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Por BBC
28/05/2017 18h21 · Atualizado 28/05/2017 18h21
Estaria a cultura do sel e - a cultura do "eu" - se alastrando pelo campo das pesquisas acadêmicas? E seria essa uma forma
válida de usarmos nossa experiência pessoal como base para estudos cientí cos?
Esse método de pesquisa foi apelidado de mesearch (forma híbrida que une as palavras inglesas me e research, em
português, "eu" e "pesquisa"). Cada vez mais popular internacionalmente, ele desperta opiniões fortes no mundo
acadêmico.
Em mesearch - chamada, em círculos cientí cos, de autoetnogra a - o pesquisador usa sua experiência pessoal para
resolver questões acadêmicas.
Críticos dizem que o método não é cientí co e o quali cam de "narcisismo acadêmico".
A rmam também que ele é parte de um fenômeno muito novo - um jeito um pouco mais so sticado de tirarmos uma
sel e, assistirmos reality shows ou postarmos nossas ideias na redes sociais.
Críticas à parte, a autoetnogra a está sendo usada em vários campos cientí cos, como a Sociologia, Educação e Psicologia.
Estudos assim vêm sendo publicados em revistas cientí cas sérias e o método está sendo ensinado em universidades
americanas.
Espelho
O termo autoetnogra a data da década de 1970.
Um dos primeiros estudos baseados no método analisou o tratamento de um bloqueio mental que impedia o autor do
estudo de escrever - o fato de o artigo ter sido publicado indica que o acadêmico conseguiu superar o problema.
Enquanto a maioria das pesquisas qualitativas se baseia em entrevistas com um número pequeno de pessoas, estudos
autoetnográ cos usam a experiência e os sentimentos do autor da pesquisa como ponto de partida para a compreensão
de questões mais amplas.
Artigos autoetnográ cos são, com frequência, escritos na forma de histórias - deixando de lado a linguagem acadêmica,
mais precisa.
Isso representa uma ruptura com o método cientí co tradicional, que exige que acadêmicos sejam objetivos e estejam
distantes dos temas que investigam, e que baseiem suas teorias em dados e experimentos que possam ser testados,
veri cados e reproduzidos.
Portanto, não é de se surpreender que muitos acadêmicos descon em da nova tendência. O próprio apelido, mesearch, é
usado de forma pejorativa, para desacreditar o método.
O professor de loso a Vincent F. Hendricks, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, por exemplo, diz que a
autoetnogra a não cumpre os pré-requisitos necessários para que seja aceita como ciência.
Para ele, estudos autoetnográ cos não atendem a uma série de condições que garantem con abilidade a investigações
cientí cas, entre elas, a possibilidade de ser testados ou previstos, de ser representativos ou permitir extrapolações.
Pluralidade de vozes
Acadêmicos que desaprovam o novo método vêm usando o Twitter para expor o que consideram ser os exemplos mais
narcisistas de estudos baseados na autoetnogra a.
Entre eles, está um pesquisador que usou sua experiência ao aprender a soprar vidro para estudar a coordenação entre
mão e olho. Outro alvo dos céticos foi um acadêmico que descreveu como uma caminhada nas montanhas o ajudou a
desenvolver seu senso de identidade.
Outro autoetnógrafo descreveu, recentemente, como a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas
tirou-lhe a capacidade de dormir.
Os três estudos citados foram publicados em revistas cientí cas cujos artigos são revisados e aprovados por outros
cientistas.
Uma das sumidades mundiais em autoetnogra a, a professora Carolyn Ellis, da Universidade do Sul da Flórida, nos Estados
Unidos, rejeita as acusações de "narcisismo".
"É narcisista deixar sua experiência pessoal de fora e agir como alguém que sabe tudo, como se fosse possível você se
distanciar, e como se você não estivesse sujeito às mesmas forças que (agem sobre) aqueles sobre quem você escreve", diz
Ellis.
"É narcisista pensar que 'nós' acadêmicos deveríamos escrever apenas sobre 'eles' e não sujeitarmos nós próprios ao
mesmo escrutínio."
A acadêmica diz que a autoetnogra a deu voz a pessoas da classe trabalhadora e minorias étnicas. Pessoas "que não
teriam escrito na tradicional prosa das ciências sociais".
Por exemplo, ela questiona teorias a respeito de estigmas associados a certos traços físicos oferecendo um relato honesto
e pessoal onde explica por que nunca gostou de ter a língua presa.
Ellis diz também que o treinamento em autoetnogra a pode contribuir para a formação de professores melhores.
Ela conta que compartilhar suas histórias com a classe "gera uma atmosfera positiva no curso", incentivando estudantes a
falar sobre "as questões que os preocupam e interessam".
Outros defensores do método dizem que ele permite que pessoas compartilhem experiências de forma mais profunda e
analisem seu signi cado.
Jill Bolte Taylor, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, fez relatos em primeira mão sobre o funcionamento do
cérebro e o processo de reabilitação do órgão enquanto se recuperava de um acidente vascular cerebral.
Segundo ela, assistir à deterioração do seu cérebro deu a ela "uma compreensão do cérebro que o mundo acadêmico não
daria". Ela escreveu um livro sobre o tema, My Stroke of Insight.
Poderiam a revelação sobre a teoria da gravidado físico Isaac Newton (ocorrida após uma maçã cair sobre a cabeça dele) e
a observação do lósofo e matemático René Descartes, "Penso, logo, existo" ser exemplos de autoetnogra a?
"Você teria de perguntar a eles, mas não tenho problemas em chamar essas observações de autoetnográ cas", diz Ellis.
'Narcisistas'
A revista cientí ca The Journal of Loss and Trauma já publicou quase cem estudos autoetnográ cos e seu editor, John
Harvey, diz que a técnica pode ser útil para estudos aprofundados sobre acontecimentos traumáticos.
Ele faz, no entanto, uma ressalva. Autores de estudos autoetnográ cos com frequência têm di culdade em demonstrar o
que a história de uma pessoa pode representar para a experiência de um grupo mais amplo.
Ainda assim, a popularidade do método continua a crescer - com mais e mais revistas publicando artigos e universidades
oferecendo cursos sobre o tema.
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