
informações sigilosas e a Câmara de Julgamento determinou o pros-
373 Os crimes àejus cogens s ã o aqueles que, q u a n d o cometidos, a f e t a m valores e s s e n - seguimento do processo. O Promotor foi duramente criticado por sua
ciais da c o m u n i d a d e internacional. S ã o crimes de jus cogens os crimes de a g r e s - atuação, mas o Tribunal foi elogiado por sua insistência em assegurar
são, os crimes contra a h u m a n i d a d e , os crimes de guerra e o c r i m e de genocídio, justiça ao acusado. Já antes disso, em 2006, várias ONGs ligadas aos
t o d o s de c o m p e t ê n c i a d o T r i b u n a l Penal Internacional.
Direitos Humanos — Avocats Sans Frontiêres, Center for Justice and
374 A p ó s a c o n d e n a ç ã o de L u b a n g a Dyilo, o TPI j á proferiu u m a s e g u n d a c o n d e n a ç ã o .
Trata-se d o recentíssimo caso K a t a n g a , que t a m b é m envolveu a c o n t e c i m e n t o s na Reconciliation, Coalition Nacionale pour la Cour Pénale Internationa-
República D e m o c r á t i c a do C o n g o . E s t u d a r e m o s este caso m a i s a frente. le — RDC, Federation Internationale des Ligues de Droits de ÍHomme,
375 Art. I o
da C o n v e n ç ã o da O N U sobre Direitos da C r i a n ç a : Para efeitos da presente Human Rights Watch, International Center for Transnational Justice,
Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos Redress e Women's initiatives for Gender Justice — enviaram uma
de idade, a não ser que, em conformidade com a iei aplicável à criança, a maioridade carta conjunta na qual expressavam preocupação com as acusações
seja alcançada antes.
o
contra Lubanga que consideravam insuficientes, devendo-lhe ser im-
376 Art. 2 d o Estatuto da C r i a n ç a e d o Adolescente.
putados mais crimes. Consideravam que, se não afizesse, a Promo-
377 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
toria poderia minar a credibilidade do TPI, Além disso, ao limitar a
Paulo: Saraiva, 2013, p. 318.
4 O O I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL | 401
acusação a poucos crimes, também seria limitada a participação das 7. considerações nnais s o m e o 1 PI
muitas vítimas do processo, impedindo-as de pleitear reparações, for OTrib1111.il Penal liitnn.it lonalé dotado de personalidade jurídica internacional.
outro lado, os advogados de Lubanga reclamaram que a equipe de 38
O Estatuto de Roma não admite reservas ". O órgão de acusação do TPI pode
defesa recebeu bem menos recursos financeiros do que a Promotoria, iniciar uma investigação ex officio. O Conselho de Segurança da ONU pode re-
que as provas e as declarações das testemunhas demoraram muito a meter um caso diretamente ao TPI através da expedição de uma resolução de
chegar, e que muitos documentos passaram por censura de tal forma 38
caráter vinculante '. O TPI é regido pelo princípio da complementaridade, ou
s
rigorosa, que ficou impossível lê-los"* . seja, a admissibilidade do caso perante o TPI depende da falha na persecução
penal doméstica do crime de jus cogens, por incapacidade efetiva ou falta de
6. O Tribunal Penal Internacional pode ser considerado u m tribunal
vontade do Estado com jurisdição sobre o mesmo. O Estatuto de Roma não pre-
internacional de direitos humanos?
vê a pena de morte, mas prevê a pena de prisão perpétua. O TPI não julga Esta-
Vejamos a resposta de André de Carvalho Ramos sobre a presente Inda- dos. Ajurisdição do Tribunal Penal Internacional recai apenas sobre indivíduos.
gação: "As regras constantes do Estatuto de Roma demonstram a preocu-
pação da comunidade internacional em evitar que a impunidade dos agen- INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
tes responsáveis pelas condutas tipificadas possa servir de estímulo a novas
violações. Ademais, tais regras demonstram também a preocupação da O
(PGR — 25 CONCURSO DE PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2011 — ADAP-
comunidade internacional do due process ofiaw, que possibilita uma ade- TADA) A jurisdição do Tribunal Penal Internacional é desencadeada
quada investigação, processamento e condenação dos responsáveis pelos ("trigger") pelo princípio da complementaridade, segundo o qual:
atos odiosos descritos como crimes no próprio Estatuto. Assim, não pode-
. a admissibilidade de caso depende da falha na persecução penal do-
mos reduzir o Estatuto a um conjunto de regras instituidoras de uma Corte
méstica de crime da competência material do tribunal, por incapacida-
internacional permanente. Pelo contrário, desde o seu Preambulo, o Estatu-
de efetiva ou falta de vontade do Estado com jurisdição sobre o mesmo;
to faz menção a uma missão de proteção às vítimas de graves atrocidades,
que têm o direito a exigir justiça. Como estabelece o Preâmbulo, os Estados GABARITO: Correta. Conforme já explicado no tópico "observações finais
reconhecem que neste século milhões de crianças, mulheres e homens têm sobre o TPI".
sido vítimas de atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a
consciência da humanidade. E mais, reconhecem os Estados que o combate (TRF 5 REGIÃO) Os menores de 18 anos não podem ser julgados pelo Tri-
A
382
à impunidade contribui à prevenção dessas atrocidades, no clássico efeito bunal Penal Internacional .
preventivo da repressão penal. Os crimes elencados no Estatuto de Roma . O TPI é regido pelo princípio da complementaridade.
protegem bem jurídicos considerados, por seu turno, direitos humanos
GABARITO: Correta. Ponto esclarecido no item "considerações finais so-
mencionados em diversos textos internacionais. É o caso do genocídio (di-
bre o TPI".
reito à vida), dos crimes contra a humanidades (direitos humanos diversos,
tais como o direito à vida, à integridade física e outros), crimes de guerra • O TPI pode ter jurisdição sobre crimes ocorridos em qualquer território.
(o mesmo do anterior) e mesmo o chamado crime de agressão, que viola o
GABARITO: Errada.
Em regra o TPI só possui jurisdição para julgar crimes co-
direito à autodeterminação dos povos. Logo, o intérprete não pode deixar
metidos em Estado que tenha aderido o Estatuto de Roma ou em Estado
de reconhecer que esse Estatuto insere-se no conjunto de tratados interna-
9
cionais protetivos de direitos humanos"" .
GABARITO:Errada. Há u m juízo de admissibilidade no TPI. Não é toda e são crimes de jus cogens. Conforme já explicado, os crimes de jus cogens
qualquer notitia criminis que deve ser admitida pelo Tribunal Penal In- são aqueles que, quando cometidos, afetam valores essenciais da comu-
ternacional. nidade internacional. São crimes de jus cogens os crimes de agressão, os
crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e o crime de genocídio,
(MPT — PROCURADOR DO TRABALHO, 2013) Considerando-se o Sistema todos de competência do Tribunal Penal Internacional.
Internacional de Proteção aos Direitos Humanos e o Estatuto do Tribunal
Penal Internacional, é CORRETO afirmar que:
. O indivíduo singularmente considerado não é sujeito internacional de
direitos humanos, uma vez que não é destinatário direto de direitos,
obrigações e deveres na esfera internacional
GABARITO:Errada. O indivíduo é considerado sujeito internacional de di-
reitos humanos, podendo ser inclusive processado perante o TPI.
. O Tribunal Penal Internacional é uma instituição permanente, com
jurisdição universal sobre os Estados, nações, pessoas, coletividades,
organizações estatais e não-estatais e demais autores ou vítimas de
atentados contra direitos humanos em relação aos crimes graves que
prescreve seu respectivo estatuto.
GABARITO: Errada. O TPI julga apenas indivíduos.
• A escravidão, a agressão sexual, a escravatura sexual, a prostituição
forçada e o crime de apartheid são expressamente previstos como cri-
mes contra a humanidade no referido Estatuto.
404 I JURISPRUNFLNCIA INTERNACIONAL DL! DIRHITOS HUMANOS (>.<>•, U,.-. 1 TI'. IV NAI Pi NAI INTERNAI H >NAI | / | O >
R
Nocll.i i K . l f d i v r i n b h ' rir .'• >l.\.I .' ' ( . i m . l l . n Ir ll ll|';. u i iri i!, . di i I l l h u n . l l Peri.ll
Internacional absolveu Mathieu Ngudjolo Chui de todas as acusações, por
Caso The Prosecutor vs. Mathieu Ngudjolo Chui considerar que a promotoria não conseguiu reunir provas suficientes contra
Chui. Ao decidir desta maneira, os juízes do TPI explicaram que a absolvição
ÓRGÃO JULGADOR: do Sr. Chui, por si só, não significa que o acusado era inocente, mas que ele
não poderia ser condenado, dado que havia dúvidas sobre a sua participação
Tribunal Penal Internacional
nos crimes que lhe foram imputados pelo órgão acusador do TPI.
A República Democrática do Congo ratificou o Estatuto de Roma em 11 de 2 . 0 caso Mathieu Ngudjolo Chui ocorreu no m e s m o contexto fático
abril de 2002. No dia 03 de março de 2004, a situação dos conflitos étnicos do caso Germain K a t a n g a
no Congo chegou até o TPI. Após uma análise preliminar, no dia 21 de junho
Dos três casos já efetivamente julgados peloTribunal Penal Internacional,
de 2004, a Promotoria do TPI iniciou a investigação sobre a situação em terri-
dois deles dizem respeito ao "Massacre do Bogoro". Além do caso Chui,
tório congolês. O Caso foi formalmente aberto no Tribunal Penal Internacio-
os fatos em análise também desencadearam outra acusação no Tribunal
nal juntamente com o caso The Prosecutor vs. Germain Katanga no dia 10 de
Penal Internacional.Trata-se do caso The Prosecutor vs. Germain Katanga,
março de 2008. Mathieu Chui, contudo, já aguardava seu julgamento preso
que levou à condenação em primeiro grau do acusado pelos ataques à
em Haia, sede do Tribunal Penal Internacional, desde 7 de fevereiro de 2008.
aldeia do Bogoro, conforme veremos a seguir.
408 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL | 409
CAPÍTULO X
TRIBUNAIS INTERNACIONAIS
condenou Charles Taylor a 50 anos de prisão por crimes de guerra e con-
tra a humanidade cometidos na Libéria e também no território de Serra
Leoa. A pena atribuída pelo TESLé inferior aos 80 anos pugnados em juízo
Caso The Prosecutor vs. pela acusação.
Charles Taylor "Caso Diamantes de sangue" A Corte Especial de Serra Leoa entendeu que o ex-presidente da Libéria
utilizou de sua influência como Chefe de Estado e membro da Comuni-
ÓRGÃO JULGADOR: dade Econômica dos Estados da África Ocidental para ajudar a estimular
a prática de crimes em Serra Leoa.
Tribunal Especial para Serra Leoa A exploração financeira do conflito, a brutalidade com que os crimes
foram cometidos e a extraterritoríalidade dos atos foram consideradas
SENTENÇA: como agravantes da pena. O fato de o apoio bélico de Taylor aos rebeldes
ter ocasionado o prolongamento dos conflitos em Serra Leoa também foi
30 de março de 2012
levado em consideração na condenação. A sentença proferida pelo Tribu-
nal Especial para Serra Leoa comporta o recurso de apelação.
No final da década de 80, Charles Taylor era a principal liderança de uma 1. Curiosidades
militância armada e deu início à guerra civil na Libéria, que somente cessou A modelo Naomi Campbell testemunhou no caso Charles Taylor, pois ha-
após a realização de um tratado de paz no ano de 1995. Passados dois anos, veria recebido um "diamante de sangue" do ex-presidente liberiano. O
Charles Taylor foi eleito presidente da Libéria e seu governo durou seis anos, personagem principal do filme Senhor das Armas (2005) foi Inspirado em
até a tomada do país por rebeldes, que o forçaram a se exilar na Nigéria. Charles Taylor.
Durante o período que esteve no poder, diversas foram as acusações im-
2. Condenação histórica
putadas ao ex-presidente da Libéria. Ao total, são onze acusações por cri-
mes de guerra e crimes contra a humanidade, que incluem aterrorizar Charles Taylor foi o primeiro ex-chefe de Estado condenado por um tribu-
civis, estupros, escravidão sexual e recrutamento de crianças para servir nal internacional desde a Segunda Guerra Mundial. É uma condenação
na guerra civil. Estas acusações estão relacionadas a um possível poder de histórica que gerou importante precedente para combater as massivas
influência de Taylor na guerra civil na nação vizinha de Serra Leoa, onde violações de direitos humanos no continente africano.
Taylor foi acusado de apoiar rebeldes responsabilizados por massacres 83
3. Condenação proferida por um Tribunal internacional híbrido'
em massa contra a população serra-leonense.
Os Tribunais internacionais híbridos são aqueles cuja sua formação é so-
O ex-presidente liberiano foi acusado de vender diamantes e comprar ar-
licitada pelo governo do Estado onde os crimes foram perpetrados. O Tri-
mas para a FARS - Frente Revolucionária de Unida de Serra Leoa. Na épo-
bunal Especial para Serra Leoa se formou após a realização de um acordo
ca, a FARS era o principal grupo revolucionário violador de direitos huma-
entre o governo local e a Organização das Nações Unidas (ONU). Nestes
nos no continente africano; seus membros eram conhecidos por amputar
tribunais, há juízes do Estado requerente e também juízes internacionais,
as mãos e pernas dos civis durante a revolução.Tendo em vista seu apoio
a esse grupo, Taylor foi acusado de fomentar o caos e a morte de milhares
de pessoas nos conflitos interligados entre Serra Leoa e Libéria.
No dia 3odemaiode20i2,oTribunal Especial para Serra Leoa,órgão cria- 383 O s t r i b u n a i s i n t e r n a c i o n a i s h í b r i d o s t a m b é m s ã o c h a m a d o s de " t r i b u n a i s i n -
do pelo governo local em acordo com a Organização das Nações Unidas, ternacionalizados".
412 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS IULGADOS POR OUTROS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS | 413
clonal com oTESL. Entretanto, é possível a negociação de acordos bilate-
aplicando-se tanto o direito interno quanto o direito internacional. São
rais visando o cumprimento de suas decisões.
exemplos deTribunais Internacionais híbridos:oTribunal Especial de Ser-
ra Leoa, as Câmaras Extraordinárias dos Tribunais no Camboja e o Tribu- 7, Indagação didática: O Tribunal Especial para Serra Leoa continua
nal Especial para o Líbano. em pleno funcionamento?
Ainda sobre a criação doTribunal Especial para Serra Leoa,são as palavras A resposta é negativa, O Tribunal Especial para Serra Leoa finalizou seus
de André de Carvalho Ramos: trabalhos formalmente no ano de 2013. No entanto, uma Corte Especial
"O Tribunal Especial para a Serra Leoa foi estabelecido a pedido do Residual para Serra Leoa foi criada através de um acordo entre a Organi-
governo do país, com base na Resolução n. 7375 do Conselho de Segu- zações das Nações Unidas (ONU) e o governo local, com o intuito de dar
rança, de 14 de agosto de 2000, sendo instalado em 2002. Sua sede é cumprimento às obrigações determinadas peloTESL,como supervisionar
Freetown (capital de Serra Leoa) e conta com o apoio logístico do TPI. a execução das sentenças impostas peioTESL, conservar os arquivos do
Há juízes nacionais e internacionais, e os acusados são julgados pela Tribunal e garantir a proteção das testemunhas que atuaram sob esta
prática de crimes de jus cogens (crimes contra a humanidade e crimes condição nos processos da extinta corte híbrida em Serra Leoa.
1
de guerra) e ainda por crimes comuns pelo direito locai" **.
mes contra a humanidade em Serra Leoa mesmo sem jamais ter pisado
VA ORAL) Fale sobre a experiência do Tribunal Internacional Especial
em solo serraleonense. Os crimes contra de guerra e crimes contra a hu-
manidade afetam valores essenciais de toda comunidade internacional. para Serra Leoa no caso de Charles Taylor.
BREVE RESPOSTA:Diante de todos os motivos expostos anteriormente, é de
5. "Desaforamento internacional" se concluir pela experiência extremamente positiva doTribunal Interna-
O julgamento do ex-presidente da Libéria aconteceu na Holanda por mo- cional Especial para Serra Leoa no caso Charles Taylor. Isso porque, com
tivos de segurança, já que Taylor era dotado de grande influência no con- a efetiva condenação do ex-presidente da Libéria, os tribunais interna-
tinente africano. Temia-se que, se o Tribunal Internacional de Serra Leoa cionais híbridos começam a ganhar espaço e credibilidade no cenário da
fosse instalado na própria região, a imparcialidade do julgamento res- proteção internacional dos direitos humanos.
tasse comprometida. Ressalta-se que, embora a Corte Especial para Serra
Leoa tenha sido instaurada em Haia, na Holanda, o estado holandês não (PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2014 — PROVA
O
aceitou que Taylor cumprisse pena em seu território. Assim, atualmente, ORAL) O Brasil é obrigado a cumprir as ordens dos tribunais internacio-
o ex-presidente cumpre pena na Grã-Bretanha. nais híbridos?
BREVE RESPOSTA:Conforme já explicado anteriormente, o Tribunal Especial
6. Não-obrigatoriedade dos membros da O N U de cooperar com o Tri- para Serra Leoa foi estabelecido por um acordo entre o governo local de
bunal Especial para Serra Leoa Serra Leoa e a Organização das Nações Unidas - ONU. Em razão disso, o
O Tribunal Especial para Serra Leoa não foi estabelecido por resolução do Brasil não éobrigado a cumpriras ordens exaradas peloTribunal Especial
Conselho de Segurança e sim por um acordo entre a ONU e o governo para Serra Leoa. O mesmo raciocínio vale para qualquer tribunal interna-
de Serra Leoa. Assim, o formato de instauração doTribunal Internacional cional híbrido estabelecido por acordo entre o governo local de determi-
para Serra Leoa desobriga os membros da ONU a qualquer ato coopera- nado Estado e a ONU.
384 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 318
416 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS POR OUTROS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS | 417
se processassem e julgassem os responsáveis pelas violações de regras são, o TPII confirmou, com b a s e 110 principio d.i kompcicn/ kompctcnz, q u e o
386
do direito internacional humanitário no territorio da ex-lugoslávia. As- Conselho de Segurança da ONU agiu dentro dos limites de sua competência
sim como o Tribunal Penal Internacional para Ruanda (criado na mesma conferida pela Carta da ONU. Nesse sentido,é a liçâode André de Carvalho Ra-
época), é um tribunal internacional de segunda geração. Por fim, é mister mos sobre o tema: "A competência do Conselho de Segurança para criar órgãos
ressaltar que, durante seu período de funcionamento, o Tribunal Penal judiciais internacionais voltados para a punição de perpetradores de violações
Internacional para a ex-lugoslávia deve processarejulgar apenas os fatos graves e sérias de direitos humanos foi questionada. Defato, já no primeiro caso
ocorridos no territorio da ex-lugoslávia desde 1993 até o inicio dos anos submetido ao TPII, caso Tadic, a defesa pugnou pela nulidade de todo o processo
2000; não pode formalizar novas acusações, com exceção dos crimes que em virtude do ilegal estabelecimento do Tribunal, fruto da atuação ultra vires
venham a interferir em sua administração. Vejamos a lição de André de do CS em ofensa à Carta da ONU. Inicialmente, houve a recusa da primeira ins-
Carvalho Ramos sobre a criação do Tribunal Penal Internacional para a tância do TPII em analisar o pleito, uma vez que a criação do próprio Tribunal
ex-lugoslávia: "Nos anos 90 do século passado, o Conselho de Segurança da seria uma questão política insuscetível de apreciação jurídica. Porém, a Câmara
ONU determinou a criação de dois tribunais penais ad hoc e temporários. de Apelação do TPII conheceu do pedido, reafirmando o direito da defesa, ine-
De início, foi criado, em 8 de maio de 1993, pela Resolução n. 827, o Tribunal rente ao due process oflaw, de questionar a jurisdição do órgão julgador. Além
Penal Internacional para os crimes contra o Direito Humanitário cometidos disso, para a Câmara de Apelação, era da alçada do próprio Tribunal a análise
na ex-iugoslávia, com o objetivo de processar os responsáveis pelas sérias da legitimidade da ação do Conselho de Segurança, pois não poderia o Tribu-
violações ao direito internacional cometidas no território da antiga Iugos- nal respeitar os direitos dos acusados se sua jurisdição fosse, ab initio, ilegítima.
lávia. O Estatuto do Tribunal Internacional para a ex-lugosiávia (TPII, com Essa conclusão da Câmara de Apelação é derivação do princípio da kompetenz-
sede em Haia) fixou sua competência para julgar quatro categorias de cri- kompetenz, tradicional no Direito Internacional, que, grosso modo, dispõe que
mes, a saber: graves violações às Convenções de Genebra de 1949; violações compete ao próprio Tribunal Internacional definir sua jurisdição. No mérito, o
387
às Seis e costumes de guerra; crimes contra a humanidade e genocídio" . TPII, porém, negou que o Conselho de Segurança houvesse agido contra a Car-
ta da ONU ao construir um órgão judiciário baseado no Capítulo VII da Carta
2. Legalidade da criação do Tribunal Penal Internacional para a e x - l u -
das Nações Unidas. (...) Assim, para o TPII, a Carta das Nações Unidas não criou
goslávia por determinação de resolução vinculante do Conselho de o Conselho de Segurança para ser um princeps legibus solutus (acima da lei).
Segurança da O N U (...) Analisando o caso concreto do TPII ressaltou a importância do artigo 47 da
Os advogados do Sr. Dusko Tadic alegaram que a resolução do Conselho de Carta, que permite que o Conselho de Segurança adote medidas sem envolver
Segurança da ONU que determinou a criação do Tribunal Penal Internacional o uso dafiorça. Esse artigo, ao estabelecer um rol meramente exemplificativo de
para a ex-lugoslávia era ilegítima, pois, segundoa defesa,tal ato teria extrapo- medidas, permite que o CS venha inclusive a criar órgãos judiciais internacio-
lado a competência prevista para o Conselho de Segurança na Carta da ONU, nais para a manutenção da paz internacional. Para a Câmara de Apelação do
caracterizando um ato ultra vires. Tal tese não foi acolhida pelo TPII, que, em TPII no caso Tadic, no contexto do conflito sangrento da época na ex-iugoslávia,
um primeiro momento, se recusou até a analisar tal controvérsia, alegando criar um Tribunal Internacionalfoi medida adequada para combater a impuni-
ser a criação do tribunal um ato político e não jurídico; superada essa discus- dade e assegurar a reconciliação, garantindo a paz permanente e duradoura na
188
região. Logo, o CS agiu nos estreitos limites de sua competência" .
389 Artigo 25. Os Membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as deci- 391 NETO, José Cretella. Curso de Direito internacional Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
sões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta. 2014, p.167.
390 BEZELAIRE, Jean Paul; C R E T I N , Thierry. A justiça penal internacional; sua evolução, 392 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
seu faturo: de Nuremberg a Haia. São Paulo: Manole, 2003. p. 95-96. Paulo: Saraiva, 2013. p.301.
estados cooperarem com os Tribunais Internacionais Penais para a ex (DPE/PR — DEFENSOR PÚBLICO, 2012 — FCC, ADAPTADA) O Direito Inter-
-Iugoslávia e ruanda decorre formalmente: nacional dos Direitos Humanos, o Direito Internacional Humanitário e
aj de acordos de sede celebrados com os diversos Estados interessados; o Direito Internacional dos Refugiados são constituídos, cada um deles,
b| do princípio do dever de cooperar, de direito consuetudinario inter- por distintos conjuntos normativos que, no entanto, gradualmente, evo-
luíram de um funcionamento compartimentalizado para uma crescente
nacional, expresso na Resolução da Assembleia-Geral da ONU n° 2625,
interação. Sobre o relacionamento dessas três vertentes da Proteção In-
de 1970;
ternacional da Pessoa Humana é INCORRETO afirmar:
c| de regra costumeira expressa na máxima "aut dedere, aut judicare";
* Pela Cláusula de Martens, instituto de Direito Internacional Humanitá-
d| das resoluções do Conselho de Segurança que os estabeleceram, vin- rio, nas situações não previstas, tanto os combatentes, quanto os civis,
culantes por força do art. 25 da Carta da ONU, ficam sob a proteção e a autoridade dos princípios do direito interna-
GABARITO: Letra D. Conforme explicado anteriormente, o dever de coopera-
cional, o que abre espaço para a incidência do Direito Internacional dos
ção com os Tribunais Internacionais Penais para a ex-lugoslávia e Ruanda Direitos Humanos.
decorre formalmente das resoluções do Conselho de Segurança da ONU. GABARITO: O enunciado está correto e, portanto, não deveria ser assinalado.
A assertiva 'A' está errada, eis que os tribunais abordados pela questão
foram instituídos por determinação do Conselho de Segurança da ONU
e não por acordo. A assertiva 'B' está errada, já que o motivo que obriga
os Estados-membros da ONU a cooperarem com os tribunais de segunda
geração é o art. 25 da Carta da ONU. A assertiva 'Cesta errada, pois a má-
xima do aut dedere, aut judicare (ou extradite, ou julgue) não é o funda-
mento formal que obriga os Estados a cooperar com oTPII e o TPIR, mas
sim o fato de estes tribunais serem estabelecidos por uma determinação
do Conselho de Segurança da ONU.
424 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS POR OUTROS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS | 425
ACCIOLY, Hidelbrando; DO NASCIMENTO E SILVA,G.E.; CASELLA, Paulo Bor-
ba. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2014.
ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Comentário do Código de Processo Penalà
luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem.4. ed. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011.
ALMEIDA, Dayse Coelho de. Ações afirmativas e política de cotas são ex-
pressões sinônimas? Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 573, 31 jan. 2005.
Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6238>. Acesso em: 21 jan. 2015.
GARCIA, Basileu. Comentários ao Código de Processo Penal. v. III. Rio de Ja- MACHADO, Isabel Penido. O princípio da igualdade no Sistema Interame-
neiro: Forense, 1945. ricano de Direitos Humanos: do tratamento diferenciado ao tratamento
discriminatorio. In: OLIVEIRA, Márcio Luis. Sistema Interamericano de Pro-
GIACOMOLLt, Nereu José. O devido processo penai - Abordagem confor-
teção dos Direitos Humanos: Interfaces com o Direito Constitucional Con-
me a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo:
temporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
Atlas, 2014.
MALAN, Diogo. Caso Escher e outros vs. Brasil e sua importancia para
GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Con-
o processo penal brasileiro. Boletim informativo IBRASPP, ano 02, n. 03,
venção Americana sobre Direitos Humanos. São Paulo: Revista dos Tribu-
2012/02, p. 11. Disponível (também) em: <http://www.malanleaoadvs.
nais, 2014.
com.br/artigos/caso_escher.pdf>.
GOMES, Luiz Flávio. Reincidência: novo conflito entre o STF e a Corte Inte-
MAZZINGUHY, Aquila. Urna conversa sobre justiça, Direitos Humanos e
ramericana. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/
mensalão. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/aquila-
colunas/reincidencia-novo-conflito-entre-o-stf-e-a-corte-interamerica-
mazzinghy/20i4/oi/i7/uma-conversa-sobre-justíca-direítos-humanos
na/ii076>.
-e-mensalao/>.
GOMES, Joaquim Barbosa Ação afirmativa e o princípio da igualdade. Rio
MAZZUOLI, Valério de Oliveira;GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção
de Janeiro: Renovar, 2001.
Americana de Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
GUERRA, Sidney. O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Hu-
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. Rio de Janeiro:
manos e o Controle de Convencionalidade. São Paulo: Atlas, 2013.
Forense,2014.
JANNUCCI, Alessander. Teoria do impacto desproporcional e o direito à
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito internacional. 5. ed. São
adaptação razoável. Conteúdo Jurídico, Brasília, 25 dez. 2014. Disponível
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.5i759&seo=i>.
Acesso em: 21 jan. 2015. NETO, Sílvio Beltramelli. Direitos Humanos. Salvador:Juspodivm, 2014 {Co-
leção Concursos Públicos).
LEGG, Andrew. The Margin of Appreciation in International Human
Rights Law: Deference and Proportionality. United Kingdom. Reino Unido: NETO, José Cretella. Curso de Direito Internacional Penal. 2. ed. São Paulo:
Oxford, 2012. Saraiva, 2014.
PAIVA, Caio; LOPES JR., Aury. Audiência de custodia e a ¡mediata apresen- RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional por Violação
tação do preso ao juiz: rumo à evolução civilizatória do processo penal. de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
Revista Liberdades, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), n. RAMOS, André de Carvalho. In: PETERKE, Sven (Coord.). Manual Prático de
17, set./dez. 2014. Disponível em: <http://www.revistaliberdades.org.br/ Direitos Humanos Internacionais. Brasília, ESMPU/DF, 2010.
site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.php?rcon_id=2og>.
RAMOS, André de Carvalho. Teoria Cerai dos Direitos Humanos na Ordem
PAIVA, Caio. Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro. Florianó- Internacional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
polis: Empório do Direito, 2015.
RAMOS, André de Carvalho. Linguagem dos Direitos e a Convenção da
PAIVA, Caio. Audiência de custódia: a quem o preso deve ser apresentado? Dis- ONU sobre os Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiências. In: Direitos
ponível em: <http://justificando.com/2015/04/10/na-serie-audiencia-de- Humanos e Direitos Fundamentais. Diálogos Contemporâneos. Salvador:
custodia-a-quem-o-preso-deve-ser-apresentado/>. Acesso em: 28/06/2015.
Juspodivm, 2014.
PEREIRA, Marcela Harumi Takamashi. In: Questões discursivas do concurso RAMOS, André de Carvalho. A ADPF153 e a Corte Interamericana de Direi-
o
de Procurador da República. T8° ao 2 5 respondidas e comentadas. 2. ed. tos Humanos. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Org.). Crimes da Ditadura
Salvador: Juspodivm, 2013.
Militar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
PEREIRA, Ruitemberg Nunes. Assegurar direito à apresentação ao juiz é
RAMOS, André de Carvalho. Reflexões sobre as vitórias no caso Damião
deverão Estado. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-out-15/
Ximenes. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2006-set-08/refle-
ruitemberg-nunes-assegurar-direito-apresentacao-juiz-dever-estado>.
xoes_vitorias_damiao_ximenes>.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacio-
RAMOS, André de Carvalho. O caso Pinochet: passado, presente e futu-
nal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
ro da persecução criminal internacional. Revista do Instituto Brasileiro de
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. 5. ed. São Pau- Ciências Criminais, jan./mar. 1999.
lo: Saraiva, 2014.
SANTOS, Cleopas Isaías. Audiências de Garantia ou sobre o óbvio ululante.
PIOVESAN, Flávia. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos das Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/audiencia-de-garantia
Mulheres. R. EMERJ, v. 15, n. 57 (Edição Especial), p. 79,jan./mar. 2012. Dis- -ou-sobre-o-obvio-ululante-por-cleopas-isaias-santos-2/>.
ponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/
SARMENTO, Daniel; NETO, Cláudio Pereira de Souza. Direito Constitucio-
revista57/revista57_70.pdf >.
nal: Teoria, Histórica e Métodos de Trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum,
PIOVESAN, Flávia. Diálogo no sistema interamericano de direitos huma- 2014.
nos. Revista Campo Jurídico, n. oi, mar. 2013, p. 172-175.
SARMENTO, Daniel. Liberdade de Expressão, Pluralismo e o Papel Promo-
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Pri- cional do Estado, In: Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. Rio
vado. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.