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Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais e Programas de Pós-Graduação em Sociologia
(PPGS) e Sociologia e Direito (PPGSD) - Universidade Federal Fluminense – UFF. E-mail:
valteroliveira@id.uff.br
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Departamento de Geografia e Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGG) - Universidade Federal do
Rio de Janeiro– UFRJ. E-mail: eve.buhler@gmail.com
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Introdução3
No Brasil, o que se produz atualmente sobre o Cerrado, guarda paralelo como o que se
passou no século 19 com a mata atlântica. Impulsionado por lógicas muito semelhantes, havia
tanto o imperativo econômico, quanto o imperativo moral. Inclusive o discurso de sustentar a
economia nacional, como se verifica atualmente, também estava em voga naquele período.
Conforme apontado por Dean (1996, p. 183,184) “O governo imperial desejava ampliar o
comércio porque praticamente toda a sua receita derivava de taxas de importação” e, nesse
sentido, “o império tinha, como axioma que, uma vez satisfeitas as demandas dos
proprietários de terra, estes em troca obteriam divisas para cobrir as despesas do Estado”.
Neste caso o café está para a Mata Atlântica assim como a soja está para o Cerrado. Conforme
descrição de Dean (1996, p.195,196), o café encontrou um ambiente ideal para o seu
desenvolvimento no Rio de Janeiro e suas características ecológicas impuseram limites físicos
à expansão para ouras regiões. “O café avançou, portanto, pelas terras altas, de geração para
geração, nada deixando em seu rastro além de montanhas desnudadas”.
É isso o que fundamentalmente vem ocorrendo em grandes áreas do Cerrado.
Fortalecidos pelo discurso de que são o principal suporte da economia nacional e investindo
no marketing da eficiência, do aprimoramento e da indispensabilidade4, a agricultura
empresarial que se estabeleceu e continua se expandido por uma vasta região dominada pelos
Cerrados nordestinos o tem feito às custas de importantes efeitos sobre tal ambiente. O que se
constata é que na mesma medida em que se nota a valorização e expansão do agronegócio fica
notório a depreciação e redução das áreas de Cerrado. Esse movimento contou com a
colaboração imprescindível de agentes controladores do Estado, das suas agências de
pesquisas e dos setores industriais relacionados à agropecuária. Apenas a partir da atuação de
tais agentes foi possível introduzir as áreas do Cerrado nas atuais cadeias globais de valor.
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Este artigo também foi enviado para o 56º Congresso Internacional de Americanistas que ocorrerá entre os días
15 e 20 de julho de 2018 em Salamanca-Espanha. Por se tratar de públicos diferentes, consideramos pertinente
apresentá-lo e discutir seu conteúdo em ambos os espaços.
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Durante várias semanas a Rede Globo, principal rede de telecomunicação do Brasil, produziu e divulgou em
horário nobre da TV aberta, diferentes versões de uma propaganda muito bem elaborada e de alta qualidade
visual, que sempre iniciavam com a seguinte frase: “Agro: a Indústria-Riqueza do Brasil” e sempre finalizavam
com o mesmo mote: “Agro é tech, agro é pop, agro é tudo”. Conforme diretor de marketing da Rede Globo, o
objetivo da propaganda era fortalecer a marca do “agro” e criar empatia e segurança na população em geral; “a
ideia é fazer com que o brasileiro tenha orgulho do agro”. “Queremos mostrar que a riqueza gerada pelo
agronegócio movimenta os outros setores da economia”. Conforme: http://www.startagro.agr.br/por-que-o-
agronegocio-precisa-de-uma-comunicacao-moderna/
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No entanto, a representação social das questões ambientais contemporâneas fez com
que se notasse uma espetacular expansão da sensibilidade ecológica que, por sua vez, faz com
que quase todo mundo se diga ecologista (ALPHANDÉRY et all, 1992). Frente a tal
“consenso” se tornou improvável qualquer agente, público ou privado, expor, de forma
impune, discursos ou práticas depreciativas do meio ambiente. Nota-se, ao contrário, um
esforço dos diversos agentes envolvidos com as diferentes cadeias produtivas de eufemizar
suas práticas de modo a incorporar um sentido de responsabilidade ambiental. Em relação ao
agronegócio que se expandiu para o Cerrado, essa perspectiva se apoiou, a princípio, na ideia
de que a Amazônia seria preservada, mesmo que em detrimento do Cerrado. Atualmente a
sensibilidade ecológica também fez com que a “opinião pública” se despertasse para a
importância ecossistêmica do Cerrado e, assim, tanto os agentes do agronegócio quando os
operadores do Estado se voltassem, ao menos de forma discursiva, para a sua proteção ou
formulação de justificativas para seu uso.
É nesse sentido que este artigo busca analisar a constituição de uma governança
ambiental estabelecida a partir da relação entre atores localizados na estrutura de
funcionamento do Estado e as elites do agronegócio buscando compreender a dinâmica de
elaboração das leis e normas que regulam e, ao mesmo tempo, promovem o avanço agrícola
no Cerrado. Trata-se de refletir acerca dos mecanismos legais e operacionais que remetem a
uma perspectiva de governança ambiental que articula o apelo ambiental difuso na sociedade
à promoção dos interesses dos atores ligados às cadeias produtivas. Estabelece-se um
processo de neoliberalização da natureza definido pela forma com que agentes econômicos se
posicionam frente às leis e normas e incorporam as necessidades ambientais e traduzem esta
conjunção na exploração dos recursos naturais.
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inicial5. A predominância destes produtos na economia do país se ampliou significativamente
a partir de 2009 quando se intensificou as relações comerciais com a China. Dos produtos que
o Brasil exporta para este país quase 90% são bens primários e dois terços de toda a
exportação para a China é constituído de soja e minério de ferro (STURGEON ET AL, 2013).
Esse modelo de desenvolvimento que envolve relações de poder multiescalares valorizam os
espaços conforme o valor dos recursos naturais exploráveis.
A centralidade dos produtos primários na pauta comercial da América Latina inspirou
Svampa (2012) a sugerir que estávamos vivendo uma espécie de “consenso das commodities”
em alusão ao que foi o Consenso de Washington cujo foco estava voltado para a valorização
financeira. Esta autora identifica que ingressamos em uma nova ordem econômica e política
impulsionada fortemente pelos preços das commodities e pela pressão do consumo nos países
em desenvolvimento. Tal diagnostico vai no sentido do que aponta Brandão (2017, p.51) ao
considerar que nos
Se este processo já foi marcante nos governos progressistas na década de 2000, ele
vem se intensificando com os novos governos de verniz ainda mais neoliberal e politicamente
conservadores vigentes atualmente, nos quais a participação e influência dos ruralistas fica
bastante notória.
No entanto, falar de “neoliberalismo” pode mais atrapalhar a compreensão de
determinados fenômenos, pois ao definir como neoliberal a política econômica de governos
muito diferentes, viu-se diante de dificuldades heurísticas na utilização de tal conceito 6. Sendo
assim, nos parece mais interessante pensar em processos que implicam práticas de
neoliberalização, como sugere Noel Castree (2008a, 2008b), do que aplicar um conceito geral
para definir práticas estatais diversas e muitas vezes contraditórias. Assim, mesmo em países
que atribuíram maior importância ao Estado na condução de processos econômicos e
5
Para maiores detalhes ver Sturgeon et al (2013
http://www.funcex.org.br/publicacoes/rbce/material/rbce/115_AEJBKS.pdf.pdf)
6
Tais ponderações estão sistematizadas em Maillet (2015)
4
produtivos, como foi o caso de vários países latino americano, com destaque para o Brasil,
pode-se identificar a aplicação setorial de políticas econômicas e difusão de determinadas
lógicas que rementem a um processo de neoliberalização. Consideramos, portanto,
analiticamente produtivo pensar as práticas dos agentes do agronegócio e seus efeitos sobre os
recursos naturais a partir dos mecanismos estruturais e específicos que rementem, ao menos
em determinado sentido, ao neoliberalismo.
Nas regiões de fronteira agrícola dominadas pelo agronegócio as questões ligadas ao
processo de neoliberalização da natureza e do rural são particularmente manifestas. O Estado,
após ter ocupado o papel de maior promotor do avanço da agricultura para o Centro Oeste,
destinando pesados investimento no reequilíbrio territorial, na pesquisa, no financiamento da
produção e infraestruturas, alterou sua estratégia nos últimos anos. Sem abandonar totalmente
as ferramentas até então empregadas, ele busca desde os anos 1990 repassar parte destas
iniciativas para o setor privado. Considerando que a neoliberalização não é um processo
linear, cada Estado o experimenta de forma particular (BRENNER et al. 2010). Dessa forma,
observa-se a articulação de regras gerais, que vão além das fronteiras e se impõe como
tendência, com as características locais específicas de caráter históricos, territoriais e políticos
que os conduzem a efetuar certas adaptações, por tentativa e erro, e a constituir sua
originalidade. Analisaremos em seguida, os processos em jogo nestas regiões colocando o
foco no papel dos atores públicos e privados inserido numa dinâmica de governança
ambiental, bem como sobre a produção de discursos e normas que sustentam a apropriação
privada e frequentemente ilegal do Cerrado por elites agrárias integradas ao mercado mundial
de commodities.
5
governança ambiental, as tentativas de estabelecer um mercado do meio ambiente não podem
se efetivar sem um enquadramento institucional voluntarista centrado no Estado e no seu
aparelho regulatório. Trata-se de um enquadramento que se efetiva a partir da “colaboração”
de atores econômicos diretamente interessados. Os instrumentos de governança ambiental que
se apoiam sobre uma retórica do mercado podem ser defendidos em nome do liberalismo e da
eficiência econômica, mas eles são, ao mesmo tempo, uma forma de proteção dos interesses
da elite econômica (Bull et al., 2014) ao modificar, em profundidade, o pensamento e a gestão
da natureza.
Nesse sentido, as fronteiras agrícolas se efetivam como “chaves espaço-temporal”
importantes no processo de incorporação de recursos naturais ao circuito econômico e suas
transformação em fonte de acumulação do capital (Martins, 2009; Machado, 1994; Bernardes,
2005). A dinâmica que se estabelece nessas regiões além de conflitiva, “renova” os atores,
intensifica a utilização de recursos e tem no Estado um ator em estreita relação com os atores
privados locais e, de forma coordenada, ou não, vão definindo o ritmo do avanço da
agricultura. A dinâmica estabelecida a partir desse processo de governança possibilita pouca
margem de manobra para se impor regulações ambientais mais eficientes e eficazes. Assim,
estes espaços de monocultura que substituíram a vegetação natural criando vastos territórios
dominados pelo agronegócio vão constituindo o que Hecht (2005) define como “zonas de
sacrifício”.
Com a atuação direta do Estado, as novas regiões agrícolas consolidam dessa forma o
poder de atores do agronegócio em diferentes escalas, tanto nos espaços públicos quanto
privados, e produzem formas corporativistas de organização e de utilização do espaço que
favoressem a acumulação do capital (Frederico et Almeida, 2016).
Associados aos aspectos discutidos acima, dois eventos tiveram um papel importante
em favor da mercantilização do Cerrado e contribuem para o estabelecimento de um novo
quadro de referências normativas para os atores do setor: a revisão do Código Florestal e a
edição de uma lei de regularização fundiária no estado do Piauí. Se o Código Florestal
introduz alteração no uso do solo, a lei de regularização fundiária permite a conversão de
terras devolutas em terras privadas. São dois processos que introduzem ou reforçam
mecanismos de privatização e mercantilização da natureza.
A apropriação privada e a mercantilização já fomenta a emergência de novos mercados
e vem mobilizando vários atores, mesmo que a regulamentação da lei ainda não tenha sido
concluída. Uma importante alteração introduzida com o novo código tem relação com a
negociação de áreas para a compensação de reserva legal possibilitada pelas Cotas de Reserva
6
Ambiental (CRA). Trata-se de um mecanismo que permite a venda ou a servidão de áreas
para o fim de regularização ambiental. Se até então uma área de terra com florestas era menos
valorizada economicamente em relação á uma área completamente desmatada, com os
mecanismos de compensação propostos no novo código as áreas de florestas passam também
a ter algum interesse econômico. Do ponto de vista do mercado, isso vem sendo tratado como
a abertura de novas oportunidades de negócios7.
Tal possibilidade aberta com o novo código e, no geral, a própria lei, é defendida como
algo que veio para “modernizar” a relação entre produção e meio ambiente. O discurso da
modernização vai associado à lógica da eficiência produtiva e à lógica da segurança jurídica.
É perceptível a importância da regulação e da regularização tanto no que se refere às questões
ambientais quanto às fundiárias. Na verdade, as duas questões estão intimamente
relacionadas. As questões relacionadas à segurança jurídica e aos processos de
regulamentação e regularização ficam bem destacados nas falas de dois técnicos do Instituto
de Terras do Piauí (INTERPI) ao apresentarem o trabalho de regularização fundiária que
estavam desenvolvendo:
a meta do INTERPI [é] implementar a regularização fundiária (...) no
Piauí todo. Segurança jurídica: os proprietários visando a ampliação
do processo produtivo, a preservação do meio ambiente e o
desenvolvimento sustentável. Dar respostas aos processos judiciais.
(...) O juiz já está mandando esses processos para cá, que sabe que a
gente tá trabalhando na região. (...) Nada melhor que nós que estamos
trabalhando na área para dar um parecer jurídico e técnico nessas
áreas.
7
Ver as reportagens em:
http://www.ecconsolucoesambientais.com.br/oportunidades-em-areas-rurais-com-floresta-volume-xxvii-ago-
2017/
http://exame.abril.com.br/negocios/dino/cresce-a-procura-por-areas-rurais-para-compensacao-ambiental-no-
brasil/
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lado a lado com o atraso (MARTINS, 2009) e em muitas dessas situações seus próprios
agentes se valem de práticas pouco modernas para alcançar seus objetivos de “modernização”.
Conforme os técnicos do INTERPI afirmaram em entrevista que nos concederam, a quase
totalidade das terras do estado do Piauí tem origem em grilagem, sobretudo aquelas do
Cerrado ocupadas pela agricultura empresarial. Esta constatação fez com que agentes do
Estado aliados e/ou pressionados pelos atores dominantes diretamente interessados,
investissem no processo de regularização fundiária. Esta regularização vem sendo feita
claramente em favor dos produtores e não do Estado. É legalização de terras que foram
adquiridas de forma fraudulenta e altamente conflitiva, conforme extrato da entrevista
realizada com um técnico do INPERPI.
8
completamente irregular, pois não é reconhecida pelo Estado. Esta área é uma das que vem
sendo regularizada pelo INTERPI.
Pois bem, a área em que estes agricultores se estabeleceram são áreas irregulares, mas
de uso consolidado, o que tem levado os agentes do Estado a promover a regularização em
nome dos atuais ocupantes. Como mencionado, o conflito em que estão envolvidos se
concentra na área que destinaram para Reserva Legal e a hipótese que nos parece a mais
plausível é que com o novo Código Florestal, o produtor agrícola pode produzir nas áreas
mais aptas para a agricultura que pratica, que são também as mais valorizadas
economicamente, e destinar para a Reserva Legal um área sem interesse produtivo distante de
sua propriedade, mas, como define a lei, pertencente ao mesmo bioma. Assim, nas áreas de
Reserva Legal que se localizam em regiões valorizadas pela grande agricultura intensiva em
tecnologias é onde os conflitos se intensificam.
Além disso, vigora a lógica colonizadora de que a terra coberta pela vegetação nativa,
aquela que caracteriza o Cerrado, não tem dono e nem gera valor e, portanto, segundo tal
lógica, deveria ser apropriada. Dessa forma, é ali onde os conflitos se localizam e se acirram.
Como fica claro nos depoimentos abaixo obtidos dos operadores diretos do processo de
regularização fundiária, áreas que foram desmatadas e incluídas no processo produtivo são
áreas consideradas pacificadas:
9
Entrevistado: Na verdade é um grupo de outra fazenda próxima que tá
dizendo que é dele e teve outro grupo que se diz se dono.
Ocorre, como vimos, uma assimilação de práticas do setor privado pelo público
visando com isso atender à lógica da eficiência, no sentido de uma “nova gestão pública”
(MARCH, 2013). Esta lógica tem uma relação direta com o processo de privatização e, nesse
sentido, não há o desaparecimento do Estado, mas a adoção por este de lógicas próprias do
setor privado para atender aos interesses privados. Evidência que reafirma tal perspectiva é o
fato verificado a campo em que especialistas do Banco Mundial assessoram certas iniciativa
relacionadas aos processos de regularização.
Nas regiões em que o agronegócio tem avançado, sobretudo nos Cerrados nordestinos,
as terras que eram devolutas e tinham uso coletivo e extensivo, são convertidas em terras
privadas e formalizadas em nome dos que a dominaram. Nessas áreas além da terra, outros
elementos da natureza são convertidos em ativos imprescindíveis ao avanço deste tipo de
agricultura produtora de commodities. É o caso das chuvas. Mais do que a terra, o que se
compra nessas regiões, conforme é recorrentemente apontado pelos agricultores, é a chuva.
Áreas com alto índice pluviométrico tem seu valor várias vezes multiplicado, significando,
portanto, a precificação e a mercantilização das chuvas. O mesmo vale para o relevo. As áreas
que interessam para este tipo de agricultura são aquelas áreas cujo relevo favorece o processo
de mecanificação da produção. Área com tal característica terá menos chances de manter sua
vegetação nativa em pé8. Em certas regiões a água dos rios também é utilizada para irrigação
produzindo efeitos ambientais cuja responsabilidade será compartilhada com a população em
geral9. Observa-se, assim, um processo de controle de recursos que não eram até então
8
Em relação a esta constatação o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (mais conhecida como
Bancada Ruralista) Nilson Leitão afirmou que manter a floresta em pé é um custo no sentido de que há cuidados
que precisam ser tomados para tal. Mas também fica evidente que terra nua é o contrário! Ver entrevista em: .
http://www.dw.com/pt-br/manter-a-floresta-em-p%C3%A9-%C3%A9-custo-diz-chefe-da-bancada-ruralista/a-
40148688
9
Em uma zona de alto uso dos pivôs centrais em Luis Eduardo Magalhães (BA) houve um período de escassez
de água que afetou a produção e o uso urbano. A AIBA (Associação do Irrigantes da Bahia) recomendou a
interrupção da irrigação mas ressaltou o seguinte: “‘esta é uma iniciativa racional da categoria, e não uma
decisão imposta por autoridades, mesmo porque todos os irrigantes da região estão legalizados, pois possuem
outorgas concedidas pelos órgãos ambientais competentes. O que queremos com isso é contribuir para minimizar
os efeitos da estiagem. Contudo, outros segmentos da sociedade que contribuem para a baixa vazão dos rios,
fazendo uso indiscriminado da água, precisam fazer a parte deles’, explicou o diretor de Águas da Associação de
Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), Cisino Lopes.” Chama a atenção o discurso de auto-responsabilização
indicando a prescindibilidade do Estado. Ainda conforma a mesma publicação “Para o presidente da Aiba, Júlio
10
controlados ou estavam disponíveis para uso comum ou sob o domínio do Estado (Castree,
2008a).
Através de evidências empíricas, nota-se uma nova configuração das instituições de
gestão e de tomada de decisões que March (2013, p.143) descreve como significando a
introdução de princípios (por exemplo: eficiência), métodos (por exemplo: análise de custo-
benefício) e objetivos comerciais (por exemplo: a maximização dos benefícios). Com o
processo de mercantilização dos recursos naturais, o recurso deixa de ser um bem público e
passa a ser um bem comercializável convertendo seus usuários a clientes individuais. Assim,
as alterações organizacionais e legais tem possibilitado o processo de privatização da natureza
enquanto as alterações institucionais (normas, valores) possibilita a sua comercialização. Se
até então determinados bens naturais não eram representados socialmente como bens
comercializações, há um claro processo de alterações dessa representação de maneira que tais
bens entram no circuito da comercialização. Isso fica demonstrado nos casos aqui analisadas
relacionados à questão fundiária e particularmente em relação à possibilidade de
comercialização da reserva legal.
Conclusão
Cézar Busato, este é um mal necessário: escolher entre economizar água ou elevar a produção. “Propomos, por
iniciativa própria, deixar de irrigar aproximadamente 60% da área. Os outros 40% não podem ser interrompidos
por se tratar de culturas perenes, como o café; ou mais sensíveis a falta d’água, como a produção de sementes.
Essa atitude é um indicativo de que praticamos uma agricultura responsável e sustentável”. Nota-se que mesmo
no limite do recurso, parte importante das áreas em produção não poderão deixar de irrigar. Ainda assim, o
discurso da responsabilidade e da sustentabilidade são ostentados. Ver: http://aiba.org.br/noticias/agricultores-do-
oeste-da-bahia-reduzem-mais-da-metade-da-area-irrigada-devido-escassez-hidrica/#.Wg28iIhrzIU
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apontam para tal movimento. Pode-se considerar que o próprio setor se veja provocado a
introduzir novas lógicas de atuação que poderiam relaxar, ao menos temporariamente, a
pressão sobre a região diante, por exemplo, da constatação empírica de rendimentos abaixo
dos esperados, de certa “debandada” dos investimentos externos ao setor em consideração às
taxas de lucro abaixo do esperado ou às dificuldades para vender a terra em contexto de queda
no preço das commodities. No entanto, além dessa possibilidade continuar inscrita em quadro
neoliberal, portanto dependente dos interesses dos agentes econômicos, as experiências
passadas mostram que, em tempos de crise, o setor procura reverter a diminuição dos seus
lucros pela incorporação de novas terras, mesmo que sem a presença significativa de capitais
externos ao setor agrícola. Não nos parece, nesse sentido, que em um futuro próximo as áreas
de Cerrado contarão com práticas auspiciosas que visem a sua conservação.
A dinâmica de acumulação capitalista exige cada vez mais a incorporação ao processo
produtivo de novas áreas e novos recursos. Por ser o elo inicial da cadeia global de valor, a
ampliação da demanda por matéria prima pressiona a agricultura a aumentar constantemente a
produção, seja intensificando o processo produtivo, seja expandido para novas áreas e, como
vimos, os efeitos sobre a natureza são incontestáveis. Diante da maior sensibilidade ecológica
da população e do apelo global por um maior controle sobre a destruição dos recursos
naturais, novas práticas e novos discursos são introduzidos pelos agentes do
“desenvolvimento”. Observa-se, assim, o aparente paradoxo do qual fala Castree (2008a), em
que a neoliberalização da natureza implica a sua conservação e as suas duas antíteses, a
destruição (o desmatamento e esgotamento dos recursos naturais) e a criação (como os novos
produtos obtidos a partir da manipulação genética). Nesse sentido, o meio ambiente pode ser
mobilizado tanto para reafirmar o processo produtivo introduzindo, mesmo diante das
evidencias em contrário, o discurso da sustentabilidade, como servir para questionar e impor
alterações em tal processo. A complexa articulação entre diversos elementos discursivos e não
discursivos pode pender para um ou outro resultado. Isso fica demonstrado, como apontado
ao longo do texto, para o que ocorre nos Cerrados, por um lado, e na Amazônia por outro.
No caso das fronteiras agrícolas dos Cerrados nordestino, as agriculturas que ali se
desenvolvem tem em sua origem processos conflituosos e irregulares relacionados à posse da
terra e à questão ambiental. A estratégia de produzir o “fato consumado” tanto em relação à
questão fundiária quanto em relação à questão ambiental, ou seja, promover o desmatamento
e dominar a área a incluindo no processo produtivo antes de qualquer preocupação com a
legalidade, se beneficie diretamente da ausência ou da conivência do Estado. Passados tantos
anos, os meios e os processos gerados pelo Estado aceitam de forma relativamente passiva
12
que “não tinham outra alternativa a não ser”10 regularizar o que se consolidou de forma
totalmente irregular e fraudulenta. A racionalidade que informa tais procedimentos tem por
base uma série de aspectos que remetem a uma dinâmica de neoliberalização da natureza e do
meio rural: o discurso da insegurança jurídica, da necessária “modernização” das questões
ambiental e fundiária, o marketing econômico e político do setor, o peso do setor na economia
nacional e o discurso da eficiência tecnológica e de gestão.
A regularização do que foi produzido de forma irregular é um dos mecanismos
estruturais da neoliberalização dos espaços rurais e da natureza. O que pode parecer
contraditório com o esquema mais básico do neoliberalismo, é, na verdade, o que garante a
privatização em patamares altamente favoráveis ao setor privado em detrimento do público.
Trata-se, com efeito, de subverter regras legalmente estabelecidas e produzir uma nova
regulação. Enquanto a regra estabelecida não atende aos interesses dos grupos dominantes,
vale o laisse faire, que imprime de forma pragmática a desregulação em suas práticas até que
uma nova regulamentação se estabeleça em outros moldes. Isso é claramente notável nos
casos de revisão do código florestal e fundiário 11 (para o caso do Piauí).
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Edições.
Brenner, Neil, Jamie Peck, Nik Theodore. 2010 « Variegated Neoliberalization: Geographies,
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10
As aspas indicam que obviamente outras alternativas seriam possíveis e mais condizendo com os interesses
públicos, mas o custo político certamente seria muito alto.
11
Vale lembrar que a lei 13.465 sancionada no dia 11 de julho de 2017, é uma lei nacional que flexibiliza a
regularização de terras pertencentes à União e possibilita a venda de lotes obtidos via programa de
assentamentos rurais. Esta lei tem origem em uma medida provisória que ficou conhecida como a MP da
Grilagem em função de legalizar terras obtidas ilegalmente concedendo anistia à grilagem ocorrida antes de 2011
e fixa valores que podem ser inferiores a 10% do valor de mercado. Trata-se, portanto de movimento que não
está restrito ao estado do Piauí.
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