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Aula de Contencioso Administrativo e Tributário

26-11-2018
Ora bem, antes de mais nada muito bom dia. Estivemos na aula passada a analisar os
meios processuais contra os regulamentos e vimos que para além de uma ação de impugnação,
que permite contestar diretamente a validade dos regulamentos, existe uma ação de condenação
em caso de omissão de regulamentos. Não tem o mesmo âmbito da ação de condenação em
matéria de atos administrativos, uma vez que aqui só funciona em caso de omissão mas em
qualquer dos casos é um instrumento adequado para reagir contra omissões regulamentares e
este mecanismo tem sido muito utilizado designadamente no quadro do ordenamento, do
território e do urbanismo porque é neste domínio que se verifica a intervenção da ação pública
(O Ministério Público em Portugal tem no âmbito do Contencioso Administrativo uma atuação
relativamente reduzida, ou seja, relativamente prudente, aliás pode-se mesmo dizer talvez “
demasiado prudente” mas o Ministério Público tem vindo a atuar nos últimos anos no domínio
do urbanismo designadamente pedindo a condenação das autarquias por não terem em plano
diretor municipal e esse tem sido o principal âmbito de aplicação deste mecanismo da nossa
ordem jurídica).
Para terminar as sub-ações e sub-pedidos, falta tratar primeiro da questão contratual e
depois uma breve referência à ação de responsabilidade da Administração.
Comecemos pela ação em matérias de contratos. Do ponto de vista processual, o
legislador estabelece apenas duas normas:
1- Relativa à legitimidade;
2- Relativa aos prazos.
Mas é preciso antes de mais ver qual é o universo a que isto se aplica e quais as
transformações que se verificaram no quadro do Contencioso Administrativo português e aqui
houve várias ruturas em relação à realidade tradicional. Uma das ruturas que aparece neste
artigo 77º- A, acerca da legitimidade mas a rutura principal é anterior e tem a ver com a própria
noção administrativa de contrato público, porque a noção de contrato é uma noção controversa.
Uma noção controversa no passado e controversa nos nossos dias, uma vez que apesar de ter
havido grandes alterações ainda há algumas resistências doutrinárias quanto ao modo de
enquadramento da realidade. E, portanto, é preciso recuar às origens para ver o que se está por
trás desta noção de contrato público que não corresponde à realidade do passado da distinção
esquizofrénica entre contrato administrativo e contrato de direito privado da administração. Há
uma evolução que resulta do Direito Europeu e que foi recebida pelo nosso Código que passa
por cima dessa distinção esquizofrénica que existiu no passado.
Que distinção era essa e o que é que estava em cima da mesa? Ora bem, como sabem o
contencioso administrativo nasceu a seguir à revolução, no sentido de proteger a Administração
/ com o intuito de proteger a Administração e aqui o que surgiu após a revolução francesa foi a
criação de um contencioso privativo para a Administração no domínio dos atos administrativos.
Os atos administrativos enquanto atos de autoridade deviam ter um tratamento especial, não
podiam ser julgados nos tribunais comuns e, por isso, criou-se o conceito de Estado como órgão
administrativo encarregado de controlar a Administração. No decurso da evolução do sistema,
no funcionamento do sistema, na segunda metade do século XIX começaram a surgir na Europa
contratos administrativos que envolviam montantes muito elevados e que tinham de ver com a
realização de políticas públicas. Aqueles que gostam de cinema verão que no século XIX há
uma série de filmes, nomeadamente filmes de terror e filmes policiais que tem a ver com a
eletrificação das cidades. E foi precisamente estes contratos que instalaram gás para a
Administração Pública que geraram o surgimento desta regra dos contratos ditos
administrativos. O que é que aconteceu nessa altura?
Aconteceu que o Conselho de Estado por razões meramente práticas em razão da
importância do contrato e em relação dos montantes envolvidos alargou o âmbito de jurisdição
do Contencioso Administrativo também a esse tipo de contrato. Não havia nenhuma razão
lógica. Era uma razão prática. O que estava em causa era estabelecer um regime que protegesse
a Administração no quadro desses contratos que eram importantes para a realização o interesse
público. E foi assim que as coisas começaram, por razões práticas, alargou-se o âmbito do
contencioso administrativo sem que houvesse qualquer justificação. Nos finais do século XIX
e nos princípios do século XX, a doutrina francesa começou a tentar encontrar explicações para
esta distinção tinha surgido por razões práticas mas visando criar um mecanismo teórico para
distinguir os contratos ditos administrativos que tinham um regime de direito público e eram
da competência dos tribunais administrativos e os contratos ditos privados da administração
que estavam submetidos ao Direito Civil e que eram da competência dos Tribunais Comuns. E,
portanto, começou a tentar justificar-se uma construção esquizofrénica, havia dois tipos de
contratos realizados pela administração: uns eram regulados pelo direito público e outros pelo
direito privado e uns eram da competência dos tribunais administrativos, os outros eram da
competência dos tribunais comuns.
Qual foi o critério arranjado?
Bem, houve vários e nunca ninguém se entendeu quanto a isso. O critério, enfim inicial
era o critério dos poderes de autoridade e, portanto, isto levou a uma construção igualmente
esquizofrénica porque eram contratos, ou seja, um acordo de vontades, que correspondiam a
um exercício de poderes de autoridade por parte da Administração. No fundo é o que isto
significa. Um contrato que era voluntário mas que criava uma relação de submissão e, portanto,
esta explicações foram sempre rejeitadas pela doutrina e houve sempre uma tentativa de
procurar um conceito, só que este conceito não existe porque estamos perante um contrato que
corresponde ao exercício da função administrativa e as regras são todas parecidas umas com as
outras, portanto, vão ser mais ou menos especiais mas são regras que têm a ver com o exercício
da função administrativa e, portanto, os sucessivos critérios para qualificar uma relação jurídica
como direito privado que deveria ser controlada pelo direito comum não eram aceitáveis. Sabem
qual é o último critério que em Portugal é introduzido para àqueles que ainda acreditam e, hoje,
já não têm base na lei; mas aqueles que ainda acreditam que há uma distinção substancial entre
contrato de direito administrativo e contrato de direito privado? É dizer que depende do
ambiente. Se é um ambiente de direito público ou se é um ambiente de direito privado. E o que
é que é o ambiente de direito público ou privado? Um médico num hospital público para além
das horas de serviço atende a particulares no âmbito do serviço nacional de saúde, isto é
ambiente de direito público ou ambiente de direito privado? Ele está a exercer a mesma função
no mesmo sítio depois das horas de trabalho, perante os mesmos pacientes integrados no serviço
nacional e saúde, será que se pode dizer que o ambiente mudou? O ambiente das nove até às
17h é de direito público; das 17h até às 20h passou a ser de direito privado? Faz algum sentido
introduzir esta distinção? Não. Não faz. E, portanto, esta distinção começou a ser uma distinção
olfativa, deixou de ser uma distinção ocasional. Cheira a direito público? É direito público.
Cheira a direito privado? É direito privado. Ninguém sabe o que é que está por trás do cheiro.
É tudo, não é bem do ato, nem bem dos poderes. O que a doutrina diz se pegarem em qualquer
manual daqueles que ainda acreditam em direito privado, é qualquer coisa que faça lembrar
direito público, ou direito privado. Durante muito tempo, a querela francesa, que isto não existe
nem no direito alemão, nem no direito saxónico; a querela francesa queria saber qual o critério
distintivo destes contratos esquizofrénicos, era um critério esquizofrénico para estes contratos
esquizofrénicos, porque estes correspondiam por 1 lado a 1 ato de vontade, por outro
supostamente submissão ao poder publico, era um caso de sujeição ao poder publico. Em termos
de discussão: nos anos oitenta a doutrina em Portugal, na sequencia do que foi feito nos anos
setenta no resto dos países europeus, começou a pôr em causa esta distinção, tudo isto tinha de
ser unificado, quem em Portugal lançou a discussão sobre o contrato administrativo, sobre a
sua ratio foi a professora Mª João Estorninho na sua tese de mestrado, e esta tese começou por
ser minoritária e gerou uma discussão que foi subitamente alargada, sendo que a esta tese aderiu
o professor João Caupers, o professor Marcelo Rebelo de Sousa, e aderiram não apenas por
causa do rolo de massa (argumento cientifico mais pesado), na perspetiva de VPS são contratos
no exercício da função administrativa, em que está em causa a realização de interesses públicos
com dinheiros públicos – porque é que uns são públicos e outros privados? Ou são todos
públicos ou são todos privados. Havendo necessidade de regras especiais para o exercício da
função administrativa só podem ser todos públicos. O que a professora Mª João Estorninho
dizia nos anos 80 em Portugal, era o que a doutrina francesa, italiana e espanhola começou por
dizer, tempos antes. Em primeiro lugar, não há nenhum regime verdadeiramente exorbitante
para os contratos administrativos, os poderes que correspondem ao contrato administrativo
resultam ou do contrato ou da lei, não correspondem a poderes autónomos da administração,
são realidade que têm a ver com uma dimensão contratual – os poderes podem ser mais ou
menos amplos, mas isso depende sempre da natureza do contrato. Querem saber qual o cúmulo
da ironia em Portugal quando não existia contrato de empreitada das obras privadas regulada
como está hoje? Os particulares faziam contrato de empreitada, e como a única lei existente era
a empreitada de obras públicas, e em todos os contratos de empreitada em Portugal havia uma
cláusula que afirmava: “em tudo o que não contrarie a natureza do contrato e corresponda a
matéria da empreitada aplica-se a lei da Empreitada das Obras Públicas” – anos 50 e anos 60
era a lei de todas as empreitadas de Portugal, algo especial, construído para crescimento da
APB era o único. O direito privado fez o trabalho, estabeleceu 1 conjunto de regras igualmente
boas se calhar melhores em alguns domínios. Realidade tarde. A 1ª coisa que a doutrina veio
dizer é que não havia uma diferença assim tão grande quanto ao contrato em si, a diferença
encontra-se no exercício de funções administrativas, os contratos mais ou menos poderes, o
poder do empreiteiro publico é igual ao empreiteiro privado porque o que está em causa é uma
tarefa segundo as determinações da obra, a diferença não tem a ver com o contrato em si , estar
ou não em causa o ex da função administrativa.
O poder do empreiteiro público é igual ao do empreiteiro privado porque está em causa a
execução de uma tarefa segundo as determinações do dono da obra e, portanto, a diferença não
tem a ver com o contrato em si. As diferenças têm a ver com estar ou não em causa o exercício
da função administrativa.
E depois a doutrina também veio dizer que por outro lado não havia diferenças
substantivas entre o contrato dito de direito público e o contrato dito de direito privado porque
ambos os contratos correspondiam ao exercício da função administrativa, usavam dinheiros
públicos e deviam estar submetidos às mesmas regras e aos mesmos controlos que
correspondem ao exercício dos poderes públicos.
Esta discussão doutrinária foi importante, mas não foi ela que mudou as coisas. A doutrina
portuguesa, com excepção destas posições que vos estou a dizer. Além da professora Maria
João Estorninho e o professor João Caupers, o professor Marcelo Rebelo de Sousa e eu, todos
os outros continuaram a dizer “não senhor, faz muito sentido a distinção entre contrato
administrativo e contrato de direito privado”. Procuraram-se novos critérios. O último critério
foi o “critério do cheirinho”. Ambiente é direito público, cheira a direito público, cheira a direito
privado. Foi o critério do cheirinho. Até que no final dos anos 80 e no princípio dos anos 90 a
União Europeia acabou com esta distinção. E acabou com esta distinção introduzindo o conceito
de contrato público que se aplica a todos os contratos no exercício da função administrativa.
Ou seja, tem um universo que corresponde aos antigos contratos de direito público e aos antigos
contratos de direito privado. E nas sucessivas diretivas comunitárias deixou de se fazer qualquer
referência a essa distinção esquizofrénica.
Porque é que isso aconteceu do ponto de vista europeu? Teve a ver com a realidade
existente em termos de direito comparado em toda a Europa. Porque se chegou à conclusão que
o conceito de contrato administrativo era um conceito que apenas era conhecido em França, em
Itália, em Espanha e em Portugal.
Nenhum dos outros países da União Europeia sabia o que era um contrato administrativo,
como contrato exorbitante. Não fazia qualquer distinção entre contrato de direito público e
contrato de direito privado. Mesmo a Alemanha que tinha um sistema inspirado no sistema
francês e que resulta da evolução do direito francês, na Alemanha o que existia era a noção de
contrato público, que de resto depois influenciou o direito português. Embora o contrato público
alemão fosse um contrato entre entidades públicas. Tinha um conteúdo muito reduzido. Não
correspondia aos contratos administrativos. Eram contratos entre entidades públicas (entre uma
autarquia e outra autarquia; entre uma autarquia e o governo do Estado; entre os governos do
Estado, etc.). Isso é que era o contrato público alemão e, portanto, não tinha nada a ver com os
contratos como o de empreitadas, como os de concessão que eram os contratos de tipo francês.
E portanto, na Alemanha não havia essa distinção esquizofrénica. E nos países anglo-saxónicos
muito menos. Eles não sabem o que é um acto administrativo. Como é que eles sabem o que é
um contrato administrativo? É obvio. Não faz parte da natureza do sistema. Não distinguem
contratos. Os contratos são todos muito diferentes. Têm regras em função das diferenças e
pronto, acabou.
Como isto era assim e a União Europeia entendia (e bem) que para haver união era preciso
haver um regime comum a toda a contratação pública na Europa, porque senão não havia o
verdadeiro mercado único (porque é preciso que um português se possa candidatar a um
concurso público na Alemanha e um alemão se possa candidatar a um contrato em Portugal
porque há livre circulação de pessoas, capitais e bens) era preciso estabelecer um regime
comum para todo o universo da contratação pública. E a lógica europeia é: não vamos
distinguir. Vamos estabelecer regras para todos os contratos públicos.
Ora bem, o legislador português durante muito tempo não seguiu esta orientação porque
a doutrina continuava agarrada (com excepção daqueles que se tinham oposto à distinção, o
resto da doutrina e o legislador continuava agarrado) à distinção entre contrato administrativo
e contrato de direito privado. O que fazia quando muito era dizer “esta enumeração deixou de
ser taxativa, pode ser exemplificativa e podemos alargar a outros casos” mas não fazia mais do
que isso. Mas a união europeia começou desde os finais do século XX a estabelecer sucessivas
diretivas que estabeleciam regras comuns para todos os contratos no exercício da função
administrativa. Regras que começaram por ser procedimentais e substantivas e que depois
tiveram também uma dimensão processual.
O legislador quando fez a reforma de 2002/2004 estava perante este problema e começou
por no Art. 4.º (do âmbito da jurisdição) do qual já falámos em aulas passadas, começou por
incluir no contencioso administrativo todos os contratos. E até como vos disse quando
estudámos o Art. 4.º, a expressão de 2002/2004 era melhor do que a que está agora, embora
esta conduza ao mesmo resultado porque em 2002/2004 não se usava sequer a expressão
“contratos administrativos”, dizia-se “todos os contratos” que correspondam ao exercício da
função administrativa quer porque haja uma decisão de contratar que seja uma decisão pública,
quer porque haja um procedimento público, quer porque esteja em causa dinheiro público, ou
seja, tudo cabia ao Contencioso Administrativo.
E da minha perspectiva, uma vez que o que estava em causa era acabar com essa distinção
esquizofrénica, esta solução era melhor do que a que temos hoje. Mas a que temos hoje, não
sendo a melhor, é uma solução adequada ao Direito Europeu porque diz que o Contencioso
Administrativo é o contencioso para todos os contractos no exercício da função administrativa,
sejam contractos administrativos ou não. E, portanto, ao introduzir a expressão “contractos
administrativos”, na minha perspectiva, introduz uma noção que neste momento já não é
necessária, mas não diz que são apenas os contractos administrativos, mas diz que são todos os
contractos que correspondem ao exercício da função administrativa. O que significa que esta
distinção contenciosa acabou em 2004 e manteve-se em 2015, porque agora diz-se que”
quaisquer contractos celebrados nos termos da legislação sobre contratação publica”, a tal
legislação que transpõe as directivas comunitárias e considera que todos são contractos
públicos, e dentro dos contractos públicos há uns a que ela chama contractos administrativos,
portanto são uma espécie dos contractos públicos. Eu até digo, no Divã, que achava que o
legislador podia ter dado outro nome, se calhar devia ter dado outro nome, chamar-lhe
“Joaquim”, “Maria Antonieta”, qualquer coisa, menos contracto administrativo, mas chamou-
lhe. Mas ao chamar àqueles e só àqueles contractos administrativos, e ao regular aqueles ao
lado de todos os outros, aqueles deixaram de ser diferentes, deixaram de ter um regime diferente
dos outros, e deixaram de ter um tribunal especial. E, portanto, quando se diz “quaisquer outros
contractos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública”, o legislador adoptou
uma logica que não distingue, para efeitos de contencioso, entre contractos ditos administrativos
e contractos ditos de Direito Privado. E a legislação sobre contratação pública, que eu critico
em muitas coisas, designadamente o caracter isotérico de algumas normas que tem, e por
alguma confusão criada por aquele regime, aquele sistema estabelece regras para todos os
contractos no exercício da função administrativa, abrangendo quer os anteriormente chamados
“contractos administrativos”, quer os anteriormente chamados “contactos de Direito Privado”.
E, portanto, da minha perspectiva, se já nos anos 80, por influência da doutrina, fazia sentido
acabar com a distinção, neste momento, a distinção não tem base legal porque a distinção
desapareceu da nossa ordem jurídica. Mesmo se o legislador de 2015, que era um legislador
ideológico, embora não se tenha atrevido (porque não podia fazê-lo, por causa da União
Europeia), mesmo se resolveu fingir que estava tudo na mesma, este fingimento não tem
consequências. Onde é que está o fingimento? No art. 200º CPA, em três normas que não
regulam nada porque quem regula o universo da contratação publica é o Código dos Contractos
Públicos, o legislador diz que podem ser celebrados contractos administrativos, sujeitos a um
regime substantivo de direito administrativo ou contractos submetidos a um regime de Direito
Privado, e, portanto, parece querer manter a distinção, mas ele mantém a distinção sem que ela
tenha bases legais porque o código da contratação publica, que é quem regula esta matéria, diz
que não há distinção entre uma coisa e outra. E, portanto, esta realidade ideológica feita por um
conjunto de pessoas que passou a vida a estudar os contractos administrativos e, portanto, não
quer que eles mudem, enfim, o que é perfeitamente compreensível, não tem na nossa ordem
jurídica aplicabilidade porque a realidade jurídica afastou este conceito de ordem
esquizofrénica.
E, portanto, esta norma, tem que ser interpretada em função do regime jurídico do código
da contratação pública, e portanto, os contratos ditos administrativos, ou são todos os contratos
públicos ou não há nenhuma distinção e não há nenhuns submetidos a um regime de direito
privado, dentro dos contratos celebrados pela administração. E, portanto, estes três artigos não
são senão uma manifestação ideológica de alguém que, apesar de estar insatisfeito com a
mudança, é obrigado a reconhecer que ela existe. Isso explica que depois tenha surgido no art.
4º a referência aos contratos administrativos, não para limitar o contencioso aos contratos
administrativos, mas para dizer que para além desses, todos os outros cabiam no contencioso
administrativo, ou seja, estamos perante uma realidade em que agora há um conceito de contrato
público que abrange os anteriormente chamados contratos de direito administrativo e contratos
de direito privado, e que estabelece o regime integrado para toda a contratação feita no âmbito
da função pública.
Depois há um outro regime que não tem esses contornos e que permite que, em relação a
entidades privadas da administração, celebrem contratos privados desde que não correspondam
àqueles da contração pública, ou seja, praticamente nenhum. Estamos perante uma realidade
que pôs termo aos contratos de direito administrativo.
Mas passando desta questão prévia, para a regulação do código de processo em matéria
de contratos públicos, havia outro tema muito discutido em Portugal, e muito discutido aqui na
faculdade.
(Eu fui no outro dia a Coimbra e os meus amigos de Coimbra diziam que havia uma
Escola de Lisboa da contratação pública e eu fiquei muito satisfeito e cheguei a casa foi a
primeira coisa que eu disse à minha mulher, nesse dia comi melhor – estou a brincar).
Há uma Escola porque há um conjunto de pessoas que têm trabalhado neste domínio
(Prof. Lourenço de Freitas, Prof.ª Alexandra Leitão, Prof. Miguel Raimundo, enfim…), tem
havido uma série de docentes da casa que se têm dedicado a estudar os contratos administrativos
e que têm uma posição, que é uma posição própria e que é influenciada por uma realidade que
tem a ver com aquela discussão que houve nos anos 80 e quem trabalhou essa distinção, no
domínio dos contratos foi a Prof. Maria João Estorninho, e na sequência disso, surgiram as tais
teorizações sobre esta matéria.
Uma das questões muito discutida (e que foi discutida por todos estes autores – Prof.ª
Maria João Estorninho, Prof.ª Alexandra Leitão, Prof. Lourenço Vilhena de Freitas, Prof.
Miguel Raimundo, por todos os professores que trataram desta questão da contratação pública),
é que havendo esta nova realidade no domínio do contencioso administrativo, o problema
principal era um problema de legitimidade processual porque as regras da legitimidade estavam
concebidas no sentido de limitar o acesso ao tribunal para reagir a contratos administrativos,
apenas às partes, no sentido limitado de considerar como partes os sujeitos intervenientes no
contrato.
Portanto, aqui o que sucedeu foi que a doutrina (e foi sobretudo a Escola de Lisboa a
insistir neste ponto) tinha vindo a dizer que, estando em causa um contrato público, todas as
pessoas que intervêm no quadro deste procedimento público pré-contratual, e todas as pessoas
que intervêm no contrato ou são afetados por ele, devem ter legitimidade, e essa legitimidade
deve ser alargada, ou seja, quem participa num procedimento pré-contratual deve poder
impugnar a celebração do contrato, se o contrato é diferente daquele que foi negociado, se
houve alteração das circunstâncias, se ele não concordou com aquela proposta porque a
proposta era diferente daquela que foi aceite, e poderia aceitar a que vem a seguir, ou seja,
estabelecer um alargamento do conceito de legitimidade.
Ora bem, isso foi conseguido, neste código, através de dois mecanismos. Um mecanismo
que vamos estudar na próxima aula e que é de origem europeia e de influência europeia e que
foi introduzido na nossa ordem jurídica, que é o do contencioso pré-contratual e que é o
instrumento mais adequado para reagir contra ilegalidade contratuais. Porque, antes da
celebração do contrato, pode-se discutir, em relação a todos os intervenientes, quais as
ilegalidade. E a UE impôs uma regra, que é a regra standstill, que corresponde, em termos
jurídicos, àquela linguagem do Rock: quieto, caladinho, voltado para a frente; quieto, caladinho
ou levas no focinho, qualquer coisa assim do género. O que o Tribunal diz é: alguém discute;
discute, a administração não pode contratar; tem que estar quieta e caladinha à espera para ver
qual é o resultado, só contrata depois de saber qual é o resultado daquele contencioso pré-
contratual rápido. Portanto, isto, impede que se celebrem contratos que têm de ser desfeitos, e
depois têm de se pagar as indemnizações. Sabem que aquilo que já se pagou nos excessivos
contratos e retorno aos contratos, para construir uma ligação unificada com a Espanha e de uma
ligação dos carris, que já foi prevista algumas dez vezes e já foi afastada algumas dez vezes, o
que se gastou com o pagamento das indemnizações e com o início das obras dava para construir
três vias, iguais àquelas que não foram construídas e, portanto, para acabar com isto, a única
hipótese é: só se celebra o contrato depois de não haver dúvidas quanto ao contencioso pré-
contratual porque senão, estamos nesta guerra das indemnizações (“Ah eu agora ponho gás ao
contrato, mas a seguir tenho de indemnizar”; e gasta-se o dobro, o triplo, do que se devia gastar).
Portanto, a UE impôs a regra standstill e o mecanismo da análise pré-contratual (que nós
vamos ver na próxima aula) tem a ver com isso. Mas a UE aconselhava também, nas diretivas,
ao alargamento da legitimidade. E foi isso que o legislador fez. O legislador, no art. 77º veio
introduzir o conceito de partes, que é um conceito alargado. E até aqui eu acompanho o
legislador. O problema foi se o legislador não foi também longe demais, porque senão vejamos:
diz-se que é possível reagir quer em relação à validade dos contratos, quer à execução (que é
outra distinção que faz sentido, ou seja, há uma legitimidade que tem a ver com o conteúdo do
contrato e há uma legitimidade que tem a ver com a execução do contrato). Eu, à partida, diria
que se está em causa a execução de um contrato, sobretudo de um contrato público, por
exemplo, suponham, um contrato de exploração do metro ou a exploração de um hospital
público; eu diria que os utentes devem gozar de legitimidade e, portanto, eu diria que deve haver
um alargamento maior da legitimidade em relação à execução dos contratos do que em relação
à validade do contrato, mas o legislador não entendeu assim e regulou, sobretudo a validade,
depois na execução, em que tem menos cláusulas, remete para a outra. Vai dar ao mesmo
resultado, mas então eu pergunto porque é que não fez a ordem lógica.
Mas reparem que cada uma destas coisas, as partes na relação contratual? é óbvio, o
particular e a administração que assinaram um contrato têm de ter legitimidade para intervir. O
ministério publico, faz todo o sentido. O ministério publico é o defensor dos órfãos e das viúvas,
age na defesa da legalidade e do interesse publico, no domínio da contratação publica. Há, como
nós infelizmente sabemos, corrupção e outras coisas do género, portanto, tem de haver alguém
que zele pelo cumprimento da legalidade, mesmo que essas coisas não existam, mas é preciso
que esteja lá o MP para controlar, até aqui estamos bem. Depois, aparece os critérios de
alargamento, correspondente aos tais que tinham sido sugeridos pela doutrina contratualista de
lisboa: professora Alexandra leitão, professor Lourenço, professor Miguel Raimundo, todos
eles. Primeiro lugar, por quem tenha impugnado um ato relativo ao procedimento e alegue que
a invalidade decorre das ilegalidades cometidas no âmbito desse procedimento: ou seja, é um
fenómeno que permite , quando não tenha havido uma situação que corresponde ao tal
contencioso pré contratual, alargar a legitimidade aos que participaram no procedimento
também no contencioso principal , faz todo o sentido, no quadro da realidade atual. Por quem,
tendo participado no procedimento que procedeu a celebração do contrato, alegue que o
clausulado não corresponde aos termos da adjudicação: é outra coisa que nem calculam as vezes
que acontece. Os particulares estão a discutir com administração uma coisa e depois
administração vai celebrar com um deles algo que não corresponde ao que esteve a negociar
com os outros. E, portanto, os outros que não tiveram conhecimento daquele clausulado, gozam
de legitimidade, estamos no quadro de um alargamento da legitimidade no domínio contratual,
perfeitamente justificado. Por quem alega que o clausulado do contrato não corresponda aos
termos inicialmente estabelecidos e que justificadamente o tinham levado a não participar no
procedimento pré contratual, embora preenchesse os requisitos necessários para o efeito:
alguém que poderia ter participado, mas que não participou porque aquilo o que foi posto à
discussão não era aquilo que foi estabelecido nas clausulas finais, e , portanto, também ele tem
direito a intervir. Pelas pessoas singulares ou coletivas titulares ou defensoras de direitos
subjetivos ou interesses legalmente protegidos: eu aqui, acho, que isto tem mais a ver com a
execução. Ou seja, utentes dos serviços públicos, o utente do serviço publico do metro quando
está em causa a execução do metro ou execução de uma medida que resulta do contrato do
metro, goza de legitimidade, faz sentido, no âmbito deste alargamento multilateral. Mas não
devia estar aqui, devia estar no número 2 ou o número 3. Mas pronto, tudo bem. Mas a seguir,
é que eu confesso que fico admirado, não é? Porque se admite o quê? Ação popular em matéria
de contratos públicos. O que é que isso significa? Repare, ação popular é: qualquer pessoa para
defesa do interesse publico. Para defender o interesse publico já la está o Ministério público e
é bom que esteja, é importante que esteja. O privado que não tenha nada a ver com aquela
relação, o que é que ele vai fazer em relação a um contrato administrativo, um contrato publico?
é que estamos a esquecer que é um contrato, é um contrato erga omnes? É uma realidade nova
que a gente agora descobre no direito administrativo. É um contrato que resulta da conjugação
de vontade, mas que cria direitos erga omnes, porque esses outros que não são afetados pelo
contrato, não intervieram no contrato e estão ali apenas para defender a legalidade do interesse
publico, também podem ir a tribunal suscitar a questão. Eu confesso que tenho aqui imensas
dúvidas, imensas questões quanto a este caso. Mas aqui, eu não posso dizer o mesmo que disse
em relação ação de condenação, porque na ação de condenação é impossível alguém que não
possui direitos tutelar direitos. Aqui, como estamos perante um alargamento, é um alargamento
que é permitido. Eu diria que ele não é adequado e que não é e que não é a melhor solução, ou
seja, tudo o que corresponde ao alargamento dos sujeitos da relação, à ideia de que as partes
devem ser entendidas em termos multilaterais, é correto e adequado. Este alargamento que vai
para além das partes, e admite que alguém, sem qualquer ligação ao contrato, e apenas para
defesa da legalidade e do interesse público pode atuar, é que, com todo o respeito, me parece
inadequado. É a tal ideia do contrato erga omnes, uma relação jurídica entre dois sujeitos que
produz efeitos em relação a todos, não é algo que me parece sequer juridicamente sustentável,
não é ?! mas é a conclusão a retirar desta norma. Bem, em relação ao número 3, em que eu
entendia que devia haver um alargamento, designadamente com esta ideia dos utentes dos
serviços público. O legislador por um lado remete, ainda bem que remete para o nº2, porque
ao remeter para o nº 1 já alarga as hipóteses que aqui estão. Mas dá a ideia que haverá menos
sujeitos legítimos a impugnar os contratos de execução do que a pôr em causa a legalidade dos
contratos. Da minha perspetiva é precisamente o contrário porque se estamos perante um
contrato que corresponde a um serviço publico, os utentes do serviço publico são afetados pelo
contrato e, portanto, devem gozar de legitimidade no quadro do tal alargamento, para reagirem
no quadro da dimensão contratual. Depois, o art.77ºB, ora bem, o problema dos prazos. Qual é
a questão que aqui se coloca? a questão que aqui se coloca tem a ver com uma realidade que é
a realidade do processo civil, enquanto houver direito, enquanto houver contrato, é possível
usar um meio processual. O legislador, no entanto, resolveu fazer uma norma ideológica, que
não tem problema, mas que não adianta nada, não é? Que são os contratos com objeto passível
do direito administrativo que pode ser arguida dentro dos prazos previstos para o ato com
mesmo objeto e idêntica regulamentação da situação concreta. Mas por um contrato poder ser
substituído por um ato administrativo, mas não foi substituído por esse ato, é um contrato. E o
contrato estar em vigor, mas já ter passado o prazo de um ano, pode haver alguma caducidade
dos direitos dos titulares dos contratos para impugnar? Com todo o respeito, não me parece que
seja possível e admitindo que esta realidade não põe em causa o art.278º/4, o que na minha
perspetiva põe e, portanto, esta norma é inconstitucional. Se administrativo podia ter escolhido
fazer o contrato de um ano, optou por fazer um contrato e, portanto, enquanto o direito existe o
particular pode ir a tribunal, tem o direito se ele foi usado pode defende lo. Não faz sentido
dizer porque a administração podia ter praticado um ato, mas decidiu praticar um contrato, se
preclude a possibilidade de impugnação dentro do prazo de um ano, obviamente, não faz sentido
e daí, na minha perspetiva, viola o direito de acesso ao Tribunais administrativos. Mas mesmo
que não violasse o artigo 38 não impede o conhecimento desta relação jurídica. Diz-se que
mesmo depois do prazo de 1 ano é possível continuar a discutir atos que produzam efeitos, é
possível afastar esses efeitos da ordem jurídica, e, portanto, de alguma maneira, é uma solução
que funciona.
Peço desculpa, já vi que invadi o vosso intervalo. Ficamos por aqui, na próxima aula, se
calhar liga bem tratar isso em conjunto com o processo urgente em matéria contratual, portanto,
a seguir é que terminaremos a responsabilidade civil. Até quarta feira, se Deus quiser.

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