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Inconsciente, algumas palavras sobre

O objetivo desse texto é oferecer àquele que por ventura se depare com ele, uma
descrição do inconsciente que ajude a compreender o que teóricos, tais como: Freud,
Jung, Lacan, e tantos outros, postularam em seus estudos, mas não queremos fazer isso
utilizando de uma linguagem hermética, para iniciados, essa atitude já se encontra em
demasia. E é por isso mesmo que devemos iniciar de imediato nosso propósito.

Uma forma que nos parece bastante didática para compreender o que é o
inconsciente é a partir da velha imagem do inconsciente como a parte escondida de um
iceberg. O iceberg somos nós, junto com tudo o que fazemos e pensamos. Podemos
também, para multiplicar as imagens, dizer que somos um motorista que olha pelo
retrovisor; quando o motorista olha vê a estrada, mas só vê o que está no contorno do
retrovisor, muita coisa não aparece refletida no pequeno espelho. A mesma coisa acontece
quando olhamos para um rio, ou para o mar. Lá no fundo podem ter pedras, plantas e
animais que vivem escondidos. O motorista pode não ver um carro que vai passar do lado
dele porque na posição em que o outro carro está não aparece no espelho, e nós só vamos
perceber que ele está presente quando ele aparece de surpresa. O motorista não viu que
ele estava lá, mas ele estava. Não é porque não vemos uma coisa que ela não exista.

Não foi Freud quem descobriu o inconsciente, foi ele quem o estudou
profundamente, com paciência e dedicação, e colheu os frutos que fizeram surgir, depois
dele, a partir de outros pensadores, toda uma teorização, fundamentada fortemente em
observações empíricas clinicas, que poderíamos chamar de psicologias do inconsciente.
Para Freud, o criador da psicanálise, um sinal claro que nos faz perceber a presença do
inconsciente no comportamento de alguém são os atos falhos. Atos falhos são erros no
comportamento que acontecem repentinamente, chamando a atenção de quem está por
perto da pessoa que se atrapalhou, mas que as vezes a pessoa mesma não percebe o que
fez. Aliás esse é um ponto que acreditamos ser útil insistir, o inconsciente as vezes se
manifesta, mas a pessoa não é capaz de perceber, enquanto todos os outros que estão ao
seu redor percebem.

Certa vez um colega nos contou a história de que caminhava com seu grupo de
amigos quando uma de suas colegas tropeçou em algo na calçada e caiu. Ao cair a mulher,
que já tinha por volta de 40 anos, começou a chorar muito baixinho e chamar “papai”,
“papai”. Segundo conta, todos estranharam aquela atitude, e ainda mais quando ao se
levantar do chão e se desembaraçar, ao ser perguntada do choro, disse não lembrar nada
daquilo. Manifestou-se nela um comportamento que não só estava fora do que ela
costumava apresentar, por apresentar traços de infantilidade, uma mulher adulta de
quarenta e poucos anos chorando como um bebê, e o mais estranho a inconsciência dela
do episódio.

Isso não foi um ato falho, não no sentido do que a psicanálise apresenta. Esse
episódio está mais para uma emoção reprimida, relacionada ao pai, que veio à tona, direto
do inconsciente. Mas é difícil dizer sem que um profissional trabalhasse detalhadamente
com ela o significado real desse acontecimento. Mas uma coisa é fato: há comportamentos
conscientes e outros que são inconscientes. E, para voltar ao fio da meada, dizíamos, os
atos falhos são momentos interessantes em que podemos ver que algo submerso veio à
tona, se manifestou. E, se a pessoa tiver a capacidade de observar a si mesma, poderá
identificar quando eles acontecem. E, com um pouco mais de paciência, iniciando uma
autoanálise, poderá entender o porquê de ter agido daquela maneira, que a princípio lhe
parecia sem sentido nenhum, mas que na realidade escondia algo de verdadeiro sobre ele
mesmo.

Um ato falho é um erro que pode acontecer ao escrever ou falar algo. Mas também
ao esquecer de alguma coisa, e por fim, ao se comportar de uma maneira desastrada,
caindo ou quebrando alguma coisa. Dissemos que um ato falho é um erro, mas isso não
está totalmente correto. Nós chamamos esses acontecimentos de “erros” porque vemos
eles como tentativas atrapalhadas que não deram certo, mas talvez eles não sejam
simplesmente erros. Vamos utilizar mais uma imagem, dessa vez para ilustrar a ideia de
atos falhos. Trata-se do personagem Chaves que vez por outra, em seu programa de TV,
repete a frase: “foi sem querer querendo! ”. Se utilizarmos a teoria dos atos falhos para
entender o personagem Chaves, podemos dizer que um ato falho acontece sem querer do
ponto de vista da consciência, que acha que controla o comportamento, mas do ponto de
vista do inconsciente aquilo aconteceu querendo.

O psicólogo Michael Kahn fornece uma definição de atos falhos que nos ajuda a
entender. Segundo ele um ato falho é quando “um indivíduo tem uma intenção: dizer
algo, lembrar-se de algo, fazer algo. Mas existe outra intenção competindo. ” (p. 48) No
ato falho é essa outra intensão que consegue vencer, emergindo do inconsciente chegando
a consciência e tornando-se ato. Entre o consciente e o inconsciente existe uma espécie
de barreira que tenta impedir toda e qualquer intenção vinda do inconsciente que por
algum motivo vá causar qualquer tipo de sofrimento a pessoa. Por isso que a função dessa
barreira é deixar todo esse material que incomoda a consciência “esquecido” no espaço
do inconsciente.

Mas, voltando aos atos falhos, certas intenções não permanecem lá, e se movem
querendo ser realizadas, conseguem, então, superar essa barreira, e finalmente se realizam
por alguns momentos. Alguns exemplos de atos falhos podem ajudar a deixar a teoria
mais clara. Vamos encerrar com alguns deles. Um colega contou que em uma festa de
aniversário os convidados pediram ao aniversariante que fizesse um discurso. O homem
se levantou para falar, agradeceu a presença de todos os amigos e dirigindo a palavra a
esposa disse: “quero agradecer especialmente a minha ex-esposa” ficando totalmente
constrangido ao perceber o que tinha dito. Muitos dos amigos presentes na festa sabiam
que o casamento estava mal, que o aniversariante pretendia separar-se e que possuía uma
amante.

Um professor precisa dar uma palestra em uma escola na qual trabalhou durante
muitos anos. Durante o período em que esteve lá fez muitas amizades, mas também
muitos desafetos, sobretudo com o diretor da escola. Ao ser convidado por um amigo
professor da antiga escola aceitou por consideração a ele e aos alunos. Esqueceu de
preparar a sua fala deixando tudo para a noite anterior ao dia. Na noite em que foi preparar
o discurso deu-se conta de ter esquecido o seu notebook. O professor reconheceu na hora
que realmente não desejava retornar aquela escola, e aqueles esquecimentos não eram
inocentes.

Podemos pensar em muitos outros exemplos de “erros” que na verdade não são
erros, pois expressam intenções inconscientes. O exemplo clássico do namorado que troca
o nome da namorada, e outros que tenhamos oportunidade de observar em nó e nos outros.
Mas o objetivo final desse texto, é apontar como existe em nós todo um lado
desconhecido, cheio de coisas que acontecem que nós não percebemos, porque, como na
imagem do motorista, elas estão fora do reflexo do retrovisor. Esse lado obscuro é o que
chamamos de inconsciente, e estuda-lo nos ajuda a entender mais do ser humano, entender
a nós mesmos para melhorarmos de alguma forma, do que fazemos, pensamos e sentimos
sem que tenhamos consciência.

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