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Radis 104 PDF
Radis 104 PDF
Saúde sem
fronteiras
O contraponto
latino-americano
entre os sistemas
de Cuba e do Chile
A
pública da criminalização”, explica controle da propaganda, na internet,
descriminalização do Paula Viana, secretária executiva das do abortivo misoprostol — cujo nome
aborto, com foco nos Jornadas Brasileiras pelo Direito ao fantasia é Cytotec — e sua aborda-
direitos das mulheres, Aborto Legal e Seguro, na publicação gem na mídia.
por várias vezes esteve Aborto, guia para profissionais de Aprovado no Brasil em 1985 para
na pautas de encontros comunicação, organizado pelo Grupo o tratamento de úlcera gástrica e
nacionais e de embates Curumim, Ipas Brasil (organização duodenal, o misoprostol ficou logo
políticos. Na 13ª Conferência Nacio- não governamental de proteção à conhecido por sua eficácia como
nal de Saúde, por exemplo, realizada saúde das mulheres) e Centro Femi- método abortivo, pois tem como
em novembro de 2007, boa parte dos nista de Estudos e Assessoria. efeito colateral contrações uterinas.
delegados votaram contra a descrimi- Lançado em fevereiro, o guia “O uso hospitalar do medicamento
nalização, sem considerar que este foi preparado por um coletivo de para indução de parto e tratamento
é um grave problema de saúde pú- organizações feministas, com base de aborto iniciado (provocado ou
blica e de justiça social. Apesar em fontes oficiais, de governos e espontâneo) ajudou a disseminar o
de proibido por lei — a prática institutos de pesquisa nacionais e efeito abortivo, e a novidade che-
é crime, exceto em caso de internacionais, trazendo informações gou a bater recordes de vendas no
violência sexual (estupro) ou que poucas vezes estão na agenda mercado farmacêutico do país, com
risco à vida da mulher —, pública. O objetivo é apoiar o tra- 81.861 caixas vendidas em maio de
o aborto é amplamente balho de jornalistas, buscando lançar 1991”, informa o guia.
praticado no país por luzes sobre o tema e criar espaços de A publicação reúne também da-
meios inadequados. interlocução pela mídia, como está dos sobre o aborto no mundo, na Amé-
“Criminalizar informado na apresentação do guia. rica Latina e Caribe e no Brasil, revela
não inibe a prá- o perfil das mulheres que abortam no
tica clandesti- país, de que forma praticam o aborto
Revisão legislativa
na, embora e as consequências do procedimento,
o recurso à Com 70 páginas e organizada em além de apresentar argumentos em
interdição 10 capítulos, a publicação começa favor do direito ao aborto. O guia
de clí- explicando o que são as Jornadas responde uma lista de questões fre-
nicas Brasileiras pelo Direito ao Aborto quentes, entre elas, o que é aborto
Legal e Seguro, criadas em 2004, com provocado, como saber o número
os objetivos de impulsionar a agenda de abortos clandestinos realizados e
dos direitos reprodutivos no Brasil, qual a diferença entre descriminali-
defender uma revisão legislativa zação (rererente ao comportamento
para garantir às mulheres o direito ao da pessoa) e legalização (referente
aborto seguro e impedir retrocessos ao procedimento). Além disso, indica
no exercício dos direitos sexuais fontes especializadas, de forma a
e reprodutivos. colaborar para pautas e reportagens
O documento apresenta sobre o assunto. Segundo a publicação,
em seguida a história de estima-se que, em 2003, 41,6 milhões
proibição e a longa luta de gestações no mundo terminaram
legislativa pela descri- em abortamento, e quase a metade
minalização do aborto, (19,7 milhões) foi de abortamentos
trata de temas como provocados e inseguros. “Cerca de 97%
anencefalia e danos desses abortos inseguros aconteceram
que uma gravidez nos países em desenvolvimento, que
de feto anencéfa- têm leis mais restritivas ou menor
lo levada a ter- acesso à informação e planejamento
mo pode causar familiar”, informa.
à saúde men-
tal e física O arquivo, em PDF, da publicação
da mulher, está disponível em http://abortoe-
das normas mdebate.com.br/arquivos/Aborto_
técnicas Guia_comunicacao.pdf
do Minis-
editorial
Nº 104 • Abril de 2011
Invisibilidades
Comunicação e Saúde
demonstram o quanto o Sistema Único oficial propõe que o país só será rico
de Saúde está presente no cotidiano de com o fim da pobreza, uma discussão Editorial
100% dos brasileiros, pobres ou ricos — ao interessante chega aos responsáveis pelo • Invisibilidades 3
contrário do que possa parecer. O ponto financiamento de pesquisas. Diretora do
de partida foi o resultado de uma pes- Instituto Oswaldo Cruz, unidade pioneira Cartum 3
quisa do Ipea em que 34% da população da Fiocruz, Tania Araújo-Jorge chama a
considerou nunca utilizado o SUS. Para atenção para doenças que demandam
começar, quem acompanha esta leitura mais pesquisas, porque não só decorrem Cartas 4
já entrou no sistema, afinal, RADIS, Ensp como realimentam a pobreza, por com-
e Fiocruz são 100% SUS. prometerem capacidade de trabalho, ge- Súmula 5
Os repórteres descrevem um com- ração de renda e qualidade de vida. Entre
plexo de atividades, muitas de excelência as doenças negligenciadas, tuberculose
internacional, que respondem por pre- (só recentemente alvo internacional de Radis adverte 6
venção à saúde, autorização e fiscaliza- investimentos), hanseníase, leishmanio-
ção da qualidade de produtos e serviços, ses, Chagas, esquistossomose. Cerca de Toques da Redação 6
programas pioneiros de acesso gratuito, 93 milhões de brasileiros convivem com
pesquisas e desenvolvimento tecnológico verminoses diversas.
de ponta. Mais de 8% do PIB brasileiro RADIS se programou para a cober- Acesso e uso
estão ligados à saúde, superando o per- tura jornalística do Congresso Brasileiro • O SUS que não se vê 9
centual referente à agropecuária. de Medicina Tropical, de 23 a 27/3, em • Referência no controle e eliminação de
A invisibilidade do SUS serve a mui- Natal. Por força de decreto de corte line- doenças 10
tos interesses. Alguns governantes captu- ar de despesas, reflexo da sobreposição • Acesso universal e gratuito aos
ram o que ele tem de bom em benefício de políticas econômicas sobre as sociais, antirretrovirais 11
da própria imagem, há profissionais de uma única passagem aérea para realizar a • Nos laboratórios públicos, foco no
saúde — inclusive pesquisadores e aca- reportagem teve a solicitação cancelada. cidadão, não no mercado 12
dêmicos — sem consciência de que seu A mídia comercial, ocupada em festejar • O SUS no controle de qualidade de
trabalho é atividade do sistema, além de qualquer demonstração de rigor com produtos e serviços 13
áreas de comunicação dos governos que os “gastos” públicos, não iria mesmo • Financiamento de 95% dos transplantes
pouco sabem o que é o SUS. Isto, para noticiar esse tipo de evento da Saúde. é do SUS 14
citar o fogo amigo. A categoria inimigos Infelizmente, essa matéria sobre doenças • Medicamentos ao alcance da população 15
do SUS reúne todos quantos queiram lu- e pesquisas praticamente invisíveis não • Socorro para 110 milhões de pessoas na
crar com doença e saúde da população. será escrita. Fica aqui o nosso registro. rede pública 16
Na mídia, a invisibilidade é produzida ora
pela indiferença, ignorando a presença Rogério Lannes Rocha Saúde sem fronteiras
do SUS, ora pelo preconceito, dando Coordenador do Programa RADIS
• Contrapontos na América Latina 18
Cartum Entrevista
• Tania Araújo-Jorge: ‘Passivo da saúde
pública do século passado tem de ser
Radis retrata a saúde em cuba... E no Chile... s.E.O. enfrentado’ 20
Quem tem
Só dá para plano, no
uma foto. meio. Os pobres
Ricos na Serviço 22
atrás.
frente!
Tudo bem.
Aqui estamos Pós-Tudo
todos juntos! • ‘Cegueira seletiva’ enxerga produtos e
esconde necessidades 23
Sérgio Eduardo de Oliveira
cartas
Súmula
d.m.
fluxo migratório de aproximadamente capacidade de computar informação
6 milhões de trabalhadores europeus. cresceu ainda mais rápido que nossa
Sérgio Pena ressalta a importância do capacidade de comunicar. Ao comparar
estudo tanto do ponto de vista histórico os números da pesquisa com a capaci-
e antropológico, quanto do ponto de dade do organismo humano, Hilbert diz
vista da saúde: os tratamentos podem que “a complexidade informacional de
ser mais homogêneos do que se ima- um ser humano é aproximadamente a
ginava. O pesquisador explica que a mesma da capacidade de todas as nossas
população brasileira, formada por três informações e tecnologias de comuni-
diferentes raízes — indígena, europeia
e africana —, sempre se acreditou
muito heterogênea, mas que, de acordo
P esquisadores da Universidade da
Califórnia traduziram em números
o manancial de informações com o qual
cação combinadas juntas. Há, de fato,
“um mundo” em cada um de nós: um
mundo cheio de informação”, finaliza
com o estudo, independentemente de lidam, hoje, os habitantes do planeta. na entrevista ao Correio.
classificações baseadas na cor da pele, Já se sabia, por exemplo, que uma
os brasileiros são homogêneos do ponto única edição de um dia de semana do
de vista de sua ancestralidade. jornal americano The New York Times 500 mil novos casos de câncer
tem mais conteúdo do que o acessado só em 2011
por um inglês médio do início do século
Gastos sociais aumentam PIB 17, em toda sua vida. Agora, pesquisa
de Martin Hilbert e Priscila López, O Instituto Nacional do Câncer (Inca)
estima que o Brasil deve registrar
R a dis lecem os subtipos 1a, 1b e 3a (dos seis de infecção. No Brasil, a doença se espa-
%
é 100
brasileiras do HCV apresentam diferenças
entre si, quando comparadas com as Remédios sem custo para
SUS
hipertensos e diabéticos
Elisabeth. Essas características ajudam
a entender melhor a disseminação da
doença e a buscar novas estratégias de
prevenção e tratamento. “É importante
M edicamentos contra a hiper-
tensão e diabetes entraram no
grupo dos que chegam à população
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na mesma reportagem, sua preocupa- E deu um palpite: “quem não usa um em artigo seu sobre a tuberculose,
ção com a força que os parlamentares serviço que atende o andar de baixo para o jornal Correio Braziliense, em
da bancada ruralista adquiriram no sente-se recompensado ao achar que 2008, reproduzido pela Radis (65). “Foi
colégio de líderes de partidos, citando ele não presta, pois custa-lhe dinheiro a tuberculose que me levou à saúde
como exemplos o líder do PSDB na fugir da rede de atendimento da patu- pública: dei-me conta de que não era
Câmara, deputado Duarte Nogueira leia. Julga-se protegido, mesmo sus- suficiente tratar os casos, mas que
(SP), e o do PDT, Giovanni Queiroz (PA). peitando que o plano de saúde poderá algo precisava ser feito em termos de
Para o deputado ambientalista desová-lo na rede pública quando seu população”. Nascido em Porto Alegre,
Alfredo Sirkis, a preocupação reside tratamento for mais caro”. Depois de em 1937 e formado em Medicina pela
na “visão retrógrada” da bancada ru- enumerar resultados positivos apre- Universidade Federal do Rio Grande do
ralista sobre a atividade agropecuária sentados na pesquisa, como os que se Sul, Scliar tornou-se especialista em
no país. “Muitos ruralistas têm uma referem ao atendimento no Programa Saúde Pública e concluiu doutorado em
visão bélica, são movidos a ganância e Saúde da Família e à distribuição de Ciências pela Escola Nacional de Saúde
ignorância”, resumiu. remédios, o jornalista apontou que Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz).
As galinhas (parlamentares e os números do Ipea situam o SUS em Como escritor, Moacyr Scliar publicou
cidadãos que defendem o meio am- patamar “pouco melhor que o do cerca de 80 livros, nos quais enfatizava
biente) precisam redobrar a guarda. sistema público e privado americano” as temáticas médicas e judaicas. Por
— ressalvando que isso “não chega três vezes, ganhou o prêmio Jabuti,
ATÉ O ELIO GASPARI — A contar a ser um elogio”... — e “um pouco considerado o mais importante da
pelos comentários que fez em uma pior que o austríaco”. Embora pareça literatura brasileira. Em 2003, foi eleito
de suas colunas dominicais no jornal esquecer-se ou não se dar conta de membro da Academia Brasileira de
O Globo (13/2), o jornalista Elio que é também um usuário do sistema, Letras. Moacyr Scliar morreu em Porto
Gaspari admitiu o SUS como um bom Elio Gaspari conclui: “se a freguesia do Alegre, durante a madrugada, de falên-
caminho para a saúde dos brasileiros. SUS botar a boca no mundo toda vez cia múltipla dos órgãos, depois de ter
Referindo-se a pesquisa do Instituto de que for mal atendida, ele melhorará. sofrido um acidente vascular cerebral.
Pesquisa Aplicada (Ipea) que verificou Se baixar a cabeça, achando que ‘é
como os brasileiros avaliam o sistema assim mesmo’, piorará”. A “freguesia P es q u isa b rasileira no
(ver matéria na pag. 9), o jornalista do SUS” somos todos nós. ‘Lancet’ — A saúde no Brasil é tema
observou que existe “um perigoso da edição de maio do jornal científi-
ingrediente de ignorância convencio- PERDA — A mor- co americano The Lancet, trazendo
nal” entre os que percebem a rede te do médico, artigos de renomados pesquisadores
de saúde pública brasileira como “um professor, sanis- brasileiros, sobre sistemas de Saúde,
desastre”. Para ele, os resultados que tarista e escritor saúde materno-infantil, doenças in-
apontam que 34% dos entrevistados Moacyr Scliar, fecciosas, doenças crônicas e causas
que não tiveram experiência alguma em 27/2, aos 73 externas. Haverá evento de lança-
com o SUS acharam-no ruim ou muito anos, represen- mento em Brasília, nos dias 9 e 10 de
ruim e só 19,2% acharam-no bom ou tou grande perda maio, no auditório da Organização
muito bom propagam essa “ignorância para a saúde pública. Atuante no mo- Pan-Americana da Saúde. O evento
convencional”. Elio Gaspari fez sua vimento da Reforma Sanitária, Scliar reunirá autoridades sanitárias nacio-
interpretação. “A visão catastrofista lutou por melhores condições de nais, pesquisadores, gestores da Saú-
está mais em quem não usa o serviço saúde e dignidade para todos os cida- de, autores, entidades como Abrasco
do que naqueles que usam”, escreveu. dãos. Essa preocupação expressou-se e Cebes e os editores do Lancet.
s.E.O.
da Lei Maria da Penha defende que o
Polêmica na proibição assunto seja também tratado por varas
de inibidores de apetite especializadas. “A violência configura um
ACESSO E USO
D.M.
P
SUS não se restringe ao atendimento prestado em centros
ense no que você fez, e/ou postos de saúde. “A pesquisa do Ipea demonstrou
em seu dia a dia, nos que a avaliação positiva do SUS se dá por quem utiliza os
últimos 12 meses. Se serviços assistenciais”, observa a secretária executiva do
foi à farmácia adqui- Ministério da Saúde, Márcia Amaral. “No entanto, também
rir um medicamento, é importante destacar os benefícios trazidos para a saúde
vacinou-se, fez uma da população brasileira de forma geral, com o advento do
compra no supermercado ou foi à sistema”, ressalta, destacando que “por meio da atenção
padaria, precisou de um procedimento básica foi possível atingir coberturas vacinais e de pré-natal
médico de alta complexidade para você que se aproximam da universalidade” (ver box, na pág. 10).
ou algum familiar, não há dúvida: você Radis discute aqui o que faz o Sistema Único de Saúde,
usou o SUS. Um dos maiores sistemas de em toda a sua extensão, desaparecer aos olhos dos bra-
saúde pública do mundo, resultado de luta sileiros, buscando localizar como e por que as limitações
da sociedade civil organizada, movida pela do sistema se sobressaem, ao mesmo tempo em que o SUS
determinação de bravos sanitaristas, o Siste- não recebe o devido crédito no que diz respeito às ações
ma Único de Saúde, criado pela Constituição de saúde bem sucedidas no país.
de 1988 e regulamentado dois anos depois,
pelas leis 8.080 e 8.142, tem, quase 21 anos
raízes
depois de sua criação, uma abrangência muito maior do
que a percebida pela maioria dos brasileiros. Radis apresenta também exemplos desse SUS que não
Levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa se vê — ações de vigilância em Saúde, como o trabalho
Econômica Aplicada (Ipea) indica que boa parte da po- da Anvisa e as campanhas de imunização; procedimentos
pulação ainda desconhece a amplitude do SUS: 34,3% de alta complexidade, como o transplante de órgãos;
afirmaram nunca ter usado o sistema — o que é pouco programas de prevenção e tratamento reconhecidos inter-
provável. Publicado em fevereiro, o Sistema de Indica- nacionalmente, como o de combate ao HIV/aids, além da
dores de Percepção Social (Sips/Ipea) — que tem como produção de tecnologia e conhecimento, a exemplo do que
finalidade construir indicadores sociais para verificar como se faz na Fiocruz e em outras instituições públicas de
a população avalia os serviços de utilidade pública e seu pesquisa e/ou ensino em saúde, entre muitos outros.
grau de importância para a sociedade — indicou que o SUS Esse cenário de desconhecimento tem, em grande
recebeu melhor avaliação de quem declarou tê-lo utilizado medida, raízes em questões relacionadas à comu-
(68,9%) do que daqueles que afirmaram não fazê-lo. nicação. Percebe-se, no entanto, que está também
Entre os que declararam ter tido alguma expe- nas mãos dos gestores públicos, que trazem para si o
riência com o SUS, 30,4% consideram os serviços bons crédito de realizações que, na verdade, são viabilizadas
ou muito bons, enquanto, entre os que informaram pelo SUS, a responsabilidade por garantir que o sistema
nunca ter usado o SUS, o índice dos que avaliam os se apresente do tamanho que ele realmente é. Falta,
serviços como bons ou muito bons, cai para 19,2%. Por também, mexer na visão da Saúde que predomina, hoje,
outro lado, os que consideram o SUS ruim ou muito de consumidora de recursos, enfatizando-a, em vez disso,
ruim são em maior número entre os que informaram como geradora de riqueza, como o setor econômico que
nunca ter usado (34,3%) o sistema, do que entre os mais investe em inovação e desenvolvimento tecnológico
que disseram ter usado (27,6%). do país, o que faz dele um motor do desenvolvimento.
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No que diz respeito à relação entre o sistema estavam mais comumente asso- saúde ignoravam a determinação do Mi-
o Sistema Único de Saúde e a mídia, não ciadas “às mazelas e dificuldades do se- nistério da Saúde de exibir a logomarca
é de hoje que o tema interessa aos pes- tor, quase sempre a partir de uma suposta do sistema — também obrigatória em
quisadores da comunicação e da saúde. ineficiência do Estado, incompetência prédios, veículos, uniformes, ofícios e
Em 2000, o jornalista Valdir Oliveira, pro- das autoridades ou dos profissionais da publicações — e que boa parte da popu-
fessor do Programa de Pós-Graduação em área”. Valdir advertia que esse realce lação desconhecia seu significado.
Informação, Comunicação e Saúde (Icict/ em aspectos negativos impedia que o SUS No texto, o comunicador e sanita-
Fiocruz), já chamava atenção para uma criasse para si melhor imagem na esfera rista Mario Scheffer avaliava que a falta
pesquisa realizada em 1998, que mostra- pública e desmontasse “uma construção de uso da logomarca também refletia
va que a maioria dos entrevistados não discursiva sectariamente corrosiva e estratégias de desvalorização do sistema.
sabia definir com precisão o significado conduzida por grupos contrários a ele”. “O lado bom do SUS é pouco conhecido,
da sigla SUS. há preconceito, desinformação e até má
No artigo publicado na edição de fé de setores que lucram com a exposição
O olhar da imprensa
agosto daquele ano da revista Interface negativa dos serviços públicos de saúde”,
(www.interface.org.br) — voltada a Em julho de 2005, atendendo à declarou à revista.
comunicação, saúde e educação —, ele sugestão de um leitor, Radis (edição 35) O coordenador de redação da Asses-
apontava que as principais imagens e mostrou que, 15 anos após a criação do soria de Imprensa do Ministério da Saúde,
informações divulgadas pela mídia sobre SUS, algumas instituições públicas de Renato Strauss, considera “desafiador”
Umberto observa, no entanto, SUS destina recursos do Estado para “Isso desqualifica a atuação”. Ele
que essa “má vontade” associa-se o financiamento de planos privados. lembra que são poucas as institui-
às limitações do próprio sistema, “Isso não aparece na mídia”, aponta ções que, como a Fiocruz, enxergam
acabando por fragilizá-lo. Ele explica Umberto, para quem o sistema de o comunicador como um profissional
que, como muitas das atribuições saúde suplementar também funciona da saúde. “Não adianta tratar como
do SUS, mesmo que retoricamente mal e somente aparece nos jornais se fosse marketing político. Alguém
defendidas por governo e sociedade, quando é alvo de escândalo. tem que levar a cabo uma política
ainda não foram implementadas, mais alinhada com as diretrizes do
Comunicador como
esse descompasso facilita a ação dos sistema”.
profissional de saúde
opositores, que não o atacam publica- A jornalista Cristina Ruas con-
mente, mas se articulam para atrasar Outra razão apontada por Um- corda: “Não existe comunicação
seu desenvolvimento. “Ninguém se berto diz respeito à rotatividade dos sem mobilização; nem mobilização
levanta, de cara limpa, para dizer que profissionais de comunicação que sem comunicação”. Pesquisadora do
é contra o SUS”, observa. atuam no SUS, nas assessorias do projeto Fundo Global Tuberculose
Uma das estratégias para minar Ministério da Saúde e das secretarias Brasil — voltado à população mais
o sistema é derrubar fontes de finan- estaduais e municipais, a maioria com suscetível aos agravos da tuberculose
ciamento, por exemplo. Ele lembra vínculo esporádico, contratada via nas regiões metropolitanas —, ela atua
que o mesmo governo que defende o processos licitatórios e/ou agências. na área da saúde desde 1982. Cristina
P esquisa e o desenvolvimento
de produtos dela decorrentes
são motores do crescimento eco-
dispositivos intrauterinos (DIU),
gerando economia de R$ 170 mi-
lhões por ano aos cofres públicos.
a essa terceira fase”. Os laboratórios
públicos, informa Hayne, vêm dis-
cutindo com o Ministério da Saúde
nômico de um país e de seu forta- Investimentos conjuntos dos mi- maneiras de produzir itens de maior
lecimento em nível internacional nistérios da Saúde e da Ciência e Tec- valor tecnológico e valor agregado.
— geram empregos, enriquecem nologia, que somaram R$ 700 milhões, Farmanguinhos se prepara
a indústria nacional e reduzem possibilitaram 3,6 mil estudos em mais para fabricar o imunossupressor
a dependência do conhecimento de 400 instituições acadêmicas. tacrolimo, usado por pacientes
estrangeiro. Na saúde, o impacto Entre as instituições públicas submetidos a transplante de rim, e
é ainda mais significativo, pois de pesquisa, a Fundação Oswaldo uma combinação de medicamentos
tende a melhorar o cuidado. Cruz é um dos exemplos mais ci- 4 em 1 para tuberculose que pode
O investimento público é tados. Somente Farmanguinhos, ampliar a adesão ao tratamento
fundamental nessa área, em que instituto de pesquisa, desenvol- e diminuir as taxas de abandono,
se observa a falta de interesse vimento e produção da Fiocruz, um dos principais problemas na
de empresas privadas em voltar produz em torno de 1 bilhão de terapia contra a doença.
sua produção para determinadas medicamentos por ano para o
doenças — chamadas de negligen- SUS — antibióticos, antiulcerosos,
Foto: Peter Ilicciev/ Fiocruz
explica que a comunicação ideal se ção de todas as áreas da prefeitura. demanda do trabalho de assessoria”.
baseia em três pilares: técnico, po- “Como vai compreender que aquilo Já no campo político, a atuação
lítico e financeiro. Na área técnica, que passa para imprensa é parte do do profissional de comunicação vai
ela identifica que falta capacitação SUS?”, questiona Cristina, também depender do comprometimento do
para os profissionais. Além disso, nos mestranda do Icict/Fiocruz. gestor que o contratou e de a insti-
pequenos municípios, não há como Em relação à dimensão financei- tuição incorporar (ou não) sua filiação
o assessor se apropriar de uma visão ra, ela observa que não há investi- ao SUS, bem como seus interesses
abrangente da saúde, já que muitas mento de recursos em planejamento em relação à mídia. “O trabalho do
vezes trabalha sozinho na divulga- e gestão de marca. “Só se atende a assessor é político”, afirma.
nesse tempo em que estou diretamente Ele reconheceu que este vem sendo
Na gestão, grande
envolvido com a área da Saúde, de ter anunciado em campanhas publicitárias
responsabilidade
visto um plano de gestão voltado para em rádio, TV e jornal, sem menção ao
O secretário municipal de Saúde do a comunicação estratégica”, aponta, SUS (ver Toques, Radis 100). “Não havia
Rio de Janeiro, Hans Dohmann, faz uma referindo-se também à própria gestão. me dado conta disso”. A gestão normal-
autocrítica e considera que a invisibilida- Um exemplo do que analisa mente está mais preocupada em gerir e
de do SUS diz respeito também à gestão está em uma das iniciativas levadas fazer acontecer, buscando dar conta de
e aos gestores, comumente focados em à frente em sua gestão: a Clínica da uma demanda em um período de tempo,
divulgar o que fazem e esquecendo-se de Família. Hans buscou refletir sobre e esquece que é preciso também cuidar
projetar a instituição SUS como um todo. o plano de comunicação do projeto, da instituição SUS”, observa.
“No máximo, entra a logo em algum pro- lançado pela Prefeitura do Rio em Do lado do usuário, a invisibilidade
jeto nosso, mas isso é pouco”, observa. 2009, com foco na atenção básica se concretiza. Hans relata que as placas
Ele defende que parte do orçamento para resolutiva, que prevê atendimento das Clínicas da Família trazem a logomar-
a Saúde deveria destinar-se à comunica- médico e dentário, pré-natal, farmá- ca do SUS, mas, ainda assim, houve quem
ção estratégica do SUS. “Afinal, investir cia e exames, além de atendimento perguntasse quanto teriam que pagar
em comunicação é investir no SUS”, domiciliar, entre outros serviços, para usar o serviço. “É curioso o quanto
justifica. “Infelizmente não me recordo, reunindo equipes multiprofissionais. ainda temos dificuldade de transmitir que
ser diferente. “A Clínica da Família pre- pria mídia não tem interesse em que o
Informação de Vigilância da Qualidade da da rede, busca de um financiamento es- pública que tem raízes solidárias e hu-
Água para Consumo Humano, do âmbito tável e implica discutir com a sociedade manísticas, na busca da universalização
na Secretaria de Vigilância em Saúde a ideia de integralidade em saúde. Odo- da saúde. “Vivemos no Brasil um dilema
do Ministério da Saúde. “Quando vamos rico recorda que milhões de brasileiros ético: as pessoas que trabalham e que
comprar o pão, compramos na padaria do passaram a ter direito à saúde com o opinam não são usuárias do sistema, ou
SUS, pois a vigilância sanitária cuida da advento do SUS. “Mas a expansão da co- melhor, não se reconhecem como tais”,
fiscalização daquele estabelecimento”. bertura não foi seguida de investimento diz. Ele lembra que em países onde há
maciço na qualidade do acesso, gerando sistemas universais, como Canadá e In-
insegurança na população em relação ao glaterra (Radis 99), há crises e debates,
Noção de pertencimento
sistema”, avalia. mas as pessoas que criticam são e fazem
A invisibilidade do SUS envolve dis- Odorico acredita que ainda não se questão de ser usuárias de seus sistemas
puta de valores na sociedade, melhoria conseguiu discutir o SUS como política públicos de saúde.
Contrapontos na
América-Latina
Em Cuba, forte presença do Estado e influência
nos princípios do SUS brasileiro;
no Chile, sistema misto abre espaço público
e privado para quem contribui
N
o artigo O SUS entre a tradição o sanitarista.
dos Sistemas Nacionais e o modo Nesse sentido, o sistema de saúde de Cuba
liberal-privado para organizar o é citado com frequência por teóricos, por sua
cuidado à saúde, o sanitarista Gas- influência na criação do SUS e, mesmo os que
tão Wagner aponta que a tradição dos sistemas fazem críticas ao regime político implemen-
nacionais de saúde foi construída em articula- tado por Fidel Castro e seus correligionários
ção com a luta dos trabalhadores, realizadas reconhecem sua qualidade. Radis pesquisou as
particularmente em países europeus, durante principais características do sistema cubano,
o século 20, em prol de políticas públicas ou com presença integral do Estado na saúde,
do socialismo. É desta tradição, afirma Gastão, em contraponto com as de outro país latino-
que o SUS recolheu a concepção de direito americano, o Chile, que descreveu trajetória
universal à saúde —“e de que este direito seria bem diversa, com setor privado fortalecido e
concretizado por meio de uma política pública, fragmentação dos serviços públicos.
da família. A meta é atingir 100% dico deveria ser gratuito, o que levou à
da população. criação do Sistema Nacional de Saúde,
Cuba No site que mantém na internet, disseminando-se as ações de saúde.
a Embaixada de Cuba no Brasil informa A mudança priorizou o atendimento
que, antes da revolução, predomi- primário, baseado no médico e na en-
Prioridade para a
navam no país os serviços de saúde fermeira da família, implementado a
atenção primária
privados. À população de baixa renda, partir de 1984. O modelo compreende
A rede assistencial de Cuba restavam as Casas de Socorro, que aten- procedimentos e serviços de promoção,
apresenta hoje 381 áreas de saúde diam principalmente casos de urgência. prevenção, cura e reabilitação, além
cobertas pelo programa Médico da A quase totalidade dos serviços se da proteção de grupos populacionais
Família — que inspirou a criação localizava na capital, Havana, onde se específicos, com o uso de tecnologias
da Estratégia Saúde da Família no concentravam 65% dos médicos e o 62% dirigidas “ao indivíduo, à família, à
Brasil — e conta com 28 mil médi- dos leitos disponíveis. Nas zonas rurais, comunidade e o meio”, informa o site.
cos distribuídos em seu território. praticamente não existia atendimento É o programa de “medicina fa-
Dados oficiais apontam que mais do médico e havia somente um só hospital. miliar” que orienta as demais ações.
99,1% da população cubana estão A partir dos anos 1960, tomou Além da revitalização do atendimento
cobertos com médico e enfermeira força a ideia de que o atendimento mé- hospitalar — em 2000, eram 270 unida-
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des no país, oferecendo 58.713 leitos natal, a síndrome da rubéola congênita medida permite maior relacionamento
— a estratégia diminuiu a demanda de e a meningoencefalite pós-parotidite. dos profissionais com a comunidade e
internações, consultas de urgências Entre os grupos priorizados estão garante que sempre vai haver um mé-
e intervenções cirúrgicas. O sistema as mulheres, as crianças e o “adulto dico à disposição, diz Roberto.
também investe em programas de maior”, já que 14.3% da população têm Além do médico de família, há
prevenção, diagnóstico e tratamento mais de 60 anos. um clínico geral de bairro, os hospi-
do câncer, insuficiência renal, cardio- tais de zona e os institutos especiali-
patias, além de diagnóstico precoce zados. Todo atendimento é gratuito,
Esperança de vida
das afecções congênitas, pré-natais, com exceção dos medicamentos,
de sangue e hemoderivados. Nenhuma Segundo o médico Roberto San- que são subsidiados pelo Estado. O
doença fica fora do sistema de saúde tillana Gomez, sanitarista do Programa resultado pode ser observado quan-
cubano, que oferece tratamentos a Saúde da Família em Cuba, o sistema do se comparam as estatísticas das
problemas que vão de dores de cabeça é um conjunto de unidades adminis- Nações Unidas sobre esperança de
a enfermidades relacionadas à aids, trativas de produção e de serviços vida. Cuba ocupa o terceiro lugar
passando por assistência odontológica comprometidos com a atenção integral em todo continente americano, com
e também cirurgias plásticas. à saúde. Ele explica que a atenção expectativa de vida de 76 anos para
Em Cuba, os maiores índices médica primária é “a porta de entra- os homens e 80, para as mulheres. Já
de mortalidade estão associados às da da saúde”, e que cada equipe do em relação à mortalidade infantil, as
doenças crônicas não transmissíveis; Programa Saúde da Família atende no estatísticas da ONU apontam que o
o país distribui vacinas contra 13 do- máximo 250 famílias. Seus integrantes índice de Cuba é de cinco mortes a
enças e já erradicou de seu território residem na área de atuação, em edifi- cada mil nascimentos, o que situa o
a poliomielite, a difteria, o sarampo, a cação construída pelo governo, onde país em um nível só comparável ao
meningite tuberculosa, o tétano neo- também funciona um consultório. A do Canadá no continente americano.
Entrevista
Tania Araújo-Jorge
D
oenças como hanseníase,
leishmanioses, tuberculose e
Chagas são não só decorrentes,
como promotoras da pobreza e
devem estar no foco da agenda de pes-
quisa em saúde do país. Quem chama a
atenção para essa demanda é a médica
e pesquisadora Tania Araújo-Jorge, dire-
tora do Instituto Oswaldo Cruz, unidade
da Fiocruz voltada a pesquisa, desen-
volvimento tecnológico e prestação de
serviços de referência para diagnóstico
de doenças infecciosas e genéticas e con-
trole de vetores. Para Tania, as ações do
Brasil para reduzir as doenças infecciosas
têm sido produtivas e a curva é descen-
dente. O quadro, no entanto, ainda re-
quer visibilidade e atenção. “As doenças
têm grande impacto no desenvolvimento
da vida adulta durante uma fase longa
e crônica. Comprometem a capacidade
de gerar renda e a qualidade de vida”, Não é um conceito novo, é apenas uma progresso individual. As políticas públi-
analisa Tania, em entrevista à Radis. revisão do conceito com a integração de cas de controle da pobreza deveriam
causa e consequência. elevar o combate a essas doenças a um
Por que chamar as doenças negligen- patamar de atenção e de investimento
ciadas, tais como malária, leishma- Como o governo deve lidar com essa mais alto. Estamos chamando a atenção
niose visceral e doença de Chagas, questão? do Governo Federal para a necessidade
de doenças promotoras, e não só As políticas públicas de controle da de articular as políticas, não só a fim de
decorrentes, da pobreza? pobreza, que são a prioridade número reduzir consequências da pobreza, mas
As doenças negligenciadas sempre um do governo Dilma, não podem deixar também de reduzir causas da pobreza.
foram consideradas decorrência da de lado o foco no controle das doenças
situação de pobreza. Em tese, com o infecciosas mais antigas. O passivo da O desafio de controlar essas doenças
aumento da renda haveria o fim dessas saúde pública do século passado tem de não foi colocado no PAC da Saúde,
doenças. Mas há uma percepção cada ser enfrentado neste século. Nos países no Mais Saúde, nem na campanha
vez maior de que elas não só decorrem desenvolvidos, como Canadá e Estados eleitoral. Como inserir esse tema na
como realimentam a pobreza. Não são Unidos, e os europeus de modo geral, agenda do governo?
infecciosas agudas, têm grande impac- doenças como hanseníase e tuberculose Evidentemente, é pelo próprio Mi-
to no desenvolvimento da vida adulta foram controladas pela melhoria da nistério da Saúde que esse debate tem
durante uma fase longa e crônica. Com- qualidade de vida, da habitação, do que começar — e começou. Em dezem-
prometem a capacidade de trabalho, a transporte, pelo aumento do próprio bro de 2010, a questão foi levantada no
capacidade de gerar renda, a qualidade padrão socioeconômico da população. encontro que comemorou os dez anos do
de vida. Contribuem para alimentar os No Brasil, um conjunto multifatorial de Departamento de Ciência e Tecnologia
determinantes sociais da doença e a problemas gera pobreza e doenças, num da Secretaria de Ciência, Tecnologia
própria pobreza, na medida em que para ciclo que se realimenta. Esse quadro se e Insumos Estratégicos do Ministério
se gerar riqueza tem que se estar ativo coloca tanto para as doenças infecciosas da Saúde, que agora está revisando a
no mercado de trabalho. A partir de um quanto para a desnutrição — que também agenda nacional de temas prioritários
estudo econômico, constatou-se que es- era vista como decorrência da pobreza, para pesquisa em saúde. Nessa reunião,
sas doenças não só são consequência da mas é geradora de mais pobreza na a discussão ganhou corpo. Os pesquisado-
pobreza como também são causa dela. medida em que reduz a capacidade de res concordaram em que a desnutrição e
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as doenças infecciosas são geradoras de com pesquisa para inovação, mas tam- determinados momentos, tem-se um
pobreza e passaram a enxergá-las como bém com pesquisa para implementação financiamento externo “para investir em
oportunidade de articular desenvolvi- de estratégias. obesidade”. O dinheiro vem para isso e
mento social com saúde em questões que a pesquisa tem que ser sobre isso. Se os
atingem diretamente segmentos pobres O relatório ‘Saúde Brasil 2009’ países endêmicos, e o Brasil em especial,
da população. Não atingem a sociedade mostra o crescimento das doenças não pautarem as doenças infecciosas da
como um todo, mas a população brasi- crônicas e a diminuição das doenças pobreza como prioridade, o investimento
leira que mais necessita de cuidados. A infecciosas. Qual é o critério para não vem para isso. Tanto o investimento
ideia é que a gente bata e rebata esse definir as prioridades de pesquisa? de fora quanto o de dentro dependem
ponto, de modo a dar visibilidade a ele. A agenda de pesquisa é muito com- da definição de prioridades. Por isso, a
plexa porque, por exemplo, a redução discussão da agenda de prioridades de
Qual é o quadro atual dessas doenças das doenças infecciosas não se dá da pesquisa em saúde é tão importante. É
no Brasil? mesma maneira em todas as regiões essencial sua atualização pelo ministério,
Tuberculose, hanseníase e leish- do país. A aids tem sido reduzida no regularmente a cada dois, três, quatro
manioses são as que preocupam mais, Brasil de modo geral por uma adequada anos. O ministério está atualizando agora
mas existe um conjunto de outras — política de controle, mas no Nordeste a agenda que saiu em 2005.
Chagas, filariose, oncocercose. Algumas está aumentando. Esse é apenas um dos
não podem ser erradicadas, na medida aspectos que temos de considerar na Se não é possível erradicar todas es-
em que interpõem ciclos complexos de sas doenças, quais seriam as metas
transmissores, de vetores, mas podem de controle a se atingir?
ser controladas com boas políticas. Mais Existe um protocolo firmado com
de 100 milhões de brasileiros ainda con-
vivem com essas doenças. Dois milhões
Não podemos ficar a Organização Pan-Americana da Saúde
referente a todas as doenças que são
têm esquistossomose, 500 mil têm leish- à mercê da vontade passíveis de controle em curto e médio
manioses, quatro milhões são portadores prazos, que inclui a identificação das
de doença de Chagas crônica, mais de de indústrias lacunas de conhecimento.
75 mil, de hanseníase, e 93 milhões têm farmacêuticas
outras verminoses. Registram-se 300 mil Toda essa discussão toca na partici-
novos casos de malária por ano. O Brasil internacionais e pação da saúde no desenvolvimento
tem dado passos grandes no controle da
países desenvolvidos.
econômico do país...
transmissão vetorial da esquistossomose No governo Lula, a saúde foi in-
e da doença de Chagas, tendo o trata-
mento dos casos crônicos como desafio
A ideia é inverter a cluída na agenda de desenvolvimento
econômico — o complexo produtivo e
maior nesse campo. Já as leishmanioses lógica de quem define industrial da saúde e todo o movimen-
e a tuberculose não estão tão bem con- to de recursos, de volume de pessoas
troladas. É preciso identificar nossas fra- a prioridade trabalhando, de aportes de serviços e
gilidades e enfrentá-las adequadamente: de novos produtos que envolvem o con-
pautá-las como políticas públicas, com junto da saúde. Costuma-se dizer que,
necessidade de financiamento tanto complexidade que é este país. Outro é a se as importações do Brasil parassem
para pesquisa quanto para intervenção superposição de doenças infecciosas com hoje, teríamos uma parada completa de
em campo. doenças crônicas: há cardiopatas com todos os CTIs e de todos os laboratórios
doença de Chagas que têm hipertensão e de diagnóstico, pois todo o material é
Como está esse debate no mundo? obesidade. Seria ótimo se uma [crônica] importado. É um grau de dependência
Essa não é uma preocupação só do existisse sem a outra [infecciosa], mas muito forte que o país tem e, evidente-
Brasil, mas mundial. A Organização Mun- quando registramos as duas precisamos mente, todas essas necessidades devem
dial da Saúde está trabalhando em um lutar nas duas frentes. As ações do Bra- entrar na agenda do desenvolvimento.
relatório global sobre o impacto dessas sil para reduzir as doenças infecciosas Nós temos que falar dessa questão, da
doenças em todo o mundo e sobre as têm sido muito produtivas, a curva geração de pobreza a partir das doen-
prioridades de pesquisas. Esse trabalho descendente é clara. Eram a segunda ças, com os interlocutores do campo do
dura mais de dois anos e envolve cerca causa de mortalidade infantil e já não desenvolvimento econômico.
de 150 especialistas. Eles listaram 15 são mais; foram tão bem controladas
doenças que devem ser foco dos governos no atendimento natal e perinatal que E quanto à participação da saúde
em países endêmicos. O grande problema hoje a segunda causa de mortalidade para a erradicação da miséria?
é: não podemos ficar à mercê da vontade infantil são as doenças genéticas, as más A miséria é o determinante central
de indústrias farmacêuticas internacio- formações congênitas, com incidência da saúde de qualquer povo, seja na
nais e países desenvolvidos de investir que antes parecia pequena devido à Índia, na China, no Brasil ou no Haiti.
nessas doenças. Elas não são prioridade mortalidade por infecções no primeiro Então, todas as políticas que controla-
para um conjunto de países no mundo. A ano de vida. Mas não se pode desligar o rem ou reduzirem a miséria em um país
ideia é inverter a lógica de quem define alarme: é preciso olhar a saúde como um são promotoras de saúde, numa ligação
a prioridade. Até agora, essas doenças problema complexo, sistêmico, com toda absolutamente direta. As políticas para
foram negligenciadas na agenda de in- diversidade que se tem no país. melhoria das condições de saúde também
vestigação, de desenvolvimento de novos têm impacto no desenvolvimento social.
medicamentos, novas estratégias e novas O que falta para a pesquisa nessa É uma roda, é um circulo. Por isso é que
abordagens ou mesmo de aplicação de área: investimento, prioridade? eu digo que essa não é só uma questão
abordagens adequadas já existentes. Às Um pouco dos dois. A prioridade de causa e efeito, é uma inter-relação.
vezes já se tem a solução, mas não se dita o investimento, mas quem dita Para controlarmos, temos que olhar a
consegue o controle. É preciso trabalhar a prioridade? Essa é a discussão. Em partir de todos os ângulos.
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Serviço
Pós-tudo
Q
cias e negligente com os conselhos de esfera política e econômica; ou, ainda,
uando a pesquisa do Ipea saúde, a grande mídia segue utilizando subestimar o poder de reflexão do povo
aponta que parte dos brasilei- seu discurso denunciatório sobre a ine- brasileiro, que não é mero receptor de
ros não se considera usuária ficácia do que é público na saúde para, notícias. O que se tenta compreender é
do Sistema Único de Saúde, repetidamente, ignorar agentes políticos como se forjou uma imagem midiática
a primeira suspeita é que há algo de e condenar à invisibilidade tudo aquilo tão sólida de ineficiência pública que faz
errado na divulgação do sistema para que concorre com a esfera dos negócios, com que aquilo que existe, comprovada-
a população. Mas será mesmo esta a sempre bem iluminada pelas embalagens mente funciona e está à disposição da
única causa do desconhecimento? Na e pesquisas de produto. Enquanto isso, população seja reduzido a uma derrotada
discussão que propõe sobre invisibilida- o discurso desqualifica o que ainda está política para os pobres.
de social, o cientista político Luiz Edu- por construir e que carece da ampla Conquista da mobilização do povo
ardo Soares coloca que indiferença e brasileiro no processo de redemocra-
preconceito anulam a pessoa por meios tização e fruto de um movimento que
opostos: enquanto a primeira ignora a vislumbrou um novo projeto para o país,
sua presença, o segundo “corresponde mais justo e igualitário, o Sistema Único
a uma hipervisibilidade, que ilumina de Saúde universalizou o direito à saúde
uma imagem artificial e pré-construída, no Brasil, antes restrito aos que tinham
obscurecendo a individualidade da pes- a sorte de ter uma carteira de trabalho
soa, mantida na penumbra”. assinada. Mas o quadro que pintam sobre
Difícil não reconhecer o próprio ele nos meios de comunicação de grande
SUS nesta condição. Mesmo o cidadão consumo não utiliza, de seus arquivos,
que utiliza a saúde suplementar para outras imagens que não sejam as da
cuidar de sua família é usuário do SUS. ineficácia e a da ineficiência. A seleção
Basta observar o preparo de um inocente daquilo que estampa as manchetes joga
churrasco de domingo: a carne terá sido para fora das páginas e dos comentários
vistoriada pela Vigilância Sanitária, o d.m.
o que não interessa que seja visto.
desinfetante para higienizar o ambiente, mobilização social para que se cumpra Dentro desta estratégia de mos-
também. Assim como o protetor solar como direito de todos e dever do Estado. trar e esconder fatos, motivos e
usado pela criança, o perfume compra- De um lado, a hipervisibilidade de versões, a partir do uso de estigmas
do para esposa e o analgésico que se suas limitações; de outro, a negligência e negligências, deduz-se que não é o
acredita amenizar a ressaca. Um simples em relação às boas práticas que oferece. Sistema Único de Saúde que é invisível;
almoço cotidiano, para ser saudável, não Observar o que se noticia revela um hia- o modo que a sociedade o enxerga é de
prescinde de normas, serviços e profis- to entre o que se diz sobre o sistema e tal modo desviado, que ele somente
sionais do SUS. o que ele realmente é. Nesse contexto, se torna visível quando alvo das câ-
Seja para o rico, seja para o pobre, falar sobre o SUS implica supervalorizar meras de televisão — portadoras de
é o SUS quem financia todas estas ações. filas apinhadas de sofrimentos, instala- uma espécie de cegueira seletiva que
Mesmo reconhecendo que condições ções carentes de reforma e profissionais valoriza apenas as iniciativas privadas,
políticas e econômicas também contri- ausentes de seus postos; reforçar a ideia mais afeitas ao espetáculo sensorial
buem para a formação de sua imagem, de que tudo aquilo é coisa de pobre dos meios e conexões que constroem
o SUS é vítima de preconceito, apresen- e despesa inútil para o contribuinte. o cenário da mídia atual.
tado pela mídia comercial como cenário Ao mesmo tempo, as narrativas de- Neste sentido, é a própria saú-
exclusivo de iniquidades, destino irrevo- monstram indiferença em relação aos de que se torna invisível, ofuscada
gável de cidadãos de segunda classe que avanços do sistema, ignorando a oferta pelos holofotes especializados em
não podem consumir bens de saúde. O gratuita de procedimentos de alta iluminar artigos para o consumo. No
reflexo desta imagem estereotipada é complexidade que salvam vidas ou o tempo das vitrines on line e on time,
a exclusão de suas qualidades da cena conhecimento produzido em institui- os produtos se tornam mais visíveis
discursiva midiática. ções de pesquisa, por exemplo. que as necessidades.
Desaparece dos olhos da audiência, Convém esclarecer que não há in-
por exemplo, o que há de mais caro tenção, nesta rápida análise, de duvidar * Adriano De Lavor é jornalista da Radis e
em sua essência, que é a participação das carências ou justificar incorreções em doutorando no Programa de Pós-Graduação
popular. Raríssimas são as pautas ou qualquer dos serviços; nem demonizar o em Informação, Comunicação e Saúde (PP-
coberturas jornalísticas que abordam o papel da mídia, como se fosse a exclusiva GICS) no Icict/Fiocruz