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Duchamp, um pensador do fotográfico via artes visuais + um feiticeiro no campo artístico criando

uma impostura

E quando o impostor (feiticeiro), o agregador de poder simbólico, de fé, consegue um lugar


privilegiado ao sol, fazendo, ao mesmo tempo uma obra comprovadamente genial de
incalculável importância. Não podemos saber o que Pierre Bourdieu responderia a essa
pergunta depois de ler 'Marcel Duchamp e o campo imaginário', de Rosalind Krauss, onde
ficamos abismados com o fato de que Duchampo refletiu como um grande filósofo, sobre
determinadas questões -- incluindo a do fotográfico -- em diversas de suas obras? Abaixo duas
pequeníssimas amostras; uma do pensamento de Pierre Bourdieu, outra do pensamento de
Rosalind Krauss. Leiam só estes pequenos trechos, leiam os textos inteiros e ainda outros dos
dois autores sobre as questões aqui suscitadas. E que tal, depois, compartilhar os visuais que
teve durante o seu mergulho?

"O que é que faz com que um bacio ou uma garrafeira expostos num museu sejam obras de
arte? Será o facto de estarem assinados por Duchamp, artista reconhecido (e antes de mais
como artista), e não por um comerciante de vinhos ou um latoeiro? Ora não será simples¬mente
passar da obra de arte como feitiço para o «feitiço do nome do mestre», como dizia Benjamin?
Por outras palavras, quem criou o «criador» como produtor reconhecido de feitiços? E o que é
que confere a sua eficácia mágica ou, se se preferir, ontológica, ao seu nome, cuja celebridade
está na medida da sua pretensão em existir como artista, e à imposição desse nome o qual,
como a marca do grande costureiro, multiplica o valor do objecto em que está posto (que é tudo
o que está em jogo nas querelas de atribuição e faz o poder dos peritos)? Onde reside o
princípio último do efeito de rótulo, ou de nomeação, ou de teoria — palavra esta
particularmente adequada visto que se trata de ver, theorein, e de fazer crer — que, ao
introduzir a diferença, a divisão, a separação, produz o sagrado?"

(BOURDIEU, Pierre. 'O poder simbólico'. Rio de Janeiro: Bertkani, 1989, pp. 11-12)

"Se houver portanto uma distinção importante ou útil entre Duchamp e Picasso (e Octavio Paz
teve toda razão em insistir nessa distinção), deverá ser efetuada segundo critérios diferentes
dos que sempre funcionaram na tradi¬ção iconográfica. Em vez de perpetuar a antinomia entre
desenho e cor, entre espírito e corpo ou idealismo e sensibilidade, seria mais oportuno
reorientar o eixo da oposição seguindo a direção e distinguir entre alto e baixo, sério e trivial.
Pois o que Duchamp recusou quando rejeitou o cubismo violentamen¬te foi, na minha opinião, a
auto-suficiência da pintura, a seu ver intolerável, sua seriedade excessiva, sua concepção
sagrada de missão e o fervor religioso
com que o cubismo perseguia a idéia de uma autonomia da obra de arte que, dia após dia. a
protegia um pouco mais de qualquer contato com o mundo real. Tendo portanto decidido deixar
as altas esferas da seriedade, Duchamp não se contentou em descer na direção de uma prática
bufa, mas alcançou o que seria o equivalente das formas miméticas “baixas" nas artes visuais.
Em outros termos, ele se converteu ao realismo no estado em que esse se encontrava no início
do século, quer dizer no momento preciso em que era mais desacreditado e mais aviltado no
plano estético. Com efeito, Duchamp se dedicou a um certo comércio com a fotografia e a
hipótese que gostaria de sugerir é que, se da superfície de sua arte se depreende uma
hilaridade algo desatinada c desconcertante, eis aí uma qualidade cômica resultante da decisão
de fazer de sua arte uma meditação sobre a forma mais elementar do signo visual, forma que se
conhece no mais das vezes pela fotografia."
(KRAUSS, Rosalind. 'Marcelo Duchampo ou o campo imaginário'. Barcelona: Gustavo Glii,
2002, pp. 77-78)

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