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ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.20, n.

33, 2010

Trilhas Interpretativas e Vivências na Natureza:


aspectos relacionados à percepção e interpretação da paisagem1

Profa. Dra. Solange T. de Lima-Guimarães2

RESUMO

Este estudo de percepção e interpretação de paisagens é uma contribuição na área da Geografia para
as pesquisas teóricas e aplicadas sobre educação ecológica, tendo a paisagem como ambiente de
aprendizagem direcionada e incidental, através de experiências ambientais imediatas, tais como
trilhas interpretativas e vivências na Natureza. Visa ainda contribuir para processos de
sensibilização e conscientização ambiental a partir da visão ecológica, induzindo a mudanças
atitudinais no sentido do desenvolvimento de condutas pró-ambientais mais conscienciosas, bem
como subsidiar programas e projetos vinculados às políticas públicas direcionadas à conservação e
valoração da paisagem.

Palavras-chave: Paisagem. Interpretação Ambiental. Percepção Ambiental. Trilha Interpretativa.


Experiência Ambiental. Condutas pró-ambientais.

ABSTRACT

This study of landscapes interpretation and valuation is a contribution to the area of Geography for
theoretical and applied research about environmental education. It has landscape as an environment
of directioned and incidental learning, through the immediately environmental experiences as
interpretative trail and significative life experience in the Nature. It also aims a contribution for
sensibilization and environmental conscientization process from the ecologic view, persuading
attitude changes to develop a more conscientiously pro-environmental behavior and to subsidize
programs and projects linked to public politics directioned to conservation and valuation of the
landscape.
Keywords: Landscape. Environmental Interpretation. Environmental Perception. Interpretative
Trail. Environmental Experience. Pro-environmental behavior.

1 INTRODUÇÃO perspectiva ecológica, induzam à sensibilização


sobre como atingi-los, garantindo uma relação
Durante o período compreendido entre estreitamente integrada à qualidade ambiental.
os meados dos anos de 1970 até o presente, Particularmente, durante o
temos observado no cenário internacional o desenvolvimento de nossos estudos e práticas
crescente desenvolvimento de atividades e interdisciplinares sobre percepção e
práticas alternativas inter e multidisciplinares interpretação ambiental, podemos afirmar que
voltadas para a educação e conservação os aprendizados experienciais através das trilhas
ambiental, na busca de novos caminhos que interpretativas e vivências na Natureza se
propiciem melhores níveis de qualidade de vida constituem de relacionamentos de verdadeira
às populações e, simultaneamente, sob uma imersão, nos quais observamos respostas

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sensoriais e afetivas intensas, enquanto a paisagens, de acordo com as diferentes culturas


paisagem compreendida como um ambiente de e civilizações, e a crescente perda da
aprendizagem dirigida e incidental sobre uma consciência relativa ao meio ambiente, em
visão ecológica do mundo. especial, da dimensão natural, afirma que:
Nessa perspectiva, a paisagem percebida
esas faculdades de percepción e interpretación no
e sentida é apreendida através de imagens deben ser solo objeto de nostalgia o um
maravilloso tema literário. Debemos
interativas e de interdependência, alteridades e considerarlas complementarias del enfoque
reciprocidades entre os seus aspectos naturais, abstracto-racional-científico y como uma
importante matéria de estúdio y de inspiración.
construídos e ecléticos, mais as ações e os (GONZALEZ-BERNÁLDEZ, 1981, p. 04).

diferentes gradientes de interferências Segundo Gonzalez-Bernáldez (1981), o


antropogênicas. Tais formas de abordagens hábito da interpretação concernente ao nosso
fundadas na Ecologia Profunda e na Geografia entorno leva-nos ao desenvolvimento de uma
Humanística, concernentes à transmissão de consciência ambiental que, em muitos casos, se
conhecimentos sobre o entorno, isto é, da encontra fragilizada, devido aos modos de vida
paisagem vivenciada sob diferentes formas assumidos pela cultura urbana moderna se
pelos participantes destas atividades, trouxeram- comparada com outras culturas – rurais,
nos um aprendizado complexo sobre as relações agrícolas, coletoras ou caçadoras. Através da
do ser humano e a Terra, porque condizentes à interpretação, ampliamos os horizontes dos
dimensão das emoções e dos sentimentos. estudos interdisciplinares sobre as paisagens,
diante das várias maneiras de experienciarmos o
PERCEBENDO A PAISAGEM:
TRILHANDO HORIZONTES E meio ambiente e nos reintegrarmos a ele,
POSSIBILIDADES destacando-se processos imagéticos criativos e

Em nossos estudos, tomamos o conceito envolventes, ao considerarmos a natureza das

de paisagem de Gonzalez-Bernáldez (1981), experiências paisagísticas imediatas.

reconhecendo o geossistema paisagístico, em (GUIMARÃES, 2004; 2007).

dois níveis perceptivos e interpretativos – o Nossos trabalhos de sensibilização

fenossistema e o criptossistema, expresso como: perceptiva e de interpretação ambiental,


desenvolvidos desde meados do ano de 1988,
la manifestación del conjunto de componentes y
procesos ecológicos que concurrem em um
compreenderam excursões em áreas protegidas,
território, de los que constituye la parte mais trilhas interpretativas e vivências na Natureza,
facilmente perceptible o de una forma más
sintética como la percepción multisensorial de direcionadas a diversos grupos de participantes
um sistema complejo de relaciones ecológicas.
(GONZALEZ-BERNÁLDEZ, 1981, p. 03) – alunos do ensino fundamental, médio e

O autor analisando as relações existentes universitário; grupos ligados a programas de

entre a percepção e a interpretação das terceira idade; crianças com deficiências de

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locomoção (cadeirantes, por exemplo); pessoas e emocional através do estabelecimento de laços


com deficiências visuais ou auditivas congênitas afetivos com o meio ambiente, buscando uma
ou adquiridas; crianças autistas, e grupos com reconexão com a Terra. De modo geral, são
enfermidades físicas e/ou psicológicas realizados em locais com predominância de
(portadores de dor crônica, depressão, câncer, elementos paisagísticos naturais, presentes de
doenças auto-imunes, entre outras). forma significativa — águas, rios, cachoeiras,
As trilhas e as vivências foram flora e fauna, que propiciam, assim, uma
realizadas de forma simultânea, sendo multiplicidade de estímulos sensoriais,
explorados temas previamente selecionados em envolvendo aspectos ligados a: memória,
função do perfil e interesse dos grupos, metas afetividade, cognição, percepção, interpretação
dos trabalhos, associados à conservação e e valoração ambientais.
preservação ambiental, porém, correlacionando Tais atividades servem como
sempre aos aspectos da psicosfera que instrumento de interferência e modificação dos
influenciam e modificam as percepções, níveis perceptivos e interpretativos sobre a
interpretações e valores referentes ao meio paisagem, levando à evolução de um grau mais
ambiente. Nesse contexto, observamos o profundo de consciência sobre as realidades
desenvolvimento de relações de ordem ambientais, ao provocarem um processo de
cognitiva, perceptual e afetiva com a paisagem, estimulação da acuidade perceptiva, mediante
além das transformações atitudinais e visitas às áreas, técnicas de dinâmicas de grupo,
comportamentais, incluindo processos experiências diretas e visualização de imagens.
condizentes à capacidade de resiliência dos As trilhas interpretativas assim como as
seres humanos diante de situações adversas vivências colaboram, de modo positivo e
tanto pessoais quanto ambientais, a exemplo dos efetivamente, no desenvolvimento de ações
enfrentamentos relativos a eventos severos, conservacionistas, ao propiciarem práticas
adaptação a áreas de risco, ou seja, quanto às cooperativas, socialização, interatividade e
várias fácies da experiência da paisagem de conciliação das formas de conhecimento
medo. (TUAN, 1979; LIMA, 1997; empírico, técnico-científico e saberes
GUIMARÃES, 2007). tradicionais, gerando novas mediações e
Os propósitos desses programas estão padrões de inter-relacionamentos entre uma
basicamente relacionados a atividades ludo- comunidade ou grupo.
educativas, configurando-se como uma Cooperam, também, esses programas, no
experiência ambiental dinâmica, participativa e sentido de subsidiar políticas públicas na área da
colaborativa, visando atividades de estimulação gestão ambiental, em especial no tocante à
pluri-sensorial, de busca do equilíbrio ecológico educação ecológica, pois levam a processos de

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sensibilização que podem influenciar diversos  Presenta un cierto nivel de complejidad, pues
requiere la anticipación del resultado de la
segmentos das comunidades envolvidas, a acción, deliberación para actuar y dirección hacia
una meta concreta.
exemplo dos programas de uso público em
unidades de conservação e gestão participativa. Ao conduzirem à gênese de outros níveis

No que tange aos problemas e conflitos perceptivos, em substituição àqueles no sentido

vivenciados no cotidiano, especialmente no caso do ―estar de fora‖, fragmentados em suas

da gestão e manejo dos recursos naturais de uso interpretações e representações, o meio

comum, a contribuição se dá justamente devido ambiente e a paisagem não se restringem apenas

ao fato de que estimulam mudanças de atitudes ao que está em nosso redor, diante do alcance

no sentido das condutas pró-ecológicas do olhar, tendo em vista uma simples conotação

(CORRALIZA; GILMARTIN, 1996), que nos de cenários, mas lembram-nos de que somos

conduzem a uma nova compreensão das suas partes integrantes e integradoras ao

preocupações ambientais passadas e presentes, mesmo tempo. As trilhas e as vivências

diante dos novos paradigmas e visões sobre a encontram-se, assim, inseridas em um processo

sustentabilidade e as sociedades. de educação e alfabetização ecológica,

De acordo com Corral Verdugo (2000, p. marcadamente através de relações dialógicas de

466-467; 2002), entendemos por condutas aprendizagens, estabelecendo-se redes

protetoras do ambiente, condutas pró- interativas e, conseqüentemente, novos níveis de

ecológicas ou condutas pró-ambientais (CPA), vinculação e de ações sinérgicas.

―o conjunto de ações intencionais, dirigidas e Além de estimularem uma acuidade

efetivas que respondem a requerimentos sociais perceptiva e interpretativa, estas atividades

e individuais que resultam da proteção do permitem o encadeamento de novas

meio‖. experiências ambientais exploratórias, a

Sobre este conceito, Martínez-Soto desestabilização construtiva de antigas bagagens

(2004, p. 5) afirma que ―la CPA al ser experienciais e de níveis de

deliberada forma parte de um estilo de vida que conhecimento/informações anteriores, que,

requiere de una tendência más o menos muitas vezes, apresentam incongruências e

permanente de actuación‖, apresentando as distorções relacionadas à apreensão equivocada

seguintes características: das imagens das realidades ambientais,


influenciando diretamente no desenvolvimento
 Es un producto o resultado, es decir de la
preservación de los recursos naturales o al menos
de uma consciência ecológica e nas condições
la reducción del deterioro. de auto-estima e bem-estar dos participantes,
 Es efectiva, en el sentido de ser intencional y compreendendo, ainda, os aspectos condizentes
resultado de desplegar habilidades concretas.
a faixas etárias, gênero e condições biológicas e

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psicológicas dos mesmos. (LIMA, 1998; ambiente. (LIMA, 1998; GUIMARÃES, 2004;
GUIMARÃES, 2001; 2004; 2007). 2007).
A mescla de aspectos lúdicos e A respeito dessa reintegração biológica,
educativos inerentes a essas experiências psicológica e cultural dos seres humanos com a
ambientais reveste-se de um sentido especial, paisagem exterior e as constantes alterações
em ambos os casos, ao amalgamar curiosidade, perceptivas, que reconstroem continuamente as
imaginação, variedade de estímulos, imagens e os significados da paisagem (exterior
heterogeneidade de aspectos e elementos e interiorizada), vemos as trilhas interpretativas
cênicos componentes, informações temáticas, e as vivências na Natureza provocarem novos
companheirismo e solicitudes, sentimentos e processos de adaptação ambiental e assimilação,
emoções, descobertas e redescobertas mediante reações ativas e pró-ativas, respostas e
associadas à paisagem exterior e à interior, processos adaptativos, observando-se a
ainda que em ambientes cotidianos, a despeito reorganização e a associação com outros
das condições do ―não-perceber‖ determinadas significados e valores ambientais. Esse contexto
pela habituidade. torna os níveis de percepção e interpretação
Partindo de trabalhos nos domínios da ambientais mais complexos e profundos,
psicosfera, desencadeamos reações de interação influenciando ainda nossos comportamentos
e interconexões, envolvendo um conjunto de através dos filtros perceptivos, ao
estímulos de ordem sensorial e emocional que proporcionarem de forma lúdica, o
suscitam processos de adaptação e de respostas restabelecimento de um estado de receptividade
cognitivas e afetivas à paisagem, sendo esta e interatividade individual e coletiva a partir da
enfatizada como um vetor de qualidade de vida, experiência paisagística imediata, refletindo
ao representar um conjunto de fatores direta e indiretamente nos valores objetivos e
indicadores da qualidade ambiental. Tais subjetivos atribuídos às paisagens.
atividades devem ser fundamentadas em (GUIMARÃES, 2004; 2007).
técnicas interpretativas e procedimentos de Deste modo, podemos considerar que
campo usuais que minimizem as condições de tais atividades proporcionam uma reintegração
riscos, tornando sempre que possível um da paisagem das exterioridades às paisagens
experienciar agradável, estimulado pela interiorizadas: estímulos sensíveis, intrínsecos a
compreensão do vivido, compartilhando a uma experiência ambiental de imersão,
ressignificação de contextos e conteúdos, bem profunda, intensa e, portanto, de significados
como das transformações do significado de relevantes no contexto de nossas próprias
experiências ambientais anteriores, alterando histórias de vida e aprendizados vivenciais
reações, atitudes e condutas respectivas ao meio induzindo várias leituras paisagísticas e

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abarcando processos intuitivos, metafóricos e os ainda se encontram arquitetadas sobre estruturas


modos narrativos. (LIMA, 1998; de processos e movimentos históricos voltados
GUIMARÃES, 2004; 2007). Sobre estes para visões materialistas, sustentadas por
processos, Hutchison (2000, p. 59-60) considera valores utilitários e consumistas. Esse fato faz
que: com que constituam a herança e permanência do
pensamento e das ideologias da Revolução
O enfoque sobre conexões levou os educadores
holísticos a valorizar uma grande variedade de Industrial do século XIX que, segundo
abordagens do ―saber‖ que complementam os
modelos lógico-analíticos de conhecimento Schweitzer (1959), levaram à ruptura entre o
tradicionalmente legitimadas pelas escolas. Tais
discernimento e a vontade, a razão e a emoção,
modelos incluem os processos intuitivos de
pensamento, os quais envolvem contato direto e entre o pensar e o sentir.
imediato com o conhecimento, cujo processo
cognitivo, não-mediado pelas considerações ou Temos então, que uma trilha de
pelas análises racionais, surge com maior
freqüência em momentos de intensa atividade interpretação da paisagem delineia-se como uma
criativa ou quando o corpo está em repouso, com
a mente alerta; os processos metafóricos de amostragem de seqüências, conexões, processos
raciocínio, que envolvem saltos cognitivos no
e estruturas ecológicas, mais as sinergias e
pensamento, os quais fazem uma ponte, por
analogia, entre dois fenômenos aparentemente dinâmicas ambientais, sendo a experiência
não-relacionados e, portanto, descobrem novas
relações e padrões; e os modos narrativos de vivida relacionada intimamente a uma
pensamento, nos quais a base temporal da vida
recebe voz e as seqüências dos eventos são compreensão mais profunda de nossas próprias
reconstruídas para seu significado ser
apreendido. percepções e interpretações ambientais
individuais e grupais diante de fácies
Ao considerarmos as formas de
diferenciadas, abrangidas as dimensões
interpretação e representação das distintas
objetivas e subjetivas das paisagens,
realidades percebidas, a influência dos filtros
externalizadas pelos sentimentos concernentes à
perceptivos e o exercício da ética ecológica,
topofilia, topofobia, biofilia, biofobia e
restabelecemos a relevância das
hidrofilia (BACHELARD, 1957; TUAN, 1974;
responsabilidades e dos compromissos
WILSON; KELLERT, 1993). Já as vivências na
relacionados à proteção, tutela e salvaguarda
Natureza são os pontos de pausas, realizadas
dos patrimônios paisagísticos naturais e
durante estes mesmos percursos, para
construídos. Neste sentido, propiciamos
auscultarmos a paisagem, interiorizando essas
condições para o desenvolvimento de ações
mesmas experiências ambientais, vivenciando
proativas, condutas pró-ecológicas e gestão
conscientemente os aspectos sensíveis que o
ambiental participativa nas comunidades às
cotidiano nos apresenta.
quais pertencemos ou atuamos. Conseguimos
Mediante estes experiências e vivências,
isso, exercendo, efetivamente, os princípios da
podemos observar a geração de processos
cidadania ecológica, em um mundo onde as
relacionados à cognição, percepção e
necessidades de uma consciência ambiental

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afetividade por meio das intencionalidades pessoa e o meio ambiente, destacando-se os


aspectos relacionados à herança sócio-
dessas experiências imediatas, constituindo-se cultural e o papel assumido no mundo vivido
de cada dia;
vivências significativas, e nesse sentido, os
níveis de conhecimento e significação  A idéia dos ritmos tempo-espaciais, uma
preexistentes são alterados a cada novo contexto perspectiva que pode levar a compreensão
da integridade dinâmica da experiência
experienciado, seja em relação ao seu caráter diária de mundo vivido. (BUTTIMER, 1985,
p.168-185).
físico espácio-temporal ou aquele de natureza
Também ao considerarmos as
intersubjetiva, em razão do desenvolvimento de
perspectivas marcadas por uma visão ecológica,
uma compreensão versátil do entorno, muito
podemos afirmar que as trilhas interpretativas e
além das descrições sobre conexões causais.
as vivências na Natureza são como portais que
As experiências ambientais
se abrem para aprendizados marcados pela
proporcionadas pelas trilhas interpretativas ou
criatividade, em que as experiências ambientais
pelas vivências na Natureza tornam-se, assim,
permitem encontros dialógicos, revelam
chaves e fios condutores para o conhecimento
caminhos por entre paisagens de sensibilidades
do entorno e do próprio ser humano, levando à
e concretudes, entrelaçando dimensões da
compreensão e apreensão do sentido da
imaginação e da espiritualidade. Ao
paisagem como mundo vivido. De acordo com
propiciarmos um diálogo entre os seres
Buttimer (1985, p. 172 e 185), para a
humanos e o meio ambiente, mediante o
fenomenologia, mundo é o contexto no ―qual a
desenvolvimento destas atividades, podemos
consciência é revelada‖, e ―na perspectiva
compreender a paisagem como fio condutor em
geográfica, poderia ser considerado como o
programas de educação ambiental, apresentando
substrato latente da experiência”, onde traçamos
como marcos, de acordo com Albero e Benayas
nossas trilhas interiores e exteriores,
del Alamo (1994, p. 79-80), os seguintes
compartilhando horizontes paisagísticos
aspectos:
individuais e coletivos, tangíveis ou não. Neste
contexto, podemos entender a trilha 1. motivação: cenários e elementos
componentes que incitam e animam à exploração
interpretativa e as vivências como um diálogo
e o desfrutar;
entre nós e a paisagem, sobre a apreensão de 2. estimulação dos sentidos: despertar de
capacidades contemplativas e de interiorização
aspectos do espaço e mundo vivido, das vivências ambientais;
3. interdisciplinaridade: a paisagem se
fundamentando-nos na reflexão da autora: converte em lugar de encontro de disciplinas
distintas de modo multi e interdisciplinar;
4. decifração de mensagens: infinidade de
 A idéia corpo/sujeito, onde são destacadas as estímulos que escondem informações múltiplas
relações diretas entre o corpo humano e seu sobre o entorno que podem ser decifrados pelo
mundo; a integridade da experiência; conhecimento e treinamento;
5. globalização: permite uma análise
 A idéia da intersubjetividade, ou seja, a sistemática e global do médio;
busca da construção de um diálogo entre a

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6. realista e concreto: vantagens dos estudos intencionalidades e motivações correlacionadas,


das unidades paisagísticas graças a sua
visibilidade; asseguramos, portanto, uma estreita ligação
7. desencadeamento de juízos e valores:
estéticos, éticos e adaptativos direcionados à entre a verificação ―in situ” da realidade
conservação ambiental;
8. implicações na ação e intervenção: ambiental e os processos educativos, pois nos
relacionadas aos impactos ambientais. permitem centrar a experiência da aprendizagem
em um território concreto. Para Gonzalez-
Sobre as relações entre paisagem e
Bernáldez (1981), a adoção de novos enfoques
educação ambiental, Gonzalez-Bernáldez (1981,
requer preparo adequado e conhecimentos e, ao
p. 221), não só reitera o seu valor educativo no
comparar a educação fundada na paisagem, tece
sentido de conscientizar e favorecer uma
as seguintes considerações:
compreensão do entorno, o desenvolvimento de
atitudes participativas e favoráveis de natureza las ventajas pedagógicas ofrecidas por la
interpretación de un paisaje residen en la
conservacionista, de valores positivos, posibilidad de descubrir nexos entre sus
promovendo uma responsabilidade social, como componentes y entre éstos y un sistema
subyacente que pose e también aspectos
afirma que a paisagem oferece chaves tangíveis históricos.(…) El fragmento de paisaje real
escogido ofrece menos diversidad y variedad que
para o acesso a um sistema de relações esas instalaciones o artefactos pero contiene una
coherencia interna cuya explotación es fuente de
subjacentes que facilita sua interpretação, sendo importantes descubrimientos. (…) La
interpretación del entorno es, pues, la base de la
que esse ―proceso de explicación, de lectura o pedagogía de la naturaleza. (GONZALEZ-
interpretación del mundo sensible, ofrece un BERNÁLDEZ, 1981, p. 226).

camino muy interesante no solo para el


Cabe lembrarmos que a interpretação da
conocimiento de geosistemas concretos sino
paisagem ainda deve levar em conta as
también para una educación ambiental en
influências da percepção do entorno pelos
general‖. (GUIMARÃES, 2004; 2007).
diferentes indivíduos, que poderão ocasionar
No caso de avaliarmos uma trilha
distorções, dissonâncias, evoluções, contrastes
interpretativa como alternativa para favorecer a
perceptivos, associados não somente às
assimilação de conhecimentos através de
variáveis compreendidas pelos processos e
diálogos e da própria experiência direta, seu
padrões informativos, comportamentais,
objetivo principal passa a ser a apreensão de
atitudinais e de aprendizados, como também
diferentes aspectos do meio ambiente, a partir
pelos estados psicológicos, biológicos, além dos
da complexidade estrutural de uma unidade
vários focos de interesse. A percepção e a
paisagística, levando-nos à percepção dos
interpretação da paisagem, portanto, serão
sistemas de interatividade entre diferenciados
marcadas por percepções e valorações parciais,
fatores ambientais – físicos, biológicos e
objetivas e subjetivas, conflitantes ou não, tanto
antrópicos. Através das formas de interpretação
na dimensão individual e coletiva ou grupal,
da paisagem, consideradas as várias

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como no sentido dos ambientes e ambiências. 3. Qualidade de fundo cênico: relacionada à


avaliação da qualidade dos horizontes
(LIMA, 1997; 1998; GUIMARÃES, 2007). cênicos que constituem o fundo visual de
uma paisagem, tendo a valoração dos
No que tange às trilhas interpretativas, seguintes aspectos e componentes:
intervisibilidade, altitude, vegetação, água e
temos que considerar ainda a avaliação dos singularidades geológicas.
aspectos correlacionados à qualidade visual e as
variações sazonais paisagísticas (fatores dos A avaliação dos aprendizados dirigidos e
mais significativos na avaliação da qualidade da incidentais decorrentes da experiência
experiência ambiental), intimamente vinculada ambiental, adquirida durante o percurso e a
aos fatores estéticos e suas constantes variações participação em uma trilha interpretativa, em
e mudanças de valores conforme a cultura, áreas naturais, construídas ou ecléticas, deve
época, região geográfica em estudo. A ainda refletir sobre a fragilidade da paisagem
qualidade visual cênica de uma trilha ou de uma enquanto recurso ambiental, ou seja, a alteração
vivência na Natureza deveria ser motivo de reversível ou irreversível dos níveis e graus de
preocupação para os pesquisadores e técnicos, deterioração causados por diferentes tipos de
considerando a amplitude, profundidade e impactos ambientais adversos, mediante a
dimensionamento do campo visual, os quais incidência de determinadas situações e efeitos
também influenciam direta e indiretamente as sinérgicos, conforme Escribano Bombín et al.
condições de visibilidade potencial e efetiva do apud Ribas Vilàs (1992, p. 210-213). A
entorno, ao envolverem a experiência com o fragilidade de uma paisagem remete-nos à
ambiente imediato, influenciando e sendo percepção, interpretação e valoração de causas e
influenciada pelas condições biológicas, efeitos associados a processos que nos
psicológicas e culturais dos participantes. direcionam a contextos de degradação
Segundo a classificação de valor da capacidade ambiental, numa integração de suas várias
paisagística de Escribano Bombín et al. apud instâncias – física, biológica e humana, assim
Ribas Vilàs (1992, p. 210), podemos avaliar os como dos parâmetros de valoração e dos
pontos de interpretação, relacionados a três indicadores de impactos ambientais diante da
elementos da percepção: necessidade de protegê-las, salvaguardá-las.
O fator de fragilidade paisagística tem
1. Qualidade visual intrínseca: derivada das
características próprias de cada ponto um papel significativo para a sensibilização e
territorial, sendo considerados como valores
intrínsecos visuais positivos àqueles
compreensão das necessidades
constituídos por aspectos naturais – conservacionistas de forma a favorecer a
morfológicos, vegetação, hidrografia, etc;
2. Qualidade visual do entorno imediato: conscientização referente à qualidade ambiental
relativa à visibilidade das características
naturais anteriores, assinalando a e de vida das sociedades, tanto a partir da
possibilidade de observação dos elementos
visualmente atrativos; percepção visual, relacionando-se, então,

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aspectos ligados à maior ou menor fragilidade Em relação às experiências ambientais


em função de fatores biofísicos, como do vividas durante o percurso de uma trilha
conhecimento das características históricas e interpretativa ou desenvolvimento de uma
culturais que interferem na acessibilidade e na vivência, entendemos que elas possam ser
capacidade de absorção visual da paisagem. consideradas como um valioso subsídio para
No traçado do percurso da trilha diversas atividades ludo-educativas de
interpretativa, a variedade dos aspectos e sensibilização ecológica. Essas atividades
elementos deve ser avaliada e escolhida seriam dirigidas e cooperativas, principalmente
cuidadosamente, de acordo com o tema que se entre aquelas voltadas para programas de
deseja evidenciar através da interpretação, pois qualidade de vida e ambiental, evidenciando
influencia os níveis experienciais do indivíduo e uma busca de melhores níveis de bem-estar
a posterior seleção de valores e atributos através de processos de reeducar-nos por meio
paisagísticos, reforçando atitudes ou as de aprendizados significativos. Somente
desconstruindo, devido a outras ressignificações podemos valorizar as atividades de interpretação
advindas da nova experiência ambiental, da paisagem como educativas e vivenciais à
tomando-se em conta ―os aspectos relacionados medida que estejam vinculadas a uma visão
com o exercício da sensibilidade humana, de ecológica onde o sentimento de ser parte seja
ordem estética e psicológica‖. (RIBAS VILÀS, priorizado, levando a novos padrões atitudinais
1992, p. 213). e de comportamentos no que tange às nossas
Ao analisar a qualidade da experiência responsabilidades sociais e compromissos éticos
de e com a paisagem e a compreensão do para a conservação do meio ambiente. Também
entorno através das trilhas interpretativas e cooperam em termos da construção de uma
vivências na Natureza, as respostas podem ser nova percepção, no sentido de sermos
avaliadas quanti-qualitativamente em termos de conscienciosos em relação aos problemas e
(1) orientação: atitudes positivas ou negativas conflitos ambientais, ao experienciarmos e
diante do cenário, no caso, as seqüências de percebermos situações a que não estamos
paisagens ou de seus elementos componentes; sensibilizados, atentos no dia-a-dia, mas que nos
(2) intensidade: limites de manutenção, duração afetam sob diversas formas.
da experiência; (3) coerência: equilíbrio ou Desse modo, contribuímos para uma
incongruências de atitudes diante do ambiente; evolução da incorporação de novos padrões
(4) transformação: permanência ou não de atitudinais e comportamentais pró-ecológicos,
atitudes e condutas antigas ou novas, sob o inicialmente a partir do indivíduo e,
contexto de novas informações. (GUIMARÃES, posteriormente, tendo este como multiplicador
2004; 2007). social, abarcar grupos receptivos a essas

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mudanças e assimilação, reforçando os que ―ante as urgências da terceira ecologia, a


objetivos já alcançados, mediante estratégias de educação pode assumir as suas
gestão ambiental participativa e integrada, responsabilidades‖. Destacamos, ainda, que
conjuntamente à inserção de novos valores estes estudos e práticas tendo a paisagem como
conservacionistas e de responsabilidade social, campo de aprendizados experienciais não se
promovendo estratégias de sustentabilidade e encontram limitados a uma fenomenologia de
equidade ambiental para as diferentes caráter subjetivista, mas expandem-se ao
comunidades atuais, berços das gerações envolver as relações intersubjetivas numa
futuras. (GUIMARÃES, 2005; 2007). tessitura das dimensões biológicas, ecológicas,
Ao longo de todos esses anos, em que geográficas, político-econômicas e sócio-
estivemos envolvidos com tais atividades, culturais.
podemos argumentar que, partindo do desejo de Diante desses contextos, para finalizar,
nos reeducarmos sob uma perspectiva lembramos Hans-George Gadamer (s.d.):
ecológica, tendo em vista horizontes de melhor
um diálogo sempre deixa marcas em nós. O que
qualidade ambiental e de vida, expandimos faz com que algo seja diálogo não é o fato de
havermos ensinado algo de novo a alguém, mas
também nossas ações e compreensão a respeito que tenhamos encontrado no outro algo que não
do meio ambiente, das paisagens e dos outros havíamos ainda encontrado em nossa experiência
de mundo. O diálogo possui uma força
seres humanos, não apenas propiciando transformadora. Quando acontece um diálogo,
algo fica em nós, e algo que nos transforma.
mudanças comportamentais, mas em especial,
mudanças afetivas, perceptivas e valorativas na Na busca da compreensão da paisagem,
relação Homem/Terra, permitindo o e por extensão, do meio ambiente, podemos
reconhecimento e a compreensão de qual afirmar que através das trilhas interpretativas e
―emoção fundamentalmente mobilizadora‖ das vivências alcançamos uma percepção
(MORAIS, 1993, p. 98) está presente nas transformadora das realidades ambientais já
circunstâncias de construção ou desconstrução experienciadas. A partir da geração de novos
de nosso mundo e espaço vivido. diálogos, das leituras de outros contextos
Considerando o papel e a significância paisagísticos, compreendemos um pouco mais a
dos estudos teóricos, experimentais e aplicados respeito das outras formas de vida. Ao
no campo da percepção e interpretação imprimirmos nossas próprias marcas,
ambiental, nesta primeira década do século impregnamos de significados e sentidos as
XXI, e a necessidade emergencial da educação paisagens exteriores e interiores, expressas nas
ecológica, concordamos com Regis de Morais construções ou destruições ambientais que
(1993, p. 72), ao tecer considerações sobre os temos vivenciado. Neste sentido, a paisagem
rumos da Ecologia da Mente, quando afirma fica em nós, e por ela somos transformados e

18
ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.20, n.33, 2010

transformamos: na continuidade do construir e In: WAISMAN, L.; SHOCRON, M. EducarNos:


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maio/2005, p. 202-219. ____________________
Nota final:
1
GUIMARÃES, S. T. de L. Dimensões da Percepção Texto elaborado a partir da tese de livre-docência em
Interpretação e Valoração de Paisagens
e Interpretação do Meio Ambiente: vislumbres e
da autora.
sensibilidades das vivências na natureza, OLAM –
Ciência & Tecnologia, Rio Claro, v. 5, n. 1, p. 202- 2
Prof. Adjunto do Depto. de Geografia, Instituto de
219, maio 2004. Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual
Paulista, campus de Rio Claro (SP), Brasil. E.mail:
GUIMARÃES, S. T. L. Percepción ambiental: un hadra@uol.com.br
camino para conocer y reconstruir el paisaje vivido,
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