Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Trilha Musical PDF
Trilha Musical PDF
Ney Carrasco
Sumário
Prólogo 7
OS PRECURSORES DO VÍDEO-CLIP 45
EISENSTEIN E A PARTITURA AUDIOVISUAL 48
OUTRAS PERSPECTIVAS TEÓRICAS 58
Epílogo 129
Bibliografia 131
À memória de Valter Krausche,
amigo inesquecível,
este trabalho
Prólogo
Quando o profissional de música passa a atuar na área de trilhas musicais, seja para o
cinema ou para outros veículos dramáticos, inevitavelmente se defronta com novos problemas
técnicos e estéticos específicos a tais veículos. Mas, além de compreender essa problemática,
ele tem também que adaptar toda a sua terminologia e o modo pelo qual está acostumado a se
referir à música. É muito provável, por exemplo, que em seu primeiro encontro com o diretor,
para o encaminhamento do trabalho, o diálogo entre os dois comece com a seguinte frase: eu
não entendo nada de música, mas... Esse é um problema que os outros profissionais, no
mesmo tipo de produção, não enfrentam. Não é comum o diretor dizer que não entende nada
de cenários, para o cenógrafo; que nada sabe de roteiros, para o roteirista; ou que é um
completo leigo na área, para o diretor de fotografia. É de se esperar que um diretor de cinema
conheça, pelo menos, os fundamentos básicos de cada uma das partes envolvidas na
confecção de filmes, e mesmo que ele não tenha um conhecimento muito profundo sobre
algumas dessas especialidades, ele não vai assumir isso publicamente, e com tanta
naturalidade. Por que, então, eles o fazem com a música, sem o menor pudor?
relação a outras formas de expressão artística? As pessoas discutem filmes, livros, peças e
quadros sem se preocuparem em fazer a ressalva: eu não entendo nada de...
Ao que parece a linguagem musical carrega uma certa aura de hermetismo, que faz
com que o senso comum a veja como algo acessível apenas a alguns poucos “eleitos”. Algo
assim como uma seita secreta, cujos segredos são guardados a sete chaves pelos iniciados.
Em certo sentido, esse estigma tem sua origem na própria natureza da linguagem
musical. Comparando-a com as outras artes, percebe-se que entre elas e a música existe uma
diferença básica: é possível descrever o conteúdo de um filme, de uma peça, de um romance e
até mesmo de um quadro. Podemos dizer que um quadro é figurativo, ou abstrato. Podemos
fazer a sinopse de um filme, ou de uma peça e contá-la aos nossos amigos. Mas com a música
não ocorre o mesmo. Não é possível falar de música sem nos remetermos à própria
terminologia musical, e isso faz com que o discurso do “iniciado” em música possa parecer ao
“leigo” algo totalmente ininteligível. Assim, só é possível descrever uma obra musical de dois
modos distintos. O primeiro é aquele que usa a própria terminologia musical. Com ela,
podemos dizer que uma música é tonal, ou atonal, descrevê-la sob os pontos de vista
harmônico, rítmico, melódico, etc. O segundo modo é aquele que faz uso da terminologia
subjetiva, pela qual o ouvinte tenta expressar em palavras a sua experiência pessoal na
audição musical. Diz-se que a música é tocante, intimista, angustiante, sensual, doce, trágica,
etc. Mas tudo isso é apenas uma grosseira aproximação daquilo que realmente
experimentamos ao ouvir música. Depois, temos sempre a sensação de que a nossa descrição
nem sequer se aproximou daquilo que gostaríamos de ter, realmente, exprimido.
Essa dificuldade que encontramos quando queremos nos referir à linguagem musical
não se limita às nossas conversas cotidianas, até mesmo em setores especializados
encontramos seus reflexos. No cinema, por exemplo, tal dificuldade pode ser encontrada não
apenas na relação entre o músico e os outros profissionais envolvidos na produção de filmes,
mas também entre os teóricos, que evitam claramente se aprofundar nas questões referentes à
trilha musical. Em contrapartida, há os trabalhos especializados na área de música para
cinema, que normalmente são escritos por músicos e, em sua grande maioria, partem do ponto
de vista musical para a elaboração de sua análise. Assim sendo, acabou institucionalizando-se
uma tendência a ver a música de cinema não como um dos fatores integrantes da linguagem
cinematográfica, mas como um discurso paralelo ao filme. Raramente percebe-se que o filme
é um todo articulado e que a música é um dos fatores envolvidos nessa articulação. Grandes
trilhas musicais que estão totalmente inseridas no contexto dramático de seus respectivos
Prólogo 9
filmes, perfeitamente integradas ao seu fluxo narrativo, muitas vezes passam despercebidas,
não porque sejam ruins, mas porque foram pensadas e construídas com este objetivo.
Este trabalho tem por objetivos a abordagem da trilha musical como recurso
articulatório da narrativa fílmica, bem como demonstrar o modo pelo qual a música se insere
na dramaturgia específica ao cinema.
O trabalho está dividido em duas partes. A primeira, contendo três capítulos, apresenta
uma discussão sintética do referencial teórico da literatura especializada em música de
cinema. Essa parte do trabalho tem um caráter bastante informativo. Procura situar o leitor em
relação ao desenvolvimento da música de cinema desde o período do cinema mudo e,
paralelamente, de apresentar-lhe um resumo das principais linhas de abordagem teórica
encontradas nessa literatura.
Cabe ainda ressaltar que toda a análise foi feita com base na técnica e nos
procedimentos comuns ao cinema industrial, especialmente o norte-americano. Experiências
localizadas de cinema, bem como correntes estéticas específicas, aquilo que ficou
popularmente conhecido como cinema de arte, não são objetos de interesse deste trabalho.
PARTE 1
A CONSOLIDAÇÃO DE
UMA
LINGUAGEM
Capítulo 1
A INFÂNCIA MUDA
Um outro aspecto que muito poucas vezes é tratado com a devida consideração pelos
teóricos de cinema é o fato dos filmes mudos terem sido sempre acompanhados por música,
desde as primeiras exibições comerciais.
A questão mais interessante que se nos apresenta em relação a este fato é: por que a
música? Por que não atores dialogando ao vivo, preenchendo o vazio de palavras do filme?
Por que não um sonoplasta, que pudesse criar a ambientação sonora necessária a cada um dos
momentos do filme? É sabido que houve algumas tentativas ou experiências neste sentido,
contudo não foi essa a prática que se tornou comum no cinema mudo. O que sobreviveu e se
tornou indispensável em todas as salas de exibição foi a música, o acompanhamento musical
ao vivo.
14 Trilha Musical
Existem muitas hipóteses a respeito do impulso inicial que teria levado os primeiros
exibidores a acompanhar de música as projeções de seus filmes. Dentre estas hipóteses, as
mais conhecidas são a de Kurt London1 e a de Hanns Eisler e Theodor Adorno2.
Apesar destas duas hipóteses serem citadas em praticamente todos os textos sobre a
música no cinema mudo, elas não esgotam as possibilidades de questionamento a respeito do
assunto. Recentemente, a discussão foi estendida por Claudia Gorbman3. Segundo ela, os
motivos que explicam a adoção do acompanhamento musical no cinema mudo poderiam ser
classificados em quatro níveis distintos:
a) Argumentos históricos
b) Argumentos pragmáticos
c) Argumentos estéticos
1. London, Kurt foi o autor de um dos primeiros trabalhos teóricos sobre música de cinema: Film music,
publicado originalmente em 1936.
2.Eisler, Hanns e Adorno, Theodor: El cine y la musica.
3. Claudia Gorbman é professora da Universidade de Indiana, E.U.A.. Uma argumentação detalhada sobre o
assunto em questão pode ser encontrada em seu livro Unheard melodies.
A Infância Muda 15
Do ponto de vista histórico, o uso da música para acompanhar filmes segue a tradição
do melodrama, bastante comum no final do século passado e no qual a música era usada em
quantidade muito grande. Segundo a autora, a música no melodrama chega a ser mais
importante que os diálogos. A presença do pianista, ou da orquestra era indispensável nos
teatros, em uma época em que os gêneros de teatro musicado eram muitos, e responsáveis por
uma grande porcentagem da produção dramática do período.
Então, o que os exibidores de cinema teriam feito seria, apenas, seguir a tendência
dominante nas casas de espetáculo de então, incorporando o pianista, ou formações musicais
mais extensas às primeiras sessões comerciais de cinema.
Estas questões nos levam aos argumentos estéticos. Segundo Claudia Gorbman, um
dos fatores que teria levado à incorporação da música nas exibições de filmes seria o fato do
acompanhamento musical intensificar a impressão de realidade do filme. Quando assistimos
a um filme, não estamos assistindo à representação de uma ação real, tal como acontece no
teatro. Este é o motivo que levou Eisler e Adorno a descreverem a impressão inicial do
cinema como fantasmagórica. Esse caráter sobrenatural do cinema seria agravado pelo fato
do filme ser projetado em uma superfície bidimensional, não possuindo uma profundidade
real, mas apenas uma ilusão de profundidade.
Com base nestes argumentos, a música teria servido para sanar dois problemas. Em
primeiro lugar ela seria responsável pelo preenchimento do espaço vazio do filme, suprindo
acusticamente o sentido de profundidade que visualmente o filme não possuía. Em segundo
lugar, a música serviria para simular uma atmosfera de realidade para a ação representada, na
linha do melodrama ou da mímica, que eram formas de expressão às quais o público estava
habituado.
Um outro fator estético importante, é aquele que diz respeito ao ritmo e que já havia
sido abordado por Kurt London:
16 Trilha Musical
Podemos perceber, pela afirmação de London, que a música serviria como um suporte
rítmico para o movimento do filme, paralelizando, contrapondo, explicitando ou justificando
o ritmo das imagens.
Todos esses argumentos possuem fundamento, e é bastante difícil dizer qual deles foi
o mais decisivo em todo o processo. É mais viável supor que todos estes fatores tenham
contribuído para o fato da música ter sido incorporada às exibições de filmes de tal modo, que
o cinema não iria jamais colocá-la aparte em todo o seu desenvolvimento subseqüente, exceto
é claro, em alguns casos isolados.
Não é possível também referir-se à música do cinema mudo como trilha musical, mas
apenas como acompanhamento musical de filmes. Esta distinção tem, por um lado, um
caráter técnico: o conceito de trilha musical, tal como o entendemos hoje, surge apenas depois
do advento do som sincronizado, quando tornou-se possível estabelecer relações precisas
entre som e imagem. Durante todo o período do cinema mudo, por mais detalhada que fosse a
elaboração da música para um filme ela estaria sempre sujeita à imprecisão inerente à
execução ao vivo e a todo o conjunto de variáveis envolvidas nesse processo. Assim, por não
estar ainda sincronizada às imagens, por não estar contida na película, toda a música do
cinema mudo deve ser entendida como acompanhamento musical e não como trilha.
A primeira fase6 é caracterizada pelo fato de não existir ainda uma preocupação
muito grande entre o conteúdo musical e o conteúdo narrativo dos filmes. Normalmente, esse
5. A esse respeito ver Prendergast, Roy: Film Music - A neglected art, pg. 5
6
A classificação dos tipos de acompanhamento musical no cinema mudo em fases é um tanto artificial e não
pode ser entendida como algo rígido e estanque. O mais importante é ter em mente que, ainda que haja uma
sucessão cronológica das fases, o mais correto seria entendê-las como diferentes modos de pensar o
acompanhamento musical que se sobrepõe ao longo da história do cinema mudo. Assim, é possível que
enquanto uma sala de primeira classe em um grande centro urbano estivesse realizando sua música nos moldes
da terceira fase, uma pequena sala do interior ainda pudesse ter sua música realizada nos moldes da primeira ou
segunda fase.
18 Trilha Musical
acompanhamento era feito através de uma seleção musical extraída do repertório tradicional,
com ênfase nas músicas do período romântico, particularmente as da segunda metade do
século XIX.
A seleção musical era feita pelos músicos responsáveis pelas salas de exibição. Em
salas mais modestas, um único músico, normalmente um pianista ou um organista. Em salas
mais abastadas, uma orquestra completa. Esses músicos executavam o seu repertório sem
maiores preocupações. Em muitos casos, as músicas eram ouvidas integralmente, sem o
cuidado de buscar uma correspondência direta com aquilo que era visto na tela. Nessa época
os filmes eram em sua grande maioria de curta duração e as sessões públicas normalmente
apresentavam um grande número deles.
Existem informações sobre sessões de cinema nas quais cada filme curto era
acompanhado por uma peça musical distinta. É muito provável que isso fosse uma prática
comum, visto que se encaixa perfeitamente no tipo de acompanhamento musical realizado nos
espetáculos de variedades, tal como, por exemplo, os que aconteciam nos Music Halls7. É
muito provável que uma sessão de filmes curtos apresentasse para o músico acompanhador o
mesmo tipo de problemas que o espetáculo de variedades, com sua sucessão de números
independentes. Assim sendo, não é estranho que ele fosse buscar nesse universo o referencial
para o acompanhamento dos filmes.
7
Em "Music and the silent film", Martin Miller Marks apresenta uma descrição detalhada da música do
espetáculo de filmes curtos que Max Skladanowsky realizava com seu “Bioscópio” no final do século XIX.
A Infância Muda 19
musical para as exibições públicas dos mesmos. Contudo, observando mais atentamente
percebemos que o cinema ainda não havia se desenvolvido como linguagem narrativa e o
acompanhamento musical era totalmente compatível com o tipo de filme que se realizava na
época.
Uma outra característica da música na primeira fase do cinema mudo é a total ausência
de uniformidade. A produção do acompanhamento musical era uma responsabilidade da sala
de exibição e não da equipe de produção do filme. Sendo assim, duas exibições do mesmo
filme em salas diferentes contavam com acompanhamentos musicais totalmente distintos.
Além disso, a excessiva carga de trabalho dos músicos e maestros responsáveis pela seleção
musical fazia com que, muitas vezes, não houvesse tempo, sequer, para que eles assistissem
ao filme antes de sua exibição pública, o que, inevitavelmente, resultava em seleções musicais
concebidas sem nenhum vínculo direto com o conteúdo narrativo dos respectivos filmes.
Dentre essas coletâneas, as duas mais citadas na literatura especializada são a The
Sam Fox moving picture volumes de J.S. Zamecnik, publicada em 1913 e a Kinobibliothek
de Giuseppe Becce ou Kinothek, nome pelo qual ficou conhecida. Tendo sua primeira edição
datada de 1919, a Kinothek viria a se tornar a mais famosa publicação musical do período do
cinema mudo.
8. A este respeito ver Prendergast, op. cit. pg. 6 e também Manvell, Roger e Huntley, John: The technique of
film music, pg. 22.
9. O conceito de música descritiva é, por si só, bastante discutível. O que significa, de fato, descrever
musicalmente uma ação? Se quisermos ser rigorosos veremos que esta é uma questão bastante complexa.
Contudo, o termo tem sido bastante usado e, ao que se pode observar, ele se refere a dois tipos de procedimento
bastante comuns em música de cinema. O primeiro deles é aquele onde existe um paralelismo rítmico entre a
música e a ação filmada. Trata-se de uma prática que evoluiria no sentido daquilo que nos anos 30 viria a ser
chamado pelos compositores de música de cinema de mickeymousing. O segundo é aquele onde se faz uso de
unidades musicais bastante sedimentadas no ouvido cultural ocidental e que, associadas às imagens podem
sugerir significados específicos. Assim, o canto gregoriano provocaria uma idéia associativa de religiosidade; a
marcha militar estaria associada à idéia de luta, guerra, vitória, e assim por diante.
A Infância Muda 21
Deste modo, chegamos à terceira fase da música no cinema mudo, que é aquela onde
os filmes já são distribuídos com uma planilha de indicação de seu acompanhamento musical.
Em muitos casos a partitura distribuída com o filme não se tratava de uma música
original, mas sim, de arranjos específicos de músicas já existentes, especialmente trabalhadas
para atender às necessidades expressivas do filme.
Da mesma maneira que o nome de Griffith ficou marcado para sempre na história do
cinema pelas inovações técnicas que introduziu em seus filmes, especialmente pelo
desenvolvimento das técnicas de montagem e, conseqüentemente, da narrativa fílmica,
também no que diz respeito à música de cinema a sua contribuição é indiscutível. Junto com
Breil, ele foi um dos primeiros a fazer uso de unidades musicais temáticas de forma
recorrente, ou seja, de algo próximo ao leitmotivs, o que viria a se tornar uma das práticas
mais comuns até hoje nas trilhas musicais de filmes. Se Breil tem o mérito de ter criado a
música de O Nascimento de Uma Nação, Griffith tem o mérito de ter sido um dos primeiros
diretores a perceber a importância da música na narrativa fílmica.
Outro grande nome na música nesta terceira fase do cinema mudo é o do compositor
Edmund Meisel, responsável pela partitura dos filmes O Encouraçado Potemkin e
Outubro13 de Sergei Eisenstein. Os autores de trabalhos especializados são unânimes em
afirmar que uma das maiores tragédias da história da música de cinema foi o irremediável
extravio da partitura original de O Encouraçado Potemkin.
Como pudemos notar, a música no período do cinema mudo percorre um caminho que
parte de uma situação inicial onde ela não passava de um mero fundo musical para o filme e
termina por alcançar um status de parte integrante do produto final, a partir do momento em
que passa a ser distribuída junto com a película. Foi um caminho onde a cada estágio tornou-
se mais claro o imenso potencial significativo que a música possui e que pode emprestar aos
filmes, especialmente naquele momento, quando não era ainda possível contar com o recurso
do diálogo.
É interessante também notar como a cada estágio cumprido pelo cinema no sentido de
sua consolidação enquanto linguagem, especialmente no que diz respeito ao seu
aprimoramento como linguagem narrativa, a música torna-se cada vez mais uma peça
fundamental do modo de produção. Não é por acaso que no momento em que a estrutura
narrativa do cinema começa a se consolidar - e o marco dessa consolidação é,
indiscutivelmente, o trabalho de Griffith - a música passa a ser cada vez mais definida pelos
próprios realizadores dos filmes. Não era mais possível deixar o acompanhamento musical a
critério de cada um dos exibidores, pois isso comprometeria o resultado do filme como um
todo.
Mas naquele momento o cinema não poderia chegar ao destino que lhe estava
reservado. Isto porque apenas uma parte do filme podia ser classificada como produto
industrializado. O fato da música ser ainda executada ao vivo nas salas de exibição fazia com
que o cinema ainda fosse obrigado a manter um forte vínculo com o espetáculo teatral. Na
película, que é reprodutível e, conseqüentemente, passível de industrialização, estavam
contidas apenas as imagens, o que representa apenas uma das faces do filme. Enquanto
linguagem audiovisual, o cinema era apenas semi-industrializado. A outra metade mantinha
ainda as características da produção artesanal e estava sujeita a todas as variáveis inerentes a
esse tipo de produção. Uma execução musical nunca é exatamente igual a outra, assim como a
representação de um espetáculo teatral varia a cada sessão. A preocupação em definir a
música que serviria de acompanhamento musical para seus filmes é uma tentativa da indústria
de limitar o número dessas variáveis, não sendo contudo possível reduzi-las a zero. É uma
tentativa de levar a perspectiva de uniformização da indústria, o conceito de padrão de
qualidade, para o domínio do artesanal. A tentativa inútil de controlar, ainda que
precariamente, o incontrolável.
Por tudo o que foi dito, encontramo-nos diante de um paradoxo. Por um lado a
impossibilidade técnica de sonorização não permitiu que a música no período do cinema
mudo se alçasse em vôos mais ousados e pudesse alcançar um estágio muito além do que ela
24 Trilha Musical
chegou. Por outro, essa mesma impossibilidade, que inviabilizava a incorporação dos
diálogos aos filmes, fez com que a linguagem narrativa do cinema se desenvolvesse
independentemente deles, mas apoiada sobre o discurso musical. Assim, da mesma forma que
o indivíduo não esquece jamais a língua aprendida na infância, a música passou a ser uma
linguagem imprescindível ao cinema, desde que ele teve todo o seu aprendizado na infância
ligado a ela.
Capítulo 2
O SONHO DE EDISON
1. Edward Muybridge: fotógrafo inglês radicado nos Estados Unidos. Foi um dos primeiros pesquisadores a
obter resultados práticos com o registro e síntese do movimento através da fotografia instantânea no final do
século XIX. É considerado um dos pais da cinematografia.
2. Em Guidi, Mario: De Altamira a Palo Alto - A busca do movimento, pg. 141.
26 Trilha Musical
famoso Kinetoscópio3. Uma outra experiência de sincronização foi na França por Léon
Gaumon, que antes de 1900 produziu uma série de pequenos filmes sonoros com atores
famosos, dentre eles a grande estrela Sara Bernhardt.
3. O Kinetoscópio de Edison era uma máquina que permitia a exibição de filmes curtos, mudos ou sonoros, para
um único espectador. Seu desenvolvimento foi possibilitado pelo surgimento do filme em película de
nitrocelulose cuja produção por George Eastman teve início em 1889.
4. A literatura registra que os fundamentos técnicos de tal sistema já eram conhecidos antes mesmo da virada do
século e teriam sido aplicados em 1911 por um francês de nome Lauste.
5. Segundo Eric Rhode, o Tri-Ergon era um sistema bastante superior aos seus similares. Caso a indústria de
cinema alemã não tivesse passado por tantas flutuações, eles teriam estado em condições de produzir filmes
sonoros de qualidade muito antes dos americanos.
6. Também chamado de sistema Fox-Case. Foi com este sistema que a Fox Films produziu o primeiro cine-
jornal sonoro, o Fox Movietone News em abril de 1927.
7. Basicamente, o sistema criado por De Forest, e posteriormente aperfeiçoado, consiste em um dispositivo que
converte as ondas sonoras em impulsos elétricos que podem ser fotografados como variações de luz em uma
película em preto e branco. Posteriormente, uma célula foto-elétrica instalada na máquina de projeção converte
essas variações de luz em impulsos elétricos que, amplificados, reproduzem as ondas sonoras originais.
O Sonho de Edison 27
Há vários aspectos envolvidos neste fato. O primeiro deles diz respeito à situação de
estabilidade que viveu a indústria do cinema nos anos vinte. O público comparecia cada vez
mais aos cinemas. O Star System já havia transformado em mitos diversos mortais. Apesar do
rádio, em pleno desenvolvimento, o cinema ia bem, e era mudo. Embora a incorporação do
som fosse inevitável, ninguém parecia disposto a arriscar seu bem estar em uma aventura cujo
fim era imprevisível. Assim, criou-se uma situação de estabilidade inercial na indústria do
cinema de então.
Estes dois motivos, bastante objetivos, normalmente são abordados pela literatura
especializada. Mas havia ainda um terceiro aspecto na resistência da indústria em tornar o
cinema sonoro que normalmente não é muito discutido: o fator estético.
Como foi dito anteriormente, o cinema - tal como havia se consolidado nas primeiras
décadas do século XX - mantinha um caráter de espetáculo ao vivo que era dado pelo
acompanhamento musical. Para o senso-comum o cinema era uma arte muda, acompanhada
de música ao vivo. Era sabido que nenhum sistema de amplificação disponível naquela época
poderia competir em termos de qualidade de som com a execução da música ao vivo. Isso
fazia com que o risco da aventura do cinema sonoro se tornasse muito maior. O que os
grandes estúdios não perceberam é que a sua pretensa estabilidade era muito mais frágil do
eles poderiam supor. Em certo sentido todos sabiam que o cinema se tornaria sonoro, mas
apostou-se em uma transição gradual. Ninguém esperava o choque que iria ocorrer em 1927.
8. Este problema só veio a ser resolvido com a introdução das válvulas elétricas, mais especificamente os
diodos. A produção em escala comercial destes dispositivos tem início por volta da metade da década de vinte,
data esta que coincide com as primeiras experiências comerciais de cinema sonoro.
28 Trilha Musical
Para entender os motivos que levaram a Warner Brothers a apostar no novo modo de
produção do cinema, é preciso saber a situação econômica em que se encontrava esse estúdio
naquele momento. Um relato sobre essa situação é dado por Eric Rhode:
Em vista disso, a aposta no cinema sonoro era um dos últimos recursos à disposição da
Warner para sair da crise financeira em que havia mergulhado.
O teste do sistema Vitafone foi feito no filme Don Juan, estrelado por John
Barrymore, cuja estréia ocorreu em 26 de agosto de 1926. Curiosamente, tratava-se ainda de
um filme mudo cujo acompanhamento musical havia sido gravado em disco e sincronizado à
película. A novidade passou despercebida, pois não havia nenhuma mudança de caráter
estético no filme, se comparado aos outros filmes mudos. Pelo contrário, a qualidade sonora
do acompanhamento musical era bastante inferior à da execução ao vivo.
Foi uma verdadeira revolução no modo de produção do cinema. Quem não se adaptou,
foi posto de lado - desde atores até exibidores. Em relação a estes últimos, especialmente, o
cinema sonoro foi impiedoso. O grande investimento necessário à adaptação das salas de
exibição para os filmes sonoros praticamente eliminou os independentes. As pequenas salas
de projeção que não estavam vinculadas aos grandes estúdios foram engolidas por eles:
A conversão do cinema mudo em sonoro foi tão brusca, que muitos filmes que haviam
sido inicialmente planejados como filmes mudos foram subitamente reelaborados para se
adequar à nova realidade sonora. Em alguns casos isto foi feito após o início das filmagens.
12
Em Capuzzo, Heitor: Twilight Zone - Combinatórias narrativas e intertextualidades.
30 Trilha Musical
Em vista da forma abrupta pela qual se deu a transição entre o cinema mudo e o
cinema sonoro, todos os envolvidos na realização de filmes foram obrigados a se adaptar
muito rapidamente. Nesse processo diversos recursos da linguagem, desenvolvidos ao longo
de muitos anos de experimentação, tiveram que ser temporariamente postos de lado. Em
termos de refinamento estético e acabamento, os primeiros filmes sonoros estavam bem
abaixo do padrão de qualidade do cinema mudo.
Diálogos, música e sons naturalistas (ruídos), tinham que ser realizados ao vivo
durante a filmagem. Se, como foi dito por Max Steiner, o som de um contrabaixo era
suficiente para saturar a pista de som, ruídos mais intensos, tais como os tiros, por exemplo,
tinham que ser forjados, pois era absolutamente impossível gravá-los a partir da fonte sonora
real.
Assim, de uma hora para outra, a música, que antes era a responsável por preencher
todo o espaço sonoro do filme, tornou-se um problema, e teve que conviver com os diálogos e
os ruídos. Na impossibilidade de inteirar-se com a nova sonoridade, ela se viu em situação de
concorrer com ela. Uma concorrência na qual a música entrava em grande desvantagem.
Do ponto de vista musical, essa síndrome realista, que teve início com o advento do
som sincronizado, vai se constituir também em um dado de limitação. Objetivamente falando,
havia apenas duas maneiras básicas de utilização da música nos filmes de então. A primeira
delas era utilizá-la como acompanhamento musical, abolindo assim os diálogos e sons
naturalistas. Esse tipo de utilização da música possibilitava a produção de musicais, onde os
números tinham que ser gravados ao vivo, som e imagem simultaneamente. Como vimos, isso
era bastante dispendioso para os estúdios18. Por outro lado, o uso da música como
acompanhamento, tal como era feito no cinema mudo, ia contra a necessidade comercial de se
explicitar o novo recurso da sincronização, e também contra a ânsia por efeitos de caráter
realista que tomou conta de Hollywood.
Isso acabou levando a situações curiosas, como relembra o próprio Max Steiner:
A segunda opção era a de não usar música no filme, ou no máximo utilizá-la quando
fosse inevitável fazê-lo pelos moldes do realismo de então. Na literatura podem ser
encontrados diversos exemplos de filmes que fizeram pouquíssimo uso da música,
concentrando seus esforços no apelo provocado pelos diálogos e pelos sons naturalistas20.
Há dois dos filmes desse primeiro período do cinema sonoro que merecem ser citados.
O primeiro deles é Chantagem e Confissão21, primeiro filme sonoro de Alfred Hitchcock,
cuja estréia ocorreu em junho de 1929. Chantagem e Confissão é um daqueles filmes
18. Apesar das dificuldades, há três musicais que são sempre citados pela literatura como os primeiros exemplos
do musical americano no cinema. São eles Broadway Melody (1929), King of Jazz (1930) e Forty-Second
Street (1933).
19. Em Prendergast, op. cit. pg. 23.
20. Alguns desses filmes são Little Caesar (E.U.A. - 1930), Quick Millions e The Front Page (E.U.A - 1930).
21. Blackmail (Inglaterra - 1929).
O Sonho de Edison 33
originalmente planejados para serem mudos e que durante a sua produção foram convertidos
em sonoros. Assistindo a esse filme hoje, notamos claramente que se trata, na verdade, de um
filme mudo com alguns momentos falados e alguns sons naturalistas. Há, inclusive, alguns
truques, na tentativa de forjar uma ambientação de cinema sonoro com material filmado
originalmente sem som. Todo o primeiro rolo do filme é acompanhado por música
ininterrupta e apresenta apenas seis efeitos sonoros, todos eles não sincronizados, sobrepostos
à música. Tais são, por exemplo, o ruído da portinhola da carroceria do caminhão e a cena dos
detetives no toalete, onde ouve-se o ruído ambiente, inclusive diálogos, mas nota-se
claramente que os sons não correspondem à sua suposta fonte.
Apesar de ser este o seu primeiro filme sonoro, Hitchcock demonstra já uma certa
ousadia com o novo recurso. Segundo ele:
A atriz alemã, Anny Ondra, mal falava inglês e, como a dublagem tal
como é praticada hoje ainda não existia, contornei a dificuldade apelando
para uma jovem atriz inglesa, Joan Barry, que ficava em uma cabina colocada
fora do enquadramento e recitava o diálogo diante de seu microfone enquanto
a Srta. Ondra fazia a mímica das palavras.22
Outro filme que vale a pena comentar é o famoso O Anjo Azul24. Assinada por
Friedrich Hollaender, a trilha musical desse filme é um ótimo exemplo de como as
O balanço desses primeiros anos do cinema sonoro demonstra que, se por um lado a
música foi como que posta em segundo plano pela indústria, por outro, o que há de melhor na
produção cinematográfica dessa época de uma forma ou de outra envolve a linguagem
musical. Apesar da música não ser o foco das atenções, o cinema não conseguiu se sustentar
enquanto linguagem sem fazer uso dela. Vale dizer que, mais uma vez, foi reforçada a idéia
de que a música havia se tornado parte indispensável do texto fílmico. Se as limitações
técnicas impediram que nesse momento a trilha musical de cinema desse o salto qualitativo
permitido pela incorporação da totalidade das sonoridades, são essas mesmas limitações
técnicas que apontaram para a necessidade de uma evolução nos equipamentos que permitisse
um uso menos restrito da música. Foi aí também que se descobriu que o texto falado no
cinema não tem a mesma importância que o texto no teatro. Para incorporar os diálogos, a
linguagem do cinema foi obrigada a se reestruturar, se adaptar às novas condições. A música
sempre havia estado lá.
25. Entende-se por source music todo tipo de intervenção musical no qual a fonte sonora é claramente
identificável na imagem. Por exemplo, uma orquestra, um disco que é posto a tocar, o rádio, e assim por diante.
O Sonho de Edison 35
nessas ocasiões, havia o grupo dos que estavam a favor do som e o grupo dos ferrenhos
defensores do cinema enquanto arte muda. Havia o grupo dos puristas, que viam no som uma
ameaça à própria linguagem do cinema. Segundo eles, o som viria destruir todas as conquistas
obtidas até então pelo cinema enquanto linguagem. Havia também aqueles que assumiam uma
postura corporativista, protestando contra o imenso número de profissionais que se viram,
então, desempregados, desde atores, que não conseguiram se adaptar ao texto falado, até os
músicos, diretamente ligados às salas de exibição, que do dia para a noite tornaram-se
totalmente desnecessários.
Em agosto de 1928 foi publicada pela primeira vez a famosa Declaração - Sobre o
futuro do cinema sonoro.28 Assinada por Sergei Eisenstein, V. I. Pudovkin e G. V.
Alexandrov, esse texto apresenta uma séria apreensão sobre os possíveis usos do novo recurso
técnico que, segundo eles, poderia comprometer de modo irreversível as conquistas obtidas
até então pela arte cinematográfica.
Em primeiro lugar, é preciso refletir um pouco sobre a época e o contexto em que tal
declaração foi escrita. O cinema soviético, naquele momento, estava cotado entre os melhores
do mundo, não apenas por suas realizações, mas também pelo alto grau de desenvolvimento
que havia alcançado no plano teórico. Foram eles, por exemplo, que sistematizaram as teorias
de montagem. Seus textos, de uma forma ou de outra, são até hoje leitura obrigatória para os
estudantes e os profissionais de cinema.
Acima de tudo, por trás das declarações dos três soviéticos pode-se perceber o medo
de que o cinema sonoro viesse destruir todo o trabalho desenvolvido por eles e por um grande
número de cineastas ao longo de muitos anos. Havia o receio de que o cinema viesse a se
tornar um teatro filmado. Havia o medo de que o som, novidade por si mesmo, passasse a ser
o foco decisivo de toda a produção cinematográfica. Nas entrelinhas dos argumentos dos
soviéticos percebe-se, também, o medo de que o cinema soviético não consiga aparelhar-se a
tempo de entrar no novo meio de produção junto com a indústria cinematográfica norte-
americana, o que levaria, inevitavelmente, a uma mudança na privilegiada posição que
ocupava o cinema soviético no contexto internacional.
Como vimos, eles tinham razão no que diz respeito aos resultados obtidos pelo cinema
sonoro a curto prazo. O que eles não puderam prever é que o cinema sonoro passaria por uma
evolução tão rápida em seus primeiros anos de existência. Não era possível prever que as
limitações técnicas seriam superadas com tanta velocidade e que não só o cinema não seria
obrigado a abrir mão de suas especificidades de linguagem e articulatórias, como iria também
incorporá-las a todo o complexo que integra a banda sonora do filme.
Assim, o som não desarticulou a linguagem do cinema, mas trouxe a ela toda uma
nova dimensão, cujas possibilidades narrativas e articulatórias só fizeram aumentar
sobremaneira o léxico da linguagem cinematográfica.
Por outro lado, o texto dos soviéticos apresenta uma solução bastante lúcida para o
problema. Em um exercício de futurismo quase visionário, eles propõe que a única maneira
do cinema incorporar o som sem ser obrigado a abrir mão de suas especificidades seria fazer
um uso polifônico desses sons em relação às imagens. Em música, o termo polifonia é usado
para descrever o tipo de construção musical onde várias vozes se desenvolvem
simultaneamente, articuladas umas com as outras, mas mantendo o caráter de independência
melódica, ou de individualidade, de cada uma dessas vozes29.
Em outras palavras, a idéia dos soviéticos é a de que o discurso sonoro não pode ser
subjugado pelas imagens, ou seja, que ele não pode ser usado apenas para corresponder ao
29. O termo polifonia é usado em música em duas acepções distintas. A primeira delas, mais genérica, é aquela
em que ele se refere a qualquer tipo de construção musical que faça uso de sons sobrepostos, em oposição ao
termo monofonia, que significa o tipo de música onde apenas um som é ouvido a cada vez. Assim, diz-se que o
piano é um instrumento polifônico, enquanto a flauta é um instrumento monofônico. A segunda acepção do
termo diz respeito à idéia de construção contrapontística do discurso musical, a somatória de vozes
independentes, e se opõe ao conceito de homofonia, que é o tipo de construção musical que faz uso de blocos
sucessivos de sons, ou acordes, sem se preocupar com a individualidade melódica de cada uma das vozes.
O Sonho de Edison 37
que está sendo visto. Som e imagem são complexos sígnicos paralelos, que devem interagir,
mas conservando um grau de independência que lhes ofereça um grande número de
possibilidades de articulação e, conseqüentemente, de resultados significativos. Algo assim
como ocorre com as diversas vozes de um contraponto.
Nesse aspecto, os soviéticos tinham razão. Tanto, que não iria demorar muito para o
cinema descobrir toda essa outra dimensão representada pelo som. Passado o furor provocado
pela novidade, os realizadores de filmes vão começar a buscar todas as possibilidades
narrativas permitidas pelas combinações de texto falado, sons naturalistas e música. Não era
mais necessário ser fiel ao realismo do primeiro momento.
Esse foi o passo decisivo na consolidação do cinema. Foi também com isso que deu-se
a consolidação do filme enquanto produto industrializado. Pela primeira vez o cinema se viu
em uma posição de não possuir mais nenhum vínculo com as artes ao vivo. Só então ele está
apto a explorar ao máximo sua potencialidade. Realizado o sonho de Edison, o cinema vai
entrar em uma fase muito importante de sua história e nesse contexto a música vai exercer um
papel fundamental.
Nessa época, era muito comum que as trilhas musicais dos filmes não fosse composta
por um único profissional. A velocidade com que eram feitos os filmes não permitia que se
38 Trilha Musical
assumisse uma postura individualizada de artista perante a obra. Era preciso trabalhar na
velocidade da indústria, no esquema das linhas de montagem. O compositor David Raksin
conta que no dia que um novo filme chegava às suas mãos, toda a equipe se reunia de manhã
para assisti-lo. Segundo ele:
A QUESTÃO DO CLICHÊ
Em vista da excessiva carga de trabalho imputada aos departamentos de música, é
natural que muitos filmes dessa época apresentem uma série de procedimentos similares em
suas trilhas musicais. O senso-comum costuma definir esses procedimentos por clichês.
Todavia, é bom que seja feita aqui uma distinção. O próprio termo clichê tem um sentido
bastante pejorativo e traz consigo uma idéia de limitação criativa, de fórmula pré-
estabelecida. Num sentido mais estrito, pode ser considerado como clichê o uso de uma
mesma unidade mecanicamente. Isso, de fato, acontecia na época, especialmente em
produções mais baratas, tais como os seriados de cinema. Em muitos casos, inclusive, não
havia a preocupação em se requisitar ao departamento de música, já tão sobrecarregado, que
escrevesse uma música original para essa categoria de filmes. O que se fazia era recolher
material de arquivo já gravado e editá-lo com vista às necessidades do filme. É claro que
nesses casos a organização da trilha musical era um trabalho muito mais mecânico e sujeito a
todos os tipos de clichês.
Mas é preciso estar atento ao fato de que nem sempre o uso de um mesmo tipo de
idéia musical, ou de um mesmo procedimento significa um clichê. É de se levar em conta que
havia um padrão estético no que diz respeito à música de cinema da época, e até que ponto
tais procedimentos podem ser classificados como clichês, é difícil dizer.
31. O termo também é usado para designar o profissional responsável pela organização de trilhas musicais
montadas a partir de material em arquivo.
40 Trilha Musical
Esse fato pode ser explicado por duas vias distintas e complementares. A primeira
delas diz respeito à tradição do cinema, que era justamente a do acompanhamento musical
contínuo. Essa tradição foi temporariamente abandonada por motivos técnicos. Porém, ao que
parece, assim que esses problemas técnicos foram resolvidos e abriu-se o leque de
possibilidades para o uso da música, o referencial que se possuía então era o da tradição. A
outra via de argumentação parte da idéia de que a trilha musical de cinema, tal como a
conhecemos hoje, onde a música age interativamente não apenas com as imagens, mas com
todo o complexo sonoro do filme, ainda não existia. Era preciso aprender a usar a música,
desenvolver uma nova disciplina. Passou-se, então, a experimentar, e essa fase de
experimentação caracteriza-se por um certo exagero. Por último, é preciso também lembrar
que naquela época havia entre os produtores o mito de que a música teria o poder de
“conduzir” o filme, funcionando como uma espécie de amálgama capaz de uniformizar
defeitos de construção e oferecer-lhe progressividade rítmica. Nisso também é possível
perceber um forte resquício da tradição do cinema mudo e de como essa tradição foi decisiva
na formação da linguagem do cinema.
Esse tipo de trilha musical que ocupa quase que a totalidade do filme gerou um termo
que até hoje é bastante conhecido na área: o mickeymousing32.
32. Obviamente o termo foi derivado do nome do famoso ratinho de Walt Disney.
33. O conceito de andamento na linguagem musical diz respeito à velocidade do pulso sobre o qual a música se
desenvolve. Dizemos que um determinado movimento musical é um adagio, por exemplo, quando seu
andamento é lento; já o allegro é de um andamento rápido. Em termos absolutos o andamento é medido por
unidades metronômicas. Um andamento “60”, por exemplo significa que cada minuto contém sessenta pulsos
(ou unidades de tempo) daquela música, trata-se de um andamento lento. Um metrônomo “240”, por sua vez é
um andamento rápido, pois a cada minuto duzentos e quarenta pulsos serão percorridos.
Já o termo atividade rítmica refere-se ao número de figuras de duração (ou valores rítmicos)
executados no espaço de cada um desses pulsos. Um pulso pode ser subdividido, por exemplo, em quatro ou seis
ataques, o que significa uma atividade rítmica intensa. Por outro lado, uma única figura rítmica pode durar
vários pulsos, ou seja, pouca atividade rítmica.
O Sonho de Edison 41
Um filme que exemplifica muito bem tudo o que foi dito acima é E O Vento Levou34.
Em seus duzentos e vinte e dois minutos de duração, nada mais nada menos que cento e
noventa e dois apresentam alguma espécie de música, ou seja, apenas trinta minutos do total
do filme não possuem música35. O tipo de relação entre som e imagem em E O Vento Levou
também é um exemplo bastante fiel da técnica do mickeymousing, tal como era usado naquela
época.
Parece haver uma concordância entre os autores na área de que o dado estilístico da
música do cinema na década de trinta tem como referencial a música sinfônica e operística
européia do final do período romântico mais especificamente, a da segunda metade do século
XIX. Essa influência torna-se ainda mais explícita se notarmos o número de compositores
europeus, ou de formação européia, que se instalaram em Hollywood naquele período36. A
respeito desse dado estilístico, Prendergast diz o seguinte:
34. Gone With The Wind (E.U.A. - 1939). Música de Max Steiner.
35. Ver em Bazelon, Irwin: Knowing the score, pg. 22.
36. Por exemplo : Max Steiner, Erich Korngold, Franz Waxman e Dimitri Tiomkin.
37. Em Prendergast, Roy: op. cit. pg. 39.
42 Trilha Musical
eles não foi, por exemplo, o dos balés de Stravinsky? Aí, somos obrigados a voltar àquela
explicação que ele considera um equívoco fundamental. Não é possível desconsiderar o fato
desse estilo musical ser bastante acessível ao público de cinema daquele período. O fato dos
grandes estúdios terem incorporado justamente esse estilo musical é um dado significativo da
aceitação desse tipo de música por parte do público. Não devemos esquecer, também, que a
tradição musical do cinema, desde o período do cinema mudo, está ligada ao estilo romântico.
Neste sentido, poderíamos dizer que há uma progressão evolutiva natural, que faz com que a
linguagem musical do cinema mudo permaneça na primeira década do cinema sonoro. A
transformação dessa linguagem e a incorporação de novos estilos é algo que vai ocorrer
gradualmente ao longo dos anos subseqüentes38.
38. O jazz e a música atonal, por exemplo, só viriam a ser incorporadas pelo cinema na década de cinqüenta,
com os filmes: Um Bonde Chamado Desejo (A Street Car Named Desire - E.U.A. - 1951), música de Alex
North e Vidas Amargas (East of Eden - E.U.A. - 1955), música de Leonard Rosenman. Coincidentemente,
esses dois filmes foram dirigidos por Elia Kazan, o que faz deste diretor uma importante personalidade no que
diz respeito à evolução da linguagem musical do cinema.
O Sonho de Edison 43
O conceito de ilusão de realidade é bastante útil para se analisar o cinema sonoro sob
o ponto de vista da incorporação do diálogo, basta ver que, de fato, houve um surto realista
nos primeiros anos do cinema sonoro. Mas isso durou muito pouco e, depois, de que modo
isso se aplica à questão da trilha musical?
A partir disso, pode-se dizer que a ilusão de realidade não implica, necessariamente,
no emprego de recursos naturalistas. O “universo real do filme”, construído a partir de
recursos articulatórios de caráter naturalista ou não, envolve o espectador em seu próprio
espaço-tempo e, desde que esse “universo” seja verossímil, ou narrativamente consistente, a
ilusão de realidade estará criada. A música é, indiscutivelmente, parte desse “universo real do
filme”, e como parte dele é aceita pelo público, independente do fato de existir ou não alguma
justificativa visual para ela. Não é à toa que Hollywood já foi chamada de indústria de
sonhos. O sonho é o que o público espera do cinema e a música é um fator indispensável para
a construção desses sonhos.
Partindo por esta via de análise, percebemos que os compositores de música para
cinema da década de trinta se viram diante de todo um complexo sígnico a ser desvendado.
Todo o referencial de música aplicada às artes dramáticas - teatro, ópera, dança, mímica -
podia ser aplicado apenas em parte ao cinema. Em todas as outras artes acima citadas há uma
separação entre a música e os outros complexos sonoros ou, no mínimo, eles se desenvolvem
paralelamente.
O SONHO DE EISENSTEIN
O cinema sonoro não despertou apenas o interesse da indústria, dos grandes estúdios.
Tão logo tornou-se viável a sincronização de sons e imagens, começaram as tentativas no
sentido de se estabelecer princípios teóricos que pudessem explicar a relação entre ambos.
Surgiram, também, os primeiros textos, críticos, que procuravam avaliar o uso que o cinema
fazia da música no nível de sua produção comercial. Paralelamente, houve quem se
dispusesse, através da experimentação prática, descobrir as novas possibilidades significativas
oferecidas pelo novo veículo, que poderiam, posteriormente, ser incorporadas pela produção
industrial de filmes.
OS PRECURSORES DO VÍDEO-CLIP
1. Em Manvell, Roger e Huntley, John: The technique of film music: pg. 27.
2. Aqui o termo montagem sonora (sound montage) é usado numa acepção diferente da usual e significa o
método de construção de filmes pelo qual a montagem das imagens é determinada pelas leis estruturais da
linguagem musical. Basicamente, trata-se do método descrito no experimento de Meisel.
O Sonho de Eisenstein 47
(...) Refrões, por exemplo, poderiam ser exprimidos pela frequente repetição
de uma certa série de planos, ou temas recorrentes poderiam ser
representados pelo realce de certas imagens. Truques de instrumentação tais
como surdinas poderiam ser claramente interpretados por gazes, distorções de
espelhos e de lentes especiais.3
na década de oitenta, os mesmos princípios viriam a ser aplicados novamente, agora sim com
finalidade artística, nos moldes estéticos dos grandes veículos de comunicação de massa, a
ponto de se tornar quase uma coqueluche. Eles não sabiam, mas estiveram muito próximos de
inventar o vídeo-clip.
4. Publicados pela primeira vez na revista Iskusstvo Kino (Arte do Cinema) entre os meses de setembro de
1940 e janeiro de 1941. Posteriormente incluídos no livro O sentido do filme.
5. Para maiores detalhes ver artigo Métodos de montagem, em A forma do filme.
O Sonho de Eisenstein 49
A atitude de Eisenstein pode ser entendida se levarmos em conta dois dos aspectos
que ela denota. Em primeiro lugar é preciso observar que Eisenstein, sendo um dos primeiros
teóricos a tratar das questões referentes à articulação fílmica sob o ponto de vista técnico, não
possuía ainda nenhum referencial conceitual nem terminológico sobre o qual pudesse
desenvolver o seu trabalho. Era necessário criar uma conceituação, e ele o faz usando a
terminologia própria à música, que àquela altura dos fatos já estava bastante desenvolvida,
coesa e sedimentada.
Em segundo lugar seria possível dizer que a opção de Eisenstein pela música não é
infundada, nem inconseqüente, a partir do momento em que é possível, de fato, constatar que
cinema e música possuem um grande número de similaridades no que diz respeito à
construção de seus discursos: ambos se desenvolvem no tempo; têm como princípio
construtivo a junção ordenada de pequenas unidades, que se agrupam em unidades maiores
para compor a forma; estão fundamentadas em princípios temporais, tais como ritmo e
andamento. Especialmente, ambos são donstruídos sobre um eixo horizontal (que se
desenvolve no tempo) e outro vertical (que rege a simultaneidade de eventos.
Como é sabido, o grande foco das atenções de Eisenstein como teórico foi a
montagem cinematográfica. No primeiro artigo da trilogia, que recebeu o sugestivo nome de
Sincronização dos sentidos, ele procura estabelecer o conceito de montagem vertical,
50 Trilha Musical
partindo do princípio que as mesmas leis que regem a montagem visual podem ser aplicadas à
sincronização de sons e imagens. Para tanto, ele lançou mão de um outro paralelo, o da
partitura orquestral:
O que Eisenstein faz aqui é tão somente delimitar com mais precisão o conceito de
polifonia. A polifonia musical possui dois sentidos: o primeiro deles é o sentido horizontal,
que é o sentido melódico de cada uma das vozes da polifonia. O outro sentido, o vertical é
onde dá-se a organização da simultaniedade da polifonia, ou seja, o aspecto harmônico. É na
busca dessa correlação vertical, ponto-a-ponto, transposta para o domínio do cinema, que ele
vai desenvolver o seu raciocínio. Em outras palavras, Eisenstein está buscando um princípio
teórico que explique a relação som/imagem do ponto de vista polifônico, no sentido mais
estrito do termo. Para ele, é aí que pode ser encontrada a superestrutura das relações
audiovisuais.
Mas para Eisenstein, as relações rítmicas são tão elementares que não chegam a
merecer, sequer, uma atenção maior.
Para Eisenstein, como é possível notar pelo fragmento acima, essas relações são por
demais óbvias, primárias. Ele está preocupado em levar às últimas conseqüências o paralelo
entre som e imagem. Para tanto, ele vai aplicar seus conceitos a estruturas musicais mais
complexas, em especial ao discurso melódico.
É a partir daí que Eisenstein começa a perder-se em seu próprio discurso. Através de
um jogo de termos técnicos bastante questionável, ele vai procurar estabelecer um complexo
de relações absolutas bastante discutível, especialmente pela introdução do fator cor.
O texto acima, do ponto de vista musical é totalmente incoerente. O que significa, por
exemplo, unidade superior que organiza os sons de uma escala? Procurar estabelecer uma
relação de equivalência entre sons e cores é entrar em um labirinto teórico sem saída. Existem
várias tentativas com essa finalidade que foram feitas através da história e nenhuma delas
chegou a lugar nenhum, nem do ponto de vista teórico, nem no que diz respeito ao resultado
poético desse sistema de equivalências.
Aí, junto com a vibração de um tom dominante básico, vem uma série
completa de vibrações semelhantes, chamadas de tons maiores e tons
menores. Seus impactos uns contra os outros, seus impactos com a tonalidade
básica, e assim por diante, englobam essa tonalidade básica em um conjunto
total de vibrações secundárias. Se na acústica estas vibrações colaterais se
tornam meramente elementos “perturbadores”, essas mesmas vibrações, na
música - na composição, se tornam um dos mais significativos meios de causar
emoções utilizados por compositores experimentais de nosso século, como
Debussy e Scriabin.14
Por mais incrível que possa parecer, no trecho acima Eisenstein está falando de
montagem cinematográfica. Enquanto metáfora, ou por analogia, os termos musicais podem
ser aplicados para explicar determinadas características da linguagem do cinema. Mas quando
se penetra na linguagem musical com o grau de detalhamento ao qual ele se propunha, os
argumentos começam a perder a sustentação.
quadro no cinema, utilizando como exemplo de aplicação prática desses métodos uma
seqüência de seu filme Alexander Nevsky15.
Na própria proposição está embutida uma idéia ambígua, pois nela se fala da relação
absoluta entre música e quadro, sendo que, imediatamente antes, Eisenstein havia dito que o
ponto comum entre os discursos sonoro e imagético era, justamente, o movimento. A
premissa de utilizar o quadro como referencial para o desenvolvimento do método vai ser um
fator prejudicial para todo o desenvolvimento da argumentação de Eisenstein.
Eisenstein afirma com uma segurança de fazer inveja algo que não pode provar e que
em uma avaliação mais rigorosa é, no mínimo, matéria para longas discussões. Logo de início
seria possível levantar a seguinte questão: por que o processo de percepção musical depende
de um referencial exterior à própria música? Por que não é possível decodificar relações
sonoras puras? Será que o fato de algumas pessoas lançarem mão de associações com
imagens não significa pura e simplesmente que essas pessoas não possuem uma terminologia
adequada para expressar-se a respeito do que ouviram? Não é fácil provar tudo isso, nem é o
que nos interessa no momento, contudo, um argumento simples pode ser dado no sentido da
negação das afirmações de Eisenstein: se as pessoas não são capazes de decodificar relações
15. Alexander Nevsky (U.R.S.S. - 1938). Música de Sergei Prokofiev. Em português é também conhecido por
Cavaleiros de Ferro.
16. Em Eisenstein, Sergei: O sentido do filme, pg. 102.
O Sonho de Eisenstein 55
sonoras puras, de que modo elas decoram as músicas que ouvem? Será que para cantarolar o
Parabéns a Você cada um de nós precisa antes remeter-se à sua imagem pessoal dessa música
e a partir dela recordar a melodia?17 Tudo indica que Eisenstein construiu sua premissa sobre
o conceito que o mais elementar senso comum possui a respeito do processo de comunicação
através da linguagem musical. E é a partir dessa premissa que ele fundamenta o seu método:
(...)Um compositor deve agir do mesmo modo quando pega uma seqüência
cinematográfica previamente montada: ele é obrigado a analisar o movimento
visual tanto através de sua construção abrangente de montagem, quanto da
linha estilística desenvolvida de plano a plano - até as composições dentro dos
planos. Ele terá de basear sua composição da imagem musical nesses
elementos.18
Tendo partido de tal premissa, Eisenstein acredita que exista, de fato, uma
correspondência entre os fatores plásticos do quadro e o movimento musical:
17. Não pretende-se aqui chegar ao extremo de dizer que não existe um processo de idéias associativas na
decodificação da linguagem musical, muito pelo contrário. O que se questiona é o conceito de imagem pictórica
que Eisenstein apresenta.
18. Idem, pg. 104.
56 Trilha Musical
Em certo sentido, chega a ser surpreendente que um cineasta com o conhecimento que
Eisenstein possuía sobre o seu ofício, tendo desenvolvido um trabalho tão meticuloso sobre as
técnicas de montagem, ou seja, tendo um domínio tão grande do princípio narrativo do
cinema e da importância do movimento para essa linguagem, tenha se fixado justamente em
uma premissa que põe aparte toda a questão do movimento natural do cinema, que é aquele
que ocorre pela sucessão de fotogramas e planos, para ater-se a um movimento presumível
interno à composição pictórica do quadro.
De tudo o que foi dito acima, podemos obter como síntese o seguinte: Eisenstein
possui os méritos de ter percebido que cinema e música são correlatos, enquanto linguagens
temporais e quanto aos princípios de construção de seus discursos; a partir desse
desenvolvimento temporal, ele incorporou o conceito de ritmo na articulação fílmica; ele
também foi um dos primeiros a perceber e a acreditar nas possibilidades narrativas do som e,
especialmente, da música no cinema, em um momento em que a grande novidade era
apresentar as pessoas falando na tela. Acima de tudo, ele foi um dos primeiros a perceber que
deve haver um princípio que rege as relações entre música e imagem nas linguagens
audiovisuais. Suas grandes falhas foram, em primeiro lugar, ter acreditado que houvesse um
sistema de correlações absolutas entre som e imagem, sendo que é quase impossível, sequer,
delimitar com clareza o conteúdo significativo de uma determinada música, pelo menos no
estágio em que se encontrava, e se encontra ainda hoje a nossa compreensão da linguagem
musical. Em segundo lugar, Eisenstein foi infeliz em sua opção pela supremacia do aspecto
plástico, pictórico, em detrimento da temporalidade, do ritmo, da articulação fílmica e da
progressão narrativa.
58 Trilha Musical
A maioria desses trabalhos apresenta uma síntese das funções que a trilha musical
pode exercer em relação à totalidade do filme. Normalmente, o critério para a elaboração
dessa síntese é o da indução: “música pode servir para...” Em The technique of film music,
encontramos a seguinte classificação20:
a) Música e ação
c) Música de época
e) Música de comédia
Em um trabalho mais recente, Film Music - A neglected art, é apresentada uma lista
de funções similar à anterior21:
e) Música pode prover a sustentação para a construção teatral de uma cena e então
arrematá-la com um sentido de finalização
Uma crítica que pode ser feita a tal tipo de abordagem é que esses tópicos de funções
estabelecem categorias que nos permitem classificar uma determinada passagem da trilha
musical de um filme, porém, elas não nos permitem delimitar o modo pelo qual essa música
se integra à narrativa desse filme. Será que uma música de época em vários filmes diferentes
exerce sempre a mesma função? Não ocorre nenhuma mudança no aspecto sígnico desse tipo
de música de um filme para outro? Será que o modo pelo qual a música de um filme pode
significar o não dito ou o não visto é sempre o mesmo?
A impressão que fica sobre esses trabalhos é a de que eles abordam a trilha musical
quase que exclusivamente sob o ponto de vista da música, e não do cinema. É como se a
música fosse algo que é colocado sobre o filme, e não algo que faz parte dele. Esse é um dos
maiores riscos que se corre ao tentar estudar a música do cinema, de repente, sem que se
perceba, estamos falando apenas de música e nos esquecemos do cinema. Nesse aspecto
Eisenstein foi muito sábio, pois procurou desenvolver seu método tendo sempre em mente o
signo audiovisual como uma unidade.
Em grande parte isso ocorre porque não existe ainda uma conceituação e uma
terminologia próprias à trilha musical, enquanto a música, ao contrário, possui uma
fundamentação teórica bastante clara e bem sedimentada. Sendo assim, torna-se muito
tentador explicar a trilha musical exclusivamente sob o ponto de vista da música. A teoria de
cinema, por sua vez, evita ao máximo aprofundar-se na questão, como se o significado de
cinema se confundisse com o de imagens em movimento, pura e simplesmente, reforçando a
idéia de que a trilha musical é um discurso paralelo ao filme e não parte integrante dele. E por
aí criou-se o círculo vicioso: o cineasta não fala da trilha musical porque não entende de
música e o músico volta todas as suas atenções às questões musicais porque não se sente
seguro para falar de cinema.
a) Invisibilidade: o aparato técnico da música não diegética23 não deve ser visível.
b) Inaudibilidade: a música não é destinada a ser ouvida conscientemente. Assim, ela deve
subordinar-se aos diálogos, às imagens - ou seja, aos veículos primários da narrativa.
d) Sugestão narrativa:
Como é possível notar, existem alguns pontos comuns entre esta última classificação e
as apresentadas anteriormente. Por exemplo, o princípio de continuidade já pode ser
encontrado na classificação anterior. A grande diferença, porém, reside no fato da autora ter
abandonado o sentido indutivo em sua análise, ou seja, o ponto de partida não é mais a
música serve para..., ela está à procura de uma classificação onde possam ser sintetizadas as
diversas implicações da música na narrativa fílmica.
A partir daí pode ser iniciada toda uma discussão, agora, sob o ponto de vista da
linguagem narrativa do cinema, e não de uma perspectiva puramente musical. Em outras
palavras, através das teorias específicas do cinema, é possível discutir a música como parte
integrante da narrativa fílmica.
um todo. Para ele não havia um discurso imagético e um discurso sonoro independentes, mas
um complexo audiovisual que só podia ser entendido enquanto somatória desses sistemas
sígnicos. Hoje, mais de cinqüenta anos após a publicação de seus trabalhos na área, a teoria de
cinema ainda não conseguiu resolver várias das implicações contidas nas questões por ele
apresentadas, e talvez ainda demore muito a fazê-lo. Assim, o sonho de Eisenstein ainda está
vivo, e continua a ser um sonho.
PARTE 2
MÚSICA E
ARTICULAÇÃO
FÍLMICA
Capítulo 4
A teoria dos gêneros tem sua origem na filosofia grega clássica. A primeira tentativa
de classificação das obras literárias por gêneros pode ser encontrada em Platão1 e,
posteriormente, na Arte poética de Aristóteles2. A partir da conceituação desses dois filósofos
a teoria desenvolve-se, chegando ao momento presente sob a forma de uma classificação
tríplice, sintetizada nos conceitos de Épico, Dramático e Lírico. Em essência, a teoria dos
gêneros procura classificar a obra literária segundo a maneira pela qual o poeta se posiciona
em relação a seu texto, e de que modo a sua presença se manifesta nessa obra.
O gênero dramático, por sua vez, é o gênero da ação presente por excelência. No texto
dramático o poeta se ausenta totalmente, deixando a ação a cargo de personagens que
dialogam e agem por conta própria, sem a interferência de nenhum mediador:
Para que o texto dramático se efetive, é imprescindível a sua atualização, que dá-se
por meio da ação representada no palco. Assim, pode-se dizer que o texto dramático tem
como objetivo final não a sua leitura, mas a representação, o espaço teatral, onde se dá essa
sua atualização. Os personagens devem se materializar através de atores, ganhar vida, dizer
seus diálogos em alto e bom som. Ao contrário da épica, a dramática coloca o público diante
de uma ação, ocorrendo à sua frente naquele momento, e que, portanto, não possui o caráter
de predeterminação. Enquanto a ação está ocorrendo, todas as saídas são possíveis.
Mas, e no que diz respeito ao cinema? Existe um gênero que explique o texto fílmico?
A partir do momento em que se constituiu como forma narrativa, o dado épico está na raiz do
gênero cinematográfico. A própria definição de épico de Anatol Rosenfeld parece ser uma
definição do cinema narrativo:
momento, a ação narrada é interrompida para que o narrador apresente um plano distinto onde
podem ser lidas as palavras correspondentes àquele diálogo que está sendo visto em silêncio.
Mas não é apenas nesse tipo de interferência objetiva que se manifesta o dado épico
do cinema. Em cada plano, em cada seqüência, está implícita a voz de um narrador. Christian
Metz se refere a essa característica do cinema, embora não fosse a sua preocupação discutir a
questão do gênero:
Assim, no cinema não é preciso que o narrador intervenha com deixas literárias como
“disse João”, ele simplesmente seleciona o plano de João falando e determina o lugar que ele
ocupará em determinada seqüência do filme. Por trás de tudo o que acontece na tela está a
mão do narrador, desde a seleção dos ângulos a serem filmados, a luz, cenários, figurinos, a
caracterização dos personagens, a montagem, a música. Enfim, tudo o que pode ser visto e
ouvido no produto final, que é o filme (tal como o assistimos no cinema), pode ser entendido
como texto e voz desse narrador.
à indústria cinematográfica, todos possuem uma parcela de sua criação. O autor da história
original (argumento), o roteirista, o desenhista de produção, o diretor de arte, o diretor de
fotografia, o compositor da trilha musical, o montador, o editor de som, os atores, enfim, toda
a equipe coordenada pelo diretor, que centraliza o processo de criação e confecção. Sem falar
do produtor, que na maioria dos casos tem um grau de autoridade tão grande quanto o diretor,
senão maior. De certo modo, a autoria no cinema poderia ser representada pela forma da
pirâmide. No topo encontram-se o diretor e o produtor, imediatamente abaixo os outros
membros da equipe de criação e assim por diante até a base. Essa pirâmide incluiria todos os
responsáveis, de uma maneira ou de outra, por uma parcela da criação do filme.
Mesmo em se tratando de obras literárias, a teoria dos gêneros não possibilita uma
classificação absoluta. Como está implícito em seu próprio nome, ela nos permite uma
classificação genérica das obras poéticas e não uma divisão estanque. A respeito disto, Anatol
Rosenfeld diz o seguinte:
identificar e cujos conflitos vivenciamos interativamente até que encontrem o seu desenlace.
O que é isto senão uma estrutura dramática clássica?
Mas ao contrário do teatro, a ação humana no cinema passa por vários filtros que lhe
retiram o caráter imediato: seleção da imagem que será filmada, filmagem fragmentada,
processo de laboratório, montagem, dublagem e pós-produção, etc. Ela já chega para nós
filtrada pelo ponto de vista do narrador. É por isso que o dado dramático no cinema é
adjetivo, posto que ele jamais pode ser isolado do dado substantivo épico.
É curioso notar como o fator dramático é tão importante para o gênero do cinema que,
ao longo de sua história, a indústria cinematográfica procurou sempre enfatizá-lo, bem como,
sempre procurou ocultar o fator épico. Isso pode ser notado em práticas comuns, tais como a
montagem invisível10, através da qual se obtém uma linearidade narrativa no filme, ou seja, os
recursos articulatórios que compõe o ferramental épico do narrador não devem sobrepujar o
desenvolvimento da narrativa; tanto quanto no gênero dramático, no discurso
cinematográfico, apesar de todas as evidências de sua presença, o narrador acaba
desaparecendo no fluxo narrativo. Ao menos na prática do cinema industrial norte-americano,
o público não deve ser requisitado a observar um determinado corte, ou um movimento de
câmera específico. O que importa é o significado desse corte no desenvolvimento da fábula, o
que ele significa em termos de progressão narrativa. Assim, procura-se criar a ilusão de que
aquilo que ocorre com os personagens na tela, esteja ocorrendo de fato, como se estivéssemos
diante de pessoas reais, em ações reais. Espera-se que o público vivencie o filme como obra
dramática, e não épica.
10. A montagem invisível é um princípio técnico característico ao cinema narrativo nos moldes holywoodianos.
Segundo tal princípio, o espectador não deve perceber conscientemente os cortes, enquadramentos, ou seja os
recursos articulatórios usados para compor o filme. Espera-se que toda a atenção esteja voltada para o
desenvolvimento da narrativa, do enredo, como popularmente dizemos.
74 Trilha Musical
Neste ponto, é importante fazer uma distinção entre o cinema e as obras dramáticas
tradicionais. O ponto de partida do espetáculo teatral é o texto. O texto dramático traz, no
máximo, indicações das intervenções musicais. Assim, a música no drama tradicional é um
elemento que está ligado ao espetáculo e não à escritura da obra. A cada montagem de um
Trilha Musical e a Teoria dos Gêneros 75
determinado texto dramático, assistimos a um novo espetáculo, uma nova atualização desse
texto, com seus cenários, figurinos, atores e música particulares. Mesmo quando existam
indicações musicais mais precisas, como no caso dos textos que apresentam partituras, a cada
montagem mudam-se os músicos, os arranjos, enfim, o que vemos é uma nova leitura do
material musical original.
O roteiro cinematográfico, por sua vez, não possui o grau de precisão do texto
dramático para o teatro. Ele serve apenas como ponto de partida que orienta a produção do
filme. A partir do momento em que o filme esteja realizado ele perde a sua função, ao
contrário do texto teatral, que é o que subsiste para futuras montagens. O filme será sempre o
mesmo a cada atualização, para se fazer uma releitura de um filme, é preciso fazer um outro
filme, um remake. O “texto” do filme é o próprio filme e a trilha musical faz parte desse
“texto”.
Isso faz com que o cinema tenha um parentesco com a ópera, fato que muito se
comenta mas que foi muito pouco aprofundado pelos teóricos e críticos de cinema. Guardadas
as devidas proporções, tanto na ópera como no cinema a música é um fator primordial na
estrutura da obra, participando integralmente de sua construção dramática. Há, é claro, várias
distinções indiscutíveis, mas já foi dito que o cinema realiza o sonho de Wagner da obra de
arte total, um sonho que nasceu no âmbito da ópera.
Capítulo 5
A ARTICULAÇÃO ÉPICA
Uma das piadas clássicas da história da trilha musical de cinema originou-se durante a
produção do filme Um Barco e Nove Destinos1, dirigido por Alfred Hitchcock. Conta-se que
durante as filmagens, Hitchcock teria feito o seguinte comentário2:
Por trás da ironia, a malícia da resposta de David Raksin conota a sabedoria de quem
conhece o seu ofício. Como grande compositor de música para o cinema, ele já havia
percebido que a trilha musical obedece a leis similares àquelas que regem todos os outros
fatores responsáveis pela articulação fílmica. Poucas vezes alguém se preocupa em saber onde
a câmera foi colocada para a obtenção de um determinado efeito. A pressuposição de que sem
a câmera não existiria o filme é tão banal que ninguém se preocupa em questioná-la. O
mesmo se dá no que diz respeito à montagem. Ninguém espera que um filme seja construído
inteiramente em plano-seqüência. A pressuposição de que para se articular a narrativa fílmica
é preciso que haja cortes e junções de planos é tão clara para o profissional, e tão sedimentada
no referencial do público, que há muito já deixou de ser uma questão relevante para a
discussão teórica.
A troca de “farpas” entre Hitchcock e Raksin ilustra bem o fato de que o cinema
demorou mais tempo para compreender que a trilha musical faz parte do grupo de fatores
articulatórios acima citados. Em grande parte isso advém de um certo preconceito que data
dos primeiros anos do cinema sonoro, quando acreditava-se que a música interferia na ilusão
de realidade do filme, por isso ela deveria sempre ser justificada de alguma maneira na ação
filmada3.
Uma observação detalhada mostra que esse preconceito tem uma explicação histórica.
De certo modo, a trilha musical, enquanto instrumento narrativo, passa por uma evolução
similar à dos outros fatores articulatórios, porém com uma grande defasagem no tempo.
Durante todo o período do cinema mudo, a preocupação do cineasta em relação à música de
seus filmes era muito pequena ou, no mínimo, distante. A música se torna um instrumento de
articulação fílmica, de fato, com a introdução do som sincronizado. Assim sendo, quando o
cinema adquire maturidade técnica para empregar a linguagem musical em todo o seu
potencial narrativo, os outros fatores de articulação, como a montagem, por exemplo, estão há
muito consolidados.
Aí, surge a pergunta: por que a trilha musical gerou esse preconceito e os diálogos e
sons naturalistas não? Em vista desta questão, é preciso que se faça uma distinção: diálogos e
sons naturalistas são elementos do modo realista. Não há nada de especial em assistir a uma
pessoa falando, ou ouvir o som de uma porta batendo, quando a porta que vemos nas imagens
se fecha. Isso já faz parte do referencial do público a priori. Mas os fatores articulatórios do
modo não-realista despertam sempre um questionamento, quando se parte da ótica realista. O
modo realista tende a ser aceito sem muitos problemas, enquanto o modo não-realista demora
algum tempo para ser incorporado ao referencial do público.
A trilha musical não foi a única a passar por esse processo, até ser incorporada ao
referencial. Veja, por exemplo, este interessante relato de Erwin Panofsky sobre as seções de
cinema no início do século XX em Berlin:
voce, “agora ele pensa que a mulher está morta mas tal não acontece”, ou
“Não quero ofender as senhoras do público, mas duvido que alguma fizesse
tanto pelo filho”.4
Se nos colocarmos na posição do público nesses primeiros anos, veremos que tal
dificuldade em entender a nova linguagem era bastante compreensível. O sistema de
codificação da narrativa fílmica apresentava-se bastante complexo. E quanto maior fosse a
sofisticação do público em relação ao código narrativo do cinema, tão maior seria o número
de recursos narrativos à disposição do realizador de filmes. O público de hoje poucas vezes se
apercebe disso porque está muito habituado à narrativa fílmica, mas isso é resultado de um
amadurecimento do público de cinema que já dura mais de um século.
Caso o cinema tivesse sido sonoro desde a sua origem, é possível que a trilha musical
tivesse evoluído concomitantemente aos outros fatores narrativos. Mas a defasagem no tempo
que existiu entre a consolidação dos aspectos imagético e sonoro da narrativa fílmica criou
uma série de equívocos sobre a função da trilha musical nessa narrativa.
No período do cinema mudo a música era tratada pela indústria como um acessório do
filme, como algo que acontecia paralelamente no momento da exibição. Ela não era vista
como um recurso de linguagem, apesar da imensa importância que teve na consolidação do
cinema perante o público.
Da mesma maneira que o referencial do público se sofisticou, com o passar dos anos,
em relação aos recursos articulatórios do modo não-realista, também no que diz respeito à
trilha musical pode-se notar uma evolução similar. Ninguém se importa em saber de onde
vem aquela música, se a sua fonte tem alguma explicação na ação filmada ou não, da mesma
maneira que ninguém se surpreende quando um corte lança um personagem no futuro ou no
passado. Em última instância, o que importa para esse público é o resultado narrativo e o seu
efeito estético no filme como um todo.
outros elementos. Tudo se resume ao sentido narrativo, e em função dele deve ser feita a
opção. Ele é o ponto de fuga que coordena o equilíbrio de todos os fatores articulatórios.
Uma determinada passagem musical de um filme será tanto mais épica, quanto mais
ela se caracterizar como interferência do narrador na narrativa.
5. O naipe de metais na orquestra sinfônica tradicional é composto pelos seguintes instrumentos: trompas,
trompetes, trombones e tubas.
6. O uso dos instrumentos de metal para delinear figuras importantes possui uma longa história, que remonta à
renascença, quando eram usados para indicar a presença da nobreza, sendo assim muito usados nas aberturas de
obras dramático-musicais. A prática dos anos trinta confere ao produtor do filme uma aura de aristocrata,
diferenciando-o do restante da equipe que realizou o filme. Um bom exemplo dessa prática é a abertura do filme
King Kong (E.U.A. - 1933).
7. Aqui o termo gênero é usado em sua acepção mais popular, qual seja, aquela pela qual dizemos que um filme
é do gênero western, ou policial, ou mistério, e não no sentido da teoria dos gêneros.
8. Gone With The Wind (E.U.A. - 1939). Música de Max Steiner.
82 Trilha Musical
Uma outra característica curiosa do tema musical de E O Vento Levou é que, apesar
de não possuir letra, ele é construído de forma que o título se encaixa perfeitamente na linha
melódica do motivo principal. Tal característica faz com que a associação subliminar entre o
tema musical e o título do filme se torne muito mais objetiva, assim como uma canção, que
mesmo sendo executada apenas por instrumentos traz à memória do ouvinte o seu texto
poético.
Uma das canções de maior sucesso nesse período foi a balada Do Not Forsake Me Oh
My Darling, composta por Dimitri Tiomkin9 para o filme Matar ou Morrer10. Segundo
consta, o sucesso público dessa canção foi o responsável pelo início da epidemia de “febre da
canção” do início dos anos cinqüenta.
(...)
No caso da tragédia grega, essa impessoalidade também pode ser encontrada no coro,
e o recurso cênico usado para obter-se esse efeito é o da somatória das vozes. Muitas pessoas
dizendo um mesmo texto simultaneamente tornam esse texto impessoal, como o comentário
de uma consciência que está acima dos fatos narrados: a consciência do narrador. No cinema
o recurso do coro também é usado. Um bom exemplo é o filme Suplício de Uma Saudade11,
onde a canção tema, Love Is a Many Splendored Thing - que viria a se tornar, também, um
grande sucesso junto ao público - é cantada por um coro de grande porte e tem o aspecto de
quase que uma reflexão sobre o conteúdo do filme, porém é feito por um ponto de vista
exterior a ele. Nesse caso, a semelhança com o coro da tragédia grega é bastante grande.
O poder descritivo da canção é muito grande, pois ela traz em si associados o discurso
musical e o texto poético verbal. Ela permite que se faça um comentário que possui, ao
mesmo tempo, um grau de objetividade maior que o da linguagem musical pura, e a
expressividade da música e do texto poético.
Pelo que foi dito acima, pode-se deduzir que o grau de interferência épica da canção
tende a ser muito maior do que o da música instrumental. O fato da canção possuir um texto
poético, de associar a linguagem musical a palavras, faz com que a sua introdução no filme
direcione para ela uma parcela muito maior da atenção do espectador do que aquela
requisitada em uma intervenção puramente musical.
Mas se a canção é um recurso narrativo tão poderoso, por que os compositores tem
tanta resistência em relação a ela?
A resposta para a questão acima pode estar no fato de que utilizar a canção como
interferência épica requer um cuidado muito grande. De certo modo, a canção interfere
demais no universo da narrativa. Ela surge como uma voz exterior a esse universo,
11. Love Is a Many Splendored Thing (E.U.A. - 1955). Música de Alfred Newman.
A Articulação Épica 85
comentando o que ali se passa. Momentaneamente, o espectador deixa de ser envolvido pela
narrativa e vê-se em posição de avaliá-la. Quando isso é feito indiscriminadamente corre-se o
risco de perder o fio-condutor do discurso.
Em síntese, o que os depoimentos acima revelam é que a canção não pode ser
apresentada em qualquer momento do filme. Não deve-se partir do princípio que exista um
determinado lugar no filme para se usar uma determinada canção, simplesmente para que ela
86 Trilha Musical
penetre nos ouvidos do público e se torne um sucesso12. Obviamente, também não é possível
simplesmente pôr de lado os interesses dos estúdios no mercado fonográfico: normalmente
esses interesses são muito mais fortes que os poderes do compositor da trilha, ou mesmo que
os do diretor do filme.
Mesmo que o objetivo seja o de que a canção “roube a cena”, isso pode ser feito de
modo que ela se insira no contexto narrativo do filme, caso contrário, o efeito pode ser o
inverso do esperado. Corre-se o risco de cair no ridículo, na ininteligibilidade, ou prejudicar a
progressão narrativa, o que, inevitavelmente, resulta em uma queda de qualidade do filme
como um todo e diminui o impacto da canção propriamente dita, podendo, inclusive,
prejudicar o sucesso de ambos junto ao público.
O filme Álamo13, dirigido por John Wayne possui uma seqüência que faz uso da
canção como interferência épica cujo resultado é pouco eficiente, apesar da trilha musical ser
assinada por um verdadeiro mestre em trilhas de westerns, Dimitri Tiomkin, o mesmo
compositor que havia assinado a trilha musical de Matar ou Morrer. A parte final desse filme
narra os últimos momentos do forte Álamo, antes da grande batalha com o exército mexicano,
da qual, sabidamente, não haverá sobreviventes. Frente à morte inevitável, os conflitos
pessoais e psicológicos de cada personagem vêm à tona. Há diálogos, monólogos, reflexões,
redenções, enfim, o caráter dramático da seqüência é muito acentuado. Nessa seqüência, foi
colocada a canção Green Leaves of Summer (que também viria a se tornar um grande
sucesso nos anos sessenta) cantada por um coro de grande porte. A interferência épica da
canção prejudica o contexto dramático da seqüência. Ela passa a interferir nos diálogos. Sua
textura musical uniformiza as mudanças de caráter emocional da ação, diluindo as sutis
variações implícitas no texto de cada personagem. Em suma, todas as reflexões ali
apresentadas se perdem sob o poder de uma voz mais forte, que não compactua com a
dramaticidade específica daquele momento da narrativa.
12. Exemplos dessa prática de uso indiscriminado da canção, apenas com fins comerciais podem ser encontrados
em diversos filmes e seriados produzidos especificamente para a televisão. No Brasil, essa prática é comum nas
trilhas musicais das novelas de televisão, que em sua grande maioria têm a trilha musical construída com
músicas das paradas de sucessos e cujo objetivo é, antes de tudo, a vendagem dos discos, cassetes e CD's da
trilha sonora.
13. The Alamo (E.U.A. - 1960). Música de Dimitri Tiomkin.
14. Butch Cassidy and the Sundance Kid (E.U.A. - 1969). Música de Burt Bacharat.
A Articulação Épica 87
interrompida para que seja ouvida, na íntegra, a canção Raindrops Keep Falling On My
Head. A seqüência é quase um video-clip da canção, que a partir do filme viria a se tornar um
imenso sucesso no mercado fonográfico. O fato da ação ser interrompida para a apresentação
da canção também suscitou críticas por parte dos defensores da tradição da trilha musical de
cinema:
Um exemplo que consegue equilibrar esses dois polos, ou seja, fazer da canção uma
interferência épica que não interrompa o desenvolvimento da narrativa e, pelo contrário,
contribua com ele, pode ser encontrado no filme Ensina-me a Viver15, lançado em 1972, num
período em que a música pop era a tônica da indústria cinematográfica16. A seqüência final
desse filme cria uma ação paralela em dois tempos diferentes. Em um dos tempos vê-se a
entrada de Maud (Ruth Gordon) no hospital e o desespero de Harold (Bud Cort) que tenta,
em vão, evitar que a sua tentativa de suicídio leve efetivamente à sua morte. Paralelamente
vê-se Harold em seu carro, dirigindo em alta velocidade em uma estrada deserta,
completamente transtornado. Em cada um dos planos do hospital o espectador já sabe que
Maud não sobreviverá, pois já está acompanhando a ação seguinte à sua morte. Tudo isso
ocorre ao som da voz de Cat Stevens. O dado relevante nessa seqüência é o de que a ação
dramática existe, mas lhe foi subtraída toda a sonoridade17. Embora vejamos as pessoas
conversando e toda a agitação característica ao hospital, não podemos ouvir o que elas estão
dizendo, tudo se passa como se fosse um filme mudo, com seu acompanhamento musical.
Desse modo, a narrativa incorpora a canção e não é interrompida por ela. Não foi necessário
interromper a ação e a progressão dramática para que se introduzisse a canção. A canção
explicita a voz do narrador, que fala através dela.
A música tem o poder de penetrar no universo da narrativa e coexistir com a ação, sem
que isto seja prejudicial à clareza e inteligibilidade dessa ação. A extrema flexibilidade da
linguagem musical também permite que essa penetração no universo narrativo se dê em uma
gama muito variada. A música pode ser introduzida paralelizando a ação, comentando-a, tal
como ocorre na técnica do mickeymousing, ou ela pode estar ligada a fatores articulatórios
como o corte. Sua duração, andamento e atividade rítmica podem ser a duração e o ritmo de
um plano, da sucessão de planos, de uma seqüência ou de um único gesto. Ela pode ocupar o
espaço sonoro vazio entre as várias falas de um diálogo, ou ainda servir apenas como uma
textura sonora que permeia uma determinada passagem do filme sem que sequer nos
apercebamos de sua existência.
17. Sobre esse tipo de construção, ver também capítulo 6 deste trabalho: O USO DRAMÁTICO DO
SILÊNCIO.
A Articulação Épica 89
se funde aos outros elementos que compõe a paisagem. Da mesma maneira, a intervenção
musical pode ocupar diversos “planos” do espaço sonoro. Há momentos em que ela nos é
apresentada em “primeiro plano”, ocupando quase que a totalidade do espaço sonoro. Em
outras ocasiões ela se oculta, quase não pode ser ouvida, mas, lá de longe, vai costurando a
ação. Às vezes uma dessas melodias perdidas lá no último plano da dimensão sonora é
resgatada, cresce em volume, passa a ocupar todo o espaço sonoro, algo como uma
aproximação musical.
A música é uma das vozes do narrador. Talvez não a mais objetiva, mas com certeza
uma das que possuem maior penetração e, talvez, a mais sugestiva. A música permite que o
narrador intervenha na narrativa sem a objetividade da palavra, o que torna essa intervenção
muito mais sutil e, em muitos casos, mais eficiente do que ela o seria se ele fizesse uso de
outros recursos. Em suma, há coisas que não podem ser ditas apenas com música, mas há
coisas que só a música pode dizer.
Mas existe uma diferença na base da concepção muda do cinema em relação ao que
vemos acontecer no cinema a partir do advento do som sincronizado, que é o fato de a partir
de então música e imagem poderem interagir diretamente. Pode-se dizer que hoje, a música é
um elemento da articulação da narrativa e que o mesmo não acontecia no cinema mudo.
Do mesmo modo que a música se relaciona com o corte, ela também pode ser
responsável pela organização das grandes unidades do filme, de seqüências ou de seções
narrativas em sua integridade.
É possível perceber o quanto os filmes que possuem um caráter épico muito acentuado
fazem uso com bastante frequência de construções de longa duração erigidas com base em
uma estrutura musical sólida. Especificamente, aquilo que de maneira coloquial habituou-se a
chamar de filme épico, ou seja, os filmes históricos, as grandes sagas e os filmes bíblicos,
chegam a abusar desse tipo de construção. São grandes cavalgadas, peregrinações pelo
deserto, legiões romanas a caminho da batalha, escravos subjugados, narrados com
grandiosidade e forte dose de apelo emocional. À música cabe sustentar esse apelo emocional
e a grandiosidade da narrativa, que, em muitos casos, não teria a mesma eficiência sem ela.
Uma caravana que cruza o deserto em silêncio pode ser algo extremamente entediante. Em
tais situações, a música se constitui em uma das principais vozes do narrador.
De fato, é comum encontrarmos seqüências inteiras de filmes que vistas sem a sua
respectiva música contribuem muito pouco para o desenvolvimento da narrativa, ou seja,
possuem um grau de informação muito pequeno.
A EVOLUÇÃO DO MICKEYMOUSING
Originalmente o termo mickeymousing diz respeito à técnica de composição pela qual
a música acompanha a ação descritivamente, ilustrando-a e comentando-a. É a técnica usada
nos desenhos animados tradicionais, onde a forma, ritmo, andamento e até mesmo a estrutura
melódica e harmônica da música estão subordinadas aos seus correspondentes imagéticos19.
19. A título de exemplificação da técnica de mickeymousing em desenhos animados, ver animações clássicas,
tais como os filmes de Tom & Jerry.
20. Exemplos de mickeymousing em filmes dramáticos podem ser encontrados em grande quantidade em filmes
da década de trinta.
A Articulação Épica 93
Isso é possível porque a percepção humana se relaciona com o tempo também de dois
modos distintos. Um deles é o tempo cronológico, que tomamos consciência quando
observamos as mudanças de segundos em um relógio, por exemplo. O segundo é o tempo
psicológico, que constantemente subverte a nossa percepção do tempo cronológico e vive nos
pregando peças. Quantas vezes, concentrados em uma atividade qualquer, não tomamos um
susto quando olhamos para o relógio e vemos que muitas horas se passaram sem que nos
21. Entende-se aqui por comentário timbrístico o tipo de intervenção de um determinado timbre com uma
finalidade ou significado específico. Por exemplo, no mickeymousing tradicional é comum encontrarmos
passagens onde um trompete com surdina é usado para fazer um comentário de comédia, como se parodiasse um
riso irônico. Imita-se uma gargalhada com uma escala cromática descendente com portamento em cada uma das
notas em um clarinete. O fagote é usado para sublinhar personagens cômicas, gordas ou desajeitadas.
94 Trilha Musical
déssemos conta disso. Em outras ocasiões temos a impressão de que muito tempo foi perdido
em determinada atividade e quando vamos conferir, vemos que passaram-se apenas alguns
minutos.
Andamentos lentos e pouca atividade rítmica tendem a criar uma sensação de que o
relógio foi retardado. Muita coisa pode acontecer entre um pulso e outro. Eles podem ser
usados tanto no sentido de criar uma atmosfera de placidez, calma, como na obtenção do
suspense, de algo que demora mais a acontecer do que deveria, de uma ação que não se
resolve.
O exemplo clássico desse tipo de construção, que pode ser encontrado em inúmeros
filmes é o da bomba-relógio. A bomba está armada e o “herói” possui apenas dez segundos
para desarmá-la. Alternam-se planos dos personagens aflitos e da bomba, onde é possível ver
cada um dos segundos se escoando. Entre um plano e outro da bomba decorrem cinco, dez
segundos na contagem do tempo real, mas quando a bomba é mostrada novamente, apenas
dois segundos se passaram em seu cronômetro. O tempo é dilatado para aumentar a
intensidade emocional e o efeito dramático da cena. Nesse tipo de estrutura a música
normalmente tem um pulso bastante definido, que funciona como “pêndulo” do relógio
psicológico. O ritmo contribui para esse sentido de contagem acelerada de tempo. Figuras
rítmicas que reforçam o pulso e motivos em ostinato23 ajudam a reforçar a tensão da cena,
bem como transmitem a sensação de que o tempo se esgota muito rapidamente.
Nos aspectos melódico e harmônico da música a tensão inerente a tais passagens pode
ser enfatizada também através de unidades repetitivas e construções melódicas e harmônicas
que possuam pouca conclusividade ou direcionalidade. Progressões harmônicas e melodias
cujo sentido tonal seja muito claro costumam subtrair uma parcela do suspense necessário ao
efeito psicológico de tais passagens. A direcionalidade do discurso musical, tal como ocorre
na linguagem tonal, onde as progressões harmônicas e as frases melódicas possuem começo,
meio e fim claramente delimitados, permitem ao ouvinte uma decodificação dessa
direcionalidade que leva à previsão do desfecho do discurso e, conseqüentemente, antecipa o
desfecho da ação dramática, que deve ser preservado. Construções musicais repetitivas,
cíclicas, ou que subvertam a lógica direcional do discurso, reforçam o sentido de indefinição
do desfecho da ação e contribuem para que, enquanto ela ocorre, o público possa a todo
momento se perguntar: “será que ele vai conseguir?”.
23. Ostinato: do italiano, obstinado. Em música significa o tipo de construção que faz uso de uma unidade
musical que se repete continuamente, pode ser um motivo ou uma frase.
96 Trilha Musical
24. Os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of The Lost Ark - E.U.A. - 1981). Música de John Williams.
A Articulação Épica 97
cumpra a sua função de incrementar a tensão da cena e criar o ilusão de que tudo se passa
muito rapidamente, sem chamar para si mais atenção do que a ação propriamente dita.
A percepção temporal pode ser manipulada com fins narrativos também no sentido
inverso, ou seja, o de condensar em muito pouco tempo uma ação que demoraria muito para
acontecer em tempo real. O tipo mais simples de contração de tempo é aquele que
encontramos com frequência em filmes onde o personagem há um personagem atleta, por
exemplo, um jogador de futebol. Obviamente, é impossível apresentar no filme um jogo
completo do personagem. Assim, o que se faz, na maioria dos casos, é alternar planos do
personagem jogando com outros da torcida e do placar, favorável ou desfavorável a essa
personagem. Com isso, cria-se a ilusão de um jogo completo e a percepção relativa de tempo
aceita tal passagem como verossímil na narrativa.
25. Who Framed Roger Rabbit (E.U.A. - 1988). Música de Alan Silvestri.
26. Instrumento de metal da família dos fliscornos cujo formato, tessitura e timbre se assemelha muito ao do
trompete, com a diferença de ser menos brilhante e mais aveludado. Em jazz é muito usado como substituto do
trompete como instrumento solista, especialmente em passagens lentas.
98 Trilha Musical
Retorna o solo de flügelhorn. Vê-se a mesa do irmão com seus objetos de detetive sobre ela,
empoeirados. Sem que haja corte a câmera caminha sobre velhos jornais, que apresentam
manchetes dos casos resolvidos pelos irmãos Valiant, uma foto da formatura na academia de
polícia, e uma última foto dos dois com a namorada de Eddie. Completando o movimento
circular, a câmera chega novamente a Valiant, agora caído sobre a mesa e tendo ao seu lado a
garrafa vazia. A música conclui-se com um ralentando. Percebe-se que muitas horas se
passaram.
Um outro exemplo de contração de tempo que vale a pena ser citado é aquele que
ocorre em Cidadão Kane27, de Orson Welles. Há nesse filme um flash-back onde toda a
relação de Kane (Orson Welles) com a primeira esposa é sintetizada em apenas dois minutos,
através da fusão de planos de diversos momentos dessa relação, sempre à mesa do café-da-
manhã. São apresentados seis momentos, cada um acompanhado por uma passagem musical
diferente. É interessante notar como a música acompanha o desgaste da relação do casal.
Herrmann se utiliza de um único motivo temático, de apenas quatro notas, que se transforma a
cada vez que é introduzido um novo momento da ação. Inicialmente ele é apresentado em
tempo de valsa, com um caráter tranqüilo e romântico, ambos estão ainda apaixonados. O
segundo momento é mais jocoso, menos romântico, ainda há intimidade, mas a ironia é maior,
percebe-se a infidelidade de Kane, a música ilustra o caráter jocoso da cena com movimentos
rápidos nas madeiras. O terceiro momento é mais tenso, mais agressivo, mas eles ainda
dialogam, a tensão na música também cresce. No quarto momento a ironia e o descrédito na
relação de ambos é explícito, os ataques na música são mais agressivos e cresce o caráter de
mistério. O quinto momento, bastante curto, apresenta apenas uma resposta ríspida de Kane à
observação da esposa sobre comentários alheios, cai o andamento da música, cresce a tensão.
Finalmente, no último momento, os dois não se falam mais, apenas lêem o jornal e o motivo
musical é apresentado em andamento bastante lento, sobre um acompanhamento repetitivo.
Durante toda a seqüência, a dissonância na música cresce no mesmo sentido da “dissonância”
na relação do casal. A compartimentação em momentos bem distintos informa o público das
mudanças de fases do casamento e contribui para o seu entendimento, impedindo que se
confunda um momento com outro. Um outro dado curioso é que Herrmann passa por diversos
estilos musicais, partindo da valsa, característica ao período romântico, cujo simbolismo está
ligado à idéia da relação amorosa bem sucedida, ele chega no último momento a um tipo de
construção característica da música do século XX. Ao mesmo tempo, o uso de um único
motivo temático confere unidade a toda a seqüência.
verdade. A música pode, no máximo, preencher uma parcela desse vazio e amenizar a
catástrofe, mas ela não é capaz de suprir o vazio de conteúdo dramático de um filme.
Em vista disso, vale dizer que a música, como todos os outros fatores de articulação
do filme, não pode ser usada apenas para mostrar os recursos musicais de uma determinada
produção, ou por seu apelo junto ao público. Tal procedimento é prejudicial tanto para o filme
como para a música, por melhor que ela seja. É preciso que a trilha musical se insira no
contexto dramático do filme e que seja usada para articulá-lo, com vista ao melhor resultado
que se possa obter na narrativa.
Capítulo 6
A ARTICULAÇÃO DRAMÁTICA
muitas ocasiões, é substituído por recursos articulatórios não verbais. Como vimos no
capítulo anterior, a música faz parte desse conjunto de recursos articulatórios, e como tal, se
insere nessa dramaturgia específica, interagindo com o texto falado e, em muitos casos,
exercendo a função que caberia a ele no drama tradicional.
O DRAMA NO CINEMA
Em um certo sentido, o tipo de música que mais se insere no contexto dramático é a
inserção musical de caráter naturalista, aquela cuja fonte pode ser identificada como parte da
ação. O fato do espectador poder visualizar a fonte da música no filme justifica a existência
dessa música e diminui o seu caráter de interferência épica. É possível notar, inclusive, que os
filmes que são articulados com uma grande ênfase no aspecto dramático, especialmente
aqueles que são baseados em textos dramáticos originalmente escritos para o palco e nos
quais procura-se manter a fidelidade às peças originais, o uso de intervenções musicais épicas
costuma ser bem reduzido1. A interferência épica da música tende a transformar o drama em
melodrama.
Um filme onde esses dois universos, o épico e o dramático, são postos um ao lado do
outro, tendo na música um importante fator de distinção entre ambos, é Testemunha de
Acusação2. Baseado em uma peça de Agatha Christie, a trama do filme se arma a partir de
uma acusação de assassinato contra Leonard Vole (Tyrone Power). Curiosamente, a
principal testemunha da acusação é Christine (Marlene Dietrich), a própria esposa de
Leonard. Sempre que a ação se encontra no presente, não há nenhum tipo de intervenção
musical, e a progressão dramática se desenvolve de modo muito róximo ao que ocorreria no
palco. Mas os recursos próprios ao cinema são usados para ilustrar partes do texto,
especialmente através de flash-backs, e acompanhados por intervenções musicais. Assim,
nesse filme pode-se distinguir, através da música, a parcela que corresponde ao texto
dramático original, da parcela correspondente aos recursos específicos da narrativa fílmica.
1. Alguns exemplos de filmes com muito pouca ou nenhuma música são: Os Desajustados (The Misfits - E.U.A.
- 1961), Quem Tem Medo de Virginia Woolf (Who's Afraid of Virginia Woolf - E.U.A. - 1966), ambos com
trilha musical assinada por Alex North, A Última Sessão de Cinema (The Last Picture Show - E.U.A. - 1971).
Não podemos nos esquecer, também, de Festim Diabólico (Rope - E.U.A. - 1948).
2. Witness For The Prosecution (E.U.A. - 1957). Música de Matty Malneck.
A Articulação Dramática 103
música que é tocada pela orquestra é o tema musical dessa personagem; ou quando a música,
apesar de inserida na ação, é usada para fazer um comentário dessa ação, e assim por diante.
Com isto, resta a questão: de que modo a intervenção musical não justificada na ação insere-
se no contexto dramático do filme?
As respostas para estas questões são muito simples. Em primeiro lugar, se existe
música em um filme ela está lá para ser ouvida, caso contrário não teriam se dado ao trabalho
de colocá-la. Em segundo lugar, se uma determinada música foi escolhida é, ou ao menos
deveria ser, porque ela proporciona um determinado resultado que se espera daquela
passagem do filme.
Contudo, se tais máximas são tão conhecidas e freqüentemente usadas pelo efeito que
provocam, deve haver algo por trás delas que justifique o seu sucesso. É possível notar, por
exemplo, que na origem de tais premissas se esconde um certo desconhecimento, ou
inobservância dos modos pelos quais recebemos e processamos a informação musical.
Há, basicamente, dois modos de se ouvir música4. O primeiro deles é aquele que
poderia ser classificado como audição intelectual, que é aquele tipo de audição onde toda a
nossa atenção volta-se para o discurso musical. É através desse tipo de audição que tomamos
consciência do desenvolvimento temático da música, de suas relações estruturais, sua
organização formal, etc. É um tipo de audição que exige uma participação interativa do
ouvinte com a música e quanto maior for o seu conhecimento da linguagem musical, maior
será o número de relações sonoras que ele será capaz de perceber e decodificar.
Estes dois modos de audição são possíveis porque a linguagem musical também
possui duas qualidades distintas. Uma delas é o seu aspecto estrutural, o modo pelo qual se
organiza o discurso musical. É através dessa estruturação que somos capazes de perceber
relações rítmicas, melódicas, harmônicas, contrapontísticas, formais, timbrísticas, etc. O
segundo aspecto da linguagem musical, mais subjetivo, está ligado ao poder de envolvimento
sensorial da música. Mesmo sem ouvir atentamente uma música, ou sem termos
conhecimento das relações estruturais nela presentes, podemos dizer que essa música nos
tocou, ou que provocou uma resposta emocional específica.
É esta última característica que permite que a música seja usada como informação
subliminar. Da mesma maneira que podemos executar uma atividade qualquer ouvindo
música, sem que a nossa concentração no que estamos fazendo diminua, também podemos
receber informação musical associada a outros tipos de informação. Isto não quer dizer que
não ouvimos a música, mas sim, que ela é ouvida mais em seu aspecto sensorial do que
estrutural.
Assim, quando se diz que a música de um filme não deve ser ouvida, ou que não
devamos perceber a sua existência, mas apenas da sua ausência, devemos entender isto como:
ser humano. Ouvir música, assim como ocorre com todas as formas de expressão artística, possui algo de
mágico e intangível que qualquer classificação teórica tende a “pasteurizar”. Ainda assim, a classificação aqui
apresentada é extremamente útil para podermos entender a maneira pela qual a música é utilizada pelo cinema,
pois é fato que a música possui uma característica que a distingue de outras formas de expressão artística, que é
o fato dela poder ser ouvida não como ato intencional do ouvinte. Foi essa sua característica que permitiu a
disseminação do “Musak”, a música produzida para ser tocada em escritórios e supermercados. Para vermos um
quadro, um filme, uma peça de teatro, é necessário um ato voluntário de nossa percepção consciente. Para
ouvirmos música, não.
A Articulação Dramática 105
no cinema, a ênfase não está, primordialmente, no aspecto estrutural da música, mas sim no
resultado que ela provoca em nossa percepção enquanto impacto sensorial.
Isto não quer dizer, de modo algum, que não seja possível utilizar construções
musicais sofisticadas e estruturas complexas no cinema. Mas é preciso ter claro que o fato de
utilizar-se desses recursos musicais complexos não garante a eficiência da música nos filmes.
A música, quando se insere no contexto dramático, não pode ser ouvida com o mesmo grau de
consciência que a ouvimos em um concerto. O seu aspecto intelectual é posto em segundo
plano e o que resta, em última análise, é o efeito provocado por essa música naquele contexto
específico.
Nesse sentido, a trilha musical de cinema, em sua forma tradicional, é tão “inaudível”,
quanto a montagem é “invisível”, ou seja, assim como na técnica da montagem invisível os
cortes são pensados de forma a que o público não tome consciência deles, também a música
deve ser pensada de forma que o público não a perceba como elemento principal em suas
intervenções no filme. Ambas são recursos épicos postos a serviço da estrutura dramática.
Em essência, isto quer dizer que o contexto dramático deve, acima de tudo, conservar
a sua autonomia ou, como disse Rosenfeld:
A citação acima refere-se ao drama em sua forma pura, no teatro. Como vimos, o
cinema não é uma forma dramática pura, pois jamais se desvencilha de seu aparato narrativo.
Contudo, o conceito de ilusão de realidade, tão presente no cinema comercial, visa
justamente forjar a impressão de que o contexto dramático do filme é autônomo e que se
desenvolve por si só. A ilusão de realidade, obtida através da montagem invisível e da música
inaudível, é uma característica da dramaturgia específica ao cinema.
O conceito de unidade de ação é revisto por Hegel e converge para aquilo que
entendemos por conflito. Falando sobre os conceitos hegelianos, Renata Pallottini diz o
seguinte:
(...) Uma ação, desencadeada por uma vontade, que tem em mira um
determinado objetivo colide com:
a) interesses,
b) paixões,
(...) A criação do interesse e do suspense8 (em seu sentido mais lato) está por
trás de toda construção dramática. Expectativas precisam ser despertadas,
mas nunca satisfeitas antes do momento final. (...) a ação precisa parecer
estar, a cada momento, chegando mais perto de seu objetivo, porém sem
atingi-lo de forma completa antes do final; e, acima de tudo, é preciso que
haja constante variação de andamentos e ritmos, já que qualquer tipo de
monotonia está certamente fadada a embotar a atenção e a provocar o tédio e
a sonolência.(...)
Se partirmos do princípio que a trilha musical faz parte dos recursos articulatórios
característicos à dramaturgia do cinema, ela deve, também no que diz respeito à sua
totalidade, ser articulada em função da unidade de ação. Ela deve possuir características que
façam dela um discurso unitário, e não apenas uma sucessão de passagens musicais sem
nenhuma conexão. Ao mesmo tempo, ela deve contribuir para o estabelecimento,
desenvolvimento e conclusão dos conflitos contidos nesse drama. No filme, enquanto unidade
complexa, fechada em si mesma, tudo o que se vê e se ouve deve estar articulado em função
da lógica e da direcionalidade dramático/narrativa. A sua trilha musical deve contribuir para a
caracterização dessa unidade. Vista como um todo, ela deve possuir coerência e
inteligibilidade, tanto internas, quanto em sua relação com o contexto dramático, pois caso
contrário, corre o risco de se assemelhar a uma “colcha de retalhos”, deixando de cumprir as
funções para as quais está destinada e, inclusive, prejudicando o próprio sentido de unidade
do filme.
Quando se fala em unidade da trilha musical é preciso ter em mente que isso não
significa uma uniformização da música de um determinado filme. Tentativas mecânicas de
obtenção de um discurso musical unitário podem resultar em trilhas musicais pouco
eficientes. Um exemplo desse tipo é o filme O Terceiro Homem10. Construída integralmente
com um único instrumento, a trilha desse filme perde muito de suas possibilidades
11. Em contrapartida, há o caso do filme Psicose, no qual Bernard Herrmann se propõe a compor uma trilha
em “preto-e-branco”, e para tanto utiliza-se, apenas, de uma orquestra de cordas (violinos, violas, violoncelos e
contra-baixos). Contudo, a variedade de texturas e densidades possíveis com tal formação possibilita uma
imensa gama de sonoridades, bem como um amplo espectro de alturas. Com isto, a trilha desse filme consegue
reunir as qualidades de unidade timbrística, dada pelo uso exclusivo das cordas, e a variedade necessária aos
diversos momentos da progressão dramática do filme.
12. Summer of 42 (E.U.A. - 1971). Música de Michel Legrand.
A Articulação Dramática 109
maior e mais complexa for uma construção temática, mais ela vai exigir do ouvinte em termos
de atenção e concentração para o seu entendimento. Já o emprego de unidades temáticas de
curta duração exigem essa atenção por um tempo muito curto e são rapidamente identificadas,
sem que o espectador seja obrigado a desviar-se da ação para acompanhá-las.
Resumidamente, pode-se dizer que o aspecto estrutural do leitmotiv, que lhe confere
identidade e é percebido mais intelectualmente, informa o público sobre “o quê”, ou “quem”,
aquela determinada passagem musical está se referindo, enquanto o tratamento dado a esse
leitmotiv, que atinge mais o aspecto sensorial da percepção informa sobre “como” se encontra
esse elemento, personagem ou situação, naquela determinada passagem do filme.
Um filme que tem sua trilha musical totalmente ligada ao conflito principal é Coração
Satânico13. O detetive particular Harold Angel (Mickey Rourke) é contratado pelo misterioso
Louis Cyphre (Robert De Niro) para descobrir o paradeiro de um cantor de nome Johnny
Favorite, desaparecido durante a segunda guerra mundial. Angel nunca tinha ouvido falar do
referido cantor e inicia o seu trabalho. Durante toda a investigação ele é acompanhado por um
leitmotiv. Esse leitmotiv se insere na ação, pois chega a ser assobiado por Angel, o que
demonstra que o personagem tem conhecimento dessa música. No final do filme, descobre-se
que Angel é, na verdade, Johnny Favorite, que havia mudado de identidade para fugir a um
pacto com o demônio, ou melhor, Louis Cyphre, e que havia perdido toda a memória em
relação à sua vida anterior. Descobre-se que o leitmotiv era um antigo sucesso de Johnny
Favorite. Durante todo o filme, a trilha musical havia fornecido a informação para a resolução
do conflito. No momento em que o público é informado de que aquela é uma canção de
Johnny Favorite, todo o mistério se resolve, tudo que havia sido apresentado anteriormente se
encaixa e passa a fazer sentido.
MÚSICA E PERSONAGEM
Todo drama se desenvolve através da ação representada. Assim, na base de qualquer
drama está a idéia de personagem. Costuma-se dizer que a música é um personagem a mais
no filme. Esta afirmação não é muito precisa, pois, em última análise, o personagem é aquele
que executa a ação dramática, e a música não age. Mas, em certo sentido, ela possui um grau
de verdade, se partirmos da premissa de que o cinema possui uma dramaturgia específica,
onde a função originalmente creditada ao texto no drama tradicional pode ser substituída por
recursos articulatórios não verbais.
Por outro lado, há a imagem poética desta afirmação, que é bastante instigante. Será
que a música é vista como personagem porque ela é capaz de estabelecer uma relação
dialógica com a ação dramática? Ou será porque sua presença cria a ilusão de que há alguém
a mais naquela ação? Alguém que não pode ser visto, mas cuja presença virtual pode ser
sentida como parte daquela ação.
Mas o que estamos mais acostumados a ver é o personagem presente na ação, e não
como uma presença virtual. Nesses casos, o leitmotiv funciona tanto como parte da
caracterização do personagem, quanto como informação sobre a condição desse personagem
em cada um dos momentos do filme. O leitmotiv se transforma e através dessas
transformações ele é capaz de revelar um aspecto do personagem que não está transparente na
ação.
Voltando ao exemplo do filme Um Corpo Que Cai citado no item anterior, todas as
passagens musicais apresentadas no decorrer da investigação sobre a suposta influência do
espírito de Carlota, que estaria levando Madeleine à loucura, são organizadas sob o ponto de
vista de Scottie. Todas as intervenções musicais e o desenvolvimento dos leitmotivs
expressam as impressões que Scottie está tendo a cada momento, bem como de seus
sentimentos por Madeleine. Isso contribui para que o público seja colocado na posição de
Scottie. O espectador passa a compactuar com o personagem em face àquele mistério e
participa com ele de toda a investigação. São longas seqüências nas quais Scottie persegue
Madeleine pelas ruas de San Francisco onde não se ouve uma palavra, sequer, apenas a
misteriosa música de Bernard Herrmann. O espectador vê-se envolvido na ação e é
enganado, tanto quanto Scottie, que não passa de uma “marionete” em uma complicada trama
de assassinato. Nesses momentos, a música não é percebida como intervenção, ou voz do
narrador, mas como parte da própria ação, como se o personagem falasse através dela.
Há casos, também, de construções onde música e texto falado se mesclam, com vista à
obtenção de um determinado resultado dramático. Um exemplo desse tipo pode ser
encontrado em Psicose. Imediatamente após roubar os quarenta mil dólares, Marion foge da
cidade. Há um tema musical para a sua fuga. É um tema que possui grande tensão interna, em
andamento rápido, com ataques fortes e destacados das cordas, que lembra bastante o estilo
de Stravinsky nas primeiras décadas do século. Marion é vista de frente, em plano fechado,
dirigindo seu carro, e está bastante aflita. A música está ligada ao ponto de vista da
personagem e compactua com sua aflição. Ao mesmo tempo, Marion pensa na reação de seu
patrão e de seu cliente roubado. Esse pensamento é apresentado com as vozes dos respectivos
personagens. Às vezes ouve-se as vozes e a música, às vezes só a música, que vai acumulando
toda a informação contida naquele diálogo e passa a significar tanto quanto ele. Em
determinado momento, não é mais necessário apresentar as falas, pois a música as substitui.
O caso extremo da música como fala do personagem ocorre no filme Cliente Morto
Não Paga17. O detetive Rigby Reardon (Steve Martin) tem uma reação neurótica toda vez
que ouve a palavra cleaning woman (faxineira) e invariavelmente tenta estrangular a pessoa
17. Dead Man Don't Wear A Plaid (E.U.A. - 1982). Música de Miklos Rozsa.
A Articulação Dramática 113
que a pronunciou. Na primeira vez que isso ocorre no filme, o incidente se dá com sua cliente
e amante, Juliet Forrest (Rachel Ward). Tendo ela sobrevivido ao ataque, ele tenta se
desculpar explicando a origem de seu estranho comportamento. Mas, para tanto, ele terá que
pronunciar a referida palavra. Seu bloqueio é tão grande que ele consegue, apenas, mexer
lentamente os lábios, e a orquestra articula o som da palavra por ele.
Em primeiro lugar, o cinema permite criar a ilusão de que o monólogo se dá, de fato,
no domínio psicológico do personagem, que ele fala para si mesmo. Para tanto, basta que se
apresente tal personagem e sobreponha-se a ele o som de suas palavras, sem que haja
movimento correspondente dos lábios. Isso pode ser encontrado com grande frequência em
filmes dos mais variados estilos.
pois é o primeiro momento em que o tema romântico sai do ponto de vista dele e passa para o
dela. É claro, ela não poderia fugir.
A associação de música e diálogos no cinema é vista sempre com uma certa reserva e
isto não é infundado. Uma música mal colocada pode destruir um diálogo. Normalmente esse
efeito maléfico da música sobre o diálogo se manifesta quando o grau de interferência épica
da música é muito alto, ou seja, quando ela não se articula eficientemente com o contexto
dramático, desviando a atenção do público do texto daquele diálogo.
Por outro lado, quando tratada adequadamente, a música sobre um diálogo pode se
fundir a ele como uma voz a mais, integrando-se como parte da ação dramática e dialogando
junto com os personagens. Esse aspecto da trilha musical é uma especificidade do cinema,
pois só se viabiliza a partir do momento em que seja possível estabelecer uma relação exata
de sincronia entre os diálogos, sons naturalistas e música, e destes com as imagens, ou seja, a
articulação precisa de todos os fatores da trilha sonora.
Um dos recursos utilizados com frequência para que a música que acompanha um
diálogo não interfira com o texto dos personagens, é o de construir essa música de modo que
ela não se configure como um discurso musical, mas apenas como uma sonoridade a mais que
se insere no diálogo. Em outras palavras, isto significa construir a música tendo em vista
quase que apenas o seu aspecto sensorial. São acordes, notas longas, texturas musicais, que
funcionam mais como uma pontuação sonora do diálogo do que como uma intervenção
musical propriamente dita.
As construções com caráter temático, passagens musicais com uma organização muito
direcional do discurso exigem um tratamento mais cuidadoso. Contudo, elas também são
encontradas, especialmente em momentos assumidamente melodramáticos, como efeito
cômico, ou em momentos onde apesar de existir uma ação dialogada, o conteúdo desse
diálogo não é de difícil compreensão, ou mesmo quando a informação contida no texto não é
tão relevante para a progressão dramática.
20
Em The Score - Interviews with film composers, de Michael Schelle, pg. 9.
21. La Cage aux Folles (França/Itália - 1978). Música de Ennio Morricone.
116 Trilha Musical
uma aura de comédia. É a música quem informa o espectador que tudo aquilo não deve ser
levado a sério, que não se trata de uma discussão dos problemas do casal, mas apenas de um
capricho do personagem, para chamar a atenção sobre si mesmo. Sem a música, a cena
poderia assumir um caráter de seriedade que não seria desejado, pois seu objetivo é
justamente o de caracterizar esse personagem como uma pessoa “manhosa”, suscetível a tal
tipo de comportamento.
Esta canção inseriu-se de tal modo no contexto dramático, que tornou-se a marca
registrada do filme. Sua execução é feita sem nenhuma grandiosidade. Sam, sozinho ao piano,
canta e toca, o que confere à canção um clima intimista e solitário. Além do efeito dramático,
a canção informa o público sobre a relação amorosa entre Rick e Ilsa. A letra da canção
revela a exata condição do casal, que revive naquele momento uma velha paixão,
interrompida bruscamente em um passado recente: You must remember this... este verso tem
a característica de diálogo, é direcionado a um interlocutor, assim como toda a primeira
estrofe da canção. Já a segunda estrofe tem uma característica de narração, o texto sai da
primeira pessoa para exprimir um ponto de vista genérico: And when two lovers woo, they
still say I love you... Sam, ao mesmo tempo, fala pelos personagens e narra, através da canção,
a sua condição. E, assim como o romance, a canção é interrompida bruscamente por um Rick
enfurecido, que com sua atitude revela ainda não ter superado a frustração desse romance.
Mas o silêncio absoluto é apenas um entre muitos tipos possíveis de silêncio. Quando
uma pessoa nos importuna dizemos a ela: “cale-se, dê-me um minuto de silêncio”. O silêncio,
nesse caso, pode significar o som de uma movimentada avenida. E para combater o ruído
insuportável dessa avenida, muitas vezes vamos nos refugiar no silêncio de um fone de
ouvido, o silêncio que a Ária da Suíte em Ré Maior de Bach representa, em contraste com
aquela avenida. E quando depois nos deitamos, mergulhamos no ruidoso silêncio profundo de
nós mesmos. O silêncio, intenso, é ensurdecedor.
Entendido sob este ponto de vista, o silêncio pode não significar ausência absoluta de
som, mas ausência de um determinado som, ou conjunto de sons. No universo dramático do
filme há três grupos distintos de sons: a fala humana, os sons naturalistas e a música. Do jogo
entre esses três grupos de sons, pode-se obter diversos tipos de contraste sonoro que podem
significar silêncio.
O primeiro deles é o silêncio da pista de diálogos, onde vemos a ação acontecer sem
que nada seja dito, mas onde ainda estão presentes os sons naturalistas correspondentes a esta
ação. Esse tipo de construção se caracteriza mais como silêncio, obviamente, quando não é
acompanhada de música. Mas mesmo quando existe uma intervenção musical, a ausência de
fala se caracteriza como silêncio dos personagens, e pode conter informações relevantes para
o desenvolvimento da ação dramática.
Há também o silêncio da pista de música, que deixa todo o espaço sonoro do filme a
cargo da fala e dos sons naturalistas. Isso não tende a ser percebido como silêncio,
naturalmente, o que ocorre é uma ênfase no caráter dramático da ação, a partir do momento
em que a música não interfere epicamente nessa ação. Contudo, o efeito de silêncio nesse tipo
de situação pode ser obtido por contraste, ou seja, uma retirada súbita de uma música que
vinha ocorrendo até então pode ser usada para criar um efeito de silêncio que põe em relevo a
ação dos personagens e prepara o espectador para a informação que se origina dessa ação.
Esse é, por exemplo, um modo eficiente de se preparar um diálogo importante do filme, que
se deseja enfatizar.
Mas o tipo de silêncio mais peculiar que pode ser obtido através da manipulação das
pistas de som no cinema, é aquele onde todo o conjunto de sons naturalistas é suprimido. Com
esse recurso torna-se possível obter dois tipos de efeito. O primeiro é o do silêncio absoluto,
onde o espectador só ouve os sons emitidos pela própria platéia. É um tipo de efeito que
nunca passa despercebido, pois interfere diretamente na ilusão de realidade do filme, e, por
isto, tem um caráter épico muito acentuado.
A Articulação Dramática 119
A bem da verdade, o conflito principal está ligado à música nesse filme, que possui
como epígrafe a frase: “de como um toque de pratos mudou a vida de uma família
americana”. O próprio Hitchcock dizia que para que tal cena consiga sua força máxima, o
ideal teria sido que todos os espectadores soubessem ler música26. O argumento do filme é
basicamente o seguinte: um embaixador vai ser assassinado durante um concerto no Albert
Hall em Londres. O tiro fatal será dado pelo assassino no exato momento em que for dado o
único ataque de pratos da Cantata Storm Clouds de Arthur Benjamin27. O fato da música
estar sendo executada pela orquestra, inserida na própria ação, confere-lhe um caráter realista,
contudo, uma observação atenta mostra que o som dessa seqüência, em seu conjunto, não é
nada realista, a partir do momento em que não existe nenhum som falado, nem ruído de
espécie alguma. De certo modo, Hitchcock resgata a convenção do cinema mudo: a ação em
silêncio e seu acompanhamento musical. Vê-se os personagens aflitos, dialogando textos
inaudíveis, mas cujo significado compreendemos perfeitamente. E é a música a responsável
pelo sentido dessa ação. Ela é quem tece toda a teia dramática da seqüência: os tempos da
ação, o grau de tensão interna em cada um de seus momentos, a aflição dos personagens,
enfim, tudo o que ocorre no filme naquele momento é sustentado dramaticamente pelo
discurso musical. A música deixa o plano dramático para se tornar puramente intervenção
épica, o que pode ser constatado quando notamos que não existe nenhuma preocupação com o
25. The Man Who Knew Too Much (E.U.A. - 1956). Música de Bernard Herrmann.
26. Em Hitchcock - Truffaut: Entrevistas, pg. 137.
27. Apesar da música desse filme ser assinada por Bernard Herrmann, nessa seqüência foi conservada a
música composta para a primeira versão desse filme, de 1934, cuja música era assinada por Arthur Benjamin.
120 Trilha Musical
controle dos níveis de volume correspondentes aos diversos ambientes, dentro e fora da sala
de concerto, o que daria um caráter realista à ação dramática.
Em se tratando de silêncio, propriamente dito, vale a pena citar, mais uma vez, o filme
Houve Uma Vez Um Verão;. Hermie (Gary Grimes) é um adolescente em férias na praia no
verão de 1942. A tônica do filme é a iniciação sexual, que tanto preocupa o ser humano nessa
idade. Hermie, enquanto personagem, é confrontado com seu amigo Oscy (Jerry Houser).
Oscy é o adolescente típico, que fala o tempo todo de sexo e está louco para experimentar,
embora não saiba bem do que se trate. Hermie também tem o mesmo interesse, mas sua
personalidade não condiz com os jogos necessários e possíveis em sua idade. Assim, quando
os dois conseguem duas namoradas, e vão para a a praia com um único objetivo em mente,
Hermie não consegue ir além de uma tímida conversa e muito marshmallow na fogueira. Para
agravar a sua condição, Hermie se apaixona por Dorothy (Jennifer O'Neil), uma mulher
jovem, porém mais velha que ele e casada, cujo marido havia recentemente partido para a
guerra. Dorothy e Hermie se tornam amigos e ele faz de tudo para poder se encontrar com ela.
Em determinado momento, Hermie vai à casa de Dorothy e aí inicia-se uma seqüência onde o
silêncio será a tônica. Hermie entra na casa chamando por Dorothy. O único som que se ouve
é o ruído de um disco já terminado no fonógrafo. Hermie desliga o aparelho e vê, sobre a
mesa, um telegrama que informa da morte em combate do marido de Dorothy. Ela entra e há
um diálogo mínimo entre os dois. Ela recoloca o disco, que toca o tema do filme. Hermie diz
apenas: I'm sorry. Dorothy não responde. Caminha até ele e recosta a cabeça em seu ombro.
Os dois dançam sem dizer uma palavra. A música termina e os dois continuam a dançar em
silêncio, acompanhados apenas pelo ruído do fonógrafo. Beijam-se. Dorothy despe-se.
Deitam-se, beijam-se e amam-se, e tudo o que se pode ouvir é o ruído do mar, impreciso e
distante. Em seguida ela sai. Hermie veste-se e sai atrás dela. Dorothy está na varanda e, de
costas para ele despede-se: Good night Hermie. Ele responde e se vai. O ruído do mar cresce.
A Articulação Dramática 121
MOMENTO LÍRICO
No cinema, a articulação lírica não é encontrada com tanta freqüência, nem possui o
mesmo grau de importância que as articulações épica e dramática. Porém, em diversas
ocasiões podemos encontrar passagens de filmes, ou mesmo filmes inteiros, onde o dado
lírico é usado para criar uma nova dimensão significativa e estabelecer um outro nível de
relação entre o espectador e a obra.
Em vista de tudo isto, pode-se perceber que a música, com seu potencial de
interferência no filme, com as possibilidades que oferece no que diz respeito ao modo
subliminar de comunicação, com a grande variedade de recursos expressivos e seu imenso
apelo emocional, é um instrumento extremamente eficiente na articulação lírica. Além disso,
o caráter lírico inerente à própria subjetividade do discurso musical pode ser usada muito
124 Trilha Musical
Um filme onde o dado lírico já está presente no nível do roteiro é Amarcord1. O filme
é, de certo modo, uma auto-biografia de seu diretor Federico Fellini, e retrata a cidade de
Rimini na época do fascismo, onde Fellini passou sua infância. A memória da infância é uma
das maiores máximas do lirismo através da história. Não há memória de infância que não seja
um pouco distorcida, sempre para mais bela e bucólica do que o fato real acontecido, e que
não toque diretamente os níveis mais elementares de nossa emoção pessoal, a mesma emoção
sobre a qual trabalha o modo lírico de expressão.
cantada por Louis Armstrong. Lanchas e helicópteros partem para mais um dia de combate
ao som da voz de Satchmo4. Ele diz:
Trata-se de um poema lírico em sua forma pura, que, junto com a música, torna-se
uma canção altamente expressiva. Mas o contraste entre essa canção e o tipo de sentimento,
ou reflexão que ela evoca, e o que se vê na tela é muito forte. O confronto dos dois discursos
leva a um conflito entre o apelo emocional, o lirismo da canção, e as imagens da guerra, com
seus bombardeios, massacres, desespero e humilhação. Com isso, além do efeito lírico, obtido
pelo uso da canção, a seqüência tem um caráter dramático muito forte, que é fundamental
para a compreensão do filme como um todo. Não trata-se apenas da inserção de um belo
número musical, mas de uma reflexão sobre a natureza da guerra que faz parte da temática do
filme.
Aliás, a guerra parece favorecer muito a expressão lírica, assim como a infância. Um
filme que justapõe esses dois elementos é O Império do Sol5. Esse filme conta a história de
um menino, filho de uma abastada família inglesa residente na China. Ele se desencontra de
seus pais e é feito prisioneiro pelos japoneses, sendo encaminhado a um campo de
concentração. O filme é todo narrado sob o ponto de vista do menino, pelo qual a guerra é
muito mais uma grande aventura do que, propriamente, uma tragédia. O caráter lírico já pode
ser notado ao nível do roteiro. A trilha musical é composta sobre uma singela canção infantil
que aparece logo na abertura do filme, cantada por um coral de meninos, do qual o
personagem principal é o solista. A partir desse momento, essa canção se liga ao personagem
e torna-se um modo de expressar esse seu ponto de vista, e as transformações que vão ocorrer
com ele no decorrer do filme. Com o material temático da canção, serão feitas as
intervenções, ela se torna um leitmotiv. Toda a progressão dramática do filme reveste-se de
lirismo e a música é um dos principais recursos usados para a obtenção desse resultado.
A BUSCA DO PATHOS
Elliott (Henry Thomaz) cruza o bosque, com ET no bagageiro de sua bicicleta. ET
precisa “ligar” para casa. A música pontua a trajetória dos dois. De repente, a aflição, um
abismo. Plano fechado na face de ET. A bicicleta salta para o céu. A orquestra alcança o tema
que vinha buscando durante toda a seqüência. As cordas se lançam para o agudo7.
No que diz respeito à trilha musical de cinema, pelo menos no Brasil, há uma imensa
lacuna nesse segundo aspecto do aprendizado profissional, bem como da discussão
acadêmica. Nessa área, o número de trabalhos em língua portuguesa é praticamente zero.
Internacionalmente a carência, embora não seja tão drástica, também existe e, comparada a
outros aspectos do cinema, deixa muito a desejar.
Sendo assim, muitos aspectos relativos ao assunto e muitas questões pertinentes não foram
sequer tocados.
Nosso sincero desejo, é que essa discussão não se encerre por aqui, mas que este seja
apenas o ponto de partida, tanto para profissionais, quanto para estudiosos, e que, a partir
dele, haja uma maior preocupação com a trilha musical, vista como elemento constituinte da
dramaturgia do cinema, e não como um mero acessório narrativo que é adicionado ao filme.
Certa vez o maestro Júlio Medaglia disse que o músico, para ser um bom autor de
trilha sonora tem que ser um dramaturgo1. Em outras palavras, o músico deve conhecer as
especificidades, os recursos de linguagem e os fundamentos da dramaturgia e da articulação
fílmica, para que a sua música possa participar significativamente dessa linguagem. O
conhecimento e a experiência puramente musicais não são suficientes para fazer de um bom
compositor, um bom autor de trilhas musicais. Em contrapartida, todo cineasta deve ser um
pouco músico, pois um conhecimento mínimo da linguagem musical amplia sobremaneira o
entendimento das possibilidades dramáticas e narrativas da música no cinema. O
conhecimento musical proporciona ao cineasta uma visão mais crítica e pode evitar que ele se
deixe levar por soluções fáceis, ou ineficientes, nas trilhas de seus filmes. Além disto, o
conhecimento de uma terminologia musical básica permite que o cineasta se comunique com
o músico de forma mais clara e objetiva, de modo que ambos possam trabalhar, de fato, juntos
e interativamente, com vista ao objetivo comum.
1. No artigo Trilha Sonora: A música como (p) arte da narrativa. Em Medaglia, Júlio: Música impopular, pg.
311.
Bibliografia
COOPER, Grosvenor e The rhythmic structure of music - Chicago University of Chicago Press –
MEYER, Leonard 1971
EISENSTEIN, Sergei A forma do filme e O sentido do filme - Rio de Janeiro - Jorge Zahar – 1990
ESSLIN, Martin Uma anatomia do drama - Rio de Janeiro - Zahar - 1977
EVANS, Mark Soundtrack - The music of the movies - New York - Da Capo - 1975
GORBMAN, Claudia Unheard melodies - London - BFI Publishing - 1987
HAGEN, Earle Scoring for films - Hialeah - EDJ Music Inc. - 1971
JAKOBSON, Roman Musicologie et linguistique, In: Musique en jeu, n. 5, Paris, Seuil, 1971
_____________________ Linguística e comunicação – São Paulo - Cultrix - 1969
_____________________ Linguística, poética, cinema - São Paulo - Perspectiva - 1970
KARLIN, Fred e WRIGHT, On the track - New York - Schirmer Books - 1990
Rayburn
LAWSON, John Howard O processo de criação no cinema - Rio de Janeiro - Civilização Brasileira -
1967
LEONE, Eduardo Era uma vez a montagem - Tese de Livre-Docência – São Paulo - ECA/USP
- 1988
_____________________ A dramaturgia de Steven Spielberg: roteiro, rubrica visual e montagem -
manuscrito – 1994
MANVEL, Roger e The technique of film music - London - Focal Press - 1975
HUNTLEY, John
MARTIN, Marcel A linguagem cinematográfica - Belo Horizonte – Itatiaia – 1963
MEDAGLIA, Júlio Música Impopular - São Paulo - Global - 1988
METZ, Christian Linguagem e cinema - São Paulo -Perspectiva - 1980
_____________________ A significação no cinema - São Paulo - Perspectiva - 1972
_____________________ O significante imaginário: psicanálise e cinema – Lisboa - Horizonte – 1980
MEYER, Leonard Emotion and meaning in music - Chicago - The University of Chicago Press
- 1956
MICELI, Sergio La musica nel film – arte e artigianato – Firenze Discanto Edizioni - 1982
MILLER MARKS, Martin Music and the silent film – contexts & case studies – 1895/1924 – New
York – Oxford University Press – 1997
MITRY, Jean Estética y psicologia del cine - Madrid - Siglo XXI – 1984
NATTIEZ, Jean Jacque De la sémiologie à la sémantique musicales , In: Musique en jeu, n. 17,
Paris, Seuil, Jan. 1975
NATTIEZ, Jean Jacque e Artes - Tonal/atonal - Enciclopedia Einaudi - Lisboa - Imprensa
outros Nacional/Casa da Moeda - 1984
ORLANDO, Francesco Propositions pour une sémantique du leitmotiv In: Musique en jeu, n. 17,
Paris, Seuil, Jan. 1975
PALLOTTINI, Renata Introdução à dramaturgia - São Paulo - Brasiliense - 1983
Bibliografia 133
PRENDERGAST, Roy Film music – A neglected art - New York WW Norton - 1977
RAPÉE, Erno Motion picture moods – for pianists and organists – New York – Schirmer –
1924
RHODE, Eric A history of the cinema - New York - Da Capo - 1976
ROSENFELD, Anatol O teatro épico - São Paulo - Perspectiva - 1985
SCHELLE, Michael The Score - Interviews with film composers - Los Angeles, Silman-James
Press - 1999
SKILES, Marlin Music scoring for TV and motion pictures - U.S.ª - Tab Books - 1976
SKINNER, Frank Underscore – New York - Criterion Music Corp. - 1960
TAMBLING, Jeremy Opera, ideology and film - New York - St. Martin's Press – 1987
TARKOVSKY, Andrei Esculpir o tempo - São Paulo - Martins Fontes – 1990
THOMAS, Tony Music for the movies - Los Angeles - Silman-James Press - 1997
TRUFFAUT, François Hitchcock - Truffaut: Entrevistas - São Paulo – Brasiliense - 1986
USSHER, Bruno Max Steiner stabilishes another film record - In: Gone With The Wind as
book and film - New York - Paragem House Pub. - 1987
VÁRIOS Sound for picture - An inside look at audio production for film and
television - Emeryville - MixBooks - 1993
WINCKEL, Fritz Music, sound and sensation - New York - Dover - 1967
WINCKEL, Fritz Musique dans l’espace et musique spatiale, In: Musique en jeu, n. 2, Paris,
Seuil, mar 1971
WOLLEN, Peter Signos e significação no cinema - Lisboa - Livros Horizonte - 1984