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Reflexes Sobre Os Conceitos de Raa e Etnia PDF
Reflexes Sobre Os Conceitos de Raa e Etnia PDF
RESUMO
Desde os primórdios, o homem vive em sociedade, sempre manifestando a capacidade
de modificar os seus próprios hábitos e criar seus próprios significados e ideias em
grupo. Tomando como foco de discussão o exemplo vivido pela experiência dos povos
negros no Brasil, o presente artigo apresenta uma discussão acerca dos conceitos de raça
e etnia. Sem esquecer a realidade histórica e das experiências dos grupos negros, bem
como os movimentos sociais e políticos, apresentaremos uma discussão acerca dos
significados, contribuições, contextos e criticas para o entendimento desses conceitos
comuns às ciências sociais.
Palavras-chaves: Raça. Etnia. Cultura
ABSTRACT
Since the early days, man lives in society, always manifesting the ability to modify their
own habits and create their own meanings and ideas in a group. Taking as a focus for
discussion by the example lived experience of black people in Brazil, this article
presents a discussion of the concepts of race and ethnicity. Not to mention the historical
reality and the experiences of black groups as well as social and political movements,
we present a discussion of the meanings, contributions, and critical contexts for
understanding these concepts common to the social sciences.
Keywords: Race. Ethnicity. Culture
1
Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Bahia. Especialista em Educação de Jovens e
Adultos pelo IFBA/MEC. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares Sobre
a Universidade-IHAC/UFBA. Servidora Técnico-Administrativa da Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia-UFRB. mals@ufrb.edu.br
2
Graduando em Licenciatura em História pela Universidade do Estado da Bahia -UNEB/CAMPUS V.
Servidor Técnico-Administrativo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia-UFRB.
rafasoares@ufrb.edu.br
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Introdução
O presente trabalho parte da inquietação surgida a partir das leituras acerca da
historiografia do negro no Brasil ou de movimentos culturais afro-brasileiros, em
especial o texto Cor e Raça, de Antônio Sergio Alfredo Guimarães (2008), estudioso da
área de sociologia com ênfase em Estudos Afrobrasileiros e formação de classes sociais.
Tais estudos pensam o negro sob diversas óticas e se debruçam sobre diversos
problemas, como a escravidão, o preconceito, a análise de fatos históricos ou de práticas
culturais e aspectos mais gerais da vivência do negro em nossa sociedade.
A inquietação vem da forma como estudiosos e homens comuns ao longo do
tempo e do espaço pensaram nas classificações dos grupos negros, ora tidos como um
grupo racial, ora como um grupo étnico (ou grupos étnicos), assim, para nós se fez
necessária uma discussão acerca desses conceitos de raça e etnia.
É obvio que uma reflexão acerca do tempo histórico e do momento no qual esses
conceitos foram pensados se faz necessária, como seres diretamente influenciados pelo
contexto, entendemos que a discussão acerca de uma atitude, mentalidade ou forma de
tratar o outro jamais deve se desgarrar das amarras do tempo-espaço. Dessa forma, a
primeira parte desse artigo se propõe a pensar o passado colonial e o racismo científico,
questões muito importantes na compreensão do pensamento racial.
Em seguida, dois momentos com breves discussões a respeito das contribuições
do conceito de etnia e de cultura no que concerne ao pensamento das populações
afrobrasileiras. Não pretendemos aqui, de forma alguma, esgotar o debate ou mesmo
definir conceitos universais e fixos (totais para todos os trabalhos em circunstância) em
detrimento de outros. Pretende-se aqui, assim como no primeiro capítulo, fornecer uma
pequena parte do complexo mundo das artimanhas conceituais na qual vivemos. Óbvio
que algumas referências foram preferidas em detrimento de outras, porém nada mais
natural, uma vez que nem é de nossa intenção esgotar o assunto e nem esconder as
amarras referenciais tão caras na academia e que nos trouxeram até aqui.
O texto tem a pretensão de inserir o leitor em meio a essa discussão tão essencial
e frutífera, sem dar nenhuma opinião taxativa, uma vez que esse é o tipo de discussão
que jamais será, ou deverá ser, finalizada. Refletiremos sobre a dimensão conceitual e
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Interessante pensar que muito foi também desrespeitado, no que tange à origem
africana, pois o negro era trazido de várias nações africanas, tendo os valores e as
diferenças na cultura, na religião, na alimentação totalmente desprezados. Querendo
ratificar a desigualdade, aqui no Brasil, os negros eram aculturados, ao tempo em que o
dominador fortificava a ideia de que os povos advindos de África eram oriundos de um
continente primitivo, sem costumes, valores, memória, sem religião e história.
A cor do negro, na perspectiva daqueles que alimentam um pensamento
discriminatório, demonstra inferioridade, e é tomada como um marcador de diferença.
Toda uma simbologia foi construída no inconsciente coletivo graças às ideias do
passado, nesse sentido a cor preta representaria o mal, o feio e o sem inteligência;
enquanto a cor branca representa o inverso: bom, bonito e inteligente. Além da
classificação social de que a cor preta significa, mesmo que simbolicamente, a classe
inferior, consequentemente de menor poder aquisitivo. Enfim, muito embora a ciência
das cores nada tenha a ver com a hierarquia social das cores, a origem dos povos
europeus acabou por influenciar bastante na hierarquia social do povo brasileiro, a
contar que foram os europeus, buscando a dominação durante boa parte da história
moderna e contemporânea, que se mantiveram bem sucedidos no domínio de novos
territórios e povos. Ideologicamente falando, quem domina é quem detém o poder das
palavras. Diz Guimarães (2008: p.76,77) que “cor é uma categoria racial, pois quando
se classificam as pessoas como negros, mulatos ou pardos é a ideia de raça que orienta
essa forma de classificação”.
O preconceito ainda está presente no Brasil entre os grupos sociais. Mesmo que
disfarçado, o sentimento de superioridade e inferioridade que cerca as pessoas permeia
os grupos e estabelece prenoções e preconcepções que associam a imagem dos negros,
brancos, índios, deficientes, homens, mulheres, homossexuais (etc) a arquétipos
positivos e negativos, a bandidos e ladrões, inteligentes e incultos, perspicazes e
incapazes, honestos e larápios, superiores e inferiores. Os preconceitos cercam os
contatos humanos em todos os locais e situações, seja em ambientes públicos ou
privados, como nas lojas, nas ruas, nos restaurantes, nas universidades, nas repartições,
nas famílias, enfim, em qualquer lugar onde o homem pode exercitar sua experiência.
Sobre conceitos
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Dessa forma, também, outros conceitos além de raça e etnia estão sujeitos a
mudanças que ocorrem no decorrer do tempo. E, provavelmente, os conceitos aqui
discutidos ou explanados se transfiguram em diferentes significados com o passar dos
anos, assim como aconteceu com eles até aqui, uma vez que nem o tempo e muito
menos nossa sociedade é estática.
O conceito de raça, etnia e classe tem significados diferentes de acordo com a
cultura da sociedade, com as influências ideológicas, sociais, religiosas, jurídicas, etc.
Há entendimento e análise de cada conceito não só no plano atual, como também na sua
origem, pois os significados perpassam pelos homens brancos, negros, mestiços, índios
e descendentes que, a partir da conscientização de saber quem é o seu “eu”, provocam e
compreendem em cada instância o significado de cada palavra. Então, podemos dizer
que esses conceitos são modificados culturalmente.
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A dimensão cultural
Como os outros conceitos, o que hoje chamamos de “cultura”, também, teve um
desenvolvimento através dos tempos. Diz Laraia (2004; p. 30) que a primeira definição
de cultura pertence a Edward Tylor: “cultura pode ser objeto de um estudo sistemático,
pois trata-se de um fenômeno natural que possui causas e regularidades, permitindo um
estudo objetivo e uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o
processo cultural e a evolução”
É importante registrar que à época em que Taylor pensou este conceito havia
também influências da obra de Charles Darwin, Origem das espécies. Bastante
influenciado por Darwin, Taylor sugere que todas as culturas deveriam passar pelas
mesmas etapas de evolução, o que torna possível situar cada sociedade humana dentro
de uma escala que ia da menos a mais desenvolvida. Tal pensamento cai como uma
luva para as ideias eurocêntricas de dominação e colonização, jugo que a Europa
sobrepõe a diversas áreas do globo, logo no início da chamada era moderna.
Ao passo que Franz Boas, no seu artigo “The Limitation of the Comparative
Method of Anthropology” (1896) em reação ao evolucionismo de Taylor, atribuiu à
antropologia as tarefas de reconstruir a história dos povos e a comparação da vida social
de diferentes povos. Assim, passando a ter sentido o evolucionismo de Taylor, ocorre a
multilinearidade.
Segundo David Schneider (apud LARAIA, 2004, p.63), a cultura é “um sistema
de símbolos e significados. Compreende categorias ou unidades e regras sobre relações
e modo de comportamentos”. Para Geetz:
Conclusão
Os conceitos, assim como as experiências e a cultura, não são estáticos no tempo
e refletem diferentes perspectivas e ideias ao passar dos anos. É nesse sentido que a
alteração nos significados dos conceitos reflete uma mudança não só ideológica como
sociocultural, e marca a evolução das contribuições científicas e dos movimentos sociais
vividos. Ressignificados ao longo das temporalidades e lugares onde eles foram sendo
usados, conceitos como raça, etnia e cultura refletem parte das relações vividas entre os
diversos grupos e a importância e os embates políticos e sociais dessas relações tão
conflituosas entre os diversos grupos humanos.
A relação preconceituosa entre os grupos traduz a falta de conhecimento quanto
aos empréstimos culturais que ocorrem através dos tempos. No caso dos povos vindos
de África, houve uma herança nas danças, cânticos, culinária, vestuário, religião, o que
colaborou para um grande desenvolvimento da nossa sociedade, e mais do que uma
herança de práticas culturais, uma contribuição ativa na formação de uma cultura
brasileira.
Mesmo com a difusão cultural, ainda existe por parte de muitos uma ideia de
superioridade, restando aos povos negros se afirmarem através das resistências e lutas
que também fazem parte de uma sociedade. Assim, a utilização do termo “raça” denota
o passado no qual o grupo era assim classificado e, ao mesmo tempo, reafirma a
unidade do grupo denunciando a forma como eles ainda são tratados com base em ideias
que se originaram em contextos de dominação e exploração de um grupo sobre o outro.
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Palestra proferida no 3º Seminário Nacional Relações Raciais e Educação-PENESB-RJ
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O termo “raça” evidencia um passado, um contexto e historiciza a luta mesmo nos dias
de hoje. Ainda, assim, faz-se necessário ter em mente as críticas a essa abordagem que,
sem o cuidado devido, levaria a creditar a possibilidade de subespécies humanas, ou
mesmo várias espécies de homens, teses que (como comentado anteriormente) já não
são compatíveis com os estudos mais modernos e de maneira alguma refletem a
realidade.
O conceito de etnia, moderno, aplicado para designar um grupo, tendo em vista
características comuns e universo cultural semelhante, apresenta um avanço, pois para
além das características biológicas, outros aspectos passam também a ser cruciais como
o universo cultural no qual essas pessoas estão inseridas, as instituições ou mesmo a
situação na qual esses indivíduos se encontram. Ainda assim, esse avanço não significa
necessariamente a diminuição dos atritos entre os diversos grupos humanos. Muito
cuidado também deve ser tido com esse conceito, pois apresentando nuances, esse seria
capaz de caracterizar situações diferentes, que poderiam variar desde o significado de
etnia para os antigos gregos, até o uso de etnia para definição de um grupo dentro de um
grupo maior, como o caso dos próprios negros escravizados que vieram ao “Novo
Mundo” advindos de diversos grupos étnicos (nagôs, jejes, fantis, axantis, gás, txis,
malês, háuças, etc) e que, mais tarde, forjariam no novo território o que seria entendido
como uma etnia negra, uma vez que as experiências vividas, a situação e a cultura
possibilitaram tal aproximação.
Assim, pensar uma etnia negra é pensar um grupo de pessoas que se identificam
e são identificadas como se aproximando de uma cultura advinda do acúmulo de
experiências dos vividos pelos homens e mulheres negros. É, dessa forma, pensar e
compartilhar com os próximos uma origem em comum, uma história, valores, práticas e
representações. Ainda, assim, essa não negaria a possibilidade de entender como etnias
os grupos advindos de África que, durante o tempo de convivência com o dominador e
com os demais grupos sociais, reproduziram aqui múltiplas culturas, possibilitando
inúmeras trocas.
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