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violações de direitos

humanos na universidade
6 - violações de direitos humanos na universidade
Este texto foi elaborado sob a responsabilidade da conselheira Rosa
Maria Cardoso da Cunha. Pesquisas, investigações e redação foram
desenvolvidas pela pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade
Angélica Muller, com colaboração das comissões da verdade univer-
sitárias das seguintes instituições: Fundação Escola de Sociologia e
Política de São Paulo, PUC/SP, UnB, Unesp, Unicamp, Unifesp,
UFBA, UFC/UECE, UFES, UFPA, UFPR, UFRJ, UFRN e USP.

No quadro de violações de direitos humanos do período investigado pela Comissão Nacional


da Verdade (CNV), cabe apresentar o contexto daquelas perpetradas pelo regime militar nas universi-
dades brasileiras e no meio educacional. Esse contexto se caracteriza principalmente por atos normativos
que redundaram em afastamentos e demissões, por um lado, de professores e funcionários e, por outro,
de estudantes. Também, as inúmeras invasões de faculdades ou de universidades demonstram a cultura
política repressiva que conduziu os militares à prática de graves violações. Uma série de projetos, linhas
de pesquisas, cursos e grupos foram afetados1 e, muitas vezes, banidos do sistema. A ditadura passou
até mesmo a controlar a produção de livros1 e estabeleceu a censura para muitos outros (Decreto-lei no
1.077/1970). Implantou uma política de modernização autoritária das universidades. Também ocorreu
colaboracionismo de professores e dirigentes com o novo regime.2 E, algumas vezes, universidades che-
garam a firmar parcerias com a Escola Superior de Guerra para ministrar cursos em seus campi, como foi
o caso da UFPR, conforme consta de ata do Conselho Universitário da UFPR, de 20 de abril de 1966.3
Foi esse o pano de fundo das graves violações de direitos humanos que atingiram o meio
universitário: prisões, tortura e mortes de professores, estudantes e funcionários, boa parte deles ligados
a alguma organização política. Não existem dados sistematizados sobre o número de estudantes, pro-
fessores e funcionários presos durante os 21 anos do regime militar. Contudo, dados parciais existentes
permitem uma estimativa da abrangência da repressão no meio universitário brasileiro. Pesquisadores
do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) estão realizando, no ano de
2014, uma identificação dos cientistas perseguidos durante a ditadura militar (1964-1985). O projeto
tem o objetivo de organizar verbetes dos professores e cientistas que, de alguma forma, sofreram algum
tipo de perseguição em suas carreiras ou foram expurgados durante a ditadura. Estima-se entre 800
e 1.000 o número de pesquisadores perseguidos de 1964 a 1985.4 Em 2 de outubro de 2012, a CNV
enviou ofício aos reitores de universidades públicas solicitando os seguintes dados: lista com nomes
completos de todos os professores, servidores e funcionários cassados, aposentados compulsoriamente,
mortos ou desaparecidos por motivação política referente ao período de 1964 a 1985. Das cinquenta
respostas apenas oito instituições apresentaram dados, a saber: UFSM, dois funcionários e dois profes-
sores; UFPA, quatro professores; Unicamp, dez professores; UFSC, dois professores; UFRGS, 31 pro-
fessores; UNESP, 23 professores; UFRRJ, três professores e três funcionário; e UFMA, um professor.
As demais universidades responderam que não tinham acervo/dados sobre o assunto.5

A) O ambiente universitário à época do golpe militar de 1964

O início dos anos 1960 trouxe à tona a discussão sobre a reforma universitária brasileira. A
política de desenvolvimento posta em marcha na década de 1950 não atingiu a estrutura universitária,
que se encontrava atrasada e incapaz de absorver um número cada vez maior de candidatos aptos a

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se profissionalizarem. Nesse sentido, a temática pautou as discussões da academia, principalmente o
movimento estudantil capitaneado por sua entidade representativa, a União Nacional dos Estudantes
(UNE). Entre fins dos anos 1950 e início dos anos 1960, a UNE realizou três grandes seminários para
debater a reforma universitária. Entre os pontos de discussão destacava-se a questão da democratização
entendida como a própria democratização de poder na universidade. Contrários à hegemonia dos pro-
fessores catedráticos, os estudantes passaram a defender sua participação nos órgãos colegiados. Paralela
à atividade política, e conjuntamente com ela, foi na UNE que nasceu no início da década de 1960 uma
das mais relevantes experiências culturais do país. Trata-se do Centro Popular de Cultura, o CPC da
UNE, que ambicionava não só mudar a cultura dentro das universidades como também representava
um papel preponderante para a mudança da realidade social do país. A ideia do CPC da UNE prosperou
e acabou por reunir uma quantidade expressiva de jovens artistas e intelectuais que, posteriormente,
viriam a se tornar nomes de expressão das artes brasileiras. As atividades artísticas produzidas pelos
diferentes departamentos do CPC – com destaque para os de música, teatro, cinema e literatura – eram
autossuficientes financeiramente, até porque seus membros trabalhavam gratuitamente. O sucesso de
suas produções foi potencializado com a UNE-Volante, cujo objetivo era percorrer todos os estados do
país, possibilitando, ainda, a abertura de diversos centros em muitos estados da Federação.
O ano de 1961 foi de mudanças na política educacional no país. Depois de mais de dez
anos de disputas parlamentares, foi aprovada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), considerada extremamente conservadora, que acabou por consolidar o modelo tradicional
das instituições de ensino superior: manutenção da cátedra, das escolas isoladas e da composição
das universidades pela justaposição das escolas profissionais sem comprometimento com a pesqui-
sa. Paradoxalmente, em 15 de dezembro de 1961, o então presidente da República João Goulart
sancionou a Lei no 3.998, que autorizou a criação da Universidade de Brasília (UnB). A UnB foi
fundada com a promessa de reinventar a educação superior, entrelaçar as diversas formas de saber e
formar profissionais engajados na transformação do país. Seus criadores desejavam criar uma expe-
riência educadora que unisse o que havia de mais moderno em pesquisa tecnológica com produção
acadêmica capaz de melhorar a realidade brasileira. Foi também nesse ano que a UNE participou
ativamente da campanha pela legalidade e, com prestígio adquirido, mereceu a visita do então em-
possado presidente João Goulart à sua sede, na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro. Para divulgar
os resultados dos seminários sobre reforma universitária, a UNE, com a ajuda do então governador
do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, lançou o referido projeto UNE-Volante, por meio do qual se
realizaram assembleias sobre os resultados dos seminários e se deu a divulgação da produção artística
do Centro Popular de Cultura. Foi nesse clima que eclodiu, em julho de 1962, uma grande greve
estudantil que ficou conhecida como Greve do 1/3, na qual era reivindicada a representação de pelo
menos 1/3 dos estudantes nos colegiados das universidades.
Entendida por setores mais conservadores como o “perigo vermelho”, a entidade passou
a ser o centro das atenções desses grupos. O grande prestígio político e cultural conquistado pela
UNE fez com que a sede da entidade se tornasse alvo de grupos reacionários, que ameaçavam seus
dirigentes por meio de telefonemas, cartas e pichações. Além disso, o prédio que abrigava a sede
da entidade não era devidamente protegido, uma vez que se encontrava sempre aberto devido ao
fluxo quase ininterrupto de pessoas que o frequentavam por conta das atividades culturais que lá
aconteciam. Foi dessa forma que, na madrugada de 6 de janeiro de 1962, um grupo paramilitar
denominado Movimento Anticomunista (MAC) invadiu a sede da UNE e alvejou com rajadas de
metralhadora as paredes da sala da presidência, localizada no primeiro andar do edifício. O fato foi
narrado pelo presidente da UNE na época, Aldo Arantes:

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Eles picharam a sede com “Abaixo a canalha comunista!”. No Rio de Janeiro e em
algumas outras cidades eles lançavam o slogan “Já matou o seu comunista hoje?”.
E elaboraram uma lista dos que eles consideravam comunistas e que deveriam ser
mortos – como Leonel Brizola, o Miguel Arraes e o meu nome também... Houve
um fato interessante: a diretoria da UNE morava nos fundos da sede. Convoco uma
reunião de madrugada, às cinco da manhã e resolvemos fazer um abaixo-assinado
colocando a responsabilidade no então governador da Guanabara, o Carlos Lacerda,
um homem de extrema direita e um dos articuladores do golpe militar de 1964.
Convocamos uma grande manifestação na Cinelândia, em protesto contra o metra-
lhamento da UNE. Foi um ato grandioso – levando-se em conta as condições da
época – e que demonstrou a solidariedade não só dos estudantes, mas da população
do Rio de Janeiro para com a UNE.6

Em julho de 1963, o 26o Congresso da UNE elegeu como presidente o paulista José
Serra, pertencente à Ação Popular, como seu antecessor, Aldo Arantes. E o primeiro grande desafio
da gestão foi enfrentar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada na Câmara dos
Deputados meses depois, encarregada de apurar o mau uso do dinheiro público pela entidade para a
realização de agitação política, bem como a infiltração comunista que ocorria no seio do movimento
estudantil por ela organizado. A CPI continuou os seus trabalhos, mas não foi capaz de apresentar
resultados durante o governo de João Goulart. Não por acaso, ela findou seus trabalhos ao nascer
do regime militar em abril de 1964.

B) O golpe de 1964 e o primeiro período de expurgo nas universidades

Em fins de março de 1964, o ambiente universitário em todo o país estava bastante agitado
e marcado por eventos de caráter político. No dia 30, em Belém, a UNE organizou, em conjunto com
a União Internacional de Estudantes (UIE) e a União Acadêmica Paraense (UAP), o Seminário Latino
Americano de Reforma e Democratização do Ensino Superior (SLARDES),7 cujo objetivo principal foi
debater a reforma universitária. O evento ocorreu no antigo auditório da Faculdade de Odontologia
do Pará, localizada no bairro Batista Campos. Participaram estudantes de toda a América Latina e,
logo após a abertura, ocorreu uma invasão por policiais militares do estado.8 No dia 31 de março,
a Residência Universitária da Universidade Federal da Bahia (UFBA) foi invadida. Segundo dados
apurados pela Comissão da Verdade da Universidade Federal da Bahia (CV/UFBA),9 foram presos
aproximadamente 55 estudantes e um professor. A invasão foi realizada pela Polícia Militar da Bahia,
sob comando do Secretário de Segurança do Estado, coronel do Exército Francisco Cabral. Todos
os presos foram levados para o quartel do 19o Batalhão de Caçadores do Exército, no bairro Cabula,
onde foram submetidos a interrogatório. Alguns foram liberados depois de alguns dias, outros depois
de uma ou duas semanas e cerca de 12 estudantes ficaram presos por até 50 dias. No Rio de Janeiro,
em 31 de março de 1964, o Diretório Acadêmico (DA) da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi)
realizou uma Assembleia Geral de alunos para “analisar a conjuntura” e decretar greve geral, de acordo
com determinação da UNE. Na mesma noite, os estudantes da Faculdade Nacional de Direito (FND)
permaneceram no prédio da rua Moncorvo Filho, ficando em vigília até o dia seguinte, para proteger o
patrimônio da universidade contra um esperado ataque do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).
Em 1° de abril, o prédio foi cercado pelo Exército e os estudantes foram retirados do local. A FND foi

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invadida e seu diretório acadêmico foi fechado, assim permanecendo por cerca de um ano. Ainda no
Rio de Janeiro, segundo dados fornecidos pela Comissão da Verdade da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (CV/UFRJ),10 o estudante Antônio Carlos Silveira Alves foi ferido à bala e veio a falecer
no interior da FNFi. Os militares colocaram a culpa na “presença armada” de estudantes no interior
da instituição. No mesmo dia, os membros do Diretório Acadêmico (DA) construíram barricadas na
rua lateral à faculdade, com o intuito de resistir ao golpe. Porém, o fato daquele ano de 1964 mais
lembrado pelo movimento estudantil, ocorrido em 1o de abril, foi o incêndio na sede da UNE.11 A
primeira mulher diretora da UNE, Maria de Nazaré Pedrosa, recorda: “Aí, quando eu olhei estava
começando a entrar em chamas a Praia do Flamengo, 132. O MAC, os grandes cabeças da reação, do
que havia de mais reacionário no Brasil, tinham tanto ódio daquela célula ali, o que representava aquele
prédio...”.12 Também em 1o de abril, em Belém, por volta das 19 horas, a sede da União Acadêmica
Paraense (UAP) foi invadida por tropas do Exército que depredaram o local, inclusive o teatro de arte
popular, Parauara, uma versão do CPC da UNE. A invasão da UAP foi articulada pelo coronel Jarbas
Passarinho e por fazendeiros da Ilha de Marajó e resultou na prisão de Pedro Galvão, estudante de
Direito e presidente da entidade. Galvão ficou preso no quartel-general da 8ª Região Militar por mais
de 50 dias e foi indiciado em Inquérito Policial-Militar.13
Configurado o golpe e nomeado o “Comando Supremo da Revolução”, este tratou de efe-
tuar punições e cassações com a chancela do Ato Institucional (que ficaria conhecido como AI-1) que
passou a vigorar em 9 de abril. As instituições universitárias se tornariam, juntamente com sindicatos,
alvos da ação repressiva dos governos militares, considerados locais privilegiados para a difusão de
doutrinas revolucionárias e de recrutamento para as organizações de esquerda. Logo após o golpe
militar, as primeiras semanas de aula nas universidades foram suspensas e foi colocada em ação a
chamada Operação Limpeza, nome utilizado por agentes do Estado e seus apoiadores para expressar a
determinação de afastar do cenário público os adversários recém-derrotados – comunistas, socialistas,
trabalhistas e nacionalistas de esquerda, entre outros.14 Dois tipos de motivação estiveram presentes
nos afastamentos de dirigentes universitários: alguns, por serem considerados persona non grata pelo
regime recém-instalado, caso da Universidade de Brasília (UnB); e outros, por começarem a colocar
obstáculos às ações repressivas. Nesse caso, o afastamento visou facilitar o processo de expurgo de
docentes e estudantes. Estão identificados oito casos de afastamento de reitores pelo regime militar e
o de um reitor que pediu afastamento devido às pressões recebidas.15
Além das cassações (de reitores e professores), outro instrumento amplamente utilizado pelos
militares foram os Inquéritos Policial-Militares (IPM). Vários IPMs foram abertos ainda no mês de
abril de 1964, para investigar entidades associativas, como a UNE, instituições de ensino e pesquisa,
como o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), e partidos, como o PCB.16 Na 144ª Sessão
Extraordinária do Conselho Universitário da Universidade Federal do Ceará (UFC), em 2 de maio de
1964, os conselheiros discorreram sobre um telegrama originário do Ministério da Educação e Cultura
entregue à reitoria em 28 de abril, cujo assunto era uma portaria que determinava a instauração de in-
quéritos nas universidades para investigação de atividades subversivas. Nas universidades, as comissões
de inquérito eram designadas pelos reitores.17 Também foram instalados diversos IPMs para investigar
a Universidade de São Paulo (USP). No entanto, houve diretores, como José de Moura Gonçalves,
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), e Álvaro Guimarães Filho, da Faculdade de
Higiene e Saúde Pública, que se recusaram a permitir a condução desses inquéritos nas dependências
das suas escolas. Segundo as informações levantadas pela Comissão da Verdade da USP (CV/USP),18
em Ribeirão Preto foram registradas duas prisões de professores na delegacia de polícia municipal: Luiz
Carlos Raya e Hona Tahim. Na Faculdade de Filosofia (FFCL-USP), apesar de protestos da direção,

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o inquérito foi conduzido na própria faculdade. Nesse IPM, as pressões recaíram sobre professores
conhecidos, como Florestan Fernandes, João Cruz Costa, Mario Schenberg e Fernando Henrique
Cardoso. Florestan chegou a ser preso, entre 8 e 10 de setembro de 1964, por protestar formalmente
contra o IPM.19 Fernando Henrique Cardoso, que viria a ser presidente da República de 1995 a 2003,
não foi ouvido porque se encontrava no exterior. Nessa época, no entanto, não há notícias de demissões
de professores na FFCL-USP. Já o IPM referente à Faculdade de Medicina, instalado com o apoio da
Congregação, ficou muito conhecido. Foram indiciados Luis Hildebrando Pereira da Silva, Thomas
Maack, Erney Plessman de Camargo, Luiz Rey, Julio Puddles, Michel P. Rabonivitch, Pedro Henrique
Saldanha, José Maria Tacques Bittencourt, Nelson Rodrigues dos Santos, Reynaldo Chiaverini e Israel
Nussenzveig. Antes mesmo do término do IPM, chegou a ser preso o professor Isaias Raw, e também
os professores Luis Hildebrando Pereira da Silva e Thomas Maack, que foram levados para o navio
Raul Soares, ancorado em Santos e que fora transformado em prisão. No final do processo, todos os
professores indiciados foram absolvidos na Justiça Militar. Isso não impediu que, antes do término do
processo, fossem demitidos alguns desses envolvidos. O pior aconteceu na Faculdade de Arquitetura:
em 4 de setembro de 1964 foram presos os professores João Villanova Artigas e Abelardo Riedy de
Souza em plena sala de aula. Os dois nomes constavam da lista da “comissão secreta” que o reitor Luís
Antônio de Gama e Silva produziu. Artigas ficou preso nas dependências do 7o Batalhão do Exército,
no Parque D. Pedro II, no centro de São Paulo, e foi liberado depois de 14 dias. Segundo um jornal
local,20 foi recebido com festa pelos alunos.
O caso mais ilustrativo da violência da repressão política no ambiente universitário está re-
lacionado à desestruturação da Universidade Federal de São Paulo (UFSP). Criada no início dos anos
1960, em um projeto semelhante ao da UnB, a UFSP reuniu várias escolas isoladas, sendo a principal
delas a Escola Paulista de Medicina (EPM).21 Poucos dias depois do golpe, em 13 de abril de 1964,
o novo governo que se formou determinaria, por meio do Decreto no 53.885/1964, a revogação dos
decretos de dezembro de 1963 que definiam os termos da organização da UFSP, a dissolução de seus
conselhos e a exoneração de seu reitor, o professor e também fundador da EPM Marcos Lindenberg.
Em setembro, Lindenberg seria aposentado compulsoriamente por meio dos “Atos Normativos da
Revolução”, além de ter enfrentado um inquérito no âmbito interno da Escola, liderado pelos profes-
sores Antônio Bernardes de Oliveira, Rodolfo de Freitas e Otto Bier. No mesmo ato, o professor David
Rosemberg também foi aposentado, e o professor Sebastião Baeta Henriques foi exonerado de suas
funções, assim como foi demitido do cargo de procurador o advogado Fábio Braz Gianini e colocado
em disposição o professor-assistente Jesus Carlos Machado.22
Em 9 de abril, em Brasília, a UnB sofreu a primeira de suas invasões. Um corpo de militares
vindo do estado de Minas Gerais chegou em 14 ônibus. No campus, invadiram salas de aula, revistaram
estudantes, procuraram armas e material de propaganda subversiva. Buscavam 13 professores, que deve-
riam ser presos e interrogados. Os 13 professores presos foram levados da UnB para o Teatro Nacional
e, de lá, para o Quartel da Polícia do Exército, no Setor Militar Urbano.23 A biblioteca e as salas dos
professores ficaram interditadas por duas semanas. Na sequência dessa invasão, o reitor Anísio Teixeira e
o professor Almir de Castro (um dos coautores do projeto que fundou a UnB) foram demitidos. Em 13
de abril, mais ações atingiram o ensino superior no país e, em particular, a UnB sofreu duro ataque, que
recaiu sobre seu quadro de dirigentes, com a publicação de decreto assinado por Ranieri Mazzili, então
no exercício da presidência da República, e Luís Antônio Gama e Silva – reitor da USP que ocupou por
duas semanas o posto de ministro da Educação e Cultura –, extinguindo o mandato de todos os mem-
bros do Conselho Diretor da UnB, composto por Abgar Renault, Oswaldo Trigueiro de Albuquerque
Melo, Frei Mateus Rocha O. P., Luiz Zaidman, Hermes Lima, Alcides Rocha Miranda, João Mugen de

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Oliveira e Anísio Spínola Teixeira. Na mesma edição do Diário Oficial foi publicada a Portaria no 224 do
Ministério da Educação e Cultura (MEC), que suspendeu do exercício de cargo de vice-reitor da UnB
Almir Godofredo de Almeida Castro, designando, em seu lugar, como reitor pro tempore, Zeferino Vaz.24
Na mesma data, foi publicado o Decreto no 53.884/1964, extinguindo o Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (ISEB), considerado o “centro intelectual da ação comunista”. Uma operação foi montada e a
sede do instituto foi invadida e depredada, inclusive sua biblioteca. Alguns professores, como Wanderley
Guilherme dos Santos, foram aposentados e outros foram posteriormente afastados do serviço público
por “abandono de serviço”.25 Em maio de 1964, de volta à reitoria da USP, Luís Antônio da Gama e
Silva nomeou uma “comissão secreta”, composta pelos professores Moacyr Amaral Santos (Faculdade de
Direito), Jerônimo Geraldo de Campos Freire (Faculdade de Medicina) e Theodureto I. Arruda Souto
(Escola Politécnica), com a finalidade de investigar e apontar “focos de subversão” na universidade e re-
comendar o expurgo de professores, alunos e funcionários. No fim dos trabalhos, a comissão recomendou
em documento específico a suspensão dos direitos políticos de 52 membros da USP – entre professores,
funcionários e alunos – pertencentes a dez unidades, citados nominalmente.26
Depois de oito meses em funcionamento, em 27 de maio de 1964, a Câmara dos Deputados
encerrou a Comissão Parlamentar de Inquérito da UNE. Foi publicada a Resolução no 56 nomeando
uma Comissão Especial para elaborar projeto de lei para regular as atividades representativas estu-
dantis, transferindo a sede da UNE para Brasília. Esse ato se constituiu no primeiro passo para a
adoção de lei que colocou as entidades estudantis na ilegalidade. Aprovada pelo Congresso Nacional
em 9 de novembro de 1964, a Lei no 4.464 dispunha sobre os órgãos de representação dos estudantes.
Extinguindo a UNE e demais entidades estudantis, a lei criou novas entidades tuteladas pelas univer-
sidades e, em última instância, pelo governo. Assim dispôs o artigo 2o da lei:

Art. 2o São órgãos de representação dos estudantes de ensino superior:

a) o Diretório Acadêmico (D.A.), em cada estabelecimento de ensino superior;

b) o Diretório Central de Estudantes (D.C.E.), em cada Universidade;

c) o Diretório Estadual de Estudantes (D.E.E.), em cada capital de Estado, Território


ou Distrito Federal onde houver mais de um estabelecimento de ensino superior;

d) o Diretório Nacional de Estudantes (D.N.E.), com sede na Capital Federal.

Na prática, a Lei Suplicy de Lacerda, como ficou conhecida, em alusão ao ministro da


Educação e Cultura, visava o controle e o esvaziamento do movimento estudantil.27
Em setembro de 1965, o reitor da UnB, Laerte Ramos de Carvalho, pressionado pelos militares,28
decidiu “impedir que o professor Roberto [Décio de] Las Casas [diretor do Instituto de Ciências Humanas]
e a funcionária Edna Sóter de Oliveira permaneçam na UnB, por motivos de natureza política e ideológica
[...]”.29 O fato gerou protestos diversos nas universidades do Distrito Federal e todos os coordenadores de
institutos pediram renúncia coletivamente. Em 8 de outubro, os professores reunidos decidiram realizar no
dia seguinte greve de 24 horas. O ato foi seguido pelos estudantes que, em assembleia, declararam-se em
greve por prazo indeterminado. No dia 10 de outubro, domingo, o reitor Ramos de Carvalho solicitou ao
Departamento da Polícia Federal a ocupação do campus. Durante o dia e a noite de domingo, ocorreram
algumas prisões de professores, no campus e na cidade.30 Na segunda-feira, 11 de outubro:

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[...] foi reforçado o aparato policial no campus e em suas imediações, tendo-se passa-
do a impedir o acesso de quaisquer pessoas vindas da cidade ao campus, inclusive de
parlamentares e representantes diplomáticos estrangeiros, que foram constrangidos
pela polícia a deter seus automóveis a grande distância da Universidade. [...] pelas 11
horas da manhã, prendeu a polícia, em pleno campus, dois professores estrangeiros:
o físico nuclear francês Michel Paty, o qual, em função de convênio com a Coopéra-
tion Technique Française, é professor visitante do Instituto Central de Física; e o
arquiteto indiano, premiado em seu país, Shyam Janveja, o qual, como instrutor da
Escola de Arquitetura, elabora uma tese sobre a arquitetura de Brasília. [...]31

A crise foi aumentando até que, em 18 de outubro, 223 professores pediram demissão em
solidariedade aos colegas demitidos e perseguidos por motivações políticas. A crise da Universidade
de Brasília refletiu em outros estados e uma CPI foi instalada na Câmara Federal, sem que alcançasse
um resultado efetivo.32

C) A reorganização do movimento estudantil e as grandes manifestações públicas (1966-1968)

Apesar da ilegalidade imposta pelo governo às representações estudantis tradicionais, o mo-


vimento se reestruturou e, desde 1966, passou a realizar protestos e greves, protagonizando uma
série de manifestações que acabavam em choques, muitas vezes violentos, com as forças policiais nos
diferentes estados. A pauta dos estudantes incluía desde questões mais específicas como a melhora
dos restaurantes universitários e o fim dos acordos MEC-USAID33 até a luta mais geral para terminar
com a ditadura. O mês de setembro daquele ano foi particularmente agitado. As aulas na Faculdade
Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, foram suspensas e, durante um congresso clandestino reali-
zado pela União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP) e pela UNE em São Bernardo do
Campo, foram presos 178 estudantes, sendo 36 enquadrados na Lei de Segurança Nacional. A UNE
decretou greve geral para o dia 18 e os estudantes elegeram o dia 22 como o Dia Nacional de Luta
contra a Ditadura. Nesse dia, os estudantes realizaram uma grande manifestação no Rio de Janeiro e,
posteriormente, cerca de 600 universitários se reuniram na Faculdade de Medicina da UFRJ, no seu
campus da Praia Vermelha.34 Os estudantes ficaram cercados pela polícia durante horas e alguns par-
lamentares tentaram negociar uma saída pacífica para o grupo. Porém, na madrugada do dia 22 para
23 de setembro, a polícia invadiu a Faculdade de Medicina e expulsou os estudantes com violência. O
episódio ficou conhecido como o “Massacre da Praia Vermelha”. Segundo o depoimento do decano
do Centro de Ciências da Saúde à época, Almir Fraga:

Quando as Forças Armadas invadiram a Faculdade de Medicina da Praia Vermelha,


transformaram o campus universitário em um verdadeiro campo de guerra. Estudan-
tes foram espancados na ocasião e o prédio e os laboratórios foram depredados. Esti-
ma-se que cerca de 600 estudantes tenham sido agredidos pelas forças policiais, quan-
do foram obrigados a passarem por um “corredor polonês” para deixarem o prédio.35

Foi no ano de 1966 que a UNE voltou a organizar eleições para sua diretoria, por meio
de seu 28o Congresso. Mesmo sendo proibido pela ditadura, os estudantes escolheram a cidade
de Belo Horizonte para organização do evento. Como a Polícia Militar passou a vigiar todos os

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locais de encontro de universitários, o congresso acabou se realizando, com as ajuda de religiosos
franciscanos, nos porões da Igreja de São Francisco de Assis. O congresso seguinte, em 1967, foi
planejado para ocorrer em um convento beneditino em Campinas. Desta feita, as forças policiais
invadiram e depredaram o local e também o Colégio Notre-Dame. Padres e estudantes foram
presos e levados ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), em São Paulo. Diante da
recusa em fornecer o nome dos 392 estudantes que participaram das atividades, os padres foram
enquadrados na Lei de Segurança Nacional.36
Outro episódio significativo demonstra o elevado grau de repressão nas universidades
por parte dos militares. Em 20 de abril de 1967, os estudantes da UnB fizeram uma manifestação
contra a presença do embaixador norte-americano John Tuthill, que participou de solenidade come-
morativa de doação de livros na Biblioteca Central daquela universidade. Segundo o reitor Laerte
Ramos de Carvalho, “o salão da biblioteca foi ocupado por policiais militares, num momento em
que já haveria um confronto entre estudantes e agentes do DOPS logo após a saída do embaixador.
E houve, então, a detenção de vários alunos”.37 Uma carta sobre o episódio escrita pelo estudante
Honestino Guimarães, até hoje desaparecido, encontrada no acervo da ASI/UnB, foi dirigida ao
reitor Laerte Ramos Carvalho. Nela, o universitário chama o evento de “massacre de abril de 1967”.
A carta exige a demissão do professor Román Blanco (acusado de ser “agente do governo” pelos
alunos) por, entre outras coisas, “ter trancado a porta da biblioteca naquele dia, para impedir que os
alunos escapassem da polícia”.38 Foram 76 os presos naquela data e os estudantes que lá estiveram
foram espancados pela polícia dentro da biblioteca.39 Esse fato foi confirmado por Paulo Speller, em
depoimento prestado em audiência pública da Comissão Anísio Teixeira Memória e Verdade em
5 de julho de 2013, e também por Eustáquio Ferreira, em depoimento gravado em 22 de julho de
2013, que afirmou, ainda, que as prisões duraram três dias.
Entre fins de 1967 e início de 1968, muitas manifestações aconteceram em todo o país.
Em 28 de março de 1968, uma estava programada pela Frente Unida dos Estudantes do Calabouço
(FUEC), restaurante universitário que, à época, abrigava a União Metropolitana de Estudantes, na
cidade do Rio de Janeiro. Os estudantes protestavam, entre outras reivindicações, pela melhoria das
instalações do restaurante e da qualidade da comida e contra o aumento do preço cobrado. Durante
o protesto, a polícia invadiu o restaurante e acabou matando um estudante: Edson Luís Lima Souto.
Um longo cortejo formado por mais de 50 mil pessoas acompanhou a saída do corpo de Edson Luís
da Assembleia Legislativa, onde foi velado, para o local de seu sepultamento, o cemitério São João
Batista. Em todo o país, várias manifestações ocorreram em consequência desse episódio, ampliando
o número de mortos e feridos. Na missa de sétimo dia, como forma de conter a pressão, o governo
decretou ponto facultativo na cidade e o Exército ocupou a região central, ocasionado um novo cho-
que entre estudantes e militares. As manifestações em Goiás também tiveram final trágico. No dia 1o
de abril, os estudantes realizaram uma manifestação em repúdio à morte de Edson Luís e, dessa vez,
os militares mataram um estudante à queima roupa. Tratava-se de Ornalino Cândido da Silva, que
foi morto por ser parecido com um militante estudantil que estava sendo procurado: Euler Vieira.
Na ocasião, o jornal O Social publicou reportagem relatando que Ornalino era um transeunte alheio
ao movimento estudantil, que estava nas imediações da manifestação quando, deliberadamente, um
sargento da Polícia Militar sacou seu revólver e puxou o gatilho. Entretanto, investigações posterio-
res feitas pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (2007) apontaram que o
estudante, na noite anterior à sua morte, confeccionou cartazes e convidou amigos para participarem
da manifestação.40 Olga D’Arc Pimentel era então presidente do Grêmio do Instituto de Educação
de Goiânia e se lembrou do evento:

273
6 - violações de direitos humanos na universidade
O enterro desse menino foi surrealista. Levaram um caixão vazio para a casa da
família, na tentativa de evitar uma manifestação, e levaram o corpo direto do Ins-
tituto Médico-Legal para o cemitério. Percebemos a grande sacanagem e fomos,
assim mesmo, em passeata até o cemitério. No cemitério, algumas lideranças nem
puderam entrar tamanho era o cerco policial, e os que entraram nem puderam assis-
tir ao enterro relâmpago porque a Polícia Federal, de arma em punho, saiu correndo
e atirando atrás da gente.41

Depois da morte de Edson Luís, as manifestações aumentaram em todo o país no ano de


1968. E a violência policial também. Um desses confrontos aconteceu em 24 de junho, em Fortaleza,
quando violenta repressão policial se abateu sobre uma manifestação estudantil na praça José de
Alencar. A polícia cercou o logradouro e passou a agredir intensamente todos os que estavam presentes.
Grande parte dos estudantes se refugiou na Faculdade de Odontologia, que se localizava naquela pra-
ça.42 Cinco estudantes foram hospitalizados, entre eles Antônio Juvenal Nogueira, baleado com dois
tiros, Assuero Castro Pinto, baleado na coxa, e Bérgson Gurjão Farias, vice-presidente do Diretório
Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Ceará (UFC) que, posteriormente, veio a
ser morto no curso da Guerrilha do Araguaia.43
Em fins de junho, decididos a se fazer ouvir pelo ministro da Educação, os estudantes resol-
veram ocupar o prédio do MEC no Rio de Janeiro. Estava instalado o palco para o episódio que ficou
conhecido como a “quarta-feira sangrenta”. Nesse dia, foram construídas barricadas na avenida Central
da cidade, onde se deu o choque com a polícia. Vladimir Palmeira, presidente da UNE à época, relembra:

Quando a polícia veio, naquele passo terrível, largos, aqueles passos de ganso, disse-
ram: “O que a gente faz?”. Eu disse: “Vamos resistir”. Quando chegou, sei lá, a uns
50 metros, a gente disse: “Vamos para cima deles!”. E fomos e batemos na polícia
pela primeira vez. A polícia saiu correndo e nós atrás por aquelas ruelas do Centro,
invertendo as coisas. Nós passamos quatro anos correndo deles. Dessa vez, eles esta-
vam correndo da gente. Aí, pronto, virou uma batalha campal, porque mandaram a
cavalaria e a gente jogou chimbra, bola de gude, rolhas. Cavalo caiu, menino andou
em cavalo. Eu me lembro que teve um menino que botou um capacete da Polícia do
Exército e montou no cavalo e saiu montado no cavalo. Houve de tudo. A massa é
criativa. Até que tocaram fogo num caminhão do Exército. Nesse momento, a barra
pesou, chegou a PE e eu me mandei. O Jean Marc [von der Weid] foi preso. Essa foi
a quarta-feira sangrenta.44

Nova passeata foi marcada para a sexta-feira subsequente na praça Tiradentes, em protesto ao
ataque realizado na quarta-feira.45 O episódio da sexta-feira sangrenta redundou nas mortes, reconhe-
cidas pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e pela Comissão de familiares,
de Fernando da Silva Lembo, Maria Ângela Ribeiro e Manoel Rodrigues Ferreira. A sequência de
passeatas e conflitos brutais desembocou na grande Passeata dos Cem Mil, realizada em 26 de junho.
No segundo semestre de 1968 a UnB foi palco de nova invasão. Desde a morte de Edson Luís,
os estudantes realizaram assembleias, suspenderam as aulas e declararam o campus como “Território
Livre”.46 Segundo dados levantados pela Comissão da Verdade da UnB (CV/UnB), em 6 de junho os
estudantes, em assembleia geral, decidiram expulsar o professor Róman Blanco e o agrediram com
ovos e sob gritos de “dedo-duro fascista”. No final da manhã, um grupo de estudantes entrou na sala

274
comissão nacional da verdade - relatório - volume ii - textos temáticos - dezembro de 2014
do professor e retirou seus livros e material didático. Em seguida, os estudantes se dirigiram ao seu
apartamento, determinados a despejá-lo. Os pertences do professor foram retirados e colocados na área
externa do prédio.47 A tensão com as forças da repressão se manteve até 29 de agosto, quando a UnB
foi invadida pelas polícias militar, civil e política (DOPS) e por forças do Exército. Estudantes e até
políticos, como o então deputado federal Santilli Sobrinho, do Movimento Democrático Brasileiro
(MDB-SP), ficaram detidos na quadra de basquete. O estudante Waldemar Alves foi baleado na cabeça
e ficou meses hospitalizado em estado grave.
Na USP, se intensificavam as discussões sobre a reforma universitária. Segundo dados le-
vantados pela Comissão da Verdade da USP (CV/USP),48 em 12 de junho, protestando contra a
suposta presença na universidade de Rudolph Atcon, consultor americano da USAID, cerca de dois
mil estudantes se reuniram no prédio dos cursos de História e Geografia e invadiram o prédio da
Reitoria, na Cidade Universitária. Nessa época, houve ocupações estudantis na Faculdade de Direito
e na Faculdade de Filosofia. O Crusp, Conjunto Residencial da USP, transformou-se em “território
livre” dos estudantes. Entre 2 e 3 de outubro ocorreu a “batalha da Maria Antônia”, na qual um grupo
paramilitar do Comando de Caça aos Comunistas, formado em parte por estudantes da Universidade
Mackenzie, com a proteção de forças policiais, invadiu o prédio da Faculdade de Filosofia da USP,
depredando instalações e agredindo seus ocupantes. No confronto, foi morto o estudante secundarista
José Carlos Guimarães e várias pessoas foram feridas. Essa intervenção foi realizada por ordem do
ministro da Justiça e ex-reitor da USP, Gama e Silva, e acabou provocando a demissão do professor
Mário Guimarães Ferri, vice-reitor em exercício.49
Em um episódio bastante conhecido de 12 de outubro, a polícia cercou e prendeu cerca
de 700 estudantes em Ibiúna, durante o 30o Congresso da UNE. Tão logo começou a movimen-
tação pela organização desse congresso, no segundo semestre de 1968, o DOPS São Paulo montou
uma operação, em conjunto com as polícias da Guanabara, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande
do Sul, entre outros estados, para acompanhar e desbaratar o evento estudantil. Assim foi lançada
a Operação Ibiúna,50 que ocorreu em três fases, a saber: a primeira, antes do evento, onde agentes
infiltrados produziam informações sobre a realização do congresso. A segunda foi a ação da prisão
ilegal dos estudantes: 95 investigadores do DOPS/SP participaram da ação coordenada pelos dele-
gados José Paulo Bonchristiano (adjunto da Ordem Política) e Orlando Rozante (adjunto da Ordem
Social), e, por fim, o inquérito propriamente dito. Após a decretação do Ato Institucional no 5 (AI-5),
em 13 dezembro, um último episódio encerrou o ano universitário de 1968. Em 17 de dezembro, a
Cidade Universitária da Universidade de São Paulo foi invadida e seu conjunto residencial (Crusp)
foi ocupado por forças policiais e militares. No Crusp foram presos – e liberados aos poucos – cerca
de 800 estudantes. Cerca de 1.400 estudantes que lá residiam foram desalojados. Houve protestos
formais do vice-reitor em exercício e do Conselho Universitário. Logo depois foi aberto um IPM
específico sobre o Crusp,51 com o indiciamento de 43 estudantes.

D) Os anos de chumbo e a resistência nas universidades: o Decreto-Lei no 477/1969 e o segundo


período de expurgos

Respaldados no Ato Institucional no 5 (AI-5), dirigentes universitários começaram o período


de punições em janeiro de 1969. O alvo principal, em um primeiro momento, foram os estudantes.
Na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), o DCE foi invadido e fechado. Na Universidade
Federal da Paraíba (UFPB), dezenas de estudantes foram excluídos, alguns de modo definitivo, outros

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6 - violações de direitos humanos na universidade
com punição de exclusão pelo período de um ou dois anos.52 Na Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), sete estudantes e uma funcionária foram acusados de pertencer à
organização Colina e outros estudantes ligados à organização Corrente foram expulsos com base no
regimento da universidade.53 Na UnB, os números foram bem maiores: mais de 250 alunos tiveram a
matrícula negada. Todas as expulsões foram realizadas mesmo sem a aplicação daquele considerado o
mais despótico instrumento empregado pelo regime militar: o Decreto-Lei no 477, que dispunha sobre in-
frações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos
de ensino. Esse Decreto-Lei, editado em 26 de fevereiro 1969, qualificava em seu artigo 1o como incurso
em infração disciplinar aquele que: “Alicie ou incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade
a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento”; “atente contra pessoas ou bens tanto
em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dele”;
“pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não
autorizados, ou dêle participe”; “conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua
material subversivo de qualquer natureza”; “sequestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro
de corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de autoridade ou
aluno”; “use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral
ou à ordem pública”.54 Eram previstas penas de demissão ou dispensa de membro de corpo docente,
funcionário ou empregado do estabelecimento de ensino, bem como a proibição por cinco anos de ser
nomeado, admitido ou contratado por outro da mesma natureza; e, em se tratando de aluno, a proibição
por três anos de se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino.
Não se pode precisar o número exato de punidos pelo Decreto-Lei no 477/1969. Existem
algumas listas que foram produzidas e circularam no início dos anos 1970 por diferentes órgãos do regi-
me, visando controlar a movimentação dos alunos punidos. Um desses documentos foi produzido pela
Divisão de Segurança e Informação do Ministério da Educação (DSI/MEC) em abril de 1972, contendo
o nome de 207 estudantes atingidos. Outro documento foi produzido pelo Centro de Informação e
Segurança da Aeronáutica (CISA) em janeiro de 1973,55 na verdade um álbum fotográfico para o qual o
CISA solicitava o empenho da comunidade para a remessa das fotos faltantes. Nele, menciona-se o nome
de 782 estudantes dos seguintes estados: Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Guanabara,
Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e
São Paulo. O relatório apresenta o nome de cada estudante, faltando a indicação da universidade à qual
pertencia. O álbum registrou dois estudantes que já se encontravam mortos, a saber: Mário de Souza
Prata e Chael Charles Schreirer. O documento apresenta números fictícios, como no caso da Bahia,
com 323 atingidos. Esse número alto de expurgos contrasta com outras estimativas, como a do Brasil:
nunca mais, que levantou o número de 245 atingidos pelo Decreto-Lei no 477.56 Talvez a apresentação de
um número maior de estudantes tivesse a intenção de exibir “inimigos do regime”, atrapalhando, dessa
maneira, a vida estudantil daquelas pessoas. Talvez, ainda, fosse uma maneira de “completar o álbum”
com as fotos dos “subversivos” faltantes, interesse maior da agência da Aeronáutica. A maior parte das
expulsões das universidades brasileiras foi realizada por meio do ato administrativo de negativa das ma-
trículas, prerrogativa prevista em diversos regimentos internos das universidades.
O ano de 1969 teve nova onda de aposentadorias compulsórias, no que ficou conhecido
como segundo período de expurgo dos professores universitários e pesquisadores. Em final de abril,
mais de 40 professores de universidades federais, sendo 23 da UFRJ e 24 da USP, inclusive seu reitor em
exercício, foram aposentados com base no AI-5. Entre setembro e outubro do mesmo ano, acorreu nova
leva: 18 da UFRGS e 15 professores da UFMG. Nomes importantes da comunidade acadêmica brasi-
leira, como o biomédico Isaías Raw, os sociólogos Fernando Henrique Cardoso e Bolivar Lamounier e

276
comissão nacional da verdade - relatório - volume ii - textos temáticos - dezembro de 2014
o físico José Leite Lopes, entre tantos outros. Estima-se que cerca de 150 professores57 foram punidos
por atos oficiais do governo federal. Esse número torna-se maior quando se verifica que muitos reitores
utilizaram outros instrumentos para banimento de professores, casos da UFPB, que em 1969 afastou
cerca de 20 professores, e da UnB, que entre fins de 1968 e início de 1969 afastou 80 professores.58
Em outubro de 1969 o Ato Complementar no 75 impediu que os “expurgados” exercessem a profissão:

Art. 1o Todos aqueles que, como professor, funcionário ou empregado de estabele-


cimento de ensino público, incorreram ou venham a incorrer em faltas que resulta-
ram ou venham a resultar em sansões com fundamento em Atos Institucionais, fi-
cam proibidos de exercer, a qualquer título, cargo, função, emprêgo ou atividades,
em estabelecimentos de ensino e em fundações criadas ou subvencionadas pelos
Podêres Públicos, tanto da União, como dos Estados, Distrito Federal, Territórios
e Municípios, bem como em instituições de ensino ou pesquisa e organizações de
interêsse da segurança nacional.59

Vale registrar, para além das consequências materiais em decorrência da perda abrupta de
seus empregos e, logo, de seus salários, o impacto simbólico, subjetivo que as aposentadorias e demis-
sões tiveram na vida desses professores.60

E) A resistência do movimento estudantil e a repressão nos anos de chumbo

Após Ibiúna e com as grandes restrições e a vigilância imposta, o movimento estudantil tentou
se reorganizar. A UNE finalizou o 30o Congresso em 1969 elegendo Jean Marc van der Weid, da Ação
Popular, para sua presidência. Contudo, as dificuldades para se manter estruturada persistiam. Diante
da grande vigilância e repressão que se abateu nas universidades entre 1969 – 1974, os estudantes procu-
raram novas formas de organização, uma vez que os canais tradicionais, em sua grande maioria, foram
proibidos. Realizavam inúmeras atividades culturais como festivais de música, cine clubes, grupos de
teatro cujos temas acabavam sempre abordando a situação política pela qual o país passava. Inúmeros
jornais estudantis eram apreendidos pelas diferentes agências da repressão haja vista a quantidade de
periódicos que se encontram entre a documentação produzida pelos órgãos de repressão, hoje recolhida
aos arquivos públicos do país, sendo um sinal do constante monitoramento dos estudantes.
Episódio que se destaca nesse contexto de resistência é a morte do estudante de geologia
da USP Alexandre Vannucchi Leme pelo Destacamento de Operações de Informações – Centro de
Operações de Defesa Interna de São Paulo (DOI-CODI/SP) em 17 de março de 1973. Alexandre,
que tinha atuação destacada no movimento estudantil, estava sendo procurado pelos órgãos da
repressão por sua militância na ALN.61 A notícia da morte de Alexandre rapidamente se espalhou
pela USP e houve manifestações e paralisações na universidade. Foi assim que os estudantes
da Geologia tiveram a ideia de celebrar uma missa em homenagem a Alexandre, aprovada pelo
Conselho de Centros Acadêmicos. Com a aprovação de D. Paulo Evaristo Arns foi realizada em
30 de março, na Catedral da Sé, missa em memória do estudante. Naquele dia, a USP foi cercada
por policiais, bem como o centro da cidade. Na Sé o aparato militar, enorme, contava com uma
metralhadora de frente para a Catedral e câmaras da TV Gazeta filmaram rosto a rosto aqueles
que se faziam presentes, com o pretexto de transmitir a missa. O ato reuniu cerca de 5 mil pessoas
e é considerado a primeira grande manifestação de massa desde 1968. Outro caso emblemático da

277
6 - violações de direitos humanos na universidade
USP foi o desaparecimento da professora do Instituto de Química, Ana Rosa Kucinski, em 22 de
abril de 1974. Em depoimento à CNV, o chefe da Assessoria Regional de Segurança e Informação
do MEC em São Paulo, Arminak Cherkezian, afirmou não lembrar dos casos:

[...] esse assunto nunca transitava, nós éramos comunicados o que estava aconte-
cendo. O pessoal de campo que eles falavam, que produziam estes documentos,
divulgavam também para a gente informar o ministro. A função das Assessorias
é de informação ao ministro e recebemos do ministro, da Divisão [de Segurança e
Informação] dele para distribuir também. Mas a isso [a mortes e desaparecimentos]
nós não tínhamos acesso jamais.62

Entretanto, no livro de entrada do DOPS/SP, na data do dia 23 de abril de 1974, um


dia depois do desaparecimento de Ana Rosa, consta a entrada do chefe da Assessoria Especial de
Segurança e Informação (AESI) da USP, Krikor Tcherkesian, irmão de Arminak. Antes do dia 23,
ainda no ano de 1974, o livro do DOPS registra cinco entradas de Krikor, todas elas com rápida
duração. No dia 23 de abril Krikor fica 1h30 min naquela delegacia. Posteriormente a essa data,
registram-se mais cinco entradas do chefe da AESI/USP, todas rápidas, com exceção da visita de
duas horas no dia 22 de maio de 1974.63
Poucos meses depois de eleito presidente da UNE, em 1969, Jean Marc foi preso, levado
para o DOPS/RJ e depois para a Marinha, na Ilha das Flores, onde foi vítima de tortura.64 Sua pri-
são durou um ano e meio: foi libertado por ocasião do sequestro do embaixador suíço e, a seguir,
pediu asilo no Chile, em janeiro de 1971. Com Jean Marc na prisão, Honestino Guimarães, um dos
vice-presidentes, assumiu a direção da entidade estudantil, até ser eleito presidente em um pequeno
congresso realizado em 1971. As referências à realização do 31o Congresso em 1971 são poucas. Em
um depoimento no Quartel-General da 3ª Brigada de Infantaria, em Brasília, no dia 17 de dezembro
de 1971, o depoente Ademar Alvarenga Prado, codinome “Lúcio” – que respondia a um processo
coletivo referente à atuação da Ação Popular65 –, narra como foi o “caminho” para chegar até o Rio
de Janeiro, onde seria realizado o 31o Congresso.66 Um documento confidencial do Exército sobre a
participação de estudantes da Ação Popular Marxista Leninista do Brasil (APML do B) traz o nome
de seis participantes do congresso no Rio: Luiz, da Paraíba; Manoel, de Sergipe; Joaquim, da Bahia;
Carlos, de São Paulo; Ademar Alvarenga Prado e Gil, de Minas Gerais. Afirma ainda que o congresso
foi presidido por Honestino Monteiro Guimarães.67
A partir de 1971, as referências às ações da entidade praticamente desaparecem, assim
como as menções à UNE. Em um processo movido contra militantes da APML em Brasília, há
referências à atuação da “extinta UNE” em 1972, relacionadas à elaboração e distribuição de pan-
fletos “subversivos”, e há também a menção a Honestino como presidente da entidade nesse ano.68
Em outro depoimento, também de 1973, o estudante da USP Luiz Antônio Bongiovani, também
chamado de “Bombom”, afirma que foi “induzido [por Alexandre Vannucchi Leme] a manter liga-
ções com elemento da UNE de codinome ‘Chico’, cujos contatos foram feitos através de Marcelo
José Chueiri”.69 Também afirmou que:

Participou da reunião da UNE na UFF em companhia de ‘Chico’, sendo certo que


após conversar com Ronaldo a respeito de ‘Chico’ descobriu que, pela descrição, esse
elemento era o próprio Honestino Guimarães, agitador do meio estudantil, procu-
rado pelos órgãos de segurança.70

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comissão nacional da verdade - relatório - volume ii - textos temáticos - dezembro de 2014
É importante notar que, no início de outubro de 1973, grande parte da diretoria da UNE
foi presa, incluindo seu presidente, Honestino Guimarães, preso em 10 de outubro e, desde então,
um “desaparecido político”.

F) A reorganização do movimento estudantil e o retorno das manifestações de massa e sua repressão

Durante os anos de 1974 e 1975, os estudantes puderam retomar a organização de uma for-
ma de protesto muito comum no meio: as greves, que tinham como motivo a realidade universitária.71
A maior delas foi realizada na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Ela foi decretada em 16
de abril de 1975, quando o diretor da Escola, Manuel Nunes Dias, considerado um “agente dos órgãos
de repressão” pelos alunos, depois de inúmeros “desmandos”, cancelou o contrato do professor Sinval
Freitas Medina, por ele ter sido “reprovado” pela banca de qualificação de mestrado. Os estudantes
pediam a saída do diretor. A greve durou 73 dias e contou com a participação de estudantes de dez
cursos, que pediam ainda a revogação do Decreto-Lei no 477, do AI-5 e do jubilamento, entre outras
demandas. Assim, em outubro de 1975, os estudantes da USP estavam organizados quando começa-
ram a ocorrer prisões de militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, portanto, puderam reali-
zar grandes mobilizações, juntamente com outras entidades, quando da morte do ex-professor da ECA
Vladmir Herzog, reeditando a missa na Igreja da Sé, realizada dois anos antes pela morte de Alexandre
Vannucchi Leme. Nessa mesma onda de prisões do PCB, em 29 de outubro de 1975, o professor do
Departamento de História Ademir Gebara e três estudantes da Unicamp – Gustavo Zimmermann,
Hélio Rodrigues e Osvaldo Luiz de Oliveira – foram presos, acusados de terem relações com o partido.
Foram levados ao DOI-CODI de São Paulo, onde sofreram agressões e foram torturados.72
O ano de 1977 foi bastante emblemático. Depois de nove anos os estudantes voltaram a rea-
lizar grandes manifestações de rua por todo o país. Depois de dois encontros nacionais de estudantes
(ENE) para reorganização da UNE, no ano de 1976, os estudantes tentaram realizar o III Encontro
três vezes. A primeira tentativa, em junho de 1977, na cidade de Belo Horizonte, foi abortada antes
mesmo de seu início. Forças-tarefa da polícia foram acionadas e começaram a agir nos próprios esta-
dos de origem, impedindo estudantes de saírem; muitos daqueles que chegaram às proximidades de
Belo Horizonte foram presos. Os cerca de 400 estudantes que conseguiram escapar do esquema de
segurança da polícia se reuniram na Faculdade de Medicina, sendo cercados pelas tropas mineiras, a
pedido do governador Aureliano Chaves (em consonância com as normativas do ministro da Justiça,
Armando Falcão), e rendidos pela polícia para interrogatório.
Foi nesse contexto que a 29ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), de 1977, sofreu total restrição por parte do governo. Tendo como presidente o pro-
fessor da USP Oscar Sala, físico, e como secretária-geral a professora Carolina Martuscelli Bori, do
Instituto de Psicologia da USP, esta última responsável pela organização do evento, a SBPC tinha
sua reunião prevista para acontecer em Fortaleza, na Universidade Federal do Ceará. Em data pró-
xima ao evento, o então ministro da Educação Ney Braga comunicou aos dirigentes da instituição
que não haveria verba para o financiamento da reunião e as universidades federais ficaram proibidas
de sediá-la. Integrantes da SBPC, em reunião com cerca de 900 sócios, indicaram a USP como
sede alternativa, mas o aval da reitoria não foi obtido. Os dirigentes então recorreram à Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A reitora, professora Nadir Kfouri, com a anuência
imediata de D. Paulo Evaristo Arns, acolheu a proposta. Assim, de última hora, a PUC-SP organizou
seus espaços e sua infraestrutura para abrigar o evento. Junto ao caráter científico das atividades, a

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6 - violações de direitos humanos na universidade
29ª Reunião da SBPC foi principalmente um período de debates políticos e um gesto de resistência,
a respeito do qual Carolina Bori teria ainda dito: “Essa foi a resposta dos cientistas ao governo, que
mostrou que toda a tentativa de controle foi em vão”.73
Em 21 de setembro, o mesmo esquema policial posto em prática em Belo Horizonte para
conter os estudantes foi montado pelas tropas comandadas pelo secretário de Segurança Pública, o
militar Erasmo Dias, na capital paulistana. A Cidade Universitária, local previsto para realização
da segunda tentativa do III ENE, foi cercada. Diante da impossibilidade da realização do encontro
no campus da Universidade de São Paulo, dezenas de universitários se reuniram na Faculdade de
Medicina da USP, onde mais uma vez o encontro foi frustrado pela chegada de tropas. Depois de uma
negociação, os cerca de 200 estudantes se renderam e foram ao DOPS prestar depoimento. No dia
seguinte, os estudantes fizeram uma série de protestos em diferentes locais da cidade e foi realizada
uma grande assembleia na PUC. Ali foi anunciada a realização do III ENE, em uma reunião de pouco
mais de uma hora, na qual estiveram presentes 70 delegados de dez estados, que aprovaram a criação
de uma comissão pró-UNE. Terminada a reunião, as tendências vitoriosas propuseram realizar uma
“comemoração” na própria PUC naquela noite, causando o trágico episódio da invasão,74 cujo saldo
foi a destruição de instalações e equipamentos da universidade, vários estudantes feridos, cerca de 700
presos e 37 enquadramentos na Lei de Segurança Nacional.
O ano de 1977 na UnB foi de dura repressão. Ocorreram quatro invasões militares na uni-
versidade. Logo no início do calendário escolar, os estudantes já se encontravam mobilizados pedindo
a demissão do reitor, José Carlos de Almeida Azevedo. Esse foi o motivo para a primeira invasão,
realizada em 31 de maio, após os estudantes decidirem entrar em greve e o reitor suspender 16 alunos
identificados como líderes das manifestações. O campus ocupado pela polícia ensejou o retorno às
aulas. Entretanto, em 6 de junho, tropas militares invadiram novamente o campus e prenderam estu-
dantes. Em 17 de junho aconteceu a primeira reunião do Conselho Universitário (Consuni) desde a
sua criação. Nela foram discutidas as punições aplicadas pelo reitor José Carlos de Almeida Azevedo.
Com exceção dos professores José Carlos Coutinho e Marco Antônio Rodrigues Dias, o conselho legi-
timou as sanções. Foi instalada, então, uma comissão de inquérito para apurar as responsabilidades da
greve. As aulas foram suspensas por 30 dias. Findos os trabalhos da comissão, a decisão do inquérito
foi a seguinte: 30 alunos foram expulsos, sete suspensos por 90 dias, 25 suspensos por 30 dias e dois
suspensos por cinco dias. No total, 64 estudantes foram punidos.75 Ainda em fins de outubro e início
de novembro, outras duas invasões ocorreram na universidade.
Em 1978, os estudantes realizaram o IV ENE e decidiram reconstruir a UNE em um con-
gresso em maio de 1979, na cidade de Salvador. Apesar de ser proibido, os universitários organizaram
um congresso que reuniu aproximadamente 10 mil estudantes. O governo federal se empenhou para
que ele não acontecesse. Uma dessas tentativas partiu do Secretário de Ensino Superior que, às vésperas
da realização do congresso, enviou um ofício aos reitores pedindo-lhes para evitarem “criar facilidades
de qualquer natureza” aos estudantes que desejavam participar do Congresso da UNE, pois a posição
daquele ministério era contrária à refundação da entidade.76 Com a UNE reconstruída, o movimento
estudantil se articulou para a retomada de seu prédio, na Praia do Flamengo, número 132, que, desde
1966, era ocupado pelo Centro de Artes da Federação de Escolas Isoladas – FEFIERJ (atual Unirio).
Entre março e junho de 1980, os estudantes engajados na UNE travaram uma batalha contra a polícia,
a justiça e o poder público para impedir a demolição do prédio. A imprensa cobriu os episódios com
inúmeras matérias. Mesmo com uma liminar impetrada pelo juiz da 4ª Vara Federal, Carlos Aarão
Reis, que chegou a ir pessoalmente à sede para paralisar as obras, com um projeto de lei da Comissão
de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados determinando o tombamento do prédio da antiga

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comissão nacional da verdade - relatório - volume ii - textos temáticos - dezembro de 2014
sede da UNE pelo Serviço do Patrimônio Histórico Artísitico Nacional (SPHAN), com as inúmeras
manifestações de estudantes não só em frente ao prédio, como em todo o país, como mostra o moni-
toramento do SNI,77 a partir de 5 de junho tiveram início as obras de demolição do prédio. Presidente
da UNE na época, Rui César Costa e Silva lembra do episódio:

Mas foi um episódio bastante frustrante, porque nós assistimos ao prédio cair. Eles
implodiram o prédio na nossa frente. Na frente do prédio se travava uma verdadeira
batalha, brutal. Policiais e estudantes brigando. O prédio desabou, toda a frente e
o miolo, e ficaram aparentes somente o fundo e a abóbada do teatro. Foi um epi-
sódio extremamente doloroso. Acho que foi uma agressão à história do Brasil, um
atestado de ignorância não só dos militares, mas também dos dirigentes do governo
e da prefeitura do Rio de Janeiro. Uma incapacidade da opinião pública de reagir,
um bando de estudantes solitários brigando pela preservação de um espaço, de um
patrimônio, de uma forma completamente isolada. Acho que é mais um atestado
do tipo de ignorância que atingiu o país nesses 20 anos de ditadura militar. Foi um
encontro com a ignorância muito forte esse episódio.78

Outro episódio marcou o ano de 1980, em Belém. No dia 10 de março, estudantes da


Universidade Federal do Pará (UFPA) assistiam a uma aula de Estudos de Problemas Brasileiros mi-
nistrada pela professora Maria Inês, no Pavilhão Fb, quando o estudante de Matemática César Moraes
Leite foi morto após ser atingido por um tiro de revólver disparado pelo agente da Polícia Federal Dalvo
Monteiro de Castro Junior.79 O episódio, que aparentemente foi um acidente, conforme divulgado,
serviu de mote para organizar o movimento estudantil local, denunciar a ditadura que se encontrava
dentro do campus e a Assessoria de Segurança e Informação (ASI) que ainda funcionava na universi-
dade. Segundo os relatos da Comissão da Verdade da UFPA, depois desse episódio a ASI encerrou seu
funcionamento na universidade. As agências de informação acompanharam o episódio produzindo
documentos a respeito dele e divulgando-os na comunidade.80
Até o final da ditadura ocorreram, com menos frequência, outros episódios de repressão ao
meio acadêmico, como, por exemplo, em 19 de outubro de 1981, quando sucedeu uma intervenção
na Unicamp. Oito dos doze diretores de unidades foram destituídos de seus cargos pelo Reitor Plínio
de Arruda Moraes, que nomeou novos diretores interventores, a mando do governador Paulo Maluf.
Foram também demitidos 14 funcionários, diretores eleitos da Associação dos Servidores da Unicamp
(ASSUC).81 Caso parecido ocorreu na Unesp. Segundo dados da Comissão da Verdade local, em
2 de agosto de 1983, no campus de Assis houve eleição para substituição de seu diretor e o reitor
Armando Otavio Ramos preteriu o candidato mais votado, indicando o professor Fernando Manuel
de Mendonça. Houve protestos generalizados de professores e alunos, uma sindicância82 aberta pela
Reitoria contra alunos e professores envolvidos, e uma invasão da polícia militar no campus.83

G) O controle e a vigilância nas universidades: a Divisão de Segurança e Informação do


Ministério da Educação e Cultura (DSI/MEC)

No que se refere à implantação da Seção de Segurança Nacional do Ministério da Educação,


vale destacar, inicialmente, que o referido ministério foi criado em 1930 com a denominação de
Ministério dos Negócios da Educação e da Saúde Pública. Provavelmente em função de sua recente

281
6 - violações de direitos humanos na universidade
criação e das mudanças administrativas que sofreu, somente em 1937 ocorreu a instalação oficial da
Seção de Segurança Nacional do Ministério da Educação e Saúde.84 A organização da Seção reprodu-
ziu, em grande parte, as atribuições previstas no Decreto de sua criação, de 1934, com alguns destaques
para a temática específica do Ministério. Além disso, sua composição denotava pouca especialização:
era uma “comissão de cinco membros, funcionários de elevada categoria do Ministério”, não havia
remuneração e o trabalho era exercido concomitantemente a outras atividades.85
O governo ditatorial de Getúlio Vargas não alterou substancialmente a estrutura implantada
anteriormente. Em 1946, o Conselho de Segurança Nacional (CSN) foi reformulado e as Seções de
Segurança Nacional foram enquadradas como órgãos complementares desse conselho, subordinadas
aos ministros de Estado, mas estabelecendo “estreita relação” com a Secretaria-Geral do CSN, à qual
prestariam todas as informações que lhe fossem solicitadas.86 As normativas indicadas em 1946 foram
colocadas em prática no ano seguinte, na reorganização da Seção de Segurança Nacional do Ministério
da Educação e Saúde. Pode-se dizer que esse instrumento legal buscou dar organicidade à estrutura
da Seção de Segurança Nacional. O regulamento interno publicado reiterou a subordinação direta da
Seção ao ministro e sua vinculação com a Secretaria-Geral do CSN, mas também apontou para a ne-
cessária cooperação e entendimentos com a 1ª Seção do Estado Maior Geral. Além disso, a partir desse
momento a Seção de Segurança Nacional do Ministério da Educação e Saúde passou a ser constituída
por uma Diretoria, uma Secretaria e uma Seção Técnica, dispondo de instalações próprias e privativas
na sede do Ministério. No que diz respeito à profissionalização dos funcionários integrantes da Seção,
naquele momento não era exigida dedicação exclusiva – exceto para o pessoal lotado na Secretaria – e
as funções eram exercidas cumulativamente com outras atividades (apesar de apontar a prioridade das
atividades da Seção em relação às demais), inclusive com a previsão para contratação de consultores
externos para colaboração nos trabalhos da Seção.
Somente depois do golpe de 1964, e com a instalação do Serviço Nacional de Informações
(SNI), foram preconizadas reformas administrativas. Em 25 de fevereiro de 1967, entrou em vigor
o Decreto-Lei no 200, com o objetivo de fortalecer e aprimorar os instrumentos de controle, coor-
denação e planejamento na administração pública, culminando na reformulação da estrutura do
Ministério da Educação. Com a determinação das áreas de competência do Ministério pelo Decreto-
lei no 200/1967, foram incorporadas instituições de ensino antes vinculadas a outros ministérios. Em
outras palavras, o Ministério cresceu em ações e amplitude.
A Divisão de Segurança e Informação (DSI), definida no Decreto-Lei no 200/1967 como
órgão de assistência direta e imediata ao ministro, não foi necessariamente uma inovação da Reforma
Administrativa. Em julho daquele ano, as antigas Seções de Segurança Nacional foram transformadas
em Divisões de Segurança e Informações, que passaram a cooperar com o Conselho de Segurança
Nacional (CSN) e o Serviço Nacional de Informações (SNI).87 Merece destaque a criação de um qua-
dro de cargos em comissão disponibilizado para operacionalização da Divisão.88 Apesar de preconizar
a autonomia administrativa, o regulamento apontava indícios de maior controle sobre as atividades
de informação no país. As Divisões poderiam receber atribuições diretamente da Secretaria-Geral do
CSN e do SNI e, além disso, apesar de estarem submetidas diretamente ao ministro:

Art. 5o. O Diretor da DSI, após prévia aprovação de seu nome pelo Secretário-Geral
do Conselho de Segurança Nacional, será nomeado pelo Presidente da República,
por indicação do Ministro de Estado, devendo a escolha recair em cidadão civil
diplomado pela Escola Superior de Guerra, ou oficial superior da Reserva das Forças
Armadas, de preferência com Curso de Comando e Estado Maior ou equivalente.

282
comissão nacional da verdade - relatório - volume ii - textos temáticos - dezembro de 2014
Em 1969, a Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Educação foi regula-
mentada nos moldes definidos anteriormente. Nesse arranjo organizacional destacam-se, dentre suas
atribuições, o controle de toda a documentação sigilosa produzida pelo Ministério e a prerrogativa de
seu diretor para propor inquérito administrativo ou sindicância em qualquer órgão da administração
direta ou indireta, da área de atribuição do ministério.89 Tendo em vista a efervescência do movimen-
to estudantil, principalmente a partir de 1968, a ampliação da estrutura do Ministério a partir da
Reforma Administrativa, bem como a edição do Decreto no 477 em fevereiro de 1969, e as atividades
desenvolvidas pela Divisão de Segurança e Informações foram cruciais para a instalação de inquéritos
e para a concretização dos processos de expulsão de professores e estudantes. A Divisão de Segurança
e Informações do Ministério da Educação, por meio de ações de normatização, vigilância e punição,
centralizou o controle sobre o campo do ensino superior. Nesse período, a DSIEC, como era conhe-
cida, contou com um quadro de aproximadamente 40 funcionários, incluindo o pessoal de apoio e as
chefias. O controle realizado pela Divisão de Segurança e Informações (DSI) era organizado por meio
da vigilância e do monitoramento constante, que eram, em regra, medidas preventivas para evitar que
“indivíduos suspeitos” assumissem cargos públicos em instituições do Ministério da Educação.
As reformas das Divisões de Segurança e Informações que se seguiram nos anos de 1970 e 1971
incorporaram os princípios norteadores da implantação do Sistema Nacional de Informações – SISNI
e do Sistema de Segurança Interna do País – SISSEGIN em 1970. As DSI passavam para a condição de
órgãos sob a superintendência do Serviço Nacional de Informações, por meio das quais os ministérios
civis integravam o Sistema Nacional de Informações. Essas remodelações da estrutura funcional das
DSI demonstraram, a princípio, a tentativa de estreitamento das relações com o Serviço Nacional de
Informações, por meio do controle e da definição de diretrizes para implantação de planos e procedimen-
tos. Provavelmente, a principal inovação apresentada pelas reformas desse período tenha sido a implanta-
ção das Comunidades Setoriais de Informação, que integravam o SISNI. Se, antes, a necessidade das DSI
de estabelecerem ligações com elementos de informação destacados em órgãos vinculados ao ministério
era apenas mencionada nos regulamentos, essa estrutura ganhou, em 1970 e 1971, um desenho oficial. A
Comunidade Setorial de Informações do Ministério da Educação e Cultura era composta pela Divisão
de Segurança e Informações (DSI), por Elementos de Informações dos órgãos da Administração Direta
e Indireta e por Elementos de Informações dos órgãos sob a supervisão do MEC.
A portaria interna do Ministério que criou a Comunidade apontou para a necessidade de
reformulação dos regulamentos dos órgãos para incorporação em seus regimentos das estruturas
de informação (Assessorias de Informação).90 Ao longo de 1973, o MEC efetivou a implantação da
Comunidade Setorial de Informações, com a criação das Assessorias de Segurança e Informações
(ASI) – conforme o Ofício do Diretor da Divisão de Segurança e Informações do MEC ao Assessor
Especial da Universidade Federal de Minas Gerais, datado de 25 de junho de 197391 –, mesmo que
algumas dessas assessorias já mantivessem funcionamento em anos anteriores. Em junho de 1975, o
Ministério já contava mais de 40 elementos de informações organizados em assessorias de segurança
e informações. O crescimento das Comunidades Setoriais de Informações e a necessidade de controle
dos dados coletados impulsionaram a reorganização e a redefinição do papel das Divisões de Segurança
e Informações.92 Em 1975, as DSI foram formalmente definidas como órgãos centrais dos Sistemas
Setoriais de Informações e Contrainformações dos Ministérios Civis e suas sedes deveriam, obrigato-
riamente, estar localizadas em Brasília.
A regulamentação editada em 197593 buscou controlar a implantação dos Sistemas
Setoriais de Informações. Houve uma preocupação com a ampliação dessas estruturas, uma vez
que a criação das Assessorias de Segurança e Informações (ASI) dependeria, a partir desse mo-

283
6 - violações de direitos humanos na universidade
mento, de disponibilidade financeira e de parecer favorável do SNI.94 O novo regulamento das
DSI, apesar de promover a valorização profissional, buscou também limitar quantitativamente e
qualitativamente os profissionais e os órgãos envolvidos. Como dito, foram estabelecidos critérios
para a criação de Assessorias de Segurança e Informação, bem como a categorização das DSI e
ASI quanto ao seu alcance. Por ser um ministério grande, a DSI do MEC era do tipo 3, conforme
apresentado na seguinte tabela:

C ategorização das DSI e das ASI


Pessoal especializado
Tipo Quantidade de funcionários
(chefias e analistas)
DSI Tipo 1 35 4 cargos de chefia e 13 analistas
DSI Tipo 2 45 5 cargos de chefia e 17 analistas
DSI Tipo 3 60 6 cargos de chefia e 24 analistas
ASI Tipo 1 02 1 cargo de chefia
ASI Tipo 2 05 1 cargo de chefia e 2 analistas
ASI Tipo 3 08 1 cargo de chefia e 4 analistas

Além disso, a nova legislação exigiu qualificação técnica dos profissionais envolvidos na
coleta de dados e produção de informações. Em regulamentos anteriores, apenas ao diretor era exi-
gida formação específica. A partir de 1975, o chefe da Seção de Informações e Contrainformação
e os assessores de Informações deveriam possuir curso da Escola Superior de Guerra ou curso
“A” da Escola Nacional de Informações. Em depoimento à CNV, em 13 de novembro de 2012,
o ex-funcionário da DSI/MEC, Luiz Motta Molisani, confirmou a participação em seis cursos
realizados na própria agência central do SNI. De duração variada, de 30 dias a alguns meses,
os funcionários chegavam a trocar de nome para realização dos mesmos. Os funcionários das
estruturas de segurança e informação, em grande parte, eram civis que foram contratados para
exercer nova função. Caso de Arminak Cherkezian, que, no final dos anos 1960, era funcionário
do Banco do Mato Grosso do Sul em São Paulo quando foi chamado pelo então ministro da
Educação, Jarbas Passarinho, em 1971, para ser o chefe da Assessoria Regional de Segurança e
Informação de São Paulo – ARSI/SP. Em depoimento para a CNV, Cherkezian conta como foi
o convite e seu trabalho:

O ministro Jarbas Passarinho me conheceu e vendo meu relacionamento falou:


“Eu precisava alguém como você na área de Educação, para ter um relaciona-
mento melhor com os estudantes e com as universidades”. [Passarinho] estava
querendo alguém fora da área, para manter diálogo, por incrível que pareça. [...]
Eu fui colocado à disposição de março de 1971 até abril de 1976 e todos meus
atos foram considerados de acordo com a Lei 4.341, atos considerados como
serviços relevantes a título de merecimento a ser considerado em todos os atos
da vida funcional [...] O Jarbas tinha um desejo enorme de retomar o contato
com as faculdades, com os alunos, de frequentar o ambiente estudantil e eu fiz
esse trabalho de aproximação. [...] Um outro senhor que pediu que eu fizesse esse
mesmo trabalho, e fez questão que eu ajudasse nesse trabalho de aproximação,
que pudesse falar com os estudantes foi o general Ednardo D’Avila Mello. [...]
Ele foi várias vezes comigo no “bandejão”, sem segurança sem nada para ter
contato com os estudantes, criar um ambiente.95

284
comissão nacional da verdade - relatório - volume ii - textos temáticos - dezembro de 2014
Cherkezian realizou um estágio na EsNI, chegando a ser orador da sua turma. Em seu
depoimento, disse que o estágio era para preparar um quadro de funcionários altamente gabaritados:
“que não era o meu caso, para poder participar de negociações em todos os níveis (comerciais, polí-
ticos, diplomáticos), inclusive nesses cursos eram convidados diplomatas, altos funcionários. Eram
mais idênticos ao da Escola Superior de Guerra.”96

Qualificação Técnica dos funcionários


Tipo Qualificação profissional
Analista de informações A Curso superior incompleto e curso “B” da EsNI.
Analista de informações B Curso superior completo e curso “B” da EsNI.
Analista de segurança Curso superior completo em área de atividade-fim do Ministério, órgão ou en-
nacional e mobilização A tidade, ou curso de Escola de Formação de Oficiais das Forças Armadas.
Analista de segurança Cumprir os requisitos exigidos para o Analista de Segurança Nacional e Mobilização A e
nacional e mobilização B possuir três anos de exercício de atividade-fim em órgão setorial ou seccional do SISNI.

Segue a lista com a relação de todos os diretores da DSI/MEC desde sua criação até a extinção:
DIRETOR DSI/MEC PERÍODO
General Waldemar Raul Turola 13 de junho de 1967 a novembro de 1969
Brigadeiro Armando Troia Novembro de 1969 a setembro 1970
Coronel José Roberto Monteiro Wanderley Setembro 1970 (interino)
Tenente-coronel Aviador Pedro Vercillo Dezembro de 1970 a março de 1974
Coronel Osny Vasconcelos 10 abril de 1974 a outubro de 1974
Coronel Armando Rozenweig Menezes 18 de novembro de 1974 a novembro de 1979
Carlos Roberto Ferreira Tatit* Outubro de 1979 até 15 de fevereiro de1984
*Único civil, era Analista de Informação AC SNI/Funcionário AC SNI.
Coronel José Olavo de Castro 16 de fevereiro de 1984 a 11 de abril de 1985
Coronel Jorge de Almeida Ribeiro 12 de abril de 1985 a 25 de abril de 1986
Coronel João Manoel Simch Brochado 26 de abril de 1986 a setembro de 1987
Coronel Ary Oliveira Setembro de 1987 a abril de 1989
Coronel João Tarcísio Cartaxo Arruda Abril de 1989 até 15 de março de 1990

H) Estrutura e funcionamento da DSI/MEC

A estrutura funcional detalhada na página seguinte perdurou até a extinção da DSI, em março de
1990, por meio da Medida Provisória no 150. Com a eleição do primeiro civil à presidência, as DSIs foram
criticadas quanto à sua finalidade. Projetos de lei – como o projeto 5.213/1985, do deputado José Genoíno,
que foi arquivado pela mesa em 1987, bem como o projeto de lei do deputado José Frejat, presidente da UNE
no fim dos anos 1940, prevendo a extinção de todas as DSI e ASI97 – foram apresentados na Câmara para
extinção dos órgãos, sem efeito. A imprensa acompanhou os debates e divulgou a questão.98 Após a extinção
do Serviço Nacional de Informações, em 1990, e, consequentemente, das estruturas a ele vinculadas, pouco
se sabe da destinação dos funcionários e da documentação dos Sistemas Setoriais de Informações. Em 11
de abril de 1990, o ministro da Educação, Carlos Chiarelli, publicou uma portaria dispensando desde 15
de março daquele ano José Tarcísio Cartaxo Arruda da função de diretor da DSI/MEC, bem como 25
funcionários da DSI/MEC e ASI, incluindo o servidor Luiz Motta Molisani.99

285
Q uadro 1: E strutur a da D ivisão de S egur ança e I nformações do M inistério da E ducação, conforme Portaria MEC
6 - violações de direitos humanos na universidade
n o 384, de 31 de julho de 1975

sni ministro csn

Orientação normativa, dsi /mec Orientação normativa,


supervisão e fiscalização supervisão e fiscalização

seção de segurança
nacional e mobilização

Chefe

Analistas de segurança nacional e mobilização

Subseção de mobilização

Subseção de segurança nacional

seção de informações
e contrainformações

Chefe (subst. do diretor)

Analistas de informações

diretoria Informações

Diretor Arquivo geral Prontuário de pessoal


Assessores
Secretária
Contrainformação

Comunicações Criptografia

subseção de apoio
administrativo

Chefe

Secretária

Controle de pessoal Manter quadro de pessoal da DSI e ASIs

Administração financeira

Administração de material

Serviços gerais

No caso da documentação da DSI/MEC, Luiz Motta Molisani, em depoimento à CNV


em 13 de novembro de 2012, relata que, no mês de abril de 1990, foi o único funcionário da já
extinta DSI que acompanhou a saída de toda a documentação produzida pela Divisão. O material,
segundo Molisani, estava distribuído em caixas-arquivo de papelão sem nenhuma identificação

286
comissão nacional da verdade - relatório - volume ii - textos temáticos - dezembro de 2014
e em alguns armários. Todo o material (as caixas e os armários) foi levado pelo elevador de ser-
viço do MEC no final de tarde por pessoal da Marinha (tenentes e/ou sargentos), e foi colocado
num caminhão com identificação da Marinha, sendo que o próprio Luiz Molisani afirmou ter
acompanhado junto no caminhão até o prédio do Ministério da Marinha em seu anexo, onde a
documentação foi depositada.
Desde a criação da DSI/MEC, em 1967, o Ministério recomendava a nomeação de uma
pessoa para fazer o “elo” entre a universidade e o MEC. Entretanto, foi a partir de janeiro de 1971 que
oficialmente foram criadas as Assessorias de Segurança e Informação (ASI) nas universidades após o
MEC ter aprovado seu Plano Setorial de Informações.100 Algumas já funcionavam informalmente e
outras foram criadas posteriormente – caso da ASI da USP, instalada somente em outubro de 1972.101
O Plano Setorial objetivou: 1) obter informações sobre antagonismos existentes na área do MEC e
sobre grupos de pressão “que exploram e que possam afetar a execução da política ministerial”; 2)
desenvolver o serviço de contrainformação no campo do teatro, rádio, cinema, revistas etc.102
Ainda em janeiro de 1971, no dia 25, o então diretor da DSI/MEC, Pedro Vercillo, expe-
diu um documento determinando o prazo de dez dias para cada reitor nomear o responsável pela ASI
de sua universidade. Nesse mesmo documento, apresentou os objetivos de tal assessoria: a) produzir
informações necessárias às decisões dos reitores; b) produzir informações para atender às determi-
nações do Plano Setorial de Informações; c) encaminhar à DSI informações por ela requisitadas.
Segundo o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, o documento que estabelece as funções das ASI deve
ser encarado com ceticismo dada a situação política da época. As Assessorias são apresentadas como
órgãos subordinados aos reitores e encarregados de assessorá-los em assuntos relativos à Segurança
Nacional e Informações no âmbito da universidade. No entanto, muitas vezes as Assessorias serviram
de canal para o exercício de pressão e controle sobre as reitorias, ações provenientes da cúpula do
Estado e dos serviços de informação.103 Indagado, em depoimento à CNV, sobre a presença da ASI
como um elemento do governo federal na USP e sua relação com a reitoria, Arminak Cherkezian
afirmou que o relacionamento com o reitor Miguel Reale “era muito bom, uma ótima relação e ele
mantinha canal direto com o ministério”.104
A produção de informação e contrainformação foi o maior objetivo das assessorias. Os
documentos disponíveis sobre esses órgãos mostram dois focos principais de ação: a monitoração do
movimento estudantil e a triagem de professores e funcionários. Como exemplo, a Informação no
393/s-105-CIE enviada para, entre outros órgãos, a Agência Central do SNI, DSI/MEC, Cenimar,
CISA, DSI/MJ de 30 de abril de 1974. A DSI/MEC, por sua vez, repassou para todas as ASI e essas
para suas respectivas reitorias e departamentos. O documento apresentava um “jornal-mural” apreen-
dido na Universidade Federal de Goiás (UFG) sobre o Dia do Índio e as críticas à ditadura. Informava
também medidas de contrainformação: “orientação das direções das universidades, faculdades ou
colégios atingidos e, se possível, das lideranças estudantis, sob referidas técnicas e possibilidade de
envolvimento de inocentes úteis”.105 Interpelado sobre a independência das decisões tomadas por cada
reitoria, Arminak Cherkezian, em seu depoimento à CNV, afirmou que a ASI recebia informações do
próprio SISNI, que emitia os documentos e os distribuía, e que as decisões vinham de Brasília, já que
a própria DSI/MEC deveria consultar outros órgãos.106 Segundo as pesquisas realizadas pela Comissão
da UFRN,107 o meio mais comum de coleta de informações era a infiltração de agentes em salas de
aula e assembleias estudantis. As informações levantadas eram então repassadas ao chefe da ASI, que
normalmente dispunha de um fichário com dados pessoais de toda a comunidade, como afirmou o
funcionário da ASI da UFRN, Leonel Ribeiro Sobrinho, em depoimento à Comissão da Verdade da
UFRN, Natal, em 2 de agosto de 2013:

287
6 - violações de direitos humanos na universidade
Olha, toda a pessoa que acessava a universidade, sendo docente, técnico adminis-
trativo ou discente ele tinha um registro, servidores docentes e técnicos através do
Departamento Pessoal... Faziam o seu cadastro, e os discentes através do Departa-
mento de Administração Escolar, então quando você entrava na universidade tanto
no DAE quanto no Departamento Pessoal, aquele cadastro era encaminhado para a
ASI, [...], isso ai eu sei que existia esse arquivo. Porém eu não tinha acesso a ele. Ele
era de confiança do chefe da ASI...[e ficava] na sala do chefe da ASI, existia, a gente
chama de arquivo mas na realidade era cofre.

Documentos encontrados pela Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA,


no acervo designado Gabinete do Reitor, demonstram a ingerência da DSI na produção de informação
nas instituições universitárias.108 Documento intitulado Informação no 292/74/AESI/UFBA, datado
de 25 de novembro de 1974, encaminha ao reitor novas normas para “Pedido de Levantamento de
Dados Biográficos (LDB)”. As normas tiveram origem na DSI/MEC, e foram encaminhadas à ASI109
por meio do documento intitulado Informação no 4.678/SI/DSI/MEC/74, datado de 18 de outubro
de 1974, com o carimbo de “Confidencial”. As normas estabeleciam que o LDB deveria ser preenchi-
do “obrigatoriamente para todas as pessoas cogitadas para o exercício de cargos, funções, comissões e
afastamento do país”. Segundo o documento, os formulários do LDB “devem ser preenchidos via ob-
tenção sigilosa, pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Informações – SISNI, de dados sobre
pessoas, o mais pormenorizadamente possível, com a finalidade precípua de preservar os interesses da
Segurança Nacional e a eficiência da Administração Pública”.
Ainda, as instruções estabeleciam que o LDB deveria abranger, entre outros, os seguintes aspectos
da vida do candidato: 1) posição ideológica; 2) atitude com relação à “Revolução de 31 de Março de 1964”;
3) atividades subversivas. O levantamento deveria ser acompanhado de uma Ficha Sintética de Apreciação.
Nela, havia campos com questões que deveriam ser respondidas pelo chefe da ASI sobre o candidato à vaga
a ser preenchida. No primeiro campo, intitulado “Posição ideológica”, o agente deveria assinalar quadri-
nhos, à direita dos quais estão escritas as classificações: 1) democrata; 2) comunista; 3) esquerdista; 4) sem
posição definida; 5) não há registros; 6) os registros não permitem opinião conclusiva. No segundo campo,
intitulado “Atitude com relação à Revolução de 31/Mar/64”, a escolha estava entre: 1) integrado; 2) adesis-
ta; 3) contrário; 4) contra-revolucionário; 5) sem posição definida; 6) não há registros; 7) os registros não
permitem opinião conclusiva. No terceiro campo, intitulado “Atividades subversivas”, dever-se-ia escolher
entre: 1) atuante; simpatizante; não há registros; os registros não permitem opinião conclusiva. Os outros
campos eram: "Probidade administrativa"; "Eficiência funcional ou profissional"; "Conduta civil". No final,
o informante deveria assinalar uma das seguintes cinco indicações: 1) não há restrição; 2) os registros exis-
tentes não contraindicam o aproveitamento; 3) não existem elementos de convicção que contraindiquem o
aproveitamento; 4) Não há registros; 5) não deve ser aproveitado. No caso específico de afastamento do país
para cursos, estágios, congressos, conferências etc., as normas recomendavam que fossem levados em conta
três aspectos: 1) a necessidade de preservação da imagem do Brasil no exterior; 2) a possibilidade de vincu-
lações com grupos ou organizações contrárias aos interesses democráticos; 3) a possibilidade de o curso ou o
estágio habilitar o beneficiado a posterior acesso a cargos de nível elevado. Por fim, no caso das instituições
de ensino superior estavam sujeitos a essas normas os cargos e funções de: 1) reitor; 2) vice-reitor; 3) diretor;
4) vice-diretor; 5) chefe de departamento; 6) diretor de campus avançado; 7)professor (correspondência
sigilosa do Gabinete do Reitor UFBA, doc. RP724 a 7310).
Segundo levantamento realizado por Motta, havia 43 ASI em funcionamento na área
do MEC (36 em instituições de ensino superior e as outras ligadas a órgãos e departamentos do

288
comissão nacional da verdade - relatório - volume ii - textos temáticos - dezembro de 2014
MEC), e mais cinco Arsi (Assessorias regionais) criadas para fazer a ligação das ASI locais com a
DSI, conforme aponta seu regimento interno: compete à Arsi, dentre outras funções, “planejar,
coordenar e supervisionar, sob orientação da DSI, as atividades das ASI da região e dos elementos
de informações dos órgãos da administração direta, indireta e sob supervisão do MEC; produzir
informação para atender às determinações contidas no PSI [Plano Setorial de Informações] e às
solicitações da DSI; caracterizar antagonismos atuais e em potencial da região, bem como grupos
de pressão que os explorem e que possam afetar a execução da política ministerial”.110 Apesar da
estruturação das Arsi – Arsi/NE, Arsi DF/MG/GO, Arsi/GB, Arsi MT/SP e Arsi/RS, na prática,
as ASI respondiam diretamente à DSI. Arminak Cherkezian, em depoimento à CNV, confirmou
a independência das ASI em relação às Arsi, pois estas respondiam diretamente à DSI. Segundo o
depoente “as universidades tinham total poder” e, algumas vezes, a Arsi era copiada nos documentos
para estar ciente dos acontecimentos sem interferência.111 No entanto, o livro do DOPS/SP registra
a presença de Arminak Cherkezian algumas vezes ao longo dos anos de 1974 e 1975. Questionado
pela CNV sobre suas entradas na delegacia, Cherkezian respondeu que foi algumas vezes ao DOPS,
talvez visitar algum delegado titular, como Romeu Tuma, que era seu amigo. Afirmou: “Lembro de
ter ido algumas vezes ao DOPS, mas jamais fui ao DOI-CODI. Não tinha nenhuma dependência
hierárquica. Nós [a Arsi] não tínhamos toda essa importância, nós não atingíamos isso. [...] Nossa
participação era muito limitada, nós não tínhamos poder para isso”.112
Em 22 de setembro de 1976, o diretor da DSI/MEC, Armando Menezes, informou os rei-
tores sobre os procedimentos para o preenchimento do quadro de pessoal da ASI. De acordo com o
documento enviado, a ficha “modelo 14 a ser preenchida deverá ser acompanhada do juízo sintético
e conceito de cada um” (correspondência sigilosa do Gabinete do Reitor UFBA, doc. RP2134-2135).
Após os funcionários serem liberados pela AC/SNI (Agência Central do SNI), a universidade faria os
atos administrativos de nomeação e os enviaria ao DASP para aprovação. Advertia, ainda, que essas
correspondências eram confidenciais. Em consequência, os nomes dos servidores lotados na ASI não
poderiam ser publicados no Diário Oficial. Dessa forma, fica difícil precisar o número de funcionários
e o período de funcionamento de cada ASI. Pela documentação encontrada, pode-se inferir que, em
parte dessas assessorias, o chefe permaneceu o mesmo durante toda vigência. O documento expedido
pela DSI/MEC em 25 de junho de 1973113 contém uma lista das universidades onde foram instaladas
ASI e seu respectivo diretor naquele momento. Das 31 ASI universitárias listadas, em grande maio-
ria em universidades federais, uma era estadual (USP) e uma privada (o antigo Centro de Ensino
Unificado de Brasília –CEUB).114 O documento apresenta ainda os responsáveis pelas Arsi de cada
região e o nome dos chefes de oito ASI que funcionavam em diferentes setores do MEC (como no
departamento de ensino fundamental ou no departamento de ensino supletivo). Em depoimento à
CNV, Arminak Cherkezian lembra do caso da Unicamp:

O professor Seferino Vaz tinha tanta autoridade que ele não precisava se submeter
ao Ministério de criar AESI. Eu lembro que a Unicamp era a única que não tinha
AESI, porque ele tinha ligações diretas, ele tinha muita força e poder. Ele inclusive
podia resolver [as coisas] como melhor entendesse. Na USP o professor Reale se
comunicava diretamente com Brasília.115

Os registros dos chefes não revelam de maneira intensa a presença de oficiais militares nes-
ses postos, e em alguns casos foi possível identificar que eram professores ou funcionários. Quanto
à estrutura, normas emanadas do Plano Setorial de Informações do MEC previam organização

289
6 - violações de direitos humanos na universidade
padronizada. As ASI deveriam ter um chefe, responsável por coordenar as atividades da Assessoria
e representá-la frente ao MEC e à reitoria, além de funcionários na seção de informações e na sessão
administrativa. Na maior parte dos casos, essas assessorias funcionavam em salas na própria reito-
ria. Quanto aos proventos, em depoimento dado à CNV, Arminak Cherkezian declarou que essa
questão era um “problema”, pois não existia um recurso certo no caso dele [Arsi]. Seu próprio salário
teria sido pago por diferentes fontes como a Fundação Anchieta, CETESB (à época denominada
Centro Tecnológico de Saneamento) e, inicialmente, o próprio banco do Mato Grosso do Sul. Sobre
os funcionários da ASI, Cherkezian foi categórico: “os da Assessoria [ASI], as universidades que
pagavam, eram funcionários, no caso da USP, eram contratados pela USP, não pelo ministério”.116
Segundo as informações levantadas pela CV UFBA,117 em 8 de agosto de 1974, o superintendente
de pessoal determinou o levantamento das pessoas que estavam trabalhando na ASI. O resultado
apontou que lá estavam lotados, além do chefe, professor Emerson Spínola Marques Ferreira, cinco
servidores contratados pela CLT (um assistente especializado, um oficial amanuense, um contínuo e
dois amanuenses) e seis do quadro de pessoal (um auxiliar de portaria, um motorista, um servente,
um atendente, um oficial administrativo e um assistente social).118
O final dos anos 1970 trouxe a volta do movimento estudantil às ruas, a reorganização das
suas tradicionais entidades de representação, bem como dos sindicatos dos professores. A luta por
democracia na universidade passava, dentre outros pontos, pela denúncia das ASI como braço da
repressão dentro dos campi universitários. O depoimento do ex-reitor da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), Diógenes da Cunha Lima, que iniciou seu mandato em 1979, à Comissão
da UFRN, em 31 de maio de 2013, é revelador desse momento:

[...] quando houve a primeira contratação de pessoal, eu verifiquei que havia um


formulário, que dizia que depois de contratado pelo reitor tava assinado, entraria em
vigor após a ASI aprovar, isso era um formulário existente aqui. Eu chamei a chefe
do departamento de pessoal e disse: pode rasgar que eu não vou assinar nenhum
desses, se eu assinar, sou professor de Direito, estou reconhecendo que a autorida-
de superior da universidade não é o reitor, a autoridade é o chefe da ASI, o senhor
Adriel; eu levei o assunto ao ministro, Eduardo Portella, que se tornou meu amigo
como os outros, notadamente o general [inaudível], que me apoiou na decisão. A
partir daí houve uma mudança, porque em várias universidades do país eu contei a
história e rasgaram também. Creio que a universidade foi pioneira em cortar esses
contratos absurdos... mas eu sei que tinha, porque até o contrato eles aprovavam,
pelo menos durante muito tempo aprovavam o contrato de professor, e até mesmo
concursado passado em primeiro lugar, como era o caso do professor Machado,
recusado pela universidade. [...], nunca me utilizei da ASI para qualquer serviço,
serviço entre aspas, ao contrário, sofria consequências por sua presença, mas como
eu tinha [inaudível], como eu tinha amizade pessoal com dois dos ministros, o
Eduardo Portella, não trazia muito incômodo [...].119

Diante da pressão em maio de 1979, a DSI/MEC enviou aos reitores um ofício extinguindo
as ASI universitárias de acordo com determinação superior.120 A manobra, naquele momento, foi de-
sativar os escritórios das ASI dentro das universidades, transferindo suas estruturas para os escritórios
das delegacias regionais, conforme verificou-se na correspondência trocada entre a DSI/MEC e reitoria
da Universidade Federal do Paraná (UFPR):

290
comissão nacional da verdade - relatório - volume ii - textos temáticos - dezembro de 2014
[...] solicitar o apoio integral dessa Reitoria para a instalação da ASI/DR-9. O
órgão necessita de alguns acessórios indispensáveis ao bom funcionamento e não
dispõe, no momento, de disponibilidade financeira para sua compra, carecendo
da cooperação dessa Universidade. Solicito, também, que o acervo de informações
não atinentes especificamente ao acompanhamento da Política da IES seja trans-
ferido para a ASI/DR.121

O fato é que algumas ASI continuaram existindo dentro das universidades na primeira
metade dos anos 1980. No entanto, nesse momento, a atuação já estava mais esvaziada. As ASI foram
extintas definitivamente pela portaria do MEC no 576, de 5 de agosto de 1986, momento no qual os
estudantes cearenses realizaram o episódio da invasão da ASI da UFC. Segundo dados levantados pela
Comissão da Verdade das universidades públicas do Ceará, a direção do DCE da UFC, informada pela
notícia veiculada pelo Diário do Nordeste em 29 de agosto de 1986, decidiu convocar assembleia que
acabou por deliberar a invasão da ASI (que para eles ainda estava funcionando no prédio da Reitoria,
como nos anos da ditadura). Após realização da assembleia, cerca de 200 estudantes invadiram o local
onde funcionou a ASI por cerca de 15 anos. O objetivo da invasão, naquele momento, segundo as
lideranças estudantis, era apoderar-se dos documentos antes que os responsáveis pudessem retirá-los da
Universidade, uma vez que a ASI havia sido extinta. Em decorrência desse episódio, em 29 de agosto, a
PF, sem mandato judicial, invadiu o DCE-UFC e apreendeu grande parte do material levado pelos alu-
nos, assim como prendeu a então diretora do DCE, Liduina Fontenele e os estudantes Inácio Arruda
Cavalcante e Francisca Márthir (Martinna). Estes foram levados para a sede da PF em Fortaleza e en-
quadrados no artigo 155, parágrafo 4o, Inciso I do Código Penal. Antes de os advogados conseguirem
habeas corpus para soltura dos estudantes, a PF encaminhou Liduina Fontenele e Francisca Márthir
para o Presídio Feminino Desembargadora Auri Moura Costa e Inácio Arruda Cavalcante para o
Instituto Penal Professor Olavo Oliveira-IPPO.122

1  – Como exemplo, há o caso da Fiocruz descrito por LENT, Herman. O massacre de Manguinhos. Rio de Janeiro: Ave-
nir, 1978. Em 19 de setembro de 1978, a Sociedade Brasileira de Física lançou um manifesto denunciando as “cassações
brancas”, uma maneira mais sutil de repressão que passou atingir um número grande de pessoas ligadas ao meio univer-
sitário. Essas “cassações” vinham sob a forma de restrições que órgãos como o MEC, CNPq e Capes impunham aos pes-
quisadores dificultando as saídas para o exterior, a distribuição de bolsas, o reconhecimento de títulos do exterior e a não
contratação de professores. O manifesto foi publicado em: O livro negro da USP: o controle ideológico na universidade. São
Paulo: Adusp, 1978, pp. 71-73. O professor Michal Gartenkraut da CNV, da Câmara Municipal de São José dos Campos
(SP), registrou dezenas de depoimentos e coletou documentação sobre as restrições da vida acadêmica no ITA durante o
período de 1964-1985. Vários dos depoentes foram alunos que nos anos de 1964, 65 e 75 foram desligados da escola antes
da conclusão dos respectivos cursos. Arquivo CNV, 00092.002614/2014-58. Relatório da Comissão da Verdade professor
Michal Gartenkraut da Câmara Municipal de São José dos Campos.
2  – Por exemplo, durante o período de 1964 a 1985, a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)
realizou diversos convênios com o governo brasileiro e com o governo dos Estados Unidos. Segundo levantamento da
Comissão local, as atas do Conselho Superior da FESPSP indicam que a fundação manteve convênios com a Aliança
para o Progresso, programa de auxílio financeiro promovido pelos Estados Unidos na América Latina para impedir o
avanço comunista no continente. Arquivo CNV. Relatório de pesquisa da Comissão FESPSP. São Paulo, agosto de 2014.
00092.002567/2014-42. Comissão da Verdade da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (CV-FESPSP).
3  – Arquivo CNV, 00092.002585/2014-24. Comissão da Verdade da UFPR – Síntese das Ações Relevantes do Conselho
Universitário da UFPR entre 1964 e 1966.
4  – Arquivo CNV, 00092.002585/2014-24.
5  – Arquivo CNV, 00092.000589/2012-14. Ofício no 220/2012-CNV de 2/10/2012.
6  – Entrevista de Aldo Arantes ao Projeto Memória do Movimento Estudantil. Brasília, em 8/12/2004.

291
7  – A UFPA e os Anos de Chumbo: memórias, traumas, silêncios e cultura educacional (1964-1985) – Entrevista com
6 - violações de direitos humanos na universidade
Pedro Cruz Galvão de Lima. http://www.multimidia.ufpa.br/jspui/handle/321654/1278; FONTES, Edilza Joana Olivei-
ra; ALVES, Davison Hugo Rocha. “A UFPA e os Anos de Chumbo: A administração do reitor Silveira Neto em tempo
de ditadura (1960-1969)”. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, no 10, julho/dezembro de 2013, pp. 258-294;
GALVÃO, Pedro. 1964. Relatos subversivos: os estudantes e o golpe no Pará. Belém: Edição dos Autores, 2004.
8  – Arquivo CNV, 00092.002585/2014-24. Linha do Tempo de graves violações na UFPA (1964-1985).
9  – Arquivo CNV, Relatório da Comissão UFBA, 00092.001910/2014-31.
10  – Arquivo CNV, Relatório da Comissão da UFRJ, 00092.002312/2014-80.
11  – Jornal do Brasil, edição de 2 de abril de 1964. Capa.
12  – Entrevista de Maria de Nazaré ao Projeto Memória do Movimento Estudantil. São Paulo, 15 de julho de 2005.
13  – GALVÃO, Pedro. 1964. Relatos subversivos: os estudantes e o golpe no Pará. Belém: Edição dos Autores, 2004.
14  – MOTTA, Rodrigo P. S. As universidades e o regime militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, p. 25.
15  – MOTTA, Rodrigo P. S. As universidades e o regime militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, p. 25.
16  UFES, reitor Manoel Xavier Paes Barreto Filho; UnB, reitor Anísio Teixeira; UFPB, reitor Mário Moacyr Porto;
UFRGS, reitor Elyseu Paglioli; UFRRJ, reitor Ydérzio Luiz Vianna; UFMG, reitor Aluísio Pimenta, UFSP, reitor Marcos
Lindenberg; UFG, reitor Colemar Natal e Silva; e o caso da UFPE, em que o reitor João Alfredo da Costa Lima pediu
seu afastamento.
17  – APERJ. Fundo Policias Politicas do Rio de Janeiro. Setor Estudantil. Notação 68.
18  – Ata da 144a Sessão Extraordinária do Conselho Universitário da UFC, em 2 de maio de 1964. Arquivo CNV,
00092.002569/2014-31. Relatório sobre as graves violações dos direitos humanos nas universidades públicas do estado do
Ceará. Fortaleza, CE, 2014.
19  – Arquivo CNV, 00092.002585/2014-24. Linha do tempo na USP.
20  – A carta de Florestan foi reproduzida no Livro negro da USP.
21  – Artigas libertado volta em triunfo. Diário Popular, 17 de setembro de 1964.
22  – Dados sistematizados pela Comissão da Verdade Marcos Lindenberg da UNIFESP. Arquivo CNV,
00092.002585/2014-24. Resumo EPM para CNV.
23  – Arquivo Público do Estado de São Paulo. Atos Normativos da Revolução, 30 de Setembro de 1964, Microfilme
50-D-26-2097.
24  – Os professores eram: “Edgar Graeff, Eustáquio Toledo, José Caldas Zanini, Ítalo Campofiorito, Nelson Rossi, José
Paulo Pertence, Lincoln Ribeiro, Perseu Abramo, José Albertino Rodrigues, Hélio Pontes, Ramiro de Porto Alegre, Glê-
nio Bianchetti e o ex-professor José Guilherme Vilela [...] 2 soltos no mesmo dia; 11 permanecem presos na P.E. durante 17
dias”. In: ABRAMO, Perseu (2006) – Depoimento [de Perseu Abramo] sobre as ocorrências na Universidade de Brasília,
publ. 15/4/2006 (<http://csbh.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/memoria-e-historia/depoimento-de-perseu-abramo-sobre-
-ocorrencias-na-universidade-de-br>).
25  – Diário Oficial da União (DOU), 13/4/1964. Seção 1, pp. 2 e 12.
26  – MOTTA, Rodrigo P. S. As universidades e o regime militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, p. 59.
27  – O final do Relatório da Comissão foi publicado pelo jornal Correio da Manhã em 9 de outubro de 1964. In: O livro
negro da USP: o controle ideológico na universidade. Adusp, 1978.
28  – SANFELICE, José Luís. O movimento civil-militar de 1964 e os intelectuais. Caderno CEDES, Campinas, 2008, v.
28, n. 76, p. 367.
29  – POERNER, Arthur. O poder jovem: história da participação política dos estudantes desde o Brasil-Colônia até o governo
Lula. 5. ed. Rio de Janeiro: Booklink, 2004. p. 208.
30  – Ofício de 29 de setembro de 1965 da FEUB ao reitor, assinado pelo presidente em exercício Paulo de Tarso Celestino
da Silva. Arquivo Nacional, ASI/UnB: BR_DFANBSB_AA1_MPL.05, pp. 1-8.
31  – Entre os quais os professores Dr. Antônio Rodrigues Cordeiro, coordenador do Instituto Central de Biologia,
membro da Academia de Ciências dos Estados Unidos e do Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília; os
Drs. Jorge de Paula Guimarães e José Reinaldo Magalhães, ex-pesquisadores do Instituto Manguinhos e professores de
patologia e fisiologia; e o mestre em Biologia Fernando Luís Kratz, assistente do Departamento de Genética, [e, em sua
residência,] o Mestre em Economia Hênio Luís de Freitas Melo, assistente e secretário-executivo do Setor de Economia
do Instituto Central de Ciências Humanas.

292
32  – Autoria não identificada, apud “A crise da Universidade de Brasília – Informações e esclarecimentos”. Arquivo Na-

comissão nacional da verdade - relatório - volume ii - textos temáticos - dezembro de 2014


cional, ASI/UnB: BR_DFANBSB_AA1_MPL.09.”
33  – Para mais informações sobre a crise da UnB, consultar: SALMERON, Roberto A. A universidade interrompida:
Brasília 1964-1965. 2. ed. Brasília: UnB, 2007.
34  – Uma série de acordos foi produzida, nos anos 1960, entre o Ministério da Educação brasileiro (MEC) e a United
States Agency for International Development (USAID). Visavam estabelecer convênios de assistência técnica e cooperação
financeira com o objetivo de modernizar a educação brasileira. Entre junho de 1964 e janeiro de 1968, período de maior
intensidade nos acordos, foram firmados 12, abrangendo desde a educação primária (atual ensino fundamental) ao ensino
superior. A USAID parou de atuar no Brasil em 1976. Para mais informações consultar o Capítulo 3 da obra de MOTTA,
Rodrigo P. S., bem como: ALVES, Márcio Moreira. O beabá dos MEC-USAID (1968). Rio de Janeiro: Gernasa, 1968;
ARAPIRACA, José Oliveira. USAID e a educação brasileira: um estudo a partir de uma abordagem crítica da teoria do
capital humano. São Paulo: Cortez, 1982.
35  – POERNER, Arthur. O poder jovem: história da participação política dos estudantes desde o Brasil-Colônia até o governo
Lula. 5. ed. Rio de Janeiro: Booklink, 2004, pp. 247-250.
36  – Disponível em http://www.medicina.ufrj.br/noticias.php?id_noticia=77, acesso em 14/6/2014.
37  – POERNER, Arthur. O poder jovem. Rio de Janeiro: Booklink, 2004, pp. 243-244; 261-262.
38  – Arquivo Nacional, ASI/UnB: BR_DFANBSB_AA1_ROS 35: Relatório reservado do reitor Laerte Ramos de Car-
valho a Luiz Antônio da Gama e Silva, a 25/4/1967.
39  – Arquivo Nacional, ASI/UnB: BR_DFANBSB_AA1_MPL_0012.
40  – GURGEL, Antônio de Pádua. A rebelião dos estudantes. Brasília 1968. Brasília: EdUnB, 2002, p. 54.
41  – BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Direito à memória e à verdade: história de meninos e meninas
marcados pela ditadura. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2009, p. 55.
42  – In: REIS, Daniel A.; MORAES, Pedro de. 1968: a paixão de uma utopia. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2008, pp.
159-164.
43  – RAMALHO, B. E. P. Foi assim! O movimento estudantil no Ceará (1928 – 1968). Rio de Janeiro – São Paulo – For-
taleza: ABC Editora, 2002, p. 253.
44  – Informações dos jornais Tribuna do Ceará e Gazeta de Notícias dos dias 25 e 26 de junho de 1968. Arquivo CNV,
00092.002569/2014-31. Relatório sobre as graves violações dos direitos humanos nas universidades públicas do estado do
Ceará. Fortaleza, CE, 2014.
45  – Entrevista de Vladimir Palmeira concedida a Angelica Muller e Ana Paula Goulart para o Projeto Memória do
Movimento Estudantil. Rio de Janeiro, 12/9/2005.
46  – Jean Marc von der Weid em 1968 era presidente do C.A. de Química da Universidade do Brasil. Militante da Ação
Popular foi eleito presidente da UNE na eleição que deu continuidade ao 30o Congresso de Ibiúna, em 1969. Estava preso
no episódio da sexta-feira sangrenta, mas relembra o que os colegas lhe disseram: “Literalmente o Rio de Janeiro passou
por uma insurreição, que foi o chamado dia da sexta-feira sangrenta, porque metade do grupo que estava em frente à em-
baixada [americana] correu para o centro da cidade e começou a montar barricada. [...] E, de repente, a população entrou
no jogo. Quer dizer, aquilo foi uma insurreição popular. Os estudantes foram o estopim do início daquela história, que só
terminou às 20h da noite. Teve um nível de violência, agressividade, de parte a parte, extremamente intenso”. Entrevista
de Jean Marc von der Weid concedida a Carla Siqueira e Ana Paula Goulart para o Projeto Memória do Movimento Es-
tudantil. Rio de Janeiro, 7/10/2004.
47  – Como fizeram os vietcongs ao liberar seus territórios, durante a guerra do Vietnã.
48  – Para mais informações sobre os episódios consultar: SALMERON, Roberto A. A universidade interrompida: Brasília
1964-1965. 2. ed. Brasília: UnB, 2007.
49  – Arquivo CNV, 00092.002585/2014-24. Linha do tempo na USP.
50  – O professor Hélio Lourenço de Oliveira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que não era visto com bons
olhos pelo sistema, acabou sendo designado para a função de vice-reitor pelo governador Abreu Sodré, selando de certa
forma uma trégua na USP. Para mais informações sobre a “Batalha da Maria Antônia”, consultar: VALLE, Maria R. do.
1968: o diálogo é a violência. Campinas: Editora da Unicamp, 1999.
51  – Arquivo Nacional, SNI: BR_DFANBSB_ASP_ACE_3019_80_001.
52  – Ver o relatório em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/ipmcrusp.html.
53  – CITTADINO, Monique. A UFPB e o golpe de 1964. João Pessoa: ADUFPB, 1993.

293
54  – MOTTA, Rodrigo P.S. As universidades e o regime militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, pp. 157 e 383.
6 - violações de direitos humanos na universidade

55  – Decreto-Lei no 477, 26/2/1969. http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-477-26-feverei-


ro-1969-367006-publicacaooriginal-1-pe.html.
56  – Arquivo Nacional, CISA: BR_DFAN BSB_VAZ, 109.5.
57  – Relatório do Projeto Brasil: nunca mais. Tomo I – O Regime Militar, p. 49.
58  – Rodrigo Motta aponta um número de 120 professores. Já Marcus Figueiredo aponta 168 professores. Mais infor-
mações sobre as demissões ver: MOTTA, Rodrigo P. S. As universidades e o regime militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2014,
pp. 164-175.
59  – Arquivo Nacional, ASI/UnB: BR_DFANBSB_AA1_0_ROS_0096.
60  – Ato Complementar no 75, 21/10/1969. http://www2.camara.leg.br/legin/fed/atocom/1960-1969/atocomplementar-
75-21-outubro-1969-364755-publicacaooriginal-1-pe.html.
61  – MORAES FILHO, Evaristo de. Sem medo da utopia. São Paulo: LTr, 2007, p. 165.
62  – Brasil: nunca mais Digital, BNM_670, STM, Apelação 40.425/197.
63  – Depoimento de Arminak Cherkezian à Comissão Nacional da Verdade, São Paulo, 1o de setembro de 2014.
64  – Arquivo Público do Estado de São Paulo, BR_SP_APESP_DEOPSLIVROES_28021974_19061974.
65  – Entrevista de Jean Marc von der Weid ao Projeto Memória do Movimento Estudantil, Rio de Janeiro, 7/10/2004.
66  – Brasil: nunca mais Digital, BNM_18, STM, Apelação 39.618.
67  – Ele declarou que saiu de Goiânia no dia 1o de novembro daquele ano e deveria chegar ao Rio de Janeiro no dia 2,
dia do Congresso. Após cobrir um ponto com Honestino, rodou em um carro de olhos fechados até chegar em uma casa
em que havia ao todo sete indivíduos. Ainda confirmou que Honestino foi o dirigente do Congresso, no qual foi discutida
uma proposição de carta da UNE referente à situação do país: entidades estudantis em funcionamento e apanhado da
situação nacional e internacional. (Arquivo AEL/BNM_18, v. 2, p. 330.) In: MÜLLER, Angélica. A resistência do movi-
mento estudantil brasileiro contra o regime ditatorial e o retorno da UNE à cena pública. Tese de Doutorado, História, USP
e Université de Paris 1, 2010, p. 42. As informações relatadas por Ademar Alvarenga Prado foram amplamente utilizadas
pelos órgãos de informação. Ver: Arquivo Nacional, CISA: BR_DFANBSB_VAZ.063.0153 e Arquivo Nacional, SNI:
BR_DFANBSB_V8_ASP_ACE_5632_81
68  – APERJ. Fundo Polícias Políticas do Rio de Janeiro. Setor Informação. Notação 181/p.72-H. Rio, GB 24.01.1972;
APERJ. Fundo Polícias Políticas do Rio de Janeiro. Setor Prontuário RJ. Notação 32.460, Honestino Monteiro Guima-
rães.
69  – Brasil: nunca mais Digital, BNM_18, v. 3, p. 656.
70  – Informação SP/SAS n. 1.950 de 28.09.1973. Reunião do CA em Niterói ARSI/GB/DSI/MEC. APERJ. Fundo Po-
lícias Políticas do Rio de Janeiro. Setor Secreto. Notação 123, pp. 76-77.
71  – MÜLLER, Angélica. A resistência do movimento estudantil brasileiro contra o regime ditatorial e o retorno da UNE à
cena pública. Paria, 2010, p. 72.
72  – Sobre as greves universitárias desse período consultar: MÜLLER, Angélica. No caminho ao retorno democrático:
greves e manifestações estudantis nos primeiros anos do governo Geisel (1974-1975). R. Mest. Hist., Vassouras, v. 13, n. 2, pp.
17-32, julho/dezembro de 2011.
73  – As informações citadas foram consolidadas pela CV/Unicamp. Arquivo CNV, 00092.002585/2014-24. Relatório
CVM Unicamp para CNV.
74  – Arquivo CNV, 00092.002585/2014-24. Contribuição da Comissão da Verdade Reitora Nadir Gouvêa Kfouri para
a Comissão Nacional da Verdade.
75  – Idem.
76  – Arquivo CNV, 00092.002585/2014-24. Cronologia 30 de maio de 2014 UnB.
77  – Of. Cir. No 30/79/GAB/SESU em 10 de maio de 1979. Arquivo Nacional, AESI/UFMG: BR_DFANBSB_
AT4_0020_0023.
78  – Arquivo Nacional, DSI/MJ: BR_RJANRIO_TT_O_MCP_AVU_0195_d001.
79  – Entrevista de Rui César Costa e Silva ao Projeto Memória do Movimento Estudantil. São Paulo, 12/11/2004.
80  – BRITO, Luciano. O episódio do pavilhão fb-2: ditadura militar e movimento estudantil na UFPA (1964 – 1980). A
UFPA e os Anos de Chumbo: memórias, traumas, silêncios e cultura educacional (1964-1985) – Entrevista com Sandra Hele-

294
na Morais Leite, disponível em http://www.multimidia.ufpa.br/jspui/handle/321654/1284.

comissão nacional da verdade - relatório - volume ii - textos temáticos - dezembro de 2014


81  – Arquivo Nacional, SNI: BR_DFANBSB_ABE_ACE_765_80; Arquivo Nacional, SNI: BR_DFANBSB_AMA_
ACE_699_80_0001; Arquivo Nacional, CISA: BR_DFANBSB_VAZ_013_0043.
82  – Para mais informações, consultar: http://www.rtv.unicamp.br/?video_listing=intervencao e http://www.unicamp.
br/unicamp/unicamp_hoje/ju/julho2006/ju329pag6-7.html.
83  – Portaria Unesp nº 251 de 8/8/1983. Arquivo CNV, 00092.002566/2014-06. Relatório da Comissão da UNESP.
84  – Jornal Voz da Terra, Assis, 3/8/1983. p. 3. Arquivo CNV, 00092.002566/2014-06. Relatório da Comissão da UNESP.
85  – Ver Decreto no 2.036, 11/10/1937.
86  – Ibid.
87  – Ver Decretos-Leis no 9.775 e 9.775A, 6/9/1946.
88  – Ver Lei no 348, 4/1/1968, e Decreto no 62.803, 3/6/1968.
89  – Ver Decreto no 60.940, 4/7/1967.
90  – Regimento da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Educação e Cultura, publicado no Diário
Oficial da União de 15 de abril de 1969, Seção I, Parte I, pp. 3.180-3.182.
91  – Ver Portaria MEC no 12-BSB, 18/1/1971.
92  – Arquivo Nacional, AESI/UFMG: BR_DFANBSB_AT4_0011_0015.
93  – Ver regulamento aprovado pelo Decreto no 75.640, 22/4/1975.
94  – Ibid.
95  – Ver Decreto no 75.524, 24/3/1975.
96  – Depoimento de Arminak Cherkezian à Comissão Nacional da Verdade, São Paulo, 1o/9/2014 (Arquivo CNV,
0092.002036/2014-50). A Lei no 4.341, citada pelo depoente, é a lei que cria o Serviço Nacional de Informações em
13/6/1964.
97  – Depoimento de Arminak Cherkezian à Comissão Nacional da Verdade, São Paulo, 1/9/2014 (Arquivo CNV,
0092.002036/2014-50).
98  – Arquivo Nacional, SNI: BR_DFANBSB_V8_ AC_ACE_50668_85.
99  – “Ninho de suspeitas”. Jornal do Brasil, 4/6/1985. “DSI sobrevivem a ‘Nova República’”. Folha de S.Paulo, 28/6/1985, p. 12.
100  – Diário Oficial da União, quinta-feira, 12/4/1990. Seção II, p. 1.766.
101  – Arquivo Nacional, AESI/UFMG: BR_DFANBSB_AT4_0008_0025. Nos documentos são encontradas tanto a sigla
ASI como AESI (Assessoria Especial de Segurança e Informação). No final, boa parte das assessorias usavam a sigla ASI.
Optamos neste texto por usar, dessa maneira, a sigla ASI, entendendo que ela compreende a sigla AESI citada em documentos
diversos.
102  – Arquivo Nacional, AESI/MG: BR_DFANBSB_AT4_0010_0018. Ofício no 004 AESI/USP/DSI/MEC
20/10/1972. Assinado pelo Chefe da AESI Krikor Tcherkezian.
103  – Arquivo CNV, 00092.001910/2014-31. Relatório final Comissão Milton Santos de Memória e Verdade (UFBA).
Salvador, 18/8/2014.
104  – MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Os olhos do regime nos campi. As assessorias de segurança e informações das universidades.
Topoi, v. 9, no 16, janeiro/junho de 2008, pp. 30-67.
105  – Depoimento de Arminak Cherkezian à Comissão Nacional da Verdade, São Paulo, 1o/9/2014.
106  – Correspondência Sigilosa do Gabinete do Reitor UFBA, doc. RP1255 a 1259.
107  – Depoimento de Arminak Cherkezian à Comissão Nacional da Verdade, São Paulo, 1o/9/2014.
108  – Arquivo CNV, 00092.002585/2014-24. BUENO. Almir de Carvalho. A Assessoria de segurança e informações do
ministério da Educação e Cultura na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ASI/UFRN): o braço da repressão
nas universidades (mimeo).
109  – Arquivo CNV, 00092.001910/2014-31. Relatório final Comissão Milton Santos de Memória e Verdade (UFBA).
Salvador, 18/8/2014.
110  – Tratando-se de normativa, provavelmente todos os estabelecimentos de ensino superior públicos receberam as
fichas. Documento destinado à UnB é encontrado em: Arquivo Nacional, ASI/UnB: BR_DFANBSB_AA1_LGS_034.

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111  – Arquivo Nacional, ASI/UnB: BR_DFANBSB_AA1_LGS_013.
6 - violações de direitos humanos na universidade

112  – Depoimento de Arminak Cherkezian à Comissão Nacional da Verdade, São Paulo, 1o/9/2014.
113  – Depoimento de Arminak Cherkezian à Comissão Nacional da Verdade, São Paulo, 1o/9/2014.
114  – Ofício no 2519 AEPEC/DSI/MEC, 25/6/1973. Arquivo Nacional, BR_DFANBSB_AT4_0011_0015.
115  – Sabe-se da existência de outras ASI que não foram citadas. Rodrigo Patto apontou a existência também na Federal
Rural de Pernambuco, Universidade Federal de Viçosa, Diamantina e Uberaba, em Minas; e Universidade Estadual de
Maringá e Londrina, no Paraná.
116  – Depoimento de Arminak Cherkezian à Comissão Nacional da Verdade, São Paulo, 1o/9/2014.
117  – Depoimento de Arminak Cherkezian à Comissão Nacional da Verdade, São Paulo, 1o/9/2014.
118  – Arquivo CNV, 00092.001910/2014-31. Relatório final Comissão Milton Santos de Memória e Verdade (UFBA).
Salvador, 18/8/2014.
119  – Correspondência Sigilosa do Gabinete do Reitor UFBA, doc. RP1242-1245.
120  – Arquivo CNV, 00092.002585/2014-24. BUENO. Almir de Carvalho. A Assessoria de segurança e informações do
ministério da Educação e Cultura na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ASI/UFRN): o braço da repressão
nas universidades (mimeo).
121  – Ofício no 009/3000/79 SNM/DSI/MEC, de 8/5/1979. Arquivo Nacional, BR_DF_ANBSB_AT4_0023_d.
122  – Ofício nº 002/D/DSI/MEC, em 31/1/1980. Assinado pelo diretor da DSI Carlos Roberto Ferreira Tatit. Arquivo
Nacional, SNI: BR_DFANBSB_V8_ACT_ACE_6501_86.
123  – Arquivo CNV, 00092.002569/2014-31. Relatório sobre as graves violações dos direitos humanos nas universidades
públicas do estado do Ceará. Fortaleza, CE, 2014.

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