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Planejamento de aula (Modernidade e modernização na América Latina):

Roteiro:

1) Levantar a discussão principal do texto de Canclini: Pode a América Latina, no campo político-
cultural, pensar um projeto de disputa na correlação de poderes globais?

O balanço de Canclini nos leva a pensar que essa pergunta pode ser respondida positivamente. No
entanto, é preciso considerar que essa correlação de poderes não se resume a uma disputa anti-
imperialista, compreendida nos modos clássicos. Uma outra forma de conceber o poder orienta a
revisão do problema da indústria cultural na América Latina por parte de Canclini, na qual a nação
tem o seu lugar de ator político hegemonico contestado por um mundo cada vez mais
interdependente e baseado na troca global de informações.

Outro ponto chave para compreendermos a crítica de Canclini é que essa dinâmica das trocas
globais de informação é exercida de modo desigual; sempre imbuído por uma relação de poder que
se configurou conforme a especificidade histórica de cada caso. Dessa maneira, mesmo descrente
na hegemonia e soberania dos estados nacionais, Canclini não descarta a necessidade de um projeto
nacional e, mais amplamente, de um projeto latino americano capaz de, no fluxo dessa grande
economia global, efetivar-se como defensor dos interesses latino americanos.

O que temos aqui, portanto, é um grande exercício teórico sobre a legitimidade de um tipo de
identidade capaz de mobilizar os diversos sujeitos políticos. Diante dos dilemas de seu tempo,
Canclini propõe algumas diretrizes para pensarmos um tal projeto, assentado na ideia do que é,
historicamente, o Latino Americano e qual pode ser o seu papel/lugar no mundo moderno.

2) Pensando nesse problema naturalmente ambíguo (conceber-se como moderno destacando a


necessidade de se reconhecer como específico) uma śerie de intelectuais, em meados do século XX,
se dedicaram a compreender, e um tanto quanto a construir, isso que Canclini vem chamando como
o “lugar” dos Latino Americanos. O objetivo desta parte da aula é apresentar como dois intelectuais
brasileiros se inseriram neste debate, a saber, Florestan Fernandes e Antonio Candido. Acredito que,
a partir da obra desses dois autores, podemos mapear uma historicidade relativa aos meados deste
śeculo no Brasil, em que os acadêmicos, de ciências humanas em geral, estavam orientados por
formular um objeto de pesquisa capaz de representar as especificidades de nossa formação social
visando o desenvolvimento de nossa modernidade.
O que proponho é que, entre esses autores, havia um campo comum de preocupação: o problema
central em seus trabalhos pode ser resumido como o da compreensão local dos processos de
modernizaçao por meio da urbanização. As atenções destes e de demais autores também se
voltavam para a sua contraparte, ou seja, os sujeitos históricos tidos como tradicionais, logo, não-
modernos. Assim, formou-se um paradigma de análise em que o desenvolvimento social deveria
integrar seu espólio. Duas questões, levantadas por Fernandes e por Candido, vão neste sentido: a
questão do Negro e do Caipira. Por meio destes dois personagens, tidos como não-modernos,
percebemos como esses autores partilhavam de uma concepção de modernidade que se manifestava
numa explicação histórica geral, explicação essa que servia de parâmetro para a tentativa destes
intelectuais engajados em compensar o atraso em que se enxergavam frente ao modelo europeu.

3) Florestan Fernandes: o negro liberto como tragédia nacional:

A obra do sociólogo Florestan Fernandes está imbuída de claro senso histórico: para o autor, a
passagem do império à república se funda como processo de ruptura que compreende a transição
mesma do trabalho escravo ao livre. Deste modo, Florestan Fernandes dispõe os agentes históricos
segundo esse eixo articulador: o negro, trazido pela diáspora, seria o agente do trabalho escravo, ao
passo que o branco, migrante vindo, sobretudo, para o oeste paulista, concentraria, em si, as
prerrogativas para o novo regime de trabalho, do qual seria agente e modelo.

Florestan Fernandes compreende que, no bojo dessa transição de agentes do trabalho, o Estado
omitiu-se para a questão do negro. Nesse sentido, o negro era, de fato, entendido como um espólio.
Mera resultante de um processo de desenvolvimento em que ele não mais se adequava e, por isso,
fora descartado. O trabalho de Florestan, então, defende que o Estado precisa se responsabilizar por
essa questão, fazendo com que o negro, descendente deste passado escravista, possa se efetivar
como cidadão e integrar-se ao novo regime social, pautado pelo sistema de classes, do qual o
migrante europeu seria o modelo.

É importante perceber como esse modelo de compreensão da emergência da sociedade de classes é


uma prerrogativa para Florestan Fernandes entender o processo de modernização sem querer frená-
lo, mas direcionando-o para o sentido da diminuição da desigualdade social. Nesse sentido, o
modelo europeu cria um sentido quase trans-histórico, no qual os agentes de outros contextos são
dispostos pelo autor num sentido análogo ao do modelo: (citar a passagem sobre LULA em “A
contestação necessária”): “A burguesia, na Europa e nos Estados Unidos, deu pleno curso à
revolução burguesa por causa do poder de pressão dos de baixo e de seus aliados nas classes sociais
intermediárias. A revolução burguesa só foi realmente burguesa em seus primórdios, quando ela se
debatia com o antigo regime e buscava o apoio dos de baixo (nos Estados Unidos a equivalência
desse processo precisa ser retirada dos aristocratas e escravocratas do Sul). Ao irromper como poder
absoluto a burguesia tentou brecar a revolução. Não conseguiu porque o desenvolvimento
capitalista acelerado pôs frente a frente os antagonismos de classe, alimentados pelos que
rejeitavam a interrupção da revolução. No Brasil e na América Latina, a revolução burguesa foi
interrompida em níveis precoces, favorecendo a coexistência do arcaico, do moderno e do
ultramoderno”. (FERNANDES, 2015, p. 70)

Essa lógica modernizadora encontra guarida no trabalho de Antonio Candido, “Os Parceiros do Rio
Bonito”. O que se verifica, neste caso, é a disposição na compreensão de outro agente social que se
vê ameaçado pelo avanço modernizador. Ao lado do negro descrito por Florestan, o caipira de
Antonio Candido estaria, então, mais ou menos ameaçado conforme sua relação com o avanço da
urbanização de São Paulo. Esse problema pode ser examinado quando percebemos que Antonio
Candido se recusa a ter um trabalho sobre o caipira que seja incluido nas discussões antropológicas
sobre o folclore.

4) Antonio Candido: o caipira como estagnação e isolamento:

Candido manifesta essa recusa porque não compreende seu objeto parado no tempo, como anseiam
os antropólogos que, à sua época, estavam mais detidos com o folclore. Para ele, a compreensão do
caipira paulista deve estar atenta à sua formação histórica (resultado dos processos que levaram à
estabilização dos bandeirantes em terrenos mais ou menos isolados do centro modernizador e com
claras influências indígenas no trato com a terra destinado à subsistência e às formas de viver) bem
como às transformações das relações entre este grupo historicamente formado com o centro
modernizador em constante avanço. Dessa prerrogativa, Candido lança a premissa de que o
problema do campo deve ser sempre compreendido nos termos do “continuum rural-urbano”, onde
os extremos, em sentido dialético, se codeterminam.

Por isso compreendemos a análise de Antonio Candido que, ao mesmo tempo em que percebe o
caipira paulista como um tipo cultural ameaçado a não mais existir (dado o avanço irrefreável da
urbanização), manifesta a reforma agrária como necessidade para que o caipira se mantenha como
um tipo cultural mais ou menos autônomo e socialmente produtivo.
Nos dois autores vemos como há um claro sentido de desenvolvimento social cujo modelo europeu
– apreendido na forma como Florestan Fernandes compreende a própria dinâmica dos processos
históricos – não obsta as preocupações com a especificidade dos tipos historicamente espoliados
pela marcha do progresso. O que me parece pertinente para o momento em que discutimos um texto
como o de Canclini que, observando as transformações nas políticas culturais e comunicacionais de
seu tempo, não deixa de manifestar apreço pela necessidade de pensarmos, num escopo mais amplo
de América Latina, os sujeitos e agentes históricos menos favorecidos nesta grande correlação de
forças. Este sentido desenvolvimentista também pode ser aferido de uma outra obra, escrita por
Antonio Candido praticamente concomitante ao seu “Parceiros do Rio Bonito”. Em Formação da
literatura Brasileira, Antonio Candido se mostra sensível ao tema do ensino no Brasil. Por meio da
análise de algumas sátiras coloniais sobre a reforma da universidade de Coimbra, o crítico literário
exerce um forte julgamento sobre essa questão em seu próprio tempo presente, com o qual não
deixa de mencionar explicitamente no decorrer de sua análise:

A idéia é ousada para o tempo e não espanta houvessem perseguido várias


pessoas no afã de descobrir o autor verdadeiro, que logrou manter-se
desconhecido para as autoridades, embora a opinião literária o tivesse desde
logo identificado. E justamente essa ousadia é o que torna O Reino da
Estupidez o mais ideologicamente legível de todos os poemas herói-cômicos
do tempo, embora seja literariamente o mais fraco. Ainda hoje nos move o
seu franco racionalismo, a denúncia cortante do retorno à escolástica, a
crueza do ataque aos figurões universitários, revelando, sob o movimento
burlesco dos episódios e da linguagem, funda amargura pelo descalabro de
tantas aspirações. Talvez seja injusto e excessivo, como querem vários
críticos. Representa, porém, atitude permanente do estudante: a desilusão
das aspirações intelectuais, frustradas pela rotina dos corpos docentes, muito
inclinados a repousar na mediocridade em países de nepotismo universitário
e pouca concorrência intelectual, como era a Metrópole e ainda somos hoje
em parte, ela e nós. (CANDIDO, 1972, p. 158)

É neste sentido integrador que podemos destacar como boa parte dos intelectuais da metade do
século XX olhavam os problemas específicos do Brasil e, em maior escopo, da América Latina. Se
foram excessivos no juízo e no estabelecimento do modelo, não nos resta dúvidas que, a partir dos
postulados de Canclini, os problemas por eles aventados ainda possuem determinada legitimidade.

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