Você está na página 1de 201

JURISPRUDÊNCIA

INTERNACIONAL
DE DIREITOS HUMANOS
Resumos, comentários e destaques dos principais pontos
de d e c i s õ e s proferidas pela Corte Interamericana de Direitos
H u m a n o s , C o m i s s ã o I n t e r a m e r i c a n a d e Direitos H u m a n o s ,
Corte Internacional de Justiça, Tribunal Penal Internacional,
e n t r e outros. Inclui questões de concursos sobre a matéria.

C A I O PAIVA e THIMOTIE A R A G O N HEEMANN

- 2015 -

Dizer Direito
Editora
C A I O PAIVA
THIMOTIE A R A G O N H E E M A N N

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL

DE DIREITOS H U M A N O S

I edição, Manaus, 2015


A

Dizer Direito
Editora
Copyright © 2015, Dizer o Direito Editora AGRADECIMENTOS
Todos os direitos desta edição reservados à Dizer o Direito Editora.

l u y e s s e livro é publicado no mês que completamos 10 anos juntos (agos-


Capa: lo). Obrigado por me incentivar, por estar sempre ao meu lado e também
por me fazer tão feliz. Com muito amor, dedico esse trabalho à você.
Kleber Mendes 1 kleber.smendes@gmail.com

CAIO PAIVA
Projeto gráfico e editoração:

Carla Piaggio | www.carlapiaggio.com.br

Agradeço aos meus pais, João e Maristela, por todo apoio dado desde o
Dados internacionais de C a t a l o g a ç ã o na Publicação (CIP) início desta jornada, e a Nathalia, por todo companheirismo, incentivo e
carinho durante o desenvolvimento deste projeto.
Pi49 Paiva, Caio Cezar de Figueiredo
Jurisprudência internacional de direitos humanos / THIMOTIE HEEMANN
Caio Cezar de Figueiredo Paiva e Thimotie Aragon Heemann.
- Manaus: Dizer o Direito, 2015.

432 p.
Agradecemos ao amigo Márcio André Lopes Cavalcante pela oportunida-
ISBN: 978-85-67168-05-0 de de publicarmos a obra na editora Dizer o Direito. Em nome dos con-
curseiros de todo o país, ainda, dedicamos esse trabalho também a você,
1. Direitos humanos 2.Direíto internacional 3. Heemann, Márcio, um exemplo de profissional, professor e pessoa, que muito nos
Thimotie Aragon I.Título. inspira. Agradecemos também aos queridos alunos do curso CEI-Jurispru-
dência de Tribunais Internacionais de Direitos Humanos, que confiaram
CDU 342.7:341
nesse projeto e nos incentivaram a ampliar a pesquisa.

F i c h a c a t a l o g r â f i c a e l a b o r a d a p e l a B i b l i o t e c á r i a A d r i a n a S e n a G o m e s C R B 5/1568

Dizer ÉS I Direito www.dizerodireito.com.br

Editora

Todos os direitos reservados, A reprodução não autorizada desta publicação,


por qualquer meio, total ou parcial, constitui violação da lei n° 9.610/98.
a
NOTA À I EDIÇÃO

É com muita felicidade que apresentamos ao público o primeiro livro


brasileiro que trata especificamente da jurisprudência internacional de
direitos humanos. Buscamos expor o conteúdo de maneira clara e siste-
mática e com uma linguagem acessível,facilitando a compreensão do lei-
tor acerca dos casos internacionais de direitos humanos e seus principais
pontos.

Ao desenvolver esta obra, adotamos a classificação do Professor André de


Carvalho Ramos e elencamos a Corte Internacional de Justiça, o Tribunal
Penal Internacional e outros tribunais internacionais penais como tribu-
nais de direitos humanos. Fizemo-lo porque é inegável que estes tribu-
nais, embora não sejam estritamente órgãos de proteção dos direitos hu-
manos, acabam por tutelar, seja de forma direta, seja de forma indireta,
os direitos humanos dos indivíduos e também os direitos humanos glo-
bais — estão entre estes últimos, por exemplo, a autodeterminação dos
povos, o direito ao desenvolvimento e a preservação do meio ambiente.

Também inserimos nesta primeira edição os dois novos casos que envol-
vem o Brasil na jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direi-
tos Humanos. Os casos ainda aguardam julgamento pelo tribunal inte-
ramericano e, portanto, ainda não receberam um nome em definitivo da
Corte até o fechamento desta edição. Por conseguinte, nominamos estes
dois casos da forma que eram popularmente conhecidos durante a sua
tramitação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Aguardamos as críticas construtivas e sugestões dos leitores.

CAIO PAIVA
THIMOTIE ARAGON HEEMANN
I de agosto de 2015.
O
SUMÁRIO

CAPÍTULO I

GRAMÁTICA BÁSICA DE DIREITOS H U M A N O S E


DE DIREITO INTERNACIONAL EM S E N T I D O AMPLO

CAPÍTULO II

C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA


DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS H U M A N O S 15

Caso Loayza Tamayo vs. Peru 16


Caso Villagran Morales e Outros v s .
Guatemala "Caso dos Meninos de R u a " 26
Caso Olmedo Bustos e Outros vs. Chile
("A Última Tentação de Cristo") 29
Caso C o m u n i d a d e M a y a g n a (Sumo) A w a s Tingni v s . Nicarágua 42
Caso Hilaire, Constantine e Benjamin e outros vs. Trinidad e T o b a g o 50
Caso Herrera Ulloa v s . Costa Rica 58
Caso Tibi v s . Equador 66
Caso C o m u n i d a d e M o i w a n a v s . Suriname 84
Caso Fermin Ramirez vs. G u a t e m a l a 89
Caso Yatama v s . Nicarágua 96
Caso Palamara Iribarne vs. Chile 112
Caso Gonzalez e outras v s . México ("Campo Algodonero") 118
Caso Barreto Leiva vs. V e n e z u e l a 123
Caso Velez Loor vs. P a n a m á 130
Caso Lopez Mendoza vs. V e n e z u e l a 138
Caso Átala Riffo ninas vs. Chile 148
Caso Povo Indígena Kichwa Sarayaku v s . Equador 152
Caso Furlan vs. Argentina 157

S U M Á R I O | 7
Caso M o h a m e d vs. Argentina 1 6 2 Caso das pessoas privadas de liberdade na
Caso Artavia Murillo e outros ("Fecundação in vitro") vs. Costa Rica 1 6 7 Penitenciária "Dr. Sebastião Martins Silveira", São Paulo 2 8 4
Caso M e n d o n z a e outros vs. Argentina 172 C i s o Unidade de Internação Socioeducativa no Espírito Santo 2 8 7
Caso C o m u n i d a d e s Afrodescendentes Deslocadas da Caso C o m p l e x o Penitenciário de Curado em Pernambuco 2 8 9
Bacia do Rio Cacarica vs. Colômbia ("Operação Gênesis") 1 7 6 Caso C o m p l e x o Penitenciária de Pedrinhas 2 9 2
Caso Família Pacheco Tineo v s . Bolívia 183
Caso Liakat Ali Alibus v s . Suriname 191 CAPÍTULO V

Caso Brewer Carias vs. Venezuela 1 9 7 O BRASIL NA C O M I S S Ã O


Caso Norin Catrimán e outros (dirigentes, membros
INTERAMERICANA DE DIREITOS H U M A N O S 2 9 5
e ativista do povo indígena Mapuche) e vs. Chile 202
Caso Arguelles e outros vs. Argentina 2 0 6 Caso José Pereira vs. Brasil
(Relatório ^ 9 5 / 0 3 , Caso T i . 2 8 9 — Solução Amistosa) 296
Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão 301
CAPÍTULO III
Caso C o m u n i d a d e s Indígenas da Bacia do Rio X i n g u v s . Brasil
O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA ("Caso Belo Monte") 3 0 9
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS H U M A N O S 211 Caso pessoas privadas de liberdade

Caso X i m e n e s Lopes vs. Brasil 212 no "Presídio Central de Porto Alegre" 315

Caso Nogueira de Carvalho e outros vs. Brasil 218 Caso Maria da Pena Maia Fernandes v s . Brasil 316

Caso Escher e outros vs. Brasil 222 Caso Jailton Neri da Fonseca vs. Brasil 323

Caso Garibaldi v s . Brasil 228 Caso Simone André Diniz v s . Brasil 3 2 6

Caso Gomes Land e outros vs. Brasil ("Caso Guerrilha do Araguaia") 234
CAPÍTULO V I
Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde v s . Brasil 2 6 7
O BRASIL NO SISTEMA GLOBAL DE DIREITOS H U M A N O S 331
Caso C o s m e Rosa Genoveva e outros v s . Brasil
("Caso Favela Nova Brasília") 2 7 0
Caso Alyne da Silva Pimentel Teixeira v s . Brasil 332

CAPÍTULO I V
CAPÍTULO V I I
O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS H U M A N O S 275
DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA 3 3 9

Caso Penitenciária Urso Branco 2 7 6


Caso Reino Unido vs. Albânia ("Caso do Estreito de Corf u") 3 4 0
Caso crianças e adolescentes privados de liberdade
Caso República Democrática do C o n g o v s . Bélgica
no "Complexo d o T a t u a p é " da FEBEM 2 8 2 ("Caso Yerodia") 347

8 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
S U M Á R I O | 9
Caso A l e m a n h a vs. Itália (Grécia como terceiro inteverniente)
("Caso Ferrini") 3 5 9
Caso Bélgica v s . Senegal ("Caso Habre") 3 6 6
Caso Austrália vs. J a p ã o
("Caso das Atividades Baleeiras na Antártica") 3 8 8

CAPÍTULO V I I I

PARECERES CONSULTIVOS DA
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA 391

Caso Reparação de danos sofridos por agente das


Nações Unidas ("Caso Folke Bernadotte") 3 9 2

CAPÍTULO I X

CASOS J U L G A D O S PELO
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL 3 9 7

Caso The Prosecutor vs. T h o m a s L u b a n g a Dyilo 3 9 8


CasoThe Prosecutor v s . Mathieu Ngudjolo Chui 4 0 6
Caso The Prosecutor v s . Germain K a t a n g a 4 0 8

CAPÍTULO X

C A S O S JULGADOS POR OUTROS


TRIBUNAIS INTERNACIONAIS 411

Caso The Prosecutor v s . Charles Taylor


("Caso Diamantes de sangue") 412
C a s o T h e Prosecutor v s . D u s k o T a d i c 4 1 6
CAPÍTULO I

GRAMÁTICA BÁSICA DE DIREITOS H U M A N O S


E DE DIREITO INTERNACIONAL
EM SENTIDO AMPLO

IO I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
Princípio do non-refouiement: Princípio que veda o reenvio ou a devo- g u a r d a i o s inleii'sM's d o s i n d i v i d u o s r resguardar a tutela d a Corte Inte-
lução de um refugiado para um Estado no qual o indivíduo corra risco i . H i i c r k a n a d e I l u c i l o s I l i i m a n o s . A concessão dessas medidas não impli-
de sofrer graves violações de direitos humanos. O non-refoulement não • M i m p i e i i i l g a m c n l o do mérito d o processo.
confere um direito subjetivo ao asilo e tampouco a obrigação de receber
( omissão Interamericana de Direitos Humanos: É um órgão da Organlza-
o refugiado de forma permanente. É também chamado de princípio da
• i " i los Estados Americanos, criado para promover a proteção internacio-
proibição do rechaço ou da não revolução.
n a l d o s direitos humanos n o continente americano e também para fun-
Corte Interamericana de Direitos Humanos: Ê um tribunal judicial autô- (tonar como órgão consultivo da OEA na matéria de direitos humanos.
nomo, cujo objetivo é aplicar e interpretar a Convenção Americana de I vcntualmente, submete à Corte Interamericana de Direitos Humanos
Direitos Humanos. Exerce a função contenciosa — na qual se encontra iSi is contenciosos que não logrou êxito em solucionar.
a resolução de casos contenciosos e o mecanismo de supervisão de sen-
obrigações erga omnes: Normas que retratam valores essenciais para
tenças — e também a função consultiva, na qual emite uma opinião não
i o d a a comunidade internacional e, portanto, geram obrigações para to-
vinculante sobre um tema que lhe seja apresentado.
d o s o s Estados. Sendo assim, todos os países possuem legitimidade para
Opinião Consultiva (advisory opinión): Consiste em uma opinião sem ca- exlgll o respeito e o cumprimento destas obrigações.
ráter vinculante proferida por um tribunal ou órgão julgador sobre deter-
Normas de jus cogens: São normas imperativas de direito internacional,
minado tema.
d o t a d a s de um status normativo superior em relação as demais. São in-
Princípio do estoppel: Consiste na impossibilidade de as partes envolvi- tlcrrogáveis pela vontade das partes e só podem sofrer modificação por
das em um litígio nas instâncias internacionais de direitos humanos ale- normas do mesmo quilate.Também são chamadas de normas peremptó-
garem ou negarem um fato ou direito, estando essa negação em desacor- M.is o u cogentes.
do com uma conduta anteriormente adotada ou anuída. O princípio do
Cláusula derrogatória ou cláusula geral de derrogações: Cláusulas que
estoppel funciona como espécie de preclusão e é fundado no brocardo do
permitem a suspensão temporária de determinadas obrigações de direi-
ven ire contra factum proprium.
l o s humanos em situações de emergência claramente delimitadas.
Dano ao projeto de vida: É uma das formas de violação dos direitos hu-
Teoria da margem de apreciação: Consiste no entendimento de que o
manos que se pode buscar reparar. Consiste, basicamente, na lesão que
I stado onde ocorreram determinadas violações de direitos humanos é
compromete a liberdade de escolha de determinado indivíduo e frustra o
0 organismo mais bem situado para compreender e resolver a questão.
projeto de vida por ele elaborado. A inclusão deste tipo de dano entre as
Nestes casos, as violações de direitos humanos são tuteladas com base
formas de violações dos direitos humanos é amplamente aplicada pela
em normas domésticas em detrimento das normas internacionais, o que
Corte Interamericana de Direitos Humanos.
acaba por mitigar a característica universa! dos direitos humanos e tende
Medidas cautelares: Provimentos de cognição não exauriente exarados a asfixiar minorias. Possui ampla aceitação na Corte Europeia de Direitos
pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em situações de ex- 1 lumanos, mas não conta com a simpatia da Corte Interamericana de Di-
trema gravidade ou urgência; têm o objetivo de evitar danos irreparáveis reitos Humanos.
às pessoas ou ao objeto do processo. Com a expedição de tais medidas,
Princípio da Jurisdição universal: Consiste na possibilidade de determi-
objetiva-se salvaguardaros interesses dos indivíduos e resguardar a tute-
n a d o Estado regular e reprimir condutas realizadas fora de seu território.
la da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A concessão dessas
medidas não implica um pré-julgamento do mérito do processo. Jus standi (in judicio): Postulação direta na corte ou em outro órgão judicial.

Medidas provisórias: Provimentos jurisdicionais de cognição não exau- Princípio do aut dedere, autjudicare: Consiste na obrigação de extraditar
riente exarados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em ca- ou julgar os indivíduos que cometeram crimes internacionais.
sos de extrema gravidade; têm o objetivo de evitar danos irreparáveis às
pessoas ou ao objeto do processo. Com sua emissão, objetiva-se salva-

12 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S G R A M Á T I C A BÁSICA D E DIREITOS H U M A N O S E D E DIREITO INTERNACIONAL E M SENTIDO A M P L O 113


C A P Í T U L O II

CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO


CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA
DE DIREITOS H U M A N O S
loi ( ondenada .1 vinte anos de pena privativa de liberdade, decisão que foi
In.nítida pela Corte Suprema de Justiça ao julgar recurso de nulidade da
l i c i c . ü . Durante todo o trâmite dos processos, tanto nojuízo militar como
Caso Loayza Tamayo vs. Peru na jurisdição comum, Loayza permaneceu presa, sendo submetida, ainda, a
1 nir.lrangimento público quando foi apresentada à imprensa, vestida com
um traje listrado, recebendo a imputação de crime de traição à pátria.
ÓRGÃO JULGADOR:
A Corte Interamericana inicia declarando que o Peru violou, em prejuízo
da senhora Loayza Tamayo, os direitos à liberdade pessoal e proteção j u -
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s 0
dicial, estabelecidos respectivamente nos artigos 7 e 25 da Convenção
Americana de Direitos Humanos (CADH), e isso porque a ela não foi dis-
SENTENÇA: ponibilizado, em razão de vedação contida no Decreto-Lei n° 25659 (deli-
17 de setembro de 1997 l o de traição à pátria), nenhuma ação de garantia para salvaguardar sua
liberdade pessoal ou questionar a legalidade da sua detenção. A Corte
iccordou, sobre esse tópico, que embora o direito à liberdade pessoal não
esteja expressamente inserido entre aqueles cuja suspensão não é em
nenhum caso autorizada, os procedimentos áehabeas corpus e de ampa-
RESUMO DO CASO
i o são garantias judiciais indispensáveis para a proteção de vários direi-
A senhora María Elena Loyaza Tamayo, professora da Universidade de San tos, sendo vedado, pois, que se suspenda a possibilidade do seu manejo,
Martín de Porres, foi presa junto com um familiar no dia 06/02/1993, por (onforme dispõe o art. 27.2 da CADH: "A disposição precedente não auto-
membros da Divisão Nacional contra o Terrorismo (DICONTE) da Polícia riza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes artigos: 3 (direito
Nacional do Peru, em Lima, tendo ficado detida até o dia 26/02/1993 sem ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à
ter sido colocada à disposição do Juizado Especial da Marinha, conforme integridade pessoal), 6 (proibição da escravidão e da servidão), 9 (princípio
dispunha o art. 12.C do Decreto-Lei n° 25475 (delito de terrorismo). Na DI- da legalidade e da retroatividade), 12 (liberdade de consciência e religião),
CONTE permaneceu incomunicável por dez dias e foi vítima de tortura e 17 (proteção da família), 18 (direito ao nome), ig (direitos da criança), 20
tratamento cruel, praticadas contra ela a fim de que se auto-incriminasse (direito à nacionalidade) e 23 (direitos políticos), nem das garantias indis-
e declarasse pertencer ao Partido Comunista do Peru "Sendero Lumino- pensáveis para a proteção de tais direitos".
so" (PCP-SL), o que Loayza Tamayo resistiu, negando pertencer ao PCP-CL, Posteriormente, a Corte, a respeito da alegação de violação do direito à in-
criticando, inclusive, os métodos, a violência e a violação dos direitos hu- 0
tegridade pessoal da vítima (art. 5 da CADH), considerou que não estaria
manos por parte desse "grupo subversivo". A família da vítima se inteirou em condições de dar por provado o fato de que Loayza havia sido violen-
sobre a prisão em 08/02/1993, através de uma ligação anônima. Não foi tada durante a sua detenção. No entanto, em relação aos outros fatos ale-
interposta nenhuma "ação de garantia" a seu favor, e isso porque o Decre- gados, como a incomunicabilidade durante a detenção.a exibição pública
to-Lei 25659 (delito de traição à pátria) proibia a apresentação do "recur- com um traje infamante em meios de comunicação.o isolamento em cela
so de babeas corpus, em fatos relacionados com o delito de terrorismo". reduzida sem ventilação nem luz natural, os maus tratos, a intimidação
por ameaças e outros atos violentos,e também as restrições ao regime de
O processo contra Loayza Tamayo pela suposta traição à pátria teve início
visitas, constituem fatos provados e não desvirtuados pelo Estado.tratan-
em 25/02/1993, concluindo-se com a decisão do Juizado Especial da Ma-
do-se, consequentemente, de violação do direito à integridade pessoal.
rinha, formado por juízes militares "sem rosto", em 05/03/1993, com de-
cisão absolutória. O Ministério Público recorreu para o Tribunal Supremo I rn continuidade, no tocante à alegação de falta de independência e im-
Militar Especial, que confirmou a absolvição. No entanto, Loayza foi pro- parcialidade do juízo militar, a Corte considerou ser desnecessário se pro-
cessada também, depois, pelos mesmos fatos, na jurisdição comum, onde nunciara respeito devido a senhora Loayza ter sido absolvida pela referida

16 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S C A S O S I U L G A D O S PELA IURISDIÇÀO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 117


u
J nsdiçaocastrense. No entanto, a Corte declarou que a jurisdição militai lados), 0 Estado que subscreve um Tratado, especialmente se tratando de
do Peru violou o art. 8.ida CADH no tocante à exigência de juiz compclrn direi tos humanos, como é o caso da CADH, "tem a obrigação de realizar seus
t e
. e isso porque ao proferir sentença absolutória pelo crime de traição à melhores esforços para aplicar as recomendações de um órgão de proteção
Pátria, o juízo militar carecia de competência para mantê-la presa e, me- < orno a Comissão Interamericana que é, além disso, um dos órgãos principais
o
nos ainda, para apurar evidência do crime de terrorismo, de competência da Organização dos Estados Americanos" (§ 80 ). A Corte, porém, concluiu
da jurisdição comum, o que a Corte classificou como uma atuação ultra que "a violação ou não ao artigo 51.2 da Convenção não pode se estabelecer
vir
es, em usurpação e invasão das faculdades dos órgãos judiciais ordi- <ni um caso que, como o presente, foi submetido à consideração da Corte,
o

nários. A Corte considerou, ainda, que "a Senhora Maria Elena Loayza Ta- enquanto não existir o relatório destacado no referido artigo"(§ 82 ).
mayo foi julgada e condenada por um procedimento excepcional no qual I malmente, a Corte ordenou que o Estado peruano colocasse a senho-
obviamente estão sensivelmente restringidos os direitos fundamentais que ra Loayza Tamayo imediatamente em liberdade, obrigando-o, também, a
integram o devido processo. Esses processos não atingem os padrões de um pagará vítima e seus familiares uma justa indenização.
u
J ko justojá que não se reconhece a presunção de inocência; é proibido aos
processados contradizer as provas e exercer o controle das mesmas; limita-
s e
a faculdade, do defensor ao impedir que este possa livremente comuni- PONTOS IMPORTANTES SOBRE O C A S O

car-se com o seu defendido e intervir com pleno conhecimento em todas as


etapas do processo. Ofato de que a Senhora Maria Elena Loayza Tamayo foi 1. Impossibilidade d a suspensão d a garantia do Hateas Corpus
condenada no foro ordinário com fundamento em provas supostamente < onforme foi visto, a vítima Loayza Tamayo não dispôs de uma ação de ga-
obtidas no procedimento militar, não obstante este ser incompetente, teve lantia para salvaguardar sua liberdade pessoal ou para questionar sua de-
consequências negativas em seu desfavor, no foro comum" (% 62 ). E assim, o
lenção ilegal,já que estava em vigor no Peru um Decreto que suspendia tais
decidiu que o Peru, por meio da sua jurisdição militar, violou o art. 8.2 da ações. Ocorre que, conforme decidiu a Corte Interamericana, mesmo que o
CADH, que consagra o princípio da presunção de inocência, ao atribuir à direito à liberdade pessoal não esteja inserido no rol dos direitos não pas-
vítima um crime diferente daquele pelo qual foi acusada e processada, síveis de suspensão previsto no art. 27.2 da CADH, este mesmo dispositivo
s e r
M ter competência para isso. veda a suspensão das "garantias indispensáveis para a proteção de tais di-
N
reitos". Importante considerarmos que a Corte, provocada pela Comissão, já
° U t r o momento importantíssimo da decisão, a Corte Interamericana
tar
afirmou que a garantia do babeas corpus não pode ser suspensa, inclusive
r i b é m concluiu que o Estado peruano violou o art. 8.4 da CADH quan-
nas situações de emergência ou de exceção, nas quais se permite a suspen-
do julgou a senhora Loayza na jurisdição ordinária pelos mesmos fatos
são temporária de direitos e liberdades'. Ainda sobre a suspensão de direitos,
que tinha sido absolvida na jurisdição militar, acrescentando que a fór- convém ressaltar que, conforme leciona Mazzuoli, "O art. 27 da Convenção
mula do non bis in ld. prevista na CADH, ao referir-se a um novo processo Americana contempla o que se chama em Direito Internacional Público de
pelo "mesmo fato", é mais ampla e benéfica à vítima do que a expressão 'cláusula derrogatória'ou 'cláusula geral de derrogações'. Trata-se de cláusula
encontrada noutros instrumentos internacionais de proteção de direitos bem conhecida nos tratados de direitos humanos, cuja finalidade é permitir a
hurnanos, a exemplo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, derrogação de certos direitos em situações de exceção", e conclui o autor que
u
q e usa o termo "mesmo delito" (art. 14.7). "Dos sistemas regionais de proteção existentes, somente o sistema africano
Mais adiante, a Corte analisou o pedido da Comissão de que o Estado fos-
se condenado pela violação do art. 51.2 da CADH, por ter-se negado a "dar
cumprimento às recomendações da Comissão", e avançou a Corte, supe- 1 Conferir a O p i n i ã o Consultiva n° 8/1987. A Corte voltou a se m a n i f e s t a r sobre o
rando precedentes anteriores em sentido contrário, que firmaram-se pela t e m a na O p i n i ã o Consultiva n° 9/1997. solicitada pelo U r u g u a i , acerca de quais sao
as g a r a n t i a s j u d i c i a i s indispensáveis e não passíveis de suspensão, q u a n d o a Corte
interpretação das "recomendações" conforme seu sentido habitual, de
enfatizou, portanto, que, m e s m o no estado de exceção, deve-se preservar a subsis-
faeultatividade do cumprimento, para assentar, agora, que, em virtude do
tência de meios idôneos ao seu controle, inserindo-se entre essas g a r a n t i a s indis-
rin
P c i p i o da boa-fé (art. 31.1 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tra- pensáveis e idôneas o habeas corpus.

I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 119


jurisdição castrense. No entanto, a Corte declarou que a jurisdição imlil ,11 l a d o s ) , o Estado que subscreve um Tratado, especialmente se tratando de
do Peru violou o art. 8.ida CADH no tocante à exigência de juiz competen- . 111 < •! los h uma nos, como é o caso da CADH, "tem a obrigação de realizar seus
te, e isso porque ao proferir sentença absolutória pelo crime de traição à melhores esforços para aplicar as recomendações de um órgão de proteção
pátria, o juízo militar carecia de competência para mantê-la presa e, me- como a Comissão Interamericana que é, além disso, um dos órgãos principais
nos ainda, para apurar evidência do crime de terrorismo, de competência da Organização dos Estados Americanos" (§ 80 ). A Corte, porém, concluiu o

da jurisdição comum, o que a Corte classificou como uma atuação ultra que "a violação ou não ao artigo 57.2 da Convenção não pode se estabelecer
vires, em usurpação e invasão das faculdades dos órgãos judiciais ordi- cm um caso que, como o presente, foi submetido à consideração da Corte,
nários. A Corte considerou, ainda, que "a Senhora Maria Elena Loayza Ta- enquanto não existir o relatório destacado no referido artigo" (§ 82 ). o

mayo foi julgada e condenada por um procedimento excepcionai no qual


finalmente, a Corte ordenou que o Estado peruano colocasse a senho-
obviamente estão sensivelmente restringidos os direitos fundamentais que
ra Loayza Tamayo imediatamente em liberdade, obrigando-o, também, a
integram o devido processo. Esses processos não atingem os padrões de um
pagar à vítima e seus familiares uma justa indenização.
juízo justojá que não se reconhece a presunção de inocência; é proibido aos
processados contradizer as provas e exercer o controle das mesmas; limita-
se a faculdade, do defensor ao impedir que este possa livremente comuni- PONTOS IMPORTANTES SOBRE O C A S O
car-se com o seu defendido e intervir com pleno conhecimento em todas as
etapas do processo. Ofato de que a Senhora Maria Elena Loayza Tamayo foi 1. Impossibilidade da suspensão da garantia do Habeos Corpus
condenada no foro ordinário com fundamento em provas supostamente
Conforme foí visto, a vítima Loayza Tamayo não dispôs de uma ação de ga-
obtidas no procedimento militar, não obstante este ser incompetente, teve
o
rantia para salvaguardar sua liberdade pessoal ou para questionar sua de-
consequências negativas em seu desfavor, no foro comum"'(§ 62 ). E assim, tenção ilegal, já que estava em vigor no Peru um Decreto que suspendia tais
decidiu que o Peru, por meio da sua jurisdição militar, violou o art. 8.2 da .ições. Ocorre que, conforme decidiu a Corte Interamericana, mesmo que o
CADH, que consagra o princípio da presunção de inocência, ao atribuir à direito à liberdade pessoal não esteja inserido no rol dos direitos não pas-
vítima um crime diferente daquele pelo qual foi acusada e processada, síveis de suspensão previsto no art. 27.2 da CADH, este mesmo dispositivo
sem ter competência para isso. veda a suspensão das "garantias indispensáveis para a proteção de tais di-
reitos". Importante considerarmos que a Corte, provocada pela Comissãojá
Noutro momento importantíssimo da decisão, a Corte Interamericana
afirmou que a garantia do habeas corpus não pode ser suspensa, inclusive
também concluiu que o Estado peruano violou o art. 8.4 da CADH quan-
nas situações de emergência ou de exceção, nas quais se permite a suspen-
do julgou a senhora Loayza na jurisdição ordinária pelos mesmos fatos 1
sãotemporáría de direitos e liberdades . Ainda sobre a suspensão de direitos,
que tinha sido absolvida na jurisdição militar, acrescentando que a fór-
convém ressaltar que, conforme leciona Mazzuoli, "O art. 27 da Convenção
mula do non bis in ld. prevista na CADH, ao referir-se a um novo processo
Americana contempla o que se chama em Direito Internacional Público de
pelo "mesmo fato", é mais ampla e benéfica à vítima do que a expressão
'cláusula derrogatória'ou 'cláusula geral de derrogações'. Trata-se de cláusula
encontrada noutros instrumentos internacionais de proteção de direitos
bem conhecida nos tratados de direitos humanos, cuja finalidade é permitira
humanos, a exemplo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,
derrogação de certos direitos em situações de exceção", e conclui o autor que
que usa o termo "mesmo delito" (art. 14.7).
"Dos sistemas regionais de proteção existentes, somente o sistema africano
Mais adiante, a Corte analisou o pedido da Comissão de que o Estado fos-
se condenado pela violação do art. 51.2 da CADH, por ter-se negado a "dar
cumprimento às recomendações da Comissão", e avançou a Corte, supe-
t Conferir a O p i n i ã o Consultiva n° 8/1987. A Corte voltou a se m a n i f e s t a r sobre o
rando precedentes anteriores em sentido contrário, que firmaram-se pela tema na O p i n i ã o Consultiva n" 9/1997, solicitada pelo U r u g u a i , acerca de quais são
interpretação das "recomendações" conforme seu sentido habitual, de as g a r a n t i a s judiciais indispensáveis e não passíveis de s u s p e n s ã o , q u a n d o a Corte
facultatividade do cumprimento, para assentar, agora, que, em virtude do enfatizou, portanto, q u e , m e s m o no estado de exceção, deve-se preservar a subsis-
tência de meios idôneos a o s e u controle, inserindo-se entre essas g a r a n t i a s indis-
princípio da boa-fé (art. 31.1 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tra-
pensáveis e idôneas o habeas corpus.

l8 I JURISPRUDENCIA I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 119
L / U C nuv corna com ciausuia aessa natureza, o que leva a inúmeros deluite; ( , n i ' . . i \ (0111 <lc< i'..io pen.il dclmiliv.i 1. A decisão que declarou ex-
sobre os problemas de ordem prática que pode tal ausência ocasionar"-; tinta a punibilidade em favor do Paciente, ainda que prolatada com
suposto vício de incompetência de juízo, é susceptível de trânsito
2. Principio da vedação do bis in ld.
em julgado e produz efeitos. A adoção do princípio do ne bis in ld.
A Corte Interamericana enfatizou que a vedação do bis in ld. encontrada pelo ordenamento jurídico penal complementa os direitos e as ga-
na CADH é mais ampla e, consequentemente, mais benéfica à vítima do rantias individuais previstos pela Constituição da República, cuja
que a fórmula prevista noutros instrumentos normativos internacionais interpretação sistemática leva ã conclusão de que o direito à liber-
de proteção aos direitos humanos. Vejamos. O art. 84 da CADH dispõe dade, com apoio em coisa julgada material, prevalece sobre o dever
que "O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá estatal de acusar" (STF, HC 86606, rei. Min. Cármen Lúcia, 1 Turma, a

ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos" Já o art. 14.7 do Pacto DJe 02-o8-2007) . s

Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) estabelece que "Nin-


guém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual j á foi ab- 3. A garantia da vedação do bis in ld. não é absoluta
solvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade No Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile, a Corte Interamericana de-
3
com a lei e os procedimentos penais de cada país" . A diferença, de fato, cidiu que "o princípio do ne bis in ld., ainda que seja um direito humano
existe e pode implicar em consequências práticas, como resultou neste reconhecido no artigo 8.4 da Convenção Americana, não é um direito abso-
Coso Loayza Tamayo, em que, embora os crimes apurados na jurisdição luto (...)" (§ 154). A decisão da Corte está em conformidade — também —
militar (traição à pátria) e juízo comum (terrorismo) fossem distintos, o com o Estatuto de Roma (TPI), que admite a possibilidade do novo julga-
contexto partia dos mesmos fatos. mento quando o anterior "tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua
Sobre o tema (bis in ld.), importante destacar, ainda, que, conforme adver- responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal" ou "não
te Giacomolli, "Um ponto interessante dessa decisão é que ela manifestou, tenha sido conduzido deforma independente ou imparcial, em conformi-
expressamente, que a vedação do non bis in ld. não se restringe à dupli- dade com as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo direito
cidade de processos criminais, mas também impede que o mesmo sujeito internacional, ou tenha sido conduzido de uma maneira que, no caso con-
seja processado pelos mesmos fatos, mais de uma vez, ainda que em esferas creto, se revele Incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação
distintas", concluindo o autor, em seguida, que "Ademais, decidiu a CIDH da justiça" (art. 20.3). A Corte reconhece nestas hipóteses a ocorrência de
que a sentença, mesmo que proferida por juízo incompetente (no caso, a uma "coisa julgada aparente ou fraudulenta". Exemplo de "coisa julga-
Justiça Militar), produz os efeitos da res judicata (imputação jurídica diver- da aparente ou fraudulenta" repelida pela jurisprudência dos Tribunais
sa, no juízo comum, mas pelos mesmos fatos)" . Este entendimento é o que 4
Superiores brasileiros: a decisão que declara extinta a punibilidade do
6
prevalece na jurisprudência dos Tribunais Superiores do Brasil: acusado baseada em certidão de óbito falsa . Por fim, importa ressaltar
que a flexibilização da proibição do bis in ld. ainda é mais acentuada na
" i . Configura constrangimento ilegal a continuidade da persecução Convenção Europeia de Direitos Humanos, que estabelece: "As disposições
penal militar por fato já julgado pelo Juizado Especial de Pequenas
do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da
lei e do processo penal do Estado em causa, se fatos novos ou recentemente
revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o
2 M A Z Z U O L I , Valério de Oliveira; G O M E S , Luiz Flávio. Comentários à Convenção Ame-
resultado do julgamento". Tal orientação não encontra correspondência
ricana sobre Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 229.
no Direito brasileiro, principalmente no que diz respeito à superação da
3 Esta m e s m a f ó r m u l a mais restrita da proibição d o bis in ld. parece ser encontrada
na C o n v e n ç ã o Europeia de Direitos H u m a n o s , cujo art. 4.1 dispõe q u e "Ninguém coisa julgada em razão de "fatos novos ou recentemente revelados", os
poderá ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por mo-
tivo de infração pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em
conformidade com a lei e o processo penal desse Estado".
4 G I A G O M O L L I , Nereu José. O devido processo penal — Abordagem conforme a Cons- No m e s m o sentido, cf. H C 90472 (STJ), R H C 17389 (STJ), H C 36091 (STJ), entre outros.
tituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014, p. 319. 6 Cf. H C s 84525 e 104998 (STF); e H C 143474 (STJ).

20 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 21


eslá ultrapassada, No caso Loayza Tamayo e nos posteriores, a Corte
quais somente admitem, aqui, o desarq uiva mento do inquérito policial
sustentou que o princípio da boa-fé, consagrado também na Con-
quando este não for arquivado por circunstância que provoque a coisa
venção de Viena sobre Direito dos Tratados, obriga os Estados con-
julgada material (extinção da punibilidade e atipicidade, p.ex.),conforme
7 tratantes da Convenção Americana de Direitos Humanos a realizar
dispõe a Súmula 524 do STF . Tratando-se, portanto, de sentença absolu-
seus melhores esforços para cumprir as deliberações da Comissão,
tória, descabe novo processo motivado por novas provas.
que é também órgão principal da OEA, organização que tem como
4. Superação do e n t e n d i m e n t o que consagrava a não vinculação das uma de suas funções justamente promover a observância e a defe-
8
"recomendações" da Comissão sa dos direitos humanos no continente americano" .

Ponto importantíssimo deste Caso Loayza Tamayo se relaciona com a Sobre este tópico, também é importante considerar, ainda recorrendo à
superação do entendimento da Corte a respeito da facultatividade no lis,ao de Ramos, que "A Corte, contudo, diferenciou os dois Informes da Co-
cumprimento pelos Estados das recomendações emitidas pela Comissão missão. O Primeiro Informe (ou Informe Preliminar) é enviado ao Estado,
interamericana. Anteriormente, a Corte interpretava o termo "recomen- que possui o prazo de até três meses para cumprir as recomendações nele
dações" no seu sentido habitual, ou seja, como diretivas sem poder para i1 nítidas. Este Informe não é vinculante, pois não é definitivo. De fato, a Cor-
vincular os Estados. Agora, porém, prestigiando o princípio da boa-fé con- te constatou que, caso o Estado descumpra esse Primeiro Informe, a Comis-
sagrado no art. 31.1 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, a são, obrigatoriamente, deve optar entre acionar o Estado perante a Corte
Corte avançou para assentar que "se um Estado subscreve e ratifica um úu em editar um Segundo informe, que pode ou não publicar. No caso da
tratado internacional, especialmente se tratando de direitos humanos, (omissão ter preferido acionar o Estado perante a Corte, é a sentença des-
como é o caso da Convenção Americana, tem a obrigação de realizar seus sa última que será vinculante, podendo até contrariar o entendimento da
melhores esforços para aplicaras recomendações de um órgão de proteção Comissão. Entretanto, se o caso não for submetido à Corte (em virtude, em
como a Comissão Interamericana que é, além disso, um dos órgãos princi- geral, do não reconhecimento, peio Estado, da jurisdição da Corte), edita-se
pais da Organização dos Estados Americanos, que tem como função 'pro- 0 Segundo Informe. Pelo princípio da boa-fé, os Estados, segundo a Corte,
mover a observância e defesa dos direitos humanos'no hemisfério (Carta devem cumprir com as condutas determinadas por esse Segundo Informe,
da OEA, arts. 52 e m)" (§ 80), concluindo que "ao ratificar a referida Con- já que os mesmos, ao aderirá Convenção, aceitaram a competência da pró-
venção ¡Americana], os Estados partes comprometem-se a atender as re- 9
pria Comissão em processar petições individuais" .
comendações aprovadas pela Comissão nos seus relatórios" (§ 81). Neste
sentido, vejamos a didática exposição de André de Carvalho Ramos: Para finalizar este tópico, um questionamento: pode a Comissão Intera-
mericana de Direitos Humanos, tendo adotado relativamente a um Esta-
"Em primeiro lugar, é necessário inquirir sobre a natureza dos In- do os dois informes a que se referem os artigos 50 e 51 da Convenção e re-
formes da Comissão: seriam meras 'recomendações' sem força vin- lativamente ao último deles notificado o Estado tratar-se de um informe
culante, ou, ao contrário, seriam deliberações internacionais vincu- definitivo, modificar substancialmente esse informe e emitir um tercei-
lantes, devendo os Estados obedecê-las de boa-fé? Nos primeiros ro parecer? Esta pergunta reproduz literalmente a questão apresentada
casos propostos pela Comissão, o caráter de mera 'recomendação pelo Chile, em 11/11/1996, à Corte Interamericana, o que gerou a Opinião
não vinculante'dos Informes da Comissão foi reconhecido pela Cor- Consultiva n° 15/1997, por meio da qual a Corte, por seis votos contra um,
te Interamericana de Direitos Humanos. Com efeito, no caso Cabal-
lero Delgado, a Corte sustentou que o Estado não estava obrigado a
cumprir com as determinações dos Informes da Comissão, que se-
8 RAMOS, A n d r é de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 2. ed. São
riam meras 'recomendações'. (...) Ocorre que essa posição da Corte
Paulo: Saraiva, 2012, p. 218.
9 RAMOS, A n d r é de Carvalho. Processo internacional de Direitos Humanos, p. 218. Reco-
m e n d a - s e a leitura d a s p á g i n a s s e g u i n t e s da referida obra para conhecer Informes
que j á f o r a m c u m p r i d o s pelo Brasil, recurso da C o m i s s ã o no caso de d e s c u m p r i -
7 S ú m u l a 524 d o STF: "Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requeri-
mento do Promotor de Justiça, não pode a ação penai ser iniciada, sem novas provas". m e n t o do S e g u n d o Informe etc.

C A S O S J U L G A D O S PÉLA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 23


22 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
respondeu, conforme registra Mazzuoli, no sentido de nao estar <¡ ( omis 1 > . ' / . m > i , > ) , O "dano ao piojelo de vida" foi mencionado, lambem, em
a

são Interamericana autorizada a modificar as opiniões, conclusões e reco- pire edeiite do IRI da 4 Região".
mendações transmitidas a um Estado-membro, salvo em circunstâncias
íi. Diálogo das Cortes
excepcionais, como: (a) em caso de cumprimento parcial ou total das re-
comendações e conclusões contidas no informe; (b) em caso da existên- ' > 1 mo Loayza Tamayo vs. Peru foi citado no julgamento da ADI 4277 pelo
cia no informe de erros materiais sobre os fatos do caso; e (c) no caso do '.II (uniões homoafetivas), no voto do Min. Marco Aurélio, que fez menção à
descobrimento de fatos que não eram conhecidos no momento da emis- (uiisprudência da Corte Interamericana sobre a proteçãojurídica conferida
são do informe e que tiveram uma influência decisiva no seu conteúdo ". 1 ,io projeto de vida. Um exemplo, portanto, de "diálogo das Cortes", em que
•1 jurisprudência de Tribunais nacionais e internacionais se cruzam num
5. Primeiro caso e m que a Corte Interamericana aplicou o d e n o m i n a - dialogo que somente tem a fortalecer a proteção dos direitos humanos.
do "dano ao projeto de v i d a "

Vejamos o diz a Corte a respeito do tema: INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS

"No que diz respeito à reclamação de dano ao 'projeto de vida',


convém manifestar que este conceito tem sido matéria de análi- (PGR — 2 6 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2012 — PROVA
O

se por parte da doutrina e da jurisprudência recentes. Trata-se de ORAL) Fale sobre o caso Loayza Tamayo.
uma noção distinta do 'dano emergente' e do 'lucro cessante'. Cer- GABARITO:Bastaria fazer uma síntese dos fatos e destacar os principais
tamente não corresponde à afetação patrimonial derivada ime- pontos sobre o Caso, assim como foi apresentado acima.
diata e diretamente dos fatos, como sucede no 'dano emergente'.
No que diz respeito ao 'lucro cessante', corresponde assinalar que (DPU — IV CONCURSO DEFENSOR PÚBLICO FEDERAL, 2010 — PROVA
enquanto este se reflete de forma exclusiva na perda de ingressos ORAL) Foi apresentado um caso em que, por decisão de juiz absoluta-
econômicos futuros, que é possível quantificar a partir de certos mente incompetente, o inquérito policial foi arquivado. O candidato foi
indicadores mensuráveis e objetivos, o denominado 'projeto de questionado se havia coisa julgada material.
vida' atende à realização integral da pessoa afetada, considerando
GABARITO: O candidato deveria se posicionar que sim, conforme foi explica-
sua vocação, atitudes, circunstâncias, potencialidades e aspirações,
do no tópico "principais pontos sobre o caso", mais especificamente sobre
que lhe permitem fixar razoavelmente determinadas expectativas
o bis in ld. e a vedação do segundo julgamento, ainda que no primeiro o
e alcançá-las" (§ 147).
juiz fosse absolutamente incompetente.
E prossegue a Corte, então, para dizer que no caso da vítima é evidente que
os atos praticados contra ela impediram a realização de suas expectativas
de desenvolvimento pessoal e profissional,factíveis em condições normais,
razão pela qual a ela foi reconhecido um grave dano ao "projeto de vida".

Importante registrar que, embora não se tratando de precedente em


que tenha havido o reconhecimento de um "dano", e sim a promoção de
um direito, o STJ partiu — também — do denominado direito ao "proje-
to d e v i d a " para decidir pela possibilidade do casamento de pessoas do
a
mesmo sexo (REsp 1183378, rei. Min. Luis Felipe Salomão, 4 Turma, DJe

io M A Z Z U O L I , Valério de Oliveira; G O M E S , Luiz Flávio. Comentários à Convenção Ame- 11 Cf. íntegra d o acórdão: < h t t p : / / s . c o n j u r . c o m . b r / d l / a c o r d a o - t r t - r s - m a n d a - w a l m a r t
ricana sobre Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 329. indenizar.pdfx

C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 25


24 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
que MMiirrilr poltTH uli/ou os riscos p¿u.i a integridade física e a vida da-
q u e l e , n u r i l l e n d e r d,i C u i t e .

0
N o que diz respeito à violação do art. 4 da CADH (direito à vida), a Corte
Caso Villagran Morales e Outros vs.
11 ssaltOU que "O direito à vida é um direito humano fundamental, cujo gozo
G u a t e m a l a "Caso dos Meninos de Rua" e um pré requisito para o desfrute de todos os demais direitos humanos. (...)
I m essência, o direitofundamental à vida compreende não somente o direito
de todo ser humano de não ser privado da vida arbitrariamente, senão tam-
ÓRGÃO JULGADOR:
bém o direito a que não se lhe impeça o acesso às condições que lhe garan-
tían uma existência digna. Os Estados têm a obrigação de garantir a criação
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s das condições que se requerem para que não se produzam violações desse
1 lucilo básico e, em particular, o dever de impedir que seus agentes atentem
SENTENÇA: t antra e/e"(§ 144). Após, considerando que os assassinatos são imputados a
19 de novembro de 1999 agentes estatais, a Corte concluiu que o Estado violou o art.4 da CADH em 0

l'ir|uízo das vítimas, da mesma forma que reconheceu a violação ao art.


«," (direito à integridade pessoal) do mesmo diploma normativo interna-
1 ional, em razão da tortura e dos maus tratos praticados contra as vítimas.
RESUMO DO CASO
Acerca da violação do art. 19 da CADH (direitos da criança), a Corte ad-
vertiu que "se os Estados têm elementos para crer que os 'meninos de rua'
O caso se relaciona com o sequestro, tortura e assassinato de cinco jo-
estão afetados por fatores que podem induzi-los a cometer atos ilícitos, ou
vens, alguns menores de idade, entre os quais Anstraum Arnan Villagran
dispõem de elementos para concluir que os tenham cometido, em casos
Morales, fatos que não foram investigados adequadamente pelo Estado
1 1 meretos, devem extremar as medidas de prevenção do delito e da rein-
demandado, que tampouco garantiu o direito de acesso à justiça às famí-
1 idência. Quando o aparato estatal tenha que intervir ante infrações co-
lias das vítimas. As vítimas eram "jovens de rua", amigos que viviam no
metidas por menores de idade, deve empreender os maiores esforços para
setor conhecido como "Las Casetas", local que registrava uma taxa alta de
tjarantir a reabilitação dos mesmos, afim de que lhes 'permitir desempe-
delinquência e criminalidade, além de abrigar um número muito grande
nharem um papel construtivo e produtivo na sociedade'" (§ 197). Assim, ao
de "meninos de rua". Na época em que ocorreram os fatos, havia na G u a -
i onsiderar que o Estado atuou neste caso em grave contravenção dessas
temala um padrão comum de ações à margem da lei, perpetradas por
diretrizes, a Corte concluiu que houve violação do art. 19 da CADH.
agentes de segurança estatais contra os jovens, o que incluía ameaças,
detenções, tratamentos cruéis e homicídios como meio para combater a I malmente, ante a ineficiência do Estado em conduzir a investigação dos
delinquência e a vadiagem juvenil. responsáveis pela ocorrência dos fatos, a Corte também concluiu que a
(luatemala violou os artigos 8.1 e 25 da CADH (direito à proteção judicial e
A Comissão Interamericana admitiu o caso e.durante o procedimento,fez
às garantias judiciais), assim como os artigos 1,6 e 8 da Convenção Intera-
diversas recomendações à Guatemala, principalmente a de empreender
mericana para Prevenir e Punir a Tortura, determinando, portanto, que o
uma investigação eficaz a respeito dos fatos ocorridos. O Estado, porém,
I slado realizasse uma investigação real e efetiva sobre os fatos.
não cumpriu a contento as recomendações, o que ensejou que a Comis-
são submetesse o caso à jurisdição da Corte Interamericana em 1997.
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
0
ACorte Interamericana considerou, primeiro, que o Estado violou o art. 7
da CADH (direito à liberdade pessoal), na medida em que a detenção dos 1. Conteúdo social do direito à vida
jovens foi ilegítima e arbitrária, não tendo havido prévia ordem judicial Um ponto importante do Caso "Meninos de Rua" é a dimensão positiva
nem situação de flagrante que ensejasse a apreensão. Tampouco foram d,ida pela Corte ao direito à vida, compreendendo-o não somente a par-
os jovens colocados à disposição da autoridade judicial após a prisão, o

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 27


26 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
tir de uma perspectiva negativa, de abstenção estatal, mas também numa
ótica social, no sentido de que o Estado deve tomar medidas positivas para
a sua proteção, notadamente quando se tratar de pessoas vulneráveis e
Caso Olmedo Bustos e Outros vs. Chile
indefesas, em situação de risco, como são os jovens "de rua". Neste sentido,
então, ressalta André de Carvalho Ramos sobre o caso em estudo que "A ("A Última Tentação de Cristo")
Corte IDH determinou o dever do Estado de zelar pela vida dignadas crianças
nessa condição, dando conteúdo social ao conceito de 'direito à vida'previsto
1
ÓRGÃO JULGADOR:
na Convenção Americana de Direitos Humanos"' . Da mesma forma, os juí-
zes Caneado de Trindade e Abreu Burelli, no voto concordante que fizeram
juntar no Caso "Meninos de Rua", advertem que "O direito à vida implica não
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
somente a obrigação negativa de não privar a ninguém da vida arbitraria-
mente, senão também a obrigação positiva de tomaras medidas necessárias SENTENÇA:
para assegurar que não seja violado aquele direito básico"'(§ 2), completando 05 de fevereiro de 2001
com a lição de que "Esta visão contextualiza o direito à vida como perten-
cente, ao mesmo tempo, ao domínio dos direitos civis e políticos, assim como
ao dos direitos econômicos, sociais e culturais, ilustrando assim a interrelação
e indivisibilidade de todos os direitos humanos" (§ 4). RESUMO DO CASO

2. Corpus iuris internacional sobre direitos das crianças No dia 29 de novembro de 1988, após uma petição proposta por uma junta
Imprescindível o estudo da normativa internacional sobre os direitos das d l sete advogados que alegavam agir como representantes da Igreja
crianças, na qual se destacam, além da CADH (art. 19), as Regras Míni- < atólica e de Jesus Cristo, o Conselho de Qualificação Cinematográfica do
mas das Nações Unidas para a Administração da Justiça, da Infancia e da I '.lado do Chile proibiu — com fulcro no artigo 19, §12 da sua Constituição
Juventude, também denominada de Regras de Beijing, as Diretrizes das - a exibição do filme -4 Última Tentação de Cristo (The Last Temptation
Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil, também deno- "I i hrist), dirigido por Martin Scorsese. Segundo os advogados que
minada de Diretrizes de Riad e a Convenção sobre os Direitos da Criança, Interpuseram a petição, o filme atentava contra os princípios cristãos e
promulgada no Brasil pelo Decreto n° 99710/90. • " i i l i a a honra de Jesus Cristo.

No dia 11 de novembro de 1996, o Conselho de Qualificação Cinematográfica


revisou a proibição da exibição da película em comento, passando a admitir
que o filme A Última Tentação de Cristo fosse exibido em território chileno,
desde que apenas para maiores de dezoito anos. Diante da revisão da deci-
são do Conselho de Qualificação Cinematográfica,os autores recorreram até
I Corte Suprema do Chile, que, em 18 de junho de 1997, reformou a última
decisão do Conselho Cinematográfico e restaurou a decisão inicial, proibindo
Ioda e qualquer exibição do filme, independentemente de faixa etária.

Após a censura realizada pela Corte Suprema do Chile, sob o argumento


de que estaria protegendo a honra de Jesus Cristo e os princípios cristãos,
0 caso chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Não
houve êxito na solução do feito perante a Comissão Interamericana de
1 iireitos Humanos, o que motivou esta última a levar o caso para a Corte
12 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. Sao Paulo: Saraiva, 2015, p. 331. Interamericana de Direitos Humanos.

28 | JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S | 29


No dia 05/02/2001, a Corte Interamericana de Direitos Humanos respon- Inlfr.imciK . m a i i i . i i iv, imente a esse tema foi o julgamento de 5 de fevereiro
sabilizou o Estado do Chile por ter violado o direito à liberdade de pensa- ili •( K ii, iclativi i ,í proilw .10 110 Chile (baseada em uma disposição da Consti-
mento e expressão, previsto no artigo 12 da Convenção Americana de Di- tuição chilena) da veiculação do filme A Última Tentação de Cristo, do cineas-
reitos Humanos. Por outro lado, a Corte IDH concluiu que o Estado chileno
ta Martin Scorsese. Neste julgamento assinalou a Corte que a expressão e
não violou o direito à liberdade religiosa, pois, segundo a Corte de San 4
illlusao do pensamento e de informação são indivisíveis"' .
José, o conteúdo do direito à liberdade religiosa estaria consubstanciado
5
à permissão de que as pessoas professem, conversem e divulguem suas 1 A Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s e a dupla dimensão'
crenças religiosas, e neste âmbito, a proibição da exibição do filme A Últi- do direito à liberdade de expressão
ma Tentação de Cristo em nada afetou a referida liberdade fundamental.
«Jtitro ponto a ser destacado no caso Olmedo Bustos vs. Chile foi a consagra-
Por fim, o tribunal interamericano responsabilizou o Chile por violar o 1 1 da dupla dimensão do direito à liberdade de e x p r e s s ã o . Segundo a Cor-
o
art. 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que consiste em te Interamericana de Direitos Humanos, o direito à liberdade de expressão
um dever dos Estados membros do Pacto de San José da Costa Rica em 11,10 abrangeria apenas o direito e a liberdade de se expressar (dimensão
suprimir normas e práticas que violem suas disposições. Assim, a Corte individual), mas, também, a liberdade de buscar e disseminar informações
Interamericana de Direitos Humanos enfatizou a importância de o Esta- (dimensão social). Nesse sentido, é a lição de Mazzuoli: "Tais direitos con-
do chileno reformar sua Constituição para eliminar a censura cinemato- tam com uma dimensão individual (art. 73.7, primeira parte) e uma dimensão
gráfica, além de requerer que o mesmo Estado pagasse uma quantia de uh tal (art. 73.7 infine), as quais devem ser garantidas simultaneamente peio
US$ 4.290 (quatro mil, duzentos e noventa dólares), a título de despesas t -.lado. Nesse sentido, a Corte interamericana, no caso A Última Tentação de
decorrentes dos atos processuais das vítimas e de seus representantes. 1 mio, declarou firmemente que o conteúdo do direito à liberdade de pen-
samento e de expressão abrange não só o direito e a liberdade de expressar
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O • eu próprio pensamento, senão também o direito e a liberdade de buscar e
1 lijundir informações e ideias de toda índole, motivo pelo qual tais liberdades
1. Caso emblemático envolvendo o direito à liberdade de expressão e 16
tem uma dimensão individual e uma dimensão social" .
a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
Embora Olmedo Bustos e Outros vs. Chile não tenha sido o primeiro caso em j . O direito interno é mero fato perante a Corte Interamericana de D i -
que a Corte Interamericana de Direitos Humanos apreciou o direito à liber- reitos H u m a n o s , ainda que se trate de norma oriunda do poder cons-
dade de expressão^, muitos consideram o caso em comento como um divi- tituinte originário' 7

sor deáguas najurisprudência da Corte de San José, noquetangeà liberdade


i) í aso em comento também chama a atenção em razão de o Estado chile-
fundamental em exame. Isso porque o filme A Última Tentação de Cristo es-
no ter sido responsabilizado pela Corte Interamericana de Direitos Huma-
tava sendo exibido na grande maioria dos países vizinhos do Chile (inclusive
no Brasil),o que acabou dando ensejo a uma grande repercussão da mídia la-
tino-americana. Sabe-se que, embora a OEA tenha nascido em um verdadei-
ro "ninho de ditaduras", suas diretrizes atuais não mais se alinham àquelas Uj MAZZUOLI, Valério de Oliveira e C O M E S , Luiz Flávio. Comentários à Convenção Ameri-
circunstâncias históricas e políticas, já que os regimes antld.ocráticosforam cana de Direitos Humanos. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.177.
superados (em quase todos os países latino-americanos) e o direito à liber- | | A dupla d i m e n s ã o do direito à liberdade de expressão t a m b é m foi reconhecida pelo
Tribunal Constitucional Federal alemão no célebre caso Erich tüth. Além de consagrar
dade de expressão se sedimentou como um dos pilares para o atual estágio
.) dupla dimensão do direito à liberdade de expressão, o Caso Lüth é conhecido como o
da democracia que vigora na grande maioria dos países da América Latina. leading case no reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Para
Vejamos a lição de Mazzuoli sobre o ponto: "O grande leading case da Corte maior aprofundamento sobre o c a s o Erich Lüth: DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonar-
do. Teoria Cerai dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
id MAZZUOLI, Valério de Oliveira e GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção Ameri-
cana de Direitos Humanos. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p., 176.
13 A primeira vez q u e a Corte I D H apreciou u m feito e n v o l v e n d o o direito ã liberdade
17 Esse também foi o entendimento da Corte Permanente de Justiça (antecessora da Corte
de expressão foi no Caso Blake vs. Guatemala (1998). Internacional de Justiça) no Caso Polônia vs. Alemanha (Caso da Fábrica de Chrozow), 1928.

30 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
C A S O S I U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 31
nos, mesmo agindo com fulcro em uma norma constitucional edilada pelo 1 ()|iiiii.io( onsultiva 11" s d a ( oite Interamericana de Direitos Humanos
poder constituinte originário do Estado do Chile. Isso porque, para o direito d sii.i convergência com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
internacional, não há importância se a norma é constitucional, infracons-
A i i i i l . i n o amhito do diieito a liberdade de expressão, é imprescindível
titucional ou até mesmo um ato administrativo, pois, para o ius gentium, 1
ri minarmos que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao se
o direito interno é visto como mero fato. Assim, nem mesmo as normas
. l i ' i ' . u a i < c m uma consulta formulada pela Costa Rica, proferiu opinião
constitucionais oriundas do poder constituinte originário sen/em como
> i in . i i l l i v a no sentido de que não seria compatível com a Convenção
excludente de responsabilidade internacional por violação de direitos hu-
A i i i r i í i ana de Direitos Humanos uma lei que impedisse o exercício do
manos. Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Logo, para o
tllrrlto a liberdade de expressão para quem não tivesse formação uni-
Direito Internacional, os atos normativos internos (leis, atos administrativos
v c i s i l a i i a . Segundo a Corte IDH, tal restrição seria desarrazoada e in-
e mesmo decisões judiciais) são expressões da vontade de um Estado, que de-
pativel com o direito à liberdade de expressão e com o direito à in-
vem ser compatíveis com seus engajamentos internacionais anteriores, sob :
I. ,H,. io,ambos consagrados no Pacto de San José da Costa Rica. Nessa
pena de ser o Estado responsabilizado internacionalmente. (...) Assim, mesmo
lOilda 6 fazendo menção a Opinião Consultiva n° 5 da Corte Interameri-
a norma constitucional de um Estado é vista não como 'norma suprema',
1 .ma de Direitos Humanos, o Supremo Tribunal Federal, apreciando re-
mas como merofato, que, caso venha a violara norma jurídica internacional,
1 urso extraordinário numa ação civil pública manejada pelo Ministério
acarretará a responsabilização internacional do Estado infrator"®.
Publico Federal, considerou inconstitucional o Decreto-Lei 972/69 que
Em razão disso, o caso chamou a atenção da comunidade internacional gia o diploma de jornalismo para o exercício da profissão de jorna-
como um todo, já que, conforme já dito, a Corte Interamericana de Direitos IKta, caracterizando uma evidente convergência entre a interpretação
Humanos responsabilizou o Estado do Chile pelo ocorrido, inclusive orde- domestica e a interpretação internacionabi. É oportuno lembrar que
19
nando que fossem realizadas reformas na Constituição chilena . Ainda so- parte da doutrina chama esse fenômeno de invocação de precedentes
breesté ponto, as considerações de André de Carvalho Ramos: "Tratou-se de Internacionais como argumentação pelo Supremo Tribunal Federal de
censura à exibição do filme 'A Última Tentação de Cristo'no Chile.fundada no pune ípio do cosmopolitismo ético".
art. 79, inciso 12 de sua Constituição, confirmada peio Poder Judiciário Local.
A Corte IDH determinou que, mesmo diante de norma constitucional, deve o «,. O que são direitos comunicativos?
Estado cumprir a Convenção Americana de Direitos Humanos, devendo, en- 1 Is direitos humanos comunicativos são direitos linguísticos, que con-
tão, alterar sua própria Constituição. A Corte decidiu que a censura prévia ao llstern basicamente em compartilhar aprendizados e experiências de
filme em questão violou os direitos à liberdade de expressão e liberdade de v i d a ; nesta compreensão, o indivíduo é ao mesmo tempo um profes-
consciência, consagrados nos artigos 12 e 73 da Convenção, em detrimento da sor e um aprendiz, dado que a troca de informações é uma via de duas
sociedade chilena. O Chile, após, alterou a sua Constituição" . 20
mãos, O chamado right to communicate {"r2c", como se abreviou a ex-
piessão em inglês) possui duas facetas correlacionadas: a) o direito do
É importantíssimo ressaltar, conforme acima mencionado, que a decisão da
(nmunicante; e b) o do recipiente. Desse modo, estão compreendidos
Corte Interamericana de Direitos Humanos surtiu efeitos, uma vez que, pos-
110 conceito de direitos comunicativos tanto a liberdade de expressar
teriormente à condenação no caso Olmedo Bustos vs. Chile, o Estado chileno
opiniões, pontos de vista religiosos e conceitos em ciência e arte quanto
alterou a redaçãododispositivoconstitucional que permitia a censura prévia.
os direitos de quem sofre o impacto dessa expressão. Convém relembrar
Atualmente, a Constituição chilena veda expressamente a censura prévia.
que esses direitos possuem um caráter bi-vetorial, fato que concebe um

18 RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos


Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 132-133. /\ RE 511961, Rei. Min. G i l m a r M e n d e s , T r i b u n a l P l e n o . j u l g a d o e m 17/06/2009.
19 A primeira vez q u e a Corte interamericana de Direitos H u m a n o s d e t e r m i n o u a m o - a Para maior a p r o f u n d a m e n t o sobre o principio d o c o s m o p o l i t i s m o ético: S A R M E N -
dificação de u m ato legislativo interno foi no caso Suarez Rosero vs. Equador (1997). TO, Daniel; NETO, Cláudio Pereira de S o u z a . Direito Constitucional: Teoria, Histórica e
20 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 331. Métodos de Trabalho. 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014.

32 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA IURISDIÇÀO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S ¡ 33


" As leis de desacato são incompatíveis com o artículo 13 da Convenção.
papel humanista a estes direitos, pois, além de sedimentarem a demo-
cracia em determinado governo, eles contribuem para uma maior propa- (...)
gação e discussão de ideias no espaço público. Este aspecto, por sua vez,
5. A afirmação que intitula esta seção é de longa data: tal como a Rela-
confere maior densidade ao princípio da igualdade, protegendo grupos loria expressou em informes anteriores, a Comissão Interamericana de
de minorias de eventual asfixia pelo grupo majoritário e concretizando Direitos Humanos (CIDH) efetuou uma análise da compatibilidade das
o direito à diferença. Atualmente, o expoente sobre o assunto é Jürgen leis de desacato com a Convenção Americana sobre Direitos Huma-
Habermas, defensor de uma democracia deliberativa, na qual se privilegie nos em um relatório realizado em 1995. A CIDH concluiu que tais leis
a discussão de debates de ideias em um espaço público. Ainda sobre o não são compatíveis com a Convenção porque se prestavam ao abuso
ponto em comento, Habermas criou a teoria do agir comunicativo, a qual, de um meio para silenciar ideias e opiniões impopulares, reprimindo,
infelizmente, não será objeto de discussão neste momento por transbor- desse modo, o debate que é crítico para o efetivo funcionamento das
2
dar os propósitos dessa obra *. instituições democráticas.A CIDH declarou, igualmente, que as leis de
desacato proporcionam um maior nível de proteção aos funcionários
6. Inconvencionalidade da tipificação do delito de desacato públicos do que aos cidadãos privados, em direta contravenção com
Como é do conhecimento de todos, o Código Penal brasileiro prevê em o princípio fundamental de um sistema democrático, que sujeita o
seu artigo 331 o delito de desacato . Embora, em um primeiro momento, 24 governo a controle popular para impedir e controlar o abuso de seus
a tipificação deste delito pelo legislador brasileiro pareça algo normal, é poderes coercitivos. Em consequência, os cidadãos têm o direito de cri-
necessário refletir. O Código Penal brasileiro é bastante antigo e possui ticar e examinar as ações e atitudes dos funcionários públicos no que
se refere à função pública. Ademais, as leis desacato dissuadem as crí-
tipos penais pensados pelo poder legiferante à luz da realidade da época,
ticas, pelo temor das pessoas às ações judiciais ou sanções fiduciárias.
que, se analisados seja pelo viés do atual Estado Democrático de Direito
Existem outros meios menos restritivos, além das leis de desacato, me-
instituído pela CF/1988, seja pelo atual estágio da proteção internacional
diante os quais o governo pode defender sua reputação frente a ata-
dos direitos humanos, não se coadunam com a ordem jurídica contempo-
ques infundados a república, como através dos meios de comunicação
rânea. Entre esses "delitos perdidos no tempo" está o desacato. Se anali-
ou impetrando ações cíveis por difamação ou injúria. Por todas estas
sarmos um histórico do artigo 331 do Código Penal, é fácil constatar que o
razões a CIDH concluiu que as leis de desacato são incompatíveis com
maior número de prisões pelo delito de desacato ocorreu durante o perío- 55
a Convenção, e instou os Estados que as derrogassem" (grifo nosso).
do da ditadura militar brasileira. Ocorre que a ditadura militar brasileira
lançou mão da censura para filtrar as informações e opiniões que seriam Assim, segundo o entendimento da Comissão Interamericana de Direi-
disseminadas pela imprensa; ademais, realizava prisões para averigua- l o s Humanos, a plena vigência do art. 331 do Código Penal brasileiro viola
ções (que, muitas vezes, resultavam em desaparecimentos forçados) da- ,1 ( onvenção Americana de Direitos Humanos, bem como a Declaração
queles que exerciam sua manifestação de pensamento, justamente com de Princípios sobre Liberdade de Expressão. Ora, é evidente que a perma-
fulcro no artigo 331 do Código Penal. nencia do delito de desacato no ordenamento jurídico brasileiro inibe
os indivíduos de expressar suas opiniões e pensamentos às autoridades
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos expediu um informe
publicas, ocasionando um efeito resfríador [chllling effect) no direito à
sobre Leis de Desacato e Difamação, manifestando-se pela inconvencio- 26

nalidade do delito de desacato. Vejamos: liberdade de expressão . O efeito resfríador da liberdade de expressão

¡5 1 .tiidos da C o m i s s ã o Interamericana de Direitos H u m a n o s sobre 0 direito à liber-


23 O t e m a pode ser a p r o f u n d a d o e m : S O U Z A C R U Z , Alvaro Ricardo; G I B S O N , Sérgio Ar-
dade de expressão. Disponível e m : < h t t p : / / w w w . o a s . o r g / e s / c i d h / e x p r e s i o n / s h o -
manelli. Direito Administrativo em enfoque: As contribuições da Teoria Discursiva de
warticle.asp?artlD=533&tllD=4>
Jürgen Habermas. Disponível e m : <http://cdij.pgr.mpf.gov.br/boletins-eletronicos/
alertabibliografico/alerta64/sumarios/membros/INTÊGRAo3.pdf>. jfiPara u m maior a p r o f u n d a m e n t o sobre o efeito resfríador: S A R M E N T O , Daniel. Li-
berdade de Expressão, Pluralismo e o Papel Promocional do Estado, In: Livres e Iguais-.
24 Art. 331 do C ó d i g o Penal: Desacatar funcionário público no exercício da função ou em
I s t u d o s de Direito C o n s t i t u c i o n a l . Rio de Janeiro: L ú m e n Júris, 2006.
razão dela.

C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 35


34 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
consiste em uma autocensura realizada pelos próprios agentes comuni- brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos'". A Defenso-
cativos que, receosos de políticas sancionatórias e seguidas de censura ria Pública do Estado de São Paulo também denunciou o Brasil à Comis-
por parte do Estado, acabam evitando adentrar assuntos polêmicos ou s ã o IDH"'. Dessa forma, espera-se que, em um futuro próximo, o Brasil
deixam de se expressar da forma que gostariam, o que ocasiona um cesse a violação permanente à Comissão Americana de Direitos Huma-
27
"resfriamento" do direito ã liberdade de expressão. Além da previsão nos e expurgue o artigo 331 do Código Penal brasileiro.
do delito de desacato no ordenamento jurídico, é possível formularmos
diversos exemplos fictícios. Segue um deles: suponhamos que a Cons- 6. Jurisprudência internacional correlata
tituição Federal de 1988 não houvesse regulado as imunidades parla- Caso Lehideux and Isorni vs. França, julgado pela Corte Europeia de Direi-
mentares. Será que os parlamentares exerceriam com integralidade o tos Humanos (1998}: Neste precedente, a Corte de Estrasburgo declarou
seu direito à liberdade de expressão durante o exercício de seus man- Inválida, com fulcro no direito à liberdade de expressão, a condenação pe-
datos? É evidente que não! Os próprios parlamentares realizariam uma nal imposta pelo Poder Judiciário da França a cidadãos que haviam feito
autocensura de seus discursos nas casas legislativas, devido ao receio publicamente apologias a atos do Marechal Pétain (membro do governo
de se tornarem alvo de possíveis ações indenízatórias ou até mesmo írances que colaborou com a ocupação nazista no território da França du-
ações penais privadas por crimes contra a honra. Logo, é possível con- i.inte a Segunda Guerra Mundial).
cluir que não é somente a censura expressamente imposta que viola o
Caso Jersild vs. Dinamarca, julgado pela Corte Europeia de Direitos Hu-
direito à liberdade de expressão; determinadas práticas e posturas do
manos (1994): Neste precedente, a Corte de Estrasburgo declarou invá-
Estado {como a manutenção do crime de desacato no atual Código Pe-
lida a condenação imposta pelo Estado dinamarquês a um jornalista
nal brasileiro) também o fazem mediante um efeito resfríador da liber-
por ter realizado uma entrevista ao vivo na televisão com jovens inte-
dade fundamental em comento.
grantes de um grupo racista chamado "camisas verdes", que proferiram
Como se não bastassem todas as críticas já expostas, é de se lamentar a discurso de ódio e acusações racistas contra imigrantes de diversas et-
postura do Supremo Tribunal Federal ao se deparar com uma situação em nias estabelecidas na Dinamarca, caracterizando xenofobia. Nesse caso,
que poderia minimizar os danos da permanência do desacato no Código a Corte EDH entendeu que, embora as manifestações do grupo racista
Penal brasileiro, e se alinhar, ainda que de maneira inicial, com o enten- (onfigurassem discurso de ódio e um abuso de uma liberdade funda-
dimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Trata-se da mental, o jornalista não poderia ser punido por realizar seu trabalho
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.127 em que restou consagrado e divulgá-las, especialmente ao se levar em conta que o jornalista não
o entendimento pela inconstitucionalidade de parte do parágrafo 2° do endossara aquelas atitudes. A punição a jornalistas nesta situação po-
o
artigo 7 do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) que consagrava a imunidade deria causar uma inibição na imprensa quando fosse necessário tratar
profissional do advogado para o delito de desacato em suas manifesta- de casos polêmicos e de interesse público.
ções, quando proferidas no exercício de sua função (ainda que fora de
Caso Roger Caraady vs. França, julgado pela Corte Europeia de Direitos
juízo). Assim, o STF declarou a inconstitucionalidade da expressão "desa-
Humanos (2003): Neste precedente, a Corte de Estrasburgo se deparou
cato", prevista no artigo em comento; permaneceu em vigor a imunidade
com a condenação de um escritor francês que havia publicado uma obra
para os delitos de injúria e difamação.

Diante da ínconvencionalidade constatada pela Comissão Interameri-


cana de Direitos Humanos, bem como em razão da postura do Estado
brasileiro em continuar a praticar a persecução criminal em decorrência 28 DPU denuncia o Estado brasileiro à Comissão interamericana de Direitos Humanos.
Disponível e m : < h t t p : / / w w w . d p u . g o v . b r / i n d e x . p h p ? o p t i o n = c o m _ c o n t e n t & v i e w =
do delito de desacato, a Defensoria Pública da União denunciou o Estado
article&iid=i0997&C3tid=2i5&ltemid=458>.
29 Defensoria Pública de SP aciona Comissão interamericana de Direitos Humanos
contra condenação criminal por desacato. D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / w w w . d e f e n s o -
27 O efeito resfríador da liberdade de expressão t a m b é m é c h a m a d o de "efeito inibi- ría.sp.gov.br/dpesp/Conteudos/Noticias/NoticiaMostra.aspx?idltem=432i8&i-
dor" ou "efeito silenciador". dPagína=3o86>.

36 j J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 37


consiste em uma autocensura realizada pelos próprios agentes comunl brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos . A Defenso- 18

cativos que, receosos de políticas sancionatórias e seguidas de censura 11.1 Publica do Estado de São Paulo também denunciou o Brasil à Comis-
por parte do Estado, acabam evitando adentrar assuntos polêmicos ou | l o IDIT". Dessa forma, espera-se que, em um futuro próximo, o Brasil
deixam de se expressar da forma que gostariam, o que ocasiona um 1 e s s e a violação permanente à Comissão Americana de Direitos Huma-
27
"resfriamento" do direito à liberdade de expressão. Além da previsão n a , e expurgue o artigo 331 do Código Penal brasileiro.
do delito de desacato no ordenamento jurídico, é possível formularmos
diversos exemplos fictícios. Segue um deles: suponhamos que a Cons- 6. jurisprudência internacional correlata
tituição Federal de 1988 não houvesse regulado as imunidades parla- ( a s o Lehideux and Isorni vs. França, julgado pela Corte Europeia de Direi-
mentares. Será que os parlamentares exerceriam com integralidade o l u s Humanos {1998): Neste precedente, a Corte de Estrasburgo declarou
seu direito à liberdade de expressão durante o exercício de seus man- Invalida,com fulcro no direito à liberdade de expressão, a condenação pe-
datos? É evidente que não! Os próprios parlamentares realizariam uma nal imposta pelo Poder Judiciário da França a cidadãos que haviam feito
autocensura de seus discursos nas casas legislativas, devido ao receio publicamente apologias a atos do Marechal Pétain (membro do governo
de se tornarem alvo de possíveis ações indenizatórias ou até mesmo l i a i u es que colaborou com a ocupação nazista no território da França du-
ações penais privadas por crimes contra a honra. Logo, é possível con- i.inte a Segunda Guerra Mundial).
cluir que não é somente a censura expressamente imposta que viola o
< aso Jersild vs. Dinamarca, julgado pela Corte Europeia de Direitos Hu-
direito à liberdade de expressão; determinadas práticas e posturas do
manos (1994): Neste precedente, a Corte de Estrasburgo declarou invá-
Estado (como a manutenção do crime de desacato no atual Código Pe-
lida a condenação imposta pelo Estado dinamarquês a um jornalista
nal brasileiro) também o fazem mediante um efeito resfríador da liber-
poi ter realizado uma entrevista ao vivo na televisão com jovens inte-
dade fundamental em comento.
grantes de um grupo racista chamado "camisas verdes", que proferiram
Como se não bastassem todas as críticas já expostas, é de se lamentar a discurso de ódio e acusações racistas contra imigrantes de diversas et-
postura do SupremoTribunal Federal ao se deparar com uma situação em n i a s estabelecidas na Dinamarca, caracterizando xenofobia. Nesse caso,
que poderia minimizar os danos da permanência do desacato no Código ti Corte EDH entendeu que, embora as manifestações do grupo racista
Penal brasileiro, e se alinhar, ainda que de maneira inicial, com o enten- I .uihgurassem discurso de ódio e um abuso de uma liberdade funda-
dimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Trata-se da mental, o jornalista não poderia ser punido por realizar seu trabalho
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.127 em que restou consagrado e divulgá-las, especialmente ao se levar em conta que o jornalista não
o entendimento pela inconstitucionalidade de parte do parágrafo 2 do 0
endossara aquelas atitudes. A punição a jornalistas nesta situação po-
o
artigo 7 do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) que consagrava a imunidade dei ia causar uma inibição na imprensa quando fosse necessário tratar
profissional do advogado para o delito de desacato em suas manifesta- de casos polêmicos e de interesse público.
ções, quando proferidas no exercício de sua função (ainda que fora de
Caso Roger Caraudy vs. França, julgado pela Corte Europeia de Direitos
juízo). Assim, o STF declarou a inconstitucionalidade da expressão "desa-
Humanos (2003): Neste precedente, a Corte de Estrasburgo se deparou
cato", prevista no artigo em comento; permaneceu em vigor a imunidade
com a condenação de um escritor francês que havia publicado uma obra
para os delitos de injúria e difamação.

Diante da inconvencionalidade constatada pela Comissão Interameri-


cana de Direitos Humanos, bem como em razão da postura do Estado
brasileiro em continuar a praticar a persecução criminal em decorrência DPU denuncia o Estado brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Disponível e m : < h t t p : / / w w w . d p u . g o v . b r / ! n d e x . p h p ? o p t i o n = c o r n _ c o n t e n t & v i e w =
do delito de desacato, a Defensoria Pública da União denunciou o Estado
article&íd=i0997&catid=2i5&ltemid=458>.
«Kj Defensoria Pública de SP aciona Comissão Interamericana de Direitos Humanos
contra condenação criminal por desacato. D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / w w w . d e f e n s o -
27 O efeito resfríador d a liberdade de e x p r e s s ã o t a m b é m é c h a m a d o de "efeito inibi- ria.sp.gov.br/dpesp/Conteudos/Noticias/NoticiaMostra.aspx?idltem=432i88<i-
dor" ou "efeito silenciador". dPagina=3o86>.

36 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 37


negando <i perseguição do povo judeu e os acontecimentos envolvendo
• iImi . m | M i m e i i l o d e q u e l.il m a n i l e s l a i a o e s l a lia a h a i i ada p e l . i li herda
o Holocausto. A Corte Europeia de Direitos Humanos manteve a conde-
d e 1 le expressão e pela liberdade de reunião.
nação sob o fundamento de que a negação de tais fatos constitui uma
grave forma de difamação racial contra os judeus, além de fomentar o N i<> recepção in totum da Lei de Imprensa pela nova ordem constitucio-
ódio, o que, por conseguinte, configura abuso no exercício da liberdade de 11.il brasileira: No julgamento da ADPF 130, o Supremo Tribunal Federal
expressão (art. 17 da Convenção Europeia). ilfi I.11011 q u e a Lei 5.250/67 (antiga Lei de Imprensa), não foi recepcionada
pel.i ( o n s l iliiição Federal de 1988. Isso porque a lei, elaborada durante a
7. Jurisprudência nacional correlata
dil, 111111,1 militar, era dotada de um alto viés antld.ocrático.
50
Caso Ellwanger : Para muitos, trata-se do precedente mais importante
( n o Gerald Thomas: Neste precedente, o diretor de peças teatrais Gerald
do Supremo Tribunal Federal em matéria de liberdade de expressão. O
I In unas foi vaiado e ofendido ao final de um dos espetáculos que dirigiu.
caso Ellwonger analisou os limites do direito à liberdade de expressão e
I i n 1 cação àquela manifestação, o diretor exibiu suas nádegas ao público.
a caracterização de hate speech (discurso de ódio). Trata-se de um hard
I m virtude do ocorrido, Gerald Thomas foi alvo de uma ação penal, com
case envolvendo publicações antissemitas. Nesse caso, o STF vedou a prá-
tica do hate speech, pois a mesma violaria o princípio da dignidade da I11I110 no artigo 233 do Código Penal (crime de ato obsceno). O caso che-
pessoa humana e o princípio da igualdade, além de caracterizar crime de gou até o SupremoTribunal Federal pela via do habeas corpus e a ordem
racismo. Logo, é possível concluir que, como todo direito fundamental, o II abou sendo concedida após o STF cristalizar seu entendimento no sen-
direito à liberdade de expressão também tem limites; não é abarcado por 1 n In de que, em razão das circunstâncias em que os fatos ocorreram (em
esta liberdade fundamental o uso de fighting 3
words '. lima apresentação teatral que tinha no próprio roteiro uma simulação
d e ato sexual, bem como após uma manifestação negativa do público
ADI do Humor: Em função do recente atentado terrorista contra o jornal i'. duas horas da manhã), o ato realizado pelo Sr. Gerald Thomas estaria
francês Charlie Hebdo, praticado por conta de sátiras realizadas pelo edito- abarcado pelo direito à liberdade de expressão.
rial do jornal, é importante trazer à baila o entendimento cristalizado pelo
SupremoTribunal Federal na ADI 4451, popularmente conhecida como "ADI K. Diálogo das Cortes entre o Supremo Tribunal Federal no e m b l e m á -
do Humor", que retratou situação semelhante. Neste julgado, dlscutia-se a tico julgamento da ADI das biografias não autorizadas e o caso Olme-
constitucionalidade do artigo 45, incisos I e II da Lei 9.504/97, que classifi- do Bustos vs. Chile
cava como conduta vedada às emissoras de televisão e rádio, a partir de i °
de julho do ano eleitoral, a utilização detrucagem, montagem ou qualquer N o dia 9 de junho de 2015, o Supremo Tribunal Federal julgou proce-
outro recurso de áudio e video que, de qualquer forma, degradasse ou ridi- dente a ADI 4815, que declara inexigível a autorização prévia para a
cularizasse determinado candidato, partido político ou coligação. O STF, em publicação de biografias. A decisão conferiu interpretação conforme a
sede de medida cautelar em ADI, refutou tal proibição à luz do direito à li- ( (instituição Federal de 88 aos artigos 2 0 e 21 do Código Civil brasileiro,
berdade de expressão, bem cômoda proibição à censura que vigora no país. em consonância com os direitos fundamentais comunicativos previstos
na Carta Magna de 88. Deixadas de lado as polêmicas acerca do erro
Marcha da Maconha: Outro precedente, este muito polêmico em razão da m i acerto do plenário do STF sobre o tema, é interessante fazermos re-
matéria tratada, foi o julgamento da ADI 4274, popularmente conhecida leièncía a trecho do voto da Relatora, Min. Cármen Lúcia, no qual foi
como "ADI da Marcha da Maconha". Nesse julgado, o STF acabou chance- Feita a menção e até um pequeno Resumo do Caso A Última Tentação
lando a prática da manifestação conhecida como "Marcha da Maconha"
de Cristo para demonstrar o modo como a OEA realiza a interpretação
dos princípios contidos na Declaração de Princípios sobre a Liberdade de
I xpressão, elaborada pela Comissão Interamericana de Direitos Huma-
30 HC 82424, Rei. M i n . Moreira Alves, relator p/ A c ó r d ã o m i n . Maurício Corrêa,Tribunal nos: "Exemplo de interpretação e aplicação daqueles princípios teve-se no
Pleno, j u l g a d o e m 17/09/2003, DJ19/03/2004
lidgamento do caso Olmedo Bustos e outros versus Chile (2001). O caso
31 Esta expressão t a m b é m pode aparecer e m provas c o m o sinônimo do discurso de ódio. refere-se à proibição de exibição do filme A Última Tentação de Cristo com

38 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 39
base no art. 79, inc. 12 da Constituição chilena, que permitia, então, cen- (PGR — 2 8 CONCURSO DE PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAP-
O

sura prévia. O texto foi, posteriormente, alterado. (...) O caso foi levado ao TADA) Assinale a alternativa correta.
sistema interamericana de direitos humanos, sendo submetido à Comis- • N.i opinião consultiva n° 5/1985, a Corte Interamericana de Direitos
são Interamericana de Direitos Humanos, que decidiu, em iggg, submeter I Itimanos manifestou-se contrária a obrigatoriedade do diploma uni-
a lide à Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Corte julgou ter 1 itário e da inscrição em ordem profissional para o exercício da pro-
o Estado chileno violado o art. 73 da Convenção Americana. Nos funda- H V . , 1 0 de jornalista.
mentos de sua decisão, o tribuna! considerou comprovada a ocorrência de
censura prévia a proibira exibição do flme, violando o direito à Uberdade GAIIARITO: Correto.
de expressão e o direito à informação dos cidadãos chilenos que peticio-
32 (PGR — 2 6 CONCURSO DE PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2012 — ADAP-
O

naram no sistema interamericano"


IADA) Entende-se por "direitos comunicativos":
9 . Curiosidade dl a liberdade de opinião, do ponto de vista do uso dos meios de comu-
A OEA possui uma relatoria especial temática sobre liberdade de expres- nicação:
são. Segundo esta relatoria, as normas com restrições vagas e genéricas
h| ,1 liberdade religiosa, como direito de comunicar a fé:
ao direito de liberdade de expressão e às liberdades comunicativas não
são compatíveis com o sistema interamericano de direitos humanos, pois 11 ,i liberdade de imprensa,como direito de divulgarfatos e opiniões ao
33
acabam por causar restrições indevidas a essa liberdade fundamental . público;

• l| a liberdade de expressar opiniões, pontos de vista religiosos e concei-


I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S tos em ciência e arte, assim como os direitos de quem sofre o impac-
to dessa expressão.
(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — ADAPTADA) Em relação às opi-
niões consultivas da Corte Interamericana de Direitos Humanos, conside- GAIIARITO: D. O ponto foi abordado n o tópico "Pontos importantes para o caso".
re as seguintes afirmações:
(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — 2 FASE — PROVA DISCURSIVA) A

• Em decisão recente, o SupremoTribunal Federal considerou inconsti-


Discorra sobre o diálogo entre a Corte Interamericana de Direitos Huma-
tucional a exigência de diploma de jornalismo para o exercício da pro-
nos e o SupremoTribunal Federal no controle de convencionalidade do
fissão de jornalista em homenagem à liberdade de expressão e infor-
Sistema Interamericano de Direitos Humanos, analise criticamente e cite
mação, seguindo-se a orientação da opinião consultiva no 05 da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sobre a interpretação dos artigos três casos jurisprudenciais pertinentes ao assunto.
13 e 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos. GABARITO ADOTADO PELA BANCA: O parâmetro dos três exemplos deve corres-
ponder ao diálogo ou não de decisões do STF com jurisprudências da Cor-
GABARITO:Correto. O ponto foi abordado no tópico "Pontos importantes
te IDH. Nos casos convergentes, o STF, em suas decisões, cita precedentes
para o caso".
da Corte IDH como a Opinião Consultiva n° 5 e o RE 511961.

32 S u p r e m o T r i b u n a l Federal, A D I 4815,Voto da Relatora M i n . C á r m e n L ú c i a , T r i b u n a l


P l e n o . j u l g a d o e m 09/06/2015 (acórdão a i n d a não publicado).
33 É t a m b é m o e n t e n d i m e n t o da Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s , confor-
m e C a s o Kimel vs. Argentina, \u\gado e m 2 de maio de 2008. Este e n t e n d i m e n t o
possui escopo na c h a m a d a voidfor vagueness doctrine, teoria o r i u n d a do direito
norte a m e r i c a n o , incipiente no c o m b a t e às restrições i n d e t e r m i n a d a s e v a g a s aos
direitos f u n d a m e n t a i s .

4O I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 41


0 caso chegou até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, onde
li,imitou até o dia 28 de maio de 1998. Como não houve eficácia na réso-
Caso Comunidade M a y a g n a (Sumo) A w a s lu, iodo entrave, a Comissão IDH levou o caso à Corte Interamericana de
Tingni vs. Nicarágua Direitos Humanos. Diversas instituições que militam na área dos direitos
humanos, se habilitaram como amicus curiae na demanda.
No dia 31 de agosto de 2001, a Corte Interamericana de Direitos Humanos,
ÓRGÃO JULGADOR:
por sete votos contra um, reconheceu a responsabilidade da Nicarágua
.10 violar o direito à proteção judicial (art. 25 da CADH), bem como o direi-
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s lo j propriedade (art. 21 da CADH) dos membros da Comunidade Indígena
Mayagna (Sumo) Awas Tingni.
SENTENÇA:
Primeiramente, a Corte de San José decidiu de maneira unânime a ne-
31 de agosto de 2001 í essidade de o Estado da Nicarágua implementar medidas legislativas e
administrativas eficazes no processo de delimitação, demarcação e titu-
lação das terras indígenas. Nessa mesma linha, a Corte Interamericana
de Direitos Humanos ordenou que fossem realizadas todas as medidas
RESUMO DO CASO necessárias para que as terras pertencentes aos membros da comunida-
d e indígena AwasTingni fossem demarcadas, não podendo ocorrer qual-
No dia 28 de junho de 1995, o Estado da Nicarágua emitiu uma disposi- quer intervenção prevista pelo regime de concessão — seja tal Interven-
ção administrativa reconhecendo um convênio firmado entre a empresa 1
a o feita por agente estatal, seja por particulares—-até que o processo de
Companhia Sol dei Caribe S.A (SOLCARSA) e o Governo Regional, para que demarcação de terras seja finalizado. Reconheceu-se, assim, a proprieda-
fosse permitida a atividade de exploração de madeira em terras que su- d e comunal das terras da comunidade indígena.
postamente pertenceriam à comunidade indígena da Costa Atlântica da
Por fim, o tribunal interamericano condenou o Estado da Nicarágua a rea-
Nicarágua, popularmente conhecida como Mayagna (Sumo) AwasTingni.
lizar investimentos em obras ou serviços de interesse coletivo que pudes-
Após o reconhecimento do convênio pela Nicarágua, a comunidade Awas
sem levar benefícios para os Awas Tingni como forma de reparação pelo
Tingni enviou uma carta para o Ministério do Meio Ambiente e Recursos
dano imaterial causado aos membros da populaçãotradicional envolvida.
Naturais do país demonstrando sua inconformidade com a outorga de
uma concessão em suas terras, sob o argumento de que os membros de
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
sua comunidade sequer foram consultados previamente sobre o tema.

A reclamação enviada para o governo nicaraguense não surtiu efeito, 1. Primeiro caso j u l g a d o pela Corte Interamericana de Direitos H u m a -
restando apenas a via do Poder Judiciário para que os Interesses dos nos envolvendo a relação entre as comunidades tradicionais e a pro-
membros da comunidade Awas Tingni fossem tutelados. Todas as me- priedade de suas t e r r a s 34

didas judiciais propostas pela comunidade indígena foram consideradas


O julgamento do caso Awas Tingni versus Nicarágua é paradigmático
intempestivas pelos magistrados do Estado da Nicarágua. Diante des-
por ser o caso pioneiro envolvendo a temática do direito de propriedade
se contexto, no dia 13 de março de 1996, foi outorgada uma concessão
por trinta anos à SOLCARSA, habilitando a empresa para que explorasse
6.200 (seis mil e duzentos) hectares de selva tropical na região da Costa 34 É ainda o s e g u n d o caso envolvendo a t e m á t i c a d a s c o m u n i d a d e s tradicionais na
Atlântica da Nicarágua. No dia 7 de novembro de 1997, uma nova medida Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s . O primeiro c a s o sobre o t e m a na j u r i s -
judicial foi proposta pela comunidade dos Awas Tingni para a Junta Dire- dição contenciosa d o tribunal interamericano foi o C a s o Aloeboetoe vs. Suriname.
Para maiores esclarecimentos, ver Caso Aloeboetoe e outros vs. Suriname. Repara-
tiva do Estado da Nicarágua. Novamente, a medida não surtiu efeito.
ções e Custas. S e n t e n ç a de 10 de s e t e m b r o de 1993. Série C, n. 15.

42 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 43
de terras por comunidades tradicionais no âmbito da Corte I n i V i . m i e têm sentida autônomo, de modo que não podem ser equiparados ao sen-
35
ricana de Direitos Humanos , Atualmente, passada mais de uma dé- 1 ti h> que lhes é atribuido no direito interno. Ademais, estes tratados de di-
cada do julgamento do feito pela Corte de San José, a temática é uma reitos humanos são instrumentos vivos cuja interpretação tem que se ade-
das mais recorrentes na jurisprudência do tribunal, que, a partir do caso quar à evolução dos tempos e, em particular, às condições de vida atuais"
Awas Tingni, vem reconhecendo cada vez mais direitos das comunida- ('i 146). Ao adotar este entendimento, o tribunal interamericano rechaçou
des tradicionais, como a proteção dos usos e costumes, as formas de ,1 hipótese de os Estados conferirem uma interpretação nacionalista dos
manifestação cultural em suas peculiaridades, o direito à consulta pré- 11,il.idos internacionais de direitos humanos,sob pena de se criar uma in-
via às comunidades tradicionais envolvidas em determinado fato que terpretação do Pacto de San José da Costa Rica para cada Estado-parte . 38

lhes possa causar um gravame, entre outros. Afinal, caso se admitisse que cada Estado estipulasse, sob a sua peculiar
ótica, o conteúdo dos tratados internacionais de direitos humanos, ha-
2, Ampliação do conceito de propriedade previsto no artigo 21 da C o n - vei ia diversas compreensões sobre o conteúdo de cada direito protegido
venção A m e r i c a n a de Direitos H u m a n o s : a Proteção da propriedade pela Convenção Americana de Direitos Humanos, o que ocasionaria um
comunal dos povos indígenas eiilraquecimento da proteção internacional dos direitos humanos, pois a
O ponto chave do caso Awas Tingni vs, Nicarágua é, sem sombra de dúvida, universalidade destes direitos, uma de suas principais características, es-
o reconhecimento da propriedade comunal dos povos indígenas. A Corte laiía comprometida. Além disso, o fenômeno daria ensejo a uma deman-
Interamericana de Direitos Humanos, ao analisar o direito de propriedade da infinita de ações na Corte de San José, j á que cada Estado submetido
previsto no artigo 21 do Pacto de San José da Costa Rica, conferiu interpre- á jurisdição da Corte IDH poderia alegar o cumprimento de determinado
3
tação extensiva * ao dispositivo, reconhecendo que, além do direito de pro- halado internacional sob a sua peculiar ótica.
priedade privada, o texto da Convenção Americana de Direitos Humanos
também abrange a proteção da propriedade comunal dos povos indíge- 4. Diálogo das Cortes entre o Supremo Tribunal Federal (no emblemá-
nas em suas peculiaridades, Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho tico caso Raposa Serra do Sol) e o caso Awas Tingni versus Nicarágua
Ramos: "O caso Comunidad Mayagna Awas Tingni expandiu a extensão da
Interessantíssima hipótese de diálogo das cortes foi realizada pelo Supre-
propriedade conferida pelo artigo 21 da CADH, no sentido de não apenas pro-
mo Tribunal Federal na PET 3388 (caso Raposa Serra do Sol). O Min. Mene-
teger a propriedade privada, mas também a propriedade comunal dos povos
1
zes Direito, percursor da polêmica teoria do fato indígena e das famosas
indígenas, conforme todas as particularidades que este grupo exige"* .
" 1 ondicionantes" que norteiam a controvérsia do caso, fez menção ao
3. Impossibilidade de conferir interpretação nacionalista aos tratados i aso Awas Tingni em seu voto-vista: "Veja-se recente decisão da Corte Inte-
internacionais de Direitos H u m a n o s ramericana de Direitos Humanos no caso Awas Tingni que aplicou sanções
à Nicarágua por entender que houve violação do direito de propriedade dos
Ainda neste julgamento, a Corte Interamericana de Direitos Humanos as-
indígenas sobre suas terras bem como ao seu bem-estar e integridade cul-
sentou que "Os termos de um tratado internacional de direitos humanos
tural, isso revela que a comunidade internacional não medirá esforços para
tentar aplicar aos Estados-Membros suas posições quanto a esses direitos.
Pouco importa que no caso brasileiro a propriedade das terras indígenas
35 Vale lembrar que, s e g u n d o a Constituição Federal de 1988, as c o m u n i d a d e s indíge-
••ejü da União (art. 21, XI, CR/88). E assim é porque, segundo a decisão, o art.
nas d e t ê m apenas a posse de suas terras; a propriedade delas é da União. A s c o m u -
nidades quiiombolas, por sua vez, d e t ê m a propriedade. Para aprofundar o t e m a , ver zi da Convenção Americana de Direitos Humanos (Direito à Propriedade
comentários do caso Comunidades Deslocadas da Bacia do Rio Cacarica vs. Colômbia. Privada, que garante a "toda pessoa o uso e gozo de seus bens"), que pode
36 T a m b é m é possível afirmar q u e a Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s c o n -
feriu interpretação evolutiva ao artigo 21 da C o n v e n ç ã o A m e r i c a n a de Direitos H u -
m a n o s . É a posição de Márcio Melo no artigo Últimos avanços da justiciabilidade
dos direitos indígenas no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Sur. Revista (8 Sobre a i m p o s s i b i l i d a d e de se criar u m a C o n v e n ç ã o A m e r i c a n a de Direitos H u m a -
Internacional de Direitos H u m a n o s . Vol. 3, n. 4. São Paulo: j u n h o de 2006. nos " à brasileira", ver a critica do autor André de Carvalho R a m o s e m Teoria Cerai
37 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.331. dos Direitos Humanos.

44 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA IURISDIÇÀO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 45


- l e g u t i d o o qual somente se reconhecia a personalidade jurídica inter-
S E R subordinado pela lei ao interesse social, deve ser interpretado tomo
11.11 lon.il pifa os Estados e organizações internacionais — , é indubitável
abrangente dos direitos dos índios a suas terras, na forma de sua ocupação
Q I I R . I S ((imunidades indígenas também possuam direitos a serem pos-
tradicional e seu enfoque coletivo"™.
tulados na ordem internacional. Como consagração desta possibilidade,
5. Indagação didática: os povos indígenas podem ser considerados >I n i D O S diplomas normativos que regulam a matéria — por exemplo, a
sujeitos de direito internacional? É possível afirmar sua aptidão para 1 li 1 laração da ONU sobre direitos dos povos indígenas e a Convenção 169
postular perante a o r d e m internacional? d l O I T — , nos deparamos com os inúmeros casos já julgados pela Corte
I N L R I . m i e r i c a n a de Direitos Humanos envolvendo comunidades indíge-
O tema é polêmico e há duas posições a seu respeito.
na. \endo assim, é possível reconhecer as comunidades indígenas como
Corrente nacionalista (STF): Segundo o entendimento do Supremo Tribu- Ujeltos de direitos perante a ordem internacional, ainda que com capa-
nal Federal na PET 3388 (Caso Raposa Serra do Sol), os povos indígenas não 1 Idade ainda mais restrita e limitada que a dos indivíduos . Os autores 44

podem postular diante da ordem internacional. Segundo a Corte Consti- d e s l e livro se filiam à segunda corrente, reconhecendo a personalidade
tucional brasileira, "A Constituição teve o cuidado de não falar em territó- l u t i d i i a das comunidades indígenas para serem sujeitos de direito peran-
rios indígenas, mas, tão-só, em 'terras indígenas'. A traduzir que os 'grupos] te ,1 ordem internacional.
'organizações', 'populações' ou 'comunidades' indígenas não constituem
pessoa federada. Não formam circunscrição ou instância espacial que se d. Jurisprudência nacional correlata
orne de dimensão política. Dai não se reconhecer a qualquer das organiza-
f* 1 Aplicação dos beneficios e privilégios de Fazenda Pública às comu-
ções sociais indígenas, ao conjunto delas, ou à sua base peculiarmente an-
nidades indígenas quando postulam em juízo
tropológica a dimensão de instância transnacional. Pelo que nenhuma das
comunidades indígenas brasileiras detém estatura normativa para compa- 0 Superior Tribunal de Justiça possui precedente interessantíssimo sobre
recer perante a Ordem Jurídica Internacional como 'Nação', 'País', 'Pátria', a possibilidade de estender às comunidades índígenas.quando postulam
'território nacional'ou 'povo'independente" . 40
1 IN j u í z o , os benefícios conferidos à Fazenda Pública, como o prazo em
quádruplo para contestar e o prazo em dobro para recorrer. Vejamos:
41
Corrente internacionalista : Recentemente, a concepção estática do di-
reito internacional vem sendo abandonada em prol do reconhecimento COMUNIDADES INDÍGENAS POSSUEM OS BENEFÍCIOS DE FAZENDA
pela maioria da doutrina (e, também, pelos tribunais internacionais) da PÚBLICA. ESTATUTO DO ÍNDIO. PRAZO EM DOBRO PARA RECORRER.
personalidade jurídica internacional da pessoa humana. Em alinho com BENEFÍCIO FAZENDÁRIO. REMOÇÃO DE COMUNIDADE INDÍGENA. IN-
esta mudança de paradigma, é oportuno relembrar que o indivíduo pos- DENIZAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. I — Constatado
sui jus standi em cortes internacíonais ,é submetido a julgamento peran- 4?
que o Estatuto do índio — Lei n° 6.001/73, estende aos interesses do
43
te Tribunais Penais Internacionais e possuí direitos a serem postulados patrimônio indígena os privilégios da Fazenda Pública, dentre eles
perante a ordem internacional. Logo, com a quebra do antigo paradigma a concessão de prazo em dobro para recorrer — artigo 188, do CPC,
é de se considerar tempestivo o agravo regimental interposto pela
Comunidade Indígena Gavião da Montanha contra a decisão que ne-
gou seguimento ao recurso especial por ela interposto. II — Ainda
39 S u p r e m o T r i b u n a l Federal, Pet 3388, V o t o do M i n . Menezes Direito,Tribunal Pleno, que a legislação preveja, em casos de remoção de comunidade indí-
j u l g a d o e m 19/03/2009.
gena, o ressarcimento dos prejuízos, o aresto recorrido, para negar tal
4oSupremo T r i b u n a l Federal, Pet 3388, Relator(a): M i n . Carlos Ayres Brítto, Tribunal
pedido, entendeu que não houve comprovação do alegado prejuízo
Pleno,julgado e m 19/03/2009.
41 É a posição da banca e x a m i n a d o r a do Ministério Público Federal.
42 o S i s t e m a Europeu de Direitos H u m a n o s , por e x e m p l o , a d m i t e - s e o acesso direto do
Indivíduo à Corte Europeia de Direitos H u m a n o s .
,|4 rima das críticas que se faz a esta corrente é a ausência do chamado treaty making power
43 0 T r i b u n a l Penal Internacional j u l g a a p e n a s indivíduos. N ã o se a d m i t e o j u l g a m e n -
d,is comunidades indígenas, ou seja, a capacidade para celebrar tratados internacionais.
to de Estados p e l o T P I .

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 47


46 I JURISPRUDENCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
e, ainda, que o valor anteriormente recebido, e não pleiteado como (H.K CONCURSO P R O L U K A U U K U M K c r u D m - H , *v#.i
25 O
. „w.~_._
restituição em razão da nulidade da respectiva escritura, teria sido ( URSIVA): Povos indígenas são sujeitos de direito Internacional? Funda-
suficiente. Inviabilidade de reexaminar tais questões no âmbito do mente sua posição à luz da Convenção 1 6 9 da Organização Internacional
recurso especial. Incidência da Súmula 7/STJ. Ill — Agravo regimen- tio Trabalho e da Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas.
tal impróvido. (AgRg no AgRg no REsp 990.085/PA, Rei. Min. Francisco GABARITO: Em virtude de não ter sido disponibilizado pela banca exa-
3
Falcão, i Turma,julgado em 19/02/2008, DJe 16/04/2008). minadora um espelho com o gabarito da questão, transcrevemos a
resposta da primeira colocada do certame, Marcela Harumi Takamashí
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSO Pereira: "Segundo Rezek, o indivíduo não é sujeito, mas objeto do direito
internacional. Em que pese a autoridade do internacionalista, Cança-
do Trindade e a maioria da doutrina, quase a unanimidade, admitem
(DPE/PA — DEFENSOR PÚBLICO, 2015 — FMP, ADAPTADA) Sobre a jurispru-
a personalidade jurídica da pessoa humana no Direito Internacional,
dência da Corte Interamericana de Direitos Humanos no que se refere ao
pois: (1) possuem jus standi em cortes internacionais; (2) sujeitam-se ao
reconhecimento de direito aos povos indígenas, é CORRETO afirmar que:
direito penal internacional; (3) possuem direitos. Embora os povos indí-
• De acordo com a sentença do caso Awas Tingni versus Nicarágua, os
genas atendam, à luz da Convenção 169 da OIT [Convenção n° 169 da
termos de um tratado internacional de direitos humanos que contem-
Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais],
ple direitos indígenas devem ser interpretados no mesmo sentido que
apenas a este último critério, é possível reconhecê-los só por isso como
lhes é atribuído pelo direito interno do país que é parte no caso, em
sujeitos de direito internacional, com capacidade limitada, ainda mais
observância ao princípio da soberania nacional.
limitada que a dos indivíduos. É esta a nossa posição: basta ser titular de
GABARITO: Errado. Os tratados internacionais de direitos humanos pos- direitos para ser sujeito. Não nos impressiona a falta do jus tractatum
45
suem sentido autônomo, de modo que não podem ser equiparados ao ou de prerrogativas próprias dos demais sujeitos do D/" .
sentido que lhes é atribuído no direito interno.
(TRF 3 REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2013 — CESPE, ADAPTADA) Considerando
A

• No julgamento do caso Awas Tingni versus Nicarágua, a Corte IDH as-


a proteção internacional dos direitos humanos, assinale a opção correta:
sentou que o direito ao território indígena não encontra fundamenta-
ção na Convenção Americana de Direitos Humanos uma vez que seu O direito dos povos indígenas recebe, nas normas de direito internacional,
artigo 21 desse instrumento contempla o direito à propriedade, sendo tratamento idêntico ao reservado ao direito de qualquer outra minoria.
possível reconhecer apenas o direito ao uso especial da terra.
GABARITO: Errado. Na ordem internacional, as comunidades indígenas rece-
GABARITO: Errado. No julgamento do caso Awas Tingni vs. Nicarágua, a Cor- bem tratamento daquele dispensado a outras comunidades tradicionais.
te IDH reconheceu a proteção do direito à propriedade coletiva indígena. Toma-se como exemplo a elaboração da Declaração sobre os Direitos dos
46
Povos Indígenas pela Organização das Nações Unidas .
(TRF 5 REGIÃO — J U I Z FEDERAL, 2015 — C E S P E , ADAPTADA)
A

• O STF possui entendimento de existência de territórios indígenas, iden-


tificando, assim, a possibilidade de determinado povo atuar perante a
ordem jurídica internacional.

GABARITO: O enunciado é falso, pois o entendimento do Supremo Tribu-


nal Federal a respeito desta questão é norteado pela corrente nacio- 45 PEREIRA, Marcela H a r u m i T a k a m a s h i . Irfc Questões discursivas da concurso de Procu-
o o
rador da República. 18 ao 2 5 respondidas e comentadas. 2. ed. Salvador: J u s p o d i v m ,
nalista sobre o tema. Assim sendo, a posição do STF é pela impossibi-
2013, p. 28.
lidade de determinada comunidade indígena atuar perante a ordem
46 E m b o r a a ordem jurídica internacional possua d i p l o m a s específicos para regular
jurídica internacional. Foi o entendimento esposado na ementa da PET os direitos e deveres d a s c o m u n i d a d e s indígenas, nada impede q u e estes d i p l o m a s
3388 (Caso Raposa Serra do Sol). s e j a m aplicados às c o m u n i d a d e s q u í l o m b o l a s o u a outras minorias s e m e l h a n t e s .

48 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 49


a i pessoas acusadas de homicídio doloso, sem analisaras circunstâncias do
caso concreto, transforma dita pena numa sanção inumana e injusta.
Caso Hilaire, Constantine e Benjamin e
•• - ui Ir Inlerametu .in.i foi insl.iil.i, cnl.iú, .1 decidir se a "peru de morte
outros vs. Trinidad e Tobago iln ig.itória" viola a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), o
que respondeu afirmativamente, constatando que a Lei de Delitos contra
ÓRGÀO JULGADOR: ,i Pessoa de Trinidad e Tobago, ao ordenar a aplicação da pena de morte
i l e maneira automática e genérica para o crime de homicídio intencional/
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s d o l o s o , sem qualquer juízo de valor sobre o caso concreto, constitui-se
0
m i m a privação arbitrária da vida, violando, consequentemente, o art. 4
da CADH. A Corte considera, ainda, que o fato de as vítimas terem sido
SENTENÇA:
(olocadas em situação de constante ameaça, no denominado corredor da
21 de j u n h o de 2012 morte, de que a qualquer momento poderiam ser levadas à forca, qua-
lifica as condições de detenção como tratamentos cruéis, inumanos ou
degradantes. Considerou a Corte, também, dentre outras conclusões, que
I rinidad e Tobago violou o dever de adotar disposições de direito interno
o
RESUMO DO CASO (111 2 ), o direito ao prazo razoável (artigos 7.5 e 8.1), direito a um recurso
efetivo (artigos 8 e 25) e o direito de todo condenado à morte solicitar anis-
Haniff Hilaire, George Constantine e outras trinta pessoas foram proces- tia, indulto ou comutação de pena (art. 4.6).
sadas e condenadas, em Trinidad e Tobago, como autoras do crime de
Por fim, a Corte determinou que o Estado demandado se abstenha de
homicídio intencional (doloso), a elas tendo sido imposta, consequente-
aplicar a Lei de Delitos contra a Pessoa e, dentro de um prazo razoável,
mente, de acordo com a Lei de Delitos contra a Pessoa, a pena de morte,
a modifique para adequá-la às normas internacionais de proteção dos
cuja execução se daria através da forca. Referida Lei prescreve a pena de
direitos humanos, destacando, igualmente, que Trinidad e Tobago não
morte como única sanção aplicável ao delito de homicídio doloso.
deve, em qualquer caso e qualquer que seja o resultado dos novos julga-
41

Das 32 presumidas vítimas, 30 se encontravam presas e aguardando exe- mentos das vitimas , aplicar a pena de morte.
cução da pena capital, enquanto que uma delas teve a sua pena comuta-
da e a outra, o senhor Joey Ramiah.foi executada em junho de 1999, mui- P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
to embora a Corte Interamericana, a pedido da Comissão Interamericana,
já houvesse adotado diversas medidas provisórias entre 1998 e 1999 para 1. Fases da regulação jurídica internacional da pena de morte
preservar a vida das vítimas, as quais foram ignoradas pelo Estado de- Conforme registra André de Carvalho Ramos, há três fases da regulação j u -
mandado, que denunciou a Convenção Americana em 25/05/1998, não rídica internacional da pena de morte: "A primeira fase é a da convivência
prejudicando, porém, a apuração dos fatos que ensejaram esse Caso, seja tutelada, na qual a pena de morte era tolerada, porém com estrito regramen-
porque ocorridos antes da denúncia, seja porque esta, nos termos do art. to"^ qual abrangia, segundo o autor, limites como o da natureza do crime,
78 da CADH, somente produz efeito após um ano. vedação da ampliação, devido processo legal penal e vedações circunstan-

A Comissão considerou que Trinidad e Tobago violaram diversos disposi-


tivos da CADH, mas especialmente os artigos 4.1 (direito à vida), 4.2 (pena
de morte automática), 5.1 (direito à integridade pessoal) e 8.1 (direito à du- 47 Deve-se encarar c o m naturalidade o fato de q u e acusados, a i n d a q u e de crimes g r a -
ração razoável do processo) em relação ao art. 1.1 (obrigação de respeitar ves, contra a vida p.ex., v e n h a m a se tornar v í t i m a s perante o sistema internacional
de proteção dos direitos h u m a n o s , desde que t e n h a havido, no caso, c o n d u t a ilegal
direitos), considerando, pois, que a "pena de morte obrigatória", para todas
praticada pelo Estado.

50 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 51
das. "A segunda fase do regramento internacional da pena de morte é a do n u que, mesmo diante de um crime contra a vida (homicídio doloso),
banimento com exceções, (...) A terceira — e tão esperada —fase do regra- .1 ( orte Interamericana censurou a aplicação da pena de morte (muito
mento jurídico da pena de morte no plano internacional é a do banimento embora, advirta-se, a principal/oceta da decisão relaciona-se à "obríga-
48
em qualquer circunstância" . Podemos dizer que o Brasil se encontra, atual- i"M''dade"da pena capital).
mente, na "segunda fase"da regulação internacional da pena de morte,eis
que, embora tenha aderido ao bloco normativo internacional de repressão 1. Repúdio à aplicação obrigatória d a pena de morte
à pena de morte (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o seu No I QSO llilaire e outros vs. Trinidad e Tobago, objeto destes breves aponta-
Segundo Protocolo Facultativo; Convenção Americana de Direitos Huma- meiiios.a importância da decisão da Corte Interamericana está no "repúdio
nos e o seu Protocolo Adicional), reservou-se no direito de aplicar a pena -117 i/k ação obrigatória da pena de morte sem individualização penal e pos-
0
capital no caso de guerra declarada, nos termos do art. 5 , XLVll,a,da CF. sibilidade de indulto,graça ou anistia"4. Registra Antônio Augusto Cançado
Indicativo, ainda, do rumo à "terceira fase" da regulação internacional da 111111 Lide, ainda, ter sido esta "a primeira vez que um tribunal internacional
pena de morte, é o fato de os Tribunais Penais Internacionais ad hoc para 1 lei cr mina que a pena de morte 'obrigatória 'é violatória de um tratado de di-
a ex-Yugoslávia (1993) e para Ruanda (1994) não terem aplicado a pena irih)', humanos como a Convenção Americana, que o direito à vida é violado
capital, que tampouco está prevista no Estatuto de Roma (de 1998) do pela aplicação da pena de morte de modo genérico e automático, sem indivi-
Tribunal Penal Internacional. dualização e sem as garantias do devido processo legal, e que, entre as medi-
das de reparação, deve o Estado demandado modificar sua legislação penal
Para os países que, a exemplo do Brasil, estão parados na "segunda fase"
para harmonizá-la com a normativa de proteção internacional dos direitos
da regulação internacional da pena de morte (recordemos: banimento
humanos e abster-se, em qualquer caso, de executaras condenadas" {§ i°).
da pena capital com exceções), o Direito Internacional dos Direitos Hu-
manos impõe uma condicionante intransponível, qual seja, a de que o I 1 i n s t a do julgamento deste Caso Hiiaire referência, pela Corte Interamerica-
sujeito tenha praticado um "crime grave" (neste sentido, o art. 6.2 do ii.i, .i decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos em Woodson vs. North
PIDCP e o art. 4.1 da CADH). E o que pode ser considerado um crime de I an>lina (1976),em que, da mesma forma, se estabeleceu que a condenação
natureza "grave"? No âmbito da proteção global dos direitos humanos, obrigatória à pena de morte constitui uma violação das garantias do devido
o Comitê de Direitos Humanos da ONU já estabeleceu que crimes graves ptocesso da Emenda XIV e do direito a não ser submetido a um tratamento
49
são aqueles que "impliquem em perdas de vidas humanas" . A jurispru- 1 mel ou incomum da Emenda XIII, em relação com a Constituição dos EUA.
dência do sistema global é seguida pelo sistema regional americano, o N e s t e mesmo Caso, a Suprema Corte americana também indicou que a im-
que pode ser visto no próprio precedente formado neste Caso Hilarie, posição da pena de morte requer uma consideração dos aspectos relevantes
• li 1 caráter do acusado e as circunstâncias do crime praticado.

48 RAMOS, A n d r é de Carvalho. In: PETERKE, Sven (Coord.). Manual Prático de Direitos j . Pena de morte e aspectos subjetivos do condenado
Humanos Internacionais. Brasília: E S M P U / D F , 2010, p. 248-250.
Sobre "aspectos relevantes" da pessoa do acusado/condenado, o art. 4.5
49 Cf. Observação Cerai n° 6 e t a m b é m as Observações Finais sobre o Irã. Ainda na juris-
prudência do Comitê, se encontram precedentes que concluem pela violação do PIDCP d.i CADH estabelece que "Não se deve imporá pena de morte a pessoa que,
no caso de aplicação da pena de morte em crime de roubo à m ã o armada sem vítima no momento da perpetraçõo do delito, for menor de dezoito anos, ou maior
fatal (Caso Luhuto vs. Zâmbia, 1995) e t a m b é m e m casos de aplicação obrigatória/au-
tlr setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez". Importante
tomática da pena capital, s e m analisar as circunstâncias particulares do caso concreto
[Caso Kennedy vs. Trinidad y Tobago, e m 2000, e Caso T h o m p s o n vs. San Vicente y Las ressaltar, aqui, a importantíssima conclusão da Comissão Interamericana
Granadinas, em 2002).Também no â m b i t o da O N U , a antiga Comissão de Direitos H u - no Caso Michaeí Domingues vs. EUA, em 2002, ao assentar que "o Estado
manos instou os Estados a velarem para que "o conceito de 'crimes mais graves'se limi- atuou em violação de uma norma de jus cogens internacional ao senten-
te aos delitos intencionais com consequências fatais ou extremamente graves e que não
(iarMichael Domingues à pena de morte por um delito que cometeu quan-
imponham a pena de morte por atos não violentos" (Cf, Resolução 2005/59 Questão da
Pena Capital da Comissão de Direitos H u m a n o s da O N U . Disponível e m : < h t t p : / / w w w . do tinha JÓ anos. Portanto, se o Estado vier a executar o Sr. Domingues em
acnur.org/biblioteca/pdf/4339. pdf?view=i>, p. 3). virtude desta sentença, a Comissão conclui que será responsável por uma

52 ¡ JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S ] 53


, m A m e m ana de Direitos Humanos I qual .1 vunluqrm desta previsão?
grave e irreparável violação do direito à vida do Sr. Domingues segundo
0 Simples, porém, muito importante: a Comissão poderá atuar em casos de
o artigo I da Declaração Americana"^ . Curiosidade: o Caso Michael Domin-
vi' ilação de direitos humanos nos quais o país acusado não tenha ratifica-
gues teve como representante da vítima, na Comissão Interamericana, um
do a Convenção Americana de Direitos Humanos, mas integre, por outro
Defensor Público do Condado Clark (EUA), que havia complementado peti-
1.11 In, a OEA — Organização dos Estados Americanos. Vejamos, neste sen-
ção anteriormente apresentada por uma entidade de defesa dos direitos
111 lo, a didática exposição de André de Carvalho Ramos:
humanos dos EUA. Importante: o Caso Michael Domingues representa uma
superação do precedente da Comissão firmado no Caso Roach e Pinkerton "Por disposição expressa da Carta da OEA, partes expressivas das
vs. EUA, em que se estabeleceu que não existia, naquele momento, uma atribuições da Comissão só se desenvolverão sob a égide da Carta
norma consuetudinária em direito internacional que impedisse a aplica- da OEA caso o Estado alvo ainda não tiver ratificado a Convenção
ção da pena de morte a menores de i8 anos. Interessante: em consulta de Americana de Direitos Humanos. Até o momento, somente 24 dos
lista com os nomes das pessoas executadas nos EUA por crimes cometidos 35 Estados da OEA ratificaram a Convenção Americana de Direitos
antes dos 18 anos de idade, não se encontra o nome de Michael Domingues, Humanos. Há, então, uma relação de subsidiariedade: caso o Estado
fato que leva a crer que os EUA tenham acatado o parecer da Comissão '. 5
tenha ratificado a Convenção Americana, a Comissão atuará sob a
égide de tal diploma; se pertencer ao grupo de 11 Estados que ainda
Ainda sobre a proibição de aplicação da pena de morte a determinados gru-
não a ratificou a Comissão atuará de acordo com a Carta da OEA e a
pos de pessoas, embora os Pactos Internacionais prevejam expressamente Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem.
apenas menores de 18 anos, maiores de 70 anos e mulheres grávidas, impor-
tante ressaltar que o Conselho Econômico e Social da ONU, em sua Resolu- Em síntese, a OEA, com base nos preceitos de sua Carta, não esperou
ção n° 1989/64, recomenda aos Estados membros abolirem a pena de mor- pelo surgimento e fortalecimento do sistema próprio interamericano
de proteção aos direitos humanos. Para tanto, a Comissão Interame-
te — também — para os casos de pessoas que padeçam de retardo mental
ricana de Direitos Humanos foi criada em 1959 e, em seu estatuto,
ou com capacidade mensal claramente limitada. Da mesma forma, a antiga
consta a atribuição de promover os direitos humanos proclamados
Comissão de Direitos Humanos da ONU, em sua Resolução n° 2005/59, que,
na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948.
além de preverá hipótese dos deficientes mentais, ainda amplia a situação de
gravidez para abranger também mulheres com filhos bebês . 52
(...)
O Estatuto da Comissão possibilita que ela receba petições indivi-
4. Atuação da Comissão Interamericana de Direitos H u m a n o s a res- duais contendo alegadas violações a direitos humanos protegidos
peito de países que não aderiram a C A D H pela Carta da OEA e pela Declaração Americana, de maneira similar
Poderia surgir a seguinte dúvida: mas se os EUA não aderiram à CADH, ao sistema de petição individual sob a égide da Convenção Ameri-
cana de Direitos Humanos. O objetivo desse sistema é a elabora-
como a Comissão pode ser instada a se manifestar sobre violações de
ção de recomendação ao Estado para a observância e garantia de
direitos humanos praticadas poraquele país? AComissão Interamericana
direitos humanos protegidos pela Carta da OEA e pela Declaração
de Direitos Humanos possui uma particularidade interessante, qual seja,
Americana de Direitos e Deveres do Homem.
a de integrar o sistema da Carta da OEA e também o sistema da Conven-
(...)
Caso o Estado não cumpra com tais recomendações, a Comissão de-
50 Para consultar e ler na íntegra 0 Relatório d a C o m i s s ã o neste C a s o : <http://cidh.oas. cide pelo encaminhamento à Assembleia Geral para que esta adote,
org/annualrep/2002port/ EstadosUnidos.12285.htm> (em português). como órgão político encarregado do respeito às disposições da Carta
53
51 Cf. OLIVEIRA, Sonla de. A proibição de i m p o s i ç ã o da pena de morte a delinquentes da OEA, medidas para fomentar o respeito aos direitos humanos" .
j u v e n i s c o m o n o r m a jus cogens prevista pela C o m i s s ã o Interamericana. Revista Bra-
sileira de Direito Internacional, C u r i t i b a , v. 5, j a n . / j u n . 2007, p. 88-89.
52 I n f o r m a ç ã o extraída de Estándares internacionales relativos a la aplicación de la
53 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 2. ed. S ã o
pena de muerte. C o m i s i ó n Internacional de Juristas, G e n e b r a / S u í ç a , p. 19. Disponí-
Paulo: Saraiva, 2012, p. 198-200.
vel e m : <http://www.refworld.org/pdfid/530ef6f94.pdf>.

C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 55


54 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
5 . 0 f e n ô m e n o do "corredor d a m o r t e " apenas aos crimes mais graves, obedecidos os princípios da legalida-
Outro tema importante, que pode ser abordado a partir das considera* de, anterioridade ejurisdicionalidade.
ções sobre a pena de morte, é o denominado "fenômeno do corredor
il| permitida nos Estados-partes a que a pena de morte não havia sido
da morte" (death row phenomenon), que foi severamente criticado pela
abolida, à época da ratificação do tratado, mas reservada aos crimes
Corte Interamericana neste Caso Hilaire. Sobre o assunto, imprescindível
mais graves, e obedecidos os princípios da legalidade, anterioridade e
lembrar que oTribunal Europeu de Direitos Humanos, no conhecido Caso
luiisdicionalidade.
Soering vs. Reino Unido, determinou que o "corredor da morte" é um tra
tamento cruel, inumano e degradante.ejustamente por essa razão impe» |j permitida nos casos mais graves, obedecido o devido processo legal,
diu que o Estado demandado extraditasse o indivíduo demandante (um a fim de compatibilizar o direito individual à vida com o direito social
nacional alemão) aos EUA, onde poderia ser condenado à morte e, conse- 1 '.egurança pública.
quentemente, submetido ao sofrimento intenso e prolongado de espera
GAIIARITO: a alternativa correta é a letra (B), conforme explicação veiculada
de execução no "corredor da morte", cenário que evidenciaria violação do
o
1 ii is Pontos importantes sobre o Caso.
art. 3 da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

6. Brasil e pena de morte para e x t r a d i t a n d o (MPT — i 6 ° CONCURSO PROCURADOR DO TRABALHO — ADAPTADA) As-
Ú n a l e a alternativa INCORRETA:
Para finalizar, sem qualquer pretensão de esgotar este — inesgotável -
tema da "pena de morte", devemos recordar que o Brasil não pode entre- • 1 ie acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos, em ne-
gar extraditando a Estado que poderá aplicar a pena de morte, entendi nhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem
mento este consolidado na jurisprudência do STF desde 1959 (Plenário, ,1 delitos comuns conexos com delitos políticos.
Ext 218) até os dias atuais (Plenário, Ext 1201, julgada em 2011). A exceção,
GABARITO:a alternativa (C) está correta e, por isso, não deveria ter sido
ainda conforme a jurisprudência do Supremo, ficaria porconta da hipóte
marcada. Neste sentido, dispõe o art. 4.4 da CADH: "Em nenhum caso
se em que a Constituição Federal brasileira admite a aplicação da pena de
0
pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos co-
morte, nos termos do seu art. 5 , XLVII, a, quando seria permitida, portan
muns conexos com delitos políticos".
to, a extradição (neste sentido: Plenário, Ext 633, julgada em 1996).
1 nibora não se trate de uma Questão de Concurso, chamo a atenção
dos a l u n o s que estudam — principalmente — para o concurso do MPF
INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
para o seguinte Coso apresentado por André de Carvalho Ramos no
Manual Prático de Direitos Humanos Internacionais, produzido pela Es-
(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2 0 0 6 — FCC) Em atenção ao que dispõe 1 ola Superior do Ministério Público da União (ESMPU):
o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos seu Segundo Protocolo
Adicional com vista à Abolição de Pena de Morte, a pena de morte é: O Estado X inflige a pena de morte a delinquentes adolescentes a par-
tir d o s 14 anos. Ele não ratificou nenhum tratado internacional vetando
a| proibida em qualquer hipótese, pois o direito à vida é inerente à pes
e s s a prática. Ademais, corroborou várias vezes sua opinião oficial de
soa humana, sendo vedada a formulação de reserva pelo Estado-Par
que t a l prática seria seu "bom direito". A prática de impor a pena de
te, no ato de ratificação do tratado.
morte aos jovens autores de delitos violaria, mesmo assim, obrigações
b| proibida em qualquer hipótese, exceto mediante reserva formulada internacionais emanadas dos direitos humanos?
pelo Estado-Parte, no ato de ratificação do tratado, relacionada à sua
COMENTÁRIO: A resposta, coincidente com a apresentada pelo professor
aplicação apenas em tempo de guerra.
André de Carvalho Ramos, se encontra nos Ponfos Importantes sobre o
c| proibida em qualquer hipótese, exceto mediante reserva formulada (aso, destacando-se, pois, o importantíssimo Caso Michael Domingues
pelo Estado-Parte, no ato de ratificação, relacionada à sua aplicação vs. EUA apreciado pela Comissão Interamericana.

56 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAJVÍERICANA D E DIREITOS HUJVLANOS | 57
5 . 0 f e n ô m e n o do "corredor da m o r t e " apenas aos crimes mais graves, obedecidos os princípios da legalida-
Outro tema importante, que pode ser abordado a partir das considera- de, anterioridade e jurisdícionalidade.
ções sobre a pena de morte, é o denominado "fenômeno do corredor
d| permitida nos Estados-partes a que a pena de morte não havia sido
da morte" (death row phenomenon), que foi severamente criticado pela
iholída, .1 época da ratificação do tratado, m a s reservada aos crimes
Corte Interamericana neste Caso Hilaire. Sobre o assunto, imprescindível
mais graves, e obedecidos os princípios da legalidade, anterioridade e
lembrar que oTribunal Europeu de Direitos Humanos, no conhecido Coso
jurisdicionalidade.
Soering vs. Reino Unido, determinou que o "corredor da morte" é um tra-
tamento cruel,inumanoedegradante,ejustamente por essa razão impe- »1 permitida nos casos mais graves, obedecido o devido processo legal,
diu que o Estado demandado extraditasse o indivíduo demandante (um a fim de compatibilizar o direito individual à vida com o direito social
nacional alemão) aos EUA, onde poderia ser condenado à morte e, conse- à segurança pública.
quentemente, submetido ao sofrimento intenso e prolongado de espera
GABARITO: a alternativa correta é a letra (B), conforme explicação veiculada
de execução no "corredor da morte", cenário que evidenciaria violação do
o 111 is Pontos Importantes sobre o Caso.
art. 3 da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

6. Brasil e pena de morte para extraditando (MPT — 1 6 CONCURSO PROCURADOR DO TRABALHO — ADAPTADA) As-
O

vinale a alternativa INCORRETA:


Para finalizar, sem qualquer pretensão de esgotar este — inesgotável —
tema da "pena de morte", devemos recordar que o Brasil não pode entre- • De acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos, em ne-
gar extraditando a Estado que poderá aplicar a pena de morte, entendi- nhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem
mento este consolidado na jurisprudência do STF desde 1959 (Plenário, a delitos comuns conexos com delitos políticos.
Ext 218) até os dias atuais (Plenário, Ext 1201,julgada em 2011). A exceção,
GABARITO: a alternativa (C) está correta e, por isso, não deveria ter sido
ainda conforme a jurisprudência do Supremo, ficaria porconta da hipóte-
marcada. Neste sentido, dispõe o art. 4,4 da CADH: "Em nenhum caso
se em que a Constituição Federal brasileira admite a aplicação da pena de
pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos co-
morte, nos termos do seu art. 5°, XLVII, o, quando seria permitida, portan-
muns conexos com delitos políticos".
to, a extradição (neste sentido: Plenário, Ext 633,julgada em 1996).
Embora não se trate de uma Questão de Concurso, chamo a atenção
dos alunos que estudam — principalmente — para o concurso do MPF
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S
para o seguinte Caso apresentado por André de Carvalho Ramos no
Manual Prático de Direitos Humanos Internacionais, produzido pela Es-
(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2 0 0 6 — FCC) Em atenção ao que dispõe cola Superior do Ministério Público da União (ESMPU):
o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos seu Segundo Protocolo
Adicional com vista à Abolição de Pena de Morte, a pena de morte é: O Estado X inflige a pena de morte a delinquentes adolescentes a par-
tir dos 14 anos. Ele não ratificou nenhum tratado internacional vetando
a| proibida em qualquer hipótese, pois o direito à vida é inerente à pes-
essa prática. Ademais, corroborou várias vezes sua opinião oficial de
soa humana, sendo vedada a formulação de reserva pelo Estado-Par-
que tal prática seria seu "bom direito". A prática de impor a pena de
te, no ato de ratificação do tratado.
morte aos jovens autores de delitos violaria, mesmo assim, obrigações
b| proibida em qualquer hipótese, exceto mediante reserva formulada internacionais emanadas dos direitos humanos?
pelo Estado-Parte, no ato de ratificação do tratado, relacionada à sua
COMENTÁRIO: A resposta, coincidente com a apresentada pelo professor
aplicação apenas em tempo de guerra.
André de Carvalho Ramos, se encontra nos Pontos Importantes sobre o
c| proibida em qualquer hipótese, exceto mediante reserva formulada Caso, destacando-se, pois, o importantíssimo Caso Michael Domingues
pelo Estado-Parte, no ato de ratificação, relacionada à sua aplicação vs. EUA apreciado pela Comissão Interamericana.

56 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 57
s o l i d a i i a o p r e j u i / o i o r n o S r , Roluinosei. POI l i m , a s e n t e n ç a l a m b e m
IRDENOU que o jornal La Nación retirasse o nome do Sr. Przedborski de
todos os artigos publicados.

Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica < 1 ( a s o chegou até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
• | i i . ' . n | n t , . i i medida cautelai para suspender a sentença penal condena
ÓRGÃO JULGADOR: e m i t i d a pelo Indiciário da Costa Rica. Como nao houve eficácia na
iesolução do entrave, a Comissão IDH levou o caso à Corte Interameri-
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s 1 a n . i de Direitos Humanos.

Primeiramente, a Corte IDH não acatou a exceção preliminar de esgo-


SENTENÇA: tamento de recursos internos suscitada pela Costa Rica. Isso porque
02 de j u n h o de 2004 OS recursos internos disponíveis ao Sr. Ulloa no caso eram: o habeas
torpus, a ação direta de inconstitucionalidade e a consulta judicial
d e constitucionalidade. Assim, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos concluiu que n e n h u m destes recursos se adequava à si-
tuação in concreto. Além disso, a Corte IDH afirmou que a Costa Rica
RESUMO DO CASO nao suscitou a exceção de não esgotamento dos recursos internos
perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o que a c a -
No dia 12 de novembro de 1999, a Costa Rica condenou o Sr. Mauricio k i ( ia violando o princípio do estoppel. A segunda exceção preliminar
Herrera Ulloa, jornalista do veículo informativo Lo Nación, por quatro lol para que se excluíssem da apreciação da Corte IDH os fatos refe-
delitos de difamação em virtude dos artigos publicados pelo Sr. Ulloa lentes ao Sr. Vargas Rohrmoser, em virtude de não haver qualquer
nos dias 19, 20 e 21 de maio e 13 de dezembro de 1995. Os artigos retra- manifestação expressa para que os fatos referentes a este indivíduo
tavam uma parcial reprodução de reportagens realizadas pela imprensa lossem apreciados pela Corte IDH. A Corte Interamericana de Direi-
da Bélgica, nas quais se atribuíam a um diplomata da Costa Rica, Félix l o s H u m a n o s acatou esta exceção e passou a apreciar somente os
Przedborski, atos ilícitos como a realização de negócios secretos e o re- latos envolvendo o Sr. Ulloa.
cebimento de comissões. A sentença também condenou outro réu, o Sr.
Fernán Vargas Rohrmoser . 54
N o tocante ao mérito da causa, a Corte Interamericana de Direitos Hu-
manos condenou a Costa Rica a tornar ineficaz a sentença emitida no
Assim, o Judiciário do Estado costarriquense condenou o Sr. Maurício dia 12 de novembro de 1999 pelo seu Poder Judiciário. O argumento utili-
Herrera Ulloa e seu colega à pena de multa e à obrigação de publicar zado pela Corte IDH foi a violação do direito à liberdade de expressão do
a sua própria condenação no jornal onde trabalhava, o veículo de co- Sr. Ulloa, que estava apenas exercendo sua profissão e retratando fatos
municação Lo Nacíón. Em virtude da sentença criminal proferida, o Sr. de interesse público; afinal, estava em questão a realização de negócios
Ulloa teve seu nome incluso em uma lista de criminosos condenados. escusos por um diplomata do país. A Corte de San José também respon-
Ademais, o Sr. Ulloa foi condenado a pagar uma indenização por da- sabilizou a Costa Rica por não conferir um duplo grau de jurisdição ade-
nos morais e materiais na esfera cível. Nesta ação, dividiu de maneira quado ao Sr. Herrera Ulloa, conforme prevê o artigo 8.2 da Convenção
Americana de Direitos Humanos.

54 A s notas Importantes sobre o caso v o l t a r a m - s e para a c o n d e n a ç ã o do Sr. Herrera Por fim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou a Costa
Ulloa, e m virtude de a Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s não ter apreciado Rica ao pagamento de uma indenização de US$ 20.000,00 (vinte mil
os fatos relativos ao Sr, Rohrmoser. Por isso, dar-se-á m a i o r e n f o q u e a o s fatos I m p u -
dólares) a título de danos morais para o Sr. Herrera Ulloa.
tados ao Sr. Herrera Ulloa.

C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 59


58 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
•Arrazoadas ao réu para que este possa perfectibilizar o princípio do
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
ilnpli) 1:1,111 de J U I Í M I Í Ç . i o . loi este o entendimento consagrado pela
1. Exceção do não esgotamento dos recursos internos e o principio do estoppel 1 m le Interamericana de Direitos Humanos no caso em questão. Dito
questiona-se: seria desarrazoada a necessidade do recolhimento
A jurisdição internacional de direitos humanos é uma jurisdição subsidia-
5 DO RÉU ao cárcere para que este pudesse apelar? A lição de Luiz Flávio
ria: ela só pode ser acionada após o esgotamento dos recursos internos ''. 1
h mies responde a questão: "Já no livro 'Direito de apelarem liberdade'
Ainda nessa linha de raciocínio, é entendimento da Corte Interamericana
( C M ido em 1994, publicado pela RT) defendíamos, dentre outras, a tese
de Direitos Humanos que a alegação da exceção do não esgotamento dos
Intui da separação entre o duplo grau de jurisdição e a prisão cautelar.
recursos internos deve ser realizada em um primeiro momento, ainda pe-
I'iiuio é prisão, duplo grau é duplo grau (o STJjá reconheceu essa separa-
rante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sob pena de violar
is da, por força da Súmula 347). O artigo 594 acabou sendo revogado pela
o principio do estoppel, que simboliza a proibição do comportamento con-
tti 11/19/2008. Com isso, está assegurado deforma ampla e geral o du-
traditório (venire contra factum proprium) em âmbito internacional. Nesse
plo qrau de jurisdição no âmbito criminal. A exigência do recolhimento
sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Nesse sentido, a Corte IDH
0i 11 iiicere para que o condenado possa apelar era um exagero inquali-
consagrou o entendimento de que a exceção de admissibilidade por ausên-
fli avel. Violava o princípio da razoabilidade. O Direito Interno não pode
cia de esgotamento dos recursos internos tem que ser utilizada pelo Estado
ja/er exigências desarrazoadas em relação ao duplo grau de jurisdição
no procedimento perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
em âmbito crimina! (nesse sentido a sentença de 02.07.2004 da CIDH,
Assim, se o Estado nada alega durante o procedimento perante a Comissão, s8
1 a\o Herrera Ulloa vs. Costa Rica, ites 161 e ss)" .
subentende-se que houve desistência tácita dessa objeção. Após, não pode
o Estado alegar a falta de esgotamento, pois seria violação do princípio do I mbora o tema já seja tratado atualmente com certa naturalidade, é impor-
estoppel, ou seja, da proibição de se comportar de modo contrário a sua con- tante ressaltar que, até o anode 2008, vigorava no Brasil a necessidade de o
duta anterior (non concedit venire contra factum proprium)"^. léu se recolherão cárcere para que pudesse apelar. Tratava-se do fenômeno
59
No caso em comento, a Costa Rica não suscitou o esgotamento dos re- I I )t ihecido pela doutrina como prisão pedágio , previsto no artigo 594 do Có-
cursos internos perante a Comissão IDH, mas apenas na Corte Interame- digo de Processo Penal, no qual se refutava qualquer possibilidade de o réu
ricana de Direitos Humanos, o que acarretou a preclusão da faculdade apelar em liberdade. Ocorre que, com o advento da Lei 11.719/2008, a prisão
processual de alegar o esgotamento dos recursos internos; não houvesse pedágio foi revogada, dado que caracterizava um cerceamento da defesa e
a preclusão, seria violado o princípio do estoppel™. uma violação ao princípio da presunção de inocência. Este também era o en-
00
lendimento dos tribunais superiores à época da novatio legis .
2. Impossibilidade de exigências desarrazoadas e m relação ao duplo
Portanto, com base no entendimento da Corte IDH no caso Herrera Ul-
grau de jurisdição: a inconvencionalidade do recolhimento da prisão
loa vs. Costa Rica, é possível concluir que a exigência do recolhimento ao
para recorrer
cárcere para que o condenado possa apelar viola o direito ao duplo grau
Um dos pontos a serem destacados no caso Herrera Ulloa vs. Costa
de jurisdição previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos. O
Rica é justamente a impossibilidade de se realizarem exigências de-
Legislativo brasileiro, ao expurgar tal regra do CPP brasileiro, se adequou
à linha de entendimento da Corte de San José.

55 A Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s excepciona a necessidade de e s g o -


t a m e n t o dos recursos internos e m d e t e r m i n a d a s situações. Para maior a p r o f u n -
d a m e n t o , consultar: RAMOS, A n d r é de Carvalho. Processo Internacional de Direitos s8 G O M E S , Luiz Flávio e M A Z Z U O L I , Valério de Oliveira. Comentários à Convenção Ame-
Humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 222. ricana sobre Direitos Humanos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 143.
56 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3.ed. São S9 Esta n o m e n c l a t u r a foi utilizada pela primeira vez no o r d e n a m e n t o jurídico brasilei-
Paulo: Saraiva, 2013, p. 223. ro por Luiz Flávio G o m e s .
57 Este t a m b é m foi o e n t e n d i m e n t o da Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s no ( l o S ú m u l a 347 do STJ: O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de
caso Castillo Paez vs. Peru. Sentença de 3 de n o v e m b r o de 1997. sua prisão.

60 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS HUIWANOS | 61


3. Dupla dimensão do direito à liberdade de expressão e a diminuição 4. Divergência na jurisprudência da própria Corte Interamericana de
da utilização do direito penal para atribuir responsabilidades ulterio- Direitos H u m a n o s : o caso Mémoli vs. Argentina
res a expressões que possam afetar funcionários públicos (em virtu-
I mbora, no caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica, a Corte IDH tenha seguido
de do interesse público envolvido) 64
0 seu tradicional entendimento de privilegiara liberdade de expressão
Mais uma vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos fez referên- Í i n detrimento da utilização do direito penal para coibir excessos na
6
cia à dupla dimensão do direito à liberdade de expressão '. Entretanto, liberdade de expressão, a própria Coi te de San Jose adotou recentemen-
desta vez, a Corte IDH deu outro enfoque ao tema, analisando a utili- te uma posição em sentido contrário, que gerou muitas críticas da co-
zação do direito penal para atribuir responsabilidades ulteriores a ex- 65
munidade internacional . Trata-se do caso Mémoli vs. Argentina. Neste
pressões que pudessem afetar a honra de funcionários públicos. Nestes 1 aso, a Corte Interamericana decidiu de maneira inédita que a condena-
casos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu que a mar- rão do jornalista Pablo Mémoli, pelo delito de difamação, não viola o di-
gem de exercício do direito à liberdade de expressão deve ser ampliada, reito à liberdade de expressão. No caso em comento, o jornalista Mémo-
uma vez que aqueles que exercem cargos públicos devem agir com a li denunciou irregularidades praticadas pelo governo da cidade de San
62
maiortransparência possível ao desempenhar suas funções . Esse tam- Andrés de Giles, cidade da província de Buenos Aires. Nota-se que o caso
bém é o entendimento da Comissão Interamericana de Direitos Huma- é muito semelhante ao caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica; entretanto, o
nos: "Para assegurar uma adequada defesa da liberdade de expressão, os 11 ibunal interamericano tomou decisão diametralmente oposta — em-
Estados devem ajustar suas leis sobre difamação, injúria e calúnia defor- bora não o tenha sido de maneira unânime. O caso Mémoli vs. Argentina
ma tal que só possam ser aplicadas sanções civis no caso de ofensas a fun- é alvo de muitas críticas de toda a comunidade internacional, que, além
cionários públicos. Nestes casos, a responsabilidade, por ofensas contra de considerar o julgamento um "ponto fora da curva" na jurisprudência
funcionários públicos, só deveria incidir em casos de 'má fé'. A doutrina da da Corte IDH, também o trata como um evidente retrocesso no trata-
'má fé'significa que o autor da informação em questão era consciente de mento da liberdade de expressão.
que a mesma era falsa ou atuou com temerária despreocupação sobre a
verdade ou a falsidade de esta informação. Estas ideias foram recolhidas 5. Ao receber a denúncia, o j u i z não pode adentrar no mérito da deci-
pela CIDH ao aprovar os Princípios sobre Liberdade de Expressão, especi- são, sob pena de violação de sua imparcialidade
ficamente o Princípio TO. Este propõe a necessidade de revisar as leis que No caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica, a Corte Interamericana de Direitos
têm como objetivo protegera honra das pessoas (comumente conhecidas Humanos consignou entendimento de que, ao receber a denúncia, o ma-
como calúnia e injúria). O tipo de debate político, ao que dá lugar o direito gistrado não deve adentrar no mérito da questão, sob pena de violação
à liberdade de expressão e informação, gerará, indubitavelmente, certos de sua imparcialidade. Nesse sentido, é a lição de Luiz Flávio Gomes: "De
discursos críticos ou inclusive ofensivos para quem ocupa cargos públicos outro lado, se no momento do recebimento da denúncia, o juiz já entrou no
ou que está intimamente vinculado à formulação da política pública. As mérito do processo, tampouco se mostra imparcial. Quem assim procede,
leis de calúnia e injúria são, em muitas ocasiões, leis que, em lugar de não pode, depois, ser o juiz do processo (Caso Herrera Ulloa contra Costa
proteger a honra das pessoas, são utilizadas para atacar ou silenciar o Rica, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos)" . 66

61
discurso que se considera crítico da administração pública" .

64 A l é m do caso Herrera Ulloa vs.Costa Rica.a Corte Interamericana de Direitos H u m a -


61 O t e m a foi d e v i d a m e n t e abordado supra, no caso Olmedo Bustos vs. Chile (A Última
nos t a m b é m s e g u i u esta linha no j u l g a m e n t o do caso Ricardo Canese vs. Paraguai.
Tentação de Cristo).
65 Mémoli vs. Argentina: Retrocessoy tensión en la Corte Interamericana de Direitos Hu-
62 Este e n t e n d i m e n t o vai de encontro c o m a i n c o n v e n c i o n a l i d a d e do delito de desaca-
manos: < h t t p : / / s e n i a l e s . b l o g s p o t . c o m . b r / 2 0 i 3 / i i / m e m o l i - v s - a r g e n t i n a - r e t r o c e s o
to, t e m a j á tratado.
-y-tensíon.html> (em espanhol).
63 Estudos d a C o m i s s ã o Interamericana de Direitos H u m a n o s . Disponível e m : < w w w .
66GOMES, Luiz Flávio e M A Z Z U O L I , Valério de Oliveira. Comentários à Convenção Ame-
o a s . o r g / e s / c i d h / e x p r e s i o n / s h o w a r t i c l e . asp?artlD=533&IID=4)>.
ricana sobre Direitos Humanos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 115-116.

62 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 63
Há sinais de que este entendimento esposado pela Corte Interameritana I K Idade conduz â necessidade de que o Direito Internacional dos Direitos
de Direitos Humanos no caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica também é ado- Humanos tenha regras e princípios próprios de interpretação. Sobre essa
tado, em linhas gerais, pelo Superior Tribunal de Justiça e também pelo temática, é INCORRETO afirmar:
Supremo Tribunal Federal. Vejamos dois exemplos. • Como a regra do esgotamento dos recursos internos não é aplicada
( orn flexibilidade no Direito Internacional Geral, a jurisprudência das
Excesso de Linguagem (ou "eloquência acusatória") e Tribunal do Júri: Em
rortes internacionais de direitos humanos desenvolveu vários enten-
processos de competência do Tribunal do Júri, o magistrado, ao pronun-
dimentos que mitigam ou estabelecem pré-requisitos para a plena in-
ciar o acusado, deve ser cauteloso com suas palavras, valendo-se apenas
cidência da referida regra, como, por exemplo, fazendo recair o ônus
de termos mais comedidos para que não cause qualquer tipo de influên-
da prova da existência de um recurso "acessível e suficiente" sobre o
cia sob os jurados. Caso adentre no mérito e dê margem à possibilidade
I stado demandado, ou estabelecendo que o Estado requerido estaria
de influenciar a opinião dos jurados, restará caracterizado o fenômeno
obrigado a levantar a objeção no primeiro momento em que fosse cha-
conhecido como excesso de linguagem, tornando nula a decisão de pro-
mado perante a Comissão Interamerlcana, sob pena de ficar Impedido
núncia proferida. Nesse sentido, é o entendimento do STJ (v. HC 142803) e
de invocar o não-esgotamento no julgamento perante a Corte Intera-
também do STF (v. RHC 103078).
merlcana (estoppel).
6. Desnecessidade de motivação pelo magistrado no ato de recebimento
GABARITO: A assertiva está correta, e portanto, não deveria ser assinalada.
da denúncia

Ainda sobre o tema que estamos estudando, vem prevalecendo na juris- (ÜACEN — PROCURADOR, 2 0 0 9 — CESPE, ADAPTADA) Em relação a atos
prudência a desnecessidade de fundamentar o ato que recebe a denún- unilaterais, assinale a opção correta:
cia. É importante lembrar que não cabe recurso contra o ato que recebe a • Esses atos são conhecidos também como estoppel.
inicial acusatória, sendo possível apenas o manejo de habeas corpus em
GABARITO: Errada. O conceito do princípio do estoppel não equivale ao
situações teratológicas. Nesse sentido, é o entendimento do STJ (v. RHC
conceito de ato unilateral. Trata-se, na verdade, da proibição do com-
36974) e do STF (v. HC 95354). Vale observar que o STF possui precedente
portamento contraditório em âmbito internacional.
pela necessidade de fundamentação no ato de recebimento da denúncia,
nos procedimentos penais em que há a possibilidade do exercício de de-
fesa preliminar pelo acusado (v. HC 84919). Portanto, é possível falar que
há certa convergência entre a jurisprudência da Corte Interamerlcana de
Direitos Humanos e a Interpretação conferida pelos tribunais superiores
domésticos acerca da Imparcialidade do juiz no ato de recebimento da
denúncia, pois o ordenamento jurídico pátrio proíbe o excesso de lingua-
gem e também não exige a necessidade de fundamentação pelo magis-
trado ao receber a denúncia (ressalvada a exceção já comentada).

I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S

(DPE/PR — DEFENSOR PÚBLICO, 2012 — ADAPTADA) Diferentemente do


Direito Internacional Público clássico, os conceitos e categorias jurídicas
do Direito Internacional dos Direitos Humanos formaram-se e cristaliza-
ram-se no plano das relações intraestatais, ou seja, das relações entre os
Estados e os seres humanos sob suas respectivas jurisdições. Essa especi-

C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A DA CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 65


64 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
i i . mi li 1111< d delido não foi Informado no momento da prisão sobre as
m i . i . k I c i i . i ' . t.izões desta, ressaltou que "considera indispensável destacar
i / H ' (/ pnsao preventiva é a medida mais severa que se pode aplicarão im-
putado de um delito, motivo pelo qual sua aplicação deve ter um caráter
Caso Tibi vs. Equador
1 <i lonal, em virtude de que se encontra limitada pelos princípios da le-
,/,//(,hnle, presunção de inocência, necessidade e proporcionalidade, indis-
ÓRGÃO JULGADOR: l'<asáveis numa sociedade democrática" (§ 106 ). o

A i nrte também censurou a atitude do Estado em não propiciar ao se-


Corte Interamerieana de Direitos H u m a n o s
i i i i n i I ibi o direito de estabelecer contato com terceira pessoa, como por

pxemplo um familiar, um advogado ou um funcionário consular, adver-


SENTENÇA: l i i i d i >que "A notificação a um familiar tem particular relevância para efiei-
07 de setembro de 2004 i/i que este conheça o paradeiro e as circunstancias e/n que se encontra
a detido e possa prover-lhe a assistência e proteção devidas. No caso da
notificação a um advogado tem especial importância a possibilidade de
que o detido se reúna em privado com aquele, o que é inerente ao seu di-
leíto a beneficiar-se de uma verdadeira defesa", e ressaltando também que
RESUMO DO CASO i i i o l i h i ação consular PROPICIA ao detido diversos béqs cie defesa, como
O oferecimento de intérprete, a obtenção de provas no país de origem, a
Em 25/06/2013 a Comissão Interamerieana de Direitos Humanos subme-
VERIFICAÇÃO das condições em que se exerce a assistência legal e a obser-
teu à Corte Interamerieana de Direitos Humanos uma demanda contra o
vação da situação do detido enquanto recolhido na prisão.
Equador, alegando que o senhor Daniel Tibl (adiante denominado apenas
de Tibí), um comerciante francês de pedras preciosas, foi preso pela Polí- Ainda sobre a violação do direito à liberdade pessoal do senhorTibi,a Corte
cia, sem ordem judicial e com base apenas na declaração de um suposto uinsiderou violado o art. 7.5 da CADH, que dispõe que a prisão de uma pes-
coautor da infração penal, em 27/09/95, quando conduzia seu automóvel s o a seja submetida sem demora à revisão judicial, como melo de controle
por uma rua de Quito, no Equador, tendo sido transferido, em seguida, Idóneo para evitar as capturas arbitrárias e ilegais. No caso em exame, o
para uma prisão localizada há 6ookm de Quito, onde ficou recolhido num pieso somente foi apresentado a uma autoridade quase seis meses após
cárcere por vinte e oito meses, aonde, embora afirmando que era inocen- a sua detenção, autoridade aquela, ainda, um "Agente Fiscal do Ministério
te, foi torturado e obrigado a confessar sua participação num caso de Publico", que a Corte entendeu incompetente para presidir o ato.
narcotráfico, tendo, ainda, seus bens sido apreendidos e não devolvidos
Finalmente, a Corte, após considerar que o Estado violou diversos outros dis-
quando de sua liberação, em 21/01/1998.
positivos da CADH e também da Convenção Interamerieana para Prevenir e
Diante deste cenário, a Comissão, apontando violações à CADH pelo Punir a Tortura, todos relacionados com a liberdade pessoal, proteção judi-
Equador, solicitou à Corte que ordenasse ao Estado adotar uma repara- cial, integridade pessoal e propriedade privada, condenou o Equador a, entre
ção efetiva na qual se deveria incluir a indenização pelos danos moral outras medidas: (1) num prazo razoável, Investigar efetivamente os fatos com
e material sofridos pelo senhor Tibi, assim como que o Estado adotasse o fim de identificarjulgar e punir os autores das violações cometidas em pre-
medidas legislativas ou de outra natureza para garantir o respeito aos juízo do senhor Tibi; (2) emitir uma declaração pública pelas altas autorida-
direitos consagrados na CADH a respeito das pessoas sob sua jurisdição, des do Estado na qual reconheça sua responsabilidade internacional pelos
e para evitar, no futuro, violações similares. fatos referidos neste caso; (3) estabelecer um programa deformação e capa-
A Corte, após considerar a prisão do senhor Tibi absolutamente ilegal, citação para o corpo defuncionários do Judiciário, Ministério Público, Polícia e
e isso porque realizada sem ordem judicial ou hipótese de flagrância, e Penitenciário; e 4) pagar a quantia fixada na sentença para fins de reparação
também porque sustentada a partir de declaração Isolada de coautor, dos danos materiais e morais provocados ao senhor Tibi e sua família.

66 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S C A S O S J U L G A D O S PELA IURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 67


PONTOS IMPORTANTES SOBRE O CASO f 1, Conceito e previsão normativa
11 1 ixicelto de custódia se relaciona com o ato de guardar, de proteger.
1. " G u a n t a n a m i z a ç ã o " do processo penal a . n i i l i r i K i,i de custódia consiste, portanto, na condução do preso, sem
Em seu voto anexo ao julgamento do Caso Tibi vs. Equador, o juiz Sergio demora, à presença de uma autoridade judicial que deverá, a partir de
Garcia Ramirez utiliza, para designar um movimento de autoritarismo e ar- prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa,
bitrariedade, a expressão "guantanamização" do processo penal: "A persis- • K er um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão,
tência de antigas formas de criminalidade, a aparição de novas expressões da 1 sim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido,
delinquência, o assédio do crime organizado, a extraordinária virulência de 1101, ida mente a presença de maus tratos ou tortura. Assim, a audiência
certos delitos de suma gravidade — assim, o terrorismo e o narcotráfico —, de 1 iistodia pode ser considerada como uma relevantíssima hipótese de
es

têm determinado uma sorte de 'exasperação ou desesperação'que é má con- ti jurisdição penal , tratando-se de uma "das garantias da liberda-
69

selheira: sugere abandonar os progressos e retornar a sistemas ou medidas de pessoal que se traduz em obrigações positivas a cargo do Estado" .
que já mostraram suas enormes deficiências éticas e práticas. Numa de suas A designação de tal procedimento como "audiência de custódia" não en-
versões extremas, este abandono tem gerado fenômenos como a 'guantana- 1 unira correspondência no Direito Comparado. Há, inclusive, quem prefi-
mização' do processo penal, ultimamente questionada pela jurisprudência 1.1.1 expressão "audiência de garantia" . Aqui utilizaremos o termo "au- 70

o
da própria Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos" (§ 30 ). diência de custódia" em razão de sua ampla acolhida não somente pela
Imprensa brasileira, mas também pelos instrumentos (judiciais e legisla-
2. Proibição absoluta da tortura
tivos) que visam a sua implementação.
Conforme a Corte Interamerieana fez constar em sua decisão, "Existe um
A previsão normativa da referida garantia é encontrada em diversos Tra-
regime jurídico internacional de proibição absoluta de todas as formas de
lados Internacionais de Direitos Humanos. Vejamo-los.
tortura, tanto física como psicológica, regime que pertence hoje em dia ao
domínio do ius cogens. A proibição da tortura é completa e inderrogável, A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) prevê que "Toda pes-
ainda que nas circunstâncias mais difíceis, tais como a guerra, ameaça de «.< ia presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um
guerra, luta contra o terrorismo e quaisquer outros delitos, estado de sítio juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercerfunções judiciais (...)" (art.
ou de emergência, comoção ou conflito interior, suspensão de garantias 7.5). O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), da mesma
constitucionais, instabilidade politica interna ou outras emergências ou ca- lomia, estabelece que "Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de
lamidades públicas" (§ 143}. Para mais considerações a respeito da tortura, infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de ou-
ver os comentários sobre o Caso Bélgica vs. Senegal neste livro.

3. Para aprofundar: o que é "audiência de custódia"? 68 Neste sentido, ver CARVALHO, Luis G u s t a v o Grandinetti C a s t a n h o de. Processo Penal
e Constituição:princípios constitucionais do processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
Uma das violações da CADH praticadas pelo Equador, censurada pela Cor-
2014, p. 44: "A Convenção Americana de Direitos Humanos, no art. 7°, n.5, contempla
te Interamerieana, foi o fato de o senhor Tibi ter sido apresentado diante outra hipótese de acesso à jurisdição penai, toda pessoa detida tem direito de ser
de uma autoridade judicial somente vários meses após a sua prisão. Tal conduzida, sem demora, à presença de um juiz".
cenário nos remete a um dos temas mais polêmicos e falados da atuali- dg CASAL, Jesus Maria. In: Convención Americana sobre Derechos Humanos — Comen-
67
dade no Brasil: a audiência de custódia . tário. F u n d a c i ó n Bototã, C o l ô m b i a ; Konrad Adenauer, 2014, p. 195.
70 É o entendimento de Cleopas Isaías Santos:"(.,.) entendemos que a expressão au-
diência de custódia não traduz, da melhor forma, a natureza desse ato. Acreditamos
que a expressão audiência de garantia representa com maior fidelidade sua natureza,
levando-se em conta suas finalidades e projetando com maior eficácia suas potencia-
67 Os escritos aqui veiculados sobre a u d i ê n c i a de custódia c o n s i s t e m e m reprodução lidades," [Audiências de Garantia ou sobre o óbvio ululante. Disponível e m : <http://
de trechos do livro escrito por u m dos coautores dessa obra, Caio Paiva, cujo título é emporiododireito.com.br/audiencia-de-garantia-ou-sobre-o-obvio-ululante-por-
Audiência de Custódia e o Processo Penai Brasileiro (pendente de publicação). cleopas-isaias-santos-2/>. Acesso: 05/03/2015).

68 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 69


P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O (.1. Conceito e previsão normativa
O conceito de custódia se relaciona com o ato de guardar, de proteger.
1. " G u a n t a n a m i z a ç ã o " d o processo penal A audiência de custódia consiste, portanto, na condução do preso, sem
Em seu voto anexo ao julgamento do Caso Tibl vs. Equador, o juiz Sergio demoia, à presença de uma autoridade judicial que deverá, a partir de
Garcia Ramirez utiliza, para designar um movimento de autoritarismo e ar- pievio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa,
bitrariedade, a expressão "guantanamização"do processo penal: "A persis- rxercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão,
tência de antigas formas de criminalidade, a aparição de novas expressões da assim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido,
delinquência, o assédio do crime organizado, a extraordinária virulência de notadamente a presença de maus tratos ou tortura. Assim, a audiência
certos delitos de suma gravidade — assim, o terrorismo e o narcotráfico —, de custódia pode ser considerada como uma relevantíssima hipótese de
6

têm determinado uma sorte de 'exasperação ou desesperação'que é má con- acesso à jurisdição penal ", tratando-se de uma "das garantias da liberda-
69

selheira: sugere abandonar os progressos e retornar a sistemas ou medidas de pessoal que se traduz em obrigações positivas a cargo do Estado" .
que já mostraram suas enormes deficiências éticas e práticas. Numa de suas A designação de tal procedimento como "audiência de custódia" não en-
versões extremas, este abandono tem gerado fenômenos como a 'guantana- (ontra correspondência no Direito Comparado. Há, inclusive, quem prefi-
mização' do processo penal, ultimamente questionada pela jurisprudência 70
ra a expressão "audiência de garantia" . Aqui utilizaremos o termo "au-
o
da própria Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos" (§ 30 ). diência de custódia" em razão de sua ampla acolhida não somente pela
Imprensa brasileira, mas também pelos Instrumentos (judiciais e legisla-
2. Proibição absoluta da tortura
tivos) que visam a sua implementação.
Conforme a Corte Interamericana fez constar em sua decisão, "Existe um
A previsão normativa da referida garantia é encontrada em diversos Tra-
regime jurídico internacional de proibição absoluta de todas as formas de
tados Internacionais de Direitos Humanos. Vejamo-los.
tortura, tanto física como psicológica, regime que pertence hoje em dia ao
domínio do ius cogens. A proibição da tortura é completa e inderrogável, A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) prevê que "Toda pes-
ainda que nas circunstâncias mais difíceis, tais como a guerra, ameaça de soa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um
guerra, luta contra o terrorismo e quaisquer outros delitos, estado de sítio juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais {...)" (art.
ou de emergência, comoção ou conflito interior, suspensão de garantias /.c,). O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), da mesma
constitucionais, instabilidade política interna ou outras emergências ou ca- forma, estabelece que "Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de
lamidades públicas" (§ 143). Para mais considerações a respeito da tortura, infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de ou-
ver os comentários sobre o Caso Bélgica vs. Senegal neste livro.

3. Para aprofundar: o que é "audiência de custódia"? Í18 Neste sentido, ver CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal
e Constituição:princípios constitucionais do processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
Uma das violações da CADH praticadas pelo Equador, censurada pela Cor-
2014, p. 44: "A Convenção Americana de Direitos Humanos, no art. 7° n. 5, contempla
te Interamericana,foi o fato de o senhorTibi ter sido apresentado diante outra hipótese de acesso à jurisdição penal: toda pessoa detida tem direito de ser
de uma autoridade judicial somente vários meses após a sua prisão. Tal conduzida, sem demora, à presença de um juiz".
cenário nos remete a um dos temas mais polêmicos e falados da atuali- 69CASAL, Jesus Maria. In: Convención Americana sobre Derechos Humanos — Comen-
67
dade no Brasil: a audiência de custódia . tário. Fundación Bototá, Colômbia: Konrad Adenauer, 2014, p. 195.
70 É o entendimento de Cleopas Isaías Santos:"(...) entendemos que a expressão au-
diência de custódia não traduz, da melhor forma, a natureza desse ato. Acreditamos
que a expressão audiência de garantia representa com maior fidelidade sua natureza,
levando-se em conta suas finalidades e projetando com maior eficácia suas potencia-
67 Os escritos aqui veiculados sobre audiência de custódia consistem e m reprodução lidades" (Audiências de Garantia ou sobre o óbvio ululante. Disponível em: <http:/Y
de trechos do livro escrito por um dos coautores dessa obra, Caio Paiva, cujo título é e m poriododi reito.com.br/audiencia-de-garantia-ou-sobre-o-obvio-ululante-por-
Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro (pendente de publicação). cleopas-isaias-santos-2/>. Acesso: 05/03/2015).

68 I Jurisprudência internacional de direitos humanos Casos julgados pela jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos | 69
tra autoridade hubilitudu por lei a exercer funções judiciais (...)" (ar t. <•). j). L a var para o conduzido que tonlra ele havia sido expedido um mandado
Convenção Europeia de Direitos Humanos, por sua vez, garante que "Qual- ile prisão".
quer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo i alínea c),
Outra hipótese de "audiência de apresentação", e não de audiência de
do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro
(ustódia, portanto, está prevista no art. 175 do ECA, que dispõe: "Em caso
magistrado habilitado pela lei para exercerfunções judiciais (...)" (art. 5.3)''.
de não liberação, a autoridade policial encaminhará, desde logo, o ado-
Antes de prosseguir, uma curiosidade. Desde 1965, o Código Eleitoral bra- lescente ao representante do Ministério Público, juntamente com cópia
sileiro já prevê uma espécie de audiência de custódia para os cidadãos do auto de apreensão ou boletim de ocorrência".Tal ato não se confunde
72
que forem presos (nas hipóteses permitidas ) no período entre cinco dias torn a audiência de custódia por duas razões: primeira, não é realizado
antes e até quarenta e oito horas após o encerramento da eleição: "Ocor- 74
na presença de autoridade judicial , mas perante o Ministério Público,
rendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença e, segundo, a atividade do MP neste procedimento se revela incapaz de,
do juiz que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promovera sozinha, reparar qualquer tipo de ilegalidade na apreensão do adoles-
a responsabilidade do coator" (art. 236, § 2°). Veja-se, pois, que a conside- cente ou fazer cessá-la ante sua desnecessidade, ou, ainda, de custodiar
ração de tal ato como sendo uma audiência de custódia justifica-se pela o adolescente vítima de eventual violência ou maus tratos, e isso porque,
sua vinculação expressa à apreciação pelo juiz da legalidade da prisão, o entendendo por arquivar o expediente ou conceder a remissão (art. 179,
que não parece excluir que por ocasião da audiência o juiz verifique, tam- ^ único, incisos I e II, do ECA),o que acarretaria a liberação do adolescen-
bém, a necessidade da prisão, assim como exerça um controle de custódia/ te, ainda assim tal ato ficaria condicionado à homologação judicial (art.
proteção do direito à integridade física do cidadão conduzido. 181 do ECA). Diversamente, pode-se encontrar alguma possibilidade de
audiência de custódia no art. 171 do ECA, que dispõe que "O adolescente
Semelhante hipótese é encontrada no art. 287 do CPP, que dispõe: "Se a
apreendido por força de ordem judicial será, desde logo, encaminhado à
infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a.
autoridade judicial", ainda que parte da doutrina se empenhe em esva-
prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que 75
ziar a potencialidade desta norma .
tiver expedido o mandado". Aqui, porém, não há uma audiência de cus-
tódia propriamente dita, mas apenas uma "audiência de apresentação",
cuja finalidade é menos ampla do que a daquela, eis que se limita à pro-
73 Basileu Garcia recorda, a propósito, que o art. 287 do CPP concilia o interesse individual com
o interesse social, pois o primeiro exige "a obediência a fórmulas que resguardem de abusos o
direito à liberdade", razão pela qual "tolerando a lei a captura sem exibição do mandado nos
71 Outra correspondência pode ser encontrada, ainda, no "Conjunto de Princípios para crimes mais graves, os inafiançáveis, determina seja o preso imediatamente conduzido à pre-
a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão sença do magistrado que haja ordenado a prisão" (GARCIA, Basileu. Comentários ao Código de
documento das Nações Unidas, de 1988, cujo Princípio 37 estabelece que "A pessoa Processo Penal—v. III. Rio de Janeiro: Forense,i945, p. 36). Outra hipótese de audiência de apre-
detida pela prática de uma infração penal deve ser presente a uma autoridade judicia- sentação.enãodecustódia.é encontrada noart. 66, § úníco.daLei 5010/66 (Organiza a Justiça
ria ou outra autoridade prevista por lei, prontamente após sua captura. Essa autoridade Federal de primeira instância), que assim dispõe-. "Ao requerer a prorrogação do prazo para
decidirá sem demora da ilegalidade e necessidade da detenção (...)". Da mesma forma, conclusão do inquérito, a autoridade policial deverá apresentar o preso aoJuiz"Ja\ expediente,
o art. 47 do Código de Processo Penal Modelo para a Iberoamérica: "Se o Imputado nunca observado na prática, tem um objeto mais restrito do que aquele reservado à audiência
houver sido apreendido, se dará comunicação imediatamente ao juiz da instrução para de custódia, pois a apresentação do preso ocorreria apenas para balizar um juízo sobre prorro-
que declare em sua presença, no máximo do prazo de doze horas a contar desde sua gação das investigações e necessidade de manter o cidadão preso até o seu término.
apreensão. Este prazo poderá se prorrogar pelo mesmo período, quando houver pedido 74 Este t e m a será aprofundado no tópico 2.3.1.
do imputado para eleger defensor. Em casos excepcionais, quando for absolutamente
75 A s s i m , Nucci, para q u e m "Se é para ser internado, uma vez apreendido, não há o que
impossível o traslado de pessoas no prazo estabelecido, pela distância, a grave dificulda-
de das comunicações, uma catástrofe, o isolamento ou outro fato extraordinário simi- fazer na presença do juiz; deve ser imediatamente encaminhado à unidade apropria-
lar, o juiz poderá fixar um prazo distinto, de acordo com as circunstâncias, por resolução da. Poder-se-ia dizer — e esse é o real significado desta norma — que, feita a apreen-
fundada e sob sua responsabilidade" (tradução do espanhol feita livremente).
são, comunica-se, de pronto, o juízo, para que se tenha conhecimento da internação.
(...) Enfim, quando for apreendido por ordem do juiz, deve seguir para a unidade res-
72 0 art. 236, caput, do Código Eleitoral, s o m e n t e admite a prisão no período citado pectiva, comunicándose o juízo em, no máximo, 24 horas (...)" (NUCCI, Guilherme de
quando se tratar de flagrante delito, prisão decorrente de sentença condenatória Souza Nucci. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: em busca da Consti-
por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto. tuição Federal das Crianças e dos Adolescentes. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 554).

70 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S | 71
Em suma, temos que o conceito dado à audiência de custódia está total- |<»lln da utilidade dos direitos e garantias veiculados nos I ratados a que
mente vinculado à sua finalidade (assunto do tópico seguinte), nao po« voluntariamente — aderiram.
dendo se confundir com a mera "audiência de apresentação", porquanto
íJulia finalidade da audiência de custódia se relaciona com a prevenção
sua previsão nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos j á citados
»1.1 triitina policial, assegurando, pois, a efetivação do direito à integrida-
somente se justifica na possibilidade de servir-se como um instrumento
de pessoal das pessoas privadas de liberdade. Assim, prevê o art. 5.2 da
de controle judicial imediato da prisão.
t ADI t que "Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos
3.2. Finalidades da audiência de custódia f desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve
»r»r tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano". O
A principal e mais elementar finalidade da implementação da audiência
expediente, anota Carlos Weis, "aumenta o poder e a responsabilidade dos
de custódia no Brasil é ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados
76
fuues, promotores e defensores de exigir que os demais elos do sistema de
Internacionais de Direitos Humanos . Tal premissa implica considerar 1
ju\tiça criminal passem a trabalharem padrões de legalidade e eficiência" *.
que as finalidades da audiência de custódia, ainda que não convençam os^
seus opositores, não os desobriga de observar o seu cumprimento. Pouca Nrístc sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos j á decidiu que
ou nenhuma importância teria o Direito Internacional dos Direitos Hu-. fl (presentação imediata ao juiz "é essencial para a proteção do direito à
77
manos se cada país dispusesse de uma "margem de apreciação" a res- : liberdade pessoal e para outorgar proteção a outros direitos, como a vida e a
Integridade pessoal", advertindo que "O simples conhecimento por parte de
• um\uiz de que uma pessoa está detida não satisfaz essa garantia,já que o de-
lida deve comparecer pessoalmente e apresentar sua declaração ante o juiz
76 Neste sentido, ver CHOUKR, Fauzi Hassan. PL 554/2011 e a necessária (e lenta) adapta-»^ 19

cão do processo penal brasileiro à convenção americana de direitos do homem. IBCCrim £ (iii autoridade competente" . Noutro precedente, a Corte IDH, dialogando
Boletim n.254—jan. 2014. Vertambém PAIVA, Caio; LOPES Aury. Audiência de custo-, com a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos, ressalta que
dia e a imediata apresentação do preso aojuiz-, rumo à evolução civilizatória do processo "A pronta intervenção judicial é a que permitiria detectar e prevenir amea-
penal. Em Revista Liberdades, publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
ças contra a vida ou sérios maus tratos, que violam garantias fundamentais
(IBCCrim), n° 17 - setembro/dezembro de 2014, disponível em <http://www.revista
liberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdícoesExibir.php?rconJd=209>. Acesso lambem contidas na Convenção Europeia (...) e na Convenção Americana",
em:27/02/20i5. No mesmo sentido: "Um aspecto importante relativo ao preso cautelar
diz respeito ao problema da exigibilidade da sua apresentação 'pessoal' perante o juiz.
competente para a análise da regularidade da prisão. Tal questão tem sido negligencia-
da não apenas pela doutrina processual penal brasileira, mas também pela magistra-- — parcial — acolhida somente na jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Huma-
tura nacional, a revelar a apatia história de ambos os setores pelo direito internacional. nos, não havendo qualquer entendimento semelhante no âmbito do Sistema Interame-
em geral e aquilo que Cünther Teubner chama de 'nacionalismo metodológico. Ambas ilcano de Direitos Humanos, e ainda, os casos que ensejaram a sua aplicação no Sistema
as noções traduzem a ideia de que o direito e as organizações domésticas bastam-se a si europeu de Direitos Humanos tratam de questões consideradas "polêmicas" sob certo
mesmos, não necessitando do suplemento teórico ou normativo seja do direito interna • ponto (liberdade de expressão, direitos de transexuais etc), em nada se assemelhando
cional seja da jurisprudência internacional. Infelizmente, este é o cenário histórico que se- do direito à mera apresentação do preso à autoridade judicial. Para mais considerações
registra no Brasil e em outros países da América Latina, o que tem produzido resultados - sobre a "teoria da margem de apreciação", inclusive com indicação de outras fontes de
negativos para a esperança do desenvolvimento dos direitos humanos na região" (PE- estudo, vero livro citado nesta nota de André de Carvalho Ramos (p. 92-99). Ainda sobre a
REIRA, Ruítemberg Nunes. Assegurar direito à apresentação ao juiz é dever do Estado. teoria da margem de apreciação, ver comenta rios do caso Lopez Mendoza vs. Venezuela.
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-out-15/ruitemberg-nunes-assegu-
78 WEIS, Carlos. Trazendo a realidade para o mundo do direito. Informativo Rede Justi-
rar-direito-apresentacao-juiz-dever-estado>. Acesso em:27/o2/2oi5).
ça Criminal, Edição 05, ano 03/2013. Disponível e m : <www.iddd.org.br/Boletim_Au-
77 A "teoria da margem de apreciação" baseia-se na subsidiariedade da jurisdição interna- dienciaCustodia_RedeJusticaCriminal.pdf >.
cional e prega, conforme recorda André de Carvalho Ramos, "que determinadas questões 70 Corte I D H . Caso Acosta Calderon vs. Equador. Fundo, reparações e custas. Sentença
polêmicas relacionadas com as restrições estatais a direitos protegidos devem ser discutidas proferida em 24/06/2005, § 78. No m e s m o sentido: Corte IDH. Caso Lopez Alvarez
pelas comunidades nacionais, não podendo o juiz internacional apreciá-las" (RAMOS, An- vs. Honduras. Fundo, reparações e custas. Sentença proferida e m 01/02/2006, § 87;
dré de Carvalho. Teoria Cerai dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 2. ed. São Pau- Corte IDH. Caso Palamara Iribarne vs. Chile. Fundo, reparações e custas. Sentença pro-
lo: Saraiva, 2012, p. g2).Tal teoria não pode ser invocada para sustentar o descumprimento ferida em 22/11/2005, § 2 2 1
; Corte IDH. Caso Tibi vs. Equador. Exceções preliminares,
do direito à audiência de custódia, e isso por pelo menos duas razões: primeiro, encontra fundo, reparações e custas.Sentença proferida em 07/09/2004, § 118.

72 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA D A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS H U M A N O S | 73
concluindo, em seguida, que "tstão em jogo tanto a proteção da hticrda qualquei teirllótio sob suajunsdiçào" (orl. 2.1 da Convenção Contra <i loituia
de física dos indivíduos como a segurança pessoal, num contexto no qual rOubos Iratamcntosoii Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes" ). 1

a ausência de garantias pode resultar na subversão da regra de direito e na


80 Uma leiteira finalidade da audiência de custódia pode ser identificada no
privação aos detidos das formas mínimas de proteção legal" .
seu piopósito de evitar prisões ilegais, arbitrárias ou, por algum motivo,
Da mesma forma, em caso envolvendo a morte de um menino por policiais desnecessárias. O juízo a ser realizado na audiência de custódia pode ser
do Estado do Rio de Janeiro em 1992, a Comissão Interamericana de Direi- f onsiderado, portanto, conforme a lição de Badaró, um juízo "complexo
tos Humanos censurou o Brasil por não garantir a audiência de custódia ou bifronte",já que
à vítima, concluindo que esta foi privada de sua liberdade de forma ilegal,
"sem que houvesse qualquer motivo para sua detenção ou de qualquer situa "Não se destina apenas a controlar a legalidade do ato já realizado,
cão flagrante. Não foi apresentado imediatamente ao juiz. Não teve direito mas também a valorar a necessidade e adequação da prisão cau-
de recorrer a um tribunal para que este deliberasse sobre a legalidade da sua telar, para o futuro. Há uma atividade retrospectiva, voltada para o
passado, com vista a analisar a legalidade da prisão em flagrante, e
detenção ou ordenasse sua liberdade, uma vez que foi morto logo após sua
% outra, prospectiva, projetada para o futuro, com o escopo de apre-
prisão. O único propósito da sua detenção arbitrária e ilegal foi mata-lo" \
ciar a necessidade e adequação da manutenção da prisão,ou de sua
Esta finalidade da audiência de custódia, de agir na prevenção da tortura, substituição por medida alternativa à prisão ou, até mesmo, a sim-
também foi ressaltada, recentemente, pela Comissão Nacional da Verdade ples revogação sem imposição de medida cautelar" . 85

V
(CNV), cujo relatório final veiculou, entre as recomendações, a "Criação da
audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro para garantia da Assim, já decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos que "O
apresentação pessoal do preso à autoridade judiciária em até 24 horas apos controle judicial imediato é uma medida tendente a evitar a arbitrarieda-
o ato da prisão em flagrante, em consonância com o artigo j° da Convenção de ou ilegalidade das detenções, tomando em conta que num Estado de
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), à qual * Direito corresponde ao julgador garantir os direitos do detido, autorizar
82
o Brasil se vinculou em 1992" . Ao implementar a audiência de custódia no ú adoção de medidas cautelares ou de coerção, quando seja estritamente
ordenamento jurídico pátrio, o Brasil cumpre, ainda, um compromisso inter ' necessário, e procurar, em geral, que se trate o investigado de maneira coe-
86
83
nacional de tomar "medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, lente com a presunção de inocência" . Da mesma forma, após ressaltar a
judicial ou de outra natureza, a fim de impedira prática de atos de tortura em

Ho Referida Convenção foi internalizada no ordenamento jurídico brasileiro pela pro-


80 Corte IDH. Caso de los "Niños de la Calle" (Villagran Morales y otros) vs. Guatemala mulgação veiculada no Decreto n° 40/1991.
Fundo. Sentença proferida e m 19/11/1999, § 135.
85 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Parecer..., p. 14.
81 Comissão Interamericana de Direitos H u m a n o s . CasoJailton Nerida Fonseca vs. Brc «6 Corte I D H . Caso Acosta Calderon vs. Equador. Fundo, reparações e custas. Senten-
sil (Caso 11.634). Informe de mérito do dia n/03/2004, § 59, disponível em < h t t p : / /
ça proferida e m 24/06/2005, § 76. No m e s m o sentido: Corte IDH. Caso Bayarri vs.
www.cidh.org/annualrep/2004sp/Brasil.11634.htm>. Acesso em:27/02/20i5. Grifo
Argentina. Exceção preliminar, fundo, reparações e custas. Sentença proferida e m
meu. Para conferir informações de outros casos contra o Brasil na Comissão Intera-
30/10/2008, § 63; Corte IDH. Caso Bulacio vs. Argentina. Fundo, reparações e cus-
mericana sobre violência policial, consultar PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o
Direito Constitucional Internacional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 386-395. tas. Sentença proferida em 18/09/2003, § 129; Corte IDH. Caso Bámaca Velasquez
vs. Guatemala. Fundo. Sentença proferida em 25/11/2000; Corte I D H . Caso Cabre-
82 Cf. Parte V. Conclusões e Recomendações, item 25, p. 972. Disponível em: <http://www.cnv
ra Garciay Montiel Flores vs. México. Exceção preliminar, fundo, reparações e cus-
gov.br/images/relatorio_final/RelatorioJinal_CNV_Pa rte_5.pdf>.Acessoem:27/02/20i5 tas. Sentença proferida em 26/11/2010, § 93; Corte IDH, Caso Chaparro Alvarezy
83 Neste sentido, Weis e Junqueira: "Se a oitiva do preso pelo juiz, sem demora, pode signifi- l apo íhiguez vs. Equador. Exceção preliminar,fundo, reparações e custas. Sentença
car a redução dos casos de tortura, ao legislador cabe inequivocamente implementar tal proferida em 21/11/2007, § 81; Corte IDH. Caso Familia Barrios vs. Venezuela. Fun-
regra, sem o que, por sua omissão, estará violando a norma da Convenção Contra a Tortu- do, reparações e custas. Sentença proferida em 24/11/2011, § 54; Corte IDH. Coso
ra e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (...)" (WEIS, Carlos- Fleuryy otros vs. Haiti. Fundo e reparações. Sentença proferida em 23/11/2011, § 61-,
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. A obrigatoriedade da apresentação imediata da Corte I D H . Caso Garcia Astoy Ramirez Rojas vs. Perú. Exceção preliminar, fundo,
pessoa presa ao juiz. Revista dos Tribunais, v. 921/2012, p. 331-355,2012, acesso eletrônico). leparações e custas. Sentença proferida e m 25/11/2005, § 109; Corte I D H . Caso Juan

74 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S 175


especial vulnerabilidade do preso, a Corte IDH já ressaltou que "o JUIZ e o.I hipótese de estar vigorando no país algum expediente normativo de
garante dos direitos de toda pessoa que esteja na custódia do Estado, pelo suspensão de garantias, considerando que.ao agir desta maneira, o Esta-
que lhe corresponde a tarefa de prevenir ou fazer cessar as detenções ilegais do estará violando a CADI-T-'. A esse propósito, recordemos que a Conven-
ou arbitrárias e garantir um tratamento conforme o princípio da presun- CIÓ Americana prevê em seu art. 27.1 a possibilidade excepcionalíssima
9
ção de inocência" . 31
de "suspensão de garantias" ", dispondo que "Em caso de guerra, de peri-
llo publico, ou de outra emergência que ameace a independência ou segu-
Ainda a propósito desta finalidade, a exigência da audiência de custódia
lança do Estado-parte, este poderá adotar as disposições que, na medida e
contribui diretamente para a prevenção de desaparecimentos forçados
pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam
e execuções sumárias, tendo sido este, aliás, o motivo que levou a Corte
as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais dispo-
Interamericana a analisar pela primeira vez o direito à apresentação ime-
sições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o
diata à autoridade judicial, no julgamento do Caso Velasquez Rodriguez vs.
i ni eito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em
8 8
Honduras, em 1988 .
motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social". E o art. 28 da
De tão importante que é a apresentação do preso ao juiz, a Corte Intera- t ADH, por sua vez, elenca os direitos que não são passíveis de suspensão,
91

mericana já decidiu, inclusive, que tal direito não pode ser anulado nem entre os quais não está o direito à liberdade pessoal previsto no art. 7 .
Assim, decidiu a Corte IDH, portanto, que ainda que o direito à liberdade

Humberto Sánchez vs. Honduras. Exceções preliminares, fundo, reparações e cus-


tas. Sentença proferida em 07/06/2003, § 83; Corte I D H . Caso Maritza Urrutia vs H y C o r t e I D H . C a s o J. vs.Peru. Exceção p r e l i m i n a r , f u n d o , r e p a r a ç õ e s e c u s t a s . S e n t e n ç a
Guatemala. Fundo, reparações e c u s t a s . Sentença proferida e m 27/11/2003, § 73- proferida em 27/11/2013, § 144. Neste Caso, a Corte IDH ressaltou que o fato de a
Corte I D H . Corte Nadege Dorzemay otros vs. República Dominicana. Fundo, repara- detida ter ficado pelo m e n o s quinze dias presa sem qualquer forma de contro-
ções e c u s t a s . S e n t e n ç a proferida e m 24/10/2012, § 135; Corte I D H . Caso Palamara le judicial, n o t a d a m e n t e a ausência de condução ao juízo, consistiu em medida
Iribarne vs. Chile. Fundo, reparações e c u s t a s . Sentença proferida e m 22/11/2005, § desproporcional, não t e n d o sido, portanto, "estritamente necessária" aos fins da
135; Corte I D H . Caso de los Hermanos Gómez Paquiyauri vs. Perú. Fundo, reparações suspensão de g a r a n t i a s que vigorava no país, razão pela qual classificou a conduta
e custas. S e n t e n ç a proferida em 08/07/2004, §§ 95 e 96; Corte I D H . Caso Tibi vs do Estado como arbitrária.
Equador. Exceções preliminares,fundo, reparações e custas. Sentença proferida em q o C o n f o r m e a lição de Mazzuolí, "O art. 27 da Convenção Americana contempla o que
07/09/2004, § 114; Corte I D H . CasoJ. vs. Peru. Exceção preliminar,fundo, reparação se chama em Direito Internacional Público de 'cláusula derrogatória' ou 'cláusula
e custas. S e n t e n ç a proferida e m 27/11/2013, § 143. geral de derrogações'. Trata-se de cláusula bem conhecida nos tratados de direitos
87 Corte I D H . Caso Bayarri vs. Argentina. Exceção preliminar, fundo, reparações e cus- humanos, cuja finalidade é permitir a derrogação de certos direitos em situações de
tas. Sentença proferida em 30/10/2008, § 67. exceção", concluindo e m seguida que "Dos sistemas regionais de proteção existentes,
88Corte I D H . Caso Velasquez Rodriguez vs. Honduras. Fundo. S e n t e n ç a proferida somente o sistema africano que não conta com cláusula dessa natureza, o que leva a
e m 29/07/1988, § 155: "A desaparição forçada de seres humanos constitui uma inúmeros debates sobre os problemas de ordem prática que pode tal ausência ocasio-
violação múltipla e continuada de vários direitos reconhecidos na Convenção r> nar" (MAZZUOLÍ, Valério de Oliveira; GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção
que os Estados Partes estão obrigados a respeitar e garantir. O sequestro da pes- Americana sobre Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 229).
soa é um caso de privação arbitrária de liberdade que viola, ademais, o direito do 91 Assim dispõe o art. 7.2 da C A D H : "A disposição precedente não autoriza a suspensão
detido a ser levado sem demora ante um juiz e a interpor os recursos adequados dos direitos determinados nos seguintes artigos: 3 (direito ao reconhecimento da per-
para controlar a legalidade da sua prisão (...)". N o m e s m o sentido, a i n d a na Corte sonalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 6 (proibição da
I n t e r a m e r i c a n a : Caso Fairén GarbiySolls Corrales vs. Honduras. Fundo. S e n t e n ç a escravidão e da servidão), 9 (princípio da legalidade e da retroatividade), n (liberdade de
proferida e m 15/03/1989, § 148; Caso Godínez Cruz vs. Honduras. Fundo. S e n t e n ç a consciência e religião), 77 (proteção da família), 18 (direito ao nome), 19 (direitos da crian-
proferida e m 20/01/1989, § 163. Para m a i s c o n s i d e r a ç õ e s a respeito d a j u r i s p r u - ça), 20 (direito à nacionalidade) e 23 (direitos políticos), nem das garantias indispensáveis
dência d a Corte I D H sobre a v i o l a ç ã o do direito à a p r e s e n t a ç ã o a o j u i z nos casos para a proteção de tais direitos". Embora se admita a suspensão do direito à liberdade
de d e s a p a r e c i m e n t o forçado, ver Análisis de la Jurisprudencia de la Corte Inte- pessoal, importante registrar que a Corte IDH j á decidiu pela impossibilidade da sus-
ramericana de Derechos Humanos en Materia de Integridad Personal y Privación pensão do direito ao habeas corpus, que se enquadraria na parte final do art. 7.2, como
de Libertad: (Artículos 7 y 5 de la Convención Americana sobre Derechos Huma- uma "garantia indispensável para a proteção de direitos". Neste sentido: Caso Loayza
nos, 2010, p. 55-57, disponível e m < h t t p : / / w w w . c o r t e i d h . o r . c r / t a b l a s / 2 6 3 9 3 . p d f > Tamayo vs. Peru. Fundo. Sentença proferida em 17/09/1997, § 50; Opinião Consultiva n°
Acesso e m : 02/03/2015. 08, de 30/01/1987, §§ 42 e 43; e Opinião Consultiva n° 09, de 06/10/1987, § 38.

76 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S C A S O S JULGADOS PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 77


pessoal possa ser suspenso, permanece a obrigação do Lstado de apre- a rxpiessdo "sem demora" deve ser entendida como um conceito aulòno
sentar o preso prontamente à autoridade judicial'". mo d a CADII, cu|o alcance não potle ficar limitado — apenas — a atividade
legislativa interna95. tm suma: se o prazo fixado na legislação nacional for
3.3.0 que deve ser entendido por "sem demora"? razoável e compat ível com a CADH, o seu desrespeito poderá ensejar a viola-
A CADH utiliza a expressão "sem demora" para se referir ao aspecto tem- ção tanto do art. 7.2 ['Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo
poral entre a captura do preso e a sua condução até a autoridade judicial. pelas causas e nas condições previamentefixadas pelas Constituições políticas
Embora exista, conforme registra Badaró , alguma controvérsia a respeito 9
dos Lstados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas") como do
da tradução do texto original da Convenção, a exemplo do que ocorre na ver- art. 7.5, mas se o prazo da legislação interna for incompatível com a melhor
são em inglês, que utiliza a expressão promptly ("prontamente"), os sentidos interpretação que se espera da expressão "sem demora", o seu desrespeito
são bastante próximos e partiremos, aqui, da expressão encontrada tanto ensejará a violação apenas do art. 7.5, não havendo que se falar em violação
na versão espanhola quanto no texto promulgado no Brasil: "sem demora". do art. 7.2, pois a prisão terá observado o ordenamento jurídico do país.

Antes, ainda, de avançarmos para o conteúdo da referida expressão, impor- Pois bem. Há um consenso na jurisprudência dos Tribunais Internacionais de
tante considerar, com Weis e Junqueira, que a Corte Interamericana, na inter- I Jireitos Humanos no sentido de que a definição do que se entende por "sem
pretação que faz do art. 7.5 da CADH, observa primeiro a legislação interna demora" deverá ser objeto de interpretação conforme as características es-
96
do país caso esta fixe um prazo para tal apresentação, fazendo, depois, dois peciais de cada caso concreto , havendo, assim, diversos precedentes tanto
97 98
juízos: "um quanto ao respeito ao prazo estabelecido pelo próprio país, logica- da Corte Interamericana quanto da Corte Europeia de Direitos Humanos .
mente considerando violado o preceito da apresentação célere se for descum- No entanto, é possível encontrar algum "parâmetro" na jurisprudência inter-
prida a legislação local, e, outro, quanto à razoabilidade deste mesmo prazo, nacional, que tem potencializado bastante a expressão "sem demora" para
em face da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos" . Disso chega- 94
atribuir-lhe um significado condizente com as finalidades da garantia.
mos à elementar conclusão de que o prazo fixado na legislação interna não
No âmbito regional americano, a Corte IDH já decidiu, p. ex., que viola a CADH
encerra o juízo de avaliação sobre o cumprimento da garantia, e isso porque
a condução do preso à presença da autoridade judicial nos seguintes lapsos

92 No Direito brasileiro, a Constituição Federal estabelece restrições ao direito à liberdade na 95 No m e s m o sentido, Casal adverte que "(...) a ordem de levar o detido 'sem demora'
hipótese de Estado de Defesa (art. 136), prevendo, porém, que em qualquer hipótese a pri- ante uma autoridade judicial deve ser entendida e aplicada como um conceito autô-
são — por crime contra o Estado — será comunicada imediatamente ao juiz competente nomo da Convenção, cujo alcance se determina à luz dos parâmetros da mesma Con-
o
(art. 136, § 3 , I), acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do venção e sem subordinação, ainda que haja uma abertura, aos critérios da legislação
detido no momento de sua autuação (art. 136, § 3°, II). No entanto, em que pese 0 cuidado nacional" (CASAL, Jesús María. In: Convención Americana sobre Derechos Humanos
adotado pelo constituinte, a diligência se revela insuficiente para o resguardo dos direitos — Comentario. Fundación Bototá, C o l ô m b i a : Konrad Adenauer, 2014, p. 198).
dopreso,quedeveria—ele, e não os autos—ser conduzido à presença do juiz competente. 96 Neste sentido: "A condução ante a autoridadejudicial deve ter lugar 'sem demora'. A Corte
93 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Parecer apresentado a partir de consulta do Insti- Interamericana, seguindo o TEDH, tem estimado que devem ser valoradas as circunstân-
tuto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e da Defensoria Pública da União (DPU), para ser cias do caso concreto para determinar se o traslado do detido ante o juiz preenche esta
utilizado na Ação Civil Pública registrada sobon" 8837-91.2014.4.01.3200, em trâmite peran- exigência temporal" (CASAL, Jesús María. In: Convención Americana sobre Derechos Hu-
a
te a 3 Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Amazonas, p. 8. Disponível em <http:// manos — Comentário. Fundación Bototá, Colômbia: Konrad Adenauer, 2014, p. 198).
iddd.org.br/Parecer_AudienciaCustodia_Badaro.pdf>. Acesso em:oi/03/2oi5. Badaró ain- 97 Ver Corte IDH: Caso Acosta Calderon vs. Equador. Fundo, reparações e custas. Senten-
da menciona que "A mesma discussão surgiu em relação à Convenção Europeia de Direitos ça proferida e m 24/06/2005, § 77; Caso Bámaca Velasquez vs. Guatemala. Fundo. Sen-
Humanos, ante a diferença da terminologia utilizada na versão inglesa — promptly— e tença proferida em 25/11/2000, § 140; Caso Juan Humberto Sánchez vs. Honduras. Ex-
francesa — aussiôt —. Embora a primeira tenha o significado literal de prontamente, en- ceções preliminares,fundo, reparações e custas. Sentença proferida em 07/06/2003,
quanto que a segunda, tem conotação de imediatidade, a Corte Europeia reconheceu que § 84; Caso Maritza Urrutia vs. Guatemala. Fundo, reparações e custas. Sentença pro-
há muito pouco grau deflexibilidade para interpretar a expressão prontamente". ferida e m 27/11/2003, § 73; Caso Castillo Petruzziy outros vs. Peru. Fundo, reparações e
custas. Sentença proferida em 30/05/1999, § 108; CasoJ vs. Peru. Exceção preliminar,
94WEIS, Carlos; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. A obrigatoriedade da apresen-
fundo, reparações e custas. Sentença proferida e m 27/11/2013, § 144.
tação imediata da pessoa presa ao juiz. Revista dos Tribunais, v. 921/2012, p. 331-355,
2012, acesso eletrônico. 98 Vero Caso Kandzhovvs. Bulgária, de 06/11/2005, § 65, citado por Badaró (Parecer..., p. 9).

78 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S CASOS JULGADOS PELA IURISDIÇÂQ C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS H U M A N O S | 79


temporais após a prisão: quase uma semana ", quase cinco dias "", aproxi- 1 1
I 110 âmbito global, o Comité de Direitos I lumanos da ONU já se manifes-
10
madamente trinta e seis dias ', vinte e três dias , dezessete dias" ', quase 102 3
tou que "um prazo de 48 horas é normalmente suficiente para trasladara
04 105
seis meses' , quase dois anos , entre outros. Por outro lado, a Corte IDH, no peswa e preparar para a audiência judicial; todo prazo superior a 48 horas
Caso López Alvarez vs. Honduras, decidiu que o Estado demandado não violou deverá obedecer a circunstâncias excepcionais e estar justificado por elas",
a CADH, eis que o preso teria sido apresentado à autoridade judicial no dia < ompletando, ainda, que "no caso de menores deverá aplicar-se um prazo
08
06
seguinte à sua detenção' . Assim, pode-se concluir, por ora, isto é, até que especialmente restrito, por exemplo de 24 horas"' .
surjam outros precedentes,que a Corte IDH considera que a expressão "sem
demora" prevista no art. 7.5 da Convenção não é violada quando o preso é 3.4. A quem o preso deve ser apresentado?
apresentado à autoridade judicial no prazo de um dia após a prisão. Além de naturalmente estabelecerem que o preso deverá ser conduzido à
presença de um "juiz", os Tratados que regulamentam a matéria se valem
No âmbito regional europeu, a Corte Europeia de Direitos Humanos pare-
de uma extensão conceituai para prever, também, que o ato poderá ser
ce admitir que a apresentação se dê, no máximo, entre três a quatro dias
leito na presença de''outra autoridade autorizada porleia exercerfunções
após a prisão, havendo poucas variações para um pouco mais ou um pouco
07 ludiciais" (CADH, art. 7.5), "outra autoridade habilitada por lei a exercer fun-
menos na análise que alguns estudiosos já fizeram da sua jurisprudência' .
ções judicias" (PIDCP, art. 9.3) e "outro magistrado habilitado pela lei para
exercer funções judiciais" (CEDH, art. 5.3). Assim, pergunta-se: a audiência
g g C o r t e IDH. Caso Bayarri vs. Argentina. Exceção preliminar,fundo, reparações e cus-
de custódia pode ser realizada por outra autoridade que não seja o juiz?
tas. Sentença proferida e m 30/10/2008, §§ 66 e 68. 109
A discussão não tem muito sentido no Brasil . Se a apresentação do preso
100 Corte IDH. Caso Cabrera Garciay Montiel Flores vs. México. Exceção preliminar, f u n -
do, reparações e custas. Sentença proferida e m 26/11/2010, § 102.
lumpre finalidades relacionadas à prevenção da tortura e de repressão a
101 Corte IDH. Caso Castillo Petruziy outros vs. Peru. Fundo, reparações e custas. S e n - prisões arbitrárias, ilegais ou desnecessárias, a autoridade responsável pela
tença proferida e m 30/05/1999, § 111. audiência de custódia deve ter Independência, imparcialidade e, sobretudo,
102 Corte IDH. Caso Chaparro Alvarez e Lapo íniguez vs. Equador. Fundo, reparações e poder para fazer cessar imediatamente qualquer tipo de ilegalidade. Jus-
custas. Sentença proferida em 21/11/2007, § 86.
tamente por esta razão é que a Corte Interamericana interpreta o art. 7.5
103 Corte IDH. Caso Garcia Astoy Ramirez Rojas vs. Peru. Exceção preliminar, fundo,
reparações e custas. Sentença proferida e m 25/11/2005, § 115.
da CADH em conjunto com o art. 8.1 da mesma Convenção, que assegura
104 Corte IDH. Caso Tíbi vs. Equador. Exceções preliminares,fundo, reparações e custas.
o direito de toda pessoa de "ser ouvida, com as devidas garantias e dentro
Sentença proferida e m 07/09/2004, §§ 118 a 120. de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e
105 Corte I D H . Caso Acosta Calderon vs. Equador. Fundo, reparações e custas. Sentença
proferida e m 24/06/2005, §§ 79 e 81.
106 Corte IDH. Caso Lopez Alvarez vs. Honduras. Fundo, reparações e custas. Sentença
proferida e m 01/02/2006, § 91.Também recordando deste precedente de absolvi- 108 C o m i t ê de Direitos H u m a n o s . Observação Geral n° 35, aprovada em 16/12/2014, §
ção do Estado: WEIS, Carlos; JUNQUEIRA, G u s t a v o O c t a v i a n o Diniz. A obrigatorie- 33. Voltarei na questão da aplicação da audiência de custódia a adolescentes no
dade da apresentação imediata da pessoa presa a o j u i z . Revista dos Tribunais, v. tópico 2.11, sendo oportuno j á adiantar que a Corte I D H , assim como o Comitê de
921/2012, p. 331-355,2012, acesso eletrônico. Direitos H u m a n o s da O N U , t a m b é m estabelece um prazo mais rigoroso quando
se tratar de prisão de adolescentes, j á tendo decidido que o período de trinta e oito
107 Neste sentido, ver BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Parecer..., p. 9. E t a m b é m A l -
horas sem ter sido o adolescente apresentado à autoridade judicial viola o art. 7.5
buquerque: "o diferimento da apresentação ao juiz por um período de quatro dias e seis
da C A D H (Caso Hermanos Landaeta Mejiasy otros vs. Venezuela. Exceções prelimi-
horas viola a Convenção (acórdão Brogan e Outros vs. Reino Unido, de2g.r1.1gg8), mas não
nares, fundo, reparações e custas. Sentença proferida e m 27/08/2014, § 178).
viola o período de três dias (acórdão Ikincisoy vs. Turquia, de 15.12.2004). Portanto, a deten-
ção policial ou administrativa só pode durar um período inferior a quatro dias e seis horas. 109 Neste sentido, Weis e Junqueira, que consideram tal aspecto "de menor relevância para
Contudo, excepcionalmente esse período pode estender-se até um limite máximo de 13 a análise do tema, em face do primado da jurisdição em nosso país (...)" (WEIS, Carlos;
dias e nove horas quando a detenção ocorra em mar alto (acórdão Medvedyev e outros JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. A obrigatoriedade da apresentação imediata da
vs. França (GC), de 29.3.2010). Em situações de emergência pública, a detenção pode durar pessoa presa ao juiz. In-. Revista dos Tribunais, vol. 921/2012, p. 331-355,2012, acesso ele-
até sete dias ao abrigo de uma derrogação do artigo 15." (acórdão Brannigan e McBride trônico). E também Badaró, para quem "a questão não demanda maiores divagações,
vs. Reino Unido (plenário), de26.5.1993)" (ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Comentário do na medida em que a Constituição Brasileira prevê que a comunicação seja feita ao 'juiz
Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos competente'(art. 5°, caput, LXII) e que a prisão ilegal será relaxada pela 'autoridade judi-
o
Direitos do Homem. 4. ed. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011, p. 558). ciária'(art. 5 , caput, LXV)" (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Parecer..., p. 10).

80 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S | 81


imparcial (...)""". Desta forma, se a apresentação do pieso ao juiz cumpie a D | Ini ompatibilidade entre a lei o os tratados, pois, segundo estes o pre
finalidade precípua de promover um controle judicial imediato da prisão, so tem diieito a um Defensor Publico que o acompanhe em seus de-
a autoridade que deve presidir audiências de custódia no Brasil somente poimentos na Delegacia de Polícia.
pode ser o magistrado, sob pena de se esvaziar ou reduzir em demasia a
p| incompatibilidade entre a lei e os tratados, pois, segundo estes o pre-
potencialidade normativa da garantia prevista no art. 7.5 da CADH'".
so lem o direito de ser ouvido, sem demora, por um juiz para a deter-
minação de seus direitos e obrigações.
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
Gabarito: Letra E. Importante advertir que o erro da alternativa B é o de
que, conforme vimos, a CADH não especifica prazo para a realização da
( D P E / C E — D E F E N S O R P Ú B L I C O , 2 0 1 4 — F C C ) P A R A E F E T I V A R G A R A N T I A E X I S -
íiudiència de custódia, utilizando a expressão "sem demora".
T E N T E N A C O N V E N Ç Ã O A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S , O S I S T E M A P R O C E S -

S U A L P E N A L I N F R A - C O N S T I T U C I O N A L D E V E P R E V E R A
0
( P G R — 2 8 C O N C U R S O P R O C U R A D O R D A R E P Ú B L I C A , 2 0 1 5 — A D A P T A D A )

A| inafiançabilidade de crimes relacionados à violência doméstica.


A S S I N A L E A A L T E R N A T I V A C O R R E T A :

B| admissibilidade de prova ilícita pro reo. • O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos prevê que qualquer
c| permissão de extradição de nacional. pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser
londuzida.sem demora, a presença do juiz ou de outra autoridade ha-
D| audiência de custódia.
bilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada
E| publicidade processual ampla e irrestrita. em prazo razoável ou de ser posta em liberdade.
Gabarito: Letra D.
Gabarito: Certo.

( D P E / S P — D E F E N S O R P Ú B L I C O , 2 0 1 2 — F C C ) N O BRASIL, Q U A N D O O C O R R E U M A ¿1 ( D P E / P A — D E F E N S O R P Ú B L I C O , 2 0 1 5 — F M P ) E M R E L A Ç Ã O A O S T R A T A D O S

P R I S Ã O E M F L A G R A N T E , O A R T I G O 3 0 6 D O C Ó D I G O D E P R O C E S S O P E N A L D E T E R M I N A
E C O N V Ê N I O S I N T E R N A C I O N A I S R A T I F I C A D O S P E L O B R A S I L , É C O R R E T O A F I R M A R Q U E :

Q U E H A J A A C O M U N I C A Ç Ã O I M E D I A T A D O F A T O A U M J U I Z . C O N F R O N T A N D O TAL D I S P O -
a| O Pacto Internacional de Direitos Políticos e Civis prevê, entre os direi-
S I T I V O C O M O Q U E D E T E R M I N A M A S N O R M A S D O P A C T O I N T E R N A C I O N A L S O B R E D I R E I -
tos de qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração
T O S C I V I S E P O L Í T I C O S E D A C O N V E N Ç Ã O A M E R I C A N A S O B R E D I R E I T O S H U M A N O S , H Á :
penal, ser ela conduzida, no prazo de 24 horas, à presença do juiz.
A | compatibilidade entre a lei e os tratados, visto que a prisão imediata- ^
mente é submetida ao crivo do judiciário, com envio do auto de prisão * £ b| O Pacto Internacional de Direitos Políticos e Civis prevê que o direito
em flagrante em vinte e quatro horas ao iuiz. ^ de ser conduzido somente à presença de um juiz se aplica unicamente
às pessoas que foram presas em flagrante, não se aplicando, portanto,
B| incompatibilidade entre a lei e os tratados, pois, segundo estes, o pre-
a outras modalidades de privação de liberdade realizadas pelo Estado.
so deve ser levado à presença de um juiz de direito em vinte e quatro
horas para a determinação de seus direitos e obrigações. c| O Pacto de San José da Costa Rica não fixa qualquer prazo para que
toda pessoa detida ou retida deva ser conduzida à presença de um
C | compatibilidade entre a lei e os tratados, pois o preso fica à disposição
juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercerfunções judiciais.
do juiz e do membro do Ministério Público que podem requisitá-lo
para ser ouvido, se necessário. D | O Pacto de San José da Costa Rica fixa o prazo de 24 horas para que
toda pessoa detida ou retida deva ser conduzida à presença de um
juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercerfunções judiciais.
n o Neste sentido: Corte IDH. Caso Acosta Calderon vs. Equador. Fundo, reparações e
e| O Pacto de San José da Costa Rica fixa o prazo de 24 horas para que toda
custas. Sentença proferida e m 24/06/2005, § 80.
pessoa presa ou retida deva ser conduzida somente à presença de um juiz.
111 Para aprofundamento no tema "audiência de custódia", recomenda-se a leitura do li-
vro escrito pelo coautor dessa obra, Caio Paiva, que deve ser publicado muito em breve Gabarito: Letra C.

82 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA D A CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S | 83
A segunda preliminar, relativa à arguição de que os recursos Internos não
trilam sido previamente esgotados pelas vitimas,foi igualmente rejeita-
da pela Corte, que, acolhendo a manifestação da Comissão, considerou
I Caso Comunidade Moiwana vs. Suriname que a preliminar foi apresentada intempestivamente, operando-se, en-
tão, a renúncia tácita.
I
i Piosseguindo, após rejeitar outras preliminares que desinteressam para
! ÓRGÃO JULGADOR: 1**1 a ocasião, a Corte adentra no mérito e declara, primeiro, o Estado res-
ponsável pela violação do direito à integridade física, psíquica e moral
Corte Interamericana de Direitos Humanos
dos membros da comunidade Moiwana (art. 5.1 da CADH), considerando,
SENTENÇA: pois, o sofrimento emocional, psicológico, espiritual e econômico experi-
mentado pela comunidade em razão (1) da não obtenção de justiça, (2) da
15 de junho de 2005
Impossibilidade de os membros da comunidade honrar apropriadamente
seus entes queridos falecidos (restou provado que o povo da comunidade
Moiwana tem rituais específicos e complexos que devem seguir após a
morte de um membro da comunidade) e (3) da separação dos membros
da comunidade de suas terras tradicionais. Da mesma forma, a Corte
RESUMO DO CASO
declarou Suriname responsável pela violação do direito de circulação e
O caso se relaciona com a alegação de que em 29/11/1986 membros das for- residência (art. 22 da CADH), já que o Estado não criou as condições ne-
ças armadas de Suriname teriam atacado a comunidade N'djuka Maroon cessárias nem providenciou os meios que permitiriam aos membros da
de Moiwana, massacrando mais de quarenta homens, mulheres e crianças comunidade regressarem voluntariamente para suas terras tradicionais.
e destruindo a comunidade. Aqueles que conseguiram escapar foram exila- Mais adiante, a Corte reiterou o seu entendimento de que "comunidades
dos ou internamente deslocados. Até a data da apresentação da demanda indígenas que tenham ocupado suas terras ancestrais de acordo com suas
na Comissão, supostamente não teria havido uma investigação adequada práticas consuetudinárias — pelo que carecem de um título formal de pro-
do massacre nem tampouco julgamento ou punição dos envolvidos. Os so- priedade —, a posse da terra deveria bastar para que obtenham o reconhe-
breviventes permaneceram longe de suas terras, incapazes de retomar seu cimento oficial da dita propriedade e o conseguinte registro" (§ 131). E pros-
estilo de vida tradicional. A Comissão, ao submeter o caso à Corte, assinalou segue a Corte ressaltando que, para tais povos, o nexo com o território
que, embora o ataque tenha ocorrido em data anterior à ratificação da Con- ancestral não é meramente uma questão de posse e produção, senão um
venção Americana por parte de Suriname e do consequente reconhecimen- elemento material e espiritual do qual devem gozar plenamente, "inclusive
to da competência contenciosa da Corte, a presumida denegação de justiça para preservar seu legado cultural e transmiti-lo às gerações futuras" (§ 131).
e o deslocamento das vítimas, objeto central da demanda, ocorreram após a Com relação ao fato do povo N'djuka não ser indígena, e sim um "povo
ratificação da CADH e adesão à competência contenciosa da Corte. tribal", a Corte ressaltou que a sua jurisprudência com relação às comu-
nidades indígenas e seus direitos comunais à propriedade deve também
A Corte inicia rejeitando a preliminar de incompetência rationi temporis
aplicar-se aos membros da comunidade tribal que residia em Moiwana.
arguida pelo Estado, e isso porque embora o Suriname tenha reconhecido
Assim, a Corte concluiu que o Estado violou o direito dos membros da co-
a competência da Corte IDH no ano de 1987 e os fatos tenham ocorri-
munidade à propriedade tradicional protegido pelo art. 21 da CADH.
do em 1986, dois eventos subsistiram, mantendo a violação de direitos
humanos, quais sejam, o descumprimento do dever de investigar o mas- Posteriormente, a Corte, em atenção a diversos fatores explorados minu-
sacre ocorrido na comunidade e, ainda, a impossibilidade de as vítimas ciosamente na decisão, considerou que a deficiente investigação de Suri-
retornarem para suas terras ancestrais. Assim, a Corte decidiu pela sua name sobre o ataque de 1986 à aldeia Moiwana, a obstrução violenta de
competência para analisar o caso. justiça e o largo período transcorrido sem que se logre o esclarecimento

841 JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS H U M A N O S | 85


dos fatos e a sanção dos responsáveis consiste em violação das normas Itiul não c susicllvcl, por óbvio, de indenização material senão que existem
de acesso à justiça e devido processo estabelecidas na CADH (§ 163). nutias foi mus de compensação. Aqui é onde se apresenta a ideia, pela pri-
meiia vez na história, a meu entender" (§ 71). Sobre o caso, Flávia Piovesan
Finalmente, a Corte condenou o Estado a proceder com as reparações de
explica que a Corte Interamericana, valendo-se da interpretação dinâmi-
cunho material e imaterial, além de ter imposto diversas obrigações, tais
1 a e evoluliva, ao proteger os direitos dos povos indígenas, endossa:
como (1) investigar e sancionar os responsáveis pelo massacre na aldeia
de Moiwana, (2) empregar todos os meios técnicos e científicos possíveis " O direito ao respeito a sua identidade cultural específica e singu-
para recuperar com rapidez os restos dos membros da comunidade que lar. Revisita o direito de propriedade privada (artigo 21 da Convenção
faleceram durante o ataque de 1986 e entregar aos membros sobreviven- Americana) para assegurar o direito de propriedade coletiva e comu-
nal da terra, como base da vida espiritual e cultural dos povos indí-
tes para que possam ser honrados segundo os rituais da cultura N'dju-
genas, bem como de sua própria integridade e sobrevivência econô-
ka, (3) adotar todas as medidas (legislativas ou administrativas) para
mica. Avança na configuração dos danos espirituais (para além dos
outorgar aos membros da comunidade o título de proprietários da terra,
danos materiais e morais), à luz da dimensão temporal da existência
(4) construir um monumento e colocá-lo num lugar público apropriado
humana e da responsabilidade dos vivos para com os mortos. Revisi-
como lembrança dos fatos corridos, entre outras.
ta, ainda, o direito à vida, acenando a sua acepção lata, para esclarecer
que não se limitaria apenas à proteção contra a privação arbitrária da
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O vida, mas demandaria medidas positivas em prol de uma vida digna,
m
abrangendo o right to project e o right to Project after life" .
I. Do Direito a u m Projeto de Vida ao Direito a um Projeto de Pós-vida:
sobre o "dano espiritual" 2. Extensão da jurisprudência da Corte Interamericana sobre ligação
dos povos indígenas com suas terras a outras comunidades étnicas
No — monumental — voto em separado apresentado neste Caso, o en-
tão juiz da Corte Interamericana, Antônio Augusto Cançado Trindade,fez Outro ponto importantíssimo da decisão da Corte é a reiteração do seu
menção à jurisprudência da Corte sobre o direito ao projeto de vida, reco- objetivo jurisprudencial de estender o entendimento acerca dos direitos
nhecido, p. ex., no Caso Loayza Tamayo (já estudado anteriormente), para dos povos indígenas em relação às suas terras tradicionais a outras co-
abordar a interessantíssima figura do "direito a um projeto de pós-vida", munidades étnicas, como foi o caso do povo tribal N'djuka. A respeito
que tem em conta os vivos em suas relações com os mortos, em conjunto. deste tema, Daniel Sarmento, em parecer apresentado na ADI 3239, que
Afirma Cançado Trindade que "O Direito Internacional em geral e o Direi- Impugna o Decreto n° 4887/03, responsável por regulamentar "o proce-
to Internacional de Direitos Humanos em particular não pode permanecer dimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e ti-
indiferente ante as manifestações espirituais do gênero humano, tais como tulação das terras ocupadas por remanescentes dos quilombos de que trata
as expressadas nas atuações iniciadas ante esta Corte no presente caso Co- o art. 68 do ADCV, cita o Caso Comunidade Moiwana para sustentar seu
munidade Moiwana" (§ 68). Avança Cançado Trindade com a reflexão de entendimento. Vejamos-.
que "os Ntijukas têm direito a apreciar seu projeto de pós-vida, o encontro "É importante frisar que tal orientação não diz respeito exclusiva-
de cada um deles com seus antepassados, a reação harmoniosa entre os mente aos povos indígenas, mas também a outras comunidades
vivos e os mortos. Sua visão de vida e pós-vida abriga valores fundamen- étnicas. Com efeito, em pelo menos dois casos, a Corte Interameri-
tais, largamente olvidados e perdidos pelos filhos e filhas das 'revoluções' cana valeu-se do mesmo entendimento para tutelar o direito à terra
industriais e comunicativas (ou outras involuções, desde a perspectiva espi- de comunidades negras formadas por descendentes de escravos no
ritual)" (§ 69). Diante deste cenário, Cançado Trindade propõe uma cate- Suriname — comunidades em tudo similares aos remanescentes de
goria totalmente nova de dano: o "dano espiritual", que ele entende como
"uma forma agravada do dano moral que tem uma implicância direta na
parte mais íntima do gênero humano, a saber, seu ser interior, suas crenças 112 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. 5. ed. São Paulo: Sarai-
no destino da humanidade e suas relações com os mortos. O dano espiri- va, 2014, p. 184.

C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 87


86 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
quilombos brasileiros. O primeiro julgamento foi profeiido no c i s o
Comunidades Moiwana vs. Suriname, decidido em 15 de junho de
2002. Naquela ocasião, a Corte Interamericana, após recordar o seu
posicionamento sobre a proteção do direito ao reconhecimento da Caso Fermin Ramirez vs. Guatemala
propriedade comunal para grupos indígenas, assentou, mais uma
3
vez por unanimidade (...)"" .
O k i . A O JULGADOR:
3. " G r e e n i n g " e o sistema interamericano de direitos humanos
O tema do "esverdeamento dos direitos humanos" está cada vez mais Corte Interamericana de Direitos Humanos
presente na jurisprudência da Corte de San José. O "greening" ou "esver-
deamento dos direitos humanos" é o fenômeno de se proteger direitos
SENTENÇA:
de cunho ambiental nos sistemas regionais de direitos humanos, que
foram concebidos em sua origem para receber denúncias ou queixas so- 70 de j u n h o de 2005
bre violações de direitos civis e políticos. Assim, é possível afirmar que no
caso Comunidade Moiwana vs. Suriname houve um verdadeiro "esverdea-
mento dos direitos humanos", eis que as normas ambientais foram pro-
tegidas, ainda que de maneira indireta. Sobre este tema, são as palavras RESUMO D O C A S O
de Valério de Oliveira Mazzuoli, no prefácio do livro de Gustavo de Faria
114
Moreira Teixeira : "O chamado greening — ou "esverdeamento" — é o No dia 10/05/1997, o senhor Fermín Ramirez (adiante denominado ape-
fenômeno que ocorre quando se tenta (e se consegue) proteger direitos nas de Fermín) foi detido por um grupo de vizinhos em Las Morenas (Gua-
humanos de cunho ambiental nos sistemas regionais de direitos huma- temala), os quais lhe entregaram à Polícia Nacional sob a alegação de que
nos, que são sistemas aptos (em princípio) a receber queixas e petições ele teria violentado sexualmente e assassinado a menor de idade Grindi
que contenham denúncias de violação de direitos civis e políticos" Jasmín Franco Torres. O procedimento penal seguiu-se, primeiro, com a
determinação da prisão preventiva de Fermín, encerrando-se, ao final,
com a condenação pelos crimes de estupro e homicídio, sendo-lhe impos-
ta a pena de morte.

Importante observar que o Ministério Público denunciou Fermín pelo


crime de estupro qualificado pela morte da vítima, e não, portanto, pelo
crime de homicídio ("assassinato", no Código Penal da Guatemala). A
sentença condenatória foi proferida logo após um debate oral e públi-
co, quando se discutiu tão somente a ocorrência do crime de estupro (ou
"violação", no CP da Guatemala), sancionado com pena privativa de liber-
dade de até cinquenta anos de prisão. Durante o primeiro dia do debate,
porém, o Tribunal advertiu às partes sobre a possibilidade de modificar
a qualificação jurídica do crime, mas sem especificar qual delito poderia
surgir desta mudança.
113 O parecer elaborado por Daniel Sarmento, assim c o m o outro parecer elabora- Encerrados os debates, preclusa a oportunidade de o Ministério Público
do por Flávia Piovesan, a m b o s j u n t a d o s na citada A D I , p o d e m ser acessados e m
guatemalteco requerer a requalificação jurídica da conduta, ainda assim
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&doclD=395i62>.
o MP pediu a imposição da pena de morte pelo crime de homicídio em
114 TEIXEIRA, Gustavo de Faria Moreira. Creening no Sistema Interamericano de Direi-
tos Humanos. Ed. Curitiba: Editora J u r u á . 2011 (prefácio). sede de alegações finais, o que foi acolhido pelo Tribunal, não tendo havi-

88 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 89


do, consequentemente, nenhuma informação à Defesa de Termín que a i". / '.lado', devem observar no cumpnmcntu das obrigações previstas na Con
referida requalificação jurídica da conduta poderia desencadear na con- veniuo" (*) 68), |,i que não somente mudou a qualificação jurídica dos fatos
denação por crime sancionado com a pena de morte. imputados previamente ao senhoi lermin, mas, sobretudo, modificou a base
lai i( .1 da imputação, passando da qualificação do crime de estupro agravado
O Tribunal, para sancionar Fermín com a pena de morte, se valeu do que
pela morte à qualificação do crime de homicídio. Assim sendo, a Corte con-
dispõe o art. 132 do CP da Guatemala, que, além de tipificar e sancionar o
(li li que o Poder Judiciário da Guatemala não poderia, de ofício e sem contra-
crime de assassinato, estabelece que "Ao réu de assassinato se lhe imporá
ditoiio entre as partes, agravar a situação jurídica do senhor Fermín, já que
prisão de 25 a 50 anos. No entanto, ser-lhe-á aplicada a pena de morte no
"A necessária congruência entre a acusação e a eventual sentença justifica a
lugar do máximo de prisão quando as circunstâncias do fato e da ocasião,
suspensão do debate e o novo interrogatório do acusado quando se pretende
a maneira de execução e os motivos determinantes revelarem uma maior
mudar a basefática da acusação" (§ 74), de modo que, ocorrendo tal procedi-
periculosidade do agente".
mento de forma irregular, "se lesiona o direito à defesa, na medida em que o
Fermín esgotou os recursos internos e não conseguiu reverter sua conde- imputado não terá tido a oportunidade de exercê-la sobre todos os fatos que
nação à pena capital. Em 09/06/2000, o Instituto da Defensoria Pública serão matéria da sentença" 74). Finaliza a Corte, neste tópico, determinando
Penal da Guatemala apresentou uma denúncia na Comissão Interame- que o Estado da Guatemala realize, em prazo razoável, um novo julgamento
ricana de Direitos Humanos e requereu a concessão de medida cautelar tont ra o senhor Fermín, que satisfaça as exigências do devido processo legal,
para que Fermín não fosse executado, o que foi deferido e, após, ratificado com plenas garantias de audiência e de defesa para o acusado.
pela Corte Interamericana em 12/03/2005.
Acerca do segundo ponto, considerando que Fermín foi condenado à pena
Não obtida uma solução amistosa para o encerramento do Caso, a Corte morte em razão de o Poder Judiciário guatemalteco ter invocado o art. 132
foi instada a determinar se o processo penal contra Fermín, que gerou a daquele país, que justifica a pena capital quando se verificar, no caso concre-
sentença condenatória à pena de morte, respeitou as garantias do devido to, um "juízo de periculosidade", a Corte Interamericana apontou, primeiro,
processo e se ele teve acesso a um recurso efetivo. que tal previsão normativa "constitui claramente uma expressão do exercício
Inicialmente, entendeu por bem a Corte Interamericana esclarecer que, do ius puniendi estatal sobre a base das características pessoais do agente e
no marco de um processo penal, "os órgãos do sistema interamericano de não do fato cometido", substituindo, pois, "o Direito Penal do ato ou do fato,
direitos humanos não funcionam como uma instância de apelação ou revi- próprio do sistema penal de uma sociedade democrática, pelo Direito Penal do
são de sentenças ditadas em processos internos", tratando-se a sua função, autor", abrindo, então, "a porta ao autoritarismo precisamente numa matéria
diversamente, de "determinar a compatibilidade das atuações realizadas em que estão em jogo os bens jurídicos da maior hierarquia" (§ 94). E avan-
em ditos processos com a Convenção Americana" (§ 62). E ressaltou a Cor- çou a Corte para estabelecer que a introdução do critério da "periculosidade"
te, também, principalmente em razão de o fato envolver a morte violenta na legislação penal para a qualificação típica dos fatos e aplicação de certas
de uma jovem, que "a luta dos Estados contra o crime deve desenvolver-se sanções é incompatível com o princípio da legalidade, o qual "constitui um
dentro dos limites e conforme aos procedimentos que permitam preservar dos elementos centrais da persecução penal numa sociedade democrática" (§
tanto a segurança pública como o pleno respeito aos direitos humanos da- 90). ACortefinalizaestetópico, portanto,decidindo que a regulação do crime
queles que sejam submetidos à sua jurisdição" (§ 63) de assassinato/homicídio, da forma como prevista no art. 132, parágrafo se-
gundo, do CP da Guatemala, é violatórla da Convenção Americana, devendo
Para o que interessa à essa ocasião de formulação de uma síntese do
o Estado, consequentemente, abster-se de aplicar a parte do referido artigo
Caso, importa dizer que a decisão da Corte Interamericana se destaca, ba-
que dispõe sobre a "periculosidade"do agente e, ainda, modificá-lo dentro de
sicamente, por dois pontos: (a) consideração a respeito do princípio da
um prazo razoável, suprimindo a referência à "periculosidade".
congruência entre acusação e sentença; e (b) juízo de periculosidade.

Pois bem, sobre o primeiro ponto, a Corte entendeu que o Estado da Gua- Entre outros aspectos secundários da sentença, a Corte também ordenou
temala violou o princípio da congruência ou da correlação, o qual classifica que a Guatemala se abstenha de executar (aplicar a pena capital) o se-
como "uma garantia fundamental do devido processo em matéria penal, que nhor Fermín, qualquer que seja o resultado do novo julgamento.

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S | 91


90 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
3. Censura ao "juízo de periculosidade"
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
Dcsilobi.iinetilo multo Interessante deste Caso está relacionado à vee-
1. Pessoa física como amicus curiae mente censura da Corte Interamericana quanto ao "juízo de periculosi-
O jurista argentino Eugênio Raul Zaffaroni, recentemente eleito para o car- dade" em legislações penais, o que acaba por atingir diretamente, p. ex.,a
go de juiz da Corte Interamericana, se apresentou como amicus curiae neste previsão em ordenamentos jurídicos da circunstância agravante da rein-
Caso e foi admitido. Nenhum problema aqui, pois o art. 2.3 do Regulamento da 1 identia, como é o caso do Brasil (art. 61,1, do CP). No entanto, o STF deci-
Corte Interamericana de Direitos Humanos, estabelece que a expressão ami- diu pela constitucionalidade da reincidência (RE 453000), ignorando, pois,
cus curiae significa "a pessoa ou instituição alheia ao litígio e ao processo que conforme adverte Luiz Flávio Gomes, a jurisprudência da Corte Interame-
6

apresenta à Corte fundamentos acerca dos fatos contidos no escrito de sub 1 icana" . Importante registrar que o instituto da reincidência também foi
missão do caso ouformula considerações jurídicas sobre a matéria do processo, considerado constitucional pela Suprema Corte Argentina (Processo n°
por meio de um documento ou de uma alegação em audiência". Questiona-se 6/157/09, Caso Taboada Ortiz), vencido, na ocasião, o juiz Zaffaroni, que,
no Brasil, um cidadão pode ser amicus curiae? Em se tratando do processo de após ressaltar que a agravação da pena pela reincidência "denota a apli-
controle concentrado de constitucionalidade, a Lei 9868/99, que dispõe sobre cação de pautas vinculadas ao direito penal do autor e da periculosidade",
o processo e julgamento da ADI e da ADECON, somente admite a manifesta- mencionou, portanto, este precedente da Corte Interamericana.
ção "de outros órgãos ou entidades".!ratando-se, porém, de RE, para a análise
da repercussão geral, o Relator pode admitir a manifestação de "terceiros" (ari I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S
o
543-A, § 6 , do CPC), aplicando-se o mesmo expediente para o procedimen-
(DPE/PB — DEFENSOR PÚBLICO, 2014 — FCC, ADAPTADA) No tocante à in-
to do recurso repetitivo, em que o Relator poderá admitir a manifestação "dt
terpretação e aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos,
pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia". Seja como for.
é INCORRETO afirmar:
não sendo esta a ocasião adequada para aprofundarmos nesta temática pro-
cessual, importa dizer que o STF, no julgamento do MS 32033, em 13/06/2013, • O Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Hu-
admitiu particulares como amicus curiae, entre eles o Senador Pedro Taques. manos, com o intuito de tornar a interpretação dos direitos humanos
mais aberta e plural, podem admitira participação deamicus curiae.

2. Primeira manifestação da Corte sobre o tema "congruência entre a GABARITO: A assertiva está correta, razão pela qual não deveria ter sido
acusação e a sentença" assinalada.
Conforme fez constarem seu voto o juiz da Corte Interamericana, Sérgio
(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — 2 FASE, PROVA DISCURSIVA) Dis- A

Garcia Ramirez, esta foi a primeira vez em que a Corte analisou a questão
corra sobre o diálogo entre a Corte Interamericana de Direitos Humanos
da "congruência entre a acusação e a sentença". No Brasil, quem faz uma
e o Supremo Tribunal Federal no controle de convencionalidade do siste-
abordagem desta decisão da Corte Interamericana no âmbito processual
ma interamericano de direitos humanos, analise criticamente e cite três
penal é Gustavo Badaró, que registra: "A Corte Interamericana de Direitos
casos jurisprudenciais sobre o assunto.
Humanos já teve oportunidade de analisar casos de violação da regra da
correlação entre acusação em sentença. No caso Fermín Ramirez vs. Guate- GABARITO ADOTADO PELA BANCA: (...) Outra divergência a ser citada éoRE 453000, em

mala foi apreciada a violação de vários direitos garantidos pela Convenção que o STF reconheceu a constitucionalidade da reincidência como agravante
Americana de Direitos Humanos, entre eles o princípio da correlação entre de pena, em contraste com o caso Fermín Ramirez vs. Guatemala (2005) da
acusação e sentença, com especial atenção para a mudança da qualificação Corte IDH que reconheceu a violação ao artigo g°da CADH. Até 2,5 pontos.
15
jurídica dos fatos pelo tribunal, com base no princípio iura novit cúria"' .

116 Cf. GOMES, Luiz Flávio. Reincidência: novo conflito entre o STF e a Corte Interameri-
115 BADARÓ, G u s t a v o Henrique. Correlação entre Acusação e Sentença. 3. e d . S ã o Paulo cana. Disponível e m : <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/reinci-
RT, 2013, p. 217. dencía-novo--conflito-entre-o-stf-e--a-corte-interamericana/ii076>

92 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 93


(DPE/PR — DEFENSOR PÚBLICO, 2014 — 2 FASE, PROVA DISCUSIVA) A
; Na audiência, o sentenciado alegou que o "cigarro de maconha" não
Anderson cumpre pena privativa de liberdade, em regime fechado, na Pe- ;r||i; lhe pertencia e que fora forjado pelo agente penitenciário que o colo-
nitenciária Estadual de Piraquara, pois fora condenado definitivamentevj^f 1 ou dentro do seu tênis para prejudicá-lo. Afirmou, ainda, que sequer
a 07 anos de reclusão e 500 dias-multa, por tráfico de drogas (artigo 33, *M sabia se aquilo era maconha. Após a oltiva do sentenciado, o magis-
caput, da Lei n° 11.343/06) praticado no dia 20 de março de 2007 ,' Irado abriu a palavra ao defensor público que requereu o afastamento
; : ; da falta, apiesentando fundamentos para tanto. Requereu também a
Em sua condenação, o juiz fundamentou a imposição do regime inicial • |
0 adequação de regime Inicial de cumprimento de pena do fechado para
fechado com base no artigo 2 , §i°, da Lei n° 8.072/90, e por ser o rêü K
o semiaberto e a imediata progressão ao aberto. Subsidiariamente, que
reincidente. A sentença penal condenatória assim transitou em julgado.
fosse concedida a progressão de regime do fechado para o semiaberto.
A mãe de Anderson compareceu à Defensoria Pública solicitando assis
tência jurídica ao seu filho. O defensor público que a atendeu verificou , (ncerrada a manifestação da defesa, foi dada a palavra ao promotor
que o sentenciado foi detido em flagrante delito e permaneceu preso ao » f de justiça que aduziu que não havia como acolher a justificativa apre-
longo da persecução penal durante 01 ano, quando foi colocado em 11 ^ sentada, uma vez que velo desacompanhada de provas e que, como o
berdade até o trânsito em julgado da condenação, momento em que foi 1 agente penitenciário tem fé pública, sua palavra se sobrepõe à do sen-
preso para fins de cumprimento da pena definitiva. ** lenciado. Dessa forma, requereu a homologação da falta grave, com a
consequente perda dos 21 dias remidos de pena, além do Indeferimen-
Observou, também, que além do período em que ficou preso provisoria "~
1
to da adequação de regime Inicial para o semiaberto e da progressão
mente,foram cumpridos 03 meses e 10 dias de p e n a j á computados 21 dias
de regime prisional.
de remlção de pena. Ainda, constatou que foi atribuída uma falta grave ao „
sentenciado, consistente em posse de um pequeno "cigarro de maconha'\ # 0 juiz homologou a falta, apresentando a respectiva motivação, bem
que pesava 0,5 grama. Por este fato, o Conselho Disciplinar, em sede de pro , *| como Indeferiu o pedido de adequação de regime inicial para o semia-
cedimento administrativo, puniu-o pela prática da falta grave. berto, vez que havia coisa julgada em relação à matéria e não poderia ele,
juízo das execuções, alterar o decreto condenatório. Outrossim, também
Ao receber e analisar o procedimento administrativo disciplinar o juiz da 1
a
indeferiu a progressão de regime, ainda que do fechado para o semiaber-
2 Vara de Execuções Penais do Foro Central da Comarca da Região Me 1 / S
to, em virtude do não preenchimento dos requisitos subjetivo e objetivo,
tropolltana de Curitiba, constatou a existência de indícios de autoria e i
porque a falta fora homologada e não havia sido cumprida a fração exigi-
materialidade da falta grave e designou audiência de justificação. *t
da pela lei de 3/5 da pena para os reincidentes.
Intimado pessoalmente da audiência, o defensor público entrevistou o sen f

Assim, o juiz manteve o sentenciado em regime fechado e alterou a data


tenciado que lhe afirmou que era perseguido por um agente penitenciário que ^
base para fins de progressão de regime prisional e de livramento condi-
forjou o cigarro de maconha para prejudicá-lo. Relatou, também, que outros i
5 cional, para o dia em que foi praticada a falta grave, além de determinar a
dois sentenciados presenciaram a ação do agente penitenciário em "plantar' J
perda de todos os dias de remlção de pena. A Defensoria Pública foi inti-
a droga dentro do seu tênis. Assim, o defensor público requereu que fossem «
mada da decisão na audiência e interpôs o recurso. 09 — Como defensor
ouvidos em audiência o agente penitenciário e os outros dois presos como
público atuante no caso narrado, redija as razões recursais.
testemunhas do fato e que fosse elaborado laudo de constatação da droga.
GABARITO ADOTADO PELA BANCA (ENVOLVENDO o CASO EM ANÁLISE):
O magistrado indeferiu o pedido de ortiva das testemunhas,fundamentan
do que somente há previsão legal de ortiva do sentenciado em audiência (...) Adequação de regime inicial de cumprimento de pena (fechado para
de justificava. Ainda, entendeu que não havia necessidade de elaboração | semiaberto): A reincidência viola o ne bis in ld. e traz resquícios do "Direito
de laudo de constatação da droga,tendo em vista que nos autos do proce Penal do autor", admitindo-se, também, argumentação quanto à aplicação
dimento administrativo disciplinar já havia fotografias do cigarro apreen do princípio da coculpabilidade. Sustentara inconvencionalidade da reinci-
dido e quebrado ao meio, demonstrando que era composto de substância *• dência: Corte Interamericana de Direitos Humanos — Caso Fermín Ramirez
que aparentava ser a droga popularmente conhecida como "maconha". vs. Guatemala, j . 20/06/2005. Até 4,0 pontos.

94 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS H U M A N O S | 95


líifjnii .iltfum exilo nas eleições que estavam poi vir, eis que a mudança
Irijislaliva exigia que o partido indígena (ou aliança) possuísse candida-
tos em 80% dos municípios.
Caso Yatama vs. Nicarágua Apiv, a formação desta aliança, o Conselho Superior Eleitoral da Nicará-
gua expediu uma resolução afirmando que o partido Los Pueblos Cos-
J ÓRGÀO JULGADOR: IfMlos, aliado do agora partido YATAMA, não havia preenchido os requisi-
1os necessários para concorrer ao pleito eleitoral. Em nenhum momento
i Corte Interamericana de Direitos Humanos rui resolução expedida, o Conselho Superior Eleitoral da Nicarágua men-
cionou o partido YATAMA.

SENTENÇA: Ademais, um mês após se encerrar o prazo para a apresentação da lista


26 de j u n h o de 2005 dos candidatos pelos partidos políticos, o Conselho Supremo Eleitoral da
Nicarágua emitiu resolução excluindo o partido Indígena do pleito eleito-
ral que estava por vir. Isto foi feito sem oportunizar ao partido YATAMA a
possibilidade de sanar eventual vício ou irregularidade.

0 partido YATAMA e seus associados apresentaram diversos recursos con-


RESUMO DO CASO
tra a lesolução do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua, mas todas
Desde o começo da década de 1990, a organização indígena Yapti Tasba as tentativas de reformar a decisão proferida pelo órgão eleitoral foram
MasrakaNanihAslaTakanka —popularmente conhecida como "YATAMA" Infrutíferas: o Conselho Supremo da Nicarágua alegou que suas decisões
—, que representa diversas comunidades indígenas na região da Costa náo poderiam ser revisadas.
Atlântica da Nicarágua, participava dos pleitos eleitorais regionais sob a
lais fatos ocasionaram um elevadíssimo nível de abstenção no pleito elei-
forma de "Associação de Subscrição Popular", em conformidade com as=
s
toral; afinal, boa parte do eleitorado da Nicarágua, composto por mem-
leis eleitorais nicaraguenses de 1990 e 1996. Por mais de uma década, as
bros de comunidades indígenas, não estava adequadamente representa-
comunidades indígenas foram representadas pela YATAMA através deste
do, diante da exclusão do partido YATAMA.
modelo de Associação de Subscrição Popular, de tal forma que, para as co '
munidades indígenas residentes na Costa Atlântica da Nicarágua,ja era A controvérsia não foi dirimida na Comissão Interamericana de Direitos
costumeiro que seus representantes concorressem aos pleitos eleitorais \ lumanos. Deste modo, a Comissão IDH submeteu o caso à Corte Intera-
conforme esse modelo. mericana de Direitos Humanos.

Ocorre que, no dia 24 de janeiro de 2000, a Nicarágua promulgou uma < No dia 23 de junho de 2005, a Corte Interamericana de Direitos Huma-
reforma de sua legislação eleitoral, que extinguiu o modelo de Associa- nos decidiu que o Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua, ao expedir
ção de Subscrição Popular. Devido a esta mudança, a organização YATAMA resoluções que excluíram o partido YATAMA das eleições de 2000, não
se viu obrigada a converter-se no formato de "Partido Político" previsto observou o dever de motivação e, portanto, violou as garantias judiciais
na nova legislação, para que pudesse continuar a concorrer aos pleitos previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos (artigos 8.1 c/c
eleitorais no Estado da Nicarágua. As comunidades indígenas afetadas 1.1). A Corte de San José também entendeu que houve violação ao artigo
pela mudança da legislação eleitoral jamais haviam se organizado da- 0
25.1 c/c o artigo 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos, eis que
quela forma, dado que já era uma tradição na região da Costa Atlântica a não houve recurso efetivo posto à disposição dos prejudicados contra as
organização através de Associação Popular. decisões do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua.

Assim, o partido regional indígena se viu obrigado a realizar uma aliança Ainda segundo a Corte IDH, as mudanças impostas pela nova legislação
com o partido Los Pueblos Costehos para que pudessem ter chances de eleitoral causaram um Impacto desproporcional aos membros das comu-

96 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 97


nidatles indígenas, que já estavam acostumados a concorrer aos pleitos 'LOBIE o assunto, a lição de Andié de Carvalho Ramos: "Na sua paineira
eleitorais através de uma "Associação de Subscrição Popular" e que, de- opoilunidade de decidir sobe direitos políticos de povos indígenas, a Corte
vido à mudança da legislação eleitoral, foram obrigados a constituir um IUI l analisou as normas eleitorais da Nicarágua que exigiam que o partido
1

partido político às pressas, o que implicou um impedimento à efetiva par- indiqena Yatama possuísse candidatos em 80% dos municípios"" .
ticipação nos assuntos públicos por parte dos membros das comunida-
i Primeira vez e m que a Corte Interamericana se pronunciou em um
des indígenas da Costa Atlântica da Nicarágua. Assim, com fulcro no ar-
caso concreto a respeito do sentido e alcance do direito à igualdade e
tigo 23 da CADH, a Corte Interamericana de Direitos Humanos atestou a
do dever de não-discriminação
violação dos direitos políticos dos membros das comunidades indígenas
afetadas. Segundo a Corte IDH, houve violação do princípio da igualdade Imbora a Corte Interamericana de Direitos Humanos houvesse,dois anos
e da não-discriminação, ambos considerados normas de jus cogens pela antes do Caso Yatama vs. Nicarágua, emitido a Opinião Consultiva n° 16
comunidade internacional. Ao final, a Corte Interamericana de Direitos acerca das dimensões do princípio da igualdade e da não-dlscnminação,o
Humanos determinou que: t aso em comento foi o primeiro em que a Corte IDH se pronunciou sobre
o lema. A respeito deste tópico, pontua Isabel Penldo de Campos Macha-
a) O Estado da Nicarágua publicasse a sentença do Caso Yatama vs. Nica-
do: "Foi então que, pela primeira vez, a Corte se pronunciou em um caso
rágua no Diário Oficial do país, bem como em emissora de rádio e televi-
concreto a respeito do sentido e alcance do direito à igualdade e do dever
são que possuísse sinal na região da Costa Atlântica, onde reside a grande
de não discriminação. O Caso Yatama vs. Nicarágua, que versava sobre a
maioria das comunidades indígenas afetadas; b) Indenizasse o partido
discriminação de um grupo político indígena nas eleições do Estado da Ni-
YATAMA pelas custas e gastos, na quantia de US$ 15.000,00 (quinze mil
carágua seguiu toda a evolução jurisprudencial que havia sido construída
dólares); c) Dentro de um prazo razoável, o Estado da Nicarágua adotas-
na Opinião Consultiva dos migrantes ilegais""*.
se medidas legislativas necessárias para estabelecer um recurso judicial
simples e efetivo que permitisse reavaliar as decisões do Conselho Supre- 3 . 0 caso retrata u m a hipótese de violação do princípio da igualdade
mo Eleitoral; d) Fosse reformada a legislação eleitoral (mais precisamen- material conhecida como "discriminação indireta" e a Corte Intera-
te, a lei n° 331, que incidiu no caso concreto) para adequar à Convenção mericana de Direitos Humanos, ainda que o não tenha mencionado
Americana de Direitos Humanos os requisitos exigidos para concorrer ao expressamente, utilizou-se da teoria do impacto desproporcional
pleito eleitoral, de maneira que os membros das comunidades indígenas
para constatar essas violações
pudessem participar das eleições em condições de igualdade, respeitan-
do suas tradições e costumes e o formato de organização política que já A alteração da legislação eleitoral no Estado da Nicarágua exigiu a mudan-
por eles utilizado havia mais de uma década. ça de algumas condições de elegibilidade. Embora tais exigências não se-
jam ilegais, elas acabaram afetando as comunidades Indígenas da região
da Costa Atlântica da Nicarágua. Assim, as comunidades Indígenas, que já
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O estavam acostumadas, há mais de uma década, a concorrer por meio de As-
sociação Popular, tiveram seu modelo costumeiro de participação política
1. Primeiro caso em que a Corte Interamericana de Direitos Humanos violado em razão das alterações legislativas. As comunidades Indígenas fo-
se deparou diante de matéria eleitoral ram afetadas de forma desproporcional, já que outros segmentos da popu-

O caso Yatama vs. Nicarágua é paradigmático na jurisprudência da Cor-


te de San José, pois foi o primeiro entrave envolvendo matéria eleitoral
a ser solucionado pelo tribunal Interamericano. É Incomum que a Corte
117 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 332.
Interamericana de Direitos Humanos se depare com casos envolvendo
118 MACHADO, Isabel Penido. O princípio da igualdade no Sistema Interamericano de Di-
matéria eleitoral. Outro caso paradigmático na jurisprudência da Corte reitos Humanos: dotratamento diferenciado ao tratamento discriminatório. In: OLIVEI-
Interamericana de Direitos Humanos que diz respeito ao direito eleitoral RA, Márcio Luis. Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos-. Interfaces
é o Caso Lopez Mendoza vs. Venezuela, o qual será analisado mais à frente. com o Direito Constitucional Contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p.133.

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 99


98 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
lação da Nicarágua foram pouco afetados pelas alterações legislativas, eis dix trine)"'. Segundo a teoria do impacto despropou ional.e possível que se
que não encontraram dificuldades em inscrever candidatos em 80% dos (oustatem violações ao principio da igualdade quando os efeitos práticos
municípios, conforme determinou a alteração legislativa. Nesse sentido, e de determinadas noimas, de caráter aparentemente neutro, causem um
a lição de André de Carvalho Ramos: "Ofato de o Yatama não ter consegui- dano excessivo, ainda que não intencional, aos integrantes de determina-
do ser admitido no pleito eleitoral, nem mesmo nas regiões em que tinha dos grupos vulneráveis. A teoria em comento foi importada dos Estados
lideranças e estruturas, fez com que a Corte concluísse que o Estado estava Unidos da América pelo ex-Mlnlstro do SupremoTribunal Federal,Joaqulm
restringindo deforma desproporcional os direitos políticos dos povos indíge- Barbosa, ao escrever sobre o tema em sua tese de doutorado. Segundo o ex-
nas, ao exigir dos candidatos indígenas formas de organização política que Ministro do STF, a teoria do Impacto desproporcional consiste na ideia de
9
eram estranhas aos seus costumes e tradições"" . Desse modo, a Corte Inte- que "toda e qualquer prática empresarial, política governamental ou semi-
ramericana de Direitos Humanos entendeu que houve violação ao princí- qovernamental de cunho legislativo ou administrativo, ainda que não provi-
120
pio da igualdade material, tendo em vista a discriminação indireta (ou da de intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve ser con-
impacto desproporcional) causado pela alteração da legislação eleitoral do denada por violação do princípio da igualdade material se, em consequência
Estado da Nicarágua. A discriminação aos povos indígenas pode ser enca- ile sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente des-
rada como indireta, tendo em vista que a mudança do diploma eleitoral proporcional sobre certas categorias de pessoas"' . 23

regulou alterações em todo o Estado da Nicarágua e para todos os candida-


Além da tese do ex-Minlstro Barbosa, a doutrina de Daniel Sarmento tam-
tos, modificando as regras eleitorais. Entretanto, os efeitos causados pela
bém possui grande influência na aplicação da teoria em questão. Vejamos
norma eleitoral causaram impactos desproporcionais apenas às comuni-
a pontuação do autor sobre o tema: "Também é de grande importância a
dades indígenas, que já estavam acostumadas a se candidatar por meio
discriminação indireta, correlacionada à teoria do impacto desproporcio-
de Associação Popular. Avaliou-se que não houve intenção do Governo da nal. Esta teoria pode ser utilizada para impugnar medidas públicas ou pri-
Nicarágua de prejudicar ou atingir especificamente um grupo de eleitores, v, vadas aparentemente neutras do ponto de vista racial, mas cuja aplicação
;
as comunidades indígenas foram prejudicadas de forma colateral pela mu- f concreta resulte, deforma Intencional ou não, em manifesto prejuízo para
dança na legislação eleitoral, o que caracterizaria a discriminação indireta \ minorias estigmatizadas. A discriminação indireta difere da discriminação
Vejamos a lição de André de Carvalho Ramos sobre o tema: "Por sua vez, cr .5 de facto porque, nesta segunda, a norma pode ser aplicada deforma com-
discriminação injusta que é combatida pode ser direta ou indireta (também 4 patível com a igualdade. Já na discriminação indireta, tem-se uma medida
r
chamada de invisível). A discriminação direta consiste na adoção de prática ;. cuja aplicação fatalmente irá desfavorecer um grupo vulnerável"" *. 2

intencional e consciente que adote critério injustificável, discriminando de |


terminado grupo e resultando em prejuízo ou desvantagem. A discriminação f É importante ressaltar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos re-
indireta é mais sutil: consiste na adoção de critério aparentemente neutro (e, conhece o caráter de norma de jus cogens do princípio da igualdade mate-
então, justificável), mas que, na situação analisada, possui impacto negativo
2
desproporcional em relação a determinado segmento vulnerável"' '.
122 A teoria do impacto desproporcional surgiu no precedente americano Criggs vs. Duke
Nesse sentido, para aferir possíveis discriminações indiretas, a doutrina Power Co. Em breve síntese, a empresa Duke Power promovia um "teste de inteligên-
americana criou a teoria do impacto desproporcional (disparate impact cia", sem qualquer relação com conhecimentos relacionados ao cargo em exercício,
para selecionar quais de seus funcionários eram merecedores de ascender no quadro
da empresa. Embora a medida adotada pela empresa aparentasse certa neutralidade
e idoneidade na seleção de seus funcionários, seu resultado acabava por segregar os
candidatos negros, que, por questões históricas, possuíam u m nível educacional infe-
rior. Desse modo, através da aplicação da teoria do impacto desproporcional, a Suprema
119 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 332
Corte norte-americana entendeu que o teste v/olava o princípio da igualdade material.
120 A Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s t a m b é m enfrentou a temática da 123 G O M E S , Joaquim Barbosa Ação afirmativa e o principio da igualdade. Rio de Janei-
discriminação indireta no Caso Artavia Murillo e Outros vs. Costa Rica (2012), q u e ro: Renovar, 2001, p. 24.
será estudado mais à frente.
124 SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais — Estudos de Direito Constitucional. Rio de Ja-
121 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 479. neiro: L ú m e n Júris, 2006, p. 148-149.

100 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1101


licii-"'. Na mesma linha, a Corte Europeia cie Diieitos Humanos Lambem ja tono no mercado de trabalho e um impado desproporcional saine a emprega-
adotou a teoria do impacto desproporcional. Sobre o leading case na Corte Inlidade da mulher, pois aumentariam os custos para o patrão. Com isso. a regra
de Estrasburgo, é a lição de Daniel Sarmento: "A Corte Europeia de Justiça tena um efeito de discriminação indireta, contrariando a regra constitucional
também tem usado a teoria do impacto desproporcional, para coibir as discri- pmíbiUva da discriminação, em matéria de emprego, por motivo de sexo"' *. 12

minações indiretas no campo da igualdade de gênero. O primeiro precedente


1'or fim, vejamos um trecho do acórdão proferido pelo STF na AD11.946:
ocorreu no caso Bilka-Kaufhaus vs. Von Hartz, em que se discutia a validade de
"Na verdade, se se entender que a Previdência Social, doravante, responderá
um sistema privado de pensão mantido por empresa germânica, o qual nega-
apenas por R$ 1200,00 por mês, durante a licença da gestante, e que o em-
va o benefício a empregados que trabalhassem em regime de tempo parcial, à
pregador responderá, sozinho, pelo restante.ficará sobremaneira facilitada
luz do art. 119 do Tratado de Roma, que garante a igualdade entre mulheres e
e estimulada a opção deste pelo trabalhador masculino, ao invés da mulher
homens em relação ao trabalho. Embora não houvesse ali explícita discrimina-
trabalhadora. Estará, então, propiciada a discriminação que a Constituição
ção de gênero, a Corte entendeu que seria inválido o sistema porque afetaria
buscou combater quando proibiu a diferença de salários, de exercício de
deforma muito mais intensa as mulheres do que os homens,já que são elas.
26 junções e de critérios de admissão por motivo de sexo (art. 7° inc XXX da
que, na grande maioria dos casos, trabalham em regime parcial"' .
Cl/1988), proibição que, em substância, é um desdobramento do princípio
Embora o Supremo Tribunal Federal não tenha mencionado expressamente a ' da igualdade entre homens e mulheres, previsto no inciso I do art. 5 da 0

teoria do impacto desproporcional, entende-se que a teoria foi aplicada na ADI Constituição Federal. Estará, ainda, conclamando o empregador a oferecer
:
1.946, em que a corte constitucional brasileira examinou a constitucionalidade à mulher trabalhadora, quaisquer que sejam suas aptidões, salário não su-
da incidência do limite dos benefícios previdenciários de R$ 1.200,00, estabe- perior a R$ 1.200,00, para não ter de responder peia diferença".
lecido pela Emenda Constitucional n° 20, sobre o salário-maternidade. Sobre
Vejamos outras possibilidades em que foi ventilada a aplicação da teoria
a aplicação da teoria do impacto desproporcional na AD11.946, pontua Daniel
do impacto desproporcional no direito brasileiro:
Sarmento: "A consequência da aplicação do referido teto sobre o salário-mater-\
nidade seria a transferência, para o empregador da gestante, da responsabilidad 3.7. Exigência de representação da vítima mulher para início da ação penal
de pelo pagamento da diferença entre o seu salário e o referido limite durante o relativa a crime de lesões corporais leves praticado no ambiente doméstico
período de licença maternidade. Ora, o argumento em que se louvou o STF para, Na ADI 4424 interposta pelo Procurador Geral da República, uma das teses
por unanimidade, em decisão de interpretação conforme a Constituição, impedir sustentadas para declarar inconstitucional a exigência de representação
a incidência questionada,foi o de que eia teria como efeito concreto o aumento nos crimes de lesão contra a mulher no âmbito da violência doméstica e
da discriminação contra a mulher no mercado de trabalho. Como a isonomia farniliarfoi a teoria do impacto desproporcional. Vejamos um trecho da ADI
de gêneros constitui cláusula pétrea (art. 5° inciso I, combinado com art. 60, §4°, 4424, subscrita pela PGR, em que se explica o ponto: "Sem embargo, apesar
inciso IV, CF), entendeu-se que o limite dos benefícios não poderia ser aplicado ao
de aparentemente neutra, ela produz, como já visto, impactos nefastos e des-
27
salário maternidade, sob pena de inconstitucionalidade"' .
proporcionais para as mulheres, sendo, por isso, incompatível com o princípio
Ainda sobre a ADI 1.946, segue a lição de André de Carvalho Ramos: "Caso a da igualdade material. [...] Como fartamente descrito no tópico anterior, a
interpretação concluísse que o excedente seria pago pelo empregador, a regra interpretação que condiciona à representação o início da ação penal relativa
aparentemente neutra (limite a todos os benefícios) teria um efeito díscrimina- a crime de lesões corporais leves praticado no ambiente doméstico, embora
não incida em discriminação direta, acaba por gerar, para as mulheres víti-
mas deste tipo de violência, efeitos desproporcionais nocivos. É que ela, por
125 Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s , Caso Átala Riffoy Niñas vs. Chile (2012), razões históricas, acaba dando ensejo a um quadro de impunidade, que, por
que será estudado mais à frente. sua vez, reforça a violência e a discriminação contra a mulher".
126 SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais — Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janei-
ro-. L u m e n Júris, 2006, p. 150.
127 SARMENTO, Daniel. Livre e Iguais — Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janei-
ro.- L u m e n Júris, 2006, p. 151.
128 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014. P-479-

102 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S


CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 1103
Essa e outras teses suscitadas pela Procuradoria Geral da República na indiM'l.1'., E .1 liç.io DE DAYSE ( OELHO DE ALMEIDA: "A teoria do Impacto Des-
ADI 4424 acabaram convencendo os Ministros do STF a julgar procedente pmparcional (Disparate Impacte Doutrine) é um dos reflexos doutrinários da
a demanda, tornando o crime de lesão corporal contra a mulher no âmbi i< N./C/K ia mundial a adotar as ações afirmativas. Esta tem como princípio
to doméstico e familiar um delito de ação penal pública incondicionada. l;r.il,ir proteger os cidadãos de toda a lei, atitude, prática, ou mesmo costu-
./ncitatu•/(-i 11 < ondições de desigualdade material,justamente medindo
3.2. Impacto desproporcional em virtude de o aborto ser considerado crime a impacto social desproporcional sobre determinada seara de pessoas que
Um dos temas mais polêmicos no Direito e na sociedade, sempre gerador WOdem ser negros, homossexuais, mulheres, silvícolas e outros grupos que
de muitas discussões, é a possibilidade de descriminalizar o crime de aborto. |)| H 'ocamente têm sido preteridos nas escolhas políticas e históricas. Esta
Deixadas de lado as questões filosóficas, éticas e religiosas sobre o tema, um Irai ia é interessante e pode ser entendida como uma proteção à ditadura
dos argumentos levantados pelos defensores de uma descriminalização do ,la maioria, exigindo respeito aos mínimos direitos fundamentais, partindo,
delito de aborto é que a sua tipificação geraria uma discriminação indireta. eiilietanto, do viés do resultado e da lesividade causada, o que reafirma o
Segundo os defensores desta ideia, ainda que a tipificação do delito previsto 1 st 1 ido Democrático de Direito. Um bom exemplo da utilização da teoria do
no art. 123 do Código Penal não ocasione uma discriminação direta e inten- \ffípat to desproporcional é a avaliação para o ingresso em universidades por
cional, o simples fato de a prática do aborto ser considerada crime no Brasil , > ame de proveniência escolar, ou seja, de quais escolas vem o aluno. Em pri-
ocasionaria um impacto desproporcional às mulheres negras e de baixa es- meira leitura parece isto ser absolutamente aceitável, entretanto, conside-
colaridade. Nesse sentido, pontua Daniel Sarmento: "Ora, um caso típico de tiiiulo que a maioria negra provem de escolas consideradas de péssimo ou
legislação androcêntrica no Brasil é exatamente a que trata do aborto, elabora- wOÍxo nível, a medida toma um novo cunho porque possibilitará apenas o
0
da sem nenhuma consideração em relação aos direitos e interesses envolvidos. liiqtesso de pessoas brancas, pelo menos em sua maioria esmagadora"^ '.
Ela viola a igualdade, na medida em que gera um impacto desproporcional so-
bre as mulheres, já que as afeta com intensidade incomparavelmente maior do \4. Provas de proficiência em língua estrangeira para determinadas sele-
que aos homens, deforma tendente a perpetuar a assimetria de poder entre os ções, como, por exemplo, nas seleções para o mestrado e para o doutorado
gêneros presentes em nossa sociedade. Sá a mulher, quando não se conforma t, possível encontrar ainda quem sustente que a exigência de prova de
com a legislação proibitiva e busca o aborto, se sujeita a graves riscos à sua vida pioliciência em língua estrangeira para ingresso em seleções como o
e saúde, ao submeter-se a métodos quase sempre precários de interrupção da iiM".lrado e o doutorado, embora aparentemente neutra, prejudicaria de
gravidez; só ela, quando obedece a contragosto a lei, acolhendo em seu ventre loima significativa estudantes de baixa renda ou oriundos de escolas pú-
e depois gerando um filho que não desejava, vê seu corpo instrumentalizado e I 'h< as, onde, na maioria dos casos, o ensino fica aquém do desejado. Ve-
9
perde as rédeas do seu próprio destino"" . lamos a proposta de Davi Santana Souza: "Diante do exposto, venho res-
uiltarque a prática imposta por estas faculdades, exigindo que o bacharel
3.3, Ações afirmativas como critério de correção para discriminações in-
possua um determinado nível de proficiência em determinado(s) idioma(s),
diretas na inclusão em universidades apesar de ser aparentemente neutra, causa um impacto desproporcional
O critério das ações afirmativas é o critério que originou todas as discus- em grupos específicos de estudantes, notadamente aqueles de baixa ren-
sões sobre a discriminação indireta e a teoria do impacto desproporcional, da que vieram de escolas públicas em que a qualidade do curso de língua
eis que o autor que trouxe esta teoria ao Brasil, o ex-Ministro do Supremo estrangeira se encontra inteiramente aquém do necessário. Assim, os estu-
Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, realizou sua tese acadêmica nos Esta- dantes que não tiveram a oportunidade de realizar um curso desvinculado
dos Unidos sobre ações afirmativas e o princípio da igualdade. Sobre a im- do colégio, somente após a formação universitária encontram possibilida-
portância das ações afirmativas para combater eventuais discriminações

I30 A L M E I D A , Dayse C o e l h o de. A ç õ e s a f i r m a t i v a s e política de cotas s ã o expressões


129 SARMENTO, Daniel. Legalização do Aborto e Constituição. In: SARMENTO, Daniel; PIO- s i n ô n i m a s ? Jus Navigandi. T e r e s i n a , a n o 10, n. 573, 31 j a n . 2005. Disponível e m :
V E S A N , Flávia (orgs). Nos Limites da Vida. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p.48. <http://jus.com.br/artigos/6238>. Acesso e m : 21 j a n . 2015.

104 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1105


des fóticas de conhecerem outro idioma. Deste modo, esta proibição acaba lamente aqui, na Iraria do Impacto Desproporcional, que se abre campo
por impedir que apenas pessoas de determinados grupos sociais tenham para a aplicação do Direito à Adaptação Razoável. Embora inicialmente a
sequer a possibilidade de participar do processo seletivo, tendendo a manu- mi uniu possa não acarretar, em abstrato, discriminações de fato ou indire-
tenção de um status quo presente há séculos no Brasil, no qual apenas se- ta;, M/O aplicação pode implicar efeitos nocivos de incidência especialmente
letas parcelas da sociedade têm acesso integrai aos níveis mais avançados desproporcionais sobre certas categorias de pessoas; no caso, as com defi-
de ensino e consequentemente, aos cargos e empregos mais procurado"'*'. • tent ia. Cumpre anotar, então, que o Direito à Adaptação Razoável consiste
»a prerrogativa das pessoas com deficiência em buscar modificações e ajus-
3.5. Direito à adaptação razoável: prerrogativa das pessoas portadoras
te,, necessários e adequados, que não acarretem ônus desproporcional ou
de necessidades especiais
indevido, que sejam imprescindíveis, em cada caso, para que possam gozar
O conceito de adaptação razoável possui status de norma constitucional, . 'i/ exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os
pois foi introduzido no ordenamento jurídico após a incorporação da Con- da eitos humanos e liberdades fundamentais. Então, podemos afirmar que a
venção da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada sobre nao realização da adaptação em testilha, quando possível e razoável, segu-
o rito do a r t 5°, § 3 ° da Constituição. Segundo esta Convenção onusiana, lamente pode gerar discriminações negativas em desfavor das pessoas com
adaptação (ou ajustamento) razoável é "a modificação necessária e ade- deficiência, em absoluta afronta ao núcleo existencial mínimo imprescindí-
quada e os ajustes que não acarretem um ônus desproporcional ou indevido, vel a manutenção da dignidade da pessoa humana, afeta a categoria de pes-
quando necessários em cada caso, afim de assegurar que as pessoas com de- • Nis notadamente prejudicadas em seus direitos e garantias individuais"' . 11

ficiência possam desfrutar ou exercitar, em igualdade de oportunidades com


as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais". Por fim e a título de curiosidade, convém ressaltar que a Procuradoria Ge-
t.il da República ajuizou uma ADPF no SupremoTribunal Federal visando
Assim, com o advento da Convenção da ONU sobre Direito das Pessoas declarar a não-recepção do art. 20, §2° da Lei 8.742/93 (Lei do Benefício
com Deficiência, superou-se o modelo médico de deficiência, que era Av.istencial), que, à época de sua edição, utilizou o conceito do modelo
aquele que considerava a pessoa com deficiência como uma pessoa biomédico de deficiente, e, por conseguinte, que se determine a utilização
"doente" e "defeituosa", e se passou a adotar o modelo de direitos huma- 0
do conceito de pessoa com deficiência previsto no a r t . i da Convenção da
nos, este último pautado no direito à adaptação razoável e em critérios
ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (conceito pautado no
de acessibilidade universal, direito à igualdade e à diferença. Sobre essa
modelo de direitos humanos) para a concessão dos benefícios de presta-
vertente da Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas Portadoras de
i.ao continuada regulados pela Lei 8.742/93. Trata-se da ADPF 182, ainda
Deficiência, pontua André de Carvalho Ramos: "Por isso, a Convenção es- 34
pendente de julgamento' .
tabelece que, a fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os
Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a
32
j.6. Critérios utilizados pela atual lei de drogas brasileira para distin-
adaptação razoável seja oferecida"' .
guir usuário de traficante
Nesse sentido, a doutrina argumenta que a violação ao direito à adapta-
Ainda de maneira incipiente nos bancos acadêmicos, começa a serventi-
ção razoável geraria uma discriminação indireta às pessoas portadoras de
11 la urna possibilidade de discriminação indireta na aplicação do artigo
necessidades especiais. Vejamos a lição de Alessander Jannucci: "E é jus-

133 J A N N U C C I , Alessander.Teor/o do impacto desproporcional e o direito ã adaptação


131 S O U Z A , Davi S a n t a n a . Prova de l í n g u a estrangeira para p ó s - g r a d u a ç ã o : discrimi- razoável. C o n t e ú d o Jurídico, Brasilia-DF: 25 dez. 2014. Disponível e m : < h t t p : / / w w w .
nação indireta e inconstitucional. Jus Navigandi,Teresína, ano 19, n. 3913,19 mar. conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.5i75g&seo=i>. Acesso e m : 21 j a n . 2015.
2014. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/26947>. Acesso e m : 5 fev. 2015. 134 Procuradoria Geral da República. PGR pede que se adote o conceito de pessoa com
132 RAMOS, A n d r é de Carvalho. L i n g u a g e m dos Direitos e a C o n v e n ç ã o da O N U sobre deficiência utilizado em Convenção. Disponível e m : <http://noticias.pgr.mpf.mp.br/
os Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiências. In: Direitos Humanos e Direitos notícias/noticias-do-site/copy_of_constitucional/pgr-pede-que-se-adoteconceí-
Fundamentais. Diálogos Contemporâneos. Salvador: J u s p o d i v m , 2014, p. 27. to-de-pessoa-com-deficíencía-utilizado-em-convencao>. Acesso e m 21 j a n . 2015.

106 I JURISPRUDENCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S


CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1107
o
28, § 2 , da Lei n. 3 4 3 / 2 0 0 6 . Isso porque a lei determina q u e "Paia dei et Pifensorla Pública, instituição que defende os interesses dos hipossufi-
minar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natu- IcMio Hiasil. Algumas das cem regras em comento tratam das comu-
reza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em ni ides indígenas.
que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como
à conduta e aos antecedentes do agente". Segundo algumas opiniões
INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S
doutrinárias, embora aparentemente neutros, os critérios elencados
pela Lei n . 3 4 3 / 2 0 0 6 ocasionariam uma espécie de discriminação indi
(l)l'f /RS — DEFENSOR PÚBLICO, 2014 — FCC) O enfrentamento das discri-
reta, eis que na grande maioria dos casos, diante de certa discriciona
minações que, no Brasil, estão proibidas por força da Constituição Fede-
riedade das agências de controle, pessoas de baixa renda, escolaridade
I.tl <• dos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o país é
e afrodescendentes seriam consideradas traficantes, enquanto pessoas
tlgnatário, atualmente tem discussão em um campo próprio, conhecido
da alta sociedade seriam consideradas usuários. Sabe-se que a situação
como "direito da antidiscriminação". Nesse campo, e considerando os
narrada não pode ser encarada como regra; entretanto, diante da sele-
(.mu eitos legais vigentes, considera-se discriminação indireta:
tividade do sistema penal brasileiro, é uma tendência a ser observada.
«I adoção de medidas com aparência de neutralidade, mas que são con-
4 . A Nicarágua não reformou a sua legislação eleitoral conforme de- cebidas intencionalmente para atingir e prejudicar determinados in-
terminado pela sentença da Corte IDH divíduos ou grupos.

Já se passaram quase dez anos da decisão da Corte de San José no Caso It| Instituição, pelo poder público, de medida em evidente violação a um
Yatama vs. Nicarágua, que ordenou a alteração da legislação eleitoral lo- 1 ritério proibido de discriminação.
cal, eis que a mesma causava um impacto desproporcional às comuni- 11 diferenciação ilegítima, com o propósito de prejuízo, por meio de tra-
dades indígenas que pretendiam concorrer o pleito. Até agora, o Estado lamento menos favorável direcionado a um indivíduo ou grupo.
da Nicarágua não tomou nenhuma medida para reformar sua legislação
>l| adoção de medidas, decisões ou práticas com a aparência de neu-
eleitoral, sendo esta rotineiramente aplicada nos pleitos eleitorais nica-
135 tralidade que têm o efeito ou resultam em um impacto diferenciado
raguenses . Logo, convém relembrar que o descumprimento da decisão
ilegítimo sobre um indivíduo ou grupo.
proferida no Caso Yatama vs. Nicarágua pelo Governo nicaraguense po-
derá ensejar nova responsabilização internacional por violação de direi- •I aplicação ou execução, de forma manifestamente desigual, de uma
tos humanos diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos. lei neutra.

GABARITO: Letra D,conforme item n° 3 dotópico "pontos importantes sobre o caso".


5 . As 1 0 0 Regras de Brasília sobre Acesso à Justiça das Pessoas em
Condição de Vulnerabilidade (DPE/PA — DEFENSOR PÚBLICO, 2015 — FMP, ADAPTADA) Sobre a j u -
As "ioo regras de Brasília"sobre acesso à justiça foram elaboradas no ano risprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos no que se
de 2008 durante a Cúpula Judicial Ibero-Amencana, realizada em Brasília, refere ao reconhecimento de direito aos povos indígenas, é CORRETO
e visam orientar a contínua implementação de condições que facilitem o afirmar que:
acesso à justiça para aquelas pessoas que estão em situação vulnerável. • O direito à participação política dos povos indígenas contempla a pos-
O tema já começa a aparecer em provas de concursos públicos, princi- sibilidade de candidatura a qualquer cargo público, desde que o indí-
palmente em concursos do Ministério Público Federal e, obviamente, da gena esteja devidamente filiado a um partido político, conforme julga-
mento do caso Yatama versus Nicarágua.

GABARITO: Errado. A restrição de que o indígena esteja filiado a um parti-


135 C o n f o r m e i n f o r m a ç ã o do CEJIL, disponível e m : < h t t p : / / w w w . e l n u e v o d i a r i o . c o m .
do político foi considerada desproporcional pela Corte Interamericana
ní/politica/287431 (em espanhol)>. de Direitos Humanos ao julgar o caso Yatama vs. Nicarágua.

108 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S ( 'ASOS I U L G A D O S PELA IURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 1109


(MPF — 2 5 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2011 — ADAPTADA)
O
tJj os Integrantes das comunidades indígenas resolverão seus conflitos
Assinale a resposta certa; Internos exclusivamente por meios próprios, dentro da tradição de sua
. iiIImi.i
• A teoria do impacto desproporcional, adotada no Brasil, permite que Sfi
constatem violações ao princípio da igualdade quando os efeitos prá- GAMARUO: Letra A, sendo recomenda a leitura do documento 100 Regras
ticos de determinadas normas, de caráter aparentemente neutro, cau- de Brasília.
sem um dano excessivo, ainda que não intencional, aos integrantes de
determinados grupos vulneráveis.
GABARITO: Correto, conforme o item 3 do tópico "pontos importantes so-
bre o caso".

(MPF — 2 6 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2012 — ADAPTADA)


A

Assinale a alternativa correta:


• Viola o princípio da igualdade material qualquer prática empresarial,
governamental ou semigovernamental, de natureza administrativa
ou legislativa que, embora concebida de forma neutra, gere, em conse-
quência de sua aplicação, efeitos desproporcionais sobre certas catego-
rias de pessoas.

GABARITO: Correto. A banca examinadora utilizou o conceito da teoria


do impacto desproporcional de autoria do ex-Ministro do STF, Joaquim
Barbosa.

(MPF — 2 7 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2014 — PROVA


O

DISCURSIVA) Discorra sobre a teoria do impacto desproporcional.


GABARITO: Bastaria ao concorrente apresentar um resumo do item 3 do tó-
pico "pontos importantes sobre o caso".

(MPF — 2 7 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2013/2014) As re-


O

gras de Brasília sobre acesso à justiça das pessoas em condição de vulne-


rabilidade dispõe que:
a| a condição de pertencer à comunidade indígena pode implicar vul-
nerabilidade quando seu integrante exercita seus direitos perante o
sistema dejustiça estatal;
b| os integrantes das comunidades indígenas reclamarão seus direitos
em sistemas judiciais comunitários próprios de sua cultura, devendo
ser evitado obrigá-los a litigar no sistema dejustiça estatal;

c| os integrantes das comunidades indígenas terão sempre o direito de


fazer uso de seus sistemas judiciais comunitários, ainda que se trate
de litigio extraindígena;

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 1111


no I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
1I1-1 oiieni 1,1 deste < enaiio, loi denuiu i.ido no lui,'.ido Naval de Magalla
HP* pelos crimes de desobediência, descumprimento de deveres milita-
REI E desacato. O Estado do Chile, por sua vez, afirmou que Palamara não
Caso Palamara Iribarne vs. Chile Blteve sujeito a censura prévia, e sim a uma responsabilidade posterior
• - piessamente contemplada na lei e fundada na necessidade imperiosa
dl as segurar a proteção da segurança nacional.
ÓRGÃO JULGADOR:
I'.llamara valeu-se dos recursos disponíveis na legislação interna do Chile
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s Dura tentar reverter o cenário descrito, não tendo, porém, obtido êxito.
Denunciado o caso na Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
SENTENÇA: mui, novamente, obter-se êxito numa solução amistosa, referido órgão
li OU ocaso,então,à Corte Interamericana de Direitos Humanos (adiante
22 de n o v e m b r o de 2005
denominada apenas de Corte ou Corte IDH).
A ( orte IDH analisou e decidiu diversos pontos, interessando-se para esta
111 ASLÂO defichamento/Resumo do Caso os dois temas principais: (a) a vio-
lação do direito de liberdade de pensamento e de expressão; e (b) o julga-
RESUMO DO CASO mento de civil porTribunal Militar em tempo de paz.
Pois bem. Iníciando-se pelo tópico relativo à violação do direito de liber-
O senhor Palamara Iribarne (adiante denominado apenas de Palamara) ingres-
36
dade de pensamento e de expressão, a Corte ressaltou, inicialmente, a
sou na Armada do Chile' em 1972, lá ficando até dezembro de 1992, período
sua "dupla dimensão", ostentando tanto um caráter individual como so-
em que desempenhou as funções militares no Departamento de Operações
11.1I, que interagem de forma interdependente. Sobre o cerne da questão,
Navais. Aposentado do cargo militar, porém na condição de empregado civil
, 1 1 orte considerou que, nas circunstâncias em que se desenvolveu o pre-
contratado para desempenhar a função de analista no Departamento de Inte-
sente caso, "as medidas de controle adotadas pelo Estado para impedir a
ligência Naval, com funções administrativas, Palamara escreveu o livro "Ética e
difusão do livro 'Ética e Serviços de Inteligência'do senhor Palamara Iribar-
Serviços de Inteligência", no qual abordava aspectos relacionados com a inteli- ne constituíram atos de censura prévia não compatíveis com os parâmetros
gência militar e a necessidade de adequá-la a certos parâmetros éticos. dispostos na Convenção, dado que não existia nenhum elemento que, à luz
Com base no ordenamento jurídico chileno, notadamente na Ordenação do dito Tratado, permitisse que se restringisse o referido direito de difundir
da Armada, Palamara foi proibido pelas autoridades militares navais de abertamente sua obra, protegido no artigo 73 da Convenção" (§ 78).
publicar o seu livro, sob o argumento de que o conteúdo nele veiculado
O controle democrático por parte da opinião pública, avançou a Corte IDH
"vulneraria a segurança e a defesa nacional". Para garantir a execução deste
em seu raciocínio, "fomenta a transparência das atividades estatais e pro-
procedimento, o Estado demandado (Chile) apreendeu os exemplares do
move a responsabilidade dos funcionários sobre sua gestão pública, razão
livro em circulação, os originais do texto, um disco que continha o texto
pela qual se deve ter uma maior tolerância e abertura à crítica frente a
integral e também o maquinário utilizado na impressão/publicação.
afirmações e apreciações vertidas pelas pessoas em exercício de dito con-
Palamara tentou resistiu à arbitrariedade que estava sofrendo e manifes-
trôle democrático. Isso se aplica aos funcionários e membros da Armada,
tou-se publicamente, na imprensa,contrário àquele procedimento. Como
incluindo aqueles que integram os Tribunais. Ademais, ao permitir o exer-
cício desse controle democrático se fomenta uma maior participação das
pessoas nos interesses da sociedade" (§ 83).
136 S e g u n d o consta no Wikipédia, "A Armada do Chile é uma das instituições que inte-
gram as Forças Armadas do Chile, que reúne as funções da marinha de guerra guar- Acerca da persecução penal do senhor Palamara pelo crime de desacato,
da costeira, policia marítima, lacustre e fluvial": <http://es.wikipedia org/wiki/Ar- a Corte observou que o Chile aprovou a Lei 20.048/2005, revogando, pois,
m a d a _ d e _ Chile> Parece se tratar, portanto, de ó r g ã o equivalente à nossa M a r i n h a referido tipo penal, mantendo, todavia, o art. 264 do Código Penal chileno,

112 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S


C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1113
o quai prevê um crime de "ameaça" àquelas mesmas autoridades q u a
|'I i N T O S I M P O R T A N I L S S O B R l i O CASO
constituíam, anteriormente à dita reforma, o sujeito passivo do crime de
desacato. Assim, a Corte fez constar que a criminalização do desacato é
1 liK ompetência da Justiça Militar para j u l g a r civil
incompatível com oart.13 da Convenção Americana de Direitos Humanos
(CADH), na medida em que proporciona um maior nível de proteção aos Importante notar que a Corte IDH não determina o "fim" da jurisdição
funcionários públicos do que aos cidadãos civis e, no caso do senhor Pa I" 11.il militar, muito embora observe que a tendência seja o seu desapa-
lamara, a legislação que lhe foi aplicada estabeleceu sanções despropot f i intento. O entendimento da Corte, em síntese, é o de que: se o Estado
cionais tão somente por realizar críticas sobre o trabalho das instituições Iderar necessária a existência de uma jurisdição penal militar, esta
estatais e seus membros, "suprimindo o debate essencial para o funciona 1. 1 in 1 1 1 1 . 1 1 s e ao julgamento de crimes de Função cometidos por milita-
mento de um sistema verdadeiramente democrático e restringindo desnc n t em serviço ativo,entendendo, portanto, que em nenhuma circunstân-
cessariamente o direito à liberdade de pensamento e de expressão" (§ 88). (la um civil pode ser julgado pelos tribunais militares, ainda que se trate
ile militar aposentado (v. Caso Cesti Hurtado, 1990).
No tocante ao segundo tópico, relativo ao julgamento de civil por Tribunal
Militar, em tempo de paz, a Corte ressaltou o seu entendimento de que A Piocuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou no STF a ADPF 289, por
0

"Num Estado Democrático de Direito a jurisdição penal militar há de ter um la qual pretende que seja dada ao art. 9 , I e III, do Código Penal
alcance restritivo e excepcional e estar encaminhada à proteção de interesses Militar, interpretação conforme à Constituição Federal, a fim de que seja
jurídicos especiais, vinculados com as funções que a lei atribuí às forças mi lei onhecida a incompetência da Justiça Militar para julgar civis em tem-
litares. Por isso, somente se deve julgar a militares pela prática de crimes ou pi ide paz e que esses crimes sejam submetidos à julgamento pela Justiça
38
faltas que por sua própria natureza atentem contra bens jurídicos próprios 1 iiiniim, federal ou estadual' .Tramita também na Câmara dos Deputa-
da ordem militar" (§ 124). Entende a Corte IDH, portanto, que somente os - 1 " 1 > Projeto de Lei 7770/2014, de autoria da bancada do PSOL, cujo objeto
militares podem ser sujeitos ativos de crimes militares, sendo que, no caso illeraçâo do Código Penal Militai para dele excluir a permissão de
do senhor Palamara, concluiu-se, ao contrário do alegado pelo Chile, que a r i l e . 11 M e n t o de civis pela Justiça Militar em tempo de paz,o que o Partido
sua função, embora desempenhada num Departamento ligado à Armada, I l.issifica como "uma aberração autoritária"'™.
era de natureza administrativa e o seu vínculo de natureza civil.
II ( mo Palamara Iribarne vs. Chile foi citado pelo min. Celso de Mello no
a

A Corte, por fim, decidindo que o Estado é responsável pela violação de diver julgamento do HC 112936 (2 Turma, em 05/02/2013), ocasião em que o
sos artigos da CADH, determinou, além de outros expedientes de natureza Ml decidiu que "Refoge à competência penai da Justiça Militar da União
indenizatórios/reparatórios, principalmente, que o Chile garantisse à vítima gfOi essar civis, em tempo de paz, por delitos supostamente cometidos por
o direito de distribuir o seu livro por qualquer meio capaz de atingir o maior estes em ambiente estranho ao da Administração Militar e alegadamente
número de destinatários, que o país adequasse o seu ordenamento consti- imiticados contra militar das Forças Armadas no contexto do processo de
tucional e jurídico interno para restringir o julgamento de civil pela Justiça III upação e pacificação das Comunidades localizadas nos morros cario-
Militar, tendo determinado, ainda, que se tornasse "sem efeito" as condena K/s, pois a função de policiamento ostensivo traduz típica atividade de
ções criminais sofridas por Palamara em decorrência destes fatos, j á que a segurança pública". Igual menção pelo min. Celso de Mello é encontrada
jurisdição penal militar responsável pelo seu julgamento não preenchia os no 1IC 105256. Embora a jurisprudência do STF esteja caminhando para
imprescindíveis requisitos da competência, imparcialidade e independência.
37
Em 2006, conforme noticiou a CEJIL' , uma das entidades responsáveis
por levar o presente caso ao conhecimento da Comissão Interamericana, MB Cf. notícia no site d o STF: < h t t p : / / w w w . s t f . j u s . b r / p o r t a l / c m s / v e r N o t i c i a D e t a l h e .
a imprensa da Armada publicou o livro do senhor Palamara. asp?idConteudo=246326>. Sobre o tema, ainda, vale a pena a c o m p a n h a r o j u l g a -
m e n t o d a A D I 5032, t a m b é m proposta pelo PGR: <http://www.stf.jus.br/portal/
c m s / verNotíciaDetalhe.asp?idConteudo=2472i8>.
139 Cf. <http://psol50.org.br/site/noticias/2836/projeto-do-psol-define-que-jUstica-mi-
137 Cf. < h t t p : / / c e j i l . o r g / c a s o s / p a l a m a r a - i r i b a r n e > . litar-nao-pode-ter-competencia-parajulgar-cidadaos-civis>.

114 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S


CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1115
lei independência, Imparcialidade e, sobretudo, poder para fazer cessar
nm.i interpretação mais restritiva do dispositivo do Código Penal Mili
Imediatamente qualquer tipo de ilegalidade. Justamente por esta razão
tar que viabiliza o julgamento de civis pela Justiça Militar em tempo de
, que a t orte Interamericana interpreta o art. 7.5 da CADH em conjunto
paz, o Brasil permanece violando a jurisprudência da Corte Interame
o art 8.1 da mesma Convenção, que assegura o direito de toda pes-
ricana. Essa controvérsia, anota Renato Brasileiro, "deverá ser dirimida
, , , , le "ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoa-
pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF n° 289, ajuizada
Wl por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial (...) *,
pelo Procurador-Ceral da República em agosto de 2013 com o objetivo de
dar interpretação conforme a Constituição ao art. g°, incisos I e III, do Có-
digo Penal Militar, para que seja reconhecida a incompetência da Justiça
Militar para julgar civis em tempo de paz e para que tais crimes sejam
submetidos a julgamento pela Justiça Comum, Federai ou Estadual, nos
mesmos moldes da decisão proferida pela Corte Interamericana de Di-
H
reitos Humanos no caso Palamara Iribarne vs. Chile" °. O STM tem uma
"contraproposta": apenas juízes de Direito que atuam na Justiça Militar
analisariam o caso de civis. Proposta que parece já ter sido encampada
pelo min. Gilmar Mendes.

2. Inconvencionalidade do crime de desacato

A respeito da inconvencionalidade do crime de desacato, isto é, a sua in-


compatibilidade com a normativa internacional de Direitos Humanos,
notadamente a encontrada no sistema regional interamericano, remete-
mos o leitor para as considerações feitas no estudo do Caso "A Última Ten-
tação de Cristo", acrescentando apenas, portanto, que além da manifesta-
ção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre a temática,
também a Corte Interamericana, conforme v i m o s j á censurou a previsão
do crime de desacato na legislação penal dos países.

3. Autoridade competente para presidir a apresentação do preso (au-


diência de custódia)

Palamara, ao ser preso, foi apresentado e colocado à disposição de um


"Fiscal Naval", quem, de acordo com a normativa interna, teria funções
jurisdicionais, A Corte considerou violado o direito à "audiência de cus-
tódia", previsto no art. 7.5 da Convenção Americana. Importante registrar,
portanto, que se a apresentação do preso cumpre finalidades relaciona-
das à prevenção da tortura e de repressão a prisões arbitrárias, ilegais ou
desnecessárias, a autoridade responsável pela audiência de custódia deve

m C f PAIVA Caio. Audiência de custódia: a quem o preso deve ser apresentado? Dis-
ponível em- < h t t p : / / j u s t i f i c a n d o . c o m / 2 0 / 0 4 / i o / n a - s e r i e - a u d í e n c i a - d e - c u s t o d i a
15
140 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 2. e d . Salvador: J u s p o d i v m ,
-a-quem-o-preso-deve-ser-apresentado/>. Acesso e m : 28/06/2015.
2014, p. 367.

C A S O S I U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1117


116 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
mulheres que impera desde 1993 e à deficiente resposta do Estado diante
desses crimes", O caso foi levado à Core Interamericana.

Caso González e Outras vs. México A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que os homicí-
dios praticados decorreram de violência de gênero, tratando-se, pois, de
("Campo Algodonero")
Irminicidio", e concluiu que "é preocupante o fato de que alguns destes
1 rimes parecem apresentar altos graus de violência, incluindo sexual, e que
ÓRGÃO JULGADOR: Sm geral foram influenciados, tal como aceita o Estado, por uma cultura de
• ir.it iminação contra a mulher, a qual, segundo diversas fontes probatórias,
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s tin idiu tanto nos motivos como na modalidade dos crimes, bem como na
resposta das autoridades. Nesse sentido, cabe destacar as respostas inefi-
SENTENÇA: 1 a mtes e as atitudes indiferentes documentadas em relação à investigação
16 de n o v e m b r o de 2009 destes crimes, que parecem haver permitido que se tenha perpetuado a vio-
lência contra a mulher em Ciudad Juárez" (§ 164).

A Corte Interamericana declarou o México responsável pela violação de


inúmeros direitos humanos, tais como: (a) obrigação geral de garantia
RESUMO DO C A S O prevista no art. i.i e à obrigação de adotar as disposições do direito inter-
no contempladas no artigo 2 (ambos da CADH), bem como às obrigações
As jovens Laura Berenice Ramos Monárrez (17 anos), Cláudia Ivette Gonza-
contempladas no art. jM e 7.C da Convenção de Belém do Pará, em detri-
lez (20 anos) e Esmeralda Herrera Monreal (15 anos) desapareceram, res-
pectivamente, nos dias 25/09/2001,10/10/2001 e 29/10/2001, em Ciudad mento das vítimas; (b) obrigação de investigar e, consequentemente, de
Juárez, no México. Devidamente cientificado, os únicos expedientes adota- garantir o direito à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal das
dos pelo Estado consistiram em elaborar os registros de desaparecimento, vitimas, acarretando com isso, também, violação aos direitos de acesso à
os cartazes de busca e a tomada de declarações dos familiares, além de justiça e à proteção judicial previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção
ter procedido com envio de ofício à Polícia Judiciária. Não há prova de que Americana e artigos 1.1 e 2 da mesma, e também artigos 7b e 7.C da Con-
as autoridades tenham efetivamente feito circular os cartazes de busca venção de Belém do Pará; (c) o dever de não discriminação; (d) os direitos
nem tampouco que efetuaram uma investigação mais profunda sobre o da criança — Esmeralda e Laura eram adolescentes; dentre outros.
caso. Consta nos autos, porém, a informação de que funcionários do Estado Decidiu a Corte, também, que em memória das vítimas de homicídio por ra-
teriam se comportado de forma indiferente e até mesmo discriminatória zões de gênero, o Estado deveria erigir um monumento em Ciudad Juárez, na
diante do contexto evidenciado, eis que haviam feito comentários sobre plantação de algodão onde foram encontradas as vítimas, a ser revelado na
a vida censurável e o comportamento sexual das vítimas, deduzindo pode- mesma cerimônia na qual reconheça publicamente sua responsabilidade in-
riam não estar "desaparecidas", mas sim em companhia de seus namora-
ternacional, como forma de dignificá-las e como recordação do contexto de
dos ou outros parceiros.
violência que padeceram e que o Estado se compromete a evitar no futuro.
No dia 06/06/2011, as vítimas foram encontradas numa plantação de
algodão (daí, pois, o título do Caso: "Campo Algodonero"; em português: PONTOS IMPORTANTES SOBRE O CASO
"Campo Algodoeiro"), com gravíssimas marcas de estupro e violência se-
xual cometidas com extrema crueldade.
1. Primeira vez e m que a Corte Interamericana analisou um caso e n -
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos afirmou que "Ciudad volvendo situação de violência estrutural de gênero
Juárez se converteu no foco de atenção da comunidade nacional e interna- Foi a primeira vez, conforme anota André de Carvalho Ramos, que a Corte
cional em razão da situação particularmente crítica da violência contra as Interamericana analisou a situação de violência estrutural de gênero: "A

118 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S


C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 1119
sentença voltou-se, além da indenização aos Jamiliares, tumhetn a promoção |, Improcedência da tese do Estado relativa à incompetência da Corte
de medidas gerais de compatibilização do direito interno com parâmetros in- Interamericana para analisar violações a respeito da Convenção de
ternacionais de proteção à mulher—sobretudo em relação à Convenção de
l i H é m do Pará
Belém do Pará. Tendo em vista a existência de múltiplos casos defeminicídio
que ocorrem em Ciudad Juárez, a Corte determinou a necessidade de as au- i > México alegou a incompetência da Corte Interamericana para analisar
toridades estatais adotarem medidas amplas de luta contra os casos de vio- violações a respeito da Convenção de Belém do Pará, aduzindo que a com-
lência ligados a estereótipos de gênero socialmente dominantes, bem como I" Ti meia da Corte deve ser estabelecida por "declaração especial" ou por
combaterem a impunidade nos casos de violência contra as mulheres (mais "i 1 invenção especial", ao que a Corte respondeu que "a declaração espe-
2
um uso do Direito Penal pelos Tribunais de Direitos Humanos)"'* . i d// para aceitar a competência contenciosa da Corte segundo a Convenção
Americana, levando em consideração o artigo 62 da mesma, permite que o
2. Primeira vez em que um Tribunal Internacional reconheceu a exis- tribunal conheça tanto de violações à Convenção como de outros instru-
tência de "feminicídio" c o m o crime inrntos interamericanos que lhe concedem competência" (§ 37). O Estado do
O Caso Campo Algodonero representa, também, segundo Lucas üxinski, MéxÍcoarguiu,ainda,queoart.i2da Convenção de Belém do Pará mencio-
"a primeira vez em que um tribunal internacional reconheceu a existência na expressa e exclusivamente a Comissão Interamericana como o órgão
defeminicídio como crime". E avança o autor na sua explicação para dizer encarregado da prevenção da Convenção, através do procedimento de pe-
que "feminicídio é uma alusão ao crime internacional de genocídio, que está I ições individuais, nada prevendo a respeito da Corte, que seria, pois, no seu
codificado na Convenção de 1948 contra o Crime de Genocídio como sendo entender, incompetente. A Corte, porém, considera errônea essa interpreta-
atos cometidos com a intenção de destruir, em sua totalidade ou em parte, rão e afirma que "o teor literal do artigo 7 2 da Convenção de Belém do Pará
um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Esses atos são: matar membros i oncede competência à Corte ao não excetuar de sua aplicação nenhuma
do grupo; causar dano corporal ou mental sério a membros do grupo; delibe- das normas e requisitos de procedimento para as comunicações individuais"
radamente impor condições de vida a um grupo que levem à sua destruição 41), concluindo que "a conjunção entre as interpretações sistemática e te-
física em todo ou em parte; imposição de medidas para impedir nascimentos leológica, a aplicação do principio do efeito útil, somadas à suficiência do cri-
dentro do grupo; e transferência forçada de crianças de um grupo para outro terio literal no presente caso, permitem ratificar a competência contenciosa
(Artigo 2 da Convenção). Note-se que os grupos que podem ser vítimas de da Corte a respeito de conhecer de violações do artigo 7 da Convenção de
genocídio não incluem "gênero". Mas a ideia de destruição de um grupo pela Belém do Pará" {§ 77), Para efeito de síntese: a Corte Interamericana possui
simples razão de existir éoque importa para a definição defeminicídio"'^. competência para analisar violações de outros tratados que compõem o
istema interamericano, a exemplo, pois, da Convenção de Belém do Pará.
Importante registrarmos que, recentemente, por meio da Lei 13104/2015,0
Código Penal brasileiro passou a prever o crime de feminicídio, que na ver- Ainda sobre a Convenção de Belém do Pará, importante registrar que a primei-
dade ingressou na legislação penal ordinária como uma circunstância qua- i a vez em que a Corte Interamericana a aplicou foi no julgamento áo Caso do
lificadora do crime de homicídio, tratando-se da conduta com dolo de tirar Presídio Miguel Castro Castro vs. Peru, em 2006. Já a Comissão Interamericana
a vida disparada contra mulher por razões da condição de sexo feminino, as aplicou a referida Convenção pela primeira vez na apreciação do Caso Maria
quais podem se dar, segundo o art, 121, §2°-A, do CP, por violência doméstica da Penha vs. Brasil, em 2000. Finalmente, também importante advertir que a
efamiliarou por menosprezo ou discriminação à condição de mulher. ( orte já estabeleceu que "nem toda violação de um direito humano cometida
em prejuízo de uma mulher leva necessariamente a uma violação das disposi-
ções da Convenção de Belém do Pará"(Caso Peroso e outros vs. Venezuela).

142 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 334. 4 . Teoria da obrigação processual
143 LIXINSKI, Lucas. Caso do Campo de Algodão: Direitos Humanos, Desenvolvimento,
Consta na decisão da Corte Interamericana que, no contexto da obrigação de
Violência e Gênero. Nota de ensino. Casoteca Direito GV — Produção de Casos
2011, p, 15. Disponível e m : <http://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/cam- proteger o direito à vida.oTribunal Europeu de Direitos Humanos desenvol-
po_de_ a l g o d ã o - n o t a d e e n s i n o . p d f x veu a "teoria da obrigação processual" de o Estado efetuar uma investigação

120 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1121


olii i.il e l e t i v a n u i . r . o s de v i o l a ç õ e s ,i e s t e diieito ( ( ( f i m / tqi v. luiquia.Ak
h >k vs, Turquia e Killiç vs. Turquia). A Corte Interamericana, da mesma forma,
fá aplicou esta teoria em diversos casos {Casos Juan Humberto Sanchez vs.
I lotiduas, Valle Jaramillo e outros vs. Colômbia e Garibaldi vs. Brasil). Ainda no Caso Barreto Leiva vs. Venezuela
que diz respeito à jurisprudência comparada, fruto de um diálogo de Cortes,
consta também na decisão da Corte Interamericana que oTribunal Europeu
deDireitos Humanos já declarou que "a falha do Estado em protegeras mu- ÓRGÃO JULGADOR:
IIa vês contra a violência doméstica viola o seu direito à igual proteção da lei e
es ta falha não necessita ser intencional" (Caso Opuz vs. Turquia). Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s

5. Outros precedentes internacionais sobre "direito das m u l h e r e s "


DECISÃO:
Ainda sobre o desenvolvimento do tema "direito das mulheres" no Direi-
17 de novembro de 2009
t o Internacional dos Direitos Humanos, Flávia Piovesan registra que "Des-
tacam-se também [além do Caso Campo Algodonero] relevantes decisões
do sistema interamericano sobre discriminação e violência contra mulhe-
res, o que fomentou a reforma do Código Civil da Guatemala [Caso Maria
Eugenia vs. Guatemala], a adoção de uma lei de violência doméstica no RESUMO DO CASO
m
1 liile. a adoção da Lei Maria da Penha no Brasil, dentre outros avanços" .
O caso em análise chegou até a Corte de San José no dia 31 de outubro de
->oo8, por intermédio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
INCIDÊNCIA D O T E M A E MPROVAS DE CONCURSOS
e trouxe como suposta vítima o Sr. Oscar Enrique Barreto Leiva. A vítima
(oi condenada pela Corte Suprema de Justiça da Venezuela em razão do
(DPE/PR — DEFENSOR PÚBLICO, 2014 — UFPR) O caso conhecido como
exercício de um mandato no ano de 1989 como diretor administrativo e
"Campo Algodonero", julgado pela Corte Interamericana de Direitos Hu-
de serviços do Ministério da Secretaria da Presidência da República.
manos em 16 de novembro de 2009 (exceção preliminar, fundo, repara-
ções e custas), tornou-se célebre por tratar: Originariamente, o caso na jurisdição doméstica da Venezuela foi instau-
a| da violência estrutural de gênero (feminicídio). iado contra o Presidente da República (à época, o agora já falecido Hugo
Chávez), um senador e um deputado. Em um primeiro momento, o Sr. Bar-
b| dos direitos humanos dos trabalhadores migrantes indocumentados.
teto Leiva figurou como testemunha, e posteriormente foi expedido seu
c| do impacto do uso intensivo de agrotóxicos sobre o meio ambiente natural. mandado de prisão.

d| dos parâmetros de reparação adotados pela Corte Interamericana de Ao tratar do caso na Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Co-
Direitos Humanos. missão Interamericana alegou a incompetência da Corte Suprema de
e| do primeiro caso decorrente de uma comunicação apresentada por Justiça da Venezuela para julgá-lo, tendo em vista que o Sr. Barreto Leiva
um Estado parte em face de outro perante a Comissão Interamerica- não possuía qualquer foro por prerrogativa de função.Também foi alega-
na de Direitos Humanos. da a violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, eis que diante do
julgamento perante a Corte Suprema de Justiça da Venezuela, a vítima
GABARITO: letra (A).
teve suprimida sua possibilidade de recorrer da sentença condenatória. A
vítima também não teve o direito de escolher seu próprio defensor e tam-
pouco a possibilidade de interrogar supostas testemunhas arroladas pela
144 P I O V E S A N , Flávia. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos das Mulheres. R.
acusação, ou mesmo conhecer as provas que estavam sendo produzidas
EMERJ, v. 15, n. 57 (Edição Especial), p. 79, jan-mar, 2012. Disponível e m : < h t t p : / /
www.emerj.tjrj.jus.br/revi5taemerj_online/edicoes/revista57/revista57_70.pdf>. contra a sua pessoa.

122 I JURISPRUDENCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S


CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 1123

J
oficial efetiva em casos de violações a este direito {Casos Ergi vs. lurquia.Ak-
kok vs. Turquia e Killiç vs. Turquia). A Corte Interamericana, da mesma forma,
já aplicou esta teoria em diversos casos (Casos Juan Humberto Sanchez vs.
Honduas, Valle Jaramillo e outros vs. Colômbia e Garibaldi vs. Brasil). Ainda no Caso Barreto Leiva vs. Venezuela
que diz respeito à jurisprudência comparada, fruto de um diálogo de Cortes,
consta também na decisão da Corte Interamericana que o Tribunal Europeu
ÓRÜAO JULGADOR:
de Direitos Humanos já declarou que "a falha do Estado em protegeras mu-
lheres contra a violência doméstica viola o seu direito à igual proteção da lei e ( orte Interamericana de Direitos H u m a n o s
esta falha não necessita ser intencional" (Caso Opuz vs. Turquia).

5, Outros precedentes internacionais sobre "direito das mulheres" DECISÃO:

Ainda sobre o desenvolvimento do tema "direito das mulheres" no Direi r/ de n o v e m b r o de 2009


to Internacional dos Direitos Humanos, Flávia Piovesan registra que "Des-
tacam-se também [além do Coso Campo Aigodonero] relevantes decisões
do sistema interamericano sobre discriminação e violência contra mulhe-
res, o que fomentou a reforma do Código Civil da Guatemala [Caso Maria
Eugenia vs. Guatemala], a adoção de uma lei de violência doméstica no RESUMO D O CASO
14
Chile, a adoção da Lei Maria da Penha no Brasil, dentre outros avanços"" .
0 caso em análise chegou até a Corte de San José no dia 31 de outubro de
;oo8, por intermédio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS e trouxe como suposta vítima o Sr. Oscar Enrique Barreto Leiva. A vítima
foi condenada pela Corte Suprema de Justiça da Venezuela em razão do
(DPE/PR — DEFENSOR PÚBLICO, 2014 — UFPR) O caso conhecido como
exercício de um mandato no ano de 1989 como diretor administrativo e
"Campo Aigodonero", julgado pela Corte Interamericana de Direitos Hu-
de serviços do Ministério da Secretaria da Presidência da República.
manos em 16 de novembro de 2009 (exceção preliminar, fundo, repara-
ções e custas), tornou-se célebre por tratar: Originariamente, o caso na jurisdição doméstica da Venezuela foi instau-
rado contra o Presidente da República (à época, o agora j á falecido Hugo
a| da violência estrutural de gênero (feminicídio).
Chavez),um senador e um deputado. Em um primeiro momento,o Sr. Bar-
b| dos direitos humanos dos trabalhadores migrantes indocumentados. reto Leiva figurou como testemunha, e posteriormente foi expedido seu
c| do impacto do uso intensivo de agrotóxicos sobre o meio ambiente natural. mandado de prisão.

d| dos parâmetros de reparação adotados pela Corte Interamericana de Ao tratar do caso na Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Co-
Direitos Humanos. missão Interamericana alegou a incompetência da Corte Suprema de
Justiça da Venezuela para julgá-lo, tendo em vista que o Sr. Barreto Leiva
e| do primeiro caso decorrente de uma comunicação apresentada por
não possuía qualquer foro por prerrogativa de função.Também foi alega-
um Estado parte em face de outro perante a Comissão Interamerica-
da a violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, eis que diante do
na de Direitos Humanos.
julgamento perante a Corte Suprema de Justiça da Venezuela, a vítima
GABARITO: letra (A).
teve suprimida sua possibilidade de recorrer da sentença condenatória. A
vítima também não teve o direito de escolher seu próprio defensor e tam-
pouco a possibilidade de interrogar supostas testemunhas arroladas pela
144 P I O V E S A N , Flávia. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos das Mulheres. R.
acusação, ou mesmo conhecer as provas que estavam sendo produzidas
EMERJ, v. 15, n. 57 (Edição Especial), p. 79, jan-mar, 2012. Disponível e m : < h t t p : / /
www.emerj.tjrj.jus.bf/revistaemefj_online/edicoes/revista57/revista57_70.pdf>.
contra a sua pessoa.

CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S 1123


122 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
Em 17 de novembro de 2009, a Corte Interamericana de Direitos I lumanos dos réus do mensalão, com fulcro no art. 8.2 'h'da Convenção Americana
proferiu sentença na qual condenou o Estado da Venezuela pelos seguin- dc Direitos Humanos, que prevê o princípio do duplo grau de jurisdição. O
tes motivos: a) a violação do direito do Sr. Barreto Leiva de conhecer for- ponto a ser destacado é a menção pelo min. Celso de Mello, em seu voto
mal e previamente os fatos que lhe foram imputados' (art. 8.2 da CADH); 45
que desempatou o julgamento, da previsão do princípio do duplo grau
b) a violação do direito à ampla defesa e contraditório da vítima (art. 8.2.C de Jurisdição na Convenção Americana de Direitos Humanos, citando in-
da CADH); c) a ausência de assistência técnica ao Sr. Barreto Leiva (art. (lusive o Caso Barreto Leiva como principal precedente para a admissão
8.2.d da CADH); d) a detenção arbitrária do Sr. Barreto Leiva com base em dos embargos infringentes. No entanto, é oportuno lembrar que há vozes
meros indícios, desconsiderando o princípio da presunção de inocência e na doutrina que não concordam com essa "convergência" entre a juris-
a finalidade da prisão preventiva (arts. 7.1 e 7.3 c/c 1.1 e 2 da CADH); e) a de- prudência do STF e da Corte Interamericana no caso Barreto Leiva vs.
6
tenção preventiva do Sr. Barreto Leiva por tempo excessivo (art. 7.1 c/c 7.5 Venezuela'* . Isso porque, na Ação Penal 470, a reapreciação do feito não
da CADH) e; f) a violação do princípio do duplo grau de jurisdição, eis que (oi realizada na sua integralidade, como ocorreu no caso Barreto Leiva.
o Senhor Barreto Leiva restou impossibilitado de recorrer de sua sentença () manejo do recurso de embargos infringentes foi oportunizado apenas
(art. 8.2 'h' da CADH). aos réus que obtiveram pelo menos quatro votos pela absolvição em de-
lerminado delito. Assim, a Ação Penal 470/MG nãooportunizou um duplo
Dessa maneira, o Estado da Venezuela foi ordenado a: 1) publicar alguns
i;iau de jurisdição para todos os acusados e tampouco realizou um rejul-
trechos da sentença exarada pela Corte Interamericana de Direitos Hu-
p.amento integral da matéria.
manos no caso Barreto Leiva vs. Venezuela; 2) pagar uma indenização de
U$$ 15,000,00 (quinze mil dólares) a título de indenização por danos ima- 2. Direito ao duplo grau de jurisdição na sua integralidade
teriais e uma quantia de US$ 10.000,00 (dez mil dólares) a título de gas-
No julgamento do caso Barreto Leiva, pela primeira vez, a Corte Intera-
tos e custas com o processo despendidos pela vítima ao longo dos anos;
mericana de Direitos Humanos concretizou o direito ao duplo grau de
3) concedera possibilidade de o Sr. Barreto Leiva ter sua condenação revis-
Jurisdição na sua integralidade. Nesse sentido, é a lição de Valério de Oli-
ta em sua integralidade,- e 4} adequar seu ordenamento jurídico interno
veira Mazzuoll: "No caso Barreto Leiva contra Venezuela, a Corte, em sua
para garantir o direito de recurso das decisões condenatórias, inclusive
ilecisão de j7.TJ.2009, apresentou suas surpresas: a primeira é que fez valer
aquelas que gozam de foro por prerrogativa de função.
em toda sua integralidade o direito ao duplo grau de jurisdição (direito de
1 1
ser julgado duas vezes, deforma ampla e ilimitada)"" ' .0 caso Barreto Leiva
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O foi importante porque consagrou que a concretização do direito ao duplo
grau de jurisdição deve ser conferida a todo e qualquer acusado, indepen-
1. Convergência ou divergência entre a jurisprudência do Supremo dentemente se o processo está sendo processado e julgado na mais alta
Tribunal Federal e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direi- (orte do país. Vejamos as palavras de Mazzuoli sobre o tema: "No caso
tos Humanos? liar reto Leiva contra Venezuela, a Corte, em sua decisão de 17.11.2009, apre-
sentou duas surpresas: (...) e a segunda é que deixou claro que esse direito
Uma das questões mais polêmicas da Ação Penal 470, popularmente co-
nhecida como caso do "Mensalão", girava em torno do direito ao duplo
grau de jurisdição dos acusados, tendo em vista que o processo tramitou
diretamente no Supremo Tribunal Federal. Após inúmeras discussões, o
M u i t o e m b o r a se reconheça que o m i n , Celso de Mello t e n h a citado o precedente
Supremo Tribunal Federal, em um julgamento com seis votos a favor e Barreto Leiva vs, V e n e z u e l a e m seu voto pela admissibilidade dos E m b a r g o s In-
cinco contrários, admitiu o recurso de embargos infringentes para alguns fringentes na A ç ã o Penal 470/MG e q u e este e n t e n d i m e n t o j á t e n h a sido adotado
e m provas de concurso, c o m o por e x e m p l o , na última prova discursiva da Defen-
soria Pública do Estado de São Paulo (2013).
147 M A Z Z U O L I , Valério de Oliveira, G O M E S , Luiz Flávio. Comenta rios à Convenção Ame-
145 A Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s não a d m i t e o processo inquisitório, ricana sobre Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica). 4. ed. São Paulo: Re-
c o n f o r m e o Caso Castillo Petruzzi vs. Peru ("Caso dos j u í z e s s e m rosto"). vista dos Tribunais, 2013, p. 151.

124 | J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 1125


vale para todos os réus, inclusive os julgados pelo Tribunal máximo do pais, unem cena o interesse público, que se sobressai sobre o individual. Nesse par-
em razão do foro por prerrogativa de função ou de conexão com quer iu alai. ha lambem solida jurisprudência da Corte. Em Pakdemirli vs. Turquia
8
desfruta dessa prerrogativa"'* . (jooí), Sadak e outros vs. Turquia (200i),McElhinney vs. Reino Unido (2001)
Sobre o tema, vale registrar que, com base no precedente Barreto Leiva vs. . Ri jah Partisi e outros vs. Turquia (2003), resta clarividente que deixa de ser
Venezuela, alguns réus do processo do Mensalão recorreram até a Comis- ,</-.. ilato o direito de recorrer a uma instância superior o parlamentar que,
são Interamericana de Direitos Humanos postulando a anulação do julga- 0i 'i prerrogativa de função, já tem iniciado o seu persecutio criminis numa
mento. Os argumentos utilizados pelos advogados de José Dirceu, Kati.i instancia, a última da pirâmide judiciária daquele país, no qual anteriormen-
9

Rabellojosé Roberto Salgado e Vinícius Samarane se baseiam na violação te ja houvera regulamentado legalmente o foro privilegiado"'* .
do duplo grau de jurisdição, eis que os réus não eram detentores de foro por
4, A Venezuela denunciou a C A D H e m meados de 2012 150

prerrogativa da função, bem como na atuação "incoerente e casuística" da


mais alta corte do Estado brasileiro no julgamento da Ação Penal 470/MG. No dia 10 de setembro de 2012, o secretário-geral da Organização dos Esta-
dos Americanos (OEA)José Miguel Insulza, anunciou que a Venezuela efe-
5
3. Divergência do Sistema Europeu de Direitos H u m a n o s tivou a denúncia' ' contra a Convenção Americana de Direitos Humanos.
()i orre que a Convenção Americana de Direitos Humanos comporta uma
Ao contrário do que decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos
11.insula de pré-aviso de um ano. Desse modo, ainda que a Venezuela obje-
no caso Barreto Leiva vs. Venezuela, a Corte Europeia de Direitos Humanos
I iv.iva se desligar de todas as obrigações do Pacto de San José de Costa Rica,
possui entendimento consolidado pela não aplicabilidade do princípio do
houve um período de transição de um ano, no qual todos os acontecimen-
duplo grau de jurisdição aos acusados que são julgados pelo tribunal má-
TOS envolvendo violações À Convenção Americana de Direitos Humanos
ximo de seu país. Para a Corte de Estrasburgo, o princípio do duplo grau de
d,ii iam margem para eventual responsabilização do Estado venezuelano.
jurisdição também sofre limitações em determinadas situações, como na
hipótese em comento. Logo, há uma divergência entre a interpretação da '.ena possível denunciar apenas a jurisdição da Corte Interamericana de
Corte Europeia de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Direitos Humanos e continuar signatário da Convenção Americana de Di-
Humanos. Vejamos a lição de Áquila Mazzinguhy: "A jurisprudência dessa reitos Humanos? Não, pois a própria Corte Interamericana de Direitos Hu-
Corte tem evoluído para entender que, se determinado acusado goza de um manos considera o reconhecimento da sua jurisdição como cláusula pétrea
privilégio processual de ser julgado originariamente pela mais alta corte de 52
do sistema interamericano' . Para a Corte Interamericana de Direitos Hu-
um pais em razão do cargo por ele ocupado, a não existência (ou possibili- manos, o ato que reconhece sua jurisdição obrigatória perfectibiliza e torna
dade) de recurso a uma instância superior — uma vez que essa é a única e mais efetivo o sistema interamericano de direitos humanos pautado no
última — não viola o princípio do Devido Processo Legal. A ponderação que PACTO de San José da Costa Rica e eventual denúncia concentrada apenas
Estrasburgo tem feito opera na proporcionalidade entre o objeto da prerro-
gativa defunção—proteção do parlamentarem razão e no exercício de suas
funções — ea necessidade de proteção ao interesse público, como estampa-
do em Cordoba vs. Itália (2003) e Bossi vs. Itália, (2009). Em outras palavras, i,|y M A Z Z I N G U H Y , Áquila. Uma conversa sobre justiça, Direitos Humanos e mensalão.
<http://atualidadesdodireito.com.br/aquilamazzinghy/2014/01/17/uma-conversa-
para Estrasburgo, o privilégio de foro está destinado a proteger os interesses
sobre-justica-díreitos-humanos-e-mensalao/>. Acesso e m : 6 de janeiro de 2015.
do parlamento e não os interesses individuais de deputados e senadores que,
I50 O caso Barreto Leiva v s . V e n e z u e l a não foi afetado pela d e n ú n c i a efetivada pelo
ao menos em teoria, cometeram determinados crimes. Para a Corte Europeia,
Estado v e n e z u e l a n o , tendo e m vista que os f a t o s ocorreram muito antes de a V e -
quando determinado parlamentar, que tem o privilégio processual criminal nezuela exarar s u a v o n t a d e de se desvencilhar das obrigações o r i u n d a s da C o n -
de ser julgado inicialmente pelo mais alto tribunal de um país, comete atos venção A m e r i c a n a de Direitos H u m a n o s .
totalmente estranhos à sua prática legislativa e esses constituem crimes, en- i>a Ato unilateral que explicita o desejo do Estado de não m a i s c u m p r i r parte ou tota-
lidade de tratado internacional.
152 C a s o Ivcher Bronstein v s . Peru. S e n t e n ç a de 24.04.1999. E C a s o do T r i b u n a l C o n s t i -
tucional v s . Peru. S e n t e n ç a de 24.04.1999. A m b o s foram j u l g a d o s pela Corte Inte-
148 ld.,ibld. ramericana de Direitos H u m a n o s .

126 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S C A S O S J U L G A D O S PELA IURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1127


no ato que reconheceu a jurisdição da Corte IDH violaria a proibição do OUSIRVAÇAO: Conforme Já ressaltado, é oportuno lembrar que h á vozes na
retrocesso, prevista no art. 29 da própria CADH. Desse modo, o Estado que doutrina que não concordam com o gabarito adotado pela banca da DPE/
pretenda se desvencilhar da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos SP Isso porque, na Ação Penal 470, a reapreciação do feito não foi realiza-
Humanos deve denunciar a Convenção Americana de Direitos Humanos da na sua integralidade, como ocorreu no caso Barreto Leiva vs. Venezuela.
na sua integralidade. Vejamos a lição de André de Carvalho Ramos sobre o 1) manejo do recurso de embargos infringentes foi oportunizado apenas
tema: "Só que não é possível denúncia (ato unilateral que explicita o desejo >• m u s que obtiveram pelo menos quatro votos p e l a absolvição e m de-
do Estado de não mais cumprir parte ou totalidade de tratado internacional) terminado delito. Assim, além de não oportunizar a reapreciação do feito
restrita ao ato brasileiro de 1998 que reconheceu a jurisdição da Corte Inte- paia todos os envolvidos no caso,o processo do "Mensalão" também não
ramericana de Direitos humanos. Conforme já descrevi em livro anterior — oportunlzou uma reapreciação da matéria na sua integralidade.
salvo engano de modo inédito no Brasil — J á houve uma tentativa fracassa
da de denunciar somente o ato de reconhecimento da jurisdição obrigatória (DPE/RR — DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — CESPE, ADAPTADA): No que diz
da Corte. O reconhecimento da jurisdição da Corte foi considerado "cláusula respeito à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
pétrea"do sistema interamericano. Assim, a Corte considerou inadmissível a assinale a opção correta.
pretendida denúncia peruana, que não gerou qualquer efeito, continuando a| O Estado-parte poderá retirar o reconhecimento da jurisdição dessa
a apreciar os chamados casos do Tribunal Constitucional e Ivcher Bronstein, corte sem denunciar a Convenção Americana de Direitos Humanos,
ambos contra o Peru. (...) Assim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
mas tal medida não atingirá os casos já submetidos ao julgamento
decidiu que o ato do Estado que reconhece sua jurisdição obrigatória apri-
desse órgão.
mora o sistema protetivo da Convenção: eventual denúncia isolada desse ato
seria retrocesso, proibido pelo art. 29 da própria Convenção Americana de e| Depois de reconhecida pelo Estado-parte, a jurisdição dessa corte só cessa-
Direitos Humanos. Essa decisão da Corte fez com que o ato de denúncia do rá se houver a denúncia da Convenção Americana de Direitos Humanos.
reconhecimento da jurisdição da Corte pelo Peru de Fujimori restasse inváli- GABARITO: Letra E. A assertiva 'A' está errada, eis que conforme explicado
do. Após a queda do ditador, o Peru manteve o reconhecimento"^. anteriormente, não é possível retirar o reconhecimento da jurisdição da
Corte Interamericana de Direitos Humanos sem denunciar a própria Con-
venção Americana de Direitos Humanos.
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S

(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2014 — FCC — PROVA ORAL) Qual o en-


(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — FCC — PROVA DISCURSIVA): Dis- tendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos acerca da
corra sobre o diálogo entre a Corte Interamericana de Direitos Humanos aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição aos agentes com foro
e o Supremo Tribunal Federal no controle de convencionalidade do Siste- por prerrogativa de função que são julgados pelo tribunal máximo do
ma Interamericano de Direitos Humanos, analise criticamente e cite três seu respectivo Estado? Há precedente sobre o tema?
casos jurisprudenciais pertinentes ao assunto. BREVE SÍNTESE DA RESPOSTA: O candidato deveria abordar os aspectos principais
GABARITO ADOTADO PELA BANCA:"[...] Também pode ser citado o caso Barreto Lei- do caso Barreto Leiva vs. Venezuela e afirmar que a Corte Interamericana
va vs. Venezuela, seguido pelo Ministro Celso de Mello em seu voto de de- de Direitos Humanos entende ser aplicável o princípio do duplo grau de
sempate nos embargos infringentes da Ação Penal n° 470 relativo ao duplo jurisdição inclusive aos agentes com foro por prerrogativa de função que
grau de jurisdição de altas autoridades em Corte Suprema". são julgados diretamente na mais alta corte do seu respectivo Estado.

153 RAMOS, A n d r é de Carvalho. A A D P F 153 e a Corte Interamericana de Direitos H u -


m a n o s . In: M A Z Z U O L I , Valério de Oliveira (org.). Crimes da Ditadura Militar. S ã o
Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 74-75.

128 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1129


DAS SI 11 ESSIVAS ORDENS do I STADO P A N A M E N H O CONTRA sua liberdade D E LOCO
,.IO I LO 1 I I I • ' . M O M O D O , L A M P O I U O P O D E LECOIIEI DA C O U D E I I A Ç A O I M P O S T A .

Ao chegar ao Equador, o Sr. Vélez reportou ao governo de seu país que foi
Caso Vélez Loor vs. Panamá I IL m 11 1 ido A tortura e maus tratos enquanto esteve privado de sua liber-
Estado do Panamá. O Sr. Vélez Loor noticiou que,
J u l r D E LOC O M O C , 1 0 PELO
l.into no período em que esteve detido em Darien quanto nos momentos
ÓRGÀO JULGADOR:
i m Q U E esteve recluso em La Palma e La Joyita, tais práticas aconteceram.
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s VÉLEZ Loor também relatou às autoridades equatorianas a superlotação
l uesídíos panamenhos e a deficiência na rede de saneamento básico
II is 1 omplexos penitenciários, bem como a deficiência no sistema pana-
SENTENÇA:
MENHO de classificação e nos programas de ressocialização e educação.
23 de n o v e m b r o de 2010
() I stado do Panamá não apresentou informações sobre as recomendações
ftltas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o que motivou
ESLA última a submeter o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

N O dia 23 de novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Hu-


Resumo do Caso j
manos prolatou sua decisão responsabilizando o Estado do Panamá em
lai E do ocorrido com o Sr. Vélez Loor. Primeiramente, a Corte de San José
No dia n de novembro de 2002,0 Sr. Jesus Tranquilino Vélez Loor, nacional
tejeitou as exceções preliminares arguidas pelo Estado panamenho de
do Equador, foi detido no Posto Policial Tupiza, na província de Darein, no
Ifll ompetência ratione materiae da Corte para analisar a alegação de vio-
Panamá, em virtude de não portar todos os documentos necessários para
l H AO da Convenção para Prevenir e Punir a Tortura.Também foi rejeitada
permanecer no Estado panamenho. Após o ocorrido, o Diretor Nacional
A exceção de falta de esgotamento de recursos internos.
do serviço de imigração emitiu uma ordem de detenção, o que ocasionou
a transferência do Sr. Vélez Loor para o presídio de La Palma. N O que tange à política de imigração, a Corte Interamericana de Direitos
I lumanos expôs sua posição no sentido de que o Estado do Panamá não
No dia 0 6 de dezembro de 2002, após descobrir que o Sr. Vélez Loor j á ha
SÓ pode como deve exercer uma política de imigração para controlar a
via sido deportado do Panamá no ano de 1996, o mesmo Diretor Nacional
ETIIrada e saída do seu território,desde que essa política de imigração não
do Serviço de Imigração e naturalização do Estado do Panamá lhe impôs
leja discriminatória e não viole as normas de proteção de direitos huma-
uma pena de dois anos de prisão, por haver infringido as disposições da
NOS previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos.
lei de imigração do Panamá. Essa decisão não foi comunicada ao Sr. Vélez.
Após 12 dias da imposição de sua pena, Vélez foi transferido para o Centro A Corte de San José também considerou ilegal a apreensão inicial realizada
Penitenciário La Joyita. pelo Estado panamenho contra o Sr. Vélez Loor no posto policial de Tupiza,
EIS que foi violada a publicidade da prisão, conforme o art. 7.5 da CADH. O
Meses depois, mais precisamente no dia 08 de setembro de 2003,0 mesmo
liibunal interamericanotambém considerou ilegal a ordem de prisão emi-
Diretor Nacional do Serviço de Imigração e Naturalização do Panamá, que
tida pela autoridade do serviço de imigração do Panamá, pois não havia
havia imposto a pena ao Sr. Vélez Loor, revogou a sentença que havia pro-
lundamentação concreta nem prazo para encerramento da medida, o que
ferido. Após dois dias, o Sr. Vélez foi deportado para a República do Equador.
acabou violando o art. 7.3 c/c 1.1 da CADH. A Corte Interamericana ainda
Durante o tempo em que esteve recluso no presídio de La Palma e no Centro 1 ondenou o Panamá por não ofertar ao Sr. Vélez Loor a possibilidade de um
Penitenciário La Joyita, o Sr. Vélez não dispôs de defesa técnica e nem pode recurso efetivo e por nãooportunizar assistência judiciária gratuita, violan-
constituir um advogado a seu contento. O equatoriano não contou com do os artigos 7.6,8.1,8.2 'd'e 8.2 'e',todos da CADH.Também restou caracte-
qualquer possibilidade de exercer sua ampla defesa e contraditório diante rizado que o Estado panamenho não permitiu que Vélez Loor contatasse o

130 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 1131


consulado de seu país; assim, foi desrespeitado o direito à notificação para I irvalho Ramos: "Tratou-se do caso envolvendo a situação da Imigração
assistência consultar, o que ocasionou a violação dos artigos 7.4,8.1 e 8.2 'd' Ittrqular. No caso, Jesus Vélez Loor, cidadào equatoriano, foi preso e pro-
da CADH. Ainda quanto aos serviços de saúde insuficientes dos complexos II iido no Panamá por delitos relacionados à sua situação migratória.
penitenciários em que o Sr. Vélez Loor esteve detido, restou caracterizada a Apesar de os Estados poderem fixar políticas migratórias, são conside-
violação dos artigos 5.1 e 5.2 da CADH. fOdOS arbitrárias as políticas migratórias cujo eixo central é a detenção
Obrigatória dos migrantes irregulares, sem que as autoridades competen-
Por fim, a Corte de San José constatou a violação dos artigos 5.1 e 5.2 c/c
te: verifiquem em cada caso em particular, e mediante uma avaliação
art. i.i, todos da Convenção Americana de Direitos Humanos, em razão de
individualizada, a possibilidade de utilizar medidas menos restritivas que
o Sr. Velez Loor permanecer detido em centros penitenciários que não se-
Itjam efetivas para alcançar os fins legítimos buscados. Além disso, a pri-
paravam as pessoas que estavam sendo processadas das pessoas que já
são ocorreu em considerações desumanas e sem que lhe fossem assegu-
haviam sido condenadas de maneira definitiva. Finalmente, a Corte Inte-
radas as garantias do devido processo, tendo sido o Panamá condenado
ramericana de Direitos Humanos concluiu que as autoridades do Estado 0
l>i>r violações de dispositivos dos artigos 7 . 7 , 2 , 5 ° j°, 8°, g° e 25 da CADH,
panamenho não se empenharam de maneira satisfatória em assegurar o
alem dos arts. i°, 6° e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e
o direito à integridade física do Sr. Vélez Loor, o que ocasionou a violação
l'unira Tortura"'™.
dos artigos 5,1 e 5.2 da CADH, além das obrigações contidas nos artigos
o o
I , 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.
O

i. Opinião Consultiva n° 1 6 d a Corte Interamericana de Direitos H u -


Assim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que sua manos: o direito à assistência consular
sentença constitui per se uma forma de reparação, além de determinar que I m dezembro de 1997, o México, com fulcro no artigo 64.1 da Convenção
o Estado deve: a) pagar as despesas do Sr. Vélez Loor a título de tratamento Americana de Direitos Humanos, provocou a jurisdição consultiva da Cor-
médico e psicológico, incluindo os medicamentos necessários, em virtude le Interamericana de Direitos Humanos requerendo a opinião consultiva
do acontecimento; b) continuar a conduzir de maneira célere e eficaz a in- sobre "as garantias judiciais mínimas e o devido processo no âmbito da
vestigação sobre os fatos denunciados pelo Sr. Vélez Loor, para que se en- pena de morte imposta judicialmente para estrangeiros, aos quais o Es-
contrem e responsabilizem os autores das violações denunciadas; c) tomar luiio receptor não informou o seu direito de comunicar-se e de solicitar a
as medidas necessárias para que o Estado do Panamá ofereça acomoda- assistência das autoridades consulares do Estado da sua nacionalidade".
ções dignas e qualificadas para os imigrantes detidos em razão de proble- Pestringindo o questionamento da opinião consultiva n° 16, a Corte In-
mas que os impediram de ingressar no país; d) implementar programas teramericana de Direitos Humanos afirmou que "considera-se violado o
de capacitação sobre a possibilidade de iniciar uma investigação quando devido processo legai quando um Estado não notifica um preso estrangeiro
houver denúncia por parte de indivíduos sobre atos de tortura; e e) oferecer de seu direito à assistência consular".
um curso de treinamento e formação para o pessoal que Integra o Serviço
t onforme visto no item anterior, a violação ao direito à assistência con-
Nacional de Imigração e Naturalização do Estado do Panamá.
sular viola o devido processo legal. Assim, no Caso Vélez Loor vs. Panamá,
a Corte Interamericana de Direitos Humanos elencou os elementos que
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O perfectibilizam o direito à notificação e assistência consular. São eles: (a)
ser notificado de seus direitos de acordo com a Convenção de Viena; (b)
1 . Impossibilidade de fixação de políticas migratórias cujo foco princi- efetividade da comunicação com funcionários consulares; e (c) a própria
pal seja a detenção arbitrária assistência consular. Sobre esse tópico, e seguindo a linha de pensamen-
to da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é a lição de Nereu José
No caso Vélez Loor vs. Panamá, a Corte Interamericana de Direitos Hu-
manos decidiu que os Estados não devem fixar políticas migratórias
voltadas à detenção arbitrária, e que, se houver necessidade, a deten-
ção deve ser analisada casuisticamente. Nesse sentido, pontua André de 154RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 334.

132 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1133


Gíacomolli: "Nota-se que o direito à assistência consular possui em seú 5. Crianças imigrantes e a Opinião Consultiva n° 21 da Corte Interame-
conteúdo o direito de o acusado ser informado desse direito e da ajeita
<>, .111.1 d e D i r e i t o s H u m a n o s
efetiva de meios materiais para acessar o consulado"^.
I mbora o caso não trate especificamente de crianças imigrantes, vale a
3. Condenação c o m base na Convenção contra a Tortura 1 •'-11.1 li< .11 de olho na recentíssima Orientação Consultiva n° 21 da Corte
inii-iamericana de Direitos Humanos, expedida em 19 de agosto de 2014,
Além de violações à Convenção Americana de Direitos Humanos, a Corte
ie versa sobre os direitos e garantias de crianças e adolescentes no con-
Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado do Panamá por
texto da imigração. O Brasil foi um dos países que solicitaram a opinião
violar dispositivos da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a
Tortura, eis que o Sr. Vélez Loor foi submetido à tortura enquanto esteve I onsultiva da Corte.
recluso no Estado panamenho.
(». Convergência entre a interpretação da Corte Interamericana de Di-
reitos H u m a n o s e da Corte Internacional de Justiça
4. Opinião Consultiva n ° 18/03 d a Corte Interamericana de Direitos
1

H u m a n o s : o princípio da igualdade e o princípio da não-discrimina- A .sim como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Corte Inter-
nai ional de Justiça também considera que o direito à notificação consular
ção são aplicáveis aos imigrantes ilegais?
I I instituí garantia essencial e indisponível que assiste qualquer pessoa pre-
Em maio de 2002, o México, com fulcro no artigo 64.1 da Convenção Ame- sa em território estrangeiro. Foi o que decidiu a Corte de Haia nos casos Pa-
ricana de Direitos Humanos, provocou a jurisdição consultiva da Corte niquai vs. USA (CasoÁngel Breard), Alemanha vs. USA (Caso Le Grand) e Méxi-
Interamericana de Direitos Humanos requerendo a opinião consultiva (ovs. USA (Caso Avena), nos quais a Corte analisou o caráter e os limites do
sobre a seguinte indagação: "Os princípios da igualdade e da não-discrimi disposto no art. 36,1 'b'da Convenção de Viena sobre Relações Consulares,
nação são aplicáveis aos imigrantes ilegais?". artigo este que versa sobre a notificação consular. A título de curiosidade, o
Brasil é signatário desta convenção e a mesma já foi devidamente interna-
Diante da indagação proferida requerida pelo Estado mexicano, a Corte
lizada na ordem jurídica interna através do Decreto 61.068/1997.
Interamericana de Direitos Humanos emitiu opinião consultiva no sen-
tido de que os princípios da igualdade e da não-discriminação estão in 7. Convergência entre a jurisprudência do STF e a interpretação con-
terligados e constituem elementos básicos para a proteção internacional
ferida ao t e m a da assistência consular pela Corte Internacional de
dos direitos humanos. Assim, a condição de imigrante ilegal não legitima
Justiça e pela Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
que o Estado trate quaisquer indivíduos (que, na maioria das vezes, em
se tratando de imigrantes ilegais, se encontram em situação de vulne- Ainda na linha de interpretação dos tribunais internacionais, o STF enten-
rabilidade) de maneira discriminatória. Assim, os princípios em questão dequeoartigo36,i,'b'da Convençãode Viena sobre Relações Consulares,
também são aplicáveis aos imigrantes ilegais. possui natureza cogente, o que impõe um verdadeiro dever do Estado em
notificar o consulado. Vejamos o entendimento do Min. Celso de Mello na
É importante ressaltar que o entendimento emitido pela Corte Interame-
I xtradíção 1.126:
ricana de Direitos Humanos em sede de jurisdição consultiva também já
apareceu em precedentes julgados pela Corte de San José, como no Caso "Vê-se, portanto, que, no plano das relações consulares existentes
As meninas Yean e Bosico vs. República Dominicana, no qual a Corte Intera- entre o "État d'envoi" (Estado que envia) e o "État d'accueil" (Estado
mericana de Direitos Humanos reafirmou que a não discriminação é um de acolhimento ou receptor), instauram-se vínculos jurídicos, fun-
direito que independe de qualquer status migratório. dados, em base convencional, que impõe recíprocas prerrogativas e
obrigações, como a que ora se cuida.
A notificação consular em questão tal como delineada no artigo 36
da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, revela-se bifron-
155 C I A C O M O L L I , Nereu José. O devido processo penal. Abordagem Conforme a Consti- te, pois se mostra impregnado, quanto aos seus destinatários, de
tuição Federal e o Pacto San José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. p.139 dupla subjetividade, eis que dirigido ao agente consular (que tem a

134 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S


C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 1135
a notificação consular em referência, considerada a sua específica
liberdade de comunicar-se e vísitaros respectivos nacionais, mesmo
destinação, constitui garantia essencial e indisponível que assiste a
quando presos) e ao estrangeiro sobre custódia do Estado receptor
qualquer pessoa estrangeira submetida a prisão em território sujei-
(que tem o direito de solicitar às autoridades nacionais a cientifica-
lo à soberania de qualquer outro Estado Nacional.
ção de sua prisão à repartição consular competente, bem assim a
faculdade de avistar-se com o agente consular do seu próprio país), A essencialidade dessa notificação consular resulta do fato de per-
mitir, desde que formalmente efetivada, que se assegure a qualquer
No contexto ora em exame, a República Federal da Alemanha qua-
lifica-se, para efeito de aplicação da referida Convenção de Viena, pessoa estrangeira que se encontre presa, a possibilidade de rece-
como sendo o Estado que envia ("Etat d'envoi") e o Brasil como o ber auxílio consular de seu próprio país, viabilizando-se-lhe, desse
Estado que recebe ou Estado receptor ("Etat d'accueil"). modo, o pleno exercício de todas as prerrogativas e direitos que se
compreendem na cláusula constitucional do devido processo".
(...) Essa notificação consular reveste-se de grande importância, pois
constitui prerrogativa jurídica de caráterfundamental, que compõe Ao longo do acórdão da Extradição 1.126, o Ministro Celso de Mello tam-
o bojo do universo conceituai dos direitos básicos da pessoa hu- bém fez menção à Opinião Consultiva n° 16 da Corte Interamericana de
mana, para empregar a expressão que o Professor CANÇADO TRIN l tlreitos Humanos, caracterizando o diálogo das cortes.
DADE, quando juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
A Interpretação judicial a respeito da notificação consular, porém, para
utilizou na resposta dada, aos Estados Unidos Mexicanos, em decor
que goze da supremacia inerente ao seu status de direito humano/fun-
rência da solicitação formulada no contexto da Opinião Consultiva
damental, somente atingirá eficácia prática o bastante quando se avan-
n° 16 de i ° / i o / i 9 9 9 , que versou a questão pertinente ao direito à
Çil no entendimento de que a sua ausência torna a prisão ilegal, ensejan-
informação sobre assistência consular e a sua relação com as garan-
tias mínimas do devido processo legal. do, consequentemente, o relaxamento.

Torna-se imprescindível que as autoridades brasileiras, na esfera


INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S
dos procedimentos instaurados em nosso País e em cujo âmbito te-
nha tido sido decretada a prisão de súditos estrangeiros, respeitem
(DPE/SP _ DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — FCC, ADAPTADA) Em relação às
o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, sob
pena de transgressão a esse dever jurídico imposto por tratado mul- opiniões consultivas da Corte Interamericana de Direitos Humanos, con-
tilateral, de âmbito global, configurar ilícito internacional e traduzir lldere as seguintes afirmações:
ato de ofensa à garantia do "due process of law". • Na opinião consultiva n° 16, a Corte Interamericana de Direitos Huma-
nos considera violado o devido processo legal quando um Estado não
O fato, Senhor Presidente, é que o estrangeiro, preso no Brasil, tem
direito de ser cientificado, pelas autoridades brasileiras (policiais ou notifica um preso estrangeiro de seu direito à assistência consular.
judiciárias), de que lhe assiste a faculdade de comuníca-se com res- GABARITO: correto.
pectivo agente consular, como, ainda, dispõe da prerrogativa de ver
notificado o seu próprio Consulado "without delay", de que se acha o
( C G R — 2 8 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAPTADA)
submetido a prisão em nosso País. Assinale a alternativa correta:
(...) Cabe acentuar ainda, Senhor Presidente, que a questão funda- No Caso Velez Loor vs. Panamá, a Corte Interamericana de Direitos Huma-
da no artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares nos considerou que uma politica migratória que permita a detenção de mi-
(cuja aplicação tem sido muitas vezes desrespeitada por autorida- rantes irregulares em locais de detenção penal comum é aceitável, pois
des nacionais de diversos outros países) vem merecendo o atento lai decisão esta incluída na margem de apreciação nacional de cada Estado.
exame da Corte Internacional de Justiça com sede em Haia (Casos
GABARITO: Errado. Ao julgar o Caso Vélez Loor vs. Panamá, a Corte Interame-
"Ángel Breard" "LeGrand" e "Avena", v.g.), com o consequente reco-
in ana de Direitos Humanos considerou arbitrárias as políticas migrató-
nhecimento — por parte desse organismo que é a principal insti-
tuição judiciária do sistema nacional das Nações Unidas — de que rias centradas na detenção penal.

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1137


136 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
do/a exercia o cargo de analista ambiental no escritório do economis-
I 1 ' in Ir il 1 i v i i o i r o * , de Venezuela S.A (PDVSA). O Estado venezuelano
i l r p i n i que Lopez Mendoza teria atuado em conflito de interesses em
Caso Lopez Mendoza vs. Venezuela 'ii 1 I H Ir d,is doações realizadas pela PDVSA (juntamente com a IAF) para a
Mi .iv.oi i a ç ã o s e m fins lucrativos. A mãe de Lopez Mendoza também es-
ÓRGÃO JULGADOR: I m i envolvida na operação, pois, segundo o Estado venezuelano, além de
I I I11111 íonária da PDVSA, ela teria autorizado uma das duas doações rea-
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s II H l r. p.ira a Civil Association Primero Justicia. Neste primeiro processo
administrativo, o Sr. Mendoza foi responsabilizado administrativamente
SENTENÇA: com .1 pena de multa; posteriormente, através de resolução, foi declarada
01 de setembro de 2011 1 I I H . I O de inabilitação para o exercício da função pública portrês anos.

gundo processo administrâtivei movido pelo Estado da Venezuela


1 otili.i o Sr. Lopez Mendoza, a acusação versava sobre uma possível mal-
vei s.iç.iode recursos públicos, eis que o governo da Venezuela alegou que
0 Sr. Mendoza havia aplicado créditos orçamentários em finalidades di-
RESUMO DO CASO r i s . i s d a s pi evistas em lei enquanto foi prefeito do Municipio cie Chaco.
Neste segundo processo administrativo movido contra Lopez Mendoza,
56
No ano de 1998, o Sr. Leopoldo López Mendoza' trabalhou como analista 0 I slado venezuelano reconheceu a responsabilidade administrativa do
de meio ambiente no escritório do economista-chefe da Petróleos de Ve-
'.1 Mendoza ao pagamento da pena de multa e, posteriormente, declarou
nezuela SA (PDVSA), a companhia estatal de petróleo da Venezuela e uma
.1! i.ivés de resolução a sua inabilitação para o exercício de função pública
das maiores exportadoras de petróleo do planeta. Ao mesmo tempo em
|n H m a i s seis anos.
que exercia o cargo de analista, o Sr. Mendoza também fundou uma as-
sociação sem fins lucrativos, chamada Civil Association Primero Justicia. 1111 virtude das condenações proferidas em sede administrativa pelo Esta-
Ainda no ano de 1998, precisamente no dia 24 de julho, a PDVSA assinou do da Venezuela, o Sr. Lopez Mendoza não conseguiu registrar sua candida-
um memorando em conjunto com a Fundação Interamericana (IAF), com lina na junta eleitoral distrital, restando prejudicada a sua possibilidade de
o intuito de realizar duas doações de quantias vultosas para o benefício < oncorrer ao cargo de dirigente do Distrito Metropolitano de Caracas.
da associação sem fins lucrativos fundada pelo Sr. Mendoza.
'.riitindo-se prejudicado, Lopez Mendoza tentou reverter suas condena-
Dois anos se passaram e, no dia 04 de agosto de 2000, Leopoldo López ções no Supremo Tribunal Administrativo Político da Venezuela e, poste-
Mendoza foi eleito para um mandato de quatro anos como prefeito do ilormente, n a instância judicial, através da apresentação de dois recursos
Município de Chacó; foi reeleito no dia 31 de outubro de 2004 e perma- diante do Supremo Tribunal Constitucional da Venezuela; nestes recur-
neceu no cargo até novembro de 2008, quando pretendia se candidatar a sos, postulou a anulação das duas resoluções expedidas pela Controlado-
Dirigente Metropolitano de Caracas, capital da Venezuela. 1I.1 de Resoluções da Venezuela, que o haviam tornado inelegível. Ambas
as tentativas foram infrutíferas.
Entretanto, o Sr. López Mendoza foi inabilitado para o exercício da fun-
ção pública em dois processos administrativos sancionadores. O primeiro No dia 14 d e dezembro de 2009, a Comissão submeteu o caso à Corte
processo administrativo se referia aos fatos ocorridos quando o Sr. Men- Interamericana de Direitos Humanos.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu que não houve


violação do princípio da presunção de inocência por parte do Estado ve-
i 6 Leopoldo Lopez M e n d o z a era u m líder d e oposição na V e n e z u e l a ; concorreu na
S
nezuelano, pois, segundo a Corte de San José, em nenhum momento du-
eleição presidencial realizada no a n o de on contra o falecido H u g o C h a v e z .
2

rante a tramitação dos processos administrativos que deram ensejo às

138| J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S

CASOS I U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1139


do/a exercia o cargo de analista ambiental no escritório do economis-
i I i HELE d.i PETRÓLEOS DE Venezuela S.A (PDVSA). O Estado venezuelano
ALRPMI QUE López Mendoza teria atuado em conflito de interesses em
Caso Lopez Mendoza vs. Venezuela le das doações realizadas pela PDVSA (juntamente com a IAF) para a
•aia associação sem fins lucrativos. A mãe de López Mendoza também es-
ÓRGÃO JULGADOR: tai ia envolvida na operação, pois,segundo o Estado venezuelano.além de
hl IIIIK ionária da PDVSA,ela teria autorizado uma das duas doações rea-
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s ii II las para a Civil Association Primero Justicia. Neste primeiro processo
Administrativo, o Sr. Mendoza foi responsabilizado administrativamente
SENTENÇA: COM a pena de multa; posteriormente, através de resolução,foi declarada
01 de setembro de 2011 I sanção de inabilitação para o exercício da função pública por três anos.

i i n o segundo processo administrativo movido pelo Estado da Venezuela


i unira o Sr. López Mendoza, a acusação versava sobre uma possível mal-
• i açãode recursos públicos, eis que o governo da Venezuela alegou que
D Si Mendoza havia aplicado créditos orçamentários em finalidades di-
RESUMO DO CASO v<cas das previstas em lei enquanto foi prefeito do Município de Chacó.
Neste segundo processo administrativo movido contra López Mendoza,
56
No ano de 1998, o Sr. Leopoldo Lopez Mendoza' trabalhou como analista
ii I .lado venezuelano reconheceu a responsabilidade administrativa do
de meio ambiente no escritório do economista-chefe da Petróleos de Ve-
'a Mendoza ao pagamento da pena de multa e, posteriormente, declarou
nezuela SA (PDVSA), a companhia estatal de petróleo da Venezuela e uma
iiiavés de resolução a sua inabilitação para oexercício defunção pública
das maiores exportadoras de petróleo do planeta. Ao mesmo tempo em
por mais seis anos.
que exercia o cargo de analista, o Sr. Mendoza também fundou uma as-
sociação sem fins lucrativos, chamada Civil Association Primero Justicia. i ni virtude das condenações proferidas em sede administrativa pelo Esta-
Ainda no ano de 1998, precisamente no dia 24 de julho, a PDVSA assinou do da Venezuela, o Sr. López Mendoza não conseguiu registrar sua candida-
um memorando em conjunto com a Fundação Interamericana (IAF), com liiia na junta eleitoral distrital, restando prejudicada a sua possibilidade de
o intuito de realizar duas doações de quantias vultosas para o benefício 11 incorrer ao cargo de dirigente do Distrito Metropolitano de Caracas.
da associação sem fins lucrativos fundada pelo Sr. Mendoza.
'.entindo-se prejudicado, López Mendoza tentou reverter suas condena-
Dois anos se passaram e, no dia 04 de agosto de 2000, Leopoldo Lopez ntes no Supremo Tribunal Administrativo Político da Venezuela e, poste-
Mendoza foi eleito para um mandato de quatro anos como prefeito do ilormente, na instância judicial, através da apresentação de dois recursos
Município de Chaco; foi reeleito no dia 31 de outubro de 2004 e perma- diante do Supremo Tribunal Constitucional da Venezuela; nestes recur-
neceu no cargo até novembro de 2008, quando pretendia se candidatar a sos, postulou a anulação das duas resoluções expedidas pela Controlado-
Dirigente Metropolitano de Caracas, capital da Venezuela. II,i de Resoluções da Venezuela,que o haviam tornado inelegível. Ambas
ps tentativas foram infrutíferas.
Entretanto, o Sr. Lopez Mendoza foi inabilitado para o exercício da fun-
ção pública em dois processos administrativos sancionadores.O primeiro No dia 14 de dezembro de 2009, a Comissão submeteu o caso à Corte
processo administrativo se referia aos fatos ocorridos quando o Sr. Men- Interamericana de Direitos Humanos.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu que não houve


violação do princípio da presunção de inocência por parte do Estado ve-
156 Leopoldo Lopez M e n d o z a era urn líder de oposição na Venezuela- concorreu J
nezuelano, pois, segundo a Corte de San José, em nenhum momento du-
ele,çao presidencial realizada no a n o de 2ou contra o falecido H u g o ~
lante a tramitação dos processos administrativos que deram ensejo às

38 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S

CASOS J U L G A D O S PELA IURISDIÇÀO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1 1 3 9


condenações o Sr. Lopez Mendoza teria sido tratado como culpado. Ness mim-, , 1 m l i •ml.- o (|u< - ,1 s e n t e n ç a p i o l e i ida no i .i-.(Wi)/ie,' Mendoza

linha, a Corte IDH ressaltou que não possui competência para analist] v\ Venezuela era inexequível. Segundo o governo venezuelano, o tema
eventual responsabilidade do Sr. Lopez Mendoza, mas apenas para aferi] nivi ilvei ia uma margem de apreciação exclusiva do Estado Venezuela-
se houve alguma violação à Convenção Americana de Direitos Humano*., 111 1 N E 1 jurisdição internacional n a o s e r i a dotada de competência
Nesse sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu que M r B analisar a matéria ou para se imiscuir nos assuntos internos do Es-
|, ;:

a Venezuela não partiu do pressuposto de que o acusado era culpado, t? 1 „ 1 . . V / e i i e , M i e l . m o ' . Sobre a equivocada postura do Estado Venezuela-
sim do estado de inocência. a lição de Luiz G u i l h e r m e Marinoni: "O descumprimento de decisão
dit ( orle Interamericana gera ao Estado responsabilidade internacional.
Também não prosperaram as alegações de que o direito ao duplo grau de Ni)n 1 <lijante, alguns Estados não se constrangem em descumprír as de-
jurisdição do Sr. Lopez Mendoza haveria sido violado. A Corte Interamericana 1 / Mies da Corte, como exemplifica recente decisão do Tribunal Supremo de
de Direitos Humanos entendeu que o acusado recorreu das decisões tanto lustiça da Venezuela, que simplesmente declarou ser inexecutãvel a sen-
em sede administrativa quanto em sede judicial, e que, em ambos os casos, (rntií proferida no caso López Mendoza vs. Venezuela. Neste caso, a Corte
os recursos foram devidamente analisados pelo Estado da Venezuela. determinou a anulação das resoluções que cassaram os direitos políticos
Entretanto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Es- de I opez Mendoza, opositor de Hugo Chavez nas eleições presidenciais de
tado da Venezuela por violar o artigo 8.2 da CADH c/c artigo 1.1 da mesma •ia:, considerando o Estado venezuelano responsável por violação dos
Convenção, tendo em vista que o Estado Venezuelano apenas declarou a flreitos à fundamentação e à defesa nos procedimentos administrativos
que acarretaram a imposição das sanções de inabilitação, bem como res-
inabilitação do Sr. Lopez Mendoza, sem que fossem expostos os motivos
ponsável por violação dos direitos à tutela judicial e de ser eleito, todos
de tal condenação. Caracterizou-se, portanto, uma violação do dever de
Qiirantidos na Convenção"'™.
motivar as decisões por parte da Venezuela, bem como um cerceamento
ao direito de defesa do Sr. Leopoldo Lopez Mendoza. Nessa linha, a Cor- 1 >ev,e modo, seja na fase de admissibilidade da demanda, seja na fase de
te Interamericana de Direitos Humanos reconheceu a violação do artigo execução, o Estado venezuelano insistiu que a matéria versada no caso
22.3 da Convenção Americana de Direitos Humanos, eis que, segundo a topez Mendoza vs. Venezuela era privativamente de competência das cor-
Corte IDH, a restrição de direitos políticos deveria ter advindo de um pro- les venezuelanas, incorrendo em verdadeira alegação da teoria da mar-
cesso criminal, processado e julgado diante de todas as garantias, o que pem de apreciação.
não haveria ocorrido. Dessa maneira, a Corte determinou a anulação das
2 . 0 que é a teoria d a m a r g e m de apreciação?
medidas emitidas pela Controladoria-Geral da República que decretaram
a inabilitação do acusado para o exercício da função pública. A teoria da margem de apreciação, alegada pela Venezuela tanto no
momento em que o caso foi submetido à Corte Interamericana de Direi-
Por fim, além de determinar a publicação do resumo oficial da sentença no
iir, Humanos quanto no momento de implementar as determinações
Diário Oficial e em jornal de grande circulação, a Corte IDH determinou que
da Corte IDH no caso López Mendoza, consiste em uma tese oriunda do
o Estado venezuelano, através de seus órgãos sobre a matéria, em especial o 60
Sistema Europeu de Direitos Humanos' , baseada na subsidiariedade
Conselho Nacional Eleitoral (CNE), não levassem em consideração as penas
impostas ao acusado e que se procedesse ao registro da sua candidatura.

157 C o n f o r m e j á a f i r m a d o anteriormente, a V e n e z u e l a d e n u n c i o u a C o n v e n ç ã o A m e -
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O ricana de Direitos H u m a n o s no a n o de 2012.
158 L E G G , Andrew. The Margin ofAppreciation in International Human Rights Law: De-
ference and Proportíonality. United K i n g d o m : O x f o r d , 2012, p. 133
1. A Venezuela entendeu de maneira equivocada que a sentença proferi-
159 M A R I N O N I , Luiz G u i l h e r m e . Controle de Convencionalidade (Na perspectiva do di-
da pela Corte Interamericana de Direitos Humanos era inexequível
reito brasileiro). Disponível e m : <http://www.marinoni.adv.br/baixar.phpParqui-
O Estado venezuelano, com a postura que lhe foi peculiar durante o pe- vo=files_/C%2oCONV..docx>.

ríodo em que figurou como parte da Convenção Americana de Direitos 160 Ateoria da margem de apreciação é adotada pela Corte Europeia de Direitos Humanos.

140 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1141


da jurisdição internacional. Segundo a teoria da margem dê aprecia- IH i i i r i i i d e . i p i e i I.IÇ.I M-.li-riei I r i l e i . i i i i e i n ,111o de I H l r l l o s I Itmi.tllO'.

ção, determinadas questões polêmicas e controversas advindas em de- • l i que a Corte Interamericana de Direitos Humanos não é multo simpá-
terminado Estado só poderiam ser discutidas, processadas e dirimidas tica à teoria, Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Porém,
por juízes da comunidade nacional; não caberia ao juiz internacional I- 11.1 ,e. minorias vulneráveis, o universalismo será mais u m a palavra ao
apreciá-las, em razão de se tratar de questões especificas a certo Estado, VBnto caso não seja possível o acesso às instâncias internacionais, para
com as quais os juízes internacionais não possuiriam a familiaridade iu< p u v . a m inclusive questionar as interpretações nacionais majorilá-
necessária para julgar e proferir decisões. Sobre a teoria da margem de u r i h is 11 ibunais domésticos que tenham violado direitos humanos. Por
apreciação, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Essa tese é baseada Iv.o, a Corte Interamericana de Direitos Humanos não aceita a teoria da
na subsidiariedade da jurisdição internacional e prega que determinadas p e m de apreciação"*'-.
questões polêmicas relacionadas com as restrições estatais a direitos pro-
tegidos devem ser discutidas e dirimidas pelas comunidades nacionais; I. Reconhecimento da extensão da presunção de inocência a proces-
não podendo o juiz internacional apreciá-las. Assim, caberia, a princípio, s o s administrativos
ao próprio Estado estabelecer os limites e as restrições ao gozo de direitos I mbora concebido originariamente para os processos criminais, o princí-
6
em face do interesse público"' '. pio da presunção de inocência também deve ser aplicado aos processos
administrativos. Ainda que no caso Lopez Mendoza vs. Venezuela, o acu-
Em virtude do seu conteúdo, muitas críticas são proferidas à teoria da
n l e i lenha sido tratado como se inocente fosse, a Corte Interamericana
margem de apreciação. Isso porque, com a aceitação da margem de apre-
rje Direitos Humanos ressaltou a aplicação do princípio da presunção de
ciação, muitas violações de direitos humanos ocorridas em âmbito inter-
Inocência nos processos administrativos. Nesse sentido, a lição de Nereu
no podem restar à míngua de uma efetiva proteção imparcial, eis que os
losé Giacomolli: "Entretanto, as sanções administrativas são expressões
órgãos do Estado violador podem alegar "margem de apreciação"quando
(¡0 poder punitivo do Estado, as quais possuem, em diversas situações, na-
lhes convier. Nesse sentido, é a observação de André de Carvalho Ramos:
tureza similar às penais. Também destacou entender que todos os órgãos
"Para vários críticos, entretanto, a aceitação da justificativa da 'margem
que exerçam atividade materialmente jurisdicional, mesmo que não penal,
de apreciação'pode resvalar na perigosa tendência para o relativismo dos
possuem o dever de proferir decisões justas, baseadas no respeito pleno às
direitos humanos, aceitando que uma maioria momentânea das comuni- o
qurantias do devido processo, estabelecidas no art. 8 da CADH. Nesses ter-
dades nacionais possa adotar postura violatória de direitos protegidos ou
mos, fica confirmada a necessidade de respeitar a presunção de inocência
que práticas históricas ou religiosas sejam usadas como justificativas para
62
também nos processos administrativos sancionadores. Ao examinar o caso
impedir mudanças sociais, em especial na esfera da moralidade pública"' .
concreto, entendeu que essa garantia específica não foi violada. Os repre-
Embora seja bastante aplicada no Sistema Europeu de Direitos Humanos, sentantes da suposta vítima alegavam que a presunção de inocência en-
a teoria da margem de apreciação não se desenvolveu da mesma ma- qioba o direito do acusado de ser condenado somente se provada a sua cul-
pabilidade peia parte adversa. Ocorre que as sanções impostas a Leopoldo
neira no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Muitos Estados
teriam sido fundadas em responsabilidade do tipo objetiva, que dispensa
tentam, para fugir da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Hu-
a demonstração de dolo ou culpa, bastando a comprovação do fato viola-
manos, aiegar "margem de apreciação", o que não é aceito pela Corte de
16 dor do ordenamento jurídico. A Corte entendeu que o acusado foi tratado
San José . Assim, o ideal é entender pela inadmissibilidade da teoria da

161 RAMOS, André de Cava lho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacio- sores dessa teoria no S i s t e m a Interamericano foi a O p i n i ã o C o n s u l t i v a n ° 4/84,
nal. 4.ed. S ã o Paulo: Saraiva, 2014. p. 115. na qual se discutiram m u d a n ç a s constitucionais no processo de naturalização de
162 l d . , p. 119-120. estrangeiros na C o s t a Rica.
163 Foram r a r í s s i m a s as vezes q u e a Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s a c e i - 164 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
tou u m a " m a r g e m de a p r e c i a ç ã o " do Estado. O caso m a i s c o m u m para os d e f e n - Paulo: Saraiva, 2013, p. 178.

142 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S ^ ^ ^ B CASOS J U L G A D O S PEIA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1143


como ¡nocente durante o processo administrativo, o qual contou com vá Mendoza; Já a Lei da Ficha Limpa tem como principal objetivo tutelar
rias fases; que a atuação administrativa não partiu do pressuposto de que 0 direito Fundamental à boa governança, não servindo de instrumento
ele fosse culpado, mas que isso foi sendo verificado ao longo das fases do pira nenhum tipo de perseguição. Vejamos o entendimento susten-
processamento administrativo, no qual o suspeito participou, apresentou (.ido pelo autor supracitado no julgamento do Recurso Eleitoral 946-
defesa e vários recursos"^. Hi.2012.6.26.0401 e do Recurso Eleitoral 430-16.2012.6.26.0125, ambos
1 lerante oTribunal Regional Eleitoral de São Paulo: "Em ambos os casos,
4. A Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s decidiu que a restri- o Procurador Regional Eleitoral do Estado de São Paulo André de Carva-
ção aos direitos políticos do Sr. López Mendoza só poderia ocorrer se lho Ramos manifestou-se pelo desprovimento do recurso, afim de que
oriunda de u m processo penal a Lei da F ¡cha Limpa fosse aplicada. Em sustentação oral, defendeu que
No caso López Mendoza vs. Venezuela, a Corte Interamericana de Direitos 0 Caso López Mendoza vs. Venezuela (Corte Interamericana de Direitos
Humanos determinou a anulação das resoluções expedidas pela Corre- Humanos, 2on) relativo aos direitos políticos previstos na Convenção
gedoria-Geral que haviam declarado a inabilitação do Sr. Leopoldo Lo- Americana de Direitos Humanos é precedente que não pode ser aplica-
pez Mendoza para o exercício da função pública. Segundo a Corte IDH, do à Lei de F ¡cha Limpa. No caso venezuelano, Carvalho Ramos ressaltou
tal declaração não poderia ter resultado de um processo administrativo, que se tratou de perseguição política, de acordo com o entendimento da
mas somente de um processo criminal, o que não ocorreu no caso em Corte de San José (cuja jurisdição o Brasil reconheceu); já a Lei da F ¡cha
comento. Nesse sentido, a lição de Giacomolli.- "Em razão da imposição da limpa protege o direito fundamentai à boa governança, não servindo
pena de inabilitação ao exercício da função pública, Leopoldo não pôde ins- para nenhum tipo de perseguição. Assim, sustentou Carvalho Ramos
crever sua candidatura na junta eleitoral distrital. Tal sanção fez com que que 'a Lei da F ¡cha Limpa é compatível com a Convenção Americana de
tivesse seus direitos políticos diretamente atingidos, o que levou a Corte a Direitos Humanos, sendo fruto da necessidade de preservação de uma
61
considerar violado o art. 23.2 da CADH, segundo o qual a restrição a direitos sociedade democrática"" .
políticos deverá advir de processo penal, com todas as garantías, o que não
66
Outrossim, ainda segundo André de Carvalho Ramos, a Corte Interameri-
ocorreu no presente caso"' .
(.ma de Direitos Humanos não esgotou todas as possibilidades de pon-
deração envolvendo o artigo 23.2 da Convenção Americana de Direitos
5 . Diante do e n t e n d i m e n t o da Corte Interamericana de Direitos H u -
1 íumanos. Logo, não seria adequado considerar o entendimento do caso
manos, e sabendo que a Lei brasileira conhecida c o m o "Lei d a Ficha
lópez Mendoza vs. Venezuela para, outros casos em que não se está dian-
L i m p a " a d m i t e a restrição a direitos políticos e m virtude de c o n d e n a - le das mesmas premissas (perseguição política, etc).
ções ocorridas por órgãos colegiados na esfera administrativa, ques-
Desse modo e diante destes argumentos, o TRE-SP decidiu que a Lei
tiona-se: A Lei d a Ficha Limpa p r o m u l g a d a no Brasil, viola a C o n v e n -
da Ficha Limpa não viola a Convenção Americana de Direitos Huma-
ção Americana de Direitos Humanos? nos. Embora seja um precedente em âmbito estadual, recomenda-se
A resposta é negativa. Segundo André de Carvalho Ramos, o caso Ló- •.egui-lo nas provas de direitos humanos, tendo em vista que o TRE-SP
pez Mendoza vs. Venezuela não pode ser aplicado à Lei da Ficha Limpa .idotou o entendimento do Procurador Regional da República atuante
brasileira,eis que o casojulgado pela Corte Interamericana de Direitos no caso, nada mais nada menos que um dos principais autores em ma-
Humanos foi gerado em virtude de perseguição política ao Sr. López teria de Direito Internacional dos Direitos Humanos, o professor André
de Carvalho Ramos.

165 G I A C O M O L L I , Nereu José. O devido processo penal: Abordagem Conforme a Consti- i h / TRE-SP decide que Lei da Ficha Limpa não viola a C o n v e n ç ã o A m e r i c a n a de Direitos
tuição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014, p. 104-105. H u m a n o s . Disponível e m : <www, presp. mpf.mp.br/índex.php?option=com_con-
166 G I A C O M O L L I , Nereu José. O devido processo penai: Abordagem Conforme a Consti- tent&view=article&id=692:i5o820i2-tre-sp-decide-que-lei-da-fícha-limpanao-
tuição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014, p. 104. violaa-convencao-americana-de-direitos-humanos-&ícatid=i:notas&<ltemid=284>.

144 I JURISPRUDENCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS I U L G A D O S PELA IURISDIÇÀO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U . M A N O S 1145


Aínda sobre o tema envolvendo a Leí da Ficha Limpa, o Tribunal Superior INCIDÊNCIA D O TEMA E M PROVAS DE C O N C U R S O S
Eleitoral entendeu que o artigo i ° , inciso I, alinea 'g'168, não viola a Con-
69
venção Americana de Direitos H u m a n o s ' . (OPtVPB — DEFENSOR PÚ BLICO, 2014 — FCC, ADAPTADA) No tocante à in-
terpretação e aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos,
I INCORRETO afirmar:

168 "Os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas « A leoría da margem da apreciação é baseada na subsidiariedade d a j u -
rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade 11..lição internacional e ponderada pelo princípio da proporcionalida-
administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver de, sendo esse instrumento de interpretação adotado frequentemente
sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem
P É L A Corte Interamericana de Direitos Humanos.
nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o
disposto no inciso II do art. yi da Constituição Federal, a todos os ordenadores de GABARITO: A assertiva " E " e s t á incorreta. É, portanto, o gabarito da ques-
despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição".
tão. Embora o conceito sobre a teoria da margem de apreciação esteja
169 "ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL N O RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CAN-
(orreto.a mesma não é aplicada frequentemente pela Corte Interame-
DIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. ART. 1 , I, G, DA LC n ° 64/1990
(REDAÇÃO DADA PELA LC N° 135/2010). PRELIMINAR DE OFENSA AO ART. 23 DA CON- iK ,ina de Direitos Humanos. Embora a tenha aplicado algumas vezes
VENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ULTRAJE AOS no passado, a Corte de San José refuta a teoria da margem de aprecia-
PRINCÍPIOS D O JUIZ NATURAL E DA NÃO CULPABILIDADE. QUESTÃO DECIDIDA PELO ção, conforme visto anteriormente. A teoria da margem de apreciação
a
STF NOS AUTOS DAS A D C s N 29 E N° 30. REJEIÇÃO DE CONTAS DE GESTÃO. PREFEITO.
e aplicada frequentemente na Corte Europeia de Direitos Humanos.
COMPETÊNCIA DA CORTE DE CONTAS. CONFIGURAÇÃO DE ATO DOLOSO DE IMPROBI-
DADE ADMINISTRATIVA. MAIOR EFICIÊNCIA NA REALIZAÇÃO D O S CASTOS PÚBLICOS.
ADEQUAÇÃO DAS CONDUTAS ÀS DIRETRIZES NORMATIVAS BALIZADOR AS DA ATUA- ( D P E / M A — DEFENSOR PÚBLICO, 2011 — ADAPTADA) Considerando a teo-
Ç Ã O DOS RESPONSÁVEIS PELAGESTÃO DAS DESPESAS PÚBLICAS. INTERPRETAÇÃO INE- ila geral dos direitos humanos, assinale a opção correta.
QUÍVOCA DA CLÁUSULA FINAL DA ALÍNEA G. DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDA-
• Consoante a teoria da margem de apreciação, nenhuma norma de direitos
DE D O REFERIDO PRECEITO NAS ADCs N ° 29 E N° 30. DECISÕES DOTADAS DE EFICÁCIA
ERGA O M N E S E EFEITO VINCULANTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO, i. A causa humanos pode ser invocada para limitar o exercício de qualquer direito.
de inelegibilidade veiculada na alínea g do inciso I do art. i ° da LC n° 64/90, na novel
GABARITO: Errado. A teoria da margem de apreciação é invocada para a
redação dada pela LC n° 135/2010, recebeu a chancela de sua constitucionalidade no
julgamento das A D C s n ° 29 e n° 30, ambas de minha relatoria. 2. O pronunciamen- não-apreciação de determinados assuntos (e em ultima ratio, direitos)
to da Suprema Corte, nas A D C s n° 29 e n° 30, deve ser compulsoriamente observado perante as instâncias internacionais. Contudo, isso não implica a im-
por juízes eTribunais, posto ser revestido de eficácia erga omnes e efeitos vinculantes, possibilidade de invocar normas de direitos humanos. Estas sempre
não se revelando possível proceder-se a reduções teleológicas no âmbito de incidência
podem ser invocadas contra a restrição arbitrária de qualquer direito.
das disposições declaradas constitucionais. 3. As hipóteses de inelegibilidade no orde-
namento jurídico pátrio são fixadas de acordo com os parâmetros constitucionais de Por fim, ressalta-se que, na própria aplicação da teoria da margem de
probidade, moralidade e de ética, e veiculadas por meio de reserva de lei formal (lei apreciação, a Corte Europeia de Direitos Humanos utiliza o princípio da
complementar), nos termos do a r t 14,5 9 °,da Constituição da República, razão porque, proporcionalidade, pois até mesmo os direitos humanos estão sujeitos
a prevalecer a tese segundo a qual a restrição ao direito de ser votado se submete às
a técnica da ponderação de interesses.
normas convencionais, haveria a subversão da hierarquia das fontes, de maneira a ou-
torgar o status supraconstitucional à Convenção Americana, o que, como se sabe, não
encontra esteio na jurisprudência remansosa do SupremoTribunal Federal que atribui
o caráter supralegal a tratados internacionais que versem direitos humanos (ver por
todos RE n° 466.343, Rei. Min. Cezar Peluso). 4. Além disso, e sob um enfoque de mode- nal.e não pode ser admitida. (...) 6. A incidência da hipótese de inelegibilidade prevista
lagem interinstitucional, ao encampar a referida tese estar-se-ia tolhendo, pela via da na alínea g do inciso I do art. 1° da LC n° 64/90 pressupõe: (í) o exercício de cargos ou
hermenêutica, a atuação confiada pelo constituinte ao legislador infraconstitucional funções públicas; (ü) contas rejeitadas; (iii) irregularidade insanável que configura ato
de estabelecer qualquer causa restritiva ao ius honorum. Vale dizer: toda e qualquer doloso de improbidade administrativa; (iv) decisão irrecorrível do órgão competente;
hipótese de inelegibilidade veiculada por norma infraconstitucional (no caso, através c» (v) inexistência de decisão judicial que suspenda ou anule a decisão que rejeitou as
de lei complementar) seria atentatória ao art. 23 da Convenção Americana de Direitos contas. (...) Tribunal Superior Eleitoral, Agravo Regimental em Recurso Ordinário n °
Humanos, a despeito de a Constituição facultar tal prerrogativa ao legislador ordiná- 47153, Acórdão de 02/12/2014, Relator(a) Min. LUIZ FUX, Publicação: PSESS - Publicado
rio. Ora, chancelar essa consequência, concessa vénia, não encontra lastro constitucio- em Sessão, Data 02/12/2014)" (grifo nosso).

146 I JURISPRUDENCIA I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 1147


um impedimento para desenvolver uma maternidade responsável (...)". O pai
reci meu, mas a Corte de Apelações manteve a sentença, foi quando, então,
file recorreu para a Corte Suprema de Justiça do Chile, que, em outubro de
Caso Átala Riffo ninas vs. Chile 2004, em julgamento apertado por três votos contra dois, julgou proceden-
te o pedido e concedeu a guarda definitiva das crianças ao senhor López,
ÓRGÃO JULGADOR: estabelecendo que a orientação sexual de Karen poderia expor suas filhas
.1 discriminação e lhes causar confusão psicológica, já que elas deveriam
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s viver e desenvolver-se "no seio de uma família estruturada normalmente e
apreciada no meio social, segundo o modelo tradicional que lhe é próprio".
SENTENÇA: 1 .iieii Atala,que também era juíza no PoderJudiciárío chileno, a prímeira.aliás,
24 de fevereiro de 2012 71
I .1.sumir-se lésbica publicamente' ,denunciou o Estado na Comissão Intera-
ineiicana de Direitos Humanos, a qual, após seis anos de investigação, apre-
sentou formalmente a demanda perante a Corte Interamericana em 2010.

A Corte Interamericana declarou o Chile responsável internacionalmente por


II d violado, principalmente: (a) o direito à igualdade e à não discriminação con-
RESUMO DO CASO | Igrado no art. 24 (igualdade ante a lei), em relação ao art. 1.1 (obrigação de
íespeitoe garantia) da Convenção Americana, em prejuízo de Karen Átala; (b) o
Karen Átala Riffo casou-se com RicardoJaime López Allendesem 29/03/1993,
1 In eito à igualdade e à não discriminação consagrado no art. 24 (igualdade ante
com quem teve três filhas (M., V. e R.), que nasceram, respectivamente, em
.1 lei), em relação com os artigos 19 (direitos da criança) e 1.1 (obrigação de res-
1994,1998 e 1999. Em março de 2002 o casal se separou, estabelecendo,
peito e garantia) da Convenção Americana,em prejuízo das crianças; (c) o direi-
por mútuo acordo, que a guarda das três crianças ficaria com Karen, haven-
to à vida privada consagrado no art. 11.2 (proteção à honra eà dignidade), em re-
do, porém, um regime de visita semanal na casa de Ricardo. Em novembro
70
1.ii,.10 com o art.i.i (obrigação de respeito e garantia) da Convenção Americana,
de 2002, a "companheira sentimental"' de Karen, a senhora Emma de Ra-
em prejuízo de Karen Átala; (d) os artigos 11.2 (proteção à honra e à dignidade) e
M O N , começou a conviver na mesma casa com ela e suas filhas.
1 /.í (proteção a família), em relação ao art. 1.1 (obrigação de respeito e garantia)
Em 2003,0 pai das crianças ajuizou uma demanda pela guarda delas ante
da Convenção Americana em prejuízo de Karen e suas filhas; entre outros.
o Juizado de Menores, arguindo que o "desenvolvimento físico e emocio-
nal das crianças estaria em perigo" se continuassem sob a guarda de sua A Corte estabeleceu que a orientação sexual e a identidade de gênero são
mãe, cuja vida sexual, decorrente da convivência lésbica, estaria "produ- categorias protegidas pela CADH através da expressão "outra condição
zindo consequências danosas ao desenvolvimento das menores de idade". social" prevista no art. 1.1, a qual proíbe qualquer norma, ato ou prática
Argumentou ainda, o senhor López, que "a opção sexual exercida pela mãe discriminatória baseada na orientação sexual pelo Direito Interno, seja
por parte de autoridades estatais ou por particulares.
alteraria a convivência sã, justa e normal a que teriam direito as crianças".
Síntese do percurso judicial: em maio de 2003 o senhor López obteve a Decidiu a Corte, também, que o interesse superior da criança não pode ser
primeira vitória, conseguindo que o Juizado de Menores de Vílarrica lhe utilizado para amparar a discriminação contra a mãe ou pai em razão da
concedesse a guarda provisória das crianças. No entanto, na sentença, que orientação sexual de qualquer deles, não podendo o julgador levar em consi-
foi proferida por outro juiz em outubro de 2003, o pedido foi julgado im- deração esta condição social como elemento para decidir sobre processos de
procedente, j á que "a orientação sexual da demandada não representaria guarda. Asseverou, igualmente, que não são admissíveis decisões baseadas
em estereótipos causados pela orientação sexual, isto é, preconceitos sobre

170 para designarare,açâodea f e t 0


ffiSías ír^ E 1 i /i Informação obtida na w i k i p é d i a : < h t t p : / / e s . W i k i p e d i a . O r g / w i k i / k a r e n _ a t a l a > .

148 I JURISPRUDENCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S


CASOS I U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1149
os atributos, condutas ou características possuídas pelas pessoas homosst» t|lo em que a Corte Interamericana dialogou com o sistema global, em ra-
xuais ou o impacto que elas presumidamente possam ter nas crianças. I11 de ler incorporado "a jurisprudência dos Comitês da ONU de Direitos
1 im nanas, de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, contra a Tortura, sobre
Finalmente, estabeleceu a Corte quena Convenção Americana não se encon*
<i l inumação da Discriminação contra a Mulher e sobre a Eliminação de to-
tra determinado um conceito fechado de família, nem muito menos se de
l5 /i umas de Discriminação Racial, tecendo, ainda, menção à Declaração
fine e protege somente um modelo "tradicional" da mesma, pois o conceito m
da 1 'NI I sobre Orientação Sexual e Identidade de Gênero, de 20o8" .
de vida familiar não pode ser reduzido unicamente ao matrimônio, devendo
abarcar outros laços familiares onde as pessoas têm vida em comum. t Dano ao projeto de vida

Com isso, a Corte, que não adentrou no mérito sobre com quem deveria 1'nvavel verificar, ainda, no Coso Átala Riffo, o que a doutrina chama de
ficar a guarda das filhas, mas somente considerou incompatível com a ,i .10 projeto de vida", que seria "justamente a liberdade de agir da
Convenção a motivação discriminatória sexual ou de gênero encampa 01 oa que é tolhida peio agente que termina por impedir o desenvolvi-
da pelo Poder Judiciário chileno para atribuir aquela ao pai {senhor Ló- mento da personalidade da vítima de acordo com a vontade desta. Projeto
pez), ressaltando, assim, não ser uma "quarta instância", estabeleceu as I vida é o rumo ou destino que a pessoa outorga à sua vida, aquilo que
seguintes medidas de reparação: i) prestar assistência médica e acesso ii pessoa decide — e pode —fazer da sua vida. O dano ao projeto de vida
psicológico ou psiquiátrico e imediata, adequada e eficaz, através de suas • 1 e ijuando se interfere no destino da pessoa, frustrando, aviltando ou
instituições especializadas públicas de saúde às vítimas que o solicitem; b| 1 sleiqando a sua realização pessoal". E prosseguem os autores Schafer e
ií) publicar o resumo do julgamento, por uma vez, no Diário Oficial e em Mai liado, depois, afirmando que "a reparação do dano ao projeto de vida
jornal de circulação nacional, divulgando o inteiro teor no site oficial; iii) e resume à indenização, podendo trazer outras prestações que apro-
realizar ato público de reconhecimento de responsabilidade internado \\mem a reparação do ideal restitutio in integrum. Neste sentido podem
nal para os fatos do presente caso; iv) continuar a implementar, dentro til prestações de natureza acadêmica, laboral, e outras a fim de resta-
de um prazo razoável, programas permanentes e cursos de educação e belecer, na medida do possível, o projeto de vida arruinado. Exemplo disso é
17

formação para os funcionários públicos regionais e nacional e, particular- & condenação estabelecida no caso Átala Riffoy Ninas vs. Chile" *.
mente, para servidores de todas as áreas e escalões do Judiciário; v) pagar
determinadas quantias a titulo de compensação por danos materiais e INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
morais e reembolso de custos e despesas, conforme o caso.
(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — FCC, ADAPTADA) Em relação à
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O t orte Interamericana de Direitos Humanos e sua jurisprudência, é cor-
i r t o afirmar:
i. Primeira decisão da Corte Interamericana sobre a proteção do direi-
• No caso Átala Riffo y ninas, a Corte Interamericana de Direitos Huma-
t o à diversidade sexual
nos decidiu pela responsabilidade do Estado violador em face do trata-
Este foi o primeiro caso, conforme registra Mazzuoli, "julgado pela Corte mento discriminatório e da interferência indevida na vida privada da
72
Interamericana relativo à proteção do direito à diversidade sexual"' , No vítima em razão de sua orientação sexual.
mesmo sentido, Flávia Piovesan: "Inéditamente, em 24 de fevereiro de 20x2,
GABARITO: Conforme vimos acima, o enunciado está correto e deveria,
a Corte Interamericana reconheceu a responsabilidade internacional do Es-
portanto, ter sido assinalado.
tado do Chile em face do tratamento discriminatório e interferência na vida
privada e familiar da vítima Karen Átala devido à sua orientação sexual".
Piovesan ainda atribui ao Caso Átala Riffo o referencial de se tratar de oca-
1 /1 P I O V E S A N , Flávia. D i á l o g o no sistema interamericano de direitos h u m a n o s . Revis-
ta Campo Jurídico, n. 01, mar. 2013, p. 172-175.
1/4 S C H À F F E R , Gilberto; M A C H A D O , Carlos Eduardo Martins. A reparação do d a n o a o
172 M A Z Z U O L I , Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Forense, projeto de vida na Corte Interamericana. Revista de Direitos Fundamentais e Demo-
2014, p.259. cracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 189-194.

C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 1151


150 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
do entrave, a Comissão IDH levou o caso à Corte Interamericana de Dl-
icltos Humanos.
Caso Povo Indígena Kichwa Sarayaku A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado do
vs. Equador I quador por violar direitos da comunidade indígena Sarayaku, tais como
1 propriedade comunal e a identidade cultural. O Equador também foi
responsabilizado por não respeitar o direito de consulta à comunidade
ÓRGÃO JULGADOR:
Indígena envolvida, j á que em nenhum momento durante a exploração
de petróleo pela CGC os indígenas prestaram sua aquiescência.
Corte interamericana de Direitos H u m a n o s
Nessa linha, a Corte Interamericana de Direitos Humanos também res-
SENTENÇA: ponsabilizou o Equador pela violação do direito à vida (consagrado no
o
,irtigo 4 da Convenção Americana de Direitos Humanos) dos membros
27 de j u n h o de 2012
da comunidade indígena do Sarayaku, dado que o uso de explosivos na
terfa indígena criou uma situação permanente de riscos e ameaças às
suas vidas e a sua segurança.

Diante dos fatos ocorridos, a Corte de San José estipulou uma indeniza-
RESUMO DO CASO
çâo de um milhão e trezentos mil dólares em favor da comunidade indí-
No dia 26 de julho de 1996, a Companhia Estatal de Petróleo do Equador I'.i'iia Sarayaku. O tribunal interamericano também ordenou a remoção
(PETROEOUADOR) firmou um contrato com a Companhia Geral de Com- dos explosivos implantados na área, bem como o respeito ao direito de
bustíveis (CGC), empresa argentina, para a exploração de petróleo em 1 onsulta às comunidades indígenas.
uma área popularmente conhecida na região como "Bloco 23". Essa re-
gião tem uma extensão de aproximadamente 20.000 hectares, 65% dos P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
quais foram reivindicados pela comunidade indígena Sarayaku.
!. Utilização da C o n v e n ç ã o 169 da OIT c o m o vetor h e r m e n ê u t i c o
Dois anos após a celebração do contrato, o Estado equatoriano ratificou a para que se interpretem as d e m a i s o b r i g a ç õ e s de direitos h u m a n o s ,
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), diploma m e s m o e m casos e m q u e o Estado n ã o ratificou o referido d i p l o m a
que prevê o direito de consulta às populações indígenas em caso de em-
Internacional
preendimentos ou intervenções que possam afetar suas terras e o modo
em que desempenham sua cultura. Também no ano de 1998, o Equador A Convenção 169 da OIT é o mais importante tratado internacional de
promulgou uma nova Constituição, na qual também há a previsão do di- direitos humanos sobre direitos dos Povos Indígenas eTribais. Ela propor-
reito de consulta às comunidades indígenas. cionou uma mudança de paradigma no tratamento da matéria: introdu-
ziu o paradigma do multiculturalísmo para as comunidades tradicionais
No ano de 2002, a Companhia Geral de Combustíveis (CGC) começou a e rompeu com o antigo paradigma do integracionismo, segundo o qual a
realizar suas atividades na área. Foram destruídas várias cavernas, ca- finalidade era, em última instância, introduzir os membros destas comu-
choeiras e rios subterrâneos que eram utilizados como fonte de água po- nidades na sociedade envolvente, dando-lhes uma destinação social' . 75

tável pela comunidade indígena Sarayaku. A Companhia argentina tam-


bém implantou 1400 kg de explosivos "Pentolite" por boa parte da terra
onde os Sarayaku habitavam.
175 Após a a d e s ã o à C o n v e n ç ã o 169 da OIT pelo Brasil, considera-se q u e boa parte
O caso chegou até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, do Estatuto do índio não foi recepcionada pela C o n s t i t u i ç ã o Federal, por tratar
os m e m b r o s das c o m u n i d a d e s indígenas à luz d o integracionismo, p a r a d i g m a j á
onde tramitou de 2003 até 2010. Como não houve eficácia na resolução
superado pelo atual r e g i m e de proteção internacional dos direitos h u m a n o s .

152 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1 1 5 3


1 1 d e v e i di i M i i M i l l . i .is 1 m i n Lides i n d í g e n a s envolvidas esta p i e v i s t o
Nessa linha, além de aproveitar a gramática de direitos humanos quando
o

da sua aplicação, a Convenção 169 da OIT também é utilizada como trata- n o artigo 6 da Convenção 169 da OIT, convenção internacional já incor-
do internacional de auxílio na interpretação da Convenção Americana de pi n a d a no ordenamento jurídico interno através do Decreto 5.051/2004
Direitos Humanos,dimensionando as obrigações de determinado Estado, I que possuí status de norma supralegal, devendo, portanto, também ser
80

independentemente de ratificação. Isso porque a Corte Interamericana Obedecida na ordem interna' . É oportuno ressaltar, no entanto, que o
de Direitos Humanos pode se valer de qualquer tratado internacional Suprema Tribunal Federal, ao julgar os embargos declaratórios no caso
aplicado no continente americano para buscar melhor concretização dos 1,1 posa Serra do Sol, entendeu que: "o direito de prévia consulta às comu-
direitos humanos consagrados no Pacto de San José da Costa Rica. Logo, nidades deve ceder diante de questões estratégicas, como a defesa nacio-
não há qualquer problema em se interpretar a Convenção Americana de nal, wberania ou a proteção ambiental, que podem prescindir de prévia
Direitos Humanos à luz da Convenção 169 da OIT, mesmo em casos que 1 otaunicação a quem quer que seja, incluídas as comunidades indígenas"
envolvam aqueles Estados que ainda não ratificaram o tratado interna- (Peí {388 ED, Rei. Min. Roberto Barroso,Tribunal Pleno,j. 23/10/2013). Logo,
cional em questão. Foi o que decidiu a Corte Interamericana de Direitos 0 STF simplesmente ignorou a jurisprudência já consolidada pela Corte
Humanos no caso Sarayaku vs. Equador. Nesse sentido, também é a lição Inlerarnericana de Direitos de Direitos Humanos.ao entender não servin-
de André de Carvalho Ramos: "Interessante que já há precedente sobre sua 1 ulante e obrigatório o direito de consulta prévia às comunidades indíge-
aplicabilidade como guia hermenêutico para que se interprete as demais 11 is, posição com a qual não concordamos, por estar em dissonância com
8

obrigações de direitos humanos. Em caso contra o Equador, que não havia 11 atual estágio da proteção internacional dos direitos humanos' '.
ratificado a Convenção n. i6g, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
J, Indagação didática: o dever de consulta às comunidades indígenas
entendeu que a Convenção n. 169 serve como baliza interpretativa para
possui o m e s m o significado que o dever de obter consentimento des-
dimensionar as obrigações do Estado perante a Convenção Americana de
76 t.is comunidades?
Direitos Humanos (Caso Sarayaku vs. Equador)"' .
A resposta é negativa. Desde o caso Povo Saramaka vs. Suriname, a Corte
2. Dever de consulta prévia e de boa-fé para com as comunidades indíge- lnleramericana de Direitos Humanos estabeleceu uma distinção entre
nas e divergência com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal C o n s u l t a e consentimento. O dever de obter o consentimento das comu-
nidades indígenas é exigido nas hipóteses de grandes empreendimentos
Neste precedente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos seguiu
77 78 que possam vir a provocara perda do território indígena ou comprometer
a sua jurisprudência' acerca da obrigatoriedade' de consultar os po-
significativamente a relação da comunidade indígena com a sua terra, o
vos indígenas com a finalidade de obter acordo ou consentimento antes
que, neste caso, inclui o acesso aos recursos fundamentais que fomen-
de tomar qualquer decisão ou praticar ato estatal que possa causar um
tam a existência do grupo e de suas tradições culturais. Nesse sentido, a
gravame ou influenciar a vida cultural e social desses povos, de acordo
( onvenção 169 da OIT prevê em seu artigo 16 a necessidade de obtenção
com seus valores, usos, costumes e formas de organização. Este também
79 do consentimento em casos de reassentamentoi82 das comunidades in-
é o entendimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos' .
dígenas.Já o deverde consulta prévia, informada e de boa fé, é necessário

176 RAMOS, A n d r é de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2. e d . S ã o Paulo: Saraiva,


2015, p. 667. 1H0 A própria C o n s t i t u i ç ã o Federal de 1988 estabelece e m seu artigo 231, § 3°, a neces-
sidade de ouvir as c o m u n i d a d e s i n d í g e n a s a f e t a d a s e m casos de a p r o v e i t a m e n t o
177 N ° m e s m o sentido, ver Coso do Povo Saramaka vs. Suriname. Exceções Preliminares,
dos recursos hídricos, potenciais energéticos, pesquisa e lavra d a s riquezas m i n e -
Mérito, Reparações e Custas. J u l g a d o e m Sentença de 28 de novembro de 2007.
rais e m terras indígenas.
178 Nesse m e s m o sentido, pela v i n c u l a t i v i d a d e do dever de c o n s u l t a prévia às c o m u -
181 N o m e s m o sentido d a posição e m que a d o t a m o s , ver RAMOS, A n d r é de Carvalho.
nidades indígenas, ver DUPRAT, Deborah. A C o n v e n ç ã o 169 d a OIT e o direito à
Curso de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 663.
consulta prévia, livre e informada. Revista Culturas Jurídicas, v. 1, n. 1,2014, p. 68.
182 O r e a s s e n t a m e n t o d a s c o m u n i d a d e s i n d í g e n a s deve se dar s e m p r e de maneira
179 V e r t a m b é m os comentários do Caso Comunidades Indígenas da Bacia do Rio Xingu
vs. Brasil ("Caso Belo Monte"), nesta obra. temporária e excepcional.

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1155


154 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
diante de fatos que não envolvam a perda da terra Indígena ou que pos-
sam comprometer significativamente a relação da comunidade indígena
com a sua terra. O dever de consulta previsto na Convenção 169 da OIT é
ainda, segundo Deborah Duprat, "um importante instrumento de correção
Caso Furlan vs. Argentina
de assimetrias verificadas na sociedade nacional"^.

ÒKGÃO JULGADOR:
INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
(DPE/PA — DEFENSOR PÚBLICO, 2015 — FMP, ADAPTADA) Sobre a jurispru-
dência da Corte Interamericana de Direitos Humanos no que se refere ao SIÍNTENÇA:

reconhecimento de direito aos povos indígenas, é CORRETO afirmar que: u de agosto de 2012
• Consoante o julgamento do caso Sarayaku versus Equador, os Estados
devem consultar os povos indígenas com a finalidade de obter acordo
ou consentimento antes de tomar qualquer decisão ou praticar qual-
quer ato estatal sobre assuntos que influenciam ou podem influenciar
a vida cultural e social desses povos, de acordo com seus valores, usos, RHSUMO D O C A S O
costumes e suas formas de organização.
11.. .lia 2i de dezembro de 1988, Sebastian Furlan, criança de apenas 14
GABARITO: Correto. Foi o entendimento da Corte IDH no caso Sarayaku vs.
[fios de idade, adentrou um prédio próximo a sua residência com o fa-
Equador.
bulo de se divertir. Ocorre que o prédio era na verdade um circuito de
o
liiin.irnento militar abandonado, de propriedade do Exército argentino.
(PGR — 2 8 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAPTADA)
Nao havia qualquer tipo de proteção, cerca ou obstáculo que impedisse o
Assinale a alternativa incorreta:
Ingresso das crianças no local, que era considerado o ponto de encontro
• Conforme o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Hu-
dl is jovens para a prática de esportes e brincadeiras.
manos, o uso da Convenção n. 169 da Organização Internacional do
Trabalho como auxílio de interpretação para dimensionar as obriga- niquele dia, o jovem Sebastian se pendurou em uma viga pertencente
ções de Estado perante a Convenção Americana de Direitos Humanos i instalações militares do Exército argentino e a peça, de cerca de çokg,
independe da ratificação da Convenção n. 169 pelo Estado em questão. . ,1111 sobre sua cabeça, deixando-o inconsciente. Após diversas interven-
H i i " . cirúrgicas e longo tempo de internação,o menino Sebastian saiu do
GABARITO: Correto. Foi o entendimento da Corte Interamericana no Caso
Kospitãl com dificuldades na fala e para exercer o movimento dos mem-
Sarayaku vs. Equador.
l.ii.s superiores e inferiores. O adolescente teve que interromper todas
as práticas esportivas que praticava e passou a ter sérios problemas na
íscola. Junto com as sequelas físicas causadas pelo acidente, Sebastian
I urlán desenvolveu transtornos irreversíveis na área cognitiva. Em agosto
|e 1989, acometido por uma depressão profunda, tentou pela segunda
• > suicídio ao se atirar do segundo andar de um prédio.

111118 de dezembro de 1990, o pai do menino, o Sr. Danilo Furlan, ajuizou


u m a ação contra o Estado argentino no intuito de receber uma indeni-
183 Nesse m e s m o sentido, pela vinculatividade do dever de consulta prévia às c o m u -
nidades i n d í g e n a s . DUPRAT, Deborah. A C o n v e n ç ã o 169 d a OIT e o direito à consul- zação pelos danos e prejuízos derivados da incapacidade resultante do
ta prévia, livre e i n f o r m a d a . Revista Culturas Jurídicas, v. 1, n. 1,2014, p.68. ,u idente de seu filho. A sentença doméstica de primeiro grau estabeleceu

156 J JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S 1157
uma culpa concorrente entre as partes, na qual 70% da culpa foi atribuldl Htlma e US$ 15.000,00 (quinze mil dólares) em favor de cada um dos dois
ao Estado argentino, pela negligência de abandonar o local sem tomar Hfmnos da vítima e; 6.Tomar as medidas necessárias para garantir que, no
qualquer precaução para que pessoas não ingressassem nele, e 30% fui m e n t o em que um indivíduo for diagnosticado com sequelas graves,
atribuída à própria vítima, que, por sua própria vontade, assumiu os riscou M'|a dada aos familiares uma carta de direito que resuma deforma sinté-
ao brincar com uma viga de sokg. As partes apelaram e a sentença de a" i . m essivel os benefícios que contemplam o individuo diagnosticado.
grau manteve o entendimento do órgão o quo. O processo durou cerca de
doze anos, se contadas as fases de conhecimento e de execução, » Primeiro caso envolvendo a atuação da Defensoria Pública Intera-
84
nirricana'
No ano de 2001, o pai de Sebastian denunciou o caso à Comissão Intera
I 0 caso Sebastian Furlan efamiliares vs. Argentina foi o primeiro caso com
mericana de Direitos Humanos. Dez anos depois, no dia 26 de julho de
a o. 1 1 . 1 0 da Defensoria Pública Interamericana. Para este caso, foram desig-
2011, o caso chegou até a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em
nados os defensores públicos interamerícanos Maria Fernanda Lopez Puleio,
razão de o Estado argentino não ter dado uma resposta efetiva e célere ao
1 lia Argentina, e Andrés Marino, do Uruguai, tendo em vista que, desde o iní-
caso, o que causou um enorme prejuízo para a família Furlan, que depen
1 In do feito na Corte IDH, era o pai do menino Sebastian, o Sr. Danilo Furlan,
dia da indenização postulada em juízo para arcar com o custo de parte do
Ijlie impulsionava o andamento do processo. Foi o primeiro caso a chegar à
tratamento do menino Sebastian.
n i e Interamericana de Direitos Humanos sem assistência técnica, o que
185
Em 31 de agosto de 2012, a Corte Interamericana de Direitos Humanos pro vrlo a motivar a designação do Defensor Público Interamericano . É impor-
feriu sentença na qual condenou o Estado da Argentina pelos seguintes tante ressaltar que a atuação da Defensoria Pública Interamericana tam-
motivos: a) a violação do direito do menino Sebastian e sua família ao jul bém pode ocorrer perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
gamento do processo em prazo razoável (artigos 8.1 c/c 19 e 1.1 da CADH)
86

ante a compreensão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de que, I , Fixação do " d a n o ao projeto de v i d a ' " como forma de reparação
diante do estado de vulnerabilidade em que se encontrava a vítima, esta A lixação como reparação ao menino Sebastian do "dano ao projeto de vida"
necessitava que o processo fosse julgado com a maior celeridade possível; h muito além de indenizar e de compensar os danos sofridos e os lucros
b) a violação do direito à proteção judicial e ao direito de propriedade priva- 1 < .'.antes. O dano ao projeto de vida vai na verdade tentar resgatar aquilo
da (artigos 25.1 c/c 25.2 e 21 da CADH); c) a inefetividadedo Estado argentino que a pessoa seria se não houvesse ocorrido a violação de direitos humanos.
em garantir o acesso à justiça e o direito à integridade pessoal de Sebastian Ainda sobre o dano ao projeto de vida, vejamos a lição de André de Carvalho
e de seus familiares (artigos 5.1,8.1,21,25.1 e 25.2 da CADH). 1 11 n os: "Já o projeto de vida refere-se a toda realização de um indivíduo consi-
1 lenindo, além dos futuros ingressos econômicos, todas as variáveis subjetivas,
Desse modo, o Estado da Argentina foi ordenado a: 1. Publicar, no prazo de
tomo vocação, aptidão, potencialidades e aspirações diversas, que permitem
6 meses a partir da data de notificação, a sentença exarada pela Corte In-
m/oavelmente determinaras expectativas de alcançar o projeto em si. Assim,
teramericana de Direitos Humanos no caso Sebastian Furlan e familiares
vs. Argentina em jornal de grande circulação nacional e no diário oficial
do Estado argentino; 2. Conceder atenção médica e psicológica de forma
I
gratuita e imediata para o menino Sebastian e seus familiares, através 184 A possibilidade de n o m e a ç ã o do Defensor Público Interamericano está prevista
no artigo 37 d o R e g u l a m e n t o da Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s . Essa
de instituição pública de saúde; 3. Formar uma equipe interdisciplinar
n o m e a ç ã o pode ocorrer ex ofício pela Corte I D H e t e m c o m o objetivo prestar as-
que determinasse as medidas de proteção e assistência mais apropriadas sistência j u r í d i c a às v í t i m a s s e m representação legal.
para a inclusão social, educacional e profissional da vítima; 4. Indenizar 185 Há apenas quatro casos e f e t i v a m e n t e j á j u l g a d o s na Corte Interamericana de D i -
Sebastian Claus Furlan por danos materiais e morais, num montante de reitos H u m a n o s e m q u e houve a a t u a ç ã o da Defensoria Pública Interamericana.
US$ 90.000,00 (noventa mil dólares); 5. Indenizar a família da vítima por A l é m do caso S e b a s t i a n Furlan e familiares v s . A r g e n t i n a , t a m b é m houve a d e -
s i g n a ç ã o do Defensor Público Interamericano no caso Família Pacheco Tineo v s .
danos materiais e morais, na quantia de US$ 84.000,00 (oitenta e quatro
Bolívia, Arguelles vs. A r g e n t i n a , a s s i m c o m o no caso M o h a m e d vs. A r g e n t i n a .
mil dólares), sendo US$ 36.000,00 (trinta e seis mil dólares) em favor do
1H6 0 dano ao projeto de vida foi aplicado pela primeira vez no caso Loayza Tamayo vs. Peru.
pai da vítima, US$ 18.000,00 (dezoito mil dólares) em favor da mãe da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Sentença proferida no dia 3 de junho de 1999.

I58I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1159


os fatos violatórios de direitos humanos interrompem o previsível desenvOm fundamentai sua', dei isoes, desde que lais Matados sejam passíveis de
vimento do individuo, mudando drasticamente o curso de sua vida, impondo Iplli ação no continente americano; são exemplos destes as Convenções
muitas vezes circunstancias adversas que impedem a concretização de planos da ()NU que são dotadas, de vigência universal. Foi o que fez o tribunal
que uma pessoa formula e almeja realizar. A existencia de uma pessoa se vi mil 1 americano ao destacar, com fulcro na Convenção da O N U sobre os
alterada por fatores estranhos a sua vontade, que lhe são impostos de modo l mi r i t o s das Pessoas com Deficiência, que o conceito de deficiência não
arbitrário, muitas vezes violento e invariavelmente injusto, com violação de esl.) ligado apenas a limites físicos, mentais ou intelectuais, mas também
seus direitos protegidos e quebrando a confiança que todos possuem no £$• as barreiras impostas pela sociedade majoritária que impossibilitam os
18

tado (agora violador de direitos humanos), criado justamente para a busca indivíduos de exercerem seus direitos na sua plenitude ?. Logo, a Corte
do bem-comum de toda a sociedade. Por tudo isso, a Corte Interamericana de Interamericana de Direitos Humanos concluiu que os Estados (no caso,
Direitos Humanos considerou perfeitamente admissível a pretensão de uma B l '.lado argentino) devem adotar medidas para eliminar as barreiras
vítima deque seja reparada, através de todos os meios possíveis, pela perda de impostas pela sociedade majoritária, perfectibilizando o direito à acomo-
opções de vida ocorrida devido ao fato internacionalmente ilícito"* . 1
darão razoável e favorecendo uma maior inclusão das pessoas com defi-
1 lenda na sociedade.
3. Reconhecimento dos pais e irmãos de Sebastián Furlan c o m o víti-
mas diretas do caso
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S
Por fim, é importante ressaltar o fato de a Corte Interamericana de Direitos
Humanos ter reconhecido não só o menino Sebastián Claus Furlan como
(liPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2012 — FCC, ADAPTADA) Os Defensores
vítima direta do ocorrido, mas também seus familiares mais próximos.
Publicos Interamericanos:
Vejamos as palavras de Antonio José Maffezoli Leite sobre este ponto da
decisão: "Importante também consignar que a Corte também reconheceu • Atuam por designação da Corte Interamericana de Direitos Humanos
como vítimas (diretas, não indiretas) de violação aos artigos 5.7 (integridade para que assumam a representação legal de vítimas que não tenham
pessoal) e8.ie2$ (acesso à Justiça e garantias judiciais) os pais de Sebastián designado defensor próprio.
e seus dois irmãos, que também sofreram danos psicológicos e morais ao GABARITO: Correto. É o disposto no art. 3 7 do regulamento da Corte Inte-
não terem assistência para lidar com a deficiência de Sebastián e não terem lamericana de Direitos humanos.
conseguido rápida resposta judicial. Vale uma nota especial às consequências
vividas pelo genitor, Danilo, que abandonou seu emprego para cuidarãofilho ( P G R — 28 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 - ADAPTADA)
O

e tocou sozinho, por anos, a denúncia ante a Comissão Interamericana"^. Assinale a alternativa correta:
I • Os defensores públicos interamericanos são escolhidos pela Comissão
4. Utilização da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com
Interamericana de Direitos Humanos, entre os advogados habilitados
Deficiência como fundamentação no caso Sebastian Furlan e outros vs.
da própria Comissão.
Argentina para promover o direito à adaptação razoável
GABARITO: Errado.
Além dos tratados regionais americanos, a Corte Interamericana de Di-
reitos Humanos pode valer-se de outros tratados internacionais para

187 RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional por Violação de Direitos


Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 257-258.
iHu A C o n v e n ç ã o da O N U sobre Direitos das Pessoas c o m Deficiência c o n s a g r o u o
188 LEITE, A n t ô n i o José Maffezoli. A a t u a ç ã o d a Defensoria Pública na p r o m o ç ã o e de-
fesa dos direitos h u m a n o s , inclusive perante o sistema interamericano de direitos modelo de direitos h u m a n o s de deficiência, superando-se o modelo médico. Para
h u m a n o s . In: Temas aprofundados da Defensoria Pública, v. 2. Salvador: Juspodivm, maior a p r o f u n d a m e n t o , ver tópico sobre direito à a d a p t a ç ã o razoável nos c o m e n -
2014, p. 590. tários do caso Yatama vs. Nicarágua.

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 116l


TOO I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
No dia 19 de setembro de 1995,3 Suprema corte de Justiça AI gemina ie
|< itnii o recurso interposto pelo advogado do Sr. Mohamed, o que ocasio-
M I m ,1 interposição de uma nova petição diante do mesmo tribunal, sob o
,iii;iitiiento de que a negativa de prestação jurisdicional estaria violando
Caso Mohamed vs. Argentina 0 ,11 ligo 8 ° da Convenção Americana de Direitos Humanos. Diante dessa
1 - i n ao, 11 órgão máximo do Poder Judiciário argentino afirmou que as
ÓRGÃO JULGADOR: nas sentenças não eram passíveis de reforma.

1 m iK de março de 1996, diante dos fatos narrados, o Sr, Mohamed, junta-


Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s meiile com seu advogado, submeteu o caso à Comissão Interamericana
de Direitos Humanos. Não houve solução diante da Comissão IDH, que
SENTENÇA- iiliiiioteu o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
23 de n o v e m b r o de 2012 No dia 23 de novembro de 2012 (mais de 20 anos depois da data do fato),
a ( orle Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Estado ar-
gentino pela violação do direito ao duplo grau de jurisdição do Sr. Moha-
med, direito este previsto no artigo 8.2 da Convenção Americana de Direi-
los I lumanos. A Corte de San José ainda condenou a Argentina por violar
RESUMO DO CASO o
ns artigos i.i e 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos, os quais
No dia 16 de março de 1992, o Sr. Oscar Alberto Mohamed, motorista de õni A I '.põem que o Estado deve adotar medidas legislativas necessárias para
bus da empresa Transporte 22 de Septiembre, estava no desempenho de garantir ao Sr. Oscar Alberto Mohamed o direito de recorrer e ter perfecti-
seu trabalho quando acabou envolvido em um acidente de trânsito entre a bilizado o seu duplo grau de jurisdição.
Av. Belgrano e a Rua Piedras, em Buenos Aires — o Sr. Mohamed atropelou l'or fim, o Estado argentino foi condenado a indenizar o Sr. Oscar Alber-
a Sra. Adelina Vidoni de Urli, que, em decorrência das lesões sofridas no aci 10 Mohamed em um montante de U$S 50.000 (cinquenta mil dólares) a
dente,acabou não resistindo aos ferimentos e faleceu no hospital. Ululo de indenização por danos morais e materiais, bem como em uma
Diante do acontecimento, a promotoria argentina (F iscai Nacional de Pri quantia de U$S 3.000 (três mil dólares) a título de despesas com a trami-
mera Instancia) ofereceu denúncia contra o Sr. Mohamed como autor res- tação do caso perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
ponsável pelo homicídio culposo da Sra. Adelina Vidoni de Urli. O órgão
acusador solicitou a pena de prisão por um ano e a perda da habilitação
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
para dirigir por seis anos.
1. Segundo caso j u l g a d o pela Corte Interamericana de Direitos H u m a -
No dia 30 de agosto de 1994, o magistrado de primeiro grau absolveu o Sr,
190

Mohamed. Irresignado, o Ministério Público argentino recorreu da decisão. nos que contou c o m a atuação Defensoria Pública Interamericana
No dia 22 de fevereiro de 1995, a Câmara Nacional de Apelação Criminal 11 ( aso Mohamed vs. Argentina foi o segundo caso efetivamente julgado
e Correcional (órgão de segunda instância) reformou a decisão do juízo a pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em que houve a atuação
quo e condenou o Sr. Mohamed pelo crime de homicídio culposo, estabele- da Defensoria Pública Interamericana. Para este caso, foram designados
cendo uma pena de três anos de prisão e oito anos de proibição para dirigir
qualquer veículo automotor. Insatisfeito com a decisão,o advogado do acu
sado interpôs recurso extraordinário contra o provimento jurisdicional que
mio A possibilidade de n o m e a ç ã o do Defensor Público Interamericano está prevista
havia condenado o Sr. Mohamed. A tese da defesa foi embasada em viola no artigo 37 do R e g u l a m e n t o da Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s . Essa
ções de garantias constitucionais, como o dever de motivação das decisões, n o m e a ç ã o pode ocorrer ex officio pela Corte I D H e t e m c o m o objetivo prestar a s -
irretroatividade da lei penal e cerceamento de defesa. sistência jurídica às v í t i m a s s e m representação legal.

CASOS J U L G A D O S PELA IURISDIÇÀO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1163


1Õ2 I JURISPRUDENCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
os defensores públicos interamericanos Gustavo Vitale, da Argentina, <idmi::at> do ia urso devem ser mínimas e nao icptesemuicm onsta
e Marcelo Torres, do Paraguai"", tendo em vista que o advogado do Sr. 1 aios a (fue recurso cumpra a finalidade de examinar e decidir acerca das
Mohamed faleceu durante o processamento do feito, ainda na fase pe- mpugtiações. Independentemente do sistema recursal adotado por cada
rante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. e ilos procedimentos para impugnações das decisões, é fundamental
que o recurso possa funcionar como um meio eficaz para corrigir decisões
2. Violação do duplo grau de jurisdição do Sr. Oscar Alberto M o h a m e d 1 fròheas. Por isso é fundamentai poder o acusado impugnar questões fá-
O direito ao duplo grau de jurisdição é uma garantia prevista no art. 8.2 da t/l as, probatórias e jurídicas da decisão condenatória, em face da interde-
Convenção Americana de Direitos Humanos. Diferentemente do enfoque fu ndem ia entre as situações de fato e o direito aplicado à atividade juris-
abordado no caso Barreto Leiva vs. Venezuela — no qual abordamos o du jjf/l h mal. Restou provado que a decisão condenatória de segunda instância,
pio grau de jurisdição com o foco nas autoridades detentoras de foro por rnfoferída contra Mohamed, somente poderia ser atacada por um recurso
prerrogativa de função — , não há esta situação no caso Mohamed vs. Ar- • tau irdinário e, posteriormente por uma reclamação. (...) A Corte concluiu
gentina, tendo em vista que o Sr. Mohamed não possuía, á época dos fatos, N / A o sistema processual penal argentino não viabiliza, normativamente,
qualquer cargo eletivo que lhe conferisse uma prerrogativa de foro. Nesse u m tecurso ordinário, acessível e eficaz que permita a revisão dos funda-
sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos constatou a violação iihutos decisórios contra condenação quando proferida pela primeira vez
0
do direito ao duplo grau de jurisdição do Sr. Mohamed, entendendo que m 1 seijundo grau de jurisdição. Por isso, julgou violado o artigo 2 da CADH,
para a perfectibilização dessa garantia prevista na Convenção Americana | U | exige que os Estados adaptem o direito interno às exigências nela pre-
de Direitos Humanos, é necessária a observância de quatro elementos, de- I f| tas, além de violado o artigo 8.2 da CADH" . m

vendo o recurso ser: (a) eficiente; (b) amplo (i.e. permitindo a revisão de fa
tos, provas e o direito aplicado à causa); (c) ordinário; e (d) simples. $, A Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s não adentrou o méri-
lo da questão, deixando de se pronunciar sobre eventual violação ao
Observa-se que o sistema processual penal argentino não conferiu ao Sr.
princípio da legalidade e da irretroatividade da lei penal
Mohamed um recurso com estas características. Nesse sentido, é a lição
1111 muito interessante a posição da Corte Interamericana de Direitos Hu-
de Antônio José Maffezoli Leite: "No julgamento do caso, a Corte reconhe-
111.mos neste caso ao entender que não deveria adentrar o mérito da ação
ceu que o direito a um duplo grau de jurisdição significa a possibilidade de
penal proposta pelo Estado argentino contra o Sr. Mohamed. Segundo a
uma pessoa ter acesso a um recurso eficiente e amplo (que permita revisar
fatos, provas e o direito aplicado), ordinário e simples, que permita que ela I I ir te de San José, as alegações do ex-motorista deveriam ser julgadas pelo
recorra a outra instância, superiora e diferente, de uma decisão condenató- pmprio Poder Judiciário argentino, através de um recurso que perfectibi-
ria proferida pela primeira vez"" .92 lize o direito ao duplo grau de jurisdição previsto na Convenção America-
na de Direitos Humanos, conforme visto em item anterior. Nesse sentido,
Ainda sobre a violação do direito ao duplo grau de jurisdição no caso r ,1 lição de Antônio José Maffezoli Leite: "Quanto à alegação de violação
Mohamed vs. Argentina, é a lição de Giacomolli: "Esse recurso deve ser dos [irincípios da legalidade e da irretroatividade, a Corte entendeu que essa
acessível, ou seja, não deve conter requisitos complexos para que seja co- malhe dizia respeito ao mérito da ação penal e deveria ser reanalisada pelo
nhecido, porque tornaria 'ilusório este direito'. Por isso, as formalidades pioprio Poder Judiciário argentino, através de um recurso adequado e sufi-
9
1 lente que permita o reexame total de qualquer decisão condenatória"' *.

191 Defensores públicos interamericanos atuam em audiência pública do caso Moha-


med vs. Argentina. Disponível e m : < h t t p : / / w w w . a n a d e p . o r g . b r / w t k / p a g i n a / m a t e - Mj t GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal. Abordagem conforme a Consti-
ria?id=i4688>. tuição Federai e o Pacto de San José da Costa Rica. São Pa ulo: Atlas, 2014, p. 306.
192 LEITE, A n t ô n i o José Maffezoli. A atuação da Defensoria Pública na promoção e de- |i)4 LEITE, A n t ô n i o José Maffezoli. A atuação da Defensoria Pública na promoção e de-
fesa dos direitos humanos, inclusive perante o Sistema Interamericana de direitos fesa dos direitos humanos, inclusive perante o Sistema Interamericano de direitos
humanos. Disponível e m : < h t t p : / / w w w . e d i t o r a j u s p o d i v m . c o m . b r / i / f / s i t e % 2 0 p%- humanos. Disponível e m : < h t t p : / / w w w . e d i t o r a j u s p o d i v m . c o m . b r / i / f / s í t e % 2 0 p%-
C3%Aiginas%20567%2oa%20597pdf>. C3%Aiginas%20567%2oa%20597.pdf>.

164 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S Casas J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS H U M A N O S 1165


I N C I D Ê N C I A D O ^ T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS

DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2012 — FCC, ADAPTADA) Os Defensores


Públicos Interamericanos: Caso Artavia Murillo e outros
. Atuam por designação da Corte Interamericana de Direitos Humanos ("Fecundação in vitro") vs. Costa Rica
para que assumam a representação legal de vítimas que não tenham
designado defensor próprio.
ÓRGÃO JULGADOR:
GABARITO: Correto. É o disposto no art. 37 do regulamento da Corte Inte- I orte Interamericana de Direitos H u m a n o s
ramericana de Direitos humanos.

(PGR — 28 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAPTADA)


O SIÍNTENÇA:
Assinale a alternativa correta: j.8 de n o v e m b r o de 2012
• Os defensores públicos interamericanos são escolhidos pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, entre os advogados habilitados
da própria Comissão.

GABARITO: Errado.
RESUMO DO CASO

D I ,iso se relaciona com alegadas violações de direitos humanos que teriam


1111 )irido como consequência da proibição geral de praticar a fecundação In
viho em razão de uma sentença proferida pela Sala Constitucional da Corte
'.uprema de Justiça da Costa Rica, no ano de 2000, que declarou inconstitu-
1 tonal o Decreto Executivo n° 24029-S, de 03/02/1995, emitido pelo Ministé-
1 I H d a Saúde, que autorizava a fecundação/n vitro para casais e regulava sua
execução. O Poder Judiciário costarriquenho entendeu que o referido Decre-
lo se afigurava inconstitucional tanto no aspecto formal (violação do princí-
pio d a reserva de lei) como no aspecto material (violação de diversos Trata-
d o s Internacionais de Direitos Humanos, principalmente o art. 4.1 da CADH).

I ntre outros aspectos, alegou-se que tal proibição constituía uma ingerên-
(la arbitrária nos direitos à vida privada e familiar e de formar uma família,
além de implicar, também, numa violação do direito à igualdade das víti-
mas, j á que o Estado as impediu de acessar o tratamento que lhes garan-
tiria superar sua situação de desvantagem a respeito da possibilidade de
lerem filhos biológicos. Finalmente, alegou-se também que este impedi-
mento havia provocado um impacto desproporcional nas mulheres.

N a o tendo o Estado cumprido as recomendações feitas pela Comissão


Interamericana, esta levou o caso à Corte e solicitou que fosse declarada
a responsabilidade internacional da Costa Rica por violação dos artigos
11.2,17.2 e 24 da Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 2
d o mesmo instrumento normativo.

166 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S

CASOS I U L G A D O S PEIA IURISDIÇÂO C O N T E N C I O S A DA CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S 1167


A Corte Interamericana, após diversas considerações" m . I » . - .> l e n i a , ein
PONTO:; IMPORTANTES SOURE O CASO
atividade decisória que aprofundou consideravelmente o debate em tora
no da questão do "início da vida" e a proteção internacional dos direitos
1 Maternidade e personalidade
humanos, decidiu que a decisão de ser mãe ou pai é parte do direito •
vida privada e inclui a decisão de ser mãe ou pai no sentido genético ou A ( orte Interamericana já decidiu que a maternidade forma parte essen-
biológico, ressaltando que o direito à gozar dos benefícios do progresso» 1 ni do direito ao livre desenvolvimento da personalidade das mulheres
científico se encontra expressamente garantido no art. 14.1 b) do Protoco- (1 aso Gelman vs. Uruguai, 2011).
196
lo de San Salvador e também no art. XIII da Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem' . 97 1. Proibição de suspensão do direito à proteção da família

i ' direito à proteção da família, previsto no art. 17 da CADH, se encontra


Num dos momentos mais importantes da decisão, a Corte interpretou o
termo "concepção" previsto no art. 4.1 da C A D H ' , e para isso ressaltou que 98 Inserido no rol dos direitos não passíveis de suspensão, conforme estabe-
a prova científica diferencia dois momentos complementares e essenciais I r i r i i .ni. 27.2 da CADH.
no desenvolvimento embrionário; a fecundação e a implantação. Concluiu
j . Direito à autonomia reprodutiva
a Corte que somente ao cumprir-se o segundo momento se encerra o ciclo
que permite entender que existe a concepção. Logo, o termo "concepção", r\ i 01 te recordou que o direito à autonomia reprodutiva está reconhecido
afirmou a Corte, "não pode ser compreendido como um momento ou pro Uimbém no art. 16 da Convenção para Eliminação de Todas as Formas
cesso excludente do corpo da mulher, dado que um embrião não tem nenhu DR Discriminação contra a Mulher, segundo o qual as mulheres gozam
ma possibilidade de sobrevivência se a implantação não sucede" (§ 187). 1I0 direito "a decidir livre e responsavelmente o número de seus filhos e o
inlrivalo entre os nascimentos e a ter acesso à informação, à educação e
Finalmente, a Corte determinou que o Estado deve adotar, com a maior
celeridade possível, as medidas apropriadas para que fique sem efeito a | 0 S meios que lhes permitam exercer estes direitos", interpretando a Corte
proibição de praticar a fecundação in vitro e para que as pessoas que de- (neste Caso) tal dispositivo no sentido de que "este direito é vulnerado
sejam fazer uso da dita técnica de reprodução assistida possam fazê-lo quando se obstaculizam os meios através dos quais uma mulher pode exer-
sem depararem-se com os obstáculos que ensejaram a judicialização des- 1 cr o direito a controlar sua fecundidade. Assim, a proteção à vida privada
te caso no Sistema Interamericano de direitos Humanos. Determinou a nu lui o respeito das decisões tanto de converter-se em pai ou mãe, incluin-
Corte, ainda, que o Estado inclua a disponibilidade da fecundação in vitro do a decisão do casal de converter-se em pais genéticos" (§ 146).
dentro de seus programas e tratamentos de infertilidade, observando-se,
assim, o dever de garantia a respeito do princípio da não discriminação. 4 . Equívoco do Poder Judiciário costarriquenho ao se valer de Tratados
Internacionais de Direitos Humanos para impedir a fecundação in vitro

A Sala Constitucional da Corte Suprema da Costa Rica se baseou em di-


195 Para q u e m t e m u m interesse "especial" na matéria (fecundação In vitro, bioética etc), versos Tratados Internacionais de Direitos Humanos para fundamentar
é imprescindível a leitura do texto integral da decisão da Corte, j á que fugiria dos
I tese de que a fertilização In vitro violaria o direito à vida. Valeu-se do
propósitos deste livro aprofundar e m cada ponto deste importantíssimo precedente.
o 0

196 Art. 14- Direitos aos benéficos da c u l t u r a . Os Estados Partes neste Protocolo reco-
art. 4 da CADH, do art. 3 da DUDH (Declaração Universal dos Direitos
n h e c e m o direito de t o d a pessoa a : b) G o z a r dos benefícios d o progresso científico Humanos),do PIDCP (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos),da
e tecnológico.
Convenção sobre os Direitos da Criança, entre outros. No entanto, confor-
197 A r t i g o XIII. T o d a pessoa t e m o direito de t o m a r parte n a vida cultural da coletivi-
me ressaltou a Corte, nenhum destes instrumentos normativos sustenta
dade, de g o z a r das artes e de desfrutar dos benefícios resultantes do progresso
Intelectual e, e s p e c i a l m e n t e , das descobertas científicas.
que o embrião possa ser considerado pessoa nem tampouco é possível
198 " T o d a pessoa t e m o direito d e q u e se respeite s u a v i d a . Esse direito deve ser pro- depreender tal conclusão a partir dos trabalhos preparatórios ou de uma
t e g i d o pela lei e, e m g e r a l , d e s d e o m o m e n t o da concepção. N i n g u é m pode ser Interpretação sistemática dos direitos consagrados na CADH ou na De-
privado da vida arbitrariamente".
i laração Americana.

168 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
CASOS I U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1169
5 . Outros precedentes sobre o t e m a / interação entre ordens jurídicas doméstica e internacional
Para reforçar o entendimento sobre a ausência de decisões internacionais 1 oiilorme indica Ana Paula Carvalhal, tem-se, aqui, "exemplo de promo-
que subsidiassem a decisão do Judiciário costarriquenho, a Corte citou al- Kode direitos fundamentais decorrente da interação entre ordens jurídi-
guns precedentes que, de alguma forma, deram outra visão sobre a prote iii: doméstica e internacional, inclusive com contraste e superação da de-
ção do direito à vida. Neste sentido, a Corte recordou do Caso Baby Boy vs.
• da Corte Suprema nacional. A afirmação da declaração de direitos no
Estados Unidos, em que a Comissão Interamericana rechaçou a pretensão
piam1 supraestatal, pelo influxo de sua corte de tutela, repercutiu na ordem
dos peticionários de considerar como vioiadora da Declaração Americana
min na da Costa Rica, determinando a conformação do direito doméstico à
uma decisão da Suprema Corte dos EUA que legalizou a prática do aborto
20

antes de verificada a viabilidade fetal. Da mesma forma, mencionou que iuri••prudência internacional" '.
o Comitê de Direitos Humanos, órgão da ONU de supervisão do PIDCP.em I , STF e Lei de Biossegurança
suas Observações Gerais n° 6 (direito à vida) e 17 (direitos da criança), não 1) 'dl firmou o entendimento, por maioria, de que as pesquisas com célu-
se pronunciou sobre o direito à vida do não nascido, mas assinalou que |,i', tronco embrionárias não violam o direito à vida,tampouco a dignida-
se viola o direito à vida da mãe quando as leis que restringem o acesso de d.i pessoa humana (ADI 3510).
ao aborto obrigam a mulher a recorrer ao aborto inseguro, expondo-se
u. Reconhecimento d a existência de u m a discriminação indireta em
a risco de morte. A Corte também destacou o Caso L.C. vs. Peru, em que o
virtude da proibição da técnica da Fecundação in Vitro pelo Estado da
Comitê da CEDAW (Comitê da Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra a Mulher — em suas siglas em inglês)
Costal Rica e a aplicação da teoria d o i m p a c t o desproporcional c o m o
critério de restauração d o princípio da igualdade pela Corte IDH
concluiu que negar o direito ao aborto terapêutico, quando há grave peri
go para a saúde física e mental da mãe, constitui discriminação de gênero n.r.icamente a Corte IDH entendeu que a norma proibitiva das técnicas de
e uma violação de seu direito à saúde. lei undação in vitro violaria a igualdade in concreto, pois ocasionaria um
Impacto desproporcional em um grupo determinado de pessoas (mulheres
6. Pioneirismo e diálogo entre as Cortes Interamericana e Europeia de I F F L idade fértil para ser mãe, casais sem dinheiro para realizar a fecundação

Direitos Humanos: Ressalta Flávia Piovesan que "no caso Artavia Mu- In vitro nos exterior e etc). A Corte também reconheceu uma discriminação
rilo e outros contra a Costa Rica, a Corte Interamericana enfrentou, de indireta em razão do gênero e da capacidade econômica. Para um maior
forma inédita, a temática da fecundação in vitro sob a ótica dos direi- aprofundamento sobre a teoria do impacto desproporcional, remetemos o
39
tos humanos"" e conclui, depois, a destacada jurista que "no marco da leitor para os comentários acerca do Caso Yatama vs, Nicarágua.
interpretação sistemática centrada no Direito Internacional dos Direitos
Humanos holisticamente compreendido, o diálogo entre as Cortes Euro-
peia e Interamericana tem fomentado a transformação mútua dos siste-
mas regionais, mediante a 'interamericanização'do sistema europeu e a
200
'europeicização' do sistema interamerícano" .

199 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e justiça Internacional. 5. ed. São Paulo: Sarai-
va, 2014, p. 215-216.
200 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional, p. 221. Ótimas expressões
para serem cobradas e m provas.- "Interamericanização" do sistema europeu e " e u -
ropeicização" do sistema interamerícano, que nada mais indicam do que o diálogo « 1 CARVALHAL A n a Paula. Fertilização in vitro expõe conflito entre cortes Disponível
jurisprudencial entre as duas Cortes, com empréstimos, influências, interações e i m - ^ ^ ^ . c o n ^ x o r n . ^ - ^ / observatorio-constituconal-fertili-
pactos recíprocos. Piovesan dá outros exemplos dessa interação na obra citada. zacao-in-vítro-evidencia-conflito-cortes>.

170 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S C A S O S I U L G A D O S PELA I U R . S D . Ç Ã O C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S | Jf[


lupostamente cometidos, e sim na Imposição de prisão perpétua sobre
aquelas, aspecto sobre o qual o Estado argentino reconheceu sua respon
I I I 11 lid.ide internacional pela violação do princípio da culpabilidade penal,
Caso Mendonza e outros vs. Argentina pois a prisão perpétua somente estaria prevista para imputados adultos.

1 . •. > • 1 111 r 11111. , 1 C u r t e r e s s a l t o u quea CADH nao estabelece uma lista de


ÓRGÃO JULGADOR: iludidas punitivas que os Estados podem impor quando as crianças e os
adolescentes cometem crimes, mas considera importante destacar que,
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s ¡ M í a a determinação d a s consequências jurídicas do delito cometido
P O I jovens, opera de maneira relevante o princípio da proporcionalida-
SENTENÇA: d e , devendo existir, portanto, "um equilíbrio entre a reação penal e seus
14 de m a i o de 2013 r>,-.supostos, tanto na Individualização da pena como em sua aplicação
judit iai" (§ 151). Logo, completa a Corte, "o princípio da proporcionalida-
de implica que qualquer resposta aos jovens que tenham cometido um
IIK 1I0 penal será a todo momento ajustada a suas circunstâncias como
menores de idade e ao delito, privilegiando sua reintegração à sua família
RESUMO DO CASO j I a sociedade" (§ 151).

Alem do princípio da proporcionalidade, a Corte fez constar que, na apli-


Entre 0 9 / 0 4 / 2 0 0 2 a 3 0 / 1 2 / 2 0 0 3 as presumidas vítimas, uma por ad-
1.11.10 de medidas ou penas privativas de liberdade para adolescentes,
vogado e as outras cinco pela Defensora Públíca-Geral da Argentina,
,iplieam-se também os seguintes princípios: 1) da ultima ratio e de máxi-
Stella Maris Martinez, apresentaram várias petições na Comissão
111.1 brevidade, que, nos termos do artigo 37b) da Convenção sobre os Di-
Interamericana a respeito da imposição da pena de prisão perpétua
Mitos da Criança, significa que "a detenção, a reclusão ou a prisão de uma
para menores de dezoito anos autores de determinados crimes. Ante
1 riança será efetuada em conformidade com a lei e apenas como último
a similitude entre as alegações de fato e de direito, a Comissão de-
in urso, e durante o mais breve período de tempo que for apropriado"; 2)
cidiu acumular as referidas petições num só expediente, separando
da delimitação temporal, impedindo que a privação da liberdade seja por
apenas o caso da vítima Guilhermo Antonio Alvarez, que seria trami-
tempo indeterminado; e 3) da revisão periódica das medidas de privação
tado noutro expediente.
de liberdade, recordando, sobre esse princípio, que o Comitê dos Direitos
da Criança, com base no art. 25 da Convenção sobre os Direitos da Crian-
Em 2010, a Comissão emitiu Informe de Fundo, concluiu que o Estado
ça, que prevê a revisão periódica das medidas que implicam a privação de
era responsável pela violação de direitos reconhecidos na Convenção
liberdade, tem estabelecido que "a possibilidade da colocação em liberda-
Americana de Direitos H u m a n o s (CADH) e formulou várias recomen-
de deverá ser realista e objeto de exame periódico" (Observação Geral n° io,
dações, entre as quais a de adotar medidas legislativas para que o
i >s direitos da criança na justiça de menores, 25/04/2007).
sistema de justiça penal aplicável a adolescentes seja compatível
com as obrigações internacionais em matéria de proteção especial A partir destas considerações, a Corte concluiu que a prisão perpétua de
dos jovens. A Argentina, porém, mesmo após três prorrogações do J 2
|ovens ° é incompatível com o art. 7.3 da CADH, pois não são sanções ex-
prazo para que informasse sobre o cumprimento das recomendações, cepcionais, não implicam a privação da liberdade pelo menor tempo pos-
permaneceu inerte, ensejando, pois, que a Comissão levasse o caso à sível nem por um prazo determinado, além de não permitirem a revisão
Corte Interamericana. periódica da necessidade da privação da liberdade, razão pela qual con-

A Corte inicia observando que as controvérsias deste caso não estão rela-
cionadas à apuração da responsabilidade penal das vitimas pelos crimes .'02 E s t a m o s u s a n d o a e x p r e s s ã o "jovens", a q u i , para d e s i g n a r crianças e adolescentes.

172 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D Ê DIREITOS H U M A N O S


CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1173
sidera que a Argentina violou o direito das vítimas a não serem submeti I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S
das a detenção ou encarceramento arbitrários. Concluiu a Corte, também,
que a evidente desproporcionalidade das penas impostas às vítimas, 9 p »i>[ /SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — FCC) Na sentença do Caso Men-
o alto impacto psicológico produzido, constituíram tratamentos cruéis t doza y otros vs. Argentina, de 14 de maio de 2013, a Corte Interamericana
desumanos, assentando, portanto, que o Estado violou os direitos assegu- de Direitos Humanos declarou a República da Argentina internacional-
rados nos artigos 5.1 e 5.2 da CADH (direito à integridade pessoal). mente responsável, bem como obrigou a referida nação ao cumprimento
das devidas reparações pelas violações dos seguintes direitos previstos
Finalmente, dentre diversas outras conclusões, de cunho reparatório, de
ajustamento do ordenamento jurídico interno e t c , a Corte determinou na Convenção Americana de Direitos Humanos;
que o Estado se abstenha de aplicar a pena de prisão perpétua às víti- ,t| direitos dos estrangeiros bolivianos em situação irregular, acesso à
mas, assim como a outras pessoas por crimes cometidos quando eram justiça, direito à dignidade e proibição da escravidão
menores de idade. bj liberdade de expressão em matéria de imprensa, rádio e televisão; di-
reito ã propriedade privada, devido processo legal e direito à proteção
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O judicial.
cl direitos da criança, direito à proteção judicial, direito à vida e direito
1 . Atuação da Defensoria Pública
.1 integridade pessoal contra a tortura e a pena perpétua privativa de
Merece destaque o fato de que a representação d e cinco vítimas deste liberdade,
caso foi encampada pela Defensora Públíca-Geral da Argentina, Stella
Ma ris Martinez. ,l| aplicação da lei penal em prazo razoável, devido processo legal, direi-
to à segurança e direito à integridade pessoal da vítima e dos seus
2. Bloco normativo de proteção internacional d o s direitos das crian- parentes.
ças e adolescentes
cj direito à nacionalidade, direitos políticos e isonomia entre os cida-
Para julgar o presente caso, a Corte se valeu não apenas da CADH, mas dãos natos e naturalizados.
também de outros instrumentos que compõem, digamos, o "bloco nor-
GABARITO: A alternativa correta é a letra C, conforme se extrai do resumo e
mativo" da proteção internacional dos direitos das crianças e adolescen-
1 omentários feitos sobre o presente caso.
tes, integrado pela CADH, Convenção sobre os Direitos da Criança, Regras
de Beijíng, Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas não Pri-
vativas de Liberdade (Regras de Tóquio) e as Diretrizes das Nações Unidas
para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad).

3. Pena desproporcional c o m o tratamento cruel e d e s u m a n o

Importante ressaltar que a Corte Interamericana concluiu que a Ar-


gentina violou os artigos 5.1 e 5.2 da CADH, que se referem ao direito à
integridade pessoal, quando aplicou pena excessivamente despropor-
cional (prisão perpétua). Para tanto, se valeu — t a m b é m — do prece-
dente do Tribunal Europeu de Direitos H u m a n o s firmado nos casos
Harkins e Edwards vs. Reino Unido (2012), em que se estabeleceu que a
imposição de uma pena gravemente desproporcional pode constituir
tratamento cruel ou desumano, importando, então, violação do direi-
to à integridade pessoal.

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 1175


174 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
1 < •-1 m > 1 r • > 1 vi * 1'. pel.i mói Ir de Marino I opc/ Mena, bem < orno a ineletivida
d e d o Poder Judiciário do Estado colombiano no caso.
Caso Comunidades Afrodescendentes 1111 2 0 de novembro de 2013, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
Deslocadas da Bacia do Rio Cacarica vs. inolrriu sentença na qual condenou o Estado colombiano pelos seguintes
m o l ivos: a) a violação dos direitos à integridade pessoal e a não serem des-
Colômbia ("Operação Gênesis") m I o s limadamente de suas comunidades (art 5.1 da CADH); b) a viola-
i,ai 1 do direito à vida e à integridade pessoal do Sr. Marino López Mena (art.
ÓRGÃO JULGADOR: 5.1 c / c art.4.1 da CADH);c) a violação do direito à circulação e residência das
• "iminjdades afrodescendentes deslocadas, bem do direito à integridade
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s das crianças afrodescendentes deslocadas em razão da operação militar
M i l .'2.1 da CADH); d) a violação do direito à propriedade coletiva dos mem-
SENTENÇA: bios das comunidades deslocadas (art. 21 da CADH),-e) a violação dos direi-
20 de n o v e m b r o de 2013 los e garantias judiciais das comunidades afrodescendentes envolvidas e;
I) pela atuação insuficiente do Poder Judiciário colombiano, que ocasionou
p r e j u í z o aos familiares de Marino López Mena (art. 25.1 da CADH).

RESUMO DO CASO I lesse modo, o Estado colombiano restou obrigado a prestar assistência hu-
manitária e a garantir o regresso das comunidades afrodescendentes deslo
O Caso das Comunidades Afrodescendentes Deslocadas da Bacia do Rio I 11 las, em segurança, para suas povoações de origem (artigos 22 e 5 da CADH),
Cacarica, popularmente conhecido como "caso da Operação Gênesis", b e r í i como a pagar indenizações pelo uso efetivo da propriedade afrodescen-
se refere às graves violações de direitos humanos ocorridas no período
dente.
entre 24 e 27 de fevereiro de 1997, que resultaram na morte de Marino
Lopez Mena e no deslocamento forçado de quase 3.500 pessoas, a gran-
de maioria pertencente às comunidades afrodescendentes que viviam às P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O

margens do rio Cacarica, situado na Colômbia.


1. Utilização do t e r m o " c o m u n i d a d e a f r o d e s c e n d e n t e " pela Corte
Os fatos ocorreram durante a "operação Gênesis", que foi uma opera-
Interamericana de Direitos H u m a n o s
ção militar realizada na zona do rio Cacarica com o objetivo de capturar
Pela primeira vez desde o seu funcionamento, a Corte de San José utilizou o
membros do movimento de guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da
termo "comunidade afrodescendente" em vez de "comunidade tribal". Em
Colômbia (FARC). A operação foi realizada em conjunto porforças parami-
outros julgados, a Corte IDH fazia referência às comunidades negras como
litares e forças armadas colombianas. Durante a operação, além do deslo-
comunidades tribais, utilizando-se da mesma expressão para todas as outras
camento forçado de milhares de pessoas, a grande maioria comunidades
comunidades que não pertenciam a etnias indígenas. É uma mudança de
afrodescendentes que viviam no território afetado pela operação, tam-
paradigma na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
bém foram deslocados cerca de 530 agricultores que possuíam terras na
região. Durante o deslocamento forçado da população afetada, um dos O s leitores que estudam para a carreira do Ministério Público Federal 203
de-
líderes comunitários, o Sr. Marino López Mena,foi executado. vem prestar atenção especial a este caso, eis que as comunidades quilombo-
O caso chegou à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Além de las são um dos pontos mais abordados pelos examinadores, e o tema pode
terem sido deslocadas de maneira arbitrária e forçada, as comunidades
afrodescendentes envolvidas também alegam a violação do seu direito
à propriedade comunal sobre o território que possuíam ancestralmente. o
IO3 A peça processual d o g r u p o III do 27 concurso do Ministério Público Federal abor-
Por fim, argumentou-se a falta de investigação do fato e da punição dos dou u m caso envolvendo o t e m a d a s c o m u n i d a d e s q u i l o m b o l a s .

176 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1177


figurar tanto no Grupo I (na matéria de direito constitui ion.il o u d i r e i t o s liu .1,1, Itos sociais, sempre com respeito a suas peculiaridades culturais (art.
manos) quanto no Grupo II (na matéria de direito internacional público). O •"). (h) I hi cito a serem consultados, mediante procedimentos apropriados,
tema também está previsto no edital da Defensoria Pública da União. . i n i h / das políticas públicas a serem aplicadas à comunidade. O procedi-
mento da consulta deverá ser adequado às circunstâncias e realizado de
2. Extensão dos direitos diferenciados dos povos indígenas para as
• 1 te. de modo que os povos possam eleger suas próprias prioridades e
comunidades afrodescendentes de maneira direta e imediata: imple- o
1 amlnhos de desenvolvimentos (art. 6 e y°); (c) A aplicação da legislação
mentação do conceito de propriedade coletiva diretamente para as
, 1 'mum às comunidades deve respeitar suas peculiaridades culturais, desde
comunidades afrodescendentes o
que não sejam incompatíveis com direitos fundamentais (art. 8 ); (d) Direi-
Até o julgamento do caso da operação Gênesis, a aplicação de direitos to a propriedade e à posse das terras que tradicionalmente ocupam (art. 14),
diferenciados aos povos indígenas era estendida aos mais diversos povos in, lusive em relação aos recursos naturais (art. 15); (e) Direito a não serem
tribais204 (entre eles, as comunidades afrodescendentes). Para que ocor- liasladados compulsoriamente das terras que ocupam, salvo casos absolu-
resse essa extensão, a Corte IDH, através de uma interpretação teleológi lumente excepcionais (art. 16) [grifo nosso]; e (f) Direito a serem contem-
ca e sistemática, equiparava as comunidades tribais com as comunidades plados em programas de reforma agrária (art. ig)" . 205

indígenas, a fim de justificar a extensão dos direitos diferenciados das co-


A o leconhecer a propriedade coletiva pelas comunidades afrodescenden-
munidades indígenas para as outras minorias tribais. Ocorre que, no caso
l e s , a Corte Interamericana de Direitos Humanos se alinhou à legislação
das Comunidades Afrodescendentes deslocadas da Bacia do Rio Cacarica,
hi.isileira, que também reconhece a propriedade coletiva pelas comuni-
a Corte Interamericana aplicou diretamente os direitos diferenciados dos
d.ides quilombolas, conforme o art. 68 do ADCT.
povos indígenas para as comunidades afrodescendentes. Isso porque a
própria lei colombiana reconhece direitos diferenciados para as comuni-
\. Deslocamento forçado
dades negras,comoa propriedade coletiva da terra ancestral que ocupam.
Ao proferir sua decisão, a Corte Interamericana ressaltou que o desloca-
Assim, a Corte de San José mudou seu entendimento jurisprudencial e
mento forçado viola normas de direito internacional humanitário. Isso
passou a aplicar diretamente às comunidades tribais os direitos diferen-
porque, segundo as Convenções de Genebra, que regulam o direito inter-
ciados dos povos indígenas, direitos esses conferidos na Convenção 169
n.icíonal humanitário, a população civil não pode ser alvo dos conflitos
da OIT. Vejamos o entendimento de Edilson Vitorelli sobre a possibilidade
.ninados existentes na região. Por conseguinte, a propriedade dessa po-
de aplicar a Convenção 169 da OIT às comunidades quilombolas: "Assim,
pulação deve ser protegida, o que não ocorreu no caso em análise.
os quilombolas constituem, indubitavelmente, comunidades tradicionais.
Por essa razão, a eles se aplicam todas as disposições da Convenção i6g da No tocante ao deslocamento forçado, é importante relembrar que o ar-
Organização Internacional do Trabalho - OIT, internalizada, com status de tigo 16 da Convenção 169 da OIT prevê uma série de dispositivos que,
lei ordinária, pelo Decreto 5.051/04. Em seu artigo i°, i, 'a', a Convenção con- • 01110 regra, impedem o deslocamento forçado das comunidades tradí-
firma esse diagnóstico, ao afirmar sua aplicação aos povos tribais em países (ionais. O mesmo artigo também confere o direito à indenização pelos
independentes, cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam danos ocorridos em virtude do deslocamento . Alinhou-se à referida 206

de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos total ou ( onvenção a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no
parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação es-
i aso "Operação Gênesis".
pecial. Dentre as principais normas que garantem direitos às comunidades
quilombolas, destacam-se: (a) Direito a verem implementadas pelo Estado
politicas que lhe garantam o acesso, em igualdade de condições, às oportu-
205 VITORELU, Edilson. Estatuto da Igualdade Racial e Comunidades Quilombolas. S a l -
nidades oferecidas à generalidade da população e à plena efetividade dos
vador: J u s p o d i v m , p. 247-248.
206 A r t i g o 16.5 da C o n v e n ç ã o 169 da OIT (internalizada no Brasil pelo Decreto n°
5.051 de 2004): Deverão ser indenizadas plenamente as pessoas transladadas e
reassentadas por qualquer perda ou dano que tenham sofrido como conseqüência
204 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Comunidade Moiwana vs.Suriname.
do seu deslocamento.

178 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1179
4- A p r o f u n d a m e n t o : q u e m pode ser considerado m e m b r o de u m a co- ,/,/•. tnms para as comunidades indígenas, restando a União como proprietária
m u n i d a d e quilombola? d l l 111 ias. Vejamos a lição de Edilson Vitorelli sobre o tema: "Embora o funda-
207 mento da posse indígena e da propriedade quilombola seja o mesmo — a tra-
Segundo o Decreto 4.887/2003 e a Convenção 169 da OIT, cabe à própria co
\ lu 11 malidade da ocupação por uma comunidade culturalmente diferenciada —
imunidade quilombola decidir quem é ou não quilombola. Assim, não compete
tespa tivi »5 regimes jurídicos são bastante distintos. As terras indígenas são
à sociedade dominante, exterior à aquela cultura, decidir quem é ou não qui- u

Ima: publicas federais (art.20,XI,da Constituição), cujo usufruto permanente se


lombola, mas apenas ao indivíduo e ao grupo do qual ele afirma ser membro.
dntlna ás comunidades (art. 231 §2°, da Constituição). Subordinam-se, assim, ao
Isso porque não há ninguém melhor do que os próprios membros da comuni-
.. finte, /. I <> -tis públicos de aso especial, pois afetados a uma finalidade pública,
dade tradicional,já inseridos naquela cultura, para reconhecer seus semelhan
quee o uso peta comunidade. [...] Em relação aos territórios quilombolas, embo-
tes. É o chamado critério da autoatribuição de identidade, também chamado
ta a Constituição não os tenha regulamentado expressamente, afirmou que as
de autodefinição ou autorreconhecimento. Vejamos a lição de Daniel Sarmen-
comunidades lhes adquirem a "propriedade definitiva", do que se pode inferir
to sobre o tema: "É importante ressaltar que a autodefinição é um dos critérios
õue a propriedade será particular e não pública. Além disso, tratando-se de pro-
adotados pelo Decreto 4.887/03, mas não o único. Trata-se de critério extrema
úrledade adquirida no interesse público, consistente na preservação da comuni-
mente importante, na medida em que parte da correta premissa de que, na defi
dade, e certo que essa propriedade, apesar de particular, deve ser gravada com
nição da identidade étnica, é essencial levar em conta as percepções dos próprios
, 1, insulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescrítibilidade. Porfim, é
sujeitos que estão sendo identificados, sob pena de chancelarem leituras etnocên
1 eito que a propriedade deve ser titulada coletivamente, por toda a comunidade,
tricas ou essencialistas dos observadores externos provenientes de outra cultura,
r não em lotes, como na reforma agrária. Isso porque o que se quer é a manuten-
muitas vezes repletas de preconceito. A ideia básica, que pode ser reconduzida ao 09
ftjo de uma comunidade, cujo significado é coletivo e não individual"' .
principio da dignidade da pessoa humana, é de que na definição da identidade
não há como ignorar a visão que o próprio sujeito de direito tem de si, sob pena
d Novidade legislativa
de se perpetrarem sérias arbitrariedades e violências, concretas ou simbólicas"'"*. 2 0
A lei 13.043/2014 ' conferiu isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) aos
A data da abolição da escravatura não interessa ao Direito para definir quem Imóveis oficialmente reconhecidos como quilombos, ocupados e explora-
é ou não membro de comunidade quilombola e tampouco para regular o dos pelos membros da comunidade quilombola. É importante observar
direito de propriedade das comunidades quilombolas remanescentes. pue não há qualquer imunidade tributária neste caso, posto que o bene-
2
fício em comento deriva de legislação infraconstitucional ".
5. A p r o f u n d a m e n t o : propriedade quilombola e posse indígena — re-
g i m e s distintos
INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S
Embora o ordenamentojurídico interno reconheça a propriedade coletiva para
as comunidades quilombolas, o mesmo não ocorre para as comunidades in- o
(PGR — 2 4 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2008—ADAPTADA)
dígenas. A Constituição Federal de 1988 optou por reconhecer apenas a posse Assinale a alternativa correta:
• A propriedade reconhecida constitucionalmente às comunidades remanes-
0
centes de quilombos detém caráter individual e, excepcionalmente coletivo.
207 Art.2 . Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins
deste Decreto, os grupos étnico raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com tra
jetória histórica própria, dotados de relações territoriais especificas, com presunção
de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. ti ni VITORELLI, Edilson. Estatuto da Igualdade Racial e Comunidades Quilombolas. Sal-
0
§ 1 Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades vador: Juspodivm, p. 255-256.
dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade. )li > Art. 3°-A Os imóveis rurais oficialmente reconhecidos como áreas ocupadas por re-
o 0
§ 4 A autodefinição de que trata o § 1° do art. 2 deste Decreto será Inscrita no Ca- manescentes de comunidades de quilombos que estejam sob a ocupação direta e
dastro Geral junto à Fundação Cultural Palmares, que expedirá certidão respectiva sejam explorados, individual ou coletivamente, pelos membros destas comunidades
na forma do regulamento. são isentos do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural-IT.
208 SARMENTO, Daniel. Por um constitucionalismo inclusivo. História tradicional brasileira, |11 Já as terras i n d í g e n a s se beneficiam d a i m u n i d a d e reciproca, t e n d o e m vista que
teoria da constituição e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 302. são bens de uso especial da União.

180 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | l8l


GABARITO: Errado, A propriedade quilombola é uma propriedade coletiva,

(PGR — 25 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2011 — ADAPTADA)


O

• A aquisição, pelas comunidades de remanescentes de quilombo, do di- Caso Família Pacheco Tineo vs. Bolívia
reito de propriedade das terras por elas ocupadas, pressupõe a posse
mansa e pacífica da área a sertitulada entre data da abolição da escra-
ÓRGÃO JULGADOR:
vidão e o advento da Constituição de 88.

GABARITO: Errado. A data da abolição da escravatura não é importante Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
para a determinação do direito de propriedade das comunidades re-
manescentes de quilombo.
SENTENÇA:

(AGU — PROCURADOR FEDERAL, 2013 — CESPE). Julgue os itens seguin- 15 de novembro de 2013
tes, a respeito da demarcação e titulação de terras ocupadas por rema-
nescentes das comunidades dos quilombos.

São considerados remanescentes das comunidades dos quilombos os


grupos étnico-raciais que, além de assim se autodefinirem no âmbito da RESUMO DO CASO
própria comunidade, contem com trajetória histórica própria, relações
territoriais específicas e presunção de ancestralidade negra relacionada 0 caso em análise versa sobre a expulsão sumária dos membros da fa-
com a resistência à opressão histórica sofrida. mília peruana Pacheco Tineo de terras bolivianas, onde haviam ingressa-
,l:i de forma irregular, na qualidade de refugiados, em 19 de fevereiro de
GABARITO: Certo. Foi utilizado o conceito do art. 2° do Decreto 4.887/2003.
2001, em razão de estarem sendo perseguidos pela ditadura do Governo

(PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA — PROVA ORAL)


O 1 ujimori no Peru.
Cite um exemplo de propriedade coletiva. Após adentrar no Estado boliviano, a família Pacheco Tineo se apresentou
na imigração para pedir refúgio. Mesmo realizando o pedido de forma
GABARITO: A propriedade quilombola poderia ser lembrada pelo candidato.
amigável e com todos os requisitos supostamente preenchidos para a
(PGE/PR — PROCURADOR DO ESTADO, 2015 — PUC/PR, ADAPTADA) O di- concessão do status de refugiado aos membros da família peruana, os
reito brasileiro tem gradualmente reconhecido direitos especiais a de- mesmos foram expulsos sumariamente do território boliviano através de
terminadas coletividades que mantêm uma singularidade cultural. Por atos de violência, sem qualquer direito de notificação à assistência con-
vezes, confere-lhes uma disciplina legal específica relacionada à posse e sular, devido processo legal, proteção especial às crianças (best interest of
ao uso do seu território. Sobre o regime jurídico de proteção dos povos (hild) e possibilidade de recorrer da decisão que negou o pleito.
indígenas, comunidades remanescentes de quilombolas e faxinais, assi-
nale a afirmativa: Ao regressarem ao território peruano, de onde haviam saído em 1995, em
razão de dura perseguição política sofrida, o casal Rumaldo Juan Pacheco
• A Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que
Osco e Fredesvinda Tineo Godos e seus filhos Frida Edith, Juana Guadalupe
trata dos direitos dos povos indígenas e tribais,tem sido aplicada no con-
e Juan Ricardo Pacheco Tineo, os três menores de idade, acabaram presos.
texto brasileiro para abranger também as comunidades quilombolas.
Após ser processada e absolvida, a família Pacheco Tineo denunciou o caso
GABARITO: Correto. É o entendimento dos tribunais nacionais e também da
à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A Comissão constatou ter
Corte Interamericana de Direitos Humanos, que admite a aplicação da
ocorrido uma série de violações aos direitos da família Pacheco, como às ga-
Convenção 169 da OIT às comunidades afrodescendentes, conforme os co-
rantias judiciais de solicitar e receber asilo, à violação do princípio do non re-
mentários do caso Comunidades Deslocadas do Rio Cacarica vs. Colômbia.

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS H U M A N O S 1183


182 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
foulement, ao direito à integridade física e psíquica e moral dos membros da vultii m liberdade esta/ma ameaçadas em detonem ta de sua taça, telitpuo,
família e também à proteção especial às crianças. Como não houve solução naclt <nalidudc, grupo social a que pertença, opiniões politicas, o que consa-
amistosa entre as partes, o caso foi encaminhado à Corte Interamericana. a<a t' princípio do non-refoulement (proibição do rechaço). O princípio da
1'tothição do rechaço, entretanto, não poderá ser invocado se o refugiado
A Corte Interamericana declarou a Bolívia responsável internacionalmenle !• 'i 1< nisidetudo, por motivos sérios, um perigo à segurança do pais, ou se for
por ter violado, principalmente: (a) o direito de buscar e receber asilo de 11 mtlenado definitivamente por um crime ou delito particularmente grave,
todos os membros da família Pacheco Tineo, consagrado no art. 22.7 da • 1 institua ameaça para a comunidade do país no qual ele se encontre" " . 2 2

Convenção Americana de Direitos Humanos; (b) o direito de não ser ex-


pulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à Além de previsto em diversas convenções internacionais, o princípio do
0

vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua / I . 'ti tefoulement está previsto no art. 7 , § 2°, da Lei 9.474/1997, diploma
raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas que legulamenta o instituto do refúgio no Brasil. O tema envolvendo
(violação do princípio do non-refoulement), consagrado no artigo 22.8 da M lugiados está em alta! Recentemente, foi objeto de questionamento
Convenção Americana de Direitos Humanos; (c) o direito de proteção da d.i ultima prova discursiva da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
o

família consagrado no art. 17 da Convenção Americana de Direitos Huma- 1 •< 113/2014). Também foi objeto de questionamento do 2 5 Concurso de
o

nos; (d) o direito à proteção especial das crianças consagrado no artigo 19 Procurador da República, realizado no ano de 2011, e do 2 6 Concurso de
da Convenção Americana de Direitos Humanos, em prejuízo de Frida Edith, Procurador da República, realizado no ano de 2012.
Juana Guadalupe e Juan Ricardo Pacheco Tineo, todos menores de idade.
I, Atuação da Defensoria Pública Interamericana
Assim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou a Bolívia I ste é um dos três casos do Sistema Interamerícano de Direitos Humanos
a: (a) indenizar a família Pacheco Tineo em danos materiais e morais so- e m que houve a designação do Defensor Público Interamerícano para atuar
fridos em razão do ocorrido; (b) a implementar programas de capacitação no caso. Nessa linha, e de maneira inédita, pela primeira vez um brasileiro
permanente para os funcionários da Direção Nacional de Imigração, da foi designado para atuar em um caso da Corte Interamericana de Direitos
Comissão de Refugiados e qualquer outro que tenha contato com imi- I lumanos (Roberto Tadeu, Defensor Público do Estado do Mato Grosso).
grantes ou pessoas que pedem asilo ou refúgio; (c) a publicar o resumo
oficial da sentença elaborado pela Corte IDH no diário oficial boliviano e i. Crianças imigrantes e Opinião Consultiva n° 21 da Corte Interame-
em veículo de comunicação oficial do Estado boliviano; (d) informar no ricana de Direitos H u m a n o s
prazo de um ano, as medidas que foram adotadas para dar cumprimento I lá uma forte probabilidade do caso em tela ser questionado nos próximos
à sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos. concursos em razão da recente Orientação Consultiva n° 21 da Corte Intera-
mericana de Direitos Humanos, expedida em 19 de agosto de 2014, que versa
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O sobre os direitos e garantias de crianças e adolescentes no contexto da imigra-
1 . 1 0 . 0 Brasil foi um dos países que solicitaram a opinião consultiva da Corte.
1. Primeira v e z e m q u e a Corte Interamericana analisa caso envolven-
do o princípio do non-refoulement 4. Utilização da acepção "asilo e m sentido a m p l o " pela Corte Intera-
mericana de Direitos H u m a n o s
Pela primeira vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos analisou
um caso envolvendo o princípio do non-refoulement (também conheci- O Caso Família Pacheco Tineo gira em torno do pedido de refúgio dos inte-
do como "princípio da nâo-devolução" ou "princípio da proibição do re- grantes da família em território Boliviano. Entretanto, na sentença a Corte
chaço"). O princípio do non-refoulement consiste em uma garantia do Interamericana de Direitos Humanos utiliza o termo asilo em sua acepção
refugiado para que este não seja reenviado para um Estado onde possa ampla, que engloba o asilo territorial, diplomático, militar e o próprio refúgio.
estar sujeito a tratamento desumano e degradante, ou ainda a persegui-
ção politica. Nesse sentido, André de Carvalho Ramos: "O refugiado não
poderá ser expulso ou rechaçado para fronteiras de territórios em que sua ¿12 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 170.

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1185


184 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
MiMvl.ido para um terceiro c s i c i u u u n u c p u » » ... «
5. Possibilidade de submeter ao crivo dos tribunais internacionais a l i p m l r perseguição tui anula ris< o dr violação de sua vida ou liberdade. O
concessão ou denegação dos institutos do asilo e refúgio desrespeito do princípio do non-refoulement indireto gera a responsabili-

Com a internacionalização dos direitos humanos, o asilo e o refúgio se dade de ambos os Estados envolvidos no ciclo de envios do individuo. Se-
tornaram verdadeiros institutos garantidores de direitos humanos. As- cundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR),
sim, quebra-se o paradigma de que os institutos não podem ser aprecia- .1 vei lente indireta do principio da proibição do rechaço estaria contida
dos na ordem internacional. Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho implicitamente dentro do artigo 33 da Convenção da ONU relativa ao Es-
2

Ramos: "Sob a ótica dos direitos humanos internacionais, o asilo é hoje uma laliilo dos Refugiados de 1951 .
garantia internacional de direitos humanos, que consta da Declaração Uni- Alem dos diplomas convencionais j á expostos, o princípio do non-refou-
o
versal de Direitos Humanos (artigo XIV) e da Convenção Americana de Di meni também esta previsto no artigo 8 da Convenção da ONU sobre
reitos Humanos (art. 22.3). Logo, tanto a concessão quanto a denegação do 1 '<•.aparecimento Forçado e no Artigo 33 da Convenção da ONU relativa
asilo são passíveis de controle, não sendo mais livre o Estado, Por exemplo, li 11 statuto dos Refugiados.
o Brasil, após a Convenção Americana de Direitos Humanos (1992) e reco-
nhecimento da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos /. Total c u m p r i m e n t o da sentença pelo Estado boliviano
Humanos (Corte IDH, em 1998), não poderá mais conceder ou denegar asilo No dia 17 de abril de 2015, ante o cumprimento pelo Estado boliviano de
sem temer a vigilância internacional dos direitos humanos e eventual sen- Iodas as obrigações em que havia sido condenado, a Corte Interamerica-
tença condenatória vinculante da Corte IDH" ^. 2
na de Direitos Humanos editou uma resolução dando o caso envolvendo
217
a família Pacheco por encerrado .
Finalmente, importante ressaltar que a entrada de maneira irregular do
refugiado em determinado Estado não dá ensejo para que este descum-
pra o princípio do non-refoulement. INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S

6. Indagação didática: no que consiste o princípio do non-refoule-


4
(PGR — 25 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2011) Entende-se
O

ment por ricochete" ?


por princípio de non-refoulement, em acepção mais ampla:
Além da clássica concepção do non-refoulement conhecida e estudada
,i| a proibição de deportar refugiado para lugar onde corre risco de vida;
por toda doutrina, o princípio da proibição do rechaço possui também
uma vertente indireta. O princípio do non-refoulement indireto (ou "por l,| a proibição, para Estados, de retirada de estrangeiro de seu território,
ricochete")2i_ — ainda pouco abordado pela doutrina brasileira, mas quando este corre risco de perseguição política;
muito caro à doutrina europeia — consiste na proibição de enviar o re-
cj a proibição, para Estados, de devolver estrangeiro a lugar onde sua
fugiado ou o requerente de asilo para um país a partir do qual possa ser
vida ou liberdade estão ameaçadas;

213 RAMOS, André de Carvalho. As/7o e Refúgio: semelhanças, diferenças e perspectivas, p. 24 ¿16 Para u m maior aprofundamento sobre o tema, é possível consultar LEBOEUF, Luc. Le
Artigo disponibilizado no site do autor: <www.academia.edu/andredecarvalhoramos>. non-refoulementface aux atteintes aux droits économiques, sociaux et culturels. Quelle
214 É t a m b é m c o n h e c i d o c o m o indirect-refoulement ou a i n d a chain refoulement.
protection pour le migrant de survie? Working papers do Centro de Estudos de Direito
Internacional Europeu. Universidade Católica de Louvain. n° 08/2012. Disponível e m :
215 O Alto C o m i s s a r i a d o d a s N a ç õ e s U n i d a s para Refugiados ( A C N U R ) c o n c e i t u a o
<https://www.uclouvain.be/cps/ucl/doc/ssh-cdie/documents/2012-8-L_Leboeuf.pdf>.
princípio do non-refoulement indireto como: "indirect removal of a refugee from
one country to a third country which subsequently will send the refugee onward to .'17 A l é m d o p a g a m e n t o d e indenização por d a n o material e imaterial aos m e m b r o s
the place of feared persecution constitutes refoulement, for which both countries da f a m í l i a Pacheco Tineo, a Bolívia i m p l e m e n t o u p r o g r a m a s p e r m a n e n t e s de c a -
would bear joint responsibility". Esse conceito pode ser buscado no sitio da EDAL pacitação dos f u n c i o n á r i o s q u e a t u a m na Direção Nacional de M i g r a ç ã o e na C o -
{European Database of Asylum Law), <http://www.asylumlawdatabase.eu/en/ m i s s ã o Nacional de Refugiados.
keywords/indirect-refoulementx

CASOS J U L O A D O S PELA IURISDIÇAO C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S I ^ 8 7

186 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L DE DIREITOS H U M A N O S
d| a proibição de extradição de refugiado para Estado que possa vir a 1 orno identificação e documento para emissão de CPF e Carteira de Tra-
torturá-lo.
balho. Com o auxilio de uma ONG, Paul conseguiu um trabalho em uma
GABARITO: Letra C. empresa conveniada ao programa de oportunidades para estrangeiros,
porém não tinha com quem deixar o filho de somente dois anos e oito
(PGR — 26 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2012) Espancada
O rflflses de idade. Paul fora informado pela referida ONG que o Município
de São Paulo disponibilizava acesso à creche, porém, ao tentar efetuar a
regularmente por seu marido durante dez anos, a ponto de ser internada
matrícula da criança Roger, o servidor da rede pública denegou em razão
com graves ferimentos em hospital, a senhora Rodi Alvarado Pena, gua-
da ausência da certidão de nascimento e do protocolo de identificação
temalteca, fugiu de seu país para os Estados Unidos da América, onde
11.io conter dados pessoais suficientes. O servidor ainda informou que,
pediu asilo, Este lhe foi concedido em primeiro grau e revertido depois.
mesmo que existissem informações suficientes, somente seria efetuado
Somente após quatorze anos de litigância conseguiu ver reconhecido seu um prévio cadastro de espera em razão da ausência de vagas em creche.
direito de permanecer nos Estados Unidos da América para se proteger
de seu marido. Este notório caso é um exemplo de: Irresignado com a excessiva burocratização que impedia o ingresso de
a| aplicação, embora tardia, da Convenção de Belém do Pará; Koger à creche, Paul retornara a ONG e fora orientado a procurar a Defen-
••"i ia Pública do Estado de São Paulo. No atendimento inicial especializa-
b| da limitação da Convenção da ONU contra a Tortura, principalmente do da Defensoria Pública, Paul procura um defensor público para relatar
no que diz respeito à garantia do non-refoulement (art. 3°); os fatos já narrados. Como defensor público, aponte os fundamentos jurí-
dicos e os dispositivos pertinentes da ordem interna e internacional para
c| não-aplicabilidade da Convenção das Nações Unidas Relativa ao Es-
tatuto dos Refugiados de 1951; eventual pretensão de acesso à rede municipal de ensino.
GABARITO ADOTADO PELA BANCA: Indicação dos envolvidos como refugiados, (ar-
d| garantia, pela Guatemala, de eficácia horizontal do direito à vida e do
tigos I , inciso III e 2° da Lei 9.474/97 e Declaração de Cartagena sobre os
O

direito à integridade física. a


ivlugiados, Conclusão 3 ). Pontuação Máxima: 1,0.
GABARITO: Letra B.
I undamentação e argumentação jurídica do acesso à educação na ordem
Internacional e ordem interna (artigos 22 e 23 da Convenção sobre o Estatu-
(DPE/PR — DEFENSOR PÚBLICO, 2012 — FCC, ADAPTADA)
to dos Refugiados; artigo 18.3 da Convenção sobre Direito das Crianças; ar-
• O princípio do non-refoulement, instituto de Direito Internacional Hu- tigos7°,XXV,205,2o8 e 211 da CF88; artigo 54, inciso IV do ECA). Ainda que o
manitário aceito e reconhecido pela comunidade internacional como
a< esso ao ensino infantil não esteja previsto expressamente na Convenção
jus cogens, aplica-se ao Direito Internacional dos Refugiados e ao Di-
sobre Refugiados, de nada serviria para garantir o ensino primário sem a
reito Internacional dos Direitos Humanos.
formação anterior do ensino infantil capaz de viabilizar o acesso posterior.
GABARITO: Errado. O princípio do non-refoulement é instituto do Direito A assistência gratuita de acesso infantil é um direito da criança Roger e, ao
Internacional dos Refugiados e não do Direito Internacional Humani- mesmo tempo, do pai trabalhador Paul. Também admitidas as seguintes
tário. (undamentações: artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos;
artigos 3.1, 28 e 29 da Convenção sobre Direitos da Criança; os artigos 13 e
(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — PROVA DISCURSIVA) Por motivos 14 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; os
0
de grave e generalizada violação de direitos humanos, Paul foi obrigado artigos 13 e 16 do Protocolo de San Salvador; e o artigo 5 da CF88 (isonomia
a fugir do país de nacionalidade com o filho Roger para o Brasil. Durante e ausência de discriminação entre brasileiros e estrangeiros). Pontuação
a fuga, a certidão de nascimento de Roger fora extraviada. Na chegada máxima: 2,5.
ao Brasil, a autorização de permanência foi solicitada, ocasião em que Fundamentação e argumentação jurídica quanto à documentação e
o Departamento de Polícia Federal emitiu o protocolo de autorização acesso à justiça dos refugiados: artigos 16 e 27 da Convenção sobre o Es-
provisória até a decisão final das autoridades competentes, que serviria tatuto dos Refugiados; artigo 43 da Lei 9.474/97; artigos 5 XXXV e LXXIV 0

188 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1189
aa LKi-ts. uoserva-se que o rol de fundamentos não é taxativo. O Municí-
pio deve disponibilizar o acesso de Roger à creche independentemente
de certidão de nascimento ou de dados pessoais insuficientes. Pontuação
máxima: 1,5.
Caso Liakat Ali Alibus vs. Suriname
( D P E / M G — DEFENSOR PÚBLICO, 2014 — 2 FASE PROVA DISCURSIVA). Dis- A

corra sobre o princípio do non-refoulement, justificando a sua importância


ÓKGAO JULGADOR:
para o sistema de proteção internacional de Direitos Humanos, bem como
indicando um dispositivo legal vigente no ordenamento jurídico brasileiro. í 1 u t e Interamericana de Direitos H u m a n o s
GABARITO: Dentre outros aspectos, como conceito e sua importância para a
proteção internacional dos direitos humanos, a banca examinadora con SENTENÇA:
siderou como origem do princípio da não devolução o artigo 3 ° da Con-
venção da ONU contra a Tortura e o artigo 22, V I I I , da Convenção America-
30 de janeiro de 2014
na de Direitos Humanos.

RESUMO DO CASO

O caso se relaciona com a investigação e processo penal seguidos contra


o senhor Liakat Ali Alibux, sociólogo, nascido em 1948, ex Ministro de Fi-
nanças e ex Ministro de Recursos Naturais de Suriname, tendo em conta
que, quando ocupava o cargo de Ministro de Finanças, realizou a compra
de um imóvel no valor de US$ 900.000,00 (novecentos mil dólares) para
n Ministério de Desenvolvimento Regional, fato que foi objeto de inves-
tigação preliminar, a qual apurou que o senhor Alibux havia praticado o
(rime de falsificação para lograr êxito na aprovação da compra do referi-
do imóvel, o que teria feito para beneficiar a si ou a outra pessoa.

O fato ocorreu entre junho e julho de 2000. Em agosto de 2000 o se-


nhor Alibux deixou o cargo de Ministro de Finanças. Em 2001, concluída a
investigação, o Procurador-Geral (Ministério Público) solicitou que o Pre-
sidente da República providenciasse as gestões necessárias para que o
senhor Alibux fosse acusado pela Assembleia Nacional por crimes come-
lidos quando ocupava o cargo político. O Presidente da República enviou
a referida solicitação ao Presidente da Assembleia Nacional.

O art. 140 da Constituição do país previa que "Aqueles que desempenham


< argos políticos serão objeto de juízo ante a Alta Corte de Justiça, inclusive
posteriormente à desocupação do cargo, por atos delitivos que hajam co-
metido no exercício de seus cargos. Os processos serão iniciados pelo Pro-
airador-Geral depois de os investigados serem acusados pela Assembleia
Nacional na forma estabelecida por lei. Pode se estabelecer mediante lei

190 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS H U M A N O S 1191


que memoras aos Altos Conselhos de Estado e outros funcionários serão o .11 usado, a Corte anotou, primeiro, que os precedentes invocados pela
objeto de juízo por atos criminosos cometidos no exercido de suas funções". Comissão não se ajustam ao caso em exame. Sobre o Caso Ricardo Canese
Posteriormente à solicitação do Procurador-Ceral, o Presidente da Repú- v, 1'iiraguai, a Corte relembrou que o julgamento se referiu à proibição de
blica sancionou a Lei sobre Acusação de Funcionários com Cargos Politi .iplicar de maneira retroativa disposições que aumentavam a pena, assim
cos (LAFCP), em 2001. No mesmo ano, em novembro, o Presidente retirou como condutas criminosas que ao momento dos fatos não estavam pre-
a solicitação que havia enviado para a Assembleia Nacional, deixando, as- vistas. Da mesma forma, sobre o Caso Del Rio Prada vs. Espanha, julgado
sim, que o Procurador-Geral, agora legitimado pela LAFCP, enviasse nova p e l o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, a Corte considerou imperti-
comunicação ao Presidente da Assembleia Nacional para o prévio pro- nente a sua invocação, pois tal precedente se referia ao alcance da pena e
cessamento político do senhor Alibux, com a consequente autorização d.i sua execução, e não a regras procedimentais. Igualmente, sobre o Caso
para o início da persecução penal. E assim foi feito, tendo a Assembleia David Michael Nichoías vs. Austrália, do Comitê de Direitos Humanos, a
Nacional acolhido a solicitação do Procurador-Geral em 2002. Corte registrou que, diversamente da conclusão da Comissão, trata-se de
precedente em que se considerou que os elementos do delito existiam
Em 2003, a Alta Corte de Justiça, em composição de três juízes, conde-
previamente aos fatos e por isso eram previsíveis.
nou o senhor Alibux a uma pena de um ano de detenção e inabilitação
para exercer o cargo de Ministro pelo período de três anos, reconhe- Após essas considerações, a Corte, registrando que existe na região uma
cendo, pois, ter ele praticado o crime de falsificação. O senhor Alibux tendência à aplicação imediata de normas procedimentais (princípio de
cumpriu sua pena na prisão a partir de fevereiro de 2004 e foi colocado tempus regit actum), considerou que "a aplicação de normas que regulam
em liberdade em agosto de 2004 em razão da aplicação de Decreto Pre- o procedimento de maneira imediata não vulnera o artigo 9 convencional,
sidencial de indulto. devido a que se torna como referência o momento no qual tem lugar o ato
processual e não aquele da prática do ilícito penal, diferenciándose das
Em 2007, a LAFCP foi alterada a fim de que as pessoas acusadas com base
normas que estabelecem delitos e penas (substantivas), onde o padrão de
no art. 140 da Constituição fossem julgadas em primeira instância por
aplicação éjustamente o momento da prática do delito" (§ 69). E completa
três juízes da Alta Corte de Justiça, e em caso de apelação fossem julgadas
afirmando que "os atos que conformam o procedimento se esgotam de
por entre cinco a nove juízes do mesmo órgão. Todas as pessoas conde-
acordo com a etapa processual na qual se vá originando e se regem pela
nadas anteriormente à dita reforma tiveram direito de apelar dentro de
norma vigente que os regula. Em virtude disso, e ao ser o processo uma
um prazo de três meses. O senhor Alibux não apelou da sua condenação.
sequência jurídica em constante movimento, a aplicação de uma norma
A Comissão Interamericana emitiu informe considerando o Estado como que regula o procedimento posteriormente à prática de um suposto fato
violador das garantias da legalidade e da retroatividade, do direito a re- delitivo não contradiz per si o princípio da legalidade" (§ 69).
correr, do direito à proteção judicial, do direito de circulação e residência, 0
E assim concluiu a Corte entendendo não existir violação do art. 9 da
em particular do direito a sair livremente do país de origem. O Estado não
CADH no caso concreto, ressaltando que o princípio da legalidade, no sen-
cumpriu as recomendações, o que ensejou que a Comissão submetesse
tido de que exista uma lei prévia à comissão do delito, não se aplica às
o caso à Corte.
normas que regulam o procedimento, "a menos que possam ter um im-
Inicialmente, a Corte rejeitou a preliminar de não esgotamento dos recur- pacto na tipificação de ações ou omissões que no momento de cometer-se
sos internos. O Estado alegava que o senhor Alibux não teria utilizado o não fossem delitivos segundo o direito aplicável ou na imposição de uma
recurso de apelação criado em 27/08/2007. A Corte, porém, concluiu que pena mais grave que a existente ao momento da perpetração do ilícito pe-
no momento da imposição da condenação não existia dito recurso nem nal" (§ 70}. A Corte considerou que a LAFCP apenas regulava um procedi-
a necessidade de seu esgotamento foi alegada no momento processual mento e que a normativa incriminadora era acessível e previsível.
oportuno, perante a Comissão.
Acerca da violação do direito ao recurso, a Corte esclareceu, primeiro, que
No que diz respeito à tese da vítima e da Comissão, de que teria havi- "ao não existir um tribunal de maior hierarquia, a superioridade do tribu-
do ofensa à proibição da retroatividade da norma penal que prejudica nal que revisa a condenação se entende cumprida quando o pleno, uma

192 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S C A S O S J U L G A D O S PELA IURISDIÇÂO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S 1193


saia ou câmara, aentro ao mesmo orgao colegiado superior, mas de disim
Í. Jurisprudência internacional sobre o t e m a (direito a o recurso nos
ta composição a que conheceu a causa originalmente, resolve o recurso in-
julgamentos pelo Tribunal m á x i m o do país)
terposto com faculdades de revogar ou modificar a sentença condenatória
1

ditada, se assim o considera pertinente" (§ 105). E concluiu, depois, que, ao 1 uilorme consta na decisão da Corte, o Comitê de Direitos Humanos, na
constatar que no presente caso o senhor Alibux foi julgado pelo tribu observação Geral n° 32, de 23/08/2007, já se manifestou no sentido de
nal máximo de Suriname, sem que lhe fosse garantida a possibilidade de que "Quando o tribunal mais alto de um país atua como primeira e única
recorrer contra sua condenação, houve violação do art. 8.2(h) da CADH. • ir.it meia, a ausência de todo direito a revisão por um tribunal superior não
Ainda sobre esse tópico, a Corte considerou que a criação de um recurso resta compensada pelo fato de haver sido julgado pelo tribunal de maior
no ano de 2007, quando o senhor Alibux já havia cumprido a sua pena, hiritirquia do Estado Parte; pelo contrário, tal sistema é incompatível com o
significou um expediente meramente formal, que não poderia modificar Pai lo, a menos que o Estado Parte interessado haja formulado uma reserva
a situaçãojurídica infringida nem poderia ser capaz de produziro resulta a esse efeito" (§ 47). A Corte anota, a propósito, que o art. 14.5 do PIDCP se
do para o qual foi concebido, não sendo, portanto, adequado nem efetivo diferencia do art. 8.2(h) da CADH,já que o último é muito claro ao garan-
para o caso concreto. tir o direito de recorrer sem fazer menção à frase "conforme ao prescrito
pela lei", como estabelece o PIDCP. De qualquer forma, o Comitê, na mes-
Finalmente, após considerar que o Estado também violou o direito de mi.I Observação Geral, já se manifestou no sentido de que "A expressão
circulação e de residência reconhecido no art. 22, incisos 2 e 3, da CADH, 11 informe ao prescrito em lei'nesta disposição não tem por objeto deixar a
a Corte condenou Suriname a ressarcir os danos imateriais causados ao discrição dos Estados Partes a existência mesma do direito a revisão, posto
senhor Alibux, deixando de determinar a modificação da legislação in- i\ue este é um direito reconhecido pelo Pacto e não meramente pela legis-
terna do país em razão de tal expediente já ter ocorrido em 2007, com a lação interna. A expressão 'conforme ao prescrito em lei'se refere à deter-
garantia de um recurso para cidadãos que forem julgados na mais alta minação das modalidades de acordo com as quais um tribunal superior
Corte de Justiça do país. levará a cabo a revisão, assim como com a determinação do tribunal que se
0
encarregará disso de conformidade com o Pacto. O parágrafo 5 do artigo
14 não exige dos Estados Partes que estabeleçam várias instâncias de apela-
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
ção. Sem embargo, a referência à legislação interna nesta disposição há de
interpretar-se no sentido de que se o ordenamento jurídico nacional prevê
1. Direito ao recurso nos j u l g a m e n t o s pelo Tribunal m á x i m o do país
outras instâncias de apelação, a pessoa condenada deve ter acesso efetivo
Já abordamos anteriormente diversas questões sobre a matéria (direito a cada uma delas" (§ 45). Nos comentários do Caso Barreto Leiva, registra-
ao duplo grau de jurisdição) quando comentamos os principais pontos do mos a diferença no tratamento do tema perante o sistema europeu de
Caso Barreto Leiva vs. Venezuela, razão pela qual não seremos repetitivos direitos humanos,onde ojulgamento do acusado pela instância máxima
aqui. Parece-nos importante ressaltar apenas que a Corte Interamerica- do Poder Judiciário dispensa a existência ou garantia do recurso contra
na, por uma vez mais, reiterou o seu entendimento de que o fato de o .1 decisão. A analogia com o sistema europeu foi invocada por Suriname
acusado ser julgado pelo Tribunal máximo do seu país não dispensa a no caso em estudo, tendo a Corte, porém, após ressaltar a importância do
obrigação do Estado de garantir o direito ao recurso contra a decisão. Ine- diálogo jurisprudencial, rejeitado o argumento ante ao tratamento diver-
vitável que nos recordemos — novamente — do julgamento da AP 470, já so que a matéria recebe no sistema interamericano.
questionado na Comissão Interamericana por violação do direito ao duplo
grau de jurisdição. O fato de o STF ter admitido os embargos infringentes 3. Criação de um Tribunal Constitucional
satisfez a garantia da CADH? Aguardemos a posição da Corte. Importante
Interessante anotar que a Comissão Interamericana e a vítima alegaram
lembrar, ainda, que em 2014 houve uma alteração no Regimento Interno
que o art. 25 da CADH (direito à proteção judicial) teria sido violado pelo
do STF (Emenda Regimental n° 49/2014), autorizando o processamento
fato de não existir em Suriname um "Tribunal Constitucional", já que a
de ações penais contra réus com prerrogativa de foro pelas Turmas, com
Alta Corte de Justiça afirmou não dispor de competência para revisar de-
recurso para o Plenário.Tal expediente cumpre o art. 8.2(h) da CADH.
terminados atos praticados pela Assembleia Nacional (Poder Legislati-

194 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
C A S O S J U L G A D O S PELA IURISDIÇÀO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S 1195
vo). A Corte, porém, decidiu que, embora reconheça a importância destes
órgãos (Tribunais Constitucionais) como protetores dos mandamentos
constitucionais e dos direitos fundamentais, "a Convenção Americana
não impõe um modelo específico para realizar um controle de constitucio-
nalidade e convencionaíidade", recordando que "a obrigação de exercer
(aso Brewer Carias vs. Venezuela
um controle de convencionaíidade entre as normas internas e a Convenção
Americana compete a todos os órgãos do Estado, inclusive juízes e demais ÓKGÂO JULGADOR:
órgãos vinculados à administração de justiça em todos os níveis" (§ 124). ( orte Interamericana de Direitos H u m a n o s
4. Aplicação da norma processual no t e m p o s e g u n d o o ordenamento
jurídico brasileiro SENTENÇA:

O Brasil segue a regra do tempus regit actum, dispondo o art. 2 do CPP 0


z b j de maio de 2014
que "A lei processual penal aplícarse-á desde logo, sem prejuízo da validade
dos atos realizados sob a vigência da lei anterior". Interessante observar
que a Corte Interamericana, no caso em estudo, citou expressamente um
precedente do STJ para reforçar o entendimento de que na região se se-
gue o princípio da aplicação imediata das normas penais procedimentais, RESUMO D O CASO
qual seja, o AgRg no REsp 1288971 (Caso Nardoni), em que se decidiu que
"A recorribilidade se submete à legislação vigente na data em que a decisão I ntre 2ooi e 2002 ocorreu uma mobilização social na Venezuela contra
foi publicada, consoante o art. 2° do Código de Processo Penal. Incidência do diversas políticas do então presidente Hugo Chávez, o que veio a ocasio-
0
princípio tempos regit actum. O art. 4 da Lei n° 11.689/2008, que revogou nai numa tentativa frustrada de golpe militar comandada por Pedro Car-
expressamente o Capítulo IV do Título II do Livro III, do Código de Processo mona Estanga, com o qual o senhor Brewer Carias, jurista especializado
Penal, afasta o direito ao protesto por novo júri quando o julgamento pelo i m Direito Constitucional e membro da Assembleia Constituinte de 1999,
Conselho de Sentença ocorrer após a sua entrada em vigor, ainda que o fel denunciado pelo Ministério Público em 2005, após três anos de inves-
crime tenha sido cometido antes da extinção do recurso". 1 ijj.ições, que lhe acusou de auxiliar na redação do denominado "Decreto
(.irmona", cuja finalidade seria convalidar os atos do movimento golpista,
i onduta que estaria prevista e sancionada no crime de "conspiração para
mudar violentamente a Constituição", conforme o art. 144, 2, do Código
Penal venezuelano vigente no momento. O senhor Brewer Carias negou
qualquer participação no auxílio ou confecção do "Decreto Carmona".

Hrewer Carias foi citado em janeiro de 2005, quando a sua Defesa pas-
sou a questionar diversas irregularidades e nulidades no processo. Em
setembro de 2005, Brewer Carias viaja para fora do país e a sua Defe-
sa informa ao Poder Judiciário que o acusado não retornaria até que "se
apresentassem as condições idôneas para obter um julgamento imparcial
e com respeito de suas garantias judiciais". Em outubro de 2005 a Defesa
de Brewer Carias apresentou em juízo uma "solicitação de nulidade" de
todo o procedimento adotado pelo Ministério Público, a quem atribuiu
parcialidade na condução do caso. No mesmo mês tal pleito foi indeferi-
do, decisão contra a qual a Defesa interpôs apelação.

196| JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS H U M A N O S 1197
Para o que interessa à essa ocasião de Resumo do Caso, impoil.i di/ei que, I finaliza a Corte, portanto, acolhendo a exceção preliminar, tendo em
após diversos requerimentos da Defesa pela produção de prova e adla« • unia que "no presente caso não foram esgotados os recursos idôneos e
mentos da audiencia, o Poder Judiciário venezuelano decretou a prisão eletivos, e que não procediam as exceções ao requisito do prévio esgota-
preventiva de Brewer Carias em junho de 2006, decidindo, ainda, que a mento dos ditos recursos internos" (§ 144), deixando, consequentemente,
"solicitação de nulidade" apresentada pela Defesa somente poderia ser de continuar com a análise de fundo (mérito).
apreciada diante da presença do acusado em audiência preliminar.
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
O caso chegou à Comissão Interamericana, que emitiu diversas recomen-
dações para o Estado, sendo que, tendo sido aquelas descumpridas, a Co-
I, Primeira vez e m que a Corte Interamericana não aprecia o mérito
missão submeteu o caso à Corte Interamericana.
de um caso por acolher u m a exceção preliminar de ausência de esgo-
O Estado demandado (Venezuela) arguiu a exceção preliminar de falta d l tamento dos recursos internos
esgotamento dos recursos internos, assim o tendo feito no momento pro 0 julgamento da Corte Interamericana foi concluído por quatro votos a
cessualmente oportuno, qual seja, no procedimento perante a Comissão, dois, ficando vencidos os juízes Manuel E. Ventura Robles e Eduardo Fer-
ratificando-a posteriormente na Corte Interamericana, baseando-se no ar- iei Mac-Gregor Poisot, que fizeram e juntaram voto conjunto dissidente,
gumento de que a falta de esgotamento dos recursos internos se devia ao observando com preocupação o fato deste caso ilustrara primeira vez em
fato de que o processo penal contra Brewer Carias não ter sido concluido, que a Corte não conhece o fundo/mérito do litígio por estimar procedente
existindo etapas nas quais se poderia discutir as irregularidades alegadas uma exceção preliminar por falta de esgotamento dos recursos internos.
a partir de recursos específicos previstos no processo penal venezuelano. Anotam, ainda, os citados juízes, que somente em três ocasiões anteriores,
Víu-se a Corte, então, diante de um caso com características peculiares, ja nos mais de vinte e seis anos de jurisdição contenciosa, a Corte Interameri-
que (i) o processo contra Brewer Carias ainda se encontra em "etapa inter Cana não entrou no fundo/mérito da controvérsia por diversos motivos.- (a)
mediáría"e (i¡) o principal obstáculo para que o processo avance é a ausên- 1 primeira pela caducidade do prazo para apresentação da demanda pela
cia do acusado, razão pela qual a Corte considera que, estando pendente 1 omissão (Caso Cayara vs. Peru, em 1993); (b) a segunda por desistência da
a audiência preliminar e pelo menos uma decisão de mérito da primeira aç.io deduzida pela Comissão (Caso Maqueda vs. Argentina, em 1995); e (c)
instancia, "não é possível passar a pronunciarse sobre a alegada vulneração a terceira por falta de competência ratione temporis do Tribunal Interame-
das garantias judiciais, devido a que não há certeza sobre como continuaría o rlcano (Caso Alfonso Martin dei Campo Dodd vs. México, em 2004). Desta
processo e se muitos dos fatos alegados poderiam ser analisados e resolvidos forma, somados, temos hoje, então, quatro casos em que a Corte Interame-
a nivel interno" (§ 88). A Corte considera, ainda, que "não é possível analisai licana, por alguma razão, não adentrou no mérito da demanda, sendo que
o impacto negativo que uma decisão possa ter se ocorre em etapas tempra n Coso Brewer Carias vs. Venezuela consiste no primeiro precedente em que
nas, quando estas decisões podem ser analisadas e corrigidas por meio dos a Corte acolheu a exceção de não esgotamento dos recursos internos.
recursos ou ações que se estipulem no ordenamento interno" (§ 96).
Os juízes vencidos no julgamento consideraram que a decisão da Corte
A respeito da necessidade de o acusado estar presente na audiência para constitui "um perigoso precedente para o sistema interamericano de pro-
que o seu requerimento de nulidade seja apreciado, a Corte considerou teção dos direitos humanos em sua integralidade em detrimento do direito
0

que "em muitos sistemas processuais a presença do acusado é um requise de acesso à justiça e à pessoa humana" (§ 2 ), além de ressaltarem, tam-
to essencial para o desenvolvimento legal e regular do processo. A própria bém, o especial interesse que este caso havia despertado na sociedade
Convenção acolha a exigência. A este respeito, o art. 7.5 da Convenção es- civil, tendo a Corte recebido 33 escritos em qualidade de amicus curiae,
tabelece que a 'liberdade poderá estar condicionada a garantias que as- provenientes de reconhecidos juristas internacionais, assim como de ins-
segurem seu comparecimento ante o juízo', de maneira que os Estados se tituições, associações não governamentais, jurídicas e profissionais da
encontram facultados a estabelecer leis internas para garantir o compare- América e da Europa, relacionados com diversos temas atinentes ao lití-
cimento do acusado" (§ 134). gio, a exemplo do Estado de Direito, as garantias judiciais, o devido pro-

198 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S C A S O S JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DlRElTOS H U M A N O S | 199
cesso, a maependencia judicial, a provisoriedade dos juizes e o exercício .1 piofissão de advogado. Concluem os juizes: "Não ter analisado o mérito
da advocacia. E destacam, ainda, que "todos os amici curiae resultaram t/o (uso do processamento penal do Professor Brewer Carías limitou o que
coincidentes em assinalar distintas violações aos direitos convencionais do deveria ser a principal função de um tribunal internacional de direitos hu-
senhor Brewer Carias" (§ 3 ) . 0
manos: a defesa do ser humano frente a prepotência do Estado" (§ 124).

2. Teoria da etapa t e m p r a n a
INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
O Caso Brewer Carias se destaca, ainda, pela criação da denominada "teo-
ria da etapa temprana", duramente criticada petos juízes vencidos no
julgamento: "Aceitar que nas 'etapas tempranas'do procedimento não se (PGR — 28 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAPTADA)
O

pode determinar alguma violação (porque eventualmente possam ser re- Assinale a alternativa Incorreta:
medidas em etapas posteriores) cria um precedente que implicaria graduar • A defesa de não esgotamento dos recursos internos perante a Comis-
a gravidade das violações atendendo à etapa do procedimento na qual se são Interamericana de Direitos Humanos pode ser reapresentada pelo
encontre" (§ 56). E prosseguem os juízes, depois, para afirmar que "Ao uti- tstado no momento em que o caso individual for apreciado pela Corte
lizar como um dos argumentos centrais na Sentença a artificiosa teoria da Interamericana de Direitos Humanos.
'etapa temprana'do processo, para não entrar na análise das presumidas
GABARITO: Certa. A exceção de não esgotamento dos recursos internos
violações a direitos humanos protegidos peio Pacto de São José, constitui
pode ser reapresentada na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
um claro retrocesso histórico desta Corte, podendo produzir o precedente
que se está criando consequências negativas para as presumidas vitimas no
exercício do direito de acesso à justiça" (§ 119).

3. Interpretação equivocada do art. 7.5 da C A D H

Outro importante ponto do voto conjunto e dissidente dos citados juízes é a


crítica à decisão majoritária da Corte em relação ao art. 7.5 da CADH, que, se-
gundo eles, se distanciou do que dispõe o art. 29 (também da CADH), o qual
estabelece que nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada no
sentido de permitira algum dos Estados Partes suprimirou eliminarogozoe
o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção: "Pretender
que o senhor Brewer Carias regressasse a seu país para perder sua liberdade e,
nestas condições, defender-se pessoalmente em juízo, constitui um argumento
incongruente e restritivo do direito de acesso à justiça (...)" (§ 116).

Igualmente importante no conteúdo do voto dos juízes vencidos é a afir-


mação de que a análise de fundo era indispensável — também — para
analisar o fato de que o senhor Brewer Carias, jurista reconhecido inter-
nacionalmente, foi processado criminalmente por atender a uma "con-
218
sulta profissional" , fazendo, pois, apenas o uso de seu direito de exercer

218 Consta dos fatos que Brewer Carías a d m i t e que t e n h a se reunido c o m C a r m o n a ,


n e g a n d o - s e , p o r é m , a auxiliar o u confeccionar o j á citado " D e c r e t o C a r m o n a " , que
viria a subsidiar a tentativa f r u s t r a d a de g o l p e militar na V e n e z u e l a .

200 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS I U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 201


l<i,i du leqalidade impor nina necessária distancio entre ditos delitos e os
tipos penais ordinários, deforma que tanto cada pessoa como o juiz penal
Caso Norin Catrimán e outros (dirigentes, 11 uilem com suficientes elementos jurídicos para prever se uma conduta é
membros e ativista do povo indígena ;aii( ionáveipor um ou por outro tipo penal" (§ 163). Vejamos o que dispõe
Mapuche) e vs. Chile lr.pi isitivo legal atacado:

Lei 18314
ÓRGÃO JULGADOR: o
Art. I . Constituirão delitos terroristas os enumerados no artigo 2 , 0

quando neles concorrer alguma das circunstâncias seguintes:


Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s a
1 Que o delito tenha sido cometido com a finalidade de produzir na
população ou em uma parte dela o temor justificado de ser vítima
SENTENÇA:
de delitos da mesma espécie, seja pela natureza e efeitos dos meios
29 de m a i o de 2014 empregados, seja pela evidência de que obedece a um plano pre-
meditado de atentar contra uma categoria ou grupo determinado
de pessoas.

RESUMO DO C A S O Se presumirá a finalidade de produzir dito temor na população em


geral, salvo se verificar-se o contrário, pelo fato de cometer-se o de-
Segundo Aniceto Norin Catrimán, Pascual Huentequeo Pichún Paillalao, lito mediante artifícios explosivos ou incendiários, armas de grande
Victor Manuel Ancalaf L l a u p e j u a n Ciríaco Millacheo Licán, Florêncio Jai- poder destrutivo, meios tóxicos, corrosivos ou infecciosos ou outros
me Marileo Saravia, José Benício Huenchunao Marihán, Juan Patrício Ma que puderem ocasionar grandes estragos, ou mediante envio de car-
rileo Saravia e a senhora Patrícia Roxana Troncoso Robles são chilenos, tas, pacotes ou objetos similares, de efeitos explosivos ou tóxicos. (...)
sendo que sete deles são ou eram na época dos fatos autoridades tradi
I oi questionado perante a Corte o trecho em negrito da redação do texto
cionais do Povo Indígena Mapuche e a outra é ativista pela reinvindicação
legal, que estabelece uma presunção de "intenção terrorista" quando, p.
dos direitos do mencionado Povo Indígena. Todos foram processados e
e x . , o agente cometer o delito mediante artifícios explosivos ou incendiá-
condenados criminalmente por fatos ocorridos nos anos de 2001 e 2002,
rios, o que a Corte considera como uma violação dos princípios da legali-
relativos a incêndio de prédio florestal, ameaça de incêndio e queima de
dade e da presunção de inocência previstos, respectivamente, nos artigos
um caminhão de empresa privada, sem afetar a integridade física nem
a vida de ninguém. A qualificação jurídica atribuída à conduta deles foi 9 e 8.2 da CADH. Esclareceu e advertiu a Corte Interamericana que "As
a de "atos terroristas", razão pela qual se lhes aplicou a Lei chilena 18314, medidas eficazes de luta contra o terrorismo devem ser complementares
conhecida como "Lei Antiterrorismo". e não contraditórias com a observância das normas de proteção dos direi-
tos humanos. Ao adotar medidas que busquem proteger as pessoas contra
A época do crime (2001 e 2002) foi marcada por existir no Sul do Chile atos de terrorismo, os Estados têm a obrigação de garantir que o funciona-
uma situação social de numerosos reclamos, manifestações e protestos mento da justiça penal e o respeito às garantias processuais se apeguem
sociais por parte dos membros do Povo Indígena Mapuche, que reivindi- ao princípio da não discriminação. Os Estados devem assegurar que os fins
cavam basicamente a recuperação de seus territórios ancestrais e o res- e efeitos das medidas que se tomem na persecução penal de condutas ter-
peito do uso e gozo das ditas terras e seus recursos naturais. roristas não discriminem permitindo que as pessoas se vejam submetidas a
O principal ponto da decisão da Corte Interamericana relaciona-se com 1 aracterizações ou estereótipos étnicos" (§ 210).
o reconhecimento da violação dos princípios da legalidade e da presun-
A Corte declarou que o Chile violou o princípio da legalidade e o direito
ção de inocência na elaboração da Lei 18314 pelo Chile, j á que, relembra a á presunção de inocência previstos nos artigos 9 e 8.2 da CADH; o prin-
Corte, "Tratando-se da tipificação de delitos de caráter terrorista, o princi- cipio da igualdade e da não discriminação e o direito à igual proteção da

202 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S


CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 203
expediente, e segundo, que o depoimento de tais testemunhas não possa
lei, consagrados no artigo 24 da CADH; o direito da defesa de interrogai!
determinar exclusivamente ou em grau decisivo uma condenação. Neste
testemunhas consagrado no artigo 8.2, f, da CADH; o direito a recorrer da
1 aso aqui resumido/explicado, a Corte considerou que o Chile violou o direi-
sentença a um juiz ou tribunal superior, consagrado no artigo 8.2, h, da
I " 1 di lesa de dois dos acusados, já que o depoimento de testemunha não
CADH; entre outros.
" I < H I I ( H ada teria sido determinante para a sentença condenatória.

P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O 1, Desnecessidade d e condenação para reformar o ordenamento j u -


rídico interno
1. A d m i s s ã o excepcional da d e n o m i n a d a " t e s t e m u n h a a n ô n i m a " A1 orte Interamericana não precisou condenar o Chile a reformar a sua legis-
Um dos pontos polêmicos encontrados na decisão da Corte é a admissão 1 ição interna,já que o referido país editou,em 2010, a Lei 20467, pela qual eli-
excepcional da denominada "testemunha anônima". Muito embora a Cor minou a presunção legal de intenção terrorista que foi aplicada, neste Caso,
te Interamericana já tenha se pronunciado em oportunidades anteriores para condenar as vítimas integrantes do Povo Indígena Mapuche.
acerca de violações do direito da defesa de interrogar testemunhas em
). Brasil e o crime d e terrorismo
casos que tratavam de medidas que no marco da jurisdição penal militai
impunham uma absoluta restrição para contrainterrogar testemunhas de 1) Brasil ratificou a Convenção Interamericana contra o Terrorismo em
cargo [Caso Paíamara Iribarne vs. Chile), outros em que havia não somente ¿005, a qual foi promulgada através do Decreto n° 5639/2005, cuja leitura
"testemunhas sem rosto" senão também "juízes sem rosto" [Caso Castillo é recomendada.Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n° 499/2013,
Petruzzi e outros vs. Peru; Caso Lori Berenson Mejia vs. Peru; entre outros), que "Define crimes de terrorismo e dá outras providências".
e noutro que se refere a um juízo político celebrado ante o Congresso no
qual aos magistrados processados não se lhes permitiu contrainterrogar
as testemunhas em cujos depoimentos se baseou sua destituição (Caso
do Tribunal Constitucional vs. Peru), neste caso, excepcionalmente, a Corte
decidiu que "O dever estatal de garantir a vida e a integridade, a liberda
de e a segurança pessoais daqueles que declaram no processo penal pode
justificar a adoção de medidas de proteção. Nesta matéria o ordenamento
jurídico chileno compreende tanto medidas processuais (como a reserva de
dados de identificação ou de suas características físicas que individualizem a
pessoa) como extraprocessuais (como a proteção de sua segurança pessoal)"
(§ 243), tendo a Corte admitido "a reserva de identidade das testemunhas
quando tal expediente, além de não poder fundar unicamente ou em grau
decisivo uma condenação, estiver suficientemente compensado por medidas
de contrapeso, tais como as seguintes: (a) a autoridade judicial deve conhecer
a identidade da testemunha e ter a possibilidade de observar seu comporta
mento durante o interrogatório com o objeto de que possa formar sua pró-
pria impressão sobre a confiabilidade da testemunha e de sua declaração; e
(b) deve conceder à defesa uma ampla oportunidade de interrogar direta-
mente a testemunha em alguma das etapas do processo, sobre questões que
não estejam relacionadas com sua identidade ou paradeiro atual" (§ 246).

Em resumo: a Corte admitiu a oitiva de testemunhas sem identificação des-


de que se verifique, no caso concreto, primeiro, medidas de contrapeso deste

CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E T O S H U M A N O S | 205


204 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
dade pessoal e à presunção de inocência, e também os direitos às garan-
tias judiciais e à proteção judicial. O Estado não cumpriu as recomenda-
<. da Comissão, fato este que ensejou a submissão do caso à Corte.
Caso Arguelles e outros vs. Argentina No que diz respeito à violação do direito à liberdade pessoal, a Corte iniciou
<> .altandoque para que a medida privativa de liberdade não se torne arbi-
ÓRGÃO JULGADOR: 11 . U M deve cumprir com os seguintes parâmetros: 1) que sua finalidade seja
patível com a CADH, como o é assegurar que o acusado não impedirá
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s 0 d( -.envolvimento do processo nem iludirá a ação da justiça; 2) que sejam
11 li meãs para cumprir com o fim perseguido; 3) que sejam necessárias, isto
SENTENÇA: é, absolutamente Indispensáveis para conseguir o fim desejado; 4) que se-
20 de n o v e m b r o de 2014 1 n u proporcionais; 5) que seja suficientemente motivada (§ 120). Balizando
11.11.1 metros da prisão cautelar, a Corte também ressaltou que a prisão pre-
v e n t i v a deve estar submetida à revisão periódica, de tal forma que não se
prolongue quando não subsistam as razões que motivaram sua adoção (§
121). E ainda, considerando o argumento do Estado de que a prisão sejustí-
RESUMO DO CASO lii ou ante a fuga de um dos acusados, a Corte ressaltou que "a conduta de
uni dos acusados não é razão suficiente para manter a prisão preventiva dos
O caso se relaciona com a alegada violação do direito à liberdade pessoal e demais" (§ 127). Diante do contexto evidenciado no caso, a Corte declarou
o direito a um julgamento justo em processos iniciados em 1980, perante o que o Estado, ao omitir valorar se os fins, necessidade e proporcionalidade
Juízo de Instrução Militar, contra vinte oficiais militares pelo crime de fraude d.is medidas privativas de liberdade se mantinham durante aproximada-
miliar. Logo no início do processo, os investigados foram detidos, tendo, pos- mente três anos, "afetou a liberdade pessoal dos acusados e, portanto, violou
teriormente, sido interrogados pelo Juiz de Instrução Militar, o qual ordenou os artigos j . 1 ej.^da Convenção Americana, em concordância com o artigo 11
a prisão preventiva por considerar presentes os seus requisitos autorizadores. 1I0 mesmo instrumento" (§ 128).
Em 1982 foram designados defensores a dez acusados, sendo que, por expres-
A respeito da prisão preventiva, a Corte ressaltou que a sua duração ex-
sa disposição do então vigente Código de Justiça Militar, o defensor deveria
cessiva a converte numa medida punitiva e não cautelar, cenário que se
ser um "oficial em serviço ativo ou aposentado", que poderia ser eleito pelo
evidenciou neste caso, em que se apurou a manutenção da prisão pre-
imputado ou nomeado de ofício. O Ministério Público das Forças Armadas
ventiva por quase três anos após o início da competência da Corte para
apresentou a denúncia em agosto de 1988, atribuindo aos acusados a prática
analisar o caso, sem que se resolvesse a situação jurídica dos processados,
dos crimes de associação ilícita, com as agravantes de fraude militar e falsifi-
destacando, inclusive, que alguns deles estiveram privados de liberdade
cação, em conformidade com o Código de Justiça Militar. Em 1989, o Conselho
por um período superior ao tempo das condenações finalmente impos-
Supremo das Forças Armadas condenou os acusados ao pagamento de quan-
tas. Assim, entendendo que as prisões preventivas consistiram em adian-
tia em dinheiro em favor da Força Aérea e à reclusão e inabilitação absoluta
tamento de pena, a Corte considerou que o Estado violou os artigos 7.1,
perpétua. Como parte do cumprimento da pena de reclusão, detraiu-se o tem-
7.5 e 8.2 da CADH, em relação com o art. i ° do mesmo instrumento (§ 137).
po que permaneceram detidos em prisão preventiva. Finalmente, sucederam-
se diversos episódios procedimentais e recursais, incluindo o reconhecimento No tocante ao questionamento, da Comissão e dos representantes das
da prescrição, com posterior revogação desta decisão etc, encerrando-se com vítimas, sobre a incompatibilidade da Justiça Militar argentina com a
o insucesso dos acusados (aqui supostas vítimas) em seus pleitos. CADH, a Corte decidiu que, tratando-se de crimes de natureza militar,
praticados por oficiais militares, com ofensa à proteção de bens jurídicos
A Comissão Interamericana entendeu que o Estado violou a Convenção de caráter castrense, "a competência atribuída ao Conselho Supremo das
Americana, mais especificamente no que diz respeito aos direitos à liber- Forças Armadas não foi contrária à Convenção" (§ 156). Acrescentou a Cor-

206 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
C A S O S J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 207
te, ainda, o fato de ter havido a possibilidade de recursos para instâncias 1, ,„ w , . , . ( / pir.uii pievenliva deve estai submetida a revisão periódica, de tal
ordinárias superiores, do foro comum, onde se obteve sucesso em alguns forma que não se prolongue quando não subsistam as razões que motivaram
pleitos relacionados ao julgamento pelo foro militar, fato que contribuiu uia adoção. Nesta ordem de ideias, o juiz não tem que esperar até o momen-
para a conclusão de que o Estado não violou os artigos 8.1 e 25.1 da CADH, to de ditar sentença absolutória para que uma pessoa detida recupere sua
Uberdade, senão que deve valorar periodicamente se as causas, necessidade
Quanto à violação do direito de ser assistido por um defensor de sua es-
§pn 'porcionatidade da medida se mantêm. Em qualquer momento em que
colha, a Corte iniciou ressaltando que o direito de defesa deve ser obser-
apan -ça que a prisão preventiva não satisfaz estas condições, deverá decretar-
vado desde a identificação de uma pessoa como provável autora ou par- •« a liberdade, sem prejuízo de que o processo respectivo continue" (§ 121). A
tícipe de um fato punível até o fim do processo (§ 175). Ressaltou a Corte, 1. v i s , 1 0 periódica existe no ordenamento jurídico brasileiro? De forma ex-
também, que a assistência deve ser exercida por um profissional do Direi- pn ..i, infelizmente não. Todavia, conforme ressalta Ciacomolli, "Embora
to para poder satisfazer os requisitos de uma defesa técnica, sendo que a lei ordinária não determine a revisão periódica da prisão processual, como
impedir o acusado de contar com seu advogado-defensor significa limitar , N< <ne em outros ordenamentos jurídicos, tal obrigatoriedade integra o devi-
severamente o direito de defesa, "o que ocasiona desequilíbrio processual il, 1 processo (art. 5° LIV, CF). Não realizado o ato processual dentro do prazo
e deixa o indivíduo sem tuteia frente ao exercício do poder punitivo" (§ 176). . ta helecido em lei, cabe ao magistrado decidir acerca das consequências pelo
Verificou-se que o art. 96 do Código de Justiça Militar argentino estabele- 11/ descumprimento do prazo, mormente sobre a prisão processual. Porém,
cia que "todo processado ante os tribunais militares deve nomear defensor. em razão do baixo nível de compreensão constitucional, se verifica a necessi-
Ao que não quiser ou não puder fazê-lo, se lhe designará defensor de ofício dade de lei ordinária para cumprir o que já determina a CF". E prossegue o a u-
pelo presidente do tribunal respectivo". E o art. 97, por sua vez, dispunha loi, com a seguinte sugestão: "Diante da inexistência de uma determinação
que "o defensor deverá ser sempre oficial em serviço ativo ou aposentado", leqai para que o magistrado revise periodicamente a decisão que decretou a
não exigindo, portanto, que a defesa técnica seja exercida por profissio- l 't 1 '.110 processual, há que ser buscado, no próprio ordenamento jurídico, parâ-
nal do Direito. A Corte considerou que o fato de as vítimas não terem tido metros factíveis de serem executados. Um deles éoda manifestação acerca
a possibilidade de serem defendidas por um profissional do Direito cau- da persistência dos motivos a cada conclusão dos autos e nas audiências, além
sou desequilíbrio processual durante o procedimento no foro militar,con- da possibilidade de o responsável pela unidade administrativa ser compelido
2

cluindo que o Estado violou, consequentemente, o direito a ser assistido a enviar, mensalmente, os autos de réu preso ao julgador" "*. Importante: o
por um profissional escolhido, nos termos do art. 8.2 (d e e) da CADH, em l'l S156/2009 (Novo Código de Processo Penal), embora tenha seus defeitos,
.iv.inça significativamente na matéria de prisões, prevendo expressamente
relação com o art. 1.1 da mesma Convenção.
0 "reexame obrigatório". Vejamos o art. 562 do Projeto:
Finalmente, entre outras medidas que desinteressam citar aqui, a Corte
"Art. 562. Qualquer que seja o seu fundamento legal, a prisão pre-
condenou o Estado a ressarcir as vítimas pelos danos causados.
ventiva que exceder a 90 (noventa) dias será obrigatoriamente ree-
xaminada pelo juiz ou tribunal competente, para avaliar se persis-
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O tem, ou não, os motivos determinantes da sua aplicação, podendo
substituí-la, se for o caso, por outra medida cautelar.
1. Atuação da Defensoria Pública Interamericana o
§ I O prazo previsto no caput deste artigo é contado do início da
11 das 20 vítimas foram assistidas por dois defensores públicos intera- execução da prisão ou da data do último reexame.
mericanos, que acompanharam o caso desde o procedimento perante a § 2° Se, por qualquer motivo, o reexame não for realizado no prazo
Comissão Interamericana. devido, a prisão será considerada ilegal".

2. Revisão periódica da prisão preventiva


Um aspecto importantíssimo a se destacar na decisão da Corte é a reite- 1 9 C I A C O M O L L I , Nereu José. O Devido Processo Penal: abordagem conforme a Consti-
ração do seu entendimento, já veiculado noutros casos, de que "uma de- tuição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2 0 1 4 , p. 3 6 8 .

208 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S CASOS J U L G A D O S PELA JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 209


3- Permanência da Justiça Militar
Conforme já havíamos ressaltado por ocasião dos comentários do Caso
Palamara Iribarne vs. Chile, a Corte Interamericana não considera a mera
existência da Justiça Militar contrária à CADH, mas tão somente censura
a competência de tal Justiça para julgar civis e também para julgar auto
res de violações de direitos humanos.

4 . Direito a ser defendido por um profissional do Direito


Outro ponto muito importante deste caso é identificado no entendimento
da Corte Interamericana a respeito da extensão da garantia prevista no art.
8.2, letras d) e e),que asseguram, respectivamente, o direito de defender-se
pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha, e tam
bém,o direito (irrenunciável) de ser assistido por um defensor proporciona
do pelo Estado quando o acusado não se defender ele próprio nem nomeai
defensor dentro do prazo estabelecido em lei. Vimos que o Código de Jus-
tiça Militar da Argentina estabelecia que a defesa de militares no processo
criminal deveria ser feita •— necessariamente — por um oficial militar (da
ativa ou aposentado), sem exigir, contudo, formação jurídica dodefensor.A
Corte Interamericana, acertadamente, considerou que tal expediente viola
o direito à defesa técnica e causa desequilíbrio processual.

I N C I D Ê N C I A E M PROVAS DE C O N C U R S O S

o
{PGR — 2 8 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAPTADA)
Assinale a alternativa correta:
• Os defensores públicos interamericanos são escolhidos pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, entre os advogados habilitados
da própria Comissão.

GABARITO: Errado.

C A P Í T U L O III

O BRASIL N A JURISDIÇÃO CONTENCIOSA

D A CORTE INTERAMERICANA DE

DIREITOS H U M A N O S

210 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
loram cumpridas apenas parcialmente, motivando, pois, que a Comissão
submetesse o caso à Corte Interamericana no ano de 2004.

Inicialmente, convém ressaltar que o Estado demandado, já no procedimen-


Caso Ximenes Lopes vs. Brasil to perante a Comissão, reconheceu parcialmente a sua responsabilidade
internacional pela violação de direitos humanos do senhor Ximenes Lopes,
ÓRGÃO JULGADOR: di- • uidaiuJo apenas da alegação relativa à sua suposta inércia em investigar
as circunstâncias do falecimento da vítima e sancionar os responsáveis pelos
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s maus tratos a ele infringidos e por sua morte na Casa de Repouso Guararapes.

A Corte inicia sua decisão j á advertindo que "As hipóteses de responsabili-


SENTENÇA: dade estatal por violação dos direitos consagrados na Convenção podem ser
tanto as ações ou omissões atribuíveis a órgãos ou funcionários do Estado
04 de j u l h o de 2006
quanto a omissão do Estado em evitar que terceiros violem os bens jurídicos
que protegem os direitos humanos" (§ 86), de modo que "essa conduta, seja
de pessoa física ou jurídica, deve ser considerada um ato do Estado, desde que
praticada em tal capacidade" (§ 86). Isso significa, segundo a Corte, "que a
RESUMO DO CASO i ição de toda entidade, pública ou privada, que esteja autorizada a atuar com
(apacidade estatal, se enquadra na hipótese de responsabilidade por fatos
Damião Ximenes Lopes (adiante denominado apenas de Ximenes Lopes) diretamente imputáveis ao Estado, tal como ocorre quando se prestam servi-
nasceu em 25/06/1969. Foi um jovem criativo, gostava de música, de artes ços em nome do Estado" (87). No presente caso, a Casa de Repouso Guarara-
e desejava adquirir melhores condições financeiras. No entanto,foi acome- pes, local em que faleceu Ximenes Lopes, era um hospital privado de saúde
tido por uma deficiência mental de origem orgânica, proveniente de alte- contratado pelo Estado para prestar serviços de atendimento psiquiátrico
rações no funcionamento do cérebro. Em 1995, aos trinta anos, residindo sob a direção/supervisão do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo o Estado,
ainda com sua mãe, foi internado pela primeira vez na Casa de Repouso portanto, responsável pela conduta dos funcionários do estabelecimento.
Guararapes, em Sobral/CE, aonde, em outubro de 1999, noutra internação,
A respeito da Casa de Repouso Guararapes, anota a Corte que "existia um
faleceu em decorrência dos maus tratos sofridos por funcionários da Casa,
contexto de violência contra as pessoas ali internadas, que estavam sob a
não tendo recebido qualquer assistência médica na ocasião.
ameaça constante de serem agredidas diretamente pelos funcionários do
Posteriormente à morte de Ximenes Lopes, o médico responsável voltou hospital ou de que estes não impedissem as agressões entre os pacientes,
à Casa de Repouso Guararapes, examinou o corpo da vítima, declarou sua uma vez que era frequente que os funcionários não fossem capacitados
morte e fez constar que o cadáver não apresentava lesões externas e que para trabalhar com pessoas portadoras de deficiência mental. Os doentes
a causa da morte havia sido uma "parada cardiorrespiratória". se encontravam sujeitos à violência também quando seu estado de saúde
A família de Ximenes Lopes, notadamente a sua irmã Irene Ximenes Lo- se tornava crítico, já que a contenção física e o controle de pacientes que
pes Miranda, envidou todos os esforços para que o Estado (i) investigasse entravam em crise eram muitas vezes realizados com a ajuda de outros
e punisse os responsáveis, assim como (ii) reparasse os danos materiais pacientes. (...) Em resumo, conforme salientou a Comissão de Sindicância
e morais decorrentes do falecimento da vitima em circunstâncias crimi- instaurada posteriormente à morte do senhor Damião Ximenes Lopes, a
nosas. Não tendo obtido êxito, o caso foi denunciado à Comissão Inte- Casa de Repouso Guararapes 'não oferecidas condições exigíveis e era in-
ramericana de Direitos Humanos, que aprovou relatório de mérito em compatível com o exercício ético-propssionai da medicina'" (§ 120).
2003, concluindo que o Estado Brasileiro era responsável pela violação Prosseguindo, após constatar que o protocolo de necropsia realizado nãocum-
dos direitos à integridade pessoal, ã vida e à proteção judicial de Ximenes priu as diretrizes do Manual para a Prevenção e investigação Efetiva de Exe-
Lopes. A Comissão emitiu diversas recomendações ao Estado, as quais cuções Extrajudiciais, Arbitrárias e Sumárias das Nações Unidas, e ainda, que a

212 | J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
O BRASIL N A JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 213
investigação da morte de Ximenes Lopes somente teve inicio após trinta e seis |, Primeiro caso envolvendo violações d e direitos h u m a n o s de pessoa
dias da sua ocorrência, e também que, após mais de seis anos, não havia sen- I um deficiência mental
tença de primeira instância no processo penal contra os envolvidos na morte
Andre de Carvalho Ramos registra a importância do Caso por ser o primei-
da vítima, a Corte Interamericana declarou que o Estado violou: (i) os direitos
to envolvendo violações de direitos humanos de pessoa com deficiência
à vida e à integridade pessoal de Ximenes Lopes (artigos 4a, 5.1 e 5.2 da CADH);
mental, o que ensejou com que a Corte estabelecesse deveres do Estado
(2) o direito à integridade pessoal de seus familiares, vitimados por diversos 1
.lê elaboração de política antimanicomíal" .
problemas de saúde decorrentes do estado de tristeza e angústia ocasionado
no contexto dos fatos narrados; e (3) os direitos às garantias judiciais e à prote- I Primeira condenação sofrida pelo Brasil n a Corte Interamericana
ção judicial consagrados nos artigos 8.1 e 25a da CADH, em razão da ineficiên-
I I i aso Ximenes Lopes foi a primeira condenação sofrida pelo Brasil na
cia em investigar e punir os responsáveis pelos maus tratos e óbito da vítima,
{ orle Interamericana. Assim, pois, vejamos a lição de Sidney Guerra: "O
E determinou a Corte, por fim, que o Estado indenizasse os familiares de Xi- Caso Ximenes Lopes ganhou notoriedade não apenas por ter sido o primei-
menes Lopes pelos danos materiais e imateriais provocados, além de ter or- ro a ensejar uma condenação ao Estado brasileiro, mas também por se tra-
denado diversas outras obrigações ao Estado Brasileiro, a exemplo do dever tai de caso que envolveu deficiente mental. Dentre as várias agravantes,
222
de garantir, em prazo razoável, "que o processo interno destinado a investigare destaca-se a situação de vulnerabilidade da vítima" .
sancionar os responsáveis pelos jatos deste caso surta seus devidos efeitos {...)".
INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS D E CONCURSOS
P O N T O S IMPORTANTES SOBRE O C A S O
(pc/MG — I N V E S T I G A D O R DE POLÍCIA, 2 0 1 4 — F U M A R C , A D A P T A D A ) SO-
% Uso da Convenção Interamericana sobre a Eliminação de Todas as bre a Corte Interamericana de Direitos Humanos, NÃO é correto o que se
Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência afirma e m :
A Corte Interamericana usou como fundamento de sua decisão, entre • A Corte Interamericana, até março de 2010, no exercício de sua jurisdição
outros diplomas normativos internacionais, a Convenção interamericana contenciosa, havia proferido 211 sentenças.O Brasil,em 2006,foi condena-
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas do, pela primeira vez, pela referida Corte no caso Damião Ximenes Lopes.
Portadoras de Deficiência, internalizada no ordenamento jurídico brasilei-
GABARITO: A alternativa está correta e não deveria, portanto, ter sido assi-
ro pelo Decreto n° 3956/2001, a qual, conforme ressalta André de Carva-
lho Ramos, "é vetor interpretativo dos direitos do Pacto de São José, quan- nalada.
do aplicado a casos envolvendo pessoas com deficiência", ficando sanada,
(DPE/SP — D E F E N S O R PÚBLICO, 2013 — FCC, A D A P T A D A ) Quanto ao Siste-
portanto, "uma importante lacuna da Convenção da Cuatemala, que era
ma Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, é correto afirmar:
justamente a impossibilidade de se processar um Estado signatário (como
o Brasil) que a desrespeitasse perante a Corte Interamericana de Direitos • A demanda perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Humanos". Criou-se, assim, conforme adverte o referido autor, uma "su- pode ser resolvida por meio de solução amistosa entre a vítima e o Es-
;

pervisão por ricochete", já que "caso o Brasil desrespeite a Convenção da tado infrator, como ocorreu no Caso Damião Ximenes Lopes e no Caso
Cuatemala, pode tal desrespeito ser considerado uma violação de algum dos Meninos Emasculados, ambos tendo o Brasil como Infrator.
dos direitos genéricos do Pacto de San José (como, por exemplo, o direito à GABARITO: a alternativa está errada, pois o Caso Ximenes Lopes não foi
igualdade) e, com isso, ser desencadeado o mecanismo de controle do pacto resolvido mediante solução amistosa na Comissão Interamericana, e
210
(petição à comissão e, após o trâmite adequado, ação perante a corte)" .

„>2i RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 335.
220 RAMOS, André de Carvalho. Reflexões sobre as vitórias no caso Damião Ximenes, disponí- 222 G U E R R A , Sidney. O Sistema Interamericana de Proteção dos Direitos Humanos e o
vel em: <http://www.conjur.com.br/2006-set-08/reflexoes_vitorias_damiao_ximenes>. Controle de Convencionaíidade. São Paulo: Atlas, 2013, p.i2i.

2 1 4 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S O BRASIL N A JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 215


sim na jurisdição contenciosa da Corte, encerrando-se, conforme visto, pria sobre o ponto em questão tem sido invariavelmente no sentido de
em condenação do Brasil. Já no que diz respeito ao Caso dos Meninos estabelecer uma clara qualificação ou condicionamento ratione temporis
Emasculados, este sim foi resolvido por meio de solução amistosa no da invocação da regra dos recursos internos no que tange à estrutura or-
procedimento perante a Comissão. quídea da Convenção Europeia: a Corte só tomará conhecimento de uma
Pjcuiode não esgotamento se o governo demandado a tiver interposto
12

(PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2013 — PROVA DIS-


O perante a Comissão no estágio inicial de admissibilidade da petição" *.
CURSIVA) O que se entende por eficácia horizontal ("Drittwirkung") da No caso Damião Ximenes Lopes, a forma federativa do Estado brasilei-
proteção internacional dos direitos humanos? A proibição da tortura se ro não é causa de isenção de responsabilidade internacional do estado
dá em eficácia horizontal? {Máximo 20 (vinte) linhas). do Ceará, o qual deve participar do processo perante a Corte Interame-
GABARITO: O examinador concedeu nota máxima para o candidato que ricana de Direitos Humanos como litisconsorte da União.
mencionou, entre outros argumentos, o Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, já
GABARITO: O enunciado está ERRADO. A sua primeira parte, até a palavra
que, como vimos acima, o Estado Brasileiro foi responsabilizado interna-
"Ceará", está correta, pois, de fato, a forma federativa do Estado bra-
cionalmente pela violação de direitos humanos praticada por funcioná-
sileiro não pode isentá-lo de responsabilidade internacional por atos
rios de um estabelecimento de natureza privada (embora prestasse o ser-
cometidos pelos seus Estados federados. Trata-se da aplicação da de-
viço de atendimento psiquiátrico sob a supervisão do SUS).
nominada "cláusula federal", prevista no art. 28 da CADH: "Quando se
(AGU — PROCURADOR FEDERAL, 2005 — CESPE) tratar de um Estado-parte constituído como Estado federal, o governo
• No caso Damião Ximenes Lopes, uma eventual exceção preliminar de nacional do aludido Estado-parte cumprirá todas as disposições da pre-
não-esgotamento de recursos internos deveria ter sido interposta pelo sente Convenção, relacionadas com as matérias sobre as quais exerce
Brasil na fase de admissibilidade da denúncia perante a Comissão Inte- competência legislativa ejudicial (...)". No entanto, a segunda parte está
ramericana de Direitos Humanos, sem o que se presumiria a renúncia equivocada, já que não há qualquer exigencia de que o Estado fede-
tácita, por parte do Estado demandado, a esse meio. rado (no caso, do Ceará) participe do processo perante a Corte como
litisconsorte da União.
GABARITO: O enunciado está CERTO. Vejamos, a respeito, a lição de André
No caso Damião Ximenes Lopes, os familiares ou seus representantes
de Carvalho Ramos: "Atualmente, a Corte IDH consagrou o entendimen-
to que a exceção de admissibilidade por ausência de esgotamento dos devidamente acreditados podem apresentar suas solicitações, argu-
recursos internos tem que ser invocada pelo Estado já no procedimen- mentos e provas deforma autônoma, durante todo o processo, perante
to perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Assim, se a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
o Estado nada alega durante o procedimento perante a Comissão, su- GABARITO: o enunciado está CORRETO e em conformidade com o art. 25.1
bentende-se que houve desistência tácita dessa objeção. Após, não pode da CADH, que dispõe que "Depois de notificado o escrito de submissão
o Estado alegar a falta de esgotamento, pois seria violação do principio do caso, conforme o artigo 39 deste Regulamento, as supostas vítimas
do estoppel, ou seja, da proibição de se comportar de modo contrário a ou seus representantes poderão apresentar deforma autônoma o seu
sua conduta anterior (non concedit venire contra factum proprium)""K escrito de petições, argumentos e provas e continuarão atuando dessa
No mesmo sentido, também o ensinamento de Caneado Trindade, que forma durante todo o processo".
informa que "Com efeito, em reiteradas vezes a Corte Europeia tem deci-
dido que o governo demandado está impedido (estopped) de estribarse
na regra do esgotamento por não tê-la invocado inicialmente perante a
Comissão", e conclui, adiante, que "A posição consistente da Corte Euro-

24 C A N G A D O T R I N D A D E , A n t ô n i o A u g u s t o . Recursos Internos no Direito Internacional.

223 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p 322. 2. e d . Brasília: Universidade de Brasília, 1997, p. 254.

O BRASIL N A JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 217


2l6 | JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
ipiulmente a preliminar de não esgotamento dos recursos internos, eis
que o Estado não a arguiu no procedimento perante a Comissão, renun-
. i.uido implicitamente, portanto, a um meio de defesa que a CADH lhe
Caso Nogueira de Carvalho e outros vs. Brasil I n ulta e incorrendo, consequentemente, em admissão tácita da inexis-
ti 111 la desses recursos ou do seu oportuno esgotamento.

ÓRGÃO JULGADOR: No mérito, porém, a Corte considerou que o Estado não falhou na investi-
gação da morte da vítima, tendo havido, no seu entender, a adoção de di-
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
v r i s . i s medidas policiais e judiciais efetuadas a partir de 10/12/1998, ou seja,

desde a data de reconhecimento da competência contenciosa do Tribunal


SENTENÇA: pelo Estado, único período considerado presente ocasião decisória. Por essa
28 de n o v e m b r o de 2006 razão, a Corte não reconheceu a violação dos direitos à proteção e às ga-
1,inllas judiciais consagrados nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana,
determinando,então, por unanimidade, o arquivamento do expediente.

P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O

RESUMO DO CASO
1. Caráter subsidiário da jurisdição da Corte
Em 11/12/1997 algumas entidades de proteção dos direitos humanos I embrou a Corte Interamericana que "compete aos tribunais do Estado o
apresentaram petição perante a Comissão Interamericana contra o Bra- exame dos fatos e das provas apresentadas nas causas particulares. Não
sil, na qual alegaram que o país seria responsável pela morte de Gilson compete a este Tribunal substituir a jurisdição interna estabelecendo as
Nogueira de Carvalho, um advogado ativista de direitos humanos, assas- modalidades específicas de investigação e julgamento num caso concreto
sinado em 20/10/1996, j á que o seu direito à vida não havia sido garanti- para obter um resultado melhor ou mais eficaz, mas constatar se nos pas-
do nem tampouco o Estado havia realizado uma investigação séria sobre sos efetivamente dados no âmbito interno foram ou não violadas obriga-
sua morte. Em 2000,0 Estado informou à Comissão que o processo sobre ções internacionais do Estado decorrentes dos artigos 8 e 25 da Convenção
a morte da vítima j á se encontrava em fase de pronúncia. Após sucessi- Americana" (§ 80).Com isso,a Corte reafirma, portanto,conforme ressalta
22

vas prorrogações de resolução da demanda, o Estado brasileiro informou Sílvio Beltramelli Neto, "o caráter subsidiário da sua atuação" ^. Da mes-
à Comissão, em 2005, que o único imputado pela morte da vítima ha- ma forma, André de Carvalho Ramos ensina que não se exige que o resul-
via sido absolvido pelo Tribunal do Júri e que o Ministério Público havia tado (identificação e punição) seja alcançado, não se tratando, então, de
apelado da referida sentença. No mesmo ano, porém, entendendo que o uma obrigação de resultado, "mas sim obrigação de usar todos os meios
216

Brasil não teria cumprido com as recomendações emitidas, a Comissão para se chegar à verdade dos fatos" .
apresentou o caso na Corte Interamericana.
2. Qualidade do trabalho d e s e m p e n h a d o pela A G U
Inicialmente, a Corte, embora tenha concordado com o Estado demanda-
Conforme vimos anteriormente, o caso encerrou-se com a "absolvição"
do que o fato da morte da vítima ter ocorrido dois anos antes do reconhe-
do Estado brasileiro, motivo pelo qual André de Carvalho Ramos desta-
cimento da competência contenciosa pelo país a impede de apreciar a]
responsabilidade pela morte, decidiu que é competente para examinar as
ações e omissões relacionadas com violações contínuas ou permanentes,
225 NETO, Sílvio Beltramelli. Direitos. Humanos —Coleção Concursos Públicos. Salvador:
"que têm início antes da data de reconhecimento da competência da Corte
J u s p o d i v m , 2014, p. 385.
e persistem ainda depois dessa data". Assim, a Corte rechaçou, portanto,
226 RAMOS, André de Carvalho. In: PETERKE, Sven (coord.). Manual Prático de Direitos
a exceção preliminar arguida pelo Estado, da mesma forma que rejeitou Humanos Internacionais. Brasília: E S M P U , 2010, p. 243,

2l8 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
O BRASIL N A JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 219
ca "a importância do mecanismo coletivo de proteção de direitos huma- nos, não foram investigados com a seriedade necessária", entendimento
nos também para os Estados. O Brasil defendeu-se de modo adequado e . •,!<• que não foi acolhido pela Corte Interamericana.
7
a demanda internacional foi considerada improcedente"" . A contestação
•>, C u m p r i m e n t o de u m a das recomendações da Comissão
apresentada pela AGU está disponível em <http://www.cortetdh.or.cr/
docs/casos/nogueira/esep.pdf>. i i stado brasileiro cumpriu algumas das recomendações emitidas pela
i omissão Interamericana, destacando-se a criação da Política Nacional
3. Primeiro caso na história da Corte sobre violações contra defenso- de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PNPDDH) peio De-
res de direitos h u m a n o s . reto 11 6044/2007,disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivi l o 3 / _
o

O Caso Nogueira de Carvalho e outro vs. Brasil é considerado o primeiro a o .'oo7-20io/2007/Decreto/D6044.htm>.


caso da história da Corte Interamericana sobre violações contra defen-
8
sores de direitos h u m a n o s " . Ensina Flávia Piovesan que defensores
de direitos humanos "são todos os indivíduos, grupos e órgãos da so-
ciedade que promovem e protegem os direitos humanos e as liberdades
fundamentais universalmente reconhecidos, conforme dispõe a Decla-
ração dos Direitos e Responsabilidades dos Indivíduos, Grupos e Órgãos
da Sociedade para Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liber-
dades Individuais Universalmente Reconhecidos, adotada pela ONU em
s
g de dezembro de igg8"" . O tema "defensores de direitos humanos"
ganhou destaque, recentemente, com o anúncio do prêmio Nobel da
Paz de 2014 para a paquistanesa Malaia e o indiano Kailash, pela luta
de ambos contra a repressão de crianças e jovens e pelo direito de to-
230
das as crianças à educação .

4 . Parecer do "perito" Luiz Flávio G o m e s


Manifestando-se como perito técnico no caso, o jurista Luiz Flávio Gomes
concluiu que "O Estado foi negligente na investigação sobre a morte de
Gilson Nogueira de Carvalho, já que não houve uma apuração séria e efeti-
va dos fatos. Entre as deficiências, constata-se que vários policiais civis que
poderiam estar vinculados ao assassinato de Gilson Nogueira de Carvalho,
em virtude da intensa atividade do advogado na defesa dos direitos huma-

227 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 336.
228 Cf. <http://reporterbrasil.org.br/2006/02/primeiro-caso-de-defensor-de-direitos
-humanos-tera-decisao-em-seis-meses/>. Cf. <http://wwwi.folha.uol.com.br/mun-
do/20i4/io/i530284-paqulstanesa-malala-yousafzay-e-indiano-kailash-satyar-
thidivld.-premio-nobel-da-paz.shtml>
229 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12. ed.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 400.
230 Cf. <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/10/1530284-paquistanesa-malala
-yousafzay-e-indiano-kailash-satyarthidivld.-premio-nobel-da-paz.shtml>.

O BRASIL N A IURISDIÇÀO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 221


220 I JURISPRUDENCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
lornal Nacional (Globo), assim como reproduzidos em coletiva de impren-
sa convocada pelo secretário de segurança do Estado do Paraná, ocasião
r u i que foram, ainda, distribuídas cópias de mídias para jornalistas, com
0 audio daqueles fragmentos de conversas gravadas,
Caso Escher e outros vs. Brasil
Mais de um ano após o encerramento da monitoração, a juíza remeteu os
a u t o s do processo para o Ministério Público, instituição que se manifestou
ÓRGÃO JULGADOR:
pela ilegalidade do procedimento, requerendo, então, o reconhecimento e
a declaração da nulidade.o que não foi acolhido pelo Poder Judicia rio.
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
As vítimas esgotaram os recursos internos, sem obter êxito na pretensão
de invalidar o procedimento e conseguir a j u s t a reparação pelos danos
SENTENÇA:
sofridos. A denúncia foi apresentada na Comissão Interamericana pelas
06 de j u l h o de 2009 organizações Rede Nacional de Advogados Populares e Justiça Global em
nome dos membros da COANA e da ADECON. A Comissão emitiu deter-
minadas recomendações para o Brasil, as quais, mesmo com a prorroga-
1 l o do prazo por três vezes, não foram cumpridas, ensejando, pois, que
o pleito fosse foi levado à Corte interamericana, tratando-se, então, se-
Resumo d o Caso cundo afirmou a Comissão, "de uma oportunidade valiosa para o aper-
feiçoamento da jurisprudência interamericana sobre a tutela do direito à
Entre os meses de abril a junho de 1999, a pedido da Polícia Militar do Es-
privacidade e do direito à liberdade de associação, assim como os limites do
tado do Paraná, o Poder Judiciário paranaense autorizou a interceptação
exercício do poder público".
e o monitoramento das linhas telefônicas de Arlei José Escher (adiante
denominado apenas de Escher) e outros, todos membros integrantes das Dispõe o art. n.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH)
organizações Cooperativa Agrícola de Conciliação Avante Ltda. (COANA) e que "Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua
Associação Comunitária de Trabalhadores Rurais (ADECON), entidades que vida privada, em sua família, em seu domicilio ou em sua correspondência,
mantinham relação com o Movimento dos Sem Terra (MST), com o qual nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação". Referido artigo também
compartilhavam o objetivo comum de promovera reforma agrária, O cená- protege as conversações telefônicas? Decidiu a Corte que sim, tratando-
rio de fundo deste caso é revelador de um contexto social relacionado com se de uma forma de comunicação incluída no âmbito de proteção da vida
a reforma agrária no Estado do Paraná, o que motivou a implementação de privada, seja seu conteúdo relacionado a assuntos privados ao interlocutor,
uma série de medidas e políticas públicas para fazer-lhe frente. seja com o negócio ou a atividade profissional que desenvolva, indepen-
dendo, portanto, do conteúdo destas, abrangendo, inclusive, "tanto as ape-
O fundamento apresentado pela PM/PR para requerera interceptação te- lações técnicas dirigidas a registrar esse conteúdo, mediante sua gravação
lefônica foi justamente a existência de indícios de que os membros das e escuta, como qualquer outro elemento do processo comunicativo, como,
referidas organizações mantivessem algum vínculo com o MST para a por exemplo, o destino das chamadas que saem ou a origem daquelas que
prática de atividades delituosas. O requerimento foi deferido pela juíza ingressam; a identidade dos interlocutores; a frequência, hora e duração das
da Vara de Loanda/ PR através de mera anotação na folha da petição, na í hamadas; ou aspectos que podem ser constatados sem necessidade de re-
qual escreveu: "Recebido e analisado. Defiro. Oficie-se". O Ministério Públi- ijistrar o conteúdo da chamada através da gravação das conversas" (§ 114).
co não foi notificado da decisão. Posteriormente, a PM requereu a prorro-
A Corte, a partir de uma interpretação conjugada com o ordenamento
gação da interceptação e a inclusão de outras linhas telefônicas, o que foi,
jurídico interno a respeito do tema (Constituição Federal e Lei 9296/96),
de novo, prontamente deferido, encerrando-se a monitoração somente
reconheceu diversas ilegalidades no procedimento das interceptações,
com a informação prestada pela PM à juíza de que j á havia obtido o que
lais como: (i) requeridas e autorizadas sem a respectiva motivação de
desejava. Fragmentos das conversas interceptadas foram veiculados no

O BRASIL N A JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 223


222 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
1.1111.1I N.K ion.il (iiloho), . i v . i i n u m i u 1 rproduzulos em coletiva de impien
10 1 onvocada pelo secretário de segurança do Estado do Paraná, ocasião
em que foram, ainda, distribuídas cópias de mídias para jornalistas, com
nidi.' daqueles liagmenlos de < ouveisas giavadas.
Caso Escher e outros vs. Brasil
Mils de um ano após o encerramento da monitoração, a juíza remeteu os
autos do processo para o Ministério Público, instituição que se manifestou
ÓRGÃO JULGADOR:
Li 1I1 -galidade do procedimento, requerendo, então, o reconhecimento e
I dei laraçãoda nulidade, o que não foi acolhido pelo Poder Judiciário.
Corte Interamericaria de Direitos H u m a n o s
As vitimas esgotaram os recursos internos, sem obter êxito na pretensão
de invalidar o procedimento e conseguir a justa reparação pelos danos
SENTENÇA:
sofridos. A denúncia foi apresentada na Comissão Interamericana pelas
06 de j u l h o de 2009 1 iig.inizações Rede Nacional de Advogados Populares e Justiça Global em
ne dos membros da COANA e da ADECON. A Comissão emitiu deter-
minadas recomendações para o Brasil, as quais, mesmo com a prorroga-
Mi do prazo por três vezes, não foram cumpridas, ensejando, pois, que
0 pleito fosse foi levado à Corte Interamericana, tratando-se, então, se-
RESUMO DO CASO cundo afirmou a Comissão, "de uma oportunidade valiosa para o aper-
feiçoamento da jurisprudência interamericana sobre a tutela do direito à
Entre os meses de abril a junho de 1999, a pedido da Polícia Militar do Es-
piivacidade e do direito à liberdade de associação, assim como os limites do
tado do Paraná, o Poder Judiciário paranaense autorizou a interceptação
exercício do poder público".
e o monitoramento das linhas telefônicas de Arlei José Escher (adiante
denominado apenas de Escher) e outros, todos membros integrantes das 1 lispõe o art. 11.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH)
organizações Cooperativa Agrícola de Conciliação Avante Ltda. (COANA) e i |iie "Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua
Associação Comunitária de Trabalhadores Rurais (ADECON), entidades que vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência,
mantinham relação com o Movimento dos Sem Terra (MST), com o qual nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação". Referido artigo também
compartilhavam o objetivo comum de promovera reforma agrária,O cená- protege as conversações telefônicas? Decidiu a Corte que sim, tratando-
rio de fundo deste caso é revelador de um contexto social relacionado com se de uma forma de comunicação incluída no âmbito de proteção da vida
a reforma agrária no Estado do Paraná, o que motivou a implementação de Iuivada, seja seu conteúdo relacionado a assuntos privados ao interlocutor,
uma série de medidas e políticas públicas para fazer-lhe frente. seja com o negócio ou a atividade profissional que desenvolva, indepen-
dendo, portanto, do conteúdo destas, abrangendo, inclusive, "tanto as ope-
O fundamento apresentado pela PM/PR para requerera interceptação te- fOÇi lis técnicas dirigidas a registrar esse conteúdo, mediante sua gravação
lefônica foi justamente a existência de indícios de que os membros das e escuta, como qualquer outro elemento do processo comunicativo, como,
referidas organizações mantivessem algum vínculo com o MST para a por exemplo, o destino das chamadas que saem ou a origem daquelas que
prática de atividades delituosas. O requerimento foi deferido pela juíza liHjressam; a identidade dos interlocutores; a frequência, hora e duração das
da Vara de Loanda/ PR através de mera anotação na folha da petição, na 1 liamadas; ou aspectos que podem ser constatados sem necessidade de re-
qual escreveu: "Recebido e analisado. Defiro. Oficie-se". O Ministério Públi- qistrar o conteúdo da chamada através da gravação das conversas" (§ 114).
co não foi notificado da decisão. Posteriormente, a PM requereu a prorro-
A Corte, a partir de uma interpretação conjugada com o ordenamento
gação da interceptação e a inclusão de outras linhas telefônicas, o que foi,
jurídico interno a respeito do tema (Constituição Federal e Lei 9296/96),
de novo, prontamente deferido, encerrando-se a monitoração somente
letonheceu diversas ilegalidades no procedimento das interceptações,
com a informação prestada pela PM à juíza de que já havia obtido o que
i n s como: (i) requeridas e autorizadas sem a respectiva motivação de
desejava. Fragmentos das conversas interceptadas foram veiculados no]

O BRASIL N A IURISDIÇÀO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 223


222 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
subsidiar investigação criminal; (ii) ausência de indícios razoáveis de au medida, tomo está a discussão em torno deste ponto no Brasil? Resumida-
toria ou de participação dos membros da COANA e da ADECON nas infra m e n t e , temos que o art. 3 ° d a Lei 9296/96 atribui a legitimidade para reque-
ções penais supostamente investigadas; (iii) ausência de declinação doi rer a interceptação telefônica somente ao Ministério Público e à autoridade
meios que seriam empregados para realizar a interceptação, assim como policial, que seria, para todos os fins, o delegado de polícia (civil/federal). Logo,
a falta de clareza quanto aos fatos objeto da investigação; (iv) ausência .1 Policia Militar carece realmente de legitimidade. Há alguma exceção? Ricar-
de demonstração que o meio empregado era o único viável para obter d o Andreuccl anota que sim: "a polícia militar somente pode requerer nos ca-
tal prova; (v) ilegitimidade da Polícia Militar para solicitar a interceptação 11
sos de investigações militares" '. Outro questionamento pode surgir: a Policia
telefônica, expediente que somente poderia ter sido adotado pela Policia Militar pode "conduzir" o procedimento da interceptação telefônica? Embora
Civil, pelo Secretário de Segurança Pública (em substituição à primeira) 11 art. 6° da Lei 9296/96 disponha que é a autoridade policial que conduzirá
ou, de ofício, pelo Poder Judiciário. o', procedimentos da interceptação, o STF já decidiu que — excepcionalmen-
a
te — SIM (cf. o HC 96986, Rei. Min. Gilmar Mendes, 2 Turma, DJe 14/09/2012,
A Corte assentou, ainda, que as conversas relacionadas com as organiza-
e m que havia suspeita de envolvimento de autoridades policiais da delegacia
ções que integravam as vítimas eram de caráter privado e nenhum dos
Lu al com a atividade criminosa investigada). No mesmo sentido, tem enten-
interlocutores consentiu que fossem conhecidas por terceiros, de modo
dido o STJ que "não é possível afirmar que a politica civil seja a única autorizada
que "a divulgação de conversas telefônicas que se encontravam sob se
a proceder às interceptações telefônicas, até mesmo porque o legislador não
gredo de justiça, por agentes do Estado, implicou uma Ingerência na vida
teria como antever, diante das realidades encontradas nas unidades da federa-
privada, honra e reputação das vítimas" {§ 158). Sobre esta temática, a Cor-
i,(ii\ quais órgãos ou unidades administrativas teriam a estrutura necessária, ou
te aproveitou para estabelecer que manter o sigilo quanto às conversas
mesmo as melhores condições para executar a medida" (HC 237956, Rei. Min.
telefônicas interceptadas durante uma investigação penal é um dever a
lotge Mussi, 5 Turma, DJe 12/06/2014; assim, também: HC 88575, Rei. Min.
estatal: a) necessário para proteger a vida privada das pessoas sujeitas a
Line Silva,6 Turma, DJe 10/03/2008).
a uma medida de tal natureza; b) pertinente para os efeitos da própria
investigação; ec) fundamental para a adequada administração da justiça. 1. Inviolabilidade das comunicações telefônicas protegida pela C A D H

E finalizou Corte Interamericana concluindo que o Brasil violou o direito Sobre a importância da decisão, Diogo Malan afirma que "ao condenar o
à vida privada e o direito à honra e à reputação reconhecidos no artigo t stado Brasileiro a Corte de São José da Costa Rica reafirmou a importân-
ii da Convenção Americana, pela interceptação, gravação e divulgação cia e a normatividade do direito fundamentai ao sigilo de comunicações
das conversas telefônicas de Escher e outros, declarando, também, que i tic fónicas. A CIDH incluiu expressamente no ámbito de proteção do di-
o Estado violou o direito à liberdade de associação, reconhecido no art, reito fundamental a não sofrer ingerências arbitrárias ou abusivas na vida
16 da Convenção, eis que a ingerência nas comunicações da COANA e da privada por parte do Estado ou de particulares (artigo n da CADH) a in-
1 2
ADECON, além de não cumprir com os requisitos legais, "não atendeu ao violabilidade das comunicações telefônicas" '* . Da mesma forma, André de
fim supostamente legítimo ao qual se propunha, ou seja, a investigação i arvalho Ramos também registra a importância do precedente: "A Corte
criminal dos delitos alegados, e trouxe consigo o monitoramento de ações traçou importantes parâmetros para o tratamento do direito à privacidade
dos integrantes de tais associações" (§ 178), causando temor, conflitos t f à honra, em um contexto de disputa agrária entre fazendeiros e membros
afetações ã imagem e ã credibilidade das entidades. de movimentos populares de reforma agrária, que, de modo ilegal, foram

P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
131 A N D R E U C C I , Ricardo Antônio. Legislação Penai Especial. 9. ed. S ã o Paulo: Saraiva,
1. I l e g i t i m i d a d e da Polícia Militar para representar pela intercepta- 2013, p.427. N o m e s m o sentido, consta na decisão da Corte a m a n i f e s t a ç ã o de Luiz
ção telefônica Flávio G o m e s , ouvido c o m o "perito".
132 M A L A N , Diogo. C a s o Escher e outros v s . Brasil e sua importância para o processo
Diversas questões envolvendo o tema "interceptação telefônica"foram vistas penal brasileiro. Boletim Informativo IBRASPP, ano 02, n. 03,2012/02, p. 11. Disponível
neste Caso, a exemplo da (i)legitímidade da Polícia Militar para requerer tal (também) e m : <http://www.Malanleaoadvs.Com.Br/artigos/caso_escher.Pdf>.

224 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S O BRASIL N A JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 225


submetidos à interceptação telefônica peio Judiciário do Paraná, sem ciên- ,I| No-, t e i m o ' , de p i e i o d e i i t e 1L1 C o r t e , a comunicação telefônica e
cia do MP e sem investigação criminal formal" . m
abrangida pela garantia de proteção à privacidade prevista na Con-
venção Americana sobre Direitos do Homem, ainda que esta não pre-
3. Curiosidade v ê ] , 1 expressamente o sigilo desse tipo de comunicação.
Os representantes das vítimas solicitaram à Corte que ordenasse ao Estado
l.| ' . i r i i i i i l o a t 01 te. abstratamente considerada, a lei de interceptação
revogara Lei n° 15662/07, que concedeu ajuíza Khaterotítulo de Cidadã Ho-
das comunicações telefônicas brasileira não é compatível com as dis-
norária do Estado do Paraná. Embora o pedido tenha sido indeferido, a Corte
posições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos voltadas
reiterou que "é competente para ordenar a um Estado que deixe sem efeito
a proteção da privacidade.
uma lei interna quando seus termos sejam atentatórios aos direitos previstos
na Convenção, e por isso, contrários ao artigo 2 do mesmo tratado (...)" (§ 254), 1 1 A Corte considerou, nessa sentença, que a quebra de sigilo das comu-
nicações telefônicas de integrantes de entidades associativas, funda-
4. Regra dos prazos no Regulamento da Corte Interamericana da em lei cuja inadequação abstrata seja constatada, não implica ne-
O art. 36.1 do Regulamento da Corte Interamericana dispõe que "Notificada cessariamente a violação ao direito à livre associação garantido pela
a demanda à suposta vitima, seus familiares ou seus representantes devida ( onvenção Americana sobre Direitos Humanos.
mente acreditados, estes disporão de um prazo improrrogável de 2 (dois) meses
tl| A Corte decidiu que o Brasil deveria adequar sua lei de interceptação
para apresentar autonomamente à Corte suas petições, argumentos e provas",
das comunicações telefônicas às disposições da Convenção America-
O prazo se expirou no domingo. A Corte, apesar de ter considerado intem-
na sobre Direitos Humanos relativas à proteção da privacidade.
pestivo o protocolo, admitiu a petição por mera liberalidade: "Em relação ao
escrito de petições e argumentos, a Corte observa que este foi apresentado efe- f| De acordo com a referida Corte, a apresentação, pelo Estado-parte,
tivamente um dia depois do término do prazo, no primeiro dia útil depois do da exceção preliminar embasada no descumprimento do requisito de
referido vencimento. Inobstante, o Regulamento não distingue entre dias úteis esgotamento dos recursos internos pode ocorrer depois da adoção
e não úteis, pelo contrário, quando os prazos são outorgados em dias, devem do relatório de admissibilidade pela Comissão Interamericana, mas
ser contados dias corridos. De igual maneira, o prazo outorgado em meses deve nunca depois do encaminhamento da denúncia à Corte.
ser contabilizado como 'mês calendário'. Por isso, apesar de o último dia do pra- GABARITO:a alternativa correta é a letra (A), conforme explicação anteriormente.
zo ser um domingo, os representantes deveriam remeter o escrito nessa data, e
não no dia útil subsequente. Sem prejuízo do anterior, o Tribunal não considera (MPT — PROCURADOR DO TRABALHO, 2009 — ADAPTADA)
que a admissão do escrito dos representantes, nessas circunstâncias particula-
a| No Caso Escher e Outros vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos
res, afete a segurança jurídica ou o equilíbrio processual das partes, tendo em
Humanos concluiu ter havido violação da Convenção Americana de
vista que foi recebido com um atraso mínimo" (§ 60). I m portante: O juiz ad hoc
Direitos Humanos por parte do Estado Brasileiro, devido à transgres-
Roberto de Figueiredo Caldas divergiu em voto separado.
são da proteção à honra, à vida privada e à reputação, pela intercep-
tação, gravação e divulgação das conversas telefônicas dos autores.
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
b| No Caso Escher e Outros vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direi-
tos Humanos rejeitou a arguição de violação, pelo Estado Brasileiro,
(DPE/RO — DEFENSOR PÚBLICO, 2012 — CESPE) Considerando a sentença
do direito à associação, previsto na Convenção Americana de Direi-
da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Escher e outros, de
tos Humanos.
6 de julho de 2009, assinale a opção correta.
COMENTÁRIO: a alternativa (A) está correta, ao passo que a alternativa (B)
está incorreta, pois a Corte acolheu, sim, a arguição de violação, pelo Esta-
do Brasileiro, do direito à associação.
233 CARVALHO, André Ramos de. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 336.
5 Cf. p. S2-86: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_200_por.pdf>.

226 I JURISPRUDÊNCIA I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S O BRASIL N A JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 227


do ocorrido, o Sr. Morival Favoreto estivera desaparecido e não prestara
qualquer esclarecimento à Polícia. A prisão temporária de Morival foi re-
., 1!. nda pela autoridade policial. Ademais, o Ministério Público do Estado
, 1 , , i' mm.] 1 Mm m u q u e o proprietário da fazenda foi coautor na morte do
Caso Garibaldi vs. Brasil %(, Sétimo Garibaldi, requerendo sua prisão preventiva, que foi denegada
pila magistrada titular do caso.
ÓRGÃO JULGADOR:
<)uase cinco anos após os fatos, diante da conivência das autoridades es-
tatais envolvidas com o caso e, portanto, da inefetividade do Estado bra-
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
lllelro em oferecer uma resposta para a morte do Sr. Sétimo Garibaldi, o
1 ,e.o chegou até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, dado
SENTENÇA: 1 inquérito policial fora arquivado, sem qualquer fundamentação,
23 de setembro de 2009 pela magistrada brasileira.
inante do descumprimento pelo Estado brasileiro das recomendações
emitidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, esta últi-
m a submeteu o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
RESUMO DO CASO Pieliminarmente, o Brasil alegou quatro exceções: (a) incompetência ra-
ta me temporis; (b) extemporaneidade da petição e argumentação dos
Na madrugada do dia 27 de novembro de 1998, vinte pistoleiros encapuza- representantes; (c) impossibilidade de análise do mérito por violação ao
dos invadiram um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais artigo 28 da Convenção Americana de Direitos Humanos e (d) a falta do
Sem Terra (MST) e, após afirmarem ser policiais, iniciaram uma espécie de l vota mento de recursos internos. Figuraram como amicus curiae na de-
despejo manu militari para que cerca de cinquenta famílias, todas perten- manda o Núcleo de Direitos Humanos de Prática Jurídica da Fundação
centes ao MST, fossem despejadas do local em que estavam acampadas, t .etúlio Vargas, o Núcleo de Direitos Humanos da PUC do Rio de Janeiro e
uma fazenda no Município de Querência do Norte, no norte do Paraná. a Coordenação de Movimentos Sociais do Paraná.
Em meio à confusão instalada no acampamento, um trabalhador rural, in- A Corte 1DH afastou todas as preliminares alegadas pelo Estado brasileiro,
tegrante do MST, foi baleado.Tratava-se do Sr. Sétimo Garibaldi,que acabou com exceção da incompetência ratione temporis, que foi parcialmente acolhi-
falecendo no local em decorrência da inexistência de atendimento médico. da pela Corte de San José. Neste caso, em função de a morte do Sr. Garibaldi
Após a morte do Sr. Garibaldi, o grupo de vinte homens encapuzados fugiu ter ocorrido antes do reconhecimento da jurisdição obrigatória da Corte In-
do local sem consumar a ação de despejo extrajudicial que objetivava. teramericana de Direitos Humanos pelo Brasil, o tribunal interamericano en-
tendeu, com fulcro no princípio da kompetenzkompetenz, que poderia julgar
Após tomar conhecimento dos fatos, as autoridades locais se dirigiram
apenas as violações das garantias judiciais aos direitos dos familiares do Sr.
ao acampamento do MST e foram avisadas de que os vinte homens enca-
Ciaribaldi, eis que, para julgar sobre estes fatos.a jurisdição da Corte IDHjáera
puzados estariam, na verdade, agindo sob o comando do proprietário da
dotada de competência, (a morte do Sr. Garibaldi ocorreu apenas vinte dias
fazenda em que o acampamento do MST estava instalado.
antes de o Brasil reconhecer a competência da Corte IDH,o que impossibilitou
Perto dali o capataz do proprietário da fazenda, Sr. Ailton Lobato, foi preso a responsabilização do Brasil pelo homicídio em si). Desse modo, a compe-
em flagrante, trazendo consigo cinco cartuchos e um revólver. Seis dias tência para condenar o Estado brasileiro a investigar e punir a morte do Sr.
após a invasão da fazenda e a morte do Sr. Garibaldi, integrantes do MST Garibaldi decorre do direito dos familiares da vítima de obter uma resposta
depuseram diante da autoridade policial e afirmaram que o Sr. Morival justa e efetiva sobre o acontecimento. No mérito, a Corte Interamericana de
Favoreto (proprietário da fazenda onde ocorreram os fatos) acompanha- Direitos Humanos entendeu que restou violado o direito dos familiares do Sr.
ra os vinte homens encapuzados no momento da invasão. Desde o dia Sétimo Garibaldi de verem a morte de seu familiar ser investigada e julga-

228 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S O BRASIL N A IURISDIÇÀO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A D E DIREITOS H U M A N O S | 229


da. Do mesmo modo, os responsáveis pelo homicídio sequer estavam sendo ocorreram os fatos que compõem o caso Escher e outros vs. Brasil, já
objeto de investigação, o que caracterizou a inefetividade do atual inquérito 1 1 miado anteriormente. A respeito dessa infeliz coincidência, a lição
policial brasileiro, além do desrespeito à razoável duração do processo, o que di- André de Carvalho Ramos: "Na mesma região e no mesmo contexto
viola os artigos 8.1 e 25.1 c/c 1.1, todos da CADH. A Corte também condenou o de disputa agrária do Caso Escher, a Corte IDH exigiu o respeito ao de-
Brasil a revogar a Lei estadual n° 15.662/2007, que conferiu à juíza Elisabeth vido processo legal penal e ao direito das vítimas à justiça, punindo-se o
Krater (magistrada que, no entendimento da Corte, arquivou desarrazoada- assassino do Sr. Garibaldi" . 134

mente o Caso Garibaldi) o título de cidadã honorária do Estado do Paraná.


i. Elementos para determinara razoabilidade do prazo para o desenrolar
Além disso, a Corte IDH condenou o Estado brasileiro por ter propiciado
das investigações no Sistema Interamericano de Direitos Humanos
uma situação de violação de direitos humanos; recomendou melhorias
no sistema de investigação e o cumprimento dos prazos para a conclusão No caso Garibaldi vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos afir-
235

dos inquéritos policiais, estes últimos estipulados no artigo 10 do Código mou mais uma vez o seu entendimento de que existem quatro elementos
de Processo Penal brasileiro. Por fim, além da publicação da sentença no para se aferir se a razoabilidade do prazo (como consectário da duração ra-
Diário Oficial como forma de reparação, a Corte Interamericana de Direi- zoável do processo) foi ou não violada: a) complexidade do assunto; b) ativi-
tos Humanos fixou uma quantia a título reparatório para a viúva do Sr. dade processual do interessado; c) conduta das autoridades judiciais; e d) o
Sétimo Garibaldi e para cada um dos três filhos da vítima, além de uma efeito gerado na situação jurídica da pessoa envolvida no processo.
quantia para reparar os gastos com as despesas e custas do processo. Ao submeter o caso Garibaldi ao crivo destes quatro requisitos, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos constatou que foi violado o direito
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O à duração razoável do processo e que, portanto, os familiares do Sr. Gari-
baldi foram privados de qualquer resposta estatal efetiva. Nesse sentido,
1. Constatação da inefetividade do sistema de investigação atual em é a lição de Nereu José Giacomolli: "A demora de mais de cinco anos na
vigência no Brasil fase de investigação ultrapassou o prazo considerado razoável, consistindo
1
em denegação de justiça, em prejuízo dos familiares da vítima" *'.
No caso Garibaldi vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
considerou inefetivo o procedimento do inquérito policial; ordenou que Vale ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça j á trancou determinada
o Brasil siga à risca os prazos estipulados no artigo 10 do Código de Pro- investigação policial em virtude da violação do prazo razoável. Vejamos o
cesso Penal para a conclusão do inquérito. Há tempos que a doutrina e os precedente do STJ:
operadores do Direito fazem críticas ao procedimento do inquérito poli-
"HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA. ADVOCACIA ADMINISTRA-
cial, pugnando por mudanças. A maioria dessas críticas gira em torno do
TIVA. INQUÉRITO POLICIAL EXCESSO DE PRAZO. PROCEDIMENTO
seu modelo arcaico de funcionamento, que torna inefetivo o procedimen
ADMINISTRATIVO INSTAURADO HÁ 5 ANOS E AINDA NÃO CONCLUÍ-
to investigativo. Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos ao
DO. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. CONSTRANGIMENTO EVIDEN-
falar do Caso Garibaldi vs. Brasil: "Essafaceta punitiva da Corte IDH exige
CIADO. 1. O Inquérito Policial em comento foi instaurado há cinco
modificações no obsoleto sistema do inquérito policial brasileiro, que eluci-
anos para apurar a suposta prática dos crimes de corrupção passiva
da pouco menos de 8% dos crimes contra a vida".

2. Os fatos do caso Garibaldi vs. Brasil ocorreram na m e s m a região e


234 ld., p. 337,
no m e s m o contexto dos acontecimentos envolvendo o caso Escher e
235 O m e s m o e n t e n d i m e n t o j á foi adotado pela Corte Interamericana de Direitos H u -
outros vs. Brasil m a n o s nos casos Geme Lacayo vs. Nicarágua, Tibi vs. Equador, Acosta Calderon vs.
Equador, Valle Jaramillo e outros vs. Colômbia e Kawas Fernandez vs. Honduras.
Fato triste, porém, curioso, é que os fatos envolvendo o caso Ga riba
236 GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo legal. Abordagem conforme a Consti-
di vs. Brasil ocorreram na mesma região do Estado do Paraná em que tuição Federal e o Pacto de San José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. p. 54.

230 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E DIREITOS H U M A N O S
O BRASIL N A JURISDIÇÃO C O N T E N C I O S A D A CORTE I N T E R A M E R I C A N A DE DIREITOS H U M A N O S | 231
e advocacia administrativa pelo impetrante/paciente, e, neste in- se houve ou não a violação do direito ao prazo razoável, são eles: a) com-
terregno, ainda não findaram as atividades administrativas, encon- plexidade do caso; b) o comportamento das partes; ec) o comportamento
trando-se os autos na respectiva Delegacia para diligências. 2. Por d.i .iiiloridade judicial. Esse último entendimento foi adotado nos casos
outro vértice, outras duas ações penais movidas contra o acusado / lornsby vs. Grécia, Martins e Garcia Alves vs. Portugal, Ruiz Mateos vs. Es-
peio cometimento de delitos idênticos, contemporâneas ao procedi- l>,inha, entre outros. Assim, pode-se dizer que há uma convergência entre
mento em testilha, há muito foram encerradas, tendo as respectivas os critérios estabelecidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
condenações transitado em julgado após serem confirmadas pela e pela Corte Europeia de Direitos Humanos para aferir casuisticamente se
Corte estadual. 3. Nesse contexto, ainda que o simples indiciamento houve violação do direito ao prazo razoável, ainda que a Corte Interameri-
não constitua coação ilegal sanável pela via do habeas corpus quan- « In.) de Direitos Humanos estabeleça um critério a mais do que entende
do o incriminado permanece em liberdade, entende-se configurado necessário a Corte Europeia.
constrangimento na hipótese, decorrente da infindável duração do
Inquérito instaurado contra o paciente, que se vê investigado há 4. Elementos para aferira razoabilidade temporal na jurisprudência do STF
cinco anos sem que tenha sido ofertada denúncia pelos fatos apu- Ainda sobre os critérios para aferir a razoabilidade temporal, o STF, em sede
rados. 4. Ordem concedida para trancar o Inquérito Policial n. 113/05, de habeas corpus, também pontuou os elementos que entende necessá-
da comarca de Buritama/SP. (HC 144.593/SP, Min. Rei. JORGE MUSSI, rio para aferir se foi ou não extrapolada a duração razoável do processo,
a
5 Turma, julgado em 19/08/2010, DJe 27/09/2010)" (grifo nosso). 1 o r n o : a) a pluralidade de réus; b) a expedição de cartas precatórias; c) o
.ijuizamento de inúmeras medidas liberatórias e,- d) a existência de outros
3. Elementos para determinar casuisticamente se ocorreu a violação a
processos criminais em andamento (v. HC 113189, Rei. Min. Cármen Lúcia, 2
do direito ao prazo razoável no sistema europeu de direitos humanos
Turma,j. 02/04/2013). Note-se que os elementos estipulados pelo Supremo
Assim como no sistema interamericano de direitos humanos, o sistema eu- Tribunal Federal no julgado supracitado não são necessariamente Iguais
ropeu também realizou uma construção jurisprudencial de elementos para aos critérios estipulados pelos Tribunais Internacionais de Direitos Huma-
aferir se ocorreu em determinado caso uma violação do direito ao prazo nos. Ainda assim, não há qualquer divergência ou incompatibilidade entre
razoável. O primeiro caso a tratar do tema na Europa foi o Caso Neumeis- os entendimentos da jurisprudência internacional e os da jurisprudência
ter, no qual o processo demorou mais de sete anos em virtude de diversas doméstica, pois, quanto maior a proteção dos direitos do acusado, maior
cartas rogatórias. No caso supracitado, a Comissão Europeia de Direitos a perfectibilização do princípio do pro homine. Assim, tanto os elementos
Humanos fixou sete critérios para a determinação do prazo razoável: a) a estipulados pelas cortes internacionais quanto os elementos estipulados
efetiva duração da detenção; b) a duração da prisão preventiva em relação pelo STF devem ser considerados válidos para aferir se o direito à razoável
à natureza da infração, ao grau da pena cominada que se possa prever para duração do processo foi ou não violado em determinado caso.
o suspeito e ao sistema legal de abatimento da prisão no cumprimento da
pena, caso o suspeito venha a ser efetivamente condenado; c) a conduta
do acusado (analisarse a conduta contribuiu para retardara instrução pro-
cessual ou os debates ou ainda se o acusado pediu sua liberdade provisória
mediante o oferecimento de fiança ou de comparecimento em juízo); d) a
dificuldade de instrução do caso, como complexidade dos fatos, número de
acusados, número de testemunhas e etc; e) a forma como se desenvolveu
a instrução processual; f) a atuação do membro do Poder Judiciário e; g)
os efeitos materiais, morais e de outra natureza que a detenção produz no
detido quando ultrapassarem as normas e consequências da mesma.

Posteriormente, a Corte Europeia de Direitos Humanos abandonou a re-


gra dos sete critérios e passou a adotar somente três critérios para aferir

232 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 233
de Justiça e de Direito Internacional (CEIJL) e também pela organização
nüo-governamental Human Rlghts Watch, em nome dos familiares dos
Caso Gomes Land e outros vs. Brasil . I' aparecidos na região do Araguaia.

("Caso Guerrilha do Araguaia") No dia 21 de novembro de 2008, a Comissão Interamericana de Direitos


l lumanos aprovou um relatório de mérito sobre o feito, com o propósi-
lo de que o Brasil adotasse suas recomendações. O prazo foi prorrogado
ÓRGÃO JULGADOR:
d u a s vezes sem que o Estado se manifestasse sobre o caso, o que levou a
< omissão Interamericana de Direitos Humanos a submeter o caso à Cor-
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
le Interamericana de Direitos Humanos. AComissão pugnou pela respon-
sabilização do Estado brasileiro pela violação dos seguintes dispositivos
SENTENÇA: da Convenção Americana de Direitos Humanos: artigo 3 (direito ao re- 0

24 de n o v e m b r o de 2010 0
(onhecimento da personalidade jurídica), artigo 4 (direito à vida), artigo
0
S" (direito à integridade pessoal), artigo 7 (direito à liberdade pessoal),
o
artigo 8 (garantiasjudiciais), artigo 13 (liberdade de pensamento e de ex-
pressão) e artigo 25 (proteção judicial). A Comissão Interamericana de Di-
RESUMO DO CASO reitos Humanos ainda fez referência à promulgação da Lei da Anistia no
l .tado brasileiro, que ocasionou a não-realização da investigação penal
O caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, popularmente conhecido como e do cumprimento do dever de perseguir e julgar os responsáveis pelos
"caso Guerrilha do Araguaia", trata da responsabilidade do Estado bra- massacres no caso Gomes Lund vs. Brasil.
sileiro pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de
O Estado Brasileiro alegou quatro exceções preliminares, postulando que a
aproximadamente setenta pessoas, entre elas integrantes do PCB (Parti-
Corte: a) não poderia atuar como uma "quarta instância" diante do Judiciá-
do Comunista Brasileiro) e camponeses da região do Araguaia, situada no
rio Brasileiro; b) declarasse a sua incompetência, em razão dos fatos ocorri-
Estado do Tocantins, entre 1972 e 1975.
dos no caso "Guerrilha do Araguaia" terem ocorrido antes da aceitação da
A maioria das vitimas desaparecidas integrava (ou pelo menos havia uma jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Brasil (cláu-
suspeita de que o fizessem) o movimento de resistência intitulado "Guer- sula ratione temporis); c) a falta de interesse processual dos representantes
rilha do Araguaia", conhecido por realizar atos de resistência e oposição das vítimas no caso; d) a falta do esgotamento dos recursos administrati-
aos militares. Naquela época, o governo do Estado brasileiro implemen- vos. Entretanto, nenhuma destas exceções foi acolhida pela Corte Intera-
tou ações com o objetivo de exterminar todos os integrantes do movi- mericana de Direitos Humanos, que passou a julgar o mérito da causa.
mento "Guerrilha do Araguaia", no que obteve êxito.
No mérito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu por una-
Ocorre que, no dia 28 de agosto de 1979, o Brasil aprovou a Lei Federal n° nimidade que:
6.683, popularmente conhecida como "Lei da Anistia". Esse diploma nor-
mativo perdoou todos aqueles que haviam cometidos crimes políticos ou "3. As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investi-
conexos com eles no período da ditadura militar, o que acabou gerando gação e sanção de graves violações de direitos humanos são incom-
a irresponsabilidade de todos os agentes do Estado brasileiro que par- patíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e
ticiparam dos massacres ocorridos no período da ditadura, inclusive em não podem seguir representando um obstáculo para a investigação
relação aos fatos ocorridos na região do Araguaia. dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos
responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto
A controvérsia chegou até a Comissão Americana de Direitos Humanos a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos
no dia 07 de agosto de 1995, através de petição apresentada pelo Centro consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.

234 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA D E DIREITOS HUMANOS | 235
4- o tstado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, 1,11N lidas que devem ser tomadas pelo Brasil como lorma de reparação no
pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurí- ( a s o Gomes Lund e outros vs. Brasil. São elas:
dica, à vida, à Integridade pessoal e à Uberdade pessoal, estabelecidos
7. O Estado deverá conduzir eficazmente a investigação penal dos fa-
nos artigos 3,4,5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Huma-
tos do presente caso, esclarecer, responsabilizar penalmente e aplicar
nos, em relação com o artigo 7.7 desse instrumento, em prejuízo das
sanções e consequências dispostas em lei;
pessoas indicadas no parágrafo 725 da presente Sentença, em confor
midade com o exposto nos parágrafos 101 a 725 da mesma, 2. Determinar os autores materiais e intelectuais do desaparecimento
forçado das vítimas e da execução extrajudicial;
5. O Estado descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno
à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, contida em seu 3,0 Estado não poderá aplicar a lei de anistia em beneficio dos auto-
artigo 2, em relação aos artigos 8a, 25 e 7.7 do mesmo instrumento, res, ou qualquer excludente similar de responsabilidade para eximir-
como consequência da interpretação e aplicação que foi dada à Lei de se da obrigação;
Anistia a respeito de graves violações de direitos humanos, Da mesma
4. As autoridades que realizarão as investigações disponham de todos
maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garan-
os recursos necessários para realizá-las da melhor forma possível, as
tias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 8.1 e 25a da
pessoas que participem da investigação recebam a devida segurança,
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos ar-
não sejam realizados atos que prejudiquem o processo investigativo;
tigos í.7 e 2 desse instrumento, peia falta de investigação dos fatos
do presente caso, bem como pela falta de julgamento e sanção dos 5. Que os supostos responsáveis militares sejam julgados em jurisdi-
responsáveis, em prejuízo dos familiares das pessoas desaparecidas e ção ordinária e não em jurisdição militar;
da pessoa executada, indicados nos parágrafos 180 e 181 da presente
6 . 0 resultado dos processos deverá ser publicamente divulgado, para
Sentença, nos termos dos parágrafos 137 a 182 da mesma.
que a sociedade brasileira conheça os fatos, objeto do presente caso;
6.0 Estado é responsável pela violação do direito à liberdade de pen-
7. O Estado deve esforçar-se para que, com brevidade, sejam encontra-
samento e de expressão consagrado no artigo 13 da Convenção Ame-
dos os restos mortais das vítimas da Guerrilha do Araguaia. O Estado
ricana sobre Direitos Humanos, em relação com os artigos 7.7, 8.7 e 25
também deve ser encarregado de custear possíveis despesas funerárias;
desse instrumento, pela afetação do direito a buscar e a receber infor-
mação, bem como do direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido. 8. Conceder o prazo de seis meses, contados a partir da notificação da
Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos sentença para requerer atendimento psicológico e psiquiátrico, que
às garantias judiciais estabelecidos no artigo 8.1 da Convenção Ame- deverá ser prestado por entidades públicas, na localidade mais próxi-
ricana, em relação com os artigos 1.1 e 13a do mesmo instrumento, ma à vítima, e os medicamentos necessários;
por exceder o prazo razoável da Ação Ordinária, todo o anterior em
9. A sentença deverá ser publicada no Diário Oficial e também em
prejuízo dos familiares indicados nos parágrafos 212,213 e 225 da pre-
sente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 196 um jornal de grande circulação nacional. A sentença ainda deve ser
a 225 desta mesma decisão. publicada em formato de livro eletrônico na internet;

70. Deve ser realizado um ato público para o reconhecimento de res-


7. O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pes-
ponsabilidade internacional, no prazo de um ano após a publicação
soal, consagrado no artigo 5.7 da Convenção Americana sobre Direitos
da sentença, na presença de altas autoridades nacionais, com cober-
Humanos, em relação com o artigo 7.7 desse mesmo instrumento, em
tura do evento peia imprensa;
prejuízo dos familiares indicados nos parágrafos 243 e 244 da presen-
te Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 235 a 77. O Estado brasileiro deverá implementar, em prazo razoável, um
244 desta mesma decisão". programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos
em todos os níveis dasforças armadas-,
Nesse sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que
a sua sentença constitui per se uma forma de reparação, além de outras 72. Realizar a tipificação do delito de desaparecimento forçado-,

236 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 237
fj. O Estado brasileiro deverá adotar medidas legislativas que refor- «>( i.itico anterior, como por exemplo, prover indenizações aos familiares
cem o acesso à informação da população; das vítimas, responsabilizar o Estado pelos abusos cometidos etc. Histori-
74, Realizar a criação de uma Comissão da Verdade para que se inves- t .imente, o conceito de "justiça de transição" e suas quatro dimensões é de
tigue e se faça conhecer toda a verdade sobre os fatos ocorridos no Bütofía do Conselho de Segurança da ONU. Vejamos o conceito Onusiano
período da ditadura militar; pmferido por Jorge Chediek, representante residente do Programa das Na-
1 ões Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e coordenador residente do
75. O pagamento da quantia de US$ 3.000,00 (três mil dólares) para Sistema ONU Brasil: "Para a família da ONU, justiça de transição é o conjun-
cada familiar da vítima pelo dano material;
to de mecanismos usados para tratar o legado histórico da violência dos re-
16.0 pagamento da quantia de US$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil gimes autoritários. Em seus elementos centrais estão a verdade e a memória,
dólares) para cada familiar direto e de U5$ 15.000,00 (quinze mil dó- através do conhecimento dos fatos e do resgate da história. Se o Desenvol-
lares) para cada familiar indireto; vimento Humano só existe de fato quando abrange também o reconheci-
mento dos direitos das pessoas, podemos dizer que temos a obrigação morai
17.O pagamento de US$5.000,00 (cinco mil dólares) aos familiares e
US$ 35.000,00 (trinta e cinco mil dólares) a favor do grupo "Tortura de apoiar a criação de mecanismos e processos que promovam a justiça e a
Nunca Mais" da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos reconciliação. No Brasil, tanto a Comissão de Anistia quanto a Comissão da
Políticos de São Paulo e do Centro pela Justiça e o Direito Internacio- Verdade configuram-se como ferramentas vitais para o processo histórico de
nal, respectivamente a título de custas e gastos"23j. wsgate e reparação, capazes de garantir procedimentos mais transparentes e
eficazes. É papel da ONU, como agente de mudança e de transformação, sen-
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
sibilizar e predicar àqueles que não compartilham destes ideais a importân-
cia da construção e do respeito aos Direitos Humanos, pedra fundamental
1 . 0 caso "Guerrilha do A r a g u a i a " envolve o t e m a da justiça de transi- sobre a qual está edificada a Carta das Nações Unidas. Ê através desse prisma
ção e suas quatro dimensões que os ideais de um mundo mais justo e pacifico devem ser concretizados,
lustiça, paz e democracia não são objetivos que se excluem. Ao contrário, são
O caso Gomes Lund e outros vs. Brasil é mais um caso julgado pela Corte In- 239

238
imperativos que se reforçam" .
teramericana de Direitos Humanos envolvendo Leis de Anistia, Justiça de
transição e suas quatro dimensões. Em uma breve síntese, entende-se por Outrossim, o Conselho de Segurança da ONU também definiu quatro
justiça de transição (ou "transitionaljustice") um conjunto de mecanismos práticas para lidar com o regime de exceção. A doutrina costuma chamar
judiciais ou extrajudiciais utilizados por uma sociedade como um ritual de essas facetas de "dimensões". São elas: a) direito à memória e à verdade;
passagem à ordem democrática após graves violações de direitos huma- b) direito à reparação das vítimas (e seus familiares); c) o adequado trata-
nos por regimes autoritários e ditatoriais, de forma que se assegure a res- mento jurídico aos crimes cometidos no passado; d) a reforma das insti-
ponsabilidade dos violadores de direitos humanos.o resguardo da justiça e tuições para a democracia. Sobre o conceito de justiça de transição e suas
a busca da reconciliação. Assim,ajustiça de transição compreende diversas dimensões, é a lição de André de Carvalho Ramos: "A justiça de transição
práticas administrativas e judiciais que visam deslegitimar o regime antld. engloba o conjunto de dispositivos que regula a restauração do Estado de
Direito após regimes ditatoriais ou conflitos armados internos, engloban-
do quatro dimensões (ou facetas): (i) direito à verdade e à memória; (ii) o
direito à reparação das vítimas; (iii) o dever de responsabilização dos perpe-
237 U m a breve síntese da sentença do c a s o Comes Lunde outros vs. Brasil, disponível tradores das violações de direitos humanos e, finalmente (iv) a formatação
e m : <http://www.corteidh.or.cr/docs/ casos/artículos/seriec_2ig_por.pdf>.
238 O primeiro c a s o j u l g a d o na Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s e n v o l v e n -
do Justiça de T r a n s i ç ã o e Leis de A n i s t i a foi o caso Barrios Altos vs. Peru. Outros
j u l g a d o s envolvendo o t e m a t a m b é m j á f o r a m apreciados e j u l g a d o s pela Corte 239 C H E D I E K , Jorge. Justiça de Transição. Manual para a América Latina. O N U . Brasil
I D H , são eles: Almonacid Arellano e outros vs. Chile, La Cantuta vs. Peru, Gelman vs. e Nova Iorque, p.16. Disponível e m : < h t t p : / / www.dhnet.org.br/verdade/resisten-
Uruguai, entre outros. cia/a_pdf/manualJustica_transicao_ameríca_latina.pdf>.

238 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DISEITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 239
democrática das instituições protagonistas da ditadura (por exemplo, as 1 indenizar diversos familiares das vitimas desaparecidas na região do
2 0
Forças Armadas)" * . Ai.iguala. Além disso, e como concretização do direito à reparação das
(•• m - u s Ian lili, i r e s ) , o Indiciário brasileiro v e r t i e n t e n d e n d o q u e . 1
Vejamos cada urna das facetas da justiça de transição:
h i de Anistia não pode ser estendida à esfera civil, o que possibilita que
7.7. Direito à verdade e à memória I S 1 'essoas suspeitas de cometer atos ilícitos no período entre 1661 e 1979
O direito à verdade e à memória nada mais é do que uma busca de toda iv.arn ser demandadas na justiça para que reparem seus danos.
informação ou esclarecimento de interesse público para que a população
1 j. A reforma das instituições para a democracia
saiba o que realmente aconteceu ou não durante o período do regime
antld.ocrático. Essa faceta da justiça de transição pode ser concretiza- 1 i i s d e o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil vem evoluindo
da através de medidas administrativas, resguardando a história do país para o cumprimento dessa dimensão da justiça de transição. A Constitui-
afetado pelo regime antld.ocrático, e também através de ações judiciais <.,in Federal de 1988 estabeleceu no Brasil o que muitos entendem como
que visem obter a devida reparação pelos danos sofridos no regime an- D regime mais democrático de toda a história brasileira. Nesta linha, as
tld.ocrático, bem como responsabilizar os responsáveis pelas violações de próprias Forças Armadas passaram por um processo de reformulação e
direitos humanos. Nessa linha, André de Carvalho Ramos esclarece que o democratização desde o fim do período ditatorial. Atualmente, a liberda-
direito à verdade eà memória édotadode uma dupla finalidade. Vejamos de de expressão, a liberdade de ir e vir, o direito de reunião e o direito de
o esclarecimento do autor: "O direito à verdade consiste na exigência de associação, estão consagrados como direitos fundamentais e não podem
toda informação de interesse público, bem como exigir o esclarecimento de sofrer limitação arbitrária por parte do Estado. Entretanto, se reconhece
situações inverídicas relacionadas a violações de direitos humanos. Tem du- que o Brasil ainda pode melhorar seu regime democrático, principalmen-
242

pla finalidade: o conhecimento e também o reconhecimento das situações, le no que tange a concretização de direitos sociais .
combatendo a mentira e a negação de eventos, o que concretiza o direito à
2. Divergência entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e
memória. (...) O direito à verdade é concretizado tanto na sua faceta históri-
da Corte Interamericana de Direitos Humanos
ca, mediante Comissões da Verdade (ver abaixo a Lei n. 12.528/2012), quanto
na sua faceta judiciai (fruto das ações judiciais — eiveis e criminais — de No dia 21 de outubro de 2008, o Conselho Federal da OAB ajuizou uma
punição dos agentes responsáveis)" *'. 2
ADPF almejando conferir interpretação conforme a Constituição para
que a Lei da Anistia brasileira fosse interpretada no sentido de excluir
7.2. Direito à reparação das vítimas os agentes da ditadura militar dos seus efeitos. Em síntese, o Conselho
Essa dimensão da justiça de transição pode ser realizada tanto pela Corte federal da OAB invocou preceitos fundamentais constitucionais como
Interamericana de Direitos Humanos quanto pelo próprio Judiciário bra- o princípio da igualdade, o direito à verdade, o princípio republicano e
sileiro. O direito à reparação das vítimas pode ocorrer de inúmeras ma- ,1 dignidade da pessoa humana. Ocorre que, no dia 28 de abril de 2010, o
neiras, tais como: a publicação da sentença da Corte Interamericana de Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a demanda proposta pelo
Direitos Humanos no Diário Oficial da União como pedido de desculpas; t.FOAB. Segundo o STF, a Lei da Anistia deve ser aplicada aos atos crimi-
a descoberta do que efetivamente ocorreu no período do regime antld. nosos cometidos pelos agentes da ditadura. Já no dia 24 de novembro de
ocrátíco; a localização dos corpos das vítimas do delito de desapareci- ¿010, quase sete meses após a decisão proferida pelo Supremo na ADPF
mento forçado no período ditatorial; a concessão de indenizações para 153, a Corte Interamericana de Direitos Humanos julgou o caso Gomes
os familiares das vítimas etc. No caso Comes Lund e outros vs. Brasil, a Lund e outros vs. Brasil, reconhecendo a invalidade da Lei de Anistia brasi-
Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro

¿42 S e g u n d o o conceito m o d e r n o , a d e m o c r a c i a não consistiria s o m e n t e no governo


240 15 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 623 das maiorias, m a s t a m b é m em u m r e g i m e e m que todos os indivíduos p o s s a m
241 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 623. exercer seus direitos básicos s e m q u a l q u e r privação ou arbitrariedade.

240 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIRECTOS HUMANOS | 241
leira e condenando o Estado brasileiro a investigar e punir os agentes da /. th entendimentos. O primeiro deles é preventivo e consiste no apelo ao
ditadura militar pelas graves violações de direitos humanos ocasionadas I ualogo das Cortes"e àfertilização cruzada entre os tribunais. Com isso, an-
na região do Araguaia durante o período ditatorial. Segundo a Corte In- feveji >. no futuro, o uso pelo STF das posições dos diversos órgãos internacio-
teramericana de Direitos Humanos, são incompatíveis com a Convenção ni te. de direitos humanos aos quais o Brasil já se submeteu. Claro que não
Americana de Direitos Humanos todas as anistias de graves violações de nossivel obrigai os juízos nacionais ao 'dialogo das Cortes] pois isso des-
243
direitos humanos e não somente as "autoanistias" . Desse modo, restou naturaria a independência funcional e o Estado Democrático de Direito" ^. 2

instalada uma divergência entre a jurisprudência da Corte Interamerica-


No atual estágio da proteção internacional dos direitos humanos, o crité-
na de Direitos Humanos e do SupremoTribunal Federal.
lo diálogo das cortes é, na maioria das vezes, insuficiente. No Brasil,
2.7. Critérios para solucionar essa divergência: Diálogo das Cortes e Teo- II 1 uoprio STF tem postura lamentável ao ignorar, na grande maioria dos
ria do Duplo Controle • 1 ' . i i s , os precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, fa-
•rntlo-lhes menção apenas quando determinado entendimento da Corte
Diante da celeuma instalada em razão da divergência entre o Supremo
II >H corrobora o entendimento que o STF pretende que prevaleça.
Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a doutri-
244
na propõe dois critérios para que se tente uma harmonização entre os i > segundo critério é o da "teoria do duplo controle (ou do duplo crivo" de
entendimentos colocados em questão. direitos humanos. Caracterizada a insuficiência do "diálogo das cortes", a
doutrina criou a teoria do duplo controle (ou duplo crivo) de direitos hu-
O primeiro critério, considerado de natureza preventiva, é o do "diálogo
111.mos para tentar solucionara divergência entre a jurisprudência nacio-
das cortes". Embora não haja um verdadeiro "conflito" entre uma decisão
nal e a internacional. Segundo essa teoria, os direitos humanos possuem
do SupremoTribunal Federal e uma decisão da Corte Interamericana de
no Brasil uma dupla garantia: controle abstrato de constitucionalidade,
Direitos Humanos, é necessário que os tribunais domésticos e interna-
exercido pelo SupremoTribunal Federal,e o controle de convencionalída-
cionais andem lado a lado para que a proteção internacional dos direitos 246
rje autêntico ,exercido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
humanos se perfectibilize da melhor maneira possível. Com a adoção do
Assim, com base na teoria do duplo controle de direitos humanos, seria
"diálogo das cortes", haveria uma maior interação entre os tribunais na-
possível dirimir uma eventual controvérsia aparente entre uma decisão
cionais e internacionais e, consequentemente, menos ações de responsa-
do Supremo Tribunal Federal e uma decisão da Corte Interamericana de
bilização por violações de direitos humanos, dado que os entendimentos
I Jireitos Humanos; seria necessário para tanto que o entendimento espo-
dos tribunais nacionais estariam, muito provavelmente, alinhados com a
sado por ambas as Cortes respeite ao mesmo tempo o crivo da constitu-
jurisprudência das cortes internacionais. Sobre o diálogo das cortes, é a 34
1 ionalidade e o crivo da convencionalidade '. Vejamos a lição do criador
lição de André de Carvalho Ramos:"(...) como seria possível a execução da
da teoria do duplo controle, o professor e Procurador Regional da Repúbll-
parte central da condenação brasileira no caso Gomes Lund, que é justa-
1 a André de Carvalho Ramos: "De um lado, o STF, que é o guardião da Cons-
mente a obrigação de investigar, perseguir em juízo e punir criminalmente
tituição e exerce o controle de constitucionalidade. Por exemplo, na ADPF
os agentes da ditadura militar que violaram barbaramente os direitos hu-
iç ,• (controle abstrato de constitucionalidade), a maioria dos votos decidiu
manos naquele período? Antes de responder, parto da seguinte premissa:
que o formato amplo de anistia foi recepcionado pela nova ordem consti-
não há conflito insolúvel entre às decisões do STF e da Corte de San José,
uma vez que ambos os tribunais têm a grave incumbência de proteger os
direitos humanos. Eventuais conflitos são apenas conflitos aparentes,fruto
do pluralismo normativo que assola o mundo de hoje, aptos a serem solu- .•45 R A M O S , A n d r é de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
cionados pela via hermenêutica. Para resolver esses conflitos aparentes, há Paulo: Saraiva, 2013, p. 393-394.
Í46 S e g u n d o a doutrina, há duas modalidades de controle de convencionalidade: o con-
trole provisório e o controle autêntico. Essa discussão será abordada oportunamente.
A Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s utilizou a e x p r e s s ã o "control de con-
243 A s leis d e " a u t o a n i s t i a s " t a m b é m são c h a m a d a s de "anistia a m n é s i c a " . v e n c i o n a l i d a d " , pela primeira v e z (25 de n o v e m b r o d e 2003), no j u l g a m e n t o de
244 Esses critérios d e solução f o r a m criados por A n d r é de Carvalho Ramos. " M y r n a Mack C h a n g vs. G u a t e m a l a " .

242 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 243
tucional. Por outro lado, a Corte de San íuse e guardiã da Convertido Ameri Al )p|- 320, proposta pelo PSOL em 2014, visto que são ações com preten-
cana de Direitos Humanos e dos tratados de direitos humanos que possam tôes diversas. O objetivo da ADPF 153, proposta pelo Conselho Federal
ser conexos. Exerce, então, o controle de convencionalidade. Para a Corte d.i OAB, era que o STF adotasse uma interpretação da Lei de Anistia, nos
IDH, a Lei da Anistia não é passível de ser invocada pelos agentes da dita- • pnformes da Constituição, de forma a excluir do alcance de sua prote-
dura. Com base nessa separação, é possível dirimir o conflito aparente entre ção os agentes da ditadura. Como já abordamos anteriormente, o STF
uma decisão do STF e da Corte de San José. Assim, ao mesmo tempo em que d<< idiu peia improcedência da primeira ADPF. Já na ADPF 320,0 objetivo
se respeita o crivo de constitucionalidade do STF, deve ser incorporado o ila demanda é obter do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento da
crivo de convencionalidade da Corte Interamericana de Direitos Humanos. validade e do caráter vinculante da decisão proferida no caso Gomes
Todo ato interno (não importa a natureza ou origem) deve obediência aos lund e outros vs. Brasil. Assim, não há que se falar em qualquer conflito
dois crivos. Caso não supere um deles (por violar direitos humanos), deve o ou violação ao princípio do ne bis in ld. neste caso.
Estado envidar todos esforços para cessar a conduta ilícita e reparar os da-
nos causados. No caso da ADPF 753 houve o controle de constitucionalidade. Não deixamos de lamentar o fato de ser necessária a propositura de uma
No caso Comes Lund, houve o controle de convencionalidade. A anistia aos nova ADPF para que o Estado brasileiro cumpra os ditames da sentença
agentes da ditadura, para subsistir, deveria ter sobrevivido intacta aos dois do caso Gomes Lund. Isso porque o Brasil aderiu à jurisdição da Corte Inte-
controles, mas só passou (com votos contrários, diga-se) por um, o controle 1 americana de Direitos Humanos, e as decisões da Corte de San José são
de constitucionalidade. Foi destroçada no controle de convencionalidade. vinculantes. Assim, por uma proteção internacional dos direitos humanos
Cabe, agora, aos órgãos internos (Ministério Público, Poderes Executivos, ( ada vez mais ampla, espera-se que, com uma nova composição do Su-
Legislativo e Judiciário) cumprirem a sentença internacional. A partir da premoTribunal Federal, o julgamento da ADPF 320 tenha destino diverso
teoria do duplo controle, agora deveremos exigir que todo ato interno se da ADPF 153.0 Ministério Público Federal já exarou parecer favorável pelo
conforme não só ao teor da jurisprudência do STF, mas também ao teor 1 onhecimento e procedência parcial da ADPF 320.
da jurisprudência interamericana, cujo conteúdo deve ser estudado já nas
Faculdades de Direito" * . 2 9 3. Dever de investigar e punir como norma de jus cogens

Ainda sobre a teoria do duplo controle, é importante ressaltar que o Minis- As "garantias de não-repetição" consistem em uma das formas de repa-
tério Público Federal adota essa teoria, conforme o parecer do PGR na ADPF ração por violação de direitos humanos utilizadas pela Corte Interame-
320, que será julgada pelo SupremoTribunal Federal em um futuro próximo. ricana de Direitos Humanos para que se assegure que os Estados julga-
dos por sua jurisdição não tornem a violar direitos humanos previstos na
2.2. A propositura de uma nova ADPF pelo PSOL e a não-violaçõo do ne Convenção Americana de Direitos Humanos. Dentro dessas garantias de
bis In ld. não-repetição, insere-se o dever de investigar e punir, conforme o qual o
I stado condenado pela jurisdição da Corte IDH é sentenciado a investigar
Irresignado com a postura do Estado brasileiro diante da inércia e d
e. punir os autores das violações de direitos humanos. Desse modo, evita-
não-cumprimento da decisão proferida pela Corte Interamericana de
se tanto a reincidência da conduta violadora de direitos humanos quanto
Direitos Humanos no caso Comes Lund e outros vs. Brasil, o Partido So-
.1 própria impunidade dos responsáveis. O dever de investigar e punir foi
cialismo e Liberdade (PSOL) ingressou no dia 15 de maio de 2014 com 149
utilizado pela primeira vez no caso Velasquez Rodriguez vs. Honduras ,
uma ADPF no Supremo Tribunal Federal para que a corte máxima do
Judiciário brasileiro reconheça a validade e o efeito vinculante da de-
cisão proferida pela Corte IDH no caso da Guerrilha do Araguaia. Em-
bora possa parecer um tanto confuso, não há que se falar em qualquer .'49 Foi e m razão do dever de investigar e de punir aplicado pela Corte I D H no caso
conflito entre a ADPF 153 (já julgada pelo Supremo Tribunal Federal) e a Velasquez Rodriguez vs. H o n d u r a s que nasceu a " D o u t r i n a V e l a s q u e z Rodriguez".
Essa d o u t r i n a d e t e r m i n a que o Estado deve reprimir p e n a l m e n t e as violações de
direitos h u m a n o s . Desse m o d o . s e o Estado c o n d e n a d o se quedar inerte nesta t a -
refa, será responsabilizado t a n t o pelas violações dos direitos h u m a n o s ocorridas
248 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva: 2014, p. 408. e m seu território, q u a n t o pela i m p u n i d a d e dos autores dessas violações.

244 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 245
primeiro caso julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humano", a doutrina convencionou chamar de mandado de criminalização. Esses
desde o início de seus trabalhos no ano de 1988, Vejamos a lição de An- mandados de criminalização podem ser nacionais (quando previstos na
dré de Carvalho Ramos sobre o ponto em análise: "Diante da gravidade I Cfftftituição Federal) ou internacionais (quando previstos em um tratado
das condutas de violações de direitos humanos, pode ser fixado o dever do Internacional ou ainda em uma decisão de um tribunal internacional).
Estado em investigar e punir os responsáveis pelas violações, de modo a Atendo-nos ao âmbito internacional, caso a ordem para a tipificação de
evitara impunidade e prevenir a ocorrência de novas violações. Tal objetivo uma determinada conduta esteja prevista em um tratado internacional,
de prevenção da ocorrência de novas violações insere o chamado "dever de ilar-se-á o nome de mandado internacional expresso de criminalização.
investigar, processar e punir" como forma de garantia de não repetição"* . 0
N e s s e sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Quanto à primeira
obrigação (criminalizar condutas), os tratados de direitos humanos esti-
O dever de Investigar e punir foi utilizado pela Corte Interamericana de Di-
pulam diversos mandados internacionais expressos de criminalização, que
reitos Humanos na sentença proferida contra o Estado brasileiro no caso
consistem em cláusulas previstas em tratados ordenando a tipificação pe-
Gomes Lund e outros vs. Brasil. O tribunal interamericano ordenou que o Bra-
nal nacional de determinada conduta, a imposição de determinada pena,
sil investigasse os fatos e punisse os responsáveis pelas violações de direitos
a vedação de determinados benefícios (por exemplo, a proibição da prescri-
humanos na região do Araguaia. Nessa linha, a Corte IDH reiterou o caráter 2 2
> ao penal) ou até mesmo o tratamento prisional específico" '' .
de norma de jus cogens do dever de investigare punir, ressaltando o caráter
cogente e imperativo dessa norma para a comunidade internacional como Por outro lado,caso o comando para a tipificação de uma determinada con-
um todo. Com o intuito de elucidar qualquer dúvida sobre o conceito de nor- duta advenha de uma sentença de determinado tribunal internacional, atri-
ma de jus cogens, vejamos a explicação de André de Carvalho Ramos sobre bui-se o nome de mandado internacional implícito de criminalização. Nesse
o que são essas normas imperativas: "No Direito Internacional, a norma im- sentido, invoca-se novamente a doutrina de André de Carvalho Ramos: "A
perativa em sentido estrito (também denominada norma cogente ou norma justificativa para a existência de mandados implícitos de criminalização está
de jus cogens) é aquela que contém valores considerados essenciais para a na chamada dupla dimensão dos direitos humanos, já vista, e também, no
comunidade internacional como um todo, e que, por isso, possui superiorida- próprio principio da proibição de insuficiência (faceta positiva da proporcio-
de normativa no choque com outras normas de Direito Internacional. Assim, nalidade). Os mandados implícitos de criminalização pressupõem a atividade
pertencer ao jus cogens não significa ser considerado norma obrigatória, pois de interpretação de textos normativos. No direito Internacional dos Direitos
todas as normas internacionais o são-, significa que, além de obrigatória, a Humanos, tais mandados foram extraídos de textos convencionais, em es-
norma cogente não pode ser alterada peia vontade de um Estado" *. 2
pecial graças à atividade hermenêutica de duas Cortes regionais de direitos
humanos: a Corte interamericana de Direitos Humanos e a Corte Europeia de
4, A Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s proferiu um m a n d a - Direitos Humanos. Estas interpretaram, respectivamente, a Convenção Ame-
do internacional implícito de criminalização contra o Brasil: a tipifica- ricana de Direitos Humanos e a Convenção Europeia de Direitos Humanos no
ção do delito de desaparecimento forçado sentido de reconhecer a necessidade de punição penal aos autores de viola-
Ao condenar o Estado brasileiro no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, a ções de direitos humanos. (...) Assim sendo, o Direito Internacional dos Direi-
Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou que o Brasil proce- tos Humanos estipulou verdadeiros mandados implícitos de criminalização
por meio do reconhecimento do dever de investigare punir criminalmente os
desse à tipificação do crime de desaparecimento forçado. Quando uma
autores de violações de direitos humanos. De fato, para que se puna criminal-
lei, tratado ou até mesmo uma sentença internacional profere uma or- 2 3
mente é necessário que o Estado antes tenha tipificado a conduta em tela" '* .
dem de criminalização de determinada conduta, estamos diante do que

250 RAMOS, And ré de Ca rval ho. Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos 252 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Cerai dos Direitos Humanos na Ordem Interna-
Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, p. 291-292. cional. 4. e d . S ã o Paulo: Saraiva, 2014, p,245,

251 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Cerai dos Direitos Humanos na Ordem interna- 253 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Cera! dos Direitos Humanos na Ordem Interna-
cional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 152-153 cional. 4, ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 249-250.

246 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 247
Questiona-se: seria possível a Corte Interamericana de Direitos Humanos iniimimerlcana de Direitos Humanos decidiu no caso Anzualdo Castro vs.
condenar o Brasil pelo delito de desaparecimento forçado ainda que o Es- Peai que, diante de circunstâncias razoáveis para suspeitar que algum in-
tado brasileiro não tenha esta conduta criminalizada em sua legislação dividuo tenha sido vítima do crime de desaparecimento forçado, o Estado
interna? Sim! Segundo o entendimento da Corte Interamericana de Direi- 1 leve abrir uma investigação ex officio.
tos Humanos no caso Caballero Delgado e Santana vs. Colômbia (1993), I
Alualmente, o delito de desaparecimento forçado é um dos temas mais
ausência de tipificação do delito de desaparecimento não deve impedir a
hequentes nos julgamentos da Corte IDH. Citamos como exemplos de
condenação do Estado em âmbito internacional. O fato de o Estado ainda
i a s o s envolvendo o delito de desaparecimento forçado: Heliodoro Portu-
não ter criminalizado a conduta de desaparecimento forçado deve servir
como mola propulsora para uma condenação em âmbito internacional e, qid vs. Panamá, Bámaca Velasquez vs. Guatemala, Blanco Romero e outros
por conseguinte, uma futura tipificação do delito em análise . Portanto, 254 vs. Venezuela, Caballero Delgado e Santana vs. Colômbia, Gomez Palomino
ao condenar o Brasil pelo desaparecimento forçado de uma série de indiví- vs. Peru, Anzualdo Castro vs. Peru, La Masacre de Maplripán vs. Colômbia,
duos na região do Araguaia, a Corte Interamericana de Direitos Humanos Gonzalez Medina e Familiares vs. República Dominicana e Osório Rivera e
nada mais fez do que manter o seu entendimento já consolidado. l amiliares vs. Peru.

Por fim, e a título de curiosidade, ressalta-se que tramita na Câmara dos De- 4.2. Elementos estruturantes do delito de desaparecimento forçado se-
putados um PL de autoria do senador Vital do Rego para tipificar a conduta gundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos
de desaparecimento forçado e acrescentá-lo ao rol de crimes hediondos.Tra-
ta-se do PL 6.240/2013, que possui a seguinte ementa: "Acrescenta art. 149-A Nos casos Gomez Palomino vs. Peru (2005), Osório Rivera e Familiares vs.
ao Decreto-lei n°2.848, de 7de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar Peru (2013J, Gonzalez Medina e Familiares vs. República Dominicana (2012)
o crime de desaparecimento forçado de pessoa, e acrescenta inciso VIU ao art. e Gelman vs. Uruguai (2011), a Corte Interamericana de Direitos Humanos
i° da Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990, para considerar esse crime hediondo". definiu os três elementos estruturantes para que se reste configurado o
delito de desaparecimento forçado. São eles: a) a privação da liberdade;
4.1. Primeira aparição do desaparecimento forçado na jurisdição da Cor- b) a intervenção direta de agentes estatais ou a aquiescência destes; e c)
te interamericana de Direitos Humanos e a questão do ônus da prova a negativa de reconhecer a detenção e de revelar o fim ou o paradeiro da
É possível dizer que as discussões envolvendo o delito de desaparecimen- pessoa interessada.
to forçado "nasceram" junto com a atividade judicante da Corte Intera-
mericana de Direitos Humanos. Isso porque os três primeiros casos julga- 4.3. Desaparecimento forçado, extradição e dupla tipicidade
dos pela Corte de San José versaram sobre o tema: Velasquez Rodriguez vs. Para viabilizar o pleito da extradição,o requisito da dupla tipicidade é me-
Honduras, Pairen Carbi e Solis vs. Honduras e Godínez Cruz vs. Honduras. A dida que se impõe. Entende-se por princípio da dupla tipicidade (também
doutrina costuma fazer referência a estes três casos como "os três casos chamado de "princípio da dupla incriminação" ou da "identidade da in-
hondurenhos". Nestes casos, a Corte Interamericana de Direitos Huma- íração") a necessidade de que determinada conduta seja tipificada tan-
nos firmou sua jurisprudência tradicional no sentido de que, nos casos to no estado requerido quanto no estado requerente da extradição. Para
envolvendo o delito de desaparecimento forçado, o ônus de provar que o
que seja satisfeito o requisito da dupla tipicidade, não é necessário que a
indivíduo não está desaparecido é do Estado.
conduta criminosa tenha o mesmo nomen júris em ambos os países.
Ainda nessa linha de raciocínio e segundo seu próprio entendimento
Ao realizar a análise de pedidos de extradição envolvendo o delito de
acerca do ônus da prova no delito de desaparecimento forçado, a Corte
desaparecimento forçado, o Supremo Tribunal Federal entendeu que
estaria satisfeito o princípio da dupla tipicidade, mesmo não havendo
a tipificação do delito de desaparecimento na ordem interna brasileira.
254 A Corte I n t e r a m e r i c a n a de Direitos H u m a n o s t a m b é m a d o t o u este e n t e n d i m e n
to nos casos Heliodoro Portugal vs. Panamá (sentença proferida e m 12.08.2008) Para chegar a este raciocínio, o STF entendeu que o delito de sequestro
G o í b u r ú e outros vs. Paraguai (sentença proferida e m 22.09.2006}. previsto no art. 146 do Código Penal brasileiro seria equivalente ao deli-

248 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 249
to de desaparecimento forçado para fins de aferir se está preenchida ou no paradigmático caso Nlcholas Blake vs. Guatemala, a própria jurispru
não a dupla tipicidade . 255
dencla da Corte Interamericana de Direitos Humanos já havia admitido
lua própria competência para julgar um Estado por fatos anteriores ao
Para encerrar, é importante ressaltar que o desaparecimento forçado não M I o i i l i ( ' ( i mento de sua jurisdição. No caso Blake, a Corte IDH reconheceu
pode ser considerado crime político para fins de extradição, conforme ar-
que o assassinato do jornalista americano Nicholas Blake não havia sido
tigo 13 da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas
256
investigado de maneira adequada, o que inviabilizou a responsabilização
contra o Desaparecimento Forçado . Sobre o ponto, importante registrar
i h is violadores de direitos humanos. Segundo a Corte Interamericana, es-
que, embora o Brasil tenha ratificado a Convenção Internacional para a
sas obrigações de investigar e responsabilizar os autores de tais violações
Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, o mes-
possuiriam o caráter permanente, sendo, portanto, posteriores ao reco-
mo não pode se falar da Convenção Interamericana sobre o Desapareci- 259
n i i i i imento da jurisdição pelo Estado da Guatemala .
mento Forçado, que, embora tenha sido aprovada pelo Congresso Nacio-
nal, ainda não foi ratificada pelo Estado brasileiro. 11 ii com base nesse entendimento que a Corte Interamericana de Direitos
I lumanos rejeitou a exceção preliminar proposta pelo Estado brasileiro e
Ainda sobre a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pes-
0 determinou sua própria competência parajulgarofeito.Segundoa Corte
soas contra o Desaparecimento Forçado, o artigo 5 do referido compro-
misso internacional prevê que: "a prática generalizada de desaparecimen- II il I, os corpos das vítimas do caso Gomes Lund e outros vs. Brasil conti-
to/orçado constitui crime contra a humanidade, tal como define o direito nuam desaparecidos e os responsáveis pelos desaparecimentos forçados
internacional aplicável, o qual está sujeito às condições nele previstas" . A 251 nao foram responsabilizados. Assim, a Corte Interamericana de Direitos
matéria foi tratada da mesma maneira pelo Estatuto de Roma (TPI). Humanos entendeu que o próprio delito de desaparecimento forçado
••eria de caráter permanente, pois, a cada instante passado sem que se
5 . 0 Brasil foi processado por violações de direitos humanos cometi- encontrem os corpos desaparecidos e se responsabilizem os autores dos
das antes de sua adesão à jurisdição da Corte Interamericana de Di- delitos, o direito à vida e à integridade física estariam sendo violados.
reitos H u m a n o s Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: "No caso brasileiro,
Uma das exceções preliminares arguidas pelo Estado brasileiro no caso cm face do ocorrido na chamada 'Guerrilha do Araguaia' e nos casos de
Gomes Lund vs. Brasil foi justamente a incompetência da Corte Interame- tortura, homicídios e desaparecimentos forçados, a situação é semelhante.
ricana de Direitos Humanos para julgar o feito. Isso foi alegado porque Os fatos e a lei da anistia são da década de 1970, bem antes do reconheci-
o Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana mento brasileiro da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Di-
de Direitos Humanos no dia 10 de dezembro de 1998, mais de duas dé- reitos Humanos, mas os corpos continuam desaparecidos e os responsáveis
cadas após os fatos ocorridos na região do Araguaia. Assim, segundo o por eventuais violações de direitos humanos continuam impunes, uma vez
Estado brasileiro, o processamento do caso na Corte Interamericana de que a anistia impediu as possíveis ações penais. Assim, a lógica do Caso Bla-
Direitos Humanos violaria sua cláusula ratione temporis ^. Ocorre que, 2
ke pode ser perfeitamente aplicada ao Brasil, tornando ineficaz a cláusula
temporal inserida no nosso ato internacional de reconhecimento da jurisdi-
ção da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Saliente-se, por fim, que
o Caso Blake, que nos traz essa interpretação sobre os limites à jurisdição
255 STF, Extradições 974,1278 e 1150.
temporal da Corte, foi sentenciado em 24 de janeiro de 1998, quase um ano
256 O Brasil a s s i n o u a C o n v e n ç ã o Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas
contra o D e s a p a r e c i m e n t o Forçado no dia 6 de fevereiro 2 0 0 7 . 0 Decreto Legislati-
depois do reconhecimento pelo Brasil da jurisdição da Corte Interamerica-
vo do C o n g r e s s o N a c i o n a l foi a p r o v a d o e m i ° de s e t e m b r o de 2010 e a C o n v e n ç ã o
e m análise foi ratificada e m 29 de n o v e m b r o de 2010.
257 Os crimes contra h u m a n i d a d e são n o r m a s de jus cogens. Este t a m b é m foi o e n t e n -
d i m e n t o da Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s no caso Arellano Almona- 259 A l é m do caso Blake vs. Guatemala, o e n t e n d i m e n t o e n v o l v e n d o o dever de " i n v e s -
cid vs. Chile. t i g a r e punir" e seu caráter p e r m a n e n t e foi adotado pela Corte I n t e r a m e r i c a n a de
Direitos H u m a n o s no caso Comunidade Mowana vs. Suriname (Sentença proferida
258 S e g u n d o essa c l á u s u l a , a Corte de S a n José só pode j u l g a r d e t e r m i n a d o Estado por
fatos ocorridos após a a c e i t a ç ã o da sua jurisdição. e m 08 de fevereiro de 2006).

250 | JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA IURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 251
na de Direitos Humanos (1998). Ou seja, o Brasil tinha ciência e sabia desse (• .' Imprescritlbllidade da pretensão indenizatória em virtude de da-
precedente antes de reconhecer a jurisdição da Corte. Com isso, a Corte es- nos decorrentes da perseguição política na época da ditadura militar
tabeleceu que possui jurisdição para analisar os atos de caráter continuo '.r) ;u ndo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, os danos decorren-
ou permanente. No caso Gomes Lund, a Corte recordou o caráter continuo li", de perseguição política na época da ditadura militar são imprescritíveis.
ou permanente do desaparecimento forçado de pessoas e considerou que a
nu, é pacifico o entendimento de que não se aplica o prazo prescricíonal
própria existência do desaparecimento forçado permite concluir que houw
quinquenal do Decreto n° 20.910/1932. Vejamos um julgado nesse sentido:
desrespeito — continuo — aos deveres de prevenir violação do direito à
2bo
vida e integridade fisica" . PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS
6. Jurisprudência nacional correlata sobre o t e m a DECORRENTES DE PERSEGUIÇÃO POLÍTICA NA ÉPOCA DA DITADURA
A jurisprudência brasileira vem enfrentando os mais diversos casos en- MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO DE CON-
volvendo fatos ocorridos no período da ditadura militar. Logo, além das TRARIEDADE A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO
duas ADPFs já enfrentadas, é importante que mencionemos os julgados STF. 1.0 acórdão impugnado decidiu em conformidade com a orien-
mais importantes em âmbito nacional. tação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça no sentido de
que não se aplica a prescrição quinquenal do Decreto n. 20.910/1932
6.1. Possibilidade de penhora da remuneração econômica recebida a às ações de reparação de danos sofridos em razão de perseguição,
título de anistia política tortura e prisão, por motivos políticos, durante o Regime Militar,
Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a remuneração pois nesse caso é imprescritível a pretensão. 2. No mesmo sentido,
recebida a título de anistia política não configura verba salarial. Logo, pelo os seguintes precedentes: AgRg no REsp 1.417.171/SP, Segunda Turma,
entendimento do STJ, tal remuneração pode ser penhorada, conforme o Rei. Min. Humberto Martins, DJe 16/12/2013; AgRg no AREsp 330.242/
julgado a seguir: RS, Segunda Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, DJe 5/12/2013; AgRg
no REsp 1.301.122/RJ, Primeira Turma, Rei. Min. Ari Pargendler, DJe
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO
25/9/2013; AgRg no REsp 1.128.042/ PR, Primeira Turma, Rei. Min. Sér-
ART. 557 DO CPC. ANISTIA POLÍTICA. REMUNERAÇÃO ECONÔMICA.
gio Kukina, DJe 23/8/2013.3.0 Superior Tribunal de Justiça não é com-
CARÁTER INDENIZATÓRIO. PENHORA. POSSIBILIDADE. 1. Nos termos
petente para analisar, em sede de recurso especial, eventual violação
da jurisprudência pacífica do STJ, fica superada eventual ofensa ao
de dispositivos constitucionais, sob pena de usurpar-se da competên-
art. 557 do Código de Processo Civil pelo julgamento colegiado do
cia do Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo regimental não provido.
agravo regimental interposto contra decisão singular do Relator. 2. a
(AgRg no REsp 1424680/SP, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, 2
Discute-se nos autos a possibilidade de penhora da remuneração
Turma, j. em 03/04/2014, DJe 09/04/2014) (grifo nosso).
econômica recebida em decorrência da concessão de anistia polí-
0
tica, na forma do art. 5 da Lei n° 10.559/2002 (prestação mensal,
permanente e continuada). 3. A reparação econômica prevista na 7. Instituição da Comissão Nacional da Verdade
Lei 10.559/02 possui caráter indenizatório (art. i ° , inciso II). Logo, Uma das determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos
a sua natureza não salarial possibilita a penhora para garantia do no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil foi a instituição da famosa Comis-
crédito tributário, nos termos do art. 184 do CTN c/c art. 649 do CPC. . . 1 0 Nacional da Verdade. Esta comissão foi criada pela Lei n° 12.528/2011
Recurso especial impróvido. (REsp 1362089/RJ, Rei. Min. Humberto e não possui caráter jurisdicional. Logo no artigo i° do referido diploma
a
Martins, 2 Turma,j. em 20/06/2013, DJe 28/06/2013) (grifo nosso). legal atribui-se à comissão a finalidade de "examinar graves violações de
o
direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8 do Ato das Dispo-
sições Constitucionais Transitórias (período de 18 de setembro de 1946 até a
260 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. e d . São
data da promulgação da Constituição [de 1988]/, afim de efetivar o direito
Paulo.- Saraiva, 2013. p. 386-387. a memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional".

252 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 253
Ainda nessa linha, a Lei 12.528/2011 estabeleceu uma série de objetivos Supremo Tribunal Federal sobre o caso. Assim, para o Estado brasileiro,
serem perseguidos pela Comissão Nacional da Verdade: 1 u ,1C orle Interamericana de Direitos Humanos decidisse prosseguir
"Art. 3° São objetivos da Comissão Nacional da Verdade: ... • |ul¡' .míenlo do 1 aso Comes I und e outros vs. Brasil, ela acabaria se
(

(ornando urna instancia revisora de julgamentos locais, caracterizando-


I - esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações le i orno uma "quarta instância", o que seria proibido. A exceção alega-
de direitos humanos mencionados no caput do art. 1°;
da pelo Estado brasileiro não foi acolhida pela Corte Interamericana de
II - promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturai, 1 MU dos Humanos, sob o argumento de que não há qualquer hierarquia
mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua au intra o SupremoTribunal Federai e a Corte Interamericana de Direitos
torta, ainda que ocorridos no exterior; Humanos. O que deve haver é uma relação de diálogo, complementa-
1 idade e reciprocidade, mas jamais de hierarquia. Outrossim, a própria
III - identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições
i 111 te IDH não possui o intuito de revisaras decisões das cortes internas,
e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos hu-
manos mencionadas no caput do art. i°e suas eventuais ramificações mas apenas de realizar o controle de convencionalidade da Lei de Anis-
nos diversos aparelhos estatais e na sociedade; tia brasileira em face da Convenção Americana de Direitos Humanos,
pouco importando a decisão do SupremoTribunal Federal na ADPF 153,
IV - encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer que é enxergada pela Corte IDH como mero fato. Desse modo, a Corte
informação obtida que possa auxiliar na localização e identificação
Interamericana de Direitos Humanos não pode ser rotulada como uma
de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos, nos termos do
"quarta instância" perante a hierarquia do Judiciário, seja ele brasileiro
art. 1° da Lei n°g. 140, de 4 de dezembro de 1995;
ou de outro Estado-membro da Convenção Americana de Direitos Hu-
V - colaborar com todas as instâncias do poder público para apura manos. Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Como o
cão de violação de direitos humanos; processo perante San José ainda estava em curso, tanto que a ADPF 153
/o; julgada improcedente por maioria de votos, o Brasil imediatamente
VI - recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para preve-
nir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e pro- peticionou perante a Corte IDH arguindo mais uma exceção preliminar:
movera efetiva reconciliação nacional; e a existência de uma decisão da mais Alia Corte Brasileira levaria a Corte
IDH a um papel proibido de ser uma 'quarta instancia'judicial, reforman-
Vil - promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da his-
do o julgamento local. Para o Estado, caso o julgamento internacional
tória dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como co-
prosseguisse, a Corte IDH se transformaria em uma instância de revisão
laborar para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações".
das decisões judiciais do STF, uma verdadeira 'quarta instância'. Só que
Por fim, é importante fazer menção ao relatório final da Comissão Na- a jurisdição interamericana de direitos humanos aprecia a conduta do
cional da Verdade, entregue no dia io de dezembro de 2014 à presidente I stado brasileiro em face da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Dilma Rousseff, após dois anos e meio de depoimentos e pesquisas com o Não há, então, nenhuma pretensão de rescindir julgados nacionais, mas
intuito de desmistificar os fatos ocorridos no período da ditadura militar. sim em obrigar o Estado a respeitar os direitos humanos. Por isso, o que a
Segundo esse relatório, houve graves e sistemáticas violações aos direitos Corte fez foi um 'controle de convencionalidade', analisando a Lei da Anis-
humanos no período do regime antld.ocrático no Brasil; elas não se resu- tia em face da Convenção Americana de Direitos Humanos, pouco impor-
miram de forma alguma a casos isolados. tando a análise feita pelo STF sobre a compatibilidade da Lei da Anistia
26
em face da Constituição Federal brasileira" '.
8, Não-admissibilidade d a Corte Interamericana de Direitos H u m a -
nos c o m o u m a "quarta instância"
Logo em sede de exceção preliminar, o Brasil informou à Corte Interame- 261 RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de Direitos Humanos. São Paulo:
ricana de Direitos Humanos da existência de uma decisão proferida pelo Saraiva, 2013, p. 385.

254 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 255
g. Indagação didática: com fulcro na imprescritibilidade dos crimes n3o estariam abarcados pela proteção conferida pela Lei de Anistia, ante
contra a humanidade e para perfectibilizar o direito à verdade e à o caráter permanente dos delitos imputados ao acusado. Já adiantamos
reparação dos familiares das vítimas, é possível a persecução penal desde já que não é possível concordar com os argumentos exarados pelo
dos agentes d a ditadura no Poder Judiciário Brasileiro? Irlbunal Regional Federal da I Região, que refutam a importação de nor-
A

mas internacionais para a aplicação no ordenamento jurídico interno.


0 tema é polêmico e dá ensejo a diversas discussões. Recentemente, o
Mas, antes de expor o nosso posicionamento, é importante demonstrar-
Ministério Público Federal propôs uma série de ações penais contra agen-
mos as diversas correntes doutrinárias sobre o tema:
tes militares que supostamente teriam sido autores de crimes contra
a humanidade na época dos anos de chumbo. Nas ações penais, o MPI t" Corrente: a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade é
alegou a prática de delitos de caráter permanente pelos acusados, assim norma de jus cogens e possui caráter consuetudinário (e também con-
como a não abrangência destes crimes pela Lei de Anistia brasileira. Cita- vencional)
262
se como exemplo os casos envolvendo o atentado no Riocentro , a açào
penal proposta contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e a exoi 263 A existência da Convenção Internacional sobre a Imprescritibilidade dos
dial acusatória ajuizada contra o coronel Sebastião Curió . A ação penal 264 ( times de Guerra e Crimes contra a Humanidade, de 1968, apenas decla-
no caso envolvendo os acusados de participar do atentado no Riocentro rou a imprescritibilidade dos crimes de guerra e de crimes contra a huma-
foi aceita em primeira instância, mas trancada, via habeas corpus, em se- nidade, ante a existência prévia de um costume internacional no sentido
a
gundo grau. Segundo o TRF da 2 Região, "A jurisprudência brasileira não da imprescritibilidade desses delitos, conforme a Resolução 2338 da Orga-
pode importar normas do Tribunal de Nuremberg sobre a existência de cri- nizações das Nações Unidas,de 18 de dezembro de 1967. Assim,conforme
mes contra a humanidade, inexistente na legislação brasileira" .0 relator 165
dito paradoxalmente pelo próprio relator do habeas corpus que trancou
do habeas corpus que trancou a ação penal no caso Riocentro, Des. Fed, uma das ações penais envolvendo o tema, desde a época do Tribunal de
Ivan Athié, ainda concluiu que "não podemos admitir que normas alieni Nuremberg (i.e., mesmo antes da Convenção de 1968) já se admitia a im-
genas sejam usadas como se integrassem o ordenamento jurídico brasilei- prescritibilidade destes delitos. É bem verdade que o Brasil não é parte
ro, em nome de um sentimento de justiçamento perigosamente em voga da Convenção Internacional sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de
no nosso país atualmente". Argumentos semelhantes guiaram a decisão Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade; entretanto, tal fato não causa
do mesmo Tribunal Federal em relação ao caso Sebastião Curió . Por fim, 266
maiores empecilhos para que o Estado brasileiro reconheça a imprescri-
a Ação Penal movida contra o Coronel Ustra foi suspensa pelo STF267. 0 libilidade destes delitos, ante o caráter consuetudinário da norma que
263
PGR recorreu desta decisão, alegando que os crimes cometidos por Ustra regula a questão . Ainda nesse sentido, há mais um argumento a ser so-
pesado; o caráter dejus cogens da imprescritibilidade dos crimes de guer-
1,1 e contra a humanidade, já reconhecido pela ONU e também pela Corte
262 Seis pessoas f o r a m a c u s a d a s de participar do a t e n t a d o no Riocentro, no Rio d Interamericana de Direitos Humanos26g. Por fim, convém relembrar a
Janeiro, d u r a n t e u m s h o w e m c o m e m o r a ç ã o ao Dia do Trabalho, e m 1981.
263 0 coronel do Exército Carlos Brilhante Ustra foi a c u s a d o pelo suposto sequestro
cárcere privado de Edgar de A q u i n o D u a r t e , f u z i l e i r o e x p u l s o das Forças A r m a d a s
e q u e desapareceu e m 1974 após ser preso por outros militares. ,'68 E m n e n h u m m o m e n t o d u r a n t e a f o r m a ç ã o do c o s t u m e internacional o Estado
264 O coronel do Exército S e b a s t i ã o Curió foi a c u s a d o do sequestro de m i l i t a n t e s dB, brasileiro foi objetor persistente. Sobre a teoria do objetor persistente, é a lição
esquerda n a c h a m a d a Guerrilha do A r a g u a i a , na m e s m a região onde ocorreram de Paulo Henrique Gonçalves Portella: "Em todo caso, existe a possibilidade de que
os fatos do caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. um sujeito de Direito internacional não reconheça expressamente um costume exis-
265 Tribunal Regional Federal d a i ' R e g i ã o , Habeas Corpus n° 0005684-20.2014.4.02.0000. tente ou em gestação, traduzida na figura do persistent objector, expressão cuja
266 T r i b u n a l Regional Federal d a I a
Região, E M B A R G O S DE D E C L A R A Ç Ã O E M HABEAS
melhor tradução até agora encontrada na doutrina brasileira é 'objetor persistente'
CORPUS n° 0038460-71,2012.4.01.0000/MT. {...)" (PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 7.
ed. Salvador: J u s p o d i v m , 2015, p.66).
267 S u p r e m o Tribunal Federal, R e c l a m a ç ã o 19.760. Relatora M i n . Rosa Weber. O mes-
m o e n t e n d i m e n t o foi s e g u i d o pelo Ministro Teori Z a v a s c k i no caso Rubens Pai 269 Corte IDH. Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile. Exceções Preliminares, Fundo,
(Reclamação 18.686). Reparações e Custas. Sentença de 26 de setembro de 2006. Serie C, n°. 154.

256 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 257
previsão da imprescritibilidade para os delitos em análise no Estatuto de nu,diante da prática do SupremoTribunal Federal em aplicar o cos-
70
Roma, convenção que regula o Tribunal Penal Internacional' . i i i m e internacional como se lei brasileira fosse, e também em prol de
a
uma proteção mais efetiva aos direitos humanos, nos filiamos à primei-
2 Corrente: impossibilidade do reconhecimento da imprescritibilidade
1,1 uirrente, capitaneada na doutrina brasileira por André de Carvalho
dos crimes contra a humanidade e dos crimes de guerra (atualmente r imos, que admite a aplicação do costume internacional da impres-
adotada pelas cortes nacionais) ni ibilidade dos crimes de guerra e contra a humanidade diretamente
Não é possível reconhecer a imprescritibilidade dos delitos contra a hu no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, entendemos ser possível a
manidade e de guerra; logo, não é possível promover a persecução penal persecução penal contra os agentes estatais violadores de direitos hu-
174

contra os agentes da ditadura pelos fatos atentatorios aos direitos huma manos no período da ditadura militar .
nos que foram cometidos no período da ditadura militar brasileira, pois
os mesmos estariam prescritos. Outros argumentos, principalmente o INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
sentimento de insegurança jurídica em uma possível admissão da impoi
tacão de normas internacionais para o ordenamento jurídico brasileiro, (ADVOGADO DA UNIÃO, 2012 — CESPE) No que concerne aos direitos hu-
também são frequentemente invocados pelas cortes domésticas. manos no âmbito do direito internacional, julgue os itens que se seguem.
. Na sentença do caso Gomes Lund versus Brasil, a Corte Interamericana
Não podemos concordar com o posicionamento adotado pelos tribu-
de Direitos Humanos estabeleceu que o dever de investigar e punir os
nais brasileiros. Isso porque o próprio Supremo Tribunal Federal fre-
responsáveis pela prática de desaparecimentos forçados possui cará-
quentemente aplica o costume internacional diretamente em nosso
país, como se law ofthe land fosse, sem qualquer processo de integra- ter de jus cogens.
ção. Nesse sentido, é possível encontrar um amplo acervo de julgados GABARITO: Correto. O ponto foi abordado anteriormente.
do STF sobre o tema envolvendo imunidades de jurisdição dos Estados
17
estrangeiros- ', no qual o principal argumento para a Corte Constitucio- (PGR — PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2008) De acordo com a jurispru-
nal brasileira reconhecer a impossibilidade {em regra) de se processar dência da corte interamericana de direitos humanos sobre as violações
um Estado estrangeiro nas cortes domésticas é justamente o costume dos direitos humanos, praticadas pelos regimes de exceção na américa
2 2
internacional ? . A respeito deste tema, é a lição de André de Carvalho latina, é incorreto afirmar que:
Ramos: "Denomino essa aplicação direta de normas internacionais extra- a| A justiça transicional pode justificar a validade interna e externa de
convencionais de 'fenômeno da impregnação', peio qual tais normas são leis sobre anistias, se tiverem sido incorporadas ou expressamente
aplicadas diretamente no ordenamento brasileiro, sem qualquer media- mantidas pela Constituição.
ção do Congresso Nacional (ausência de Decreto Legislativo), e sem qual-
213
b| A punição dos responsáveis pelas violações é decorrência do conceito
quer promulgação por Decreto Executivo" .
de Estado de Direito e do devido processo legal.

c | O conhecimento dos registros de desaparecidos constitui um direito


dúplice, individual e coletivo, podendo, no primeiro caso, ser exercido
270 Artigo 29 do Estatuto de Roma: "Os crimes da competência da Corte não prescreverão".
pelos familiares das vitimas.
271 Para a p r o f u n d a r neste t e m a , ver nossos c o m e n t á r i o s sobre C a s o A l e m a n h a v s . l t á -
l i a . j u l g a d o pela Corte Internacional d e J u s t i ç a .
272 S u p r e m o T r i b u n a l Federal, A ç ã o Civil O r i g i n á r i a n. 298-DF. Relator, M i n . Décio Mi-
randa, j u l g a d o e m 1982, A ç ã o Cível 9.696. Relator, M i n i s t r o S y d n e y S a n c h e s , entre 274 É t a m b é m a posição d e M A R X , Ivan Cláudio. Justiça de Transição — Necessidade e
outros. N o Superior T r i b u n a l d e J u s t i ç a , ver, A g R g no RO 108 / RJ, Relator, M i n i s t r o Factibilidade da Punição aos Crimes da Ditadura. Rio de Janeiro: L ú m e n Júris, 2014.
Foi t a m b é m o e n t e n d i m e n t o adotado pela Corte S u p r e m a de Justiça d a Nação Ar-
A n t ô n i o Carlos Ferreira. J u l g a d o e m 17 de d e z e m b r o de 2013, entre outros.
g e n t i n a , c o n f o r m e o caso Arancibia C l a v e l . C a u s a n ° 259, j u l g a d o e m 24/08/2004
273 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Cerai dos Direitos Humanos na Ordem Interna- e pela Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s , c o n f o r m e c o m e n t á r i o s d o caso
cional. 4. ed. S ã o Paulo: Saraiva, 2015, p. 287. Comes Lund e outros vs. Brasil.

258 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 259
dj As violações dos direitos humanos geram a responsabilidade Inter- (TJ/SP _ OFICIAL ESCREVENTE, 2011 — VUNESP) A Corte Interamericana de
nacional do Estado à sua devida e justa reparação, Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA),
GABARITO: A assertiva "A" é o gabarito, eis que o enunciado se encontra condenou a repressão e os crimes cometidos pelo regime militar brasileiro
equivocado. Ajustiça transnacional não justifica a validade sobre leis de (...). A sentença divulgada nesta terça-feira (14.12.2010) determina que o
anistia. A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos Istado brasileiro é responsável pelo desaparecimento forçado de 62 pes-
não admite a impunidade dos violadores de direitos humanos no pe- soas, entre os anos de 1972 e 1974. Esta é a primeira condenação internacio-
ríodo da ditadura militar. O entendimento foi adotado no caso Comes nal do Brasil em um caso envolvendo a ditadura militar (1964-1985) (www.
Lund vs. Brasil e em outros julgados, como nos casos Barrios Altos vs, cartacapital.com.br, 15.12.2010). A condenação citada refere-se ao episódio;
Peru, Almonacid Arellano e outros vs. Chile, La Cantuta vs. Peru e Gelman ,i| do levante do Forte Copacabana.
vs. Uruguai. As outras assertivas da questão em comento estão corretas.
b| da guerrilha do Araguaia.
( P G R — 28 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAPTADA)
O
cj da Intentona Comunista.
Assinale a alternativa correta:
d| das greves do ABC.
• A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos admi-
te, nos processos de redemocratízação ocorridos na América Latina nas e| do Congresso da UNE.
últimas décadas, a anistia total nos casos de graves violações de direi-
GABARITO: Assertiva "B".
tos humanos realizadas pelos agentes da ditadura militar, desde que
tal anistia seja fruto de um acordo entre o regime militar e a oposição. (DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2010 — FCC) Recentemente o Supremo
GABARITO:Errado. A Corte Interamericana de Direitos Humanos não ad- Tribunal Federal julgou improcedente a Arguição de Descumprimento de
mite a validade de leis de anistia em casos de violações de direitos hu- Preceito Fundamental n° 153, em que se requeria declaração daquela Corte
manos. Foi o entendimento exarado pela Corte de San José no caso no sentido de reconhecer que a anistia concedida pela Lei n° 6.683, de 28 de
Gomes Lund e outros vs. Brasil. agosto de 1979, aos crimes políticos ou conexos, não se estende aos crimes
comuns praticados pelos "agentes da repressão contra opositores políticos,
(DPE/SE — DEFENSOR PÚBLICO, 2012 — CESPE, ADAPTADA) De acordo durante o regime militar (1964/1985)". A respeito das chamadas "leis de
com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos: autoanistia",a Corte Interamericana de Direitos Humanos já se posicionou
• Não compete a essa corte conhecer de violações contínuas ou perma- diversas vezes. A partir da jurisprudência deste tribunal é correto afirmar:
nentes conexas a atentados contra o direito à vida ocorridos antes do a| O fato de um Estado parte ser signatário das Convenções de Genebra
reconhecimento de sua jurisdição pelo Brasil. sobre Direito Internacional Humanitário não serve de fundamenta-
GABARITO: Errado. O enunciado trata do entendimento aplicado pela Cor- ção para sua condenação pela Corte Interamericana de Direitos Hu-
te IDH no paradigmático caso Blake vs. Guatemala. Foi também o en- manos, pois há plena separação entre aquele sistema de normas e as
tendimento adotado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos que compõem o Direito Internacional dos Direitos Humanos.
no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil,
b| Os agentes estatais que tenham praticado atos de tortura em perío-
do não democrático, objeto de lei de anistia, não podem mais ser pro-
(SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR — ANALISTA JUDICIÁRIO, 2011 — CESPE)
cessados ante a irretroatividade de lei penal mais severa.
Em dezembro de 2010, a Corte Interamericana dos Direitos Humanos jul-
gou improcedente o pedido de condenação do Estado brasileiro pelo de- cj O Estado parte na Convenção Americana de Direitos Humanos tem o
saparecimento de algumas pessoas no combate à guerrilha do Araguaia. dever de punir os responsáveis por crimes de lesa humanidade, não
Errado. A Corte Interamericana julgou procedente o pedido de
GABARITO: podendo aventar a prescrição criminal para deixar de fazê-lo, mesmo
condenação do Estado brasileiro no caso "Guerrilha do Araguaia". que os fatos tenham ocorrido há mais de vinte anos.

260 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 261
d| Por se tratar de um tribunal de natureza civil, a l o r i r intri.miciU. d l Lei n° 6.683/79 (Lei da Anistia) no contexto da Constituição de 1988.
de Direitos Humanos não pode determinar que um Estado parte leve A decisão polêmica teve repercussão internacional e o Tribunal foi alvo
a juízo criminal agentes públicos que supostamente cometeram cri- de criticas. Recentemente, o Ministério Público Federal ofereceu ação
mes de lesa humanidade. penal contra agentes militares pelo sequestro do jornalista Mário Al-
ej O fato de a prática do desaparecimento forçado de opositores poli vi", e pelos supostos crimes praticados durante os eventos conhecidos
ticos ser anterior à ratificação da Convenção Americana de Direitos tomo "guerrilha do Araguaia". Elabore texto dissertatívo abordando os
Humanos pelo país impede a apreciação do caso perante a Corte In wguintes pontos.
teramericana de Direitos Humanos. Jtj Decisão do STF na ADPF n° 153:

A assertiva "A" está errada. O fato de um Estado parte ser signatário das a.i j feitos da decisão e sua vinculatividade para os órgãos do Poder Judi-
Convenções de Genebra sobre Direito Internacional Humanitário pode ciário, Administração Pública, Poder Legislativo e o próprio STF;
servir como fundamentação para sua condenação pela Corte Interameri- .1.2 I Efeitos políticos, penais e civis da decisão do STF;
cana de Direitos Humanos. É oportuno relembrar que a Corte Interameri-
cana de Direitos Humanos pode examinar qualquer tratado aplicável no ».3 I Compatibilidade dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade,
continente americano e não apenas tratados que possuem a vigência de instituída pela Lei n° 12.528, de 18.11.2011, e das iniciativas do Minis-
seus efeitos atrelada ao continente americano. tério Público Federal descritas acima com a decisão do STF.

A assertiva "B" está errada. A Corte Interamericana de Direitos Humanos b| Pode o Brasil ser responsabilizado com base na Convenção America-
decidiu justamente ao contrário no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. na sobre Direitos Humanos por eventuais crimes praticados entre os
anos de 1961e 1979?
A assertiva " C e s t a correta. Foi o que a Corte Interamericana de Direitos
b.i I Hierarquia dos tratados internacionais no ordenamento jurídico
Humanos decidiu no caso Gomes Lunde outros vs. Brasil. Os crimes de lesa
-humanidade são crimes de jus cogens e portanto, imprescritíveis diante brasileiro;
da ordem internacional. b.2 I Jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos para in-
vestigar os supostos crimes.
A assertiva "D" está errada. A Corte IDH não é propriamente um tribunal
de natureza cível, eis que também julga fatos envolvendo matéria crimi- Espelho DO GABARITO ADOTADO PELA BANCA:

nal. O próprio caso Gomes Lund vs. Brasil demonstra o equívoco do enun-
* Fundamento jurídico e legal da eficácia erga omnes e do efeito vincu-
ciado, pois os agentes públicos que supostamente cometeram crimes de
lante no caso da ação de descumprimento de preceito fundamental.
lesa-humanidade podem ser julgados pela Corte Interamericana de Di- 0
Lei n° 9.882/99 (art. 10, § 3 ). Abrangência da vinculatividade. Situação
reitos Humanos.
institucional do Poder Legislativo e do próprio STF. Regime jurídico dos
A assertiva "E" está errada, O enunciado trata do entendimento aplicado efeitos da decisão para o Poder Judiciário e Administração Pública. Pre-
peia Corte IDH no paradigmático caso Blake vs. Guatemala. Foi também o cedentes do STF. (6 pontos)
entendimento adotado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos • Repercussão internacional da decisão do STF em comparação com o
no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. sistema Internacional e/ ou interamericano de direitos humanos (Caso
GABARITO: Letra C. "Gomes Lund" com sentença de 24.11.2010). Menção às consequências
no campo dos direitos políticos. Efeito penal e extinção de punibilida-
(MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR — PROMOTOR, 2013 — FASE DISCURSIVA) de (fundamento: art. 107, II, CP e/ou art. 123, II, CPM). Conhecimento da
i.b. (30 PONTOS) Em 29.04.2010, o plenário do Supremo Tribunal Fede- polêmica em relação à possibilidade de persecução penal. Efeitos civis
ral encerrou o julgamento da ADPF n° 153 e reconheceu a plena validade e indenização. Responsabilidade civil do Estado. Responsabilidade do

262 j JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 263
particular. Fundamentos {art. 63 (1) da Convenção Americana de Dire Supremo Tribunal Federal no controle de convencionalidade do Sistema
tos Humanos; art. 3, VII, da Lei n° 12.528/2011, dentre outros). [ nfoque Inieramericano de Direitos Humanos, analise criticamente e cite três ca-
constitucional. (6 pontos)
*os jurisprudenciais pertinentes ao assunto.
• A Comissão da Verdade não tem caráter jurisdicional ou persecutório GABARITO ADOTADO PELA BANCA: "(...) NOS casos divergentes, o STF, em suas de-
o
(art. 4, § 4 , da Lei n° 12.528/2011). Análise de sua compatibilidade entre . r.ors, desrespeita precedentes da Corte IDH, como a ADPF 153 e o Caso
sua criação e a decisão do STF. Atuação do Ministério Público Federal (lomes Lund".
e análise de sua compatibilidade com as exceções do regime jurídico
da anistia de 1979 (art. i°, § 2°, Lei n° 6.683/79). Sequestro e prescrição, ( P G R — 28 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2015 — ADAPTADA)
O

Atuação do Ministério Público Federal e polêmica em torno do respeito Assinale a alternativa correta:
à decisão do STF. (6 pontos) () ( ostume internacional e as resoluções vinculantes do Conselho de Se-
gurança da Organização das Nações Unidas são incorporadas interna-
• Regime jurídico dos tratados no Brasil. Hipóteses de tratados que versem
mente no direito brasileiro por intermédio de decreto presidencial.
sobre direitos humanos antes e depois da Emenda Constitucional n°
o 0
45/2004 (art. 5 , § 2° da Constituição e art. 5 , § 3°,da Constituição). Prece GABARITO:Errado. O costume internacional é aplicado diretamente no orde-
dentes do STF (RE 80004; RE n° 349.703; RE n° 466.343). Supralegalidade i lamento jurídico brasileiro sem qualquer processo formal de incorporação.
dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos (6 pontos)
(DPE/RJ — DEFENSOR PÚBLICO, 2015 — PROVA DISCURSIVA I FASE) Em A

• Menção à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos com


dezembro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade publicou relatório
base na Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San
final, após exaustivas investigações, sobre as violações de direitos hu-
José da Costa Rica). Arts. 6i a 65. Eventuais limites impostos pelo Go-
verno Brasileiro e aceitação da jurisdição da Corte. Decreto n° 678/92. manos perpetradas pelo Estado entre os anos de 1946 e 1988. Entre as
Questões de direito intertemporal. Enfoque constitucional. (6 pontos) recomendações da CNV:
"// Recomendações
(27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2014 — PROVA ORAL) A Corte
O

(11) Fortalecimento das Defensorlas Públicas


Interamericana de Direitos Humanos admite a "teoria da quarta instância"?
jy. No contexto das graves violações de direitos humanos investigadas pela
A teoria da "quarta instância" não é admitida pela Corte
BREVE RESPOSTA:
CNV, sobressaiu a percepção de que a dificuldade de acesso dos presos à Jus-
Interamericana de Direitos Humanos. O ponto em questionamento foi
tiça facilitou grandemente a possibilidade de que fossem vítimas de abusos,
analisado anteriormente.
por ação ou omissão da administração pública. Como esse quadro subsiste
{27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2014 — PROVA ORAL) A Cor-
O nos dias de hoje, recomenda-se o fortalecimento das Defensorlas Públicas,
te Interamericana de Direitos Humanos possui competência para julgar t riadas constitucionalmente para o atendimento da população de baixa
determinado Estado por fatos anteriores a admissão por este Estado da renda e revestidas das condições institucionais para propiciar maior proteção
sua jurisdição? das pessoas detidas. O contato pessoal do Defensor Público com o preso nos
distritos policiais e no sistema prisional é a melhor garantia para o exercício
O candidato deveria afirmar que, em regra, a Corte Intera-
BREVE RESPOSTA:
pleno do direito de defesa e para a prevenção de abusos e violações de direi-
mericana não julga Estados por fatos ocorridos antes que estes realizam
tos fundamentais, especialmente tortura e maus-tratos". (Relatório Final da
a adesão de sua jurisdição. Entretanto, também deveria ser ressaltado
Comissão Nacional da Verdade, Parte V, Recomendações, pág 969). Nesse
o entendimento paradigmático do caso Blake vs. Guatemala e também
contexto, defina Justiça Transicional, apontando seus elementos centrais e
aderido pela Corte IDH no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil.
as possíveis hipóteses de atuação do Defensor Público (6 pontos).
(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — PROVA DISCURSIVA) Discorra Em virtude da não disponibilização de um "espelho" de prova
GABARITO:
sobre o diálogo entre a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o pela banca examinadora da Defensoria Pública do Estado do Rio de Ja-

264 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 0 BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 265
neiro, os autores desta obra sugerem o seguinte gabarito. Um mm eil
de Justiça de Transição que poderia ser lembrado pelo candidato seria I
Justiça de Transição como um conjunto de mecanismos judiciais ou ex- Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde
trajudiciais utilizados por uma sociedade como um ritual de passagem
à ordem democrática após graves violações de direitos humanos por vs. Brasil
regimes autoritários e ditatoriais, de forma que se assegure a responsa
bilidade dos violadores de direitos humanos, o resguardo da justiça e 8 ÓRGÃO JULGADOR:
busca da reconciliação. Já os elementos centrais, também chamados de
"dimensões" por boa parte da doutrina, foram definidos pelo Conselho de
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
Segurança da ONU na seguinte ordem: a) direito à memória e à verdade;
b) direito à reparação das vítimas (e seus familiares); c) o adequado trata SFNTENÇA:
mento jurídico aos crimes cometidos no passado; d) a reforma das institui Ainda pendente de j u l g a m e n t o pela Corte IDH
ções para a democracia. No contexto da Justiça de Transição e da recons
trução das instituições democráticas, o Defensor Público pode se deparai
com diversas situações práticas. A mais comum é o ajuizamento de ações
indenizatórias em favor das vítimas torturadas no período ditatorial pelos
275
agentes estatais . No mesmo contexto, o Defensor Público pode postulai RESUMO D O CASO
aos órgãos internacionais de direitos humanos para responsabilizar o Es-
tado brasileiro por acontecimentos atentatórios aos direitos humanos que I ntre o final do ano de 1988 e o início de 1989, a Polícia Federal recebeu
se tenham dado na época da ditadura militar brasileira. Por fim, é possível denuncias de trabalho escravo em inúmeras fazendas na região do mu-
276
atribuir aos Defensores Públicos Federais a tarefa de defenderem juízo os nicípio de Sapucaia, no estado do Pará, entre as quais estava a Fazenda
militares denunciados por crimes cometidos à época da ditadura, caso os Brasil Verde. Após as denúncias, as autoridades estatais realizaram fre-
denunciados não possuam advogado particular, pois o direito à defesa deve quentes visitas e inspeções à Fazenda Brasil Verde com o intuito de veri-
ser conferido também aos possíveis violadores de direitos humanos. ficar as condições lá existentes para o desempenho da atividade laboral.
0 proprietário da Fazenda Brasil Verde formava parte do Grupo Irmãos
1 iiiagliato, que possuía inúmeras fazendas na região e aproximadamente
1 eirto e trinta mil cabeças de gado. Após inúmeras visitas, as autoridades
estatais, entre elas a Polícia Federal, verificaram a existência de trabalho
escravo no seio da Fazenda, além de irregularidades nos direitos traba-
lhistas dos empregados e falhas estruturais na área da fazenda. Como se
não bastassem tais violações, dois trabalhadores adolescentes desapare-
ceram da Fazenda Brasil Verde e jamais foram encontrados.
I oi constatado que a maioria dos trabalhadores rurais percorria um longo
trajeto para chegar até a Fazenda Brasil Verde e recebia quantias irrisórias
l o m o pagamento. O grupo de trabalhadores era formado majoritaria-
mente por homens entre 15 e 40 anos de idade, afrodescendentes e par-
275 Vale relembrar que esta pretensão é imprescritível, conforme j á comentado nesta obra. dos, oriundos dos estados mais pobres do país e, portanto, em situações
276 As ações penais visando responsabilizar os agentes da ditadura militar por violações que lhes proporcionavam exíguas possibilidades de trabalho.
de direitos h u m a n o s são processadas e j u l g a d a s na Justiça Federal. A s s i m , e m caso
de necessidade de designação de um Defensor Público para um caso envolvendo a
O processo penal instaurado em 1997 em razão da condição análoga à de
matéria, a defesa recairá sobre um m e m b r o da Defensoria Pública da União. escravo reconhecida pela Polícia Federal na Fazenda Brasil Verde foi extinto

2Ó6| JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 267
19
cmhsdo ou aquiescência"' . Estes elementos foram fixados em alusão à
em 2007 em virtude da prescrição. A ação civil pública instaurada em 2000
perante a Justiça do Trabalho resultou em acordo de conciliação entre o 1 1 invenção 29 da OIT que regulamenta o tema do trabalho forçado, sempre
proprietário da Fazenda Brasil Verde e o Ministério Público do Trabalho. Erj t luz da Convenção Americana de Direitos Humanos. No caso Fazenda Bra-
tretanto, as graves violações de direitos humanos não foram cessadas. ull Verde, a Corte IDH terá a oportunidade de se pronunciar sobre se houve
•11 nao omissão ou aquiescência das autoridades estatais.
No dia 12 de novembro de 1998, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o
Ainda no que diz respeito a temática do trabalho escravo, o Brasil jamais
Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL/Brasil) apresentaram
foi processado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, embora já
o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O Estado brasi-
leiro não cumpriu as recomendações expedidas pela Comissão IDH , que 277 linha reconhecido a sua responsabilidade por graves violações de direi-
submeteu o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos no dia 06 tos humanos em âmbito trabalhista diante da Comissão Interamericana
280
de maio de 2015. de Direitos Humanos .

Em virtude de o caso ter sido submetido ao tribunal interamericano em Poi hm, a Corte Interamericana de Direitos Humanos será instada a se
maio de 2015, não houve até o fechamento desta edição o juízo de admis pionunciar sobre a chamada neoescravidão, ou seja, as novas formas de
28

sibilidade e tampouco o julgamento do caso Trabalhadores da Fazenda 151 i.ividão ' surgidas em meio ao avanço da tecnologia e da convivência
282

Brasil Verde vs. Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. do ser humano em uma sociedade de riscos .

P O N T O S IMPORTANTES PARA O CASO

1 . 0 caso Fazenda Brasil Verde permitirá à Corte I D H consolidar juris-


prudência sobre o trabalho forçado e as formas contemporâneas de
378
escravidão
O julgamento do caso Fazenda Brasil Verde pela Corte IDH será de suma
importância, pois a Corte de San José será instada a consolídarsuajurispru
dência sobre trabalho forçado e as formas contemporâneas de escravidão.
Entretanto, é mister ressaltar que, no caso Las Massacres de Ituango vs. Co-
lômbia, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já definiu os elemen-
tos necessários para a identificação de um trabalho forçado, a saber: "a) a
ameaça de sanção; b) o oferecimento não espontâneo para o trabalho; ec)a
atribuição a agentes do Estado, seja por participação direta ou seja por sua
jjg Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s . Caso de Las Masacres de Ituango vs. Co-
lômbia. Sentença de i ° de j u l h o de 2006. Série C, n° 148, parágrafo 166 (tradução livre).
.'80 N e s s e sentido, ver c a s o José Pereira vs. Brasil, e s t u d a d o nessa obra.
277 O Ministério Público Federal, através d a sua Procuradoria Federal d o s Direitos do
281 Ao decidir pela prescindibilidade d a restrição à liberdade d e l o c o m o ç ã o para q u e
Cidadão, c h e g o u a reunir-se c o m a Secretaria de Direitos H u m a n o s d a Presidência
reste caracterizado o c r i m e de redução à condição a n á l o g a d e escravo (Art. 149
da República para discutir a melhor maneira de i m p l e m e n t a r as recomendações
do C ó d i g o Penal), a j u r i s p r u d ê n c i a dos tribunais superiores parece c o m e ç a r a se
expedidas pela C o m i s s ã o Interamericana d e Direitos H u m a n o s . No final, as reco-
adaptar às formas contemporâneas de escravidão. Para maiores esclarecimen-
m e n d a ç õ e s não f o r a m c u m p r i d a s d e maneira satisfatória.
a
tos, ver: STJ, 3 Seção. C C 127.937-GO, Rei. M i n . Nefi Cordeiro, j u l g a d o e m 28/5/2014
278 Lembramos que recentemente o Brasil deu mais u m passo para combater as for-
(Info 543) e STF, Plenário. Inq 3412, Rei. p / Acórdão M i n . Rosa Weber, j u l g a d o e m
mas contemporâneas de trabalho escravo. Isso ocorreu com a promulgação da
Emenda Constitucional n ° 81 de 2014, que acrescentou ao artigo 243 da Consti- 29/03/2012.
tuição Federal u m a nova hipótese de expropriação de terras, qual seja, a perda da 282 Sobre a t e m á t i c a d a sociedade de riscos, ver B E C K , Ulrich. Sociedade de Risco: rumo
propriedade onde se constatar a situação de trabalho escravo. a uma outra modernidade. S ã o Paulo: Editora 34,2010.

O BRASIL NA IURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 269


268I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
I H 01 ridos na favela Nova Brasília. Do mesmo modo, a CIDH recomendou
iM ü i . c i l .1 r x i i n i j o i i m - i l i . i l . i d.i pi.illi .1 de m g i s l r . i i ,ts 11101 los cometidas
Caso Cosme Rosa Genoveva e outros vs. Brasil p e l o s agentes policiais como "resistência à prisão". Além de recomendar
ao Estado brasileiro que institua um sistema de controle interno e exter-
("Caso Favela Nova Brasília") no e de prestação de contas para tornar mais efetivo o dever de inves-
tigar, também foi recomendado que o Brasil treine suas forças policiais
ÓRGÃO JULGADOR: para que estas saibam lidar com os setores mais vulneráveis da socieda-
de, buscando assim superar o estigma de que todas as pessoas de baixa
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s tenda são criminosas em potencial.
No dia 19 de maio de 2015, a Comissão IDH concluiu que o Brasil não cum-
SENTENÇA: priu suas recomendações e submeteu o caso à Corte Interamericana de
Ainda pendente de j u l g a m e n t o pela Corte IDH Direitos Humanos.
I rn função de o caso ter sido submetido ao tribunal interamericano em
111,110 de 2015, não houve até o fechamento desta edição o juízo de admis-
sibilidade, tampouco o julgamento do caso Cosme Genoveva e outros vs.
RESUMO DO CASO
Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Nos dias 18 de outubro de 1994 e 8 de maio de 1995, agentes da Policia


Civil do Rio deJaneiro,ao participarem de operações na Favela Nova BrasJ P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O CASO
lia, situada dentro do Complexo do Alemão, foram responsáveis por vinte
e seis execuções extrajudiciais. Algumas das vítimas eram adolescentes, 1. Prescrição dos fatos e m âmbito interno e superação da coisa j u l g a -
que teriam sido submetidos a práticas sexuais e atos de tortura antes da doméstica
de serem executados. As mortes ocorridas na favela Nova Brasília foram Certamente, um dos argumentos que será alegado pelo Estado brasileiro
apuradas pelas autoridades policiais com o levantamento de "autos de em sua defesa no caso Favela Nova Brasília será a prescrição de muitos
resistência à prisão".
dos fatos denunciados pela Comissão Interamericana de Direitos Huma-
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos concluiu que os fatos nos à Corte de San José. Ocorre que na Corte Interamericana de Direitos
ocorreram em um contexto de uso excessivo da força pelos policiais da Humanos já há um precedente no qual ocorreu a superação da prescrição
Polícia Civil do Rio de Janeiro. O órgão da OEA também concluiu que as e da coisa julgada interna para que os agentes estatais fossem respon-
violações de direitos humanos ocorridas dentro do Complexo do Alemão sabilizados. Trata-se do caso Bulacio vs. Argentina, que tratou de uma das
foram patrocinadas por instituições estatais. maiores detenções em massa realizadas peia polícia do Estado argentino.
Os fatos ocorreram durante um show de rock and roli e resultaram em
Em âmbito interno, a morte das vinte e seis pessoas e os atos de tortu-
maus tratos e na tortura e subsequente morte do adolescente Walter Da-
ra e violência sexual permanecem impunes. Ademais, tanto os atos de
vid Bulacio. O processo contra o agente policial responsável pela morte
tortura e violência sexual da operação ocorrida no dia 18 de outubro de
de Bulacio foi alcançado pela prescrição e o Governo argentino alegava
1994 quanto as mortes ocorridas na operação do dia 8 de maio de 1995
a ocorrência de coisa julgada doméstica para não punir o agente estatal.
prescreveram no ordenamento jurídico doméstico.
Ainda assim, a Argentina foi processada e posteriormente condenada na
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou ao Esta- Corte Interamericana de Direitos Humanos pela situação de impunidade
do brasileiro uma investigação exaustiva e conduzida por autoridades envolvendo a morte do jovem Bulacio. O tribunal interamericano orde-
imparciais para que fosse possível responsabilizar os autores dos fatos nou que fossem desconsiderados óbices ã punição do agente estatal por

270 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 271
parte da ordem interna, e o policial responsável pela morte adolescente I, 1 , - . . | M > i i - . - i l . 1 1 n I . n I . • | H - | - , ' , r i i ' . . m - ,
( l ' Atualmente,iHM.e.odeiesislem u
foi condenado a três anos de prisão em 2013. Para elucidar melhor o tema A prisão, o Código de Processo Penal autoriza o uso de quaisquer meios
da prescrição e o caso Bulacio, é a lição de André de Carvalho Ramos: "O necessários para que o policial se defenda ou vença a resistência e deter-
processo contra um agente policiai já durava mais de 10 anos e a sanção mina que seja feito um auto, assinado por duas testemunhas. Ocorre que,
dos responsáveis pelas violações tinha sido obstaculizada depois da pres- •, inlorme já determinou a Comissão Interamericana de Direitos Huma-
crição da ação penai, existindo, então, coisa julgada nacional a favor do nos , tal prática vai de encontro ao arcabouço normativo da proteção
acusado. A Argentina reconheceu sua responsabilidade internacional por Internacional dos direitos humanos, porque, muitas vezes, impossibilita
violação dos direitos à vida, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, às 3 responsabilidade por crimes perpetrados por agentes estatais. Outros-
garantias judiciais e à proteção judicial e aos direitos da criança. Em relação -.iin, a prática dos "autos de resistência à prisão" mascara dados estatís-
286
às medidas de reparação, a Corte reforçou que a grave violação de impuni ticos sobre a criminalidade brasileira , além de deixar os familiares das
dade deveria ser revertida e que o Estado deveria concluir a investigação c vítimas sem qualquer resposta estatal sobre o que realmente ocorreu em
sancionar os responsáveis independentemente de qualquer óbice de direito determinado fato e quem foram os responsáveis pela eventual prática
interno, ou seja, exigiu a superação da coisa julgada nacional em favor do criminosa. Nesse sentido, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidên-
direito dos familiares à justiça. Depois do intenso debate interno de como (la da República, juntamente com o Conselho de Defesa dos Direitos da
287

cumprir a decisão da Corte IDH, houve reabertura do caso e, em 2013, um is ,soa Humana ,editou a Resolução n° 8/2012, na qual dispõe sobre "a
acusado de detenção arbitrária foi finalmente condenado a três anos de
2S
prisão" \ O caso Walter Bulacio vs. Argentina será devidamente aprofun-
dado na segunda edição deste livro. Entretanto, ressalta-se desde já a si- 284 É i m p o r t a n t e ressaltar que não se está a f i r m a n d o aqui que todo e q u a l q u e r uso
militude entre o caso Favela Nova Brasília e o caso envolvendo a morte da expressão " a u t o de resistência" objetiva dar a p a r ê n c i a de legalidade a u m a
situação ilegal. É evidente que, dentre as i n ú m e r a s pessoas que m o r r e m nos c o n -
do jovem argentino, pois ambos tratam da morte de pessoas por agentes frontos c o m a polícia, a l g u m a s resistem à prisão de maneira desarrazoada e des-
estatais, envolvem a presença de adolescentes entre as vítimas e, por fim, proporcional, a t e n t a n d o contra a vida dos a g e n t e s estatais. Porém, m e s m o nestes
lidam com a questão da prescrição dos processos penais em âmbito do- casos, as expressões "resistência s e g u i d a de m o r t e " ou " a u t o de resistência à pri-
s ã o " são insuficientes e não d e v e m por si só dar fim a q u a l q u e r a p u r a ç ã o sobre
méstico. A tendência da Corte Interamericana de Direitos Humanos é de
o a c o n t e c i m e n t o . É necessário que, e m t o d o e q u a l q u e r contexto, os boletins de
que seja adotado o entendimento firmado no Caso Bulacio. ocorrência e os procedimentos investigatórios s e j a m a m p l a m e n t e f u n d a m e n t a -
dos, descrevendo c o m detalhes a situação e o c o n t e x t o em que os fatos ocorreram,
2. Posição da Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s sobre a prá- seja para obedecer aos preceitos da atual ordem constitucional brasileira, seja
para obedecer aos preceitos do arcabouço n o r m a t i v o de proteção internacional
tica denominada "autos de resistência à prisão"
dos direitos h u m a n o s . É t a m b é m , u m a f o r m a de prestar contas à sociedade.
A prática de "autos de resistência à prisão", corriqueira nos anos de chum- .»85 Site da C o m i s s ã o Interamericana de Direitos H u m a n o s , 12 de j u n h o de 2015: CtDH
bo da ditadura brasileira e infelizmente ainda utilizada pela polícia bra- apresenta caso sobre o Brasil à Corte IDH. < h t t p : / / w w w . o a s . o r g / p t / c i d h / p r e n s a /
sileira, consiste no ato de utilizar expressões genéricas e desprovidas de notas/2015/069.asp>.
qualquer fundamentação idônea como "autos de resistência" ou "resis- 286 O uso de "autos de resistência"estimula a famosa cifra amarela da criminalidade: são
aqueles crimes praticados por arbitrariedades policiais que sequer c h e g a m ao conhe-
tência seguida de morte" pelos agentes da polícia em seus boletins de
cimento do órgão fiscalizador da polícia. C o m isso, além de muitas vezes não retratar
ocorrência e até em inquéritos policiais, para justificar determinados de- o real contexto em que o conflito ocorreu, resta t a m b é m comprometida a veracidade
litos cometidos pelos próprios agentes policiais no desempenho de suas das informações enviadas aos órgãos internacionais dedireitos humanos, pois os " a u -
funções, o que acaba ocasionando, muitas vezes, uma irreal aparência de tos de resistência" acabam influenciando as estatísticas relativas a homicídios, porém
legalidade à situação, encerrando as investigações e eximindo os autores sem influenciar o número de pessoas mortas por arma de fogo. Esta realidade foi des-
tacada pelo Relator Especial sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias e Ilegais da O N U ,
Dr. Philip Alston, por ocasião da sua visita ao Brasil em novembro de 2007.
287 Recentemente, a Lei 12.986/2014 t r a n s f o r m o u o C o n s e l h o de Defesa dos Direitos
283 RAMOS, A n d r é de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. S ã o Paulo: Saraiva da Pessoa H u m a n a e m Conselho Nacional dos Direitos H u m a n o s ( C N D H ) , revo-
2015, p.332. gando-se assim a Lei 4,319/1964.

272 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 273
abolição de designações genéricas, como 'autos de resistência', 'resistência
seguida de morte', em registros policiais, boletins de ocorrência, inquéritos
policiais e notícias de crime"288. Além de estabelecer uma série de medi-
das a respeito do tratamento do tema, a Resolução n° 8/2012 destaca a
inexistência na legislação brasileira de uma excludente de ilicitude de
nominada "resistência seguida de morte", frequentemente documenta
da como "auto de resistência ã prisão", devendo o registro ser realizado
como homicídio decorrente de intervenção policial e, no curso da investi
gação, deve-se verificar se houve ou não eventual excludente de ilicitude.
Além disso, está pronto para ser votado na Câmara dos Deputados o PL
4.471/2012 que cria regras rigorosas para a apuração de mortes e lesões
corporais decorrentes da ação de agentes do Estado, tais como policiais. A
Corte Interamericana de Direitos Humanos será instada a se manifestar
sobre o tema em um futuro próximo.

3. Primeiro caso brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Huma-


nos envolvendo o tema da impunidade em casos de violência policial
O caso Favela Nova Brasília também requer uma atenção especial dos
leitores em virtude da temática envolvida no feito. É do conhecimento
de todos que a violência praticada por agentes da polícia é uma prática
grave e atentatória aos direitos humanos, constituindo-se em uma das
maiores mazelas do sistema penal brasileiro. Dessa forma, ao julgar o
caso Cosme Rosa Genoveva e outros vs. Brasil, o tribunal interamericano
possui a chance de contribuir para a mudança desta triste realidade ins-
talada no cotidiano daqueles que são submetidos a persecução penal em
289
terras brasileiras .

CAPÍTULO IV

288 A Resolução n° 8 de 20 de d e z e m b r o de 2012 foi publicada no D O U de 21/12/2012


(n° 246, Seção i, p.g).
O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS
289 A i m p l e m e n t a ç ã o da audiência d e c u s t ó d i a , prevista na C o n v e n ç ã o A m e r i c a n a de
Direitos H u m a n o s , é outro instituto que visa c o m b a t e r possíveis arbitrariedades
DA CORTE INTERAMERICANA DE
praticadas por a g e n t e s estatais. Para maiores i n f o r m a ç õ e s acerca do t e m a , ver
Caso Tibi vs. Equador.
DIREITOS HUMANOS

274 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS


dl 11.10 mais permanecer o cenário de gravidade, urgência e necessidade de
; 11 «venir danos Irreparáveis à Integridade e à vida dos internos da Peniten-
11 MM Urso Branco.oque não desobriga o Estado brasileiro, porém,de suas
Caso Penitenciária Urso Branco 1 il 11 ígações convencionais de vigilância e proteção.

ÓRGÃO JULGADOR: PRINCIPAIS P O N T O S SOBRE O CASO

Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s 1, Eficácia dos direitos humanos nas relações entre particulares
N,i Resolução adotada pela Corte Interamericana em 07/07/2004, o juiz
JULGAMENTO: 1 .inçado Trindade ressaltou em seu voto concordante que a obrigação de
proteção por parte do Estado não se limita às relações verticais deste com
Medidas Provisórias determinadas e m 2002 e 1
a , pessoas sob sua jurisdição, estendendo-se também, em determinadas
fiscalizada até 25 de agosto de 2011 1 ni unstâncías, às relações horizontais entre particulares, principalmente
quando verificada a situação de custódia, já que agressores e vítimas en-
i ontravarn-se presos, aos cuidados do Estado.

RESUMO DO CASO
i. Primeiro Pacto para revogação de medidas provisórias
( onforme registra André de Carvalho Ramos, "A assinatura do 'Pactopara
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à Corte In- Melhoria do Sistema Prisional do Estado de Rondônia e Levantamento das
teramericana de Direitos Humanos, em 06/06/2002, uma solicitação de Medidas Provisórias Outorgadas pela Corte interamericana de Direitos Hu-
medidas provisórias em favor dos internos da Casa de Detenção José Ma- manos'foi algo inédito no Brasil, sendo criado um instrumento de cobrança
rio Alves, conhecida como "Penitenciária Urso Branco", localizada na cida- de implementação das obrigações internacionais assumidas pelo Brasil in-
de de Porto Velho, Estado de Rondônia, no Brasil. O objetivo era o de evitar 19
ternacionalmente" ". No entanto, a assinatura do referido Pacto não eli-
que continuasse a morrer internos naquela unidade prisional. minou os problemas do sistema penitenciário do Estado de Rondônia, o
Após diversas outras Resoluções (em 2002, 2004,2005, 2008 e 2009) res- que ensejou com que o Procurador-Geral da República ajuizasse no STF
saltando o dever de o Estado melhor executar o cumprimento das medidas um pedido de Intervenção Federal (IF 5129) em razão do descumprimento
292
provisórias para prevenir mais mortes na Penitenciária Urso Branco, a Corte a direitos humanos em presídio .
Interamericana adotou sua última Resolução sobre o caso em 25/08/2011,
ocasião em que, considerando (I) que desde dezembro de 2007 não se re- I N C I D Ê N C I A E M PROVAS DE CONCURSOS
gistravam mortes violentas ou motins na Penitenciária Urso Branco, (II) que
o Estado estava investigando adequadamente as denúncias de violência (PGR — 2 5 ° CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2 0 l t — PROVA
ou maus tratos apresentadas pelos representantes das vítimas e, principal- ORAL) Fale sobre o caso Urso Branco.
mente, (III) que o Estado de Rondônia firmou com os representantes das ví- O candidato deveria apresentar uma síntese do que foi res-
BREVE RESPOSTA:
timas um "Pacto para Melhoria do Sistema Prisional do Estado de Rondônia saltado anteriormente, salientando, ainda, principalmente por ter se tra-
e Levantamento das Medidas Provisórias Outorgadas pela Corte Interame-
590
ricana de Direitos Humanos" , revogou as medidas provisórias em razão
291 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 451.
290 Embora o Pacto t e n h a sido proposto pelo Estado de R o n d ô n i a , a União t a m b é m 292 Ver PGR pede intervenção federai em Rondônia por descumprimento a direitos hu-
c o n s t o u c o m o parte aderente, a s s u m i n d o diversas obrigações no â m b i t o do Mi- manos em presidio: < http://www.stf.jus.br/porta l/cms/verNoticiaDetalhe.asp?id-
nistério da Justiça e do D e p a r t a m e n t o Penitenciário N a c i o n a l (DEPEN). Conteudo-97379>.

276 [ JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 277
tado de um concurso do MPF, o ajuizamento de pedido de Intervenção I m //7/2004, a Corte Interamericana ditou nova resolução que reiterava
Federal pelo PGR. Al demais resoluções adotadas ao longo dos últimos dois anos.

(PGR — 25 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2011 — PROVA


O ii-udii o lexto acima como referência inicial, julgue os itens seguintsm
ORAL) Cite algum caso em que o Brasil descumpriu uma medida provisó- II r u a de medidas provisórias em matéria de proteção internacional dos
ria da Corte Interamericana de Direitos Humanos. (Ex: Caso Urso Branco). direitos humanóse a respeito do regime jurídico das obrigações interna-
(lonais de proteção dos direitos da pessoa humana.
BREVE RESPOSTA: O Caso Penitenciária Urso Branco, conforme vimos, é um
exemplo, que motivou o ajuizamento do pedido de Intervenção Federal. A obrigação geral de garantia do gozo e exercício livre e pleno dos direi-
los previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos é uma obri-
(AGU — ADVOGADO DA UNIÃO, 2004 — CESPE ) Ante a grave situação gaçào de natureza erga omnes. Assim, no caso da Penitenciária de Urso
em que se encontravam os internos e outras pessoas na Casa de Detenção Branco, objeto do texto considerado, o Estado não pode eximir-se de sua
José Mário Alves, conhecida como Penitenciária de Urso Branco, localizada irsponsabilidade internacional pela violação dos direitos à vida e à infe-
na cidade de Porto Velho, no Estado de Rondônia, Brasil, a Corte Interame- cí Idade pessoal devido ao fato de que os atos de violência que geraram
ricana de Direitos Humanos adotou, por solicitação da Comissão Intera- ditas violações foram perpetrados por algumas das pessoas detidas em
mericana de Direitos Humanos, diversas medidas provisórias datadas de detrimento de outros detentos.
18/6/2002,29/8/2002 e 24/4/2004, às quais se agregam as cartas enviadas
ao Estado brasileiro pela própria Corte em 6/3/2003,1*75/2003 e 7/1/2004. GABARITO:Certo. O candidato deveria se recordar que, conforme ressaltou
0 juiz Cançado Trindade em seu voto, lição que se repete em inúmeros
A primeira resolução da Corte Interamericana em matéria de medidas outros casos da jurisprudência da Corte Interamericana, os direitos hu-
provisórias acima mencionada considerou, entre outras situações graves, manos ou fundamentais também se aplicam na relação horizontal entre
de atenção urgente, a frequência com que se haviam perpetrado homi particulares, o que enseja com que o Estado, nas relações de custódia ou
cídios na referida penitenciária e a forma como ocorreram. As mortes se de vigilância, como é o caso da prisão, seja responsabilizado pela omis-
apresentaram em circunstâncias de grande violência e notória perda de são quando não garante o cumprimento da pena em condições ajustadas
controle da prisão por parte das autoridades correspondentes. Por esse com o que dispõe a legislação de regência, nacional e internacional.
motivo, a Corte Interamericana considerou pertinente adotar medidas
provisórias destinadas, sobretudo, à preservação da vida e da integridade (TRF 5 REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2004 — CESPE) A Corte Interamericana
A

física dos reclusos da Penitenciária de Urso Branco.


de Direitos Humanos, em função das atribuições que lhe conferem o ar-
Não obstante as reiteradas instâncias da Corte Interamericana, não se tigo 63.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o artigo 25
logrou a correção das condições prevalentes nessa instituição. Os mais de seu Regulamento, RESOLVE:
recentes informes noticiam que continuam os atos de violência com re- 1. Requerer ao Estado que:
sultados fatais: persistem o cometimento de homicídios e outros fatos
. adote todas as medidas que sejam necessárias para proteger eficaz-
de suma gravidade. Aparentemente, essas condições têm prevalecido ao
mente a vida e a integridade pessoal de todas as pessoas recluidas
longo de dois anos, período em que foram editadas as resoluções da Cor-
na penitenciária, assim como as de todas as pessoas que ingressem
te em matéria de medidas provisórias, além das medidas cautelares soli-
na mesma, entre elas os visitantes;
citadas previamente pela Comissão Interamericana.
. adeque as condições da mencionada penitenciária às normas inter-
Considerando esses fatos, a Corte convocou uma audiência, realizada na
a r a nacionais de proteção dos direitos humanos aplicáveis à matéria;
sede do Tribunal, em São José, Costa Rica, em 28/6/2004, P escutar os
informes sobre essa situação dados pelos representantes dos internos da . remeta à Corte uma lista atualizada de todas as pessoas que se en-
Penitenciária de Urso Branco, que atuam como peticionários,assim como contram recluidas na penitenciária, de maneira que se identifiquem
a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Estado. as que sejam colocadas em liberdade e as que ingressam no referido

278 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 279
centro penal, e indique o número e nome dos reclusos que se encon- 11 pedido de nova-, medula-, p m v i s n n a s ,1 respeilo da Republica Federativa
tram cumprindo condenação e dos detentos sem sentença conde» do Brasil, no caso da penitenciária Urso Branco, julgue os itens a seguir.
natória e que, ademais, informe se os reclusos condenados e os não • manto ao PR t, o Estado brasileiro estaria correto se solicitasse a sus-
condenados se encontram localizados em diferentes seções; I" 11 ..todo cumprimento dessas medidas provisórias, sob o argumento de
. investigue os acontecimentos que motivam a adoção das medidas <|M< .devido à sua forma federativa,tais providências seriam competência
provisórias com o fim de identificar os responsáveis e impor lhes as ile um de seus estados-membros, razão pela qual não estaria internacio-
sanções correspondentes, incluindo a investigação dos acontecimen nalmente obrigado a lhes dar cumprimento.
tos graves ocorridos na Penitenciária Urso Branco depois de a Corte (.AHAKiTo: Errado. A forma federativa de Estado não inibe nem inviabiliza a
ter emitido as Resoluções de i8 de junho e 29 de agosto de 2002; responsabilização do pais pelas violações a direitos humanos ocorridas em
• submeta ã Corte um relatório, no máximo em 3 de maio de 2004, sobre: 1 11 lorritório, seja no âmbito dos Estados ou dos municípios. Neste sentido,
lltabelece o art. 28a da CADH que "Quando se tratar de um Estado-parte
. o cumprimento e a implementação das medidas indicadas nos an-
11 instituido como Estado federal, o governo nacional do aludido Estado-par-
teriores incisos deste ponto resolutivo;
te t iimprirá todas as disposições da presente Convenção, relacionadas com as
• os acontecimentos e problemas expostos no escrito da Comissão matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial".
de 20 de abril de 2004 e seus anexos, em particular sobre a grave
* As medidas provisórias ditadas pela Corte Interamericana, no caso em
situação de amotinamento que atualmente prevalece na mencio-
tela, beneficiam os reclusos da penitenciária Urso Branco e os não-re-
nada penitenciaria, as medidas adotadas para solucionar tal situa
clusos que se encontrem na situação de reféns, independentemente
cão, e se algumas das supostas "170 pessoas em situação de reféns
do vínculo de nacionalidade brasileira, uma vez que o vínculo exigido é
em mencionada penitenciária" não são reclusos; e iii as medidas
o da relação entre os reclamantes e o perigo de dano irreparável ou de
adotadas para solucionar a atual situação de amotinamento dos
grave violação aos direitos à vida e à integridade física que denunciam.
reclusos,
GABARITO: Certo.
2. Reiterar ao Estado e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
a solicitação de tomar as providências necessárias para coordenar e (POLÍCIA CIVIL/TO, 2014 — AROEIRA, ADAPTADA) No decorrer de sua
supervisionar o cumprimento das medidas provisórias ordenadas pela história, as decisões da Corte Interamericana são de suma importância
Corte, em conformidade com o disposto no ponto resolutivo terceiro para efetivação dos direitos humanos no Brasil. Nesse sentido, acerca
da Resolução de 29 de agosto de 2002. Ademais, o Estado e a Comissão da responsabilidade internacional dos Estados pela observância dos di-
Interamericana de Direitos Humanos deverão informar sobre o resul- reitos humanos e da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
tado da implementação de tais providências. Humanos, o caso Urso Branco configura-se como um evento de abuso
3. Solicitar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e aos peticio- cometido por policiais, com o apoio de proprietários rurais contra tra-
nários das medidas que apresentem suas observações ao relatório esta- balhadores sem-terra.
tal solicitado no prazo de 10 dias contados a partir de seu recebimento. Errado. O Caso Urso Branco configura-se como um evento de
G A B A R I T O :

4. Convocar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, os peticio- r.ilha do Estado em propiciar um ambiente prisional livre de violências,
nários das medidas e o Estado a uma audiência pública que se realizará agressões e demais violações a direitos humanos.
na sede da Corte em 28 de junho de 2004, a partir das 15 h 30 min, para
conhecer seus argumentos sobre o cumprimento das medidas provi-
sórias ordenadas no presente caso.
Considerando o texto acima transcrito, referente aos pontos resolutivos
(PRs) ditados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que acolheu

280 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 281
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, medidas provisórias
Caso crianças e adolescentes privados <*m favor dos adolescentes internos no Complexo Tatuapé da Fundação
I ••t.idual do Bem-Estar do Menor do Estado de São Paulo (FEBEM/SP) e
de liberdade no "Complexo do Tatuapé" convocou o Estado brasileiro para audiência pública sobre as menciona-
da FEBEM das medidas no dia 29 do corrente. A partir dos textos acima, julgue o
liem a seguir.
ÓRGÃO JULGADOR: . No caso do complexo Tatuapé da FEBEM/SP, as supostas vítimas, seus
Familiares ou seus representantes devidamente acreditados podem
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s apresentar uma solicitação de medidas provisórias diretamente à Cor-
te Interamericana de Direitos Humanos.
DECISÃO: GABARITO:Certo. Dispõe o art. 27.2 do Regulamento da Corte Interameri-
Medidas provisórias determinadas e m 2005 e 1 ana que "Tratando-se de assuntos ainda não submetidos à sua consi-
deração, a Corte poderá atuar por solicitação da Comissão". E o art. 27.3,
fiscalizadas até 25/11/2008 por sua vez, estabelece que "Nos casos contenciosos que se encontrem
em conhecimento da Corte, as vitimas ou as supostas vitimas, ou seus
representantes, poderão apresentar diretamente àquela uma petição de
RESUMO DO CASO
medidas provisórias, as quais deverão ter relação com o objeto do caso".
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à Corte Intera Como o Caso Complexo do Tatuapé já havia sido submetido à Corte,
mericana de Direitos Humanos, em 08/10/2005, uma solicitação de medi- ainda que em sede de cognição de emergência (solicitação de medidas
das provisórias com o propósito de que o Estado brasileiro fosse compelido provisórias), as vítimas ou seus representantes poderiam continuar no
a protegera vida e a integridade pessoal das crianças e adolescentes que es- processo, pleiteando outras medidas provisórias ou reiterando pedidos
tavam internadas no "Complexo do Tatuapé" da FEBEM (Fundação Estadual anteriores feitos pela Comissão.
do Bem-Estardo Menor de São Paulo) e das pessoas que poderiam ingressar
futuramente na qualidade de internos no mencionado centro de internação.

Após diversas outras Resoluções (em 2005,2006 e 2007) ressaltando o dever de


o Estado melhor executar o cumprimento das medidas provisórias para preve-
nirepisódios de violência no Complexo doTatuapé, a Corte Interamericana ado-
tou sua última Resolução sobre o caso em 25/11/2008, ocasião em que, consi-
derando os avanços alcançados pelo Estado na proteção dos direitos humanos
dos jovens privados de liberdade em São Paulo, e principalmente, ainda, tendo
em conta que a referida unidade prisional foi completamente desativada e as
e
suas instalações destruídas em 16/10/2007, também, que o Estado construiu
novas unidades de internação em conformidade com o novo padrão estrutural,
revogou as medidas provisórias, determinando, então, o arquivamento do caso.

I N C I D Ê N C I A E M P R O V A S DE C O N C U R S O S

(AGU — PROCURADOR FEDERAL, 2006 — CESPE) No dia 17 de novembro,


a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou, por solicitação

282 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISORIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 283
FI* jurisprudência da Corte, se refere ao "caráter tutelar, M A I S que caute-
lar, das medidas provisórias de proteção". Vejamos a sua lição: "No uni-
Caso das pessoas privadas de liberdade na
¡VTRÍO conceituai do Direito Internacional dos Direitos Humanos, — como
Penitenciária "Dr. Sebastião Martins Silveira", |#N/í0 assinalado em sucessivos Votos nesta Corte e em distintos estudos,
São Paulo ,1 ni, 1 lulas provisorias dr piolet ao tem passado a salvaguardar, mais
./1 • guru eficácia da função jurisdicional, os próprios direitos fundamentais
ÓRGÃO JULGADOR: dn pessoa humana, revestindo-se, assim, de um caráter verdadeiramente
tulriar, mais do que cautelar. Para isto tem contribuído decisivamente a
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s iyrisprudêncla da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a mate-
AN, mais do que a de qualquer outro tribunal internacional até o presente.
•.,ia i onstrução jurisprudencial a respeito, dotada de uma base convencio-
DECISÃO:
NAL, r verdadeiramente exemplar, sem paralelos — quanto a seu amplo al-
Medidas provisórias determindas e m 28/07/2006 e . atn e — na jurisprudência internacional contemporânea, tendo, nos últi-
fiscalizadas até 25/11/2008 mos anos e até o presente, explorado devidamente um grande potencial
de pioteção — por meio da prevenção — que se depreende dos termos do
9rtlgo 63(2) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Mas não
RESUMO DO CASO | tbstante os avanços logrados até pela Corte até o presente, ainda resta um
0
I, >nqo caminho a percorrer" (§ 3 ). Ou seja, as medidas provisórias, que or-
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à apreciação d
dinariamente, conforme lição elementar de Direito Processual, se desti-
Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 25/07/2006, uma solicitaçã
nam a proteger a eficácia da função jurisdicional ou o não perecimento
de medidas provisórias com o propósito de que o Brasil fosse compelido a
dn direito, transbordam essa função, chegando a — também — tutelar
proteger a vida e a integridade de todas as pessoas privadas de liberdade na
bl direitos fundamentais da pessoa humana. Daí porque se pode pedir
Penitenciária "Dr. Sebastião Martins Silveira", localizada em Araraquara, es
.1111,1 medida provisória na Corte Interamericana independentemente de
tado de São Paulo, assim como das pessoas que pudessem ingressar futura-
algum caso estar sendo processado diante de sua jurisdição.
mente na qualidade de reclusos ou detentos naquela Penitenciária. A Corte>
deferiu as medidas provisórias na Resolução adotada em 28/07/2006. 1. Problemas derivados da coexistência de m e d i d a s cautelares da
Após outras Resoluções ressaltando o dever de o Estado melhor executar o Comissão I n t e r a m e r i c a n a e de m e d i d a s provisórias da Corte Intera-
cumprimento das medidas provisórias, a Corte, em Resolução adotada em mericana
25/11/2008, observando que o Estado realizou uma série de medidas para resol- ( aneado Trindade, fazendo referência a votos por ele proferidos noutros
ver a situação da Penitenciária de Araraquara, tendo, inclusive, procedido com Julgamentos pela Corte, notadamente em Mery Naranjo e outros e tam-
a transferência de 1200 beneficiários para outros estabelecimentos prisionais bém em Gloria Girait dei Garcia Prieto e outros, afirma que: "primeiro, não
e também reconstruído integralmente aquela Penitenciária, que passou a fun 11' aplica o requisito do prévio esgotamento de recursos internos em soli-
cionar dentro de sua capacidade, entendeu por revogaras medidas provisórias. t ilações de medidas provisórias de proteção à Corte; dito requisito é uma
condição de admissibilidade de petições à Comissão, quanto ao fundo e
PRINCIPAIS P O N T O S SOBRE O C A S O
eventuais reparações do caso concreto. As medidas provisórias de proteção,
por sua vez, têm um rito sumário, em conformidade com a própria nature-
í. O caráter tutelar, mais q u e cautelar, das medidas provisórias d za desse instituto jurídico de caráter preventivo-tutelar, e por não prejulgar
proteção da Corte em nada o fundo do caso. Segundo, não existe requisito algum de prévio
Importante lição do — então — j u i z da Corte Interamericana Cançado esejotamento de medidas cautelares da Comissão antes de recorrer-se à
Trindade, reproduzida em inúmeros votos seus e também já incorporada ( orte para solicitar medidas provisórias de proteção. As medidas cautelares

284 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 285
da Comissão têm base tão somente regulamentar, e não convencional, I
não podem retardar —- às vezes indefinidamente — a aplicação de medi»
das provisórias de proteção pela Corte, dotadas estas de base convencional, Caso Unidade de Internação Socioeducativa
A insistência da Comissão em sua prática sobre medidas cautelares prévlm T

pode, em alguns casos, ter consequências negativas para as vitimas polen no Espírito Santo
ciais, e criar um obstáculo a mais para elas. Em determinados casos, pode
ÓRGÃO JULGADOR:
configurar uma denegação de justiça no plano internacional".
Corte Interamericana de Direitos H u m a n o s
Caneado Trindade defende, ainda, no que — infelizmente — ainda é vot
minoritária, que "uma negativa adicional por parte da Comissão de solk I
tar medidas provisórias à Corte, igualmente sem fundamentação, legitima DECISÃO:
as vítimas potenciais, como sujeitos de Direito Internacional dos Direitos Medidas provisórias determinadas e m 25/02/2011 e
Humanos, para poder recorrer à Corte, em busca da concessão destas me
didas provisórias; de outro modo, se poderia configurar uma denegação de
fiscalizadas até 26/09/2014
justiça no plano internacional".

Finalmente, Caneado Trindade, ainda advertindo e ressaltando o caráter


convencional da medida provisória expedida pela Corte, em contraponto RESUMO DO CASO
ao caráter regulamentar da medida cautelar expedida pela Comissão, o
que confere muito mais potencialidade e eficácia para a primeira, relati A Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à aprecia-
que "No presente caso da Penitenciária de Araraquara, a Comissão corte rão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 30/12/2010, uma
tamente solicitou Medidas Provisórias de Proteção à Corte, tão logo se evl '.olicitação de medidas provisórias com o propósito de compelir o Brasil
denciou a gravidade da situação (cf. supra), sem tentar adotar suas medidas .1 proteger a vida e a integridade pessoal das crianças e adolescentes pri-
cautelares anteriormente. Evitou, assim, sensatamente, repetir o equívoco vados de liberdade e de outras pessoas que se encontrem na Unidade de
que cometeu no anterior caso das Crianças e Adolescentes Privados de Li- Internação Socioeducativa localizada no município de Cariacica, Estado
berdade no 'Complexo do Tatuapé'da FEBEM versus Brasil, — equívoco este do Espírito Santo. A Corte deferiu as medidas provisórias na Resolução
que apontei em meu Voto Concordante na Resolução de 77.77.2005 desta adotada em 25/02/2011.
Corte, — de tentar infrutiferamente a adoção prévia, durante anos, de suas Após diversas outras Resoluções (em 2011,2012,2013 e 2014) ressaltando
medidas cautelares, mesmo ante a sucessiva ocorrência de vítimas fatais (a 0 dever de o Estado melhor executar o cumprimento das medidas provi-
que não se repetiu no presente caso). Apraz-me constatar que a Comissão sorias, a Corte Interamericana adotou sua última Resolução sobre o caso
o
deu ouvidos a minhas advertências" (§ 32 ), cm 26/09/2014, ocasião em que, embora tenha considerado os esforços
empreendidos pelo Estado na total reestruturação da Unidade de Inter-
nação Socioeducativa, concluiu que não houve a erradicação completa da
situação de risco dos beneficiários das medidas provisórias em virtude
da continuação de relatos sobre situações de agressão entre internos, de
funcionários contra internos e do uso abusivo de algemas, ameaças, cas-
illos imoderados, entre outros.

Diante deste cenário, entendeu a Corte por determinar "Que o Estado


continue adotando deforma imediata todas as medidas que sejam neces-
sárias para erradicar as situações de risco e proteger a vida e a integridade
pessoal, psíquica e moral das crianças e adolescentes privados de liberdade

O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 287


286 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
na Unidade de Internação Socioeducativa, bem como de qualquer pessçÊ
que se encontre neste estabelecimento. Em particular, a Corte reitera que d
Estado deve garantir que o regime disciplinarse enquadre às normas inter Caso Complexo Penitenciário de Curado
nacionais na matéria". Finalmente, estabeleceu a Corte que tais medida* cm Pernambuco
provisórias teriam vigência até 01/07/2015.

ÓKÜÀO JULGADOR:
PRINCIPAIS P O N T O S SOBRE O C A S O
( 'orte Interamericana de Direitos H u m a n o s
1. Proteção dos direitos h u m a n o s de crianças e adolescentes privado
de liberdade no Brasil
UIRISÀO:
Conforme ressalta André de Carvalho Ramos, assim como no caso "II
BEM", o presente caso é de salutar importância "para a construção depre
Medidas provisórias determinadas e m 22/05/2014 e
cedentes no que diz respeito à proteção dos direitos humanos de crianças ainda e m c u m p r i m e n t o
e adolescentes privados de liberdade no Brasil", destacando que decidiu .1
Corte que "a proteção de direitos deve ser ainda maior quando se refere a
29
crianças e adolescentes" *. ¡SUMO D O C A S O

• • missão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à apreciação


da ( orte Interamericana de Direitos Humanos, em 31/03/2014, uma soli-
II 11 ao de medidas provisórias com o propósito de que o Brasil adotasse
as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal das
pessoas privadas de liberdade no centro Penitenciário "Professor Aníbal
Ir uno" bem como de qualquer pessoa que se encontrasse nesse estabe-
lei imento, localizado na cidade de Recife, Estado de Pernambuco, aonde
II mgistraram casos de diversos fatos de violência, tais como rebeliões,
ip.iessões entre internos e por parte de funcionários contra internos,
ameaças de morte, assassinatos, supostos atos de tortura e tratamentos
I ruéis, doenças contagiosas sem atendimento de saúde adequado etc.
Após considerar todos os aspectos fáticos sobre o caso, a Corte determi-
nou, na Resolução de 22/05/2014, que o Estado adote medidas de curto
prazo a fim de: "a) elaborar e implementar um plano de emergência em re-
lação à atenção médica, em particular, aos reclusos portadores de doenças
I I >ntagiosas, e tomar medidas para evitar a propagação destas doenças; b)
elaborar e implementar um plano de urgência para reduzir a situação de
superlotação e superpopulação no Complexo de Curado; c) eliminar a pre-
sença de armas de qualquer tipo dentro do Complexo de Curado; d) assegu-
tur as condições de segurança e de respeito à vida e à integridade pessoal
de todos os internos, funcionários e visitantes do Complexo de Curado; e
e) eliminar a prática de revistas humilhantes que afetem a intimidade e a
o
diqnidade dos visitantes" (§ 20 ).
293 RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de Direitos Humanos, p, 454.

288 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS | 289
Primeiramente, a Corte Internacional de Justiça rejeitou a preliminar de inépcia
da inicial arguida pelo Governo da Albânia. Ao analisar o mérito do caso, a CU se
Caso Reino Unido vs. Albânia 1 leparon prini ¡pálmente com dois questionamentos: a) É o rstado da Albania
responsável pelas explosões ocorridas no Canal de Corfu? Deve a Albania pagar
("Caso do Estreito de Corfu") uma compensação ao Reino Unido?; b) O Reino Unido violou os tratados e con-
venções internacionais pelos atos de sua marinha em águas albanesas?
ÓRGÃO JULGADOR:
Em relaçãoà primeira questão,oTribunal de Haia declarou a responsabilidade
do Estado da Albânia por 11 votos a 5. Com respeito à segunda questão, a Corte
Corte Internacional de Justiça
Internacional de Justiça dividiu suas decisões em dois tópicos. Com relação a
navegação exercida pelos navios britânicos no dia 22 de outubro de 1946, o
SENTENÇA: Tribunal de Haia reconheceu o direito de passagem inocente, pois, à época
dos fatos, muitos países utilizavam-se dos estreitos para deslocar seus navios
09 de abril de 1949
de guerra; era uma prática rotineira da sociedade internacional. Portanto, por
14 votos a 2, a Corte Internacional de Justiça decidiu não ter ocorrido violação
das leis internacionais pelo Reino Unido no dia 22 de outubro de 1946. Entre-
tanto, de maneira unânime, a Corte Internacional de Justiça reconheceu quea
RESUMO DO CASO
operação realizada nos dias 12 e 13 de novembro de 1946.com fins de desativar
No dia 22 de outubro de 1946, dois cruzadores e dois destroyers™ britânicos as minas no Canal do Corfu, violou a soberania do Estado da Albânia, já que
adentraram no Canal de Corfu (também conhecido como Estreito de Cor- o Reino Unido realizou esta última operação sem qualquer consentimento
fu), nas águas territoriais da Albânia. Ambos os destroyers colidiram com do governo albanês e tampouco notificou as organizações internacionais da
minas dentro causando a morte de quarenta e quatro tripulantes das duas operação de desativação de minas; portanto, a operação de desativação de
embarcações, bem como sérios danos materiais aos destroyers. Nos dias 12 minas não poderia ser justificada pelo direito de passagem inocente.
e 13 de novembro do mesmo ano, o Reino Unido executou uma operação de
limpeza e desativação de minas nas águas do Estreito de Corfu. P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O

Aduzindo que haveria responsabilidade internacional do Estado da Al-


i. Primeiro caso j u l g a d o pela Corte Internacional de Justiça
bânia — pois este estava envolvido com a colocação de minas em suas
águas territoriais —, a matéria foi submetida ao Conselho de Seguran- O primeiro órgão de jurisdição internacional permanente a ser instituí-
ça da ONU. A Albânia, que ainda não era membro da Organização das do foi a Corte Permanente de Justiça Internacional, criada no ano de
Nações Unidas, aceitou participar das discussões sobre o caso diante do 1921 pela Liga das Nações. A Corte Permanente de Justiça exerceu suas
Conselho de Segurança. No dia 09 de abril de 1947, o Conselho de Segu- atribuições de 1922 até 1940, quando sua sede em Haia foi tomada pelas
3 6
rança da ONU editou uma resolução ' que recomendou aos Estados en- forças da Alemanha nazista. No período de seu funcionamento, a Corte
volvidos que levassem o caso à Corte Internacional de Justiça. Permanente de Justiça julgou 38 processos contenciosos, incluindo os
famosos casos Alemanha vs. Polônia ("caso da Fábrica de Chorzow") e
O caso do Estreito de Corfu foi levado à Corte Internacional de Justiça no 317
França vs. Brasil ("caso dos empréstimos franco-brasileiros" ). Embora
dia 22 de maio de 1947, através de uma petição elaborada pelo Reino Uni-
do da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.

317 O caso dos empréstimos franco-brasileiros na Corte Permanente de Justiça foi o único
caso em que o Brasil foi processado perante a jurisdição internacional global contenciosa
315 O s destroyers são considerados " n a v i o s de g u e r r a " pelo Direito Internacional. em toda a sua história. Neste caso, a França sagrou-se vencedora. No âmbito da Corte
316 As resoluções do C o n s e l h o de S e g u r a n ç a d a O N U p o s s u e m caráter v i n c u l a n t e . Internacional de Justiça, o Brasil ainda não figurou como parte em litígio algum.

340 J JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS IULGADOS PELA IURISDIÇÀO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 341
tenha parado de funcionar em 1940, a CPJ foi extinta formalmente ape- 3. Aceitação tácita d a jurisdição d a Corte Internacional de Justiça
nas em 1946. Neste mesmo ano, foi criada a Corte Internacional de Jus- pela Albânia
tiça, já no seio da Organização das Nações Unidas (ONU), que sucedeu
I lodiernamente, são quatro as formas de aceitação da jurisdição con-
a antiga Liga das Nações. Nesse contexto, o caso do Estreito de Corfu é
paradigmático por ter iniciado os trabalhos da jurisdição contenciosa lencíosa da Corte Internacional de Justiça. Todavia, nem sempre foi as-
da Corte Internacional de Justiça, fato que é sempre lembrado pelos e s sim. Quando o Estatuto Internacional da Corte Internacional de Justiça
tudiosos do direito internacional. foi criado, eram três as formas de se aceitar a jurisdição contenciosa do
330
Tribunal de Haia: a) Aceitação da Cláusula Raul Fernandes ; b) Previ-
2, Reconhecimento do direito de p a s s a g e m inocente como norma são em tratado internacional específico aceitando a jurisdição conten-
consuetudinária de direito internacional ciosa da CU; e c) Submissão "ad hoc" de um caso à Corte Internacional
de Justiça. Ocorre que, ao julgar o caso Reino Unido vs. Albânia, a Corte
O direito de passagem inocente consiste em uma travessia contínua, sem
qualquer tipo de ancoragem e turbação ao mar territorial do Estado Cos- Internacional de Justiça passou a admitir uma quarta forma de aderir a
32

teiro. Este direito de passagem inocente foi reconhecido pela primeira vez sua jurisdição: a aceitação tácita '. Isso ocorreu após oTribunal de Haia
no caso do Estreito de Corfu, situado entre a Ilha de Corfu — pertencente notificar a Albânia — ré no caso do Estreito de Corfu —, que, ao invés
à Grécia — e os territórios continentais da Albânia e da Grécia. À épo- de alegar ser um Estado que não reconhece a jurisdição da Corte Inter-
ca do julgamento do caso Reino Unido vs. Albânia, não havia qualquer nacional de Justiça, veio a realizar a sua defesa de mérito, o que indicou
previsão convencional acerca do direito de passagem inocente. Assim, que o Estado aceitava implicitamente a jurisdição da Corte Internacio-
a Corte Internacional de Justiça reconheceu o direito de passagem ino- nal de Justiça.
cente como um costume internacional, podendo ser aplicado inclusive
4. I n d a g a ç ã o d i d á t i c a : há u m direito de p a s s a g e m i n o c e n t e para
no caso de navios militares, conforme ocorreu no caso do Estreito de
Corfu. Atualmente, o tema já possui previsão convencional, conforme aeronaves?
8
art. 17 e seguintes da Convenção de Montego Bay sobre Direito do Mar*' . Para o Direito Internacional, não é correto falar em direito de passagem
É importante ressaltar que, excepcionalmente, o Brasil pode exercer ju- inocente para aeronaves. Isso se dá em razão de haver previsão conven-
risdição penal sobre os fatos que ocorrerem na passagem inocente de cional expressa de instituto similar para as aeronaves, o chamado direi-
navio estrangeiro por águas brasileiras. Isto é possível caso haja um pe- to de sobrevoo. O direito de passagem inocente, como já visto, possui
dido do capitão do navio estrangeiro ou caso a embarcação estrangeira origem consuetudinária, embora atualmente já esteja previsto na Con-
pratique alguma conduta durante sua passagem que ofenda os interes- venção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, assim como na legisla-
3 9
ses do Estado brasileiro ' . ção interna brasileira. Já o direito de sobrevoo possui origem convencio-
nal, pois está regulado pela Convenção da Aviação Civil Internacional,
— popularmente conhecida como Convenção de Chicago. Assim, pelo bro-
318 A l é m da C o n v e n ç ã o de M o n t e g o Bay sobre Direito do Mar, j á incorporada pelo
cardo da especialidade, não há que se falar em passagem inocente para
o r d e n a m e n t o j u r í d i c o brasileiro, o t e m a t a m b é m é regulado pela Lei 8.617/1993,
que dispõe sobre o mar territorial, a z o n a c o n t í g u a , a z o n a e c o n ô m i c a exclusiva e
a p l a t a f o r m a continental brasileiros, e dá outras providências.
320 Esta c l á u s u l a é facultativa para os Estados e consiste no reconhecimento da j u r i s -
319 A e s s e r e s p e i t o , é a lição d e P a u l o H e n r i q u e G o n ç a l v e s P o r t e l a : "A passagem
será inocente quando não for prejudicial à paz, à boa ordem ou á segurança d i ç ã o obrigatória da Corte Internacional de J u s t i ç a . A cláusula leva este n o m e e m
do Estado costeiro, entendendo-se como prejudiciais atos como ações militares, razão do d i p l o m a t a brasileiro Raul Fernandes, n o m e a d o pelo C o n s e l h o da Socie-
espionagem, poluição, pesca ou o embarque ou desembarque de qualquer pro- dade das Nações, para o r g a n i z a r o projeto de E s t a t u t o s da Corte P e r m a n e n t e de
duto, moeda ou pessoa com violação das leis e regulamentos aduaneiros, fis- Justiça Internacional, reunido e m H a i a , de j u n h o a j u l h o de 1920. O Brasil, ainda
cais, de imigração ou sanitários do Estado Costeiro" ( P O R T E L A , Paulo H e n r i q u e receoso em s u b m e t e r t o d a e qualquer controvérsia à jurisdição da C o r t e Interna-
G o n ç a l v e s . Manual de Direito Internacional Público e Privado. 7. ed. S a l v a d o r : cional de J u s t i ç a , não aceitou a C l á u s u l a Raul Fernandes.
J u s p o d í v m , 2015, p. 582). 321 Hipótese t a m b é m conhecida c o m o " p r o r r o g a ç ã o " .

2
34 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 343
aeronaves, dada a existencia de instituto próprio para a aplicação no (OAB-RJ — EXAME DE ORDEM, 2007) Assinale a opção correta:
3
espaço aéreo ". a| A Convenção da Aviação Civil Internacional (Chicago, 1944) admite o
direito de sobrevoo de qualquer tipo de aeronave estrangeira no es-
INCIDÊNCIA DO TEMA EM PROVAS DE CONCURSOS paço aéreo dos Estados, como norma consuetudinária de direito in-
ternacional.
(TRF 5 REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2015 — CESPE, ADAPTADA) É corrente o
A

entendimento de que o Estado constitui uma junção de elementos: uma b| Tanto o direito de passagem inocente no mar territorial quanto o direi-
base territorial, uma dimensão humana e um governo efetivamente es- to de sobrevoo no espaço aéreo constituem normas convencionais, so-
tabelecido. Considerando o primeiro desses elementos, costuma-se ¡den mente obrigando os Estados que ratificarem as respectivas convenções.
tificar o elemento territorial ou espacial do Estado. Com relação a essa
c| Ao contrário do direito de passagem inocente no mar territorial, que
temática, assinale a opção correta:
é costumeiro, o direito de sobrevoo é convencional e está limitado
• O direito de passagem inocente no espaço aéreo ocorre da mesma for às aeronaves civis, não sendo admitido em relação às aeronaves de
ma que em relação ao mar territorial. propriedade de governos.
GABARITO: Errado. Não há que se falar em direito de passagem inocente no
d| O direito de passagem inocente e o direito de sobrevoo constituem
espaço aéreo. Em relação ao espaço aéreo, aplica-se o direito de sobrevoo.
restrições costumeiras à soberania do Estado sobre o seu território e
estão garantidos a quaisquer navios e aeronaves.
(CÂMARA DOS DEPUTADOS — ANALISTA LEGISLATIVO, 2002 — CESPE)
Julgue os itens a seguir relativos aos meios jurisdicionais de solução pa- GABARITO:A letra "a" está errada, pois o direito de sobrevoo não é norma
cífica de controvérsias: consuetudinária e sim, norma convencional. A letra "b"está errada, pois a
• O primeiro órgão de jurisdição internacional permanente a ser instituí- origem do direito de passagem inocente é norma consuetudinária. A letra
do foi a Corte Permanente de Justiça Internacional, substituída poste- "d" está errada, pois o direito de sobrevoo não constitui uma restrição
riormente pela Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia. costumeira. É regulado pela Convenção da Aviação Civil Internacional. O
gabarito correto é a letra "c".
GABARITO: Correto.
Como o enunciado da questão não questiona
CRÍTICA AO GABARITO DA QUESTÃO:
(TRF I REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2011 — CESPE, ADAPTADA) No que se refere
A
especificamente a origem dos institutos, a assertiva "b" também poderia
ao domínio público marítimo internacional, assinale a opção correta: ter sido considerada correta pela banca examinadora, já que, atualmente,
• Os Estados exercem soberania sobre suas águas interiores, ainda que o direito de passagem inocente também possui previsão convencional.
estejam obrigados a assegurar o direito de passagem inocente em fa-
vor dos navios mercantes, mas não dos navios de guerra. (CONSULTOR LEGISLATIVO SF, 2002 — CESPE) Considerando a defesa da
soberania nacional, julgue os seguintes itens.
GABARITO: Errado. Admite-se o direito de passagem inocente aos navios
de guerra. É justamente o entendimento da Corte Internacional de Jus- • O direito de passagem inocente nas águas do marterritorial brasileiro
tiça no caso Reino Unido vs. Albânia. é irrestrito.
GABARITO: Errado. O direito de passagem inocente comporta algumas res-
trições, como a exigência de não ofender os interesses do Estado costeiro.
322 Reconhecemos a posição minoritária de Luiz Flávio C o m e s que advoga pela " e x -
t e n s ã o " do direito de p a s s a g e m inocente às aeronaves. Entretanto, à luz do direito
internacional, tal posição não pode ser considerada correta, eis que há instituto
(PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2014 — PROVA
O

próprio previsto na Convenção da Aviação Civil Internacional a ser aplicável e m se ORAL) O direito de passagem inocente é aplicável aos navios militares?
tratando de d e s l o c a m e n t o no espaço aéreo. As bancas e x a m i n a d o r a s de concursos
O direito de passagem inocente é plenamente aplicável aos
BREVE RESPOSTA:
públicos t a m b é m não a d o t a m a posição de reconhecer o direito de p a s s a g e m ino-
cente às aeronaves. navios militares. Esta possibilidade foi reconhecida no primeiro caso jul-

344 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 345
gado pela Corte Internacional de Justiça.Trata-se do caso Reino Unido vs.
Albânia, popularmente conhecido como "Caso do Estreito de Corfu".
a
(TRFi REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2015 — ADAPTADA) Ao realizar um cru- Caso República Democrática do Congo
zeiro turístico, uma embarcação do pavilhão do Estado A parou em área vs, Bélgica ("Caso Yerodia")
situada na zona econômica exclusiva do Estado B e lá permaneceu. Após
dez dias, autoridades do Estado B apreenderam a embarcação sob a ale-
ÓRGÃO JULGADOR:
gação de que esta deveria ter informado que permaneceria parada na-
quela área, sendo a ausência de informação motivo para suspeitar de seu Corte Internacional de Justiça
engajamento em atividade ilícita. Nessa situação hipotética, a atitude do 1
Estado B violou: SENTENÇA:
• O direito de passagem inocente da embarcação.
11 de fevereiro de 2002
GABARITO: Errado. Não há qualquer situação envolvendo o direito de pas

sagem inocente na questão. O direito de passagem inocente é exercido


de maneira continua e o caso narrado pelo enunciado informa que a
embarcação do Estado A permaneceu dez dias parada na zona econô-
RESUMO DO CASO
mica exclusiva do Estado B, o que torna a assertiva errada.

No dia 11 de abril de 2000, um magistrado de primeiro grau do Tribunal de


Bruxelas expediu uma ordem internacional de captura in absentiocontra
Abdulaye Yerodia Ndombasi, então Ministro das Relações Exteriores da
República Democrática do Congo. Segundo o magistrado belga Vander-
meersch, a ordem internacional de captura foi exarada por ter sido o Sr.
Yerodia responsável por graves violações das Convenções de Genebra de
1949 e seus Protocolos Adicionais de crimes contra a humanidade.

Os delitos de que o Sr. Yerodia estava sendo acusado eram puníveis pelo
Estado belga com base em uma lei local referente à "punição de gra-
ves violações das Convenções Internacionais de Genebra e seus Protoco-
los Adicionais". Posteriormente, o Estado belga também passou a punir
graves violações de regras e princípios concernentes ao Direito Interna-
cional Humanitário.

Basicamente, o juiz belga emitiu, com base em sua legislação interna,


uma ordem internacional de captura em desfavor do Ministro das Rela-
ções Exteriores do Congo, que sequer estava em território belga. Diante
do ocorrido, no dia 17 de outubro de 2000, aproximadamente 6 meses
após a emissão da ordem internacional de captura pelo magistrado bel-
ga, a República Democrática do Congo levou o caso para a Corte Interna-
cional de Justiça, objetivando que fosse anulada a ordem de prisão inter-
nacional expedida contra o Sr. Yerodia.

346 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA I 347
Basicamente, os argumentos levantados pelo Estado congolês eram: .1) P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
a nulidade da ordem internacional de captura expedida pelo I '.Lulo hei
1. Preliminarmente: o que é a jurisdicional universal e quais são as
ga, visto que a Bélgica atribuiu uma jurisdição universal a si própria, com
base unicamente em uma lei interna, violando o princípio de que um Es- suas modalidades?
tado não pode exercer sua autoridade em território de outro Estado, bem A regra internacional da jurisdição universal admite que o Estado possa
como a igualdade soberana entre os membros das Nações Unidas; e b) regular e sancionar condutas realizadas fora do seu território, colaboran-
o Estado belga ignorou a imunidade de jurisdição do Sr. Yerodia, que, na do com a ordem internacional no combate à impunidade e assegurando
época do ocorrido, ocupava o cargo de Ministro das Relações Exteriores os valores essenciais da comunidade internacional. Sobre o conceito de
da República Democrática do Congo. jurisdição universal, é a lição de José Cretella Neto: "O principio da juris-
dição universal reflete a noção de que certos crimes são de tal modo abo-
Assim, segundo o Estado congolês, a Bélgica também estaria violando
mináveis e aberrantes, que todos os Estados têm — em tese, ao menos —
uma imunidade diplomática. 111
interesse em assegurar que os criminosos sejam levados a julgamento" .
OEstado belga, por sua vez, alegou que a Corte Internacional deJustiça não Vejamos as suas modalidades.
possuía competência para julgar o caso. Com base no princípio da kompe
tenz-kompetenz, a Corte Internacional de Justiça se declarou competente t.i. Jurisdição penal "comum"ou "grociana"
para julgar o caso, dado que, na data da reclamação feita pelo Estado do É aquela jurisdição na qual o Direito Internacional admite que um Estado
Congo, as partes estavam vinculadas por uma declaração obrigatória de possa regular e sancionar uma conduta realizada fora do seu território. É
submissão à jurisdição da Corte, No momento do julgamento pela Corte nada mais, nada menos que a extraterritorialidade da lei penal, prevista no
Internacional de Justiça, Yerodia não ocupava mais o cargo de Ministro das 0
art.7 , inciso II do Código Penal Brasileiro. Leva o nome dejurisdição grocia-
Relações Exteriores da República Democrática do Congo, o que não consti- na em homenagem a Hugo Grácio (ou Grotius), principal expoente e defen-
tuiu óbice para o processamento do feito na CU, pois, quando estabelecido sor deste modelo de jurisdição. Sobre o conceito dejurisdição grociana, é a
o litígio, o Sr. Yerodia ainda ostentava a condição de Ministro de Estado. lição de André de Carvalho Ramos: "O primeiro tipo é a jurisdição universal
Após examinar as Convenções de Viena sobre Direitos dos Tratados e a comum (ou grociana), pela qual o Direito internacional permite que um Es-
Convenção de Nova York sobre Missões Especiais, a Corte Internacional de tado possa regular e sancionar uma conduta realizada fora de seu território,
Justiça não encontrou nenhuma norma que fizesse referência a possível pois, de outro modo, esta restaria impune, prejudicando os esforços de outro
imunidade a ser gozada por um Ministradas Relações Exteriores. Assim,a Estado. Essa hipótese de aplicação extraterritorial da jurisdição normativa é
2
Corte Internacional deJustiça recorreu ao Direito Internacional Costumeiro longeva no Direito Internacional, em especial no que tange a leis penais"* *.
e constatou que haveria um costume internacional em vigor, conferindo Ainda segundo André de Carvalho Ramos: "Na mesma linha, o Supremo
imunidade ao Ministro das Relações Exteriores, não como benefício pes- Tribuna! Federa! possui diversos precedentes que pugnam pela aplicação
soal, mas sim para assegurar que o ocupante do cargo pudesse desempe- da lei brasileira a condutas ilícitas ocorridas no exterior — cujos autores
nhar suas funções com a maior integralidade e plenitude possível. não estão sujeitos à extradição •— para cumprir o ideal grociano de 'aut de-
Assim, para a Corte internacional de Justiça, o Estado belga violou uma dere aut judicare', revelando, aos olhos do STF, o compromisso ético jurídico
115
norma de Direito Internacional Costumeiro em relação a República De que o Brasil deve assumir na repressão da criminalidade comum" .
mocrática do Congo. Da mesma forma, a Corte Internacional de Justiça
concluiu pela incompetência do magistrado belga para processar e jul
gar o Sr. Yerodia com base em uma lei interna, tendo em vista que o Sr, 323 NETO, José Cretella. Curso de Direito Internacional Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
Yerodia sequer estava em território belga no momento em que a ordem 2014. p.246.
internacional de captura foi emitida. Assim, para a Corte Internacional 324 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
de Justiça, não há no atual cenário do Direito Internacional uma norma Paulo: Saraiva, 2013, p. 286.
costumeira que reconheça uma jurisdição universal in absentia. 325 ld.,p.287

348 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 349
Logo, segundo o posicionamento da doutrina, bem como do próprio Su- •,, R, 1 | i ) ' , ML. 1 1 1 , 1 1 11 HL.US QUE PRLLLHLRM .1 |L('TSI'L IH,.1(1 PRLL.LL ('III 1,1 A I O (1,1
premo Tribunal Federal, é possível concluir que o Brasil adota o critério da |urlsdlção universal qualificada imperfeita. Sobre a jurisdição universal quali-
jurisdição universal comum, seja através do seu Código Penal, da ratifica- ficada "condicional", é a lição de André de Carvalho Ramos: "Najurisdição uni-
ção de Tratados Internacionais, ou ainda de sua jurisprudência. versal condicional (ou imperfeita) a lei nacional exige que o acusado esteja em
custódia do Estado para o início da persecução (judex deprehensionis). Assim,
1.2. Jurisdição universal "especial"ou "qualificada" a presença física do acusado no território do Estado ê um vínculo indispensável
A jurisdição universal especial visa impedir que os indivíduos, com fulcro na para o exercício desse tipo de jurisdição qualificada, revelando a intenção da lei
sua legislação local, violem valores essenciais para a comunidade internacio- nacional impedir que juízes e promotores sejam "xerifes mundiais" e iniciem
nal (v.g. crimes dejuscogens). Assim, não há que se confundira jurisdição uni- procedimentos contra qualquer pessoa que, em qualquer lugar no mundo, te-
versal especial com a jurisdição universal comum.já que aquela visa coibir que nha cometido crimes contra os valores essenciais da comunidade"* . 7

os indivíduos violem normas internacionais essenciais, enquanto esta última


É importante deixar claro que o Estado brasileiro adota a jurisdição uni-
tem como seu principal objetivo regular e sancionar uma conduta realizada
fora de seu território, impedindo a impunidade e a criação de paraísos seguros versal qualificada "condicional"ou "imperfeita".
da criminalidade. Sobre a diferença entre a jurisdição universal comum e a
1.2.2. Jurisdição universal qualificada "absoluta", "perfeita"ou 'In absentia"
jurisdição universal especial, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Lenta-
mente, a regra da jurisdição universal irradiou-se e contaminou novos campos Esta modalidade dejurisdição permite a aplicação extraterritorial da lei
do Direito Internacional, regendo em especial o combate aos crimes contra a penal local de maneira incondicional; também possibilita que o sujeito
humanidade, crimes de guerra, e genocídio (crimes de jus cogens). A diferença autor da conduta violadora de normas essenciais para a comunidade in-
entre a jurisdição universal qualificada da jurisdição comum (ou grociana) é ternacional sequer esteja no território do país que pretende prendê-lo.
evidente. Na jurisdição universal comum, os Estados buscam cooperar para im- Pela jurisdição universal qualificada absoluta, o Estado poderia emitir
pedir a impunidade e a criação de paraísos seguros da criminalidade comum uma ordem de prisão para qualquer indivíduo,de qualquer lugar do mun-
(safe heavens). Na nova etapa da jurisdição universal (qualificada), trata-se de do,setornando um verdadeiro "xerife mundial"da ordem internacional. A
impedir que o indivíduo, em geral agentes públicos e agindo de acordo com a lei respeito deste tópico, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Já o segundo
local, possam violar normas internacionais essenciais. Esses novos crimes inter- tipo é denominado jurisdição universal qualificada absoluta (ou perfeita),
nacionais se distanciam em muito da persecução penal internacional grociana. que permite a aplicação extraterritorial da lei nacional penal, mesmo que
De fato, esses crimes graves são, muitas vezes, cometidos por agentes públicos o perpetrador da conduta bárbara nem sequer esteja em seu território (por
6
com o apoio das forças de um Estado e agindo de acordo com a lei local"* . isso também é denominada jurisdição universal in absentia). Assim, uma lei
nacional de jurisdição universal absoluta possibilita o início da persecução
Diante da consolidação dos crimes de jus cogens na ordem internacional,
criminal com o consequente pedido de prisão do indivíduo, mesmo que este
a doutrina e os tribunais internacionais passaram a dividir a jurisdição
jamais tido algum contato com o Estado do processo"**.
universal especial em duas modalidades: a jurisdição universal qualifica-
da condicional ou imperfeita e a jurisdição universal qualificada absoluta, Foi o fundamento utilizado pela Bélgica para a emissão da ordem internacio-
perfeita ou "in absentia". nal contra o Sr. Yerodia. Os países que emitem ordens internacionais basea-
das na jurisdição universal in absentia alegam que, embora não haja tratados
1.2.1. Jurisdição universal qualificada "condicional"ou "imperfeita" internacionais regulando a matéria, haveria um costume internacional per-
Essa modalidade de jurisdição universal exige a presença do acusado no ter-
ritório do Estado que pretende dar início à persecução. O Brasil ratificou diver-
327 RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2013, P. 288.
326 RAMOS, André DE Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: 328 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
Saraiva, 2013, P. 288. Paulo: Saraiva, 2013, p. 288.

350 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 351
mitinao a jurisdição universal qualificada absoluta. Nao toi o que entendeu Assim, em virtude do nao reconhecimento de um costume internacional legiti-
a Corte Internacional deJustiça no caso Yerodia, conforme veremos a seguir. mador da jurisdição universal absoluta qualihcada.a Bélgica alterou sua legisla-
O Estado brasileiro não adota a jurisdição universal qualificada "absolu- ção local, adotando a mesma posição do Estado brasileiro sobre o tema, ou seja,
ta", "perfeita" ou "in absentia". valendo-se da jurisdição universal qualificada "condicional"ou "imperfeita".

2. Não há u m costume internacional que permita a aplicação da juris- 3. A imunidade de Ministro das Relações Exteriores é absoluta e equi-
dição universal penal in absentia vale à imunidade diplomática
Conforme já explicado no tópico anterior, a jurisdição universal penal in absen- Ao analisar a reclamação da República Democrática do Congo no Caso
tia é aquela permite a aplicação extraterritorial da lei interna aos autores de Yerodia, a Corte Internacional de Justiça reconheceu que, em razão de um
crimes de jus cogens, ainda que estes jamais tenham estado no território do Es- costume internacional vigente na ordem internacional, o cargo de Ministro
tado emissor da ordem internacional de captura. Como não há tratado interna- das Relações Exteriores possui imunidade absoluta, que equivale à imuni-
cional que regule a matéria, a Bélgica, ao expedir uma ordem internacional de dade diplomática. Vale relembrar que as imunidades diplomáticas confe-
captura contra o Sr. Yerodia, fundamentou a jurisdição universal in absentia em rem uma proteção penal plena, de tal maneira que os indivíduos por ela
um possível costume internacional existente na ordem internacional. Porém, protegidos não podem ser processados.julgados nem condenados no Esta-
ao julgar o caso Congo vs. Bélgica, a Corte Internacional de Justiça não reconhe- do acreditado. Portanto, equivocou-se o magistrado belga ao emitir ordem
ceu a existência de um costume internacional que possa legitimar a jurisdição internacional de captura contra o Sr. Yerodia, já que este estaria sob a pro-
universal in absentia; por conseguinte, anulou a ordem internacional de captura teção da imunidade diplomática. Nesse sentido, é a lição de Paulo Henrique
emitida pelo Estado belga contra o Sr. Yerodia, tendo em vista que este sequer Gonçalves Portela: "Para a jurisprudência da Corte Internacional deJustiça
se encontrava em território belga. Ainda sobre a inexistência de um costume in- (CU), equiparam-se às imunidades diplomáticas as imunidades dos ministros
ternacional que legitime a jurisdição universal qualificada absoluta, é a lição de das relações exteriores dos Estados, como restou estatuído no exame do Caso
André de Carvalho Ramos: "Defato, o costume internacional cristalizado no pós- Yerodia, em que a República Democrática do Congo questionava ordem de
110

Nuremberg admite a tipificação especial — com regime jurídico próprio, como, prisão de seu Ministro das Relações Exteriores, proferida pela Bélgica" .
por exemplo, o dever dejulgar ou extraditar, a imprescritibilidade dos crimes e au- Vale relembrar que a imunidade dejurisdição não se confunde com a res-
sência de qualquer imunidade desses violadores — mas não legitima a jurisdição ponsabilidade individual (como, por exemplo, em julgamentos diante do
universal in absentia. É necessário separar, então, o regime material especial dos
TPI ou do Tribunal Especial para Serra Leoa, ambos tribunais internacio-
crimes de jus cogens (crimes contra a humanidade e assemelhados) do regime 33
nais que julgam indivíduos) '. A imunidade dejurisdição apenas impede
processual que trata da hipótese de aplicação extraterritorial da lei local. Pelo con-
a persecução penal por outro país.
trário, os Estados, como a Espanha e a Bélgica, que adotaram leis locais de juris-
dição universal in absentia foram duramente criticados e, inclusive, a Bélgica foi 4. Curiosidade: o que é "intraterritorialidade da lei"?
processada pelo Congo perante a Corte Internacional deJustiça no chamado Caso
A intraterritorialidade da lei consiste no fenômeno da incidência da lei estran-
do Mandado de Prisão de v de abril de 2000. Nesse caso, a Corte Internacional de
geira para um fato típico ocorrido dentro do Estado brasileiro. Há crimes que
Justiça decidiu, por maioria (com voto inclusive do então Juiz Francisco Rezek), que
não havia um costume internacional que amparasse a lei belga dejurisdição uni-
versal in absentia. Demonstrando a aceitação da posição da Corte, tanto a Bélgica
quanto a Espanha alteraram suas leis internas para reduzir o alcance da jurisdi- 330 PORTELA, Paulo H e n r i q u e G o n ç a l v e s . Direito internacional Público e Privado, s.ed.
9
ção universal para a espécie de jurisdição universal condicional ou imperfeita"* . Salvador: J u s p o d i v m , 2013, p. 249.
331 Nestes casos, a i m u n i d a d e de Chefe de Estado não deve prevalecer. Trata-se d o que
a d o u t r i n a convenciou c h a m a r de q u a r t a velocidade d o Direito Penal, o u seja, a i m -
possibilidade de Chefes de Estado a l e g a r e m i m u n i d a d e diante d e T r i b u n a i s Penais
329 R A M O S , A n d r é de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. S ã o Paulo; Internacionais de Direitos H u m a n o s que j u l g a m indivíduos. A quarta velocidade do
Saraiva, 2013, p. 289. Direito Penal t e m c o m o seu principal expoente o a r g e n t i n o Daniel Pastor.

352 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 353
ocorrem dentro do território brasileiro aos quais não é possível aplicar a lei do- notice"); objetiva buscar informações de natureza criminal sobre pessoas
méstica, como nos casos em que o delito se passa dentro de uma embarcação que cometeram delitos e estão propensas a reincidir, mas em outro país; f)
ou aeronave pública estrangeira a serviço do Estado estrangeiro, ou ainda nos Difusão roxa ("purple notice"): objetiva buscar informações sobre o modus
crimes cometidos no Brasil, porém acobertados por imunidade diplomática ou uperandi, objetos e métodos utilizados por criminosos; e g) Difusão laranja
consular. Nesses casos, aplica-se o Direito estrangeiro ou internacional, por au- ("orange notice"): objetiva avisar a população em geral sobre um determi-
toridade estrangeira e no país estrangeiro. A intraterritorialidade da lei penal é nado evento, objeto, pessoa ou situação de iminente perigo.
o fenômeno oposto à extraterritorialidade da lei penal, que ocorre quando um
6. Jurisprudência nacional correlata sobre o t e m a
crime é cometido no estrangeiro, mas a ele se aplica a lei brasileira. Nesse sentl-
do,é a lição de Rogério Sanches Cunha: "Porconta desta mitigação à territoriali- 6.1. Impossibilidade de validação automática da difusão vermelha
dade, permite-se a aplicação de lei estrangeira a fato praticado em território bra- ("red notice")
sileiro, fenômeno conhecido como intraterritorialidade, presente, por exemplo,
Apesar de ter enfrentado poucas vezes o tema, o Supremo Tribunal Fe-
na imunidade diplomática. Esse fenômeno (intraterritorialidade), contudo, não
deral, ao se deparar com a ordem internacional de captura da INTERPOL
se confunde com a extraterritorialidade, adotada pelo Código Penal no seu art.
1 (também chamada de red notice), entendeu que esta não recebe valida-
7°, em que a lei penal brasileira alcança condutas praticadas no estrangeiro" *.
ção automática pelo Estado brasileiro. Assim, além da ordem internacio-
5.0 que é a difusão vermelha "red notice"! nalmente emitida, a prisão cautelar do foragido internacional deve ser
requerida e decretada pelo STF (v. HC 80923, Rei. Min. Néri da Silveira,Tri-
A difusão vermelha, também chamada de "red notice", consiste em verda-
bunal Pleno, j. 15/08/2001; PPE 623 0 0 , Rei. Min. Cármen Lúcia, Tribunal
deira notícia da existência de um alerta expedido pelas autoridades judi-
Pleno, j. 01/07/2010). O STF deixou claro que há a necessidade do preen-
ciais de um Estado-membro da INTERPOL, visando à extradição da pessoa
chimento de outros requisitos, não bastando a mera ordem de prisão in-
procurada. Vejamos a lição de Vladimir Aras sobre o conceito de red notice:
ternacional para que o foragido possa ser preso no Estado brasileiro. Nes-
"As difusões vermelhas (red notices) são registros utilizados peia Organização
se sentido, explica Renato Brasileiro de Lima: "Se no estrangeiro, a difusão
de Polícia Internacional (Interpol) para divulgar entre os Estados-membros a
existência de mandados de prisão em aberto, expedidos por autoridades com- vermelha é suficiente, de per si, para que seja efetivada a prisão da pessoa
petentes nacionais ou por tribunais penais internacionais, no curso de proce- procurada, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal entende que é indispen-
dimentos criminais. Quando uma difusão vermelha é expedida, as organiza- sável prévia ordem escrita da autoridade judiciária competente brasileira.
ções policiais que representam a Interpol em cada um dos seus 188 Estados Logo, estando a pessoa no território nacional, ainda que seu nome conste
Partes podem dar execução aos mandados de captura internacional"* . 3 na Interpol como procurada em razão da difusão vermelha, deve haver pré-
vio pedido de extradição tramitando no Supremo, ocasião que o Ministro
Há na ordem internacional outras espécies de difusão. Vejamos algumas relator poderá determinar a prisão preventiva para fins de extradição, nos
delas, a título de curiosidade: a) Difusão azul ("blue notice"): objetiva coletar termos do art. 102,1, "g", da Constituição Federal. Nesse contexto, o Plená-
informações sobre a identidade de um indivíduo ou atividade em relação rio do Supremo já teve a oportunidade de asseverar que, ausente o pedido
a determinado crime; b) Difusão Amarela ("yellow notice"): objetiva ajudar de extradição em tramitação perante o STF, caracteriza constrangimento
a localizar pessoas desaparecidas; c) Difusão branca ("white notice"): obje ilegal à liberdade de locomoção o cumprimento de mandado de prisão ex-
tiva localizar bens culturais; d) Difusão preta ("black notice"): objetiva bus- pedido por justiça estrangeira contra pessoa residente no Brasil, para cuja
car informações sobre corpos não-identificados; e) Difusão verde ("green execução foi solicitada a cooperação da Interpol, já que tal mandado, por si
114
só, não pode lograr qualquer eficácia no território nacional" .

332 C U N H A , Rogério Sanches. Manual de Direito Penal— Parte Cerai. Salvador: Juspo-
d i v m , 2013, p. 14.
333 ARAS, Vladimir. A difusão vermelha no Brasil. Disponível e m : < h t t p s : / / b l o g d o v l a d i - 334 LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 2.ed. Salvador: J u s p o d i v m , 2014.
mir.wordpress.com/20io/02/2i/a-difusao-verrnelha/>. p.837.

354 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 355
6.2. O Supremo Tribunal Federal não possui competência para julgar (PGR — 26 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2012) Na com-
O

habeas corpus contra chefe da INTERPOL preensão contemporânea da doutrina e da jurisprudência em direito in-
Recentemente, o STF decidiu pela sua incompetência para julgar habeas ternacional, no exercício dejurisdição universal, estados podem promo-
corpus contra ato do Delegado-Chefe da INTERPOL no Brasil, Segundo o ver a persecução penal:
Supremo, a hipótese em comento não estaria elencada pela Constitui- a| contra qualquer pessoa sob seu império, não protegida por Imunidade
ção Federal de 1988 como um dos casos de competência da Corte (v. HC reconhecida por norma internacional, quando acusada da prática de
119056, Re!. Min. Cármen Lúcía,TrÍbunal Pleno, j. 03/10/2013). crimes graves, para os quais o direito internacional impõe a obrigação
"aut dedere, aut judicare";
6.3. A Interpol tem legitimidade para formular perante o Ministério da
Justiça pedido de prisão cautelar para fins de extradição b| contra qualquer pessoa sob seu império, independentemente de imu-
nidade que se lhe atribua, quando se trata de crimes de jus cogens;
No final do ano de 2014, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a legi-
timidade da INTERPOL para formular pedido de prisão cautelar para fins c| contra qualquer pessoa, sob seu império ou não, independentemen-
de extradição, ressaltando que tal conclusão decorre da alteração pro- te de imunidade que se lhe atribua, quando se trata de crimes de jus
movida no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6815/80) pela Lei 12878/2013, que cogens-,
0
conferiu nova redação ao art. 82, § 2 , estabelecendo que "O pedido de d| contra qualquer pessoa sob seu império ou não, desde que não pro-
prisão cautelar poderá ser apresentado ao Ministério da Justiça por meio tegida por imunidade reconhecida por norma internacional, quando
da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), devidamente acusada da prática de crimes graves, para os quais o direito internacio-
instruído com a documentação comprobatória da existência de ordem de nal impõe a obrigação "aut dedere, aut judicare".
prisão proferida por Estado estrangeiro" (v. PPE 732 00, Rei. Min. Celso de
a
GABARITO: A assertiva "A" está correta. Conforme já explicado no tópico "O
Mello, 2 Turma, DJe 02/02/2015).
que é a jurisdição penal universal e quais são as suas modalidades", o enun-
ciado remete à ideia de que o atual estágio da jurisdição penal universal
INCIDÊNCIA DO TEMA EM PROVAS DE CONCURSOS não permite a intromissão em território estrangeiro (vedação da juris-
dição universal in absentia). Assim, está correta a alternativa assinalada,
(PGR — 25 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2011) Segundo a
O
que retrata justamente o entendimento da Corte Internacional deJustiça
Corte Internacional de Justiça, (caso Yerodia República Democrática do no Caso Yerodia (Congo vs. Bélgica). A assertiva "B" está errada. Confor-
Congo vs. Reino da Bélgica), a imunidade de Ministro de Estado das Re- me o entendimento no Caso Yerodia, o Direito Internacional reconhece
lações Exteriores: a imunidade absoluta para Chefe de Estado e também para Ministro das
a| é relativa e só vale para viagens a serviço; Relações Exteriores, como no caso Congo vs. Bélgica. A assertiva "C" está
errada. Há dois erros no enunciado. A afirmação de que a jurisdição uni-
b| é relativa e não prevalece para o crime de genocídio; versal pode ser exercida independentemente de imunidade não pode ser
c| é absoluta e se equipara à imunidade diplomática; considerada correta, eis que vai em desencontro com o entendimento da
Corte Internacional de Justiça no Caso Yerodia. Da mesma maneira, a ju-
d| é absoluta, mas não se equipara à imunidade diplomática.
risdição universal não pode ser exercida contra pessoa que não está sob o
GABARITO: Letra C. O ponto foi devidamente abordado anteriormente. império do Estado, tendo em vista que não há, no atual estágio do direito
internacional, o reconhecimento de um costume internacional que per-
{PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2014 — PROVA
O

mita a jurisdição universal in absentia (este ponto também foi decidido


ORAL) Fale sobre o caso Yerodia. no Caso Yerodia). A assertiva "D" está errada. A justificativa é a mesma
BREVE RESPOSTA: Bastaria
o candidato realizar uma breve síntese do que fo explanada nos comentários da assertiva C. Não é possível exercer a ju-
apresentado anteriormente. risdição penal contra pessoas que não estejam sob o império do Estado.

356I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 357
A jurisdição universal, além de permitir o julgamento pelo Estado, tam-
bém impõe um dever ao Estado que detém a custódia do acusado: o de-
335
ver de extraditar ou julgar .
Caso Alemanha vs. Itália (Grécia como
(MINISTÉRIO PÚBLICO DE GOIÁS — PROMOTOR, 2013 — ADAPTADA) Em terceiro inteverniente) "Caso Ferrini"
recente reforma processual, o legislador ordinário, imbuído de espírito
garantista do legislador constituinte, assentou a regra segundo a qual
ÓRGÃO JULGADOR:
"ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem es-
crita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decor-
rência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da
Corte Internacional de Justiça
investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão
preventiva" (art. 283, CPP). Em outros termos, foi sedimentada a ideia de SENTENÇA:
que o ato prisional deve ser encarado como exceção, não como regra. 03 de fevereiro de 2012
Dessarte, no que se refere ao tema prisão e liberdade — talvez o mais
sensível da seara processual penal —, é correto afirmar que:
• de acordo com o entendimento do Pretório Excelso, a difusão vermelha
(red notice) não é suficiente para que se efetive a prisão do foragido
RESUMO DO CASO
internacional no Brasil, sendo imprescindível o prévio pedido de extra-
dição e decretação de prisão cautelar pelo STF. Em 23 de dezembro de 2008, a Alemanha deu início a uma demanda pe-
rante a Corte Internacional de Justiça contra a Itália por violação da sua
GABARITO:Correto, conforme abordado no tópico "jurisprudência inter-
imunidade como Estado soberano na ordem internacional. Ao postular
nacional correlata".
na Corte Internacional de Justiça, o Estado alemão alegou que a Itália ha-
a
via se recusado a reconhecer a imunidade de Estado do país alemão pe-
(TRFi REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2015 — ADAPTADA) Raul, nacional do Es-
rante suas cortes domésticas.Tal controvérsia atingiu seu ápice no "Caso
tado X, solicitou asilo diplomático na embaixada do Estado Y, localizada
Ferrini", diante da Corte de Cassação italiana, onde se estabeleceu a com-
no território do Estado Z, alegando que tem sofrido perseguição politica
petência dos tribunais italianos para processar e julgar feitos envolvendo
por ação conjunta dos Estados X e Z. O asilo diplomático foi concedido
indivíduos que,durante a Segunda Guerra Mundial, haviam sido deporta-
pelo Estado Y, que reconhece como norma de direito internacional cos-
dos para a Alemanha para exercer a pena de trabalhos forçados. Bens da
tumeiro o asilo diplomático, ao passo que o Estado Z alega que nunca
Alemanha estavam inclusive sendo bloqueados pelos tribunais italianos.
reconheceu tal norma como valida e obrigatória para si. Nessa situação
hipotética: Além das iniciativas tomadas pelos italianos.alguns cidadãos gregos ten-
• 0 Estado Y tem o dever de aplicar a Raul o princípio do aut dedere aut taram obter a execução em território italiano de decisões concedidas por
judicare. tribunais gregos em virtude de um massacre realizado pelo exército ale-
mão em território grego durante a Segunda Guerra Mundial. Em síntese,
GABARITO: Errado. O princípio do aut dedere aut judicare não confere ao
as cortes italianas e gregas estavam reconhecendo a responsabilidade
Estado uma possibilidade de violar institutos do direito ao acolhimento
da Alemanha por violação sistemática de direitos humanos de gregos e
(asilo, refúgio, non-refoulement e etc). Tampouco impõe a sua aplicação
italianos durante a guerra. Assim, a Corte Internacional de Justiça foi cha-
em detrimento dos institutos acima referidos.
mada para resolver a controvérsia entre Alemanha e Itália.
Para a Corte Internacional de Justiça, a Itália ignorou o regramento clás-
335 Para maior a p r o f u n d a m e n t o sobre a c l á u s u l a aut dedere aut judicare, ver o caso sico do Direito Internacional ao não respeitar a imunidade do Estado ale-
Dusko Tadic vs. Prosecutor, que será a b o r d a d o m a i s a frente. mão. Segundo a CU, não é possível que um país no exercício de atos de

358 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 359
império seja julgado por outro, tendo em vista que não ha subordinação De acordo com a visão clássica, um Estado não poderia ser julgado pe-
entre Estados na sociedade internacional. Na sociedade internacional, las autoridades de outro contra a sua vontade, pelo simples fundamento
não há uma hierarquia entre Estados; não há como se falar em qualquer de que os "iguais não podem julgar iguais", ressalvados os casos em que
supremacia de um Estado sobre outro. o próprio Estado demandado renuncia a sua imunidade. Atualmente, a
teoria clássica se encontra defasada, prevalecendo tanto na jurisdição
Assim, segundo a Corte, nem mesmo a sistemática violação de direitos
doméstica brasileira quanto nas cortes internacionais a teoria moderna
humanos perpetrada pelos agentes alemães na Segunda Guerra Mundial
das imunidades de jurisdição dos Estados. Vejamos algumas palavras de
e tampouco a dificuldade para que essas pessoas ou seus familiares bus-
Paulo Henrique Gonçalves Portela sobre o tema: "A imunidade absoluta
quem uma eventual reparação na Justiça alemã justificariam a suspen
é consentânea com o espírito da época em que surgiu, em que o Estado
são da imunidade dos Estados frente às jurisdições nacionais.
nacional se consolidava, fenômeno que ocorreu sob a égide do absolutismo
Desse modo, a Corte Internacional de Justiça ordenou que a Itália tornas- e, portanto, de ideias como o 'direito absoluto do Estado de se organizar, de
se sem efeito as decisões judiciais contra a Alemanha, desconsiderando não depender senão de seus próprios órgãos', a 'negação de subordinação
inclusive eventuais constrições contra os bens do Estado alemão. ou limitação do Estado por qualquer outro poder, passando este a encerrar
um poder supremo e independente' e a necessidade de oposição a pode-
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O CASO
res externos. Atualmente, a visão clássica encontra-se superada, não mais
guiando os Estados diante da possibilidade de exame de um processo ju-
i. Nem m e s m o a grave violação de direitos humanos relativiza a imu- diciai em que o réu é outro Estado soberano. Entretanto, o inteiro teor da
nidade de jurisdição Estatal noção tradicional da matéria foi acolhido pela noção moderna a respeito
da imunidade de jurisdição e anda é pregada quando o Estado pratica os
A comunidade internacional lamentou muito a decisão proferida pi 7
chamados 'atos de império (...)"'" .
Corte Internacional de Justiça no caso Alemanha vs. Itália. Isso porque,
no atual estágio da proteção internacional dos direitos humanos, espe Por outro lado, a teoria moderna das imunidades de jurisdição dos Es-
rava-se que a Corte de Haia pautasse sua decisão pelos princípios que tados é aquela que distingue os atos estatais em atos de gestão e atos
resguardam os interesses da pessoa humana, como o princípio da máxi- de Império. Os atos de gestão seriam aqueles em que o Estado pratica
ma efetividade dos direitos humanos. Infelizmente, a Corte Internacional sem qualquer potestade pública, sendo virtualmente equiparado a um
de Justiça preferiu adotar a tese mais cômoda e conservadora, fazendo particular. Nesses casos, não há qualquer Imunidade de jurisdição estatal.
prevalecera imunidade de jurisdição estatal por atos de império, na qual São os casos em que o ato praticado pelo Estado envolve uma relação de
ainda vigora o clássico brocardo pariri parem non habet judicium * . 1 6
natureza trabalhista, comercial ou civil. Já os atos de império são aqueles
em que se vale de suas prerrogativas para praticar o ato. Nas situações
2.Teoria moderna sobre o alcance da imunidade de jurisdição estatal: em que o Estado se vale de suas prerrogativas inerentes para a prática o
distinção entre atos de gestão e atos de império ato, prevalece o clássico brocardo par in parem non habet judiciam (não
A temática relativa ao tema das imunidades de jurisdição estatal envol há jurisdição entre os iguais). Logo, de acordo com a visão mais moderna
ve a discussão entre as duas visões apresentadas pela doutrina e pelos sobre o tema e atualmente adotada, para saber se um Estado estrangeiro
próprios precedentes internacionais: a visão clássica e a visão moderna. pode ou não ser processado por outro Estado, deve-se analisar a natureza
e o contexto do ato praticado.
Por fim, deve-se atentar para o fato de que a teoria moderna das imuni-
dades de jurisdição estatal aplica-se apenas para o processo de conheci-
336 Atenção.- A tendência do candidato em provas de concursos é sempre marcar a
assertiva que melhor resguarda a proteção dos direitos humanos. Em se tratando
do caso Alemanha vs. Itália, tal raciocínio não deve ser utilizado. A famosa "casca
a
de bana na" foi colocada na última prova doTRFda 5 região e muitos candidatos 337 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 5. ed.
acabaram errando a questão. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 201.

360 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 361
8
mento, não se referindo à imunidade de execução» e tampouco às or- época da Segunda Guerra Mundial, com a ocupação aa rrançti pui uo
9
ganizações internacionais» , eis que nestes casos ainda vigora a teoria pas nazistas, foi vitima de diversas perseguições e humilhações pelos
340
absoluta da imunidade de jurisdição . militantes alemães. O STJ decidiu pela imunidade de jurisdição do Es-
tado alemão, pois as práticas nazistas perpetradas à época se caracteri-
3. A Corte Internacional de Justiça admitiu um terceiro Estado como
zam como atos de império:
interveniente
"DIREITO PROCESSUALCIVILE INTERNACIONAL AÇÃO INDENIZATÓ-
Além de Alemanha e Itália, a Corte Internacional de Justiça admitiu um
RIA AJUIZADA CONTRA ESTADO ESTRANGEIRO. AUTORIDADE JUDI-
terceiro interveniente no feito, a Grécia. Trata-se de um precedente in-
CIÁRIA BRASILEIRA. COMPETÊNCIA. LIMITES. RESPOSTA DO ESTADO
comum se analisarmos a jurisprudência tradicional da CU, conhecida
por limitar os casos sobre sua responsabilidade apenas às partes envol- ESTRANGEIRO. PROCEDIMENTO.
34
vidas no contencioso '. 1. A imunidadedejurisdição não representa uma regra que automa-
ticamente deva ser aplicada aos processos judiciais movidos contra
4. Voto dissidente do Juiz brasileiro A u g u s t o Cançado Trindade
um Estado estrangeiro.Trata-se de um direito que pode, ou não, ser
Para Antônio Augusto Cançado Trindade, juiz da Corte Internacional de exercido por esse Estado, que deve ser comunicado para, queren-
Justiça e maior autoridade brasileira em matéria de direitos humanos, a do, alegar sua intenção de não se submeter à jurisdição brasileira,
imunidade de jurisdição estatal não poderia prevalecer sobre massivas suscitando a existência, na espécie, de atos de império a justificar a
violações de direitos humanos. Embora a opinião do professor Cançado invocação do referido princípio. Precedentes.
Trindade tenha sido minoritária no caso Alemanha vs. Itália, ela é de ex-
trema importância para o estudo da proteção internacional dos direitos 2. Tendo o Estado estrangeiro, no exercício de sua soberania, decla-
humanos, tendo em vista o caráter humanista, pedagógico e até mesmo rado que os fatos descritos na petição inicial decorreram de atos de
revolucionário de seus votos quando a matéria envolve direitos humanos. império, bem como apresentado recusa em se submeter à jurisdi-
ção nacional, fica inviabilizado o processamento, perante autorida-
5. Convergência entre o entendimento da Corte Internacional de Jus- de judiciária brasileira, de ação indenizatória que objetiva ressarci-
tiça e o entendimento da Justiça Brasileira mento pelos danos materiais e morais decorrentes de perseguições
Curiosamente, um caso análogo foi proposto perante a jurisdição bra- e humilhações supostamente sofridas durante a ocupação da Fran-
sileira. Um francês naturalizado brasileiro ajuizou ação de indenização ça por tropas nazistas.
por danos morais e materiais contra o Estado alemão. Sustentou que, à 3. A comunicação ao Estado estrangeiro para que manifeste a sua
intenção de se submeter ou não à jurisdição brasileira não possui a
natureza jurídica da citação prevista no art. 213 do CPC. Primeiro se
338 Salvo e m casos de renúncia da i m u n i d a d e de e x e c u ç ã o pelo próprio ente estatal. oportuníza, via comunicação encaminhada por intermédio do Mi-
STF, A C O - A g R 633/SP.
nistério das Relações Exteriores, ao Estado estrangeiro que aceite
339 A O r g a n i z a ç ã o das Nações U n i d a s - O N U e sua agência P r o g r a m a das Nações Uni-
ou não a jurisdição nacional. Só aí, então, se ele concordar, é que se
das para o D e s e n v o l v i m e n t o - P N U D p o s s u e m i m u n i d a d e de j u r i s d i ç ã o e de exe-
cução relativamente a c a u s a s trabalhistas, c o n f o r m e e n t e n d i m e n t o do S u p r e m o
promove a citação para os efeitos da lei processual.
T r i b u n a l Federal nos RE's 597368 e 578543.
4. A nota verbal, por meio da qual o Estado estrangeiro informa não
340 M e s m o s nestes casos, é necessária a d e t e r m i n a ç ã o da citação do Estado estran
geiro para que se decida se deseja ou não renunciar à i m u n i d a d e de jurisdição. Se
aceitar a jurisdição nacional, direcionada ao Ministério das Relações
renunciar e x p r e s s a m e n t e a i m u n i d a d e , a e x e c u ç ã o prossegue n o r m a l m e n t e . Se Exteriores e trazida por esse aos autos, deve ser aceita como mani-
i n v o c a r a i m u n i d a d e ou q u e d a r silente, a e x e c u ç ã o é e x t i n t a sem resolução de mé- festação legítima daquele Estado no processo.
a
rito. STJ, 2 T u r m a , RO 138-RJ, Rei. Min, H e r m a n B e n j a m i n , j u l g a d o e m 25/02/2014.
341 Vale relembrar que a Corte Internacional de Justiça exerce s u a j u r i s d i ç ã o apenas Recurso ordinário a que se nega provimento. (RO 99/SP, Rei. Min. Nancy
a
diante de Estados. Não há o p r o c e s s a m e n t o de pessoas físicas pela CU. Andrigui, 3 Turma, julgado em 04/12/2012, DJe 07/12/2012)" (grifamos).

3<J2 I lllkT.PRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 363
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O S (TRF 3"' REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2011 — CESPE, ADAPTADA) Acerca da
imunidade de jurisdição estatal, assinale a opção correta:
(TRF 5 REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2013 — CESPE, ADAPTADA) Acerca da
A • A imunidade de jurisdição é absoluta no Brasil para casos que envol-
imunidade de jurisdição estatal, assinale a opção correta: vam reclamações trabalhistas.
• A Corte Internacional de Justiça entende que esse tipo de imunidade Errado. Nos casos envolvendo matéria trabalhista, o Estado
GABARITO:
não é aplicável em casos de violações a direitos humanos, como, por atua como se particular fosse (teoria dos atos de gestão).
exemplo, aqueles que envolvam trabalhos forçados.
(TRF 5 REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2015 — CESPE, ADAPTADA) Assinale a
A

GABARITO:Errado. O correto é justamente o contrário. A Corte Internacio-


alternativa correta com referência a imunidade jurisdicional:
nal de Justiça entende que esse tipo de imunidade é aplicável mesmo
• Conforme entendimento do STJ, tratando-se de ato de guerra, haverá
em caso de violações a direitos humanos. Foi a conclusão da Corte de
imunidade absoluta de jurisdição, por sertal ato considerado como ato
Haia no caso Alemanha vs. Itália.
de império.
(TRF 5 REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2013 — CESPE) Acerca da imunidade de
A
GABARITO:Correta. Foi também o entendimento da Corte Internacional
jurisdição estatal, assinale a opção correta: de Justiça no caso Alemanha vs. Itália.
• No Brasil, a imunidade de jurisdição, assim como a imunidade de exe-
cução, é absoluta para todas as matérias.
Errado. Não há imunidade de jurisdição estatal nos casos en-
GABARITO:
volvendo atos de gestão.

(AGU — PROCURADOR DO BANCO CENTRAL, 2009 — CESPE) O aforismo


par in parem non habet judiciam dá fundamento à norma de direito in-
ternacional que dispõe acerca de:
a| imunidade de jurisdição estatal.
b| desenvolvimento sustentável.
c| liberdade dos mares.
d| efetividade.
e| cláusula da nação mais favorecida.
GABARITO: Letra A.

(AGU — PROCURADOR DA FAZENDA NACIONAL, 2003 — ESAF, ADAPTA-


DA) Sobre o tema da imunidade de jurisdição, indique a opção correta:
• A regra que dispõe não haver jurisdição entre os pares (par in parem
non habet judicium) não mais se aplica ao relacionamento entre Esta-
dos tendo em vista o princípio da jurisdição universal.
GABARITO: Errado. A regra ainda persiste nos casos envolvendo atos de
império.

3 6 4 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 3 b 5
Assim, antes de realizar um terceiro pedido de extradição do Sr. Habré,
,1 Bélgica levou o Í . a s o a l e .1 Í 0 1 l e lutei 11..K l u n a l d e Justiça. O I stado bel
o
ga baseou suas alegações nos artigos 6 , parágrafo 2, e 7 ° , parágrafo 1°,
da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outras Penas ou
Caso Bélgica vs. Senegal ("Caso Habré")
Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Convenção contra a
Tortura), que prevêem a possibilidade de jurisdição universal, diante da
ÓRGÃO JULGADOR:
cláusula de aut dedere aut judicare (extradite ou julgue) para aqueles que
perpetrarem atos de tortura.
Corte Internacional de Justiça
Além disso, o Estado belga embasou suas alegações em normas interna-
cionais consuetudinárias.
SENTENÇA:
20 de j u l h o de 2012 No dia 20 de julho de 2012, a Corte Internacional de Justiça decidiu — com
o 0
fulcro nos artigos 6 , parágrafo 2°, e artigo 7 , parágrafo i°, da Convenção
das Nações Unidas contra a Tortura — que o Estado do Senegal deveria
julgar imediatamente o ex-presidente do Chade, Sr. Hissène Habré, e em
caso de recusa do Estado senegalês a fazê-lo, extraditar o ex-presidente
RESUMO DO CASO do Chade para o Estado belga.
o

O Sr. Hissène Habré foi presidente da República do Chade -' de 1982 até 34 Do mesmo modo, com fulcro no artigo 6 , parágrafos 1 e 2, da Convenção
1990. Seu mandato ficou marcado pela sistemática violação de direitos da ONU contra a Tortura, a Corte de Haia responsabilizou o Estado de Se-
humanos no país, eis que o Governo liderado por Habré praticava a tor- negal por não ter aberto de maneira imediata, assim que tomou ciência
tura de maneira corriqueira e usual; não bastasse isso, ceifava a vida de dos fatos, uma investigação preliminar contra o Sr. Habré.
qualquer pessoa que se manifestasse contra seu governo. Milhares de Assim, para a Corte Internacional de Justiça, a obrigação de investigar
pessoas foram mortas e torturadas na República do Chade.
não é uma faculdade, mas uma obrigação do país onde se encontra o
Em 1990, diante de todas as atrocidades cometidas pelo seu governo, acusado de crimes de tortura. Ainda segundo a Corte de Haia, a única
Hissène Habré foi deposto do cargo e fugiu para a cidade de Dakar, no hipótese em que o Senegal poderia deixar de investigar e julgar o Sr. Ha-
Senegal, onde recebeu asilo. Após alguns anos, a República do Chade pe- bré seria se o país tivesse extraditado o ex-presidente do Chade para um
diu a repatriação do ex-presidente para que ele pudesse responder por Estado competente e que tivesse solicitado a extradição, como ocorreu
todas as violações de direitos humanos cometidas durante o seu governo. no caso da Bélgica.
Nesse interregno, a Bélgica também pediu a extradição de Habré, já que
algumas vítimas do Regime comandado por Habré, que contavam com
dupla cidadania, vieram a postular diante do Judiciário da Bélgica. P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O

O Senegal negou o pedido de repatriação do ex-presidente Habré para a í. Jurisdição universal prevista para o crime de tortura na Convenção
República do Chade, alegando que a República do Chade não julgaria o Sr.
das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas
Habré de maneira imparcial. No ano de 2005,0 Estado do Senegal também
Cruéis, Desumanos o u Degradantes
denegou o pedido de extradição do ex-presidente Habré para a Bélgica.
Diferentemente do caso Bélgica vs. Congo (Caso Yerodia)— em que o funda-
mento analisado pela Corte Internacional de Justiça para conferir validade
342 A República d o C h a d e é um país s e m acesso ao mar, localizado na região centro-
ou não à jurisdição universal era o ordenamento jurídico interno de uma
norte da Africa. das partes —, no caso Bélgica vs. Senegal (Caso Habré), o fundamento que

366 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 367
confere validade para a jurisdição universal diante da prática de tortura são Além de estar prevista em diversas convenções internacionais ^ cláusula do 344

os próprios preceitos da Convenção da ONU contra a Tortura, que estabele- aut dedere aut judicare também encontra resguardo na doutrina internacio-
cem os casos em que um país se torna competente para exercer a jurisdição: nalista. Para os estudiosos do direito internacional, a cláusula do aut dedere,
quando o crime foi cometido em seu território, quando o acusado ou a ví- aut judicare*'' obriga os Estados a tomarem providências para levaros autores
tima nasceu lá ou ainda quando o acusado foi encontrado circulando pelo iA6
de crimes de jus cogens a julgamento. Ainda sobre o assunto e para elucidar
343
país . Vale relembrar ainda que a Corte Internacional de Justiça não exami- eventuais dúvidas, uma pequena lição de Luiz FernandoVoss Chagas Lessa so-
nou se a Bélgica possui ou não competência para julgar Hissène Habré, mas bre a cláusula aut dedere, aut judicare: "A cláusula aut dedere aut judicare (ex-
apenas a viabilidade da jurisdição universal para o crime de tortura. tradite ou julgue) aparece como um princípio de Direito Internacional vinculan-
te, aplicável não somente aos casos de extradição, mas sim à própria persecução
2. As obrigações de investigar e julgar ou extraditar {aut dedere aut dos autores de ilícitos internacionais penais. Esse principio tem aplicabilidade
judicare) previstas na Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura naqueles casos em que um Estado recusa conceder a extradição requerida por
e Outros tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes outro Estado, como, por exemplo, costuma ocorrer no caso de nacionais do pais
são obrigações erga omnes requerido. Nessas hipóteses, embora o Estado requerido não esteja obrigado a
entregar o acusado do fato criminoso ao requerente, aquela tem a obrigação de
É importante destacar também a postura da Corte Internacional de Jus-
processar e julgar o criminoso. Indo além, é possível sustentar que, na ausência
tiça no Caso Habré, pois, ao se deparar com a obrigação de investigar e
o de um pedido de extradição, existe, para o Estado onde se encontra localizado o
julgar ou extraditar, previstas respectivamente nos artigos 6 e 7 ° da Con-
autor do fato delituoso, o dever de processá-lo. Esse dever pode resultar tanto da
venção da ONU contra a Tortura,ela decidiu que estas seriam verdadeiras
aplicação da cláusula do aut dedere aut judicare quanto do costume interna-
obrigações erga omnes, passíveis de serem exigidas por qualquer Estado, 341
cional, das normas imperativas de Dl ou mesmo de princípios gerais do direito" .
eis que estas obrigações resguardam valores essenciais da comunidade
internacional. Logo, critérios para aferira legitimidade ativa para postular Nesse sentido, é também a posição de André de Carvalho Ramos sobre
o dever de investigar e julgar ou extraditar, como, por exemplo, a naciona- o tema: "O princípio do aut dedere aut judicare ("extraditar ou julgar")
lidade da vítima, são irrelevantes. remonta a Crotius e tem como objetivo assegurar punição aos infratores
destas normas internacionais de conduta onde quer que eles se encontrem.
348
Não estariam seguros, na expressão inglesa, anywhere in the wor/d" .
343 Artigo 5 ° — r. Cada Estado-parte tomará as medidas necessárias para estabelecer
sua jurisdição sobre os crimes previstos no artigo 4°, nos seguintes casos:
q u a n d o os c r i m e s t e n h a m sido c o m e t i d o s e m q u a l q u e r território sob sua jurisdi-
344 A c l á u s u l a do aut dedere aut judicare pode ser e n c o n t r a d a no art. 36.2 " a " da C o n -
ção ou a bordo de navio o u a e r o n a v e registrada no E s t a d o e m q u e s t ã o ;
v e n ç ã o única sobre Entorpecentes d e 1961, n o art. 22.2 " a " d a C o n v e n ç ã o sobre
q u a n d o o s u p o s t o a u t o r for nacional do Estado e m q u e s t ã o :
S u b s t â n c i a s Psicotrópicas (1971), no a r t i g o 16 d a C o n v e n ç ã o das N a ç õ e s U n i d a s so-
q u a n d o a v i t i m a for nacional d o Estado e m questão e este o considerar apropriado;
bre C r i m e O r g a n i z a d o T r a n s n a c i o n a l (2000), no a r t i g o 11 d o T r a t a d o d e Extradição
Artigo 6" — Todo Estado-parte em cujo território se encontre uma pessoa suspeita do Mercosul (1998), entre outros d o c u m e n t o s .
de ter cometido qualquer dos crimes mencionados no artigo 4", se considerar, após 345 A c l á u s u l a do aut dedere, aut judicare possui o r i g e m no brocardo a u f dedere, aut
o exame das informações de que dispõe, que as circunstâncias o justificam, proce- punire, f o r m u l a d o por H u g o Grócio no c o n t e x t o do p a r a d i g m a d a c o e x i s t ê n c i a .
derá à detenção de tal pessoa ou tomará outras medidas legais para assegurar sua C o m o a t u a l m e n t e o Direito i n t e r n a c i o n a l é g u i a d o por u m viés cooperativo, o bro-
presença. A detenção e outras medidas legais serão tomadas de acordo com a lei do c a r d o foi a d a p t a d o para aut dedere, aut judicare.
Estado, mas vigorarão apenas peto tempo necessário ao inicio do processo penal ou 346 São os crimes de c o m p e t ê n c i a do T r i b u n a l Penal Internacional: c r i m e s de guerra,
de extradição. c r i m e s contra a h u m a n i d a d e , g e n o c í d i o e o c r i m e de agressão.
O Estado e m q u e s t ã o procederá i m e d i a t a m e n t e a u m a i n v e s t i g a ç ã o preliminar 347 LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. Persecução penal e cooperação internacional
dos fatos. direta pelo Ministério Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 62-63.
Qualquer pessoa detida de acordo c o m o parágrafo i ° terá asseguradas facilidades 348 R A M O S , A n d r é de Carvalho. O caso Pinochet: p a s s a d o , presente e f u t u r o d a perse-
para comunicar-se imediatamente c o m o representante mais próximo do Estado de cução criminal internacional. Revista do instituto Brasileiro de Ciências Criminais,
que é nacional ou, se for apátrida, com o representante d e sua residência habitual. j a n . / m a r . 1999, p a i o .

368I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 3 6 9
Por fim, é de suma importância ressaltar que o Brasil adota o ideal grecia- d,i\ normas de Investigai e exltadilat uu julgar, estas somente prevale-
no de aut dedere aut judicare. Vejamos a lição de André de Carvalho Ra- cem para os fatos que se passaram após a entrada em vigor da Conven-
mos sobre o ponto em questão; "Complementando esses tratados interna- ção da ONU contra a Tortura para o Senegal; respeita-se assim o artigo 28
cionais, há a previsão do art. j° do Código Penal que dispõe F icam sujeitos da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados" .0 fato da proibição 3

à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (...) il — os crimes a) que, da prática de tortura ter sido considerada uma norma de jus cogens tam-
por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir'. Na mesma linha, bém não alterou a questão intertemporal em comento.
o Supremo Tribunal Federal possui precedentes que pugnam pela aplicação
5. Após a decisão da Corte Internacional de Justiça no Caso Bélgica
da lei brasileira a condutas ilícitas ocorridas no exterior — cujos autores
353

não estão sujeitos à extradição — para cumprir o ideal g rocia no de 'aut de- vs, Senegal, criou-se u m Tribunal Internacional H í b r i d o para j u l g a r
dere aut judicare', revelando, aos olhos do STF, 'o compromisso êtico-jurídico Hissène Habré
149
que o Brasil deve assumir na repressão a atos de criminalidade comum'" . Diante da decisão da Corte Internacional no caso Habré, a União Africana
e o Senegal criaram um novo Tribunal Internacional de quarta geração
Para finalizar, e tratando especificamente do ponto em comento, segue
para julgar o ex-presidente do Chade, o que demonstra o empenho do Es-
um trecho da lição de André de Carvalho Ramos: "Por sua vez, a Conven-
tado senegalês em cumprir a decisão da Corte de Haia. Vejamos a lição de
ção da ONU, em seu art. $°, §2° estabelece o princípio do aut dedere, aut
André de Carvalho Ramos sobre o tema: "Recentemente foi criado o Tribu-
judicare, pelo qual o Estado contratante tem o dever de extraditar ou julgar
nal Especial para julgar o ex-líder do Chad Hissène Habré, estabelecido gra-
o torturador que esteja sob sua jurisdição, não importando a nacionalidade
150 ças a acordo firmado entre a União Africana e o Senegal (onde se encontra
do autor, vítima ou local que a tortura tenha ocorrido" .
Habré). As acusações referem-se a fatos ocorridos de 1982 até 1990, período
3. A Corte Internacional de Justiça afirmou no caso Bélgica vs. Senegal que a em que Habré tomou o poder no Chad por um golpe e iniciou o massacre de
proibição da prática de tortura é uma norma consuetudinária de jus cogens oponentes. O acordo acontece após a manifestação da Corte Internacional
de Justiça sobre o caso Bélgica vs. Senegal, que impõe a este país o dever de
No caso em comento, a Corte Internacional de Justiça reconheceu que a 154
julgar o ex-ditador do Chad" .
proibição da prática de tortura é uma norma de jus cogens costumeira.
As normas de jus cogens são aquelas normas imperativas e que possuem 6. Para aprofundar: o c o m b a t e à tortura e a proteção internacional de
valores essenciais para toda a comunidade internacional. Assim, segundo direitos h u m a n o s
a Corte de Haia, há um costume internacional em vigor no qual é possível
afirmar que a proibição da prática de tortura é norma de jus cogens '. 35
6 . 7 . 0 delito de tortura pela Lei n. 9455/97
A proibição da prática de tortura é um mandado de criminalização
4. As obrigações de aut dedere aut judicare previstas na Convenção da proferido pela Constituição Federal de 1988 e que foi satisfeito pelo
O N U contra a Tortura e dotadas de natureza de obrigações erga omnes legislador brasileiro apenas no ano de 1997, com a edição da Lei n.
(conforme decisão da própria CU no Caso Habré) estão submetidas ao 9455. Segundo o diploma legal brasileiro, a prática de tortura pode
artigo 28 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados ser definida como "constranger alguém com emprego de violência ou
Ê interessante ressaltar o posicionamento da Corte Internacional de Jus-
tiça ao decidir que, mesmo diante da qualidade de obrigação erga omnes
352 trretroatividade de Tratados — A não ser que uma intenção diferente se evidencie
do tratado, ou seja estabelecida de outra forma, suas disposições não obrigam uma
parte em relação a um ato ou fato anterior ou a uma situação que deixou de existir
349 RAMOS, André de C a r v a l h a Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. S i o antes da entrada em vigor do tratado, em relação a essa parte.
Paulo: Saraiva, 2013. p.287. 353 Para a p r o f u n d a r o t e m a "tribunais internacionais híbridos" r e c o m e n d a - s e a leitu-
350 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 505. ra do C a s o Charles Taylor, que será e s t u d a d o m a i s a frente.
351 Esse e n t e n d i m e n t o j á havia sido cristalizado pelo T r i b u n a l Penal para a e x - l u g o s - 354 RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de Direitos Humanos. 3. ed. S ã o
lávia no caso Furundzija vs. Prosecutor, j u l g a d o em 10 de d e z e m b r o de 1998. Paulo: Saraiva, 2013, p. 320.

3 7 ° I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 371
grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: Em razão de
TORTURA SEGUNDO A TORTURA SEGUNDO A
discriminação racial ou religiosa (tortura religiosa ou discriminatória);
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONVENÇÃO INTERAMERICANA
Para provocar ação ou omissão de natureza criminosa (tortura crime);
Com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de CONCEITO: "qualquer ato pelo qual dores ou CONCEITO: "todo ato pelo qual são infli-
sofrimentos agudos.fisicos ou mentais, são gidos intencionalmente a uma pessoa
terceira pessoa (tortura clássica).
infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou men-
afim de obter, dela ou de uma terceira pes- tais com fins de investigação criminal,
A lei ainda prevê outras duas modalidades específicas de tortura: (a) en-
soa, informações ou confissões; de castiga como meio de intimidação, como cas-
volvendo a submissão de pessoa presa a sofrimento físico ou mental; (b) -la por ato que ela ou uma terceira pessoa tigo pessoal, como medida preventiva,
envolvendo pessoa sob guarda, poder ou autoridade, como forma de apli- tenha cometido ou seja suspeita de ter co- como pena ou com qualquer outro fim".
metido; de intimidar ou coagir esta pessoa
car castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. O B S : a existência de e s t a d o de guer-
ou outras; ou por qualquer motivo basea-
ra, a m e a ç a de guerra, estado de sítio
do em discriminação de qualquer nature-
Desse modo, é possível constatar que, para a legislação brasileira a tortura ou e m e r g ê n c i a , distúrbios o u lutas
za; quando tais dores ou sofrimentos são
internas, a s u s p e n s ã o de garantias
é um crime: (a) comum; (b) prescritível; e (c) equiparado a crime hediondo. infligidos por um funcionário público ou
constitucionais, a instabilidade políti-
outra pessoa no exercício de funções pú-
ca interna e outras e m e r g ê n c i a s pú-
6.2. Extraterritorialidade incondicionada do crime de tortura blicas, ou por sua instigação, ou com 0 seu
blicas ou desastres não poderão ser
consentimento ou aquiescência".
A Lei n. 9455/97 prevê em seu artigo 2 0
uma das raras hipóteses de extra- invocados n e m admitidos c o m o j u s t i -

territorialidade incondicionada da jurisdição brasileira. Segundo o artigo O B S : Não se admite a invocação de circuns- ficativa para 0 crime de tortura. T a m -
o
t â n c i a s excepcionais, tais c o m o a m e a ç a pouco poderá 0 caráter perigoso d e
2 da Lei de Tortura, aplica-se a lei brasileira mesmo que o crime não te-
ou e s t a d o de guerra, instabilidade políti- u m detento ou prisioneiro justificar 0
nha sido cometido no território nacional, desde que a vítima seja brasilei- ca interna ou qualquer outra e m e r g ê n c i a recurso à tortura. De igual f o r m a , or-
ra ou, ainda, se o agente estiver em local sob jurisdição brasileira. Sobre pública, como j u s t i f i c a ç ã o para tortura. dens de superiores hierárquicos não
T a m b é m não se admite a e x c u l p a n t e d a podem ser invocadas para justificar 0
essa hipótese de extraterritorialidade incondicionada, é a lição de André
"ordem hierárquica" c o m o justificação crime. Não há, pois, possibilidade d e
de Carvalho Ramos: "Assim, há dois casos de extraterritorialidade: 1) pelo para 0 crime. Não há, pois, possibilidade derrogar a proibição contra a tortura.
princípio da personalidade passiva, quando a vítima da tortura for brasilei- de derrogar a proibição contra a tortura.
O B S : O s atos oriundos de sanções le-
ra; e 2) pelo princípio da universalidade da jurisdição, quando o agente se O B S 2: O s atos oriundos de sanções legíti- g í t i m a s q u e c a u s e m sofrimento o u
mas q u e c a u s e m sofrimento ou dores não dores, d e s d e que não i n c l u a m a reali-
encontra em território brasileiro"™.
são considerados tortura. zação de atos ou a aplicação de méto-
dos que c a u s e m penas ou sofrimento
6.3. Conceito de tortura: Convenção da ONU contra a Tortura versus físicos ou m e n t a i s para fins de inves-
Convenção Interamericana contra a Tortura t i g a ç ã o , c o m o meio de intimidação,
como c a s t i g o pessoal, c o m o medida
Somente após a II Guerra Mundial, e em razão das experimentações bio- preventiva ou que provoquem a a n u -
lógicas realizadas em seres humanos durante a beligerância, nasceu um lação da personalidade da v í t i m a o u
a d i m i n u i ç ã o de s u a c a p a c i d a d e física
movimento de repúdio ã tortura que originou a aprovação de inúmeros
ou m e n t a l , não caracterizam tortura.
tratados internacionais contra a tortura, como a Convenção contra a Tor-
tura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes (1984) e a ELEMENTO SUBJETIVO: Dolo. A tortura culposa ELEMENTO SUBJETIVO: Dolo. A tortura c u l -
Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura {1985), ambas não é punível. posa não é punível.

ratificadas pelo Brasil. Todavia, não há nestas duas convenções um con-


FINALIDADE: Obter confissão, informação ou
ceito uníssono do que caracterizaria a prática de tortura. Vejamos o tema ainda como forma de punição ou discrimi- FINAUDADE: Não há finalidade específica.
com o aprofundamento necessário. nação.

MODALIDADE OMISSIVA: Não está prevista n a MODALIDADE OMISSIVA: Está prevista na


C o n v e n ç ã o das Nações Unidas. C o n v e n ç ã o Interamericana.
355 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014. p.506.

372 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 373
da vitima. Apenas a Convenção Interamericana admite que determina-
TORTURA S E G U N D O A TORTURA S E G U N D O A
da medida preventiva ou pena pode resultar em configuração de tortura.
C O N V E N Ç Ã O DAS N A Ç Õ E S UNIDAS C O N V E N Ç Ã O INTERAMERICANA
Apenas a Convenção da ONU exige a presença de agente público ou sua
SUJEITO A T I V O : É O a g e n t e público ou particu- SUIEITO A T I V O : 1. O s e m p r e g a d o s ou aquiescência para a caracterização da prática de tortura. Apenas a Con-
lar agindo e m caráter oficiai, ou ainda por f u n c i o n á r i o s públicos que, no exercí- venção da ONU exige que o sofrimento ocorra deforma aguda.
instigação, c o n s e n t i m e n t o ou aquiescên- cio de sua f u n ç ã o , o r d e n e m a prática
cia do a g e n t e público. do ato de tortura ou a i n d a I n s t i g u e m Assim, diante de todos os elementos expostos, é possível concluir que a
ATENÇÃO: Para a Convenção da O N U C o n - ou i n d u z a m a ele, c o m e t a m - n o dire- Lei n° 9.455/97 está mais próxima da Convenção Interamericana. Nesse
tra a Tortura, a presença do f u n c i o n á r i o t a m e n t e ou, p o d e n d o Impedi-lo, não
sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Comparando o disposto
o façam.
público c o m o sujeito ativo da tortura é
nos diplomas internacionais ratificados pelo Brasil e a Lei 9.455/97, nota-se
obrigatória. 2. As pessoas que, por instigação dos
funcionários ou empregados públicos
que a lei brasileira é mais próxima do diploma interamericano, pois é mais
e m apreço, ordenem sua prática, Insti- geral que a Convenção da ONU, que considera essencial ser a tortura come-
6
g u e m ou induzam a ela, c o m e t a m - n o tida por agente público ou com sua aquiescência"* .
diretamente ou nele sejam cúmplices.
ATENÇÃO: Para a Convenção Interame- 6.4.0 PNDH i e a tipificação do delito de tortura pela Lei 9.455/97
ricana contra a Tortura, o particular
Os planos nacionais de direitos humanos possuem origem na Declaração
pode ser sujeito ativo de tortura sem
que esteja em concurso c o m um
e Programa da Ação da Conferência Mundial de Viena em 1993. No Brasil,
a g e n t e público. a competência para instituir esses planos é comum a todos os entes da
federação brasileira, o que possibilita a existência de programas de direi-
RESULTADO D A PRATICA DE T O R T U R A : O ato pode
tos humanos nacionais, estaduais e até municipais. O objetivo da institui-
ou não resultar e m pena ou sofri-
m e n t o físico ou m e n t a l .
ção destes planos é dar maior exposição aos problemas relacionados aos
O ato deve
RESULTADO D A PRÁTICA DE TORTURA:
ATENÇÃO; T a m b é m configura tortura o
direitos humanos de cada pais e, ao mesmo tempo, estipular metas para
causar dor ou sofrimento agudo, físico ou
mental. ato que anule a personalidade da víti- que a garantia insatisfatória dos direitos humanos possa ser superada.
ma ou d i m i n u a a sua capacidade física Estes programas não possuem força vinculante e devem ser colocados
ou mental, m e s m o que dele não de- em prática com a comunhão de esforços do governo e da sociedade civil.
corra qualquer dor física ou psíquica.
Ocorreque,ainda queotema não seja muito mencionado pela doutrina,a
tipificação do delito de tortura foi considerada um grande avanço obtido
pelo primeiro programa nacional de direitos humanos brasileiro, datado
Convergências entre a Convenção da O N U contra a Tortura e a Con-
de 1996. Além da tipificação do delito de tortura peta Lei 9.455/97. é tam-
venção Interamericana contra a Tortura:
bém possível atribuir ao PNDH-i a iniciativa que resultou na PEC que in-
Tanto a Convenção da ONU quanto a Convenção Interamericana conside- cluiu o incidente do deslocamento de competência em caso de violações
ram tortura como "sofrimentos físicos e mentais". Ambas as convenções de direitos humanos na justiça federal. Nessa linha, é a lição de André de
consideram configurada a prática de tortura quando ela for realizada Carvalho Ramos: "Em 2002, foi aprovado pelo Decreto 4.229, de 13 de maio
para fins de investigação penal, castigo pessoal ou intimidação. de 2002, o II Programa Nacional de Direitos Humanos, na mesma linha do
PNDH-i mas agora com ênfase nos direitos sociais. Nos "considerandos"
Divergências entre a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura do novo programa, foram identificados avanços obtidos nos seis anos de
e a Convenção Interamericana Contra a Tortura: vida do PNDH-i, entre eles a adoção de íeis sobre-. 1} reconhecimento das
Apenas a Convenção Interamericana prevê a tortura por ato omíssivo. mortes de pessoas desaparecidas em razão de participação política (Lei n°
Apenas a Convenção Interamericana criou a figura equiparada, que con-
siste em condutas equiparadas à primeira, que, ainda que não inflijam
dor ou sofrimento, acabem diminuindo a capacidade física ou mental 356 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 507.

374 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 375
9.140/95), pela á.ual o Estado brasileiro reconheceu a responsabilidade por cumpriu a obrigação — assumida no Protocolo Facultativo da Conven-
essas mortes e concedeu indenização aos familiares das vitimas; 2) a trans- ção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos
ferência da justiça militar para a justiça comum dos crimes dolosos contra ou Degradantes da ONU — de criar o Mecanismo Preventivo Nacional
a vida praticados por policiais militares (Lei n. 9.266/96); 3) a tipificação do de Prevenção e Combate à Tortura.
crime de tortura (Lei n. 9455/97); 4) e a proposta de emenda constitucional
sobre a reforma do Poder Judiciário, na qual se incluiu a chamada "federa 6.7. Indagação didática: você sabe o que é a teoria do cenário da bom-
157
lização" dos crimes de direitos humanos" . Atualmente, o Brasil está no ba relógio (ticking bomb scenario)?
terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos {PNDH-3). A teoria do cenário da bomba relógio é uma vertente do Direito Penal
máximo que levanta a problemática sobre a possibilidade ou não de se
6.5. Princípio do non-refoulement e sua previsão na Convenção da
torturar um determinado indivíduo em razão de um "estado de neces-
ONU contra a Tortura
sidade coletivo". O ticking bomb scenario encontra maior aceitação nos
O princípio do non-refoulement consiste em uma garantia do refugiado Estados Unidos da América: o governo americano já é conhecido por im-
de que este não seja reenviado para um Estado onde possa estar sujei- plementar medidas "contra-terroristas" que, na grande maioria das ve-
to a tratamento desumano e degradante, ou ainda a perseguição polí- zes, acabam por desrespeitar e violar todo e qualquer direito humano. O
tica. Nesse sentido, André de Carvalho Ramos: "O refugiado não poderá exemplo clássico apresentado pela doutrina é uma situação em que há
ser expulso ou rechaçado para fronteiras de territórios em que sua vida ou uma bomba implantada em algum local de uma cidade e o Estado, em-
liberdade estejam ameaçadas em decorrência de sua raça, religião, nacio- bora já tenha capturado o responsável ou os responsáveis pelo iminente
nalidade, grupo social a que pertença, opiniões políticas, o que consagra o atentado, não possui conhecimento do local onde se encontra o artefa-
359
princípio do non-refoulement (proibição do rechaço). O princípio da proi- to explosivo . Nestes casos, questiona-se a possibilidade de se torturar
bição do rechaço, entretanto, não poderá ser invocado se o refugiado for o individuo responsável pelo atentado terrorista para que ele revele o
considerado, por motivos sérios, um perigo à segurança do país, ou se for paradeiro do artefato explosivo. Para os defensores desta possibilidade,
condenado definitivamente por um crime ou delito particularmente grave, a prática da tortura nesta situação estaria abarcada por um "estado de
constitua ameaça para a comunidade do país no qual ele se encontre" *. 15 necessidade coletivo", dando ensejo à exclusão da ilicitude da conduta.
Já aqueles que repudiam a teoria do ticking bomb scenario alegam a vio-
Além do art. 7°, § 2°, da Lei 9.474/1997 (diploma que regulamenta o insti- lação de normas internacionais de direitos humanos e, no caso do Brasil,
tuto do refúgio no Brasil), o princípio do non-refoulement tem sua origem a própria proibição constitucional à prática de tortura.
atrelada à Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura e outros Trata-
mentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (art. 3 ) e também 0
Conforme ressaltado anteriormente, nem a Convenção das Nações
ao artigo 22, VIII, do Pacto de San José da Costa Rica. Unidas, nem a Convenção Interamericana contra a Tortura admitem
a invocação de circunstâncias excepcionais, tais como ameaça ou
A primeira vez que a Corte Interamericana de Direitos Humanos se depa-
estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra
rou com o princípio do non-refoulement foi no Caso Família Pacheco Tineo
emergência pública, como justificação para a tortura. Assim,diante do
vs. Bolívia,já estudado anteriormente.
atual estágio da proteção internacional dos direitos humanos, a tic-
6.6. Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (Lei 12.847/2013) king bomb scenario theory caracterizaria um ato ilícito e contrário aos
direitos humanos resguardados, seja pela ordem internacional, seja
Com a promulgação da Lei n° 12.847, de 02 de agosto de 2013, o Brasil,
pela ordem interna.
além de instituir o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura,

359 O f i l m e " A m e a ç a T e r r o r i s t a " (2010) retrata e x a t a m e n t e o cenário da teoria do ce-


357 Id.,p.4i8. nário da b o m b a relógio e o d i l e m a entre os que c o n c o r d a m c o m sua aplicação e os
358 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014^.170. q u e s ã o contrários a s u a aplicação.

376 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS IULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 377
Ressalta-se que o tema é polêmico e envolve uma ponderação de Interes- contra a sua vontade ou consciência. Além da Comissão EDH, o Conselho
ses. No Brasil, a discussão é tratada de maneira brilhante por Luis Greco, Europeu também analisou este caso.
360
em estudo cuja leitura recomendamos .
Caso Irlanda vs. Reino Unido ("caso Irlandês" [Irish Case]), j u l g a d o pela
7. Jurisprudência internacional correlata Corte Europeia de Direitos H u m a n o s em 1978
Neste precedente, a Irlanda reclamou perante a Corte de Estrasburgo em
Caso Loayza Tamayo vs. Peru, j u l g a d o pela Corte Interamericana de relação ao tratamento dado aos nacionais irlandeses que estavam sob
Direitos H u m a n o s em 27.11.1998 custódia do Reino Unido. Vários destes prisioneiros foram submetidos
Neste precedente, já estudado anteriormente, a Corte Interamericana pelo Reino Unido às chamadas cinco técnicas de interrogatório, que in-
de Direitos Humanos estabeleceu que a violação do direito à integri- cluíam a privação de sono por tempo indeterminado, a privação de ali-
dade física e psicológica possui vários níveis e gradações, englobando mentos por tempo indeterminado, a obrigação de ficar em pé por tempo
tratamentos que vão desde a tortura até outras formas de humilhação indeterminado, a exposição a barulhos e ruídos excessivos, e a necessi-
ou tratamento cruel, desumano ou degradante, com vários níveis de dade de se usar um capuz cobrindo toda a cabeça. Configurou-se o que
efeitos físicos e psicológicos causados, que devem ser provados casuis- a doutrina costuma chamar de tortura invisível. Ocorre que, embora os
ticamente. prisioneiros irlandeses estivessem sendo submetidos à tortura invisível, a
Corte Europeia de Direitos Humanos cristalizou entendimento no senti-
Caso Martiza Urrutia vs. Guatemala, j u l g a d o pela Corte Interamerica- do de que tais atos não caracterizavam tortura, mas "apenas" maus tratos
na de Direitos H u m a n o s em 27.11.2003 e tratamento desumano e degradante, eis que não denotavam intenso
sofrimento ou crueldade (elementos entendidos à época como necessá-
Neste precedente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhe- rios para a caracterização da prática de tortura). Assim, neste precedente,
ceu que a mera ameaça e o perigo real de submeter determinado indiví- a Corte EDH separou o conceito de tortura do conceito de maus tratos.
duo a lesões pode produzir, em determinadas situações, uma angústia Com a finalidade de esclarecer qualquer dúvida sobre o Caso Irlandês, ve-
moral que pode ser considerada "tortura psicológica". jamos a lição de André de Carvalho Ramos: "A inspiração da redação do ar.
76 foi fruto de tratamento desumano a prisioneiros realizado em plena Eu-
Caso Grego (Greek Case) J u l g a d o pela Comissão Europeia de Direitos
ropa democrática, no seio da luta antiterrorista britânica. Em 1971, o Reino
H u m a n o s e m 1978 Unido deflagrou a "Operação Demetrius"para reprimir ativistas suspeitos
Este precedente legitimou a Comissão Europeia de Direitos Humanos de integrar ou apoiar o IRA (Irish Revolutionary Army) na Irlanda do Norte
como primeiro órgão internacional a se deparar com o desafio de delimi- e deteve quase 350 pessoas. Várias delas foram submetidas às chamadas
tar o conceito de tortura e diferenciá-lo do conceito de maus tratos, trata- "5 técnicas ("five techniques") de interrogatório, que consistiam em: obri-
mentos cruéis, desumanos e degradantes. Ao analisar este caso, a Comis- gação de ficar de pé por horas e horas, usar capuz cobrindo toda a cabeça
são Europeia de Direitos Humanos entendeu que tortura é uma espécie (retrato em foto célebre de prisioneiro iraquiano na Prisão de Abu Chaib,
agravada de tratamento desumano, infligido a alguém com um intuito Iraque, feita por soldados norte-americanos), sujeição a ruído excessivo, pri-
específico (obter confissão, informação, etc). Já o tratamento desumano vação de sono e privação de comida e água por prazo indeterminado. Tudo
seria aquele que causa intenso sofrimento e dor em uma situação injusti- voltado para desorientar, enfraquecer, gerar privação de sentidos, intimidar,
ficável. Por fim, a Comissão EDH entendeu que o tratamento degradante obtendo a total sujeição do prisioneiro para seus propósitos. Essa técnicas
seria aquele que humilha a pessoa perante os demais ou que a leva a agir são comumente conhecidas como 'tortura invisível' e foram usadas tam-
i6
bém por diversas ditaduras no mundo" \

360 V. As regras por trás das da exceção — reflexão sobre a tortura nos chamados "casos
de bomba-relógio". Disponível e m : < h t t p : / / r e v i s t a . u n i c u r i t i b a . e d u . b r / i n d e x . p h p / 361 R A M O S , A n d r é de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. S ã o Paulo: Saraiva, 2014.
RevJur/article/view/95/7i>. pp.509-510.

378 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 379
Assim, o caso Irlandês superou o entendimento do caso Grego. Por fim, e denamento jurídico brasileiro; ela só veio a ser editaaa sete anos apos
a título de curiosidade, calha ressaltar que o Irish Case foi a primeira de- a promulgação do ECA. Assim, como a Convenção da ONU já havia sido
manda interestatal do sistema europeu de direitos humanos. internalizada pelo Brasil, o STF utilizou o conceito de tortura previsto no
referido diploma internacional para dar sentido ao art. 233 do ECA e viabi-
Caso Selmounivs. França, julgado pela Corte Europeia de Direitos Hu- lizar a análise do habeas corpus em questão (v. HC 70389, Rei. Min. Sydney
manos em 1984 Sanches, rei. p/ acórdão min.Celso de Mellojribunal Pleno, j. 23/06/1994).
Neste precedente, a Corte Europeia de Direitos Humanos cristalizou o entendi-
mento de que submeter determinado prisioneiro à prática do "corredor polo- INCIDÊNCIA DO TEMA EM PROVAS DE CONCURSOS
nês", ser alvo de urina por agentes estatais, ser alvo de assédio verbal em razão
de sua origem, obrigá-lo a simular sexo oral com policial ou ainda ameaçar (PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2013) De acordo
O

determinado prisioneiro com uma seringa constituem atos de tortura, não ha- com a Corte Internacional de Justiça, no julgamento de 20 de julho de
vendo que se falar em mero tratamento degradante, superando-se, assim, o 2012 no caso "Questões Relativas à Obrigação de Perseguir ou Extraditar"
entendimento proferido pela Corte de Estrasburgo no caso Irlandês. Vejamos a (Bélgica vs. Senegal):
lição de André de Carvalho Ramos sobre este ponto: "Para a Corte EDH, a tortu-
a| O crime de tortura é, no direito internacional, de natureza consue-
ra pode ser sintetizada em atos, com características cruéis e severas, de violência
tudinária e, por isso, prevalece a obrigação do Senegal de extraditar
física e mental considerados em seu conjunto, que causam dor e sofrimento agu-
ou promover a persecução penal (aut dedere aut judicare) contra o
do. Com isso a Corte modificou seu posicionamento, uma vez que adota a inter-
ex-presidente do Chad, Hissène Habré, para fatos que tiveram lugar
pretação evolutiva da Convenção Europeia de Direitos Humanos (tida como um
antes mesmo da entrada em vigor da Convenção da ONU contra a
Instrumento vivo'), sustentando que atos que hoje são caracterizados como de-
361 Tortura para o Senegal;
gradantes ou desumanos podem, no futuro, ser caracterizados como tortura" ,
b| O crime de tortura não é, no direito internacional, de natureza consue-
8. Jurisprudência nacional correlata tudinária, sendo sua criminalização resultado do direito convencional
A extraterritorialidade incondicionada do crime de tortura não deslo- e, por isso, prevalece a obrigação do Senegal de extraditar ou promover
ca, por si só, a competência para a Justiça Federal a persecução penal (aut dedere aut judicare) contra o ex-presidente do
Chad, Hissène Habré, apenas para fatos que tiverem lugar após a en-
Ainda que a Lei. 9.455/97 preveja uma hipótese de extraterritorialidade
trada em vigor da Convenção da ONU contra a Tortura para o Senegal;
incondicionada para o crime de tortura, o STJ entende que esta possibili-
dade não implica em transferência para a Justiça Federal da competência c| O crime de tortura é, no direito internacional, de natureza consue-
para apreciar e julgar o crime de tortura (v. CC 107, Rei. Min. Nefi Cordeiro, tudinária, mas, a obrigação do Senegal de extraditar ou promover a
a
3 Seção, j. 24/09/2014). persecução penal (aut dedere aut judicare) contra o expresidente do
Chad, Hissène Habré, somente prevalece para os fatos que tiveram
O Supremo Tribunal Federaljã utilizou a definição de tortura prevista
lugar após a entrada em vigor da Convenção da ONU contra a Tortura
na Convenção da O N U para preencher a lacuna do art. 233 do ECA,
para o Senegal;
eis que, na época da edição do Estatuto da Criança e do Adolescente
d| O crime de tortura é, no direito internacional, de natureza consue-
O990), a lei brasileira que define tortura ainda não havia sido editada
tudinária, mas, a obrigação do Senegal de extraditar ou promover a
O artigo 233 do ECA prevê: "Submeter criança ou adolescente sob sua au-
persecução penal (aut dedere aut judicare) contra o expresidente do
toridade, guarda ou vigilância a tortura". Ocorre que, à época em que o
Chad, Hissène Habré, somente prevalece para os fatos que tiveram lu-
ECA foi editado (1990), a Lei de Tortura ainda não vigorava no atual or-
gar após a entrada em vigor da Convenção da ONU contra a Tortura
para a Bélgica.

362 ld. p.510. GABARITO: C. O tema foi abordado anteriormente.

380 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 381
(PGR — 26 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2012) Espancada
O
b| foi desmembrada em seus oiversos letmub nu icov n m . , w ...... U x

regularmente por seu marido durante dez anos, a ponto de ser internada Case, Corte Europeia de Direitos Humanos, 1977), para separar o con-
com graves ferimentos em um hospital, a senhora Rodi Alvarado Pefla, ceito de tortura do conceito de outros maus tratos;
guatemalteca, fugiu de seu país para os Estados Unidos da América, onde c| não foi acolhida peia Convenção da ONU contra a Tortura de 1984,
pediu asilo. Este lhe foi concedido em primeiro grau e revertido depois. porque ali só se cuida de obrigações dos Estados-Partes no tocante à
Somente após quatorze anos de litigância, conseguiu ver reconhecido prevenção e repressão da tortura e não de outros maus tratos;
seu direito de permanecer nos Estados Unidos da América para se prote-
ger de seu marido. Este notório caso é um exemplo de: d| deve ser interpretada de modo restritivo, de modo a não incluir a vio-
a| aplicação, embora tardia, da Convenção de Belém do Pará; lência no espaço privado"
GABARITO: B. O ponto foi tratado no item "jurisprudência internacional cor-
b| da limitação da Convenção da ONU contra a Tortura, principalmente
relata". A assertiva "A" está errada. Desde o Caso Grego já se realizava uma
no que diz respeito à garantia do non-refoulement (art. 3°);
análise em separado dos conceitos de tortura e de tratamentos cruéis, de-
c| não-aplicabilidade da Convenção das Nações Unidas Relativa ao Es- sumanos ou degradantes. A assertiva "C" está errada. A expressão foi aco-
tatuto dos Refugiados de 1951; lhida pela Convenção da ONU, conforme exposto anteriormente. A asserti-
d| garantia, pela Guatemala, de eficácia horizontal do direito à vida e do va "D"está errada. O espaço privado deve ser incluído na análise de tortura.
direito à integridade física.
(AGU — ADVOGADO DA UNIÃO, 2012 — CESPE) No que concerne
GABARITO:B. É um caso típico de aplicação do princípio do non-refoulement.
aos direitos humanos no âmbito do direito internacional, julgue
A assertiva "A" está equivocada, pois a aplicação da Convenção de Belém
os itens que se s e g u e m :
do Pará em nada resolveria a questão de permanência ou não da senhora
guatemalteca em outro Estado. A assertiva "C" está equivocada: o Estatu- • Em casos que envolvam a prática de tortura sistemática, a Convenção
to dos Refugiados possui aplicação neste caso. A assertiva "D" está equi- Americana de Direitos Humanos permite o acesso direto do indivíduo
vocada, já que, no caso em questão, a vítima já fugira do seu país, o que à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
torna imprescindível a aplicação do princípio do non-refoulement. GABARITO:Errado. O indivíduo não possui acesso direto à Corte Intera-
OBS: Essa questão foi baseada no caso Rodi Alvarado Pena, no qual os Esta- mericana de Direitos Humanos. Vale relembrar que, no sistema euro-
dos Unidos da América concederam de maneira inédita, com fulcro no art. peu de direitos humanos, o indivíduo possui, sim, acesso direto à Corte
o
3 da Convenção da ONU contra a tortura (que prevê o princípio do non-re- Europeia de Direitos Humanos.
foulement), asilo (aqui em sentido amplo) para a Sra. Rodi Alvarado Pena
(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2006 — FCC) Segundo a Convenção con-
em decorrência de violência doméstica sofrida pela cidadã guatemalteca.
tra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou De-
Caso fosse reenviada para o Estado da Guatemala, a mesma estaria sujei-
gradantes (ONU, 1984), para a caracterização da tortura é relevante:
ta a tratamento desumano e degradante por parte do seu marido.
a| sua finalidade e irrelevante a intensidade do sofrimento causado.
(PGR — 25 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2011) A Expressão
O

b| que seja praticada por funcionário público e irrelevante sua finalidade.


"tortura ou penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes", usual
na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 5 ), na Convenção
0
c| a finalidade do ato e irrelevante o local onde ocorre.
Europeia de Direitos Humanos (Art. 3 , sem uso do termo "cruéis"), no
0

d| que o sofrimento seja agudo e irrelevante a qualidade de quem a pratica.


Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 7 ) e na Convenção
0

Americana de Direitos Humanos (art. 5 , par. 2 ): 0 0 e| o local onde ocorre e irrelevante a intensidade do sofrimento causado.

a| deve ser interpretada de forma integrada, sem que o significado de GABARITO: C. A assertiva "A" está errada. Segundo a Convenção da ONU, o
seus termos seja tomado isoladamente; ato de tortura deve causar sofrimento agudo. A assertiva "B" está errada.

382 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 383
Segundo a Convenção da ONU, a finalidade do ato é relevante para a ca* bj O Comitê contra a Tortura deve ser composto por pessoas ae reputa-
racterização da tortura. A assertiva "D" está errada, Conforme explanado, ção ilibada indicadas pelos Estados-partes e aprovadas pelo secretá-
a qualidade de quem pratica o ato de tortura é relevante para a Conven rio-geral da ONU.
cão da ONU contra a tortura. A assertiva "E" está errada. Segundo a Con-
c| Essa convenção não estabelece garantias para o acusado da prática
venção da ONU, o local onde ocorre a prática de tortura é irrelevante.
de tortura.
(OPE/MA — DEFENSOR PÚBLICO, 2009 — FCC) Nos termos da Convenção d| O referido acordo internacional define a tortura como qualquer ato
contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou por meio do qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais,
Degradantes, a tortura é: são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de castigá-la por
a| proibida em toda e qualquer circunstância, seja ameaça ou estado de ato que ela tenha cometido, mesmo que tais dores ou sofrimentos
guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência sejam consequência unicamente de sanções legítimas.
pública, sendo um crime impróprio em que a qualidade de agente pú
e| Quando o Estado-parte reconhecer a competência do Comitê contra a
blico é causa de aumento de pena.
Tortura para receber e processar petições individuais, devem ser sem-
b| permitida excepcionalmente em estado de guerra, sendo um crime pre consideradas inadmissíveis as petições apócrifas.
próprio que tem como sujeito ativo um agente público.
GABARITO: B. A assertiva "A" está errada. A Convenção pode funcionar como
c[ permitida excepcionalmente para o combate ao terrorismo, sendo base legal para extradição. Foi justamente o que ocorreu no Caso Bélgica
um crime impróprio em que a qualidade de agente público é causa vs. Senegal (Caso Habré). A assertiva "C" está errada. A Convenção da ONU
de aumento de pena. contra a Tortura estabelece inúmeras garantias para o acusado da prática
d| proibida em toda e qualquer circunstância, seja ameaça ou estado de tortura. A assertiva "D" está errada. Para a Convenção da ONU, não há
de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergên- que se falar em tortura quando as dores e sofrimentos são consequência
cia pública, sendo um crime próprio que tem como sujeito ativo um unicamente de sanções legítimas. A assertiva "E" está errada. As petições
agente público. apócrifas não devem ser sempre consideradas inadmissíveis pelo Comitê
contra a Tortura.
e| permitida excepcionalmente em estado de guerra, sendo um crime
impróprio em que a qualidade de agente público é causa de aumento
(PGR — 25 O
C O N C U R S O P R O C U R A D O R D A R E P Ú B L I C A , 2011) Entende-se
de pena.
por princípio de non-refoulement, em acepção mais ampla:
GABARITO: D. O tema foi abordado anteriormente, no tópico "Combate à a| a proibição de deportar refugiado para lugar onde corre risco de vida;
tortura e a proteção internacional dos direitos humanos". As assertivas "B",
"C" e "E" estão erradas. A Convenção da ONU não admite a prática de b| a proibição, para Estados, de retirada de estrangeiro de seu território,
tortura em hipótese alguma. A assertiva "A" está errada. A qualidade de quando este corre risco de perseguição política;
agente público não é uma causa de aumento de pena, mas elemento da c| a proibição, para Estados, de devolver estrangeiro a lugar onde sua
tortura. A banca tentou confundir o candidato misturando conceitos da vida ou liberdade estão ameaçadas;
Convenção Interamericana contra a Tortura.
d| a proibição de extradição de refugiado para Estado que possa vir a
torturá-lo.
(DPE/TO — DEFENSOR PÚBLICO, 2013 — CESPE) Assinale a opção correta
acerca da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas GABARITO: A assertiva "C" é o gabarito, eis que a questão fala em "acepção
Cruéis, Desumanos ou Degradantes. ampla" do principio do non-refoulement A assertiva "A" restringe o insti-
a| A referida convenção não pode funcionar como base legal para a ex- tuto para os casos de deportação, o que torna o enunciado incorreto. A as-
tradição, quando permitida, de pessoa acusada de tortura. sertiva "D" restringe o instituto para os casos de extradição, o que torna o

384 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 385
a
enunciado incorreto. A assertiva "B" restringe o instituto para os casos em (JUIZ FEDERAL — TRF 3 R E G I Ã O , 2013 — CESPE, A D A P T A D A ) Considerando a
que houver risco de perseguição política,o que torna o enunciado incorreta proteção internacional dos direitos humanos, assinale a opção correta:
• Dado o princípio da tipicidade, não se admite a estipulação.em normas
{DPE/MG — DEFENSOR PÚBLICO, 2014 — 2 FASE PROVA DISCURSIVA)
A

consuetudinárias, da proibição de tortura, prevista em diversos trata-


Discorra sobre o princípio do non-refoulement, justificando a sua impor-
dos internacionais.
tância para o sistema de proteção internacional de Direitos Humanos,
bem como indicando um dispositivo legal vigente no ordenamento jurí- GABARITO:Errado. Ao julgar o Caso Habré, a Corte Internacional de Justi-
dico brasileiro. ça decidiu justamente o contrário, reconhecendo a proibição de tortura
GAHARITO:Dentre outros aspectos, como conceito e sua importância para a como uma norma consuetudinária de jus cogens.
proteção internacional dos direitos humanos, a banca examinadora con- a
0 (TRFi REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2015 — ADAPTADA) Raul, nacional do
siderou como origem do princípio da não devolução o artigo 3 da Con
Estado X , solicitou asilo diplomático na embaixada do Estado Y, locali-
vençãoda ONU contra a Tortura e o artigo 22, VIII, da Convenção America
zada no território do Estado Z , alegando que tem sofrido perseguição
na de Direitos Humanos.
política por ação conjunta dos Estados X e Z . O asilo diplomático foi
(DPE/PR — DEFENSOR PÚBLICO, 2012 — ADAPTADA) O Direito Internado concedido pelo Estado Y, que reconhece como norma de direito inter-
nacional costumeiro o asilo diplomático, ao passo que o Estado Z alega
nal dos Direitos Humanos, o Direito Internacional Humanitário e o Direito
que nunca reconheceu tal norma como valida e obrigatória para si. Nes-
Internacional dos Refugiados são constituídos, cada um deles, por distin-
sa situação hipotética:
tos conjuntos normativos que, no entanto, gradualmente, evoluíram de
um funcionamento compartimentalizado para uma crescente interação. • O Estado Y tem o dever de aplicar a Raul o princípio do aut dedere aut
Sobre o relacionamento dessas três vertentes da Proteção Internacional judicare.
da Pessoa Humana é INCORRETO afirmar: GABARITO: Errado. O princípio do aut dedere aut judicare não confere ao
• O princípio do non-refoulement, instituto de Direito Internacional Hu- Estado uma possibilidade de violar institutos do direito ao acolhimen-
manitário aceito e reconhecido pela comunidade internacional como to (asilo, refúgio, non-refoulement e etc). Tampouco impõe a sua apli-
jus cogens, aplíca-se ao Direito Internacional dos Refugiados e ao Di- cação em detrimento dos institutos acima referidos.
reito Internacional dos Direitos Humanos.
GABARITO: Incorreto e, portanto, deveria ser assinalado. O princípio do
non-refoulement é um instituto do Direito Internacional dos Refugia-
dos, que pode ser aplicado ao Direito Internacional Humanitário. 0
enunciado inverteu o conceito para confundir o candidato.

(MP/GO — PROMOTOR DE JUSTIÇA, 2014 — ADAPTADA) Marque a al-


ternativa que conforme a doutrina não se apresenta como uma faceta
da chamada "tendência securitária", na vertente do Movimento de Lei
e Ordem:
• A "ticking bomb scenario theory" (teoria do cenário da bomba relógio)
GABARITO:A assertiva "A" está incorreta e não deveria ser assinalada, eis
que a teoria do cenário da bomba relógio é uma teoria do Direito Penal
máximo e portanto simpática ao movimento de Lei e Ordem.

386 [ JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA ] 387
garam que não havia Ilicitude alguma na atividade realizada, posto que a
mesma teria sido realizada à luz do programa de investigação.
Caso Austrália vs. Japão Os argumentos do Estado japonês não foram suficientes para convencer
"Caso das Atividades Baleeiras na Antártica" os juízes da Corte Internacional de Justiça, que, por 12 votos a 4, condena-
ram o Japão a interromper imediatamente sua atividade de caça de ba-
leias, reconhecendo que o programa de investigação científica do Japão,
ÓRGÃO JULGADOR: conhecido popularmente como "JARPA II", não possuía qualquer propósi-
to científico. Segundo a Corte de Haia, o país asiático realizava a atividade
Corte Internacional de Justiça de caça de baleias com propósito verdadeiramente comercial (a carne de
baleia é tradicionalmente apreciada no Japão).
SENTENÇA:
A decisão foi lamentada pelo Estado japonês e muito comemorada
14 de maio de 2014 pelo governo australiano e por diversos grupos ambientalistas, como o
Greenpeace e, principalmente, a Sociedade de Conservação Sea Shepherd,
que por diversas vezes enviou barcos para os mares antárticos para impe-
dir a realização da atividade predatória pelo governo japonês.
RESUMO DO CASO
A Corte de Haia acenou com a possibilidade de o Japão voltar a realizar a
No ano de 1982, a Comissão Internacional da Baleia adotou um programa atividade de caça de baleias em um futuro próximo, desde que reformule
de moratória sobre a caça de baleias, autorizando apenas o abate para o seu programa de investigação científica e que reste evidenciada a fina-
fins científicos. No final da década de 80, o Japão passou a realizar a caça lidade científica da atividade.
de baleias em larga escala nos mares ao entorno da Antártica, sempre
A decisão da Corte Internacional de Justiça é definitiva e inapelável. O
alegando o caráter educativo e científico da atividade. Por anos, grupos
governo japonês se pronunciou no sentido de que irá cumprir a decisão.
ambientalistas e pesquisadores alertaram a comunidade internacional
de que o programa japonês de caça às baleias era ilegítimo e desvirtuado
e que seu propósito era meramente comercial. P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O CASO

Em razão da impossibilidade de pessoas físicas e organizações interna-


cionais figurarem em uma demanda na Corte Internacional de Justiça 1. O programa de atividades baleeiras de titularidade do Estado j a -
(somente Estados podem demandar na CU), o caso chegou até o referi- ponês conhecido c o m o "JARPA II" violou a Convenção Internacional
do tribunal apenas no ano de 2010, quando a Austrália passou a descon- Regulação das Atividades Baleeiras
fiar de que o governo japonês, após obter uma Licença Especial para rea-
lizar a atividade de caça no território da Antártica, estaria realizando a Segundo os juízes da Corte Internacional de Justiça, as autorizações es-
atividade predatória de caça aos cetáceos em grande escala, de maneira peciais concedidas para a execução da segunda fase do programa de ati-
desmedida e desproporcional, o que violaria a Convenção Internacional vidades baleeiras do Japão não estão inclusas dentro do alcance norma-
para a Regulação da Atividade Baleeira e outras obrigações internacio- tivo do artigo VIII (i) da Convenção Internacional para a Regulação das
363

nais relacionadas à preservação do meio ambiente. De acordo com a Atividades Baleeiras , que confere isenção às regras da convenção em
acusação do Governo australiano, o Japão teria caçado 10 mil baleias
entre os anos de 1987 e 2009.
363 O Brasil é parte da referida convenção, que entrou e m vigor para o Brasil no plano
Em plenário, o Estado japonês negou veementemente que a referida ati- internacional no dia 20 de d e z e m b r o de 1973 e foi internalizada no plano nacional
vidade de caça teria caráter comercial. Os advogados do país asiático ale- através do Decreto 73.497 de 1974.

388 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 389
comento, nos casos de morte, captura e tratamento de baleias para fins
364
de investigação científica .

2. Indagação temática: a qual Estado pertence a Antártica?


A Antártica não pertence a nenhum Estado soberano, eis que é sendo
considerada um território de domínio público internacional. Desse modo,
365
a comunidade internacional possui interesse na sua preservação .

I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M PROVAS DE C O N C U R S O

a
(TRF 5 REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2011 — CESPE, ADAPTADA) O domínio
público internacional refere-se a espaços de interesse geral pertencentes
a todas as nações. A respeito desse assunto, assinale a opção correta com
base nos tratados e convenções pertinentes:
• A Antártica é considerada domínio público internacional cujo uso deve
destinar-se a fins científicos e militares.

GABARITO: Errado. Não é possível o exercício de atividades militares na


Antártica.

a
(TRF 5 REGIÃO — JUIZ FEDERAL, 2009 — CESPE, ADAPTADA) No âmbito do
direito internacional, cada vez mais são debatidos temas ligados ao domí-
nio público internacional, conjunto de espaços cujo uso interessa a mais de
um Estado ou à sociedade internacional como um todo. Nesse sentido, não
é tema de domínio público internacional o continente antártico.
GABARITO: O item está correto e, portanto, não deveria ser assinalado.

CAPÍTULO VIII
364 A l é m d a caça de baleias para fins científicos, a C o m i s s ã o Internacional d a Baleia
(CIB) permite a atividade de caça de baleias para fins de s u b s i s t ê n c i a , desde q u e
realizada por povos a b o r í g e n e s . PARECERES CONSULTIVOS D A
365 Nesse sentido, ver S O A R E S , G u i d o Fernando Silva. Curso de Direito internacional
público, v. i. São Paulo: Atlas, 2002, p. 410. CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA

390 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS


do Estado Israelense no caso em análise. Isso porque, até então, o Direito
Internacional ainda não havia reconhecido a personalidade internacio-
nal das organizações internacionais. Diante dessa controvérsia, o feito foi
Caso Reparação de danos sofridos por agente submetido à apreciação da Corte de Haia.
das Nações Unidas ("Caso Folke Bernadotte") A Corte Internacional de Justiça, ao decidir o parecer solicitado pela As-
sembleia Geral da ONU, não se mostrou intimidada pelas correntes majo-
ÓRGÃO JULGADOR: ritárias da época, que sustentavam uma interpretação literal da Carta da
ONU,qual seja,a impossibilidade de a ONU invocara responsabilidade do
Corte Internacional de Justiça Estado de Israel pela morte do Sr. Folke Bernadotte, em virtude de a ONU
não possuir personalidade jurídica internacional, ante a inexistência de
DECISÃO: qualquer dispositivo para tanto na Carta de São Francisco.
li de abril de 1949 Então, com fulcro na teoria dos poderes implícitos, a Corte Internacional de
Justiça fundamentou sua decisão, alegando que os direitos e deveres que
a Organização das Nações Unidas já vinha desempenhando e desfrutando
na ordem internacional eram próprios de um sujeito de direito internacio-
RESUMO DO CASO nal, e que só poderiam ser explicados através do reconhecimento da sua
personalidade jurídica internacional. Logo, reconheceu-se que, apesar de
Após otérmino da Segunda Guerra Mundial, um grupo rebelde dejudeus
não estar expressamente prevista na Carta da ONU, a personalidade jurídi-
residentes no território da Palestina começou a praticar atentados contra
ca internacional seria essencial ao desempenho de suas funções e estrita-
o governo britânico estabelecido na região; o grupo, denominado LEHI,
mente condizente com os propósitos e princípios da Organização.
também procurou expulsar todo e qualquer cidadão árabe que habitasse
aquela região. Em virtude do conflito, os britânicos decidiram retirar-se da Assim, reconheceu-se a possibilidade de a Organização das Nações Uni-
Palestina, deixando uma lacuna política que levou à escalada do conflito das invocar a responsabilidade do Estado israelense pela morte do seu
entre judeus e árabes pela tomada do poder na região. Em maio de 1948, agente diplomático. Da mesma forma, passou-se também a se admitir
o Estado de Israel declarou sua independência unilateralmente, e, pouco a responsabilidade das próprias organizações internacionais pelos atos
depois, uma coalizão de países árabes invadiu o território do novo país. lesivos que vierem a causar na ordem internacional. Esta decisão marcou
Em decorrência destes fatos, a Organização das Nações Unidas (ONU) en- o fim do monopólio da personalidade jurídica internacional dos Estados.
viou o diplomata sueco Folke Bernadotte para tentar obter um acordo
entre as partes e conter o conflito.
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
Embora Bernadotte tenha sido bem-sucedido em negociar um cessar-fo-
go, a tentativa de obter um acordo definitivo falhou, pois ambas as fac- 1. Reconhecimento d a personalidade internacional das organizações
ções queriam exclusividade no poder e no controle da região. Em 17 de internacionais
setembro de 1948, o Sr. Folke Bernadotte foi assassinado por membros do
Muitos internacionalistas consideram o caso Bernadotte como o mais
grupo LEHI, que interceptaram o comboio em que Bernadotte viajava e
importante já decidido pela Corte Internacional de Justiça, em virtude da
alvejaram seu carro. O recém-formado Estado de Israel havia se compro-
quebra do monopólio da personalidade jurídica Internacional dos Esta-
metido a garantir a segurança do Sr. Bernadotte até que as negociações
dos. A partir do caso em análise, a ONU passou a ter sua personal idade ju-
fossem concluídas.
rídica internacional reconhecida, o que possibilitou que a mesma atuasse
Diante do ocorrido, surgiu-se a controvérsia a respeito da capacidade da como sujeito de direito internacional. Atualmente, diversas organizações
Organização das Nações Unidas para invocar a responsabilidade jurídica internacionais obtiveram o reconhecimento de sua personalidade jurídi-

392 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS PARECERES CONSULTIVOS DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA | 393
ca, sempre com fulcro no caso Bernadotte e nas normas costumeiras de o direito da ONU de solicitar reparação, a CU estabeleceu a superiorida-
366
direito internacional . de da proteção funcional, proporcionada pelo exercício de sua função na
ONU, em relação à proteção diplomática, que seria garantida pela Suécia,
2. Reconhecimento da O N U como sujeito de Direito Internacional e 369
Estado patrial do Sr. Folke Bernadotte .
a possibilidade de a m e s m a exercer proteção funcional sobre seus
funcionários, inclusive com primazia sobre a proteção diplomática do
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M QUESTÕES DE C O N C U R S O S
Estado patrial do funcionário
É de suma importância ressaltar, embora já referido no tópico anterior, a

que o caso Folke Bernadotte reconheceu a personalidade jurídica da (TRF 3 REGIÃO — J U I Z FEDERAL, 2008) No parecer consultivo da Corte
maior e mais atuante organização internacional da atualidade, a ONU. Internacional de Justiça sobre o caso Bernadotte (1949) ficou assenta-
Até a conclusão do parecer ora em comento pela Assembleia Geral das do que:
Nações Unidas, os funcionários da ONU, assim como os de outras orga- a| tanto o Estado patrial de um funcionário das Nações Unidas quanto
nizações internacionais, não eram protegidos pelo instituto da proteção a própria organização têm, em princípio, legitimidade para protegê-lo
funcional, já que, para o exercício desta proteção, é necessário possuir contra o Estado que lhe tenha causado dano mediante ato ilícito.
personalidade jurídica internacional. Assim, ocorrido algum evento da- b| só o Estado patrial do funcionário tem legitimidade nessa mesma hipótese.
noso a determinado funcionário de organização internacional, restava
ao particular ser protegido pelo Estado de sua nacionalidade, através do c| a proteção funcional é impossível se o causador do dano, mediante
367
instituto da proteção diplomática . Logo, após o parecer exarado pela ato ilícito, não for membro das Nações Unidas.
Corte Internacional de Justiça no caso Bernadotte, os funcionários de or- d| a proteção funcional é impossível se o causador do dano, mediante
ganizações internacionais como a ONU passaram a receber proteção não ato ilícito, for o próprio Estado patrial do funcionário público.
apenas de seus respectivos Estados patriaís, através do instituto da pro-
GABARITO: A.
teção diplomática, mas também das organizações de que fazem parte,
368
pelo instituto da proteção funcional . No caso sob análise, ao garantir
(INSTITUTO RIO BRANCO — DIPLOMATA, 2008 — CESPE, 2 ETAPA) É con- A

siderado divisor de águas no direito internacional o parecer consultivo


366 É i m p o r t a n t e ressaltar que, após o caso Bernadotte, criou-se um c o s t u m e inter-
da Corte Internacional de Justiça no caso Reparação de danos a serviço
nacional no sentido de ser possível o reconhecimento da personalidade jurídica das Nações Unidas acerca da morte de Folke Bernadotte, mediador que,
das o r g a n i z a ç õ e s internacionais, tendo e m vista que não há qualquer previsão no exercício de suas funções, foi assassinado por extremistas israelenses
convencional regulando o assunto.
em Jerusalém, em 1948. Essa consideração justifica-se porque o parecer:
367 O instituto da proteção diplomática será aprofundado na segunda edição deste livro,
na análise do caso Barcelona Traction, j u l g a d o pela Corte Internacional de Justiça. a| declarou a existência da Palestina como território insurgente.
368 Em breve síntese, a proteção funcional se caracteriza nos casos em que as organizações in-
b| homologou a jurisdição penal do Estado de Israel.
ternacionais podem tomar para si os litígios referentes a danos sofridos por seus agente.,
quando em exercício. Valendo-se dessa prerrogativa, as organizações internacionais tam- c| reconheceu a personalidade jurídica das organizações internacionais.
bém podem outorgar endosso, seguindo requisitos análogos aos da proteção diplomática.
É ato discricionário da organização internacional envolvida. Nesse sentido, também é .1 d| incorporou o princípio da legitima defesa internacional.
lição de Valério Mazzuoli de Oliveira: "Assim, tem-se a proteção diplomática para os casos
relativos ao endosso do Estado na salvaguarda dos direitos dos seus nacionais e a prot0i 1 li I e| consagrou o pacifismo e a não-víolência como deveres jurídicos
funcional para aqueles atinentes à proteção que as organizações internacionais dão àqueles
funcionários que se encontrarem a seu serviço. A proteção funcional baseia-se na idéia de GABARITO: C.
que os agentes que servem a determinada organização não devem precisar de outra prote
ção que não aquela da organização para qual trabalha. Tais agentes não devem depender da
proteção de seu Estado patrial nestes casos, sendo essencial que a sua proteção advenha da
própria organização a que está servindo naquele momento" (MAZZUOLI, Valério de Oliveira, 36g Réparations des d o m m a g e s au service des Nations Unies, referente ao caso Berna-
Curso de Direito Internacional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 562). dotte, in CU Recueil (1949), p. 183-184.

3Q/1 I luanniiDtNcu i n t f v n a c k w a i . nu niHFiTos h u m a n o s l'.ui. i il , . itr.ui i i v i . ' . i ..1 (', .ni Iniiitja, imnaiih Iiimi.aI HIC
(PGR — 26 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2012 — PROVA
O

ORAL) Fale sobre o caso Foike Bernadotte.


a
(JUIZ DO TRABALHO DA i REGIÃO, 2010 — CES PE, ADAPTADA) Acerca
da personalidade jurídica internacional, essencial para o exercício de di-
reitos e deveres no âmbito do direito internacional público, assinale a
opção correta:
• O reconhecimento da personalidade jurídica das organizações interna-
cionais não decorre de tratados, mas da jurisprudência internacional,
mais especificamente do Caso Bernadotte, julgado pela Corte Interna
cional de Justiça.
GABARITO: Correto.

{CÂMARA DOS DEPUTADOS — CONSULTOR LEGISLATIVO, 2014 — CESPE)


Julgue certo ou errado:
• O antológico Caso Bernadotte, julgado pela Corte Internacional de Jus-
tiça, contribuiu para a construção da jurisprudência definitiva sore o
direito de autodeterminação dos povos.
Falso. O caso Bernadotte não aborda a temática do direito de
GABARITO:
autodeterminação dos povos.

CAPÍTULO IX

CASOS JULGADOS PELO

TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

3 9 ^ 1 JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS


Por unanimidade, a câmara de julgamento ao iriounai renai iruemtiuuiicii
condenou Lubanga a quatorze anos de prisão por seu envolvimento no recru-
tamento e alistamento de crianças menores de quinze anos para as Forças
o
Patrióticas para a Libertação do Congo, nos termos do art. 8 , n° 2, alínea "e",
Caso The Prosecutor vs. Thomas Lubanga Dyilo
inciso vii"' do Estatuto de Roma. Diversos foram os aspectos considerados na
condenação do ex-lord ofwar congolês, entre eles a vulnerabilidade das crian-
ÓRGÃO JULGADOR: ças recrutadas para guerra e os danos causados às vítimas e às suas famílias.
Tribunal Penal Internacional Com a condenação de Thomas Lubanga Dyilo, a comunidade internacio-
nal criou a expectativa por uma mudança de comportamento dos chefes
SENTENÇA: de Estado dos países africanos, onde ocorre a grande maioria dos casos
de violações de direitos humanos e perpetrações de crimes de jus cogens.
10 de julho de 2012
Atualmente,Thomas Lubanga Dyilo cumpre pena no centro de detenção
em Haia, na Holanda. Como já estava detido desde 2006, este período
será descontado da pena estipulada pelo TPI.
A câmara de apelação do Tribunal Penal Internacional julgou o recurso
RESUMO DO CASO de Lubanga Dyilo no dia i° de dezembro de 2014 e manteve a decisão de
372
primeiro grau.
Thomas Lubanga Dyilo é um ex-líder de um dos maiores movimentos
revolucionários da República Democrática do Congo. Após diversas de-
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O
núncias da comunidade internacional de que Lubanga estaria realizando
o aliciamento e recrutamento de crianças menores de quinze anos para
1. Curiosidades
compor os quadros de seu grupo revolucionário — e após infrutíferas
tentativas de resolver o problema na jurisdição doméstica, o presidente O TPI possui uma magistrada brasileira em seus quadros funcionais: Syl-
congolês, Joseph Kabila, remeteu o caso ao procurador do Tribunal Penal via Steiner. A atriz Angelina Jolie esteve presente em todo o julgamento.
Internacional em março de 2004 . 370 Envolvida em causas que tratam de crianças e adolescentes, a atriz fun-
dou a organização Lubanga Chronicles, com o intuito de disseminar as
No dia 29 de janeiro de 2007, a Sala de Juízo Preliminar (órgão do TPI in- informações sobre o caso Thomas Lubanga Dyilo dentro e fora do Congo.
cumbido de realizar o juízo de admissibilidade dos casos) confirmou que
havia provas suficientes de que Thomas Lubanga Dyilo seria responsável 2. Primeira condenação proferida pelo Tribunal Penal Internacional
pelo alistamento e recrutamento de crianças menores de quinze anos O Caso Thomas Lubanga Dyilo é paradigmático, pois é a primeira con-
em uma milícia paramilitar do Estado do Congo, de setembro de 2002 a denação proferida pelo TPI. Com a condenação do ex-senhor da guerra
agosto de 2003, período em que Lubanga era o comandante das Forças congolês, a comunidade internacional acredita que haverá uma mudan-
Patrióticas para a Libertação do Congo (FPLC). ça de comportamento dos ditadores africanos. O continente africano é o
A instrução do processo prosseguiu até o dia 10 de junho de 2012, quan-
do o Tribunal Penal Internacional entrou para a história da comunidade
internacional ao proferir sua primeira condenação após mais de uma dé-
371 "vii) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças a r m a d a s nacionais ou e m
cada de funcionamento. grupos, ou utilizá-los para participar a t i v a m e n t e nas hostilidades".
372 Notícia sobre o j u l g a m e n t o pela câmara de apelação d o T P I : < h t t p : / / w w w . i c c - c p í .
int/en_menus/icc/press%2oand%2omedia/press%20releases/Pages/pno69.
370 O C o n g o aderiu à j u r i s d i ç ã o do T r i b u n a l Penal Internacional e m 2002. aspx>.

398 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL | 399
m
local onde ocorre a maioria dos crimes de jus cogens . A condenação de 5. A Tramitação do processo ocorreu de forma muito tormentosa, g e -
Lubanga Dyilo não é somente um fato novo na caçada aos criminosos de rando inúmeras críticas por parte da defesa de Lubanga Dyilo, das ví-
guerra em âmbito global, mas um extraordinário avanço na consolidação timas e das organizações que militam e m favor dos direitos humanos
4
do TPI como instituição credível" .
Embora se reconheça o inegável fator histórico da condenação no caso
3. Recrutamento e alistamento de "crianças" para servir e m milícia Lubanga Dyilo, o caso não ficou isento de criticas pelas partes que atua-
ram no feito. As críticas foram oriundas de diversos acontecimentos,
Muitos devem ter questionado o fato de o TPI falar em recrutamento de
como a suspensão do processo, o excesso na delimitação da acusação por
"crianças" menores de quinze anos. Entretanto, é importante observar
parte do órgão acusador do TPI, entre outros acontecimentos. Sobre essas
que, para a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, considera-se
375 críticas, explica José Cretella Neto:
criança todo menor de 18 anos . Assim, a classificação adotada pelo Di-
reito Internacional é distinta do critério adotado pelo ECA, que considera "Contudo, esse primeiro julgamento do TPI não ficou isento de con-
376
criança toda pessoa até 12 anos incompletos . tundentes críticas. A primeira éa de que o julgamento fora suspenso
em 13-6-2008, quando o Tribunal decidiu que a recusa do Promotor
a
4,Tribunal Internacional de 3 geração em apresentar provas favoráveis à defesa (exculpatory evidence)
377
Segundo André de Carvalho Ramos , o Tribunal Penal Internacional é um constituía uma violação ao direito do acusado a um julgamento jus-
a
Tribunal de 3 geração. Vejamos as gerações dos Tribunais Penais Interna- to. O Promotor obtivera trais provas da ONU e de outras fontes sob
cionais, segundo o autor citado: condição de sigilo, mas os juízes entenderam que o Promotora aplica-
ra indevidamente os dispositivos pertinentes do Estatuto do TPI e, em
Tribunal Internacional de N u r e m b e r g consequência, "the trial process has been ruptured to such a degree
Tribunal Militar Internacional para 0 E x t r e m o Oriente GERAÇÃO '.;'! that it is now impossible to piece together the constituent element
("Tribunal d e T ó q u i o " )
of a fair trial" (= o processo foi desfigurado de tal forma que se tor-
T r i b u n a l Penal Internacional de R u a n d a Tribunal Penal nou agora impossível reuniras elementos necessários que constituem
Internacional para a E x - l u g o s l á v i a
GERAÇÃO -"jMs[ um julgamento justo). Assim, em 2-7-2008, o TPI ordenou a soltura
de Lubanga, por considerar que seu julgamento não poderia ser con-
T r i b u n a l Penal Internacional - T P I GERAÇÃO
siderado justo, devendo ser repelidas todas as justificativas para sua
T r i b u n a i s penais Internacionalizados ou híbridos
(e.g:Tríbunal Especial para Serra Leoa). i GERAÇÃO ;V''T detenção. Contudo, a Promotoria recorreu dessa decisão e a Câmara
de Apelação entendeu que Lubanga deveria ser mantido em custódia.
Em 18-11-2008, o Promotor concordou em revelarão Tribunal todas as
informações sigilosas e a Câmara de Julgamento determinou o pros-
373 Os crimes àejus cogens s ã o aqueles que, q u a n d o cometidos, a f e t a m valores e s s e n - seguimento do processo. O Promotor foi duramente criticado por sua
ciais da c o m u n i d a d e internacional. S ã o crimes de jus cogens os crimes de a g r e s - atuação, mas o Tribunal foi elogiado por sua insistência em assegurar
são, os crimes contra a h u m a n i d a d e , os crimes de guerra e o c r i m e de genocídio, justiça ao acusado. Já antes disso, em 2006, várias ONGs ligadas aos
t o d o s de c o m p e t ê n c i a d o T r i b u n a l Penal Internacional.
Direitos Humanos — Avocats Sans Frontiêres, Center for Justice and
374 A p ó s a c o n d e n a ç ã o de L u b a n g a Dyilo, o TPI j á proferiu u m a s e g u n d a c o n d e n a ç ã o .
Trata-se d o recentíssimo caso K a t a n g a , que t a m b é m envolveu a c o n t e c i m e n t o s na Reconciliation, Coalition Nacionale pour la Cour Pénale Internationa-
República D e m o c r á t i c a do C o n g o . E s t u d a r e m o s este caso m a i s a frente. le — RDC, Federation Internationale des Ligues de Droits de ÍHomme,
375 Art. I o
da C o n v e n ç ã o da O N U sobre Direitos da C r i a n ç a : Para efeitos da presente Human Rights Watch, International Center for Transnational Justice,
Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos Redress e Women's initiatives for Gender Justice — enviaram uma
de idade, a não ser que, em conformidade com a iei aplicável à criança, a maioridade carta conjunta na qual expressavam preocupação com as acusações
seja alcançada antes.
o
contra Lubanga que consideravam insuficientes, devendo-lhe ser im-
376 Art. 2 d o Estatuto da C r i a n ç a e d o Adolescente.
putados mais crimes. Consideravam que, se não afizesse, a Promo-
377 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
toria poderia minar a credibilidade do TPI, Além disso, ao limitar a
Paulo: Saraiva, 2013, p. 318.

4 O O I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL | 401
acusação a poucos crimes, também seria limitada a participação das 7. considerações nnais s o m e o 1 PI
muitas vítimas do processo, impedindo-as de pleitear reparações, for OTrib1111.il Penal liitnn.it lonalé dotado de personalidade jurídica internacional.
outro lado, os advogados de Lubanga reclamaram que a equipe de 38
O Estatuto de Roma não admite reservas ". O órgão de acusação do TPI pode
defesa recebeu bem menos recursos financeiros do que a Promotoria, iniciar uma investigação ex officio. O Conselho de Segurança da ONU pode re-
que as provas e as declarações das testemunhas demoraram muito a meter um caso diretamente ao TPI através da expedição de uma resolução de
chegar, e que muitos documentos passaram por censura de tal forma 38
caráter vinculante '. O TPI é regido pelo princípio da complementaridade, ou
s
rigorosa, que ficou impossível lê-los"* . seja, a admissibilidade do caso perante o TPI depende da falha na persecução
penal doméstica do crime de jus cogens, por incapacidade efetiva ou falta de
6. O Tribunal Penal Internacional pode ser considerado u m tribunal
vontade do Estado com jurisdição sobre o mesmo. O Estatuto de Roma não pre-
internacional de direitos humanos?
vê a pena de morte, mas prevê a pena de prisão perpétua. O TPI não julga Esta-
Vejamos a resposta de André de Carvalho Ramos sobre a presente Inda- dos. Ajurisdição do Tribunal Penal Internacional recai apenas sobre indivíduos.
gação: "As regras constantes do Estatuto de Roma demonstram a preocu-
pação da comunidade internacional em evitar que a impunidade dos agen- INCIDÊNCIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS
tes responsáveis pelas condutas tipificadas possa servir de estímulo a novas
violações. Ademais, tais regras demonstram também a preocupação da O
(PGR — 25 CONCURSO DE PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2011 — ADAP-
comunidade internacional do due process ofiaw, que possibilita uma ade- TADA) A jurisdição do Tribunal Penal Internacional é desencadeada
quada investigação, processamento e condenação dos responsáveis pelos ("trigger") pelo princípio da complementaridade, segundo o qual:
atos odiosos descritos como crimes no próprio Estatuto. Assim, não pode-
. a admissibilidade de caso depende da falha na persecução penal do-
mos reduzir o Estatuto a um conjunto de regras instituidoras de uma Corte
méstica de crime da competência material do tribunal, por incapacida-
internacional permanente. Pelo contrário, desde o seu Preambulo, o Estatu-
de efetiva ou falta de vontade do Estado com jurisdição sobre o mesmo;
to faz menção a uma missão de proteção às vítimas de graves atrocidades,
que têm o direito a exigir justiça. Como estabelece o Preâmbulo, os Estados GABARITO: Correta. Conforme já explicado no tópico "observações finais
reconhecem que neste século milhões de crianças, mulheres e homens têm sobre o TPI".
sido vítimas de atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a
consciência da humanidade. E mais, reconhecem os Estados que o combate (TRF 5 REGIÃO) Os menores de 18 anos não podem ser julgados pelo Tri-
A

382
à impunidade contribui à prevenção dessas atrocidades, no clássico efeito bunal Penal Internacional .
preventivo da repressão penal. Os crimes elencados no Estatuto de Roma . O TPI é regido pelo princípio da complementaridade.
protegem bem jurídicos considerados, por seu turno, direitos humanos
GABARITO: Correta. Ponto esclarecido no item "considerações finais so-
mencionados em diversos textos internacionais. É o caso do genocídio (di-
bre o TPI".
reito à vida), dos crimes contra a humanidades (direitos humanos diversos,
tais como o direito à vida, à integridade física e outros), crimes de guerra • O TPI pode ter jurisdição sobre crimes ocorridos em qualquer território.
(o mesmo do anterior) e mesmo o chamado crime de agressão, que viola o
GABARITO: Errada.
Em regra o TPI só possui jurisdição para julgar crimes co-
direito à autodeterminação dos povos. Logo, o intérprete não pode deixar
metidos em Estado que tenha aderido o Estatuto de Roma ou em Estado
de reconhecer que esse Estatuto insere-se no conjunto de tratados interna-
9
cionais protetivos de direitos humanos"" .

380 Ao f o r m u l a r u m a reserva, o Estado está declarando que não quer se vincular a


determinada(s) cláusula(s) daquela convenção. Tal possibilidade não é a d m i t i d a
no Estatuto de R o m a .
378 NETO, José Cretella. C u r s o de Direito Internacional Penal. 2. e d . São Paulo: Saraiva,
381 O C o n s e l h o de Segurança da O N U utilizou esse mecanismo nos Casos Darfur e Kadafi.
2014, p. 199-200.
382 Artigo 26 do Estatuto de Roma: " O Tribunal não terá jurisdição sobre pessoas que, à
379 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
data da alegada prática do crime, não tenham ainda completado 18 anos de idade".
Paulo: Saraiva, 2013, p. 310.

CASOS JULGADOS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL | 403


402 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
que não seja parte do Estatuto de Roma, desde que tenha sido cometi- Errada. Esses crimes estão previstos no art. 7.1 do Estatuto de
GABARITO:
do por nacional de Estado membro do Estatuto (art. 12,2, a, b do Estatu- Roma.Todos os delitos elencados são crimes contra a humanidade.
to de Roma).Todavia, quando o Conselho de Segurança da ONU remete • OTribunal Penal Internacional possui ampla competência ratione ma-
u m caso para oTPI com base no Capítulo VII da Carta da ONU,qualquer teriae (em razão da matéria) para os crimes que afetam a comunidade
litigio, envolvendo qualquer país, pode ser levado ao Tribunal Penal In- internacional em seu conjunto.
ternacional, perfectibilizando uma exceção à regra da territorialidade
GABARITO:Errada. A competência do TPI se restringe apenas aos crimes
(artigo 13, bdo Estatuto de Roma). Por fim, os Estados envolvidos no lití-
de jus cogens e aos crimes contra a sua administração.
gio também podem realizar uma composição especial e remeter o caso
para o TPI, ainda que não sejam Estados partes no Estatuto de Roma,
0
(PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2013 — PROVA
O

conforme a r t . 4 , 2 do Estatuto de Roma.


ORAL) Fale sobre o caso Lubanga Dyilo.
• No TPI, podem ser processados crimes ocorridos antes da entrada em BREVE RESPOSTA: Basta o candidato realizar breve síntese do conteúdo apre-
vigor do estatuto desse tribunal. sentado anteriormente.
GABARITO:Errada. Apenas os crimes ocorridos após a entrada em vigor
(PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2013 — PROVA
O

do Estatuto de Roma podem ser julgados pelo TPI.


ORAL) Como são chamados os crimes de competência do TPI?
. Toda notitia criminis deve ser admitida e julgada pelo TPI. Os crimes de competência do Tribunal Penal Internacional
BREVE RESPOSTA:

GABARITO:Errada. Há u m juízo de admissibilidade no TPI. Não é toda e são crimes de jus cogens. Conforme já explicado, os crimes de jus cogens
qualquer notitia criminis que deve ser admitida pelo Tribunal Penal In- são aqueles que, quando cometidos, afetam valores essenciais da comu-
ternacional. nidade internacional. São crimes de jus cogens os crimes de agressão, os
crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e o crime de genocídio,
(MPT — PROCURADOR DO TRABALHO, 2013) Considerando-se o Sistema todos de competência do Tribunal Penal Internacional.
Internacional de Proteção aos Direitos Humanos e o Estatuto do Tribunal
Penal Internacional, é CORRETO afirmar que:
. O indivíduo singularmente considerado não é sujeito internacional de
direitos humanos, uma vez que não é destinatário direto de direitos,
obrigações e deveres na esfera internacional
GABARITO:Errada. O indivíduo é considerado sujeito internacional de di-
reitos humanos, podendo ser inclusive processado perante o TPI.
. O Tribunal Penal Internacional é uma instituição permanente, com
jurisdição universal sobre os Estados, nações, pessoas, coletividades,
organizações estatais e não-estatais e demais autores ou vítimas de
atentados contra direitos humanos em relação aos crimes graves que
prescreve seu respectivo estatuto.
GABARITO: Errada. O TPI julga apenas indivíduos.
• A escravidão, a agressão sexual, a escravatura sexual, a prostituição
forçada e o crime de apartheid são expressamente previstos como cri-
mes contra a humanidade no referido Estatuto.

404 I JURISPRUNFLNCIA INTERNACIONAL DL! DIRHITOS HUMANOS (>.<>•, U,.-. 1 TI'. IV NAI Pi NAI INTERNAI H >NAI | / | O >
R
Nocll.i i K . l f d i v r i n b h ' rir .'• >l.\.I .' ' ( . i m . l l . n Ir ll ll|';. u i iri i!, . di i I l l h u n . l l Peri.ll
Internacional absolveu Mathieu Ngudjolo Chui de todas as acusações, por
Caso The Prosecutor vs. Mathieu Ngudjolo Chui considerar que a promotoria não conseguiu reunir provas suficientes contra
Chui. Ao decidir desta maneira, os juízes do TPI explicaram que a absolvição
ÓRGÃO JULGADOR: do Sr. Chui, por si só, não significa que o acusado era inocente, mas que ele
não poderia ser condenado, dado que havia dúvidas sobre a sua participação
Tribunal Penal Internacional
nos crimes que lhe foram imputados pelo órgão acusador do TPI.

DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU:


Por fim, no dia 27 de fevereiro de 2015, a Câmara de Apelação do Tribunal Pe-
nal Internacional manteve a absolvição de Mathieu Ngudjolo Chui,encerran-
18 de dezembro de 2012 do o caso de maneira definitiva. Assim, nenhuma das vítimas do Massacre do
Bogoro receberá qualquertipode reparação pelo Sr. Chui,embora oTPI tenha
DECISÃO DE SEGUNDO GRAU: se comprometido em continuar a prestar o serviço de proteção de testemu-
nhas para aquelas que corram risco em razão de seus depoimentos no caso.
27 de fevereiro de 2015
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O CASO

1. Primeira absolvição proferida pelo Tribunal Penal Internacional


RESUMO DO CASO O caso Chui é emblemático para oTribunal Penal Internacional, pois consiste
na primeira absolvição de toda a sua história. O resultado do caso Mathieu
No dia 24 de fevereiro de 2003, ocorreu o famoso "Massacre do Bogoro", no Ngudjolo Chui indica uma postura criteriosa dos juízes do Tribunal Penal In-
qual a Força de Resistência Patriótica em Ituri atacou a aldeia de Bogoro, na ternacional na análise do acervo probatório dos casos, Podemos observar isto
República Democrática do Congo. Foram praticados uma série de crimes porque, no mesmo contexto fático, o tribunal condenou Germain Katanga e
contra a humanidade, entre os quais assassinatos de civis e crimes sexuais absolveu Mathieu Ngudjolo Chul, o que demonstra uma análise minuciosa
contra as mulheres que residiam na aldeia. O conflito ocorreu por motivos e individualizada dos fatos pelos magistrados do TPI, que não se deixaram
étnicos. O conflito étnico instalado na região de Ituri, onde fica Bogoro, já influenciar pela comoção social que envolvia o caso do Massacre do Bogoro.
causou a morte de mais de oito mil civis, além do deslocamento forçado de Também é oportuno destacara independência dos órgãos do Tribunal Penal
mais de meio milhão de pessoas, que foram obrigadas a deixar suas casas. Internacional: embora a Promotoria, órgão encarregado de realizar a acu-
O órgão acusatório do Tribunal Penal Internacional acusou Mathieu sação, integre ela mesma os quadros do TPI, ela possui total independência
Ngudjolo Chul, juntamente com outras pessoas (entre elas, Germain Ka- funcional. Esta independência reforça a neutralidade do tribunal. Dificulta-
tanga), de cometer crimes de guerra e crimes contra a humanidade du- se, assim, que o fato de o órgão acusatório também fazer parte do TPI in-
rante o massacre. fluencie os juízes a acatar um pedido de condenação realizado pelo órgão.

A República Democrática do Congo ratificou o Estatuto de Roma em 11 de 2 . 0 caso Mathieu Ngudjolo Chui ocorreu no m e s m o contexto fático
abril de 2002. No dia 03 de março de 2004, a situação dos conflitos étnicos do caso Germain K a t a n g a
no Congo chegou até o TPI. Após uma análise preliminar, no dia 21 de junho
Dos três casos já efetivamente julgados peloTribunal Penal Internacional,
de 2004, a Promotoria do TPI iniciou a investigação sobre a situação em terri-
dois deles dizem respeito ao "Massacre do Bogoro". Além do caso Chui,
tório congolês. O Caso foi formalmente aberto no Tribunal Penal Internacio-
os fatos em análise também desencadearam outra acusação no Tribunal
nal juntamente com o caso The Prosecutor vs. Germain Katanga no dia 10 de
Penal Internacional.Trata-se do caso The Prosecutor vs. Germain Katanga,
março de 2008. Mathieu Chui, contudo, já aguardava seu julgamento preso
que levou à condenação em primeiro grau do acusado pelos ataques à
em Haia, sede do Tribunal Penal Internacional, desde 7 de fevereiro de 2008.
aldeia do Bogoro, conforme veremos a seguir.

406 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS


CASOS JULGADOS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL | 407
rit.iin K,it.)ii¡;,i,eiitiel,iiilu,e\l,i preso ern I I.II.I, sede do hihun.il Penal Iritcm.icio
ii.il desde uul 111110 de .m x 7, onde .igiuidou Ioda J instrução do feilo em rei lus.io.
Caso The Prosecutor vs. Germain Katanga
Preliminarmente,e como forma de se eximir da acusação por crimes con-
tra a humanidade, a defesa do ex-chefe miliciano alegou que o ataque
ÓRGÃO JULGADOR:
contra a aldeia de Bogoro havia sido motivado por razões militares, fato
Tribunal Penal Internacional que foi prontamente rejeitado pelos juízes do TPI.
No mérito, os juízes do Tribunal Penal Internacional, por maioria de votos, conde-
DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU: naram Germain Katanga a uma pena de doze anos pela prática de crime contra
a humanidade e de outros quatro crimes de guerra; assassinato, ataque contra a
23 de maio de 2014
população civil, destruição de bens e pilhagem. 0 acusado foi absolvido das acusa-
ções de estupro e recrutamento de crianças-soldado. Do quantum de doze anos es-
DECISÃO DE SEGUNDO GRAU: tabelecido pelo TPI, Sim bajá havia cumprido quase sete anosa época da sentença.
Pendente de Julgamento Na fixação do quantum da pena, os juízes do tribunal consideraram como ate-
nuantes significativos o fato de Katanga ser pai de seis filhos e a sua contribui-
ção com os procedimentos do TPI. O recurso de apelação ainda não foi julgado.
RESUMO DO CASO
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O CASO
No dia 24 de fevereiro de 2003, Germain Katanga, comandante da milícia Força
de Resistência Patriótica em Ituri, liderou o famoso "Massacre de Bogoro", que 1. S e g u n d a condenação proferida pelo Tribunal Penal Internacional
consistiu de ataque e pilhagem da aldeia de Bogoro, na República Democráti- O caso Katanga é de suma importância para o Tribunal Penal Internacional,
ca do Congo. Durante esse ataque, foi praticada uma série de assassinatos e pois consiste na segunda condenação proferida pelo Tribunal; o número
crimes sexuais contra mulheres que estavam no local. O conflito ocorreu por crescente de casos julgados e condenações vai tornando a corte situada em
motivos étnicos. O conflito étnico instalado na região de Ituri, onde se situa Bo- Haia uma instituição cada vez mais creditícia perante a ordem internacional.
gorojá causou a morte de mais de oito mil civis.além do deslocamento forçado Uma crítica feita por parte da comunidade internacional ao TPI é o fato de,
de mais de meio milhão de pessoas, que foram obrigadas a deixar suas casas. até o momento, suas condenações recaírem apenas sobre ditaduras africa-
Inicialmente, a promotoria do Tribunal Penal Internacional acusou Ger- nas, isto é, em casos em que não haveria tantos interesses econômicos e po-
main Katanga de ser um dos lideres do Massacre do Bogoro, juntamente líticos envolvidos. Até o presente momento, todos os casos efetivamente já
com junto com o também congolês Mathieu Ngudjolo Chui — este último julgados pelo TPI se passaram na República Democrática do Congo.
foi absolvido em dezembro de 2012, conforme estudado anteriormente. O
2. O caso Germain K a t a n g a ocorreu no m e s m o contexto fático do
órgão acusatório doTPI acusou Simba (apelido pelo qual Germain Katanga
caso Mathieu Ngudjolo Chui
era localmente conhecido) de ser cúmplice de um crime contra a humani-
Dos três casos já efetivamente julgados pelo Tribunal Penal Internacio-
dade e de outros quatro crimes de guerra — assassinato, ataque contra a
nal, dois deles dizem respeito ao "Massacre do Bogoro". Além do caso Ka-
população civil, destruição de bens e pilhagem.
tanga, os fatos em análise também desencadearam outra acusação no
A República Democrática do Congo ratificou o Estatuto de Roma em 11 de abril de Tribunal Penal Internacional. Trata-se do caso The Prosecutor vs. Mathieu
2002. No dia 03 de março de 2004, a situação dos conflitos étnicos envolvendo o Ngudjolo Chui, absolvido pelo TPI por falta de provas da sua participação
Congo chegou até o TPI. Após uma preliminar análise, no dia 21 de junho de 2004, nos ataques à aldeia de Bogoro. Além disso, outro fato curioso, porém la-
a Promotoria do TPI iniciou a investigação sobre a situação em território congolês. mentável, é que a primeira condenação do Tribunal Penal Internacional
O Caso foi formalmente aberto no Tribunal Penal Internacional juntamente com também ocorreu na República Democrática do Congo. Trata-se do Caso
o caso The Prosecutor vs. Mathieu Ngudjolo Chui no dia io de março de 2008. Ger- The Prosecutor vs. Thomas Lubanga Dyilo, caso já estudado anteriormente.

408 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL | 409
CAPÍTULO X

CASOS JULGADOS POR OUTROS

TRIBUNAIS INTERNACIONAIS
condenou Charles Taylor a 50 anos de prisão por crimes de guerra e con-
tra a humanidade cometidos na Libéria e também no território de Serra
Leoa. A pena atribuída pelo TESLé inferior aos 80 anos pugnados em juízo
Caso The Prosecutor vs. pela acusação.

Charles Taylor "Caso Diamantes de sangue" A Corte Especial de Serra Leoa entendeu que o ex-presidente da Libéria
utilizou de sua influência como Chefe de Estado e membro da Comuni-
ÓRGÃO JULGADOR: dade Econômica dos Estados da África Ocidental para ajudar a estimular
a prática de crimes em Serra Leoa.
Tribunal Especial para Serra Leoa A exploração financeira do conflito, a brutalidade com que os crimes
foram cometidos e a extraterritoríalidade dos atos foram consideradas
SENTENÇA: como agravantes da pena. O fato de o apoio bélico de Taylor aos rebeldes
ter ocasionado o prolongamento dos conflitos em Serra Leoa também foi
30 de março de 2012
levado em consideração na condenação. A sentença proferida pelo Tribu-
nal Especial para Serra Leoa comporta o recurso de apelação.

RESUMO DO CASO P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O CASO

No final da década de 80, Charles Taylor era a principal liderança de uma 1. Curiosidades
militância armada e deu início à guerra civil na Libéria, que somente cessou A modelo Naomi Campbell testemunhou no caso Charles Taylor, pois ha-
após a realização de um tratado de paz no ano de 1995. Passados dois anos, veria recebido um "diamante de sangue" do ex-presidente liberiano. O
Charles Taylor foi eleito presidente da Libéria e seu governo durou seis anos, personagem principal do filme Senhor das Armas (2005) foi Inspirado em
até a tomada do país por rebeldes, que o forçaram a se exilar na Nigéria. Charles Taylor.
Durante o período que esteve no poder, diversas foram as acusações im-
2. Condenação histórica
putadas ao ex-presidente da Libéria. Ao total, são onze acusações por cri-
mes de guerra e crimes contra a humanidade, que incluem aterrorizar Charles Taylor foi o primeiro ex-chefe de Estado condenado por um tribu-
civis, estupros, escravidão sexual e recrutamento de crianças para servir nal internacional desde a Segunda Guerra Mundial. É uma condenação
na guerra civil. Estas acusações estão relacionadas a um possível poder de histórica que gerou importante precedente para combater as massivas
influência de Taylor na guerra civil na nação vizinha de Serra Leoa, onde violações de direitos humanos no continente africano.
Taylor foi acusado de apoiar rebeldes responsabilizados por massacres 83
3. Condenação proferida por um Tribunal internacional híbrido'
em massa contra a população serra-leonense.
Os Tribunais internacionais híbridos são aqueles cuja sua formação é so-
O ex-presidente liberiano foi acusado de vender diamantes e comprar ar-
licitada pelo governo do Estado onde os crimes foram perpetrados. O Tri-
mas para a FARS - Frente Revolucionária de Unida de Serra Leoa. Na épo-
bunal Especial para Serra Leoa se formou após a realização de um acordo
ca, a FARS era o principal grupo revolucionário violador de direitos huma-
entre o governo local e a Organização das Nações Unidas (ONU). Nestes
nos no continente africano; seus membros eram conhecidos por amputar
tribunais, há juízes do Estado requerente e também juízes internacionais,
as mãos e pernas dos civis durante a revolução.Tendo em vista seu apoio
a esse grupo, Taylor foi acusado de fomentar o caos e a morte de milhares
de pessoas nos conflitos interligados entre Serra Leoa e Libéria.
No dia 3odemaiode20i2,oTribunal Especial para Serra Leoa,órgão cria- 383 O s t r i b u n a i s i n t e r n a c i o n a i s h í b r i d o s t a m b é m s ã o c h a m a d o s de " t r i b u n a i s i n -
do pelo governo local em acordo com a Organização das Nações Unidas, ternacionalizados".

412 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS IULGADOS POR OUTROS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS | 413
clonal com oTESL. Entretanto, é possível a negociação de acordos bilate-
aplicando-se tanto o direito interno quanto o direito internacional. São
rais visando o cumprimento de suas decisões.
exemplos deTribunais Internacionais híbridos:oTribunal Especial de Ser-
ra Leoa, as Câmaras Extraordinárias dos Tribunais no Camboja e o Tribu- 7, Indagação didática: O Tribunal Especial para Serra Leoa continua
nal Especial para o Líbano. em pleno funcionamento?
Ainda sobre a criação doTribunal Especial para Serra Leoa,são as palavras A resposta é negativa, O Tribunal Especial para Serra Leoa finalizou seus
de André de Carvalho Ramos: trabalhos formalmente no ano de 2013. No entanto, uma Corte Especial
"O Tribunal Especial para a Serra Leoa foi estabelecido a pedido do Residual para Serra Leoa foi criada através de um acordo entre a Organi-
governo do país, com base na Resolução n. 7375 do Conselho de Segu- zações das Nações Unidas (ONU) e o governo local, com o intuito de dar
rança, de 14 de agosto de 2000, sendo instalado em 2002. Sua sede é cumprimento às obrigações determinadas peloTESL,como supervisionar
Freetown (capital de Serra Leoa) e conta com o apoio logístico do TPI. a execução das sentenças impostas peioTESL, conservar os arquivos do
Há juízes nacionais e internacionais, e os acusados são julgados pela Tribunal e garantir a proteção das testemunhas que atuaram sob esta
prática de crimes de jus cogens (crimes contra a humanidade e crimes condição nos processos da extinta corte híbrida em Serra Leoa.
1
de guerra) e ainda por crimes comuns pelo direito locai" **.

4. Taylor nunca esteve em Serra Leoa CIA D O T E M A E M PROVAS DE CONCURSOS

O ex-presidente Charles Taylor foi condenado por crime de guerra e cri-


{PGR — 27 C O N C U R S O PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2014 — PRO-
O

mes contra a humanidade em Serra Leoa mesmo sem jamais ter pisado
VA ORAL) Fale sobre a experiência do Tribunal Internacional Especial
em solo serraleonense. Os crimes contra de guerra e crimes contra a hu-
manidade afetam valores essenciais de toda comunidade internacional. para Serra Leoa no caso de Charles Taylor.
BREVE RESPOSTA:Diante de todos os motivos expostos anteriormente, é de
5. "Desaforamento internacional" se concluir pela experiência extremamente positiva doTribunal Interna-
O julgamento do ex-presidente da Libéria aconteceu na Holanda por mo- cional Especial para Serra Leoa no caso Charles Taylor. Isso porque, com
tivos de segurança, já que Taylor era dotado de grande influência no con- a efetiva condenação do ex-presidente da Libéria, os tribunais interna-
tinente africano. Temia-se que, se o Tribunal Internacional de Serra Leoa cionais híbridos começam a ganhar espaço e credibilidade no cenário da
fosse instalado na própria região, a imparcialidade do julgamento res- proteção internacional dos direitos humanos.
tasse comprometida. Ressalta-se que, embora a Corte Especial para Serra
Leoa tenha sido instaurada em Haia, na Holanda, o estado holandês não (PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2014 — PROVA
O

aceitou que Taylor cumprisse pena em seu território. Assim, atualmente, ORAL) O Brasil é obrigado a cumprir as ordens dos tribunais internacio-
o ex-presidente cumpre pena na Grã-Bretanha. nais híbridos?
BREVE RESPOSTA:Conforme já explicado anteriormente, o Tribunal Especial
6. Não-obrigatoriedade dos membros da O N U de cooperar com o Tri- para Serra Leoa foi estabelecido por um acordo entre o governo local de
bunal Especial para Serra Leoa Serra Leoa e a Organização das Nações Unidas - ONU. Em razão disso, o
O Tribunal Especial para Serra Leoa não foi estabelecido por resolução do Brasil não éobrigado a cumpriras ordens exaradas peloTribunal Especial
Conselho de Segurança e sim por um acordo entre a ONU e o governo para Serra Leoa. O mesmo raciocínio vale para qualquer tribunal interna-
de Serra Leoa. Assim, o formato de instauração doTribunal Internacional cional híbrido estabelecido por acordo entre o governo local de determi-
para Serra Leoa desobriga os membros da ONU a qualquer ato coopera- nado Estado e a ONU.

384 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 318

CASOS JULGADOS POR OUTROS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS | 415


414 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
humanidade, em razão dos estupros ocorridos nos campos de concentra-
o
ção (art. 5 , alínea 'g', do Estatuto do TPI 1), pela perseguição política, racial
0
e religiosa (art. 5 , alinea 'h', do Estatuto do TPII) e pela prática de outros
0
atos desumanos (art. 5 , alínea V, do Estatuto do TPII).
Caso The Prosecutor vs. Dusko Tadic
O acusado alegou a incompetência do TPII para julgar o feito, bem comoa
ilegitimidade da resolução do Conselho de Segurança da ONU que havia
ÓRGÃO JULGADOR:
conferido competência para que o Tribunal Penal Internacional para a ex
-Iugoslávia julgasse o caso. Após a primeira instância tratar tais questões
Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII)
como "de cunho político", a Câmara de Apelação do TPII não acolheu as
teses da defesa.
SENTENÇA:
Assim, em 1997, o Tribunal Penal Internacional para a ex-lugoslávia jul-
14 de julho de 1997
gou e condenou Dusko Tadic a vinte anos de detenção pela prática de cri-
mes contra a humanidade, graves violações das Convenções de Genebra
e violações dos costumes de guerra. O Tribunal Penal Internacional para
a ex-lugoslávia reconheceu que Tadic violentou e matou muçulmanos,
RESUMO DO CASO croatas e outros indivíduos que não eram sérvios na região de Prijedor,
Em abril de 1992, a Sérvia realizou diversos ataques contra a Bosnia-Her- no nordeste da Bósnia. Foi reconhecida a possibilidade de configuração
zegovina, com o objetivo de fazer urna limpeza étnica no territorio bosnio, de crimes contra a humanidade independentemente de estes estarem
isto é, expulsar da região ou mesmo eliminar qualquer indivíduo que não em conexão com crimes de guerra. Nesse sentido, o Tribunal Penal In-
fosse da etnia sérvia. As principais regiões afetadas pelos ataques foram ternacional para a ex-lugoslávia e sua Câmara de Apelação superaram o
Prijedor e Kazarac e os principais alvos foram muçulmanos, imigrantes, entendimento sedimentado pelo Tribunal de Nuremberga, que limitava
croatas e judeus que viviam nas regiões. o julgamento dos crimes contra a humanidade a situações em que estes
delitos se encontravam em conexão com crimes de guerra.
O Sr. Dusko Tadic, agente de polícia, foi um dos principais responsáveis
por essa operação. Além de coordenar um massacre de indivíduos não- O procurador do TPII solicitou uma pena de 20 anos para o Sr. Tadic e foi
sérvios (em sua grande maioria, muçulmanos),Tadic e seus pares, motiva- atendido. O ex-policial apelou, mas não obteve êxito na reforma da sen-
dos por xenofobia, ordenaram a transferência de alguns indivíduos para tença. Em 31 de outubro de 2000, Dusko Tadic foi transferido para a Ale-
campos de concentração remanescentes da Segunda Guerra Mundial e manha para que cumprisse o restante de sua pena, mas, já em 17 de julho
situados em cidades próximas, como Omarska, Keraterm e Trnopolje. de 2008,foi-lhe concedida a liberdade antecipada.

Nesses campos de concentração, as vítimas foram submetidas a todo tipo


de tratamento desumano e degradante, como a permanência em locais PRINCIPAIS P O N T O S SOBRE O C A S O
fechados sem água, comida e luz; agressões; estupros; e diversas formas
de tortura física e psicológica. 1. Breve síntese sobre a criação do Tribunal Penal Internacional para
a Ex-luguoslávia
Em razão dos fatos ocorridos, o caso chegou ao Tribunal Internacional Pe-
nal para a ex-lugoslávia, e o senhor Dusko Tadic foi acusado de: a) ter vio- O Tribunal Penal Internacional para a ex-lugoslávia foi criado nos anos
lado a Convenção de Genebra de 1949, em razão da prática de tortura (art. 90, após uma determinação do Conselho de Segurança da ONU, para que
o
2 , alínea 'b', do Estatuto do TPII) e das inúmeras mortes decorrentes de
0
suas ordens (art. 2 , alínea 'a', do Estatuto do TPIJ; b) ter violado os costu-
0
mes de guerra (art. 3 do Estatuto do TPI I); c) ter praticado crimes contra a 385 O T r í b u n a l de N u r e m b e r g é u m t r i b u n a l internacional de primeira geração.

416 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS POR OUTROS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS | 417
se processassem e julgassem os responsáveis pelas violações de regras são, o TPII confirmou, com b a s e 110 principio d.i kompcicn/ kompctcnz, q u e o
386
do direito internacional humanitário no territorio da ex-lugoslávia. As- Conselho de Segurança da ONU agiu dentro dos limites de sua competência
sim como o Tribunal Penal Internacional para Ruanda (criado na mesma conferida pela Carta da ONU. Nesse sentido,é a liçâode André de Carvalho Ra-
época), é um tribunal internacional de segunda geração. Por fim, é mister mos sobre o tema: "A competência do Conselho de Segurança para criar órgãos
ressaltar que, durante seu período de funcionamento, o Tribunal Penal judiciais internacionais voltados para a punição de perpetradores de violações
Internacional para a ex-lugoslávia deve processarejulgar apenas os fatos graves e sérias de direitos humanos foi questionada. Defato, já no primeiro caso
ocorridos no territorio da ex-lugoslávia desde 1993 até o inicio dos anos submetido ao TPII, caso Tadic, a defesa pugnou pela nulidade de todo o processo
2000; não pode formalizar novas acusações, com exceção dos crimes que em virtude do ilegal estabelecimento do Tribunal, fruto da atuação ultra vires
venham a interferir em sua administração. Vejamos a lição de André de do CS em ofensa à Carta da ONU. Inicialmente, houve a recusa da primeira ins-
Carvalho Ramos sobre a criação do Tribunal Penal Internacional para a tância do TPII em analisar o pleito, uma vez que a criação do próprio Tribunal
ex-lugoslávia: "Nos anos 90 do século passado, o Conselho de Segurança da seria uma questão política insuscetível de apreciação jurídica. Porém, a Câmara
ONU determinou a criação de dois tribunais penais ad hoc e temporários. de Apelação do TPII conheceu do pedido, reafirmando o direito da defesa, ine-
De início, foi criado, em 8 de maio de 1993, pela Resolução n. 827, o Tribunal rente ao due process oflaw, de questionar a jurisdição do órgão julgador. Além
Penal Internacional para os crimes contra o Direito Humanitário cometidos disso, para a Câmara de Apelação, era da alçada do próprio Tribunal a análise
na ex-iugoslávia, com o objetivo de processar os responsáveis pelas sérias da legitimidade da ação do Conselho de Segurança, pois não poderia o Tribu-
violações ao direito internacional cometidas no território da antiga Iugos- nal respeitar os direitos dos acusados se sua jurisdição fosse, ab initio, ilegítima.
lávia. O Estatuto do Tribunal Internacional para a ex-lugosiávia (TPII, com Essa conclusão da Câmara de Apelação é derivação do princípio da kompetenz-
sede em Haia) fixou sua competência para julgar quatro categorias de cri- kompetenz, tradicional no Direito Internacional, que, grosso modo, dispõe que
mes, a saber: graves violações às Convenções de Genebra de 1949; violações compete ao próprio Tribunal Internacional definir sua jurisdição. No mérito, o
387
às Seis e costumes de guerra; crimes contra a humanidade e genocídio" . TPII, porém, negou que o Conselho de Segurança houvesse agido contra a Car-
ta da ONU ao construir um órgão judiciário baseado no Capítulo VII da Carta
2. Legalidade da criação do Tribunal Penal Internacional para a e x - l u -
das Nações Unidas. (...) Assim, para o TPII, a Carta das Nações Unidas não criou
goslávia por determinação de resolução vinculante do Conselho de o Conselho de Segurança para ser um princeps legibus solutus (acima da lei).
Segurança da O N U (...) Analisando o caso concreto do TPII ressaltou a importância do artigo 47 da
Os advogados do Sr. Dusko Tadic alegaram que a resolução do Conselho de Carta, que permite que o Conselho de Segurança adote medidas sem envolver
Segurança da ONU que determinou a criação do Tribunal Penal Internacional o uso dafiorça. Esse artigo, ao estabelecer um rol meramente exemplificativo de
para a ex-lugoslávia era ilegítima, pois, segundoa defesa,tal ato teria extrapo- medidas, permite que o CS venha inclusive a criar órgãos judiciais internacio-
lado a competência prevista para o Conselho de Segurança na Carta da ONU, nais para a manutenção da paz internacional. Para a Câmara de Apelação do
caracterizando um ato ultra vires. Tal tese não foi acolhida pelo TPII, que, em TPII no caso Tadic, no contexto do conflito sangrento da época na ex-iugoslávia,
um primeiro momento, se recusou até a analisar tal controvérsia, alegando criar um Tribunal Internacionalfoi medida adequada para combater a impuni-
ser a criação do tribunal um ato político e não jurídico; superada essa discus- dade e assegurar a reconciliação, garantindo a paz permanente e duradoura na
188
região. Logo, o CS agiu nos estreitos limites de sua competência" .

3. Obrigatoriedade dos membros da O N U de cooperar c o m o Tribunal


386 O Direito Internacional H u m a n i t á r i o , o Direito Internacional dos R e f u g i a d o s e o Penal Internacional para a ex-lugoslávia
Direito Internacional dos Direitos H u m a n o s são os três eixos de proteção de direi-
tos no plano internacional. E m breve síntese, entende-se por Direito Internacional Ao contrário do Tribunal Especial para Serra Leoa, que foi criado por um
H u m a n i t á r i o ( t a m b é m c h a m a d o de "Direito Internacional dos Conflitos A r m a - acordo entre a Organização das Nações Unidas e o governo local, o Tribu-
dos") o c o n j u n t o de n o r m a s que visa proteger o ser h u m a n o na situação específica
dos conflitos a r m a d o s , s e j a m estes internacionais ou intranacionais.
387 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
388 RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de Direitos Humanos. 3, ed. São
Paulo: Saraiva, 2013. p.135-136.
Paulo: Saraiva, 2013, p. 136-137.

418 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS


CASOS JULGADOS POR OUTROS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS | 419
nal Penal Internacional para a ex-lugoslávia surgiu após uma determina- dos de sérias violações de Direito Internacional Humanitário cometidas no
ção do Conselho de Segurança da ONU, órgão encarregado de resguardar território da antiga Iugoslávia. Contudo, pode alegar primazia em relação
a paz e a segurança internacionais. É importante saber que as resoluções a tribunais internacionais e assumir investigações e procedimentos locais
editadas pelo Conselho de Segurança da ONU possuem caráter vinculan- em qualquer fase, se isso se mostrar de interesse da justiça internacional" ^. 3

te e obrigam os membros da Organização das Nações Unidas a segui-las.


Assim, o formato de instauraçãodoTribunal Penal Internacional para a ex 5. Desnecessidade do "war nexus" para caracterização de crime con-
-Iugoslávia obriga os países-membros da ONU a cooperar com as ordens tra a humanidade
389
exaradas pelo TPII, conforme o art. 25 da Carta da ONU . No caso Tadic, a Câmara de Apelação do Tribunal Penal Internacional
para a ex-lugoslávia reconheceu a possibilidade de existirem crimes
4. O Tribunal Penal Internacional para a ex-lugoslávia é regido pelo
contra a humanidade sem que fosse necessária uma situação de guerra
princípio da primazia (war nexus) para a caracterização destes delitos. Nessa linha de raciocí-
Ao contrário do Tribunal Penal Internacional, que é regido pelo principio da nio, esclarece André de Carvalho Ramos:"(...) como se viu no Caso Tadic,
complementariedade, o Tribunal Penal Internacional para a ex-lugoslávia é no qual a Câmara de Apelação do Tribunal Pena! para a ex-lugoslávia
regido pelo princípio da primazia, em razão de ter sido criado pelo Conselho reconheceu que o direito internacional consuetudinário penal, após 1946,
0
de Segurança da ONU.O art. 9 do Estatuto do TPII define que oTribunal In- retirou do conceito de crime contra a humanidade a exigência do vinculo
ternacional para a ex-lugoslávia possui primazia sobre a jurisdição nacional. com a situação de guerra. Assim, após Nuremberg, a prática dos Estados
Essa primazia não lhe confere aoTPII exclusividade na apreciação da deman- reconheceu a existência de crimes contra a humanidade em casos de di-
da, mas este pode impor que os tribunais domésticos renunciem sua com- taduras militares e assemelhadas" . 392

petência. Assim, o princípio da primazia, que também opera na atuação do


Tribunal Internacional de Ruanda, atua de maneira diametralmente oposta 6. Codificação dos elementos de crimes internacionais associados ao
ao princípio da complementariedade. Sobre o princípio da primazia, é a lição devido processo legal e ao direito de defesa
de Jean Paul Bezelaire e Thierry Cretín: "A primazia decorre diretamente do Os Tribunais Penais Internacionais de segunda geração (TPII e TPIR) fo-
fato de que os dois TPIs foram criados pelo Conselho de Segurança, atuando ram de suma importância para a codificação dos elementos de crimes
com base no Capítulo VII da Carta da ONU. Os artigos g°do Estatuto do TPti e internacionais e sua associação com o devido processo legal e com os
o
8 do Estatuto do TPIR colocam o princípio de que as jurisdições nacionais e os direitos de defesa. Do mesmo modo, a criação desses dois tribunais
tribunais referidos são concorrentemente competentes para julgaras pessoas (para a ex-lugoslávia e para Ruanda) acelerou os esforços da ONU para
passíveis de serem incriminadas por violação do direito humanitário. Mas eles a criação de um Tribunal Penal Internacional permanente, eis que a co-
acrescentam que o 'Tribunal internacional tem primazia sobre as jurisdições munidade internacional não estava satisfeita com a criação de tribunais
nacionais'. Ou mais claramente, o TPII não tem exclusividade, mas ele pode ad hoc, pois muitos criticavam esses órgãos julgadores chamando-os
impor às instituições judiciárias nacionais em questão a renúncia a seu fa- de tribunais de exceção e comparando-os com os tribunais de primeira
vor. A primazia parece melhor adaptada para garantir a imparcialidade, que é geração (Tribunal de Nuremberg e o Tribunal Internacional Militar de
130
uma condição indissociável da ideia de justiça" . Tóquio). Nessa linha, as palavras de André de Carvalho Ramos: "fsses
tribunais são importantes porque codificaram os elementos de crimes in-
Ainda nesse sentido, é a lição de José Cretella Neto: "O TPI-ex-l tem com-
ternacionais (como genocídio, crime contra a humanidade, e crimes de
petência concorrente com a de tribunais nacionais para processar acusa-

389 Artigo 25. Os Membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as deci- 391 NETO, José Cretella. Curso de Direito internacional Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
sões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta. 2014, p.167.
390 BEZELAIRE, Jean Paul; C R E T I N , Thierry. A justiça penal internacional; sua evolução, 392 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
seu faturo: de Nuremberg a Haia. São Paulo: Manole, 2003. p. 95-96. Paulo: Saraiva, 2013. p.301.

A ">0 I ItlLHtl.tMmflHrtA tMTUVMArlnMAI 111: nlPHIT.V; Ml fM AWf K


"Ate que um lodiqo mui: . ampielo du; lee. de quena seja editado, a:
guerra) associados ao devido processo legal, com direitos da defesa. Tam-
altas partes contratantes consideram conveniente declarar que, em
bém adotaram o princípio da primazia da jurisdição internacional em de
casos não incluidos nas regulamentações por elas adotadas, os civis
trimento da jurisdição nacional, dado o momento de desconfiança contra
e beligerantes permanecem sob a proteção e a regulamentação dos
as instituições locais (da ex-lugoslávia e de Ruanda). Assim, ficou deter-
princípios do direito internacional, uma vez que estes resultam dos
minado que cada um desses tribunais teria primazia sobre as jurisdições
costumes estabelecidos entre povos civilizados, dos princípios da hu-
nacionais, podendo, em qualquer fiase do processo, exigir oficialmente às
manidade e dos ditames da consciência pública".
jurisdições nacionais que abdicassem de exercer jurisdição em favor da
Corte Internacional. Com os dois tribunais ad hoc, aceleraram-se os esfor- Sendo assim, ocorrendo situações de guerra envolvendo conflitos armados e
ços das Nações Unidas para a constituição de um Tribunal Internacional não estando estas regulamentadas pelas Convenções e Tratados de Direito
Penal permanente, para julgar os indivíduos acusados de cometer crimes Internacional Humanitário, haverá, com base na Cláusula Martens, normas
de jus cogens posteriores à data de instalação do tribuna! (evitando-se o de direito consuetudinário para amparar as vítimas e a população que se en-
estigma do tribunal "ad hoc"e as críticas aos "tribunais de exceção"), sob contram em meio ao conflito armado. Cita-se como exemplo dessas normas
395 397
393 o princípio da humanidade e o princípio da necessidade militar . Com a
o pálio do devido processo legal (...)" .
finalidade de dirimir eventuais dúvidas sobre a Cláusula Martens, é a lição
7. Primeiro caso a ser j u l g a d o no Tribunal Penal Internacional para a de Eugênio José Guilherme de Aragão: "Isso significa basicamente que, em
ex-lugoslávia m
caso de ausência de norma em uma guerra, as partes sempre têm que ter em
mente que o conflito é entre beligerantes, e não entre pessoas que nada têm
A título de curiosidade e também objetivando esgotar o tema, é interes-
a ver com o conflito, que estão fora do combate. Em relação a essas devem
sante destacar que o caso Dusko Tadic foi o primeiro caso a ser julgado
ser sempre aplicadas as leis de humanidade"^. Ainda sobre a cláusula em co-
pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-lugoslávia. Sem sombra de
mento, o pensamento de André de Carvalho Ramos: "F icou clara a influência
dúvida, o caso Tadic é o precedente mais importante deste tribunal de
da 'Cláusula Martens'(homenagem ao diplomata russo F iodor Martens), que
segunda geração e também o mais abordado em provas de concurso.
era a previsão no Preámbulo da II Convenção de Haia de i8gg sobre as leis e
395 os costumes referentes à guerra terrestre, que estabelecia a proibição geral —
8. Indagação didática: o que é a c h a m a d a cláusula m a r t e n s ?
mesmo que não expressa — de condutas na guerra que ofendessem os prin-
Embora a concepção de "crimes contra a humanidade" nos remeta ao cípios do direito internacional, usos e costumes das nações civilizadas, leis da
período pós-Segunda Guerra Mundial, o termo "leis de humanidade" se humanidade e as exigências da consciência pública"™.
apoia em uma norma muito anterior, conhecida pelos estudiosos do Di-
reito Internacional Humanitário como "Cláusula Martens". A cláusula re-
cebe este nome por ter sido proposta por Fyodor Fyodorovich Martens,
396 Proíbe que o E s t a d o beligerante provoque s o f r i m e n t o às pessoas e destruição de
consultor do czar russo, na Primeira Conferência da Paz, em 1899. Segun-
propriedades, se tais atos não f o r e m necessários para obrigar o i n i m i g o a se ren-
do o preâmbulo da Convenção de Haia de 1907 sobre os Costumes da
der. É por c o n t a do princípio da h u m a n i d a d e que s ã o t e r m i n a n t e m e n t e proibidos
Guerra Terrestre, fixa esta cláusula que: a t a q u e s direcionados e x c l u s i v a m e n t e contra civis, o que não impede que, e v e n -
t u a l m e n t e , a l g u m a v í t i m a oriunda da população civil ou até m e s m o do C o m i t ê In-
ternacional da Cruz V e r m e l h a sofra d a n o ; entretanto, t o d a s as precauções d e v e m
ser t o m a d a s para que isso não aconteça.
393 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São 397 O Estado deve restringir o uso da violência p r e g n a d a e m u m e m b a t e bélico a o
Paulo: Saraiva, 2013. p.292. indispensável para conquistar sua vitória.
394 Diversos outros casos f o r a m j u l g a d o s pelo Tribunal Penal Internacional para e x 398 ARAGÃO, Eugênio José Guilherme de. Crimes contra a humanidade: Sistema In-
-Iugoslávia, como, por exemplo, os casos Prosecutor vs. Kristic, Prosecutor vs. Vasií- ternacional de Repressão-, <http://apllcacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/
jevíc, Prosecutor vs. Kupreskic et al, Prosecutor vs. Blaskic, Prosecutor vs. Kumarac et al, i93g/6563/oo7_aragao.pdf?sequence=5>.
entre outros.
399 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São
395 A C l á u s u l a Martens foi objeto de q u e s t i o n a m e n t o dos ú l t i m o s dois c o n c u r s o s d o
o o
Paulo: Saraiva, 2013, p. 278.
Ministério Público Federal (26 e 27 CPR).

CASOS JULGADOS POR OUTROS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS | 423


422 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
INCIDÊNCIA DO TEMA EM PROVAS DE CONCURSOS
I i.nisiçào utiliza o caso Dusko Tadic como exemplo para demonstrar a
desnecessidade do war nexus para a persecução penal envolvendo crimes
400
contra a humanidade .
( P G R — 25 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2011) O dever de
O

estados cooperarem com os Tribunais Internacionais Penais para a ex (DPE/PR — DEFENSOR PÚBLICO, 2012 — FCC, ADAPTADA) O Direito Inter-
-Iugoslávia e ruanda decorre formalmente: nacional dos Direitos Humanos, o Direito Internacional Humanitário e
aj de acordos de sede celebrados com os diversos Estados interessados; o Direito Internacional dos Refugiados são constituídos, cada um deles,
b| do princípio do dever de cooperar, de direito consuetudinario inter- por distintos conjuntos normativos que, no entanto, gradualmente, evo-
luíram de um funcionamento compartimentalizado para uma crescente
nacional, expresso na Resolução da Assembleia-Geral da ONU n° 2625,
interação. Sobre o relacionamento dessas três vertentes da Proteção In-
de 1970;
ternacional da Pessoa Humana é INCORRETO afirmar:
c| de regra costumeira expressa na máxima "aut dedere, aut judicare";
* Pela Cláusula de Martens, instituto de Direito Internacional Humanitá-
d| das resoluções do Conselho de Segurança que os estabeleceram, vin- rio, nas situações não previstas, tanto os combatentes, quanto os civis,
culantes por força do art. 25 da Carta da ONU, ficam sob a proteção e a autoridade dos princípios do direito interna-
GABARITO: Letra D. Conforme explicado anteriormente, o dever de coopera-
cional, o que abre espaço para a incidência do Direito Internacional dos
ção com os Tribunais Internacionais Penais para a ex-lugoslávia e Ruanda Direitos Humanos.
decorre formalmente das resoluções do Conselho de Segurança da ONU. GABARITO: O enunciado está correto e, portanto, não deveria ser assinalado.
A assertiva 'A' está errada, eis que os tribunais abordados pela questão
foram instituídos por determinação do Conselho de Segurança da ONU
e não por acordo. A assertiva 'B' está errada, já que o motivo que obriga
os Estados-membros da ONU a cooperarem com os tribunais de segunda
geração é o art. 25 da Carta da ONU. A assertiva 'Cesta errada, pois a má-
xima do aut dedere, aut judicare (ou extradite, ou julgue) não é o funda-
mento formal que obriga os Estados a cooperar com oTPII e o TPIR, mas
sim o fato de estes tribunais serem estabelecidos por uma determinação
do Conselho de Segurança da ONU.

(PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2014 — PROVA


O

ORAL) Fale sobre o caso Dusko Tadic.


O candidato deveria apresentar uma breve síntese do que
BREVE RESPOSTA:
foi apresentado nos estudos sobre este caso.

(PGR — 27 CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 20T4 — PROVA


O

ORAL) Qual a importância do caso Dusko Tadic para a persecução penal


de crimes de jus cogens?
BREVE RESPOSTA:Foi no caso Dusko Tadic que o Tribunal Penal Internacional
para a ex-lugoslávia decidiu que, para a caracterização de crime contra a
humanidade, não é necessário o war nexus (conexão com crime de guer- 4 0 0 O caso Tadic foi citado no recentíssimo parecer da PGR na A D P F 320. Essa A D P F
ra). Esse é o entendimento que prevalece até hoje na ordem internacio- pretende reconhecer a validade e o efeito v i n c u i a n t e da decisão da Corte Intera-
mericana de Direitos H u m a n o s no caso C o m e s Lund vs. Brasil para c o m o ordena-
nal. O grupo de trabalho do Ministério Público Federal sobre Justiça de
m e n t o j u r í d i c o interno.

424 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS CASOS JULGADOS POR OUTROS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS | 425
ACCIOLY, Hidelbrando; DO NASCIMENTO E SILVA,G.E.; CASELLA, Paulo Bor-
ba. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2014.
ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Comentário do Código de Processo Penalà
luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem.4. ed. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011.
ALMEIDA, Dayse Coelho de. Ações afirmativas e política de cotas são ex-
pressões sinônimas? Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 573, 31 jan. 2005.
Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6238>. Acesso em: 21 jan. 2015.

ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação Penal Especial. 9. ed. São Paulo:


Saraiva, 2013.
ARAGÃO, Eugênio José Guilherme de. Crimes contra a humanidade; Sis-
tema Internacional de Repressão. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.
br/dspace/bítstream/handle/i939/6563/oo7_aragao.pdf?sequence=5>.

ARAS, Vladimir. A difusão vermelha no Brasil. Disponível em: <https://


blogdovladimir.wordpress.com/2010/02/21/a-difusao-vermelha/>.

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Parecer apresentado a partir de


consulta do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e da Defen-
soría Pública da União (DPU), para ser utilizado na Ação Civil Pública re-
Q a
gistrada sob o n 8837-91.2014.4.01.3200, em trâmite perante a 3 Vara da
Justiça Federal da Seção Judiciária do Amazonas.
BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre Acusação e Sentença. 3. ed.
São Paulo: RT, 2013.
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. São Pau-
lo: Editora 34,20io.
BEZELAIRE, Jean Paul; CRETIN, Thíerry. A justiça penal internacional: sua
evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. São Paulo: Manole, 2003.
CANÇADOTRINDADE, Antônio Augusto.Recursos Internos no Direito inter-
nacional. 2. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997.
CARVALHAL, Ana Paula. Fertilização in vitro expõe conflito entre cortes. Dis-
ponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-abr-27/ observatorio-cons-
titucional-fertilizacao-in-vitro-evidencia-conflito-cortes>.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS | 427


l a k v a l h u , Luis üustavo Grandinetti Castanho de. processo Penai e cons- 11 III , Antonio lo'.r M . i l l r / o l i A .itu.iç.m il.i I id cm.MI I.I l'uhlu .1 tu (no
tituição: princípios constitucionais do processo penal. 6. ed. São Paulo: Sa moção e defesa dos direitos humanos, Inclusive perante o sistema inte-
raiva, 2014. ramericano de direitos humanos. In: Temas aprofundados da Defensorio
CASAL, Jesus Maria. In: Convención Americana sobre Derechos Humanos - Pública. V. 2. Salvador: Juspodivm, 2014.
Comentário. Fundación Bogotá, Colômbia: Konrad Adenauer, 2014. LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. Persecução penal e cooperação inter-
CHOUKR, Fauzi Hassan. PL 554/2011 e a necessária (e lenta) adaptação do nacional direta pelo Ministério Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
processo penal brasileiro à convenção americana de direitos do homem. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 2. ed. Salvador; Jus-
Boletim IBCCrim, n. 254, jan. 2014. podivm, 2014.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal - Parte Cerai. Salvador: LIXINSKI, Lucas. Caso do Campo de Algodão; Direitos Humanos, Desenvol-
Juspodivm, 2013. vimento, Violencia e Género. Nota de ensino. Casoteca Direito GV- Pro-
DUPRAT, Deborah. A Convenção 169 da OIT e o direito à consulta prévia, dução de Casos 2011, p. 15. Disponível em: <http://dlreitosp.fgv.br/sites/
livre e informada. Revista Culturas Jurídicas, v. 1, n. i, 2014. direitosp.fgv.br/files/campo_de_ a lgodao_-_nota_de_ensino.pdf >.

GARCIA, Basileu. Comentários ao Código de Processo Penal. v. III. Rio de Ja- MACHADO, Isabel Penido. O princípio da igualdade no Sistema Interame-
neiro: Forense, 1945. ricano de Direitos Humanos: do tratamento diferenciado ao tratamento
discriminatorio. In: OLIVEIRA, Márcio Luis. Sistema Interamericano de Pro-
GIACOMOLLt, Nereu José. O devido processo penai - Abordagem confor-
teção dos Direitos Humanos: Interfaces com o Direito Constitucional Con-
me a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo:
temporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
Atlas, 2014.
MALAN, Diogo. Caso Escher e outros vs. Brasil e sua importancia para
GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Con-
o processo penal brasileiro. Boletim informativo IBRASPP, ano 02, n. 03,
venção Americana sobre Direitos Humanos. São Paulo: Revista dos Tribu-
2012/02, p. 11. Disponível (também) em: <http://www.malanleaoadvs.
nais, 2014.
com.br/artigos/caso_escher.pdf>.
GOMES, Luiz Flávio. Reincidência: novo conflito entre o STF e a Corte Inte-
MAZZINGUHY, Aquila. Urna conversa sobre justiça, Direitos Humanos e
ramericana. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/
mensalão. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/aquila-
colunas/reincidencia-novo-conflito-entre-o-stf-e-a-corte-interamerica-
mazzinghy/20i4/oi/i7/uma-conversa-sobre-justíca-direítos-humanos
na/ii076>.
-e-mensalao/>.
GOMES, Joaquim Barbosa Ação afirmativa e o princípio da igualdade. Rio
MAZZUOLI, Valério de Oliveira;GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção
de Janeiro: Renovar, 2001.
Americana de Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
GUERRA, Sidney. O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Hu-
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. Rio de Janeiro:
manos e o Controle de Convencionalidade. São Paulo: Atlas, 2013.
Forense,2014.
JANNUCCI, Alessander. Teoria do impacto desproporcional e o direito à
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito internacional. 5. ed. São
adaptação razoável. Conteúdo Jurídico, Brasília, 25 dez. 2014. Disponível
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.5i759&seo=i>.
Acesso em: 21 jan. 2015. NETO, Sílvio Beltramelli. Direitos Humanos. Salvador:Juspodivm, 2014 {Co-
leção Concursos Públicos).
LEGG, Andrew. The Margin of Appreciation in International Human
Rights Law: Deference and Proportionality. United Kingdom. Reino Unido: NETO, José Cretella. Curso de Direito Internacional Penal. 2. ed. São Paulo:
Oxford, 2012. Saraiva, 2014.

428 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS | 429


NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente Comen- RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 2.
tado-, em busca da Constituição Federai das Crianças e dos Adolescentes. Rio ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
de Janeiro: Forense, 2014.
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3.
OLIVEIRA, Sónia de. A proibição de imposição da pena de morte a delin ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
quentes juvenis como norma jus cogens prevista pela Comissão Intera-
mericana. Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v. 5, jan./ RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo:
jun. 2007. Saraiva, 2015.

PAIVA, Caio; LOPES JR., Aury. Audiência de custodia e a ¡mediata apresen- RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional por Violação
tação do preso ao juiz: rumo à evolução civilizatória do processo penal. de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
Revista Liberdades, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), n. RAMOS, André de Carvalho. In: PETERKE, Sven (Coord.). Manual Prático de
17, set./dez. 2014. Disponível em: <http://www.revistaliberdades.org.br/ Direitos Humanos Internacionais. Brasília, ESMPU/DF, 2010.
site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.php?rcon_id=2og>.
RAMOS, André de Carvalho. Teoria Cerai dos Direitos Humanos na Ordem
PAIVA, Caio. Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro. Florianó- Internacional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
polis: Empório do Direito, 2015.
RAMOS, André de Carvalho. Linguagem dos Direitos e a Convenção da
PAIVA, Caio. Audiência de custódia: a quem o preso deve ser apresentado? Dis- ONU sobre os Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiências. In: Direitos
ponível em: <http://justificando.com/2015/04/10/na-serie-audiencia-de- Humanos e Direitos Fundamentais. Diálogos Contemporâneos. Salvador:
custodia-a-quem-o-preso-deve-ser-apresentado/>. Acesso em: 28/06/2015.
Juspodivm, 2014.
PEREIRA, Marcela Harumi Takamashi. In: Questões discursivas do concurso RAMOS, André de Carvalho. A ADPF153 e a Corte Interamericana de Direi-
o
de Procurador da República. T8° ao 2 5 respondidas e comentadas. 2. ed. tos Humanos. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Org.). Crimes da Ditadura
Salvador: Juspodivm, 2013.
Militar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
PEREIRA, Ruitemberg Nunes. Assegurar direito à apresentação ao juiz é
RAMOS, André de Carvalho. Reflexões sobre as vitórias no caso Damião
deverão Estado. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-out-15/
Ximenes. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2006-set-08/refle-
ruitemberg-nunes-assegurar-direito-apresentacao-juiz-dever-estado>.
xoes_vitorias_damiao_ximenes>.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacio-
RAMOS, André de Carvalho. O caso Pinochet: passado, presente e futu-
nal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
ro da persecução criminal internacional. Revista do Instituto Brasileiro de
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. 5. ed. São Pau- Ciências Criminais, jan./mar. 1999.
lo: Saraiva, 2014.
SANTOS, Cleopas Isaías. Audiências de Garantia ou sobre o óbvio ululante.
PIOVESAN, Flávia. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos das Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/audiencia-de-garantia
Mulheres. R. EMERJ, v. 15, n. 57 (Edição Especial), p. 79,jan./mar. 2012. Dis- -ou-sobre-o-obvio-ululante-por-cleopas-isaias-santos-2/>.
ponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/
SARMENTO, Daniel; NETO, Cláudio Pereira de Souza. Direito Constitucio-
revista57/revista57_70.pdf >.
nal: Teoria, Histórica e Métodos de Trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum,
PIOVESAN, Flávia. Diálogo no sistema interamericano de direitos huma- 2014.
nos. Revista Campo Jurídico, n. oi, mar. 2013, p. 172-175.
SARMENTO, Daniel. Liberdade de Expressão, Pluralismo e o Papel Promo-
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Pri- cional do Estado, In: Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. Rio
vado. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

430 I JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 1


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS | 43*
SARMENTO, Daniel. Legalização do Aborto e Constituição. In: SARMI NU),
Daniel; PIOVESAN, Flávia (Orgs.). Nos Limites da Vida. Rio de Janeiro; Lú-
men Júris, 2007.
SARMENTO, Daniel. Por um constitucionalismo inclusivo. História tradicio-
nal brasileira, teoria da constituição e direitos fundamentais. Rio de Janei-
ro: Lúmen Júris, 2010.
SCHÀFFER, Gilberto; MACHADO, Carlos Eduardo Martins. A reparação do
dano ao projeto de vida na Corte Interamericana. Revista de Direitos Fun-
damentais e Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 189-194.
SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional público, v. i.
São Paulo: Atlas, 2002.
SOUZA CRUZ, Alvaro Ricardo; GIBSON, Sérgio Armanelli. Direito Adminis-
trativo em enfoque: as contribuições da Teoria Discursiva de Jürgen Ha-
bermas. Disponível em: <http://cdij.pgr.mpf.gov.br/boletins-eletronicos/
alertabibliografico/alerta64/sumarios/membros/INTEGRAo3.pdf>.
SOUZA, Davi Santana. Prova de língua estrangeira para pós-graduação:
discriminação indireta e inconstitucionalJus Waw'_£mc/,,Teresina, ano 19,
n. 3913,19 mar. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26947>.
Acesso em: 5 fev. 2015.
VÍTORELLI, Edilson. Estatuto da igualdade Racial e Comunidades Ouiiom-
bolas. Salvador; Juspodivm.
WEIS, Carlos. Trazendo a realidade para o mundo do direito. Informativo
Rede Justiça Criminal, ano 03, n. 05, 2013. Disponível em: <www.iddd.org.
br/Boletim_AudienciaCustodia_RedeJusticaCriminal.pdf>.
WEIS, Carlos; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. A obrigatoriedade da
apresentação imediata da pessoa presa ao juiz. Revista dos Tribunais, v.
921, p. 331-355,2012.

WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos. 3. ed. São Paulo: Malhei-


ros, 2015.

432 I JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS


d e direitos humanos. B u s c a m o s expor o conteúdo de maneira clara,
sistemática e com uma linguagem acessível, facilitando a compreensão
do leitor acerca dos casos internacionais de direitos humanos e seus
principais pontos.

O leitor encontrará nesta obra a ajuda que precisava não apenas


para enfrentar as provas de concursos, que tem c a d a vez mais cobrado
o conhecimento acerca da jurisprudência de Tribunais Internacionais de
Direitos Humanos, mas também para atualizar a sua prática profissional,
colocando-a em conformidade com o Direito Internacional dos Direitos
Humanos.

A presente obra tem como público-alvo, portanto, os acadêmicos


de Direito, servindo como leitura complementar para as disciplinas
de Direito Constitucional, Direito Internacional e Direitos Humanos,
assim como os que almejam os concursos públicos e também; para os
profissionais da área jurídica de um modo geral.

Você também pode gostar