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edição: mar morto - editora

direcção e produção editorial: marco polo


título: os monstros também sentem
autor: luís vidal
1ª edição
revisão: marco polo
projecto gráfico e diagramação: marco polo
designer de capa: marco polo
isbn: 978-989-9093-31-7

———————————————————

copyright © 2022
luís vidal | mar morto - editora
todos os direitos reservados.
nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou utilizada sob quaisquer meios existentes sem
autorização por escrito do autor ou da editora. qualquer uso indevido deste conteúdo é passível de
responsabilização civil e criminal, segundo a lei dos direitos de autor e conexos.
sinopse
os “monstros” – usando apenas essa palavra como
um item para nos situar – são na verdade pessoas que
chegaram a um nível extremo do “fora do padrão”, são os
que menos se encaixam, ou melhor, os que não se encaixam,
e em função disso, são deixados de lado e servem como
objecto de exemplo para o ridículo e o imprestável, sendo
que o suposto é agir categoricamente, mas eles saíram da
linha de produção.
criam-se monstros nas cabeças das pessoas todos os
dias. quando as pessoas são renegadas, criam-se monstros.
quando pessoas não se conseguem encontrar meio a tantas
rotulações e padrões, criam-se monstros. todos os dias,
quando pessoas são incompreendidas, quando são tratadas
como produto, e deste modo vistos como fora da linha de
produção e, consequentemente descartados, eles são
considerados “monstros”. só que esses monstros têm
sentimentos e boa parte deles eu os escrevi.
à todos os julgamentos, à todos os apontar de dedos,
à toda gente que eu não pude agradar sendo quem elas
queriam que eu fosse, porque em todas essas vezes eu escolhi
ser eu, apesar de que teria de sofrer uma espécie de retaliação
por isso…
à todos os rótulos que não me serviram, aliás, que
não os usei, porque sempre soube quem era e do que queria
ser…
à todas as pessoas que determinavam para mim, um
jeito bem específico de falar, vestir, cortar o cabelo, defender
as minhas ideologias, e em geral, igualmente um jeito bem
específico de ser, e não pude satisfazer essas vontades e ser
passivo a tudo isso, a resposta para tudo é que OS
MONSTROS TAMBÉM SENTEM e eu não pude fugir a
eles.
a prova é que boa parte do que esse “monstro” sente
está bem cravado nessas páginas.
índice

introdução

para Oséias Coimbra


meio termo
infância
offline
o que eu queria
tudo bem sentir saudades
únicas flechas
realidades aleatórias e paradoxais
mulheres
do que sou feito
não tão só
aos 12
mesmo filme
momentos
tenho o que tu precisas
meu ponto fraco
minha poesia
jeito estranho e esquisito ao mesmo tempo
o amor
tu
o nosso jeito de amar
você
diferente
jeito de me apaixonar
jeito de te elogiar
eu
o poder em mim
sobre a miúda que estuda medicina
nossa língua
quero ser folha
menos ruim
gente
acompanhados
desligar-me
conversas
a gente
perfeito imperfeito
deixa
o que somos?
mudamos
palavras
viajante do tempo

nota do autor
sobre o autor
mar morto
introdução

é este o livro que eu prometi publicar, e por uma


carga de azar e sei lá mais o quê, tu não estás aqui,
fisicamente, para o sentir, parabenizares-me por mais um
feito que eu nem dou tanto crédito, mas sempre me fizeste
enchergar tudo de especial no que escrevia.
já não escrevo por grandes motivos além do facto
disso ser das poucas coisas pelas quais tenho um prazer não
temporário ou ilusório. a escrita curou-me antes, espero que o
faça agora com a tua partida.
não sei se os mortos conseguem ler, mas de qualquer
jeito, eu tornei público este livro e espero que o leias apesar
de morto. e se eu me apegar naquela velha ideologia lógica de
que as pessoas nunca morrem, tu estarás na verdade
assumindo outras formas, um outro estado, apenas mais uma
etapa de transformação, como o cigarro que através das
chamas envolve-se em um profundo estado de transformação
dando lugar a outras formas que não deixam de ser parte de si.
quero acreditar que tu assumiste apenas outros estados, além
daquele barro enterrado a alguns palmos da terra, e quero
acreditar que esses estados que tu assumiste, permitam-te
sentir (ler) o livro que tanto insistias que publicasse. é todo
teu, e foi publicado por ti, irmão!
toda gente terá o mesmo destino. eu vejo-te em breve,
mas antes deixa fazer perpetuar nem que por um escasso
intervalo de tempo, o facto de teres existido e fizeres
diferença para melhor na vida de muita gente.

LUÍS VIDAL,
EM MEMÓRIA DE
OSÉIAS COIMBRA.
“REST IN PEACE”.
“... certos homens nunca morrem e certos homens nunca
vivem, mas estamos todos vivos nesta noite”
– Charles Bukowski, in Você fica tão sozinho às vezes
que até faz sentido.
para Oséias Coimbra
eras feito de carne
e osso
daquele sorriso
daquele olhar
e do que estava
bem dentro de ti
e te fazia
ser quem eras

hoje és feito
apenas de lembranças
eu não consigo
tocar você
eu não alcanço você
nem em pensamentos
mas ainda consigo
ouvir a tua voz

dizes pra eu ter calma


e que estás comigo
eu consigo te sentir
só que sobre outras formas
nada comparado
ao estar sentado contigo,
jogando
eu era menos vazio
com você ao lado
meio termo

as lágrimas criam caminhos sobre o meu rosto


causando-me arrepios que me fazem soltar um sorriso
é um agridoce tanto pelo sabor das lágrimas
quanto pelo misto de emoções

não é preto nem branco


está mais pra preto no branco
dando um cinza que não se traduz em cores
não falo de amor
ou ódio
mas do elo que separa os dois
falo de querer tanto algo
e ao mesmo tempo não querer tanto
falo de usar os melhores argumentos
e ao mesmo tempo não dizer nada
falo de estar na terra
e ao mesmo tempo na lua
ou em qualquer outro lugar
diferente do primeiro
e do segundo também
falo de estar dividido
fora as divisões da matemática
falo de um meio termo

falo de respirar
e ao mesmo tempo
sentir-mo-nos sufocado
vivos mortos
molhados secos
ricos pobres
felizes tristes
distantes perto
altos baixos
bons maus
arco-irís
várias cores
nunca monocromático
nunca somos um único conceito
estamos a ser cada vez mais criaturas mutantes
nós somos o que as condições do nosso ambiente o
determina
sorridentes hoje
amanhã chorando como se não tivéssemos sorrido tanto
no dia anterior
não somos satisfeitos pelas mesmas coisas todos os dias
cada dia um instrumento de lazer diferente
por vezes até pessoas tornam-se instrumentos de outras
e mesmo assim não nos sentimos satisfeitos
procuramos tudo
todos os dias
e encontramos nada
todos os dias
sabemos o que queremos
o que precisamos
o que nos deixa tristes
o que nos torna felizes
volta e meia já não.
infância

da infância eu não lembro muita coisa


mas tenho aquelas memórias do meu primeiro ténis
o primeiro dia de aulas
o primeiro crush
o primeiro beijo
a primeira briga lá no pátio da escola
da infância não lembro muita coisa
não sei se é muita coisa
mas não me consigo esquecer
do lanche que a minha mãe preparou
do beijo antes de sair de casa
lembro de eu me sentir desconfortável
no meio de outros miúdos
e depois de uns anos
totalmente confortável
e habituado a rotina
lembro das canções
que a gente não entendia
mas eram um treino
nos ajudavam a pronunciar melhor
os sons e as palavras
lembro que partilhava o ténis
e algumas roupas com o meu irmão
lembro de não ser o mais inteligente da turma
e também não menos lerdo
lembro de eu nunca gostar da notoriedade
daquele sentimento
de que tenho de ser notado
por toda gente
da infância não lembro muita coisa
mas vivi muita coisa,
eu penso nas partidas de futebol
depois das aulas
e até aos intervalos
lembro de as vezes perder os chinelos
e ter de lidar com as surras da minha mãe
sempre que chegasse em casa
offline

e se eu
me embebedar desse Gin
e tentar não ficar desperto
estar offline
ou desconecto de tudo
pelo menos não do efeito
do Ginsobre mim
mas ainda assim
tentar frear os pensamentos
deixar-me mais slow
e no entanto
a garrafa está bem aí
na garrafeira
sem olhos
mas olhando pra mim
2 metros de distância a direita
os copos estão na cozinha
a 18 metros de mim
já um coxe distante
mas eu posso muito bem
beber da garrafa

e se eu der um gole
e não conseguir mais parar,
a menos que além da garrafa
a garrafeira toda acabe
penso nisso durante
um intervalo de tempo
suficiente pra me fazer desistir
da ideia de levantar
desse sofá que mais parece
um urso de peluche
a abraçar-me
e não mais querer largar
me perco nesse conforto
e não me consigo levantar
são 8 horas e meia
estou atrasado pro trabalho
vou enfrentar a vida assim mesmo
sem a garrafa de Gin
nem a garrafeira
o que eu queria

queria escrever um poema


pra cada sorriso teu
pra cada olhar
pra cada fala
pra cada palavra pronunciada
em memória de cada momento
que eu passo ao teu lado
em memória de cada abraço
em memória de cada memória
de todas as vezes
que eu não disse te amo
e em nome de todos os poemas
que eu não pude escrever
todos os beijos que não dei
todos os abraços
e os amassos também
os humanos sentem-se insuficientes
em boa parte de seus dias
talvez eu não me considere humano
por te ter
boa parte dos meus dias
apaixonado por uma voz
um rosto um cheiro
enquanto conversamos
eu fico prestando atenção
no jeito que os seus lábios contraem-se
a cada palavra que ela pronuncia
fico olhando sem perder detalhe algum
sobre o movimento de seu corpo todo
e depois me perco naquilo
como das outras muitas vezes
em que nesse movimento tentei mergulhar
ela é o meu planeta favorito
minha estrela favorita
meu poema favorito
e olha que eu nem tenho
tantas coisas favoritas
ouvimos as mesmas músicas
lemos os mesmos livros
vemos os mesmos filmes
mas amamos pessoas diferentes
eu a amo
e ela me ama
somos as mesmas pessoas
uma só
porém diferentes
tudo bem sentir saudades
tudo bem depois de só se ter passado segundos,
minutos
dizer que sentes saudades
tudo bem depois de horas,
dias
e tudo bem depois de semanas,
meses
tudo bem depois de anos
sem mensagens
de texto ou voz,
não importa
sem conversas, sem presenças
e ainda assim
dizer que sentes
saudades
tudo bem
porque eu também sinto
eu também espero
ansiosamente
por te ver de volta
por sorrires
e eu sorrir de volta
por abraçares-me
e eu abraçar-te de volta
falar de filmes
livros
músicas
e sobre nós
e sobre tudo
mesmo sem
dizermos nada
saudades
de olhar pra ti
e tu olhares
de volta
então
volta.
únicas flechas
e se o cupido errasse a flecha?
tipo…
pontaria incorreta
se ele estivesse
horas antes de nos conhecermos
em um bar qualquer da cidade,
mas não fazendo o seu trabalho
mas agindo como se alguém
lhe tivesse acertado uma de suas flechas
e também à garrafa de gin
e ele estive apaixonado por ela
e não mais a largava

e se o cupido
não fossse o cupido
aliás
se fóssemos nós mesmos
envolvidos nessa equação
acertaria-mo-nos com as ditas flechas?
querias tu apaixonar-te por esse preto
de óculos, jeans e cabelos africanizados
bem à frente de ti?

e mesmo sem
as ditas flechas
eu
apaixonar-me-ia por ti
só precisava daquele momento
aquela revirada angular perfeita
dos meus olhos
ao encontro dos teus
eu só precisaria chegar perto
perguntar o teu nome
ouvir-te pronunciá-lo
segurar a tua mão alguns instantes
e essas seriam as minhas únicas flechas
realidades aleatórias e paradoxais

passeios
compras ao shopping,
jantares
crianças
leite e cereais
choradeiras por todo canto da casa
e um quintal vasto
pros domingos reunidos

arte em letras escritas em papel,


em pintura
no sexo
nas falas
nos gestos
nas expressões faciais,
no sorriso
na tristeza
e naquele vinho de 100 anos também
eu fiquei intolerante a muita coisa,
como dores e medos
mas nunca a lactose
realidades do tipo
os ciclones constroem casas
e abrigam gente
figuras de linguagem
já não são interpretados como deviam
restaurantes servindo autoestima
eu até teria noites em claro,
mas está faltando luz aqui
realidades do tipo
mulher zangada
porque a boca de seu marido
prefere mais a garrafa de cerveja
que os seus lábios
o pôr do sol
ainda é um gatilho pra mim
lembra-me que não sou o único morrendo
os olhos já não vêm
agora é tarefa do coração
realidades do tipo
seres viventes vivendo sem água,
sem oxigénio e alimentos
fetos já não evoluem a bebés
perto parece distante e distante perto
a luz escurece cada vez mais as coisas
guerras onde nascem gente
soldados de elite
disparando flores pra toda gente
estradas sem sentido
contrário ou invertidos
as aves já não migram
as gazelas andam atrás dos leões
os bares da banda
estão com menos cerveja
que os bares de manchester
depois da inglaterra ganhar a copa do mundo
o som de um gemido excita menos
que o som das engrenagens
de um cofre a ser aberto
todos os palavrões
que a minha boca consegue dizer
todas as letras
que podem fazer um poema não envelhecer
adormeço em cinemas
peças de teatro
praças e bancos públicos também
uma viúva usando spray de pimenta
pra todos os homens que chegam perto dela
não ajuda a trazer o seu marido pra perto dela

terra já não é o único lugar


onde a gente pode viver
tem um cara tentando
dar um bebé à sua mulher
já tentaram todas posições,
lugares e climas
mas nada funciona
Luanda continua com
quase 8 milhões de gente
passeios pelos nossos bairros ensolarados
e cheios de poeira ainda me encantam
mulheres

conheci a Hailly
era doce
como todos os doces juntos
era um exagero
tipo chocolates
em cima do mel
e depois a azaléia
que tinha quedas por flores
de todas as cores
ela dizia
flores como as cores do arco íris
flores como as estrelas
que são todas lindas
e brilhantes
e que os meus olhos
só conseguem ver
e não consigo contar
rosas
orquídeas
não importa
só flores
todas elas
brilhando ao brilhar do sol
e os seus cheiros
ah, sim
eu lembro que
não se comparavam aos dela
dessa lista
tem também a Kelly
louca por compras
instagram
fotos
cinemas
parques de diversão
e festinhas privadas
ela amava viver
aproveitar a vida
sem amanhã
apenas hoje

a Tiara amava arte


em quadros
nas escritas
nas ruas da cidade
naquele trânsito
meio que parado
no sol ardente
que dava aquele
calor dos diabos
punha os pés sobre
a areia da praia
e logo virava arte
olhava pros movimentos do mar
e advinhem ?
virava logo arte
ela enxergava arte até em mim
ela dizia que era um mistério
era um mistério
os contornos dos meus lábios
a maneira como
as bochechas contraíam-se
em cada risada

Trícia amava música


sua playlist era mágica
tinha músicas diferentes
pra dias e humores diferentes
— eu tenho tudo que preciso bem aqui
dizia ela segurando nos seus fones de ouvido
ela tocava guitarra
e aquele som me acalmava
toda vez que ela encostava
o seu dedo sobre as cordas da guitarra
e fazia elas tremerem
quando passava por um daqueles
problemas chatos da vida
ela vinha com aquela aura
que me deixava pensando
que talvez a vida não seja tão má
talvez tenham coisas boas
nesse pedaço de bosta
que a gente chama de terra
e ela era essa coisa boa
de certeza

a Lucy quase que nunca fala


mas se comunicava
comigo de vários modos
e desse jeito
daqueles vários jeitos
mas sem falas
ela me transmitia sua paz
não sei quais delas
eu amei mais
mas o ponto não está aí
todas foram especiais
porque acabo por carregar
um pedaço de cada uma delas
do que sou feito

sou feito (também)


dessas lágrimas ressecadas
em meu rosto
dessa tristeza
que me corrói
em lugares inapalpáveis
do meu eu
sou feito
da minha música predileta
desse oxigénio que respiro
sou feito
além de matérias
abstratismos
daquele pôr do sol,
e o nascer também
sou feito
daquele domingo
com a família
o sorriso da avó
e das suas estórias também

além da partícula
mais ínfima
de que sou feito
átomo ou célula
sou feito
também
daqueles beijos
abraços
olhares
e daqueles sentimentos
que me fazem
um pouquinho mais humano

sou feito de olhares


que nos conectam feito wi-fi
sou feito
de céu estrelado
luares brilhante
sou feito
dessa paz que tanto almejamos
e o desconforto
que sentimos também

é meio estranho
esse contraste
como é possível
eu não gostar tanto de mim
às vezes
e ela gostar tanto de mim
sempre
porque
eu sou isso tudo aqui
eu sou esse andar desajeitado
esse falar sem dicção compreensível
esse estilo de vestir meio sem graça
eu sou também
os meus medos
eu sou feito
das minhas imperfeições
também
não tão só

demoro um tempão
decidindo o que fazer
pra me sentir
um pouquinho menos só
penso em
músicas
redes sociais
e também em
ir ter com o meu avô
e adormecer mais uma vez
em seu colo
ouvindo suas histórias

só preciso de um pouco
de paz aqui dentro
antes que tudo
enlouqueça de novo
aqui dentro

ouço coisas diferentes


leio coisas diferentes
penso em coisas diferentes
falo coisas diferentes
igualmente de um jeito diferente
as pessoas também dizem
que sou diferente
o meu andar é diferente
me visto também
de um jeito diferente
penso
em como era a minha vida
antes das redes sociais
sem
facebook
istagram
whatsapp
sem internet
sem exposições
como era tudo?
antes de tudo isso
do que era feita a minha ansiedade?
como eu me comunicava?
também tinha 5 mil amigos
e ao mesmo tempo não tendo nenhum?

continuo lendo
Charles Bukowski
apesar de dizerem que
os seus conteúdos
são só sobre
mulheres
sexo
drogas
e coisas assim

o sol brilha
e a pretidão do meu sombreado
fica cada vez mais notório
acho que já não estou tão só…
ela acompanha-me
em todos os lugares que vou
falo da sombra
e de mim
como se fóssemos
individualidades diferentes
apesar do brilho da luz
o escuro do sombreado
ainda está lá
e as vezes
de forma mais acentuada
aos 12

aos 12
como qualquer
adolescente comum
(acho)
passava tempo
pensando em ter
mais pares de ténis
no primeiro beijo
pensava nas palavras certas
pra dizer se tivesse bem ao lado
do meu primeiro crush
a Clarice
que morava do outro lado da rua
mas que antes de chegar à escola
eu dava a volta passando por lá,
só pra esbarrar com ela no meio da rua

pensava em como seria


o sabor da cerveja
que o meu tio passava o dia bebendo
e aquele cigarro
que vivia preso entre seus lábios

pensava em crescer
ser adulto
ganhar pelos no rosto
uma voz super grave
e uma altura
que me permitisse chegar
às prateleiras lá de cima

pensava em ter o meu próprio carro


casa
mulher
filhos
parecia ser fixe

aos 12
eu pensava em ser
como o meu irmão mais velho
usar as suas roupas
falar com pessoas que ele falava
ir em lugares que ele ia
viver os seus sonhos
e realidades também
mesmo filme

mesmo filme
as mesmas falas
o Theodore Finch
continua solitário,
sonhador,
altruísta
e uma aberração
para alguns,
menos pra Violet

e pra ele
ela continua
com todas as cores nela
com muito brilho

é o mesmo filme
já o vi 3 vezes hoje
e umas 20 vezes
nos últimos 8 meses

o Theodore Finch
continua morrendo
em cada final
não é que eu tenha
alguma esperança
de que o roteiro mude...
mas talvez eu tenha perdido
algum detalhe
de alguma cena do filme
talvez não tenha assistido como deve ser
talvez eu tenha,
tipo numa escala de 10
uns 4 ou 3,5 de esperança
que o roteiro mude
sei lá
que se aumente alguma coisa
ou somente que Finch
não morra em cada final que eu vejo.
momentos

comprou dois
pacotes de batatas
Lays
cigarros
uma Heineken
e dois sumos
veio ter comigo
pra gente ver
a última saga
de Spider Man
depois disso
fomos ao youtube
vimos alguns
vídeos de Charlie Chaplin

eu nem gostava dele


mas ela gostava
então eu logo topava
depois disso
ouvimos aquela
banda antiga de Liverpool
The Beatles
quase ninguém os ouvia
no ciclo da gente
que conhecíamos

enquanto a gente ouvia


conversávamos de como
os sons antigos soavam
tão bem nos tempos actuais
os vinhos antigos também
sabem muito bem
nos tempos actuais
ela dizia
eu gostava do que
estava ouvindo
e sabia que ela tinha razão
é que
eu beijava ela há anos
e aquilo sabia cada vez melhor

eu estou afim
de não levar
isso tudo
pras redes sociais
sem holofotes
acho que isso tudo
tá bem confortável aqui
entre 4 paredes
lençóis
cama,
clima quente
ou frio
abraçados
conectados espiritual
e fisicamente

ou melhor
eu diria
que estou afim
de aproveitar
esse instante aqui
nesse lugar
que dessa vez
está sem paredes
porque conseguimos
sentir essa brisa
embatendo contra
nossos rostos
massageando nossos espíritos
e igualmente
conversando conosco
tenho o que tu precisas

vem logo
porque eu tenho
o que tu precisas
duas taças
e uma garrafa do melhor vinho
se não gostares
eu trago
o melhor champanhe
também

eu tenho
o que tu precisas
tomei um duche
tenho
o meu corpo todo perfumado

tenho o que tu precisas


dois bilhetes
aquele filme
que estreia apenas uma vez
na nossa cidade
ou dois bilhetes
aquela viajem
à nossa cidade dos sonhos

estás exausta
deve ser da rotina
acredita
eu tenho o que tu precisas
massagem aos pés
e depois ao corpo todo

eu tenho o que tu precisas


um céu de estrelas
e tu sendo uma delas

eu tenho
a pizza no forno
já tenho
a cama arrumada
e o edredom mais macio

eu tenho
a tua música favorita
o teu filme favorito
o teu poema favorito
e o meu olhar
que é o teu favorito

telegrama
fax
sei lá
só dê um sinal
ligue um farol
acenda uma chama
faça fumaça
não importa
só não deixe
de dizer alguma coisa
dê um sinal
qualquer que seja
assim eu saberei
que ainda estás aí

e se estiveres mesmo aí
eu tenho o que tu precisas
meu ponto fraco

trocamos
o whatsapp
ela puxou-me
cantando
e eu fiquei
todo apaixonado
...
aliás, arrepiado

música
é meu ponto fraco
ela devia saber
ah
eu não lhe contei
então o lance
torna-se logo clichê
fiz um down de sua voz
agora é das melhores
da minha playlist
tanto em minha cabeça
quanto em meu celular

ouço ela
dormindo
acordado
quando triste
e alegre
e...
enquanto escrevo também
e sinto aquela
velha sensação
de se estar seguro de algo
eu fico seguro
de várias coisas
quando ouço
aquela voz,
que ela é linda
e que se morresse ouvindo ela
não me arrependeria

eu devia ouvir
mais os conselhos
da minha velha
quando diz
pra eu evitar usar
fones de ouvido
e sons bastantes altos
mas nesse momento
eu só consigo ouvir ela
então
acho que
devo dizer
azar pra velha

ainda com os meus fones


fecho os olhos
imagino
duas pessoas,
aliás uma
eu e ela
somos um
nossa matemática
nossas regras

um só coração
um sentimento
um lugar
uma cama
um lençol
uma voz
que me faz
apaixonar

vejo
o inevitável
a acontecer
eu
me apaixonando
por isso tudo

o céu
a ser invadido
por todas as cores
de prazeres

eles
nos insignificam
a poeira estelar
...
mas
somos especiais
somos
poesia sobre estrelas

teorias
de como ela
consegue me amar
por completo
quando eu
me odeio
por inteiro
invadem logo
o meu cérebro
minha poesia

minha poesia
é reflexo de ti
se leres
consegues ver
e sentir

tem vezes
que eu próprio
nem sei como reagir
se digo
o que sinto
na tua cara
ou só fico aí
especado
a olhar pra ti

não sei
se vai ter um fim
parece que
sou um jardineiro
que nunca colhe
as flores desse jardim

é assim
que me sinto
ora triste
volta e meia a sorrir
pensando em ti
o que me fazes sentir

sabe aquele sentimento


de preguiça ao acordar ?
tu fazes ele sumir devez

é só eu pensar em ti
que tudo parece
ganhar um outro ritmo
me sinto mais vivo

mesmo sem
explicação óbvia
sorrindo

sabe…

eu estou deixando
o orgulho de lado
pra dizer
que eu te amo

e que…
o exagero é premeditado
quando falo
que te faço
ter orgasmos
só te olhando
te deixando
com as pernas bambas
que nem as cordas de uma guitarra
e quando ligo pra ti
digo
que a tua voz é um mimo
tu ficas sorrindo
e aquilo
fica parecendo
o sol no cacimbo
jeito estranho e esquisito ao mesmo tempo

estou tentando
achar um jeito
de fechar os olhos
e não pensar em ti

tem vezes
que nem é preciso
fechar os olhos
a tua imagem
está grudada em mim

de um jeito estranho
e esquisito ao mesmo tempo
olhas pra mim
e logo me sinto completo

de um jeito estranho
e esquisito ao mesmo tempo
a gente se ama
e eu fico fascinado
com o teu cheiro

de um jeito estranho
e esquisito ao mesmo tempo
tu olhas pra mim
como da primeira vez
sempre com a mesma
delicadez
de um jeito esquisito
e ...
aliás
de um jeito especial
especial do nosso jeito
claro
nos levamos a conhecer
qualidades
nunca antes descobertas
sorrisos lindos
que passavam
totalmente despercebidos
nostalgias
transmitidas
através das nossas vidas

parece uma coisa tão mínima


mas é o nosso jeito estranho
e esquisito ao mesmo tempo
que na verdade
é um jeito especial
que nos faz amar
sem medo
o amor

o amor
já foi
muitas coisas
pra mim
mas tu
és a melhor delas

mesmo despercebidas
as pessoas
conseguem notar
a diferença

é muito brilho
parece que namoro
com uma estrela
ou sei lá
uma deusa
se calhar
uma princesa
que faz parte
duma verdadeira
realeza

és cereja
no topo da natureza
perfeita
como a cinderela
ou os meus poemas
tem gente
sentindo inveja
que se foda
sem tempo
pra essas
babuzeiras

tu és linda
sem pedir licença

e é uma
verdade sincera
ao mesmo tempo
concreta
parece que não
mas estou
em sã consciência
não fumei
nenhuma erva

serás sempre
eterna
devias ganhar
uma estatueta
porque a tua beleza
exagera
e deixa esses haters
com a mão na cabeça
tu

tu brilhas
mesmo sem o sol
as pessoas
sentem ódio de ti
mas tu dás amor

nos passeios
que nós demos
fizeste-me perceber
que existia
sinfonia
nas maravilhas
que tu sentias
e vias

o trânsito
não era só o trânsito
pessoas passando
tansmitiam
uma aura diferente
e tu dizias
que só sente
quem sente
e quem
te compreende
não é só
um inteligente
tu ainda
disseste
sobre os risos
que branqueavam
os dentes

meninos de rua
sem nada
mas
ao mesmo tempo
tudo
esquecendo
um pouco o orgulho

gente procurando
abrigo
e tu eras
o teu grande
lugar no mundo
o nosso jeito de amar

o nosso
jeito de amar
faz o tempo parar
os passáros
cantar
os nossos corações
acelerar

o nosso
jeito de amar
diz tudo
mesmo sem
a gente falar
mesmo acordados
sempre a sonhar

o nosso
jeito de amar
traz luz
nos faz brilhar
e as pessoas
não param de olhar

o nosso
jeito de amar
faz lembrar
o namorar
do céu
e do mar
ou o céu
estrelado
nas noites de luar

o nosso
jeito de amar
nos devolve o ar
nos faz
voltar a respirar
você

tu és muito linda
e isso é notório
até no teu jeitinho de olhar
eu fico pasmo
como tu consegues
fazer o teu olhar cintilar
o que sinto é imenso
parece-se com o mar
quando não estás
minha respiração
fica aeróbica
sem ar
meu passatempo favorito
é te amar

meu momento favorito


é contigo
abraçadinhos
vendo o pôr do sol
e as aves a voar
tem vezes que fico
sem o que falar
perdido no teu olhar
porém
nunca querendo
me encontrar

tu és uma estrela
devias estar no céu
só quero estar
ao teu lado
pareço Romeu
eles julgam-me por te amar
chamam-me de réu
só querem ouvir
que o nosso amor morreu
mas a verdade
é que ele cresceu
e é como as crianças dizem
“saiu daqui
até ao céu”
diferente

discussões
sabem a café sem açúcar
olhares
já não são os mesmos
parecem disputas

a mágica se foi
as coisas ficaram
realistas demais
nem sei
como a gente
chegou a esse ponto

sem mais conversas


mensagens de texto
cinema
jantares à luz de velas
ou passeios ao pôr do sol

mas continua tudo


sendo poesia
quando digo
que tem você
no jeito que eu
faço as coisas
tem você
em meus escritos
tem você
em meu falar
tem você
em meu respirar
tem você em tudo
até em mim

se é uma opção?
i dont know
mas eu sei
que acontece
toda vez que você
não está aqui

estou com saudades


e é tão desconfortável...
eu não sei
sentir saudades
só sei te amar
jeito de me apaixonar

talvez eu me apaixone
desse jeito
com olhares discretos
meio inquieto
tremendo
sempre que tenho
a pessoa amada por perto

talvez eu me apaixone
desse jeito
cruzando com a pessoa
meio à rua
ou em qualquer beco
com olhares um sobre o outro
atentos
a cada detalhe de nossos movimentos

talvez eu me apaixone
com balões ao ar
luz de luar
fogos de artifício
e momentos que nos fazem perder o ar

talvez eu me apaixone inocente


que nem uma criança
simplesmente esperando a pessoa amada

talvez eu me apaixone
tentando decifrar poesias
no sorriso da pessoa amada

talvez eu me apaixone na cama


grudada a pessoa amada
com as nossas almas entrelaçadas

talvez eu me apaixone
contemplando o pôr do sol
ou as estrelas
tentando entender o universo delas
ou o quão são belas

talvez seja na delicadeza


da inocência
ou da timidez na primeira conversa

eu tenho de me decidir
mas pensando bem
talvez seja no estar frente a pessoa
querer dizer tudo
e mesmo assim não conseguir dizer nada
como se tivesse algo preso à garganta

mas sabe uma coisa?


eu vou me apaixonar
e se acontecer aquelas coisas que eu estive aqui a citar
então vale a pena amar
jeito de te elogiar

...
fazer durar
o durante,
apreciar-te
que nem uma
obra de arte,
beijar-te
e com isso
tocar
a Lua
e Marte,
amar-te
ao ponto de
estar distante
e a mesma
conseguir
tocar-te,
cada pedaço
de ti
está grudado
em mim
que em
pensamentos
consigo
desenhar-te,
são insuficientes
as palavras
então
diz como
elogiar-te,
porque
eu fico
me perguntando
se existe
um jeito melhor
de apreciar-te,
porque eu
fico dizendo
que te amo
a toda hora
como se
só de amor
se tratasse
eu

Luís
que nem
Camões
tentando
alcançar a
sabedoria
e calma
de um monge

a natureza
se comunica comigo
por sons
e vibrações

a arte
quer que
a gente namore

buede coisas dando errado


e eu nem precisando de sorte

estou sem medo da morte


estou fodendo pra rótulos
querendo que
opinião nenhuma me controle

estou voando
sem passaporte
sem direção
procurando o norte
querendo
que essa dor some
mas em torno de mim
ela se move

gente olhando
mas ninguém se comove
não me conhecem
mas me chamam nomes
dizem horrores
mas isso não muda o meu humor
tem muito mais em mim
aquilo que chamam de amor
o poder em mim

acendo um baseado
mas não o fumo
só fico mesmo observando
a chama consumindo
tudo de que ele é feito
mas ele não deixa de existir
tomando apenas outras formas
fumo
e cinza
que de seguida são arrastados pelo vento

enquanto aprecio
conscientizo-me de que
ninguém vai cuidar tão bem de mim
senão eu mesmo
eu sinto as minhas dores
melhor que ninguém
do mesmo jeito
conheço as minhas cicatrizes
como ninguém
todos os contornos
e o que representa
cada uma delas

posso me erguer
ou também
me consumir por dentro
que nem aquelas chamas
fazem com o baseado
meus medos
derrotas
ansiedades
depressão
tudo isso concorre
pra minha autodestruição
mas meio a isso tudo
eu lembro
que fui eu
que acendi o baseado
então
em mim
está o poder
de apagá-lo
sobre a miúda que estuda medicina

chama-se Day
tem 21 anos
estuda medicina
tom de pele
que faz lembrar
café e leite juntos
cheiro à flores frescas
aliás, ela tem cheiro próprio
então é justo dizer
que essas mesmas
flores frescas
cheiram a ela

ama músicas
as menos dançantes
por isso
não para de ouvir
Carolina Deslandes

diz que ama o seu timbre vocal


e que as músicas
são como se lhe estivessem
a sussurrar conselhos de como viver
ou seguir os ventos
de um barco guiado a vela

eu queria baijá-la
bem antes de a conhecer
antes do aperto de mãos
do abraço
ou mesmo
dos dois beijinhos no rosto
soaria estranho
dois desconhecidos
se esbarram no meio da rua
e daí se beijam
ou melhor
um beija o outro

anos se passaram
e a impressão que
tenho dela agora
é a mesma de antes
de a ter conhecido
continuo apaixonado
e continuo querendo beijá-la
apesar de já não ser
um total desconhecido

apesar de hoje
ela ser mais minha
que o meu próprio ADN
mais minha
que a minha própria
impressão digital
nossa língua

nossas mãos
se tocam
nossas células
vibram
se comunicam
falamos a mesma língua
eu amo você
e você me ama

e isso conforta
a minha alma
dá uma paz enorme
que não traduz apenas
ausência de conflitos
mesmo distante
eu sinto

lembranças suas
não faltam
é como se eu
tivesse a reviver
o momento
again
and again
como um carrossel
em minha cabeça

pra gente
eu quero
um conjunto
de infinitos
infinitos olhares
infinitos beijos
infinitos abraços
infinitas risadas
infinitos “eu amo você”
em cada manhã
que a gente
seja infinitos
num mundo
onde nada
parece durar

mesmo que agente


envelheça e morra
que o nosso amor
sobreviva
sobre outras formas
quero ser folha

depois de fundo respirar


e da minha alma
acalmar
cheguei a conclusão que...

cansei de ser humano


vou entrar naquela moda
e dizer
que agora
quero ser folha
só pra ter o gostinho
de não sentir o que os humanos sentem
ou pensar o que eles pensam

cansei de ser humano


cansei dessa corrida desenfreada pela felicidade
cansei dessa shit ilusória
porque nessa corrida não existe meta alguma

pois é
quero ser folha
só pra colar nos troncos
e bailar com o soprar do vento
sem medo de cair e me ferir
só pra ter o gosto de não sentir
o que os humanos sentem

cansei de ser humano


cansei dessa corrida desenfreada pela felicidade
cansei dessa shit ilusória
porque nessa corrida não existe o cortar de meta alguma
pois é
e essa ideia de que a felicidade é um objectivo, ou meta
nos move a cada dia
como ratos de laboratórios
dentro duma roda
correndo
esperando anciosamente
por um dia morder o queijo que se tem a frente
ou como cachorrinhos atrás da própria cauda
mas cada vez que se corre
mas inacansável o objectivo se torna

quero ser folha


não só porque é moda
mas porque elas não choram
não estão procurando agradar
ou atingir um status pra que se reconheça o que elas são de
facto
elas estão aí
bem relaxadas
preocupadas em ser apenas folhas
coisa que elas são desde a sua concepção
e ninguém pode tirar isso delas
menos ruim
chorava enquanto tentava
perceber ao certo o que sentia
pensava rápido demais
e o fluxo do que sentia
também era bastante conturbado
ela
tinha ausências constantes
tinha dias tristes demais
às vezes constantes
tinha dias em que sentia
o seu corpo pesado demais,
parecia que a gravidade queria derrubá-la

mas
nem sempre era assim
tinha dias em que se sentia leve
onde aquele peso se iria embora
nesses dias o Isak teve ao lado
tirava fotos de seu sorriso
só pra lhe lembrar todos os dias
do quão lindo era
escrevia poemas
e lhe descrevia neles

Cleópatra
Aristóteles
Charles Darwin
Albert Einstein
todos serão esquecidos um dia
é inevitável
mas pelo menos serão lembrados
em um determinado intervalo de tempo
cada um tem o seu
e no meu intervalo de tempo
quero ser lembrado como
o cara que te amou
de um jeito que ninguém o fez
– disse Isak

continuando
contava coisas sobre ela mesma
coisas que ela não sabia
da combinação de seu olhar
através de seus óculos
do andar desajeitado
mas especial
e que só tudo o que ela representava
fazia dele tão bom fotógrafo
ou escritor

deitados no gramado do jardim municipal


ouviam músicas enquanto partilhavam o iPod
e quando o escuro chegava
olhavam as estrelas
sendo esse
um raro instante
em que ela gostava de ser ela mesma
gente

as pessoas são todas pessoas


independente das roupas que vestem
da casa onde moram
do saldo positivo
ou negativo na conta
as leis da naureza são as mesmas
independente do que comem
ou bebem
do carro ou do cargo que dirigem
pessoas são sempre pessoas
e sempre serão
terão pesadelos, medos
terão
sonhos, sorrirão e chorarão
viverão e morrerão
independente da melania
ou a falta dela
dos olhos azuis
ou castanhos
não importa
pessoas
são sempre…
pessoas
acompanhados
à sós,
ainda assim
acompanhados
o olhar dela é tão lindo
afasta os maus olhados

café da manhã
tomamos à tarde
bacon
ovos
chá
ela odeia chá
então
tem café ao lado

apanhamos sol
enquanto ele morre ao seu pôr
leio poemas
ela devolve o favor
cantando pra mim
canções como
“Monarquia”
o ivandro devia
aprender com essa menina

e sobre ela
eu falo
sobre ela
sem falar
aliás, sem linguajar

ela dança
enquanto o vento
faz o tecido de seu vestido
colar bem na sua pele
parecendo uma só
fazendo delineações
do seu corpo
eu não paro de olhar
God
ela é tão...
calma,
eu devia arranjar
um novo adjetivo
esse não serve
enquanto não arranjo
vou só ficar aqui
mais um pouco
sem palavras
olhando pra como ela
dança
desligar-me
comprimidos ajudam-me a adormecer
o Gindá as boas vindas
aos comprimidos dentro do meu estômago
vários problemas
acrescentam-se ao facto
de não conseguir adormecer

a tv já não me entretém
nem o sexo casual com diferentes mulheres
eu preciso dormir
no dia seguinte
o meu maldito emprego
espera por mim
e eu tenho de pagar as contas
mas não consigo me desligar

os comprimidos
e o Ginnão apagaram-me
eu continuo aqui
sentado sobre o sofa velho
com os olhares sobre
o piano velho da minha falecida mulher

pensando em tocar os meus dedos


naquele velho piano
mas eu não sei tocar eles
ela sabia tocar tão perfeitamente
aquele som acalmava-me
eu lembro
lembro também que além do som
a presença dela acalmava-me
e as noites em claro
eram bem mais escuras
conversas

conversas sobre
onde os mortos vão quando morrem
ou os vivos que mesmo vivos desistem de viver
de onde vem todas as ansiedades
todos os medos
sonhos e pesadelos
conversas sobre a origem de tudo e do todo
conversas sobre a existência de outros seres fora dessa
bolinha azul
outros céus
outras terras
outros ares
outros mares
outros olhares

conversas sobre apreciar as estrelas


e ao mesmo tempo poder tocá-las
e saber a que sabem
conversas
sobre o sabor da torta de maçã da Míriam
ou a carne seca de previde da avó aos domingos
onde surgiam as melhores conversas
conversas sobre os amores que não nos amam
e aqueles que nos amam também
conversas
aquelas com os amigos
sobre
mulheres
dinheiro
religião
política
desporto
sexo
conversas sobre tudo
as letras dos meus poemas
e os sentimentos que dele são feitos
conversas sobre tudo
e mais alguma coisa
conversas sem palavras
às vezes sem gestos
e sem olhares também

conversas sobre
o que é realmente importante pra nós
conversas hoje
sem existir amanhã
ou seja
sobre um agora
sem um depois
ou qualquer coisa antes disso

conversas
é o que tenho
sempre que me vou deitar
conversas
o que me faz conversar
mesmo sem alguém pra conversar
a gente

nossos gostos são quase


os mesmos se resumem num cara preto
de tranças
nike air jordan one nos pés
uma voz super foda
e um baseado entre os dedos

nos rimos de piadas que só nós entendemos


sentimos coisas um pelo outro
que nem nós entendemos
estamos tão pertos
e ao mesmo tempo tão distantes
presentes
e ao mesmo tempo tão ausentes
que chega a ser bipolar

nos imagino deitados


não na terra
mas na lua
contando as estrelas
e lendo poemas de amor
que elas escrevem pra nós
daí esquecemos que estamos distantes
e lembramos que estamos bem ao lado um do outro
e que nada mais importa

conversamos
mas dessa vez sem falas
olhares ou contacto
apenas com o fumo da erva que partilhamos
e é com ele que digo “te amo”

a lua, as estrelas
o sistema do sol
o universo
está tudo radiante
mas estou cagando pra tudo isso
só preciso olhar pra ti
nem que surgisse agora uma super-nova
nem que acontecesse um big-bang agora
e fizesse surgir novos universos
perfeito imperfeito
meio ausente de mim
tão presente em ti

troquei palavras como


sol
e o seu sistema
lua
e o seu brilhar
céu e as suas estrelas
oceanos e toda a sua imensidão
músicas e as suas melodias
universos e todos os seus segredos
pra usar o teu nome
somente o teu
com todas as letras
todas as sílabas
todos os sons
todos os tons
pronúncia perfeita

eu usei
em minhas escritas
um pouco de ti
um pouquinho de mim
e muito de nós
muito dos beijos
muito dos desejos
muito das falas
muito dos momentos
e tudo pareceu perfeito
porém imperfeito
um meio termo
deixa
o teu cheiro
as tuas roupas
os teus gestos

quando fores
ao menos deixa
os teus beijos comigo
deixa o teu abraço comigo
deixa a tua paz comigo
deixa as piadas
e as risadas
e não só
as memórias
das tuas risadas

acho que
estás mais pra aquela
bendita nuvem que tapa
aquele ardente
e radiante sol
numa tarde de calor

eu te amo
e não é algo
que eu simlpesmente acho
o que somos?
é importante sabermos o que somos.
vocês sabem quem são?
a verdade é que a velocidade conta menos que a direção

muitas vezes procuramos lá fora o que temos aqui dentro


damos ouvido aos nossos medos
e nos perdemos

ódio
amor
o que temos aqui dentro far-nos-á quem somos
o que somos?
problema ou solução?
somos o cidadão que deita o lixo ao chão
e depois tem de lidar com o mosquito e o paludismo?

palavras rasgam papéis de dúvidas em meu ser


o que somos?

cordas da guitarra que clamam pelos toques dos dedos


a voz do desespero
a madrugada sem o escuro
o dia sem luz
o que somos?

peças descartáveis nesse puzzle da existência humana


pessoas que agem como se a ignorância fosse a maior arma
o livro que nunca vai ser aberto
ou a criança que nunca vai ser ensinada
o que somos?
consumidores de serviços e produtos
que nos deixam cada vez mais ansiosos,
depressivos e insatisfeitos?
o que somos nessa sociedade onde
somos cada vez mais todas as coisas
menos a nós mesmos
sentimos todas as coisas
menos a nós mesmos
ouvimos todas as coisas
menos a nós mesmos
o que somos?

o kota que por nada sai da casa dos kotas


e os putos riem-se dele por ainda lavar a loiça?

somos o pastor que finge cuidar das ovelhas


mas desvia as nossas ofertas?

sou mais um agente da polícia armado em futebolista


chutando banheiras pra todo lado?

ou a zungueira que sai de casa pra sustentar quem ama?

somos inertes? não contribuimos?


só reclamamos?
o que somos?

andamos às voltas sem saber


olhamos todos os dias ao espelho e enxergamos um
completo qualquer
o que somos?

somos o que os nossos pais dizem que somos?


ou o que nossos amigos, vizinhos, tios dizem que somos?
somos uma coisa a cada dia
o que nos motiva hoje amanhã já não nos inspira

eu sei que vocês têm as respostas


e elas são pra vocês
o que somos?

canção sem voz


um ontem sem hoje
o hino entoado com lágrimas de sangue nas paradas do
desespero, enquanto o coração sofre um aperto
o que somos afinal?
a chama acesa no escuro
ou factor primário pra decadência desse mundo?

perguntem-se porque se não o fizerem, eu o faço:


o que somos?

amigos que dizem ser amigos, mas lá no fundo mentimos?

somos o jovem que lá no bairro depois do pica


quer nos picar
e levar tudo que a gente já não tinha?

somos o motivo das lágrimas ou o lenço que as vai limpar?


somos promessas jogadas ao ar, o ar que George Floyde
não conseguia respirar
ou o joelho que o fazia sufocar?

...

o que somos?
mudamos
provavelmente
estamos cansados
dessa insconstância
estamos cansados
dessas mudanças

o universo
movimentou-se
mudou
as coisas
não são as mesmas
as plantas cresceram
o oceano está mais poluído
as temperaturas climáticas
aumentaram
surgiram novas estrelas
não obstante as antigas
ainda estarem lá

nós seguimos
essa dança do universo
mas cada um
dançando sozinho
ao seu ritmo
aos seus paços

nós mudamos com ele


mas podia muito bem
ser diferente
apenas o universo
movimentando-se
transformando-se
e mudando
à volta de nós

assim tu ainda estarias aqui


eu ainda estaria aqui
nós ainda estaríamos aqui
lembrando aquela conversa
que dizias
“a língua portuguesa é a perfeita
pra se escrever poemas”

eu lembro,
deve ser por isso
que continuo escrevendo
na única língua
que tu dizias ser perfeita

ou talvez só seja
por não ter aperfeiçoado
outras línguas ainda
mas não precisávamos de muitas
quando era pra dizer te amo
mesmo sem algumas delas
dir-nos-íamos “te amo”
com todas as letras
ou sem elas,
com todos os sons
ou sem eles
palavras
palavras
pavimentam
caminhos
na minha cabeça

palavras formam frases


formam modos de dizer
comunicar
em língua
rasgam medos
e limitações
com a mais pura
delicadeza
eu
as consigo
ler e ver

palavras
transformam-me
palavras
dizem
o que eu quero dizer
e ao mesmo tempo não

palavras
dão me asas
mas não me tornam
anjo nem ave

palavras
estou cheio delas
que nem os livros estão
precisas de algumas?
viajante do tempo

as pessoas são diferentes


as coisas são diferentes
os adolescentes vestem-se
e falam com seus pais
de um jeito diferente
divertem-se com smartphones
redes sociais
jogos de vídeo
pessoas sofrem
por coisas idferentes
matam-se por coisas diferentes
mas estão se matando
então
até aí
não existe muita diferença

tudo é diferente
e essa diferença
é muito mais ruim do que boa
mas quando ela está ao lado
o mundo é um pouco menos ruim
nota do autor
decidi escrever uma obra muito mais livre, em que
estou despreocupado com conceitos, padrões, e regras de
estéticas. nesta obra eu estou livre de ideias de vendas e
propagandas astronómicas, livre do que é politicamente aceite,
livre de pré concepções, pois ela (a obra) pode ser ou
significar aquilo que tu menos esperas.
do mesmo modo que eu me senti livre ao escrever
tudo isso, eu quero que vocês sintam-se livres ao ler, sintam-
se livres de algumas amarras que a sociedade nos impõe. que
deixem de lado todos os padrões que vocês aprenderam lá
fora, e sintam-se convidados a experimentar algo novo, pois
desse jeito agregarão algum valor, diferente do que já sabem
ou acreditam, sem terem que julgar.
sintam-se inspirados, sintam-se motivados. e
absorvam alguma coisa, porque a intenção é ser cada vez
melhor pra nós mesmos e também pra os nossos.
escrevi uma obra pra sentir. não escrevi palavras,
escrevi sentimentos. escrevi não pra atingir o maior número
de downloads, e ser visto como o jovem prodígio que bateu
records. escrevi pra tocar, inspirar pessoas a sentirem-se
capazes, a sentirem-se um pouco mais elas mesmas, nesse
mundo onde somos cada vez mais tudo, menos nós mesmos,
sentimos quase tudo, menos a nós mesmos, ouvimos quase
tudo, menos a nós mesmos.
sobre o autor

LUÍS ISAAC CABAÇA VIDAL, nascido aos 20 de


Janeiro de 2000, na província de Malanje, em Angola. É
slammer premiado, estudante de Engenharia de
Telecomunicações e Eletrónica pelo ISPCAN-MALANJE
desde 2019, e escritor. É filho de Isabel e Isaac Vidal.
Entrou para o mundo da escrita muito cedo, mas
aponta os anos de 2019-2020 como sendo os que começou a
dar passos significativos, meio ao calor da quarentena causada
pela Covid-19, mostrando-se mais para o mundo com os seus
textos, lançando o seu primeiro e-book de caráter
independente, e a entrada para uma editora digital, a MAR
MORTO - EDITORA.
Fascinado por literatura de estilo livre sem muitas
preocupações estruturais, tendo como uma de suas
referências para os seus textos o escritor alemão Charles
Bukowski.
Tem também sua arte e vida influenciada pelo rapper
angolano Prodígio, onde vem uma parte da sua autoconfiança
como pessoa vivendo num mundo em que somos testados
todos os dias e precisamos nos superar.
Ganhou notoriedade através da rede social Facebook,
onde normalmente expõe os seus textos.
Acredita que não escreve palavras, escreve
sentimentos, sendo a primeira um factor consequente do que
sente. Nos dias em que não consegue sentir devidamente as
coisas, tem dificuldades em escrever. Adaptando aquela frase
famosa à sua, ele diria “SINTO, LOGO ESCREVO”.
Sempre acreditou que a escrita poderia mudar o
mundo, pois mudou o seu mundo trazendo a oportunidade
de ser a melhor versão de si, conectar-se às pessoas e dizer
tudo o que sente e pensa sem verbalizar um som sequer.
Hoje ele vê a escrita como NECESSIDADE pois já
não se enxerga sem. É como o seu coração, faz parte dele,
precisa dela... custuma dizer, “EU SOU A MINHA
MELHOR VERSÃO ESCREVENDO”..
“Os Monstros Também Sentem”, disponibilizado
sob a chancela da Mar Morto - Editora representa o segundo
degrau (e-book) de uma escalada literária que começou com o
objectivo de não desistir.
mar morto
a Companhia Artística “Mar Morto” (CAMM), foi
fundada a 1 de dezembro de 2019 por Marco Polo ao lado de
Josias Currie e Marcia Mendes.
a companhia tem como objetivo divulgar e apoiar as
carreiras de artistas essencialmente nacionais, desde os
veteranos aos iniciantes. dando a qualquer amante da arte a
oportunidade de mostrar seus talentos do interior para o
mundo.
incitar a criatividade pessoal é marca da companhia.
a companhia está vinculada à Mar Morto - Editora. e
aos serviços da editora, tenciona publicar livros através de
projetos pessoais e antologias diversas proporcionando um
senso de realização a novos escritores e desenvolver de
maneira regular o hábito de leitura na sociedade em geral.
se desejar mais informações ou solicitar nossos
serviços, entre em contacto:
OBRAS DA “MAR MORTO – EDITORA”

1. O CRIME QUASE PERFEITO – Vivendo Por Duas


Vidas, Marco Polo
2. TEXTOS PARA DEPOIS do Amor e Outras Decepções,
Marco Polo
3. MYHIRA e outros poemas de dor, Jessira Kissama
4. PRINCESA DESENCANTADA, Zoé Kifembe
5. AMOR À PRIMEIRA VISTA e mais uma semana para
confirmar, Marco Polo
6. EU TINHA QUE DIZER OBRIGADO, Manuela Andrea
7. RASCUNHOS DE QUEM NÃO QUIS ESCREVER, Isis
Ramalho
8. BLÁ BLÁ BLÁ – Textos inesperados Vol. 1, Josias Currie
9. MARCAS DE TINTA VERSOS DA VIDA, Isabel de
Lourane
10. CASTELOS PARA LÊ-LOS, Fernando da Silva
11. O DIÁLOGO COM A MINHA PRÓPRIA SOMBRA,
Jeonário Anthony
12. NOSTALGIA – Antologia, Diversos autores
13. ENSAIO sobre a exclusão social de deficientes físicos,
Dionísia Daniel
14. ECOS DE UMA TRAJECTÓRIA, Mateus Zua
15. OS QUE COMIAM IAM-SE EMBORA, Mero Panzito
16. AMOR PECADOR, Tchiza
17. PÉTALAS SEM PÉROLAS, Kulanda Kutima
18. PALAVRAS QUE FEREM, MATAM e outros contos,
Zau Maiano
19. O CRIME QUASE PERFEITO – Passado em chamas,
Marco Polo
20. A SOMBRA NEGRA DE UM REI, Jelson Angelino
21. MÁGOAS, Nzakimwena e Mwalafaia
22. A AMARGA INOCÊNCIA DE AMÁLIA, Júlia
Bragança
23. DO AMOR AO AMOR, Isabel de Lourane
24. AMOR À PRIMEIRA VISTA e mais um ano para
confirmar, Marco Polo
25. O AMANHÃ NÃO EXISTE, Mateus Pena
26. TEORIA DA SELECTIVIDADE, Faustino Fraco
27. NO CAMINHO DAS COISAS, Hélio Melodia Das
Neves
28. EMENDAS, Hélio Melodia Das Neves
29. FALEI VERDADES E FECHARAM-SE AS PORTAS,
Fernando da Silva
30. PASSADO SEM HISTÓRIA, Teríolo
31. O LIVRO QUE NUNCA FOI LIDO, Faustino Geraldo
32. NUNCA MAIS VOU FUMAR, Príncipe Nádio
33. O CÓDIGO DOS NIGGAS Vol. 2, Divua Antônio
34. ABRI-ME EM VERSOS, Luís Carlos Naval
35. OS MONSTROS TAMBÉM SENTEM, Luís Vidal

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