Você está na página 1de 6

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

A invisibilização do trabalhador em “Construção”, de Chico Buarque: uma análise


semiótica
Fundamentos da Teoria Semiótica

Lauren dos Santos Paulino (823517)


Lucca Jerep Soares (802674)
Maria Cláudia Santoro (801672)
Mikaelly Vitória Machado da Silva ()

São Carlos
2024
INTRODUÇÃO:
Este trabalho busca analisar a canção “Construção”, de Chico Buarque a partir da
perspectiva da teoria greimasiana da semiótica, passando pelos três níveis de análise
pressupostos nesta, são eles: nível fundamental, nível narrativo e nível discursivo. A partir
dessa análise, buscamos também ressaltar a problemática da insignificância do trabalhador na
sociedade capitalista, que é expressa na canção de forma não-tão sutil.

ANÁLISE
No contexto da teoria semiótica do texto, o nível fundamental refere-se a uma etapa
essencial no percurso de geração de sentido de um discurso. Neste nível, determina-se o
mínimo de sentido a partir do qual o discurso se constrói. Aqui, a significação dá-se como
uma estrutura elementar, caracterizada por uma relação de oposição entre dois termos dentro
de um mesmo eixo semântico que os engloba.
Nesse sentido, essa estrutura elementar da significação é fundamental para a
compreensão do texto, pois representa o ponto de partida para a construção de significados
mais complexos ao longo do percurso de análise textual. No nível fundamental, busca-se
identificar as relações mínimas que definem o texto, o denominador comum a partir do qual a
especificidade do texto pode ser recuperada nos níveis subsequentes de análise, como as
estruturas narrativas e discursivas .
Por fim, o nível fundamental é essencial para estabelecer as bases da significação em
um texto, permitindo a visualização das relações mínimas que o constituem e servindo como
ponto de partida para a compreensão mais aprofundada das camadas de sentido presentes na
obra.
No texto em análise, “Construção”, de Chico Buarque, é pertinente afirmar que os
pares semânticos são vida x morte, tendo em vista que o eu-lírico, no trecho escolhido,
inicia-o com um sentimento de possibilidade do fim da vida por parte do trabalhador de quem
ele constrói a narrativa, esse que realiza as ações do cotidiano com a premissa de que pode
ser a última vez que elas podem ocorrer: “Amou daquela vez como se fosse a última/Beijou
sua mulher como se fosse a última/E cada filho seu como se fosse o único/E atravessou a rua
com seu passo tímido”. Portanto, levando em consideração a teoria do quadrado semiótico,
essa estrofe corresponde ao estágio de não-vida.
Em seguida, partindo para os terceiro e quarto parágrafos: “Subiu a construção como
se fosse máquina/Ergueu no patamar quatro paredes sólidas/Tijolo com tijolo num desenho
mágico/Seus olhos embotados de cimento e lágrima/Sentou pra descansar como se fosse
sábado/Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe/Bebeu e soluçou como se fosse
um náufrago/Dançou e gargalhou como se ouvisse música”, os trechos representam a
afirmação da vida, haja vista que o trabalhador realiza, de fato, ações e, neste caso, ações em
processo e concluídas significam vida.
Após isso, é narrado um tropeço do trabalhador, que o tira do estado de vida
realizando as ações e o coloca num estado de transição entre vida e morte, que, aqui,
denomina-se como não-vida ou negação da vida. Nesse sentido, pode-se afirmar que o
momento de queda, em que o trabalhador “flutua” corresponde, então, a esse estágio de
não-vida, como é possível perceber fazendo a leitura do trecho: “E tropeçou no céu como se
fosse um bêbado/E flutuou no ar como se fosse um pássaro”. Em vista disso, os acidentes de
trabalho são extremamente habituais, principalmente em profissões marginalizadas e que, na
maioria das vezes, não são abrangidas pelas leis trabalhistas, como a de pedreiro.
Por último, quando o trabalhador já caiu de fato em “E se acabou no chão feito um
pacote flácido/Agonizou no meio do passeio público/Morreu na contramão, atrapalhando o
tráfego”, pode-se afirmar que o quarto e último estágio do quadrado semiótico foi concluído:
a morte. É interesse apontar, também, que é explicitamente nesse trecho que enxerga-se, de
forma clara, a forma com que o proletário é invisibilizado no sistema capitalista, a morte dele
é tida como recorrente e, insensivelmente, despercebida, exceto pelo fato de que atrapalhou o
trânsito da cidade.
No âmbito da teoria semiótica do texto, o nível narrativo constitui uma etapa
intermediária no percurso gerativo do sentido de um texto . Neste nível, ocorre a organização
da narrativa a partir do ponto de vista de um sujeito, representando ou simulando, como em
um espetáculo, as ações humanas que transformam o mundo, as relações interpessoais, os
valores, aspirações e paixões .
Através das estruturas narrativas, são estabelecidas as relações de conjunção e
disjunção entre os sujeitos e os objetos-valor, permitindo a representação das transformações
e dos estados que compõem a narrativa . Essa etapa é crucial para a construção da trama e
para a compreensão das ações e eventos que ocorrem ao longo do texto.
Em suma, o nível narrativo desempenha um papel fundamental na organização e
representação das ações e eventos narrativos, contribuindo para a geração de sentido e para a
compreensão mais aprofundada das mensagens veiculadas pelo texto.
Nessa lógica, destrinchando este nível, a manipulação refere-se à utilização de
recursos linguísticos e discursivos para influenciar a interpretação do receptor e levá-lo a
adotar determinadas atitudes ou comportamentos . Essa estratégia pode ser utilizada para
persuadir o receptor a aceitar uma determinada ideia ou ponto de vista, ou para induzi-lo a
tomar uma determinada ação.
A ação, por sua vez, refere-se às atividades realizadas pelos sujeitos da enunciação e
pelos personagens do texto, que podem ser descritas e organizadas em estruturas narrativas.
A ação é fundamental para a construção da trama e para a geração de sentido no texto,
permitindo a representação das transformações e dos estados que compõem a narrativa.
A sanção, por fim, refere-se às consequências positivas ou negativas que os
personagens do texto enfrentam em decorrência de suas ações. A sanção também pode ser
utilizada para reforçar valores e normas sociais, premiando aqueles que agem de acordo com
essas normas e punindo aqueles que as violam.
Aqui, neste nível, no estágio da manipulação, pode-se interpretar o
destinador/manipulador de duas maneiras, sendo a sociedade capitalista ou o empregador,
respectivamente, o sistema que obriga o indivíduo a trabalhar para conseguir sobreviver e o
empregador que contrata o proletário para realizar o serviço. Depois, o
destinatário/manipulado é o construtor, que, através da intimidação, que possibilita o
dever-fazer a ele, é convencido a trabalhar.
No quesito de ação, o sujeito de estado é o construtor/pedreiro, que possui as
competências de saber-fazer e poder-fazer, já que, provavelmente, pelo trecho analisado, ele
já tem experiência na profissão, além de que, também, possui os materiais e instrumentos
necessários para realizar a ação, que são chamados, aqui, de objetos modais, nesse caso, as
máquinas, os tijolos, entre vários outros, esses que, ao serem introduzidos durante a ação, tem
como objetivo atingir o objeto de valor: o edifício construído.
Por fim, finalizando o esquema narrativo, tem-se como resultado a sanção. No corpus
analisado, é importante destacar que toma-se como destinador/julgador a sociedade
capitalista ou empregador, já o construtor/pedreiro, aqui, é tido como destinatário/julgado.
Como já foi analisado no nível fundamental, há a afirmação da morte, já que o construtor, de
fato, sofreu uma queda e morreu. Por conta disso, não houve cumprimento do contrato inicial,
que, nesse caso, era a finalização do edifício que estava sendo construído.
Na teoria semiótica do texto, o nível discursivo representa a etapa mais superficial do
percurso gerativo do sentido de um texto, sendo o mais próximo da manifestação textual .
Neste nível, as estruturas discursivas são mais específicas, complexas e semanticamente
enriquecidas em comparação com as estruturas narrativas e fundamentais.
Além disso, as estruturas discursivas surgem quando as estruturas narrativas são
assumidas pelo sujeito da enunciação, que faz escolhas em relação à pessoa, tempo, espaço e
figuras utilizadas na narrativa, transformando-a em discurso . Nesse sentido, o sujeito da
enunciação desempenha um papel ativo na construção e na transmissão da mensagem,
influenciando a forma como a narrativa é apresentada e interpretada.
Por fim, ao analisar o nível discursivo de um texto, é possível identificar as relações
entre o enunciador e o enunciatário, bem como obter pistas importantes sobre o processo de
enunciação e as intenções comunicativas envolvidas na produção do texto . Dessa forma, a
análise das estruturas discursivas contribui para uma compreensão mais aprofundada das
escolhas linguísticas e discursivas feitas pelo sujeito da enunciação para transmitir sua
mensagem.
Agora, analisando a questão sintática do nível discursivo, é utilizado, aqui, a
debreagem enunciva quando trata-se de projeção de pessoa. Essa estratégia de priorizar o ele
no programa narrativo confere objetividade ao eu-lírico, o que o ajuda a comprovar uma
possível veracidade do fato, além de que descaracteriza o construtor, sinalizando ao leitor que
o trágico ocorrido acontece de forma recorrente e com muitos outros trabalhadores, além de
fortalecer mais uma vez a denúncia à invisibilização do proletariado no sistema capitalista,
sobretudo, nesse caso, brasileiro.
Assim, seguindo nas questões de projeção de tempo e de espaço, respectivamente,
elas são enunciativa e enunciva. Infere-se, portanto, que a escolha enunciativa dá-se pela
subjetividade de um texto poético, assim como o corpus analisado, e, mais uma vez, essa
escolha faz com que o caso ocorrido, o acidente, seja generalizado e genérico, o que transmite
que todos os trabalhadores em condições precarizadas e marginalizadas estão sujeitos a esse
risco.
Dessa maneira, analisando de modo mais formal, a semântica discursiva faz-se muito
presente no trecho do texto analisado, tendo em vista que é uma produção muito imagética, o
que pode ser percebido pela grande quantidade de figuras, por exemplo: filho, rua,
construção, máquina, parede, cimento, lágrima, arroz, feijão, céu, bêbado, pacote, entre
muitas outras. Como temas principais, tem-se: trabalho e morte, que permeiam o texto todos.
A respeito das isotopias temáticas presentes no texto, pode-se observar que ele se
inicia com o tema de afeto, composto pelas figuras amou, beijou, mulher, filho, lágrima,
soluçou e gargalhou; essa escolha faz com que o sujeito seja humanizado antes de ser
desumanizado pela situação que o coloca como um trabalhador substituível. O próximo tema
a ser observado dentro desse texto diz respeito à construção em si, esse é composto pelas
figuras construção, máquina, ergueu, paredes, tijolo, cimento, andaimes, que deixam clara a
função desse sujeito dentro da sociedade, não como indivíduo sensível que tem uma vida
pessoal e uma família em casa, mas sim de um proletário como qualquer outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Considerando a análise semiótica do texto apresentado, destaca-se a importância do nível
fundamental na construção de significados, revelando a oposição entre vida e morte. O
poema "Construção" de Chico Buarque é explorado, evidenciando a narrativa que transita
entre estágios de vida, não-vida e morte, apontando para a invisibilidade do proletariado no
sistema capitalista.
No nível narrativo, a organização da trama e a representação das ações destacam-se,
delineando a vida do trabalhador e sua transição para a não-vida. A análise das estruturas
narrativas revela a manipulação, a ação e a sanção, elucidando a influência do sistema
capitalista sobre o construtor/pedreiro.
No nível discursivo, as escolhas do sujeito da enunciação são cruciais, utilizando estratégias
como a debreagem enunciva para objetividade e a projeção de tempo e espaço para
generalização. A semântica discursiva, rica em imagens, destaca os temas principais de
trabalho e morte, enquanto as isotopias temáticas revelam a humanização inicial do sujeito
antes de sua desumanização como proletário.
Em suma, a análise semiótica proporciona uma compreensão profunda da estrutura textual,
evidenciando como o texto de Chico Buarque transcende a poesia para abordar questões
sociais e a condição do trabalhador no contexto capitalista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BARROS, Diana Luz Pessoa de; Teoria Semiótica do Texto. 4. ed. São Paulo: Ática, 2005.
CONSTRUÇÃO, de Chico Buarque (análise e significado da música). Cultura Genial,
20XX. Disponível em <https://culturagenial.com/musica-construcao-de-chico-buarque/>.
Acesso em: 26 de nov. de 2023
FIORIN, José Luiz; Elemento de Análise do Discurso: repensando a Língua Portuguesa. 9.
ed. São Paulo: Contexto, 2000.
GREIMAS, Algirdas Julien; Sobre o sentido II: Ensaio semióticos. 1. ed. São Paulo:
Nankin: Edusp, 2014.

Você também pode gostar