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eleanor h. porter
editorial publica, lisboa, 1990.
infanto-juvenil.
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digitalização e correcção:
dores cunha
1. miss polly
naquela manhã de junho, miss polly harrington entrou na sua
cozinha um pouco apressada. miss polly nunca fazia
movimentos precipitados; tinha mesmo muito orgulho dos seus
modos pausados. mas hoje estava com pressa, muita pressa.
nancy que lavava a loiça olhou para ela surpreendida.
trabalhava em casa de miss polly apenas há dois meses mas
já conhecia suficientemente a patroa para saber que ela
nunca tinha pressa.
- nancy!
- sim, senhora - respondeu nancy alegremente, mas
continuando a lavar a loiça.
- nancy! - a voz de miss polly soava agora mais severa. -
quando eu falar contigo deves parar de trabalhar e ouvir o
que eu tenho para dizer.
nancy ficou com um ar infeliz. largou imediatamente o que
estava a fazer, cabisbaixa.
- sim, senhora - disse ela, virando-se apressadamente. -
continuei a trabalhar porque me disse para despachar a
loiça.
a patroa impacientava-se.
- basta, não te pedi explicações. só quero que prestes
atenção.
- sim, senhora. - titubeou nancy, enquanto pensava como era
difícil contentar aquela mulher.
nancy nunca tinha trabalhado fora de casa. a sua mãe, que
era doente, enviuvou, vendo-se desamparada com três filhos
ainda crianças, para além de nancy. foi então obrigada a
pôr a jovem a trabalhar para ajudar ao sustento da casa.
ficou satisfeitíssima ao saber de um lugar na cozinha do
solar, no alto da colina. nancy era de corners, uma aldeia
a 9 quilómetros dali. antes de começar a trabalhar sabia
apenas que miss polly harrington era a dona do velho solar
harrington, e uma das pessoas mais ricas da cidade. foi
apenas há dois meses. sabia agora que miss polly era uma
senhora de poucos sorrisos, sempre pronta a zangar-se se
alguma faca caía ou alguma porta batia.
- quando acabares o trabalho da manhã, limpas o quartinho
do sótão, ao cimo das escadas, e fazes a cama de lavado.
tira de lá os caixotes e limpa-o.
- e onde ponho as coisas que lá estão?
- na parte da frente do sótão - miss polly hesitou,
continuando: - a minha sobrinha, miss pollyanna whittier
vem viver comigo. tem onze anos e vai dormir naquele quarto.
- vamos cá ter uma menina, miss harrington? que bom que vai
ser! - exclamou nancy pensando na alegria que as suas
irmãzinhas, em casa, transmitiam.
- sim? não tenho a certeza - disse miss polly secamente. -
no entanto, tenciono fazer o melhor que puder. sou boa e
conheço o meu dever.
nancy corou que nem um tomate.
- com certeza senhora, estava só a pensar como uma menina
aqui lhe podia trazer um pouco de alegria.
- obrigada - disse a senhora com secura -, mas não vejo que
haja alguma necessidade disso.
- mas, certamente que há-de estar contente por a sua
sobrinha vir para cá - atreveu-se nancy a dizer,
achando que devia de algum modo preparar as boas vindas à
orfãzinha que estava prestes a chegar.
miss polly ergueu altivamente o queixo.
- É justamente por ter tido uma irmã suficientemente parva
para casar e dar à luz uma criança que não fazia falta
nenhuma neste mundo já superpovoado, que não vejo por que
razão terei de ser eu a tomar conta dela. no entanto, como
já disse, sei quais são os meus deveres. vê se limpas bem
os cantos do quarto, nancy!
- terminou ela rudemente deixando a cozinha.
- sim, senhora - respondeu nancy retomando o seu trabalho.
no seu quarto, miss polly pegou mais uma vez na carta que
tinha recebido há dois dias da longínqua cidade do oeste e
que tanto a tinha surpreendido. a carta estava dirigida a
“miss polly harrington, bel dingsville, vermont” e dizia o
seguinte:
“ cara senhora,
“lamento informá-la de que o reverendo john whittier morreu
há duas semanas, deixando uma menina com onze anos de
idade. não deixou praticamente nada para além de alguns
livros pois, como certamente sabe, era pastor nesta pequena
paróquia e tinha um magro salário.
“suponho que ele era marido da sua falecida irmã. antes de
falecer, ele deu-me a entender que o relacionamento entre
as duas famílias não era o melhor. pensou, no entanto, que,
em atenção à memória da sua irmã, talvez quisesse tomar
conta da criança e educá-la no seio dos seus outros
parentes do este. É por isso que lhe estou a escrever.
“quando receber esta carta, a menina estará pronta a partir
e se puder ficar com ela agradecíamos que nos respondesse
manifestando o seu acordo, visto que há um casal que
seguirá em breve para este e que a pode levar até boston,
de onde ela poderá seguir de comboio para beldingsville. a
senhora será então informada do comboio em que irá
pollyanna. sem outro assunto de momento, apresento os meus
respeitosos cumprimentos.
jeremia o. white”
com um gesto brusco, miss polly dobrou a carta e meteu-a no
envelope. no dia anterior tinha respondido dizendo que
ficava, naturalmente, com a criança. era, para ela, uma
situação desagradável mas sabia quais eram os seus deveres.
estava agora sentada pensativamente com a carta nas mãos e
as suas reflexões recuaram até à sua irmã jenny, a mãe da
criança e até à época em que jenny com vinte anos tinha
teimado em casar com o jovem pastor, apesar da oposição da
família. havia um homem abastado que a pretendia, e a
família preferia este ao pastor. mas jenny não cedera. o
homem embora tivesse mais dinheiro, era mais velho,
enquanto o pastor tinha apenas entusiasmo e ideais, bem
como um coração cheio de amor. jenny tinha preferido estes
atributos, muito naturalmente, aliás. casou, então, com o
pastor e foi para o sul como esposa de missionário.
pouco mais souberam dela. miss polly lembrava-se bem,
apesar de ter apenas quinze anos. era a mais nova. a
família pouco mais soube da esposa do missionário. jenny
tinha escrito algum tempo depois, comunicando o nascimento
do seu bebé pollyanna, assim chamado em honra das suas
irmãs polly e anna. tinha tido outros bebés que morreram.
foi a última
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vez que jenny escreveu e há alguns anos tinha chegado
a notícia do seu falecimento através de uma carta
lacónica do próprio pastor, com origem numa cidadezinha
do oeste.
entretanto, o tempo não tinha parado para os moradores
do solar da colina. miss polly, com os olhos postos no
vale, reflectiu nas mudanças ocorridas durante
aqueles 25anos.
agora tinha 40anos e estava completamente só no
mundo. o pai, a mãe e as irmãs, tinham todos morrido. desde
há uns anos a esta parte, era ela a única
dona dos milhares de dólares deixados pelo pai.
algumas pessoas tinham abertamente lamentado a sua vida
solitária, aconselhando-a a cultivar amigos e companhias,
mas ela rejeitou todos os conselhos. não se sentia sozinha.
gostava de estar assim. gostava de tranquilidade. e,
agora...
miss polly ergueu-se de sobrolho franzido, reflectindo.
claro que estava satisfeita, considerava-se uma
mulher de bem e não só conhecia o seu dever como também
tinha suficiente força de carácter para o cumprir.
mas, pollyanna! que nome tão ridículo!
3. a chegada de pollyanna
finalmente chegou o telegrama anunciando a chegada de
pollyanna a beldingsville, no dia seguinte, 25 de junho, às
quatro horas da tarde. miss polly leu o
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telegrama, franziu o sobrolho e subiu as escadas até ao
quarto do sótão. continuou de sobrolho franzido enquanto
olhava em redor.
o quarto dispunha de uma pequena cama que estava muito bem
feita, dois cadeirões, um lavatório, uma pequena cómoda sem
espelho e uma mesinha. não tinha cortinados nem quadros nas
paredes. durante todo o dia, o sol tinha ali batido e o
quartinho parecia um forno. como não havia redes nas
janelas, estas tinham que se conservar fechadas. ouvia- se
uma grande mosca a zumbir desesperada para sair.
miss polly matou a mosca e atirou-a pela janela. deu um
jeito numa cadeira e carrancuda abandonou o quarto.
- nancy! - chamou ela minutos depois, à porta da cozinha. -
encontrei uma mosca lá em cima no quarto de miss pollyanna.
a janela deve ter estado aberta. já mandei vir
mosquiteiros, mas até que cheguem vê se manténs as janelas
fechadas. a minha sobrinha chega amanhã às quatro da tarde.
quero que a vás esperar à estação. timothy leva-te na
charrete. o telegrama diz que ela tem o cabelo claro, traz
um vestido vermelho e um chapéu de palha. É tudo o que sei,
mas creio que é o suficiente.
- sim, senhora, mas.
miss polly percebeu o que ela queria dizer pois franziu
logo o sobrolho e disse asperamente, não admitindo qualquer
réplica:
- não, eu não vou. acho que não é preciso. É tudo, por
agora.
e foi-se embora. os preparativos de miss polly para a
chegada da sua sobrinha pollyanna estavam completos.
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na cozinha, nancy assentou com força o ferro de engomar e
pensou com os seus botões:
“cabelo claro, vestido vermelho e chapéu de palha! É tudo o
que ela sabe! eu tinha vergonha se não fosse eu própria
esperar a minha única sobrinha que chegasse depois de ter
atravessado um continente inteiro!
no dia seguinte, timothy e nancy partiram na charrete para
a estação. timothy era filho do velho tom. na cidade dizia-
se que se o velho tom era o braço direito de miss polly,
então timothy era o braço esquerdo. era um bom rapaz e além
disso bem parecido. apesar de nancy estar há pouco tempo
naquela casa, já eram bons amigos. hoje, porém, nancy
estava demasiado compenetrada na sua missão para conversar
como de costume e foi quase em silêncio que se dirigiram à
estação para aguardar o comboio.
repetia para si vezes sem conta: “cabelo claro, vestido
vermelho e chapéu de palha”. não conseguia deixar de
interrogar-se sobre o género de criança que esta pollyanna
seria.
- espero que seja calma e sensível e não deixe cair facas
nem bata com as portas - disse ela para timothy.
- se não for, sabe-se lá o que nos vai acontecer -
resmungou timothy. - imagina miss polly com uma criança
barulhenta! era o fim do mundo!
- oh, timothy, acho que ela fez mal em me mandar a mim -
disse nancy enquanto se precipitava para um sítiò onde
pudesse observar os passageiros no apeadeiro.
não demorou muito a que nancy a visse. era uma rapariguinha
esguia com um vestido vermelho e duas tranças que pendiam
ao longo das costas. sob o chapéu, uma carinha ansiosa
olhava para a esquerda e para a direita à procura de alguém.
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nancy identificou logo a criança, mas, durante algum tempo,
não conseguiu controlar suficientemente os joelhos trémulos
para se dirigir a ela. finalmente, aproximou-se.
- É miss pollyanna?
logo de seguida sentiu dois braços vestidos de vermelho à
volta do pescoço.
- oh, estou tão contente por a ver! - gritou-lhe uma voz ao
ouvido. - claro que sou pollyanna e estou tão contente por
ter vindo esperar-me! estava à espera disso.
- estava? - interrogou nancy, perguntando a si própria como
pollyanna poderia conhecê-la. - estava à minha espera? -
repetiu enquanto tentava endireitar o chapéu.
- sim, durante todo o tempo procurei imaginar a sua cara -
gritava a menina em bicos de pés, enquanto mirava a
embaraçada nancy dos pés à cabeça. agora, estou muito
contente por ser assim.
nancy estava aliviada por timothy ter vindo com ela. as
palavras de pollyanna tinham-na confundido.
- este é timothy. traz alguma mala?
- sim, trago, tenho uma nova. as senhoras da caridade
compraram-me uma, foi muito simpático da parte delas. trago
uma coisa que o senhor grey disse ser um cheque e devo
entregar-lho antes de ir buscar a minha mala. mr. grey é o
marido de mrs. grey. são primos da mulher do clérigo carr.
viajei para este com eles, são simpatiquíssimos! aqui está
ele! - disse ela, enquanto apresentava o cheque depois de
revolver o saco.
nancy respirou fundo. depois olhou para timothy. os olhos
de timothy estavam deliberadamente orientados para outro
lado.
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finalmente partiram os três com a mala de pollyanna na
retaguarda e a própria pollyanna encolhida entre nancy e
timothy. a rapariguinha falava ininterruptamente, fazia
perguntas e comentários, e nancy tinha grande dificuldade
em acompanhá- la.
- É longe daqui? adoro andar de charrete, mas também estou
desejosa de chegar. que linda rua! eu sabia que ia ser
bonito, o pai contou-me.
parou então de falar com um soluço. nancy olhou
apreensivamente e viu que o queixo dela tremia e os olhos
estavam marejados de lágrimas. mas num instante recompôs-se.
- o pai contou-me tudo. ah, é verdade! tenho que lhe
explicar. trago este vestido vermelho e não venho de negro
porque não existia roupa negra nas coisas da última
colecta. só havia um vestido de senhora que a mulher do
clérigo disse que não era próprio para mim, além de que
estava gasto nos cotovelos e tinha nódoas brancas. algumas
das senhoras da caridade queriam comprar- me um vestido
negro e um chapéu, mas as outras acharam que o dinheiro
devia ir para o tapete vermelho que elas queriam comprar
para a igreja. mrs. white disse que estava bem, pois de
qualquer maneira ela não gostava de ver crianças de negro.
ela gostava de crianças, claro, mas não vestidas de negro!
pollyanna parou um pouco para respirar e nancy conseguiu
dizer:
- vem muito bem!
- ainda bem que acha isso. era muito mais difícil estar
contente vestida de negro.
- contente! - disse nancy surpreendida, aproveitando uma
pausa.
- sim, por o pai ter partido para o céu para ir ter com a
mãe e os meus irmãos. ele disse que eu devia ficar feliz.
mas mesmo assim é um pouco difícil, mesmo vestida de
vermelho, porque eu precisava muito dele, principalmente
depois da mãe e os irmãos terem ido para o céu. enquanto
que eu não tinha mais ninguém a não ser as senhoras da
caridade. mas, agora tenho a certeza de que será mais fácil
porque a tenho a si, tia polly. estou tão feliz por a ter a
si!
os sentimentos de compaixão de nancy em relação à
rapariguinha transformaram-se em sobressalto.
- mas está enganada menina. eu sou a nancy. não sou a sua
tia polly!
- não é? - perguntou a criança quase desmaiando.
- não, sou a nancy. nunca pensei que pudesse tomar-me por
ela. não somos nada parecidas!
timothy sorriu ligeiramente, mas nancy estava demasiado
perturbada para responder ao seu olhar divertido.
- mas quem é você? não parece nada uma empregada!
desta vez timothy não conteve um riso.
- sou nancy, a empregada da sua tia. faço tudo menos lavar
a roupa. isso é o trabalho de miss durgin.
- mas existe uma tia polly? - perguntou a criança
ansiosamente.
- disso pode estar certa - disse timothy. pollyanna ficou
mais descansada.
- ah, então está bem - seguiu-se um momento de silêncio,
depois ela prosseguiu alegremente. sabem? apesar de tudo
estou contente por ela não me ter vindo esperar porque,
assim, além de vos ter a vocês, ainda a vou conhecer a ela.
nancy assoou-se. timothy olhou para ela com um sorriso de
admiração.
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- isso é muito simpático da sua parte. não achas que deves
agradecer à menina, nancy?
- estava a pensar nisso... sim, é muita gentileza sua -
titubeou nancy.
pollyanna fez um sinal de contentamento.
- estou tão ansiosa por a ver. É a única família que me
resta e durante muito tempo não sabia que ela existia.
depois o pai disse-me que ela vivia numa casa grande e
bonita no cimo de uma colina.
- É verdade, e já a pode ver daqui - disse nancy.
- É aquela casa branca, grande com as persianas verdes, em
frente.
- mas que bonita! e tem tantas árvores e relva à volta!
nunca vi tanta relva. a minha tia polly é rica, nancy?
- sim, miss.
- ainda bem. deve ser óptimo ter muito dinheiro. nunca
conheci ninguém rico. com algum dinheiro, só conheci os
white. tinham tapetes em todas as salas e gelados ao
domingo. a tia polly tem gelados ao domingo?
nancy abanou a cabeça, enquanto cerrava os lábios e lançava
um olhar a timothy.
- não, miss. creio que a sua tia não gosta de gelados. pelo
menos nunca vi nenhum à mesa.
no rosto de pollyanna espelhou- se uma expressão triste.
- mas que pena, não percebo como é que ela não gosta de
gelados. bom, de qualquer maneira talvez seja preferível
porque os gelados em grande quantidade podem fazer dores de
barriga. talvez a tia polly tenha tapetes em casa?
- sim, ela tem tapetes.
- em todas as salas?
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- em quase todas - respondeu nancy lembrando-se, que o
quartinho do sótão não tinha tapete.
- ainda bem, adoro tapetes! nós não tínhamos quase nenhuns.
apenas dois pequenos e que tinham duas nódoas de tinta. e
quadros, gosta de quadros?
- não sei - respondeu nancy meio encabulada.
- eu gosto. nós não tínhamos quadros. só quando timothy
descarregou a mala é que nancy teve uma oportunidade para
lhe segredar ao ouvido:
- nunca mais fales em ir-te embora thimothy durgin!
- ir embora! claro que não - respondeu o jovem.
- agora vai ser muito mais divertido com essa miúda a
rondar por aí!
- divertido! - repetiu nancy indignada. - acho que, para
essa pobre criança, não vai ser nada disso quando as duas
tiverem que viver juntas. acho que ela vai precisar de um
refúgio. e eu tenciono ser esse refúgio - disse ela,
virando-se em seguida para pollyanna e conduzindo-a pelas
escadas acima.
4. o quarto do sótão
miss polly harrington não se levantou para ir ao encontro
da sobrinha. quando nancy e a menina entraram na sala, ela
limitou-se a erguer os olhos do livro que estava a ler e a
estender a mão num gesto formal.
- como estás, pollyanna? - mas não teve tempo para
continuar. pollyanna tinha já atravessado a sala a correr
atirando-se para o colo da tia surpreendida.
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- oh, tia polly, tia polly! estou tão contente por me ter
deixado vir viver consigo - disse ela soluçando.
- não imagina como é bom tê-la a si e à nancy, e tudo isto
depois de ter tido apenas a ajuda das senhoras da caridade!
- acredito. embora eu não tenha tido o prazer de conhecer
as tuas senhoras da caridade - respondeu miss polly
rigidamente, tentando libertar-se dos dedos que a agarravam
e dirigindo um olhar severo a nancy que se encontrava ainda
à porta da sala. - nancy, já chega. podes ir. pollyanna, vê
se te portas bem e se tens termos. ainda não olhei bem para
ti.
pollyanna afastou-se um pouco, rindo nervosamente.
- não, mas também eu não tenho muito para ver. tenho que
lhe explicar porque razão trago este vestido vermelho.
- isso não interessa - interrompeu miss polly rudemente. -
trazes alguma mala, calculo?
- sim, sim, tia polly. as senhoras da caridade deram-me uma
linda mala mas trago pouca coisa. vêm também uns livros do
pai, pois a mrs. white disse que eu devia conservá- los. o
pai...
- pollyanna - interrompeu a tia de novo. - há uma coisa que
eu te quero dizer, já. não quero que estejas sempre a falar
do teu pai.
a pequena ficou atrapalhada e surpreendida.
- mas porquê, tia polly?
- vamos lá acima ver o teu quarto. a tua mala já lá deve
estar. eu disse a thimothy para a levar. segue-me,
pollyanna.
em silêncio pollyanna seguiu a tia, saindo da sala. tinha
os olhos inundados de lágrimas mas mantinha o queixo
erguido.
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“afinal, acho que é melhor que a tia não queira que eu fale
do pai - pensou pollyanna. “será mais fácil para mim não
falar nele. “
convencida de novo sobre a bondade” da tia, pollyanna
disfarçou as lágrimas e olhou para ela com enlevo.
iam agora a caminho das escadas. À frente, ouvia-se o
restolhar do vestido negro da tia. por detrás dela
conseguiu ver, através de uma porta aberta, belos tapetes
com bonitos motivos e cadeirões forrados a cetim. sob os
seus pés, um tapete maravilhoso dava uma sensação de musgo.
por todos os lados se viam belos quadros e o sol a passar
através de finos cortinados.
- oh, tia polly, tia polly! - disse a menina reconfortada.
- mas que bela casa tem! deve ser muito feliz por ser tão
rica!
- pollyanna! - respondeu a tia com severidade, virando-se
abruptamente ao chegar ao cimo das escadas. - parece
impossível que me fales desse modo!
- mas porquê, tia polly, não é rica?
- claro que não, pollyanna. até agora nunca cometi o pecado
de me orgulhar dos bens que o senhor me concedeu - declarou
a senhora.
miss polly virou-se e percorreu o corredor em direcção à
porta das escadas que conduziam ao sótão. agora, sentia-se
satisfeita por ter posto a criança no quarto do sótão.
inicialmente a sua ideia tinha sido a de pôr a sobrinha tão
longe quanto possível de si ao mesmo tempo que tomava
precauções para que a criança, com a sua leviandade
natural, não estragasse algum móvel valioso. assim, com
toda esta vaidade a manifestar-se tão cedo ela sentia-se
ainda mais satisfeita por o quarto que lhe estava destinado
estar tão pobremente mobilado.
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pollyanna seguiu ansiosamente os passos da tia. os seus
grandes olhos azuis tentavam, ainda com maior ansiedade,
olhar em todas as direcções ao mesmo tempo para que nada de
bonito ou interessante nesta casa maravilhosa ficasse sem
ser visto. o que mais a excitava era a expectativa de saber
qual daquelas fascinantes portas ocultava o seu quarto. o
belo quarto cheio de cortinas, tapetes e quadros que seria
o seu. a tia abriu, então, com brusquidão uma porta e
começou a subir outras escadas.
ali, pouco havia para ver. dos lados eram só paredes nuas,
cor-de-rosa. no cimo das escadas era apenas um espaço
sombrio onde, nos cantos, o telhado quase chegava ao chão,
e onde estavam empilhados inúmeros malões e arcas. estava
quente e abafado. instintivamente, pollyanna levantou mais
a cabeça. ali sentia-se dificuldade em respirar. viu,
depois, que a tia tinha aberto uma porta, à direita.
- aqui é o teu quarto, pollyanna. como vês já cá está a tua
mala. tens a chave?
pollyanna disse, tristemente, que sim com a cabeça. estava
um pouco assustada.
a tia fez uma expressão severa.
- quando te faço uma pergunta, pollyanna, quero que me
respondas em voz alta e não te limites a fazer movimentos
com a cabeça.
- sim, tia polly.
- obrigada. assim é melhor. penso que tens aqui tudo o que
precisas - acrescentou ela, deitando um olhar ao toalheiro
do lavatório. - vou mandar a nancy cá acima para te ajudar
a desfazer a mala. o jantar é às seis horas - concluiu,
enquanto deixava o quarto e descia as escadas.
durante alguns momentos, depois de a tia se ter ido embora,
pollyanna manteve-se de pé, quieta, olhando
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para a porta. depois virou os seus olhos grandes para as
paredes nuas, para o chão sem tapetes e as janelas sem
cortinados. finalmente, pousou a vista na pequena mala que
ainda não há muito tempo estava naquele quartinho da
longínqua casa do oeste. a seguir, deixou-se cair de
joelhos, tapando o rosto com as mãos.
nancy encontrou-a nesta posição quando chegou, alguns
minutos depois.
- bem receava encontrá-la assim, pobre criança!
- lamentou ela inclinando-se para o chão e segurando a
menina nos braços.
pollyanna sacudiu a cabeça.
- mas eu sou má, nancy, sou muito má - soluçou ela. - só
não percebo porque é que deus e os anjos precisavam mais do
meu pai do que eu.
- claro que não - disse nancy para a consolar.
- oh nancy - no rosto de pollyanna as lágrimas tinham
secado, ao mesmo tempo que surgia uma expressão
horrorizada. nancy procurou sorrir atrapalhada, enquanto
enxugava os seus próprios olhos.
- não era bem isso que eu queria dizer - tentou ela
emendar. - vamos abrir a mala e arrumar os seus vestidos.
ainda triste, pollyanna foi buscar a chave.
- mas não há aí grande coisa.
- então fica tudo arrumado num instante - disse nancy.
pollyanna fez um grande sorriso.
- É isso! posso ficar contente com isso, não posso?
- gritou ela. nancy olhou espantada.
- sim, claro - respondeu, um pouco confusa.
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as mãos competentes de nancy num instante retiraram da mala
os livros, as roupas interiores e os poucos vestidos sem
graça de pollyanna. esta, sorrindo agora corajosamente,
começou, numa roda-viva, a pendurar os vestidos no armário,
a empilhar os livros em cima da mesa e a arrumar as roupas
interiores nas gavetas.
- tenho a certeza de que vai ser um quarto muito agradável,
não acha?
nancy não respondeu. estava aparentemente muito ocupada com
a cabeça metida na mala. pollyanna de pé, junto à cómoda,
olhava um pouco desconsoladamente para as paredes nuas.
- e, ainda bem que não há nenhum espelho, pois assim não
vejo as minhas sardas.
nancy fez um ruído estranho com a boca. mas, quando
pollyanna se voltou, ela continuava com a cabeça dentro da
mala. alguns minutos depois, junto a uma das janelas,
pollyanna deu um grito de alegria, batendo as palmas.
- oh nancy, ainda não tinha visto. olhe! ali, aquelas
árvores, as casas e aquele lindo campanário da igreja e o
rio a brilhar como um fio de prata. com coisas tão bonitas
para ver não são precisos quadros nenhuns. ainda bem que
ela me deu este quarto!
para grande surpresa de pollyanna, nancy desatou a chorar.
a menina correu para ela.
- nancy, o que foi? - depois, receosamente, perguntou: -
este não era o seu quarto, pois não?
- o meu quarto? não - exclamou nancy com veemência,
procurando refrear as lágrimas. - a menina é como um lindo
anjinho vindo do céu e que certas pessoas não merecem. oh,
lá está ela a chamar!
- nancy correu para fora do quarto e desceu apressadamente
as escadas.
25
agora sozinha, pollyanna voltou para o seu “quadro”, como
ela chamava à bela vista que se disfrutava da janela.
passado um bocado tentou abrir a vidraça. parecia-lhe que
não ia conseguir aguentar mais tempo aquele calor
insuportável. felizmente conseguiu abri-la. mais um esforço
e a janela ficou completamente aberta. pollyanna debruçou-
se na janela e respirou aquele ar fresco e puro.
correu depois para a outra janela que, em breve, também
cedeu aos seus dedos ansiosos. uma mosca passou-lhe debaixo
do nariz, zumbindo pelo quarto. depois entrou outra, e mais
outra. mas pollyanna pouco se ralou. tinha feito uma
descoberta maravilhosa. junto à janela uma árvore enorme
alargava os grandes ramos. para pollyanna pareciam braços
esten didos que a convidavam. riu alto.
“acho que consigo”, disse ela para si própria. logo em
seguida, trepou para o parapeito da janela. dali era fácil
saltar para o ramo mais próximo. depois, baloiçando como um
macaco, passou de ramo para ramo até atingir o mais baixo.
o salto para o chão era, mesmo para pollyanna, habituada a
trepar às árvores, um pouco assustador. no entanto, ela lá
se decidiu, sustendo a respiração, dependurada nos seus
bracinhos e aterrando de gatas na relva macia. levantou-se
e olhou ansiosamente em redor.
estava nas traseiras da casa. diante dela, estendia-se um
jardim, onde trabalhava um velhote curvado. para lá do
jardim um carreiro através de um campo aberto conduzia a um
morro no cimo do qual se erguia um pinheiro junto a um
enorme rochedo. para pollyanna, naquele momento, parecia
existir apenas um lugar no mundo onde valia a pena estar -
o alto daquele grande rochedo.
26
numa corrida e dando uma volta rápida, pollyanna contornou
o velhote curvado, abriu caminho por entre as filas de
plantas e, já um pouco ofegante, chegou ao carreiro que
percorria o campo aberto. depois, com determinação, começou
a trepar. naquela altura, já começava a achar o rochedo
longe, embora parecesse tão perto visto da janela!
quinze minutos mais tarde, o grande relógio do corredor do
solar de harrington bateu as seis horas. precisamente à
última badalada, nancy tocou o sino para jantar.
passaram um, dois, três minutos. miss polly carrancuda
batia com o pé no chão. um pouco desajeitadamente pôs-se de
pé, percorreu o corredor e olhou para cima impaciente.
durante um minuto, escutou atentamente. depois, dirigiu-se
para a sala de jantar.
- nancy - disse ela decididamente logo que a criada
apareceu -, a minha sobrinha está atrasada. mas não quero
que a chames - acrescentou apressadamente quando nancy
esboçou um movimento no sentido da porta. - eu disse-lhe a
que horas era o jantar, agora tem que sofrer as
consequências. pode começar imediatamente a aprender a ser
pontual. quando descer, podes dar-lhe pão e leite na
cozinha.
- sim, senhora.
logo que pôde, a seguir ao jantar, nancy subiu
precipitadamente as escadas para o sótão.
- pão e leite. francamente! coitadinha, deve ter
adormecido! - logo que abriu a porta deu um grito de susto.
- onde está? onde se terá metido? - perguntava ela enquanto
procurava dentro do armário, debaixo da cama e até dentro
da mala e na bacia de água. logo a seguir, correu escada
abaixo e foi ter com o velho tom ao jardim.
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- mr. tom, mr. tom, a menina desapareceu! deve ter subido
para o céu de onde veio, pobre cordeirinho! e a tia que me
disse para lhe dar pão e leite na cozinha. neste momento
deve estar a comer o manjar dos anjos, garanto-lhe eu!
o velhote endireitou-se.
- partiu? para o céu? - repetiu ele com ar estupefacto,
olhando inconscientemente para o céu azul onde já se punha
o sol. - bom, nancy, parece-me que ela tentou realmente
chegar tão alto quanto pôde - disse ele apontando com o
dedo retorcido para uma figurinha esguia que se erguia no
cimo do grande rochedo.
- não. se depender de mim ela não vai para o céu esta noite
- declarou nancy, decididamente. - se a senhora perguntar
diga-lhe que eu não me esqueci da loiça mas que fui passear
- disse ela dirigindo-se para o carreiro que conduzia ao
campo aberto.
4. o jogo de pollyanna
- mas que susto me pregou, miss pollyanna - gritou nancy
enquanto corria em direcção ao rochedo ao longo do qual
pollyanna tinha acabado de deslizar.
- assustou-se? ah, desculpe, mas não precisa de se
preocupar comigo, nancy. o pai e as senhoras da caridade
também se preocupavam, até que se convenceram de que eu
voltava sempre bem.
- mas eu nem sabia que se tinha ido embora! - exclamou
nancy, enquanto agarrava na mão da
28
menina, apressando-se a descer o morro. - não a vi sair,
nem ninguém viu. até parece que voou do telhado.
- É verdade, quase que voei, desci pela árvore! nancy parou
bruscamente.
- desceu por onde?
- desci pela árvore, junto à minha janela.
- minha nossa senhora! - exclamou nancy, recomeçando a
correr. - nem imagino o que a sua tia dirá quando souber!
- não faz mal, eu digo-lhe - prometeu a menina alegremente.
- por favor, não lhe diga nada!
- porquê, não me diga que ela se preocupa com isso! -
respondeu pollyanna imperturbável.
- não... sim. não importa. estou muito preocupada com o que
ela possa dizer - disse nancy determinada a evitar que
pollyanna fosse repreendida. mas é melhor despacharmo-nos,
tenho que lavar a loiça.
- eu ajudo - prometeu logo pollyanna.
- oh, miss pollyanna! não pense nisso. por momentos, fez-se
silêncio. o céu escurecia rapidamente. pollyanna agarrou-se
com mais firmeza ao braço da sua amiga.
- apesar de tudo, acho que estou contente por você se ter
assustado, porque assim veio à minha procura.
- pobre cordeirinho! e deve estar cheia de fome. receio que
tenha de comer apenas pão e leite na cozinha comigo. a sua
tia não gostou nada que não tivesse descido para o jantar.
- mas eu não podia. estava lá em cima.
- sim, mas ela não sabia isso - observou nancy.
- tenho pena que tenha de ser pão e leite.
- não faz mal. eu estou contente.
- contente? porquê?
29
- porque gosto de pão e de leite e gosto de comer consigo.
não tenho dificuldade nenhuma em estar contente com isso.
- a menina parece que não tem dificuldade em ficar contente
seja com o que for - respondeu nancy, recordando as
tentativas de pollyanna para ficar contente com o quartinho
do sótão.
pollyanna sorriu docemente.
- pois o jogo é mesmo isso.
- o. jogo?
- sim, o “jogo do contentamento”.
- mas de que está a falar?
- É um jogo. o pai ensinou-mo e é muito giro - respondeu
pollyanna. - sempre o jogámos, desde que eu era pequena.
ele ensinou-o também às senhoras da caridade e algumas
delas também o jogavam.
- mas o que é? não sou muito de jogos. pollyanna riu de
novo mas à luz do crepúsculo o rosto dela parecia tristonho.
- começámos a jogá-lo quando recebemos umas muletas na
colecta da missão.
- muletas?
- sim. eu queria uma boneca e o pai escreveu-lhes, pedindo-
a. mas, quando a encomenda chegou, não tinham mandado
nenhuma boneca e sim umas muletas de criança. uma senhora
enviou-as pensando que elas podiam ser úteis a alguma
criança. e foi assim que começámos.
- mas não consigo perceber que jogo é que pode haver nisso
- disse nancy quase irritada.
- o jogo era exactamente encontrar alguma coisa com a qual
estar contente, não importa o quê - respondeu pollyanna com
ar sério. - e começámos naquela altura, com as muletas.
30
- meu deus! não vejo nada para estar contente. recebeu um
par de muletas quando queria uma boneca!
pollyanna bateu as palmas.
- É isso - gritou ela -, eu também não percebi logo. teve
que ser o pai a dizer-me.
- bom, então espero que também me diga - retorquiu nancy
impaciente.
- pois o jogo é ficar contente por não precisarmos delas! -
exclamou pollyanna triunfante. - vê, é muito fácil quando
sabemos como fazer!
- mas que coisa estranha! - exclamou nancy, olhando
pollyanna com ar receoso.
- não é engraçado? É giríssimo - continuou pollyanna
entusiástica. - desde então passámos a jogá-lo sempre. e
quanto mais difícil é, mais divertido se torna resolvê-lo.
só que, por vezes, custa muito. como, por exemplo, quando o
meu pai foi para o céu e não ficou mais ninguém senão as
senhoras da caridade.
- ou quando a metem num quartinho no sótão quase sem nada
lá dentro - resmungou nancy.
pollyanna disse que sim com a cabeça.
- essa foi um pouco difícil ao princípio - admitiu ela. -
especialmente quando eu estava tão só. não me apetecia
continuar a jogar e naquela altura estava à espera de
coisas boas! lembrei-me, então, de como detestava ver as
minhas sardas no espelho e vi aquela linda vista da janela.
percebi logo que tinha descoberto coisas para ficar
contente. quando estamos à procura de coisas boas para
ficarmos contentes esquecemo-nos das outras. como da boneca
que eu queria.
- estou a perceber - respondeu nancy, engolindo em seco.
- mas normalmente não leva muito tempo. e muitas vezes já
penso nelas quase sem pensar. habituei-me
a fazer este jogo. eu e o pai gostávamos muito dele. se
calhar agora vai ser um pouco mais difícil porque eu não
tenho ninguém com quem jogar. talvez a tia polly jogue
comigo - acrescentou ela pensativa.
- minha nossa senhora! - murmurou nancy entre dentes.
depois disse mais alto: - ouça, miss pollyanna, eu não sei
se consigo jogar bem mas, se quiser, posso tentar jogar
consigo!
- oh, nancy! - exultou pollyanna. - isso é esplêndido,
vamos divertir-nos imenso.
- sim, talvez - condescendeu nancy com algumas dúvidas. -
mas não deve depositar grandes esperanças em mim. nunca fui
muito boa em jogos, mas vou fazer o possível. há-de ter
alguém com quem jogar - concluiu ela enquanto entravam as
duas juntas na cozinha.
pollyanna comeu o seu pão e bebeu o seu leite com muito
apetite. depois, por sugestão de nancy, dirigiu-se à sala
de estar onde a tia estava sentada a ler. miss polly
levantou os olhos com firmeza.
- já comeste o teu jantar, pollyanna?
- sim, tia polly.
- tenho muita pena de me ter visto obrigada a mandar-te
para a cozinha comer pão e leite.
- não faz mal, estou muito contente com isso, tia polly.
gosto muito de pão e leite e também da nancy. não se
preocupe.
a senhora endireitou-se mais na cadeira.
- pollyanna, já devias estar na cama. tiveste um dia muito
fatigante. amanhã temos que fazer planos para a tua vida e
ver que roupas é preciso comprar. a nancy dar-te-á uma
vela. tem cuidado com ela. o pequeno-almoço é às seis e
meia, vê se estás cá em baixo a essa hora. boa-noite.
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com naturalidade, pollyanna dirigiu-se à tia e deu-lhe um
abraço afectuoso.
- até aqui tem sido muito bom - disse ela feliz.
- tenho a certeza de que vou gostar muito de viver consigo.
aliás já sabia isso antes de vir para cá. boa-noite - disse
alegremente enquanto saía da sala. “mas que criança
extraordinária”, pensou miss polly. “ela está contente por
eu a ter castigado e diz que não devo estar preocupada com
isso e que vai gostar de viver comigo! ora esta! “,
exclamou miss polly de novo, enquanto retomava o livro.
quinze minutos depois, no quarto do sótão, a menina
soluçava com a cara metida nos lençóis:
- pai que estás junto dos anjos, agora não consigo fazer o
jogo. não acredito que conseguisses encontrar alguma coisa
para estar contente se tivesses de dormir sozinho no
escuro. se ao menos estivesse ao pé da nancy ou da tia
polly, seria mais fácil!
lá em baixo, na cozinha, nancy procurava despachar o
trabalho atrasado enquanto murmurava:
- se fazer aquele jogo disparatado é ficar contente por
receber muletas quando se quer bonecas ou ir para aquele
rochedo à procura de um refúgio, então eu também sei jogar!
7. os castigos e pollyanna
À uma e meia, thimoty conduziu miss polly e a sobrinha a
quatro ou cinco das principais lojas da cidade que ficavam
a cerca de um quilómetro do solar. a compra de um novo
enxoval para pollyanna veio a
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verificar-se uma experiência excitante para todas as
pessoas envolvidas. quando as compras acabaram, miss polly
experimentou uma sensação de descontracção que uma pessoa
sente quando finalmente encontra terreno firme, depois de
uma caminhada perigosa sobre a crosta fina de um vulcão. os
diversos empregados que atenderam as duas, concluíram o seu
trabalho com os rostos afogueados e bastantes histórias
sobre pollyanna para contar aos amigos, durante o resto da
semana. a própria pollyanna ficou muito satisfeita e
radiante com tudo aquilo porque, como ela explicou a um dos
empregados, “quando nunca se teve mais nada para além das
dádivas da caridade, é formidável entrar nas lojas e
comprar roupas novinhas que não precisam de ser remendadas
ou postas de parte por não servirem. a visita às lojas
durou a tarde inteira. depois foi o jantar e uma agradável
conversa com o velho tom, no jardim, e outra com nancy, no
pátio das traseiras, depois de esta ter lavado a loiça e
enquanto a tia polly visitava um vizinho.
o velho tom contou a pollyanna coisas maravilhosas sobre a
mãe, que ela gostou muito de ouvir e nancy contou-lhe tudo
sobre a sua pequena quinta a nove quilómetros dali, na
aldeia dos cantos, onde vivia a mãe e os seus queridos
irmãos. ela prometeu também que, se miss polly deixasse,
pollyanna podia ir visitá-los.
- e eles também têm bonitos nomes. há-de gostar dos nomes
deles - disse nancy. - chamam-se algernon, florabelle e
estelle. não gosto nada do meu nome, nancy!
- oh, nancy, isso não se diz! porque não?
- não é bonito como os outros. eu fui a primeira e a minha
mãe não tinha ainda lido histórias com nomes bonitos.
44
- mas eu gosto muito de nancy, quanto mais não seja por ti
- declarou pollyanna.
- ah, então também podia gostar de clarissa mabel -
respondeu nancy -, e eu ficava muito mais contente. acho
que é um lindo nome!
pollyanna riu.
- de qualquer maneira, deves estar contente por não ser
hephzibah.
- hephzibah!
- sim, é assim que se chama a mrs. white. o marido chama-
lhe hep e ela não gosta. ela diz que quando ele a chama
“hep-hep” lhe parece que ele a seguir vai dizer “hurra”! e
ela detesta isso.
a expressão triste de nancy transformou-se num grande
sorriso.
- depois de ter ouvido essa sobre hep-hep já não me importo
de me chamar de nancy - ela olhou com olhos bem abertos
para a rapariga. - diga lá miss pollyanna, estava a brincar
àquele jogo quando me disse isso da hephzibah?
pollyanna franziu o sobrolho e depois riu.
- É verdade, eu estava a jogar ao jogo, mas foi uma das
vezes em que o fiz sem pensar. faço-o tantas vezes que me
habituo e procuro sempre uma coisa que me dê contentamento.
e há sempre alguma coisa que nos deixa contentes se
pensarmos bem.
- bom, talvez - respondeu nancy com algumas dúvidas.
Às oito e meia, pollyanna foi deitar-se. os mosquiteiros
ainda não tinham chegado e o quartinho parecia um forno. de
olhos tristes pollyanna olhou para as duas janelas fechadas
mas não as abriu. despiu-se, dobrou as roupas, rezou as
suas orações, apagou a vela e meteu-se na cama.
45
ela não soube quanto tempo esteve sem conseguir dormir,
virando-se de um lado para o outro cheia de calor. pareceu-
lhe que tinham passado horas até que se levantou,
atravessou o quarto e dirigiu-se para a janela onde ficou a
contemplar o céu estrelado.
esperava que o sono não tardasse.
esperava que a frescura da manhã chegasse rapidamente.
18. os prismas
durante aquele mês quente de agosto, pollyanna
foi frequentemente ao casarão de pendleton hill. no
entanto, achava que as suas visitas não estavam a ter
grande sucesso. não é que o homem desse mostras de
não a querer ali. antes pelo contrário, ele até a chamava
muitas vezes. mas quando ela lá estava ele não
parecia ficar muito mais contente com a sua presença.
pelo menos, era isso que parecia a pollyanna. ele
conversava com ela, é verdade, e mostrava-lhe
muitas coisas bonitas e interessantes: livros, gravuras
e outros objectos curiosos. mas continuava a lamentar- se
sobre o seu desamparo e continuava a protestar con tra as
regras e as arrumações impostas pelos indesejados
empregados. porém, parecia realmente gostar de
ouvir pollyanna falar, e assim ela falava muito. pollyanna
gostava muito de falar mas nunca sabia se, no
momento seguinte não o ia encontrar com aquele olhar
vidrado que fazia dó. e nunca sabia bem se tinham sempre
aquela melancolia.
117
quanto a ensiná-lo a jogar o jogo do contentamento,
pollyanna nunca viu uma oportunidade, nem mesmo quando
pensava que ele lhe daria atenção. por duas vezes, tentou
ensinar-lho mas não conseguiu passar do princípio, das
coisas que o pai dela costumava dizer. das duas vezes, john
pendleton mudou o rumo da conversa.
pollyanna não duvidava agora que john pendleton tinha sido
namorado da sua tia polly e, com todas as forças do seu
coração leal e terno, desejava poder um dia trazer a
felicidade àquelas vidas solitárias.
como havia de conseguir não sabia. conversou com mr.
pendleton sobre a tia e ele escutava, por vezes
educadamente, por vezes irritado; mas frequentemente com um
sorriso estranho nos lábios que eram habitualmente sisudos.
ela falava à tia sobre mr. pendleton ou melhor, tentava
falar acerca dele. no entanto, normalmente, miss polly não
a escutava muito. encontrava quase sempre outra coisa para
conversar. no entanto, ela também fazia isso frequentemente
quando pollyanna falava de outras pessoas, do dr. chilton
por exemplo. pollyanna atribuía isto ao facto do dr.
chilton a ter visto no solário com a rosa no cabelo e o
xaile sobre os ombros. com efeito, a tia parecia
particularmente amargurada contra o dr. chilton, como
pollyanna veio a descobrir um dia em que ficou de cama com
uma grande gripe.
- se não estiveres melhor à noite mando vir o médico -
disse a tia polly.
- manda? então farei para ficar pior pois gostava muito que
o dr. chilton viesse ver-me!
ficou surpreendida com a expressão do rosto da tia.
- não será o dr. chilton, pollyanna - disse miss polly
gravemente. - o dr. chilton não é o nosso médico de
família. se estiveres pior, mando vir o dr. warren.
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pollyanna não piorou e por isso não foi necessário chamar o
dr. warren.
nessa noite, ela disse à tia:
- gosto muito do dr. warren, mas prefiro o dr. chilton e
acho que ele ficaria magoado se não o chamasse. afinal ele
não tem a culpa de a ter visto quando a penteei no outro
dia, tia polly - concluiu ela tristonha.
- basta, pollyanna! não quero discutir o dr. chil ton -
respondeu miss polly rispidamente.
por momentos, pollyanna olhou para ela com o olhar triste,
depois deu um grande suspiro.
- gosto muito de a ver com a face assim corada, tia polly
mas gostava também muito de lhe arranjar o cabelo se.
porque é que não deixa, tia polly? - mas a tia já se tinha
ido embora.
no fim do mês de agosto, quando pollyanna visi tava john
pendleton, de manhã cedo, descobriu un reflexo do arco-íris
na almofada dele e ficou deliciada.
- olhe mr. pendleton é um arco-íris bébé, un
arco-íris a sério. veio visitá-lo! - exclamou ela batendo
as palmas. -mas que bonito que é! como terá entrado?
o homem riu com pouca vontade. john pendleton não estava
muito bem disposto naquela manhã.
- deve ter entrado através do vidro do termómetro que se
encontra na janela - disse com ar cansado
- mas é tão bonito mr. pendleton! e é o sol que
faz isso? se o termómetro fosse meu, tinha-o pendurado ao
sol o dia inteiro.
- o termómetro havia de servir para grande coisa!
- disse o homem rindo. - e como achas que
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conseguirias saber a temperatura se o termómetro estivesse
"
pendurado ao sol todo o dia?
- não me importava com isso - respondeu pollyanna fascinada
com as lindas cores do arco-íris sobre
a almofada. - como se as pessoas se importassem se
pudessem viver o tempo todo num arco-íris!
o homem riu. observava com curiosidade o rosto
embevecido de pollyanna. de súbito ocorreu-lhe um
novo pensamento e tocou a campainha.
- nora - chamou ele, quando a empregada já de
idade apareceu à porta -, traga-me um desses candelabros
que estão em cima da lareira na sala da frente.
- sim, senhor - murmurou a mulher um pouco
surpreendida.
em breve estava de volta. um tinir musical invadiu o quarto
enquanto ela se dirigia para a cama. vinha
dos prismas suspensos no antigo candelabro que ela
segurava.
- obrigado. pode pousá-lo. agora arranje um fio
e prenda-o ao varão dos reposteiros, naquela janela.
abra os cortinados e passe o fio de um lado ao outro
da janela. É tudo, obrigado - disse ele depois de ela
ter executado as suas orientações.
quando a empregada deixou o quarto, ele olhou sorridente
para pollyanna que estava admirada.
- agora, traz-me o candelabro, por favor, pollyanna.
segurando-o com ambas as mãos, ela trouxe-o e ele
começou a retirar os prismas um a um, até que na cama
se viam uma fileira de doze.
- agora minha querida, e se tu os pendurasses
naquele fio da janela? se queres de facto viver num
arco-íris, havemos de fazer um arco-íris onde possas
viver!
120
pollyanna não tinha ainda pendurado três dos prismas na
janela banhada pelo sol e já via uma amostra do que ia
acontecer. estava tão entusiasmada que mal controlava os
dedos trémulos, tendo mesmo dificuldade em pendurar os
restantes. quando a tarefa ficou concluída, deu um passo
atrás e gritou encantada.
aquele quarto sumptuoso e sombrio tinha-se tornado uma
terra de fadas. por todo o lado se viam reflexos dançantes
de cores vermelha, verde, violeta, laranja, amarela e azul.
as paredes, o chão, a mobília, até a cama, eram iluminados
com aqueles bonitos pedacinhos de cor.
- oh, que lindo! até parece que o próprio sol está a tentar
jogar o jogo, não acha? - disse ela esquecendo-se que mr.
pendleton não podia saber do que é que ela estava a falar.
- quem me dera ter muitas coisinhas destas! gostava imenso
de as poder dar à tia polly, a mrs. snow e muitas outras
pessoas. haviam de ficar muito contentes! se vivesse num
arco-íris como este, até a tia polly havia de ficar tão
contente que deixava de conseguir evitar bater com as
portas. não acha?
mr. pendleton riu.
- bom, daquilo que me lembro da tua tia, acho que seria
preciso mais do que alguns prismas ao sol para que a
alegria a fizesse bater com as portas. mas diz lá o que
querias dizer.
pollyanna hesitou. depois respirou fundo e disse:
- ah, já me esquecia. não sabe acerca do jogo.
- e porque é que não me contas? e desta vez pollyanna
conseguiu contar-lhe. contou-lhe tudo desde o princípio,
desde as muletas que vieram em vez da boneca. e enquanto
lhe contava isto não olhava para ele. os olhos extasiados
continuavam fixos nas cores dos prismas que baloiçavam ao
sol.
121
- e é tudo. agora já sabe por que razão eu disse que o sol
estava a tentar jogar esse jogo.
durante alguns segundos, fez-se silêncio. depois ouviu-se
uma voz baixa vinda da cama:
- talvez, mas eu acho que o prisma mais bonito de todos, és
tu, pollyanna.
- mas eu não faço reflectir essas lindas cores quando o sol
bate em mim, mr. pendleton!
- não fazes? - sorriu o homem. e pollyanna, observando o
rosto dele, viu admirada que tinha os olhos marejados de
lágrimas.
- não - disse ela. passado um minuto acrescentou
cabisbaixa: - receio que o sol em mim só me faça sardas. a
tia polly diz que é o sol que as faz!
o homem riu um pouco. pollyanna olhou outra vez para ele,
pareceu-lhe que o riso tinha soado quase como um soluço.
23. o acidente
a pedido de mrs. snow, pollyanna foi um dia ao consultório
do dr. chilton pedir a receita de um remédio que ela
precisava. pollyanna nunca tinha estado antes no
consultório do dr. chilton.
- nunca tinha vindo à sua casa! É aqui que mora, não é? -
perguntou ela olhando com curiosidade em volta.
o médico sorriu um pouco tristemente.
- sim, é verdade - respondeu ele enquanto passava a
receita. - mas não é bem um lar pollyanna, são só quartos e
salas e isso não chega para fazer um lar.
pollyanna fez que sim com a cabeça. os seus olhos
irradiavam compreensão e simpatia.
- eu sei, é preciso a presença de uma mulher e de uma
criança para fazer um lar - disse ela.
- o quê?
- foi mr. pendleton que me disse. porque não arranja uma
mulher, dr. chilton? ou talvez queira ficar
146
com jimmy bean se mr. pendleton afinal não quiser. o dr.
chilton riu um pouco constrangido.
- então, mr. pendleton diz que é preciso uma mulher para
fazer um lar? - perguntou ele evasivamente.
- sim, ele também diz que o sítio onde mora é apenas uma
casa. por que não arranja, dr. chilton?
- por que não, o quê? - o médico voltara a sentar-se à
secretária.
- por que não arranja uma mulher. ah, já me esquecia -
disse pollyanna um pouco ruborizada. acho que devo dizer-
lho. não era da tia polly que mr. pendleton gostava,
portanto, nós não vamos viver para lá. no outro dia, foi
isso que eu lhe disse mas tinha-me enganado. espero que não
tenha contado a ninguém - concluiu ela com uma expressão de
ansiedade.
- não, não contei a ninguém, pollyanna - respondeu o
médico, de modo um tanto estranho.
- ah, ainda bem - exclamou pollyanna aliviada.
- sabe, o senhor foi a única pessoa a quem eu contei e
pareceu-me que mr. pendleton ficou um tanto ou quanto
divertido quando lhe disse que tinha contado a si.
- ficou? - perguntou o médico fazendo por aparentar uma
certa indiferença.
- É claro que ele não gostaria que mais pessoas
soubessem, dado que não era verdade. mas por que não
arranja uma mulher, dr. chilton?
houve um instante de silêncio. depois com um ar
muito sério o médico disse:
- isso não acontece sempre quando nós queremos,
minha menina.
147
pollyanna fez uma expressão pensativa.
- estava convencida de que o senhor conseguiria facilmente
- disse ela em tom de lisonja.
- obrigado - riu o médico com as sobrancelhas levantadas.
depois continuou com o mesmo ar sério:
- receio que algumas senhoras mais velhas do que tu não
pensem da mesma maneira. pelo menos não se têm demonstrado
tão interessadas - observou ele.
pollyanna franziu de novo a testa. depois abriu os olhos
com surpresa.
- não me diga que já tentou casar com uma senhora, como mr.
pendleton, e não conseguiu porque ela não quis?
o médico pôs-se em pé de repente.
- pollyanna, isso agora pouco interessa. não te preocupes
com os problemas das outras pessoas. vai levar o nome do
remédio a mrs. snow. há mais alguma coisa.
pollyanna disse que não com a cabeça.
- não, obrigada - murmurou ela enquanto se voltava para a
porta. a meio caminho da saída, voltou-se com uma expressão
alegre e disse: - ainda bem que não foi pela minha mãe que
esteve apaixonado!
foi no último dia de outubro que o acidente ocorreu.
pollyanna que se dirigia apressadamente para casa depois da
escola, atravessou a rua a uma distância aparentemente
segura de um carro que se aproximava.
o que aconteceu ninguém conseguiu explicar bem. eram cinco
da tarde, pollyanna foi levada inconsciente para o seu
quarto. a tia polly muito pálida e nancy muito chorosa
tiraram-lhe as roupas e meteram-na na cama. o dr. warren
foi chamado de urgência.
148
nancy chorava sem parar no ombro do velho tom enquanto
dizia:
- agora é que se vê como miss polly gosta da sobrinha. não
é o dever que a atormenta.
- ela está muito mal? - perguntou o velhote.
- ela parecia morta, mas miss polly disse que não estava; e
ela deve saber porque esteve com a cabeça encostada ao
peito da menina e ouviu o coração a bater! ela tem um
pequeno corte na cabeça. mas não parece muito mal, diz miss
polly. mas ela receia que a menina esteja ferida
interiormente.
mesmo após a visita do médico, pouco mais havia a dizer.
parecia não haver ossos partidos e o golpe não tinha muito
mau aspecto, mas o médico tinha um ar muito sério e abanava
vagarosamente a cabeça dizendo que só com o tempo se
poderia saber.
depois de ele se ter ido embora, miss polly estava ainda
mais desanimada do que antes. a menina ainda não tinha
recobrado a consciência, mas de momento parecia estar a
dormir bem. mandaram chamar uma enfermeira que deveria
chegar nessa noite.
só na manhã seguinte é que pollyanna abriu os olhos e
compreendeu onde estava.
- que aconteceu, tia polly? porque não me consigo levantar?
- lamentou-se ela deixando-se cair na almofada.
- deixa-te estar, querida.
- mas o que aconteceu? porque não me consigo levantar?
a tia polly explicou então:
- ontem, foste atropelada por um automóvel. mas
isso não interessa agora, a tiazinha quer que durmas
mais.
- fui atropelada? ah sim, eu corri. tenho dores.
149
- sim, minha querida, mas agora descansa.
- sinto-me tão esquisita, tia polly, tenho uma sensação
estranha nas pernas.
com uma expressão de quem implora, miss polly virou-se para
a enfermeira. a enfermeira avançou rapidamente para junto
da cama.
- vamos agora nós falar. já é tempo de nos apresentarmos.
chamo-me miss hunt e vim ajudar a sua tia a tratar de si. a
primeira coisa que vou fazer é dar-lhe estes comprimidos.
- mas eu não preciso que cuidem de mim! quero levantar-me,
quero ir para a escola. não posso ir para a escola amanhã?
da janela onde se encontrava a tia polly, ouviu-se um
soluço mal contido.
- amanhã? - sorriu a enfermeira. - não posso deixá-la sair
tão cedo, miss pollyanna. mas tome estes comprimidos e
vamos ver o resultado.
- está bem - concordou pollyanna com uma expressão de
dúvida. - mas depois de amanhã tenho que ir à escola, tenho
exames.
um minuto depois voltou a falar. falou da escola, do
automóvel e das dores que sentia, mas em breve, sob o
efeito dos comprimidos, adormeceu.