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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

GRUPO DE PESQUISA: SEMINÁRIO TEMÁTICO

PESQUISAS NARRATIVAS: FUNDAMENTOS TEÓRICOS E


ESPISTEMOLÓGICOS

Resenha do texto:
DELORY-MOMBERGER, C..
Abordagens metodológicas na
pesquisa biográfica. Revista
Brasileira de Educação, v. 17 n. 5, p.
523-536, set.-dez. 2012.

PROF.ª DRª ECLEIDE CUNICO FURLANETTO


PROF.ª DRª MARIA DA CONCEIÇÃO PASSEGI

DOUTORANDA: IVANICE NOGUEIRA DE CARVALHO GONÇALVES


O texto inicia relembrando o que constitui um projeto epistemológico da
pesquisa biográfica e ampara a questão de como os indivíduos se tornam
indivíduos? Os fatores históricos, culturais, políticos e temporais atravessam a
constituição do indivíduo como ser social e individual. A saber, a primeira parte
do texto se divide em seções abordando os problemas teóricos da pesquisa
bibliográfica: O indivíduo como ser social singular, a temporalidade da
experiência e a biografização da experiência.
Na abordagem do indivíduo como ser social singular, a autora lança seu
olhar para o objeto da pesquisa biográfica e explora os processos de gênese
da história de vida desse sujeito atravessado pela história e por suas
experiências singulares. Nessa relação individual e social do indivíduo com os
outros, abre-se espaço para a pesquisa biográfica se constituir e estudar as
formas de como nos tornamos indivíduos enquanto ser social e singular. O
indivíduo se constrói e reconstrói a partir do espaço onde vive.
Segundo a autora, ao introduzir as especificidades do tempo na
dimensão biográfica da experiência e da existência a pesquisa mostra como a
inserção coercitiva da singularidade da experiência do indivíduo num
determinado momento biográfico narrado por ele pode situá-lo na origem do
fato, onde percebe, elabora e narra suas histórias. O indivíduo se localiza no
tempo e se reconstrói ao se reconhecer na temporalidade das suas
experiências.
Para compreender a biografização da experiência a partir da
temporalidade do vivido, o texto provoca reflexão sobre o agir e o pensar
articulados no tempo que organiza e constrói a experiência na sequência
lógica da narrativa. O indivíduo revela sua forma de se relacionar com o
mundo por meio dessa sequência lógica da sua narrativa de vida: um
instante, uma hora, um dia, em episódios com início, meio e fim. Nesse
processo de biografar-se, o indivíduo aciona todas suas potencialidades
mentais, comportamentais e verbais para inscrever suas experiências e
ações no tempo.
Na sequência do texto, a autora traz a Abordagem Metodológica I: o
material biográfico, que o pesquisador só tem acesso a eles pelas ações de
biografização, que os indivíduos entregam por meio da entrevista narrativa
biográfica. Por meio dessa atividade oral de narrar suas histórias, o indivíduo
manifesta ainda uma pluralidade de expressões em suas múltiplas linguagens.
Ela afirma que o pesquisador conhecendo o narrador e o contexto em que
desenvolve a pesquisa, tem maiores condições de separar o que é do sujeito e
o que é da sociedade. Dessa forma, pode interpretar, a partir de sua narrativa,
as interpretações que o indivíduo dá à sua própria biografia.
Segundo a autora, a entrevista como metodologia, procura captar e
compreender as características singulares dos acontecimentos narrados, de
situações, relacionamentos, experiências e interpretações que cada um dá à
sua história. Para o sucesso dessa metodologia é importante que o
entrevistador tenha conhecimento do indivíduo e do contexto no qual se dá a
narrativa, ou seja, um mergulho profundo na tese e nos contextos da entrevista
é primordial antes de organizar um roteiro. Isto revela como a entrevista
biográfica pode acolher a espontaneidade em seu roteiro para ampliar os
dados, deixando o narratário surpreso com o outro e com o que sua narrativa
espontânea traz para a entrevista.
Ao estabelecer uma relação com alguém, na entrevista, uma narrativa
vai nascer. Tal narrativa tem relação com o respeito e acolhimento à produção
dos dados nesse espaço de criação. Nesse processo de bricolagem com os
dados que se tem em mãos é que nasce a analise dos dados da pesquisa
biográfica.
Como resultado dessa bricolagem, o pesquisador constrói o conhecimento com
o outro num movimento de entrevistar-se com um duplo espaço heurístico que
age em cada um dos participantes: o espaço do entrevistador que cria as
condições iniciais para acolher e escutar as narrativas, o espaço do
entrevistado na condição de entrevistador de si próprio.
Três dimensões estão interagindo durante a entrevista, sendo as duas
pessoas, o entrevistador e o entrevistado ocupando posições diferentes, porém
interligadas, e o que se constrói de narrativa nesse processo: as atitudes,
linguagens, ações, falas, diálogos, entre outras.
A autora critica a falsa ideia de simplicidade de uma entrevista de
perguntas e respostas e coloca a metodologia de forma muito mais ampla
quando os envolvidos constroem uma relação de diálogo e confiança para
responder à hipótese criada pelo autor da tese e cumprir a finalidade da
entrevista de pesquisa biográfica: apreender a singularidade de uma fala e de
uma experiência.
Outra contribuição da autora para fugir do roteiro de perguntas e
respostas que coloca o entrevistador na condição de correr atrás dos sentidos
do narrador, sem poder ir adiante, é quando o entrevistador se coloca no lugar
de “narratário”, ou seja, quem escuta uma narrativa com a função de não a
conduzir a seus interesses, mas de caminhar lado a lado com os narradores.
Com a introdução do termo narratário, a autora propõe uma mesclagem do
lugar do perguntado e do perguntador, visto que ambos têm a oportunidade de
ressignificar o roteiro a partir de algo que possa surgir naturalmente ao longo
da entrevista, como: Não entendi bem isso... conte-me mais a respeito deste
sentimento... como estava o clima ou o dia naquele momento... entre outras
frases, sons, gestos e posturas que o narratário pode usar para instigar o
narrador ir além do que estava contando.
Na seção Abordagem Metodológica II: analisar as entrevistas
biográficas, ela procura responder à questão: o que se faz com essa palavra do
outro? E se propõe a analisar os dados da entrevista, ou seja, a narrativa
constituída. Mas antes de formas de leitura ou modelo de interpretação, a
autora afirma que é preciso tentar compreender bem o que está em jogo da
relação com o real, com o vivido, no relato que o narrador faz.
É preciso perceber e dar função a cada elemento da narrativa para
atribuir sentido à história contada, num processo do narratário de interpretar a
interpretação que o narrador da sua própria narração, agindo de forma
performática sobre o que relata. A partir desse pressuposto, o objeto a ser
interpretado, que é o texto como ação, a experiência que se conhece a partir
do texto deve revelar uma verdade, a verdade apresentada pelo texto. Por isso,
os instrumentos de análise nesse tipo de pesquisa estão nos estudos dos
textos e nas teorias da ação.
A partir dessa discussão, a autora explora exemplos de como as
análises podem ser realizadas, expondo as categorias de trabalho
desenvolvidas no processo de análise dos materiais de cada trabalho: formas
do discurso, esquema de ação, motivos recorrentes ou topoi (do grego tópos,
lugar- -comum) e gestão biográfica dos topoi em virtude da realidade
socioindividual.
Em sua conclusão, ela traz o conceito de bricolagem para explicar o
ofício do pesquisador. O sentido da palavra bricolagem é conseguir montar
algo significativo com os dados ou materiais que se tem ao alcance. Essa ideia
inserida na pesquisa biográfica engloba uma maneira artesanal, porém
intelectual, de interpretar e organizar os dados da pesquisa biográfica
convocando o narratário a tomar parte na construção dos resultados de sua
tese.

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