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PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA

Portal Educação

CURSO DE
AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA

Aluno:

EaD - Educação a Distância Portal Educação

AN02FREV001/REV 4.0

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CURSO DE
AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA

MÓDULO II

Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este
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dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas.

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MÓDULO II

3 FUNÇÕES NEUROPSICOLÓGICAS

3.1 BASES ANATÔMICO-FUNCIONAIS DAS FUNÇÕES NEUROPSICOLÓGICAS

O funcionamento cognitivo pode ser avaliado por meio da mensuração de


habilidades como a memória, a atenção, a linguagem, as habilidades
visuoconstrutivas, as funções executivas e demais capacidades associadas à
cognição, como a concentração, a compreensão, o raciocínio, a aprendizagem e a
velocidade de processamento de informação. Essas habilidades correspondem a
um sistema complexo que funciona a partir de redes de conexões das diversas
regiões cerebrais.
O sistema nervoso está dividido em sistema nervoso periférico e sistema
nervoso central. O sistema nervoso central é responsável pela recepção de
estímulos e comanda as respostas que deverão ser dadas a partir dos estímulos
recebidos. O sistema nervoso periférico é constituído por vias que conduzem os
estímulos ao sistema nervoso central e, ao contrário, vias que levam até os órgãos
os comandos vindos do sistema central.
O sistema nervoso periférico se divide em: nervos; gânglios e terminações
nervosas. O sistema nervoso central divide-se em encéfalo e medula espinhal. O
encéfalo, por sua vez, é formado por: telencéfalo (hemisférios cerebrais); diencéfalo
(tálamo e hipotálamo); cerebelo; e tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e bulbo). A
disposição desta estrutura com suas partes e seus respectivos componentes pode
ser vista na Figura 7.
No diencéfalo, o tálamo é responsável pela condução dos impulsos às
regiões apropriadas do cérebro e o hipotálamo é o principal integrador das
atividades dos órgãos viscerais, da homeostase corporal (sistema endócrino,

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controle de temperatura, apetite, hidratação, sono, emoção e comportamento
sexual). Além disto, é área central do sistema límbico (que será detalhado mais à
frente, ainda neste módulo).

FIGURA 7 - ILUSTRAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Cerebelo

Medula
Espinhal

FONTE: Centro Studi Disturbi Specifici dell'Apprendimento, 2013.

No encéfalo são processadas as diversas funções nervosas que vão desde


a interpretação dos estímulos e os movimentos musculares até complexos
processos de armazenamento de informações e aspectos da personalidade. A
região do cerebelo é a responsável pelos movimentos musculares e pelo equilíbrio
do corpo. Por ele também passa a memória de habilidades motoras (memória de
procedimento). O tronco encefálico corresponde à sede de funções associadas a
atividades involuntárias e é também a sede das emoções. A medula espinhal, com
seus pares de nervos espinhais, é por onde passam os impulsos nervosos que
levam os comandos do encéfalo para todo o corpo. O bulbo é responsável pelo
controle da vida vegetativa (batimentos cardíacos, respiração, pressão sanguínea,
salivação, tosse, espirros e o ato de engolir, etc.). A ponte transmite impulsos ao
cerebelo, além de participar de algumas atividades do bulbo. O mesencéfalo auxilia
em funções como a visão, audição, movimentos dos olhos e movimentos do corpo.

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O encéfalo é protegido pelo crânio e a medula espinal pela coluna vertebral.
Após esta proteção óssea, existe ainda uma proteção formada por tecido conjuntivo,
são as meninges, organizadas em três camadas: a dura-máter, a aracnoide e a pia-
máter. Entre a aracnoide e a pia-máter está o líquido cefalorraquidiano (líquor), que
é produzido dentro dos ventrículos cerebrais e, na ausência de patologia, flui de um
ventrículo ao outro, e então para fora do cérebro, por meio da medula espinhal. Se
houver alguma obstrução das vias de drenagem do líquor, o fluido se acumula no
cérebro, causando um inchaço conhecido como hidrocefalia. Em bebês, ocorre um
alargamento da cabeça; nas crianças mais velhas e em adultos, não ocorre esse
alargamento porque os ossos do crânio já estão unidos e impedem essa expansão
do fluido.
A maior parte do encéfalo é composta pelo telencéfalo, que se divide em
dois hemisférios: o hemisfério direito (HD) e o hemisfério esquerdo (HE). Estes
hemisférios estão unidos pelo corpo caloso, uma estrutura composta de fibras
nervosas separadas por uma lâmina de dura-máter, a foice cerebral.
Atualmente, sabe-se que existe uma lateralização do hemisfério cerebral,
isto é, ocorre uma dominância de um hemisfério sobre o outro. Algumas funções são
facilmente diferenciadas por hemisfério, como a linguagem, gnosia (capacidade de
interpretar estímulos sensoriais) e a praxia (realização de atos motores complexos).
Assim, no HE fica o controle de habilidades como: linguagem; raciocínio lógico; de
padrões gerais de comportamentos; destreza manual; e demais membros do lado
direito do corpo etc. O HD é responsável pela resposta a estímulos inesperados;
pelo processamento de informação visuoespacial e não verbal; e pela habilidade de
reconhecer faces.
As superfícies dos hemisférios cerebrais estão divididas em estruturas
chamadas de giros que são delimitadas por depressões chamadas de sulcos. Além
disto, os hemisférios estão dispostos em grandes regiões ou lobos (ver Figura 8).
Estes lobos são: o frontal, o parietal, o temporal, o occipital e a ínsula (localizada na
parte interna do cérebro). Os sulcos são: sulco central (entre o lobo frontal e o
parietal), sulco lateral ou de Sylvius (entre os lobos temporal, frontal e parietal) e
sulco parieto-occiptal (entre o parietal e o occiptal).

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FIGURA 8 - LOBOS CEREBRAIS

FONTE: Imagem por Bridgeman Art Library V. Corel Corp, 1918,


sob licença Creative Commons Attribution

As funções gerais dos lobos cerebrais foram descritas por Machado (1988),
conforme apresentado na Figura 9, e podem ser resumidas da seguinte maneira:
a. lobo frontal – funções de planejamento de ações estão associadas área
pré-frontal e controle de movimentos sob responsabilidade do córtex e da
área pré-motora localizada neste lobo;
b. lobo temporal – processamento das informações auditivas, pois nele
situa-se a área auditiva primária; funções da linguagem na área de
Wernicke; processamento da informação visual ocorrem em suas porções
inferiores e ainda funções associadas a aprendizagem e memória ocorrem
na parte mais medial deste lobo. Divide os lobos temporal e frontal, destaca-
se a fissura de Sylvius, esta área é conhecida como “zona da linguagem
perisylviana”;
2) lobo parietal – recebe as informações sensoriais vindas do meio externo
(por exemplo, dor e temperatura) e interpreta estas informações;
3) lobo occipital – associado à visão, nele estão situadas as áreas visual
primária e visual de associação;

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4) lobo da ínsula – está envolvido no processamento de estímulos
emocionais e respostas fisiológicas.

FIGURA 9 - FUNÇÕES MENTAIS DOS LOBOS CEREBRAIS

FONTE: Ângelo Machado: Neuroanatomia Funcional, 1988.

O sistema límbico é formado por diferentes estruturas cerebrais (Figura 10),


que em conjunto atuam no controle das emoções. Além disto, este sistema atua de
forma secundária no processo de aprendizado e no auxílio ao sistema endócrino.
Entre as principais funções do sistema límbico, de acordo com suas
estruturas, estão (MARTIN, 1998):
1) hipotálamo – atua na regulação do sono, na libido, controle do apetite e
na manutenção da temperatura do corpo. Esta estrutura, juntamente com a
hipófise, auxilia nas funções do sistema endócrino;
2) corpos mamilares – associa-se ao hipotálamo para regular os reflexos
alimentares, como a deglutição;
3) tálamo – as percepções táteis, visuais, auditivas e gustativas são
processadas nesta estrutura, por onde também passam as sensações de
dor, temperatura e a pressão do ambiente;

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4) giro cingulado – é a região de processamento de odores e também de
alguns estímulos visuais;
5) amígdala – é a região que percebe o perigo e, portanto, associadas as
sensações de medo e ansiedade. As amígdalas também estão associadas
ao processamento das memórias emocionais;
6) hipocampo – é a estrutura responsável pela memória recente.

FIGURA 10 - ESTRUTURAS PRINCIPAIS DO SISTEMA LÍMBICO

FONTE: John H Martin: Neuroanatomia. Texto e Atlas, 1998.

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O sistema nervoso é constituído pela substância branca e a substância
cinzenta (ver Figura 11). A substância branca é encontrada, principalmente, na parte
interna da região cerebral e nela estão localizados os axônios. A substância cinzenta
corresponde à camada mais externa do cérebro e nela estão os corpos celulares
dos neurônios.
Os neurônios são as células do tecido nervoso responsáveis por
transmissão de impulsos elétricos. São compostos de três partes (corpo celular,
dendritos e axônios), cada uma com uma função específica. A estrutura do neurônio
(Figura 12) é composta por: corpo celular, onde ocorre a síntese proteica; dendritos,
que são ramificações cuja principal função é receber estímulos; e axônios, que são
prolongamentos que se originam, em geral, do corpo celular e por meio deles são
transmitidos os impulsos (LEVADA, 1996). A porção terminal do axônio sofre várias
ramificações formando milhares de terminais onde ficam armazenados os
neurotransmissores. Ao redor do axônio são encontradas as “bainhas de mielina”,
responsáveis por acelerar o transporte de impulsos elétricos.

FIGURA 11 - VISTA LATERAL DO CÉREBRO HUMANO DISSECADO


POSSIBILITANDO VISUALIZAÇÃO DE SUBSTÂNCIAS BRANCA E CINZENTA

FONTE: John A. Beal, 2005, sob licença Creative Commons Attribution.

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As áreas do córtex são divididas em áreas primárias, correspondem às
regiões, sensitiva primária e motora primária, e em áreas de associação secundária
e terciária. As áreas de associação secundária recebem informações das áreas
primárias e as repassam para outras áreas do córtex, enquanto as áreas de
associação terciária recebem e integram informações sensoriais que já passaram
por processamento nas áreas secundárias (MACHADO, 1988).
As áreas de associação primária do cérebro, segundo Seeley et al. (2006),
podem ser vistas na Figura 13, e suas principais funções estão resumidas na Tabela 1.

FIGURA 12 - ILUSTRAÇÃO DO NEURÔNIO E SUAS PARTES

FONTE: Adaptado de Levada et al., 1996.

FIGURA 13 - REGIÕES FUNCIONAIS DO HD DO CÓRTEX CEREBRAL

FONTE: Adaptado de Seeley et al, 2006, p. 210.

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TABELA 1 - ÁREAS CORTICAIS E SUAS PRINCIPAIS FUNÇÕES
Área Cortical Função

Córtex Motor Primário Iniciar o comportamento motor

Córtex Somatosensorial Receber informação tátil (vibração, temperatura, dor,


Primário etc.)

Córtex Pré-frontal Planejamento, emoção, julgamento

Córtex de Associação
Coordenar movimento complexo
Motor

Centro da Fala (Área de


Produção e articulação da fala
Broca)

Córtex Aditivo Detectar a intensidade do som

Área de Associação
Processar informação auditiva
Auditiva

Área de Associação
Processar informação multissensoriais
Somestésica

Área de Associação Processar as informações visuais, percepção do


Visual movimento

Córtex Visual Recepção de estímulos visuais

Área de Wernicke Compreensão da linguagem falada e escrita

O declínio ou perda das habilidades cognitivas podem ocorrer em função de


determinantes genético-biológicos, ambientais ou situacionais que impliquem em
prejuízos neurológicos, sensoriais e/ou psicomotores que serão caracterizados de
acordo com a região cerebral afetada. Algumas vezes, as perdas cognitivas ocorrem
sem resultar na incapacidade do indivíduo para realizar atividades do dia a dia,
como ocorre, por exemplo, com as alterações decorrentes do processo normal de
envelhecimento cerebral onde a redução do número de células neuronais implica na
redução do processamento de informação e declínio da memória operacional sem

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que o indivíduo deixe de fazer qualquer atividade diária que já realizava (RAZ,
1999). Por outro lado, na presença de quadros patológicos (tema do Módulo IV
deste curso), as perdas cognitivas acontecem em intensidade maior, provocadas por
alterações significativas do sistema nervoso central, e resultam em graves prejuízos
funcionais (CANÇADO; HORTA, 2002).

3.2 MEMÓRIA E APRENDIZAGEM

A memória corresponde à função do sistema nervoso que permite a


retenção das informações/percepções para utilização posteriormente. O processo de
memorização pode ser entendido como o resultado da consolidação de um
conhecimento ou comportamento, que podem ser resgatados quando necessários
(IZQUIERDO, 2011). Contudo, nem toda informação precisa ser armazenada por
longo período de tempo. A memória de curto prazo corresponde à capacidade de
manter alguma informação consciente durante um pequeno intervalo de tempo e
memória de longo prazo implica no armazenamento ilimitado de informações que
são armazenadas por longo período de tempo.
O processo de memorização ocorre a partir de três estágios (IZQUIERDO,
2011):
1) codificação ou percepção – consiste em receber as informações por
meio dos órgãos sensoriais e criar padrões de assimilação das mesmas;
2) armazenamento ou retenção – implica na manutenção das informações,
isto é, registros que são produzidos a partir da modificação das redes
neurais;
3) recuperação ou evocação – corresponde à utilização do que foi
armazenado, ou seja, é o processo de lembrar aquilo que foi registrado.
A organização da memória se dá por diferentes subsistemas, cada um
envolvido em um tipo diferente de informação a ser armazenada. Estes subsistemas
estão descritos a seguir com exemplos que ajudam a entendê-los.
A memória operacional engloba, além do armazenamento, a manipulação de
informações. Trata-se de uma memória de curto prazo, isto é, a informação é retida

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por um curto período de tempo, e que envolve participação consciente no processo
de escolha e manipulação das informações a serem lembradas (BERTOLUCCI,
2000). Um exemplo desse tipo de operação é a realização de cálculos feitos
mentalmente (sem o uso de papel e lápis para visualizar os números). A memória
operacional também é chamada de memória de trabalho, mas este é um termo mais
recomendado pelos especialistas e foi empregado no português em função de uma
tradução literal do termo em inglês working memory.
O termo memória imediata é, em geral, utilizado para falar do
armazenamento de informações que dura apenas alguns segundos e não implica na
manipulação das informações como ocorre com a memória operacional. Contudo,
algumas vezes a memória imediata aparece na literatura citada como correlato da
memória operacional.
O tempo de armazenamento da memória operacional é apenas o suficiente
para que a informação seja utilizada para conclusão de uma tarefa. Depois de
concluído o procedimento que demandava a informação armazenada, ela é
descartada (BERTOLUCCI, 2000). O processo de repetição e atenção é o que
garante a manutenção deste tipo de memória e pode aumentar o tempo de
armazenamento da mesma, mas não a torna permanente. Quando a informação
precisa ser armazenada para além do cumprimento de uma tarefa ela passa a ser
uma memória de longo prazo.
A memória de longo prazo é dividida em memória explícita ou declarativa e
memória implícita ou não declarativa. A memória explícita corresponde ao
armazenamento e à recordação de eventos, de lembranças que podem ser
declaradas verbalmente ou com a lembrança de imagens do fato ocorrido (BUENO;
OLIVERIA, 2004).
A memória explícita está subdivida em memória semântica e memória
episódica. A semântica envolve o conhecimento de fatos que não estão
temporalmente delimitados, isto é, o indivíduo não é capaz de identificar em que
momento adquiriu determinada informação. Trata-se da memória de conceitos, de
conhecimentos gerais sobre o mundo adquiridos ao longo da vida. A memória
episódica é relacionada ao tempo, e a memória dos acontecimentos da vida
conhecida como a memória autobiográfica, embora não se restrinja aos eventos
pessoais (BUENO; OLIVERIA, 2004).

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A memória implícita envolve o armazenamento de habilidades motoras e
condicionadas que exigem a participação consciente para que sejam emitidas,
isto é, não é necessário pensar nelas ou declará-las verbalmente para emissão
do conhecimento aprendido. Fazem parte da memória implícita as memórias
obtidas por condicionamento, como: memórias de procedimento; memórias
associativa e não associativa; e memória de representação perceptual (BUENO;
OLIVERIA, 2004).
A memória de procedimento envolve toda habilidade e comportamentos
habituais como, por exemplo, escovar os dentes e andar de bicicleta. As memórias,
associativa e não associativa são àquelas obtidas por condicionamento clássico,
como aprendizados obtidos a partir da exposição a estímulo associados (BUENO;
OLIVERIA, 2004). Por exemplo, uma sirene pode ser um alerta para o qual nosso
reflexo seria ficar atento à fonte que causou o barulho, contudo, se a sirene ocorrer,
frequentemente, em seu ambiente e não exigir reação, sem que você se dê conta
conseguirá ouvi-la e ignorá-la de forma automática, pois um armazenado da
memória implícita indica que este barulho corresponde a algo a ser ignorado e não a
um alerta que demanda resposta. A memória de representação perceptual
corresponde àquelas memórias para as quais podemos não ter registros
padronizados, mas permitem algum tipo de reconhecimento evocado por “pistas”
(priming). Por exemplo, fragmentos de imagens, odores, sons, partes de um texto
podem ser armazenados mesmo sem que sejam estabelecidas conexões completas
sobre esta informação, ou seja, mesmo sem saber o que é ou para que serve algo é
possível armazená-lo em nossa memória de representação perceptual.
Os subsistemas da memória de longo prazo, bem como as diferentes
regiões cerebrais envolvidas em cada um deles, foram resumidos no esquema de
Helene e Xavier (2003), apresentado na Figura 14.

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FIGURA 14 - TAXONOMIA DOS SISTEMAS DE MEMÓRIA DE LONGO PRAZO

FONTE: Helene e Xavier: Com Ciência, 2004.

A estratégia mais utilizada para consolidação das novas informações é a


repetição. Outra técnica mnemônica bastante empregada em treinos de memória é a
associação de uma informação nova com outra informação já consolidada. Um
exemplo é o que ocorre em situações sociais, nas quais se é apresentado a alguém
e, para lembrar-se mais facilmente do nome desta pessoa, busca-se associá-la a
outra pessoa já bem conhecida que tenha o mesmo nome. Outro mecanismo que
vem sendo demonstrado como capaz de aumentar a consolidação de memórias é a
associação das emoções no momento de codificação das novas informações ou
novos acontecimentos.
Vem sendo descrito na literatura que um conteúdo carregado de emoções,
sejam elas positivas ou negativas, é mais facilmente evocado que os conteúdos sem
emoção. A explicação para memória emocional parece estar nos componentes
neuroanatômicos envolvidos no processo de memorização. A amígdala – estrutura

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do lobo temporal medial – parece ser a responsável por modular alguns conteúdos
da memória declarativa conferindo-lhes uma espécie de alerta, um destaque
(BUENO; OLIVERIA, 2004). As experiências de caráter afetivo seriam processadas
na fase de codificação via amígdala, que lhes confere uma facilitação na percepção.
Assim, no momento da evocação estas lembranças emocionalmente armazenadas
estariam mais vívidas que aquelas não processadas no sistema límbico.

3.3 ATENÇÃO

Sternberg e Osório (2000) definiram a atenção como “fenômeno pelo qual o


ser humano processa ativamente uma quantidade limitada de informações de
enorme montante de informações disponíveis através dos órgãos dos sentidos, de
memórias armazenadas e de outros processos cognitivos”.
A atenção pode ser entendida a partir de suas diversas funções:
 função seletiva – permite o processamento de uma fonte de informação
em detrimento de outras fontes das quais o indivíduo está exposto
simultaneamente;
 função de atenção dividida – permite o processamento simultâneo de
mais de uma fonte de informação. Utilizada quando mais de uma tarefa tem
que ser executada ao mesmo tempo;
 função interruptora da atenção – possibilita um processamento alternado
entre uma fonte e outra de estimulação;
 função sustentadora ou concentrada da atenção – envolve focar em uma
única fonte de informação por longo período de tempo.
Diversas teorias foram elaboradas para explicar como funcionam processos
atencionais e alguns efeitos foram demonstrados como interferentes, dos quais
podemos citar: o efeito coquetel, o efeito Stroop e o efeito de pistas.
O efeito coquetel explica o processo de atenuação no sistema atencional da
entrada de estímulos não relevantes para que estes não interfiram no
processamento dos estímulos relevantes, sem, contudo, bloquear completamente os
estímulos considerados não relevantes (NABAS; XAVIER, 2004). A relevância do

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estímulo é influenciada pelo significado que os estímulos têm para quem o processa.
Então, por exemplo, na situação onde uma pessoa focada em conversa escuta seu
nome em uma conversa paralela, da qual não está participando, imediatamente o
sistema atencional o filtra como informação relevante, à qual precisa responder. O
próprio nome é sempre tido como estímulo relevante pelo sistema atencional pelo
significado que a história de vida atribuiu a este estímulo.
O efeito Stroop evidencia que estímulos sobrepostos influenciam no
processo atencional resultando na redução da velocidade de processamento das
informações e, consequente aumento do tempo de resposta. No teste de Stroop
(1935) observa-se que ao solicitar ao respondente que diga em voz alta a cor com a
qual uma palavra está escrita (estímulo a ser focado), o tempo de resposta é maior
quando a palavra colorida (estímulo a ser ignorado) é o nome de uma cor diferente
daquela que deve ser mencionada (resposta esperada), por exemplo, a palavra
“verde” escrita na cor vermelha demanda a reposta vermelho, mas para emiti-la o
respondente tem que inibir o estímulo verde dado pela palavra escrita.
O efeito das pistas visuais é observado quando, diante de pistas visuais,
ocorre uma melhora do tempo de resposta atencional que pode ser explicada pelo
aumento do tempo de alerta diante de um estímulo visual (uma pista) (NABAS;
XAVIER, 2004). Um exemplo dos benefícios dos efeitos das pistas para melhora no
tempo de resposta é o uso de placa de advertência nas rodovias onde o motorista
ao visualizar a placa (pista) fica alerta e responderá mais prontamente ao estímulo
que virá adiante (curvas, desvios, etc.) do que responderia se não houvesse a placa
de advertência.
O funcionamento da atenção relaciona-se com o de outras funções
cognitivas. Desta forma, prejuízos atencionais podem resultar na alteração de outras
funções cognitivas e vice-versa. No caso da memória, por exemplo, a atenção é
imprescindível no momento da seleção da informação a ser armazenada e lembrada
posteriormente (NABAS; XAVIER, 2004).
Prejuízos nas funções executivas também podem estar associados a
alterações da atenção como distração, perseveração, suscetibilidade para intrusão,
lentidão das reações aos estímulos, dificuldade da manutenção em um único foco e
na inibição de estímulos irrelevantes (LEFEVRE; PORTO, 2006).

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Alterações da atenção relacionadas ao aumento da idade são citadas como
a base para diversas ineficiências cognitivas entre idosos e podem resultar em
dificuldades na realização das tarefas diárias (BERTOLUCCI, 2000). Além disto,
alguns mecanismos gerais que mostram declínio associado à idade e podem
interferir na atenção são:
 a diminuição da velocidade de processamento da informação;
 a piora na memória de trabalho;
 os déficits sensoriais como diminuição da acuidade visual e auditiva.

3.4 FUNÇÕES EXECUTIVAS

As funções executivas – também conhecidas como funções de supervisão,


funções frontais ou funções de controle e sistemas superiores – estão implicadas na
capacidade de regulação do processamento da informação e envolvem o controle
voluntário e consciente por parte do indivíduo, que pode escolher como quer agir
sobre o meio em que vive (SANTOS, 2005). São muitas as habilidades que fazem
parte do funcionamento executivo, entre elas podemos citar: iniciação, planejamento,
produção de hipóteses e elaboração de um objetivo; resolução de problemas;
flexibilidade cognitiva; regulação; julgamento; tomada de decisão; síntese, inibição e
autopercepção do que é adequado segundo normas de conduta social.
Os lobos frontais, especificamente as regiões pré-frontais, correspondem às
estruturas cerebrais associadas às funções executivas.
Santos (2005), em sua revisão sobre as funções executivas, apresentou um
resumo de diferentes desordens relacionadas aos lobos frontais e seus principais
prejuízos (ver Quadro 1).

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QUADRO 1 - FUNÇÕES E DESORDENS
RELACIONADAS AOS LOBOS FRONTAIS

Áreas cerebrais Córtex pré-central Córtex pré-motor Córtex pré-frontal

Funções Mediação de Integração de atos Planejamento e


movimentos; motores e análise das
movimentos sequências consequências de
voluntários aprendidas ações futuras

Síndromes Motora rolândica pré-motora Frontal

Prejuízos por 1) Redução da 1) Habilidades 1) Afeto, humor e


lesões força e dos motoras; funcionamento
movimentos; cognitivo;
2) movimentos
2) paralisia de descontínuos ou 2)
partes do corpo incoordenados; Comportamento
correspondente a social;
3) Interrupção da
parte lesionada; integração de 3) Alteração da
3) Redução da comportamentos personalidade e
habilidade de motores para atos da conduta;
contração complexos. 4) Movimentos.
muscular.

FONTE: Santos, 2005.

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3.5 RACIOCÍNIO E LINGUAGEM

A linguagem corresponde à função cognitiva que permite a compreensão e a


comunicação entre pessoas, é o que permite ao ser humano expressar ideias,
necessidades, lembranças. Dentre as funções cognitivas, a linguagem foi a que mais
despertou o interesse dos primeiros estudiosos em neurociências e a que mais
demarcou a história da neuropsicologia, como demonstraram os relatos de afasia de
Paul Broca e de Wernicke (descritos no Módulo I desta apostila).
Segundo Mansur (2010), no contexto da neuropsicologia, a avaliação da
linguagem deve ser feita a partir de seus componentes linguísticos, cognitivos e
sociais. O componente cognitivo refere-se à habilidade de transformar em
conhecimento as percepções obtidas do ambiente; o componente linguístico inclui
os aspectos fonológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos da língua; o
componente social está associado ao uso da linguagem nas interações
comunicativas e inclui as expressões faladas e percebidas.
A maioria dos instrumentos disponíveis para avaliação da linguagem busca
avaliar, principalmente, habilidades linguísticas, associadas ao processamento da
linguagem no hemisfério cerebral esquerdo (hemisfério dominante), pois prejuízos
de linguagem são em grande parte resultantes de lesões nesta área cerebral. A
avaliação diagnóstica é, frequentemente, solicitada para identificar o tipo de afasia.
Então, os testes de habilidades linguísticas, orais e escritas, precisam mensurar os
seguintes aspectos: fala espontânea; fluência; nomeação; repetição; escrita; e leitura
para verificar a compreensão de palavras, frases e textos. Por outro lado, para
avaliação das alterações resultantes de lesão do hemisfério direito (HD) serão
necessárias tarefas que identifiquem dificuldades relacionadas à interpretação das
informações gerais ou não literais de um texto. Em pacientes com lesão no HD
pode-se observar, por exemplo, dificuldades na compreensão da moral da história.
Para avaliação da linguagem, Pagliarin et al. (2012, p. 215) apontam a
combinação de três classes de instrumentos, a saber:

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1) instrumentos não padronizados, 2) instrumentos padronizados de
avaliação do desempenho comunicativo e 3) escalas de mensuração da
linguagem funcional. Essas três classes de instrumentos de avaliação
neuropsicológica da linguagem podem ser subdivididas em formais ou
funcionais, a partir do grau de aproximação com o dia a dia da
comunicação. Os instrumentos de avaliação formal da linguagem podem ser
considerados mais artificiais. Isso porque avaliam a linguagem com tarefas
distantes do dia a dia comunicativo dos pacientes. As avaliações funcionais
da linguagem complementam as formais. São constituídas por subtestes ou
itens que examinam a linguagem funcional, ou seja, consistem em
avaliações orientadas para a demanda comunicativa da vida diária dos
pacientes que sofreram lesões cerebrais.

Para mensuração de alguns dos aspectos da linguagem, o avaliador conta


com testes padronizados para uso no Brasil (descritos no Módulo III desta apostila)
para outros aspectos são necessárias avaliações qualitativas e informais dos
mesmos. Em alguns tipos de prejuízos de linguagem, como em comprometimento
grave decorrente de alguma afasia, a aplicação dos testes objetivos é inviável e a
observação das formas de comunicação empregadas pelo paciente em seu
cotidiano, bem como o relato de informantes/cuidadores, é essencial.

3.6 PERCEPÇÃO E FUNÇÕES VISUOESPACIAIS E CONSTRUTIVAS

A habilidade visuoconstrutiva – reconhecida também como praxia


construtiva – trata da capacidade de juntar/manipular estímulos físicos ou de
realizar certos movimentos, de forma a organizá-los ou adaptá-los a determinado
fim. A realização de um ato, mesmo que habitual, envolve diversas operações
mentais e motoras. Os déficits dessa função são chamados dispraxias, sendo o
grau mais elevado dessa disfunção conhecido como apraxia, comum nas fases
avançadas das demências.
Segundo Dassen e Fustinoni (1955), as etapas envolvidas na execução de
um ato são:
1) reconhecimento do objeto ou instrumento que será empregado no ato;
2) decisão sobre o uso do objeto;
3) evocação de cada movimento necessários para cumprir o ato;

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4) execução da série de movimentos elementares que integram um ato
(chamada fórmula cinética global do movimento).
Alterações das habilidades visuoconstrutivas podem ocorrer sem que
prejuízos do funcionamento visuoperceptivo estejam presentes, de forma que os
testes neuropsicológicos devem ser empregados para distinguir entre alterações
sensoriais, apraxias, desorientação espacial e dificuldades atencionais e/ou
resultantes da motivação (LEFEVRE; PORTO, 2006). No caso de apraxia, por
exemplo, ocorre uma disfunção da motricidade que não pode ser explicada por
paralisia, fraqueza muscular ou prejuízo na compreensão sobre o que se deve fazer.
O declínio ocorre nas habilidades de planejamento, organização e execução da
sequência correta para concluir o ato desejado. As desordens cognitivas estão
detalhadas por função cognitiva no Módulo IV deste curso.

FIM DO MÓDULO II

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