A parada matinal recém terminara quando o general desembarcou surpreendendo a guarda do quartel. Enquanto o ajudante de ordens proibia o corneteiro de anunciar lhe a presença, subiu para o segundo piso onde ficava o gabinete do comando.
O coronel Achiles lia o jornal quando ele adentrou seguido pelos
coronéis- assistente e de informações. Não se surpreendeu. Conhecia a informalidade do comandante da Brigada. Um grosseirão que precisava tolerar, estoicamente, como convinha a um subordinado disciplinado.
Calvo, baixo e obeso o general Brito estava longe de uma aparência
marcial. Não precisava dela. Inspirava respeito pela fama de “linha dura”. Nordestino, destacara-se no 31 de março em Recife, neutralizando, ainda coronel E-2 do IV Exército, focos de rebelião que porventura surgissem .Prendera numa operação relâmpago os líderes sindicais e rurais de lista adrede preparada. Era um exemplar clássico do regime militar identificado no discurso anticomunista, na aversão a padres, professores, universitários, intelectuais e jornalistas.
Na conversa, em pé, ao lado de uma estatueta de bronze - um
soldado de infantaria da I Guerra Mundial – herança da Missão Francesa, explicou o que o levara ali.
- Achiles, vou confiar à sua unidade uma missão importantíssima.
Trata-se da prisão em massa de subversivos que atuam na sua área. Não temos efetivo de inteligência suficiente para realizar a operação que começará na mesma hora em toda a Brigada. Utilizaremos o seu reforçado por outros, capitães da tropa. Reúna os oficiais darei as instruções pessoalmente. A minha presença aqui deve ser discreta por isso não permiti o toque de general.
Atendendo ao chamado da corneta os oficiais foram se alinhando no
salão de honra. Estado Maior, integrantes de cada subunidade. Os respectivos capitães com seus subalternos por ordem de antiguidade no posto. O major subcomandante, magro e educado, comandou sentido e apresentou o grupamento. A oficialidade estava curiosa para saber a que se devia a visita inopinada do general que logo acabou com o suspense. Repetiu o que já dissera ao Cel. Achiles acrescentando o seguinte:
- Sabemos exatamente onde e quando estarão os subversivos que
serão indicados pelos nossos agentes. Os senhores escolherão um graduado da sua subunidade ou repartição e utilizem seus carros particulares.
Oliva era dos capitães mais antigos e exercia função burocrática
como S/1, encarregado do pessoal. Era um homem de convicções democráticas que o regime não permitia transparecer. Considerava-se um exilado nele mesmo. Nada de conversas sobre política. Era um legalista e servindo em Porto Alegre apoiara o movimento de Brizola. Transferido para Brasília estava na Polícia do Exército quando da revolução de 31 de março. O levante dos marinheiros no Rio abalara, como a todos os tenentes da sua geração, a sua confiança em Goulart. Fora dos primeiros, de uma legião, a aderir a Revolução.
Duro foi engolir o ATO 5. Casado, dois filhos, de 8 e 10 anos,
prestações de um quarto e sala, o jeito era se adaptar aquele desatino político que julgava ser um assunto para psiquiatras. Como explicar que Costa e Silva se sujeitasse aquele absurdo. Maldita linha dura. Militar politizado acompanhava a Coluna de Castello no JB que recortava e arquivava cuidadosamente O jornalista cantava todas as pedras. Como se podia ignorar aquela opinião tão lúcida?
O capitão escolheu o 3º sargento Morais bem mais jovem que os
outros dois auxiliares. Foi para casa de jipe, vestiu uma roupa civil e voltou no carro. No estacionamento do Batalhão, Morais, a paisana e armado ,embarcou no DKW do Capitão. O carro tinha sido financiado pela CEF, iniciativa de Goulart. Preço de fábrica e módicas prestações.
O quartel ficava na periferia daquela cidade progressista e o homem
do DOI Codi contatou Oliva no local combinado, a banca de jornal de uma praça pouco movimentada. Avisou que o “terrorista” deveria passar por ali dentro de uma meia hora. Ele apontaria o sujeito que deveria ser capturado imediatamente. Oliva postou-se na calçada com o 45 escondido num saco de plástico. Morais ficou encostado na porta traseira do carro estacionado pouco adiante. Depois de meia hora surgiu o sujeito. Jovem, franzino, não mais que vinte anos. Um universitário, provavelmente. Nervoso, constrangido, Oliva forçou o cano da arma, ainda no saco, nas costelas do individuo. A ordem de prisão e que entrasse no carro foi obedecida sem relutância. O jovem empalidecido entrou atrás do DKW seguido pelo sargento que o espremeu no espaço entre o banco de trás e o assento do motorista. Pistola na cabeça.
Oliva não se preocupou se a detenção chamara a atenção de alguém.
Saiu lentamente preocupado apenas com o volante. Já na rodovia o pneu traseiro da direita furou. Parou o carro, contra feito, num posto de gasolina próximo e providenciou junto ao frentista a substituição do pneu.
“Só me faltava essa pensou” com seus botões. E, quando o frentista
estranhou a posição do prisioneiro, ameaçou.
- Esse cara é um subversivo e vai para o quartel. Você não viu nada. Entendeu?!
O homem de macacão concordou timidamente com a cabeça e
colocou o pneu furado no porta-malas. Oliva, constrangido, arrancou, rangendo os pneumáticos
Entregou o prisioneiro no pavilhão da banda de música. Construção
moderna, planejada. Tablado para o conjunto da banda, cabines a prova de som para ensaios individuais. Bateu na porta e o sargento Lido, forte e de rosto rosado, apanhou o jovem pela gola da camisa e empurrou-o para dentro da sala.
- Vai tirando a roupa, terrorista filho da puta!
Passado cinquenta anos, Dona Ina, a viúva de Oliva, reclama:
- Fiquei preocupada, afinal quem levava as crianças para o colégio na