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Marcogoncalves PDF
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RESUMO
Pretende-se desenvolver uma análise ética sobre as características e padrões de consumo
hipermodernos que reforçam e incentivam manifestações hedonistas e individualistas que
transformam o ser humano em mercadoria e que geram sensações e atitudes de vazio e de
decepção. Esta ação de pensar critica e eticamente perpassa por uma educação do consumo
consciente, analisado por Cortina, indicativo transformador desta sociedade hipermoderna na
compreensão que, para ter uma vida digna e feliz, deve-se ir além da aquisição de bens e
prazeres efêmeros. Iremos contextualizar o problema a ser pesquisado, evitando cair num
subjetivismo, mas traçar um raciocínio sobre o tema, apontando para as contradições ainda
contidas na hipermodernidade; assim como avaliar as consequências reais de nosso
comportamento como consumidores que estão contribuindo para o desequilíbrio ambiental,
refletir eticamente sobre a responsabilidade de cada cidadão na construção de valores que
assegurem o bem-estar humano e o respeito a todas as formas de vida em suas mais variadas
manifestações. A educação para o consumo é elemento-chave na conscientização da população
em relação à sua responsabilidade social, na busca do desenvolvimento sustentável do planeta,
unindo-nos às diversas formas de associação, de ação política, de lutas sociais e reivindicação
de novos direitos já existentes.
PALAVRAS-CHAVE: hipermodernidade, narcisismo; hedonismo; consumo; ética.
Introdução
Novos tempos: novas expectativas, novos desafios, novos valores? Uma afirmação que
poderia ser classificada como senso comum é que “o novo sempre é desafiador, gera
insegurança e provoca medo” e que, ao chegar certa idade, torna-se difícil romper com certos
*
Mestrando em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: marco.silvia.goncalves@gmail.com.
paradigmas que fizeram parte de nossa formação epistemológica. Quando nos deparamos com
a complexidade do indivíduo contemporâneo, temos a sensação de estarmos perdidos, sem
rumo, e qualquer vento é favorável nestas condições.
Somente com atitudes e procedimentos éticos será possível construir uma sociedade
mais justa questionando os valores impostos pela sociedade de consumo e buscar novos
parâmetros para a vida em sociedade que sejam formadores de consciência e atitude ética.
O indivíduo hipermoderno
Num primeiro momento, cabe-nos deixar claro que, ao classificar este indivíduo como
hipermoderno, diferenciando-o do conceito de pós-moderno, vamos ao encontro da tese de
Parafraseando uma frase da música “Como nossos pais”, interpretada por Elis Regina,
“já não somos os mesmos, e não vivemos como nossos pais”, vê-se que, há menos de 40 anos,
vivíamos num contexto onde a moral rigorista ocidental conduzia-nos à valorização do sacrifício
e à condenação do prazer, onde a Família, a Igreja, o Partido e a Ideologia dominavam o cenário
social e serviram como os grandes baluartes de sentido da nossa existência. Vivíamos numa teia
coercitiva, que não nos permitia escolher, não sendo permitido refutar o discurso da
autoridade nem a autoridade do discurso.
Até data bastante recente, a lógica que permeava a vida cotidiana em seus diversos
níveis – político, produtivo, moral, escolar, etc.- consistia em imergir o indivíduo em regras
uniformes, em eliminar o máximo possível as formas de preferências e expressões singulares,
homogeneizar e universalizar as convenções e os imperativos, ou seja, impedir o livre
desenvolvimento da personalidade íntima, da diferença e da autonomia.
Estamos numa época em que não se crê mais na existência de um único e categórico
sentido, mas sim na construção permanente de sentidos múltiplos, provisórios, individuais e
grupais. Somos desafiados e convidados a sermos artistas e artífices de nossa própria
existência. Em contrapartida, isso traz o aumento da responsabilidade individual, visto que cada
um é co-autor do estatuto moral ao qual adere.
Na apresentação do livro A era do vazio, Silva (2005) sintetiza esta nova era ao dizer:
1
Com conteúdos bastante relevantes, Cartas sobre a hipermodernidade contribui para o debate evitando uma
atitude simplória de desespero ou indignação diante desta lógica individualista presente em diversos níveis.
O novo Narciso
Vivemos para nós mesmos, sem nos preocuparmos com as nossas tradições e com a
nossa posteridade, abandonando o sentido histórico – vivendo o presente, nada mais do que o
presente, não mais em função do passado e do futuro. Ocorre um hiperinvestimento na esfera
privada. O Eu, preocupação central de atenção e de interpretação, é um elemento constitutivo
da personalidade deste indivíduo hipermoderno, tornando possível viver sem ideais, sem
finalidades transcendentais.
2
A compreensão deste conceito “narcisismo” por Lipovetsky vai de acordo com a definição dos sociólogos norte-
americanos, ao entendê-lo como conseqüência e manifestação miniaturizada do processo de personalização,
símbolo da passagem do individualismo “limitado” ao individualismo “total”, símbolo da segunda revolução
individualista (prefácio p. XXI – A era do vazio).
Esse novo ethos narcisista nos convida a pensar o processo global que rege o
funcionamento social. Narciso nada mais é do que uma busca interminável de Si Mesmo,
desprendendo-se do domínio do Outro. A partir do pensamento de Rubin e Lasch (apud
LIPOVETSKY, 2005, p. 36) podemos entender esta lógica: “amar a mim mesmo o bastante para
não precisar de outra pessoa para me fazer feliz”. Isso tudo seria a glorificação do reino do Ego
puro, de um narcisismo sem limites, um processo de personalização sem fim, pois Narciso acha
feio o que não é espelho.
O indivíduo quer ser só, sempre e cada vez mais só, ao mesmo tempo em que não
suporta a si mesmo estando só.
Estamos com o que fechados numa concha egocêntrica. Jovens e adultos, por
exemplo, que, fechando-se em si mesmos, tentam ou desejam neutralizar o mundo exterior
através de seus fones de ouvido, em seus sons extremamente altos, “vivem ligados à música
desde o amanhecer até à noite, como se tivessem a necessidade de estar sempre em outro
lugar[...]; tudo acontece como se eles precisassem de uma desrealização estimulante, eufórica
ou embriagadora do mundo” (LIPOVETSKY, 2005, p. 06).
Nas atuais festas dos grandes centros urbanos, com excessos de representações que
confundem e fascinam, onde tudo é em excesso, o som, as luzes, o ritmo musical, o laser,
projeção de filmes..., o frenesi eletrizante que transparece como uma espécie de
hiperteatralização entre seus participantes, os jovens estão mais empenhados em sentir seus
corpos em dança, do que em se comunicar com o outro.
Vivemos numa temporalidade sob a categoria do espetáculo que seduz a todos os que
desejam ter seus “quinze minutos de fama”. Lipovetsky (2005) afirma que a análise do social se
explicaria melhor pela sedução do que por noções como a de alienação ou de disciplina. A
sedução se tornou um processo geral com tendência a regrar o consumo – não
necessariamente de produtos, mas de hábitos, valores e aparências -, as organizações, a
informação, a educação, os costumes.
Considerações finais
Nossa era parece estar marcada pela elaboração de uma ética a la carte. Onde tudo se
move, muda e possui uma fluidez, a corrosão do imperativo moral é vista, por muitos, como
sinal de decadência da estrutura social contemporânea, mas pode ser, na verdade, considerada
uma marca de libertação própria do indivíduo hipermoderno. Redimensionamos os valores –
não que eles deixaram de existir e deixemos de respeitá-los, mas que, agora, são
essencialmente resultados do diálogo e da comunicação. O moralismo caracteriza-se pelo
excesso de valores que não podem ser discutidos.
coletivos, pode nos levar também a novas formas de associação, de ação política, de lutas
sociais e reivindicação de novos direitos.
O ato de consumir é também um ato de cidadania, pois com ele se escolhe em que
mundo se quer viver. Cada pessoa deve escolher produtos e serviços que satisfaçam as suas
necessidades sem prejudicar o bem-estar da coletividade, seja ela atual ou futura. Num mundo
globalizado, onde a própria atividade política foi submetida às regras do mercado, o exercício
da cidadania não pode ser desvinculado do consumo, uma das atividades onde atualmente
sentimos que pertencemos a um grupo e fazemos parte de redes sociais. O consumo não é uma
simples possessão individual de objetos isolados, mas apropriação coletiva – através de
relações de identidade e distinção com os outros – de bens que proporcionam satisfação
biológica e simbólica.
Referências bibliográficas
CORTINA, Adela. Por una Ética del Consumo. Montevideo: Univ. Católica; Taurus, 2003. 349 p.
SILVA, Jurandir Machado da. Vazio e comunicação na era “pós-tudo”. In: LIPOVETSKY, Gilles. A
Era do Vazio. Barueri: Manole, 2005 ( p. IX-XXIV)