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A nova questão constitucional

(Gunther Teubner)

1. Crise do constitucionalismo moderno?

 Nos últimos anos, uma série de escândalos públicos chamou atenção sobre a
“nova questão constitucional”.
a) Violações de direitos humanos por empresas multinacionais;
b) Decisões controversas da OMC que, em nome do livre comércio global,
ameaçam a proteção ao meio ambiente e à saúde;
c) Doping esportivo;
d) Corrupção na medicina e na ciência;
e) Ameaças à liberdade de expressão por intermediários privados na internet;
f) Interferências massivas na esfera privada decorrentes da coleta e retenção de
dados por organizações privadas;
g) A liberação de riscos catastróficos nos mercados financeiros mundiais (essa
de maneira especial).

(Por detrás dos debates e escândalos públicos de diversos setores estaria a


realidade da profunda mudança de dinâmicas sociais que, por sua vez, deslocariam os
problemas constitucionais daquelas premissas unitário-estatais tais como se enquadrava
a questão constitucional dos séculos XVIII e XIX.)

 Todos esses fenômenos levantam não apenas problemas políticos e jurídicos de


regulação, mas também problemas constitucionais em sentido estrito.

 No plano de fundo desses escândalos situa-se o elemento constitutivo


fundamental das dinâmicas sociais, e não uma mera questão de implementação de
policies de regulação estatal.

(Por que no plano de fundo desses escândalos situa-se o elemento constitutivo


fundamental das dinâmicas sociais? O que seria a implementação de policies de
regulação estatal? Por que se vai além da implementação de policies de
regulação estatal?)

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Comparação com os problemas dos séculos XVIII e XIX

 Em comparação com as questões constitucionais dos séculos XVIII e XIX, os


problemas que se colocam atualmente são distintos, mas não menos graves.

 Naquela época, tratava-se da liberação das energias de poder político do Estado


Nacional e, simultaneamente, da limitação efetiva delas em um Estado de Direito.
(O que ele quer dizer com liberação das energias de poder político? Como a
limitação dessas energias de dava?)

 Na nova questão constitucional, trata-se de liberar energias sociais


completamente diferentes, especialmente perceptíveis na economia (mas também na
ciência e tecnologia, na medicina e nos novos meios de comunicação em massa), bem
como restringir seus efeitos destrutivos de maneira efetiva.

(Por que antes ele falou de energias políticas e agora de energias sociais? O que as torna
completamente diferentes? Por que são perceptíveis em diversos sistemas? Por que são
mais perceptíveis na economia? Quais são os efeitos destrutivos que precisam ser
restringidos?)

 Hoje, essas energias são descarregadas – tanto produtiva, quanto destrutivamente


– em espaços sociais para além do Estado Nacional.

(Que espaços sociais são esses? Como ocorre a descarga das energias?)

 Os escândalos acima mencionados extrapolam as fronteiras do Estado Nacional


em duplo sentido.

(Quais os sentidos?)

 Constitucionalismo além do Estado Nacional quer dizer duas coisas:

a) Os problemas constitucionais se situam fora das fronteiras do Estado Nacional,


em processos políticos transnacionais;
b) Os problemas constitucionais se situam, simultaneamente, fora do setor político
institucionalizado, nos setores “privados” da sociedade mundial.

(Como os problemas constitucionais e os processos políticos transnacionais se


relacionam? Como os problemas constitucionais se situam fora do setor político
institucionalizado? Como os setores “privados” da sociedade mundial relacionam-se
com os problemas constitucionais?)

1.1. Constituição do Estado Nacional versus Constituição Global

 Com esses escândalos, acirra-se hoje um debate que diagnostica uma crise do
constitucionalismo moderno e afirma que os responsáveis por ela seriam a
transnacionalização e a privatização do Político.

(Como pode ser descrita essa crise do constitucionalismo moderno? Por que os
responsáveis seriam a transnacionalização e a privatização do Político?)

 Assim, discutem-se os prós e os contras de um constitucionalismo transnacional,


cujo status não é claro: se doutrina de direito constitucional, teoria sociológica,
programa político ou utopia social.

(Por que o status de um constitucionalismo transnacional não é claro?)


 Em linhas gerais e estilizadas, as frentes do debate podem ser descritas da
seguinte forma:

a) Um lado busca apontar para a derrocada do constitucionalismo moderno;

b) Outro lado aponta para a necessidade de se elaborar uma constituição


para toda a sociedade mundial.

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Argumentos que apontam a derrocada do constitucionalismo moderno

 A forma histórica plenamente desenvolvida do constitucionalismo moderno seria


encontrada nas constituições políticas do Estado Nacional. Atualmente, entretanto, seus
fundamentos sofreriam uma erosão causada:

a) Por um lado, pela unificação europeia e pelo surgimento de regimes


transnacionais;

Não haveria, em espaços transnacionais, formas substitutivas correspondentes às


constituições nacionais. Devido aos déficits crônicos da política transnacional –
no que diz respeito à inexistência de um demos, de homogeneidade cultural,
mitos políticos fundantes, esfera pública e partidos políticos – eles estariam até
mesmo fora de questão nesse âmbito transnacional.

(Realmente não existem formas substitutivas correspondentes? Por que os


déficits crônicos da política transnacional impediriam a existência dessas
formas?)

b) Por outro, pelo deslocamento dos processos políticos de poder para as


mãos de atores coletivos privados.

 Essa dupla crise do constitucionalismo somente poderia ser enfrentada – se é que


isso é possível – por meio da renacionalização e repolitização – ou seja, na medida em
que as instituições constitucionais nacionais e estatais (tribunais constitucionais
nacionais, parlamentos e esfera pública) fossem completamente reabilitadas em seus
plenos direitos.

(Como as instituições constitucionais nacionais e estatais perderam seus plenos direitos?


A ideia aqui seria o retorno para os Estados Nacionais clássicos?)

Argumentos que apontam a necessidade de se elaborar uma constituição para toda


a sociedade mundial

 Esses argumentos se opõem às ideias de renacionalização e repolitização.

 A elaboração de uma constituição para toda a sociedade mundial seria necessária


e teria uma intenção compensatória.
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 Aqui a globalização e a privatização também são responsabilizadas pela crise do


Estado Nacional, bem como se constata um enfraquecimento das instituições
constitucionais nacionais.

 Um novo constitucionalismo democrático, contudo, poderia produzir efeitos


compensatórios, caso lograsse êxito em sujeitar as infrenes dinâmicas do capitalismo
global aos freios de poder domesticante de processos políticos instaurados em nível
mundial.

(Nota-se que esse lado do debate defende uma Constituição política global para frear as
dinâmicas do capitalismo global) (Quais seriam as dinâmicas do capitalismo global?)

 Um ambicioso direito internacional público constitucionalizado, uma esfera


pública mundial deliberativa, uma política doméstica mundial institucionalizada, um
sistema transnacional de negociação entre atores coletivos globais e uma restrição
constitucional do poder social no processo político global abririam perspectivas
promissoras para a concretização, na sociedade mundial, de novas formas de
instituições erigidas sob o prisma da democracia e o Estado de Direito.

(Seria uma constituição política global erigida sob o prisma do Estado Democrático de
Direito)

1.2 Impulsos da sociologia da Constituição

 Devido à sua importância, a Constituição não pode ser deixada apenas aos
cuidados dos constitucionalistas e dos filósofos políticos.

 Em oposição a estas duas abordagens, Teubner assinala uma terceira posição, a


qual não pode ser considerada intermediária.

 Essa terceira posição coloca em dúvida as premissas das outras duas abordagens
e, consequentemente, formula a nova questão constitucional de modo diferente.

 O mais importante, possivelmente, é superar a centralidade ocupada, nas duas


posições, pelo Estado e pela Política. Essa terceira posição, trata de uma teoria
sociológica do constitucionalismo social, que, negligenciada no debate constitucional
até o momento, pode contribuir para a superação da referida centralidade.

(Haveria relação com o direito responsivo de Nonet e Selznick?)

 Essa teoria se sustenta sobre quatro variantes distintas da teoria sociológica:

a) Ela se utiliza das teorias gerais da diferenciação social, as quais fazem da


constituição interna (innere Verfassung) dos sistemas parciais um problema
central.
(Quais seriam essas teorias gerais? Por que, para elas, a constituição interna dos
sistemas parciais seria um problema central?)

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b) Ela se assenta sobre uma sociologia especial – a recém instituída sociologia da


constituição;

c) Ela se assenta sobre a teoria do private government;

d) Ela se assenta sobre o conceito de constitucionalismo social.

(O é a sociologia da constituição? O que diz a teoria do private government? Qual é


o conceito de constitucionalismo social?)

(Essas são as quatro variantes da teoria sociológica?)

(Como a teoria sociológica do constitucionalismo global se sustenta sobre as quatro


variantes da teoria sociológica?)

 Uma teoria sociológica da Constituição promete, ademais, ligar análises


histórico-empíricas do fenômeno constitucional com perspectivas normativas.

(O que seriam análises histórico-empíricas? O que significa “fenômeno constitucional”?


O que significa “perspectivas normativas”? Como a teoria ligaria análises histórico-
empíricas do fenômeno constitucional com perspectivas normativas?)

 Conforme Dan Wielsch, com o auxílio de uma teoria sociológica da


Constituição, o Direito se torna sensível à articulação polifônica da autonomia social, a
qual ele certamente não somente liberta, mas também constitucionaliza, na medida em
que responsabilidades (do ambiente) passam a ser sustentadas nas autonomias
(sistêmicas).

(O que é a articulação polifônica da autonomia social? Como a teoria sociológica da


Constituição pode fazer o Direito se tornar sensível a essa articulação? O que seria
libertar essa articulação? Por que as responsabilidades seriam do ambiente? Por que as
autonomias seriam sistêmicas? Por que com o auxílio de uma teoria sociológica ao
Direito faria com que as responsabilidades passassem a ser sustentadas nas
autonomias? Como algo se sustenta em autonomias?)

 A sociologia constitucional é singular porque não postula a questão


constitucional apenas em relação à política e ao direito, mas também a todos os âmbitos
da sociedade.

 A tese segundo a qual as sociedades contemporâneas conhecem uma ordem


constitucional informal, que não é centrada no Estado – nem normativa nem faticamente
–, e que contém estruturas jurídicas polivalentes e hierarquicamente orientadas parece
ocupar posição de destaque no legado do projeto sociológico original de desenvolver
uma concepção complexa, não naturalizada e pós-ontológica da sociedade e de suas
normas.

(O que seria uma ordem constitucional informal não centrada no Estado? Qual a
diferença entre “normativa” e “faticamente” aqui? O que são estruturas jurídicas
polivalentes? Por que isso parece ocupar posição central no projeto sociológico
original? Que projeto seria esse? Como esse projeto procurava desenvolver uma
concepção complexa? Por que essa concepção da sociedade e das suas normas seria
não naturalizada e pós-ontológica? O que significa não naturalizada? O que significa
pós-ontológica?)

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 Com isso, a sociologia constitucional modifica radicalmente a formulação do


problema. Ela coloca a questão da constitucionalização não apenas para o direito
internacional público e para o mundo dos Estados que fazem parte da política
internacional, mas também para outros sistemas parciais autônomos da sociedade
mundial, sobretudo para o da economia global, mas também para a ciência e tecnologia,
sistema educacional, novos meios de comunicação em massa e serviços de saúde.

(Por que “com isso”?) (Penso ter alguma relação com as energias sociais sendo
liberadas atualmente, que são completamente diferentes daquelas dos séculos XVIII e
XIX).

 Teubner apresenta duas questões:

a) Será que um constitucionalismo social disporia de potencial suficiente para,


além de limitar a tendência expansionista do sistema político, também conter as
não menos problemáticas inclinações expansionistas dos inúmeros sistemas
sociais parciais que atualmente ameaçam a integridade individual e
institucional?

(Como se mostra essa tendência expansionista do sistema político? Como se


mostrariam as inclinações expansionistas dos sistemas sociais parciais? Por que
essas expansões ameaçam a integridade individual e institucional? Por que se
supõe que o constitucionalismo social poderia limitar essas tendências?)

b) Poderiam as Constituições combater de maneira efetiva as dinâmicas centrífugas


dos sistemas parciais na sociedade mundial, contribuindo, dessa forma, para a
integração social – esta entendida, aqui, como completamente distinta da noção
clássica de “integração pela constituição”?

(As dinâmicas centrífugas referem-se à inclinação expansionista. Os âmbitos


sociais não se centralizam em uma unidade, mas se expandem. Por que o
combate a essas dinâmicas contribuiria para a integração social? Que noção
clássica é essa de “integração pela constituição”? Como a integração social é
entendida no contexto deste livro?)
 As mencionadas teorias sociológicas podem oferecer novo impulso para essas
questões que se colocam com renovada urgência diante das atuais tendências
globalizantes e privatizantes. Elas questionam as premissas fundamentais do debate
atual travado sobre constituições transnacionais, substituindo-as por outras. Com isso,
identificam-se novos tipos de questões e formulam-se outras espécies de consequências
práticas.
(Como elas questionam as premissas fundamentais do debate atual travado sobre
constituições transnacionais?)

 Quais as premissas questionáveis que conduzem a discussão em torno do


constitucionalismo transnacional por uma direção errada? Elas devem ser substituídas
por quais outras premissas?

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2. Premissas questionáveis

2.1. Constitucionalismo social como um genuíno problema da globalização?

 Conduzem tanto os adeptos de um constitucionalismo transnacional quanto seus


críticos à equivocada conclusão de que o déficit constitucional de instituições
transnacionais seria, em sua essência, atribuível à globalização:

a) A dinâmica incontrolável dos mercados de capitais globais;

b) O evidente poder de empresas transnacionais;

c) A dominância de expertos não legitimados, em extensas epistmic communities


não informadas pelo direito.

(O que é o déficit constitucional de instituições transnacionais? Por que a conclusão é


equivocada? Por que esses fatores levam a um equívoco? O que significa a dominação
de expertos não legitimados?)

 Responsabiliza-se, assim, a debilidade típica da política internacional pelo caos


desordenado dos espaços sociais globais.

 Nesse caso, tais fenômenos situam-se no primeiro plano:

(Quais fenômenos?)

a) A desconstitucionalização do Estado Nacional é desencadeada pelo


deslocamento de funções de governo para o âmbito transnacional, bem como
pela assunção de parte dessas funções por atores não estatais;

b) Efeitos extraterritoriais da atuação dos Estados Nacionais permitem o


surgimento de um Direito que carece de legitimação democrática;

c) A inexistência de mandato democrático para a governance transnacional.


(O deslocamento de funções do governo para o âmbito transnacional e a assunção de
parte das funções estatais por atores não estatais ocasiona a desconstitucionalização do
Estado Nacional. Os efeitos extraterritoriais dos Estados Nacionais permitem,
consequentemente, o surgimento de um Direito que carece de legitimação democrática.
Diante disso, surge a figura de expertos não legitimados que exercem dominância em
extensas epistemic communities não informadas pelo direito. Em um cenário de uma
dinâmica de mercados globais incontrolável e de empresas transnacionais detentoras de
grande poder, inexistem mandatos democráticos para a governance transnacional)

(Como os efeitos extraterritoriais dos Estados Nacionais permitem o surgimento de um


direito que carece de legitimação democrática?)

 Para compensar esses déficits, discutem-se intervenções político-constitucionais


na política transnacional, cujas chances de êxito, entretanto, costumam ser avaliadas de
maneira diametralmente oposta.

(Há algo que demonstre que se discute isso?)

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 Na verdade, não se trata de um novo problema de compensação, mas de um


déficit básico do constitucionalismo da modernidade. Já desde os primórdios do Estado
Nacional, o constitucionalismo permanece sem resposta diante das questões sobre se e
como a constituição deve abranger os âmbitos sociais não estatais.

(Há algo que demonstre que isso ocorre desde os primórdios? O que significa um
problema de compensação?)

 Teubner afirma que, desde o seu início, a práxis constitucional moderna oscila
entre estes dois polos:

a) As atividades científicas, econômicas, pedagógicas e médicas, dentre outras


atividades sociais, devem se submeter a posições normativas da constituição
estatal?

b) Ou devem as instituições sociais desenvolver, de forma autônoma, constituições


próprias?

(o que significa “práxis constitucional”? Por que as proposições acima não se


submeteriam as normativas da constituição estatal?)

 Paralelamente, à luz de análises empíricas e programas normativos, levanta-se a


seguinte questão:

A que são direcionadas as constituições sociais parciais? À regulação estatal de


âmbitos sociais parciais, à proteção de sua autonomia, à equiparação de
processos decisórios sociais com os da política, ou, ainda, à politização
autônoma de instituições sociais?
(Por que à luz de análises empíricas e programas normativos? O que são programas
normativos? O que significam processos decisórios? O que seria uma politização
autônoma?)

 Aqui entram em cena as teorias sociológicas mencionadas e, ao fazê-lo, situam a


origem das questões constitucionais em processos de diferenciação social.

(Quais são essas teorias sociais?)

(A diferenciação social refere-se à existência de sistemas sociais parciais.).

 A problemática do constitucionalismo social não se inicia propriamente com o


advento da globalização, mas ela já está presente desde a fragmentação do todo social e
autonomização desses fragmentos no auge do Estado Nacional.

 Hoje, no atual estágio da globalização, essa problemática foi drasticamente


agravada.

(A sociedade é fragmentada em diversos sistemas parciais, que exercem atividades


pedagógicas, econômicas, científicas, médicas entre outras atividades sociais. Segundo
Teubner, desde os primórdios, a práxis constitucional moderna se pergunta se esses
sistemas devem se submeter a posições normativas da constituição estatal ou se as
instituições sociais devem desenvolver, de forma autônoma, constituições próprias.

Tendo isso em vista, Teubner sustenta que o problema não é a globalização. Na


verdade, acontece que, no estágio atual da globalização, a problemática se agravou)

 Ao se observar de perto as diferentes concepções de constitucionalismo social,


fica clara a razão pela qual, no Estado Nacional, as respostas institucionais permanecem
em um curioso estado de latência.

(Que respostas institucionais? Por que a observância das diferentes concepções de


constitucionalismo social deixam clara a permanência dessas respostas no estado de
latência?)

 Em vista da força irradiante do Estado e de sua constituição política, as


constituições sociais próprias apareciam sempre sob uma penumbra curiosa – ainda que
isso ocorresse por diversas razões.

 As constituições estatais do liberalismo ainda lograram encobrir a questão na


sombra das liberdades individuais protegidas como direitos fundamentais.

(Os Estados liberais mantiveram as constituições sociais na penumbra porque as


atividades sociais encontravam-se totalmente livres do Estado e não eram atribuídas a
instituições sociais, mas sim aos indivíduos agentes, que ordenam seus âmbitos de
liberdade sem a constituição do Estado.).
(A liberdade individual passou a ser protegida sob o manto dos direitos fundamentais e
isso encobriu as constituições sociais. Acontece que a revolução burguesa suprimiu as
ordens feudais, destruindo as ordens intermediárias, estabelecendo, assim, uma relação
imediata entre a coletividade e os cidadãos. Nesse contexto, não havia lugar para ordens
sociais autônomas ao lado da coletividade política, as quais levantariam questões acerca
da legitimidade e dos limites do poder social e postulariam a si mesmas a questão
constitucional.).

(As construções de ordens sociais mais complexas eram vistas como resultados do
exercício individual da liberdade garantida pelo direito privado. Por isso as
constituições sociais são relegadas à latência.).

(Por isso a problemática relativa às instituições sociais autônomas e às suas


constituições é ignorada. Não se pensava como deveria ser organizada a sua autonomia,
como suas tendências expansivas deveriam ser circunscritas e como ainda seria possível
uma integração social a despeito de suas tendências centrífugas.).

(Mais tarde as teorias institucionalistas e a nova disciplina da sociologia, utilizando-se


de fundamento mais complexos de autodescrição social, identificam a multiplicidade de
ordens sociais não estatais, suscitando em relação a elas, ao menos implicitamente, a
questão constitucional. Tardiamente passaram a ter efeitos nos direitos privado e
constitucional. A questão de se o sistema político assume o papel decisivo na
constitucionalização de âmbitos sociais parciais ou se esses se constituem
autonomamente se desenvolverá no século XX...)

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 Em diametral oposição a isso, os sistemas políticos totalitários do século XX


procuraram solapar por completo a autonomia dos âmbitos sociais parciais e fizeram
desapareces a questão das constituições sociais autônomas por meio da sujeição da
totalidade dos setores sociais parciais às pretensões de dominação estatal.

(As constituições sociais foram mantidas na penumbra pelos Estados totalitários porque
os sistemas parciais tiveram sua autonomia solapada. As tendências centrífugas da
sociedade receberam uma resposta radical. Os Estados totalitários tentaram subjugar às
suas constituições políticas cada uma das instituições sociais, por meio da constante
regulação dos âmbitos sociais, prevalecendo uma intervenção política imediata.).

(Não há uma anulação regressiva da diferenciação funcional em favor da lógica política.


O Estado total, na verdade, não ignora a pluralidade das ordens sociais, de modo que
busca sustentar uma autorregulamentação de setores parciais e assegurar o apoio de suas
elites por meio da incorporação, na política, de instituições “privadas”, para então as
instrumentalizar politicamente. Busca o apoio e o desempenho dos âmbitos sociais
autônomos originados da diferenciação funcional para fins políticos.).

(O totalitarismo fracassa porque a sua estratégia de organização desconhece o


funcionamento da diferenciação funcional, que torna os âmbitos espontâneos úteis por
sua força criativa. O potencial reflexivo social atua simultaneamente nos âmbitos sociais
espontâneos, não podendo, nenhum deles, como organização, ganhar uma unidade
própria).

(Fracassa também por causa da estratégia de integração das constituições totalitárias


com ajuda da unidade política partidária. A organização formal dos sistemas funcionais
e sua contínua politização por meio da unidade partidária até conseguem, a curto prazo,
atingir uma mobilização inesperada das forças sócias. A longo prazo, no entanto, essa
concentração de energias sociais torna-se constantemente mais rígida, incapaz de se
adaptar e com criatividade social limitada).

 Por sua vez, os Estados sociais da segunda metade do século XX, em virtude de
suas pretensões políticas de conformação, também nunca reconheceram oficialmente as
constituições sociais autônomas de âmbitos parciais.

 Ao mesmo tempo, esses Estados sociais estabeleceram um equilíbrio peculiar


entre, de um lado, o constitucionalismo estatal – que estendia, de maneira crescente, as
incumbências da constituição política para as outras esferas da sociedade – e, de outro
lado, o pluralismo constitucional – no qual o Estado, de fato, respeitava as constituições
sociais próprias.

(No caso dos Estados sociais, as constituições sociais nunca foram reconhecidas, mas
houve um equilíbrio entre a constituição política e a pluralidade de constituições sociais.
Os Estados sociais impuseram delimitações constitucionais moderadas. O Estado
organiza vários regimes sociais sob sua direção: educação, ciência, saúde, radiodifusão
e televisão, que são constituídos como instituições semiestatais, às quais é concedida
autonomia limitada. O Estado de bem-estar social, por outro lado, deixa outros sistemas
parciais, especialmente a economia, em sua autonomia social, assumindo para si a tarefa
de coordenação da sociedade como um todo.).

(A dinâmica própria coletiva dos sistemas sociais parciais entrou tão fortemente na
consciência pública que não é mais possível deportá-la para a latência do modelo
baseado na autonomia privada individual. Contudo, como fomentar a autonomia dos
sistemas parciais e, ao mesmo tempo, evitar que eles causem danos sociais com suas
tendências centrífugas e expansivas? Como pode ser alcançado o equilíbrio entre a
intervenção constitucional estatal nas ordens sociais parciais e o respeito do constituinte
estatal diante de suas constituições próprias? O constitucionalismo social estatista exibe
greves tendências de autobloqueio, tendo em vista a tendência de uma autossobrecarga
do Estado, a uma falsa estatização da sociedade e a uma fixação constitucional de
posições de poder consolidadas dentro dos âmbitos sociais parciais.).

3.3. página 65...

 O problema de um constitucionalismo social foi criado pela globalização. Com


efeito, ela o modificou radicalmente: ela destrói sua latência.
 Hoje, em vista da força irradiante da política transnacional – ainda que de
intensidade muito menor em comparação com aquela do Estado Nacional –, os agudos
problemas constitucionais de outros setores da sociedade mundial são colocados sob os
holofotes.

(Por que a força irradiante da política transnacional é muito menor em comparação


àquela do Estado Nacional? Como a força irradiante da política transnacional coloca os
problemas constitucionais em evidência?)

 Responsáveis pela nova problemática constitucional são:

a) A fragmentação da sociedade mundial;

b) A questionável legitimidade da global governance.

 Teubner nos lança algumas questões:


a) Sobre qual base de legitimação os regimes transnacionais regulam esferas
inteiras da vida social, adentrando até mesmo nas especificidades da vida
cotidiana?
b) Onde se situam as fronteiras do mercado financeiro em sua expansão na
economia real e de outros âmbitos da sociedade?
c) Pode-se pretender que os direitos humanos e fundamentais sejam válidos
também em espaços não estatais da sociedade mundial, especialmente em face
de organizações transnacionais?

(Como a regulação das esferas da vida social por regimes transnacionais se


evidencia? O que significa economia real? Por que os direitos humanos e
fundamentais não seriam válidos nesses espaços?)

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 Diferentemente do que pressupõe o debate atual, com o surgimento de uma


sociedade mundial não emerge uma problemática constitucional completamente nova.
Pelo contrário, o constitucionalismo social – há tempos presente na realidade do Estado
Nacional – coloca-se atualmente diante das questões sobre se e como ele deve se
modificar sob as condições da globalidade.

 A continuidade do problema está atrelada à diferenciação funcional da


sociedade, que, com a transnacionalização, estendeu-se por todo o mundo. Sua
descontinuidade, ao contrário, decorre do fato de que a sociedade mundial desenvolveu
estruturas próprias e acelerou tendências de crescimento, algo que o Estado Nacional
ainda desconhecia.

(O que se quer dizer com continuidade e descontinuidade do problema?)

(Por que a continuidade do problema está atrelada à diferenciação funcional da


sociedade? Como a extensão dessa diferenciação por todo o mundo se evidencia?)
(Por que a descontinuidade do problema decorre do desenvolvimento de estruturas pela
sociedade mundial? Como o desenvolvimento de estruturas acelerou as tendências de
crescimento? Crescimento de quê? Por que o Estado Nacional desconhecia isso?)

 Diferentemente de como se colocaria em relação a uma política jurídica que


compensasse as deficiências de constituições nacionais, a premente questão normativa
não é mais: os setores sociais desconstitucionalizados da sociedade mundial devem ser
constitucionalizados?

 As prementes questões normativas são:

a) Como as experiências adquiridas pelo Estado Nacional com instituições do


constitucionalismo social devem ser implementadas sob as diferentes questões
da globalidade?

b) Em especial: como definir o papel da política para as constituições


transnacionais parciais do triângulo mágico formado por política, direito e
âmbito social autônomo? Renúncia? Regulação? Supervisão?
Complementaridade? Dissociação de la politique pela le politique?

(Quais experiências foram adquiridas pelo Estado nacional com instituições do


constitucionalismo social?)

2.2. O vazio constitucional do transnacional?

 O debate atual é marcado, também por outra perspectiva, por falsos pressupostos
tabula rasa, segundo os quais não haveria normas constitucionais nos âmbitos sociais
parciais – nem no Estado Nacional, nem, muito menos, no espaço transnacional.

 Embora o constitucionalismo moderno tenha conseguido se estabelecer em


quase todos os Estado Nacionais, ele estaria sendo enfraquecido, como é costume dizer,
pela transferência de atividades do Estado Nacional para organizações, regimes de redes
transnacionais.

 Nesses âmbitos, contudo, reinaria um vazio constitucional. É precisamente


perante esse pano de fundo de um espaço aparentemente desconstitucionalizado da
globalidade que se inicia o debate sobre se o constitucionalismo está próximo de seu
fim ou vivencia um renascimento.

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 A constatação de que esse vazio constitucional do espaço transnacional se trata


de uma falácia pode ser corroborada empiricamente. Apontam exatamente para a
direção oposta àquela da tese de um vazio constitucional:

a) Análises das ciências sociais de um “novo constitucionalismo”;


b) Pesquisas desenvolvidas há tempos por economistas e estudiosos do direito
econômico sobre instituições emergentes de uma constituição econômica
mundial;

c) Estudos de direito internacional sobre a crescente relevância de normas


constitucionais no âmbito transnacional.

 Atualmente, já se estabeleceram no espaço transnacional instituições


constitucionais de uma densidade impressionante:

a) Poucos negam que a União Europeia – a despeito do fracasso do referendo


constitucional – dispõe de estruturas constitucionais independentes.

b) Do mesmo modo, organizações internacionais, regimes transnacionais e suas


redes não apenas foram juridificadas fortemente no período, como também se
encontram em um processo de constitucionalização.

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 Eles se tornaram uma parte de uma ordem constitucional mundial – muito


embora ela seja que extremamente fragmentada e não tenha alcançado o mesmo nível
de densidade das constituições nacionais.

 Também falam a língua de uma constituição mundial da sociedade


(Gesellschaftsverfasung) já existente e em radical transformação:

a) As instituições globais advindas dos acordos internacionais da década de 1940:


 Carta de Havana;
 GATT;
 Bretton Woods.

b) As novas instituições criadas pelo Consenso de Washington:


 FMI;
 Banco Mundial;
 OMC.

c) O debate público recentemente deflagrado em torno de uma “constituição global


do mercado financeiro”.

 Diante disso, a nova questão constitucional precisa ser reformulada uma segunda
vez.

 Como será visto em maiores detalhes no próximo capítulo, não apenas as


constituições próprias (Eigenwerfasungen) já foram desenvolvidas por âmbitos sociais
parciais dentro dos Estados Nacionais, como também já se fazem presentes, há muito
tempo, verdadeiros ordenamentos constitucionais no espaço transnacional, conforme
será discutido no terceiro capítulo.
 Desta perspectiva, não está a construção ab ovo (desde o início, a ideia de tábula
rasa) de uma nova constituição em uma globalidade desconstitucionalizada, mas sim a
reforma fundamental de uma ordem constitucional transnacional que já existe.

 A nova realidade constitucional apenas fica encoberta pelo fato de que, no plano
transnacional, um sujeito constitucional equivalente ao Estado Nacional não pode ser
prontamente identificado.

(Por que impossibilidade de se identificar prontamente um sujeito constitucional


equivalente ao Estado Nacional encobre a nova realidade constitucional?)

 Um Estado mundial como novo sujeito constitucional é uma utopia – e das


piores. Immanuel Kant já sabia disso.

(Por que seria uma utopia? E por que das piores?)

 Então Teubner pergunta:

Quais seriam então os novos sujeitos constitucionais sob as condições da


globalidade?

Os sistemas de política internacional?

O direito internacional público?

Organizações internacionais?

Regimes transnacionais?

Redes globais?

Novas formas de agremiações, configurações ou agrupamentos?

 A questão relevante para o direito constitucional é se tais configurações são, de


fato, constitucionalizáveis. A resposta a isso tudo depende de verificar se tais
instituições não estatais apresentam analogias viáveis para o pouvoir constituant do
Estado Nacional, para a autoconstituição de uma coletividade, para o processo
democrático de tomada de decisão e para o aspecto organizacional de uma constituição
política em sentido estrito.

(O que significa autoconstituição de uma coletividade?)

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2.3. Limites da governança transnacional a processos políticos?

 Ao lado desses enganos muito difundidos – que os Estados Nacionais ainda não
conheceriam constituições parciais da sociedade civil e que um vazio constitucional
reinaria nos espaços transnacionais –, adiciona-se outro equívoco, com base no qual o
debate atual subestima a radicalidade de uma constitucionalização social:
1º - Em princípio, a demanda por uma constituição somente ocorreria do
desenvolvimento, na sociedade mundial, de formas próprias de governance, ou
seja, das tradicionais práticas governamentais do Estado Nacional.

2º - Governance é definida como o resultado de intervenções sociais, políticas e


administrativas, nas quais atores públicos e privados solucionam problemas
sociais.

3º - O enredamento das burocracias especializadas de diferentes Estados


Nacionais com atores da sociedade mundial, empresas transnacionais,
conglomerados econômicos, organizações não governamentais e regimes híbridos
é encarada como a nova problemática da governança global a ser superada por
meio de instituições constitucionais.

(O que são regimes híbridos? Por que instituições constitucionais superaria a


problemática da governança mundial?)

 Com isso, a limitação constitucional do poder político encontra-se em primeiro


plano, cuja particularidade consiste no fato de ela ser socializada parcialmente.

(Por que a limitação constitucional do poder político se encontra em primeiro plano? O


que significa dizer que a limitação constitucional do poder político é socializada
parcialmente?)

 Sem dúvida, essa socialização da dominação política constitui um dos elementos


centrais da governance global, mas ainda assim a análise é demasiadamente superficial.

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 O problema é menosprezado quando se pensa em limitar as novas considerações


de poder da governança global, que também incluem atores privados, tão somente com
normas constitucionais.

 Aqui, torna-se novamente perceptível a estreita visão das teorias político-


jurídicas da constituição, as quais, também nas relações transnacionais, focalizam
apenas fenômenos da política (no sentido estrito de uma política institucionalizada).

 Do ponto de vista sociológico, ao contrário, fica claro que o verdadeiro


problema é a fundação constitutiva (Konstituierung) de âmbitos de ação autônomos na
sociedade mundial – justamente fora da política internacional – e que é necessário
debater o papel das normas de direito constitucional nesse processo.

 Somente quando se vai além dos processos políticos transnacionais, em sentido


estrito, e se deixa claro que os atores sociais não apenas participam de processos
políticos de poder de global governance, mas também estabelecem por conta própria
regimes globais autônomos fora do âmbito da política institucionalizada – que, por sua
vez, podem converter-se facilmente em atores políticos, passando a influir na política –,
é que se tornam visíveis os problemas de um constitucionalismo social em sentido
estrito na sociedade mundial.

(Como se pode visualizar o constitucionalismo social?)

 Com isso, as diferenças entre constituições sociais setoriais e a constituição


política passam para o primeiro plano. Isso porque a constitucionalização da global
governance ainda é compreendida como a constituição dos processos políticos
transnacionais em sentido estrito.

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 Em contraposição a isso, a análise sociológica dos sistemas parciais globais


(economia, ciência, cultura e meios de comunicação em massa) encontra-se diante de
questões muito mais difíceis:
a) Os sistemas parciais globais apresentam atualmente uma dinâmica de
crescimento descontrolado que precisa ser submetida a limitações
constitucionais?
b) Existem, nesses setores, formas análogas de autolimitação de tais dinâmicas
expansivas, especialmente em relação à separação política dos poderes?
c) De modo ainda mais fundamental, coloca-se a pergunta: até que ponto devem
ser generalizados os princípios da constituição política a fim de contornar as
armadilhas do nacionalismo metodológico?
d) E como esses princípios devem ser reespecificados para atender às
particularidades de uma instituição social na globalidade?

 Segundo Teubner, o método sociológico de generalização e reespecificação


também deve enfrentar a seguinte questão:

É possível identificar, em âmbitos transnacionais parciais, um equivalente às


constituições dos Estados Nacionais, no que diz respeito às suas funções, arenas,
processos e estruturas?

 Constituições transnacionais de setores parciais não se empenham na busca por


um equilíbrio estável; mas antes perseguem o padrão caótico de um “desequilíbrio
dinâmico” entre desenvolvimentos contraditórios – quer dizer, entre autonomização e
limitação da lógica funcional de sistemas parciais.

(Por que as constituições transnacionais de setores parciais perseguem um padrão


caótico? Por que há desenvolvimentos contraditórios? O que quer dizer autonomização
e limitação da lógica funcional de sistemas parciais? Por que ocorre essa contradição?)

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 Até o momento, os novos ordenamentos constitucionais globais estabeleceram,


em essência, apenas regras constitutivas, que conferem suporte normativo para a
liberação de racionalidade sistêmicas distintas em âmbito global. Atualmente,
entretanto, torna-se cada vez mais evidente a demanda por uma reorientação.

(O que são racionalidades sistêmicas? Como elas são liberadas?)

 Após longas experiências históricas com as tendências expansionistas dos


sistemas funcionais parciais globalizados, bem como por choques causados por crises
endógenas, surgem movimentos contrários, que – após conflitos sociais violentos –
passam a formular regras limitativas para contraporem-se às tendências autodestrutivas
e impedir danos aos ambientes social, humano e natural.

 De fato, já desde o início da globalização, o problema constitucional “vertical”


foi objeto de disputas políticas, como a necessidade de impor, em relação aos Estados
Nacionais, limites aos novos regimes globais.

 Mas, com isso, ainda não foi de modo algum desvelado o grave problema
constitucional “horizontal”, qual seja, conforme Luhmann, “se a autonomia dos
sistemas funcionais não poderia resultar em uma sobrecarga recíproca que perpasse os
limites da capacidade adaptativa estrutural dos sistemas funcionais chegando até em sua
própria diferenciação”.

(Por que a autonomia dos sistemas funcionais resultaria em uma sobrecarga recíproca?
Como essa sobrecarga poderia perpassar os limites da capacidade adaptativa estrutural
desses sistemas? Como essa isso afetaria a diferenciação deles?)

 Essa cegueira em relação às externalidades negativas de sistemas em expansão,


bem como aos seus potenciais autodestrutivos, mostrou-se na crise do mercado de
capitais.

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 A construção global do mercado de capitais, anteriormente válida não foi


simplesmente o produto de um processo evolutivo cego, no qual mercados se
globalizaram por conta própria. Ao contrário, isso se deu com participação ativa da
política e do direito.

 Em função da desconstrução de barreiras nacionais e de uma política explícita de


desregulação, estabeleceu-se uma constituição global do mercado financeiro –
politicamente desejada e juridicamente estabilizada – que liberou dinâmicas
incontroladas.

(A política e o direito participaram da construção global do mercado de capitais por


meio da desconstrução de barreiras nacionais e de uma política explícita de
desregulação. Assim se estabeleceu uma constituição global do mercado financeiro,
politicamente desejada e juridicamente estabilizada. O resultado foi a liberação de
dinâmicas incontroladas)
 No entanto, a simultânea normatização de regras limitativas, em substituição às
regulações nacionais, não integrava a agenda política, tendo sido combatida por anos
como contraproducente.

(O que seria a normatização de regras limitativas? Seria referente à constitucionalização


dos diferentes âmbitos sociais?)

 Apenas hoje, em decorrência da experiência de uma quase catástrofe, é que


parecem engrenados os processos de aprendizado coletivo que buscam encontrar, no
futuro, limitações constitucionais à atividade financeira, em nível global.

 Wolfgang Streek argumenta que isso não teria qualquer chance de êxito, uma
vez que regras estatais ou internacionais são, de fato, recorrentemente contornadas de
modo efetivo e que qualquer regulação ex ante seria impossível, tendo em vista essa
estratégia de burla.

 Tal pessimismo compulsivo, contudo, não é melhor que seu oposto, o otimismo
compulsivo. Em vez disso, deve-se tentar perseguir a dinâmica evolutiva das quase
catástrofes que está operando aqui.

 Na realidade, a regulação político-jurídica evolui de acordo com o preceito: fatta


la legge, trovato l’inganno, embora seja igualmente válido o ditado fatto lingano,
trovata la legge. A lei produz sua própria burla, da mesma forma como a burla da lei
produz novas leis.

 Aqui, sentem-se os efeitos de um processo evolutivo de aprendizado que


trabalha em ambas as direções, mas que apenas opera de modo post factum.

(Quais seriam ambas as direções?)

 Dessa forma, parece que as adaptações recíprocas são menos realizadas de


acordo com o modelo de um processo de aprendizado racionalmente orientado, do que
seguindo o padrão hittin the bottom – conforme se diz no mundo das drogas (ele explica
mais isso no capítulo quarto, 1.3.).

(Quais adaptações recíprocas?)

(Hittin the bottom significa atingir o ponto mais baixo quando se é usuário de drogas.
Algo como atingir o fundo do poço. Há um mito de que o tratamento para se livrar da
dependência só é efetivo quando se atinge esse ponto)

(Como o hitting the bottom relaciona-se com as adaptações recíprocas?)

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 Nesse contexto, modifica-se também a agenda de um constitucionalismo


transnacional: não é uma questão de construir a partir do zero, mas, sim, de reformar os
fundamentos de uma ordem constitucional já existente.
(Por que nesse contexto a questão é a reforma dos fundamentos de uma ordem
constitucional?)

 Particularmente urgente é a limitação de externalidades negativas das dinâmicas


sociais liberadas (também) por regras constituintes político-jurídicas. E aqui, em
especial a constituição financeira global e as constituições de empresas transnacionais
são deslocadas para o centro das atenções constitucionais.

(Quais são as externalidades negativas das dinâmicas sociais liberadas por regras
constituintes políticas jurídicas? A constituição financeira global e as constituições de
empresas transnacionais são político-jurídicas? Não se falaria aqui em constituições
sociais?)

2.4. Redução da eficácia horizontal dos direitos fundamentais aos deveres de


proteção do Estado

 Não apenas o debate sobre global governance, mas também aqueloutro relativo
à eficácia dos direitos fundamentais dentro dos espaços sociais da globalidade, peca por
permanecer centrado no Estado, ainda que já trabalhe com tendências de socialização.

 Os escândalos acima expostos de violações de direitos humanos por empresas


transnacionais são habitualmente tratados como um problema de “eficácia horizontal”
(Drittwirkung) de direitos fundamentais estatais.

 Originalmente direcionadas ao Estado, as garantias dos direitos fundamentais


também podem ser eficazes contra violações por parte de “terceiros” – atores privados
transnacionais – na medida em que, conforme a doutrina atualmente dominante, forem
impostos deveres de proteção à comunidade internacional de Estados.

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 Em vários aspectos, esse pensamento acaba perdendo de vista a problemática


dos direitos fundamentais em contextos sociais. Em razão da fixação no Estado, ele
“coloca o carro na frente dos bois”, por assim dizer.

(O debate relativo à eficácia dos direitos fundamentais dentro dos espaços sociais da
globalidade, segundo Teubner, também peca por permanecer centrado no Estado.
Segundo Teubner, costuma-se tratar as violações de direitos humanos por empresas
transnacionais como problemas de “eficácia horizontal” de direitos fundamentais
estatais. Conforme a doutrina dominante, a solução do problema poderia se dar por
meio da imposição de deveres de proteção à comunidade internacional de Estados)

(Esse pensamento acaba perdendo de vista a problemática dos direitos fundamentais em


contextos sociais, já que se fixa na atuação estatal)

 Esse pensamento não considera impor deveres aos atores privados transnacionais
que violam direito fundamentais; ao contrário, ele sustenta que apenas a comunidade de
Estados é que está obrigada a coibir violações de direitos fundamentais perpetradas por
tais atores.

 Com isso, contorna-se intencionalmente a sensível questão acerca da vinculação


de agentes privados aos direitos fundamentais.

 Isso é feito como se esta fosse uma questão de poder político dos Estados de
definir se os direitos fundamentais valem nos espaços sociais e como eles devem ser
protegidos.

(Por que a definição da validade dos direitos fundamentais nos espaços sociais e da
proteção deles não é uma questão de poder político dos Estados?)

 O mais significativo equívoco do Estado-centrismo consiste em tratar a eficácia


horizontal dos direitos fundamentais como um problema de poder social, o que os leva a
perder de vista a verdadeira função da eficácia horizontal, qual seja limitar, por meios
jurídicos, as tendências expansionistas dos sistemas sociais parciais – que não se
manifestam apenas no meio do poder (Machtmedium).

(Como assim o Estado-centrismo trata a eficácia horizontal dos direitos fundamentais


como um problema de poder social? O que seria poder social aqui? Como as tendências
expansionistas dos sistemas sociais parciais podem ser limitadas pela eficácia
horizontal? O que seria, exatamente, a eficácia horizontal?)

 Caso se abandone essa fixação no Estado, pode-se vislumbrar a dificuldade real


dos direitos fundamentais no meio social.

 Quando o desafio é, por meios constitucionais, limitar as tendências


expansionistas conformadas na lógica própria de cada sistema social parcial, então não
se pode continuar defendendo que os direitos fundamentais são direcionados somente ao
Estado, nem que eles podem ser imputados a atores individuais, nem que são voltados
exclusivamente para fenômenos sociais de poder, ou, ainda, que consistem em espaços
de autonomia protegidos por meio de direitos subjetivos.

(Por que o desafio de limitação acima referido é incompatível com o argumento


segundo o qual os direitos fundamentais seriam direcionados somente ao Estado? Por
que os direitos fundamentais não poderiam ser imputados a atores individuais? O que
quer dizer “fenômenos sociais de poder” e por que os direitos fundamentais não seriam
voltados exclusivamente a eles? Ou então, por que eles seriam voltados exclusivamente
a eles? Por que não seria possível defender que os direitos fundamentais consistiriam
em espaços da autonomia protegidos por meio de direitos subjetivos?)

 Teubner nos apresenta três perguntas:

a) É possível, aqui, desenvolver uma perspectiva segundo a


qual os direitos fundamentais teriam eficácia contra os próprios
meios de comunicação social, em vez de contra atores sociais?
b) Tratar-se-ia, então, de proteger não apenas os direitos
fundamentais de indivíduos, mas também os de instituições
sociais, contra meios sociais (gesellschaftlichen Medien)
expansivos?

c) Deve a eficácia social dos direitos fundamentais ser


implementada por meio de organização e procedimento, em vez
de por meio de direitos subjetivos?

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 Todavia, também no espaço transnacional, o debate acerca da eficácia horizontal


– ou em face de terceiros (Drittwirkung) – não pode se restringir à função de defesa
(Abwehfunktion) dos direitos fundamentais, agora, porém, contra formas de coação
social.

(A eficácia horizontal é em face de terceiros)

 Ele também deve abordar o papel civil ativo dos direitos fundamentais, ou seja,
aquilo que é manifesto em constituições estatais na forma de direitos individuais de
participação nos processos de formação do poder, o que, entretanto, ainda é pouco
conhecido nos âmbitos sociais parciais.

(O debate acerca da eficácia horizontal, além de tratar da função de defesa dos direitos
fundamentais contra formas de coação social, deve abordar o papel civil ativo dos
direitos fundamentais, o qual se manifesta em constituições estatais na forma de direitos
individuais de participação nos processo de formação do poder)

(Por que direitos individuais de participação nos processos de formação do poder?


Quais são esses processos de formação do poder?)

 Uma teoria de eficácia horizontal que seja sociologicamente orientada não


consegue fugir a essas perguntas e precisa enxergar os direitos fundamentais como
componentes estruturais de diversos sistemas sociais parciais completamente distintos.

 Essa teoria se coloca diante do desafio de delinear os direitos civis de ação não
apenas no meio de poder (Machtmedium) da política, mas também nos meios de
comunicação de outros sistemas sociais.

2.5 – Unidade de uma constituição mundial cosmopolita?

 Um derradeiro problema do debate constitucional diz respeito a um preconceito


unitarista do conceito de constituição, o que tem reflexos na sua aplicação à sociedade
mundial.

(O que se quer dizer com preconceito unitarista?)


 Tanto o direito internacional público como a filosofia política cultivam a
questionável ideia segundo a qual a constitucionalização do direito internacional estaria
em condições de criar uma ordem constitucional cosmopolita, uma constituição
unificada para toda a sociedade mundial.

(Por que a ideia segundo a qual a constitucionalização do direito internacional estaria


em condições de criar uma ordem constitucional cosmopolita é questionável?)

 É verdade que propostas de um Estado mundial, enquanto substrato de uma


constituição unificada, são refutadas como sendo irrealistas. Mas, em seu lugar, a
“comunidade internacional” é elevada a pontos de referência de um direito
constitucional mundial emergente, deixando de ser vista como mera comunidade de
Estados soberanos, conforme ocorre no direito internacional público tradicional, e
passando a ser compreendida como reunião de atores políticos e sociais e, também.
Comunidade jurídica dos indivíduos.

(O que significa a passagem da compreensão de mera comunidade de Estados soberanos


para a compreensão de reunião de atores políticos e sociais e comunidade jurídica dos
indivíduos? O que seria uma comunidade jurídica dos indivíduos? Como a comunidade
internacional é elevada a esses pontos de referência?)

 A constitucionalização do direito internacional é concebida, até onde é possível,


em paralelo ao direito constitucional do Estado Nacional: hierarquia de normas
constitucionais face às normas jurídicas ordinárias, todo o globo terrestre como âmbito
de validade uniforme, extensão aos âmbitos nacionais, culturais e sociais.

 Em contraste, também aqui as análises sociológicas, mais uma vez, assinalam a


profunda fragmentação da sociedade mundial, o que traz dificuldades severas para tal
constitucionalismo unitarista.

(Como essa fragmentação da sociedade mundial é assinalada?)

 No debate corrente, a fragmentação é vista, quando muito, como um déficit que


precisa ser superado, mas não como demanda para que sejam redefinidos os problemas
constitucionais da sociedade mundial, abrindo o caminho para novas soluções.

(Como a fragmentação seria vista como demanda para que sejam redefinidos os
problemas constitucionais da sociedade mundial?)

 Nesse ponto, a alternativa é: caso a fragmentação da sociedade não deva, em


princípio, ser superada, então não é possível prender-se à ideia de uma constituição
global unificada.

 No lugar disso, a atenção passa a se concentrar sobre os conflitos fundamentais


existentes entre os fragmentos constitucionais.
(Quais seriam os conflitos fundamentais existentes entre os fragmentos
constitucionais?)

 Mas, nesse caso, um direito constitucional dotado de amplo alcance apenas pode
funcionar, quando muito, como direito constitucional global de colisões, e não como
direito unificado.

(Como seria um direito constitucional global de colisões?)

 Os pressupostos sociais que ainda possibilitam ao Estado Nacional estabelecer a


unidade de sua constituição não se encontram, em princípio, presentes em espaços
transnacionais.

(Por que não se encontram em espaços transnacionais? Como saber onde eles se
encontram?)

 Além disso, um constitucionalismo transnacional também precisará conformar-


se com as condições de uma sociedade mundial duplamente fragmentada.

 Aqui, não é apenas decisivo que, em uma primeira fragmentação do mundo, os


setores modernos da sociedade mundial dotados de atuação autônoma insistam, com
persistência, em constituições próprias que concorram com as constituições dos Estados
Nacionais.

(O que seria essa primeira fragmentação do mundo? De que modo os setores modernos
da sociedade mundial dotados de atuação autônoma insistem em constituições próprias
que concorrem com as constituições dos Estados Nacionais?)

 Antes, é a segunda fragmentação do mundo em diferentes culturas regionais,


assentadas sobre diretrizes de organização social fundamentalmente diferentes, que
torna completamente ilusória a identificação de padrões unificados de uma constituição
mundial.

 Quando se pretende manter fiel à ideia de uma “constituição mundial”, a fórmula


apenas pode ser a interligação das constituições próprias dos fragmentos globais – das
nações, dos regimes transnacionais, das culturas regionais – umas com as outras,
formando um direito constitucional de colisões (Verfassungskollisionsrecht).

(Por que a interligação das constituições próprias dos fragmentos globais formaria um
direito constitucional de colisões?)

(Ao que parece, a lida com os conflitos existentes entre os diferentes fragmentos globais
possibilitaria a interligação das constituições próprias desses fragmentos, o que formaria
um direito de colisões. Assim, a ideia de uma “constituição mundial” se daria desse
modo, com essa lida de conflitos entre os fragmentos e a interligação constitucional, e
não com a unificação do direito.)
(O cosmopolitismo não poderia se dar por meio do enfrentamento dos conflitos desses
fragmentos? Ou o cosmopolitismo estaria necessariamente vinculado a unificação do
direito?)

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