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O GOVERNO BOLSONARO E A CAPTAÇÃO DOS EVANGÉLICOS

Em tempos eleitorais, nem só de financiamento vivem algumas candidaturas,


mas também e, sobretudo, de captação de votos de determinados grupos via
complacência valorativa do candidato. E não é de hoje que isso acontece,
principalmente em comunidades religiosas, como a dos evangélicos.

Representando 22,2% da população brasileira (dados do IBGE de 2010), os


evangélicos seguem como uma parcela significativa da sociedade que podem, sim,
coletivamente, com seus votos, impactar significativamente uma eleição. Sabendo
disso, não é de hoje que muitos candidatoscobiçam o apoio desse grupo religioso
em períodos que precedem as eleições.

Lembremo-nos de Edir Macedo: líder da Igreja Universal do Reino de Deus,


que esteve ao lado do PT nas últimas oito eleições e, em 2014, doou R$ 10 milhões
à campanha de reeleição de Dilma Rousseff que, inclusive, esteve presente no
mesmo ano no templo da Assembleia de Deus ministério Madureira em São Paulo,
onde até recebeu homenagem do pastor presidente da igreja, Samuel Ferreira.

Mas, assim como os ventos que outrora sopraram ao oeste, hoje sopram ao
leste; Edir Macedo que no passado foi fiel ao PT, hoje se vê tendo apoiado a
candidatura de Bolsonaro na corrida presidencial de 2018. Assim como pudemos ver
o bispo Manoel Ferreira dizendo pessoalmente ao candidato do PSL: “Este é o meu
candidato à Presidente da República.” Oficializando assim, o apoio das assembleias
de Deus Madureira à candidatura do atual presidente.

Tudo isso deveria ser emblemático, exceto na mente de quem defende seu
candidato. Pois a participação do meio evangélico só parece ser problemática
quando apoia o candidato adversário, mas quando apoia o candidato admirado, o
silêncio acaba por fazer parte do cenário

Há quem defenda uma pretensa neutralidade quando se trata da relação


religião e política. Contudo esse critério não é praticável quando voltamos às
situações efetivas da vida. Em geral porque, segundo Arendt (2010), a condição
humana se fundamenta em três atividades, sendo uma delas a ação, isto é,
atividade política exercida entre os homens, sem qualquer mediação.
Já Para Max Weber (1981), a política também está em todas as relações
sociais, o que desqualifica, portanto, a ideia de que grupos religiosos devem ser
“apolíticos”. Isso é inconcebível. Além disso, cabe dizer que objetividade não
significa neutralidade, uma vez que “o homem não vive num mundo de fatos nus e
crus”, no meio há elementos subjetivos, como crenças e convicções, que são
refletidas nos padrões morais, estilos de vida e concepções políticas adotadas.
Assim, religiosos ou não, sempre terão suas visões políticas, econômicas e
socioculturais moldadas por formas simbólicas.

Levantadas essas questões, muitos pontos merecem ser expostos,


comecemos com duas questões elucidativas: a heterogeneidade protestante, e as
diferentes relações de poder que variam de acordo com a vertente religiosa.

Protestantes históricos, de missão, pentecostais clássicos, pentecostais de


cura, neopentecostais, entre outras designações, explicitam a variabilidade de
grupos evangélicos. Esses nomes certamente são tipos ideais para fins
metodológicos, mas encontram respaldo na realidade – observamos como somos
injustos ao dizer “os evangélicos”. E cada um desses coletivos possuem diferentes
formas de relações de poder em suas organizações, isso implica que, nem todas as
instituições eclesiásticas são terrenos férteis de captações de votos.

Em outros grupos, porém, pode existir certa dominação pastoral ao ponto dos
membros, por meio de poder hierocrático, serem coagidos a votar em determinado
candidato, como nos dois casos citados acima. Mas, muito cuidado ao dizer que
existe algum tipo de conspiração, ou alienação evangélica para que esse grupo vote
coletivamente em determinado candidato. Esse tipo de discurso tem, inclusive,
gerado ameaças às igrejas e pastores por parte do crime organizado no Ceará, que
culpa os evangélicos pela vitória de Bolsonaro.

Dito isso, talvez as questões que devem merecer nossa atenção sejam: por
que Bolsonaro? Os evangélicos, em geral (lembrando que se trata de um grupo
heterogêneo), se identificam como conservadores, mas o que significa isso? Será
que Bolsonaro representa, de fato, o conservadorismo enquanto filosofia política e
social?
Um dos principais expoentes do conservadorismo moderno é o filósofo e
político Edmund Burke (1729-1797), cujo tema principal de sua construção teórica é
o valor da ordem. Mas cuidado com as pressuposições. Ordem em Burke ou em
qualquer desdobramento do conservadorismo não significa ausência de mudança
(como muitos críticos erroneamente afirmam), mas, sim, a necessidade de
mudanças em uma sociedade respeitando seus fundamentos.

Para Burke (2014), a sociedade é um organismo vivo que tende a perecer


caso não se adapte às novas demandas que surgem ao longo do tempo. Portanto
faz parte do conservadorismo um respeito pelas estruturas fundamentais das
instituições, dos costumes e estilos de vida, que devem ser alterados
cautelosamente, pois do contrário o tecido social se rompe, e as consequências
podem ser desastrosas (vide o imenso número de mortos da revolução francesa).

Voltando à questão da relação entre Bolsonaro e os evangélicos, a opção por


esse candidatoé, claramente, uma reação à instabilidade que atingiu várias esferas
da nação brasileira. E ousamos dizer que, embora os grupos evangélicos, que
outrora eram ausentes da cultura e viam a política como um campo pecaminoso –
uma sobrevivência do anabatismo via a tradição pietista que se instalou de forma
preponderante entre os evangélicos no Brasil – contribuíram para a eleição do atual
presidente com o objetivo de preservar a ordem na sociedade brasileira.Contudo,
tratando-se de uma herança coletiva, é um erro atribuir à preservação dos valores
que essas tradições comportam, a um projeto político. Assim como os que desejam
uma alteração no status quo da sociedade via projetos ideológicos muitas vezes o
fazem, votando em determinado candidato. Talvez, essa seja a grande diferença do
conservadorismo – ou outra coisa? – que se instaura no Brasil.

Ainda falta aos grupos evangélicos a instrumentalização teológica, e de outras


áreas do conhecimento, para compreenderem que suas visões religiosas são
capazes de mudanças sociais, mas que essas devem ocorrer no interior de uma
vida em comunidade, valorizando duplamente as relações verticais – como ocorre
nos períodos eleitorais e – horizontais, comprometidas com a responsabilidade
mútua, e não com o interesse em satisfazer os desejos privados.
Por fim, salientamos que o conservadorismo, tal como apresentamos, ainda
gatinha entre nós, e os evangélicos ainda desconhecem as implicações que seus
princípios trazem no campo das ideias políticas. Acreditamos ser um erro tratar o
conservadorismo, assim como a contribuição social e política dos evangélicos, como
algo abominável que deve ser extirpado. E é justamente esse tipo de disposição
mentalque impede a concretude do diálogo, que poderia estabelecer pontes entre os
opostos, diminuindo o ódio e possibilitando consensos, que poderiam significar
avanços em questões sociais no Brasil.

Entre as convergências e aspectos críticospresentes no ambiente político


brasileiro, somando com a vivacidade atual das militâncias, é de se esperar que os
agentes ignorem e até tentem calar seus “oponentes”. A vida em sociedade não é
marcada por homogeneidade de ideias, e nem deve ser, portanto, criar meios que
possibilitem o diálogo é fundamental para afastar essa cultura maniqueísta das
ideias políticas do Brasil. Se é que somos democráticos, de fato.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. A condição humana.11. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2010

BURKE, Edmund. Reflexões sobre a revolução na França. Tradução José


MiguelNanni Soares. São Paulo: Edipro, 2014.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Ed. Guanabara: Rio de Janeiro, 1981.

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